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Carlos Biasotti

A Mentira
perante a Justiça

2023
São Paulo, Brasil
O Autor

Carlos Biasotti foi advogado criminalista, presidente da


Acrimesp (Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de
São Paulo) e membro efetivo de diversas entidades (OAB, AASP,
IASP, ADESG, UBE, IBCCrim, Sociedade Brasileira de
Criminologia, Associação Americana de Juristas, Academia
Brasileira de Direito Criminal, Academia Brasileira de Arte,
Cultura e História, etc.).

Premiado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, no


concurso O Melhor Arrazoado Forense, realizado em 1982, é
autor de Lições Práticas de Processo Penal, O Crime da Pedra,
Tributo aos Advogados Criminalistas, Advocacia Criminal
(Teoria e Prática), Da Prova, Da Pena, Direito Ambiental,
O Cão na Literatura, etc., além de numerosos artigos jurídicos
publicados em jornais e revistas.

Juiz do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São


Paulo (nomeado pelo critério do quinto constitucional, classe dos
advogados), desde 30.8.1996, foi promovido, por merecimento,
em 14.4.2004, ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça.

Condecorações e títulos honoríficos: Colar do Mérito


Judiciário (instituído e conferido pelo Poder Judiciário do Estado
de São Paulo); medalha cívica da Ordem dos Nobres Cavaleiros
de São Paulo; medalha cultural “Brasil 500 anos”; medalha
“Prof. Dr. Antonio Chaves”, etc.
A Mentira
perante a Justiça
Carlos Biasotti

A Mentira
perante a Justiça

2023

São Paulo, Brasil


Índice

I. Preâmbulo............................................................................................11

II. A Mentira perante a Justiça..............................................................15

III. Centenário da Morte do Maior dos Brasileiros:


Rui Barbosa .........................................................................................35

IV. J.B. Viana de Moraes: Nobre e Valoroso Advogado....................65

V. O “Habeas Corpus”: Teoria e Prática.................................................75

VI. Arrazoados Forenses: Extensão e Conteúdo.............................105

VII. Damásio E. de Jesus: Luminária Grande


do Direito Penal................................................................................113

VIII. Justiça e Composição de Litígios..................................................123

IX. O Crime e a Sanção Penal..............................................................129

X. Da Coautoria no Direito Penal......................................................159


XI. O Furto Famélico e a Sanção do Direito.....................................173

XII. O Advogado e a Eloquência fora dos Tribunais........................189

XIII. Ministro Sydney Sanches (Honra e Glória do


Supremo Tribunal)..........................................................................197

XIV. Liberdade de Expressão..................................................................209

XV. O Nome: Aspectos Jurídicos e Literários...................................223


Preâmbulo

É forma de aproveitar bem o tempo e agradável prática,


a que a gente antiga chamava “otium cum dignitate”, escrever
àqueles que, por seus peregrinos dotes de espírito e grandeza
moral, sempre mereceram às pessoas lúcidas e de reto juízo
não só admiração e respeito senão apreço e gratidão.
Eis por que, num como preito de justiça e reconhecimento,
levei a gosto dedicar aos que fazem profissão da vida forense
(advogados, promotores de justiça e juízes) estas páginas ou,
por falar com mais exação, singelo armorial em que vão
reproduzidas a preceito suas insígnias intelectuais e éticas.
São esses os profissionais que, pelo comum, põem
timbre em exercer, com dignidade, altivez, proficiência e
abnegação, nobilíssimos ofícios.
Em verdade, os que um dia puderam conhecê-los no
desempenho diuturno de seus ministérios, deles geralmente
fazem conceito lisonjeiro.
12

O alto alcance dos serviços que aos membros da


sociedade presta o Advogado, com defender-lhes os bens
mais caros, não há quem de boa-fé o negue. Prova-o,
sem falta, a circunstância mesma de a Constituição da
República ter-lhe dado tratamento conspícuo.(1)
Passa outro tanto com o Ministério Público, “instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado”. São
eminentes suas atribuições: ao Promotor de Justiça, ou fiscal
da lei (“custos legis”), incumbe-lhe, em termos peremptórios,
“a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais
e individuais indisponíveis” (art. 127 da Const. Fed.).

Os Juízes, à conta de suas peculiares e presumidas


qualidades(2), esses, em todos os tempos, as sociedades
civilizadas reputaram dignos de acatamento e estima; por
vezes, de reverência e público reconhecimento!
Não admira, portanto, que à Magistratura um espírito
superior, com palavras eloquentes, haja conferido gabos de
excelência: “(…) a mais eminente das profissões a que um homem se
pode entregar neste mundo”.(3)

(1) “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus


atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (art. 133 da Const.
Fed.).
(2) Escreveu Mário Guimarães, Magistrado em tudo exemplar: “O
merecimento do juiz resulta de se reunirem, na sua pessoa, e em dose elevada, certos
predicados: inteligência, cultura, amor ao trabalho, honestidade, bom-senso, domínio
de si mesmo, imparcialidade, circunspecção, coragem” (O Juiz e a Função Jurisdicional,
1958, p. 133; Editora Forense; Rio de Janeiro).
(3) Rui Barbosa, Oração aos Moços, 1a. ed., p. 41.
13

Satisfazendo ao desejo de estreitá-los num afetuoso


abraço e agradecer-lhes, “ex imo corde”, as lições de Direito e
os exemplos de salutar convivência profissional, durante
décadas, ofereço e dedico este livro, com infinita saudade,
aos Advogados Criminalistas (plêiade altiva de paladinos na
luta intrépida pela restauração do direito violado); aos
membros do Ministério Público (guardiões da Lei e fiscais
intransigentes de sua boa execução); e aos Magistrados
(de todos os graus de jurisdição), cultos, íntegros e afáveis,
que me confirmaram na inconcussa verdade que, certa feita,
caiu dos lábios do grande Rui: “Se alguma coisa divina existe entre
os homens, é a Justiça”.(4)
O Autor

(4) Obras Completas, vol. XXV, t. IV, p. 329.


A Mentira perante a Justiça

Sumário. Mais do que defeito grave de caráter ou hábito detestável, faltar à


verdade em Juízo é crime, a que a lei comina pena severa (art. 342 do Cód.
Penal). Tomar tento, pois!

I. Na esfera da Justiça, repugna muitíssimo à pesquisa da


verdade real — alma e escopo do processo — toda a sorte de
mentira.
Está a demonstrá-lo mais de um texto legal. Dispõe,
com efeito, o art. 77 do Código de Processo Civil: “(…) são deveres
das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer
forma participem do processo: I – expor os fatos em juízo conforme a
verdade”.

O Código de Processo Penal, de sua vez, reza assim:


“A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer verdade
do que souber e lhe for perguntado (…)” (art. 203).

E, o que é mais, pune a lei, com rigor, aquele que,


em processo judicial, fizer “afirmação falsa, ou negar ou calar a
verdade (…)” (art. 342 do Cód. Penal).
Falar verdade em Juízo constitui, pois, desde tempos
imemoriais, preceito inviolável.(1)
A razão desse escrúpulo — a que se deve atender, sem
quebra, nos negócios da Justiça — é que a mentira, conforme
soberba lição de Kant, passa pela “falta individual mais grave
porque perverte o fim natural da palavra (2); e esta, na frase de
elegante escritor, deve trazer sempre “o venerável selo da
verdade”.(3)
16

É o quanto basta para encarecer o amor da verdade,


virtude sobre todas estimável.(4)
Mas, como advertiu o eloquente Cícero, pode a verdade
corromper-se com a mentira ou com o silêncio.(5)
De fato, é lição da experiência vulgar que, nos autos
mesmos dos processos que tramitam sob o aspecto grave
da Justiça, tem a mentira curso desembaraçado, como a
secundar o dito célebre, inscrito no texto sacro: Todo o homem
é mentiroso.(6)

Ninguém ignora que, em obséquio ao exercício do


direito de defesa, haja até quem reconheça ao acusado o
privilégio de poder, no interrogatório, se não mentir, inventar
a verdade.(7) É o que vociferam alguns, com entono de
arengueiro de praça pública: O único que pode mentir em Juízo
é “Sua Excelência o Réu”!
Alto lá! — ia quase a acrescentar apologistas do caos —
que tal licença se mostra, pelo comum, sobre indecorosa e
inútil, contraproducente. À uma, porque sempre se degrada e
dá má cópia de si o indivíduo que mente; à outra, porque a
mentira, ainda quando habilmente arquitetada, cedo se
destrói e desvanece(8); à derradeira, afastando-se da verdade
real, poderá o criminoso deitar a perder vantagens e
benefícios não desprezíveis.

II Na memória dos brasileiros estão ainda bem vivos


aqueles episódios ruidosos, em que personalidades assaz
conhecidas do cenário político nacional — chamadas a
prestar estritas contas à Justiça —, ao depor acerca dos fatos
17

que lhes eram imputados, não se corriam de negá-los de pés


juntos.
Desses, houve alguns aos quais se pudera ajustar, à
maravilha, a hipérbole que, em referência a certo mentiroso
chapado, cunhou um escritor de espírito e renome: “Mentia
com tanta ênfase, que até mesmo o contrário do que dizia estava longe
de ser a verdade”.(9)
Como pelejavam contra a evidência, em rixa aberta com
o conjunto probatório, não lograram desviar de suas cabeças
os golpes da vigorosa clava penal.
Em suma: também no templo da Justiça — ainda mal!
— entrou a mentira. Os bons Juízes, porém, com o
costumeiro discernimento, saberão sempre apartar o certo
do errado e a verdade da mentira, dispensando a cada um o
que lhe toca e merece.

III. Como faz o objeto deste ensaio a mentira — sobre a qual


triunfa sempre a verdade —, não será despropositado trazer à
colação o acórdão seguinte:
18

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL


OITAVO G RUPO DE C ÂMARAS

Revisão Criminal nº 355.002/3


Comarca: Itu
Peticionário: CAB

Voto nº 2175
Relator

– Tem a confissão alto sentido moral no


processo-crime: ao admitir a autoria da ação
reprovável, revela o infrator caráter não
inteiramente deformado e como que certa
contrição pelo mal que fez; inculca, ao
demais, propósito de emenda e recuperação.
Por isso, havendo-se posto ao lado da
Justiça, ainda que com sério risco para sua
liberdade, é razoável se lhe defira algum
benefício (v.g., fixação de regime prisional
mais brando), à guisa de estímulo à cultura
dos valores éticos e galardão do mérito.

– Não há proibição legal de o Juiz conceder


regime semiaberto a condenado não-
-reincidente a pena inferior a 8 anos (art. 33,
§ 2º, alínea b, do Cód. Penal); a concessão de
tal benefício unicamente é defesa ao réu
condenado a pena que exceda a 8 anos (não
importando se primário), ou ao reincidente,
cuja pena seja superior a 4 anos.
19

1. CAB, por sua eficiente e culta patrona (Dra. Adriana


Haddad Uzum), propôs ação de revisão criminal, com o
intuito de desfazer sentença que proferiu o MM. Juízo
de Direito da 1a. Vara Criminal da Comarca de Itu,
condenando-o à pena de 1 ano, 9 meses e 10 dias de reclusão,
no regime fechado, por infração do art. 157, § 2º, ns. I e II,
combinado com o art. 14, nº II, do Código Penal.
Alega, em primoroso arrazoado, que a prova dos autos,
frágil e precária, não justificava a edição do decreto
condenatório.

Acrescenta que a própria confissão do réu não devia ser


interpretada como prova decisiva de sua culpabilidade.

À derradeira, clama pela modificação do regime


prisional para aberto, com “sursis” (fls. 18/22).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em detido e


escorreito parecer do Dr. Oswaldo Henrique Duek Marques,
opina pelo provimento parcial do pedido para estabelecer ao
sentenciado regime prisional mais brando (fls. 24/27).

É o relatório.

2. Foi condenado o peticionário porque, na alvorada do


dia 11 de novembro de 1993, na Praça Dom Pedro I, na
histórica cidade de Itu, obrando em concurso e unidade de
propósitos com outro indivíduo, mediante grave ameaça
exercida com emprego de armas de fogo, tentou subtrair da
residência da família Steiner, dentre outros objetos, um
revólver Taurus, calibre 38, com 5 projéteis intactos, e a
carabina Rossi, avaliados em CR$ 82.000,00 (oitenta e dois
20

mil cruzeiros reais), padrão monetário da época, não o


conseguindo, porém, por circunstâncias alheias à sua
vontade.

Estavam os réus a perpetrar o roubo quando, chamada,


veio a Polícia em socorro das vítimas. Cercada a residência, os
réus entregaram-se, mediante voz de prisão.
Tramitou o processo segundo os cânones legais; ao
cabo, a r. sentença revidenda condenou os réus pelo crime de
tentativa de roubo.

Pretende agora o peticionário, com base na fragilidade


da prova, a absolvição.

3. Suposto digno de encômio o esforço de sua Defensora,


a pretensão do requerente não depara fundamento nos autos
nem nos melhores de Direito.
Em verdade, em presença do Magistrado que o
interrogava, admitiu que, acompanhado de um colega que
dava pela alcunha de Capeta, praticou a tentativa de roubo
descrita na denúncia (fl. 33).
As vítimas inquiridas na instrução, confirmaram as
palavras do peticionário (fls. 17/19).
Ante a certeza da materialidade e da autoria do crime,
não havia senão decretar contra o réu condenação.

4. Na ação especial de revisão, toca ao interessado fazer


prova convincente de que a decisão contra a qual se insurge
21

ofendeu de frente a prova dos autos ou contraveio a literal


disposição de lei.
É que, visto como se acha sob o selo da coisa julgada,
nenhuma decisão se altera sem prova plena e superior a toda
a dúvida sensata de que hostilizou o Direito Positivo ou
incorreu seu prolator em insidioso engano.
Não o demonstrou, contudo, a nobre Defesa, sem
embargo da suma diligência com que assistiu o réu.
Ora:
“É princípio assente que, na instância revisional, o ônus da
prova passa ao requerente. Nessas condições, não trazendo ele
elementos novos em abono das suas alegações, não merece
deferimento o pedido” (Rev. Forense, vol. 171, p. 384).
Por isso mesmo que não provado que a sentença
condenatória infringiu a prova nem a lei, não há rescindi-la.

5. Num ponto, entretanto, acho razão à combativa Defesa


e é quando terça pela modificação do regime prisional.
Ao clamor do réu, juntou-se, aliás, a voz abalizada do
insigne Dr. Procurador de Justiça (fls. 25/26).
Com efeito, sobre primário, confessou o réu
espontaneamente o delito, e isto em presença do Magistrado.
Ora, a confissão tem alto sentido moral no julgamento
do infrator. Admitindo a autoria da ação reprovável,
demonstra caráter não inteiramente deteriorado e como que
certa contrição pelo mal que fez. Ao demais, inculca
propósito de emenda e recuperação.
22

Destarte, uma vez se colocou ao lado da Justiça, ainda


que com sério risco para sua liberdade, é razoável deferir-lhe
o benefício, à guisa de estímulo e galardão.

Vem a pelo notar que inexiste proibição legal de o Juiz


conceder ao condenado não-reincidente a pena inferior a 8
anos o benefício do regime semiaberto; o Código Penal, o que
veda às expressas é que se defira ele ao réu condenado a pena
superior a 8 anos (não importando se primário), ou ao
reincidente, cuja pena seja superior a 4 anos.
Persuade-o a jurisprudência deste Egrégio Tribunal:
“Em se tratando de crime de roubo qualificado pelo emprego de
arma, sendo o réu primário, cuja conduta não indica
reprovabilidade exacerbada, é possível a fixação do regime
prisional semiaberto, sendo certo que o estabelecimento da
modalidade fechada pela só gravidade do delito não encontra
amparo legal, estando o Juiz vinculado aos critérios previstos no
art. 59 do Cód. Penal, consoante dispõe o art. 33, § 3º, do
mesmo diploma” (RJTACrimSP, vol. 36, p. 116; rel. Ricardo
Feitosa).

6. Isto posto, defiro parcialmente a revisão criminal para fixar


ao peticionário o regime semiaberto.

São Paulo, 19 de maio de 2000

Carlos Biasotti
Relator
23

IV. Pelo relevante significado que tem a confissão no


processo penal, deve a Justiça amercear-se daquele que, ainda
com dano para sua liberdade, preferiu ser sincero com o Juiz
que o interrogou. Essa, a que se pudera chamar coragem moral,
é digna sempre de recompensa, não só apologia.
Porque se trata no entanto de matéria grave, que
entende com o foro da consciência e do caráter do indivíduo,
será ele unicamente o árbitro da decisão. Em todo o caso,
peço escusa ao gentil leitor para trasladar aqui breves
ementas que proferi, há bem de tempo, em causas criminais:

1. “Do réu confesso é bem que se amerceie a Justiça: pois, ainda


nos lábios daqueles que resvalaram pela trilha sinuosa da
delinquência, dizer verdade passa por ato sempre louvável”
(TACrimSP; Ap. nº 1.099.813/5).
2. “O teor de proceder do réu que confessa perante a Justiça o crime
que cometeu é dado notável, que lhe justifica o deferimento de
regime menos gravoso, pois a prática da virtude sempre merece
louvor, ainda em relação àqueles que violam a ordem jurídica”
(TACrimSP; Ap. nº 1.208.539/0).

3. “A confissão espontânea e sincera do réu, pedra de toque do


arrependimento e do propósito de emenda, justifica-lhe a
estipulação do regime semiaberto para o cumprimento da pena
privativa de liberdade, ainda nos casos de roubo” (TACrimSP;
Ap. nº 1.102.347/8).

4. “Até à mentira tem o réu licença de recorrer, como meio de defesa;


não lhe é lícito, entretanto, atribuir-se falsa identidade, que isto a
lei define e pune como crime (art. 307 do Cód. Penal)” (TJSP;
Ap. Crim. nº 1.198.048-3/2-00).
24

5. “Pela confissão espontânea do crime, é certo que o réu lavra


contra si a própria sentença condenatória, porém dá exemplo de
grandeza moral: demonstra aborrecer o vício da mentira e talvez
se haja arrependido da transgressão à lei. Não há ilegalidade,
pois, em compensar-lhe a nota de reincidência com a
circunstância atenuante obrigatória prevista no art. 65, nº III,
alínea d, do Código Penal”. “Quem se acusa a si mesmo escusa
acusador, e faz leve o seu delito” (Pe. Manuel Bernardes,
Nova Floresta, 1711, t. III, p. 259). (TJSP; Ap. Crim. nº
993.06.072180-1).

6. “Situações existem, contudo, que, suposto não se ajustem ao rol


das descriminantes, toleram (se é que o não aconselham) confesse
o arguido a autoria do fato que lhe é imputado. São aqueles em
que a sua negativa quanto ao fato representaria, pelo estado da
prova, um sesquipedal insulto à inteligência do inquisidor e de
qualquer pessoa de suficiente consideração. Deveras, que mais
atentatório do siso comum que isso de insistir o réu em
negar, perante o magistrado, aquele mesmo fato cuja autoria
admitira, sem ambages, na quadra do inquérito?!” (Carlos
Biasotti, Tributo aos Advogados Criminalistas, 2005, p. 80;
Millennium Editora Ltda.).

V. A Mentira: Pecúlio de Frases e Citações


Tema de muito alcance, da mentira já trataram infinitas
celebridades literárias. De notas de leitura extraí pequena
coletânea, que ao leitor peço vênia para expor à luz pública:
25

1. “A mentira é velha como o mundo. A crer-se no famoso conceito


de Talleirand, a palavra foi dada ao homem para esconder o
pensamento” (Nélson Hungria, Novas Questões Jurídico-
-Penais, 1945, p. 233).
2. “Mentira é uma locução contra a verdade. Para Kant, a mentira é
a falta individual mais grave porque perverte o fim natural da
palavra” (Castro Nery, Filosofia, 1931, p. 99).
3. “É um exemplo de presunção de homem, que aquele, que mente
em uma cousa, se presume mentir em tudo” (Lourenço Trigo
Loureiro, Teoria e Prática do Processo, 1850, p. 127).
4. “Todas as variações graves são um indício positivo de mentira”
(Mittermayer, Tratado da Prova em Matéria Criminal, 1871,
t. II, p. 30; trad. Alberto Antônio Soares).
5. “Há pessoas que mentem com mais firmeza do que os tímidos
dizem a verdade” (Edgard de Moura Bittencourt, Vítima, 1a.
ed., p. 104).
6. Na batalha que se trava entre a acusação e a defesa, a mentira do
réu, na luta por sua liberdade, se não é elogiável sob o aspecto
moral, também não lhe é proibida. Dizer a verdade contra si
próprio, com risco de um enorme sofrimento, é atributo das
criaturas superiores, mas a lei penal — observa o velho Garraud
— não quer o heroísmo” (Idem, Crime, 1973, p. 218).
7. “A experiência demonstra que a verdade é mais frequente na boca
dos homens do que a mentira” (Antônio Dellepiane, Nova
Teoria da Prova, 140; trad. Érico Maciel).
8. “A história humana é um infinito oceano de erros, onde
sobrenadam uma ou outra verdade mal conhecida” (Marquês
26

de Beccaria, Dos Delitos e das Penas, § XV; trad. Torrieri


Guimarães).
9. “A metade só da verdade é uma mentira inteira” (Almeida
Garrett, Obras Completas, 1854, vol. II, p. 732).
10. “Ninguém tem o direito de negar o que a evidência mostra”
(Bento de Faria, Código de Processo Penal, vol. II, p. 131).
11. “Mentir, como define Santo Agostinho, é dizer ou ir quem fala
contra o que entende: Mentiri est contra mentem ire” (Pe.
Antônio Vieira, Sermões, 1959, t. XIII, p. 413; Lello e
Irmão – Editores; Porto).
12. “Só dos poetas gostava, porque quem mente por profissão, fala
verdade” (Idem, ibidem, t. XV, p. 292).
13. “De maneira que o Sol, que em toda a parte é a regra certa e
infalível por onde se medem os tempos, os lugares, as alturas, em
chegando à terra do Maranhão, até ele mente. E terra onde até o
Sol mente, vede que verdade falarão aqueles sobre cujas cabeças e
corações ele influi” (Idem, ibidem, t. IV, p. 158).
14. “Mentir é ir contra a mente própria” (Pe. Manuel Bernardes,
Nova Floresta, 1711, t. III, p. 276).
15. “Toda a minha vida pública se resume neste lema: não mentir”
(Rui Barbosa, A Imprensa e o Dever da Verdade, 1920, p. 66).
16. “Que lugar haverá no mundo sem falsidades? Até no céu se
entroniza a mentira” (Rafael Bluteau, Prosas Portuguesas,
1728, vol. I, p. 32).
17. “A verdade é uma conformidade do pensamento com a palavra”
(Idem, ibidem, p. 195).
27

18. “Verdade: conformidade do nosso juízo com certo objeto” (Idem,


ibidem, p. 226).
19. “Mendaci ne verum quidem dicenti creditur” (Cicero; De
Divinatione, II, 146). O mentiroso não é acreditado ainda
quando diz verdade.

20. “Do mentiroso nem a própria verdade ousamos acreditar”


(Alexandre Herculano, Opúsculos, t. I, p. 89).
21. “Fala todos os idiomas da mentira” (Luís Viana Filho,
Antologia de Rui Barbosa, p. 82).
22. “Mentia com tanta ênfase, que até mesmo o contrário do que
dizia estava longe de ser a verdade” (Stanislaw Ponte Preta,
Máximas Inéditas de Tia Zulmira, p. 94).
23. “Tornou-se-lhe proverbial o descaro: mentia com quantos dentes
tinha na boca” (Xenofonte, O Príncipe Perfeito, p. 18; trad.
Aquilino Ribeiro).
24. “Os homens não são todos mentirosos, porque alguns já
estão mortos” (Bartle Quinker; apud Ambrose Bierce, O
Dicionário do Diabo, p. 120).
25. “Em 1566 um comerciante de tecidos de Brístol, na Inglaterra,
declarou que vivera quinhentos anos e que, em todo esse tempo,
nunca dissera uma mentira” (André Bierce, op. cit., p. 120).
26. “Mentiram mais do que permitia a força humana” (Camilo,
A Queda dum Anjo, p. 34).
27. “Sob color duma verdade dizer mil mentiras” (Heitor Pinto,
Imagem da Vida Cristã, vol. II, p. 160).
28. “Quem deve mente por força”, reza o brocardo.
28

29. “Tais fórmulas derivavam de triviais manifestações de eutrapelia,


convencionais mentiras de polidez” (Afonso Celso, Oito Anos
de Parlamento, 1981, p. 87). Eutrapelia – Modo de gracejar
sem ofender (Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua
Portuguesa, 11a. ed.).
30. Ergueu um monumento à mentira.
31. Querem alguns provar a verdade com a mentira.
32. “Quando é necessário mentir, não devemos ter escrúpulo em
fazê-lo” (Heródoto, História, 1950, p. 279; trad. Brito
Broca).
33. “O mentiroso prudente de quando em vez diz uma verdade”
(mandamento cautelar dos fora-da-lei).
34. As alegações do réu são um impudente obelisco de
mentiras.
35. “Uma mentira dita mil vezes torna-se verdade” (Joseph
Goebbels, ministro da propaganda de Hitler). Sofisma
retórico alçado à categoria de quinta-essência da
pseudopublicidade, mas repudiado com veemência por
todos os sistemas doutrinários que professam o
primado da dignidade da inteligência humana.
36. Já entrou em provérbio a notória vocação dos
pescadores para a mentira: dizia um deles que era tão
grande o peixe que pescara, que somente a sua
fotografia pesou 2 kg. Nos ranchos em que se
acomodam, é também frequente dar-se com esta
inscrição: Aqui se reúnem pescadores e outros mentirosos.
29

37. A par dos mitômanos, que não conhecem outra


linguagem senão a da mentira, estão aqueles que
não trepidam em exagerar, a qualquer respeito, as
qualidades e atributos de suas coisas. Teor de proceder é
esse que, as mais das vezes, ninguém toma ao sério,
por sabê-lo fruto de fantasia desordenada, ingênua
hipérbole ou mera bazófia. É da condição humana, com
efeito, isto de exagerarem as pessoas as notas positivas
de tudo o que possuem: tanto lhes agrada ter e cobiçar o
melhor ou o mais raro de uma ordem ou classe!
38. Não incorre nas penas do art. 66 do Código de Defesa do
Consumidor (afirmação falsa ou enganosa) o agente que, para
vender produto, encarece-lhe as qualidades, sem
contudo mentir sobre sua natureza ou características.
Espécie de “dolus bonus”, é estratagema a que de
ordinário recorrem os negociantes para gabo de suas
mercadorias, cujas excelências não raro exaltam até aos
cornos da Lua.

39. “Mentira branca — Mentira inocente, sem intenção de causar


dano. Por exemplo: mandar a criada responder que não se está
em casa quando há trabalho urgente a fazer, ou que se está
doente para não ir a uma reunião aborrecida” (R. Magalhães
Júnior, Dicionário de Provérbios e Curiosidades, l960, p. 168;
Editora Cultrix; São Paulo).
40. “Isto de trazer alguém nome suposto para velar seus acidentes
biográficos e eximir-se do castigo é prática ignominiosa a que, de
cotio, se entregam sujeitos inescrupulosos. E, o que é mais: não
raro granjeiam a terceiros alguma benevolência, quando lhes
afirmam que o fizeram sob a capa de meio ou recurso de defesa
(art. 307 do Cód. Penal). Desenganem-se, porém, os que obram
30

segundo este indigníssimo estalão: ao acoroçoar a mentira e


perverter o fim natural da palavra (que é dizer verdade), não
estão quebrantando apenas preceitos da Moral; estão de igual
passo infringindo regras de Direito” (TACrimSP; Ap. nº
1.021.323/5).
41. “A mentira, suposto sirva muita vez de recurso de defesa, não na
admite a Lei quando constitui violação de direitos de terceiros.
Nesta censura incorre aquele que, para ocultar passos de sua
biografia penal, atribui-se identidade de outrem a quem, por
isto, causa danos morais graves. O intuito de autodefesa não
exclui, pois, o crime de falsa identidade” (art. 307 do Cód.
Penal)” (TACrimSP; Ap. Crim. nº 1.099.779/9).
42. “Embora a mentira não deva entrar no templo da Justiça, que lhe
fecha de contínuo as portas como a inimigo público, a conduta
do sujeito que faz declaração falsa de pobreza para beneficiar-se
de assistência judiciária gratuita não incorre em crime, pelo
que não há indiciá-lo em inquérito policial por falsidade
ideológica (art. 299 do Cód. Penal)” (TJSP; “Habeas Corpus” nº
990.08.043080-7).

43. “Incorre nas penas da lei (art. 342, § 1º, do Cód. Penal) a
testemunha que, ao depor em processo-crime, falta com a
verdade acerca de fato juridicamente relevante, com o intuito de
favorecer o réu. A mentira não pode ter entrada no templo da
Justiça” (TJSP; Ap. Crim. nº 990.08.090617-8).
44. Pode a mentira perder seu caráter maligno ou
reprovável, quando empregada “per jocum” (por mero
brinco ou gracejo), “reservatio mentalis” (restrição mental,
intenção reservada) ou “dolus bonus” (fraude pia), em
que faz as vezes de locução verbal própria a mitigar a
impressão forte da verdade. Exemplo: “Não vai doer
31

nada!”, acentua a enfermeira ao vacinar a criança, que,


após silenciosa expectativa, prorrompe, gemebunda,
em choro copioso.

45. Mas as mentiras, ainda quando convencionais ou


“jocandi animo” (por gracejo ou pilhéria), nem sempre se
toleram, agradam ou edificam. Ilustra-o conhecida
anedota:
“Certa manhã, um jovial dominicano que tem a absurda
pretensão de se rir do bos mutus (10), exclama, debruçado da
janela:
— Frei Tomás, vinde ver um boi a voar!
Calmo, no seu passo pesado, Tomás aproxima-se, como para
observar o prodígio. O frade jovial triunfa, perdido de riso. E
Tomás, impassível:

— Supus que era mais fácil ver um boi a voar do que um frade a
mentir…
De fato, seria menos de surpreender uma alteração da ordem
natural do que uma alteração da ordem moral — para a sábia
virtude do Doutor Angélico” (João Ameal, São Tomás de
Aquino, 4a. ed., pp. 56-57; Livraria Tavares Martins;
Porto).
46. Para quem tem “pernas curtas”, a mentira já foi longe
demais; por isso, aqui faço ponto, com este belo
pensamento do clássico Pe. Antônio Vieira: “Quem fala
muito não pode ser verdadeiro em tudo” (Cartas, 1971, t. I,
p. 110; Imprensa Nacional; Lisboa).
32

Notas

(1) É fama que João Mendes Jr., mestre incomparável do


Direito, ao ensinar Processo Penal aos alunos da
Faculdade das Arcadas, evocava-lhes episódio da história
da antiguidade, em que se exaltavam as funções do Juiz.
Recitava-lhes que no Fórum egípcio havia uma pintura
mural representando um julgamento, e dos lábios do
Magistrado pendiam estas graves palavras: “Eu sou o
secretário de Deus, no templo da Verdade e da Justiça” (apud
Vicente de Azevedo, Curso de Direito Judiciário Penal, 1958,
vol. I, pp. 47-48).
(2) Apud Castro Nery, Filosofia, 1931, p. 99.
(3) Eça de Queirós, O Mandarim, p. 20.

(4) Vem muito a propósito, mencionaar aqui as três coisas


que os persas haviam pelas mais importantes: “(…)
montar a cavalo, atirar com o arco e dizer verdade” (Heródoto;
História, 1950, p. 72; trad. Brito Broca).

(5) “Veritas vel mendacio corrumpitur, vel silentio” (De Off., I,23).
(6) “Omnis homo mendax” (Ps. 145,11).
(7) Por aborrecerem a mentira — a que, ordinariamente,
recorre o acusado como forma de defesa —, talvez
alguns juízes quiseram, no seu íntimo, antes se
prestigiasse o silêncio, não fora este sempre acintoso.
De feito, haverá nada mais inconciliável com as regras
da urbanidade do que o silêncio desdenhoso do réu que,
no interrogatório, não atende às perguntas do juiz?!
33

(8) Cai a lanço reproduzir aqui a ementa de acórdão que


feriu o tema:
“O réu que, acusado de roubo, se defende mediante álibi
(alegando que estava preso ao tempo do crime), deve prová-lo
cumpridamente, máxime se permaneceu calado na fase
extrajudicial e foi reconhecido, sem falta, pela vítima e
testemunhas. A força do argumento que assenta na negativa loci
pode-a abalar a menor dúvida. As crônicas policiais, com efeito,
registram mais de um caso de réu que, dado por oficialmente
preso, foi visto, à luz meridiana, a regalar suas entranhas
em casas de pasto da metrópole paulista” (TACrimSP; Ap.
250.559/6-São Paulo).
(9) Stanislaw Ponte Preta, Máximas Inéditas de Tia Zulmira,
p. 94.
(10) “Bos mutus Siciliae” — “Boi mudo da Sicília” —, alcunha
maliciosa dada a Tomás de Aquino, “frade moço e
corpulento, pesado e sério, refugiado em teimosa mudez” (João
Ameal, op. cit., p. 54).
Centenário da Morte do Maior dos Brasileiros:
Rui Barbosa
(1.3.1923 – 1.3.2023)

Sumário. Cultuar a memória dos grandes vultos da pátria é ato louvável de


gratidão, além de franca oportunidade para satisfação de dever moral
indeclinável: indicá-los por paradigma às novas gerações. Está nesse caso
Rui Barbosa, guia seguro e modelo rematado muito para imitar.

I. Um século de inspiração e glória


Penetrado de vivo sentimento de júbilo e gratidão —
que é como, em todos os tempos, aprenderam as nações a
reverenciar as datas magnas de suas efemérides —, está o
Brasil a celebrar os cem anos do falecimento daquele que,
segundo a opinião das pessoas de reto juízo, passa por seu
filho mais ilustre: Rui Barbosa.
Para se lhe outorgar primazia sobre os mais eminentes
patrícios não haverá mister senão conhecer as circunstâncias
de sua vida (que é pela obra que se qualifica o homem,
conforme apregoa o senso comum).
Deveras, desde o nascimento em Salvador (BA), aos 5 de
novembro de 1849, até à morte, em Petrópolis (RJ), no dia 1º
de março de 1923, esse vulto de todo o ponto singular
impressionou fortemente o ânimo dos brasileiros.
Ainda na puerícia, já despertava nos colegas e mestres,
por seu agudo engenho e paixão do estudo, verdadeiro
assombro, e isso em tanta maneira que um deles — Prof.
Pirapitanga — não pôde consigo que não declarasse: “Este
menino, de cinco anos de idade, é o maior talento que eu já vi, em 30
anos de magistério. Em 15 dias aprendeu análise gramatical, a
36

distinguir orações e a conjugar corretamente todos os verbos


regulares”.(1)

Antes de concluir em São Paulo o curso de Direito


(1870), que iniciara na Faculdade de Recife, pronunciou, a 13
de agosto de 1868, seu primeiro discurso político, em
homenagem a José Bonifácio, o Moço.(2) Disse, então: “Com
efeito, senhores, a política, essa nobre ciência, que engrandece os
Estados constitucionais, degenerou entre nós em arte maquiavélica, em
instrumento mesquinho de paixões facciosas”.(3)
Os arroubos de oratória do estudante de 19 anos já lhe
prenunciavam a glória tribunícia, que o futuro, dentre em
pouco, haveria de confirmar.
A participação naquele histórico evento(4) não assinalou
apenas o ingresso de Rui na vida pública, deu a conhecer
também aos que o aplaudiram o valor extraordinário da
palavra como instrumento de realização das ideias — altas,
fortes e generosas — que já lhe inflamavam o peito juvenil.
Daí avante, a palavra — a que sempre rendeu particular
e extremoso culto — foi-lhe o carro de triunfo.(5)
Bem se entende por que veneranda tradição lhe conferiu
o epíteto de gênio da raça e luz da inteligência brasileira: nele
concorriam predicados tão numerosos e de tal quilate, como
iguais se não encontram senão raramente, e isso mesmo
repartidos entre muitos indivíduos.
Não há, destarte, entre nós quem trepide em conceder-
-lhe os foros de escritor exímio, orador eloquente, abalizado
jurista, prócer político em tudo exemplar, patriota abnegado
e autêntico, expoente de primeira ordem do jornalismo e
singular homem de bem.
37

II. Escritor exímio


Da autoridade de Rui em pontos de linguagem, por este
feitio se pronunciou um dos que tinham voz no capítulo:
“Não podemos negar que a linguagem de Rui é a mais correta dentre
todos os escritores brasileiros, se tomarmos como padrão os seus
últimos livros”.(6)
Para abono desta afirmação bastará a leitura de algumas
de suas mais notáveis produções literárias (resolução
benemérita e proveitosa, que nenhuma pessoa ilustrada e
ávida de acrescentar os seus cabedais de espírito ousará
desdenhar). Ei-las:

Oração aos Moços. Discurso que, na qualidade de


paraninfo, escreveu Rui para a turma de 1920 da Faculdade de
Direito de São Paulo. Por doente, não pôde proferi-lo; do que
se incumbiu o Prof. Reinaldo Porchat. É “a peça mais trabalhada
da língua portuguesa”.(7)
O Parecer sobre a Redação do Código Civil e a Réplica. Imenso
repositório de cunho jurídico e filológico, em que Rui
entreteve com seu velho mestre Ernesto Carneiro Ribeiro
célebre polêmica.(8)
Discursos e Conferências, Cartas de Inglaterra, Discurso no
Colégio Anchieta, Elogio de Castro Alves, O Dever do Advogado, etc.
A leitura de alguns desses livros facilitará certamente ao
estudioso o acesso às Obras Completas de Rui Barbosa, tesouro
inestimável que orça por 50 volumes (ou 130 tomos).
38

III. Orador eloquente

Foi, entretanto, no desempenho da palavra, como


veículo de comunicação das ideias e meio de persuasão, que
Rui sobremodo se extremou. No parlamento nacional sua
voz edificava, assim pela gravidade e elevação dos temas e
conceitos, como pela correção e elegância da frase. Tão
perfeitos e acabados lhe saíam dos lábios os longos e
substanciosos períodos da prestigiosa oratória que, sempre
que assomava à tribuna, os colegas, à porfia, acorriam a seus
pés para melhor ouvi-lo.

Tão primorosos e escorreitos eram seus juízos sobre


matérias as mais diversas, e sólida a argumentação com que
avigorava os discursos, que houve quem entrasse em dúvida
se Rui os não proferia de cor… Desenganara-se logo, porém;
é que o egrégio tribuno, como incorporasse às suas extensas e
eloquentes orações as respostas aos apartes e interrupções,
afastava por isso mesmo, definitivamente, a hipótese de
serem apenas o efeito de pronta e feliz memória. Esse,
o curioso testemunho do Conde de Afonso Celso, no livro
Oito Anos de Parlamento.

A eloquência com que falava em toda a sorte de


assembleias não apenas se mostrava poderosa a conciliar a
benevolência do público, senão ainda que as mais das vezes o
arrebatava.
Alguns discursos, atentas as circunstâncias em que
proferidos, o móvel que os inspirara e a veemência da
linguagem, a boa crítica não hesitou em incluir nas antologias
da arte oratória. É desse número a resposta ao deputado
César Zama, que o agravara em sua honra. Tal discurso, que,
sob o domínio de intensa indignação, Rui pronunciou no
39

Senado no dia 13 de outubro de 1896, equipara-se aos


melhores de Cícero.
O senador gaúcho Ramiro Barcelos (1851–1916) foi
outro que, obstinado em dirigir-lhe apartes, dele ouviu as
mais candentes coartadas. O discurso proferido no Senado
no dia 26 de dezembro de 1901 prova-o que farte. Ninguém
que o leia se dedignará de reconhecer e admirar os distintos
méritos oratórios de Rui e, juntamente, certificar-se de como
lhe era constante o escrúpulo de evidenciar a probidade com
que tratava os negócios públicos e a preocupação de restaurar
a verdade onde quer se insinuasse a mentira ou a dúvida.(9)
Daqui o havê-lo cognominado Sílvio Romero “o primeiro
talento verbal da raça”.(10)

IV. Abalizado jurista


Sobre ter sido timbre dos oradores e mestre laureado
no ofício de escritor, foi Rui, entre nós, “o maior dos
jurisconsultos”.(11) O exercício diuturno da Advocacia e o
aturado estudo da ciência do Direito elevaram-no às altas
esferas de Patrono dos Advogados e jurista máximo.
Atribuíam-lhe amiúde o epíteto de “lucerna Juris”
(lâmpada ou luz do Direito). E nisso convirá todo aquele que
lhe puder ler os arrazoados forenses e os pareceres que emitiu
sobre momentosas questões jurídicas. Neles a contribuição
intelectual de Rui não só exauria a argumentação, fundamentada
sempre em rigorosa lógica jurídica, mas produzia um como
tratado sobre a matéria controvertida.
40

Os volumes de suas Obras Completas, editados sob o


título Trabalhos Jurídicos(12), representam o mais opulento,
profundo e conceituado repertório de boa doutrina, além de
fonte segura e exuberante de textos de renomados autores,
que Rui, em labor hercúleo, trazia à colação para esforçar
suas defesas e respostas às consultas que lhe formulavam.

Entre os momentos mais sublimes de sua atribulada


vida profissional registram os anais da Justiça aquele em que,
debaixo da beca de advogado criminalista, após sustentar,
perante o Supremo Tribunal Federal, aos 23 de abril de 1892,
as razões do famoso “Habeas Corpus” nº 300, impetrado em
favor de presos políticos, Rui foi ter com o Ministro que,
único, lho deferia. Num rapto de regozijo, por haver obtido
esse voto favorável — que “um voto”, dizia, lhe bastava para a
“vitória moral” da causa —, não resistiu ao impulso de
cumprimentá-lo com larga efusão de ânimo: “(…) eu me
cheguei, depois da sessão, quase sem voz, ao Sr. Pisa e Almeida,
pedindo-lhe que me permitisse o consolo de beijar a mão de um
justo”.(13)

V. Prócer político em tudo exemplar


Não andam mal-avisados aqueles que pretendem ter
sido Rui o vulto mais importante da política brasileira e seu
melhor modelo. Com efeito, recenseados vivos e mortos, não
apresenta o parlamento nacional, em sua galeria infinita
de agentes, outro em quem concorressem as peregrinas
qualidades e virtudes que o exornaram.
Predestinado para entender em cometimentos de
excepcional alcance, madrugou para as lides políticas. Eleito
41

deputado geral em 1878, aos 29 anos de sua idade, empunhou


com bravura as bandeiras da reforma eleitoral, do ensino
(primário, secundário e superior), da abolição do elemento
servil e do sistema federativo de governo.
Proclamada a República (15.11.1889), o presidente
marechal Manuel Deodoro da Fonseca, pondo a mira em
imprimir confiança e estabilidade a seu governo, convidou-o
para integrá-lo e incumbiu-lhe as pastas da Fazenda e da
Justiça. Proveu-o também no cargo de 1º Vice-Chefe do
Governo Provisório. E — o que é mais —, porque não faltasse
ao Estado a Lei Magna, tomou Rui sobre si o encargo de
elaborar a Constituição da República. (As cotas e emendas
firmadas por sua própria mão no Projeto da Constituição — cuja
cópia, reproduzida pelo processo “fac-similar”, responde ao
Apêndice I, pp. 219-356, do vol. XVII, t. I, das Obras Completas
— atestam-lhe peremptoriamente a autoria).

De tudo o sobredito bem claro se mostra quão


formidável é a nossa dívida de gratidão para com esse homem
providencial, que deu ao País a primeira Constituição!
Como quem traz no peito a divisa de ser útil à Pátria,
ainda que a preço de ingentes sacrifícios, consagrou Rui sua
vida, aqui e lá fora, aos primordiais interesses do Brasil.
Na 2a. Conferência da Paz, em Haia (1907), prestigiado
pelo convite do Ministro do Exterior (Barão do Rio Branco),
pôde, com arrimo em profundo saber, erudição e intrepidez
de paladino, defender o princípio de que, “perante a ordem
jurídica internacional, todos os Estados são iguais”.(14) Não havia
antepor a força ao Direito!
42

Faz ao intento o comentário de Américo Jacobina


Lacombe: “Foi essa coordenação perfeita entre as maiores figuras do
Brasil no momento (Rui, Rio Branco, Nabuco, Afonso Pena) que
permitiu fazer do episódio da Conferência de Haia um acontecimento
que encheu de euforia a alma nacional”. E logo mais abaixo:
“Rui voltou da Europa consagrado como Águia de Haia, que o
acompanhará por toda a vida”.(15)

VI. Patriota abnegado e autêntico


Nenhum outro brasileiro se conhece que tenha amado
mais entranhadamente a Pátria do que Rui. Se a pedra de
toque de tão nobre sentimento é a capacidade de sujeitar-se
alguém aos maiores sacrifícios para bem servi-la, não houve
quem lhe deitasse a barra mais longe. Pode-se afirmar,
sem hipérbole, que imolou a própria vida em prol do
engrandecimento do Brasil.
Não foi, portanto, presumida licença de linguagem, mas
confirmação de verdade sabida e provada, isso de lhe terem
agregado ao nome o expressivo mote do apóstolo São Paulo:
“Abundantius illis omnibus laboravi”.(16)
Homem de pensamento e de ação, empregou todas as
suas forças, até o último ano de vida, na missão ambiciosa de
fazer que o País, dotado de magníficas riquezas naturais, fosse
também paradigma de Estado nada inferior às maiores
potências do mundo, com instituições legítimas e prósperas,
sustentadas nas bases sólidas do trabalho, do Direito, da
Justiça e na elevação moral dos membros da classe política.

Seus memoráveis discursos como candidato à


presidência da República (1909 e 1919) não eram promessas
43

de caráter demagógico e eleitoreiro; compunham, ao revés,


preciosa súmula dos princípios a que deve atender o cidadão
que exerce atividade pública, não venha a trair a confiança
dos que o honraram com o mandato. Pregava que era de
governante prover com exação os atos do ofício e guardar
com rigor os preceitos gerais da Ética; seu teor de proceder
não houvera de ser jamais pedra de escândalo para os
governados!(17)
A vitória dos adversários (Marechal Hermes da Fonseca
e Epitácio Pessoa) é certo não permitiu revelasse Rui ao País a
excelência de sua contribuição como primeiro mandatário.(18)
Mas, se a árvore boa dá bons frutos (conforme as letras
divinas) e todo o efeito é proporcional à causa, ninguém
duvidará que, sob Rui, o Brasil viveria dias de glória, orgulho
e fastígio!

VII. Expoente de primeira ordem do jornalismo


Sem desaire para sua profissão de advogado — que o foi
notabilíssimo —, fazia grande caso e cabedal da condição de
jornalista. Declarou-o, sem rebuços nem ambages: “E
jornalista é que eu nasci, jornalista é que eu sou”.(19)
Essa afirmação tem por si volumes numerosos (para
cima de vinte) de suas Obras Completas, editados sob o título
Queda do Império e Imprensa.
Em todos os artigos que tirava a lume nas páginas dos
grandes jornais da época (Diário de Notícias, Jornal do Comércio,
etc.) exercia o ministério de arauto da verdade.(20)
44

Ao tema dedicou, inteira, uma conferência: A Imprensa e


o Dever da Verdade (1920; Bahia). Definiu-a com palavras de
exaltação: “A imprensa é a vista da nação. Por ela é que a nação
acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe
malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe
sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o
que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela
do que a ameaça” (p. 15).
Por fim, como lhe aprazia ensinar com os ditames e
exemplos da própria vida, não se correu de declarar, a mão
sobre o peito à feição de juramento: “Toda a minha vida pública
se resume neste lema: não mentir” (p. 66).
Não receará, portanto, contradita honesta aquele que,
após examinar-lhe detidamente a vida e a obra, proclamar
que Rui, valendo-se da imprensa com extrema competência,
honradez e prestígio, foi o que, entre nós, mais concorreu
para a restauração do império da lei, da ordem, da paz social
e dos bons costumes. Eis por que lhe coube igualmente o
cetro do jornalismo.

VIII. Detratores
Adversários e inimigos também ele os teve, talvez
poucos mas de atroz malevolência e perversidade. Aos que,
em vida, lhe desfecharam aleives e pregões de infâmia —
como o deputado César Zama, o senador Ramiro Barcelos e o
coronel Gabriel Salgado — o próprio Rui deu resposta altiva
e contundente, estigmatizando-os com ferro em brasa.(21)
Falecido da vida presente, para desagravar-lhe a
memória, que mãos profanas embalde se afadigaram por
45

deslustrar, veio a terreiro verdadeira falange de sujeitos


conspícuos pelo saber, letras, virtudes e patriotismo…
Repugnava-lhes, a tão dignos varões, que libelos de infâmia,
sérios quão falaciosos, acometessem a honra daquele que já
se não podia defender pela palavra, e essa a mais aplaudida,
acatada e poderosa entre quantas, no Brasil, vibraram um dia
na arena política, nos órgãos da imprensa e nos pretórios
judiciais.(22)
Desde os difíceis tempos de sua mocidade até o
ocaso de sua fecunda e ilibada existência, serviu Rui,
desafortunadamente, de pábulo à maledicência e à detração.
Tenho por fiador não menos que Fermando Nery
(1885–1948) — jurista, autor de pulso e biógrafo esmerado
de Rui, a quem devotava especial apreço e admiração e a
cujas Obras Completas acrescentou primores, com escrever o
prefácio a muitos de seus volumes —, que asseverou:
“Nenhum homem, no Brasil, e talvez no mundo inteiro, em todas
as idades, foi jamais tão sistematicamente agredido, caluniado,
negado e renegado. O ódio político, a inveja, os interesses
contrariados, as ambições entravadas, tiveram sempre nele presa
fácil, desde os seus primeiros passos na vida pública até às
vésperas de sua morte” (Esfola da Calúnia, 1933, p. 8).

Adiante, na mesma página, apontou o preclaro autor as


causas da animosidade e destempero dos desafetos de Rui:
“A incontestada superioridade mental, reconhecida e confessada
pelos seus mais encruados inimigos, atraía-lhe, como platina de
para-raios, os ódios e as cóleras dos invejosos e medíocres”.
46

Não admira, por isso, que até do seio da Academia


Brasileira de Letras, de que foi um dos fundadores (cadeira nº
10), alguém se levantasse, com disposição de censor agastado
— a férula entre mãos e laivos de zoilo mais que de aristarco
—, para devassar-lhe a vida e os feitos. Chamava-se
Raimundo Magalhães Júnior esse literato. Ao livro que
escreveu intitulou: Rui, o Homem e o Mito (1965; Editora
Civilização Brasileira S.A.; Rio de Janeiro). Ao publicá-lo,
parece que o moveu claro intuito: denegrir a figura excelsa e
oracular de Rui. Nos círculos de intelectuais, conforme o
espirituoso noticiário da época, isso provocou logo insólita e
ruidosa celeuma.
Em defesa daquele que haviam pelo maior vulto do País,
prontamente se ergueram — obrigados dos sentimentos do
dever e da justiça — alguns dos mais nobres e acreditados
nomes da república das letras.
Foi um deles Salomão Jorge: forte na vida e na obra de
Rui, a quem intensamente admirava, refutou, com a maior
brevidade que coube no possível, as alegações de Raimundo,
averbando-as de frívolas ou — suposto o benefício da dúvida:
paralogismos ou sofismas?! — frutos de errônea, porém
inescusável, compreensão de relevantes episódios de nossa
história. Seu livro, assim pelo tíulo como pelo assunto, caiu
de plano em graça do público, pois já a capa lhe descobria
o conteúdo e a energia da argumentação com que se
reivindicavam os direitos sagrados da verdade: Um Piolho na
Asa da Águia (1965; Edição Saraiva; São Paulo).(23)
Outro, que investiu o seu capital de talentos na
reparação das afrontas infligidas a Rui, foi Osvaldo Orico.
Membro também da Academia Brasileira de Letras — e
47

ocupante da cadeira nº 10, que pertencera ao grande morto


—, pôs por obra vingá-las com forçosas razões, que saíram
do prelo com a mordaz epígrafe: Rui, o Mito e o Mico (1965;
Distribuidora Record; Rio de Janeiro).
Após invocar a lição do naturalista Plínio, o Antigo —
“Só os vermes atacam os mortos” (p. 30) —, demonstrou ao
confrade Raimundo, sem temor de réplica, a miseranda
inépcia de seus argumentos (que, unicamente, armavam ao
fito de abocanhar a reputação de Rui, não importando se com
o sacrifício da verdade).

Numa palavra: aqueles que, em obséquio a recônditos


pretextos, não se pejaram de vituperar a sagrada memória de
Rui, esses não colheram mais que geral indiferença (e talvez,
porque espíritos mesquinhos e infelizes, a compaixão dos
bons).
48

IX. Rui: símbolo augusto da Pátria


e exemplo de todos os brasileiros
Nada mais natural que um indivíduo sensato e de bom
entendimento procure, entre os varões de reconhecida
honestidade, o que lhe sirva de modelo, incentivo e guia.
Imitar os melhores é sempre lance de primor!
Por especial favor divino, em todos os tempos e lugares
houve esses que a Humanidade, reconhecida e grata, apelidou
de vasos de eleição. Compêndio das raras virtudes que tornam
um homem estimável, são apontados como regra e nível dos
demais.
Ora, aquele que teve notícia, ainda que abreviada, da
intensa e efetiva participação de Rui na vida pública do País,
ou leu alguma de suas obras, para logo descobriu nele
as insígnias do gênio tutelar e o digno padrão pelo qual,
confiante e seguro, poderá orientar os próprios passos.
Num tempo em que os valores do espírito, mais do que
ignorados, são acintosamente aborrecidos, a falta de Rui
Barbosa equivale a uma desgraça nacional!
Com efeito, as pessoas lúcidas, que não decaíram do
privilégio de saber discernir o certo do errado, quando
consideram a pungente situação do País e o termo de
proceder de muitos ocupantes de cargos da primeira
importância na República, têm dificuldade para dissimular o
forte desencanto que lhes vai na alma. Incapazes de
negar o que a evidência mostra, resta-lhes deplorar que
existam, no quadro das Instituições, tão poucos que possam
repetir, de fronte erguida — conformando-se os lábios com o
coração —, o protesto desassombrado de Rui:
49

“Por salvar a meu filho e livrar da orfandade os meus netos, daria


eu a minha vida com prazer. Mas a minha consciência e a minha
honra, não as posso dar por ninguém” (Obras Completas de Rui
Barbosa, vol. XXXIX, t. I, p. 146).

Ministradas há mais de um século, suas benéficas e


sábias lições convêm a todas as idades e gerações, porque
inculcam a prática do bem, o respeito à lei, a defesa
intransigente dos direitos, o culto da verdade, da justiça e da
liberdade, valores supremos que constituem a base e o
firmamento das sociedades civilizadas.
Atestam a grandeza de Rui não apenas seus múltiplos e
excelentes atributos pessoais, mas também a altíssima conta
em que o tiveram sempre os contemporâneos e os que lhes
sucederam. Estão a prová-lo os fatos seguintes:

I. A opinião dos brasileiros esclarecidos e imparciais


tem Rui por sujeito superior à craveira comum.
Tome a mão e fale por todos Agripino Grieco: “Rui,
monossílabo que enche de luz a história do Brasil”. (24)

II. As cidades brasileiras (sem exceção) continuam a


homenageá-lo, dando-lhe o nome a institutos,
praças, vias públicas e monumentos. Nos edifícios
em que funciona a Justiça está, em lugar de honra,
sua estátua ou retrato.
50

No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,


uma herma perpetua a glória do Cícero Brasileiro:
Rui Barbosa (1849–1923). No pedestal lê-se
a famosa divisa: Estremeceu a pátria,
viveu no trabalho e não perdeu o ideal.
51
52

(Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo)


53

III. A imprensa do tempo, ao anunciar-lhe a morte,


fê-lo por estas solenes e impressionantes palavras:

Gazeta de Notícias, de 2 de março de 1923

Esse, de quem promanou tal cópia de boa doutrina,


saber e virtude, era mesmo de justiça não morresse da
memória dos brasileiros; ajusta-se-lhe perfeitamente o
conceito que, à guisa de panegírico, um grave escritor
exprimiu sobre o imperador Marco Aurélio:

“Sejam quais forem os azares do futuro, sua grandeza perdurará


sempre, porque repousa inteira no que jamais perece: o tesouro da
inteligência e a excelência do coração”.(25)
Glória eterna a Rui Barbosa!(26)
54

X. Lugares seletos de Rui Barbosa

(1849–1923)

Acusação “A acusação é apenas um infortúnio, enquanto não


verificada pela prova. Daí esse prolóquio sublime, com
que a magistratura orna os seus brasões, desde que a
justiça criminal deixou de ser a arte de perder
inocentes: Res sacra reus. O acusado é uma entidade
sagrada” (Obras Completas, vol. XIX, t. III, p. 113).

Advogado “Assim que, em todas as nações livres, os advogados


são, por via de regra, a categoria de cidadãos que mais
poder e autoridade exercem” (Obras Completas, vol.
XXXVIII, t. II, p. 54).
“A lei e a nossa consciência são os dois únicos poderes
humanos, aos quais a nossa dignidade profissional se
inclina” (Idem, ibidem, p. 61).

Defesa “A defesa não quer o panegírico da culpa, ou do


culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do
55

acusado, inocente ou criminoso, a voz dos seus direitos


legais (Obras Completas, vol. XXXVIII, t. II, p. 10).

“A defesa tem a sua religião, e há na defesa momentos


em que aquele, que apela para a justiça está na
presença de Deus” (Obras Completas, vol. XXIII,
t. V, p. 61).
“A liberdade de defesa judiciária é, por toda parte,
sagrada, ainda nos seus excessos” (apud Roberto
Lyra, A Obra de Ruy Barbosa em Criminologia e
Direito Criminal, 1952, p. 215).

Elogio “Caso, postos de parte os descontos humanos,


Histórico houvessem de condensar numa síntese o meu
curriculum vitae, e do meu naufrágio salvassem alguns
restos, tudo se teria, talvez, resumido com dizer:
Estremeceu a pátria, viveu no trabalho, e não perdeu
o ideal” (Discurso no Colégio Anchieta, 1981, p. 8).

Erro “Uma verdade há, que me não assusta, porque é


universal e de universal consenso: não há escritor sem
erros” (Réplica, nº 10).
“A toga do magistrado não se deslustra, retratando-se
dos seus despachos e sentenças, antes se relustra,
desdizendo-se do sentenciado ou resolvido, quando se
lhe antolha claro o engano, em que laborava, ou a
injustiça que cometeu” (Obras Completas, vol. XLV,
t. IV, p. 205).
“Melhor será que a sentença não erre. Mas, se cair em
erro, o pior é que se não corrija” (Oração aos Moços,
1a. ed., p. 46).
56

Felicidade “A meu ver, a felicidade está na doçura do bem,


distribuído sem ideia de remuneração. Ou, por outra,
sob uma fórmula mais precisa, a nossa felicidade
consiste no sentimento da felicidade alheia,
generosamente criada por um ato nosso” (Discursos
e Conferências, 1907, p. 332).

Honra “De tanto ver triunfar as nulidades,


de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se
os poderes nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto”
(Obras Completas, vol. XLI, t. III, p. 86).

Igualdade “A regra da igualdade não consiste senão em


quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em
que se desigualam” (Oração aos Moços, 1a. ed.,
p. 25).

Imprensa “A imprensa é a vista da nação. Por ela é que a nação


acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe,
enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe
ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou
roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede
o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que
lhe interessa, e se acautela do que a ameaça” (A
Imprensa e o Dever da Verdade, 1920, p. 15).
57

Justiça “Não há sentimento mais confrangente que o da


privação da justiça” (Obras Completas, vol. XL, t. VI,
p. 202).
“Se alguma coisa divina existe entre os homens é a
justiça” (Obras Completas, vol. XXV, t. IV, p. 329).

“Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça


qualificada e manifesta” (Oração aos Moços, 1a. ed.,
p. 42).

Pátria, “A pátria é a família amplificada. E a família,


Família divinamente constituída, tem por elementos
orgânicos a honra, a disciplina, a fidelidade, a
benquerença, o sacrifício” (Discurso no Colégio
Anchieta, 1981, p. 9).

Pena “A certeza da punição é um dos mais importantes e


ativos elementos na organização do sistema penal”
(apud Roberto Lyra, A Obra de Ruy Barbosa em
Criminologia e Direito Criminal, 1952, p. 250).

Pleitos “Duvidosa foi sempre a sorte das lides judiciárias,


Judiciais ainda quando manifesta a justiça dos litigantes. Daí,
a utilidade, reconhecida em todos os tempos, das
transações; e por isso a sabedoria da experiência
manda muitas vezes preferir a má composição à boa
demanda” (apud Roberto Lyra, A Obra de Ruy
Barbosa em Criminologia e Direito Criminal, 1952,
p. 205).
58

Presunção “O crime é a presunção juris et de jure, a presunção


de Inocência contra a qual não se tolera defesa, nas sociedades
oprimidas e acovardadas. Nas sociedades regidas
segundo a lei a presunção universal é, ao revés, a de
inocência” (Obras Completas, vol. XXIV, t. III,
p. 87).
“Não perder de vista a presunção de inocência comum
a todos os réus, enquanto não liquidada a prova e
reconhecido o delito” (Oração aos Moços, 1a. ed.,
p. 42).
“Enquanto a acusação não prova, presume-se a
inocência do acusado. Sobre isto não há contestação
em escola alguma” (Obras Completas, vol. XXVIII,
t. I, p. 197).

Verdade “O maior, o mais inviolável dos deveres do homem


público é o dever da verdade” (A Imprensa e o Dever
da Verdade, 1920, p. 53).

Notas:

(1) Luiz Viana Filho, A Vida de Rui Barbosa, 6a. ed., p. 23;
Companhia Editora Nacional; São Paulo.
(2) O conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva, o Moço
(1827–1886), “político, orador eloquentíssimo, poeta, em tudo
foi grande”, escreveu o insigne Prof. Waldemar Ferreira
(A Congregação da Faculdade de Direito de São Paulo na
Centúria de 1827 a 1927, p. 56).
(3) Rui Barbosa, Obras Completas, vol. I, t. I, p. 146.
59

(4) “Falaram nesse banquete, além de Rui, outros oradores, entre


os quais Castro Alves, Martim Cabral e Joaquim Nabuco”,
informa Baptista Pereira (Rui Barbosa, Coletânea Literária,
6a. ed., p. 38).

(5) Poucos foram os sujeitos nos quais, como em Rui,


se verificou aquilo que da palavra disse um espírito
superior: “(…) dom de Deus, é o mais nobre dos atributos do
homem” (Júlio de Castilho, Os Dois Plínios, 1906, p. 195).
Ainda: “É, pois, a palavra dom mimoso de Deus, e por aí vemos
como deve ser por nós tratada” (D. Silvério Gomes Pimenta,
in Discursos Acadêmicos, vol. 6º, p. 66).
(6) Francisco da Silveira Bueno, Questões de Português, 1957,
p. 420; Edição Saraiva; São Paulo.

(7) Nereu Correia, A Palavra, 1972, p. 42.


(8) Acerca da Réplica exarou Cândido de Figueiredo estas
palavras textuais: “(…) um monumento de linguística e de
dialética, que bastaria folhear com olhos de ver e olhos de
português para nos convencermos de que ainda se não publicou
obra mais profunda e mais prestadia em assuntos de língua
portuguesa” (apud Henrique Perdigão, Dicionário Universal
de Literatura, 1934, p. 567).

(9) Cf. Rui Barbosa, Escritos e Discursos, 1960, pp. 255-269;


Editora José Aguilar Ltda.; Rio de Janeiro.

(10) História da Literatura Brasileira, 1949, t. V, p. 448.


(11) Laudelino Freire, Rui, 1958, p. 16.
(12) Correm debaixo da rubrica Trabalhos Jurídicos para mais
de duas dezenas de livros que saíram da pena operosa
60

do genial brasileiro. Alcançar as lições que esses


preciosos compêndios encerram, sem olhar a despesas
nem a sacrifícios, será aspiração meritória de todo
cultor do Direito. Aproveite-lhe a exortação de Cujácio
a propósito de certo livro do jurista português
Paulo de Castro: “Quem o não tivesse, vendesse a camisa e
comprasse: Qui non habet Paulum de Castro tunicam vendat,
et emat” (Francisco Pennaforte Mendes de Almeida,
Engastes em Ouro, p. 52).

(13) Obras Completas de Rui Barbosa, vol. XIX, t. III, p. 296.


(14) Rui Barbosa: Cronologia da Vida e Obra, 1995, p. 130;
Edições Casa de Rui Barbosa; Rio de Janeiro.
(15) À Sombra de Rui, 1978, p. 48; Companhia Editora
Nacional; São Paulo.
(16) “Tenho trabalhado mais copiosamente que todos eles” (1a.
Epístola aos Coríntios, 15, 10; trad. Pe. Antônio Pereira de
Figueiredo).
(17) O que foi a cruzada em prol da redenção da Pátria,
encetada pelo ardoroso apóstolo do civismo e da
liberdade, ainda a pode bem avaliar aquele que, com
proveito, admiração e inefável prazer, compulsar as
Obras Completas de Rui Barbosa, notadamente os seguintes
volumes: XXXVI, t. I (Excursão Eleitoral, 1909); XXXVII,
t. I (Excursão Eleitoral, 1910); t. II (Memória sobre a Eleição
Presidencial, 1910); XLVI, t. I e II (Campanha Presidencial,
1919). A mais de um respeito merece louvada a
Fundação Casa de Rui, responsável pela publicação e
custódia de tão inestimáveis tesouros! Com bem de
61

razão exclamara o famoso Ésquines: “Coisa esplêndida,


atenienses, a conservação dos documentos oficiais!” (cf. Jaime
Bruna, Eloquência Grega e Latina, p. 100).
(18) Com fidelidade de biógrafo e consciência de historiador,
descreveu Luiz Viana Filho o pleito eleitoral de 1909,
no qual, pela primeira vez, Rui disputara o cargo de
presidente da República: “Afinal, chegou o dia da eleição.
Nos grandes centros, a preferência era indiscutível. Muitos
votantes, antes de depositarem a cédula, anunciavam o nome de
Rui. Estrugiam palmas. Andrade Figueira, o velho político
conservador do Império, já alquebrado pela idade, esperara de pé
durante seis horas para votar em Rui. Outro eleitor, acometido
de uma síncope, recusara-se a sair antes de colocar na urna a
cédula com o nome do candidato civil, e dissera depois: Vou
tranquilo. Cumpri o meu dever de brasileiro. Esses episódios
proporcionaram uma ilusão de triunfo”.
Passos adiante, com acentos de frustração e mágoa:
“Simples ilusão. Atrás das grandes cidades estava o eleitorado
do interior, em maior número, e dócil ao manejo das forças
políticas, que apoiavam o marechal Hermes. Quando se apurou
o resultado a verdade é que bem ou mal Rui fora derrotado. Fim
da comédia. E a plateia retirava-se aborrecida” (A Vida de Rui
Barbosa, 1960, pp. 382-383).
(19) Obras Seletas de Rui Barbosa, t. II, p. 330.
(20) Não lhe esqueceu enfatizá-lo na carta que, em
10.1.1897, escreveu ao cunhado: “(…) o meu hábito, no
jornalismo, é não transigir em prejuízo da verdade” (Carlos
Viana Bandeira, Lado a Lado de Rui, 1960, p. 200).
62

(21) As orações que Rui proferiu no Senado, em resposta às


levianas imputações de seus acusadores, contam-se
entre os mais soberbos exemplares da eloquência
universal (cf. Rui Barbosa, Escritos e Discursos Seletos, 1960,
pp. 209-269; Editora José Aguillar Ltda.; Rio de Janeiro).
Do coronel Gabriel Salgado, que o ferira em sua honra,
ocupou-se Rui em extensa Carta à Nação (20.2.1914),
conhecida por Esfola da Calúnia, em que arguiu e
aniquilou a torpeza e desfaçatez das “vilíssimas diatribes”
do senador pelo Amazonas (cf. Rui Barbosa, Esfola da
Calúnia, 1933, pp. 125-168; Editora Guanabara; Rio).
Pois que o argumento deste artigo é Rui Barbosa (“O
Cícero Brasileiro”), leve-se-me à paciência reproduza aqui
o conhecido lugar de Plutarco a propósito do célebre
orador romano: “Cícero foi, de todos os oradores, o que soube
fazer sentir melhor aos romanos como o encanto da eloquência
amplifica o bem e como o direito é invencível, quando sustentado
pelo talento e pela palavra!” (Vida dos Homens Ilustres:
Demóstenes e Cícero, 1956, p. 55; trad. Sady-Garibaldi;
Atena Editora; São Paulo).
(22) Não só descortesia e impiedade, esse fato a lei definia
também como crime. É que “nenhuma contemplação
merecem aqueles que, por ódio, despeito, rivalidade ou áspero
prazer do mal, se fazem salteadores da honra alheia” (Nélson
Hungria, Comentários ao Código Penal, 1980, vol. VI, p. 43;
Editora Forense; Rio de Janeiro).
(23) Vem aqui a ponto reproduzir tópico, belo e comovente,
do livro de Salomão Jorge, por onde conhecerá o leitor
o enorme respeito e afeição que ao meritíssimo Rui lhe
63

cobravam os contemporâneos: “No dia 2 de março de


1923, na estação de Petrópolis, no momento em que o trem de
ferro ia conduzir o corpo inanimado de Rui, falecido na véspera,
o mesmo estudante, com a temeridade dos seus 21 anos,
despede-se em nome da mocidade, da Águia morta, pedindo a
todos os presentes que se ajoelhassem em homenagem à memória
do titã que jamais morreria, porque escrevera nas almas, com o
sangue do coração a mensagem da liberdade” (Um Piolho na
Asa da Águia, 1965, p. 3; Edição Saraiva; São Paulo).
(24) Abeylard Pereira Gomes, O Agripino Grieco que eu Conheci,
1989, p. 54.
(25) Ernesto Renan, Marco Aurélio e o Fim do Mundo Antigo,
cap. I; Lello & Irmão – Editores; Porto).
(26) Nasceu Rui no dia 5 de novembro de 1849, na Rua dos
Capitães — hoje Rua Rui Barbosa —, na cidade de
Salvador (BA). Foram seus pais João José Barbosa de
Oliveira e Maria Adélia Barbosa de Almeida. De seu
casamento com Maria Augusta Viana Bandeira (Cota,
para os íntimos) houve cinco filhos: Maria Adélia,
Alfredo Rui, Francisca, João e Maria Luísa Vitória.
Faleceu em Petrópolis no dia 1º de março de 1923. Teor
do Decreto nº 15.977, de 2 de março de 1923:

“O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil,


atendendo aos extraordinários serviços prestados à Pátria pelo
ínclito estadista senador Rui Barbosa e interpretando os
sentimentos unânimes do povo brasileiro, diante da desgraça
que o feriu com a sua morte, resolve:
64

a) decretar luto nacional por três dias, a começar de hoje;


b) prestar ao grande morto as homenagens devidas a Chefe de
Estado;
c) realizar o funeral a expensas da Nação.

Rio de Janeiro, em 2 de março de 1923. Artur da Silva


Bernardes”.
J.B. Viana de Moraes:
Nobre e Valoroso Advogado

I – Foi certamente dos mais acabados paradigmas de


Advogado Criminalista que ainda houve entre nós!
Dotara-o a natureza de talentos e aptidões excepcionais:
com todos era afável, solícito e atencioso; os colegas, amigos
e pessoas constituídas em dignidade (e tinha-os em todas as
esferas da vida social) contavam-no por homem fidalgo e de
vasto saber; profissional competente e dedicado; caráter de
rija têmpera e coração generoso; em suma: um vaso de
eleição!
Esse foi o vulto insigne que, no dia 4 de novembro de
1998, para grande abalo e desgosto dos que tiveram a fortuna
de conhecê-lo, reclinou mortalmente a fronte; esse, o varão
notabilíssimo a quem os artífices do Direito e da Justiça, e
com eles toda a sociedade paulistana, renderam fervorosos e
comovidos obséquios fúnebres.
Tal foi o grande e inesquecível J.B. Viana de Moraes!
O favor de circunstâncias da vida permitiu-nos
privássemos com esse grande espírito. Foi o caso que a
Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São
Paulo (Acrimesp), por deliberação unânime de seu conselho,
outorgara-lhe o prestigioso título de “Advogado Criminalista do
Ano de 1992”. Ao saudá-lo no plenário da Câmara Municipal
de São Paulo, em cerimônia de grande esplendor, lembra-nos
que lhe dirigimos aquelas soberbas palavras que a
posteridade mandou gravar no monumento a Molière, no
átrio da Academia Francesa: “Rien ne manque à sa gloire; il
66

manquait à la nôtre” (o que, vertido em linguagem, significa:


nada falta à sua glória; ele faltava à nossa). A imagem não
encarecia os méritos do homenageado, somente os declarava!
Deveras, de mui poucos se poderá afirmar que tivessem
granjeado tanta notoriedade no âmbito da realização
humana e profissional como J.B. Viana de Moraes.
Ao trabalho e à sua inquebrantável força de vontade,
costumava dizer, devia tudo o que era e quanto possuía.
Afeiçoado desde a juventude aos embates da vida,
proclamava que toda a biografia houvera de ocupar-se, de
preferência, com o tempo que os homens tivessem dedicado
ao trabalho, o melhor fator de promoção na ordem social, e
por isso digno de escrever-se em lâminas de ouro.
E ajuntava que nunca o sol o havia surpreendido no
leito; ao revés, era ele quem o saudava quando surgia entre as
nuvens cinzentas da Pauliceia, na Chácara Flora, ou dourava
as linhas do horizonte, por sobre os campos verdes de suas
fazendas, aonde, nos fins de semana, ia retemperar as
energias e apascentar o espírito.

II – Foi a Advocacia Criminal seu imenso teatro de lutas. Os


adversários, embora sempre lhe merecessem respeito e
estima, é certo nunca os temera; esses eram, aliás, os que lhe
cobravam certa e justa apreensão, persuadidos da excelência
de seus cabedais de espírito e extraordinária capacidade de
trabalho.
Toda causa criminal J.B. Viana de Moraes reputava
importante e sagrada. Na defesa dos direitos e interesses do
cliente, não distinguia entre um processo por lesões corporais
leves e outro por homicídio qualificado. Argumentava (e com
67

assaz de razão) que não podia considerar pequena uma causa


que era sempre grande ao aviso do cliente.
Ao Tribunal do Júri orgulhava-se de atribuir sua
consagração pública. Exercia-lhe a veneranda instituição
um fascínio arrebatador e comovente. Na sala dos passos
perdidos, entre as majestosas colunas jônicas, estando, certa
feita, a encaminhar-se ao Tribunal do Júri, ouvimos-lhe dizer
que a designação de advogado, em seu rigor, competia
sobretudo àqueles que aí atuavam. E dava logo as razões de
sua opinião: os advogados do júri estavam incumbidos da
defesa do maior bem do homem depois da vida, a liberdade;
além disso, não lhes bastava, para o cabal exercício da
profissão, adquirir a ciência do Direito: haviam de mister
conhecer também de raiz a Medicina Legal e a Arte Oratória.
E referia, ao propósito, o conhecido passo de José
Soares de Mello: “Quando o advogado se alça para falar, na tribuna
do júri, ninguém o iguala”.(1)
Era na tribuna do júri que J.B. Viana de Moraes se
realizava como advogado; afirmava ter-se preparado para isso
desde a juventude. Primeiro, ouvindo lições à mãe (Amélia
Alves Viana), renomada professora de arte dramática e
de canto; dela aprendera a importância da voz, como
instrumento oratório, e a disciplina do gesto e da postura na
tribuna. Ao falar — mesmo fora dos Tribunais —, tinha J.B.
Viana de Moraes a voz sempre empostada, com acento grave
e forte. Sua figura, ao caminhar, era solene e aprumada.
Ainda quando entrado em anos, nunca recorreu ao bastão ou
à bengala: sustentava-se do próprio vigor físico.
Alma sensível e terna era a de J.B. Viana de Moraes!
68

Vimos-lhe o pranto nas faces mais de uma vez, quando


falava de Jânio Quadros, de quem era amigo devotado
e conselheiro perpétuo. Dava-lhe o Presidente suma
importância às opiniões e pareceres. Não passava uma
semana, que o não viesse abraçar e ouvir a respeito de alguma
questão momentosa da administração pública. Como quem
se lamenta de cruel frustração, deixou um dia cair dos lábios
este amargo queixume: “Estivesse ao lado de Jânio, naquela tarde
nefasta de 25 de agosto de 1961, não teria havido renúncia!”. Tal era
a confiança com que o honrava e distinguia o ex-Presidente!
Depois, a modo de refrigério da saudade — “delicioso
pungir de acerbo espinho”, conforme o célebre verso do poeta(2)
—, apanhou um álbum de fotografias, já esmaecidas pela
voragem do tempo, em que aparecia ao lado do ex-Presidente:
numas, solene e grave; noutras, alegre e descontraído; em
todas, a certeza de que eram amigos verdadeiros e fraternos
aqueles que aí estavam retratados.
Por último, numa folha de jornal dobrada, aquela
fotografia patética de seu amigo Jânio, já vítima da fatalidade
orgânica, em cadeira de rodas, a cabeça pendente sobre o
peito (imagem dura de ver, que jamais o espírito esquece!).
Após fitá-la demoradamente, J.B. Viana de Moraes retraiu o
semblante e, a um tempo comovido e indignado, comentou:
“Eis a que miserável condição foi reduzido o grande Jânio! Sempre fará
falta ao Brasil, que não conhecerá outro igual! Pobre amigo Jânio!”
E com a mão espalmada, como lhe era do hábito, bateu
na tábua de sua mesa de trabalho, esforçando-se por refrear a
emoção que parecia já dominá-lo. Para as dores da alma não
conhecia outro lenitivo que restituir-se às ocupações do
árduo e nobre ofício da Advocacia, máxime a Advocacia
Criminal, pátria dos que sofrem: advogados ou réus.(3)
69

III – Era muito de admirar o estilo que adotava o brilhante


Advogado na composição de seus arrazoados forenses:
ditava-os, em voz alta e ritmada, à sua benemérita
colaboradora e assistente Maria Celeste de Oliveira, que os
reduzia a escrito pelo processo estenográfico. As alegações
finais e as razões de recurso eram pelo comum extensas
(deitavam sempre para cima de vinte laudas); os períodos
encerravam boa exação gramatical e natural força lógica.
Abalizara-se J.B. Viana de Moraes nos torneios da retórica
e da dialética: falando, persuadia e captava para logo
a benevolência e a atenção do auditório; escrevendo, prevenia
e aniquilava, “a priori”, os argumentos do adversário.
Acrescentava o peso e a força de suas razões, debatendo
exaustivamente os pontos controversos da causa. Não
escrupuleava em discorrer profusamente, contanto que,
no final, convencesse a parte contrária e o juiz.
Aos que o increpavam de exagerar o esforço de
persuasão e, destarte, alongar escusadamente as raias de seu
escrito — verdadeiro “excesso de defesa”, com que se pudera
tornar prolixo —, respondia com o aforismo “quod abundat
non nocet” (que traduzia, com ênfase, para descobrir certa
malícia no vocábulo inocente: o que abunda não dana!).

IV – Outro princípio muito para considerar na filosofia de


vida desse perfeito idealista pragmático era a importância que
votava à remuneração do advogado.
Mais que muitas vezes advertira que “o homem não podia
viver só de brisa”, por isso devia o advogado curar seriamente da
questão dos honorários. Apregoava, ainda, que o advogado
70

que não sabia defender os interesses próprios não estava em


condições de tomar sobre si a defesa dos alheios, isto é, do
cliente.
Dizia que, de ordinário, o necessitado do amparo
judicial não olhava mais ao dinheiro que à competência,
confiança e dedicação do profissional. Estas, a seu parecer,
constituíam os predicados essenciais de todo o causídico. Das
petições e arrazoados, recomendava J.B. Viana de Moraes
destinasse o advogado sempre uma cópia ao cliente, por
preceito de fidalguia e como prova direta do mérito
profissional. Prática era essa que, ao demais, lhe haveria de
fazer as vezes de argumento-Aquiles, no instante de arbitrar e
receber a verba honorária.
Advogados de consciência demasiado delicada não
logram dissimular constrangimento quando contratam
honorários com o cliente: parece repugnar-lhes o discurso
a respeito do “vil metal” no ato mesmo em que aceitam o
patrocínio da causa (que são todas, por sua natureza,
intrinsecamente nobres!).(4)
Os “miseráveis” (que é como a linguagem do Direito
designa aqueles que não têm meios para ocorrer às despesas
judiciais e aos honorários de advogado) J.B. Viana de Moraes
assistia gratuitamente (e nunca sem grande desvelo); os
sujeitos de muitas posses, no entanto, a esses lhes estimava o
preço dos serviços profissionais por estalão fora do comum,
ou segundo sua estatura de advogado, que o era dos maiores.
Assinalava que a defesa dos altos interesses dos
poderosos e ricos, aos quais chamava “endinheirados”, por
força que lhes havia de custar caro: suas demandas eram mais
trabalhosas, porque sempre complexas; obrigavam-no, além
71

disso, a penosas e angustiantes vigílias, cuja razão constava


do terrível brocardo: “Dormientibus non succurrit jus” (o que,
em nosso vernáculo, soa: o direito não aproveita aos que
dormem).(5)
Aqueles que se encomendavam a seu patrocínio,
por outra parte, conheciam-lhe sobejamente o prestígio
profissional, amparado em sólida cultura jurídica auferida
na banca de estudos e na cátedra de Direito Penal, que regeu
em várias faculdades (Mackenzie, Itu, São Carlos, etc.).
Com ar de triunfo — que se não confundia com vã
soberba, antes lhe descobria o sumo gosto de ter podido ser
útil — registrava que nunca encerrara uma aula, que os
jovens acadêmicos o não ovacionassem em pé! Era a moeda
com que lhe pagavam as lições recebidas: moeda de ouro,
porque de gratidão!

V – Era J.B. Viana de Moraes varão de bom natural:


expansivo e de alegre comunicação.
Mantinha permanentemente aberta a porta de seu
amplo escritório na Rua Boa Vista, onde acolhia numerosa e
qualificada clientela; aberto mantinha também o portal de
seu grande e generoso coração.
Aos que o frequentavam dispensava a mais significativa
atenção: ouvia-os com paciência de Jó, esquecido da fuga do
tempo: escutava-lhes as razões e a narração dos fatos; depois,
falava (discursava será melhor dito, porque o fazia com o
semblante grave e solene); pronunciava-se como um oráculo,
e suas palavras e opiniões eram comumente recebidas como
um artigo de fé pelos sujeitos esclarecidos.
72

Ao despedir-se dos que o visitavam, não lhe esquecia


acompanhá-los, com expressões de carinho, até à porta do
elevador.

VI – A memória, tinha-a pronta e feliz, o que lhe permitia


recitar excertos poéticos e lugares notáveis dos autores
clássicos.
Trazia nos lábios a obra imortal de Júlio Dantas, “A Ceia
dos Cardeais”, que declamava com indescritível contentamento.
Parece o estamos ainda a ouvir, com sua voz modulada:
“Recordar é viver, transformar num sorriso o que nos fez sofrer”.
Numa tarde, acertou que introduzíramos na conversação
o poemeto de Francisco Otaviano, “As Ilusões da Vida”, que o
excelso Advogado recitou de cor, em bela interpretação:

“Quem passou pela vida em branca nuvem


e em plácido repouso adormeceu;
quem não sentiu o frio da desgraça,
quem passou pela vida e não sofreu,
foi espectro de homem, não foi homem:
só passou pela vida, não viveu!”

J.B. Viana de Moraes não “foi espectro de homem”,


consoante a lira do poeta, senão — para que repitamos o
louvor de Rui ao Cons. Nabuco — “a mais alta dignidade na
ordem do merecimento e da autoridade perante seus colegas de foro”.(6)
73

Justa e merecida esta homenagem que a Classe dos


Advogados tributa a um de seus mais portentosos e ilustres
membros; talvez o maior de uma geração de grandes!

(“… o grande e inesquecível J.B. Viana de Moraes!”)

Notas

(1) O Júri, 1941, p. 17.


(2) Almeida Garrett, Camões, canto I.
(3) Eliézer Rosa, Magistrado exímio, escreveu a propósito
estas notáveis palavras: “Não sei de nenhuma outra forma de
74

advogar mais dolorosa e pungente que a advocacia criminal.


Tudo nela é dor e desespero. Os próprios triunfos têm o seu tanto
de amargor, porque, enquanto pende o processo e se prepara a
causa, há sofrimentos que a vitória não apaga completamente.
Não é sem razão que a memória humana guarde, com mais
insistente frequência, o nome aureolado de celebrados advogados
criminais…” (Dicionário de Processo Penal, 1975, p. 22).
(4) “A profissão do advogado é uma árdua fadiga posta ao serviço da
Justiça. A missão do advogado não consiste na venda dos seus
conhecimentos, por um preço chamado honorários, senão na
luta diária pela atuação da justiça nas relações humanas! Esta
missão não tem equivalente pecuniário e, por ela, a remuneração
que se paga não é o preço da paz que se procura, senão o das
necessidades de quem se consagra a esta nobre forma de vida”
(Ruy A. Sodré, Ética Profissional e Estatuto do Advogado,
1977, p. 489).
(5) Que as causas entregues ao patrocínio dos advogados
de muito nome e crédito apresentam, pelo comum,
maior dificuldade está a persuadi-lo o cruel epigrama
que, durante sessão do júri, o órgão da Acusação
desferiu contra o celebrado Henrique Ferri: “(…) quando
o doente recorre a um médico de fama, é porque sente a saúde
muito abalada” (Discursos de Defesa, 4a. ed., p. 10; trad.
Fernando de Miranda).
(6) Rui, Obras Completas, vol. XXXII, t. I, p. 119.
O “Habeas Corpus”: Teoria e Prática

Sumário. É a liberdade um bem supremo; sem ela, a própria vida parece


não merecia os cuidados que lhe dispensamos; donde a urgência em
recuperá-la, toda vez que perdida ou ameaçada. Para conjurar a violência à
liberdade pessoal, prevê a Constituição da República (art. 5º, nº LXVIII)
remédio jurídico específico: o “habeas corpus”.

I. É o “habeas corpus” o remédio jurídico-processual mais


célere e eficaz para conjurar abusos e ilegalidades contra o
direito à liberdade de locomoção do indivíduo.
Tem assento legal no art. 5º, nº LXVIII, da Constituição da
República:
“Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se
achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de
locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
O art. 648 do Código de Processo Penal enumera as
hipóteses de coação ilegal.
Ainda que instrumento processual de dignidade
constitucional, próprio a tutelar a liberdade do indivíduo, não
pode o “habeas corpus” substituir o recurso ordinário, máxime
quando a “causa petendi” respeita a questões de alta indagação.
Mas, sem embargo de seus limites exíguos e rito
especial, admite-se em processo de “habeas corpus” a análise de
provas para aferir a existência (ou não) da justa causa para a
ação penal; defeso é apenas seu exame aprofundado e de
sobremão, como se pratica na dilação probatória.
76

Assim, para trancar ação penal por “habeas corpus”, sob o


fundamento da ausência de “fumus boni juris”, é mister se
mostre a prova mais clara que a luz meridiana, a fim de que se
não subverta a ordem jurídica, entre cujos postulados figura
o da apuração compulsória, pelos órgãos do Estado, da
responsabilidade criminal do infrator.

À derradeira — o que para logo inculca a excelência do


instituto —, podem os Juízes ou Tribunais conceder “habeas
corpus” de ofício, “quando no curso do processo verificarem que
alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal” (art. 654,
§ 2º, do Cód. Proc. Penal).
_________________________

II. Pedido de “habeas corpus”. Modelo.

“Habeas Corpus”
Suspensivo com Pleito de Liminar

Excelentíssimo Senhor Desembargador-Presidente do Egrégio


Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Pedido de “Habeas Corpus” Suspensivo


Com Pleito de Liminar

1. O advogado (nome), regularmente inscrito na Ordem


dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, sob o nº
( ___________ ), vem, mui respeitosamente, perante Vossa
Excelência, na forma do art. 5º, nº LXVIII, da Constituição
77

Federal, combinado com os arts. 647 e 648, nº V, do Código de


Processo Penal, impetrar ordem de “Habeas Corpus” (1) em favor
de (nome do paciente), pelas razões de fato e de direito adiante
expostas.

2. Como quer que se acham presentes os requisitos legais


que o justificam — existência de direito líquido e certo (2) e
dano potencial irreparável —, requer o impetrante a Vossa
Excelência tenha a bem conceder “in limine” a ordem ao
paciente, para que aguarde em liberdade o julgamento
definitivo de seu processo, expedindo-se-lhe alvará de
soltura.

3. “A esperança nos Juízes é a última esperança” (Rui, Obras


Seletas, t. VII, p. 204).

E.R.M.
São Paulo, (dia, mês e ano)

________________________________
(Nome do advogado e número da OAB)
78

Razões do Pedido de
“Habeas Corpus” de
(Nome do Paciente)

Ínclito Presidente,
Colenda Câmara:

I – Exórdio
1. “Como admitir que alguém fique preso, por um minuto mais,
esperando o julgamento do habeas corpus, se já fez prova irretorquível
do direito à fiança?” (Alberto Silva Franco, Medida Liminar em
Habeas Corpus” in Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 1,
p. 70).

II – Da Medida Liminar em “Habeas Corpus”


2. Andou em causa (3), mas agora se rejeita de plano, a
perplexidade acerca do cabimento da medida liminar em
processo de “habeas corpus”, que isto mesmo persuade a lição
de juristas de sólido saber e distinta nomeada.
“Apesar da omissão do legislador — discursa Alberto Silva
Franco —, a doutrina processual penal, na trilha das manifestações
pretorianas, tem dado acolhida à liminar no habeas corpus,
emprestando-lhe o caráter de providência cautelar” (op. cit., p. 72).
Julio Fabbrini Mirabete não se desconvizinha desta
opinião: “Nada impede seja concedida liminar no processo de habeas
corpus, preventivo ou liberatório, quando houver extrema urgência”
(Processo Penal, 2a. ed., p. 696). À derradeira, em livro notável e
79

prestantíssimo, no qual tratou ex professo a matéria, escreveu


Pedro Gagliardi que o fim precípuo da liminar é “assegurar maior
presteza aos remédios heroicos constitucionais, evitando que se
complete uma coação ilegal ou impedindo o seu prosseguimento” (As
Liminares em Processo Penal, 1999, p. 18; Editora Saraiva).
A medida liminar em “habeas corpus”, portanto, não
somente o direito a admite, senão ainda que se tem por
imperativo de justiça e de boa razão.

III – Dos Fatos


3. Por violação do preceito do art. 180, § 1º, do Código Penal,
o MM. Juiz de Direito da ___a. Vara Criminal da Capital
impôs ao paciente a pena de 1 ano de detenção. À conta,
porém, de seus antecedentes (que, aferindo-os por craveira
draconiana (4), averbou de maus), negou-lhe qualquer
benefício.
Instado a reconhecer-lhe o direito de apelar em
liberdade, como o permitia sua condição de réu
comprovadamente primário, persistiu, no entanto, o nobre
Magistrado-coator insensível a razões de toda a ordem. Ainda
o direito de ser admitido a prestar fiança, para recorrer solto,
denegou ao paciente. Não fora mais empedernido o coração
do faraó (vênia!).
Está além de toda a disputa (5), pelo conseguinte, que
sofre o paciente constrangimento ilegal.
80

IV – Do Direito
4. Anotou a r. decisão de primeiro grau, com insigne
arrojo, que se reputavam maus os antecedentes (6) do réu
porque respondia a outro processo.

Tal argumentação, entretanto, não faz contra (7) o


paciente. Com efeito, dispõe o art. 5º, nº LXVI, da Constituição
Federal, que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a
lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.
O art. 594 do Código de Processo Penal, de sua vez, reza que
não poderá o réu “apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança
(…)”. Donde a inferência lógica imediata: prestando fiança
nos casos em que a lei o não proíbe, o réu pode apelar em
liberdade.
Isso de ter alguém outros processos não é argumento
em que se possa fundar a denegação do benefício do art. 594
do Código de Processo Penal: à uma (8), porque não o reputa a
lei óbice ao deferimento da fiança; à outra, porque a
Constituição mesma preceitua que “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art.
50, nº LVII) (9) (cf. Luiz Vicente Cernicchiaro, Direito Penal na
Constituição, 1990, p. 86).
Se “a condenação anterior a pena de multa não impede a
concessão do benefício” da suspensão condicional da pena
(art. 77, § 1º, do Cód. Penal), por maioria de razão não poderá
obstá-la a existência de outro processo, em que o réu não
foi ao menos julgado.(10)
81

5. De tudo o sobredito faz certo o impetrante a Vossas


Excelências que:
a) é a fiança direito do réu, não podendo ser negada uma
vez preenchidos seus requisitos legais (cf. JTACrSP, vol.
53, p. 159);

b) nos termos do art. 594 do Código de Processo Penal, pode o


réu “apelar sem recolher-se à prisão”, contanto que preste
fiança;
c) “a fiança poderá ser prestada em qualquer termo do processo,
enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória”
(art. 334 do Cód. Proc. Penal).

V – Do Pedido
6. Em face destas razões, e de outras muitas que passa
em silêncio, por escusadas, visto é a Vossas Excelências,
Magistrados em tudo eminentes, que se está dirigindo, espera
o impetrante dignem-se deferir ao paciente ordem de “habeas
corpus” para que aguarde em liberdade o julgamento definitivo
de seu processo, expedindo-se-lhe alvará de soltura, preso
que se acha na Casa de Detenção.

E.R.M.
São Paulo, (dia, mês e ano)
________________________________
(Nome do advogado e número da OAB)

_________________________
82

III. Satisfeitos os requisitos legais — tendo-se em conta


sobretudo as circunstâncias do caso — pode o Juiz deferir, “in
limine”, a ordem impetrada. A decisão do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, adiante reproduzida, versa a
hipótese:

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUINTA CÂMARA – SEÇÃO CRIMINAL

“Habeas Corpus” nº 968.645-3/3-00


Comarca: Itapevi
Impetrante: Dr. José Geraldo Leonel Ferreira
Paciente: EMC

Despacho
Vistos, etc.
1. Fl. 22.

2. Requer a paciente, por seu digno advogado,


reconsideração do despacho de fls.11/14, que lhe indeferiu
a medida liminar pleiteada, de relaxamento da custódia
provisória por excesso de prazo na formação da culpa. Alega
ainda que está “no 8º mês de gestação”.

Entro a reexaminar-lhe o pedido.


83

Consta do ofício de informações de fls. 18/20 que, presa


em flagrante aos 14.12.2005, por infração do art. 12,
conjugado com o art. 18, nº IV, da Lei nº 6.368/76 (Lei de
Tóxicos), ainda lhe não foi apurada a responsabilidade
criminal.
A delonga na instrução do processo informou a nobre
Juíza que decorreu da necessidade de expedir carta precatória
à Comarca da Capital para o interrogatório da paciente.
É fora de dúvida, entretanto, que o processo a que
responde já excedeu a “razoável duração” prevista em lei (art. 5º,
nº LXXVIII, da Const. Fed.), pois, feitas boas contas, vai por 203
dias que a paciente, sem culpa formada, suporta os rigores
do cárcere.
3. Ao demais, é muito para notar que, segundo o atestado
que o impetrante acaba de trazer aos autos (fl. 23), a paciente
“encontra-se no curso do 8º mês de gestação”; pelo que, mantê-la na
prisão, nessas condições, seria mais do que afronta à lei
escrita, porque fora gênero de iniquidade.
A maternidade — escreveu João Baptista Herkenhoff ,
brasão da Magistratura brasileira —, “a maternidade, por si só,
tem força para libertar da cadeia uma futura mãe. No ato, também
liberta o Juiz a criança que está no ventre materno” (Uma Porta para o
Homem no Direito Criminal, 2a. ed., p. 1).
E, passos avante:
“A Justiça Criminal é sobretudo um ofício de consciência, onde
importa mais o valor da pessoa humana, a recuperação de uma vida, do
que a rigidez da lógica formal” (p. 2).
84

Argumento é este de muito alcance para justificar


a libertação da paciente, visto que assenta no “princípio da
dignidade da pessoa humana”, que nossa Carta Magna consagrou
em seu art. 1º, inc. III.
“Mas ainda que a Constituição não acolhesse esse princípio” —
advertiu o insigne Magistrado —, “ele teria de ser afirmado,
especialmente pelos Juízes, porque o princípio da dignidade da pessoa
humana está acima da Constituição e das leis. Integra aquele elenco de
valores que a doutrina chama de metajurídicos” (in Diário de Notícias,
5.1.2006).
4. Em face do que levo exposto, concedo à paciente EMC a
medida liminar pleiteada e relaxo-lhe a prisão. Expeça-se-lhe alvará
de soltura, se por al não estiver presa. Dê-se vista dos autos à
douta Procuradoria-Geral de Justiça para seu parecer.

São Paulo, 3 de julho de 2006


_______________________
Des. Carlos Biasotti
Relator

_________________________

IV. Há casos todavia em que, por amor da preservação da


ordem pública e conveniência da instrução criminal — atenta
ainda a notória gravidade do fato imputado ao paciente e sua
periculosidade —, será força denegar-lhe “habeas corpus”.
Obrou por esse feitio o Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, ao indeferir pedido de liberdade requerida em favor de
paciente contra quem fora decretada prisão preventiva por
“formação de quadrilha para invadir propriedade”:
85

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO


QUINTA CÂMARA – SEÇÃO CRIMINAL

“Habeas Corpus” nº 990.09.141950-8


Comarca: São Paulo
Impetrantes: Dr. Aton Fon Filho,
Dr. Leandro Lúcio Baptista Linhares,
Dr. Roberto Rainha,
Dra. Paloma Gomes e
Dra. Giane Alvares Ambrósio
Paciente: JAGM
Voto nº 12.000
Relator
– Não entra em dúvida que, a despeito do
princípio da presunção de inocência,
consagrado na Constituição da República
(art. 5º, nº LVII), subsiste a providência da
prisão preventiva, quando conspiram os
requisitos legais do art. 312 do Código de
Processo Penal: garantia da ordem pública,
conveniência da instrução criminal ou
para assegurar a aplicação da lei penal, desde
que comprovada a materialidade da infração
penal e veementes os indícios de sua autoria.
86

– Não requer o despacho de prisão preventiva


o mesmo rigor que deve encerrar a decisão
definitiva de condenação. É o escólio de
Damásio E. de Jesus ao art. 312 do Cód. Proc.
Penal: “A prisão preventiva exige prova bastante da
existência do crime e indícios suficientes de autoria.
Não é necessária a mesma certeza que deve ter o juiz
para a condenação do réu” (cf. Código de Processo
Penal Anotado, 23a. ed., p. 253).

– Matéria de alta indagação, como a que


entende com a autoria do crime, é
insuscetível de exame em processo de
“habeas corpus”, de rito sumaríssimo; apenas
tem lugar na instância ordinária, com
observância da regra do contraditório.
Trancamento de ação penal por falta de
justa causa unicamente se admite quando
comprovada, ao primeiro súbito de vista, a
atipicidade do fato imputado ao réu, ou a sua
inocência (art. 648, nº I, do Cód. Proc. Penal).

–“Exame de provas em habeas corpus é cabível desde


que simples, não contraditória e que não deixe
alternativa à convicção do julgador” (STF; HC;
rel. Min. Clóvis Ramalhete; DJU 18.9.81, p.
9.157).

–“O dia em que se não cumprirem as decisões judiciais


transitadas em julgado perecerá o direito, e com ele a
liberdade, que faculta a plena realização da pessoa
humana na sociedade em que vive” (Carlos
Alberto Menezes Direito, Manual do Mandado
de Segurança, 4a. ed., p. 200).
87

– Entre nós, tem o direito à propriedade


garantia constitucional (art. 5º da Const. Fed.).
Por isso, no limiar de toda propriedade
(choupana, chácara, sítio e fazenda), bem se
pode ler, sob a forma de advertência legítima,
a imaginária inscrição: “Aqui, sem a minha
autorização, só entra o Sol e ninguém mais!”.

1. Os ilustres advogados Dr. Aton Fon Filho, Dr. Leandro


Lúcio Baptista Linhares, Dr. Roberto Rainha, Dra. Paloma
Gomes e Dra. Giane Alvares Ambrósio impetram a este
Egrégio Tribunal ordem de “habeas corpus”, com pedido de
liminar, em prol de JAGM, sob o argumento de que padece
constrangimento ilegal da parte do MM. Juízo de Direito da
Comarca de Presidente Bernardes.
Afirmam, em extensa e esmerada petição (fls. 2/30),
que, embora processado por formação de quadrilha (art. 288
do Cód. Penal), era manifesto o constrangimento ilegal que o
paciente estava a sofrer, porquanto nenhum crime cometera.
Argumentam que, por isso, não havia subsistir o
decreto de prisão preventiva, ou por falta de justa causa, ou
por sua ilegalidade, pois que ausentes os pressupostos
processuais que a poderiam autorizar.
Notam ainda de mal fundamentado o r. despacho que a
decretou.
Rematam que o paciente é primário, tem residência fixa
e família constituída.
Pleiteiam, destarte, à colenda Câmara tenha a bem
conceder a ordem de “habeas corpus” para revogar-lhe a
88

custódia cautelar, com expedição de contramandado de


prisão.
Instruíram o pedido com cópia dos autos da ação penal
e numerosos outros documentos (cf. Apenso).
O despacho de fls. 33/37 indeferiu a medida liminar
pleiteada.
A mui digna autoridade judiciária indicada como
coatora prestou as informações de praxe, nas quais esclareceu
ter sido o paciente denunciado por infração do art. 288 do
Código Penal.
Informou também que não foi ainda cumprido o
mandado de prisão expedido contra o paciente (fls. 52/54).
A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em
ponderado e escorreito parecer do Dr. Eder Lago Mendes
Ferreira, opina pela denegação da ordem (fls. 45/50).
É o relatório.

2. Da denúncia, juntada a estes autos por cópia (Apenso),


extrai-se que, desde 2005 até meados de maio de 2007, em
Presidente Bernardes, o paciente, obrando em concurso e
unidade de propósitos com três outros indivíduos,
associaram-se em bando, para a prática de um número
indeterminado de crimes de esbulho possessório, furtos,
incitação ao crime e danos aos patrimônios particulares.
Instaurada a persecução penal, entrou o processo a
correr seus trâmites.
89

Por decisão de 24.4.2009 — fls. 1.357/1.361 dos autos da


ação penal (7º vol.) —, o MM. Juiz de Direito da Comarca de
Presidente Bernardes, Dr. Gabriel Medeiros, decretou a prisão
preventiva dos réus VUS e JAGM.
Fê-lo pelas seguintes razões de fato e de direito:
constara-lhe, por provas e indícios, que o paciente JAGM —
conhecido como “CM” —, que já respondia a processo por
“formação de quadrilha para invadir propriedade”, tornara “a praticar
novo crime, associando-se e liderando centenas de pessoas”.
Foi o caso que, no dia 17.4.2009, integrantes do
denominado Movimento Sem-Terra (MST) teriam invadido a
Fazenda Santa Teresinha, situada no município de Nantes,
liderados — conforme o Boletim de Ocorrência nº 41 (fl. 1.336)
— por JAGM (o paciente) e CMS.
Mesmo citados para os termos de Ação de Reintegração de
Posse, o paciente, menoscabando a ordem judicial, protestara
que, em nome do “movimento”, não deixaria o local.
Mencionou o Magistrado que a imprensa regional
divulgara esses fatos, ilustrando-os com “foto dos invasores”, na
qual figurava o paciente. Aludiu ainda à matéria do jornal
“Oeste Notícias”, desta substância: “Polícia Civil investiga furto de
gado em Iepê. Abate de bovinos pode ter ligação com integrantes do
MST que ocupam área próxima” (fl. 1.359).
A Promotoria de Justiça de Presidente Bernardes, como
se vê das fls. 1.342/1.343 (7º vol.), mandou reduzir a termo,
aos 14.4.2009, as declarações de Marcos Antônio Sanches,
fotógrafo de profissão, que, a pedido de Carlos Dias,
proprietário da “Fazenda São Luís”, tirara fotos “das pessoas que
estavam invadindo a área, que seriam integrantes do MST”. Aí lhe
90

informaram que o líder era o indivíduo “Tião”, de quem se


aproximou e ouviu logo a advertência que não queria ser
fotografado. O declarante, porém, logrou tirar-lhe “uma foto de
perfil”. Ajuntou que “Tião estava colocando a bandeira no pasto”.
Fotografou também os “barracos que estavam sendo armados” e
as “placas dos veículos utilizados pelos invasores”.

Usava “boné vermelho” e trajava “camisa preta” o indivíduo


que se identificara por “Tião”.
Exibida, contudo, sua foto ao proprietário da “Fazenda
São Luís”, este foi peremptório: “não era Tião e sim CM” (fl.
1.343).
Firmes nessas múltiplas e concretas circunstâncias,
o mui digno Juiz de Direito da Comarca de Presidente
Bernardes, indicado como autoridade coatora, teve a bem
decretar a prisão preventiva do paciente JAGM, a quem
nomeiam também “CM”.

Irresignado com a decisão que lhe impôs medida


constritiva de liberdade, o paciente vem a este augusto
Pretório de Justiça clamar por sua revogação.
Assistido de causídicos notáveis por seus talentos,
competência e combatividade — que bem atestam a força e o
prestígio da Classe dos Advogados, à qual todo o louvor é
curto —, alega o paciente, em longa e erudita peça forense
(fls. 2/30), que não concorriam na espécie “sub judice” os
requisitos autorizadores da decretação da prisão cautelar.

Sustentam os nobres impetrantes que o paciente jamais


colocou “em risco a ordem pública da comunidade paulista” (fl. 27).
91

Requerem, por isso, a revogação da custódia preventiva


e a expedição de contramandado de prisão em favor do
paciente.

3. Pelo que respeita aos protestos de inocência que seus


esforçados patronos firmaram nos autos — de que, a admitir-
-se tenha sido o paciente “visto ou fotografado no latifúndio
ocupado”, não era bastante a configurar “algum ilícito penal a
recomendar a sua segregação cautelar” (fls. 9/10) —, não é ponto
suscetível de resolução na esfera exígua do “habeas corpus”.
Com efeito, em razão de seu rito sumaríssimo, na via
heroica do “habeas corpus” é defeso proceder a exame de
matéria de alta indagação. Isto de haver ou não o paciente
concorrido para a prática do crime que lhe imputou a
denúncia, como se trata de questão que apenas pode ser
dirimida na quadra de dilação probatória, na instância
ordinária, não há apreciá-la no raio exíguo do processo de
“habeas corpus”.
Assim, apenas na instância regular, sob o contraditório
processual, será lícito apurar a alegada inocência do paciente.
Esta, com efeito, é a jurisprudência consagrada por
nossos Tribunais, em acórdãos infinitos em número:
“Somente pode ser reconhecida e afirmada, em sede de habeas
corpus — a falta de justa causa para a ação penal —, quando os
fatos apontados como delituosos são atípicos ou quando a
inocência do acusado se manifesta de forma desembuçada, clara,
precisa, límpida e incontestável” (Rev. Tribs., vol. 499, p. 488).
92

Em tese, o fato atribuído ao réu tipifica ilícito penal;


acha-se presente, pois, o “fumus boni juris”, que legitima e
autoriza a instauração do processo-crime contra seu provável
autor. Se a presença do paciente no lugar que os impetrantes
denominam “latifúndio São Luís” era “pacífica” e não causara
“dano à propriedade”, como inculcam (fls. 9/10), não cabe
examiná-lo aqui: tratar-se-ia de juízo acerca do elemento
subjetivo do tipo, incompatível com o rito e finalidade da
ação de “habeas corpus”.

4. De outra parte, o r. despacho impugnado (cf. fls.


1.357/1.361 do 7º vol.), ao fundamentar a decretação da
prisão preventiva, argumentou com sua necessidade e
conveniência: exarou que o paciente, já demandado na Justiça
Criminal por delito que causou profundo desassossego
na região (formação de quadrilha), praticou novo crime:
“associando-se e liderando centenas de pessoas, voltou a invadir nova
propriedade” (fl. 1.358).
Sua custódia, portanto, foi determinada pela exigência
indeclinável de garantia da ordem pública e conveniência da
Justiça, que deve atender a que se não frustre a aplicação da lei
nem periclite a paz social.
Era o quanto bastava para justificar a subsistência da
prisão cautelar; pretender fosse além a digna autoridade
apontada como coatora, seria o mesmo que antecipar decisão
de mérito, o que passava por desmarcada abusão lógica e
jurídica.
93

Ato mais relevante do ofício do Magistrado, a decisão


deve ser fundamentada (art. 93, nº IX, da Const. Fed.), isto é,
ao proferi-la deve dar as razões de seu convencimento.
Mas fundamentação percuciente, minuciosa e castigada
só a requer decisão definitiva de mérito, não a que impõe
prisão preventiva ou denega liberdade provisória; esta se
satisfaz com a indicação da necessidade da decretação da
custódia cautelar, que se infere da prova da materialidade da
infração penal grave e de indícios veementes de sua autoria.
Vem aqui de molde o magistério da jurisprudência do
Colendo Superior Tribunal de Justiça, abaixo reproduzido por
sua ementa:

“Demonstrada a necessidade da medida cautelar constritiva da


liberdade humana, concretizada em decisão, ainda que sucinta,
onde consignadas as razões pelas quais entendeu necessária,
descabe pretender desconstituí-la com a invocação do princípio
da presunção de inocência, ou pela circunstância de ser o
paciente primário, radicado no foro da culpa e com profissão
definida” (Revista do Superior Tribunal de Justiça, vol. 58,
p. 119).
O magistério de José Frederico Marques, processualista
exímio, faz ao intento:
“Desde que a permanência do réu, livre e solto, possa dar motivo a
novos crimes, ou cause repercussão danosa e prejudicial no meio
social, cabe ao juiz decretar a prisão preventiva como garantia da
ordem pública. Nessa hipótese, a prisão preventiva perde seu
caráter de providência cautelar, constituindo antes, como falava
Faustin Hélie, verdadeira medida de segurança. A potestas
coercendi do Estado atua, então, para tutelar, não mais o
94

processo condenatório a que está instrumentalmente conexa, e


sim, como fala o texto do art. 312, a própria ordem pública. No
caso, o periculum in mora deriva dos prováveis danos que a
liberdade do réu possa causar — com a dilação do desfecho do
processo — dentro da vida social e em relação aos bens jurídicos
que o Direito Penal tutela” (Elementos de Direito Processual
Penal, 1a. ed., vol. IV, pp. 49-50).

5. Há nos autos um registro que não pode correr em


silêncio, neste momento de exame da legalidade dos
fundamentos da decretação da prisão preventiva do paciente.

O Magistrado prolator da decisão atacada salientou,


com arrimo no Boletim de Ocorrência nº 41/09 (fl. 1.336),
que integrantes do Movimento Sem-Terra, “liderados pelos
investigados” (um dos quais, o paciente), “invadiram na sexta-feira
passada, dia 17.4.2009”; “já haviam sido citados” para a ação de
reintegração de posse. “Os investigados (…), em nome do
movimento, mesmo tendo conhecimento da ordem judicial, disseram
que não deixariam o local, em total afronta à decisão do Poder
Judiciário” (fl. 1.350).
Fato esse de suma gravidade, se verdadeiro!
É que, segundo o alto pensamento do Min. Carlos
Alberto Menezes Direito, “o dia em que se não cumprirem as
decisões judiciais transitadas em julgado perecerá o direito, e com ele
a liberdade, que faculta a plena realização da pessoa humana na
sociedade em que vive” (Manual do Mandado de Segurança, 4a. ed.,
p. 200).
95

6. Ainda que medida excepcional, a custódia preventiva


não repugna ao Estado Democrático de Direito, se imposta
com a finalidade de coibir violações da lei e preservar a ordem
jurídica.
A jurisprudência dos Tribunais sempre reservou ao Juiz
do processo autonomia para avaliar, com o arbítrio do bom
varão, a necessidade e a conveniência de sua decretação.
Ora, a decisão do Magistrado da Comarca de Presidente
Bernardes evidenciou, com rigor de lógica jurídica, que a
segregação do paciente era necessária, em bem do interesse
público. Afirmou-o Sua Excelência, após detido exame dos
autos, com palavras textuais:

“O ato praticado pelo acusado, formação de quadrilha para


invadir propriedade, disfarçado atrás do movimento social,
provoca imensa repercussão de forma a abalar a ordem pública
na pequena cidade de Presidente Bernardes, de apenas 13 mil
habitantes, onde fatos como os debatidos nestes autos causam
verdadeira sensação de insegurança jurídica” (fl. 1.357).
Cai a talho o ven. aresto do Colendo Superior Tribunal
de Justiça:
“Em sede de prisão preventiva, deve-se prestar máxima
confiabilidade ao Juízo de primeiro grau, por mais próximo e, pois,
sensível às vicissitudes do processo” (HC nº 46.192-0-PE; 6a. Turma;
rel. Min. Hamilton Carvalhido; j. 7.3.2006; m.v.; apud
Mohamed Amaro, Código de Processo Penal na Expressão dos
Tribunais, 2007, p. 363).
96

7. O sonho de todo camponês de ter um dia sua gleba e


poder cultivá-la é digno sempre de respeito. Ninguém haverá
de embaraçar-lhe o caminho que o levará à Terra da Promissão,
como cantou a musa rústica de Patativa do Assaré, inspirado
poeta cearense:
“Se a terra foi Deus quem fez,
se é obra da criação,
deve cada camponês
ter uma faixa de chão”.
(in Dialógico, Revista do Movimento do Ministério Público
Democrático, nº 25, p. 32).
Mas, os conflitos agrários não podem resolver-se com o
sacrifício da lei e da ordem.

O Código Penal, por isso, define e pune como crime as


invasões a propriedade e o esbulho possessório (art. 161, § 1º,
nº II).
Entre nós, tem o direito à propriedade garantia
constitucional (art. 5º da Const. Fed.).
Assim, no limiar de toda propriedade (choupana,
chácara, sítio e fazenda), bem se pode ler, sob a forma de
advertência legítima, a imaginária inscrição:

“Aqui, sem a minha autorização, só entra o Sol e ninguém


mais!”.
O despacho criticado atendeu às diretrizes do art. 312 do
Código de Processo Penal; merece, pois, prevalecer, sem deslustre
dos advogados do paciente, profissionais mui reputados
97

pela ciência do Direito e dedicação ao nobre mister que


abraçaram.
Em suma: porque os argumentos deduzidos pelo
paciente não me persuadiram estivesse a sofrer
constrangimento ilegal, indefiro-lhe o pedido de “habeas
corpus”.

8. Pelo exposto, denego a ordem de “habeas corpus”.

São Paulo, 11 de agosto de 2009

Des. Carlos Biasotti


Relator

Notas

(1) “Habeas Corpus”. a) Suposto figure no elenco dos


recursos em geral, tem o instituto do “habeas corpus” a
natureza de ação penal “declaratória, ou constitutiva, ou
cautelar” (José Frederico Marques, Elementos de Direito
Processual Penal, 2000, vol. IV, p. 447; Millennium
Editora); b) “Habeas corpus” — “Que tenhas o teu corpo”. A
expressão completa é “habeas corpus ad subjiciendum” —
“que tenhas o teu corpo para submetê-lo (à corte de justiça), e
refere-se à garantia constitucional outorgada em favor de quem
sofre ou está na iminência de sofrer coação ou violência” (Paulo
Rónai, Não Perca o seu Latim, 1990, p. 77); c) A locução
“habeas corpus” dispensa hífen (ou traço de união), pois
que o não havia no latim; d) A obra que, entre nós,
ostenta brasão clássico sobre o assunto é a que escreveu
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, “aos vinte e três
anos de idade”: História e Prática do “Habeas Corpus”; e) “Em
98

caso urgente, que se deve alegar, a petição pode ser feita por
telegrama” (apud Pontes de Miranda op. cit., p. 410). Pode
sê-lo também por fax, telex e telefone (cf. Revista Brasileira
de Ciências Criminais, nº 1, pp. 189 e 190); f) Porque só a
pessoa física pode ser paciente do remédio heroico,
houve-se com indisputável acerto e gravidade o
Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo,
não conhecendo de “habeas corpus” que um bisonho
causídico impetrara em favor de certo papagaio que
dava pelo nome de Eleutério; g) Por outra parte, constitui
expressão jurídica do patético e toca as raias do sublime
aquilo de haver Sobral Pinto, honra e glória da
advocacia pátria, requerido perante o Tribunal de
Segurança do Estado Novo a aplicação da Lei de
Proteção aos Animais para arrebatar seu cliente Harry
Berger às câmaras de tortura da polícia política de
Getúlio Vargas (cf. Araken Távora, Advogado da Liberdade,
p. 12); h) Os anais forenses abriram registro folclórico
ao episódio de que foi protagonista acadêmico de
direito, o qual, perguntado sobre a medida cabível em
caso de restrição à liberdade de ir e vir, teria confundido
na resposta impetração de “habeas corpus” com perpetração
de “Corpus Christi” (…); i) Prova cabal de que é o “habeas
corpus” o “remédio jurídico processual mais eficiente em todos os
tempos” (Pontes de Miranda, op. cit., p. 3) depara-nos esta
notícia recolhida por Hélio Tornaghi: “Na Bolívia, um
preso, não dispondo de outro meio, dirigiu ao tribunal uma
petição informalíssima em papel higiênico. O tribunal conheceu
do pedido, fez apresentar o paciente e, tendo chegado à conclusão
de que o constrangimento era ilegal, mandou soltar o preso”
(Curso de Processo Penal, 1989, vol. II, p. 389); j) Dos
99

grandes julgamentos do Supremo Tribunal Federal após


o advento da República, foi o primeiro no tempo e na
importância o que proferiu, em 27 de abril de 1892,
no pedido de “Habeas Corpus” nº 300, que Rui Barbosa
impetrou em favor de presos políticos. A ordem, essa foi
denegada, contra um voto apenas, o do Ministro Pisa e
Almeida, para quem o excelso impetrante burilou esta
memória eterna: “Eu me cheguei, depois da sessão, quase sem
voz, ao Sr. Pisa e Almeida, pedindo-lhe que me permitisse o
consolo de beijar a mão de um justo” (Obras Completas, vol.
XIX, t. III, p. 296).
(2) Dano potencial irreparável. Participando da natureza dos
provimentos ou medidas cautelares em geral, a
concessão liminar do “habeas corpus” antessupõe o
concurso dos requisitos com que eles se autorizam:
“fumus boni juris” (fumaça do bom direito, probabilidade
da existência de um direito ou motivo justo) e “periculum
in mora” (perigo de dano pela demora, dano potencial ou
fato de gravidade).
(3) Andou em causa. Ou: Foi questão, entrou em dúvida,
padeceu contradição, ficou incerto, esteve pendente,
não foi ponto decidido, disputou-se, confrangeu-se de
incertezas, etc.
Para traduzir a dúvida que lhes ia no espírito, assim
costumavam escrever os bons autores: “Via-me mais
embaraçado que os argonautas na conquista do velo de ouro”
(Bluteau, Prosas Portuguesas, 1728, 1a. parte, p. 367);
“Neste ponto andam enredados os teus comentadores” (Latino
Coelho, Galeria dos Varões Ilustres de Portugal, 1880, vol. I,
100

p. 24); “Anda envolta em espesso nevoeiro. Travada tem andado


a pendência entre os biógrafos” (Idem, ibidem, p. 332); “Fábula,
coberta de um véu escuro e impenetrável” (Matias Aires,
Reflexões sobre a Vaidade dos Homens, 1752, p. 48);
“Hipóteses criadas à volta de um vácuo” (Camilo; apud Miguel
Trancoso, Camilo e Castilho (Correspondência), 1930, p. 90);
“O mesmo Alves Moreira se deixa envolver nas tralhas de um
equívoco quando desta guisa se exprime” (Orosimbo Nonato,
Da Coação como Defeito do Ato Jurídico, 1957, p. 111); “As
disceptações se desenvolvem em rumos vários, a controvérsia
frondeja e se esgalha” (Idem, Curso de Obrigações, 1959, vol. I,
p. 101); “Isto é tão escuro como um terceto de Dante” (Camilo;
apud Joaquim Pinto de Campos, A Divina Comédia de
Dante, 1886, p. XXVII); “Grammatici certant et adhuc sub
judice lis est” — “Discutem os gramáticos e ainda o litígio está
no tribunal” (Horácio, Arte Poética, v. 78); “Não é pouco cego
o nó da questão presente, e de muitas vezes que a tenho ouvido
propor, e discutir, nunca o juízo ficava satisfeito, dando por
exausta a dificuldade” (Manuel Bernardes, Nova Floresta,
1711, t. III, p. 261).
(4) Craveira draconiana. Critério rigoroso ou mesquinho;
medida em extremo severa; padrão (bitola ou estalão)
iníquo. Draconiano — Relativo a Drácon, legislador de
Atenas (séc. VII a.C.), cuja severidade entrou em
provérbio. Suas leis, dizia-se, haviam sido escritas com
sangue. A mesma noção está presente nas seguintes
expressões: “Certo nem todos me medirão pela mesma craveira
escassa e avara” (Carneiro Ribeiro, Tréplica, 1923, p. 692);
“Interpretação estreita, demasiado literal, more judaico”
101

(Orosimbo Nonato, Curso de Obrigações, 1959, vol. II,


p. 217).
(5) Está além de toda a disputa. Outras maneiras de traduzir o
mesmo pensamento: é fora de toda a dúvida; está
sobranceiro ou é superior a toda a dúvida; tem-se por
sem dúvida; é questão fria; está a cavaleiro de; nisto não
há que debater; não padece contradição; não cai em
dúvida; não sofre contradita; etc. Repare-se nestes
relanços dos mais esmerados cultores da língua
portuguesa: “O que afirmamos é superior a toda a dúvida”
(Cardeal Saraiva, Obras Completas, 1877, vol. VII, p. 55);
“E nisto não deve haver debate” (Heitor Pinto, A Imagem da
Vida Cristã, 1940, vol. I, p. 26); “Tenho por sem dúvida que”
(Francisco Manuel de Melo, Cartas Familiares, 1937, p.
226); “Que o grande épico tivesse entrada no paço e vivesse na
corte dos seus reis, não pode haver contradição” (Latino
Coelho, Galeria dos Varões Ilustres de Portugal, 1880, vol. I,
p. 81); “É pois fora de toda a dúvida que” (Castilho, Tosquia
dum Camelo, 1853, p. 30); “Tendo por sem dúvida que havia de
vencer, avança animosamente as terras dos filisteus” (Vieira,
História do Futuro, 1992, p. 90); “É superior a todos os elogios
este bizarro procedimento do douto acadêmico brasileiro”
(Cândido de Figueiredo, Problemas da Linguagem, 1937,
vol. III, p. 178); “A luz do Sol não é tão clara como a deste
texto” (Vieira, Sermões, 1959, t. III, p. 114); “Ninguém tem o
direito de negar o que a evidência mostra” (Bento de Faria,
Código de Processo Penal, 1960, vol. II, p. 131); “Está, pois,
o seu indianismo a cavaleiro de quaisquer arguições de
solidariedade com as fantasias glotológicas de Alencar” (João
Leda, Quimera da Língua Brasileira, 1939, p. 7); “A cavaleiro
102

de qualquer censura” (Pedro A. Pinto, Locuções e Expressões na


Réplica de Rui, 1954, p. 88).
(6) Antecedentes do réu. “São os fatos anteriores de sua vida,
incluindo-se tanto os antecedentes bons como os maus” (Celso
Delmanto, Código Penal Comentado, 1986, p. 88). Processos
com absolvição ou inquéritos arquivados “não podem
ser pesados em desfavor do agente, pois há a presunção
de sua inocência”. De igual passo os fatos ocorridos
posteriormente ao crime: se não mantiverem com este
alguma relação, não podem ser nele considerados. Caso
contrário, haveria o “risco de dupla punição do agente por
idêntico fato” (Idem, ibidem, p. 89).

(7) Tal argumentação (…) não faz contra o paciente. Não o


compromete nem desabona; é contraproducente; não
pode vingar; não depõe contra ele; não opera nem é
atendível; não é concludente; é especioso. “Especioso —
Argumento mais aparente que sólido” (Castro Nery, Filosofia,
1931, p. 218). Não se mostram indignas de figurar no
repertório literário do advogado criminalista as frases
que abaixo reproduzimos, de escritores de polpa: “Nem
argumente com mais força de peito do que de razão”
(Bernardes, Nova Floresta, 1728, t. V, p. 405); “Nenhuma
destas razões conclui ou persuade” (Latino Coelho, op. cit., p.
30); “Nego, Sr. Presidente, a exação deste asserto” (Rui, Obras
Completas, vol. VI, t. I, p. 36); “A sua argumentação, julgada
segundo as regras da lógica aristotélica, é muito fraca” (Ernesto
Renan, Vida de Jesus, 1915, p. 284; trad. Eduardo Augusto
Salgado); “A objeção parece-me de boa-fé e atendível, embora
não tenha fundamento neste caso” (João Ribeiro, in Obras
Seletas de Carlos de Laet, 1984, vol. II, p. 290); “O
103

argumento não chega a ter a consistência de um sorvete” (apud


Osório Duque Estrada, Crítica e Polêmica, 1924, p. 195);
“Os juízos literários do Sr. Sílvio Romero têm a firmeza e a
consistência de um catavento” (Laudelino Freire, Os Próceres
da Crítica, 1911, p. 208).
(8) À uma, porque (…); à outra, porque. Em primeiro lugar,
porque (…); em segundo lugar, porque (…) “Repilo as
preliminares: a uma, porque o autor não reside em prédio de sua
propriedade; a duas, porque a falta (…)” (apud Eliasar Rosa,
Glossário Forense, 1968, p. 29); “a uma, porque nem todos
nasceram para tudo; e a outra, porque os estudos deste gênero
consomem demasiado tempo” (apud Laudelino Freire, Revista
de Língua Portuguesa, nº 1, p. 161); “Não vieram juntos (…)
para mostrar a uma a ordem natural (…) a outra a ordem com
que passavam para o outro mundo” (Manuel Bernardes,
Estímulo Prático, 1730, p. 166); “Contestei-lhe bons foros,
entre outras razões, à primeira porque (…). À segunda, pus-lhe
em dúvida esses foros (…). Neguei-lhe, enfim, à terceira, o meu
voto, em razão de ser supérflua novidade” (Rui, Réplica, nº
321); “Doutrina desmerecedora de acolheita, à uma por se
mostrar mui restrita, à outra por oferecer espaço a numerosas
exceções” (Orosimbo Nonato, Curso de Obrigações, 1959,
vol. I, p. 232); “À uma (…), à outra (…) (loc. conj. elípt.) —
Por uma razão… por outra razão; já (…) já: À uma por espertar
os que ouvirem; À outra por seguirmos inteiramente a ordem do
nosso razoado” (Fernão Lopes; apud Aulete, Dicionário; v.
um).
(9) Ninguém será considerado culpado (…). “É o que se denomina
princípio da presunção de inocência. Até o trânsito em julgado
da sentença condenatória, o réu tem o direito público subjetivo de
104

não ser submetido ao estado de condenado” (Luiz Vicente


Cernicchiaro, Direito Penal na Constituição, 1990, p. 86).
(10) Não foi ao menos julgado. Poder-se-ão empregar também
as seguintes frases: não foi sequer (ou ainda) julgado;
não lhe foi apurada a culpa ou demonstrada a
responsabilidade criminal; não lhe foi liquidada a prova
nem reconhecido o delito; não foi averiguada a
criminalidade do acusado; sua culpabilidade não foi
completamente estabelecida, etc.
Arrazoados Forenses. Extensão e Conteúdo

Sumário. A virtude está no meio. Por essa velha máxima de filosofia prática
entende-se que os extremos são nocivos; o demasiado, vicioso; a mesma
bondade morre do excesso. Também no circuito judiciário isto ocorre: a
exageração no reclamar justiça pode, muita vez, ser causa de sua própria
denegação.

I. Movido de altas preocupações, fáceis de presumir —


como a escassez de tempo, a quantidade assombrosa dos
processos que tramitam em todas as instâncias da Justiça
do País e até a voz da consciência ecológica —, propôs o
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pela generalidade
de seus juízes(1), fosse limitada a dez laudas a extensão das
petições forenses e decisões judiciais.
Pelo que, os obreiros do Direito (advogados, membros
do Ministério Público e autoridades judiciárias), primeiro que
viessem a juízo com petições, razões de recurso e sentenças,
deveriam submetê-las a um como leito de Procusto.(2)
Ao toque de rebate dos expoentes do Judiciário gaúcho
acudiu de plano a Justiça bandeirante, que lhe enalteceu e
prestigiou o protocolo de intenções.(3)
Muitos receberam tal proposta com vivos e conscientes
aplausos; alguns porém a tiveram por afrontosa e lesiva a
seus direitos e interesses.
De importante que é, embora controvertido, ao assunto
não repugnam por isso reflexões e adequadas providências,
que, sem mortificar o sagrado direito de defesa (princípio
capital da ordem jurídica), ponham a mira na solução da
grave crise que, muito há, vem empecendo a atuação da
106

Justiça, à conta de sua morosidade (inevitável) na prestação


jurisdicional.(4)
Que seja lenta a Justiça não há negá-lo, que já o
perceberam e amiúde repetem ainda os de parco
entendimento. Não direi, entretanto — como o vulgo
profano —, que entre nós “se arrastem” os processos (porque,
em verdade, “tramitam” e nunca o fazem sem dignidade), mas
é força reconhecer que lhes falta o caráter intrínseco de
instrumento de solução de litígio: a celeridade.
Ora, é coisa difícil unir a dor à paciência, e os litigantes
— fato de certeza experimental — estão a provar
cotidianamente o cálice amargo da angústia e do infortúnio!
Donde veio a dizer um autor a todas as luzes grande: “Não há
maior tormento no mundo que o esperar”.(5)
Eis por que ao aflito, que bate às portas da Justiça, urge
despachar bem e rapidamente!

II. A muita demora nos julgamentos — mal que de tão


sério e pernicioso parece incurável! — tem causa bem
conhecida daqueles que um dia puderam penetrar a
complexa administração judiciária: a quantidade inaudita dos
processos que assoberbam a maioria dos foros, em contraste
implacável com o número (sempre inferior) dos juízes que
neles terão de oficiar. Deveras, sem embargo de seus ingentes
esforços e irrestrita dedicação à Justiça — predicados que,
pelo comum, os distinguem —, nada podem os magistrados
contra a insana pletora dos serviços inerentes a seu cargo.(6)
Assim, visto que o Estado não acrescenta o número
ideal dos juízes, e a flux recrudesce o dos processos em
trâmite perante as seções judiciárias — metida em conta, ao
107

demais, a ampla liberdade de acesso das partes à via recursal


—, não há senão adotar medida de cunho emergencial que
contribua para o melhor aproveitamento do tempo (sempre
exíguo) dos juízes.
O alvitre da Magistratura do Rio Grande do Sul, que se
ponha cobro à extensão das peças forenses como forma de
emendar as inveteradas anomalias que obstam à realização
da justiça, é portanto muito de louvar (e receber), ainda que
pareça, ao primeiro súbito de vista, fazer rosto ao direito de
liberdade de expressão.
Àqueles que, falando ou escrevendo, cultivam o estilo
difuso ou prolixo, certamente lhes custará sujeitar ao rigor
da nova craveira suas petições, argumentos e razões em
processos judiciais. É lembrar-lhes, todavia, a milenar
exortação horaciana: Sê breve, e agradarás! (7)
Mais que agradar (ou, antes, satisfazer à “elegantia juris”),
é do ofício do advogado persuadir e “argumentar para
convencer”.(8) Para alcançá-lo, pouco lhe bastará. Já o ensinava,
com efeito, didaticamente, o velho Código de Processo Civil de
1939, no art. 158: na petição escrita, “determinados os termos de
seu objeto”, serão indicados “o fato e os fundamentos jurídicos
do pedido, expostos com precisão e clareza (…)” (inc. III). Posto se
referisse à petição inicial, aquela cláusula salutar entende
também com as mais peças forenses, pois que todas constam
de objeto, narração de fato e fundamento de direito.
Comuns a todo o gênero literário, os requisitos da
“precisão e clareza” convêm especialmente ao estilo do foro.
À luz da experiência comum, a exposição clara (como
água de regato) e precisa (como as verdades matemáticas)
influem consideravelmente na boa inteligência dos
108

argumentos e razões; e, sobre isso, é poderosa para conciliar


(e até mesmo render) o ânimo do juiz da causa e meter em
desespero e confusão o adversário.

III. É quando entra a discutir a questão posta em juízo, que


o advogado — para imprimir cunho enérgico às suas razões e
argumentos — costuma dilatar as raias do escrito; embora
lhe bastara alegar com a doutrina e a lição de um ou dois
autores de nomeada, não hesita em trazer ao terreiro da
controvérsia para cima de meia dezena deles; e, o que é mais,
transcreve-lhes, prodigamente, páginas inteiras dos lugares
de suas obras… Não há mal em citar bons autores e sábios
jurisconsultos(9); apenas o exagero é que parece bem evitar.
Passa o mesmo em matéria de jurisprudência dos
Tribunais: duas ementas, que fizessem ao caso, eram as que
bastavam para fechar a abóbada ao arrazoado forense,
dispensada coleta copiosa. Para mais, não haverá esquecer
a sentenciúncula: “Jura novit curia”, que, em nosso vulgar,
significa: O Tribunal conhece o direito.
A objeção de que seria violar o postulado de ampla
defesa (art. 5º, nº LV, da Const. Fed.) isso de coartar o tamanho
das petições forenses, não tem, “data venia”, fundamento
sólido que o sustente. A razão é que, se não conseguir o
advogado (ou outro profissional de sua condição) expender,
em dez laudas, argumentos cabais em prol da causa que
defende, em vão tentará fazê-lo em cinquenta. (E se o podia em
dez folhas, não lhe havia de mister ir além, que tal fora não só
inútil, mas também supérfluo).
Esse ponto, de muito alcance, deve-se entender em
termos hábeis: ao juiz, sujeito sempre à inexorável tirania
109

do tempo, falece indubitavelmente vagar para a leitura


ponderada e de sobremão de petições derramadas e
sesquipedais(10).
Tal diretriz haverá de respeitar somente à extensão das
peças jurídicas, não a seu conteúdo estrito ou padrão da
linguagem. Pelo conseguinte, escusa tratar aqui do quilate da
expressão verbal que se deve empregar na esfera judiciária;
nada obstante, cai a lanço recordar o pregão do insigne
magistrado Hildebrando Campestrini: “Não há bom Direito em
linguagem ruim”.(11)
À derradeira, como quer que, de regra, petições e
arrazoados desfecham em requerer e pedir, não resisto à força
que me faz o desejo de transcrever aqui este pedacinho de
ouro do clássico Manuel Bernardes: “Memorais longos e
compostos até a Deus desagradam”!(12)

Notas

(1) Cf. https://www.tjsp.jus.br


(2) “Procustes, salteador da África; obrigava os viajantes a deitar-se
num leito de ferro e cortava-lhes os pés quando excediam o
tamanho deste, ou esticava-os com cordas quando o não
atingiam. Foi morto por Teseu, que lhe aplicou o mesmo
suplício” (Lello Universal; v. Procustes).
(3) Cf. https://www.tjsp.jus.br
(4) Com efeito, vai já por um século, Rui estigmatizava com
ferro em brasa essa pertinaz mazela: “Mas justiça atrasada
não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a
dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das
partes e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade”
(Oração aos Moços, 1a. ed., p. 42).
110

(5) Pe. Antônio Vieira, Sermões, 1959, t. V, p. 210; Lello &


Irmão — Editores; Porto.
(6) O fato não é raro: horas mortas da noite e ainda está
acesa a luz da bliblioteca do obscuro magistrado!
Solitário (e como abstraído), compulsa autos, em que
ásperas questões jurídicas lhe fatigam o cérebro; nada
porém o demove da busca diligente da verdade real —
alma e escopo de todo o processo —, que lhe dará a
conhecer o direito que, no caso concreto, terá de
preponderar na balança incorruptível da Justiça. Isto
praticam, de ordinário, os juízes! Não será muito,
destarte, se lhes consigne um voto sincero de gratidão e
simpatia. Porque souberam honrar a toga e dignificar,
em sumo grau, o Poder Judiciário, todo o louvor lhes
será acanhado!
(7) “Quicquid praecipies, esto brevis” (Horácio, Arte Poética, v.
355).
(8) Edmundo Dantès Nascimento, Linguagem Forense, 1980,
p. 18.
(9) “Desconfio muito de quem se não abordoa a autoridades” (José
de Sá Nunes, Aprendei a Língua Nacional, 1938, vol. II,
p. 221).
(10) Apropriado ao nosso intento é o episódio que, faz
bem de anos, o desembargador Brenno Caramuru
Teixeira (de saudosa memória: 1910-1981) narrava a um
pugilo de advogados que se compraziam em escutá-lo
acerca de coisas do foro. Com a vênia do gentil leitor,
reproduzo-o aqui.
111

Foi o caso que, no exercício de sua judicatura na


comarca de Faxina (que pelo nome não perca), depois
chamada Itapeva, acertou de comparecer, de uma feita, a
seu gabinete, à primeira hora do expediente, garboso
advogado da região. Após saudá-lo cortesmente,
estendeu-lhe uma petição de avultado aspecto. O
magistrado, tanto que lhe pôs os olhos, percebeu se
tratava de inicial de reintegração de posse com pedido
de concessão de liminar. Havia um obstáculo notável,
porém: orçava a dita petição por sessenta laudas! O “Dr.
Caramuru” — que era esse o tratamento que davam os
jurisdicionados ao juiz-titular da vara —, primeiro
cerrou o sobrecenho; a breve trecho, contudo, num
impulso de consciência reta e magnífico senso
judicante, acenou ao nobre causídico para que se
assentasse na cadeira junto à sua mesa e discreteou:
Doutor, não posso despachar sua petição, que é larga,
sem que a examine detidamente, mas o meu tempo é
curto, “sou empurrado pelo ponteiro do relógio”! Dou-lhe
um conselho: torne ao escritório, refaça-a em quatro
laudas, indicando o objeto do litígio e os fundamentos
jurídicos do pedido, que ainda hoje — prometo-lhe —
direi da justiça de seu cliente.
Não tendo que opor à sensata e oportuna exortação, o
advogado — a túrgida petição entre mãos — enfiou
diretamente para sua banca e pôs-se a amputar-lhe as
demasias…
Era já pelo cair da tarde quando retornou ao fórum,
onde o esperava, tranquilo, o benevolente Caramuru,
112

que lhe recebeu a petição, leu-a enquanto o diabo


esfrega um olho e nela exarou pronta e curial decisão.
O guapo e diligente advogado, esse não sopitava largo
sorriso de satisfação ao descer as escadarias do Palácio
da Justiça, pois fora despachado de boa sombra!
(11) Como Redigir Ementas, 1994, p. 40; Editora Saraiva.
(12) Nova Floresta, 1726, t. IV, p. 420.
Damásio E. de Jesus: Luminária Grande
do Direito Penal

I. Personagem singular
Ele, que discorria “ex professo” do princípio da
proporcionalidade da pena(1) — que deve corresponder
sempre ao grau da culpa ou da falta cometida —, esqueceu-
lhe aferir por justa craveira a pena dos que perdem os objetos
de sua afeição: preferiu que outros o fizessem. Foi debalde,
porém, que a dor de certas perdas não raro excede toda
medida.
Não cabe realmente no coração humano (porque
infinita) a mágoa que acompanha o desaparecimento de
individualidades privilegiadas como o Professor Damásio
Evangelista de Jesus, arrebatado pela morte no dia 13 de
fevereiro deste ano.
Até mesmo os que aprenderam a resignar-se ao império
da lei que fixou o termo a todas as coisas — “pois também as
pedras morrem”, como asseverou um alto espírito(2) —
acabrunharam-se com a interrupção do esplêndido curso da
vida desse varão egrégio, no qual se viam reunidas, no mais
elevado grau de primor, qualidades que apenas se encontram
distribuídas entre muitos.
Os que o conheceram e trataram — e esses se contam
por dezenas de milhares — podem atestar que não há
encarecimento retórico nem tropo de linguagem no juízo de
ter sido Damásio de Jesus, sem contradição, uma das figuras
mais úteis, estimadas e fascinantes de nossa idade.
114

A razão do mui particular apreço e reverência que lhe


sagrava o comum das pessoas ilustradas (máxime as atuantes
nas províncias do Direito) procedia da notória fama de
sua dedicação, contínua e proficiente, ao magistério das
disciplinas jurídicas.
Ao mesmo tempo que se desempenhava, com exemplar
exação, de árduas e relevantes funções no Ministério Público
do Estado de São Paulo, dava lições de Direito a classes
universitárias. Com provada competência e assiduidade
cumpria à risca as praxes da cátedra e proferia aulas com
seguro critério e esmero; granjeou bem cedo, por isso, entre
alunos e professores, grande prestígio e reputação. Ainda:
nas preleções patenteava, sem quebra, a excelência de sua
didática: expunha com clareza e vivacidade as matérias do
programa oficial, que, muito de estudo, para logo aplicava a
casos concretos, numa como antecipação da liça incruenta,
expressão com que se referia à futura agenda dos advogados,
promotores de justiça e juízes de direito.

Pelo interesse que a novidade excitava, a classe inteira


ficava-lhe suspensa dos lábios!

Não se restringia, porém, seu magistério a transmitir


doutrina segundo a mais apurada matriz da ciência jurídica;
declarava as dúvidas e infundia torrentes de conhecimentos
aos que se aprestavam para o exercício da profissão (o que lhe
conferia já legítima credencial de professor benemérito);
inculcava, por fim, no espírito dos alunos o termo de
proceder que deviam guardar, à luz da Ética.

À maneira dos rudimentos da boa educação (de


ordinário ministrados com o leite materno), recitava aos
moços, no limiar da vida acadêmica, o pregão duas vezes
115

milenar de Ulpiano, jurisconsulto romano de muito


nome: Os princípios fundamentais do Direito são: Viver
honestamente; não lesar a ninguém; dar a cada um o que
é seu(3).
Estes, em síntese, os traços mais conspícuos das nunca
assaz louvadas preleções que, na regência da cadeira de
Direito Penal, fazia o provecto mestre Damásio E. de Jesus!

II. Artífice das letras jurídicas


No benéfico intuito de obviar às dificuldades e
percalços que soem influir no aproveitamento letivo, o Prof.
Damásio diligenciou por suprir suas aulas com textos
adequados às matérias do currículo. Por esta forma, tirou a
público o prestigioso repertório didático em quatro volumes:
Direito Penal. Sucessivamente, atendendo à extraordinária
aceitação da obra e aos abundantes frutos que produzia,
deliberou entre si enviar ao prelo os que seriam os mais
laureados compêndios de doutrina e jurisprudência em
pontos de Direito Penal e Processo Penal: Código Penal Anotado
e Código de Processo Penal Anotado.
116

Assim pelo rigor do senso crítico e acurada exegese dos


textos legais como pela sistemática e judiciosa disposição dos
temas versados e feliz apresentação gráfica, esses dois livros
bastaram a exaltar aos cornos da lua a glória literária de seu
autor.
Em verdade, apenas expostos nas livrarias, despertaram
geral atenção e interesse da classe jurídica do País, que de
pronto os adquiriu e transformou no principal vade-mécum
dos que militam na área do Direito Penal.
Nenhum bacharel especializado na “Ciência de Carrara”
furtou-se a dar-lhes guarida pronta e cortês. Advogados
criminalistas, promotores de justiça e magistrados tinham-
-nos sempre à mão (na mesa de trabalho ou na estante de
obras seletas). Para dar força e peso a seus arrazoados
forenses, ou para acrescentar o vigor da fundamentação de
suas decisões, era aos “Códigos Anotados” do Prof. Damásio
que se habituaram a recorrer.

E não havia que opor a esta sensata e natural prática. À


uma, porque sempre foi de louvar o dito daquele discreto:
“Duvido muito de quem se não abordoa a autoridades (…)”(4);
à outra, porque, no caso de necessitarmos de boa lição,
importa muito que a tomemos a quem a deu mais clara e
completa.
De mim, entre honrado e agradecido, direi que não
caem sob o algarismo as vezes em que me valeram esses dois
edificantes compêndios. Advogado, eram-me a primeira
fonte de consulta; juiz de 2º grau, constituíam meu oráculo
e subsídio na aplicação do bom direito à espécie em causa.
E isto por mui atendível razão: a despeito da robusta
bibliografia com que eminentes penalistas opulentaram a
117

república das letras(5), esses dois livros passavam pelos mais


fáceis de compulsar, além de, sem salvas nem rodeios,
encaminhar o leitor para a solução do ponto controverso. Por
fim — circunstância notável —, eram suas edições, com
desusado esmero, revistas e atualizadas anualmente.
Eis por que (e cuido não incorrer em engano se alego
interpretar o sentimento comum dos que frequentam a barra
da Justiça Criminal), fomos alcançados em altíssima dívida
para com o Prof. Damásio E. de Jesus, irresgatável como todas
as contraídas com um benfeitor, já que de gratidão.

III. Vocação para o magistério superior e para as artes

Sem embargo de suas atividades de professor


universitário, membro efetivo do Ministério Público e escritor
de pulso, Damásio achou ainda força e condições para
realizar ambicioso projeto, que o consagraria como o
precursor das escolas preparatórias às carreiras jurídicas.
Fundou e dirigiu, com inspiração de educador exímio,
o Complexo Jurídico Damásio de Jesus, glorioso celeiro de saber
especializado, onde jovens encontravam estímulo e pecúlios
intelectuais que os habilitassem a ingressar no Ministério
Público e na Magistratura.

Mestre Damásio e o abalizado corpo docente de seu


instituto deitaram em solo fértil sementes de verdadeira e sã
doutrina, que logo medraram e, por fortuna, produziram os
frutos que se esperam da boa árvore (na espécie, a nova
geração de servidores públicos, “magna pars” da cota de
sinergia orientada para o aprimoramento dos quadros da
Justiça).
118

Incontáveis, com efeito, são hoje os que servem lugares


de Magistratura, dignificam as hostes do Ministério Público
e da Advocacia e podem exibir com orgulho, à guisa de
credenciais de mérito, as insígnias do Complexo Jurídico
Damásio de Jesus.
A auréola de celebridade começava, destarte, a cingir a
fronte do Mestre, pois transpusera a meta que muitas
organizações predestinadas não lograram sequer tocar!
Houve mais, porém! É fama que a Natureza, para não
desmentir a parêmia que a dá por mãe pródiga, costuma
dotar de modo especial certas individualidades, com apurar-
-lhes o entendimento, a vontade, o senso estético e as
potências que afirmam a vida(6). Este prodígio operou em
relação a Damásio, cujo ânimo, agraciado já com peregrina
inteligência e caráter, quis também dispor para altas
concepções e misteres: ungiu-o ministro juramentado da
arte e da beleza, em cujos altares oficiou com devota
pontualidade.
O bucólico teor de vida, o estilo original e as expansões
de jovialidade que imprimia às horas feriadas, em sua estância
rural, forjaram-lhe afável e lisonjeiro perfil. Comprazia-se em
cultivar, com entranhado desvelo, imenso orquidário, que
encerrava para cima de 6 mil espécies, e extensa plantação de
coqueiros (coisa de 3 mil pés, que lhe rendiam a safra anual de
90 mil cocos). Ainda: criava em sua deleitosa quinta — que,
num lampejo feliz de imaginação denominou Ilha da Fantasia
— formoso bando de 153 flamingos. Remeteu o disco ainda
mais longe: com infinita paciência adestrou-os na arte
coreográfica; sob sua regência e ao som de melodia favorita,
punham-se as aves a agitar a cabeça e o pescoço, graciosa e
119

sincronicamente, de um para outro lado. Espetáculo era esse


belíssimo de ver e mui digno de divulgar, para gáudio e
encantamento de quantos ainda se extasiam perante o
maravilhoso e sabem ser gratos àqueles que, pelo engenho,
ação fecunda e idealismo, engrandecem a sociedade humana.
A revista Veja SP, edição de 5.10.2005, levou a palma do
bom gosto e oportunidade, ao comentar, com texto da
jornalista Marcella Centofanti, ilustrado com fotografia
expressiva, a arte cênica dos alvinitentes flamingos do Prof.
Damásio de Jesus (pp. 49-50):

IV. A herança do varão sábio e probo


Aquele que ensinou pela palavra e pelo exemplo, e
converteu em facho de luz os livros com que aplainou a
milhares de jovens o caminho das mais nobres profissões,
esse não foi apenas agente do bem; exerceu, em rigor,
a missão de apóstolo, termo por que se conhecem e
recomendam os propagadores de boa doutrina.
120

Obrando conforme o seu nome — Evangelista —,


Damásio armara-se de ponto em branco para revelar aos
espíritos ávidos de saber e afeitos aos estudos jurídicos as
noções fundamentais da ciência que o faria conhecido e
louvado em todos os círculos acadêmicos: o Direito Penal.
Mentor intrépido da instrução secundária e guia seguro
da mocidade estudiosa, acha-se-lhe por isso inscrito o nome,
à conta de sua manifesta e inconcussa influência, entre os
grandes vultos nacionais.
Isto de um obscuro discípulo pretender tributar louvor a
seu mestre, se este se chamou Damásio E. de Jesus, não será
pedra de escândalo nem pretexto para censura, já que se
amparou em razões forçosas e atendíveis, das quais uma é a
regra que manda proporcionar o galardão ao merecimento, e
o castigo à iniquidade. (Ora, os serviços que o homenageado
prestou à gente do foro ultrapassam o mais generoso
estalão!).

É de ordem natural o outro motivo: procede das fibras


do coração humano, que nunca ficou indiferente à face
daqueles que, por haverem tomado sobre si o patrocínio de
causas sociais nobres e urgentes, tornaram-se dignos de
eterno reconhecimento.
Ao Prof. Damásio Evangelista de Jesus convém, pois, o
mote paradoxal que a opinião pública tem reservado aos
varões de sumo valor, saber e honra: “Morreu ontem um desses
homens que não morrem” !(7)
121

Prof. Damásio E. de Jesus (1935-2020)


( Luminária grande do Direito Penal)

Notas

(1) Direito Penal Anotado, 18a. ed., p. 3.


(2) Pe. Antônio Vieira, Sermões, 1959, t. I, p. 120.
(3) “Juris praecepta sunt haec: Honeste vivere; neminem laedere; jus
suum cuique tribuere” (Digesto, 1.1.10.1).
(4) José de Sá Nunes, Aprendei a Língua Portuguesa, 1938, vol.
II, p. 221.
(5) No soberbo e dilatado cânon dos penalistas que, por
universal consenso, têm entre nós lugar assinalado no
panteão da glória literária, avultam os nomes de: Nélson
Hungria (“Pontifex Maximus” do Direito Penal Brasileiro),
Bento de Faria, A.J. da Costa e Silva, Basileu Garcia, José
Frederico Marques, Aníbal Bruno, Heleno Cláudio
122

Fragoso, Edgard Magalhães Noronha, René Ariel Dotti,


Alberto Silva Franco, Mohamed Amaro, Guilherme
Souza Nucci, Luiz Flávio Gomes, Cezar Roberto
Bitencourt, Miguel Reale Jr., Edílson Mougenot Bonfim,
Fernando Capez, Roberto Delmanto, e muitos outros
também de primeira plana.
(6) Assevera um de seus biógrafos que Benjamim Disraeli
(1804-1881), estadista que consolidou o Império Britânico,
“idolatrava as árvores e as flores” (André Maurois, A Vida
de Disraeli, 7a. ed., p. 141; trad. Godofredo Rangel;
Companhia Editora Nacional; São Paulo); o genial Rui
Barbosa (1849-1923), nos raros e breves ócios que lhe
consentiam as graves ocupações, “sempre dedicou especial
carinho ao jardim e às flores” (cf. Ruy Barbosa, “In Memoriam”,
1923).

(7) Dístico eloquente com que a imprensa da Capital paulista


lamentou a morte de seu prefeito Olavo Setúbal (in O
Estado de S. Paulo, 22.8.2008).
Justiça e Composição de Litígios

Sumário. A excessiva demora na prestação jurisdicional equivale a


denegação de justiça; pelo que, será digno de louvor todo o esforço para
debelar esse grave mal. Entre as mais promissoras medidas propostas figura,
inegavelmente, o instituto da conciliação das partes, ou justiça consensual.

1. A solução dos conflitos que surgem e recrudescem nas


relações humanas é o primeiro alvo a que os órgãos do Poder
Judiciário atiram seus esforços, no elevado intento de prover à
paz social(1). Tão clara e arrazoada é esta preocupação, que o
mesmo texto da lei a propõe e encarece. Reza, com efeito, o
art. 3º, § 2º, do Código de Processo Civil que “O Estado promoverá,
sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”.(2)
Também na esfera do Direito Penal — com o advento da
Lei nº 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais — adquiriu
tal prática foros de preceito, que encerra não só a faculdade
senão o estímulo para que se componham as partes (cf. arts.
60, 61 e 89).
Presidem à adoção da medida em nosso ordenamento
jurídico duas razões de grande peso e alcance, poderosas a
descoroçoar as aventuras forenses, a litigância de má-fé e o
espírito de emulação: a urgência da prestação jurisdicional
rápida e a sorte vária dos pleitos judiciais.
Em verdade, graças à conciliação ou concórdia(3) entre
as partes no limiar da ação, fica dispensado o juiz de instaurar
a fase de dilação probatória e, pois, de ferir o mérito da causa.
O que isso representa de útil e proveitoso escusa dizê-lo, pois
bem o sabem quantos um dia já transpuseram, aflitos, os
pórticos solenes e perturbadores da Justiça!
124

Na tela sombria dos problemas com que defronta o


Judiciário, há que considerar alguns pontos de reconhecida
importância e gravidade. Conforme a opinião comum, que
assenta na notoriedade pública, são estas as causas que, para
nossa desgraça, obstam a célere e efetiva realização de justiça:
I – O número gigantesco da população brasileira,
que, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística), orça por duzentos e quinze milhões de pessoas,
das quais anda a metade em pendências com a Justiça.
II – O quadro geral da magistratura, que conta cerca de
18 mil juízes em atividade. (Mas, atento o número vultoso
dos jurisdicionados, o Conselho Nacional de Justiça estima
um “deficit” de 20%).
III – O uso (íamos quase a escrever abuso) da via recursal
da 2a. Instância e Tribunais Superiores.

2. A forçosa consequência dessa realidade (que antes


parecera crise permanente) é a demora demasiada na solução
das controvérsias submetidas à Justiça.
No Brasil, a pormos fé inteira na voz da imprensa e nas
estatísticas, “uma sentença de primeira instância leva 1.606 dias
para sair”(4), mais de quatro anos, portanto!
Discorrendo da matéria num texto célebre, escrevia, há
um século, o primeiro de nossos juristas:
“Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e
manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador
contraria o direito escrito das partes e, assim, as lesa no
patrimônio, honra e liberdade” (Rui Barbosa, Oração aos
Moços, 1a. ed., p. 42).
125

Ora, problemas e dificuldades, tanto que apareçam, é


mister resolvê-los sem tardança, em obséquio à própria
condição humana, que nunca se resigna às incertezas e às
longas esperas.
Daqui a aura de simpatia e esperança que nobilita
a iniciativa de espíritos ardentes, esclarecidos e bem-
-intencionados, de propugnar o aperfeiçoamento dos
serviços judiciais.
Assim, embora se deite à sombra a hipótese de ser
acrescentado o número dos juízes em todo o território
nacional — à conta da alegada estreiteza financeira —,
algumas ações ainda se poderiam empreender para poupar à
Justiça imerecido descrédito e prevenir-lhe iminente paralisia
funcional pela formidável pletora de serviços:

a) prestigiar com afinco a Justiça Consensual, ampliando-


-lhe os casos de incidência;
b) conferir à 2a. Instância — pois que se trata da derradeira
etapa de análise da prova com cognição plena — o
caráter de órgão de juízo definitivo sobre a questão de
mérito resolvida pela sentença de primeiro grau.

Efeitos notáveis dessa inovação: no próprio Tribunal de


Justiça — que não nas Cortes Superiores — receberá o
processo judicial o selo da “res judicata”; as partes entrarão
logo a cumprir o julgado; a Justiça Criminal expedirá guia de
recolhimento do réu a que tiver sido aplicada pena privativa
de liberdade, fazendo o Estado que expie o seu crime aquele
que infringiu a lei penal. Numa palavra: far-se-á justiça em
tempo razoável, com restauração do direito violado.
126

3. Na adoção de tais medidas, que importam muitíssimo


para a celeridade da Justiça, não poderá haver — é bem se
registre com ênfase — preterição, posto que mínima, dos
sagrados princípios da ampla defesa e do contraditório, que
dominam o processo.
O Judiciário brasileiro, então, lançará de si a nota
incômoda, com que justamente o verberou, pelo voto de um
de seus membros, o Supremo Tribunal Federal:

“(…) em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo


grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa
aguardando o referendo da Corte Suprema” (HC nº 85.886;
relª Minª Ellen Gracie; DJ 28.10.2005).

A Justiça Consensual, como forma de solução de


conflitos, tem por si o influxo não só do direito positivo, mas
também de veneranda tradição, apoiada na sabedoria das
gentes.
Deveras, a nossos pais já ouvíamos dizer que é preferível
um mau acordo a uma boa demanda. Tão prudente lhes parecia
não deixar o certo pelo duvidoso!(5) O móvel que lhes
inflamava o espírito e dirigia a vontade exprimiu-o, em lição
magistral, o nosso Rui:

“Duvidosa foi sempre a sorte das lides judiciárias, ainda quando


manifesta a justiça dos litigantes. Daí a utilidade, reconhecida
em todos os tempos, das transações; e por isso a sabedoria da
experiência manda muitas vezes preferir a má composição à boa
demanda” (apud Roberto Lyra, A Obra de Ruy Barbosa em
Criminologia e Direito Criminal, 1952, p. 205).
127

Em suma, reforma judicial que ponha cobro à franca


morosidade nos julgamentos pelo Poder Judiciário (sempre
que provocado para dirimir questões) será a mais grata
resposta à velha aspiração dos brasileiros de extirpar o mal
grave que os desalenta: a falta de rapidez na distribuição de
justiça.

Notas

(1) Mote ou legenda eloquente do brasão pontifício de Pio


XII (1876-1958): “Opus justitiae pax”. A paz é fruto da
justiça.
(2) O § 3º do referido artigo é ainda mais incisivo: “A
conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual
de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados,
defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive
no curso do processo judicial”.
(3) Concórdia: “União dos corações” (Rafael Bluteau, Vocabulário,
1712; v. concórdia).
(4) In O Estado de S. Paulo, 1.9.2022.
(5) A propósito do dilema — litigar ou transigir? — é
expressivo o rol dos aforismos e anexins: “Não deixemos
o certo pelo duvidoso” (Solano Constâncio, Dicionário da
Língua Portuguesa, 1877; v. duvidoso); “Antes uma
composição má que uma boa demanda” (Séguier; apud
Francisco Fernandes, Dicionário de Sinônimos e Antônimos,
2a. ed.; v. composição); “Vale mais transigir que litigar”
(Séguier; apud Francisco Fernandes; Dicionário de Verbos e
Regimes, 39a. ed.; v. transigir); “Mais vale um toma que dois
te darei” (R. Magalhães Júnior, Dicionário de Provérbios e
128

Curiosidades, 1960, p. 162); “Minima de malis” (Cicero, De


Officiis, 3, 29, 15) – Dos males, o menor; Quando os males são
inevitáveis, manda a prudência escolher o menor (Fedro,
Fábulas, I, 2); Antes uma ruim avença que uma boa sentença;
É melhor transigir do que contender; Vale mais um pássaro na
mão do que dois voando; Vale mais um tico-tico no prato que
um jacu no mato.
O Crime e a Sanção Penal

Sumário. A ninguém é lícito violar, sem justa causa, a ordem jurídica; por
isso, aos infratores são cominadas penas, que são o salário do crime. A não
haver punição para o transgressor da lei, tornava-se impossível a vida em
sociedade.

I. Convicto de crime, incide no réu a sanção do Direito


Penal. A pena, estipêndio da violação do bem jurídico
protegido, serve a dois propósitos capitais: expiação da falta
cometida e advertência que não torne o réu a delinquir.
A lição de Nélson Hungria a tal respeito escusa outras
mais que se possam arrolar: “A pena traduz primacialmente um
princípio humano por excelência, que é o da justa recompensa: cada
um deve ter o que merece” (Novas Questões Jurídico-Penais, p. 131).
A faltar o justo castigo nos casos de ofensa à lei,
a própria ordem social estava ameaçada; em verdade,
unicamente com medidas eficazes de prevenção e de
repressão é que a criminalidade cessa ou diminui.

II. Na boa formação da personalidade do indivíduo, com


preponderância dos sadios princípios e valores morais e
cívicos, é que a política de prevenção dos fatores
criminógenos haverá deparar o seu verdadeiro e sólido
fundamento; donde a máxima da experiência: Abrir escolas
é fechar cadeias.
Mas, falhando os outros meios de contenção do crime
— e desde que superior a toda a dúvida a culpabilidade do réu
—, tem lugar a repressão: tocará ao Estado, por direito e dever
indeclinável, fulminar-lhe punição.
130

A esperança da impunidade, com efeito, já o advertia o


eloquente Cícero, passa pelo maior incentivo das práticas
criminosas.(1)
Ao infligir pena ao culpado, no entanto, será bem não
desconsidere o Juiz a bela parêmia do clássico Manuel
Bernardes: “Deve o rigor do castigo temperar-se sempre com a
moderação da clemência” (Nova Floresta, 1728, t. V, p. 466).

III. À conta do relevo que imprimiu a circunstâncias que,


em tese, podem mitigar a pena imposta a autor de furto,
pareceu-me bem reproduzir aqui o seguinte acórdão do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO E STADO DE SÃO PAULO

QUINTA C ÂMARA – S EÇÃO C RIMINAL

Apelação Criminal nº 993.08.037871-1


Comarca: Mairiporã
Apelante: AARL
Apelado: Ministério Público

Voto nº 10.480
Relator
131

– Não se exime da tacha de larápio (e, pois, cai


sob o rigor da lei) o sujeito que, tendo-se
enfrascado em bebidas alcoólicas, entra em
propriedade alheia, subtrai animal (boi), que
abate, e da carne faz churrasco para amigos e
vizinhos.
– O argumento da embriaguez não aproveita ao
infrator, exceto se completa e involuntária. A
embriaguez voluntária, dispõe a lei que não
elide a responsabilidade criminal do agente,
porque não lhe exclui a imputabilidade (art.
28, nº II, do Cód. Penal).
– Ainda que do fato criminoso praticado na
calada da noite não haja outras testemunhas
mais que as estrelas do céu, incensurável é
a sentença que, baseada em confissões
extrajudiciais harmônicas e verossímeis,
condena sujeitos acusados de abigeato, ou
furto de gado.
–“A confissão atendível é raio de luz que ilumina de jato
todos os escaninhos dos crimes ocultos, dissipa as
dúvidas, orienta as ulteriores investigações e conforta
de um só passo os escrúpulos do juiz e as
preocupações de justiça dos homens de bem” (Hélio
Tornaghi, Curso de Processo Penal, 1980, vol. I, p.
382).
– Em obséquio ao espírito da lei — que previne
todo prejuízo à jornada normal de trabalho
do condenado (art. 46, § 3º, do Cód. Penal) —,
é de bom exemplo, nos casos urgentes,
alterar medida substitutiva penal aplicada
ao réu (prestação de serviços à comunidade)
para duas restritivas de direitos: interdição
temporária de direitos (proibição de
frequentar determinados lugares) e multa
(arts. 44, § 2º, 43, nº V, e 47, nº IV, do Cód. Penal).
132

Seria desarrazoado, com efeito, obrigá-lo a


prestar serviços gratuitos à comunidade em
detrimento da subsistência própria e da
família.

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito da


1a. Vara da Comarca de Mairiporã, condenando-o à pena
de 2 anos de reclusão, no regime aberto, e 10 dias-multa,
substituída a pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos, por infração do art. 155, § 4º, nº IV, do Código Penal,
interpôs recurso para este Egrégio Tribunal, com o escopo
de reformá-la, AARL.
Nas razões de recurso, elaboradas por diligente
patrono, afirma que a prova dos autos, precária e insegura,
não justificava a edição do decreto condenatório.
Argumenta, ainda, que o réu praticara o fato em
estado de embriaguez.
Destarte, espera que a colenda Câmara lhe proveja o
recurso para absolvê-lo. Mas, se lhe mantiver o edito
condenatório, pleiteia redução da pena, a seu aviso fixada
com demasiado rigor (fls. 331/332).
As razões da Defesa, refutou-as, com bons
fundamentos, a douta Promotoria de Justiça e propugnou o
provimento parcial da apelação (fls. 335/336).
A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em
abalizado e escorreito parecer do Dr. Mário Luiz Sarrubbo,
opina pelo provimento parcial do recurso (fls. 380/384).
É o relatório.
133

2. Foi o réu chamado a prestar contas à Justiça Criminal


porque, em 23.1.2004, pelas 9h30, na Rua Um (Jardim
Paraíso, Terra Preta), em Mairiporã, obrando em concurso e
unidade de propósitos com Carlos JM e José CM (vulgo “Zé
Magrela”), subtraiu para si um animal bovino, pertencente a
Benedita Antonia Romero.
Reza a denúncia que, nas mesmas condições de tempo
e lugar, Carlos JM mantinha sob sua guarda e ocultava arma
de fogo de uso proibido, sem autorização e em desacordo
com determinação legal ou regulamentar.
Consta dos autos que o réu e seus comparsas entraram
na propriedade da vítima e, após apartar uma das reses do
rebanho, conduziram-na a outro local, onde a abateram,
dividindo-lhe a carne entre si.
Avisada dos fatos, a Polícia empreendeu diligências; ao
cabo, encontrou, na casa dos larápios, parte da “res furtiva”.
Instaurada a persecução criminal, foram os réus
condenados pela r. sentença de fls. 318/323, com a qual não
concordou o apelante, que clama por absolvição.

3. A despeito de seus protestos de inocência, o


inconformismo do réu não procede, “data venia”.
Com efeito, ainda que digno de louvor o empenho de
seu nobre patrono, está cumpridamente demonstrado que
fora um dos autores do furto e subsequente abate do animal
descrito na denúncia.
No claro intento de descaracterizar o ilícito penal que
lhe foi imputado, o réu, ouvido no inquérito e em Juízo,
ensaiou versão escusatória, com dizer que encontrara o
134

animal vagando pela rua, sem dono, pelo que deliberou


levá-lo consigo para o abate (fls. 8 e 110/111).
Tal alegação, porém, não tem visos de verdade, antes
argui imaginação destemperada.
De fato, aquele que não justifica, além de dúvida, a
posse de coisa alheia, entende-se que a adquiriu por meio
criminoso.
Como alegou causa escusativa de criminalidade do
fato, afirmando deparara com o animal abandonado,
cumpria ao réu comprová-lo, “ad satiem”, conforme a regra
de direito (art. 156 do Cód. Proc. Penal), sob pena de incorrer
na censura de réu confesso.
Vem aqui de molde o magistério da Jurisprudência:
“Em tema de delito patrimonial, a apreensão da coisa subtraída
em poder do réu gera a presunção de sua autoria e, invertendo-
-se o ônus da prova, impõe-lhe justificativa inequívoca”
(RJTACrimSP, vol. 43, p. 253; rel. Rulli Júnior).

Tendo admitido a autoria do furto, a mais prova oral já


se mostrava escusada.
Com efeito, passa por verdade irrefutável a confissão
da autoria do fato em Juízo, pela certeza de que livre de
todo o constrangimento.
Esta é a lição de Hélio Tornaghi, em seu esplêndido
livro:
“É sumamente tranquilizador para a consciência do Juiz ouvir
dos lábios do réu uma narrativa convincente do fato criminoso
com a declaração de havê-lo praticado” (Curso de Processo
Penal, 1980, vol. I, p. 381).
135

Do valor da confissão estão repletos os livros de


graves autores. Serve ao intento este passo de José Frederico
Marques:
“Para os chamados penalistas práticos, a confissão do acusado
se equiparava à própria coisa julgada, como ensinava
Farinácio: Confessio habet vim rei judicatae” (Estudos de
Direito Processual Penal, 1a. ed., p. 290).

4. A alegação do réu, a modo de defesa, de que surripiara


o animal porque se achava sob o efeito do álcool, não lhe
aproveita.
Com efeito, consoante a sistemática do Código Penal, a
embriaguez, por álcool ou substância análoga, só é causa
excludente de culpabilidade quando completa, involuntária
ou proveniente de caso fortuito ou força maior (art. 28, § 1º,
do Cód. Penal).
A lição de Damásio E. de Jesus faz muito ao caso:
“Se o sujeito comete uma infração penal sob efeito de
embriaguez, voluntária ou culposa, não há exclusão da
imputabilidade e, por consequência, não fica excluída a
culpabilidade. Ele responde pelo crime” (Código Penal
Anotado, 8a. ed., p. 116).

Em face do que levo expendido, nenhuma outra


solução era compatível com o acervo probatório, exceto a
condenação do réu.
Primário e autor de furto qualificado pelo concurso de
agentes, a pena que a r. sentença impôs ao réu (2 anos de
reclusão) não sofre alteração. Também no substituí-la por
136

pena alternativa obrou a nobre Magistrada com acerto e


bom critério.
Todavia, como observou com grande penetração o
insigne Procurador de Justiça, o cumprimento da jornada
de 8 horas semanais, em contradição com o que preceitua o
art. 46, § 3º, do Código Penal, poderá prejudicar o desempenho
da atividade profissional do réu.
Assim, em obséquio ao espírito da lei — que previne
todo prejuízo à jornada normal de trabalho do condenado
(art. 46, § 3º, do Cód. Penal) —, hei por bem alterar a pena
substitutiva do réu (prestação de serviços à comunidade)
para duas restritivas: interdição temporária de direitos
(proibição de frequentar determinados lugares) e 10 dias-
-multa, no valor mínimo legal (arts. 44, § 2º, 43, nº V, e 47,
nº IV, do Cód. Penal).
Seria desarrazoado, com efeito, obrigá-lo a prestar
serviços gratuitamente à comunidade em detrimento da
subsistência própria e da família (fls. 110 e 117).
Afora esse pouco, mantenho no mais, por seus bons e
jurídicos fundamentos, a r. sentença que proferiu a distinta
e culta Juíza Dra. Carla Zoéga Andreatta Coelho.

5. Pelo exposto, dou provimento parcial ao recurso para


alterar a pena substitutiva do réu — prestação de serviços à
comunidade para duas restritivas de direitos: interdição
temporária de direitos (proibição de frequentar lugares) e
10 dias-multa, no valor mínimo legal (arts. 44, § 2º, 43, nº V, e
47, nº IV, do Cód. Penal), mantida, no mais, a r. sentença de
Primeiro Grau.
137

São Paulo, 29 de agosto de 2008


Des. Carlos Biasotti
Relator

IV. Pena. Coletânea Jurídica

a) Introdução
Nos arrazoados forenses, decisões, sentenças e artigos
jurídicos, aproveita muito ao prestígio da forma literária, no
caso de vir a ponto, a citação de brocardos do Direito e
máximas da experiência.
Em verdade, o advogado(2), quando deduz em juízo
uma pretensão, e o juiz(3), ao fundamentar suas sentenças e
despachos, não lhes é defeso cultivar em grau assinalado a
arte de bem escrever.
Ora, da petição inicial e dos arrazoados forenses sempre
foi apanágio a clareza e a precisão, que por força pressupõem
a ciência e o domínio dos cabedais da língua; numa palavra: a
boa exação gramatical.(4) Outro tanto, em referência às
decisões do Poder Judiciário, que serão fundamentadas, “sob
pena de nulidade” (art. 93, nº IX, da Const. Fed.). Neste particular,
a expressão verbal apropriada, exata e escorreita é a que
satisfará ao preceito da lei.(5)
Por fim, escusa lembrar que, nisto de citações, como em
tudo o mais, há mister proceder sempre com peso e medida.

b) Pena: Pecúlio de Máximas, Aforismos e Doutrina


Jurídica
138

1. “Não há pena sem prévia cominação legal” (art. 1º do Cód.


Penal).
2. “Poena debet culpae respondere, commensurari delicto”. Deve
a pena corresponder à culpa, medindo-se pelo delito.
3. “Poena praesuponit culpam”. A pena pressupõe a culpa.
4. “Poena non irrogatur, nisi expresse jure caveatur”. Não se
impõe pena sem lei expressa que a decrete.
5. “Poenis benignior fit interpretatio”. Nisto de penas,
prevalece a interpretação mais benigna.
6. “Nemo inauditus damnari potest”. Ninguém pode ser
condenado sem ser ouvido.
7. “Cavendum est ne major poena quam culpa sit” (Cicero, De
Off., I, 24). Cumpre atender a que não seja a pena maior
que a culpa.
8. “Confessio spontanea minuit delictum et poenam”. Confissão
espontânea diminui o delito e a pena (cf. art. 65, nº III,
letra d, do Cód. Penal).
9. “Culpa, ubi non est, nec poena esse debet”. Onde não há
culpa não deve haver pena.
10. “Dolus, ubi non adest, non est delictum poena dignun”. Onde
não há dolo, não há delito merecedor de pena.
11. Em princípio, todo castigo é contraproducente
(Erasmo de Roterdã, “De Pueris” — Dos Meninos —,
p. 70; trad. Luiz Feracine).
12. Bater só em caso extremo, mas moderadamente (Idem,
ibidem, p. 80).
13. Não há animal tão manso que não fique furioso ante
tratos imoderados (Idem, ibidem, p. 72).
139

14. “Qui parcit virgae odit filium suum; qui autem diligit illum
instanter erudit” (Prov. XIII, 24). Aquele que poupa a vara
aborrece seu filho; mas o que o ama, continuamente o
corrige (Bíblia Sagrada, 1881, t. I, p. 677; trad. Antônio
Pereira de Figueiredo).
15. “Quos amo, arguo et castigo. A quem amo, advirto e castigo”
(apud Rui Barbosa, A Imprensa e o Dever da Verdade, 1920,
p. 67).
16. “Pena de talião — É uma lei que remonta à Antiguidade mais
remota, pois figura nos livros sagrados. A Bíblia esclarece, no
Êxodo, que ela consiste em infligir, ao autor de uma
transgressão, punição em tudo igual ao crime” (R. Magalhães
Júnior, Dicionário de Provérbios e Curiosidades, 1960, p.
213).
17. “Suprima-se a pena (quod Deus avertat) e o crime seria, talvez,
a lei da maioria” (Nélson Hungria, Comentários ao Código
Penal, 1978, vol. I, t. II, p. 196).
18. Não deve contudo a pena ter caráter só retributivo ou
de expiação pelo mal praticado; há de ser também
medida salutar de defesa social e meio de reeducação
do infrator. Na frase original de Platão, deve ser a
medicina da alma (cf. Revista da Faculdade de Direito de São
Paulo, vol. 419, p. 96).
19. A pena deve operar no infrator a finalidade que lhe
reconhecia já o divino Platão: medicina da depravação
moral (cf. Górgias, cap. XXIV).
20. “A pena-retributiva jamais corrigiu alguém” (Nélson
Hungria, Comentários ao Código Penal, 1980, vol. I, t. I,
p. 14).
140

21. A prisão é crime pior que o cometido pelo sentenciado, seja


qual for (Bernard Shaw; apud Ataliba Nogueira, Pena sem
Prisão, 1956, p. 9). O cárcere: “la scuola normale del delitto”
(Colajanni; apud Valdemar César da Silveira, Sentenças
Criminais, 1941, p. 79).
22. Além de corretivo do infrator, a pena é cominada e
aplicada para aterrar e afastar do crime os espíritos tendentes
ao mal (Filangieri; apud Fernando Nery, Lições de Direito
Criminal, 3a. ed., p. 350).
23. Palavras do magistrado francês Osvaldo Bardot:
Consultai o bom-senso, a equidade, o amor do próximo, antes
da autoridade e da tradição. A lei se interpreta. Ela dirá o que
quiserdes que ela diga. Sem mudar um til, pode-se, com os mais
sólidos considerandos do mundo, dar a razão a uma parte ou a
outra, absolver ou condenar à pena máxima. Desse modo, que a
lei não vos sirva de álibi (apud Jucid Peixoto do Amaral,
Manual do Magistrado, 4a. ed., p. 42).
24. A nímia liberalidade na aplicação do texto legal pode
desfechar em impunidade, mas a moderação em impor
penas ao réu passa por pedra de toque do verdadeiro
julgador.
25. A jurisprudência dos Tribunais preconiza que, em
se tratando de réu primário, “a regra é partir da pena-base
no grau mínimo” (cf. Celso Delmanto, Código Penal
Comentado, 5a. ed., p. 107).
26. Consequência forçosa do delito, a pena é “o meio de
garantia social de reduzir o criminoso à impossibilidade de
prejudicar, ou de torná-lo inofensivo, tendo como fim principal
a segurança pública” (João Vieira; apud Fernando Nery,
Lições de Direito Criminal, 1933, p. 356).
141

27. Justiça excessiva não é senão injustiça, proclamou com


assaz de razão o eloquente Cícero: “Summum jus, summa
injuria” (“De Officiis”, I, 10).
28. É incensurável — porque não apenas legítima e justa,
mas também sábia — a decisão que substitui por
prestação pecuniária (consistente em doação de cesta
básica) a prestação de serviços à comunidade imposta a
autor de estelionato que, trabalhador rural, não a podia
cumprir sem notável prejuízo de suas atividades. Não
esqueça aos aplicadores do Direito a advertência de
Anatole France: Se a lei é morta, deve-lhe o Juiz dar vida.
29. “A pena é força de reserva na defesa da ordem jurídica”
(Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1980, vol.
VII, p. 182).
30. A exasperação da pena do réu, em caso de crime
cometido contra velho, bem se justifica. A velhice é
coisa sagrada; ofender um velho, na elegante expressão
de um escritor, “é apedrejar uma árvore carregada de frutos”
(Alberto Pimentel, Vinte Anos de Vida Literária, 1908,
p. 39).
31. Advertidamente escreveu o Marquês de Beccaria: Para
ser justa, não deve a pena ter senão o grau de rigor que baste a
afastar os homens da senda do crime (Dos Delitos e das Penas,
§ XVI).
32. Expressão de equidade e bom aviso, não há que reparar
na sentença que, ao fixar a pena do réu, compensa-lhe
os maus antecedentes com a confissão espontânea.
“Aquele que se acusa a si mesmo escusa acusador, e faz leve o
seu delito”, escreveu o clássico Manuel Bernardes (Nova
Floresta, 1711, t. III, p. 259).
142

33. A pena, para ser justa, há mister do rigor somente que


baste a desviar os homens do caminho do crime:
“Perchè una pena sia giusta, non deve avere che quei soli gradi
d’intensione che bastano a rimuovere gli uomini dai delitti”
(Cesare Beccaria, Dei Delitti e delle Pene, cap. XVI).
34. Comprovada a morte do agente, é força julgar-lhe
extinta a punibilidade (art. 107, nº I, do Cód. Penal e art.
61 do Cód. Proc. Penal). A morte é o termo natural de
todas as coisas. “Mors omnia solvit”, reza velho aforismo
jurídico.
35. “Sendo pessoal a responsabilidade penal, a morte do agente faz
com que o Estado perca o jus puniendi, não se transmitindo a
seus herdeiros qualquer obrigação de natureza penal: mors
omnia solvit” (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado,
17a. ed., p. 336).
36. Frutos de seu trabalho e, pois, estipêndio do suor, os
dias remidos do preso têm alguma coisa de sagrado,
que os guarda do rigor do Juízo da execução penal.
“É inadmissível a perda dos dias remidos por decisão judicial,
em virtude de falta grave cometida pelo sentenciado”
(RJTACrimSP, vol. 39, p. 416).
37. No geral consenso dos doutos, a pena deve medir-se
pelo delito.
38. “Fazer justiça não é, em muitos casos, obedecer à lei e, sim,
obedecer ao direito que é a fonte da lei” (Eliézer Rosa, A Voz
da Toga, 1a. ed., p. 41).
39. “Não trepidei em mudar de voto, pública e declaradamente,
toda vez que novos argumentos ou provas concludentes me
convenceram do desacerto do veredictum anterior; acima do
melindre pessoal de cada um está a sacrossanta causa da
143

Justiça” (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do


Direito, 16a. ed., p. 377).
40. É apotegma de Direito Penal que o castigo deve
responder à culpa, em igual medida. Suposto mereça
todo o infrator a proteção da lei, não é de bom
exemplo dispensar mercês, em detrimento da ordem
social, àqueles que fazem do crime profissão.
41. Uma vez conspirem todos os requisitos legais para sua
concessão, denegar ao sentenciado o benefício da
comutação de penas fora o mesmo que frustrar, em
seu espírito e forma, o Decreto do Presidente da
República e, sobre isso, mentir ao ideal de justiça.
42. Ao condenado que satisfaz o requisito objetivo (lapso
temporal) é bem se conceda comutação de pena.
Pequenas deficiências de cunho íntimo ou subjetivo,
que acaso apresente, deve supri-las o Juiz com o
espírito mesmo que preside à outorga do benefício
do indulto: o nobre e generoso sentimento de
compreensão humana, com que, pelo Natal, o chefe de
Estado sói amercear-se de todo o encarcerado, “o mais
pobre de todos os pobres”, na pungente expressão de
Carnelutti (As Misérias do Processo Penal, 1995, p. 21;
trad. José Antonio Cardinalli).
43. O farol que deve orientar o Juiz na decisão da causa são
as provas dos autos. Se elas não indicam com
segurança a culpa do réu, será força pronunciar o “non
liquet” e absolvê-lo. “Nenhuma presunção, por mais veemente
que seja, dará motivo para imposição de pena” (art. 36 do
Código Criminal do Império).
144

44. A pena, segundo Garófalo, é o remédio para a falta de


adaptação do réu” (apud Fernando Nery, Lições de Direito
Criminal, 1933, p. 355). A punição do infrator, portanto,
não é outra coisa que a legítima reação da ordem social
contra o crime.
45. O decurso do tempo apaga a memória do fato punível
e a necessidade do exemplo desaparece (Abel do Vale;
apud Ribeiro Pontes, Código Penal Brasileiro, 8a. ed.,
p. 154).
46. Configura “bis in idem”, que importa evitar, a exasperação
da pena do réu pelos maus antecedentes e de igual
passo pela reincidência; é que todo reincidente por
força tem maus antecedentes.
47. “A justiça deve ser equânime; concilie, sempre que for possível, a
retidão com a bondade em toda a acepção da palavra” (Carlos
Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 16a.
ed., p. 170).
48. “As atenuantes não permitem a redução da pena abaixo do
mínimo previsto na lei para o crime” (Rev. Tribs., vol. 644,
p. 379).
49. “Quanto mais o sujeito se aproxima da consumação, menor
deve ser a diminuição da pena (um terço); quanto menos se
aproxima da consumação, maior deve ser a atenuação (dois
terços)” (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 1994,
p. 42).
50. “A pena é um mal, não somente para o réu e sua família, senão
também, sob o ponto de vista econômico, para o próprio
Estado” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal,
1980, vol. VII, p. 173).
145

51. Não é incompatível a justiça com a indulgência,


máxime quando esta põe a mira na redenção do
homem, alma e escopo de toda pena.
52. De tanto vulto é a circunstância atenuante da
menoridade do agente (art. 65, nº I, do Cód. Penal), que
se sobrepõe até mesmo à reincidência.
53. Se, perante o Magistrado, o réu assumiu francamente
sua culpa, é bem que dele se amerceie a Justiça. Essa, a
que se pudera chamar coragem moral, é digna sempre de
galardão, não só de louvores.
54. Segundo princípio de razão lógica e de justiça, a
confissão do réu, ainda que dela se haja retratado, é
circunstância que lhe assegura, nos termos do art. 65,
nº III, alínea d, do Cód. Penal, o direito ao benefício da
redução da pena, sobretudo se a tomou em conta o
Magistrado para fundamentar o decreto condenatório.
55. O critério para a redução da pena, em obséquio à
tentativa, é o “iter criminis” percorrido: “quanto mais o
sujeito se aproxima da consumação, menor deve ser a
diminuição da pena (1/3)” (cf. Damásio E. de Jesus, Código
Penal Anotado, 5a. ed., p. 42).
56. Tratando-se de réu primário, condenado a pena de
curta duração, não só é legal, mas justa e sábia a
decisão que lhe concede “sursis” e regime prisional
aberto (art. 33, § 2º, alínea c, do Cód. Penal).
57. É razoável a diminuição da pena em 1/3 (e não 2/3),
pela tentativa, se o autor do roubo se adiantou tanto no
“iter criminis”, que pouco faltou para consumá-lo.
146

58. “Nessa quadra da vida (até aos 21 anos) o crime costuma


ser episódio isolado, para o qual não há necessidade, nem
conveniência, de excessivo rigor” (Basileu Garcia, Instituições
de Direito Penal, 1975, vol. I, t. II, p. 482).
58. A substituição da pena privativa de liberdade por
medida alternativa é providência de efeito salutar, uma
vez que, sobre cooperar na reeducação do infrator,
importa benefícios para a comunidade. Não hesite o
Juiz em adotá-la generosamente (art. 44 do Cód. Penal).
59. Prêmio de sinceridade, tem direito a especial redução
da pena o réu que, espontaneamente, confessa perante
a autoridade pública o crime que cometeu (art. 65,
nº III, alínea d, do Cód. Penal).
60. À luz da lógica jurídica e por princípio de justiça, a
escorreita exegese do art. 126 da Lei de Execução Penal
deve compreender também, no conceito de trabalho, a
atividade escolar do preso, por sua transcendental
importância como fator de promoção humana e
poderoso instrumento de reforma de vida e costumes.
Destarte, comprovando que frequentou aulas em curso
patrocinado pelo sistema penitenciário, tem jus o
condenado à remição de penas, na proporção de um
dia para cada 12 horas de efetiva atividade escolar.
61. Se “o estudo é a luz da vida” — conforme entendem e
proclamam os pedagogos —, como pretender, sem
injúria da razão, que o trabalho intelectual represente
um “minus” em respeito do trabalho físico?! Falou
avisadamente quem disse: “Abrir escolas é fechar cadeias”;
daqui se mostra bem a suma importância que o
147

convívio escolar tem na formação do caráter do


indivíduo.
62. Comprovada a precária situação financeira do réu, será
bem lhe faculte a Justiça o pagamento parcelado da
pena de prestação pecuniária, na conformidade de
precedente judiciário (cf. STJ; HC nº 17.583-MS; rel.
Min. José Arnaldo da Fonseca; DJU 4.2.2001, p. 439).
63. O argumento da pena longa não é poderoso a obstar a
concessão de livramento condicional ao sentenciado,
se já cumpriu dela a metade (necessariamente longa).
Tampouco lhe serve de empecilho à obtenção do
benefício o registro de falta grave (fuga) se, ao depois,
revelou, por largo espaço de tempo, exemplar conduta
carcerária e notável dedicação ao trabalho, sinais
inequívocos de emenda e ressocialização.
64. A fuga — “incoercível revolta do instinto”, na lapidar
expressão de Rui (Discursos e Conferências, 1907, p. 101)
— não é, por si só, razão impeditiva de concessão de
livramento condicional ao sentenciado, visto configura
anseio de liberdade inerente ao homem.
65. “Ao mesmo Demônio se deve fazer justiça, quando ele a tiver”
(Antônio Vieira, Sermões, 1959, t. III, p. 329).
66. Vinte séculos nada puderam contra o esplendor da
verdade destas palavras de Cícero: “Summum jus, summa
injuria” (De Officiis, I, 10), que, em nosso vulgar,
respondem assim: Justiça excessiva o mesmo é que injustiça.
67. Ainda que se possa computar, na pena privativa de
liberdade, “o tempo de prisão provisória” (art. 42 do Cód.
Penal), não é admissível dele deduzir o lapso temporal
148

referente a outro processo a que o réu tenha


respondido.
68. Nos casos de insignificante lesão ao bem jurídico
protegido e mínimo o grau de censurabilidade da
conduta do agente, pode o Magistrado, com prudente
arbítrio, deixar de aplicar-lhe pena. É que, nas ações
humanas, o Direito Penal somente deve intervir como
providência “ultima ratio”.
69. Passa por iniquidade manter preso, enquanto lhe
tramita o processo, réu que poderá, no caso de
condenação, ter cumprido já a máxima parte de sua
pena. Ao demais, ninguém ignora que o cárcere é o
pior lugar do mundo antes do cemitério, tendo-lhe
Dostoiévski chamado, com propriedade, “casa dos
mortos”.
70. “A pena, em nosso sistema, não representa vindita ou castigo,
mas instrumento de defesa da sociedade (…)” (Rev. Forense,
vol. 130, p. 532; rel. Min. Sampaio Costa).
71. Aos Magistrados não esqueçam nunca as sublimes
palavras de Rui Barbosa: “Não estejais com os que agravam
o rigor das leis, para se acreditar com o nome de austeros e
ilibados. Porque não há nada menos nobre e aplausível que
agenciar uma reputação malignamente obtida em prejuízo da
verdadeira inteligência dos textos legais” (Oração aos Moços,
1a. ed., p. 43).
72. “Amparando os mais fracos, não fazemos favor, senão justiça”
(Teodomiro Dias; apud Odilon da Costa Manso, Letras
Jurídicas, 1971, p. 111).
149

73. “Deve o juiz usar a lógica do jurista, que é, precisamente, a


lógica do razoável e do humano” (Goffredo Telles Jr., A
Folha Dobrada, 1999, p. 162).
74. Toda a condenação penal, ainda se trate de acusado de
abominável vida pretérita, somente pode ser decretada
em face de prova plena e cabal de sua culpabilidade.
75. Segundo a comum opinião dos doutores, o benefício
da redução da pena (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06)
defere-se apenas ao traficante esporádico ou eventual,
jamais ao que se associa para a prática do tráfico ilícito
de drogas, porque é em especial contra este que se
levanta o braço implacável da Lei.
76. O Ministério Público, segundo princípio consagrado, é
o guardião da lei e o fiscal de sua execução (art. 257 do
Cód. Proc. Penal). Sua intervenção nos incidentes de
execução de sentença traduz, pois, dever institucional.
Há casos, no entanto, em que ao Magistrado, sem fazer
tábua rasa das atribuições do Ministério Público, é
lícito proceder de modo que atenda, com superior
exação, ao preceito da rapidez e eficiência na prestação
jurisdicional. A restrição da liberdade do indivíduo,
ainda quando necessária, é sempre causa de sofrimento
e angústia e, portanto, um mal considerável. Difícil
coisa é unir a dor à paciência: ao que padece repugna
esperar. Donde o haver proclamado um alto espírito:
“Não há maior tormento no mundo que o esperar” (Pe.
Antônio Vieira, Sermões, 1959, t. V, p. 210). Por amor
da cessação do constrangimento, pode o Juiz (se é que
o não deva) abreviar, com prudente arbítrio, nos
ritos procedimentais, fórmulas que se lhe afigurem
escusadas. Não lhe esqueça a grave exortação de Rui:
150

“Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e


manifesta” (Oração aos Moços, 1a. ed., p. 42).
77. Se primário o réu e cometida a infração penal sem
violência nem ameaça à pessoa, é obra de louvável
política criminal substituir-lhe pela pena restritiva de
direito a privativa de liberdade não superior a 4 anos
(art. 44 do Cód. Penal).
78. A “mens legis” da subsituição da pena corporal por
restritiva de direitos é impedir que réus condenados a
pena de curta duração, por delitos praticados sem
violência nem ameaça à pessoa, sejam submetidos ao
rigor do cárcere, que não reeduca nem recupera, senão
que perverte e despersonaliza o infrator (art. 44 do
Cód. Penal). “A promiscuidade engendra maus caracteres.
É grande o influxo de nocividade que sofrem os condenados
primários nas prisões. Por isso, é precisa a frase de Mirabeau: O
amontoamento de homens, como o de maçãs, gera a podridão”
(Hoeppner Dutra, O Furto e o Roubo, 1955, p. 163).
79. A doutrina comum e a jurisprudência dos Tribunais
têm professado o entendimento de que, se a não
cumprir o réu, a pena restritiva de direitos converte-se
em privativa de liberdade pelo tempo da pena original
(cf. Damásio E. de Jesus, Lei dos Juizados Especiais
Criminais Anotada, 4a. ed., p. 85; Julio Fabbrini Mirabete,
Juizados Especiais Criminais, 2a. ed., p. 133; Rev. Tribs.,
vol. 755, p. 674, etc.). A conversão da pena restritiva de
direitos em privativa de liberdade é providência
legítima, demais de pedagógica e salutar, pois traduz
sanção do direito pela inadimplência de obrigação
contraída perante a Justiça (art. 181, § 1º, alínea c, da
Lei de Execução Penal).
151

80. O sistema vicariante, ou das penas substitutivas,


adotado pelo Código Penal, pressupõe, além dos
requisitos objetivos, méritos pessoais do sentenciado
(art. 44, nº III).
81. Desde que preenchidos os requisitos legais, pode o
Magistrado conceder ao réu “sursis”, em vez de
substituir-lhe a pena restritiva de direitos por prestação
pecuniária, de caráter não raro mais gravoso (art. 77 do
Cód. Penal).
82. Incensurável se mostra a sentença que, havendo
consideração aos graves malefícios da prisão e às
circunstâncias pessoais do réu — alcoólatra
condenado por furto simples —, defere-lhe “sursis”,
embora reincidente. Trata-se de solução heroica,
verdadeira “ultima ratio”, por evitar a ruína física e moral
de infrator ainda jovem. Ao aplicá-la, deve o Juiz
atender ao fim social da lei, e isto com a lógica do
razoável.
83. Tratando-se de condenada com filho de tenra idade,
faculta a lei e recomenda o princípio da dignidade
humana cumpra sua pena, ainda que reincidente, sob o
regime de prisão-albergue domiciliar (art. 117, nº III, da
Lei de Execução Penal). Até entre as espécies inferiores
passa por nociva (e ainda perversa) a segregação
precoce da cria. Tal benefício, entendem graves
autores, é concedido mais em favor da criança, pela
necessidade que tem do amparo materno.
84. É superior a toda a crítica a sentença que, atendendo à
natureza da infração penal (furto qualificado) e aos
notórios malefícios do regime recluso, faculta ao réu,
152

embora reincidente, cumpra sua pena de curta


duração no regime aberto. Cabe ressaltar que o
próprio Nélson Hungria, “Pontifex Maximus” do Direito
Penal pátrio, não teve mão em si que não verberasse a
pena-castigo: “A pena-retributiva jamais corrigiu alguém”
(Comentários ao Código Penal, 1980, vol. I, t. I, p. 14).
85. Se primário o réu e de pequeno valor a coisa receptada
— a que se equipara a ausência de prejuízo —, é de
razão lhe conceda o Juiz o privilégio do art. 180, § 5º,
“in fine”, do Código Penal, com aplicação de multa
somente, por atenuar e prevenir empecilhos à vida
futura, que toda a pena corporal sói deslustrar.
86. O sujeito que, por motivo fútil e sob o efeito do álcool,
ofende a integridade física da mulher com socos e
pontapés, não oferece apenas eloquente exemplo da
miserável condição a que a bebida pode reduzir o
homem, confinando-o com a animalidade bruta,
senão ainda é réu de crime, pois incorre na sanção do
Direito Penal. Ao agressor da companheira, que se
arrepende do ato ignóbil que praticou e torna à vida
em comum, não é despropositado conceda a Justiça o
benefício do “sursis”, se não por merecê-lo, ao menos
como oportunidade de expiar sua falta grave e
reeducar-se para o convívio social, debaixo do
imprescindível respeito, notadamente para com as
pessoas de sua obrigação.
153

87. Incorre nas penas da lei (art. 302 do Cód. Trânsito) o


motorista que, imprudente, por dirigir embriagado
seu veículo, e em velocidade excessiva, perde-lhe o
controle e arremete-o contra obstáculo, causando a
morte de passageiro. (De tão grave, sua culpa como
que argui dolo eventual).
88. Há casos em que o Magistrado que dá de mão aos
ápices da Lei e rejeita queixa-crime argui não somente
abalizada ciência do Direito, senão alto grau de
sabedoria. É que o Estado, como escreveu o primeiro
de nossos penalistas, “só deve recorrer à pena quando
a conservação da ordem jurídica não se possa obter com
outros meios de reação” (Nélson Hungria, Comentários ao
Código Penal, 1978, vol. I, t. I, p. 19). Ainda que simples
infortúnio, o recebimento da queixa-crime que não
atende aos cânones processuais representa mal insigne
para o indivíduo porque, atingindo-lhe o “status
dignitatis”, é sempre fonte e ocasião de prejuízos
imensos, muita vez irrecuperáveis.
89. Incorre nas penas do art. 306 do Código de Trânsito o
sujeito que conduz veículo automotor de forma
anormal, sob a influência do álcool, nada importando
a taxa de alcoolemia (cf. Damásio E. de Jesus, Crimes
de Trânsito, 1998, p. 152). É jurisprudência consagrada
nos Tribunais que, em se tratando de motorista
profissional, repugna, por amor da necessidade que
tem de prover à subsistência, impor-lhe a pena
restritiva de direitos consistente na suspensão de
habilitação para dirigir veículo automotor (art. 293 do
Cód. Trânsito).
154

90. Não desacredita a Justiça nem recomenda mal o Juiz


substituir a pena privativa de liberdade de autor de
furto mínimo, ainda que reincidente, por restritiva de
direitos, socialmente recomendável (art. 44, § 3º, do Cód.
Penal).
91. Em obséquio ao espírito da lei — que previne todo
prejuízo à jornada normal de trabalho do condenado
(art. 46, § 3º, do Cód. Penal) —, é de bom exemplo, nos
casos urgentes, alterar medida substitutiva penal
aplicada ao réu (prestação de serviços à comunidade)
para duas restritivas de direitos: interdição temporária
de direitos (proibição de frequentar determinados
lugares) e multa (arts. 44, § 2º, 43, nº V, e 47, nº IV, do
Cód. Penal). Seria desarrazoado, com efeito, obrigá-lo
a prestar serviços gratuitos à comunidade em
detrimento da subsistência própria e da família.
92. Aplicado inconsideradamente, o princípio da
insignificância representa violação grave da lei, que
manda punir o infrator; destarte, subtrair a seu
rigor o culpado, sem relevante razão de direito, fora
escarnecer da Justiça, que dispensa a cada um o que
merece. Em verdade, conforme aquilo de Alberto
Oliva, “todo homem deve saber do fundo de seu coração o que é
certo e o que é errado” (apud Ricardo Dip e Volney Corrêa
de Moraes, Crime e Castigo, 2002, p. 3).
93. Incorre nas penas da lei (art. 342, § 1º, do Cód. Penal) a
testemunha que, ao depor em processo-crime, falta
com a verdade acerca de fato juridicamente relevante,
com o intuito de favorecer o réu. A mentira não pode
ter entrada no templo da Justiça! Se exerce ocupação
lícita e tem filhos menores, a mulher condenada por
155

falso testemunho, ainda que reincidente, faz jus à


substituição de sua pena privativa de liberdade
por restritivas de direitos, medida socialmente
recomendável (art. 44, §§ 2º e 3º, do Cód. Penal).
94. De presente, já não é lícito ao Juiz dar ao art. 127 da
Lei de Execução Penal outra interpretação que a literal
restrita, por força da Súmula Vinculante nº 9, editada pelo
Supremo Tribunal Federal, que mandou inscrever entre
os dogmas jurídicos a perda, para o condenado “que for
punido por falta grave”, do direito ao tempo remido pelo
trabalho.
95. Embora inaptos para configurar a agravante da
reincidência (art. 64, nº I, do Cód. Penal), condenações
pretéritas do sujeito sempre lhe caracterizam maus
antecedentes, que o cálculo da pena-base não pode
relegar à sombra. Com efeito, não há ficar indiferente o
julgador ao passado de crimes do indivíduo, quando
lhe examina o perfil moral. Enfim, somos o que fomos!
96. Mais que meras conjecturas acerca da culpabilidade do
acusado, são necessárias, para sua condenação, provas
tão claras como a luz meridiana: “probationes luce
meridiana clariores” (cf. Giovanni Brichetti, L’Evidenza nel
Diritto Processuale Penale, 1950, p. 111).
97. Não cabe censura à decisão do Magistrado que, forte
no poder discricionário que lhe confere a lei, aplica a
usuário de drogas a pena de prestação de serviços à
comunidade, em vez de advertência (art. 28, ns. I e II, da
Lei nº 11.343/06). Tal medida não tem somente caráter
retributivo, próprio de toda a pena, mas atende ao fim
precípuo de recuperar o viciado, com espertar-lhe na
156

consciência o sentido pleno da vida e fortalecer-lhe a


vontade para que evite os malefícios das drogas. Ao
mesmo tempo que o afasta da ociosidade, mãe de
todos os vícios, a prestação de serviços à comunidade
enseja ao usuário ou dependente de drogas as
condições de que necessita para reintegrar-se no
convívio social, pois o trabalho é o melhor fator de
promoção humana.
98. Incorre nas penas de tentativa de latrocínio o agente
que, ao praticar roubo, efetua disparos de arma de fogo
contra a vítima, com evidente “animus necandi” (arts.
157, § 3º, 2a. parte, e 14, nº II, do Cód. Penal).
99. Em ponto de crime continuado, não deve o Juiz
reduzir demasiado seu alcance, tornando-lhe
impossível o reconhecimento; antes lhe importa, de
par com a preocupação de ordem jurídica e social,
atender ao fim do instituto, convém a saber, evitar o
exagero punitivo sob o influxo da equidade, pois meta
do Direito Penal é também a recuperação do infrator.
“O réu tem direito ao crime continuado, agindo ou não com
unidade de desígnio, pois essa foi a vontade do legislador”
(Guilherme de Souza Nucci, Código Penal Comentado,
2000, p. 216).
100. De toda a sanção é pressuposto a culpa. “Condenar um
possível delinquente é condenar um possível inocente” (Nélson
Hungria, Comentários ao Código Penal, 1981, vol. V, p. 65).

Notas

(1) “Quis ignorat maximam illecebram esse peccandi impunitatis


spem?” (“Pro Milone”, 16, 43).
157

(2) Não estranhe a alguém que o advogado, a par da ciência


do Direito, dê a conhecer também invulgares prendas
literárias, que isto mesmo recomendavam os primorosos
versos de Antônio Ferreira, poeta e jurisconsulto
português (1528-1569):
“Não fazem dano as musas aos doutores,
antes ajuda a suas letras dão,
e com elas merecem mais favores” (Poemas Lusitanos, 1973,
p. 103).
(3) A lição não é menos que de Mário Guimarães, honra e
glória da Magistratura brasileira: “Pode o juiz, se a tanto lhe
ajudar o engenho e arte, dar contorno elegante a cada frase. A
elegância não se opõe à simplicidade. Coexistem uma e outra, e
até bem vai que se associem” (O Juiz e a Função Jurisdicional,
1958, p. 360).
(4) “Os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido”, rezava o art.
158, nº III, do Código de Processo Civil (de 1939), serão
“expostos com precisão e clareza”.
(5) “Não há bom Direito em linguagem ruim”, afirmou com
assaz de razão Hildebrando Campestrini (Como Redigir
Ementas, 1994, p. 40).
Da Coautoria no Direito Penal

Sumário. Circunstância qualificadora do crime — por indicar em seus


agentes maior grau de potencialidade ofensiva —, a figura penal da
coautoria ou concurso de pessoas (“concursus delinquentium”) apresenta
aspectos que, por seu grande alcance, merecem especialmente
considerados. Eis a matéria deste breve artigo.

I. Coautoria, segundo a lição de Damásio E. de Jesus, “é a


prática comunitária do crime”, ou “a reunião de autorias. Ocorre
quando várias pessoas realizam as características do tipo. Por exemplo:
A e B ofendem a integridade física de C. Há diversos executores do tipo
penal” (Código Penal Anotado, 18a. ed., p. 139).
Na participação, embora não pratique o sujeito atos
executórios do crime, concorre para sua realização. Em
suma: “O delito não lhe pertence: ele colabora no crime alheio”.(1)
Ainda:
“Para que o partícipe responda penalmente é também necessário
um elemento psicológico: a vontade consciente e livre de
concorrer, com a própria ação, na ação de outrem” (Nélson
Hungria, Comentários ao Código Penal, 1978, vol. I, t. II, p.
414).
Pelo que respeita ao valor da chamada do corréu, mostra-
-se benemérita de aceitação a doutrina que expôs Camargo
Aranha:
“Temos para nós que a chamada do corréu, como elemento de
prova acusatória, jamais poderia servir de base a uma
condenação, simplesmente porque violaria o princípio
constitucional do contraditório” (Da Prova no Processo Penal,
3a. ed., p. 102).
160

II. Apreciou a questão, posto que à flor e sumariamente, o


acórdão do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São
Paulo, abaixo reproduzido:

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA C ÂMARA

Apelação Criminal nº 1.151.449/8


Comarca: São Paulo
Apelantes: RAS e Ministério Público
Apelados: Os mesmos

Voto nº 1640
Relator

– De tanta importância é a palavra da


vítima, na apuração do fato criminoso,
que, se lhe não demonstrar o réu que
se equivocou ou tem interesse em
prejudicá-lo, pode servir de base para sua
condenação.
161

– É certo não basta o nexo de causalidade


física para caracterizar o concurso de
agentes: requer-se o liame psicológico
a unir-lhes as vontades para a prática
do delito; mas a só presença de duas
pessoas, com propósitos hostis, é
poderosa a subjugar o ânimo da vítima.
Donde o velho anexim: Contra dois, nem
Hércules!

– Diz-se tentado o roubo se o agente, preso


logo em seguida à subtração, não teve a
posse tranquila e desvigiada da coisa.

1. Inconformados com a r. sentença proferida pelo MM.


Juízo de Direito da 13a. Vara Criminal da Capital, que
condenou RAS à pena de 3 anos, 6 meses e 20 dias de
reclusão, além de 9 dias-multa, para cumprimento no regime
aberto, por infração do art. 157, § 2º, nº II, do Código Penal,
dela apelam para este Egrégio Tribunal, com o intuito de
reformá-la:
a) o réu, pleiteando a absolvição por insuficiência de
prova, se não o afastamento da qualificadora (fls. 110/114);
b) o Ministério Público, visando à condenação do réu
nos termos da denúncia, fixado o regime semiaberto (fls.
85/91).
Apresentaram as partes contrarrazões aos recursos (fls.
114/117 e 119/122).
A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em lapidar e
avisado parecer do Dr. Sólon Fernandes Filho, opina pelo
improvimento das apelações (fls. 128/129).
É o relatório.
162

2. Contra o apelante (Pita, de alcunha), foi instaurado


processo-crime porque, no dia 14 de janeiro de 1998, pelas
21h40, na Av. Abraão de Morais, nesta Capital, obrando
em concurso e com identidade de propósitos com um
adolescente, subtraiu para si, mediante grave ameaça exercida
com simulação de porte de arma de fogo, a importância de
R$ 26,00, pertencente a Maria Nascimento de Jesus.
Pita e seu comparsa, percebendo a vítima a caminhar
pelo local dos fatos, dela se aproximaram e disseram tratar-se
de roubo. Pediram que lhes entregasse o dinheiro, o que fez a
vítima, sem reagir. Em seguida, os malfeitores lançaram-se a
correr. Policiais militares, alertados pela vítima, puseram-se a
persegui-los. A breve trecho, os policiais lograram deitar-lhes
as mãos.
Tramitou o processo de conformidade com os preceitos
legais.
Ao cabo, foi o réu condenado por tentativa de roubo
qualificado pelo concurso de agentes. Irresignado com a
sentença, apelou; fê-lo também a insigne Promotoria de
Justiça, pondo a mira em alvos diferentes.

3. Pelo que toca à pretensão da nobre Defesa de ser


absolvido o réu, à conta da fragilidade da prova, carece de
procedência.
Com efeito, ao invés do que argui, as provas produzidas
na seara do contraditório deram força e relevo à denúncia.
A vítima, com palavras coerentes e firmes, descreveu o
fato delituoso, com todas as circunstâncias, e indicou seu
autor (fls. 7 e 56).
163

Os policiais que lhe deram voz de prisão informaram


que, trazido à presença da vítima, esta reconheceu de
imediato o réu como o que lhe subtraíra o dinheiro.
O próprio réu, em Juízo, embora negasse a imputação,
admitiu estava na companhia do adolescente Émerson, que
teria praticado o roubo (fl. 41).
Suas palavras, no entanto, perdem de vigor em face da
imputação direta e cabal da vítima, segundo a qual ela
colocara “a mão sob a camisa que vestia dizendo-lhe: então passa
tudo senão eu detono” (fl. 56).
À derradeira, fosse inocente como se inculca, não teria
encetado fuga.
Ainda que o roubo não tenha sido testemunhado,
bastam a comprovar-lhe a materialidade e respectiva autoria
as declarações da vítima, inabaláveis e verossímeis.
Nada se provou que pudesse autorizar alguma suspeita
acerca da retidão de ânimo da vítima; sua palavra, por
conseguinte, no caso de que se trata, encerra a força de artigo
de fé, a que se arrimou o decreto condenatório.
De que a palavra da vítima, quando em harmonia com
outros elementos de prova dos autos, pode justificar
condenação, não é ponto de dúvida, como o afiançam
acórdãos infinitos em número, de todos os Tribunais do País.
Para o nosso intento não havemos mister transcrever mais
que os seguintes:
a) “Em se tratando de crime patrimonial, a palavra da vítima,
quando coerente com as demais circunstâncias em que
cometido o crime, assume caráter preponderante como prova,
autorizando a condenação do agente, máxime se somada à
164

apreensão da res em seu poder, o que lhe acarreta a


necessidade de bem justificar e provar a licitude de tal posse”
(RJTACrimSP, vol. 36, p. 330; rel. Barbosa de Almeida);

b) “Em sede de crime de roubo, as palavras da vítima e testemunha


são de suma importância para embasar a condenação do
agente, máxime se não demonstrado qualquer interesse de
ambas em acusar possíveis inocentes (Idem, ibidem, p. 333;
rel. Fernando Matallo).
A condenação do réu, portanto, não fez rosto à prova,
antes com ela se conformou; quer-se, por isso, mantida.

4. O pleito alternativo da combativa Defesa — isto é, o


afastamento da qualificadora — depara invencível óbice no
conjunto probatório.
O réu, ao praticar o roubo, estava com o comparsa
Émerson, como o declarou em seu interrogatório judicial
(fl. 41). Esta circunstância a vítima também confirmou (fl. 56).
Entre ambos não havia apenas o liame físico mas também
psicológico, a unir-lhes as vontades para a prática de crime. A
só presença de duas pessoas, com intuitos hostis, é poderosa
a subjugar o ânimo da vítima; donde o velho anexim: Contra
dois, nem Hércules!
O reconhecimento do concurso de agentes ajusta-se às
provas dos autos e, por isso, não pode ser arredado.

5. Também ao Ministério Público, por seu culto e


proficiente representante, lembrou opor alguma censura à
r. sentença de Primeiro Grau. Não lhe acho razão, porém.
165

É o caso dos autos não de roubo consumado, como


afirmou, senão de mera tentativa, qual decidiu, com raro
discernimento e prudência, a distinta Magistrada.
Deveras, rezam os autos que o réu, apenas acabava de
praticar o roubo em concurso com o adolescente Émerson,
era já detido por policiais, que o conduziram à Delegacia,
onde lhe foi lavrado auto de flagrante delito.
O que se vê, pois, são os contornos de um roubo tentado.
A jurisprudência dos Tribunais assim o tem
proclamado:
a) “Se o agente foi de imediato perseguido e preso em flagrante,
retomado o bem, não se efetivou a subtração da coisa à esfera
de vigilância do dono. Tratando-se, pois, de crime tentado
(Rev. Trim. Jurisp., vol. 102, p. 815; rel. Min. Rafael
Mayer);
b) “Não se consuma o crime de roubo se o agente é perseguido
e preso imediatamente após o evento, com o produto
da subtração” (JTACrSP, vol. 66, p. 354; rel. Nélson
Schiesari).
O regime prisional que a r. sentença fixou para o réu
satisfez, por inteiro, às regras de Direito e aos princípios que
entendem com a ciência penitenciária. É o réu primário (cf.
apenso, p. 8); ao tempo do crime, contava 19 anos (fl. 7); pelo
que, seria nímio rigor fixar-lhe outro regime de cumprimento
de pena que não o aberto.
As razões expostas pelo denodado representante do
Ministério Público, embora forçosas e brilhantes, não
lograram abalar os alicerces da r. decisão apelada, proferida
com acerto, lógica e sabedoria pela Dra. Maria Cristina
Cotrofe.
166

6. Pelo exposto, nego provimento aos recursos.

São Paulo, 21 de setembro de 1999


Carlos Biasotti
Relator

III. Coautoria: a lição da Doutrina e a jurisprudência dos


Tribunais; fraseologia jurídica (pecúlio de ementas):

1. “Entende-se por concorrência criminosa (concursus plurium ad


idem delictum)(2) a ciente e voluntária cooperação de duas ou
mais pessoas em um mesmo crime, compartilhando a respectiva
responsabilidade. Desta definição se conclui, imediatamente, que
não é bastante uma simples cooperação material: faz-se mister a
voluntas sceleris(3), pouco importando que essa vontade tenha
sido comunicada aos outros participantes ou destes não seja
conhecida”(Costa e Silva, Código Penal, 1930, vol. I, p. 81).
2. “Sob o ponto de vista objetivo para que se reconheça a
participação no crime, basta a cooperação na atividade coletiva,
de que promana o resultado antijurídico; mas para que o
partícipe responda penalmente, é também necessário um
elemento psicológico: a vontade consciente e livre de concorrer,
com a própria ação, na ação de outrem” (Nélson Hungria,
Comentários ao Código Penal, 1958, vol. I, t. II, p. 414).
3. “É a reunião de autorias. Ocorre quando várias pessoas realizam
as características do tipo. Por exemplo: A e B ofendem a
integridade física de C. Há diversos executores do tipo penal”
(Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 18a. ed.,
p. 139).
167

4. “A lei, para efeito da responsabilidade penal, equipara a conduta


do partícipe à do autor material. Dessa forma, a causalidade, na
participação, apresenta natureza normativa e não objetiva. É a
norma do art. 29, caput, que determina: responde pelo crime não
só o executor físico, que produz o resultado, mas também o
partícipe, que acede a sua conduta à ação principal” (Damásio
E. de Jesus, Teoria do Domínio do Fato no Concurso de
Pessoas, 1999, p. 13).
5. “O Código Penal, descrevendo a qualificadora, fala em crime
cometido mediante duas ou mais pessoas (…). Não diz
subtração cometida. Entre nós comete crime quem, de qualquer
modo, concorre para a sua realização (art. 29, caput). De
maneira que o partícipe ou coautor também comete crime”
(Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 18a. ed.,
p. 576).
6. “Temos para nós que a chamada do corréu, como elemento
de prova acusatória, jamais poderia servir de base a
uma condenação, simplesmente porque violaria o princípio
constitucional do contraditório” (Camargo Aranha, Da Prova
no Processo Penal, 3a. ed., p. 102).
7. “Uma atitude totalmente negativa, como a simples presença no
ato de consumação ou a não denúncia à autoridade pública de
um fato delituoso de que se tem conhecimento não pode
constituir participação punível” (Aníbal Bruno, Direito Penal,
1956, t. II, p. 656).
8. “A decisão em favor de um réu só poderá ser estendida a outro se
forem idênticas as situações de ambos no mesmo processo” (STF;
Rev. Trim. Jurisp., vol. 67, p. 685).
9. “Em se tratando de delito de furto, a lei não obriga a que todos
os agentes se façam presentes na execução do crime para o
168

reconhecimento da qualificadora do concurso de pessoas”


(RJDCrimSP, vol. 25, p. 180; rel. Nogueira Filho).
10. “A delação feita perante a autoridade policial, sem qualquer
esteio nas provas carreadas na fase da instrução, não se presta a
demonstrar a culpabilidade de outro acusado, devendo este ser
absolvido” (Rev. Tribs., vol. 672, p. 344).
11. A só presença física do acusado no local do crime não
configura concurso; é mister se lhe comprove a vontade
livre e consciente de praticar a infração penal (art. 29
do Cód. Penal).
12. Na codelinquência, é de somenos a questão que entende
com a particular atuação dos agentes. O ponto está em
saber, pelas circunstâncias do fato, se intentavam um só
e mesmo fim: cometer crime.
13. É certo não basta o nexo de causalidade física para
caracterizar o concurso de agentes: requer-se o liame
psicológico a unir-lhes as vontades para a prática
do delito; mas a só presença de duas pessoas, com
propósitos hostis, é poderosa a subjugar o ânimo da
vítima. Donde o velho anexim: Contra dois, nem Hércules!
14. “Para que haja coautoria não é necessário que todos realizem os
mesmos atos executivos do crime” (Damásio E. de Jesus,
Código Penal Anotado, 1998, p. 119).
15. Da doutrina clássica do concurso de pessoas infere-se o
corolário de que, “embora as contribuições dos coautores para
a concretização do fato criminoso possam materialmente variar,
o resultado total deve ser debitado a cada um” (cf. Alberto
Silva Franco et alii, Código Penal e sua Interpretação
Jurisprudencial, 6a. ed., vol. I, t. I, p. 447).
169

16. Para a configuração da qualificadora do concurso de


agentes não lhes é mister a presença no local do furto,
basta que para ele concorram, pois o Código Penal
menciona a cláusula “crime cometido mediante duas ou mais
pessoas” (art. 155, § 4º, nº IV) e não subtração cometida;
e crime também o partícipe comete.
17. Ainda que não lhe tenha sido o executor direto,
responde por furto o agente que transporta o comparsa
ao local do crime, para que o pratique, e ajuda-o a
empreender fuga. À luz do Direito, comete crime quem,
de qualquer modo, concorre para a sua realização (art.
29 do Cód. Penal).
18. Não realiza ato de simples acompanhamento físico, mas
de execução do tipo penal, o sujeito que agride a vítima
para tentar roubar-lhe o veículo (art. 29, § 1º, do Cód.
Penal).
19. Na codelinquência é irrelevante que menor inimputável
integre o número mínimo exigido pelo tipo do art. 155,
§ 4º, nº IV, do Cód. Penal).
20. O reconhecimento de circunstâncias legais especiais
(v.g.: concurso de pessoas) requer prova cabal, que se
não confunde com mera suposição.
21. De acordo com a definição legal de coautoria, “quem, de
qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este
cominadas” (art. 29 do Cód. Penal), de tal arte que, no caso
de latrocínio tentado, irrelevante é a circunstância
de não ter sido o autor do disparo contra a vítima,
pois todos os sujeitos obraram com identidade de
propósitos.
170

22. Em pontos de concurso de pessoas, triunfa hoje, assim


na literatura jurídica penal como na esfera dos
Tribunais, a teoria do domínio do fato: “(…) responde pelo
crime não só o executor físico, que produz o resultado, mas
também o partícipe, que acede sua conduta à ação principal”
(Damásio E. de Jesus, Teoria do Domínio do Fato no
Concurso de Pessoas, 1999, p. 13).
23. O vigia ou sentinela do roubo tem participação de vulto
e saliente, e não de somenos: dele depende o bom êxito
da empreitada criminosa. Não há reconhecer-lhe, pois,
a circunstância da participação de menor importância
prevista no art. 29, § 1º, do Cód. Penal).
24. É participação de vulto, intensa e decisiva (que não de
somenos) a do sujeito que atua diretamente na
consecução da rapina. Não há reconhecer-lhe, pois, a
circunstância da participação de menor importância
prevista no art. 29, § 1º, do Cód. Penal.
25. Não realiza ato de simples acompanhamento físico, mas
de execução do tipo penal, o sujeito que, durante roubo
de veículo, posta-se ao lado da vítima, com ar
ameaçador, restringindo-lhe a liberdade (art. 29 do Cód.
Penal).
26. Como o Cód. Penal (art. 29) adotou a teoria da
equivalência da causa, todo aquele que adere à vontade
de outrem para a realização de um fim criminoso
responde pelo resultado, na medida de sua culpabilidade.
27. Segundo jurisprudência consagrada pelos Tribunais, o
transporte dos autores do crime não caracteriza
participação de menor importância; inadmissível, pois,
171

a aplicação a essa conta do benefício do § 1º do art. 29


do Cód. Penal.
28. Não se caracteriza a figura jurídica da participação de
menor importância, se o agente desempenha atividade
relevante de sentinela do crime ou executor de reserva
(art. 29, § 1º, do Cód. Penal).
29. É pedra angular da teoria unitária: “(…) todos os que
contribuem para a integração do delito cometem o mesmo crime.
Há unidade de crime e pluralidade de agentes” (Damásio E. de
Jesus, Código Penal Anotado, 18a. ed., p. 141).
30. “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar
desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam”
(Rui, Oração aos Moços, 1a. ed., p. 25).

Notas

(1) Damásio E. de Jesus, op. cit., p. 140.


(2) O concurso de muitos para o mesmo delito.
(3) Intenção de crime; vontade de delinquir.
O Furto Famélico e a Sanção do Direito

Sumário. Ainda que reprovável toda a ação criminosa, há casos em que


parece bem subtrair o infrator ao braço forte da lei. Está nesse número o
autor de furto famélico.

I. Fora parte a tormentosa disputa sobre se é a ocasião que


faz o ladrão, como inculca o velho adágio(1), o Código Penal
reprime abertamente a prática do furto, “in verbis”:
“Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Define este dispositivo legal o furto simples. Do furto
qualificado — “com destruição ou rompimento de obstáculo à
subtração da coisa”; “com abuso de confiança, ou mediante fraude,
escalada ou destreza”; “com emprego de chave falsa”; “mediante
concurso de duas ou mais pessoas”, e respectivas sanções — trata
o art. 155, § 4º, do Código Penal.
A esses tipos penais acrescentou a doutrina jurídica,
secundada pela jurisprudência, a figura do furto famélico (da
voz latina “famelicus”: que tem fome).
A definição de Nélson Hungria é, ao propósito,
geralmente citada: diz-se famélico “o furto praticado por quem,
em estado de extrema penúria, é impelido pela fome (coactus fame),
pela inadiável necessidade (propter necessitatis vim) de se alimentar”.(2)
A Lei como que olha com benevolência para aquele que
a infringiu por amor da urgência de saciar a fome!
Com efeito, passa por verdade irrefragável aquilo do
profundo Rudolf von Jhering:
174

“A luta pela existência é a lei suprema de toda a criação animada;


manifesta-se em toda a criatura sob a forma de instinto de
conservação”.(3)
A necessidade, a essa conta, não conhece lei.(4)

II. Da espécie penal que faz o objeto deste artigo tratou o


Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no voto a seguir
reproduzido:

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO E STADO DE SÃO PAULO


QUINTA C ÂMARA – S EÇÃO C RIMINAL

Apelação Criminal nº 873.283-3/3-00


Comarca: Tupã
Apelantes: RA e IAA
Apelada: Justiça Pública

Voto nº 9144
Relator
Sorteado

Declaração de Voto (vencido)

– A decisão condenatória, baseada na


confissão do réu em Juízo e na apreensão da
“res furtiva” (algumas galinhas) em seu poder,
é superior a toda censura e mostra-se digna
de confirmação por fundar-se em prova
excelente.
175

– A invocação de crises conjunturais sócio-


-econômicas do País não basta a excluir a
antijuridicidade do fato criminoso praticado
pelo réu, pois não há confundir precisão com
estado de necessidade (art. 24 do Cód. Penal);
aliás, seria transformar a descriminante legal
num claviculário que abrisse as portas que
dão para a impunidade.
– Mesmo quando conspirem os elementos
constitutivos do crime, sempre se reconheceu
ao Juiz discrição para, firme no princípio da
insignificância do bem jurídico protegido e
da mínima reprovabilidade social do fato,
absolver o réu, por atipicidade de conduta
(art. 386, nº III, do Cód. Proc. Penal).
– Ao Juiz a Lei determina — e não apenas
assegura — que, no aplicá-la, atenda “aos fins
sociais” e “às exigências do bem comum” (art. 5º da
Lei de Introdução ao Código Civil). Casos haverá
em que lhe será força repelir, com retidão e
sabedoria, o libelo no qual se compraziam
já nossos maiores, de que o rigor da
lei unicamente se mostrava contra os pobres
e os desamparados (cf. Diogo do Couto,
Diálogo do Soldado Prático, 1790, p. 19).
– Nos casos de insignificante lesão ao bem
jurídico protegido e mínimo grau de
censurabilidade da conduta do agente, pode
o Magistrado, com prudente arbítrio, deixar
de aplicar-lhe pena. É que, nas ações
humanas o Direito Penal somente deve
intervir como providência “ultima ratio”.
176

– “Aplica-se o princípio da insignificância (ou da


bagatela) se o agente é pessoa em estado de
miserabilidade, que abateu três animais de pequeno
porte para subsistência própria” (STJ, REsp
nº 182.487-RS; 6a. T.; rel. Min. Fernando
Gonçalves; j. 9.3.99; DJU 5.4.99, p. 160).

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito do


Foro Distrital de Bastos (Comarca de Tupã), condenando-os à
pena de 2 anos e 4 meses de reclusão, no regime aberto, e 11
dias-multa, por infração do art. 155, § 4º, nº IV, conjugado
com o art. 71 do Código Penal, interpuseram recurso de
Apelação para este Egrégio Tribunal, no intuito de reformá-la,
RA e IAA.
Nas razões de recurso, elaboradas por esforçados
patronos, afirmam que o pequeno valor dos objetos furtados
os guardava do rigor da lei, à luz do “princípio da insignificância”.
Acrescenta a Defesa de Reinaldo que este praticara o
fato sob a égide de circunstância descriminante legal (estado
de necessidade); pelo que, era força absolvê-lo como ato de
justiça.
Em suma: pleiteiam os réus absolvição com
fundamento no princípio da insignificância, ou por ser o
dos autos caso de furto famélico (fls. 139/142 e 152/155).
A douta Promotoria de Justiça apresentou
contrarrazões de recurso, nas quais repeliu a pretensão da
nobre Defesa e propugnou a manutenção da r. sentença de
Primeiro Grau (fls. 157/162).
177

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em incisivo e


criterioso parecer do Dr. Lázaro Roberto de Camargo Barros,
opina pelo improvimento dos recursos (fls. 166/169).
É o relatório.

2. Foram os réus chamados a prestar contas à Justiça


Criminal porque, no dia 24 de abril e 3 de maio de 2003, noite
alta, na granja Yoshikawa, na cidade de Bastos, obrando em
concurso e unidade de propósitos, subtraíram para si 16
galinhas, avaliadas em R$ 5,00 “per capita”, de propriedade de
Juvenal Nobuhiro Yoshikawa.
Instaurada a persecução criminal, transcorreu o
processo em forma legal; ao cabo, a r. sentença de fls. 124/129
decretou a condenação dos réus, os quais, inconformados,
comparecem perante esta augusta Corte de Justiça,
reclamando absolvição.

3. A materialidade e a autoria do fato imputado aos réus


não podem ser infirmadas sem imprudência, pois assentaram
em base probatória firme e incontroversa.
Com efeito, ouvido na fase do inquérito policial, o réu
RA declarou que, certa feita, como não tivesse com que
acudir à fome, deliberou consigo subtrair galináceos em
companhia do corréu. Entraram ambos na granja da vítima e
aí deitaram a mão a oito galinhas; ao chegar a casa, disse
Reinaldo que tratou de prepará-las para comer; abocanhou
quatro; as mais, consta que Isaías vendeu para comprar
bebida alcoólica.
178

Outro furto esses larápios estavam a praticar, também


de galinhas, quando policiais militares lhes deram voz de
prisão. Levaram-nos, em seguida, para a Delegacia de Polícia
do Município de Bastos; as aves, essas foram restituídas à
granja da vítima Juvenal.
Perante a autoridade explicou Reinaldo que, deveras,
tangido da necessidade, mais de uma vez fizera mão baixa em
galinheiros da vizinhança: desempregado, cumpria-lhe
ocorrer às despesas domésticas (fl. 9).
O corréu Isaías apresentou móvel diverso para os atos
de rapina: alcoólatra, furtava para vender e, com o dinheiro
miúdo, aplacava a escravidão do vício, enfrascando-se em
bebidas (fl. 8).
Também admitiram a prática do ilícito penal em
presença da mui digna Magistrada que os interrogou (fls.
60/61).
Vítima e testemunhas confirmaram, sem dúvida, os
termos da denúncia (fls. 90/92).
A prova da materialidade e da autoria do fato delituoso,
portanto, é mais clara que o sol de verão!

4. A alegação da Defesa, de que os réus praticaram os fatos


narrados na denúncia para saciar a fome (fl. 140), não colhe
“data venia”.
Deveras, nada obstante, muita vez, a necessidade faça
do homem o que quer (“necessitas caret lege”), não basta a
simples menção do estado de necessidade; é mister
comprová-lo inequivocamente; àquele que alega haver
praticado o fato sob o império da causa de exclusão de
179

antijuridicidade corre-lhe o dever de comprovar não havia


outro meio de salvar de perigo atual direito seu ou de outrem,
senão sacrificando o alheio.
A conduta lesiva há de ser inevitável: “significa que o
agente não tem outro meio de evitar o perigo ao bem jurídico próprio
ou de terceiro que não o de praticar o fato necessitado” (Damásio E.
de Jesus, Código Penal Anotado, 18a. ed., p. 111).
Inoperantes as razões que apresentaram para a prática
da subtração, era força dá-los incursos em artigo de lei,
porque larápios de quatro costados.

5. A despeito, porém, dos cabedais de talento, erudição e


zelo de sua prolatora — Dra. Luciana Menezes Scorza de
Paula Barbosa —, no caso de que se trata (de tão notáveis
peculiaridades!), a solução adotada pela sentença não era,
a meu aviso, a que devia caber na alçada da Justiça Criminal.
Réus de furto (pois empalmaram oito galinhas), houve a
bem a insigne Magistrada não os poupar aos golpes da rija
clava penal: condenou-os a cumprir 2 anos e 4 meses de
reclusão e 11 dias-multa, no regime aberto.
Nos casos, entretanto, de insignificante lesão ao bem
jurídico (e mínimo o grau de censurabilidade), o fato não
constitui crime. É que, nas ações humanas, o Direito Penal
apenas intervém como providência “ultima ratio”.
Mesmo quando conspirem os elementos constitutivos
do crime, sempre se reconheceu ao Juiz discrição para atalhar
o curso da persecução penal, se esta lhe parecer, mais do que
intolerável absurdo, violação grave do ideal e dos preceitos da
Justiça.
180

Em verdade, “o Direito Penal não deve intervir quando a lesão


jurídica é mínima, reservando-se para as ofensas graves” (Damásio
E. de Jesus, Código Penal Anotado, 18a. ed., p. 103).
Não decai de sua grandeza e confiança a Justiça, antes se
recomenda ao louvor dos espíritos retos, se, aferindo lesão
patrimonial por craveira benigna, absolve réu da acusação de
furto de galinhas.
Ao juiz não esqueçam jamais aquelas severas palavras
de Rui:
“Não estejais com os que agravam o rigor das leis, para se
acreditar com o nome de austeros e ilibados. Porque não há
nada menos nobre e aplausível que agenciar uma reputação
malignamente obtida em prejuízo da verdadeira inteligência
dos textos legais” (Oração aos Moços, 1a. ed., p. 43).
Tal exegese conforma-se com o alto magistério do
Colendo Supremo Tribunal Federal, como está a persuadi-lo
a ementa a seguir reproduzida:
“Por isso, deve o órgão investido do ofício judicante resistir à
tendência de, em época de delinquência exacerbada, caminhar
para a persecução criminal a ferro e fogo, com desprezo de
normas comezinhas, entre as quais surge, com relevância
maior, a alusiva ao princípio da não-culpabilidade” (Rev. Trim.
Jurisp., vol. 171, p. 582).

6. Ao Juiz a Lei determina — e não apenas assegura —


que, no aplicá-la, atenda “aos fins sociais” e “às exigências do bem
comum” (art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil).
Casos haverá (sendo o dos autos desse número) em que
ao Magistrado corre o dever de repelir, com retidão e
181

sabedoria, a ingrata censura, na qual se detinham e


compraziam já nossos maiores, por onde o rigor da lei
unicamente se mostrava contra os pobres e os desamparados
(cf. Diogo do Couto, Diálogo do Soldado Prático, 1790, p. 19).
Isto mesmo têm proclamado esta prestigiosa Corte
Criminal, em acórdãos numerosos, subscritos por seus mais
eminentes Juízes:
“A lei penal jamais deve ser invocada para atuar em casos
menores, de pouca ou escassa gravidade. E o princípio da
insignificância surge justamente para evitar situações dessa
espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva
do tipo penal, com o significado sistemático e político-criminal
da expressão da regra constitucional do nullum crimen sine
lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária
e fragmentária do direito penal” (Rev. Tribs., vol. 733,
p. 579; rel. Márcio Bártoli).
O princípio da insignificância como causa de exclusão
de tipicidade penal tem, entre nós, padroeiros de grande vulto
e peso:
“Embora não presente em texto legal, o princípio da intervenção
mínima, de cunho político-criminal, impõe-se ao legislador e
ao intérprete, por sua compatibilidade com outros princípios
jurídico-penais dotados de positividade, e com os pressupostos
políticos do estado democrático de direito” (Carlos Vico
Mañas, O Princípio da Insignificância como Excludente da
Tipicidade no Direito Penal, 1994, p. 57).
São os réus pequenos ladrões ou furúnculos
(literalmente, ladrões de galinha).
182

Ainda que censurável a ação que perpetraram, nem por


sombra se compara às dos sumos artífices e protagonistas
de recentes episódios que tanto cobriram de ignomínia e
desalento os homens dignos deste País! (Vai de advertência
que o termo compreende assim os homens como as mulheres:
“Hominis appellatione tam foeminam quam masculum contineri nemo
dubitat” (Dig.).
Por isso, condená-los — além de hipocrisia desmarcada
— o mesmo fora que confirmar a funesta sentença de Sólon,
célebre legislador de Atenas: “As leis são como as teias de aranha:
quando algo leve cai nelas, fica retido, ao passo que se for algo
maior, consegue rompê-las e escapar” (Ettore Barelli e Sergio
Pennacchietti, Dicionário das Citações, 2001, p. 245; trad. Karina
Jannini).
Em suma, na trilha do art. 386, nº III, do Código de Processo
Penal, hei por bem absolver os réus da imputação de furto, e
mandá-los em paz.

7. Pelo exposto, dou provimento ao apelo dos réus para


absolvê-los, com fundamento no art. 386, nº III, do Código de
Processo Penal.

São Paulo, 10 de outubro de 2007

Des. Carlos Biasotti


Relator Sorteado
183

III. Furto famélico. Textos de Doutrina e deJurisprudência.

1. A necessidade não conhece lei (“Necessitas non habet


legem”); mas para que atue como descriminante legal, é
mister se prove, cumpridamente, a existência do perigo
atual, involuntário e inevitável, além da “inexigibilidade de
sacrifício do interesse ameaçado” (Damásio E. de Jesus,
Código Penal Anotado, 1998, pp. 92-93).
2. “De minimis non curat praetor”, reza a parêmia latina: O
pretor não olha para bagatelas. As conchas da balança
de Têmis não se destinam a pesar fumaça!

3. “Não há furto sem efetivo desfalque do patrimônio alheio”


(Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1980, vol.
VII, p. 23).
4. Nos crimes contra o patrimônio, cometidos sem
violência a pessoa, tem relevância apenas a lesão
jurídica de valor econômico, pois segundo a velha
fórmula do direito romano, “De minimis non curat praetor”.
5. Aplicado inconsideradamente, o princípio da
insignificância representa violação grave da lei, que
manda punir o infrator; destarte, subtrair a seu rigor
punitivo o culpado, sem relevante razão de direito, fora
escarnecer da Justiça, que dispensa a cada um o que
merece. Em verdade, conforme aquilo de Alberto Oliva,
“todo homem deve saber do fundo de seu coração o que é certo
e o que é errado” (apud Ricardo Dip e Volney Corrêa de
Moraes, Crime e Castigo, 2002, p. 3; Millennium Editora).
184

6. No geral consenso dos penalistas, diz-se famélico o


“furto praticado por quem, em estado de extrema penúria, é
impelido pela fome (coactus fame), pela inadiável necessidade
(propter necessitatis vim) de se alimentar” (Nélson Hungria,
Comentários ao Código Penal, 1980, vol. VII, p. 33).
7. De seu étimo, sentença significa sentir; a essa conta, há de
proferi-la o juiz sob o influxo de todos os nobres
sentimentos; o que bem entendeu e praticou o emérito
magistrado francês Osvaldo Bardot: Para manter o
equilíbrio entre o forte e o fraco, o rico e o pobre, que não têm o
mesmo peso, é mister carregar um pouco a mão na concha mais
fraca da balança (apud Jucid Peixoto do Amaral, Manual do
Magistrado, 4a. ed., p. 42).
8. À luz do princípio da insignificância, que opera como
excludente da tipicidade no Direito Penal, alguns fatos
podem guardar-se da censura da Lei, pois não é de bom
exemplo ocupar-se de ninharias o varão grave: “De
minimis non curat praetor”, recitavam os romanos.

9. A pedra de toque desses a que a Doutrina chama delitos


de bagatela é a pequena lesão ao patrimônio da vítima, o
ínfimo valor do bem. Não cai sob esse número, pois, a
infração penal de vulto considerável nem a ofensa a
objeto jurídico de grande monta e estimação.
10. Suposto não seja de Juiz Criminal fazer caso nem
cabedal de bagatelas e ninharias (“De minimis non curat
praetor”), não haverá contudo aplicar somente multa, no
caso de furto privilegiado (art. 155, § 2º, do Cód. Penal), se
os antecedentes e a personalidade do réu indicarem que
o não merece.
185

11. Apenas se considera furto famélico (em estado de


necessidade) a subtração de bens ou produtos urgentes
à conservação da vida do sujeito, em conjuntura
extremamente grave.
12. A necessidade faz do homem o que quer, acentua o aforismo
jurídico (“Necessitas non habet legem”). Mas só constitui
causa excludente de criminalidade se o agente não podia
conjurar o mal, exceto com o sacrifício do bem jurídico
alheio (art. 24 do Cód. Penal). A mera alegação de
estreiteza de recursos, desacompanhada de prova cabal
e convincente, não basta para o reconhecimento da
descriminante legal, senão se converteria em razão
universal de impunidade.

13. A alegação da Defesa, de que o réu praticara o fato


porque passava por terríveis privações de ordem
conjuntural sócio-econômica, em quadra rigorosa da
vida, não colhe, com a devida vênia.

Com efeito, nada obstante a necessidade muita vez faça


do homem o que quer (“Necessitas caret lege”), não basta a
simples menção do estado de necessidade; é mister
comprová-lo inequivocamente; àquele que alega haver
praticado o fato sob o império da causa de exclusão de
antijuridicidade, corre-lhe o dever de comprovar não
havia outro meio de salvar de perigo atual direito seu ou
de outrem, senão sacrificando o alheio.
A conduta lesiva há de ser inevitável: “(…) significa que o
agente não tem outro meio de evitar o perigo ao bem jurídico
próprio ou de terceiro que não o de praticar o fato necessitado”
(Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, p. 94).
186

Não há confundir, todavia, o estado de precisão com o


estado de necessidade. Com efeito:
“Para que se configure a excludente é mister que o agente pratique
o fato como recurso extremo, para salvar direito próprio ou alheio
de perigo atual inevitável, e que só pode ser impedido através da
violação do bem jurídico alheio. Sem comprovação de se tratar de
recurso inevitável, de uma ação in extremis, não se caracteriza
estado de necessidade” (RJTACrimSP, vol. 38, p. 148; rel.
Xavier de Aquino).
14. “A ciência do justo não está nos livros, mas na alma do juiz”
(cf. Eliézer Rosa, A Voz da Toga, 1a. ed., p. 51).
15. “Amparando os mais fracos, não fazemos favor, senão justiça”
(Teodomiro Dias; apud Odilon Costa Manso, Letras
Jurídicas, 1971, p. 111).
16. “Deve o rigor do castigo temperar-se sempre com a moderação da
clemência” (Manuel Bernardes, Nova Floresta, 1728, t. V,
p. 466).

Notas

(1) “Não é a ocasião que faz o ladrão (…); o provérbio está errado.
A forma exata deve ser esta: A ocasião faz o furto, o ladrão
nasce feito” (Machado de Assis, Esaú e Jacó, 1957, p. 299;
W. M. Jackson Inc. Editores; Rio de Janeiro).
(2) Comentários ao Código Penal, 1980, vol. VII, p. 33; Editora
Forense.
(3) A Luta pelo Direito, 20a. ed., p. 18; trad. João de
Vasconcelos; Editora Forense.
187

(4) “Necessitas non habet legem”, reza o aforismo jurídico. Isto


mesmo sentiu a lira de Carlos Ayres Britto, culto Ministro do
Supremo Tribunal Federal e prestigioso poeta:

“Aquele que tem fome


fica tão prisioneiro de sua fome
que não lhe sobra liberdade
para mais nada” (A Pele do Ar, 2a. ed., p. 108).
O Advogado e a Eloquência fora dos Tribunais

Sumário. Nobre veículo do pensamento, pode a palavra, em certas


circunstâncias — sobretudo quando em rixa aberta com o senso comum —,
meter na berlinda ao próprio orador e turvar-lhe a boa reputação. Tomar
tento, pois!

I. Com grande assombro das pessoas circunspectas,


órgãos de comunicação têm, ultimamente, realejado notícia
que, por seu teor insólito, despertou rudes críticas e
veementes protestos em todas as esferas sociais.
Foi o caso que, durante reunião gastronômica
promovida por seleto grupo de advogados notáveis, um deles,
erguendo sua taça num brinde ao mais famigerado dos
convivas, teria dito que, segundo o espírito do tempo,
adiantava pouco punir o infrator, se cometido já o crime.
Ainda: que o castigo era ineficaz contra a corrupção.
(Não recolhi ao orador suas palavras textuais; sou-lhes,
porém, fiel ao sentido, a saber: seria em pura perda infligir
pena ao criminoso, porque irreparáveis as consequências do
ato que praticou; ao demais, era a corrupção mal invencível).
Tal afirmação — a pôr-se fé inteira nos meios
eletrônicos que a transmitiram — fizera-a um dos mais
renomados, competentes e argutos advogados criminalistas
do País: o Dr. Antônio Cláudio Mariz de Oliveira.
Não fosse o fato público e notório (que, em bom direito,
dispensa prova), ninguém o tomaria ao sério. É que todos os
que o conhecem — e sou desse número, que forma legião —
190

juram-no incapaz de dar curso a semelhante enormidade


(resisto ao impulso de chamar-lhe parvoíce chapada).
As razões que militam em prol desta persuasão têm
grande peso e força. Laureado pela Faculdade Paulista de
Direito (PUC), frequentou Antônio Cláudio a lição de mestres
os mais consumados na Ciência do Direito, como José
Frederico Marques, Washington de Barros Monteiro,
Agostinho Neves de Arruda Alvim e Waldemar Mariz de
Oliveira Júnior, este seu ilustre pai (e meu saudoso e querido
professor de Direito Processual Civil). Com eles aprendemos
que a toda violação corresponde uma sanção, ou “pena
cominável aos violadores da ordem instituída”.(1)
Não pode cair em dúvida, com efeito, que todo infrator,
sendo imputável, está sujeito ao rigor da lei. Donde a
advertência de Nélson Hungria, com justiça proclamado “o
maior penalista brasileiro de todos os tempos” (2): “A pena traduz,
primacialmente, um princípio humano por excelência, que é o da justa
recompensa: cada um deve ter o que merece”.(3)

II. A proposição — não ser de bom aviso punir o delinquente,


porque perpetrado já o crime — havia, sem falta, de incorrer na
reprovação das pessoas de reto juízo e critério sólido.
Passa o mesmo quanto à corrupção, cancro social a que,
por extirpá-lo, os países de organização democrática
declaram guerra sem tréguas nem quartel.
Tais conceitos, que tanta indignação despertaram nos
espíritos esclarecidos, teria de fato emitido o nobre
advogado?!
191

Admito-o, a benefício de inventário, pois que —


segundo consta — ele próprio não se empenhou em lavrar
desmentido; tampouco se retratou.
Mas — e aqui bate o ponto! —, o provecto causídico
estava, ao tempo, em seu acordo e razão?!

Eis por que, não me sofrendo o ânimo ver arrastado ao


pelourinho da execração pública distinto e prestigioso
paladino do Direito, lembrou-me, sob a invocação das leis da
amizade, acudir por sua honra. Tenho-o na conta de amigo e,
conforme aquilo de um autor engenhoso, “um bom amigo vale
mais do que uma carabina” (4), que substituo aqui pela arma do
advogado: a palavra.

Tomo sobre mim, em suma, o encargo de seu defensor


“ad hoc”, a despeito de alguma voz que porventura se levante
para entoar o refrão do costume: Para ruim defesa, melhor é
nenhuma!

III. Aquele chorrilho de expressões o garboso Dr. Mariz


proferiu (ia quase a escrever expectorou), ao termo de um
banquete, perante colegas do ofício e algumas pessoas, estas a
mais de um respeito bem conhecidas.
Entre iguarias, que decerto causariam inveja à
glutonaria de Vitélio e à magnificência das mesas de Lúculo, é
de presumir não faltassem também — visto que hoje muito
poucos se constrangem diante de uma garrafa — os melhores
vinhos (capitosos, naturalmente!).
Nosso orador (diga-se a verdade lisa e francamente) é
possível não se tivesse limitado a sorver a água do copo, que a
192

praxe manda conservar à esquerda da tribuna, para alguma


emergência gutural. Lançando mais longe a barra: embora
seja a água “o vinho de Deus”, na original definição de um
homem de letras e espírito (5), não está afastada a hipótese de
que entrasse galhardamente pelas bebidas. Palpito mais que,
ao discursar (ou soltar-se em palavras), já estava aquecido
pelos vapores do álcool…
Ora, é de elementar intuição que as bebidas alcoólicas,
tanto que absorvidas pelo sangue, entram a operar efeitos
nos centros superiores do sistema nervoso do indivíduo,
desintegrando-lhe o psiquismo.
Assim, até mesmo quando consiga manter-se em pé,
ensinam os tratadistas da matéria que o atleta de Baco,
eclipsado o entendimento pelo torpor alcoólico e rotos seus
freios inibitórios, desata a palavrear e a despejar frases sem
nexo.(6)
Em prova desta alegação, tenho por autor não menos
que ao polido Pe. Antônio Vieira, que falava como o oráculo
de seu tempo: “(…) porque eles (os vinhos) perturbam e tiram os
homens de seu juízo, e fazem que fiquem fora de si como doudos”.(7)
Numa palavra: a bebida alcoólica tem arte de enfatuar o
ânimo daqueles que a ela se entregam e, o que é mais, nos
casos de libação excessiva, faz sucumbir muitos ao estado de
embriaguez.(8)
É certo que — noção que ensinam os rudimentos do
Direito Penal — a embriaguez voluntária não elide a
responsabilidade criminal do agente, porque lhe não exclui a
imputabilidade.(9)
193

Pelo que, isto de ter-se alguém enfrascado em vinho,


antes de enunciar despautérios ou obrar contra o direito
expresso, não lhe serve de razão escusativa de responsabilidade.

Haverá, entretanto — o que não é licença desprezível


—, de aproveitar-lhe como argumento “pietatis causa”: que, se
estivesse, como de ordinário, sóbrio e lúcido, não lhe cairiam
dos lábios palavras e frases que repugnam ao juízo das
pessoas de médio entendimento e, por mais forte razão, ao
daquele que se conhece por timbre e espelho de sua
instituição, a gloriosa Ordem dos Advogados do Brasil.
Enfim, se por mero gracejo, ou jocosa expansão de
jovialidade, foi que o orador proferiu as palavras que tanto
estranharam às pessoas de maduro juízo, não havia senão
recebê-las com um grão de sal; mas, se outra a hipótese,
passava por medida salutar, oportuna e talvez meritória que
lhe viessem os amigos limpar a testada.
Nisto pus a mira, em obséquio à grande estima que
tenho ao “Dr. Mariz”, a quem faço um discreto brinde como
pedem os estilos da urbanidade.(10)

Notas

(1) Goffredo Telles Junior, Iniciação na Ciência do Direito, 2a.


ed., p. 76; Editora Saraiva.
(2) Evandro Lins e Silva, Arca de Guardados, 1995, p. 96;
Editora Civilização Brasileira; Rio de Janeiro.
(3) Novas Questões Jurídico-Penais, 1945, p. 131; Rio de
Janeiro.
(4) João Guimarães Rosa, Noites do Sertão, 7a. ed., p. 34;
Editora Nova Fronteira; Rio de Janeiro.
194

(5) (Agripino Grieco; apud Abeylard Pereira Gomes, O


Agripino Grieco que eu Conheci, 1988, p. 37).

(6) Em contradição com o retrilhado anexim “Quem não


bebe, não fuma e não mente não é filho de boa gente”,
formulou Baudelaire a advertência: O homem que só bebe
água tem alguma coisa a esconder (apud Almeida Jr., Lições
de Medicina Legal, 7a. ed., p. 489: Companhia Editora
Nacional).

(7) Sermões, 1959, t. XIII, p. 320; Lello & Irmão – Editores;


Porto.
(8) Nunca faltou, entretanto, quem no vinho achasse até
virtudes dignas da voz latina: “In vino veritas”. (O vinho
seria uma como pedra de toque da verdade). Para
outros, faria as vezes de estímulo. Os advogados
veteranos (ou da velha escola) estarão lembrados
daquela celebridade da oratória forense que, antes
de assomar à tribuna, costumava, como dizia, “molhar
a palavra”. No Restaurante Corso, junto das Arcadas
(Faculdade de Direito do Largo de São Francisco), após
sorver um trago de conhaque, filosofava: “Tira o juízo,
mas dá coragem!”. E — circunstância notável —, no maior
número das causas que patrocinava, saía do plenário do
júri coberto de louros!

(9) Em seu espírito e forma, dispõe o art. 28 do Código Penal


que não exclui a imputabilidade penal: “II – a embriaguez,
voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos
análogos”. Cifra-se esta norma à teoria da “actio libera in
causa”; quem quer a causa quer o efeito.
195

(10) Desde tempos imemoriais, foi uso em todas as


sociedades esse de brindar ou beber à saúde de alguém,
com votos pela felicidade pessoal e em atenção a seu
merecimento. Como quer que o episódio oratório, que
faz objeto deste arrazoado, ocorreu num brinde a certo
vulto da classe política, leve-me em paciência o
benévolo e instruído leitor evoque das páginas de nossa
História dois outros, frisantes por suas circunstâncias e
pela dignidade dos sujeitos a que se referiam:
I – “Brinde de Rui Barbosa ao Senador Pinheiro Machado. No
banquete político de 7 de maio de 1907: (…) os que se
habituaram a ver nele (Senador Pinheiro Machado) não
só um guia de raro tino entre as incertezas políticas, mas
ainda uma dessas úteis reservas de energia moral,
concentradas numa individualidade robusta e poderosa,
para as quais as nações democráticas dirigem a vista
confiadamente, quando consideram no seu porvir” (Obras
Completas de Rui Barbosa, vol. XXXIV, t. I, pp. 91-92).
II – “Recepção na Bahia. Discurso do Dr. Virgílio de Lemos
(…): “Não posso, pois, deixar de, em nome do presente,
levantar a minha taça em honra desta individualidade
verdadeiramente excepcional, considerada como a culminância
intelectual do país. Assim, pois, em nome do presente e
em nome do passado brilhante da Bahia, brindo ao
Conselheiro Rui Barbosa, que, melhor do que qualquer
outro baiano, concretiza e representa o brilho de suas
tradições e o fulgor de suas glórias” (Ibidem, p. 103).
“Quantum mutatus ab illo!”.
Ministro Sydney Sanches
(Honra e Glória do Supremo Tribunal Federal)(*)

Prólogo

Duas forças, ambas inelutáveis e poderosas, parecem


mover, sem quebra nem desfalecimento, o comum dos
homens: a preocupação de concorrer, cada qual em sua
esfera, para o aprimoramento da sociedade em que vive,
e a obrigação de indicar aos pósteros, com preceito que
as imitem na prática das virtudes morais e políticas,(1)
aquelas personalidades que, no uniforme consentimento
dos contemporâneos, lhes serviram de guia, conselho e
salvaguarda.
A esses numes tutelares é que deve a Humanidade a
inspiração de seus projetos e a excelência de suas conquistas.
Numa palavra: são os espíritos superiores — porque lúcidos,
generosos e prudentes — os que abrem os alicerces às futuras
gerações.(2)

(*) Excertos do livro Ministro Sydney Sanches (Honra e Glória do Supremo


Tribunal Federal), 2023; Autor: Carlos Biasotti.
(1) Denominava Montesquieu virtude política o amor às leis e à pátria
(cf. O Espírito das Leis, liv. IV, cap. V).
(2) Tem cunho de verdade irrecusável o apotegma de Isaac Newton:
Se enxerguei mais longe, foi por estar de pé sobre os ombros de gigantes (apud
Ettore Barelli e Sergio Pennacchietti, 2001, p. 122; trad. Karina Jannini;
Editora Martins Fontes).
198

Por especial fortuna (em rigor, mercê divina), fomos


também nós prodigamente aquinhoados com partes
consideráveis dessa inestimável herança espiritual.
Daqui a antiga e louvável praxe de se lhes perpetuar a
presença no cadastro oficial dos povos, à guisa de lição,
exemplo e força criadora.
Na verdade, em todas as províncias do saber e
das profissões nunca faltaram magníficos arquétipos.
Recenseando-os por maior, eis alguns: Rui Barbosa, José
Bonifácio, Duque de Caxias, Osvaldo Cruz, Carlos Gomes,
Pedro Américo, Ramos de Azevedo, etc.
Há-os, por igual, na Magistratura, em cujo rol
onomástico (da última centúria), por suas peregrinas
qualidades, merecem inscritos: Pisa e Almeida, Lúcio
Mendonça, Viveiros de Castro, Mário Guimarães, Laudo de
Camargo, Manoel Costa Manso, Nélson Hungria, Edgard
de Moura Bittencourt, Eliézer Rosa…
Mesmo em nosso tempo, conturbado por desvarios
infinitos, é possível trazer à alta consideração dos brasileiros
(aos Magistrados, em especial), rara figura pública, assaz
conhecida e digníssima de imitar, não só enaltecer: Sydney
Sanches, Ministro do Supremo Tribunal Federal.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, fiel à
tradição de preservar e difundir sua glória mais cara — a de
reputado celeiro de notáveis Juízes —, promoveu, há pouco,
justa e esplêndida homenagem a Sua Excelência.
199

Fomos presente à solenidade e com atenção ouvimos


seus brilhantes oradores; os discursos, assim do orador
designado para saudá-lo como do ilustre Homenageado,
arrebataram o ânimo dos ouvintes!
As palavras deste — documento genuíno de grandeza
histórica e esboço de vida edificante —, formaram utilíssimo
compêndio ou roteiro de proceder, concebido para os que
abraçaram a bela e grave carreira da Magistratura.(3) Seria
grande lástima não pudessem guardar-se das injúrias do
tempo! Eis por que nos pareceu bem reimprimi-las, num
como preito de justiça, amizade e gratidão ao Ministro
Sydney Sanches, um dos maiores nomes de nossa Corte
Suprema.

(3) Os discursos foram reproduzidos, “ipsis verbis”, de textos escritos.


201

Repercussão da homenagem no
meio forense

Entre os que estiveram presentes à solenidade era


concorde a opinião acerca da homenagem prestada ao
Ministro Sydney Sanches: merecida e justa, demais de
oportuna.

Foi realizada bem a propósito, pois que parte integrante


da série de comemorações da Agenda 150 Anos de Memória
Histórica do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Teve também o caráter de galardão, que o órgão
institucional da Magistratura, atentos os reconhecidos e
invulgares méritos do Homenageado, acertou conferir-lhe.
Em verdade, por servir de regra e nível a todos os membros
de sua classe, é matéria para encômios isto de um Juiz,
superadas longas e árduas etapas de edificante carreira, haver
tomado assento na Mais Alta Corte de Justiça do País, em
circunstâncias muito especiais: além dos indeclináveis
requisitos do notório saber jurídico e reputação ilibada, nele
concorriam, em grau assinalado, aquelas apreciáveis
qualidades que os graves autores geralmente encarecem
a todos os que oficiam no templo da divina Têmis
incorruptível, mas — ainda mal! — raro se encontram.
202

Em obra de nomeada clássica(4) escreveu Mário


Guimarães:
“O merecimento do juiz resulta de se reunirem, na sua pessoa,
e em dose elevada, certos predicados: inteligência, cultura, amor
ao trabalho, honestidade, bom-senso, domínio de si mesmo,
imparcialidade, circunspecção, coragem.
Os mais desses atributos são extensivos a todos os homens
dignos, o que justifica a frase de Bossuet: Se queres um bom
magistrado, procura primeiramente um homem de bem.
Há, todavia, traços que se requerem mais acentuadamente em
quem exerça a profissão de julgador. Boncennes indicava cinco: ciência
vasta de Direito, probidade a toda a prova, grande independência de
caráter, espírito reto e consumada experiência.
Para Sclopis, três seriam indispensáveis: critério justo, doutrina
sincera e imparcialidade absoluta” (O Juiz e a Função Jurisdicional,
1958, p. 133; Editora Forense; Rio de Janeiro).
De Orosimbo Nonato, conspícuo Ministro do Supremo
Tribunal Federal, traz aquele autor, em nota de rodapé, trecho
que devia ser gravado em lâminas de ouro, para que o tivesse
o Juiz sempre diante dos olhos e guardasse na alma e no
coração:

(4) O Ministro Mário de Guimarães (1889 – 1976) honrou sobremodo


o Judiciário paulista e o Supremo Tribunal Federal; enriqueceu, ao
demais, com obras doutrinárias de grande preço, as letras jurídicas:
Recurso de Revista, Estudos de Direito Civil e, em especial, O Juiz e a Função
Jurisdicional, vade-mécum excelente, cuja leitura se tornou obrigatória
a todo magistrado.
203

“(…) o que se lhe exige é um cúmulo de virtudes: modéstia,


compostura, discrição, cultura, operosidade, ânimo sofredor e
paciência, mas capaz de fortaleza e ousio para resistências extremas, e
aquele amor profundo da justiça, que inculcava o rei sapientíssimo.
Tem ele de ser exato e guardar, no exercício de suas funções, um
equilíbrio irreprochável, longe do escorregadio das outorgas e
relaxações, mas sem campar de inexorável e cruel, sem agravar nas leis
‘para se acreditar com o nome de austero e ilibado’.(5) Ser fiel à justiça, e
pontual e exato ainda no menor, para ser também nas coisas magnas,
conforme aquilo do evangelista: Qui fidelis est in minimo, et in majori
fidelis est; et qui in modico iniquus est, et in majori iniquus est.(6)
Desanimado de vaidades e sem entono, sem arrogância, sem orgulho,
mas armado de resistência moral indobrável, o bom juiz só atenderá,
através de todas as circunstâncias, ao mandamento da lei e aos
impulsos de sua consciência” (apud Mário Guimarães, op. cit.,
p. 133).
Ao ínclito varão, exornado de tais qualidades, era bem
prestasse o Tribunal de Justiça magnífica homenagem; e
assim o fez!

(5) Cf. Rui Barbosa, Oração aos Moços, 1a. ed., p. 43.
(6) “O que é fiel no menos, também é fiel no mais; e o que é injusto no pouco,
também é injusto no muito” (Lc 16, 10; trad. Pe. Antônio Pereira
Figueiredo).
205

Epílogo

Estas páginas, que compilamos em obediência às leis da


amizade — mas sobretudo às da verdade e da justiça —
tiraram ao fito de apresentar aos futuros juízes (e também
aos de nosso tempo) os lances principais da vida de um
Magistrado que os membros de sua Instituição têm por
modelo.
É fora de controvérsia que, entre os poderes da
República, “independentes e harmônicos” (art. 2º da Const. Fed.),
veneranda tradição conferiu sempre ao Judiciário a primazia,
à conta da superior qualificação de seus integrantes.
A muitos sujeitos de sublime entendimento, no entanto,
se tem ouvido, ultimamente, com infinita mágoa, que já
não podiam levar a bem certas práticas, de cunho insólito
e pernicioso, que nele pareciam querer insinuar-se.
Era de mister — ponderavam — pôr-lhes cobro, não
viessem a deslustrar a grandeza e a majestade da Justiça
brasileira!
Ora, o meio mais eficaz para erradicar essa, a que
pudéramos chamar praga abominável, depara-nos a imitação
do exemplo dos melhores.
206

Isto mesmo sentia um autor gravíssimo, forte em sã


doutrina: “Segue as pegadas dos antigos, e não te afastes de sua
autoridade, aliás vir-te-ão à cabeça muitas coisas que te arrastarão ao
erro”.(7)
Ainda que dinâmica a vida do Direito, estão seus
aplicadores adstritos aos princípios e cláusulas irrevogáveis da
ética profissional, da honra e da dignidade de inteligência.
Ora, é ao número dos grandes valores da Magistratura,
muito para imitar, que pertence o Homenageado.
E, deitando a barra mais longe, tocar-lhe-ia, por força,
a melhor parte na lenda aterradora forjada por Maomé. Foi
o caso que, após contemplar demoradamente um suntuoso
Tribunal de Justiça, fulminara-lhe O Profeta o anátema: De três
juízes somente um se salvará.
“Data venia” dos mais, Sydney Sanches é esse juiz que se
salvaria!
Todos os que o puderam acompanhar nos labores da
vida consagrada aos elevados negócios da Justiça, esses
nenhuma dúvida terão em sufragar-lhe o nome.
A supor alguém encerre esta afirmativa mais louvor que
verdade inconcussa, alegaremos com as palavras de sábio
e claro varão: “Elogios nem sempre são lisonjas; quando vêm
merecidos, são dever”.(8)
Esteve, pois, à altura do Ministro Sydney Sanches a bela
homenagem que lhe prestou, com rara eficiência e esplendor,
o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

(7) Alexandre Herculano, Cartas, t. I, p. 24; Lisboa.


(8) Júlio de Castilho, Os Dois Plínios, 1906, p. 343; Lisboa.
207

Foi certamente com o pensamento em magistrados


desse jaez que o imenso Rui burilou, para os que têm fome e
sede de justiça, o pregão confortador: “A esperança nos juízes é
a última esperança”!(9)

(9) Obras Seletas, 1956, t. VIII, p. 204.


Liberdade de Expressão

Sumário. É com a palavra — que lhe constitui singular privilégio — que o


homem exprime suas ideias e pensamentos. Como não subsiste sem o
influxo da liberdade, ela não conhece outro limite ou restrição que o seu
abuso, ou quando empregada para atentar contra a honra de alguém (arts.
138, 139 e 140 do Cód. Penal); que esta nenhum homem digno perde senão
com a própria vida.

I. A palavra, atributo fundamental do homem, foi-lhe


dada para manifestar suas ideias e pensamentos. À conta de
sua inestimável importância e finalidade, chamou-lhe um
alto espírito, com inteira propriedade e boa fortuna, “dom do
céu”, porque, “se nos faltasse, de pouco nos serviria a mesma razão”.(1)
Impossível dizê-lo melhor!
Em verdade, privado da palavra, o homem como que se
sentiria defraudado dessa áurea faculdade que lhe permite
não só afirmar, reconhecer e aplaudir tudo o que há de belo,
bom e grandioso na vida, senão ainda combater erros e
extirpar graves mazelas.
Donde veio a dizer um elegante orador que foi a palavra
o que Deus criou em primeiro lugar.(2)
Por sua qualidade intrínseca — veículo do pensamento
—, é já digníssima de apreço; mas, como instrumento da
expressão verbal (poderoso a orientar, persuadir, convencer e
deleitar), a palavra somente se realiza e aperfeiçoa se for livre.
Portanto, ainda quando dela se utilize o homem para a
prática de iniquidade (e, pois, em contradição com seu fim
natural), será sempre livre! O sumo valor que lhe dá vida é,
portanto, a liberdade!
210

E, porque mais subisse de ponto o prestígio singular da


palavra, ao seu uso (ou exercício) as legislações de todos os
povos, desde a mais alta antiguidade, reconheceram-lhe o
caráter sagrado de direito inviolável: o da livre expressão do
pensamento.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em
10 de dezembro de 1948 — “a página mais brilhante do
pensamento jurídico da Humanidade”(3) —, assentou, solenemente,
como em lâmina de ouro, o texto que consagrou o direito à
liberdade de expressão:
“Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão,
direito esse que inclui a liberdade de, sem interferências, ter
opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias
por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
Acorde com esta inteligência é a Constituição Federal (de
1988), que proclamou no art. 5º, nº IV: “É livre a manifestação do
pensamento, sendo vedado o anonimato”.
Isso mesmo, para que não entrasse em dúvida a garantia
da liberdade de expressão, dispôs em seu inciso IX: “É livre
a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Pelo que, não admira lhe tenha feito a apologia, em
termos veementes, o célebre Voltaire:
“Não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei
até a morte o vosso direito de dizê-lo”.(4)
Conquanto ilimitada — porque direito absoluto e valor
universal —, a liberdade de expressão sujeita-se ao rigor da
lei, e responde pelos excessos aquele que dela fizer mau uso.
211

Afora as pessoas que gozam de imunidade —


profissional (advogado)(5) ou parlamentar (senador,
deputado(6) e vereador(7) —, incorre em ilícito penal todo
aquele que, por abuso da palavra, ofender a honra alheia.

II. Atributo eminente do homem, que os povos civilizados


sempre tiveram em muito, é a honra um bem jurídico em
sumo grau tutelado, cuja violação a Justiça reprime à ponta
do gládio.
Na verdade, o Código Penal define e pune como crime a
calúnia, a difamação e a injúria (arts. 138, 139 e 140).
Seu principal elaborador e exegeta, ferindo o tema,
escreveu:
“Nenhuma contemplação merecem aqueles que, por ódio,
despeito, rivalidade ou áspero prazer do mal, se fazem
salteadores da honra alheia” (Nélson Hungria, Comentários
ao Código Penal, 1980, vol. VI, p. 43).
Acerca dos abusos no exercício da liberdade de
manifestação do pensamento e informação dispunha, com
especialidade, bom método e notável clareza, a Lei nº 5.250/67
(Lei de Imprensa); revogou-a, porém, o Supremo Tribunal
Federal, sob color de que a não recebera a Constituição Federal
de 1988.(8)
Os crimes contra a honra, previstos nos arts. 20, 21 e 22
da Lei de Imprensa (calúnia, difamação e injúria), não foram
entretanto abolidos da ordem jurídica, uma vez que dessas
mesmas figuras típicas tratava já o Código Penal.
Há que atender, porém, a um ponto (e esse do maior
alcance): ao órgão judicante, com exclusão dos mais, é que
212

compete verificar, em processo regular — respeitada sempre


a ampla defesa e o princípio do contraditório —, se o
acusado, efetivamente, ofendeu a honra com abuso da
palavra.
Será de mister, pois, para sua condenação, prova
superior a toda a dúvida sensata; se não, terá o juiz de
absolvê-lo, em obséquio ao venerando aforismo: “In dubio pro
reo”.
Mas, provada que lhe seja a culpa — já que,
descomedindo-se na linguagem, malferiu a honra alheia —, o
acusado incorrerá em pena, sem prejuízo dos “pedidos de
reparação ou indenização por danos morais” (art. 12 da Lei nº
13.188/2015).
Aqui poderá alguém perguntar: donde vem esse, porque
assim o diga rigor punitivo respectivamente à palavra, livre por
definição?
É que valor maior se lhe antepõe: a honra, que “é mais
preciosa e mais amável que a mesma vida”, como sentenciou o
profundo Vieira.(9)
E, como quem se conforma com o teor de tão
primorosa máxima, escreveu Matias Aires estas palavras,
mais que elegantes, verdadeiras:
213

“Acabando tudo com a morte, só a desonra não acaba; porque o


labéu ainda vive mais do que quem o padece: por mais insensível
que esteja um cadáver na sepultura (permita-se a hipérbole) lá
parece que a lembrança de uma infâmia, que existe na memória
dos que ficam, lhe está animando as cinzas, para o fazer capaz de
aflição e sentimento: terrível qualidade, cujos efeitos, ou cujo
mal, não se acaba, ainda depois que acaba quem o tem; sendo a
única desgraça, que se imprime na alma, como um caráter
imortal! A morte não serve de limite à desonra; porque esta vai
seguindo a posteridade como uma herança bárbara e infeliz”
(Reflexões sobre a Vaidade dos Homens, 1752, p. 42).
Nas sociedades regidas segundo a lei, a livre
manifestação do pensamento e o exercício do direito de
crítica, feita com elevação e urbanidade, constituem (é força
encarecê-lo!) apanágio de todo o cidadão e daquela que passa
por sua voz autorizada: a Imprensa.(10) Coartá-los, o mesmo
fora que instaurar o império do arbítrio e da ilegalidade.
O clamor pela liberdade de expressão, que haverá de ecoar
por todos os tempos, deparou na “intransigência de Labieno” um
dos ápices de indignação que a História registrou:
“Quinto Labieno, filho do grande general que acompanhou
César na guerra das Gálias, era um escritor franco e desabusado,
inimigo da tirania. Seus livros foram denunciados por invejosos e
áulicos aos magistrados de Roma, por conterem ataques aos
dominadores. Condenados os livros a serem queimados, Labieno
protestou e, não sendo atendido, fez-se encerrar vivo no jazigo da
sua família, por entender que não valia a pena viver sem a
liberdade de pensar”.(11)
214

III. Hipótese, que versou a liberdade de imprensa, foi assim


decidida pelo Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São
Paulo:

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL


D ÉCIMA QUINTA C ÂMARA

Apelação Criminal nº 1.196.111/9


Comarca: Campinas
Apelante: CCLE (Querelante)
Apelado: JRFC (Querelado)

Voto nº 2094
Relator

–“A Imprensa é a vista da nação” (Rui, A Imprensa e


o Dever da Verdade, 1920, p. 15).
–“Não há Justiça sem Imprensa. A publicidade é o
princípio que preserva a Justiça de corromper-se.
Todo o poder que se oculta perverte-se” (Rui
Barbosa; Escritos e Discursos Seletos, 1960,
p. 738; Editora José Aguilar Ltda.; Rio de
Janeiro).
– Os excessos da Imprensa devem sempre ser
coibidos, porque a liberdade de informar não
tem foros sobre a honra.
215

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito da


3a. Vara Criminal da Comarca de Campinas, absolvendo JRFC
da imputação de infrator dos arts. 21 e 22 da Lei nº 5.250/67
(Lei de Imprensa), interpôs apelação para este Egrégio Tribunal,
com o intuito de reformá-la, a querelante CCLE.
Afirma, nas razões recursais apresentadas por diligentes
e cultos patronos, que a prova dos autos evidenciou a
responsabilidade criminal do apelado pelos crimes de
difamação e injúria, praticados pela imprensa.
Pleiteia, por isso, que a colenda Câmara lhe proveja o
recurso para julgar procedente a queixa-crime e condenar o
recorrido (fls. 252/270).
Apresentou contrarrazões de apelação o querelado, nas
quais, por distintos e competentes advogados, reeditou os
argumentos de defesa, máxime o de não ter obrado com
“animus diffamandi”; pugna pela confirmação da r. sentença
apelada (fls. 273/289).
O órgão do Ministério Público de Primeira Instância,
pela manifestação de fls. 291/295, abundou nos mesmos
argumentos do querelado e propugnou a mantença da r.
decisão absolutória.
A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer
minucioso, firme e escorreito, como sói emitir o Dr. Carlos
Roberto Barretto, opina pelo provimento do recurso, uma
vez “não se trata, como bem apontou a Apelante, de mero animus
narrandi, senão de matéria com nítida intenção de atingir-lhe a honra”
(fls. 230/233).
É o relatório.
216

2. A deputada estadual CCLE ajuizou queixa-crime contra


o apelado, jornalista de profissão, alegando que este lhe
ofendera a honra nas colunas do jornal Correio Popular, de
Campinas, quando a respeito dela escreveu que:

a) “Magalhães estava convencido de que a deputada não possuía


nem condições de enfrentar a disputa eleitoral, nem requisitos
para administrar uma cidade do porte e da complexidade de
Campinas”;

b) “O ex-prefeito achava que o discurso da deputada revelava


despreparo e inconsistência política…”;

c) “Magalhães também tinha informações, das mais confiáveis


fontes — algumas delas diretamente do Palácio dos
Bandeirantes — segundo as quais o desempenho de CL como
deputada era considerado medíocre nos círculos políticos bem
informados de São Paulo” (fl. 12).

Declarou o apelado que o não movera o propósito de


“ofender a honra ou denegrir a imagem da querelante”: apenas atuara
“no exercício de sua profissão”, narrando “os fatos e as circunstâncias
da disputa eleitoral” referente ao cargo de prefeito do município
(fls. 221/222).
A r. sentença apelada acolheu as razões de defesa e
absolveu o querelado por atipicidade do fato, pois “o autor agiu
com o chamado animus narrandi” (fl. 252).

3. Primeiro que o mais, nunca será fora de propósito


encarecer o valor da Imprensa no Estado Democrático.
217

Em verdade, segundo o verbo olímpico de Rui, um de


seus paladinos egrégios, “a imprensa é a vista da nação”.
Com efeito:
“Por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao
longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e
tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe
alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela
pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça” (A
Imprensa e o Dever da Verdade, 1920, p. 15).
Ainda:
“Não há Justiça sem Imprensa. A publicidade é o princípio que
preserva a Justiça de corromper-se. Todo o poder que se oculta
perverte-se” (Rui Barbosa, Escritos e Discursos Seletos, 1960,
p. 738; Editora José Aguilar Ltda.; Rio de Janeiro).
Os excessos, contudo, esses devem sempre ser coibidos,
porque a liberdade de informar não tem foros sobre a honra.
É que:
“Ou seja na vida pública, ou seja na vida particular, para os
homens honrados há leis que nunca lhes será lícito infringir”
(Rui, Obras Completas, vol. XXXIV, t. I, p. 35).

4. Sustenta o recorrido, por seu valoroso advogado, que


procedera com “animus narrandi”, o qual exclui o dolo,
tornando atípico o fato incriminado.
Assim é, e os mais dos autores não se dedignam de
afirmá-lo “ex professo”, notadamente quanto ao jornalista, cuja
missão específica é bem informar.
218

“Há, porém, que distinguir” — adverte, com imensa


autoridade, Nélson Hungria — “entre o reconto fiel e singelo e a
narrativa odienta ou tendenciosa, deixando transparecer a má intenção
de atassalhar a honra alheia” (Comentários ao Código Penal, 1980,
t. VI, p. 60).
Ora, desse número, precisamente, é a hipótese dos
autos, em que, referindo-se à apelante, o querelado deu curso
a expressões de cunho ofensivo e injurioso.
Que o fizera com intuito de afrontar-lhe a honra está a
demonstrá-lo a circunstância mesma de tê-las posto nos
lábios de pessoa já a esse tempo falecida: o ex-prefeito José
Roberto Magalhães Teixeira.
Em obséquio à verdade — pedra angular e lei suprema
de todo o narrador —, havia o apelado de comprovar
rigorosamente os fatos que, segundo asseverou, o ex-prefeito
dissera da apelante.
Ônus foi esse de que, todavia, não se desempenhou.
E, o que é mais, inquiridas acerca do conceito que o
extinto alcaide fazia da apelante, as testemunhas arroladas
pela defesa esclareceram que, “em momento algum o ex-prefeito
mencionou para o depoente que a querelante revelava despreparo e
inconsistência política” (fl. 189). Ainda: “Acredita que, nessa matéria,
Magalhães Teixeira não falou expressamente que a querelante não
tinha condições para sucedê-lo” (fl. 190).
Dos autos, sem menoscabo das regras do raciocínio
lógico, pode-se inferir que o apelado, permitindo falasse um
morto, recorreu à prosopopeia com o escopo de abroquelar-
se do rigor da lei, pelos eventuais excessos da linguagem
escrita.
219

5. Tenho por bem comprovado o elemento subjetivo do


tipo, i.e., a intenção de ofender a honra subjetiva, a dignidade
da apelante.
De feito, chamar-lhe despreparada e medíocre, outra coisa
não fora que ofender sua honra subjetiva e dignidade.
Suposto não caracterizam difamação — que exige a
imputação de fato preciso e concreto: “a imputação difamatória
deve aludir a fato determinado e idôneo a lesar a reputação do sujeito
passivo, isto é, a acarretar-lhe a desestima ou reprovação do círculo
social em que vive” (Nélson Hungria, op. cit., p. 86) —, as
referências desprimorosas que o apelado fez à apelante
configuraram, sem dúvida, o crime de injúria (art. 22 da Lei de
Imprensa).
Por este padrão têm decidido os Tribunais do País:
“Quem publica artigo que revela não o exercício do direito de
criticar, mas o abuso de liberdade de expressão, com manifesta
intenção de ferir a honra alheia ou o decoro, incide nas penas do
art. 22, combinado com o art. 23 da Lei nº 5.250/67” (Rev.
Tribs., vol. 738, p. 662; rel. Francisco Praça).

6. Infrator do art. 22 da Lei de Imprensa (injúria), aplico ao


apelado a pena de multa equivalente a 1 salário mínimo.
Optei unicamente pela sanção pecuniária, atendendo ao
teor do escrito incriminado, que não argui suma abjeção dos
valores éticos, e às circunstâncias pessoais do apelado,
jornalista de alta esfera, ao qual servira já de gravame o
comparecimento às barras da Justiça Criminal.
220

7. Acha-se prescrita, no entanto, a pretensão punitiva do


Estado.
Com efeito, o prazo prescricional da pretensão punitiva,
no casos definidos na Lei de Imprensa, é de 2 anos.
Ora, entre a data do recebimento da queixa — 16.3.98
(fl. 162) — e este julgamento, decorreram 2 anos; está
prescrita, pois, a pretensão punitiva, nos termos do art. 109,
nº VI, do Código Penal, e é força declarar extinta a punibilidade
do apelado.

8. Pelo exposto, dou provimento ao recurso para condenar o


apelado a pagar a multa equivalente a 1 salário mínimo, por
infração do art. 22 da Lei de Imprensa (injúria), e julgar-lhe
extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva
(art. 41 da Lei de Imprensa e arts. 107, nº IV, e 109, nº VI, do Cód.
Penal).

São Paulo, 16 de abril de 2000


Carlos Biasotti
Relator

Notas

(1) D. Silvério Gomes Pimenta, in Discursos Acadêmicos, vol.


V, p. 65.
(2) Em discurso de paraninfo, proferiu César Salgado —
jurista da melhor nota e fino homem de letras —
proferiu estas belas palavras, dignas de figurar nos
compêndios de Arte Oratória: “(…) Deus, antes mesmo de
formar os céus e a terra, criou a palavra. Porque (…) a
manifestação inicial da vontade divina se traduziu naquela
221

expressão de suma eloquência: Fiat lux!” (Temas e Perfis, 1975,


p. 21). Ordenou, portanto, pela palavra!
(3) Jayme de Altavila, Origem dos Direitos dos Povos, 4a. ed.,
p. 185.
(4) Apud Will Durant, História da Filosofia, 1956, p. 237; trad.
Godofredo Rangel; Companhia Editora Nacional; São
Paulo.
(5) “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo
inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão,
nos limites da lei” (art. 133 da Const. Fed.).
(6) “Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente,
por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” (art. 53).
(7) A Constituição da República, por disposição expressa
do art. 29, nº VIII, garante a “inviolabilidade dos vereadores
por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na
circunscrição do município”.
(8) O Supremo Tribunal Federal, ao julgar procedente,
por maioria de votos, em 30.4.2009, Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 130-DF),
revogou a Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67) e, portanto, a
matéria concernente ao direito de resposta do ofendido (arts.
29 a 36). A Lei nº 13.188/2015, contudo, restabeleceu e
disciplinou o instituto, “in verbis”: “Ao ofendido em matéria
divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação
social é assegurado o direito de resposta ou retificação, gratuito e
proporcional ao agravo” (art. 2º).
(9) Sermões, 1710, t. XV, p. 121.
222

(10) E isto entendia Rui, quando escreveu, com raro aviso:


“De todas as liberdades é a da imprensa a mais necessária e a
mais conspícua! (Obras Completas, t. VII, p. 158).
(11) R. Magalhães Júnior, Dicionário de Provérbios e Curiosidades,
1960, p. 130.
O Nome: Aspectos Jurídicos e Literários

Sumário. Atributo importante do indivíduo, que o acompanhará em toda a


extensão da vida, é o nome civil um dos principais elementos ou sinais de
sua identidade; pelo que, ao pôr-se o nome próprio a alguém, é mister
proceder sempre, como em tudo o mais, com judicioso e maduro critério.

I. Caso em Espécie

Haverá um mês, informaram órgãos de nossa imprensa


que certa avó cearense batera à porta do Judiciário, animada
de propósito que reputava não só razoável e nobre senão
ainda grave e urgente: obter provimento que alterasse o nome
de seu neto, civilmente registrado com o prenome Lúcifer.(1)
Caso foi esse que, por seu cunho “sui generis” ou peculiar,
interessou muitas pessoas, que o quiseram logo discutir e
comentar.
Deveras, isto de chamar Lúcifer a alguém é, geralmente
falando, o mesmo que tratá-lo por símbolo do mal, que
depara no Demônio (Satanás, Diabo, Capeta, Belzebu, etc.) o
tipo definitivo.
Destituída de sua primitiva significação — “o que traz luz”
(do étimo latino “lux + fero”) —, a palavra Lúcifer adquiriu
conotação fortemente pejorativa, de ordinário associada ao
anjo que, segundo a tradição religiosa(2), foi precipitado no
Inferno por haver-se rebelado contra Deus.
Assim, a despeito da auréola que o cinge — e que
mereceu ao genial Vieira observação notável: “O mais sábio
espírito que Deus criou foi Lúcifer”(3) —, esse nome inculca para
logo a ideia de sujeito maléfico ou monstro moral.
224

Consoante doutrina, em que conspiram os mais dos


autores de Direito Civil, é o nome “sinal distintivo externo
revelador da personalidade”. Ainda: pode o prenome (ou nome
próprio) “ser escolhido ad libitum dos interessados”, não porém
arbitrária e inconsideradamente. “Não seria realmente admissível”
— adverte o distinto e saudoso Prof. Washington de Barros
Monteiro — “adoção de prenome que expusesse o portador à irrisão
(…)”.
Conclui o consagrado Mestre: “Volva-se àquela pessoa
registrada com o absurdo nome Himeneu (Casamentício das Dores
Conjugais). Inquestionável o direito dela de pleitear a mudança de
nome que só lhe pode criar dificuldades na vida, expondo-a a chacotas
e zombarias. Da mesma forma, os tribunais têm admitido a
substituição de nomes como Mussolini, Hitler e Lúcifer”.(4)
Ao propósito, reza o teor do art. 55, parág. único, da Lei
nº 6.015, de 31.12.73 (Lei dos Registros Públicos): “Os oficiais do
registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo
os seus portadores”.
Ao ajuizar pedido de retificação do registro civil do
neto, pelas possíveis consequências negativas de seu nome,
não entra em dúvida que a boa avó cearense obrou com raro
aviso; revelou, ao demais, grandeza de alma.
225

II. Antroponímia Exótica e Registro Civil

Não cabe no algarismo o rol dos nomes que, por


excêntricos ou curiosos, poderiam, à luz do regime legal
vigente (art. 55, parág. único, da Lei nº 6.015/1973), ser de plano
recusados pelo oficial do Cartório de Registro Civil de
Pessoas Naturais.
Com o escopo de oferecer “pequena amostra da criatividade
do povo brasileiro”, o periódico eletrônico Revista Jus Navigandi
(http://www.jus.com.br/legal/nomes.html) publicou, em 24.12.2001,
extensa resenha deles — que deita por mais de 450 nomes —,
de que, por amor da brevidade, transcrevo apenas 50. São
personativos que se leem entre frouxos de risos; outros omiti,
muito de estudo, com a ressalva de nosso Rui em
circunstância análoga: “(…) porque, atualmente, o papel impresso o
não sofreria”.(5) Ei-los:
1. Antônio Manso Pacífico de Oliveira Sossegado;
2. Antônio Noites e Dias;
3. Asteroide Silvério;
4. Bandeirante do Brasil Paulistano;
5. Boaventura Torrada;
6. Cafiaspirina Cruz;
7. Caso Raro Yamada;
8. Céu Azul do Sol Poente;
9. Chevrolet da Silva Ford;
10. Dolores Fuertes de Barriga;
11. Esparadrapo Clemente de Sá;
226

12. Espere em Deus Mateus;


13. Éter Sulfúrico Amazonino Rios;
14. Faraó do Egito Sousa;
15. Felicidade do Lar Brasileiro;
16. Flávio Cavalcante Rei da Televisão;
17. Francisco Zebedeu Sanguessuga;
18. Homem Bom da Cunha Souto Maior;
19. Hipotenusa Pereira;
20. Inocêncio Coitadinho;
21. Jacinto Fadigas Arranhado;
22. João Cara de José;
23. João da Mesma Data;
24. João Pensa Bem;
25. José Casou de Calças Curtas;
26. José Maria Guardanapo;
27. Júlio Santos Pé-Curto;
28. Justiça Maria de Jesus;
29. Magnésia Bisurada do Patrocínio;
30. Manuel Sovaco de Gambar;
31. Manuel Sola de Sá Pato;
32. Maria da Segunda Distração;
33. Maria Panela;
34. Napoleão Sem Medo e Sem Mácula;
35. Olinda Barba de Jesus;
36. Pacífico Armando Guerra;
227

37. Pedrinha Bonitinha da Silva;


38. Pedro do Cacete da Silva;
39. Pombinha Guerreira Martins;
40. Restos Mortais de Catarina;
41. Rolando Caio da Rocha;
42. Sete Chagas de Jesus e Salve Pátria;
43. Tropicão de Almeida;
44. Vicente Mais ou Menos de Sousa;
45. Vítor Hugo Tocagaita;
46. Necessário Frescura;
47. Benigna Jarra;
48. Carabino Tiro Certo;
49. Maria Passa Cantando;
50. Último Vaqueiro.
228

III. O Nome nos Provérbios e Aforismos

São os provérbios (ou voz da experiência) repositório


notável do vocábulo nome. Aqui, os mais comuns e
correntios:
1. “Melius est nomen bonum quam divitiae multae” (Prov. 22,
1). Mais vale o bom nome do que muitas riquezas (Bíblia Sagrada;
Prov 22, 1; trad. Pe. Antônio Pereira de Figueiredo).
2. “Stultorum nomen semper ubique jacit”. O nome dos néscios
encontra-se em toda parte (Arthur Rezende, Frases e Curiosidades
Latinas, 1955, p. 764).
3. “Nomina stultorum scribuntur ubique locorum”. “I nomi
degli sciocchi sono scritti dapertutto” (Giuseppe Fumagalli, L’Ape
Latina, 1992, p. 185). Os nomes dos loucos estão escritos em
toda parte.
4. “Nomina stultorum semper parietibus haerent”. Os nomes
dos tolos estão sempre pegados às paredes (Paulo Rónai, Não Perca o
seu Latim, 1996, p. 120).
5. “Nisi enim nomen scieris, cognitio rerum perit” (San Isidoro
de Sevilla, Etimologías, p. 276). Se ignoras o nome, o conhecimento
das coisas desaparece.
6. “Hominis appellatione tam foeminam quam masculum
contineri nemo dubitat” (Dig.; apud Giuseppe Fumagalli, op. cit., p.
107). Ninguém duvida que, sob o nome de homem, entende-se
tanto o gênero masculino como o feminino.
7. Façamos célebre o nosso nome (Bíblia Sagrada; Gen 11, 4;
trad. Pe. Antônio Pereira de Figueiredo).
8. Dúvida, em Direito Penal, é o outro nome da falta de
prova.
229

IV. O Nome: Frases, Locuções e Epigramas

a) Locuções nominais

1. Nome vocatório – Aquele pelo qual é a pessoa


comumente chamada e logo identificada. Exs.: Rui (Rui
Barbosa); Camões (Luís Vaz de Camões); Camilo (Camilo
Castelo Branco); Bilac (Olavo Brás Martins dos Guimarães
Bilac) (cf. Leib Sobelman, A Enciclopédia do Advogado, 1981;
v. nome vocatório).
2. Nome de guerra – “Pseudônimo pelo qual uma pessoa é
mais conhecida em sociedade já pelos seus escritos, já por outro
qualquer motivo” (Caldas Aulete, Dicionário Contemporâneo, 2a.
ed.; v. guerra). Exs.: Carlitos (Charles Chaplin); Lima Duarte
(Ariclenes Venâncio Martins); Fernanda Montenegro (Arlette
Pinheiro Monteiro Torres), Pelé (Édson Arantes do
Nascimento), etc.
Pseudônimos extraídos do Dicionário Literário Brasileiro,
2a. ed., pp. 789-800; autor: Raimundo de Menezes: Inútil João
Ninguém (João Capistrano Honório de Abreu); Malba Tahan
(Júlio César de Melo e Sousa); Pronto da Silva (Emílio de
Menezes); Valentim Demônio (Fidelino de Sousa Figueiredo);
Um Asno (José Martiniano de Alencar); Zumbido (João
Francisco Lisboa); Tristão de Ataíde (Alceu Amoroso Lima).
À locução nome de guerra juntou o vocabulista De
Plácido e Silva — aliás, nome vocatório de Oscar Joseph de
Plácido e Silva —, tomando-a à má parte, a seguinte acepção:
“É especialmente utilizada na linguagem dos lupanares para designar o
230

nome suposto adotado pelas meretrizes, a fim de ocultarem seu


verdadeiro nome” (Vocabulário Jurídico, 3a. ed.; v. nome de guerra).
É o mesmo que pseudônimo, apelido, alcunha, criptônimo
ou nome suposto.
3. Nome regimental – O que adotam, nos atos de seus
ofícios, os integrantes do Poder Judiciário e, em suas
produções intelectuais, os membros das Academias ou
Institutos Científicos e Culturais. A esse respeito assentou o
Regimento Interno do Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TER-
RR): “Os juízes que compõem a Corte Eleitoral utilizarão nome
regimental, composto de um prenome e um sobrenome” (art. 206-A).
Assim, Ayres Britto era o nome regimental de Carlos
Augusto Ayres de Freitas Britto (do Supremo Tribunal
Federal); Carlos de Laet, de Carlos Maximiliano Pimenta de
Laet, fundador e ex-ocupante da cadeira nº 32 da Academia
Brasileira de Letras.
4. Anônimo – Termo usado para designar o que não
tem nome ou é desconhecido; “pessoa que se utiliza do anonimato
para satisfazer intuitos inconfessáveis” (De Plácido e Silva, op. cit.;
v. anonimato). Preceitua o art. 5º, nº IV, da Constituição Federal:
“É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
A eles (i.e., aos anônimos) parece que se referiu o
preeminente Rafael Bluteau, quando lançou da pena bem
aparada (talvez de ganso) este anátema: “Sei que há homens no
mundo, que desejaram ter nascido como os abutres, dos quais escreve
Plínio que ninguém sabe onde têm o ninho” (Prosas Portuguesas,
1728, vol. II, p. 5).
231

b) Locuções de ressalva (ou cláusulas restritivas)

1. Pelo nome não perca. Ao discorrer desta locução, que


tem foros de cidade na fraseologia poruguesa, afirma R.
Magalhães Júnior que “há nomes desfavoráveis e que se pode perder
quando soam mal ou são extravagantes”. Cita, a esse respeito, o
caso de “um jurisconsulto português que dizia que, havendo vários
suspeitos de um crime e não sendo as provas decisivas, devia ser
condenado aquele que tiver mais ruim nome. Neste caso, porém, o ruim
nome deve entender-se como pior fama” (Dicionário de Provérbios e
Curiosidades, 1960, p. 213).
Em seus escritos, usaram dessa fórmula de reserva
autores de pulso e grande nomeada: a) “(…) que por nome não
perca” (Filinto Elísio, Obras Completas, 1818, t. IV, p. 263); b)
“Caía a noite, quando acertou Atenodoro de ir visitar o seu amigo
Senador (que pelo nome não perca)” (Júlio de Castilho, Os Dois
Plínios, 1906, p. 134); c) “Não sucederia tal ao celebrado capitão que
conquistou a cidade Melqui, que por nome não perca” (Cartas ao
Abade Antônio da Costa, 1946, p. 72); d) “(…) e fustigada até por
um Sr. Terzuolo, que pelo nome não perca” (Inocêncio Francisco da
Silva, Dicionário Bibliográfico Português, vol. V, p. 341); e) “Lâmia
é como se chama a nossa velha, que pelo nome não perca!” (Léo Vaz,
O Burrico Lúcio, 1973, p. 25).
2. Dar nome aos bois. “Quando alguém faz acusações vagas,
apontando desonestidades em serviços públicos ou privados, sem
nomear os responsáveis, é normalmente convidado a dar nome aos
bois, isto é, a apontar os culpados” (R. Magalhães Júnior, op. cit.,
p. 80).
232

3. Dar pelo nome de. Locução perifrástica, usada como


sinônima de ser sensível, ser conhecido por. Exs.: “E dava pelo nome
de Aprendiz” (Cândido de Figueiredo, Lições Práticas da Língua
Portuguesa, 1910, vol. III, p. 94); “Procurou por um homem que
dava pelo nome de Antônio do Couto-de-baixo” (Camilo Castelo
Branco, Noites de Insônia, 1874, nº 2, p. 27); “Petronilla ou
Pellatroni (dava por ambos os nomes), não se parecia com (…)” (Idem,
ibidem, nº 5, p. 9).

c) Epigramas, ditos satíricos e curiosidades

Entra o nome também na formação de sentenças e


frases de espírito ou irônicas e mordazes, de que vai a seguir
pequena amostra:
1. “Teresa de Jesus, com espírito próprio de seu sobrenome,
chegou a dizer que (…)” (Pe. Antônio Vieira, Sermões, l959, t. I, p.
301).
2. “Chamava-se Bona, e concordavam com o seu nome as suas
virtudes” (Pe. Manuel Bernardes, Nova Floresta, 1711, vol. III, p.
2).
3. “Rústico, obrando conforme o seu nome, tanto que ouviu,
creu” (Idem, ibidem, p. 149).
4. “Amaro, o vosso nome corresponde à vossa condição”
(Cândido Lusitano, Vieira Defendido, Réplica, 1746, p. 4).
5. Com impiedosa mordacidade, assim Jânio Quadros
escarneceu, de uma feita, de Mário Covas, competente e
honrado governador do Estado de São Paulo: “O nome é o
homem!”.
233

6. J. Lamas: nome (autoexplicável) de certo deputado


federal, convencido de corrupção (ou lama).
7. Francisco da Silveira Bueno, gramático, filólogo e
escritor ilustre, no livro Memórias de um Batalhador (1996, p.
76), mergulhou sua pena em fel e dela deixou cair — sobre o
Pe. Alberto Pequeno — palavras que certamente desmerecem
o prelo e as letras nacionais: “(…) triunfos que muito deveriam ter
incomodado a pequenez bastarda do Sr. Padre Alberto, cujo sobrenome
era a súmula profética da sua miserável formação cristã: Pequeno!”.
8. “Vicentíssimo”, apelido pelo qual, “per jocum” (ou
pilhéria), era conhecido o jurista Vicente de Paulo Vicente de
Azevedo.
9. Houve outrora, na Magistratura do Estado de São
Paulo, provecto juiz e esforçado cultor do vernáculo, que no
entanto proferia decisões em estilo prolixo, com extensos
períodos, o que as sujeitava amiúde a embargos de
declaração. A “gens forensis”, de natural espirituoso, pusera-
-lhe, a essa conta — de seu nome Rolando Magalhães Couto
—, a alcunha de Enrolando Magalhães.
10. Singular curiosidade encerram certos nomes. O do
dicionarista Aurélio Buarque de Holanda está neste caso:
desde o berço predestinara-o a fortuna à Lexicografia, pois
trazia já no prenome as cinco vogais do alfabeto português.
11. Entre os nomes extensos e compridos incluem-se,
por força, os de:
234

Pedro I (1798-1834), 1º imperador do Brasil e 27º rei de


Portugal, com o título de Pedro IV:

Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de


Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim
de Bragança e Bourbon.
235

Pedro II (1825-1891), 2º imperador do Brasil:

Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano


Francisco Xavier de Paula Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança
e Bourbon (cf. Larousse Cultural, 1988, pp. 616-617; Editora Universo).
236

V. O Nome: Lugares Seletos

Na Roma antiga — ensina Washington de Barros


Monteiro (op. cit., pp. 87-89) —, o nome da pessoa
compunha-se de três elementos (peculiares ao patriciado):

– o prenome (ou nome próprio da pessoa);


– o gentílico (usado por todos os membros da mesma
“gens”, ou família);
– o cognome (que distinguia os membros da “gens”).

À luz dessa praxe, constava dos seguintes elementos o


nome do Príncipe da Eloquência Romana: Marco (prenome); Túlio
(gentílico); Cícero (cognome).
De presente, compõe-se o nome de: prenome (ou nome
próprio da pessoa), que pode ser simples ou composto, e
sobrenome (patronímico ou nome de família).
Foi sempre o nome, em todo o gênero literário, voz de
primorosos conceitos. Eis alguns:

1. “O nome é o primeiro patrimônio do homem, a base do seu


crédito, o nervo de sua força, o estofo de seu trabalho, a herança de sua
prole, a última consolação de sua alma” (Rui Barbosa, Obras
Completas, vol. XX, t. IV, p. 199).
2. “O mais belo patrimônio é um nome honrado” (Vítor Hugo;
apud R. Magalhães Júnior, Como Você se Chama?, 1974, p. 51).
3. “O nome ilustre a um certo amor obriga” (Luís de Camões,
Os Lusíadas, canto II, estância 58).
237

4. “Enquanto os rios correrem para os mares, enquanto as


sombras das árvores percorrerem os vales dos montes, enquanto o céu
alimentar os astros, sempre a tua honra, o teu nome e louvores
lembrarão, quaisquer que sejam as terras que me chamem” (Virgílio,
Eneida, liv. I, v. 607; trad. Nicolau Firmino).
5. “A História coroará o seu nome” (Francisco Ferreira dos
Santos Azevedo, Dicionário Analógico da Língua Portuguesa,
1974, nº 873).
6. “Seu nome viverá eternamente inscrito entre os dos grandes
homens, nos corações agradecidos” (Idem, ibidem).
7. “A aprovação e o louvor já vinham na primeira página,
apenas se chegava a ler o seu nome” (Antônio Feliciano de
Castilho, Castilho Pintado por Ele Próprio, vol. I, p. 18).
8. “Os alemães punham a cabeça a descoberto quando ouviam o
nome de Cujácio, não por fascinação pelo Mestre, mas como culto ao
Direito, cujo sacerdote ele era” (Revista da OAB-SP), 1951, vol. 8º,
p. 4).
9. “O nome de Leão XIII ficará gravado no coração de todos os
homens de bem, em caracteres que o tempo em vão tentará extinguir”
(Alves dos Santos, Orações Fúnebres, p. 34).
10. “O seu nome (do Pe. Antônio Vieira) é o seu maior
panegírico” (Ernesto Carneiro Ribeiro, in Homenagem ao Pe.
Antônio Vieira, 1897, p. 47).
11. “Tanto nomini nullum par elogium”. “A nome tão grande
nenhum elogio é bastante. Epitáfio que orna o túmulo de Niccolò
Machiavelli” (cf. Pe. Godinho, Todas as Montanhas são Azuis,
1991, p. 151).
12. “O seu nome há de chegar à última posteridade” (Caldas
Aulete, Dicionário Contemporâneo, 2a. ed.; v. último).
238

13. “Saber o nome de cada coisa, e não chamá-la de coisa,


chamá-la exatamente pelo nome, eis o que é saber um idioma” (Carlos
Lacerda, Uma Rosa é uma Rosa, 1965, p. 73; Rio de Janeiro).
14. Glória eterna a seu nome!

VI. O Nome: Episódios Anedóticos

1. É dos livros que, ao chegar à notícia de Napoleão


Bonaparte que em seu exército havia um soldado também
chamado Napoleão, porém pusilânime, ordenou ao ajudante-
de-campo o trouxesse a seus pés. Tanto que o viu, fulminou-
-lhe o general enérgica intimação: Ou você muda de proceder,
ou muda de nome, que a bravura deve ser o timbre de todo militar.

2. Esfregava as mãos de alegria o espanhol José, exibindo a


certidão de nascimento do filho do casal (José Galeón) à
mulher. Esta o acompanhava também na expansão de justa
euforia… até que leu, estupefacta, o nome com que o oficial
do cartório registrara o menino: Sossega Leão.

3. Ansioso, entra o galhardo mancebo na livraria e diz:


estou à procura de um livro. Qual o título? pergunta-lhe,
solícita, a vendedora.
— As Catilinárias de Cícero.
Após demorada busca nas estantes, a moçoila gentil
(porém hóspede em humanidades) retorna com a resposta:
239

— Queira desculpar, mas Arte Culinária só temos a de


Maria Teresa!
(Alusão ao famoso livro de Maria Thereza A. Costa,
Noções de Arte Culinária, 1964, 28a. ed., Editora Vozes;
Petrópolis; RJ).

4. Mensagem lacônica do oficial de justiça, deixada sob a


porta da casa do réu, a quem não encontrara para citar,
porque se ocultava: Cidadão, voltarei amanhã, às 8h em ponto, para
cumprir um mandado do juiz. O negócio é feio e o teu nome está no
meio!

5. O nome do autor. Perguntaram um dia a Alexandre


Dumas (pai) se era o feliz autor do romance Dama das
Camélias, ao que respondeu elegantemente:
— Não, sou o autor do autor!
240

VII. O Nome: Anagrama, Palíndromos e


Antonomásia

I. Anagrama – “Palavra formada pela transposição das letras de


outra palavra: Belisa (de Isabel)” (Hildebrando de Lima et alii,
Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 11a. ed.;
v. anagrama).
Do imenso rol de engenhosos anagramas pessoais, que
a capacidade inventiva pôs em circulação, alguns se
notabilizaram e caíram em graça:
1. Iracema – “No Brasil, o mais feliz dos anagramas foi o que
José de Alencar compôs, com a inversão do nome América, do qual
extraiu o de Iracema, a virgem dos lábios-de-mel” (R. Magalhães
Júnior, Dicionário de Provérbios e Curiosidades, 1960, p. 22).
2. Natércia (de Caterina);
3. Alice (de Célia);
4. “Galenus” (de “Angelus”). (Galeno – Anjo);
5. Mastai Ferretti. “Este nome dá o anagrama: Fert iste
tiaram. Este traz a tiara, isto é, este é papa. Mastai Ferretti é o nome de
família do papa Pio IX” (Arthur Rezende, Frases e Curiosidades
Latinas, 1955, p. 416; Rio de Janeiro);
6. “O alte vir!” – Ó varão eminente! (Voltaire). (Idem,
ibidem, p. 852);
7. “Laudator” (“Adulator”). (O que louva – Adulador).
(Idem, ibidem, p. 360);
8. “Iste erat Sol” – Este era um sol (Aristóteles);
9. Egoísta vulgar (Getúlio Vargas);
241

10. Ignorante (argentino);


11. Maconha (cânhamo);
12. “Vê que perfeito anagrama
formam também alma e lama” (Alberto de Oliveira,
em Poesias; apud R. Magalhães Júnior, Dicionário de Citações
Brasileiras, 1971, p. 14);
13. “Libertà d’Orso”. Liberdade de urso (Alberto Sordi).
(Giorgio De Giorgio, in Corriere della Sera, 13.2.2000, p. 21);
14. “Quid est veritas?”. “Est vir qui adest”. (Que é a verdade? É
o homem que está presente). Famoso exemplo de anagrama feliz.
Que coisa é a verdade? foi a pergunta que Pilatos fez a Jesus, sem
esperar pela resposta; e esta foi dada na Idade Média com o
referido anagrama (cf. Giuseppe Fumagalli, L’Ape Latina, 1992,
p. 251; Hoepli).

II. Palíndromos – “Tanto é palíndromo (…) um verso quanto


uma frase ou simples palavra que se possa ler da esquerda para a direita
ou da direita para a esquerda: ama, ovo” (Napoleão Mendes de
Almeida, Dicionário de Questões Vernáculas, 1981, p. 222).

a) Em sua prestante obra, o Prof. Napoleão Mendes de


Almeida (1911–1998), varão integérrimo e apóstolo ardoroso
do ensino da língua portuguesa, traz curioso e seleto
exemplário de palíndromos, de que traslado esta meia dúzia:
1. Roma me tem amor.
2. Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos.
3. Palíndromos latinos: “In girum imus nocte, et consumimur
igni”. (Circunvagamos durante a noite e somos consumidos
242

pelo fogo). Sidônio Apolinário, que o refere, diz: O poeta


que o compôs foi inspirado pelas mariposas que via se
queimarem na chama de sua lâmpada.
4. “Si bene te tua laus taxat, sua laute tenebis”. (Se teu elogio
te considera bem, muito mais te deleitarás com o dele).
5. Palíndromos ingleses: “Able was I ere I saw Elba”.
(Poderoso eu fui antes de ver Elba”).
6. “Doc, note I dissent. A fast never prevents a fatness. I diet on
cod”. (Doutor, observe; o jejum não evita engordar; eu faço regime
comendo bacalhau) (op. cit., p. 222).

b) Outros palíndromos:
7. Ave, Eva;
8. “(…) palíndromo das primeiras palavras ditas por Adão a
Eva no jardim do Éden: Madam, I’m Adam (Madame, sou Adão)”
(Charles Berlitz, As Línguas do Mundo, 4a. ed., p. 242; trad.
Heloísa Gonçalves Barbosa; Editora Nova Floresta; Rio de
Janeiro).
9. “A Roma antiga desfrutava de um romântico palíndromo:
Roma tibi subito motibus ibit amor (Em Roma o amor te virá de
repente)” (Idem, ibidem).
10. O galo nada no lago.
11. “Subi dura a rudibus” (latim). Sofre coisas
desagradáveis de pessoas rudes. (Arthur Rezende, op. cit.,
p. 767; “subi”: modo imperativo: tolera, suporta, sofre).
243

12. Amor a Roma, título de livro do embaixador e


acadêmico Afonso Arinos de Melo Franco (1930-2020):

III. Antonomásia – “Substituição de um nome próprio por um


nome comum ou perífrase, e vice-versa: o nosso épico (por Camões);
Aristarco (por crítico)” (Lello Universal; v. antonomásia).

1. O Pai Eterno (Deus);


2. O Filósofo (Aristóteles);
3. O Pai da Eloquência (Demóstenes);
244

4. O Príncipe da Eloquência Romana (Cícero);


5. O Cisne de Mântua (Virgílio);
6. A Águia de Haia (Rui Barbosa);
7. O Altíssimo Poeta (Dante Alighieri);
8. O Pai da História (Heródoto);
9. O Torturado de Seide (Camilo Castelo Branco);
10. O Solitário de Vale de Lobos (Alexandre Herculano);
11. A Redentora (Princesa Isabel, filha do Imperador D.
Pedro II);
12. O pai da mentira (Demônio);
13. O pai dos burros (dicionário);
14. O astro do dia (o Sol);
15. A rainha das flores (a rosa);
16. O Rei da Voz (Francisco Alves);
17. O Cantor das Multidões (Orlando Silva);
18. O Aleijadinho (Antônio Francisco Lisboa);
19. Tiradentes (Joaquim José da Silva Xavier);
20. Boca de Ouro (São João Crisóstomo);
21. Boca do Inferno (Gregório de Matos);
22. O Pai da Aviação (Alberto Santos Dumont);
23. O Poeta dos Escravos (Castro Alves);
24. O Bruxo do Cosme Velho (Joaquim Maria Machado
de Assis);
25. O Solitário de Itajubá (Venceslau Brás – 1868-1966 –
Presidente da República).
245

26. O Grande (Pe. Antônio Vieira).


246

27. O Patriarca da Floresta. É o nome por que se conhece o


grande jequitibá-rosa do Parque Estadual de Vassununga,
Santa Rita do Passa Quatro (SP).
247

(1) https://www.direitonews.com.br/2022/02.
(2) Bíblia Sagrada (Is 14, 12-15).
(3) Sermões, 1959, t. VIII, p. 198; Lello & Irmão Editores;
Porto.
(4) Curso de Direito Civil, 1989, 1º vol., pp. 86-89; Editora
Saraiva; São Paulo.
(5) Réplica, nº 10.
Trabalhos Jurídicos e Literários de
Carlos Biasotti

1. A Sustentação Oral nos Tribunais: Teoria e Prática;


2. Adauto Suannes: Brasão da Magistratura Paulista;
3. Advocacia: Grandezas e Misérias;
4. Antecedentes Criminais (Doutrina e Jurisprudência);
5. Apartes e Respostas Originais;
6. Apelação em Liberdade (Doutrina e Jurisprudência);
7. Apropriação Indébita (Doutrina e Jurisprudência);
8. Arma de Fogo (Doutrina e Jurisprudência);
9. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (1a. Parte);
10. Citação do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
11. Crime Continuado (Doutrina e Jurisprudência);
12. Crimes contra a Honra (Doutrina e Jurisprudência);
13. Crimes de Trânsito (Doutrina e Jurisprudência);
14. Da Confissão do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
15. Da Presunção de Inocência (Doutrina e Jurisprudência);
16. Da Prisão (Doutrina e Jurisprudência);
17. Da Prova (Doutrina e Jurisprudência);
18. Da Vírgula (Doutrina, Casos Notáveis, Curiosidades, etc.);
19. Denúncia (Doutrina e Jurisprudência);
20. Direito Ambiental (Doutrina e Jurisprudência);
21. Direito de Autor (Doutrina e Jurisprudência);
22. Direito de Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
23. Do Roubo (Doutrina e Jurisprudência);
24. Estelionato (Doutrina e Jurisprudência);
25. Furto (Doutrina e Jurisprudência);
26. “Habeas Corpus” (Doutrina e Jurisprudência);
27. Legítima Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
28. Liberdade Provisória (Doutrina e Jurisprudência);
29. Mandado de Segurança (Doutrina e Jurisprudência);
30. O Cão na Literatura;
31. O Crime da Pedra (Defesa Criminal em Verso);
32. O Crime de Extorsão e a Tentativa (Doutrina e Jurisprudência);
33. O Erro. O Erro Judiciário. O Erro na Literatura (Lapsos e Enganos);
34. O Silêncio do Réu. Interpretação (Doutrina e Jurisprudência);
35. Os 80 Anos do Príncipe dos Poetas Brasileiros;
36. Princípio da Insignificância (Doutrina e Jurisprudência);
37. “Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?”;
38. Tópicos de Gramática (Verbos abundantes no particípio; pronúncias e
construções viciosas; fraseologia latina, etc.);
39. Tóxicos (Doutrina e Jurisprudência);
40. Tribunal do Júri (Doutrina e Jurisprudência);
41. Absolvição do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
42. Tributo aos Advogados Criminalistas (Coletânea de Escritos Jurídicos);
Millennium Editora Ltda.;
43. Advocacia Criminal (Teoria e Prática); Millennium Editora Ltda.;
44. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (2a. Parte);
45. Contravenções Penais (Doutrina e Jurisprudência);
46. Crimes contra os Costumes (Doutrina e Jurisprudência);
47. Revisão Criminal (Doutrina e Jurisprudência);
48. Nélson Hungria (Súmula da Vida e da Obra);
49. Ação Penal (Doutrina e Jurisprudência);
50. Crimes de Falsidade (Doutrina e Jurisprudência);
51. Álibi (Doutrina e Jurisprudência);
52. Da Sentença (Doutrina e Jurisprudência);
53. Fraseologia Latina;
54. Da Pena (Doutrina e Jurisprudência);
55. Ilícito Civil e Ilícito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
56. Regime Prisional (Doutrina e Jurisprudência);
57. Alimentos (Doutrina e Jurisprudência);
58. Estado de Necessidade (Doutrina e Jurisprudência);
59. Receptação (Doutrina e Jurisprudência);
60. Inquérito Policial. Indiciamento (Doutrina e Jurisprudência);
61. A Palavra da Vítima e seu Valor em Juízo;
62. A Linguagem do Advogado;
63. Memorando aos Colegas da Advocacia e da Magistratura;
64. Código de Defesa do Consumidor (Casos Especiais em Matéria
Criminal);
65. Crime de Dano (Doutrina e Jurisprudência);
66. Nulidade Processual (Doutrina e Jurisprudência);
67. Da Coação no Direito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
68. Violação de Domicílio (Doutrina e Jurisprudência);
69. Indenização (Doutrina e Jurisprudência);
70. Desistência Voluntária (Doutrina e Jurisprudência);
71. A Embriaguez e o Direito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
72. Embargos de Declaração (Doutrina e Jurisprudência);
73. A Estrada Real do Direito;
74. Coautoria (Doutrina e Jurisprudência);
75. Medida de Segurança (Doutrina e Jurisprudência);
76. Centenário da Morte do Maior dos Brasileiros: Rui Barbosa;
77. Ministro Sydney Sanches (Honra e Glória do Supremo Tribunal Federal);
78. A Mentira perante a Justiça;
79. Da Ameaça (Doutrina e Jurisprudência).
www.scribd.com/Biasotti
A Mentira perante a Justiça Carlos Biasotti

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