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Licenciatura em Ensino de Inglês (4.

ͦ ano)
Literaturas Africanas em Língua Portuguesa II
Docente: João Bonifácio Aurélio Ribeiro

Discentes: Anita Ambrósio José


Pinto Manuel José Pinto
William Fidelix

LITERATURA DE GUINÉ-BISSAU

Durante algum tempo, tornou-se frequente falar do vazio literário guineense. De facto, se
comparada à outras literaturas africanas de língua portuguesa, a literatura guineense é tardia e
escassa. Contudo, tal surgimento tardio, que razões de ordem histórica e sócio-cultural
explicam, não justifica o apodo de «inexistente».

Muitas razões terão contribuído para esse aparecimento tardio de uma literatura feita
por guineenses, portanto de uma elite que pudesse assumir-se como produtora de literatura. E
elas talvez decorram sobretudo do facto de as guerras da resistência movidas pelos africanos
à ocupação portuguesa se prolongarem até à 2.ª década deste século, o que certamente
dificultou a fixação dos portugueses e a instauração de estruturas de colonização (escolas,
serviços de utilidade pública, um corpo de agentes sociais, etc.), como aconteceu nas outras
colónias

1. O vazio literário guineense

Quando, em 1979, Vasco Cabral publica, na revista África, n.º 5, em Lisboa, dez poemas com
datas compreendidas entre 1955 e 1974, revelando-se então como poeta. Manuel Ferreira,
que, em 1975, No reino de Caliban-I, havia considerado a Guiné literária «um espaço vazio»,
afirma: «os poemas de Vasco Cabral obrigam assim a delimitar as origens da poesia
guineense para o ano de 1955». Russel Hamilton, no comentário que tece a propósito dessa
asserção de Manuel Ferreira, considera: «dizer que os poemas de Vasco Cabral constituem as
verdadeiras origens da poesia guineense talvez seja um pouco precipitado. E dizer que estas
origens se aproximam das de Angola e Moçambique é dar a impressão de que um caso
isolado pode constituir, retrospectivamente, o início de uma literatura». De facto, a existência
de um sistema literário pressupõe uma tradição. Mais: uma memória da tradição, Vasco
Cabral tem, efectivamente, um lugar especial na literatura guineense. Como pioneiro? Não

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nos parece. Mesmo porque, antes dele, Amílcar Cabral escrevera e publicara. Amílcar Cabral,
cabo-verdiano e guineense e que mais recentemente foi incluído na Antologia poética da
Guiné-Bissau (1990), com prefácio de Manuel Ferreira.

Considerando que o espectro de uma literatura não é monocolor, não se esgotando


numa opção estética, e sem subestimar o papel demiúrgico de um sistema nacional da
poesia de Amílcar Cabral, António Baticã Ferreira, Vasco Cabral, Hélder Proença e as
vozes colectivas das antologias, é preciso recuar às primeiras manifestações literárias
(atente-se no sublinhado) na Guiné-Bissau. E elas datam da década de 30 e com uma
pujança singular - é a literatura colonial, única manifestação sistemática com uma
convergência temática no âmbito literário no período colonial, produzida por metropolitanos
e cabo-verdianos radicados.

Mas, entre os escritores coloniais guineenses, destacam-se Fernanda de Castro e Fausto


Duarte.

Fernanda de Castro é autora de uma obra imensa, de que fazem parte dois livros
juvenis, Mariazinha em África (1925) e Aventuras de Mariazinha em África (1929), além de
um romance, O veneno do sol (1928), e um longo poema, já emblemático da colonialidade
literária, África raiz (1966). Fernanda de Castro pode considerar-se, então, pioneira de uma
escrita africana de temática guineense.

Fausto Duarte, por seu turno, inaugura a sua actividade literária de temática guineense
em 1934, com Auá - uovela uegra, contendo um prefácio de Aquilino Ribeiro e ganhando o
1.° Prémio de Literatura Colonial: nove anos depois de Mariazinha em África e quatro anos
depois de O veneno do sol; três anos depois de Afonso Correia ter publicado Bacomé Sambú,
uma história passada no universo nalú, construída com signos mais estereotípicos de uma
primitiva colonialidade; e um ano depois do conto «A paixão da balanta», de Julião
Quintinha (in Novela Africana).

Outrossim, a obra de Fausto Duarte de temática guineense, que encerra com A revolta
(1945), passando por O negro sem alma (1935) e Foram estes os vencidos (1945), actualiza
um discurso colonial de cuja estruturação emana a significação de uma ultramarinidade, em
que a disposição ideológica, não sendo celebrativa, é apologética do fazer luso, colonizador,
civilizador e evangelizador na Guiné.

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Por seu turno, o livro Poemas, de Carlos Semedo, parece ser um caso único na
literatura da Guiné-Bissau no período colonial. Datado de 1963, numa edição do jornal
Bolamense, Poemas insere-se numa corrente revivalista de que o próprio Bolamense foi o
principal protagonista e núcleo congregador do canto à velha Bolama que perdera para Bissau
as prerrogativas de cidade capital nos anos 30.

2. As antologias poéticas e seu papel na afirmação da literatura guineense

Os anos 70 conheceram três outros testemunhos de uma voz colectiva, em que se revelaram
jovens, alguns ainda estudantes do liceu. São eles: Mantenhas para quem luta! - a nova
poesia da Guiné-Bissau (1977), em que se revelaram catorze jovens, tendo seis (Armando
Salvaterra, António Soares Lopes, Jr. Hélder Proença, Justino Nunes Monteiro, Nagib Farid
Said e José Carlos Schwartz) continuado na Antologia cios jovens poetas - momentos
primeiros da construção ( 1978) e Os continuadores da revolução e a recordação do passado
recente (s.d. - 1979), esta publicada em Bolama. Note-se. a propósito, que estas antologias
foram publicadas quando o angolano Mário Pinto de Andrade era responsável pelo chamado
Conselho Nacional de Cultura, sendo as duas primeiras editadas por esse organismo.

O significado dessas antologias ultrapassa o âmbito da qualidade literária desses


textos e adquire um valor sócio-ideológico e um importante papel histórico no quadro da
afirmação sociológica de um sistema literário nacional. São as primeiras obras literárias que
se publicam depois da independência e dessa força legitimadora tem consciência o
prefaciador, anónimo, da primeira, quando afirma que «o que determina a qualidade é a
função, pelo valor social que possa representar».

A primeira antologia, Mantenhas para quem luta! («mantenhas» que, em crioulo,


significa «saudações/cumprimentos»), com um prefácio vincadamente marcado pela
ideologia revolucionária do momento histórico que se vivia, assenta numa retórica de
assumido compromisso político, em que a veemência da expressão, tão eufórica, se torna
panfletária, desvirtuando-se a forma. A estética dessa poesia constrói símbolos, signos e
motivos já anteriormente actualizados na escrita de outras áreas geo-poéticas e que
configuram os núcleos temáticos de dimensão social (o anti-colonialismo. a denúncia da
precariedade social, da repressão política, de que Pindjiguiti é o símbolo) e de dimensão
cultural (a Mãe-África e a identidade negro-africana, a identidade poeta/povo, a verberação
da assimilação cultural e o seu corolário, a alienação), mas também a liberdade, a
consagração da vitória, a celebração da pátria e de Amílcar Cabral.

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Continuando no mesmo trilho, Antologia dos jovens poetas tem um, igualmente
circunstancial, prefácio de H. T. (que supomos tratar-se de Hélder Tavares Proença, uma das
revelações de 1977), «Em saudação ao XI Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes».
Segundo o prefaciador, a antologia «é uma manifestação exaltante da contribuição e dinâmica
dos valores culturais do nosso povo ao património cultural e universal». Outrossim é a última
antologia Os continuadores da revolução, cujos participantes são jovens da então Escola
Piloto de Bolama, transferida de Conacri, assumindo a colectivização da voz até no prefácio:
«os poemas destes alunos poetas ou poetas alunos são poemas militantes, de participação e de
engajamento na luta pela emancipação do seu povo. São poemas da história da luta de
libertação, vivida e reflectida na rara sensibilidade poética destes alunos».

Outro aspecto que marca o lugar histórico dessas antologias, sobretudo das duas
primeiras, é a utilização do crioulo como língua de criação literária. Se Mantenhas para quem
luta! incluía apenas dois poemas em crioulo, de José Carlos, com tradução em português,
Antologia dos jovens poetas alargará esse número para dezanove, numa secção denominada
«Espaço Crioulo», sem tradução. Entre os poetas em crioulo, José Carlos é, sem dúvida,
paradigmático.

Já nos anos 90, duas outras antologias foram publicadas, confirmando as vozes
reveladas nos anos 70, algumas das quais nunca mais se haviam manifestado: Antologia
poética da Guiné-Bissau (1990), já citada anteriormente, e O eco do pranto, A criança na
poesia moderna guineense (1992).

A Antologia poética da Guiné-Bissau é a reconfirmação da maturidade de uma literatura


nacional guineense. Revelando dois poetas, Jorge Cabral e Domingas Sam, e, de certo modo,
um terceiro, uma vez que Eunice Borges, em Podão, se assumira como cabo-verdiana, a
antologia tem uma atitude inovadora: a assunção da dupla nacionalidade literária de Amílcar
Cabral, de quem foram seleccionados sete poemas. Mais: o primeiro poema, «Ilha», ou
mesmo «Regresso», releva, nitidamente, de uma tentativa de identificação com a terra cabo-
verdiana, embora num discurso aberto, numa pacífica assunção de uma (por vezes dolorosa)
fraternidade. O prefácio é de Manuel Ferreira e é talvez a mais completa abordagem da
poesia nacional guineense.

Por seu turno, O eco do pranto, colectânea concebida sob a égide da UNICEF, em
saudação à Cimeira Mundial da Criança, em 1990, e com maravilhosos desenhos de
Diamantino Monteiro e Katalã, não revelando nenhum escritor, é uma compilação dos

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poemas cujo tema fosse a criança, cujos sujeitos poéticos fossem crianças, poemas que, de
qualquer modo, estivessem ligados à criança ou, como diz o prefaciador, poemas dedicados à
criança.

3. Os cincos enunciados da colectânea de 59 poemas de Vasco Cabral

Mas um ano antes, Vasco Cabral, que havia sido revelado na revista África, em 1979,
conforme já assinalámos, publicara A luta é a minha primavera (1981).

Natural de Farim, onde nasceu no ano de 1926, formado pelo Instituto Superior de
Ciências Económicas e Financeiras da Universidade Técnica de Lisboa, Vasco Cabral é
contemporâneo e companheiro de Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Francisco José Tenreiro,
Alda Espírito Santo e Mário de Andrade, para só citar alguns dos mais significativos nomes
dessa plêiade de africanos intelectuais e poetas, dessa geração da Casa dos Estudantes do
Império.

A colectânea, contendo 59 poemas, divide-se em cinco enunciados: Amor, Infância e


adolescência, Esperança, Luta e progresso e Paz. Os signos desses enunciados configuram
os temas de protesto, a verberação do colonialismo e seus males corolários, a expressão da
identidade e da evocação da Terra-Mãe, símbolo e signo da estética da Negritude, a
celebração do solo pátrio, como nos três mais exortativos poemas do autor, «África! Ergue-te
e caminha», «Avante, África!» e «África, liberta-te!».

À primeira vista, uma escrita em desfasamento com o tempo. Mas é preciso não
esquecer que o mais antigo poema da colectânea, «Ricaço», data de 1951, o que explica o
compromisso ideológico, a intenção da transformação social, tão cara à ideologia marxista, e
a disponibilidade revolucionária dessa poesia, em 1981.

Mesmo no discurso de contaminação lírica, como, por exemplo, na poesia da evocação do


passado, a metáfora da nostalgia da infância surge, tal como na literatura angolana, como
veículo de crítica da sua situação presente, diferentemente do que acontece na poesia de seu
compatriota Baticã Ferreira.

Algures, dissemos que da literatura guineense já não fazia sentido dizer-se que é
escassa. Reiteramos essa pressuposição, chamando a atenção para a necessidade de se
pesquisar a sua idiossincrasia.

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