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1. Iberismo e Cooperação – Passado e Futuro da Península Ibérica
2. O Direito e a Cooperação Ibérica
3. O Outro Lado da Lua – Inéditos de Eduardo Lourenço
4. Entre Margens e Fronteiras – Para uma Geografia das Ausências e Centro de Estudos Ibéricos
das Identidades Raianas
5. Territórios e Culturas Ibéricas
6. Saúde sem Fronteiras O Centro de Estudos Ibéricos é uma asso-
7. O Direito e a Cooperação Ibérica II
ciação transfronteiriça sem fins lucrativos,
8. O Interior Raiano do Centro de Portugal – Outras Fronteiras, Novos
Intercâmbios constituído pela Câmara Municipal da
9. Um Cruzamento de Fronteiras – O Discurso dos Concelhos da Guarda
em Cortes Guarda, Universidade de Coimbra, Universi-
10. Territórios e Culturas lbéricas II dade de Salamanca e Instituto Politécnico
11. União Europeia, Fronteira e Território
12. Existência e Filosofia – O Ensaísmo de Eduardo Lourenço da Guarda.
13. Abandono do Espaço Agrícola na “Beira Transmontana”
NOVAS FRONTEIRAS,
14. Educação – Reconfiguração e Limites das Suas Fronteiras
15. Escola – Problemas e Desafios A ideia partiu do ensaísta Eduardo Lourenço
16. As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa – Paisagens, na sessão solene comemorativa do Oitavo
Territórios, Políticas no Brasil e em Portugal
17. Interioridade / Insularidade – Despovoamento / Desertificação Centenário do Foral da Guarda, em 1999,
OUTROS DIÁLOGOS
18. Efeito Barreira e Cooperação Transfronteiriça na Raia Ibérica
tendo em vista a criação de um Centro de
19. Patrimónios, Territórios e Turismo Cultural
20. A Cidade e os Novos Desafios Urbanos Estudos que contribuísse para um renovado
21. Vida Partilhada – Eduardo Lourenço, o CEI e a Cooperação Cultural
conhecimento das diversas culturas da
22. Falar Sempre de Outra Coisa – Ensaios Sobre Eduardo Lourenço
23. Metafísica da Revolução – Poética e Política no Ensaísmo de Península e para o estudo da Civilização
Eduardo Lourenço AS NOVAS GEOGRAFIAS Ibérica como um todo.
24. Paisagens, Patrimónios e Turismo Cultural
25. Condições de Vida, Coesão Social e Cooperação Territorial DOS PAÍSES DE LÍNGUA
26. Paisagens e Dinâmicas Territoriais em Portugal e no Brasil – As
Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
PORTUGUESA Criado formalmente em Maio de 2001, o
27. Espaços de Fronteira, Territórios de Esperança – Das Vulnerabilidades
às Dinâmicas de Desenvolvimento
CEI tem vindo a afirmar-se como pólo privi-
28. Paisagens, Patrimónios, Turismos legiado de encontro, reflexão, estudo e
29. Educação e Cultura Mediática – Análise de Implicações Deseducativas
30. Espaços de Fronteira, Territórios de Esperança – Paisagens e
divulgação de temas comuns e afins a
Patrimónios, Permanências e Mobilidades Portugal e Espanha, com especial incidência
31. Diálogos (Trans)fronteiriços – Patrimónios, Territórios, Culturas RUI JACINTO
32. Outras Fronteiras, Novas Geografias - Intercâmbios e Diálogos (coordenação) na região transfronteiriça.
Territoriais
33. Lugares e Territórios – Património, Turismo Sustentável, Coesão Territorial
34. Andanças e Reflexões Transfronteiriças – Roteiro Miguel de Unamuno
– Eduardo Lourenço
35. Novas Fronteiras, Outros Diálogos – Paisagens, Patrimónios, Cultura
36. Novas Fronteiras, Outros diálogos: Cooperação e Desenvolvimento
Territorial
37. Pontes entre Agricultura Familiar e Agricultura Biológica
38. As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação
e Desenvolvimento
39. Geografias e Poéticas da Fronteira - Leituras do Território
40. Dinâmicas Socioeconómicas - Em Diferentes contextos territoriais
41. Geografia sem Fronteiras - Diálogos entre Portugal e o Brasil
42. Paisagens e Desevolvimento Rural
43. Sociedade e memória os territórios
44. Vida Partilhada – Todos Nos Ibéricos – Eduardo Lourenço
Coordenação:
Rui Jacinto
IBEROGRAFIAS
Âncora Editora
Avenida Infante Santo, 52 – 3.º Esq.
1350-179 Lisboa
geral@ancora-editora.pt
www.ancora-editora.pt
www.facebook.com/ancoraeditora
O Centro de Estudos Ibéricos respeita os originais dos textos, não se responsabilizando pelos conteúdos, forma e opiniões neles expressas.
A opção ou não pelas regras do novo acordo ortográfico é da responsabilidade dos autores.
Apoios:
V. SOCIEDADE E TERRITÓRIO
Homenagem à supremacia branca na Região da Guerra do Contestado: uma 561
análise dos monumentos da Praça do Conhecimento, em Videira/SC/Brasil
Nilson Cesar Fraga, Angela Zatta e Diego da Luz Rocha
O silenciamento do escravo Prudêncio: um artifício narrativo de denúncia social 581
e resistência negra
Marianna França Monteiro
Guerra na Ucrânia, antiglobalismo como política de Estado e retração Política 591
e democrática global
Francisco José Araujo
O Enfermeiro Especialista promotor da qualidade dos cuidados na ERPI S. Silvestre, 605
ADM Estrela, Guarda
Bárbara Monteiro e Isabel Cristina Afonso Lopes
El escenario demográfico de la frontera castellano-leonesa con Portugal: 621
una perspectiva temporal
Lía Fernández Sangrador
Emigración y población vinculada entre la península y América: el caso de Zamora 641
y Salamanca
José Delgado Álvarez, Rubén Sánchez Domínguez e Juan Andrés Blanco Rodríguez
Los Consejos Económicos y Sociales de las Comunidades Autónomas en España 669
Enrique Cabero Morán
Rui Jacinto1
O Curso de Verão que o Centro de Estudos Ibéricos realiza sem interrupção desde
2001 afirmou-se como um encontro de referência para investigadores de várias áreas disci-
plinares oriundos dos países ibéricos e dos que têm a língua portuguesa como idioma ofi-
cial. Cumpre-se, com esta iniciativa, um dos mais nobres propósitos do Professor Eduardo
Lourenço, cujo Centenário do seu nascimento se está a comemorar, quando preconizou
ser o CEI o “lugar de um diálogo, necessário mais que nunca, (…) onde os nossos laços
comuns (…) fossem repensados para que nós soubéssemos efetivamente quem somos e
onde estamos, não tão isolados como imaginamos, mas sempre sob o olhar dos outros,
9 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
para sabermos quem é o outro, com quem devemos dialogar”.
Nesta senda, a XXII edição do Curso de Verão, que aconteceu em 2022 sob o lema Novas
fronteiras, outros diálogos: cooperação e desenvolvimento, contou com mais de uma centena de
participantes e cerca de quatro dezenas de comunicações cujos conteúdos proporcionaram
a presente publicação. O título sinaliza, antes de mais, o caminho que o CEI persegue com
insistência a partir de pressupostos que estruturam um debate que urge aprofundar:
. Fronteiras. O período de mudança, rutura e aceleração da história que atravessamos,
com pesadas consequências económicas, sociais e territoriais, não só desencadeia novos de-
safios, individuais e coletivos, como nos coloca no limiar duma nova era. No advento deste
tempo novo despontam sinais que reconfiguram o significado de todo o tipo de fronteiras,
reais, virtuais e metafóricas, que enfatizam a sua polissemia e potenciam a mutabilidade
das suas funções tradicionais. Não precisamos anunciar o seu regresso para constatarmos
que se afirmam com mais ímpeto, que se transformaram em muros quase intransponíveis
1
Centro de Estudos Geográficos e Ordenamento do Território (CEGOT)
Centro de Estudos Ibéricos (CEI)
e instituições, de costas voltadas por imperativo de tais limites, foi a estratégia adotada para
permeabilizar as fronteiras. O diálogo transversal, a nível europeu e ibérico, ditado por razões
económicas, sociais e políticas, também é válido para outros fins e no sentido dos meridianos,
entre o norte e o sul, com um duplo propósito: (i) debater novas agendas temáticas e as suas
implicações e consequências em diferentes contextos territoriais; (ii) consolidar parcerias e de-
senvolver redes de investigação para fomentar a troca de conhecimentos, experiências e boas
práticas, especialmente entre Países de Língua Portuguesa, tendo presente que a geografia é
uma base sólida para a cooperação, a investigação e o desenvolvimento.
. Cooperação. A parceria que foi celebrada para criar o CEI decorreu da concertação entre
instituições sediadas em territórios dos dois lados da Raia Central Ibérica. A sua evolução
decorreu à sombra da cooperação transfronteiriça e do apoio de programas que emanam
da Cooperação Territorial Europeia (CTE), um dos principais instrumentos da coesão eco-
nómica, social e territorial na União Europeia. As redes de investigação e as plataformas de
transferência de conhecimentos, de âmbito transfronteiriço, têm-se alargado com a inclu-
são de investigadores e instituições de geografias cada vez mais amplas. Este alargamento
11 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
nizado pelo Mentor, Patrono e Diretor Honorífico que idealizou para o CEI um ”papel
de mediador entre as nossas duas culturas peninsulares, tão próximas nas suas raízes, mas
distantes no seu convívio histórico concreto”. E não era outro o projecto deste Centro,
que o de conhecer a sério o que também, com dano mútuo, desconhecíamos”. A afirma-
ção do Centro como plataforma de difusão do conhecimento, o reforço da sua missão ao
nível da qualificação das pessoas e dos territórios, sobretudo dos mais vulneráveis, reclama
continuidade na investigação colaborativa, inovação nas iniciativas e nos procedimentos,
compromisso e cumplicidade com os espaços mais frágeis, que são sempre os mais despro-
tegidos a injustiças e expostos a todo o tipo de exclusões.
Os textos dos investigadores brasileiros (29), portugueses (5), espanhóis (3) e italianos
(1) reunidos na presente edição cobrem um espetro diversificado de temas que percorrem
13 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
se abre a novos grupos de pesquisa dispersos por várias universidades dos Países de Língua
Portuguesa, especialmente Brasil, Cabo Verde e Moçambique (Rui Jacinto, 2016, 2017,
2020, 2021)2.
O diálogo continuado, profundo e profícuo, que continua a ser encetado está paten-
te nos 15 livros lançados entre 2010 e 2023, a que temos de juntar vários capítulos da
Iberografias, revista anual do CEI3. Tal património afirma o CEI como uma referência in-
contornável na cooperação territorial transatlântica, dimensão que alargou o perímetro da
dimensão transfronteiriça em que se havia especializado. O projeto As Novas Geografias dos
Países de Língua Portuguesa, contudo, não se resume nem esgota no Curso de Verão porque
tem outros complementos diretos, seja o Transversalidades: Fotografia sem Fronteiras, o
2
Rui Jacinto: Renovar a agenda para uma cooperação inteligente (2016); Outras fronteiras, novas geografias:
intercâmbios e diálogos territoriais (2017); As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: um
lento devir (2020); As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento
(2020); Geograficidades lusófonas. Caminhos para um diálogo entre margens (2020); Diálogo sem fron-
teiras: Portugal, Brasil e as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa (2021).
3
Ver em anexo: Referências. Publicações do CEI.
4
https://www.cei.pt/transversalidades/
https://www.cei.pt/transversalidades/vi-encontros-imagem-e-territorio.html
15 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
vários continentes, interpretar as dinâmicas socio-territoriais, rápidas e profundas, que
estão a ocorrer em Portugal e no mundo que fala português.
(iii) Consolidar o projeto, difundir resultados, promover boas práticas. A realização de
eventos no âmbito do projeto permitirá comparar metodologias de trabalho, divulgar
resultados, qualificar investigadores e dar a conhecer centros de investigação.
Coleção Iberografias
- As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa. Paisagens, Territórios, Políticas no Brasil e
em Portugal (Coleção Iberografias, n.º 16, 2010).
- Interioridade / Insularidade; Despovoamento / Desertificação. Paisagens, Riscos Naturais e
Educação Ambiental em Portugal e Cabo Verde (n.º 17, 2011).
- Condições de vida, Coesão social e Cooperação Territorial (n.º 25, 2013).
- Paisagens e Dinâmicas Territoriais em Portugal e no Brasil. As Novas Geografias dos Países de
Língua Portuguesa (n.º 26, 2014).
- Espaços de Fronteira, Territórios de Esperança: Paisagens e patrimónios, permanências e mobili-
dades (n.º 30, 2016).
- Diálogos (Trans)fronteiriços – Património, Territórios, Culturas (n.º 31, 2017)
- Lugares e territórios: património, turismo sustentável, coesão territorial (n.º 33, 2018).
- Novas Fronteiras, Outros Diálogos: Paisagens, Patrimónios, Cultura (n.º 35, 2019).
- Novas Fronteiras, Outros Diálogos: Cooperação e Desenvolvimento Territorial (n.º 36, 2019).
- As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação e Desenvolvimento (n.º 38,
2020).
- Geografias & Poéticas da Fronteira: Leituras do território (n.º 39, 2021).
- Dinâmicas Sócioeconómicas em diferentes contextos territoriais (n.º 40, 2021).
- Geografia sem Fronteiras. Diálogos entre Portugal e o Brasil (n.º 40, 2021).
- Paisagens e Desenvolvimento Rural (n.º 42, 2022).
- Sociedade e Memória dos Territórios (n.º 43, 2022).
16 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Introdução
19 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
pode viver sem território, sem identidade, sem paisagem.” (Bertrand, 2007).
Pintura, literatura, arte dos jardins foram, por essência, elitistas e, à exceção dos jardins
japoneses, não se vulgarizaram antes do fim do século XIX e início do século XX. A ideia
de paisagem, mais ou menos bem abordada segundo os tempos, os lugares e as disciplinas,
ficou por muito tempo um negócio de iniciados.
A partir do século XIX, o termo paisagem é profundamente utilizado em Geografia e,
em geral, se concebe como o conjunto de “formas” que caracterizam um setor determinado
da superfície terrestre. A partir desta concepção que considera puramente as formas, o que
se distingue é a heterogeneidade da homogeneidade, de modo que se podem analisar os
1
Programa de Pós-Graduação em Geografia da FCT-UNESP, Presidente Prudente/SP-Brasil,
mmpassos86@gmail.com
2
Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da FCT-UNESP, Presidente Prudente/SP-Brasil,
diogo.goncalves@unesp.br
3
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da FCT-UNESP, Presidente Prudente/SP-Brasil,
julianemaistro@gmail.com
4
Aqui, Transversal – e de travessia é uma referência ao livro Une géographie traversière. L’environnement à
travers territoires et temporalités, de autoria de Bertrand C et G. (2002). Paris: Arguments, 309 p.
A fisiologia da paisagem
21 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
1. Levar à compreensão da organização, do funcionamento e da dinâmica das paisa-
gens, especialmente as tropicais;
2. Enfatizar o estudo e a análise integrada dos elementos constituintes das paisagens;
3. Compreender e discutir conceitos, leis e influências das ações antrópicas.
Sem obscurecer a grande contribuição do Prof. Aziz, somos da opinião de que as
melhores tentativas de compreensão do complexo paisagem, a partir do entendimento de
sua estrutura, funcionamento e dinâmica se deram-se a partir da Ciência da Paisagem na
ex-URSS (Landschaftovedenie), tendo em Sochava a Figura maiúscula na elaboração do
5
“A paisagem retorna, inesperada, para o vazio ou o sistema como um arco-íris no prado.”
6
) Le géosystème soviétique a été inventé pour contribuer à la connaissance pratique des terres vierges
de Sibérie à l’échelle d’un continent. Si les ressemblances et les emprunts sont nombreux, il diffère
fondamentalement du géosystème “cantabrique”. D’une part, c’est un concept strictement matérialiste
et naturaliste qui ne fait idéologiquement aucune place à la société et à son impact sur la nature (N.
Beroutchachvili). D’autre part, il est fondé sur un grand projet de colonisation et s’appuie sur de puis-
santes méthodes et technologies de terrain hors de notre portée - Extraído de: Texte remanié de la con-
férence de clôture prononcée en espagnol à l’Université de Cantabria (Santander) à l’occasion du “día de
la Geografía” le 18 octobre 2013, p. 16.
23 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
O fenômeno ambiental nasceu da humanização e da socialização. Ele foi primei-
ramente cosmogônico e religioso. Para compreendê-lo e dominar seu sentido e seus
recursos, a ciência e a técnica o dividiram em frações de saber cada vez mais finas e cada
vez mais eficientes, até perder de vista a totalidade e a interatividade.
Só tardiamente, ao longo dos séculos XVIII e XIX, por caminhos diversos e nem
sempre convergentes, que certos exploradores e cientistas (sociólogos americanos, na-
turalistas alemães e anglo-saxônicos, geógrafos alemães e franceses, depois ecologistas)
7
A l’origine de la méthode nous avons utilisé le terme de géosystème pour désigner à la fois le concept gé-
néral et une unité spatiale intermédiaire entre le géofaciés et le pays. L’erreur a été répercutée dans tous les
travaux jusque dans les années 1970, en particulier dans les applications cartographiques (Pérou, Pyrénées)
y compris dans les montagnes cantabriques. Cette regrettable confusion a été corrigée à la suite des critiques
de chercheurs soviétiques (D. L. Armand, V. B. Sochava et N. Beroutchachvili). Depuis nous réservons
le terme de géosystème au concept général et abstrait, détaché de toute unité territoriale concrète. Dans
l’échelle temporo-spatiale de référence et la cartographie afférente, le terme de géosystème est remplacé par
celui de géocomplexe (géotope, géofaciès, géocomplexe, pays, région...). - Extraído de: Texte remanié de la
conférence de clôture prononcée en espagnol à l’Université de Cantabria (Santander) à l’occasion du “día de
la Geografía” le 18 octobre 2013, p. 17.
Esta é, de fato, sua razão de ser, mas também seu tormento, na medida em que esta
situação excepcional é dificilmente admitida pelas disciplinas constituídas e não é cla-
ramente reconhecida e bem administrada pelas instituições científicas e administrativas.
Os estudos sobre o meio ambiente, sobretudo quando eles se situam na interface entre as
24 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
ciências da sociedade e as ciências da natureza, são ainda, com muita frequência, uma rea-
lização de “invasores de fronteiras”, espécie de contrabandistas da pesquisa cuja existência
é certamente reconhecida, mas aos quais é permanentemente pedido que justifiquem sua
identidade e sua atividade.
A dimensão social e o procedimento interdisciplinar não são as duas únicas questões
agudas que vão condicionar a pesquisa futura sobre o meio ambiente e sua operaciona-
lidade. Problemas de método que não podemos analisar aqui também se apresentam: a
extensão da análise de sistema às ciências sociais, a dialética entre a monografia e o modelo,
o reconhecimento das temporalidades, ritmos, periodizações específicas ao meio ambiente
e, muito especialmente, a durabilidade que falta inscrever nas temporalidades e nos ritmos.
Seria preciso, em todos estes campos e em muitos outros, poder trazer propostas que não
fossem dispersas e disparatadas. O meio ambiente se tornou um campo científico vasto,
vago, mas reconhecido. Não teria chegado o tempo, pelo menos em termos de prospecção e
de cenário, de considerar a construção de uma espécie de paradigma ambiental, ao mesmo
tempo centralizador e amplamente aberto para o conjunto das disciplinas envolvidas?
25 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
. O sistema de exploração antrópica que tem muitas vezes um papel determinante, seja
ativando ou desencadeando erosões, seja somente modificando a vegetação ou o solo (des-
matamento, reflorestamento...).
O sistema de evolução se define por uma série de agentes e de processos mais ou menos
bem hierarquizados. Sem querer desenvolver aqui essa questão, podem ser distinguidos
agentes naturais (climáticos, biológicos etc.) que determinam processos naturais (ravina-
mentos, pedogênese, dinâmica ecofisiológica...) e agentes antrópicos (sociedades agropas-
toris, florestais...) dos quais dependem os processos antrópicos (desmatamento, incêndio
reflorestamento). Se não é nunca fácil apreciar a importância de determinado agente ou
de determinado processo isolado, é, no entanto, possível classificar os sistemas de evolução
em função dos fatores dominantes (geomorfogenético, antrópico...). É já um primeiro
esboço de classificação das paisagens.
As tipologias estritamente fisionômicas (vertente florestal, chapada arenítica reco-
berto com vegetação de cerrado) ou ecológicas (geossistemas tropicais, atlântico, monta-
nhês...) não deram os resultados esperados. Elas são cômodas, mas carecem de rigor e sua
Os geossistemas em biostasia
Os geossistemas em resistasia
27 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Por outro lado, os casos de resistasia limitada à cobertura viva da vertente, isto é, à parte
superficial das vertentes: vegetação, restos vegetais, húmus, solos e, às vezes, manto super-
ficial e lençóis freáticos epidérmicos. Esta evolução ainda não interessou suficientemente
aos geógrafos e aos biogeógrafos. É certo que ela é quase negligenciável do ponto de vista
geomorfológico porque ela não cria relevos, mesmo que anuncie às vezes os inícios de uma
crise geomorfológica. No entanto, seu interesse é capital do ponto de vista biogeográfico
porque ela mobiliza toda a parte biologicamente ativa da vertente. Pode-se qualificar esta
erosão de epidérmica para bem distingui-la da erosão verdadeira ou geomorfológica e para
evitar as confusões e as discussões inúteis que durante certo tempo puseram em oposição
contra e a favor da erosão sob cobertura vegetal: eles não falavam do mesmo tipo de erosão
nem da mesma cobertura vegetal e não situavam na mesma escala. A erosão epidérmica
tinha já sido definida sob o nome de erosão biológica (G. Bertrand, ibid. Note 19,140-
143), mas este qualificativo era uma fonte de confusão. A tipologia dos geossistemas em
resistasia deve levar em conta todos esses fatos.
vida pastoril e da agricultura, permitem às vezes obter-se uma ideia precisa da dinâmica re-
cente das paisagens. As Áreas de Preservação Permanente e Matas Ciliares da raia divisória
São Paulo-Mato Grosso do Sul se prestam bem a essa pesquisa graças aos levantamentos
fitossociológicos.
No espaço, a justaposição dos geossistemas é um fato geral. No entanto, os geossiste-
mas com equilíbrio biológico ocorrem, sobretudo, nas zonas temperadas tropicais úmidas,
assim como em certas regiões de planície. A alta montanha e as diagonais áridas abrigam
os geossistemas com maior ou menor atividade geomorfogenética. A exploração antrópi-
ca está em vias de perturbar esta distribuição essencialmente bioclimática estendendo os
geossistemas em desequilíbrio biológico. Mas a erosão geomorfológica, muitas vezes rápida
e espetacular, não se exerce senão em superfícies reduzidas. Em compensação, o verdadeiro
perigo do ponto de vista da organização do espaço é a erosão epidérmica que, de forma às
vezes insidiosa, arranha a película viva das vertentes em setores extensos sem que se preste
a ela uma real atenção. O estudo da distribuição espacial dos geossistemas é, pois, um pro-
blema de geografia ativa que vem reforçar o interesse da pesquisa cartográfica.
29 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Dos três níveis de tratamento propostos por AB’SÁBER (1969) no desenvolvimento
dos estudos geomorfológicos, o que trata de compreender globalmente a fisiologia da pai-
sagem é o que se identifica mais plenamente com a proposta de nossa pesquisa.
O estudo integrado do “sistema natural” envolve problemas de dinâmica e de compar-
timentação, caracterizados estes na escolha das “unidades elementares da paisagem”.
O Pontal do Paranapanema, apresenta uma certa homogeneidade geomorfológica, litoló-
gica e climática, que se por um lado dificulta a cartografia das “unidades elementares da pai-
sagem”, uma vez que esta homogeneidade mascara a individualidade da ação dos elementos
do meio, de outro, realça a dinâmica do todo, responsável pela individualidade da paisagem.
Essa “homogeneidade”, vai em parte, desaparecer à medida que a exploração antrópica,
elimina ou modifica a cobertura florestal e contribui, desse modo, para que os agentes climá-
ticos tenham uma atuação morfogenética mais vigorosa, diversificando a paisagem e criando
um verdadeiro mosaico de setores que equivalem a um “mostruário” para o observador.
com maior clareza os cursos fluviais, desprovidos de matas ciliares. Rennes 2 – France.
31 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Presidente Venceslau e sobretudo na Reserva do Morro do Diabo).
geomorfológicas:
1. “Espigão divisor dos rios Paraná e Paranapanema”, compartimento que con-
tém a superfície de cimeira regional. Trata-se de remanescente da superfí-
cie sul-americana, esculpida nos arenitos da Formação Caiuá e da Formação
Bauru. Na área em estudo, coincide com o topo das cabeceiras dos ribeirões
de nascentes próximas à Planalto do Sul e Cuiabá Paulista (ribeirão Água
Sumida, ribeirão Cuiabá, ribeirão Nhacá). As nascentes desses córregos se
apresentam bastante dissecadas, conforme observadas in loco. É bom lembrar
que essas feições são também facilmente percebidas nas imagens de satélite.
A expansão recente da dendritificação nas cabeceiras dos pequenos afluentes,
nascidos nos espigões mais elevados (remanescentes da superfície neogênica
ou de seus relevos residuais, deposição), acompanhou de perto uma extensiva
fase de suavização de vertentes.
33 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
no espigão. Partindo-se da “entrada” do Pontal em direção à confluência desses rios,
temos o seguinte quadro altimétrico: as cotas são mais elevadas nas proximidades
de Planalto do Sul (450 m) e vão decaindo suavemente em direção à Rosana (330
a 340 m). Na Figura 3, os pontos mais elevados são facilmente notados pelo maior
adensamento das curvas de nível. Apesar da pequena densidade da rede de drena-
gem, nessas áreas de cotas mais elevadas, tem-se a cabeceira de pequenos córregos
ou ribeirões.
Embora o espigão divisor dos rios Paraná e Paranapanema se apresente mais largo
nas proximidades de Planalto do Sul e Ponto Alegre e, vai se estreitando à medida
que se aproxima de Rosana, as nascentes dos córregos e ribeirões – que vertem para
esses dois rios – mantêm praticamente a mesma distância entre si (2 a 5 quilômetros,
aproximadamente). Tal fato é explicado pelo maior adensamento de incisões fluviais,
denunciando uma evolução de natureza regressiva das cabeceiras, nos pontos mais
elevados do espigão divisor.
Figura 3 - O encontro oblíquo dos rios Paraná e Paranapanema, bem como a disposição paralela dos seus afluen-
tes, forma um desenho bastante interessante da rede de drenagem e do relevo regional. Esta disposição paralela
dos afluentes, fruto das condições geológicas, assim como das características climáticas, deram origem a um
relevo pouco acidentado e com vales pouco profundos e retilíneos. Extraído de Jailton.
Nas últimas décadas, em vários países, surgiram inúmeras tentativas para resta-
belecer a visão integrada da paisagem, com a elaboração de novos métodos, novas
35 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
trutura, funcionamento e dinâmica, através do enfoque geossistêmico.
Assim, ao estudar os processos morfogenéticos atuais e a fisiologia da paisagem,
acentuamos a tendência à uma análise integrada da paisagem, deixando de lado os mé-
todos separativos/elementaristas, adotados pela fisiografia e muito encontrados ainda,
em algumas obras de geografia regional.
Há uma verdadeira revolução metodológica aplicada à implementação de técnicas
dos impactos naturais e antropogênicos sobre a natureza. Algumas dessas técnicas atin-
gem alto grau de sofisticação no que diz respeito à quantificação, uso de computadores
e mesmo modelo de predição.
No presente estudo, valorizou-se a observação direta de campo, análise de fotos
Drone, imagens Landsat e dados meteorológicos. A análise dos processos morfogenéti-
cos atuais e a fisiologia da paisagem no Pontal do Paranapanema também se sustentará
na bibliografia consultada (Ruellan, F., 1953; Erhart, H., 1955; Fournier, F., 1960;
Tricart, J. et Cailleux, A., 1965; Christofoletti, A., 1968; Ploey, J. et Savat, J., 1968;
Cruz, º, 1974; Lombardi Neto e Bertoni, 1975; Sudo, H., 1980).
37 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
solo, são as mais bizarras. Simplesmente eles não recebem orientação técnica agronômica
alguma. E como alguns estão conscientes da gravidade da erosão em suas propriedades,
recorrem a soluções sem obter resultados efetivos.
Entre as unidades, os elementos da paisagem que chamam a atenção pela ruptura do
equilíbrio, e que se encontram em fase resistásica, podemos destacar:
1. as pequenas propriedades (próximas à Planalto do Sul, por exemplo), que são
super exploradas por arrendatários.
2. as obras públicas – rodovias asfaltadas, sem obras de arte adequadas–, conforme
observamos entre Planalto do Sul e Teodoro Sampaio e ainda, o asfaltamento de
ruas, conforme constatamos em Cuiabá Paulista, tem contribuído para a intensi-
ficação da erosão. É a partir das “cabeças de pontes”, dos locais de drenagem con-
centrada das águas pluviais, que se verificam algumas voçorocas de difícil controle.
Tal fato é agravado ainda mais pelo fato que a preocupação com essas voçorocas
surge apenas no momento em que há interrupção do fluxo rodoviário. E a preo-
cupação é somente com o leito da rodovia.
Foto 2 – O médio curso do ribeirão Água Sumida que se presta para exemplificar como as margens são erodidas
pelo pisoteio do gado, agravando o processo de assoreamento do curso fluvial. PASSOS: 04/09/2021.
39 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Foto 3 – Alta bacia do ribeirão Santo Antônio, cujo leito fluvial está assoreado
e quase que totalmente desperenizado. PASSOS: 09/09/2021.
Foto 4 - Média bacia do ribeirão Santo Antônio ou Foto 5 – Ribeirão Santo Antônio ou do Engano (a
do Engano - município de Mirante do Paranapanema 500 m a jusante da ponte/SP-613. O leito principal
- revelador da excepcionalidade do regime fluvial se encontra totalmente assoreado e a lâmina d´água
regional: as águas de verão têm energia suficiente não atinge usualmente mais de 40 cm de profundida-
para erodir o terraço fluvial, enquanto que na estação de na estação chuvosa. A drenagem apresenta-se anas-
seca (abril-setembro) observa-se desperenização em tomosada – em vários trechos desse ribeirão -, devido
alguns trechos. As condições geopedológicas (arenito à incompetência do curso d´água em transportar todo
e terraços fluviais hidromorfizados) associadas à ação o material sedimentar que vem de montante
antrópica negativa desencadearam o agressivo proces-
so de lesionamento da paisagem, Passos: 15/04/2003.
Pode-se observar nas análises de campo que o córrego
não apresenta nenhum tipo de vegetação arbórea em
suas margens o que contribui para o processo de as-
soreamento a que o mesmo está submetido (Foto 5).
Também observamos que o gado tem livre acesso às
suas águas ao longo de todo seu leito, o que contribui
para o avançado processo de degradação.
41 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Figura 6 - O registro de 2005 acusa uma evolução po- Figura 7 - O registro de 2010 acusa, como fato novo
sitiva das matas ciliares, notadamente na Alta Bacia. e mais relevante, a redução da mata ciliar na alta bacia
Este fato se deve, provavelmente, ao relaxamento da do ribeirão Santo Antônio. Essa realidade foi motiva-
ação antrópica, pois, ocorreu a substituição de agri- da pelo temor dos proprietários em relação ao Novo
cultura por pastagens e, também, se verifica a chegada Código Florestal Brasileiro e, então, anteciparam o
da cana-de-açúcar, cujo sistema de produção está desmatamento: lamentável!
apoiado em arrendamento de terras, cujos contratos,
entre as usinas e os proprietários, contemplam a não
utilização das áreas de APPs.
Figura 8 - “núcleos de desertificação” /unidade de paisagem em resistasia, retomada por ação antrópica, com po-
tencial ecológico degradado –, podendo ser reconhecidos como verdadeiros geótopos áridos, sem que a pedogênese
completasse sua evolução. Em sua gênese, incluem-se fatos ligados a uma predisposição
da estrutura geoecológica, na maior parte das vezes acentuada por ações antrópicas.
43 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Figura 9 - áreas de vegetação residual em biostasia subclimácica e paraclimácica – nessas áreas, o potencial ecológico
se mantém praticamente estável e em equilíbrio com a exploração biológica, embora esta se apresente sensivelmen-
te alterada pela ação antrópica, principalmente de sua composição florística e da fauna. A título de exemplificar
essas unidades, inserimos a Figura 9 onde a vegetação de mata tropical semidecídua eliminada, foi substituída por
espécies vegetais de maior valência ecológica (embaúba, taquaras, sapé e o próprio capim colonião, semeado pelos
posseiros). A madeira de maior valor econômico foi parcialmente retirada de todas as áreas de matas que restaram
por efeito da ação antrópica. Embora o potencial ecológico dessa unidade não tenha sido alterado, ele não oferece
condições muito favoráveis ao ressurgimento da biota tropical, nos geótopos de onde ela foi eliminada. Certamente,
a fase mais favorável – “otimum climaticum” – para o ressurgimento natural da mata talvez tenha passado.
o solo. Nesse caso, o potencial ecológico pode ser atingido e produzir parcelas em resistasia antrópica.
Figura 11 - Áreas de usos intensivos com minifúndios em resistasia antrópica – incluímos nessa categoria o conjunto
das pequenas propriedades situadas, notadamente na alta bacia do ribeirão Santo Antônio.
45 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Figura 12 - áreas de veredas com dinâmica regressiva de origem antrópica: as várzeas do ribeirão Santo Antônio, ori-
ginalmente, estavam inseridas em um geossistema em biostasia, representando geofácies parcelados com campos
ou matas ciliares. Mesmo as ocupadas com pastagens às vezes se diferenciam do conjunto devido às inundações
sazonais, com o pasto apodrecendo pela ação do excesso de água.
Figura 14 - Unidades de “neogeossistemas” (capoeiras) em dinâmica progressiva - essas unidades surgem a partir da
redução da ação antrópica, onde as pastagens, sem manejos adequados, se degradam e permitem o surgimento
de “capoeiras”. Na alta bacia do ribeirão Santo Antônio, onde o processo de desterrorialização foi mais acentua-
do - fim do mundo rural motivado pelo abandono dos campos agrícolas, abandono dos bairros rurais, dos cemi-
térios rurais, do esvaziamento populacional. A “pecuária” nessas pequenas propriedades é basicamente de gado
leiteiro que constitui a base da economia local. Os neogeossistemas (geofacies) estão dominados, notadamente,
por espécies invasoras, dentre as quais se destaca “o assa peixe”.
47 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Vale destacar que:
. A ocorrência do Arenito Bauru, no Sudoeste paulista, condicionou um modelo de
ocupação marcadamente agrícola, enquanto que, nas áreas de ocorrência do Caiuá (extre-
mo Sudoeste/Pontal do Paranapanema) predominou, desde o início, a pecuária extensiva;
. No Sudoeste paulista, na área de ocorrência do Caiuá, os vales são abertos, as águas
mais espraiadas. Essa morfologia do relevo, associada à dinâmica das águas fluviais, ficou
totalmente à mercê do processo de erosão, transporte e sedimentação, interferindo na
fisiologia da paisagem, notadamente pelo assoreamento e desperenização aguda dos pe-
quenos cursos fluviais.
. No Sudoeste paulista, as áreas de relevo mais rugoso (topos) estão estreitamen-
te relacionadas à ocorrência do arenito Bauru carbonatado. Os primeiros pioneiros
– menos preparados tecnicamente e economicamente – ocuparam essas áreas mais ele-
vadas, autênticas “bocas-do-sertão”, resultando no caráter muito agressivo de lesiona-
mento da paisagem.
A Fisiologia da Paisagem propõem-se três objetivos básicos: (a) levar à compreensão da organi-
zação, do funcionamento e da dinâmica das paisagens, especialmente as tropicais; (b) enfatizar o
estudo e a análise integrada dos elementos constituintes das paisagens; (c) compreender e discutir
conceitos, leis e influências das ações antrópicas. Desde a origem, a pesquisa sobre o meio ambiente
está indissoluvelmente ligada à interdisciplinaridade. Considerando a paisagem como uma entidade
global, admite-se implicitamente que os elementos que a constituem participam de uma dinâmica
comum que não corresponde obrigatoriamente à evolução de cada um dentre eles tomados sepa-
radamente. Para as necessidades da análise, podem-se isolar três conjuntos diferentes no interior
de um mesmo sistema de evolução: o sistema geomorfogenético, a dinâmica biológica e o sistema de
exploração antrópica. Optamos por uma tipologia dinâmica que classifica os geossistemas em fun-
ção de sua evolução e que engloba através disso todos os aspectos das paisagens. Ela leva em conta
três elementos: o sistema de evolução, o estágio atingido em relação ao clímax, o sentido geral da
dinâmica (progressiva, regressiva, estabilidade). Esta tipologia se inspira, portanto, na teoria de bio-
resistasia de H. ERHART. Foram distinguidos 7 tipos de geossistemas agrupados em 2 conjuntos
dinâmicos diferentes. O Pontal do Paranapanema, apresenta uma certa homogeneidade geomorfo-
lógica, litológica e climática, que se por um lado dificulta a cartografia das “unidades elementares da
paisagem”, uma vez que esta homogeneidade mascara a individualidade da ação dos elementos do
meio, de outro, realça a dinâmica do todo, responsável pela individualidade da paisagem. As análi-
ses das imagens satelitares, os registros fotográficos, as observações sobre o terreno, as entrevistas etc.
se prestam à explicitação dos processos evolutivos do que o tratamento numérico.
Palavras-chave: Fisiologia da paisagem – geossistema – biostasia – resistasia – Pontal do
Paranapanema, bacia do ribeirão Santo Antônio.
48 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Referências Bibliográficas
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1965. Brasília, 1965.
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BRASIL. Resolução CONAMA 302 de 20 de março de 2002. Dispõe sobre os parâmetros, defini-
ções e limites de Áreas de Preservação Permanente de reservatórios artificiais e o regime de uso
do entorno. Brasília, 2002.
BRASIL. Resolução CONAMA 303 de 20 de março de 2002. Dispõe sobre parâmetros, definições
e limites de Áreas de Preservação Permanente. Brasília, 2002.
49 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Introdução
51 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
das demais existentes na paisagem circundante.
Com o avanço das discussões acerca do meio ambiente e da constante degradação dos
recursos naturais, o conceito de corredor ecológico foi introduzido numa alternativa para
a conexão destas paisagens. Nas últimas décadas, ficou à cargo da ecologia da paisagem
bem como da biogeografia, propor medidas mitigadoras para amenizar os processos de frag-
mentação, bem como do efeito de borda através da conectividade dos fragmentos florestais.
Atualmente, boa parte das políticas e legislações ambientais versam sobre as ligações ecoló-
gicas, que são reconhecidas como um princípio fundamental no ordenamento do território
e gestão de terras, sendo eficazes na conservação da biodiversidade, reduzindo os impactos
referentes aos processos de fragmentação e do efeito de borda.
1
Professor Assistente Doutor, Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências, Tecnologia e
Educação, Campus de Ourinhos/SP-Brasil, e-mail: diogo.goncalves@unesp.br ORCID: https://orcid.
org/0000-0002-0647-6283
2
Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Estadual Paulista, Faculdade
de Ciências e Tecnologia, Campus Presidente Prudente/SP-Brasil. e-mail: mmpassos86@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0360-7612
53 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
agricultura e da pecuária, a raia também conta com dois grandes empreendimentos
hidrelétricos, a UHE Rosana e UHE Engenheiro Sérgio Motta, que transformaram
significativamente as paisagens nesta região nas ultimas décadas.
Com efeito das modificações supracitadas, veremos quais as potencialidades de
aplicação da legislação ambiental brasileira, frente ao planejamento para a criação
de corredores ecológicos, levando em consideração o suporte teórico-metodológico
do sistema GTP de Georges Bertrand. O trabalho a seguir, é o resultado final da
tese de doutoramento defendida pelo autor principal no ano de 2020 e intitulada:
“Políticas ambientais na raia divisória São Paulo-Paraná-Mato Grosso do Sul:
estudo das áreas potenciais para a criação de corredores ecológicos”3
3
Disponível em < http://hdl.handle.net/11449/194383>
Procedimentos Metodológicos
O trabalho contou com a revisão bibliográfica de livros, artigos e teses, sobre os temas
pertinentes a pesquisa, especialmente: a paisagem, o geossistema o sistema GTP, ecologia
da paisagem, corredores ecológicos, além do entendimento das leis que norteiam o sistema
ambiental brasileiro.
No tocante a visão de paisagem enquanto categoria de análise/conceito científico den-
tro da geografia, a revisão bibliográfica envolveu uma análise da obra do geógrafo francês
Georges Bertrand a partir do seu entendimento do conceito de geossistema (inicialmente
proposto por Sochava na antiga União Soviética) pautado em uma análise global que va-
lorize a geodiversidade, ressaltando a importância de todos os componentes que englobem
o meio físico, biótico e social. Com o intuito de discutir as transformações na paisagem
também refletimos sobre seu modelo de análise do meio ambiente estruturado a partir de
55 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
manho, criando uma fishnet (grade) para toda paisagem. Esta proposta tem sido bastante
difundida na ecologia da paisagem e na biogeografia, especialmente na modelagem de
corredores ecológicos, indicando as localidades com menor incidência de fragmentos flo-
restais dentro do raio de cada hexágono.
O formato hexagonal ao contrário de outras formas geométricas é mais utilizado de-
vido ao espaçamento regular em relação às outras redes de igual densidade e o perímetro
menor. Também se destaca a vantagem de possuir seis unidades adjacentes em posição
simetricamente equivalentes (RAMOS et al., 1976 & LEAL et al., 2019). Desta maneira,
de acordo com a escala de trabalho escolhida (1:250.000), dividiu-se a paisagem da Raia
Divisória em uma malha de 373 hexágonos iguais de 50 km² no formato shapefile.
Para isto, utilizou-se a ferramenta Create Hexagon Regions, também disponível na exten-
são Patch Analyst. Analisando os fragmentos florestais do ano de 2017, estabelecemos uma
classificação baseada no percentual de cobertura florestal por propriedade rural destinada
para Reserva Legal na região da Raia (mínimo de 20%), considerando também o cômputo
da APP na complementação do percentual de RL em caso de áreas consolidadas (Figura 2)
57 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
bilidade, de acordo com a relação de equilíbrio e desequilíbrio entre os componentes do
geocomplexo, variando de muito baixa (para ambientes naturais), baixa, média e alta (para
ambientes antrópicos de acordo com as condições do relevo e o grau de antropização).
Os geocomplexos de ordem naturais, apresentando-se relativamente estáveis, porém
por estarem distribuídos em fragmentos ao longo da paisagem, maciçamente marcada
por áreas antropizadas, podem ser passivos de ações antrópicas em suas adjacências. As
áreas de vulnerabilidade baixa, indicam geocomplexo de uso antrópico, mas com pouca
ação geomorfológica, dado a topografia do relevo, sujeito apenas a inundações periódicas
devido ao regime fluvial.
Nas áreas de média e alta vulnerabilidade, a diferenciação está associada à rugosidade
do relevo e de sua topografia, o que influencia diretamente a densidade de drenagem e o
grau de suscetibilidade à erosão que, em conjunto à ausência de matas ciliares, podem re-
sultar em processos como o assoreamento, especialmente em adensamentos urbanos onde
59 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Em geral, a maior parte dos cursos d’águas da Raia Divisória, formados por
afluentes dos rios Paraná e Paranapanema é composta por cursos d’água, com menos
de 10 metros de largura, o que exige uma faixa de APP de no mínimo 30 metros a
partir do leito regular. Para as nascentes, independente da largura do canal, é com-
putado um raio de 50 metros de APP a partir do ponto inicial de cada canal. Já para
os lagos e lagoas naturais presentes, principalmente na margem sul-mato-grossense
no leito regular do rio Paraná, a metragem das APPs varia de acordo com a área das
mesmas, sendo 50 metros para lagos/lagoas com até 20 hectares e 100 metros acima
de 20 hectares.
Nos poucos trechos de leito regular dos rios Paraná e Paranapanema, as metra-
gens das APPS são calculadas a partir da largura do canal, sendo respeitada uma
faixa de 200 metros para o leito regular do rio Paranapanema e de 500 metros para
o rio Paraná. Para os reservatórios das usinas hidrelétricas construídas pela CESP,
foram definidas a metragem máxima de 100 metros, a partir da cota máxima de
cada reservatório, estabelecidos no processo de licenciamento ambiental e do EIA/
61 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
drão de uso encontrado na bacia do Paraná, como no caso da bacia dos ribeirões Nhacá,
Água Branca e Cuiabá. No caso da bacia do ribeirão Bonito, a mesma se encontra com
boa parte das APPs preservadas em virtude da sua localização na unidade de conservação
do Parque Estadual Morro do Diabo. Uma das principais bacias desta região, a do ribei-
rão Santo Antônio, afluente do rio Pirapozinho, foi uma das que demonstraram maior
ausência de vegetação natural nas APP, especialmente em suas nascentes, assim como na
do ribeirão Sedama.
No lado paranaense, a situação das APP, não diferiu muito com relação à vertente
paulista. Cerca de 66,34% (70,88 km²) das APP apresentaram uso da terra com pastagem
e agricultura, enquanto apenas 33,66% (35,96 km²) correspondem às áreas com vegetação
natural (florestal ou campestre).
Todavia, ao analisarmos as bacias hidrográficas dos afluentes do rio Paraná e do rio
Paranapanema nesta vertente, vemos que algumas delas apresentam boa parte das APPs
preservadas, a exemplo da bacia do ribeirão São Francisco (a maior das bacias da porção
paranaense) e rio Caiuá.
atual é a seguinte:
4
Considera-se como desconformidade, os conflitos de uso da terra em APPs que não possuam cobertura
vegetal natural em suas referidas metragens de acordo com cada categoria prevista na legislação ambiental.
Entretanto, vale ressaltar que o Código Florestal Brasileiro em sua última grande reformulação (Lei Federal
nº 12.651/2012), concedeu a anistia de multas ambientais até o dia 22 de julho de 2008, permitindo assim
a supressão e o uso tanto das APP como das RL que continham: edificações, benfeitorias ou atividades
agrossilvipastoris, até a referida data, de acordo com o 4ª parágrafo do capítulo XIII da referida lei
(BRASIL,2012). Desta maneira, o mapa a ser apresentado constitui uma análise geral entre os conflitos
APP com/sem vegetação natural, sem considerar a situação de cada imóvel/proprietário rural no tocante ao
enquadramento ao código florestal.
63 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
entre a bancada ruralista, ambientalistas, movimentos sociais e organizações não-governa-
mentais (GUERRA & COELHO,2002).
Com a regulamentação do SNUC, o conceito de UC no âmbito da gestão ambiental
brasileira foi ratificado e sua gestão e critérios para criação de novas áreas protegidas passa-
ram a ser organizadas inicialmente pelo IBAMA, sendo posteriormente destinada à autar-
quia especial vinculada ao MMA criada em 2007, denominada Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
A política nacional de áreas protegidas no Brasil sob amparo legislativo do SNUC,
tem como aporte teórico o conceito técnico legislativo nacional, adotado da Convenção de
Biodiversidade Biológica (CDB) elaborado durante a ECO-92, bem como conceito pro-
posto pela União Internacional para Conservação da Natureza-UICN (GONÇALVES,
BARBOSA & PASSOS, 2018). De acordo com o SNUC, entende-se por unidade de
conservação:
[...]espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdi-
cionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder
São Paulo. Já ESEC Mico Leão Preto, é uma UC federal criada em 2002, e retificada
2004 possuindo 66,77 km² distribuídos em quatro glebas: Água Sumida, Ponte Branca,
Tucano e Santa Maria, nos municípios de: Teodoro Sampaio, Euclides da Cunha Paulista,
Marabá Paulista e Presidente Epitácio, geridos pelo ICMBio. Ambas as UCs são de pro-
teção integral.
Por fim, a ESEC do Caiuá é uma UC Estadual de proteção integral, localizada em
Diamante do Norte-PR. Criada em 1994 e ampliada em 2008 é gerida pelo Instituto
Ambiental do Paraná (IAP). Sua criação se deu como medida compensatória à construção
da UHE Rosana, sendo hoje, o maior remanescente florestal contínuo do noroeste do
Paraná abrangendo 14,27 km².
Posteriormente, para a composição das áreas potenciais para a criação de corredores
ecológicos, analisamos o cálculo do percentual de cobertura florestal, estabelecendo alguns
critérios, baseados no Código Florestal Brasileiro, no que se refere especificamente à com-
posição de áreas de APP e RL em propriedades rurais com o uso já consolidado, em con-
sonância ao inciso IV do artigo 3º da Lei 12.651/12, que concede anistia aos proprietários
65 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Figura 5 – Percentual de Cobertura Florestal por Imóvel Rural na Raia Divisória SP-PR-MS (2017)
Org.: Gonçalves, D. L (2020)
na porção paulista da raia, área considerada de potencialidade muito alta para a criação de
corredores ecológicos, tendo em vista as condições atuais e por ter a maior área de reduto
da fauna e flora da Raia.
Através do conjunto: Áreas de Preservação Permanente, Reserva Legal e Unidades de
Conservação, sua distribuição de acordo com o Código Florestal Brasileiro e as potencia-
lidades emergentes identificadas neste trabalho, temos a condição de mensurar os ganhos
ambientais atrelados ao exercício efetivo da Legislação Ambiental Brasileira, especialmente
na recomposição das APP, onde teríamos um acréscimo de 237,62 km², o que corresponde
a um ganho de 13,4 % nas áreas destinadas a floresta. Cabe ressaltar que as APP, especial-
mente ao redor dos cursos d’águas e nascentes, tornam-se corredores ecológicos naturais,
facilitando a dispersão das espécies ao longo de uma bacia hidrográfica.
Para as áreas de Reserva Legal a área total de ganhos ambientais é de 800, 94 km²
que corresponde um acréscimo de 46,3% na composição das áreas de fragmentos flo-
restais. Ao todo, a área dos ganhos ambientais somadas APP e RL é de 1038,56 km²,
incidindo em um percentual de acréscimo de 60,04% na classe de florestas na Raia
67 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Figura 6 – Percentual de Cobertura Florestal por matriz hexagonal: Cenário atual e possibilidades futuras
Org.: Gonçalves, D. L (2020)
Por outro lado, vemos o acréscimo nas classes de maior percentual de cobertura florestal
como na: média (de 10% a 15%), onde o percentual subiu 12,6% (a maior média entre as
matrizes analisadas) o que indica uma taxa de preservação relativamente próxima ao adequado
(15% a 20%), no qual o acréscimo obtido foi de 8,57%. As áreas preservadas, consideradas
acima do percentual de 20% de cobertura florestal, considerando o cômputo APP+RL em
áreas consolidadas, obteve um acréscimo total de 8,31%. Lembrando que este cálculo incide
apenas no percentual florestal, sem considerar os gecomplexos naturais de planícies e terraços.
Para a espacialização dos ganhos ambientais, apresentamos como síntese o mapa de
cenário ideal (Figura 7) considerando os fragmentos florestais residuais, as APPs, RLs e
Unidades de Conservação existentes na Raia Divisória SP-PR-MS:
Como pode ser observado no trabalho, através do simples exercício efetivo da aplica-
ção da legislação ambiental brasileira, temos a possibilidade de ampliar conectividade da
paisagem, através do estabelecimento de corredores ecológicos. Neste contexto, o planeja-
68 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
mento ambiental apresentado pela teoria geossistêmica, notadamente pelo modelo GTP,
indicaram as áreas prioritárias para a conectividade, sejam eles pela recomposição de APP,
criação de novas Unidades de Conservação e a destinação correta de Reservas Legais em
imóveis rurais.
As áreas com prioridade muito alta, localizam-se próximo ao epicentro de contato
maior entre as três unidades de federação da Raia Divisória, na região que abriga as duas
hidrelétricas (Rosana e Engenheiro Sérgio Motta). A presença da ESEC do Caiuá, bem
como de algumas áreas de reflorestamento da CESP, aliados a recomposição das APPs e
criação de novas Reservas Legais seguindo a indicação dada pelo CAR, podem contribuir
para a conectividade destas áreas.
Ademais, paisagens importantes como o Morro Três Irmãos em Terra Rica-PR, po-
deriam ganhar áreas de preservação ao seu entorno, seja por meio de RLs, RPPNs ou até
mesmo a criação de uma unidade de conservação, contribuindo para ações socioambien-
tais e educativas na região. Nos núcleos com prioridade muito alta, tanto no Paraná como
no Mato Grosso do Sul, a recomposição das APPs e averbação de RLs, são fundamentais
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo, fazer uma análise das potencialidades de cria-
ção de corredores ecológicos interligando os fragmentos florestais na Raia Divisória São
Paulo-Paraná-Mato Grosso do Sul, considerando os aspectos legais, propostos pela legislação
ambiental brasileira. A metodologia incluiu a revisão bibliográfica das leis ambientais presen-
tes no território brasileiro, seja por meio do Código Florestal ou pelo Sistema Nacional de
Unidades de Conservação, especialmente no que concerne os conceitos de: Área de Preservação
Permanente (APP), Reserva Legal, Unidade de Conservação e Corredor Ecológico. Para a
caracterização da área de estudo e identificação das áreas potenciais para criação dos corre-
dores ecológicos, utilizou-se a aporte da teoria geossistêmica sob a égide bertrandiana, basea-
da no tripé: potencial ecológico + exploração biológica + ação antrópica e do modelo GTP
(Geossistema, Território e Paisagem) a partir de três entradas: naturalista, socioeconômica
e sociocultural. Foram identificados a situação atual dos fragmentos florestais e os confli-
tos de uso e cobertura da terra presentes nas APP ao longo dos afluentes dos rios Paraná e
Paranapanema. Através da referida análise, foi possível mensurar cenários futuros mediante ao
69 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
cumprimento da legislação ambiental nas APP e projeção de novas reservas legais propostas
pelo Cadastro Ambiental Rural, bem como a indicação de áreas para criação de corredores
ecológicos, que ampliariam o fluxo gênico das espécies de fauna e flora nesta porção do espaço
na transição dos biomas da Mata Atlântica-Cerrado. Os dados da pesquisa, foram sistematiza-
dos por meio de tabelas, gráficos e mapas. Pretende-se assim, contribuir para o planejamento
ambiental da Raia Divisória por meio da conectividade das paisagens na recomposição das
APPs e Reservas Legais, bem como pela criação de novas unidades de conservação, especial-
mente os corredores ecológicos.
Palavras-Chave: Legislação Ambiental Brasileira, Fragmentos Florestais, Paisagem, Corredores
Ecológicos.
Abstract:
The present work aims to analyze the potential for creating ecological corridors linking
forest fragments in the São Paulo-Paraná-Mato Grosso do Sul Divisive Line, considering the
legal aspects proposed by Brazilian environmental legislation. The methodology included a bi-
bliographic review of the environmental laws present in the Brazilian territory, either through
Referências Bibliográficas
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Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências - Lei Federal Nº 12.
651; Brasília –DF, 25 de maio de 2012
_______ - Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui
o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências - Lei
Federal Nº 9.985 – Brasília – DF, 18 de julho de 2000
GONÇALVES, D.L. Políticas Ambientais na Raia Divisória SP-PR-MS: estudo das áreas poten-
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GUERRA, A. J. T.; COELHO, M. C. N. – Unidades de Conservação: abordagens e características
geográficas - 2ª edição, Rio de Janeiro, Editora Bertrand Brasil, 2012
71 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Giampietro Mazza 2
Giacomo Zanolin 3
Introdução
Uma das finalidades dos parques nacionais, conforme indicado na lei-quadro da legisla-
ção italiana das áreas protegidas (394/91), é a promoção de atividades de pesquisa científica,
formação e educação ambiental, destinadas não apenas ao conhecimento do território e do
recurso natural, mas também e sobretudo como o desenvolvimento de novos comportamen-
tos positivos em relação ao meio ambiente, na consciência e respeito de todas as relações
biológicas existentes na natureza. A autoridade do parque criou assim vários observatórios,
ambientais, de vida selvagem, do mar, com tarefas de proteção da biodiversidade, recuperação
e recenseamento de espécies animais e educação ambiental (Cattaneo Vietti e Tunesi, 2007).
73 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
O presente trabalho vai analisar a evolução dos processos de territorialização relativamen-
te a Ilha de Asinara (Sardenha-Italia) que a partir do 1997 é Parque Nacional e desde 2002
foi reconhecida como Área Marinha Protegida, após 112 anos de história de “ilha prisão”
com inevitável e forte limitação ao uso do espaço e acesso à ilha pelos cidadãos (Gutierrez
et al., 1998; Brandis et al., 2001; Forteleoni e Gazzale, 2008; Vinceti, 2009; Corbau et al.,
2019, Corbau et al., 2019b). Hoje a ilha é caracterizada por um aumento da procura tu-
rística e uma relativa remodelação da oferta por parte do órgão gestor do Parque Nacional.
O estudo é desenvolvido com o objetivo de compreender e analisar os processos terri-
toriais que revolucionaram o uso espacial da Ilha de Asinara. Em termos gerais, é necessário
chegar a um maior conhecimento dos elementos fatores locais e do desempenho do proje-
to de desenvolvimento sistémico que afetou o território nas últimas décadas, envolvendo,
1
Embora o trabalho seja o resultado de uma estreita colaboração entre os autores, no entanto, os pontos 1 e
3 devem ser atribuídos a Giampietro Mazza e os pontos 2 e 4 a Giacomo Zanolin.
2
Dipartimento di Scienze della formazione, Università di Genova, giampietro.mazza@unige.it
3
Dipartimento di Scienze della formazione, Università di Genova, giacomo.zanilin@unige.it
Área de estudo
A ilha de Asinara, localizada no extremo noroeste da Sardenha, ocupa uma porção ter-
ritorial de cerca de 51 km², desenvolvendo-se ao longo de um complexo costeiro de mais de
110 km. O seu comprimento máximo é de 8 km, enquanto a sua largura diverge, desde um
máximo de 7 km no norte até 290 metros na Cala di Scombro (Giglio, 1970; Brandis et al.,
2001; Forteleoni e Gazzale, 2008). Enquadra-se inteiramente no município de Porto Torres,
cidade da Sardenha setentrional. A paisagem é essencialmente mediterrânica, caracterizada
por uma alternância de costa alta no oeste e costa baixa e arenosa no leste, que contribuem
para a peculiaridade paisagística da ilha (Carboni e Ginesu 2010; Ginesu et al., 2014). O
ambiente é predominantemente montanhoso, com a maior elevação alcançada em Punta
74 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
della Scomunica, no norte, a 408 metros. Na parte central de Asinara encontra-se o trecho
liso principal, Campu Perdu, onde, historicamente, a principal presença humana tem estado
concentrada. Consiste em litologias devido a dois complexos metamórficos de média e alta
qualidade envolvidos nas fases de deformação herciciana e um complexo de granito hercínia-
no tardio que constitui o único afloramento de granito paleozóico no noroeste da Sardenha
(Carosi et al., 2004). A cadeia ocidental de relevos apresenta, também de um ponto de vista
estrutural, a continuação para norte da cadeia Argentiera Paleozóica. A tectónica mais re-
cente (Cenozóico) produziu uma inclinação geral para leste do norte da Nurra, e, portanto,
da ilha, determinando, entre outras coisas, as principais características morfo-tectónicas de
Asinara que se manifestam principalmente no forte contraste entre a morfologia da costa oci-
dental e a da costa oriental (Carosi et al., 2004; Ginesu et al., 2014). As condições históricas
e naturais de isolamento, o ambiente em que existem frequentemente poucos sinais antropo-
génicos, tanto em grandes extensões de costa como na maioria das áreas interiores, criaram as
condições para uma grande variedade de fauna e flora, com importantes presenças indígenas
na área. Muitas das espécies da fauna são de grande importância a nível mundial devido à sua
75 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Figura 1. Zonizzazione del Parco Nazionale e dell’Area Marina Protetta dell’Isola dell’Asinara. Nossa elaboração
sobre dados http://www.parks.it/parco.nazionale.asinara/mapl.php.
77 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
damente mais seco do que o resto do Noroeste da Sardenha, sobre o qual a ausência
de alívio significativo também pesou fortemente.
O sistema de povoamento presente na ilha é o resultado de diferentes necessidades
temporais, alteradas pelos povoamentos da Estação Marítima de Saúde e da Colónia
Penal Agrícola (Trova, 2015), mas mais geralmente, nas suas várias fases, tem-se ma-
nifestado ao longo da linha costeira oriental mais acessível e protegida.
4
As instalações prisionais foram divididas de acordo com o tipo de infração, a perigosidade dos reclusos e a
sua proveniência.
79 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
O zoneamento representa certamente um instrumento para proteger e salvaguardar o
ambiente e as suas peculiaridades, introduzindo restrições na sua utilização. É uma forma
de territorialização espacial através da qual o poder é exercido. Nos últimos anos, na ilha
de Asinara, teve lugar a reutilização de estruturas pré-existentes, iniciando um processo
de reconversão social, cultural e económica, com repercussões positivas também na vasta
área do Parque Nacional (Brandis et al., 2001). Após o encerramento das instalações pe-
nitenciárias, o fenómeno turístico tem vindo a adquirir uma força crescente. Embora seja
verdade que numa fase inicial era possível visitar uma pequena parte de Asinara (na zona
sul) e apenas durante meio dia, hoje o turismo chega a toda a ilha, com exceção das áreas
proibidas pelo zoneamento.
Foram criadas dozes trilhas, desenvolvidos em diferentes temáticas, onde é possível pra-
ticar o ecoturismo, com diferentes graus de dificuldade (uma delas, a trilha tátil, é um ele-
mento importante para o turismo social) e diferentes práticas de turismo sustentável foram
estabelecidas. A conversão dos edifícios levou também à criação das primeiras instalações de
alojamento: hoje existem mais de 40 camas na ilha, espalhadas por todo o território.
5
https://www.parcoasinara.org/it/contenuti/articoli/dettagli/526/.
81 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
a promoção da mobilidade suave e para a criação de uma série de rotas verdes, orientadas
para a promoção e valorização do território, reunindo atracões culturais, ambientais, pai-
sagísticas e religiosas.
A proteção e valorização do território é profuso através de toda uma série de inicia-
tivas levadas a cabo pela Autoridade de Gestão de Parques e Áreas Marinhas Protegidas,
destinadas a promover práticas virtuosas e sustentáveis de educação ambiental através das
atividades conduzidas pelos observatórios da ilha.
O turismo faz parte de um caminho funcional às necessidades locais, de acordo com
os princípios da sustentabilidade. A introdução da capacidade de carga, identificada como
900 turistas por dia (Corbau et al., 2019) resume esta intenção. As iniciativas de coope-
ração territorial e de paternidade representam um laboratório destinado a experimentar
novas conexões entre o homem e o ambiente, procurando fomentar a criação de “uma rede
que aplique os princípios de cooperação para a implementação de uma gestão integrada e
sustentável dos recursos naturais, a fim de aumentar a competitividade da área em termos
de economia e turismo”, como indicado pelo objetivo geral da RETRAPARC.
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82 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Sitografia
83 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Introdução
O ponto inicial para começar a estudar a Energia Eólica ou Energia dos Ventos, é saber
como ela é produzida na natureza. Numa definição mais simplória possível, os ventos nada
mais são do que o ar em movimento. Este movimento das camadas de ar na atmosfera,
acontece basicamente por troca de calor. O sol aquece mais rapidamente as camadas de
ar que estão mais próximas à superfície terrestre. Com este aquecimento, acontece uma
diferença de pressão entre as camadas de ar e por fenômeno natural ocorre a subida
deste ar mais quente para as camadas superiores da atmosfera. Neste momento, e em
consequência, as camadas de ar superiores que estão mais frias, são deslocadas para baixo.
85 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Basicamente ocorre um ciclo infinito de subida e descida das camadas de ar no sentido de
fazer essas trocas de calor. Há basicamente três tipos de ventos, todos gerados em função
das variações de pressão: ventos curtos e fortes chamados rajadas; ventos longos e de força
intermediária chamados tufões, furacões ou vendavais e os ventos mais suaves, chamados
brisas. Obviamente a frequência com que estes fenômenos acontecem na superfície do
planeta, é variável por região em função de outras características naturais como relevo,
vegetação, posição em relação ao litoral, entre outros. É consenso entre os pesquisadores
que a faixa de velocidade do vento ideal para a exploração desta forma de energia vai de
21 a 26 km/h, ou seja, mais importante do que a força dos ventos é a constância de sua
velocidade dentro da faixa ideal (Brasil, 2016).
O potencial de geração de energia eólica no mundo atualmente é de 840 TW
(840 x 1012 watts). Este número representa 40 vezes o consumo mundial de energia.
Logo estamos falando de uma fonte energética de um incrível potencial de exploração.
1
Universidade Estadual da Paraíba - angelamcramalho@gmail.com
2
Universidade Estadual da Paraíba - fernando.nazareno60@gmail.com
O fato de a Matriz Energética Mundial ter em sua maior parte a participação de ener-
gias não renováveis, confirma que durante décadas os estudos para desenvolver tecnologias
que tornassem viáveis as energias renováveis, foram negligenciados. No Brasil a expansão
de projetos de energias renováveis é resultante da política nacional de diversificação da
matriz energética, definindo ações para investimentos em fontes renováveis, como uma
alternativa ao enfrentamento da problemática da crise energética vivenciada em 2001 e
anos subsequentes (ELETROBRAS, 2010).
Vale assinalar que a matriz energética brasileira é privilegiada em relação aos demais
países pelo fato de que suas principais fontes de energia elétrica são as usinas hidrelétri-
cas, cujo único insumo é a água das chuvas armazenadas em barragens (D’araújo, 2009),
(Araújo, Goes, 2009). Este tipo de energia responde por 65% de toda a energia elétrica
gerada e consumida no Brasil, contra uma participação de apenas 17% nos países da
OCDE - Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico, segundo dados
da Resenha Energética Brasileira de 2016 do Ministério de Minas e Energia (Brasil, 2017;
Internacional Energy Agency, 2015).
Contextualização do Problema
87 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
outras fontes, como também pela lógica do crescimento econômico com base no aporte
de que uma cadeia produtiva local, que valoriza as características e potencialidades regio-
nais e locais com criação de empregos, capacitação e formação de mão de obra além da
redução de emissões de CO2.
O advento destas produções de energias renováveis contribuem como fatores extre-
mamente importantes para os investimentos estruturantes na região onde estão inseridos e
terminam por gerar novas necessidades específicas de produtos e serviços.
A produção de energia eólica situa-se entre o impasse do crescimento econômico re-
gional e o conflito social. O discurso dos defensores, políticos e gestores estampa “que
os ventos são os motores que impulsionam o crescimento local e regional”, partindo da
premissa de que é uma atividade ambientalmente sustentável que tem gerado emprego e
renda, para muitas regiões no Nordeste, assumindo desta forma o protagonismo desses
projetos de geração de energias renováveis.
A região semiárida do Nordeste vem sendo ocupada com uma nova atividade a
partir das instalações das usinas trazendo uma nova dinâmica regional, novos agentes,
89 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
local, visando aumentar o estado de bem-estar da própria comunidade (Barquero, 2001).
Obviamente, sem o Capital e sem a presença do Estado no sentido de definir as linhas
estratégicas do desenvolvimento, esta atividade entregue apenas a comunidade tornar-se-ia
quase impossível de ser concretizada. Neste sentido, foi fundamental para o desenvolvi-
mento da indústria de energias renováveis no Nordeste, a participação do estado como
condutor de objetivos.
A produção comercial das energias renováveis é uma atividade industrial de ex-
trema importância na economia global nos dias atuais. O fenômeno da globalização
interferiu de maneira vigorosa nas relações geopolíticas das regiões, acirrando a con-
corrência no modo capitalista de produção com mudanças nos sistemas de relações
entre redes (Castells, 1999). Dentro desta nova realidade mundial, o modelo capita-
lista pós-globalização, passou a se gerido por três eixos, a saber: 1) atividades econô-
micas globais 2) inovação baseada em conhecimento, produtividade/competitividade
3) redes de fluxos financeiros (Capra, 2003). Diante desta nova realidade geopolítica,
a primeira grande modificação no Sistema Elétrico Brasileiro para adequar-se, seria
Indicadores Econômicos
Arrecadação de Impostos
Arrecadação de ICMS na Região de Santa Luzia de 2010 a 2019
91 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
QUADRO 8
Geração de Empregos
Empregos Formais na Região de Santa Luzia de 2010 a 2019.
QUADRO 9
QUADRO 10
Conclusão
93 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
pode chegar a ser disparadamente a maior fonte pagadora de tributos estaduais, além
de grande geradora de empregos e grande fonte de atração de indústrias ligadas ao setor.
Agora mesmo está sendo implantada em João Pessoa uma grande fábrica de painéis solares,
atraída pelo nosso fantástico potencial e dos estados vizinhos. Grandes grupos têm pro-
curado o nordeste para investimentos deste tipo, a exemplo dos fabricantes de torres que
estão instalados na Bahia e de fabricantes de aerogeradores em Pernambuco.
O aproveitamento do grande potencial de energias renováveis no nordeste e mais es-
pecificamente na Paraíba, poderá transformar a região em grande polo exportador no
médio prazo.
Resumo
O objetivo deste estudo é analisar as dinâmicas econômica e social com viés na impulsão do
crescimento econômico regional a partir das instalações dos Parques de Energia Eólica na região de
Santa Luzia (PB). Para tanto se faz necessário uma pesquisa dos complexos eólicos, no que diz respeito
Objetivos
94 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Geral
Analisar as dinâmicas econômica e social com viés na impulsão do crescimento econômico a par-
tir das implantações dos Parques de Energia Eólica da Região de Santa Luzia (PB) e procurar respostas
para o entendimento de que este crescimento é ou não capaz de gerar Desenvolvimento Regional.
Específicos
. Avaliar o incremento das atividades econômicas do uso e fomento de fontes de energias reno-
váveis para o crescimento econômico e o desenvolvimento regional no território, se houver.
. Identificar de que forma as implantações dos empreendimentos de usinas de energias renová-
veis contribuem na condução de um processo dinâmico de crescimento econômico da área.
. Identificar os impactos socioambientais causados pela instalação dos parques eólicos nas co-
munidades do entorno das torres com aerogeradores.
. Analisar os mecanismos de incentivos governamentais adotados, de modo a garantir a conti-
nuidade do desenvolvimento do setor.
O uso de energias renováveis é um fator relevante para preservação dos recursos naturais,
controle do efeito estufa e, desde que o projeto seja ambientalmente bem elaborado, contribui
também para não alterar significativamente a paisagem natural com sua exploração (IEA, 2015).
Deve-se assinalar a importância de se buscar melhorar os padrões de consumo como maneira de
atingir eficiência energética para o entendimento do processo nas várias esferas de conhecimento,
além de ampliá-los sobre os investimentos estruturantes para a região na qual estão inseridos. Isto
termina por atrair produtos e serviços em função da geração de necessidades específicas. Eis a teia
complexa que justifica o estudo em tela.
A partir da construção de novos cenários no território com a instalação dos Parques Eólicos na
Região Santa Luzia (PB), surgem demandas pela ampliação de estudos sistemáticos sobre os impac-
tos econômicos e socioambientais resultantes do estado da arte. Com base na análise das diversas
variáveis, tais como cenários e atores sociais envolvidos, sendo possível contribuir para tomada de
decisões e políticas públicas que possam trazer benefícios para a comunidade através de ações que
tragam melhorias da qualidade de vida da população do entorno e da região.
A implantação das usinas de energia renováveis na região, provocaram mudanças significativas
na vida das pessoas e no território de maneira em geral, considerando que são investimentos que
estão em fase de crescimento, sendo importante conhecer os fenômenos ocorridos e os que ainda
estão por vir. Neste sentido, é importante realizar estudos com viés amplo e interdisciplinar para
conhecer as tendências a partir dos cenários que se configuram no presente e possíveis caminhos
que seguirão ao longo do tempo.
Assim, a partir da análise dos cenários em tela é possível identificar suas importâncias
sociais, que vão das contribuições ambientais de redução das emissões de gases de efeito estufa,
até o aumento na oferta de trabalho e renda por meio do pagamento dos arrendamentos de
terras, como também investimentos em programas socioambientais. Essas são variáveis impor-
95 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
tantes também nas análises dos impactos socioeconômicos dos empreendimentos, pois que
passa a remunerar o capital aplicado a terra e que na maioria das vezes, é ocioso ou muito
pouco explorado com agricultura e pecuária de subsistência.
Referências Bibliográficas
97 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Hídrica para Todos), publicado pela UNICEF, evidencia essa realidade a partir da consta-
tação de que, atualmente, 1,42 bilhão de pessoas vivem em áreas de alta ou extremamente
alta vulnerabilidade da água, o que corresponde a aproximadamente 20% dos habitantes
do planeta (UNICEF, 2021).
Esse contexto é justificado sobre várias perspectivas, uma delas é a distribuição irregu-
lar da água no espaço terrestre, o que compromete a disponibilidade efetiva deste recurso
para a população. O Brasil apresenta, em termos globais uma situação hídrica confortá-
vel, uma vez que possui cerca de 13% de toda água doce disponível no planeta (ANA,
2013). No entanto, a desigualdade na distribuição de água é uma realidade observada
quando as regiões do país são equiparadas, revelando áreas de escassez hídrica, em espe-
cial, a região semiárida nordestina e os centros urbanos do Sudeste. Na Região Norte,
por exemplo, onde há o menor contingente populacional, estão presentes quase 70% das
1
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) andrealeiteh@gmail.com
2
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) cidoval@gmail.com
3
Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) irivaldo.cdsa@gmail.com
99 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
assimetria social faz com que nem todos possam arcar com os custos das tarifas cobradas
pelo abastecimento. Esses cenários expõe o cerne político-social da crise da água.
Ao conceber a política como fundamento norteador para solucionar as problemá-
ticas relacionadas ao acesso à água, é necessário observar os modelos de gestão hídrica
praticados pelos países. O contexto mundial de mudanças decorrentes do crescente con-
sumo humano e da redução das reservas de água, exige da gestão política uma adequação
dos modelos adotados, no sentido de prover a garantia de acesso à água (Oliveira, 2011).
A ausência ou deficiência de políticas de gestão das águas intensificam os efeitos da crise
da água, enquanto, a implementação de políticas efetivas, podem impedir ou atenuar
muitas dos reflexos nocivos desse contexto (Banco Mundial, 2018).
Art.20, Inciso III - São bens da união (...) os lagos, rios e quaisquer correntes
de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de
limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham,
bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; (Brasil, 1988)
A Lei das Águas é baseada nos princípios de que a água é um bem de domínio público,
e por ser considerada um recurso natural limitado, é dotado de valor econômico (Brasil,
1997). Denominada como recurso, a água recebe uma atribuição econômica, aspecto que
é defendido com base no pressuposto de que essa atribuição torna a regulação mais efi-
caz. Porém, na perspectiva social, essa tipificação econômica da água abre margem para
A legislação brasileira justifica a cobrança pelo uso de recursos hídricos com a finalida-
de de reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma real indicação do seu
valor; incentivar a racionalização do uso da água; e, obter recursos para o financiamento
dos programas e intervenções contemplados nos Planos de Recursos Hídricos. (Brasil,
1997).
Apesar da aparente ambiguidade no tratamento econômico dado à água, a Lei 9.433/97
assegura que em situações de sua falta ou escassez, o uso prioritário dos Recursos Hídricos
é o consumo humano e a dessedentação de animais. É previsto que a gestão dos Recursos
Hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas e que a principal unidade
territorial da Política das Águas é a bacia hidrográfica (Brasil, 1997). Nesse sentido, as
águas de uma bacia hidrográfica devem beneficiar prioritariamente os que moram, vivem
101 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
e trabalham nesse território: “(...) sendo a bacia hidrográfica a estrada natural das águas, a
solidariedade se pratica primeiramente no interior da bacia, para depois transbordar para
fora” (Machado, 2018, p.32).
A propositura da Lei das Águas, baseada no modelo francês, é pautada no fundamento
de uma gestão descentralizada, delineada territorialmente pelas bacias hidrográficas e com
a participação integrada do Poder Público, dos usuários e das comunidades (Brasil, 1997).
Essa organização se dá principalmente nos Estados, a partir da criação dos comitês de ba-
cias hidrográficas. Nos comitês são integrados os representantes da União, do Estado, do
Município e dos diferentes segmentos da sociedade civil, configurando assim uma articula-
ção sociopolítica institucional característica do processo de governança (Jacobi, 2012). De
acordo com o art.39, inciso IV da Lei 9.433/97, cabe aos comitês representar os usuários
da água de sua área de atuação (Brasil, 1997).
O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH) é o con-
junto de órgãos e colegiados que concebe e implementa a Política Nacional das Águas.
Esse sistema é composto pelas seguintes estruturas: 1. Conselho Nacional de Recursos
Ainda nessa perspectiva, Cordeiro (2013, p.187) pontua: “O Estado, dessa forma,
financiou a concentração fundiária no Semiárido que esteve associada à vulnerabilidade
hídrica dos camponeses.” Observa-se, portanto, que as limitações do Estado contribuíram
para a manutenção das estruturas e desigualdades sociais, originárias da sua constituição
103 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
e resultantes de uma contraditória combinação de interesses e concepções tradicionais e
modernas (Martins, 1999). A partir do histórico das ações governamentais se torna possí-
vel compreender melhor a problemática política e social da água no Semiárido brasileiro,
e notar que as medidas até então aplicadas, não foram eficazes para a região.
A Conferência da ONU – Rio 92, proporcionou a ampliação do debate sobre a demo-
cratização no acesso à água e abriu espaço para uma maior reflexão quanto à abordagem
governamental sobre a questão da água no Semiárido brasileiro. A partir dessas discussões,
se concebeu uma nova política para o Semiárido: a convivência com a seca (Campos,
2014). Nesse direcionamento, as políticas de convivência com a seca buscam promover
soluções conectadas aos interesses e potencialidades locais, e agregando a participação da
sociedade civil nas decisões (ASA, 2002).
Uma política eficiente das águas deve, portanto, considerar que o Semiárido é um
território diverso e heterogêneo, fator que demanda soluções específicas para os seus
espaços socionaturais (Buriti; Barbosa, 2018). Dentre os inúmeros desafios para o de-
senvolvimento de políticas da água eficazes nessa região, destaca-se a conjuntura dos
105 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
A população alvo desse estudo são moradores da zona rural do agreste paraibano, de
forma específica, 10 moradias visitadas na Comunidade Jurema e 10 na Comunidade Juá.
Esses grupos pesquisados não possuem rede de abastecimento de água, e geograficamente
De forma análoga à maioria das áreas rurais, as comunidades investigadas não possuem
106 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
107 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
pluvial e fluvial. Não foram encontrados pontos de captação subterrânea de uso particular
nas comunidades, de nenhum tipo, seja na forma de poço caipira ou tubular. O único
poço verificado foi a estrutura vinculada ao PAD na Jurema, para uso comunitário. As
águas superficiais utilizadas pelos moradores são captadas através de dois mecanismos. O
primeiro, voltado para captação da “água de beber” foi o sistema para captação de água da
chuva através de calhas, conectadas ao telhado das casas e fazendo a condução da água até
as cisternas. Já a água do Rio Paraíba é captada por meio de bombeamento.
No Juá, a maioria das casas possui sistema bombeamento particular ou compartilha-
do entre vizinhos, para captação da água canalizada do Rio Paraíba. Enquanto isso, na
Jurema, é inexpressivo o número de casa com bombeamento próprio, nesse caso, a maioria
das residências paga uma mensalidade de R$ 50,00 pelo bombeamento, realizado por uma
equipe itinerante que possui bombas e canalização e comercializam este serviço. O bom-
beamento é feito duas vezes por semana, e para cada moradia abastece uma caixa d’água
com capacidade de 1000 litros, que irá servir para higiene, bem como para atividades de
subsistência.
tados afirmou que não adota nenhuma modalidade de reuso, e transpareceram não ter
consciência da importância dessa prática ou de possuir orientações de como implementar
tal modalidade nas rotinas diárias. O desinteresse em reutilizar a água captada do Rio
Paraíba fica evidente mediante a impressão de má qualidade dessa água pelos moradores,
percebida como salobra e detentora de poluição de várias origens. Em seu curso, essas
águas recebem dejetos humanos e animais, uma vez que não há saneamento básico na
região, e, além disso, há escoamentos de agrotóxicos e resíduos de carcinicultura, situação
informada pelos próprios moradores que consomem essa água bruta, sem nenhum estágio
de tratamento.
O descarte das águas utilizadas no Juá e na Jurema é feito por canalizações a poucos
metros da residência, e o esgoto é direcionado para uma fossa rudimentar em 90% das
casas, e nos outros 10%, o esgoto é lançado em vala. Todas as moradias visitadas possuem
vaso sanitário, em sua maioria instalados no interior das casas. Considerando esse contex-
to, é importante destacar que, o descarte inadequado de água e esgotos promove a conta-
minação do meio ambiente e consequentemente ao adoecimento da população.
Dá pra viver (...) fica mais complicado quando não chove, por que falta a água doce
pra gente. (homem, 55 anos, agricultor)
Eu não acho muito bom não, falta um conforto pra ter água, sabe?! É sacrificado.
(mulher, 55 anos, agricultora)
109 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
fica consequentemente mais concentrada e salobra, como também impacta em atividades
que dependem da água do rio, como a piscicultura e a irrigação para agricultura.
Pode colocar aí como bom, mas tem algumas vezes que tá fedendo a água do rio.
(mulher, 60 anos, aposentada)
Considerações
A partir do estudo desenvolvido nas comunidades rurais Jurema e Juá, os dados ob-
tidos retratam uma precariedade quanto às formas de acesso à água. Foram identificadas
fragilidades quanto à disponibilidade e também sobre a qualidade da água que essa popu-
lação consome. As cisternas, como principal forma de armazenamento da água da chuva,
utilizada para beber e cozinhar, não supre a demanda do ano inteiro nas moradias; quando
ocorre o esgotamento dessa fonte, a alternativa de compra não garante nenhuma regula-
111 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
mentação da origem ou tratamento da água vendida porta a porta. Mesmo a presença dos
programas de universalização, como o PAD e Operação Carro Pipa, não garante a abran-
gência da maioria da população local, uma vez que a obtenção daquela água exige deter-
minada logística para o transporte, nem sempre viável ao morador, mediante as distâncias
entre a sua casa e o ponto de distribuição.
A vulnerabilidade dessas localidades também é observada a partir da constatação de
que a média de consumo de água por morador, para beber, cozinhar e higiene pessoal, não
ultrapassa 60 litros por dia, um índice que representa pouco mais da metade da quanti-
dade recomendada pela Organização Mundial da Saúde, que é de 110 litros/dia. Esses re-
sultados sobre as condições de acesso deficitários nas comunidades observadas apresentam
o distanciamento entre a realidade do Semiárido rural brasileiro e as metas do objetivo de
desenvolvimento sustentável da ONU, o ODS 6, que preconiza a universalização da água
potável e do saneamento.
A inexpressiva ou mesmo inexistente participação política dos moradores da Jurema e
do Juá quanto à governança das águas reflete o desafio vinculados aos processos de cidadania
Resumo
Abstract
The main objective of this study was to understand the forms of access and governance of
water in rural communities in the Brazilian semi-arid region. The investigation took place from the
social and political perspectives, aiming to identify how these peripheral communities have access
to water, and to find out how the social participation of the residents of these locations in water go-
vernance takes place. In order to achieve an integrated and multidimensional understanding of the
social and political situation of the observed locus, social research with a qualitative-quantitative
approach was adopted as a methodological guideline. The analyzed data come from pre-structured
interviews with the residents of two rural communities in the agreste region of Paraíba. Among the
results identified, the following stand out: the absence of a water supply network in the region; the
significant coverage of the P1MC-ASA; the lack of quality monitoring of the water consumed; and,
Referências Bibliográficas
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Introdução
117 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
apropria sustentavelmente da geodiversidade presente nos espaços com elementos geo-
lógicos e geomorfológicos que se tornam recursos para a visitação. Entre os espaços com
potencial para o desenvolvimento do geoturismo no Brasil, a Área de Proteção Ambiental
do Cariri Paraibano (APA do Cariri) criada pelo Decreto estadual 25. 083/2004 se destaca
por apresentar potencialidade elevada para a prática geoturística. A área compreende um
total de 18.560 hectares estendendo-se por três municípios paraibanos pertencentes as
Regiões Intermediária e Imediata de Campina Grande- PB, a saber: Boa Vista, Cabaceiras
e São João do Cariri.
Nesse sentido, a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) criou em
2018 o projeto Geoparque Cariri, que apresentou 20 geosítios com potencial para ativi-
dade de geoturismo, sendo 13 na Área de Proteção Ambiental do Cariri Paraibano (APA).
1
Licenciado em Geografia pela Universidade Estadual da Paraíba
Mestrando em Geografia pela Universidade Federal da Paraíba
2
Departamento de Geografia, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade
Estadual da Paraíba, Brasil e Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba,
Brasil.
Referencial teórico
Geodiversidade
tion do Reino Unido é usada por vários autores e considera que a geodiversidade consiste
na variedade de ambientes geológicos, fenômenos e processos ativos que dão origem a
paisagem, rochas, minerais, fosseis, solos e outros depósitos superficiais que são o suporte
para a vida na Terra. Nesse sentido, geólogos e geomorfólogos passaram a descrever geo-
diversidade como sendo variedade abiótica na natureza (GRAY, 2004). De acordo com
Azevedo (2007), a geodiversidade está relacionada as variedades de rochas, solos, e todos
os processos que modelam a crosta terrestre.
Na ótica do Serviço Geológico do Brasil- SGB, o termo geodiversidade é aplicado
ao estudo da natureza abiótica (meio físico), constituída por uma variedade de ambien-
tes, composições, fenômenos e processos geológicos que dão origem às paisagens, rochas,
minerais, águas, fósseis, solos, clima e outros depósitos superficiais que propiciam o de-
senvolvimento da vida na Terra, tendo como valores intrínsecos a cultura, o estético, o
econômico, o científico, o educativo e o turístico (CPRM, 2006).
Partindo desses pontos, pode-se entender que a geodiversidade é um conjunto de
fatores abióticos que a modelam a superfície terrestre, podendo ser de caráter geológico
Geoturismo
Hose (1995) considera o Peak District United Kingdom, na Inglaterra o berço de prá-
ticas de geoturismo, onde havia visitas as cavernas e minas desde o século XVII, a definição
só venho em 1995, onde Hose chamou geoturismo de “a provisão de serviços e facilidades
interpretativas que permitem aos turistas adquirirem conhecimento e entendimento da
geologia e geomorfologia de um sítio” (HOSE, 1995,p. 136). Em 2000 Hose redefiniu
o conceito como sendo: Serviços e meios interpretativos que promovem o valor e os be-
nefícios sociais de lugares com atrativos geológicos e geomorfológicos, assegurando sua
conservação, para o uso de estudantes, turistas e outras pessoas com interesses recreativos
e de ócio. (HOSE,2000. p. 136).
No que tange a importância cientifica do conceito, Moreira (2014) ressalta que o
geoturismo não pode ser considerado um modismo, pois, apesar do termo ser considerado
recente, existe diversos trabalhos sobre o termo, no mundo inteiro, Jorge e Guerra (2016)
compreendem a importância da divulgação cientifica, por meios de trabalhos, pois, quan-
to mais for divulgado, mais chance de assegurar as atividades de geoturismo.
No entanto, há uma preocupação no uso dessas atividades geoturísticas, pois, se não
houver plano de manejo, a área pode ser degradada, fazendo o efeito contrário a proposta
do geoturismo, nessa discussão, Jorge e Guerra (2016) ressaltam sobre os pontos negativos
119 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
de áreas com atividades de geoturísmo, ou seja, mesmo com atividades sustentáveis, os im-
pactos negativos podem refletir na degradação da geodiversidade, o que leva a necessidade
de um plano de manejo, pois é indispensável em um projeto de geoturísmo.
Metodologia
Resultados e discussões
121 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
to da geodiversidade e uma análise sobre todo o contexto do geoparque Cariri, sobretudo
a extensão da APA, um total de 18.560 hectares. Para esse trabalho, mostraremos as prin-
cipais características dos 4 geossítios que apresentaram maior índice de aproveitamento
geoturístico, a saber: Lajedo Pai Mateus, Lajedo Salambaia, Lajedo do Bravo e Lajedo
Sacas de Lã.
O Lajedo do Pai Mateus (Figura 2), está localizado a 18,5 km da sede do muni-
cípio de Cabaceiras-PB, que por sua vez, é inserida na região imediata e intermedia-
ria de Campina Grande. A área é conhecida nacionalmente e internacionalmente pela
geodiversidade, onde já foi cenário de filmes e minisséries brasileiras como: Alto da
Compadicida (1999) Onde Nascem os Fortes (2018) entre outros. O mar de bolas,
como também é chamado, possui pinturas rupestres, pintadas pelos índios cariris, cerca
de 12 mil anos atrás.
Inserido no Plúton Bravo na poção sul. O lajedo de Pai Mateus, passou por diversos
processos pedogenéticos, no qual, resultou nas condições de centenas de blocos esferoidal,
formando uma área de matacões, alguns, com cavidades abobadadas, que servia de abrigo
para os índios cariris (Lages et al. 2018).
122 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
2 - Lajedo da Salambaia
123 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Diante dos dados obtidos para o Lajedo da Salambaia, observou-se que o geossítio
apresenta índice de aproveitamento geoturístico positivo e com valor expressivo quanto a
valoração dos subcritérios, dessa forma, para esta área, pôde-senotar que a soma dos crité-
rios (PGtur) evidencia o índice do local para a atividade degeoturismo.
124 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
3 - Lajedo do Bravo
Localizado na Zona rural do município de Boa Vista, o Lajedo do Bravo (Figura 04),
é formado por diversas feições oriundas de processos técnicos- estruturais. Está inserido a
leste no plúton Bravo e apresenta uma variedade de geoformas, o qual,proporcionou uma
geodiversidade na paisagem.
De acordo com Lages (2018) o Lajedo do Bravo possui 260 m de comprimento, 130
de largura, em alguns pontos e 30 m de altura, em média. Como o geossítio faz parte do
grande batólito, e por sua fez está no extremo leste, há uma zona de fraturas no sentido
norte-sul, essas fraturas, foi resultado de alívio de pressão do granitoide. Possui varie-
dade de blocos, matacões e geoformas que apresentam diferentes feições. O local além
de possuir uma expressiva geodiversidade, ainda contempla elementos arqueologicos,
proporcionada pelas pinturas rupestres dos índios cariris nos blocos e matacões, além de
12 geoformas com potencial para o geoturismo NASCIMENTO; PEREIRA; SOUZA;
XAVIER, 2019.
Dessa forma, após a aplicação da fórmula do IAGtur para o Lajedo do Bravo, obteve-
-se um índice bem expressivo para o aproveitamento geoturístico do geossítio como pode
125 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
ser visto na tabela 3.
O IAGtur do Lajedo do Bravo, deu-se valores altos nos subcritérios, para esse geos-
sítio, o valor cultural foi expressivo, tendo em vista que o local, possui um cemitério
indígena entre duas rochas, o que fama a atenção de turistas para a trilha que leva a essas
feições.
Figura 05 - Sacas de Lã
Fonte: XAVIER, Rafael. 2015. (Acervo Pessoal).
126 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
De acordo com Lima et al. (2009), Sacas de Lã é considerado blocos poliédricos que
por sua vez, são blocos amontoados, nesse sentido, Lages et al. (2013) afirmam que o
amontoado de blocos possui cerca de 20 m de altura, e apresentam formas de modo geral
expressivo regular. No que concerne a formação dessa feição, os autores tecem:
Diante disso, o geossítio Sacas de Lã, possui uma singularidade na paisagem, pois além
da feição, o Riacho Boa Vista, dá um aspecto exuberante na paisagem do Cariri paraibano e
127 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Cânion doRio Soledade (IAGtur: 2,76) e Lajedo Manoel de Souza (IAGtur: 2,30).
Para os geossítios Pedra Oca (IAGtur: 0,68) e Pedra do Cálice (IAGtur: 0,20) que apre-
sentaram potecial baixo, de acordo com a metodologia, esses pontos ainda possuem poten-
cial geoturístico, por outro lado, os geossítios Brecha Magmatica, Tanques com Enclaves de
Diorito e Mistura de Magmas apresentaram índice negativos, o que caracteriza que os pontos
não possuem potencial para serem aproveitados para atividade de turismo, os valores do
IAGtur foram: (IAGtur: -0,97), (IAGtur: -0,49) e (IAGtur: -0,49) respectivamente.
Nessa ótica, a tabela 05 mostra o ranking dos 13 geossítios e seus recpectivos IAG de
forma decrescente, o que facilita a visualização de todos os pontos de interesse, partindo
desse pressuposto, a figura 06 apresenta o mapa com a localização dos 10 geossítios classi-
ficados com índices positivos para o aproveitamento geoturístico.
128 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Figura 06-Mapa de Localização dos geossítos classificados com índice positivo para IAG
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
129 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Estadual do Pico do Cabugi, no estado do Rio Grande do Norte, encontrou lixos e outras
formas de depredação, o que ressaltaram a ausência de educação ambiental, sobretudo dos
turistas que foram visitar a área.
Para Moura-Fé (2015) esse segmento geoturístico além de possuir importância para
o âmbito científico e educacional, pode gerar empregos para a comunidade e desenvolver
a área, tento em vista a crescente procura por um turismo sustentável, além disso, o autor
enfatiza as questões de logísticas, atribuindo ao poder público uma intervenção em fatores
que contribuem para o aumento de visitações.
Nesse sentido, Silva et al (2021) argumenta acerca da necessidade de catalogação das
áreas que apresentam potencial geoturístico, e que esses inventários apresentem o máximo
de informações do local, se já possui atividade de turismo bem como, dados sobre a geo-
diversidade da área. Nesse sentido, o Geoparque Cariri (proposta da CPRM 2018) possui
diversas discussões científicas sobre a área, Souza (2019) apresenta o Lajedo da Salambaia
como um geossítio que apresenta um geoturísmo ainda esporádico, mas com grande ap-
tidão para essa atividade.
Conclusão
130 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
131 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Resumo
Referências Bibliográficas
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Agradecimentos
Introdução
135 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
de massa, gerando degradação ambiental nas áreas exploradas. Uma alternativa susten-
tável, é o turismo de base comunitária, que visa atender a necessidade de conservação
cultural e também ambiental de uma comunidade além de estimular o desenvolvimento
econômico local. A pratica do turismo de base comunitária são comuns em unidades de
conservação.
No Estado da Paraíba, a Área de Proteção Ambiental (APA) da Barra do Rio
Mamanguape vem experimentando um crescente turismo nos últimos anos. O principal
atrativo turístico encontrado nessa unidade de conservação é o Projeto Viva o Peixe-boi
Marinho, que trabalha na preservação, conservação e manejo dos peixes-boi no seu habitat
natural, além das belíssimas paisagens naturais.
1
Estudo realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Estadual
da Paraíba durante o componente Turismo e Meio Ambiente ministrado pelo Prof. Dr: Rafael Albuquerque
Xavier.
2
Universidade Federal da Paraíba; Mestranda em Geografia - rafalgoomes@gmail.com
3
Universidade Estadual da Paraíba Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional
rafaelxavier@servidor.uepb.edu.br
O ecoturismo se caracteriza por atividades que são pautadas em uma relação de susten-
tabilidade e conservação com a natureza, de acordo com o Ministério do Turismo (2010) o
“Ecoturismo é um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patri-
mônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência
ambientalista por meio da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das po-
pulações”, e o que diferencia do turismo convencional é que neste, consiste normalmente na
contemplação de monumentos e paisagens porém sem haver a interação direta.
Logo, no Ecoturismo existe o envolvimento, a ação e o movimento ligado ao meio am-
biente e principalmente pessoas em busca de experiência e contato próximo com a natureza,
seja com a fauna, com a flora, com as formações rochosas, com as paisagens, com os espetá-
136 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
culos naturais, além de ser um turismo informativo, trazendo curiosidades sobre a natureza,
sobre o ambiente e o local, promovendo uma maior integração e educação ambiental.
Desse modo, os praticantes do o ecoturismo irão adquirir consciência e conhecimento
tanto de aspectos naturais quanto culturais a partindo da oportunidade de imergir na
natureza que irá lhe converter em alguém profundamente envolvido com as questões de
conservação, algo que com sua rotina urbana não o permite. (Ceballos-Lascuráin, 1990).
O Ecoturismo é uma tendência mundial, que demanda desde a pratica de esportes radi-
cais até o estudo cientifico dos ecossistemas, essa modalidade turística possui alguns objetivos
como promover e desenvolver o turismo com base cultural e ecologicamente sustentável e tam-
bém promover e incentivar investimentos para a conservação de recursos naturais e culturais
utilizados. Para que essa atividade turística aconteça é necessário três condições básicas: 1) de-
senvolvimento sustentável; 2) educação ambiental; 3) Envolvimento das comunidades locais.
Para Weaver (2008) o ecoturismo é uma forma de turismo que potencializa as
experiências e aprendizagem do meio natural, ou de seus componentes, associadas aos
contexto cultural.
137 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
sentimento de pertencimento.” (Irving ,2009, p.111)
Essa atividade turística oferece uma experiência sensorial, põe seus visitantes em con-
tato com a cultura, com aprendizados tendo sua base para importância da preservação
e da conservação ambiental, possibilitando entender a importância daquele local com a
história, com a cultura das pessoas que moram naquele ambiente, com essa conexão que
o turismo proporciona. “Este tipo de turismo representa, portanto, a interpretação ‘local’
do turismo, frente às projeções de demandas e de cenários do grupo social do destino,
tendo como pano de fundo a dinâmica do mundo globalizado, mas não as imposições da
globalização.” (IRVING ,2009, p.111).
De acordo com as normativas do ICMBio, 2018;
Turismo de Base Comunitária é um modelo de gestão da visitação protagoniza-
do pela comunidade, gerando benefícios coletivos, promovendo a vivência intercul-
tural, a qualidade de vida, a valorização da história e da cultura dessas populações,
bem como a utilização sustentável para fins recreativos e educativos, dos recursos da
Unidade de Conservação.
139 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
A FMA é a responsável pela a conservação dos mamíferos marinhos, e se trata de
uma organização não governamental, sem fins lucrativos, que atua nacionalmente e visa
preservar o meio ambiente, promovendo a conservação dos mamíferos aquáticos e seus
habitat natural. Conforme a FMA o projeto Viva o Peixe-Boi Marinho:
141 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Dito isto, nota-se que na APA da Barra do Rio Mamanguape possui a difusão de uma
conscientização ambientalista; o benefício econômico direto para as populações que habi-
tam nessas áreas, com a sua participação na composição do planejamento das atividades
econômicas em suas comunidades, como pontuado por (Endres,1998). Fortalecendo o
pensamento da conservação ambiental, do uso sustentável e consciente visando o não
esgotamento dessa natureza, onde a própria comunidade é a fiscalizadora e protetora da-
quele ambiente.
Essa conservação só é possível por intermédio da educação ambiental, que é o segundo
parâmetro analisado desse estudo, sendo caracterizado como uma ferramenta que atua
ajudando as pessoas a entenderem que cada um é parte do meio ambiente e propondo
uma reflexão sobre a construção dos caminhos que envolvem os aspectos dessa nova
143 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
relação entre a humanidade e a natureza.
Como proposto pelo (Grupo de Trabalho de Educação Ambiental das Organizações
Não Governamentais no Fórum Global,1992) “a Educação Ambiental é considerada
um processo permanente pelo qual os indivíduos e a comunidade tomam consciência
do seu meio ambiente e adquirem conhecimento, os valores, as habilidades, as expe-
riências e a determinação que os tornam aptos a agir –individual ou coletivamente – e
resolver problemas ambientais.”
Com isso, o papel da educação ambiental é fazer com que os indivíduos adquiram
consciência crítica, levando as pessoas a compreender a natureza, e a importância da sua
preservação, e essas atitudes juntamente com a atividade turística fazem com que não ape-
nas as comunidades que estão inseridas nesse ambiente tenham consciência, mais através
da visitação por parte dos turistas outras pessoas com o contato direto com os problemas
ambientais como forma de causar “incômodo” estimule a mudança de atitude.
Na APA da Barra do Rio Mamanguape é possível conhecer vários ecossistemas: o man-
guezal com o estuário, a parte marinha, as formações recifais, fragmentos da mata atlântica,
Apesar dessas atividades, de acordo com o plano de manejo (2014) elaborado pelo
PNUD (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), existem alguns impactos na
APA como o: turismo predatório/desordenado; especulação imobiliária/empreendimentos
hoteleiros; carcinicultura/pesca predatória; expansão da cultura canavieira/desmatamento;
145 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
potencial da comunidade para a construção participativa do ecoturismo de base comu-
nitária no que se refere as potencialidades turísticas, todavia quanto ao desenvolvimento
de fato, ainda existe muito a ser articulado, não só pelo o interesse da comunidade local,
mas do apoio de entidades governamentais, para subsidiar a construção”
De modo geral, a APA necessita de um maior investimento para a pratica da ativi-
dade turística, não se limitando apenas ao projeto peixe-boi que atualmente é o princi-
pal foco do lugar, mais também aproveitar dos vários ecossistemas que essa localidade
oferece.
A APA necessita de algumas melhorias para potencializar essa atividade, como
a maior divulgação, disponibilizar uma melhor estrutura tanto nas vias de acesso,
por se tratar de um área de canavial que contém poucas placas de sinalização, e até
mesmo de uma melhor infraestrutura em relação a hospedagem, e articulação entre
as entidades governamentais, entre outras procedimentos a serem tomados, assim
potencializando esse lugar rico em belezas naturais e que precisa ser conhecido por
mais pessoas.
Resumo
Referências Bibliográficas
147 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
trução participativa na barra do Rio Mamanguape-PB. 2015.
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Introdução
149 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
nas empresas. A exploração da gestão da comunicação como ferramenta de estratégia na
área do turismo, promove não só uma reflexão sobre os conteúdos que são difundidos nos
meios digitais como o surgimento de novos desafios comunicativos na promoção dos ser-
viços. O incremento do turismo a nível mundial, vantajoso para os promotores turísticos,
é promovido não só pelo uso da Internet como pela melhor compreensão da utilização da
comunicação digital. Neste artigo são descritas algumas das ferramentas digitais de comu-
nicação promovidas pelo Turismo de Portugal, com o intuito de promover o enoturismo
e os territórios vinhateiros.
Comunicar no Enoturismo
1
Doutoranda em Ciências da Comunicação na Universidade da Beira Interior
e-mail: catarinaferreiragrilo@gmail.com
territórios.
O Turismo desde o ponto de vista de Wainberg (2003:45), “é um fenómeno especial
da comunicação humana”, transformando uma realidade desconhecida, nunca antes ex-
plorada, num produto desejado. A utilização de uma boa planificação da comunicação “na
complexidade do produto turístico pode conduzir a empresa ao sucesso” (Ruschmann,
2003:182). Com a facilidade de acesso às plataformas digitais, a decisão de aquisição de
um produto turístico está diretamente interligada com a imagem que é difundida digital-
mente. As novas tecnologias vieram estimular as economias, possibilitando a criação de
novas tendências comunicativas. Para Thompson (1995:149), a instantaneidade da troca
de mensagens possibilita e facilita a partilha de informações sobre os destinos, esbatendo as
barreiras geográficas e tornando todos os locais acessíveis, promovendo o turismo através
da utilização da comunicação digital.
Neste mundo onde as tecnologias invadiram o nosso quotidiano, através da internet
e das redes sociais, importa refletir sobre a relevância da comunicação digital na gestão
da comunicação em turismo. As tecnologias da informação e comunicação promovem
151 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
as empresas devem concentrar-se em quatro catalisadores de mudança: a economia; a
mentalidade do consumidor; as possibilidades tecnológicas e as plataformas (Deloitte
Development LLC, 2017).
O Turismo de Portugal, sendo a Autoridade Turística Nacional integrada no Ministério
da Economia e Transição Digital (Turismo de Portugal, s/ d-a), é o responsável pela pro-
moção, valorização e sustentabilidade da atividade turística. Este organismo agrega numa
única entidade todas as competências institucionais relativas à dinamização do turismo,
desde a oferta à procura de produtos turísticos.
As estratégias de comunicação e de promoção dos produtos turísticos foram sendo al-
teradas ao longo dos anos. Em 2013, O “Destino Portugal” sofreu uma das maiores altera-
ções com a introdução da comunicação e marketing digitais, considerando esta abordagem
mais eficaz na promoção de um destino turístico, do que as tradicionais campanhas offline.
Foram realizadas mais de 400 campanhas online, adaptadas às necessidades específicas de
cada mercado (Turismo de Portugal, 2014). Adicionalmente, houve uma mudança na
promoção das plataformas online, por se ter conhecimento que é nessas plataformas que
153 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
conteúdos, partilhando as suas histórias nas redes sociais e, nessa medida, o seu património
vivido através de fotografias estivesse relacionado com os sítios classificados pela UNESCO
como Património da Humanidade. A abordagem conceptual da campanha esteve ancorada
em plataformas digitais, com destaque para o Instagram, e incorporou funcionalidades
inovadoras através do uso do som que proporcionava um ambiente intimista e emocional
às histórias sobre o nosso Património. A campanha teve início em dezembro de 2019, pro-
longou-se durante 2020, tendo um investimento total de cerca de 200 mil euros. Passando
pela Universidade de Coimbra, a Arte Rupestre do Vale do Côa, a Dieta Mediterrânica, a
Paisagem Vínica da Ilha do Pico, o Mosteiro da Batalha, a Paisagem Cultural de Sintra, o
Centro Histórico de Évora, a Floresta Laurissilva da Madeira, o Alto Douro Vinhateiro até
aos Caretos de Podence.
mais do que nunca, os destinos turísticos são a inspiração para viajarmos por Portugal,
mesmo estando em casa.
155 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
nível do artesanato, do turismo de natureza, da gastronomia e do agroturismo (UNWTO,
2018), bem como os “prémios alcançados pelo vinhos portugueses que colocam Portugal
entre os melhores do mundo, sendo um cartão de visita para potenciar o Enoturismo”
(Turismo de Portugal, 2017:48), neste sentido a oferta enoturística em Portugal tem-se
qualificado por forma a dar resposta a uma procura cada vez mais exigente.
A atividade promocional do enoturismo está ancorada à preservação e valorização eco-
nómica do património cultural e natural de Portugal, perante este fenómeno os territórios
e os gestores turísticos possuem novos desafios comunicativos na promoção dos seus pro-
dutos e serviços. Do ponto de vista de Scott (2008) as novas regras de posicionamento do
marketing enunciam que as empresas devem fomentar autenticidade na disponibilização
de bons conteúdos e no processo de compra de produtos e/ou serviços online.
Portugal possui 14 regiões vitivinícolas e em todas elas encontramos locais convidati-
vos para conhecer as particularidades da gastronomia e dos vinhos. O tema do Enoturismo
em Portugal está a ser fortemente potencializado pelo Turismo de Portugal (Turismo de
Portugal, 2019b), até ao ano de 2027. Através das seguintes campanhas:
157 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
3 – Programa de Ação para o Enoturismo: Portuguese Wine Tourism (inserido na
Estratégia de Turismo 2027).
Considerações Finais
futuro serão cada vez mais seletivos, procurando as viagens que mais se adequam às suas
expectativas através das ferramentas digitais.
O Turismo de Portugal tem vindo a acompanhar as tendências internacionais com a
dinamização e planeamento da sua comunicação digital, através das Redes Sociais com
um aumento significativo de seguidores e com a dinamização de inúmeras iniciativas,
tais como: Programa BEST 2020; #HeritageToShare; #LerPortugal; #CantSkipHope;
Wine pairs with Portugal; Estratégias de Turismo 2027 e o Programa de Ação para o
Enoturismo. O Turismo vai ter que continuar a apostar em tecnologias digitais que
melhorem o seu crescimento, permitindo ter uma visão mais digital dos negócios e
capacitar os promotores turísticos, com a previsão que o caminho para o sucesso passa
incondicionalmente pelo online. Para pesquisas futuras, seria útil saber por exemplo:
Que tipo de informações procuram os turistas na internet, sobre os locais que preten-
dem visitar? A procura da informação é feita nos websites e redes sociais governamen-
tais, semelhantes ao Turismo de Portugal, ou procuram informações diretamente nos
promotores turísticos? A análise de este tipo de estudos seria com certeza valiosa para os
Resumo
159 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
de utilização dos canais digitais na gestão e promoção dos destinos turísticos.
Até 2027 estão em decurso duas estratégias: a Estratégias de Turismo 2027 (ET27) - Liderar o
Turismo do Futuro em Portugal e o Plano de Ação para o Enoturismo. Nestes casos, são enuncia-
das algumas tendências internacionais de turismo com impacto regional, onde são referenciados os
produtos endógenos como ativos, diferenciadores e qualificadores dos territórios.
Sabendo que os turistas do futuro serão cada vez mais seletivos, procurando as viagens que
mais se adequam às suas expectativas, o enoturismo terá que apostar em tecnologias digitais que
melhorem o seu desenvolvimento e crescimento.
Palavras-Chave: Comunicação Digital, Turismo, Enoturismo
Referências Bibliográficas
161 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
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Visitportugal
E DESENVOLVIMENTO RURAL
Introdução
165 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
1
Professor da Unesp, Campus de Presidente Prudente. E-mail: nivaldo.hespanhol@unesp.br
2
Professora da Unesp, Campus de Presidente Prudente. E-mail: rosangela.hespanhol@unesp.br
canais, mas os CCCA apresentam grande potencial de expansão, ainda que enfrentem
dificuldades para se consolidar.
A agricultura urbana e periurbana (AUP) pode ser apreendida, de forma geral, como
uma modalidade de produção agropecuária realizada no interior das cidades (espaço in-
traurbano) e no seu entorno (espaço periurbano). Ela é praticada desde o surgimento
das primeiras aglomerações humanas, conforme evidenciam Mougeot (2000), Madaleno
(2001), Roose (2003) e Zaar (2011), e ganhou ainda mais relevância a partir do final do
século passado, com o agravamento da crise econômica em vários países.
Madaleno (2001) salienta que, na atualidade, a AUP está cada vez mais integrada
à gestão urbana, particularmente nos países europeus e da América do Norte, podendo
se constituir numa importante forma de organizar a produção de alimentos, com vistas
a diminuir a pobreza por meio tanto da disponibilização de alimentos frescos, quanto
167 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
tos, conforme destacam Goodman (2002) e Cassol (2013), o que favorece o fortalecimento
das chamadas Redes Alimentares Alternativas (RAA), como o fair trade (comércio justo) e as
Community Supported Agriculture - CSA (Agricultura Apoiada pela Comunidade).
Em países mais avançados, há várias iniciativas nessa direção, tais como as Associations
pour le Maintien d’une Agriculture Paysanne - AMAPs (Associações para Manutenção de
uma Agricultura Camponesa), na França; os Gruppi di Acquisto Solidale - GAS (Grupos
de Compra Solidária), na Itália; e os Grupos Autogestionados de Konsumo - GAKs (Grupos
Autogestionados de Consumo), na Espanha, os quais vêm ganhando importância no
abastecimento alimentar (Renting, et al. 2012; Abreu et al., 2019).
Belik e Cunha (2018, p. 71) salientam que
a eles direcionados, podem contribuir para que os alimentos tenham preços mais justos,
tanto para os consumidores como para os produtores (Rover, Ramos e Miranda, 2020).
Como implicam custos mais baixos com transporte, dado o menor deslocamento dos
produtos, tendem a favorecer o desenvolvimento socioeconômico dos territórios locais,
já que beneficiam um número maior de agricultores (Bava, 2012), além de estimu-
larem o cultivo de produtos agroalimentares que fazem parte dos hábitos locais dos
consumidores.
No Brasil, a distribuição de alimentos realizada pelas grandes centrais de abasteci-
mento é prevalente. Contudo, itens perecíveis como hortaliças, especialmente as folhosas,
menos resistentes ao transporte em longas distâncias, têm sido produzidos no interior das
cidades, no seu entorno ou em áreas rurais situadas nas suas proximidades e comercializa-
dos principalmente por meio de CCCA.
Não há, no país, uma definição oficial de CCCA, diferentemente do que ocorre na
França, onde se admite até um intermediário para o enquadramento nessa categoria.
No entanto, normalmente se considera que os CCCA abrangem tanto a venda direta a
169 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
217.410 (97,96% do total) residiam em áreas urbanas.
A AUP é significativa em Presidente Prudente, sendo praticada em quintais de residên-
cias, terrenos não edificados, áreas públicas no interior da cidade e em terrenos particulares
de maior dimensão situados em áreas periurbanas. Parte de sua produção é direcionada à
subsistência dos seus praticantes e parte se destina à venda, destacando-se, neste caso, os
chamados CCCA, que abarcam tanto a venda direta dos produtores aos consumidores,
quanto os intermediários que adquirem os alimentos e os revendem.
171 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
produtos tanto na loja quanto por meio de aplicativos da internet. Semanalmente, clientes
recebem, num grupo do WhatsApp, uma lista de produtos disponíveis, sendo mantida,
assim, a comunicação periódica com a clientela.
O sistema hidropônico é empregado por um dos pesquisados, que é sócio da empresa
“Viva Verde”. Os cultivos são realizados em trinta estufas instaladas numa área de cerca
de 10.000 metros quadrados, dedicadas exclusivamente à produção de hortaliças de folha-
gens. Em média, são produzidos trinta mil maços de hortaliças de folhas por mês, e grande
parte é vendida para supermercados e hipermercados de Presidente Prudente. Pequenos
intermediários também adquirem as folhosas no local de produção e as revendem em do-
micílio e/ou em pontos de venda (bancas) instalados em vias públicas da cidade.
Todos os pesquisados produzem folhosas, sendo que seis (46,1%) produzem tam-
bém frutos, raízes e/ou tubérculos em determinadas épocas do ano, com destaque para
a abóbora, o chuchu, o pimentão, o rabanete e a mandioca. Entre as frutas produzidas
pelos pesquisados, destacam-se a acerola e a banana, que são cultivadas por quatro
(30,7%) deles.
173 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
b) feiras livres;
c) bancas de rua;
d) mercados de bairro;
e) vendas em domicílio;
f ) supermercados, e
g) lojas próprias.
Mais da metade (53,8%) dos pesquisados utilizam canais variados de comercialização.
Isso ocorre pelo fato de os agricultores, sobretudo os pequenos, possuírem acesso limitado
aos mercados. Os custos envolvidos na comercialização (combustível, desgaste de peças
etc.) também podem ser maiores, especialmente pelo uso dos seus próprios veículos para
realizar a entrega dos produtos. Alia-se a isso a diversidade dos produtos, a pequena escala
da produção e a exigência de regularidade nas entregas (Rover, Ramos e Miranda, 2020).
Quase 40% dos pesquisados possuem pontos de venda nos próprios locais de pro-
dução (38,4%); pouco mais de 30% costumam vender os seus produtos a pessoas que
os comercializam em bancas instaladas ao longo de vias públicas da cidade (30,7%), e
Nº de
Bairro Dia da semana Período
Bancas
175 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Jd. São Matheus Quarta Tarde 57
Cohab Quinta Manhã 55
Ana Jacinta Quinta Tarde 52
Jd. Vale do Sol Sexta Tarde 45
Jd. Brasil Novo Terça Tarde 33
João Domingos Sábado Tarde 32
Vila Dubus Sexta Manhã 29
Jd. Panorâmico Quarta Tarde 28
Jd. Paulista Quarta Manhã 26
Pq. Girassóis Quinta Tarde 25
Res. Servantes Terça Tarde 24
Humberto Salvador Quinta Tarde 24
Novo Bongiovani Sexta Tarde 23
Vila Industrial Terça Manhã 21
Vila Formosa Quarta Manhã 20
V. Tabajara Sábado Manhã 20
Nas feiras convencionais, além dos produtores que vendem seus próprios produ-
tos, atuam também os intermediários que revendem os itens adquiridos diretamente de
agricultores urbanos e periurbanos ou de áreas rurais, bem como de atacadistas permis-
sionários da unidade da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo
(CEAGESP) de Presidente Prudente.
Desde 2014, vêm sendo realizadas na cidade as chamadas “Feiras da Lua”, das quais
participam somente produtores rurais que vendem predominantemente os seus pró-
prios produtos e poucos itens adquiridos de terceiros, especialmente algumas frutas e
176 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
legumes que não são produzidos na região. Duas são instaladas todas as semanas: uma,
às terças-feiras entre 18 e 21 horas, no Bairro Alto da Boa Vista, nas proximidades de
um condomínio residencial fechado de alto padrão (Residencial Dahma I); e outra, às
quartas-feiras e no mesmo horário, nas proximidades de outro condomínio residencial
fechado (Central Park Residence), ambas com cerca de 20 bancas, incluindo as que ven-
dem pães caseiros, pastéis, milho cozido, espetinhos, tapiocas, caldo de cana e outros
produtos. Apenas um dos 13 pesquisados vende folhosas na Feira da Lua, enquanto três
comercializam parte do que produzem em feiras convencionais de Presidente Prudente.
A comercialização dos produtos da AUP representa o maior entrave para os pesqui-
sados, especialmente os que cultivam em pequenas áreas e não têm condições de garantir
a entrega dos produtos em quantidade e com regularidade ao longo de todo o ano, tendo
em vista que, na região, os meses de outono e inverno são mais propícios à produção,
enquanto na primavera e no verão, as chuvas torrenciais e as temperaturas elevadas po-
tencializam a ação de pragas e doenças, o que compromete a qualidade dos produtos e a
rentabilidade dos produtores.
Considerações Finais
177 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
desde as últimas décadas do século passado, sendo bastante expressiva em Presidente
Prudente, onde foi estimulada pelo Programa “Alimenta Prudente”, nos anos 1990, e
pelo Programa “Semeando Prudente”, a partir de 2018, e por meio de iniciativas indi-
viduais e espontâneas.
A AUP usufrui das vantagens derivadas da sua localização privilegiada em relação ao
mercado consumidor e, normalmente, encontra-se bastante articulada com os chamados
CCCA, a exemplo do que ocorre em Presidente Prudente, onde parte dos produtos co-
mercializados nas feiras livres, especialmente as folhosas, é cultivada em áreas urbanas e
periurbanas, absorvendo o trabalho de famílias envolvidas nessa atividade.
Apesar do peso dos CCCA, continuam prevalecendo os circuitos longos de comercia-
lização, dominados principalmente por atacadistas permissionários da unidade local da
Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP) de Presidente
Prudente, que abastece supermercados, hipermercados, quitandas e mesmo os feirantes,
com frutas, legumes, raízes e tubérculos provenientes de outras regiões do estado de São
Paulo e do país.
de ingerir produtos frescos e saudáveis, mas para a população de menor renda, o fator preço
continua sendo o que define a escolha dos alimentos a serem adquiridos.
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181 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Introdução
183 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Gerenciamento de Recursos Hídricos 21 (UGRHI-21), que tem por órgão responsável o
Comitê das Bacias Hidrográficas dos Rios Aguapeí e Peixe. (Figura 1)
Conforme Donaton (2013), a economia da APA do Timburi é baseada em pecuária
de corte e leiteira e a produção de verduras e hortaliças para consumo próprio e comer-
cialização. Por conseguinte, é preciso dar atenção a essas áreas, para que as atividades
rurais não sejam fator determinante de problemas ambientais, como a diminuição da
biodiversidade, problemas com erosão e assoreamento dos rios.
1
Mestranda em Geografia, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências
e Tecnologia, Campus de Presidente Prudente/SP- Brasil. e-mail: thais.helena@unesp.br ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-0633-746X
Figura 1- Localização Geográfica da Área de Proteção Ambiental Timburi e bacia hidrográfica do córrego Timburi.
Fonte: GONÇALVES, T.H; (2021)
Resultados e Discussões
185 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Compactado, este solo não consegue germinar as sementes e também se torna inapro-
priado para o desenvolvimento das raízes. Há ainda a diminuição da permeabilidade e a po-
rosidade, dificultando a infiltração da água da chuva e aumentando o escoamento superficial.
A partir disso, dá-se o inicio de processos erosivos. Esse solo desprotegido é lavado
pelas chuvas, que carregam seus nutrientes e sedimentos, podendo ocasionar o assorea-
mento dos cursos d’água.
Ocorre também o impacto nos microorganismos presentes no solo, uma vez que a
quantidade de matéria orgânica é escassa nestas condições. O solo quando compactado não
187 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
189 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Considerações Finais
Conforme a EMBRAPA (2020), solos com relevo ondulados (8-20%), como no caso
da APA, tem limitações quanto a sua moderada fragilidade ambiental e suscetibilidade a
191 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
erosão. São associados a menor retenção de umidade, recomendados para lavouras semi-
-intensivas e silvicultura.
Considerando as informações aqui apresentadas, pela bibliografia consultada e o tra-
balho de campo, poderíamos identificar este solo como um argissolo vermelho-amarelo.
Porém, com a mudança de horizontes sendo visível, analisando as características e
condições diagnósticas de antropogênese, principalmente pela modificação da paisagem
ao longo dos anos, ocasionadas pela ação do homem pelo uso intensivo desta terra, bem
como que para recuperar 1 cm de solo, é necessário aproximadamente 400 anos, conforme
dados da EMBRAPA (2021)
Portanto, podemos dizer que esse solo pode ter passado pelo processo de antropização.
Cabe um trabalho de campo mais detalhado, analisando mais pontos e fragmentos.
Deste modo, caracterizou-se este solo pela ordem antropossolos, que possuem caracte-
rísticas distintas dos demais solos naturais. A EMBRAPA (2004), cita que este tipo de solo
se encontra em áreas rurais, com a retirada do solo natural, deposição de lixo e tombamen-
to por maquinário. Há maior fragilidade e suscetibilidade à erosão.
Introdução e Justificativa
No Brasil, no século XX, o êxodo rural ganhou força a partir do crescimento populacional nas
cidades e com o intenso aumento das indústrias. Deste modo, muitos deixaram o campo em busca
de melhores condições de vida, seja no trabalho, habitação e saúde. Deve-se dizer que a migração
da zona rural para a zona urbana, aconteceu de forma espontânea e também forçada, uma vez que
a modernização do sistema produtivo no campo, levou os pequenos produtores a não acompanhar
o avanço das tecnologias e o advento da revolução verde. Neste sentido, os que permaneceram no
campo até hoje enfrentam problemas quanto a sua produção e a dificuldade em lidar com os fatores
e elementos do clima. Para isso, visando otimizar a produção rural seja de subsistência como para
comercialização, o agricultor precisa ter o conhecimento básico do solo e do relevo de sua proprie-
dade. Portanto, torna-se necessário o estudo da propriedade de modo a fornecer informações ao
produtor como subsidio para compreender as melhores técnicas a serem empregadas, os custos de
controle e manutenção da área e o favorecimento para certo tipo de atividade. A escolha do ponto
foi feita de acordo com um perfil exposto de solo, visto que em um período de estiagem, fosse difícil
a escavação de uma trincheira. Utilizou-se um formulário para conduzir a observação e análise das
192 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
feições in loco. Posteriormente, com o auxílio de uma revisão referente aos assuntos do tema, foi
possível avaliar e caracterizar esse tipo de solo. Este trabalho visa apresentar a descrição morfológica
de um perfil de solo, a fim de comparar os horizontes de acordo com a sua cor e diferença textural
e identificar o tipo de solo em um ponto de uma propriedade rural na Área de Proteção Ambiental
do Timburi. Para este propósito, foi realizado um trabalho de campo no dia 28 de novembro de
2021. O tempo estava predominantemente seco, com temperatura máxima de 36° e mínima de
17°, conforme dados de previsão do tempo, fornecidos pela empresa de meteorologia AccuWheater.
Palavras-Chave: Área de Preservação Permanente, Geomorfologia, Área de Proteção
Ambiental.
Abstract:
In Brazil, in the 20th century, the rural exodus gained strength from population growth in ci-
ties and the intense increase in industries. Thus, many left the countryside in search of better living
conditions, whether at work, housing and health. It must be said that the migration from rural to
Metodologia
Para o desenvolvimento desse trabalho, foi realizado um trabalho de campo na área de estudo,
193 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
bem como uma revisão bibliográfica e levantamento de informações sobre a área, como sua loca-
lização, os aspectos físicos e a condição atual analisada a partir do uso e cobertura da terra na de
Proteção Ambiental (APA) do Timburi.
Foram utilizadas as imagens de radar da Missão Topográfica Radar Shuttle (SRTM/NASA, 2000)
e as imagens de satélite da série LANDSAT versão 8, ambas com resolução espacial de 30 metros e
radiométrica de 16 bits, a partir da plataforma Earth Explorer. Para este mapeamento foi utilizado o
Manual Técnico de Uso da Terra IBGE (2013) e no que se refere a elaboração de mapas, o software
ArcGis, versão10.3. O mapa de uso e cobertura da terra em APP, foi feito na escala 1.50.000.
Referências
João Almeida1
Introdução
195 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
prático de um espaço rural cada vez mais multifuncional, que é cada vez mais um espaço
produzido, de consumo, de retiro, de lazer, e de protecção da natureza, mas não um espaço
de trabalho e de vida.
Esta comunicação centrar-se-á numa nova (ou renovada) função para o espaço rural
que tem surgido recentemente no discurso político como oportunidade para os ter-
ritórios rurais e de baixa densidade – um espaço onde se trabalha através das novas
formas de trabalho: remoto, híbrido ou teletrabalho. Apesar de discutidas há mais de
trinta anos, estas tendências de trabalho cresceram muito lentamente. No entanto, nos
últimos dois anos, à boleia da pandemia da COVID-19, aumentaram exponencialmente
quando a maioria das pessoas foi obrigada a trabalhar em casa durante o confinamento.
Além disso, a crescente confirmação das vantagens que um ambiente de trabalho mais
flexível pode ter no aumento a produtividade, na melhoria da aquisição de talentos ou
na redução de custos, tem levado cada vez mais empresas a adoptar estas novas formas
de trabalho.
1
GOVCOPP, DCSPT, Universidade de Aveiro (Portugal) -joaolopesalmeida@ua.pt
197 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Este ciclo estrutural de desafios afecta a capacidade destas regiões de resistir ou re-
cuperar dos choques de mercado, sociais e ambientais e de potenciar a sua trajectória de
desenvolvimento (Giannakis & Bruggeman, 2020). Além disso, aceleram as disparidades
territoriais relacionadas com níveis de rendimento mais baixos, exclusão social e digital,
e isolamento são cada vez mais e com expectativa de agravamento nas próximas décadas
(ESPON ETRF, 2019), aumentando a fragmentação social, polarização política e alimen-
tando uma crescente onda populista que tem aproveitado e reforçado o discurso dos “lu-
gares que não importam” (Rodríguez-Pose, 2018).
No entanto, as mesmas características deste espaço rural trouxeram também várias
oportunidades de ‘diferenciação’ destes territórios (Credit et al., 2018). Os territórios rurais
podem liderar os investimentos em energias renováveis e economia circular. As tecnologias
emergentes e a crescente conectividade digital podem ajudar a resolver a falta de capital
humano e a desbloquear o empreendedorismo e a inovação nos sectores tradicionais destes
territórios (OECD, 2018). Estes territórios podem agora levar ao aumento dos interesses e
preocupações das pessoas com a sustentabilidade, o ambiente, e espaços menos povoados.
A pandemia da Covid-19 foi sem dúvida ‘uma crise como nenhuma outra’, com um
impacto imprevisível e difícil de quantificar, mas sem dúvida esmagador na economia glo-
bal e desigual nos diferentes territórios e nos diferentes sectores económicos (Bailey et al.,
2021; Hall, Scott, & Gössling, 2020).
No caso dos territórios rurais, o efeito da pandemia foi paradoxal. Por um lado, a
população nestes territórios apresentava uma maior proporção de grupos de risco (idosos,
população com menos literacia de saúde) combinada com a falta de equipamentos de
saúde bem equipados, poucos médicos e maiores distâncias de outros hospitais nas cidades
(Henning-Smith, 2020; Phillipson et al., 2020). Além disso, uma maior percentagem de
trabalho que não pode ser feito a partir de casa, juntamente com rendimentos mais bai-
xos, obrigou também as comunidades rurais a continuar a trabalhar, reduzindo os efeitos
prentendidos do teletrabalho obrigatório e das medidas de confinamento. Além disso, os
territórios rurais têm geralmente uma economia muito menos diversificada, muitas delas
altamente dependentes do sector do turismo, que foi um dos sectores mais afectados de-
vido ao cancelamento de todas as actividades culturais, restrição de voos e confinamento
generalizado (Phillipson et al., 2020). Por exemplo, Silva (2021) mostrou que a pandemia
de Covid-19 tinha tido um impacto adverso significativo na maioria dos produtos de alo-
jamento turístico em territórios rurais portugueses. Finalmente, a menor acessibilidade da
população à Internet e as menores competências digitais, teve outros efeitos prejudiciais
no ensino à distância e na qualidade do teletrabalho, aprofundando o fosso digital entre
198 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Antes de tudo, é necessário clarificar alguns conceitos relacionados com estas novas
formas de trabalho. O trabalho remoto é uma forma de trabalho em que os trabalhadores
podem executar a maior parte do seu tempo de trabalho e tarefas em casa ou em espaços
de coworking. Por sua vez, no nomadismo digital, os trabalhadores remotos ou por conta
própria viajam indefinidamente entre diferentes locais enquanto cumprem continuamente
as suas obrigações de trabalho. O nómada digital é uma “classe emergente de profissionais
altamente móveis, cujo trabalho é independente da localização” que trabalham enquan-
to viajam numa base (semi)permanente e vice-versa, formando um novo estilo de vida
móvel” (Olga, 2020).
Há 30 anos, Margrethe Olson salientava que “a tecnologia de burótica permitiria que
muitos trabalhadores dos escritórios sejam potenciais teletrabalhadores na medida em que
o seu trabalho pode ser realizado remotamente com apoio informático e de comunicações”
(Olson, 1983, p. 182). Já em 1983, esta autora explorou as opções destas novas formas de
trabalho, as suas características e necessidades, salientando que “o trabalho à distância só
terá sucesso quando o conceito for institucionalizado” (Olson, 1983, p. 187).
Apesar de ter sido discutido durante mais de trinta anos, o interesse por estas novas
formas de trabalho, nunca (até 2020) houve uma grande mudança na forma como as pes-
199 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
soas, empresas, investigadores e decisores políticos vêem as novas tendências e padrões de
trabalho. Para além de grupos de nicho de freelancers, empresários e alguns empregados da
área tecnológica, poucas pessoas pensavam que o trabalho que realizavam podia ser feito
em casa, num espaço de coworking e em qualquer país do mundo. Apesar deste lento cres-
cimento, as tendências do trabalho remoto e do nomadismo digital apresentavam, mesmo
antes da pandemia, um emergente interesse na nossa sociedade. Em 2019, a WYSE Travel
Confederation já estimava que o número de nómadas digitais em 2035 seria de mais de
mil milhões de pessoas.
Como referido anteriormente a pandemia mudou completamente o paradigma da
adopção e aceitação destas novas formas de trabalho. Com o confinamento generalizado e
a utilização obrigatória do teletrabalho em muitas situações, estas novas formas de trabalho
ganharam uma nova dimensão e interesse quer por parte dos trabalhadores quer por parte
das empresas. Este interesse crescente continuará a acontecer devido aos vários benefícios
que foram verificados “em primeira mão” durante a pandemia. Para as empresas, um local
de trabalho mais flexível pode aumentar a produtividade, melhorar a aquisição de talentos
À medida que o trabalho remoto cresce, a relação espacial entre o trabalhador e a sua
empresa está também a ser alterada e renovada. A crescente descentralização dos locais de
trabalho está a desafiar os modelos clássicos da economia urbana e do desenvolvimento
local que precisam de ser repensados. Durante anos, as grandes empresas foram agrupadas
em polos económicos nas grandes cidades (Londres, Nova Iorque, Berlim, etc.). No en-
tanto, o entendimento de que a proximidade física não é necessária para manter elevados
níveis de cooperação e produtividade está a levar a uma crescente descentralização dos
escritórios para áreas suburbanas ou mais periféricas ou para a adopção de políticas de
trabalho totalmente remoto, onde cada trabalhador está num ponto diferente do país ou
do mundo.
Do lado dos trabalhadores, a pandemia de Covid-19 e medo inerente de locais fe-
201 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
chados (metro, comboio) e muito povoados, juntamente com as crescentes preocupações
com a sustentabilidade e os desafios ambientais, trouxeram uma procura renovada de “ar
fresco”, de “casas com quintal” e de cidades mais pequenas com níveis de poluição mais
baixos e maior contacto com a natureza.
Estas novas condições e necessidades têm levado a uma ruptura dos laços com as áreas
urbanas e as grandes metrópoles. A procura crescente de locais onde as pessoas possam en-
contrar uma melhor qualidade de vida, equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e custos de
vida mais baixos terá implicações importantes para as cidades mais pequenas e territórios
periféricos ou rurais. Estes territórios, que têm vindo a sofrer de desafios estruturais como
o despovoamento e a desertificação, podem agora atrair jovens qualificados e promover a
revitalização económica e social há muito desejada. Navegando nesta nova onda, muitos
destes territórios estão a construir infraestruturas, serviços e estratégias para atrair e man-
ter os crescentes empregos e trabalhadores descentralizados, esperando que estes injectem
uma nova vida social e económica às suas empresas e habitantes. O caso paradigmático
é o da Irlanda, onde o Governo, na sua estratégia de desenvolvimento rural 2021-2025
Durante a pandemia o interesse nas ‘novas formas de trabalho’ quer por parte da
política local e nacional, quer por parte da sociedade em geral, cresceu exponencial. Isso
traduziu-se na criação de diversas iniciativas, medidas de apoio e investimentos para agar-
rar esta oportunidade, utilizando-a não só como motor de recuperação pós-pandemia,
mas também como estratégia de combate aos problemas estruturais que a maior parte dos
territórios rurais sofrem. Exemplos dessas iniciativas são os quatros casos (de Portugal e
Espanha) descritos de seguida, que apesar de terem diferentes âmbitos (local, regional ou
nacional), tem todos como premissa a atracção e fixação de trabalhadores remotos e/ou
nómadas digitais como primeiro passo de uma estratégia de repovoamento e revitalização
dos territórios rurais.
(Portugal)
203 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Caso 2: Bragança: Liberdade para Recomeçar (Portugal)
2
Ver mais sobre o projecto em: https://www.cm-braganca.pt/servicos-e-informacoes/noticias/
noticia/a-aventura-comeca-agora-braganca-liberdade-para-recomecar
205 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Os espaços distinguem-se não só pelo local onde estão, mas pela forma como foram
construídos (com materiais locais, artesanato, com base na economia circular) e pela li-
gação à população local que “será parte integrante do processo de reabilitação e cocriação
destes espaços” (Francisco Rolo, Presidente ADIRAM).
O projecto tem atraído muita atenção mediática nacional e internacional. Em março
de 2022, o jornal Financial Times publicou uma notícia intitulada “The rise of the rural
remote work” onde dá o exemplo deste projecto e onde conta a história de uma das primei-
ras utilizadores do espaço (Balch, 2022). Até maio de 2022, de acordo com a ADIRAM,
tinham já passado por estes três espaços cerca de 90 pessoas, sendo que cerca de 10% eram
estrangeiros. Apesar destes números e da grande exposição mediática, Andreia Proença,
umas das utilizadoras “habituais” do espaço reconhece em várias entrevistas que deu que
está a maior parte dos dias sozinha no espaço de cowork e que é importante haver cada vez
mais divulgação do projecto (Jornal O Interior, 2021; Coelho, 2022).
O espaço rural tem vindo a sofrer vários desafios estruturais que afectam o seu po-
tencial de desenvolvimento e a sua capacidade de resistir e recuperar de crises. Para além
destes desafios, várias questões sociais (eurocepticismo, polarização política), económicas
(crises económicas, dívida pública), tecnológicas (tecnologias emergentes), ambientais
(crise climática), e políticas (segurança, guerra, Brexit) têm também ameaçado a coesão
social e económica nos países e regiões europeias.
As novas tendências de trabalho relacionadas com o trabalho remoto e o nomadismo
digital apresentam-se como uma importante oportunidade para os territórios rurais atraírem
e reterem pessoas, fazendo face ao problema do despovoamento e falta de capital humano.
A atracção e retenção destes novos públicos já era vista como relevante para estes territórios
antes da pandemia (Rodríguez-Pose, 2018), mas este interesse foi definitivamente influencia-
do e inflaccionado pelas condições particulares que vivemos durante a pandemia.
Vimos neste estudo, quatro casos desenvolvidos para aproveitar esta oportunidade, em
Portugal e Espanha. Os exemplos apresentados demonstram bem o interesse e investimento por
parte dos governos locais, regionais e nacionais, empresas e sociedade civil nesta temática. Desde
criação de infraestruturas, estratégias de marketing, plataformas digitais, os vários actores locais,
regionais e nacionais têm vindo a actuar para aproveitar esta oportunidade. Apesar disso, e do
seu sucesso mediático e de curto prazo dos exemplos dados, existem ainda algumas dificuldades
para definir estratégias a longo-prazo, integradas entre diversos actores e territórios, para que estes
casos soltos se venham a repercutir em impacto efectivo destes novos públicos nos territórios.
207 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Estes públicos são ainda vistos como visitantes ocasionais que consomem o espaço
rural. No entanto, podemos estar perante uma das maiores oportunidades para o espaço
rural nas últimas décadas. Uma oportunidade que começa com a atracção destes trabalha-
dores remotos e nómadas digitais, mas que rapidamente se pode transformar numa estra-
tégia de revitalização e repovoamento do espaço rural. O espaço rural pode, através destes
novos residentes, voltar a ser um espaço de trabalho e de vida e não apenas um espaço
produzido/consumido para/por visitantes ocasionais (Figura 5).
Agradecimentos
208 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Referências
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Juliane Maístro 1
Introdução
211 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
• Na década de 1930, a discussão da questão agrária girava em torno da crise do café
e da grande depressão iniciada com a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929;
• No início dos anos 1960, a discussão sobre a questão agrária fazia parte da polêmi-
ca sobre os rumos que deveria seguir a industrialização brasileira. Questionava-se
então, que a agricultura – devido ao seu atraso – seria um obstáculo ao desenvolvi-
mento econômico, entendido como sinônimo da industrialização do País;
• No período do “milagre brasileiro” (1967 a 1973), a economia nacional passa por
uma fase de crescimento acelerado e pouco se falou da questão agrária. Em parte,
porque a repressão política não permitia. Mas em parte também, porque muitos
achavam que a questão agrária tinha sido resolvida em o aumento da produção
agrícola ocorrido no período do “milagre”.
Segundo Neto (1997), foi na década de 1970 em que ocorre as mais profundas modifi-
cações no rural brasileiro, causada e associada, em grande parte, pelas transformações por que
1
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista (UNESP),
Câmpus de Presidente Prudente. E-mail: juliane.maistro@unesp.br.
nal que vivemos. Sua superação não repousa nos liames que mantém com as ativida-
des agrárias modernas, mas com a dinâmica sociopolítica do país. Será um projeto
político nacional, democrático, que poderá das as coordenadas básicas para a criação
de empregos e distribuição de ativos da população pobre e moderna que reside nas
pequenas cidades e vilas e no meio rural. (Müller, 1993, p.15).
Com o início de uma relativa abertura política no País– a partir de 1978 –, muitas
coisas voltam a ser discutidas e, entre elas, retoma-se com pleno vigor o debate sobre a
questão agrária, novamente dentro do contexto mais geral das crises do sistema econômico
capitalista.
Quando o governo da “Nova República” anunciou a sua “Proposta para Elaboração
do 1º Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República” (1986), evidenciou-se, uma
vez mais, o lugar que a questão agrária ocupa na problemática geral da sociedade brasileira.
Houve violenta reação dos grandes proprietários rurais, em todos os cantos do País. Essa
reação variou de acusações diversas ao governo, à mobilização armada.
213 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
teresses do governo federal em preservar a ordem social no campo e certa influência no
sindicalismo dos trabalhadores rurais. (Grisa e Schneider, 2014).
Por volta da década de 1990, as lutas do MST estavam em crescimento e os confli-
tos agrários aumentavam, tomando repercussão nacional e internacional. Somado a isto,
a continuidade das mobilizações sociais, desencadearam o desenvolvimento da política
de assentamentos de reforma agrária, que havia ganhado um novo impulso e a proposta
do Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária (1º PNRA), que logo em seguida foram
acalmadas pelas pressões de atores e organizações contrários a este referencial. (Grisa e
Schneider, 2014).
Anunciado como “Proposta para Elaboração” e em relação ao qual a sociedade teria 30
dias para se manifestar, esse esboço do 1º PNRA permanecerá nesse impasse por seis meses,
ao fim dos quais sofrerá, segundo cobertura da imprensa (ver os números da Folha de São
Paulo da época), doze reformulações até receber a versão final.
É dentro desse contexto mais amplo e, sobretudo a partir do governo democráticos que
se instala no Estado de São Paulo em 1982, que os sem-terra do Pontal se organizam e
215 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
número de desempregados aumentou muito, agravando os problemas sociais na região.
O fato é que a recessão econômica colocada em prática pelo Governo Federal e apro-
fundada a partir de 1982, já encontrou o Pontal em situação de crise.
217 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
fins de desapropriação de terras no Município de Teodoro Sampaio, a Gleba XV de Novembro
com uma área de 13.100 hectare, através do Decreto nº. 22.033 de 23 de março de 1984.
Nas áreas desapropriadas, foram implantados o Projeto de Reassentamento (Gleba
Rosanela) e outro da Reforma Agrária (Gleba XV de Novembro e Santa Rita), Figura 1.
Na execução do Projeto de Reassentamento da Gleba Rosanela, em que foram atendidas
parte das famílias acampadas às margens da SP-613, mais cerca de 300 famílias de ilhéus e
ribeirinhos atingidos pelo enchimento dos lagos da UHE de Rosana e Porto Primavera, a
CESP colaborou com o Instituto de Assuntos Fundiários da Secretaria da Agricultura.
Passos (1988), relata a situação dos acampamentos, conforme texto abaixo:
Quando visitamos – maio/87 – o Projeto de Reassentamento da Gleba Rosanela,
acompanhados por três técnicos da CESP, constatamos que essa empresa planejou e
realizou toda uma infraestrutura para conservação do solo. Por exemplo, o ribeirão
do Engano que já estava assoreado antes da implantação desse Projeto (iniciado em
setembro de 1986), em função das pastagens mal formadas, se apresentava com uma
insignificante lâmina d’água. (Passos, 1988, p.143).
2
No início, as ocupações se davam em áreas de mata. Somente, com a evolução do MST é que as áreas de
fazendas formadas (pastagens, sedes e outras benfeitorias) passaram a ser alvo de ocupação.
219 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Nesse momento, passamos a tratar de problemas inerentes e atuais da questão agrária
no extremo sudoeste paulista: os conflitos de terras do Pontal, através do exemplo da fazen-
da Santa Rita, localizada no município de Euclides da Cunha Paulista; (b) da presença da
CESP – ora amenizando a problemática regional, nos momentos de absorção de mão-de-
-obra, na fase de maior aceleração da construção das UHEs de Rosana, Taquaruçu e Porto
Primavera, ora aprofundando ainda mais essa questão, nos momentos de desaceleração
dessas obras e, consequente liberação dessa mesma mão-de-obra.
O Assentamento Santa Rita, tem 5 km de extensão e suas terras estão entre o córrego
da Anta e o córrego Santa Rita. O conflito de terra da fazenda Santa Rita foi o mais divul-
gado pela imprensa regional e estadual e, o que mais atraiu o nosso interesse. Contudo,
em outras “propriedades” os fazendeiros conseguiram expulsar os arrendatários/posseiros
utilizando-se de mecanismos idênticos.
O assentamento Santa Rita (Figura 2) está localizada no município de Euclides da
Cunha, tendo como marco geográfico mais importante, o ribeirão do Piau, na vertente do
rio Paranapanema.
É nesta fazenda que surge o primeiro conflito de terra, na região. Inicialmente eram
155 famílias que ocupavam uma área de 209 alqueires, introduzida numa propriedade
220 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
de 4.500 alqueires. A maior parte dessas famílias foi colocada na área pelo fazendeiro
Francisco Telles, na qualidade de arrendatários. Francisco Telles arrendou a área do Justino
de Andrade, que se dizia o proprietário. O arrendamento entre Justino de Andrade e
Francisco Telles foi feito pelo prazo de 3 anos, durante os quais, este último desmataria a
área, venderia a madeira, cultivaria o solo e, ao final, entregaria a área com capim plantado.
Como Francisco Telles não tinha condições de cumprir o acordo dentro do prazo estabele-
cido, subarrendou a referida área para as famílias, presentes na fazenda, pelo prazo de sete
anos, com o trato de entregar o capim plantado, ao final deste prazo.
Vencido o acordo entre Justino de Andrade e Francisco Telles, este foi obrigado a
entregar a área ao proprietário. As famílias que subarrendaram a área, sem conhecer o
contrato entre os dois fazendeiros, procuraram o Sr. Justino para negociar a permanên-
cia deles na área, até o final do contrato dos sete anos, como arrendatários. Este não
aceitou e, os ameaçou de expulsão das terras, mas, como já corria o boato de que as
terras eram do Governo do Estado, essas famílias resistiram à pressão do fazendeiro. É
bom lembrar que essas famílias sempre se mostraram dispostas a um acordo e a pagar a
221 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
o direito de retirar a madeira da própria área para construir suas casas, que antes eram de
pau-a-pique. O Sr. Justino conseguiu suspender, através de uma decisão do Tribunal de
Justiça de São Paulo, a emissão da posse das terras desapropriadas, já determinada pelo juiz
da Comarca de Teodoro Sampaio em favor da Fazenda estadual.
A situação dos trabalhadores rurais no Pontal se agravou ainda mais, após a tentativa
governamental de impor melhores relações de trabalho, através da aplicação do Estatuto
do Trabalhador Rural, em 1968, quando os donos das fazendas de café, localizadas na
região – distritos de Cuiabá Paulista, Novo Horizonte, Oriente e Promissão – se recusaram
a contratar seus antigos colonos como mensalistas e com direito a 13º salário, conforme
prescreve aquele Estatuto.
As geadas de 1975 e as facilidades de compra de terras mais baratas em áreas de cerra-
do, levou os plantadores de café do Pontal a venderem as suas propriedades e se dedicarem
à cultura de café na região de Franca/SP.
Atualmente, nessas propriedades estão sendo cultivadas soja e pastagem, absor-
vendo menos mão-de-obra. E, mais recentemente, predomina o plantio de cana de
223 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
sária a triagem para saber se há aptidão agrícola ou não, além de se esperar que aumentará
substancialmente o valor por hectare da terra, já que pelas regras atuais, os mesmos podem
negociar apenas as benfeitorias existentes no lote. Portanto, a titulação pode ser um “tiro
no pé” dos assentados e do assentamento, pois, pode ocorrer que uma mesma pessoa com-
pre vários lotes, desestruturando o projeto, iniciado através de muitas lutas, sofrimentos e
perdas. Abaixo pode-se visualizar, na Figura 5, uma antiga escola abandonada dentro do
assentamento Santa Rita.
225 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
uma declaração de aptidão ao PRONAF (DAP). A DAP permite que o agregado
acesse linhas de financiamento do PRONAF, desde que sua atividade seja a amplia-
ção da atividade dos pais ou uma nova atividade. Fazendo com que os filhos de bene-
ficiários se estabeleçam na propriedade, e outros voltem, pois, existe a possibilidade
de retirar o sustento da propriedade para sua família.
Com a Titulação, o mais provável é que ocorra a reconcentração das terras,
mesmo que se crie mecanismos para evitar essa dinâmica. Uma das consequências
dessa provável nova realidade, serás o êxodo rural. E, pior, um duro golpe na história
dos pioneiros do assentamento. (ITESP, abril de 2022, Saída de Campo).
O projeto Bicho-da-Seda
alguns filhos que migraram para centros urbanos e, na dificuldade de emprego, estão retor-
nando aos assentamentos e se dedicando a atividades próprias de policultura, piscicultura,
sericultura, melhoria do (pequeno) rebanho leiteiro e, também, complementação da renda
a partir de dias de trabalho prestados aos vizinhos.
O impacto negativo sobre a atividade da sericultura, uma atividade muito sensível, é a
pulverização de agrotóxicos (inseticidas), nas fazendas vizinhas que se dedicam ao plantio
da soja e da cana-de-açúcar.
Desta maneira, é urgente que se faça o Ordenamento Ecológico e Econômico, de
modo a que o desenvolvimento local-regional tenha caráter de sustentabilidade.
Um depoimento histórico
A entrevista:
227 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Sempre morou aqui?
Não, veio da Paraíba, depois foi morar em Cafezinho (Teodoro Sampaio) e, por fim,
no Assentamento Santa Rita. Os motivos que a fizeram ficar foi a família (os pais, irmãos,
filhos da irmã).
Como era este lugar no passado (10, 20, 30 anos atrás)? O município mudou mitos deste
tempo até os dias de hoje? Em sua opinião quais foram as principais mudanças?
Tinha muita mata (peroba, madeira), que foi derrubada com autorização para plantar
roça com contrato de produtor rural. A peroba foi utilizada para construir casas.
Quando o senhor(a) pensa neste lugar em que vive, qual é a primeira imagem que lhe vem
na cabeça?
Pessoas que perderam a vida, destruição de casas, da roça...
Qual imagem o senhor(a) levaria deste lugar em caso de uma mudança amanhã?
Lugar tranquilo, que pode criar a família. Sentiria saudade.
Quais fotografias o senhor(a) enviaria a um parente que está distante para que ele conheça
o lugar onde vive?
A mangueira que o pai plantou.
Quais paisagens, ou quais elementos da paisagem lhe choca mais? (qualquer coisa que você
considere negativo e que gostaria que desaparecesse)
Não há nada que a incomode.
228 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Resumo
A título de introdução desse artigo, é preciso entender, primeiro, como essa problemática com-
parece ao longo da “evolução” política e social do País e, na especificidade regional. A questão
agrária sempre esteve presente na problemática geral da sociedade brasileira. Contudo, em alguns
momentos da vida nacional, esse tema polarizou os debates com maior intensidade: (a) na década
de 1930, a discussão da questão agrária girava em torno da crise do café e da grande depressão ini-
ciada com a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929; (b) no início dos anos sessenta, a discussão
sobre a questão agrária fazia parte da polêmica sobre os rumos que deveria seguir a industrialização
brasileira. Questionava-se então, que a agricultura – devido ao seu atraso – seria um obstáculo ao
desenvolvimento econômico, entendido como sinônimo da industrialização do País. No período
do “milagre brasileiro” (1967 a 1973), a economia nacional passa por uma fase de crescimento
229 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Palavras-chave: Questão Agrária. Assentamento rural. Fazenda Santa Rita. Pontal do
Paranapanema. Raia Divisória.
Considerações Finais
Assim, a sericultura se torna uma solução para esta população, atenuando os interesses
de saída destas áreas para a cidade, ganhando ainda mais relevância diante do atual cená-
rio econômico do país e o desemprego em alta. Entretanto, é importante salientar sobre
a dificuldade e, impacto negativo, que esta cultura vem sofrendo com a pulverização de
agrotóxicos nas fazendas vizinhas, prejudicando a atividade, além da saúde dos moradores.
Conclui-se, portanto, que a realização do Ordenamento Ecológico e Econômico se faz
necessário para que o desenvolvimento local-regional se concretize, tendo, juntamente,
um caráter sustentável.
Referências
CESP. Relatório Síntese – Reservatório de Porto Primavera: controle ambiental e aproveitamento múlti-
plo. São Paulo: THEMAG Engenharia, 1980.
CESP. Usina Hidrelétrica de Porto Primavera: Estudo de Impacto Ambiental. São Paulo: Consórcio
THEMAG–ENGEA–UMAH, 1994, 34 vol.
231 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Introdução
Em âmbito internacional, o setor têxtil se escala como um dos setores econômicos que
contribuíram substancialmente com a Revolução Industrial inglesa nos séculos XVIII e
XIX. Já no Brasil a indústria têxtil, impulsionou o processo de industrialização, exercendo
um papel fundamental na economia brasileira e se tornando um dos mais importantes
233 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
setores industriais do país (Cavalcanti; Santos, 2021). O setor se amplia pela capacidade da
utilização de grande número de trabalhadores, notadamente pelo processo manufatureiro.
Nos últimos anos no Brasil, a organização dos processos produtivos locais ganhou
espaços como forma de engajar as produções locais aos sistemas prolíferos nacional e
internacional. Para tanto, se fez necessário, estratégias relacionadas com a modernização
do maquinário e do meio de produção, pois se espera que as empresas busquem um
aumento de rendimento e redução de custos através do uso de máquinas modernas e
trabalhadores mais especializados (Redesist, 2021). Por outro lado, as estratégias de coo-
peração entre os agentes, como formas de governança, normas sociais entre as empresas
do ramo, dos agentes políticos e sociais, qualificação dos trabalhadores e das associações,
interferem de forma significativa, nos arranjos produtivos locais. Neste contexto, se
1
Mestre em Desenvolvimento Regional - PPGDR (UEPB) - valber.oliv@gmail.com
2
Professora Doutora Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) - roberta.wi-
chmann@idp.edu.br
3
Professora Doutora PPGDR (UEPB) - angela@servidor.uepb.edu.br
4
Professor Doutor PPGDR (UEPB) - tadolive@servidor.uepb.edu.br
Material
235 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Urbanização de vias públicas [2010] 1,4%
Bioma [2019] Caatinga
Hierarquia urbana [2018] Centro de Zona A (4A)
Região de Influência [2018] Arranjo Populacional de Patos/PB – Centro Sub-regional A (3A)
Região intermediária [2020] Patos
Região imediata [2020] Catolé do Rocha - São Bento
Mesorregião [2020] Sertão Paraibano
Microrregião [2020] Catolé do Rocha
Caracterização da Área
Figura 1 - Mapa da Paraíba com a localização da cidade de São Bento-PB e coordenadas geográficas
Fonte: IBGE/SIRGAS (2000).
Banco de dados
236 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Os dados foram coletados de fontes secundárias do Atlas Brasil (Atlas Brasil, 2022) e
compõem os fatores socioeconômicos e sociodemográficos dos municípios do estado da
Paraíba referentes ao censo demográfico de 2010 e pesquisas do IPEA data do intervalo de
2010 a 2018. A Tabela 1 tem as 29 variáveis consideradas no estudo.
Variáveis Sociodemográficas
1:IDHM 2010
2:Razão de dependência 2010
3: % de ocupados de 18 anos ou mais que são trabalhadores do setor público 2010
4: % de ocupados de 18 anos ou mais que são trabalhadores por conta própria 2010
5: Grau de formalização dos ocupados - 18 anos ou mais 2010
6: % dos ocupados no setor agropecuário 2010
7: % dos ocupados na indústria de transformação 2010
237 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Fonte: Elaborado pelos autores com base no Atlas Brasil.
Método Estatístico
Com base nas variáveis descritas, realizou-se a análise de cluster para identificar
vários grupos de municípios. Para efeitos desta análise, todas as variáveis consideradas
foram padronizadas. O método empregado neste estudo não faz suposições distributivas,
portanto, nenhuma outra transformação dos dados foi realizada. O procedimento
hierárquico de Ward foi usado primeiramente para definir o número de clusters,
enquanto o procedimento de cluster não hierárquico K-means, utilizando os centros de
cluster obtidos com o método de Ward como pontos de semente iniciais, foi usado para
melhorar os resultados.
Encontram-se na literatura especializada vários algoritmos k-means disponíveis que é
utilizado para agrupamento. O algoritmo padrão é o algoritmo Hartigan-Wong (1979),
Em que:
i) xi projeta um ponto observado pertencente ao cluster Ck;
ii) µk é o valor médio dos pontos atribuídos ao cluster Ck.
Cada observação (xi) é atribuída a um determinado agrupamento de forma que a soma dos
quadrados da distância da observação aos centros atribuídos do agrupamento µk seja mínima.
O agrupamento k-means requer que os usuários especifiquem o número de clusters a
serem gerados. Para escolher o número correto de clusters esperados (k) pode-se calcular
o agrupamento de k-means usando diferentes valores de agrupamentos k. Em seguida, a
soma do quadrado dentro do cluster (within sum square) é calculada de acordo com o
número de clusters. A localização de uma dobra (cotovelo) em um gráfico é geralmente
considerada como um indicador do número apropriado de clusters (kneeplot).
Define-se a variação total dentro do cluster da seguinte forma:
Assim, a primeira etapa ao usar o k-means é indicar o número de clusters (k) que serão
gerados na solução final. O algoritmo começa selecionando aleatoriamente k objetos do
conjunto de dados para servir como centros iniciais para os clusters. Os objetos seleciona-
238 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
dos também são conhecidos como meios do cluster ou centróides. Em seguida, cada um
dos objetos restantes é atribuído ao seu centróide mais próximo, onde o mais próximo é
definido usando a distância euclidiana entre o objeto e a média do cluster. Esta fase é cha-
mada de “etapa de atribuição de cluster”. Para usar a distância baseada em uma medida de
correlação, os dados são inseridos como z escores.
O algoritmo k-means pode ser resumido da seguinte forma: 1) Especifica-se o número de
clusters (k) a serem criados (pelo analista via gráfico do cotovelo); 2) Seleciona-se k objetos
aleatoriamente do conjunto de dados como os centros ou meios do cluster inicial; 3) Atribui-
se cada observação ao seu centróide mais próximo, com base na distância euclidiana entre o
objeto e o centroide; 4) Para cada um dos k clusters, atualiza-se o cluster do centróide calcu-
lando os novos valores médios de todos os pontos de dados no cluster. O centróide de um
k-ésimo aglomerado é um vetor de comprimento p contendo as médias de todas as variáveis
para as observações no k-ésimo aglomerado, onde p é o número de variáveis; 5) Minimize-se
iterativamente o total dentro da soma do quadrado. Ou seja, itera-se as etapas 3 e 4 até que
as designações de cluster parem de mudar ou o número máximo de iterações seja alcançado.
Resultados e Discussão
239 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
cotovelo da Figura 2.
Figura 2- Gráfico de cotovelo para o número ótimo de clusters pelo método de k-means para os municípios do
Estado da Paraíba.
Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da Tabela 1. Análise estatística pelo método estatístico
k-means, referentes aos 223 municípios do Estado da Paraíba.
Figura 3 - Cluster plot dos agrupamentos pelo método de k-means para os municípios do Estado da Paraíba
Fonte: Elaborado pelos autores.
241 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
2 Araruna 3 Caaporã 3 Lucena 1 São Francisco
De acordo com os resultados do cluster 3, tem-se que o município de São Bento está
no mesmo cluster de municípios que estão em regiões geográficas do Estado da Paraíba
distintas, como por exemplo, o município de Santa Rita que está no cluster 3 e pertence
a região geográfica litorânea conhecida como mata paraibana que possui recursos naturais
e reúne condições geográficas bem mais favoráveis ao desenvolvimento humano do que
a região geográfica do Sertão. Neste sentido, iguais a municípios com elevado IDHM e
localizados nas regiões mais desenvolvidas do estado como os municípios de Esperança,
Santa Rita, Rio Tinto.
Em relação aos municípios circunvizinhos pertencentes a microrregião do sertão da
Paraíba, a Tabela 2 apresenta o resultado da comparação de São Bento em relação aos
243 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
demais municípios de acordo com os clusters formados pela técnica fatorial k-means. Isso
permite visualizar municípios de acordo com o seu nível de desenvolvimento comum.
Município Cluster
Belém do Brejo do Cruz (PB) 1
Riacho dos Cavalos (PB) 1
Paulista (PB) 1
Mato Grosso (PB) 1
Bom Sucesso (PB) 1
Brejo do Cruz (PB) 3
Catolé do Rocha (PB) 3
São Bento (PB) 3
Conclusão
Resumo
O presente estudo tem como objetivo avaliar o grau de desenvolvimento social e econômico do
município brasileiro de São Bento na Paraíba a partir da aplicação de técnica de análise de Cluster,
com base nos dados do Atlas Brasil e do Sidra Cidades do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) no período de 2010 a 2018. Foram utilizados métodos multivariados de análise
de clusters via k-means na perspectiva de contribuir na formulação de políticas e desenvolvimento.
O município de São Bento é conhecido nacionalmente pela fabricação de redes de dormir, uma
atividade laboral feita de forma artesanal, e também mecanizada. Em sua maioria, é realizada por
pequenos fabricantes de redes, através da transferência de saberes de geração para geração, fazendo
com que o setor não se torne apenas uma atividade econômica, mas também retrate a preservação
de uma identidade cultural local. Logo, a inspiração do empreendedorismo dos pequenos fabri-
cantes de redes tem relação com a história local. Como consequência, desenvolveram-se novas
oportunidades de empregos para a população local e de seu entorno, não dependendo exclusiva-
mente da agricultura e da pecuária no sertão paraibano. A difusão dos produtos têxteis fabricados
na cidade para todo o território nacional pode ser considerada decisiva para o reaparelhamento de
Refêrencias Bibliográficas
245 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
consulta-empresa/ Acesso em: 29 set. 2022.
FIEP. Federação das Industrias do Estado da Paraiba. Disponível em: https://fiepb.com.br/fiep/
noticia/a-capital-mundial-das-redes-sao-bento-e-a-principal-exportadora-de-redes-e-uma-das-
-grandes-produtoras-texteis-do-estado-da-paraiba./Acesso em: 25 de ago. 2022.
GOMES, Maria Aparecida Maia. As práticas gerenciais nas indústrias têxteis: um estudo em
São Bento - PB, a capital mundial das redes. 2009. 59f. (Trabalho de Conclusão de Curso -
Monografia), Curso de Bacharelado em Ciências Contábeis – Centro de Ciências Jurídicas e
Sociais, Universidade Federal de Campina Grande – Sousa- Paraíba - Brasil, 2009.
GOVERNO, DO RIO GDO; SUL, D. O. Atlas socioeconômico do Rio Grande Do Sul. 2022.
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IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Panorama da cidade de São Bento. Disponível
em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pb/sao-bento/panorama. Acesso em: 30 abr. 2021b.
KASSAMBARA, A. Practical guide to cluster analysis in R: Unsupervised machine learning. Sthda,
2017.
KASSAMBARA, A.; MUNDT, F. Factoextra: extract and visualize the results of multivariate data
analyses. R package version 1.0.7. 2020
Introdução
247 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
mento de outras necessidades essenciais dos indivíduos.
A insegurança alimentar, em seus diferentes níveis (leve, moderado e grave) que vinha
sendo reduzida até 2014, por conta da centralidade que esse tema assumiu no governo fede-
ral, particularmente durante as duas gestões de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), em
que foi implementado um conjunto de políticas e ações articuladas entre agricultura familiar
e segurança alimentar, além de programas sociais, direcionados a garantir renda mínima e
acesso aos alimentos, voltou a se ampliar, progressivamente, a partir daí. Isso ocorreu em
decorrência do aprofundamento das crises econômicas, políticas e sociais que se ampliaram
a partir de 2016, mas sobretudo do desmonte das principais políticas públicas direcionadas
à agricultura familiar e à segurança alimentar promovidos pelo governo Bolsonaro que assu-
miu o poder em 2019. Assim, a perda de centralidade das políticas de garantia de segurança
alimentar associada as consequências nefastas da pandemia da SARS-CoV-2 (COVID-19),
ampliaram as desigualdades sociais e os índices de insegurança alimentar no país.
1
FCT/UNESP de Pres. Prudente (SP) - rosangela.hespanhol@unesp.br
2
FCT/UNESP de Pres. Prudente (SP) - nivaldo.hespanhol@unesp.br
Embora a segurança alimentar tenha entrado na pauta das discussões dos países euro-
peus durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), ela ganhou centralidade somente
a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando, grande parte do território
da Europa foi devastado e ficou sem condições de produzir os alimentos necessários para
atender as necessidades da sua população (Belik, 2003). Foram implementadas políticas
continentais para que fosse garantido o acesso à alimentação em quaisquer situações, seja
em caso de guerra ou de dificuldades econômicas (Galeazzi, 1996). A própria constituição
da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945 e da Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e a Agricultura (FAO) no mesmo ano, reforçou a importância das
discussões sobre a fome e a pobreza, bem como sobre as estratégias para combatê-las entre
os países participantes.
De acordo com Silva (2014), a criação da FAO foi a principal iniciativa de articulação
internacional para a elaboração e o planejamento de estratégias contra a fome em nível
global. Castro (1980/1946) e Hirai e Anjos (2007) também realçam a importância desem-
penhada pela FAO – ONU.
No período pós Segunda Guerra, a insegurança alimentar ainda era compreendida
249 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
apenas como a insuficiência na disponibilidade de alimentos à população. A partir dessa
compreensão, foram instituídas iniciativas de promoção de assistência alimentar que uti-
lizavam, em geral, os excedentes de produção dos países ricos, já que se entendia que a
insegurança alimentar era o resultado da produção insuficiente de alimentos nos países
pobres. Nesse contexto, a segurança alimentar era apreendida apenas como a necessidade
de erradicação da fome. Com a justificativa de aumentar a produção de alimentos e com-
bater a fome, países do capitalismo central e organismos multilaterais passaram a estimular
a adoção do pacote tecnológico da Revolução Verde pelos países do Sul global. Segundo
Leão (2013, p.12):
Como afirma Lima (2020), parte importante dessa produção agropecuária moderniza-
da foi transformada em commodities, dissociando-se de sua função social, que é alimentar
as pessoas, passando a se constituir em locus de interesse das grandes empresas que domi-
nam o sistema agroalimentar.
Nos anos 1970, a forte crise provocada pelas sucessivas quebras de safras em virtude de
problemas de ordem meteorológica, particularmente na África, motivou a realização da I
Conferência Mundial de Alimentação, promovida pela FAO – ONU, em 1974 (Almeida
Filho, et. al., 2007). Durante a realização dessa conferência se identificou que a garantia da
segurança alimentar deveria considerar também uma política de armazenamento estraté-
gico e de oferta de alimentos pelos países, além de continuar incentivando o aumento da
sua produção por meio do pacote tecnológico da Revolução Verde. De acordo com Leão
(2013), o enfoque nesse período estava ainda mais centrado na produção de alimentos
e no aumento dos índices de produtividade, ficando a dimensão do direito humano à
alimentação em segundo plano.
Nessa década se reconheceu que uma das principais causas da insegurança alimentar da
população era a falta de garantia de acesso físico e econômico aos alimentos em decorrência
tanto da pobreza, como da dificuldade de acesso à renda e à terra. Dessa forma, o conceito de
segurança alimentar passou a ser relacionado com a garantia do acesso físico e econômico das
pessoas às quantidades suficientes de alimentos e de forma permanente.
250 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
No final da década de 1980 e início dos anos 1990, o conceito de segurança alimentar
passou a incorporar também as noções de acesso a alimentos seguros (não contaminados
biológica ou quimicamente) e de qualidade (nutricional, biológica, sanitária e tecnológica),
produzidos de forma sustentável, equilibrada e culturalmente aceitável. Essa visão foi con-
solidada nas declarações da Conferência Internacional de Nutrição, realizada em Roma, em
1992, pela FAO e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (Leão, 2013).
A partir dos anos 1990, consolida-se um forte movimento em direção à reafirma-
ção do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), conforme previsto na
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e no Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais – PIDESC (1966).
A Cúpula Mundial da Alimentação, organizada pela FAO e realizada em Roma, em
1996, associou definitivamente o DHAA à garantia da segurança alimentar e nutricional
(SAN). A partir de então, de forma progressiva, a SAN começou a ser entendida como uma
estratégia para garantir esses direitos. Durante a realização dessa cúpula, se chegou a um
consenso pelos 185 países signatários de que há segurança alimentar “quando as pessoas têm,
No ano de 2000, foi realizada em Nova York, a Cúpula do Milênio da ONU, na qual
ficou acordado entre os governos presentes o compromisso de reduzir os índices de pobre-
za, fome e das desigualdades sociais no mundo até o ano de 2015, o que posteriormente foi
adotado por 192 países. Nesta reunião, em virtude das diversas discussões que ocorreram
sobre os direitos humanos, a má distribuição de renda, as epidemias e a fome, entre outros,
levaram à criação da “Declaração do Milênio”, documento que definiu os Oito Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio (ODM): 1) erradicação da extrema pobreza e da fome;
2) universalização do ensino primário fundamental; 3) promoção da igualdade de gênero
e capacitação das mulheres; 4) redução da mortalidade infantil; 5) melhora da saúde das
251 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
gestantes e mães; 6) enfrentamento da HIV/AIDS, malária e outras doenças; 7) garantia
do desenvolvimento sustentável; e 8) desenvolvimento da parceria global para o desenvol-
vimento (ONU, 2000; Morel, 2004).
No entanto, de acordo com Silva (2014, p. 15), a “tímida resolução do evento, que
estabeleceu como meta a redução da fome e da desnutrição à metade até 2015, de acordo
com os índices de 1996”, não agradou grande parte dos representantes presentes no fórum
paralelo de organizações não governamentais (ONGs) e movimentos sociais3.
3
É importante destacar que desde 2001 são organizados os Fóruns Sociais Mundiais (FSM), encontro in-
ternacional, articulado por movimentos sociais, ONGs e pela comunidade civil para discutir e lutar contra
o neoliberalismo, o imperialismo e, sobretudo, contra desigualdades sociais provocadas pela globalização.
Um dos objetivos principais do FSM de 2001 foi o de estabelecer um contraponto ao Fórum Econômico
Mundial, realizado anualmente desde 1974, em Davos (Suíça). Os FSM abarcam uma pauta ampla de
questões como direitos humanos, luta contra a guerra e pela paz, economia solidária, gênero, soberania ali-
mentar, entre outros, o FSM vem mobilizando um número cada vez maior de pessoas sob lema “um outro
mundo é possível”.
253 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Organização: Hespanhol (2022).
A despeito dos avanços nas discussões sobre a segurança alimentar, em nível mun-
dial, especialmente no que concerne ao estabelecimento de acordos e definição de dire-
trizes gerais, ainda há uma distância muito grande entre o discurso dos governantes e os
reais interesses de cada país manifestados nos compromissos assumidos nas Conferências
Mundiais e que estão longe de serem cumpridos, já que muitos são contrários aos inte-
resses de nações ou de grupos econômicos (ALMEIDA FILHO et. al., 2007) que atuam
em escala global.
Mesmo sendo um direito reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos
Humanos da ONU, desde 1948, a insegurança alimentar ainda assola parte significa-
tiva da população global, especialmente na África, Ásia e América Latina e Caribe. Tal
situação vinha melhorando até meados da segunda década desse século, mas voltou a
regredir a partir daí.
Entre 702 y 828 millones de personas padecían hambre en 2021 – 103 millones
más entre 2019 y 2020 y 46 millones más en 2021 – , considerando el punto medio
del rango estimado (FAO, FIDA, OMS, PMA y UNICEF. 2022, p. 12).
255 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
A insegurança alimentar pode ocorrer por fatores variados. No caso brasileiro, o
problema da insegurança alimentar está intimamente ligado a fatores socioeconômicos,
como a concentração da renda, o baixo poder aquisitivo dos salários e os elevados níveis
de desemprego e de informalidade do trabalho (Mattei, 2012), além da histórica desi-
gualdade social.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2004, 2009 e
2013 vinham mostrando importante redução do percentual de domicílios em situação
de insegurança alimentar e nutricional em todo o país, que progressivamente estava di-
minuindo: decaindo de 35,2% da população em 2004 para 30,4% em 2009 e 22,9%
em 2013. A insegurança alimentar grave, por sua vez, diminuiu de 9,4% da população
em 2004 para 6,6% em 2009 e 4,2% em 2013, quando atingiu o seu menor índice. Ou
seja, no período entre 2004 e 2013, o percentual da população brasileira com segurança
alimentar cresceu de 64,8% em 2004 para 69,6% em 2009 e alcançou 77,1% em 2013,
como se verifica na tabela 1.
assolar o país, a crise política que redundou no impeachment da presidente Dilma Roussef
em 2016 e na perda de centralidade das políticas sociais e de segurança alimentar no gover-
no de Michel Temer que assumiu o poder em agosto de 2016, alteraram profundamente o
contexto da segurança alimentar no país.
Dessa forma, a partir de 2016, o cenário foi alterado e se aprofundou o desmonte das
políticas públicas e de iniciativas destinadas à agricultura familiar, as quais haviam atingi-
do seu ápice entre 2003 e 2014, período considerado como a “década de ouro” das ações
voltadas ao setor (Favareto e Aquino, 2021). Como ressaltam Marques et al. (2019, p. 8),
o reforço ou o enfraquecimento de políticas públicas estão inseridas
4
A FAO/ONU lançou o PAA África, abrangendo países como Etiópia, Maláui, Moçambique, Níger e
Senegal e a Assembleia Geral das Nações Unidas considerou 2014 como o “Ano Internacional da Agricultura
Familiar” para dar visibilidade e discutir a importância dessa modalidade de agricultura na produção de ali-
mentos e na erradicação da miséria no mundo (ONU, 2014). Em dezembro de 2017, a Assembleia Geral
das Nações Unidas aprovou nova resolução declarando o período 2019-2028 como a Década das Nações
Unidas para a Agricultura Familiar.
257 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
balhadores reconhecidos e reforçados a partir da Constituição Federal de 1988, passaram
a ser ameaçados. Uma das primeiras medidas implementadas foi transferir a Secretaria
Especial da Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário da Casa Civil para o
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), cuja agenda esteve sempre
identificada com os interesses do agronegócio. Como destacam Marques et al. (2019, p.
8), o desmonte promovido no governo Bolsonaro não apenas desfigura o desenho pro-
posto para as políticas públicas, mas promove também “a eliminação real ou simbólica de
sujeitos, grupos e segmentos” mais vulneráveis para os quais elas foram elaboradas, entre
eles, os agricultores familiares.
5
A redução no orçamento ocorreu pela aprovação da Emenda Constitucional 95, também denominada “EC
do Teto dos Gastos”, que congelou os gastos públicos por 20 anos.
6
O termo “Centrão” refere-se a “um bloco informal na Câmara dos Deputados que reúne parlamentares de
legendas de centro e centro-direita. O grupo é menos conhecido por suas bandeiras e mais pela característica
de se aliar a governos diferentes, independentemente da ideologia”. https://www. g1.globo.com/politica/
noticia/2020/04/29/entenda-o-que-e-o-centrao-bloco-na-camara-do-qual-bolsonaro-tenta-se-aproximar.
ghtml. Acessado 02/09/2021.
259 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
res a 2016 de retirar o aparelho de Estado de seu papel de proteção social.
sendo que as situações mais preocupantes estão nas regiões Norte, Nordeste e Centro-
Oeste do país, onde os índices de insegurança alimentar são altos, ou seja, atingem
mais de 50% da população pesquisada, como se pode verificar na Tabela 2.
261 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
do Norte e Nordeste, este cenário se agrava já que 25% dos domicílios sobrevivem com
rendimentos mensais abaixo de ¼ do salário-mínimo, altas taxas de desemprego, endivi-
damento e corte de despesas para alimentação. Assim, os grupos mais vulneráveis nessas
regiões são os indígenas, os quilombolas e os agricultores familiares que não consegui-
ram ter acesso às políticas públicas e programas de proteção social.
Considerando os dados mais recentes publicados pela Rede PENSSAN (2021/2022),
se verifica também que, enquanto no país, na média, 41,3% dos domicílios apresentavam
segurança alimentar, nas áreas urbanas esse percentual era um pouco maior (42,2%),
mas nas áreas rurais era de apenas 36,2% (Rede PENSSAN, 2021/2022), como se pode
observar na Figura 1.
Nas áreas urbanas, a insegurança alimentar atinge 57,8% dos domicílios pesqui-
sados, sendo que 15,0% encontravam-se em situação de insegurança alimentar grave,
ou seja, passavam fome. Nesse contexto, a criação do Auxílio Emergencial8, em 2020,
pelo governo federal – a partir de pressões da sociedade civil e do Congresso Nacional
face à emergência e aos desdobramentos sociais da pandemia do coronavírus -,
8
Podem se candidatar ao programa, famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza. Para as famí-
lias em situação de pobreza é necessário que apresentem, em sua composição gestantes, nutrizes (mães
que amamentam), crianças, adolescentes ou jovens entre 0 e 21 anos incompletos. As famílias extre-
mamente pobres são aquelas que têm renda familiar per capita mensal igual ou inferior a R$ 105,00
(cento e cinco reais). As famílias pobres são aquelas que têm renda familiar per capita de R$ 100,01
(cem reais e um centavo) a R$ 200,00 (duzentos reais). Para se candidatar ao Programa, é necessário
que a família esteja inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, com seus
dados atualizados há menos de 2 anos, além de atender aos critérios de renda e condicionalidades do
programa.
263 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Considerações Finais
9
O Auxílio Emergencial foi um benefício criado para garantir uma renda mínima às famílias em situação
mais vulnerável durante a pandemia, já que muitas atividades econômicas foram afetadas pela crise. Em
2020, foram pagas cinco parcelas de R$ 600, 00 às famílias contempladas, totalizando 118 milhões de
pessoas (55,8% da população). Em 2021, foram pagas quatro parcelas mensais de R$ 250,00 por família,
totalizando 77 milhões de pessoas assistidas (36,6% da população).
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DO ESPAÇO URBANO
Introdução
269 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Os senhores de engenho
1
Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Território, Ambiente e Sociedade da Universidade
Católica de Salvador e Professor Participante do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade
Federal da Bahia; Pesquisador CNPq. - pavascon@uol.com.br
271 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
as atividades da Petrobras acabaram desestruturando o pouco que sobrou de uma agri-
cultura organizada. Em 1956, 12 usinas de açúcar ainda funcionavam no Recôncavo, e a
produção destinava-se para o consumo de Bahia.
A agricultura, em áreas próximas do litoral continuou em crise; a produção do açú-
car conheceu um longo declínio tanto que hoje, apenas duas usinas funcionam ainda no
Recôncavo. Por outro lado, dois novos setores se desenvolveram, com repercussões diretas
sobre a economia baiana e indireta sobre Salvador: o da produção de soja, no extremo oeste
do estado, e o da produção de frutas tropicais para exportação no vale do rio São Francisco.
Os Comerciantes
273 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
mais modernas e descentralizadas. Em 1940, o número de trabalhadores emprega-
dos no comércio era de 18.823. Milton Santos informou que em 1950, o comércio
varejista de Salvador representava 45,6% do total do Estado da Bahia, e o grossista
83,88%.
Foram as novas formas de implantação comercial que revolucionaram, não apenas
o comércio como também a estrutura urbana de Salvador. Novos centros comerciais
surgiram, causando um grande impacto sobre o comércio tradicional da área central
da cidade. O Shopping Center Iguatemi foi inaugurado em 1975 na nova área de ex-
pansão da cidade. Alcançou um total de 508 lojas em 1998 e se tornou o coração do
novo centro metropolitano e de novos eixos de crescimento.
Em 1985, os efetivos trabalhando no comércio atingiram 65.443 trabalhadores,
em um total de 7.689 estabelecimentos o que dá uma média de oito trabalhadores
por estabelecimento. Havia em 1995, 18.825 estabelecimentos comerciais, entre eles
17.066 para venda ao varejo.
Este é, certamente, uma atividade muito importante no passado, pela fixação dos gan-
hos na cidade, embora relativamente pouco estudada.
Com a invasão holandesa do nordeste do Brasil, e posteriormente a conquista tempo-
rária de Angola e São Tomé e Príncipe, levou a realização do tráfico direto entre a Bahia e
o Golfo de Benim, na África.
Entre 1752 e 1756, devido à limitação de 24 navios para o tráfico de escravos, um mo-
nopólio se estabeleceu, sob o controle de 40 negociantes de Bahia e de 20 de Pernambuco.
Este monopólio rompia o “sistema triangular” colonial, permitindo uma maior acumu-
lação de riquezas na colônia. Em 1759, segundo Caldas, 28 negociantes da Bahia se diri-
giram para Costa de Mina e 12 para Angola, levando consigo 28.000 rolos de tabaco, a
principal mercadoria de troca por escravos.
Os traficantes de escravos se tornavam uma categoria muito influente em Salvador.
Nas instruções de 1779, assinadas por Martinho de Mello e Castro para o Marquês de
Valença, foram feitos comentários interessantes da perspectiva da metrópole sobre esse
tráfico:
“gravíssimos inconvenientes [...] a este Reino, em deixarmos o comércio da África entre-
gue nas mãos dos Americanos, lhes permitindo liberdade de poderem fazer aquella nave-
gação e negociar em todos os portos daquele Continente, não nos lembrando de acordar
ao mesmo tempo [...] tivessem os portugueses a preferência da mesma sorte que a Capital
e seus habitantes a devem sempre ter em toda parte sobre as colônias e habitantes dela”.
274 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Criticava ainda “[...] apropriaram-se alguns homens de negócio, da Bahia todos os navios
de comércio daquele porto para a Costa da África e fazerem dele hum rigoroso monopólio [...]”,
assim como o contrabando de fazendas estrangeiras2.
Em 1797, o fumo exportado para Costa de Mina alcançou 245.532$000 réis. Em
1798, segundo Vilhena, a importação de escravos da Costa de Mina aumentou para
490.300$000 réis e a de Angola para 172,080$000 réis. Estes valores correspondiam a
40% da exportação do açúcar o que registra a importância do capital investido no tráfico.
Na sequência dos tratados anglo-portugueses de 1810, 17 dos 32 navios que realiza-
vam o tráfico negreiro em Salvador, foram capturados pelos britânicos com o consequente
fechamento, em 1812, de cinco das principais casas comerciais da cidade.
A viajante Maria Graham considerava Salvador como o principal porto de escravos no
Brasil, informando que 76 navios tinham viajado, em 1820, para a África. A riqueza dos
2
Amaral in SILVA, i., 1937, V. 5, p. 350.
275 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
do Conde e Santo Amaro, com um total de 560 escravos (de um valor de 471:420$000
réis). O seu inventário de 1883 consta de 3.742:714$871 réis em bens imóveis.
Os Artesões
Os Industriais
277 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
dos investimentos realizados no Nordeste.
Em 1971, as obras para construção do porto de Aratu foram iniciadas para responder
às necessidades das companhias instaladas no Centro Industrial de Aratu et no futuro
complexo petroquímico.
Na Bahia, 4,5 miliares de dólares foram investidos em 1978, na implantação do
Complexo Petroquímico de Camaçari. Em 1987, os novos investimentos, de mais
de 1,3 bilhões de dólares, permitiram a sua duplicação. A implantação do complexo
se fez graças a investimentos do governo federal assim como de recursos nacionais e
internacionais.
A maioria dos investimentos industriais foram realizados na periferia do municí-
pio de Salvador, no Polo Petroquímico de Camaçari, como implantação da Copene –
Petroquímica do Nordeste, em 1977, a maior companhia industrial da Bahia em 1991. Os
efeitos destes investimentos sobre a metrópole foram consideráveis.
Nos anos 1970, o grupo Odebrecht lançou um grande loteamento industrial e ataca-
dista, o “Porto Seco Pirajá”. Em 1975, a Usina Siderúrgica de Bahia, Usiba, foi instalada.
Os Banqueiros
diretores, reencontramos P. R. Bandeira, que figurava em primeiro lugar na lista dos ricos
comerciantes em 1769.
Embora o período de 1823 a 1849 tenha sido bastante instável, o capital financeiro
se desenvolveu: as agências de seguro continuaram a suas atividades. Em 1834, a Caixa
Econômica da Cidade de Bahia foi fundada. Em 1845, o Banco Comercial da Província de
Bahia foi criado. Em 1848, três outros bancos foram implantados. Em 1858, foi fundado o
Banco da Bahia do qual um dos primeiros diretores foi o citado Joaquim Pereira Marinho,
ex-traficante de escravos. Em 1874, uma filial do London & Brazilian Bank foi inaugurada.
Novas companhias de seguro apareceram: em 1870, fundou-se a importante
Companhia. de Seguros Aliança da Bahia.
Doze companhias de seguro funcionavam em Salvador em 1893, em sua maioria es-
trangeiras: quatro inglesas, duas alemãs, uma portuguesa, uma americana e quatro bra-
sileiras. No mesmo ano, já havia seis estabelecimentos de crédito. O imóvel da British
Bank of South America foi inaugurado em 1895. Em 1928, havia em Salvador 11 agências
bancárias das quais três eram estrangeiras. O Presidente do Banco de Crédito Agrícola da
279 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
repercussões sobretudo no nível das infraestruturas e da circulação.
De fato, além dos impactos diretos e indiretos dos agentes econômicos, pode-se afir-
mar que a produção imobiliária é a responsável pela maior parte do desenvolvimento
urbano “legal” de Salvador.
As Grandes Empresas
Os Prestadores de Serviços
Conclusões
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Introdução
283 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
so permite ler a dinâmica dessas cidades como a extensão dos tentáculos das metrópoles
que reorganizam os espaços do país e firmam presença em todo o território, mesmo com
crescimento demográfico pífio. O novo,sob a ótica da cidade e do urbano, desponta com
a constatação da expressão adquirida pelas chamadas cidades do agronegócio, especial-
mente as do Centro-Oeste e as da Amazônia que apresentam um dinamismo produtivo
sem igual. Além da redução dos índices de crescimento demográfico das metrópoles
consolidadas do país, constata-se também um acelerado processo de empobrecimento
da população acompanhado pelo crescimento exponencial das áreas de favelas e de ha-
bitações precarizadas. Acrescenta-se ainda, a acentuada queda da qualidade de vida, o
que aponta para a ausência ou fragilidade das políticas públicas voltadas aos programas
habitacionais e aos de transferência de renda e de redução da pobreza. Entretanto, nes-
sas áreas novas e dinâmicas do interior do país onde o agronegócio prospera, as cidades
crescem rapidamente e adquirem perfil de centros equipados, dotados de comércio e
1
PPG em Geografia da UFC e PUC-Rio - borzajose@gmail.com
10.257/2001), no art. 2o, incisos I e II, que dispõem sobre o direito a cidades sustentáveis. O
Estatuto regulamenta os artigos referentes à política urbana no âmbito federal (artigos. 182
e 183 da Constituição Federal de 1988). Com isso, importantes avanços foram alcançados,
embora não sejam suficientes para o atendimento das demandas.
Pais com enorme superfície e com várias frentes de ocupação e povoamento, o Brasil
carece de um entendimento mais preciso do significado e aplicação do conceito de escala
capaz de facilitar a compreensão do processo de interpretação e leitura de seu território. A
veiculação da informação de forma globalizada, com todas as nuances ideológicas possíveis,
mescla as noções de tempo e espaço, acrescidos agora, com a de escala. Esse amálgama cor-
rompe, no plano das aparências, a ideia de limites e fronteiras gerando, ao mesmo tempo
situações contraditórias. A vertente social da geografia, na medida do possível reage, elabo-
rando esquemas teóricos e roteiros metodológicos, tentando aproximar seus pressupostos
285 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
e de serviços, enquanto outras foram criadas para atender às demandas de um mercado
promissor.
Discutindo a rede urbana brasileira sob a égide do cultivo de soja em larga escala e o surgi-
mento de cidades novas que já apresentam um destacável dinamismo, ELIAS 3assim se coloca:
“Um tipo de cidade vem ganhando destaque na rede urbana brasileira são
as denominadas cidades do agronegócio. De maneira geral, essas são cidades de
pequeno e médio portes e resultam da expansão da urbanização inerente às novas
formas de uso e ocupação do território brasileiro associadas à reestruturação pro-
dutiva da agropecuária e à expansão da economia e da sociedade do agronegócio
globalizado. As cidades do agronegócio existem em todo o Brasil. Algumas são mais
antigas e encontram-se em permanente processo de (re)estruturação, enquanto
2
Pochmann, Márcio, Cidades em Transe, Outras Palavras, Publicado 12/01/2022 às 14:32 - Atualizado
12/01/2022 às 14:h.
3
Elias, Denise, Uma radiografia das “cidades do agronegócio”, Outras Palavras, Disponível em: https://ou-
traspalavras.net/cidadesemtranse/uma-radiografia-das-cidades-do-agronegocio/ , Acesso em 08.09.2022.
Esse movimento, marcado pela passagem para novo regime de acumulação, é acompa-
nhado por mudanças fundamentais multiformes no modo de produção e de consumo, nas
transações e nos mecanismos institucionais de regulação das relações sociais. Eles induzem
a uma reestruturação espacial da sociedade inteira; redefinição do conteúdo ideológico dos
espaços; estabelecimento de nova divisão social e espacial do trabalho; criação de novos
espaços de produção e de consumo.
286 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
4
Disponível em: https://geoftp.ibge.gov.br › mapas › Mapa_1-Red., acesso em 20.09.2022
287 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
tes dos choques com os nativos ocupantes das terras do litoral, à medida que os lusitanos
avançavam mata adentro em direção oeste, modificando os contornos territoriais, ultra-
passando limites definidos em acordos e tratados.
Para os portugueses, a expansão para o oeste tinha o objetivo de ultrapassar os limites
estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas, o que conforme Fonseca, (S/D, p.5)6
“resultou, após disputas diplomáticas e vários tratados, na configuração atual da linha
de fronteiras do país. Esse processo de povoamento e ocupação do território do Brasil
5
Diniz, Clélio Campolina (Abril de 2013) Dinâmica Regional e Ordenamento do Território Brasileiro: de-
safios e oportunidades, Texto para Discussão N° 471, CEDEPLAR, UFMG, p. 22
6
Fonseca, Dante Ribeiro da. Esse caráter expansionista atribuído às bandeiras foi mais praticado nas áreas
periféricas aos centros políticos e econômicos coloniais. São Paulo e Belém do Pará foram os núcleos irradia-
dores das ações que vieram a romper com os limites de Tordesilhas. Os processos de conquista e ocupação
portuguesa, efetivos na bacia do rio Amazonas, podem ser situados entre construção do Forte do Presépio,
origem da atual cidade de Belém, em 1616, até o Tratado de Madri (1750). No norte da colônia, é a partir
de Belém que se dá o avanço sobre Tordesilhas. O Tratado de Madri representa o início da consolidação
jurídica do processo de consolidação portuguesa para oeste de Tordesilhas.IN: http://www.uel.br/cch/his/
ISNHM/AnaisPDF/danterfonseca.pdf S/D. p. 5. Acesso em 06,09,2021.
7
É o termo utilizado para denominar o Brasil antes da chegada dos Europeus, a terra dos índios. .A ex-
pressão “terra brasilis” já aparecia em mapas dos séculos XVI e XVII, como por exemplo o mapa feito por
Pedro Reinel e Lopo Homem em 1519. IN: https://www.dicionarioinformal.com.br/terra+brasilis/Acesso
em 06.09.2021
8
Cintra, J. P. “Reconstruindo o Mapa das Capitanias Hereditárias”. In: Anais do Museu Paulista. São Paulo.
N. Sér. v.21. n.2. p. 11-45. Jul.- dez. 2013.
289 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
o domínio espanhol, ficou exposta às ousadas investidas dos holandeses, então em pleno
estado de guerra com a Espanha”.
Apesar das medidas de segurança e proteção adotadas no litoral pelos portugueses,
como as feitorias e fortificações, o que lhes garantiram a posse definitiva do território e
de toda a ocupação. Continuaram preocupados com a construção de fortes nas principais
bacias hidrográficas no interior, especialmente nas áreas de contato com a expansão da
ocupação hispânica para o leste da América do Sul. Toda essa estratégia de proteção e se-
gurança de sua colônia caiu por terra durante o período sob dominação da Espanha.
9
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acesso em 20.09.2022
entretanto, não tinha valor na perspectiva da acumulação capitalista. Esse processo sofre
enorme mudança a partir de 1850, com a promulgação da Lei de Terras. As campanhas
abolicionistas nacional e internacional apressaram a promulgação da Lei no 601, de 18 de
setembro de 1850, impulsionada pelos senhores escravocratas que devido às fortes pres-
sões, previam o fim da escravatura e a emergência da mercadoria terra que além do preço,
adquiria valor, na lógica da acumulação.
A Lei número 601“Dispõe sobre as terras devolutas no Império, e acerca das que
são possuídas por titulo de sesmaria sem preenchimento das condições legais. bem
como por simples titulo de posse mansa e pacifica; e determina que, medidas e de-
marcadas as primeiras, sejam elas cedidas a titulo oneroso, assim para empresas par-
ticulares, como para o estabelecimento de colonias de nacionaes e de extrangeiros,
autorizado o Governo a promover a colonisação extrangeira na forma que se declara.”12
11
Disponível em: https://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo01/feiras_gado.html, acesso em 03.10.2022
12
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0601-1850.htm, acesso em 03.10.2022
291 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
13
A Região Integrada de Desenvolvimento (Ride) do Distrito Federal e Entorno foi instituída pela Lei
Complementar nº 94/1998. A definição de sua área de abrangência, compreendendo o Distrito Federal,
19 municípios do Estado de Goiás e três municípios do Estado de Minas Gerais, não foi, contudo, sufi-
cientemente debatida. Disponível em: https://www.codeplan.df.gov.br/wp-content/uploads/2018/03/%-
C3%81rea-de-Influ%C3%AAncia-de-Bras%C3%ADlia-e-Proposta-de-Amplia%C3%A7%C3%A3o-da-
-RIDE-do-DF-e-Entorno.pdf Acesso em 20/09/2022
Considerações Finais
293 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
No momento em que encerro esse artigo, provavelmente várias pessoas sozinhas ou
em grupo estão se deslocando em direção ao oeste brasileiro em busca de melhores condi-
ções de vida. Momento também que várias cidades pioneiras do agronegócio podem estar
incorporando alguma novidade tecnológica, em vários setores, oferecendo vagas para pro-
fissionais de diferentes áreas, inclusive as de saúde - médicas ou paramédicas. Certamente,
aviões e jatinhos cruzam os céus sejam de empresas aéreas ou de proprietários transpor-
tando alguém. Tratores, ceifadeiras, maquinário moderno cruzam o campo em várias dire-
ções. Ao mesmo tempo essas cidades renovam o comércio de implementos agrícolas, venda
14
Becker, Bertha K. Revisão das políticas de ocupação da Amazônia: é possível identificar modelos para
projetar cenários? IN: Parcerias Estratégicas - Número 12 - Setembro 2001, p. 139.
Disponível:https://docs.ufpr.br/~adilar/GEOPOL%C3%8DTICA2019/Geopolitica%20da%20Amazonia/
Amaz%C3%B4nia_Pol%C3%ADtica%20de%20ocupa%C3%A7%C3%A3o.pdf, Acesso em 03.10.2022
15
O Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) é uma instituição brasileira de pesquisa
que tem como missão promover conservação e desenvolvimento sustentável na Amazônia. Somos uma
organização dedicada à pesquisa e busca por soluções para os problemas de uso e conservação dos recursos
naturais da Amazônia. Disponível em : https://imazon.org.br/imprensa/linha-do-tempo-entenda-como-o-
correu-a-ocupacao-da-amazonia/, Acesso em 03.10.2022.
Introdução
295 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
na Habitat I, realizada em 1976, em Vancouver, no Canadá, quando se destacou que a
terra urbana, pela sua importância, não poderia ficar refém da especulação imobiliária e
do mercado e que o Estado deveria intervir para limitar a especulação e garantir o acesso
à terra urbana/casa à maioria das pessoas. Tais princípios foram apresentados pelo Fórum
Nacional da Reforma Urbana no Congresso Constituinte e incluídos na Constituição
Brasileira de 1988, no capítulo referente à política Urbana.
O Fórum da Reforma Urbana tinha como meta contribuir para que o Estado exer-
cesse de maneira eficaz sua função de mediar conflitos entre a especulação imobiliária
– que deixa terras vazias na área urbana – e os trabalhadores de baixos salários – que
procuram ter acesso a uma moradia digna em áreas com infraestrutura e equipamentos
públicos. Porém, os princípios foram enquadrados, na Constituição Brasileira, como
parâmetros para o planejamento urbano, concretizável nos planos diretores munici-
pais, visando a ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da
1
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas e UFPB Universidade Federal da Paraíba.
E-mail: moysesarlete@gmail.com
função social da cidade e da propriedade e passa a ser apenas norma a ser seguida. A partir
dessa lógica positivista, os estudos e as pesquisas utilizam novas matrizes discursivas, ou
até mesmo novos paradigmas científicos, utilizando parâmetros de análise centrados no
planejamento territorial. Os movimentos populares, por sua vez, também deslocam as suas
reivindicações: antes baseadas em princípios, passam a ser baseadas em regras e parâmetros
do ordenamento territorial e na elaboração dos planos diretores. Dessa forma, os princí-
pios perdem sua importância política e se vinculam mais diretamente ao planejamento que
visa a propiciar padrões urbanos modernos.
O ordenamento territorial é uma das funções do Estado e para que se concretize, por
meio do planejamento, a política pública espacial tem como objetivo promover desenvol-
vimento econômico e estimular a justiça espacial, desse modo precisa de instrumentos, de
297 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
infraestruturada. O documento delineava, também, critérios para averiguar as contradi-
ções e os conflitos expressos nas áreas urbanas.
Porém, os princípios da função social da cidade e da propriedade, na Constituição de
1988, foram enquadrados como instrumentos para serem utilizados no ordenamento territo-
rial, concretizáveis em Planos Diretores Municipais, obrigatórios para Municípios com mais
de 20 mil habitantes e aqueles que integram as regiões metropolitanas e os de especial interesse
turístico. O enquadramento dos princípios em normas de planejamento restringiu a possibili-
dade de sua autoaplicação em disputas territoriais sobre a função social da propriedade. Com
isso, passou a ser utilizado para demarcar áreas que não estavam cumprindo sua função social.
O enquadramento da função social da cidade e da propriedade no planejamento
consta do artigo 182 § 2º da Constituição Federal de 1988: “A propriedade urbana
cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da
cidade expressas no plano diretor” (Brasil, 1988). Já o Estatuto da Cidade2, que regu-
2
Doravante será chamado de Estatuto.
299 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
cialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a
segurança da população;
XIV – Regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população
de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e
ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as
normas ambientais;
XV – Simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das nor-
mas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes
e unidades habitacionais;
XVI – Isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção
de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o
interesse social.
XVII - Estímulo à utilização, nos parcelamentos do solo e nas edificações urba-
nas, de sistemas operacionais, padrões construtivos e aportes tecnológicos que obje-
tivem a redução de impactos ambientais e a economia de recursos naturais.
Trata-se de diretrizes gerais que deveriam orientar a política urbana, entretanto, não
explicitam como atingir a função social da cidade e da propriedade, ou o que significa a
justa distribuição dos benefícios e os ônus decorrentes do processo de urbanização. No
Capítulo 2, artigo 4º, do Estatuto, estão elencados os instrumentos para a elaboração de
planos diretores municipais e os institutos jurídicos aplicáveis de acordo com legislação
específica, como a legislação de regularização fundiária de interesse social, leis municipais
específicas para os impactos de vizinhança entre outros. No mesmo Capítulo 2, em seu
artigo 5º, constam os instrumentos a serem aplicados em imóveis não edificados, subuti-
lizados ou não utilizados, ou seja, os que não cumprem sua função social, de acordo com
critérios de cada município.
O Estatuto forneceu, então, critérios para demarcar áreas que não cumprem a função
social da cidade e da propriedade urbana e para delimitar áreas ocupadas como ZEIS
(Zonas Especiais de Interesse Social)3, as quais possibilitariam, se efetivadas, a permanên-
300 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
cia nas áreas ocupadas para moradia. Ademais, o documento criou parâmetros para a par-
ticipação social nos planos diretores. Em decorrência de a Lei do Estatuto ter completado
20 anos em 2021, foram realizados debates e encontros e publicados artigos e livros com
o objetivo de avaliar os avanços e os desafios do planejamento e da política urbana. Tais
materiais ressaltam tanto a qualidade dos instrumentos como as dificuldades e os desafios
para sua aplicabilidade.
Em áreas infraestruturadas, parcial ou totalmente desocupadas, o Estatuto define que
o Município atue para que o proprietário lhe dê uma finalidade: deve-se aumentar o IPTU
durante cinco anos e, após esse período, caso não tenha sido dada uma finalidade ao
local, a área/imóvel deveria ser desapropriada por títulos de dívida pública. Entretanto,
até agora, 20 anos após o Estatuto da Cidade ser publicado, nenhuma desapropriação foi
realizada, pois, além do tempo para a implementação do Plano Diretor, a autorização para
emissão de títulos de dívida pública é realizada pelo Senado Federal, o que demonstra que
3
Sobre as ZEIS, ver, em especial, Moraes (2019).
301 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
da Cidade e a obrigatoriedade de elaborar planos diretores municipais, há debates que
apresentam o planejamento como solução e sua ausência como problema. Ou seja, dá-se
ao planejamento um potencial que ele não tem quando princípios, premissas são transfor-
madas em instrumentos técnicos.
Uma questão que não aparece nos estudos é se os princípios, quando enquadrados
como instrumentos de planejamento, poderiam garantir soluções reais e concretas ou se
ficariam reféns de normas de ordenamento territorial, sem possibilidade de atingirem a
função social da propriedade e da cidade. Há ausência de estudos que procuram com-
preender se marcos regulatórios aplicados ao planejamento urbano permitem realmente
fazer cumprir a função social; e se a produção de moradia de interesse social, que é in-
dispensável para atender às necessidades dos que não têm acesso ao mercado formal, tem
como premissa atender ao direito à moradia.
Em síntese, os planos diretores da maioria dos municípios brasileiros mencionam os
instrumentos constantes do Estatuto da Cidade sem correlacionar diretamente com a pró-
pria área urbana dos municípios e, geralmente, não consideram a diversidade da produção
ficas, não se aplica à totalidade do urbano e, desse modo, não pode atender ao equilíbrio
da ocupação do espaço urbano.
Como o padrão de pesquisas está centrado não nos princípios e sim no ordenamento
territorial, a totalidade da produção do espaço não é analisada e muitos menos o significa-
do de deslocar princípios gerais para aplicação de instrumentos de planejamento.
Vários estudos têm abordado predominantemente a aplicação dos instrumentos, sem
os correlacionar com os princípios ou, no máximo, correlacionando-os com áreas deli-
mitadas previamente. Verifica-se, também, a incidência de análises que mostram que os
programas de moradia de interesse social são instalados em áreas distantes, em locais onde
não há infraestrutura, mostrando que tais programas não se concatenam com o direito à
moradia e ao mundo do trabalho.
Podemos nos questionar se a predominância desse tipo de análise caracteriza um pa-
radigma científico, tal como analisado por Thomaz Kuhn (2007), ou seria mais uma ma-
triz discursiva, como apontado por Eder Sader (1988), correspondendo a um conjunto
303 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
de áreas que não cumprem a função social.
Assim, é preciso procurar as possíveis explicações para entender se realmente há des-
locamento de análises do conteúdo para as formas, analisando o arcabouço teórico e as
categorias analíticas utilizadas, e verificar se há um paradigma científico e/ou matrizes
discursivas que explicam uma certa “reprodução” de enfoques. Enfim, é necessário com-
preender, como já dito, se este padrão de pesquisa permite ou não o desvendamento da
complexidade da produção do espaço urbano ou se fica refém de uma agenda estatal que
desvia o olhar dos princípios, portanto da essência, para o planejamento, a forma de atuar
no urbano.
Importante ressaltar que há estudos que analisam a pouca eficácia de planos diretores
para resolver as contradições e os conflitos4, mostrando que os problemas, quando a ênfase
é o ordenamento territorial, são apenas escamoteados.
4
Ver, entre outros autores, Villaça (2005) e Burnet (2011) que averiguam a dimensão de fetiche dos planos
diretores.
avançar nas análises que permitem entender a contradição entre a produção do espaço
e a reprodução das condições sociais e de que forma o padrão de estudos a propósito da
aplicabilidade dos instrumentos de planejamento sobre a função social da cidade e da pro-
priedade permitem desvendar a realidade. Nos padrões de estudos e pesquisas, verificamos
que há poucas análises com foco nas contradições do Estado capitalista e de seu aparato
jurídico6.
A questão é averiguar se os estudos e as pesquisas se limitam, ou não, a esperar que os
princípios da função social da cidade, da propriedade e o direito à moradia sejam atingidos
por meio dos mecanismos de planejamento e da produção estatal de moradia. Trata-se de
procurar entender se os deslocamentos discursivos da política dificultam a compreensão
da produção e da reprodução do espaço e explicar se os estudos e pesquisas, ao se limita-
rem a relacionar a aplicação das leis e normas e da produção estatal, permitem entender a
5
Ver Brenner (2010; 2018); Harvey (2005; 2011); Lefebvre (2013;2008); e Santos (1996). Há muitos estu-
dos que utilizam a teoria crítica urbana e não estão aqui citados.
6
Ver, entre outros, Pachukanis (2017) e Mascaro (2013).
305 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
de moradia, sem explicitar a essência das contradições da produção capitalista do espaço.
Há, também, muitas pesquisas que apontam que não se garante a permanência na
terra/casa ocupada para moradia, fora dos parâmetros jurídicos e urbanísticos, mesmo
quando as áreas/edifícios não cumprem sua função social, inclusive quando estão demar-
cadas nos planos diretores como ZEIS - Zonas Especial de Interesses Social. Quando se
delimitam as ZEIS, o fundamento não é o direito à moradia, mas a aplicação do instru-
mento que define áreas a serem urbanizadas com moradia de interesse social. Além disso,
há frequentes alterações dos limites das ZEIS de acordo com o interesse para a expansão
capitalista do espaço, como tem ocorrido em João Pessoa, na Paraíba, com o programa
João Pessoa Sustentável (João Pessoa, 2014). Ou seja, demarcadas ou não como ZEIS, as
remoções ocorrem sem que se atente para a função social da cidade e da propriedade. São
utilizadas, retoricamente, como forma de aplicar instrumentos de planejamento.
Enfim, quando os princípios são enquadrados como instrumento de planejamento,
eles são aplicáveis apenas em lugares específicos, não são universalizáveis e não se aplicam
a toda a extensão urbana e sim, apenas, nas áreas demarcadas, consideradas como não
movimentos têm lutado pela aplicação da função social contra os despejos que, no Brasil,
não cessaram nem durante a pandemia.
Considerações finais
307 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Portanto, como vimos, apesar de o enquadramento dos princípios da função social da
cidade e da propriedade retirar a dimensão política dos princípios, de esse enquadramento
sequer propiciar um ordenamento territorial com vistas à justiça espacial, de os movimentos
populares e a academia ficarem reféns da agenda estatal e de centrarem suas análises nos instru-
mentos do planejamento e não nos princípios, há, como mostra a Conferência Popular pelo
Direito à Cidade, possibilidades de avançar nas lutas sociais e no conhecimento científico.
Referências Bibliográficas
Espaço Urbano. Agentes, escalas, conflitos. In: Carlos, Ana Fani A.; Souza, Marcelo Lopes de;
Esposito, Maria Encarnação (Org.). A produção do Espaço Urbano. Agentes e processos, Escalas
e Desafios. São Paulo: Contexto.
Rodrigues, Arlete Moyses. (2016). Ponderações sobre ausências e presenças em estudos de Geografia
Urbana. In: Sposito, Eliseu S.; Silva, Charley A Da; Santana, João L.; Melazzo, Everaldo (Org.).
A diversidade da Geografia Brasileira. Escalas e dimensões da análise e da Ação. Rio de Janeiro:
Editora Consequência,
Sader, Eder. (1988). Quando novos personagens entraram em cena. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Santos, M. (1996). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec.
Villaça, Flávio. (2005). A ilusão dos Planos Diretores. PDF. Disponível em:http://www.belem.pa.
gov.br/planodiretor/pdfs/A%20ILUSAO_DO_PLANO%20DIRETOR.pdf. Acesso em: abr.
2022.
Introdução
309 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
específicos sobre a sua existência na Geografia, de forte presença nas esferas existenciais
das formações socioespaciais do hemisfério sul, a agiotagem pode ser tomada como um
fenômeno multiforme, complexo e, portanto, também passível de análise geográfica, in-
tentada no presente trabalho, a partir do exame de conteúdos normativos e técnicos que
combatem a agiotagem no Brasil.
A agiotagem tradicional, consiste na mais conhecida e convencional forma ilegal e
antediluviana de empréstimo de dinheiro. Trata-se de um tipo de “rugosidade”, pois essa
forma atravessa o tempo, sendo conhecida, antes mesmo dos registros bíblicos. A título
de informação, a Bíblia2 não apresenta o termo agiotagem ou agiota, porém menciona a
palavra usura, que do ponto de vista etimológico, provém de duas palavras latinas: usus
1
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). Bolsista da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, processo n.º 20/08530-2). Professor Assistente do Curso de
Geografia da Universidade Estadual de Alagoas (Uneal/Campus V). E-mail: dhiego.medeiros@uneal.edu.br
2
“Por usura, a Igreja entende, com efeito, todo negócio que comporta o pagamento de juros: Por isso, o
crédito, base do grande comércio e do banco, é interdito. Em virtude dessa definição, todo mercador-
banqueiro, praticamente, é um usurário” (LE GOFF, [1986] 1991, p. 73).
[brasileiro]: agiota (provém do italiano aggio [vantagem, lucro] e allage, do grego [troca,
câmbio]; em português de Portugal: onzenário, onzeneiro; em língua inglesa: moneylender,
loanshark; em espanhol: usurero, prestamista.4
No plano metodológico, no âmbito teórico – para além dos diálogos com os campos
da sociologia, história, direito, por exemplo –, alguns dos referenciais, no plano geográfico
foram, Santos (1996), a partir da sua noção de espaço geográfico e território usado; Antas
Júnior (2005), para uma discussão mais apurada sobre as normas; Contel (2006) a partir
da noção de hipercapilaridade das finanças; Castro (2003), sobre os nexos entre território
e instituições e Machado (2017), sobre o papel das finanças no espaço geográfico e a sua
discussão sobre o binômio legal-ilegal.
3
A esse respeito, Richard Sennet ([1994] 2003: 174, 190-191) usou o termo agiotagem e agiota para tratar
do empréstimo de dinheiro realizado pelos povos judeus desde o século XII, em Veneza, desde o século XII.
4
As respectivas palavras em idiomas diferentes do português brasileiro foram pesquisadas nos dicionários e
obras diversas da literatura, economia e sociologia informadas no item bibliografia.
311 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
mativos que fazem referência direta e outros indiretamente a essa prática de rendimento de
capital através de cobrança de juros, conforme constatou-se através da pesquisa documen-
tal realizada. Para esta análise, para fins didáticos e de exposição, o conjunto de normas
foi organizado de forma cronológica em cinco períodos5 do Brasil republicano, a saber: 1.
República Velha e marco inicial da fase republicana, empreendido entre os anos 1889 a
1930; 2. Era Vargas e segunda fase da república, entendido entre os anos 1930 a 1945; 3.
República Nova, referente aos anos 1945 até 1964; 4. Ditadura Militar, vivida no Brasil
entre os anos 1964 a 1985; e Nova República, iniciada em 1985 e ainda em curso.
Para o primeiro período referido (1889-1930) não se verificou nenhum instrumento
que tratasse da usura de maneira específica. Esta prática não estava prevista conforme as
análises realizadas tanto na Constituição Politica do Imperio do Brazil, de 25 de março
de 1824, quanto na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de
fevereiro de 1891.
5
Conforme tratado por Prado Júnior ([1945] 2012) e Fausto (2001). Como também pelo sítio eletrônico do
Senado Federal do Brasil.
Instrumentos Normativos
No terceiro período elegido, referente a República Nova entendida entre os anos 1945
a 1964, a usura permanece prevista em texto constitucional com punição, agora na consti-
313 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
tuição de 1946. Ademais, nesse período outros instrumentos surgem com um trato indireto
em referência a usura e mais diretamente em relação a operações de câmbio e cobrança de
juros. Conforme se verifica no Quadro 2, destaca-se a Lei 1.521/51 promulgada na ditadura
de Getúlio Vargas e que altera os dispositivos dos crimes contra a economia popular, e ainda
a Lei 1.807/53 que dispõe sobre operações de câmbio com taxas de juros livres mediante
acordos entre as partes.
Instrumentos normativos
315 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
aos previstos na Lei da Usura e no Código Civil.
Instrumentos normativos
317 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
entender porque ele se mostra como é atualmente. Ou seja, de avaliar que, conforme
Souza (2003: 17), “O território, modernamente, é entendido não apenas como limite
político administrativo, senão também como espaço efetivamente usado pela sociedade e
pelas empresas.” Logo, os eventos relativos ao sistema financeiro deflagrados (sobretudo
a partir da segunda metade do século XX), se acirraram e apresentam graves implicações
nas formações socioespaciais latino-americanas em quase duas décadas do século em curso,
tendo como uma importante expressão dos processos mencionados a estrutura oligopolista
dos mercados, a exemplo do mercado bancário.
É nesse sentido que é preciso situar a análise da ESC, destinada à realização de opera-
ções de crédito com recursos próprios, vedada a cobrança de encargos e tarifas. Tendo uma
atuação – área geográfica de atuação – limitada ao seu município sede e em municípios
limítrofes. No que se refere ao seu funcionamento, a ESC pode ser aberta com as se-
guintes naturezas jurídicas: Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI),
Empresário Individual ou Sociedade Limitada. O que permite que toda pessoa física possa
abrir uma ESC, mas podendo participar de apenas uma, não sendo permitidas filiais.
UF ESCs em ESCs em
maio/2021 maio/2022
SP 252 272
PR 72 80
MG 58 57
SC 57 57
RS 50 52
GO 43 51
RJ 36 44
CE 34 37
DF 32 33
MT 31 30
MS 15 22
ES 16 21
AM 17 16
BA 12 16
PE 13 16
PI 12 14
AL 11 12
PB 10 12
PA 12 11
TO 9 11
MA 7 9
RN 8 7
319 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
AC 1 3
RO 3 3
AP 2 2
SE 2 2
RR 1 1
Total 816 891
Na verdade, a ESC tem como objetivo principal, fornecer crédito aos microempreen-
dedores individuais (MEIs), microempresas (MEs) e empresas de pequeno porte (EPPs).
Quando questionado sobre a natureza da ESC, respondeu Afif (apud DINIZ, 2019)7:
“Não estou inventando nada, só estou voltando ao século passado, o famoso crédito na
caderneta, que era o crédito olho no olho.” Já com relação a outra questão, se a ESC não
seria uma legalização da agiotagem, completou: “É a concorrência com a agiotagem. A
agiotagem já é oficializada com os juros do cartão de crédito e do cheque especial, que
chega a 340% ao ano.”
Portanto, a ESC passa a concorrer diretamente com os bancos estatais – de desenvol-
vimento e comerciais – que são responsáveis pela oferta da maior fatia do microcrédito no
país e, desde o ano de 2016 sofrem com o “movimento” de redução no número de fixos
e de recursos humanos. Contudo, vale destacar a reflexão de Lazzarato ([2013] 2017: 14,
grifo nosso): “o que é preciso sublimar nem é tanto o poder econômico da finança ou suas
inovações técnicas, mas muito mais o fato de que ela funciona como um dispositivo de go-
vernança transversal – transversal à sociedade e transversal ao planeta.”
Na contemporaneidade, as instituições financeiras detêm amplo e eficiente raio de
320 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
ação alcançando a totalidade dos níveis e escalas do sistema urbano brasileiro. Logo, os
avanços técnicos8 permitiram ao sistema financeiro a incorporação de uma considerável
variedade de serviços bancários e não bancários, que somaram-se aos já desempenhados
pelas redes de agências e postos de atendimentos. Contel (2006) destaca os principais
canais eletrônicos que conheceram uma difusão mais acentuada no espaço geográfico,
como os Caixas Eletrônicos (ATMs), Banco por Internet (internet banking), Centrais
6
AGÊNCIA BRASIL. Bolsonaro sanciona lei de criação da Empresa Simples de Crédito: o objetivo é facilitar
acesso de micro e pequenas empresas ao dinheiro. Época Negócios, abr. 2019. Disponível em: <https://
epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2019/04/bolsonaro-sanciona-lei-de-criacao-da-empresa-simples-
de-credito.html>. Acesso em: 03 jul. 2019.
7
DINIZ, Ana Carolina. “É o famoso crédito na caderneta olho no olho”. O Globo [O Boa Chance], 12
maio 2019. Disponível em: <http://afif.com.br/wp-content/uploads/2019/05/O_Globo_ESC_12052019-
completa.pdf>. Acesso em: 03 jul. 2019.
8
Segundo Mattos (2014: 4): “El aporte de las NTIC fue de crucial importancia para la intensificación
del despliegue económico-espacial y el funcionamiento en tiempo real, y a escala planetaria, de la nueva
arquitectura financiera y productiva, que en ese mismo momento se estaba constituyendo en uno de los
componentes medulares del proceso de globalización.”
321 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
silar apreendermos que as organizações – na forma de empresas, instituições e associações
de pessoas – exercem ações em diversos lugares, e são por excelência produtoras de normas
(Silveira, 1999). Desse modo, vale acrescentar que o território é constituído tanto por
normas jurídicas quanto por normas não jurídicas9.
Conclusão
Com a análise do conteúdo normativo oficial ora apresentado, verificou-se que, até
o momento não foi possível realizar uma periodização, restando-nos, apenas, reconhecer
os diferentes “momentos” do ponto de vista normativo do tratamento do tema no Brasil.
9
“Daí que a geografia precise se aproximar mais do debate sobre o pluralismo jurídico contemporâneo, uma
vez que fazem parte da construção da geopolítica atual não só os Estados territoriais, mas também outra
sorte de agentes que produzem políticas e produzem instrumentos legais próprios – normas, regulamentos,
leis – para a realização de suas políticas. Cumpre ressaltar que tais modos de produção jurídica não colidem
obrigatoriamente com interesses estatais, aliás, podem até concorrer para objetivos comuns” (Antas Jr.,
2017: 17).
cário público, resultando, por sua vez, na emergência de novas racionalidades financeiras
no território brasileiro.
Compreende-se que a ESC, faz parte dessas racionalidades. Entretanto, a referida me-
dida não enfrenta a extrema concentração no setor bancário, ademais, legitima o quadro
permanente de usura institucionalizada, acirrando a tensão entre o binômio legal-ilegal no
espaço geográfico e revelando o papel exercido pela norma, carregada de um pluralismo
jurídico. Na verdade, como a regra para o período histórico atual é o fortalecimento do
caráter tentacular do sistema de crédito nas suas mais diversas formas – a hipercapilaridade
do crédito, segundo Contel (2006) – o dinheiro disponibilizado via sistema de crédito
de uma dada maneira, é, sempre, capital portador de juros (e portanto, funciona como
“mercadoria”).
Na verdade, verifica-se que o não cumprimento do dispositivo constitucional – § 3º
do Art. 192 da Constituição de 1988 – que limitava a taxa de juros a 12% ao ano, per-
mitindo, a prática livre de taxas de juros, sem limitações previstas em lei, imediatamente,
desconstrói o argumento dos sucessivos Governos brasileiros que justificam o aumento
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1
Universidade Federal da Paraíba - doralicemaia@hotmail.com
331 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
tros de ebulição da vida urbana, ou mesmo um “nuevo fórum que desplazó a los que
lo habían sido anteriormente, la iglesia o la plaza del ayuntamiento, llegando incluso a
apropiarse de elementos que caracterizaban y simbolizaban aquellas estructuras.” (López
García, 1986, p. 27). Assim, particularmente nestas cidades, o edifício da estação ferro-
viária teria que corresponder a uma nova porta de entrada e, também ter o esplendor de
uma catedral: “Incorporada a la silueta de la estación, la arrebatada así aquella tradicional
imagen, símbolo de poder, que ahora ostentaba el ferrocarril.” (Id. Ibd).
Tendo em vista a sua magnitude e o grau de interferência na malha urbana, era preciso
grande parcela de terra, pois não só eram necessários terrenos para a estação de passageiros
e de mercadorias, as oficinas e os depósitos, como também por onde passariam os trilhos.
Desta forma, era comum que as estações surgissem fora do tecido urbano consolidado.
Santos y Ganges, ao analisar a relação urbanismo e ferrovia, explica, que no século XIX,
a maior parte dos núcleos urbanos na Espanha já possuíam linha férrea e que, neste terri-
tório, as ferrovias se projetaram como meio de comunicação mecanizada entre Madrid e
as fronteiras e portos do Reino. Assim, “sólo las estaciones de término en origen y destino
da terra. Fato é que, no século XIX e princípio do XX, quando a ferrovia era sinônimo
de progresso, os governantes e a elite local agiam em prol da sua instalação, muitas vezes
concedendo os terrenos para a sua construção, ou intermediando e facilitando as expro-
priações necessárias.
Seguramente, desde a chegada do material para a construção da ferrovia e o início das
obras, que ocorriam alterações no espaço, impulsionando, na maioria das vezes, o cresci-
mento para aquela direção. Surgem estabelecimentos comerciais, hotéis, restaurantes, bem
como novas áreas residenciais. Estas últimas separadas normalmente pela linha férrea que
dividia os bairros operários dos bairros burgueses. Tais alterações e incrementos na expan-
são do tecido urbano dão-se em consonância com as mudanças na dinâmica urbana nas
mais distintas realidades, em diferentes escalas e graus de intensidade.
Dado o exposto, tomaremos duas realidades, duas cidades localizadas em continentes
diferentes, com histórias muito distintas, uma no interior do Nordeste brasileiro e outra
na Espanha continental, para observarmos quais foram as consequências da instalação da
linha ferroviária nestes dois sítios. Assim, para além desta introdução o texto contém duas
333 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
[...]. Dessa diversidade climática surgiria a dualidade consagrada pelos nordes-
tinos e expressa no período colonial em dois sistemas de exploração agrária diversos,
que se complementam economicamente, mas que política e socialmente se contra-
dizem: o Nordeste da cana-de-açúcar e o Nordeste do gado. (Andrade, 2011, p. 37).
Desse modo, Caruaru está situada nesta ampla região caracterizada como semiárida,
mas mais exatamente em uma área de transição, ou seja, entre a zona litorânea e o semiári-
do. Tal zona de transição é conhecida como Agreste. De acordo com Cavalcanti,
Somente a partir do século XIX passou a ser cunhado o termo “Agreste” para
caracterizar uma área de transição, um ecótono, entre as terras úmidas do litoral,
historicamente dedicadas à cana-de-açúcar e as áreas sertanejas semiáridas, com seus
tradicionais criatórios extensivos de gado. (Cavalcanti, 2015, p. 40).
cada vez mais importância nos anos posteriores. Dessa maneira, a feira livre de Caruaru
torna-se um importante componente da dinâmica urbana, por promover a economia e a
vida social regional.
A feira, inicialmente, localizava-se na Rua do Comércio, a partir da calçada da Igreja
da Conceição, com barracas diversas de frutas, legumes, utensílios domésticos e para o
trabalho agropecuário, além de produtos dos engenhos e pequenas indústrias locais. Como
já descrita por muitos autores, a feira era o lugar onde de tudo poderia se encontrar: frutas,
legumes, ervas medicinais: “chapéus de couro, cestos, passarinhos, cavalos, peles de sucuri.
Envoltas em xales vistosos, o cachimbo de barro cozido pendente do lábio, mulheres cabo-
clas, negras e sararás fazem barganha com a freguesia.” (Conde, 1960, p. 51).
No ano de 1802, Neves (2003), apoiado na descrição de viagem “do Recife ao
Cabrobó”, comandada pelo capitão José Rodrigues da Cruz, registra que em Caruaru
havia cerca de 60 casas e dois currais. O autor destaca o fato de um destes currais ter per-
manecido no interior da cidade, enquanto local de realização da feira de gado, até o início
do século XX. Em 1848, é inaugurada a segunda igreja, a de Nossa Senhora das Dores.
Além disso, o autor destaca a outra característica tão comum no urbanismo de origem
português, que é o traçado viário adaptado à topografia, o que resulta, como bem descreve
Oliveira, em “formas urbanas relativamente sinuosas”, mantendo as “vias principais com
declividades suaves; quadras com tamanhos diversos e lotes estreitos e compridos”, onde
se erguem edificações predominantemente geminadas e sem recuo frontal, tipologia tão
clássica das cidades brasileiras até o século XIX. (Oliveira, 2016, p. 59).
O estudo de Neves (2003) nos oferece alguns croquis da cidade, que representam o seu
crescimento inicial, tão importantes para a nossa análise. Alerta-se, porém, que se trata de
335 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
um exercício de aproximação, dada a escassez de documentos, em especial, mapas e planos
urbanos, com informações mais precisas. Assim, o autor sintetiza três momentos desta
“evolução urbana”: anos de 1800, 1820 e 1858. Define também os principais “percursos
matrizes”, que direcionam a expansão da cidade.
No primeiro, o de 1800, destacam-se dois caminhos: o da estrada de boiadas e o
da Fazenda Santa Rosa; o de 1820, além dos dois eixos iniciais, há um outro cami-
nho, em direção à Lagoa da Ponta na direção norte; e no de 1858, mantem-se os três
eixos, contudo, no caminho para lagoa da Ponte já há quadras definidas, mostrando
a expansão nesta direção, além de um maior número de quadras no sentido dos dois
outros eixos. Tais direcionamentos imprimem ao núcleo a feição cruciforme. (Neves,
2003, p. 71).
em 1858, diz haver registro de 12 ruas “oficiais” e vários becos, que surgem, sem mais
seguirem o “curso do rio ou procurando outros percursos-matrizes, mas sim, através da
ocupação das áreas intersticiais existentes entre os percursos-matrizes originais, gerando
percursos de implantação e de união, que darão ao tecido urbano um aspecto mais ou
menos radioconcêntrico”. (Neves, 2003, p. 76).
É durante a segunda metade do século XIX que a economia de Caruaru recebe forte
impulso em função da produção algodoeira. Neste período, em decorrência da Guerra da
Secessão nos Estados Unidos, o governo britânico passa a investir na produção e exporta-
ção do algodão no Nordeste brasileiro. Em Caruaru serão instaladas duas grandes usinas
de beneficiamento do algodão: a Boxwell e a Sanbra. Estas empresas chegam à cidade
beneficiando-se da instalação da ferrovia e da energia elétrica.
A ferrovia que se instala em Caruaru é originalmente a Estrada de Ferro Recife and
San Francisco Railway Company, com o intuito de ligar Recife (capital da Província de
Pernambuco) ao Rio São Francisco, importante canal de comunicação para o interior do
nordeste brasileiro. Em 1858, partindo de Recife, inaugura-se o primeiro trecho, com um
337 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
2
Palacio construído em 1074, serviu depois de hospital Hospital de Esgueva, estava situado na atual
Calle Esgueva, cujo edifício foi demolido em 1974 junto com outros do entorno para dar lugar a prédios
residenciais.
339 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
há muitos acontecimentos importantes. Em 1746, é instituída a Academia Geográfico-
Histórica, que passa a ocupar um dos salões do Palácio Real. Outras entidades acadêmicas
são aí instaladas: a “Academia de San Carlos de Jurisprudencia teórico-práctica”, em 1784,
e a “Real Sociedad Económica de Amigos del País, encargada de promover el estable-
cimiento de Escuelas de Instrucción primaria, y dispensar su protección á las fábricas,
talleres, manufacturas y demás clases de industria agrícola ó fabril.” Além destas, em 1783,
são aprovados os estatutos da Real Sociedade de Matemática e Belas Artes, que já se encon-
trava em funcionamento. Em 1786 foi criada a “Real Junta de Policía”, responsável pela
limpeza, adorno e iluminação da cidade e, em 1787, se instalam as “Juntas de Caridad”
dos bairros e Paróquias. Dentre as alterações realizadas pela “Real Junta de Policía”, além
da recuperação de edifícios danificados pelas inundações dos rios, registra-se a plantação
de árvores na área já demarcada como Campo Grande. O plantio das árvores, a construção
de uma fonte e de uma ponte, além da instalação de bancos, atendiam alguns preceitos de
ajardinamento que começavam a se consolidar. E em 1785 é construído o “Paseo de las
Moreras”. Já no que se refere às atividades econômicas, destacam-se os teares, chegando a
aparecimento de indústrias entre os anos 1841 e 1857. Segundo García Fernandez (1974),
os capitais locais, adquiridos com a comercialização do trigo, foram investidos em esta-
belecimentos industriais, que se diferenciavam dos anteriores de caráter mais artesanal.
Os que se instalaram neste período formaram grandes plantas e eram movidos pela má-
quina a vapor: constituíam metalúrgicas, fábricas têxteis (algodão e lã), fábricas de farinha
(aproveitavam a energia hidráulica do Canal), fábrica de papel, de sabão e de fertilizantes.
Porém, tais indústrias não perduraram por muito tempo, tendo como uma das principais
razões a crise econômica de 1864, mas também a instalação da ferrovia que “permitió
la llegada de los produtos industriales, primero de las otras regiones españolas con más
tradición industrial, y después de los países extranjeros.” (García Fernandez, 1974, p. 21).
Contudo, como bem alerta García Fernandez, se por um lado a ferrovia contribuiu para
o declínio das primeiras indústrias, por outro, favoreceu a prosperidade econômica no último
terço do século XIX, com o impulso à atividade comercial e ao surgimento de outras indústrias.
O sistema ferroviário espanhol mantém a configuração precedente dos caminhos dos
séculos XVI e XVII e das estradas do século XVIII, ou seja, o sistema radial, tendo a capital
341 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
ella fue por donde se inauguró el primer tramo, que entró en servicio oficialmente el
1 de agosto de 1860 por el sector de Venta de Baños a la ciudad como prolongación
del ramal de Alar del Rey, que con un sentido estratégico grande se apresuró a cons-
truir la misma Compañía del Norte”. (García Fernández, 1974, p. 23).
Em 1864, a linha é completamente construída e desta data até 1888 outras linhas e ra-
mais foram sendo inaugurados, tendo como tronco principal Valladolid: ramal de Medina
del Campo a Zamora (1864); Alar del Rey y Santander (1866); Medina del Campo a
Salamanca (1877); Palencia a La Coruña (1883); León a Gijón (1884); Segovia a Medina
del Campo até Madrid (1888). Acrescenta-se a ferrovia Valladolid-Ariza, construída
por pressão de comerciantes e empresários que tinham interesse em conectar-se com a
Catalunha. Assim, Valladolid, “si convirtió por su situación en una de las más importantes
encrucijadas de nuestra red de ferrocarriles. Desde la ciudad no sólo existía una fácil co-
municación con el resto de la región, sino también con principales centros vitales del país.”
(García Fernandez, 1974, p. 24).
3
Para melhor compreensão das questões referentes à concessão e ao pagamento dos terrenos, ver Lalana Soto,
2005.
343 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Pelo exposto, não só a linha férrea e a estação foram importantes para a estrutura e
dinâmica da cidade, mas também, e com poderosa força, as oficinas onde trabalhavam
muitos operários, exigindo toda uma logística para seu funcionamento e para suprir a
vida dos que ali se empregavam. Na verdade, os denominados “Talleres del Ferrocarril”
chegaram a empregar 3000 pessoas. Além disso, é necessário destacar que se tratava de um
trabalho estável e bem remunerado, comparado com as outras indústrias, e que deram ori-
gem a novos estabelecimentos de indústria metalúrgica. Neste período, há um impulso na
economia local, o que possibilitou o aparecimento de outras indústrias como de cerâmica,
de telhas e tijolos, de farinhas, etc. O impacto da ferrovia em Valladolid é impressionante,
mesmo se tratando da extensão do tecido urbano. É o que expressa Alonso Vila et all:
Cuando el ferrocarril llegó a Valladolid en 1860, la ciudad ocupaba unas 218
hectáreas. Casi de un año para otro, apareció una actividad antes desconocida, que
pasó a ocupar 70 hectáreas entre vías, estación y talleres, un 32 % más respecto al
344 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
345 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
– para a proximidade da estação ferroviária. Recordemos que as ferrovias brasileiras, e
particularmente a “Great Western of Brazil”, foi implantada sobretudo para favorecer
o transporte de mercadorias, neste caso em particular, o algodão que era produzido na
região e que tem um grande impulso no final do século XIX e início do século XX, mas
também serviu para conduzir passageiros. O algodão foi responsável pela instalação de
uma das grandes indústrias aí localizadas, a Sanbra (Sociedade Algodoeira do Nordeste
Brasileiro, S.A)4. Além da Sanbra, na mesma área estava instalada a Boxwell, fundada em
1870, como anteriormente mencionado.
Oliveira, ao tratar do crescimento da cidade de Caruaru, ressalta com base em estudos
de outros pesquisadores, que além dos eixos de crescimento observados por Neves (2003),
4
A Sanbra origina-se da antiga empresa Cavalcanti & Cia do ramo do algodão sediada em Recife, capital de
Pernambuco. Esta empresa pertencia ao grupo Bunge, que compra a Cavalcanti & Cia em 1929 e modifica
seu nome para Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro (Sanbra). A partir de então, irradia-se pelo
Nordeste, e posteriormente no Sudeste. No mesmo ano da sua compra, passa a produzir o óleo de algodão
para consumo doméstico. (Costa; Silva, 2020).
A expansão, para além das linhas limítrofes, dá-se, segundo Oliveira (2016), de forma
descontínua, a partir da transformação de terra rural em urbana, ocorrendo em momentos
distintos, conforme os interesses dos proprietários fundiários e mantendo vazios urbanos.
Além da ferrovia, inaugurada em 1895, como já mencionado, neste mesmo ano tem-
-se a inauguração do serviço de energia elétrica. Entretanto, este serviço restringia-se ao
entorno da estação, permanecendo ainda por longo período o restante da cidade ilumina-
da por azeite de peixe, como atesta Silva (2017).
Ainda segundo Silva, em 1913, já havia na cidade alguns estabelecimentos comerciais
que eram servidos por energia elétrica, ou seja, antes do serviço público ser inaugurado na
cidade. A energia para estes estabelecimentos era fornecida pela “primeira padaria automá-
tica de Caruaru”. (Silva, 2017, p. 26). A energia era fornecida
Apesar de alguns esforços para instalar a energia elétrica em toda cidade no ano de
1916, em função das complicações causadas pela Primeira Guerra Mundial, o serviço não
se concretiza, pois havia restrição de material. Assim, será em novembro de 1918 que a
iluminação pública será inaugurada tendo a energia produzida por uma usina, que estava
localizada na Rua Saldanha da Gama. (Silva, 2017, p 30). Desse modo, muito embora
anunciada no mesmo dia da inauguração da ferrovia, demorará alguns anos para que o
serviço de iluminação pública possa ser usufruído pela maior parte da população.
Mais próxima dos acontecimentos e repercussões da Revolução Industrial e dos gran-
des movimentos da modernidade, muito embora em uma região conhecida como eco-
nomicamente frágil, Valladolid, mesmo após a transferência da sede da Compañía del
Ferrocarril del Norte para Madrid, que, conforme assinalado em tópico anterior, provoca
uma quebra no ritmo de crescimento econômico da cidade, recebe novos incrementos ur-
banísticos, atribuindo à área onde se instala a estação ferroviária uma feição de “moderna”,
com um casario destinado à população de alta renda, como também, uma expansão no
sentido Sul, nos terrenos que ficam por trás da estação e dos trilhos.
Vale lembrar que a ferrovia produz um efeito direto na centralidade regional de
347 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Valladolid, por favorecer o mercado do trigo e derivados. Além disso, escreve García
Fernandez (1974, p. 25-26): “Sin embargo, el influjo del ferrocarril no se limitó a canalizar
el principal producto de la agricultura castellana hacia la ciudad, contribuyendo con ello
a su prosperidad; sino, que además, en contrapartida creó también un importante tráfico
de reflujo, y de no menos valor.” Pois, como acrescenta o autor, dada a sua situação na
rede ferroviária, Valladolid foi eleita pelas empresas industriais do país, “como centro de
depósito de mercancias para luego ser distribuídas al resto de la región e incluso a zonas
alejadas como Galicia y Asturias”. (Id. Ibd.).
Desta forma, todas estas mudanças econômicas na escala regional favorecem altera-
ções no espaço intraurbano e na dinâmica urbana. Como anteriormente mencionado, a
importância do “Talleres del Ferrocarri de la Compañía del Norte”, e o elevado número
de empregados, impulsiona a migração de trabalhadores para a cidade, bem como fa-
vorecem a instalação de outros estabelecimentos industriais, particularmente de cunho
metalúrgico. Explicam Pablo Alonso Villa, Pedro Pablo Ortúñez Goicolea e Fernando
Zaparaín Hernández:
anteriores, principalmente a partir de 1905. A área ocupada por indústria passa de 26 para
53 hectares.
Ressalta-se as mudanças no sistema ferroviário, dada a conexão à linha Madrid-Irún
com outras linhas de via estreita como a de Rioseco, cujas estações estavam fora da zona
urbana de Valladolid; a linha de “ancho convencional a Ariza, de MZA, com la estación
de La Esperanza (1895).” (Alonso Villa et all, 2001, p. 75). Os autores citados destacam
que a mudança no uso do solo, no que diz respeito à localização das indústrias, se dá pois
[…] las fábricas no solo se colocarían a lo largo de las líneas férreas, sino también
en el espacio que quedaba «atrapado» entre los cruces de vías. El suelo industrial y
ferroviario, dejaría de ser un trazo en el territorio para formar una red, con acumu-
laciones de gran superficie alrededor de sus estaciones y nodos. El poder de atrac-
ción ya no dependería tanto de una compañía, como del intercambio entre ellas.
La superficie ocupada por el ferrocarril se incrementó, pasando de las 50 hectáreas
anteriores – estación, vías, playas y Talleres de Norte – a 74 hectáreas. (Alonso Villa
et all., 2001, p. 75).
349 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
destinados à população de renda média na zona mais próxima à estação e ao Parque Campo
Grande. Dentre os projetos urbanos, Virgili Blanquet (1984) destaca um que data de 1863,
intitulado “Plano topográfico de uma parte de la ciudad de Valladolid con el proyecto de
una nueva calle em el Rastro, continuación de la calle de la Victoria y embellecimiento del
Campo Grande”. (p. 478-480). Neste projeto, já se observa a abertura das novas ruas, como
Gamazo e Miguel Iscar, como também propostas de alienações em área onde posteriormente
irão realizar-se nas ruas de Santiago, Teresa Gil, Quiñones, dentre outras. A referida autora,
acrescenta que além dessas indicações, se pode observar, a partir do mesmo plano, “como son
prioritárias las transformaciones que abarcan la parte Sur, em um intento de satisfacer com
estas reformas y nuevas aperturas la necesidad de tener uma buena comunicación com las
zonas que se están convirtiendo en principales”. (Virgili Blanquet, 1984, p. 480). Tal cons-
tatação, pode ser ratificada pelos “expedientes de señalamiento de línea” do “Ayutamiento de
Valladolid” encontrados no Archivo Municipal de Valladolid.
Para Alfonso Álvarez Mora, desde a decisão em instalar uma Estação Ferroviária na
cidade, que começam a surgir uma série de propostas visando incorporar tal edifício à
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Introdução
353 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
dade, como uma síntese de várias contradições, tão próprias do modo de produção capi-
talista. Nesse sentido, algumas variáveis podem ajudar a adentrar no âmago e na estrutura
das relações de produção que animam a cidade, já que a mesma não é passiva. Mas sim,
determinada historicamente pelo modo de produção dominante e a formação social bra-
sileira que a inscreve.
Essa proposição se alinha ao entendimento de Lefebvre, segundo o qual o espaço é
um concreto que interfere diretamente tanto na organização do trabalho produtivo, como
1
O artigo sistematiza resultados da dissertação intitulada: Reestruturação espacial e produtiva na Indústria de
calçados de Campina Grande-PB: Espaço e Trabalho no Regime de Acumulação Flexível (PEREIRA, 2021).
A pesquisa foi realizada no Departamento de Geociências (Geografia) da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB) e orientada pela Prof. Dra. Arlete Moysés Rodrigues e coorientada pelo Prof. Dr. Alexandre Sabino
do Nascimento e contou com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES).
2
Universidade Estadual de Campinas – ÚNICAMP - davidsonacrata@outlook.com
3
Campina Grande, é um município do interior paraibano, o mesmo município possui uma população
estimada em 409.731 habitantes (IBGE, 2020), localizada no Brejo do Estado da Paraíba, na região
Intermediária de Campina Grande, que compreende 72 municípios.
Sendo assim, importa este artigo entender de que modo a relação entre o crescimento
do capital fixo e das relações de produção em Campina Grande impulsiona a criação das
condições de produção do espaço de consumo e reprodução da força de trabalho, ou seja,
no crescimento do espaço urbano em geral do município.
A metodologia que adotamos assume um caráter quali-quantitativo. Em primeiro
lugar, realizamos uma pesquisa documental e bibliográfica no que concerne ao conteú-
do histórico do desenvolvimento industrial e urbano da cidade em questão. Além disso,
outros dados qualitativos foram importantes para caracterizar o objeto de estudo em sua
dinâmica atual, sobretudo, a pesquisa de campo e a análise de imagem de satélite. Com
relação aos dados secundários, recorremos aos dados do IBGE e IPEA, para entendermos
a evolução no número de pessoal ocupado, número de estabelecimentos industriais, pro-
duto interno bruto, crescimento populacional e etc.
Desse modo, foi possível pontuar alguns elementos históricos do crescimento urbano
e do desenvolvimento industrial, traçando alguns paralelos, necessários e possíveis no tra-
balho presente. Por fim, utilizamos imagens de satélite do Google Earth, para realização de
A cidade no atual estádio das “forças produtivas” (Marx, 1985, p. 107) da formação
capitalista, corresponde a uma forma específica das relações de produção e de dominação
que constituem a estrutura de reprodução da sociedade presente. O modelo de produção
industrial, que também é um modo de vida, tem uma parcela significativa no condicio-
namento do espaço urbano, que por sua vez é uma condição para a reprodução desse
modelo. Este influiu diretamente na criação dos modos de vida da população trabalhadora
de Campina Grande, implicando também em uma relação de centralidade na região de
influência da mesma.
Mas a cidade não é apenas o lugar de concentração industrial, senão também de sua
distribuição (Rodrigues, 1988) e reserva de um mercado de trabalho espacialmente con-
centrado e dividido em classes sociais. Como afirma Arlete Rodrigues:
para que a produção industrial e a acumulação de capital sejam possíveis é pre-
ciso que haja mão-de-obra disponível, ou seja, que se considere que a população está
355 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
dividida em classes sociais, sendo uma delas aquela que essencialmente vende a sua
força de trabalho. (Rodrigues, 1988, p.35).
4
A alpargatas S.A é uma empresa brasileira de capital aberto e produz as sandálias da marca Havaianas. Sua
unidade industrial em Campina Grande-PB foi instalada no ano de 1985, e atualmente é a empresa que
mais emprega no município, contando em sua produção com cerca de 8.000 trabalhadores.
5
Milton Santos nos dá uma visão de maior detalhamento acerca dessa questão. Na realidade, as empresas em
geral, precisam acessar o Capital Geral, encontrado na cidade como um todo, para manterem suas taxas de
lucro, mas também as “frações do território urbano preparadas para seu uso” (Santos, 2009, p. 132-3).
Campina Grande, teve sua formação socioespacial definida pela sua localização pró-
xima aos “caminhos de penetração” para a região do Sertão do estado paraibano, que
permitiram sua conformação enquanto um centro de comércio de gado (Andrade, 1973,
p.149-150). No século XIX o cultivo de algodão se tornou uma atividade importante no
município e sua região, tendo ganhado impulso através da construção da rede ferroviária
concentrando os fluxos em Campina Grande. Essa infraestrutura funcionou como motor
de escoamento da produção para outras capitais onde a mercadoria seguia para exportação.
Esses serão os marcos na criação das condições gerais de produção que fundamentam a
357 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
expressividade de sua economia urbana na região do Agreste paraibano, incluindo o seu
importante aparato produtivo.
Nos anos 1930, um importante desenvolvimento industrial se deu nessa cidade. A
situação geográfica permitia aos comerciantes e industriais do município obterem uma
conexão direta com o sertão paraibano. Isso conferiu condições de crescimento tanto para
a economia algodoeira, através da absorção do produto de outras regiões, quanto para a
gênese de uma indústria calçadista nascente de bases semiartesanais, via acesso ao mercado
coureiro (Pereira, 2021, p. 39).
Portanto, a industrialização da cidade se dá inicialmente com o desenvolvimento do
ramo têxtil. O processo produtivo, era sobretudo pautado no beneficiamento e prensa-
gem de algodão, imprimido, especialmente após a instalação da Sociedade Algodoeira do
Nordeste Brasileiro S.A-Sanbra (Figura 1), em 1935, mas também, das empresas Anderson
Clayton e a Zé Marques de Almeida. As economias geradas por essas empresas, criaram
assim, as condições gerais de produção para a alavancagem de outros subsetores, como o
calçadista (Alves, 2013, p. 83).
Por sua vez, o ramo calçadista nasce em Campina Grande no final da década de 1930,
com a instalação dos curtumes de Manoel Motta, fundado em 1924, (Figura 2) e o de
Vilarim Meira. A importância de Campina Grande como principal produtora de calçados
na época, era tão clara que, entre o período de 1937 a 1945, a cidade já contava com mais
de 30 novas indústrias calçadistas. (Oliveira; Rodrigues,2009, p 29).
358 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
359 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Além disso, o crescente papel que as cidades do interior nordestino vinham adqui-
rindo, implicou na necessidade de o Estado em sua esfera local e estadual construírem o
bairro Distrito Industrial nos anos 1963, com o intuito de comportar as grandes empresas
que viriam a se instalar na cidade. Essa infraestrutura física, jurídica e social teve como
principal investimento uma planta industrial da empresa Wallig Nordeste. Instalada nesse
distrito nos anos 1965, a empresa de metalmecânica Wallig oriunda da cidade de Porto
Alegre-RS, passa a fabricar fogões a gás nessa planta produtiva.
Podemos dizer que a instalação dessa empresa, transforma totalmente o espaço pro-
dutivo na cidade e as configurações das relações capital-trabalho, principalmente, atra-
vés da generalização do assalariamento na cidade e a constituição de uma configuração
espacial produtiva mais ampla. Vale lembrar, que a instalação dessa empresa, gerou a
abertura de uma certa cadeia produtiva na cidade, que passou a servir essa grande indús-
tria (Pereira, 2021).
Outra empresa importante nesse sentido para a sedimentação da estrutura produ-
tiva desse centro regional, foi a empresa pernambucana BESA-Borracha Esponjosa S/A
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IPEA e IBGE (2010), em http://www.ipeadata.gov.br/Default.
aspx acessados em 09/07/2020.
6
Em 1975 a cidade contava com 263 empreendimentos industriais, tendo como maior empregadora a
empresa Wallig Nordeste que chega a empregar em seu auge cerca de 2000 operários (CARVALHO, 2017,
p.62).
Fonte: Elaboração Própria a partir de dados do IPEA, Censo Industrial do IBGE-1960 e do IBGE-
Cadastro Central de Empresas (2018), em: http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx e https://sidra.ibge.gov.br/
Tabela/6449#resultado, acesso em 09/07/2020.
361 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Fonte: Ano de 1907 (IPEA data); 1960-1980 (Censos Industriais); 1990-2020 (MTE/RAIS).
A evolução do pessoal ocupado, não se deu sem exploração, pois como dissemos no iní-
cio do artigo, Campina Grande se encontra na região mais subdesenvolvida do país, onde o
mercado de trabalho se conforma a partir de baixos salários. Isso tende, no modo de produção
capitalista a atrair o interesse de empresas intensivas em trabalho e super exploradoras. Nesse
sentido, Edward Soja demonstra que o crescimento do emprego tende a estar atrelado a exis-
tência de” bolsões de trabalho comparativamente baratos”, pouco organizados e mais fáceis
de manipular, mesclando uma miríade de frações da classe trabalhadora, como “técnicos es-
pecializados, trabalhadores sem turno integral, imigrantes e mulheres” (SOJA, 1993, p. 227).
Destaquemos brevemente o aspecto da importância relativa que a indústria possui
na economia urbana campinense. Se compararmos a capital do estado da Paraíba, João
Pessoa, observaremos que o valor adicionado do setor industrial é relativamente maior em
Campina Grande que nesse outro município. Enquanto em Campina Grande, a indústria
produz o correspondente à 20,38 do PIB municipal, em João Pessoa esse setor possui im-
portância relativa menor, isto é, 16,18%.
Fonte: Produto Interno Bruto dos Municípios, IBGE (2020). Disponível em: https://www.ibge.
gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9088-produto-interno-bruto-dos-municipios.
html?t=pib-por-municipio&c=2504009
A década de 1990 marca uma nova fase no processo de produção do espaço produtivo
de Campina Grande, tanto em função da instalação de novas grandes empresas quanto
pela expansão da produção nas unidades produtivas pré-existentes (o que significou o
aumento do consumo do espaço), oferecendo um novo conteúdo ao espaço urbano dessa
cidade. Esse momento histórico demarca o advento da estrutura produtiva que se verifica
contemporaneamente (Mapa 1), sobretudo através da instalação da Coteminas S/A em
1997, grande empresa do ramo têxtil de capital nacional, criando um outro distrito indus-
trial na cidade, o Distrito do Velame, o qual analisaremos mais a frente.
362 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
363 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Por esses fatores, o preço da terra no núcleo industrial é provavelmente o mais caro com
relação a esse uso. Ora, além da concentração de empresas, outros fatores continuaram sendo
importantes para manter o alto valor das terras e a permanência de condições gerais de produ-
ção. Destacamos, a presença do SENAI CIT (Centro de Inovação e Tecnologia Industrial) e o
SESI Distrito Industrial- Centro de Atividades João Rique Ferreira (CAT JRF). Além do mais
esse núcleo industrial continuou se situando em um espaço privilegiado no tocante ao acesso
a mão-de-obra tendo fácil acesso tanto à municípios vizinhos, quanto ao Centro da cidade.
7
Em 2014 a empresa foi comprada pela multinacional Sueco-Finlandesa Assa Abloy.
365 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Mapa 3: Industrialização e Expansão Urbana na Zona Sul-Sudoeste de Campina Grande (2007-2021)
Fonte: Elaborado por Davidson Matheus Félix Pereira (2021) a partir de análise de imagens de satélite do
Google Earth (2021).
Portanto, podemos tomar como hipótese que o núcleo industrial do Velame se torna
parte do processo de industrialização mais geral que ocorre na cidade. Como dissemos, ele
é o espaço que inicia e conecta a industrialização da Zona Sul e na Alça Sudoeste da cidade.
Afinal, alguns fixos espaciais impediam e ainda impedem a expansão industrial do nú-
cleo industrial principal, no bairro Distrito Industrial, ressaltamos entre eles: o Aeroporto
de Campina Grande João Suassuna e as empresas de utilidade pública como a CHESF
(Companhia Hidrelétrica do São Francisco), mas também, como já discutimos a própria
zona residencial.
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Introdução
369 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
sem produção que sustenta a economia local de muitos centros urbanos do sertão nordes-
tino (Gomes, 2001), chama atenção a dinâmica territorial alcançada por diversas cidades
mesmo diante de heranças de desigualdades regionais e do processo de estruturação urba-
na que concentrou a população nas grandes cidades, gerando uma desigualdade na rede
urbana brasileira. Assim, o conjunto de políticas regionais iniciadas a partir de 2003, gerou
um padrão de crescimento assentado na produção e consumo de massa que favoreceu,
principalmente, os estados e municípios, sobretudo, nas regiões Norte e Nordeste. Desse
modo, os municípios e cidades médias dessas regiões tiveram um crescimento mais in-
tenso, agregando maiores vantagens e sem os problemas característicos das concentrações
metropolitanas (Araújo, 2013).
A proposta desse ensaio versou sobre a análise das cidades classificadas como centros
sub-regionais na rede urbana na porção Noroeste do estado do Ceará, região Nordeste do
Brasil. Esse trabalho constitui, ainda, uma parte de nossa pesquisa de estágio pós-doutoral
1
Programa de Pós-Graduação em Geografia, Mestrado Acadêmico, da Universidade Estadual Vale do Acaraú
(PROPGEO/UVA) Sobral, Ceará, Brasil - luiz_goncalves@uvanet.br
Figura 1 – Localização das cidades (sub-centros regionais) do Noroeste do estado do Ceará, Brasil
371 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
lo XVIII, baseado na lógica de ocupação materializada por um sistema de vias de ligação
entre zonas produtoras de gado e centros coletores e exportadores, tendo como núcleos ur-
banos representativos, as vilas de Aracati, Icó e Sobral que exerciam as funções comercial,
administrativa e de serviços, e a vila do Crato que tinha as funções agrícola, administrativa
e industrial. O comércio da carne seca para as capitanias mais desenvolvidas apoiado na
ocupação do sertão por grandes fazendas de criação de gado, reforçou a estruturação de um
sistema de cidades situadas tanto “[...] nos cruzamentos das vias antigas quanto nos lugares
privilegiados em relação a zonas portuárias.” (Dantas, 2003, p. 215).
A rede urbana cearense, no século XIX, com exceção de Aquiraz, fundada em 1713, e
de Fortaleza, em 1726, ambas situadas no litoral, era composta pelas demais vilas funda-
das no território e localizadas “[...] em pontos estratégicos para a circulação do gado nas
estradas das boiadas [...] de Icó (1736), Aracati (1748), Sobral (1773), Granja (1776),
Quixeramobim (1789), Russas (1801) e Tauá (1802).” (Jucá Neto, 2009, p. 87).
A organização do território, já naquele momento, passava pela adequação à lógica de
distribuição e comercialização de maneira que formas espaciais como a feira e o mercado
do Ceará, já nos anos 1960, apontava a classificação especial da cidade de Fortaleza como
capital do estado ante as demais cidades cearenses que foram classificadas em cinco cate-
gorias de cidades, ou seja: “1ª categoria – Crato, Juazeiro do Norte e Sobral; 2ª categoria
– Iguatu; 3ª categoria – Crateús, Russas e Senador Pompeu; 4ª categoria – Limoeiro do
Norte, Tauá, Quixadá, Ipu e Baturité; 5ª categoria – Aracati, Brejo Santo, Canindé e
Jaguaruana.” (Souza, 1977, p. 55, negrito nosso).
Amora (1999) já identificava três níveis de assentamentos urbanos na rede urbana
cearense que compreendia a metrópole, as cidades médias ou intermediárias e as pequenas
cidades locais. A autora vai caracterizar o sistema de cidades cearenses pela forte concen-
tração urbana da capital – Fortaleza e a fraca articulação entre as cidades. Embora houvesse
o crescimento de cidades de nível intermediário, havia pouca capacidade de articulação
dos centros locais. Nesse sentido, centros urbanos tradicionais “[...] como Sobral, Crato,
Quixadá e Juazeiro do Norte se reorganizam e passam a apresentar dinamismo econômi-
co com novas funções e consequentemente um novo perfil onde se configuram novas e
velhas relações, [...]” (Amora, 1999, p. 31). A autora observava o lapso temporal, espacial
373 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Região metropolitana de maneira que era nítido “[...] o peso de Fortaleza e a ausência
de inovações na composição do sistema de cidades no Ceará. Em termos de emergên-
cia de rede urbana complementar Fortaleza continua uma cidade hipertrofiada, que
provoca uma atrofia no interior do estado.” (Silva, 2006, p. 49). Essa grande cabeça
metropolitana sustentada por um corpo de pequenos municípios de economia frágil e
dependente diretamente dos repasses de verbas públicas e indiretamente de políticas de
transferência de renda e aposentadorias, tornaram crônicos os problemas de sustenta-
ção das economias municipais e do fluxo migratório das cidades sertanejas para a ca-
pital litorânea. Não foi por acaso que Silva denominou Fortaleza como essa metrópole
sertaneja do litoral.
Desse modo, Fortaleza enquanto metrópole passa a incorporar uma totalidade funcio-
nal adquirindo “[...] expressão como artefato produzido com diferentes tipos de infraes-
trutura, de equipamentos, de polo de múltiplas atividades, de centro de fluxo e refluxo de
pessoas, mercadorias e capitais e pela intensa rede de relações sociais que propicia.” (Silva,
2015, p. 387).
Nesse contexto, as cidades do interior do estado que tinham a função de centros regio-
nais no passado, hoje têm desempenhando um papel de intermediação entre as pequenas
cidades e a metrópole com maior integração da rede urbana. Embora a centralidade da
capital tenha se intensificado, essas cidades médias destacam-se na rede urbana cearense
sobretudo como centros de comércio e serviços. “Sobral, Juazeiro do Norte e Crato, tradi-
cionais centros regionais, têm seu papel reforçado como pólos comerciais, prestadores de
serviços e agora também industriais.” (Amora, Costa, 2007, p. 375).
O alinhamento dos espaços na periferia do capitalismo com a nova divisão internacio-
nal do trabalho tem influenciado a urbanização de muitas cidades brasileiras sob a influên-
cia da lógica global ocasionando o crescimento de pequenas e médias cidades, inclusive, na
redefinição de seus papéis com o crescimento demográfico, necessidade de infraestrutura
e equipamentos urbanos.
375 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Destacando, assim, a rede urbana funcional constituída pelo Arranjo Populacional
de Sobral, na região Noroeste do estado do Ceará, temos, segundo a REGIC de 2018, a
reafirmação do papel exercido pela cidade de Sobral como Capital Regional C, subordi-
nando cerca de 56 municípios, inclusive, alguns municípios dos estados do Maranhão e
Piauí a exemplo de Parnaíba. Dentre as cidades desse arranjo, destacam-se aquelas clas-
sificadas como centros sub-regionais B, ou seja, Camocim, Crateús, Itapajé, Itapipoca
e Tianguá que passam a ter novas funcionalidades no contexto urbano-regional o
que às diferencia das demais cidades e apontam para as particularidades do processo
de urbanização cearense.
A cidade média de Sobral já tem sido foco de vários estudos no âmbito da Geografia
como os trabalhos de Holanda (2000; 2007; 2011; 2013; 2018), Maria Júnior (2003),
Assis (2010), Assis; Araújo; Gomes (2006/2007), Holanda e Amora (2016), Freire;
Holanda (2011), Sá; Holanda (2017), Lopes; Gonçalves (2020). Contudo, chama atenção
as novas dinâmicas territoriais observadas nessas cidades que exercem o papel de centros
1 2 - Construção 4- 5-
Município 3 - Comércio Total
-Indústria Civil Serviços Agropecuária
Ce-Itapajé 50 11 135 72 2 270
Ce-Camocim 26 15 281 144 20 486
Ce-Crateús 43 26 352 206 2 629
Ce-Itapipoca 50 14 360 230 5 659
Ce-Tianguá 72 82 453 249 29 885
Ce-Sobral 242 129 1.133 998 7 2.509
Total 483 277 2.714 1.899 65 5.438
Fonte: RAIS/CAGED/MTE (2021).
A rede de relações tecidas por essas cidades nos faz recuperar a fala de Sposito (2009,
p. 13) quando trata do esforço de superação da adoção dos adjetivos pequenas e médias ao
estudo das cidades não-metropolitanas justamente pelo reconhecimento do limite teórico-
-conceitual restrito ao tamanho, ou seja, da frequência maior ou menor do que ocorre nes-
376 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
ses lugares, das particularidades de uma realidade que é diversa. Tal debate contribui para
compreensão da problemática urbana desses centros urbanos que não são categorizados
como cidades médias, porém também não podemos denominá-los de meros centros locais.
Dantas (2015) chama atenção, por exemplo, para uma ressignificação das cidades li-
torâneas e submissão a uma ordem do turismo metropolitano, entretanto, novos fatos
geográficos podem ser observados que apontam para uma tendência de autonomia relativa
da região Oeste-Noroeste com a instalação de infraestrutura pelo governo do estado, so-
bretudo, dos municípios com maior aporte de receptivo turístico nacional e internacional.
O município de Jijoca de Jericoacoara, que recebia o grande fluxo turístico nacional e
internacional via Aeroporto Internacional Pinto Martins, em Fortaleza, hoje tem parte o
fluxo direcionado ao Aeroporto Regional de Jericoacoara Comandante Ariston Pessoa, lo-
calizado no município de Cruz e distante cerca de 33 quilômetros da vila de Jericoacoara,
principal destino turístico do litoral Oeste do estado.
O Município de Camocim, por conta da sua localização no extremo Oeste, próximo à
divisa com o estado do Piauí, também recebe turistas desse estado e também do estado do
377 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
mais ao Norte tocando o litoral e o município de Itapajé mais ao Sul, no fundo de vale
por onde passa a rodovia federal BR-222, numa posição intermediária entre Fortaleza e
Sobral. As cidades de Itapipoca e Itapajé, também têm em comum a trajetória de inte-
riorização da indústria calçadista, sendo que Itapipoca sediou a fábrica da Dass Nordeste
Calçados e Artigos Esportivos S.A., e Itapajé, a Fábrica Paquetá Calçados. O espaço ur-
bano de Itapipoca se destaca por já dispor de equipamentos como hospitais (Hospital e
Maternidade São Vicente de Paulo – Rede São Camilo, Hospital Vida), supermercados
(Pinheiro, Atacadão Jurerê), shopping centers3 e Instituições de Ensino Superior a exemplo
da Faculdade de Educação de Itapipoca – FACEDI, também incorporada à estrutura da
Universidade Estadual do Ceará – UECE nos anos 1980. Porém, em período recente, a
2
Herbster, J. B. (2021). Mais educação para o Sertão: novo campus da Faec/Uece em Crateús vai ampliar
possibilidades de formação. Ensino Superior. Disponível em: https://www.ceara.gov.br/2021/ 05/24/mais-
-educacao-para-o-sertao-novo-campus-da-faec-uece-em-crateus-vai-ampliar-possibilidades-de-formacao/.
Acesso em: 30 dez 2021.
3
Cf. ITAPIPOCA ganha seu primeiro shopping center. Diário do Nordeste. Região. 15 ago. 2002.
4
O Centro Universitário UNINTA também irá abrir um campus em Fortaleza com previsão de funciona-
mento em 2022. Cf. Serpa, M. (2021). Faculdade Uninta terá campus em Fortaleza localizado na antiga
Etna. Jornal O Povo, Notícias. Disponível em: https://www.opovo.com.br/noticias/fortaleza/ 2021/11/24/
centro-universitario-uninta-tera-campus-em-fortaleza-localizado-na-antiga-etna.html. Acesso em 31 dez.
2021.
5
O deputado Gony Arruda (PSD) registrou na sessão plenária ocorrida no dia 03/05/2017, a inauguração
do empreendimento Ibiapaba Shopping, no município de Tianguá, ocorrido no dia 28/04/2017. Disponível
em: https://www.al.ce.gov.br/index.php/pronunciamentos-ordem-do-dia/item/63729-0305rg-od-gony-
arruda. Acesso em: 31 dez. 2021.
379 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
dessas cidades no contexto da rede urbana do arranjo populacional de Sobral? Acreditamos
que o desenvolvimento da pesquisa possibilitou apontar o que é geral e o que é particular
no processo de urbanização cearense contemporânea mediada pela expansão do terciário e
dar uma contribuição ao entendimento da rede urbana cearense no período atual.
Considerações finais
O papel exercido pelo terciário (comércio e serviços) tem sido importante na dinâmica
dessas cidades, sobretudo, da cidade média de Sobral que tem a primazia da dinâmica comer-
cial da região. Contudo, outras cidades como Crateús, Tianguá, Camocim, Itapipoca e Itapajé
têm assumido novos papéis no contexto urbano-regional contemporâneo e essas mudanças
6
Cf. Cavalcante, B. (2021). Grupo Mateus inaugura atacarejo em Sobral, a segunda loja no Ceará. Jornal
O Povo, Economia. Disponível em: https://www.opovo.com.br/noticias/economia/ 2021/08/09/grupo-
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381 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Introdução
O presente estudo busca dialogar sob diversas perspectivas, sobre o mercado coureiro
calçadista alocado em Campina Grande/Paraíba. A partir da integração do tema desenvol-
vimento sustentável, desempenho ambiental das fábricas de calçados e demais integrantes
dessa cadeia produtiva, é possível enxergar um cenário de resistência e de iniciativas pri-
vadas para permanência competitiva das empresas na cobrança global por ecoeficiência.
383 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Quando Dias (2011), resgata o objetivo inicial dos encontros mundiais para debate e
análise crítica com enfoque numa economia global sustentável, ele traz que o foco destes
debates é “proporcionar os conhecimentos fundamentais das ciências naturais e das ciên-
cias sociais necessários para a utilização racional e a conservação dos recursos da Biosfera e
para o melhoramento da relação global entre o homem e o meio, assim como para prever
as consequências das ações de hoje sobre o mundo de amanhã, aumentando assim a capa-
cidade do homem para ordenar eficazmente os recursos naturais da Biosfera.”
Ainda que o texto venha esclarecer sobre o maior enfoque dado à década de 70 para
os assuntos correlatos da produção racional e sustentável, trata-se de um tema ainda negli-
genciado principalmente em países classificados como subdesenvolvidos.
“Organismos internacionais, como o Banco Mundial, a Organização Mundial do
Comércio (OMC), as Organização das Nações Unidas (ONU), prescrevem, com maior
1
Mestranda do PPGDR – UEPB - samara.souto.antero@aluno.uepb.edu.br
2
Professora do PPGDR- UEPB - angela@servidor.uepb.edu.br
3
Professor do PPGDR – UEPB - cidoval@servidor.uepb.edu.br
O setor calçadista brasileiro tem destaque mundial por sua produção que atende ao
consumo interno e também se destina à exportação. Segundo a Abicalçados - Associação
Brasileira das Indústrias de Calçados, que possui em sua relação de indústrias associadas,
empresas de todos os portes e de todos os estados brasileiros, relata que em 2019 o Brasil
foi o quarto maior produtor de calçados do mundo, e em seu levantamento dos anos
2017-2018, também se equivale ao 4º maior consumidor de calçados do mundo. Para
atualizar o panorama do setor ao passar pelo período pandêmico, a sua atuação tradi-
cional precisou se reinventar, e assimilar como ferramenta primordial para não chegar à
falência, a presença digital para impulsionar a marca, e também para manter e ampliar
as vendas.
A baixa performance ambiental das pequenas e médias indústrias de forma generali-
zada no Brasil, é rapidamente detectada após a realização de um diagnóstico para aferição
do seu modus operandi na sistematização, planejamento e controle da produção de bens
materiais, em relação ao gerenciamento de resíduos em seus processos.
385 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Em um segundo paradigma levantado pelo artigo, foi identificado que o setor tem
forte presença familiar na gestão das indústrias, ocorrendo muitas vezes uma gestão com
base no repasse de conhecimento de forma empírica. E esse repasse de estratégias e modo
de gerir as fábricas, muitas vezes culturalmente, segue uma linha de raciocínio onde o
investimento em gestão ambiental não é urgente, logo, não prioriza-se a capacitação da
gestão e da força produtiva como um todo, para uma adaptação preocupada com a susten-
tabilidade, com o meio ambiente, e também com as possibilidades de implementação de
uma economia circular, ou em uma escala mais prática, da realização de logística reversa
para otimização da utilização de insumos e da gestão adequada do descarte dos resíduos
fabris.
O Brasil institui a partir da LEI 12.305/10, uma Política Nacional de Resíduos Sólidos
(PNRS), a qual engloba programas que incentivam a prevenção e a redução de resíduos. A
387 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Podendo ser explorado pelo chamado “marketing verde”, que enxerga na atuação respon-
sável e sustentável o viés de destaque positivo perante a sociedade globalizada e exigente
quanto às práticas dos fornecedores de bens materiais. Assim, além de adicionar um SGA,
a empresa deve divulgar sua operação e os benefícios ao público interno e externo, advin-
dos de tal inovação.
Economia Circular
“A Economia Circular apresenta-se como um modelo que otimiza o fluxo de bens, ma-
ximizando o aproveitamento dos recursos naturais e minimizando a produção de resíduos.
Este modelo permite a maximização do valor económico do produto.” Leitão (2015). Tal
modelo econômico, salta do conceito de economia linear que prevê o fim do ciclo de vida
do bem material com o seu descarte, e visa promover o beneficiamento do resíduo para
que este volte ao topo da cadeia produtiva, com o valor agregado da economia reversa.
Contudo, é importante atentar que o modelo EC, faz da “meia vida” do bem de consumo,
Para aproximar o leitor dos casos em observância e estudo dentro da atividade econô-
mica estudada, são trazidos à tona dois casos distintos encontrados no Arranjo Produtivo
de Calçados de Campina Grande. Sendo o primeiro um caso positivo das teorias e práticas
apontadas nesse artigo como as ideais, para a atuação das fábricas de calçados do APL
campinense.
A partir dos resíduos de uma fábrica de calçados de grande porte atuante na cidade
de Campina Grande, um empreendedor inovou ao pesquisar e concretizar o reaproveita-
mento da borracha residual em um novo produto inovador e já patenteado: o pneu que
não fura. Tal pneu, destina-se ao uso em carros de mão utilizados em grande escala na
construção civil para transporte de materiais dentro dos canteiros de obras.
O empreendedor em destaque, por já trabalhar com produtos sustentáveis que apro-
388 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
veitam matéria prima reciclada de garrafas pet, viu no grande volume de borracha residual
da fabricação de calçados uma oportunidade de insumo com menor custo, porém com
qualidade suficiente para ofertar ao mercado consumidor um novo produto com capaci-
dade expandida de vida útil, e inclusive garantia de maior potência para transporte de até
200kg e garantia de seis meses. Além da prática da economia circular, o empreendedor
utiliza a sustentabilidade como estratégia comercial, agregando maior valor ao seu produto
no mercado cada vez mais atento à tal prática.
Ainda sobre o empreendimento, a iniciativa para produção dos pneus sustentáveis, é
de ordem privada, cujo autor do feito buscou em muito o suporte das políticas públicas
vigentes para desenvolvimento de seu projeto e não obteve êxito.
Dentre os casos observados na cidade, que vão na contramão das práticas recomenda-
das para gestão ambiental fabril, é possível demonstrar o caso ocorrido em abril de 2022,
numa fábrica de calçados de médio porte, localizada junto ao parque fabril de calçados de
Campina Grande que tornou-se noticia em jornais locais pela ocorrência de um incêndio
em suas dependências.
Tomando a obra e vida do autor Ignacy Sachs, na defesa por uma gestão em termos
gerais, que considere o pensamento crítico do relacionamento entre sociedade, economia
e meio ambiente a premissa para o equilíbrio e para a sustentabilidade da vida e do planeta
como um organismo indivisível. O autor em seu pioneirismo, conferindo real importância
de que o crescimento econômico seja amparado e ladeado pela distribuição social, como
também pela necessidade de respeitar a natureza.
Sachs, propõe que as indústrias comecem a tratar o processo fabril considerando a
relação com o Sol e a Terra, que são base de todos os insumos, indo até o trato com o lixo.
A proposição é de que as indústrias pratiquem a visão integral dos processos produtivos,
389 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
visão essa, que mesmo com a disseminação da informação e da urgência por processos
sustentáveis, é falha e pouco usual no mercado capitalista prevalecente.
Quando a escola e a economia ensinam a otimizar recursos e aumentar o lucro, ela não
chama a atenção para as críticas cabíveis ao processo de desenvolvimento. Independente
da dimensão da unidade fabril, a sustentabilidade ecológica, deve permear e orientar os
processos de fabricação desde a aquisição dos insumos até a distribuição do produto final.
Esse contexto tratado por Ignacy Sachs, revolve em uma instância mais básica ao con-
ceito de produção mais limpa, e tem seu ápice de conjunção no conceito de economia
circular.
“No Brasil, segundo relatório “o Estado Real das Águas no Brasil – 2003/2004”, ela-
borado pela Defensoria das Águas, a contaminação das águas de rios, lagos e lagoas quin-
tuplicou entre os anos 1993 e 2004. Esse relatório foi realizado a partir do mapeamento
de 35 mil denúncias de agressão ao meio ambiente e ações civis públicas que já receberam
sentença judicial.” (Reinaldo Dias 2011) O relatório deixa claro que a principal fonte de
contaminação identificada, provém das atividades da agroindústria e industrias de modo
Considerações
Resumo
O artigo objetiva apresentar uma visão integrativa do setor calçadista no tocante ao trato da
gestão ambiental, produção mais limpa e sustentabilidade. Esse estudo relata ainda qual a parti-
cipação da governança pública e entidades de fomento à indústria na orientação, atuação e fis-
calização tendo em vista balizar as ações público privadas que permeiam o setor produtivo. Em
demonstração à relevância científico-socioeconômica do artigo, é destacada a informação acerca da
produção anual de calçados que arrecadou o montante de US$30,5 no período de janeiro a julho
do ano 2020, deixando claro a sua importância para a economia da Paraíba e também para a região
Nordeste do país. O setor calçadista brasileiro tem destaque mundial por sua produção para con-
sumo interno e exportação. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados, que possui
empresas associadas em todo Brasil, em 2019 o país foi o quarto maior produtor de calçados do
mundo, e também o quarto maior consumidor de calçados. A baixa performance ambiental entre
as indústrias calçadistas de menor porte, é rapidamente detectada após o diagnóstico da gestão de
resíduos dos processos fabris, visto que a Política Nacional de Resíduos Sólidos torna flexível o trato
com os resíduos considerados não perigosos, e as políticas públicas não acompanham de forma mais
rigorosa a gestão destes na esfera municipal. A metodologia da pesquisa em função dos objetivos
é exploratória com abordagem quanti-qualitativa, possibilitando o levantamento da conjuntura e
de ações para gestão ambiental empreendidas pelas indústrias calçadistas de Campina Grande-PB,
permitindo maior compreensão da realidade vivenciada.
391 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Palavras- Chave: Gestão Ambiental. Industria Calçadista. Meio Ambiente.
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1 [Acessado 28 setembro 2022], pp. 41-51. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1414-
49802012000100004>. Epub 22 Jun 2012. ISSN 1982-0259. https://doi.org/10.1590/
S1414-49802012000100004.)
393 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
metropolitana a maior possibilidade de satisfação das suas necessidades, e que através de
suas ações também colaboram para a permanente transformação desses espaços. Esses, sem
dúvidas, são ambientes profícuos para a realização de encontros e interações humanas,
mediadas pelo mercado ou espontâneas, constituindo-se locais propícios à inovação, à
competitividade e/ou à colaboração. Desse modo, são nesses espaços onde se concentram
os mais importantes processos de produção, circulação e consumo da economia mundial.
De maneira geral, pode-se dizer que o nível de dinamismo das diversas atividades
nos espaços metropolitanos está intimamente associado às suas formas de integração aos
movimentos de acumulação capitalista, em diferentes escalas. Essas formas de integra-
ção também condicionam e estabelecem a sua capacidade de atração e emissão de fluxos
1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE - cleitonmarinho10@gmail.com
2
Embora a existência de manchas de urbanização contínua (conurbação) e de uma elevada artificialização
das paisagens seja uma das principais características dos espaços metropolitanos, essa característica não é
condição imprescindível para se identificar núcleos urbanos como integrantes desses espaços. Dentro de um
espaço metropolitano podem existir manchas de ruralidade, denotando formas de uso que aparentemente
não são urbanos, mas, em muitos casos, são, na realidade, terras reservadas para especulação imobiliária.
Para Harvey (2006b), um dos mais destacados críticos ao referido processo, a globali-
zação não traz novidades no que se refere à lógica capitalista vigente desde o século XIX.
Segundo o autor, não houve
[...] uma revolução fundamental do modo de produção e das relações a ele vin-
culadas, e que, se há alguma real tendência qualitativa, seu rumo é no sentido da
reafirmação dos valores capitalistas do início do século XIX, associada a uma incli-
nação típica do século XXI no sentido de jogar todos (e tudo que possa ser trocado)
na órbita do capital, ao mesmo tempo em que se tornam grandes segmentos da
população mundial permanentemente redundantes no tocante à dinâmica básica da
acumulação do capital (p. 98, grifo nosso).
3
De acordo com Chesnais (1996, p. 23), “o adjetivo globalização surgiu no começo dos anos 80, nas grandes
escolas americanas de administração de empresas, as celebres ‘business management schools’ de Harvad,
Columbia, Standford etc”.
395 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
que o bem-estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e
capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional
caracterizada por sólidos direitos à propriedade privada, livres mercados e livres co-
mércio. O papel do Estado é criar e preservar uma estrutura institucional apropriada
a essa prática (p. 12).
A retórica fundante dos discursos neoliberais enfatiza a defesa das liberdades indi-
viduais e uma forte confiança nas forças do mercado, e entende que através do seu livre
funcionamento, sem intervenção do Estado, seriam encontradas as condições ideais para
a alocação dos investimentos e recursos disponíveis para a sociedade. Sendo assim, essa
concepção de mundo deposita uma grande confiança nas relações de mercado como re-
guladoras e mediadoras das atividades humanas. Desse modo, essa perspectiva reitera,
4
Tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID).
Embora seja difícil estabelecer um quadro único sobre as consequências espaciais des-
sas mudanças político-econômicas, e especialmente sobre as mudanças urbano-metropo-
litanas decorrentes, alguns pesquisadores têm destacado a conexão entre os processos mais
gerais de globalização/neoliberalização e as mudanças nos espaços urbano-metropolitanos,
indicando algumas tendências comuns nesses espaços.
397 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
de globalização e suas implicações no processo de expansão metropolitana. Para o autor
(2008, p. 38), três aspectos se impuseram a partir das mudanças geradas pela crise do for-
dismo, desencadeando uma acentuação da mercantilização do desenvolvimento urbano na
América Latina. São eles: 1) o aumento da disponibilidade de capitais para a realização de
investimentos imobiliários; 2) uma gestão pública sustentada em critérios e neutralidade
e subsidiariedade, capaz de propiciar um ambiente muito mais favorável ao desenvolvi-
mento imobiliário, em virtude de maior liberdade de decisão e ações das empresas; 3)
uma gestão urbana empreendedora determinada em atrair capitais externos, que valoriza a
importância dos investimentos imobiliários.
Segundo o autor, a partir da desregulamentação da economia e do aumento da liber-
dade dos fluxos financeiros e do surgimento de novos instrumentos de inversão no setor
imobiliário (fundos de investimento, compra de títulos e securitizações), as metrópoles
latino-americanas têm entrado nos circuitos globais de investimentos financeiros e imo-
biliários. O resultado tem sido a proliferação de novos artefatos imobiliários, que tem re-
construído as paisagens geográficas metropolitanas da América Latina. Desse modo, uma
governos locais, já que “em função da crise do Estado moderno no Brasil, o quadro po-
lítico, ditatorial, centralizador das ações, foi substituído por um democrático, promotor
de políticas de descentralização” (Dantas et. al, 2006, p. 23). A partir desse período, os
governos locais passaram a assumir maior responsabilidade sobre a formulação de suas
políticas econômicas e sociais. Tal autonomia, associada à crise fiscal do Estado brasileiro
ao longo da década de 1980, conduziu boa parte dos governos estaduais e municipais
do país a adotarem uma postura empreendedora (Harvey, 2006), tendo como principal
objetivo criar condições favoráveis para atração dos capitais privados em busca de valo-
rização para os seus territórios.
399 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
5
Governo das Mudanças é uma denominação utilizada para se referir aos governos de Tasso Jereissati e Ciro
Gomes, iniciados no final da década de 1980.
novos efeitos de ações sinérgicas entre agentes públicos e privados, tornando Eusébio um
dos territórios mais significativos para a compreensão da expansão metropolitana contem-
porânea. Entre as principais estratégias recentes adotadas pelo poder público municipal
em Eusébio estão: criação de áreas de especialização funcional (distrito industrial e eixos de
concentração de empresas de serviço), mediante doação de terrenos da prefeitura, que tem
beneficiado empresas do setor industrial, o setor de serviços e até igrejas que desenvolvem
projetos sociais para a comunidade.
Entre os anos 2000 e 2020 a prefeitura aprovou mais de 185 normas jurídicas, doan-
do terrenos da prefeitura para empresas do setor privado e algumas instituições religiosas.
Ao todo mais de 100 empresas foram beneficiadas com doações de terrenos. As doações
totalizaram 93, 8 hectares (1,2% do território municipal).
Outra importante estratégia que caracteriza o processo de urbanização neoliberal do mu-
nicípio é o incentivo a crescente produção de gigantescos loteamentos fechados e numerosos
condomínios horizontais, a implantação desses novos investimentos imobiliários tem sido
favorecida pela “flexibilização” da legislação local. A crescente produção desses novos objetos
Considerações Finais
Ao se abordar a RMF, fica evidente que, assim como na maioria das Regiões
Metropolitanas Brasileiras, mais do que as diferenciações, características dos espaços alta-
mente urbanizados, verifica-se a constituição de subespaços fortemente desiguais, especial-
mente no que se refere à realidade socioeconômica e ao acesso a benefícios da urbanização.
Nos últimos 40 anos essas diferenciações tem assumido novas características, a partir do
estímulo ao investimento corporativo no espaço metropolitano através de um movimento
401 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
de adaptação a globalização e maior liberdade e estímulo aos investimentos privados.
O setor sudeste da RMF, notadamente o município de Eusébio, aparece como um proe-
minente laboratório para a compreensão das transformações socioespaciais engendradas por
interesses de empresários, em associação com o poder público. Esse eixo de expansão tem
se caracterizado pela forte atuação da prefeitura na atração de novos investimentos privados
para seu território. Nesse caso, o poder público tem utilizado as características fundiárias do
território municipal para definição de ações que objetivam a implantação de novos investi-
mentos privados. Observam-se três práticas empreendedoras envolvendo a política urbana
do município com o objetivo gerar crescimento econômico, são elas: a doação de terrenos
para empresas privadas, a dotação de infraestruturas e a modificação de leis urbanas. Nesse
contexto, tais ações têm contribuído para uma urbanização do espaço em que os agentes
privados assumem cada vez mais a liderança do processo, e o estado diminui o seu papel
planejador passando a fomentar um urbanismo competitivo e subsidiário.
6
Dentre e as características pode-se mencionar formas mais dispersas de urbanização, dissociação do entorno
imediato, déficit de espaços públicos.
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403 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Introdução
405 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
urbana.
A expansão da malha urbana da capital e o surgimento de novas centralidades, sobre-
tudo a partir dos anos 1970, culminaram na consolidação da área central enquanto lócus
do comércio e serviços voltados para o atendimento de demandas da classe de menor
poder aquisitivo. Com isso, o Centro voltou-se predominantemente ao comércio popular.
Por outro lado, observa-se as novas centralidades resultantes da expansão do tecido urbano
e das novas lógicas de uso e consumo, vis a vis, ocorre o processo de reestruturação urbana
com obras de desenvolvimento regional e programas de infraestrutura urbana, edificações
dos espaços produtivos e de reprodução social com o impulso à metropolização industrial,
turística e comercial.
1
Profa. Associada do Departamento de Geografia da UFC. Pesquisadora do Observatório das Metrópoles –
Núcleo Fortaleza(Lapur) - geoalexsandraufc@gmail.com
2
Prof. Titular do Departamento de Geografia da UFC. Pesquisador do Observatório das Metrópoles –
Núcleo Fortaleza(Lapur) - borzajose@gmail.com
Desta forma estruturou-se o artigo nos seguintes tópicos, quais sejam, Reestruturação
Urbana e metrópole terciária de Fortaleza e Centro da cidade: Espaço tradicional do co-
mércio na capital, na sequência, as considerações finais.
407 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
mação dos valores e estilos de vida, a evolução dos aglomerados da estrutura urbana
(Salgueiro; Cachinho, 2009, p. 10).
As transformações na economia mundial fazem com que o comércio ganhe uma nova
dinâmica na cidade, atuando no processo de urbanização dispersa. O predomínio do setor
terciário de Fortaleza reflete na configuração espacial urbana com influência nas relações
para além da capital e sua região metropolitana, bem como no espaço transnacional.
Com o abandono da antiga rede urbana em que a hierarquia se dava entre as cidades
vizinhas da maior para a menor, hoje são várias as redes que se articulam a espaços cada vez
mais longínquos. Isto pode ser constatado pela rede de relações que Fortaleza mantêm, seja
para distribuição e consumo final da produção, seja para suprir as demandas das diversas
etapas da produção.
Desta forma, o comércio, como parte do terciário influencia fortemente as cidades,
pois se percebem práticas socioespaciais de diversos agentes, como comerciantes, promo-
tores imobiliários, produtores/fabricantes, consumidores.
Por outro lado, a degradação de áreas centrais tem sido recorrente no Brasil e noutras
cidade do exterior. A resposta a esse processo tem sido o estabelecimento de políticas de
revigoramento dessas cidades.
Segundo Mesentier (2006)
as áreas urbanas de valor patrimonial quando localizadas nos bairros centrais
das cidades, estão no foco das políticas públicas de reestruturação da metrópole,
porque podem tornar-se um fator de atração para os centros urbanos de atividades
produtivas e, por conseqüência, as intervenções urbanas em áreas de valor patrimo-
nial podem ser um fator de dinamização do mercado imobiliário metropolitano.
(Mesentier, 2006)
409 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
atividades comerciais, serviços e equipamentos públicos.
A elite fortalezense, detentora de grande prestígio político e econômico, gradual-
mente distanciava-se das proximidades da área central, num primeiro momento instala-
das no bairro Jacarecanga, primeiro reduto da burguesia e, em seguida, nos bairros mais
a leste do Centro, hoje conhecidos como Aldeota, Meireles, Bairro de Fátima e Praia de
Iracema.
Formavam-se, a partir daí, novas centralidades na capital. Se sobressaem, nesse sentido,
as centralidades da Aldeota, Antônio Bezerra (e corredor da Avenida Bezerra de Meneses),
Messejana e Barra do Ceará (LOPES, 2006, p. 149).
Ainda segundo Lopes (2006, p. 150) a policentralidade de Fortaleza:
[...] é um fato incontestável a partir dos anos de 1990, entretanto a deterioração
do Centro não é um fato natural, é muito mais resultante da falta de investimento
do Poder público na área, em detrimento dos investimentos em outros locais da
cidade, agora mais atrativas para os investimentos locais ou internacionais (LOPES,
2006, p. 150).
Dantas (2012) ratifica, o Centro como um “local privilegiado” para a atuação do co-
mércio ambulante, que se expandiu e passou a disputar os espaços e os consumidores com
os estabelecimentos do comércio formal.
411 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
filmes. A centralização associada à falsa segurança, ao conforto, à disponibilidade
de estacionamento, fez do shopping o local de consumo e lazer da classe média,
consequentemente houve um abandono do Centro por esse segmento social (Lopes,
2015, 22 e 23).
Transpor o Pajeú, riacho localizado a leste da área central, foi um grande feito. O
riacho praticamente desapareceu da paisagem urbana. Na porção Leste, a Avenida Dom
Manuel definiu novos fluxos norte/sul e facilitou a expansão para a Aldeota, bairro de
prestígio que capturou parte substancial das atividades da área central. Esses limites foram
fundamentais na delimitação e reforço das funções centrais da cidade.
A pujança do capital financeiro e das empresas construtoras nacionais ou transnacio-
nais, reforçam mecanismos de reprodução socioespacial alterando a estrutura urbana e a
expansão da malha urbana. Constata o peso e a expressão assumidos pelos condomínios,
loteamentos murados e shoppings que alteram o preço da terra urbana e modificam, so-
bremaneira, o uso do solo.
Diante deste contexto, o Centro passou a atrair os olhares do poder público, que histo-
ricamente buscou alternativas para sua requalificação, o que pode ser expresso através dos
sucessivos planos, projetos e intervenções setoriais.
Fortaleza que é a quinta maior cidade do Brasil com uma população estimada, em
2021, de 2.703.391 habitantes, concentra as principais atividades econômicas com um
PIB de 67.412.733(mil reais) em 2019, o que representa mais de 40% do PIB estadual.
Na análise do Valor Adicionado Bruto, segundo o IBGE, evidencia-se a importância
dos setores mais dinâmicos, tais como os serviços.
Fonte: IBGE.
413 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
se sobressai como metrópole do terciário.
Ressalta-se que o comércio ligado à produção têxtil e confeccionista tem forte re-
presentatividade em Fortaleza e, por conseguinte, no Ceará, com extensão para escala
regional, nacional e internacional (Muniz, 2014), atraindo um grande contingente de
compradores, principalmente sacoleiras e turistas provenientes de outros estados, e países,
como Cabo Verde, Guiana Francesa e Suriname.
No recorte temporal de 2010 a 2020, é possível ver no gráfico 1 construído a partir
da tabulação de dados quantitativos do RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), o
crescimento dos estabelecimentos comerciais no intervalo de 2010 a 2015 em 2.073 es-
tabelecimentos, já considerando os 5 anos subsequentes e inclusive que o ano de 2020 é
um ano atípico devido as consequências advindas da pandemia de Covid, isto tem reflexo
direto na redução de estabelecimentos comerciais passando de 20.137 estabelecimentos
para 16.537 estabelecimentos comerciais.
415 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
de Fortaleza possui atualmente cerca de 9.523 imóveis, sendo 9.189 registrados como
predial e 334 como terreno, dos quais 5.427 unidades autônomas4 estão registradas
como comerciais, 3.955 como residenciais e 446 como estabelecimentos de prestação
de serviços (figura 2).
417 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
419 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Ademais, as linhas de ônibus da região metropolitana com paradas finais no centro
favorecem o Centro como um bairro importante para a compra de confecções e circulação
para população pobre de Fortaleza e RMF, pois disponibiliza linhas de ônibus, juntamente
com a linha do metrô que perpassa Fortaleza e parte de sua Região Metropolitana, ajuda
transportar essa população ao bairro e movimentar o comércio do circuito inferior da
economia na área central.
A nova localidade do atual Beco da Poeira exerce forte influência em seu entorno,
onde em sua entrada lateral na Rua Liberato Barroso e na Av. Imperador se desenvol-
vem pontos de comércios confeccionistas, de tecidos, alimentício e saúde, como tam-
bém em seu acesso a partir da rua Princesa Isabel o surgimento de estacionamentos
particulares.
Os permissionários do CPNF relataram em entrevistas que mesmo com as melhorias
estruturais e a proximidade com rotas de transportes públicos, o atual espaço carece de ser-
viço de estacionamento próprio e não se tem mais os lucros que existiam antes (Queiroz,
Muniz, 2020).
popular (Esqueleto da Moda, Centro Fashion, rua José Avelino, comercio popular no en-
torno da Catedral), o Beco da Poeira foi, por muito tempo, o mais importante centro de
comércio popular e varejista de Fortaleza, dinamizando a economia cearense e reforçando
o papel do espaço central como lugar do negócio voltado notadamente para consumo da
população de baixa renda.
Considerações finais
Referências bibliográficas
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423 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
425 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Deste modo, para ampliar o foco nos estudos de política urbana no Sul Global, par-
ticularmente em uma abordagem brasileira, temos a metrópole de Fortaleza como estu-
do de caso numa perspectiva analítica no que diz respeito às intervenções por parte do
Estado e do poder empresarial dada a consolidação de uma agenda urbana no âmbito da
neoliberalização.
No cerne do urbanismo neoliberal faz-se necessário refletir sobre o planejamento,
a gestão urbana e suas estratégias. Considera-se que tais reflexões são desafiantes frente
ao empreendedorismo urbano enquanto agenda de desenvolvimento das grandes cidades
tanto a nível nacional quanto a nível internacional.
Dito isso, o objetivo deste trabalho é refletir sobre a atuação do poder político de
Fortaleza e do poder empresarial na consolidação de uma agenda neoliberal e dos projetos
urbanos por meio de parcerias público-privadas, com destaque para a Operação Urbana
Consorciada (OUC) da Lagoa do Papicu.
1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará-IFCE
brasileiro que se encontrava entre as dez maiores economias do país, com uma participa-
ção de 0,91%, o que representava cerca de R$ 67,4 bilhões do total do Brasil. Fortaleza
enquanto Região de influência - desponta como metrópole de maior capilaridade no
Norte-Nordeste do Brasil - com alcance de 765 mil km², e de cerca de 20 milhões de pes-
soas, abrangendo 630 cidades, sendo duas capitais estaduais: Teresina (Piauí) e São Luís
(Maranhão) (Regic, 2020).
Daí, tem-se como questionamento central da pesquisa: Qual é o papel das transfor-
mações dos modelos políticos de governança urbana no desenvolvimento da Operação Urbana
Consorciada Lagoa do Papicu em Fortaleza? Concorda-se com McCann (2017) quando fala
que a governança tem sido um conceito-chave nos estudos urbanos desde o final dos anos
1980. Nesse sentido, quando pensamos na inserção de Fortaleza no contexto nacional e
internacional, observamos que a leitura desse conceito se intensifica nos anos 2000 dada
as alterações e implicações da economia e do planejamento urbano.
Daí, tem-se como base teórica o engajamento crítico com os desafios urbanos contem-
porâneos, a partir da inflexão ultraliberal e da financeirização urbana, cujas relações entre
Materiais e Métodos
427 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Quanto às OUCs são um instrumento da política urbana que está tanto no Estatuto
da Cidade (Lei no 10.257/2001) como no Plano Diretor de Fortaleza. (Lei nº 62/2009).
Considera-se Operação Urbana Consorciada o conjunto de intervenções e me-
didas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprie-
tários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de
alcançar, em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a
valorização ambiental (Estatuto da Cidade, Seção X, Art. 32, § 1º).
No que tange à governança urbana é necessário pensar a respeito dos agentes privados
e públicos, com suas formas de cooperação, de relacionamentos. Conseguinte, percebe-se
que as coalizões público-privadas nos conduzem ao entendimento do conceito de go-
vernança em meio a um novo quadro cujas decisões no âmbito da política urbana tem
um caráter consonante a atuação de grupos econômicos que fazem parte da globalização
financeirizada.
Neste contexto, há uma aproximação a respeito dos processos de reescalonamento
do Estado, pensado como referência a diversos domínios da política estatal, formas de
reorganização institucional, os locais das alterações regulamentares e as modalidades de
428 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
governabilidade.
Os vínculos entre as escalas geográficas e dos processos de urbanização estão
sendo estes entendidos em termos de estratégias políticas contextualmente específicas
que lhes engendrem. De acordo com Brenner (2004), o reescalonamento de Estado
representa um meio importante para explorar as amplas questões sobre o espaço es-
tatal com seus enfoques: teórico, metodológico, histórico, conjuntural e normativo
político. A questão de reescalonamento é uma dimensão-chave, em que escalas her-
dam atividades regulatórias que estão sendo profundamente (re) costuradas em grande
parte da economia mundial.
No cerne desta questão, o contorno conceitual da teoria urbana norteou uma análise
qualitativa de programas, planos urbanos que estão em pauta dos modelos de governança
implementados em Fortaleza. Com isso, podemos ter uma compreensão da política e das
instituições urbanas. Esta análise foi complementada com dados secundários quantitativos
de: (i) Instituto Brasileiro de Geografia, Estatística e Instituto de Pesquisa e Estratégia
Econômica do Ceará.
429 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Neste sentido, as intervenções no espaço urbano fazem parte, cada vez mais, das es-
tratégias prioritárias de atração desse capital. Tal abordagem nos remete a ideia de empre-
sarialismo ou o termo empregado por Harvey (1989) enterpreneurialism para se referir aos
novos modelos de planejamento e gestão urbana, sendo que esses assumem um caráter de
submissão aos interesses do mercado por uma competitividade para atrair investimentos.
A governança neoliberal, já potencializada com a presença de atores privados
tanto no sistema político como nas atividades-meio (gestão) e fim (políticas públi-
cas) da administração pública, reforça-se ainda mais com o novo universo aberto
pelas finanças especulativas que encontra no ambiente urbano, notadamente das
metrópoles, solo fértil para sua expansão e aprofundamento. Fecha-se, dessa forma,
o círculo privatista, gerencial, neoliberal de aprisionamento do espaço público pelas
lógicas, distintas, privadas (Fonseca, 2019, p. 409).
McCann (2017) em seu artigo: “Governing urbanism: Urban governance studies 1.0,
2.0 and beyond”, nos fala a respeito da governança urbana e suas formas mais evidentes na
produção do urbano que são permeadas por:
i) Novas relações – ‘parcerias’ – entre instituições públicas e/ou organizações “quase
431 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
não-governamentais” envolvidas no (re) desenvolvimento das áreas urbanas;
ii) Uma reorganização escalar dos direitos e responsabilidades do Estado nacional e a
“redução de escala” paralela a outras regulamentações e distribuições de responsabi-
lidades para com as localidades;
iii) Relações entre o Estado e os cidadãos, cujas promessas foram de a democracia trazer
benefícios quanto ao aumento da participação direta das “partes interessadas”, da
sociedade civil, bem como reformulou entendimentos e noções tidas como certas,
como “público” e “privado”;
iv) Aumento da “governança empresarial”, com suas tentativas junto ao setor público
de subscrever e de estimular investimentos através de incentivos fiscais em grande
escala. Os programas urbanos têm ênfase na mercantilização e no rentismo das
cidades e metrópoles, em síntese, um conjunto de práticas inter-relacionadas cha-
mado de planejamento estratégico empresarial.
No cerne desta discussão sobre governança, coalizões e planejamento estratégico; novas
escalas espaciais de organização no mundo globalizado têm se revelado, principalmente
A OUC enquanto instrumento legal urbanístico veio consolidar uma agenda cujo
modelo de governança é pautado pelos interesses imobiliário-comercial-financeiro, sendo
ancorados pelo shopping center RioMar Fortaleza e o Evolution Central Park.
433 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
No que tange aos shopping centers, esses atraem urbanização/metropolização e po-
tencializam o desenvolvimento dos produtos imobiliários. Por isso, muitas incorporadoras
criam novas formas espaciais de morar e trabalhar próximas a esses equipamentos. Sobre
o mercado imobiliário há uma convicção de que espaços de consumo trazem um valor
agregado e de liquidez aos novos empreendimentos. Em entrevistas realizadas, pudemos
confirmar tal afirmativa. De acordo com um diretor regional de uma importante constru-
tora e incorporadora:
O shopping center é um polo de desenvolvimento, por exemplo, ele não é
nosso concorrente, mas ele soma força conosco. Quando você tem uma grande
área como esta daqui da Brahma, com um total de 220m², com pouca infraes-
trutura, acessos ruins, ocupações irregulares, resistência para o público ir. Aí me
questiono qual a demanda daquele local, muita baixa, ninguém que ir para lá
investir. Deste modo, foi pensado em investir, mas vamos chamar uma outra
empresa que vai trazer um polo de desenvolvimento que gere infraestrutura,
melhoramento dos acessos, com alargamento, túneis e viadutos. E isto vai gerar
Desde 2014, o grupo JCPM atua em Fortaleza por meio dos shopping centers: RioMar
Fortaleza (Figura 02), inaugurado em 2014 e RioMar Kennedy, inaugurado em 2016. A
chegada desse grupo na cidade causou uma reviravolta no setor de shopping center, já
que as localizações escolhidas geraram uma concorrência direta para com os dois maiores
shoppings da cidade, o Shopping Center Iguatemi e o North Shopping o que distam um
quilômetro de distância.
435 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Diante disso, há uma tendência de pensar a respeito das imbricações das po-
líticas urbanas e suas territorializações nas diferentes parcelas de Fortaleza. Nesse
caminho, é preciso lidar com a complexidade associada à proliferação e velocidade
do processo de acumulação do capital que revela - o produto imobiliário - enquanto
mercadoria especial.
Com isso, os projetos de desenvolvimento acelerado construídos pelos governos lo-
cais, aliados aos agentes da esfera privada, passam a apresentar semelhanças consideráveis.
Consequentemente, as microrrealidades espacias desta OUC em questão são: a intensifi-
cação das segregação e a fragmentação socioespacial (Figura 03 e 04).
437 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Isto nos leva à consonância do debate teórico-
-conceitual desenvolvido por Salgueiro (2001)
quando considera a fragmentação correspondendo
a uma estrutura socioespacial sem continuidade e
com destaque aos produtos imobiliários.
A constatação de que o espaço da cidade se exibe
fragmentado, ao longo do tempo. As paisagens ur-
banas que contêm os signos do cotidiano impõem
diferentes enfoques metodológicos e nova postura
científica, na medida em que emergem recentes
campos de investigação e novas bases conceituais.
Considerações Finais
lonamento que estão criando uma mudança político-institucional, destarte, nos conduz a
novos desafios epistemológicos, conceituais, reflexivos e empíricos.
Nesta perspectiva escalar, Fortaleza, nos revela recentes transformações econômi-
cas à luz dos processos globais, tendo como matiz o capitalismo desenvolvimentista
contemporâneo. Deste modo, as Operações Urbanas Consorciadas são manifestações
dessa “nova” capacidade de planejamento e gestão urbana atrelada aos novos proces-
sos de reescalonamento. Com efeito, as mudanças significativas do papel do Estado,
a destacar o poder municipal de Fortaleza, apresentou determinadas características de
governança pró-mercado na medida em que propiciou e propicia um arranjo espacial de
infraestrutura capazes de conceber e alargar os inúmeros artefatos urbanos no regime de
acumulação do capital.
Quanto à OUC Lagoa do Papicu, confirmou-se a presença de novos padrões espaciais
na metrópole. Consequentemente, a localização do RioMar Fortaleza foi escolhida, consi-
derando um bairro de classe média, todavia, que nos últimos anos não apresentava uma di-
nâmica imobiliária suficiente para potencializar a renda da terra. Com o Shopping Center
439 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
ral, evidenciamos que a produção do espaço urbano de Fortaleza está em meio às novas
articulações do capital e às novas égides de relação com o Estado. Diante disso, requer um
olhar acurado dos rebatimentos desse novo modelo de governança urbana para aqueles que
vivem e fazem as metrópoles. Por isso, visualizamos Fortaleza nos circuitos financeiros e
informacionais que impulsionam a economia globalizada e seus ritmos no urbano/metro-
politano. Daí, concebemos que a justiça social e espacial em uma sociedade capitalista com
extrema desigualdade, não deve ser desprezada em seu discurso e práxis, mas sim, deve ser
perseguida, sabendo dos desafios a serem alcançados.
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DO TERRITÓRIO
Introdução
445 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
continuou sob diferentes possibilidades analíticas, tanto no campo da linguística, da
história, da geografia e da cartografia, como em outros domínios das ciências sociais.
Mais recentemente, o significado vernacular das palavras tem despertado interesse em
trabalhos relativos aos estudos da natureza, onde se busca o seu entendimento através
das denominações locais, como acontece com a etnogeomorfologia, de que são exemplos
os trabalhos de Alves (2014), Lopes (2016), Antunes e Ribeiro (2017) e Farias, Corrêa
e Ribeiro (2020).
A toponímia assume várias facetas e múltiplos prismas de análise, cada vez mais estu-
dados, como ficou demonstrado recentemente com a realização, em 2021, dum even-
to internacional, Simpósio Internacional Pan-americano de Toponímia, promovido pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Universidade Federal do Rio de
1
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Federal da Paraíba (UFRGS/UFPB-BR)
2
Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território e Centro de Estudos Ibéricos (CEGOT/
CEI-PT)
3
Universidade Federal do Paraná (UFPR-BR)
paisagem original dum estado que é coabitado por diferentes povos originários, sobretu-
do Tupi-Guarani, Gês–Kaingang, Pampianos-Charruas e Minuanos. A intensão é, a partir
da decifração dos topónimos, caracterizar o tipo de paisagem habitada relacionando-a
com seus habitantes, procurando captar sinais que particularizem, por exemplo, tanto
os Pampianos, fundamentalmente nômades/caçadores, como os Guaranis, predominante-
mente coletores/agricultores.
Para este efeito tomam-se como base os mapas do relevo (geomorfologia), da cobertu-
ra vegetal original e da hidrografia principal, importantes para a definição das regiões fisio-
gráficas e do macrozoneamento ambiental do estado do Rio Grande do Sul-BR. O mapa
de distribuição dos topónimos foi elaborado a partir da classificação previamente feita e
embasada em ensaio de classificação, anteriormente elaborada e, devidamente testada em
estudos anteriores, acima referidos, elaborados pelos signatários deste artigo.
Numa outra etapa estuda-se a distribuição dos topónimos a partir da superposição do
mapa de uso atual da terra do estado do Rio Grande do Sul-BR relativamente aos habitats
descritos pelos topónimos indígenas. Busca-se, assim, além de identificar e explicitar as
447 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
estado e a distribuição dos povos indígenas, como se pode observar na Figura 1, permite
destacar a sua diversidade bem como a posição no extremo sul do Brasil, fazendo fronteira
com o setor norte da República Oriental do Uruguai, ao sul, e a República Argentina,
ao oeste. Parece natural que permaneçam na toponímia local alguns nomes de lugares de
origem indígena, denominações que são o objeto central desta pesquisa, apesar de ser um
estado forjado em lutas de disputa territorial entre portugueses, espanhóis e as populações
originárias, conflitos em que houve a tentativa de apagar, sob várias formas, a memória
dos povos indígenas.
4
https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo.html?id=2100506&view=detalhes
A distribuição dos municípios e a sua maior ou menor concentração (Figura 1), resulta
448 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
do processo histórico de ocupação deste estado. O número mais reduzido de cidades que
se verifica ao sul está associado à ocupação portuguesa, com a distribuição de sesmarias
e a consequente dispersão das cidades, enquanto ao norte ocorre uma concentração mais
significativa de municípios de pequena dimensão espacial, que expressam o processo de
colonização alemã e italiana, mais tardio, ocorrido no século XIX.
Os habitantes do atual Rio Grande do Sul, povos originários anteriores ao domínio
espanhol e português, mostram uma distribuição das populações indígenas cuja geografia
aponta para
[...] três grandes grupos étnicos pré-guaranis, distribuindo suas populações em
territórios diferenciados ao longo do espaço atual do Rio Grande do Sul: Os Jês
foram um grupo territorialmente atlântico com forte interiorização, com marcada
ocupação do Planalto, predominando ao longo da bacia do rio Uruguai e seus prin-
cipais mananciais formadores; praticavam a agricultura, armazenavam alimento e
conheciam a tecelagem. A etnia tape, praticantes de agricultura diversificada em uni-
dades de produção, ocupavam uma área que compreendia uma faixa que se estendia
A página sobre a Saúde da População Indígena5 regista que a população indígena no Rio
Grande do Sul é de 32.989 habitantes, segundo o censo realizado pelo IBGE em 2010,
sendo, aproximadamente, 23.000 aldeados, divididos entre as etnias Guarani, Kaingang e
Charrua. Mostra ainda que a maior concentração populacional indígena ocorre no Norte
do estado, presença que é detectada em 65 municípios dos mais de quatrocentos que
compõem o Rio Grande do Sul. O número de terras indígenas regularizadas também é
muito baixo, constando apenas 20 registros de acordo com a Fundação Nacional do Índio
(FUNAI), corroborando a frequente presença de indígenas em acampamentos em condi-
ções precárias6.
A maior concentração populacional e de terras indígenas ocorre no norte, encontran-
do-se demarcadas ou em processo de reconhecimento Cacique Doble, Ligeiro, Nonoai e
Guarita, Serrinha, Vontouro, Monte Caseiros, Inhacorá e Borboleta. Os Kaingang (grupo
Gê ou Coroados) ocuparam extensas áreas do norte e noroeste do estado, encontrando-se
atualmente 4.100 índios distribuídos em alguns postos/ aldeias, comunidades que vivem
da agricultura de subsistência e do extrativismo. O direito à terra, na atualidade, continua
muito instável, existindo conflitos com agricultores e a expectativa, quase sempre adiada,
do efetivo reconhecimento de suas reservas pelos poderes do estado. A situação das de-
449 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
marcações também envolve a indenização de agricultores que foram assentados em terras
indígenas durante a década de 407.
Os Guarani,
[...] convivendo com os grupos humanos antecedentes, mas com ambiente e
tecnologias diferenciadas, ocupavam preferencialmente as regiões com cobertura
florestal, migrando sazonalmente para o litoral em busca de pescado e moluscos.
Iram contatar os grupos pampianos ao descerem o planalto e ocuparem áreas da sua
encosta e territórios limítrofes...isso se desenvolveu por volta de 3.000 A.P. Outras
ondas migratórias que chegam, ao que é hoje o Rio Grande do Sul, pelo norte per-
mitem a sobreposição de culturas e a miscigenação de diferentes Tradições ocorrendo
a [...] paulatina ocupação dos ambientes de florestas pelo Tupi-guarani a partir de
mais ou menos 1.500 A. P (Suertegaray; Pires, 2009, p. 53).
5
https://saude.rs.gov.br/saude-da-populacao-indigena. Acesso em 09/08/2022.
6
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7
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O mais emblemático aldeamento dos Guarani nos séculos XVII e XVIII, de acordo com
a divulgação na página Coletivos Guarani, ocorreu durante o domínio espanhol, quando
foram instaladas missões (ou reduções) jesuíticas ligadas a Companhia de Jesus. Os jesuítas
foram responsáveis, desde 1625, pelo estudo e abundante documentação da língua Guarani
(ou Guarani antigo). Nas Missões, de economia coletivista, os Guarani atingiram alto grau
de desenvolvimento e domínio de técnicas europeias, mas, os conflitos estabelecidos com o
Império Português e a expulsão dos jesuítas tornaram-nos alvo dos bandeirantes paulistas9.
Pampianos, os Charruas e os Minuanos eram nômades, cujo modo de vida girava em
torno de habitações construídas com material local, com coberturas feitas de junco ou de
palmas de caraguatá, denominadas de toldo, onde se abrigavam, aproximadamente, 50
famílias. Como caçadores percorriam os campos pampianos caçando, com utensílios feitos
de pontas de lança e de flecha, emas, veados, tatus, ratões do banhado e capivaras. Vivendo
450 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
8
http://www.al.rs.gov.br/download/ccdh/coletivos%20guarani%20no%20rs.pdf.
9
Estado do Rio Grande do Sul. Assembléia Legislativa, 2010.Comissão de Cidadania e Direitos Humanos.
Coletivos Guarani no Rio Grande do Sul Territorialidade, Interetnicidade, Sobreposições e Direitos. Porto
Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.
10
https://websmed.portoalegre.rs.gov.br/escolas/montecristo/03almanq/estrs.htm.
Apenas 113 municípios do número total que compõem o estado do Rio Grande do
Sul (497) continuam a manterem os nomes de origem indígena. Aquele número, que
corresponde a 22,7% do total, como decorre da Tabela 1, onde se comparam os nomes
451 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
indígenas, consoante uma das tipologias consagradas, relativamente ao conjunto total dos
topónimos das cidades que dão nome aos municípios.
A análise dos topónimos de origem indígena mostra que remetem, fundamentalmen-
te, para nomes de plantas (29,2%), animais (15,9%) e hidrotoponímia (19,5%), repre-
sentando estas três tipologias, aproximadamente, 65% do número total de nomes de base
indígena. Apresenta-se, título exemplificativo, um conjunto de alguns nomes de municí-
pios que expressam a representação de cobertura vegetal e/ou espécies vegetais específicas,
feições hidrológicas e morfológicas e, num único caso, um topônimo indígena com indi-
cativo de santo. Assim:
• Boa Vista do Buricá (tupi-guarani). Buri: uma espécie de palmeira e Caã = mato;
Buricá significa, pois, mato de palmeiras.
• Bossoroca (Guarani). Boçoroca: Barrocão, sangão fundo ou Bossoroca, de Iby-Soroc.
Iby = terra; Soroc = rasgão, chão rasgado; corresponde a um fenômeno que ocorre
por efeito das águas em terrenos arenosos. A palavra Bossoroca significa terra fendida.
• Guaíba (Gua-ybe; Tupi). Tem o sentido de baía de todas as águas.
Tabela 1 – Os municípios do Rio Grande do Sul segundo as tipologias: número total e dos nomes de ascendência
indígena.
Nota: A primeira coluna corresponde a um primeiro apuramento publicado em estudo (SUERTEGARAY et al.,
2021). Os nomes indígenas compostos, com nome de santos, por exemplo, foram então considerados e incluí-
dos em nomes de santos; como agora foram autonomizados alcançou-se um número diferente, explicando os
atuais 113 contra os 94 municípios anteriores.
453 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
2. Rotas do povoamento primordial
2.1 Elementos fundamentais do povoamento primordial Caiçara; Charrua; Guarani das Missões; Maratá; Pelo-
tas; Tapera; e, Tapes
2.2 O paraíso na terra/Sentimento (espirito) do lugar Cotiporã; Nonoai; Paverama; Tapejara; e, Ubiretama
2.3 Nome de pessoas (Antroponímia) Ajuricaba; Bagé; Cacique Doble; e, São Sepé
3. Condições naturais locais
3.1 Biogeografia: Animais Aratiba; Canguçu; Chuí; Jacuizinho; Jacutinga; Jagua-
rão; Jaguari; Jaquirana; Miraguaí; Muçum; Panambi;
Pirapó; Piratini; Sapucaia do Sul; Sinimbu; Toropi;
Turuçu; e, Uruguaiana
3.2 Biogeografia: Plantas Araricá; Boa Vista do Buricá; Butiá; Cacequi; Cambará
do Sul; Caraá; Crissiumal; Giruá; Gravataí; Guabiju;
Ibarama; Ibirubá; Imbé; Inhacorá; Ipê; Ivoti; Jabutica-
ba; Maçambará; Marau; Muitos Capões; Nova Araçá;
Pejuçara; Salto do Jacuí; Sananduva; São José do Inha-
corá; São Sebastião do Caí; Sapiranga; Sarandi; Taqua-
ra; Taquari; Taquaruçu do Sul; Tucunduva; e, Tunas
3.4 Condições biogeográficas: Pinhal, Coqueiral, Mata,... Caçapava do Sul; Caibaté; e, Capão do Cipó
3.6 Hidrotoponímia: Rio, Cachoeira, Arroio, Lagoa,… Bossoroca; Camaquã; Capivari do Sul; Carazinho;
Catuípe; Entre-Ijuís; Garruchos; Ibiaçá; Ibirapuitã;
Ijuí; Iraí; Ivorá; Jari; Mampituba; Novo Xingu; Paraí;
Parobé; Putinga; Quaraí; Seberi; Tabaí; e, Tramandaí
3.9 Acidentes morfológicos: Monte, Vale, Serra,... Aceguá; Guaíba; Guaporé; Itaara; Pareci Novo; e,
Viamão
3.10 Geologia: Rocha, Lajeado,... Gaurama; Humaitá; Itacurubi; Itapuca; Itaqui; Itati; e,
Itatiba do Sul
3.11 Relativo a condições atmosféricas Arambaré
Tabela 2 – Toponímia indígena: enquadramento dos nomes dos lugares na respectiva tipológica.
teve por base a pequena propriedade, originalmente em torno de 25 ha, que se foram
esgotando em decorrência da partilha (herança) na chamada Colônia Velha, a leste do es-
tado, e que foi adentrando no sentido Norte e Noroeste. A pressão sobre a terra nas regiões
das colônias velhas (Depressão central, Encosta Inferior do Nordeste e Encosta Superior
do Nordeste) acabou por promover um êxodo em direção ao norte e noroeste do Rio
Grande do Sul, nas regiões do Planalto Médio e Alto Uruguai, em busca de novas terras,
pelos colonos e/ou filhos de colonos, que aderiram aos novos projetos de colonização. Este
processo implicou a tomada de terras indígenas, a sua extinção e ou deslocamentos para
lugares mais distantes.
No Sul do estado verifica-se uma menor concentração de cidades que decorre do
processo de colonização Ibérica cuja espacialização assentou na distribuição de sesmarias.
Estas grandes propriedades associadas à criação do gado gerou municípos de maior exten-
são e uma concentração populacional menor que se reflete na existência de menos cidades
acompnhada de menor densidade populacional nessa parcela do território gaúcho.
455 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
características regionais e locais, sendo melhor explicitadas quando se começa a decifrar os
topónimos indíginas (Figura 3). A distribuição dos topónimos indíginas está correlacionada
com o relevo/ geomorfologia (Figura 3 – A, B e C), a cobertura vegetal original (Figura 3 –
D, E e F) e os principais cursos de água (Figura 3 – G, H e J), além das rotas de povoamen-
to. O número de cidades com toponímia indígina no estado do Rio Grande do Sul é mais
reduzido em domínios relacionados com as rotas de povoamento primordial relativamente à
denominações como as condições naturais, sobretudo o relevo, a vegetação e a água, confor-
me anteriormente referido, demonstrando a relação intrínseca dos indíginas com a natureza.
O mais expressivo destes constituintes corresponde, pois, à biogeografia – animais
e plantas – (Figura 3 - B). A distribuição destes topónimos predomina no centro e no
norte do estado, sendo de destacar que o relevo predomina entre os nomes na região (1),
que corresponde ao Planalto Meridional (basáltico-arenítico), a forma de relevo que ca-
racteriza o norte do estado. A cobertura vegetal mostra, da mesma forma, ser mais densa
e frequente entre os topónimos indíginas no centro norte do estado, na região Zona da
Mata (2) – Floresta Subcaducifólia – (Figura 3 - E), de que são exemplos, entre outras,
as cidades denominadas de Gravataí, Guabiju, Taquara, Tunas. Este padrão distributivo
Figura 3 – Geografia Toponímica Indígena do Rio Grande do Sul: correlação da distribuição dos topónimos in-
dígenas com os mapas das condições naturais. Geomorfologia – A, B e C; Cobertura Vegetal Original – D, E e F;
Hidrografia Principal – G, H e I.
Fonte: CDC; IBGE. Elaboração própria (2022). Legenda das bases: Geomorfologia. 1 – Planalto Meridional, 2
– Cuesta do Haedo, 3 – Depressão Central, 4 – Escudo Sul-rio-grandense, 5 – Planície Costeira (Figuras A, B e
C); Cobertura Vegetal Original. 1 – Zona de Campo, 2 – Zona da Mata, 3 – Vegetação Litorânea (Figuras D, E
e F); Hidrografia Principal. 1 – Rio Uruguai, 2 – Rio Quaraí, 3 – Rio Ibicuí, 4 – Rio Santa Maria, 5 – Rio Jacuí,
6 – Rio Camaquã, 7 – Rio Sinos, 8 – Rio Taquari, 9 – Rio Ijuí, 10 – Rio Chuí (Figuras G, H e I).
457 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
deamento dos povos Guarani pelos colonizadores espanhóis. Estes aldeamentos foram de
grande pungência e as marcas dessa ocupação está registrada nos sete povos das Missões,
hoje denominadas de cidades missioneiras. Estas cidades levam nomes de santos e foram
atribuídos pelos jesuítas. Os povos indígenas, particularmente do grupo Jê (Kaingang),
Guarani, tem sua região originária no Planalto Médio, enquanto as demais regiões, com
exceção da Campanha, Encosta de Sudeste e Serra do Sudeste, que compõe a que se deno-
mina Pampa, é habitado, primordialmente, por Charruas e Minuanos.
Ainda que predominem os topónimos indígenas das cidades no norte é importante
observar que acabam por estar presentes, com densidades diferentes, em todo território
gaúcho, associados aos mais variados elementos naturais, sejam rios (Jacuí, Ibicuí, Taquari,
Uruguai, Ijuí, Quaraí entre outros), cerros (Itacolomy, Jarau, etc.) ou expressando certas
características naturais locais ou regionais: Miraguaí e Muçum (espécie de peixe), Panambi
(borboleta), indicando a presença de animais; Butiá e Guabiju (frutas nativas), Taquara e
Ipê (espécies vegetais), ou indicadores de ambientes mais secos, como Gravataí (espécie
vegetal espinhosa) e Tunas (cactos). Os nomes de certos lugares expressam, pois, a presença
Figura 4 – Geografia Toponímica Indígena do Rio Grande do Sul: correlação da distribuição dos topónimos indíge-
nas com os mapas das divisões regionais. Regiões Fisiográficas - A, B e C. Macrozoneamento Ambiental - D, E e F.
Fonte: CDC; IBGE. Elaboração própria (2022). Legenda das bases: Regiões Fisiográficas. 1 – Litoral, 2 –
Depressão Central, 3 – Encosta Sudeste, 4 – Serra do Sudeste, 5 – Campanha, 6 – Missões, 7 – Alto Uruguai, 8
– Planalto Médio, 9 – Encosta Inferior do Nordeste, 10 – Encosta Superior do Nordeste, 11 – Campo de Cima
da Serra (Figuras A, B e C); Macrozoneamento Ambiental. 1 – Florestas Remanescentes, 2 – Campos (limpos,
subarbustivos, mistos), 3 – Agricultura (verão e inverno/verão), 4 – Dunas (Figuras D, E e F).
Mostra-se, assim, que a nominação atribuída a certo lugar, originalmente, pelos indí-
genas, foi mantida em alguns casos pelos colonizadores, como atestam muitas referências
de algumas cidades localizadas ao norte do estado: no Noroeste, na região Missioneira,
temos como exemplos as cidades de Caibaté (mato alto com muitas frutas) e Boçoroca
(terra fendida); na região do Alto Uruguai, Iraí (rio do mel) e na campanha cidades como
Itaqui (pedra de areia), Uruguaiana (mexilhão ou caracol mais Santana), Quaraí (rio
459 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
região, são exemplos de topónimos que remetem para a condição original, Carazinho (riacho
na clareira do mato), Erechim (campo pequeno), Erebango (campo grande). Apontam para
áreas de campo presentes no Planalto Meridional (NE), denominados Campos de Cima da
Serra, Giruá (palmeira), Ibarama (terra das árvores) e Ibiriara (Senhores da Mata), referências
que remetem para a cobertura original de mato ou campo existente nessas áreas planaltinas.
A macrorregião de Dunas (4), dado as suas características, mantêm-se como área não
ocupada, embora faça parte do litoral, onde os registros toponímicos e arqueológicos in-
dicam que também foram espaços habitados por povos originários, de que são exemplos
Mampituba (rio de muitas curvas), Chuí (pássaro amarelo) e Imbé (planta enredadeira/cipó).
Criação das
Mudanças de nome das cidades
cidades
1800-1900 - Cidades em que permanece o nome indígena acrescido de um Santo (16; alguns exemplos): São
Sebastião de Bagé (1846); São Batista do Camaquã (1864), São José do Taquari (1849 - origem
Açoriana); São João Batista de Quaraí (1875), São Patrício de Itaqui, entre outras.
1890-1950 - Cidades que tiveram nomes indígenas substituídos por outros (2): Jacuhy (Jacuí) (1927) por
Sobradinho, Campo dos Bugres, por Caxias do Sul (1890).
- Cidades com substituição de outros por nomes indígenas (2): Água do Mel (1933), por, atual-
mente, Iraí; Colônia Jaguari por Jaguarí (1920), Paiol Grande por Erechim (1918).
460 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
1950-1960 - Cidades com substituição de outros nomes por nomes indígenas (20) ex.: Capão da União,
atualmente Boçoroca; Brochier do Maracatá atualmente Maracatá; Rio Branco por Catuipe
(1961), Barro por Garama (1954), Passo da Pedra por Giruá (1955), Varzinha por Guaporé
(1903), General Osório por Ibirubá,
1970-1980 - Cidades com substituição de outros nomes por nomes indígenas (15) ex.: Monte Vêneto por
Catiporã (1982), Três Forquilhas por Itatí (1996), Vista Alegre por Jaquirana (1987).
1987-1992 - Cidades que tiveram nomes indígenas substituídos por outros (4): Guaiacurus (1941) por Novam
Roma (1987); Picada Capivara por Lindolfo Collor (1992); Ibiaça/Tapejara (origem aldeia indíge-
na) por Santa Cecília do Sul (1996), Inhuverá por Santa Clara do Sul (1992).
Tabela 3 – Cronologia das mudanças dos nomes indígenas nos municípios de Rio Grande do Sul.
Esta breve análise parece indicar que a probabilidade de permanência das deno-
minações indígenas é maior quando o topônimo é associado a uma entidade religiosa
colonial. A substituição significativa de outros nomes por nomes indígenas, verificada
em 35 cidades, ocorreu, fundamentalmente, entre 1950 e 1980, já que o número de ci-
dades que tiveram o nome indígena substituído no período, de 1987 a 1992, foi muito
reduzido (4).
Remate
461 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Uruguai, Jacuí, Ibicuí, Taquari, Toropi, Ijui, Quaraí, entre tantos outros, a exemplo das
várias feições de relevo, que tomam designações como Morro Itacolomí ou Cerro do Jarau.
A análise da distribuição espacial mostra uma maior concentração de cidades com to-
pónimos indígenas no norte do estado (Planalto Meridional), originalmente recoberto por
vegetação de mato, ocupado por povos indígenas agricultores (Kaingang e Guarani). Nesta
parcela do espaço gaúcho foi dominante a colonização ítalo-germânica, caracterizada pela
estrutura fundiária constituída de pequenas propriedades, denominadas colônia, o que
favoreceu a constituição mais densa de povoados, vilas e cidades.
No centro-sul do estado, domínio da vegetação campestre e da ocupação indígena
nómada, posteriormente colonizada por espanhóis e portugueses, sob a forma de grandes
propriedades (sesmarias), deu origem a uma rede urbana muito mais dispersa. Ainda que
seja reduzido o nome de cidades com topónimos indígenas não deixam de ocorrer nomes
indígenas relacionados com diferentes constituintes do espaço, sobretudo ligados à natu-
reza, como bem indicam os rios Uruguai, Quaraí, Ibicuí, Jacuí, Chuí.
463 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
DICK, M. V. P. A. (1990). Toponímia e Antroponímia do Brasil. Coletânea de Estudos. 2. ed. São
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Etnogeomorfologia no Brasil: uma análise da origem do conceito e possíveis aplicações. Revista
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mento e organização do território. Revista brasileira de geografia, v. 66/2, p. 139-156.
Nota introdutória
A difusão dos conhecimentos sociais no Brasil, sobretudo no século XIX, está estrei-
tamente ligado as revistas e periódicos que circulavam nos meios intelectuais, a exemplo
dos institutos congêneres da Europa, aponta Cardoso (2011). A Geografia, certamente
não constituiu uma exceção. Com efeito, a revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro – IHGB que tivera o seu primeiro número publicado em 1839, ilustra bem essa
realidade. Portanto, nunca será demais destacar a importância de tais periódicos, dessas
465 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
revistas, na divulgação dos conhecimentos geográficos desde então.
A propósito, após a instalação do IHGB em 21 de outubro de 1838, pouco antes de
completar o primeiro mês de existência, foi divulgado o seu estatuto e, o Artigo 3.° tratava
especificamente da criação de uma revista trimensal de historia e geographia, ou Jornal do
Instituto Historico e Geographico Brasileiro.
Esta publicação, segundo o referido artigo, “[...] publicarão, além das actas e trabalhos
do Instituto, as memorias de seus membros que forem interessantes á historia e geogra-
phia do Brazil” (Revista do IHGB, 1839, p. 18). Contudo, acrescentava que poderiam
publicar, “[...] tambem as noticias ou extractos de historia e geografia das obras publicadas
pelas outras sociedades e pessoas literatas, estrangeiras ou nacionais, precedendo a respeito
1
Bacharelando do Instituto de Geografia, Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade
Federal de Alagoas – Igdema/Ufal. Grupo Josué de Castro de Pesquisas Territoriais. E-mail:
renan.neto@igdema.ufal.br
2
Professor do Instituto de Geografia, Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de
Alagoas – Igdema/Ufal, onde coordena o Grupo Josué de Castro de Pesquisas Territoriais. E-mail: acarva-
lho@igdema.ufal.br
3
Em 1932 passou a ser denominado Instituto Histórico de Alagoas e a partir de 1971, Instituto Histórico e
Geográfico de Alagoas. Sua denominação atual. Fonte: IHGAL. Dados Históricos. Maceió, 2008
467 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
território alagoano, desde a sua fundação, ao advento da institucionalização do ensino su-
perior em Alagoas, nos meados do século XX, com destaque para os seus primeiros tempos
ao longo de todo o século XIX. Período esse que compreende a sua criação e consolidação
no seio da sociedade alagoana.
Propôs-se a [...] congregar a intelectualidade nascente para pensar o futuro de
Alagoas [...] resgatando tradições e fomentando pesquisas históricas, geográficas e
antropológicas, antecipando-se muitos anos aos objetivos das faculdades, universida-
des e centros universitários que só surgiram em meados do século seguinte na capital
alagoana, (TENÓRIO; DANTAS, 2007, p. 6).
Com efeito, estes objetivos foram alcançados e fazem parte de um trabalho que pode
ser considerado incansável. Pois, não raramente, o número de reuniões ordinárias chega-
va a vinte por ano, como é possível constatar nas suas “actas” publicadas nos primeiros
números da revista. Nessa perspectiva, é possível acompanhar paralelamente a formação
do acervo do IAGA, a produção de conhecimentos sobre a província que avançava e se
aperfeiçoava. Para Vilar (2018, p. 36), “trata-se de um lugar de destaque da produção de
469 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
conhecimentos geográficos, principalmente por meio de recolha e produção de documen-
tos, discursos e registros de produtos vários, sendo alguns sistematizados e divulgados em
revistas, jornais, livros”.
Muitas das pioneiras referências geográficas mais detalhadas sobre o atual estado de
Alagoas, vêm desse período. Dessa forma, o percurso trilhado pelo IAGA consiste também
na construção de uma geografia sobre o território alagoano. De acordo com Tenório e
Dantas (2007, p. 11),
Sem nenhuma interrupção em suas atividades desde 1868, sua existência é mo-
tivo de orgulho para o povo, que desde cedo a batizou de “Casa das Alagoas”. Além
de semear ideias, de discutir grandes questões e guardar com zelo leonino peças,
livros e documentos raros referentes a episódios marcantes desta pequenina unidade
da federação brasileira e da própria região [...].
Trata-se, pois, de uma instituição que a despeito das adversidades, não apenas resistiu
ao tempo, mas se constituiu em um importante espaço de produção de conhecimentos
Uma instituição que “desde a sua criação o lugar por excelência da Geografia, da rea-
470 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Esse primeiro número abre com um artigo de José Prospero Jeohovah da Silva Coroatá,
sobre a cidade colonial alagoana de Penedo, próxima a foz do Rio São Francisco, intitu-
lado “Chronica do Penedo”. A segunda parte da revista é composta por documentos que
correspondem a memória do IAGA, a exemplo da sua ata de fundação e das reuniões
ordinárias realizadas até aquele momento, mais alguns relatos das doações de peças, livros
e documentos de valor histórico que passarão a compor o seu acervo, afora pequenos
textos dos seus sócios. Esse formato se tornaria o padrão a ser adotado a para os números
subsequentes.
471 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Neste trecho o autor trata da fundação dos três núcleos iniciais de povoamento do
472 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
atual estado de Alagoas, as atuais cidades de Porto Calvo, Marechal Deodoro e Penedo
(figura 4). Em seguida, se volta de forma específica a tratar de Penedo, que segundo ele,
começou a ter esta denominação “nos fins do seculo dezesete; parece que este nome, na-
turalmente foi tomado do rochedo em ella assenta”. (COROATÁ, 1872, p. 4). Ao tempo
em que descreve o seu processo histórico, também trata da sua paisagem, quase sempre
associada ao Rio São Francisco.
473 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
sob a liderança de João Mauricio Nassau, que chega até Penedo e levanta monumentos que
mais adiante seriam determinantes na forma de organização da Vila. Elementos essenciais
à compreensão do processo de formação territorial de Alagoas.
Ao falar do Quilombo dos Palmares e a sua extinção, ele descreve a paisagem da Serra
da Barriga – onde o quilombo construiu a sua base – e também das áreas adjacentes.
Convém destacar o seu olhar avesso e taxativo em relação a este importante movimento de
resistência negra à escravidão colonial. Para Coroatá (1872, p. 5), “este quilombo, que já
em tempo dos hollandezes causava muitos damnos, augmentando com o correr dos annos
prodigiosamente o numero dos seus habitantes, chegou a constituir-se um inimigo terrível
nesta parte da capitania.”
Esta citação evidencia de forma clara o seu alinhamento com o pensamento das oligar-
quias locais e justifica a observação de Almeida (2004, p. 13), segundo a qual, “em Coroatá
[...] as gentes não existem: não são categorias trabalháveis na história. Por outro lado, tudo
surge a partir do senhorial e ele assume até mesmo a paisagem. [...] e daí prescindir-se de
elementos como escravos e índios.” Conclui este historiador, que a despeito desses agentes
Todos esses monumentos, religiosos e civis (figuras 5 e 6), contribuíram à forma como
o sítio urbano da cidade foi se expandindo ao longo do tempo, mostrando-se essenciais
à compreensão da Penedo de hoje. Ao mesmo tempo, explica, em parte, a afirmação de
Almeida (2004), que “o Penedo de Coroatá é urbano, não rural”, e de uma abordagem
senhorial.
Um outro autor de grande importância, contemporâneo do anterior, é João Francisco
Dias Cabral. Ou simplesmente Dias Cabral, como ficou mais conhecido. No dizer de
Almeida (2004, p. 12), “Dias Cabral está ligado aos grandes rasgos da história alagoana,
[...] lida com a finalização do poder, muito similar à geografia praticada com as monogra-
fias sobre o local”. Mais erudito e com maior conhecimento teórico, ele ‘rompe’ de alguma
forma, com o estilo de crônica que se estabelece no IAGA e por conseguinte, na sua revista.
475 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
(IHGAL – DADOS HISTÓRICOS, 2008, p. 64).
capitania e depois província das Alagoas. E como bem lembra Almeida (2004), nesse
processo foi providencial, ou determinante a presença de José Bento da Cunha Figueiredo
Júnior, Presidente da província na condução dessa empreitada, visto que ele próprio con-
vocara um grupo visando formar um “corpo de intelectuais destinados a pensar Alagoas”.
Trata-se de um período da nossa história em que as instituições com objetivos afins
estavam muito lentamente começando a surgir. Portanto, o IAGA vai assumir um prota-
gonismo que vai se estender até os meados do século XX, seja pelo trabalho realizado, seja
pelo ato de resistir as adversidades em alguns momentos. Nas palavras de um importante
historiador alagoano, uma instituição “preocupada com estudos sérios e de interesse cole-
tivo ligados à história e a geografia em geral, e especialmente da Província (CRAVEIRO
COSTA, 1931, p. 50)
Observamos que ao longo do tempo, parte considerável dos objetivos propostos quan-
do da criação do Instituto, foram alcançados. Ou mesmo, foram além em alguns aspectos.
Especialmente a partir da criação da revista, em 1872. Hoje inquestionavelmente, um
importante repositório de conhecimentos sobre o território alagoano, sobre o Nordeste
Referências Bibliográficas
477 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
do Instituto Archeologico e Geographico Alagoano, n. 2, Maceió, Typ. do Jornal das Alagoas, p. 1-8.
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Instituto Archeologico e Geographico Alagoano, n. 3, Maceió, Typ. do Jornal das Alagoas, p. 33-42.
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IHGAL. (2008). Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas: dados históricos. Maceió: Imprensa
Oficial Graciliano Ramos.
IHGAL. (1972). Revista do Instituto Archeologico e Geographico Alagoano, n. 1, Maceió, Typ. do
Jornal das Alagoas, 32 p.
IHGB. (1839). Revista do Instituto Histórico e Geographico do Brazil. Alagoano, n. 1, Rio de Janeiro,
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TENÓRIO, D. A., Dantas, C. L. (2007). A Casa das Alagoas: Instituto Histórico e Geográfico de
Alagoas. Maceió: Edufal.
VILAR, E. T. F. S. (2018). A conformação da geografia escolar na província das Alagoas oitocentista
(1844-1890). Maceió: Fapeal/Imprensa Oficial Graciliano Ramos.
Introdução
Para iniciar é necessário compreender o que é o Bioma Cerrado, como é a sua forma-
ção e suas transformações desde os princípios de ocupação. A discussão do Bioma Cerrado
hoje é latente, visto que está localizado em sua maior parte em áreas planálticas, o que con-
figura como um berço hídrico para o país e outros país que fazem fronteira com o Brasil.
A região do Cerrado Goiano ganha espaço nesta discussão, pois é neste que se passa
a análise aqui elaborada, desde a expansão ferroviária em 1910, a criação de Goiânia em
1934, a expansão rodoviária, a criação de Brasília (DF) em 1950, e os projetos de ocupação
479 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
e tecnificação do campo como o “PROCEDER”, o programa Nipônico “PROJICA” e a
criação da EMBRAPA, assim alavancando as áreas agricultáveis.
Um relevante fator a ser considerado neste estudo, são as perdas da cultura tradicional
do Cerrado pela elevada expansão da fronteira agrícola, a ocupação de áreas antes preser-
vadas, e a urbanização do campo, alterando a cultura dos residentes, e perda das tradições,
como exemplo, o uso das ervas medicinais, e a produção agroextrativista.
Em face a extinção massificada de espécies, tanto da fauna, e principalmente, flora
em decorrência das ações antrópicas, propicia a redução da biodiversidade, e a perda de
potencialidades naturais, o que estinga a urgência de desenvolver pesquisas que busque
inventariar ou quantificar o patrimônio natural nacional que é o Bioma Cerrado, assim
1
Artigo elaborado a partir do Trabalho de Conclusão de Curso em Geografia, ano 2021, adaptado em 2023,
no Programa pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Catalão - Goiás, Brasil.
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia/UFCAT. fonsecank@gmail.com
Universidade Federal de Catalão – UFCAT / Instituto de Geografia - IGEO
481 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
tes, além das modificais sazonais. Com isso, segundo Ribeiro e Walter, (2008) existem
“11 tipos de principais formações florestais (Mata Ciliar, Mata de Galeria, Mata Seca e
Cerradão), savânicas (Cerrado sentido restrito, Parque de Cerrado, Palmeiral e Vereda) e
campestres (Campo Sujo, Campo Limpo e Campo Rupestre) ”.
Memórias cerradeiras
483 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
ro, de expansão da fronteira das áreas efetivamente ocupadas com atividades agro-
pecuárias, vinculado a dois aspectos de ocupação da terra: um com base em grandes
empresas rurais, favorecidas pelos incentivos fiscais e outro, com base em colonização
oficial ou particular, ligado a pequenas propriedades. Quanto ao segundo processo, ou
seja, o de incorporação de nova tecnologia de produção na agricultura de áreas já efe-
tivamente ocupadas, tem como objetivo o aumento da produção e da produtividade e
a diversificação de cultivos. Esse segundo processo desempenha um papel importante
nas considerações acerca das mudanças agrárias dessa área [...] um fator que contribuiu
para a expansão do capitalismo na agricultura das áreas do cerrado foram suas caracte-
rísticas naturais. A topografia plana favoreceu a mecanização e os solos, considerados
improdutivos, tornaram-se produtivos com a aplicação de quantidades consideráveis
de corretivos e fertilizantes. (Ferreira, 2003, p. 147, apud Pessoa (1988, p. 48).
logias para a manutenção e manejo agrícola, aos poucos a agricultura comercial foram
ganhando mercado e expressão. Ouvidor, torna-se atrativas para áreas utilizadas para bovi-
nocultura extensiva e plantios de subsistência em planteis de solos mais férteis.
A partir dos estudos da áreas e uma compilação dos conteúdos, levando em conside-
ração o Mapa de Solos do município de Ouvidor, em colaboração com a obra de Reatto
et al. (2008), que levantou as classes de solo no Cerrado e sua vegetação natural, e com os
trabalhos de campo e seus respectivos relatórios fotográficos, afirma-se que as principais
485 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
fitofisionomias, em Ouvidor (GO), referem-se prioritariamente às Formações Florestais
Cerradão, Mata de Galeria e Mata Seca, e às Formações Típicas do Cerrado, Cerrado
Denso e Cerrado Típico, por estarem associadas principalmente ao Latossolo Vermelho,
predominante.
Além disso, o Cerradão e Mata Seca são associados ao Argissolo Vermelho Amarelo,
que se fazem presente na região estudada. Ainda, as Formações de Cerrado Típico,
Cerrado Ralo e Mata de Galeria, que são associadas aos Cambissolos também são presen-
tes. Segundo FREIRES (2019) “[...] o município não apresenta, atualmente a Mata Ciliar
(Formação Florestal), em detrimento da instalação de Reservatório de Hidrelétrica, altera-
ção provocada pelo fator antrópico, e Parque de Cerrado (Formação Típica de Cerrado). ”
Logo, é possível observar a redução de biodiversidade no município a partir da antropiza-
ção das áreas, suprimindo vegetações e suas heterogeneidade.
Numa análise histórica da formação do distrito de Catuaba e posteriormente a comar-
ca de Ouvidor, o recorte da construção do município (Ramos, 1988, p. 31), segundo esse
escritor regional, o povoado de Catuaba viviam na sua grande maioria na zona rural, assim
Com base nas ferramentas disponíveis no sistema Cerrado DPAT, no qual, possibilita
acesso as informações sobre o Bioma Cerrado, especialmente sobre as características do
desmatamento e as áreas naturais mais susceptíveis ao desmatamento. O Gráfico 1 abaixo
evidência os processos de antropização dentro no município, a partir de dados levantados
pelo sistema entre os anos de 2001 a 2020.
487 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Gráfico 1 – Áreas desmatadas em km² dentro do Município de Ouvidor (GO) nos anos de 2001 a 2020.
Fonte.: CERRADO DPAT, adaptado por.: FONSECA, N.K.G. da (2022).
Sabendo então da perca de área de vegetação nativa, a cada ano temos como conse-
quência a supressão de espécies com potencialidade medicinal. Essa modificação no am-
biente altamente antropizado gera inúmeras consequências para a região, como regimes
de chuva, alimentação para a fauna silvestre, assoreamento dos corpos hídricos da região.
Todo esse processo além de alterar a paisagem, também afeta o cotidiano dos moradores
local, já que inicialmente utilizavam os recursos do Bioma, e hoje tem decaído em desuso,
porém alguns poucos ainda perpetuam esses saberes, principalmente com o uso das plantas
para fins medicinais.
A oralidade desde o princípio da humanidade foi uma das formas mais comuns de en-
sinar e aprender. Em diversos povos, as vegetações sempre trouxeram um questionamento
de seu uso e seus benefícios, de forma empírica os conhecimentos foram passados de ge-
ração a geração, conhecimentos que hoje a indústria farmacêutica também utiliza em seus
princípios de produção. Contudo, ainda existe um movimento de resgate de uso natural
das conhecidas ervas de cura, plantas medicinais, ou fitoterápicos.
Segundo a autora Carvalho (2001), pode ser classificado a fitoterapia como “[...]medi-
cina popular está presente no nosso dia-a-dia, aos nossos hábitos e tradições, nos âmbitos
familiares, no meio de pessoas simples que não precisaram passar por uma universidade
para terem o conhecimento do poder medicinal das plantas. ” Essa sabedoria advinda da
oralidade vem perdendo seus escritores com os avanços da tecnologia, do desenvolvimento
de áreas agropecuárias, e a saída do homem do campo.
Contudo, a catalogação das plantas medicinais tem princípios na botânica, que tinha
como visão nomear e categorizar os vegetais e como consequência obtendo plantas com
princípios fitoterápicos. Segundo Lorenzi e Matos (2002) “Uma das primeiras obras que
hoje temos acesso é a obra “De Matéria Medica” – Do grego Dioscórides, que ilustrava
mais de 600 itens com os fins medicinais. ”
No que podemos explorar das plantas medicinais no Brasil, os povos originais já ha-
viam catalogado diversas espécies e seus fins, e após a invasão portuguesa esses conheci-
mentos foram absorvidos pela academia tradicional, abrindo um leque de pesquisas mais
489 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
aprofundadas das espécies catalogadas e seus devidos fins. Com isso, a fusão dos conhe-
cimentos dos povos europeus e a sabedoria dos nativos permitiram a melhoria na quan-
tidade e qualidade de informações. Além dos saberes dos povos originais do Brasil, os
conhecimentos advindos dos povos africanos escravizados também formam incorporados
dentro das pesquisas de botânica.
Até meados do século XX, o país que em sua maioria era rural, como já foi citado nos
capítulos anteriores e mantinha o uso e os saberes das plantas medicinais. Porém, com a
industrialização, a tecnificação do campo, e a urbanização das áreas rurais, esses saberes
foram caindo em desusos. Logo, o acesso de medicamentos sintéticos tornou os saberes da
botânica ultrapassados, e até considerados charlatanismo, misticismo, pois a tendência era
o moderno, o urbano, o industrializado.
Após esses principais estudos, considerados clássicos dentro do herbalismo, hoje o res-
gate aos saberes ancestrais é crescente, obras como Plantas Medicinais no Brasil (LORENZI
e MATOS, 2002) são bibliotecas de saberes, desde a classificação botânica cientifica até as
nomenclaturas e usos para obter o caráter medicinal.
Aroeira Antibiótico; cicatrizante; anti- inflamatório; Chá, sumo e tintura. Folhas e Caule.
(Schinus terebinthifolia) infecções gástricas; dores no corpo; inflama-
ções uterinas; catapora;
contra IST’s.
Camará Expetorante; contra gripe, bronquite; tosse Chá e xarope. Flor, Folhas,
(Lantana camara L.) e febre. planta inteira.
Canela de velho Anti-inflamatório; dores nas articulações; Chás e tinturas. Folhas e Caule.
(MiconiaAlbicans)
Carqueja Contra febre; problemas no estômago, fígado Chá. Planta inteira.
(Baccharistrimera) e intestino.
Embaúba Roxa Contra problemas de próstata; pressão alta; Chá e xarope. Folhas e
(Cecropia purpurascens) tosse; coqueluche. Inflorescência.
Pequi (Caryocar brasilense) Asma, bronquite, coqueluche, gripe, tônico; Óleo e chás. Óleo e folhas.
afrodisíaco; infecções fúngicas, regulador de
fluxo menstrual.
Essas são as plantas mais utilizadas pelas pessoas do município para tratamento fito-
terápicos, a lista de plantas medicinais a cada ano ganha novas páginas de pesquisa, assim
permitindo uma expansão nos conhecimentos de forma escrita, já que oralmente os co-
491 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
nhecimentos persistem.
Por fim, o observasse que Cerrado já não é tão exuberante e com diversidade no mu-
nicípio de Ouvidor, é necessário andar bastante dentro da mata para encontrar algumas
espécies, o que dificulta a manutenção das produções, já que quase todos os raizeiros do
município são idosos, e depende da ajuda para fazer as coletas no Cerrado.
Considerações finais
Resumo
Este presente artigo a visa corroborar com o resgate das memórias dos povos Cerradeiros e seus
saberes. As transformações das Paisagens do Cerrado, sobretudo com o início da tecnificação do
492 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
campo a partir de 1970, juntamente com os projetos de políticas públicas de expansão da fronteira
agrícola no país, condenou o Cerrado ao agronegócio, de forma predatório, no qual se preserva o
mínimo. Com o histórico de uso e ocupação das terras de forma extensivas que estão presente até
os dias de hoje, herança sesmarial, herança que ainda é inerente nos hábitos da população. Com
isso, este trabalho busca refletir sobre o uso antrópico no município de Ouvidor (GO); além de
pesquisar as memórias cerradeiras a partir dos usos de plantas nativas consideradas medicinais.
Assim, pode ser considerado as transformações da paisagem no município, exigindo planejamento
e adoção de práticas que possam mitigar as desordens de caráter ecossistêmico, assim visando a
busca da preservação da biodiversidade, dos recursos hídricos e qualidade de vida para população.
Palavras-chave: Uso e Ocupação do Solo; Plantas Medicinais; Cerrado.
Referências Bibliográficas
493 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Universidade Federal de Catalão. Catalão, 2022.
Introdução
495 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
impressos no chão e (ou) em murais, paredes, esculturas e monumentos diversos. Casas de
poetas, são patrimônios evocativos que celebram outras memórias, outras sensibilidades e
travam novos valores para a cidade. Se a literatura sempre foi um manancial para o ima-
ginário urbano e se o poeta, o escritor guardara nas páginas escritas, os sentidos das ruas,
dos nomes, dos lugares e se a própria cidade celebrada ou vivida está no livro, no poema,
a obra, portanto, contendo a cidade, consideramos a inflexão de uma outra manifestação;
quando a cidade é quem transforma em patrimônio autor e obra e agora é o poeta que está
na página da cidade, lida e relida e sempre em devir.
O objetivo deste trabalho é investigar a relação entre arte e patrimônio a partir das
sensibilidades dos monumentos escultóricos que lembram e celebram poetas, escritores e
1
Esta investigação conta com o apoio do CNPq e consiste em resultados parciais do projeto de internacio-
nalização intitulado: A cidade de todas as artes: a metrópole como local de cultura.
2
IESA – Instituto de Pesquisas Socioambientais/Universidade Federal de Goiás - vpcsilva@hotmail.com
3
Universidade Regional do Cariri-URCA - antoniomarcos.gomes@urca.br
4
Universidade Federal de Goiás- UFG - mtavares23@gmail.com
ele se levanta e vai cumprimentar de chapéu o poeta Chiado, que fica logo em frente, do
outro lado da rua. O Chiado com seu ar de sátiro quase a saltar, agradece a Fernando Pessoa
e recita um poema de sua lavra. No instante seguinte tudo volta ao normal neste espaço que
se abre como janelas no sonho. A escultura do poeta evoca os seus sentidos, a sua obra, a
sua vida. Quem o leu profundamente, relembra e comemora com ele a lembrança de tantos
versos tão vivos e existenciais que depositam o seu vivido em nosso ser. Para aqueles que
apenas conhecem o poeta de longe, ainda assim, é uma alegria estar, se aproximar, fotografar
sua célebre figura, deixa-se fotografar com ele (monumento escultórico) pois trata-se para o
visitante em geral, viajante ou turista e mesmo para o habitante do lugar uma presença na
ausência. Assim, a escultura do poeta é evocação profunda que refaz em sentido os signos
do espaço. Cada memória no espaço tem um sentido, que amplia a citação de Baudelaire
no texto do salão de 1859, sobre o “divino papel da escultura”, onde aqueles que passam não
ficam imunes ao fantasma de pedra. Os lugares que celebram poetas, escritores, artistas,
porém, evocam não apenas uma lembrança, não, tão somente, um fantasma de pedra, ou
apenas um sentimento plástico, mas singularmente uma dinâmica imaginária. Conforme
497 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Figura 1 – Fenando Pessoa, escultura. Baixa do Chiado, Lisboa
Fonte: Acervo Particular de Valéria Cristina P. da Silva, Foto produzida por Valéria Cristina P. da Silva, 2019, Lisboa-PT.
De acordo com os seus biógrafos e estudiosos, Fernando Pessoa não teria tido nada
em sua vida nada surpreendente, exceto os seus poemas5 Mas mesmo uma vida modesta, é
como toda vida, sempre e visceralmente emocional. Todo vivido é feito de espaço, tempo
e sensibilidades e o ser em Fernando Pessoa gerou outros seres, heterônimos inteiros e co-
nectados. Pessoa era um e era vários, portanto rizomático6 em sim mesmo.
De acordo com Lopes (2004) para sobreviver Pessoa fazia traduções comerciais na
Baixa Lisboeta, esse mesmo lugar em que brilha o seu monumento, essa mesma cidade que
lhe foi mãe, paisagem e pátria de sua solidão criadora:
5
Paz, Octávio. (2012, p. 201-220).
6
Deleuze G. e Guattari (1995, vol 1) Introdução ao rizoma.
outros encarna Lisboa em sua sensibilidade, o vivido, a imagem e o afeto. Podemos aferir
quem em cada poema há um tanto da existência Pessoa-Lisboa. O seu eu é o seu espaço, o
seus vários espaços partilhados como um horizonte nos seus múltiplos.
Lisboa é também o encontro com Pessoa em suas várias criações, de maneira literal e
metafórica, de maneira imagética. Sua figura poética na Baixa do Chiado é evocadora do
seu ser, de sua poesia e prosa, de sua poética inteira. Sua poética inteira ecoa em Lisboa e
se nodifica no eterno encontro com o monumento. Vamos das ruas às páginas, vamos do
caminhar ao sentar -se, a beira do caminho, em sua cadeira, em sua mesa de lembrança e
existência. Estar em Lisboa, na Baixa do Chiado, é estar com Pessoa através também de
sua escultura fotográfica, efígie que simboliza o vivido, o sentido, o sensibilizado. Lugar
de afeto, de memória e de imagem que dá a cidade não apenas a inscrição de seu célebre
habitante, mas que pulsa no coração da poesia, no corpo das páginas, na alma do livro.
Pessoa e outros poetas faz de Lisboa uma cidade imaginária por excelência, suas pedras são
revestidas de beleza e sentimento. Segundo Lopes (2004, p.10) para Pessoa “todo estado
de alma é uma paisagem”. Se todo estado de alma é uma paisagem, a paisagem da Baixa
499 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Nada mais justo e luminoso este monumento para um poeta que fez da “sua pá-
tria sua língua”, mesmo tendo profundos conhecimentos em língua inglesa e outros idio-
mas Pessoa fez da língua portuguesa o espaço sagrado de sua poesia. E nesta língua tão
VII
Da minha aldeia, vejo o quanto se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho da minha altura...
podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver. [....]
XI
Aquela senhora tem um piano
Que é agradável mas não é o correr dos rios
Nem o murmúrio que as árvores fazem...
Benjamin (1995, p.274) enfatiza que o bom escritor não diz mais do que pensa, Assim,
o pensamento é o dizer do poeta, no teatro da palavra, das inúmeras cenas. O dizer, no
sentido do verso, na literatura é a realização e expressão do pensamento, do poeta que, de
algum modo encarna na combinação das sílabas, orações e frases as diversas personagens. É
como se o poeta apostasse nos versos o espaço vivido, porque em muitos livros, esse vivido
faz a experiência do escritor presente no corpo da prosa e do verso e, de tão arrebatador,
este vivido acomete o leitor que, pelo exercício da imaginação põe-se de modo singular
nas cenas. Aos maus escritores o inverso também é verdadeiro, isto é, quando os versos
não têm tanta harmonia, contexto etc., o leitor o estranha. Assim, os livros traduzem uma
501 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
imagem com sintonia poética.
A escultura, nasce da paixão reprimida de uma jovem, onde, saudosa desenha na pare-
de, o contorno do amado. Assim, a escultura parte da questão humana.
A escultura como objeto de estudo só vai merecer a atenção crítica cerca de
um século depois, com o trabalho de Plínio, o velho [...], ao ensinar que a primeira
escultura surgiu quando uma jovem apaixonada desenhou na parede o contorno da
sombra do seu amado, que a abandonara. Seu pai, um ceramista, para aliviar o sofri-
mento da filha, fez uma escultura a partir dos traços desenhados. (Faria, 2018, s/p)
Na origem da escultura, dessa forma, está plasmado os laços afetivos que se erigem
à lembrança. A fábula de Plínio articula este imaginário. A escultura, então, que traz a
imagem do poeta que foi, em projeção no espaço, em relação temporal através da du-
ração do monumento e em constante visibilidade faz com que, de algum modo, poeta
torna-se nossa companhia na cidade. Dubois (2012) sobre essa temática afirma que a
pura presença referencial desloca o “isso esteve ali” para “o isso está ali” convocando o
Assim, o objeto da estátua pode angariar sentidos diversos, como apontam os estudos
de Chevalier e Gheerbrant (2020). As estátuas traduzem a espacialidade da cidade, os
503 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
modos de vida, são, por assim dizer: ‘espaços da memória’. Lunga e Rachel em formas de
estátuas.
Lunga, seu Lunga, um homem que levou a fama de ignorante, grosso, ganhou desta-
que na imprensa em diversas reportagens como o homem mais ignorante do mundo7. Essa
personagem compõe diversos folhetos de cordel com causos e mais causos. Lunga é o ape-
lido de Joaquim dos Santos Rodrigues. Este homem, nascido no munícipio de Caririaçu,
Sul do Estado do Ceará, viveu em Juazeiro do Norte onde atuou como comerciante de
cereais e sucata. Lunga que tem até uma escultura dedicada a ele na praça, também está
nos versos do cordel.
7
https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2019/09/13/homem-mais-ignorante-do-mundo-seu-lunga-ganh
acessado em 08 de setembro de 2022.
Esta personagem folclórica de Juazeiro recebeu vários cordéis escritos por Lacerda que
narra sua irreverência e os casos que se desenrolam no lugar, Juazeiro é celebrada no Cordel
através de Sr. Lunga, seus trajetos e sua fala e seus desditos. Assinado por Jackson, Jadson
e Fabiano 2020 (Figura 4), com o título “Seu Lunga”, o grafite estampado num muro
de uma casa antiga, mostra a quem visita o Memorial Padre Cícero e aos romeiros que
assistem à missa do Padre Cícero aos 20 dias de cada mês, o rosto do personagem que não
tolerava perguntas redundantes, tampouco sem um mínimo de inteligência.
504 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Ao ler esse poema que envolve aspectos do vivido nos aproximamos da afirmação ba-
chelardiana sobre a ‘consciência criante do poeta’, porque, a análise decorre de um proces-
so de ‘retorno sistemático a nós mesmos’, isto é: “Obrigando-nos a um retorno sistemático
a nós mesmos, a um esforço de clareza na tomada de consciência a propósito de uma ima-
gem dada por um poeta, o método fenomenológico leva-nos a tentar a comunicação com
a consciência criante do poeta.” (Bachelard, 2018, p.01). Esse encontro com seu Lunga
deu-se dá nova relação com a cidade. A praça é imensa, compõe o largo do Socorro, uma
igrejinha pequena homônima ao largo onde celebra-se missa em alusão ao dia de faleci-
mento do Padre Cícero. Na praça contém outro monumento a Seu Lunga, uma estátua
(Figura 5)8. Em grandes extensões, sem árvores ao centro, exceto às bordas. Do memorial
avista-se a capela. O grafite alusivo a Lunga fica entre a Igreja e o Memorial, com as cores
quebra a frieza e monotonia de uma cor acre, meio de alumínio.
É como se essas duas imagens de Lunga em extremidades seja um lugar que se expressa,
505 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
pelos versos de cordel, põe a cidade neste ponto entre fé, arte e memória, por meio de
personagens como Seu Lunga. Quem circula por essa área da cidade testemunha pelos
prédios e monumentos, estátuas, grafites, a arte. Flertar com a obra de arte literária é andar
pela cidade e enamorar-se em conexão aos versos do cordel com esculturas a céu aberto,
em homenagem a Lunga. A cidade é levada ao mundo pelas características dessa perso-
nagem. Assim, a fantasia sobre a cidade é composição espacial e nesta composição estão
centralizados personagens imaginários.
O título dessa seção foi inspirado na música escrita e cantada pelo grande maranhense
João do Vale (Pedreiras, 11 de outubro de 1934 — São Luís, 6 de dezembro de 1996), que
8
Essa estátua foi danificada como aponta a reportagem: https://g1.globo.com/ce/ceara/cariri/noti-
cia/2022/09/08/estatua-do-seu-lunga-e-danificada-em-juazeiro-do-norte-no-ceara-vandalismo-e-investiga-
do.ghtml acessado em 14 de outubro de 2022.
uma questão fundamental: é nesta idade que os vínculos podem ser gerados de maneira
mais natural e profícua. O geógrafo sino-americano Yi-Fu Tuan (2013) sugere que:
O horizonte geográfico de uma criança expande à medida que ela cresce, mas
não necessariamente passo a passo em direção à escala maior. Seu interesse e conhe-
cimento se fixam primeiro na pequena comunidade local, depois na cidade, saltando
o bairro; e da cidade seu interesse pode pular para a nação e para lugares estrangeiros,
saltando a região. Na idade de cinco ou seis anos, a criança pode demonstrar curio-
sidade sobre a geografia de lugares remotos. Como pode apreciar locais exóticos se
não tem experiência direta? (TUAN, 2013, p. 45, grifos nossos).
Portanto, trazer de volta ou mesmo plantar as raízes dos valores ambientais, culturais
e sociais, fortificar os vínculos com a sua cidade, exaltar e solidificar o patrimônio cultural
e arquitetônico é de uma importância que não pode ser quantificada, mas que é necessária
no mundo contemporâneo, vejamos a Praça do Pantheon. (Figura 1).
Hoje, onde está localizada a praça, era um imenso prédio colonial do século XVIII no
qual ficava o quartel do exército em São Luís. Com a sua demolição foi proposta e poste-
507 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
riormente criada essa praça, portanto, se comparada com outras praças do centro de São
Luís ela é relativamente nova. A ideia é homenagear com bustos personalidades da cultura
maranhense que contribuíram de maneira singular para o crescimento, valorização e pro-
dução com relevância nacional para a cultura das artes no estado.
José Chagas, poeta paraibano de nascimento, mas ludovicense de coração, corpo e le-
tras, que tem seu busto não na Praça do Pantheon, mas que tem também um na Academia
Maranhense de Letras e mais outro na Praça dos Poetas, escreveu um soneto em que, mais
uma vez, mostra toda sua genialidade em palavras dispersas para compor uma imagem
poética única, crítica, atenta para as sensibilidades sociais, como de fato, é toda sua poesia:
Outro escritor maranhense, dessa vez o romancista Josué Montello, também nos
oferece um relato, escrito em seu diário, sobre um monumento de um escritor muito
importante para a cultura de língua portuguesa: o poeta Gonçalves Dias. (Figura 2). O
Maranhão é conhecido e exaltado pelos versos do imortal poeta Gonçalves Dias, que numa
espécie de saudades da terra amada, compôs em sua poesia alguns versos que relembram
a cidade querida que ficara para trás, usando a imagem de outro pássaro, o sabiá: Minha
terra tem palmeiras, /Onde canta o sabiá;/As aves que aqui gorjeiam, /Não gorjeiam como
lá. Vejamos o relato escrito em seu diário, em 15 de outubro de 1991:
Desde ontem, em São Luís, a convite da Universidade Federal do Maranhão. E
como o hotel que nos hospedamos fica no novo bairro da cidade, defronte da cidade
velha, é daqui, agora, que a admiro, na foz do rio Anil, podendo ver, de um lado, o
Baluarte, com as palmeiras do Palácio do Governo, e do outro, o poeta Gonçalves
Dias, encarapitado no topo de um estipe de mármore, de costas para a fachada bran-
ca da ermita dos Remédio, voltado para o mar, na manhã de muita luz. Acenei daqui
para o meu poeta (Montello, 1998, p. 218).
508 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Na sua obra prima romanesca, Os Tambores de São Luís, Josué Montello também faz
referência a estátua de Gonçalves Dias.
A massa compacta do quartel do 5º Batalhão de Infantaria ficou para trás, com
sua sentinela perfilada no portão central, entre as luzes de dois lampiões. Na avenida
Silva Maia, que Damião atravessa no seu passo lento, ainda com o cigarro apagado
no canto da boca, corre uma aragem macia, que vem do escampado verde do Campo
do Ourique. Em frente, em linha reta, alonga-se a rua dos Remédios, pontilhada de
lampiões. Lá ao fim, depois de um aclive suave, abre-se o largo dos Amores, com a
estátua de Gonçalves Dias voltada para o mar (Montello, 2005, p. 234).
A cidade de São Luís em que vive e se perpetua sua cultura através do patrimônio his-
tórico e cultural, e que, portanto, apenas nestes dois exemplos de monumentos, puderam
509 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
gerar para além do concreto, criaram a partir de bustos e estátuas, poesia e prosa, entrela-
çando o real ao imaginário.
Considerações Finais
Este trabalho busca através das relações entre espaço e arte compreender de forma
transdisciplinar e transcultural a pulsação criadora e os impactos das atividades artísticas
na metrópole e em espaços com funções metropolitanas e em processo de metropoliza-
ção. Tendo como lócus da observação e as cidades Lisboa, Juazeiro do Norte, Quixdá-CE
e São Luiz-MA, como referência do papel das artes na conceituação do próprio espaço e
fixação do seu reflexo na cultura, no imaginário e na sensibilidade. Tais cidades, no que
corresponde a relação e a influência das artes no lugar, o impacto das artes na paisagem e
como a cidade também se torna um lugar imaginário, um espaço de criação. Da literatura
à escultura, a xilogravura, os painéis de azulejo e as mais variadas performances poéticas
que revelam o espaço, a perspectiva é não fixar a análise em apenas uma arte, mas no feixe
Referências Bibliográficas
511 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Lévy Frères.
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Helena Santana1
Rosário Santana2
Introdução
A região da raia portuguesa, pela sua localização geográfica e espacial, surge bastante
rica no que às componentes geográficas e geomorfológicas diz respeito, mas também a
nível cultural, social e artístico. Sabendo que “o carácter único de cada lugar é o reflexo
da disponibilidade de recursos materiais e imateriais e da integração em sistemas e redes,
aos níveis global, regional e local, como, entre outros, os ciclos naturais e os sistemas
sociais, os recursos naturais e humanos, o capital físico e social e, necessariamente, os
513 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
modos de vida que caracterizam cada unidade de paisagem. [E que,] As paisagens são
fundamentais para o reconhecimento dessas identidades, através das suas características,
tanto naturais como culturais, que se constituem como os ingredientes essenciais que
emergem nas formas de registos baseados na observação e nos procedimentos analíticos”
(Roca & Oliveira as cited in Castro, Cunha & Santos, 2008, p. 144), pretendemos
perceber de uma sua influência, a nível vivencial, cultural e artístico na região da raia.
Fruto das condições ambientais e materiais geradas ao longo das diferentes eras e perío-
dos geológicos, esta região surge particular no que aos elementos geomorfológicos diz
respeito. De acordo com Cunha (cited in Castro, Cunha & Santos, 2008, p. 140), e no
que à Raia Central Portuguesa diz respeito, inferimos que esta “constitui um território
complexo em nível social, económico e demográfico, mas com um carácter da paisagem
bem vincado, na qual se evidenciam os elementos naturais que a constituem. De facto,
[segundo os autores,] destaca-se nesse território a riqueza e a variedade da paisagem,
1
DeCA, Universidade de Aveiro - hsantana@ua.pt
2
ESECD/Instituto Politécnico Guarda - rosariosantana@ipg.pt
3
E que se pode, no nosso entender, estender a toda a raia portuguesa salvaguardando as suas especificidades.
4
De facto, ao questionar diferentes práticas musicais ao longo desta região, deduzimos um intercâmbio e
influenciação recíprocos, que se traduz em modos semelhantes de atuação a nível matricial, vivencial e cul-
tural. A fronteira assoma como limite administrativo que em nada espelha a realidade vivida nesses espaços
territoriais quer a nível cultural e artístico, quer a nível geomorfológico, zoomórfico, geográfico e ambiental.
Surgem, dum e doutro lado da fronteira, modos de viver as artes e as tradições, de fazer a arte e a música
utilizando os recursos do território, cujos detalhes merecem, por isso, a nossa atenção. De referir neste
contexto o caso do tamborileiro e da gaita-de-foles, ou do uso da máscara, associados a práticas culturais de
relevo na região e anteriormente alvo do nosso interesse e investigação (Santana & Santana, 2019; Santana
& Santana, 2021).
5
O litofone é um idiofone lítico. Na classificação de instrumentos musicais de Hornbostel-Sachs, estabeleci-
da em 1914 por Erich von Hornbostel e Curt Sachs , o litofone é um idiofone de percussão direta composto
por placas de percussão agrupadas.
6
Idiofone é um termo aplicado a todos os instrumentos musicais capazes de produzirem som a partir da sua
própria substância.
515 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
As rochas são usadas como instrumento musical de percussão desde tempos remotos.
Em Inglaterra, encontramos a referência a instrumentos musicais feitos a partir destes ma-
teriais, já no século XVIII (Bastos, 2010)9. O uso da pedra como instrumento, ou enquan-
to elemento base constituinte de um instrumento musical, surge numa primeira fase um
pouco por toda a Europa, inserindo-se no contexto da prática da música essencialmente
popular e tradicional. Os elementos sonoros produzidos neste contexto, e inseridos na
7
O uso particular das conchas como instrumento musical de percussão por terras do interior do território
português e espanhol levou-nos a questionar o modo como elas por lá se encontram, dado ser uma região
longínqua do mar, pesquisando ainda sobre de que modo são englobadas na prática musical, bem como nos
rituais, nos ritos e tradições. Averiguando sobre o assunto, percebemos que por esta região passa um dos ca-
minhos mais importantes e antigos das Rotas de Santiago, o Vía de la Plata (Caminho da Prata), sendo que
a Concha constitui um dos elementos fundamentais da simbologia associada à conclusão de um qualquer
destes caminhos.
8
A sua origem é marinha.
9
Existem referências a instrumentos musicais feitos com placas de pedra (hornfels) já neste período (Bastos,
2010).
nomeadamente quando realizada ao nível da música tradicional. Todas estas questões nos
conduzem a elementos que nos permitirão perceber sobre a valorização de um recurso e
de um património material. Se não o identificarmos e valorizarmos, o conhecimento que
possuímos sobre ele pode perder-se. Assim, denotando a sua importância na região da raia,
é nossa intenção valorizá-lo de modo a que um registo da sua presença se faça.
Em outro, e atendendo a que o homem sempre se utiliza dos recursos materiais da
região que habita, valorizando-os e inserindo-os em contextos distintos dos originais, por-
que não perceber a origem da solução matricial e musical que agora identificamos. Desde
tempos adâmicos que o homem se socorre do som, nomeadamente do som proveniente
do uso de elementos geológicos, e da sua colocação em vibração, assim como de diferentes
materiais e corpos, para produzir som, identificar e compor uma simbologia e linguagem,
de modo a comunicar com os pares. Desde cedo se apercebeu que o som surge, e é audível,
10
Salvaguardamos aqui o facto de o intérprete ser, ou não, destro. No caso de um intérprete canhoto, as
pedras e os seixos são colocados na mão direita e acionados com a esquerda.
No século XX, o uso que se fez da pedra ao nível da construção de instrumentos musicais
torna-se técnica e musicalmente muito mais elaborada, pois os instrumentos musicais ora
propostos mostram-se mecânica e musicalmente mais avançados. Este facto surge do desen-
volvimento da inteligência humana, mas também das necessidades criativas e musicais dos
compositores e criadores contemporâneos, bem como da tecnologia e da técnica que à sua
manufatura e uso se encontram associadas. Contudo, analisando o seu modo de atuação ve-
rificamos que, na sua essência matricial, possuem um modo de atuação em tudo semelhante
aos seus congéneres ditos mais primitivos. Mais recentemente, tornou-se um instrumento
musical com capacidades sonoras e musicais que se integra facilmente na prática musical
associada à música tradicional, mas também em contexto erudito, sendo utilizado tanto no
registo de instrumento solístico, como igualmente camerístico ou a nível orquestral12.
517 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Litofone
O termo litofone provém do grego λιϑος (pedra) e φωνή (som). Os litofones, tam-
bém designados de pedras sonoras, serão assim instrumentos musicais cujos corpos sonoros
11
Necessitando comunicar, o ser humano diligencia produzir som a partir de corpos vibrantes. Através do
uso de elementos geológicos adequados à função, comunica entre o grupo e as comunidades mais distan-
tes, desde a Idade da Pedra. Neste contexto o homem usou não só as pedras, mas também outro tipo de
materiais, nomeadamente peles e ossos, produzindo para além de sons de altura indefinida, sons de altura
definida como são exemplo os provenientes das flautas de osso.
12
Recentemente, foram feitas marimbas de pedra, cujas lajes, afinadas, são dispostas de maneira a serem toca-
das como se de uma marimba se tratasse. Existem numerosos exemplos de obras musicais que usam o som
do litofone, sendo que Carl Orff (1895-1982), o usa pela primeira vez, como parte integrante do sonoro
das suas obras Antigonae (1949), Astutuli (1953) e Édipo (1959). Milko Kelemen (1924-2018) também o
emprega na sua obra Ekvilibri (1961), uma obra para duas orquestras. Integrando o conjunto das percus-
sões, o litofone é um instrumento de percussão tocado por percussionistas, sendo semelhante em forma e
manuseio aos instrumentos de percussão onde são usadas baquetas como meio de ativação vibracional tais
que o xilofone, a marimba e o vibrafone, ou ainda os crótalos. Podemos ainda afirmar que o uso do litofone
é extensível a inúmeras culturas e formas musicais, sendo que na Europa, o uso da pedra ao nível do fabrico
e uso dos instrumentos musicais só foi encontrado numa época mais recente da história da música.
madeira e osso, a sua manufatura deu origem aos litofones mas igualmente aos xilofones,
tambores de tronco, e ainda, a diversas flautas, permitindo a emissão de uma altura sonora
precisa e bem definida (Sturrock, 1976). Neste período percebemos já a distinção entre o
canto e a fala, e entre a dança e a música, nomeadamente a música instrumental, no que
concerne a expressão gestual sonorizada14. Em contraste com o metalofone e o xilofone, nos
quais as lâminas de metal ou madeira usadas para produzir o som têm uma forma regular
e estandardizada, os litofones não têm uma forma regular e definida. A circunstância
advém do facto de que a sua manufatura compreende o uso de pedras escolhidas pelas suas
13
Estes instrumentos musicais, encontram-se referenciados no sistema Hornbostel-Sachs de classificação de
instrumentos musicais como referido. Outros minerais podem ser encontrados nos elementos que com-
põem estes instrumentos, nomeadamente aqueles que têm na sua composição o jade, o granito ou a serpen-
tina. A sua composição e natureza sonora será diferente de acordo com a dimensão e forma das lâminas neles
identificadas (Sturrock, 1976).
14
Assim como o litofone, que produz sons com frequência identificável (notas) a partir do contato com as
rochas, existem instrumentos que funcionam da mesma forma, nomeadamente o xilofone, a marimba, o
glockenspiel, o gamelão e o vibrafone.
Idiofone é um termo que provém do grego antigo ἴδιος (ídios) e φωνεῖν (phōneĭn).
O termo significa corpo vibrante e descreve um instrumento musical que vibra como um
todo e se torna, neste contexto, um meio de produção de som e um instrumento musi-
cal. Os idiofones estão conotados com os instrumentos de percussão. No entanto, são
também usados como instrumentos melódicos ou harmónicos, quando é possível obter
sons de altura definida como é o caso dos idiofones em madeira (xilofone), metal (me-
talofone), pedra (litofone) ou vidro (harpa de vidro). A distinção que se efetuou entre os
instrumentos de percussão no que concerne o material que origina o som, nomeadamente
os idiofones e os membranofones, vem do facto de nos primeiros o som ressaltar da vi-
bração do próprio corpo e, nos segundos, o som provir da vibração de uma membrana
que se encontra presa e retesada de modo a produzir som mediante a percussão da pele16.
A família dos idiofones contempla uma panóplia muita vasta de instrumentos em que o
som que produzem, as suas características e natureza, dependem, não só do material de
que são feitos, como da forma como são interpretados. Existem diferentes formas de ativar
estes instrumentos, por agitação, impacto ou por fricção. Os idiofones ativados por agita-
ção do seu corpo são bastante numerosos e comuns. No seu conjunto encontramos, por
519 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
exemplo, aqueles que designados de chocalhos17. No caso de um idiofone de impacto, o
instrumento é atingido com a mão ou com um objeto de modo a que entre em vibração
produzindo o seu som (Sturrock, 1976). Neste conjunto, encontram-se a maior parte dos
instrumentos de percussão conhecidos pelo público de um modo geral, nomeadamente o
triângulo, o gongo, o sino, o prato, o vibrafone, o metalofone, a panela de aço, o tambor
15
Se nos socorrermos da capacidade de identificação e classificação dos instrumentos musicais por parte da
civilização chinesa, podemos admitir oito grandes categorias de instrumentos musicais, conforme o material
usado na sua fabricação: metal (sinos e jogos de sinos; gongos e jogos de gongos; metalofones de lâmina;
berimbaus), pedra (the-k’ing, lâmina de jade suspensa; pyen-k’ing, jogo de 16 lâminas de jade suspensas, ou
litofone, usado em templos; flauta de jade) (Sturrock, 1976).
16
Encontramos pela primeira vez esta classificação na antiga teoria musical indiana. Esta distinção não foi
considerada na música ocidental, pelo que, na Idade Média, e na Europa, esta classificação não era usada.
Podemos encontrar na classificação dos instrumentos musicais de Victor Charles Mahillon, de 1880, a refe-
rência aos instrumentos auto-ressoadores, esta classificação remetendo pela primeira vez, após longo período,
para o modelo indiano atrás referenciado. Em 1914, este grupo de instrumentos, agora denominados de idio-
fones, foi classificado numa das quatro principais categorias do sistema Hornbostel-Sachs (Sturrock, 1976).
17
Neste caso, o tocador sacode o instrumento, um instrumento que ao possuir várias partes móveis que batem
umas nas outras, produz um som que resulta desse processo de agitação e entrechoque das partes.
Da sua aplicação
521 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
& Quintas, 2020). A natureza particular dos sons produzidos, bem como o contexto e
as características desta prática, levaram-nos a ponderar sobre o seu estudo. Em outro, a
sua relação com a família dos idiofones, e a sua presença nos dois lados da fronteira, na
região da raia, na prática de um acompanhamento rítmico realizado em numerosas peças
da música tradicional, incita-nos igualmente a vontade de as investigar, bem como a nossa
astúcia e curiosidade. De modo a responder a todas estas questões, e de forma a perceber
o seu enquadramento social, cultural, geográfico e territorial, aprofundaremos agora os
elementos de uma prática musical em contexto, seja na vila de Arronches em Portugal,
seja na comarca de Aliste, do outro lado da fronteira, na região de Zamora, província de
Castela e Leão, na vizinha Espanha.
As Pedras de Arronches
e musicais. Esta prática é comum, sendo recorrente em diversos grupos folclóricos desta
vila, pois o som produzido deve acompanhar as características da prática musical a efetuar
e assim melhor corresponder às espectativas sonoras, musicais e interpretativas da obra e
do grupo musical. “Nos dias de hoje as pedras são recolhidas nas margens do rio Caia, mais
propriamente na ribeira de Arronches. Os tocadores de pedrinhas escolhem as de maior
dureza, lisas e finas, e em forma de seixo. [...], os tocadores procuram uma sonoridade
semelhante à de uma bigorna de ferro. Para se obter este tipo de sonoridade, a dureza da
pedra terá que ser efetivamente bastante elevada” (Lopes & Quintas, 2020, p. 90).
O rio Caia, cuja nascente se situa na Serra de S. Mamede em região fronteiriça com a
vizinha Espanha, permite, pelos elementos geológicos que possui, a formação de seixos do
rio com as características que consentem o seu uso como instrumentos musicais, na cate-
goria de idiofones de percussão, satisfazendo as necessidades dos agrupamentos musicais
da região, bem como das peças interpretadas. De acordo com Lopes e Quintas (2020, p.
89) “a prática de tocar pedras nesta região terá começado com Joaquim Miranda (...) [que]
era pastor nas margens do Rio Xévora na localidade de Ouguela, concelho de Campo
523 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
viduais na pedrinha superior produzem sons percussivos”18. Esta forma de tocar permitiu
produzir sonoridades que se aproximam daquelas que habitualmente são efetuadas pelo
naipe de percussão usado na música de raiz popular, constituindo um recurso sonoro de
relevo na região. Relevamos de acordo com o expresso por Lopes e Quintas (2020, p. 92-
93), uma música em específico: a Moda de Saias que, de acordo com alguns historiadores
pode ter uma origem bastante antiga. “A origem do estilo Moda de Saias poder-se-á situar
no século XVI como forma de dança palaciana, tendo no século XIX transformando-se em
dança folclórica. Nos dias de hoje, a Moda de Saias é referida sob várias perspetivas: como
um tipo de canção regional portuguesa; uma dança tradicional; uma forma de canto; ou
até uma mistura das anteriores expressões. Para Giacometti e Lopes Graça, a Moda de
18
“No Rancho Folclórico de Arronches, refere-se Carlos do Carmo Maurício como a segunda pessoa a apren-
der a tocar pedrinhas. Tendo acrescentado uma terceira pedra que lhe facilitava o manuseamento e toque,
Carlos Maurício reajustou também a técnica para melhor manusear este novo conjunto de 3 pedras. A partir
desse momento a utilização das 3 pedras foi adotada por todos os tocadores de pedrinhas de Arronches”
(Lopes & Quintas, 2020, p. 91).
19
No seu itinerário, a Vía de la Plata, ou Via de Prata, um dos mais antigos percursos dos Caminhos de Santiago,
é um percurso que passa por Mérida, Alcuéscar, Valdesalor, Cáceres seguindo depois em direção a Salamanca
e Zamora. O Caminho do Interior Português, é um percurso que passa por Monforte, Portalegre, Alpalhão
e Nisa, e poderá, no nosso entender, justificar a presença das Conchas de Vieira nesta região do interior da
Península Ibérica de um e outro lado da fronteira. As conchas são obtidas no final do percurso, quando o
peregrino finalmente atinge o objetivo, a chegada à Catedral de Santiago de Compostela, e realiza o mergulho
nas águas do Oceano Atlântico, como sinal de purificação e renovação, tanto física, como espiritual.
20
A concha de vieira mostra-se, e por excelência, um dos símbolos do Caminho de Santiago. Aliada ao bastão, à
cabaça, ao chapéu, à escarcela, ao turíbulo, à seta amarela, à cruz de Santiago e à vieira estilizada, é um dos sím-
bolos que indicam a realização e finalização do caminho. De notar ainda os elementos do abraço ao apóstolo,
ao Santo dos Croques e à Porta Santa, passos essenciais concretizados já na cidade e na basílica de Santiago.
Os Caminhos de Santiago são vários tendo como objetivo primeiro permitir a concre-
tização de uma viagem, acima de tudo, espiritual, uma peregrinação que se mostra também
de natureza cultural, económica e turística. A jornada, realizada ao longo dos territórios por
onde se inserem, permite um espaço de reflexão e uma exposição das nossas possibilidades
e fraquezas de modo a permitir um desabrochar e um evoluir. Com início em diferentes
pontos do continente europeu, os trajetos delineados, serão efetuados em função da sua
origem e términus, mas também da experiência que queremos usufruir (Gomes, 2017). A
origem do Caminho de Santiago remonta ao século IX, embora se encontrem relatos da
sua existência já na época pré-cristã. A partir do ano de 812, o Caminho a Santiago toma o
rumo do culto ao Apóstolo Santiago ou São Tiago Maior. Alguns autores fazem referência à
existência de uma peregrinação pagã anterior que terminava no cabo Fisterra, durante largo
período considerado o ponto conhecido que se encontrava mais a ocidente do mundo. No
entanto, existem menções a que o Caminho de Santiago já era realizado pelos povos pré-
-cristãos, nomeadamente os Celtas. De acordo com alguns achados arqueológicos, crê-se
que a cidade de Santiago de Compostela era já uma necrópole pré-cristã, com dólmens
525 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
e outros elementos funerários, cuja idade remonta a tempos anteriores ao nascimento de
Cristo. No ano de 812 encontram-se os supostos restos mortais do Apóstolo Santiago,
motivo pelo qual muitos indicam este ano para o início das peregrinações e o delinear do
Caminho de Santiago. Neste sentido, e no final do século IX, as culturas cristãs da Europa
fazem burburinho em torno deste achado histórico, e como muitos devotos começam a
interessar-se pelas relíquias de Santiago, o Maior, os povos, movidos pela religião, começam
a efetuar peregrinações de modo regular e recorrente (Gomes, 2017). As peregrinações
seguiam percursos diversos, provindo de diferentes pontos da Europa Cristã. O Caminho
a Santiago foi-se convertendo, aos poucos, num cruzamento de culturas, aumentando os
contatos culturais entre os diferentes povos e entre diferentes pontos da Europa Ocidental e
Meridional. Neste ínterim vão-se delineando diversos percursos, alguns deles sobre vias que
procedem desde os tempos dos Romanos (Gomes, 2017). De entre eles salientamos os da
Via Nascente, do Caminho de Prata e do Caminho de Torres, por se situarem na zona da
raia incluindo a passagem pelas regiões onde identificamos a presença e o uso das conchas
de vieira enquanto instrumentos musicais.
O Caminho da Prata ou Via da Prata é uma das rotas mais compridas do Caminho de
Santiago. Composto por 38 etapas através da histórica Via da Prata, rota comercial resta-
belecida pelos romanos no final do século I de modo a conseguirem chegar à Galiza, este
caminho permite percorrer o oeste da Península Ibérica de sul para norte, passando por
algumas das localidades tais que Sevilha, Zafra, Mérida, Cáceres, Salamanca ou Zamora,
as quais se encontram numa região de proximidade com a raia portuguesa. A Via da
Prata segue a rota histórica da calçada romana que conecta Mérida com Astorga. Esta via
atravessa boa parte do território, de sul para norte, e foi aproveitada pelos peregrinos na
sua deslocação para Compostela. A origem histórica da Via da Prata é incerta, mas após a
526 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
dominação romana, a via manteve-se como uma das principais rotas de comunicação dos
povos ibéricos alongando-se, após a cristianização, até a cidade de Sevilha.
Caminho de Torres
O Caminho de Torres deve o nome ao seu peregrino mais famoso o escritor Salmantino
Diego de Torres Villarroel. Com início em Salamanca, entra em território português pelo
Neste contexto não podemos deixar de referir o surgimento de um novo percurso em 2022, denominado de
21
“Caminho Marítimo de Santiago”. O projeto pretende recriar, na costa portuguesa, a viagem da “Barca de
Pedra” que, segundo reza a lenda, no ano 40 do primeiro milénio, transportou o corpo do Santo peregrino
desde Jaffa, na Palestina, até ao Campus Stella, na Galiza. Apesar dos perigos de naufrágio, pestes e ataque
de piratas, acontecimentos que ocorriam frequentemente no período medieval, podemos assumir que, nesta
época, o meio mais seguro para chegar a Santiago, seria por via marítima. O Cruzeiro Inaugural desta nova
rota, realizado em 2022, teve início em Vila Real de Santo António, a 28 de maio e terminou a 13 de junho
em Santiago de Compostela. O percurso compreendeu a realização de aproximadamente 500 milhas náuticas,
e cerca de 12 quilómetros a pé, até alcançar finalmente a basílica de Santiago, dando por finda a peregrinação.
Conclusões
“As expressões artístico-musicais que fazem uso de objetos do dia a dia para práticas
musicais, tendem a ser desvalorizadas, atribuindo-lhes pouco significado para o contínuo
processo sociológico de gerar cultura” (Lopes & Quintas, 2020, p. 87). No decorrer desta
nossa investigação fomos confrontadas com uma prática musical que contraria esta afirma-
ção, pois utiliza tanto as pedras e os seixos de rio, como as conchas, mormente as de vieira,
enquanto instrumentos musicais. O facto de os instrumentos musicais nelas presentes
serem de origem mais arcaica e primitiva, neste caso os litofones e idiofones, foi igualmen-
te motivo para encetarmos uma pesquisa mais detalhada sobre a sua origem e sonoridade,
bem como da sua integração ao nível da prática musical tanto individual como de música
de conjunto, seja ela integrante de uma componente vocal, ou não. O facto de serem usa-
dos na música tradicional portuguesa e espanhola com uma presença maior do que aquela
que estávamos, numa primeira abordagem, à espera, foi igualmente determinante para o
encetar desta nossa pesquisa22. Ao longo da investigação, percebemos que não só os idio-
fones, como os litofones estão presentes nas manifestações culturais ao longo da fronteira.
Presentes em Portugal, no distrito de Portalegre nas proximidades do rio Caia, os usos de
seixos do rio têm paralelo no lado espanhol, com o uso das conchas, nomeadamente as
Conchas de Santiago. Na prática a elas associada adquirem a mesma função que as pedras
527 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
usadas do lado português. Empregues de forma diversa, as conchas são utilizadas não só
como idiofone de choque, mas também como idiofones de fricção dado que, e pelas suas
características morfológicas, as suas ranhuras permitem o seu uso por fricção23.
Ao longo deste trabalho, mostramos assim, como nesta região de fronteira, e à seme-
lhança de todos os eventos culturais da Raia Portuguesa e Espanhola, aparecem elementos
22
Não podemos deixar de referir que a sonoridade conseguida pela execução destes elementos materiais é
deveras singular, genuína e rudimentar. Contudo, e corroborando o expresso por Lopes e Quintas (2020, p.
88), no que à busca de sonoridades mais distintas, e no caso da percussão: “Por diversas razões relacionadas
à especificidade histórica dos instrumentos [...], certa rudimentaridade é por vezes artisticamente privilegia-
da, pois tende a inferir a cada exemplar uma sonoridade verdadeiramente distinta.” É a sonoridade distinta
produzida pela ação das pedras e das conchas que faz desta prática musical, e do sonoro a ela associado, um
tão distinto e original produto.
23
A ação por fricção faz-se do lado português com as pinhas. A sua morfologia permite o raspar das pinhas
uma na outra produzindo um som característico e muito diverso do produzido pelas conchas. O som das
pedras é diferente, não só pelo tipo de material que se usa (pedra em vez de madeira), mas, também, pela
dureza e constituição do material, um material que nos transmite um tipo de som (timbre) próximo do da
bigorna de ferro, aquilo que move os tocadores de pedra na vila de Arronches aquando da identificação,
recolha e escolha, no rio Caia, dos seixos aí presentes (Lopes & Quintas, 2020).
Resumo
No interior de Portugal muitas são as práticas musicais que, no conjunto das suas componentes
musicais e discursivas, nos informam do contexto geomorfológico e geográfico em que se inscre-
vem. Em muitos casos, interrogando os seus componentes, percebemos a sua origem, bem como do
modo como se enquadram ao nível dos aspetos sociais e culturais do território onde se inserem. A
sua apreciação detalhada permite que fruamos as suas componentes sonoras, mas também aquelas
de natureza formal e discursiva. Juntando as integrantes rituais, indagaremos sobre os recursos que
nessa prática se inscrevem, de modo a perceber o seu ritual. Provenientes do espaço físico e geográ-
fico e morfológico da paisagem, alguns dos elementos materiais presentes nestas práticas musicais
e ritualísticas abarcam recursos oriundos de uma geologia e geomorfologia particulares, usufruindo
do que das suas características geofísicas sobressai. Analisando-as e descrevendo-as, compreendemos
24
De acordo com Gomes (2017, p. 98), e o expresso na “Convenção para Salvaguarda para o Património
Imaterial” (UNESCO, 2006): “O “património cultural imaterial”, [...], se manifesta em particular nos
seguintes campos: a) tradições e expressões orais, incluindo o idioma como veículo do património cultural
imaterial; b) expressões artísticas; c) práticas sociais, rituais e atos festivos; d) conhecimentos e práticas rela-
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de um imaginário real. Iberografias 35. Centro de estudos ibéricos. Lisboa: Âncora Editora. pp.
185-198. ISBN: 978 972 780 683 6.
Santana, H. & Santana, R. (2021). A Flauta de Tamborileiro no interior alentejano
Uma paisagem sonora em contínua atualização. Paisagens sonoras históricas – Anatomia dos sons
nas cidades. Publicações do Cidehus. Coleção Biblioteca- Estudos & Colóquios 26. EAN elec-
trónique: 9791036584572. https://books.openedition.org/cidehus/17635
Sturrock, Susan (1976). Musical Instruments of the World. England: Paddington Press.
529 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
UNESCO- Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura. 2006.
“Convenção para Salvaguarda para o Património Imaterial”. https://unesdoc.unesco.org/
ark:/48223/pf0000132540_por (acedido a 28 de setembro de 2022)
Introdução
Partindo da premissa de que o património deve ser gerido como um recurso não reno-
vável do território, torna-se expectável que a sua gestão deva ser feita de forma a permitir
a sua própria sustentabilidade. Deste modo, é desejável que, por princípio, uma candida-
tura, para efeitos de inscrição de um bem na Lista do Património Mundial da UNESCO
(LPM), pode – e deve – ser um ativo para a gestão e para o desenvolvimento urbano do
531 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
território, numa escala mais abrangente, ou de uma cidade, numa escala mais delimitada.
Nesse sentido, torna-se fundamental compreender a praxis que sustenta os protoco-
los e os compromissos assumidos por quem tem essas responsabilidades e competências,
tendo em conta os valores que são reconhecidos e pertencentes de toda uma comunidade,
quer esta se determine como local, nacional ou, até mesmo, mundial.
É reconhecido que o desenvolvimento e a promoção de reflexões sobre a proteção e
salvaguarda do património constitui-se como um vetor estratégico fundamental da atuação
da UNESCO, para a criação dos discursos de paz, em torno de três pilares fundamentais:
a educação, a ciência e a cultura. Para tal, a UNESCO tem investido, desde a sua génese3,
em diversas iniciativas de promoção de eventos, ações e instrumentos políticos, junto da
1
Universidade de Coimbra, CEGOT; HTC-CFE NOVA FCSH
2
Tradução livre de “() la coscienza critica è il movente fondamentale della praxis avvenirista ()” (Maldonado,
1970, p. 132).
3
Cf. Candidatura a Património Mundial como operador de desenvolvimento urbano: O caso da Universidade de
Coimbra – Alta e Sofia (Capela de Campos, 2019).
dos que vão sendo desenvolvidos a nível global, designadamente, no âmbito da gestão e do
planeamento do património cultural, para futuro.
Por tais argumentos se entende que, a proteção e a salvaguarda do património tam-
bém saem reforçadas, enquanto eixo estratégico fundamental para o desenvolvimento
das comunidades e dos seus territórios. Nesse sentido, verifica-se que os sistemas de
governança locais desempenham um papel central, enquanto agentes mais bem infor-
mados e privilegiados para estudarem, desenvolverem, promoverem e implementarem
ações, desde a prevenção até à proteção dos bens e dos valores que lhes estão associados
culturalmente.
Adicionalmente e de modo consequente, a escolha dos modelos de gestão aplicados a
estes bens patrimoniais deve refletir, assim, cada vez mais, a capacidade de adequação ou
4
Cf. Património Mundial: democracia e diversidade, in (Capela de Campos, 2019).
5
Convenção para a Proteção do Património Mundial, Cultural e Natural adotada pela Conferência Geral da
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, em Paris, em 16 de novembro de 1972
(UNESCO World Heritage Centre, 2017).
533 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Figura 1 – Vista da colina da Alta Universitária sobre o Rio Mondego.
Fotografia Joana Capela de Campos, 2019.
6
Conferência Mundial sobre as Políticas Culturais e Desenvolvimento Sustentável da UNESCO –
MONDIACULT 2022, realizada entre 28 e 30 de setembro de 2022, na Cidade do México. Cf. https://
www.unesco.org/en/mondiacult2022, acedido em 01/10/2022.
7
“() A cultura é um bem público mundial; é um elemento fundamental da dignidade de cada pessoa. Porque,
através da cultura, cada um de nós pode descobrir a humanidade que partilhamos e converter-se, a si próprio,
num cidadão livre e elucidado. A cultura é, além disso, a coluna vertebral que serve para se fazer ‘sociedade’,
em momentos de comoção, de conflito, ou de crise sanitária, como aquela que temos vivido; é uma linguagem
universal, em que toda a sua diversidade nos une na nossa humanidade mais fundamental. No entanto, apesar
dos nossos esforços e dos progressos reais alcançados, a cultura, suas implicações e seu potencial, face aos desafios
contemporâneos, não ocupa o lugar que merece nas agendas nacionais e internacionais. E essa é a nossa luta
comum, aqui. ()”, tradução livre do discurso da Diretora-Geral da UNESCO, durante sessão de abertura da
MONDIACULT 2022, em 28 de setembro de 2022, na Cidade do México. Cf. https://mondiacult2022.
cultura.gob.mx/evento/ceremonia-de-apertura, acedido em 01/10/2022.
535 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
de gestão documentado” (parágrafo 108, World Heritage Committee, 2022, p. 37), cujo con-
teúdo deve especificar o modo de preservação do VUE desse bem candidato, sendo assumida a
“preferência por meios participativos” (parágrafo 108, World Heritage Committee, 2022, p. 37).
O objetivo deste documento estabelece-se no âmbito da prevenção em função das
necessárias definições estratégicas para desenhar ações eficazes de proteção e salvaguar-
da do sítio, em benefício das gerações atuais e futuras (parágrafo 109, World Heritage
Committee, 2022, p. 37).
Nesse sentido, o documento esclarece que todos os bens candidatos e inscritos na
LPM “devem usufruir de uma proteção legislativa, regulamentar, institucional ou tradicio-
nal adequada que garanta a sua salvaguarda a longo prazo” (parágrafo 97, World Heritage
Committee, 2022, p. 35). Mais reforça o texto sobre a necessidade de que esta proteção
8
Como por exemplo a implementação da metodologia da Recomendação da Paisagem Urbana Histórica em
diversas cidades mundiais (Capela de Campos, 2020a).
9
Cf. WHC. 05/2 2 February 2005 - Operational Guidelines for the Implementation of the World Heritage
Convention, disponível em https://whc.unesco.org/archive/opguide05-en.pdf, acedido em 01/10/2022.
Este entendimento configura-se na lógica do lugar, sendo que esta maior abrangência
ou amplitude do espaço envolvente “pode estar relacionado com a topografia do bem, com o
ambiente natural e o construído e com outros elementos tais como a infraestrutura, os padrões
de utilização do solo, organização espacial e relações visuais” (parágrafo 112, World Heritage
Committee, 2022, p. 38). Adicionalmente, a delimitação do bem pode contribuir para a
leitura de autenticidade e/ou de integridade do sítio, à luz de uma inclusão de “práticas so-
ciais e culturais relacionadas, processos económicos e outras dimensões imateriais do património,
tais como perceções e associações” (parágrafo 112, World Heritage Committee, 2022, p. 38),
e assim desempenhar um papel de suporte ao VUE declarado.
Com o reconhecimento e a inclusão das diversas valências da abrangência territorial
do bem, a gestão do bem pode ser um ativo para “o desenvolvimento sustentável, através
do aproveitamento dos benefícios recíprocos para o património e a sociedade” (parágrafo 112,
World Heritage Committee, 2022, p. 38).
Nesta importância dedicada à delimitação da área do bem, as orientações técnicas
esclarecem, também, que uma zona tampão tem o objetivo de “proteger eficazmente o
537 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
ação, como também ao nível dos agentes que terão a responsabilidade para a execução do
plano, aclarando que as candidaturas “deverão anexar à proposta de inscrição os textos apro-
priados, bem como uma explicação clara sobre a forma como essa proteção jurídica é aplicada
para proteger o bem proposto para inscrição”, desde a fase da análise preliminar das mesmas
(parágrafo 97, World Heritage Committee, 2022, p. 35).
Deste modo, o modelo de gestão escolhido e adequado a cada bem, deve apresentar
um desenho elucidativo para garantir a proteção e salvaguarda do VUE do bem, que
permitam responder a algumas questões: Qual o modelo de gestão mais adequado e a
sua estratégia? Quem determina a governância? Quem é a entidade gestora? Quais os
instrumentos de gestão disponíveis ou necessários? Quem determina as ações? Quem faz a
monitorização do estado de conservação e das ações a implementar?
Com esta perspetiva, tendo por base a exigência da UNESCO direcionada ao
Património Mundial, e no sentido de lançar pistas para outras realidades que queiram
repensar a sua condição e dinâmica glocal, o exercício deste trabalho vai centrar-se no caso
do modelo de gestão da UC-AS, bem inscrito na LPM em 2013.
ção abrangente do objeto a avaliar, com a identificação do bem, a sua descrição, as justifi-
cações e as principais razões da candidatura, aclarando, ainda, o estado de conservação do
bem e as orientações para a sua proteção e gestão futuras, bem como, os agentes respon-
sáveis pelas mesmas.
10
Para mais informações sobre o processo de candidatura da Universidade de Coimbra a Património Mundial,
cf. (Capela de Campos, 2019).
11
Cf. Alcalá de Henares e Coimbra, Universidades Património Mundial: responsabilidade e compromisso
de futuro em dois contextos ibéricos, in (Capela de Campos, 2019) e A classificação da Universidade de
Coimbra – Alta e Sofia como Património Mundial UNESCO: balanço e perspetivas (Capela de Campos et
al., 2022).
12
A justificação do VUE teve por base os critérios (ii), (iv) e (vi), sendo também justificadas a sua autentici-
dade e a sua integridade (Universidade de Coimbra - Gabinete de Candidatura à UNESCO, 2012; World
Heritage Committee, 2013, pp. 208-9).
13
Para mais informações sobre o processo, os protagonistas e os princípios da candidatura da UC-AS à
LPM, ver Candidatura da Universidade de Coimbra a Património Mundial: Processo, protagonistas e princípios
(Capela de Campos, 2020b).
14
Com efeito, o critério (iii) não foi reconhecido pelo Comité do PM. Assim, a UC-AS foi inscrita na LPM
pelo reconhecimento do seu VUE, sob os critérios (ii), (iv) e (vi). Ver nota 11.
539 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Por fim, o livro 7 explora a Área de Protecção, evidenciando a relevância histórica que
a implementação espacial da UC tem desempenhado no desenvolvimento do desenho da
cidade e evolução urbana, sobretudo, no seu Centro Histórico, onde o bem estabelecera
uma influência urbana direta.
Estes volumes consubstanciam-se na compilação dos conteúdos e investigação cien-
tífica realizados durante o processo de candidatura da UC-AS à inscrição na LPM da
UNESCO. Para além do mais, estes volumes traduzem também os desígnios, os compro-
missos e as responsabilidades na proteção e salvaguarda do património universitário, que a
UC e o Estado Português assumiam perante a comunidade internacional.
Ou seja, de um modo concreto, o dossiê de candidatura reporta e explana o âmbito
do que está em causa em termos patrimoniais e como se perspetiva a sua proteção e salva-
guarda, tendo em conta que a área candidata da UC-AS15, tem um total de 36,2 hectares,
15
Na 43.ª sessão do Comité do Património Mundial, realizada em Baku (Azerbaijão), em 07/07/2019, foi
anunciada a decisão de inscrever o Museu Nacional de Machado de Castro na área inscrita do bem UC-AS,
sendo que, anteriormente, estava localizado na área de proteção do mesmo.
Figura 2 – Limites da área inscrita Universidade de Coimbra – Alta e Sofia e sua zona de proteção,
na Lista do Património Mundial, 2019.
O plano de gestão
541 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
nidade para a gestão do património em espaço urbano, a partir de uma visão multidimen-
sional e com uma maior consciência sobre vários parâmetros – tanto do ponto de vista
territorial a várias escalas, tanto valores de identidade e socioculturais, ou considerando
valores tradicionais de uso de espaços ou ainda fatores económicos e ambientais, com
reconhecimento do valor da paisagem urbana.
Adicionalmente, o plano de gestão define-se como “instrumento fundamental para
atingir o objectivo final de superar a sempre difícil equação entre o respeito e valorização da
herança cultural, por um lado, e o desenvolvimento sustentável do património arquitectónico
e cultural, por outro” (Universidade de Coimbra - Gabinete de Candidatura à UNESCO,
2012b, p. 9).
17
O Comité Internacional sobre Cidades Históricas do ICOMOS (ICOMOS-CIVVIH) redefiniu os obje-
tivos, atitudes e ferramentas necessárias à intervenção e gestão para a proteção e salvaguarda de património,
bem como sobre a gestão de cidades e áreas urbanas com uma forte componente patrimonial e histórica, no
documento Princípios de La Valletta para a Salvaguarda e Gestão de Cidades e Conjuntos Urbanos Históricos
(ICOMOS - CIVVIH, 2012), cujos princípios foram adotados pelo ICOMOS, em 2011, na sua 17.ª
Assembleia Geral, realizada em Paris.
Deste modo, o documento seria considerado uma orientação para o trabalho de gestão
e, nessa condição, deveria ser atualizado e monitorizado constantemente e, para além de
propostas apresentadas para resolução de problemas existentes, seriam também contem-
pladas propostas metodológicas de atuação para os eventuais problemas previstos para o
futuro, designadamente, sobre o previsível acréscimo de afluência e do número de visitan-
tes dos espaços universitários, promovendo um “turismo de qualidade” (Universidade de
Coimbra - Gabinete de Candidatura à UNESCO, 2012b, p. 133).
Cf. (ICOMOS - CIVVIH, 2012, p. 4; Universidade de Coimbra - Gabinete de Candidatura à UNESCO, 2012b, p. 9).
18
Designadamente, “(…) estabelecer prioridades e calendarização para 5 anos no âmbito das acções; rever e aferir
19
no fim do prazo estabelecido a execução dos planos de acção; executar os planos de pormenor e ordenamento até
2014 e proceder à sua revisão 10 anos após a data da sua aprovação; aferir o impacto dos turistas e visitantes;
aferir o grau de execução dos programas de reabilitação; verificar e analisar o desenvolvimento da rede de museus
implementada; trabalhar directamente com a população/cidade, promovendo o sucesso dos objectivos, acções e
gestão; actualizar continuamente a base de dados existente; avaliar e aferir a gestão no cumprimento das metas
previstas a 30 anos (preservação do Bem)” (Universidade de Coimbra - Gabinete de Candidatura à UNESCO,
2012b, p. 165).
543 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Figura 3 – Levantamento da propriedade, na área afeta à candidatura à UNESCO, feito pelo Gabinete de
Candidatura à UNESCO (Universidade de Coimbra - Gabinete de Candidatura à UNESCO, 2012a, p. 210).
20
Cf. Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, que estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o
estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do
Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associati-
vismo autárquico.
21
Nos termos do artigo 1.º do Aviso n.º 7635/2014, de 1 de julho, que aprova a 1.º revisão do PDM de
Coimbra.
22
A Comissão Técnica Mista convocou técnicos do Gabinete de Candidatura à Unesco da UC, do Gabinete
para o Centro Histórico e do Gabinete Técnico Local da CMC, da Direção Regional de Cultura do Centro
e da Sociedade de Reabilitação Urbana – Coimbra Viva (SRU).
545 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
eram os agentes com maior relevância para a gestão e administração do bem UC-AS e da
respetiva área de proteção, constituindo-se a Fundação Univer(sc)idade27.
Todavia, ao longo do processo de candidatura, a aplicação e a articulação do plano
de gestão, pela Fundação Univer(sc)idade, revelavam carências ao nível da sua execu-
ção, sendo que a geometria triangular – plano, agente e instrumentos – adensava-se mais
23
Nos termos do n.º 6, do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 104/2004, de 7 de maio, “As operações de reabilitação
a efectuar nas zonas históricas e nas áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística revestem-se, para todos
os efeitos, de interesse público urgente”.
24
As Sociedades de Reabilitação Urbana são empresas municipais, sobre as quais o Município detém a tota-
lidade do capital social, criadas para promover a reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas
de recuperação e reconversão urbanística, conforme estabelece o n.º 1, do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º
104/2004, de 7 de maio.
25
A 1.ª revisão do Plano Diretor Municipal de Coimbra foi aprovada em 13 de maio de 2014, já depois da
inscrição da UC-AS na LPM da UNESCO.
26
Cf. Aviso n.º 2129/2012, de 10 de fevereiro.
27
Cf. Estatutos da Fundação Univer(sc)idade (Universidade de Coimbra - Gabinete de Candidatura à
UNESCO, 2012a, pp. 260-267).
A Assembleia Geral da RUAS constitui-se por todos os seus associados (sócios fundado-
res e sócios institucionais) e é liderada por um presidente e um vice-presidente, funções exer-
cidas rotativamente pelo período de um ano, pelo Reitor da UC e pelo Presidente da CMC.
A Direção, com poder executivo, é composta por um presidente, um vice-presidente
e três vogais; a presidência e vice-presidência é exercida rotativamente por um Vereador da
28
Confrontando o texto apresentado na candidatura da UC-AS à LPM, aposto no dossiê de candidatura
– ainda intitulado como Estatutos da Fundação Univer(sc)idade (Universidade de Coimbra - Gabinete de
Candidatura à UNESCO, 2012a, p. 260) – com o texto dos Estatutos da Associação RUAS, disponível em
https://www.uc.pt/ruas/info/estatutos, verifica-se que os estatutos da RUAS foram revistos e atualizados
após a inscrição da UC-AS na LPM, designadamente no âmbito do artigo 3.º, relativo aos Fins e Atividade.
Constata-se que das 5 alíneas do artigo 3.º dos Estatutos da Fundação Univer(sc)idade, a alínea b) – a saber,
“b) salvaguardar, promover e gerir o território afeto ao Bem designado por Universidade de Coimbra - Alta e
Sofia, nos termos de classificação de Património Mundial que venha a ser atribuída pela UNESCO e sem prejuí-
zo das competências próprias atribuídas pela lei às diversas entidades” (Universidade de Coimbra - Gabinete
de Candidatura à UNESCO, 2012a, p. 260) – não foi transposta para a versão do texto dos Estatutos da
RUAS, cujo artigo 3.º contempla as demais 4 alíneas dos Estatutos da Fundação, com os ajustes de redação
afetos à efetiva inscrição da UC-AS na LPM em 22 de junho de 2013.
29
Cf. Nos termos do artigo 9.º dos seus Estatutos (RUAS - Associação Univer(s)cidade, 2011, p. 4).
547 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
e emitindo parecer informativo de avaliação. Esta equipa seria coordenada pela CMC e
composta por arquitetos, arqueólogos e administrativos da CMC, da SRU e da DRCC32.
O GTAP também foi uma solução definida durante a fase de candidatura da UC-AS
à LPM, competindo-lhe assegurar “o acompanhamento, o controlo e a implementação do
Plano de Gestão e tarefas com ele relacionadas” (Gabinete Técnico para o Acompanhamento
30
Cf. “Universidade de Coimbra - Alta e Sofia: Relatório Anual de Acompanhamento do Plano de Gestão e
Monitorização do Bem – 2012”, datado de maio de 2013, disponível em https://www.uc.pt/ruas/monito-
ring/reports/relatorio_2012.pdf, acedido em 29/12/2022.
31
Nos termos do primeiro Relatório Anual da RUAS, datado de maio de 2013, sobre a implementação da
estrutura gestora, a RUAS reportava que “registam-se as seguintes etapas etapas formais de implementação da
RUAS: (…) Início de funcionamento do GTEU – outubro 2012” (Gabinete Técnico para o Acompanhamento
do Plano et al., 2013, p. 16).
32
Cf. Ofício de resposta da Associação RUAS ao ICOMOS, datado de 18/10/2012, sob o título “University
of Coimbra – Alta and Sofia, World Heritage Nomination: Additional Information (requested by ICOMOS):
October 2012” e ofício de resposta da Associação RUAS ao ICOMOS, datado de 25/02/2013, sob o título
“University of Coimbra – Alta and Sofia, World Heritage List 2013: Additional Information (II) requested by
ICOMOS: February 2013”, em PT/UC/GNI/AGCU/UC-ASPM: [digital] Universidade de Coimbra – Alta
e Sofia, Candidatura a Património Mundial.
– se era apenas uma solução para a fase da candidatura ou se seria uma solução para im-
plementar e trabalhar em estreita colaboração com o gestor do bem para futuro –, o Plano
de Gestão apresentado no dossiê de candidatura à UNESCO declarava ser uma estratégia
e uma responsabilidade “manter em funcionamento o Gabinete Técnico de apoio à Associação
Univer(sc)idade” (Universidade de Coimbra - Gabinete de Candidatura à UNESCO,
2012b, p. 137). Também o Relatório Anual de 2012, da RUAS, datado de maio de 2013,
esclarecia cabalmente todas as questões, explanado que “os órgãos desta Associação são a
Assembleia Geral – que integra a componente de Forum Consultivo – o Conselho Fiscal, o
Gabinete Executivo e três gabinetes com competências técnicas específicas. São eles o Gabinete
Técnico de Estruturação Urbana (GTEU), o Gabinete Técnico de Acompanhamento do Plano
(GTAP) e o Gabinete Técnico de Informação, Valorização e Salvaguarda (GTIVS).” (Gabinete
Técnico para o Acompanhamento do Plano et al., 2013, p. 15).
Ibidem.
33
Ibidem.
34
549 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Figura 4 – Organograma da RUAS (adaptado pela autora). A base do mesmo foi apresentado em ofício de
resposta da RUAS ao ICOMOS, de 25/02/2013, página 8 (Cf. PT/UC/GNI/AGCU/UC-ASPM: [digital]
Universidade de Coimbra – Alta e Sofia, Candidatura a Património Mundial).
35
Cf. Ofício de resposta de 25/02/2013, da Associação RUAS – Universidade de Coimbra supra menciona-
do, em PT/UC/GNI/AGCU/UC-ASPM: [digital] Universidade de Coimbra – Alta e Sofia, Candidatura a
Património Mundial.
avaliação técnica, o bem em vias de classificação pode beneficiar de uma Zona Especial de
Proteção (ZEP) provisória, se se considerar e avaliar que a primeira se revela insuficiente ou
desadequada para os seus propósitos, nomeadamente, em função das referências topográfi-
cas, paisagísticas e do contexto urbano do bem em vias de classificação, situação verificada
para o caso do bem em vias de classificação da UC-AS.
36
Cf. Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, que estabelece as bases da política e do regime de proteção e valo-
rização do património cultural e que é regulamentada pelo Decreto-lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, na
sua redação atual.
37
Cf. Anúncio n.º 5286/2011, de 20 de abril e Anúncio n.º 175/2013, de 15 de maio.
38
Em Portugal, a Lei de Bases do Património Cultural, embora com outros parâmetros mais incisivos, con-
tinua a prever a imposição de Zonas de Proteção ou Zona Especial de Proteção, com as devidas restrições
impostas e adequadas em função da valorização e da proteção do património, em áreas classificadas ou em
vias de classificação, enquanto áreas de servidão administrativa que acautelam um interesse público.
39
Cf. “Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sí-
tios, adoptar-se-á a designação «monumento nacional» ()”, nos termos do n.º 3, do artigo 15.º da Lei n.º
107/2001, de 8 de setembro.
551 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
a Baixa e a Baixa-Rio.
Depois de 22 de junho de 2013, ou seja, depois da inscrição da Universidade de
Coimbra - Alta e Sofia na LPM, mais dois instrumentos seriam determinantes: o Anúncio
n.º 14917/2013, de 5 de dezembro, que publicitava a inscrição do bem UC-AS na LPM
e que, consequentemente, determinava a sua classificação como Monumento Nacional,
com a respetiva ZEP; bem como a publicação da 1.ª revisão do PDM de Coimbra, no já
mencionado Anúncio n.º 7635/2014, de 1 de junho.
41
O Relatório Periódico é um dos principais mecanismos de autoavaliação, que os Estados-parte e os agentes de
gestão dos bens inscritos na LPM submetem para análise do Comité do Património Mundial, em cada ciclo
de avaliação de nível global. Nestes mecanismos, cada Estado-parte deve refletir “sobre as disposições legislativas
e sobre os regulamentos administrativos e demais medidas que tenham sido adotadas para aplicação da Convenção,
incluindo o estado de conservação dos bens do Património Mundial situados no seu território”, conforme o parágra-
fo 199 das Orientações Técnicas para a Implementação da Convenção do Património Mundial, devendo ser
apresentado uma autoavaliação por cada bem inscrito (parágrafo 199 e ss. World Heritage Committee, 2022).
42
“4.3.3 - How well do the various levels of administration (i.e. national / federal; regional / provincial
/ state; local / municipal etc.) coordinate in the management of the World Heritage Property ? There is
coordination between the range of administrative bodies / levels involved in the management of the property but
it could be improved” (Direção-Geral do Património & Universidade de Coimbra, 2014, p. 5).
553 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
previsto para dar apoio técnico e especializado, subdividido na tríade de especialidades
delineadas (GTEU, GTAP e GTIVS), em estreita e direta colaboração com a direção da
RUAS, não foi assegurado ou continuado como estava previsto. Certamente, que téc-
nicos qualificados da UC, da CMC e/ou da DRCC tentam, em tempo dispensado para
o efeito e dentro das suas competências, dar resposta a alguns tópicos, mas dificilmente
dando resposta à totalidade do que foi pensado e assumido que previa uma ação técnica
continuada.
Em 2014, era assumido, no Relatório Periódico entregue ao Centro do Património
Mundial, que o sistema de gestão apenas tinha sido implementado parcialmente, sem mais
detalhes e que a monitorização dos indicadores estabelecidos para aferir o estado de con-
servação do VUE do bem poderia ser aperfeiçoada, sendo reforçado ainda que a maior
43
Para mais informações sobre esta temática, consultar (Capela de Campos, 2019; Capela de Campos et al.,
2022).
44
Ibidem.
Considerações finais
Não obstante se entender que o património deve ser gerido como um recurso não re-
novável do território, espera-se que, por princípio, uma candidatura para inscrição de um
bem na LPM pode – e deve – ser um ativo para a gestão e para o desenvolvimento urbano
do território ou de uma cidade.
Nesse sentido, torna-se expectável que a sua gestão deva ser feita de forma a permitir
a sua própria sustentabilidade, sendo assim, importante e necessário que se possa refle-
tir sobre a capacidade de adaptação dos modelos de gestão escolhidos para cada bem a
554 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
45
“4.3.5 - Is the management system being implemented? The management system is only partially being
implemented” (Direção-Geral do Património & Universidade de Coimbra, 2014, p. 6); “4.4.15 - Do the
management and conservation programmes at the World Heritage property help develop local exper-
tise? A capacity development plan or programme is in place and partially implemented; some technical skills
are being transferred to those managing the property locally but most of the technical work is carried out by
external staff” (Direção-Geral do Património & Universidade de Coimbra, 2014, p. 7); “4.8.2 - Are key in-
dicators for measuring the state of conservation used to monitor how the Outstanding Universal Value
of the property is maintained? Information on the values of the World Heritage property is sufficient and key
indicators have been defined but monitoring the status of indicators could be improved” (Direção-Geral do
Património & Universidade de Coimbra, 2014, p. 8).
555 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
em conta que a consciência crítica é efetivamente o móbil fundamental da praxis que antecipa
o futuro; objetivando na expectativa de que esse futuro será melhor do que o presente que
conhecemos hoje.
Resumo
O propósito deste trabalho salienta a reflexão sobre a capacidade de adaptação dos mo-
delos de gestão escolhidos para cada bem a inscrever, ou já inscrito, na Lista do Património
Mundial da UNESCO (LPM) e a sua implementação tendo em conta a necessidade ope-
rativa de cada caso.
Desde 2005 que as orientações técnicas para a implementação da Convenção do
Património Mundial determinam que cada Estado-parte deve incluir um plano de gestão
nas suas candidaturas formais de inscrição de bens na Lista do Património Mundial.
A partir do caso da Universidade de Coimbra - Alta e Sofia (UC-AS), é analisado o
modelo de gestão que foi apresentado ao Comité do Património Mundial da UNESCO,
Referências Bibliográficas
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557 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
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documental do Gabinete de Candidatura à UNESCO, Cód. Ref.: PT/UC/GNI/AGCU/UC-
ASPM: [documental] Universidade de Coimbra - Alta e Sofia, Candidatura a Património Mundial.
Legislação
Emoldurada nas janelas, estende-se até onde o olhar alcança, a paisagem. Inscrita no
espaço com a intencionalidade característica das ações humanas e sociais, paisagens são
percebidas de diferentes formas, dado que podem ser objeto de um investimento afetivo
mais ou menos profundo (Claval, 2012). Ao se questionar sobre a afetividade inscrita
e percebida nas paisagens, Claval (2012) aponta que as motivações para construção de
561 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
monumentos na paisagem são variadas, tais como: “o fato de eles serem lugares de culto,
de simbolizarem o poder que neles está instalado, de lembrarem momentos gloriosos ou
dolorosos da história de uma coletividade” (Claval, 2012, p. 265). Logo, entende-se que as
paisagens não foram construídas cegamente, mas planejadas para o futuro.
Levar em consideração os planejamentos é indispensável para a compreensão
das paisagens. Pouco importa que a organização resultante seja permanente ou tran-
sitória: o que importa é o que essa organização evidencia quanto às preocupações que
a motivam e às aspirações às quais ela responde (Claval, 2012, p. 266).
1
Pesquisador do CNPq, Universidade Estadual de Londrina - DGEO/UEL, Universidade Federal de
Rondônia - PPGG/UNIR, Coordenador do Observatório da Região e da Guerra do Contestado - ORGC/
UEL, Coordenador do Laboratório de Geografia, Território, Meio Ambiente e Conflito, Doutor em Meio
Ambiente e Desenvolvimento. E-mail: ncfraga@uel.br
2
Escritora e Editora, Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC, Bacharela em Administração,
Pós-Graduanda em Letras e Letramento – FAVENI. E-mail: angela@editoraexito.com.br
3
Doutorando em Geografia, Bolsista do CNPq, Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. E-mail:
rochageologia@gmail.com
Para dar conta de unir o conhecimento e a cultura herdada pelos povos que formaram
a cidade, o projeto da praça previu oito espaços: (1) um monumento, (2) uma homenagem
aos imigrantes, (3) uma rosa dos ventos, (4) brinquedos educativos, (5) um espaço poesia,
(6) lanchonete, (7) local para educação ambiental e (8) mirante. O projeto pode ser visto
na Figura 1.
563 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Para Rowntree e Conley (1980) os monumentos são criados com intencional sentido
político, capazes de sintetizar significados complexos em torno de valores e práticas, ao
mesmo tempo em que atuam como mecanismos regulatórios de informações e significa-
dos. São formas simbólicas dotadas de funções descritas por Correa como:
i - Perpetuar antigas tradições consideradas positivas, tanto para o presente
como para o futuro;
564 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
ii - Fazer parecer antigo aquilo que é novo e considerado necessário para o pre-
sente e o futuro. A força da tradição, mesmo inventada, asseguraria alcançar os
objetivos desejados.
iii - Transmitir valores de um dado grupo como se fossem de todos. Esses
grupos podem ser religiosos, étnicos, raciais e sociais.
iv - Afirmar a identidade de um grupo religioso, racial ou social. Neste
caso, como no anterior, relações de poder estão presentes na concepção e
construção de monumentos.
v - Glorificar o passado, acentuando os seus valores, pensando no presen-
te e mesmo no futuro.
vi- Sugerir que o futuro já chegou, sendo portador de novos sentidos,
vinculados, via de regra, ao progresso e à harmonia social, construídos
pelos grupos socialmente poderosos do presente.
vii - Criar “lugares de memória”, cuja função é a de coesão social em torno de
eventos de um passado comum (CORREA, 2007, p. 26).
565 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Até um século atrás, a identidade cabocla do Contestado ia sendo estruturada
fundamentalmente a partir de uma experiência de vida comunitária e numa relação ín-
tima com a natureza. Desconsiderando o processo de colonização baseado na violência
promovida a partir das grandes fazendas de criação de gado e da cultura liberal capi-
talista, o povo do Contestado formava pequenas comunidades e vivia segundo valores
herdados das culturas indígenas, africanas e europeia-cristã (Tomazi, 2005, p. 98).
seja a frase que melhor explicita o mundo e a índole cabocla, pois os caboclos e
as caboclas do Contestado eram bons e queriam o bem, pois suas casas tinham
portas, mas não tinham tramelas – esse é um traço de permanência da cultura ca-
bocla, que vivenciamos todas as vezes que estamos pelo Contestado (Fraga, 2012,
p. 11-12).
Depois de quatro anos de guerra civil e mais de 20.000 mortos (Fraga, 2006), as
terras do Contestado caminhavam para sua completa “limpeza”, permitindo o início
da colonização. A legislação previu o privilégio de colônias mistas e do povoamento
por meio da ação empresarial, um modelo característico da ocupação do planalto ca-
tarinense e paranaense. Mas mesmo que a legislação e os debates nacionais elencassem
a importância do modelo misto, que incluiria a participação de nacionais, na prática,
o povoamento destas áreas reuniu descendentes de imigrantes europeus oriundos de
colônias mais antigas em colônias onde inexistia a presença dos nacionais, supostos
como elemento fundamental para uma rápida assimilação dos colonos e ao mesmo
tempo “os alvos de um imaginado processo civilizatório conduzido pelos europeus”
567 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Figura 3 – Vista dos monumentos aos colonizadores na Praça do Conhecimento em Videira/SC
Fonte: Diego Rocha, 2022
O monumento aos imigrantes italianos é formado por quatro pessoas (figura 4), sendo
dois adultos e duas crianças, dois elementos do gênero masculino e duas do feminino,
todos em pé e em posições de movimento. Três deles carregam nos braços insumos agrí-
colas (uva e trigo) e o último, menor, segura um objeto que lembra um livro ou caderno
escolar enquanto segura a manga da mulher adulta em uma demonstração de familiari-
dade. A obra, que facilmente é reconhecida como uma família composta por pai, mãe e
um casal de filhos, está situada em uma elevação de 1,30 metro de altura, com seu maior
personagem (o homem adulto) com altura de 2,40 metros.
um terreno elevado (figura 5), com altura de cerca de 1,5 metro e tem seu maior elemento
(o homem adulto) com 2,44 metros de altura.
569 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
dade às oposições e conflitos sociais, “seja marcando posição de supremacia racial e social,
seja porque traduzem a contestação de um grupo face a outro”.
Alguns pontos devem ser agora sistematizados. O primeiro refere-se à localiza-
ção dos monumentos. A despeito dos templos terem a visibilidade e a acessibilidade
garantidas em virtude de suas dimensões e do poder de atração que exercem sobre
os fiéis, a localização, especialmente para os demais monumentos, é de fundamental
importância, pois a visibilidade e a acessibilidade maximizadas garantem a maximi-
zação da capacidade de comunicarem aquilo que deles se espera. (...) Além do seu
caráter absoluto, referente ao sítio do monumento, e de seu caráter relativo, referente
à acessibilidade face aos espaços sociais e econômicos da cidade, a localização apre-
senta um caráter relacional que inclui os significados que foram construídos a seu
respeito pelos diversos grupos sociais (Correa, 2007, p. 19).
571 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
contar com uma elevação no terreno. Enquanto o monumento dedicado aos povos indí-
genas é menor que seu instrumento de trabalho e possui a altura total equivalente a média
de um adulto (1,60 m), e o monumento aos caboclos não lhe ultrapassa tanto (1,62 m),
aqueles dedicados aos colonizadores chegam a atingir uma altura total de 3,70 m (italia-
nos) e 3,94 m (alemães). Como se a expressão de poder não fosse o suficiente, os referidos
povos originários são facilmente alcançáveis, enquanto os colonizadores só podem ser al-
cançados depois de superar o obstáculo da íngreme subida de cerca de 1,5 metro que os
elevam do solo.
Para melhor visualização à distância, foram circulados os monumentos aos povos in-
dígenas e caboclos na figura 10.
O terceiro ponto sistematizado por Correa (2007) refere-se à interconexão entre prá-
ticas de afirmação ou contestação política. Os monumentos discutidos neste artigo foram
criados em um ambiente em que prevalece, na história oficial e no entendimento do Poder
572 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Público, o culto aos colonizadores e o apagamento aos povos tradicionais. Logo, não causa
espanto notar que as obras que adornam a Praça do Conhecimento simbolizam o isola-
mento social indígena e incutem valores relativos à preguiça e pobreza do povo caboclo,
enquanto os colonizadores interagem em família, executam trabalhos com importância
econômica local e representam, desde sua concepção, elementos ligados à civilização e
erudição da burguesia local formada após a colonização. Próximos ao monumento que
representa um átomo, os colonizadores estão mais perto do futuro, enquanto o indígena
está fora do caminho, próximo ao Rio do Peixe, e o caboclo se esconde sob as árvores.
Sozinhos, caboclo e indígena negam simbolicamente sua vivência, uma vez que ambos,
como povos tradicionais, têm seu modo de vida fundamentado nas práticas coletivas.
O discurso contemporâneo que perpassa a burguesia local acerca de temas como a co-
lonização e o Contestado, ou ainda, a colonização e os povos tradicionais, não é de difí-
cil identificação. Em 2019, a Secretaria de Cultura de Videira não apenas esteve envolvida
como ainda mediou a escolha do novo nome do grupo turístico Vale do Contestado, para
atualização do Mapa Turístico Brasileiro de 2019/2021. A Assembleia Geral Extraordinária
da Instância de Governança Regional do Vale do Contestado, realizada em 04 de julho de
573 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
2019, votou favorável à eliminação da Região Turística Vale do Contestado e aprovou o novo
nome: Região Turística Vale dos Imigrantes (Ata da Assembleia Geral Extraordinária da Igr
Do Vale Do Contestado, 2019, p. 03) consagrando, literalmente, a figura dos colonizadores
na promoção da região. Vê-se, portanto, a mobilização do Poder Público para consagração
destas figuras heróicas, representantes das elites, em detrimento dos povos tradicionais.
O embate ao apagamento da Região do Contestado contribuiu para despertar no
Poder Público a necessidade de uma revisão. Pode-se sugerir que a inclusão dos monu-
mentos que homenageiam os povos tradicionais é uma resposta às críticas sucessivas em
âmbitos público e acadêmico? Supõe-se que sim, a julgar por sua ausência no projeto ori-
ginal. Pode-se indagar que a presença dos dois monumentos contribui para o rompimento
da barreira entre colonizadores e povos tradicionais? Não. Apesar de ocupar o mesmo
espaço, os monumentos não coexistem. Não há elementos arquitetônicos e paisagísticos o
suficiente para conectar o indígena ao caboclo, o indígena aos colonizadores, o caboclo ao
indígena ou o caboclo aos colonizadores. Através da posição e da representação do espelho
d’água, apenas os colonizadores apresentam uma relação entre si. A composição criada
575 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Resumo
sertão inóspito e inculto onde habitavam secularmente povos indígenas, caboclos e quilombolas.
Os monumentos aos povos indígena e caboclo possuem diferenças significativas diante dos demais,
pois os monumentos e sua localização podem dar visibilidade às oposições e conflitos sociais, “seja
marcando posição de supremacia racial e social, seja porque traduzem a contestação de um grupo
face a outro” (CORREA, 2007, p. 19). Nunca, como agora, “houve necessidade de mais e mais
saber competente, graças à ignorância a que nos induzem os objetos que nos cercam e as ações de
que não podemos escapar” (SANTOS, 2013, p. 87).
Palavras-chave: Guerra do Contestado; Cultura Cabocla; Povos Originários; Supremacia;
Monumentos.
Abstract
When considering the concerns and motivations imprinted in the urban landscape of Videira/
SC, the monuments located in the Praça do Conhecimento stand out, especially the statues dedica-
ted to the colonizers and native peoples. The city, located in the Guerra do Contestado Region, in
the state of Santa Catarina, recolonized in the post-war period by german and italian immigrants,
has its central area crossed by the Rio do Peixe, next to which the São Paulo - Rio Grande Railroad
(EFSPRG) was built in the beginning of the 20th century. The railroad in question is one of the
577 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
caboclos with 260 years of territoralization? Raised in a social and political context that flourishes
with manifestations of valorization of cabocla coulture, the social agents involved in the process of
contracting and creating monuments are responsible for an in-depth reflection on the symbology
present in the Praça do Conhecimento. It is up to the activists of cabocla and indigenous culture
and of all traditional people portrayed or not in monuments to continue the fight, the greatest of
these times, against erasure. After some pressure from social movements, indigenous and caboclos
groups where included in the landscape of the Praça do Conhecimento. Even so, doreseen in the
initial stage, the monuments to the colonizers synthesize the idea of the heroic image based on the
official local history, in wich the colonizer (white and european) would be responsible for bringing
progress to the inhospitable and uncultivated hinterland where indigenous peoples, caboclos and
quilombolas lived for centuries. The monuments to the indigenous and caboclos peoples have sig-
nificant differences compared to the others, as the monuments and their location can give visibility
to oppositions and social conflicts, “whether marking a position of racial and social supremacy,
or because they reflect the contestation of one group against another” (CORREA, 2007, p. 19).
Never, as now, “has there been a need for more and more competent knowledge, thanks to the
ignorance that the objects that sorround us and the actions that we cannot escape induce us”
(SANTOS, 2013, p. 87).
Keywords: Contestado War; Cabocla Culture; Indigenous Peoples; Supremacy; Monuments.
579 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
que o “Brasil oferece mais do que praias e carnaval”. Curitiba. PerCurso: Curitiba em Turismo,
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Introdução
O livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, publicado pelo autor realista Machado de
Assis, em 1881, narra as memórias do defunto Brás Cubas. As memórias são escritas em
primeira pessoa revelam a mediocridade da vida do narrador personagem enquanto ainda
vivo. O personagem Brás, é um homem branco, representante da classe dominante da
cultura elitista do Brasil no século XIX.
Ele, inquieto na vida após a morte, sente a necessidade de justificar a sua existência
escrevendo as suas memórias. Memórias essas inseridas em um contexto escravocrata, la-
tifundiário, monárquico e com profundas fissuras entre a elite dominante, classe pobre e
581 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
escravizados (Bosi, 2006).
Brás Cubas, pelo fato de estar morto, já não está mais inserido dentro do contexto da
elite e se sente confortável o suficiente para contar a história de sua vida sem máscaras so-
ciais. Ele descreve todos os seus pensamentos mesquinhos, frustrações amorosas, jogos de
sociabilidade, traições, prazer em fazer maldades e o uso e o abuso da hierarquia senhorial.
Ao longo do enredo conhecemos personagens apagados por esse contexto desigual, mas
que ilustram o dia-a-dia do aristocrata brasileira. Esses personagens representam a “minoria”
reprimida pela sociedade. Entre eles gostaria de chamar a atenção para o escravo de Brás
Cubas, Prudêncio. Prudêncio é apresentado no capítulo XI da obra como o cavalinho de
todos os dias do Brás Cubas de seis anos. O escravo é vítima de violência física e simbólica
do Brás criança. Um pouco antes do defunto apresentar o personagem escravo, ele faz ques-
tão de contar ao leitor que quando criança, era apelidado carinhosamente como “menino
1
Aluna do doutoramento em Discursos Cultura História e Sociedade da Universidade de Coimbra - marianna.
franca.monteiro@gmail.com
Muitos significados podem ser retirados desse trecho específico, entre eles o da censura
da palavra - ordenada por uma criança - do oprimido estruturalmente. Além do significa-
do silencioso da narrativa machadiana, que tem como bases sólidas a ironia e a dissimula-
ção como artifício elegante de denúncia social. A crítica no trecho acima está pautada nas
várias dimensões do silêncio, da política do silêncio e do “não dito” visível por daqueles
que observam a narrativa e se deslocam até o lugar do oprimido, percebendo a brutalidade
da ação do Brás Cubas criança.
A descrição do ocorrido com o escravo é a visão do personagem branco, dentro da so-
ciedade escravocrata, onde existia normalização da violência e a desumanização do homem
negro. Apesar do negro (e outros personagens a margem da sociedade) aparecerem como
pano de fundo, dentro de uma narrativa maior no romance, onde o protagonista é o
582 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
583 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
os personagens (Brás Cubas e Prudêncio) e tomam proporções maiores quando furam a
bolha do enredo do livro e procuram justificativas na origem do autor.
Machado mostra as dinâmicas de poder dentro da aristocracia e a violência da hie-
rarquização de detentores de patamares hierárquicos maiores. Usando como artifício a
narrativa de resistência, permeado de com referências cifradas e imagens veladas espe-
rando serem significadas pelo leitor. Há um processo de produção de sentidos dentro
da narrativa que apontam para a dimensão do “não dito”. Sendo que o “não dito” é o
movimento de ocultação e insinuação direcionando ao pertencimento afrodescendente
do autor “por entre as frestas de uma linguagem marcada por um processo dissimulador”
(Duarte, 2020).
Contexto Histórico
Eni Orlandi (2007), no livro As formas do Silêncio, explica que qualquer coisa serve
para significar, “[...] qualquer matéria significante explode os limites do sentido. Um pro-
cesso de significação, uma vez posto em circulação, pega tudo”. É graças ao processo de
significação que os sentidos das palavras são múltiplos e os silêncios também. Já a lingua-
gem, “organiza” o silêncio traduzindo-o em palavras.
585 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
A autora afirma, que a relação entre os processos discursivos e a língua está na base da com-
preensão do imaginário - já que os processos discursivos se desenvolvem na estrutura da língua,
“Sem considerar a historicidade do texto, os processos de construção dos efeitos de sentidos,
não é impossível compreender o silêncio” (Orlandi, 2007). Por isso a necessidade de entender
o contexto no qual a obra Machadiana foi escrita, para mapear os processos de construção dos
sentidos no capítulo XI de Memórias Póstumas de Brás Cubas. As significações do silêncio
abordadas a seguir estão ligadas a dimensão do “não dito”. O episódio em que Prudêncio serve
de cavalinho ao seu senhor e a questão do silenciamento do escravo dentro da narrativa.
Para dar significado ao silêncio, Orlandi afirma que existem alguns tipos de silêncios.
Entre eles: o silêncio fundador, aquele que existe nas palavras, que significa o não dito e dá
espaço para recuo significante, a política do silenciamento que silenciar algo, o silêncio cons-
trutivo que indica que para dizer é preciso não dizer e o silêncio local, aquilo que é proibido
dizer em uma certa conjuntura (Orlandi, 2007).
E o personagem principal está morto para mostrar a sua real face, sem as amarras das
máscaras sociais.
Estar morto é a característica fundamental para o personagem principal enunciar o
verdadeiro pensamento daquela parcela da sociedade. O personagem defunto autor, livre
das amarras sociais, foi a forma encontrada por Machado de Assis para fazer crítica social.
Já os personagens de classe baixa, “inferiores” socialmente, aparecem no cotidiano da his-
tória. Contudo eles não são mera ilustração das políticas de silenciamento da época, mas
sim a base que ajuda o desvelamento do comportamento nocivo da aristocracia dentro da
história ficcional.
Essa perspectiva é única porque é do autor Machado de Assis, um homem autor que
transitava pelos dois mundos, o da herança negra em suas origens e a do meio aristocrata,
onde observava esses comportamentos de perto. Conforme Edgar Morin (2009) a in-
fluência dos meios comunicacionais no dia-a-dia afeta a vida do sujeito. Sendo assim, as
influências comunicacionais que moldaram a personalidade de Machado. Essa personali-
dade, o “eu interior”, é a união entre o imaginário e o real; e o imaginário da modernidade
O subjetivo do autor tem ligação direta com o real, essa proximidade realizada pelo
imaginário do sujeito é um processo de projeção e identificação. Logo, aprofundamento
de todas as esferas de existência de Machado de Assis revela o significado do “não dito”
enunciado na significação de suas camadas narrativas, contexto histórico e reconstrução
da vida privada.
Conclusão
Conforme Michael Pollak (1968) para o sujeito relatar os seus sofrimentos, ele precisa
encontrar uma escuta. Em memórias Póstumas de Brás Cubas o sujeito que sofre opressão
é representado pelos personagens que estão à margem da sociedade, como escravos, mu-
lheres, pobres, emigrantes, etc. Eles formam um tipo de memória clandestina do subalter-
no reprimido do Brasil no século XIX.
Então, colocar a escravidão como memória clandestina dentro da narrativa macha-
587 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
diana é um ponto fora da curva quando pensamos na memória coletiva, pois o discurso
de poder é sempre instaurado por uma elite dominante (Pollak, 1968). De acordo com
Pollak, é a Memória coletiva que estrutura hierarquias e classificações, “uma memória que
também ao definir o que é comum a um grupo e o que o diferencia dos outros, fundamen-
ta e reforça os sentidos de pertencimento e as fronteiras sócio culturais”.
Pollak afirma que memórias subterrâneas quando emergem da superfície subvertem
o silêncio daqueles que estão à margem. Então, quando Machado de Assis inseriu em sua
obra a reprodução de uma violência corriqueira vinculada a uma memória subterrânea
ligada à escravatura, Machado coloca, de certa forma, em evidência a minoria social, e
chama a atenção para aquela cena. Logo, a memória subterrânea confronta a memória
coletiva criada pela elite, permanece viva e evidencia os abusos da classe oprimida.
Quando ocorre esse canal de escuta, talvez as memórias subterrâneas só sejam com-
preendidas a longo prazo. Contudo a sua transmissão fica intacta até o dia em que elas
possam aproveitar para invadir o espaço público e passar do não dito, do silêncio à contes-
tação e a reivindicação (Pollak, 1968)
Resumo
O autor Machado de Assis, representa na obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, um grupo
de escravos marginalizados e silenciados pela sociedade brasileira do século XIX, no Rio de Janeiro,
através do personagem Prudêncio. Machado de Assis mostra as dinâmicas de poder dentro da aris-
tocracia brasileira e a violência da hierarquização contida no discurso da elite. O presente ensaio
analisa o silenciamento do personagem Prudêncio, descrito no capítulo XI – O Menino é Pai do
Homem, do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, como artifício narrativo de denúncia
social e resistência negra.
Referências
Assis, M. (1994) Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar.
Bosi, A. (2006). A História Concisa do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
Imprensa Oficial do Estado.
Candido, A. (2014). Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul.
Duarte, E. (2020). Machado de Assis Afrodescendente: antologia e crítica. Rio de Janeiro: Malê.
588 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Morin, E. (2009) Cultura de Massa no Século XX: O espírito do tempo. Rio de Janeiro. Editora
Forense Universitária.
Muricy, K. (1988) Razão e Cética: Machado de Assis e as questões do seu tempo. São Paulo:
Companhia das Letras.
Orlandi, E. (2007). As formas do silêncio. No movimento dos sentidos. Campinas: Unicamp.
Pollack, M. (1989) Memória, esquecimento, silêncio, Estudos Históricos, Rio de Janeiro.
Anexo
Cresci; e nisso é que a família não interveio; cresci naturalmente, como crescem as
magnólias e os gatos. Talvez os gatos sejam menos matreiros, e, com certeza, as magnólias
são menos inquietas do que eu era na minha infância. Um poeta dizia que o menino é pai
do homem. Se isto é verdade, vejamos alguns lineamentos do menino. Desde os cinco anos
589 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
que, mais do que as orações, me governavam os nervos e o sangue, e a boa regra perdia o
espírito, que faz viver, para se tornar uma vã fórmula. De manhã, antes do mingau, e de
noite, antes da cama, pedia a Deus que me perdoasse, assim como eu perdoava aos meus
devedores; mas entre a manhã e a noite, fazia uma grande maldade, e meu pai, passado o
alvoroço, dava-me pancadinhas na cara, e exclamava a rir. Ah! Brejeiro! Ah! Brejeiro! Sim,
meu pai adorava-me. Tinha-me esse amor sem mérito, que é um simples e forte impulso
da carne; amor que a razão não contrasta nem rege. Minha mãe era uma senhora fraca, de
pouco cérebro e muito coração, assaz crédula, sinceramente piedosa, – caseira, apesar de
bonita, e modesta, apesar de abastada; temente às duas trovoadas e ao mando. O marido
era na Terra, o seu deus. Da colaboração dessas duas criaturas nasceu a minha educação,
que, se tinha alguma coisa boa, era no geral viciosa, incompleta, e, em partes, negativa.
Meu tio cônego fazia às vezes alguns reparos ao irmão; dizia-lhe que ele me dava mais liber-
dade do que ensino a mais afeição do que emenda; mas meu pai respondia que aplicava na
minha educação um sistema inteiramente superior ao sistema usado; e por este modo, sem
confundir o irmão, iludisse a si próprio. Havia em minha mãe uma sombra de melancolia,
poderia atinar facilmente com um trecho de Tertuliano, ou expor, sem titubear, a história
do símbolo de Nicéia; mas ninguém, nas festas cantadas, sabia melhor o número e caso
das cortesias que se deviam ao oficiante. Cônego foi a única ambição de sua vida; e dizia
de coração que era a maior dignidade a que podia aspirar. Piedoso, severo nos costumes,
minucioso na observância das regras, frouxo, acanhado, subalterno, possuía algumas vir-
tudes, em que era exemplar, mas carecia absolutamente da força de as incutir, de as impor
aos outros. Não digo nada de minha tia materna, Dona Emerenciana, e aliás era a pessoa
que mais autoridade tinha sobre mim; essa diferenciava-se grandemente dos outros; mas
viveu pouco tempo em nossa companhia, uns dois anos. Outros parentes e alguns íntimos
não merecem a pena de ser citados; não tivemos uma vida comum, mas intermitente, com
grandes claros de separação. O que importa é a expressão geral do meio doméstico, e essa
aí fica indicada – vulgaridade de caracteres, amor das aparências rutilantes, do arruído,
frouxidão da vontade, domínio do capricho, e o mais. Dessa terra e desse estrume é que
nasceu esta flor.
O presente trabalho é uma análise preliminar sobre a interferência dos Estados Unidos
da América (EUA) e da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) na Guerra
da Ucrânia, iniciada com a invasão russa no território ucraniano em 24 de fevereiro de
2022. Tem como objetivo evidenciar as principais ambições das partes envolvidas, as
consequências já produzidas nas diversas esferas da vida societal/política e suas prováveis
conexões com outros fenômenos em curso de escala global. Portanto, o presente artigo
abordará a guerra na Ucrânia também como um marco da retração político/democráti-
591 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
ca experimentada globalmente, da desconstituição da Nova Ordem Mundial/Consenso
Washington/Globalização, que emergiram após a queda do Muro de Berlim e a dissolução
da União Soviética. Desta forma, a guerra da Ucrânia é posta em um processo global de
retração política, de retração democrática e antiglobalização.
Neste trabalho, (i) será apresentado um painel da Guerra da Ucrânia, iniciada com um
movimento de invasão do território ucraniano pela Rússia, destacando suas consequências
e as respostas dadas pelos Estados Unidos da América, OTAN e União Europeia a esta
crise; (ii) a questão será analisada sob ótica de uma crise da Nova Ordem Mundial e da
falência do globalização econômica (globalismo), a emergência de um processo de retração
política que tem afetado diversos regimes políticos e a retração democrática, com o avanço
crescente dos extremismos em diversos tipos de Estado.
1
Professor Adjunto da Cadeira de Ciência Política da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. E-mail:
franciscoearaujo@gmail.com
2
Lewis Carroll. Alice no país das maravilhas.
593 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Na eleição presidencial de 25 de maio de 2014, o bilionário Petro Poroshenko, o rei
do chocolate, foi eleito presidente, sendo candidato independente. Durante o seu man-
dato foram assinados os protocolos de Minsk 2014 e 2015, pondo um breve cessar-fogo
na Guerra em Donbas, que envolvia a Ucrânia e os separatistas (pró-Rússia) de Donetsk
e Lugansk. Mas, seu governo não respondeu satisfatoriamente aos anseios de mudança
política e de reforma no judiciário5, as velhas práticas políticas e a corrupção nas empresas
estatais permaneceram.
Em termos de desempenho na eleição presidencial de 25 de maio de 20146, os grupos
que mais atuaram no Euromaidan obtiveram a seguinte votação:
• Yulia Tymoshenko, partido Pátria (centro direita/conservador): 12,81% dos votos;
• Oleh Lyashko, partido Radical (centro democrata/nacionalista): 8,32% dos votos;
5
Fonte: DW. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/cinco-anos-ap%C3%B3s-maidan-reformas-a-
van%C3%A7am-devagar-na-ucr%C3%A2nia/a-46396680
6
Fonte: IFES. Disponível em: https://www.electionguide.org/elections/id/2338/
7
Fonte: BBC. Disponível: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-49845510
8
Texto integral está disponível em: https://mid.ru/ru/foreign_policy/rso/nato/1790803/?lang=en
595 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Questão muito crucial para a Rússia que, após a queda do muro de Berlim e a emer-
gência da Nova Ordem Mundial com o Globalismo/Consenso de Washington, sofreu
uma verdadeira falência, com recessão e inflação que atingiu 245%. A Rússia, após a extin-
ção da União Soviética, adotou o modelo econômico generalizado nos países periféricos,
com ampla desregulamentação financeira. Além de ter sido relegada a uma posição menor
no cenário mundial, só lhe restando como diferencial um arsenal nuclear e nessa condição
sheet/167/o-alargamento-da-uniao
597 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
(energia), alimentos (grãos) e fertilizantes (insumos agrícolas). Mas, principalmente pela
implementação de um novo regime político econômico. A Rússia se recuperou a partir
de uma combinação de fatores que articulou seletividade estratégica na adoção de medi-
das e intervenção estatal em alguns setores, afastando-se do receituário do Consenso de
Washington, mas com o aprofundamento de um regime autocrático. Fortalecimento au-
tocrático da Rússia combinado com sua melhora econômica resultou em uma significativa
modernização do seu arsenal tecnológico bélico.
Que protagonismo a Rússia atualmente quer? O que a Rússia realmente quer a partir
da guerra na Ucrânia? São as perguntas que a União Europeia, vizinha da guerra e da
Rússia precisam saber das respostas.
Para fins da análise aqui proposta e melhor possibilitar debates e reflexões sobre o tema
em tela, o conceito globalismo será usado para a globalização econômica assimétrica, com
A Nova Ordem Mundial e o globalismo geraram elementos que parecerem ter fugido
do cálculo. Enquanto diversos países da América Latina e a Rússia (da década de 1990) se-
guiram o receituário econômico de primeira e até de segunda geração não experimentaram
desenvolvimento ou um crescimento significativo, uns até amargaram fortes recessões, a
exemplo da Rússia. A China e um pouco a Índia, apareceram como um ponto fora da
curva. Sendo que a China se firmou de forma isolada como a segunda maior economia do
mundo e não seguindo as regras do Consenso de Washington. A Índia também consegui
significativo crescimento econômico com uma estratégia parecida com a da China.
As sucessivas crises financeiras, particularmente as de 2007/2008 surgidas com a vi-
gência do Consenso de Washington criaram uma crise de legitimidade para o próprio
consenso. Momento em que Wall Street ficou cambaleante e os Estados Unidos, de uma
certa maneira, ridicularizados.
Desde o Consenso de Washington o Globalismo, a soberania do Estado Nação e a
Democracia formaram a tríade desafiadora para a estabilidade e o crescimento econômico
dos diversos tipos de países pelo mundo.
599 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
como a Aryan Nation, Vanguard America, Alt Right, Oath Keeprs11 etc. colocaram os EUA
como um dos principais polos de disseminação e formação desse tipo de extremismo.
Mas, a extrema-direita tem também assumido um lugar cada vez mais de destaque
na arena política europeia, berço da ideologia fascista/nazista. Na França, a candidata da
extrema-direita Marine Le Pen, na eleição de 24 de abril de 2022, obteve 41 % dos votos.
Na Itália, o partido de extrema-direita Irmãos da Itália conquistou 26% dos votos e levou
Giorgia Meloni ao posto de Primeira Ministra da Itália. Apesar de não chefiar o governo da
Alemanha, o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha se firmou no espaço
político alemão obtendo 10,3% na eleição de 26 de setembro de 202112.
A invasão da Capitólio dos Estados Unidos da América, em 06 de janeiro de 2021, é
emblemático quanto aos dilemas vividos por diversas sociedades, mesmo nos países mais
11
O Oath Keeprs participou ativamente da invasão do Capitólio em Washigton – USA.
12
Fonte: https://www.dw.com/pt-br/mais-radical-ultradireita-se-consolida-na-paisagem-pol%C3%ADtica-
-alem%C3%A3/a-59315898
13
Para maior aprofundamento sobre a extrema direita na Europa e na América ver: Allchorn, W. & Dafnos,
A. (2020) “Far-Right Mobilisations in Great Britain: 2009-2019” London, UK: Centre for Analysis of the
Radical Right).
601 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
• As armas hipersônicas utilizadas pela Rússia, certamente vão impulsionar uma cor-
rida armamentista tecnológica;
• O uso de drones em guerra não é novidade, mas os dois lados usando esse equipa-
mento em ataques põe em questão o futuro das naves tripuladas para o controle do
“céu”. As modernas aeronaves tripuladas russas encontraram a barreira das baterias
antiaéreas doadas por países da OTAN à Ucrânia e não conseguiram o mesmo êxito
que tiveram na Síria;
• Enquanto guerra híbrida é também uma guerra de versões, de narrativas e ocultação
de dados e esforço de desinformação. A falta de dados sobre o montante de óbitos por
órgãos independentes deixa totalmente obscuro o grau de letalidade e, obviamente,
o custo humano. Ao contrário da guerra do Iraque, não há transmissões ao vivo dos
combates e dos bombardeios por canais de televisão. A maioria das imagens e infor-
mações que são divulgadas são produzidas pelas próprias partes em confronto.
• É uma guerra que tem potencializado processos inflacionários, de escassez e de
segurança alimentar global;
Considerações de encerramento
14
Fonte: ACNUR. Disponível: https://www.acnur.org/portugues/2022/06/10/acnur-atualiza-dados-sobre-
-pessoas-refugiadas-na-ucrania-para-refletir-movimentos-recentes/#:~:text=De%20acordo%20com%20
novos%20dados,e%20depois%20seguiram%20em%20frente.
Referências Bibliográficas
603 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
GURR, Ted Robert (1985). Manual do político. Brasília: Ed. UnB.
RODRIK, Dani (s/d). The globalization paradox, Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/
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SERRANO, Franklin e MAZAT, Numa (2017). A macroeconomia da Federação Russa: do tra-
tamento de choque à recuperação nacionalista – uma interpretação heterodoxa. In.: Revista
Tempo do Mundo, v.3, nº 1, jan. 2017.
Introdução
605 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
nua da qualidade dentro e fora do Serviço Nacional de Saúde. Adaptam a liderança e a gestão
dos recursos às situações e ao contexto visando a otimização da qualidade dos cuidados, com
resultados de inequívoca saúde para as instituições (Ordem dos Enfermeiros, 2012; 2019).
O presente artigo surge no âmbito da aplicação de modelos de melhoria da ges-
tão dos cuidados e da promoção da qualidade na oferta de cuidados pela equipa da
Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI) São Silvestre, valência integrada numa
Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), a Associação de Desenvolvimento e
Melhoramentos Estrela, doravante designada por ADM Estrela.
A ERPI está localizada no meio rural, numa aldeia do concelho da Guarda, denomi-
nada de Vale de Estrela. Acolhe 20 utentes (ADM Estrela, 2022).
Neste sentido, surge como objetivo geral deste trabalho a aplicação de metodologias de
Gestão da Qualidade, pela equipa de saúde da ADM Estrela, liderada pelos Enfermeiros
1
Enf.ª Especialista em Enfermagem Médico-cirúrgica, ADM Estrela - ba_monteiro12@hotmail.com
2
Enf.ª Especialista em Enfermagem Médico-cirúrgica, detentora de competência avançada em gestão, Vice-
presidente da ADM Estrela - icalopes@hotmail.com
Definições
Estilos de Liderança
606 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
A liderança é um tópico fundamental nas questões laborais pois está na base do sucesso
ou insucesso das equipas, dos organismos, das instituições (Melo et al., 2017). A liderança
está intimamente relacionada com as competências de comunicação e de transmissão de
ideias. Agir é comunicar. E, fazê‐lo de forma eficaz, implica atender aos diferentes interes-
ses da equação e não perder de vista os diferentes destinatários da comunicação.
Pode considerar-se que antes da intervenção dos Enfermeiros Especialistas na ERPI –
Lar de S. Silvestre, a liderança preponderante era tendencialmente liberal, tendo em conta
as experiências dos recursos humanos que ali trabalhavam e a tipologia de cuidados pres-
tados, contudo a estratégia dos Enfermeiros Especialistas foi conduzi-la a que fosse o mais
emocional possível, não perdendo os traços vantajosos da liderança autocrática, tornando
o dia-a-dia da ERPI, mais humanizado, operacional, justo, transparente e dinâmico.
Até aqui, a equipa não tinha um modelo de líder assumido, sendo que cada elemento
agia de acordo com a sua opinião. Estava circunscrita a chefia, mas não a liderança. A mo-
tivação encontrava-se amplamente afetada pois os níveis de desorganização eram elevados.
607 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
colaboradores (equipa) e entre utentes. Algumas diretrizes foram apontadas para orientar
e treinar o novo líder ao nível das competências socio-emocionais com foco na inteligên-
cia emocional e na regulação das emoções. Contudo, a principal tónica, recai, ainda no
problema comunicacional. As experiências vividas durante quase trinta anos de algumas
colaboradoras na ERPI, apesar de alternância na liderança, sedimentaram uma tipologia
de comunicação vertical e horizontal nem sempre producente, correta, afetiva, o que difi-
culta qualquer intervenção e estratégia de melhoria.
Contudo, é fulcral incutir a ideia de que a produtividade passa pela qualidade dos
cuidados prestados e esta tem de ser objetiva.
Material e Métodos
Objetivos
Balanced Scorecard
O Balanced Scorecard (BSC) é uma ferramenta que traduz a visão e a estratégia de uma
empresa num conjunto coerente de objetivos e medidas de desempenho, organizados se-
gundo quatro perspetivas diferentes: financeira, do cliente, processos internos e de apren-
dizagem/crescimento. Traduz a estratégia em objetivos e medidas através de um conjunto
equilibrado de perspetivas. O BSC inclui medidas dos resultados desejados e dos processos
capazes de assegurar a obtenção desses resultados desejados no futuro.
Formulação Estratégica
Caracterização da Unidade
609 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
que contribuam para o bem-estar das populações, organização de colóquios, conferências
e seminários, assim como apoio na organização de processos e prestação de serviços para a
execução dos objetivos anteriormente referidos.
A ADM Estrela pretende assumir um papel social de reconhecido valor no que res-
peita ao apoio junto das populações que apresentam maior vulnerabilidade social e tem
vindo a aumentar a sua oferta no que respeita ao apoio social e intervenção junto das
populações.
Sediada em Vale de Estrela, a sua intervenção abrange também Guarda, Pinhel,
Manteigas, Belmonte, Castelo Branco e Lisboa. Trabalha com entidades parceiras interna-
cionais, nomeadamente com instituições espanholas, cabo-verdianas e santomenses.
De forma a dar resposta às diferentes necessidades da população em geral, a ADM
Estrela dispõe das seguintes respostas sociais:
• Infância e Juventude: Jardim-de-Infância; Centro de Atividades e Tempos Livres;
Creche e Jardim de Infância Favo de Mel; Centro Juvenil Grémio;
• Infância e Juventude Especializada: Casa de acolhimento de Jovens e Crianças;
Tendo por base o modelo assertivo de uma organização aprendente (visão e gestão
estratégica, empreendedora, mobilizadora de parcerias e de empowerment, inovadora, valo-
rizadora, tolerante e articuladora de recursos e meios) à ADM Estrela tem acrescido uma
responsabilidade, cada vez maior, na tomada de atitudes e medidas de implementação de
boas práticas de solidariedade social, as quais se transformam e se transformarão, por certo,
em importantes mais-valias de desenvolvimento dos territórios e de afirmação das comuni-
dades. Todas as atividades que desenvolve e o modo como funciona têm um único sentido:
desenvolver respostas adequadas ao tecido populacional que abrange, conferindo-lhes uma
vivência com mais qualidade.
Da mesma forma e a par da dimensão transnacional, fruto de uma rede sólida de par-
ceiros, belgas, franceses, alemãs, espanhóis irlandeses, italianos, gregos, e holandeses criada
610 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
e solidificada em fortes relações de trabalho e confiança tem potenciado, per si, excelentes
resultados.
Missão
Visão
Vetores Estratégicos
Os vetores estratégicos são o que a estratégia define para ser alcançado em cada pers-
petiva, ou seja, são os caminhos a seguir para atingir a visão delineada.
611 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Vetores estratégicos para a unidade:
• Excelência dos cuidados e
• Promoção da satisfação.
Análise SWOT
– Referência Regional da Instituição e da sua ERPI – Práticas instituídas, qualidade dos processos e dos
– Estilo de liderança praticado procedimentos
– Estrutura física relativamente nova e foco na modernização – Conhecimentos em práticas de cuidado ao utente
e adaptação dos espaços pela direção (aplicabilidade de cuidados específicos)
– Disponibilidade para aquisição de materiais – Inexistência de horas adequadas para cuidados
– Know-how dos Recursos Humanos (potencial motivação
das equipas)
– Multiatividades e multiprojetos da instituição
Oportunidades Ameaças
STRENGHTS WEAKNESSES
– Estrutura física relativamente nova – Práticas instituídas, qualidade dos
613 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Matriz SWOT no (S1) processos e dos procedimentos (W1)
Balanced Scorecard – Disponibilidade para aquisição de – Conhecimentos em práticas de
(F) FINANCEIRA materiais (S2) cuidado ao utente (aplicabilidade de
(C) CLIENTES – Recursos Humanos (potencial motiva- cuidados específicos) (W2)
(P) PROCESSOS ção das equipas) (S3) – Inexistência de horas adequadas para
(A) APREND. & CRESC. – Multiatividades e multiprojetos da cuidados (W3)
instituição (S4) – Inadequação da articulação médico-
-enfermeiro (W4)
OPORTUNITIES MAXI-MAXI MINI-MAXI
– Possibilidade de incluir em – F) Estratégia: utilizar a estrutura física – (F) Estratégia: aplicabilidade de
“carteira” outros clientes, para atrair novos clientes cuidados específicos ao utente
novas áreas de mercado e, – (C) Estratégia: Usar a aquisição de para competir no mercado local e
consequentemente, lucros materiais inovadores para demonstrar regional
(O1) mudança e consequente satisfação dos – (C) Estratégia: Aumentar a qualida-
– Competição no mercado clientes de das práticas e procedimentos para
local e regional enquanto – (P) Estratégia: Usar a disponibilidade atrair e satisfazer novos clientes
referência (O2) para aquisição de materiais de forma – (P) Estratégia: Disponibilizar a
– Disponibilização de infor- a tornar possível a informatização da informação em suporte informático
mação em suporte infor- informação para adequar a articulação médico-
mático (O3) – (A) Estratégia: Aproveitar a existência -enfermeiro
– Melhoria na prestação de de várias atividades da empresa para – (A) Estratégia: Adequação da ar-
cuidados acompanhando a melhorar e evoluir na prestação de ticulação médico-enfermeiro para
evolução na saúde (O4) cuidados acompanhar a melhoria da prestação
de cuidados e evolução na saúde
Implementação Estratégica
Uma organização, para atingir os seus objetivos, deve não só formular, mas também
implementar de forma eficaz as estratégias formuladas.
Mapa Estratégico
Perspetiva de
Formação para melhorar as
Aprendizagem e Melhorar a articulação/transmissão de informação
práticas e procedimentos
Crescimento
615 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
serviços de saúde necessitam de criar e garantir a qualidade a partir da existência de uma
cultura de mudança na organização.
Só se atinge o grau de excelência dos cuidados se tivermos bons processos de formação pro-
fissional e indiscutíveis mecanismos de avaliação dos serviços. Em sua opinião são estes os dois
pilares que garantem a qualidade dos serviços e a capacidade de desenvolvimento dos mesmos.
A qualidade total, em termos internos é algo que apela à rentabilidade da organização
e à utilização correta dos seus recursos humanos e materiais, apelando para a perfeição, em
termos externos procura a satisfação do consumidor e a concorrência competitiva.
A gestão da qualidade total é um esforço totalmente integrado e é total quando cada
pessoa da organização estiver envolvida, as exigências dos clientes forem satisfeitas e os
gestores do topo estiverem totalmente comprometidos.
É necessário que a qualidade seja considerada atingível e que os profissionais atendam,
reflitam e avaliem os custos da não qualidade. É igualmente importante avaliar os riscos e
conhecer os pontos fortes e fracos da gestão da qualidade total. Os pontos fortes são:
• Colocar o cliente em primeiro lugar e a sua satisfação como objetivo principal;
• Fornecer um conjunto de técnicas de gestão baseadas em instrumentos de medição;
Sabemos que não pode haver qualidade sem pessoas motivadas e treinadas para essa
mesma qualidade. A qualidade não é uma questão de moda, mas sim a evolução normal
das metodologias de bem gerir pessoas com a visão de obter melhores resultados como
meio de estimular o desenvolvimento acelerado de novos sectores, ou seja, a nova forma
de visão da gestão nas nossas organizações.
Indicadores de qualidade
617 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Na procura permanente da excelência no exercício profissional, o enfermeiro persegue
os mais elevados níveis de satisfação dos clientes e ajuda os clientes a alcançarem o máximo
potencial de saúde. O enfermeiro previne complicações para a saúde dos clientes e maximi-
za o bem-estar dos clientes e suplementa / complementa as atividades de vida relativamente
às quais o cliente é dependente. Conjuntamente com o cliente, o enfermeiro desenvolve
processos eficazes de adaptação aos problemas de saúde e contribui para a máxima eficácia
na organização dos cuidados de enfermagem (Ordem dos Enfermeiros, 2012; 2019).
619 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
de efetivos programas de qualidade, aduzidos também à avaliação da melhoria continua.
Resumo
Referência Bibliográfica
Introducción
El concepto de Raya hispano-lusa o Raya ibérica evoca a un espacio geográfico con una
dilatada trayectoria histórica y una marcada personalidad basada en su riqueza patrimo-
nial (tanto cultural como natural). Es la frontera más antigua de Europa (Cabero, 1997)
y su formación se remonta a los tratados de Badajoz (1267) y Alcañices (1297) (Medina,
2006). La delimitación vigente en la actualidad se acordó en el Tratado de Lisboa, firmado
en 1864. Sus 1.234 km de longitud hacen que sea la frontera más larga entre los estados
miembros de la Unión Europea (v. figuras 1 y 2).
621 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Figura 1 – Hito (mojón) 494 junto al río Turones, en las Figura 2 – Señalización fronteriza sobre el puen-
proximidades de la carretera DSA-478 que une Aldea te internacional entre San Martín del Pedroso
del Obispo (Salamanca, España) con Vale da Mula (Zamora, España) y Quintanilha (Bragança,
(Almeida, Portugal). Portugal). N-122-A y N218-1.
1
Personal Investigador en Formación, Departamento de Geografía. Universidad de Salamanca. Esta pu-
blicación se inscribe en el proyecto “CEI: Plataforma Transfronteiriça para a Difusão do Conhecimento”
(referencia 0505_CEI_PT_3_P), en el marco del programa INTERREG V-A España-Portugal (POCTEP).
Investigadora principal: Dra. Dña. María Isabel Martín Jiménez (USAL). Colaboré recabando estadísticas
de la frontera, realizando bases de datos y confeccionando cartografía temática.
tigación es estudiar los cambios demográficos que han tenido lugar en la franja rayana de
Castilla y León con Portugal con la finalidad de identificar las zonas más afectadas por
procesos de regresión poblacional y de envejecimiento. Para ello se analizan las principales
variables con el objeto de obtener una visión de conjunto y conocer la situación con la
que este territorio se enfrentará a los retos de futuro, marcados por una lucha frente a la
despoblación y la búsqueda de la vertebración y cohesión regional. Asimismo, se esbozarán
someramente algunas de las iniciativas y estrategias que se han llevado a cabo para dina-
mizar estos espacios.
2
Precisamente, Pintado y Barrenechea (1972) pusieron en evidencia la precariedad de los servicios y las
brechas socioeconómicas.
623 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
3
En 2003 se establecieron, con carácter legal, tres niveles de unidades territoriales estadísticas (NUTS)
(Reglamento (CE) n° 1059/2003). También se acordó un sistema de Unidades Administrativas Locales
(LAU) compuesto por dos niveles hasta 2016 y desde 2017 por un solo nivel.
4
Las diferentes investigaciones científicas e informes técnicos han empleado distintas delimitaciones en fun-
ción de su objetivo. Tomando como ejemplo la Raya de Castilla y León, algunos trabajos académicos han
considerado la división comarcal agraria para concretar el ámbito de estudio, bien centrados en las pertene-
cientes a una de las dos provincias (Sánchez y Cabero, 1994) o bien a lo largo de la frontera de la comunidad
con las regiones Centro y Norte de Portugal (Caramelo, 2007, p. 44 y pp. 385-452; Martín y Hortelano,
2017; Hortelano y Fernández, 2022). En otros casos, como en el Programa de Cooperación Transfronteriza
España-Portugal (POCTEP) 2021-2027 (en el marco de INTERREG), el desglose del espacio que abarca
se basa en las NUT III, un total de 36, pertenecientes a ambos países (para Castilla y León se incluyen, por
ejemplo, las provincias limítrofes de Zamora y Salamanca, y las adyacentes de León, Valladolid y Ávila con
menor participación en los fondos comunitarios transfronterizos).
Métodos y fuentes
625 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
la atención desde distintos ámbitos y las publicaciones sobre esta temática han tenido cierta
continuidad en el tiempo (Cabero y Plaza, 1987; Sánchez y Cabero, 1994; Baraja, 2003;
Cabero, 2008; Díez y Pardo, 2020). La lejanía y posición de borde en los márgenes de los
territorios soberanos motivó, en los últimos años del siglo XX y comienzos del XXI, la preo-
cupación por diagnosticar sus debilidades y potencialidades7. En los últimos años, debido a
la intensidad de la despoblación que amenaza los espacios rurales rayanos, ha adquirido
un nuevo impulso; algunas investigaciones se han orientado a abordar las dinámicas y la
5
El municipio de Ciudad Rodrigo, con 12.065 habitantes es el único que supera los 10.000; el siguiente con más
población es Vitigudino, con 2.410. El resto no superan los 2.000 habitantes y el 53% tienen menos de 500.
6
Este aspecto debe ser tenido en cuenta bajo una doble vertiente: por un lado, desde la óptica del valor eco-
lógico de sus paisajes, muchos de los cuales cuentan con figuras de protección y han sido empleados como
reclamo turístico; por otro lado, desde la orientación a la producción de energía a través del aprovechamien-
to hidroeléctrico.
7
Conviene señalar, por ejemplo, que, en 1999, la Junta de Castilla y León encargó a las cuatro universidades
públicas la elaboración de una investigación sobre las áreas periféricas de la comunidad, fruto de la preocu-
pación política (Cabero, 2004, pp. 81-83).
de Información Geográfica ArcGIS 10.5 (ESRI) y las capas de referencia con las distintas
geometrías territoriales –producidas por el Instituto Geográfico Nacional (IGN) – se han
obtenido a través del Centro de Descargas del Centro Nacional de Información Geográfica
(CNIG). Por otra parte, se han confeccionado diversos gráficos para presentar los resultados.
Con todo ello se ofrece una panorámica de conjunto acerca de la dimensión y evolu-
ción de la despoblación de la Raya castellano-leonesa con Portugal y de la incidencia de las
distintas líneas de intervención para la urgente dinamización demográfica.
627 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
trama municipal. En la últimas dos décadas se han incrementado un 12% los municipios
que poseen entre 101 y 200 habitantes y se ha triplicado el número de los que cuentan con
menos de 100 habitantes, acentuándose así los espacios de abandono humano (v. tabla 2).
Figura 4. Evolución demográfica en las comarcas fron- Figura 5. Evolución de la población en las comarcas
terizas (índice 1950=100). rayanas (1960, 1991, 2021).
Tabla 2. Tamaño de los municipios por habitantes en la Raya de Castilla y León (2001, 2011, 2021).
Fuente: Instituto Nacional de Estadística, Padrón de habitantes. Elaboración propia.
mente pobladas. A esta situación se añade que, a escala local, el número de municipios
con una densidad inferior a los 3 hab/km2 se ha incrementado en los últimos 20 años;
representan en la actualidad una cuarta parte, lo que implica serias dificultades para la
sostenibilidad territorial (v. tabla 3). También han aumentado los municipios con una
densidad entre 3 y 5 hab/km2. Por el contrario, se han reducido casi a la mitad aquellos
con densidades superiores a 12,5 hab/km2 (de los 17 que había en 2001 solo quedan
10), por lo que únicamente el 5,5% de los municipios se hallan fuera del riesgo de des-
población. Estas zonas menos afectadas coinciden con las cabeceras comarcales y con los
núcleos que tienen alguna función de centralidad y oferta de servicios, como Aldeadávila
de la Ribera, Lumbrales, Fuentes de Oñoro, Fermoselle, Villavieja de Yeltes o Masueco.
Los espacios con menores densidades de población (donde se concentran buena parte de
los municipios con menos de 3 hab/km2) y una mayor brecha demográfica se localizan,
sobre todo, en las comarcas de Sanabria y Alto Aliste, así como en la franja oriental de
Vitigudino (v. figura 6).
629 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
8
En esta fecha, el 8,8% de la población tenía menos de 15 años, el 55,6% poseía una edad comprendida
entre 15 y 64 años y el 35,6% eran mayores de 65.
9
En dos décadas, los habitantes con más de 65 años se han incrementado un 3,8%, mientras que los jóvenes
se han reducido un 2,6%, acentuándose aún más el proceso de envejecimiento.
Sanabria 452 5,46 4.542 54,91 3.277 39,62 8.271 7,25 82,10
Aliste 476 4,30 5.495 49,58 5.111 46,12 11.082 10,74 101,67
Sayago 388 5,18 4.017 53,63 3.085 41,19 7.490 7,95 86,46
Vitigudino 827 5,46 8.165 53,86 6.168 40,69 15.160 7,46 85,67
Ciudad
1.824 8,29 12.633 57,42 7.545 34,29 22.002 4,14 74,16
Rodrigo
Raya de
3.967 6,20 34.852 54,45 25.186 39,35 64.005 6,35 83,65
Castilla y León
Provincia de
15.489 9,18 100.582 59,61 52.654 31,21 168.725 3,40 67,75
Zamora
Provincia de
36.389 11,12 203.133 62,06 87.816 26,83 327.338 2,41 61,14
Salamanca
Castilla y León 276.004 11,58 1.493.624 62,67 613.511 25,74 2.383.139 2,22 59,55
Tabla 4. Estructura por edad en las comarcas de la Raya de Castilla y León en 2021.
Fuente: Instituto Nacional de Estadística, Padrón de habitantes (2021).
631 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
La configuración de la pirámide para el conjunto fronterizo en 2021 revela el au-
mento en la esperanza de vida y la mayor longevidad de la mujer. Por otra parte, la
presencia de cohortes huecas en varias pirámides municipales, especialmente entre la
población joven, pone de manifiesto la desestructuración demográfica de los núcleos
pertenecientes a lo que diferentes geógrafos europeos e ibéricos han denominado “espa-
cios rurales profundos”.
Fuente: Instituto Geográfico Nacional e Instituto Nacional de Estadística, Padrón de habitantes. Elaboración propia.
632 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
La estructura por edades y sexo tiene una repercusión directa sobre el comporta-
miento futuro de la población. En consecuencia, la situación para los años venideros se
presenta bastante oscura y desfavorable debido a la escasa representación de los jóvenes,
la elevada edad media de los pobladores y la ausencia de nacimientos en la mayor parte
de los municipios. Los valores medios encubren las diferencias existentes a nivel local.
En 2021, 12 municipios carecían de habitantes con menos de 15 años y en otros 20,
concentrados sobre todo en La Ribera y La Ramajería pero también distribuidos por
Sanabria y Aliste, no llegaban al 2% (v. figura 8). Con valores por encima de la media
del espacio rayano se encontraban 32 municipios, de los cuales solo 5 poseían más de un
10% de población joven. Por otra parte, los habitantes mayores de 65 años constituían
más de la mitad de la población en 42 municipios, localizados especialmente en la zona
de Sanabria y Alto Aliste y el sector central de la comarca de Vitigudino, y superaban el
60% en 7 de ellos (Otero de las Bodas, Figueruela de Arriba, Cerralbo, La Alameda de
Gardón, Mieza, Cerezal de Peñahorcada y Molezuelas de la Carballeda) (v. figura 9). A
esta situación se suma la alta edad media de los residentes; en 2021 era superior a los 60
633 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Figura 10. Edad media de la población en los munici- Figura 11. Tasa Bruta de Natalidad en los municipios
pios de la Raya de Castilla y León (2021). de la Raya de Castilla y León (2020).
Fuente: Instituto Geográfico Nacional e Instituto Nacional de Estadística, Padrón de habitantes. Elaboración propia.
10
En Molezuelas de la Carballeda (Sanabria) la edad media de los habitantes era de 71 años, constituyendo la
más elevada de toda la Raya de Castilla y León.
Los efectos de la despoblación han ocupado el centro del debate en diagnósticos e inves-
tigaciones realizadas desde distintas escalas institucionales. Se ha tratado de ofrecer posibles
soluciones y líneas de intervención desde diferentes niveles destinadas a revertir la desfavora-
ble tendencia demográfica que afecta a la frontera luso-castellana. La situación de fragilidad
social y vacío poblacional es común al resto de territorios rayanos y por ello desde la Unión
Europea se han desarrollado planes de acción concretos con el objetivo de fijar habitantes a
uno y otro lado de la Raya y mejorar la permeabilidad transfronteriza corrigiendo deficiencias
en la infraestructura viaria gracias a distintos Fondos Estructurales y de Inversión Europeos.
Desde el marco comunitario se impulsa el desarrollo y la cooperación transfronteriza a través
de los programas INTERREG-A11. En la nueva programación de los fondos europeos, el
Programa de Cooperación Transfronteriza España – Portugal (POCTEP) 2021-2027 contem-
pla, dentro del objetivo político 4, una prioridad –la número 5– destinada íntegramente a
“potenciar la cooperación para afrontar el reto demográfico en el espacio fron-
terizo, creando condiciones de vida atractivas basadas en el acceso al mercado de
trabajo, servicios públicos esenciales, accesibilidad y aplicando principios de inclu-
634 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
11
Esta iniciativa lleva en activo más de tres décadas; comenzó con el periodo de programación INTERREG
I (1990-1993) y el último que está previsto es INTERREG VI (2021-2027).
635 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
especialmente al turismo como incentivo para dinamizar el espacio rayano, en línea con las
acciones marcadas desde la esfera institucional (v. supra). Varios de ellos se han focalizado
en la puesta en valor del patrimonio territorial (Plaza, 2002; Hortelano, 2015b; Hortelano
y Martín, 2017). Otros se han centrado en identificar los problemas a escala local y propo-
ner soluciones vinculadas con la mejora y el mantenimiento de los servicios públicos o la
dinamización de la economía para crear oportunidades de empleo que sirvan para atraer a
nuevos pobladores (Hortelano y Martín, 2022).
Por último, debe subrayarse que, tal y como demuestran las estadísticas socioeconó-
micas, los esfuerzos no están siendo suficientes para revertir el proceso de abandono que
afecta a la frontera luso-castellana. Conviene realizar una evaluación de las políticas que se
han desarrollado en el marco de los programas de cooperación (Caramelo, 2007, p. 14).
12
En Portugal se pusieron en marcha la Estratégia para la Coesão Territorial y el Programa de Valorizaçao do
Interior en Portugal.
13
Acuerdo 44/2010, de 14 de mayo, la Junta de Castilla y León por el que se aprueba la Agenda para la
Población de Castilla y León 2010-2020. BOCyL, núm. 92, de 17 de mayo de 2010.
Consideraciones finales
14
Uno de los ejemplos concretos que merece ser citado es el de la carretera ZA-L-2674, que atraviesa la Sierra
de la Culebra en las cercanías de Peña Mira, uniendo Linarejos y Villarino de Manzanas. El asfalto degrada-
do, los baches y la vegetación que la invade refleja el olvido en el que se encuentran estos núcleos.
637 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Figura 12. Carretera ZA-L-2674 que une las localida- Figura 13. Vista del arribe portugués y del río
des de Linarejos (Manzanal de Arriba) y Villarino de Águeda desde el Miradouro Natural do Alto da
Manzanas (Figueruela de Arriba). Al fondo está Peña Sapinha (Mogadouro).
Mira.
Referencias Bibliográficas
Acuerdo 44/2010, de 14 de mayo, la Junta de Castilla y León por el que se aprueba la Agenda para
la Población de Castilla y León 2010-2020. BOCyL, núm. 92, de 17 de mayo de 2010.
Baraja Rodríguez, E. (2003). La despoblación, un fenómeno sociodemográfico todavía vigente
638 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
639 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
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y Agrobiología y Departamento de Geografía de la Universidad de Salamanca.
Introducción
641 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
estadísticas oficiales no cuentan con una verdadera credibilidad hasta los años ochenta,
a lo que habría que añadir la no disposición de datos censales oficiales hasta 1900. Estas
últimas bases demográficas aportan información relevante, como así puede observarse en
la Figura 1 y Figura 2, donde se muestra el proceso evolutivo de la población de cada una
de las provincias señaladas desde inicios del siglo XX hasta el momento actual. En ambos
casos la línea seguida es muy similar. Esta se caracteriza por el crecimiento paulatino hasta
la década de 1950. Los inicios del proceso de industrialización fomentan la reducción de la
tasa de mortalidad como consecuencia de los avances alimenticios, sanitarios y de higiene
asociados al mismo, al tiempo que la tasa de natalidad se mantiene aún con índices eleva-
dos. Esta circunstancia motiva el crecimiento cuantificado hasta el momento. A partir de
1
Profesor Asociado de Geografía en Universidad de Salamanca. Secretario General Técnico de la Cátedra de
Población, Vinculación y Desarrollo de la UNED.
2
Investigador de la Cátedra de Población Vinculación y Desarrollo de la UNED.
3
Catedrático de Historia Contemporánea en la Universidad de Salamanca. Director de la Cátedra de Población,
Vinculación y Desarrollo del Centro de la UNED.
643 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Incidiendo aún más en los datos, en concreto para el año 2021, cerca de la mitad de
los nacidos en la provincia de Zamora vivían fuera de la misma, destacando de entre estos
los residentes en Madrid y Cataluña (ver Figura 4). El caso de Salamanca es similar. De
los 419.284 nacidos en dicha provincia solo 250.078 vivían en ella, destacando del mismo
modo los residentes en Madrid y en Cataluña (ver Figura 5).
De lo señalado hasta el momento pueden extraerse varias conclusiones relevantes.
644 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Durante el siglo XIX la emigración se asocia en gran medida a las regiones costeras,
si bien la incorporación de otras provincias, como Zamora, Salamanca o León, hizo que
los flujos migratorios alcanzaran niveles inéditos entre 1880 y 1930, vinculados a la etapa
llamada de la “emigración en masa” (Sánchez, 1995).
Entre las causas que explican el éxodo migratorio debemos considerar los factores clásicos
de expulsión y atracción, cuya sola presencia -o en combinación con otros-, se suelen tomar
en consideración en la decisión de emigrar. Algunos han tenido relevancia en todas las etapas
migratorias registradas, sin embargo, otros -de menor calado-, aparecen solo en momentos o
etapas. Además, debemos señalar aquellos a los que últimamente se le ha prestado una justa
atención, como el papel de las cadenas migratorias, de las redes microsociales de relación fami-
liar o vecinal, de las estrategias de reproducción de la economía familiar o del comercio como
medio de elevación social (Robledo y Blanco, 2005; Fernández, 2010). Detrás de la decisión de
emigrar, ya sea ésta de forma individual o familiar, están las expectativas de éxito del futuro emi-
645 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
grante. Estas se convierten en un aliciente que ayudan a superar las incertidumbres conectadas
al nuevo proyecto de movilización y cambio del lugar de residencia y de los hábitos cotidianos.
En provincias como Salamanca y Zamora, en las cuales más de dos terceras partes de
los activos se dedican al sector primario, es lógico que se busque en lo agrario una parte
importante de la explicación de las causas de esta emigración. Algunas de estas reflexiones
al respecto eran tomadas en consideración por quienes tenían la responsabilidad de conta-
bilizar y controlar el contingente migratorio a principios del XX. Así, el Consejo Superior
de Emigración ya comentaba a la altura de 1916 que “el éxodo de Castilla la Vieja se dis-
tinguió por estar formado en gran parte por colonos, pequeños propietarios y cultivadores
aguerridos” (Consejo Superior de Emigración, 1916).
La Reforma Agraria Liberal fomentó desde los últimos años del siglo XIX la salida
de la población, como así hacía referencia Unamuno en la prensa en 1907, al hablar de
la “emigración de labradores, pequeños propietarios que realizando en dinero sus fin-
quillas, vendiendo sus pegujares, se van llevando un capitalillo4”. Tras la coyuntura de la
4
El Adelanto, 4 de enero de 1907.
647 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
masiva6. En Zamora esta circunstancia afecta menos y, de hecho, los montes y zonas de
pastos comunales todavía están vigentes en muchos pueblos. Aun así, también hay casos
de petición de tierras y oferta de emigración colectiva, lo que sucede pocos años después en
Santa Cristina de la Polvorosa, a consecuencia de la riada que sufre en diciembre de 1909,
que deja sin hogar y tierras de labor a las 200 familias de la localidad7.
Respecto a los arrendamientos, el ordenamiento liberal en relación a lo que suelen
llamarse derechos de propiedad facilitó las cosas a los propietarios. Después de 1813 se
redujo sensiblemente cualquier tipo de protección jurídica a favor del colono, y en este
sentido la inseguridad institucional en la que se movía la explotación indirecta debe figurar
como posible causa de la emigración. En esa línea se pronunciaba Díaz Caneja (1912):
5
En El Correo de Zamora aparecen frecuentes noticias, especialmente en los últimos años del XIX.
6
El “Caso Boada” dio lugar a una encendida polémica en la que participaron intelectuales como Ramiro de
Maeztu y Unamuno. Nuevo Mundo, 21 de diciembre de 1905, pp. 20-21. El Adelanto, 11 de diciembre
de 1905.
7
Véase el Heraldo de Zamora, 21 de febrero de 1910.
intervención del Estado como los monetarios que acaban influyendo en el coste de los pasajes.
En cualquier caso, los efectos de la crisis de la filoxera a partir de 1890 y la del mercado
de cereales desde principios del XX, asociada también a cambios en la política monetaria que
hacen más asequibles los pasajes, favorecen la emigración. Existía un excedente de mano de
obra en el campo y también de efectivos que estaban dispuestos a cambiar de formas de vida.
Las ciudades e industrias, tanto de estas provincias como de la región, apenas paliaron esa
debilidad. El éxodo, pues, tendía a engrosar los centros urbanos más dinámicos del capitalis-
mo industrial español o escogía la vía de la emigración exterior. Relacionar las migraciones
exteriores con las vicisitudes de los distintos sectores industriales es algo complicado, pero
sin duda la desindustrialización prepara el éxodo a corto o a medio plazo y en este sentido la
ruina de la ya limitada industria tradicional o el fracaso de las industrias harineras del sueño
castellano de mediados del siglo XIX debieron funcionar como viveros de emigrantes.
No debemos olvidar que las cifras conocidas de la emigración oficial hasta finales de
los años veinte del pasado siglo no contabilizan la abundante emigración ilegal, cuantifi-
cada por el propio Estado en 1916 en aproximadamente un 25% (Consejo Superior de
649 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
deseables” debido a la similitud de sus rasgos étnicos y culturales. Aunque la gran mayoría
serán atraídos por las oportunidades de empleo y la existencia de colectividades de las que
formaban parte parientes y paisanos que habían emigrado antes las cadenas y redes mi-
gratorias de parentesco y vecindad a las que los investigadores han comenzado a prestarles
atención en los últimos años. Redes que junto con la prensa influían en la decisión de
emigrar y condicionaban el destino elegido, ofrecen apoyo a los recién llegados respecto a
la consecución de trabajo, vivienda e integración social.
La atracción se refuerza en las épocas de prosperidad de algunos países que posibilitan
muchas opciones de empleo –muchos no cualificados-, como son el último tercio del XIX
en Chile, el primero del XX en Argentina, en México durante el Porfiriato, en Brasil du-
rante la etapa de expansión del cultivo del café, o en Cuba con el auge del azúcar de caña
y en Venezuela durante el boom petrolero tras la Segunda Guerra Mundial. Los emigran-
tes se beneficiaron del diferencial de salarios entre sus aldeas de origen y las ciudades de
destino, lo que favoreció el ahorro, invertido en parte en financiar la emigración de otros
miembros de la familia.
de trabajo y de ahorro.
Así, Argentina se había convertido a fines del XIX y primeros del XX en el segundo
mercado de trabajo para los emigrantes europeos, y el primero para los españoles. Las pro-
vincias del antiguo reino de León (León, Zamora y Salamanca) aparecían en las estadísticas
entre las 10 españolas de mayor tasa de emigración. Si la Primera Guerra mundial limitó
este proceso, la emigración se reanudó con fuerza en la posguerra, aunque fuera menor
que en el trienio 1911-1913. Desde 1921 se redujo de forma notable, y prácticamente en
su totalidad tras la crisis del 29.
Efectivamente, la presencia de salmantinos o zamoranos en países como Argentina o
Cuba no era ni mucho menos nueva. Hay que tener en cuenta que una parte de la emigra-
ción de esos años es temporal -a menudo una salida de los circuitos crediticios usurarios-,
y esta emigración de retorno tiene que haber actuado, al igual que la correspondencia,
como un eficiente vehículo de información. Las provincias de Salamanca y Zamora están
conectadas con la amplia región atlántica (desde Cantabria al Norte de Portugal) en la que
hay una persistente cultura emigratoria.
651 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
1835. Las limitaciones que contempla la de 1907 se centran en evitar los peligros para las
mujeres emigrantes de caer en la prostitución, por lo que se prohibía la salida de solteras
de menos de 23 años que no fueran con sus padres o personas que las representaran legal-
mente. También se limitaba la salida de las casadas acompañadas de hijos menores de edad.
Especialmente se centraba en perseguir a quienes pretendían librarse del servicio militar en
el contexto de la continua guerra de África, fomentando la clandestinidad.
En 1916 se promulgará un nuevo decreto que trata de limitar el fraude, los abusos y las
ganancias ilegales en la tramitación de documentos. Finalmente, en 1924, poco antes de
terminar la guerra de Marruecos, se publica una nueva ley de emigración que garantizaba
8
Si un barco a vela podía tardar entre 20 y 90 días, dependiendo de las condiciones, la travesía a vapor en
1870 a Buenos Aires duraba de media unos 21 días, que desde los noventa se había reducido a 15-17 (con
escalas intermedias en los puertos de Brasil e Uruguay).
9
Se conoce bien el coste del pasaje en tercera clase, el más económico y el más utilizado. Si a mediados del
XIX costaba casi 400 pesetas de la época el ir a Buenos Aires, en algunos años antes de la Primera Guerra
Mundial bajó de las 100. Pero no siempre fue tan reducido. Entre 1910-1919 podía costar de 170 a 250
pesetas, pero al final de los años veinte superaba las 350 y variaba según circunstancias.
Red que ponía en contacto demanda y oferta de trabajo, pero en ocasiones con un alto
coste material y humano. Los mencionados consignatarios, muy presentes en Galicia y en
el oeste de la actual Castilla y León, contaban con corresponsales y sucursales en pueblos
importantes y cabeceras de comarcas10. También existían las agencias de la emigración,
vinculadas a las navieras y conectadas con numerosos agentes locales de reclutamiento,
los “ganchos” o enganchadores”, que juegan un papel clave en la facilitación y orientación
de las estrategias migratorias. Su cercanía y conocimiento del medio rural, así como su
relación con las autoridades locales y los párrocos les permite jugar un papel fundamental
en la emigración a América11.
10
La prensa de estas zonas daba cuenta de estos agentes de emigración, junto a otros como los “fondistas, que
daban toda clase de facilidades y sobre la red sobre la que actuaban las navieras, integrada por el consigna-
tario, el hospedero, el cocinero del barco, etc.”. Véase El Adelanto, 3 de noviembre de 1912.
11
Un buen relato sobre este panorama lo encontramos en las memorias del leonés Bernardo Alonso González
editadas este año en Coronel Dorrego.
653 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Fig. 6. Emigración Exterior de España, Castilla y León y Zamora (1885-1930).
* Los datos referidos a Castilla y León y a Zamora se consideran estimaciones ajustadas.
Fuente: Dirección General del Instituto Geográfico y Estadístico, 1882-1911: Estadística de emigración e inmi-
gración de España. Boletines del consejo Superior de Emigración, 1911-1930.
Para posibilitar la salida a América de campesinos que apenas sabían leer y escribir, se
precisaba una red de personas que gestionara la documentación policial y administrativa
necesaria para el viaje. Estos ganchos no solo aportaban documentación y pasaje, sino que en
ocasiones financiaban el mismo, a veces de forma usuraria o mediante costosas hipotecas. Se
hacían cargo de la falsificación de la documentación cuando era necesario e incluso asumían
la coordinación de la emigración clandestina. En la gestión de todo este proceso también
jugaban un papel los dueños de fondas, que contaban con amplia información y cobraban
finalmente un elevado precio en muchos casos. Y en la cúspide, como hemos señalado, se en-
contraban los consignatarios de las grandes navieras transatlánticas, la mayoría no españolas,
integrantes de la burguesía comercial e industrial. Consignatarios relacionados con la prensa,
Durante los años 30 y la posguerra, los índices migratorios se reducen de forma drás-
tica destacando los que retornan frente a los que salen. La coyuntura internacional desa-
tada por la crisis del 29 funcionará como factor disuasorio y el cierre de fronteras –y de
mercados-, así como las circunstancias políticas de la España de la Segunda República y la
Segunda Guerra Mundial harán el resto.
Por su parte el exilio en las provincias de Zamora y Salamanca -en manos de los su-
blevados desde el primer momento-, no es significativo -tampoco el de la región- si bien
debemos destacar algunas figuras significativas que abandonan España, casos del poeta
León Felipe, o del jurista Manuel García Pelayo, que será el primer presidente del Tribunal
Constitucional.
Durante los primeros años de la autarquía franquista se produce en nuestra región un
espejismo derivado de la industria harinera, la textil y el sector energético -además de otros
sectores muy localizados-, que se van a desarrollar a raíz de las necesidades estratégicas
de la II Guerra Mundial, “pero la evolución de la inversión y de los beneficios pone de
manifiesto que los hipotéticos efectos de la política económica del primer franquismo en
de los 50 de un duro reajuste, que puso fin al clásico modelo de capitalismo agrario. La polí-
tica agraria autárquica del franquismo, caracterizada por un fuerte intervencionismo a favor
de la industria y por la defensa a ultranza de la propiedad privada de la tierra que incrementó
el margen del proteccionismo, imposibilitó la modernización del mundo rural, al tiempo que
favorecía a los grandes propietarios, beneficiarios del mercado negro de los años cuarenta.
El modelo de desarrollo económico franquista que pretendía convertir a España en
una potencia industrial, perjudicó seriamente a estas provincias, marginadas de las grandes
inversiones estatales para infraestructuras, y expoliada de sus ahorros y energía eléctrica
que beneficiaría a otras regiones, tal como imponían las decisiones de la administración
central y de las oligarquías dirigentes.
AÑO AV BU LE PA SA SG SO VA ZA
1931 49 198 721 82 275 11 83 78 470
1932 31 126 562 68 211 9 20 61 315
1933 15 115 393 51 163 20 43 63 208
1934 37 99 421 71 150 12 53 80 231
1935 47 119 616 63 181 21 26 73 230
1936 38 86 277 25 182 16 21 50 148
655 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
1937 - - 8 - 6 - - - 1
1938 - 2 - - - 1 - - -
1939 1 25 3 1 3 - - 1 4
1940 3 11 28 35 7 1 2 11 9
1931-1940 221 781 3.029 396 1.178 91 248 417 1.616
1941 19 29 92 41 49 11 12 22 18
1942 1 16 56 28 26 5 1 6 45
1943 7 11 12 9 20 - 1 5 24
1944 5 12 21 31 26 - 1 20 18
1945 2 7 44 16 20 5 9 4 13
1946 13 53 151 17 150 5 7 40 41
1947 28 166 410 32 152 16 29 42 112
1948 16 108 516 41 296 16 43 50 256
1949 112 260 1.231 65 649 10 166 97 422
12
Las élites políticas falangistas y católicas poco favorecieron la modernización de la agricultura extensiva y
poco capitalizada de Castilla.
Entre las razones que justifican la emigración campesina y el éxodo rural encontramos las
diferencias de renta entre los sectores agrícola e industrial o servicios; las diferencias estructu-
rales entre las zonas más pobladas y el medio rural carente de servicios adecuados (sanitarios,
culturales o recreativos); la modificación de las condiciones del mercado agrario y por último la
decisiva capacidad de atracción de lo urbano frente a lo rural, alentado por los medios de comu-
nicación que generan la ruptura del estilo de vida campesino y aceleran la crisis de la sociedad
rural. A pesar de los esfuerzos del régimen por mantener unas arcaicas estructuras de produc-
ción, miles de salmantinos y zamoranos recurrieron de nuevo a la emigración hasta ajustarse
lo suficiente como para producir la “históricamente insólita modernización rural” (Moreno,
2001, 202), que la región castellana y leonesa alcanzó en la década de los 70 del pasado siglo.
A consecuencia de este deprimido capitalismo agrario continuará el proceso migratorio,
656 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
ahora en una triple dirección: a América, Europa y algunas regiones españolas. La emigra-
ción a América se dirigirá en principio fundamentalmente hacia Argentina y posteriormente
hacia Brasil y Venezuela (especialmente intensa de 1949 a 1959), hasta comienzos de los
años sesenta debido a los procesos de reunificación familiar. Según estadísticas oficiales del
Ministerio de Trabajo, de 1931 a 1962, salieron hacia América 4.420 salmantinos y 5.016
zamorano, cifras solo superadas en esta región por las correspondientes a León13.
Desde finales de los 50 hasta la crisis del petróleo de los 70, el flujo migratorio se
dirigirá también a Europa (Alemania, Suiza, Francia y Reino Unido fundamentalmente),
así como a las regiones más industrializadas de España (Madrid, País Vasco y Cataluña)
en el llamado “éxodo rural”. Esta nueva sangría migratoria motivó que estas provincias
perdieran “el basamento más sólido que pueda cimentar su futuro: su población” (Vallejo,
1983), en un proceso reactivado a comienzos del siglo XXI, asociado principalmente a la
crisis económica registrada en su primera década (Fernández, 2020).
13
Redondeando datos, desde el comienzo de la llamada “emigración en masa”, en torno a ochenta mil zamo-
ranos -y otros tantos salmantinos-, emigrarían a América, de ellos más del 75% a Argentina.
PA 110 66 3 85 8 92 2 9 6 18 10 1 410
SG 11 1 18 16 3 25 1 5 3 83
SO 2 3 99 6 15 2 11 3 10 3 5 1 160
TOT 361 31 3.590 39 2.093 136 1.591 201 54 1 74 246 127 3 14 160 8.570
657 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
20/06/2023 16:47:27
No contamos con datos fiables de retornos, pero es muy posible que entre la mitad y
los dos tercios de los que emigraron, retornaran después -si bien no siempre a sus lugares
de origen-, y no debemos dejar de lado la emigración clandestina, de compleja cuantifica-
ción. También hay que tener en cuenta que los datos de las estadísticas españolas no son
nominales y habría no pocos que emigran varias veces, especialmente con la llamada emi-
gración “golondrina”, muy frecuente a Cuba y entre algunos colectivos concretos como
los sorianos.
Emigración y vinculación
que los avatares de la España de la que salieron y las raíces y relaciones tejidas en los países
de acogida en América, convierten, en definitiva.
Otra expresión de esta vinculación la encontramos en las numerosas asociaciones
constituidas por los emigrantes en los lugares de acogida, que constituyen además de la
memoria institucional de la emigración, un privilegiado vehículo de esa vinculación a la
que nos estamos refiriendo. Las asociaciones conformadas por los emigrantes zamoranos y
salmantinos en América responden fundamentalmente a la necesidad de conseguir protec-
ción en la adversidad, así como una atención sanitaria que los sistemas públicos de salud
no ofrecerán hasta bien entrado el siglo XX (Fernández y Blanco, 2005, 117-135 y Blanco,
14
Podemos destacar las memorias de quien fuera destacado dirigente de los castellanos en Cuba, el zamorano
Francisco Sánchez Tamame (Blanco, Dacosta y Sánchez -eds.-, 2016), o la historia de vida del salmantino
emigrado a Brasil, Pedro Blanco Sánchez, hilado a partir de los recuerdos de su hija (Blanco y Canovas -eds.-
, 2019). A estos debemos sumar las casi 400 historias de vida de emigrantes castellanos y leoneses recogidos
en las diferentes ediciones de los premios Memoria de la Emigración Zamorana y Memoria de la Emigración
Castellana y Leonesa, puesta en marcha por el Centro de Estudios de la Emigración Castellana y Leonesa
adscrito al Centro de la Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED) en Zamora.
659 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
acaba uniéndose al Centro Castellano-, también tienen relevancia algunos zamoranos. El
Centro Castellano desarrollará una extraordinaria labor educativa a través de su plantel
Cervantes, también sanitaria con la quinta de salud Santa Teresa de Jesús. En su órgano
de expresión, la revista Castilla, se refleja constantemente la preocupación por la vincula-
ción con las tierras de origen de sus asociados, defendiendo las señas de identidad de “lo
castellano”, comenzando por el idioma, y siguiendo por las iniciativas que, en favor de
las provincias de origen, se van articulando a lo largo de los años (Blanco, 2014, 5-44).
Los zamoranos también tendrán un destacado papel en la constitución, de la Agrupación
de Sociedades Castellanas -ahora Castellanas y Leonesas-, que mantiene la pervivencia
del asociacionismo regional y provincial castellano leonés, tras la incautación del Centro
Castellano en 1961 (Blanco, Dacosta y Sánchez -eds.-, 2016, 9-17).
15
Sobre esto pueden verse las numerosas publicaciones del Centro de Estudios de la Emigración Castellana
y Leonesa (entre ellas Blanco, 2005 y Blanco, 2008), cuyo archivo está conformado en un porcentaje muy
amplio por fondos de estas asociaciones (sobre los fondos del centro ver Álvarez, 2020, 441-464 y Sánchez,
Álvarez y Fernández, 2020, 237-256).
661 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
integrándose en la Colonia Salmantina (Blanco, 1996, 131-169).
Como se ha señalado, las redes de parentesco y de vecindad determinan que los emi-
grantes procedentes de los lugares de los que salen contingentes significativos acaben con-
centrándose muchas veces en un mismo destino. Esto origina la creación de asociaciones
que, además de su finalidad de recreación de su identidad “paesana” y actividades de ayuda
mutua, se preocupan por la mejora de las condiciones de vida de sus lugares de origen,
manteniendo así más viva la vinculación de los emigrantes con una tierra a la que pensa-
ban volver. En 1895 se funda en Veracruz, México, la pionera de todas ellas Sociedad de
Socorros Mutuos La Visontina, que abre un proceso asociacionista que será especialmente
intenso entre los emigrantes sorianos (Sánchez, 2021).
Los emigrantes zamoranos y salmantinos seguirán esta estela. Así, en 1923 se fundó en
Buenos Aires la Sociedad Sanabresa de Ayuda Mutua y Recreativa. Dispuso de una revista
propia mediante la que pretendía difundir aspectos de la cultura sanabresa y también ex-
poner y alentar propuestas de renovación cultural y política para la comarca. En la década
de los años veinte existe también en la capital bonaerense la Sociedad de Beneficencia del
16
En este sentido está en curso -y a punto de culminarse-, la tesis doctoral Emigración y mecenazgo. La labor
filantrópica de “los americanos” en Castilla y León (1880-1972), de Rubén Sánchez Domínguez, dirigida por
Juan Andrés Blanco en la Universidad de Salamanca, que trata con detalle este aspecto tan desconocido para
el caso de los procesos migratorios de Castilla y León.
663 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Los emigrantes demostraron especial sensibilidad ante las calamidades que podían
azotar a sus pueblos. La Colonia Zamorana de Cuba aportó donativos en varias ocasiones,
siendo la más significativa en la que aportó casi diez mil pesetas de la época para los damni-
ficados de la riada que se llevó el pueblo de Ribadelago en 1959 (San Juan y Blanco, 1994,
184). Durante la Guerra Civil Española destacados fermosellanos de Buenos Aires aporta-
ron dinero a entregar a los heridos y caídos del llamado bando “nacional”18. Esta faceta de
la vinculación, aunque con menos intensidad sigue estando presente. Baste como ejemplo
como tras los recientes incendios de la sierra de la Culebra y la Tierra de Alba de Zamora,
los emigrantes y descendientes residentes en La Habana y Buenos Aires -muy activos éstos
en la utilización de las nuevas tecnologías-, volvieron a rememorar sus demandas a los
poderes públicos de atención y protección a sus lugares de origen.
17
Abastecimiento de aguas de Fermoselle. Memoria. (1953). Ayuntamiento de Fermoselle. En el pueblo
siguen en pie las cinco fuentes construidas, tres de ellas rotuladas como Cuba, Argentina y Portugal.
18
Centro de Estudios de la Emigración Castellana y Leonesa, Argentina, Asociaciones, Junta de Fermosellanos
en la Argentina, papeles sueltos.
grandes y chicas de sus ancestros en una corriente que aún permanece bajo el Atlántico.
Conclusiones
19
Entrevista a Francisco Diego Vara, 20 de agosto de 2018.
Resumen
La situación demográfica que viven las provincias de Salamanca y Zamora, con especial in-
cidencia en su área fronteriza con respecto a Portugal, registran unos valores muy preocupantes,
dominados por la escasa población y el envejecimiento de la misma, características que ponen en
dificultades su desarrollo socio-económico. El fenómeno que lo ha condicionado en gran medida es
la emigración, la presencia de un contingente considerable de población de ambas provincias en las
tres grandes oleadas emigratorias que tienen lugar desde el último tercio del XIX, y en la considera-
da actualmente nueva emigración del siglo XXI20. Entre otros factores, la crisis agraria, el problema
665 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
de la filoxera, la tragedia de las quintas en un contexto de guerra, así como la atracción americana y
la presión de las navieras, motivaron que muchos habitantes de estas provincias se embarcasen hacia
América. A pesar de ello, esta movilización no ha supuesto una desvinculación, al contrario, existe
una fuerte conexión que se manifiesta de distintas maneras. Un intenso asociacionismo y coopera-
tivismo microterritorial, provincial y regional que representa una extensa red de apoyo, manifestada
tanto de forma individual como colectiva en favor del desarrollo y la mejora de las condiciones de
vida de los territorios de origen.
Referencias Bibliográficas
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en América: La apuesta por la digitalización de un archivo” en BLANCO, Juan Andrés y
DACOSTA, Arsenio (eds.): El asociacionismo español de una emigración diferenciada,
Madrid, Polifemo, pp. 441-446.
20
Este trabajo forma parte de los resultados del proyecto El asociacionismo de la emigración española en
América a partir de la década de 1960: los casos de La Habana, Buenos Aires y Caracas. Proyecto PID2021-
123160NB-I00 financiado por la MCIN / AEI y por FEDER Una manera de hacer Europa.
667 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
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co electoral de una sociedad tradicional, Instituto de Estudios Zamoranos Florián de Ocampo,
Tomo 1.
669 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
determinan y miden el contenido y el alcance de la justicia económica y social que preside
el orden buscado encuentran su principal marco conceptual en el artículo 1.1 CE: “España
se constituye en un Estado social y democrático de Derecho, que propugna como valores
superiores de su ordenamiento jurídico la libertad, la justicia, la igualdad y el pluralismo
político”. Los instrumentos institucionales para la consecución de tal orden se compen-
dian en el artículo 9.2 CE: “Corresponde a los poderes públicos promover las condiciones
para que la libertad y la igualdad del individuo y de los grupos en que se integra sean
reales y efectivas; remover los obstáculos que impidan o dificulten su plenitud y facilitar
la participación de todos los ciudadanos en la vida política, económica, cultural y social”.
Estas proclamaciones y mandatos a los poderes públicos hallan en la alta función consti-
tucional de las organizaciones sindicales y empresariales, que “contribuyen a la defensa y
promoción de los intereses económicos y sociales que les son propios” (artículo 7 CE), el
complemento necesario en este modelo para el adecuado gobierno.
1
Presidente del Consejo Económico y Social de Castilla y León
Profesor Titular de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social (Universidad de Salamanca)
671 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
La inexistencia de experiencias previas en España sobre la institucionalización del diá-
logo social, así como las previsiones del título VIII de la Constitución sobre la organización
territorial del Estado, propiciaron la introducción en el artículo 131.2 CE de un consejo
pensado para articular, con diálogo y participación social, el proceso para hacer posible
que el Estado, mediante ley, planifique “la actividad económica general para atender a las
necesidades colectivas, equilibrar y armonizar el desarrollo regional y sectorial y estimular
el crecimiento de la renta y de la riqueza y su más justa distribución” (artículo 131.1 CE).
La Constitución piensa en la creación de un consejo, “cuya composición y funciones se
desarrollarán por ley”, para facilitar la elaboración por el Gobierno de España de tales
“proyectos de planificación, de acuerdo con las previsiones que le sean suministradas por
las Comunidades Autónomas y el asesoramiento y colaboración de los sindicatos y otras
organizaciones profesionales, empresariales y económicas”. Sin embargo, su finalidad pare-
ce distanciarlo de la opción finalmente seguida por la Ley 21/1991, de 17 de junio, por la
que se crea el Consejo Económico y Social, aunque se debate este extremo en profundidad
durante su tramitación parlamentaria, eludiendo su exposición de motivos pronunciarse
en los años 1993 y 1994, que supusieron la ruptura de la concertación social en el último
periodo del Gobierno presidido por Felipe González, así como una pugna irresoluble entre
las organizaciones empresariales y sindicales más representativas. El CES encontró su espacio
real y devino reforzado, porque, aunque no pudo alcanzarse el consenso en la valoración del
proyecto de reforma (se desestimó el 4 de noviembre de 1993, después de doce horas de de-
bate, la propuesta de dictamen, reelaborada por los expertos, al emitirse treinta y ocho votos
en contra, once a favor y dos abstenciones), sí lo hubo en la contribución de todas las orga-
nizaciones y personas expertas para consolidar una institución que prometía éxitos notables.
Debe recordarse, con todo, que la creación y puesta en funcionamiento en España de los
CES se dieron en el ámbito de las Comunidades Autónomas. El título VIII, dedicado a la or-
ganización territorial del Estado, concreta y desarrolla, especialmente en sus capítulos prime-
ro, “Principios generales” (artículos 137 a 139), y tercero, “De las Comunidades Autónomas”
(artículos 143 a 158), la proclamación por el artículo 2 CE de que “La Constitución se fun-
damenta en la indisoluble unidad de la Nación española, patria común e indivisible de todos
los españoles, y reconoce y garantiza el derecho a la autonomía de las nacionalidades y regiones
673 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
El origen y el marco normativo de los consejos económicos y sociales
de las Comunidad Autónomas
La asunción de competencias por las Comunidades Autónomas, sin perjuicio de los dis-
tintos ritmos y calendarios, provocó la traslación de las dinámicas propias del diálogo social
a las relaciones entre los gobiernos autonómicos y las organizaciones sindicales y empresa-
riales más representativas. Los procesos de concertación social autonómicos, desarrollados
con características semejantes a los de ámbito estatal, al haber sido asumidas competencias
constitucionales propias del ejecutivo en el ámbito territorial de cada Comunidad, tampoco
fueron institucionalizados en la primera generación de estatutos de autonomía. Ni siquiera
se previeron como instituciones estatutarias los consejos económicos y sociales. Pronto, no
obstante, los parlamentos autonómicos empezaron a legislar sobre estas materias, abriéndose
una etapa en la que comienza el diseño legal de los CES, compatibilizándose con la crea-
ción, también por ley, de los consejos de relaciones laborales, cuya “función primordial”, en
675 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
por lo expuesto, una interacción real entre el Estado y las Comunidades Autónomas, ni
siquiera tal vez entre estas. Se han dado procesos paralelos, aunque parecidos por las cir-
cunstancias, claramente inspirados, en el modelo comunitario (artículos 193 a 198 del
Tratado de Roma de 1957, constitutivo de la Comunidad Económica Europea) y otros
europeos, como el CES de la República Portuguesa2. La influencia del CES de Naciones
Unidas ha sido menor por la distinta naturaleza de su composición y la dimensión de sus
2
El Consejo Económico y Social de Portugal se creó por la Lei n.° 108/91, de 17 de agosto (Lei do Conselho
Económico e Social): “O Conselho Económico e Social, previsto no artigo 95.°4 da Constituição, é o órgão de
consulta e concertação no domínio das políticas económica e social e participa na elaboração dos planos de desen-
volvimento económico e social” (artículo 1). Véase, además, el Decreto-lei n.° 90/92, de 21 de maio, dictado
en su desarrollo. Adviértase que, aunque los consejeros y consejeras “não estejam formalmente integrados em
categorias, é possível considerar seis grupos que se distinguem pela natureza dos interesses que representam: 1.
Governo. 2. Organizações empresariais. 3. Organizações representativas dos trabalhadores e das trabalhadoras. 4.
Representantes dos governos regionais e autarquias locais. 5. Interesses diversos. 6. Personalidades de reconhecido
mérito” (artículo 3 de la Lei n.° 108/91). Por cierto, el artículo 18 de la Lei n.° 108/91, dedicado a la repre-
sentación de las regiones administrativas, establece que “A lei que criar as regiões administrativas, na sequência
da lei quadro respetiva, instituirá o seu modo de representação no Conselho Económico e Social”.
del de Castilla y León, 25.5 y 45.4 y 6 del de Cataluña, 7.4 del de Extremadura y 9.4 del
de la Comunidad Valenciana.
Merece una mención especial, por el acierto en su diseño, el modelo previsto por la
Ley Orgánica 14/2007, de 30 de noviembre, de reforma del Estatuto de Autonomía de
Castilla y León. Introduce entre los “Principios rectores de las políticas públicas”, en su
artículo 16.4, “El fomento del diálogo social como factor de cohesión social y progreso
económico, reconociendo el papel de los sindicatos y organizaciones empresariales como
representantes de los intereses económicos y sociales que les son propios, a través de los
3
Supone una excepción la composición vigente del CES de la Comunidad Foral de Navarra, que cuen-
ta con cinco grupos desde la modificación introducida por la Ley Foral 20/2013, de 20 de junio: “El
Consejo Económico y Social de Navarra estará integrado por treinta miembros, incluido su presidente. a)
De ellos, siete conformarán el Grupo Primero que integrará a los representantes de la Administración de la
Comunidad Foral, de entre los cuales, al menos uno, corresponderá al ámbito de la Administración Local
de Navarra (…)”; la presidenta actual es la consejera de Economía y Hacienda del Gobierno Foral.
4
Véase, en este sentido, que el presidente del Consejo Económico y Social de Portugal es “eleito pela
Assembleia da República nos termos da alínea h) do artigo 166.°2 da Constituição”.
677 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
redacción, que es la vigente: “El Consejo se configura como un órgano permanente de
comunicación entre los distintos intereses económicos y sociales de la Comunidad y
de asesoramiento de estos a la Administración Autonómica” (establecía antes que “El
Consejo se configura como un órgano permanente de comunicación entre los distintos
intereses económicos y sociales de la Comunidad y de asesoramiento y diálogo entre
éstos y la Administración Autonómica”). Queda inalterada, por supuesto, la naturaleza
estatutaria del CES como “órgano colegiado de carácter consultivo y asesor en materia
socioeconómica de la Comunidad Autónoma de Castilla y León” (artículo 81.1 de la
Ley Orgánica 14/2007, de 30 de noviembre, de reforma del Estatuto de Autonomía de
Castilla y León).
Empezó así en la mayor parte de las Comunidades Autónomas una nueva relación
entre el diálogo social ampliado y permanente, representado por los CES, y este nuevo
diálogo social tripartito institucionalizado en Consejos o Mesas de Diálogo Social, que
responden a principios, funciones, enfoques y dimensiones notablemente diferentes.
Estas figuras se complementan sin dificultad, y hasta se pueden potenciar en el ejercicio
en las coyunturas más difíciles, en orden a dotar de mayor eficacia y legitimación social las
5
Véanse, en esta línea, la Ley 3/2003, de 13 de marzo, sobre participación institucional de los agentes sociales
más representativos [de Extremadura], la Ley 8/2008, de 16 de octubre, para la creación del Consejo del
Diálogo Social y regulación de la participación institucional [de Castilla y León], la Ley 17/2008, de 29
de diciembre, de participación institucional de las organizaciones sindicales y empresariales más represen-
tativas de Galicia, la Ley 4/2009, de 1 de diciembre, de participación institucional de los agentes sociales
en el ámbito de la Comunidad Autónoma [de Cantabria], la Ley 2/2011, de 22 de marzo, por la que se
regula la participación institucional de las organizaciones empresariales y sindicales más representativas de
la Comunidad Autónoma de las Illes Balears, la Ley Foral 22/2014, de 12 de noviembre, por la que se crea
el Consejo Navarro del Diálogo Social en Navarra, la Ley 10/2014, de 18 de diciembre, de participación
institucional de las organizaciones sindicales y empresariales más representativas de Canarias, la Ley 7/2015,
de 2 de abril, de participación y colaboración institucional de las organizaciones sindicales y empresariales
representativas en la Comunidad Valenciana, la Ley 1/2016, de 4 de abril, de impulso y consolidación del
diálogo social en La Rioja, el Decreto 21/2017, de 28 de febrero, del Consejo de Gobierno, por el que se
crea el Consejo para el Diálogo Social de la Comunidad de Madrid y se establece su composición, organi-
zación y funcionamiento, la Ley 5/2017, de 5 de julio, de participación institucional de las organizaciones
sindicales y empresariales más representativas en el ámbito de la Región de Murcia, la Ley 1/2018, de 8 de
febrero, de diálogo social y participación institucional en Aragón, y el Decreto-ley 9/2020, de 24 de marzo,
por el que se regula la participación institucional, el diálogo social permanente y la concertación social de
las organizaciones sindicales y empresariales más representativas en Cataluña.
679 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
de la suspensión de su actividad. Hasta tanto no se publique este desarrollo quedan
sin efecto todas aquellas referencias legales al carácter preceptivo de los dictámenes
del Consejo, en todo tipo de procedimientos de cualquier naturaleza” (véase el
Decreto 34/2022, de 22 de junio, por el que se nombra a los miembros del Consejo
Económico y Social de La Rioja y se regulan los efectos del alzamiento de la suspen-
sión de su actividad, BOR 24 de junio de 2022).
6
Modificada por la Ley 10/2005, de 30 de septiembre, por la que se modifica parcialmente la Ley 6/1997,
de 18 de julio, reguladora del Consejo Económico y Social de La Rioja (competencias del Pleno, secre-
tario y personal del Consejo) y por el artículo 2 de la Ley 4/2022, de 29 de marzo, por la que se alza
la suspensión del funcionamiento del Consejo Económico y Social de La Rioja (composición, mandato,
incompatibilidades).
7
Modificada por el artículo 13 de la Ley 4/2001, de 6 de julio, de medidas tributarias, financieras, de or-
ganización y relativas al personal de la Administración Pública de la Comunidad Autónoma de Canarias
(procedimientos), por la disposición final segunda de la Ley 9/2014, de 6 de noviembre, de medidas tributa-
rias, administrativas y sociales de Canarias (representantes de las Cámaras Oficiales de Comercio, Industria,
681 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
Servicios y Navegación, nombramiento del secretario general, mayoría para la aprobación de informes y
dictámenes), por el artículo 11 de la Ley 7/2019, de 9 de abril, de modificación de la Ley 1/2010, de 26
de febrero, Canaria de Igualdad entre Mujeres y Hombres, y de modificación de las leyes reguladoras de los
órganos de relevancia estatutaria para garantizar la representación equilibrada entre mujeres y hombres en
su composición (composición con representación equilibrada entre mujeres y hombres), y por la disposición
final primera de la Ley 10/2019, de 25 de abril, de Cámaras Oficiales de Comercio, Industria, Servicios
y Navegación de Canarias (representantes de las Cámaras Oficiales de Comercio, Industria, Servicios y
Navegación de Canarias, duración de mandatos de los miembros).
8
Modificada por el artículo 29 de la Ley 3/2012, de 8 de marzo, de Medidas Fiscales y Administrativas de la
Comunidad Autónoma de Aragón (nombramiento de presidente, vicepresidentes y secretario general).
9
Modificada por el artículo 2 de la Ley 8/1996, de 27 de diciembre, de Medidas Financieras, Presupuestarias
y Económicas (financiación y medios), por el artículo 53 de la Ley 9/2004, de 28 de diciembre, de medidas
económicas, fiscales y administrativas (elaboración y aprobación del anteproyecto de presupuesto), y por el
artículo 2 de la Ley 4/2013, de 19 de junio, por la que se modifica la organización y el funcionamiento de
las instituciones propias de la Comunidad de Castilla y León (vinculación de las Cortes de Castilla y León,
creación del Grupo de Enlace con la sociedad civil organizada, supresión de la Secretaría General y creación
de la Secretaría General de Apoyo a las Instituciones Propias, funciones, nombramiento del presidente, pér-
dida de la condición de miembro, mandato, incompatibilidades, funciones de las Vicepresidencias, personal
del Consejo, financiación y medios).
10
Modificada por el artículo 5 de la Ley 12/2017, de 2 de noviembre, de modificación de las leyes reguladoras
de las instituciones de la Generalitat para garantizar la igualdad entre mujeres y hombres en sus órganos
(composición equilibrada de mujeres y hombres).
11
Modificada por el artículo único de la Ley 7/1996, de 24 de octubre, de modificación del artículo 3.1 de
la Ley 3/1991 de 25 de abril, de Creación del Consejo Económico y Social de Extremadura (composición),
por la Ley 10/1998, de 26 de junio, de modificación del artículo 3.1 de la Ley 3/1991, de 25 de abril,
en la redacción dada por la Ley 7/1996, de 24 de octubre, de creación del Consejo Económico y Social
de Extremadura (composición), y por la disposición final segunda de la Ley 3/2018, de 21 de febrero,
de Cámaras Oficiales de Comercio, Industria y Servicios de la Comunidad Autónoma de Extremadura
(composición).
12
Modificada por el artículo 9 de la Ley 5/2019, de 23 de diciembre, de Medidas Fiscales y Administrativas
(Secretaría del Consejo) y por el artículo 4 de la Ley 12/2020, de 28 de diciembre, de Medidas Fiscales y
Administrativas (composición, Presidencia).
13
Modificada por la disposición adicional decimonovena de la Ley 13/1995, de 26 de diciembre, de
Presupuestos Generales de la Región de Murcia para 1996 (cambio de adscripción de la Consejería de
Fomento y Trabajo a la Consejería de Economía y Hacienda), por el artículo 8 de la Ley 3/2012, de 24 de
mayo, de medidas urgentes para el reequilibrio presupuestario (procedimiento para la emisión de dictáme-
nes), y por el artículo único de la Ley 4/2014, de 22 de septiembre, de modificación de la Ley 3/1993, de
16 de julio, del Consejo Económico y Social de la Región de Murcia (composición).
14
Modificada por el artículo 2 de la Ley Foral 20/2013, de 20 de junio, de modificación de la Ley Foral
2/2006, de 9 de marzo, del Consejo Económico y Social de Navarra (composición, representantes del sector
de la Economía Alternativa y Solidaria de la Comunidad Foral).
15
Modificada por el artículo 33 de la Ley 3/2018, de 26 de diciembre, de medidas fiscales y administrativas
(composición).
Los CES se han ido introduciendo en los estatutos de autonomía como órganos o
instituciones de existencia necesaria en la estructura institucional de las Comunidades
Autónomas (ocho en la actualidad). Su primera incorporación resultó de modificaciones
aprobadas en estatutos de autonomía de la primera generación (Islas Baleares, Canarias y
Castilla y León). En la mayor parte de los casos, los CES se han contemplado, reforzando
su posición institucional, en los estatutos de autonomía de la segunda generación. De esta
última etapa proceden los artículos 132 y 160 de la Ley Orgánica 2/2007, de 19 de marzo,
683 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
de reforma del Estatuto de Autonomía para Andalucía, 102 de la Ley Orgánica 5/2007,
de 20 de abril, de reforma del Estatuto de Autonomía de Aragón, 78 de la Ley Orgánica
1/2007, de 28 de febrero, de reforma del Estatuto de Autonomía de las Illes Balears, 179
de la Ley Orgánica 1/2018, de 5 de noviembre, de reforma del Estatuto de Autonomía
de Canarias, 19 y 81 de la Ley Orgánica 14/2007, de 30 de noviembre, de reforma del
Estatuto de Autonomía de Castilla y León, 72.2 de la Ley Orgánica 6/2006, de 19 de julio,
16
Modificada por el artículo 69 de la Ley 5/2012, de 20 de marzo, de medidas fiscales, financieras y admi-
nistrativas y de creación del Impuesto sobre las Estancias en Establecimientos Turísticos (anteproyecto de
presupuestos del Consejo).
17
Modificada por el artículo 3 del Decreto-ley 1/2009, de 24 de febrero, por el que adoptan medidas urgentes
de carácter administrativo (plazo para la emisión urgente de informes), y por la disposición final primera
del Decreto-ley 4/2012, de 16 de octubre, de medidas extraordinarias y urgentes en materia de protección
sociolaboral a extrabajadores y extrabajadoras andaluces afectados por procesos de reestructuración de em-
presas y sectores en crisis (incompatibilidades de los miembros del Consejo).
18
Modificada por la Ley 5/2009, de 17 de junio, de modificación de la Ley 10/2000, de 30 de noviembre,
del Consejo Económico y Social (funciones, ámbito temático de los dictámenes preceptivos, composición,
nombramiento de la Presidencia y la Secretaría General).
685 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
“Una ley de la Asamblea regulará la composición, las competencias, el régimen
jurídico, la organización y el funcionamiento del Consejo Económico y Social de
Extremadura, con sede en la ciudad de Mérida, como órgano colegiado consultivo
de la Junta en materias socioeconómicas”.
• Comunidad Valenciana (Ley Orgánica 5/1982, modificada ampliamente por la Ley
Orgánica 1/2006). El artículo 20 EA (su contenido procede del artículo 24 de la Ley
Orgánica 1/2006) enumera “El conjunto de las instituciones de autogobierno de la
Comunitat Valenciana constituye la Generalitat” (apartado 1): “Forman parte de la
Generalitat les Corts Valencianes o les Corts, el President y el Consell” (apartado 2).
“Son también instituciones de la Generalitat la Sindicatura de Comptes, el Síndic
de Greuges, el Consell Valenciá de Cultura, l’Acadèmia Valenciana de la Llengua,
el Consell Jurídic Consultiu y el Comité Econòmic i Social” (apartado 3). Y el
artículo 42 (redactado conforme al artículo 47 de la Ley Orgánica 1/2006) señala
que “El Comité Econòmic i Social es el órgano consultivo del Consell y, en general,
de las instituciones públicas de la Comunitat Valenciana, en materias económicas,
sociolaborales y de empleo. En cuanto al procedimiento del nombramiento de sus
Las composiciones de los CES autonómicos responden, con carácter general, a los
mismos criterios, aunque existen matices que datan del momento de la creación o se han
incluido en modificaciones. El actual número de miembros de los CES es el siguiente:
País Vasco (32, de los que ocho son expertos que no tienen voto; pueden ser 33 si la
persona titular de la Presidencia no es miembro previamente)20, La Rioja (19)21, Canarias
(18)22, Aragón (27)23, Castilla y León (36)24, Comunidad Valenciana (18)25, Extremadura
687 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
19
La Ley 21/1991, de 17 de junio, por la que se crea el Consejo Económico y Social, se mantiene prácticamente
inalterada desde su aprobación. Tan solo se ha modificado una vez, muy pronto, para corregir un olvido ini-
cial: la definición de su “Régimen presupuestario de control y contabilidad” (artículo 10, introducido por el
artículo 109 de la Ley 31/1991, de 30 de diciembre, de Presupuestos Generales del Estado para 1992).
20
Artículo 4 de la Ley 8/2012, de 17 de mayo, del Consejo Económico y Social Vasco/Euskadiko Ekonomia
eta Gizarte Arazoetarako Batzordea (CES-EGAB).
21
Artículo 5 de la Ley 6/1997, de 18 de julio, reguladora del Consejo Económico y Social de La Rioja, modi-
ficado por la Ley 4/2022, de 29 de marzo, por la que se alza la suspensión del funcionamiento del Consejo
Económico y Social de La Rioja. En el momento de cierre de este texto todavía no han sido nombrados.
22
Artículo 6 de la Ley 1/1992, de 27 de abril, del Consejo Económico y Social de Canarias, modificada por
la Ley 7/2019, de 9 de abril, de modificación de la Ley 1/2010, de 26 de febrero, Canaria de Igualdad entre
Mujeres y Hombres, y de modificación de las leyes reguladoras de los órganos de relevancia estatutaria para
garantizar la representación equilibrada entre mujeres y hombres en su composición, y la Ley 10/2019, de
25 de abril, de Cámaras Oficiales de Comercio, Industria, Servicios y Navegación de Canarias.
23
Artículo 5 de la Ley 9/1990, de 9 de noviembre, del Consejo Económico y Social de Aragón.
24
Artículo 4 de la Ley 13/1990, de 28 de noviembre, del Consejo Económico y Social de Castilla y León,
modificado por la Ley 4/2013, de 19 de junio, por la que se modifica la organización y el funcionamiento
de las instituciones propias de la Comunidad de Castilla y León.
25
Artículo 7 de la Ley 1/2014, de 28 de febrero, de la Generalitat, del Comité Econòmic i Social de la Comunitat
Valenciana, modificado por la Ley 12/2017, de 2 de noviembre, de modificación de las leyes reguladoras de las
instituciones de la Generalitat para garantizar la igualdad entre mujeres y hombres en sus órganos.
26
Artículo 3 de la Ley 3/1991, de 25 de abril, de creación del Consejo Económico y Social de Extremadura,
modificado por la Ley 7/1996, de 24 de octubre, de modificación del artículo 3.1 de la Ley 3/1991 de 25
de abril, de creación del Consejo Económico y Social de Extremadura, la Ley 10/1998, de 26 de junio, de
modificación del artículo 3.1 de la Ley 3/1991, de 25 de abril, en la redacción dada por la Ley 7/1996, de 24
de octubre, de creación del Consejo Económico y Social de Extremadura, y la Ley 3/2018, de 21 de febrero,
de Cámaras Oficiales de Comercio, Industria y Servicios de la Comunidad Autónoma de Extremadura.
27
Artículo 2 de la Ley 8/2018, de 11 de diciembre, del Consejo Económico y Social de Cantabria (CESCAN),
modificado por la Ley 12/2020, de 28 de diciembre, de Medidas Fiscales y Administrativas. Mediante el Decreto
5/2022, de 3 de febrero, se procedió al nombramiento de los miembros del Consejo Económico y Social de
Cantabria. En él se indica que CCOO y UGT “renuncian a designar representantes del grupo segundo y han
688 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
declinado ratificar los designados en el año 2019” (apartado primero.4), por estar en desacuerdo con la regulación
de la composición. Posteriormente renunciaron a su nombramiento los representantes de CEOE-CEPYME de
Cantabria. Se constituyó el nuevo CESCAN, solo con el grupo tercero, el día 8 de marzo de 2022.
28
Artículo 3 de la Ley 3/1993, de 16 de julio, del Consejo Económico y Social de la Región de Murcia.
29
Artículo 2 de la Ley Foral 2/2006, de 9 de marzo, del Consejo Económico y Social de Navarra, modifica-
do por la Ley Foral 20/2013, de 20 de junio, de modificación de la Ley Foral 2/2006, de 9 de marzo, del
Consejo Económico y Social de Navarra.
30
Artículo 7 de la Ley 6/1995, de 28 de junio, por la que se crea el Consejo Económico y Social de Galicia,
modificado por la Ley 3/2018, de 26 de diciembre, de medidas fiscales y administrativas.
31
Artículo 3 de la Ley 7/2005, de 8 de junio, del Consejo de Trabajo, Económico y Social de Cataluña.
32
Artículo 8 de la Ley 5/1997, de 26 de noviembre, del Consejo Económico y Social de Andalucía.
33
Artículo 4 de la Ley 10/2000, de 30 de noviembre, del Consejo Económico y Social de las Illes Balears,
modificado por la Ley 5/2009, de 17 de junio, de modificación de la Ley 10/2000, de 30 de noviembre, del
Consejo Económico y Social.
34
El CES de la Comunidad Foral de Navarra se estructura en cinco grupos. Junto a los tres grupos existentes
en los demás CES autonómicos, se han sumado otros dos: “el Grupo Primero que integrará a los represen-
tantes de la Administración de la Comunidad Foral, de entre los cuales, al menos uno, corresponderá al
ámbito de la Administración Local de Navarra”, y el Grupo Quinto, que “contará con dos miembros del
sector de la Economía Alternativa y Solidaria de la Comunidad Foral”. El CES de Cantabria dispone de
cuatro grupos. Además de los tres habituales, cuenta con otro, considera el Primero, que estará formado
por seis “personas de reconocido prestigio en materia socioeconómica y laboral, de los que al menos uno
representará a la Universidad de Cantabria y otro a la Federación de Municipios de Cantabria”.
35
CES de las Islas Baleares, CES de Cantabria, CES de Castilla y León, CTES de Cataluña, CES de
Extremadura, CES de Galicia, CES de La Rioja, CES de la Región de Murcia, CES de Navarra, CES-EGAB
del País Vasco y CES de la Comunidad Valenciana (“Una persona en representación del sector primario de
la economía valenciana”).
36
CES de las Islas Baleares, CTES de Cataluña, CES de Galicia, CES-EGAB del País Vasco y CES de la
Comunidad Valenciana (“Una persona en representación del sector primario de la economía valenciana”).
37
CES de Andalucía, CES de las Islas Baleares, CES de Canarias, CES de Castilla y León, CES de Extremadura,
CES de Galicia, CES de la Región de Murcia, CES de Navarra, CES-EGAB del País Vasco y CES de la
Comunidad Valenciana (“Una persona en representación de las organizaciones de consumidores, usuarios y
vecinos, o consumidoras, usuarias y vecinas”).
38
CES de Andalucía, CES de las Islas Baleares, CES de Castilla y León (cooperativas y sociedades laborales),
CTES de Cataluña, CES de Extremadura, CES de Galicia, CES de la Región de Murcia, CES de Navarra,
CES-EGAB del País Vasco (cooperativas y sociedades laborales con representación diferenciada) y CES de
la Comunidad Valenciana.
39
CES de las Islas Baleares y CES de Navarra.
40
CES de Extremadura y CES-EGAB del País Vasco.
41
CES de la Región de Murcia.
42
CES de Cantabria.
689 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
43
En el CES de Cantabria se ha introducido en el grupo misceláneo, con una notable controversia, a “Las orga-
nizaciones sindicales que, no teniendo la consideración legal de más representativas, reúnan los requisitos con-
templados en el artículo 2.4.d) de esta Ley” (artículo 2.1.d de la Ley 8/2018, de 11 de diciembre, del Consejo
Económico y Social de Cantabria). El artículo 2.4.d), redactado por la Ley 12/2020, de 28 de diciembre, de
Medidas Fiscales y Administrativas, establece lo siguiente: “Dos personas representantes de las organizaciones
sindicales a que se refiere el artículo 2.1.d) 4.º de esta Ley, que no reúnan los requisitos establecidos en la
legislación estatal en materia de libertad sindical, referido a la condición de representatividad y que hayan su-
perado el 5 % de delegados de personal y miembros del comité de empresa y de los correspondientes órganos
de las Administraciones públicas en la Comunidad Autónoma de Cantabria. Se asignará un representante a
cada una de las organizaciones sindicales que cumplan estos requisitos, dentro del límite máximo asignado en
este apartado d). En el caso de que estas organizaciones sindicales fueran menos de dos, se reducirá el número
total de miembros del Consejo Económico y Social de Cantabria en la misma proporción. Si fueran más de
dos, la asignación del número máximo de representantes seguirá el orden de mayor representatividad en el
conjunto de delegados de personal y miembros del comité de empresa y de los correspondientes órganos de las
Administraciones Públicas, en caso de empate se resolverá por sorteo”.
44
CES de Navarra.
45
CES de la Comunidad Valenciana (“Una persona en representación de las organizaciones de consumidores,
usuarios y vecinos, o consumidoras, usuarias y vecinas”).
46
CES de Andalucía (designados por el Consejo de Gobierno), CES de Canarias (Gobierno), CES de Cantabria
(Gobierno, Universidad de Cantabria y Federación de Municipios), CES de Castilla y León (Gobierno y
Cortes), CTES de Cataluña (Gobierno), CES de Extremadura (Gobierno), CES de la Región de Murcia
(Gobierno, uno de ellos entre profesores de la Universidad de Murcia) y CES-EGAB del País Vasco (Gobierno,
tres de ellos entre profesores de la Universidad del País Vasco; los expertos tienen voz, pero no voto).
47
CES de Aragón (Diputación General de Aragón), CES de las Islas Baleares (Consejos Insulares y Gobierno),
CES de Cantabria (Gobierno), CES de La Rioja (Gobierno), CES de Navarra (Gobierno) y CES de la
Comunidad Valenciana (Gobierno).
48
CES de Navarra.
49
CES de Andalucía y CES de la Comunidad Valenciana.
50
CES de las Islas Baleares, CES de Cantabria, CES de la Región de Murcia y CES de Navarra.
51
CES de Andalucía, CES de las Islas Baleares, CES de Cantabria, CES de Extremadura, CES de Galicia,
CES de Navarra y CES de La Rioja.
52
CES de Canarias, CES de la Región de Murcia, CES-EGAB del País Vasco y CES de la Comunidad
Valenciana.
53
CES de Cantabria.
54
CES de Extremadura.
55
CES-EGAB del País Vasco.
56
Afirma la exposición de motivos de la Ley 4/2013, de 19 de junio, por la que se modifica la organización y el
funcionamiento de las instituciones propias de la Comunidad de Castilla y León, que “se procede a la adscrip-
ción presupuestaria del Consejo Económico y Social y del Consejo Consultivo a las Cortes de Castilla y León,
siguiendo el modelo de lo que ya ocurre con el Procurador del Común y el Consejo de Cuentas, modelo que
como ya se ha demostrado en ningún caso afecta a la independencia que debe presidir el funcionamiento de
estas instituciones. Siguiendo esta referencia, la presente Ley atribuye a las Cortes, entre otras, funciones en
relación con los nombramientos y aprobación de sus Reglamentos de Organización y Funcionamiento, que
hasta ahora estaban atribuidas a la Junta de Castilla y León, con lo que la reforma refuerza aún más la inde-
pendencia de estas dos instituciones propias”. Recuérdese que el presidente del Consejo Económico y Social de
Portugal es “eleito pela Assembleia da República nos termos da alínea h) do artigo 166.°2 da Constituição”.
57
El CES de la Comunidad Valenciana utiliza una fórmula diferente: “(…), previa consulta al Comité, cuyo
691 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
parecer se entenderá favorable salvo que voten en contra tres cuartas partes de sus miembros” (artículo
9.1 de la Ley 1/2014, de 28 de febrero, de la Generalitat, del Comité Econòmic i Social de la Comunitat
Valenciana). Para el CES-EGAB del País Vasco se contempla la posibilidad de dos vueltas, combinando
dos modelos: “Para su elección, el candidato o la candidata deberá ser votado o votada, al menos, por las
dos terceras partes de las personas que integran el Consejo, debiendo tener algún voto de cada uno de esos
grupos. Caso de no reunir en primera votación dicha mayoría, el presidente o la presidenta será designado
o designada por el lehendakari o la lehendakari, previa audiencia de las personas miembros del Consejo. En
ambos casos, tal designación se podrá realizar entre las personas de los grupos del artículo 4.1 de esta ley o
entre personas que no provengan de aquéllos. También en ambos casos, el nombramiento se realizará por
el lehendakari o la lehendakari” (artículo 6.1 de la Ley 8/2012, de 17 de mayo, del Consejo Económico y
Social Vasco/Euskadiko Ekonomia eta Gizarte Arazoetarako Batzordea).
58
CES de Aragón, CES de Canarias y CES de Navarra.
59
CES de las Islas Baleares, CTES de Cataluña, CES de Castilla y León, CES de Extremadura, CES de la
Región de Murcia y CES de La Rioja.
60
CES de Andalucía y CES de Galicia. En el CES de Cantabria se prevé la “consulta al Pleno del Consejo”
(artículo 12 de la Ley 8/2018, de 11 de diciembre, del Consejo Económico y Social de Cantabria, proceden-
te de la Ley 12/2020, de 28 de diciembre, de Medidas Fiscales y Administrativas; en la primera versión de
este artículo se decía lo siguiente: “1. La designación de quien ostente la Presidencia del Consejo se efectuará
en el propio nombramiento previa consulta al Pleno. (…) 2. Podrá ser destituida por Decreto del Consejo
de Gobierno, salvo acuerdo en contra adoptado por mayoría absoluta del Pleno del Consejo, (…). También
podrá ser destituida por Decreto de Consejo de Gobierno, a propuesta del Pleno del Consejo previo acuerdo
por mayoría de dos tercios de sus miembros”).
61
Artículos 16 de la Ley 5/1997, de 26 de noviembre, del Consejo Económico y Social de Andalucía, 10 de
la Ley 9/1990, de 9 de noviembre, del Consejo Económico y Social de Aragón, 2 de la Ley 10/2000, de 30
de noviembre, del Consejo Económico y Social de las Illes Balears, 14 de la Ley 1/1992, de 27 de abril, del
Consejo Económico y Social de Canarias, 16 de la Ley 8/2018, de 11 de diciembre, del Consejo Económico
y Social de Cantabria, 12 de la Ley 7/2005, de 8 de junio, del Consejo de Trabajo, Económico y Social de
Cataluña (se denomina Secretaría Ejecutiva), 11 de la Ley 3/1991, de 25 de abril, de creación del Consejo
Económico y Social de Extremadura, 17 de la Ley 6/1995, de 28 de junio, por la que se crea el Consejo
Económico y Social de Galicia, 14 de la Ley 6/1997, de 18 de julio, reguladora del Consejo Económico y
Social de La Rioja (se denomina Secretaría), 14 de la Ley 3/1993, de 16 de julio, del Consejo Económico
y Social de la Región de Murcia, 14 de la Ley Foral 2/2006, de 9 de marzo, del Consejo Económico y
Social de Navarra, 20 de la Ley 1/2014, de 28 de febrero, de la Generalitat, del Comité Econòmic i Social
de la Comunitat Valenciana (se denomina Secretaría), y 17 de la Ley 8/2012, de 17 de mayo, del Consejo
Económico y Social Vasco/Euskadiko Ekonomia eta Gizarte Arazoetarako Batzordea.
62
Consejo Económico y Social, Procurador del Común, Consejo Consultivo y Consejo de Cuentas.
Conclusión
Estos más de treinta años de existencia en España de los CES autonómicos demues-
tran que su creación, consolidación y actualización han sido un acierto en la construcción
y el desarrollo del sistema institucional del Estado social y democrático de Derecho. No
se discute la relevancia de su existencia, pero sí se cuestionan las seis supresiones que se
aprobaron con la excusa de la crisis económico-financiera desatada en 2008. De aquellos
se han recuperado ya los CES de las Islas Baleares, Cantabria y La Rioja. Se han convertido
693 // Novas fronteiras, outros diálogos: as Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
en instituciones imprescindibles, percibidas con gran fuerza en aquellas coyunturas que
requieren mayores esfuerzos colectivos, como la actual. Recuérdese que los CES emergie-
ron en la Europa occidental, y no fue casual, para la mejor y más rápida reconstrucción
después de la Segunda Guerra Mundial.
63
Artículos 4 de la Ley 5/1997, de 26 de noviembre, del Consejo Económico y Social de Andalucía, 11 de la
Ley 9/1990, de 9 de noviembre, del Consejo Económico y Social de Aragón, 12 de la Ley 10/2000, de 30
de noviembre, del Consejo Económico y Social de las Illes Balears, 4 de la Ley 1/1992, de 27 de abril, del
Consejo Económico y Social de Canarias, 10 de la Ley 8/2018, de 11 de diciembre, del Consejo Económico
y Social de Cantabria, 3 de la Ley 13/1990, de 28 de noviembre, del Consejo Económico y Social de Castilla
y León, 2 de la Ley 7/2005, de 8 de junio, del Consejo de Trabajo, Económico y Social de Cataluña, 5 de
la Ley 3/1991, de 25 de abril, de creación del Consejo Económico y Social de Extremadura, 5 de la Ley
6/1995, de 28 de junio, por la que se crea el Consejo Económico y Social de Galicia, 3 de la Ley 6/1997,
de 18 de julio, reguladora del Consejo Económico y Social de La Rioja, 5 a 7 de la Ley 3/1993, de 16 de
julio, del Consejo Económico y Social de la Región de Murcia, 7 de la Ley Foral 2/2006, de 9 de marzo,
del Consejo Económico y Social de Navarra, 4 de la Ley 1/2014, de 28 de febrero, de la Generalitat, del
Comité Econòmic i Social de la Comunitat Valenciana, y 3 de la Ley 8/2012, de 17 de mayo, del Consejo
Económico y Social Vasco/Euskadiko Ekonomia eta Gizarte Arazoetarako Batzordea.
45
1. Iberismo e Cooperação – Passado e Futuro da Península Ibérica
2. O Direito e a Cooperação Ibérica
3. O Outro Lado da Lua – Inéditos de Eduardo Lourenço
4. Entre Margens e Fronteiras – Para uma Geografia das Ausências e Centro de Estudos Ibéricos
das Identidades Raianas
5. Territórios e Culturas Ibéricas
6. Saúde sem Fronteiras O Centro de Estudos Ibéricos é uma asso-
7. O Direito e a Cooperação Ibérica II
ciação transfronteiriça sem fins lucrativos,
8. O Interior Raiano do Centro de Portugal – Outras Fronteiras, Novos
Intercâmbios constituído pela Câmara Municipal da
9. Um Cruzamento de Fronteiras – O Discurso dos Concelhos da Guarda
em Cortes Guarda, Universidade de Coimbra, Universi-
10. Territórios e Culturas lbéricas II dade de Salamanca e Instituto Politécnico
11. União Europeia, Fronteira e Território
12. Existência e Filosofia – O Ensaísmo de Eduardo Lourenço da Guarda.
13. Abandono do Espaço Agrícola na “Beira Transmontana”
NOVAS FRONTEIRAS,
14. Educação – Reconfiguração e Limites das Suas Fronteiras
15. Escola – Problemas e Desafios A ideia partiu do ensaísta Eduardo Lourenço
16. As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa – Paisagens, na sessão solene comemorativa do Oitavo
Territórios, Políticas no Brasil e em Portugal
17. Interioridade / Insularidade – Despovoamento / Desertificação Centenário do Foral da Guarda, em 1999,
OUTROS DIÁLOGOS
18. Efeito Barreira e Cooperação Transfronteiriça na Raia Ibérica
tendo em vista a criação de um Centro de
19. Patrimónios, Territórios e Turismo Cultural
20. A Cidade e os Novos Desafios Urbanos Estudos que contribuísse para um renovado
21. Vida Partilhada – Eduardo Lourenço, o CEI e a Cooperação Cultural
conhecimento das diversas culturas da
22. Falar Sempre de Outra Coisa – Ensaios Sobre Eduardo Lourenço
23. Metafísica da Revolução – Poética e Política no Ensaísmo de Península e para o estudo da Civilização
Eduardo Lourenço AS NOVAS GEOGRAFIAS Ibérica como um todo.
24. Paisagens, Patrimónios e Turismo Cultural
25. Condições de Vida, Coesão Social e Cooperação Territorial DOS PAÍSES DE LÍNGUA
26. Paisagens e Dinâmicas Territoriais em Portugal e no Brasil – As
Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa
PORTUGUESA Criado formalmente em Maio de 2001, o
27. Espaços de Fronteira, Territórios de Esperança – Das Vulnerabilidades
às Dinâmicas de Desenvolvimento
CEI tem vindo a afirmar-se como pólo privi-
28. Paisagens, Patrimónios, Turismos legiado de encontro, reflexão, estudo e
29. Educação e Cultura Mediática – Análise de Implicações Deseducativas
30. Espaços de Fronteira, Territórios de Esperança – Paisagens e
divulgação de temas comuns e afins a
Patrimónios, Permanências e Mobilidades Portugal e Espanha, com especial incidência
31. Diálogos (Trans)fronteiriços – Patrimónios, Territórios, Culturas RUI JACINTO
32. Outras Fronteiras, Novas Geografias - Intercâmbios e Diálogos (coordenação) na região transfronteiriça.
Territoriais
33. Lugares e Territórios – Património, Turismo Sustentável, Coesão Territorial
34. Andanças e Reflexões Transfronteiriças – Roteiro Miguel de Unamuno
– Eduardo Lourenço
35. Novas Fronteiras, Outros Diálogos – Paisagens, Patrimónios, Cultura
36. Novas Fronteiras, Outros diálogos: Cooperação e Desenvolvimento
Territorial
37. Pontes entre Agricultura Familiar e Agricultura Biológica
38. As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação
e Desenvolvimento
39. Geografias e Poéticas da Fronteira - Leituras do Território
40. Dinâmicas Socioeconómicas - Em Diferentes contextos territoriais
41. Geografia sem Fronteiras - Diálogos entre Portugal e o Brasil
42. Paisagens e Desevolvimento Rural
43. Sociedade e memória os territórios
44. Vida Partilhada – Todos Nos Ibéricos – Eduardo Lourenço