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Brasília/DF
2008
1
BRASÍLIA
AGOSTO 2008
M149t Machado, Norma Maria Malta.
Transtorno de personalidade borderline : relação com o espectro
bipolar do humor / Norma Maria Malta Machado. – 2008.
211 f. : il. ; 30 cm.
CDU 616.89-008.485
Dissertação a ser defendida como requisito para o título de Mestre em Psicologia pela
Universidade Católica de Brasília. Comissão examinadora composta pelas seguintes
professoras:
___________________________________________________________________
Profª Drª Deise Matos do Amparo (Orientadora)
Universidade Católica de Brasília
___________________________________________________________________
Profa Dra Inês Catão Henrique Ferreira (Examinadora externa)
COMPP/Secretaria de Saúde do Governo do Distrito Federal
___________________________________________________________________
Profª Drª Sandra Francesca Conte de Almeida (Examinadora)
Universidade Católica de Brasília
3
Agradecimentos:
RESUMO
ABSTRACT
Borderline personality disorder considers the multiple factors seen in distinct fields of
understanding, at different levels regarding both its investigation and treatment. Besides
specific health and psychodynamic issues, this condition also implicates socio-cultural and
biological aspects that broaden the multi-causality of the disorder and, consequently,
complicates diagnosis, especially due to its resemblance to other disorders such as the bipolar
spectrum disorder. The objectives of this paper are to identify and describe the syndromic
and psychodynamic aspects of borderline personality disorders, their relationship with bipolar
spectrum disorders, and the relationship between the traumatic events that caused the
borderline disorder. This research used in-depth case studies of two patients diagnosed with
borderline personality disorder aged between 38 and 40, with a history of mood swings and
childhood trauma. Psychiatric evaluation procedures, the Young Mania Rating Scale,
modified for Brazil (EAM-m), the Beck Depression Inventory (BDI), and semi-structured
psychological interviews were used to collect data. The psychiatric evaluation confirmed the
diagnosis of BPD and BSD and some comorbidities in both patients by detecting symptoms
that included bipolar moods, and addressed the relationship between traumatic factors and the
neurobiology of the etiology of these disorders and its relationship with the bipolar spectrum
disorders in the patients. The psychoanalytical evaluation, on Bergeret’s perspective,
confirmed the BPD diagnosis in both patients and mapped their psychodynamics, confirming
the presence of narcissism, trauma, depression, and defense mechanisms such as splitting of
the object, forclusion, and manic reactions. In conclusion, the psychiatric perspective
indicated that there are high mood episodes, on both patients, fullfiling the criteria for bipolar
mood disorder. The psychoanalytic reading revealed that they have a non structured psychic
organization named limit-state or borderline personality, with indicators of depression and
maniac reactions to loss of the object depression. Because of the complexity of borderline
personalities, its investigation must contemplate interdisciplinary approaches integrated with
its specific diagnostic means, hoping for increased research that would offer a deeper
understanding of the construct, and more effective psychopharmacological,
psychotherapeutic, and socio-cultural management.
Key words: borderline, bipolar, trauma, splitting of the object, forclusion, instability,
impulsivity.
6
ÍNDICE
RESUMO.................................................................................................................................... 4
ABSTRACT................................................................................................................................ 5
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 9
CAPÍTULO I - TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE:
DELIMITAÇÔES TEÒRICAS DA PSIQUIATRIA...................................................... 17
1.1 O transtorno de personalidade borderline na Psiquiatria..................................................... 18
1.1.1 A epidemiologia do TPB................................................................................................ 18
1.1.2 Psicopatologia categorial e dimensional do TPB.......................................................... 19
1.1.3 As comorbidades clássicas do TPB.............................................................................. 20
1.1.3.1 Comorbidade do TPB com o Transtorno de Controle de Impulsos (TCI)................. 21
1.1.3.2 Comorbidade do TPB com Transtorno de Estresse Pós-traumático......................... 22
1.1.3.3 Comorbidade do TPB com o Transtorno Distímico (Distimia)................................ 26
1.1.3.4 Comorbidade do TPB com o Transtorno Bipolar do Humor................................... 28
1.2 Perspectiva psiquiátrica atual sobre o TPB...................................................................... 32
1.2.1 Psicopatologia médica do TPB..................................................................................... 33
1.2.2 Genética.................................................................................................................... 33
1.2.3 Aspectos etiológicos da sintomatologia central do TPB.............................................. 35
1.2.4 Fisiopatologia do TPB.............................................................................................. 36
1.2.5 Exames complementares em Psiquiatria........................................................................ 40
APÍTULO II: O BORDERLINE NA PERSPECTIVA DA PSICANÁLISE........................... 46
2.1 A psicopatologia psicanalítica do borderline................................................................... 47
2.1.1 Borderline: estrutura ou organização............................................................................ 47
2.1.2 Os pós-freudianos e a caracterização do borderline.................................................... 49
2.1.3 A psicodinâmica do borderline.................................................................................. 54
2.1.3.1 A clivagem objetal e a depressividade no borderline.............................................. 58
2.1.3.2 A hipótese do fator traumático na clínica do borderline ....................................... 61
2.1.3.3 Características da síndrome borderline................................................................... 66
CAPÍTULO III: NATUREZA DO PROBLEMA E MÉTODO............................................... 69
3.1 Delineamento da pesquisa................................................................................................ 69
3.2 Participantes........................................................................................................................ 70
3.3 Instrumentos ...................................................................................................................... 71
3.3.1 Entrevistas semidirigidas................................................................................................. 72
3.3.2 Escala de mania (EAM-m) e o inventário de depressão de Beck (BDI)........................ 73
3.3.3 Exames complementares................................................................................................ 74
3.4 Procedimentos para coleta dos dados................................................................................ 75
3.5 Procedimentos para análise de dados................................................................................ 77
CAPÍTULO IV: HISTÓRIA, DIAGNÓSTICO, SINTOMATOLOGIA,
PSICODINÂMICA EM DUAS MULHERES BORDERLINE.......................................... 80
4.1 O caso Márcia.................................................................................................................... 81
4.1.1 Avaliação psiquiátrica.................................................................................................... 81
4.1.2 Resultados da aplicação da escala EAM-m e do inventário de depressão de Beck........ 89
4.1.3 Análise qualitativa das entrevistas semi-estruturadas................................................... 96
4.2 O caso Laura...................................................................................................................... 128
4.2.1 Avaliação Psiquiátrica.................................................................................................... 128
4.2.2 Resultados da aplicação da escala EAM-m e do inventário de depressão de Beck....... 137
4.2.3 Análise qualitativa das entrevistas semi-estruturadas.................................................. 144
CAPÍTULO V - DISCUSSÃO: TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE
E A RELAÇÃO COM O ESPECTRO BIPOLAR DO HUMOR ..................................... 164
7
5.1 Aspectos sindrômicos da relação do TPB com o espectro bipolar do humor....................... 166
5.1.1 A instabilidade afetiva e a impulsividade....................................................................... 166
5.1.2 As alterações do humor.................................................................................................. 167
5.1.3 A presença de eventos traumáticos e relação com as alterações do humor e os
sintomas psicóticos........................................................................................................ 170
5.1.4 Achados organocerebrais e relação com sintomatologia psiquiátrica........................... 172
5.2 Aspectos da psicodinâmica e o tronco comum do borderline............................................ 173
5.2.1 A relação com as alterações do campo afetivo............................................................... 178
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................... 182
REFERÊNCIAS....................................................................................................................... 188
ANEXOS................................................................................................................................... 195
Anexo I - O tronco comum dos estados limítrofes.................................................................... 196
Anexo II - Modelo de termo de consentimento informado........................................................ 198
Anexo III – Roteiros de avaliação psiquiátrica e entrevista psicológica semi-estruturada........ 200
Anexo IV – Escala EAM-m e Inventário de Depressão de Beck (BDI).................................... 205
8
LISTA DE GRÁFICOS
INTRODUÇÃO
O efeito das transformações por que o mundo vem passando, principalmente após a
relacionadas, ora com um misto de causas (como a depressão), ora com um misto de efeitos
tecnologia da informação, na qual se insere o momento atual) não impacta somente estruturas
sociais e econômicas; o psicológico encontra-se na base pessoal das estruturas que vão ou não
como uma doença deste século, englobando um misto de causas, de efeitos e de dificuldades
de administração do próprio comportamento. Esse conjunto, por sua vez, se reflete também
em dificuldades de diagnóstico, dada a semelhança e/ou limites com outras patologias, como é
Observe-se, porém, que a referência aos casos borderline como uma patologia deste
tempo não significa tratar-se de uma patologia nova, mas sim, que esses casos estão se
acentuando na atualidade. O que teria de novo, nesses transtornos, seria sua conceituação
como “limite”, já que antes seu diagnóstico era dado no âmbito da depressão, da ciclotimia,
ou borderline. Esse indivíduo tem uma organização de defesa mais complexa que a do
nenhuma) e não foge à realidade como o psicótico. O ser borderline sente-se frustrado diante
de sua onipotência mitigada, evoluindo com instabilidade afetiva dentro de um espectro que
anaclíticos que possam preencher a lacuna afetiva deixada pela mãe perdida no universo
simbólico.
Em termos de terminologia, Andrade (2006) afirmou que casos clínicos com oscilação
psíquico contemporâneo.
situam na perspectiva das chamadas “novas patologias”, as quais somente passaram a ser
Bedani (2005) relatou que, historicamente, casos com as características acima citadas
tiveram seus primeiros registros em 1801, quando Pinel constatou um quadro de distúrbios de
comportamento, de manias sem delírio, de instinto furioso e grande crueldade, sem qualquer
humor, mas sem alterações cognitivas. No ano de 1863, Kahlbaum se referiu à “hebefrenia”,
nas flutuações de humor. Hugues, em 1884, utilizou pela primeira vez a palavra borderland,
para descrever um paciente que vivia próximo à fronteira que separava a psicose da neurose,
sujeitos que manifestavam episódios psicóticos definidos, mas que, apesar do comportamento
esse caso de “esquizofrenia latente”. Dez anos mais tarde, Kretschmer abordou a oscilação
associais, e descobriu tipos que destroem a própria existência. Stern, em 1938, destacou a
“neurose borderline” como uma patologia que se caracteriza por um narcisismo doentio, pela
sentimentos de inferioridade, por masoquismo, pela rigidez psíquica e física, pelo estado de
profunda insegurança orgânica e intensa ansiedade, pelo uso de mecanismos projetivos e por
Nos últimos 60 anos, os casos dessa oscilação sintomatológica foram tratados como:
Organização Mundial da Saúde (OMS), em sua nona versão (CID-9), referiu-se a esses casos
(Dalgalarrondo, 1996).
Disorders (DSM- IV) e, em 2000, o Diagnostic and Statistical Manual Disorders (Text
em critérios definidos pela American Psychiatric Association (APA). Esses critérios são
desempenhando uma função defensiva contra a incursão da psicose. Seriam novas versões de
histerias que, tal como Proteu, assumem múltiplas aparências enganosas. A outra posição
Carneiro & Ferreira (2004) explicaram que perceber uma pessoa com personalidade
borderline não é difícil, pois os sintomas que ela apresenta incomodam a todos os
dos impulsos e outros da personalidade. Mas em geral, os pacientes não saíram totalmente do
estado considerado normal para ser enquadrados em tais classificações, a não ser que
13
e de outros transtornos relacionados com a impulsividade (Skodol, Siever, Gunderson & cols.,
2002).
aplicados sem sucesso. Isso porque a interligação dos Transtornos Borderline com transtornos
de personalidade e do humor, entre tantos mais, podem levar à ampliação dos sintomas e,
Por outro lado, há também, no Brasil e na América Latina, carência de serviços que se
dediquem a tratar pacientes com sintomas borderline, da mesma forma que ainda são
existência de uma entidade clínica única. Na prática psiquiátrica, estudiosos como Maj,
Akiskal, Lopez-Ibor & cols. (2000) e Lara (2004) associaram a etiologia do Transtorno de
14
genética interagindo com o meio ambiente adverso ao sujeito. Entretanto, psicanalistas como
Kernberg (2000), Gunderson (2005), Hegenberg (2005) e Bergeret (1998) defenderam que o
refere a sua relação com o espectro bipolar? O TPB faz parte do espectro bipolar do humor?
organização psíquica na perspectiva psicanalítica (Bergeret, 1998; 2006), bem como sua
relação com o Transtorno do Espectro Bipolar do Humor (TEBH). Em relação aos objetivos
diagnóstico segundo a propedêutica psiquiátrica nas expressões clínicas dos casos estudados
(história psiquiátrica, antecedentes, curva de vida, exame físico, exame psíquico, exames
complementares.
Bergeret (1998; 2006). Demonstrou-se sua relação com a depressão e com o trauma e os
caso, descrevendo-se os passos para o diagnóstico, para a coleta de dados e para a respectiva
instrumentos para coleta dos dados, como entrevistas semidirigidas psicodinâmica (Bergeret,
tentativa de elucidar esse fenômeno clínico e sua relação com o Transtorno do Espectro
Bipolar do Humor.
resultado das Escalas EAM-m e BDI e a psicodinâmica nas duas mulheres borderline, bem
encontrados no estudo de caso foram discutidos separadamente, por caso e por área, à luz da
saberes paralelos de um mesmo fenômeno clínico. Nesse sentido, esta pesquisa pode levar a
Capítulo I
evolução. A força motriz desse processo tem sido a descoberta de novos conhecimentos e o
curso determinado pelo progresso das ciências biológicas e sociais das quais deriva. Daí,
momento, essas são as perspectivas de que a medicina necessita e pelas quais a Psiquiatria
tem merecido legítimo reconhecimento (Nemeroff, 2000, citado por Kay, 2002).
Campbell (1986, citado por Dalgalarrondo, 2000) como “ o ramo da ciência que trata da
natureza essencial da doença mental, suas causas, das mudanças estruturais e funcionais
associadas a ela e suas formas de manifestação” – são feitas na perspectiva das comorbidades
clássicas.
geral. Desse percentual, cerca de 10% dos casos são vistos em clínicas ambulatoriais de
saúde mental, e 20% dos pacientes psiquiátricos internados. Ao mesmo tempo, a prevalência
principalmente, em mulheres, num patamar estimado em 75% dos casos. O TPB é quase cinco
vezes mais comum entre os parentes biológicos de primeiro grau do que na população geral,
início da idade adulta, episódios de descontrole afetivo e impulsivo e alto nível de utilização
de serviços de saúde mental; o risco é maior nos primeiros anos da idade adulta, diminuindo
aos poucos com o avanço da idade. Entre os 30 e 40 anos, por exemplo, a maioria dos
com freqüência, pouco claras ou perturbadas; nesse segundo caso, há, em geral, sentimentos
causar repetidas crises emocionais, podendo estar associada a esforços excessivos para evitar
para evitar um abandono real ou imaginado (nota: não incluir comportamento suicida ou
própria pessoa (por ex.: gastos financeiros, sexo, abuso de substâncias, direção imprudente,
humor (por ex.: episódios de intensa disforia, irritabilidade ou ansiedade geralmente durando
algumas horas e apenas raramente mais de alguns dias); sentimentos crônicos de vazio; raiva
qual os transtornos de humor e o TPB podem fazer parte do espectro bipolar do humor.
Segundo Maj, Akiskal, Lopez-Ibor & cols. (2000), esse espectro contém oito subtipos de
O termo comorbidade foi definido como a ocorrência de dois ou mais transtornos num
mesmo paciente, durante a avaliação médica. Para a Psiquiatria, quanto mais tempo um
transtorno mental evolui através dos anos, mais agrega doenças comórbidas, principalmente
as psíquicas. Como ilustração dessa afirmativa, cita-se o exemplo do TPB que, ao logo do
transtornos mentais apresentam comorbidade em cerca de 50% dos casos, e o TPB é um dos
diagnósticos no qual mais se observam essas prevalências (Kaplan & Sadock, 1999).
21
2002).
espectro bipolar do humor (TEBH), pelas inter-relações dessas patologias e suas correlações
possibilidade do TEBH (hoje comórbido com o TPB) ser aspecto de uma mesma entidade
clínica.
Kapczinsk, Quevedo & Izquierdo (2004) comentaram que os TCI podem ser divididos
em dois grupos: o primeiro seria de pessoas cuja impulsividade anormal se expressaria como
sintoma discreto. Esse grupo é dividido em três subgrupos: o das neuroses impulsivas
(cleptomania, piromania e adição), o das perversões (parafilias) e o das crises catatímicas (um
do transtorno neurótico de caráter (que pode lembrar o que hoje se conhece por transtorno de
personalidade limítrofe).
22
eixo I - transtornos por uso de substâncias, bulimia nervosa e transtornos de impulsos não
explosivo intermitente, de cleptomania e piromania (esses três últimos sem estudos que
capazes de uma auto-organização que continua durante toda a vida, embora seja mais ativa na
infância. Logo após o nascimento, uma experiência que tenha profundo impacto na trajetória
da criança leva vários neurônios a formarem novas conexões dendríticas. Bons cuidados
ajudam a manter o volume cerebral ideal que, interagindo com as experiências de vida,
ligação que provocam respostas mal adaptativas e irregulares para os eventos comuns da vida.
personalidade borderline. Mulheres submetidas ao incesto com o pai ou com familiares mais
23
velhos têm um risco maior de desenvolver TEPT e TPB. Mas, essas patologias, no máximo,
podem ser consideradas com equifinalidade: causas diferentes podem levar a uma mesma
Em 2003, nos Estados Unidos, Golier, Yehuda, Bierer & cols. realizaram uma
pesquisa ampla, com o objetivo de examinar a relação entre o TPB e o TEPT. Para tanto,
avaliaram 180 pessoas entre 18 e 66 anos de idade, 65% homens (63% brancos) com
sexual na idade adulta, enquanto os homens tinham sofrido crimes (assalto, violência
(TPP) –, a qual se tornou evidente quando foram comparados indivíduos com e sem
daqueles primeiros;
24
- nos indivíduos portadores de TPB, em relação aos não portadores, houve prevalência
crianças ou adolescentes;
vida adulta, sendo que esses dados foram discrepantes em relação aos da literatura;
nessa pesquisa, só 29% dos portadores de TPB tinham sofrido abuso, quando
- uma forte associação entre trauma infantil e TEPT, deduzindo-se que, apesar de o
abuso físico infantil ser freqüente em TPB, de acordo com a literatura, os dados
encontrados não sugeriram que o TPB devesse ser isolado dos outros transtornos
TEPT;
- a maioria dos casos de abuso infantil ou agressão em adultos evoluiu para diversos
terço desses casos, principalmente de abuso infantil, evoluiu para o TPB, que
No Brasil, Kapczinsky & Margis (2003) concluíram que o início e o curso do TEPT
nesse transtorno. Esses autores chamaram a atenção para o fato de haver grandes diferenças
no impacto sofrido por uma criança vítima de abuso e o sofrido por um adulto, diante de uma
supracitados lembraram que, num estudo realizado nos Estados Unidos da América (EUA),
com critérios do DSM-III-R, a taxa de prevalência TEPT por toda a vida variou entre 10,4% a
12,3%, nas mulheres, e 5% a 6%, nos homens. Eles também evidenciaram, através da
literatura científica, que as mulheres, durante toda a vida, sofrem mais abusos que os homens,
precariedade da saúde das mulheres abusadas e as expõe a situações de risco (Golier, Yehuda,
mulheres: 1) os efeitos do abuso, mesmo cessado, persistem no tempo; 2) quanto mais grave é
o abuso, mais impacto tem na saúde; 3) diferentes tipos de abuso e múltiplos eventos, no
sintomas de ansiedade aguda e depressão. Evoluem, na maioria dos casos, para o transtorno
geral. Esse quadro pode iniciar em qualquer fase da vida, sendo mais comum antes dos 25
anos, e é duas vezes mais prevalecente em mulheres. A distimia aumenta o risco para
maioria dos casos (Kaplan & Sadock, 1999). Bergeret (1998) usou o termo “depressividade”
para denominar o estado depressivo de base do estado limítrofe, podendo-se inferir que seria
análogo à distimia. A depressão do TPB, segundo Kaplan e Sadock (1999), além do humor
deprimido, também possui uma mistura de raiva, de solidão e de vazio crônicos (disforia
crônica), os quais podem ser interrompidos por pânico ou desespero intensos e raramente
podem ser aliviados por períodos de bem-estar ou satisfação. Tanto no TPB quanto na
distimia, os portadores experimentam essa disforia que interferem em suas vidas, causando
diferenças, consideram que a distimia é um transtorno afetivo, unipolar, crônico (presente por,
no mínimo dois anos, em adultos e um ano, em crianças com humor irritável), de início
27
afetivo bipolar. Ainda é comum ocorrer episódios depressivos plenos em distímicos, o que é
Além disso, Kaplan e Sadock (2007) afirmaram que estudos prospectivos em crianças
hipomaníacos, maníacos ou mistos. Outros estudos com portadores de distimia revelaram que
20% progrediram para o transtorno depressivo maior, 15% para o transtorno bipolar II
menor).
Maj, Akiskal, Lopez-Ibor & cols. (2000) comentaram que distímicos com quadros
diagnóstico de transtorno distímico não deve ser feito caso ocorra ou tenha ocorrido episódios
Para Maj, Akiskal, Lopez-Ibor & cols. (2000), a prevalência de mania e de hipomania
na população geral durante toda a vida é de 1.2% e de TPB, 2-3%. Mas quando os critérios
quadros bipolares aumenta para 8.8%. Vários estudos têm citado a co-ocorrência entre
transtornos bipolar e de personalidade borderline. Segundo Magill (2004), 31% dos pacientes
Conforme Magill (2004), Akiskal sugeriu que o espectro bipolar do humor contempla
são mal diagnosticados como transtornos de personalidade. Magill (2004) também citou
instabilidade emocional do TPB. O autor cita também Gunderson & Phillips, como defensores
de que o TPB e os transtornos afetivos coexistem, mas não são apresentações clínicas da
mesma patologia.
DSM–V, o limite entre ambos os transtornos ficou tênue. Um diagnóstico preciso só será
possível caso se estude, acuradamente, a história da doença, do sujeito e da família, além das
avaliações médicas para afastar enfermidades físicas. Então, faz-se mister que as pesquisas
Para Dal’Pizol, Lima, Ferreira & cols. (2003), no diagnóstico diferencial, o transtorno
bipolar tipo II aparece ao lado da depressão maior e da distimia. Lieber (2006) afirmou que a
desordem bipolar I (mania com depressão menor), a desordem bipolar II (com episódios de
depressão e, algumas vezes, hipomania) são definidas por critérios explícitos no DSM-IV.
Juntas, essas três condições têm uma prevalência de 3% a 4% na população em geral, sendo
que grande parte desse percentual demonstra formas atípicas ou brandas de distúrbios
por Maj, Akiskal, Lopez-Ibor & cols. (2000) que apresentaram os seguintes subtipos
bipolares: psicose bipolar incongruente com o humor, bipolar I (mania), mania mista
(sintomas depressivos e maníacos por mais de dois dias), bipolar II (hipomania por 2 ou mais
dias), hipomania induzida por tratamento somático (drogas de abuso ou outras substâncias),
Lopes, Skaf, Câmara & cols. (2002) explicaram que, freqüentemente, o TPB ocorre
satisfeitos, eles podem ser diagnosticados. A apresentação transeccional do TPB pode ser
imitada por episódios de transtorno do humor; por isso, o clínico deve empregar o diagnóstico
Segundo Berk, Moss, Dodd & cols. (2005), nos Estados Unidos, em 2000, a
casos, antes da pesquisa, havia sido diagnosticado erroneamente, como transtorno depressivo
35% da amostra de bipolares tinham levado 10 anos para serem diagnosticados. Esses autores
informaram que, em outro estudo, realizado em 2003, na Austrália, foi constatado que 69% da
população bipolar levava, em média, três a quatros anos para ser diagnosticada; recebiam,
critérios diagnósticos; pacientes que preenchem uns critérios em uma classificação podem não
portador de depressão, por omitir episódios hipomaníacos e maníacos e por considerar que a
fase de humor elevado não é patológica. Para atenuar o risco de diagnósticos incorretos, Berk,
Moss, Dodd & cols. (2005) sugeriram que, desde o primeiro episódio de humor, sejam
De acordo com esses autores, é fundamental que o diagnóstico seja precoce, a fim de
sujeitos; controle-se o risco de suicídio, que é 12 vezes mais presente nos bipolares em
mais comuns que precedem o primeiro surto bipolar são: o abuso de substâncias (42- 71%),
31
investigar a história (familiar) de bipolaridade em familiares, uma vez que essa ocorrência é
A confusão diagnóstica aumenta quando a bipolaridade é analisada com base nas fases
da vida. Na infância, os sintomas bipolares mais freqüentes são estados mistos, disforia e
(que pode ser desencadeado por antidepressivos), ele é considerado bipolar. Além disso,
Autores como Lara (2004) e Maj, Akiskal, Lopez-Ibor & cols. (2000) defenderam a
Complementando, Berk, Moss, Dodd & cols. (2005) lembraram que o transtorno do espectro
Berk, Moss, Dodd & cols. (2005) alertaram para a presença de estados mistos de
humor, tais como depressão ou disforia com aumento de atividade motora, sono reduzido e
pensamentos rápidos, que também podem ser causados por ansiedade, por desordens de
que uma das diferenças entre estados mistos de humor e mania pura é o suicídio, um risco
maior nessa última. Para eles, o diagnóstico acurado da desordem bipolar apresenta vários
acompanhamento clínico desses sujeitos são cruciais para a avaliação ótima no processo
Atualmente, pesquisadores como Maj, Akiskal, Lopez-Ibor & cols. (2000) lutam para
Autores como Akiskal e Deltito (citados por Magill, 2004) defenderam que o TPB faz
Lara (2004) explicou que uma avaliação mais completa do TBH deve incluir: sinais e
história familiar que avalie componentes genéticos de risco, ou seja, fatos que aumentem a
chance de ocorrer algum evento; fatores de risco ambientais, como traumas, perdas recentes;
Gunderson (2005) relatou que estudos envolvendo gêmeos acusaram haver uma
expressiva prevalência de TPB em monozigóticos, em relação aos dizigóticos. Por isso, ele
defendeu que há um fator hereditário entre os fatores causais do TPB e podem estar
pacientes em questão. Para esse autor, fatores de risco potencial para TPB seriam: genes,
33
Dal’Pizol, Lima, Ferreira & cols. (2003) explicaram que as teorias modernas sobre o
construto citam fatores genéticos inespecíficos; porém, talvez sejam mais específicos os
abuso na infância. Pacientes com TPB são bastante disfuncionais, com um quadro clínico
aos que fundamentam a formulação diagnóstica do DSM-IV-TR (2003) em seus cinco eixos:
1.2.2 Genética
A partir do século XIX, psiquiatras observaram que transtornos psiquiátricos eram mais
individuais causam essas doenças; descobrir quais genes poderiam estar envolvidos nesse
34
impulsão agressão. Quando todos os estudos possíveis são avaliados, pode-se encontrar o
ambiente não modificou significativamente esses achados. Dessa forma, novos estudos podem
gene receptor 5-HT1b está relacionado com tentativas de suicídio; aquele e os receptores 5-
HT1a e 5HT2a e seus alelos “L” e “S” estão associados à impulsividade. Estudos de gene
múltiplas, que diferem em seus efeitos, resultando em apresentações fenotípicas diversas. Por
isso, segundo eles, estudos realizados na Noruega, nos EUA e no Japão sugerem que se deve
traumáticos relacionados com abusos em geral (Kapczinsky, Quevedo & Izquierdo, 2004).
De acordo com esses autores, estudos de casos com portadores de lesões neurológicas
identificação das estruturas que participam na gênese desse sintoma. A maioria dos estudos
frontal, o hipotálamo, o tálamo, a amígdala e os núcleos da base, entre outras. Casos clínicos
Skodol, Siever, Livesley & cols. (2002) afirmaram que a agressão impulsiva é a
ambientais, particularmente fatos, como separação, frustração e perdas. Quando esse sintoma
coexiste com a impulsão agressiva, constitui o sintoma central do TPB. Em decorrência disso,
ideação paranóide, que afetam várias áreas da vida, como a educação, o trabalho e
tanto com a instabilidade afetiva, quanto com a impulsão-agressão, o que é comprovado pela
infusão de substâncias que ativam ou embotam a resposta daquelas regiões, através de reações
significativamente prevalecentes neles (Zanarini & cols., 1998; Torgersen & cols., 2000,
dopamina e a noradrenalina.
doenças psiquiátricas sejam complexas e ainda não tenham sido inteiramente compreendidas,
2001; Kapzinsky, Quevedo & Izquierdo, 2004; Kaplan & Sadock, 2007).
um alto limiar de dor e referem não sentir dor no momento da prática de autolesões.
córtex frontal orbital, o córtex cingulado anterior e a tonsila cerebelar. O córtex frontal orbital,
por exemplo, tem papel crucial no refreamento da explosão impulsiva, enquanto o córtex
cingulado anterior ativa outras regiões para responder ao conflito: relaciona odores e visões
por meio do uso de drogas que ativam ou bloqueiam receptores específicos, pré e/ou pós-
2005).
psicomotores, mas tornou a escolha do comportamento mais lenta” (Roger & cols., 1999). Os
clínicos dos pacientes, sugerindo, segundo os autores, uma disfunção serotoninérgica no TPB
Para autores como Coccaro, Astill, Herbert & cols. (1990) e Lee & Coccaro (2001), há
uma relação direta entre a noradrenalina e a agressividade. A primeira evidência estaria nos
observação clínica de que o aumento da função noradrenérgica central está associada com a
impulsividade e pela compulsividade (jogo, sexo, comer patológicos, etc.) encontrados nesses
apresentariam, durante seu uso, sintomas psicótico-símiles, tais como, ideação paranóide,
alucinações ou até delírios persecutórios mais sistematizados (Shultz, 1985; Skodol &
pacientes com TPB com comorbidade com o TPE pioraram os sintomas psicóticos-símile e
borderlines, sugerindo haver grandes diferenças biológicas entre indivíduos com TPB com e
sem comorbidade com o TPE (Shultz, 1985; Skodol, Siever, Livesley & cols., 2005).
Uma das explicações para a melhora dos sintomas em borderlines, após uso de
anfetaminas, também pode ser justificado pelo fato de essas substâncias serem estimulantes e
pessoais, familiares e sociais); exame psíquico ou do estado mental atual; avaliação física;
dos deprimidos em geral, como diminuição da latência do sono REM ou lentificação de ondas
critérios para a segunda patologia. Os achados neurofisiológicos dos pacientes com TPB não
depressivos, ansiosos, disfóricos, hipomaníacos, maníacos e/ou mistos, com ou sem psicose.
Estudos como os de Stahl (2000) e de Yudofsky & Hales (2006) sugeriram que os
metabólitos da noradrenalina são deficientes em alguns pacientes com depressão; mas isso
não tem sido observado de modo uniforme. Del-Bem (2005), Kapczinsky & cols. (2004)
Del-Ben (2005) relatou que o 5HIAA está diminuído em outras populações de indivíduos com
dopamina refere-se mais a sintomas psicóticos (nível alto) e à busca de novidades (nível
vasopressina e ocitocina. Essas alterações são reveladas em exames, tais como aumentos
em vários portadores de TCIs, tais como jogadores patológicos. Durante jogos patológicos,
esses indivíduos costumam apresentar níveis elevados de beta-endorfina. Por isso, há uma
impulsão compulsão desses pacientes. Em pacientes borderlines, costuma haver uma resposta
lesões que pudessem justificar as síndromes de causas físicas, sendo úteis, portanto, à
também poderiam apresentar alterações estruturais e/ou funcionais que justificassem quadros
neuropsicológicos. Apesar de ainda não se saber, com certeza, os circuitos envolvidos nos
tomografia por emissão de pósitrons (PET) e ressonância magnética funcional (RNMf) têm
Quevedo & Izquierdo, 2004; Bussato Filho, 2006; Kaplan & Sadock, 2007).
pesquisados e avaliados por meio de exames de imagens, que detectam áreas córtico-límbicas
Dados mais recentes obtidos por neuroimagens reiteram a importância dos sistemas
depressivo em indivíduos afetados. Estudos realizados com base em PET sugerem que a
remissão da doença pode estar associada a um aumento do fluxo sangüíneo cerebral no córtex
(Kaplan & Sadock, 1999; Kapczinsky, Quevedo & Izquierdo, 2004; Busatto Filho, 2006).
43
& cols., 1999; Soloff & cols., 2000, citados por Del-Bem, 2005).
estruturais, no que diz respeito ao lobo frontal. Há fortes evidências de diminuição de fluxo
(Buchpiguel, 2000; Kapczinsky, Quevedo & Izquierdo, 2004; Goethals, Audenaert, Jacobs &
cols., 2005).
cerebrais: cortical frontal (pré), temporal e/ou parietal; diminuição de volume de hipocampo
identidade); giro do cíngulo (hiperperfusão). Além dessas alterações, o TPB comórbido com o
TEPT apresenta outras áreas cerebrais comprometidas, além daquelas, como: tálamo e giro
frontal medial (Lepping & Swinton, 2004; Kapczinsky, Quevedo & Izquierdo, 2004;
Goethals,Audenaert, Jacobs & cols., 2005; Brendel, Stern & Silbersweig, 2005; Vermetten,
Schmahl, Lindner & cols., 2006; Mccloskey, Phan & Coccaro, 2007).
responsividade elétrica a um mesmo estímulo repetido através do tempo. Por isso, estressores
2004).
44
bipolar do humor. Eles citam algumas razões para essa teoria: 1) a instabilidade afetiva desses
tipo de efeito kindling, o qual, há muito tempo, é associado à fisiopatologia dos TPH; 3) piora
diminui o limiar convulsivo) em pacientes TPB, fenômeno que ocorre, em bipolares, quando
Historicamente, autores como Stahl (2002), Kaplan & Sadock (1999) e Cordioli (2005)
vêm defendendo que os Ads tricícliclos diminuem o limiar convulsivo e deflagram atos
Kapczinsky, Quevedo, Izquierdo & cols. (2004) afirmaram que avaliações científicas
eletroencefalograma, as quais são apresentadas como atividade de ondas lentas. Esses autores
explicaram que,
comportamentos que reproduzem manifestações egóicas deficitárias, muitas vezes com efeitos
Capítulo II
seus casos clínicos, casos que não se enquadravam em uma configuração neurótica nem em
uma psicótica. Esses casos foram cognominados de “casos limites”, nome baseado na forma
Homem dos Lobos” (1918). Esse, apesar de ser considerado um caso de neurose obsessiva,
“casos limites”, nome baseado na forma como se organizava o ego diante de exigências da
realidade, particularmente no caso “O Homem dos Lobos” (1918). Esse, apesar de ser
descreveu “o homem dos lobos” como sendo portador de determinados indicadores de: “uma
neurose obsessiva, com base na organização sádico-anal...” (...) “...a existência prévia de uma
grave histeria no presente caso ....” (...) “...uma psicose alucinatória...” (...)... “uma fobia por
lobos” (...) “...o mesmo impulso para Deus, expressado em palavras não ambíguas, no sistema
(2006/1927) situa essa questão. Ele explicou que o ego, em suas decisões frente à realidade,
2) reconhecer o perigo da realidade, assumindo o medo como sintoma patológico, para depois
47
tentar desfazer-se dele. Esse fenômeno é definido por ele como “divisão do ego” ou clivagem
Freud (2006/1927) descreveu a clivagem do ego (ou do eu) ou spaltung como “o fato de
o homem, sob um ou outro aspecto, dividir-se de si mesmo”. Um pouco mais tarde, discutindo
o papel da clivagem, esclarecendo que, “em nossas organizações limítrofes, constatamos uma
luta incessante para manter (...) uma segurança (...) que cubra os permanentes riscos
depressivos. Tais exigências narcísicas forçam o estado limítrofe”. A clivagem dos objetos,
Se, por um lado, o próprio Freud (2006/1918) introduziu uma discussão sobre os
estados limítrofes, por outro, observa-se que foi somente com os pós-freudianos que se
alcançou um aprofundamento teórico específico sobre essa clínica. As bases dessa abordagem
recalque; na psicose, com a forclusão, e na perversão, com a recusa. Sendo assim, para Lacan,
48
o transtorno borderline não existe, podendo ser considerado histeria grave ou perversão.
limite de personalidade não só ocorre como se apresenta ora como neurótico, ora como
como uma organização. No que se refere a Bergeret, os estados-limite são vistos como uma
organização de personalidade e não como uma estrutura; por isso, são provisórios, apesar de
apenas consegue ficar em situação ordenada, mas não fixada. Trata-se de uma ‘organização’
de estatuto provisório, ainda que um tal ordenamento possa prolongar-se por bastante tempo
provisório, Bergeret (1998) argumentou que, ora, na neurose, o id opõe-se ao superego através
do ego (conflito edipiano e genital), enquanto na psicose, o conflito ocorre entre pulsões e a
realidade, sendo o ego excluído. No caso dessas organizações limítrofes, o ego consegue
superar a psicogênese de tipo psicótico, mas não consegue alcançar a do tipo neurótico,
ser descritos mais detalhadamente a partir da década de 50, quando psicanalistas como
interessar por essa temática, debruçando-se sobre sua definição com perspectivas diferentes.
experienciar “conscientemente material de processo primário, mas que não tinham capacidade
totalmente maus, fortes tendências orais e ao mesmo tempo agressivas, associadas a todos os
cols. (1991, p. 13), “esses pacientes desafiavam todos os esforços de hipotetizar a origem das
borderline, como sinônimo de paciente difícil. Esses pacientes, apesar de apresentarem boa
crônica de vazio”; b) nível de operações defensivas, que se concentra nas defesas primitivas,
TPB, apesar dela, apresentam alterações em sua relação com a realidade. Essa é avaliada de
atribuir à noção de espaço potencial somente as relações que existem entre o exterior e o
Para Armony (1999), Winnicott retroagiu à relação entre mãe e bebê, em sua
interpretação sobre os estados-limite, defendendo essa relação como uma “unidade mãe-bebê”
incapaz de alteridade, pois prepondera a imaginação de que os dois seriam um só. Nessa
relação (ocorrida no espaço potencial), também são conjugadas a união e a separação, essa
última devendo ocorrer quando o bebê faz a distinção entre o mundo dos objetos (do qual a
mãe é parte) e o “eu”, marcando o final da fase de fusão mãe-bebê. Não existindo o espaço
borderline. Todavia, o próprio Lacan, em seus últimos trabalhos, teria permitido a existência
de um valor conceitual ao estado limite (sem hífen). Rassial foi mais além, quando lembrou
que há uma estreita relação entre o estado limite e a derrocada da função paterna.
Ao defender que o diagnóstico de TPB não seria adequado, Rassial (2000) argumentou
que esse fenômeno, na verdade, seria um estado de estrutura. Esse sujeito em estado limite -
51
Essas pessoas seriam mais entendidas através de uma teoria de adolescência "generalizada",
clássica. Por ser estado, seus índices maiores seriam a instabilidade e a fragilidade narcísica
que teriam como conseqüência a variação da distância entre o interno e o externo, o real e a
cronológico.
De acordo com Hegenberg (2005), a questão maior no TPB não são os limites, a falta;
a preocupação se desloca para a depressão, para a perda do sentido da vida, para a sensação de
irrealidade e para a futilidade da existência, para a crise de identidade. Esse autor relacionou
as mudanças no panorama social atual (pós-modernidade) com a insegurança gerada pela falta
de regras e de troca incessante de valores, que leva ao aumento da angústia. É desse contexto
integração do self e, por isso, ocorrem invasões ambientais que põem em jogo a percepção de
sua existência; o ideal de ego leva à idealizações, à busca de objetivos inalcançáveis e a uma
vida sem objetivos definidos; a clivagem objetal estabelece-se, porque o ideal de ego domina,
e o borderline precisa do objeto inteiro para que possa usá-lo, mantendo uma relação com o
outro ora idolatrando, ora odiando-o; o narcisismo é acentuado, com pobre percepção das
necessidades do outro e de si mesmo, visando sempre suas próprias necessidades para evitar o
52
exigências do outro, por medo de perdê-lo, o que culmina com a descarga dessa energia
borderline está deprimido devido à angústia de separação que origina sentimentos de vazio,
clínico apresentado pelos psicanalistas. Por exemplo, Grinker (1968, citado por
nuclear, demonstrando envolvimento flutuante para com outras pessoas; expressões abertas de
neurótico, com depressão anaclítica, tal como na infância. Demonstra ansiedade, semelhança
A partir dessa classificação, Armony (1999) agrupou os tipos borderline em: pesado ou
área afetiva, é impulsivo, tem labilidade de humor, exacerbada dependência afetiva (mas
borderline falso-self, baseado na idéia de Winnicott (2006), é o que “encobre uma angústia
53
primitiva de aniquilamento psicótico”. Ele seria, essencialmente, “um psicótico oculto por um
multiplicidade do que ao polissintomático. Para Armony (1999), isso significa que ele não
permeabilidade, intuição. Ele apreende a realidade de forma mais direta e menos mediada,
do cultural.
Armony (1998) explicou que tanto o borderline brando quanto o pesado têm, como
resto da infância mais arcaica, a insuficiência de identificações. Esse autor revela que:
primitivas, como defendeu Hegenberg (2005). Conforme esse autor, os sujeitos borderline são
pacientes difíceis, geralmente com longos anos de análise, exigindo experiência e paciência
angústia depressiva, as instâncias ideais e os mecanismos de defesa. Ele afirmou que, segundo
Freud, nos casos limites, não haveria a clivagem ocorrida na psicose, e sim uma “deformação”
do ego, uma simples reação das atividades do ego para evitar a clivagem egóica. O ego
campo relacional, onde não houvesse ameaça ao indivíduo, seja no plano narcísico ou genital;
no registro anaclítico, na presença de ameaça de perda objetal, tanto no plano narcísico quanto
no genital. A relação destes dois sistemas, adaptativos (à realidade exterior) e defensivos (às
mobilidade e segurança, sem constituir uma solidez verdadeira. O estado limítrofe dependeria
excessivamente da realidade exterior e das posições e distâncias dos objetos em relação a si.
perseguidor, ora de pequeno ou perseguido. Nos estados limítrofes, não houve uma
elaboração genital com um pai edipiano (neurose) nem há uma mãe esquizofrenogênica
(psicose). A relação com o pai é pré-genital (pai é uma imagem fálico-narcísica asexuada) e
com a mãe não é fusional, como no psicótico. Os pais são “grandes”, “não assexuados” Isso
ocorre, porque os estados limítrofes estão parcialmente bloqueados na sua evolução afetiva,
construindo uma relação anaclítica, de apego ao objeto, o qual agiria como ego e superego
melancólico, que introjetou o objeto perdido), pois no estágio em que se encontra, o objeto
55
não pode ser introjetado. Mesmo temendo a intrusão pela proximidade do outro, o anaclítico
estado limítrofe, esse se encontra “saltado”, dando origem a uma pseudolatência que pode
durar a vida toda. Apesar de o estado limítrofe possuir elementos edipianos e superegóicos,
intensidade absoluta e relativa do afeto ligado ao trauma, ou seja, tudo dependerá do grau de
imaturidade do ego no momento traumático e dos meios que esse dispunha para enfrentá-lo. O
superego não conseguirá constituir-se como sucessor do complexo de Édipo, mas já tendo
alguns elementos superegóicos fixados, esses gerarão um ideal de ego imenso e infantil. Esse
ideal de ego é mais arcaico que o superego e vai substituí-lo no papel de organizador da
personalidade. Essa será incompleta, frágil e imperfeita e não possuirá uma estrutura psicótica
internamente, o embate entre os ideais de ego materno e paterno. Esse indivíduo introjetará só
os interditos parentais. Como aprendeu que se permanecesse junto aos pais e fizesse bem o
que eles lhe pedissem seria recompensado, o que nunca aconteceu, passa a ter vergonha de si
mesmo (projetável aos outros), quando fracassa em seus objetivos. Daí nasce a intolerância às
contradições e às incertezas e a passagem ao ato. Para essas pessoas, é mais fácil comunicar-
Apesar das controvérsias em relação ao fato de o TPB ser ou não uma estrutura
(1975, citado por Oldham, 2004) postulou que a organização borderline de personalidade é
inalterado e que não é uma estrutura. Siever & Davis (1991, citados por Oldham, 2004)
defenderam o TPB como uma categoria diagnóstica entre o psicótico e neurótico, que inclui
Freud tenha feito algumas indicações, não definiu quais seriam esses mecanismos nos casos
limites, mesmo porque ele não se preocupou em estudá-los, como o fez em relação às
neuroses. Teóricos das relações objetais, como Kernberg, estudando pacientes mais
os que mais se detiveram sobre esse tema. Os mecanismos estudados, nesses casos, foram a
relação aos borderline, psicanalistas como Klein, Jacobson e Kernberg, citados por Kaplan &
Sadock (1999) discorreram sobre essas operações defensivas, ressaltando: clivagem (cisão) do
que são encaradas pelo paciente com ausência de preocupação e uma suave negação
(p. 504).
Para Bergeret (1998), a “organização limítrofe, deve, pois, recorrer a mecanismos de
defesa menos elaborados, logo menos eficazes, mas também menos custosos em contra-
projetivas e a clivagem do objeto” (p.128). A evitação é usada pelo sujeito para evitar
recusa do sexo feminino, no perverso, endereça-se a uma imagem paterna cuja representação
forclusão um fenômeno defensivo que está presente nos psicóticos e perversos e em alguns
associar-se mais à clivagem das imagos do que à clivagem do ego e tem um valor específico
nas neuroses mais patológicas. Ele argumenta que, durante anos, o mito da forclusão do
Nome-do- pai como etiologia essencial das psicoses não sofreu contestação. Urge, hoje,
Melanie Klein (1952) e de identificações com o agressor de Ferenczi (1952) e Anna Freud
ego, defende-se com a clivagem das representações objetais ou das imagos, lutando contra a
parcial) e depressiva (objeto total). O ego não negaria a realidade, mas distinguiria, no mesmo
objeto, ora uma imagem positiva e tranqüilizadora (ou objeto bom de Klein), ora uma imagem
negativa e aterrorizante (ou objeto mau de Klein). Para o ego, seria impossível conciliar essas
imagens contraditórias. Em decorrência disso, conforme Kernberg (1991), uma parte do ego
como realidade os aspectos positivos dessa e rejeitando os aspectos externos percebidos como
depressiva.
lugar privilegiado porque é apontado nessa clínica, por vários autores, como o mecanismo
Autores como Freud (2006/1915), Ferenczi (1932, citado por Laplanche & Pontalis,
2001), Bergeret (1998), Dion (2005) e Hegenberg (2005) relacionaram o trauma precoce com
borderline.
Freud (citado por Laplanche e Pontalis, 2001, p. 9 ) definiu o afeto como a “tradução
subjetiva da quantidade de energia pulsional”. Para Freud, os afetos podem estar ligados à
diante dessa perda, pois a criança é incapaz de restaurar esse objeto dentro de si. Já a
melancolia, segundo Freud, seria a impossibilidade eterna de o indivíduo fazer luto do objeto
depressiva de Kraepelin, e defendia que a depressão seria um destino subjetivo que poderia
acometer qualquer ser humano (Roudinesco e Plon, 1998). No texto “Luto e Melancolia”, de
1917, Freud (2006) concluiu que a melancolia seria a forma patológica do luto e estabeleceu
algumas diferenças entre ela e outros fenômenos psiquiátricos. Explicou que, enquanto no
com o objeto perdido e se perde no desespero infinito de um nada irremediável. Isso levaria à
impossibilidade eterna de o sujeito fazer o luto do objeto perdido. Pode-se dizer que: no luto,
regime narcísico para o objetal, com conseqüente ódio transposto ao eu, que fica sujeito aos
ataques do supereu. Na depressão, a perda do objeto recai sobre o ideal de eu, enquanto na
60
melancolia, recai sobre o eu ideal. Comparativamente, pode-se dizer que, para a Psicanálise, o
é o sentimento desse.
melancólica estaria à parte das psicoses, e a melancolia não deve ser relacionada com as
crônica dos estados limítrofes está associada à angústia de perda do objeto anaclítico, a qual
fica latente e se manifesta na primeira ameaça de ausência do objeto anaclítico, a qual traria a
Hegenberg (2005) indicou que, muitas vezes, o borderline é confundido com quadros
apaixonado por alguém ou por alguma idéia. Da mesma forma, a depressão do borderline não
é constante por semanas e meses, como o episódio depressivo maior, pois depende das
reações do objeto anaclítico e, geralmente, dura horas ou dias, acabando com o apoio
esperado, não sendo preciso medicá-lo como no caso da depressão endógena ou outras.
tédio. O paciente borderline não teria uma depressão de base e sim uma depressividade
causada por um vazio existencial, pela falta de sentido e de objetivos de vida. Não há o ódio
do melancólico voltado para si ou o luto pelo objeto perdido do depressivo, mas sim, o tédio,
depressão que ocorre quando o sujeito sente que o objeto anaclítico vai escapar. A angústia de
perder esse objeto leva-o à depressão. Lembrar o passado infeliz, remetendo-o a um vazio
existencial já vivido (quando o estado limítrofe acredita que o investimento numa relação com
o outro é a salvação para preencher seu vazio existencial), é aniquilá-lo. De acordo com esse
autor, a depressão melancólica difere da depressão do estado limítrofe, porque nessa última,
em fases precoces, o objeto perdido não foi introjetado no ego do indivíduo. A mania e/ou
hipomania seriam defesas “encobridoras” da falha narcísica, como reação contra a depressão.
caráter depressivo.
passar de deprimido a maníaco, rapidamente e por tempo breve, não podendo por isso ser
relacionados ao ambiente.
abordagens.
Segundo Golier, Yeruda, Bieres & cols. (2003), na contemporaneidade, várias pesquisas
indicam que um dos mais importantes fatores psicossexuais responsáveis pelo aparecimento,
principalmente no caso das meninas. A agressão ou abuso, presente nas histórias de uma
62
grande parte de pacientes com quadro borderline, estaria associada ao trauma antes da
trauma, quanto mais cedo ocorre na vida do indivíduo, mais imaturo e regredido ele se torna.
Por que motivo ou como ocorreria a clivagem do ego (perversos e psicóticos) e dos
objetos (estados-limite)? A resposta a essa questão pode ser encontrada na teoria da sedução
de Freud (citado por Laplanche e Pontalis, 2001), datada de fins do século XIX, segundo a
qual haveria uma cena real ou fantasística em que o sujeito (geralmente uma criança) sofreria
sexuais a qual explicaria o trauma sofrido e posterior defesa (recalque) contra as lembranças
portanto, não haveria o recalque; na puberdade, quando aconteceria um novo fato, que
recalque. Freud abandonou a teoria da sedução em 1897, quanto à existência de uma cena real
poderia ser real ou fruto da fantasia e estaria na gênese da histeria e da neurose obsessiva.
Durante sua vida, Freud defendeu a importância das cenas de sedução vividas pelas crianças.
Ferenczi (citado por Laplanche e Pontalis, 2001) adotou a teoria freudiana da sedução e
afirmou a importância do fator traumático, tão negligenciada na patologia das neuroses. Ele
infantil. O perigo da teoria estaria em voltar à noção pré-analítica de uma inocência sexual da
responsabilidade pela clivagem. Recentemente, autores como Golier & cols. (2003) e Dion
(2005) discutiram o trauma psíquico gerado por distintas formas de abuso, como
personalidade limítrofe.
um risco de perda do objeto, compõem o trauma psíquico precoce. Esse deve ser
desorganizador precoce. Como exemplo, trouxe o caso de Freud, “O Homem dos Lobos”
(1918), considerando a tentativa de sedução real por parte de um adulto, na qual a criança
entrou bruscamente na posição edípica sem estar preparada e utilizou mecanismos de defesa
muito arcaicos, tais como, a clivagem dos objetos, a identificação projetiva e idealização
ser substituídos por microtraumas repetidos e próximos, cuja soma dos efeitos corresponderá
até o fim da vida do sujeito. Por isso, esse trauma afetivo seria o primeiro desorganizador da
evolução desse ser que teria um bloqueio afetivo na maturidade afetiva do ego (ainda não
diferenciado sexualmente), o que seria um tronco comum dos estados limítrofes.(Ver anexo 1
A e B)
Esse trauma seria algo afetivo que corresponderia a uma emoção pulsional que surgiu
em um estado onde o sujeito ainda seria muito imaturo e mal-organizado para suportar. É
como se a criança entrasse brutal e precocemente em uma situação edipiana. Ela ainda não é
capaz de entrar nesta relação triangular e genital. Ainda não é possível assegurar-se no amor
assegurar-se no amor da mãe para suportar o ódio do pai. Assim como será difícil recalcar o
da utilização de mecanismos de defesa mais arcaicos, que são mais utilizados por psicóticos,
(Bergeret, 1998).
Alguns autores afirmam que haveria dois setores operacionais do ego no interior da
outro seria mais autônomo a essa realidade, relacionando-se mais as realidades narcísicas.
Entretanto não se trata de uma clivagem do ego, como ocorre em uma psicose, e sim de um
mecanismo do ego para se defender e evitar a ameaça de rompimento. Desta forma, o ego
deforma-se, sem, contudo, atingir seu núcleo, sendo que algumas de suas funções operariam
de duas formas diferentes. A primeira em um registro adaptativo, quando não existe ameaça
para o sujeito, nem de cunho narcísico nem de cunho genital. A segunda é um registro
anaclítico que se dá quando há uma ameaça de perda do objeto oferecendo perigo narcísico e
65
genital. O ego desses indivíduos estaria sempre se movendo entre estes dois sistemas o que
geraria uma certa segurança, mas não proporciona uma solidez necessária. O sujeito torna-se
muito dependente da realidade exterior, das posições dos objetos e da distancia entre estes e
ele.
depressão. O estado depressivo estaria relacionado com uma situação traumática ocorrida no
passado, e a angústia vital seria um sinal de alerta para um perigo potencial no futuro.
Abraham (citado por Delouya, 2001) foi o primeiro autor a suspeitar que a angústia e a
decorre dos seguintes fatores não excludentes e que freqüentemente se combinam: repetição
por não superação do padrão traumático; repetição para elaboração; repetição devido a
perversos, psicóticos e outros traumatofílicos, mantidos por razões inconscientes, são defesas
utilizadas como garantia vital de estruturação mental, mesmo que disfuncional, como uma
chamou de identificação com o agressor e que é uma submissão total á vontade do agressor,
sentimento de culpa.
Para Lagache (citado por Laplanche e Pontalis, 2001), a identificação com o agressor se
adulto. “[...] o sujeito identifica-se com o adulto dotado de onipotência, o que implica o
desconhecimento do outro, a sua submissão e até mesmo a sua abolição.” (p. 231)
características: sentimento de raiva como afeto único ou essencial; anáclise como transtorno
Continuando, Balone afirmou que cinco áreas podem ser exploradas na avaliação do TPB: a
adaptação social aparentemente sem dificuldades; impulsos e ações, com atitudes impulsivas,
outro em tempo integral, a todo o momento. Os indivíduos com TPB são francamente
Além disso, Balone (2005) explicou que, no TPB, várias características de instabilidade
objetivos e das preferências internas, incluindo a sexual. Os indivíduos com TPB podem
poucas horas. O humor disfórico (euforia ou depressão) nesses indivíduos muitas vezes é
acompanhado de raiva, pânico ou desespero. Eles ficam facilmente entediados, não aceitam
bem a serenidade e podem estar sempre procurando algo para fazer. Não dissimulam seus
autolesivas, como gasto de dinheiro, abuso de drogas, etc.); d) sintomas e vivências internas -
Por meio da elaboração teórica conduzida nos dois capítulos, vê-se que as perspectivas
excludentes, mas suplementares, em relação ao TPB. Por isso, a apresentação, nesta pesquisa,
68
dessas duas visões teóricas faz-se essencial, para visualizar alguns pontos que são
espectro bipolar do humor e o fundo depressivo apontado pela Psicanálise, ligada ao aspecto
objeto deste trabalho, foi feita nessa perspectiva, tal como demonstrado no capítulo seguinte.
69
Capítulo III
Como foi visto na literatura levantada, o TPB é construído pela interação de vários
bipolar do humor (como integrante do mesmo quadro clinico) ou constatar se essas duas
patologias são distintas e, por isso, sugerir que devam ser abordadas de maneiras diferentes.
clínico-qualitativa. É classificada como estudo de caso, pois envolveu dois sujeitos com
10) e psicológica (Teste de Rorschach). É estudo de caso, porque a análise dos dois sujeitos é
circunscrita a um mesmo fenômeno. Husain (1993) explicou que no estudo de caso extensivo
O estudo de caso se justificou nesta pesquisa, porque, segundo Bogdan e Biklen (1994),
ele está associado aos procedimentos da pesquisa qualitativa. Em sentido restrito, expressões
são inerentes a ele. No caso deste trabalho, interessou abordar aspectos clínicos da desordem
instrumentos tanto qualitativos como quantitativos, cujos dados foram analisados visando à
informações dos sujeitos estudados com os temas propostos e com a análise de aspecto
valorativo do fenômeno estudado, não com a idéia de quantificação. Nesse caso, não houve
dicotomia entre a abordagem qualitativa e quantitativa, uma vez que os dados quantitativos
fenômeno qualitativo contém faces quantitativas e vice-versa; são duas faces complementares
de um mesmo problema (Turato, 2003). Por isso, este trabalho foi desenvolvido em uma
A pesquisa também foi classificada como de campo, pois os dados foram coletados no
setting da Clínica CYCLUS, considerado local específico do tratamento das pacientes objeto
3.2 Participantes
Elas foram selecionadas por serem usuárias do Instituto de Saúde Mental (ISM), Hospital São
Vicente de Paulo (HSVP) ou da Clínica CYCLUS e por residirem no Distrito Federal. Para a
modelo no Anexo II. Como uma paciente desistiu e outra faleceu, ao longo da pesquisa, a
3.3 Instrumentos
de Beck (BDI). O teste de Rorschach foi utilizado como exame complementar para
de vários transtornos, até que se consiga chegar a seu diagnóstico mais preciso, como foi dito.
Por isso, neste trabalho, foram utilizados instrumentos distintos de pesquisa, para a detecção
estudo.
(ou fechada) e a não diretiva (livre ou aberta). Essa entrevista é iniciada com o avaliando
Neste trabalho, foram utilizadas duas entrevistas semidirigidas: uma psicológica baseada em
baseada na perspectiva de Bergeret (2006), sendo elaborada e aplicada por uma psicóloga e a
Cordioli (2005) definiu entrevista psiquiátrica como aquela semidirigida que objetiva: a
A entrevista com familiares fez parte da avaliação psiquiátrica e foi usada, nesta pesquisa,
no Anexo III.
73
A EAM-m foi selecionada por ser capaz de detectar episódios de hipomania, mania ou
mistos, cuja presença confirma o diagnóstico de TEBH em pacientes que antes apresentavam
humor, sobretudo porque esse quadro pode ser confundindo com apresentações clínico-
Antes de aplicação dessa escala, foi feita uma avaliação através da entrevista
baseados em sintomas essenciais do quadro maníaco, e encontra-se ilustrada nos anexos deste
trabalho. Cada item da EAM-m contém cinco níveis de gravidade, sendo, por exemplo, 0 =
ausência de sintomas maníacos e 4 = presença mais constante do sintoma em sua forma mais
grave. Desses itens, 4 têm peso dobrado (pontuados com múltiplos de dois, entre valores de 0
comportamento disruptivo agressivo. O escore total é resultado da soma dos escores de cada
Conforme Gorenstein, Andrade & Zuardi (2000), a EAM-m apresentou bons índices de
maior que 14 evidencia episódio maníaco e necessidade de internação hospitalar para controle
da depressão mais usada, tanto na clínica, quanto na pesquisa, e não pretende ser diagnóstica;
deve ser usada em pacientes diagnosticados por meio de entrevistas clínicas. O objetivo desse
instrumento é complementar a avaliação sob o ponto de vista do avaliando. Desde 1996, Beck
e cols.. (citado por Gorenstein, Andrade & Zuardi, 2000) criaram a versão BD II, para que ela
DSM-IV. Quatro itens foram retirados da nova versão - perda de peso, distorção da imagem
corporal, preocupação somática e inibição para o trabalho - e foram substituídos por graus
perda de energia. A versão BD II foi usada para avaliar os sujeitos pesquisados neste trabalho.
Para pacientes previamente diagnosticados com depressão, Beck & cols. (1988, citados por
Gorenstein, Andrade & Zuardi, 2000) definiram o seguinte, para identificação do nível da
depressão: escores menores que dez (sem depressão ou depressão mínima), escores de 10 a 18
1995, citado por Gorenstein, Andrade & Zuardi, 2000). Os resultados obtidos confirmaram a
validade discriminante da versão brasileira, que foi aceita pela capacidade de diferenciar
cerebral e o SPECT.
75
Não foi solicitada a RNMf, porque no Distrito Federal, não há esse tipo de abordagem
complementar e nem a PET, cujo custo financeiro é alto. Por isso, optou-se pela SPECT, que
agrega boa resolução de imagem e tem preço mais acessível que aquele.
para afastar a possibilidade de existência de doença organocerebral, que poderia ser a causa da
conhecido como teste das manchas de tinta e objetiva detectar dados que possam evidenciar a
projete seu modo de funcionamento da personalidade quando associa livremente o que vê nas
manchas de tinta.
Segundo Pervin & John (2004), esse teste foi desenvolvido pelo psiquiatra suíço
diagnóstico diferencial.
seguinte ordem:
76
- contato com as participantes, no qual elas foram informadas sobre a pesquisa e seus
- realização das entrevistas clínicas psicológica, num total de quatro encontros (de
uma hora cada um) para cada paciente, e psiquiátrica, num total de seis encontros
para cada paciente, sendo que o último encontro foi para a devolução dos dados;
CID10 e do DSM-IV;
(2006), relacionados com a clínica livre e com uma atenção flutuante, como: a) discurso –
comportamental e somático, distinção entre o agir de descarga, para evitar o tempo do desejo
qualitativa interpretativa (Bauer & Gaskell, 2002; Turato, 2003; Becker, 1992).
Na avaliação da escala EAM –m, obteve-se um escore final, que é composto pela
soma das pontuações de cada um dos seguintes itens: (1) humor e afeto elevados; (2) energia
e atividade motora elevadas; (3) interesse sexual; (4) sono; (5) irritabilidade; (6) velocidade e
(9) comportamento disruptivo agressivo; (10) aparência e (11) insight. O escore final pode
variar de 0 a 58 pontos.
escore igual ou maior que 14, seria diagnosticada como portadora de episódio maníaco.
otimismo excessivo. O episódio hipomaníaco é um grau mais leve de mania, com alterações
aumento da atividade, presentes, pelo menos, durante alguns dias, mas sem alucinações e/ou
delírios. Se ocorrer sintomas psicóticos, o episódio hipomaníaco passa a ser classificado como
episódio maníaco (CID 10, 1993). A paciente que apresentar pelo menos um episódio
78
hipomaníaco ou maníaco, não associados a uso de drogas e/ou doença organocerebral, será
diagnosticado como portadora de transtorno do espectro bipolar do humor. Tanto para a CID
Para constatar a presença de episódio depressivo nas pesquisadas deste trabalho, foi
segundo o qual a avaliação das entrevistas deve obedecer à sequência seguinte de tratamento e
Para atendimento ao item 3 citado por Turato, os dados a serem analisados foram
retirados da fala dos sujeitos, representando núcleos de sentido que foram relacionados com o
Bardin (2001, p. 105), de que unidade é um aspecto “(...) que se liberta de um texto analisado
segundo critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura.” Os dados foram interpretados
Capítulo IV
Neste capítulo, são apresentados os dados coletados no estudo de caso das duas
comorbidades, conforme a Psiquiatria. Foram reunidos, nos dois quadros de TPB, indicadores
que possibilitassem a análise da relação desse transtorno com o espectro bipolar do humor,
dos dados coletados na EAM-m e no BDI; 3) análise qualitativa das entrevistas semi-
estruturadas, seguindo eixos extraídos dos núcleos comuns de sentido, originados das
entrevistas, quais sejam: natureza dos vínculos; reações a perda dos vínculos; auto-imagem e
Nos dois casos, buscou-se traçar a psicodinâmica do TPB de acordo com os citados
história psiquiátrica, seguidos do resultado das entrevistas psicológicas. A ordem entre elas
foi aleatória.
81
vida: Márcia relatou que nasceu no DF e, logo depois, foi morar com os pais em Belo
Horizonte, onde residiu até os três anos de idade, quando eles se separaram. Após a separação,
sua genitora veio morar com ela no Distrito Federal. A paciente referiu que, na época, eles
brigavam muito e que teria visto, aos 3 anos de idade, o pai com outra mulher, na cama. Diz
Enquanto morou com os pais em Belo Horizonte, diz que “passou fome” e lembra várias
discussões entre os pais. Na infância, no DF, a paciente não tinha amigos, sentia-se isolada e
era depreciada pelos colegas da escola. Aos 7 anos, atirou uma pedra na cabeça de um menino
que a teria insultado. As tentativas de auto-extermínio iniciaram nessa idade, quando ingeriu
desespero
Apesar de não conseguir fazer amizades, estudava e obtinha notas máximas, sendo a
primeira ou segunda colocada da sala de aula. Segundo ela, sua mãe criou-a sozinha até os 11
anos de idade, quando seus pais voltaram a viver juntos. A paciente teria pedido à mãe para
que eles reatassem. Ela sentia-se culpada por essa reconciliação, pois o pai, alcoolista,
depreciava e agredia as duas desde que retornou. O casal teve outra filha após a reconciliação,
a qual é 11 anos mais nova que a paciente. Após o reatamento do casal, o pai continuava
bebendo, sem ajudar em casa. Numa das discussões do casal, o pai tentou agredir sua genitora
Nesse período, com o pai, iniciou o uso de bebida alcóolica aos 11 anos, tornando-se
alcoolista aos 12. Quando não bebia com ele nos botecos, trancava-se no quarto e bebia
escondida. A paciente relembra que seu pai tinha comportamentos antagônicos com ela: ao
mesmo tempo em que a desvalorizava, ia com ela beber em bares, na presença de outros
homens alcoolizados, e não permitia que ela namorasse. Ela sentia repugnância e pena dele.
Da mãe, a paciente lembra que ela sempre lhe apoiou, queria que ela estudasse mas também
Aos 12 anos, a paciente foi expulsa de casa pelo pai, após uma discussão por causa de
um lápis; foi acolhida por uma tia materna. Depois, outra tia convidou-a a morar com ela e,
desde então, residiu a maior parte de sua vida com essa tia. Quando foi morar com as tias, ela
as ajudava nos afazeres domésticos e era auxiliada nos estudos por ela. A relação com a mãe
Aos 19 anos, teve sua primeira relação homossexual que durou vários anos. Por dois
anos, moraram na mesma casa ela bebia excessivamente e, motivada pelo álcool, agredia
fisicamente a companheira. Diz que criava motivos para bater nela, que não revidava. No
início da relação, sentia-se apaixonada, mas depois abandonou-a pela segunda companheira.
Nessa época, sentia-se muito instável, com mudanças de humor. Também aos 19 anos
Depois disso, frequentemente ia para o trabalho com roupas de frio para esconder os
ferimentos nos braços. Logo depois, passou a “ter medo das pessoas, achando que elas
falavam mal de si”. Não raro, ia com a mãe para o trabalho, com medo de ser mal tratada.
Aos 25 anos, foi morar em Goiânia para fazer o curso superior de Enfermagem. Lá,
conheceu a segunda companheira e “foi amor à primeira vista”. Voltaram para o DF. Ela
83
afirmou que essa companheira foi muito importante em sua vida, porque “lhe apresentou
como alcoólatra para a família”. A relação era boa e chegaram a trabalhar juntas em hospitais
Nessa época, fez vários concursos e foi aprovada em primeiro lugar para o cargo de
auxiliar de enfermagem (AE) em um importante órgão legislativo, mas não assumiu, porque
sentiu-se “incapaz e travada”. Conseguiu ser aprovada também para o cargo de AE na então
hospital.
Nessa unidade de saúde, era considerada uma ótima funcionária, e as enfermeiras lhe
delegavam atividades mais difíceis. Isso mudou quando ela intensificou o uso de álcool,
passando a chegar atrasada e a ter dificuldades para realizar as tarefas que lhe confiavam.
Entre os 28 e 29 anos, foi internada por várias vezes em uma clínica psiquiátrica, para
companheira iniciou outro romance e separou-se dela. Sentiu a separação, mas logo superou.
Era apoiada pela tia, com a qual residia, e atribui a ela o controle sobre a bebida alcoólica.
com homem, aos 36 anos de idade. Achou “estranha” a relação heterossexual, pois
sentindo-se “arrependida” de ter “perdido a virgindade com aquele homem doido, que não
amava”.
Depois, apaixonou-se por outro, mas só namoraram por dois meses; considera-o “o
grande amor de sua vida”. Ele a teria abandonado devido a suas constantes autolesões e idas
desesperançada.
Em 2004, experimentou o chá do “Santo Daime”, levada pelo primo. No início, ficava
eufórica, tinha alucinações visuais e “sentia-se bem, com força interior”. Depois, sentia-se
eufórica, mas não conseguia se concentrar, mesmo após ingeri-lo. A euforia se alternava com
quando sangrava e, muitas vezes, queria desfalecer até morrer. Refere-se a uma dor profunda
na alma, negando dor física nesses momentos. Quando o último namorado terminou o
relacionamento, ela foi a uma farmácia, comprou uma lâmina de barbear, hospedou-se num
hotel e iniciou o ritual autolesivo. Sangrou até ficar inconsciente e quando acordou, pela
e ela pediu que o ex-namorado a levasse para o hospital, para que seus ferimentos fossem
suturados. Diz que não chamou o ex-namorado para chamar sua atenção e, sim, para não
morrer e provocar a morte de sua mãe que lhe dizia: “se você morrer eu vou junto”.
Em 2006, o hospital-dia, onde era tratada, foi fechado, e os pacientes foram transferidos
paro outro serviço similar. Ela não se adaptou e foi levada para um CAPES, que também
abandonou.
85
letal na veia ou fere-se no pescoço ou braços, sangrando até desmaiar. Permanece com
ideações de morte e planos suicidas, os quais são contidos pelo sentimento religioso e por
temer que a mãe morra de desgosto. Disse que a fé tem evitado tentativas de suicídio mais
freqüentes. Acredita em “Deus” e em “ Santa Maria”, aos quais recorre quando desesperada.
Sente-se sozinha e abandonada pelos familiares, apesar do apoio da tia e dos carinhos da
mãe. Quando se sente “acuada, pressionada para melhorar, ‘chuta o pau da barraca’ e agride
os familiares”. Em ocasiões diferentes, tentou ferir a prima com faca e teria sido agredida pela
tia com outra faca, após ofendê-la. Diz ter-se trancado no quarto por dias, com medo da prima
que “estaria falando mal dela”; chegou a ficar sem comer e a urinar no quarto. Tem certeza
que as pessoas com as quais mora falam mal dela e querem que ela vá embora. Quando o
“medo aumenta, tranca as janelas e portas da casa e imagina que alguém desconhecido quer
matar sua tia, sua prima e a ela”. Isola-se em casa, tem compulsão por compras e vive
endividada. Pensou em morar só, mas desistiu, após a morte de uma paciente do último
hospital-dia, que foi morar só e suicidou-se. Raramente visita o pai, ora sentindo repugnância
por ele, ora pena e culpa. Disse que ele é autodestrutivo e nega o próprio alcoolismo;
recrimina-a por seu tabagismo. Sente-se “parecida” com o pai e tem raiva disso. Tenta poupar
a mãe, cardiopata e safenectomizada, de suas “crises” e evita conversar com ela sobre suas
Tem sentimentos ambíguos em relação à tia, pessoa que a acolhe. Ora acha que ela não a
compreende, que quer abandoná-la; ora, reconhece que a tia quer protegê-la. Não consegue
86
ficar longe dela, desesperando-se quando ela ameaça viajar ou dá mais atenção a outros
familiares.
Depois do último relacionamento amoroso, não pretende ter vida amorosa ou sexual.
Como se acha “feia, gorda, careca e velha”, crê que as pessoas também a vêem assim. Essa
Culpa-se por não ter dado a atenção devida à irmã em sua adolescência e tenta
compensá-la por isso, ajudando-a a cuidar da sobrinha. Agradece à irmã por salvá-la em
tentativas de suicídio. As vezes que tentou praticar esportes, pagava à irmã ou à prima para
acompanhá-la, por não conseguir ficar sozinha. Tem medo de lugares públicos e, quando ia,
alcoolizava-se antes. Como fuma após usar fármacos para dormir, tem insônia e sonolência
diurna. Gosta de assistir a filmes e de ouvir música em casa. Nas madrugadas, repete o mesmo
participar de um grupo que trabalhe em prol das pessoas portadoras de sua patologia. Quando
se sente melhor, suspende a medicação, mas fica deprimida, irritável ou eufórica; torna-se
pessoais urgentes.
maconha. É tabagista e fuma cerca de 40/60 cigarros ao dia. Negou uso de outras drogas de
Antecedentes familiares: pai alcoolista, portador de hipertensão arterial e artrite gotosa; mãe
diagnosticado. Tia esquizofrênica falecida recentemente. Alguns tios e primos maternos são
esquizofrênicos, têm depressão e TBH; vários suicídios ocorreram entre seus familiares.
87
Curva de vida: natural do Distrito Federal, morou, logo após o nascimento em Belo
Horizonte. É a primogênita de duas filhas do casal. Sua irmã é 11 anos mais nova que ela.
Filha de pai pintor de carro e de mãe comerciária. Seus pais se separaram quando tinha 3 anos
e se reconciliaram quando ela tinha 11 anos de idade. Além das duas filhas do casal, o pai
teria outros filhos com mulheres distintas, com os quais a paciente nunca teve contato. Seu
pai, atualmente, está aposentado e sua mãe luta para conseguir aposentar-se por invalidez. Até
paciente tem o segundo grau completo, concluiu cursos de auxiliar e técnica de enfermagem e
DF, frequentou a de Nutrição. Todavia, não conseguiu concluir nenhum desses cursos.
Ingressou na FHDF e está aposentada há vários anos por invalidez. É católica e tem simpatia
pelo espiritismo. Teve quatro relacionamentos fixos, mas nunca se casou civilmente. Tem
casa própria, porém mora com a tia no mesmo lote que os pais. Financeiramente, ajuda pouco
na casa da tia, pois está endividada em banco, devido a empréstimos para pagamento de
compras excessivas. Atualmente, não tem relacionamento amoroso e vive isolada em sua
residência, saindo apenas para o tratamento. Tem só dois amigos que conheceu no HSVP,
dias de pesquisa, não foram detectadas alterações no exame físico, nem presença de distonias.
88
irritável, discurso com velocidade ou conteúdo variáveis (às vezes, com pensamentos rápidos
e delírios persecutórios e grandiosos), com ou sem consciência do seu estado mórbido, traços
impulsivos, compulsivos, ideações de morte e/ou suicídio. As alterações citadas estão melhor
b) Exames complementares
contagem nula.
- TGO= 25 U/L; TGP=33 U/L; GGT= 91 U/L (valor normal em mulheres: entre 1 a 24
U/L); creatinina= 0.50 mg/dL; uréia= 19 mg/Dl; LDH= 148 U/L; glicemia= 86 mg/dL.
89
- Perfil hormonal: cortisol após dexametasona= 8.4 ug/dL (valor de referência: menor que
9.90 ng/ml; testosterona total =28.0 ng/dl; testosterona livre= 1.40 pg/ml; tsh= 2.15
uui/ml; t4=3.9 mcg/dl; t3=86.12 ng/dl; t4 livre= 0.80 ngdl; t3 livre= 2.40 pg/mL.
- Transtorno afetivo bipolar, episódio atual misto (F31.6); Transtorno bipolar I, episódio
(309.81).
outubro de 2007. O Gráfico 1 mostra o escore final da EAM-M da paciente Márcia por
consulta.
90
56
42
35
Marcia
Normal
28
23
21 20
14
13
0
1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª
inclusive a tia apoiadora, queriam lhe fazer mal e falavam, secretamente, entre si, sobre ela).
espontaneamente as alterações, mas não as relacionou com a doença, verbalizando que esse
No dia 03/08/07 (escore final= 35), apresentou afeto elevado, denotando ironia e baixa
desejo sexual e verbalizou que iria procurar alguém para ter contato sexual imediato. Negou
concordava vagamente sobre estar com alteração comportamental, mas não admitiu que isso
fosse relacionada à doença, verbalizando que estava muito bem e não precisava de tratamento.
alteração de humor ou afeto, mas relatou aumento de energia e atividade motora. Não referiu
momentos. Irritável durante a entrevista, confirmou que estava muito irritada nas últimas 24
da entrevistadora. Manteve o tom irônico, às vezes, sarcástico, ao tempo que admitia estar
compatíveis com sua condição sociocultural, porém questionáveis do ponto de vista prático
imediato. Durante toda a inquirição, demonstrou irritabilidade e confirmou que isso vinha
sendo constante nos últimos dias. Apesar das queixas, admitia a possibilidade de estar doente
pontuou nos seguintes itens: elevação de humor ou afeto, inquietação motora, interesse
disruptivo agressivo.
92
tomada e estava, há vários, dias usando só o clonazepam 4 mg/noite. Apesar de não aparentar
irritabilidade, afirmou estar falando mais que o habitual – queixas que não se refletiam nos
comportamento atual. Informou que ficava melhor sem os medicamentos e que sua tia teria
religioso (“Abandonei Deus e voltei-me para o diabo. Sou medíocre”). Mesmo desconfiada,
tia esquizofrênica havia falecido no dia anterior a esse encontro. Estava usando regularmente
seguintes itens: elevação de humor ou afeto, atividade motora, interesse sexual, irritabilidade,
disruptivo-agressivo.
93
para o episódio maníaco (12% a mais de itens em relação ao ponto de corte de 24%). No dia
2, foi detectada a porcentagem de 60% de itens positivos para o quadro maníaco, com 36% da
soma dos itens a mais que o percentual do ponto de corte. No dia 3, houve diminuição no
percentual dos sintomas maníacos em 20%, mas ainda permanecia o percentual de 40% com
16% de percentual a mais do que o ponto de corte. Essa queda na sintomatologia foi atribuída
ao uso de medicação de forma regular, segundo a tia. No dia 4, Márcia apresentou 12% de
sintomas positivos, abaixo 12% em relação ao ponto de corte. Ela vinha usando os
psicofármacos, mas permanecia com ideação de morte (sem planos suicidas imediatos) e
irritável. No dia 5, ocorreu um aumento da soma dos itens, com 34% de positividade
sintomatológica maníaca, havendo uma diferença percentual de 12% acima do ponto de corte.
Isso pode ser relacionado ao fato de que 48h antes havia ingerido toda medicação, exceto o
sintomas de humor mistos e psicose. Nesse dia, a pesquisadora introduziu novo esquema e
solicitou vigilância familiar redobrada. O novo tratamento e o apoio familiar foram eficazes e,
no dia 6, ela apresentou 22% na soma dos itens da escala, 2% abaixo da porcentagem do
ponto de corte, podendo-se considerar que foi o dia no qual ela esteve mais próxima da
eutimia.
94
Escore
96%
72%
60%
Marcia
48%
Normal
40%
36%
34%
24% 22%
12%
0%
1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª Consulta
O Gráfico 3 demonstra que, no dia 2, houve um aumento de 31% de itens positivos para
No dia 3, mesmo usando a medicação irregularmente, houve uma soma de itens cujo
percentual foi igual a 10% de sintomas a mais do que o valor encontrado na primeira consulta,
base, correspondente ao dia 1. Essa diferença percentual entre o dia 1 e o dia 4 revela que o
apresentada por Márcia. Entre os dias 4 e 5 da pesquisa, ela desenvolveu um quadro misto de
humor; ingeriu a maioria do medicamentos numa única tomada e chegou nessa avaliação com
psicofármacos por outros e alertou a família quanto à necessidade de vigilância mais eficiente
sobre Márcia. Nesse dia, houve 5% de sintomas positivos menos que o dia 1. No dia 6, com
95
os resultados positivos dos novos procedimentos adotados, houve melhora no quadro psíquico
geral, com uma queda na soma do itens, sendo detectado um percentual de 38% a menos de
100%
67%
50%
10%
-5%
0% Marcia
1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª
-38%
-50%
-67%
-100%
b) Resultado do BID
Esse instrumento foi aplicado nos meses de outubro e novembro de 2007, a partir da
resultados do inventário BID da paciente Márcia por consulta. No dia 26/10/2007, a paciente
apresentou score final de 36, enquanto no mês (até 12/11/2007), esse escore chegou a 40. Nas
quais evidenciaram episódios depressivos graves nas duas aplicações da BDI, apresentando a
96
comparação dos resultados do humor depressivo de Márcia com as faixas que configuram os
episódios leve, moderado e grave do mesmo instrumento. Os escores obtidos nesses dias
Gráfico 4: Resultados do inventário para depressão de Beck da paciente Márcia por consulta
Os modos pelos quais Márcia se vincula às pessoas refletem aspectos de sua história de
vida, desde a infância. Tais aspectos geraram características específicas que, isoladamente ou
em conjunto, marcam as suas relações com familiares e amigos, constituindo seu modo agir.
97
psicodinâmica, sendo muito difícil separá-los. Por isso os efeitos de um e de outro são
estudados em conjunto
A figura paterna é o centro em torno do qual as ações narradas por Márcia ocorreram
da figura paterna.
Violência
Márcia, desde a infância, relata ter presenciado cenas de violência contra a mãe, nas
quais supõe-se que ela se sentia indiretamente violentada. As violências morais e psicológicas
contra ela começaram a ocorrer de forma mais evidente por volta dos 11 anos, com a indução
Olha, a única coisa que eu me lembro, com certeza de ele ter feito é: ele me magoava
muito e me ofendia bastante...
Bom, meu pai, como sempre...eu me lembro dele bêbado...ele cobrava muito, ele me
exigia, nunca deixou eu namorar, nunca deixou eu aparecer com o namoradinho, com
algum homem perto de casa... nunca deixou eu sair. Mas, em compensação, por outro
lado, ele me levava pros botecos pra beber com ele. Então era assim: era, ao mesmo
tempo que ele me liberava para entrar no boteco, cheio de homem, beber com ele,
mas, ele segurava nessa parte!
Ambivalência
Márcia caracteriza a relação com o pai pela dualidade afetiva, trazendo percepções e
sentimentos ambíguos em relação a ele. Essa ambigüidade relacional se estende para a sua
... dele tá... o tempo todo se drogando... na bebia, o tempo todo querendo a morte,
enche a cara, enche o prato de óleo e depois coloca muito sal, se tiver pimenta ele
coloca depois bebe, volta, come mais alguma coisa assim que faz mal ... isso me dá
uma raiva!!!.
Afetos positivos, como perdão, pena, cuidado e aceitação são permeados por
Márcia à figura paterna aparece em sua fala, quando ela comenta e não identifica a causa
desse sentimento, apesar de saber quando ele começou, relacionando-o à lembrança relativa à
Em seus sentimentos ambivalentes em relação ao pai, Márcia disse sentir por ele, em
(...) comecei, não sei por que, a achar que meu pai deveria voltar mas quando ele
ligou, quando eu tinha, é, 10 anos, (...) eu senti uma certa repugnância por ele! Eu
não sabia de onde vinha essa repugnância por ele! Mas, na realidade, eu não queria
que ele voltasse... E porque quando ele voltou isso foi tão frustrante para mim! (g.n.)
Às vezes, eu penso que é por causa da bebida que eu não consigo me relacionar com
ele. Mas, às vezes, eu acho que é porque eu tenho repugnância por ele, que eu não sei
de onde vem essa repugnância...às vezes eu aceito bem ele e, às vezes, eu não consigo
olhar para a cara dele!
envolve a moral. É uma formação reativa por meio da qual Márcia pode estar encobrindo um
sentimento de desejo pelo pai. A repugnância funciona como uma barreira que reprime a idéia
original, excluindo da consciência a auto-reprovação moral que pode surgir se ela admitir essa
idéia.
inconsciente dela é reprimido pelo ego. Concordar com a volta do pai é como se o desejo
99
totalmente oposto a ele, numa repressão moral. Tanto que logo após ela diz que “na realidade
não queria que ele voltasse”, num processo de racionalização justificado pelas brigas do casal
(pai-mãe).
A frustração de Márcia pela volta do pai, expressão de seu sentimento ambivalente (diz
para o pai voltar, mas frustrou-se quando isso ocorreu), tem sentido quando o pai, objeto de
seu desejo, voltou para a mãe e inclusive tiveram outra filha. O pai não voltou para ela.
(...) eu me sinto culpada porque, é, porque aos 11 anos, quando ele retornou, minha
mãe teve outra filha com ele, e foi muito tempo...assim a nossa vida com ele, desde
quando ele retornou, ficou muito perturbada...(....).
A pena que diz sentir dele também é uma forma de rejeição de algum sentimento; sente
pena para justificar seu não afastamento dele, o que pode levá-la a sofrer.
apresentados como se ela estivesse fazendo uso de sua fala interior ou da egocêntrica; como
se falasse para si mesma, enquanto buscava organizar suas lembranças em voz alta.
(...)Eu me lembro de uma briga deles, (..)] eu deveria ter menos de três anos de idade,
(...) minha mãe estava me carregando no colo (...) meu pai tomando banho, minha
mãe me colocando... é meu rosto para atrás. E, então, eu deveria ser criança bastante
nova, nesta idade. Eles brigavam bastante, (...).
Mas seu relato indica haver uma relação entre a mãe virando seu rosto para trás,
enquanto o pai tomava banho, e a repugnância que Márcia, aos 10 anos, passou a sentir por
ele. Como aos três anos sua consciência não pode ser plena, surge a hipótese de que ela pode
ter assumido o discurso materno (a mãe relatou os fatos) e ainda a possibilidade de esse relato
repugnância.
A culpa parece ter nascido, em Márcia, quando ela fez a “confissão” à mãe, de ter
visto o pai com outra mulher na cama, o que levou à separação deles. Não ficar transtornada
pelo que viu (ou pensa ter visto), mas sim pela separação dos pais, mostra que as
conseqüências da primeira separação foram mais difíceis de suportar do que a cena que alega
ter visto.
A justificativa para esse sentimento parece ser o desejo de Márcia de ser amada pelo
pai, possivelmente não como filha, o que ela mascara dizendo odiá-lo. Se ela realmente o
odiasse, sua afetividade por ele estaria completamente presa a esse sentimento, sem
alternativas. Mas ela oscila entre o sentimento ruim e um relativamente bom com facilidade e
frequência, sinal de que algo a tira desse ódio para outro pólo, ainda que por momentos.
Eu perdôo ele (...) tenho pena dele (...) eu detestava ele (...) às vezes eu aceito bem ele
e, às vezes, eu não consigo olhar para a cara dele!
(...) eu fui na casa da minha mãe, minha prima começou a falar do meu pai e falar
mal do meu pai! (...) eu corri com uma faca atrás dela (...)
Mesmo não simbolizando o protetor e sua imagem sendo negativo, o pai é uma figura
muito forte para Márcia, que tem com ele uma relação diádica não estabelecida primariamente
pelo afeto e pela proteção. A necessidade de sentir-se amada por ele ou o desejo fazem com
que ela o busque constantemente, desde que “autorizou” seu retorno após a separação, até a
fase adulta, quando o imita. A imagem negativa é suficiente para ela acusá-lo pelos maus
tratos sofridos, mas não para encobrir o desejo de ser amada por ele. Respectivamente, ela se
(...), o medo que eu tenho do meu pai é o medo que não sei explicar! Não é medo dele
me criticar! E eu tenho medo dele...(...)
Esse medo declarado tanto pode estar associado à ocorrência de algum trauma físico ou
psicológico remoto (abuso sexual, por exemplo), já que ela não sabe explicar ou não se
lembra de alguns fatos, como pode ser do próprio desejo, tão grande, que tem por ele.
(...) mas há ofensas maiores...só que tem um bloqueio ai na minha mente que eu não
consigo...não tá dando muito para perceber que eu percebia, bem antes, como era
101
isso! Agora, não consigo mais perceber. Tanto é que quando estava na casa, morando
com eles, eu sei direito...
O medo afasta e é um sentimento oposto à aproximação, que pode ser perigosa para
Márcia idealiza o pai negativamente, porque não poderia ser diferente. Além das
lembranças de violência relatadas e de sua influência no vício da bebida que ela adquiriu aos
Identificação narcísica
preocupação com sua saúde, culpa pela separação dos pais, teria sido responsável pela
No início de sua vida sexual, o desejo foi dirigido às mulheres, achando “anormal” a
relação heterossexual. Pode-se supor que a negação do desejo proibido pelo pai levou sua
libido a voltar-se para o próprio ego, resultando em desejos homossexuais. Essa regressão
libidinal poderia ser explicada pelo medo de competir com a mãe (objeto bom) pelo amor do
pai (tornado o objeto mau), na tentativa de agradá-los e manter “sua majestade, o bebê” nessa
condição. O ideal de ego aparece em como Márcia deveria comportar-se para corresponder à
expectativa da autoridade.
primeiro companheiro foi desvalorizado (“me arrependi de ter me entregado aquele doido”) e
o segundo ficou no plano platônico, do irrealizável (“fiquei com ele por dois meses mas ele se
afastou devido às minhas inúmeras tentativas de me ferir, de suicidar. Foi o maior amor da
minha vida”). Após esse último relacionamento, desistiu de ter novas relações, sejam homo
ou heterossexuais (“não consigo me interessar por ninguém, não pretendo ter mais
relacionamentos amorosos”).
102
O amor por si própria a satisfaria? Para Freud (1921, citado por Roudinesco & Plon,
1998), o amor homossexual viria do fato da pessoa tomar-se de amor por si própria, momento
originado no narcisismo, que leva o indivíduo procurar pessoas do mesmo sexo para amá-los
indiferenciação do outro (pai, mãe, da tia); um estado de ilusão pela busca de uma completude
escala de valores centrados no ego ideal ou ideal de ego; busca de pessoas e fetiches que lhe
A relação de Márcia com a mãe não é destacada por ela de modo tão enfático quanto
sua relação com o pai. As referências são positivas, carinhosas, mas não suficientemente
fortes para se perceber a influência dela (mãe) na integração de seu ego ao mundo na infância.
Ao contrário, desde cedo, em algumas ocasiões, pareceu haver uma inversão, com Márcia
(...) algumas vezes, eu enfrentei meu pai, por causa das ofensas que ele faz à minha
mãe e...fora dos limites! Ele já tentou...tocar na minha mãe, assim, bater, mas eu fui
encima dele com a faca e ai, depois disso, ele nunca mais tentou!
A atitude mais protetora da mãe para com Márcia foi quando ela virou seu rosto,
porque o pai estava tomando banho, indicando preocupação com a nudez dele, não com a
briga entre eles que transcorria no momento. A proteção foi somente física.
(...)Eu me lembro de uma briga deles, (...) minha mãe estava me carregando no colo
(...) meu pai tomando banho, minha mãe me colocando... é meu rosto para atrás.
A falta de proteção contra as brigas do casal indica que a mãe devia considerar as brigas
uma coisa “normal”, independentemente do nível de ofensa e do tom das palavras que ela e o
marido usavam; é como se importasse apenas a parte física, relacionada com o sexo. Mas
103
Márcia não se dá conta dessa participação dela e considera que somente o pai influenciou
Márcia “livra” a mãe dessa responsabilidade, porque ela sempre lhe deu apoio e a
encorajou, coisa que o pai não fez. Isso mascarou a falta da mãe e reforçou a responsabilidade
A minha mãe sempre me deu muita força e sempre...tentou reforçar a idéia de que eu
sou boa, que eu dava conta...
(o pai lhe dizia) que uma pessoa (ela, Márcia) não presta, não vale nada, não vale
para fazer nada, não serve para nada, que fala demais, à toa, que pede demais.
Márcia não demonstra sentimentos ambivalentes em relação à mãe. Seu amor por ela,
não declarado expressamente, fica nítido no relato. Mas a figura materna é representada de
forma abstrata, como algo delicado, principalmente depois que ela sofreu infartos e submeteu-
A minha mãe (...) para ela é sempre assim; se demonstrar carinho, amizade por mim
ela aceita.
(...) antigamente eu podia conversar com ela, claramente, agora eu não posso mais
devido ao problema grave de coração que ela tem, né?
Ao amor à mãe ela junta um sentimento de culpa, pois se sente responsável pela sua
(...) e eu penso que matei a minha mãe...ela não morreu mas tá...muito ruim em
casa...porque eu fiz com eles voltassem!
Essa morte simbólica não parece suficientemente justificada pelo retorno paterno após
fatos que ela não consegue lembrar, do mesmo modo que não consegue explicar a
Mas o amor da mãe e pela mãe não é suficiente; é preciso ser amada pelos dois, pai e
mãe, para que se componha a tríade narcísica, fundamental para a constituição do “eu” e para
a relação do sujeito com seu corpo, identificando-o como imagem. O ideal do “eu” forma-se a
partir de uma identificação com os pais idealizados. Sem o sentimento do amor paterno,
Márcia investe na dependência do outro, que não é sua mãe, pois sua figura é pouco
A relação de Márcia com a irmã é de afeição. Pela diferença de idade, sente-se culpada
por não lhe ter dado atenção em sua adolescência, assumindo isso como se fosse a provedora.
Repetiu não só o cuidado que teve para com a mãe (defendendo-a do pai), mas também a
culpa.
... sinto culpada porque...ela...eu não dava muita assistência a ela, principalmente, no
período dela que ela mais precisou de mim, que foi na adolescência.
Essa relação parece ser a mais equilibrada entre todas as de Márcia. O ambiente
comum de agressões graves e contínuas não impediu que as irmãs se enxergassem em meio às
Ela várias vezes que eu quis sair de casa, se revoltou.(...) agora ela me dá muito
apoio, me entende bastante (...) depois que comecei a fazer o tratamento psiquiátrico,
ela tem me entendido bastante (...).
Olha, eu que agradeço, sim, a ela porque várias e várias vezes, ela conseguiu me
salvar, no momento em que eu tentei o suicídio...
Mas Márcia ainda se sente em débito com a irmã, permanecendo a culpa acima de tudo;
aliás, a culpa é outro sentimento forte que a liga a pessoas como a irmã e a mãe.
faço alguma coisa por ela... mas, assim, eu por mim, eu acho que num... num substitui
o que eu devia ter feito, na época, sabe?
105
Com a tia, Márcia desenvolve uma relação que oscila entre pólos opostos e é também,
premeditadamente, de manipulação.
às vezes, eu me sinto apoiada por ela! Mas, quando a coisa está muito feia, a vontade
que eu tenho é de chutar o pé da barraca e pronto! Acabou! Porque ela,
simplesmente...parece que ela não colabora!
Se por um lado essa ambivalência corresponde ao mecanismo por meio do qual ela
“aprendeu”, de forma inconsciente, a conviver com as pessoas, por outro ela é bastante lúcida
para reconhecer que manipula a tia para conseguir o que quer, da forma que quer,
controlando-a; um jogo que a tia reconhece e ao qual não reage. Também lucidamente,
reconhece não conseguir aprender algumas coisas (digitação) e realizar outras (lavar louça),
Minha tia acha que eu faço certas coisas para tentar deixar as coisas...tudo acontece
do jeito que eu queira (...) ...me acho muito mandona mesmo!
As ações de Márcia em relação à tia são marcadas por uma espécie de cisão de seu ego:
não sabe o que fazer sem a tia (inconsciência sobre o que ela representa), mas manipula-a,
para “retirar” dela o máximo que ela pode lhe oferecer. Ora ela é a grande dependente da tia,
ora exerce sobre essa tia sua onipotência, pois não basta que ela a apóie, mas tem que apoiá-la
indulgente e não impõe limites. Isso possivelmente é justificado pelo grande afeto e carinho
que sente pela sobrinha e pelo desconhecimento sobre o que esse jogo representa para a saúde
negativos e pela permissividade (da tia) aos jogos que ela faz.
Anáclise/apoio
que lhe permitem viver, mesmo cheia de conflitos. É a tia que reforça suas pulsões de
(...) é tão difícil isso, eu fico querendo saber se eu tenho alguma coisa, eu me sinto tão
mal de não sair da cama (...) Ela fala: “tudo bem, fica aí, amanhã quem sabe, você
consegue”?
Suas impressões de que a tia quer vê-la fora de casa podem ser justificadas pelos
para evitar a prima como a trancar-se com medo de alguém invadir a casa e matar a tia. Perder
a tia seria perder a única sustentação com que conta na vida. Seu poder fálico vem da tia e não
da mãe.
(...) admiro essa...essa questão dela tentar me colocar para cima, sabe? Mas não é de
uma forma tão positiva...porque ela coloca assim...parece que eu não vou conseguir
porque eu não quero! E às vezes, eu tô na cama...parece que meu corpo está se
esvaindo...eu não tô conseguindo sair da cama e ela: “você não tenta...vem lavar a
louça, vem [...].
(...) muitas vezes...eu quis muito...ir embora da casa da minha tia!...muitas vezes eu
tive a nítida impressão que ela quis que eu fosse embora da casa dela...depois não...eu
tenho a certeza que ela quer que eu fique! Eu acho que ela quer me ajudar...tenho a
certeza que ela quer me ajudar, quer fazer alguma coisa...e muda tudo, todo o quadro,
entendeu?”
Márcia declara ter noção de que sua estada na casa da tia representa um apoio para ela.
Esse apoio é anaclítico, pois reforça suas pulsões de autoconservação, diante das pulsões de
morte.
(...) É... a única pessoa que eu me sinto apoiada, que é uma pessoa a que eu recorro,
nos momentos, que eu não dou conta mais, é a minha tia (...)
Mesmo sem a consciência desse apoio, ela afirma categoricamente ser a tia “a única
Diante disso, suas citadas impressões de que a tia quer vê-la fora de casa podem ser
A relação de Márcia com tio, prima, parceiros e amigos tem a mesma base da relação
com os pais, a irmã e com a tia, embora ela se revele mais onipotente com essas pessoas. Ela
reconhece que tio e tia querem ajudá-la, mas seus sentimentos instáveis fazem com que
107
deveria receber incentivo e apoio não recebe, de outra não interessa o apoio.
(...) meu tio, por exemplo, (que) eu acho muito importante. Às vezes, eu vejo ele como
uma pessoa muito importante na minha vida como uma pedra...uma coisa que me
empurrou para cima, sabe? Mas, às vezes, eu vejo ele como nada!”
Há uma transposição da forma com a qual se relacionou com o pai para o ambiente da
(Isso) foi enchendo a minha cabeça e ela (a prima) falou uma pequena frase e eu já
explodi! E corri atrás dela com a faca (...).
Nas relações com parceiras e com parceiros sexuais, não foi diferente. Virgem até os 36
anos, antes da primeira relação heterossexual teve duas relações homossexuais, sendo essas
numa representação literal do comportamento paterno em casa, aquela que bate, machuca, faz
(...) eu batia muito nela, batia mesmo! E...era muito instável! [...] hoje, quando eu
faço a pergunta assim, pôxa, eu batia tanto naquela mulher, às vezes sem motivo...eu
arrumava um motivo ou sei lá como eu arrumava, vinha de dentro de mim, sei lá...
Mas Márcia não era ele e, de forma inconsciente, possivelmente esperava que as
companheiras suprissem o vazio provocado pelo desejo que ela não ousava admitir e muito
menos ver realizado pelo pai. Um grande desejo, como se pode avaliar pela proporção
negativa com que ela caracteriza o pai, para encobri-lo (o desejo). Nenhuma companheira
poderia corresponder.
sua vida”. Mas Márcia não “precisou” beber durante essas duas relações, pois não houve
mais próxima de correspondência a seu desejo inconsciente. Nas duas, sofreu e teve depressão
com o término.
108
O término foi assim... Eu entrei numa depressão muito grande! A depressão profunda
mesmo assim que eu não conseguia levantar, não conseguia comer, não
conseguia...(primeiro namorado)
Para começar eu fiquei...eu acho que fiquei um ano de cama! Assim de cama que
digo, eu tentava... ele...eu tentava sair da cama ma eu mal conseguia fazer uma
comida, mal conseguia tomar um banho, escovas os dentes...(segundo namorado)
Márcia tem dificuldades de fazer amizade, mas é sincera e constante quando consegue.
Sem o objeto anaclítico por perto (a tia), todas as outras relações ficam difíceis,
Instabilidade
como não. Afinal, ela tem origem na instabilidade familiar presente em seus primeiros anos
de vida. Ela provoca essa instabilidade em quase todos os vínculos que estabelece.
Idealização
Márcia parece ter introjetado as afirmativas do pai quanto às pessoas e suas amizades:
(...) meu pai...prá ele ninguém presta! Agora, já com minha mãe, não! A minha mãe,
ela sempre foi, assim: quem gosta de mim, mas gostando da minha filha tá bom. Para
ela é sempre assim; se demonstrar carinho, amizade por mim ela aceita”
Ela sempre acha que as pessoas estão contra ela, olhando-a de cara feia, achando-a feia.
Confessa ter dificuldades de conseguir amizades. Porém, com as poucas pessoas com quem
São poucas as amizades que eu tenho, pouquíssimas. E, geralmente, todas elas foram
de internações...Hoje, por exemplo, eu tenho dois amigos que eu considero amigos e...
por internação que são a L. e o R.!...a gente liga, a gente troca informações, a gente
conversa ou o R. manda muita mensagem para mim, eu mando para ele. É R. a gente
conversa muito! O R. é casado. Mas ele teve um problema no casamento dele. Na
época, eu dei muita força para ele, para ele voltar que ele tinha separado da esposa.
E isto reforçou mais a nossa amizade’.
Com esses amigos, parece não haver ambivalência nos sentimentos de Márcia. São
pessoas que conheceu por ocasião de seus internamentos, o que indica terem esses amigos
109
algum tipo de problema semelhante ao de Márcia, seja direto (eles mesmos) ou indireto
tendência autodestrutiva.
Impulsividade
abandonada, apesar do apoio que recebe deles. É uma reação a situações para as quais não
tem resposta ou não vislumbra saída no momento, como quando lhe “cobram” sair da
depressão.
Outra forma de reagir a suas perdas é a compulsão por compras, numa declaração clara
de que pretendia suprir-se de algo que lhe falta. Ela reconhece essa compulsão mas não luta
contra ela, até porque lutar significa perder uma das características que a tornam o centro de
(...) com o dinheiro é uma tragédia (risos) ...entra no preto e vai embora! É um monte
de coisas sem necessidade...é um desastre quanto ao dinheiro!
O que eu quero, eu faço...e tento, corro atrás e vou e faço! Enquanto eu não faço, eu
não fico sossegada! (...) quando o pagamento saiu, eu não podia comprar um DVD
(aparelho) mas meu DVD tinha estragado...eu pedi à menina...a menina que estava
trabalhando lá em casa...ela foi na loja e comprou...e fiquei sem dinheiro e tive que
fazer empréstimos. E, ai, esses empréstimos parece uma “bola de neve” porque eu
não acabo de pagar nunca! (..) com o dinheiro é uma tragédia (risos) ...entra no preto
e vai embora! É um monte de coisas sem necessidade...é um desastre quanto ao
dinheiro!”
Márcia sempre procura “soluções” que trazem mais intranqüilidade e complicações,
justamente para alimentar sua forma de viver e de se angustiar mais. Essa seria uma reação
dela às situações para as quais ela não tem resposta ou não vislumbra condições de saída no
momento.
110
(...) .vou e como, como. (...) tem dia que como, como.. e tem dia que eu não como
nada...[...] nunca provoquei vômitos mas teve um tempo, também, que eu não comia pra
não engordar...
Euforia
humor. Para ela, essas alterações se devem ao fato de ter parado de beber, o que tinha como
Ai, eles detectaram, como eu tinha parado de beber, que eu tinha crises de humor... eu,
geralmente, ficava muito alegre, muito eufórica, né? Ou, então, eu ficava tão pra baixo
que eu não conseguia levantar...da cama...
Episódios de humor podem estar relacionados com o período antes, durante ou após o
uso de drogas antes. O portador de transtorno de humor, em seus episódios, costuma usar
substâncias de abuso ou terapêuticas como atenuantes para esses quadros. Márcia confirmou
(...) eu não bebia por farra! Eu sempre bebi por...é..vontade...uma vontade de abafar
os meus sentimentos!
Olha, eu não sei muito explicar porque quando eu bebia eu sabia que tinha alguma
coisa errada, assim, porque quando eu bebia, às vezes, eu ficava muito alegre, ou, às
vezes caia numa depressão!... Junto com a bebida, e se eu não parava de beber, eu
não sabia quando eu estava bêbada ou se eu estava muito alegre por que eu estava
bêbada ou se estava muito triste porque eu tinha bebido...(g.n.)
falar do término do penúltimo relacionamento amoroso, por exemplo, ela disse claramente
que ficou nessa relação no período de euforia. Quando a relação acabou, ela “entrou numa
O término foi assim...terminou esse período eufórico, né? E eu entrei numa depressão
muito grande! A depressão profunda mesmo... assim, que eu não conseguia levantar,
não conseguia comer, não conseguia...”
O humor maníaco ou hipomaníaco seria uma defesa contra a depressão subjacente, e
Depressão
Márcia afirmou que não consegue controlar seu humor e ainda o relaciona a suas
(...) equilibrar meu humor, que não consigo...e eu me sinto, às vezes...eu nunca sei se
eu tento me suicidar e eu vou e pergunto porque...
Tinha problemas de humor. Sempre com problemas de humor com seríssimas
tentativas de suicídio... e medos... O medo, assim, chegou a um ponto de... minha mãe
ia comigo trabalhar porque eu não conseguia ir trabalhar sozinha...
instrumento de manipulação para chamar a atenção dos familiares sobre si, como já foi dito.
Mas nesse trecho, observa-se que o suicídio também está associado ao medo, esse proveniente
adaptativo e anaclítico. Márcia tem dificuldades de adaptar-se a sua realidade adulta e busca
incapacidade de sonhar; deduz-se que ela está desesperançada, sem vislumbrar horizontes
112
futuros. Essas autopercepções são típicas de humor rebaixado, de desespero; todos são
embora associada ao humor, também demonstra uma angústia depressiva relacionada com a
perda dos objetos: a irmã (mãe da sobrinha) e a tia apoiadora. Não fazer as atividades
domésticas na casa da tia, onde mora, pode representar riscos de perder seu apoio; não cuidar
da sobrinha pode levar à perda da irmã apoiadora e, com isso, ela não pode reparar a culpa
que sente de não ter apoiado a irmã na adolescência dessa. Ficam subentendidas a depressão,
suicídio.
medo de perda. É uma reação a perdas significativas, nas quais o ego é mais exigido, porque
termina por repetir o rompimento da função diádica e seu defrontar-se outra vez com a
O término (...) Eu entrei numa depressão muito grande! A depressão profunda mesmo
assim que eu não conseguia levantar, não conseguia comer, não conseguia...(primeiro
namorado).
(...) eu acho que fiquei um ano de cama! e...eu tentava sair da cama mas eu mal
conseguia fazer uma comida, mal conseguia tomar um banho, escovas os
dentes...(segundo namorado).
(...) Bom, eu fiquei com muito medo mas muito medo, desesperada!..eu achava que
alguém ia entrar em casa, ia matar a minha mãe, matar minha irmã, ia matar minha
sobrinha que eu tomo conta dela. E, eu não ia buscar ela, minha sobrinha, porque eu
tinha medo que alguém, sair e buscar ela e alguém matar nós duas...(familiares).
Mas a depressão não ocorreu quando ela se separou das companheiras, deduzindo-se
que essas relações, apesar de ela as considerar importantes, não foram tão significativas como
as relações heterossexuais.
(...) quando terminou, pensei que ia sofrer muito mas, não... (primeira companheira).
Já a segunda (...) quando acabou eu não sofri...”
113
Hetero-agressão e autoagressão
sentimentos inexplicáveis.
(...) era uma dor, uma dor intensa que eu não sei explicar de onde ela
vem...geralmente, vem assim : tem algum problema no meio e eu vou indo...e me
corto! Mas outras vezes, não tem motivo... (...) é uma impulsão (...) ...não senti
(...)...não me arrependia (...) era como se fosse um alivio! (...) algumas vezes...eu
ficava muito, assim, chateada...(...) de repente eu tô de frente de uma Gilette e, então
me dá vontade de me cortar, cortar, cortar...até sangrar, até o fim (...).
Contra terceiros, agride sempre que se sente ofendida e encurralada, segundo sua visão
carente, de sentimentos ambivalentes. Mas reconhece sua falta de controle e diz lutar contra
isso.
Não, porque eu tento muito mesmo (autocontrole) ...não fazer isso! Porque tem uma
parte em mim que eu consigo, que ainda estou conseguindo controlar! Eu sinto que o
negócio vai acontecer, eu sinto que alguma coisa vai acontecer, então eu saio, vou
fumar lá fora ou vou dar uma volta, às vezes, quando eu consigo, faço alguma coisa
para não acontecer, porque eu sinto que vai acontecer.(...)
objetais e fazendo com que ela promova a desestruturação dessas relações de forma aguda e
O segundo (relacionamento com mulher) foi mais instável mas eu me lembro que
agredia muito ela...Não tinha motivo! Eu bebendo ou não bebendo, às vezes, eu
achava um motivo e agredia...O primeiro, por exemplo, hoje, quando eu faço a
pergunta assim, pôxa, eu batia tanto naquela mulher, às vezes sem motivo...eu
arrumava um motivo ou sei lá como eu arrumava, vinha de dentro de mim, sei lá...
c) Auto-imagem
idealizadas.
114
Idealização/Desvalorização
é suprimir a tensão por meio do objeto. Os estados de tensão de Márcia foram provocados
pelo pai durante toda a sua infância; ele é seu objeto de identificação. Por isso, ela o idealiza
Mas a idealização resulta de uma clivagem do objeto (o pai) em lado bom e lado mau:
Eu perdôo ele (...) tenho pena dele (...) eu detestava ele (...) às vezes eu aceito bem ele
e, às vezes, eu não consigo olhar para a cara dele!
Enquanto o lado bom desse objeto é a própria idealização (das “qualidades” paternas), o
lado mau pode exacerbar os sentimentos, manifestando-os de forma muito intensa (bater nas
companheiras). Ora o pai é o objeto de identificação todo mau, ora é o objeto idealizado.
Tinha vários planos na minha vida mas nunca nenhum foram, deram certo. Primeiro
porque, na faculdade eu não consegui ficar. Não conseguia participar das aulas
porque não conseguia ficar dentro da sala de aula. E tudo que eu tentei fazer, na
minha vida, não deu certo. Trabalhar como auxiliar de enfermagem, eu acabei me
aposentando. Várias vezes passei em concursos públicos, inclusive o da C., passei em
primeiro lugar mas não consegui...E tudo que tentei, comigo não deu certo... [g.n.]
A marca da negação nesse trecho é forte, e Márcia deixa clara uma espécie de
impotência diante das conquistas; ela conquistava, mas não conseguia realizar. Foi aprovada
ambiente reproduz a situação escolar da infância, quando não conseguia fazer amizades.
Também na escola, era estudiosa, obtinha notas máximas, sendo a primeira ou segunda
colocada da sala de aula, mas essas conquistas pareciam pouco representar, pois seu
Como na infância, o impasse de sua vida não perece estar na conquista, mas
Isso também não deixa de reproduzir a dualidade que pauta sua vida. Na infância viu, mas não
sabe mais se viu; sentia remorsos pela separação dos pais, mas se sentia culpa por sua volta;
disse ao pai que voltasse, mas não queria que ele voltasse. Agora, longe da família, vai (é
A aparência física foi um dos aspectos demonstrados de sua angústia. Observa-se que a
depreciação de colegas na escola ainda parece bem presente, incomodando-a como naquela
época. Os adjetivos “testa de amolar facão”, “plataforma do diabo” e “feia” fazem parte de
seu discurso.
no rosto, eu não gosto do meu cabelo, não gosto da minha testa, detesto, porque todo
mundo ficava batendo na minha testa e me chamando de “testão de amolar facão”...e
eu não gosto do meu nariz, que eu acho muito grande, e porque eu tenho pouco
cabelo também, na fronte, né?
...eles me chamavam até de um certo apelido... “plataforma do diabo” e eu me sentia
mal com isso, então, eu me distanciava deles...eles falavam é porque eu era muito
feia...
(...) eu me acho muito feia, me acho gorda...o problema de tudo maior, ainda, é que eu
estou ficando mais velha...qual é o problema de ser gorda, ser feia ser careca, de não
ter o cabelo bom?
Apesar se considerar gorda, seu peso é satisfatório, em relação à altura. Mas esse foi o
adjetivo com o qual ela se definiu, além do “estar ficando velha”. Os demais (careca, cabelo
ruim) vêm da infância, heteroimagem que ela guardou, associada à auto-imagem de gorda e
feia.
(...) de início, eu nunca tive problema com a cor, porque as pessoas nunca falavam da
minha cor. Me falavam... falavam da minha aparência em si. Agora, também, eu já
começo, há algum tempo comecei achar que tinha alguma coisa relacionada à cor,
porque os negros, geralmente, têm cabelo ruim, não tem cabelo bom, os negros têm a
boca grande, apesar da minha não ser grande, mas tenho o nariz grande... é, então,
eu acho também devido à minha cor(...)
não tenho traços meio grosseiros mas...por isso que eu nunca levei isso pro lado da
cor, sempre levei mesmo pela aparência...
116
Se o problema maior é a idade, ser careca, gorda e ter cabelo ruim são problemas
menores. O impasse de Márcia parece ser o de sentir-se presa aos mesmos problemas da
infância, já estando mais velha, adulta. É outra a dualidade: entrar na maturidade com os
sentimentos de criança. Sua referência meio superficial de Márcia à cor, lembrando que na
infância isso não lhe era citado pelos colegas, corrobora a visão de que ela carrega mais a
auto-imagem da infância; ela só parece se reconhecer naquilo que os colegas lhe impingiam
quando criança. Apesar de ter obter as melhores notas na infância e mesmo se sobressaindo na
vida adulta (foi aprovada em concursos), isso não é suficiente para ela superar a carga
marcada pela ausência de amor e acolhimento, sendo uma relação ilustrada pelo desrepeito
humano e abuso psicológico. Mesmo assim, há um processo de identificação dela com o pai,
bebendo). Nessa “exaltação”, a natureza daquilo que ela “idealizou” do pai não é alterada, ou
seja, ela poderia reagir a essa influência negativa fazendo exatamente o contrário dele; no
entanto, copia-o.
Eu me sinto última das pessoas porque eu me sinto parecida com ele (...) porque eu fiz
a mesma coisa que ele, porque eu bebi, me tornei alcoólatra como ele...
anos (ver história psiquiátrica ou item fator traumático), poder-se-ia refletir que a relação com
o pai carrega os traços de um trauma precoce, causado por abusos, particularmente morais e
psicológicos. Esses abusos teriam produzido mecanismos de clivagem dos objetos, expressos
(...) eu batia muito nela (primeira companheira), batia mesmo! E...era muito instável!
O segundo foi na época que eu comecei a parar de beber. Ai, foi mais estável mas eu
me lembro que agredia muito ela. Não tinha motivo! Eu bebendo ou não bebendo, às
vezes, eu achava um motivo e agredia... (segunda companheira).
causa e efeito, sem deixar espaço para o surgimento de qualquer coisa que possa modificar
esse efeito, como ocorre com assumir os empregos, em cujos concursos nos quais foi
aprovada.
...sempre tive medo de não corresponder à altura, principalmente, depois que eu fui
trabalhar no hospital. Eu comecei sendo a melhor funcionária de... eu trabalhava no
politraumatizado...eu sempre era chamada para ficar no poli...porque me achavam
que eu tinha competência para ficar mas, eu não achava, eu achava que não tinha
competência... por isso, foi indo, eu fui bebendo muito e acabou eu não tendo
competência mesmo...
Com isso, ela “traçou” uma trajetória unindo passado e presente, que por si só é
ambivalente: vai, vence os concursos e não leva o trabalho adiante, porque se acha sem
competência, enquanto os outros acham o contrário. Ela parece temer qualquer coisa que
sua competência pode melhorar sua auto-estima e fazê-la perceber que há um mundo no qual
ela pode se sentir diferente. Isso ela ainda não quer conscientemente, embora conscientemente
ela esteja em tratamento psiquiátrico, buscando, sem dúvida, uma melhora; a abrangência
d) Hetero-imagem
Idealização
A imagem que Márcia supõe terem dela associa-se ao que ela faz, não ao que ela acha
que é.
(...) eu acho que é porque eles não toleram o que eu tô fazendo ou, talvez, porque eu
ache que eu não tô tolerando mais o que eles estão fazendo comigo...(...) prá que isso
acabe...tudo isso...essa confusão, essa até depreciação...deles só comigo...e que talvez
não exista!
118
A dúvida entre essas duas possibilidades - se eles não aceitam o que ela faz ou ela não
aceita o que eles fazem a ela - reflete um conflito entre o ego e a realidade, originado do
contato com a realidade cruel, com objetos inquietantes, aniquiladores, que ela quer evitar. Há
opinião de seu médico e de pessoas, pondo em dúvida a existência do fato, embora sem muita
convicção. Esse embate entre ego e realidade envolve, o medo, o delírio de perseguição e a
Estar só na faculdade fez Márcia perder o poder fálico. Sem esse e sem o objeto
anaclítico, restaram os objetos maléficos, aniquiladores, que vão persegui-la. Sua onipotência
está mitigada; a solução é voltar para a realidade segura representada pelos objetos bons,
apoiadores que lhe devolvem o poder fálico. A dúvida em face da fala do médico, objeto bom
e acolhedor, ocorreu diante da certeza antes imposta pela perseguição dos objetos
(...) eu fiquei com muito medo mas muito medo, desesperada! Eu fechava as portas,
fechava as janelas, fechava tudo, mesmo com minha tia dentro de casa...eu achava
que alguma coisa ia acontecer, que alguém ia entrar em casa, ia matar a minha mãe,
matar minha irmã, ia matar minha sobrinha que eu tomo conta dela. E, eu não ia
buscar ela, minha sobrinha, porque eu tinha medo que alguém, sair e buscar ela e
alguém matar nós duas...
O desespero da perda dos objetos leva à clivagem, à deturpação da realidade, pela recusa
da referida perda, inclusive perda do controle narcísico. O outro tem suas necessidades
narcísicas e não mais vai satisfazer o narcisismo dela, ou seja, não vai satisfazer seu desejo de
119
possuir o falo, decorrente de sua inveja do poder fálico da grande e poderosa mãe ou de
ou medo e delírio são uma defesa contra a fragmentação total e psicótica do ego. Ainda tenta
fugir dela, na deformação egóica, parcial, através do conflito entre o eu e a realidade, que
precisou ser recusada, forcluída, para que não haja a perda do objeto bom, que geraria a sua
Esse medo descrito por Márcia não constitui um perigo real (não seria, portanto, um
medo com objeto), mas representa um sentimento que traz consigo, de invasão de seu eu
(psicótico), de que algo catastrófico vai ocorrer. Assim, “fechar portas e janela” para livrar-se
fobia, do delírio.
O medo se estende a outras situações, que sem portas e janelas para fechar, travam as
(...) eu tinha medo porque, também eu tinha medo de sair, eu fico travada, ou, eu
ficava travada! Eu fico travada... eu não conseguia sair de casa, não conseguia ir,
comparecer...Assim como eu não conseguia ir trabalhar, eu não conseguia
comparecer, ai eu perdia...
Assumindo um medo que a deixava “travada”, Márcia deixou entrever a existência de
algo maior que seu desejo de interagir com o mundo externo, que é o delírio/fobia que a
dominam a ponto de torná-la disfuncional. Sozinha, no trabalho, sem o objeto de apoio, seria
dos seus recursos, perda da onipotência narcísica, do falo, sem a proximidade do apoiador
Não é um medo mais assim...de não aceitação. E...eu mesma não sei explicar porque
eu não tenho muito medo do que...começaram a falar assim... do que pode acontecer
lá dentro, da situação, de tudo aquilo. Mas, me amedronta...eu não consigo dizer
desse medo porque eu não entendo ele...
Nessa fala, Márcia pareceu discernir entre o medo (de ser humilhada, da não aceitação)
dificuldade de entender o que lhe ocorre, de onde viria esse medo. Possivelmente, a origem
dele seria da sensação de ser observada, perseguida, invadida, numa distorção do pensamento,
As dúvidas quanto a seu verdadeiro estado mórbido refletem o conflito entre o mundo
interno e a realidade externa. Ela não consegue identificar concretamente o cerne do seu
problema: está doente ou não? Há algo errado com sua mente ou não?(relação com a
realidade)
...eu tomando muito remédio ou não tomando remédio nenhum... porque eu penso que
tenho alguma coisa... que alguma coisa está acontecendo na minha mente, ora eu
penso que eu não tenho nada e, assim fica difícil ...eu não sei...
Descobrir que está doente pode torná-la mais fraca, sem o falo materno; ela não
consegue satisfazer sua onipotência em relação ao objeto anaclítico. Sente-se só, desespera-se.
Se não está doente ou fraca, tem o poder de manipular o objeto anaclítico que a completa, que
A clivagem também abrange a relação de Márcia com seus familiares próximos; são
duas atitudes psicológicas distintas para com essa realidade: o “mundo dela”, que não é o da
(...) do meu mundinho ali, de casa, de quarto, de cama...às vezes, ir para fora...aquilo
ali é meu mundo...eles (os familiares) estão fora daquilo ali...(...)... é tão difícil
explicar isso (...) Depende tanto!...de repente parece um mundo diferente de todas as
outras pessoas e de repente parece que eu estava, eu acordei nesse mundo!
121
A realidade é vista por Márcia pela “janela” do afeto (no sentido freudiano) e dos
investimentos que ela fez em seus estados traumáticos ao longo dos anos. Em outras palavras,
Márcia vive a partir dos traumas passados – as referências de sua história têm marcas de
trauma e da falta de proteção; por meio deles – os mecanismos de vida que desenvolveu para
sobreviver não se distanciam muito deles, fazendo com que ela os reproduza em sua vida
adulta; para eles – quando se sente incomodada e irritada ao lhe pedirem para reagir à
depressão.
Sua realidade é a mesma da infância, porque nada do que conquistou quando adulta
leva adiante. A relação com a realidade concreta é difícil, pois seu discernimento é
atravessado por sensações e percepções anômalas que dificultam o julgamento corrente dos
mundos interno e externo. Ela parece assumir a “confusão” do mundo externo, quando
acredita que algo é real num momento e irreal em outro. Essa “confusão” traduz a mesma que
vivencia desde os três anos, quando diz ter visto o pai na cama com outra mulher e, adulta,
É confuso para mim responder porque eu sei, eu simplesmente acredito numa coisa e
depois desacredito piamente nisso. Eu não sei...
Essa percepção confusa também representa uma clivagem dos objetos, uma recusa e
medo de ser real a perda do objeto idealizado que lhe dá a esperança de um porvir melhor.
...do meu mundinho ali, de casa, de quarto, de cama...às vezes, ir para fora...aquilo
ali é meu mundo...eles estão fora daquilo ali...(...)... é tão difícil explicar isso, porque
depende do meu humor. Depende tanto!...de repente parece um mundo diferente de
todas as outras pessoas e de repente parece que eu estava, eu acordei nesse mundo!
O mundo fora do quarto de Márcia é estranho para ela; não faz parte de sua realidade.
Essa “estranheza” reflete uma espécie de desrealização (mundo irreal) e despersonalização (os
familiares são estranhos, de outro mundo), associadas a suas mudanças de humor. Tanto a
defesa contra o fracasso do recalque, diante do retorno de elementos antigos recalcados, dos
122
quais se deseja eliminar os efeitos, independentemente da forma e do custo que esse recalque
caráter hipomaníaco.
Mas para Márcia, essa percepção dos mundos depende “tanto” do humor. A idéia de
perda dos objetos totalmente bons a deprime, e a deformação da realidade, que visa evitar o
Essa situação desencadeia em Márcia um conflito entre a percepção do outro sobre seu
estado e sua percepção de que ela mesma provoca esse conflito. Há um desespero por não
entender o que ocorre, ao que ela reage “chutando a barraca”, desistindo e engendrando rituais
suicidas.
...realmente, as pessoas, elas parecem que não entendem! Elas acham que eu faço
porque eu quero! E, ai, fica aquela coisa na minha cabeça: será que eu faço porque
eu quero ou eu faço porque eu não consigo parar?...quando isso começa a entrar na
minha cabeça, ai eu fico mais desesperada ainda! Ai, então eu pego e começo a
chutar...a barraca...começo a fazer coisas prá poder conseguir o suicídio...
f) Mecanismos de defesa
Clivagem
realidade, com a falta de uma consciência unificada entre seu existir e as experiências reais.
Por isso, ela oscila em seus impulsos, sente-se insegura e tem grande necessidade de
compreensão e de afeto
...eu tomando muito remédio ou não tomando remédio nenhum... porque eu penso que
tenho alguma coisa... que alguma coisa está acontecendo na minha mente, ora eu
penso que eu não tenho nada e, assim fica difícil ...eu não sei...
Outra consequência foi sua despersonalização, com a perda de união entre o ego e o
corpo, não permitindo as relações de troca entre o mundo interno e o externo. Ela não
123
concretizando.
Tinha vários planos na minha vida mas nunca nenhum foram, deram certo. .... Na
faculdade eu não consegui ficar. Não conseguia ficar dentro da sala de aula. E tudo
que eu tentei fazer, na minha vida, não deu certo...
recusa à perda, inclusive perda do controle narcísico. O outro tem suas necessidades
narcísicas e não mais vai satisfazer o narcisismo dela, ou seja, não vai satisfazer seu desejo de
possuir o falo, decorrente de sua inveja do poder fálico da grande e poderosa mãe ou de
Márcia parece reproduzir a clivagem em outras relações, o que não deixa de expressar
Forclusão/auto-referência
outro foi rompido, não se apresenta claramente delineado. A qualquer momento, sob contato
com a realidade, com o outro, isso será percebido e visto como aterrorizante: Até onde sou
eu? Por que essa invasão me confunde? Será que sou eu ou o outro que invade, que persegue?
Márcia realmente não identifica seu pai nessa função. Em seu relato, nenhuma alusão
foi feita a qualquer aspecto que simbolicamente representasse a figura do pai protetor. Nada
foi integrado a seu inconsciente nesse sentido. Essa falta do simbólico representativo da figura
124
paterna de Márcia faz com que ela se prenda às palavras em sua forma literal, isto é, fala do
pai como qualquer homem que a maltratou, que maltratou sua mãe e com quem aprendeu a
beber. Por outro lado, a falta da representação simbólica faz com que o objeto forcluído (a
falta de proteção paterna) retorne à realidade como delírio ou alucinações de cunho paranóide.
objetos protetores contra a morte. A morte deles seria a sua morte. A psicose ocorreu mas não
se perpetuou, pois a fragmentação do ego foi parcial - o ego deformou-se para fugir da
...eu acho que é porque eles não toleram o que eu tô fazendo ou, talvez, porque eu
ache que eu não tô tolerando mais o que eles estão fazendo comigo...(...) prá que isso
acabe...tudo isso...essa confusão, essa até depreciação...deles só comigo...e que talvez
não exista!
A dúvida entre essas duas possibilidades reflete um conflito entre o ego e a realidade,
originado do contato com a realidade cruel, com objetos inquietantes, aniquiladores, que ela
quer evitar. Há medo ante a possibilidade de o ego ser fragmentado, de se tornar psicótica.
g) Fator traumático
Separação
A separação dos pais é tema recorrente do discurso e das ações de Márcia; é nesse fato
que ela demonstra a maior ambivalência em relação a seu pai e é sob ele que se “esconde” o
desejo e a repugnância que sente e que são determinantes para compreensão de seu trauma.
125
(...) meus pais se separaram logo após eu ter três anos, após eu ter pego meu pai, na
cama, com outra mulher. E...eu falei para a minha mãe... Eu sempre digo que eu sei o
que eu fiz. Ultimamente, eu fico assim meio... eu não tenho certeza se eu vi, realmente
porque eu tinha três anos e não sei se poderia ter passado pela minha mente ou se
não poderia... (g.n.).
inclusive, aos 12 anos, assim que minha irmã nasceu, ele me colocou para fora de
casa por causa de um lápis que eu pedi a ele, simplesmente!... Ai, eu fui morar com a
minha tia e comecei a trabalhar para me sustentar.
Abuso
Questionada sobre ter sofrido abusos do pai, Márcia afirma suas “certezas”:
Olha, a única coisa que eu me lembro, com certeza, de ele ter feito é: ele me magoava
muito com palavras e me ofendia bastante... e, inclusive, aos 12 anos, assim que
minha irmã nasceu, ele me colocou para fora de casa por causa de um lápis que eu
pedi a ele, simplesmente!... Ai, eu fui morar com a minha tia e comecei a trabalhar
para me sustentar (g.n.)
A expressão “com certeza” pode sugerir denegação de algo que poderia ter ocorrido,
ante a afirmativa da única coisa de que se lembrava. No contexto da fala, a expressão está
deslocada, já que não houve dúvidas da entrevistadora quanto aos fatos narrados, se reais ou
não. Desse modo, ao afirmar “com certeza”, Márcia parece garantir-se ante eventual dúvida
que a entrevistadora pudesse vir a ter sobre o fato citado. “Com certeza” pode representar um
corte na sequência de suas lembranças, que poderiam trazer a tona fatos ou sofrimentos
indesejáveis (denegação). A certeza se opõe à dúvida, que pode ser a mesma citada, de que
não sabe se viu mesmo o pai com outra mulher (não certeza). Entre a certeza e a não certeza,
Do ponto de vista lógico, que sentimento poderia causar o fato de ser posta para fora de
casa por causa de um lápis: mágoa (desgosto que deixa vestígios duradouros, que
transparecem nas palavras, nos gestos....), raiva (ser possuído de cólera e desejar o mal...),
repugnância (aversão, asco, nojo que se sente a algo por ser sujo, imundo, imoral...)?
se apresenta como o sentimento mais correspondente ou mais esperado por ter conversado
com o pai.
126
...o fato dele tá...tá o tempo todo se drogando...na bebida. O tempo todo querendo a
morte...(...) enche a cara...enche o prato de óleo e depois coloca muito sal...se tiver
pimenta, ele coloca...depois bebe, volta, come mais alguma coisa assim que faz
mal...isso me dá uma raiva! (g.n.)
Márcia declarou que “detestava” o pai, mas que o perdoava, embora não tenha dito de
quê (“Eu detestava ele, sabe?...eu perdôo ele...”). O perdão, trazido à tona no momento em
que falava do retorno dele a casa, pode estar associado às ofensas verbais. Mas se esse perdão
for contraposto à expressão “com certeza”, pode sugerir a existência de um fato não declarado
A lembrança de tê-lo visto com uma mulher na cama aos três anos e depois não mais
saber se viu realmente é um dos grandes pontos-chave da história de Márcia, pois para ele
convergem tanto a indefinição sobre quem seria essa mulher (a própria Márcia, abusada aos
três anos?) e a possibilidade de sua fala ser a reprodução do discurso materno, o que também
(...) meus pais se separaram logo após eu ter três anos, após eu ter pego meu pai, na
cama, com outra mulher. E...eu falei para a minha mãe... Eu sempre digo que eu sei o
que eu fiz. Ultimamente, eu fico assim meio... eu não tenho certeza se eu vi, realmente
porque eu tinha três anos e não sei se poderia ter passado pela minha mente ou se
não poderia... (g.n.).
Márcia representa com um “sempre” e um “se” seu passado e seu presente,
respectivamente. A cena descrita, primária de suas lembranças, foi a referência que pautou e
Agressão
Se Márcia idealiza e exalta a figura do pai, querer se autodestruir e lesionar-se (já que
ela “representa” fantasiosamente o pai) pode ser uma forma inconsciente tanto de querer
destruí-lo ou feri-lo fisicamente (e não o faz porque o perdoou), como de querer destruir ou
127
ferir a imagem dele que ela tem dentro de si, que introjetou. Assim, ela suprime a tensão
Em 2005, eu me cortei muito (...) foi a época que eu mais me cortei. Eu não sei se foi,
devido ao fato que eu sentia muita dor! Era uma dor assim, não uma dor física, era
uma dor...era uma necessidade de sentir alguma coisa que ultrapassasse aquela dor
que eu sentia (...) (g.n.)
O sentir-se desfalecer quando sangrava e querer desfalecer até morrer pode ser uma
forma simbólica de Márcia resolver suas pulsões destrutivas. Isso se confirma, quando se
percebe que ela, de fato, não quer se autodestruir, pois em suas tentativas de suicídio, sempre
há alguém por perto que pode salvá-la da morte ou há alguma estrutura na qual ela se apoia
(...) eu que agradeço, sim, a ela (a irmã) porque várias e várias vezes, por incrível
que pareça, ela conseguiu me salvar, no momento em que eu tentei o suicídio (...)
(...) às vezes, tinha pensamento fixo em sair de casa e morar sozinha...e quando eu
soube da C., porque ela havia saído de casa, não sei qual foi o motivo que ela fez isso
(suicídio)...porque isso me reforçou a idéia de eu ter que ficar morando com a minha
tia...
Depois, o próprio fato de “fazer planos” para se suicidar já indica que há um jogo
psicológico que ela inicia, primeiro, consigo mesma, a partir dos mecanismos psicológicos
que desenvolveu para viver; ficar planejando a forma de se suicidar não deixa de ser um meio
de ficar se alimentando de algo que para ela ainda não foi evidenciado: chamar a atenção.
(...) geralmente eu planejo assim...como vai ser na hora! Porque eu fico pensando
assim: tem que ser uma coisa certa! Ai, eu fico bolando prá ser uma coisa certa,
entende?
Com o envolvimento do outro nesse jogo, busca-se entender o que ela quer dizer com
pode ter internalizado também a forma negativa de dizer que quer viver. E os argumentos com
que ela justifica não ter conseguido o intento são um exemplo disso:
A primeira tentativa de suicídio...eu tinha mais ou menos sete anos. Depois, eu tentei
várias vezes, muitas vezes, milhares de vezes! E, muitas delas me deixaram frustradas
de não ter conseguido... inclusive, eu acho que fiquei muito chateada mas, sei lá, era
muito confuso para mim! Eu creio em Deus...eu dou graças a Deus...não ter
128
Em outras palavras, pensar na “morte” é um recurso do qual ela se utiliza para sair “lá
de baixo”, para emergir dessa situação. Tentando o suicídio, ela consegue agir e sair “lá de
baixo”.
(...) eu já usei de tudo...Deus não quer que eu morra...eu usei tanta coisa!
vida: a pesquisada relatou que, desde sua infância, a relação de seus pais era conturbada e eles
se agrediam mutuamente. Entre os cinco e 15 anos, a paciente foi abusada sexualmente pelo
pai e agredida fisicamente pela mãe, que sabia do abuso mas se omitia. Segundo Laura, sua
infância foi “muito triste”, sofrendo com a violência dos pais e com segregação de alguns
irmãos e colegas da escola, que a chamavam de “burra” por ter dificuldades de aprendizagem.
Contou ter repetido a 1ª série do 1º grau quatro vezes devido a dificuldades de entender
incomunicável, pensando sobre o que lhe acontecia em casa e se achando “feia, burra, suja”.
Era uma criança calada, tímida, chorava diariamente e vivia “desmaiando” após os atos
violentos que sofria ou em momentos que ficava “fora de si”. Até os 9-10 anos, o pai (sempre
sóbrio durante os atos abusivos) manipulava seus órgãos sexuais após lhe oferecer balas
comestíveis. Depois dessa idade, ele passou a penetrá-la, diariamente. Primeiro à tarde, no
horário em que a mãe estava trabalhando, depois nas madrugadas, enquanto sua mãe e irmãos
dormiam.
129
A mãe a agredia fisicamente e a depreciava, dizendo que “ela nunca ia aprender como os
irmãos, pois era muito burra”. Dois dos seus quatro irmãos também a desvalorizavam e
induziam sua mãe a agredi-la. O pai era omisso e só a defendeu uma vez, quando a mãe
perfurou seu tórax com uma faca. Nesse dia, ele ficou desesperado e a levou para o hospital,
sua mãe não lhe dava carinho e a agredia com armas brancas, pedaços de madeira e canos de
PVC, além de bater sua cabeça na parede até sangrar. Nessas ocasiões, uma prima (que morou
em sua casa) orientava-a a usar várias roupas superpostas para que a dor e o sangramento
fossem atenuados.
Por um longo período (possivelmente entre a infância e a adolescência, ela não lembra),
morou com a professora da escola que lhe perguntava por que ela era tão triste e calada. Essa
professora passou a lhe ministrar aulas separadamente e convidou-a a morar com a família
dela. A paciente revelou-lhe, após três anos, o que ocorria em casa. A professora não
denunciou os pais. Relembra que quando morou com a professora, percebia-se fazendo muitas
coisas ao mesmo tempo, com pensamentos rápidos, com alegria excessiva, porém sem
conseguir concluir as tarefas as quais se propunha ou quando aquela lhe pedia para fazer
As tentativas de suicídio começaram a partir dos 12 anos, após ter tido a primeira
penetração sexual pelo pai. A partir daí, quando mal tratada pelos pais, saía de casa e engolia
“plantas venenosas com água” ou tentava se jogar da ribanceira próxima de sua casa. Após
sofrer os atos abusivos, geralmente ingeria vários comprimidos, cortava-se até sangrar,
Segundo conta, até a separação definitiva do casal, a mãe era ameaçada pelo pai com um
revólver que ele tinha. Também ela foi ameaçada por ele com essa arma para que não
Aos 13 anos, após inúmeras brigas e mútuas agressões com armas (faca e revólver), seus
pais se separaram, e sua mãe saiu de casa, deixando os filhos à mercê do pai. Então, seu pai
Acordava a paciente, puxando seus cabelos e xingando-a de “vagabunda”, para que ela
servisse comida e bebidas ao grupo. Durante todo o período (cerca de dois anos) de convívio
sem a mãe e com o pai e irmãos, continuavam as dificuldades de aprendizagem e não tinha
amizades.
Quando tinha 15 anos de idade, sua mãe retornou ao lar e seus pais se separaram,
em casas de família, ao tempo em que tentava dar continuidade aos estudos. Ela saiu de casa
mais três vezes e a mãe ia buscá-la, para que cuidasse de seus irmãos enquanto ela trabalhava.
adolescência sentindo-se incapaz, feia, sem fazer amigos e repetindo anos escolares.
Seu humor era oscilante, na maioria das vezes irritável, deprimido ou misto (mudava de
depressão a euforia no mesmo dia ou por vários dias seguidos), mas tinha momentos de
euforia. Então, ficava muito alegre, inesperadamente, andando a esmo, sem dormir, com
chegava a sonhar que um dia trabalharia num organismo internacional e teria seu trabalho
exposta ao público.
Mas como não conseguia estudar nem trabalhar por muito tempo, resolveu, aos 24 anos,
participar de campanha política. Na época, foi convidada pela mãe que lhe cobrava que
falasse em público, mas ela não conseguia concatenar as idéias. Entretanto, quando foi para as
ruas, fazer “bandeiradas”, sentiu-se mais à vontade e, quando eufórica, exagerava nos gestos,
na fala e no comportamento, sendo criticada pelos acompanhantes que lhe acusavam “de estar
fora do normal”.
Após seu candidato ganhar a eleição, foi nomeada para um emprego. Na situação de
trabalho, foi acusada de contato sexual na repartição, o que resultou em sua exoneração do
cargo e desemprego. Não satisfeita, foi procurar um deputado correlegionário que a apoiou e
conseguiu que ela fosse nomeada para outro cargo. Já no fim do mandato desse governo,
conheceu um homem de 38 anos, que a cortejou e começaram a namorar; ela tinha 25 anos.
Ele era seu colega de trabalho e foi o único relacionamento heterossexual que ela teve.
Depois de serem exonerados dos seus cargos quando o governo perdeu a eleição de 1998,
seu namorado convidou-a a ir morar com ele em outra cidade, prometendo-lhe um emprego.
No primeiro ano, tentaram viver maritalmente, mas ela tinha dificuldades sexuais, como evitar
ser penetrada pelo companheiro, recusar-se a ter relações com a luz acesa ou ver o corpo dele.
Ela lembrou que ele era muito paciente, tratava-lhe bem e que tentava fazer o relacionamento
dar certo. Mas ela não conseguia, lembrando das relações sexuais que lhe tinham sido
impostas pelo pai. Após o primeiro ano, eles começaram a se desentender e chegaram a se
agredir verbal e fisicamente. A partir de então, quando brigavam, ela ameaçava jogar-se pela
Ela comentou um episódio de racismo que sofreu, ao tentar se empregar numa loja. A
proprietária teria recusado seu pedido de emprego por ela ser negra. Essa senhora teria lhe
132
dito que a vaga já estava preenchida num dia e, dias depois a paciente viu, novamente, a placa
procurando funcionário para a loja. Apesar desse episódio, tentava arranjar trabalho, até que
foi trabalhar em outra campanha política e conseguiu ser nomeada para outro cargo numa
superiores, foi encaminhada ao CAPES e iniciou tratamento em Saúde Mental. Ela informou
que melhorou o contato social e passou a conversar mais com as pessoas. Nos últimos quatro
anos de convivência com o companheiro, eram como irmãos; ajudavam-se, mas não
mantinham contato físico. Segundo ela, as famílias de ambos não sabiam dessa situação. Eles
viveram juntos por cinco anos e se separaram quando ela iniciou um relacionamento com uma
mulher.
Após conhecê-la, apaixonou-se e voltou para o DF. Aqui, moraram juntas de 2003 a
2006. Disse que o convívio era bom e que conseguia satisfazer-se afetiva e sexualmente com
ela. Todavia, quando se sentia preterida pela companheira, cortava-se ou tentava suicídio
psiquiátrico. Era levada pela companheira ou pela mãe quando tentava suicídio ou
A companheira tinha “medo de ver sangue” e sentia-se sufocada pela paciente. A mãe
tempo que dizia que “aquilo era pecado, que não era coisa normal” e que tinha medo da irmã
caçula “pegar” esse hábito. A paciente respondia que aquela preferência sexual não era
porque ela queria e sim porque foi abusada sexualmente pelo pai. Nesses momentos, a mãe
retrucava que ela “sempre lhe deu muito trabalho”. Quando a paciente perguntava à mãe por
que ela não tinha evitado o abuso do pai, a mãe respondia: “por que você não procurou a
delegacia de mulheres?”
133
A mãe sempre a proibiu de contar para outras pessoas que ela sofria abuso do pai.
Desde que iniciou tratamento no DF, não conseguiu estudar ou trabalhar. Está há anos
tratamento num hospital-dia da SES/GDF e evolui com períodos de recaída, quando provoca
euforia ou ambos, disfuncional e com esperança de trabalhar para ajudar os abusados em geral
Ela mantém relacionamento com uma mulher 18 anos mais velha e passa os fins de
semana na residência dela. Sente-se apoiada, mas brigam porque a paciente quer
exclusividade e tenta controlar a outra pessoa. Sua amiga mais próxima, que conheceu no
HSVP e conviveu no ISM, faleceu há nove meses, provavelmente por suicídio. A paciente
encontrou o corpo da amiga, após três dias que não se viam. Pensou em morrer “para ficar
junto dela”. Disse que as duas eram muito unidas, confidentes e parceiras nas idéias de morte
e planos suicidas. Gostava e confiava tanto na amiga, que chegou a experimentar maconha,
cocaína, tabaco e bebida alcoólica, o que sempre evitou devido ao alcoolismo paterno.
Atualmente, nega uso de drogas e continua com ideações de morte e suicídio, sem tentativas
Mantém o afastamento familiar, principalmente, do pai que vive com outra mulher e,
segundo a paciente, continua abusando sexualmente de outras filhas. Diz que “não teve pai e
gostaria de tirar o nome dele de sua identidade”. Relata que, quando sua família se reúne,
sente-se “uma estranha”, piorando se o pai está presente, quando tem sentimentos de medo,
ódio e ojeriza em relação a ele. Tem poucas amizades, desiludiu-se com as religiões (mas
acredita em Deus apesar de dizer: “Deus permitiu que meu pai fizesse aquilo comigo”), tem
dificuldades de relacionamento familiar, mágoa e raiva da mãe (por ela não ter lhe protegido
do pai) e de dois irmãos. Entretanto, sente-se apoiada por outros dois irmãos que lhe protegem
134
e tentam fazer com que ela se sinta bem. Ainda sente-se preterida pela mãe em relação aos
outros irmãos, apesar de achar que, hoje, depois da morte da amiga, ela passou a visitá-la mais
e tornou-se uma mãe carinhosa. Segundo uma amiga da paciente, a mãe fica com seu cartão
bancário e retira seu dinheiro para ajudar outros familiares. A paciente nega esse ocorrido.
Portadora de baixa auto-estima, acha-se inferior por ser mulher, negra, feia, pouco inteligente
e pobre. Quando toma banho, costuma levar mais de uma hora esfregando-se “para que o
corpo fique bem limpo” e, quando ansiosa ou frustrada, limpa sua casa excessivamente.
Nunca namorou pessoas de sua cor, tendo dificuldades de ter amizades com homens
negros e não aceita relacionamento heterossexual. Não consegue cortejar as mulheres por
velhas; exige exclusividade, atenção excessiva e submissão durante o ato sexual. Gosta de ser
acariciada, pratica penetração, mas não gosta de ser penetrada. Usa objetos sexuais nas
companheiras, mas não permite que usem em seu corpo. Masturba-se e fantasia pensando em
mulheres.
Diz que é desconfiada em relação às pessoas e, às vezes, sente que as pessoas lhe
olham diferente, que falam mal dela. Acusa a todos de terem-na abandonado por conta de sua
doença. Nos hospitais onde passa, mostra-se auto-referente, dissocia (desmaiando, muitas
vezes) e apresenta ideação paranóide persecutória. Até hoje, nas frustrações em relação aos
outros, deprime-se, isola-se em sua casa, fecha as janelas e portas e corta-se. Quando acaba,
desespero, bate-se ou joga sua cabeça contra a parede. Num desses momentos, bateu a cabeça
euforia ou quando se sente abandonada, tem descontrole dos impulsos, como: roer unha e
Antecedentes sociais: experiência breve com tabaco, maconha e cocaína; uso atual de
Antecedentes familiares: pai pedófilo e mãe hipertensa e diabética, com tratamento com
Curva de vida: a paciente nasceu no DF, filha de pai, pedreiro e mãe, servente. Família de
nível socioeconômico baixo, baixa escolaridade, pai alcoolista e mãe analfabeta, que depois
aprendeu a ler. A paciente é a primogênita de cinco filhos vivos, três mulheres e dois homens.
O pai tem cerca de 12 filhos fora do casamento. Ele sempre foi violento e ameaçava a
genitora com arma de fogo ou faca. Quando a pesquisada tinha entre oito e nove anos, dois
irmãos morreram queimados em sua casa e a mãe foi internada em “estado de choque”, sendo
necessário ser tratada com tranqüilizantes. A paciente não relatou trauma desse evento. Ela
vários meses. Mora sozinha em casa própria e passa os fins de semana com a companheira.
Exames físicos: durante os 12 encontros com essa paciente não foram detectadas alterações
globalmente, humor variando entre irritabilidade, depressão leve, hipomania, com ou sem
dos exames do estado mental estão melhores descritas nas avaliações das escalas EAM-m e
BDI.
b) Exames complementares
- Perfil lipídico: colesterol total= 180 mg/dL; triglicerídeos=68 mg/dL; colesterol HDL=
62 mg/dL; colesterol LDL= 104.4 mg/dL; colesterol VLDL= 13.6 mg/dL.
- Glicemia= 97 mg/dL.
- Perfil hormonal: cortisol após dexametasona= 1.0 ug/dL; estradiol= 122.50 pg/mL;
progesterona plasmática= 5.28 ng/mL; prolactina= 21.10 ng/mL; testosterona total=
menor que 20; testosterona livre= 0.60; TSH= 1.40 uUI/mL; T3= 171.65 ng/dL; T4=7.4
mcg/dL; T3 livre=3.30 pg/mL; T4 livre= 1.30 ng/dL.
dormia 1h menos que o habitual. Seu discurso era coerente, mas mostrava-se ora irônica, ora
nula. Ela relatou que usava regularmente os psicofármacos (haloperidol 1 mg, topiramato 50
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vestia-se adequadamente e o cabelo estava penteado. Ela referiu que dormia 1 h menos que o
habitual, tinha planos compatíveis com sua situação sociocultural, inconsistentes e sem
momentos, falando mais que o habitual, porém sem verborréia. Enquanto conversava,
mostrava-se inquieta, mexendo nos papéis sobre a mesa do consultório, provocando barulho
no ambiente. A algumas perguntas, respondia com tom de voz irônico, às vezes, sarcástico, e
desentendo com algumas pessoas lá no ISM, inclusive com sua psicóloga. Os outros itens
alterações foram detectadas, como: humor ou afeto levemente aumentado, rindo e ironizando
quando era lhe perguntado sobre questões íntimas, relato espontâneo de aumento psicomotor,
Ela informou que havia duas noites que dormia poucas horas e deambulava, de
madrugada, pelas ruas da cidade onde mora. Além disso, esclareceu que há cerca quatro dias
vinha oscilando de depressão à euforia ou irritabilidade. Ela disse que no dia que deprimiu,
provocou autolesão, gostou de se ferir e sentiu-se calma e aliviada após o ato lesivo. Sua
família levou-a ao HSVP, e ela ficou alguns dias internada, obtendo alta com a mesma
prescrição que usava rotineiramente. Associou essa reação à discussão com sua psicóloga.
Enfatizou que essa relação com a psicóloga havia piorado e que sentia-se discriminada por ser
pobre em relação a outros pacientes. Ela também reclamou que várias pessoas daquele lugar
139
falavam mal dela e que tinha planos de sair de lá. Apesar das queixas, não mostrava firmeza
nos propósitos de abandonar o ISM, admitia mudar de idéia e não se detectou ideação
delirante. Apesar do humor, mostrou-se cooperativa, concordou que estava doente e precisava
entrevista descuidada nas roupas, cabelos desalinhados com gestos inadequados e com
adornos coloridos (o que não lhe é comum). Ela queixava de diminuição de sono, que andava
pelas ruas, na madrugada. Ao ser questionada sobre interesse sexual, confirmou aumento do
conversa, pensamento acelerado. Ela verbalizou, sem consistência, que continuava com
muitos planos no futuro, em relação a trabalhar numa ONG, ajudar pessoas com a mesma
problemática que ela. Apesar disso, apresentava discernimento duvidoso. Admitiu a doença e
a necessidade de tratamento, quando questionada pela entrevistadora. Não houve item com
havia aumentado o clonazepam para 4-6 mg, à noite para tentar dormir.
compareceu penteada e vestida adequadamente. Referia sentir-se com muita energia e que
estava inquieta durante os dias anteriores, com aumento do interesse sexual (sem masturbar-se
ou ter relação sexual). Ela disse que conseguia dormir com as dosagens de psicofármacos
condizentes com sua realidade sociocultural. Cooperou com a entrevista durante todo o tempo
e, espontaneamente, dizia que estava doente (“sou bipolar”) e que, por isso, precisava do
tratamento.
se que vinha dormindo mais de 1h a menos que o seu habitual e que, na noite anterior, havia
rispidez, ironia, chegando a levantar o tom de voz, mostrando-se desconfiada. Ela também
verbalizou, ao ser questionada sobre seus planos atuais, que as pessoas no ISM e da família
pensavam e queriam o mal para ela e que tinta pensado em se ferir (“vontade de me cortar
mas não com o quê). Informou que as amigas, os irmãos e a mãe tinham retirado objetos
cortantes de seu alcance e que a estavam vigiando excessivamente. Ao ser reforçado que isso
talvez fosse necessário para protegê-la, ela reagiu indignada e perguntou à pesquisadora se ela
estava do lado deles e contra ela. Apesar de alguns minutos de argumentação, não mudou de
opinião e confirmou que estava sendo perseguida por todos e que a saída era morrer. No
entanto, continuava dizendo que era bipolar e que talvez ainda precisasse de tratamento (o que
questionário apresentaram pontuação nula. A paciente continuava dizendo que estava usando
os psicofármacos prescritos por sua psiquiatra. Dias após essa última avaliação, soube-se que
a pesquisada vinha usando anfetamina há vários meses, que teria conseguido com a amiga que
da EAM-m, nunca foi medicada com antipsicóticos atípicos, anticonvulsivantes mais eficazes
141
humor eutímico, demonstrou irritabilidade e ideação persistente de morte (mesmo sem planos
Outra observação é que a paciente, apesar de confirmar para outros pacientes, nega até hoje,
para a pesquisadora que usa anfetaminas. Também percebeu-se, durante o seguimento dela,
que a paciente tem um medo mórbido de engordar e que já admitiu, várias vezes, que provoca
Laura por consulta. Nesse gráfico observa-se que no dia 1 da pesquisa, a paciente Laura
Esse quadro evoluiu para o percentual de 36%, no dia 4, sendo compatível com
sintomatologia maníaca, segundo a EAM-m. Não manejo medicamentoso até então. No dia 5,
explicado pelo aumento de sintomas maníacos, mais próximos da hipomania. Essas oscilações
de humor tiveram relação com fatores ambientais, já que não houve troca, aumento ou
Pelo Gráfico 7, detectou-se que no 2.º dia da pesquisa houve aumento de 100% da
sintomatológico de 150% de itens em relação ao 1.º. Seu humor estava elevado, verborréica,
com pensamentos rápidos, referindo-se ao aborrecimento com sua psicóloga; havia provocado
HSVP há poucos dias. Negou que os psicofármacos e suas dosagens tivessem sido alteradas
pelos psiquiatras do hospital. O quadro evoluiu até que, no dia 4 dia, ela apresentou
ambientais, Laura voltou a apresentar um percentual de 150% mais que na primeira consulta,
traduzindo a soma dos itens positivos para episódio maníaco detectado nessa avaliação.
143
b) Resultado do BID
O Gráfico 8 mostra os resultados do BID de Laura por consulta. Nos dia 26/10 e 12/11 de
2007, ela obteve, respectivamente, escores finais de 34 e 40. Esses resultados são compatíveis
com episódios depressivos graves. Nas aplicações desse instrumento, verificou-se que em
26/10, ela queixava de oscilações de humor diárias, desde depressão até hipomania, sempre
com disforia e irritabilidade e ideação persecutória (desconfiança dos outros). Também no dia
12/11, quando essa paciente respondeu o questionário, as suas queixas (sintomas) não eram
condizentes com os sinais clínicos observados pela pesquisadora. Durante esse encontro, a
paciente mostrou-se inquieta, rindo sem motivos aparentes, com atitudes inadequadas como
Por meio de seu relato, Laura demonstrou viver sob os efeitos da infância e da
juventude, marcadas por inúmeros abusos, numa relação familiar de muitos conflitos entre os
Com isso, seu ego foi integrado bruscamente a essa realidade de violência, sem que
houvesse qualquer suprimento afetivo e moral que pudesse ao menos minimizar esses efeitos.
Laura se refere ao pai como se ele fosse uma figura distante e até declara sua
indiferença por ele. Recebeu desse pai o oposto do que deveria demonstrar sua função
paterna, o que acarretou um sentimento de contradição, caracterizado não pela perda dessa
relação significativa (porque ele nunca a exerceu), mas sim pela total ausência dela.
145
Eu não falo com ele...eu falo com ele, assim, de vez em quando, [...] continua como se
não existisse pai para mim! Se na minha identidade não tivesse o nome do pai, [...]
seria melhor! E...quando as pessoas perguntam assim: você tem pai? Muitas vezes dá
vontade de falar que não (expressão de raiva).
Mas seu sentimento em relação a ele não se resume a isso, pois em meio a essa
“indiferença” ela se lembra e ressalta uma única vez em que contou com o apoio dele. Não foi
no exercício de sua função paterna e sim a ajuda de quem presta socorro a outro. Mas enfim,
Anáclise
Em apenas um momento Laura se refere ao apoio paterno, situacional, mas nem por
(...) só teve uma vez que ele agiu, quando minha mãe me deu uma surra que a faca
entrou do meu lado. Eu estava pedindo socorro para ela e a minha voz não saia pela
boca mas saia pelo buraco!.(...) .vi aquele monte de sangue saindo...o único recurso
que tive foi pedir socorro para ele, né? Na hora que ele viu, ele ficou doido, me
colocou dentro do carro e foi me levar para o hospital!
A angústia pela extrema aflição impediu que Laura se esquecesse desse apoio e fez
com que ela desenvolvesse sentimentos desencontrados em relação a ele. Esse fato isolado se
Ambivalência
A ambivalência de seus sentimentos pelo pai é observada quando Laura cita sua
Falo com ele, assim, de vez em quando [...] porque eu tenho medo dele! Não vou no
natal, no aniversário, no ano novo [...] continua como se não existisse pai para mim !
Indiferença e medo são sentimentos que não pertencem à mesma categoria de valor.
violência e à agressividade.
146
+.vínculo diádico com ela é mais forte que a ausência desse vínculo com o pai. Laura buscava
nela não só a função materna, mas principalmente a defesa contra a violência paterna. Sem
um e sem outro na infância e na adolescência, ela ainda tem expectativas de merecer um dia a
atenção da mãe.
Foi agora, recentemente, que ela mudou...[...] no momento que eu mais precisei que
foi na minha infância, que foi na minha doença e tudo [...] não esperar que
acontecesse uma fatalidade dessa para ela se aproximar de mim...
Minha mãe passava na porta da minha casa e não ia na minha casa, né, por causa da
minha doença. E isto só me deixava mais deprimida ainda. E, agora [...] ela vai me
visitar, ver como eu estou. Pergunta se eu estou tomando medicamentos direito. [...]
Acho que ela melhorou bastante, né?
Reconhece receber agora um pouco de atenção da mãe, mas necessita de mais, para
compensar o nunca recebido ou para atender as necessidades aumentadas pela doença. Não há
aquele sentimento de que, como nunca teve nada, qualquer coisa basta, nem também a
(...) outro dia a doutora lá do ISM pediu para falar com ela e eu liguei para o
celular dela e ela falou assim que tinha muita coisa para fazer, que não tinha tempo
só para ir para o hospital! ...quer dizer, ao mesmo tempo que ela é um dum jeito, ela
já está de outro jeito...
Sua carência é maior do que as queixas e do que a marca psicológica e afetiva deixada
pelas agressões maternas. Em meio a isso e as suas expectativas, Laura reconhece ser
(...) eu quero vender a minha casa, só que ela chegou para mim que não é para eu
vender a minha casa! [...] não consigo saber por que até hoje sou dominada por
ela!...não consigo fazer as minhas próprias coisas com as minhas próprias...mãos
(...).
147
Laura não interpreta a intervenção materna como uma forma de cuidado com sua
segurança pessoal, preferindo viver o dilema adolescente do por que submeter-se à mãe. Ela
sobrevivência.
(...) a minha mãe falando comigo que eu estou saindo muito...que eu estou deixando
muito a casa sozinha, que não é para mim deixar a casa sozinha...que o pessoal pode
entrar lá dentro, roubar...eu não ouço ela em nada!
Sua crítica possivelmente é à intervenção materna tardia e a sua própria aquiescência
(de Laura) a ela, também tardia. É como se com a crítica à intervenção atual, Laura cobrasse
da mãe a intervenção que não houve no passado, quando ela mais precisou; agora não precisa
mais.
Ambivalência
investimento nem de um desinvestimento; pelo contrário, ela revive objetivamente essas fases
a cada momento atual de sua relação com a mãe, sempre que algum aspecto afetivo lhe pareça
(...) são coisas que eu não consigo entender...(...)...eu não consigo falar com minha
mãe!(...) Eu tenho muita dificuldade e ela também...é difícil de conversar(...) Eu
gostaria...que a gente vivesse bem...
das atitudes maternas, tanto as do passado (presentes em sua memória e atitudes), como as do
presente.
148
A minha mãe sempre teve muita preferência por meninos homens! Ela não gostava de
meninas mulheres, né?...as regras era que as meninas tinham que cuidar da casa e, os
meninos, não. (...) se acontecesse de um menino cair, se machucar, eu que apanhava!
Qualquer coisa a culpa caia sempre em mim...
A ausência da relação diádica com a mãe provocou falhas em suas funções egóicas. A
persistência de sentimentos iniciais contraditórios (é mãe, mas não apóia nem protege) deixa
latente a inconsistência de sua estruturação, ora reclamando a falta da mãe (não atende a
Anáclise
fizeram com que Laura desenvolvesse uma obsessão pelo vínculo de apoio materno. E
quando a encontra de forma concreta (como a intervenção sobre as saídas e a venda da casa),
A queixa à diferença com que a mãe a tratava e tratava os irmãos tem um traço de
hipocondria, como um investimento contínuo na dor. Ela passou a investir tanto na ferida
afetiva (objeto interno causado pela atitude da mãe) quanto na busca da atenção materna
(objeto externo), ambas faces de uma mesma moeda. É o investimento nesse objeto total (as
duas faces da moeda) que mantém o vínculo anaclítico com a mãe, às vezes até com traços
persecutórios.
(...) ela batia neles, assim, quando eles faziam alguma coisa...ela batia de chinelo.
Agora eu já era diferente...ela me espancava!...muitas vezes, até hoje, eu tenho
dúvidas se sou filha dela mesmo...acho que não é possível sofrer tanto, sabe? Me
espancar tanto [...].ela não ter aquele amor por mim, não ter aquele carinho por
mim...
Machucar a ferida não se restringe às ações que realiza para si própria (buscar a
atenção da mãe, objeto externo); estende-se a relações contra si (corta-se), e, com outras
pessoas que sejam significativas para ela ou que provoquem a mesma frustração afetiva que a
Narcisismo
um narcisismo primário. Ela não conseguiu olhar-se nem tornar a si mesma objeto de sua
libido. Volta-se para as pessoas de seu relacionamento, investindo nelas seu desejo de ver-se
objeto (a mãe), devido a frustrações passadas, faz com que Laura cobre dos outros a atenção
não recebida no passado. Permanece em estado de vigília e se sente ameaçada ante qualquer
(...) Eu quero ser o centro das atenções e ao mesmo tempo eu não queria ser o centro
das atenções! (...) Tenho ciúmes...quero só ter a exclusividade das pessoas!”
Esse tipo de narcisismo convive com traços do narcisismo fóbico; Laura nunca se sente
completa, tem o ego frágil, o que leva a reações como comportamentos perfeccionistas,
Sou muito perfeccionista! (...) Cobro muito de mim! (...) Eu persisto, persisto...tento
fazer até o fim mas às vezes não consigo...(...) Eu me controlo e no relacionamento
gosto de controlar as pessoas! Eu sinto que gosto de controlar!
principalmente os que envolvem a mãe e a forma como ela tratava os filhos. A divisão que ela
faz entre os irmãos passa pela mãe, como se houvesse de um lado ela e os que a apoiavam e
interações de trocas ou afetivas. Não houve progresso nas emoções infantis entre elas e os
Minha irmã (LL) sempre foi desse jeito!...minha mãe estava dormindo...mãe acordava
e ela dizia que eu dei um chute na barriga dela [...]a mãe acordava, pegava a
mangueira dessas (...) de aguar planta e me surrava... até quando ela via o corpo todo
150
de sangue (...) A gente quase não se fala (hoje). (...) meu irmão (MC)...nunca me
apóia. (...) o que ele puder falar contra mim, ele faz.(...).
Do outro lado estão os irmãos apoiadores de sempre, em quem ela confia e de quem
recebe força. Laura conta com ML e LC, colocando-se na relação como sempre como uma
São esses irmãos que lhe passam o sentimento de família, funcionando às vezes como
Eu agradeço, muitas vezes (à LC]) porque se hoje estou aqui, é por causa dela!
Porque muitas vezes ela já me pegou com os comprimidos na mão...
(ML) agradeço a ele por ele me apoiar Porque, na minha casa, é tudo fechado! Ai, ele
chega, já abre a janela, faz aquela bagunça toda e vai para a cozinha, faz comida e
vai pro mercado, compra carne, faz churrasco. Que eu não quero ver tristeza nessa
casa!
Laura tem pouco contato com outros familiares. Na infância, uma prima teve grande
força, defendendo-a das agressões maternas contra ela (Laura). Essa prima é parte
(...) Quando era criança tinha muito contato com uma prima minha que mora hoje em
SP. Ela ficava com muita pena de mim quando minha mãe me batia. (separação da
prima) Foi ruim!...fiquei muito triste, chorando muito!... muito, me acudia muito!”
Em sua adaptação relacional, as pessoas que Laura considera amigas são as de quem
recebeu/recebe apoio anaclítico positivo: uma professora, por um período de 3 anos, e “C”,
que se suicidou, e cuja amizade ela agora transferiu para a mãe da amiga, com quem já
Laura busca preencher as lacunas de uma identificação primordial não havida por meio
de pessoas que a acolhem, comparando o comportamento dessas com o de uma mãe. Ela
As relações com parceiros são também caracterizadas por traços narcísicos, porque
Laura se coloca nelas com a mesma orientação abandônica (centrada na perda) e fóbica
(centrada na incompletude). Essa orientação tende à homossexualidade passiva, que deve ser
Parceiros do sexo masculino não são desejados por Laura. A associação às agressões
paternas faz com que ela rejeite relações heterossexuais e com pessoas negras.
sendo essa também sua queixa primordial, como resultado daquilo que não recebeu..
A primeira coisa é a família que não entende! A família da gente, que eu acho que
seria a base principal, não dá apoio para a gente, acha que a gente está (...) querendo
se amostrar, enfim, chamar a atenção, né? E a segunda coisa é o abandono dos
amigos! E isso é muito ruim, principalmente, para a gente que tem família, né?...a
gente está sentindo uma coisa e você quer, por exemplo, sua mãe do seu lado...você
quer a família do teu lado, você olha do outro lado e você não tem ninguém a quem
recorrer!
Os amores conturbados de Laura não deixam que ela perceba o que recebe em sua real
intensidade. Destaca os irmãos apoiadores, mas queixa-se de não ter a quem recorrer. Sente-se
como não pertencente à família, mas sabe que faz parte dela; não tira proveito das
oportunidades que aparecem no presente para tentar suprir o que lhe foi negado no passado.
152
confiança para Laura. Outra figura familiar pela qual demonstra apreço é a prima que a
socorreu. Os demais irmãos têm representação afetiva negativa; com os familiares, há pouco
relacionamento.
(...) conheci um rapaz que morava em G...(...) ...passei cinco anos com ele...ele queria
uma vida normal, só que não rolava, .eu tinha medo do escuro...na hora da relação
sexual, eu não conseguia ver ele, (...) ele não entendia o que é que era! (...) eu não
conseguia! (...) às vezes, tinha penetração e tudo...(...) Aí, a gente começou a viver
como dois irmãos dentro de casa... (até que se separaram).”
Para Laura, perder vínculos é reviver angústias do passado. Essa angústia causa
A perda de vínculos representa as mesmas falhas havia nos vínculos diádicos. Laura apresenta
reatividade em suas relações, com alterações de humor que variam entre euforia, depressão,
instabilidade e impulsividade.
Euforia/depressão
Sempre centrada no objeto anaclítico, Laura tem um humor disfórico, com períodos de
euforia e de depressão. Atropela-se em sua própria euforia, vinda do afã de realizar mais para
(convivência com a professora) (...) eu mudava muito de humor. Na mesma hora que
eu estava muito feliz, porque era a minha nova casa...(...) estava triste e pensava
chorar sem motivo (...) às vezes ela dizia faz isso aqui para mim...fazia e queria fazer
muitas outras coisas ao mesmo tempo (...) queria ser muito rápida (...) acabava que
muitas vezes eu não conseguia fazer nada (...).
153
de procurar algo para fazer, para manter o estresse. Mas não demonstra ser dissimulada
(primeiro relacionamento homossexual) “Foi bom para mim! Durou muito tempo mas
depois, comecei a passar mal, (...) eu queria chamar a atenção dela só para mim!
Queria que todo o tempo ela estivesse comigo! Eu senti que estava sufocando a
pessoa...não deixava a pessoa respirar! (...) ... Desde ai, que ela começou a ir se
afastando de mim! Eu fiquei muito ruim! Ai foi que eu piorei! Ai que eu queria me
matar mesmo!(...)
Instabilidade
Cada dia que amanheço estou de um jeito, nunca sou a mesma pessoa!...eu queria
mudar esse meu jeito! De repente eu estava feliz e depois me batia, de repente, uma
tristeza e dessa tristeza vinha a vontade de... morrer!
Devido a uma tendência autodestrutiva e a falhas das funções egóicas baseadas no
processo primário, Laura não tem controle sobre sua impulsividade, mostrando-se impotente.
Impulsividade
continuar e queixar-se da falta de controle sobre eles. Se antes há certa tensão antes do furto,
tempo. Para Laura, esse comportamento geralmente está associado ao estresse da perda.
Tricotilomania e roer unhas podem ter a mesma causa e serem reações ligadas a
dissabores com a aparência. No caso de Laura, sua auto-imagem negativa pode ser
prejudiciais para si mesmas (no sentido biofísico), como drogas. A adição de drogas reflete a
busca desenfreada por algo que complete e que dê sossego, embora, por outro lado, resista a
esse sossego.
(Drogas) (...) maconha e uma outra coisa branca que eu não sei o nome...(...)...a
primeira vez que ela me ensinou...a fumar um cigarro, (...) ela me ensinou a fumar
maconha...(...) pegou o pó branco...(...) eu...comecei a sentir umas coisas estranhas
(...)
(...) Eu entrei em desespero depois daquele dia!...no outro dia...eu achava que estava,
já, viciada!
155
c) Auto-imagem
Desvalorização
Ante a inexistência de uma relação diádica com o pai e com a mãe, Laura desenvolveu
auto-imagem e com o afeto do outro. Sempre acha que o outro (a mãe e os parceiros) não se
importa com ela. Como é insaciável de atenção, a tendência é achar que vale pouco, por isso
Como ela vive presa aos fatos do passado, as referências negativas dos irmãos não
Como também é instável, faz um juízo negativo de sua vida (faz positivo algumas
(...) eu sou uma pessoa...muito difícil...de conviver...de aturar! ...acho que não dou
conta de ficar com ninguém! (...)
resultado dos traumas infantis, como também traços sociais discriminadores, como ser pobre,
negra e mulher. Por terem faltado condições que lhe permitissem buscar referências para
uma identidade social negativa. Se é fato que há discriminação social, étnica e de gênero, por
um lado, por outro, também é fato que para Laura é mais fácil somá-la a suas lacunas do que
(Baixa auto-estima) Olha, eu também acho que vem da minha cor, vem por eu ser
pobre, vem por eu ser mulher...eu penso em tudo, tudo ao mesmo tempo! Me acho feia
por ser negra! (...) ...por eu ser pobre...e de ser mulher!
156
Idealização
A imagem de ideal que tem passa pela superação dos empecilhos por um esforço
próprio. Ela demonstra saber, com isso, que a solução de seus problemas depende de sua
(Pessoa que gostaria de ser) (...) uma prima que mora em P...eu queria ser igual a ela!
(...) Ela começou de baixo...fazendo faxina...sendo empregada doméstica e, hoje, fez
concurso, passou, é funcionária pública! Tem uma casa, tem seu carro, tem seu
computador, tem de tudo! É uma pessoa muito esforçada!...trabalha com o
governador...é uma pessoa muito determinada, também! Tudo que ela quis, ela
conseguiu! Então, eu queria ser igual a ela”!
A ausência de um reconhecimento familiar de seu valor faz com que ela sonhe com um
grande reconhecimento social. Mas como no pessoal, nada faz nesse sentido, pois a auto-
Eu sonhei assim que nesse trabalho meu, nesse sonho que eu sempre sonhei...que
vários repórteres estariam me rodeando...que teria um prêmio, tipo uma placa, não de
metal, de vidro, pelo reconhecimento do que fiz, por defender aquela causa e tudo!
Muita gente e tudo! Eu brilhando e continuando a minha luta!
d) Mecanismos de defesa
Laura rejeita qualquer idéia ou motivação que possam livrá-la da situação em que se
encontra, baseando-se na repressão dessas idéias para viver. É uma repressão que alimenta de
forma continuada e exige um consumo de energia para mantê-la; por isso, também faz uso dos
preconceitos sociais para alimentar negativamente aquilo que reprime de forma veemente.
Clivagem
fragmentada. As relações primitivas com a mãe e com o pai foram marcantes e fizeram com
que ela permanecesse, na vida adulta, presa à mesma organização frágil. E por ser frágil, logo
traumáticas vindas dos pais, iniciadas entre a segunda e terceira infância, foram suficientes
para que o ego de Laura não operasse uma negação da realidade (como no psicótico, onde o
Por ter ocorrido uma deformação, seu ego foi incapaz de conciliar as imagos
invasiva; noutro é protetora, mais carinhosa. Mesmo do pai, uma referência negativa, ela
lembra momentos em que ele a protegeu da violência materna. Apesar de ansiar pela atenção
Como não incorporou um jogo amoroso principalmente com a mãe, ela manteve as
No caso de Laura, ocorre o fenômeno da forclusão descrito por Lacan (1946, citado por
Bergeret, 1998; Laplanche & Pontalis, 2004): a representação simbólica da imagem paterna
foi rejeitada e retornou no real em forma de delírio. Com poucas introjeções positivas (a
prima, os irmãos apoiadores), prevalece a rejeição dos objetos frustrantes e ameaçadores (os
pais, os irmãos não apoiadores, os outros abusadores) descritos por Kernberg (2000). Daí, seu
Nas freqüentes ações de Laura, fica claro que ela tem um sentimento de que é “suja”,
capaz de engravidar, por ser uma “prostituta”, porque foi “usada” por homens abusadores
(pai, vizinho amigos do pai e padrasto). As interpretações delirantes aparecem como resposta
(Pai) agora em relação a meu pai, eu não falo com ele...eu falo com ele, assim, de vez
em quando, quando minha vai lá de carro, porque eu tenho medo dele! Não vou no
natal, no aniversário, no ano novo!...e nem dia dos pais...dia dos pais... continua
como se não existisse pai para mim! Se na minha identidade não tivesse o nome do
pai, não existisse pai, seria melhor! E...quando as pessoas perguntam assim: você tem
pai? Muitas vezes dá vontade de falar que não (expressão de raiva)...(pausa, tristeza)
(...) ...eu tenho medo que ele me pegue de novo...que eu não consiga reagir...não
consiga correr...(g.n.)
real, que ela reenvia a si própria e que é catastrófica para o seu ego.
(Pseudociese) (...) uma vez que minha irmã caçula engravidou...ela disse que não
queria o bebê...não queria registrar a criança...quando vi que ela não queria, eu falei
que se ela fosse jogar a criança fora, que me desse a criança...foi um momento que eu
me senti mãe...fui na loja, comprei roupas de criança, roupinhas de bebê. Comprei
móveis e tudo...senti que meus seios estavam doendo...fui apertar e tava saindo leite!
(...)...quando ela me disse que ia...me dar a criança, ai, eu comecei a sentir essas
coisas! (...) Eu comecei a sentir enjôo, meus seios começaram a ficar inchados...fui no
banheiro ver...apertei o peito...(...) Saiu um leite (...).
e) Fatores traumáticos
Separação
Diante dos traumas vividos em casa, Laura fantasiou que a separação dos pais poderia
representar o fim de seu sofrimento. Mesmo nunca tendo recebido afeto e amor da mãe,
centrou nela a possibilidade de ter uma vida melhor, sem a presença do pai.
(...).quando eles se separaram eu fiquei feliz da vida!...eu pensei que ia acabar tudo,
que não ia ter mais mais nada! Só que foi pelo contrário! Ela separou, foi embora e
deixou a gente com ele! (...) Ai, piorou![... ele começou a chegar bêbado em casa com
um monte de homem! 3 h da manhã, ele me levantava pelas orelhas, me chamando de
vagabunda, safada e me mandava fazer janta para ele, com aquele monte de bêbados!
E eu tinha que levantar e fazer comida para eles...era levar água, fazer suco, fazer
café...toda semana...
159
A angústia e as queixas infantis de Laura contra a mãe foram alimentadas por essa
Abuso sexual
Laura sofreu abuso sexual de um pai pervertido, que é a fonte maior de seus problemas
uma troca simbólica na qual a criança se identifica com o objeto de desejo da mãe (falo), mas
o pai intervém nessa identificação privando a criança do objeto de seu desejo, enquanto a mãe
imagem que marca a função paterna, na qual ele determina o que representa para a mãe,
diferente do que representa para a filha, também é fundamental para a criança. A figura do pai
(revelação do abuso paterno para a mãe) (...) a senhora sabe porque eu era muito
triste, porque a senhora acha que eu dei muito trabalho para a senhora? Porque meu
pai...papai abusou de mim desde os cinco anos até os 15 anos! A resposta que ela me
deu foi: porque você não procurou a delegacia de mulheres? E isso me doeu muito
(...)se ela sabia que meu pai fazia isso comigo, porque ela nunca tomou atitude?
Além dos abusos do pai, o padrasto, substituto “paterno” do pai, também não
correspondeu à função: “...no inicio...ele quis mexer comigo..(...) .” Também sofreu abuso de
um vizinho, tendo demonstrado “nojo” dele por ter lhe tocado, reforçando sua idéia de que
demonstrando a ausência total da imagem materna em sua infância e adolescência. Não há,
em seu caso, uma insuficiência de apoio materno, mas a falta total dele.
Ela sempre falava que eu era muito burra...que eu não ia conseguir nada na vida!
Esta...frase...desde pequena que eu ouço...eu penso até hoje...está na minha cabeça,
ainda, que eu sou uma pessoa incapaz...que não vou conseguir nada na minha
vida...Quando estou fazendo alguma coisa...geralmente...volta as frases dela...que eu
sou burra...você não vai conseguir nada na sua vida...
Uma vez...estava assistindo o programa que acontecia na rodoviária...ela perguntou
para mim porque cheguei em casa 10:30 h da noite...o que eu estava fazendo. Ai, eu
falei que estava assistindo a roda viva. Ai, ela falou: os machos que são os machos
estão dentro de casa e você está fora! Ela saiu...entrei no quarto para trocar
roupa...ela voltou com aquele PVC...até quebrar o cano todinho...quebrou minha
cabeça...foi bater minha cabeça contra a parede...teve um momento que eu
desmaiei...eu tava com vinte e tantos anos...
insegurança gerada pelos abusos psicológicos se estendia às situações escolares, fazendo com
Auto-agressão
diante de qualquer situação indesejável e principalmente as mais difíceis para seu ego, se
Ela fala das auto-agressões como forma de “aliviar-se” da carga egóica, como se ela
(...) quando a gente se cortava (com C), o tanto que era bom a gente se
cortando!...quando a gente está se cortando a gente não sente dor, a gente sente uma
coisa tão boa, uma coisa gostosa!...a gente tem vontade de machucar a si mesmo, não
sei por quê...(...)
A única pessoa que eu feri, machuquei, fisicamente, foi meu ex-marido! (...) Eu me
senti um monstro...eu só bati nele porque ele me havia batido...me machucado...ele
brigou, veio para cima de mim, me bater...Mas depois fiquei arrependida...(...)
Fantasias
As fantasias de Laura quanto aos fatores de agressão são mórbidas, possivelmente para
fazer morrer simbolicamente essa pessoa que se tornou e as angústias que isso representa;
essa pessoa da qual quer se livrar, mas que, paradoxalmente, alimenta diuturnamente.
(planos suicidas com amiga suicida) ...Nós éramos muito amigas! A nossa conversa
era sempre sobre morte. A gente nunca falava em outra coisa. Sempre falava como a
gente ia se matar, como a gente ia morrer...(...) duas semanas antes dela morrer, eu
162
tinha pegado uma gilette e cortado meu pescoço..(...) não aconteceu nada de ruim,
não, foi aquela vontade de me cortar...em vez de eu cortar os pulsos, eu resolvi cortar
o pescoço...
A gente falava como a gente queria morrer (...) Já pensou a gente entrando debaixo
daquele caminhoneiro em alta velocidade? ninguém se machucava, só nos duas!
Saindo o espírito e a página no jornal: ônibus do Instituto (ISM ) bate e morre duas
pacientes, L. e C.
O peso dos fatores traumáticos na vida de Laura faz com que ela evite qualquer forma
de revivescência desse passado (ela vive os efeitos dele), ainda que em scripts de cinema. Ver
determinados filmes (por exemplo) é ver-se neles e ela não suportaria as sensações surgidas
nem na imaginação.
(Sobre o filme “A cor púrpura”, passado no HSVP) Eu saí e não queria ver de jeito
nenhum! (...) eu entrei num desespero tão grande!
qual vive (na situação da entrevista para este trabalho), ela demonstra seus cuidados com a
Fiz o máximo para que eu não chorasse...porque é muito dolorido! Mexe muito
comigo, também, né? Esta noite (penúltimo dia da entrevista em julho de 2007), eu
dormi mas tendo todos os pesadelos de tudo que nós mexemos aqui...
Não sabe lidar muito bem com a figura do pai; evita sua presença, mas não tem uma
posição definida e definitiva que lhe dê tranquilidade e resolva de uma vez por todas o
(ausência do pai na família) (...) me deixaria mais aliviada mas... é uma coisa assim
que eu não consigo explicar.
Agora em relação a meu pai, eu não falo com ele...eu falo com ele, assim, de vez em
quando, quando minha vai lá de carro, porque eu tenho medo dele!
163
acolhedor: o pai. Por isso ela não quer relacionamentos com negros (mesmo os
homossexuais), porque busca alguém (mesmo mulher) que lhe dê, de certa forma, o que nunca
recebeu do pai.
Tenho muita mania de limpar...a casa, direto...Tenho uma mania de tomar banho! (...)
Vou tomar banho várias vezes! Meu banho é um banho de mais de 1 h! Eu me esfrego
muito! ...como se eu estivesse, me sentisse, ainda suja...fico mais de 1 h no chuveiro,
esfregando, esfregando, esfregando...o sabonete não dura uma semana...(...) Chega a
ficar ardendo!
164
Capítulo V
Neste capítulo, são considerados aspectos teóricos apontados pela Psiquiatria e pela
Psicanálise nos dois casos investigados, em relação aos indicadores dos respectivos campos
teóricos.
Pesquisadores atuais como Maj, Akiskal, Lopez-Ibor & cols. (2000) lutam para
responder, com consistência, se o portador de TPB seria ou não uma apresentação clínica do
há décadas, defendida por pesquisadores como Maj, Akiskal, Lopez-Ibor & cols. (2000);
Lopes, Skaf, Câmara & cols. (2002); Magill (2004); Lara (2004); Berk, Moss, Dodd (2005);
Yudofsky & Hales (2006), que apontam históricos de episódios espontâneos de mania ou de
O primeiro episódio bipolar costuma ter uma evolução lenta, com sintomas depressivos,
hipomaníacos, maníacos ou mistos, com ou sem psicose; por isso, o diagnóstico correto é
familiares é essencial, uma vez que essa ocorrência é freqüente (Berck, Moss, Dodd & cols.,
2005).
diferencial entre o TPB e o TEBH tornou-se mais difícil. Isso é explicado de duas formas: 1)
os pacientes acometidos precocemente por TBH e TPB teriam uma predisposição genética a
transtornos de personalidade (Maj, Akiskal, Lopez-Ibor & cols., 2000; Magill, 2004; Lara,
2004).
Pesquisadores como Lara (2004) e Akiskal (citado por Magill, 2004) postulam que
bipolar do humor. Além disso, diversas comorbidades podem se apresentar com sintomas
ciclotímicos.
Para Maj, Akiskal, Lopez-Ibor & cols. (2000), o espectro bipolar do humor agrega oito
depressão com hipomania protaída; II) depressão com episódios hipomaníacos discretos
proeminente em associação com abuso de álcool e/ou outras substâncias; IV) depressão
superposta a hipertimia.
Estudos realizados nos Estados Unidos (2000) e na Austrália (2003) foram conclusivos
em relação a certas incorreções diagnósticas: pacientes bipolares tinham levado até 10 anos
para ser corretamente classificados, e quase metade deles, inicialmente, era diagnosticada
Moss, Dodd & cols., 2005). Para atenuar o risco de diagnósticos incorretos, esses autores
apresentações bipolares.
166
Segundo Lara (2004), a avaliação diagnóstica deve incluir: a síndrome; curso dos
genéticos de risco e fatos que aumentem a chance de ocorrer algum evento; fatores de risco
Carneiro & Ferreira (2004) explicaram que a sintomatologia desse transtorno inclui
dos impulsos, outros da personalidade. Mas, em geral, os pacientes não saíram totalmente do
estado considerado normal para ser enquadrados em tais classificações, a não ser que
Laura são instáveis e impulsivas desde a infância, apresentando oscilações de humor, atos
Pesquisadores como Skodol, Siever, Livesley & cols. (2002); Kapczinsky, Quevedo e
No caso de Márcia, há vários familiares com transtornos mentais, como: pai alcoolista,
uma tia esquizofrênica, tios e primos com transtornos de humor e casos de suicídio. Como a
paciente Laura não teve contato com familiares paternos, ela não soube informar se havia
casos neuropsiquiátricos entre eles. O pai dela sendo pedófilo e alcoolista traz subsídios para
ser portador de transtorno de personalidade, e a mãe demonstra ter sido traumatizada, tanto
167
em relação ao marido, quanto ao fato de ter perdido dois filhos pequenos, que morreram
outras pessoas está presente em Márcia, enquanto em Laura, está mais voltada para auto-
agressão, tendo citado apenas um período que trocava agressões com o primeiro companheiro.
Como relatado por Lopes, Skaf, Câmara & cols. (2002), sujeitos com história de
Laura.
Na história psiquiátrica das duas, ficou evidente que, desde a infância, houve,
excessivamente comprimidos desde os sete anos de idade, e Laura relatou várias tentativas de
auto-extermínio, a partir dos 12 anos, imediatamente após sofrer penetração sexual do pai. Na
anos, quando morou com a professora, e vai se repetindo até a idade adulta, às vezes
alcoólica grave, com agressões a outras pessoas e com o prejuízo em várias áreas de sua vida.
negativas, mas sua agressividade está voltada para si, quando tenta se ferir gravemente.
que o paciente é portador do transtorno afetivo bipolar (CID10, 1993) ou bipolar (DSM-IV-
TR, 2003). A CID10 exclui dos critérios diagnósticos a presença de hipertiroidismo, anorexia
nervosa e/ou depressão agitada (comum em idosos). Por outro lado, o DSM-IV-TR ratifica
que não devem ser diagnosticados como bipolares pacientes apresentando sintomas que
bipolar (DSM-IV-TR, 2003) quadros em que há, no curso da doença, no mínimo, um episódio
de hipomania ou mania (com ou sem sintomas psicóticos) ser suficiente para o diagnóstico de
bipolaridade, tal como inserido na definição de espectro bipolar do humor e defendido por
dos exames do estado mental, das escalas EAM-m e BDI, a entrevista psicológica e o teste de
Os dados obtidos através das escalas foram positivos para oscilações de humor, que
variaram de eutimia até mania, com sintomas psicóticos nas duas pacientes. Márcia obteve
quatro avaliações positivas para o episódio maníaco, nos dias 1, 2, 3 e 5 da pesquisa. Esses
do seu estado mórbido revelam uma alteração mista de humor, às vezes associada a fatores
Kapczinsky, Quevedo & Izquierdo (2004); Bussato Filho (2006); Yudofsky & Hales (2006).
precisamente, nos dias 3, 4 e 6 da pesquisa. Ficou patente que ela tem maior reatividade
descrita em pacientes com instabilidade afetiva e impulsividade, como postula a maioria dos
pesquisadores dessas alterações (Kaplan & Sadock, 1999; Lopes, Skaf, Câmara & cols., 2002;
170
Dal’Pizol, Lima, Ferreira & cols., 2003; Kapczinsky, Quevedo & Izquierdo, 2004; Yudofsky
personalidade (Maj, Akiskal, Lopez-Ibor & cols. (2000); DSM-IV-TR (2003); Lara, (2004).
A escala BDI, aplicada nos meses de outubro e novembro de 2007, constatou que as
Márcia apresentou esses sintomas no período que coincidiu com o fim da pesquisa e
retorno ao isolamento social no qual vive. Laura, apesar de ter alguns relacionamentos,
motivou-a para seu sonho de trabalhar em prol das pessoas que sofreram ou sofrem de abuso.
Na última aplicação da BDI, em Laura, havia uma falta de correspondência entre o que ela
relação à pesquisadora. Isso poderia ser explicado pela maior reatividade ambiental que
apresenta quando comparada à Márcia, como postulam estudiosos do humor (Maj, Akiskal,
Lopes Ibor & cols., 2000; Lara, 2004; Yudofsky & Hales, 2006).
sintomas que foram surgindo ao longo dos anos de suas vidas e iniciados com fatores
são responsáveis pela precipitação, pelo agravamento e pela manutenção dos transtornos
Autores como Golier, Yehuda, Bierer & cols. (2003), Kapczinsky, Quevedo &
No caso Márcia, observa-se que desde os três anos de idade, ela tinha lembranças
desagradáveis de conflitos entre seus pais, que culminaram com a primeira separação deles.
Mesmo sem a presença do pai, sofreu abusos psicológicos de colegas da escola e evoluiu com
sintomas depressivos que, aos sete anos de idade, se manifestavam em tentativas de auto-
extermínio, como ingestão excessiva de fármacos. Entre os 11 e 12 anos, sofreu novos abusos
morais e psicológicos por parte do pai, que a levava para bares onde bebia com alcoolistas.
Tornou-se alcoolista aos 12 anos, o que, na idade adulta, somado às oscilações humorais,
Laura foi abusada sexualmente pelo pai, dos 5 aos 15 anos de idade, e fisica,
psicológica e moralmente pela mãe até a idade adulta. Essa paciente deprimia após os abusos
paterno e materno e, não raro, tentava suicídio. Cresceu isolada dos outros, desconfiada, com
revivescência dos fatores traumáticos, com humor depressivo, ideações de menos-valia, morte
sofridos por elas ocorreram antes dos seis anos de idade e se prolongaram até a idade adulta,
com atos praticados por um dos pais ou pelos dois, sendo cumulativos ao longo do tempo
vital de cada uma. Pode-se considerar que os abusos contra essas pacientes foram graves e
ir trabalhar acompanhada da genitora por medo das outras pessoas. Esse medo evoluiu do
delírio de auto-referência, na faculdade, até trancar-se em casa, achando que algo ruim iria lhe
estar grávida (sintomas compatíveis com a gestação e a lactação) e a certeza de estar com a
pele suja, necessitando banhar-se por muito tempo para ficar limpa.
transtornos mentais, não necessariamente com quadros psicóticos crônicos. Pode ser
indicassem quadros organocerebrais primários que, por sua vez, justificassem o quadro
psíquico das duas pacientes. Porém, o SPECT das pacientes demonstrou alterações
perfusionais, funcionais.
173
difusa, mais acentuada nas regiões órbito-frontais, e discreta hiperperfusão relativa da porção
anterior do giro do cíngulo. Esses achados são compatíveis com hipoativação cerebral e
Kapczinsky, Quevedo & Izquierdo (2004), Yudofsky & Hales (2006) seus sintomas ansiosos,
acordo com Kaplan & Sadock (1999), reflete níveis altos de ansiedade, de depressão e de
afirma Bussato Filho (2006), o que explicaria o alto limiar à dor física que essas pacientes
apresentam, durante a prática de autolesões e até justificadas como um grande alívio à dor
ainda não muito organizado e demasiado imaturo no plano da adaptação e das defesas”
desinvestimentos, cobrindo grande parte de sua vida adulta. Constitui o que Bergeret
Esse tronco não constitui uma verdadeira estrutura, pois não tem os benefícios da
solidez definitiva das organizações realmente estruturadas. Ele fica em uma situação
ordenada, mas não fixada, funcionando como um estatuto provisório, mesmo que se mantenha
sem grandes alterações durante um período longo. Nesse arranjo, há um grande esforço do
ego para permanecer distante da estrutura psicótica, superada, e da neurótica, não atingida
Para esta discussão, foi utilizado o arranjo organizacional borderline apresentado por
clivagem e a forclusão;
- natureza das relações objetais: no arranjo borderline, como o ego não consegue
inclusive pode ocorrer sob forma de identificação com o agressor. Há uma luta
constante contra a depressão que pode ocorrer ante a perda de fato e a imaginária;
175
- imagem de si: desfocada pela perturbação da identidade, com forte instabilidade que
constrangedora e está localizada próxima da recusa do sexo feminino. O que precisa ser
mecanismos de defesa. A clivagem, conforme Kernberg, Selzer, Koenigsberg & cols.. (1991),
primitivas do ego.
objeto, porém com uma inversão entre elas: enquanto Márcia tem na mãe sua introjeção
positiva e no pai a ameaça, Laura tem no pai uma breve introjeção positiva, descarregando na
mecanismo de defesa típico dos estados limítrofes os quais seriam arranjos intermediários
desorganizador precoce foi responsável pela deformação do ego para fugir da depressão pela
perda do objeto (a mãe) e defender-se da clivagem do ego. Uma parte de seu ego permanece
com introjeção positiva (o objeto bom: a mãe) e rejeita o objeto externo frustrante e
ameaçador (o pai). Essa clivagem objetal se manifesta, atualmente, em suas escolhas objetais
Márcia funciona, no mundo externo, em dois âmbitos: adaptativo (ego age livremente) e o
deformação do ego. A personalidade borderline necessita do objeto, ora para idolatrá-lo, ora
para odiá-lo, numa dominação do ideal de ego (Hegenberg, 2005). Ela desenvolve uma
devida a uma parte do ego estar organizada em volta de introjeções positivas e a outra rejeitar
nenhuma identifica o pai em sua função paterna. Na primeira, a falta dessa função
compromete sua identidade; ela reproduz (e reconhece) a violência paterna em suas relações
ela não aceita relações heterossexuais e com pessoas negras (o pai é negro), nem aceita que
Elas aboliram o pai simbolicamente, mas o têm presentes e de forma muito viva em
perturba a relação do sujeito com o outro, não permitindo que se estabeleça a troca entre eles.
Nas relações com o outro, terminam por limitar os relacionamentos, causando a desrealização
projetiva paterna. Laura chegou a uma interpretação delirante, quando a sensação abolida no
interior (o abuso sexual do pai), projetada exteriormente (relação com homens lhe traz a
figura do pai), volta desse exterior com a eclosão do real: a possibilidade de vir a criar o bebê
de sua irmã. Sente-se mãe, com sensações mescladas pelos sintomas de gravidez e de lactante.
Se todo homem lembra-a o pai e se ser mãe implica uma relação heterossexual (que ela não
egóicas. Ele não consegue ficar só e resolver-se; é um sujeito anaclítico, porque foi
parcialmente bloqueado em sua evolução, e tem necessidade de outro a seu lado, mesmo
pessoas específicas.
pensamento de perdê-la desencadeia delírios nos quais quer preservar seus objetos protetores
dos ataques de outros; tranca-se num quarto e faz suas necessidades fisiológicas em local
inadequado. Laura vem se apoiando na mãe da amiga que se suicidou, em lugar dessa (seu
apoio anterior), com a qual mantinha uma apoio anaclítico recíproco e mórbido.
paterna. O apoio nasce da identificação com o respectivo agressor, o pai, num processo que
tem origem na formação do ego ideal. Lagache (citado por Laplanche & Pontalis, 1995, p.
231) explica que nas demandas entre a criança e o adulto, “o sujeito identifica-se com o adulto
178
mesmo a sua abolição.” Márcia não só se identifica com o pai, como o imita e apóia-se em
sua representação, para manter seu status narcísico. Já o processo de Laura ocorre pela
denegação.
(Balone, 2005). Márcia manipula a tia, exercendo sobre ela sua onipotência, de forma direta,
quando exige receber um apoio do modo e na proporção que deseja. Laura manipula de forma
depressivo. Perder o objeto anaclítico, que funciona como seu ego auxiliar, leva o borderline
aniquilamento para seu ego. O borderline acredita que investir em uma relação com o outro
drogas, bulimia e outros. Na área das vivências internas, distúrbios geralmente associados à
diferença na forma como cada uma age nesse sentido. Márcia declara sua impotência diante
pensando horários e entradas e saídas das pessoas, “escolhendo” a forma ideal. Laura também
age assim, mas suas fantasias em torno do suicídio são mais mórbidas; por ser mais
histriônica, também nesse aspecto seu “planejamento” tem ares de maior grandiosidade.
seu ego. Mas enquanto Márcia se auto-agride e agride as pessoas que estão próximas, Laura
Márcia e Laura têm uma imagem negativa de si, gerada possivelmente pela ausência da
relação triádica com os pais. Essa ausência é fundamental para a constituição da síndrome
borderline, que tem entre suas características a angústia como afeto único ou essencial,
entre eles a imagem de si, com reflexos no comportamento. Objetivos e preferências internas,
inclusive a sexual, geralmente são perturbadas e pouco claras, com sentimentos crônicos de
um vazio imenso.
Em Márcia, os estados de tensão foram provocados pelo pai durante toda a sua
infância; ele é seu objeto. Por isso, ela o idealiza para diminuir a dolorosa tensão provocada
por ele. Já os estados de tensão de Laura, apesar do pai, são mais provocados pela mãe, cuja
omissão (diante dos abusos do pai) e agressões físicas e psicológicas ainda são motivo de seu
investimento afetivo. O objeto de idealização de Laura é uma prima, que começou de baixo e
Quanto à desvalorização, para uma e para outra, o sentimento passa pela história pessoal
e pelas agressões físicas e psicológicas acumuladas durante a vida. Além disso, aspectos
relacionados à aparência física e às exigências do outro fazem com que elas se sintam pouco
investimento sempre direcionado à ferida narcísica fazem com que elas não se percebam
Nos casos bordelines, o fator traumático é reconhecido como um dos principais fatores
responsável pela clivagem. Freud (1918, citado por Laplanche & Pontalis, 1995) explicou a
clivagem provocada por esses traumas partindo de uma cena real ou fantasística, na qual a
criança sofre passivamente propostas ou manobras sexuais de adultos. A esse trauma segue-se
O trauma referido por Márcia, de natureza sexual, é relacionado ao pai e não a envolve
diretamente. Mas independente disso, o fato está presente em sua memória e é insistentemente
citado em seu relato. Outros traumas de natureza psicológica e física se estenderam ao longo
da infância e da adolescência.
181
O trauma de Laura é direto: sofreu abuso sexual do pai pervertido, dos 5 aos 15 anos.
Um acontecimento que sua idade não permitiu assimilar e comprometeu a formação de sua
sucessão de eventos: narcisismo, ideal de ego, ferida narcisista, vergonha, angústia de perda
forma a figura paterna (como já dito), numa repetição que ocorre devido às funções
estruturantes, defensivas e narcísicas desenvolvidas por elas, a partir do referido padrão. Para
estruturação.
Nessa estruturação, uma parte do ego fica em contato operatório com a realidade que
não incomoda, e a outra perde contato com essa realidade, principalmente com os aspectos
angustiantes, que podem reconstituir-se em delírios (Bergeret, 2006). Nem Márcia nem Laura
contaram com o apoio da mãe nessa fase. Elas ficaram expostas às condições violentas da
Winnicott chama de holding), como houve uma total omissão em relação aos traumas vividos
por elas.
Com a ausência da função materna (além da paterna), nos dois casos, elas não
desenvolveram um superego, até porque seu ego já vinha se deformando. As pulsões do ego
Márcia.
182
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No que tange aos objetivos deste trabalho - investigar, em pacientes com TPB, a
Bergeret (1998/2006) e sua relação com o transtorno do espectro bipolar do humor -, pode-se
dizer que os dados relativos às duas pacientes pesquisadas, analisados segundo a literatura
Por meio deles, pôde-se traçar não só uma resposta aos objetivos pretendidos,
o que também interessa a este trabalho, haja vista o seguinte: primeiro, a necessidade de uma
do TPB; segundo, a similaridade dos sintomas do TPB com o de outros transtornos, o que
qual, por si só, muitas vezes, não pode ser fornecido por instrumentos de uma área só.
pacientes, a existência de fatores como abusos dos pais, estressores traumáticos repetitivos
indicadores que permitem formular a hipótese de TPB. Há, nos dois casos relatados nesta
crônica.
construção da personalidade borderline. Se, por um lado, a Psiquiatria defende como fator
causal desse quadro uma interação genética e ambiental, por outro, a Psicanálise,
particularmente na visão de Bergeret (1998; 2006), parte da relação entre o trauma ocorrido
precocemente, causado pelos pais, para explicar a psicodinâmica do sujeito. Essa ocorre por
meio das defesas utilizadas, bem como de seus modos vinculares, das reações de perda do
Psiquiatria defende que há semelhanças entre o TPB e o TEBH, quando se utiliza a teoria
atual do espectro bipolar do humor. Já Bergeret (1998; 2006) busca explicação no que chama
de afetividade do TPB, originada do abuso, que gera uma trauma importante, responsável pela
A reação maníaca é uma defesa contra a depressão pela angústia de perda do objeto
anaclítico.
184
psíquicos, aliados aos dados trazidos pela história psiquiátrica, antecedentes sociais,
aplicações da EAM-m e BDI, foram fundamentais para que emergissem as síndromes de cada
ficou claro que não há um limite definido entre o TPB e o Transtorno Afetivo Bipolar (TAB),
quando se trata da presença de elevação de humor. Essas classificações defendem que para se
Por isso, a bipolaridade é melhor explicada por pesquisadores que postulam a presença
Barcelona.
interação entre trauma, fatores narcísicos, negligência das funções paterna e/ou materna,
edificação de defesas primitivas e regressões às ameaças de perda do objeto. Nessa visão, não
humor e o TPB. Para a Psicanálise, os episódios de humor no TPB são reações ao apoio ou
abandono objetal.
Em outro ponto do objetivo desta pesquisa, pelos dados obtidos e pela literatura
levantada, entendeu-se que ainda não se conhece muito sobre o TPB e sobre o espectro
bipolar do humor, para se poder afirmar que eles são entidades únicas ou integrantes de uma
e a psicoterapia (em suas diversas linhas) ajuda a diminuir o sofrimento dos portadores dessa
(s) patologia(s).
de sintomas psiquiátricos nas escalas aplicadas nas duas pacientes; no tratamento das
modernos desse construto), os achados permitiram inferir de forma específica que: 1) as duas
pacientes são portadoras de TPB, TEPT e TEBH; 2) a paciente Laura também satisfaz
EAM-m; 3) os abusos precursores dos traumas desorganizadores que essas pacientes sofreram
grande número de dados que poderão servir para diversos outros trabalhos sobre a relação do
TPB e o humor.
TPB e o TEBH, associar o TEPT com diversos quadros psiquiátricos, inclusive com o TPB e
depressividade angustiante pela perda do apoio anaclítico e confirmou, nas estudadas, que a
personalidade borderline não é estruturada e sim organizada pelas defesas orquestradas pela
Deseja-se que este trabalho possa contribuir para a realização de estudos sobre o tema
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ANEXOS
Anexo I A
Anexo I B
Anexo II
O intuito desta pesquisa é conhecer melhor o seu perfil psicológico, observando a sua
história de vida, bem como a história de seus antepassados, e outras informações que serão
colhidas no contexto da entrevista clínica, da aplicação de escalas psiquiátricas e da avaliação
psiquiátrica.
Você será entrevistada em dois encontros com duração de uma hora, e também
submetido a uma avaliação em outro encontro, num total de três encontros. As entrevistas e a
avaliação psicológica serão gravadas, para posteriormente, se realizar um estudo do material.
A avaliação psiquiátrica ocorrerá através de perguntas sobre sua vida, seus familiares, sua
doença psíquica e outras, escalas psiquiátricas (questionário sobre seus sintomas) e exames
complementares (laboratoriais sanguíneos e urinários, eletroencefalograma com mapeamento
cerebral, tomografia por emissão de fóton único – SPECT – ou tomografia por emissão de
pósitrons –PET), num total de seis encontros e um sétimo de devolução dos resultados.
estudo. Vale ressaltar que todas as informações colhidas pela pesquisadora não terão utilidade
para o processo e para fins judiciais.
Sua participação no estudo é voluntária. Você pode escolher não fazer parte dele, ou
desistir a qualquer momento. Você poderá ser solicitado a sair do estudo se não cumprir os
procedimentos previstos ou atender as exigências estipuladas. Você receberá uma via assinada
deste termo de consentimento.
Anexo III A
Avaliação psiquiátrica
Anexo III B
Características: coleta sutil do que não foi dito espontaneamente; sem intermediários
(pessoa, móveis); várias sessões (sem “conte-me” ou clima psicoterapêutico); relançar alguns
assuntos; deixar o paciente falar com liberdade.
Antecedentes pessoais do sujeito: Onde nasceu? Seus pais são oriundos de onde?Onde viveu
sucessivamente? Como se passou sua infância? Como foi sua adolescência? De que forma
transcorreram seus estudos? Houve dificuldades? Quais? Você tem dificuldades significativas
hoje em sua vida? Você tem desejos, planos significativos em sua vida hoje?
Relacionamentos familiares:
Pais: Como é sua relação com seus pais? Sempre foi assim, ou mudou ao longo do tempo?
Como foi essa mudança na relação com seus pais? Qual a influência que seus pais tem sobre
você? Você se sente apoiado por seus pais? De que forma você se sente apoiado por eles? Com
qual deles você acha que se parece mais? Gosta dessa semelhança ou não? Como é a relação
entre eles? Seus pais brigam ou brigavam, se agrediam verbal ou fisicamente? Na sua casa as coisas
eram tratadas com rigor ou severidade? Seus pais são separados? Quando aconteceu? De que
forma isso lhe afetou? Seus pais são vivos? Se não, quando faleceram? Como você lidou com
essa perda (falecimento)? Quanto tempo você levou para se recuperar dessa perda?
Irmãos: Você tem irmãos ou irmãs? Quantos? Qual é o seu lugar entre eles? São vivos ou
falecidos (de quê? em qual idade?) Como é sua relação com eles? Sempre foi assim, ou
mudou ao longo do tempo? Que tipos de mudanças ocorreram (proximidade, rupturas,
identificações)? Qual o impacto dessas relações afetivas na sua vida? Existem magoas,
agradecimentos, dificuldades?
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Outros: Com que freqüência você tem contato com outros familiares? Como você vê seu
relacionamento com outros membros da família? Algum desses relacionamentos com familiares é ou
foi abusivo (intrusão, abuso sexual, incesto, violência, exploração)? Com quem? O que sentiu depois?
Como você lida com esse evento hoje?
Relacionamentos amoroso (namorado, companheiro, esposo, ficante): Você já teve
relacionamentos afetivos? Você alguma vez já esteve profundamente apaixonado? Por quem? Esses
relacionamentos eram estáveis ou instáveis? Qual foi a duração? Quais e quantos foram estáveis? Quais
e quantos foram instáveis (enfocar nos relacionamentos longos e marcantes)?
Geralmente como são as aproximações (como se conheceram, se aproximaram)? Qual a
qualidade dessas relações (como qualifica o vínculo, a interação do casal)? Se teve
relacionamentos e não tem mais, como e porque terminou? Como você reagiu a esse termino?
Quanto tempo você levou para superar o fim do(s) relacionamento(s)? Atualmente você tem um
relacionamento amoroso com alguém? Como se conheceram? Como é essa relação? Você vê
alguma semelhança com o relacionamento de seus pais? Você gostaria que essa relação fosse
diferente em algum sentido? Como? Quais foram as transformação na relação do casal ao
longo do tempo? Houve ou há eventuais ligações fora do relacionamento (de um e de outro
lado)? Como foram vividas por cada um dos parceiros?
Relacionamento com filhos: Você tem filhos biológicos, adotivos ou enteados? Quantos e de
que idades? Com que frequência você tem contato com ele(s)? Foram desejados ou não?
Como é a relação com eles?
Relacionamentos de amizade: Quem são os seus amigos? Como você descreveria sua relação
com eles? Você tem amigos muito próximos que você confie? Você se sente a vontade de
recorrer a eles em seus momentos mais difíceis? Você se sente apoiado por seus amigos?
Como? Você gostaria que essas relações fossem diferentes em algum sentido? Em que
sentido? Você já vivenciou perda ou separação em relação à amizade? Como você lidou com
esse momento? Como isso afetou sua vida?
Trabalho, estudos e lazer: Você teve ou tem alguma atividade profissional, acadêmica,
comunitária, curso etc? Como são ou foram suas atividades de trabalho e de estudos? Há
quanto tempo você está nela? Ou há quanto tempo você está fora dela? O que você gosta
nessa atividade? O que você não gosta? Tem ou teve problemas na profissão, nos estudos?
Como é sua relação supervisores, colegas, subalternos? Como essas relações repercutem em
sua vida? Você tem atividades de lazer? Como são e com que freqüência você se envolve com
essas atividades? Você tem algum hobbie? (esportes, artes, música, teatro, dança...) Que
tipos? Tem grupos de lazer? Prefere estar só ou conviver com grupos? O que faria ou faz você
ficar afastado de atividades sociais?
Pré-genitalidade: Como você lida com suas vontades, desejos (necessidades) imediatas?
Como você assimila frustrações em relação a essas vontades, desejos ( necessidades)? Como
é seu apetite alimentar? Você se acha gordo? Você se acha magro? Alguma coisa no seu
corpo lhe incomoda? De que maneira isso lhe incomoda? Você já comeu ou come coisas que
não são consideradas alimentos? Que coisas? Qual a sensação que isso lhe traz? Você faz
alguma coisa para engordar ou emagrecer? Apresenta vômitos espontâneos ou provocados?
Faz ou já fez uso de laxativos e/ou diuréticos, sem prescrição médica? Como é sua digestão
(reter, eliminar, incômodos)? Você é meticuloso? Detalhista? Tenaz? Como é sua relação com
dinheiro e com limpeza? Gosta de ter controle sobre si e sobre os outros? Costuma masturbar-
se? Como é essa masturbação? (obsedante? Ausente? Banal? Bizarra?) Quais são suas
fantasias, durante esse ato?
Sexualidade: Qual era a sua idade quando teve sua primeira experiencia sexual? Como foi
essa experiencia? E com quem foi? Quantos parceiros sexuais você já teve? Quantos foram
casuais e quantos fixos? Qual a qualidade dos relacionamentos sexuais? Qual a natureza
desses relacionamentos (heterossexual, homossexual, bissexual, pansexual)? Você já se
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relacionou com mais de uma pessoa ao mesmo tempo? Com que frequência? Aonde elas se
passavam? Frequentava locais de troca de casais? Tinha ou tem relações sexuais em saunas?
Em outros lugares incomuns? Qual a sua satisfação ou insatisfação nesses relacionamentos?
Tem experiencia sexual com animais, com objetos, ou contatos sexuais incomuns (virtual,
etc...)? Você alguma vez sofreu abusos físicos, sexuais ou emocionais? Quem abusou de você?
Idade(s)? O que aconteceu? O que sentiu depois desse abuso? Como você integra esse evento em sua
vida atual?
Comportamentos de risco: Você praticou ou pratica auto ou heterolesão? Quais as
características disso? Qual a freqüência? O que geralmente te motiva a fazer isso? Como você
se sente na hora? Como você se sente depois? O que você pensa sobre isso? Você tem
descontrole de impulsos (Cleptomania, onicofagia, tricotilomania, tricotilofagia, etc...)? Você
teve ou tem idéias de morte ou planos suicidas? De que tipo? Como foram/são essas idéias?
Como foram os planos? Algum amigo seu já tentou suicídio ou já se matou? Era amigo
próximo ou distante? Como você vivenciou esse momento? Alguém de sua família já tentou
ou cometeu suicídio? Quem foi? Como era sua relação com essa pessoa? Como você reagiu a
esse evento? Você já foi internado por tentativa de suicídio? Quantas vezes? Como foram
essas tentativas? Você conversou com alguém sobre seus pensamentos e/ ou planos de morte?
Com quem? Como você se sentiu conversando sobre isso com essa pessoa?
Imagem de si e idealizações: Como você se descreveria? Como você gostaria de ser? Você
mudaria alguma coisa em você? O que? Por quê? Tem alguma pessoa das suas relações que se
identifica e gostaria de ser igual? Por que? Você acha que seus pais traçaram um plano de
vida ideal para você? Houve frustrações em relação a esses planos? Como seus pais lidavam
com as frustrações desses planos? Como você lidava com as frustrações dos planos dos seus
pais em relação a si? Você percebia-os como grandiosos, poderosos? Eles exigiam que você
fizesse o que eles queriam em troca de recompensas futuras? Você acha que suas expectativas
em relação as pessoas importantes para você são correspondidas? Seus sentimentos em
relação as pessoas importantes para você são constantes, se alternam ou são contraditórios?
Como você reage quando a pessoa que lhe apóia ameaça ir embora da sua vida? Geralmente,
você tenta manter algum controle sobre as pessoas importantes da sua vida? Como? Por que?
Capacidade de enfrentamento: Quais têm sido os principais desafios ou dificuldades que
você tem vivido ultimamente? Como você geralmente se sente e reage diante de dificuldades?
Como você se sente e reage quando as coisas não saem do jeito que você deseja em sua vida?
O que você tenta ou faz para resolver os problemas difíceis com os quais se defronta? Como
você lida com suas frustrações e fracassos? Como você lida com as frustrações e fracassos dos
outros em relação a você? Você tem alguma religião ou participa de algum ritual religioso?
Qual o papel da religião em seus momentos difíceis? Você tem alguma pessoa em que confie
ou que funciona para você como apoio? Quem é essa pessoa por quem você se sente apoiado?
Qual é a sua dependência dela para tomar decisões? Se você não tiver apoio na hora que
precisa, como você reage?
Finalização da entrevista: Quais são seus planos e expectativas para o futuro? Como você se
sente diante desses planos e expectativas? O que gostaria de dizer, além disso?
Anexo IV A
Escala EAM-m
ITEM Graus
1.Humor e afetos elevados: Este item compreende (0) Ausência de elevação
uma sensação difusa e prolongada, subjetivamente (1) Discreto ou possivemente aumentados
experimentada e relatada pelo individuo, caracterizada quando questionado
por sensação de bem-estar, alegria, otimismo, (2) Relato subjetivo de aumento; otimista,
confiança e ânimo. Pode haver um afeto expansivo, ou alegre; afeto apropriado ao conteúdo do
seja, uma expressão dos sentimentos exagerada ou pensamento
sem limites, associada à intensa relaçãoncom (3) Afeto elevado ou inapropriado ao
sentimentos de grandeza (euforia). O humor pode ou conteúdo do pensamento; jocoso
não ser congruente ao conteúdo do pensamento. (4) Eufórico;risos inadequados, cantando
(X) Não avaliado
Anexo IV B