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CURVAS IDF DA CIDADE DE BENGUELA E MAPA

PLUVIOMÉTRICO DA SUA PROVÍNCIA

Jorge E. Matos1

1. Instituto Superior Politécnico Jean Piaget de Benguela, Estrada Nacional 100, Benguela, Angola
jorge.matos@unipiaget-angola.org

RESUMO

A disponibilidade de registros pluviométricos de longo prazo é essencial para realizar uma análise de
frequências séria de modo a estimar a intensidade de precipitação efetiva. O desenvolvimento do processo de
elaboração de curvas IDF para um dado local necessita de dados muito precisos, no mínimo com frequência diária,
obtidos através do uso de registos pluviométricos.O presente estudo apresenta um método usado para fazer a
mistura de dados históricos de precipitação com os mais recentes dados recolhidos por satélite, de modo a realizar
gráficos com curvas IDF, em locais onde os registos pluviométricos são escassos. A homogeneidade dos dados
usados é analisada de modo a garantir a sua utilidade estatística e a análise de frequências foi realisada com as
distribuições estatísticas dos Extremos Valores tipo 1 (Gumbel), com a Pearson Tipo III e finalmente com a Log-
Pearson Tipo III, de modo a verificar qual delas de aplica melhor aos locais escolhidos para esta análise: as cidades
de Benguela e Lobito no sul de Angola. Foram usados dados de precipitações diárias da missão TRMM e de
registos diários históricos para derivar as relações entre a precipitação diária máxima e os valores de precipitação
sub-diárias. A partir dos dados diários observados, foram usadas técnicas de desagregação dos dados coletados, de
modo a gerar uma sequência sintética de precipitação com os valores extremos em períodos de tempo inferiores
ao diário, com propriedades estatísticas similares aos dados registados. Depois disso foram estabelecidas a
equações IDF em que a Intensidade da tempestade ocasional é calculada para vários períodos de retorno e várias
durações e, depois delas, são desenhadas as curvas IDF para essas duas estações geográficas. Finalmente
apresentan-se mapas anuais de pluviosidade da provincia de Benguela.

Palavras chave: Curvas IDF; TRMM; Precipitação pluviométrica; Benguela; Lobito; Angola

1. INTRODUÇÃO
Após o fim da época colonial e o advento da independência, alguns países da Africa sub-sahariana têm ou
tiveram prioridades mais relevantes do que a necessidade de recolherem e registarem dados científicos, incluindo
as precipitações pluviométricas. Em muitos deles a guerra teve um efeito desastroso nos arquivos de dados
científicos. Angola esteve em estado de guerra civil desde a sua independência em 1975 até 2012, e durante este
período perderam-se muitos registos de dados climáticos e não se obtiveram novos registos na maioria das cidades
do território.
As curvas IDF, ou seja, Intensidade – Duração - Frequência, são curvas que resultam de unir os pontos
representativos da intensidade média em intervalos com diferente duração, correspondendo todos eles a uma
mesma frequência, ou período de retorno. Trata-se de uma representação gráfica de como é intensa uma
precipitação, em função da duração do episódio de chuva e com que probabilidade pode exceder-se esse episódio
de chuvas.
As curvas IDF de uma dada zona ou cidade, permitem prever a intensidade máxima da precipitação num certo
período de tempo (normalmente em minutos) e com uma dada frequência, que normalmente se chama período de
retorno da chuvada, e que pode ser 2, 5, 10, 20, 50,100 ou 200 anos.
Em Angola não existem muitos estudos deste género. As únicas curvas IDF que se conhecem, são as da cidade
de Luanda, estudadas na época colonial, por Lobo de Azevedo (1952), as da cidade do Namibe no sul do país, e
de três regiões pluviais homogéneas no norte de Angola – Cabinda, Soyo e M´Banza Congo, esta última
recentemente integrada na lista de Património da Humanidade da Unesco. Estes estudos mais recentes foram
realizados por Awadallah A.G. (2013) e (2015).

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2. ENQUADRAMENTO
A questão da frequência das chuvas intensas tem sido estudada em quase todas as diferentes regiões dos países
que possuem registos udométricos e para diferentes tipos de clima. Bell (1969) e Chen (1983) desenvolveram
formulas IDF para algumas regioes dos estados unidos. Para zonas com monsões, Nhat et al. (2006) apresentou as
equações IDF no Vietname. Em regiões áridas vários autores apresentaram os seus estudos e as suas equações IDF
(p.ex: Maidment 1993; Venkata Ramana et al. 2008; Awadallah et al. 2011; AlHassoun 2011; Elsebaie 2012; El-
Sayed 2011; Wayal and Menon 2014).
Para locais sem aparelho de medição da precipitação no solo também vários autores apresentaram soluções
recorrendo a várias técnicas. Raiford et al. (2007) actualizou as curvas IDF da zona este dos Estados Unidos usando
novas técnicas de análise de frequências com mapas de isoietas. Tambem El-Sayed (2011) desenvolveu um
conjunto de curvas IDF regionais para zonas sem aparelhos de medida, usando mapas de isoietas na Peninsula do
Sinai no nordeste do Egipto. Na Malásia a aplicação de curvas IDF é estendida a locais remotos e sem udógrafos
usando os registos meteorológicos das estações mais próximas com um ajustamento dentro do intervalo típico da
zona Liew et al. (2014).
Mais recentemente vários estudos utilizaram os dados da missão TRMM (Tropical Rainfall Measuring Mission)
para analizar as precipitações em zonas com escassos registos de aparelhos de superfície. Nicholson et al.(2003)
juntamente com vários meteorologistas de 11 países africanos fizeram uma comparação entre os dados recolhidos
por este satélite entre com os dados recolhido “in situ” pelos seus serviçoes meteorológicos durante o ano de 1998.
Com essa análise foi possível afinal o algoritmo do satélite de modo a tornar os dados fornecidos mais ajustados á
realidade.
Os dados do satélite TRMM foram usados por Naumann G. et al. (2012) para analisar as dúvidas existentes no
cálculo do Índice de Precipitação Stantardizado (SPI) e o seu impacto nos níveis de confiança na monitorização
da seca em quatro rios de Africa, o Limpopo, o Niger, o Oum er-Rbia e o Nilo ocidental. Chagaram á conclusão
que os dados do TRMM, em comparação com os dados GPCC , eram preferíveis devido á maior resolução espacial.
Vários outros autores já testaram os dados TRMM em Africa (Huffman, G. J., et al. (2007), Jenkins, G. S., (2000),
Dinku, T. et al. (2007), Adeyewa, Z. D. (2003), Pombo S. et al. (2013)) demonstrando a sua aptidão para o uso
cientifico em países que não dispõem de dados recolhidos no terreno em quantidade suficiente para se fazerem
estudos válidos.
Este estudo apresenta um método de se calcularem as equações IDF recorrendo a dados terrestres antigos e juntá-
los com os dados TRMM mais recentes, de modo a estabelecer curvas IDF fiáveis em Benguela (12º58´S e
13º40´E; altitude 5 m) e Lobito (12º35´S e 13º55´E: altitude 7m), em Angola.

2.1 Dados de precipitação


Para este estudo usaram-se registos históricos de precipitação e dados recentes recolhidos via satélite. Os dados
mais antigos foram registados em údografos instalados no terreno antes da independência do pais em 1975, pelos
Serviços Meteorológicos da Colónia de Angola no anuário “Elementos Meteorológicos e Climatológicos”,
encontrados online no site da NOAA (National Oceanic and Atmospheric Agency) dos EUA, que mantêm
fotocópias dos relatórios originais e que em 2017 se podiam encontrar em
(http://library.noaa.gov/Collections/Digital-Docs/Foreign-Climate-Data/Angola-Climate-Data)
Para os dados mais recentes (2000 a 2015) optou-se pelo satélite da missão TRMM, que, apesar de apresentar
alguma falta de precisão em Africa, segundo Pombo et al. (2013) é, dos produtos obtidos via satélite, aquele que
tem apresentado resultados mais fiáveis.
Os dados da precipitação pluviométrica obtidos por este satélite, estão disponíveis ao público no site GIOVANNI
da NASA (https://giovanni.gsfc.nasa.gov/giovanni). Foram usadas as missões TRMM 3B43 v7 para dados
mensais e TRMM 3B42 v7 para os dados diários, ambos com uma resolução espacial de 0,25º. Os dados foram
recolhidos em 2016 e abrangeram por opção os primeiro 15 anos deste século. Para este estudo usaram-se os dados
diários obtidos pelo TRMM 3B42 v7 e os dados mensais obtidos pelo TRMM 3B43 v7.
A análise das estatísticas descritivas destes quatro grupos de dados anuais, permite concluir que na cidade do
Lobito nos últimos 15 anos tem chovido mais que em Benguela, ao contrário do que acontecia há 50 anos. Por
outro lado, nestes 50 anos, houve uma diminuição da pluviosidade anual média em Benguela e houve um aumento
substancial da pluviosidade média anual na cidade do Lobito.

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2.2. Validação estatística das amostras de dados
A análise de frequência dos registros de dados de precipitação é afetada pelo número de registros para cada estação.
Portanto, é necessário realizar alguns testes estatísticos aos registros disponíveis para dar maior confiança aos
resultados. Como os conjuntos de dados para cada uma das estações dizem respeito a anos diferentes espaçados
de mais de 50 anos, não foi analisada nenhuma correlação entre os dados diários das estações terrestres e os da
TRMM. No entanto os dados TRMM devem ser testados para ver se podem ser combinados com os dados
recolhidos no solo.
Vários testes estatísticos foram usados para testar a homogeneidade das médias e das variâncias dos 2 conjuntos
de dados, tias como os testes de Mann-Whitney (1947), de Wilcoxon Rank-Sum (1945), de Kolmogorov-Smirnov
(1933) e o de Kruskal-Wallis para verificar a homogeneidade das duas médias e o teste de Levene (1960) para
verificar a homogeneidade das duas variâncias.
Esses testes demonstraram que a variância da população de onde os dados foram recolhidos pode ser considerada
igual. Depois de realizados estes testes estatísticos podemos com confiança juntar, para cada localidade, os
resultados das observações no terreno com os dados recolhidos via satélite e assim passar a contar os dados de
cada localidade como um todo.

2.3. Escolha da distribuição de frequência teórica.


A análise das frequências das precipitações para realização de curvas de precipitações extremas parte do estudo
da distribuição estatística teórica que melhor se adapta ao local em estudo. Várias distribuições estatísticas têm
sido utilizadas para elaboração de curvas IDF em Africa. Neste estudo, e dado as cidades de Benguela e Lobito
estarem localizadas a uma latitude para a qual não se conhecem estudos deste tipo, foram escolhidas as
distribuições apontadas por Chow (1984) e amplamente utilizadas como a de Valores Extremos tipo I (EVI),
segundo Gumbel (1941), a Gamma, segundo Abramowitz y Stegun, (1965), a Pearson Tipo III, segundo Foster
(1924) e Log-Pearson tipo III segundo Benson (1968). O ajustamento destas distribuições aos dados pode ser vista
nas figuras 5 e 7 (para Benguela) e 6 e 8 (para Lobito) onde se apresentam as probabilidades de excedência com
escalas verticais lineares e logarítmicas.
Aparentemente, a distribuição Gamma é que mais se afasta dos dados, e as de Pearson Tipo III e Log-Pearson
tipo III, são as que melhor se ajustam ao dados das duas cidades. Relativamente á cidade do Lobito as curvas de
Gumbel e de Person tipo III estão quase sobrepostas, o que não acontece na cidade de Benguela.

Fig. 1 e 2: Curvas de probabilidade de excedência com as várias distribuições


teóricas analisadas, para as duas cidades (fonte: autor)

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2.4 Determinação dos parâmetros das equações IDF
De acordo com Bell (1969) e Chen (1983), na ausência de registos pluviométricos de curta duração é necessário
assumir valores de precipitação para chuvadas com duração inferiores a um dia. Bell (1969) propôs a utilização
uns coeficientes (ratios) entre a intensidade da chuvada diária e as de menor duração. Esses coeficientes foram
depois utilizados pelo USA Soil Conservation Service (1986) para o dimensionamento das suas curvas de
frequências pluviométricas e desde aí têm sido utilizados para o calculo de chuvadas de duração inferior a um dia.
Na tabela 5 apresentam-se os ratios utilizados.
Assim, a partir dos valores obtidos, e através de regressões potenciais para cada período de retorno obteve-se a
expressão IDF (1) para as cidades de Benguela e Lobito em Angola, onde I é a intensidade de precipitação em
mm, T é o período de retorno em anos e t é a duração da chuvada em minutos.

531 . 𝑇 0.2543
𝐼= (1)
𝑡 0.7464

3. CONCLUSÕES
Este estudo permitiu por um lado avaliar e comparar a precipitação em duas cidades relativamente próximas e
verificar que na cidade do Lobito, nos primeiros 15 anos deste século, anualmente chove mais que em Benguela.
Por outro lado permitiu conencer qual a distribuição estatística que melhor se adapta a cada uma das cidades, para
efeito de precipitação. No entanto em termos de acontecimentos extremos, ficou provado que as duas cidades têm
chuvadas extremas muito semelhantes, criando uma região pluvialmente homogénea, que pode ter apenas uma
única equação IDF e respectivas curvas.
O trabalho apresenta os mapas de precipitação médias mensais e anuais da provincia de Benguela, realizados com
os dados mais recentes do novo século.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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