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VARIABILIDADE DA PRECIPITAÇÃO EM BACIAS HIDROGRÁFICAS NO

SEMIÁRIDO: UMA ANÁLISE ESPAÇO TEMPORAL


Janaina Maria Oliveira de Assis, Geógrafa, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Claudia Ricardo de Oliveira, Engenheira Agrícola e Ambiental, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Werônica Meira de Souza, Metereologista, Unidade Acadêmica de Garanhuns – UAG/UFRPE e Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE)
Maria do Carmo Sobra, Engenheira Civil, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

Palavras para índice remissivo:precipitação,bacias hidrográficas, extremos climáticos, semiárido.

1. INTRODUÇÃO

A preocupação com o gerenciamento dos recursos hídricos é crescente em diversas


regiões do planeta, principalmente aquelas que dependem essencialmente desse recurso para
atender os usos múltiplos requeridos. Estes dados são comprovados através de estudos sobre
os recursos hídricos na região Nordeste do Brasil, assim como também podem ser verificados
nas diminuições de vazões dos reservatórios, disponível no banco de dados da Agência
Nacional de Águas (ANA). De acordo com Tundisi (2003), os vários usos múltiplos da água
e as permanentes necessidades de água para fazer frente ao crescimento populacional e às
demandas industriais e agrícolas têm gerado permanente pressão sobre os recursos hídricos
superficiais e subterrâneos.Dentre as regiões submetidas a cenários de escassez de água se
destaca a região semiárida do Nordeste do Brasil, onde as taxas de evapotranspiração são
elevadas e a distribuição irregular da precipitação é marcada por sua variabilidade espaço
temporal, permitindo a ocorrência de períodos prolongados de estiagens, e acentuando os
déficits hídricos.
Vários são os estudos científicos que apontam para o aquecimento das zonas
semiáridas ao longo deste século. Em estudos abrangentes desenvolvidos pelo NAE (2005),
Kayanoe Andreoli (2009) e Marengo (2009), discutem a vulnerabilidade do semiárido aos
extremos da variabilidade de clima e suas mudanças. Já estudos de Ambrizzi et al., 2007;
Marengo et al., 2009; Obregon e Marengo, 2007, destacam as principais tendências climáticas
observadas no clima atual para a América do Sul e fazem também análises dos cenários
climáticos previstos pelos modelos do IPCC para os cenários de altas e baixas emissões. Em
estudo um pouco mais recente, do Relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas
(PBMC, 2014), identificou-se a probabilidade de o semiárido Nordestino ter um aumento de
temperatura em torno de 3ºC até o fim do século.

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Tal aquecimento tende a acentuar eventos extremos, tanto de secas quanto de chuvas
intensas requerendo, assim, políticas públicas e diretrizes voltadas a um planejamento mais
amplo e a um fortalecimento de ações participativas para controle, monitoramento e alerta,
tendo em vista o cenário atual de variabilidade do clima.
Para analisar as variabilidades climáticas e as mudanças climáticas sobre o Nordeste
do Brasil, é importante identificar os processos que influenciam o padrão das distribuições
pluviométricas, tanto espacial quanto temporal. Um fator relevante a ser destacado nesse
contexto, é a irregularidade na distribuição dos índices pluviométricos, associado à alta
variabilidade interanual da precipitação na região tropical, com anos secos e outros chuvosos.
Em estudo de Assis, Sobral e Souza (2012) foi identificada tendência média de
diminuição para a precipitação e aumento do número de dias secos consecutivos em bacias
hidrográficas do semiárido de Pernambuco, por meio de metodologia recomendada pela
Organização Mundial de Meteorologia (OMM).
Uma avaliação importante para a gestão das águas é o conhecimento das séries
históricas de dados hidro climáticos, estas informações podem direcionar ações de mitigação
dos efeitos do fenômeno climático sobre as comunidades e as atividades econômicas por elas
desenvolvidas, de maneira mais efetiva. Além dos estudos visando medir as intensidades e
períodos de duração, a frequência dos eventos de estiagem pode indicar áreas preferenciais ou
de recorrência do fenômeno.
Neste sentido, Tsakiris et al. (2007) afirmam que vários métodos têm sido propostos
para a identificação, quantificação e controle dos fenômenos de estiagem ou secas. Os mais
conhecidos são os índices de seca, que se configuram em combinações especiais de
indicadores que abrangem dados meteorológicos e hidrológicos. Os índices de seca são
elementos importantes e úteis para o monitoramento e avaliação das secas, uma vez que
simplificam as inter-relações complexas entre muitos parâmetros relacionados com o clima.
Os índices facilitam a comunicação de informações sobre anomalias climáticas para
diversos públicos de usuários e permitem aos cientistas avaliar quantitativamente anomalias
climáticas em termos de sua intensidade, período de duração, extensão espacial e frequência.
Isso permite analisar eventos históricos de secas e sua probabilidade de recorrência
Atualmente, existem diversos índices climáticos que podem ser utilizados para
explicar a ocorrência de tendências e variabilidades de séries históricas climáticas, como o
Rainfall Anomaly Index (RAI), que é uma metodologia que vem sendo aplicada e difundida
no Nordeste do Brasil para caracterizar os períodos extremos (secos e chuvosos) e pode ser

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utilizado para quantificar o déficit e/ou excesso de precipitação nas múltiplas escalas de
tempo. Esta metodologia foi inicialmente desenvolvida por Rooy, 1965 e adaptada para o
Nordeste do Brasil por Freitas, 2005.
O RAI tem se mostrado bastante útil no monitoramento da precipitação,
principalmente pela sua flexibilidade, precisão de cálculo e interpretação.
O RAI tem se mostrado uma ferramenta de fundamental importância para a análise das
séries de precipitação, sendo considerada de fácil aplicação procedimental, devido aos
recursos computacionais e à determinação qualitativa das anomalias. Este método pode ainda
ser aplicado como ferramenta para o acompanhamento dos estudos climáticos de determinada
localidade ou região, monitorando, gerando diagnósticos e prognósticos climáticos.
Os estudos sobre as precipitações nos últimos anos em escalas menores, locais e
regionais têm sido responsáveis pelo aumento na publicação e divulgação dos trabalhos
científicos relacionado às mudanças climáticas, principalmente na área ligada aos eventos
extremos e às anomalias (Marengo, 2007). Lacerda et al. (2016), em estudo para o município
de Araripina, semiárido pernambucano, mostrou bem essa espacialização, em menor escala,
para determinar as tendências de mudanças locais do clima. Para isso os autores identificaram
uma redução da precipitação, indicando tendência à aridização na região. Estes resultados
servem como base para outras pesquisas em escalas locais e regionais, sobretudo em regiões
semiáridas, objeto de estudo deste trabalho.
Em escala temporal, observa-se que a aplicação do RAI tem gerado cada vez mais
resultados robustos, que auxiliam nos estudos sobre as mudanças e variabilidades climáticas,
principalmente associadas às anomalias da precipitação pluviométrica. Estes estudos a nível
de bacias e microbacias hidrográficas estão cada vez mais frequentes, como é o caso do estudo
para a micro bacia de Santa Maria/Cambiocó, no estado do Rio de Janeiro, que analisou os
dados climáticos da área por um período de 10 anos, entretanto não constatando alteração de
tendência do regime pluviométrico (Noronha et al., 2016). Já Medeiros et al. (2014), em
estudo para a bacia hidrográfica do Córrego da Moeda, RS, concluíram que ocorreram mais
períodos secos do que chuvosos.
Este trabalho buscou avaliar a intensidade da anomalia do regime de chuva na bacia
hidrográfica do rio Pajeú, localizada na região semiárida do nordeste do Brasil, utilizando o
Rainfall Anomaly Index – RAI. Neste contexto, foi analisada a variabilidade espaço-temporal
e a intensidade da precipitação, durante o período de 1966 a 2016, identificando as tendências
dos valores de RAI que possam ser justificadas por eventuais impactos de mudanças

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climáticas. Foi utilizado o período de dados de 50 anos (1966 a 2016) em função da
disponibilidade temporal dos postos pluviométricos na área de estudo, que tem que ser do
mesmo período. Para apresentar resultados robustos e confiáveis, os dados climáticos
precisam ter histórico de no mínimo 30 anos.

2. ÍNDICES CLIMÁTICOS DE PRECIPITAÇÃO PLUVIOMÉTRICA

Baseado na precipitação irregular, característica de regiões semiáridas, é necessário


realizar um monitoramento através de índices climáticos, uma vez que, através deles se pode
desenvolver um sistema de acompanhamento das características dos períodos secos ou
chuvosos, com informações anuais ou mensais, com as quais se pode conhecer intensamente
a climatologia de uma determinada região e verificar os impactos que o clima causa sobre a
distribuição pluviométrica, através da regionalização da precipitação (Araújo et al.,2009a)
Rainfall Anomaly Index (RAI) é um cálculo que tem sido muito utilizado e expandido
na Região Nordeste do Brasil, uma vez que tem por função caracterizar os períodos extremos
secos e chuvosos e a intensidade desses eventos tanto em escala temporal como em escala
espacial. Um ponto decisivo na utilização de um índice como esse, assim como de qualquer
outro índice climático, se dá na escolha do patamar a ser estabelecido para a definição de um
período de seca. Nesse sentido, Freitas (2004 e 2005), observou que com base no mesmo é
possível fazer uma comparação das condições atuais de precipitação em relação aos valores
históricos, servindo ainda para avaliar a distribuição espacial do evento, consoante sua
intensidade.
Diante desse fator, a aplicação do RAI tem se mostrado uma ferramenta de
fundamental importância para a análise das séries de precipitação, sendo considerada de fácil
aplicação procedimental, devido aos recursos computacionais e à determinação qualitativa das
anomalias. O RAI pode ainda ser aplicado como ferramenta para o acompanhamento dos
estudos climáticos de determinada localidade ou região, monitorando, gerando diagnósticos e
prognósticos climáticos.
Em escala temporal, observa-se que a aplicação do RAI tem gerado cada vez mais
resultados robustos, que auxiliam nos estudos sobre as mudanças e variabilidades climáticas,
principalmente associadas às anomalias da precipitação pluviométrica. Em aplicação na bacia
hidrográfica do rio Mundaú, Silva, Souza e Cayano (2009) buscavam identificar o
comportamento da precipitação, através de análise do RAI no período de 1955 a 1991. Os
resultados mostraram que o ano de 1974 foi considerado o ponto de desvio em relação às
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chuvas na bacia. Antes de 1974 ocorreram mais anos chuvosos e após 1974 houve a inversão,
com a predominância de anos secos em relação aos anos chuvosos.
Silva Junior et. al., (2011) utilizaram o RAI na microrregião do Gurupi – TO, no
período entre 1974 a 2006, utilizando cinco estações pluviométricas, com o intuito de observar
a variabilidade pluviométrica na região. Os resultados mostraram a ocorrência de grande
variabilidade pluviométrica regional, onde foram analisados eventos classificados como muito
secos durante oito anos consecutivos, entre 1988 a 2003.
Do mesmo modo, Marcuzzo, Melo e Rocha (2011), em estudo para o Mato Grosso, no
período de 1977 a 2006 utilizou o RAI para analisar a variação espaço-temporal da
precipitação pluviométrica. Os resultados mostraram que houve a predominância de anos
secos em relação aos anos úmidos, com os índices negativos mais representativos na década
de 1990.
Em estudo para a região metropolitana de Fortaleza, Silva et al. (2012) utilizou o RAI
como ferramenta de análise para verificar a influência do fenômeno ENOS e da ODP
(Oscilação Decadal do Pacífico) na variabilidade das chuvas. Os resultados mostraram que a
associação de fases quentes e frias do ENOS e da ODP promoveram diminuição e aumento,
respectivamente, das chuvas para a área de estudo.
Sanches et al. (2014), em estudo sobre o RAI para o município de Alegrete, RS no
período de 1928 a 2009, faz uma comparação entre os índices, tanto positivos quanto
negativos, e os anos sob ação dos fenômenos El Niño e La Niña. Comparando-se os anos sob
influência desses fenômenos com os valores do RAI, verificou-se que houve maior
correspondência com os anos sob efeito de El Niño.
O RAI mostra bons resultados de estudos também fora do Brasil, Segundo Chechi e
Sanches (2013), ao analisar o Alto Uruguai gaúcho, no período entre 1957 a 2012, analisaram
o comportamento do fenômeno ENOS utilizando o RAI como método de análise. Os
resultados mostraram que o EL Niño atuou com maior frequência em relação ao La Niña.

3. CARACTERÍSTICAS CLIMÁTICAS DO SEMIÁRIDO

As regiões semiáridas já trazem intrínsecas à sua natureza a marca da escassez hídrica.


Do ponto de vista climático, o significado de semiárido provém da classificação do clima de
Thornthwaite (Ayoade, 1988) que o definiu em função do Índice de Aridez (IA), que é
reconhecido como a razão entre a precipitação e a evapotranspiração potencial, que calcula a
diferença entre a quantidade de chuva e a perda de água do sistema. Este Índice de Aridez foi
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aplicado no Plano de Ação de Combate à Desertificação das Nações Unidas (MATALLO
JÚNIOR, 2003), além de demarcar a nova região semiárida brasileira (BRASIL, 2005) e
delimitar as áreas que integram o Polígono das Secas no país. A Tabela 1 apresenta a faixa do
índice de aridez para diversos climas da terra.

ÍNDICE DE ARIDEZ CLASSIFICAÇÃO


IA < 0,05 Hiperárido
0,05 < IA < 0,20 Árido
0,20 < IA < 0,50 Semiárido
0,50 IA < 0,65 Subúmido seco
0,65 <IA < 1,00 Subúmido úmido
IA >1,00 úmido

A paisagem da porção semiárida brasileira é dominada pelo bioma caatinga, que


abrange grande parte da região Nordeste do Brasil e possui grande biodiversidade, com mais
de 600 espécies identificadas. O semiárido brasileiro possui localização anômala em relação
aos ambientes de climas áridos e semiáridos tropicais e subtropicais da terra (Ab´Saber, 1974).
Estudo realizado pela FUNCEME (Fundação Cearense de Meteorologia) e o Banco do
Nordeste do Brasil - BNB (2005) identificou sete unidades geossistêmicas no semiárido
brasileiro, com área total de 853 mil km2. Entre essas unidades a depressão sertaneja ocupa
quase 50% da área. A marca da região semiárida é a heterogeneidade de seus geoambientes
ou de suas paisagens.
A delimitação do semiárido encontra outras definições, além da apresentada pela
FUNCEME. O Ministério da Integração Nacional definiu, em 2005 (MI, 2005), uma nova
delimitação do semiárido brasileiro a partir de três critérios técnicos:

− precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 mm;


− índice de aridez de até 0,5 calculado pelo balanço hídrico, que relaciona as
precipitações e a evapotranspiração potencial, no período entre 1961 e 1990;
− risco de seca maior que 60% tomando-se por base o período entre 1970 e 1990.

Em referência a esta classificação, o semiárido brasileiro passou a abranger mais de


10% do território nacional, abrangendo mais de 1.000 municípios, localizados em dez estados
da Federação (Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas,
Sergipe, Bahia e Minas Gerais). Uma questão importante é a afirmação de que a escassez
hídrica e a heterogeneidade espacial são características que marcam a região semiárida

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brasileira. Dessa forma, a ocorrência da água e sua apropriação pela sociedade são centrais
para o entendimento da dinâmica da natureza e da sociedade desta região.
A disponibilidade da água no semiárido é marcada por sua grande variabilidade
espacial e temporal. As precipitações são de verão (dezembro-fevereiro) e de outono (março-
maio), tendo o sul do semiárido nordestino maior precipitação de verão e a parcela
setentrional, precipitações de outono. Este regime de chuvas ocorre sob pronunciada
sazonalidade, com a precipitação ocorrendo praticamente em um período do ano, de forma
concentrada dentro da quadra chuvosa. Este regime de chuvas sobre os solos rasos do
cristalino na depressão sertaneja impõe a existência de rios intermitentes em diversas regiões.
Adicionalmente, ocorre uma significativa variabilidade interanual que impõem secas e cheias
severas, sobreposta à variabilidade decadal que produz sequencias de anos secos ou úmidos.
Todos esses fatores são cruciais para inferir a necessidade hídrica do semiárido
brasileiro, segundo Sobral e Barretto (2010), o sistema hidrológico no semiárido do Nordeste
brasileiro subordina-se a diferentes fatores, dentre eles estão a intermitência dos rios, a
variabilidade e tendências das condições climáticas, os tipos de solo, as condições culturais
de uso da terra e implementação deficiente de políticas públicas específicas, entre outros. Para
Barretto (2010) a variabilidade hídrica do semiárido brasileiro está associada a variáveis
naturais e antrópicas, condições de precipitação, tipo de solo e o seu uso.

3. BACIA HIDROGRÁFICA DO PAJEÚ

A bacia hidrográfica do rio Pajeú é uma sub-bacia do rio São Francisco, está localizada
no Sertão do estado de Pernambuco, na porção semiárida do Nordeste brasileiro. Situa-se entre
as coordenadas 07°16’20” e 08°56’01” de latitude sul, e 36°59’00” e 38°57’45” de longitude
oeste, especificamente nas mesorregiões do Sertão Pernambucano e do São Francisco. A bacia
do Pajeú abrange um total de 27 municípios, sendo 16 deles com área total incluída dentro da
bacia. Envolve as microrregiões do Pajeú, em sua totalidade, e parte do sertão do Moxotó,
Salgueiro e Itaparica. Possui uma área de 16.685,63 km2, o que equivale a 16,9% da área total
do estado de Pernambuco, se caracterizando por ser a maior bacia hidrográfica do estado de
Pernambuco, em extensão territorial (Figura 1).

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Figura 1. Localização espacial da bacia hidrográfica do Pajeú

Quanto à rede hidrográfica, seus principais afluentes são: pela margem direita, os
riachos Tigre, Barreira, Brejo, São Cristovão e Belém; e pela margem esquerda, os riachos do
Cedro, Quixabá, São Domingos, Poço Negro e do Navio. O rio Pajeú nasce no município de
Brejinho e percorre uma extensão de aproximadamente 353 km. Seu regime fluvial é
intermitente e, ao longo do seu curso, margeia as cidades de Itapetim, Tuparetama, Ingazeira,
Afogados da Ingazeira, Carnaíba, Flores, Calumbi, Serra Talhada e Floresta (Pernambuco,
2006).
Do ponto de vista climático, a área da bacia é caracterizada pela grande irregularidade
das precipitações pluviométricas e apresenta como principal período chuvoso os meses de
janeiro a abril. As chuvas que ocorrem no Sertão têm sua origem nas frentes frias, nos vórtices
ciclônicos de ar superior (VCAS) e na zona de convergência intertropical (ZCIT), sendo esse
último sistema, o principal sistema de produção de chuvas no semiárido de Pernambuco
(Pernambuco, 2006). O início das chuvas no Sertão de Pernambuco ocorre em dezembro
(extremo oeste) e está associado às instabilidades das frentes frias e aos VCAS. A partir de
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fevereiro ou março, dependendo do ano, a ZCIT começa a atuar em todo o Sertão, que já se
encontra em seu principal período chuvoso. Os totais pluviométricos anuais oscilam,
geralmente, entre 400 e 1200 mm.
A estação seca pode se prolongar por 7 a 10 meses e a semiaridez é bem acentuada na
parte mais baixa, próximo ao rio São Francisco, onde denominam totais anuais entre 400 e
500 mm. Para o norte, as precipitações aumentam atingindo médias entre 700 e 800 mm. A
mesorregião do sertão pernambucano, onde está inserida a bacia em estudo, está localizada
em uma região com clima do tipo BSw’h’ e BSwh’, quente e seco, segundo a classificação
climática de Koppen. O clima é tropical tendendo a seco, isso se dá em função da
irregularidade da ação das massas de ar (Tropical e Equatorial). O tipo climático BSw’h’ se
caracteriza como clima semiárido, quente, tipo estepe, com estação chuvosa retardada para
outono. O mês mais frio apresenta temperatura superior a 18°C. As mesmas características se
observam para o tipo climático BSwh’, no entanto, este tem a estação chuvosa no verão,
apresentando um inverno seco e um verão que concentra toda a precipitação anual
(Pernambuco, 2006).

− Dados pluviométricos

Foram utilizados nessa pesquisa os totais anuais de precipitação de onze postos


pluviométricos localizados na bacia hidrográfica do rio Pajeú, compreendendo o período de
50 anos (1966 a 2016). Estes dados foram obtidos na Agência Pernambucana de Águas e
Clima (APAC), através do banco de dados online, disponível no endereço:
http://www.apac.pe.gov.br/meteorologia/monitoramento-pluvio.php e na Agência Nacional
de Águas (ANA), em seu sistema de informações hidrológicas - HIDROWEB, disponível no
endereço: http://hidroweb.ana.gov.br/. A Figura 2 apresenta a distribuição espacial dos postos
pluviométricos utilizados.

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Figura 2.Distribuição espacial dos postos pluviométricos na bacia hidrográfica do Pajeú

Itapetim
-7.4
São José do Egito

-7.6
Tuparetama
Afogados da ingazeira
Carnaíba
-7.8 Triunfo
Iguaraci

-8 Serra Talhada
Mirandiba
Latitude

-8.2
Betania

-8.4
Floresta

-8.6

-8.8

-38.8 -38.6 -38.4 -38.2 -38 -37.8 -37.6 -37.4 -37.2 -37
Longitude

− Aplicação do Rainfall Anomaly Index - RAI

Para caracterizar os anos extremos secos e chuvosos na bacia hidrográfica do Pajeú,


utilizou-se o Rainfall Anomaly Index (RAI), que analisa a frequência que ocorrem anos secos
e anos chuvosos e a intensidade do evento. A partir da metodologia de Rooy (1965) e adaptado
para o Nordeste do Brasil por Freitas (2004), avalia-se a variabilidade climática através da
confecção dos índices climáticos espacializados no tempo e no espaço, detectando períodos
considerados extremamente úmidos ou secos.
A avaliação do grau de severidade e duração dos períodos secos e úmidos foi realizada
através do cálculo do índice RAI, (Freitas 2004 e 2005), obtido a partir das equações 1 e 2:

(𝑁−𝑁)
𝑅𝐴𝐼 = 3 [(𝑀−𝑁)] , para anomalias positivas (1)

(𝑁−𝑁)
𝑅𝐴𝐼 = −3 [(𝑋−𝑁)] , para anomalias negativas (2)

Sendo:

N = precipitação anual (mm);


10
N = precipitação média anual da série histórica (mm);

M = média das 10 maiores precipitações anuais da série histórica (mm);

X = média das 10 menores precipitações anuais da série histórica (mm).

Anomalias positivas são valores acima da média histórica e anomalias negativas são
valores abaixo da média histórica de precipitação. A partir da metodologia proposta por
Freitas (2004 e 2005) e Araújo et al. (2007), foi utilizada a classificação de anos secos e
úmidos como indicador climático para a intensidade destas anomalias, conforme mostra a
Tabela 1.

Tabela 1. Classes de Intensidade do Rainfall Anomaly Index

Faixa do RAI Classe de Intensidade


Acima de 4 Extremamente úmido
2a4 Muito úmido
Rainfall Anomaly Index (RAI) 0a2 Úmido
0 a -2 Seco
-2 a -4 Muito seco
Abaixo de -4 Extremamente Seco
Fonte: Freitas (2004 e 2005)

4. VARIABILIDADE TEMPORAL DA PRECIPITAÇÃO NA BACIA


HIDROGRÁFICA DO RIO PAJEÚ

A partir da aplicação do Rainfall Anomaly Index (RAI) foi possível identificar as


mudanças que ocorreram nos padrões de comportamento da precipitação, permitindo avaliar
a sua distribuição espacial. A aplicação deste índice permitiu determinar a severidade dos
ciclos secos e úmidos na bacia do Pajeú. Dessa forma, é possível observar os anos secos e os
anos chuvosos, através de valores negativos e positivos, respectivamente. Essas classificações
se expandem de anos secos a extremamente secos e anos chuvosos a extremamente chuvosos,
conforme pode ser observado na Figura 3, que apresenta os valores absolutos do RAI no
período de 1966 a 2016.

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Figura 3.RainfallAnomaly Index na bacia hidrográfica do Pajeú, no período de 1966 a 2016

2
RAI

-2

-4

-6
1966
1968
1970
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
2014
2016
ANOS

O gráfico de RAI indica algumas distinções de valores na bacia hidrográfica do Pajeú


no decorrer dos últimos 50 anos. Até a década de 1980 os índices ocorreram em maior
abrangência com valores positivos, indicando que até esta década, ocorreram mais anos
chuvosos do que anos secos. A partir desta década houve uma inversão no comportamento da
precipitação, em que os anos secos predominaram em relação aos anos chuvosos,
configurando uma variação climática no padrão da precipitação para esta região do estado de
Pernambuco. Esta variação se tornou mais evidente a partir da década de 1990, em que se
observam que entre a década de 1990 a 2000 ocorreram oito anos secos e apenas dois anos
chuvosos.
Dentre os anos secos que ocorreram na década de 1990, quatro deles estão
classificados entre muito secos a extremamente secos, caracterizando um regime de chuvas
abaixo da normalidade durante este período, ou seja, os totais pluviométricos para este período
ficaram abaixo da média normal climatológica, na área de estudo.
Segundo o CPTEC/INPE (2007), a década de 1991-2000 foi uma das mais secas já
registradas no Nordeste do Brasil. O Fenômeno El Niño ocorreu duas vezes de forma intensa
nos anos de 1990-1993 e 1997-1998. De acordo com Marengo (2007), estas estiagens que
ocorreram durante a década de 1991-2000 contribuíram com a redução no nível de
reservatórios, impactando negativamente atividades como abastecimento público de água e
geração de energia elétrica.

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Após esse período de modificação no padrão da precipitação na área de estudo, os
índices positivos voltam a alternar com os índices negativos, porém em menor evidência, com
a classe de intensidade dentro da normalidade, sem apresentar anos classificados como
extremamente úmidos/chuvosos e apenas a ocorrência de dois anos classificados com RAI
muito úmido/chuvoso. Ao comparar todo o período analisado, constata-se que ocorreram mais
anos secos do que chuvosos, somando-se dois anos classificados como extremamente
chuvosos, nas duas primeiras décadas (1970 e 1980) e três anos classificados como
extremamente secos, nas décadassubsequentes de 1990 e 2010.
Vale ressaltar que nas primeiras décadas do período estudado ocorreram eventos
extremos em anos úmidos/chuvosos e nas últimas décadas do período estudado ocorreram
eventos extremos em anos secos. Os eventos extremos correspondem justamente aos anos que
foram classificados entre muito secos a extremamente secos e muito úmidos/chuvosos a
extremamente úmidos/chuvosos.
Araújo et al (2009a) encontrou resultados semelhantes, em análise da bacia do rio
Paraíba, no semiárido paraibano, no período de 1910 a 2003, em que mostra a grande
variabilidade do RAI, com grande alternância entre anos secos e anos chuvosos, porém com
períodos distintos de predominância de anos secos a partir da década de 1980 e 1990,
apresentando os maiores eventos extremos, nos anos secos, em 1993 e 1998.

5. PERÍODOS CRÍTICOS DE EXCEDENTE PLUVIOMÉTRICO

Após a análise temporal do Rainfall Anomaly Index, os dois eventos extremos


chuvosos que ocorreram em toda a série estudada foram analisados separadamente, com o
intuito de estabelecer a variabilidade espacial da precipitação, a intensidade desses eventos e
sua área de abrangência. Foram selecionados dois anos que seguem a classificação de
intensidade do RAI, ambos ocorreram nas primeiras décadas da série de dados (1974 e 1985).
A Figura 4 mostra o ano chuvoso de 1974, o qual obteve o segundo maior RAI
positivo. Este ano se classificou como um ano úmido/chuvoso em quase toda a bacia do rio
Pajeú, intercalando entre anos úmidos a extremamente úmidos, prevalecendo o segundo. Esses
valores positivos de RAI são explicados pela atuação do fenômeno La Niña, de forte
intensidade, que teve grande atuação no Nordeste do Brasil entre os anos de 1973 a 1975, que
contribuiu para que este ano obtivesse um maior total pluviométrico em relação aos demais
anos.

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Apesar de predominar os eventos extremos de chuvas neste ano de 1974, algumas áreas
da bacia apresentaram uma menor intensidade da chuva se classificando como úmidos e muito
úmidos, como ocorre na área mais a Nordeste da bacia e no extremo Oeste.
No restante da bacia, a predominância foi de índices classificados entre muito úmidos
à extremamente úmidos, o que caracteriza o ano de 1974 como um ano de evento extremo de
chuva nessa região. O município de Itapetim foi o que apresentou o maior índice de anomalia
de chuva, se classificando como o maior evento extremo em toda a área de estudo para este
ano.

Figura 4. Classificação do RainfallAnomaly Index na bacia do Pajeú, para o ano de 1974

A Figura 5 apresenta o mapa espacial do RAI na bacia do Pajeú, para o ano de 1985,
que se classificou como intensamente chuvoso. Este ano apresentou o maior índice de
anomalia de chuva de toda a série histórica estudada. Em toda a parte Norte da bacia os totais
anuais de precipitação para o ano de 1985 foram mais intensos do que as outras porções, onde
prevaleceu as classificações do RAI como extremamente úmido. Nas áreas localizadas no
Sudeste da bacia do Pajeú e as áreas no extremo oeste, os índices de anomalia para o ano de
1985 se classificam entre úmido e muito úmido, sendo o município de Betânia, o que
apresentou menor RAI, porém sendo classificado do mesmo modo como ano úmido/chuvoso.
Esses valores positivos de RAI justificam-se em função da atuação do fenômeno La
Niña, do mesmo modo que o ano de 1974. Entretanto, de acordo com a ocorrência e
classificação desse evento (CPTEC/INPE, 2015), em 1985 ocorreu um La Ninã de intensidade
14
fraca, que atuou no Nordeste do Brasil entre os anos de 1984 e 1985, porém, apesar de se
classificar como um fenômeno fraco, de baixa magnitude, contribuiu para o aumento da
precipitação nessa região do Nordeste do Brasil.

Figura 5. Classificação do RainfallAnomaly Index na bacia do Pajeú, para o ano de 1985

Estudos de Gonçalves et. al. (2006), com análise de 15 estações pluviométricas


localizadas no Rio São Francisco, no período de 1972 a 1986, indicou que o cálculo do RAI
aplicado em áreas à jusante do reservatório de Sobradinho, mostra a ocorrência de cheias no
Sertão nordestino nos anos de 1979 e 1985, porém sem representatividade, uma vez que a
incidência de anos secos é substancialmente maior na região. Do mesmo modo, Assis (2015),
em estudo também na bacia hidrográfica do rio São Francisco, no trecho Submédio, no
período de 1964 a 2014, encontrou resultados semelhantes, que indicam o ano de 1985 como
extremamente úmido, caracterizando 1985 como o ano mais chuvoso de todo a série de dados
estudada.

6. PERÍODOS CRÍTICOS DE ESCASSEZ HÍDRICA

Do mesmo modo dos anos de excedente pluviométrico, foram analisados os eventos


extremos secos que ocorreram em toda a série estudada. Estes foram analisados
separadamente, com o intuito de estabelecer a variabilidade espacial da precipitação, a
intensidade desses eventos e sua área de abrangência. Foram selecionados três anos que

15
seguem a classificação de intensidade do RAI, ambos ocorreram na segunda metade da série
de dados (1993, 1998 e 2012).
A Figura 6 apresenta o ano de 1993, que se classificou como o segundo ano mais seco
dos 50 anos analisados e, consequentemente apresentou o RAI negativo em quase todos os
municípios da bacia hidrográfica do Pajeú. Conforme se pode observar na Figura 6, fica
evidente que a maior parte da área de estudo se enquadra na classificação entre ano muito seco
a extremamente seco.A área do centro-norte da bacia do Pajeú, mais precisamente no
município de Serra Talhada, foi a que apresentou o maior RAI negativo, classificando esta
área como a que teve menor incidência de chuva durante o ano de 1993, com o total anual de
chuvas abaixo da normalidade
No restante da área de estudo predominou o RAI classificado como seco e muito seco,
e não houve nenhuma localidade classificada como úmida/chuvosa, neste ano. Isso caracteriza
que 1993 foi um ano de grande seca na região de estudo, o que se confirma através da atuação
do El Niño de intensidade forte, que atuou entre os anos de 1990 a 1993, acarretando a
diminuição dos índices pluviométricos na região Nordeste do Brasil, sobretudo no último ano
de sua ocorrência. Estudos de Da Silva (2009) corroboram com esta análise, uma vez que
afirma que se têm como principal sistema de grande escala causador dessa variabilidade
negativa, o intenso El Niño ocorrido neste ano de 1993.

Figura 6. Classificação do RainfallAnomaly Index na bacia do Pajeú, para o ano de 1993

16
A Figura 7 mostra o ano de 1998, que se classificou como o mais seco dos últimos 50
anos. Neste ano é possível observar que quase a totalidade dos municípios analisados da bacia
do Pajeú apresentaram precipitação abaixo da média climatológica, se classificando como
extremamente secos, com exceção apenas dos municípios de São José do Egito e Tuparetama,
que tiveram classificação espacial do RAI entre seco e muito seco.
O ano de 1998 foi um ano atingido por um El Niño também de intensidade forte, que
provocou diminuição das chuvas no Nordeste do Brasil. Entretanto, é notável que sua
influência foi mais para o centro-sul, ficando a região central eNordeste com maiores índices
pluviométricos e dessa forma com menor grau de escassez hídrica e maiores índices de
Anomalia de Chuva. Não ocorreram, neste ano, índices de RAI positivos, mesmo nas
áreasclassificadasentre seco e muito seco.

Figura 7. Classificação do Rainfall Anomaly Index na bacia do Pajeú, para o ano de 1998

Resultados semelhantes foram encontrados em trabalhos de Araújo et al (2009b) que


aplicaram o RAI como uma ferramenta de análise da climatologia na bacia hidrográfica do rio
Paraíba e sua relação na variabilidade do padrão da precipitação na área de estudo. Na análise
dos dados de precipitação pluviométrica nas primeiras datas do século XX até os primeiros
anos do século XXI, os resultados apresentavam um desvio no comportamento das chuvas
após a década de 1990, onde foram observados mais anos secos consecutivos. No mesmo
estudo, para as sub-bacias do Médio e Baixo Paraíba, foi observada predominânciados anos
secos em detrimento dos anos chuvosos ao longo da série de RAI.

17
A Figura 8 apresenta o ano de 2012, que se classificou entre seco à extremante seco.
Apesar de deste ano não ser um ano de ocorrência e nem influência de El Niño, o ano de 2012
marcou o início de uma seca severa na região Nordeste do Brasil, que foi atribuída a uma
Anomalia da Temperatura da Superfície do Mar (TSM), no Oceano Pacífico equatorial,
central e leste. Essa anomalia projetou um aumento na TSM, indicando uma evolução nas
condições oceânicas favoráveis a uma configuração de fase positiva do fenômeno ENOS com
o episódio El Niño (Santos et al., 2012). De acordo com a ANA (2014), O triênio 2012 a 2014,
destacou-se pela situação extremamente crítica no semiárido brasileiro, onde na maior parte
das estações pluviométricas o ano foi classificado como seco ou muito seco.
No ano de 2012 não ocorreu nenhum RAI positivo, todos os índices se classificaram
entre secos à extremamente secos. É notável que a influência das TSMs se caracterizou
gradativamente na bacia, atingindo mais a sua parte norte,que apresentou menor total
pluviométrico no ano de 2012, maior escassez hídrica e, consequentemente, uma escala mais
negativa do RAI, que indica o índice de anomalia de chuva entre muito seco a extremamente
seco. Já a região localizada mais ao sul da bacia, apesar de também classificada como ano
seco a muito seco, apresentou menor défciti hídrico e sofreu menor influência das TSMs.

Figura 8. Classificação do RainfallAnomaly Index na bacia do Pajeú, para o ano de 2012

Diante do exposto, observa-se que houve uma tendência de diminuição dos totais
pluviométricos, que se tornou mais evidente a partir da década de 1980. Na primeira metade

18
da série histórica os RAIs positivos predominavam, no entanto, houve uma inversão e, a partir
de 1990 os RAIs negativos foram mais abundantes tanto em quantidade de ocorrência quanto
em relação à intensidade desses eventos, ao contrário do que ocorria na primeira metade da
série histórica. Vale ressaltar que a década de 1990 se destacou como o período mais seco de
toda a série analisada, com a ocorrência de dois El Niños de forte intensidade e não apresentou
nenhum evento de RAI positivo.

7. MEDIDAS DE ADAPTAÇÃO E MITIGAÇÃO

A bacia hidrográfica do rio Pajeú já enfrenta graves problemas de escassez hídrica, por
se localizar em região semiárida, com altas temperaturas e grande perda de água para
atmosfera por processos de evaporação e evapotranspiração, aliado à baixos índices
pluviométricos e grande variabilidade e irregularidade na distribuição das chuvas.
Além dos motivos já citados acima, a bacia sofre grandes pressões e conflitos pelo uso
da água. Muitos corpos hídricos na região atravessam problemas com a poluição hídrica,
sobretudo a contaminação provocada por orgânicos, através do despejo inadequado de
efluentes domésticos e pelo uso descontrolado de agrotóxico.
Por ser uma bacia hidrográfica que abrange municípios com grandes áreas rurais, a
agricultura é uma atividade econômica muito presente na região, entretanto, sem a adoção de
técnicas de manejo do solo adequadas, a pressão aos recursos naturais aumenta e a pouca
diversidade de culturas e métodos de produção ineficientes tornam o solo pobre, sendo
necessário a utilização de maiores níveis de defensores agrícolas, aumentando a cadeia de
poluição, que reflete diretamente na qualidade da água na região, diminuindo,
consequentemente, sua disponibilidade.
Desse modo, diante do cenário atual de vulnerabilidade climática e ambiental na região
semiárida, e por ser a bacia do Pajeú muito impactada, é necessário o compromisso de
promover ações que promovam a mitigação desses eventos, assim como ações de adaptação,
que auxiliem no desenvolvimento de uma capacidade de resiliência da população frente a este
cenário. A resiliência significa a capacidade de uma comunidade de se adaptar e retomar o
equilíbrio social e econômico após uma perturbação climática e ambiental.
Nesse sentido, as possíveis consequências às causas ora mencionadas, exigem, tanto
do Governo, como de demais atores não governamentais, o compromisso em promover ações
que sejam baseadas na problemática climática e ambiental da bacia, com diagnósticos e
investimentos que sejam pautados em soluções. Estas soluções são fundamentadas em
19
estratégias, que visam incentivar a sustentabilidade hídrica. No Quadro 1 estão representadas
as estratégias supracitadas.

Quadro 1. Estratégias de adaptação aos efeitos das mudanças climáticas no semiárido voltadas aos
recursos hídricos

Estratégias Ação

Criar programas de tecnologias apropriadas para a captação,


Captação de água de chuva armazenamento e melhor aproveitamento das águas de chuva, nos
meios urbano e rural, considerando os programas já existentes.

Conceder vazão de outorga de água flexível e variável de acordo


Concessão de vazão de
com o período climático. Em períodos de seca a quantidade de
outorga de água flexível
água disponibilizada deve ser reduzida.

Realizar estudos para avaliar a disponibilidade hídrica de acordo


Realização de estudos de
com o período climático, evitando pressões e desgastes sobre os
disponibilidade hídrica
mananciais.

Implantação de Implantar a cobrança pelo uso da água em todos os estados do


mecanismos de cobrança Nordeste, conforme previsto na Política Nacional de Recursos
pelo uso da água Hídricos

Incentivar a redução do consumo de água através de programas e


Redução do consumo de
oficinas de educação ambiental junto à população e entidades
água
produtivas.

Realizar levantamentos hidrogeológicos com a finalidade de


Realização de
definir áreas com mananciais de águas subterrâneas susceptíveis
levantamentos
a serem exploradas e definir os que não apresentam mais
hidrogeológicos
condições de serem explorados.

Aprofundamento das
Aprofundar as pesquisas climáticas para os trechos Alto e Médio
pesquisas climáticas para os
da bacia hidrográfica do São Francisco, visto que o
outros trechos da bacia do desenvolvimento regional da grande área do São Francisco se dá
São Francisco em função da água oriunda do alto e médio curso da bacia.
Uso de tecnologia de
Incentivar a utilização de tecnologias mais eficientes de irrigação
irrigação mais eficiente como gotejamento em relação ao sulco e aspersor.

Expansão de culturas Promover a escolha de culturas agrícolas que se adaptem às


grandes irregularidades das chuvas, proporcionando aos
adaptadas à variabilidade produtores maior rentabilidade econômica, por mecanismos de
climática promoção de compra e comercialização e menor risco de perda
durante o período de escassez hídrica.

20
Desenvolvimento de
Desenvolver sistemas de gerenciamento dos efeitos da seca e
sistemas de gerenciamento desertificação, incluindo sistema de alerta precoce e preparação
dos efeitos da seca em casos de eventos extremos

Dessa maneira, as ações de convivência com a escassez hídrica na região semiárida


permitem compreender a trajetória do planejamento regional e a busca pela sustentabilidade.
Constatam-se diversas políticas públicas, planos e programas do Governo destinados às
mudanças climáticas, entretanto muitas delas não são aplicadas de maneira eficiente e não se
relacionam de maneira adequada com outras políticas existentes a nível federal e estadual,
embora representem um avanço na convivência em situações de escassez hídrica. As políticas
implantadas pelos Governos estaduais da região Nordeste, sobretudo nos últimos dez anos,
contribuíram para a melhoria da qualidade de vida da população, mas não foram suficientes
para livrar a população dos efeitos negativos causados pela mudança do clima e tornar as
comunidades rurais mais autônomas e autossuficientes economicamente.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com os resultados apresentados, verificou-se que existe uma grande


variabilidade espaço-temporal da precipitação, com variação também em sua intensidade
durante o período analisado, conforme exposto no objetivo da pesquisa.
Na região Semiárida, em particular na bacia hidrográfica do Pajeú, diagnosticou-se
que até a década de 1980 os anos chuvosos ocorriam com maior frequência que os anos secos.
Este período corresponde a um ponto de inflexão e os anos secos começaram a predominar,
se agravando na década de 1990. Desta forma, vale ressaltar que ocorreu uma modificação
importante no padrão da precipitação média na área de estudo, o qual passou a ocorrer mais
períodos de anos secos do que úmidos.
Constatou-se que o cálculo do RAI pode ser utilizado como uma ferramenta para
auxiliar o acompanhamento climático e a variabilidade pluviométrica de uma determinada
área, que pode ser uma bacia hidrográfica, auxiliando no gerenciamento dos recursos hídricos
e, então empreender ações de adaptação e mitigação.
Com esses resultados, busca-se mostrar a importância da gestão e adequação da águas
na bacia hidrográfica, pois se essa tendência de crescimento de anos secos se configurarem

21
como padrão, o problema do abastecimento se consolidará, a demanda não será atendida e os
conflitos pelo uso da água se agravarão.
Desse modo, estes resultados servem como uma contribuição aos estudos de mudanças
e variabilidades climáticas, apresentando, pontualmente, a situação da escassez hídrica e
probabilidade de maiores períodos secos em uma bacia hidrográfica do semiárido Nordestino.
Recomenda-se que estes estudos sejam ampliados para outras regiões, em escalas diversas,
locais e regionais a fim de ampliarem o conhecimento e possibilitarem maior entendimento
das variabilidades do clima.

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