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ciência&Tecnologia

Oportunidades da inovação
mais perto das empresas
História
Os “Familiares” da Inquisição
no Sertão do Siará Grande

R$ 9,90
Edição Nº 03 — Ano I — Revista Nordeste VinteUm – Publicação sobre economia, política e cultura — www.nordestevinteum.com.br

Câmara Cascudo
Um homem chamado Brasil
FNE 20 ANOS E BNB – NOVO PERFIL ECONÔMICO PARA O NORDESTE
Não importa a distância.
Não importa a dificuldade.
A gente não mede esforços para levar
desenvolvimento a cada canto do Nordeste.

Desenvolvimento é financiar cadeias produtivas, gerar emprego e oportunidades.


É mudar a vida das pessoas. Aumentar sua auto-estima e recuperar sua dignidade.
Cliente Consulta | Ouvidoria: 0800 728 3030 - www.bnb.gov.br Desenvolvimento é fazer o Nordeste crescer. E ser do tamanho do seu povo.
Insigths
Câmara Cascudo (1898 - 1986). Visão de mundo
O velho que sabe tudo
“Já consultou o Cascudo? O Cascudo é quem
“Fiquei na província e sabe. Me traga aqui o Cascudo. O Cascudo
trabalhei sem prêmio” aparece e decide a parada. Todos o respeitam
e vão por ele. Não é propriamente uma
pessoa, ou antes, é uma pessoa em dois
“Natal não consagra nem grossos volumes, em forma de dicionário,
desconsagra ninguém”

Pouchain
que convém ter sempre à mão. Para quando
surgir uma dúvida sobre costumes, festas, artes
“Faço questão de ser tratado por esse vocábulo do nosso povo. Ele diz tim-tim por tim-tim a
que tanto amei: professor. Os jornais, na melhor alma do Brasil em suas heranças mágicas, suas
ou na pior das intenções, me chamam folclorista. manifestações rituais, seu comportamento em face do
Folclorista é a puta que os pariu. Eu sou um mistério e da realidade comezinha. Em vez de falar
professor. Até hoje minha casa é cheia de rapazes ‘Dicionário Brasileiro’, poupa-se tempo falando ‘O
me perguntando, me consultando” Cascudo’, seu autor, mas o autor não é só dicionário,
é muito mais. E sua vasta bibliografia de estudos
“O vício da literatura grego-latina vacinou-me folclóricos e históricos marcam uma bela vida de
contra as ditaduras mentais contemporâneas” trabalho inserido na preocupação de viver o Brasil”,
“O Brasil não tem problemas, só Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)
soluções adiadas” Poeta, contista e cronista brasileiro

“Eu não conheço Carlos Drummond Luís da Câmara Cascudo, inteirinho, da


pessoalmente, mas somos amigos íntimos. cabeça aos pés, de corpo e alma Natal,
Ele ainda estava em Minas Gerais e já se Rio Grande do Norte, Brasil, eu Brasil,
correspondia comigo. O que acho é que nós Brasil, Brasil, Brasil.”
Drummond é superior ao prêmio Nobel. Mário de Andrade, (1893-1945) poeta, romancista, crítico
Você vai entender essa minha independência de arte, musicólogo, professor e ensaísta
de julgar. Quem concede o prêmio Nobel?
Ninguém sabe o que é a Academia de Ciências
de Estocolmo. Você não sabe o valor dos homens que Para Cascudo, a felicidade não é dom nem êxtase:
a compõem. Não conhece nenhum livro, nenhuma está nas menores coisas que encerram a polpa do
frase, nada deles. Eu faço muita questão de conhecer a instante, o sumo da eternidade.”
idoneidade do juiz para julgar a sentença” Sanderson Negreiros, poeta, jornalista e professor

“Não me interessei por nada no mundo. Daí a “Temos muitos escritores importantes, sábios
minha fidelidade mental ao meu trabalho. Sou de alta qualidade, artistas magníficos.
um brasileiro feliz, diz Diógenes. Vivi a minha Temos intelectuais de grande valor.
vida e não a vida indicada pelos outros. Não Mestre, porém, temos poucos. Mestres
fui o que quiseram, fui o que senti, a volição de no sentido amplo da palavra: construtores
ser. Hoje, sou um resto de idade, estou fora do ar, da realidade, da verdade brasileira, assim
tenhos dias eufóricos, compreendeu? O trabalho como Luís da Câmara Cascudo.”
para mim não era maldição. Era como o Jorge Amado, (1912-2001) escritor
trabalho gostoso de fazer um filho. Prazer”.
Julho/2009 5
Nordeste VinteUm
Carta do Editor
“Coisas que o povo diz”
Sumário
Vida fácil não existe. Eis um daqueles axiomas bem difundidos e aceitos
como verdade popular. Há quem não concorde, mas o certo é que, no Nordes-
te, o sentido da frase vence séculos e ainda muito se aplica às nossas mais varia- 08 16 36
das e peculiares condições de existência social. Marcos Aurelio/Ilustração
Economia História Infraestrutura
Basta reler Câmara Cascudo em “Coisas que povo diz”, uma obra leve e di-
vertida, mas, nem por isso, menos erudita. Lá, está pinçada pelo “homem que Edição Nº 03 Como nasceu o Fundo A Inquisição e o Sertão, de Otaviano
descobriu o brasileiro”, logo na abertura do livro, o seguinte verso do trovador Ano I — Julho/2009 Constitucional que, em Vieira Júnior, fala dos “desviantes da
pernambucano, Adelmar Tavares: ““ A verdade popular/ Nem sempre ao sábio Circulação Agosto 2009 20 anos, revolucionou a fé” delatados pelos “Familiares do
condiz,/ Mas há verdade serena/ Nas coisas que o povo diz.” Revista Nordeste VinteUm estrutura produtiva e o Santo Ofício” no interior do Nordeste
Relembramos a passagem a propósito de um artigo da coluna do jornalista Política, Economia, Cultura perfil do Nordeste
Rodrigo de Almeida, editor do Jornal do Brasil, publicada em agosto, pelo jornal www.revistanordestevinteum.com.br
O Povo de Fortaleza, onde ele trata das procissões eleitorais iniciadas no Nor-
deste, este mês, por pré-candidatos tucanos à Presidência da República. Obje-
tivo do roteiro traçado pelo partido: recuperar espaço político na região. Seções Brasil consolida política para
trazer competitividade ao
No rumo do seu comentário final, quando diz que “não haverá vida fácil até
outubro do ano que vem”, Rodrigo de Almeida recorre ao estudo de Cícero Pé- 22. Saberes & Sabores sistema portuário brasileiro

ricles de Carvalho, “um tinhoso professor da Universidade Federal de Alagoas”,


44. Caleidoscópio Capa
46
mostrando que “apenas em Pernambuco e Alagoas, a renda gerada pelo progra-
ma Bolsa-Família é, pelo menos, oito vezes maior do que a da cana-de-açúcar.” 66. Ateliê – Audifax Rios
E que, no Nordeste inteiro, os benefícios previdenciários superam o Fundo de
Participação dos Municípios (FPM) em 70% das localidades. E que, somados,
Previdência e programas sociais atingem mais de dois terços das famílias.
Viram só, que profusão de contraditórias leituras possíveis ao revirarmos a
Especial 24
Câmara Cascudo
Memória
Histórias de identidade com
mistura de tais fatos, prosas e versos populares? Pois, é. E assim caminha, o
nosso sertão de meu Deus. Com seus 27% do eleitorado nacional, mas des-
35. Memória 23 anos depois do Pernambuco e o Brasil nos 90
‘encantamento’, o homem
compensado “feito a gota serena” diante das premências de investimentos. Tão Constitucional do Ceará que descobriu o brasileiro é
anos do Jornal do Commercio
necessários a verdadeira superação dos batidos discursos políticos sobre desi- assunto por todo o Brasil

50
gualdades regionais.
E o que fazer, então? Uma saída seria bradar mais e mais pela retomada do Artigo
debate sobre o desenvolvimentismo na região. Ressuscitar dos Assuntos Estra-
tégicos da União, os pretensos projetos de alavancagem econômica, até agora, 63. Padre Cícero, a santidade e
somente ensaiados. Também pegar e projetar exemplos de agentes dinâmicos e a políticaConstitucional do Ceará Entrevista
transparentes como o BNB, passando a limpo o que realmente mudou nesses
20 anos de FNE.
Daí, continuar cobrando tratamentos diferenciados, porque assim o somos.
Barros Alves

64 56 Raul Lody e as ‘peiticas’ de


saberes e sabores sobre a
história da nossa comida
Temos o legítimo direito ao nosso real quinhão enquanto ente federado secular-
mente desprivilegiado. Não é mesmo, BNDES? Até porque diferenças produ-
Homem
zem diferenças e a lógica dos tratamentos iguais passa longe da nossa História Cultura americano
junto ao Poder central.
Mas, queixas à parte, aqui estamos, com a Nordeste Vinte Um em sua ter- Mestre Vitalino: Porque o patrimônio
ceira edição. Mais vivos, irredentos e universais do que nunca. Feito os “Guer- Editora Assaré Ltda ME A vitalidade dos arqueológico do Piauí é
Rua Waldery Uchôa, 567 A n Benfica
reiros do Sol”, do Brasil profundo de Frederico Pernambucano de Melo. In- significados um tesouro ameaçado
Fortaleza, Ceará n CEP: 60020-110
submissos que só a peste quando tenta se alastrar até o oco do mundo. E não e-mail: assare@editoraassare.com.br
é por feiúra que nos intimidamos ao entrar para a concorrência desse cangaço Fone/fax: (85) 3254.4469
gráfico-editorial.
Na última edição, deixamos o recado: “Confira e cresça junto com a Nordes-
Francisco Bezerra Diretor de Negócios e Relações Marcel Bezerra Editor Adjunto Vladimir Pezzole Editor de Arte Imagem Assessoria de Comunicação Marketing
te Vinte Um”. Desta vez, acrescentamos o agradecimento pela receptividade e Institucionais marcel@editoraassare.com.br arte@editoraassare.com.br imagem.com@secrel.com.br
aceitação crescentes em forma de correspondências e apoiamentos. E por que negocios@editoraassare.com.br Colaboradores Barros Alves, Audifax Rios
não mencionar, os sinceros afagos ao ego de nosotros escribas, durante peram- Flamínio Araripe Editor Adjunto de Ciência e Lucílio Lessa, Samira de Castro e Marcos Aurelio
bulações formais e informais. Orlando Júnior Diretor Administrativo Financeiro Tecnologia e Filipe Palácio Reportagem
adm@editoraassare.com.br editor@editoraassare.com.br reporter@editoraassare.com.br Impressão Pouchain Ramos
Por fim, um abraço da nossa equipe de cangaceiros que lutou para delei- Tiragem 16.000 exemplares
te de seus leitores diante das fornalhas da Inquisição no Ceará, do tesouro Wilton Bezerra Júnior Editor Executivo Claudemir Luis Gazzoni Diretor de Arte Paulo Rocha Repórter Fotográfico
arqueológico ameaçado no Piauí, da avalanche de números sobre o BNB e editor@editoraassare.com.br arte@editoraassare.com.br reporter@editoraassare.com.br
o FNE-20 anos e da magnificência da obra do homem chamado Brasil, Luís wiltonbezerrajunior@gmail.com
da Câmara Cascudo.
TODOS OS DIREITOS SÃO RESERVADOS. É proibida a reprodução total ou parcial, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos,
fotográficos, reprográficos, fonográficos e videográficos ou qualquer outro meio ou processo existente ou que venha a ser criado.

6 Julho/2009 Julho/2009 7
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
ECONOMIA

FNE 20 Anos H á 20 anos, não se pode- mais pobres e a elite do Sudeste.


ria imaginar que o Cariri, “Essa conquista e outras mais, que “Velha Sudene”
região ao Sul do Ceará, compõem uma série de dispositivos
abrigaria o terceiro maior pólo cal- em benefício dessas três regiões, re- “MEA CULPA” DO
çadista do Brasil, com uma produ- sultaram de negociações, principal- PODER CENTRAL
ção, em 2008, de 100 milhões de mente com a bancada do Sudeste, AO INSTITUIR FUNDO
pares e um faturamento de US$ 2 liderada por José Serra (SP)”, conta

A diferença que produz diferença


milhões. Ou que o município de Cláudio Ferreira Lima.
Ipojuca, em Pernambuco, ergues- O economista destaca, além
se Suape, um complexo industrial dos três deputados, os senadores
e portuário dos mais competitivos Virgílio Távora (CE), Mauro Bene-
Por Samira de Castro / redacao@nordestevinteum.com.br do País. Ou que por estas bandas vides (CE) e Teotônio Vilela Filho
aportassem grandes redes varejis- (AL)— que incluíram a obrigato-
tas, algumas até de capital inter- riedade de aplicação de 50% do
nacional, disputando vantagens FNE no semi-árido — e o deputa-
competitivas de logística e um do Alberico Cordeiro (AL), segun-
mercado consumidor crescente, do secretário da Câmara dos De- Henrique Marinho, econo-
como Carrefour e Wal-Mart. putados. “Seu gabinete funcionava mista e professor da Universida-
No final dos anos 1980, “a dé- como o quartel general da bancada de de Fortaleza (Unifor), analisa
cada perdida”, como dizem os eco- do Nordeste”. a aprovação do FNE como uma
nomistas, o cenário que se tinha do Garantido o dispositivo consti- mea culpa do poder central em
Nordeste ainda era muito marcado tucional, a regulamentação do FNE relação às falhas do processo de
pelas grandes secas ocorridas nos se deu a partir de projeto de lei do incentivos fiscais da “velha” Su-
anos 70, a produzir grandes levas deputado Firmo de Castro, que dene. Neste sentido, a criação
de retirantes, cujo caminho fatalista teve como relatores de mérito José do fundo tem proporcionado à
apontava para uma vida de privações Luiz Maia (PI), na Câmara, e Mau- região Nordeste um importante
nos centros urbanos do Sudeste. ro Benevides, no Senado. “Aprova- instrumento de desenvolvimen-
A história da região começou do nas duas Casas do Congresso, to da economia por intermédio
a mudar, literalmente, à época da o FNE foi remetido para sanção do crédito.
Constituinte de 1987-1988, quan- no dia 22 de setembro de 1989 e “E o Banco do Nordeste
do três deputados federais — Firmo sancionado por Paes de Andrade, (BNB)”, acredita Marinho, “tem
de Castro (CE), Fernando Coelho então na presidência da República, se mostrado um agente catali-
(PE) e Benito Gama (BA) — cria- cinco dias depois. Um recorde!”, sador desse desenvolvimento,
ram, na Subcomissão de Tributos, destaca o economista, que assesso- democratizando, ao máximo
um fundo de 2% sobre Imposto de rava a bancada nordestina. possível, a distribuição dos re-
Renda e Imposto sobre Produtos Nestes 20 anos de FNE, como cursos entre os estados e entre
Industrializados (IPI) para o finan- reflexo de um conjunto de mudan- as empresas, desde as micros
ciamento do setor produtivo do ças na condução da política econô- até os grandes projetos”.
Norte e Nordeste. mica brasileira, com impacto sobre Para o economista, “nesses
“Logo a seguir, houve acordo a inserção do País no mercado glo- anos todos, o FNE fez a diferença
com a bancada do Centro-Oeste, bal, a estrutura produtiva nacional e, principalmente, na atual ges-
e o fundo passou para 3%”. Quem foi extremamente alterada. O mes- tão”. A destinação e o volume dos
recorda é o economista Cláudio mo aconteceu com o Nordeste, que recursos têm colaborado para
Ferreira Lima. Ali começava a nas- passou a apresentar um ganho de que o crescimento regional, não
cer o Fundo Constitucional de Fi- peso no setor manufatureiro. Em- somente dos grandes projetos,
nanciamento do Nordeste (FNE), bora tímidas em relação às de ou- mas essencialmente dos peque-
Uma histórica queda de braço sócio-política e econômica gerada no clamor que injetou na economia regional, tras regiões como Sul, Centro-Oes- nos, como Pronaf, o crédito soli-
pela redução das desigualdades intra e inter-regionais resultou, em duas nos últimos 20 anos (até junho de te e Norte, as Contas Regionais da dário do programa Crediamigo,
2009), R$ 56,3 bilhões. indústria nordestina de manufatura linhas para capital de giro, entre
décadas, num impacto de R$ 56,8 bilhões em indução ao desenvolvimento A garantia de recursos para o passaram de 8,9%, em 1990, para outros, proporcionando uma sig-
do Nordeste. Saiba nesta reportagem como a batalha pela instituição do desenvolvimento das regiões mais 9,2% em 2006 — último ano com nificativa melhora na distribuição
pobres do País foi uma queda de informação disponível — do Valor de renda regional.
Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE) contribuiu para braço entre as bancadas das regiões Adicionado Bruto da economia.
transformar a estrutura produtiva da região e o perfil da sua economia

8 Julho/2009 Julho/2009 9
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
Política regional
DOS MINGUADOS DO FINOR AOS NÚMEROS
R$ 50 BI E 1.989 MUNICÍPIOS ATENDIDOS
Em 20 anos, R$ 56,8 bilhões
Lacunas de planejamento preenchidas pelo FNE
Até 1989, os estados nordestinos contavam com min-
guados recursos do Fundo de Investimentos do Nordeste do FNE aplicados em indução ao Para Cláudio Ferreira Lima, o primário para pagar o serviço da dí- oito anos (de 1995 a 2002), foram
(Finor). “O Banco do Nordeste dependia principalmente
de depósitos do Programa de Integração Nacional (PIN) e
desenvolvimento do Nordeste FNE mantém até hoje seu objeti- vida —, sem mais os bancos estadu- aplicados apenas R$ 12,5 bilhões,
vo, de suprir a lacuna da falta de ais — a maioria, privatizada -, com contra R$ 32,7 bilhões, de 2003 a
do Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à planejamento de políticas públicas reduzidos investimentos do governo junho de 2009 (seis anos e meio).
Agroindústria do Norte e do Nordeste (Proterra), que per-
maneciam no Banco durante 15 dias. Não havia pratica-
50% no semi-árido é a capazes de dar conta das desigual- federal em infraestrutura, ainda por “Como se vê, a realidade do FNE
obrigatoriedade de aplicação dades de um país continental como cima, o FNE recuou”, diz Lima. mudou da água para o vinho!”,
mente recursos estáveis para o financiamento do desen- o Brasil. “Só mais recentemente, no A preços de junho de 2009, em comemora.
volvimento do Nordeste”, comenta Cláudio Ferreira Lima. dos recursos do FNE governo Lula, é que se vem recu- E, daí para frente, mesmo com
Uma página virada no histórico da política regional. perando o planejamento regional; é crise e tudo, o economista diz que o
Hoje, o FNE atende a 1.989 municípios situados nos
nove estados da região Nordeste e no norte dos estados 1,8 bilhão de reais é o que se voltou a investir em infraes- curto
As operações de horizonte é de mais do que a luz no
do Espírito Santo e Minas Gerais, incluindo os Vales do Je- patrimônio do BNB
trutura com o Programa de Ace-
leração do Crescimento, o PAC”, prazo crédito
e de
fim do túnel. “Estamos saindo dele
e descortinando novos horizontes,
quitinhonha e do Mucuri – área de atuação legal do BNB.
“O Fundo, a preços de hoje, realizou, nos 20 anos de sua
reforça. comercial do BNB em que o pré-sal, pelo expressivo
em 2009 cresceram
No vácuo deixado pelo poder aumento da capacidade de investi-
existência, contratações superiores a R$ 50 bilhões. É um A participação média anual do central, os estados acabaram lançan- mento público que trará, é uma das
número razoável em qualquer língua”, acentua o economis-
ta, lembrando que o Ceará foi um dos principais benefici- FNE, no total dos financiamentos do mão dos incentivos fiscais a fim 110,8% e 124%, maiores promessas para se resolver a
de atrair investimentos produtivos. questão regional no Brasil. E vamos
ários, com cerca de 16% desses recursos nos setores rural, de longo prazo na região, ficou no “Não era para menos. É bom recor- respectivamente, sobre lutar para que parcela importante
agroindustrial, industrial, de comércio e serviços e infraes-
trutura. “Um bom resultado se levarmos em conta que o
percentual de 65% no período dar que, nos anos 1990 e começo igual período de 2008 desses recursos venha para o finan-
Estado representa cerca de 14,5% do Produto Interno Bruto de 1994 a 2007 dos 2000, sem política regional — a
política do País era gerar superávit
ciamento do desenvolvimento do
Nordeste”.
(PIB) do Nordeste”.

Confiança
À busca de novas fontes

Crise faz o BNB ampliar volume de crédito em 40,5%


Recursos acabam sendo poucos Sem tomar conhecimento da tão falada crise fi-

pelo dinamismo do financiamento nanceira internacional, no primeiro semestre deste


ano, o BNB contratou R$ 8,4 bilhões, para um to-
tal de 957 mil operações, registrando crescimento de
A preços constantes, quando Econômico e Social, o BNDES”. 40,5% no volume de crédito, em comparação aos va-
lores aplicados no mesmo período do ano passado. O
começou, no período 1989-1994, o A maior parcela dos recursos Roberto Smith, presidente do BNB
valor total de empréstimos subiu de R$ 5,9 bilhões
FNE contava com a média anual de aplicados via FNE dirigiu-se ao fi-
para R$ 8,3 bilhões.
recursos da ordem de R$ 1,9 bilhão. nanciamento rural (52%), seguindo-
Entre 1994-2002, o bolo caiu para se, pela ordem, o financiamento A solução que está sendo Do montante contratado, R$ 3,9 bilhões, relativos
a 172 mil empréstimos, correspondem a operações no
R$ 1,6 bilhão, mas saltou para R$ 5
bilhões entre 2003 até junho deste
industrial (25%), de comércio e ser-
viços (10%), de infraestrutura (9%)
posta em prática pelo âmbito do FNE, hoje a principal fonte de recursos do
Banco. O incremento foi da ordem de 12,4% em re-
ano. Cláudio Ferreira Lima lembra e o agroindustrial (4%). “O FNE, próprio presidente Roberto lação à igual período de 2008. “O Banco do Nordeste
que a atual gestão do BNB imprimiu portanto, está presente em todos contribuiu de forma expressiva no combate aos efeitos
um dinamismo tal ao financiamento os setores produtivos da economia Smith é a busca de novas da crise financeira mundial na região nordestina”, des-
taca seu presidente, Roberto Smith.
do desenvolvimento regional, que os
recursos do FNE se tornaram pou-
nordestina. Agricultura familiar ou
empresarial, micro, pequena, mé-
fontes de recursos, como Smith tem reiterado que os recursos do FNE pa-
cos. “A solução que está sendo posta
em prática pelo próprio presidente
dia ou grande empresa, os princi-
pais empreendimentos privados
por exemplo, no Banco de recem ter ficado “pequenos” para as necessidades do
setor produtivo regional. O que não chega a ser visto
Roberto Smith é a busca de novas do Nordeste, independente do seu Desenvolvimento Econômico como um gargalo no BNB. “É bem verdade”, admite o
presidente, “que o Banco teve de buscar novos parâme-
fontes de recursos, como por exem-
plo, no Banco de Desenvolvimento
porte, contam com o apoio do Fun-
do”, ressalta. e Social, o BNDES tros para aperfeiçoar as aplicações do FNE, cujas cifras
Cláudio Ferreira Lima, economista

10 Julho/2009 Julho/2009 11
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
previstas para este ano estão entre no mínimo de 11% — quase chegou MICROCRÉDITO PRODUTIVO:
R$ 8,8 bilhões a R$ 11,5 bilhões”. Só
em carteira, o banco já tem R$ 3,8
bilhões, além de cartas-consulta da
As Contas Regionais
da indústria
ao seu limite neste semestre: 11,5%.
“Estamos numa trajetória perigo-
sa, mas isso significa que os recursos
ALCANCE SOCIAL
ordem de R$ 3,1 bilhões, fora R$ 4,5 estão sendo aplicados com eficiên- Produto de extremo alcance social do BNB, o Cre-
bilhões contratados até julho. nordestina de cia. Tivemos uma retração nas con- diamigo apresentou contratações da ordem de R$ 663,8
Para atender a tamanhas neces- tratações para não chegar aos 11% milhões, para um total de 572,2 mil operações, no pri-
sidades, o BNB aguarda a concreti- manufatura passaram de em junho. Mas em julho começou a meiro semestre de 2009. A carteira do microcrédito
zação de repasse da ordem de R$ 4 8,9%, em 1990, para normalizar”, diz Smith, destacando produtivo orientado apresentou aumento de 43,5% em

9,2% em 2006 —
bilhões do BNDES. “Essas conversa- que, no primeiro semestre, o patri- relação ao valor contratado nos seis primeiros meses do
ções com o BNDES vão buscar su- mônio líquido do BNB fechou em exercício anterior.
prir a demanda, de forma que, neste último ano com informação R$ 1,8 bilhão. Um fôlego considerá-
momento, a gente não deixe de aten- vel, tendo em vista que o BNB não é
der o setor produtivo”, comenta.
O Índice de Basiléia — que de-
disponível — do Valor um banco de varejo e sim uma insti-
tuição pública de fomento regional. MICRO E PEQUENAS EMPRESAS:
MERCADO CRESCE
termina que a relação percentual do Adicionado Bruto da “Temos importante participação em Já as aplicações destinadas a micro e pequenas em-
patrimônio líquido do banco sobre economia investimentos do PAC, daí o cresci- presas (MPEs) alcançaram, de janeiro a junho último, o
montante de R$ 765,4 milhões para um total de 38 mil
os seus ativos, ponderados pelos res- mento constante das aplicações do
pectivos fatores de risco, tem de ser FNE em infraestrutura”. operações contratadas, resultado que eleva em 55% o de-
O Banco tem primado por melhorar sempenho do banco nesta área, em termos de valores con-
tratados, comparando-se a igual período de 2008.
o atendimento às micro e pequenas Para Roberto Smith, a evolução dos empréstimos no
segmento de MPEs é estratégica, e o BNB tem atuado
Políticas contra-cíclicas
empresas, porque vislumbramos de maneira a tornar o crédito para o segmento mais ágil e

No vácuo dos bancos privados,


simplificado. Entre as ações citadas pelo presidente nes-
significativa ampliação desse se sentido, está a junção das áreas de microcrédito, con-
siderada a mais tecnificada do banco, com a de MPEs
mercado. Estamos crescendo, mas
desempenho do banco se projeta
dentro da mesma Superintendência. “O banco tem pri-
mado por melhorar o atendimento às micro e pequenas
devemos crescer muito mais empresas, porque vislumbramos significativa ampliação
desse mercado. Estamos crescendo, mas devemos cres-
Roberto Smith , presidente do BNB cer muito mais”, afirma.

O
s resultados operacionais do BNB no
semestre demonstram o papel estraté-

AGRICULTURA FAMILIAR:
gico da instituição, que contribuiu de
forma expressiva no combate aos efeitos da crise

AMPLIAÇÃO DO
www.asbraer.org.br
financeira mundial no Nordeste. Para se ter uma
idéia, as operações de curto prazo e de crédito
comercial cresceram 110,8% e 124%, respecti-
vamente, sobre igual período de 2008.
Para Smith, o desempenho positivo destas
carteiras está vinculado às políticas públicas con-
tra-cíclicas, que foram fundamentais para mini-
PRONAF
Com relação ao Programa Nacional de Fortaleci-
mizar os efeitos da crise econômica na região. mento da Agricultura Familiar (Pronaf), o BNB con-
“Os investidores perceberam que este era um tratou o volume de R$ 373,1 milhões no primeiro se-
bom momento para pular a crise, aproveitando- mestre de 2009, para um total de 158 mil operações.
se das boas condições de financiamento ofereci- Do montante total contratado no Pronaf, o valor de R$
das pelo BNB, que conquistou parte do mercado 172,4 milhões foi aplicado no Programa de Microcrédi-
deixado pelos bancos privados”, explica Smith. to Rural do BNB, o Agroamigo, com aproximadamente
Os contratos de longo prazo, abrangendo 123 mil operações realizadas, resultando no acréscimo
financiamentos aos setores rural, industrial, in- de 65,4% no valor contratado quando comparado ao
fraestrutura, comércio e serviços, representam a primeiro semestre de 2008. Nos seis primeiros meses
maior parte dos recursos contratados no semes- do ano, o Banco regularizou operações que estavam
tre, totalizando R$ 5,1 bilhões, distribuídos em em situação de atraso no total de R$ 489,4 milhões,
177 mil operações. valor que será reinvestido na economia regional.

12 Julho/2009 Julho/2009 13
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
José Cruz/ABr

Fundos Constitucionais

Transparência na aplicação, grandes e pequenos nivelados


Projeto quer exclusivo financiamento
A
proposta de Guimarães, (Etene), José Sydrião de Alencar

Regional e fim da sangria de recursos restringindo a aplicação dos


recursos nas regiões onde
forem contratadas as operações,
tem intenção de ratificar o objeti-
Júnior, os fundos têm um papel im-
portante contra ciclos econômicos,
que deveria ser realçado neste mo-
mento de crise. Apesar de se mos-
vo desses fundos, conferindo ain- trar otimista quanto às captações
da mais transparência à aplicação do BNB, ele disse que o governo
e colocando no mesmo patamar os precisa encarar os fundos como
grandes e os pequenos. “Juntos, uma ferramenta de combate à cri-
eles devem contribuir para o cres- se, principalmente no campo.
cimento das três regiões, promo- O BNB responde por 60% do
vendo o desenvolvimento através Os fundos têm um papel crédito rural no Nordeste. Nos úl-
da geração de emprego e renda, timos meses, o banco substituiu as
fixação do homem no campo em importante contra “tradings” — multinacionais que
condições dignas de sobrevivência ciclos econômicos, que financiam o setor agroexportador -
e, finalmente, diminuindo as dispa-
ridades regionais”.
deveria ser realçado nos pólos mais dinâmicos da região,
como o sul do Piauí e do Maranhão,
“De acordo com o superinten- neste momento de crise onde se produz soja. “Se não fosse
dente do Escritório Técnico de o banco, não haveria crédito”, diz o
Estudos Econômicos do Nordeste José Sydrião, superintendente do Etene superintendente do Etene.
Nossa expectativa é de que a matéria
seja aprovada até o fim deste ano Pronaf e menos taxa

José Guimarães, deputado federal (PT-CE)


70% da comida na mesa e Biodiesel teve prioridade
estímulo a micro e pequenos
A
Comissão de Finanças e Tributação da substituto, deputado Pepe Vargas (PT-RS). Na opi-
Câmara dos Deputados aprovou o Pro- nião dos parlamentares, o projeto é conveniente e O parlamentar lembra que os fundos estimulam
o fortalecimento dos setores produtivos dessas regi-
jeto de Lei 2688/07, do deputado fede- oportuno porque evita a dispersão dos recursos, ões. “Em importantes segmentos econômicos, como
ral José Guimarães (PT-CE), que exige que os assegura sua aplicação e, portanto, contribui para a aqüicultura e pesca; indústria, agroindústria e tu-
recursos obtidos dos fundos constitucionais de reduzir as disparidades regionais. rismo regional; comércio e serviços; infraestrutura
financiamento do Norte (FNO), do Nordeste De acordo com Guimarães, o projeto pretende programas especiais, onde se destaca o Programa
(FNE) e do Centro-Oeste (FCO) sejam investi- assegurar a exclusividade da aplicação dos recursos Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
dos exclusivamente nessas regiões. captados principalmente nos casos de grandes em- (Pronaf)”, comenta.
A agricultura familiar é exemplo emblemático da Pensando no desenvolvimento sustentável, a partir
Já aprovado também pela Comissão da Ama- preendimentos ou projetos de infraestrutura que, atuação dos fundos constitucionais, uma vez que esta de 2007, por determinação do Ministério da Integração
zônia, Integração Nacional e de Desenvolvimen- muitas vezes, têm uma atuação inter-regional. atividade responde por cerca de 70% da comida que Nacional, os empreendimentos voltados para a produção
to Regional, o projeto segue para a Comissão de “Os fundos precisam ser fortalecidos e ter chega à mesa dos brasileiros. de biodiesel passaram a ter prioridade na liberação de
Constituição e Justiça e de Cidadania. Sujeita a seus recursos ampliados, tendo em vista que o Guimarães comenta que, em novembro de recursos dos fundos constitucionais.
análise em caráter conclusivo, a proposta não pre- BNB tem batido todos os recordes na aplicação 2006, o decreto nº 5.951 reduziu as taxas dos fi- O crédito concede apoio tanto aos projetos agríco-
nanciamentos no âmbito do FNE, FNO e FCO, las direcionados para a produção de oleaginosas, que
cisa ser votada em plenário. do FNE”, lembra o parlamentar, citando que, em
tornando-as as mais baixas do País e consolidando são matérias-primas do biodiesel, quanto aos indus-
“Nossa expectativa é de que a matéria seja 2002, as aplicações do fundo eram de minguados esses instrumentos como uma das principais fontes triais, para implantação de usinas de beneficiamento.
aprovada até o fim deste ano”, comenta o par- R$ 245 milhões por ano, saltando para R$ 4 bi- de recursos para micro e pequenos empreendedores A medida assegurou, no primeiro trimestre da-
lamentar, coordenador da bancada cearense no lhões no exercício passado. e agricultores familiares. quele ano, um crescimento de 45% do volume de em-
Congresso Nacional. Ele considera sua aprova- Ele argumenta que é preciso estabelecer nor- “A redução contemplou também, ainda que de for- préstimos em relação ao mesmo período de 2006, com
ção uma homenagem aos deputados e senado- mas mais rígidas, evitando uma possível sangria ma diferenciada, os grandes projetos industriais e de destaque para as regiões Norte, com o maior índice de
infraestrutura, conferindo ao FNE, FNO e FCO uma crescimento do período, de 58% sobre 2006, seguido
res, em especial os do Nordeste, que tanto luta- do dinheiro destinado às regiões menos favoreci-
abrangência especial, uma vez que o acesso ao crédito é pelo Nordeste, com 44,5% e R$ 1,1 bilhão contrata-
ram na Constituinte de 1988. das. “O BNB é extremamente criterioso com os possível ao grande e ao pequeno em condições favorá- dos. “Desses financiamentos, a maioria expressiva são
A comissão acompanhou o parecer do relator, recursos, mas se faz necessário reiterar a impor- veis tanto para a contratação, quanto para o pagamento, para o semi-árido nordestino e para a Amazônia”, des-
deputado Manoel Junior (PSB-PB), e do relator- tância da aplicação exclusiva”, pontua. com prazos e carências especiais”, reforça. taca o coordenador da bancada cearense.

14 Julho/2009 Julho/2009 15
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
HISTÓRIA
éculo XVIII. “Um índio chamado
Dom Francisco reúne homens e
Inquisição x “desviantes da fé” mulheres nus à beira de um rio. No
grupo há esposas, filhas e até netas
dos presentes. O ritual, regado pela
beberagem da Jurema e ritmado em danças”,
não inclui relações sexuais como tradicional
Nas pesquisas em documentos do Instituto de
forma de purificação. Mas, no meio da cerimô-
Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, em Lisboa,
nia, “um menino de ‘cabelos dourados e olhos Otaviano Vieira encontrou pelo menos 40 casos de
de fogo’ desce e inicia uma espécie de processo denúncias dos “desviantes da fé” no Ceará. “O número
de cura. É o menino voador”. é, provavelmente”, segundo o autor, “bem inferior ao
A descrição compõe o texto da denúncia existente naquelas estantes”. Ele também explica que
de ritual pagão, uma aclimatação do Sabá eu- deve-se levar em conta os casos que iniciaram em
ropeu, feita por espiões do Tribunal do Santo qualquer parte do império lusitano e terminaram no
Oficio, a temida Inquisição, criada na Idade Ceará. “Não nos esqueçamos da intensa mobilidade
Média para “combater os que ameaçavam” as que marcava as possessões portuguesas”
doutrinas católicas, no período de 1536 a 1821. Embora haja lacunas em relação aos documentos
E, enquanto a cena remete aos típicos casos de sobre a região, percebe-se a variedade dos “delitos”
suspeita de bruxaria desse período, o local do relatados. Desde casos de feitiçaria e bigamia, até
episódio prima pelo inusitado: Sobral, cidade padres que revelavam segredos de confissão. Além do
do interior do Ceará, localizada a 250 quilôme- município de Sobral, constam episódios em Aracati, Icó,
tros de Fortaleza. Crato (“Cariris Novos”), Missão Velha (“Missão Nova”),
Quem conta a passagem é o historiador Russas, Morada Nova, Fortaleza, Quixeramobim, Granja,
cearense Otaviano Vieira Júnior. Em meados Camocim e serras de Guaramiranga e Ibiapaba,
deste ano, o pesquisador lançou o livro A Inqui- Em relação ao território brasileiro, são imprecisos
os números de processos no Tribunal de Lisboa, visto
sição e o Sertão. A obra revela que, assim como
que a logística de composição dos arquivos foi mon-
outras isoladas capitanias, o Ceará surpreen-
tada em ordem alfabética, não discriminando os pro-
dentemente não passou incólume pelas tramas,
cessos por região. Ao todo, o Santo Ofício em Lisboa
perseguições e condenações do Santo Ofício. registrou mais de 10 mil processos. Entre 1536 e 1605,
Mesmo que os episódios não estivessem ne- dos acusados em 3.376 processos, 256 acabaram na
cessariamente relacionados ao fim trágico nas fogueira. De 1606 a 1674, dos 3.210 processos, 337
brasas das grandes fogueiras. réus também tiveram o mesmo fim. De 1675 a 1750,
O ceticismo que o autor denota a veracida- dos 2.844 processados, 209 conheceram as chamas da
de de parte das denúncias e, ao mesmo tempo, Igreja. De 1751 a 1767, o número de processos caiu
à total inocência de alguns acusados, faz com para 296. Nove acabaram condenados.
que o livro escape da armadilha maniqueísta As sentenças variavam entre açoite público,
comum ao tema. A própria denúncia de Sabá, degredo, fogueira, orações e admoestação, além de
que inclusive ficou relegada às “considerações trabalhos forçados nas famigeradas galés, o que equi-
que não são finais” da obra, aponta esse cami- valia à pena de morte.
nho. “Não sei se o que aconteceu foi realmente
um Sabá, pois tudo era visto sob o olhar da In-
quisição”, considera Otaviano. Torre do Tombo
No Ceará e no Brasil, a vigilância da Igreja
Por Lucílio Lessa / redacao@nordestevinteum.com.br Católica ficava sob a batuta de quem mandava
em Portugal. Lá, eram recebidas denúncias de
“condutas inapropriadas” por espiões infiltra-
pesar de não ter sido um palco presencial das chamas do Santo Ofício, o Ceará desponta no dos em cada região, os chamados “Familiares
cenário inquisitorial como uma região em que delatar o próximo não era só um “ato de fé”, mas da Inquisição”.
A partir daí, os acusados eram investigados
uma forma de promoção social mesmo em terras ainda inócuas, de incipiente povoamento. As por comissários e demais funcionários inquisi-
histórias são contadas pelo historiador e pesquisador cearense Otaviano Vieira em seu livro: A Inquisição toriais. Dentre eles, os “visitadores eclesiáticos
e o Sertão. Painel de uma época do Ceará, até então desconhecida do grande público, o trabalho revirou os ibéricos”. Após a análise da situação, era deci-
dido se a acusação procedia. Sendo afirmativo,
arquivos da Universidade de Lisboa, durante um pós-doutoramento, para encontrar vestígios coloniais de os réus eram enviados a uma prisão secreta, em
um tenso passado sertanejo. Sob o medo do implacável fogo católico. terras portuguesas.
16 Julho/2009 Julho/2009 17
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
A páginas tantas de A Inquisição uma milícia voluntária
e o Sertão, o autor apresenta a figu- sob as ordens do Santo
Hoje, a Inquisição associada apenas ao estrangeiro, é lugar comum que já ra polêmica do Familiar. Sobre essa Ofício. Embora a nome-
caiu por terra faz tempo entre nações do “Novo Mundo”. Embora o tenebroso categoria, sabe-se que teve início no ação “corresse à boca-
Pela pouca importância
espetáculo final ficasse reservado a Portugal, a máquina da vigilância inquisi- final do século XVI, em Portugal. Era miúda”, ser Familiar re-
econômica que possuía, o Ceará
torial no Brasil tinha seus sórdidos desdobramentos em várias regiões. É o caso estava em tudo subordinado formada por “homens e mulheres de presentava essencialmente status. O
do Nordeste, como agora também prova o arquivo lisboeta sobre o Ceará. moral e conduta irrepreensíveis” aos motivo era a forma como se obtinha cava constatar se ele tinha ou não
a Pernambuco. As igrejas, por
Otaviano relata que houve visitações do Santo Ofício à Bahia, em 1591 e exemplo, se reportavam ao olhos da Igreja. Sua função: ser “os a honraria. sangue judeu, se possuía parentes
1618, a Pernambuco, no ano de 1593, e ao Grão Pará e Maranhão, em 1763. Bispado de Olinda. Todas as olhos da Inquisição”. Na verdade, os Para começar, todos as despesas negros, se havia sido réu do Tribu-
Mas, existe a possibilidade de terem sido realizadas outras missões em solo denúncias locais eram enviadas delatores. da habilitação ficavam às custas do nal do Santo Ofício, se tinha alguma
nordestino. E, embora o Ceará nunca tivesse recebido a visita do Santo Ofício, a Recife. Essa distância compro- E para quem acredita que a fé candidato. Assim, era necessário que mácula moral, entre outros aspectos.
o fato é que nem por isso foi menos afetado. metia as ações do Santo Ofício, era o que movia os aspirantes à fun- ele tivesse posses, mas a habilitação Ao final, testemunhas eram chama-
A presença da Inquisição na região se intensificou à medida que avançava já que ao contrário de Pernam- ção, considere que ser indicado pela era um processo lento. Exigia inclu- das para ratificar as informações do
o processo de colonização, na segunda metade do século XVIII. Os vitimados buco, a região não dispunha de Igreja a ser um Familiar era, sobre- sive o envio de documentação entre candidato.
sofreram não só com as denúncias e condenações, mas sobretudo pelo clima um comissário local. tudo, um passaporte de ascensão so- Brasil e Portugal. Em sua pesquisa, O isolamento administrativo em
cotidiano de medo do olhar inquisitorial entre as populações, que estigmatiza- Investigações acabavam cial. Numa sociedade estamentária Otaviano encontrou cerca de 20 no- que se encontrava o Ceará permi-
vam quem não seguia à risca a orientação da Igreja. deficientes, prejudicando o como a do período colonial, valia-se mes de Familiares no Ceará. Entre tia nomeações que burlavam o rigor
resultado para o bem ou para não só pelo patrimônio, mas pela fi- eles, representantes dos Costa, Bar- defendido pelo Santo Ofício. Prova
o mal do acusado. Apenas em liação. Toda a árvore genealógica do ros, Pinto, Martins, Feitosa, Alves, disso é que a grande maioria dos
No painel da época, o então denominado 1859, o Bispado do Ceará foi candidato era investigada. Macedo, Sousa, Braga, Fialho, Ri- Familiares era composta por comer-
Siará-Grande, era conhecido como Sertão, capitania anexa de Pernambuco. criado. Quanto aos relatores das A obrigação do Familiar era de- beiro e Pessoa. “Mas é importante ciantes. “Por serem pessoas original-
Daí, o título do livro de Otaviano. Mas, recomenda-se ignorar o termo como denúncias, normalmente cléri- nunciar pessoalmente ou por carta advertir que estamos falando de in- mente pobres e que fizeram dinheiro
algo relacionado ao clima, vegetação ou aridez do solo. A capitania era co- gos e familiares, esses registra- com o comércio, eles buscavam o
aos inquisitores, as situações avalia- divíduos e não de famílias inteiras”,
nhecida como tal por se tratar de um local ermo, ignorado pelas autoridades vam os casos no papel. Juntas, reconhecimento”, diz Otaviano. E
das como ofensivas à santa fé, além considera Otaviano.
e composto por pequenas vilas. as anotações compunham os
de efetuar prisões ou verificar de- Os aspirantes ao título tinham por viajarem por várias cidades, os
Cadernos do Promotor. Uma
núncias. toda a sua vida, bem como a de sua comerciantes acabavam sendo o foco
espécie de rol de denúncias que
Através do título, possibilitou-se família e antepassados, alvo de uma do Santo Ofício para a composição
eram enviadas ao Santo Ofício
e serviam como base para a no Ceará a formação de uma elite, minuciosa investigação. A Igreja bus- da teia de vigilância da Inquisição.
formação dos processos.
ESTIMATIVAS DE POPULAÇÃO AO FINAL DO SÉCULO XVIII Conforme as denúncias
“Perspecto da Villa da Fortaleza”, original manuscrito do Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro, 1811
aumentavam em número,
os espiões da Inquisição, ou
Brasil – 2,85 milhões melhor, os Familiares, emergiam
Minas Gerais – 650 mil no cenário social como um
novo parâmetro de modelo de
Bahia – 530 mil conduta. Um personagem que
Pernambuco – 480 mil encontrava na denúncia, muitas
vezes leviana, uma forma de
Rio de Janeiro – 380 mil ascensão nas terras da caatinga.
Mas, quem eram os Familiares?
Ceará +/- 65 mil habitantes. No século XVIII, uma fronteira
aberta para a pecuária. A agricultura era de subsistência e
somente o final do século iria se consolidar em termos mer-
cantis na cultura algodoeira. O Estado chega a se posicionar
entre quinta ou sexta província em tamanho de população
apenas no século XIX.

18 Julho/2009 Julho/2009 19
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
O candidato a
familiar seria
alvo de uma
sistemática e
tivesse uma cruz vermelha, era sinal
de que havia se reconciliado com a rigorosa in-
Igreja. Se fosse o seu retrato rodea- vestigação. O
do de chamas, é porque não havia se objetivo dessa
arrependido. pesquisa era
Pelo sigilo dos processos, o pú- saber se o habilitado
Outro caso foi o do pároco blico só conhecia a sentença duran- tinha, na sua linhagem, san-
da comarca de Cariris Novos, te o percurso da procissão. O encar-
padre Antônio Macedo. Após gue judeu, mouro ou mula-
regado do retrato o fazia espreitando to, se tinha algum parente
iniciar sua empreitada para o condenado, em segredo.
ser Familiar do Santo Ofício, o que fora réu do Santo Ofí-
ruxaria, sexualidade, briga de famílias, varíola. religioso teve sua vida pregres-
No cortejo, havia também os
cio, se tinha alguma mácula
condenados a penas mais brandas.
Alguns casos sobre o Ceará chamaram a atenção de sa levantada. O resultado foi, no
Os menos graves à frente e os mais moral no seu passado, se
mínimo, curioso: havia tido dois
Otaviano Vieira e são revividos no livro. O “passeio” graves atrás. Segurando o estandar- tinha patrimônio suficiente
filhos ilegítimos na juventude
com uma tal Josefa. As crianças te da Inquisição, ficava um grupo para viver decentemente,
teve início em artigos do Barão de Studart e do historiador Luiz não haviam sido registradas. de Dominicanos, os chamados pri- se sabia ler e escrever
Mott, que discorriam sobre casos de bigamia e sodomia envolvendo Uma delas, inclusive, também meiros Cães de Deus. O andar dos
chamada Antônio, foi deixada acusados era um espetáculo à parte.
habitantes da capitania subalterna. na porta da casa da mãe do A solene execução da pena de Sofridos, eles denunciavam os dias
padre, dona Ana Maria. Detalhe: morte na Inquisição começava a na tortura. O processo de habilitação
Antônio Macedo tornou-se se agitar no início na semana. Os Antes da execução, que para como Familiar do Santo
ainda padrinho da criança. Familiares do Santo Ofício já ha- não sujar as mãos da Igreja era fei- Ofício instigava muitas
A situação não era des- viam distribuído o “Édito da Gra- ta por populares classificados como vezes a fabricação de
Em um dos processos encontrados por Otaviano na Torre do Tombo, estava o conhecida das testemunhas ça” junto ao clero, uma espécie de o “poder leigo”, era dada a última origens principalmente
caso do morador da cidade de Russas, Miguel Alves de Faria Pita. Preso na Semana de Antônio no processo de indulto de crime. Os religiosos o oportunidade de arrependimento. em regiões, como o Ceará,
Santa de 1782, Miguel foi enviado a Recife, para depois partir para os cárceres de habilitação. O próprio padre leriam na Missa do domingo ante- As bases da fogueira normal-
que havia batizado o filho de onde o rigor do processo
Lisboa. Sobre ele pesava a acusação de falso testemunho. Anos antes havia confir- rior à execução. mente eram simples. Cubos forma-
Antônio, e que por sinal sabia se confrontava com a
mado que um amigo casado seria solteiro, para este poder se casar novamente. Ao chegar o dia da sentença, o dos com toros cruzados. Sobre eles,
Na intenção de “fazer as pazes com Deus”, Miguel acabou revelando tem- da sua condição de pai, enviara público se espalhava no caminho um banco apoiado num tronco ver- ausência de legítimos e
pos depois que havia mentido. E, enquanto o bígamo conseguiu escapar da à Inquisição uma carta em favor como uma procissão. Muitos apro- tical. E em meio aos gritos da multi- puros candidatos ao cargo:
do colega, recomendando-o era necessário menos rigor
prisão, ele e mais três testemunhas foram enviados a Lisboa. Por ter con- veitavam para cumprir penitências. dão, a pena era executada.
para o cargo de Familiar. E como
fessado o crime, o mentiroso arrependido acabou recebendo uma pena mais As elites alugavam janelas para o
se não bastasse o emaranhado Otaviano Vieira Júnior, historiador cearense que lançou o livro “A Inquisição e o Sertão”
branda: admoestação e a obrigatoriedade de se confessar nas festas do calen- espetáculo. As roupas usadas deve-
de histórias e estórias, o filho
dário católico. O problema é que morreu na volta ao Brasil. O motivo? Havia do padre Antônio, que inclusive
riam ser as melhores.
contraído varíola nos cárceres insalubres. morava com o pai, também Os condenados, também cha-
havia se tornado padre e, pas- mados de relaxados, já sabiam de
“Villa Nova da Fortaleza”, original manuscrito do Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa, 1730
mem, também havia solicitado suas sentenças há pelo menos três
a admissão como Familiar do dias. Nesse período, recebiam com
Santo Ofício. O resultado? Am- mais intensidade a visita de religio-
bos foram aceitos. sos, para o “arrependimento” de seus
pecados. Apesar de não significar a
mudança da pena, isso mudava a
forma de execução. Quem se arre-
pendesse seria “garroteado”, antes
de ser queimado pela fogueira.
A caminho da morte, o acusado
era acompanhado por dois Familia-
res da Inquisição. Os trajes eram
específicos, os sambenitos, feitos de
linho cru e pintados de amarelo. Se

20 Julho/2009 Julho/2009 21
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
Curta metragem PARA A ESTANTE
redacao@nordestevinteum.com.br latinoamericana
em Canoa Quebrada Cinco décadas de
Padre Cícero travessia jornalística
Singulares 10 anos 75 anos depois
O V Festival Latinoame-
ricano de Curta Metragem O pesquisador José Marques de Melo,
de uma revista plural Direto do site do jornalista Lira Neto
divulgou a lista de seleciona-
dos da edição de 2009, que
acontece entre os dias 2 e 9 de
autor de 25 livros e organizador de 73 coletâ-
neas é o presidente da comissão do MEC que
(www.liraneto.com) trazemos alguns
A pergunta que não recados desse escriba cearense em vai estabelecer as novas normas e diretrizes curriculares
setembro, na praia de Canoa
quer calar: como fazer uma brilhante projeção nacional. É que no último dos cursos de jornalismo. Ele possui mais de uma centena
Quebrada, localizada no muni-
revista singular numa terra dia 20 de julho, uma multidão tomou conta de Juazeiro de artigos em periódicos científicos do país e do exterior.
cípio cearense de Aracati, Ce-
tão plural como o Ceará? do Norte, no Ceará. A data marcou os 75 anos de No Intercom Nordeste 2009, encontro sobre comunica-
morte de Padre Cícero. Cerca de meio milhão de pes- ará. Dos 351 trabalhos inscritos,
Com a palavra, ou melhor, o são 271 vídeos e 80 filmes. Na ção, realizado em maio, no Piauí, o autor lançou dois livros:
soas esteve presente à cidade. Foi a última viagem
editor da publicação, jor- de Lira ao Cariri antes do lançamento do livro, previsto categoria vídeo, três trabalhos Jornalismo, Forma e Conteúdo, editado pela Difusão, de São
nalista Eliezer Rodrigues: para o final do ano. A ideia era escrever o epílogo e cearenses foram selecionados: O Caetano, e Vestígios de Travessia: da imprensa à internet
“A Singular surgiu, não colocar o ponto final na obra ali mesmo, naquele sacrifício do jegue (ficção), de José – 50 anos de jornalismo, lançado recentemente pela Pau-
dia exato, bem diante do túmulo do biografado. Bob; Invenção do Sertão (docu- lus (EDUFAL), de Maceió. Marques exerce o jornalismo há
por acaso, e sim por uma mentário), de José Pimentel e Armando Praça; e Alfarrábio (fic-
necessidade de continuar ção), de Sabina Colares. São Paulo e Rio de Janeiro concorrem 50 anos. Em Vestígios de travessia, traz uma obra autobio-
alimentando a inquietação gráfica e antológica. A primeira parte contém a narrativa
MILAGRE VOLTA À ROMA
com quatro trabalhos cada, o Distrito Federal com dois e os
pela notícia, após anos no batente estados Rio Grande do Norte, Bahia, Santa Catarina, Rio Grande do percurso entre a comunidade sertaneja e a metrópole
de redação.” E tal inquietação já dura longos e rápidos 10 do Sul e Minas Gerais concorrem com um trabalho cada. Na globalizada. A segunda parte reúne uma amostra seletiva
Já a Revista Piauí de agosto oferece como aperitivo categoria filmes, o Ceará concorre com quatro: Torpedo (ficção),
anos. Parece que foi ontem, que o Eliezer começou a nos aos leitores dois trechos inéditos da obra. Em quatro de textos publicados pelo autor nas diversas etapas da sua
de Márcio Câmara; A Mulher Biônica (ficção), de Armando Praça;
brindar com uma revista de tamanho diferente, progra- páginas, a revista traz fragmentos do prólogo e de vida jornalística.
um dos capítulos iniciais da obra. E como última Pode me chamar de Nadí (ficção), de Déo Cardoso; e A Monta-
mação visual inovadora e conteúdo extremamente se-
frase: “Nas prateleiras empoeiradas do antigo Tri- nha Mágica, documentário de Petrus Cariri. De São Paulo foram
dutor. Uma revista, diríamos, dialética. Ou se os senhores
críticos preferirem, a filosofia editorial define bem o ca-
bunal do Santo Ofício, por determinação de Bento selecionados três; do Rio de Janeiro, dois; e dos estados Paraná,
Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco, um. Os selecionados
Revisionismo DE Euclides
XVI, os documentos secretos que resultaram na
ráter dinâmico de um veículo que fala vários “idiomas” e expulsão de Cícero das fileiras da Igreja começam serão exibidos na praça principal de Canoa Quebrada. da Cunha na Paraíba
para várias tribos, com uma mesma língua afiada na arte a acordar de um sono de quase 100 anos.”
O pré-lançamento do livro “Terra, Revisionis-
do diálogo. Quanto ao conteúdo da edição comemo-
rativa, quem quiser que corra atrás do Eliezer para Emiliano Queiroz mo e Cultura em Euclides da Cunha”, de autoria
adquirir a revista. E corra muito, pois o editor Leitor em primeira mão Lançará documentário
do professor e historiador José Octávio de Ar-
ruda Melo aconteceu no último dia 2 de agosto.
anda suando a camisa para manter viva a
Em entrevista ao jornal O Liberal, do O evento foi promovido pela Academia Paraiba-
chama do utópico projeto que de tão real
Pará, o jornalista Fernando Morais na de Cinema, no Cine Mirabeau, em João Pessoa
se tornou artigo de primeira necessidade respondeu sobre o que tem lido nos úl- (PB). O pesquisador imprimiu a primeira parte, intitulada A
entre nós outros. Dialetica- timos tempos: “Estou tendo o privilégio
Questão da Terra em Canudos – Do Revisionismo de Euclides
mente, falando. de ler em primeira mão os originais de
uma grande biografia que vem por aí.” da Cunha ao de José Calazans, a valorização do sertanejo,
o revisionismo euclidiano, suas conexões com Capistrano
de Abreu, Barão do Rio Branco e Monteiro Lobato, entre
outros. Na segunda, O Profeta Territorial em Euclides da
Ariano Suassuna e a Imagem da Palavra Em 2009, o Festival Curta Canoa completa cinco anos de preservação do
Cunha, José Octávio discute o conflito econômico, políti-
co, social, jurídico, religioso e militar entre os dois mundos
A Imagem da Palavra é o nome da exposição nas tradições populares brasileiras “a literatura de cordel, seu formato original ao homenagear personalidades do município de Aracati que que se defrontam em Canudos: o da propriedade privada
que o professor, escritor, gestor cultural e artista gráfico os poemas dos cantadores, a xilogravura, os estandartes e estão em destaque local ou nacional. Dentre os convidados especiais, está o ator do Estado e o comunismo primitivo dos canudenses.
Ariano Suassuna apresentou em agosto, na Estação danças dos folguedos” os elementos para a construção de Emiliano Queiroz, que vai lançar um documentário de sua biografia. Natural de Com o título de ”Variações Euclidianas”, a terceira parte da
Cabo Branco, Ciência, Cultura e Artes, de João Pessoa uma arte erudita essencialmente nacional. Na concepção Aracati, Emiliano esteve no Curta Canoa 2008 e utilizou imagens do festival no seu obra consta de artigos publicados na imprensa dedicados
(PB). Parte da obra do artista chega ao público parai- das iluminogravuras, Ariano também se inspirou nas filme. Na programação do evento, o público vai poder conferir, além da exibição de aos estudantes. Nele, José Octávio compara Euclides da
bano através de uma seleção de dez iluminogravuras. tradições medievais. A técnica era praticada por monges vídeos de animação, ficção e documentários, a apresentação de longas: Patativa
na Idade Média, que costumavam adornar as páginas Cunha ao paraibano João Lélis e Canudos com Princesa
Originalmente atribuído ao “conjunto de insígnias, Ave Poesia; Bezerra de Menezes; Abelardo Barbosa, Chacrinha e outros filmes
brasões, estandartes e bandeiras de um povo”, a palavra de manuscritos com motivos florais e geométricos, capi- Isabel. O livro termina com “Ideólogos da República Velha”,
com temas ligados ao festival. Para a criançada, o Curta vai oferecer a Mostra Infantil
armorial ganhou, através do mestre Suassuna, um novo tulares rebuscadas e figuras fantásticas, que cobriam as que situa Euclides como um dos principais pensadores
(não é competitiva), que conta com a parceria do Instituto Marlin Azul (Vitória-ES),
significado. Passou a designar criações que buscavam margens do papel, emoldurando o texto. responsável pelo programa de TV Revelando Brasis. do Brasil anterior à Revolução de 30.

22 Julho/2009 Julho/2009 23
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
CAPA

Câmara Cascudo

Um provinciano
cosmopolita
que descobriu
o Brasileiro
Mais de duas décadas após o seu “encantamento”, aos 88 anos de idade,
em 1986, Luís da Câmara Cascudo, uma das mentes mais privilegiadas que
o Brasil já produziu, tem sua a extensa obra, hoje, cada vez mais objeto
de interesse regional, no Brasil e até no exterior. Situado no panteão
dos grandes intérpretes da nação, o mais ilustre dos potiguares ajudou
a compreender melhor a cultura popular e o próprio povo brasileiro em
mais de duas centenas de publicações

Por Marcel Bezerra


marcel@editoraassare.com.br

“Tenho a impressão de ser o que chamam na Itália,


Uomo qualunque, um homem igual aos outros. Toda a
minha vida se resume naqueles dois versos de Afrânio
Peixoto: ensinou e escreveu, nada mais aconteceu”

24 Julho/2009 Julho/2009 25
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
A
frase é de Luís da Câ-
mara Cascudo. O último
(FFLCH/USP), e pós-doutorado na
Université de Paris III.
ela, o pesquisador Francisco Fer-
nandes Marinho recuperou em Por-
A indignação com o nome de “folclorista”
dia 30 de julho marcou a A produção intelectual de Câma- tugal separatas que lá haviam sido
os 23 anos de sua morte. ra Cascudo é imensa e, talvez, ainda publicadas por Cascudo. Isso sem O que Cascudo estudou nem sempre foi inicialmente bem compreendido, visto que
A passagem revela ao mesmo tempo não totalmente descoberta. Afinal, contar 200 artigos de revistas e as um dos seus temas principais, o folclore, era desprezado pela intelectualidade de um
a sabedoria e a modéstia de uma das não é tão comum ocorrer de um ser 1.848 crônicas de Acta Diurna, co- Brasil de meados do século XX. “Alguém tinha que estudar as coisas inúteis”, brincava.
mentes mais privilegiadas que o Nor- humano que tenha deixado ao final da luna publicada entre 1939 e 1960 Rótulos, não gostava. “Folclorista é a puta que os pariu. Eu sou mesmo é professor”,
deste e o Brasil já produziram. vida mais de duas centenas de obras nos jornais A República e Diário de dizia em tom de protesto.
Cascudo não foi, definitivamen- publicadas, conforme atesta a neta Natal, com intervalos. “É muito di- Cascudo estreia na vida literária em 1921, com Alma Patrícia, e já evidencia a pers-
te, qualquer um. “É impossível com- Daliana Cascudo, diretora do Memo- fícil compilar a obra desse homem pectiva do plano local que iria permear a sua vasta obra. “Ele escreve pequenos e médios
preender o homem brasileiro na sua rial que leva o nome do avô em Natal. toda. Dá um trabalho danado”, re- ensaios sobre poetas e prosadores locais, o que para a época era uma ousadia, pois ao invés
normalidade cultural, econômica, an- Oficialmente, a conta era de cerca de clama com satisfação. de ser um ensaísta de autores franceses, por exemplo, ele trata da literatura local”, situa
tropológica e etnográfica, nas supers- 150. No último levantamento feito É impossível falar de Câmara Vicente Serejo.
tições e costumes, sem ler Cascudo”, por ela, foram contabilizadas 215, en- Cascudo sem situar as vicissitudes da O episódio serviu para imortalizar uma de suas mais célebres frases. Diante da pesada
decreta o jornalista e professor Vicen- tre livros, plaquetes e separatas. sua trajetória. Aliás, as experiências crítica a Alma Patrícia, um funcionário do Coronel Cascudo se dispõe a defendê-lo no jornal
te Serejo, que desde 1966 cultiva ad- “O número de publicações não da infância em Natal e no interior do da família, mas é contido por Câmara Cascudo: “Não precisa. Natal não consagra nem descon-
miração pela obra do professor e, por cresceu, mas sim o nosso conhe- Rio Grande do Norte sempre fizeram sagra ninguém”.
isso, se define como um “cascudófi- cimento delas”, revela. Em 2007 e parte do seu trabalho como uma re- Como historiador, ousa ao lançar dois pequenos ensaios com os quais, acrescenta Serejo, co-
lo”. Isso porque o termo “cascudólo- 2008, por exemplo, foram lançados ferência importante para aquilo que meça a “fustigar” o plano nacional. “Ele defende duas teses, uma colocando o Marco de Touros
go” fica melhor apenas para aqueles No caminho do avião e A Casa de ele escreveu. A contar, ainda, outras como o mais antigo do Brasil e outra, para conquistar a cátedra do colégio Atheneu, defendendo
que se dedicam a estudá-lo. Cunhaú, respectivamente. O pri- nuances de sua vida, como a derro- a intencionalidade do descobrimento do país”. No início dos anos 1920, passou a lecionar His-
“Câmara Cascudo faz parte de meiro é uma série de reportagens cada financeira do pai no final dos tória e depois dirigiu o Atheneu Norte-Riograndense, instituição criada em 1824 e consagrada
uma geração intelectual que reava- escritas por Cascudo, entre os anos anos 1920 e início dos anos 1930, o à época como responsável pela formação da elite local.
liou experiências culturais brasilei- de 1922 e 1933, denominadas como fato de ele nunca ter deixado Natal Na década de 1920 até o final dos anos 1930, Luís da Câmara Cascudo dedica maior
ras, deu novas respostas sobre quem “notas de reportagens aéreas”, sobre para morar em outro lugar, a amiza- parte do seu tempo a livros de cunho histórico e biográfico. É durante esse tempo que
somos”, escreveu o professor Mar- a passagem de aviadores em Natal, de e as correspondências com figu- surgem obras como Lopez do Paraguay (1927), Conde
cos Silva, potiguar radicado em São
Paulo, no Dicionário Crítico Câmara
e o segundo conta a história de um
massacre de católicos ocorrido no sé-
ras de relevo nacional, em especial
com Mário de Andrade. Sem falar
“Graças a Deus eu d’Eu (1933), O Doutor Barata (1938) e O Marquês de
Olinda e seu Tempo (1938). Pouco antes, em 1922,
Cascudo (Perspectiva, 2003) do qual culo XVII e descreve a genealogia da das viagens à África e à Europa, além fiquei pobre, para poder o Brasil passara por duas rupturas importantes, a
é organizador com a autoridade de família Albuquerque Maranhão. Foi de inúmeros outros episódios, como Semana de Arte Moderna e a fundação do Parti-
um mestrado e doutorado em His- encontrado pela própria Daliana e a postura política conservadora em estudar o que eu queria” do Comunista Brasileiro. Por intermédio do amigo
tória Social pela Faculdade de Filo- publicado pelo Senado Federal. diferentes épocas, que conferiram à pernambucano Joaquim Inojosa, Cascudo passa a
sofia, Letras e Ciências Humanas Recentemente, de acordo com sua existência uma aura especial. Câmara Cascudo se corresponder com Mário de Andrade.

Jornalismo, Literatura, Antropologia, História, Medicina, Educação, Folclore árvore. Cuidado com fruta quente, “Ele era dono quase do bairro de resolveu estudar na Faculdade de
sereno, vento encanado! Brincava Tirol inteiro. Tinha uma propriedade Direito do Recife, onde se formou
Multifacetas de um intelectual com meninas. Um quarto cheio de
brinquedos para exercícios sedentá-
chamada Principado do Tirol, onde
tomava de conta de aproximada-
em 1928.
No debate sobre o “provin-
rios”, recordava ele. mente todo o quarteirão. Era repre- cianismo incurável” de Câmara
Suas inúmeras facetas – historiador, professor, jornalista, etnógrafo, crítico Talvez essa vida regrada tenha sentante de carros Ford aqui, você Cascudo, está o fato de ter virado
literário, folclorista, biógrafo –, dão à figura de Cascudo, na visão de Serejo, a possibilitado a Cascudo ser quem imagine no começo do século, um arrimo de família depois que o seu
forma de um poliedro. foi. Aprendeu a ler quase sozinho, carro era um absurdo e o homem ti- pai, Coronel Cascudo, passa por
Nascido a 30 de dezembro de 1898, filho único de família rica, Luís da Câma- com seis anos, iniciado nas primei- nha três na garagem”, conta Daliana. um completo processo falimentar a
ra Cascudo teve infância cercada de zelo, pois os pais haviam perdido os dois ras letras por professores particu- Outro dado que ilustra o poten- partir da crise econômica de 1929.
primeiros filhos vítimas de difteria. Segundo Vicente Serejo, veio ao mundo lares em casa, antes de estudar no cial financeiro do Coronel Cascudo Cerca de 10 pessoas, entre esposa,
dentro do quadrante da cultura popular. Externato Coração de Jesus e no é a criação e manutenção, com re- filho, pais e tias, ficaram na sua de-
“Na água do primeiro banho, a mãe despejou um cálice de vinho do Porto Colégio Santo Antônio. cursos próprios, do jornal A Impren- pendência. Nem a modesta vida de
para o filho ter saúde e o pai a temperou com um Patacão do Império para mere- O pai, Francisco Justino de sa durante 13 anos entre 1914 e professor e escritor, que não lhe fez
cer fortuna”, escreveu o jornalista. Saúde, Cascudo teve – morreu aos 88 anos –, Oliveira Cascudo, mais conhecido 1927, onde Câmara Cascudo iniciou rico, tirou o bom humor caracterís-
mas a fortuna desaparece a partir de 1929. como Coronel Cascudo, teve grande a vida jornalística em 1918. Poste- tico de sua personalidade. “Graças
“Fui menino pálido, magro e enfermiço. Cercado de dietas e restrições importância na vida do filho. Serviu riormente, Cascudo estudou Medi- a Deus eu fiquei pobre, para poder
clínicas. Proibiram-me movimentação na lúdica infantil. Não corria. Não salta- à Guarda Nacional, foi delegado de cina na Bahia e no Rio de Janeiro. estudar o que eu queria”, comemo-
va. Não brigava. Nunca pisei na areia nem andei descalço. Jamais subi a uma polícia e rico comerciante em Natal. Abandonou o curso no quarto ano, rava, de acordo com Daliana.

26 Julho/2009 Julho/2009 27
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
Dos arcaísmos da fazenda para o mundo a preocupação de Cascudo com o
folclore vinha desde antes de ele
“Veja o que se passa Continente e arquipélagos
Mário de Andrade e o divisor
conhecer Mário, quando da publi- diante de você, a
cação do artigo “O aboiador”, em
de águas na obra cascudiana 1921, que fala do arcaísmo resisten- cultura brasileira Macro e microcosmos da
te nas fazendas de gado sertanejas.
Para outros, longe de colocar desfila na sua calçada, cultura numa figura só,
A correspondência de Câmara
Cascudo com Mário de Andrade
Natal
muitas
(1928-1929),
transforma-
que Mário tenha, com seu
“puxão de orelhas cari- olhe para a rua e para imune a sistematizações
acaba solidificando uma grande
amizade entre dois dos mais im-
ções se operaram.
A compreensão da
nhoso” – como obser-
va Serejo – ensinado
as coisas”, disse Mário
portantes intelectuais brasileiros. modernidade bra- algo, o fato é que de Andrade. Sem desmerecer a sua produção intelec-
tual anterior, a partir da “ruptura” represen-
Segundo o professor Humberto sileira, a partir da Cascudo materia-
Hermenegildo, da Universidade segunda metade liza uma mudan- dos modelos de produção poética, tada por Vaqueiros e Cantadores, a obra de
Federal do Rio Grande do Norte da década de 20, ça de postura em Câmara Cascudo identifica a influ- Luís da Câmara Cascudo experimentou cada
(UFRN), a partir dos contatos es- passaria também 1939, quando ência da cultura medieval, princi- vez mais uma multiplicidade de abordagens,
tabelecidos com os modernistas, pela visão Pau-Bra- lança Vaqueiros e palmente de Portugal, da Espanha que terminaram por sedimentar o autor
Câmara Cascudo passaria a assi- sil e da Antropofa- Cantadores. Ele e da França, no sertão nordestino, como um dos maiores do Brasil.
milar novas idéias, a maioria delas gia, que, naquele mo- apresenta o livro apontando as variações entre as Difícil, para não dizer impossível, siste-
advindas da correspondência com mento, davam o tom como resultado de diferentes versões de cantigas, ro- matizá-lo adequadamente, é possível, para
o autor de Paulicéia Desvairada. das discussões sobre a 15 anos de observa- mances e gestas, entre outros. alguns, identificar entre seus escritos os
No período que o professor brasilidade”, considera. Mário de ção e registro de “fatos, Humberto Hermenegildo situa textos fundamentais de sua lavra. “Na con-
caracteriza como de “assimilação” Andrade, que depois viria a ser pa- versos, causos”, compondo, com o Vaqueiros e Cantadores como um dição de intérprete da história do Brasil, em
e início da grande tarefa de Cas- drinho do primeiro filho de Cascu- “material colhido diretamente na divisor de águas na obra cascudia- múltiplos campos de escrita, Câmara Cascudo
cudo como pesquisador, de 1925 do, Fernando Luís, é ciceroneado memória de uma infância sertane- na, pois posterior à experiência mo- enfatiza dimensões de tradição e continui-
a 1927, nenhum livro é publicado pelo potiguar entre dezembro de ja, despreocupada e feliz”, uma pri- dernista, muito próxima da expe- dade milenares, num contexto marcado pela
por ele. “Entre a publicação do Li- 1928 e janeiro de 1929, quando os meira parte poética, que incluiria riência integralista e anterior à intelectualmente pela nostalgia
vro de poemas de Jorge Fernandes dois empreendem viagens pelo in- uma parte religiosa e outra sobre produção de Literatura
diante da perda de tradições, e
(1927), de autoria do poeta poti- terior do Rio Grande do Norte. os autos populares, conforme co- Oral (1952) e Dicio-
pela busca de novas alternati-
guar que acompanha Câmara Cas- Mas, é a famosa carta de ju- loca Ivone Barbosa, professora de nário do Folclore
cudo na aventura modernista, e a nho de 1937, enviada por Mário História da Universidade Federal vas para a sociedade brasileira”,
Brasileiro (1956).
passagem de Mário de Andrade por de Andrade, que ainda hoje rende do Ceará (UFC), na sua análise da Assim, acredita afirma Marcos Silva no Dicioná-
debates acerca da reorientação do obra em Dicionário Crítico Câmara o professor, “esta rio Crítico.
trabalho de Câmara Cascudo em di- Cascudo. classificação crono- Com experiência de mais de 40 anos
Mário de Andrade, reção à cultura popular, à tradição e
ao folclore, responsáveis pela maior
“Com esse livro, Cascudo se
coloca no plano nacional como et-
lógica permite estabe-
lecer relações entre as etapas da
de leitura e admiração de Câmara Cascudo, Vicente Serejo vê na
obra do professor um continente cercado por ilhas. “Você tem
que depois viria a repercussão de sua obra em todo o nógrafo e como alguém que olha produção intelectual do ensaísta, um continente Cascudiano que é Civilização e Cultura (1973)
em dois volumes, o Dicionário do Folclore Brasileiro, e a História
país. Segundo Gildson de Oliveira, sociologicamente o Nordeste”, apontando para distinções entre
ser padrinho do biógrafo de Cascudo, Mário critica acrescenta Vicente Serejo. Ivone os textos esparsos e os livros, as- da Alimentação no Brasil (1963), mas ele não abre mão de um
o direcionamento do trabalho do coloca ainda que, a partir da análise sim como entre os gêneros textuais arquipélago imenso e
primeiro filho de amigo, até então voltado principal- exercitados por ele”. rico, que vai desde um
Câmara Cascudo
Cascudo, Fernando mente a perfis biográficos e plaque- O interesse de Câmara Cas- pãozeiro local, que dan-
tas de paróquias interioranas. “Veja cudo pelo folclore o leva a fundar, çava coco, entregando o enfatiza dimensões de
Luís, é ciceroneado o que se passa diante de você, a cul- em 1941, na cidade de Natal, a pão na cidade, até ensaios
tura brasileira desfila na sua calça- Sociedade Brasileira de Folclore. eruditos no plano local, tradição e continuidade
pelo potiguar entre da, olhe para a rua e para as coisas”, “Totalmente inovador. E passa a se nacional e internacional”,
disse Mário de Andrade. corresponder com folcloristas do milenares, num
dezembro de 1928 Para Daliana Cascudo e para a mundo todo. E participar de asso-
explica, ao colocar que
professora Vânia Gico, da UFRN, ciações de folclore da Irlanda, dos
Cascudo tinha dimensão contexto marcado
e janeiro de 1929, do macro e do microcos-
EUA. Steve Thompson, que era
mo da cultura, e escreveu intelectualmente pela
quando os dois um folclorista norte-americano im-
sobre a História de Nossos
Cascudo materializa uma mudança de postura em 1939,
portantíssimo na época, vem e se
Gestos (1976), sobre a his- nostalgia diante da
empreendem viagens quando lança Vaqueiros e Cantadores. Ele apresenta
hospeda na casa de Câmara Cas-
o livro como resultado de 15 anos de observação e cudo”, conta Daliana, ao apontar tória do tamborete e da
perda de tradições
pelo interior do Rio registro de “fatos, versos, causos”, compondo, com o que o primeiro reconhecimento ao lamparina, por exemplo.
“material colhido diretamente na memória de uma trabalho de Cascudo na área veio
Grande do Norte. infância sertaneja, despreocupada e feliz” de fora do Brasil.

28 Julho/2009 Julho/2009 29
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
FOLCLORE: “CIÊNCIA DA PSICOLOGIA COLETIVA” “Civilização e Cultura”, o livro perdido

Ainda sobre o quiatria, educação, 811 páginas (com letra bem pequena
Tráfego fácil entre erudição
folclore, Câmara
Cascudo publicou
história, sociologia,
antropologia, admi-
e sem ilustrações), com um número
incalculável de verbetes”, mostra.
e o aparente trivial popular
em 1944 Antologia nistração, política Na análise de Martha Abreu, o
do Folclore Brasileiro. e religião”, afirmou livro se aproxima do que se conhe- Um dos aspectos mais sedutores rigorosamente a partir da experiência um estudioso da cultura popular e
Segundo Maristela Cascudo. ceu como Movimento Folclórico da personalidade e da obra de Câma- docente do ensino superior, e teve seu pensava que a “cultura popular é o
Oliveira de Andrade, Já o Dicionário Brasileiro, que a partir do final da ra Cascudo é a facilidade com que primórdios nos estudos do folclore, os complexo, representa a totalidade
ele manifestou, no do Folclore Brasilei- década de 1940 reuniu muitos inte- ele trafega entre a sua larga erudição, quais deram início às investigações do das atividades normais do povo, do
livro, o repúdio às crí- ro, lançado 12 anos lectuais na defesa do folclore brasi- construída desde os tempos da convi- autor no campo das raízes tradicionais artesanato ao mito, da alimentação
ticas e depreciações depois, é conside- leiro, tendo Câmara Cascudo como vência com o amigo Henrique Castri- do Brasil”, interpreta Vânia Gico no ao gesto”, ou “o saldo da sabedoria
freqüentes do meio rado uma síntese um compartilhador de suas bandei- ciano – que teve papel fundamental Dicionário Crítico Câmara Cascudo. oral na memória coletiva”.
intelectual em relação a esse do vasto trabalho ras, sem, no entanto, participar efe- na orientação de leituras, na experiên- Na visão dela, Cascudo não Cultura erudita e popular, sob
campo de estudo, tão atraente para do autor. Referência freqüente de tivamente das organizações federais cia de viagem e nos ensinamentos so- simpatizava com a concepção redu- a ótica cascudiana, são considera-
autodidatas diletantes. estudiosos, artistas, festeiros e car- criadas pelo movimento. bre a qualidade do pesquisador –, e o cionista que geralmente era dada à das complementares. Vânia Gico
“Não consiste o folclore na obe- navalescos, o dicionário recebeu seis Na opinião do professor Ricardo interesse pelo aparentemente trivial. palavra folclore, “pelo seu sentido acrescenta ainda que ele estudou o
diência ao pinturesco, ao sertane- edições até 1988, sendo as quatro Souza, da Universidade Federal de Como o próprio Cascudo colo- limitado aos contos e histórias popu- folclore como fenômeno sociocul-
jismo anedótico, ao amadorismo do primeiras com novos verbetes e atu- Minas Gerais (UFMG), o dicionário cou: “Queria saber a história de to- lares”. Preferia ser entendido como tural, configurando-o a partir das
caricatural e do cômico, numa caça- alizações bibliográficas. Apresenta, traz uma dimensão do folclore que das as cousas do campo e da cidade. manifestações populares como ex-
da monótona ao pseudotípico, indus-
trializando o popular. É uma ciência
nas palavras da professora Martha
Abreu, da Universidade Federal Flu-
nenhuma outra obra consegue ter.
Autor de A Identidade Nacional e
Convivência dos humildes, sábios,
analfabetos, sabedores dos segredos “Cultura popular é o pressão de historicidade.
Na concepção de Cascudo, etno-
da psicologia coletiva, com seus pro-
cessos de pesquisa, seus métodos de
minense (UFF), uma grande varie-
dade de temas ligados
Modernidade Brasileira: um diálo-
go entre Silvio Romero,
do Mar, das Estrelas, dos morros si-
lenciosos. Assombrações. Mistérios.
complexo, representa grafia era “realmente o estudo da origem
desenvolvimento e permanência social
classificação, sua finalidade em psi- a festas, músicas, len- Euclides da Cunha, Câ- Jamais abandonei o caminho que leva a totalidade das das culturas”, sem que houvesse cul-
das, mitos, superstições, mara Cascudo e Gilber- ao encantamento do passado. Pesqui- turas superiores nem inferiores, e sim
usos, costumes, gestos, to Freyre, Souza identi- sas. Indagações. Confidências que atividades normais do sempre “culturas, reuniões de técnicas
O dicionário traz uma indumentárias, bebidas, fica a preocupação de hoje não tem preço. Percepção medu-
povo, do artesanato ao
suficientes para a vivência grupal”.
comidas, santos favori- Cascudo que é pensar lar da contemporaneidade”. Para Vânia Gico, Cascudo quis
dimensão do folclore tos, principais folcloris- o folclore não apenas Em Civilização e Cultura, o livro
mito, da alimentação mostrar em Civilização e Cultura que
que nenhuma outra tas e etc.
“Para se ter uma idéia
como folclore brasileiro,
mas como folclore uni-
perdido que passou 11 anos para ser
publicado, Câmara Cascudo se vale ao gesto”, ou “o saldo
o folclore, as crenças, tradições reli-
giosas e o clima social “tinham, pois, a
obra consegue ter da dimensão do trabalho
realizado, pela edição de
versal, sempre fazendo,
com prazer, a ligação
da profissão de professor para expor
suas idéias e conceitos acerca da et- da sabedoria oral na
função de um cimento fundamental e
antropológico, a partir do qual emer-
Ricardo Souza, da Universidade 1988, é importante men- entre o passado remoto nografia. “Essa inclinação para o estu- giam os padrões mais alargados da
Federal de Minas Gerais (UFMG) cionarmos a existência de e o presente. do da etnografia foi desenvolvida mais memória coletiva” história e da cultura de um povo”.

“Literatura oral”

Idéia de uma tradição brasileira em Na avaliação do professor, com


origem nas “tourinhas” portugue-
social brasileira, neste caso através
da comida. Conforme Paula Pinto e
este assunto do segundo tomo da
obra. O objetivo, como o próprio
bumba-meu-boi, reisados, comidas... sas, e através da substituição de
toureiros por vaqueiros negros ou
Silva, da FFCLH/USP, na tentativa de
escrever uma sociologia da alimen-
Cascudo estabeleceu, foi mostrar
“a antiguidade de certos hábitos,
caboclos, surgiu uma dança abso- tação com base histórica e etnográ- explicáveis como uma norma de
Humberto Hermenegildo con- elementos, temas, técnicas, assim como a lutamente brasileira e em função fica, ele recorreu à bibliografia de uso e um respeito de herança dos
sidera Literatura Oral como o local classificação das formas registradas na pesquisa, do motivo econômico e social da viajantes estrangeiros no Brasil do mantimentos de tradição”.
onde aparece de forma mais nítida aparece no último capítulo do livro o auto com pecuária. século XX, bem como notas, obser- Para o antropólogo Raul
a idéia de uma tradição brasileira. a mesma origem estrangeira e com um processo vações e inquéritos pessoais que Lody, a obra pode ser tida como
Nele, há a idéia de que o Bumba- de nacionalização semelhante às demais formas VIAGENS À ÁFRICA E EUROPA. História da vinha acumulando desde 1943. fundadora do pensamento sobre
meu-Boi, enquanto auto brasileiro, registradas, mas com a diferença da originalida- Alimentação no Brasil, lançado em Para escrever o livro, Cascudo sistemas alimentares. “Com o livro,
representa uma síntese dos proces- de na sua formação – que ocorreu nos últimos 1963, é uma demonstração do vigor foi à África e à Europa. Pesquisou e Câmara Cascudo fornece a mais
sos formativos, o que se reflete no anos do século XVIII, a partir de um processo do pesquisador que foi Câmara escreveu sobre o cardápio indígena, completa pesquisa já realizada so-
próprio modo de o autor analisá-lo. aquisitivo que assimilou Reisados já existentes Cascudo e de como ele buscou a dieta africana e a ementa portu- bre esse assunto no país”, assinala
“Depois de estabelecidos os (Cavalo-Marinho, etc.)”, coloca. entender as raízes da formação guesa, fontes da cozinha brasileira, Paula Pinto e Silva.

30 Julho/2009 Julho/2009 31
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
Nunca saiu de Natal Olhares políticos enviesados

De ignorado pela academia, a fundador Monarquista, integralista,


da UFRN e reconhecimento tardio em profusão apoiadordo golpe militar e de Maluf
Foto: Acervo Instituto Câmara Cascudo - Ludovicus. Foto: Marcel Bezerra
própria Universidade Federal na- correspondências com figuras de viesado em relação a Cascudo. pôde ver esse
quele estado, a UFRN. renome, como Carlos Drummond Outro agravante em relação à universo com
Para a neta Daliana, o reconhe- de Andrade, Cassiano Ricardo, Edi- obra de Cascudo, mas que, na opi- uma clarivi-
cimento à obra do avô não pode ser son Carneiro, Manuel Bandeira, nião de Serejo, tem sido dirimido dência de quem
considerado tardio. Ela acha que o Monteiro Lobato, Gilberto Freyre nos últimos anos, é o seu não apri- esteve ali, de quem
interesse é grande, “mas sempre fal- e Renato Almeida. Além disso, Câ- sionamento ao método acadêmico de faz parte desse universo. Esse é o
ta mais”. Já Ricardo Souza duvida. mara Cascudo recebeu em sua casa pesquisa. “Ele não tinha o método, ponto forte. Agora, há o ponto fraco
“Será que ele foi descoberto ain- desde políticos como Juscelino Ku- digamos, marxista que está aí, que de que ele nunca soube analisar de
da?”. Na sua ótica, Cascudo é um bitscheck e João Batista Figueiredo vê a vida através da luta de classes. forma conceitual, acadêmica, esse
injustiçado. E, novamente, permeia e músicos como Heitor Villa-Lobos Cascudo não tinha isso, ele era um universo. Nisso ele sempre teve um
o debate o fato de ele nunca ter dei- até o mais simples pescador ou ar- burguês, tinha raízes no pequeno lado empírico, que poderia ter sido
xado Natal para fazer carreira em tista popular. Vicente Serejo, jornalista, professor e burguês. Mas ele foi tentar compre- mais aprimorado se ele tivesse uma
outro Estado. Humberto Hermenegildo dis- admirador da obra de Cascudo ender a alma do povo, por isso que formação acadêmica mais estrita. Por
Visita de Gilberto Freyre à sua casa, em 1982. Nesta “O Câmara Cascudo tem uma corda de Ricardo Souza. “Se tomar- ele diz que o melhor do Brasil é o isso que eu falo, Civilização e Cul-
ocasião foi agraciado com a Medalha Massangana,
do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais,
estatura e uma grandeza que o co- mos ‘academia’ como ‘universidade’, “Ele foi monarquista brasileiro”, contrapõe. tura é o livro no qual ele tenta dar
locam ao lado dos outros intérpretes podemos considerar que o autor Se por um lado Cascudo se ateve uma de acadêmico, mas essa não é
entregue pelo próprio Gilberto Freyre
brasileiros, e ele sempre foi posto à tem uma fortuna crítica considerá- na juventude, 1910, mais, em determinados momentos, a a praia dele”, critica ele, ao ressaltar
Câmara Cascudo recebeu, ainda
vivo, em Natal, diversas homenagens
margem. De certa forma ele sempre
se pôs à margem, pois nunca quis
vel no âmbito da universidade brasi-
leira”, afirma, sem entretanto dispor 1920. Foi integralista registrar seus objetos de estudo sem
utilizar a metodologia acadêmica
que Cascudo sempre ignorou a cul-
tura acadêmica contemporânea, em
e distinções, ao mesmo tempo que
virou nome de rua, prêmio cultural,
sair de Natal”, afirma Souza, ao com-
parar a trajetória do potiguar com a
de dados estatísticos. Humberto co-
ordena o Núcleo Câmara Cascudo
na década de 1930. tradicional, por outro permitiu a ele
ir além, pelo que a cultura agrade-
benefício de sua formação clássica.
Mesmo como professor – e fun-
Biblioteca e Museu de Antropologia do pernambucano Gilberto Freyre, de Estudos Norte-Rio-Grandenses Depois apoiou a ce penhoradamente. Ricardo Sousa dador – da antiga Faculdade de Direi-
e a transformação da sua casa em re- cuja maior vivência no plano nacio- (NCCEN) da UFRN. Entre os acredita que, no momento que ele to do RN, Câmara Cascudo buscou
ferência turístico-cultural da capital nal lhe rendeu maior projeção. objetivos do núcleo, estão reunir Ditadura Militar em se manteve à margem da academia, a compreensão do homem como ser
“Veja o que já foi produzido em especialistas para aprofundar estu- numa época que ela não tinha inte- universal. Seus três ensaios “Etnogra-
potiguar. Um ano após o seu fale-
cimento, um memorial também foi relação a Mário de Andrade, por dos sobre o Rio Grande do Norte 1964, e em 1984 resse pelo folclore, isso o permitiu fia e Direito”, “Leges et Consuetudi-
montado para preservar seu legado.
O interesse pelo estudo e dis-
exemplo, em comparação com Câ-
mara Cascudo. Ele é uma gota no
nas áreas de literatura, de história
e de antropologia, e sobre o acervo apoiou o Maluf” expor todo um universo, em cuja
descoberta ele foi pioneiro.
nes nos Costumes Locais” e um texto
sobre a figura do Pelourinho em His-
cussão da obra de Luís da Câma- oceano em relação ao que já foi, está intelectual de Câmara Cascudo; de- Ricardo Souza, da Universidade tória da Cidade do Natal, falam sobre
ra Cascudo cresceu depois da sua sendo escrito sobre Mário, Oswald senvolver programas de ensino e de Federal de Minas Gerais (UFMG) LIVRE DE RIGORES ACADÊMICOS. “Cascudo simbologia costumes e etnografia.
morte, em 1986, sobretudo a par- de Andrade, Monteiro Lobato. Gil- extensão, valendo-se dos resultados
tir dos anos 1990. Durante mui- berto, então, nem se fala”, reclama. de pesquisas nas áreas inter-relacio- Na visão de Serejo, o posiciona-
tos anos, ele foi, de certa forma, Por seu lado, Serejo compensa nadas no Núcleo; e organizar e colo- mento político de Cascudo duran-
ignorado pela academia. Vários esse provincianismo com a univer- car à disposição um banco de dados te toda a sua vida pode ter sido um “Memória mantida com
fatores colaboraram para isso. No
Rio Grande do Norte, por exemplo,
salidade cosmopolita que Cascudo
exercitou, seja através das suas inú-
sobre a obra de Câmara Cascudo,
a literatura, a história e os aspectos
complicador. “Ele foi monarquista
na juventude, 1910, 1920. Foi inte-
sangue, suor e lágrimas”
Cascudo figura como fundador da meras viagens pelo mundo ou pelas antropológicos do Estado. gralista na década de 1930. Depois
apoiou a Ditadura Militar em 1964, Como tem sido regra no Brasil, a preser-
e em 1984 apoiou o Maluf”, recorda vação da memória e da obra de seus filhos
Casa onde morou Câmara Cascudo será reaberta ilustres não foge à regra da carência de políti-
Ricardo Souza, ressaltando ser essa
“O Câmara Cascudo tem uma estatura e uma postura conseqüência de um tradi- cas públicas que garantam sua manutenção.
E o legado de Câmara Cascudo poderia estar
grandeza que o colocam ao lado dos outros cionalismo que Câmara Cascudo
sempre adotou, o que não invalida a perdido ou difuso se não fosse o amor e abne-
intérpretes brasileiros, e ele sempre foi posto obra do autor.
De acordo com Serejo, embora te-
gação da sua família. Formada em Psicologia
e Ciências da Computação, Daliana, neta de
à margem. De certa forma ele sempre se pôs à nha tomado a atitude digna de romper
com o integralismo com a eclosão da
Câmara Cascudo, está há 20 anos à frente do
Memorial que leva o nome do avô. A mãe,
margem, pois nunca quis sair de Natal” Segunda Guerra, isso pode ter influído Anna Maria Cascudo Barreto segunda herdeira
para que o universo acadêmico manti- de Cascudo e Dália, é a única detentora do
Ricardo Souza vesse durante muito tempo olhar en- espólio do pai. O memorial Câmara Cascudo é

32 Julho/2009 Julho/2009 33
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
vinculado à Fundação José Augusto, ór- do, o escritório onde ele escrevia à acervo, que não é pequeno. São 10
gão de cultura do Estado do Rio Grande máquina, e nas paredes assinaturas mil livros, 15 mil correspondências,
do Norte. Memória mantida a “sangue, de centenas de amigos, ilustres ou cinco mil fotografias. “Passa muito de
suor, e lágrimas”, afirma a neta. desconhecidos, que o visitavam. Para 25 mil peças”, diz Daliana, ao incluir
Câmara Cascudo viveu a maior preservar o imóvel e todo o acervo o acervo museológico da casa, que
parte de sua vida num belo casarão de Cascudo, foi fundado o Instituto consta de uma coleção de etnografia
na avenida Junqueira Aires, bairro da Câmara Cascudo – Ludovicus. africana e de uma rica pinacoteca, Agitação mudancista, vanguarda democrática e vida curta em rudes tempos
Ribeira, em Natal. Depois da partida Desde o final de 2005, com além do antigo mobiliário da casa,

A
Por Juarez Leitão — Parte 1
de Cascudo, deixou de ser aberta ao recursos próprios da família, o imóvel todo conservado. Tudo, reitere-se, sem
público até 2001. Lá, logo na entrada, está sendo restaurado para funcionar verba oficial. Com o instituto, Daliana primeira constituição republicana placas, estátuas e emblemas que se vinculavam à em 16 de junho do mesmo ano a nossa primeira
estão as placas que homenagearam como casa biográfica. A biblioteca do afirma que será possível buscar patro- no Ceará foi elaborada num mo- monarquia. Furiosos e aos gritos de “Fora, mo- Constituição Republicana.
Cascudo por seus préstimos à cultura mestre, que ficava no Memorial, teve cínios e parcerias para a execução de mento de perplexidade e agitação narquista!” tomaram o palácio de assalto e, expul- Composta de 108 artigos e seis disposições
brasileira. No átrio, vários quadros seus livros restaurados e já voltou para projetos. A idéia da família, segundo mudancista. Vivia-se a transição da so Morais Jardim, aclamaram como governador o transitórias, é assinada pelo Presidente do Con-
com fotos autografadas por grandes a casa, onde poderá ser consultada e ela, é reabrir a casa para visitação nos Monarquia para a uma nova forma tenente-coronel Luiz Antônio Ferraz, comandante gresso Cearense Constituinte, José Joaquim Do-
personalidades amigas de Cascu- pesquisada, assim como todo o seu próximos meses de governo e era natural a condição de ansiedade do 11° Batalhão. mingues Carneiro, demais componentes da Mesa
e expectativa que acometia a população. Embora o Pode-se imaginar quanto atabalhoada foi Diretora e por todos os constituintes, num total de
povo simples não estivesse a par do processo que se a organização político-administrativa da nas- 36 parlamentares.
operava na Assembléia recém-eleita, sabia-se que cente República em sua matriz e nos Estados. O texto faz eco ao movimento de renovação
Sebos e relançamentos alguma coisa nova estava acontecendo. Tudo era provisório e o exercício de governo se idealizado por Rui Barbosa e inserido na Consti-
O movimento republicano se iniciara no dava por decretos. tuição Federal. Esse desejo de equiparar-se ao con-
RECUSA A Ceará por volta de 1870, quando surgiram os pri- texto do vanguardismo ocidental, liderado pelos
Correspondências com meiros clubes de simpatia ao regime que caracte- Estados Unidos, está configurado a partir do pri-
CONVITES DE JK E rizava o continente americano. Depois, houve um meiro título, que define a Organização do Estado.
Mário, Lobato, Amado, CADEIRA NA ABL arrefecimento, mas o entusiasmo retornou nos Nele, se assegura nossa filiação ao Estado Fe-
Drummond e Josué de Castro Sem querer deixar Natal,
meados da década de 80, como acontecia em vá-
rios pontos da nação. Entretanto, a proclamação
derativo, sem prejuízo para a autonomia relativa,
preceituada na Carta Magna.
Câmara Cascudo acabou por da República, naquele 15 de novembro de 1889, Contemplado está o princípio iluminista da
Além dos dois livros publicados eles me pedem para sugerir uma cumprir a missão de dar visibili- pegou a todos de surpresa. Separação dos Poderes em Executivo, Legislati-
recentemente, está programado para obra para ser relançada, eu sugiro dade ao Estado do Rio Grande É impressionante como se fez a substituição vo e Judiciário, de funcionamento independente
da monarquia sem um tiro, sem uma escaramuça, e harmônico.
o final do ano ou início do próximo o logo 20, porque tem tanta coisa im- do Norte, avalia Daliana. Convi-
sem nenhuma participação popular. Um grupo de No procedimento eleitoral, estabelece o
lançamento do livro com a correspon- portante para sair que fica difícil a dado por Juscelino Kubitschek militares se reúne numa praça do Rio de Janeiro e sufrágio direto para a escolha do Governador
dência – ida e volta –, entre Cascudo gente escolher um”, gaba-se. Assim, para ser o primeiro reitor da induz um velho líder do exército, doente e amigo e dos parlamentares.
e Mário de Andrade. O livro só foi Daliana espera uma maior difusão Universidade de Brasília (UnB), do imperador, a dar um viva à República, derru- Os portadores de cadeira no Legislativo goza-
possível graças a um convênio firmado da obra do avô, que é objeto de pes- não aceitou. Assim como se re- bando o Império e despachando a dinastia de Bra- A constituição de vam de prerrogativas especiais, como a inviolabili-
em 2008 entre as academias Paulista
e Norte-Riograndense de Letras, onde
quisa em todo o Brasil. Em breve,
entrará no ar, na internet, o site
cusou a efetuar inscrição para
concorrer a uma cadeira na
gança para o exílio humilhante.
Graças ao telégrafo, a notícia da proclama-
1891, pelo menos no que dade de suas opiniões, palavras e votos no exercício
do mandato e a proibição de serem presos sem a
o Instituto Câmara Cascudo e o Insti- do instituto (www.cascudo.org.br). Academia Brasileira de Letras. ção da República chegou na mesma tarde de sua estava escrito, era muito devida licença da Assembléia.
ocorrência. Todo mundo foi tomado de surpre- Assegura aos municípios uma autonomia
tuto de Estudos Brasileiros (IEB), que
detém a correspondência de Mário.
Outra parte da obra de Cascudo,
suas 1.848 crônicas de Acta Diurna,
O apelido de “provinciano
incurável” ganhou de Afrânio sa. Os líderes, porém, trataram de espalhar a boa avançada e contemplava as poucas vezes verificada em documentos consti-
Daliana informa que o mesmo se pre- já teve até agora dez volumes publi- Peixoto. “Encontrara meu nova, e logo se formaram aglomerações nos dois
pontos principais da cidade: a Praça do Ferreira e
aspirações democráticas tucionais brasileiros. O Conselho Municipal, que
geria o destino das comunas, poderia administrar
tende fazer com as cartas que Cascu-
do trocou com outras figuras ilustres,
cados sob o título de O Livro das
Velhas Figuras, pelo Instituto His-
título justo, real, legítimo”,
escreveu Cascudo. Serejo vai
o Passeio Público. em educação, saúde livremente os bens e as rendas municipais, exe-
Naquela noite, ainda sob o impacto da estu- cutando a arrecadação e promovendo a aplicação
como Monteiro Lobato, Carlos Drum- tórico e Geográfico do Rio Grande além. “Eu acho que ele produ- pefação, não aconteceu uma mobilização de vulto. pública, descentralização, dessas rendas, além do direito de contrair emprés-
mond de Andrade, Josué de Castro e
Jorge Amado, por exemplo.
do Norte (IHGRN) ziu muito mais pelo desafio
de sobreviver. Ele quis que, da
Mas, no dia seguinte, quando a informação já se desenvolvimento e timos e celebrar contratos.
generalizara, uma verdadeira multidão se reuniu No capítulo da Declaração de Direitos tam-
A obra de Cascudo,
Câmara Cascudo escrevia na biblioteca de casa: sua “Babilônia”
província, seria lido no mundo. no Passeio Público (Praça dos Mártires) para acla- justiça social. bém se verifica uma clara posição de vanguarda.
que se encontrava em sua Agora, ele foi vítima de não ter mar os oradores republicanos e, num impulso de Ali, estão assegurados a liberdade de opinião, lo-
grande maioria esgotada discípulos, de uma sociedade exaltação, partiu para o Palácio do Governo (atual comoção, denúncia, representação e religião e o
e só possível de encon- pobre, de uma universidade sede da Academia Cearense de Letras) com o ob- A primeira eleição estadual ocorreu no dia direito de privacidade e de defesa contra todos os
trar em sebos, começou dando os primeiros passos, jetivo de enxotar o presidente da Província, coro- 10 de fevereiro de 1891 e tinha a missão de es- tipos de arbitrariedades.
Foto: Acervo Instituto Câmara Cascudo - Ludovicus.

a ser relançada há alguns não podia abraçá-lo como um nel Jerônimo Rodrigues de Morais Jardim, que se colher os constituintes. Havia uma curiosidade: Enfim, a constituição de 1891, pelo menos
recusava a acreditar que o imperador havia sido o Congresso Estadual teria duas câmaras – a dos no que estava escrito, era muito avançada e con-
anos, após assinatura de produto. Se você pensar, Cas-
destituído e que tudo não passava de uma arruaça deputados e a dos senadores. Foram eleitos 12 se- templava as aspirações democráticas em educação,
contrato entre a família cudo é o melhor produto do de baderneiros. nadores e 24 deputados. saúde pública, descentralização, desenvolvimento
de Cascudo e a Global RN, a melhor coisa que o RN Estava certo quanto à baderna, pois os agita- Os trabalhos constituintes decorreram a toque e justiça social. Sabemos, entretanto, que, princi-
Editora. Até agora, 27 produziu foi Luís da Câmara dos participantes daquela manifestação, segundo de caixa, pois havia urgência em dotar o Estado de palmente naqueles rudes tempos, havia uma dis-
títulos foram relançados, Cascudo. Porque exporta, é o os cronistas da época, no trajeto do passeio Pú- sua Carta Constitucional, como exigia a nova or- tância abismal entre a lei e a prática.
e estão disponíveis em que nos faz conhecidos”. blico para a Praça General Tibúrcio (Praça dos dem nacional. Instalada a Assembléia Constituinte Sua duração teria, porém, o curto espaço de
todo o Brasil. “Quando Leões), promoveram o maior quebra-quebra de em fevereiro de 1891, já estava sendo promulgada um ano e 26 dias.

34 Julho/2009 www.al.ce.gov.br
Nordeste VinteUm
Caderno especial

Julho de 2009 - númeroº 2

Incubadora
Oportunidades fomenta talentos
da inovação 08
03
Fundo de Extensão:

STF autoriza implantação


12 R$ 300 milhões por ano

do Cinturão Digital
10
Carta do Editor
Desafio da inovação se impõe
O Ceará faz a sua parte
U niversidade e empresa no Brasil se constituíam,
até pouco tempo, em dois entes com distanciamen-
to marcado por mútuas desconfianças e preconceitos.
lo é ainda concentrador e privilegia o Sudeste.
Os números oficiais da Financiadora de Estudos e
Projetos (Finep), empresa pública vinculada ao Ministé-
Agora, pontuam demonstrações mais freqüentes de que rio da Ciência e Tecnologia, confirmam o quadro, embora
podem formar um elo de inteligência com foco no desen- não revelem detalhes de distribuição da subvenção eco-
volvimento. Impelida por razões de sobrevivência diante nômica a cada estado, como esta revista solicitou.
das mudanças na sociedade global, a aproximação entre O Ceará faz a sua parte ao formatar instrumentos de
os dois polos gera sinergia e irradia benefícios. política pública para trabalhar com o apoio à inovação. Até
A pesquisa da universidade, ao ser transformada em mesmo um Fundo de Inovação Tecnológica (FIT) compõe os
produto pela empresa, estende sua abrangência social. O mecanismos do Estado para avançar neste campo. A Fun-
conhecimento produzido pela inovação tecnológica dá às dação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e
empresas competitividade nos cenários nacional e mun- Tecnológico (Funcap), que já tem a experiência de operação
dial, o que contribui para aumentar a riqueza do país. com duas edições do Programa de Apoio à Pesquisa na Pe-
Países desenvolvidos há muito aplicam incentivos e quena Empresa, criou uma área dedicada à Inovação.
subsídios às empresas que inovam. Para tanto, oferecem O momento desafia a uma postura mais arrojada
mecanismos ágeis de apoio e ambiente legal que não para captar contrapartidas na Finep, BNB e Sudene. A
atrapalha, mas ajuda e promove a cultura da inovação. maturidade, quando alcançada, impõe um tratamento
O desafio foi aceito pelo Brasil ao criar a Lei de Ino- especial que o Ceará merece hoje nos instrumentos na-
vação e outros mecanismos como a Lei do Bem – que cionais de apoio à inovação. A incorporação de grandes
trata de incentivos fiscais para pessoas jurídicas que empresas estaduais com participação nas oportunida-
realizam pesquisa e desenvolvimento de inovação tec- des da inovação virá consolidar o lugar que o Estado deve
nológica – e a Lei de Informática. Há forte sinalização ocupar neste cenário.
de que o país caminha nesta direção. Todavia, o mode- redacao@nordestevinteum.com.br
Tome scientia! Por Flamínio Araripe
redacao@nordestevinteum.com.br
Pesquisa + Empresas = Desenvolvimento

Vazio e perdas em pesquisa agropecuária Canteiro de Oportunidades da


inovação
A extinção da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Ceará (Epace) em 1997, pelo então
governador do Ceará, Tasso Jereissati, deixou um vazio ainda não preenchido no Estado. Hoje,
obras no IFCE
o governador Cid Gomes preferiu deixar para a Embrapa local a parte que caberia ao Ceará dos O Ministério da
R$ 263,6 milhões para revitalização das Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária Educação superou
(Oepas) até 2010. Os recursos estão no Plano de Ações do Ministério da Ciência e Tecnologia o contingenciamen-
(MCT), traçado após diagnóstico de 16 Oepas, com ações sob a liderança nacional da Embrapa. to de recursos feito
Os estados amazônicos, o Maranhão, o Piauí e o Ceará não possuem órgão de pesquisa agrope- pela área econô-
cuária. A Embrapa gera tecnologia, mas a transferência é com o Estado, onde tem Oepa. mica do governo. A
medida beneficiou
o orçamento do
mais abertas com recursos públicos
Ceará dá de ombros para C&T de Pernambuco em IFCE com a recupe-
dinheiro das Oepas mudança estratégica ração de mais de
R$ 3 milhões. Não
O chefe geral da Embrapa Agroin- Troca de titulares na Secretaria de Ciência, Tec-
falta onde aplicar
dústria Tropical, Vítor Hugo de Oliveira, nologia e Meio Ambiente de Pernambuco (Sectma).
procurou a Secretaria da Ciência e Tec- Saiu Aristides Monteiro Neto, deslocado para asses- os recursos pelo
nologia do Estado do Ceará tão logo foi sor de Assuntos Estratégicos pelo governador Eduar- reitor Cláudio Ricar-
lançado o programa de revitalização das do Campos. Entrou a ex-prefeita de Olinda, Luciana do Gomes de Lima
Oepas, onde participou de algumas reu- Santos, que tomou posse no cargo no dia 27 de ju- que toca no mo-
niões. Foi cogitada a indicação do Ins- lho. Mudanças para dar mais agilidade no desempe- mento 13 canteiros
tituto Centec, que teria de possuir uma nho operacional cobrado após os primeiros anos da de obras, novos
estrutura específica para receber os gestão. O gesto demonstra a importância estratégica campi e unidades
recursos e executar a ação. Mas, por de- da secretaria, agora entregue a quem tem experiên- descentralizadas.
cisão do governo, o Estado não entrou. cia comprovada de boa gestão e capital político.
Os recursos não vieram para a Embrapa
nem para a possível substituta da Oepa.
“O Ceará ficou de fora. Perdemos esse
recurso”, disse Vitor Hugo.
Ciências do mar
Atlântico contrata são tema da 62ª SBPC-Natal O Ceará trilha um caminho, desde que criou em 2007 a Lei de Inovação, para organizar
bases e alavancar, este ano, o aumento do dinheiro destinado à inovação da fonte
em São Paulo O Nordeste vai sediar em 2010 o maior encontro científico
do Hemisfério Sul. Em julho, será realizada em Natal a 62ª
de subvenção econômica – recursos não reembolsáveis – para pequenas, médias e
O Instituto Atlântico definiu a produ- Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da
grandes empresas. O Fundo de Inovação Tecnológica (FIT) acumula R$ 15,9 milhões
ção de software para o sistema financei- Ciência (SBPC), na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. numa conta do Bradesco depositados pela Secretaria da Fazenda (Sefaz), que ainda
ro como foco na expansão da sua filial As ciências do mar foram escolhidas como o tema principal
em São Paulo. Instalada este ano nas
não foi mexida. O saldo foi informado no dia 31 de julho. Tais recursos podem tornar
do evento. A decisão foi aprovada na assembléia da Reunião
imediações do Morumbi, a unidade já Anual deste ano em Manaus, realizada de 12 a 17 de julho na
o Estado muito mais competitivo na conquista por novas fontes, como os programas
contratou 60 profissionais. Até agosto Universidade Federal do Amazonas. federais destinados à inovação. A idéia é não investir diretamente e sim buscar
serão incorporados mais 25 colaborado- recursos de forma compartilhada no modo de sharing (cotas de contrapartida).
res à filial, que deve chegar a 100 este
ano, informa o superintendente, José

O
Brasil é o 13º país na classificação mundial Estados Unidos, com 0,09% das patentes mundiais.
Eduardo Martins. Não são utilizados os
mecanismos da Lei de Informática na
EUA X tecnologia nacional: deu samba pra nós da produção científica com a autoria de Outro indicador de que a ciência está bem: o Brasil
operação em São Paulo. Entre outros O embargo dos Estados Unidos ao pedido de importação da ma- 2,12% de tudo que é publicado em revistas forma 10 mil doutores por ano. Sem abandonar a linha
concorrentes no mercado, o cliente es- téria-prima baseada em silício para a produção das lentes de câmera internacionais indexadas. O ranking foi ela- dos investimentos em educação, ciência e tecnologia,
colheu o Atlântico por critérios de preço multiespectrais para os satélites CBERS 3 e 4 não impediu o Brasil de borado pela Thomson Reuters — a maior agência in- o governo quer estimular a geração do conhecimento
e qualidade do serviço. Com mais de fabricar o modelo MUX com tecnologia nacional. Seis meses depois, o ternacional de notícias e multimídia do mundo — com que contribui para aumentar o Produto Interno Bruto
200 colaboradores na sede em Fortale- equipamento foi entregue com as lentes desenvolvidas por empresa
base em resultados de pesquisas com cerca de 200 (PIB). O caminho escolhido para isso é o mesmo dos
za, o Atlântico é uma entidade civil sem nacional, a Opto Eletrônica. Já está requerida patente para a inovação,
que no seu processo de produção dispensa a matéria-prima que teria países. Mas, na transformação deste conhecimento países desenvolvidos, que investem recursos de modo
fins lucrativos que tem como principal em riqueza, na criação de produtos e processos inova- direto na empresa interessada em garantir o ritmo do
objetivo fornecer à sociedade soluções de ser importada. O INPE, presidido pelo cearense Gilberto Câmara,
contratou por licitação pública a empresa que fez a câmera capaz de dores preservados na forma de patente, o País precisa crescimento sustentável. E, o mais importante: a em-
científicas e tecnológicas. Atua preferen-
captar imagens do solo com resolução de 20 metros para monitora- evoluir. O Brasil ocupa o 28º lugar no ranking da Uni- presa que planeja competir num mundo global.
cialmente nas áreas de telecomunica-
ções e tecnologia da informação. mento ambiental e gerenciamento de recursos naturais. ted States Patent and Trade Mark Office (USPTO), dos A tendência do cenário mundial indica que a ino-

2 ciência &tecnologia / juLho de 2009 juLho de 2009 / ciência &tecnologia 3


Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
POLÍTICAS PÚBLICAS

INVESTIMENTO DO GOVERNO
PAPPE-2

FUNCAP FECHA 21 HISTÓRIA DE AVANÇO


CIENTÍFICO EM DETRIMENTO
CONTRATOS PARA DESTINAR
R$ 9 MI À PEQUENA EMPRESA DA INOVAÇÃO NA EMPRESA FEDERAL NÃO CRESCE
E MENOS DE 50% É APLICADO
Um ano depois de ter criado uma área de

d
operação focada na Inovação, sob a respon- e acordo com Guimarães, em pouco tempo
sabilidade do empresário Augusto Guimarães, de atuação dos programas já é possível per-
ceber muitos avanços. “Os empresários estão
a Funcap fechou 21 contratos da segunda
mais conscientes da importância da inovação

A
edição do Programa de Apoio à Pesquisa em para o crescimento de suas empresas. Muitas fazem o analisar os números, Guimarães assi-
Pequenas Empresas (Pappe) no valor aproxi- inovação, mas algumas vezes não há um processo formal nala que na prática não houve aumento
mado de R$ 9 milhões. O ministro da Ciência e para inovar. Em outros casos, alguns empresários tem dos investimentos do governo federal em
Tecnologia, Sergio Rezende, quando esteve em conhecimento pleno do grande volume de inovação no Estado do Ceará. “E outros as-
Fortaleza, no mês de julho deste ano, anunciou recursos para inovação e de como podem pectos precisam ser analisados, como o fato de que
que conversou com o presidente da Funcap, captá-los”, observa. aprovação não significa, necessariamente, aplicação
A inovação pode não estar vin- de recursos. Nos dois últimos anos, por exemplo, esti-
Tarcísio Pequeno, para preparar o projeto do
culada a processos de P&D, disse ma-se que menos de 50% dos recursos foram aplica-
lançamento da terceira edição do Pappe. dos nos projetos aprovados”, lembra.
A previsão é que na terceira edição do Pa- Guimarães. Para ele, é o caso da
inovação incremental, a mais fácil Segundo Guimarães, o esforço da Funcap visa
ppe sejam aplicados cerca de R$ 18 milhões – também sensibilizar tanto o governo para disponibi-
de ser copiada e superada por
R$ 12 milhões do governo federal e o restante inovações de empresas concorrentes. lizar mais recursos, como a empresa, para que ela
de contrapartida das empresas e do governo “O maior desafio da empresa do estado perceba a inovação como um processo alinhado com
estadual. Após a recente aprovação da regula- é a inovação baseada na geração de novos a estratégia da companhia. “É preciso também incen-
mentação do FIT, a Funcap mobiliza esforços conhecimentos, que em geral resulta em tivar o pesquisador na percepção de que a atividade
para sensibilizar também as grandes empresas patentes”, afirma. científica é importante do ponto de vista da aplicação
a competirem nas oportunidades oferecidas A trajetória da política científica e tecnológica e do benefício social obtido” acrescenta.
do Brasil tem sido tradicionalmente orientada para O coordenador não concorda que o empresário
pelos editais da Financiadora de Estudos e Pro-
os mecanismos de apoio ao desenvolvimento científico não sabe e não tem interesse em inovação. “Quan-
jetos (Finep) com recursos subvencionados. do o empresário inteligente tem uma necessidade
em detrimento do estímulo à inovação empresarial.
Desde a aprovação da Lei do Bem, em 2004, com a específica, em geral, ele busca um profissional com
criação de diversificado conjunto de instrumentos para habilidade técnica na área que resolva o problema e nos anos recentes, pelo menos em parte, subsidiada
vação nasce de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e incentivar a inovação, a agenda da política tecnológica encontre a melhor solução. Na área de inovação não pelo governo federal, tem o apoio dos governos esta-
é lançada no mercado pelas empresas. No Brasil, a brasileira experimentou mudanças significativas, anali- deve ser diferente: quando se entender que a inova- duais e é uma atividade transparente, as empresas
maioria dos pesquisadores está nas universidades. sa Guimarães. ção é uma atividade inerente à sobrevivência, que tenderão a se organizar para competir em busca de
Para tirar os entraves à aproximação dos pesquisa- “No entanto, não se promoveu nenhuma alteração deve estar alinhada com a estratégia da empresa e, aprovação de seus projetos”.
dores das empresas, foi regulamentada em 2005 importante no contexto para a formação de profissionais,
a Lei da Inovação do governo federal. A legislação mestres ou doutores com experiência na área de inova-
permite ao poder público aplicar dinheiro direto nas ção. O sistema brasileiro de fomento ao desenvolvimento
empresas. tecnológico mantém-se centrado para o apoio à P&D e
No Ceará , o dinheiro também pode ser aplicado não à inovação”, observa o coordenador da Funcap. O que tem ocorrido é que os editais não
diretamente em empresas cearenses que inovam, in- Em geral, as atividades de pesquisa para a inova-
forma o diretor Administrativo e Financeiro da Funda- ção são também estruturadas na forma de projetos e o estão alinhados com a base empresarial
ção Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico critério de julgamento é a avaliação do mérito científico
e Tecnológico (Funcap), Haroldo Rodrigues de Albu- do projeto. “Consideramos fundamental alinhar os inves- existente no estado. Este simples fato,
querque Júnior. O artigo 16 da Lei de Inovação que timentos públicos para a formação dos profissionais aos
trata de subvenção econômica foi regulamentado no investimentos para a inovação empresarial”, afirma Gui- por si só, elimina e exclui a participação
dia 24 de junho de 2009. O governo do Estado, por marães, acrescentando que são recursos a fundo perdi-
meio de decreto, deu novo formato ao Conselho Ges- do. “Não é financiamento”. da maioria das empresas
tor do FIT (Cogefit), nova composição e um prazo de Por lei, 30% do total de recursos devem ser aplicados
90 dias para ser implantado. A Secretaria da Ciência, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Se projetos Augusto Guimarães, empresário e
Tecnologia e Educação Superior é a gestora do FIT e a destas regiões não são qualificados, os recursos são re- coordenador de Inovação da Funcap
Funcap opera os recursos. manejados pela Finep.

4 ciência &tecnologia / juLho de 2009 juLho de 2009 / ciência &tecnologia 5


Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
Prodetec x Flexibilização Política Números
99
“LINHA DE INOVAÇÃO
Pronaf do BNB e FNE: NO BNB SERIA MAIS
Para 2008, foram
Brasil disponibilizados R$
450 milhões. Nesta
99
exemplos em linhas de crédito GÁS PARA COMPETIR”
Forma 10 mil doutores chamada pública, já foram
por ano; aprovados 245 projetos
para incremento das empresas no valor total de R$ 450
99
“S
É o 13º país na milhões, que excede e o BNB apostar na inovação das empresas que fomenta com
classificação mundial da o orçamento inicial. O o FNE”, avalia Augusto Guimarães, “iria capitalizar mais ain-
produção científica com a da o recurso investido e diminuir o risco do aplicado pelo
Ceará tem até agora sete fundo”. Para ele, “é preciso ter a coragem de acreditar que
autoria de 2,12% de tudo projetos aprovados no total os projetos apoiados com recursos do FNE darão mais certo se eles
que é publicado; de R$ 10,6 milhões apresentarem ações para a inovação alinhadas com a estratégia da
empresa”, assinala o coordenador de Inovação da Funcap.
99
Ocupa o 28º lugar no 99
Em 2009, o edital de R$ A Finep opera com programas nacionais para a concessão de recur-
ranking da United States 450 milhões foi reduzido sos 100% subvencionados para as empresas inovarem. “É importante
Patent and Trade Mark que o BNB ocupe posição de destaque com a cria-
para R$ 129,3 milhões, ção de programas para investi-
Office (USPTO), dos Estados total este anunciado para mentos diretos nas atividades
Unidos, com 0,09% das 199 projetos de empresas de inovação”, aponta. Segun-
patentes mundiais; pré-selecionadas. Ainda do ele, o apoio à atividade
não saiu o resultado final. pelo BNB sinaliza a im-
José Sydrão em reunião no BNB 99
Os recursos para inovação A divulgação preliminar do portância para o Bra-
sil e o mundo que no
no orçamento federal edital 2009 de subvenção Nordeste também se faz

A
lém de aumentar a lecimento da Agricultura Familiar cresceram de R$ 2 bilhões econômica, que saiu inovação apoiada por um
captação na Finep, a (Pronaf), poderá fazer com o Pro- em 2007 para R$ 2,55 este mês, registra 15 banco de desenvolvimento.
Funcap também quer detec. “A parceria com os estados bilhões em 2008;
atrair recursos do BNB vai envolver a quebra desses es-
empresas do Ceará como Para o coordenador da
qualificadas com projetos Funcap, a Sudene pode bus-
e Sudene. A idéia é que seja im- trangulamentos. Essas questões
plantada a proposta discutida pelo
banco com o Conselho dos Secre-
burocráticas foram vencidas hoje
no Pronaf, que é um sucesso”,
CEARÁ que, segundo a Finep,
somam R$ 19, 5 milhões.
car os recursos dos fundos
setoriais para criar o novo ce-
nário da inovação. “A bandei-
tários para Assuntos de Ciência e
Tecnologia e Inovação (Consecti)
disse ele.
Alencar sugere a dinamização 99
A Finep destinou R$ 274
99
O programa de Subvenção
ra da inovação está levantada
em várias regiões do Brasil. Há
visando a criação de um progra- do Prodetec, uma linha de crédito milhões em 2006 para
ma de estímulo à área com juros para empresas que ele considera 145 projetos de empresas da Finep é um dos grandes estados que compraram essa
mecanismos de concessão iniciativa, já adquiriram experti-
negativos ou outro mecanismo de pouco operante, de acordo com em áreas prioritárias se nesse segmento e o Nordeste
menor custo do dinheiro. O mode- as políticas dos Estados na área. da Política Industrial, de recursos públicos, que
não pode ficar de fora”, diz ele.
lo creditício é o do Programa Na- O superintendente convoca os se-
Tecnológica e de Comércio deve ter mobilizado cerca “A Sudene e o BNB”, conforme
cional de Agricultura Familiar (Pro- cretários a articularem apoio dos de R$ 1,5 bilhão nos
naf), de crédito subsidiado. governadores para que o Ministé- Exterior (Pitce). O Ceará Guimarães, “poderiam contar com a expe-
teve apenas 03 projetos quatro primeiros editais. riência das Fundações de Apoio à Pesquisa no
O superintendente do Escritó- rio da Integração flexibilize as re-
rio Técnico do Nordeste (Etene), gras do Prodetec do mesmo modo aprovados no valor de R$ Coube ao Ceará uma fatia Nordeste”. No Ceará, a Funcap tem mais de 15 anos de experiência
anual do bolo nunca maior em apoiar o desenvolvimento científico e tecnológico e a formação de
José Sydrião Alencar, informa que que ocorreu com o Pronaf. 1,7 milhão; recursos humanos para a área de pesquisa. “Toda essa bagagem de
o Programa de Apoio ao Desenvol- “A ideia é adaptar o Prodetec de R$ 18,5 milhões, com
conhecimento e expertise na formação de pessoal pode ser utilizada
vimento Tecnológico (Prodetec),
do BNB, é uma linha de financia-
às características de cada Estado
e limitar ao máximo em termo de
99
Em 2007, a Finep aprovou uma média anual ainda
baixa.
pelo BNB no julgamento do mérito dos seus projetos”, propõe.
174 projetos de empresas “Se o BNB criar uma linha de inovação”, avalia Guimarães, “vai dar
mento com potencial de R$ 200 garantias”, disse Alencar. A intera-
no país, no valor de R$ mais gás ao Ceará para pleitear recursos na Finep e no Ministério da
milhões, que poderá ter juros ne-
gativos. Segundo ele, da mesma
ção do BNB com os secretários de
C&T do Nordeste, na avaliação do 313,8 milhões, sendo que 99
30% do total de recursos Ciência e Tecnologia, com oferta de maior contrapartida local”. Além de
mecanismos estratégicos de obtenção de recursos, a iniciativa envol-
forma que o governo considerou a superintendente, levará a uma ne- o Ceará teve 10 projetos devem ser aplicados nas
veria a criação de estrutura de avaliação criteriosa do mérito científico
agricultura familiar como priorida- gociação política para forçar uma aprovados somando R$ regiões Norte, Nordeste e
da aplicação dos recursos para transformar o Nordeste de uma região
de e facilitou o acesso ao crédito parceria dos fundos setoriais para
14,4 milhões no total; Centro Oeste. que faz cópia do produto, numa região que de fato inova, moderniza,
pelo Programa Nacional de Forta- todos os estados.
cresce e alavanca a riqueza.

6 ciência &tecnologia / juLho de 2009 juLho de 2009 / ciência &tecnologia 7


Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
Empreendedorismo
Incubadora IFCE/BNB
Contatos da empresas:
CURSOS SEMIPRESENCIAIS

fomenta talentos
SÃO MELHOR AVALIADOS
Mototaxímetro 99
A MaisLazer tem como foco
a criança e o adolescente e
inova com solução integrada
para negócios no Ceará
um portfólio de atendimento
a eventos do BNB Clube, Oce-
ani Resort, Alphaville, SESI
Parangaba, Hotel Parque das

O
projeto de um taxímetro para melhor acompanhamento da realidade Fontes e Colônia de Férias da
motos, do empreendedor destes trabalhadores. “Buscamos criar Prefeitura Municipal de Cau-
A Incefetce fornece espaço físico e consultoria Heyde Leão de Souza, téc- um Sistema de Gestão e Avaliação de caia. Email: mais_lazer@yahoo.
em como administrar o negócio, marketing e nico em estradas e graduan- Trajetos, composto por duas partes: um com.br
mercado. O perfil do incubado com projeto de base do em desenvolvimento de sistemas do sistema embarcado, o mototaxímetro, e
tecnológica geralmente é de excelência técnica, IFCE foi apresentado ao presidente do o Sistema de Gestão de Dados, software 99
A Siara é uma agência espe-
mas tem muito o que aprender nas áreas de gestão BNB, Roberto Smith, pelo reitor Cláudio responsável pelo download e tratamento cializada em turismo persona-
e negócios. Normas legais e critérios de seleção Ricardo Gomes de Lima. A idéia foi enca- dos dados, que gera relatórios para o usu- lizado, que faz desde consulto-
minhada ao Fundo de Desenvolvimento ário final”, ele informa. rias na residência do cliente a
pré-estabelecidos em edital regem a seleção dos
materiais exclusivos para via-
projetos, requerendo apresentação de um Plano de Científico e Tecnológico (Fundeci) do BNB “Nosso equipamento é capaz de me-
gem. Primeira empresa forma-
Negócio por parte dos alunos ou egressos, o qual e transformada em projeto que foi apro- dir os trajetos efetuados, formando uma lizada na incubadora. Tem uma
é submetido a um comitê avaliador indicado pelo vado com a captação de R$ 101,7 mil. base de dados estatísticos, de maneira linha de viagens para a melhor
Com recursos para pagar a equipe, que tais informações possam fomen- idade, com serviço diferen-
Conselho Orientador da Incubadora do Instituto
começou a ser produzido um lote de 120 tar inúmeras políticas voltadas para o ciado para atividades lúdicas
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
unidades do mototaxímetro para testes transporte individual de passageiros em e culturais para este público.
(IFCE). Os recursos financeiros para os cursos de em campo, hoje em fase de conclusão. geral”, assinala Heyde Leão. O empreen- Telefone: (85) 3223-1586 site:
capacitação oferecidos para as empresas incubadas Até o final de julho deste ano, os equipa- dedor conta que vai pleitear no Inmetro www.siara.com.br
são do Sebrae-CE. Entre 2004 e 2008, já passaram Rafael Lopes Melo e Zandra Dumaresq, diretora de Extensão do mentos deverão estar instalados em mo- homologação do invento, que considera
pela incubadora mais de 15 empresas Campus Fortaleza do IFCE tos da Etufor, informa Heyde Leão, o dire- o primeiro equipamento do gênero no 99
A Liukin desenvolve soluções
tor de AED. Em 2006, a AED Tecnologia país construído para mototáxi. personalizadas em dispositivos
ingressou na incubadora. Após um ano e A solução engloba, além da tarifação, inteligentes. Busca proporcio-

d
esde antes de concluir o curso técnico de de- meio do uso das ferramentas que facilitam achar as em- meio de trabalho, conseguiu elaborar um o registro de dados da corrida, afere se o nar às pessoas maior conforto,
senvolvimento de software no Centro Fede- presa no foco do mercado onde atuam. A indexação no protótipo para testes de laboratório e de veículo passou do limite de velocidade e segurança e eficiência no uso
campo. Foram tempos de escassez. gera relatórios que podem migrar para a de novas tecnologias. Telefone:
ral de Educação Tecnológica (Cefet-CE), hoje Google, blogs, sites, Buscapé e BemAqui são alguns pas-
(85) 3286-0880. E-mail: liukin-
IFCE (Instituto Federal de Educação, Ciência sos percorridos pelo atendimento. O empreendedor explica que o moto- web. O equipamento, que visa o mercado
tecnologia@ig.com.br
e Tecnologia do Ceará), Rafael Lopes Melo e Renato De acordo com Rafael Melo, a chancela de ser incuba- taxímetro não é um equipamento isolado, corporativo e o gestor público, já desper-
Busato Figueiredo já produziam sistemas para clientes
no mercado. A demanda acelerou a partir de janeiro de
da no IFCE é um cartão de visita que conta na aceitação da
empresa. Segundo ele, a Imagine está bem nos negócios
mas uma solução integra-
da, capaz de aliar o
tou a atenção de investidor, pontua o em-
preendedor. A Etufor é cliente e parceiro
99
A Azul Tecnologia desenvolve
software e produtos para Inter-
2008, quando ingressaram na Incubadora de Empresas sem precisar apresentar preços mais baixos, pois a con- cotidiano dos mo- técnico da AED, que desenvolveu o protó- net e empresas. Telefone: (85)
do IFCE (Incefetce) com um plano de negócios da Imagi- corrência cobra até 20% mais barato. “Nosso diferencial é totaxistas e a in- tipo em interação também com o Sindi- 3281.3167
ne Comunicação Digital, aprovado no primeiro edital do o resultado, o aumento da receita da empresa através da formação neces- cato dos Mototaxistas de Fortaleza.
ano passado.
Hoje, a empresa trabalha com mais três bolsistas
Internet. Fazemos o que prometemos”, afirma.
Zandra Dumaresq, diretora de Extensão do Campus
sária para o ges-
tor público ter um
Ligado no público-alvo, Heyde Leão
acompanhou em Brasília a aprovação do
99
A AED Tecnologia é a primei-
ra empresa pré-incubada na
e tem clientes na fila de espera, informa Rafael Lopes Fortaleza do IFCE, informa que hoje a Incefetce abriga projeto de lei que regulamenta a profis- área de tecnologia na incuba-
Melo, que concluiu o curso de Matemática na Uece – o três empresas pré-incubadas (Imagine, AED Tecnologia e Mototaxímetro são de motoboy na Comissão de Cons- dora. Apresenta seu primeiro
sócio vai concluir Ciência da Computação na UFC. “Todos Mais Lazer) e três empresas incubadas (Siara Viagens e desmontado: tituição e Justiça da Câmara, que irá a produto, o Mototaxímetro,
segredos da
os nossos clientes vieram por indicação de outros. Não Turismo, Liukin Tecnologia e Azul Tecnologia). plenário para homologação, e diz estar fruto do “Projeto COELHO”, um
inovação
fomos atrás de nenhum”, diz ele. O edital de março de 2009 selecionou mais quatro em contato com a categoria em diversos modelo de gestão de trânsito
O trabalho da Imagine posiciona as empresas na In- empresas para ingressarem este ano na incubadora: a estados. O vento sopra a favor dele em para colaborar com a melhor
ternet de modo a agregar visibilidade à clientela para im- TST Service, que faz consultoria na área de segurança e Fortaleza. A legislação que regulamenta distribuição dos recursos da
a atividade de mototaxista, quando não população. Email: heydeleao@
pulsionar os seus objetivos comerciais ou informativos. medicina do trabalho; Ecolazer, de atividades recreativas
gmail.com
Tudo começa com um estudo do ramo de atividade, ob- com enfoque ambiental; Convermídia, que desenvolve existia a opção no mercado, exige a ins-
jetivos a atingir na web, planejamento e estratégias com
a definição das ferramentas a serem usadas.
software e produtos para o entretenimento; e a Freeway
Engenharia, que elabora estudos e projetos de engenha-
talação de equipamento de aferição de
corrida, um mercado de 2.200 unidades, 99
Imagine - (85) 8856.6530
www.empresaimagine.com.br
O resultado buscado é a geração de negócios por ria de tráfego. que ele olha com um certo carinho.

8 ciência &tecnologia / juLho de 2009 juLho de 2009 / ciência &tecnologia 9


Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
Justiça
STF autoriza implantar Números
Democratização digital
Modelo da
Cinturão Digital O Cinturão Digital do Ceará atenderá 81
municípios, uma população urbana de 4.339.920
habitantes, o que representa 59,21% da
população total do Estado e 82,77% da
Austrália serve
Paralisação das obras poderia gerar grave lesão à economia pública, visto que estão sendo
financiadas pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), e o atraso
ocasionar sanções para o Estado. Outro risco apontado pelo STF foi a ameaça da perda de R$
população urbana. Serão beneficiadas ainda 554
escolas estaduais de um total de 774 — de comparação
20 milhões de emenda da bancada federal junto ao Ministério da Ciência e Tecnologia, recursos o equivalente a 71,57% de cobertura.
já empenhados pela Secretaria de Planejamento e Gestão para a Empresa Schahin. Levando em consideração todas as escolas municipais,
serão cobertas 5.980 escolas de um total de 12.602

A
instalação das fibras óticas do pro- ralisou as obras de instalação da rota óptica estabelecimentos, o que representa um percentual de
jeto Cinturão Digital foi retomada do projeto, “representa um ato de intervenção 47,45% de abrangência.
por decisão do Supremo Tribunal direta do Poder Judiciário na gestão adminis- Na defesa judicial, o Governo do Ceará informou
Federal (STF). O presidente, minis- trativa estadual e compromete execução da que, com a paralisação da obra, teria que arcar com os
tro Gilmar Mendes, relator do julgamento, sus- política estadual de inclusão digital”.
prejuízos da vencedora, que já mobilizou a sua equipe,
tou o efeito da decisão liminar do Tribunal de A suspensão da liminar e a continuida-
adquiriu 2.500 km de cabos óticos e montou
Justiça do Ceará — e a confirmação da mesma de das obras foram confirmadas pelo gover-
pelo Supremo Tribunal de Justiça(STJ) — que nador Cid Gomes, que diz ser este um dos 4 canteiros de obras em cidades do
suspendia o contrato do Governo do Estado, projetos prioritários do governo, e pelo pre- Estado. “O atraso da obra acarretaria custos intangíveis,
de 16 dezembro de 2008, com a empresa sidente da Empresa de Tecnologia da Infor- considerando que vários projetos de Tecnologia da

f
ernando Carvalho compara o modelo de demo-
Schahin Engenharia, vencedora da licitação. mação do Ceará (Etice), Fernando Carvalho. Informação e Comunicação (TIC) das diversas áreas de
cratização da informação digital do Cinturão
A decisão foi publicada no site do STF e O mandado de segurança contra o contrato governo estão no aguardo desta infraestrutura para serem Digital ao da Austrália, onde o governo criou
tratada de modo discreto pelo governo esta- foi impetrado pela empresa Procable Ener- utilizados, visto que atualmente devido ao monopólio na o Ministério da Banda Larga, Comunicação e
dual que retomou a obra, mas só pretende gia e Telecomunicações, segunda colocada área de telecomunicação no Estado, estão inviabilizados Economia Digital e está implantando fibra óptica pelo país
fazer alguma divulgação quando forem inau- na concorrência por ter apresentado um pelo alto custo.” para conectar 90% da população. Governo, empresas e re-
gurados os primeiros trechos, em Sobral e preço superior em R$ 7.332.898,76 ao da sidências australianos serão conectados com velocidade
Quixadá. Segundo Gilmar Mendes, a determi- firma vencedora, cerca de 15% acima do São citados como principais benefícios do de mais de 100 Mbps, em oitos anos. “O modelo cearense
nação judicial que suspendeu o contrato e pa- preço contratado. Projeto Cinturão: parte na frente de todos os estados do Brasil e de muitos
países”, assinala o presidente da Etice.
99
implantação do processo de compras informatizado O projeto Cinturão Digital visa democratizar o acesso
à informação digital, apoiando, assim, projetos do gover-
próprio do governo;

FIBRA ÓTICA
no nas áreas de educação, saúde, segurança pública,
99
implantação de um sistema de ensino à distância; meio ambiente, ação social, gestão e fazendária. Outros
objetivos são realizar a modernização da administração

OITO QUILÔMETROS DE CABOS POR DIA, 99


realização de interligações de 784 escolas estaduais,
beneficiando 120.575 estudantes de ensino básico
pública estadual, a melhoria e a facilidade de acesso aos
serviços públicos; disponibilizar ao Poder Judiciário uma

SETE ROTAS, ANTENAS E RÁDIOS e de 6 hospitais e 10 unidades ambulatoriais,


viabilizando o acesso e intercâmbio de informações de
saúde para gestores, agentes e usuários do Sistema
comunicação ágil e eficaz entre todas as comarcas do
Estado. Haverá uma efetiva redução dos custos, com a di-
gitalização dos processos, a realização de interrogatórios,

“A obra avança com a implantação de oito qui- quência de 4.9 a 5.8 Ghz, velocidade de 50 Mbps na Unico de Saúde (SUS). audiências e outros atos através de videoconferência, além
lômetros de cabos de fibra ótica por dia”, re- antena, que irradia nas estações pelo sistema Wimax a da eliminação das despesas de telecomunicação.
lata Fernando Carvalho. A Schahin instalou velocidade de 5 Mbps. 99
Interligação de 80 Delegacias de Polícia Civil e 20 Para a Assembléia Legislativa e os Tribunais de Contas
do Estado e Municípios, diz a petição do Governo ao STF, a
um grande canteiro de obras em Pacajus e De acordo com Fernando Carvalho, o contrato com o Companhias e Quartéis da Polícia Militar e do Corpo
distribuiu diversos outros ao longo da obra dividida em fornecedor das antenas e rádio inclui garantia por quatro de Bombeiros à Secretaria de Segurança Pública e infraestrutura vai disponibilizar ferramenta de controle que
sete rotas. anos a homologação da Anatel e troca de equipamentos Defesa da Cidadania, e a interligação da Ouvidoria irá interligar todos os órgãos das administrações públicas
Mas, nem tudo é fibra ótica no Cinturão Digital. Nas por um novo em caso de quebra. O presidente da Etice Geral do Estado com as Unidades Integradas de municipais a estadual, reduzindo custos de transporte, di-
pontas das localidades, onde chega a fibra, o sinal é dis- confirma para entre os dias 26 a 28 de agosto o workshop Atendimentos, totalizando 13 Casas de Mediação árias, e outros que dispensem o deslocamento de servi-
Comunitária e 4 Unidades Móveis. dores. A petição destaca ainda a redução instantânea de
tribuído por antena e estações de rádio para o entorno. da Etice patrocinado pelo Banco Mundial que irá discutir
Está para ser homologado pela Procuradoria do Estado com as empresas de telefonia, de telecomunicação e TV 70% nos custos com telecomunicação, que hoje são de
o resultado da licitação das antenas e rádios com fre- o modelo de exploração do Cinturão Digital. R$ 36 milhões por ano.

10 ciência &tecnologia / juLho de 2009 juLho de 2009 / ciência &tecnologia 11


Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
Fundo de Extensão

R$ 300 milhões por ano


para Educação Profissional
Ganha prioridade na Câmara dos Deputados a tramitação do projeto que cria uma fonte de recursos a ser
constituída por 1,5% do Fundo de Apoio ao Trabalhador (FAT) e 1,5% do Fundo Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (FNDCT) . O objetivo é financiar bolsas de extensão destinadas à capacitação no
contingente de 85 milhões de analfabetos funcionais do país

O
presidente da Câmara Federal, Michel Temer, universitário tornou complicada a absorção dos profissio-
anunciou que vai colocar na pauta em agosto nais no mercado de trabalho e defendeu a extensão da
e dar “prioridade absoluta” ao Projeto de Lei formação de pessoal no nível intermediário.
7394/06, de autoria do deputado Ariosto Ho- Sergio Rezende disse que o programa dos Centros
landa (PSB-CE), que cria o Fundo de Extensão da Educação Vocacionais Tecnológicos (CVT), criados por inspiração de
Profissional. O pedido foi feito pelo parlamentar cearense Ariosto Holanda – o Ministério da Ciência e Tecnologia já
no Fórum Extensão Tecnológica dos Institutos Federais, re- implantou 306 unidades no país – ocupa um espaço vazio.
alizado na Câmara. Para ele, 350 dos cinco mil municípios brasileiros são aten-
O PL já foi aprovado nas comissões de Ciência e Tecno- didos por IFs e 150 por universidades. os outros podem ser
logia e de Educação e tramita na Comissão de Tributação. atendidos se tiverem CVTs, que oferecem uma capacitação
Agora, com o regime de urgência urgentíssima terá prática e objetiva.
um relator nomeado em plenário e irá à votação. “O CVT precisa de sustentação que depende de insti-
O Fórum de Extensão teve mais de 500 ins- tuições como os IFs e universidades”, disse Rezende, ao
crições com a participação de reitores e diretores assinalar que as bolsas de extensão podem contribuir no
de 38 Institutos Federais, dos ministros Sergio Re- processo. Segundo ele, como o CNPq tem apenas três mil
zende, da Ciência e Tecnologia, José Pimentel, bolsas de extensão, é bem vindo o projeto de lei que venha
da Previdência, José Henrique Paim Fer- a institucionalizar e dar consistência ao programa”. No en-
nandes, ministro interino da Educação e tanto, o ministro fez um apelo para que o Fundo não seja
André Figueiredo, ministro vinculado ao FNDCT.
adjunto do Trabalho. Mi- O ministro José Pimentel disse que o Ministério da Pre-
chel Temer observou que vidência vai precisar muito dos IFs para ajudar na capaci-
a prioridade dada ao ensino tação do programa Empreendedor Individual que pretende
formalizar com CNPJ o registro de 11 milhões de trabalha-
Programa dos Centros dores informais. O ministro, José Paim Fernandes, por sua
Vocacionais Tecnológicos vez, avaliou que com o apoio da Câmara a educação pro-
(CVT), foram criados por fissional vai avançar. O deputado Ariosto Holanda destacou
inspiração de Ariosto Holanda
que o programa nacional de extensão e o Fundo para bol-
sas irão consolidar ações de assistência às microempre-
sas no âmbito do Empreendedor Individual.

Wilton Bezerra Júnior Editor Executivo n editor@editoraassare.com.br n wiltonbezerrajr@hotmail.com- wiltonbezerrajunior@gmail.com


Marcel Bezerra Diretor Editor Adjunto n marcel@editoraassare.com.br Flamínio Araripe Editor Adjunto de Ciência e Tecnologia n flaminio.a@gmail.com

Apoio Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (ETENE) / Banco do Nordeste do Brasil - BNB
Apoio Técnico Centro de Pesquisa e Qualificação Tecnológica – CPQT
Diretor-Executivo Edson da Silva Almeida
Colaboração Assessoria de Comunicação Social do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) / Jornalista Marlen Danúsia

Editora Assaré Ltda ME - Rua Waldery Uchôa, 567 A n Benfica, Fortaleza, Ceará n CEP: 60020-110
e-mail: assare@editoraassare.com.br - Fone/fax: (85) 3254.4469
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existente ou que venha a ser criado. o caderno de ciência &tecnologia é uma parte integrante da revista Nordeste VinteUm e não pode ser vendido separadamente

12 ciência &tecnologia / junho


juLho de
de 2009
2009
Nordeste VinteUm
vinculado à Fundação José Augusto, ór- do, o escritório onde ele escrevia à acervo, que não é pequeno. São 10
gão de cultura do Estado do Rio Grande máquina, e nas paredes assinaturas mil livros, 15 mil correspondências,
do Norte. Memória mantida a “sangue, de centenas de amigos, ilustres ou cinco mil fotografias. “Passa muito de
suor, e lágrimas”, afirma a neta. desconhecidos, que o visitavam. Para 25 mil peças”, diz Daliana, ao incluir
Câmara Cascudo viveu a maior preservar o imóvel e todo o acervo o acervo museológico da casa, que
parte de sua vida num belo casarão de Cascudo, foi fundado o Instituto consta de uma coleção de etnografia
na avenida Junqueira Aires, bairro da Câmara Cascudo – Ludovicus. africana e de uma rica pinacoteca, Agitação mudancista, vanguarda democrática e vida curta em rudes tempos
Ribeira, em Natal. Depois da partida Desde o final de 2005, com além do antigo mobiliário da casa,

A
Por Juarez Leitão — Parte 1
de Cascudo, deixou de ser aberta ao recursos próprios da família, o imóvel todo conservado. Tudo, reitere-se, sem
público até 2001. Lá, logo na entrada, está sendo restaurado para funcionar verba oficial. Com o instituto, Daliana primeira constituição republicana placas, estátuas e emblemas que se vinculavam à em 16 de junho do mesmo ano a nossa primeira
estão as placas que homenagearam como casa biográfica. A biblioteca do afirma que será possível buscar patro- no Ceará foi elaborada num mo- monarquia. Furiosos e aos gritos de “Fora, mo- Constituição Republicana.
Cascudo por seus préstimos à cultura mestre, que ficava no Memorial, teve cínios e parcerias para a execução de mento de perplexidade e agitação narquista!” tomaram o palácio de assalto e, expul- Composta de 108 artigos e seis disposições
brasileira. No átrio, vários quadros seus livros restaurados e já voltou para projetos. A idéia da família, segundo mudancista. Vivia-se a transição da so Morais Jardim, aclamaram como governador o transitórias, é assinada pelo Presidente do Con-
com fotos autografadas por grandes a casa, onde poderá ser consultada e ela, é reabrir a casa para visitação nos Monarquia para a uma nova forma tenente-coronel Luiz Antônio Ferraz, comandante gresso Cearense Constituinte, José Joaquim Do-
personalidades amigas de Cascu- pesquisada, assim como todo o seu próximos meses de governo e era natural a condição de ansiedade do 11° Batalhão. mingues Carneiro, demais componentes da Mesa
e expectativa que acometia a população. Embora o Pode-se imaginar quanto atabalhoada foi Diretora e por todos os constituintes, num total de
povo simples não estivesse a par do processo que se a organização político-administrativa da nas- 36 parlamentares.
operava na Assembléia recém-eleita, sabia-se que cente República em sua matriz e nos Estados. O texto faz eco ao movimento de renovação
Sebos e relançamentos alguma coisa nova estava acontecendo. Tudo era provisório e o exercício de governo se idealizado por Rui Barbosa e inserido na Consti-
O movimento republicano se iniciara no dava por decretos. tuição Federal. Esse desejo de equiparar-se ao con-
RECUSA A Ceará por volta de 1870, quando surgiram os pri- texto do vanguardismo ocidental, liderado pelos
Correspondências com meiros clubes de simpatia ao regime que caracte- Estados Unidos, está configurado a partir do pri-
CONVITES DE JK E rizava o continente americano. Depois, houve um meiro título, que define a Organização do Estado.
Mário, Lobato, Amado, CADEIRA NA ABL arrefecimento, mas o entusiasmo retornou nos Nele, se assegura nossa filiação ao Estado Fe-
Drummond e Josué de Castro Sem querer deixar Natal,
meados da década de 80, como acontecia em vá-
rios pontos da nação. Entretanto, a proclamação
derativo, sem prejuízo para a autonomia relativa,
preceituada na Carta Magna.
Câmara Cascudo acabou por da República, naquele 15 de novembro de 1889, Contemplado está o princípio iluminista da
Além dos dois livros publicados eles me pedem para sugerir uma cumprir a missão de dar visibili- pegou a todos de surpresa. Separação dos Poderes em Executivo, Legislati-
recentemente, está programado para obra para ser relançada, eu sugiro dade ao Estado do Rio Grande É impressionante como se fez a substituição vo e Judiciário, de funcionamento independente
da monarquia sem um tiro, sem uma escaramuça, e harmônico.
o final do ano ou início do próximo o logo 20, porque tem tanta coisa im- do Norte, avalia Daliana. Convi-
sem nenhuma participação popular. Um grupo de No procedimento eleitoral, estabelece o
lançamento do livro com a correspon- portante para sair que fica difícil a dado por Juscelino Kubitschek militares se reúne numa praça do Rio de Janeiro e sufrágio direto para a escolha do Governador
dência – ida e volta –, entre Cascudo gente escolher um”, gaba-se. Assim, para ser o primeiro reitor da induz um velho líder do exército, doente e amigo e dos parlamentares.
e Mário de Andrade. O livro só foi Daliana espera uma maior difusão Universidade de Brasília (UnB), do imperador, a dar um viva à República, derru- Os portadores de cadeira no Legislativo goza-
possível graças a um convênio firmado da obra do avô, que é objeto de pes- não aceitou. Assim como se re- bando o Império e despachando a dinastia de Bra- A constituição de vam de prerrogativas especiais, como a inviolabili-
em 2008 entre as academias Paulista
e Norte-Riograndense de Letras, onde
quisa em todo o Brasil. Em breve,
entrará no ar, na internet, o site
cusou a efetuar inscrição para
concorrer a uma cadeira na
gança para o exílio humilhante.
Graças ao telégrafo, a notícia da proclama-
1891, pelo menos no que dade de suas opiniões, palavras e votos no exercício
do mandato e a proibição de serem presos sem a
o Instituto Câmara Cascudo e o Insti- do instituto (www.cascudo.org.br). Academia Brasileira de Letras. ção da República chegou na mesma tarde de sua estava escrito, era muito devida licença da Assembléia.
ocorrência. Todo mundo foi tomado de surpre- Assegura aos municípios uma autonomia
tuto de Estudos Brasileiros (IEB), que
detém a correspondência de Mário.
Outra parte da obra de Cascudo,
suas 1.848 crônicas de Acta Diurna,
O apelido de “provinciano
incurável” ganhou de Afrânio sa. Os líderes, porém, trataram de espalhar a boa avançada e contemplava as poucas vezes verificada em documentos consti-
Daliana informa que o mesmo se pre- já teve até agora dez volumes publi- Peixoto. “Encontrara meu nova, e logo se formaram aglomerações nos dois
pontos principais da cidade: a Praça do Ferreira e
aspirações democráticas tucionais brasileiros. O Conselho Municipal, que
geria o destino das comunas, poderia administrar
tende fazer com as cartas que Cascu-
do trocou com outras figuras ilustres,
cados sob o título de O Livro das
Velhas Figuras, pelo Instituto His-
título justo, real, legítimo”,
escreveu Cascudo. Serejo vai
o Passeio Público. em educação, saúde livremente os bens e as rendas municipais, exe-
Naquela noite, ainda sob o impacto da estu- cutando a arrecadação e promovendo a aplicação
como Monteiro Lobato, Carlos Drum- tórico e Geográfico do Rio Grande além. “Eu acho que ele produ- pefação, não aconteceu uma mobilização de vulto. pública, descentralização, dessas rendas, além do direito de contrair emprés-
mond de Andrade, Josué de Castro e
Jorge Amado, por exemplo.
do Norte (IHGRN) ziu muito mais pelo desafio
de sobreviver. Ele quis que, da
Mas, no dia seguinte, quando a informação já se desenvolvimento e timos e celebrar contratos.
generalizara, uma verdadeira multidão se reuniu No capítulo da Declaração de Direitos tam-
A obra de Cascudo,
Câmara Cascudo escrevia na biblioteca de casa: sua “Babilônia”
província, seria lido no mundo. no Passeio Público (Praça dos Mártires) para acla- justiça social. bém se verifica uma clara posição de vanguarda.
que se encontrava em sua Agora, ele foi vítima de não ter mar os oradores republicanos e, num impulso de Ali, estão assegurados a liberdade de opinião, lo-
grande maioria esgotada discípulos, de uma sociedade exaltação, partiu para o Palácio do Governo (atual comoção, denúncia, representação e religião e o
e só possível de encon- pobre, de uma universidade sede da Academia Cearense de Letras) com o ob- A primeira eleição estadual ocorreu no dia direito de privacidade e de defesa contra todos os
trar em sebos, começou dando os primeiros passos, jetivo de enxotar o presidente da Província, coro- 10 de fevereiro de 1891 e tinha a missão de es- tipos de arbitrariedades.
Foto: Acervo Instituto Câmara Cascudo - Ludovicus.

a ser relançada há alguns não podia abraçá-lo como um nel Jerônimo Rodrigues de Morais Jardim, que se colher os constituintes. Havia uma curiosidade: Enfim, a constituição de 1891, pelo menos
recusava a acreditar que o imperador havia sido o Congresso Estadual teria duas câmaras – a dos no que estava escrito, era muito avançada e con-
anos, após assinatura de produto. Se você pensar, Cas-
destituído e que tudo não passava de uma arruaça deputados e a dos senadores. Foram eleitos 12 se- templava as aspirações democráticas em educação,
contrato entre a família cudo é o melhor produto do de baderneiros. nadores e 24 deputados. saúde pública, descentralização, desenvolvimento
de Cascudo e a Global RN, a melhor coisa que o RN Estava certo quanto à baderna, pois os agita- Os trabalhos constituintes decorreram a toque e justiça social. Sabemos, entretanto, que, princi-
Editora. Até agora, 27 produziu foi Luís da Câmara dos participantes daquela manifestação, segundo de caixa, pois havia urgência em dotar o Estado de palmente naqueles rudes tempos, havia uma dis-
títulos foram relançados, Cascudo. Porque exporta, é o os cronistas da época, no trajeto do passeio Pú- sua Carta Constitucional, como exigia a nova or- tância abismal entre a lei e a prática.
e estão disponíveis em que nos faz conhecidos”. blico para a Praça General Tibúrcio (Praça dos dem nacional. Instalada a Assembléia Constituinte Sua duração teria, porém, o curto espaço de
todo o Brasil. “Quando Leões), promoveram o maior quebra-quebra de em fevereiro de 1891, já estava sendo promulgada um ano e 26 dias.

34 Julho/2009 www.al.ce.gov.br
Nordeste VinteUm
www.addiper.pe.gov
INFRAESTRUTURA

Desafios de novos
O volume de cargas que passam pelos
portos brasileiros vem crescendo a uma
taxa anual de mais de 21%, o que dá uma

tempos nos
dimensão do quão estratégico é o setor.
Para um país de dimensões con-
tinentais, é necessária a existência de
estrutura e integração por meio de fer-
rovias, rodovias, vias fluviais e portos

portos brasileiros
equipados e competitivos em relação
aos demais concorrentes. As descober-
tas recentes de petróleo no pré-sal pela
Petrobras tornaram o papel dos portos
ainda mais imprescindível.
O sistema brasileiro tem um histórico
de falta de investimentos que nos afastou,
durante muito tempo, do topo do ranking
dos países com maior fluxo marítimo de
cargas. Segundo Raimundo F. Kappe,
durante a ditadura militar, o enfoque era
a área de segurança, não se tendo como
objetivo o aumento de movimentação de
mercadorias nem avanço tecnológico das
operações portuárias, para tornar o porto
um fator de desenvolvimento.
Em 1975, foi criada a Empresa de
Portos do Brasil S/A (Portobras), uma
“holding” que representava o interesse do
governo em centralizar atividades portu-
árias. Desta maneira, seguindo o critério
de centralização da administração pública
federal vigente à época, iniciado no Esta-
do Novo e intensificado após 1964, era
consolidado o modelo monopolista esta-
tal para o Sistema Portuário Nacional.
Começava, nesse momento, um
período de marcante ineficiência nos
portos brasileiros. Até que em 1993, o
sistema portuário passa por uma crise
Há mais de 200 anos, o Brasil estabeleceu um marco na sua história, quando após a dissolução da Portobras, o que
D. João VI abriu os portos às nações amigas. Hoje, depois de dois anos do que Segundo o Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação da Uni- cria um desastroso vazio institucional.
pode ser considerado um “despertar” para a importância do fortalecimento versidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ), o modal Esse processo culmina com a aprova-
aquaviário possui um dos menores custos para o transporte de ção da Lei 8.630, de 25 de fevereiro de
da infra-estrutura de comércio exterior na economia nacional, o país cargas no Brasil, perdendo apenas para o transporte dutoviário 1993, conhecida como Lei de “Moder-
consolida, através da ação de um órgão específico, uma política pública e e aéreo. nização dos Portos”.
Do total de portos públicos, 18 são delegados, concedidos Esta fase foi a mais difícil para o sis-
diretrizes destinadas ao fomento do setor portuário. O objetivo é conferir ou tem sua operação autorizada à administração por parte dos tema portuário, que passa a ter um novo
competitividade. Comparativamente, pode-se dizer que o Brasil se reposiciona governos estaduais e municipais. Há ainda 42 terminais de uso marco legal: a partir dessa nova regula-
no desafio de reabrir seus portos ao mundo. privativo e três complexos portuários que operam sob concessão mentação mais privatista nos portos, se

O
à iniciativa privada. Analisados apenas sob aspectos quantitati- estabelece uma nova regulamentação
vos, esses números não expõem o tamanho do desafio do setor com esse objetivo, e também são criados
Brasil tem cerca de 8,5 mil quilômetros navegáveis de costa marítima. Com um portuário brasileiro. organismos institucionais para dar supor-
sistema portuário composto por 37 portos públicos, entre marítimos e fluviais, Para entender a lógica dos portos, o raciocínio é simples. Nos te ao marco. O fato é que os gargalos do
o país movimenta hoje, em torno de 700 milhões de toneladas em mercadorias últimos anos, o Brasil tem experimentado crescimento econômico setor portuário nacional nunca foram, de
por ano. Pouco diante de países como a China que, só em 2006, movimentou e um dos reflexos disso está na balança comercial. Só para se ter fato, enfrentados com investimentos que
mais de 5 bilhões de toneladas. Mas, relevante se considerarmos que, por nossos uma idéia, o fluxo total de exportações e importações no Brasil sal- devolvessem ao Brasil a competitividade
portos, passam mais de 90% das exportações brasileiras. tou de US$ 100 bilhões, em 2003, para US$ 381 bilhões em 2008. necessária no setor.

36 Julho/2009 Julho/2009 37
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
História

Abertura de Custo Brasil x Ásia, Europa e EUA


N a opinião do ministro, que vislumbra
um horizonte de 50 anos para os
afirma Pedro Brito.
Ele acompanhou recentemente o
NÚMEROS
8,5 mil
D.João VI
portos brasileiros, com adequação de boas presidente Lula em vista à China dentro da
experiências européias à nossa realidade, política do ministério de buscar parcerias quilômetros
como o modelo de planejamento adotado principalmente junto aos asiáticos, europeus
pelo porto de Roterdã, na Holanda, os pro- e americanos. navegáveis de
gramas hoje em andamento, vão garantir, a “Na China fomos apresentar ao mercado costa marítima.

e a Criação da SEP: um paralelo


diminuição do chamado “Custo Brasil”. Assim as oportunidades de negócios e os primeiros
como maior geração de emprego, renda e resultados já começaram a aparecer, com a 37 portos
maior volume na movimentação de merca-
dorias nos seus principais portos.
presença de empresas chinesas, consorciadas
com empresas locais, em obras de draga- públicos, entre

A
No entanto, os primeiros avanços na gem”, coloca o ministro, ao destacar que, marítimos e fluviais.
realidade não competitiva dos portos uma edição preparada pela Imprensa Régia, no reestruturação de um sistema e política no trabalho de identificação de parceiros, o
brasileiros começou a mudar efetiva- Rio de Janeiro. O Brasil experimentou entre os portuários são celebrados com parcimônia governo busca contratar os melhores serviços 700 milhões
mente há cerca de dois anos, com a
criação da Secretaria Especial dos Portos (SEP)
anos de 1808 e 1814 um verdadeiro monopólio
mercantil inglês que ocupou, com competên-
pelo ministro. “Temos ainda muito trabalho
pela frente, porque a atividade portuária
com o menor preço. Ele adianta que tanto
os asiáticos como os europeus e americanos de toneladas
pelo Governo Federal. O orgão nasceu para for- cia, posições estratégicas e conquistou o mer- é extremamente dinâmica, exigindo um estão “bastante interessados em marcar pre- em mercadorias
mular políticas e diretrizes para o setor portuário cado. Tudo sem concorrência. Ante qualquer esforço cada vez maior na perspectiva de sença” no conjunto de obras que a SEP deverá
colocarmos o nosso sistema no mesmo pa- executar até o final do próximo ano. movimentados/ano.
com vistas a ampliar o seu comércio exterior. ameaça, entrava em ação o draconiano Tratado.
Em termos de história portuária, a criação O fato é que, não fosse a vinda da Família Real
tamar dos portos mais evoluídos do mundo”,
90% das exportações
de um organismo específico, com status de mi- para o Brasil fugindo das garras de Napoleão,
brasileiras passam
nistério, para cuidar dos portos brasileiros – com talvez nos encontrássemos, com certeza, em
exceção dos portos fluviais e lacustres, que são outra situação. competição 18
pelos portos.
portos públicos
Mais cargas e cabotagem,
de competência do Ministério dos Transpor- Hoje, mais de 200 anos depois, o Brasil
tes – tem sido, sem exageros, considerada um experimenta uma nova realidade portuária.
marco. Comparado ao ato de janeiro de 1808, “Através de uma série de ações estratégicas e são delegados,

menos custo e burocracia.


quando D. João VI anunciou para o mundo a planejadas, estamos revolucionando o sistema
Lorde Strangford, poeta concedidos ou
abertura dos portos para as nações amigas. portuário brasileiro, na perspectiva de aumen-
amador e tradutor de

Novas lei garantem


No século XIX, a decisão do então Prínci- tar sua capacidade de competitividade, com a administrados por
pe Regente permitiu, de início, que os portos conseqüente ampliação do movimento de mer- Camões, foi emissário da
Grã-Bretanha em Portugal Estados e Municípios.
de Belém, Salvador, Recife, Santos e do Rio de cadorias”, afirma o ministro-chefe da SEP, Pe-
no período que antecedeu 42 terminais

O
Janeiro passassem a manter contato direto com dro Brito.
a invasão francesa. antes de
são de uso
todos os países que não estivessem em confli- Após os primeiros dois anos de atividades, s desafios do setor portuário brasilei- pamentos, peças de reposição e outros bens
to com Portugal. Dois anos depois, em 19 de a SEP tem motivos “de sobra” para comemo- acompanhar a corte em sua ro são enormes, mas podem ser resu- permaneceram isentos do IPI, da contribui-
fevereiro de 1810, Portugal, Inglaterra e Irlan- rar os resultados até agora conquistados. Nesse ida para o Brasil em 1808. midos em: aumentar a capacidade de ção para o PIS/Pasep, da contribuição para o privativo. 03
Era o diplomata arquetípico
da estabeleceram um Tratado de Comércio e
Navegação, onde em 34 artigos, subscritos pelo
sentido, Brito cita uma completa mudança no
perfil gerencial das sete Companhias Docas ad- da era napoleônica,
movimentação de cargas nos portos; promover
condições para a ampliação do transporte de
Cofins e do Imposto de Importação. O dispo-
sitivo se aplica as compras no mercado nacio-
complexos
conde de Linhares e pelo Lorde Strangford, fo- ministradas pela União, logo no início da sua defendendo os intereses cabotagem; reduzir os custos de movimenta- nal ou internacional diretamente pelos bene- operam sob concessão.
da Grã-Bretanha com
ram definidas as normas de comércio com as
nações, com uma franca e inequívoca tendên-
estruturação, e o desenvolvimento de iniciati-
vas como o Programa Nacional de Dragagem, o quaisquer meios que se
ção portuária; e simplificar os procedimentos
administrativos e fiscais de desembaraço de
ficiários do Reporto e destinados à utilização
exclusiva em portos na execução de serviços
DeUS$ 100
cia favorável à Inglaterra. Porto Sem Papel, o Plano Nacional de Logística fizessem necessários. mercadorias. Antes disso, as primeiras ações de carga, descarga e movimentação de merca- bilhões, em
O documento, publicado em português e
inglês, apesar de impresso em Lisboa, mereceu
de Portos e o Plano Geral de Outorgas, além de
outras importantes obras pontuais.
da SEP focaram no aprimoramento do marco
regulatório dos portos.
dorias, na execução dos serviços de dragagem
e na execução do treinamento e formação de
2003, para US$
Quatro instrumentos legais foram edita- trabalhadores. 381 bilhões
dos com o intuito de melhorar as condições Além das leis, foram editados dois decre- em 2008 foi o
para o setor. Entre eles, a Lei nº. 11.610, de tos, um que excluiu do Programa Nacional
12.12.2007, que instituiu o Programa Na- de Desestatização as companhias docas con- salto do fluxo total
Tratado de Commercio
e Navegação, publicado cional de Dragagem Portuária e Hidroviária, troladas pela União, e outro que dispôs sobre de exportações e
em português e inglês, implantou o conceito de “dragagem por resul- políticas e diretrizes para o desenvolvimento
tado” e permitiu a participação de empresas e o fomento do setor de portos e terminais importações no Brasil.
impresso em Lisboa,
mereceu uma edição estrangeiras nos processos de contratação dos
serviços de dragagem, e a Lei nº. 11.726, de
portuários de competência da SEP/PR, trouxe
definições mais precisas sobre conceitos ex-
21% é taxa de
preparada pela Imprensa
Régia, no Rio de Janeiro. 23/06/2008, que prorrogou, até 2010, o Regi- plicitados na Lei nº. 8.630/93, e disciplinou, crescimento
me Tributário para Incentivo à Modernização com base na legislação vigente, a concessão anual do volume
e à Ampliação da Estrutura Portuária (Repor- de portos, o arrendamento e a autorização de
to). Com isso, as vendas de máquinas, equi- instalações portuárias marítimas. de cargas

38 Julho/2009 Julho/2009 39
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
POLÍTICA DE GOVERNO

Fim do Pacto Colonial:


Dragagem aprofunda canais dos Comércio aberto em contexto de guerra
20 principais portos brasileiros
O Decreto de Abertura dos Por esse diploma era autoriza-

U
Portos às Nações Amigas foi da a abertura dos portos do Brasil
m dos principais projetos da nova política do uma Carta Régia promulgada pelo ao comércio com as nações amigas
governo para o setor portuário é o Programa príncipe regente Dom João de de Portugal, do que se beneficiou
Nacional de Dragagem, que está procedendo o Portugal no dia 28 de Janeiro de largamente o comércio britânico.
aprofundamento dos canais aquaviários dos 20 mais im- 1808, em Salvador, na Capitania Foi a primeira experiência liberal
portantes portos brasileiros, começando pelo Porto de da Baía de Todos os Santos. Tudo do mundo após a Revolução In-
Santos, o maior da América Latina, capacitando-os a re- aconteceu no contexto da Guerra dustrial.
ceber navios de maior porte, aumentando a competitivi- Peninsular, que uniu os portugue- O texto marcou o fim do Pac-
dade e a capacidade de movimentação de cargas. ses e os ingleses contra os exérci- to Colonial, o qual na prática obri-
No Nordeste, o programa inclui os portos de Salvador tos de França, de Napoleão Bo- gava a que todos os produtos das
e Aratu (BA), Fortaleza (CE), Suape (PE), Itaqui (MA), e naparte, na Península Ibérica, no colônias passassem antes pelas Decreto de Abertura
Cabedelo (Paraíba). Ao todo, serão investidos recursos da Recursos da ordem de R$ 1,5 bilhão em dragagens período de 1808 a 1814. alfândegas em Portugal, ou seja, dos Portos às Nações
ordem de R$ 1,5 bilhão no programa. “Isso, por si só, já Foi a primeira Carta promul- os demais países não podiam ven- Amigas, foi uma carta
é uma revolução absoluta no sistema portuário brasileiro. Outra iniciativa da SEP direcionada aos portos brasilei- gada pelo Príncipe Regente no der produtos para o Brasil, nem régia promulgada pelo
Nós vamos ter uma divisão muito clara entre os portos an- ros é o programa Porto Sem Papel, que estabelece um Brasil, o que se deu apenas qua- importar matérias-primas direta- príncipe regente Dom
tes e depois da SEP só por essa providência”, dimensiona documento virtual único para processar e distribuir, em tro dias após sua chegada, com a mente das colônias alheias, sendo João de Portugal, no dia
Pedro Brito. tempo real, as informações necessárias ao funcionamento Família Real, em 24 de Janeiro forçados a fazer negócios com as 28 de Janeiro de 1808,
A SEP possui uma série de projetos previstos no do setor. Sua implantação vai integrar os órgãos e ministé- de 1808. respectivas metrópoles. em Salvador, Bahia
PAC. Os empreendimentos, que priorizam a manuten- rios envolvidos (Polícia Federal, Receita Federal, Anvisa,
ção, recuperação e ampliação da infra-estrutura portuá- Ministério da Fazenda, Ministério da Agricultura, entre

Antonio Cruz/ABr
ria, pretendem imprimir ao setor mais competitividade outros) e conferir mais celeridade às operações, reduzin-

Política de Estado por


e dinamismo, além de reduzir os custos do transporte do os custos operacionais. Já está sendo testado no Porto
aquaviário e contribuir para o desenvolvimento do país. de Santos (SP)

Companhias Docas necessidade de mercado


Manaus Santarém
Boa Vista
Macapá
Principais Portos
administradas pela SEP Macapá
Belém
Vila do conde

Companhia Docas do Pará (CDP) – portos Manaus


Belém
Itaqui
Luíz Corrêa Nascido a 5 de abril de 1950, em Fortaleza, o ministro-
Pecém
de Belém, Santarém e Vila do Conde. São Luis
Fortaleza
Fortaleza
Areia Branca
chefe da Secretaria Especial dos Portos (SEP), Pedro Brito, é
Companhia Docas do Ceará (CDC) – Porto
economista. Ex-ministro de Integração Nacional, tem mestrado
Teresina Natal
Natal
de Fortaleza. Cabedelo

Companhia Docas do Rio Grande do Porto Velho


João Pessoa
Recife
Recife
Suape
em administração financeira pela Universidade Federal do
Rio Branco

Rio de Janeiro (UFRJ), foi funcionário de carreira do Banco do


Maceió
Norte (Codern) – Portos de Natal e Maceió Palmas Aracaju
Maceió
Porto Velho Barra dos
e Terminal Salineiro de Areia Branca. Salvador
Salvador
Coqueiros
Nordeste (BNB), presidente do Banco do Estado do Ceará (BEC)
Companhia Docas do Estado da Bahia Cuiabá

(Codeba) – Portos de Salvador, Ilhéus e


DF Aratu
Ilhéus
e secretário da Fazenda no governo do Ceará. Antes de assumir
Cáceres
o Ministério da Integração Nacional, em abril de 2006, foi chefe
Goiânia
Aratu. Ladário
Pirapora
Corumbá
Companhia Docas do Espírito Santo
Campo Grande
Belo Horizonte
Vitória
Barra do Riacho
do gabinete do então ministro da pasta, Ciro Gomes, entre
(Codesa) – Portos de Vitória e Barra do Portos Fluviais e Marítimos
Vitória

Riacho. São Paulo


Rio de Janeiro Forno 2003 e 2006. Na entrevista a seguir, o ministro fala da visão
Portos Administrados por Cia. Niterói

estratégica do governo em relação à política portuária e sobre


Rio de Janeiro
Docas Controladas da União Curitiba Sepetiba
Companhia Docas do Rio de Janeiro Angra dos Reis
São Sebastião
Portos Administrados por Estados e Municípios
os planos da pasta para os próximos meses.
Santos
(CDRJ) – Portos do Rio de Janeiro, Niterói, Florianópolis
Antonina
Paranaguá
Portos Administrados por Empresas Privadas
Angra dos Reis e Itaguaí. Porto Alegre
São Francisco do Sul
Itajaí
Observação:
Não foram incluídos os terminais de uso exclusivo e misto.
Imbituba
Laguna
Oceano Atlântico Por Marcel Bezerra
Companhia Docas do Estado de São Estrela
Porto Alegre
Paulo (Codesp) – Porto de Santos. Cachoeira do Sul
Pelotas Ministro Pedro Brito – SEP
Rio Grande

40 Julho/2009 Julho/2009 41
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
Nordeste VinteUm – Se pudesse fazer um paralelo com os 200 anos da abertura dos por- mica que, hoje, inclusive está se órgãos que atuam dentro dos por-

Antonio Cruz/ABr
modernizando. O porto de Itaqui, tos. O que acontece hoje? Cada
tos, como o senhor avalia a escolha da política de governo em criar uma secretaria especi-
no Maranhão, que hoje é um dos um, dentro da sua competência,
ficamente voltada ao setor? mais importantes para o Brasil, não da sua funcionalidade, exerce um
Pedro Brito – Nós poderíamos dizer que o presidente Lula está fazendo uma nova abertura dos só para o Maranhão ou para o Nor- papel. Cada um quer abrir um con-
portos brasileiros, na direção da modernidade, da gestão responsável, na direção da competência deste, porque nós podemos ter a têiner, quer ter sua fiscalização, a
portuária e da competência logística que o país precisa ter. Teve essa visão muito intuitiva. Cer- chance de escoar por ali toda a pro- sua taxa como resultado disso. Nós
tamente, ele já vinha recebendo reclamações do diversos gargalos portuários e quando tomou a dução de grãos do Centro–Oeste. temos fila de caminhões, fila de
navios, inoperância, maiores cus-
decisão, viu que seria a maneira de tirar os portos de dentro de um ministério muito grande, que é
NVU – Sobre essa questão do tos. Então, resolver a burocracia,
o dos Transportes. Poder transformar os portos brasileiros, para que pudessem atender a velocidade desenvolvimento, o trabalho da hoje é talvez mais importante do
de crescimento da economia. Então, essa criação da Secretaria Especial, é exatamente para que o Secretaria com órgãos como que fazer investimentos na própria
país se prepare do ponto de vista tecnológico, do ponto de vista de equipamentos, de pessoal e de Banco do Nordeste, a Sudene, infraestrutura. Porque burocracia
desburocratização, que é muito complicada nos portos brasileiros para dar velocidade no atendi- há uma conexão de ações, uma excessiva, como é o nosso caso,
mento dessas cargas. interação? implica em custos maiores. Nós
PB – Há uma conexão do ponto de estamos desenvolvendo esse pro-
NVU – O senhor diria que a ques- Programa Nacional de Dragagem. só já é uma revolução absoluta no vista do planejamento estratégico e Resolver a jeto, que se chama Porto Sem Pa-
tão deixou de ser meramente de Estamos aprofundando os canais sistema portuário brasileiro. Nós da utilização do crédito. Por exem- pel, uma ferramenta de tecnologia
governo, passando a uma políti- aquaviários dos 20 mais importan- vamos ter uma divisão muito clara plo, um dos programas do BNB é burocracia, hoje da informação, criando um banco
ca de Estado? Ela permanece? tes portos brasileiros, começando entre os portos antes e depois da de financiamento à infra estrutura, de dados único onde todas as in-
PB – É uma política de estado por pelo maior da América Latina, que SEP só por essa providência. que precisa inclusive de mais apoio, é talvez mais formações das cargas, tanto de im-
necessidade de mercado. Ou o é o Porto de Santos, todos os gran-
Brasil se moderniza na sua estru- des portos do Sul do país, como NVU – O que o Nordeste tem
de mais recursos. Tanto o BNB
quanto o BNDES tem programas importante do que portação quanto de exportação, são
armazenadas num único banco de
tura de logística, ou o Brasil não significado para o trabalho que
poderá acompanhar seus principais o senhor desenvolve na SEP?
de crédito voltados especificamen-
te para a área. Não só da infraestru- fazer investimentos dados, ao qual terão acesso todos
os órgãos de fiscalização do gover-
PB – Nós que somos nordestinos,
competidores, que são justamente
China, Índia, Rússia e os países em No final de 2010, todos e eu que com 14 anos de idade
tura portuária, inclusive porque um
porto não existe isoladamente. Para
na própria no. Cada um tendo acesso àquilo
que lhe é pertinente. É como se,
desenvolvimento de uma maneira
geral. Não há como ter crescimen- esses portos terão
comecei a trabalhar no Banco do
Nordeste, exatamente dentro des-
ser eficiente, tem que ter toda uma
estrutura de acessos terrestres, por
infraestrutura fazendo uma analogia, entrasse um
contêiner num porto, ou um navio
to compatível sem uma logística se projeto de redução dos desequi- exemplo, ferrovias e rodovias. Todo completo, aquele contêiner terá
competente. A estimativa de cres- novas profundidades. líbrios regionais, contar com portos um investimento público na área uma sala onde todos os órgãos de
cimento da China em plena crise é absolutamente essencial. Imagi- de energia elétrica, de telecomu- Então, se você me perguntar: qual governo fariam toda a fiscalização
para este ano é da ordem de 8%, no Isso, por si só já é uma ne aqui, no caso do Ceará. Temos nicações. Agrega não só valor do é o principal desafio do próximo que fosse necessária, e não fiscali-
próximo ano 11%. Mas, certamente aqui um complexo portuário forma- ponto de vista econômico privado, zações isoladas e repartidas. E esse
o Brasil reúne todas as condições revolução absoluta do pelo porto do Mucuripe e pelo mas do complexo público. E aí, nós
presidente do Brasil, qualquer que
venha a ser o escolhido pela popu- projeto de porto sem papel é assim
objetivas para, no próximo ano, es- Pecém. O Estado do Ceará está
tar crescendo a taxas de 5% ao ano, no sistema portuário atraindo uma siderúrgica, uma re-
temos que trabalhar com bancos
de desenvolvimento, que possam
lação brasileira? Será a nossa infra–
estrutura, incluindo, naturalmente,
chamado, porque usando todas as
ferramentas hoje disponíveis no
que é compatível com o volume de finaria, várias indústrias de grande
jovens que são lançados no merca- brasileiro. porte para o entorno do Pecém,
oferecer essas linhas de financia-
mentos com taxas e com prazos.
a melhoria do sistema portuário. mundo inteiro, os softwares que já
são conhecidos, essa tecnologia já
do de trabalho anualmente. Agora, exatamente porque tem o porto. NVU – Quanto ao “Custo Bra- é dada, nós podemos ter todas es-
para isso tem que ter logística, tem Esse tipo de projeto seria absolu- NVU – No Nordeste e no Ceará, sil”, a burocracia, onde entra sas informações sendo digitalizadas
que ter portos aparelhados, moder- Rio Grande do Sul, Paranaguá, tamente impensável sem o equipa- como está a infraestrutura? a informática para facilitar tais sem que se produza nenhum papel,
nos e eficientes. Então, acho que, Itajaí (SC), Rio de Janeiro, Itaguaí, mento. Veja o caso de Suape, outro PB – Ela não está ainda boa. Eu mecanismos de relacionamento com agilidade, segurança.
por tudo isso, tem que ser política também no RJ, e também os por- exemplo importante na região Nor- lhe digo que esse desafio é o maior entre os vários setores que com-
de Estado. tos do Norte/Nordeste, incluindo deste, um porto que foi iniciado há que o Brasil tem nos próximos anos, põem a máquina burocrática, o NVU – E quando esse projeto vai
Salvador e Aratu, Fortaleza, o nos- 30 anos e, hoje, está maduro, com construir uma infra estrutura logís- comércio exterior, a relação en- sair do papel?
NVU – E qual seria o contribu- so porto do Mucuripe, o porto de todo um parque industrial sendo tica moderna, eficiente, com ma- tre os portos? PB – Dentro de 12 meses, porque
to que a SEP daria para que em Suape, o porto de Vila do Conde no desenvolvido em torno de Suape, nutenção permanente. Nós, para PB – Esse é um dos projetos mais nós estamos falando de algo que já
2010, o quadro de crescimento Pará, Itaqui, no Maranhão, o porto com efeitos importantes na econo- podermos ser competitivos com a importantes da SEP em conjun- está sendo testado. Já estamos es-
mude? de Cabedelo na Paraíba. Estamos mia de Pernambuco e na economia China, com a Índia, com a Euro- to com o Ministério da Fazenda, truturando esse sistema dentro do
PB – Do ponto de vista do governo, investindo R$ 1,5 bilhão. No final do Nordeste. O caso de Aratu, na pa, com os EUA, temos que focar a Polícia Federal, ANVISA, Mi- porto de Santos, é o nosso porto pi-
o presidente Lula já destinou os de 2010, todos esses portos terão Bahia, um complexo portuário que nessa questão de infra estrutura. nistério da Agricultura e todos os loto para esse projeto.
recursos necessários para o grande novas profundidades. Isso, por si nasceu com a indústria petroquí-

42 Julho/2009 Julho/2009 43
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
Caleidoscópio
redacao@nordestevinteum.com.br
PAF garante ao Ceará a maior
capacidade de investimentos do País
Beberibe ganha
parque eólico de
O governador do Ceará Cid Go- R$ 550 milhões
mes e o ministro da Fazenda, Guido
Renda ou redução da desigualdade: RECIFE REÚNE NATA Mantega, assinaram em Brasília o
DOS GOURMETS EM termo de cooperação para revisão
O que mais impacta contra a pobreza? SETEMBRO
do Programa de Reestruturação e
Ajuste Fiscal (PAF), que autoriza o
Estado do Ceará a contrair até R$ 3,95
No mercado gourmet,
bilhões em financiamentos. Segundo
“Recife é o segundo pólo
O Laboratório de Pobreza do Curso de Pós-Gra- Cid, o Ceará tem atualmente a menor
gastronômico do país e
duação em Economia (CAEN), da Universidade Fe- relação entre a dívida corrente líqui-
perde em importância
deral do Ceará, lançou a pesquisa “O que mais impac- da e a receita corrente líquida dos
apenas para São Paulo”.
ta a redução da pobreza: é o aumento da renda ou a últimos 15 anos. “Com baixa taxa de
Isso pelos “restaurantes
redução da desigualdade? Evidências para os estados endividamento e alta taxa de possi-
surpreendentes, chefs
brasileiros e os setores da atividade”. O estudo integra bilidade de investimentos com recursos próprios, fica assegurado ao Estado a
criativos, ideias inovado-
a coleção Ensaio sobre pobreza. Os professores responsá- contratação de diversos financiamentos que servirão, sobretudo, para comple-
ras”. Quem atesta é a revista
veis são Flávio Ataliba Barreto, João Mário Santos mentar a infraestrutura do Estado em áreas como Estradas e Saúde”, afirmou.
Prazeres da Mesa, autoprocla-
de França, Carlos Alberto Manso, Paulo Fausti- Alguns projetos são prioritários como o programa rodoviário Ceará III, Prodetur
mada a “Bíblia da Gastronomia” no país,
no Matos e Guilherme Diniz Irff. Nas primeiras Nacional, Programa Emergencial de Financiamento aos Estados (PEF), Proge- A IMPSA, gigante latino-
que em sua primeira versão “Ao Vivo”
impressões do colunista do jornal O Povo, de rih II, Projeto Rio Cocó, Centro de Eventos do Ceará e Atenção Especializada à americana em energias renová-
(“um reality show da enogastronomia”)
Fortaleza, Jocélio Leal, o estudo aponta que Saúde. Todos os financiamentos, que serão contraídos com o Banco Nacional veis, e a Companhia Enérgética
fora da capital paulista, aporta em Reci-
redução da desigualdade pode ser o remédio. de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco Interamericano de de Minas Gerais (Cemig), inau-
fe, de 9 a 11 de setembro deste ano. Na
Isto porque “em ambiente de alta desigualdade Desenvolvimento (BID), Banco Mundial (Bird) e Caixa Econômica Federal (CEF), guraram em agosto, o Parque
terra do frevo, do maracatu e do bolo
como o nosso, o crescimento do PIB per capita por contarão com contrapartida do Tesouro do Estado. Eólico da Praia de Parajuru,
de rolo, quem gosta de cozinhar ou
si só não é um bom indicativo da evolução das condi- localizado no município de Be-
de comer estará reunido para receber
ções de vida de uma sociedade”. A pesquisa analisa de
1995 a 2007 qual a importância da expansão da renda
chefs de renome, nacionais e interna-
cionais. Eles produzirão uma parte da Pré-sal é alavanca contra disparidades beribe, a 103 quilômetros de
Fortaleza (CE). É a primeira de
versus redução da desigualdade. Nas várias estimativas, três usinas que serão instaladas
revista na frente dos convidados. Em As gigantescas reservas do pré-sal poderão gerar re-
a constatação de que a redução da desigualdade tem mais no Estado, com investimento
quatro salas do Senac recifense aconte- cursos para alavancar o desenvolvimento do Nordeste e
impacto. O ideal, dizem os autores do estudo, seria a combi- de cerca de R$ 550 milhões.
cerão aulas, sobre confeitaria, padaria, solucionar, definitivamente, a disparidade de desenvolvi-
nação das duas ações. Fonte: Curso de Pós-Graduação em Numa extensão de 325 hecta-
coquetelaria e alta gastronomia. Uma mento regional no País. A opinião é do deputado fede-
Economia da UFC/CAEN - (fone: 85 3366 7750) res, são 19 aerogeradores de
das presenças mais esperadas é de ral José Guimarães (PT-CE), para quem, se tais recursos
Montse Estruch, chef catalã do El Ci- 1,5 MW fabricados na planta
não forem aproveitados nesse sentido, as desigualdades
gle, em Vacarises, distrito de Barcelona, que a IMPSA inaugurou em
tendem a se aprofundar de forma irreversível. O novo
Espanha, considerada um dos grandes setembro de 2008, no Porto
PIB influi mais no Sul e Sudeste nomes da cozinha moderna da Cata-
lunha. Ela comandará, ao lado da ca-
marco regulatório em análise no governo deve contem-
plar a criação de fundos específicos para incentivar pro-
de Suape, em Pernambuco. Os
outros dois parques, Praia do
jetos de desenvolvimento e também da área social. O
“Como exemplo, calcularam que se o PIB dos estados do Nor- rioca Flávia Quaresma, um dos jantares Morgado e Volta do Rio, ficam
parlamentar lembra que a exploração do pré-sal levará à
deste crescer em 10% num ano, a pobreza se reduz em 7,1%. Nos especiais. Outro vai reunir as estrelas localizados no município de
construção de uma grande indústria petroquímica, com
estados do Sul e Sudeste, um aumento do nacionais Simone Berti e André Acaraú, a 250 quilõmetros de
inúmeras ramificações. Assim, ele defende que “seja pri-
PIB nos mesmos 10% provoca uma redução da Saburó. Na seção O Melhor Fortaleza. Juntos possuem ca-
vilegiada a localização das plantas nas regiões de menor
pobreza bem maior, de 13,6%. Ao mesmo das Cidades, onde casas pacidade instalada de 99,6 MW
desenvolvimento”. Ele frisou que a partir de 2003, com
tempo, se a desigualdade no Nordeste pernambucanas apre- gerando durante sua implanta-
o Governo Lula, passou-se a observar que a retomada
cair em 10% a pobreza se reduz em 11,2% sentarão seus melhores ção, cerca de 7,6 mil postos de
das rédeas do desenvolvimento regional, com plane-
contra 24,4% nos estados do Sul e Sudeste”, acepipes. Serão 15 res- trabalho diretos e indiretos. A
jamento, formulação de políticas, planos e programas.
informa Jocélio Leal. Noutros termos: a queda da taurantes a participar IMPSA tem o Brasil como mer-
Em termos absolutos, houve grandes transformações
desigualdade é um instrumento mais eficaz na re- em um dos dias do even- cado chave, não só para gerar
econômicas, políticas e sociais, mas, em termos relativos,
dução da pobreza que o crescimento do PIB e que to. Duca Lapenda, chef do energia e fabricar equipamen-
continua a defasagem do Nordeste em relação ao Su-
os impactos são mais fortes no Sul e Sudeste do Pomodoro Café, craque local, tos. Quer desenvolver também
deste. Por isso, defendeu, por exemplo, uma intervenção
que no Nordeste. estará presente. Mais informações: tel.: tecnologia.
mais dinâmica do Banco Nacional de Desenvolvimento
(11) 3023-5509 ou (81) 3088-0378. Econômico e Social (BNDES) na região.

44 Julho/2009 Julho/2009 45
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
Jornal do Commercio — 90 anos

Por Lucílio Lessa — redacao@nordestevinteum.com.br Choques político-editoriais

A fúria da Revolução de 30,

anos de história modernização e pioneirismos

E
foi justamente pela
novidade do com-
promisso com o jor-
nalismo, com a perspectiva
todo o maquinário, arquivos
e dependências do jornal. As
máquinas de escrever foram
atiradas pela janela. Boa par-
de denúncia e, sobretudo, te do material, inclusive, foi
Reflexo de uma trajetória singular, na qual a autoria fundamental foi da própria história, o pelo apoio a Epitácio Pes- danificado com ácido.
soa, que o jornal passou por Quatros anos depois do
Jornal do Commercio comemora 90 anos. O periódico, que em parte surgiu pelo interesse Aliados de Getúlio invadiram o jornal durante a Revolução de 30
sérios problemas com a Re- ataque, mais precisamente
em eleger o então candidato à Presidência da República, Epitácio Pessoa, completa suas volução de 1930. Sob o lema em 1933, o jornal voltou a o periódico e moderniza-lo rias na capa. As manchetes
nove décadas sustentado por uma relação de credibilidade e, sobretudo, de parceria com a “órgão independente e noti- circular. A conquista veio pe- com equipamentos de pri- eram normalmente voltadas
população pernambucana. Na Internet, o JC ON Line é a página mais acessada do Nordeste cioso”, o JC se opôs ao gol- las mãos de Francisco Pessoa meiro mundo. a notícias internacionais.
pe de estado orquestrado por de Queiroz, irmão do funda- A partir daí, o pionei- Nessa época, o JC era o im-
stamos fazendo histó- 1919, pelos irmãos Pessoa de Getúlio Vargas e ao regime dor, João Pessoa de Queiroz. rismo se intensificou como presso mais importante do

Imagens Arquivo JC
ria”. A frase está escri- Queiroz. Seu lema era “Tra- que a partir dele se estabele- Após uma estadia forçada em uma constante no veículo. país, pois além do periódico,
ta em cartazes espalha- balhar para o Norte”. O nú- cia. Como represália, a Alian- Paris e sob o ceticismo da fa- No ano de 1956, o jornal ele já contava com a Rádio
dos nos corredores do mero de estreia, com Epitácio ça Liberal invadiu e destruiu mília, ele conseguiu reerguer passou a publicar fotos diá- Jornal do Commercio.
segundo jornal mais antigo Pessoa na capa, e seu progra-
do país – o primeiro é do Rio ma de governo como parte
de Janeiro – e que este ano do recheio, tinha 12 páginas
completou 90 anos, o Jornal e foi vendido a 100 réis. Já na Anos 60 meiro jornal do país, ainda em VARIEDADE
do Commercio de Pernam- primeira edição, o jornal foi 1989, a ter uma página diária DE CADERNOS.
buco. Os números apontam distribuído para todo o esta- Padrão estético do JB com notícias reservadas ao meio Em todo o Norte e Nordes-
a competência do periódico.
A tiragem diária é de 53 mil
do de Pernambuco, graças a
uma malha ferroviária forte,
e inauguração da TV ambiente, denominada Ciência/
Meio Ambiente. Foi durante a
te, o Jornal do Commercio
também foi o primeiro a

N
exemplares, a maior de todo que possibilitava inclusive Eco 92, no Rio de Janeiro, que criar cadernos diversifica-
o Nordeste. Aos domingos, sua chegada mesmo no ser- o início da década ferência nacional, com au- o jornal publicou um programa dos a partir de 1989. “Nós
esse número chega a 80 mil. tão pernambucano. de 1960, ele assu- ditório próprio e estúdios de diário sobre essa temática, o que idealizamos um caderno
O jornal faz parte de um Nascido em uma época miu o mesmo pa- gravação com 250 metros de motivou outros jornais a tam- de esportes, outro de cida-
complexo de comunicação na qual o mundo se recupe- drão estético do Jornal do área. Ninguém ainda tinha bém discutirem o assunto. des e um de economia. An-
que conta ainda com TV e Rá- rava do fim da I Guerra Mun- Brasil. Nessa época inaugu- isso no país”, afirma Ivanido. Para Ivanildo Sampaio, a tes disso ele possuía ape-
dio FM. O portal de notícias, dial (1914 a 1918) e em plena rou também a TV Jornal do iniciativa motivou o surgimen- nas um caderno cultural. E
JC On Line, é a página mais finalização das obras do Porto Commercio. A primeira cons- ECOCIÊNCIA. to de uma cultura de preserva- criamos também suplemen-
acessada do Norte e Nordes- do Recife, o JC, assim como truída no país com um proje- Já o interesse pela Ciência, ção ambiental. “Antes, a coisa tos que não existiam, como
te, com mais de oito milhões os demais jornais do início to arquitetônico exclusivo, já denotado ainda nos anos 30, se restringia unicamente à pá- turismo, informática, entre
de visitas por mês. Reflexo do século, parecia dar de om- que a TV Tupi, no Rio de Ja- quando publicava, aos domin- gina de meio ambiente, mas a outros”, revela o diretor.
da credibilidade de um veí- bros para os temas locais. O neiro, ocupava o antigo cas- gos, o caderno “Através do partir daí essa cultura difundiu- Nessa época, a TV Jornal já
culo que em parte foi criado segundo número do periódi- sino da Urca. Mundo”, continuou. E a par- se pelo resto do jornal. A parte era concorrente da filial da
Jornal do Commercio, prédio da imprensa onde funciona até hoje
curiosamente para eleger Epi- co já dava sinais da mudança “Pessoa de Queiroz foi tir dos anos 70, o jornal passou de economia, de política, en- Rede Globo. Portanto, par-
tácio Pessoa à Presidência da de perfil do jornal. Original- começar, o tamanho do jor- já considerada uma das princi- quem desenhou o projeto. a também focar na questão do fim, todos passaram a discutir te do caderno de fofocas era
República. “Há 90 anos esse mente criado para divulgar nal foi reduzido e a aquisição pais capitais do país, foi ine- Durante muito tempo, a TV desenvolvimento sustentável. o assunto a partir das suas pers- local e a outra era comprada
tipo de apoio era a coisa mais informações de Pernambuco, de uma máquina rotativa per- vitável uma mudança de pos- Jornal do Commercio foi re- Prova disso é que foi o pri- pectivas”, destaca. da emissora carioca.
comum que existia”, avalia o o Jornal do Commercio pas- mitiu a impressão de cerca de tura do JC. Esse processo se
diretor de redação, Ivanildo sou a tratar também de temas 30 mil exemplares por hora. intensificou a partir dos anos
Sampaio. Mas, como a histó-
ria do JC começou?
referentes aos estados da Pa-
raíba e Rio Grande do Norte.
Na esteira dessa evolução,
ocorria também um processo
20, com o rápido crescimento
imobiliário da região e as mu-
Pessoa de Queiroz foi quem desenhou o projeto. Durante muito tempo, a TV
Legítimo representante
das classes conservadoras,
Em menos de um ano de
existência, já contava com
de conscientização sobre a
mercadoria notícia.
danças significativas da paisa-
gem local, que tornaram a ca-
Jornal do Commercio foi referência nacional, com auditório próprio e estúdios
o Jornal do Commercio foi seu primeiro processo de mo- Com o desenvolvimento pital pernambucana conhecida de gravação com 250 metros de área. Ninguém ainda tinha isso no país
lançado no dia 3 de abril de dernização tecnológica. Para da cidade de Recife, à época como a Veneza Brasileira.
Ivanildo Sampaio, diretor de redação

46 Julho/2009 Julho/2009 47
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
Jornal do Commercio — 90 anos Jornal do Commercio — 90 anos

Greve, recuperação e maior IVC de Pernambuco o recolhimento de 1 milhão


e 100 mil assinaturas de po-
decisão em favor de outras ca-
pitais, como Maranhão, fosse
10 jornais de maior prestígio
do país. O ranking foi pu-
marca de mercado. De lá
para cá, o jornal figurou por

E
pulares para o recebimento “barrigada”. Para ele, a inicia- blicado pela revista Meio & mais 3 vezes na lista, sendo
m 1987, ano em que E, aos 27 dias de greve, o JC da refinaria. tiva do jornal foi decisiva na Mensagem e feito por uma o único do Norte e Nordeste
o Sistema JC de Co- foi comprado pelo proprietá- Segundo Ivanildo Sam- instalação da usina, mesmo reconhecida consultoria de a participar do ranking.
municação passou rio da rede de supermercados paio, as assinaturas foram o que isso só ocorresse anos de-
por uma série crise financei- Bompreço, João Carlos Paes principal motivo para que a pois, já no Governo Lula.
ra, os funcionários entraram de Mendonça. 511 PROFISSIONAIS, 134 JORNALISTAS,
em greve. O motivo? Sete O resultado foi que, 400 MIL LEITORES E 37 MIL ASSINANTES
meses de atraso salarial. O mesmo estigmatizado pela
jornal passou então 36 dias insegurança, o Jornal do
CAMPANHAS CONTRA A FOME E PELA PAZ
E
sem circular. Somando-se a Commercio, após seis anos capacitação e na contrata- co, posição que mantém m 2000, outra ação do te à fome, assunto então em
isso, o problema contou ainda da greve e de uma injeção ção de profissionais, pas- até hoje, segundo dados jornal teve grande re- voga devido à nova política
com a adesão dos profissio- significativa de investi- sou a ser o jornal de maior do Instituto Verificador de percussão. A adesão de todo nacional encabeçada pelo
nais da Rádio e da TV Jornal. mentos no maquinário, na circulação de Pernambu- Circulação (IVC). o Sistema de Comunicação Governo Lula. Em cinco
do Jornal do Commercio ao dias, o “Pernambuco Solidá-
“Dia Nacional do Basta! Eu rio Contra a Fome” registrou

Compromissos e reorientações
Quero Paz”. Na ocasião, 20 cerca de 30 ações de sucesso,
entidades da sociedade civil realizadas por diversas insti-
se mobilizaram junto ao JC. tuições não governamentais.

políticas em meio à história


A ação ocorreu em mais 13 Paralelo a isso, o jornal
capitais brasileiras. Na se- viabiliza, desde 2001, o Fó-
mana que sucedeu o evento,
o jornal publicou uma série
de reportagens sobre inicia-
rum Sistema JC de Debate,
em que promove discussões
públicas sobre questões
A o todo, trabalham no
JC 511 profissionais.
Destes, 134 são jornalistas.
Lula Costa Pinto e João Alui-
sio Vieira, entre outros.
O jornal possui, de se-
GUERRAS MUNDIAIS APOIO INTEGRAL AO GOLPE DE 64 tivas de entidades civis em
favor da paz.
pertinentes à população de
Pernambuco. O projeto, in-
Os demais assumem fun-
ções comerciais e de cunho
gunda-feira a domingo, 530
mil leitores. São 242 mil ex-
O compromisso social do clusive, foi a mola mestra administrativo. Pela redação clusivos. A publicação tam-
veículo pôde ser atestado em para várias reportagens vei- do jornal já passaram nomes bém se destaca pelo número
outra série de reportagens, de culadas não só pelo jornal, como Ricardo Noblat, Eurico de assinaturas, uma média de
2003, na qual o jornal mos- como pela rádio e pela TV, Andrade, Murilo Marroquim, mais de 40 mil por semana.
trava que os pernambucanos com temas variados e foca-
eram precursores há décadas dos na denúncia e no bem
de ações voltadas ao comba- estar da população. PREMIAÇÕES DA ONU E UNIÃO EUROPÉIA

J á durante o Golpe Mili- Eça Pessoa de Queiroz. De A s premiações nacio-


nais e internacionais
Vladimir Herzog, Imprensa
Embratel, Colgate, Unisys
tar, em 1964, o Jornal do
Commercio, numa demons-
fato, enquanto o jornal es-
teve nas mãos de políticos,
PRIMEIRO NA INTERNET E PRESTÍGIO também são ponto forte do
Jornal do Commercio. Entre
e José Reis de divulgação
científica, entre outros.
tração de alinhamento com evidentemente ele tinha ENTRE OS 10 MAIORES DO PAÍS elas, há o Prêmio Desertifi- Outro destaque é que o
a perspectiva da imprensa esse viés”, justifica Ivanil- cação: Uma Ameaça Global, jornal é recordista no Prêmio
nacional, deu apoio integral do Sampaio, emendando a viabilizado pela Organização Cristina Tavares, o maior do
ao movimento. “Naque- afirmativa de que nos últi- das Nações Unidas (ONU). jornalismo pernambucano.

O fenômeno editorial do
Jornal do Commercio
foi construído em meio a 90
de jornalismo, ele promoveu
uma cobertura minuciosa,
através das informações que
la época, o dono do jornal
era o senador da República
mos 22 anos o jornal jamais
tomou partido político.
O jornal foi o único veículo
de comunicação brasileiro a
ser premiado. Concorreram
São dezenas de troféus em
texto, arte, foto e desenho.
Nos internacionais, constam
anos de pura história. Da Iª recebia via rádio e agência 60 reportagens do mundo ainda o Prêmio de Jornalismo
Guerra Mundial ao bombar-
deio de Hiroshima e Naga-
de notícias. Todo o conteú-
do era traduzido simultane- LUTA PELA REFINARIA EM PERNAMBUCO inteiro. A matéria vencedo-
ra era de 1999, e mostrava
50 Anos da União Européia
e premiações no Concurso
saki. Da chegada do homem
à lua até a luta das mulheres
pela emancipação. Do 1º
amente. O Diário de Per-
nambuco, outra referência
do jornalismo local, também
F azendo contraponto à
incursão equivocada à
ditadura, o JC empunhou
“JC dá apoio à nova campa-
nha pela refinaria”, o jornal
teve o mérito de criar ações
E m 1994, o Sistema Jor-
nal do Commercio de
Comunicação criou o pri-
e links, tornando-se Portal
em fevereiro de 2002. Nele,
foram integrados serviços
características das áreas
de maior desertificação do
país: Gilbués (PI), Cabrobó
Jornalístico América Latina
e os Objetivos de Desenvol-
vimento do Milênio, conferi-
transplante cardíaco às Dire- cobriu com competência o bandeira em benefício de como a maratona “Pernam- meiro site de notícias de como programação em tem- (PE), Irauçuba (CE) e Seridó dos pela ONU.
tas Já. Em todos esses mo- período, e como fazia parte Pernambuco que se tor- buco Chama”, na qual uma Pernambuco, o JC ONLINE. po real, classificados, e até (RN/PB). Na área da fotografia,
mentos, o JC esteve presen- dos jornais Associados, teve nou vencedora. Trata-se do tocha era carregada por 954 A estréia ocorreu com um a Rádio Jornal, primeira da Além desses, o jornal destacam-se o Internacional
te com suas coberturas. a vantagem do acesso ao apoio ao Governo do Estado quilômetros do Sertão à ca- simples boletim eletrônico. América Latina com sinal também venceu oito vezes Library of Photography e os
Um momento ímpar na material dos corresponden- em relação à instalação de pital, bem como à campanha As manchetes da edição do 24 horas pela internet. o Prêmio Esso, reconheci- vários reconhecimentos no
trajetória do jornal foi du- tes enviados para cobrir a uma nova refinaria de petró- “Pernambuco em Primeiro dia seguinte eram a atra- Foi em 2001 que o Jor- damente o mais importante News Page Design, que elege
rante a II Guerra Mundial. guerra. Mas, nada que dimi- leo que a Petrobras construi- Lugar”, que visava o apoio ção. Dois anos depois, o nal do Commercio figurou do Brasil. Além dele, o JC já as melhores capas de jornais
Com a competência de anos nuísse a atuação do JC. ria na época. Sob o título de da classe política, e por fim, site já contava com imagens pela primeira vez na lista dos venceu os prêmios Fiat Allis, do mundo.

48 Julho/2009 Julho/2009 49
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
ENTREVISTA

Foto: www2.bienaldolivro.ce.gov.br
Raul Lody

Uma suculenta e antológica abordagem sobre fundamentos de nossos sistemas


alimentares, em conversa apresentada a partir do rodízio histórico-etnográfico
e descritivo das obras de Câmara Cascudo e das análises étnicas da civilização
do “Assucar”, de Gilberto Freyre. Nessa entrevista, o pesquisador carioca e
baiano por opção, Raul Lody nos fala como identifica os elementos e as
oportunidades culturais na mistura de ingredientes da culinária nordestina,
da sua paixão pelas tecnologias tradicionais e dos ambientes sedutores dos
mercados como síntese das relações sociais.
Antropólogo e museólogo renomado no Brasil, Lody tem diversos livros
publicados como, À Mesa com Gilberto Freire, Santo Também Come e Dicionário de Arte
Sacra e Técnicas Afro-Brasileiras. É o idealizador do Museu da Gastronomia Baiana e curador
da Fundação Gilberto Freyre (Recife), da Fundação Pierre Verger (Salvador), e do Memorial da
Cultura Cearense, do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura em Fortaleza. Seus livros recentes
são Brasil Bom de Boca e Dendê - Símbolo e Sabor da Bahia, lançado em agosto deste ano.

Por Marcel Bezerra / marcel@editoraassare.com.br

O Nordeste é o que ele come


‘Peiticas’ de saberes e sabores sobre a história de nossa comida
Nordeste VinteUm – Qual o lugar da alimentação nos considerações sobre sistemas alimentares, gastronomia e
estudos da cultura humana? outras coisas.
Raul Lody – Acho que no campo das ciências sociais, no
campo da Biologia ou da Nutrição, o tema alimentação, NVU – Qual o marco no aparecimento da comida
que prefiro chamar comida, é o resultado de um proces- mais próxima das conformações de hoje?
so de escolha de ingredientes. Já é um processo tecnoló- RL – A comida sempre foi de interesse geral, inclusive a
gico ou de práticas culinárias. Nessas práticas, já estão própria arqueologia começa essas datações a partir das fo-
relacionadas questões de gênero. Ocorrem em cenários gueiras, nos vestígios do fogo. É o grande divisor temporal
rituais, ou cozinhas, ou restau- para a comida. Tendo o domínio, o homem começa então
rantes, ou feiras, mer- a preparar e a ter opções de fazer sob diferentes aspectos.
cados, comunidades Isso já te dá um perfil de como o fogo é importante na his-
religiosas. Então, tória da humanidade, na história das ciências, na Geogra-
vou usar sempre fia Humana, o que está um pouco no Josué de Castro.
a palavra comida
nessa perspec- NVU – Seu trabalho toma a obra de Câmara Cascudo
tiva mais com- como referência?
plexa, fazendo RL – Cascudo tinha uma visão historiográfica, que era

50 Julho/2009 Julho/2009 51
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
muito a visão da época, dava saltos concentra na região Nordeste, onde to... com Assucar, começa a fazer emocional. O interesse pela comida
ampliados, complexos sobre a histó- ele estava, e como aconteceu com RL – Cascudo dá essa um recorte mais da análise. nesse campo vai se dar da seguinte
ria da civilização ocidental. Fez um Gilberto Freyre, mesmo tendo uma orientação, ele gosta- O Cascudo eu considero maneira: a minha primeira grande
cruzamento com a formação da so- visão geral, tão firmada pelo próprio va de trabalhar com muito mais no aspecto des- experiência internacional foi na Áfri-
ciedade brasileira, porque ele pos- como nacional, internacional... as matrizes africana, critivo, etnográfico, impor- ca. Eu tinha acabado a universidade,
suía uma biblioteca estupenda, de ameríndia, indígena, tantíssimo. E o Gilberto e por vários motivos, fui estudar arte
obras raras, inclusive. Hoje, temos o NVU – Gilberto Freyre disse que européia. Entendendo- entra numa questão mais da africana em Dakar, no Senegal, no
Google e outras coisas. Nessa época, também descobriu o Brasil e Cas- se européia numa perspectiva análise ainda histórica, étnica. Toma Instituto Francês de África Negra.
o saber era concentrado exclusiva- cudo, o brasileiro? mais ampliada também africana, como princípio, na obra dele como Um choque cultural, que eu chama-
mente na literatura, na obra impressa RL – Havia como se diz aqui uma pela questão da África muçulmana, um todo, a civilização do açúcar. Cas- ria de uma bofetada cultural. Botar o
e também na oralidade. A internet é ‘peitica’ entre os dois, mas é interes- África Magreb, do norte, África Me- cudo não toma esse foco do Assucar, pé na África Ocidental, não só pela
uma boa ferramenta para quem tem sante, porque cria um tempero. Essas diterrânea, e as vertentes migratórias porque o Rio Grande do Norte não pujança, como também pelas seme- E há o desejo e as
massa crítica. Para quem não tem, é obras todas começam a criar orien- organizadas: japoneses, alemães, li- tinha essa base econômica, como tem lhanças. Os mercados africanos fo-
uma armadilha. Então, o Cascudo tações, que são seguidas até hoje. baneses e outros. Cascudo, então, Pernambuco e Alagoas, por exemplo. ram os grandes lugares de sedução. oportunidades.
tinha uma coisa muito importante Relativizadas, evidentemente, mas tem essa obra de referência e ou- Cascudo é mais generalista no sen- Porque a comida,
também, muito comum à época, que seguidas até hoje como fundamen- tras obras também, como o Made In tido das grandes matrizes. Gilberto NVU – Qual o poder da ambiên-
era uma rede de correspondentes tais. Elas fundam esse pensamento Africa, que ele escreve após ter ido a é mais localizado com o Assucar. Os cia, dos cheiros? todos esses pratos,
não só no Brasil, como no exterior, sobre sistemas alimentares. E, falan- Angola. Na época, ainda colônia por- dois tem um diálogo não intencional, RL – Eles tem um poder de sínte- nascem pelas
Portugal principalmente. E entender do em comida, o contraponto à falta tuguesa. Ele faz também o trabalho mas acabam tendo um diálogo. se, tem um poder de retrato não só
Antologia da Alimentação da comida, mas retrato das relações oportunidades. O
Muitas comidas que eram dos
Brasileira, uma seleta de NVU – Seria um diálogo, em certa sociais, da história. Eu acho que vatapá, por exemplo,
alguns artigos. E muitas medida, de obras que se comple- qualquer lugar, qualquer cidade, seja
terreiros foram para os restaurantes, outras coisas, como o pró- mentam? onde for, que eu não conheça, o pri- que provavelmente
para as casas e vice-versa. São
prio Dicionário do Folclore RL – Eu diria um diálogo. Nem sem- meiro lugar que eu quero visitar é o vem de um prato
Brasileiro, que tem verbe- pre o diálogo é complementar. O di- mercado. Indo ao mercado eu me
processos permanentemente tes ligados à história da álogo é uma conversa que pode ser situo. Evidentemente, ali é um frag- português chamado
dinâmicos e criativos. Ao mesmo alimentação. Eu acho que superposta. Eu nem chamaria de di- mento, lógico, mas ao mesmo tempo açorda. Açorda é
a obra de Cascudo, como álogo, eu chamaria de uma conversa, é uma síntese das questões cultu-
lado, existem os nichos da tradição, também a obra de Gilberto porque tem conflitos também. O que rais. O meu interesse pela comida exatamente isso:
que são preservados. Mas, a Freyre, muito importantes. é muito bom, ótimo. Como já dizia vai se dar junto com o interesse pelo o pão ficou velho,
Inclusive, esse ano, o livro o outro, toda unanimidade é burra. grande tema que na verdade eu tra-
tradição, ela é dinâmica, tem Assucar, de Gilberto, faz 70 Então, tem isso, são focos diferentes, balho nesses 37 anos: as tecnologias bota ele de molho
adaptações maiores ou menores anos de publicado. É obra mas que o leitor, ou quem se interes- tradicionais. São as maneiras que as ou pouquinho na
que cria uma metodologia sa por esse campo, vai encontrar essas culturas, que as sociedades tem de
da pesquisa de campo. O correlações e esses contrapontos. transformar materiais. Fiz um livro água. Inchou?
Cascudo buscava uma pesquisa mais sobre rendas, trabalhei coisas sobre Agora, vou fazer
que Portugal à época era ultramarino, de comida é a fome. Então, você tem historiográfica, de referências da li- NVU – Voltando um pouco mais, o Ceará. Coordenei durante anos
ou seja, Angola, Moçambique, Guiné, essa bipolaridade, é um fenômeno teratura. O Gilberto procurava cada como começa o interesse do se- uma série de livros e pesquisas na um refogado, com
Goa. Quer dizer, de uma visão am- crescente. A própria FAO, a ONU, vez mais uma referência da pesquisa nhor em relação ao estudo da co- Funarte, no final dos anos 1970, até muito óleo, cebola,
pliada do mundo. Ele conseguia fazer os organismos internacionais dizem de campo. É um bom contraponto mida, ainda mais ligada à religio- meados dos anos 1980, chamado
suas comparações, gostava muito de que a fome crescerá em números entre ambos. Mas, o que o Cascudo sidade? Seu livro “Santo Também Projeto Artesanato Brasileiro, onde azeite de oliva.
etnografia comparada. Ele pegava um absurdos, nos próximos 20 anos. E pesquisou de campo foi muito o seu Come”, fez aniversário? fizemos grandes pesquisas de campo Está aquela massa
tema, e tentava fazer uma digressão exatamente, a grande base ainda da entorno, foi muito o Rio Grande do RL – Santo Também Come teve na no Brasil. Integrada às tecnologias
histórica, muito subjetiva, mas temos alimentação no mundo são os grãos, Norte. Lembro que ele me confiden- verdade 30 anos. Nós tivemos um artesanais está a comida. Aí, você vê temperada com alho,
que dar um desconto, porque todos os cereais, as farinhas de milho, fari- ciou que um dos grandes desejos era evento aqui no Museu do Homem se é bom. Aí, é feijoada, que é servi- com cebola e com
os pioneiros tem esse mérito. nha de sorgo, farinha de mandioca. ir à Amazônia. Nunca foi. do Nordeste, que está completando da onde? Na panela? Ou na travessa?
É tão interessante você observar que 30 anos, e esse foi o primeiro livro Ela é feita na panela de barro? Sim. bastante azeite de
NVU – É a questão do rigor aca- continua a mesma coisa como se fos- NVU – Isso limitou suas abordagens? lançado aqui. Fizemos um painel ex- Onde é feita essa panela? E você co- oliva. Na hora de
dêmico? se há dez mil anos atrás. A própria RL – Não é desmerecendo. É uma pográfico com matérias dos jornais de meça a fazer a rede. A cultura vai se
RL – É, porque os pioneiros são os batata, que matou a fome em plena contextualização de cenário, das 1979, inclusive fotos do lançamento dar de uma forma complexa. Nós e servir, coloco duas
pioneiros, não é? A partir deles é Idade Média. Se não fosse a batata oportunidades e também de outros do livro. Foi um evento assim muito os outros. Que interpretam a cultura. gemas cruas de ovo,
que começa uma massa crítica dos americana, a Europa ia passar fome. fatores, como os econômicos. Até Vão fragmentar para poder tentar en-
estudos, mas Cascudo realmente Aliás, ela passou muita fome, duran- porque esses pesquisadores não tender a partir do seu ponto de vista. mexo e vou comer.
possibilitou, no caso específico da te muito tempo. eram ricos. Eles viviam dessa obra. Tenho escrito e me dedicado cada Eis a açorda
história da alimentação, colocar al- Acho que Cascudo dá esse norte, vez mais, não esquecendo o artesa-
gumas vertentes importantes para NVU – Câmara Cascudo foi à Áfri- essa fundação aos estudos da história nato, os rituais, todos esses contex-
compreender esse universo. Ele ca e à Europa pesquisar o assun- da alimentação. E o Gilberto Freyre, tos sociais, religiosos, ecológicos.

52 Julho/2009 Julho/2009 53
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
para a empada. Você tem o vatapá, faziam, para proteção. E a comida foi existe todo um olhar romantizado que
que provavelmente vem de um prato acabando. Foram comendo as car- persiste até hoje. As pessoas pensam
português chamado açorda. Açorda é nes, e sobraram as vísceras. E não que os africanos vinham nos navios fei-
exatamente isso: o pão ficou velho, tinham o costume de comer as vísce- to cruzeiro, cheios de colares, torços,
bota ele de molho ou pouquinho na ras. A fome bateu e tem a chamada anéis e trazendo comida, cantando,
água. Inchou? Agora, vou fazer um tripa à moda do Porto, que é nossa dançando, tocando tambor. A grande
Ninguém nasce com uma refogado, com muito óleo, cebola, dobradinha, com algumas mudan- maioria pensa que a África é uma coi-
azeite de oliva, fiz um refogado. Está ças. O mesmo é o bode. Vou comer sa só, muitas vezes perguntam qual é
receita pronta. Isso não aquela massa temperada com alho, tudo que o bode possa oferecer, ou a bandeira da África. Outro dia eu me
existe. É feito a Física, com cebola e com bastante azeite de o carneiro, ou a galinha, a cabidela, surpreendi quando perguntaram qual
oliva. Na hora de servir, coloco duas também, ou ao molho pardo. Sempre era a bandeira do Caribe. Você tem o
a Matemática, você vai gemas cruas de ovo, mexo e vou co- há essa perspectiva de aproveitar ao dendê, o inhame, que é muito forte,
experimentando... tem mer. Eis a açorda. É uma das recei- máximo os alimentos porque existe pimentas, e uma coisa muito impor-

Foto: acervo pessoal


tas. Por que o vatapá? Nele, a base abundância, mas existe muito mais tante que é a memória. São os pro-
esse prato, a dobradinha. é o pão. Em vez de eu botar azeite falta do que abundância. cessos culinários. São as formas de
Ela nasceu porque tem de oliva, boto azeite de dendê. E, aí, transformar os alimentos. Obviamen-
começa a ver o que sobrou. Um pou- NVU – Que tipos de comidas fo- te vamos ter outras interpretações do
essa história. Histórias de quinho de peixe? Bota peixe: vatapá ram contribuições do negro, do trigo, do peixe, a partir dos japoneses,
origem você não acredite de peixe. Sobrou uma coxa de gali- índio, do português na construção dos libaneses, de toda uma base tra-
nha, uma asa, não sei o quê, eu vou alimentar do Nordeste, se é que a dicional judaica, de aproveitamento
100%, viu? Você tem que desfiar: vatapá de galinha. Sobrou gente pode falar apenas em ter- de alguns produtos, como a batata, o As questões africanas nascem muito com o processo de
deixar, digamos, 30% um pedacinho de carne de porco: mos regionais? queijo. Tem aí toda uma miscelânea, criação no Brasil, porque obviamente existe todo um olhar
vatapá de carne de porco. Um peda- RL – Você pode até pegar o exemplo e no caso do Nordeste, ele é muito
de veracidade, e 30% de ço de bacalhau: vatapá de bacalhau. do vatapá. A mandioca, que é nativa, centrado nesses encontros... romantizado que persiste até hoje. As pessoas pensam
fantasia Então, a comida é fruto das oportu- é de uma faixa central da América do que os africanos vinham nos navios feito cruzeiro, cheios
nidades. Ninguém nasce com uma Sul, e grande parte dela está no Bra- NVU – O tema da comida vem
receita pronta. Isso não existe. É fei- sil. Tem inúmeros tipos, são mais de ganhando cada vez mais atenção. de colares, torços, anéis e trazendo comida, cantando,
to a Física, a Matemática, você vai 400 espécies diferentes. Diria que a Demorou para isso acontecer? dançando, tocando tambor
NVU - Como se dá essa interligação experimentando. mandioca á uma das grandes bases RL – Tudo era uma questão de foco.
entre comida e religião? dos sistemas alimentares. Se você for Sempre, principalmente a televisão,
RL - Existem diálogos. Muitas co- NVU – Nesse sentido, o Nordeste, pegar doces, bolos, farinhas, angus, o rádio, revistas, tinham os seus es-
midas que eram dos terreiros foram até pelas suas condições, reapro- mingaus e tantas outras coisas, você paços para ensinar a fazer bolo, em-
para os restaurantes, para as casas e veita tudo, por exemplo, o bode, vai ter sempre um alimento vindo da pada, carne assada, aproveitamen- tido de preservação? lógico que existem diálogos, existem
vice-versa. São processos permanen- com a panelada, a buchada. Isso mandioca. Ou seja, o tucupi, ou seja, tos. Tudo é uma questão de foco. O RL – Muitas. Preservar todas as tec- referências, a ginga, como tapioca,
temente dinâmicos e criativos. Ao é uma coisa mais presente aqui ou a farinha feita em casa de farinha, a foco foi se ampliando e foram vendo nologias de fazer queijo, os queijos frita no dendê, eu acho sensacional
mesmo lado, existem os nichos da é peculiar de cada região? farinha seca, farinha d’água, a massa realmente que a comida é um gran- de coalho, de manteiga, tem uma essa solução. É bem do Rio Grande
tradição, que são preservados. Mas, RL – Isso é comum de outros povos. puba, ou massa podre, os inúmeros de mercado, em termos econômicos. variedade. E, agora, a parte de quei- do Norte e, na verdade, você pode
a tradição, ela é dinâmica, tem adap- Você, por exemplo, tem esse prato, a produtos vindos da mandioca. O tri- Cresce mundialmente a diversidade jos caprinos, na Paraíba tem coisas estudar. É uma questão meramente
tações maiores ou menores. E há o dobradinha. Ela nasceu porque tem go, o azeite de oliva e esses bichinhos de restaurantes, bares e lugares para ótimas. Queijos mineiros, a própria operacional, os sistemas alimentares
desejo e as oportunidades. Porque a essa história. Histórias de origem todos que a gente come, como boi, comer. Exatamente isso, também mandioca, que não foi ainda estuda- pelos estados. Certa área da Bahia
comida, todos esses pratos, nascem você não acredite 100%, viu? Você cabrito, elas chegam por um proces- amplia a formação profissional, o in- da devidamente. Tem que ter muito entra por Minas, Minas entra por
pelas oportunidades. O vatapá, por tem que deixar, digamos, 30% de so colonizador, europeu, e tal. A cana teresse da mídia. Nesses últimos dez mais pesquisa, dedicação, é um cam- Goiás, Rio Grande do Norte entra
exemplo. “Ah, sobrou o pão”. Eu vou veracidade, e 30% de fantasia. Mas sacarina, que é da Ásia e cria um anos, cresceu a variedade de progra- po ainda a ser revelado. pelo Ceará, comunica com Pernam-
jogar o pão fora? Não. Sobrou o pão, dizem que a cidade do Porto, em Por- grande sistema alimentar em todos mas de televisão em rede fechada, a buco, quer dizer, são ares culturais,
para fazer rabanada. Para fazer pu- tugal, estava sitiada pelos muçulma- esses segmentos. As questões africa- quantidade de revistas especializadas, NVU – O senhor lançou ano pas- mas é uma questão muito mais didá-
dim de pão, os recheios. Vou botar nos. E cidades, nessa época, nesse nas nascem muito com o processo de cursos, publicações, livros. Acredita- sado “Artes e rituais do fazer, do tica mesmo para o público, uma ten-
com temperos e vai pro pastel, vai miolo, havia muralhas, como sempre criação no Brasil, porque obviamente se que, anualmente no mercado de li- servir e do comer no Rio Grande tativa de apontar para essas questões
vros internacionais, por baixo, são 20 do Norte”. Qual foi sua impressão e a gente trabalha ou por regiões, ou
mil títulos novos ao ano. Um interesse mais forte desse estado? por estados. Na verdade, eles não são
muito grande, porque a comida tem RL – Esse livro está numa série de estanques, se comunicam.
Preservar todas as tecnologias de fazer queijo, os de essa possibilidade de ser transversal a livros do Senac nacional que se cha-
todas essas questões. ma Formação da Culinária Brasileira,
coalho, de manteiga, tem uma variedade. E, agora, a parte uma série que já existe há 15 anos.
de queijos caprinos, na Paraíba tem coisas ótimas. Queijos NVU – O senhor foi o responsável É também uma homenagem a Luís
pela registro do ofício da baiana da Câmara Cascudo. Busca mostrar
mineiros, a própria mandioca, que não foi ainda estudada do acarajé. Que outras tradições e se dedicar um pouco à pesquisa,
devidamente. Tem que ter muito mais pesquisa, dedicação precisam de uma atenção no sen- à documentação, para esses temas,

54 Julho/2009 Julho/2009 55
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
homem americano

Patrimônio arqueológico Pinturas em rochas que representam o cotidiano do homem pré-


histórico, cerâmicas, ferramentas. Resquícios de uma história que
brindam os nossos sentidos. Parte preciosa dessa riqueza se encontra nos
parques nacionais da Serra da Capivara, da Serra das Confusões e de Sete
Cidades no Piauí, locais ameaçados pela ação do homem e pela falta de
tesouro ameacado valorização do poder público. Escassez de recursos financeiros para pesquisa
e conservação, gestos depredatórios, ausência de mão-de-obra especializada e
consciência ecológica colocam os sítios em risco.

i a u i
Por Filipe Palácio / redacao@nordestevinteum.com.br

no p o patrimônio arqueológico do Brasil não é de- dos descendentes do mesmo homem que, no passado, foi
vidamente cuidado e aproveitado”. Quem capaz de registrar sua existência nas rochas. A arqueóloga
lamenta é a arqueóloga e diretora da Funda- conta que as ameaças vão “desde a que nasceu no cérebro
ção do Museu do Homem Americano (Fu- de um imbecil que, em razão de uma briga, jogou uma
mdham), Niède Guidon. Ela já conta com 35 anos de lata de tinta sobre pinturas rupestres, até a que resulta da
atuação na Serra da Capivara e afirma com autoridade proliferação dos cupins e vespas, que não têm mais seus
que a única exceção fica por conta de algumas cidades predadores habituais, exterminados pelos caçadores”.
coloniais e monumentos históricos. A riqueza nacional As galerias e os ninhos feitos pelos insetos cobrem as
neste campo, contudo, vai além e está ameaçada pela fal- pinturas. Assim, a cada limpeza, parte das cores dos de-
ta de atenção. senhos também é removida. Outro problema, acrescenta,
Um pedaço precioso da história dos últimos 100 mil é coibir o ato de alguns visitantes que insistem em deixar
anos, por exemplo, está em terras piauienses. O estado seus nomes gravados nas rochas. “Somente a aplicação
possui um dos acervos arqueológicos mais ricos do Brasil real das leis pode impedir tais atos”, avalia.
e do mundo. Cerâmicas, pinturas e ferramentas de pedra A escassez de recursos financeiros para a manuten-
lascada e de pedra polida são algumas ção dos parques e estímulo a novas
das expressões da cultura dos nossos
ancestrais, a exemplo de uma ponta
O patrimônio pesquisas complicam ainda mais a si-
tuação. Niède lembra que as maiores
de flecha feita de cristal de quartzo, arqueológico do Brasil dificuldades financeiras da Fumdham
que data de nove mil anos. “Uma datam de 2005. No ano seguinte, a
obra de arte, uma coisa fantástica, não é devidamente instituição conseguiu, por meio da Lei
sobretudo porque é um material di-
fícil de ser trabalhado, pois quebra
cuidado e aproveitado Rouanet, doações regulares da Petro-
bras, o que tem possibilitado manter
facilmente”, ressalta Guidon. Niède Guidon arqueóloga e diretora da Fundação do Museu o Parque Nacional em atividade. “E
Ela garante que o Brasil poderia do Homem Americano (Fumdham) também, no último ano, tivemos da
ter na exploração de suas reservas ar- Abengoa – empresa multinacional do
queológicas, através do turismo, uma solução para a de- ramo de bioenergia – uma doação específica para elimi-
sigualdade social. “Um país grande como o nosso recebe nar certos processos erosivos causados pela destruição da
menos turistas que a República Dominicana! Do que eu vegetação por antigas queimadas”, acrescenta.
conheço do Piauí, posso afirmar que, se houvesse estra- Ao mesmo tempo, Niède admite que o País mostra
das decentes, meios de comunicação, hotéis de qualida- avanços na área. Ela classifica a abertura de escritórios
de, o Estado deixaria de ser pobre”. do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Neste sentido, a arqueóloga defende que países como (Iphan) em cidades do interior como um grande passo.
Egito, Itália, Espanha, França, Peru e Bolívia sirvam de Porém, seria necessário que a proteção, a conservação
modelo para o Brasil. “Somente em países muito subde- desses sítios arqueológicos fosse assegura-
senvolvidos, caracterizados pela ignorância é que o patri- da por funcionários do órgão mais tecni-
mônio arqueológico não é protegido e utilizado”, camente preparados e dispostos a viver
ataca. “Quanto rende a Grande Muralha para a nestas cidades, em seus respectivos lo-
China?”, questiona cais de trabalho. “Infelizmente, o Brasil
Guidon acredita que os maiores gestos é um país onde somente as capitais são
depredatórios ao patrimônio arqueológico consideradas cidades interessantes para
nacional tem origem na ação irresponsável se viver”.

Julho/2009 57
Nordeste VinteUm
Serra da Capivara Cada vez que Serra das Confusões
Trabalho para duas geracoes vamos para um Coisas fantasticas parque cinco
em Sao Raimundo Nonato lugar onde ainda não vezes maior e nenhuma estrutura

Declarado Patrimônio Cultural da Pedra Furada, foi escolhida para


fomos, descobrimos No ano passado, dois meses foram suficien- Mesmo após terem sobre-
da Humanidade pela Organização integrar a logomarca da Fumdham, sítios novos tes para se descobrir 150 sítios arqueológicos no vivido a milhares de anos, os
das Nações Unidas para a Educa- instituição que realiza pesquisas e Parque Nacional da Serra das Confusões, cuja materiais que compõem os
Niède Guidon
ção, a Ciência e a Cultura (Unes- participa da gestão do parque. localização engloba territórios pertencentes aos sítios arqueológicos precisam
co), o local pertence ao município Dos 13 mil sítios arqueológicos municípios de  Caracol, Guaribas, Santa Luz e de cuidados para conservar a
de São Raimundo Nonato, a 530 cadastrados pelo Iphan, em todo “Cada vez que vamos para um Cristino Castro. O local fica a 620 quilômetros história que contam. É preciso,
quilômetros de Teresina. Ali estão o Brasil, cerca de 1.200 estão no lugar onde ainda não fomos, desco- da capital. “Nesse parque, estão escavando dois por exemplo, tirar as plantas
abrigados 912 sítios arqueológicos, Estado do Piauí. Mas, os números brimos sítios novos”, diz Guidon, es- sítios que são absolutamente extraordinários, com que nascem nas rochas onde há
dentre os quais 657 apresentam não são estáticos. As pesquisas em coisas fantásticas”, empolga-se Niède. pinturas rupestres, cuidar para
tendendo a possibilidade de transpor
que não sofram com a ação das
pinturas rupestres. busca de novos indícios da vida do as descobertas para outras áreas de A arqueóloga Fátima Luz, integrante da equipe
chuvas e retirar folhas secas e
Feitos sobre a rocha em tons de homem pré-histórico são feitas de estudo, como a Biologia e a Geologia. que atua no parque desde outubro de 2008, detalha essas
madeira morta – combustíveis
vermelho, branco, amarelo, marrom forma permanente. A pesquisadora faz questão de “coisas fantásticas”. Uma delas é uma sepultura que continha em potencial.
e cinza, os desenhos mostram ações ressaltar ainda as belezas naturais dez esqueletos inteiros e ossos humanos pertencentes a dois indivíduos in-
da vida cotidiana, com figuras huma- Números da Serra da Capivara. “Há paisagens completos. “Esses esqueletos tiveram um aparato especial no enterramen-
Há sete anos, um incêndio
no parque da Serra da Capiva-
nas, animais, plantas e objetos, cha- incríveis, a fauna, a flora. Lá dentro, to, como adornos feitos de contas perfuradas, ossos de animais trabalhados ra provocou danos em cerca
mados grafismos reconhecíveis. Há 912 sítios arqueológicos; você encontra coisas que já desapa- e perfurados, e conchas”, conta. de seis sítios arqueológicos.
ainda figuras as quais não se conse- 657 com pinturas rupestres; receram de outros locais do Nordes- Por meio de datação pelo carbono 14, chegou-se a, aproximadamente, Desde então, não foram mais
gue identificar, conhecidas como gra- te. Aqui, os povos pré-históricos que 6.610 anos (6610±40 BP, sendo 40 a margem de erro. A sigla BP significa be- registrados acidentes do tipo.
fismos puros. Uma dessas pinturas, Dos 13 mil sítios cadastrados chegaram há 100 mil anos se depa- fore present – antes do presente; por convenção, conside- Conforme Niède, criou-se uma
localizada no sítio Toca do Boqueirão do Iphan, 1.200 estão no Piauí raram com uma região muito rica; ra-se esse presente o ano de 1950). Segundo Fátima, área limpa em torno do parque
estabeleceram-se e desen- as pesquisas feitas na Serra das Confusões trazem e o local conta ainda com uma
volveram uma cul- a conclusão de que o homem pré-histórico tinha brigada de incêndio.
tura extremamente muito respeito por seus mortos. Isso não só Outro tipo de dano que aco-
adiantada. Como pelos adornos que recebiam, mas pela prepa- mete alguns sítios é o causado,
chegamos muito ração dos corpos, que era feita com ocre (um propositadamente, pelo homem.
cedo, conseguimos tipo de argila colorida), e pela proteção com Segundo a arqueóloga, nos
proteger tudo isso”, blocos de arenito dada às sepulturas. últimos quatro anos, caçadores
ressalta a arqueóloga. Atualmente, o Parque possui cerca de 180 resolveram “brincar” de atirar nos
sítios arqueológicos, predominando, na maioria animais que estão pintados nas
Ela admite, con-
rochas, deixando as marcas das
tudo, que, apesar de deles, pinturas e gravuras rupestres. É cinco vezes
balas nas pinturas rupestres. “É
sua primazia nas pes- maior que a Serra da Capivara, mas ainda não tem
uma luta constante (a preserva-
quisas arqueológicas infra-estrutura para receber visitações. A demanda de ção), porque, aqui no Brasil, não
na Serra da Capivara, interessados em conhecer o local é atendida por se dá importância a essas obras
“há trabalho para mais cerca de 20 condutores, que integram a As- deixadas pelos nossos ancestrais.”
duas gerações”. sociação de Condutores do Parque Nacio- Tanto na Serra da Capivara como
nal da Serra das Confusões (Acopanasc). na Serra das Confusões, ainda
Por mês, conforme o chefe do parque, há pessoas morando dentro do
José Wilmington Paes Landim Pinheiro, o limite dos parques.
Presenca humana mais antiga das Americas parque recebe cerca de 240 pessoas.
O cenário deverá mudar em breve.
A Serra da Capivara é o local que A via de acesso, segundo ela, A história do homem que habi-
Os projetos da primeira fase de inter-
apresenta a presença humana mais teria sido o rio Parnaíba, que, à tou as Américas há tantos milhares
antiga das Américas. O homem que época, era um rio muito grande. Ao de anos ainda é fragmentada pela
venções que dará estrutura básica
habitou a área há 100 mil anos deve passar, o homem teria seguido pelo quantidade insuficiente de trabalhos para visitação estão quase prontos.
ter vindo da África e entrado pelo seu afluente, o rio Piauí. “Podemos em outras regiões do mundo que A obra é orçada em R$ 2,4 milhões,
mar. “Pensamos que ele deve ter comprovar que há cerca de 10 mil expliquem sua origem. “Temos uma provenientes de verbas de compen-
chegado pela costa norte, porque ele anos, o rio Piauí, aqui na altura de pesquisa de 35 anos e, talvez, para sação ambiental, e a previsão era
também chegou ao México muito São Raimundo Nonato, tinha mais de chegar aqui, esse homem tenha pas- de que os processos de licitações
cedo”, analisa Guidon. 10 quilômetros de largura”. sado por outros lugares”. se iniciassem em julho.

58 Julho/2009 Julho/2009 59
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
Turismo Sete Cidades profissÃo
Potencial para cinquenta Pre historia flora e fauna Para muito alem
mil turistas ano Arqueologia ainda pontual de Indiana Jones

A Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em São Raimundo No- O Parque Nacional de Sete Cidades, nos municípios Embrenhar-se numa floresta em busca de
nato, formou sua primeira turma de arqueólogos este ano e abriu o curso de Ciências da de Piracuruca e Piripiri, localizado a 217 quilômetros tesouros de populações pré-históricas, viver
Natureza. Na Universidade Federal do Piauí (UFPI), os primeiros estudantes de Arqueologia de Teresina, pode esconder outra parte da Pré-histó- aventuras e decifrar segredos. Qualquer seme-
e Conservação de Arte Rupestre estão no terceiro semestre. “Isso aumenta a possibilidade de ria. Mas, esse potencial ainda é pouco explorado. O lhança com o personagem Indiana Jones não é
os jovens da região se formarem”, diz Niède Guidon. local se destaca por suas formações rochosas (divi- mera coincidência, mas ser arqueólogo é bem
didas em sete conjuntos, chamados cidades) e pela mais do que isso. “Não tem nenhuma possibili-
A esperança no crescimento da região está também no turismo arqueológico. Es-
flora e fauna. dade aquilo tudo o que ele faz”, comenta Niède
tudo realizado no ano passado pela Rede de Patrimonio, Turismo y Desarrollo Sosteni-
Guidon, ressaltando uma exceção: sim, o ar-
ble, entidade espanhola, concluiu que o Parque da Serra da Capivara tem potencial Na área da Arqueologia, no entanto, as pesqui-
queólogo arrisca sua vida durante os trabalhos.
para atrair cerca de 50 mil turistas por ano – dentre os quais, 40% estrangeiros. sas precisam ser aprofundadas. O parque possui 22
“Muitos arqueólogos já morreram em aciden-
Em 2008, segundo dados da chefia do parque, o local foi visitado por sítios. Até então, segundo a arqueóloga Conceição Lage,
tes. O trabalho exige concentração e, sobretu-
7.464 pessoas. foram feitas pequenas sondagens arqueoló- do, conhecimento para evitar situações perigo-
 “Se esse parque estivesse na França, com a maravilha que gicas, ou seja, trabalhos ainda pontuais. A revisão sas. Fora isso, não temos ‘bonitas’ andando com
são a paisagem e as pinturas, esta já seria uma região riquíssima”, do plano de manejo do parque, acredita ela, pode a gente e todas aquelas coisas que o Indiana
argumenta Niède. O Aeroporto Inter- possibilitar a continuidade desses trabalhos, Jones tem”.
nacional de São Raimundo Nonato, uma vez que haverá recursos para financiá-los. O arqueólogo Pedro Paulo Funari, em
cuja pista começou a receber pousos De acordo com Cristino Pereira da Silva, seu livro Arqueologia (Contexto, 2003), afir-
no ano passado, deverá facilitar coordenador de educação ambiental de Sete ma que a profissão não deve se desvencilhar
as ações de turismo na área, Cidades, a previsão é de que o plano seja revi- de seu caráter aventureiro e romântico, a
prevê Wilmington. Se- sado este ano – o atual data de 1979 e veda a re- exemplo de Indiana Jones e dos arqueólogos
gundo ele, a Serra das alização de escavações, o que impossibilita o apro- Heinrich Schliemann (1822-1890) – que busca-
Confusões tenderá a fundamento das pesquisas arqueológicas. Conceição va reconstituir a trajetória de Ulisses, descrita na
absorver o turista que rebate esse argumento, negando que exista tal impedimento. Segundo Ilíada – e Howard Carter (1874-1939) – que des-
visita a Serra da Ca- ela, para atuar em um parque nacional, é de praxe solicitar autoriza- cobriu a tumba de Tutancamon. “Certamente, a
pivara por conta da ção. “Não é uma proibição (o fato de ter de solicitar autorização), é Arqueologia não se reduz a essas imagens. É um
proximidade entre os uma exigência normal”, explica. campo muito mais rico e complexo – atualmen-
Por serem ainda pouco profundas, as pesquisas realizadas em te desenvolvido com muito profissionalismo
dois parques.
Sete Cidades ainda não conseguem contar o que houve lá há mi- (um tanto distante das versões romanceadas e
cinematográficas)”, esclarece.
lhares de anos”. “O que encontramos é muito pouco. É preciso ter
A Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB)
muita pesquisa, análises complementares, outras sonda-
define Arqueologia como a “ciência que se de-
gens”, diz Conceição.
dica ao estudo das sociedades humanas através
A geógrafa e arqueóloga Andrea Scabello, da
Fechamento Universidade Federal do Piauí (UFPI), está se
de seus vestígios materiais e das modificações
que imprimiram no meio em que viveram, alte-
propondo a explorar esse potencial. Um grupo de
Global Rock Art 16 estudantes de Arqueologia e Conservação de
rando a paisagem, fauna e flora”. E esses estudos
não são somente em campo. Uma boa parcela
faz apelo a Lula Arte Rupestre, sob sua tutela, vem se preparando da emoção das descobertas arqueológicas se
para iniciar pesquisas no parque e verificar como dá nos laboratórios, onde são descobertos, por
Entre os últimos dias 29 de junho e 3 de julho, a Serra da Capivara foi se deu o povoamento da área. exemplo, a idade e a composição dos artefatos.
sede do XII Congresso Internacional de Arte Rupestre, o Global Rock Art. “O interesse em Sete Cidades”, conta Andréa, Apesar de ser famosa pelo seu estudo de
Segundo a organização, participaram cerca de quatro mil pessoas de vá- “está tanto na ausência de escavações de grande porte populações que não existem mais, a Arqueolo-
rios lugares do mundo, dentre pesquisadores, estudantes e interessados no local como nos problemas de conservação que os sítios gia também se ocupa de estudar as sociedades
nos estudos de arte rupestre. Esta é a primeira vez que o Brasil sedia o sofrem por questões naturais, como a ação dos cupins – embora haja contemporâneas. Andréa Scabello cita como
Congresso, que já passou por países como Itália, Índia, Bolívia e Portugal. um trabalho permanente de conservação, essa pra- exemplo a chamada Arqueologia do Lixo,
Durante o evento, foi elaborada uma petição dirigida ao presiden- ga sempre retorna.” que se ocupa em investigar o lixo das re-
te Luiz Inácio Lula da Silva, na qual a Fumdham e o Parque Nacional Serra da Capivara pedem ajuda, sob pena O grupo pretende ainda focar o turismo sidências atuais para determinar padrões
de terem suas atividades suspensas. “É com grande preocupação que recebemos a notícia do encerramento arqueológico e a educação patrimonial. Mas, de consumo e de descarte. Pedro Paulo
ameaçado, devido à falta de financiamento das muitas boas obras da Fundação”, diz o documento escrito por para além do trabalho específico em Sete Ci- Funari cita outro campo: a Arqueologia
Mila Simões de Abreu, uma das coordenadoras do Global Rock Art. Para assinar a lista eletrônica em prol desse dades, há a intenção de “descentralizar” a Ar- Industrial, que estuda construções e ob-
documento, basta acessar o link: http://www.petitiononline.com/fumdham/petition.html. jetos ligados à indústria, tanto no passa-
queologia do Piauí.
do como no presente.

60 Julho/2009 Julho/2009 61
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
Em Tese
Barros Alves --------
NiÈde Guidon
Sonhos de criança e um quintal de mil sítios
como um período de puro prazer.
Padre Cícero,
a santidade e a política
O esforço foi recompensado e
não demorou para ganhar o mundo.
Em 1961, ela foi para Paris, na Fran-
ça, onde fez o curso de Arqueologia.
Logo foi contratada como pesquisa-

S
em qualquer fundamento histórico-sociológico ou co e social quanto do ponto de vista religioso, sedimentando pela
dora do Centro Francês da Pesquisa mesmo teológico, há uma dificuldade enorme de de- coerência de suas atitudes o respeito e a obediência aos postula-
Científica. As pesquisas sempre fo- terminadas pessoas em aceitar que homens que tive- dos emanados pela cúpula da hierarquia de sua Igreja, ainda que
ram voltadas para a arqueologia bra- ram participação na vida política e social do seu país alguns deles perfeitamente questionáveis. A Igreja Católica, não
sileira. Os trabalhos no Piauí tiveram possam ter tido uma vida de santidade. Com relação negará a confirmação da santidade de “Meu Padim”, porque ele
início em 1970. Sete anos depois in- aos muçulmanos este é um preconceito visível que assoma entre jamais negou obediência, ainda que injustiçado por algum pur-
algumas preeminentes lideranças cristãs, preconceito que chega purado de visão autoritária. É uma questão de tempo. Os devotos
gressou como mestre assistente, na
às raias da ignorância. Assim é que o diálogo interreligioso entre nordestinados do “Meu Padim Ciço”, os daquém e os dalém, não
Escola de Altos Estudos em Ciências muçulmanos e católicos tem emperrado exatamente porque a li- tenhamos pressa, porque o tempo de Deus não é igual ao tempo
Sociais. Ali se aposentou, em 1998, derança católica teima em não vê o Profeta Maomé como um dos dos homens e há tempo para tudo debaixo do sol, como refere
já mestre de conferências. Em 1991, homens escolhidos por Deus para cumprir extraordinária missão Eclesiastes. Tratar-se-á de uma confirmação de santidade, pois as
deixou Paris, pois havia sido empres- terrena. E, quer queiram os cristãos, quer populações de nossos sertões adustos já
tada pela França ao governo do Brasil não, Maomé além de estadista e guerreiro,
foi santo e profeta.
Quantos santos que têm certeza plena de que “Meu Padim” é
verdadeiramente santoOs protestantes,
para coordenar os trabalhos no Par-
Ora, quantos santos que hoje com- principais críticos das canonizações le-
que Nacional da Serra da Capivara.
Atualmente, continua vivendo em
põem o panteão hagiológico da Igreja Ca- hoje compõem o vadas a termo pela Igreja Católica Apos-
Niède estudou arqueologia na França. hoje vive em São raimundo Nonato tólica não foram também guerreiros e es- tólica Romana, também têm, de fato, os
São Raimundo Nonato, perto do par-
As brincadeiras da infância de colocava-se pacientemente a analisar que. No quintal, quase mil sítios ar-
tadistas? Vide a vida de alguns. Paulo, o
maior dos apóstolos foi homem de extrema panteão hagiológico seus santos e ídolos. O que eles não fa-
zem – e neste ponto tergiversam, o que
Niède Guidon já davam uma pista cada detalhe do mimo recém-adqui- queológicos. Desviando das ameaças valentia, irrequieto, enfrentou os podero- significa escamotear a realidade – é pra-
de que, em alguns anos, ela trans- rido. Em seguida vinham os questio- de morte e das dificuldades como dos sos de sua época. (“Combati o bom comba-
te, encerrei a carreira e guardei a fé”). São
da Igreja Católica ticar explicitamente a veneração dessas
figuras que também são respeitáveis, é
formaria a Arqueologia em profis- namentos. Como funciona? De que galhos das árvores que subia quando
Jerônimo, o excelso tradutor da Bíblia do bem verdade, como líderes religiosos.
são. Natural de Jaú, São Paulo, ela
passou a infância no interior do es-
é feito? Veio de onde?
O mesmo prazer que tinha em
menina, ela segue firme, aos 76 anos
– 18 deles vividos na Serra da Capiva-
grego para o latim, a Vulgata, não viveu não foram também O primeiro deles é Martinho Lutero, o
toda a vida enclausurado, como se pensa. monge rebelde que se insurgiu contra
tado. Os fins de semana e as férias brincar, a arqueóloga levou para a ra. Como pinturas rupestres, o esfor-
eram na chácara dos avós. Se hoje vida profissional. Nos tempos de ço de Niède ficará gravado na história
Tinha importantes relações sociais e de-
las usava para divulgar o Evangelho. As- guerreiros e os erros da Igreja Católica em determi-
nada quadra da história humana. Foi
seu vigor físico impressiona, certa- curso de História Natural, na Uni- da arqueologia mundial. sim também Santo Inácio de Loyola, Santo pensador religioso de renome e político
mente ele se deve às correrias e às versidade de São Paulo (USP), dor- Thomas Morus e o próprio São Francisco,
que foi soldado na juventude. Mais recen-
estadistas? dos mais ladinos. Sobre ele pesa, inclu-
sive, o pecado de ter apoiado o massa-
escaladas em árvores. Obstáculos mia apenas quatro horas por noite. (Baseado no artigo Uma mulher chamada Niède,
temente assoma a figura de São Josema- cre de mais de 30 mil camponeses li-
nunca foram problema. Durante o dia trabalhava e à noite de Luis Carlos Duarte Cavalcante – Jornal da Ci-
ria Escrivá de Balaguer, fundador da polêmica Prelazia chamada derados por Thomas Müntzer, também um luterano. Durante a
Toda aquela disposição parece tinha as aulas. Ela lembra da época ência, Março de 2005) Opus Dei. Aliás, quase todos os santos católicos foram homens que guerra fratricida entre nobres e pobres da Alemanha, Lutero po-
inabalável e a mesma destreza pueril desenvolveram ação sócio-econômica e cultural, influenciando de- deria ter usado seu poder junto ao Príncipe Frederico da Saxônia,
pode ser vista nas escaladas das mais cisivamente o mundo do seu tempo. Tiveram virtudes e defeitos seu amigo e protetor. Não o fez. Ao contrário, Lutero repudiou o
altas serras. Ossos do ofício. Ou ainda Prêmios e títulos NiÈde Guidon próprios dos seres humanos. Poucos são os que viveram totalmen- levante, recomendando aos nobres que derrotassem os campone-
seria como nas brincadeiras de crian- te enclausurados. Enfim, o próprio Cristo é exemplo de homem de ses, exterminando-os como a “cães raivosos”.
2007 Prêmio Bunge - Antropologia e Arqueologia, Fundação Bunge. ação, porque é, segundo a doutrina aceita por católicos e protes- Outro nome de grande valor histórico é o erudito João Calvi-
ça? O gosto pela natureza era evidente 2005 Faz Diferença, O Globo. tantes, completamente Deus e completamente homem. Teve fome, no, que escreveu aos 27 anos de idade, as Institutas da Religião
e outra profissão não poderia ter sido
2005 Ordem do Mérito Cientítico - Grã Cruz, Ministério de Ciência e Tecnologia. angustiou-se, chorou, teve medo (“Pai, se for do teu desejo, afasta Cristã, obra que sedimentou a reforma protestante no campo
seguida por Niède. Ela passava horas de mim este cálice de amargura”), teve raiva (fez um azorrague e doutrinário. Ele rebelou-se contra o Rei Francisco I, da França,
2005 Green Prize, Paliber.
imaginando desenhos nas nuvens. meteu a peia nos vendilhões do templo). foi por este perseguido, fugiu para Genebra e lá tornou-se pre-
Com o tempo voltou seu olhar para a 2005 Prêmio Príncipe Claus, Governo da Holanda. Por que, então, todo este preconceito com a figura extraordi- feito, imprimindo governo autoritário. Diz-se que Calvino nada
terra e passou buscar esses desenhos 2004 Cientista de Ano, SBPC. nária do Padre Cícero Romão Batista, o inolvidável taumaturgo fez para livrar da condenação à morte o seu ex-amigo Miguel de
em rochas e cavernas. 2002 Comendador da Ordem do Mérito Cultural, Ministério da Cultura. do Nordeste brasileiro, quanto a ele não merecer ocupar um lu- Servet, descobridor da pequena circulação do sangue. Em home-
gar nos altares da Igreja Católica Apostólica Romana, pelo fato de nagem ao “Meu Padim Ciço”, cito apenas estes dois exemplos.
A curiosidade foi e ainda é a 2001 Medalha CAPES 50 Anos, CAPES.
ter-se imiscuído na política partidária de sua época? Ora, Roma Duas faces da mesma moeda cristã. Destarte, para que não se-
chave de tudo. Enquanto as outras 1995 Cavaleiro da Ordem Nacional do Mérito, Governo Francês. tem uma dívida com a multidão de devotos que ao longo de mais jam acoimados de ignorantes, é necessário que os protestantes
crianças mal continham a ansiedade 1994 Oficial da Ordem do Mérito Educativo, MEC - Brasil. de cem anos crê piamente na santidade do homem que em vida ao apontarem o dedo em riste para os católicos, estudem primei-
em receber um novo presente, Niède determinou os caminhos da sua comunidade, tanto do viés políti- ro a sua própria história.
da cultura popular
(*) Barros Alves é escritor e pesquisador
62 Julho/2009 Julho/2009 63
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
CULTURA

Mestr e Vitalino
Mestre Vitalino, artesão ceramista
estaria completando 100 anos.
Como a referendar o informe bíblico

acervo fjn
A vitalidade
de que o homem foi feito do barro, ele
modelou o barro antropologicamente,
fazendo em seu objeto de trabalho o

dos significados
homem sertanejo
de bravura épica e darwiniana capacidade de sobrevivência em
ambiente tão hostil.
Enfim, foi nesta fase de muito trabalho e grande eferves-
cência criativa que Vitalino se fez mestre, ao imprimir no mas-
Mestre Vitalino, o maior ceramista popular do Brasil, teria completado 100 sapê a vida, a sua vivência e a de seu povo. Como a referendar o
anos no último mês de junho. Neste ensaio, o poeta Barros Alves fala sobre a informe bíblico de que o homem foi feito do barro, ele modelou
trajetória e o significado da obra desse grande artista nordestino, “quiçá do o barro antropologicamente, fazendo em seu objeto de trabalho
mundo”, o maior ao imprimir no ‘massapê’ a vida, sua vivência e a de seu povo... o homem sertanejo.
O que Vitalino não sabia é que os seus bonecos estavam fa-
Por Barros Alves lando ao olhar e às emoções de muita gente como uma novidade
redacao@nordestevinteum.com.br artística originada de uma sensibilidade a um tempo rústica e
pra eu trabaiá’” – o rapaz danou-se a fazer bonecos de tudo quan- delicada, expressão de telurismo que ultrapassava a simplicida-

O
to era jeito, os quais carregavam em si um quê de diferença dos de crua dos objetos feitos pelos demais ceramistas de Caruaru.
menino Vitalino é um daqueles rebentos que nascem no vender seus apetrechos de alta criatividade, feito bichos e gente,
demais, como se tivessem alma e juízo igual a gente. Mas, sobretudo, a força da obra daquele veio a se tornar o fe-
interior dos sertões mais adustos e que se transformam em até o fim da vida.
Os bichos que Vitalino fazia também não eram coisa de um nômeno da arte ceramista aqui e alhures, veio das entranhas
arbustos de têmpera, a insistir na vida sob a fornalha do sol O pai de Vitalino era roceiro, matuto do pé rachado; a mão
artesão que faz do barro o seu ganha-pão, mas tinha algo de ar- do seu próprio povo e de sua mundivivência. Os costumes da
inclemente que queima até o juízo das pessoas. “loiceira” fazia utensílios domésticos de barro, especialmente
tístico que fugia ao próprio entendimento do ceramista, os quais nordestinidade e da sertanejice, especialmente do agreste per-
Com o menino Vitalino, a natureza foi mais peculiar, do- utilitários como panelas, para vender na feira da cidade. Vitalino,
eram por ele chamados apenas como “loiça de brincadeira”. nambucano, estão imantados de forma imanente na produção
tando-o de inteligência e vivacidade que destoavam daquela que nunca pôs os pés numa escola e “era cismado que só sagüi
Na década dos 30 do século passado, já adulto, começou a artística de Vitalino.
figura pequena, franzina, de tez baça, pele áspera tostada criado no mato”, começou cedo a arte de burilar a cerâmica com
ampliar seus horizontes de criatividade, fazendo grupos de pes- E, paradoxalmente, é este telurismo intrínseco na
de sol, que se fez um moço como tantos outros do agreste as sobras de barro da mãe, ainda que sob o protesto da pobre
soas, notadamente de cangaceiros e soldados, personagens do obra vitaliniana, ainda quando trata de temas urbanos
sertão pernambucano. mulher. Mandava os bichos que fazia com esmero para serem
seu pequeno mundo, mas que também transcendiam a geogra- como os famosos bonecos de “Operação”, “Doutô es-
Vitalino Pereira dos Santos cresceu sob o manto da religiosi- vendidos na feira pelo irmão Joaquim, quase às escondidas.
fia sertaneja, alteando-se na imaginação não apenas de artistas cutando doente” ou “Advogado”, que se faz de uma
dade popular, crendo piamente que o Padre Cícero Romão Ba- Entusiasmado com o sucesso dos bichos que fazia – “ficava
como Vitalino, mas ganhando as páginas da literatura popular, transcendência tal que deve ser isto a explicação para
tista é santo (“meu Padim Ciço”) doidinho com o dinheiro que ganhava e perdia até o sono vendo
bem como dos jornais do Brasil e de outros países. o elevado grau de universalidade que tão singelos ob-
e frequentando desde tenra ‘chegá a segunda-feira
A imensa criatividade que ele tinha de tratar do mesmo com jetos do cotidiano de uma cultura quase primitiva
idade a famosa feira de
olhares ricos de pluralidade, a inexplicável sensibilidade de ob- alcançaram junto do público e da crítica de Arte.
Caruaru, onde manteve
servar e absorver as lições do cotidiano de sua gente a um tempo É certo não ser o objeto em si que alcança o
um quiosquezinho para
tão rude e tão ingênua, assim como o esforço pessoal de desen- que está por trás do olhar do observador. Mas, essa
volver a sua técnica artesanal própria é que fizeram com que se vitalidade de Vitalino permanece em razão dos ex-
tornasse o maior ceramista popular do Brasil, quiçá do mundo. traordinários significados de sua obra só explicável por
Ele compreendia a importância de expressar as ações co- uma atenta leitura semiótica. A obra de Vitalino é o povo
tidianas do povo, as quais eram justamente o que causa ainda nordestino em forma de bonecos e bichos.
hoje a admiração de todos. Retirantes, casa da farinha, terno Mestre Vitalino deixou definitivamente o agreste
de zabumba, batizado, casamento, vaquejada, pastoril, padre, sertão pernambucano em 1963. Foi fazer bonecos nas
Lampião, Maria Bonita. A novidade, com efeito, não estava oficinas do Divino, mas cá deixou uma grande lista de
no engenho da realização da peça, mas na arte de como ele discípulos e admiradores de sua obra, os quais con-
intentou representar seu povo, o trabalho, suas tristezas, an- tinuam a alargar o imensurável patrimônio imaterial
gústias e alegrias. que legou ao país dos nordestinos. Seus filhos, Seve-
Sobretudo, Vitalino gravava uma “anima” em suas peças, que rino e Amaro, constituem legítimos continuadores
nada mais é do que extração feita através de extrema sensibili- de sua obra, recriando no barro as personagens do
dade, de todo esse mundo rural de homens e mulheres dotados mundo nordestinado.

64 Julho/2009 Julho/2009 65
Nordeste VinteUm Nordeste VinteUm
a diferença entre seu veículo
impresso e os outros

CiêNCia&TeCNologia
CaderNo esPeCial
Crise
nordestina
A blindagem volvimento a ParTir desTa edição
no subd es en
Economia Solidária
Fundos se
toriais Região ensina o que fazer
A ciência doio regional pelos excluídos do crédito
desequilíbr

R$ 9,90

br - R$ 8,90
nteum.com.
w.nordestevi
cultura — ww
ia, política e
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Publicação
deste mais pe Josué de Castro e Fome:

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Persistência onde

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se rebelar!”

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mais falta educação

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Cangaço e o “Brasil prof

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66 Julho/2009 Aquarela Audifax Rios
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