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AS LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

As literaturas africanas de língua portuguesa como processo de luta no período colonial

Resumo: Realiza breve análise das literaturas africanas de língua portuguesa no período
colonial, como instrumento de luta e afirmação identitária, abordando as especificidades que
a relação colonizador x colonizado acarretaram nas antigas colónias de Portugal: Cabo Verde,
Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique.

Palavras-chave: Literaturas Africanas de Língua Portuguesa; Colonização; Relação


colonizador x colonizado.

0. APRESENTAÇÃO

As literaturas africanas em língua portuguesa tiveram seu desenvolvimento a partir da


segunda metade do século XIX, como não poderia deixar de ser, em se tratando de países
africanos, dotados em sua maioria por culturas de tradição oral (embora não exclusivamente).
Diferentemente da produção colonial africana, as literaturas africanas adoptam um ponto de
vista do colonizado, “de dentro para fora”.

Marcadas pelo colonialismo português, os conflitos e relações que esta forma administrativa
acarreta, foram com o passar do tempo, inspiração constante na literatura das então colónias
de Portugal, atuais países de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Angola e
Moçambique. Por ter sido, o fazer literário nestes países, muitas das vezes, formas de
resistência e militância, serão exactamente estas nuances que marcam as relações colonizador
x colonizado e as demais buscas de afirmação identitária que elas acarretam, brevemente
abordadas neste trabalho, através de textos recolhidos dos 5 países africanos de língua
portuguesa. A literatura então passa a construir em forma de militância política, de denúncia,
de busca de uma identidade, a ideologia para a independência e afirmação de identidades
nestes países. Daí a sua importância.

O enfoque principal deste trabalho será para a lírica, não cabendo aqui transcrever, na íntegra,
textos narrativos e nem do teatro. Porém, ao analisar a relação colonizador x colonizado e de
afirmação identitária presente nos textos recolhidos, algumas referências a textos narrativos
podem ocorrer ao longo do trabalho. Realizar-se-á uma apresentação geral da literatura de
cada país antes da apresentação dos textos (ou trechos dos textos) recolhidos para cada um
deles.

1. MOÇAMBIQUE

As pesquisas sobre a literatura moçambicana do século XIX ainda é incipiente, em relação às


pesquisas do mesmo período para a literatura angolana. No entanto, “não será arriscar
demasiado dizer que a actividade cultural de Moçambique naquele período deve ter sido
sobretudo orientada para o jornalismo”. (FERREIRA, 1986, p. 177). Houve, ainda de acordo
com Ferreira (1986, p. 177), jornalistas que desempenharam um papel importante na
luta contra o obscurantismo político e cultural, não obstante as dificuldades de toda a
ordem que houveram de tornear para que sua intervenção se mantivesse digna e inteira. 

Somente na década de 30, surge o nome de Rui de Noronha (1909-1943) e com ele são
dados os primeiros passos para a criação de uma literatura moçambicana. A partir de 1955
ocorre o surto de uma actividade cultural com uma feição que apontava às raízes da vida
moçambicana. “Mas é com msaho (1952), revista que se publicou apenas um número, (...),
que se dá pelo sinal organizado e colectivo da instauração de uma poesia (literatura) de raiz
autóctone”. (FERREIRA, 1986, p. 178). Porém, como lembra Ferreira (1986, p. 178), o
verdadeiro voo na violenta e complexa realidade moçambicana, ao sopro e ao rigor de
uma visão concretamente nacional, é desencadeado no discurso poético de Noémia de
Sousa, a partir de 1949. 

Na área da narrativa, embora mais escassa, o primeiro nome que se impõe é o de João Dias,
que relativamente cedo introduz no discurso narrativo o sofrimento do homem negro no
mundo colonizado. 

Chamemos, no entanto, a atenção para o fato de na poesia de Moçambique, e não só na


poesia como também na ficção, ser possível, (...) apartar duas linhas perfeitamente definidas,
como que confrontando-se (às vezes conjugando-se) a todo momento: a de compromisso total
com o real moçambicano e a de compromisso com esse mesmo real; ou, se não, sem que ele
seja a tónica do discurso. (...) A intenção do autor angolano, por sistema, seja negro,
mestiço ou branco, foi a de grudar-se, tanto quanto possível, ao universo não de uma
camada europeia mas da vasta área tecida pelo fundo africano, marcado por situações
decorrentes do sistema colonial. Tal fato resulta da miscigenação étnica e cultural ter sido
mais intensa em Angola (...) criando-se ali uma maior permeabilidade entre camadas sociais
paralelas, embora constituídas por elementos de cor diferente. Não foi exactamente assim em
Moçambique, dado que ali os compartimentos raciais eram mais rígidos e os grupos
representativos da expressão estético-literária numericamente mais equilibrados, ou com
predominância para o grupo europeizado, tendia a ser reabsorvido pela maioria que é aquela
que está sintonizada com as aspirações colectivas. (FERREIRA, 1986, p. 178).

A tradição oral, abordada pelo projecto da literatura moçambicana, pode ser observada no
poema “Karingana ua karingana” de José Craveirinha. O título representa uma expressão
similar ao “era uma vez” brasileiro, utilizado pela oralidade na contação de estórias, por
exemplo. Já o poema “Grito Negro”, do mesmo autor, marca a opressão do negro pelo
sistema colonial, principalmente através da metáfora do carvão apresentada nos seguintes
versos:

Eu sou carvão!
Tenho que arder
E queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu serei teu carvão
Patrão!

(In: APOSTILA DE CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS AFRICANOS E


AFRO-BRASILEIROS, 2005).

A marca da tradição como forma de busca identitária e da abordagem da exclusão pelo


sistema colonial são marcas da literatura moçambicana em diversos autores. 

2. ANGOLA
É na segunda metade do século XIX que uma actividade literária e cultural intensas para a
época acontece. 

E não deixa de ser curioso anotar que, já nesse período, (...), paralelamente àquilo que se vem
designando por literatura colonial, encontramos obras de alguns autores que não poderão ser
inscritas na genérica designação de literatura colonial: umas vezes serão portugueses
profundamente radicados em África, quase todos eles jornalistas combativos e criadores
literários, (...). Ou então serão mesmo autores africanos (...), a maioria militando (...) no
jornalismo, em grande parte político e interveniente, não raro denunciador de prepotências e
abusos da administração colonial ou de desmandos e repressões de sectores políticos e
económicos. Nesse jornalismo intervêm não só brancos como negros e mestiços.
(FERREIRA, 1986, p. 61).

A partir do início do século XX, como lembra Ferreira (1986, p.61), cria-se um vazio na
actividade literária angolana, que se prolonga por longos anos, ocorrendo maioritariamente
produções de literatura colonial. A partir de 1935, porém, a linha africana é reintegrada a
partir de António de Assis Júnior com seu romance “O segredo da morta”. Caberia ao
romanista Castro Soromenho dar à literatura angolana uma estatura de indiscutível qualidade
e radicação social e humana, perfeitamente representativa de uma situação colonial concreta,
denunciando a violência e a humilhação a que estavam sujeitos negros e mestiços, mas nos
quais residia já uma força potencialmente eufórica. Com o Movimento dos Jovens
Intelectuais de Angola (1948), surge uma nova fase da literatura angolana. O lema
“Vamos Descobrir Angola!” é adoptado responsabilizando a reconversão cultural e
política do país. Surge o termo “angolanidade” para exprimir essa preocupação
estético-social de fidelidade à mãe-África. Várias publicações surgem mostrando, entre
outros, uma ruptura e estruturação linguística que perpassa pelo português falado nos
muceques (ghettos da cidade de Luanda) e integração do quimbundo. Como lembra
Ferreira (1986, p. 62), é nas páginas destas publicações e noutras como “Mensagem” (1949-
1965), órgão da Casa dos Estudantes do Império (Lisboa), tornada num importante núcleo,
cultural e político, de estudantes e intelectuais africanos de Portugal, que, através da poesia,
do conto, do ensaio e da crítica, os jovens escritores africanos, com predominância para os
angolanos, vão corporizando a decisão anteriormente assumida de criar, de vez, uma
literatura verdadeiramente nacional. De resto, ao longo de todo este percurso houve sempre
um esforço no sentido de ser mantida íntima ligação entre os intelectuais africanos
progressistas vivendo em Portugal e os que permaneciam em África. Esta ligação culminou
com a primeira manifestação pública na divulgação da poesia africana de expressão
portuguesa, lançada fora de circuitos mais ou menos privados. 
Na década de 60, período violento da guerra colonial, a repressão cultural fazia-se sentir
a todos os níveis. Escritores presos, outros exilados, outros participando na luta
armada, alguns em Portugal, muitos outros silenciados pela ameaça ou pelo medo. E
uma censura feroz, perversa e eficaz. (FERREIRA, 1986, p. 62).
Porém, mesmo nesse período, regista-se a publicação de alguns livros de poesia. No início da
década de 70 pareceu querer reanimar-se, embora timidamente, a actividade literária em
Angola, abrindo-se certas possibilidades editoriais a partir de iniciativas individuais ou em
grupo, que entre outros, alargaram o espaço poético angolano. Nesse cenário a acção
literária e cultural do M.P.L.A. (Movimento Popular de Libertação de Angola) foi
muito importante durante a luta de libertação nacional. 
Apenas no período de descolonização (a partir de Abril de 1974), criaram-se as condições
para a construção de uma cultura desalienada, abrindo largas perspectivas editoriais, não
apenas em relação a autores já conhecidos como à revelação de vários outros.
O poema “Partida para o Contrato”, de Agostinho Neto (1985, p. 11), reflecte o
questionamento sobre até quando as desigualdades causadas pelo sistema colonial durariam
em Angola, sob uma perspectiva de chamada para a atitude: 

“O rosto retrata a alma 


Amarfanhada pelo sofrimento
Nesta hora de pranto 
Vespertina e ensanguentada
Manuel

O seu amor
Partiu para S. Tomé 
Para lá do mar
Até quando?”

Da mesma forma, no poema “Quitandeira” do mesmo autor (op. cit. p. 23), há a descrição da
situação em que a quitandeira se enxerga, como alguém que não vale nada – realidade
vivenciada perante o sistema:
“A quitanda.
Muito sol

E a quitandeira à sombra 
Da mulemba.
(...)

A quitandeira 
Que vende fruta
Vende-se.
Aí vão as laranjas 
Como eu me ofereci ao álcool
Para me anestesiar

E me entreguei às religiões
Para me insensibilizar
E me atordoei para viver.
Tudo tenho dado.
(...)

Talvez vendendo-me
Eu me possua.
- Compra laranjas!”

As perspectivas de Agostinho Neto, tanto em sua poesia quanto na narrativa, apontam para
uma crença de que o projecto intelectual em Angola só seria plenamente realizado em
gerações futuras. 

Partindo da lírica para a narrativa, textos do período colonial, como “Nga Muturi” (1882) de
Alfredo Troni – revolucionário na época por colocar uma mulher como personagem
principal, utilizando um modelo formal europeu literário, mas com roupagem angolana (com
marcas locais muito fortes), também devem ser levantados como parte da busca por uma
identidade angolana na literatura. “A Morte da Chota” de Castro Soromenho também aponta
a condição da mulher de submissão, permeado por referências da tradição oral como forma
de identidade do projecto literário angolano (até a década de 1980). “Vovô Bartolomeu” de
António Jacinto aponta as referências à tradição através da imagem do corpo sempre muito
presente (dança, ritmo), marcado pela alternância de registo de escrita (português padrão e
português marcado por uma fala local), reproduzindo o discurso geral pessimista e propondo
no final uma crítica a isso. 
O resultado desse projecto literário (fazer poético) em Angola foi a luta armada (guerrilha),
literalmente. 

Literatura Angolana - Periodização

1.º Período, das origens até 1848, a que chamamos de Incipiência. A literatura angolana
começou, pelo menos, com o livro de Maia Ferreira, em 1849, que a introdução do prelo em
Angola possibilitou. […]

2.º Período, que vai da publicação dos poemas Espontaneidades da minha alma, de José da
Silva Maia Ferreira, em 1849, até 1902. Período dos Primórdios, que engloba uma
produção poética remanescente do romanismo, com raros tentames realistas, dos quais se
destaca a noveleta Nga mutúri  (1882), de Alfredo Troni. […]

3.º Período, abrangendo sensivelmente a primeira metade do século XX (1903-1947),


de Prelúdio ao que viria a ser, na segunda metade do século XX, o nacionalismo inequívoco
e intenso.

A literatura colonial estende as suas milhares de páginas aos leitores europeus de


novidades tarzanísticas. Vigoram as temáticas da colonização, dos safaris, da aventura nas
selvas e savanas, numa panóplia de atracção exótica. O negro é figurante ou personagem
irreal. É o período em que o romance ou a novela de Castro Soromenho ainda não se
desprenderam de um certo etnologismo mitigado, em que o negro ainda é observado através
do filtro administrativo e preconceituoso, como facto e fautor de curiosidades. […]

4.° Período, entre 1948 e 1960, fulcral na Formação da literatura, enquanto componente
imprescindível da consciência africana e nacional. Época decisiva, considerada
unanimemente como a da organização literária da nação, com base em movimentos como o
MNIA, o da Cultura e o da CEI, além de outros contributos, como o das Edições Imbondeiro
(de Sá da Bandeira). O Neo-realismo cruza-se com a Negritude. Com os ventos de certa
abertura e descompressão da política internacional, a seguir à II Guerra Mundial, na Europa,
como em África, animam-se as hostes angolanas empenhadas em libertar-se das malhas
estreitas da política colonial e, portanto, de uma cultura alienada do meio africano. É nesse
contexto brevemente favorável que surge uma actividade marcada já fortemente por um
desejo de emancipação, em sintonia com os estudantes que, na Europa, davam conta de que,
aos olhos da cultura ocidental, não passavam todos de «cidadãos portugueses de segunda».
[…]

Na década de 1950, a poesia é a forma que mais convém. Aproveitam-se as conquistas do


modernismo, com o verso livre e os temas arrojados, e toma-se o exemplo dos grandes
bardos criadores de longos textos, quase excessivos, por vezes a tenderem para o prosaico,
como Walt Whitman, Maiakovsky, Álvaro de Campos, Nazim Hikmet ou Pablo Neruda. O
caminho poético pode assim congraçar as três vertentes de júbilo ideológico: o povo, a
classe e a raça. O povo é negro, trabalhador, explorado e oprimido. Numa palavra:
colonizado. Fundamentalmente traça-se o quadro ou alude-se a figuras paradigmáticas de
colonizados: contratados, prostitutas, escravos, moleques, ardinas, lavadeiras, estivadores,
analfabetos, serviçais, etc. Pertencem à raça negra ou, no máximo, são mulatos, mas raros. A
Negritude concede-lhes o sentimento de exaltação da raça negra, nomeadamente na
solidariedade com os negros do Novo Mundo e, por outro lado, sublinha o reconhecimento
das raízes, que são étnicas, tribais, mergulhando nos milénios. […]

5.° Período  (1961-1971), relacionado com o incremento da actividade editorial ligada


ao Nacionalismo declarado ou encapotado, em que surgiram textos de temática guerrilheira,
enquanto no ghetto das cidades coloniais, nas prisões ou na diáspora os temas continuavam a
ser os do sofrimento do colonizado, da falta de liberdade e da ânsia de tomar o destino nas
próprias mãos. Em 1961, começa a luta armada de libertação nacional. […]

A atribuição do Grande Prémio de Novelística a Luuanda  (1964), de José Luandino


Vieira, pela Sociedade Portuguesa de Escritores (1965), quando este se encontrava preso por
«actividades terroristas», no Tarrafal (em Cabo Verde), despoleta uma repercussão a nível de
Portugal e círculos internacionais, tornando-o, com Agostinho Neto, o escritor mais
conhecido. Outros escritores passam pelas prisões ou aí permanecem longos anos: Uanhenga
Xitu, Manuel Pacavira, Jofre Rocha, Aristides Van-Dúnem, etc. […]

Segundo Francisco Soares (in Notícia da literatura angolana, IN-CM,


2001, p. 209) “[…] três grupos distinguem os autores dos anos 1960: o
primeiro é constituído por aqueles que escreviam no país colonial (Arnaldo
Santos, Jorge Macedo, o trânsfuga futuro Cândido da Velha – e, na opinião de
Venâncio, João Abel); o segundo é constituído por aqueles que compunham
fora do país (e de que Manuel Rui, também ficcionista, constitui o principal
exemplo, residindo em Portugal – sendo Lara Filho um meio-exemplo, porque
escreveu em Portugal e em Angola); o terceiro é constituído por aqueles que
viviam nas zonas de guerrilha e está praticamente só representado por
Pepetela (outro escritor oriundo de Benguela, de seu nome completo Artur
Carlos Maurício Pestana dos Santos). No entanto, Pepetela (que se inicia na
antologia Contos d’Africa da Imbondeiro) só publica nos anos 70, tal como
João Abel, e os seus primeiros livros (os dos anos 60) foram escritos em Lisboa
e Argel, deles apenas sobrevivendo Muana Puó e Mayombe (aquele escrito em
Lisboa, este em Argel), pelo que a chamada literatura de guerrilha se pode
dizer que, praticada por autores revelados nos anos 60, foi pouco significativa
(dela vieram, sobretudo, As Aventuras de Ngunga).”

6.º Período, de 1972 a 1980, o da Independência, repartido por dois curtos períodos, de
1972-74 e de 1975-80, relativos, respectivamente, a uma mudança estética acentuada, de uma
modernidade acertada pelo relógio dos grandes centros mundiais, e, por outro lado, após a
independência, a uma intensa exaltação patriótica e natural apologia do novo poder. […]

7.º Período, (1981-1993), de Renovação, que começa com a formação, em 1981, da Brigada
Jovem de Literatura. Num primeiro momento, a Brigada, dependente sempre do apoio estatal,
partiu em busca de certa autonomia decisória e estética, mas revelou-se herdeira do realismo
social. O objectivo fundamental era preparar alguns jovens para o trabalho literário, tanto
mais que, após a escolarização secundária, não tinham, no país, estudos superiores de
literatura desenvolvidos. […]

A partir de uma certa altura foi possível começar a publicação de obras consideradas
incómodas para o poder político, como o romance Mayombe, de Pepetela, escrito ainda
durante a guerrilha. Variadas tendências estéticas e ideológicas ganharam espaço e
impuseram as suas obras.

A literatura angolana derivou para a tendência de contestar, finalmente, a tradição


realista, engagée, documentalista e ideo-política, sem que, todavia, isso significasse o
abandono desse filão que a própria realidade histórica e política e a condição social e cultural
do escritor continuavam a suscitar. Digamos que a temática e os espaços social e cultural
patenteados nos textos passaram a alargar-se consideravelmente, apresentando desde o amor
e a angústia existencial, às vivências do poder estabelecido ou do poder opositor do regime.
As novas tendências incluem desde o gozo do experimentalismo, como em O caçador de
nuvens (1993, poemas), de João Melo, à ficção científica, em Titânia (1993, romance), de
Henrique Abranches. […] a poesia angolana vai evoluindo, de 1950 para 1990, da poética
mensageira para a, mais apurada, de Mário António, necessariamente actualizada pelos novos
paradigmas estéticos europeus – mas também, em vários casos, mais aproximada dos
ensinamentos técnicos da oralidade.

A Poesia Angolana na Segunda Metade do Século XX

Como acontece com os outros países, a literatura de Angola também não nasce por
método espontâneo. Vários são os antecedentes e os precursores que influenciam
sobremaneira o carácter social, cultural e estético da literatura e da poesia, em
particular. E não podemos nunca descurar, como factor de grande influência, a tradição
da oralidade em África, quanto a mim, um dos antecedentes de maior responsabilidade.
O peso da oralidade exerce-se em muita da obra poética africana, conferindo-lhe uma
grande carga de "espiritualismo telúrico". Podemos considerar a história da poesia de
Angola em duas fases, sendo a primeira a da escrita colonial, e a segunda a da
poesia moderna e nacional, que se inicia com a publicação da revista Mensagem,
em 1951.

3. CABO VERDE

Tal como em Angola ou Moçambique, as primeiras manifestações literárias do arquipélago


remontam aos meados do século XIX. E a primeira observação que nos ocorre fazer é a
de que, ao contrário do que sucede naquelas duas áreas citadas (mais em Moçambique
do que em Angola) a literatura escrita em Cabo Verde é assinada, na sua maioria
esmagadora, por cabo-verdianos. (...). Em Cabo Verde só com o aparecimento da revista
Claridade (1936), fundada e animada pelos poetas e romancistas Baltasar Lopes, Manuel
Lopes e Jorge Barbosa, ocorreria a viragem definitiva da literatura cabo-verdiana. Podemos
na verdade dizer que a literatura cabo-verdiana se divide em dois períodos fundamentais:
antes e depois da Claridade. (FERREIRA, 1986, p. 125-126).

Por questão histórica, política, social, e literária, é que a partir do início da década de 30
(também por influências da literatura brasileira), ocorre uma tomada de consciência regional
(nacional), muito precisa por parte dos escritores cabo-verdianos. Estes passam a
preocuparem-se com a real significação das estruturas sociais cabo-verdianas. Apesar de
ainda não ser uma clara postura anticolonial, era em modos de literatura, uma mudança no
sentido de “manter as costas voltadas para os modelos temáticos europeus e os olhos, pela
primeira vez, vigilantes e deslumbrados no chão crioulo”. (FERREIRA, 1986, p. 126). O
poema “Itinerário de Pasárgada”, de Oswaldo Alcântara (que utilizava o pseudônimo
Baltazar Lopes), ilustra, através de uma releitura de Manuel Bandeira, a íntima relação
entre Cabo Verde e Brasil, que foi influenciadora desta busca pela identidade cabo-
verdiana.

Saudade fina de Pasárgada...


Em Pasárgada eu saberia
onde é que Deus tinha depositado
o meu destino...
(...)

Na hora em que tudo morre,


esta saudade fina de Pasárgada
é um veneno gostoso dentro do meu coração.
(ALCÂNTARA, 1946, In: FERREIRA, 1986, p. 184).

Da mesma forma, o poema “Você, Brasil” de Jorge Barbosa, demonstra a identificação do


sujeito poético com o Brasil:

Eu gosto de Você, Brasil,


Porque Você é parecido com a minha terra. (...)
É o seu povo que se parece com o meu,
É o seu falar português
Que se parece com o nosso, (...)

As nossas mornas, as nossas polcas, os nossos cantares,


Fazem lembrar as suas músicas,
Com igual simplicidade e igual emoção.
(BARBOSA, In: FERREIRA, 1986, p. 170).
O povo cabo-verdiano é bilíngue: além do português, utilizam também o crioulo ou a
língua cabo-verdiana, que, no quotidiano possui uma total implantação, que falece à
língua portuguesa.

Vêm do século XIX, paralelamente às criações em língua portuguesa, as experiências


literárias em crioulo, para não citarmos as de origem remota, de natureza popular, vinculadas
através das mornas (a sua grande expressão artística), canções populares, as finançons
(canções de batuque), dos curtiçans (canções ao desafio – ilha do Fogo). (FERREIRA, 1986,
p. 126).

O cabo-verdiano também possui forte identificação com o mar (ilha) e com o


deslocamento constante que esta situação geográfica ocasiona. Há também em Cabo
Verde o chamado “vento leste”, que não permite o desenvolvimento da agricultura,
levando o país a vivenciar períodos de secas que acabam por obrigar a saída
(deslocamento) da ilha. A literatura de Cabo Verde aborda estas características do
constante deslocamento, da natureza sob uma perspectiva problemática para a
população.

Durante muito tempo a poesia cabo-verdiana evoluiu, em grande parte, sob a influência
da poesia de Jorge Barbosa, embora tenha ocorrido um aprofundamento temático,
estilístico e ideológico entre várias gerações. Após a independência, é criada a revista
Raízes (1977), dirigida por Arnaldo França, sendo uma das suas principais características
o amplo aproveitamento dos autores que vêm da Claridade, porém, quer em português
ou em crioulo, juntam-se autores das novas gerações.

A referência geográfica forte (ilha), a posição de desejos, o diálogo com o projecto colonial
português e com o cabo-verdiano, assim como a referência à tradição da morna (própria de
Cabo Verde), são características da literatura cabo-verdiana encontradas no poema “Irmão”
(1941) de Jorge Barbosa, nos seguintes versos:

Cruzaste Mares
na aventura da pesca da baleia,
nessas viagens para a América
de onde as vezes os navios não voltam mais.
(...)
Sob o calor infernal das fornalhas
alimentaste de carvão as caldeiras dos vapores,
em tempo de paz
em tempo de guerra.

E amaste com o ímpeto sensual da nossa gente


as mulheres nos países estrangeiros!
Em terra
Nestas pobres Ilhas nossas
És os homem da enxada (...)

A Morna...
Parece que é o eco em tua alma
Da voz do Mar (...)
(BARBOSA, In: FERREIRA, 1986, p. 166-167).

Da mesma forma, a afirmação da identidade cabo-verdiana cobrando uma solidariedade, é


identificada nos versos de Ovídio Martins (1974) do poema “Flagelados do Vento-Leste”,
“Somos os flagelados do vento-leste! / Os homens esqueceram-se de nos chamar irmãos / E
as vozes solidárias que temos sempre escutado / São apenas as vozes do mar / que nos salgou
o sangue / as vozes do vento / que nos entranhou o ritmo do equilíbrio (...)” (In: FERREIRA,
1986, p. 224-225).

A identificação com a tradição, o falar com a colectividade mostrando um caminho, o pulsar


de uma nova atitude, são marcados nos versos de Corsino Fortes (1977) do poema “Hoje
queria ser apenas tambor no coração do Imbondeiro”:

(...) Não cubram! Irmãos


O rosto do povo de Cazenga
Com o escudo vermelho do ódio
Com o verde escudo da angústia
É da árvore do Amor
Que se constrói
O caixão
(...)
Erguemos bem alto
O sangue do povo de Cazenga
A alvorada
que rebenta
No coração do Imbondeiro
(In: FERREIRA, 1986, p. 239-240).

Percebe-se assim, que a literatura cabo-verdiana pós Claridade, apesar de não se direccionar
directamente ao colonialismo e à sua denúncia, buscava, a partir da pressão que o
colonialismo acarretava, afirmar a identidade do país, através da valorização das
especificidades locais e do modo de vida do cabo-verdiano.

4. GUINÉ-BISSAU

Ao contrário de Cabo Verde, em Guiné-Bissau não há preocupação identitária com o


mar, pois não se trata de uma ilha. A tradição oral em Guiné-Bissau também é diferente
de Cabo Verde. A intimidade entre os dois países, porém, é muito grande, tanto que o
PAIGC (partido político) lutou pela libertação dos dois países em conjunto, embora
articulando formas diferentes para cada um. Além disso, a comunidade de cabo-
verdianos na Guiné-Bissau é significativa, tendo sido esta ex-colónia portuguesa
administrativamente vinculada a Cabo Verde até 1879.

Em Guiné-Bissau, “praticamente, até à independência nacional, não se ultrapassou a fase da


literatura colonial. E esta mesma de reduzida extensão. (...) O regime colonial português pôde
construir nessa antiga colónia os entraves suficientes ao desenvolvimento criativo”.
(FERREIRA, 1986, p. 163).

Entre as várias etnias circula o crioulo (diferente do crioulo de Cabo Verde e de São Tomé e
Príncipe), que tende cada vez mais a funcionar como autêntica língua de contacto, tendo
deixado, no entanto, o seu rastro apenas na literatura oral e em algumas canções de luta nos
quadros do PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde).

Embora durante a guerra colonial, nas áreas libertadas pelo PAIGC, se tivesse
procedido a uma aturada alfabetização, compreende-se que a juventude, essencialmente
empenhada na luta de libertação nacional, ou então retraída a que vivia na capital, só
agora encontre os meios necessários para se revelar no plano da criação e construir a
autêntica literatura do seu país. (FERREIRA, 1986, p. 163).

Dessa forma, a literatura da Guiné-Bissau passa a dar visibilidade à pobreza


destacando o problema da colonização portuguesa como principal responsável. Além
desse factor, a etnicidade, a oralidade (crioulo) e o PAIGC fazem parte da identidade
guineense.

A relação colonizado x colonizador, marcada pela tensão entre discursos e tensão entre
estratégias do colonizador e resistência do colonizado, pode ser percebida nos versos de
Vasco Cabral (1956), do poema Anti-delação:

A noite veio,
disfarçada em dia
e ofereceu-me a luz,
diáfana como a Aurora.
Mas eu disse que não.
(...)

Por fim veio Pilatos,


disfarçado em Cristo
e numa voz humana e doce
disse: 
<="" quiseres="">
mas conta a tua história...>

Mas eu disse que não,


que não, não, não!
E continuei um Homem!
E eles continuaram 
os abutres do medo e do silêncio.
(In: FERREIRA, 1986, p. 291)
Percebe-se também, nestes versos, uma perspectiva entre dois sujeitos (eu / eles) e
humanística (marxista) – devido ao contacto com a ex-URSS – que são marcos da produção
literária da Guiné. 

5. SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

A evolução de São Tomé e Príncipe teria sido paralela, em muitos pontos à de Cabo
Verde. Mas nos meados do século XIX, implantando-se o sistema de monocultura, a
burguesia negra e mestiça vai ser substituída pelos monopólios portugueses e o seu
processo social alterado e travada a miscigenação étnica e cultural. Mesmo assim, em
grau relativo, patentes são os efeitos do contacto de culturas traduzido em vários
aspectos, sobretudo ao nível das camadas da burguesia africana. A sua poesia, de um
modo geral, exprime exactamente isso: por um lado, as marcas de uma mestiçagem; por
outro lado, os profundos nexos que vinculam o homem de S. Tomé ao mundo
genuinamente africano. (FERREIRA, 1986, p. 210).

A identidade santomense (santomensidade) é caracterizada pela insularidade – já que se


tratam de ilhas -, pela etnicidade – marcada por uma forte tensão na questão racial -,
oralidade – destacada pelo crioulo (forro) -, pela natureza – que, diferentemente de
Cabo Verde que possui o vento leste, denota exuberância -, pela negritude / mestiçagem
– abordada sob a perspectiva do trânsito de pessoas. Ao contrário de Cabo Verde, a
mestiçagem é muito questionada em função do contacto intelectual com os pensadores da
Negritude (franceses e caribenhos) -, e pela tensão anticolonial.

Os versos do poema Serões de São Tomé (1916) de Costa Alegre, abordam a perspectiva da
relação colonial através da metáfora da mulher branca (colonizador) como fria em
contrapartida com a mulher negra (colonizado):

Minha amante é escura noite,


Que me convida a dormir,
Quando os seus lábios descerra
Vejo os astros a luzir.

A neve que cai na serra


Esfria tudo em redor;
Quem se afoita a amar as brancas,
Se da neve têm a cor?
(In: FERREIRA, 1986, p. 433).

Da mesma forma, o mesmo poeta aborda o conflito da tensão anticolonial no poema Aurora,
metaforizando a figura do colonizador (Aurora) abordando a questão do conflito no verso
final do poema:

Tu tens horror de mim, bem sei, Aurora,


T és dia, eu sou a noite espessa,
Onde eu acabo é que teu ser começa..
(...)

És a luz, eu sou a sombra pavorosa,


Eu sou a tua antítese frisante,
Mas não estranhes que te aspire formosa,
Do carvão sai o brilho do diamante.
(...)
Que me obriga a dizer-te !
(In: FERREIRA, 1986, p. 437).

O poeta Francisco José Terneiro, com o poema Exortação (1982), demonstra a face da
Negritude presente na literatura santomense através de uma chamada para uma atitude em
termos de Negritude, expressa pelos seguintes versos: “Negro! / Levanta os olhos pra o sol
rijo e ama tua mulher / na terra húmida e quente!” (In: FERREIRA, 1986, p. 447).

Finalmente, sobre a questão da relação colonizador x colonizado na literatura santomense,


Alda do Espírito Santo com o poema Fevereiro (1970), aborda a esperança ao reverenciar
uma perspectiva de futuro:

Silêncio na rua, silêncio nas almas


Um minuto de silêncio angustiado
Repicar de sinos na aurora dos tempos
Um silêncio reverente
Para a página do futuro
(In: FERREIRA, 1986, p. 465).

6. CONCLUSÃO

As literaturas africanas de língua portuguesa foram instrumentos de busca de afirmação


identitária, de denúncia de exclusão causada pelo sistema colonial. Cada uma a sua maneira,
buscou uma forma de abordar a relação tensa entre colonizador x colonizado: em Cabo Verde
buscava-se, a partir da pressão que o colonialismo acarretava, afirmar a identidade do país,
através da valorização das especificidades locais e do modo de vida do cabo-verdiano; a
literatura de Guiné-Bissau abordava a pobreza, responsabilizando a colonização portuguesa,
marcando a etnicidade, a oralidade (crioulo) e a influência do PAIGC; em São Tomé e
Príncipe, a mestiçagem é muito questionada, marcando ainda a tensão anticolonial; o projecto
literário em Angola foi a luta armada (guerrilha), literalmente; em Moçambique, a oralidade é
a marca do projecto literário.

Este trabalho, através de trechos retirados de textos dos autores de cada país, procurou
demonstrar como eles abordaram a questão da colonização portuguesa e seus impactos na
sociedade de cada região, buscando, cada um à sua maneira e dentro do projecto literário de
cada país, denunciar as mazelas da colonização e reestruturar a identidade local. A literatura
foi, portanto, instrumento de luta nesse processo.

REFERÊNCIAS

APOSTILA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS AFRICANOS E AFRO-


BRASILEIROS, Literaturas Africanas de língua portuguesa: textos fundadores. 2005,
Contagem: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. 

FERREIRA, Manuel. Literaturas africanas de expressão portuguesa. São Paulo: Ática, 1986.

LEITE, Ana Mafalda. A modalização épica nas literaturas africanas. Lisboa: Veja, 1995.

NETO, Agostinho. Sagrada Esperança. São Paulo: Ática, 1985. 


SANTILLI, Maria Aparecida. Estórias Africanas – história e antologia. São Paulo: Ática,
1985.

Francisco Soares, Notícia da literatura angolana, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2001,


p. 207

Pires Laranjeira, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa (vol. 64), Lisboa,


Universidade Aberta, 1995, pp.36-43

http://www.uc.pt/litafro/bibliog.html
Actividades

1. Por que a palavra dita (oral) não é a mesma palavra escrita?

2. Leia atentamente e compare os dois trechos a seguir, comentando a marca do movimento


como força propulsora da linguagem oral.

3. Tendo como referência o período chamado de formação por Pires Laranjeira, relacione a
intensificação da colonização portuguesa no século XX e o aparecimento de grupos focados
na construção de uma consciência africana e nacional.

4. Releia o conto “Náusea”, de Agostinho Neto, identificando como se dá a construção dos


principais pontos de força que norteariam o discurso literário angolano.

5. Compare as propostas das revistas Mensagem e Claridade e aponte pontos de contacto e


diferenças entre elas.

6. Ao escolher os espaços dos musseques, Luandino Vieira dá voz ao povo pobre de Luanda.
Através do trecho de “Vavó Xíxi e seu neto Zeca Santos”, comente a linguagem utilizada
pelo autor.

7. Como podemos identificar, por meio da linguagem utilizada por Luandino, a relação entre
um projecto literário e um projecto ideológico?

8. Como é possível perceber a construção da nacionalidade angolana através dos múltiplos


narradores do romance Mayombe? Se julgar necessário, utilize passagens do texto.

9. Faça uma análise comparativa e cruzada das literaturas: Angolana e São-tomense.

10. Analisa os seguintes textos, seguindo a estrutura abaixo.

Havemos de voltar
Às casas, às nossas lavras
às praias, aos nossos campos
havemos de voltar

ÀS nossas terras
vermelhas do café
brancas de algodão
verdes dos milharais
havemos de voltar

Às nossas minas de diamantes


ouro, cobre, de petróleo
havemos de voltar

Aos nossos rios, nossos lagos


às montanhas, às florestas
havemos de voltar

À frescura da mulemba
às nossas tradições
aos ritmos e às fogueiras
havemos de voltar

À marimba e ao quissange
ao nosso carnaval
havemos de voltar

À bela pátria angolana


nossa terra, nossa mãe
havemos de voltar

Havemos de voltar
À Angola libertada
Angola independente

Agostinho Neto

Ilha de nome santo


Terra!
das plantações de cacau de copra de café de coco a perderem-se de vista
que vão morrer numa quebra ritmada
num mar azul como o céu mais gostoso de todo o mundo!

Onde o sol bem amarelo bem redondo incendeia as costas


dos homens das mulheres agitando-lhes os nervos
num cadenciar mágico mas humano: capinar sonhar plantar!

Onde as mulheres que têm os braços mais grossos e mais tortos que oca
são negras como o café que colhem depois de torrado
trabalham ao lado de seu homem numa ajuda toda de músculos!
Onde os moleques vêem seus pais no ritmo diário
deixando correr gostosamente pelo queixo quente
o sabor e a seiva húmida do sàfu maduro!

Onde as noites estreladas


e uma lua redonda como um fruto
os negros as sangues os moleques os caçô
– mesmo o branco e a sua mulata –
vêm no sòcòpé de uma sinhá
ouvir um malandro tocando no violão
cantando ao violão! E o som fica ecoando pelo mar...

Onde apesar da pólvora que o branco trouxe num navio escuro


onde apesar da espada e duma bandeira multicor dizerem poder
dizerem força dizerem império de branco
é terra de homens cantando vida que os brancos jamais souberam
é terra do sàfu do sòcòpé da mulata
– ui! Fetiche di branco! –
é terra do negro leal forte e valente que nenhum outro!

TENREIRO, Francisco José. Ilha de nome santo (1942). In: __________. Obra Poética. Lisboa:
Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1991, p. 53-4.

Estrutura para a análise


Estrutura externa
Mancha gráfica do texto;
Métrica dos versos (regulares ou irregulares);

Estrutura interna
Temática do texto;
Sujeito poético;
Destinatário;
Mensagem;
Período literário (geral e especifico)

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