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CAPITULO II: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2. O Contributo da Revista Charrua para a Literatura após a Independência

O livro “Ualalapi” de Ungulani Ba Ka Khossa, publicado pela primeira vez em Maputo em 1987,
já recebeu vários prémios literários. A obra é um conjunto de “contos contínuos” intitulados
“Fragmentos do Fim”. Nestes fragmentos, combina-se o material histórico-factual, com recurso a
fontes tanto escritas como orais, e os elementos fictícios. Não é por acaso que a académica Ana
Mafalda Leite (1998), quando abordada sobre o livro, tenha referido que com esta obra a ficção
moçambicana “ introduz um género que se enraíza no romance histórico”.

A obra de Ba Ka Khosa questiona o passado e o presente, fazendo uma releitura


das fontes históricas do século passado. O autor critica o poder político e tenta
mostrar como a História pode descrever o uso desses mesmos poderes. Num
outro desenvolvimento, Khosa faz uma reflexão sobre as noções de cultura e de
identidade cultural. Em “Ualalapi” acontece a desmistificação total de um grande
herói nacional: o imperador Ngungunhane, também conhecido por “Leão de
Gaza”.
Com o advento da independência de Moçambique, em 1975, a figura de Ngungunhane foi
recuperada como herói nacional e figura mítica que representava o primeiro resistente
moçambicano à colonização portuguesa, anterior à luta de libertação pela independência, levada
a cabo pela Frelimo. Na sequência desta reabilitação da personagem histórica, convém destacar,
por exemplo, o empenhamento dos moçambicanos na reabilitação do “herói”, ao pedirem o
envio, há poucos anos atrás, aos portugueses, dos restos mortais do imperador que tinha sido
exilado nos Açores, no fim do século passado.

Ungulani Ba Ka Khosa ao escrever o seu romance tenta desmitificar esta figura, transformando o
mítico herói naquilo que ele era realmente, um ditador estrangeiro, prepotente, que manteve
sobre o seu domínio, escravizada, uma parte significativa do território moçambicano. Este é o
tema de que trata o romance de Ungulani Ba Ka Khosa. Nesta medida é uma narrativa histórica,
que versa sobre as origens históricas e pré-coloniais, do actual país, Moçambique.

As provas e as pistas vão-se reunindo, conto a conto, através de uma focalização múltipla. Outras
fontes, forjadas pelo narrador, surgem no interior dos textos, o testemunho oral e também o
escrito. Uma vez que Ualalapi é uma desmitificação das versão colonial e pós independência da
figura de Ngungunhane (a colonial que é paternalista e a revolucionária pós-independência
implícita, não referida no texto que lhe atribui um estatuto de herói) convida a reflectir sobre a
validade de uma e de outra, das fontes escritas e das orais, e daquelas que o narrador convoca no
seu próprio discurso.

2.1. As Características Estético-Estilísticas em Ualalapi de Ungulani Ba Khossa


Ualalapi, de U.B.Khosa, é designado como romance, mas organiza-se num conjunto de seis
contos, que funcionam como unidades independentes, e ao mesmo tempo interdependentes. Cada
uma das narrativas é precedida de um pequeno texto em itálico (muitas vezes com atribuição de
autoria, outras vezes depreende-se que são do autor da obra, e oscilando entre o testemunho
histórico e a ficção), intitulado, Fragmentos do fim, numerados de um a seis, que estabelecem
uma evolução e quadro cronológicos, até à queda do império nguni.
I. Ungulani Ba Ka Khosa valoriza nitidamente a oralidade, à qual atribui poder e
capacidade de permanência no tempo, como revela esta passagem de “Ualalapi”, em que
a propósito dos assuntos do império, se diz que o imperador os resolvia “com a voz e os
gestos, pois papel não havia e as ordens eram escritas pela voz tonitruante que ressoava
nas manhãs e tardes chuvosas e secas” (KHOSA 1991, p.62).
II. O poder é aqui simbolizado pelo adjectivo que qualifica a voz, enquanto a ideia de
permanência é dada pela “metáfora irónica” que destacámos com o itálico.
Para mostrar as diferenças linguístico-culturais entre vários países ou no interior de cada país,
Mafalda Leite prefere utilizar o termo “oralidades”. Afirma ela que:
O facto de usarmos no plural a palavra “oralidade” visa exactamente demonstrar
que, por um lado, as tradições orais são diferentes de país para país, embora com
um registo linguístico-cultural bantu comum, e dentro de cada país, de etnia para
etnia, apesar de ser possível encontrar elementos unificadores na caracterização
dos géneros e dos mitos, por exemplo. E o plural serve-nos neste caso, também,
para significar o processo transformativo que a urbe provocou nas tradições
rurais, modelando-as e recriando-as. E usamo-lo ainda, para acrescentar outros
elementos, provenientes de outras oralidades, de que a língua matriz é portadora
na sua origem cultural.
Ao trazer as formas e ao recriar um certo imaginário da tradição oral na sua obra, o
moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa (1991) deseja provavelmente chamar a atenção para a
cultura anulada e considerada como superstição nos primeiros anos de independência, que
procurou eliminar os valores do mundo tradicional.
2.2. O Nascimento da Literatura Angolana

Com a abolição do tráfico de escravos em 1836 e a substituição gradual por uma colonização
baseada na agricultura e no comércio, a partir dessa época, começou a produzir-se na sociedade
de Luanda e Benguela, portos de saída de escravos para a América do Sul, favorecendo uma
maior estabilidade económica e social, o que deu origem a uma primeira burguesia africana.

Estas pessoas desenvolviam suas actividades profissionais no comércio, na função pública e nos
tribunais; e encontravam no periodismo nascente o primeiro grande veículo para a expressão de
suas principais aspirações. Rapidamente, a imprensa se transformaria num lugar de privilégio
para o debate sócio-político.

Ao longo de quase toda a metade do século XIX, se assistiu ao nascimento de diversas


publicações. O Boletim Oficial, fundado em 1845, foi o ponto de partida. Seguidor das funções
oficiais para as quais foi criado, desempenhava também as funções de um periódico que, apoiado
por uma pequena elite de europeus recém ligados a Colónia, contribuía consideravelmente para o
incremento do periodismo em Angola.

Assim se sucederam várias publicações entre os anos 1845 e 1880. Ali se foi esboçando uma
primeira linha de homens que, sendo europeus, viviam quotidianamente os problemas da colónia,
fazendo da imprensa uma ampla tribuna para a defesa de seus interesses. O procedimento tornou-
se tradição e, mais tarde, o periodismo se converteria na principal arma de luta dos intelectuais
africanos.

O primeiro periódico editado por africanos, "O Hecho de Angola", data de 1881. Sua aparição
abriria caminho para o despertar de novos órgãos daquela que se chamou a imprensa africana,
que se caracterizou por conter publicações redigidas ora em kimbundu ora em português.

Entre estas, destacam "O Futuro de Angola", 1882; "O Farol do Povo", 1883; "O Arauto
Africano", 1889; e "1 Muen'exi", 1889; "O Desastre", 1889; e "O Policial Africano", 1890. Este
periódico teve uma vida bastante curta, posto que não passou do quarto número. Somente dois
dos escritores deste primeiro movimento nos deram livros. Pedro de Félix Machado e Cordeiro
da Matta.
E é só em 1928, depois de um exílio forçado de quatro anos, por ocasião de uma estadia em
Gabela, Amboim, onde "durante muito tempo e várias vezes teve que contar sua história", que
decide reproduzir, e posteriormente publicar, primeiro nos folhetins do periódico "A
Vanguarda", em 1929, e reeditada mais tarde em 1925 em forma de livro: "O Segredo da Morta".

Esta novela se converteria em um marco notável no encaminhamento da literatura angolana


diante de sua identidade nacional". Tendo escrito num período em que não existiam mais registos
de outra obra produzida por um autor angolano, esta novela ocupa todo um vazio literário,
formando uma ponte entre as duas gerações dos escritores preocupados com a revitalização
angolana, as gerações que estavam anteriormente representadas por Cordeiro da Matta e
posteriormente, por Castro Soromenho.

Por um lado, a obra representa um início da ficção literária no século XX, da qual Castro
Soromenho é o mais ilustre representante; por outro lado, uma continuidade: a geração de 1880,
encabeçada por Cordeiro da Matta, ao mesmo tempo que une como já dissemos a todo o
movimento, reflete sobre a angolanidade.

2.2.1. Periodização da Literatura Angolana


Podemos dividir a literatura angolana em sete períodos, que a seguir se listam:
 1. ° Período: das origens até 1848, o da Incipiência.
 2. ° Período: da publicação de Espontaneidades da minha alma, de José da Silva Maia
Ferreira, em 1849 até 1902, o dos Primórdios. Destacam-se Alfredo Troni com Nga
mutúri (1882). Cordeiro da Matta. É o período da chamada imprensa livre.
 3. ° Período: séc. XX (1903-1947), o do Prelúdio. Período do nacionalismo, da literatura
colonial.
 4. ° Período: entre 1948 e 1960, o da Formação da literatura, com movimentos culturais
organizados: Movimento dos Novos Intelectuais de Angola (MNIA) (1948), com o lema
“Vamos descobrir Angola”. Destaca-se Viriato da Cruz, Antonio Jacinto, que editou em
1950, Antologia dos novos poetas angolanos.
 5. ° Período: 1961-1971, incremento da atividade editorial ligada ao Nacionalismo,
surgem textos de temática guerrilheira. Em 1962, Alfredo Margarido publica Poetas
angolanos. Dois anos mais tarde, em 1964, José Luandino Vieira recebe o Grande Premio
de Novelística por Luanda (enquanto estava preso em Cabo Verde).
 6. ° Período: 1972 a 1980, o da Independência. Publica-se a coletânea Angola, poesia 71.
E em 1975 funda-se a União dos Escritores Angolanos (UEA) e fundam a gazeta Lavra &
Oficina.
 7. ° Período: 1981-1993, o de Renovação, que começa com a formação da Brigada.
2.3. A simbologia patente na trilogia de Camaxilo de Castro Soromenho

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