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Ferreira e Associados, RL

Sociedade de Advogados

Advocacia & Consultoria


O USO DE EXPRESSÕES
OFENSIVAS NO TRATAMENTO
ENTRE PROFISSIONAIS DO FORO
por Leandro E. G. Ferreira
Doutorando em Ciências Jurídico-Políticas
Advogado e Consultor (Ferreira e Associados, Sociedade de Advogados, RL)
Professor de Direito Constitucional e de Direito Administrativo na FD-UCAN

O presente texto foi redigido e apresentado em 2011 como trabalho de fim de estágio em
advocacia e tem como incidência directa a conduta dos advogados, quer na relação que
mantêm entre si, nessa condição, judicial ou extrajudicialmente, quer na relação que mantêm
com os magistrados, funcionários de cartórios, peritos, intérpretes, testemunhas e outros
intervenientes nos processos. Os exemplos referidos na altura ao longo do texto são verídicos,
ao qual se aditaram apenas dois casos recentes. A intenção de o manter fiel à versão e
pensamento originais levou-nos a muito ligeiros acréscimos. Procedemos, pelo contrário, a
vários cortes à versão original do texto para reduzir a sua amplitude, permitindo-se uma
maior utilidade e capacidade para divulgação. A publicação e divulgação deste nosso escrito
é motivada pelo recente episódio de detenção de um advogado na Província de Benguela por
ordem do juiz da causa, difundido amplamente nas redes sociais, num momento em que se
encontrava no exercício de funções, como resultado de alegadamente ter dirigido as
seguintes palavras ao juiz: “muito obrigado pela sua ignorância” (ou talvez “muito obrigado
pela sua arrogância” ou ainda “muito obrigado pela sua intolerância”). A exigência legal de
descrição, em respeito da privacidade de que cada cidadão tem direito, levou-nos a suprimir
a identidade dos seus intervenientes, de tal forma que julgamos ter sido evitada qualquer
exposição não consentida.

O Advogado tem a palavra e a mão inteiramente livres: Alberto dos Reis


Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 59, pp. 230 e ss.

1. Razão de ordem
Muitos são os exemplos em que, diante do seu pronunciamento, os advogados
vêm questionada a sua prudência e urbanidade no tratamento dos profissionais
do foro. Com alguma recorrência, no ânimo de tutela dos interesses dos seus
constituintes e/ou interesses profissionais mais ou menos pessoalizados, assiste-
se à verificação de comunicações não completamente cobertas pelo brilho exigível
à profissão. Citemos alguns:

1) Dirigindo-se à Autora, o Réu autonomiza um título na contestação em


acção de divórcio, em letras maiúsculas: «MALABARISTA».
2) Na réplica em acção de condenação, refere o Autor: «De forma cínica e
astuta, a Ré tenta encontrar justificação para tudo».

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3) Insurgindo-se contra o facto de o Tribunal ter passado a rejeitar pedidos
de confiança de processos aos advogados, em virtude de determinado
advogado ter retido um processo, por longo período de tempo, no seu
escritório, escreve o reclamante: «Em verdade, este Tribunal adoptou a
reprovável forma nazi de sacrificar uns tantos pelo procedimento de um
só».
4) Dirigindo-se ao Tribunal ad quem, referem os advogados do requerente
em crítica ao Tribunal a quo: «Não é bom que, servindo-se da nossa
capacidade estatual de compor conflitos com a aplicação do direito e de
com vernaculismo esgrimir argumentos jurídicos dilatórios e
profundamente falsos, fujamos da função social que nos norteia, de
servidores da verdade, do direito e da justiça; pois estamos aqui, na
presente lide, por ser imprescindível a descoberta da verdade e a
realização da justiça que vemos não querer ser atingida pelo tribunal a
quo».
5) Em contestação em acção de divórcio, tentando impedir danos sobre os
bens comuns, o mandatário do Réu dirige-se ao Tribunal dizendo: «O que
disse no nosso articulado antecedente só pretende alertar a quem arrolar
bens comuns, que limite as suas intenções, que saiba os guardar sem os
mexer, porque eles devem chegar intactos ao processo de inventário, mas
que também não arrole erroneamente bens próprios do contestante…»
6) Dirigindo-se à Autora, escreve o Réu em acção de divórcio: «… O
contestante hoje sente-se bastante magoado ao saber que casou com uma
gata escondida no saco…».
7) Dirigindo-se ao Tribunal, diz o requerente: «(…) vemos que o Tribunal a
quo está a operar como uma verdadeira parte, pois não deixou vez alguma
de operar assim…».
8) Dirigindo-se à Autora, escreve o Réu em contestação à acção de divórcio:
«… O Réu está farto das batotas da Autora».
9) A Ré diz na Contestação sobre processo que envolve um concurso
público: «… O Autor intitula-se desavergonhadamente “legítimo”
vencedor».
10) Na réplica, em acção de condenação, refere o Autor: «É caso para dizer
que a Ré age como alguém que, desesperadamente, atira barro à parede
para ver se pega».

A estes exemplos aditam duas recentes notícias de detenção de advogados,


ordenadas pelos magistrados das causas em que intervinham. No primeiro caso
(censurado e repudiado posteriormente pelo Tribunal Supremo), a magistrada do
Ministério Público ordenou a detenção do advogado, por a ter tratada por “ela”
e não por “Digna Magistrada do Ministério Público” (dirigindo-se ao seu
constituinte, disse o advogado então orientado a retirar-se da sala em que decorria
o inquérito: “não respondas nada do que ela perguntar”). No segundo caso, que
agora nos motiva, o magistrado judicial ordenou a detenção do advogado a quem
orientara para se retirar da sala, por este alegadamente lhe ter dirigido as seguintes

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palavras: “muito obrigado pela sua ignorância” (ou talvez “muito obrigado pela
sua arrogância” ou ainda “muito obrigado pela sua intolerância”).

Em todos os casos acima apresentados, falta a linearidade absoluta no trato e


respeito devidos na actuação em foro, nalguns casos motivada pela intenção clara
de assim efectuar comunicação, noutros pela eventual imprudência ou
insuficiência técnica. Serão estas faltas ilícitas? Que consequências resultam da
sua prática?
Os deveres gerais de conduta exemplar, elogiável e digna impõem-se aos
advogados na relação que mantêm com todos os profissionais do foro. Nos
termos dos Estatutos da Ordem dos Advogados (artigo 73.º - Dever geral de
urbanidade), impõe-se que «no exercício da profissão, deve o advogado proceder
com urbanidade, nomeadamente para com os outros advogados, magistrados,
funcionários de cartórios, peritos, intérpretes, testemunhas e outros intervenientes
nos processos». Concretizando, o n.º 1 do artigo 71.º define como deveres para com
os julgadores que «o advogado deve, sempre sem prejuízo da sua independência,
tratar os juízes com o respeito devido à função que exerce e abster-se de intervir
nas suas decisões, quer directamente, em conversa ou por escrito, quer por
interposta pessoa sendo como tal considerada a própria parte».
O vasto complexo de deveres profissionais impostos aos advogados conflitua, no
entanto, com o espaço de liberdade necessário para um exercício prudente e
zeloso da profissão. Tudo se resume em saber se a liberdade de ampla actuação,
no exercício da sua nobre função, cobre os pronunciamentos indevidos,
inoportunos, injuriosos e indelicados dirigidos aos demais profissionais do foro.
A acrescer, será pouco precisa a forma como se delimitam espaços de intervenção
em relação a direitos subjectivos dos intervenientes em foro. Como se estabelecem
esses limites e como são fixados os critérios de avaliação dos níveis de liberdade
ou, por outro lado, a violação dos deveres profissionais?

2. Da função de advogar
As relações humanas existem propensas ao conflito; por isso existe o Direito a
partir do momento em que o homem mostrou a sua incapacidade para viver
isoladamente. A sua condição de ser destinado ao grupo obrigou-o a definir regras
e modos de organização. Se esses conflitos apareceram desde a sua existência
primária, aí se aplicou o Direito, aí se decidiu pelo justo, aí se fez justiça e aí se
colocou a necessidade de proteger os direitos de que estivesse envolvido no
conflito, aí se colocou o problema da defesa, aí se levantou a necessidade de
advocare. O advocatus surge como defensor, conhecedor do Direito e das regras,
não disponíveis aos “homens comuns” e assim se proclamou ao longo dos tempos
o exercício profissional da defesa.
O advogado não é um qualquer defensor, um qualquer protector de interesses.
Em verdade, o advogado é o titular da arte de defender, é um artista, que deve
pintar o quadro da realização da justiça com as cores mais aptas, a seu ver, a
colorir e encantar os que se deleitam com a sua apreciação. Essas cores têm de
ser vivas: por isso, o advogado é também um poeta da advocacia, que não deve

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intervir em juízo ou fora dele tal qual um declamador de poesia não emocionado
e envolvido com a riqueza e beleza dos seus dizeres, antes deve encontrar nelas o
seu ser, pertencer-lhes, vivenciá-las e sentir, com encanto, a sinfonia da sua
defesa. As suas peças equiparam-se a “pautas” trabalhadas com afinco, a “letras”,
de quem conjuga argumentos para lhes dar sentido, direcção, sistematização e
concordância.
«O discurso da defesa não é asséptico ou vazio de intenção, nem é um ensaio
científico ou uma comunicação estritamente técnica. É construído para vir a
prevalecer, convencendo o julgador. Usa uma linguagem, que para lá da sua
dimensão intelectual, tem uma dimensão emocional. É produzido no seio de um
debate contraditório, em ambiente carregado de conflitualidade e de que não está
ausente a emoção trazida da contenda da vida real para o cenário judicial»1. Essa
tendência é natural à sua função.
Por outro lado, o advogado deve imaginar e sugerir soluções, concretizar as que
lhe parecerem ajustadas aos interesses do seu constituinte. O advogado só é um
bom profissional quando puder ver ou conseguir o que mais nenhum outro
profissional vislumbrar na defesa de uma causa. A ética obriga-o a adoptar uma
postura digna e isenta, mas a advocacia não lhe permite outro espaço que não
seja o de defender, o de conjecturar hipóteses, imaginar alternativas, todas aptas
a tornar o seu constituinte um vencedor do processo, ainda que de modo ínfimo.
Por isso – pode dizer-se –, o advogado é o mestre da defesa. E mais: essa defesa
não pode assegurar-se pela completa concordância com os factos processuais,
garantindo-se na imagem da defesa uma natural oposição a todos os demais
intervenientes no processo, afinal “Il n’y pas possibilité de defendre sans attaquer”
(decisão da Cour de Cassation de Paris).
Diante da incapacidade técnica dos litigantes para assim proceder no foro, estes
carecem da intervenção profissional do advogado, que se efectiva por meio do
mandato forense. Este mandato atribui ao advogado a representação dos
interesses do constituinte. Certamente, não transfere para a esfera do constituinte
todas as responsabilidades derivadas da sua actuação no foro, porquanto, além
do papel de litigante, o advogado é investido profissionalmente numa função que
está protegida por lei, que deve assegurar a prossecução de fins de relevância
colectiva, e à qual serão pessoalmente imputadas as responsabilidades derivadas
de uma actuação imprudente.

3. Os direitos constitucionais e legais de liberdade de actuação no foro

A advocacia é uma instituição livre e essencial à administração da justiça. Se a


segunda consta expressamente da consagração constitucional (artigo 193.º, n.º 1),
a primeira pode afirmar-se na prática costumeira dos Estados que firmaram, ao
longo do tempo, a realização do direito e da justiça em Tribunais, com
profissionais habilitados a representar os interesses em litígio e que sempre foram

1
Parecer, constante do Website http://www.oa.pt/Conteudos/Pareceres/detalhe_parecer.aspx?
idc=57113&idsc=31612&ida=45421

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independentes nessa função. Por isso, é também legítimo dizer que «o Advogado
é um servidor da justiça e do direito»2.
A liberdade é condição sine qua non para o exercício pleno da função de proteger
aqueles que estiverem sob as “barras dos tribunais”. «Se o Advogado estivesse
privado de “exprimir livremente o seu pensamento, de apreciar, discutir e criticar
tudo quanto julgue conveniente ao bom desempenho do seu mandato e até onde
lhe pareça necessário, o direito de defesa seria esvaziado do seu conteúdo e
perderia todo o sentido o conceito de tutela judicial efectiva – não seria possível
a realização da justiça»3. Por isso, a livre actuação de um Advogado no exercício
do mandato forense que lhe é conferido é, pois, inquestionavelmente, uma
exigência do Estado de Direito, uma condição de civilidade e uma instituição de
interesse público (na medida em que serve de promoção de uma sociedade justa
e de paz).
Assim o referiu Palma CARLOS4: «A vida do advogado é uma vida de combate.
[…] Só homens livres podem […] exercer com honra a profissão. E a liberdade é
coarctada pelo facto simples – mas trágico – de cada advogado se ver sob a
ameaça de passar a réu, ficando à mercê do critério puramente subjectivo dos
juízes, às vezes perturbado pelo calor da discussão da causa, pelo choque das
opiniões que nela se defrontam, pela própria paixão inerente à defesa do que se
julga ser o direito. Um advogado colocado no temor de sanções drásticas… fica
totalmente diminuído para exercer a profissão; ou se acomoda, aceita o que se lhe
afigura injusto, renuncia a conduzir a luta viril, e por vezes heróica, que é o
patrocínio de uma causa, e então não é digno da honra de ser advogado; ou corre
todos os riscos e coloca-se na situação “chocante” […] “de poder ser forçado a

2
Desta forma, o patrocínio judiciário, o acompanhamento por Advogado, o direito de defesa do
arguido em processo criminal, a não denegação de justiça por insuficiência financeira (cuja expressão
prática é sempre dada por Advogado ou por quem assuma funções a ele equiparadas – defensor
oficioso não advogado) têm, agora, a dignidade e a imperatividade que resulta de várias consagrações
constitucionais e mais concretamente dos artigos 29.º e 67.º da Constituição. Nem sempre tiveram tal
dignidade (é verdade!), se atendermos aos tempos mais remotos da história de Angola, nomeadamente
os que se seguiram à independência. O modelo ideológico político-económico adoptado – que
influenciara substancial e naturalmente a concepção do Direito e da Justiça – observava os advogados
como efémeros sujeitos de realização da justiça, tal qual eufemisticamente designados por
“auxiliares”, como se a concretização da justiça e do Direito não lhes pertencesse e estes apenas
apoiassem aqueles a quem era incumbida essa missão. Não só os vários textos não o consagravam,
como a legislação limitava-se a admitir os advogados e os colectivos de advogados meros auxiliares
da administração da justiça. O advogado, defensor do Direito e do Justo, era um verdadeiro perigo
para a manutenção da ideologia política vigente na altura. Veja-se que, em tais tempos, o advogado
era mesmo impedido de manter o primeiro contacto com o arguido preso seu constituinte, muitas
vezes forjada, mas sempre percebida, situação que, não obstante a transição constitucional para um
novo modelo de Estado, manteve-se de forma mitigada e relativa no período intermédio entre o
monopartidarismo e a actual Constituição. Neste aspecto, o país precisou de uma verdadeira reforma
de consciência jurídica e de civilidade, que teve o seu início da primeira década do actual milénio,
passando a assumir o desafio permanente e contínuo de se tornar, antes de um Estado de Direito, um
verdadeiro Estado dos Direitos, pelo que só nos últimos anos se pode, de facto, afirmar a emancipação
de uma ideia jurídica de liberdade, em todo o território angolano, para todos os angolanos e categorias
profissionais.
3
Parecer, Ibidem.
4
Referido em Parecer, Ibidem.

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descer, acto contínuo, da sua bancada para o banco dos réus”, a pretexto de que
se desmandou na defesa».
Por conseguinte, em reforço de tal liberdade, a todos os advogados com exercício
profissional em Angola é assegurado «nos actos e manifestações processuais
forenses necessários ao exercício da sua actividade… o gozo de imunidades, nos
limites consagrados na lei» (n.º 1 do artigo 194.º da Constituição). A questão
seguinte consiste em fixar qual é o alcance de tal disposição, tanto de ponto de
vista objectivo, como subjectivo.
Além da previsão constitucional, o n.º 3 do artigo 87.º da Lei n.º 2/15 de 02 de
Fevereiro – Lei Orgânica sobre a Organização e o Funcionamento dos Tribunais
da Jurisdição Comum (em desenvolvimento do indicado já no n.º 2 de tal norma)
refere que a imunidade necessária ao desempenho eficaz do mandato forense é
assegurada aos advogados e aos defensores públicos pelo reconhecimento legal e
pela garantia de efectivação, designadamente… do direito ao livre exercício do
patrocínio e ao não sancionamento pela prática de actos conformes ao estatuto
da profissão. Tal consagração só pode, no mínimo, referir-se ao primeiro grau de
reconhecimento de imunidades para qualquer instituição, as imunidades em sentido
próprio ou material (não responderem pelos actos, opiniões, votos e declarações
que proferem no exercício das suas funções, seja do ponto de vista civil, criminal,
administrativo, como disciplinar), sob pena de esvaziamento da garantia
constitucionalmente indicada. Apesar de, por não previsão expressa em lei,
dúvidas existirem sobre a cumulação àquela do segundo nível de imunidades, as
designadas imunidades em sentido impróprio ou subjectivo (persecutórias,
prossecutórias e relativas à prisão), parece inequívoco que a acção das instituições
públicas deve ser objectivamente orientada ao reconhecimento de tal estatuto.

4. Os deveres/limites condicionadores da liberdade de actuação no foro


Esta idealidade da função de advogar, enquanto instituição livre e necessária à
justiça, não pode não conhecer imperfeições. Diante da tendencial
conflitualidade, um contencioso sem regras desembocaria numa algazarra e
desordem sem limites, que é indispensável contornar ou evitar com a definição
de uma ordem – a ordem forense. Assim, na sua actuação, observam-se os
seguintes deveres profissionais aos advogados:

i) Do dever de respeito e de urbanidade


No que toca aos primeiros deveres, deve dizer-se que não existem razões para,
neste contexto, separar os sentidos possíveis entre os conceitos respeito e
urbanidade.
O respeito refere-se ao sentimento que leva a tratar alguém ou alguma coisa com
grande atenção, profunda deferência, consideração ou reverência (respeito filial).
É um sentimento positivo de estima por uma pessoa ou para uma entidade. Por
urbanidade deve entender-se a qualidade do que é urbano, do que usa de cortesia,
afabilidade, gentileza, civilidade. Nesse sentido, são proibidos os factos que
sugerem distrato, desrespeito, descuido no trato e no formalismo, com uso de

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formas de tratamento não ajustadas ao nível dos intervenientes na comunicação
ou linguagem imprópria para comunicações oficiais.
Na sua comunicação processual, é devido ao advogado o cuidado de tratar o
decisor como «Meritíssimo», «Juiz da causa», «Digníssimo», conforme o caso,
não perdendo, nesse aspecto, a compostura exigível no trato e relação advogado-
magistrado. Deve ainda usar com deferência a designação «Ilustre advogado»
para comunicações com advogados.
Relacionando o dever de respeito e de urbanidade com a liberdade de actuação
no foro necessária à protecção dos direitos e interesses dos seus representados,
deve questionar-se se existe plena liberdade de comunicação, permitindo o uso de
expressões menos comuns no trato. Podem aqui usar-se novamente os exemplos
referidos: advogado «malabarista», «juiz parcial».
Quanto à actuação em processos jurisdicionais, nos termos do previsto no artigo
154.º, n.º 5, CPC, «não se consideram ofensivas as expressões e imputações
necessárias à defesa da causa». Reforça-a a Constituição (artigo 193.º), com a
protecção de tal ofício por meio da atribuição do direito indeclinável de apreciar,
discutir e criticar tudo quanto julgue conveniente ao bom desempenho da sua alta
função.
Este confronto entre o direito à liberdade de expressão do Advogado no exercício
do patrocínio forense e a tutela do direito à honra, ao respeito, ao decoro das
outras personagens processuais põe em risco o núcleo essencial daquele direito e
faz perigar, por isso, de forma intolerável, a função pública que dele depende – a
administração da justiça5. É certo que não é uma liberdade plena, mas impor
limites rigorosos acha-se assaz difícil, porquanto apenas se apresenta como mera
esperança de que, em muitos casos, se estreme perfeitamente «os limites onde
pára o zelo entusiástico e convicto dos advogados pelos interesses dos seus
constituintes e onde começa o propósito e o intuito de dizer injúrias». Assim o
reforça o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Março de 1926
(Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 59, p. 52) porquanto entende ser
«indispensável à realização integral da justiça não coarctar de qualquer modo
aquele zelo entusiástico e caloroso, conservando na classe o brio e o denodo que
devem caracterizar uma classe não subalternizada» e que «não queiramos nunca
nesta terra uma advocacia subserviente e tímida ante o atropelo da lei ou da
prepotência dos que têm o dever de a aplicar».
Nestes termos, e perante tal confronto, é necessário que a tutela daqueles direitos
dos demais intervenientes no processo, nomeadamente Juízes, dos representantes
do Ministério Público, dos Advogados das contrapartes e dos demais
intervenientes no processo recue para a fronteira que lhe é imposta pela
necessidade de conservação do núcleo essencial do direito à liberdade de
expressão do Advogado.
Deve então questionar-se se aquelas acusações «advogado malabarista» ou «juiz
parcial», «ignorante», «arrogante», supondo-se proferidas no decurso do processo,

5
Parecer, Ibidem.

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em plena audiência de julgamento, são aptas a criar injúrias, ofensas morais ou
distrato às pessoas a quem são dirigidas, com eventual estatuto de ilícito criminal.
Objectivamente, não parece justificar-se que os danos que podem ser produzidos
à esfera do destinatário de uma comunicação como esta sejam merecedores de
especial tutela do Direito. Nem sequer ficaria patente que o uso de uma expressão
«parcialidade», se justifique numa motivação de provocar violações aos deveres
legais impostos aos advogados. Em verdade, as afirmações são feitas apenas
como resultado da existência de determinado processo, ou de realização de
determinada audiência de julgamento, não tomando as mesmas partes, de modo
habitual, esse comportamento, seja em processo ou fora das exigências
profissionais.
A ponderação concreta sobre os níveis até aos quais é admitida a liberdade de
pronunciamento, está sempre ao critério do julgador. «A manutenção da ordem
nos actos processuais compete ao magistrado que a eles presida, o qual tomará as
providências necessárias contra quem perturbar a sua realização, nomeadamente
advertindo com urbanidade o infractor, ou retirando-lhe mesmo a palavra,
quando ele se afaste do respeito devido ao tribunal ou às instituições vigentes,
especificando e fazendo consignar em acta os actos que determinaram a
providência»6, sem prejuízo de eventuais procedimentos legais que no caso
couberem (especificamente a comunicação à respectiva representação
associativa).

ii) A não intervenção dos advogados nas decisões dos magistrados


Se na anterior hipótese era mais simples de delimitar fronteiras, a presente
premissa compreende uma das áreas mais sensíveis na relação entre advogados e
magistrados. A actuação dos advogados está profissionalmente vocacionada a
criar nos magistrados a convicção necessária à satisfação dos interesses do seu
constituinte.
Quando não satisfaça directamente, dispõe o advogado de meios processuais para
convencer os tribunais superiores acerca da sua pretensão, objectivando a
revogação das decisões dos tribunais inferiores. Isso é intervenção ou influência
a exercer sobre as decisões dos magistrados. A expectativa de que com uma
reclamação ou recurso venha a revogar-se uma decisão prévia pertence ao âmago
da actividade de advogar. Deste modo, a proibição constante do n.º 1 do artigo
71.º dos Estatutos da Ordem dos Advogados não pode servir para limitar o
exercício profissional prudente dos advogados em prol da defesa necessária dos
seus constituintes. Assim o refere expressamente a própria disposição e a sua
interpretação deve ser comedida em função de todos os interesses em jogo.
Explica-o bem Alberto dos REIS em comentário ao artigo 155.º do CPC:
«ordenar convenientemente estes dois interesses, poderá, em certos casos,
oferecer dificuldades; é uma questão de facto e de medida, em que o bom senso
será o melhor fiel da balança».

6
Cfr. NETO, Abílio. Código de Processo Civil Anotado. 20.ª ed. refundida e actualizada, Lisboa,
Ediforum, 2008, p. 283.

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Nesse sentido, a proibição que a lei prevê tem de alcançar-se fora da liberdade
exigível para o exercício prudente da função advocatícia.
Esse campo de proibição, que observa necessariamente a liberdade dos advogados
de actuação em foro, só deve significar a proibição de uso e adopção de meios
ilegais de alcançar favorecimento decisório, que nesse sentido não são sinónimos
dos procedimentos de impugnação de decisões judiciais, tais como os que se
verificam nos recursos e nas reclamações.
Lembre-se, nesse sentido, que em prol de realização de uma justiça justa, a própria
lei prevê que possam ser questionadas as decisões dos magistrados, acerca da sua
correcção, da sua isenção e da sua legalidade.

Os mandatários podem, nos termos gerais admitidos pela lei processual – vide
artigos 122.º e ss. e 126.º e ss., todos do CPC (impedimentos e suspeições) –
questionar a isenção dos magistrados, sugerir a sua parcialidade, requerendo a
declaração de impedimento ou de suspeição, de tal forma que, de per si, nada há
de errado, nem fundamenta uma violação de deveres profissionais aptos à
responsabilização disciplinar ou criminal, o facto de ter sido sugerida a
parcialidade do magistrado interveniente na causa. Nesse sentido, dificilmente o
comportamento verificado constituiria um ilícito disciplinar por caber nos limites
permitidos do exercício de um direito (verificação de uma causa justificativa): o
de ampla defesa do seu representado.
Desde que não exista uma finalidade velada com a actuação acusada de
desrespeitadora, e onde não se pode colher qualquer motivação profissional, nada
pode confirmar que o uso de certa estratégia processual (ainda que errada, em
detrimento dos adequados) tenha tido o propósito claro e doloso de manchar ou
quebrar o mérito profissional do juiz da causa ou do advogado da contraparte.
Ademais, o uso de tais expressões não se afasta nem deixa de relevar – sem
prejuízo de provável desmérito profissional – para a tentativa de discussão de
melhores oportunidades processuais, sendo por isso relevantes para a causa
(requisito legitimador e justificador da actuação do mandatário). A ser
considerado como descuido no trato, este desvio, a ser relevado, recebe do CPC
o adequado e necessário tratamento (artigo 154.º, n.º 1). O Tribunal pelo seu
Presidente fará, com urbanidade, a competente advertência, podendo, além disso,
mandar riscar quaisquer expressões que considere ofensivas. Pelo que, ainda que
se considere porventura incorrecta, infeliz, inoportuna e/ou inútil, daí não resulta
que se possa considerar ter havido uma imputação injuriosa ou ofensiva, objectiva
ou subjectivamente considerada, disciplinarmente punível.

5) Medidas a adoptar contra o tratamento indevido aos profissionais do foro

Na relação entre advogados, a tratamento indevido pode acarrectar participação


à OAA ou participação criminal para os actos, se houver efectivamente dignidade
penal e não se enquadrarem nos actos necessários ao desempenho da função.

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Decorrendo em juízo, e após as devidas advertências, tal como referidas acima,
se o advogado não acatar a decisão ou advertência, pode o Juiz “convidá-lo”7 a
retirar-se da sala de audiências. O mesmo admitir-se-á quando, nas estruturas e
dependências do Tribunal, o comportamento ofensivo tenha sido direccionado a
outro profissional afecto à Instituição.
Se já constantes dos autos, porque assim inscritas, ou apresentadas em peça
processual, pode o juiz, nos termos do n.º 1 do artigo 154.º, «mandar riscar
quaisquer expressões ofensivas».
Pode igualmente dar-se o caso de proceder uma participação à Ordem dos
Advogados efectuada por magistrado, para instrução do devido processo
disciplinar, visto ser esta quem detém exclusiva competência disciplinar e
regulamentar sobre os advogados, nos termos dos artigos 193.º, 194.º e n.º 2 do
artigo 49.º, CRA (vide ainda acórdão n.º 314/2013 do Tribunal Constitucional).

5.1) A participação à OAA e a obrigatoriedade de definição dos


elementos/palavras ofensivos

Só pode haver tutela de direitos dos supostos ofendidos em consonância com a


protecção da função de advogar se houver imposição, nas participações
disciplinares, de deveres de delimitação do campo de direitos violado.
Embora não seja habitual nas participações efectuadas pelas demais instâncias de
realização da justiça, tanto directas (v. g. os tribunais – magistrados), como
indirectas, essenciais ou auxiliares (advogados), o tipo de infracções resultantes
da violação de deveres de conduta sugere uma carga subjectiva bastante profunda,
não podendo com exactidão determinar-se qual o teor que se considere ofensivo
sem que o lesado manifeste expressamente qual dos aspectos ou partes de
determinada conduta poderão ter ofendido esferas protegidas no âmbito da
exigência de actuação prudente e urbana no seio do foro.
Subjectivamente falando, e servindo-nos dos exemplos referidos no início desta
exposição, nada consegue demonstrar a gravidade de lesões ao seu destinatário,
o que será agravado se na sua participação não ficar evidente a fonte (palavras) e
a dimensão da lesão. Conjecturar essa dimensão na esfera jurídica da participante
não cabe à Ordem dos Advogados, nem respeita o princípio da legalidade
sancionatória.
Agindo às cegas, o Conselho Provincial ou Nacional da Ordem dos Advogados
com jurisdição sobre o processo pode desenvolver procedimento disciplinar sobre
matéria que em nada tenha motivado a participação, desviando-se assim da
justiça requerida, com prejuízo significativo para a necessidade de tutela de bens
jurídicos ligados à personalidade, à liberdade e integridade morais, ao decoro e
dignidade dos profissionais do foro.

7
A lógica de convite, que deverá ser usada na comunicação efectuada pelo magistrado, não retira o
sentido de justicialidade do acto. Não havendo concordância, ou julgando-se excessiva a medida, não
pode julgar-se meramente instrumental e sem relevância processual, em face da garantia da tutela dos
direitos da parte representada. É legítimo entender-se a possibilidade de agravo da decisão, admitindo-
se a eficácia suspensiva, em face novamente da protecção daqueles direitos.

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Não podendo aqui, com exactidão, afirmar se será essa também uma perspectiva
partilhada pelos órgãos da OAA, a verdade é que (enquanto não se definem legal
e regulamentarmente modos melhores de efectuar as participações disciplinares),
a imprecisão da legislação disciplinar aplicável (especificamente sobre os tipos de
ilícitos) tem sido contornada com a prática reiterada do Conselho Provincial nas
vestes de órgão de disciplina de identificar quais os comportamentos que, sob seu
parecer, podiam significar condutas aptas ou idóneas a violar os deveres gerais de
conduta e quais dentro daquelas gerais e abstractas disposições legais podiam ser
violadas pelas condutas participadas.
É, certamente, uma prática que deve ser abandonada, diante da objectividade que
preenche todo o direito sancionatório e da imperatividade de tutela de bens
jurídicos que sejam concretos.

Já quanto aos ilícitos criminais, a questão oferece maior sensibilidade, nos termos
já referidos das garantias constitucionais das imunidades. Não tanto sobre a
possibilidade do seu cometimento por advogados (em nada distintos de qualquer
cidadão, sobretudo se referentes a actos não imputáveis directamente à função ou
ao seu exercício). Ela assume especial peculiaridade, em primeiro lugar, quando
ocorrem enquanto se está a exercer a profissão, e, em segundo argumento, por a
legislação actual admitir que os advogados sejam sujeitos a medidas determinadas
por profissionais forenses contra e para quem dirigem a sua actividade
profissional.
Em caso de cometimento de actos que representem acção criminalmente punível,
parece incontornável a possibilidade de virem a ser sujeitos à devida
responsabilização, se eles não relevavam para a devida defesa ou intervenção no
processo. Duvidosa é a permissibilidade legal a que a actuação do advogado seja
avaliada, qualificada e censurada por aquele profissional forense (magistrado
judicial, do Ministério Público e agentes e oficiais da Polícia Nacional). Em tal
condição, assumem e chegam nalguns casos a agir simultaneamente na posição
de vítima, agente da autoridade e ordem, carcereiro, testemunha, acusador e
julgador, com clara afronta a comandos constitucionais de um processo e
julgamento pautados pelos princípios do contraditório e julgamento justo (artigos
72.º e 174.º).
Sobre a matéria, já o Tribunal Constitucional se pronunciou em justa medida,
quando no acórdão n.º 418/2017 declarou inconstitucional a decisão proferida
pelo Tribunal Provincial de Luanda, onde se procedeu à condenação de um
cidadão com base na acusação de cometimento de injúrias contra juiz em pleno
acto de julgamento. Em situação equiparável, este órgão judicial entendeu que
«os tribunais estão sujeitos ao princípio/dever constitucional de imparcialidade,
com vista a assegurar a todos os cidadãos o direito a um julgamento justo e
conforme à lei, nos termos do artigo 72.º da CRA», pelo que, na qualidade de
ofendido, «não se pode ser juiz em causa própria».

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Conclusões
I. A proibição constante do n.º 1 do artigo 71.º dos EOAA não limita o exercício
profissional prudente dos advogados em prol da defesa necessária dos seus
constituintes. Assim o refere expressamente a própria disposição e a sua
interpretação deve ser comedida em função dos os interesses em jogo.
II. O artigo 73.º do EOAA impõe a urbanidade no foro, o comportamento
civilizado, cortês, respeitoso e gentil, não podendo enquadrar-se nos casos em
que o advogado questione o mérito ou sentido da decisão judicial, situação que
cabe perfeitamente nas suas responsabilidades profissionais.
III. Aos demais profissionais do foro, incluindo aqui os magistrados, impõe-se,
com elevação e nobreza, o profissionalismo e serenidade necessárias para que,
nos seus actos, transmitam a instrução conveniente à superação de qualquer
debilidade ou incorrecção verificada na conduta de um advogado.
IV. O Advogado pode adoptar todas as medidas que julgue necessárias à protecção
dos interesses dos seus representados, apenas limitado pelos regulamentos da
OAA, instituição com competência exclusiva para a aplicação de
procedimentos disciplinares aos advogados.
V. A liberdade profissional em foro não legitima quaisquer pronunciamentos
injuriosos, indevidos, inoportunos e indelicados dirigidos aos demais
profissionais. A liberdade de ampla actuação, no exercício da sua nobre função,
apenas cobre os pronunciamentos injuriosos, indevidos, inoportunos e
indelicados dirigidos aos demais profissionais do foro se forem indispensáveis
ao patrocínio diligente e profissional necessário (e sem os quais não seriam
tutelados os interesses dos constituintes).
VI. A “jurisprudência” dos conselhos de disciplina das ordens profissionais de
advogados, reiterada, firme e pacificamente, atesta «vem reconhecendo, há
longas décadas, a legitimidade do emprego pelo Advogado de expressões mais
ou menos enérgicas, veementes, vibrantes, consoante a natureza do assunto e
o temperamento emocional de quem as subscreve» (In Parecer, Idem).
VII. «O Advogado, no exercício do patrocínio forense, não está impedido de criticar
objectivamente as posições assumidas no processo por qualquer dos seus
intervenientes, nem de censurar os tipos de actuação processual de que
discorde. A necessidade, que não esteja em concreto excluída, das expressões
que utilize para a defesa da causa, legitima-as. A sua conduta só é
disciplinarmente ilícita se violar os limites que estatutariamente lhe são fixados
– o ataque pessoal ou a alusão pessoalmente vexatória ou aviltante (a alusão
deprimente)».
VIII. É inconstitucional, por ofensa ao princípio do processo justo, imparcialidade e
ao princípio do contraditório, que, no domínio do mesmo processo, um
profissional forense colocado na posição de lesado possa ordenar a detenção
e/ou determinar a aplicação de medidas de coação pessoal aos advogados, ou
que possam determinar por acto próprio a composição do corpo de delito, com
carácter de prova plena.
Leandro E. G. Ferreira
Doutorando em Ciências Jurídico-Políticas
Advogado e Consultor (Ferreira e Associados, Sociedade de Advogados, RL)
Professor de Direito Constitucional e de Direito Administrativo na FD-UCAN

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