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XVI SIMPÓSIO DE RECURSOS HÍDRICOS DO NORDESTE

15º SIMPÓSIO DE HIDRÁULICA E RECURSOS HÍDRICOS DOS PAÍSES


DE LÍNGUA PORTUGUESA

RELAÇÕES ENTRE REGENERAÇÃO NA PAISAGEM PÓS-QUEIMADA E


VAZÕES MÉDIAS NA BACIA DO RIO MANSO-MT

Daniele Büttenbender Borba Gehrke 1; Gustavo Gutierrez de Oliveira Rodrigues 1; Karina


Colombelli 1; Warlen Librelon de Oliveira 1 & Adilson Pinheiro 1

RESUMO – Modelagem dinâmica constitui importante ferramenta no entendimento dos fenômenos


e processos associados à paisagem. O presente trabalho buscou construir um modelo dinâmico de
regeneração da vegetação após queimadas, baseado no conceito de autômatos celulares e
implementado no software Dinamica EGO, visando a quantificação e identificação da natureza das
transições de paisagem ocorridas na Bacia do Rio Manso-MT. O período de análise foi de 2011 a
2019, sendo utilizados mapas de uso da terra (MapBiomas) e de áreas queimadas (INPE).
Investigaram-se as relações das variáveis: áreas de queimada, áreas regeneradas e mudança de uso da
terra com o comportamento da vazão média da bacia através de correlação estatística utilizando o
Método de Pearson. Os dados fluviométricos foram obtidos no portal Hidroweb ANA. Observou-se
baixa correlação entre vazão média e áreas queimadas, o que pode ser devido à dispersão e à baixa
representatividade espacial dessas áreas. Por outro lado, as variáveis mudança de uso da terra e vazão
média apresentaram boa correlação, a qual resultou em -0,54 e 0,82 para as transições de “Queimada
para Pastagem” e “Queimada para Agricultura”, respectivamente, o que indica uma associação entre
a vazão média e a dinâmica de uso da terra.

ABSTRACT – Dynamic modeling is an important tool in understanding the phenomena and


processes associated with landscape. This work sought to build a dynamic model of vegetation
regeneration after burning, based on the concept of cellular automata and implemented in the EGO
Dynamics software, aiming to quantify and identify the nature of the landscape transitions that
occurred in the Manso-MT River Basin. The analysis period was from 2011 to 2019, using maps of
land use (MapBiomas) and burned areas (INPE). The influence of these variables was investigated:
burned areas, regenerated areas and land use change, on the behavior of the basin flow, through
Pearson correlation. The fluviometric data were obtained from the Hidroweb ANA portal. There was
a low correlation between flow and burned areas, possibly because they were dispersed and had low
spatial representativity. The variables change in land use and flow obtained a good correlation, whose
values were -0.54 and 0.82 for the transitions "Burned to Pasture" and "Burned to Agriculture",
respectively. This indicates a relationship between flow and dynamics of land use in the basin.

Palavras-Chave – queimadas, vazão, dinâmica de paisagem


1
) Fundação Universidade Regional de Blumenau: Rua São Paulo, 3250, Itoupava Seca, Blumenau-SC, (47)99961-7684, pinheiro@furb.br

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15º Simpósio de Hidráulica e Recursos Hídricos dos Países de Língua Portuguesa
INTRODUÇÃO

Uma das grandes preocupações relacionadas à preservação ambiental consiste em reduzir os


focos e pontos propensos à geração de queimadas, principalmente em regiões com áreas de densa
cobertura arbórea. No entanto, observa-se um efeito crescente e em grande amplitude dos incêndios
florestais em diversas partes do mundo (LI et al., 2020). No Brasil, tem ocorrido um aumento
significativo das queimadas nos últimos anos, causadas principalmente por mudanças no clima e
alterações no uso e cobertura da terra, em especial a conversão de florestas a áreas agrícolas e de
pecuária por meio de desmatamento associado à aplicação de fogo, paralelamente ao enfraquecimento
das instituições e das políticas ambientais brasileiras nos últimos anos (OLIVEIRA et al., 2022).
Salvo poucas exceções, as consequências das queimadas são desastrosas. Dentre elas, citam-se
perda de biodiversidade, diminuição da resiliência de ecossistemas terrestres, impactos negativos
sobre o ciclo hidrológico, empobrecimento do solo, perdas econômicas e poluição atmosférica,
incluindo a emissão de gases de efeito estufa e de substâncias tóxicas, que afetam o clima e a saúde
da população (RONQUIM, 2010; RESENDE et al., 2015). Segundo Castelões (2019), as cinzas das
queimadas contêm grande quantidade de macronutrientes e de metais, cujo excesso leva à
contaminação do solo e das águas superficiais e subterrâneas. Também se observam impactos
negativos sobre o ciclo hidrológico, uma vez que as queimadas, ao eliminarem ou reduzirem a
cobertura vegetal do solo, diminuem a sua capacidade de infiltração, aumentando a geração de
escoamento superficial e a erosão (RONQUIM, 2010). Ademais, tem sido relatada a possibilidade de
alteração do padrão de precipitações na Amazônia pelas queimadas, em decorrência da emissão de
grandes quantidades de partículas que atuam como núcleos de condensação de nuvens (ARTAXO et
al., 2006). Até mesmo o Cerrado sofre consequências negativas quando da ocorrência de queimadas
muito severas e/ou frequentes: ainda que sua vegetação tenha desenvolvido mecanismos de adaptação
ao fogo, observa-se queda expressiva na atividade fotossintética e na densidade foliar das plantas em
áreas submetidas a incêndios florestais de grande magnitude, o ficou evidenciado no trabalho de
Oliveira et al. (2021) com a redução do índice Normalized Difference Vegetation Index (NDVI) em
19% comparativamente a áreas que nunca queimaram.
A regeneração vegetativa é um processo espontâneo de reestabelecimento de vida vegetal que
ocorre após um distúrbio natural ou antrópico. No caso do Cerrado, a recuperação de alguns tipos de
árvores é viabilizada pela existência de raízes muito profundas (ARAÚJO et al., 2021), ao passo em
que outras espécies, como aquelas típicas do ecossistema de Veredas, podem sofrer danos
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irreversíveis devido à sua pequena capacidade de regeneração. Segundo Souza et al. (2018), uma
elevada resiliência possibilita que a regeneração natural seja tão eficaz quanto técnicas de restauração
ativa, em alguns casos.
Para monitorar a incidência de queimadas e a evolução no uso e cobertura da terra, a tecnologia
mais utilizada no Brasil e no mundo é o monitoramento via satélite, que apresenta uma série de
vantagens, tais como: grande amplitude das imagens obtidas, possibilitando observar vastas extensões
territoriais; periodicidade do imageamento, que proporciona séries temporais de imagens com
intervalo de tempo regular; e coleta de dados que permitem determinar a espacialização, frequência,
sazonalidade e variações anuais das queimadas, sem a necessidade de realizar exaustivos trabalhos
de campo (RESENDE et al., 2015). O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) é a principal
instituição ativa no monitoramento de queimadas no Brasil, utilizando os satélites National Oceanic
Atmospheric Administration (NOAA) e AQUA UMD Tarde (FIGUEIRA; SCHROTH; MONTEIRO,
2019).
O Brasil é o país na América do Sul com a maior taxa de incidência de queimadas (LI et al.,
2020), as quais têm afetado de maneira mais intensa e recorrente os biomas Cerrado, Amazônia e
Pantanal (OLIVEIRA et al., 2022). Todos os três podem ser encontrados no estado de Mato Grosso,
que possui, em geral, um período de seca intensa, entre os meses de julho a setembro (TEIXEIRA,
2021). A bacia hidrográfica do Rio Manso-MT, objeto do presente trabalho, situa-se em região de
Cerrado e sofre constantemente com o impacto de queimadas que afetam a cobertura vegetal,
provocadas muitas vezes por períodos de estiagem ou atividades antrópicas. Os focos de incêndio
queimam florestas e outros ambientes naturais que protegem nascentes e afluentes do rio Manso,
sendo de grande importância compreender como funciona a dinâmica da regeneração da paisagem
após um evento de queimada (OLIVEIRA, 2021).
A modelagem dinâmica tem o propósito de simular as mudanças espaço-temporais nos atributos
do meio ambiente atreladas a um território geográfico. Sua concepção permite o entendimento dos
mecanismos influentes que determinam a função de mudança e, quando utilizada para o estudo de
transição de classes da paisagem, possibilita a simulação de cenários futuros (BENEDETTI, 2010).
Nesse contexto, o software Dinamica EGO utiliza mecanismos como autômatos celulares, pesos de
evidência e matrizes de transição para modelar alterações na cobertura e no uso da terra, permitindo
simular desde representações estáticas mais simples até as mais complexas situações caracterizadas
por variação espacial e temporal, apresentando amplas possibilidades de aplicação na análise de
mudanças relacionadas ao meio ambiente (SOARES FILHO et al., 2007).

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Desta forma, o objetivo deste trabalho foi avaliar a dinâmica das queimadas e do processo de
regeneração vegetativa na bacia hidrográfica do Rio Manso-MT no período de 2011 a 2019, bem
como verificar a influência das queimadas e das mudanças de uso da terra sobre a vazão nesta bacia.

MATERIAIS E MÉTODOS

Para a análise da regeneração da vegetação após queimadas, foi selecionada a bacia hidrográfica
do Rio Manso no estado do Mato Grosso (Figura 1), tendo-se obtido os correspondentes mapas anuais
de uso da terra no período de 2011 a 2019 por meio da plataforma MapBiomas, Coleção 6. Para
identificar as áreas de queimadas, utilizaram-se mapas de monitoramento do INPE para o mesmo
período. Porém, não foram encontrados mapas de queimadas para os anos 2012 e 2016, sendo estes
desconsiderados no período. A natureza das alterações no uso e cobertura da terra foi estudada
mediante a comparação entre as imagens e a utilização de um algoritmo construído no software
Dinamica EGO 6.
O código elaborado no Dinamica EGO 6 realiza a leitura de duas imagens de entrada
(mesclagem) de um mesmo local, mas em datas diferentes que possuem a mesma resolução espacial.
O sistema permite comparar pixel a pixel por meio da análise dos códigos de uso da terra
especificados em cada uma destas imagens, e como resultado dessa comparação gera uma tabela com
os códigos e a área, em hectares, de cada transição ocorrida na bacia, bem como mapas que
evidenciam as transições de uso e cobertura da terra. Com isso, foi possível quantificar as mudanças
ocorridas e avaliar a natureza das alterações através do local onde elas ocorreram.

Modelagem com o Software Dinamica EGO

Mesclagem de área queimada com Uso da Terra


Como os mapas de queimada são separados dos mapas de uso da terra, foi executado o processo
de mesclagem entre os mapas no Dinamica EGO, considerando a queimada como uma nova classe
no uso da terra. Esse procedimento foi executado para cada ano com dados de queimada através do
functor (operador) Calculate Categorical Map, no qual os dois mapas (queimada e uso da terra) foram
inseridos como entrada, sendo que a saída do modelo foi um mapa com a queimada incorporada ao
uso da terra. A programação do functor determina como será o processo de mesclagem. Considerando
que a classe “queimada” recebeu o valor 99, que “i1” representa o mapa de uso da terra e “i2”
corresponde ao mapa de queimada, a programação do functor foi: “if isNull(i2) then i1 else 99”.

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Figura 1 – Área de estudo representada pelo uso da terra com queimada para 2011

Identificação de área regenerada


Para cada período analisado, o modelo de identificação de área regenerada utilizou como
entrada dois mapas, inicial (representado por “i1”) e final (“i2”), carregados por meio do functor
“Load Categorical Map”. A programação de cálculo com o uso do functor “Calculate Categorical
Map” foi: “if i1 = 1 and isNull(i2) then 100 else 99”. Neste caso, o valor 100 para pixel representa a
área regenerada. O resultado do modelo foi a criação dos mapas contendo pixel com área regenerada
(valor 100) e pixel com área que permaneceu queimada (valor 99).

Cálculo de área regenerada


Com os mapas calculados no procedimento anterior, o functor Calc Area calcula a área para
cada valor de pixel. A saída é um arquivo .CSV com o resultado da área para cada valor de pixel.

Cálculo da transição entre queimada e área regenerada


Para calcular a transição dos pixels de queimada para pixels de área regenerada, aplicou-se o
método de autômatos celulares através do functor Calc Net Transition Rates, inserindo como entrada
do modelo os mapas de uso da terra com queimada e com regeneração. A resposta do modelo foi um
arquivo .CSV contendo a transição de cada pixel. Deve-se levar em consideração a análise apenas da
transição de 99 (pixel que representa a queimada) para outro valor que representa o uso da terra.

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Avaliação dos possíveis impactos sobre a vazão
Para investigar se os incêndios registrados no período de 2011 a 2019 teriam exercido algum
impacto sobre a vazão do Rio Manso, foi escolhida a estação fluviométrica de código 66231000,
cujos dados foram obtidos a partir do portal Hidroweb ANA. A área de drenagem até este ponto é de
9.580 km², sendo bastante representativa com relação à área total da bacia do Rio Manso (10.553
km²). Assim, avaliou-se a correlação estatística entre a vazão e as áreas de queimada, de regeneração
e de transição para agricultura e pastagem localizadas a montante da estação 66231000 entre os anos
2011 e 2019, através do Método de Pearson, utilizando como passo de tempo os intervalos entre dois
mapas sucessivos de uso da terra aditivados com as regiões de queimada e de área regenerada (ou
seja: 2011-2013; 2013-2014; 2014-2015; 2015-2017; 2017-2018; 2018-2019). No cálculo das
correlações, tanto para a área de queimada quanto para a de regeneração, foram consideradas as
vazões médias observadas nos anos inicial e final de cada intervalo, ou seja, no ano da queimada e
no ano de referência para a regeneração, respectivamente. Para a transição às categorias de agricultura
e pastagem, as correlações foram avaliadas relativamente à vazão média no ano da queimada.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Tabela 1 a seguir mostra, em termos absolutos, o quanto de área (em hectares) permaneceu
queimada e o quanto foi regenerada ou convertida a outros usos da terra, em cada intervalo de tempo
considerado (anual ou bianual, lembrando não haver dados de queimada disponíveis para 2012 e
2016):

Tabela 1 – Áreas submetidas aos processos de queimada, de regeneração e de conversão de uso da terra
Período Total queimado (ha) Manteve queimado (ha) Regenerado ou convertido (ha)
2011-2013 15317,64 33,21 15284,43
2013-2014 5042,16 0 5042,16
2014-2015 4332,06 332,73 3999,33
2015-2017 6332,76 184,68 6148,08
2017-2018 8698,50 241,29 8457,21
2018-2019 5012,37 181,98 4830,39

Observa-se um equilíbrio no processo de regeneração/conversão no período de 2014 a 2019,


com uma média de 235,17 ha que permaneceram sem regenerar no ano seguinte à queimada. Mesmo
com uma grande área queimada em 2011, o ambiente se mostrou efetivo na regeneração.

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Com o método de autômatos celulares aplicados através da matriz de transição, o modelo gerou
uma resposta para cada dupla de ano e identificou as transições de áreas com queimada para outra
classe (Tabela 2).

Tabela 2 – Transição de área pós queimada (%)


Período 2011-2013 2013-2014 2014-2015 2015-2017 2017-2018 2018-2019
Regeneração 68,97 67,83 56,48 45,83 59,86 66,81
Transição Pastagem 3,55 5,21 9,78 25,96 10,18 5,85
Transição Agricultura 0,53 0,00 6,22 0,11 1,15 2,29
Total 73,05 73,04 72,48 71,90 71,20 74,94

A regeneração é a classe original (vegetação nativa, em geral), enquanto a transição para


pastagem ou agricultura diz respeito à mudança de uso da terra; por exemplo, no intervalo 2011-2013,
ocorreu a transição de 4,08% da área queimada para uso antrópico. Observa-se um equilíbrio no
processo de recuperação para cada período, com média geral de 72,77%.
A matriz de transição entre 2011 e 2019 revelou que a transição foi, em média, de 2,64% por
ano. Para o período de um ano entre 2014 e 2015, foram convertidos 2,87% entre área natural e classes
antropizadas para toda a região. Nesse mesmo período, houve uma regeneração de 72,48% da área,
mantendo o restante de 27,52% ainda com queimada.
No que tange à influência das áreas queimadas, regeneradas e convertidas sobre a vazão média
do Rio Manso, apresentam-se na Tabela 3 os dados utilizados. A Tabela 4 mostra os resultados da
correlação de Pearson entre as referidas áreas e as vazões médias.

Tabela 3 – Dados utilizados para as análises de correlação


Período 2011-2013 2013-2014 2014-2015 2015-2017 2017-2018 2018-2019
Área Queimada (ha) 15317,64 5042,16 4332,06 6332,76 8698,5 5012,37
Regeneração (%) 68,970 67,830 56,480 45,830 59,860 66,810
Transição Pastagem (%) 3,550 5,210 9,780 25,960 10,180 5,850
Transição Agricultura (%) 0,530 0,000 6,220 0,110 1,150 2,290
Vazão média no ano da
191,19 168,16 214,39 150,51 163,84 181,22
queimada (m³/s)
Vazão média no ano da
168,16 214,39 150,51 163,84 181,22 129,92
regeneração (m³/s)

Tabela 4 – Correlações de Pearson obtidas


Área Área de Área Convertida Área Convertida
Classe de uso da terra
Queimada Regeneração - Pastagem - Agricultura
Vazão média no ano da queimada 0,04 0,33 -0,54 0,82
Vazão média no ano da regeneração 0,09 0,13 - -

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Para a vazão média no ano da queimada, a correlação foi de 0,04 com a área incinerada e de
0,33 com a regeneração; para a vazão média no ano da regeneração, observou-se que as correlações
foram de 0,09 e 0,13 com as áreas queimadas e regeneradas, respectivamente. Todos esses valores
são considerados baixos, especialmente no que diz respeito à área queimada, sugerindo que os
incêndios analisados têm pouca relação com a vazão média do Rio Manso. Por outro lado, a
correlação da vazão média no ano da queimada com as áreas convertidas a pastagem e a agricultura
foram de -0,54 e de 0,82, respectivamente. Estes valores são significativos e sugerem que a pecuária
esteja associada a um déficit considerável de vazão em comparação à queimada, enquanto a
agricultura teve o efeito inverso, estando vinculada a um aumento expressivo de vazão. No entanto,
deve-se ter em mente que a correlação permite apenas verificar se duas variáveis se relacionam sem
que necessariamente uma seja causa da outra, havendo a possibilidade de que outros fatores não
estudados correlacionados a ambas as variáveis expliquem melhor o comportamento observado.
Na literatura, não foram encontradas referências que abordassem de maneira explícita e
quantitativa os impactos de queimadas sobre vazões de corpos hídricos; contudo, Teza (2008) estudou
a influência do uso e cobertura da terra sobre a disponibilidade hídrica para abastecimento público na
bacia hidrográfica do Alto Descoberto. Ele indicou que as queimadas exerceram um efeito indireto
prejudicial sobre a recarga dos aquíferos, o que está vinculado à remoção da cobertura vegetal e
consequente diminuição da infiltração da água da chuva, prejudicando o armazenamento subterrâneo.
Logo, pode-se supor de maneira genérica que não a queimada em si, mas o dano à vegetação
por ela implicado, explicaria de maneira parcial o comportamento da vazão do corpo hídrico da região
afetada. Segundo essa lógica, esperar-se-ia uma correlação negativa, ainda que fraca, entre as vazões
e a área queimada. Conforme apresentado na Tabela 4, a correlação foi positiva, mas desprezível, ao
passo em que os valores para a correlação entre as vazões e a regeneração vegetativa foram superiores
em uma ordem de grandeza de dez vezes. Além disso, as vazões correlacionaram-se de maneira bem
mais intensa com as transições para agricultura e pastagem, ainda que em sentidos opostos:
positivamente no primeiro caso e negativamente no segundo. Supõe-se com base nisso que a
capacidade de infiltração do solo seja menor no cenário de pastagem do que de queimada
(possivelmente por fatores como a compactação do solo causada pelos rebanhos), e maior no caso da
agricultura, em que uma vegetação saudável (ainda que de pequeno porte) contribuiria para evitar a
erosão e aumentar a infiltração das águas pluviais comparativamente à paisagem incinerada. Todavia,
essa hipótese requer mais estudos para ser confirmada ou refutada. Por ora, pode-se afirmar somente
que a correlação da vazão com as mudanças no uso e cobertura da terra mostrou-se bem mais

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significativa do que com as áreas de queimada, mas estas últimas foram, em geral, dispersas e pouco
representativas em termos de percentual da área total da bacia hidrográfica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A modelagem dinâmica com o uso do software Dinamica EGO mostrou-se uma excelente
ferramenta para análise dos processos de regeneração vegetativa e de evolução do uso da terra em
áreas previamente submetidas a queimadas, as quais demonstraram potencial de recuperação ao longo
dos anos. Todavia, a avaliação de impactos na vazão média depende do uso de ferramentas
complementares, sendo que o estudo de correlação apresentado é apenas um primeiro passo neste
sentido.
Em média, o percentual de regeneração das áreas queimadas no período de 2011 a 2019 foi de
60,96%, tendo sido maior entre 2011 e 2013 (68,97%) e menor no intervalo de 2015 a 2017 (45,83%).
Ainda que a capacidade de recomposição da vegetação nativa seja relativamente alta, há de se
ressaltar que incêndios frequentes debilitam muito os ecossistemas, devendo ser combatidos. Os
impactos das queimadas sobre as vazões médias do Rio Manso não ficaram evidentes, tendo-se obtido
baixa correlação entre esses eventos e as referidas vazões. Contudo, observa-se que a dispersão e a
baixa representatividade das áreas incendiadas em termos percentuais com relação à área total da
bacia hidrográfica podem justificar a baixa correlação, lembrando que esta não constitui causalidade.
Entretanto, a literatura fornece elementos para supor que os efeitos das queimadas sobre os regimes
hídricos sejam de natureza predominantemente indireta, uma vez que elas alteram a paisagem,
causando mudanças no uso e cobertura da terra e, consequentemente, na vazão – o que foi corroborado
pela alta correlação entre esta variável e as transições para pastagem e agricultura. Ainda assim, é
possível que a representatividade espacial dos diferentes usos da terra tenha afetado os resultados de
correlação estatística, sendo inevitável a busca por mais respostas e modelagens aproximadas dos
efeitos locais e progressivos das queimadas sobre os corpos d’água.

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Gestão Ambiental) - Universidade Católica de Brasília, Brasília, 102p.
XVI Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste 10
15º Simpósio de Hidráulica e Recursos Hídricos dos Países de Língua Portuguesa

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