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Carlos Biasotti

Violação de Domicílio
(Doutrina e Jurisprudência)

2021
São Paulo, Brasil
O Autor

Carlos Biasotti foi advogado criminalista, presidente da


Acrimesp (Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de
São Paulo) e membro efetivo de diversas entidades (OAB, AASP,
IASP, ADESG, UBE, IBCCrim, Sociedade Brasileira de
Criminologia, Associação Americana de Juristas, Academia Brasileira
de Direito Criminal, Academia Brasileira de Arte, Cultura e História,
etc.).

Premiado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, no


concurso O Melhor Arrazoado Forense, realizado em 1982, é autor de
Lições Práticas de Processo Penal, O Crime da Pedra, Tributo aos Advogados
Criminalistas, Advocacia Criminal (Teoria e Prática), Da Prova, Da Pena,
Direito Ambiental, O Cão na Literatura, etc., além de numerosos artigos
jurídicos publicados em jornais e revistas.

Juiz do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo


(nomeado pelo critério do quinto constitucional, classe dos
advogados), desde 30.8.1996, foi promovido, por merecimento, em
14.4.2004, ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça.

Condecorações e títulos honoríficos: Colar do Mérito


Judiciário (instituído e conferido pelo Poder Judiciário do Estado
de São Paulo); medalha cívica da Ordem dos Nobres Cavaleiros de
São Paulo; medalha cultural “ Brasil 500 anos”; medalha “ Prof. Dr.
Antonio Chaves”, etc.
Violação de Domicílio
(Doutrina e Jurisprudência)
Carlos Biasotti

Violação de Domicílio
(Doutrina e Jurisprudência)

2021
São Paulo, Brasil
Índice

Prefácio......................................................................................11

I. Violação de Domicílio (art. 150 do Cód. Penal e art. 5º, nº XI,


da Const. Fed.): Ementas (Doutrina e Jurisprudência)...............13

II. Casos Especiais (Reprodução Integral do Voto)........................27


Prefácio

Desde a mais alta antiguidade foi a casa


considerada lugar sagrado(1). Com esse caráter é que
a definiu a Constituição Federal: “A casa é asilo
inviolável do indivíduo”; ninguém pode nela entrar
sem consentimento do morador, salvo em caso de crime
(art. 5º, nº XI). Aqui, perdida já sua característica
principal de santuário doméstico, ter-se-á transformado
em antro de delinquência…
A violação de domicílio, enfim, o Código Penal
capitula de crime(2).

(1) “Quid est sanctius, quid omni religione munitius, quam domus
uniuscujusque civium” (Cícero, Pro Domo sua, cap. 41).

(2) “Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade


expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa” (art. 150).
12

A proteção jurídica da propriedade e a


inviolabilidade do domicílio figuram expressamente, na
Carta Magna, como garantia e direito fundamental do
indivíduo (art. 5º, “caput”, e ns. XI e XXII).
Também o Código Penal – sob a rubrica esbulho
possessório – pune a invasão de propriedade, “com
violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante o concurso de
mais de duas pessoas” (art. 161, nº II). É a lei a proteger
direito inerente à mesma condição humana, porque
extensão da personalidade: o direito de propriedade(3).
Eis por que, no limiar de toda propriedade (casa,
choupana, sítio ou fazenda), poder-se-á ler, sob forma
de advertência legítima, a inscrição imaginária: “Sem
autorização do proprietário, aqui só entra o Sol!”.

O Autor

(3) Não só a legislação dos regimes democráticos, também a Declaração


Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948) reconhece à
propriedade o caráter de direito público subjetivo: “Todo homem tem
direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. Ninguém será
arbitrariamente privado de sua propriedade” (art. 17).
Ementário Forense
(Votos que, em matéria criminal, proferiu o Desembargador
Carlos Biasotti, do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo. Veja a íntegra dos votos no Portal do Tribunal de
Justiça: http://www.tjsp.jus.br).

• Violação de Domicílio
(art. 150 do Cód. Penal)

Voto nº 4429

Apelação Criminal nº 1.352.685/6


Arts. 155, § 1º, e 150, § 1º, do Cód. Penal

— A sabedoria dos Tribunais tem assentado que a apreensão de bens


de terceiro em poder do acusado, sem que lhe ofereça explicação
plausível, constitui excelente prova de autoria de crime e enseja
condenação.
— Que seja a casa o asilo inviolável do indivíduo, dispôs expressamente
a Carta Magna (art. 5º, nº XI). Seu caráter sagrado já lhe
reconheciam os antigos, ao cunhar o brocardo célebre: “Em minha
casa, sem o meu consentimento, só entra o Sol e ninguém mais!”.
14

Voto nº 1741

Apelação Criminal nº 1.167.405/2


Arts. 150 e 155 do Cód. Penal

—“Cogita-se da tentativa somente a partir da realização de atos executórios


do crime. Antes, havendo atos preparatórios, em regra, a conduta é
atípica” (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 5a. ed., p. 38).
— O sujeito que entra em casa alheia contra a vontade de seu dono
comete crime de violação de domicílio (art. 150 do Cód. Penal), e não
furto (art. 155), a menos que se haja apossado já da “res”.
— Nos casos de roubo, a prisão em flagrante do réu, por efeito de
incriminação direta da vítima e testemunhas, já lhe supõe a
identificação, isto é, o reconhecimento; pelo que, será superfetação
euremática (ou formalística) proceder a novo reconhecimento seu,
nos moldes do art. 226 do Cód. Proc. Penal.
15

Voto nº 3555

Apelação Criminal nº 1.290.561/6


Arts. 150, “caput”, e 28, nº II, do Cód. Penal

— Que a casa, asilo inviolável do indivíduo, tem especial proteção do


Estado, é ponto superior a toda a dúvida, pois decorre de
mandamento constitucional (art. 5º, nº XI, da Const. Fed.). Nela, sem
o consentimento de seu morador (recitavam os antigos), “só entra o
Sol e ninguém mais”.
— A embriaguez somente aproveita ao réu, sendo-lhe causa excludente
de imputabilidade penal, quando involuntária e completa (art. 28,
nº II, do Cód. Penal).

Voto nº 3919

Apelação Criminal nº 1.312.925/9


Art. 150 do Cód. Penal;
art. 28, nº I, do Cód. Penal

— Consoante doutrina de voga desembaraçada, recebida por


jurisprudência copiosa dos Tribunais, o crime de violação de
domicílio (art. 150 do Cód. Penal) é incompatível com a embriaguez,
por elidir seu elemento moral ou subjetivo, i.e., a vontade consciente
e livre de entrar em casa alheia ou em suas dependências, contra a
vontade do dono.
— Até à menoridade relativa (21 anos), “o crime costuma ser episódio
isolado, para o qual não há necessidade nem conveniência, de excessivo
rigor” (Basileu Garcia, Instituições de Direito Penal, 1975, vol. I, t. II,
p. 482).
16

Voto nº 4130

Apelação Criminal nº 1.325.049/8


Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal;
art. 5º, nº XI, da Const. Fed.

— A velha parêmia “em minha casa, sem a minha autorização, apenas


entra o Sol e ninguém mais” não prevalece contra os casos de
flagrante delito, como se infere do art. 5º, nº XI, da Const. Fed..
— A confissão, os juristas sempre a reputaram a rainha das provas
(“regina probationum”); se produzida em Juízo, é absoluto seu valor,
visto se presume livre dos vícios de inteligência e vontade, e pode
justificar edito condenatório.
—“A alegação de estado de necessidade não é admissível em face da prática de
roubo, principalmente quando o sujeito emprega arma” (Damásio E. de
Jesus, Código Penal Anotado, 9a. ed., p. 531).
—“Consuma-se o roubo quando o agente, mediante violência ou grave
ameaça, consegue retirar a coisa da esfera de vigilância da vítima” (STF;
rel. Min. Carlos Velloso; Rev. Tribs., vol. 705, p. 429).
— A só presença de duas ou mais qualificadoras não obriga ao aumento
da pena do roubo além do mínimo legal de 1/3, o que apenas se
justifica nos casos em que praticado por grupo numeroso de
agentes, mediante emprego de armas de extraordinário poder
vulnerante.
— Não há proibição legal de o Juiz conceder regime semiaberto a
condenado não-reincidente a pena inferior a 8 anos (art. 33, § 2º,
alínea b, do Cód. Penal); a concessão de tal benefício unicamente
é defesa ao réu condenado a pena que exceda a 8 anos (não
importando se primário), ou ao reincidente, cuja pena seja superior
a 4 anos.
17

Voto nº 1475

Revisão Criminal nº 339.906/1


Art. 150 do Cód. Penal

— Contrária à evidência dos autos não é somente a condenação que se


não ampare em prova alguma; também é aquela “baseada em prova
que se mostra absolutamente duvidosa em face da prova contraditória”
(Rev. Forense, vol. 147, p. 409).
— Por falta de prova do intuito criminoso, é força absolver da acusação
de infrator do art. 150 do Cód. Penal (violação de domicílio) sujeito que,
para atender a necessidade fisiológica, entra em garagem particular
aberta. Aquele que obra por esse teor ofende, certamente, regras
elementares de urbanidade, não encontra porém o Direito.

Voto nº 4973

Apelação Criminal nº 1.377.771/3


Art. 150 do Cód. Penal;
art. 5º, nº XI, da Const. Fed.

— Que a casa, asilo inviolável do indivíduo, tem especial proteção


do Estado, é ponto superior a toda a dúvida, pois decorre de
texto constitucional (art. 5º, nº XI, da Const. Fed.). Nela, sem o
consentimento de seu morador (recitavam os antigos), “só entra o Sol
e ninguém mais”.
— Comete o delito de invasão de domicílio o agente que, sem o
consentimento de seu dono, entra em escritório alheio, que goza de
proteção legal de inviolabilidade, visto não aberto ao público.
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Voto nº 5299

Apelação Criminal nº 1.367.383/0


Art. 150 do Cód. Penal ;
art. 5º, nº XI, da Const. Fed.

— A casa é o asilo inviolável do cidadão enquanto lhe preserva a


característica fundamental de santuário doméstico; se a transforma
em antro de delinquência, tem a Polícia, mesmo sem mandado
escrito da autoridade, o direito (e talvez o dever) de nela entrar,
a todo o tempo, nos casos de crime permanente, para assegurar a
ordem pública e a paz social.
— A confissão judicial, por seu valor absoluto – visto se presume feita
espontaneamente –, basta à fundamentação do edito condenatório.
— O simples porte de arma de fogo sem autorização legal tipifica a
infração do art. 10, “caput”, da Lei nº 9.437/97, independentemente
da existência de perigo concreto.
— Ao cominar pena àquele que, sem licença da autoridade, traz arma
consigo, pôs a mira o legislador em “evitar a posse indiscriminada de
armas de fogo e os perigos que acompanham a admissão de uma sociedade
armada sem que existam controles ou regras gerais estabelecidas” (Luiz
Flávio Gomes, Lei das Armas de Fogo, 2002, p. 130).
— A lição de José Duarte encerra verdade irrefutável: “(…) o porte
de arma é, sempre, potencialmente perigoso” (Comentários à Lei das
Contravenções Penais, 1944, p. 294).
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Voto nº 8961

Apelação Criminal nº 405.941-3/8-00


Art. 202 do Cód. Proc. Penal;
arts. 12 e 16 da Lei nº 6.368/76

— A casa é o asilo inviolável do cidadão enquanto lhe preserva a


característica fundamental de santuário doméstico; se a transforma
em antro de delinquência, tem a Polícia, mesmo sem mandado
escrito da autoridade, o direito (e talvez o dever) de nela entrar,
a todo o tempo, nos casos de crime permanente, para assegurar a
ordem pública e a paz social.
— A crítica irrogada ao testemunho policial com o intuito de
desmerecê-lo constitui solene despropósito, pois toda a pessoa pode
ser testemunha (art. 202 do Cód. Proc. Penal) e aquela que, depondo
sob juramento, falta à verdade incorre nas penas da lei, donde a
inépcia do raciocínio apriorístico de que o policial vem a Juízo para
mentir.
— A Lei nº 11.464, de 28.3.2007, atenuou o rigor da Lei dos Crimes
Hediondos (Lei nº 8.072/90), no que respeita à progressão no
regime prisional de cumprimento de pena. Se o sentenciado
primário tiver dela descontado já 2/5 – ou 3/5, se reincidente –
e conspiram os mais requisitos legais, faz jus ao benefício (art. 2º,
§ 2º).
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Voto nº 9024

Recurso em Sentido Estrito nº 926.743-3/3-00


Art. 12 da Lei de Tóxicos;
art. 14 da Lei nº 10.826/03;
art. 5º, nº XI, da Const. Fed.

—“A casa é o asilo inviolável do cidadão”, reza a Constituição Federal (art.


5º, nº XI); por isso, nela ninguém pode penetrar, se o não consentir
o morador, ou ordenar a autoridade judicial. O preceito legal
mesmo, no entanto, excepciona hipótese de flagrante delito.
—“O delito de guarda ou depósito de arma de fogo constitui crime
permanente, admitindo a entrada na casa do infrator para efetuar prisão
em flagrante” (Damásio E. Jesus, Crimes de Porte de Arma de Fogo e
Assemelhados, 2a. ed., p. 48).
— Sucessivas decisões contraditórias em processo criminal têm sempre
operado como causa de insegurança nos negócios jurídicos e grande
descrédito da Justiça, pelo que se devem evitar quanto possível.
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Voto nº 10.997

Apelação Criminal nº 990.08.068000-5


Art. 202 do Cód. Proc. Penal; arts. 12 e 16 da Lei nº 6.368/76;
arts. 28, 33,“caput”, e § 4º; e 35 da Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas)

— A casa é o asilo inviolável do cidadão enquanto lhe preserva a


característica fundamental de santuário doméstico; se a transforma
em antro de delinquência, tem a Polícia, mesmo sem mandado
escrito da autoridade, o direito (e talvez o dever) de nela entrar,
a todo o tempo, nos casos de crime permanente, para assegurar a
ordem pública e a paz social.
— A apreensão de grande quantidade de tóxico em poder do acusado
argui para logo a ideia de tráfico (art. 33,“caput”, da Lei nº 11.343/06
— Lei de Drogas).
— A inidoneidade das testemunhas não se presume; ao arguente
impõe-se demonstrar, além de toda a controvérsia, que faltaram à
verdade ou caíram em erro de informação. É que, na busca da
verdade real – alma e escopo do processo –, “toda pessoa poderá ser
testemunha” (art. 202 do Cód. Proc. Penal).
— Vale o depoimento pelo grau de veracidade que encerra. Com
respeito aos policiais, há decisão histórica do Pretório Excelso: “A
simples condição de policial não torna a testemunha impedida ou suspeita”
(HC nº 51.577; DJU 7.12.73, p. 9.372; apud Damásio E. de Jesus,
Código de Processo Penal Anotado, 22a. ed., p. 187).
— Segundo a comum opinião dos doutores, o benefício da redução da
pena (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06) não se defere senão ao
traficante esporádico ou eventual, jamais ao que se associa para a
prática do tráfico ilícito de drogas, porque é em especial contra esse
que se levanta o braço implacável da lei.
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— Fator de esclarecida e humana individualização da pena, será bem


reduzi-la ao réu condenado por infração do art. 33 da Lei nº
11.343/06 (Lei de Drogas), que satisfaça aos requisitos de seu § 4º.
— Temperar com a equidade o rigor da lei foi sempre timbre dos que
distribuem justiça, como advertiu o insigne Carlos Maximiliano:
“Hoje a maioria absoluta dos juristas quer libertar da letra da lei o
julgador, pelo menos quando da aplicação rigorosa dos textos resulte injusta
dureza, ou até mesmo simples antagonismo com os ditames da equidade.
Assim, vai perdendo apologistas na prática a frase de Ulpiano – durum
jus, sed ita lex scripta est – duro Direito, porém assim foi redigida a lei
– e prevalecendo, em seu lugar, o summum jus, summa injuria – do
excesso de direito resulta a suprema injustiça” (Hermenêutica e Aplicação
do Direito, 16a. ed., p. 170).
— O autor de tráfico de entorpecentes (art. 33 da Lei nº 11.343/06),
crime da classe dos hediondos, deve cumprir sua pena sob o regime
inicial fechado, por força do preceito do art. 2º, § 1º, da Lei nº
8.072/90.
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Voto nº 12.000

“Habeas Corpus” nº 990.09.141950-8


Arts. 161, § 1º, nº II, e 288 do Cód. Penal;
arts. 312 e 648, nº I, do Cód. Proc. Penal;
arts. 5º, nº LVII, e 93, nº IX, da Const. Fed.

— Não entra em dúvida que, a despeito do princípio da presunção


de inocência, consagrado na Constituição da República (art. 5º,
nº LVII), subsiste a providência da prisão preventiva, quando
conspiram os requisitos legais do art. 312 do Código de Processo Penal:
garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou
para assegurar a aplicação da lei penal, desde que comprovada a
materialidade da infração penal e veementes os indícios de sua
autoria.
— Não requer o despacho de prisão preventiva o mesmo rigor que
deve encerrar a decisão definitiva de condenação. É o escólio
de Damásio E. de Jesus ao art. 312 do Cód. Proc. Penal: “A prisão
preventiva exige prova bastante da existência do crime e indícios suficientes
de autoria. Não é necessária a mesma certeza que deve ter o juiz para
a condenação do réu” (cf. Código de Processo Penal Anotado, 23a. ed.,
p. 253).
— Matéria de alta indagação, como a que entende com a autoria do
crime, é insuscetível de exame em processo de “habeas corpus”, de
rito sumaríssimo; apenas tem lugar na instância ordinária, com
observância da regra do contraditório. Trancamento de ação penal
por falta de justa causa unicamente se admite quando comprovada,
ao primeiro súbito de vista, a atipicidade do fato imputado ao réu,
ou a sua inocência (art. 648, nº I, do Cód. Proc. Penal).
—“Exame de provas em habeas corpus é cabível desde que simples, não
contraditória e que não deixe alternativa à convicção do julgador” (STF;
HC; rel. Min. Clóvis Ramalhete; DJU 18.9.81, p. 9.157).
24

—“O dia em que se não cumprirem as decisões judiciais transitadas em


julgado perecerá o direito, e com ele a liberdade, que faculta a plena
realização da pessoa humana na sociedade em que vive” (Carlos Alberto
Menezes Direito, Manual do Mandado de Segurança, 4a. ed., p. 200).
— Entre nós, tem o direito à propriedade garantia constitucional
(art. 5º da Const. Fed.). Por isso, no limiar de toda propriedade
(choupana, chácara, sítio e fazenda), haveremos de ler, sob a forma
de advertência legítima, a imaginária inscrição: “Aqui, sem a minha
autorização, só entra o Sol e ninguém mais!”.
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Voto nº 12.003

Apelação Criminal nº 993.03.048562-0


Art. 10, “caput”, da Lei nº 9.437/97;
arts. 150, § 3º, nº II, 107, nº IV, e 110, § 1º, do Cód. Penal;
art. 61 do Cód. Proc. Penal;
art. 5º, nº XI, da Const. Fed.

— O simples porte de arma de fogo sem autorização legal tipifica a


infração do art. 10, “caput”, da Lei nº 9.437/97, independentemente
da existência de perigo concreto.
— Ao cominar pena àquele que, sem licença da autoridade, traz arma
consigo, pôs a mira o legislador em “evitar a posse indiscriminada de
armas de fogo e os perigos que acompanham a admissão de uma sociedade
armada sem que existam controles ou regras gerais estabelecidas” (Luiz
Flávio Gomes, Lei das Armas de Fogo, 1998, p. 107).
— A lição de José Duarte encerra verdade irrefutável: “(…) o porte de
arma é, sempre, potencialmente perigoso” (Comentários à Lei das
Contravenções Penais, 1944, p. 294).
— Não há falar em violação de domicílio se a entrada do agente em
casa alheia foi autorizada pelo dono, ou para o fim de efetuar prisão
em flagrante (art. 150, § 3º, nº II, do Cód. Penal).
— O decurso do tempo apaga a memória do fato punível e a
necessidade do exemplo desaparece (Abel do Vale; apud Ribeiro
Pontes, Código Penal Brasileiro, 8a. ed., p. 154).
— Decretada a extinção da punibilidade do apelante pela prescrição da
pretensão punitiva estatal, já nenhuma outra matéria poderá ser
objeto de exame ou deliberação.
Casos Especiais
(Reprodução Integral do Voto)
PODER JUDICIÁRIO

1
T RIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA C ÂMARA

Apelação Criminal nº 1.352.685/6


Comarca: Presidente Venceslau
Apelante: ICSR
Apelado: Ministério Público

Voto nº 4429
Relator

— A sabedoria dos Tribunais tem


assentado que a apreensão de bens de
terceiro em poder do acusado, sem
que lhes ofereça explicação plausível,
constitui excelente prova de autoria de
crime e enseja condenação.
— Que seja a casa o asilo inviolável
do indivíduo, dispôs expressamente a
Carta Magna (art. 5º, nº XI). Seu
caráter sagrado já lhe reconheciam
os antigos, ao cunhar o brocardo
célebre: “Em minha casa, sem o meu
consentimento, só entra o Sol e ninguém
mais!”.
30

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de


Direito da 2a. Vara da Comarca de Presidente
Venceslau, condenando-o às penas de 1 ano, 11 meses e
23 dias de reclusão, no regime fechado, e 19 dias-multa,
além de 9 meses e 10 dias de detenção, no regime
semiaberto – por infração dos arts. 155, § 1º; 155, § 1º,
conjugados com os arts. 14, nº II, e 71; e 150, § 1º, por duas
vezes, e 71 do Código Penal –, interpôs recurso para este
Egrégio Tribunal, levando em vista reformá-la, ICSR.

Nas razões de recurso, alega que, sem embargo de


seus maus antecedentes, falecia prova cabal de sua
responsabilidade pelos crimes descritos na denúncia.

Acrescenta que, sem família, fora já internado em


hospital psiquiátrico para tratamento.

Pleiteia, destarte, a esforçada Defesa a absolvição


do réu, com fulcro no art. 386, nº VI, do Código de
Processo Penal (fls. 154/155).

A douta Promotoria de Justiça respondeu ao


recurso da nobre Defesa, que refutou, propugnando a
manutenção da r. sentença de Primeiro Grau (fls.
157/163).
31

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


incisivo e criterioso parecer, exarado pelo Dr. Jorge
Augusto Sarhan, opina pelo improvimento da apelação
(fls. 171/172).

É o relatório.

2. Foi o réu de novo chamado a comparecer perante


a Justiça Criminal, a fim de dar-lhe estritas contas de
seu proceder, porque, na madrugada de 21 de maio de
2002, na Rua Floriano Peixoto, na cidade de Presidente
Venceslau, durante o repouso noturno, subtraiu para si
um toca-discos da marca “Pionner” e dois estojos com
23 discos, pertencentes à vítima Silvia Rodrigues Pinto.

Reza ainda a denúncia que, nesse mesmo dia, pelas


2h, entrou o réu, clandestinamente, nas dependências
da casa pertencente a Bruno Luiz Leonardi.

Consta ainda que, cerca de 3h, também entrou nas


dependências da casa pertencente a Fernando Platzeck
Estrela.

Apurou-se, por fim, que tentara subtrair para si,


durante o repouso noturno, um toca-discos, avaliado em
R$ 180,00, pertencente à vítima Neusa de Souza Bosso,
32

não se consumando o delito por circunstâncias alheias à


sua vontade.

Instaurada a persecução penal, a causa correu os


termos da lei; ao cabo, a r. sentença de fls. 122/127
decretou a condenação do réu. Este, inconformado,
levantou recurso, na expectativa de ser absolvido.

3. A despeito dos protestos de inocência do réu, os


autos demonstram haver concorrido para a prática dos
crimes de furto e de violação de domicílio que lhe
foram imputados no libelo inaugural.

Na real verdade, o vigilante noturno Miguel


Moreira declarou, na Polícia, ter percebido um
indivíduo a pular o muro da residência da vítima Bruno
e retornar de súbito, atacado por cães; em seguida
(narra a testemunha), tal indivíduo entrou nas
dependências de uma residência próxima.

Comunicado o fato à Polícia, esta interveio e


logrou deitar a mão ao invasor (fl. 30).

A testemunha Leonel Aparecido Macera, também


ouvido no inquérito, informou que seu vizinho Paulo
Roberto Correia lhe comunicara ter visto o réu Ivan a
33

apanhar o aparelho de som e dois estojos de discos e


colocá-los numa sacola (fl. 31).

Isto mesmo declarou a testemunha na quadra de


instrução criminal (fl. 73).

As vítimas Sílvia e Neusa confirmaram, na


assentada de fls. 70/71, a subtração de coisas de sua
propriedade.

Neusa informou ainda haver presenciado a Polícia


deter o réu, que se escondera sob um carro, na garagem
da casa.

À vista de tais provas, as negativas do réu valeram


apenas como expediente de defesa, porém ineficaz e
inverossímil.

Dois furtos houve; dois crimes igualmente o réu


praticou de violação de domicílio.

4. A prova, em suma, incrimina terminantemente o


réu: foi preso em flagrante, nas dependências de casa
alheia, na qual entrou clandestinamente; em seu poder
apreendeu a Polícia as “res furtivae”.
34

A apreensão de coisas alheias em poder do


apelante constitui-lhe óbice fatal aos protestos de
inocência: não lhes justificou a posse.

A sabedoria dos Tribunais tem assentado que a


apreensão de bens de terceiro em poder do acusado,
sem que lhes ofereça explicação plausível, constitui
excelente prova de autoria de crime e enseja
condenação:

“A apreensão da res em poder do agente é indício forte


em seu desfavor, máxime se amparado pelo restante das
provas” (RJDTACrimSP, vol. 24, p. 324; rel. Abreu
Machado).

5. Outro tanto, pelo que respeita ao crime de violação


de domicílio: comprovaram-no que farte os elementos do
processo.

A prova, nesse pouco, é insuscetível de


contradição: o réu recebeu voz de prisão dentro mesmo
das dependências da casa da vítima Neusa de Souza
Bosso (fl. 70).
35

Assaz de razão teve o nobre Magistrado, ao


consignar que, “mesmo o quintal, como dependência da casa,
já é protegido pela inviolabilidade do domicílio” (fl. 124).

Que seja a casa o asilo inviolável do indivíduo,


dispôs expressamente a Carta Magna (art. 5º, nº XI).

Seu caráter sagrado já lhe reconheciam os antigos,


ao cunhar o brocardo célebre: “Em minha casa, sem o
meu consentimento, só entra o Sol e ninguém mais!”.

De tudo o sobredito claramente se mostra que o


réu, em verdadeira jornada de voluntário do crime,
deliberou consigo praticar furtos em residências de
Presidente Venceslau, e pagou com a liberdade o preço
da insensata aventura de deitar a mão ao patrimônio
alheio.

A condenação, portanto, como o ressaltou o douto


parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, “foi solução
lógica e jurídica, com penas criteriosamente fixadas” (fl.
172).

Conformando-se com a capitulação que o libelo


emprestou aos fatos, houve-se com acerto e aviso o mui
digno prolator da r. sentença, o distinto e culto Juiz
36

Dr. Darci Lopes Beraldo; merece, pois, confirmada por


seus bons e jurídicos fundamentos.

6. Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

São Paulo, 18 de fevereiro de 2003


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

2
T RIBUNAL DE J USTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUINTA C ÂMARA — S EÇÃO C RIMINAL

Recurso em Sentido Estrito nº 926.743-3/3-00


Comarca: Mogi das Cruzes
Recorrente: MSF
Recorrido: Ministério Público

Voto nº 9024
Relator

—“A casa é o asilo inviolável do cidadão”, reza


a Constituição Federal (art. 5º, nº XI);
por isso, nela ninguém pode penetrar,
se o não consentir o morador, ou
ordenar a autoridade judicial. O preceito
legal mesmo, no entanto, excepciona
hipótese de flagrante delito.
38

—“O delito de guarda ou depósito de arma de


fogo constitui crime permanente, admitindo
a entrada na casa do infrator para efetuar
prisão em flagrante” (Damásio E. Jesus,
Crimes de Porte de Arma de Fogo e
Assemelhados, 2a. ed., p. 48).
— Sucessivas decisões contraditórias em
processo criminal têm sempre operado
como causa de insegurança nos
negócios jurídicos e grande descrédito
da Justiça, pelo que se devem evitar
quanto possível.

1. Da r. decisão do MM. Juízo de Direito da 1a. Vara


Criminal da Comarca de Mogi das Cruzes, deferindo a
LSC o relaxamento da prisão em flagrante, interpôs
Recurso em Sentido Estrito, levando em vista reformá-la,
o digno representante do Ministério Público.

Nas elegantes razões de recurso de fls. 2/19, afirma


que, ao revés do que decidiu o nobre Magistrado, o fato
imputado ao recorrido constituía, em tese, infração
penal; concorriam na espécie, ao demais, os elementos
suficientes para justificar sua manutenção em custódia;
pelo que, não havia relaxar-lhe a prisão em flagrante.

Assim, firme na lição da Jurisprudência, espera o


provimento de seu recurso para que, reformada a r.
39

decisão de Primeiro Grau, seja restabelecida a custódia


provisória do réu, expedindo-se-lhe mandado de prisão.

A Defesa apresentou contrarrazões de recurso, nas


quais repeliu os argumentos da douta Promotoria de
Justiça e propugnou a mantença da r. decisão atacada
(fls. 27/33).

O r. despacho de fl. 34 manteve, por seus próprios


fundamentos, a r. decisão recorrida.

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


incisivo e abalizado parecer do Dr. Ludgero Francisco
Sabella, opina pelo provimento do recurso (fls. 48/50).

É o relatório.

2. Foi preso em flagrante o requerido, por infração


do art. 12 da Lei de Tóxicos e art. 14 da Lei nº 10.826/03
(Estatuto do Desarmamento), já que, no dia 6 de
dezembro de 2004, pelas 20h30, na Rua Koheiji Adachi,
em Mogi das Cruzes, guardava, para fins de tráfico,
255 g de “Cannabis sativa L” (maconha), substância
entorpecente que determina dependência física ou
psíquica, sem autorização e em desacordo com
40

determinação legal ou regulamentar; ainda mantinha


sob guarda, ilegalmente, duas pistolas semiautomáticas
(fl. 40).

O MM. Juízo, imprimindo relevo às circunstâncias


do caso e argumentando que, a diligência policial
“suprimiu garantia constitucional”, foi servido relaxar a
prisão em flagrante do recorrido (fl. 42), com o que,
entretanto, não concordou a combativa Promotoria de
Justiça; daqui o ter manejado recurso.

3. “A casa é o asilo inviolável do cidadão”, reza o art. 5º,


nº XI, da Constituição Federal; por isso, nela ninguém
pode penetrar, se o não consentir o morador, ou
ordenar a autoridade judicial.

O preceito legal mesmo, no entanto, excepciona a


hipótese de flagrante delito.

Ora, dos elementos que instruem o recurso consta


que, tendo chegado à notícia de policiais que o
recorrido estava a praticar o comércio ilícito de
entorpecentes, tomaram para a sua casa e, sendo aí,
apreenderam certa quantidade – 46 invólucros – da
erva maconha, além de armas de fogo, em situação
irregular.
41

Era caso, logo se vê, de ocorrência de crimes


permanentes.

De feito, o crime do art. 12 da Lei de Tóxicos é


“permanente em cinco modalidades (exposição, venda,
depósito, transporte, trazer consigo e guarda)” (Celso
Delmanto, Tóxicos, 1a. ed., p. 19).

No que respeita ao delito de “guarda ou depósito de


arma de fogo constitui crime permanente, admitindo a
entrada na casa do infrator para efetuar prisão em
flagrante” (Damásio E. Jesus, Crimes de Porte de Arma de
Fogo e Assemelhados, 2a. ed., p. 48).

Em tais casos, assim a doutrina como a


jurisprudência dos Tribunais sempre houveram por
legítima a prisão do infrator.

O ven. aresto do Colendo Supremo Tribunal


Federal, abaixo reproduzido por sua ementa, faz bem
ao propósito:

“Habeas Corpus — Invasão de domicílio para realização


do flagrante — Nulidade — Art. 5º, nº XI, da
Const. Fed. — Legitimidade do flagrante — Infração
permanente.
42

Estado de flagrância caracterizado, o que afasta a


exigência do mandado judicial, art. 5º, nº XI, da Const.
Fed. Pedido conhecido, mas indeferida a ordem de
habeas corpus” (HC nº 70.909-5; rel. Min. Paulo
Brossard; DJU 25.11.94, p. 32.299).

Pela boa doutrina que encerra, não posso menos


de copiar aqui este lanço de Vicente de Azevedo:

“Urge que seja abolida a injustificável primazia do


interesse do indivíduo sobre a tutela social. Não se
pode continuar a contemporizar com pseudodireitos
individuais em prejuízo do bem comum” (Curso de
Direito Judiciário, 1958, vol. I, p. 44).

4. Na espécie dos autos, por força do alvará de fl. 43,


já estará o recorrido em liberdade.

Mas, havendo consideração à data do r. despacho


impugnado – 7.12.2004 (fl. 42) –, não é improvável
tenha sido já sentenciado o feito e, pois, decidida a sorte
do réu no tocante a seu “status libertatis”.

Ao demais, sucessivas decisões contraditórias em


processo criminal têm sempre operado como causa de
43

insegurança nos negócios jurídicos, além de descrédito


da Justiça, pelo que se devem evitar quanto possível.

5. Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

São Paulo, 3 de agosto de 2007


Des. Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

3
T RIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL

OITAVO G RUPO DE C ÂMARAS

Apelação Criminal nº 1.290.561/6


Comarca: Paulo de Faria
Apelante: JRA
Apelado: Ministério Público

Voto nº 3555
Relator

— Que a casa, asilo inviolável do


indivíduo, tem especial proteção do
Estado, é ponto superior a toda a
dúvida, pois decorre de mandamento
constitucional (art. 5º, nº XI, da Const.
Fed.). Nela, sem o consentimento de
seu morador (recitavam os antigos), “só
entra o Sol e ninguém mais”.
— A embriaguez somente aproveita
ao réu, sendo-lhe causa excludente
de imputabilidade penal, quando
involuntária e completa (art. 28, nº II,
do Cód. Penal).
45

1. Inconformado com a r. sentença que proferiu o


MM. Juízo de Direito da Comarca de Paulo de Faria,
condenando-o ao pagamento de 12 dias-multa, por
infração do art. 150, “caput”, do Código Penal, interpôs
recurso para este Egrégio Tribunal, com o escopo de
reformá-la, JRA.

Nas razões de recurso, apresentadas por seu


dedicado patrono, protesta inocência: alega não invadira
o domicílio da vítima. Acrescenta que, alguma coisa
embriagado, como encontrasse aberto o portão da casa,
transpô-lo, a fim de conversar com o neto da vítima.

Destarte, à conta da falta de elemento subjetivo da


infração, i.e., o intuito de invadir o domicílio de outrem,
pede e espera absolvição (fls. 113/114).

Contrariou-lhe a apelação a douta Promotoria de


Justiça, a qual requereu a manutenção da r. sentença de
Primeiro Grau (fls. 114/115).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


incisivo e avisado parecer do Dr. Fernando José
Marques, opina pelo improvimento do recurso (fls.
122/123).

É o relatório.
46

2. Visto que dirimiu com inteiro acerto e cabalmente


a questão entretida nos autos, a r. sentença apelada
guarda-se de toda a crítica.

Na real verdade, exame pontual dos autos dá a


conhecer que o réu entrou em dependência da casa da
vítima, sem obter-lhe autorização.

Inquirida na instrução criminal (fl. 91), informou


a vítima que se encontrava no alpendre de sua casa, eis
senão quando surgiu o réu, abriu o portão e entrou.

Esclareceu ainda que o réu vociferava que


pretendia falar com o Gugu, neto da vítima, com
respeito a uma desinteligência que tivera com o seu
filho.

Pediu-lhe a vítima que se retirasse, mas o réu


recalcitrava: foi mister empregar força para retirá-lo.

O réu, contudo, voltou e novamente, sem


autorização da vítima, abriu-lhe o portão. Deitou a
barra mais longe: pegou de umas cadeiras que se
achavam na varanda e atirou com elas à rua. Aqui, já
interviera a Polícia para afastar o molesto invasor, que
foi conduzido à Delegacia.
47

Pelo mesmo teor, o depoimento de José Rodrigues


da Silva, vizinho da vítima, que a tudo assistira.

Narrou que o réu, embriagado, insistia em entrar


no alpendre da casa da vítima e ali permanecer, contra
sua vontade (fl. 92).

A versão exculpatória do réu, de que não entrara


na casa da vítima, discrepa de todo o conjunto
probatório, não merecendo, portanto, crédito algum
(fl. 44).

Outro tanto em referência ao argumento de que se


achava embriagado no momento do crime: não colhe,
“data venia”. A razão é que a embriaguez somente
aproveitaria ao réu, quando involuntária e completa, o
que não comprovou.

O magistério de Damásio E. de Jesus faz ao


intento:

“Se o sujeito comete uma infração penal sob efeito de


embriaguez, voluntária ou culposa, não há exclusão da
imputabilidade e, por consequência, não fica excluída
a culpabilidade. Ele responde pelo crime” (Código Penal
Anotado, 9a. ed., p. 118).
48

3. No que concerne ao crime definido e punido


pelo art. 150 do Código Penal (violação de domicílio),
mostra-se firme e convincente a prova dos autos.

Que a casa, asilo inviolável do indivíduo, tem


especial proteção do Estado, é ponto superior a toda
a dúvida, pois decorre de mandamento constitucional
(art. 5º, nº XI, da Const. Fed.).

Sem o consentimento de seu morador, na casa


(recitavam os antigos) “só entra o Sol e ninguém mais”.

A condenação do réu, portanto, era mesmo de


preceito e deve subsistir, como decretou a r. sentença
que proferiu, com excelentes fundamentos, o distinto e
culto Magistrado Dr. Marcelo Asdrúbal Augusto Gama.

4. Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

São Paulo, 22 de janeiro de 2002


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

4
T RIBUNAL DE J USTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUINTA C ÂMARA — S EÇÃO C RIMINAL

Apelação Criminal nº 990.08.068000-5


Comarca: Bauru
Apelantes: LTAR, AAR, IEP e ARC
Apelado: Ministério Público

Voto nº 10.997
Relator

— A casa é o asilo inviolável do cidadão


enquanto lhe preserva a característica
fundamental de santuário doméstico; se
a transforma em antro de delinquência,
tem a Polícia, mesmo sem mandado
escrito da autoridade, o direito (e talvez
o dever) de nela entrar, a todo o tempo,
nos casos de crime permanente, para
assegurar a ordem pública e a paz social.
— A apreensão de grande quantidade de
tóxico em poder do acusado argui para
logo a ideia de tráfico (art. 33,“caput”, da
Lei nº 11.343/06 — Lei de Drogas).
50

— A inidoneidade das testemunhas não


se presume; ao arguente impõe-se
demonstrar, além de toda a controvérsia,
que faltaram à verdade ou caíram em
erro de informação. É que, na busca
da verdade real – alma e escopo do
processo –, “toda pessoa poderá ser
testemunha” (art. 202 do Cód. Proc. Penal).
— Vale o depoimento pelo grau de
veracidade que encerra. Com respeito
aos policiais, há decisão histórica do
Pretório Excelso: “A simples condição de
policial não torna a testemunha impedida ou
suspeita” (HC nº 51.577; DJU 7.12.73,
p. 9.372; apud Damásio E. de Jesus,
Código de Processo Penal Anotado, 22a. ed.,
p. 187).
— Segundo a comum opinião dos
doutores, o benefício da redução da
pena (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06)
não se defere senão ao traficante
esporádico ou eventual, jamais ao que
se associa para a prática do tráfico ilícito
de drogas, porque é em especial contra
esse que se levanta o braço implacável
da lei.
— Fator de esclarecida e humana
individualização da pena, será bem
reduzi-la ao réu condenado por infração
do art. 33 da Lei nº 11.343/06 (Lei
de Drogas), que satisfaça aos requisitos
de seu § 4º.
51

— Temperar com a equidade o rigor da lei


foi sempre timbre dos que distribuem
justiça, como advertiu o insigne Carlos
Maximiliano: “Hoje a maioria absoluta dos
juristas quer libertar da letra da lei o
julgador, pelo menos quando da aplicação
rigorosa dos textos resulte injusta dureza, ou
até mesmo simples antagonismo com os
ditames da equidade. Assim, vai perdendo
apologistas na prática a frase de Ulpiano –
durum jus, sed ita lex scripta est – duro
Direito, porém assim foi redigida a lei –
e prevalecendo, em seu lugar, o summum
jus, summa injuria – do excesso de direito
resulta a suprema injustiça” (Hermenêutica
e Aplicação do Direito, 16a. ed., p. 170).
— O autor de tráfico de entorpecentes (art.
33 da Lei nº 11.343/06), crime da classe
dos hediondos, deve cumprir sua pena
sob o regime inicial fechado, por força
do preceito do art. 2º, § 1º, da Lei nº
8.072/90.

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de


Direito da 3a. Vara Criminal da Comarca de Bauru,
condenando LTAR e AAR à pena de 8 anos de
reclusão e 1.200 dias-multa, por infração dos arts. 33,
“caput”, e 35, “caput”, da Lei nº 11.343/06, e IEP e ARC
à pena de 5 anos e 500 dias-multa, por infração do art.
33, “caput”, da Lei nº 11.343/06, sob o regime fechado,
interpuseram os réus recurso de Apelação para este
Egrégio Tribunal, no intuito de reformá-la.
52

a) LTAR e AAR, por digno patrono, afirmam


que as provas reunidas no processado não eram
poderosas para definir-lhes a responsabilidade criminal;
sua absolvição, por isso, representava a única decisão
compatível com os preceitos de justiça.

Mas, a confirmar-se o edito condenatório,


requeriam a redução da pena, segundo o art. 33, § 4º,
da Lei de Drogas (fls. 555/568);

b) ARC, em extensas razões que lhe apresentou


diligente patrona, argui preliminar de ilegalidade da
busca domiciliar; no mérito, afirma que o conjunto
probatório não se afigurava idôneo para justificar-lhe a
condenação, já que da autoria do crime que lhe imputou
a denúncia não havia mais que frágeis e remotos
indícios.

Pleiteia, destarte, à colenda Câmara tenha a bem


absolvê-la. Em todo o caso, a confirmar-se o edito
condenatório, requeria a desclassificação do crime para
o tipo do art. 28 da Lei nº 11.343/06, ou redução da
pena, conforme o art. 33, § 4º, da Lei de Drogas
(fls. 612/626);
53

c) IEP, em esmeradas razões de fls. 648/653,


pleiteia absolvição, por insuficiência de prova;
subsidiariamente, a redução da pena, com aplicação do
§ 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06.

A douta Promotoria de Justiça respondeu aos


recursos, refutando-lhes os argumentos; propugnou, ao
mesmo tempo, a manutenção da r. sentença apelada (fls.
655/661).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


sólido e avisado parecer do Dr. Luiz Roque Lombardo
Barbosa, opina pelo improvimento dos recursos (fls.
669/677).

É o relatório.

2. A Promotoria de Justiça deu denúncia contra os


réus porque, em 2.2.2007, pelas 9h, em Bauru, na
Rua Walter Belian (na verdade, na Rua João Camilo,
conforme retificação da r. sentença), obrando em
associação para o tráfico, guardavam, para entregar a
consumo de terceiros, aproximadamente 405,80 g de
maconha, substância entorpecente que determina
dependência física e psíquica, sem autorização e em
desacordo com determinação legal ou regulamentar,
além de dinheiro e balança de precisão.
54

Instaurada a persecução penal, transcorreu o


processo na forma da lei; ao cabo, a r. sentença de
fls. 506/523 decretou a condenação dos réus que,
inconformados, comparecem à Segunda Instância, na
expectativa de absolvição.

3. A objeção da Defesa, de que se não revestira de


legalidade a apreensão da substância entorpecente, por
não estarem os policiais apercebidos de mandado judicial,
não colhe, “data venia”.

Com efeito, aquele que mantém em depósito


substância entorpecente que determina dependência
física e psíquica, sem autorização e em desacordo com
determinação legal e regulamentar, está em situação de
flagrante delito, e esse de caráter permanente. Assim,
é óbvia a constitucionalidade da busca domiciliar, a
todo o tempo e sem mandado judicial; outro tanto,
irrepreensível e legal é a prisão efetuada nessas
condições.

Por esta craveira têm decidido nossos Tribunais:

a) “Se a prisão em flagrante, subsequente à busca


efetivada sem mandado ou sem a presença de
55

autoridade, desenganadamente apurou a


ocorrência de infração de natureza permanente,
não há por que, quando da sentença, sacrificar-se a
verdade apurada, por escrúpulos formais quanto à
regularidade inicial da diligência policial.
Irregularidades que tais, quando existam, deverão
acarretar punição dos executores, mas não
constituem motivo para exarar-se, afinal, decreto
absolutório desde que devidamente comprovados
o fato delituoso e a autoria” (TJSP; Ap. nº
205.760-3; rel. Cerqueira Leite; apud Alberto
Silva Franco et alii, Código de Processo Penal e
sua Interpretação Jurisprudencial, 1999, vol. II,
p. 1924);

b) “Prisão —— Flagrante —— Busca e apreensão de


entorpecente na residência do acusado, sem
o competente mandado e de madrugada ——
Admissibilidade —— Hipótese em que a Constituição
não proíbe —— Caso de flagrante delito —— Crime,
ademais, permanente —— Ordem concedida para
outro fim. A Constituição não proíbe a entrada
em casa alheia, ainda que à noite, se houver
caso de flagrante delito, quando se poderá
também efetuar a busca e apreensão. É o que
pode ocorrer, inclusive, nas hipóteses de crimes
56

permanentes, em que a consumação se prolonga no


tempo, como no caso de ter em depósito ou guardar
a substância entorpecente ou que determine
dependência física ou psíquica (“Habeas Corpus”
nº 175.784-3-Caraguatatuba; rel. Segurado
Braz; 3a. Câm. Crim.; j. 21.11.94. v.u.).

Assim, por lhe falecer base jurídica e conforto de


razão lógica, rejeito a preliminar arguida.

4. “Circa merita”, não procede o clamor dos réus. Em


verdade, foram detidos naquelas circunstâncias que a
doutrina clássica denomina “certeza visual do crime”
(cf. Tostes Malta, Do Flagrante Delito, 1933, p. 25):
guardavam e tinham em depósito substância que,
segundo o laudo de fls. 163/174, determina dependência
física e psíquica.

Ao demais, os elementos de prova produzidos na


instrução prestigiaram inteiramente o libelo.

Em seus interrogatórios, os réus aventuraram


a tese de que, usuários de droga, dela guardavam
pequena porção para seu consumo: jamais traficaram
entorpecente (fls. 262/286 e 296/302); foram, no
57

entanto, desmentidos pelos policiais que os detiveram:


Daniel Alves de Freitas, Hélio Venâncio Ferreira e
Paulo da Silva Rocha (fls. 303/340).

O auto de prisão em flagrante de fls. 2/37, o auto


de exibição e apreensão (fls. 42/44), os laudos de exame
químico-toxicológico (fls. 163/174) e o depoimento dos
policiais conferiram certeza à imputação de que os réus
guardavam substância entorpecente para tráfico.

Incorreram, por isso, nas penas do art. 33, “caput”,


da Lei nº 11.343/06.

Esta é a jurisprudência de nossos Tribunais:

a) “A simples alegação de ter sido apreendida pequena


quantidade do entorpecente em poder do réu,
compatível com o uso, não tem o condão de elidir
sua responsabilidade pelo crime do art. 12 da Lei
nº 6.368/76, se todo o conjunto probatório está a
revelar seu envolvimento no mundo do tráfico”
(Rev. Tribs., vol. 816, p. 630; rel. Herculano
Rodrigues);

b) “A quantidade relevante de psicotrópico e o


demonstrado movimento de fregueses no local da
58

apreensão revelam a destinação para o comércio,


sendo impossível a desclassificação para a hipótese
prevista no art. 16 da Lei Federal nº 6.368/76,
mormente quando o agente se limita a negar
a posse da substância” (Rev. Crim. nº 119.540-3-
Campinas; rel. Luiz Pantaleão; j. 28.6.93).

Logo, é impossível desclassificar a imputação para


o tipo penal do art. 28 da Lei nº 11.343/06.

Também a figura penal da associação para o


tráfico de drogas ficou demonstrada que farte. Estavam
os réus Luiz, Adriana e Ivair, segundo o conjunto
probatório, associados entre si para o fim de realizar,
reiteradamente, o tráfico ilícito de drogas.

5. A restrição oposta aos testemunhos dos policiais,


ainda que deduzida com brilho, não arrasta ao
convencimento.

A crítica irrogada ao testemunho policial não


colhe, “data venia”; nem por ter sido prestado por
policiais o testemunho decai de sua importância.
59

Com efeito, a inidoneidade dos testemunhos não


se presume; há o arguente de demonstrá-la; toca-lhe
provar que o depoente faltou com a verdade ou caiu em
erro de informação. É que, na busca da verdade real –
alma e escopo do processo –, “toda pessoa poderá ser
testemunha” (art. 202 do Cód. Proc. Penal).

A testemunha, ainda que policial, depõe sob


compromisso; pelo que, em faltando à verdade,
incorrerá nas penas da lei.

Ora, não provaram as apelantes, objetivamente,


que as testemunhas, em cujas palavras se louvou o órgão
da Acusação, careciam de carta de crença.

Vale o depoimento pelo grau de veracidade que


encerra.

Com respeito aos policiais, há decisão histórica do


Pretório Excelso: “A simples condição de policial não torna
a testemunha impedida ou suspeita” (HC nº 51.577; DJU
7.12.73, p. 9.372; apud Damásio E. de Jesus, Código de
Processo Penal Anotado, 22a. ed., p. 187).

Releva notar que a prova do fato criminoso não


consistiu somente no testemunho dos policiais; o
60

primeiro indício que se elevou dos autos, poderoso a


abafar os protestos de inocência dos réus, foi o silêncio
a que se restituiu Ivair na fase do inquérito (fl. 22).

Como nada respondesse à autoridade policial a


respeito da grave imputação de que era arguido, nisso
mesmo deu a conhecer sua culpa. É que ninguém deixa
de repelir com todas as forças injusta acusação,
notadamente se da gravidade da que aos réus desfechou
o órgão do Ministério Público.

Segundo aquilo do jurisconsulto Paulo, no Digesto


(50, 17, 142): quem cala não confessa, mas também não
nega (“Qui tacet non utique fatetur, sed tamen verum est
non negare”).

Ainda:

“Muito embora o silêncio do interrogando seja uma


faculdade procedimental, é difícil acreditar que alguém,
preso e acusado de delito grave, mantenha-se calado só
para fazer uso de uma prerrogativa constitucional”
(RJTACrimSP, vol. 36, p. 325; rel. José Habice).

A condenação dos réus era, portanto, a


conseqüência natural do exame refletido dos autos à luz
do direito e da razão lógica.
61

6. Não cabe igualmente a redução de pena prevista


no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas.

Com efeito, a cláusula que disciplina a atenuação


da pena do réu condenado por tráfico (art. 33) exige
que “não se dedique às atividades criminosas” (§ 4º).

Ora, dos autos constou, sem falta, que os réus


Luiz, Adriana e Ivair estavam associados para “praticar,
reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos
arts. 33, “caput”, e § 1º, nº I, e 34 da Lei de Drogas”.

Donde a inferência lógica imediata de que lhes não


aproveita a mercê do § 4º do art. 33 da citada lei.

A condenação pelos arts. 33 e 35 da Lei de Drogas e


o favor instituído em seu art. 33, § 4º, são ideias que se
implicam.

Segundo a “communis opinio doctorum”, o benefício


da redução da pena (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06)
não se defere senão ao traficante esporádico ou
eventual, jamais ao que se associa para a prática do
tráfico ilícito de drogas, porque é em especial contra
esse que se levanta o braço implacável da lei.
62

As penas, aplicadas com moderação e equidade,


dentro dos limites legais, não sofrem alteração.

7. Diversa da dos mais réus, contudo, é a condição


processual de Adriana.

Não obstante condenada por infração do art. 33 da


Lei nº 11.343/06, excluiu-a expressamente a sentença da
imputação do art. 35 (associação para o tráfico).

Faz jus, portanto, à redução de pena prevista no §


4º do art. 33 da Lei de Drogas.

Trata-se, com efeito, de ré primária e sem


antecedentes criminais. Além de que, não consta dos
autos, acima de dúvida, que se dedicasse a atividades
ilícitas nem integrasse organização criminosa (fl. 520).

Ao demais, nisto de prova das condições negativas,


são apropositadas estas palavras de Vicente Greco Filho:

“Toda prova negativa é difícil, de modo que militará em


favor do réu a presunção de que é primário e de bons
antecedentes e de que não se dedica a atividades
criminosas nem integra organização criminosa” (Lei de
Drogas Anotada, 2007, p. 102).
63

À derradeira, temperar com a equidade o rigor da


lei foi sempre timbre dos que distribuem justiça, como
advertiu o insigne Carlos Maximiliano:

“Hoje a maioria absoluta dos juristas quer libertar da


letra da lei o julgador, pelo menos quando da aplicação
rigorosa dos textos resulte injusta dureza, ou até
mesmo simples antagonismo com os ditames da
equidade. Assim, vai perdendo apologistas na prática a
frase de Ulpiano – durum jus, sed ita lex scripta est –
duro Direito, porém assim foi redigida a lei –
e prevalecendo, em seu lugar, o summum jus, summa
injuria – do excesso de direito resulta a suprema
injustiça” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 16a.
ed., p. 170).

Destarte, nos termos do art. 33, § 4º, da Lei de


Drogas, e tendo consideração a que, na espécie em
causa, conspiram os requisitos legais, reduzo de 1/2
(metade) a pena da ré, o que importará em 2 anos e 6
meses de reclusão e 250 dias-multa.

Uma pena, para ser justa – escreveu o profundo


Marquês de Beccaria –, deve ter só o grau de rigor que
baste a afastar os homens da senda do crime. “Perchè
64

una pena sia giusta, non deve avere che quei soli gradi
d’intensione che bastano a rimuovere gli uomini dai delitti”
(Dei Delitti e delle Pene, § XVI).

O regime prisional que lhes fixou a r. sentença


(fechado, no início) satisfez às regras de Direito e aos
princípios que entendem com a ciência penitenciária
(art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90).

Salvo o pequeno reparo, mantenho no mais, por


seus próprios e jurídicos fundamentos, a r. sentença
que proferiu o distinto e culto Magistrado Dr. Cláudio
Augusto Saad Abujamra.

8. Pelo exposto, rejeitada a preliminar de nulidade do


processo, dou provimento parcial à apelação de ARC para,
nos termos do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, reduzir-lhe
as penas a 2 anos e 6 meses de reclusão e 250 dias-
-multa, mantida no mais a r. sentença de Primeiro
Grau; aos recursos dos corréus nego provimento.

São Paulo, 24 de novembro de 2008


Des. Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

5
T RIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA C ÂMARA

Apelação Criminal nº 1.352.685/6


Comarca: Matão
Apelante: OFC
Apelado: Ministério Público

Voto nº 5299
Relator

— A casa é o asilo inviolável do cidadão


enquanto lhe preserva a característica
fundamental de santuário doméstico; se
transformada em antro de delinquência,
tem a Polícia, mesmo sem mandado
escrito da autoridade, o direito (e talvez
o dever) de nela entrar, a todo o tempo,
nos casos de crime permanente, para
assegurar a ordem pública e a paz
social.
66

— A confissão judicial, por seu valor absoluto


– visto se presume feita espontaneamente
–, basta à fundamentação do edito
condenatório.
— O simples porte de arma de fogo sem
autorização legal tipifica a infração do
art. 10, “caput”, da Lei nº 9.437/97,
independentemente da existência de
perigo concreto.
— Ao cominar pena àquele que, sem
licença da autoridade, traz arma
consigo, pôs a mira o legislador em
“evitar a posse indiscriminada de armas
de fogo e os perigos que acompanham a
admissão de uma sociedade armada sem
que existam controles ou regras gerais
estabelecidas” (Luiz Flávio Gomes, Lei
das Armas de Fogo, 2002, p. 130).
— A lição de José Duarte encerra verdade
irrefutável: “o porte de arma é, sempre,
potencialmente perigoso” (Comentários à
Lei das Contravenções Penais, 1944,
p. 294).

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de


Direito da 3a. Vara da Comarca de Matão,
condenando-o à pena de 1 ano de detenção e 10 dias-
-multa, substituída a pena privativa de liberdade
por restritiva de direitos (prestação de serviços à
67

comunidade), por infração do art. 10, “caput”, da Lei nº


9.437/97, interpôs recurso para este Egrégio Tribunal,
no intento de reformá-la, OFC.

Nas razões de apelação, subscritas por dedicado


patrono, argui, preliminarmente, a ilegalidade da
apreensão da arma em sua residência, por falta de
mandado judicial.

Alega, ao demais, que a infração imputada ao réu


não caía sob a letra da lei, interpretada à luz do
“princípio da insignificância”.

Pleiteia, destarte, absolvição, como obra de justiça


(fls. 161/164).

A douta Promotoria de Justiça repeliu a pretensão


da nobre Defesa e propugnou a manutenção da r.
sentença de Primeiro Grau (fls. 166/167).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


minucioso e escorreito parecer do Dr. Carlos Henrique
Maciel, opina pelo improvimento da apelação (fls.
186/187).

É o relatório.
68

2. O órgão do Ministério Público ofereceu denúncia


contra o réu porque, no dia 13 de dezembro de 2000,
na Rua Cel. Leão Pio de Freitas (Vila Guarani), na bela
cidade de Matão, guardava arma de fogo – pistola
7,65 mm, da marca “Taurus”, não registrada –, sem
autorização e em desacordo com determinação legal
e regulamentar.

Reza a denúncia que, ao investigar prática de


crime, em tese, de atentado violento ao pudor, policial
civil tomou para a casa do réu, a fim de levá-lo à
Delegacia de Polícia.

Na ocasião, encontrou a sobredita arma e a


respectiva munição – 26 cápsulas intactas –, que o réu
guardava no “barzinho da estante” existente em sua
residência.

Instaurada a persecução penal, transcorreu o


processo na forma da lei; por fim, a r. sentença de fls.
124/126 decretou a condenação do réu, o qual,
inconformado com o desfecho da lide penal, comparece
perante esta augusta Corte de Justiça, na expectativa de
absolvição.
69

3. As razões do recurso, ainda que expendidas com


valentia pelo digno Defensor do réu, não me
persuadiram do desacerto ou injustiça da decisão
apelada.

De feito, os elementos de prova reunidos no


processado evidenciam que o réu violou, em seu espírito
e forma, o art. 10, “caput”, da Lei nº 9.437/97.

Interrogado em Juízo, admitiu, sem rebuços, que


mantinha em sua residência a arma apreendida.
Afirmou também não possuía o respectivo registro (fls.
75/77).

Com suas palavras concorda a mais prova oral,


notadamente, os testemunhos de fls. 142 e 146.

4. Como o réu confessou em Juízo a posse da arma, e


suas declarações conformam-se com o acervo de provas,
não há que opor à r. sentença condenatória.

Deveras, feita perante o Magistrado, tem a


confissão valor extraordinário e serve de base para
condenação.
70

Avantaja-se a todas as provas: realizada em Juízo, é


absoluto seu valor. Este foi sempre o ensinamento da
Doutrina:

“A confissão judicial, por presumir-se livre dos vícios de


inteligência e vontade, tem um valor absoluto, servindo
como base condenatória, ainda que seja o único elemento
incriminador” (Camargo Aranha, Da Prova no
Processo Penal, 3a. ed., p. 92).

Por este mesmo estalão têm decidido nossos


Tribunais:

“A confissão judicial tem valor absoluto e, ainda que


seja o único elemento de prova, serve como base à
condenação, só podendo ser recusada em circunstâncias
especialíssimas, ou seja, naquelas em que se lhe evidencie
a insinceridade, ou quando tiver prova veemente em
contrário” (Rev. Tribs., vol. 744, p. 573; rel. Nélson
Fonseca).

5. A objeção da Defesa, de que se não revestira de


legalidade a apreensão da arma de fogo, não colhe,
“data venia”.
71

A razão é que – e isto mesmo ponderou o douto


parecer da Procuradoria-Geral de Justiça (fl. 187) –,
“quem porta ou guarda arma de fogo sem autorização está
sob permanente situação flagrancial. Assim, é óbvia a
constitucionalidade da busca domiciliar, a qualquer tempo e
sem mandado judicial, e da consequente prisão”.

Esta é também a jurisprudência consagrada em


nossos Tribunais:

“Se a prisão em flagrante, subsequente à busca efetivada


sem mandado ou sem a presença de autoridade,
desenganadamente apurou a ocorrência de infração de
natureza permanente, não há por que, quando da
sentença, sacrificar-se a verdade apurada, por escrúpulos
formais quanto à regularidade inicial da diligência
policial. Irregularidades que tais, quando existam,
deverão acarretar punição dos executores, mas não
constituem motivo para exarar-se, afinal, decreto
absolutório desde que devidamente comprovados o
fato delituoso e a autoria” (TJSP; Ap. nº 205.760-3;
rel. Cerqueira Leite; apud Alberto Silva Franco
et alii, Código de Processo Penal e sua Interpretação
Jurisprudencial, 1999, vol. II, p. 1924).
72

6. Outro tanto, não assenta em bom fundamento a


argumentação de que o delito imputado ao réu devia ser
apreciado conforme a craveira do “princípio da
insignificância”.

Não se trata, com efeito, de crime de bagatela,


senão de muita gravidade e vulto o que o réu perpetrou.

Também aqui vem a ponto a refutação do parecer:


“Não tem propósito considerar-se a aludida infração como
crime de bagatela, Se assim fosse, o legislador não teria a
preocupação de editar lei especial para reprimir a conduta”
(fl. 187).

7. Configurado o tipo do art. 10, “caput”, da Lei nº


9.437/97, a condenação do apelante era inelutável.

Ao cominar pena a todo aquele que, sem licença de


autoridade competente, traz arma consigo, pôs em mira
o legislador “evitar a posse indiscriminada de armas de
fogo e os perigos que acompanham a admissão de uma
sociedade armada sem que existam controles ou regras gerais
estabelecidas” (Luiz Flávio Gomes, Lei das Armas de Fogo,
2002, p. 130).
73

Tal proibição respeita diretamente a um dos


princípios fundamentais proclamados pela Constituição
Federal: “preservação da ordem pública e da incolumidade
das pessoas” (art. 144).

Deste feitio é o magistério da Jurisprudência:

“A infração penal consistente no porte ilegal de arma


de fogo, prevista no art. 10 da Lei nº 9.437/97, não
exige, para sua configuração, a existência de perigo
concreto, uma vez que o bem jurídico tutelado é a
segurança coletiva, um dos direitos fundamentais
previsto expressamente no art. 5º, caput, da Const.
Federal” (Rev. Tribs., vol. 766, p. 586; rel. Walter
Guilherme).

A condenação do réu, à vista do contingente


probatório, era não só indeclinável, senão também
justa.

A pena, fixada no mínimo legal e substituída por


medida alternativa (de caráter pedagógico e salutar),
está correta e não sofre alteração.

Merece confirmada, portanto, a r. sentença que


proferiu, com excelentes fundamentos, o distinto e culto
Magistrado Dr. José Alonso Beltrame Júnior.
74

8. Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

São Paulo, 22 de janeiro de 2004


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

6
T RIBUNAL DE J USTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUINTA C ÂMARA — S EÇÃO C RIMINAL

“Habeas Corpus” nº 990.09.141950-8


Comarca: Presidente Bernardes
Impetrantes: Dr. Aton Fon Filho,
Dr. Leandro Lúcio Baptista Linhares,
Dr. Roberto Rainha,
Dra. Paloma Gomes e
Dra. Giane Alvares Ambrósio Alvares
Paciente: JAGM

Voto nº 12.000
Relator

— Não entra em dúvida que, a despeito


do princípio da presunção de inocência,
consagrado na Constituição da
República (art. 5º, nº LVII), subsiste
a providência da prisão preventiva,
quando conspiram os requisitos legais
76

do art. 312 do Código de Processo Penal:


garantia da ordem pública, conveniência
da instrução criminal ou para
assegurar a aplicação da lei penal,
desde que comprovada a materialidade
da infração penal e veementes indícios
de sua autoria.
— Não requer o despacho de prisão
preventiva o mesmo rigor que deve
encerrar a decisão definitiva de
condenação. É o escólio de Damásio
E. de Jesus ao art. 312 do Cód. Proc.
Penal: “A prisão preventiva exige prova
bastante da existência do crime e indícios
suficientes de autoria. Não é necessária a
mesma certeza que deve ter o juiz para a
condenação do réu” (cf. Código de Processo
Penal Anotado, 23a. ed., p. 253).
— Matéria de alta indagação, como a que
entende com a autoria do crime, é
insuscetível de exame em processo de
“habeas corpus”, de rito sumaríssimo;
apenas tem lugar na instância ordinária,
com observância da regra do
contraditório. Trancamento de ação
penal por falta de justa causa
unicamente se admite quando
comprovada, ao primeiro súbito de
vista, a atipicidade do fato imputado
ao réu, ou a sua inocência (art. 648,
nº I, do Cód. Proc. Penal).
77

—“Exame de provas em habeas corpus é


cabível desde que simples, não contraditória
e que não deixe alternativa à convicção do
julgador” (STF; HC; rel. Min. Clóvis
Ramalhete; DJU 18.9.81, p. 9.157).
—“O dia em que se não cumprirem as decisões
judiciais transitadas em julgado perecerá o
direito, e com ele a liberdade, que faculta a
plena realização da pessoa humana na
sociedade em que vive” (Carlos Alberto
Menezes Direito, Manual do Mandado
de Segurança, 4a. ed., p. 200).
— Entre nós, tem o direito à propriedade
garantia constitucional (art. 5º da Const.
Fed.). Por isso, no limiar de toda
propriedade (choupana, chácara, sítio e
fazenda), haveremos de ler, sob a forma
de advertência legítima, a imaginária
inscrição: “Aqui, sem a minha autorização,
só entra o Sol e ninguém mais!”.

1. Os ilustres advogados Dr. Aton Fon Filho, Dr.


Leandro Lúcio Baptista Linhares, Dr. Roberto Rainha,
Dra. Paloma Gomes e Dra. Giane Alvares Ambrósio
Alvares impetram a este Egrégio Tribunal ordem
de “habeas corpus”, com pedido de liminar, em
prol de JAGM, sob o argumento de que padece
constrangimento ilegal da parte do MM. Juízo de
Direito da Comarca de Presidente Bernardes.
78

Afirmam, em extensa e esmerada petição (fls.


2/30), que, embora processado por formação de
quadrilha (art. 288 do Cód. Penal), era manifesto o
constrangimento ilegal que o paciente estava a sofrer,
porquanto nenhum crime cometera.

Argumentam que, por isso, não havia subsistir o


decreto de prisão preventiva, ou por falta de justa causa,
ou por sua ilegalidade, pois que ausentes os pressupostos
processuais que a poderiam autorizar.

Notam ainda de mal fundamentado o r. despacho


que a decretou.

Rematam que o paciente é primário, tem


residência fixa e família constituída.

Pleiteiam, destarte, à colenda Câmara tenha a bem


conceder a ordem de “habeas corpus” para revogar-lhe a
custódia cautelar, com expedição de contramandado de
prisão.

Instruíram o pedido com cópia dos autos da ação


penal e numerosos outros documentos (cf. Apenso).

O despacho de fls. 33/37 indeferiu a medida


liminar pleiteada.
79

A mui digna autoridade judiciária indicada como


coatora prestou as informações de praxe, nas quais
esclareceu ter sido o paciente denunciado por infração
do art. 288 do Código Penal.

Informou também que não foi ainda cumprido o


mandado de prisão expedido contra o paciente (fls.
52/54).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


ponderado e escorreito parecer do Dr. Eder Lago
Mendes Ferreira, opina pela denegação da ordem (fls.
45/50).

É o relatório.

2. Da denúncia, juntada a estes autos por cópia


(Apenso), extrai-se que, desde 2005 até meados de maio
de 2007, em Presidente Bernardes, o paciente, obrando
em concurso e unidade de propósitos com três outros
indivíduos, associaram-se em bando, para a prática
de número indeterminado de crimes de esbulho
possessório, furtos, incitação ao crime e danos aos
patrimônios particulares.
80

Instaurada a persecução penal, entrou o processo a


correr seus trâmites.

Por decisão de 24.4.2009 – fls. 1.357/1.361 dos


autos da ação penal (7º vol.) –, o MM. Juiz de Direito
da Comarca de Presidente Bernardes, Dr. Gabriel
Medeiros, decretou a prisão preventiva dos réus VUS e
JAGM.

Fê-lo pelas seguintes razões de fato e de direito:


constara-lhe, por provas e indícios, que o paciente
JAGM – conhecido como “Cido Maia” –, que já
respondia a processo por “formação de quadrilha para
invadir propriedade”, tornara “a praticar novo crime,
associando-se e liderando centenas de pessoas”.

Foi o caso que, no dia 17.4.2009, integrantes do


denominado Movimento Sem-Terra (MST) teriam
invadido a Fazenda Santa Terezinha, situada no
município de Nantes, liderados – conforme o Boletim
de Ocorrência nº 41 (fl. 1.336) – por JAGM (o paciente)
e CMS.

Mesmo citados para os termos de ação de


reintegração de posse, o paciente, menoscabando a
ordem judicial, protestara que, em nome do movimento,
não deixaria o local.
81

Mencionou o Magistrado que a imprensa regional


divulgara esses fatos, ilustrando-os com “foto dos
invasores”, na qual figurava o paciente. Aludiu ainda à
matéria do jornal “Oeste Notícias”, desta substância:
“Polícia Civil investiga furto de gado em Iepê. Abate de
bovinos pode ter ligação com integrantes do MST que ocupam
área próxima” (fl. 1.359).

A Promotoria de Justiça de Presidente Bernardes,


como se vê das fls. 1.342/1.343 (7º vol.), mandou
reduzir a termo, aos 14.4.2009, as declarações de
Marcos Antônio Sanches, fotógrafo de profissão, que, a
pedido de Carlos Dias, proprietário da “Fazenda São
Luís”, tirara fotos “das pessoas que estavam invadindo a
área, que seriam integrantes do MST”. Aí lhe informaram
que o líder era o indivíduo “Tião”, de quem se
aproximou e ouviu logo a advertência que não queria
ser fotografado. O declarante, porém, logrou tirar-lhe
“uma foto de perfil”. Ajuntou que “Tião estava colocando a
bandeira no pasto”. Fotografou também os “barracos que
estavam sendo armados” e as “placas dos veículos utilizados
pelos invasores”.

Usava “boné vermelho” e trajava “camisa preta” o


indivíduo que se identificara por “Tião”.
82

Exibida, contudo, sua foto ao proprietário da


“Fazenda São Luís”, este foi peremptório: “não era Tião e
sim Cido Maia” (fl. 1.343).

Firmes nessas múltiplas e concretas circunstâncias,


o mui digno Juiz de Direito da Comarca de Presidente
Bernardes, indicado como autoridade coatora, teve a
bem decretar a prisão preventiva do paciente JAM, a
quem nomeiam também “Cido Maia”.

Irresignado com a decisão que lhe impôs medida


constritiva de liberdade, o paciente vem a este augusto
Pretório de Justiça clamar por sua revogação.

Assistido de causídicos notáveis por seus talentos,


competência e combatividade – que bem atestam
a força e o prestígio da Classe dos Advogados,
à qual todo o louvor é curto –, alega o paciente,
em longa e erudita peça forense (fls. 2/30), que não
concorriam na espécie “sub judice” os requisitos
autorizadores da decretação da prisão cautelar.

Sustentam os nobres impetrantes que o paciente


jamais colocou “em risco a ordem pública da comunidade
paulista” (fl. 27).
83

Requerem, por isso, a revogação da custódia


preventiva e a expedição de contramandado de prisão
em favor do paciente.

3. Pelo que respeita aos protestos de inocência que


seus esforçados patronos firmaram nos autos – de que,
a admitir-se tenha sido o paciente “visto ou fotografado no
latifúndio ocupado”, não era bastante a configurar “algum
ilícito penal a recomendar a sua segregação cautelar” (fls.
9/10) –, não é ponto suscetível de resolução na esfera
exígua do “habeas corpus”.

Com efeito, em razão de seu rito sumaríssimo, na


via heroica do “habeas corpus” é defeso proceder a exame
de matéria de alta indagação. Isto de haver ou não o
paciente concorrido para a prática do crime que lhe
imputou a denúncia, como se trata de questão que
apenas pode ser dirimida na quadra de dilação
probatória, na instância ordinária, não há apreciá-la em
processo de “habeas corpus”.

Assim, apenas na instância regular, sob o


contraditório processual, será lícito apurar a alegada
inocência do paciente.
84

Esta, com efeito, é a jurisprudência consagrada por


nossos Tribunais, em acórdãos infinitos em número:

“Somente pode ser reconhecida e afirmada, em sede de


habeas corpus – a falta de justa causa para a ação
penal –, quando os fatos apontados como delituosos são
atípicos ou quando a inocência do acusado se manifesta
de forma desembuçada, clara, precisa, límpida e
incontestável” (Rev. Tribs., vol. 499, p. 488).

Em tese, o fato atribuído ao réu tipifica ilícito


penal; acha-se presente, pois, o “fumus boni juris” que
legitima e autoriza a instauração do processo-crime
contra seu provável autor. Se a presença do paciente no
lugar que os impetrantes denominam “latifúndio São
Luís” era “pacífica” e não causara “dano à propriedade”,
como inculcam (fls. 9/10), não cabe examiná-lo aqui:
tratar-se-ia de juízo acerca do elemento subjetivo do
tipo, incompatível com o rito e finalidade da ação de
“habeas corpus”.

4. De outra parte, o r. despacho impugnado (cf. fls.


1.357/1.361 do 7º vol.), ao fundamentar a decretação da
prisão preventiva, argumentou com sua necessidade e
conveniência: exarou que o paciente, já demandado na
85

Justiça Criminal por delito que causou profundo


desassossego na região (formação de quadrilha),
praticou novo crime: “associando-se e liderando centenas de
pessoas, voltou a invadir nova propriedade” (fl. 1.358).

Sua custódia, portanto, foi determinada pela


exigência indeclinável de garantia social e conveniência
da Justiça, que deve atender a que se não frustre a
aplicação da lei nem periclite a ordem pública.

Era o quanto bastava para justificar a subsistência


da prisão cautelar; pretender fosse além a digna
autoridade apontada como coatora, seria o mesmo que
antecipar decisão de mérito, o que passava por
desmarcada abusão lógica e jurídica.

Ato mais relevante do ofício do Magistrado, a


decisão deve ser fundamentada (art. 93, nº IX, da Const.
Fed.), isto é, ao proferi-la deve dar as razões de seu
convencimento.

Mas fundamentação percuciente, minuciosa e


castigada só a requer decisão definitiva de mérito, não
a que impõe prisão preventiva ou denega liberdade
provisória; esta se satisfaz com a indicação da
necessidade da decretação da custódia cautelar, que se
86

infere da prova da materialidade da infração penal grave


e de indícios veementes de sua autoria.

Vem aqui de molde o magistério da jurisprudência


do Colendo Superior Tribunal de Justiça, abaixo
reproduzido por sua ementa:

“Demonstrada a necessidade da medida cautelar


constritiva da liberdade humana, concretizada em
decisão, ainda que sucinta, onde consignadas as razões
pelas quais entendeu necessária, descabe pretender
desconstituí-la com a invocação do princípio da
presunção de inocência, ou pela circunstância de ser
o paciente primário, radicado no foro da culpa e com
profissão definida” (Revista do Superior Tribunal de
Justiça, vol. 58, p. 119).

O magistério de José Frederico Marques,


processualista exímio, faz ao intento:

“Desde que a permanência do réu, livre e solto, possa dar


motivo a novos crimes, ou cause repercussão danosa e
prejudicial no meio social, cabe ao juiz decretar a prisão
preventiva como garantia da ordem pública. Nessa
hipótese, a prisão preventiva perde seu caráter de
providência cautelar, constituindo antes, como falava
87

Faustin Hélie, verdadeira medida de segurança.


A potestas coercendi do Estado atua, então, para
tutelar, não mais o processo condenatório a que está
instrumentalmente conexa, e sim, como fala o texto do
art. 312, a própria ordem pública. No caso, o periculum
in mora deriva dos prováveis danos que a liberdade do
réu possa causar – com a dilação do desfecho do processo
– dentro da vida social e em relação aos bens jurídicos
que o Direito Penal tutela” (Elementos de Direito
Processual Penal, 1a. ed., vol. IV, pp. 49-50).

5. Há nos autos um registro que não pode correr em


silêncio, neste momento de exame da legalidade dos
fundamentos da decretação da prisão preventiva do
paciente.

O Magistrado prolator da decisão atacada


salientou, com arrimo no Boletim de Ocorrência nº 41/09
(fl. 1.336), que integrantes do Movimento Sem-Terra,
“liderados pelos investigados” (um dos quais, o paciente),
“invadiram na sexta-feira passada, dia 17.4.2009”; “já
haviam sido citados” para a ação de reintegração de posse.
“Os investigados (…), em nome do movimento, mesmo tendo
conhecimento da ordem judicial, disseram que não deixariam
o local, em total afronta à decisão do Poder Judiciário”
(fl. 1.350).
88

Fato esse de suma gravidade, se verdadeiro!

É que, segundo o alto pensamento do Min. Carlos


Alberto Menezes Direito, “o dia em que se não cumprirem
as decisões judiciais transitadas em julgado perecerá o direito,
e com ele a liberdade, que faculta a plena realização da pessoa
humana na sociedade em que vive” (Manual do Mandado de
Segurança, 4a. ed., p. 200).

6. Ainda que medida excepcional, a custódia


preventiva não repugna ao Estado Democrático de
Direito, se imposta com a finalidade de coibir violações
da lei e preservar a ordem jurídica.

A jurisprudência dos Tribunais sempre reservou ao


juiz do processo autonomia para avaliar, com o arbítrio
do bom varão, a necessidade e a conveniência de sua
decretação.

Ora, a decisão do Magistrado da Comarca de


Presidente Bernardes evidenciou, com rigor de lógica
jurídica, que a segregação do paciente era necessária,
em bem do interesse público. Afirmou-o Sua
Excelência, após detido exame dos autos, com palavras
textuais:
89

“O ato praticado pelo acusado, formação de quadrilha


para invadir propriedade, disfarçado atrás do
movimento social, provoca imensa repercussão de forma
a abalar a ordem pública na pequena cidade de
Presidente Bernardes, de apenas 13 mil habitantes,
onde fatos como os debatidos nestes autos causam
verdadeira sensação de insegurança jurídica” (fl.
1.357).

Cai a talho o ven. aresto do Colendo Superior


Tribunal de Justiça:

“Em sede de prisão preventiva, deve-se prestar máxima


confiabilidade ao Juízo de primeiro grau, por mais
próximo e, pois, sensível às vicissitudes do processo”
(HC nº 46.192-0-PE; 6a. T.; rel. Min. Hamilton
Carvalhido; j. 7.3.2006; m.v.; apud Mohamed
Amaro, Código de Processo Penal na Expressão dos
Tribunais, 2007, p. 363).

7. O sonho de todo camponês de ter um dia sua gleba


e poder cultivá-la é digno sempre de respeito. Ninguém
haverá de embaraçar-lhe o caminho que o levará à Terra
da Promissão, como cantou a musa rústica de Patativa do
Assaré, inspirado poeta cearense:
90

“Se a terra foi Deus quem fez,


se é obra da criação,
deve cada camponês
ter uma faixa de chão”
(in Dialógico, Revista do Movimento do Ministério
Público Democrático, nº 25, p. 32).

Mas, os conflitos agrários não podem resolver-se


com o sacrifício da lei e da ordem.

O Código Penal, por isso, define e pune como


crime as invasões a propriedade e o esbulho possessório
(art. 161, § 1º, nº II).

Entre nós, tem o direito à propriedade garantia


constitucional (art. 5º da Const. Fed.).

Assim, no limiar de toda propriedade (choupana,


chácara, sítio e fazenda), haveremos de ler, sob a forma
de advertência legítima, a imaginária inscrição: “Aqui,
sem a minha autorização, só entra o Sol e ninguém mais!”.

O despacho criticado atendeu às diretrizes do art.


312 do Código de Processo Penal; merece, pois, prevalecer,
sem deslustre dos advogados do paciente, profissionais
mui reputados pela ciência do Direito e dedicação ao
nobre mister que abraçaram.
91

Em suma: porque os argumentos deduzidos


pelo paciente não me persuadiram estivesse a sofrer
constrangimento ilegal, indefiro-lhe o pedido de “habeas
corpus”.

8. Pelo exposto, denego a ordem de “habeas corpus”.

São Paulo, 11 de agosto de 2009


Des. Carlos Biasotti
Relator
Trabalhos Jurídicos e Literários de
Carlos Biasotti

1. A Sustentação Oral nos Tribunais: Teoria e Prática;


2. Adauto Suannes: Brasão da Magistratura Paulista;
3. Advocacia: Grandezas e Misérias;
4. Antecedentes Criminais (Doutrina e Jurisprudência);
5. Apartes e Respostas Originais;
6. Apelação em Liberdade (Doutrina e Jurisprudência);
7. Apropriação Indébita (Doutrina e Jurisprudência);
8. Arma de Fogo (Doutrina e Jurisprudência);
9. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (1a. Parte);
10. Citação do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
11. Crime Continuado (Doutrina e Jurisprudência);
12. Crimes contra a Honra (Doutrina e Jurisprudência);
13. Crimes de Trânsito (Doutrina e Jurisprudência);
14. Da Confissão do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
15. Da Presunção de Inocência (Doutrina e Jurisprudência);
16. Da Prisão (Doutrina e Jurisprudência);
17. Da Prova (Doutrina e Jurisprudência);
18. Da Vírgula (Doutrina, Casos Notáveis, Curiosidades, etc.);
19. Denúncia (Doutrina e Jurisprudência);
20. Direito Ambiental (Doutrina e Jurisprudência);
21. Direito de Autor (Doutrina e Jurisprudência);
22. Direito de Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
23. Do Roubo (Doutrina e Jurisprudência);
24. Estelionato (Doutrina e Jurisprudência);
25. Furto (Doutrina e Jurisprudência);
26. “Habeas Corpus” (Doutrina e Jurisprudência);
27. Legítima Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
28. Liberdade Provisória (Doutrina e Jurisprudência);
29. Mandado de Segurança (Doutrina e Jurisprudência);
30. O Cão na Literatura;
31. O Crime da Pedra (Defesa Criminal em Verso);
32. O Crime de Extorsão e a Tentativa (Doutrina e Jurisprudência);
33. O Erro. O Erro Judiciário. O Erro na Literatura (Lapsos e
Enganos);
34. O Silêncio do Réu. Interpretação (Doutrina e Jurisprudência);
35. Os 80 Anos do Príncipe dos Poetas Brasileiros;
36. Princípio da Insignificância (Doutrina e Jurisprudência);
37. “Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?”;
38. Tópicos de Gramática (Verbos abundantes no particípio;
pronúncias e construções viciosas; fraseologia latina, etc.);
39. Tóxicos (Doutrina e Jurisprudência);
40. Tribunal do Júri (Doutrina e Jurisprudência);
41. Absolvição do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
42. Tributo aos Advogados Criminalistas (Coletânea de Escritos
Jurídicos); Millennium Editora Ltda.;
43. Advocacia Criminal (Teoria e Prática); Millennium Editora
Ltda.;
44. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (2a. Parte);
45. Contravenções Penais (Doutrina e Jurisprudência);
46. Crimes contra os Costumes (Doutrina e Jurisprudência);
47. Revisão Criminal (Doutrina e Jurisprudência);
48. Nélson Hungria (Súmula da Vida e da Obra);
49. Ação Penal (Doutrina e Jurisprudência);
50. Crimes de Falsidade (Doutrina e Jurisprudência);
51. Álibi (Doutrina e Jurisprudência);
52. Da Sentença (Doutrina e Jurisprudência);
53. Fraseologia Latina;
54. Da Pena (Doutrina e Jurisprudência);
55. Ilícito Civil e Ilícito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
56. Regime Prisional (Doutrina e Jurisprudência);
57. Alimentos (Doutrina e Jurisprudência);
58. Estado de Necessidade (Doutrina e Jurisprudência);
59. Receptação (Doutrina e Jurisprudência);
60. Inquérito Policial. Indiciamento (Doutrina e Jurisprudência);
61. A Palavra da Vítima e seu Valor em Juízo;
62. A Linguagem do Advogado;
63. Memorando aos Colegas da Advocacia e da Magistratura;
64. Código de Defesa do Consumidor (Casos Especiais em Matéria
Criminal);
65. Crime de Dano (Doutrina e Jurisprudência);
66. Nulidade Processual (Doutrina e Jurisprudência);
67. Da Coação no Direito Penal (Doutrina e Jurisprudência).
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www.scribd.com/Biasotti
Violação de Domicílio Carlos Biasotti

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