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Carlos Biasotti

Memorando aos Colegas


da Advocacia e da Magistratura

3a. ed.

2023
São Paulo, Brasil
O Autor

Carlos Biasotti foi advogado criminalista, presidente da


Acrimesp (Associação dos Advogados Criminalistas do Estado
de São Paulo) e membro efetivo de diversas entidades (OAB,
AASP, IASP, ADESG, UBE, IBCCrim, Sociedade Brasileira de
Criminologia, Associação Americana de Juristas, Academia
Brasileira de Direito Criminal, Academia Brasileira de Arte,
Cultura e História, etc.).

Premiado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, no


concurso O Melhor Arrazoado Forense, realizado em 1982, é autor
de Lições Práticas de Processo Penal, O Crime da Pedra, Tributo aos
Advogados Criminalistas, Advocacia Criminal (Teoria e Prática), além
de numerosos artigos jurídicos publicados em jornais e revistas.

Juiz do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo


(nomeado pelo critério do quinto constitucional, classe dos
advogados), desde 30.8.1996, foi promovido, por merecimento, em
14.4.2004, ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça.

Condecorações e títulos honorícos: Colar do Mérito


Judiciário (instituído e conferido pelo Poder Judiciário do Estado
de São Paulo); medalha cívica da Ordem dos Nobres Cavaleiros de
São Paulo; medalha cultural “ Brasil 500 anos”; medalha “ Prof. Dr.
Antonio Chaves”, etc.
Memorando aos Colegas
da Advocacia e da Magistratura
Carlos Biasotti

Memorando aos Colegas


da Advocacia e da Magistratura

3a. ed.

2023
São Paulo, Brasil
Índice

Preâmbulo...........................................................................11

I. Memorando aos Colegas da Advocacia e da


Magistratura........................................................................13

II. Lei, Justiça e Bom-Senso....................................................37

III. Crime, Rigor da Lei e Clemência.......................................47

IV. Prova para Condenação Penal.............................................55

V. A Linguagem do Advogado.................................................59

VI. Presunção de Inocência.......................................................67

VII. Sustentação Oral nos Tribunais..........................................89

VIII. A Linguagem do Juiz..........................................................97

XI. O Advogado e o Crime de Falso Testemunho..................103

X. Coletânea de Exórdios.......................................................109

XI. Fraseologia Latina.............................................................115

XII. Coisas Inúteis....................................................................131

XIII. A Mentira perante a Justiça..............................................141

XIV. O Advogado e a Eloquência fora dos Tribunais..............163

XV. Arrazoados Forenses: Extensão e Conteúdo....................171


Preâmbulo

Dos sujeitos que se consagraram, sem reserva, às


profissões da Advocacia e da Magistratura graves autores
escreveram já rios de tinta.
Mas, visto que a beleza (de inédita e surpreendente
que é) pode repetir-se, leve-se-me à paciência diga duas
palavras acerca dessas carreiras, muito bem reputadas em
todos os tempos.
A defesa de terceiro, que ao advogado cabe promover,
e a distribuição da justiça, alvo a que os magistrados atiram
seus esforços, contam-se deveras entre os mais belos objetos
da atividade humana.
À advocacia fez Voltaire(1) soberbo elogio: A belíssima
entre as profissões.(2)

(1) “(…) foi talvez a primeira cabeça, o mais fecundo gênio do século
XVIII” (Ernesto Carneiro Ribeiro, Tréplica, 1923, p. 666).
(2) “Le plus bel état du monde” (apud Carvalho Neto, Advogados,
1946, p. 83).
12

Da Justiça, que ao juiz compete realizar com desvelo,


imparcialidade e retidão, disse um egrégio espírito estas
palavras formais, dignas de lâminas de ouro: “A ideia de
justiça é a mais pura, mais nobre, mais alta, mais sublime e mais
santa depois da ideia de Deus” (3).
A arte da palavra e da boa linguagem sempre mereceu
também a esses profissionais culto fervoroso e espontâneo.
Não será por demais, destarte, que a tal respeito discorra,
ainda que “per summa capita”.
Eis a substância do livrinho que ora deponho a seus
pés, caro e gentil leitor, com o desejo de que o satisfaça
e lhe acrescente o pecúlio dos conhecimentos jurídicos e
literários. Meu cordial abraço!

O Autor

(3) Augusto Carlos Cardoso Pinto Osório (1840-1920), juiz


português, presidente do Supremo Tribunal de Justiça (“In
Memoriam”, p. 28).
Memorando aos Colegas da
Advocacia e da Magistratura

1. Era de razão que se voltassem para o Supremo


Tribunal Federal, aos 23 de março de 2021, os espíritos
preocupados com os graves assuntos nacionais; afinal,
nesse dia, julgariam seus Ministros processo que, segundo
abalizadas opiniões, iria pôr cobro à nefasta impunidade e
corrupção que, sem contradita honesta, arruínam o País.
Como o viajor do deserto, que, exausto, se imagina
diante do oásis que o irá dessedentar e, pois, manter-lhe a
vida, assim milhões de brasileiros dirigiram sua atenção
para o pórtico de nossa principal Corte de Justiça, com o
desejo ardente de que ela não lhes frustrasse enorme
expectativa. Queriam, em suma, confirmar-se na crença de
que o Supremo Tribunal Federal, além de guardião das leis
e intérprete máximo da Constituição, era o precioso
repositório da ciência jurídica e, pelo raro saber e conselho
de seus Ministros, o oráculo infalível nas questões que
entendem com os direitos, obrigações e garantias dos
cidadãos.
Mas, o que se não esperava (e excedeu toda a
imaginação) foi que esse julgamento, a estarmos pelo
sentimento geral das pessoas de limado juízo, deu causa e
pretexto a que – “horribile dictu”! – se fulminassem contra
a Suprema Corte críticas e impropérios tão acerbos e
desabridos, como iguais ainda não haviam registrado os
fastos do Poder Judiciário.
14

Numa palavra: o efeito que tal decisão provocou nos


sujeitos mais advertidos e briosos não foi muito diverso do
assombro que se infundiria no ânimo do homem comum
que, ao deitar os olhos para as fímbrias do horizonte,
percebesse, no alvor de um dia aziago, aparecer o Sol
no ponto cardeal oeste, onde precisamente costuma
descambar!

2. Os Senhores Ministros de nossa Mais Alta Corte de


Justiça tinham entre mãos causa mais relevante que
complexa (“Habeas Corpus” nº 164.493), em que o paciente
armava ao fito de obter de Suas Excelências declaração de
nulidade de ação penal, por alegada parcialidade do juiz.
Por uma de suas Turmas (a 2a.), deferiu o Supremo
Tribunal Federal ao paciente a ordem para o fim que
constituía o objeto da impetração: anular a ação penal
(cujos termos se haviam processado perante o Juízo de
Direito da 13a. Vara Federal de Curitiba), à conta de
parcialidade do juiz (Sérgio Fernando Moro) que presidira
à instrução criminal, sentenciara o feito, decretara a
condenação do paciente (Luiz Inácio Lula da Silva) e
enviara-o à sombra do cárcere.
Se, em todas as instâncias da Justiça Criminal, passa
por fato ordinário isto da concessão de “habeas corpus”, por
que, no caso de que se trata, foi o resultado do julgamento
severamente impugnado não só pelo vulgo profano senão
ainda por figuras exponenciais das carreiras jurídicas, de seu
15

natural discretas e que, em linha de princípio, costumam


abster-se de comentar com estrépito decisões proferidas
pelos magistrados com assento nas primeiras cadeiras da
Justiça?!
De uma das mais lúcidas inteligências, de que
justamente se ufana a república das boas letras, ficou-nos
este alvitre: “Não há coisa mais dificultosa que dar a razão de
uma sem-razão”(1).
Tentarei, contudo, examinar os móveis ou argumentos
que, ao parecer, concorreram para a discordância de
muitos brasileiros com a referida decisão, que houveram
por anômala e acintosa; e, por isso, deram o toque de
rebate para que juízes, membros do Ministério Público e
advogados comparecessem à barra do tribunal do povo,
para responder aos artigos de informal libelo por pretensas
infrações éticas, funcionais e até pela prática de crimes de
prevaricação e lesa-pátria.
Fez as vezes de estendal da insatisfação pública a
Imprensa – “a vista da nação”, na frase lapidar de nosso
maior patrício(2) –, secundada pelos mais veículos de
informação. Com efeito, jornais, emissoras de rádio, canais
de televisão e instrumentos de acesso às redes sociais
continuam a realejar o tema do julgamento do “habeas
corpus” que recebeu já a tacha pejorativa de abundantes
adjetivos: “nefasto”, “aberrante”, “esdrúxulo”, “monstruoso”,
etc.
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3. Circunstâncias da vida ensejaram-me integrasse por


largo tempo, de corpo e alma, as carreiras assim da
Advocacia como da Magistratura, esta até a aposentadoria.
Conheço, pois, algum tanto as aptidões e qualidades
necessárias aos que as exercem, o que me habilita a delas
discorrer, posto incidentalmente. Trata-se, não há para que
se negue, de profissões, cargos ou dignidades que sempre
mereceram à voz pública os mais altos e distintos louvores.
Da primeira disse um grande espírito que era a mais bela
profissão do mundo(3); a Magistratura, esta se honra com o
magnífico epíteto com que a exornou o imenso Rui: “(…) a
mais eminente das profissões, a que um homem se pode entregar
neste mundo”(4).
Defensor de uma das partes litigantes em juízo (e
constituído para assisti-la com toda diligência e sem
desfalecimento), submete-se o advogado, no exercício do
múnus público, às severas cláusulas do juramento que fez,
ao receber sua prestigiosa carteira profissional(5).
Por formal compromisso também o magistrado se
obriga à reta exação no desempenho de seu cargo(6).
E bem estava que, em cerimônia penetrada de
simbolismo e resignação, o advogado e o juiz prestassem
realmente compromisso de cumprir seus deveres com
“retidão, amor à Justiça e fidelidade às leis e instituições
vigentes”, provendo à segurança do País, que o preconizavam
os atributos de seu múnus e ofício.
17

Enfim, os integrantes das carreiras jurídicas


(advogados, juízes, membros do Ministério Público, etc.)
atendem, pelo comum, ao compromisso com que se
aprestaram para as coisas e negócios da Justiça e do Estado.
O advogado, a dar-se o caso que, esquecido das normas do
público proceder, ofenda o decoro da profissão ou, no
patrocínio da causa, destoe da praxe e uso forense, haverá
quem o chame a contas e lhe emende a mão: o órgão
disciplinar da Ordem ou, na esfera judiciária, o próprio juiz
do processo. O juiz que transgride seus deveres funcionais
ou desacerta no dizer o direito (“quod Deus avertat a bonis”!),
esse fica sob o poder disciplinar do Conselho Nacional de
Justiça, ou é submetido à autoridade de hierarquia superior,
nas hipóteses de erro de julgamento (“error in judicando”).
Para mais, são brasileiros esses profissionais do
Direito e, destarte, presume-se-lhes o natural sentimento
de patriotismo. No rol de seus desígnios constará, por
força, a preocupação pela prosperidade do Brasil e
bem-estar de seu povo. (Os acordes do Hino Nacional ainda
lhes espertam um frêmito de entusiasmo na arca do peito!).

4. Agora, ao cerne da questão: o julgamento, pelo


Supremo Tribunal Federal, de um “habeas corpus”, cujo
resultado até a leigos supreendeu… (O que depõe a favor da
teoria de que não é preciso ser musicista de escol para
perceber quando, ao entoar melodia conhecida, o cantor
desafina).
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O instituto do “habeas corpus” – remédio jurídico-


-processual mais célere e eficaz para conjurar abusos
e ilegalidades contra o direito à liberdade de locomoção
do indivíduo – rege-se por princípio rigorosamente
observado em todos os graus de jurisdição, que o Supremo
Tribunal Federal, muito há, cristalizou em sua
jurisprudência: “O processo de habeas corpus não comporta
exame interpretativo de prova, notadamente prova testemunhal”
(HC nº 48.894-GB; 2a. Turma; rel. Min. Antonio Neder;
j. 6.8.71; in Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 58,
p. 523).
Era a aplicação da doutrina que o ínclito jurista Pedro
Lessa(7) professava a propósito do “habeas corpus”: se, para
concedê-lo, for de mister exame de “alegações e provas, que
devem ser exibidas em uma ação qualquer, sob qualquer exame
processual, ao juiz cumpre indeferir o pedido” (apud Manoel
Costa Manso, O Processo na Segunda Instância, 1923, p. 391).
Ultimamente, Heleno Cláudio Fragoso: “Não se pode
admitir em habeas corpus matéria de prova duvidosa ou
controvertida” (Jurisprudência Criminal, 1979, vol. II,
p. 432).
Ora, a questão que se pretendia desatar na via angusta
do “habeas corpus” ninguém, em seu acordo e razão, dirá
que era simples e estreme de dificuldades; ao revés, cobria-a
véu espesso e impenetrável; ao demais, no transcurso de seis
anos, escrutínios de probos, cultos e diligentes Magistrados
de nossas Cortes Superiores de Justiça não acharam o
que desvendar nem trazer à luz, em contradição com a
19

legalidade do processo-crime em que oficiara o juiz


estigmatizado com o ferrete de parcial.
Eis por que a doutos e semidoutos não desconcertou
o voto do Senhor Ministro-Relator (Edson Fachin), ao
denegar, sob aquele fundamento (isto é, não tolerar o
“habeas corpus”, por seu rito peculiar, análise aprofundada
de prova), a ordem impetrada; nem o do 2º Juiz (Cármen
Lúcia), que o acompanhou, abundando nas mesmas razões
de decidir.
Certo exame de prova – desde que perfunctório,
rápido e superficial – sempre se admitiu nos raios do
“habeas corpus”; o que aí não tem lugar é a ampla indagação,
própria só das dilações probatórias ordinárias.
Proferido o segundo voto, pediu vista dos autos o 3º
Juiz (Gilmar Mendes), como lho facultava o art. 134 do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal(8).
A partir daí, introduziram-se na tramitação dos
autos práticas insólitas, das quais foi a primeira a demora
inaudita em sua devolução à mesa para a continuidade do
julgamento(9), e isso em tanta maneira, que adquiriu foros
de realismo o oportuno epigrama de Rui: “Não sejais, pois,
desses magistrados, nas mãos de quem os autos penam como as
almas do purgatório, ou arrastam sonos esquecidos, como as preguiças
do mato” (Oração aos Moços, 1a. ed., p. 42).
Pode ter havido razões atendíveis – que não é para
aqui liquidar –, mas, em pontos de retenção de autos de
“habeas corpus”, por pedido de vista, não se sabe que alguém
deitasse a barra tão longe!
20

5. Outro fato, que abismou as pessoas que o puderam


testemunhar, foi o teor de proceder do Senhor Ministro
a quem competia dar a conhecer o voto ansiosamente
aguardado: com veemência, e melhor diria fúria retórica,
discorreu à larga das circunstâncias do pedido de “habeas
corpus”, fazendo grande caso e cabedal de matérias de vária
ordem, colhidas de processos-crimes instaurados contra o
paciente; onde, entretanto, mais se comprazeu, reservando-
-lhes magna parte de suas diatribes, foi nuns elementos (ou
narrativas) a que a malícia emprestara força e prestígio, sem
embargo de sua absoluta imprestabilidade, por obtidos com
violação de conversas telefônicas resguardadas pelo sigilo.
Ao caráter de nada jurídico (atento seu vício de origem)
juntava-se a tal corpúsculo de provas a nódoa irremissível
de não ter sido submetido a perícia, que lhe comprovasse a
autenticidade.
Com as mãos nessa congérie de elementos disformes e
sem fomento de direito – que, de regra, não têm entrada
no átrio da Justiça –, foi que Sua Excelência votou pela
concessão do “habeas corpus”, tendo-o seguido o 4º Juiz
(Ricardo Lewandowski). Ao mesmo tempo, anunciava-se
com pregão que algum Ministro estaria excogitando alterar
seu voto, agora para deferir o “habeas corpus”. Solicitou,
nesse ínterim, vista dos autos o 5º Juiz (Nunes Marques),
que iria desempatar a votação.
21

Firme na lição da doutrina mais bem recebida e na


jurisprudência consolidada dos Tribunais, Sua Excelência
acompanhou o Ministro-Relator e denegou o pedido.
Então, à maneira de iracundo mestre-escola – que,
empunhando temível férula, determina chamar à ordem
rapazelhos díscolos e recalcitrantes –, o mesmo Senhor
Ministro (que retivera consigo, por obra de um biênio, os
autos do processo de “habeas corpus”) retomou a palavra e,
reabrindo a discussão da causa, entendeu de avigorar os
fundamentos do voto que proferira na sessão anterior da
Turma, discrepante do que dera o Ministro-Relator. Em
exaustiva peroração, reiterou argumentos extraídos de
vários tópicos processuais; submeteu a aturada análise fatos
relativos ao paciente e deles pretendeu inferir a parcialidade
do juiz da condenação. Já esgotada a sua eloquência (e
talvez a paciência de muitos que o escutavam), fechou a
abóbada de seu voto, no qual encareceu a concessão da
ordem de “habeas corpus”.
As palavras, que milhares de espectadores da TV
Justiça acabávamos de ouvir, não lembraram – pesa-me
dizê-lo – as que soem brotar dos lábios do magistrado
refletido, prudente e sábio (atributos que lhe são inerentes),
mas as de um demagogo atrabiliário que, erguendo a
voz(10) e gesticulando arrebatadamente num rude palanque,
prestes a romper as ilhargas, expectora frases minazes e
tremebundas e, ao final, promete, em tempestuosa oratória,
atar ao pelourinho quem dele ouse discordar(11).
22

6. Após a segunda manifestação de Sua Excelência,


deparou ensejo a novo ato no julgamento do “habeas corpus”
a intervenção de outro integrante da Turma, que, embora
já tivesse proferido seu voto (pelo qual denegava a ordem),
propunha-se reconsiderá-lo; o que fêz.
Nos Tribunais, é incidente ordinário isto de um juiz
mudar seu voto, se o determinarem razões forçosas e
inabaláveis. Proceder é esse que, aliás, tem por si brasão de
aforismo jurídico: “Sapientis est mutare consilium”. Sim, é
próprio do sábio mudar de parecer ou opinião, desde que o
faça para melhor!
É que a mudança de opinião ou voto, sem que
o inculquem novas razões e sustentem melhores
fundamentos, é operação mental que desfecha em ilogismo,
pois encadeia o raciocínio e amortalha o bom-senso.
Ora, nenhum argumento sério constava dos autos – e
o que não está nos autos não está no mundo, reza a
parêmia(12) –, suficiente a abalar o convencimento expresso
no voto que acabava de abjurar.
Onde o argumento-Aquiles, o argumento de grande
calado, bastante a abrir mossa no espírito do Ministro do
Supremo Tribunal Federal e justificar-lhe a excepcional
alteração de entendimento acerca de matéria processual
simples e correntia, em sacrifício de sua decisão anterior,
tão bem exarada?!
23

Fora acaso a menção, no debate da causa, de fatos


extraídos de gravações telefônicas não autorizadas e talvez
desabonadoras da conduta do magistrado arguido de
parcial?!
Estou que não; obtidas criminosamente – demais de
não periciadas –, não se eximiam tais provas da nota de
ilícitas e indignas de fé; repugnariam, pois, liminarmente,
à sã consciência de todo aquele que as houvesse de
aferir…(13).
No mudar seu voto, dar-se-ia o caso que o Juiz
acedera a sugestões e fatores exógenos, sem algum liame
com o processo?! Seria leviandade supô-lo; não fora de
presumir quisesse rastejar na lama o que tem asas para
voar!
Poderia, enfim, ter influído na alteração (ou
metamorfose) do voto um inexplicável temor reverencial ou
rendição da vontade do súcubo à prepotência de algum
soturno íncubo? Não há afirmá-lo, que isto implicava
perscrutar os arcanos do subjetivismo alheio, empresa vã e
pretensão desvairada!
Em resumo: atinar com os reais motivos da mudança
de voto (que tanta honra conferia a seu prolator!) não
parecera menos difícil que “endireitar a sombra da vara
torta”, como diria um galante escritor(14).
Daí a estupefação da maior parte daqueles que se
inteiraram do resultado do julgamento, no qual se alegava
parcialidade do juiz que condenou o paciente. Muitos, a
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essa conta, não tiveram mão em si que não se autorizassem,


desde logo e com desconhecida energia, a vituperar juízes e
advogados.

7. Que os agravados em sua reputação não viessem a


terreiro para se defender foi também matéria para ásperas
controvérsias. Mas o seu silêncio (antes estudado que
obsequioso) terá, decerto, fundamentos sólidos que o
relevem, e isto bem se adivinha.
Com referência aos advogados – que não poucas
pessoas tiveram por agrestes e incivis, por amor do extremo
denodo com que atuaram em suas causas –, esses estão
sujeitos ao Estatuto da Advocacia e ao Código de Ética e
Disciplina.
Por seu teor normativo particular, e em proveito da
boa inteligência das prerrogativas do advogado, faz ao
propósito reproduzir aqui artigo áureo do Estatuto da
Advocacia: “O advogado tem imunidade profissional, não
constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer
manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo
ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a
OAB, pelos excessos que cometer” (art. 7º, § 2º).
Para ele, o mesmo é trair a grandeza de seu ministério
que não poder exercê-lo com independência. Donde o
elementar corolário: para advogar é mister ampla liberdade.
Ou, como sentia aquele sujeito de raro espírito e talentos
que foi Alfredo Pujol: “O advogado tem de ser inteiramente
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livre, para poder ser completamente escravo de seu dever


profissional! O único juiz de sua conduta há de ser sua própria
consciência (…)” (Processos Criminais, 1908, p. 128).
Sobretudo a liberdade de expressão há sempre de
garantir-se aos advogados, aos quais tocou a palavra por
instrumento de luta.
Em obséquio ao alcance de seu ofício, houve quem
reputasse dignas de tolerância as palavras do advogado,
ainda nos seus excessos: “O advogado precisa da mais ampla
liberdade de expressão para bem desempenhar o seu mandato. Os
excessos de linguagem, que porventura cometa, na paixão do
debate, lhe devem ser relevados” (Rafael Magalhães, in Revista
de Jurisprudência, vol. I, p. 375).
E, ouso dizer, não lhe faltaram carradas de razão.
Naquelas defesas onde se reclama certa vivacidade e
animação de linguagem, que mais fácil, com efeito, que ir o
advogado além da marca?! Excelentemente, o conspícuo
Sobral Pinto: “É que o patrono de uma causa precisa, muitas
vezes, para bem defendê-la, assegurando assim o seu êxito, ser
veemente, apaixonado, causticante. Sem que o advogado revista a
sua defesa de tais características, a sorte de seu cliente estará,
talvez, irremediavelmente perdida” (apud Carvalho Neto,
Advogados, 1946, p. 481).
Mas, ainda quando algum advogado, mentindo a
augustos ideais, venha a cair em desgraça, não é possível
que desdoure o fulgor de toda sua Ordem: grandes vultos,
em todas as quadras da História – Cícero, Berryer,
26

Malesherbes e Rui Barbosa –, já lhe fizeram perpétua


apoteose. (Ainda ressoam nos Tribunais, já que a morte as
não pôde silenciar, as vozes de um Waldir Troncoso Peres,
de um Dante Delmanto e de um Raimundo Pascoal
Barbosa, nos quais a flama da advocacia militante rivalizava
com os primores da ética profissional)(15).

8. Mais que o silêncio (ou talvez indiferença) dos


advogados quanto às licenças com que, ultimamente, se
apadrinharam julgamentos do Supremo Tribunal Federal,
incomodou a opinião pública o conformismo, com feições
de apatia, que pareceu haver penetrado a alma de eleição da
Magistratura brasileira.
Juízes houve, é bem verdade, que, não sopitando
desapontamento e desagrado, vieram a público e
declararam-se estarrecidos com os rumos que tomava a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal; diziam-se
igualmente acabrunhados pelo proceder (que haviam por
temerário) de alguns de seus Ministros no aplicar o direito
e dispensar justiça.
Para não ser demasiado prolixo, e reputá-las
expressivas que farte para evidenciar a desconformidade do
sentimento (ia quase a dizer unânime) dos juízes com os
recentes julgados daquela Alta Corte, citarei só as palavras
do ex-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, Desembargador Márcio Martins Bonilha, jurista de
alto quilate, varão de claro entendimento, vasto saber e
27

peregrinas virtudes: “(…) quero bradar meu clamor, porque


assisti com estupefação à sessão de julgamento no caso da
imputada parcialidade do juiz Sergio Moro, em processo da
denominada Operação Lava Jato, mal acreditando no aberrante
desfecho da causa, que não honra as tradições de justiça daquela
Alta Corte” (in O Estado de S. Paulo, 25.3.21, p. A3).
Teria tal clamor, que não se atirava às pedras do
deserto, deixado de propagar-se entre os colegas de toga?
Não, decerto! Antes é para crer que o tenham ouvido e de
boa mente confirmado, pois que, fortes nas escorreitas
letras jurídicas, sempre tiveram em muito as regras do
Direito Positivo, as tradições do Judiciário e os preceitos da
Justiça. Para mais, o sangue não lhes esquecera ainda o
caminho do rosto!
Mas, por que se retraíram quando deles se esperava
que adiantassem o passo, de viseira erguida?!
Duas razões acredito lhes guiaram o propósito de
prestigiar o silêncio: a notória escassez de tempo, que não
permite aos juízes cuidar senão das coisas que interessam
diretamente à sua judicatura; e a persuasão de que o
referido julgamento em nada irá alterar a Jurisprudência
que, de longa data, vem iluminando nossos Tribunais.
Fato de todos conhecido, a sobrecarga de trabalhos
com que se veem a braços os juízes estaduais, reduzidos a
condição análoga à de escravos, era já poderosa para
mantê-los afastados de questões extra-autos. Neles operou,
todavia, causa de maior monta: a convicção da parva
28

relevância do resultado de tal julgamento nas instâncias


judiciárias inferiores.
Com efeito, o acórdão do Supremo Tribunal Federal,
que deferiu ordem de “habeas corpus” ao paciente, em rixa
aberta com o voto do Senhor Ministro-Relator, terá
dificuldade para elidir o estigma de casuístico (que outro
nome não convém à decisão que faz rosto ao bom direito e
à jurisprudência mansa e pacífica).
Sem receio de cair em erro, auguro que os integrantes
da heroica e assaz honrada Magistratura brasileira
continuarão, pela maior parte (se não totalidade de seus
membros), a dizer o direito e a distribuir justiça em
harmonia com a nossa veneranda tradição jurisprudencial e
os ditames da razão esclarecida, a exemplo daqueles juízes
doutos e integérrimos, infinitos em número, que orgulham
o Poder Judiciário(16).

9. Um aspecto do julgamento em exame não deve correr


sem reparo, que isto importaria transigir com violação de
regra que a legislação penal define com ênfase.
É o caso que a Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal, ao atribuir ao “habeas corpus” a qualidade de via
judicial idônea para apurar arguição de suspeição de juiz, às
testilhas com o ensinamento dos autores de melhor nota e
com a jurisprudência dominante, quebrantou preceito legal
básico. Dispõe, com efeito, o Código de Processo Penal que,
“nos procedimentos ordinário e sumário” (art. 396), “a exceção
29

será processada em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste


Código” (art. 396-A, § 1º).
Ao demais, a parcialidade do juiz, a quem se deu por
“inimigo capital” do paciente, não podia prescindir da
prática formal do princípio do contraditório, já que instaurada
a instância pela via judicial do “habeas corpus”. Imputação
era essa que traía verdadeiro libelo; pelo que, não havia
acolhê-la sem prévia audiência do interessado, conforme
preconizava o milenar brocardo jurídico “Audiatur et altera
pars”. Ouça-se também a parte contrária.
Tal garantia, que a Constituição Federal (art. 5º, nº
LV) assegura até ao pior facínora, ao juiz foi denegada, com
manifesto desprezo do direito positivo e da doutrina
comum de juristas de prol: “Sêneca, que viveu e floresceu três
séculos antes de Cristo, deixou, entre outros, este pensamento
admirável: Julgar alguém sem ouvi-lo é fazer-lhe injustiça,
ainda que a sentença seja justa” (Vicente de Azevedo, Curso de
Direito Judiciário Penal, 1958, vol. I, p. 93)(17).
Cai a lanço notar mais que o magistrado, quando
julga, tem diante de si o interesse do meio social em que
vive. Assim como prevalece, nas hipóteses de legítima
defesa, a regra jurídica de que todo cidadão é autoridade
(“omnis civis est miles”), de igual passo, naquelas em que a
própria sociedade é vítima da torrente de delitos graves,
caberá ao juiz (lídimo guardião dos valores que ela lhe
confiou) aplicar, à luz do direito penal subjetivo, o rigor da
lei; trata-se de inexorável medida política de prevenção da
30

delinquência e de defesa da sociedade, meta primeira do


Estado e aspiração permanente da Justiça. Tanto viola a lei
o juiz que condena o inocente, como o que, por mero
arbítrio, absolve o culpado. Para esse, aliás, já a Antiguidade
cunhava máxima de infâmia: Condena-se o juiz quando o
culpado é absolvido(18).
Também naquele processo relacionado com a
competência do Juízo da condenação do paciente, o
julgamento do Supremo Tribunal Federal não ficou a salvo
dos tiros da crítica, pela fragilidade, e até carência, de
fundamentos plausíveis.
Realmente, nenhum espírito refletido e limpo de
baixas preocupações se contentará das razões que anularam,
por deliberação de um só Juiz (o Senhor Ministro-Relator),
sentença condenatória que Desembargadores do Tribunal
Regional Federal da 4a. Região (TFR-4) e Ministros do
Superior Tribunal de Justiça haviam confirmado, após
detido e individuado exame dos autos, com estrita
observância dos princípios capitais de nosso sistema
jurídico, notadamente o da plenitude do direito de defesa.
Donde veio a perguntar, autorizado por sua honrosa,
brilhante e ilibada presença nas províncias da Justiça,
o ex-Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Almir
Pazzianotto Pinto: “Houve colapso mental ou perda da lucidez
pela maioria? Se não houve, qual o motivo para arbitrária
concessão de habeas corpus que fulmina a Operação Lava Jato e
consagra a impunidade contra a corrupção?”(19).
31

Para Mário Guimarães, insigne ministro do Supremo


Tribunal Federal, cujo nome se lê no frontão do Fórum
Criminal de São Paulo, “a jurisprudência é, nos tribunais, a
sabedoria dos experientes. É o conselho precavido dos mais velhos
(…). Manter quanto possível a jurisprudência, será obra de
boa política judiciária, porque inspira no povo confiança na
Justiça”(20).
Assim, embora os Tribunais Superiores não obriguem
os inferiores salvo quanto ao caso concreto, será de bom
exemplo guardar conformidade àquelas decisões que,
proferidas sob o influxo da reta razão e da equidade,
aproveitem às partes sem ofender o zelo da Justiça.

10. Quisera não lhes coubesse, às ideias e conceitos


aqui emitidos – parece bem preveni-lo – o laivo de
destempero de fantasia ou amplificação retórica. São, em
verdade, expressão a mais genuína da grande mágoa que
feriu a alma de velho advogado e desembargador, já no
ocaso da existência (e a de milhares de colegas e milhões de
patrícios), nascida da percepção de que enorme descrédito,
qual perfil sombreado, ameaça deslustrar a imagem da
Justiça brasileira, e mazelas hediondas (como a corrupção e
a perda da consciência profissional) obstinam-se em atrofiar
as fibras saudáveis da Pátria.
Desenganem-se, contudo, os que alguma hora
descreram da Justiça do País e avaliaram por craveira
mesquinha os seus juízes… Estes permanecerão quais
32

sempre foram: a despeito de suas naturais imperfeições


e misérias, continuarão a exercer, com nobreza de
sentimentos, dignidade de inteligência e firmeza de caráter,
a sublime função que, na frase de um engenho feliz, o
homem usurpou a Deus: julgar(21).
Mas, perguntará alguém, esses julgamentos que
surpreenderam a maioria dos brasileiros não terão lançado
no ânimo dos juízes um como germe de desalento e
frustração? Palpito que não! Preferirão atender ao conselho
do sumo Poeta: “Non raggioniam di loro, ma guarda e
passa”(22).
E ouvirão, com a alegria dos justos, aquela profissão
de fé e letra de louvor: “A esperança nos juízes é a última
esperança”!(23).

Notas

(1) Pe. Antônio Vieira, Sermões, 1959, t. IV, p. 139; Lello


& Irmão — Editores; Porto.
(2) Rui Barbosa, A Imprensa e o Dever da Verdade, 1920,
p. 15.
(3) “J’aurais volu être avocat: c’est le plus bel état du monde”
(Voltaire; apud Alberto Souza Lamy, Advogados,
Elogio e Crítica, 1984, p. 102).
(4) Oração aos Moços, 1a. ed., p. 41.
33

(5) “Prometo exercer a advocacia com dignidade e independência,


observando os preceitos de ética e defendendo as prerrogativas
da profissão, não pleiteando contra o Direito, contra os bons
costumes e a segurança do País, e defendendo, com o mesmo
denodo, humildes e poderosos”, dispunha o art. 64 da Lei
nº 4.215, de 27.4.63.
(6) Reza o art. 137 do Regimento Interno do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo: “O novo desembargador,
antes de tomar assento, prestará, perante o Presidente, o
compromisso formal de cumprir com retidão, amor à
Justiça e fidelidade às leis e instituições vigentes, os deveres
do cargo (…)”.
(7) Pedro Augusto Carneiro Lessa (1859-1921) –
“Nomeado, na presidência Afonso Pena, por decreto de
26 de outubro de 1907, ministro do Supremo Tribunal
Federal, traçou, na magistratura, o perfil do maior dos
juízes brasileiros” (Waldemar Ferreira, A Congregação
da Faculdade de Direito de São Paulo na Centúria de
1827 a 1927, p. 82).
(8) Art. 134 do Regimento Interno do STF: “O ministro
que pedir vista dos autos deverá apresentá-los, para
prosseguimento da votação, no prazo de trinta dias,
contado da data da publicação da ata de julgamento.
(Redação dada pela Emenda Regimental nº 54, de
1.7.2020; a Resolução nº 278, de 15.12.2003, fixava em
10 dias o prazo de vista do processo).
34

(9) “Após segurar o caso por quase dois anos e meio, graças a
um pedido de vista (…)” (Carlos Alberto Di Franco, in
O Estado de S. Paulo, 22.3.21, p. A2). Nas colunas do
mesmo jornal (23.4.21, p. A4), enquanto o jurista
Joaquim Falcão perguntava: “Pode um ministro pedir
vista por dois anos e três meses?”, lia-se que o Ministro
Luís Roberto Barroso, altercando com o seu colega
Gilmar Mendes, dele chasqueara por “manipular a
jurisdição” e “sentar em cima do processo sobre a suspeição
de Moro por dois anos (…)”.
(10) “Tu gritas? Logo, não tens razão” (Ângelo Majorana,
As Formas Práticas da Eloquência, 1945, p. 209; trad.
Fernando Miranda). Ainda: “(…) maldizer, detratar
com veemência, não é argumentar; será uma ilusão de
apaixonado, ou indício de inópia de verdadeiras razões”
(Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do
Direito, 1933, p. 298).
(11) No afã de fundamentar seu voto divergente, o
Senhor Ministro abordoou-se ao famoso anátema de
Rui: “(…) como quer que te chames, prevaricação
judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom
ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz cobarde”
(Obras Completas de Rui Barbosa, vol. XXVI, t. IV,
p. 191).
(12) “Quod non est in actis non est in mundo”.
(13) “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios
ilícitos” (art. 5º, nº LVI, da Const. Fed.).
35

(14) Amador Arrais, Diálogos, 1846, p. 355.


(15) Não cabem no algarismo os nomes de todos os
notabilíssimos advogados que, nos circuitos forenses,
os colegas mencionam com respeito e especial
consideração; alguns, no entanto, apraz-me aqui
lembrar: Theotonio Negrão, Walter Ceneviva, Ives
Gandra da Silva Martins, Modesto Carvalhosa, Paulo
Sérgio Leite Fernandes, Tales Castelo Branco, Pedro
Paulo Filho, Antônio Carlos de Carvalho Pinto, Euro
Bento Maciel, Roberto Delmanto, etc.
(16) Nesse cânon de muitos nomes, não resisto à força
que me faz o desejo de escrever os seguintes: Manuel
Costa Manso, Mário Guimarães, Laudo de Camargo,
Carlos Maximiliano, Nélson Hungria, Orosimbo
Nonato, Eliézer Rosa, Sydney Sanches, Carlos
Velloso, Carlos Ayres Britto, Antão de Moraes,
Antonio Cezar Peluso, Márcio Martins Bonilha,
Djalma Rubens Lofrano, Luiz Elias Tâmbara,
Mohamed Amaro e Sidnei Beneti.
(17) E, apertando ainda mais o argumento, o eloquente
Vieira: “Reparem aqui os juízes, ou condenadores, que
nem a um tronco irracional e insensível condena Deus
sem o ouvir” (Sermões, t. I, p. 136; Lello & Irmão —
Editores; Porto).
(18) “Judex damnatur ubi nocens absolvitur” (Publilii Syri
Sententiae, I, 28).
(19) In O Estado de S. Paulo, 2.4.2021, p. A2.
36

(20) O Juiz e a Função Jurisdicional, 1958, p. 327; Editora


Forense.
(21) Ellero; apud Carlos de Araújo Lima, Os Grandes
Processos do Júri, 1957, vol. III, p. 175.
(22) “Não nos ocupemos deles: olha-os, e passa adiante” (Dante,
Divina Comédia - Inferno - III, 51; 1886, p. 96; trad.
Mons. Joaquim Pinto de Campos).
(23) Rui Barbosa, Obras Seletas, t. VII, p. 204.
Lei, Justiça e Bom-Senso

1. “Uma norma é a sua interpretação”, escreveu Miguel


Reale, um dos mais altos espíritos de que justamente se
orgulha e envaidece a cultura jurídica do País(1).
Ora:
“Interpretar, no sentido jurídico, é procurar o pensamento
contido na lei, a significação das palavras, o alcance do texto, a
explicação da frase”(2).
As mais das vezes a lei, de tão claros seus termos,
escusa interpretação ou exegese: não há senão aplicá-la ao
caso concreto. “In claris cessat interpretatio”, reza o retrilhado
adágio latino, à maneira de advertência de que se não deve
perverter o raciocínio, pois a ninguém é lícito negar o que
a evidência mostra. Não é mister trazer o Sol ao meio do
firmamento para que todos o vejam!
Mas, ainda quando clara como água de regato, pode
dar-se o caso que a lei não seja de per si justa (e sequer,
lançando o disco mais longe, lídima expressão da vontade
popular). Eis por que infinito número delas não resiste à
arguição de inconstitucionalidade nem se exime da tacha ou
eiva de injustas, já que atentatórias dos princípios que
regem as sociedades civilizadas.
Sobretudo na esfera criminal – que é o lugar próprio
à reparação do direito violado por ofensa a bem jurídico
penalmente protegido –, a função do juiz resume-se em
dar a cada um o que lhe cabe. Encerrada a instrução do
devido processo legal, se não liquidada sua culpa, é o réu
38

absolvido e mandado em paz; se, ao revés, a prova obtida


com estrita observância das regras do contraditório
processual e da plenitude do direito de defesa(3) não pôde
menos de demonstrar-lhe a responsabilidade criminal, em
vão pelejará contra o gládio implacável da Justiça. Não há
aí que objetar. Tome a mão sobre o árduo assunto o
preclaro Nélson Hungria, autor do Código Penal e seu
mais abalizado exegeta: “A pena traduz primacialmente um
princípio humano por excelência, que é o da justa recompensa:
cada um deve ter o que merece”(4).
A essa conta, ninguém – exceto se penalmente
inimputável – poderá forrar-se ao rigor da lei, que a todos
iguala.
É de ciência vulgar (isto se aprende não só nos bancos
acadêmicos mas também à porta do Fórum) que a
impunidade passa pelo mais poderoso estímulo do crime.
Atraiu, por isso, ultimamente, acerbas críticas a tese de
que, por amor do princípio constitucional da presunção de
inocência, ou da não-culpabilidade (art. 5º, nº LVII, da
Const. Fed.), a pena imposta ao réu só era possível executar
após o trânsito em julgado da decisão penal condenatória.
Tal prática, a darmos crédito a resenhas que parecem
fidedignas, somente o Brasil adota!
Embora nem sempre seja o número o melhor critério
da verdade, essa estonteante exceção faz grande abalo em
todo ânimo imparcial e avisado!
Tratando-se de autêntica “vexata quaestio”, àquele que
a pretender desatar (o juiz, em especial) cumprirá eleger
39

primeiro o padrão exegético por onde os sujeitos mais


acreditados em saber e virtudes costumavam agitá-la.
Faz ao intento a soberba lição que, em livro a mais de
um respeito admirável e digníssimo de ler (e ainda
recomendar), ministrou o Prof. Goffredo Telles Junior:
deve o juiz “interpretar as leis com a lógica do jurista”.
Advertiu, porém, o saudoso mestre das Arcadas: a lógica
do jurista “não deve ser sempre a lógica do racional.
Frequentemente, deve o jurista, em nome da justiça, substituir os
rigores dessa lógica pela lógica do razoável, como bem ensinou
Luiz Recasens Siches”(5).
Ora, descendo ao particular, teria foros de
razoabilidade a decisão que, imolando na ara da presunção de
inocência, obstasse a execução da pena do réu logo após
o julgamento da causa-crime pelo Juízo de 2º Grau de
Jurisdição?!
Seria sensato afirmá-lo, se, falando pela via ordinária,
o argumento da inocência presumida cede, após a
condenação do réu, ao da presunção de sua culpabilidade?!
Conformar-se-ia com os ditames da reta razão isto de
se desconsiderarem os efeitos do julgado de 2a. Instância –
derradeira etapa de análise da prova com cognição plena –
e remeter-se a solução do litígio aos Tribunais Superiores,
que já não versam matéria de fato, mas apenas de direito?!
Era decoroso fazer alguém tábua rasa de acórdão
que, no julgamento de apelação (da Defesa ou da
Acusação), proferiu o Tribunal de Justiça – órgão de
exaurimento da jurisdição ordinária, com apuração inteira
40

da responsabilidade criminal do réu – e, destarte, protrair


“ad infinitum” o deslinde da controvérsia entretida nos autos
do processo?!
Frisaria com a gravidade dos negócios da Justiça
desfazer em decisão colegiada, proferida com escrupulosa
observância do devido processo legal, para (em liberdade
o réu, nada obstante condenado a penas extremadas)
aguardar, não raro com insofrível delonga, a chancela da
Superior Instância, que sói confirmá-la?! As reformas dos
julgados inferiores na perspectiva do mérito, com efeito,
segundo os cálculos mais favoráveis, não excedem o
percentual ínfimo (1%)!
Procederia com discrição aquele que, mentindo à sua
particular e honrosa condição de aplicador da lei, tivesse em
pouco o princípio da tutela judicial efetiva, tornando desta
sorte írrita a resposta penal do Estado?!
Atenderia, em suma, aos conselhos da prudência o
que, só por generosa (e quiçá mal compreendida)
inteligência do texto da lei, fizesse mais caso e cabedal da
exceção do que da regra geral?!
Perguntadas sobre esses quesitos, as pessoas de
alguma ilustração e decerto probas – de boas entranhas,
diriam nossos maiores – não hesitariam em enunciar a
resposta curial e aceitável, e isto com argumentos mui
atendíveis.
41

2. Está além de toda a dúvida que, fenômeno intelectual


inerente à condição humana, a variedade de opiniões tem
entre nós a força e a eficácia de postulado ou garantia
fundamental: “É livre a manifestação do pensamento”, dispõe
a Constituição da República (art. 5º, nº IV).
A ciência da Filosofia patenteia o substrato dessa
diversidade, e até antagonismo de ideias(6); é a área do
Direito, no entanto, a que lhe depara maior voga e
desembaraço. Com efeito, entre os que professam as
carreiras jurídicas, máxime os investidos de função
judicante, passa por moeda corrente o conhecido brocardo
“cada cabeça, cada sentença” (“quot capita, tot sententiae”)(7).
Ser constante em suas opiniões e fiel aos seus pontos
de vista, eis a pedra de toque do homem honrado. Todavia,
“porque para saber e acertar não há mais que um caminho, e
para errar infinitos”, conforme aquilo do profundo Vieira(8),
poderá suceder que somente lá para o diante caiamos na
conta que o melhor alvitre era haver tomado por outra
direção.
Matéria não é essa para escrúpulos, nem pode meter
em confusão caracteres sem jaça: afinal, mudar de parecer
(“para melhor”, fique entendido) é próprio do sábio(9).
Nas tenazes desse dilema esteve por vezes também o
mais eminente dos brasileiros: Rui Barbosa. O teor de seu
proceder, nessas conjunturas, qual foi? Conheçamo-lo por
inteiro:
42

“Felizes os que variam da ignorância para a ciência, do


erro para a verdade. Afortunado o que, pecando um dia contra a
verdade, ou contra a justiça, acorda, a tempo, do seu engano, e se
retrata ainda utilmente do seu desvio. Benditas as mudanças de
opinião, quando se operam neste sentido. Elas não abalam a
consideração pública a quem a merecer. Antes recomendam à
estima, ao respeito e à confiança de seus semelhantes o homem,
que não se desdoire de as confessar, e sem rubor pratique a nobre
ação de se desdizer abertamente, pondo a consciência acima do
interesse, o dever acima da vaidade, antes que o desacerto,
circulando abonado com o prestígio de um nome autorizado,
comece a produzir consequências malfazejas” (Obras Completas,
vol. XLV, t. IV, p. 213).
Feriu de novo o ponto num de seus mais reputados
livros:
“Pelo que toca ao variar das opiniões, deixem-me ter, mais
uma vez, o consolo de trazer à praça como coisa de que me prezo,
e não me pesa, a deliciosa culpa dos homens de consciência, a única
em que hei de morrer impenitente. Beata, beata, beatissima
culpa! Não mo tenham a mal os imutáveis. Deus os desencrue.
Deus os reverta da pedra e cal em homens. Deus os ensine a
mudar. Porque todo o aprender, todo o melhorar, todo o viver é
mudar. De mudar nem mesmo o céu, o inferno ou a morte
escapam. Mudar é a glória dos que ignoravam, e sabem, dos que
eram maus, e querem ser justos, dos que não se conheciam a si
mesmos, e já melhor se conhecem, ou começam a conhecer-se”
(Rui Barbosa, Queda do Império, 1921, t. I, p. LXXX).
43

3. Quanto lhe custa, ao que muda de opinião, o


renunciar a primitivas e inveteradas convicções, bem se
adivinha. Ao discursar do tema, observou muito de estudo
Orosimbo Nonato, provecto e laborioso ministro do
Supremo Tribunal Federal:
“Todos os homens erramos. Ninguém possui a pedra lídia
da verdade. (…) Ao juiz, essa confissão se torna penosa não
apenas por afeição paternal que dedicamos aos partos do nosso
entendimento, como dizia frei Luís de Sousa, senão ainda pelo
reconhecimento dos grandes males suscitados pelas oscilações de
uma jurisprudência voltária e flexível, matriz de inseguranças
perturbadoras do comércio jurídico e das relações do consórcio civil.
Mas, a verdadeira coerência é a moral, e tributo constante e
infalível só é devido à verdade que o juiz julga identificar em face
de novos estudos retificadores de erros passados. Se a consciência
dessa situação se lhe impõe com as cores da evidência, todas as
demais considerações se dissipam e se evaporam: confessará ele o
engano e decidirá de modo diferente em obséquio à verdade”
(Revista Forense, vol. 177, p. 143).
Isto mesmo sentiu o culto e austero ministro Carlos
Maximiliano, como revelam as memoráveis palavras que
pronunciou na oração de despedida do Supremo Tribunal
Federal: “Não trepidei em mudar de voto, pública e
declaradamente, toda vez que novos argumentos ou provas
concludentes me convenceram do desacerto do veredictum
anterior: acima do melindre pessoal de cada um está a sacrossanta
causa da Justiça” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 16a.
ed., p. 377; Editora Forense).
44

Tais exemplos de dignidade de inteligência deram,


pouco há, Ministros do Supremo Tribunal: obrando com
bom-senso – que é a estrela-guia do Direito –, e
imbuídos de altiva e desusada coragem moral, tomaram a
seu cargo interpretar embaraçosos textos de lei segundo a
craveira do razoável(10). Sobre fazer justiça, como é de regra,
realçaram o lustre da veneranda Instituição e avigoraram a
confiança que nela deve ter o povo. Conspiraram, ao
demais, para segurar a Pátria contra o execrando agente
que a estiola e desfibra: a corrupção.
Animados de igual propósito, já tocaram a rebate,
com boa fortuna, e levantaram-se em benemérita cruzada,
para pôr cobro às graves mazelas que afligem os brasileiros,
os briosos patrícios Ives Gandra da Silva Martins, Miguel
Reale Júnior, Hélio Bicudo, Janaína Paschoal, Modesto
Carvalhosa, Luís Carlos Crema, Laercio Laurelli, Carlos
Velloso, Joaquim Barbosa, Aloísio de Toledo César, Luiza
Eluf Nagib, Roberto Livianu, Augusto Nunes, Felipe
Moura Brasil, José Maria Trindade, Claudio Tognolli,
Carlos Andreazza, Marcelo Madureira, José Paulo de
Andrade, Salomão Ésper, Rafael Colombo, Carlos Alberto
Di Franco (por nomear apenas alguns dentre os principais).
A quantos – nos circuitos da Justiça, do Direito e da
Imprensa – tiveram a honra e a glória de merecê-los,
convêm conscientes aplausos, não apenas a simpatia e o
incentivo dos homens de bem, que amam o Brasil, praticam
a Justiça e professam a Verdade!
45

Notas

(1) Filosofia do Direito, 2016, p. 571; Editora Saraiva.


(2) Vicente de Azevedo, Curso de Direito Judiciário Penal,
1958, vol. I, p. 74.
(3) “(…) só merece o nome de defesa a que for livre e completa”
(José Soares de Mello, O Júri, 1941, p. 16).
(4) Novas Questões Jurídico-Penais, p. 131.
(5) Goffredo Telles Junior, A Folha Dobrada, 1999,
p. 161; Editora Nova Fronteira.
(6) “(…) até entre os anjos pode haver variedade de opiniões,
sem menoscabo de sua sabedoria nem de sua santidade”,
pregou o eloquente Vieira (Sermões, 1959, t. IV,
p. 216; Porto).
(7) O vulgo profano, cuja malícia e criatividade
sobreexcedem a toda medida, cunhou o anexim:
“Duas coisas em que se não pode confiar: b. de criança e
cabeça de juiz” (cf. Rubem Alves, Ostra Feliz não Faz
Pérola, 2008, p. 33; Editora Planeta do Brasil).
(8) Op. cit., t. VIII, p. 209.
(9) “Sapientis est mutare consilium”, afiança o prolóquio.
(10) O estado da questão. A execução provisória da pena é
lícito afirmar que repugna ao princípio da presunção
de inocência (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.)? O tema
foi exposto em toda a luz pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal, intérprete máximo da Constituição,
no julgamento do “Habeas Corpus” nº 126.292-SP.
Após considerar que, “em país nenhum do mundo, depois
de observado o duplo grau de jurisdição a execução de uma
46

condenação fica suspensa, aguardando referendo da Corte


Suprema”, propôs orientação que restaurou tradicional
entendimento a respeito do ponto especial, isto é: “A
execução provisória de acórdão penal condenatório proferido
em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou
extraordinário, não compromete o princípio constitucional
da presunção de inocência” (STF; HC nº 126.292-SP;
Plenário; rel. Min. Teori Zavascki; 17.2.2016).
Ao julgar o Agravo Regimental nº 964.246-SP, o
Pretório Excelso, por maioria de votos, reafirmou a
jurisprudência dominante sobre a matéria. Contém a
conclusão do aresto a seguinte substância: “(…) a
reafirmação da atual jurisprudência desta Corte, fixando,
para efeitos de repercussão geral, a tese de que a execução
provisória de acórdão penal condenatório proferido em
grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou
extraordinário, não compromete o princípio da presunção
de inocência afirmado pelo art. 5º, inc. LVII, da
Constituição Federal” (STF; ARE nº 964.246-SP;
Plenário; rel. Min. Teori Zavascki; j. 11.11.2016).
Dessa jurisprudência delirou, entretanto, a
Suprema Instância, ao julgar procedente, em
7.11.2019, a Ação Declaratória de Constitucionalidade
nº 43-DF (STF; Plenário; rel. Min. Marco Aurélio),
contra os votos dos Ministros Edson Fachin,
Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux
e Cármen Lúcia. (Não seja matéria de indecoro
assentar em papel a memória dos vencidos, que a
mereciam gravada em bronze…!).
Crime, Rigor da Lei e Clemência

Em erudito ensaio, que lhe descobre para logo a


segurança da ciência do Direito e acrisoladas noções de
Moral Prática, propõe o autor (Juiz Alexandre Semedo de
Oliveira) engenhosa questão, a saber: é compatível com o
ofício de julgar o sentimento de misericórdia e indulgência?

Para indicar a matriz de seu pensamento, declara


formar entre aqueles que proclamam não haver lugar para
misericórdia e perdão “sob a toga de um juiz”. Tudo isto diz
o ilustre articulista, forte no simbolismo da Cruz e na
celebração da Páscoa.

Peço-lhe vênia para, terceiro interessado, chegar a seu


pé e tomar a mão sobre tema de tanto alcance.

Da função precípua do juiz tratou já, nos albores da


era cristã, o guapíssimo jurisconsulto Ulpiano, em cláusula
que a posteridade conservou entre os seus maiores tesouros:
“Jus suum cuique tribuere” (Dig. 1.1.10.1).

Na esfera criminal, levando a mira em reparar o


direito violado, resume-se a função judicante, de ordinário,
em infligir o castigo ao infrator. E não há que objetar. Fale
por todos o Pontífice Máximo do Direito Penal Brasileiro:
“A pena traduz primacialmente um princípio humano por
excelência, que é o da justa recompensa: cada um deve ter o que
merece” (Nélson Hungria, Novas Questões Jurídico-Penais,
p. 131).

A essa conta, nenhum sujeito imputável haverá de


subtrair-se ao rigor da lei, formoso corolário de premissa
48

lógica reproduzido pelo Des. Volney Corrêa Leite de


Moraes Jr., saudoso colega e amigo (citado pelo autor do
ensaio), em livro bem reputado e de muita originalidade(1):
“Todo homem deve saber do fundo de seu coração o que é certo e o
que é errado (Alberto Oliva, filósofo)”.

Em pontos de criminalidade, não transigia realmente


Volney com os postulados – que denominava “laxismo
penal” – que figuram em barda nas cartilhas espúrias e
contrafeitas de pseudodireitos humanos(2).

Ninguém ignora, salvo se inteiramente hóspede na


sociologia jurídica e refratário às chispas do bom-senso, que
a impunidade é poderoso incentivo do crime.

Suposto seja a pena o estipêndio do delito, não parece


bem deva sempre o magistrado agravá-la. Eis por que,
segundo tradicional usança, provectos e honrados Juízes –
quando acertava punirem delinquentes (empedernidos até)
– nunca lhes esquecia ponderar, nas conchas da balança
de Têmis, assim as partes positivas e boas como as
negativas e iníquas.

Que outra coisa, com efeito, ensinou o eloquente


Cícero à Humanidade, quando gravou com estilete o
imortal prolóquio “Summum jus, summa injuria”(3), senão
que o exagero punitivo contravém de rosto ao ideal
de justiça, e que, pelo contrário, ao justo concreto não
repugna alguma vez o estalão da indulgência?!

Poderá o juiz, dado que concorram circunstâncias ou


razões particulares de vulto, assentar na fronte do réu o
49

ferrete do castigo sem, todavia, recusar-lhe um como


galardão de merecimento.

Aliás, a letra mesma da lei é a que o obriga (não só lhe


inculca) dispensar benefício ao réu que espontaneamente
confessa a autoria do crime (art. 65, nº III, alínea d, do
Cód. Penal).

Há, deveras, alguma coisa de nobre e louvável nisto de


o réu, perante o magistrado que o interroga, preferir –
ainda que com prejuízo para si mesmo e sem alegar com
o prestígio de causa descriminante – pôr-se ao lado
da Justiça e, sem rebuços nem ambages, confessar,
arrependido, a prática do ilícito penal que lhe imputa o
órgão da Acusação!

Terá jus não só à redução da pena: será força que


dele também se amerceie a Justiça e lhe defira benefícios
(“verbi gratia”: regime especial de cumprimento de pena,
substituição da pena privativa de liberdade, etc.).

Aqui me pedirá o inteligente e amável leitor lhe exiba


a carta credencial para a outorga de semelhantes obséquios.

Desço, pois, ao particular e transcrevo, por amor de


aplacar possíveis escrúpulos da crítica severa, estas sublimes
palavras de um de nossos maiores processualistas:

“É certo que o juiz tem, diante de si, a lei. Mas a dificuldade


não termina aí; ao contrário, aí é que ela começa: primeiro
porque a lei procura ser igual para todos, mas as condições
pessoais exigem tratamento individualizado, que só o juiz
50

pode dar. A lei não pode existir intuitu personae, mas a


sentença pode. A lei põe o problema em equação; mas quem
dá o valor das incógnitas é o juiz. Só ele pode estabelecer
a real, e não apenas fictícia, igualdade de tratamento,
nivelando o poderoso e o deserdado, o rico e o pobre. A
igualdade perante a lei é puramente lírica se não se
concretiza na atuação judicial” (Hélio Tornaghi, Curso
de Processo Penal, 1980, vol. I, p. XII).

Com a excelência desta doutrina concerta a lição do


venerando Magistrado Eliézer Rosa, a quem os colegas
reconhecem e proclamam como seu muito vivo paradigma:

“Daí a necessidade de o Juiz do nosso tempo e para o nosso


tempo saber que deve praticar o razoável e não o
puramente racional” (Dicionário de Processo Civil, 2a. ed.,
p. 261).

E mais estas, dignas só de um elevado espírito, como


foi Goffredo Telles Junior, mestre em Direito e sábio:

“Na interpretação das leis, mais importante do que o


rigor da lógica racional é o entendimento razoável dos
preceitos, porque o que se espera inferir das leis não é,
necessariamente, a melhor conclusão lógica, mas uma justa
e humana solução” (A Folha Dobrada, 1999, p. 163).
51

Ajunto ainda este florilégio de conceitos, por onde se


conhecerá que, na judicatura criminal – ressalvadas e
atentas algumas circunstâncias de peso –, moderação e
castigo não são ideias que se implicam:

I. “Não estejais com os que agravam o rigor das leis, para se


acreditar com o nome de austeros e ilibados. Porque não há
nada menos nobre e aplausível que agenciar uma reputação
malignamente obtida em prejuízo da verdadeira inteligência
dos textos legais” (Rui Barbosa, Oração aos Moços, 1a.
ed., p. 43).

II. “Nenhum homem deve envergonhar-se de ter coração! Não


fica mal a juízes mostrar que o têm! Julgar o contrário leva
a muitas vaidades e inconcebíveis erros!” (Pedro Eurico,
Figuras do Passado, 1915; Lisboa. Pedro Eurico era o
pseudônimo do insigne juiz português Augusto Carlos
Cardoso Pinto Osório (1840-1920), presidente do
Supremo Tribunal de Justiça).

III. “Deve o rigor do castigo temperar-se sempre com a


moderação da clemência” (Manuel Bernardes, Nova
Floresta, 1728, t. V, p. 466).

IV. “Não há realmente Justiça sem Piedade! (Eliézer Rosa,


Romeiro Neto, o Último Romântico da Advocacia Criminal,
1984, p. 26).

V. “Amparando os mais fracos, não fazemos favor, senão


justiça” (Teodomiro Dias: apud Odilon Costa Manso,
Letras Jurídicas, 1971, p. 111).
52

VI. “A interpretação das leis não deve ser formal, mas sim, antes
de tudo, real, humana, socialmente útil. (…). Se o juiz não
pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando
contra legem, pode e deve, por outro lado, optar pela
interpretação que mais atenda às aspirações da justiça e do
bem comum” (Min. Sálvio de Figueiredo, Revista do
Superior Tribunal de Justiça, vol. 26, p. 384).

Aqui faço ponto, meu caro Alexandre Semedo de


Oliveira, não entre a fatigá-lo com estas pífias e insípidas
nótulas, ao mesmo passo que o cumprimento pelo
magnífico ensaio que as provocou; por fim, desejo-lhe, “ex
corde”, nesta Páscoa e no exercício de seu difícil e honroso
cargo de juiz, muitas felicidades e a recompensa própria dos
que praticam as boas ações: a glória de tê-las praticado! (O
que fará, creio-o – sobretudo no paroxismo das crises que
abalam o Mundo contemporâneo –, sob o influxo da
bondade, que é a cruz de todas as religiões!). Meu fraterno
abraço.

Notas

(1) Ricardo Dip e Volney Corrêa Leite de Moraes Jr.,


Crime e Castigo, 2002, p. 3; Millennium Editora.
(2) O alto sentido da presença do Crucifixo nos
Tribunais, lembrado pelo Des. Volney Corrêa Leite
de Moraes Jr. – e que serviu de epígrafe ao ensaio
do Dr. Alexandre Semedo de Oliveira –, já o
acentuara, em tópicos de rara beleza, o prestigioso
advogado e homem de letras Plínio Barreto: “Cristo é
53

um assunto inesgotável para pintores, escultores e nunca


fica deslocado em qualquer tribunal. Vítima suprema de
uma injustiça revoltante, é um apelo permanente à
consciência dos juízes e um consolo perpétuo para os que
não encontram, entre os juízes, água e mantimento para a
sede e fome de justiça, que os devoram. No júri, a sua
presença é mais do que uma fonte de consolações: é uma
necessidade imprescindível” (Vida Forense, 1922, p. 87).
(3) “De Officiis”, I, 10, 33. Igual fórmula já traziam as
divinas letras: “Noli esse justus multum” (Eccl 7,17).
Não sejas por demasiado justo.
Prova para Condenação Penal

1. Na teoria do processo penal avultam dois princípios,


sobre todos venerandos, a saber: a certeza é a única base
legítima de condenação; a dúvida aproveita sempre ao
acusado.
Atentas suas consequências deletérias, e pelo comum
irreparáveis, uma decisão condenatória deverá apoiar-se em
prova plena e cabal da materialidade do fato criminoso, de
sua autoria e da culpabilidade do agente.
Não há que opor a essa providencial cautela. Eis por
que, ao tratar da condenação, a unanimidade dos juristas faz
caso e cabedal da prova excelente.
Cai a ponto a antiga fórmula, de voga desembaraçada
nos pretórios da Justiça Criminal: “E deve, para haver
condenação nos crimes, ser a prova mais clara que a luz do meio-
-dia” (Alexandre Caetano Gomes, Manual Prático Judicial,
1820, p. 247).
Destarte, pela razão contrária, desde que inidônea a
prova a que se abordoe a pretensão punitiva, será força
absolver o acusado, em obséquio à máxima de jurisdição
universal: “In dubio pro reo” (na dúvida, a favor do réu).
A lição do maior de nossos penalistas é, a esse
respeito, constantemente rememorada:
“A verossimilhança, por maior que seja, não é jamais a
verdade ou a certeza, e somente esta autoriza uma sentença
condenatória. Condenar um possível delinquente é condenar
56

um possível inocente” (Nélson Hungria, Comentários ao


Código Penal, 1981, vol. V, p. 65).
Aqui entra, como em seu lugar, um elemento inerente
à função judicante: apurado senso ético ou dignidade de
inteligência do magistrado, em que reside sua força moral(1).
Da mesma sorte que lhe é defeso desconhecer, nas
hipóteses que o autorizam, a cláusula salutar do “In dubio
pro reo”, também lhe não cabe invocar esse vetusto e
retrilhado aforismo jurídico por âncora de salvação do
culpado.

2. Muita vez, a imposição da pena – que Platão


chamava de medicina da alma – será inelutável, pois
“traduz, primacialmente, um princípio humano por excelência,
que é o da justa recompensa: cada um deve ter o que merece”
(Nélson Hungria, Novas Questões Jurídico-Penais, 1945,
p. 131).
Ao demais, não é para esquecer que, segundo doutrina
altamente reputada, “o valor probante dos indícios e presunções,
no sistema do livre convencimento que o Código adota, é em
tudo igual ao das provas diretas” (José Frederico Marques,
Elementos de Direito Processual, 1a. ed., vol. II, p. 378).
Vigente a regra de direito “Nemo tenetur se ipsum
accusare” (ninguém é obrigado a acusar-se), a verdade
raramente chega ao templo da Justiça pela boca do réu;
aliás, quando este entra a falar, parece que é para
acrescentar o prestígio daquele prolóquio atribuído a
Talleyrand, ministro de Napoleão: “A palavra foi dada ao
57

homem para esconder o pensamento” (apud Nélson Hungria,


Novas Questões Jurídico-Penais, 1945, p. 233).
Na apuração da verdade real – alma e escopo do
processo – todo elemento de convicção se mostra
atendível, nenhum é excluído “a priori”.
A advertência de Bento de Faria (1876-1959), preclaro
ministro do Supremo Tribunal Federal, faz ao nosso
intento:
“Se o espírito humano, consoante a observação de
Framarino, na maioria das vezes não atinge a verdade
senão por via indireta (Lógica das Provas, I, p. 1, cap.
III), esse fato mais acentuadamente se observa nos Juízos
criminais onde cada vez mais a inteligência, a prudência,
a cautela do criminoso tornam difícil a prova direta”
(Código de Processo Penal, 1960, vol. II, p. 125).

3. À derradeira, versando a questão jurídica da simulação,


discorreu por este feitio o consagrado jurista José Beleza
dos Santos:
“Raras vezes se pode obter uma prova direta da simulação,
porque aqueles que efetuam contratos simulados, em regra,
ocultam cuidadosamente o seu propósito procurando as
trevas, como já diziam os velhos praxistas”.

E logo mais abaixo diz que:


“Produzidas todas as provas com que possa demonstrar-se a
simulação, é do seu exame ponderado e escrupuloso que o
Juiz pode concluir se o ato jurídico foi ou não simulado.
58

E para chegar a uma conclusão vedadeira, que o possa


conduzir a uma decisão justa, mais que as regras
formuladas pela doutrina, podem auxiliá-lo a sua
experiência dos homens e das coisas, o seu desejo de julgar
honestamente, e esse obscuro sentimento da justiça que
é, na bela frase de Maeterlinck, uma estrela que se
forma na nebulosa dos nossos instintos e da nossa vida
incompreensível” (A Simulação em Direito Civil, 1999,
pp. 441 e 454; Lejus; São Paulo).

Em suma: ao Juiz cabe não só proclamar a inocência


do réu, se incomprovada sua acusação, mas também
decretar-lhe a condenação quando o incriminarem com
segurança as provas dos autos.
A quebra de tal preceito implicará por força
aberração: no primeiro caso, por iniquidade e arbítrio do
juízo; no segundo, à conta de lassidão e pusilanimidade do
aplicador da lei e executor de sua vontade.
A toga do Magistrado converter-se-á, então, em
sudário; a Justiça (alento e esperança dos fracos e
oprimidos), essa decairá da confiança do povo, que já não
saberá recomendar bem aqueles que a administram.

Nota

(1) Reza o art. 137 do Regimento Interno do Tribunal de


Justiça do Estado de São Paulo: “O novo desembargador,
antes de tomar assento, prestará perante o Presidente, o
compromisso formal de cumprir com retidão, amor à
Justiça e fidelidade às leis e instituições vigentes, os deveres
do cargo (…)”.
A Linguagem do Advogado

I — Como “a palavra é por excelência a arma do


advogado”(1), só quem souber manejá-la com propriedade e
segurança conquistará triunfos profissionais invejáveis. O
que aspira aos primeiros lugares da Advocacia deverá,
portanto, ou fale ou escreva, ostentar suas credenciais de
cultor das boas letras.
Ainda que dele se não exijam os mesmos atributos
por que se distinguem e recomendam à pública admiração
os escritores de muito nome (v.g.: torneio clássico da frase,
dicção peregrina e elegante, galas de estilo, etc.), nunca se
dispensará, porém, o advogado da estrita observância dos
requisitos a que se obriga todo aquele que, em razão do
ofício, tenha de enunciar pontualmente seu pensamento:
clareza e correção(2). Nenhuma qualidade se avantaja à
clareza. Dada ao homem para comunicar suas ideias, a
palavra somente alcançará seu fim se clara e inteligível(3).
Pelo que, falha no intuito de expressar-se quem,
por deficiência verbal, não é pronta e cabalmente
compreendido; mas falha gravemente se é advogado, visto
que em seu brasão profissional o campo maior compete
por direito de preferência à arte de persuadir.
Só o argumento que facilmente se percebe é
poderoso a influir no ânimo de terceiro e movê-lo ao
talante do expositor. À disciplina do pensamento há de
corresponder, pelo conseguinte, expressão verbal precisa e
livre de tudo o que o possa tornar obscuro e impenetrável.
60

A precisão do termo, intimamente associada ao


conceito de clareza, impõe que ao rigor do raciocínio
lógico suceda representação oral e escrita por palavras que
lhe evidenciem o vero sentido e lhe sejam acomodadas.

II — Da mesma sorte que os outros profissionais, têm os


advogados seu falar próprio: a linguagem forense.
Vocábulos e expressões técnicas do direito, constitutivos
da fraseologia jurídica, haverá de conhecê-los bem o
advogado e empregá-los com severa propriedade. A
primeira providência, pois, de quem deseja adquirir o
estilo do foro é ler os bons textos legais e as obras jurídicas
estimáveis pela castiça locução vernácula portuguesa(4).
A essa mui particular feição de escrever, em que
à ordem lógica dos conceitos corresponda fiel e perfeita
representação gráfica e artística, chamou-lhe Jhering
“elegantia juris”(5).
A expressão clara do pensamento não se mostra
incompatível com o bom gosto literário, antes o aconselha
e encarece. Nenhum espírito culto se recusará, em
verdade, a aplaudir consigo o esforço daquele que
imprimiu no seu escrever o selo da arte e da estética. A
duvidar alguém, é ler uma página de Rui, Castilho ou
Herculano, e logo se convencerá de que a glória literária
não lhes cingiu a fronte a esses eminentes escritores, senão
após aturada e constante dedicação à arte da linguagem.
61

III — O método mais seguro e eficaz para adiantar-se


alguém nos segredos de sua língua é conversar assiduamente
os autores que melhor a possuíram: os clássicos(6). Detendo-
-se na leitura criteriosa de suas obras, não será maravilha
se lhes vier a adquirir, com o andar do tempo, as
excelências da forma e a riqueza do estilo. Tal prodígio
será simples corolário do processo de assimilação. Não se
cuide fora isto desairoso, por implicar, em certo modo,
imitação de outrem. De todo o ponto inatendível é
semelhante objeção. Primeiro, porque a presunção da
originalidade cede àquele dito profundo e solene do mais
sábio dos homens: Não há nada de novo debaixo do Sol(7)!
Tudo o que hoje dizemos, já o disseram os antigos, e não
raro com mais arte e propriedade. Além disso, a imitação
do autor clássico dará a conhecer ao leitor curioso,
enquanto não alcance o seu próprio estilo, as maneiras
mais expressivas de dizer, os meneios sintáticos mais
apurados e as construções que melhor se conformem ao
gênio da língua. Tanto que o alcance, porém, libertar-se-á
do arquétipo literário. De fato, como observou preclaro
escritor, “saber imitar é aprender a não imitar mais, porque é
habituarmo-nos a reconhecer a imitação e a passar sem ela,
quando já não for precisa”(8).

IV — Os mais crassos defeitos que podem aviltar a pena do


escritor são os erros gramaticais inescusáveis.
“Não há escritor sem erros”, proclamou o exímio Rui(9),
aludindo certamente não aos erros toleráveis e invencíveis,
mas àqueles que afrontam os cânones elementares de
62

gramática. Esses não conhecem absolvição. Identificam-se


pela denominação de solecismos, e são infrações gravíssimas
das leis do bem escrever. No evitá-los deve o advogado
pôr toda a sua diligência e tento(10).
É a notar que as petições, sobre constituírem o
assento material de uma pretensão levada a Juízo, valem
como carta de crédito intelectual de quem as elaborou.
Por elas também se homenageia o juiz a quem se
destinam. E não entra em dúvida que nenhum motivo de
lisonja deparará ao magistrado, que a tiver de despachar,
uma petição pejada de erros de português.
Aos lidadores da palavra – os advogados sobretudo
– lembre-lhes sempre esta advertência do venerando
Bluteau: “Indício quase sempre certíssimo de não saber um
homem uma língua é o desprezá-la, porque ninguém despreza o
que sabe”(11).

Notas

(1) Nereu Corrêa, A Palavra, 1972, p. 22.


(2) Donde a exortação de J. Soares de Melo: “O advogado
deve escrever de forma elegante, precisa e clara. Falar com
exatidão” (Perfis Acadêmicos, 1957, p. 97).
(3) Exemplo das consequências, verdadeiramente funestas
do estilo travado e obscuro, traz este despacho
lançado em confusa petição: “Indefiro, até onde
entendi”.
63

(4) Será bem que o advogado leia, por acrescentar os


cabedais de sua linguagem forense, as obras que
ao propósito escreveu Eliasar Rosa, eminente
conhecedor assim de nosso idioma pátrio como do
Direito: Os Erros mais Comuns nas Petições, Glossário
Forense, Dicionário de Conceitos para o Advogado, etc;
Ainda: procure ter sempre à mão uma boa gramática
(a do provecto Napoleão Mendes de Almeida,
por exemplo), os dicionários de Caldas Aulete e
Laudelino Freire ou do Aurélio, e alguns livros sobre
questões de linguagem como: Tréplica, de Ernesto
Carneiro Ribeiro; Estudos da Língua Portuguesa, de
Mário Barreto; Língua Vernácula, de José de Sá
Nunes, etc. Tocantemente a leituras, vem a pelo este
alvitre de um sábio: “Ler sem anotar pouco adianta; ler,
sem um bom dicionário ao lado, é perda considerável de
tempo. É que a leitura se faz, palavra por palavra”
(Eliézer Rosa, A Voz da Toga, 2a. ed., p. 71).
(5) Cf. Edmundo Dantès Nascimento, Linguagem Forense,
1980, p. 222.
(6) Do vasto rol de autores que passam por modelos
acabados da boa linguagem podemos citar esta meia
dúzia: Rui Barbosa, “o maior dentre os nossos escritores”
(José Rizzo, Estudos da Língua Portuguesa, 1922, p.
207). Obras: Parecer sobre a Redação do Código Civil,
Réplica, Oração aos Moços (“a peça mais trabalhada da
língua portuguesa” – cf. Nereu Corrêa, op. cit., p. 42),
etc.; Antônio Vieira, “o clássico mais autorizado da
64

língua portuguesa” (Francisco José Freire, Reflexões


sobre a Língua Portuguesa, 1842, 1a. parte, p. 10).
Obras: Sermões, História do Futuro, Cartas, etc.;
Manuel Bernardes, “o mais suave e delicioso clássico
português!” (Silveira Bueno, História da Literatura
Luso-Brasileira, 1965, p. 54). Obras: Nova Floresta,
Luz e Calor, Últimos Fins do Homem, etc; Alexandre
Herculano: “A sua palavra é um relâmpago: deslumbra,
fulmina” (Alves Mendes, Discursos, 1879, p. 127).
Obras: Lendas e Narrativas, Eurico, Opúsculos, etc;
Camilo Castelo Branco, “o mais opulento dos clássicos
portugueses” (Castilho, in As Sabichonas, 1872, trad.).
Obras: Amor de Perdição, Boêmia do Espírito, A Queda
dum Anjo, etc; Machado de Assis: “Originalíssimo na
invenção, timbrava outrossim na correção da linguagem”
(Fausto Barreto e Carlos de Laet, Antologia Nacional,
41a. ed., p. 95). Obras: Memórias Póstumas de Brás
Cubas, Memorial de Aires, D. Casmurro, etc.
(7) Eclesiastes, cap. I, v. 10.
(8) Antônio Albalat, A Arte de Escrever, 9a. ed., p. 40;
trad. Cândido de Figueiredo.
(9) Réplica, nº 10. Isto sentia bem Tobias Barreto,
quando disse: “Há três cousas neste mundo que o homem
não pode ter completamente puras: a consciência, a boca e a
gramática” (Obras Completas, 1926, vol. II, p. 173).
(10) Breve exemplário de solecismos hediondos:
a) “Fazem” 81 dias que o réu está preso (por faz);
65

b) “Haviam” muitas pessoas no local (por havia);


c) O irmão “interviu” na briga (por interveio);
d) Os policiais “deteram” o réu (por detiveram);
e) O juiz “penalizou” com rigor o acusado (por apenou,
puniu, castigou, etc.);
f) “Interim” (ínterim), “ávaro” (avaro), “púdico”
(pudico), “gratuíto” (gratuito) e aquele que tem sido o
mais frequente dos solecismos de prosódia (ou
pronúncia): “récorde”, em vez de recorde. Sinônimo
de proeza, façanha, marca, etc., recorde é a forma
aportuguesada de “record”. Sua pronúncia: recorde
(ó), a despeito do intolerável sestro de alguns
locutores, que persistem, obdurados, na cacologia
“récorde”. Não era caso de se lhes remeter um
memorando fonético?! Estamos que sim!
(11) Prosas Portuguesas, 1726, 2a. parte, p. 189.
Presunção de Inocência

I. À guisa de introdução

É princípio de direito, exaltado à categoria de dogma


constitucional, esse da presunção de inocência do acusado,
“princípio de eterna justiça”, na eloquente expressão de
Carrara(1).
Consagrado na Declaração Universal dos Direitos do
Homem, da ONU, em 1948, e na de Virgínia (1776), a
Constituição Federal de 1988 transladou-o no inciso LVII
de seu art. 5º: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito
em julgado de sentença penal condenatória”.
Somente o selo da “res judicata” (coisa julgada) pode,
com efeito, imprimir na fronte do réu o estigma de
culpado.
Muitas graças se deem, pois, ao legislador constituinte,
que incorporou à Carta Magna de 1988 a sabedoria do
postulado, segundo o qual toda pessoa acusada de crime
tem o direito de haver-se por inocente enquanto não
liquidada sua culpa em processo regular.
Corre, é verdade, inteligência em contrário, que admite
a presunção de inocência desde que se não confirme, pela
instância recursal, a sentença condenatória; porque daí
avante prevaleceria a regra da presunção de culpabilidade.
A exegese porém que, de presente, passa por triunfante
é a que nos supeditou o Supremo Tribunal Federal,
68

no julgamento do Agravo Regimental nº 964.246-SP, cuja


conclusão tem esta substância:
“(…) a reafirmação da atual jurisprudência desta Corte,
fixando, para efeitos de repercussão geral, a tese de que a execução
provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau
recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário,
não compromete o princípio da presunção de inocência afirmado
pelo art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal”(2).

II. Presunção: acepções do termo

Empregado amiúde na terminologia jurídica, o


vocábulo presunção – conforme De Plácido e Silva –
exprime “a dedução, a conclusão ou a consequência, que se tira de
um fato conhecido, para se admitir como certa, verdadeira e
provada a existência de um fato desconhecido ou duvidoso”(3).
De três ordens são as presunções: 1. de direito
(“praesumptiones juris”); 2. de fato (“praesumptiones facti”) e
3. do homem (“praesumptiones hominis”). As de direito (ou
jurídicas) são as presunções estabelecidas por lei. Dividem-
-se em absolutas (ou presunções “juris et de jure”) e em
relativas, condicionais ou presunções “juris tantum”).
A presunção de fato (ou comum) é a “deduzida da natureza
de certos fatos que demonstram a veracidade de outro”. A
presunção do homem é “a consequência que ele próprio tirou de
um fato conhecido para demonstrar outro desconhecido ou
duvidoso”.
69

Na linguagem do foro, as presunções de fato e do homem


entendem-se propriamente por indícios. O que sejam estes,
enfaticamente o define o art. 239 do Código de Processo Penal:
“Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que,
tendo relação com o fato, autoriza, por indução, concluir-se a
existência de outra ou outras circunstâncias”(4).
A presunção “juris tantum” – denominada também
condicional, relativa ou simples – prevalece até que se
demonstre o contrário. (A voz latina “tantum” significa
tão somente).
“Presunção juris et de jure” (de direito e por direito),
instituída por lei como verdade, não admite prova em
contrário. É a presunção absoluta. Eis sua fórmula em
latim: “Praesumptio juris et de jure probationem in contrarium
non admittit”. Exemplo típico de “presunção absoluta ou juris
et de jure” traz o art. 1.597 do Código Civil: “Presumem-se
concebidos na constância do casamento os filhos nascidos 180 (cento
e oitenta) dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência
conjugal”.

III. Presunção: jurisprudência, máximas e aforismos

Extenso e variado é o número de prolóquios e


expressões que respeitam às ideias de presunção, inocência,
dúvida, certeza, absolvição, etc. Deles vai aqui abreviado rol:
1. “Praesumptio cedit veritati”. A presunção cede à
verdade.
70

2. “Quivis praesumitur bonus, donec probetur malus”. Todo


indivíduo se presume bom enquanto se não prove
que é mau.
3. “Não perder de vista a presunção de inocência comum
a todos os réus, enquanto não liquidada a prova e
reconhecido o delito” (Rui Barbosa, Oração aos Moços, 1a.
ed., p. 42).
4. “Enquanto a acusação não prova, presume-se a inocência do
acusado. Sobre isto não há contestação em escola alguma”
(Rui Barbosa, Obras Completas, vol. XXVIII, t. I,
p. 197).
5. “O crime é a presunção juris et de jure, a presunção contra
a qual não se tolera defesa, nas sociedades oprimidas e
acovardadas. Nas sociedades regidas segundo a lei a
presunção é, ao revés, a de inocência” (Rui Barbosa,
Obras Completas, vol. XXIV, t. III, p. 87).
6. “A acusação é apenas um infortúnio, enquanto não
verificada pela prova. Daí esse prolóquio sublime, com que
a magistratura orna os seus brasões, desde que a justiça
criminal deixou de ser a arte de perder inocentes: Res
sacra reus. O acusado é uma entidade sagrada” (Rui
Barbosa, Obras Completas, vol. XIX, t. III, p. 113).
7. “Nemo innocens si accusare sufficit”. Ninguém seria
inocente se bastasse acusar.
8. “Nenhuma presunção, por mais veemente que seja, dará
motivo para imposição de pena” (art. 36 do Cód.
Criminal do Império do Brasil).
71

9. “A verossimilhnça, por maior que seja, não é jamais a


verdade ou a certeza, e somente esta autoriza uma
sentença condenatória. Condenar um possível delinquente
é condenar um possível inocente” (Nélson Hungria,
Comentários ao Código Penal, 1981, vol. V, p. 61).
10. “Ainda que sejas casta como o gelo e pura como a neve, não
escaparás à calúnia” (William Shakespeare, Hamlet,
Príncipe da Dinamarca, p. 83; trad. Carlos Alberto
Nunes).
11. “Facile est opprimere innocentem”. É fácil oprimir o
inocente (Fedro, Fábulas, liv. I, 1).
12. Só os inocentes podem ser acusados de tudo.
13. A inocência não vê a serpente debaixo das flores.
14. Todo ato criminoso é passível de repúdio, mas
cumpre atender também ao preceito do art. 5º,
nº LVII, da Constituição Federal: “Ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória”.
15. Em obséquio ao princípio da presunção de não-
-culpabilidade, que, entre nós, tem a consagração de
garantia constitucional (art. 5º, nº LVII, da Const. da
República), processos em curso não se consideram
maus antecedentes porque, ao fim, o réu poderá ser
absolvido.
72

16. Embora o princípio da presunção de inocência tenha


sido exaltado à categoria de dogma constitucional
(art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), não há postergar os
direitos e interesses da sociedade, entre os quais
figura o de exigir a segregação do agente pernicioso
que pretende subverter-lhe os fundamentos e pôr em
risco a segurança de seus membros.
17. Segundo a nova ordem jurídica do País – que deu
dignidade constitucional ao princípio da presunção
de inocência (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.) –,
é regra defender-se o réu em liberdade.
18. Em obséquio ao princípio da presunção de inocência
(art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), e do devido processo
legal (nº LV), não é defeso à Segunda Instância
conhecer do recurso do réu, ainda que intempestivo,
se o despacho de prelibação (ou admissibilidade)
do Juízo da condenação lhe determinou o regular
processamento.
19. Contra decisão condenatória nada pode simples
protesto de inocência do réu, se em franca rebeldia
com as provas dos autos, que implacavelmente o
incriminam de roubo.
20. É verdade que, à luz do princípio da presunção de
inocência (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), ninguém
será havido na conta de culpado senão após o trânsito
em julgado de sentença penal condenatória. Esse
mandamento, contudo, não importa licença para a
concessão indiscriminada de liberdade provisória a
73

réu preso em flagrante; tal sucede apenas naqueles


casos em que se não achem presentes os requisitos
que autorizam a decretação da prisão preventiva (art.
310, parág. único, do Cód. Proc. Penal).
21. À vista da nova ordem constitucional instaurada no
País, a regra geral é que se defenda o réu em
liberdade. Consectário do princípio do estado de
inocência (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), só por
exceção deve o acusado responder preso ao processo.
22. Destituído de natureza formal, o crime de corrupção
de menores (art. 1º da Lei nº 2.252/54) não se
caracteriza sem a prova da inocência do sujeito passivo,
que não se presume. Só a inocência não vê a serpente
debaixo das flores!
23. Se o réu nega com veemência a imputação de
larápio, que assenta em declarações vagas e imprecisas,
tem a Justiça de respeitar-lhe o direito de inculcar-se
inocente.
24. Por simples presunção ninguém pode decair de seu
estado de inocência.
25. Inquestionável é a força probante dos indícios; mas,
para que autorizem edito condenatório, é mister
que, em apoio recíproco, por forma inequívoca e
concludente, incriminem o acusado, com exclusão de
toda a hipótese que o favoreça (cf. Rev. Tribs., vol.
169, p. 76).
74

26. É velho preceito de sabedoria que, no caso de dúvida


acerca da culpabilidade do réu, deve o Juiz pronunciar
o “non liquet” e mandá-lo em paz.
27. Do Ministério Público é o ônus de provar
suficientemente a acusação deduzida na denúncia.
Desde que o não faça, ao Magistrado cumpre julgá-la
improcedente, por amor do princípio da presunção
de inocência, que entre nós granjeou nomeada
constitucional (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.).
28. A perplexidade que domina e constrange o ânimo
do Julgador não há de incliná-lo senão para o
desfecho absolutório, conforme o preceito comum de
interpretação da dúvida: “In dubio pro reo”.
29. “Não pode haver condenação sem prova plena do crime e de
sua autoria. Indícios, ainda que veementes, desautorizam-
-na” (Rev. Tribs., vol. 181, p. 89).
30. Os tratadistas da prova conferem grande valor aos
indícios. Chama-lhes Mittermayer, elegantemente, as
“testemunhas mudas colocadas pelo dedo de Deus” (apud
Mário Guimarães, O Juiz e a Função Jurisdicional,
1958, p. 311). Mas só têm peso e força se vários e
concludentes.
31. “Um decreto condenatório deve repousar em prova certa e
segura, não o autorizando apenas indícios, presunções e
suspeitas” (JTACrSP, vol. 65, p. 241).
75

32. O indício pode levar à condenação, desde que


veemente. Diz-se veemente o indício que, por sua
natureza, “permite razoavelmente afastar todas as
hipóteses favoráveis ao acusado” (Camargo Aranha, Da
Prova no Processo Penal, 3a. ed., p. 169).
33. Prudente é o Juiz que absolve o réu, quando
inconclusiva, dúbia e coxa a prova; decidir o contrário
fora imolar na ara da presunção, o gravíssimo dos
pecados de quem julga.
34. “Na dúvida, deverá o Juiz recorrer ao meio ordinário e
admitir como verdadeira a versão mais favorável ao réu”
(Mittermayer, Tratado da Prova em Matéria Criminal,
1871, t. II, p. 177; trad. Alberto Antônio Soares).
35. “Confissão extrajudicial pode gerar forte presunção em
desfavor do confitente, mas não a certeza da autoria
necessária para embasar decreto condenatório” (JTACrSP,
vol. 54, p. 423).
36. “Os indícios têm força convincente, quando muitos,
concordes, concludentes. Indícios que permitem explicação
diferente apenas levantam suspeitas. Não são aptos para
conduzir à certeza” (Mário Guimarães, O Juiz e a
Função Jurisdicional, 1958, p. 311).
37. É princípio de doutrina, consagrado pela jurisprudência
de todos os Tribunais, que, duvidosa a prova da
autoria do fato arguido, cumpre decidir em prol do
acusado.
76

38. “A defesa tem direitos superiores aos da acusação, porque,


enquanto houver uma dúvida, por mínima que seja,
ninguém pode conscientemente condenar o seu semelhante”
(João Mendes Júnior, Processo Criminal Brasileiro,
4a. ed., p. 388).
39. Beneficiado pela dúvida que se afigure atendível, tem
jus o acusado à solução preconizada pelo venerando
aforismo “In dubio pro reo”.
40. “Um Tribunal não pode condenar, sem a convicção íntima
da criminalidade do réu, e se há sombra de uma dúvida,
não há certeza possível para o Juiz” (Cons. Paula
Pessoa, Código de Processo Criminal, 1882, p. 147).
41. Não basta para a condenação penal a suspeita de que
o réu cometeu crime; é mister prová-lo acima de
toda a dúvida sensata.
42. Segundo princípio de aceitação universal, não há
condenar ninguém sem prova plena e cabal de sua
culpabilidade. Alguma dúvida que a tal respeito exista
é a que basta para impor ao Juiz, por atalhar possível
erro judiciário, a pensão de pronuciar o “non liquet” e
absolver o réu.
43. De todas as máximas que devem inspirar o Julgador,
nenhuma se tem por mais respeitável que esta:
Condenação exige certeza. Dúvida, em Direito Penal,
é o outro nome da falta de prova.
77

44. Desde que os autos lhe deparem dúvida, não fará


melhor o Juiz que absolver o acusado, em obséquio
ao princípio geral, vigorante nas legislações dos
povos cultos: “In dubio pro reo”.
45. É princípio, que remonta à primeira antiguidade
do Direito, esse de que ninguém pode ser punido
por pensar (ou, na sentença clássica de Ulpiano:
“Cogitationis poenam nemo patitur”).
46. “O valor probante dos indícios e presunções, no sistema de
livre convencimento que o Código adota, é em tudo igual
ao das provas diretas”, conforme lição memorável
de José Frederico Marques (Elementos de Direito
Processual Penal, 2a. ed., vol. II, p. 378). Mas, para
que sirvam de sustentáculo a um edito condenatório,
devem ser numerosos, coesos e harmônicos.
47. Das máximas que a sabedoria cunhou para guiar os
Juízes em suas decisões é esta, sem falta, a capital:
Condenação exige certeza. Na dúvida, será força decidir
em prol do acusado, por amor do velho aforismo “In
dubio pro reo”.
48. É não só injusta mas ainda injurídica a sentença
condenatória que não se baseou na certeza da autoria
da infração penal.
78

49. Em obséquio ao princípio comum de interpretação


da dúvida e aos conselhos da prudência, é força
absolver o réu da acusação de roubo, se a vítima, cuja
palavra constitui relevante meio de prova, lhe
proclamou a inocência.
50. É princípio solenemente consagrado pela consciência
jurídica dos povos cultos que a prova para condenação
deve ser plena e incontroversa. Uma dúvida, que se
levante no espírito do Julgador, é a que basta a
recomendar a absolvição, por força do preceito
universal do “In dubio pro reo”.
51. “Julgar por livre convicção não é julgar livremente, sem
atenção à vida expressiva dos elementos comprobatórios ou
indiciários e sem consulta à realidade dos fatos” (STF; RE
nº 8.232; rel. Min. Orosimbo Nonato; DJU 15.12.49,
p. 4.289).
52. Em caso de dúvida, só a absolvição exprime o bom
direito e a realização da justiça.
53. Se frágil a prova da autoria do crime, cumpre ao Juiz
absolver o réu, num tributo ao cânon venerável de
interpretação da dúvida: “In dubio pro reo”.
54. “E deve, para haver condenação nos crimes, ser a prova
mais clara que a luz do meio-dia” (Alexandre Caetano
Gomes, Manual Prático Judicial, 1820, p. 247).
55. Para justificar decreto absolutório basta a dúvida
razoável, pois que esta, como a pedra que tomba do
rochedo e muda o curso do rio, é apta a desviar da
cabeça do réu o gládio inflamado da Justiça Penal.
79

56. A precariedade da prova, fonte natural de dúvida no


espírito do Juiz, deve ser interpretada em prol do réu,
à luz do preceito de alcance universal: “In dubio pro
reo”.
57. Dúvida, em Direito Penal, equivale a ausência de
prova.
58. Desde que nos autos triunfe dúvida invencível acerca
da culpabilidade do acusado, será força absolvê-lo
por amor do princípio de nomeada universal “In
dubio pro reo”.
59. Embora direito que a Constituição da República
reconhece a todo o acusado (art. 5º, nº LXIII), ficar
em silêncio perante injusto acusador passa por
prodígio de tal ordem, que a experiência vulgar o
tem reputado irmão gêmeo da culpa (“Qui tacet,
consentire videtur”).
60. Entre os princípios que informam o processo penal
sobreleva o de que somente a certeza é base legítima
de condenação. Na dúvida, ou falta de prova da
autoria, o único desfecho admissível para o feito-
-crime é a absolvição do réu, em obséquio à regra
jurídica de cunho universal: “In dubio pro reo”.
61. Se a prova dos autos não lhe permite abraçar, com
segurança e motivação lógica, a proposta acusatória,
deve o Juiz inclinar-se, prudentemente, à solução que
favorecer o réu.
80

62. Na dúvida, o Julgador deve decidir conforme o


estalão da prudência (o qual, unicamente, o guardará
das insídias do erro judiciário) e absolver o réu.
63. No comum sentir dos doutores, não há condenar
(ainda o pior facínora) sem prova plena e
incontroversa da materialidade da infração penal e de
sua autoria.
64. Isto de condenação exige prova plena e cabal, assim
da autoria como da materialidade do fato e da
culpabilidade do agente. A dúvida, segundo princípio
universalmente recebido, fala em benefício do réu:
“In dubio pro reo”.
65. “No processo acusatório, o Juiz só tem a decidir qual das
alegações é bem fundada: se as do acusador, se as do
acusado; e não provando o primeiro plenamente as suas, a
absolvição é a consequência incontestável” (Mittermayer,
Tratado da Prova em Matéria Criminal, 1871, t. II,
p. 285; trad. Alberto Antônio Soares).
66. “Se o réu nega o que a testemunha afirma, nada há de
certo e a Justiça tem o dever de respeitar o direito de cada
um de considerar-se inocente” (cf. César Beccaria, Dos
Delitos e das Penas, § VIII).
67. Ao absolvê-lo por falta de prova, o Magistrado como
que dá seu testemunho a favor do réu, de tal arte que
a absolvição já não se ampara unicamente em
argumento lógico, mas na própria força moral do
julgado.
81

68. No Direito Penal, em pontos de dúvida, prevalece o


prolóquio sublime inscrito nos emblemas da Justiça
Criminal: “In dubio pro reo”.
69. “À Acusação é que incumbe provar todas as condições que a
lei exige para a incriminação do fato arguido” (Inocêncio
Borges da Rosa, Processo Penal Brasileiro, vol. I,
p. 415).
70. É doutrina de alçada universal que apenas a certeza
da autoria do crime permite a condenação do réu.
Dúvida, em Direito Penal, outra coisa não é
que ausência de prova, o que impede solução
condenatória.
71. Mais que simples referência à materialidade da
infração penal, importa que a prova reunida na
instrução evidencie a culpabilidade do acusado. Em
isto faltando, será imperioso absolvê-lo, por amor
daquele princípio comum de interpretação da dúvida,
recebido por todas as civilizações que se regem
segundo a Lei e o Direito: “In dubio pro reo”.
72. Sem prova plena e cabal de sua culpabilidade não há
condenar o acusado, ainda que o pior dos facínoras.
73. Em bom direito, é ponto vitorioso que, sem a certeza
da materialidade e da autoria da infração penal,
ninguém pode ser condenado. Esta é a regra de ouro
de todo o julgador.
74. É princípio fundamental em Direito que, se o autor
não prova, absolve-se o réu (“Actore non probante, reus
absolvitur”).
82

75. Na falta de comprovação da conduta criminosa do


réu, será força absolvê-lo em homenagem ao preceito
comum de interpretação da dúvida (art. 386, nº VII,
do Cód. Proc. Penal).
76. Pelas consequências graves que sói acarretar ao
indivíduo, uma condenação apenas se decreta em
face da certeza de que é culpado.
77. Se a prova dos autos não desfaz a dúvida quanto à
culpabilidade do agente, será bem que o Juiz o
absolva, por amor do princípio de curso universal:
“In dubio pro reo”. Mais que probabilidade da autoria
do crime, a condenação reclama certeza, que é sua
única base legítima.
78. Se precária a prova da autoria do furto imputado a
surdo-mudo, será força que o Juiz pronuncie o “non
liquet” e o absolva. Já assinalado pela mão de Deus,
seria impiedade, mais que injustiça, acrescentar-lhe o
infortúnio.
79. “Amparando os mais fracos, não fazemos favor senão
justiça” (Teodomiro Dias; apud Odilon da Costa
Manso, Letras Jurídicas, 1971, p. 111).
80. Se o conjunto probatório enseja dúvida acerca da
imputação do elemento subjetivo do tipo, o desfecho
mais consentâneo com as regras do Direito é
pronunciar o Juiz o “non liquet” e mandar o réu em
paz.
83

81. Se da prova dos autos é possível extrair duas


conclusões lógicas, deve o Juiz preferir a que favorece
o acusado, em razão do princípio geral de
interpretação da dúvida: “In dubio pro reo”.
82. Mais de um caso têm recenseado os anais forenses de
decisões que, louvando-se em meros indícios, foram
motivo e ocasião de deploráveis erros judiciários.
83. Na dúvida, a máxima de jurisprudência “In dubio pro
reo” é o farol que deve guiar o Juiz na decisão da
causa, sob pena de cair em erro grave (art. 386,
nº VII, do Cód. Proc. Penal).
84. Por prevenir injustiças, a sabedoria das nações
confiou à eternidade do bronze e à prudência dos
julgadores o clássico preceito: “In dubio pro reo”.
85. Muito para meditadas são estas palavras do velho
Min. Cândido Lobo: “Só condeno por prova que me
deixe a consciência tranquila” (apud Heleno Cláudio
Fragoso, Jurisprudência Criminal, 1973, vol. II, p.
469).
86. Se os autos deparam ao Juiz indícios da culpabilidade
do réu, sem no entanto afastar-lhe de todo a
possibilidade de inocência, é caso de absolvição, em
obséquio ao venerando princípio que informa os
processos criminais: “In dubio pro reo”.
84

87. A codenação, ainda que de indivíduo de sombria


nomeada nas expansões da criminalidade, requer
prova plena e cabal da existência do fato e certeza de
sua autoria. Neste ponto, deve o Juiz timbrar de
escrúpulos, não venha a condenar alguém com base
em vagos e remotos indícios, fonte de clamorosos
erros judiciários.
88. É princípio geralmente recebido que apenas a certeza
autoriza a condenação do réu. Em caso de dúvida –
presente, por força, no processo-crime onde o réu
nega o que a vítima afirma –, a solução mais
prudente será a que o absolver por insuficiência de
prova (art. 386, nº VII, do Cód. Proc. Penal).
89. A integração do tipo do art. 173 do Cód. Penal (abuso
de incapazes) requer prova boa da falta de higidez
mental da vítima, poderosa a incapacitá-la para
deliberar segundo as leis da razão. Do contrário,
justifica-se a absolvição do réu à luz do princípio
tutelar da inocência: “In dubio pro reo”.
90. “No processo criminal, máxime para condenar, tudo deve
ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como
qualquer expressão algébrica” (Rev. Tribs., vol. 619, p.
267).
91. Mais que meras conjecturas acerca da culpabilidade
do acusado, são necessárias, para sua condenação,
provas tão claras como a luz meridiana: “(…)
probationes luce meridiana clariores” (cf. Giovanni
Brichetti, L’Evidenza nel Diritto Processuale Penale,
1950, p. 111).
85

92. “O que se passa no foro íntimo de uma pessoa não é dos


domínios do Direito Penal. Persiste ainda hoje a máxima
de Ulpiano: Cogitationis poenam nemo patitur. Ou,
como falam os italianos: Pensiero non paga gabella
(o pensamento não paga imposto ou direito). Em intenção
todos podem cometer crimes” (E. Magalhães Noronha,
Direito Penal, 1963, vol. I, p. 154).
93. “Dúvida, in poenalibus, deve ser decidida pro libertate”
(Nélson Hungria; apud J. Didier Filho, Direito Penal
Aplicado, 1957, p. 8).
94. Na dúvida se o acusado é traficante ou usuário de
droga, deve prevalecer a hipótese mais favorável do
art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Tóxicos), em
atenção ao princípio “In dubio pro reo”, que preside
soberanamente as deciões da Justiça Criminal.
95. Ainda que, ao aviso de Malatesta, o espírito humano,
limitado em suas percepções, não alcance a verdade,
nas mais das vezes, senão por via indireta – “Lo
spirito umano, limitato nelle sue percezioni, non arriva il
più spesso, alla verità che per via indiretta” (La Logica
delle Prove in Criminale, 1895, vol. I, p. 43) –, não
parece de bom exemplo suprir pela força do
raciocínio a lacuna da prova.
96. “Sêneca, que viveu e floresceu três séculos antes de Cristo,
deixou, entre outros, este pensamento admirável: julgar
alguém sem ouvi-lo, é fazer-lhe injustiça, ainda que a
sentença seja justa” (Vicente de Azevedo, Curso de
Direito Judiciário Penal, 1958, vol. I, p. 93).
86

97. “Os indícios não têm a necessária consistência e força


persuasiva da verdadeira prova, pelo que não bastam para
justificar qualquer sentença condenatória” (Auto Fortes,
Questões Criminais, 1a. ed., p. 123).
98. A biografia social do indivíduo, ainda que verdadeiro
sudário de crimes, não basta para imprimir-lhe na
fronte o estigma de culpado; para sua punição faz-se
mister prova maior de toda a dúvida.
99. É lei de todos os tempos que condenação exige
certeza. Dúvida, em questões criminais, interpreta-se
por falta de prova, o que impede condenação.
Sentença que absolve o réu, porque frágil e precária a
prova, é desfecho razoável para a causa e lance de
prudência humana, apanágio de todo julgador (art.
386, nº VII, do Cód. Proc. Penal).
100. “Na interpretação das leis, mais importante do que o
rigor da lógica racional é o entendimento razoável dos
preceitos, porque o que se espera inferir das leis não é,
necessariamente, a melhor conclusão lógica, mas uma justa
e humana solução” (Goffredo Telles Junior, A Folha
Dobrada, 1999, p. 163).

Notas

(1) Apud Pedro Paulo Filho, Grandes Advogados, Grandes


Julgamentos, 4a. ed., p. 218).
(2) STF; ARE nº 964.246-SP; Plenário; rel. Min. Teori
Zavascki; j. 11.11.2016; m.v.
87

(3) Vocabulário Jurídico, 3a. ed., t. III; v. presunção; Editora


Forense. Foi a seu autor, já reputado clássico – Oscar
Joseph De Plácido e Silva (1892-1963) – que tomei
por guia e referência, elaborando este singelo artigo.
À licença de citá-lo em plenitude somei a ousadia de
transcrever-lhe, “ipsis litteris virgulisque”, vários passos
de sua inestimável obra. Nem saberia, tratando-se de
conceitos e definições, escusar termos próprios e
lapidares em favor de outros, que os haveria decerto no
cabedal da língua, porém imprecisos e equívocos. Foi-
me forçoso, por isso, recorrer servilmente à lição do
egrégio vocabulista. Em todo o caso, dei curso à prática
vulgar, inspirada na metáfora da abelha, que recolhe,
nos luxuriantes jardins, a matéria-prima com que irá
deleitar o gosto a terceiros. É o que lhe quisera
oferecer, amável leitor!
(4) Nisto de indício (falho, porém) depara-nos a literatura
amostra frisante: O Caso do Padeirinho de Veneza.
Refere-o, em livro notável assim pela substância como
pela forma, o eminente Des. João Martins de Oliveira,
do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
“Em 1507, pela madrugada, foi assassinado um homem em
Veneza e seu cadáver estava na rua. Passando pelo local, o
moço Pedro Faciol, modesto padeiro, viu o corpo e ficou a
admirar o punhal manchado de sangue. A arma era rica.
Apoderou-se dela e ia retirar-se, quando soldados que se
aproximavam e o viram inclinado junto ao cadáver o
perseguiram e prenderam, encontrando o instrumento do
88

crime em seu poder. À vista do flagrante, foi submetido a


tormento, confessou o assassinato e foi enforcado a 22 de
março de 1507. Descobriu-se, depois, o verdadeiro autor do
crime. Diz-se que, por causa deste erro, a administração local
mandou escrever, em tinta vermelha, na parede da sala
dos julgamentos, a frase: Ricordatevi del povero fornaio
(Recordai-vos do pobre padeiro), e estas palavras eram
repetidas, em voz alta, por um funcionário, antes dos
pronunciamentos dos julgadores” (Revisão Criminal, 1a. ed.,
p. 45; Sugestões Literárias S.A.; São Paulo). Ainda:
Giuseppe Fumagalli, Chi l’ha detto?, 1994, p. 170;
Editore Ulrico Hoepli; Milano.
Sustentação Oral nos Tribunais

I — Eduardo Couture, numa obra de raro esplendor que


escreveu para os cultores do Direito(1), pôs em questão
matéria de certa gravidade, e foi esta: para que círculo do
Inferno irão um dia os bacharéis que comparecem à
tribuna das câmaras julgadoras e aí sustentam suas razões e
recitam seus memoriais, não advertindo em que os
esclarecidos juízes que os ouvem conhecem bem o
processo e, pois, escusam o empenho oratório do patrono
do réu?! Será muito de temer, por certo, o fogo desse
inferno; muito mais, no entanto, houvera de confranger a
alma do advogado o anátema com que o pudesse fulminar
um dia o constituinte, por não ter empregado em seu prol
algum dos meios de defesa que o Direito lhe assegura! E
a sustentação oral, por sem dúvida, não é o menos
importante deles.
Tem curso desembaraçado, nos círculos forenses, o
preceito de que a Defesa não deve, pelo comum, usar da
palavra em sede recursal. A causa seria porque, uma vez
conhecidas já as razões do recurso, fora supérfluo reeditá-
-las oralmente perante aqueles que o vão julgar. Demais,
encarecendo seus argumentos na superior instância, como
que o réu deixava descobrir sua dúvida acerca da
justiça dos magistrados cuja benevolência invoca, e tal
configuraria, se não absurdo, decerto injúria gravíssima. O
silêncio, a essa conta, não valera menos do que a palavra!
90

II — A sustentação oral de recurso, a nosso aviso, nada


tem de superfetação ou despropósito: ao revés, sobre
arguir clara ciência do ofício, entende-se por documento
de zelo profissional do advogado. Por fim, toda a
manifestação da Defesa é alento e coragem para a
inocência oprimida(2).
Mas, porque a sustentação oral colime seu fim
precípuo, que é argumentar para convencer(3), não haverá o
advogado descurar das regras que aproveitam geralmente
aos discursos em suas partes principais: a invenção, a
disposição e a elocução(4).
Conforme Caldas Aulete, é a invenção “a operação
mental que sobre um dado assunto o espírito produz”(5). Tal
aptidão se adquire com os conhecimentos, assim os de
cunho geral como os especiais. Estes se granjeiam com o
ativo e aturado estudo das mais reputadas obras acerca da
matéria do debate.
Não só das leituras, também da conversação com
os excelentes modelos da tribuna judiciária formará o
advogado seu cabedal de ciência particular(6).
Escolhido o assunto e delimitado o raio da
controvérsia, entrará o orador a ordenar seu discurso,
catando observância à disposição clássica: exórdio,
narração, confirmação e peroração(7). No exórdio, buscará
conciliar a benevolência dos juízes, que “não se contentam
com ser instruídos na causa, querem também ser deleitados”(8).
Em seguida lhes exporá o orador os fatos, narrando-lhos
com precisão e fidelidade; ao depois, na confirmação,
91

levará o fito em persuadi-los com provas e argumentos; na


peroração, que é o remate do discurso, porá o intento em
fazer triunfar suas ideias pela força da evidência.
Chamam os retóricos elocução à terceira e última parte
da eloquência, que se ocupa da seleção das palavras e frases
que darão vigor, luz, beleza e majestade aos pensamentos.
Passa pela mais difícil das operações do orador e é a que
lhe demanda maior aplicação e esmero, visto pressupõe o
conhecimento exemplar e firme não somente da língua,
senão também da “linguagem das paixões, a qual só se aprende
bem com o longo exercício e com o profundo estudo do coração
humano”(9).

III — Mais que o gênio ou dom criador, é a arte (conjunto


de preceitos para executar qualquer obra) a que sempre
comunica à elocução oratória o timbre da perfeição.
Benditas, portanto, as longas vigílias de estudo e trabalho,
que a elas deve o advogado o brasão de suas glórias
tribunícias!
Ponto de reconhecida relevância na Oratória, vem
aqui de molde tratarmos por igual da maneira de enunciar
o discurso. Querem uns, alegando com o grave da matéria
e do momento, que se leia como o trouxeram escrito;
outros, fiados de sua feliz memória, têm para si que devem
declamá-lo como o compuseram; há, por último, os que,
após diuturna preparação do tema, que assimilaram
pontualmente, asseveram não precisar mais que de breves
notas esquemáticas para garantir a perfeita comunicação
92

com os ouvintes. Das três opções de articulação


do discurso, é a última a que, por mais segura e
natural, recomendam os mestres da arte de falar. Ler,
simplesmente, o arrazoado forense, o mesmo fora que
admitir o advogado a própria falta ou negligência
ao preparar a sustentação oral, defeito insigne, que
ordinariamente se lhe não sofre nem perdoa(10). Dar de cor
a mensagem, será arriscar-se o advogado às insidiosas
contingências dos lapsos e dos esquecimentos, que lhe
poderão comprometer o fluxo natural das ideias. Se,
contudo, a tanto o “ajudar o engenho e arte”(11); se, pupilo
dileto da fortuna, gozar de memória privilegiada; se,
afeiçoado à arte declamatória, preferir o advogado
pronunciar de cor sua sustentação, não há que se lhe
oponha ou objete. Cada qual, enfim, sabe até onde pode
ajudar-se das próprias forças!
Outra questão, a que deve atender o advogado que se
propõe sustentar oralmente perante o Tribunal, é esta da
improvisação. No sentido de produção intelectual repentina
e sem preparo, ela não há; tampouco a tolera a seriedade
do múnus advocatício, o qual tudo quer perfeito e bem
acabado. “Na realidade, a improvisação é o resultado de um
longo trabalho de acumulação”(12).
Ao discutir, habitue-se o advogado a fazê-lo em pé
(ainda que lhe seja idolatrada prerrogativa o falar sentado).
Além de argumento de sua deferência para com os
ouvintes (cuja benevolência haverá de conquistar), é a
aprumada postura de quem trava combate, de que a defesa
oral constitui bom simulacro(13).
93

Mediante a observância destas regras, que para a mais


bela das artes cunharam nossos maiores, é sem dúvida que
os advogados aprendizes colherão merecidos gabos, com
pouca diferença daqueles com que a posteridade cingiu a
fronte imortal de Cícero: “Foi, de todos os oradores, aquele
que melhor fez sentir aos romanos o encanto que a eloquência
acrescenta às coisas honestas e o invencível poder da justiça
quando é sustentada pela força da palavra” (14).

Notas

(1) Os Mandamentos do Advogado, 1979, p. 67.


(2) A defesa oral – escreveu o distinto criminalista
Mauro Otávio Nacif, em brilhante ensaio, no qual
versou com diligência a matéria – “a defesa oral é
a coroação de todo o esforço realizado pelo advogado nos
processos criminais” (Revista Ajuris, nº 3, março/1975,
pp. 141-144).
(3) Edmundo Dantès Nascimento, Linguagem Forense,
1980, p. 12.
(4) A. Cardoso Borges de Figueiredo, Instituições
Elementares de Retórica, 1875, p. 7.
(5) Oratória, 1875, p. IV.
(6) À imitação, como estímulo criador, consagrou
Aristóteles não poucos lugares de sua Arte Poética (cf.
caps. I, III, etc.). Pelo mesmo teor, Antônio Albalat
(A Arte de Escrever, 1953; trad. Cândido de
Figueiredo). Ouvindo os paradigmas de sua classe,
94

conhecerá o advogado os segredos da arte oratória.


Da gloriosa milícia dos tribunos do foro criminal, leve-
-se-nos em gosto, por isso, mencionemos aqui alguns
dos mais conspícuos, de cuja destreza em desenrolar
o pendão da eloquência até os mestres apurados no
dizer têm muito que aprender e invejar: Paulo Sérgio
Leite Fernandes, José Roberto Batochio, Antônio
Carlos de Carvalho Pinto, José Carlos Dias, Tales
Castelo Branco, Miguel Reale Júnior, Antônio
Cláudio Mariz de Oliveira, Luiz Flávio Borges
D’Urso, Roberto Delmanto, Mário de Oliveira
Filho, João Meireles Câmara, Roberto Podval,
Alberto Zaccharias Toron, Eugênio Malavasi, Mauro
Octávio Nacif, Antônio Sérgio de Moraes Pitombo,
Daniel Bialski, etc. (que, mercê de Deus, oradores
forenses de alta estofa sempre houve entre nós, e isso
em todos os quadrantes da Pátria!). É escutá-los pois
o novel advogado, se aspira deveras à primeira
tribuna!
(7) Simetria: “Até no Inferno, que é o centro da confusão, há
ordem, como adverte Santo Agostinho” (Francisco de
Pina, Retórica, 1766, p. 53).
(8) Quintiliano, Instituições Oratórias, 1788, t. I, p. 255;
trad. Jerônimo Soares Barbosa.
(9) A. Cardoso Borges de Figueiredo, op. cit., p. 72.
(10) Aliás, como a prevenir inconvenientes, dispôs o
Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de
95

São Paulo que, “na sustentação oral, é permitida a


consulta a notas e apontamentos, sendo vedada a leitura
de memoriais” (art. 476).
(11) Camões, Os Lusíadas, canto I, v. 16.
(12) Henri Robert, apud Evandro Lins e Silva, A Defesa
Tem a Palavra, 1a. ed., p. 23.
(13) No Diálogo dos Oradores, Tácito “compara o advogado
ao soldado que marcha para a batalha provido de todas
as armas, pois aquele também comparece ao Fórum
armado de todas as ciências” (Alberto Sousa Lamy,
Advogados, Elogio e Crítica, 1984, p. 96). Não apenas é
importante que os advogados falem de pé; ajuntam
provectos oradores, com malícia espirituosa, que
deveriam fazê-lo também apoiados sobre uma perna só,
por advertência que fossem breves!
(14) Plutarco, Cícero e a Queda da República, p. 24; trad.
Lobo Villela.
A Linguagem do Juiz

I — Com esse título, tirou a público o eminente


Desembargador Geraldo Amaral Arruda livro em extremo
útil àqueles que se consagraram ao serviço da Justiça(1).
Forte no argumento de que a linguagem das decisões
judiciais está comprometida com a linguagem culta(2),
entrou Sua Excelência a tratar “ex professo” de pontos, cuja
inobservância tem levado muitos a distanciar-se daquele
áureo padrão de que justamente se ufanava o jurista
Bertrand: O Palácio da Justiça é o conservatório da língua(3).
Como é do ofício do juiz dizer o Direito, está além de
toda a disputa que unicamente na palavra achará o veículo
de sua realização. Daqui procede, pois, que deverá
conhecer bem o idioma vernáculo e saber exprimir-se nele
com discreta e pontual correção(4).
No juiz não é mister concorram os dotes que
distinguem os exímios artistas da palavra e lhes asseguram
a imortalidade no panteão da glória literária; tampouco é
preciso traga na fronte o louro de Apolo; basta-lhe que,
não podendo possuir todas as excelências de sua língua, ao
menos se empenhe por evitar as faltas graves que amiúde
contra ela se cometem e lhe abatem o esplendor(5).

II — Mas, visto pressupõe largo tirocínio, a ciência


da linguagem não se adquire sem o trato paciente e
ininterrupto dos mais acabados modelos da vernaculidade
98

– os clássicos –, que Horácio mandava correr com mão


diurna e noturna(6).
A primeira objeção que nos fará algum colega é que,
verdadeiros reféns do tempo, e eternamente ocupados em
leituras e estudos de autos de processo, já não têm os juízes
ócio para a conversação dos mestres do bom dizer, que
lhes regale a alma.
Verdade é esta que se não pode refutar cabalmente!
Todavia, àquele, em cujo peito ainda não feneceu a
centelha do entusiasmo pelas coisas belas e grandes,
sempre deparará a fortuna alguns instantes, nos quais
possam reconciliar-se com os egrégios varões que deram
lustre e majestade à formosa língua portuguesa. Eis a
melhor maneira de alcançar a riqueza do saber literário!
Não é para aqui a menção de todos os escritores cujas
obras importam muitíssimo à formação do gosto literário,
à aquisição dos cabedais da língua e à apuração do estilo.
Alguns poucos, no entanto, de nomeada clássica, merecem
referidos: Antônio Vieira, Manuel Bernardes, Luís de
Sousa, Alexandre Herculano, Latino Coelho, Camilo
Castelo Branco, Machado de Assis…, demais dos que
figuram também no cânon dos juristas conspícuos: Rui,
Lafaiete, Nélson Hungria, Orosimbo Nonato e Eliézer
Rosa. (O que escreveram estes beneméritos espíritos
constituirá sempre boa lição de vernaculidade e excelente
doutrina jurídica).
99

III — Entretanto, porque nem o talento supre a gramática,


o livro prestantíssimo de Geraldo Amaral Arruda também
adverte o leitor dos erros e impropriedades mais comuns
que desprimoram sentenças e outros escritos forenses.
Alguns damos aqui de amostra:
a) “Recomende-se-o na prisão” (p. 23). Frase incorreta.
Deve-se dizer: “Recomende-se na prisão; recomende-se
ele na prisão ou seja ele recomendado na prisão”(7);
b) “Posto que, conjunção concessiva, que não deve ser usada
como causal. Posto que equivale a embora, ainda que,
conquanto, etc., e se usa com o verbo no subjuntivo”
(p. 109)(8);
c) “De vez que…, vez que”: “muito comuns, tanto em peças
redigidas por advogados como até em sentenças” (p. 22),
tais locuções constituem solecismo condenável;
d) “Procedida a penhora” (p. 56). “Mas não será correto
dizer procedida a penhora… Por se tratar de verbo
transitivo indireto, não é correto seu uso em expressão
passiva”. Diga: “procedeu-se à penhora”;
e) Reprimenda. “Tem essa palavra aparecido em sentença
como sinônima de pena. Há equívoco. Não há fundamento
para o uso de reprimenda no sentido de punição criminal”
(p. 8). “No direito penal haverá impropriedade em
se denominar reprimenda qualquer pena detentiva.
Apenas pretendendo referir-se à admonição resultante da
suspensão condicional da pena é que se pode falar, sem
impropriedade, em reprimenda ao réu” (p. 9). O
Dicionário de Caldas Aulete e Santos Valente dá
100

ao verbete reprimenda os seguintes sinônimos:


admoestação severa; crítica acerba; censura forte;
f) Inobstante. “Nenhum dicionário autoriza esse neologismo,
que circula nos meios forenses a par de outras expressões de
formação semelhante. Preferível o uso das expressões
vernáculas já consagradas não obstante ou nada obstante”
(p. 23);
g) “… a aberrante expressão datissima venia” (p. 11).

A segurança e a clareza com que foi escrito e a


grande utilidade que sua doutrina representa para os
cultores do Direito e das boas letras, notadamente os
juízes, valem por idônea carta de recomendação do livro A
Linguagem do Juiz, no qual até os que se presumem de
doutos e sabedores terão muito que aprender e louvar.

Notas

(1) Geraldo Amaral Arruda, A Linguagem do Juiz, 1996,


Editora Saraiva.
(2) Op. cit., p. 5.
(3) Edgar de Moura Bittencourt, O Juiz, 1966, p. 287.
(4) “Não há bom Direito em linguagem ruim”, afirmou
com assaz de razão Hildebrando Campestrini (Como
Redigir Ementas, 1994, p. 40).
(5) Ao juiz não lhe é defeso cultivar em grau assinalado a
arte de bem escrever. Disse-o Mário Guimarães:
“Pode o juiz, se a tanto lhe ajudar o engenho e arte, dar
101

contorno elegante a cada frase. A elegância não se opõe


à simplicidade. Coexistem uma e outra, e até bem vai
que se associem” (O Juiz e a Função Jurisdicional, 1958,
p. 360).
(6) Arte Poética, v. 268.
(7) Vem aqui de molde o ensinamento do preclaro
filólogo Mário Barreto: “Todos, em letra redonda,
já se referiram à combinação se o e unanimemente lhe
assentaram o ferro em brasa de sua condenação, por
monstruosa em face dos documentos exemplares do nosso
idioma” (De Gramática e de Linguagem, 1922, t. I, p.
47). Ainda: “Os pronomes se e o jamais podem vir juntos
na mesma oração; nunca devemos dizer: não se o sabe,
faz-se-o, vê-se-o” (Napoleão Mendes de Almeida,
Gramática Metódica da Língua Portuguesa, 29a. ed.,
p. 177; Edição Saraiva).
(8) Posto que, em lugar de porque: “É locução conjuntiva, de
sentido concessivo, e não causal; significa ainda que, bem
que, embora, apesar de: Um simples cavaleiro, posto que
ilustre. E, posto que a luta fosse longa e encarniçada,
venceram” (Napoleão Mendes de Almeida, Dicionário
de Questões Vernáculas, 1981, p. 242). Outros exemplos,
em abono da lição do saudoso Mestre: “(…) alguns
exemplos temos, posto que poucos” (Antônio Vieira,
Sermões, 1959, t. V, p. 74); “O tempo ia sereno, posto
que frio” (Alexandre Herculano, O Monge de Cister,
21a. ed., t. I, p. 46); “Estou melhor, posto que não
inteiramente restabelecido” (Idem, Cartas de Vale de
Lobos, 1980, vol. I, p. 59; Livraria Bertrand).
O Advogado e o Crime de Falso Testemunho

I — O Fim da Palavra
Dado que o fim da palavra é expressar a verdade, bem
se entende que a mentira passa por um dos defeitos mais
reprováveis do homem(1). E mais avulta essa falta (e pois se
justifica a fulminem com extremos de rigor), se estava a
palavra empenhada sob formal juramento. Há casos, com
efeito, em que a contravenção da verdade, sobre constituir
quebra insigne do caráter e mácula moral intensa, cai
também debaixo da nota de infração penal: o crime de falso
testemunho. Tal é a repulsa que, por sua enormidade,
mereceu desde todo o sempre o falso testemunho, que o
mesmo Deus quis significá-lo, assentando-o na tábua que
deu a Moisés. Dos dez preceitos que nelas constavam, um
em verdade era este: Não dirás falso testemunho contra o teu
próximo(2).

II — O Falso Testemunho
Consoante a fórmula do art. 342 do Código Penal,
cometerá este crime a testemunha que fizer afirmação
falsa, negar ou calar a verdade, em processo(3). Réu de falso
testemunho, portanto, não será só aquele que mentir (ou
afirmar inverdade), senão o que negar a verdade sabida ou
ocultá-la(4). A falsidade, nunca é demais encarecê-lo, há de
recair sobre fato juridicamente relevante(5); do contrário,
visto não prejudica a prova, será reputada inócua(6).
104

À violação do juramento, que as antigas legislações


denominavam perjúrio, sempre se cominaram castigos
da última severidade(7). Com o que se conformava a
prudência do tempo, que punha timbre em não tolerar se
introduzisse no processo judicial coisa alguma capaz de
comprometer-lhe o intuito precípuo: a pesquisa da verdade
real.

III — O Advogado e o Falso Testemunho


Num mundo em que nada se mostra seguro (bem ao
invés, até as montanhas como que se abalam), não admira
que ainda aos advogados firam cruéis desgraças, e entre
estas a de serem processados criminalmente por falso
testemunho. O advogado, ninguém ignora que é de
seu particular ofício promover defesas, e juntamente
aconselhar quem o procure, o que pressupõe comunicação
ou trato pessoal não apenas com o cliente, mas também
com terceiros que intervenham em processo, máxime as
testemunhas.
Tão para escrúpulos é esta matéria do relacionamento
entre o advogado e as testemunhas, que, tratando-se das
que arrolou a defesa do réu, convém não mais que ouvi-las
previamente dos fatos sobre que tenham de depor em
Juízo, e recomendar-lhes falem só verdade; pelo que
respeita às indicadas pelo órgão da acusação, é de bom
aviso fuja delas o patrono do réu como da peste, se quiser
manter sua altivez e independência (necessárias no instante
de reperguntá-las), e a paz de espírito(8). Se o acusado, no
105

entanto, por sua conta e risco, pretender com elas encetar


conversação, deixá-lo fazer, que sua condição de réu
bem houvera de sofrê-lo; nunca, porém, o advogado, em
cujas mãos não cabem armas desleais. Não lhe esqueçam
estas graves palavras de Eduardo Couture: O processo é a
realização da Justiça, e nenhuma Justiça pode apoiar-se na
mentira(9).

IV — O Falso Testemunho e o Concurso de Pessoas


Tem este assunto suscitado pareceres encontrados no
grêmio dos penalistas. Querem alguns que, delito de mão
própria(10), o falso testemunho não pode ser cometido salvo
pelas pessoas às quais a lei expressamente se refere:
testemunha, perito, tradutor e intérprete. Para outros,
firmes na regra do art. 29 do Código Penal, é possível em tal
crime a participação ou coautoria.
A primeira opinião – que enjeita a hipótese de
codelinquência nos crimes de falso testemunho – é,
contudo, a que tem recebido sufrágios mais numerosos,
mostrando-se benemérita de acolhida. Esforça-se, de feito,
em argumento de solidez e boa lógica, inspirado no art.
343 do Código Penal, que, segundo a lição do saudoso e
diligente Celso Delmanto, “pune quem suborna aquelas
pessoas, não se concebendo que acabe punido com iguais penas
quem só pediu, sem subornar” (11).
Os julgados que dizem em crédito desta doutrina são
mais que muitos. Anotaremos apenas dois, que vêm aqui
de molde:
106

a) “É impossível a coautoria no delito de falso testemunho,


dado o caráter personalíssimo da infração, que só pode ser
cometida por testemunha, perito ou intérprete” (Rev.
Tribs., vol. 655, p. 281);
b) “Firme corrente jurisprudencial tem entendido que o delito
do art. 342 do Código Penal de 1940 é de mão própria,
somente podendo ser praticado pelo autor da infração.
Não admite a coautoria, a coparticipação através de
instigação ou orientação, nem mesmo por parte do
advogado do acusado” (Rev. Tribs., vol. 601, p. 321).
A despeito de o termos versado muito em sombra,
não se afigura este ponto do falso testemunho de todo
indigno da reflexão do advogado, enquanto se dirija, para
suas audiências, ao Fórum (cuja estrada real é fama que o
célebre Catão, por amor do caráter sagrado da Justiça e
por sua humildade, costumava percorrer descalço)(12).

Notas

(1) Para Kant, “a mentira é a falta individual mais grave


porque perverte o fim natural da palavra” (Castro Nery,
Filosofia, 1931, p. 99).
(2) Êx 20,16.
(3) Deste crime também pode ser sujeito ativo o perito,
o tradutor ou o intérprete.
(4) Como quer que vem ao nosso propósito, cabe aqui
alusão àquelas três coisas que os persas haviam pelas
107

mais importantes: “montar a cavalo, atirar com o arco


e dizer a verdade” (Heródoto, História, 1950, p. 72;
trad. Brito Broca).
(5) “Tanto a doutrina como a jurisprudência exigem o requisito
da relevância jurídica do fato para a configuração do delito
de falso testemunho” (Rev. Tribs., vol. 570, p. 284).
(6) Cf. E. Magalhães Noronha, Direito Penal, 1968, vol.
IV, p. 442.
(7) Rezavam textualmente as Ordenações Filipinas: “A
pessoa que testemunhar falso, em qualquer caso que seja,
morra por isso morte natural” (liv. V, tít. LIV). Pelo
mesmo teor, o Código Criminal do Império do Brasil,
com respeito aos que jurassem falso em Juízo:
prescrevia, na hipótese de juramento prestado para
a condenação do réu em causa capital, a pena “de
galés perpétuas no grau máximo” (art. 169). A Lei das
XII Tábuas assentara: “Se alguém profere um falso
testemunho, que seja precipitado da Rocha Tarpeia” (táb.
7a., inc. 16); apud Silvio Meira, A Lei das XII Tábuas,
2a. ed., p. 172). Ajuntou, ao propósito, Jayme de
Altavila: “Eis a razão por que os romanos, que puniam
atrozmente o roubo, diziam que falsi testes pejores sunt
latronibus. As testemunhas falsas são piores que os ladrões”
(Origem dos Direitos dos Povos, 4a. ed., p. 80).

(8) Bem que não seja defeso ao advogado o contacto


prévio com testemunhas, todavia, como o advertiu o
108

abalizado criminalista Paulo Sérgio Leite Fernandes,


“a atitude não é recomendável, pelos problemas que traz”
(Na Defesa das Prerrogativas do Advogado, vol. II,
p. 62).
(9) Apud Ruy A. Sodré, Ética Profissional e Estatuto do
Advogado, 1977, p. 112.
(10) “Crimes de mão própria ou de atuação pessoal são aqueles
que só podem ser cometidos pela própria pessoa” (Orlando
Mara de Barros, Dicionário de Classificação de Crimes,
2a. ed., p. 68).
(11) Código Penal Comentado, 5a. ed., p. 620.
(12) Cf. Jayme de Altavila, A Testemunha na História e no
Direito, 1967, p. 67).
Coletânea de Exórdios

Para desempenhar-se a primor de seu nobre ofício –


que se resume num verbo: persuadir –, há de conhecer o
advogado os preceitos da Retórica, ou “arte de bem dizer”(1),
dos quais um é conciliar a benevolência do juiz(2). Exórdio é
o nome da parte do discurso ou arrazoado forense
destinada a congraçar o orador com os ouvintes e a excitar-
-lhes a atenção. De ordinário, toma-se de frase ou
pensamento de autor célebre, que se ajuste à espécie
da causa. Não só no discurso oratório, também nas
composições literárias escritas (conforme se deixa entender
de um lugar de Cícero(3)), cabe o exórdio, de que damos a
seguir alguns exemplos. O advogado diligente, com suas
leituras, poderá acrescentá-los ao infinito:
1. “Não hei de pedir pedindo, senão protestando e
argumentando; pois esta é a licença e liberdade que tem
quem não pede favor senão justiça” (Vieira, Sermões,
1959, t. XIV, p. 302);
2. “A suspeita é a justiça das paixões. O crime é a presunção
juris et de jure, a presunção contra a qual não se tolera
defesa, nas sociedades oprimidas e acovardadas. Nas
sociedades regidas segundo a lei, a presunção universal é, ao
revés, a de inocência” (Rui, Obras Completas, vol. XXIV,
t. III, p. 87);
3. “A verossimilhança, por maior que seja, não é jamais a
verdade ou a certeza, e somente esta autoriza uma sentença
condenatória. Condenar um possível delinquente é condenar
110

um possível inocente” (Nélson Hungria, Comentários ao


Código Penal, 1981, vol. V, p. 65);
4. “A causa da justiça porém é a verdade; a condenação do
inocente constitui maior desgraça para a sociedade do que
para o condenado, sendo preferível, segundo a velha
sentença de Berryer, ficarem impunes muitos culpados,
do que punido quem devera ser absolvido” (Firmino
Whitaker, Júri, 5a. ed., p. 89);
5. “Se ao juiz fosse facultado julgar e cominar pena ao
indigitado autor de um delito, de cuja existência ou
realidade não haja plena certeza e sobre cuja autoria paira
dúvida (…), o arbítrio sentar-se-ia no trono da Justiça, e
esta não mais seria a garantia das pessoas honestas e dos
fracos” (Moacir Amaral dos Santos, Prova Judiciária no
Cível e Comercial, vol. I, 3a. ed., p. 18);
6. “Não é a absolvição do culpado, mas a condenação do
inocente que afeta os fundamentos jurídicos, desacredita
a Justiça, alarma a sociedade, ameaça os indivíduos,
sensibiliza a solidariedade humana” (Roberto Lyra,
Introdução ao Estudo do Direito Penal Adjetivo e do
Direito Penal Executivo, p. 12);
7. “Não sigais os que argumentam com o grave das acusações,
para se armarem de suspeita e execração contra os acusados;
como se, pelo contrário, quanto mais odiosa a acusação, não
houvesse o juiz de se precaver mais contra os acusadores, e
menos perder de vista a presunção de inocência, comum a
todos os réus, enquanto não liquidada a prova e reconhecido
o delito” (Rui, Oração aos Moços, 1a. ed., p. 42);
111

8. “No processo acusatório, o juiz só tem a decidir qual das


alegações é bem fundada: se as do acusador, se as do
acusado; e não provando o primeiro plenamente as suas, a
absolvição é a consequência incontestável” (Mittermayer,
Tratado da Prova em Matéria Criminal, 1871, t. II,
p. 285; trad. Alberto Antônio Soares);
9. “Sobre o confuso tumultuar das paixões só a Justiça
resplende, como guia seguro: e é tal a pureza de seu
esplendor que, segundo a imagem aristotélica, não é tão
maravilhosa Vésper, a estrela vespertina, nem Lúcifer,
a matutina” (Giorgio del Vecchio, A Justiça, p. 161;
trad. Antônio Pinto de Carvalho);
10. “Todas as vezes que a culpabilidade não esteja completamente
estabelecida, uma condenação seria injustificada” (R.
Garraud, Compêndio de Direito Criminal, 1915, vol. II,
p. 170; trad. A.T. de Menezes);
11. “A acusação é apenas um infortúnio, enquanto não
verificada pela prova. Daí esse prolóquio sublime, com que
a magistratura orna os seus brasões, desde que a Justiça
Criminal deixou de ser a arte de perder inocentes: Res sacra
reus. O acusado é uma entidade sagrada” (Rui, Obras
Completas, vol. XIX, t. III, p. 113);
12. “A mais dura cousa que tem a vida é chegar a pedir e, depois
de chegar a pedir, ouvir um não: vede o que será!” (Vieira,
Sermões, 1682, t. II, p. 87);
13. “A defesa não quer o panegírico da culpa, ou do culpado. Sua
função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente ou
criminoso, a voz dos seus direitos legais” (Rui, Obras
Completas, vol. XXXVIII, t. II, p. 10);
112

14. “Jamais devemos apagar de nossa memória três princípios


centrais da processualística tradicional: Reus res sacra;
nemo tenetur se detegere; satius esse impunitum relinqui
facinus nocentis quam innocentem damnare. (O réu é coisa
sagrada; ninguém é obrigado a depor contra si mesmo;
é preferível deixar impune um culpado a condenar um
inocente)” (Nélson Hungria, in Revista Forense, vol.
138, p. 339);
15. “Quanto mais abominável é o crime, tanto mais imperiosa,
para os guardas da ordem social, a obrigação de não
aventurar inferências, de não revelar prevenções, de não
se extraviar em conjecturas, de seguir passo a passo as
circunstâncias, deixando a elas a palavra, abstendo-se
rigorosamente de impressões subjetivas, e não antecipando
nada” (Rui, Novos Discursos e Conferências, 1933, p. 75);
16. “A possibilidade de ocorrência de erro judiciário justifica
supremos cuidados” (Roberto Lyra, Como Julgar, como
Defender, como Acusar, p. 11);
17. “É melhor absolver um culpado do que condenar um
inocente” (Idem, ibidem, p. 14);
18. “Os delitos mais horrendos, os crimes mais obscuros e mais
fantásticos e, portanto, os mais incríveis são exatamente os
que são tidos como comprovados por simples hipóteses e
indícios fracos e muito equívocos” (Beccaria, Dos Delitos e
das Penas, XIII; trad. Torrieri Guimarães);
19. “A sentença mais penosa, ou que mais fundo possa ferir a
parte, pode sempre ser suavizada, sem prejuízo de sua
eficácia, por um acento discreto de solidariedade humana”
(Cândido Naves, Páginas Processuais, 1950, p. 68);
113

20. “A prova para uma condenação, principalmente quando se


trata de penas extremadas, há de ser como o véu d’água,
que se escoa ao longo de um paredão granítico: cristalina,
pura, constante. Ela deve ser una, indivisível, convincente
por si mesma, para, ungida pelos óleos sagrados, ficar a
salvo de quaisquer influências que não sejam a da verdade
verdadeira” (Revista de Direito Penal, vol. 11, p. 113).

Notas

(1) Caldas Aulete, Oratória, 1875, p. III.


(2) Quintiliano, Instituições Oratórias, 1788, t. I, p. 230;
trad. Jerônimo Soares Barbosa.
(3) “(…) tenho um volume de proêmios, donde costumo colher
algum, quando começo algum tratado” (apud Quintiliano,
op. cit., p. 262).
Fraseologia Latina

Juntamente com o Latim (idioma que falava o povo do


Lácio, antiga região da Itália), a civilização romana herdou-
-nos as noções fundamentais do Direito. Nessa língua,
mercê de sua concisão e majestade, correm os aforismos ou
brocardos jurídicos. Nela foi também que Marco Túlio
Cícero, o mais eloquente advogado que o mundo nunca viu,
pronunciou suas belíssimas e imortais orações(1). Não é
muito, pois, que os artífices do Direito, ao elaborar suas
petições, escritos e arrazoados, continuem a servir-se da voz
latina, sempre que lhes caia a propósito, “cum caute et
judicio”.

I — Palavras e Locuções de uso frequente no Foro

1. Ad hoc — Para isto, para este caso. Ex.: “Se o promotor,


invadindo as atribuições da defesa, solicitar a absolvição do
réu, cumpre ao juiz presidente do tribunal declarar vaga a
cadeira da acusação e nomear um promotor ad hoc que a
desempenhe” (Inocêncio Borges da Rosa, Processo Penal
Brasileiro, 1942, vol. III, p. 116).
2. Ad perpetuam rei memoriam — Para a perpétua
memória do fato. Ex.: “As vistorias, arbitramentos e
inquirições ad perpetuam rei memoriam serão determinados
mediante prévia ciência dos interessados (…)” (art. 684,
parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1939).
116

3. Alea jacta est — A sorte está lançada. Célebres palavras


que, no ano 49 a.C., pronunciou Júlio César, um dos
maiores vultos da História, ao atravessar o Rubicão,
pequeno rio que separava a Itália da Gália Cisalpina.
Emprega-se quando alguém, após certa hesitação,
toma decisão importante, ousada e irrevogável.
4. Alibi — Em outro lugar, alhures, longe do local do
crime. Pronúncia: álibi. “Em Direito: ausência do
acusado no lugar do crime, provada por sua presença noutro
lugar. Já considerada palavra vernácula (álibi) por muitos
dicionaristas” (Paulo Rónai, Não Perca o seu Latim,
1980, p. 23; Editora Nova Fronteira). Está no caso
o lexicógrafo Antônio Houaiss, que registrou o
vocábulo, aportuguesando-o: “Álibi — Defesa que o réu
apresenta quando pretende provar que não poderia ter
cometido o crime por, p.ex., encontrar-se em local diverso
daquele em que o crime de que o acusam foi praticado
(um vizinho proporcionou-lhe o á. de que precisava)”
(Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 1a. ed.;
v. álibi). Diz-se também “negativa loci”: O álibi (ou
“negativa loci”) constitui exceção de defesa e, pois, cabe
ao réu o ônus da prova, aliás não se eximirá da tacha
de réu confesso (art. 156 do Cód. Proc. Penal). Isto de
álibi, “quem alega deve prová-lo, sob pena de confissão”,
adverte Damásio E. de Jesus (Código de Processo Penal
Anotado, 23a. ed., p. 159).
117

5. Animus necandi — Intenção de matar; intuito homicida.


O mesmo que animus occidendi. Ex.: “Não se pode
deduzir o animus necandi da natureza dos meios
empregados (…)” (Nélson Hungria, Comentários ao
Código Penal, 1981, vol. V, p. 73).
6. Communis opinio doctorum — A comum opinião (sentir
ou entendimento) dos doutores. Ex.: “É o ensinamento
geral dos juristas, a communis opinio doctorum, e menção
expressa de alguns Códigos Civis” (Orosimbo Nonato,
A Coação como Defeito do Ato Jurídico, 1957, p. 275;
Editora Forense).
7. Cum grano salis — “Com um grão de sal, isto é, com um
pouco de brincadeira, não inteiramente a sério” (cf.
Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 11a.
ed.; Apêndice). Ex.: “Trata-se, porém, de um raciocínio
imperfeito ou que deve ser aceito cum grano salis: (…)”
(Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1980,
vol. VII, p. 187); “Mas a distinção precisa ser entendida
cum grano salis” (Costa e Silva, Comentários ao Código
Penal, 1967, p. 100).
8. De cujus — Primeiras palavras da expressão tradicional
de cujus successione agitur. Aquele de cuja sucessão se
trata. É o autor da herança, o falecido. Se mulher, será
também de cujus: a de cujus. É para evitar o que
praticou aquele advogado bisonho, em petição de
inventário: O de cujus deixou uma “de cuja” e dois “de
cujinhos” (…).
118

9. Ex adverso — Do lado contrário; do adversário. Termo


da língua forense que designa o advogado da parte
contrária. Não diga ex adversus. Ex é preposição latina
que rege o caso ablativo; portanto: ex adverso.
Exemplo: o Código de Ética manda tratar com
urbanidade o advogado ex adverso, ou da parte
contrária (art. 44).
10. Flatus vocis — Sopro de voz. Ex.: “(…) se reduziria a um
flatus vocis, a uma expressão vazia de sentido, a um
preceito falecido de eficácia” (Orosimbo Nonato, in
Revista Forense, vol. 91, p. 98).
11. Fumus boni juris — Fumaça do bom direito (ou justa
causa). “Sem o fumus boni juris, a providência cautelar se
torna inviável” (José Frederico Marques, Elementos de
Direito Processual Penal, 1965, vol. IV, p. 15).
12. Lato sensu — Em sentido amplo. Antônimo: stricto sensu
(em sentido estrito). Aqui vem a ponto o reparo de
Eliasar Rosa: “Para guardar essas grafias corretas, e não
escrever, ou dizer, strictu senso e lato senso, há um meio
mnemônico. Basta lembrar que, no alfabeto, a letra o vem
antes da letra u” (Os Erros mais Comuns nas Petições, 9a.
ed., p. 240).
13. Non liquet — Não está claro; não convence; estou
em dúvida; a coisa não está bem esclarecida.
Abreviadamente: N.L. No processo criminal romano,
por ocasião da votação no julgamento de um acusado,
entregava-se a cada jurado uma tabuinha de madeira
revestida de cera, na qual, sem se comunicar com o
119

seu colega, inscrevia a letra A. (absolvo), ou a letra C.


(condemno) ou as letras N.L. (non liquet): não está
esclarecido (cf. V. César Silveira, Dicionário de Direito
Romano, 1957, vol. II, p. 456). “Quando a hipótese de
inocência não está subordinada a suposições totalmente
gratuitas ou despropositadas, ao arrepio do curso normal
dos acontecimentos, terá de ser pronunciado o non liquet
e absolvido o acusado” (Nélson Hungria, in Revista
Forense, vol. 138, p. 339).
14. Prima facie — “Ao primeiro aspecto” (Saraiva, Dicionário
Latino-Português, 9a. ed., p. 469); à primeira vista; à
prima vista; à primeira face; ao primeiro lanço; ao
primeiro olhar; ao primeiro súbito de vista; à primeira
visada; ao primeiro lancear de olhos, ictu oculi, etc.
Exemplos: “Bom êxito é o que, ao primeiro aspecto, se
diria expressar ali o termo sucesso” (Rui, Réplica, nº 453);
“Essas duas opiniões (…), posto que à primeira vista
pareçam repugnantes, vêm a dizer o mesmo” (Heitor
Pinto, Imagem da Vida Cristã, 1940, vol. II, p. 200);
“Grande dificuldade de à prima vista negar a procedência
etimológica de tal ou qual vocábulo” (Ernesto Carneiro
Ribeiro, Estudos Gramaticais e Filológicos, 1957, p. 92);
“Todos estes termos estão à prima face mostrando que Deus
(…)” (Manuel Bernardes, 1726, t. IV, p. 151); “Esta
razão não é tão judiciosa como parece ao primeiro lanço”
(Camilo, Aventuras de Basílio Fernandes Enxertado,
1907, p. 8); “(…) podia parecer, ao primeiro súbito de
vista, que só a sentença lhes serve de causa, àquelas
120

nulidades” (Orosimbo Nonato, Da Coação como Defeito


do Ato Jurídico, 1957, p. 277); “Onde encontrar apoio
para reconhecimento de direito líquido e certo, perceptível
à primeira visada (…)” (Revista Trimestral de
Jurisprudência, vol. 41, p. 487); “Agora, veja Mário
Barreto se este trecho do eminente prelado não está, ainda
que o não pareça ao primeiro lancear de olhos, no mesmo
caso dos apontados como defeituosos” (Melo Carvalho, in
Revista de Língua Portuguesa, nº 12, p. 136); “Não existe
o crimen falsi quando a mutatio veri é reconhecível ictu
oculi ou prima facie” (Nélson Hungria, Comentários ao
Código Penal, 1980, vol. VII, p. 216).
15. Quandoque bonus dormitat Homerus — Às vezes até o
bom Homero toscaneja. Também os sábios erram.
Todos conjugamos o verbo errar. Emprega-se no
sentido figurado este verso de Horácio (Arte Poética, v.
359) para significar que ainda nas obras dos homens
de gênio há fraquezas e imperfeições. É o tributo à
“eterna falibilidade humana, cujos estigmas ninguém evita
neste mundo” (Rui, Réplica, nº 10).
16. Vexata quaestio — Questão muito controvertida. Ex.:
“(…) a síntese enunciada merece repetida como tomada de
posição na perdifficilis ac vexata quaestio” (Orosimbo
Nonato, Da Coação como Defeito do Ato Jurídico, 1957,
p. 74). Pron.: vekçata qüéstio.
121

II — Brocardos Jurídicos

1. Ad impossibilia nemo tenetur. Ou: Ad impossibile


nemo tenetur. Máxima de jurisprudência. Tradução:
Ninguém é obrigado ao impossível; a cada um,
segundo suas forças; quem faz tudo quanto está em
suas mãos (ou em suas posses) não pode ser obrigado
a mais.
2. Allegare nihil, et allegatum non probare paria sunt. Em
vulgar tem esta significação: Nada alegar, ou não
provar o alegado, tudo é um. “Não esquecer a
advertência de Maynz, de que o magistrado não acredita
em nada, tudo deve ser provado” (Washington de Barros
Monteiro, Curso de Direito Civil, 3a. ed., Parte Geral,
p. 257).
3. Audiatur et altera pars. Seja também ouvida a parte
contrária. Famoso aforismo jurídico em que assenta o
denominado princípio do contraditório, que é a “ciência
bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de
contrariá-los” (Joaquim Canuto Mendes de Almeida,
A Contrariedade na Instrução Criminal, 1937, p. 110).
Ver também Inaudita altera parte.
4. Cogitationis poenam nemo patitur — Aforismo jurídico.
Ninguém pode ser punido por pensar. Reproduziu-o
elegantemente, num lugar de sua estimada obra, o
saudoso Prof. E. Magalhães Noronha: “O que se passa
no foro íntimo de uma pessoa não é dos domínios do Direito
Penal. Persiste ainda hoje a máxima de Ulpiano —
122

Cogitationis nemo poenam patitur. Ou como falam os


italianos — Pensiero non paga gabella (o pensamento não
paga imposto ou direito). Em intenção todos podem cometer
crimes” (Direito Penal, 1963, vol. I, p. 154).
5. Cui prodest? — A quem aproveita? Palavras extraídas do
conhecido verso de Sêneca: Cui prodest scelus, is fecit.
Procurai a quem aproveita o crime, e encontrareis
o culpado (cf. Arthur Rezende, Frases e Curiosidades
Latinas, 1955, p. 188). Cassiano, famoso jurisconsulto
de Roma, “quando se devassava de algum homicídio,
costumava aconselhar e era acostumado a dizer: Que se
atendesse a quem a morte fora de utilidade, e a esse se
atribuísse” (Cícero, Orações, 1948, p. 15; trad. Pe.
Antônio Joaquim).
6. De minimis non curat praetor — O pretor não se ocupa
de questões insignificantes. Não só o pretor, nome
por que na Roma antiga se conheciam os magistrados,
também os membros do Ministério Público e os
advogados caem sob a jurisdição do sobredito
preceito. É de péssimo exemplo fazer caso e cabedal
de ninharia; não há dar peso à fumaça.
7. Inaudita altera parte. Sem ouvir a parte contrária.
“Em ambos os casos, porém, a tramitação procedimental se
opera inaudita altera parte” (José Frederico Marques,
Elementos de Direito Processual Penal, 2a. ed., vol. IV,
p. 62; Millennium Editora). Nota: Exemplo de sintaxe
latina denominada ablativo absoluto, deve grafar-se a
frase inaudita altera parte (e não pars); os nomes e os
adjetivos empregam-se no caso ablativo (parte). Ver
também Audiatur et altera pars.
123

8. In dubio pro reo — Na dúvida, em favor do réu.


Somente a certeza pode ensejar condenação; dúvida,
em Direito, significa o mesmo que ausência de prova.
Daqui por que sabiamente dispunha o art. 36 do
Código Criminal do Império do Brasil: “Nenhuma
presunção, por mais veemente que seja, dará motivo para
imposição de pena”. Lição, a mais de um respeito
notável, de João Mendes Jr.: “A Defesa tem direitos
superiores aos da Acusação, porque, enquanto houver
uma dúvida, por mínima que seja, ninguém pode
conscientemente condenar o seu semelhante” (Processo
Criminal Brasileiro, 4a. ed., p. 388).
9. Juris praecepta sunt haec — Honeste vivere; neminem
laedere; jus suum cuique tribuere. Os preceitos do
Direito são estes: Viver honestamente; não ofender a
ninguém; dar a cada um o que é seu. Aforismo
extraído das Institutas do Imperador Justiniano (liv. I,
tít. I, § 3º).
10. Necessitas non habet legem — “Frase do famoso Santo
Agostinho, autor das Confissões, que se traduz por:
A necessidade não conhece leis” (R. Magalhães Jr.,
Dicionário de Provérbios e Curiosidades, 1960, p. 181).
“A necessidade exige do homem o que quer” (Públio Siro,
Máximas, 1936, p. 89; trad. Remígio Fernandez).
Forma variante: Necessitas caret lege: A necessidade
não se sujeita às leis. É causa excludente de ilicitude
jurídica (art. 23, nº I, do Cód. Penal).
124

11. Nemo tenetur se detegere. Ninguém é obrigado a


acusar-se. Fórmula variante: Accusare nemo se debet nisi
coram Deo. Tradução: Ninguém é obrigado a acusar a
si próprio, salvo perante Deus. Donde a exortação de
Jacques Isorni: “Reservemos a confissão à Justiça do
Altíssimo e o silêncio à dos homens” (apud Eliasar Rosa,
Dicionário de Conceitos para o Advogado, 1974, p. 63).
12. Non bis in idem. Não duas vezes pela mesma razão.
Variante: Ne bis in idem. Apotegma de Jurisprudência
pelo qual ninguém pode ser duas vezes punido pelo
mesmo crime. Lê-se em José Frederico Marques:
“Um dos efeitos de litispendência é o de impedir o
desenrolar e a existência de um segundo processo para
o julgamento de idêntica acusação. Resulta, pois, da
litispendência, o direito processual de arguir o bis in idem,
mediante exceptio litis pendentis” (Elementos de Direito
Processual Penal, 2a. ed., vol. II, p. 264-265).
13. Onus probandi — “A obrigação de provar. O onus probandi
compete a quem afirma; cabe ao acusador e não ao acusado.
Onus probandi ei qui dicit — O ônus da prova compete a
quem alega” (Arthur Rezende, Frases e Curiosidades
Latinas, 1955, p. 547). “A prova da alegação incumbirá
a quem a fizer”, reza o art. 156 do Código de Processo
Penal.
14. Qui tacet, consentire videtur. Velha máxima que, em
português, responde assim: quem cala consente.
Embora direito seu (cf. art. 5º, nº LXVIII, da Constituição
Federal), vai mal-advertido o réu que, dando de mão à
125

primeira oportunidade de autodefesa, na Polícia,


prefere ficar calado (ou mudo como um peixe). É que
a própria razão natural o intima a defender-se com o
vigor da palavra, sobretudo se inocente. Ilustra-o que
farte o soberbo lugar de Vieira: “É cousa tão natural o
responder, que até os penhascos duros respondem, e para as
vozes têm ecos. Pelo contrário, é tão grande violência não
responder, que aos que nasceram mudos fez a natureza
também surdos, porque se ouvissem, e não pudessem
responder, rebentariam de dor” (Cartas, 1971, t. III,
p. 680; Imprensa Nacional; Lisboa).
15. Quod abundat non nocet. O que é em abundância não
prejudica. O que abunda não dana. Famigerado
aforismo jurídico, de curso frequente nos pleitos
judiciais, serve de alvitre aos que devem desempenhar-
-se do ônus da prova, ou demonstrar uma alegação.
Melhor é que sobejem provas (ou argumentos),
em prol da causa, do que escasseiem. Há
situações, contudo, em que se mostra o brocardo
contraproducente; prevalecerá então o virtus in medio
(a virtude é o meio termo). O que é em excesso
desvirtua. Até a mesma bondade morre do excesso. O
muito é muito, lembra o adágio português; Il tanto
nuoce, recitam os italianos, como se quisessem dizer: o
muito prejudica. Ainda: Ne quid nimis (Terêncio).
Nada de mais; em nada o demasiado. Todo o excesso
é uma imperfeição. Tão mau é o sobejo, como o
minguado (cf. Arthur Rezende, Frases e Curiosidades
Latinas, 5a. ed., p. 459).
126

16. Reformatio in pejus — Reforma para piorar (a sorte do


réu). É a “reforma empiorativa da sentença”, no dizer de
Eliézer Rosa (Dicionário de Processo Penal, 1975, p.
184). Sendo o acusado o que unicamente recorreu,
não pode a superior instância prover-lhe o recurso
para prejudicá-lo.
17. Res sacra reus — O réu é entidade sagrada. Por este
princípio, ainda o mais vil dos homens tem direito à
proteção da lei.
18. Secundum id quod plerumque accidit. Segundo aquilo
que geralmente sucede. À luz da experiência comum;
conforme a observação material dos fatos; na
conformidade da ciência experimental; de acordo com
a lição da experiência vulgar. Ex.: “O homem normal
deve ser entendido sob um ponto de vista estatístico, isto é,
tendo-se em conta id quod plerumque accidit” (Nélson
Hungria, Comentários ao Código Penal, 1978, vol. I,
t. II, p. 188).
19. Summum jus, summa injuria — Justiça excessiva é
injustiça. Esta parêmia traz Cícero em seu Tratado dos
Deveres (liv. I, cap. XI, p. 29; trad. Miguel Antônio
Ciera): “(…) donde teve origem o provérbio a suma
injustiça se converte em iniquidade”. Isto mesmo sentia
Salomão, “o mais sábio de todos os que nasceram” (Vieira,
Sermões, 1959, t. IX, p. 256): Noli esse justus multum
(Ecl 7,17). Não sejas por demasiado justo.
127

20. Testis unus, testis nullus — Uma só testemunha,


testemunha nenhuma. Faz ao caso a lição do
Conselheiro Ramalho: “Uma só testemunha regularmente
não prova o fato; e daí resulta a regra — dictum unius,
dictum nullius, ainda que o depoente seja dotado de grande
autoridade e dignidade” (Praxe Brasileira, 1869, pp.
311-312).
21. Vim vi repellere licet — É lícito repelir a força com a
força. Argumento que se invoca para os casos de
legítima defesa (art. 25 do Cód. Penal). Matar, para não
morrer, não é crime! Ulpiano, célebre jurisconsulto,
deixou escrito para todo o sempre que a razão natural
permite ao indivíduo defender-se: Naturalis ratio
permittit se defendere (cf. José Eduardo Fonseca,
Justiça Criminal, 1925, p. 10).
A legítima defesa, afirmou Cícero num rapto de
eloquência, não tem história, porque é uma lei
sagrada, que nasceu com o homem, anterior à
tradição e aos livros, gravada que está no código
imortal da natureza (cf. “Pro Milone”, cap. IV).
Todas as leis e todos os direitos permitem repelir a força
pela força, escreveu no bronze eterno o jurisconsulto
Paulo: “Vim vi defendere omnes leges omniaque jura
permittunt” (Dig. 9,2).
Isto mesmo significou o elegante Manuel Bernardes:
“A justiça concede a todos repelir a força com a força” (Nova
Floresta, 1726, t. IV, p. 207).
128

De igual sentir, o imenso Vieira: “Haveis de ferir


necessariamente a quem vos afrontou, porque a mancha de
uma bofetada no rosto só com o sangue de quem a deu se
lava” (Sermões, 1959, t. XIII, p. 135).
Aquele, portanto, que for injustamente agredido (ou
estiver na iminência de sê-lo) poderá afastar seu
agressor até com violência, que o autoriza a lei. É a
clara dicção do art. 23, nº II, do Código Penal.
Oráculo do Direito Penal pátrio, escreveu Nélson
Hungria: “Tanto na legítima defesa, quanto no estado de
necessidade, não há crime, o que vale dizer: o fato é
objetivamente lícito” (Comentários ao Código Penal, 1981,
vol. V, p. 92).
Todavia, quem invoca a descriminante da defesa
própria, a esse cabe demonstrá-la acima de dúvida,
que a falta aqui de prova equivale a confissão de
crime.

Bibliografia

• Arthur Rezende, Frases e Curiosidades Latinas, 1955;


• F.R. dos Santos Saraiva, Novíssimo Dicionário Latino-
-Português, 9a. ed.;
• Giuseppe Fumagalli, Chi l’ha detto?, 1995;
• Hildebrando de Lima e outros, Pequeno Dicionário
Brasileiro da Língua Portuguesa, 11a. ed.;
• Isidoro de Sevilha, Etimologias, 1983, 2 vols.;
• L. de-Mauri, Flores Sententiarum, 1926;
129

• Napoleão Mendes de Almeida, Dicionário de Questões


Vernáculas, 1981;
• Paulo Rónai, Não Perca o seu Latim, 5a. ed.;
• Rafael Bluteau, Vocabulario Portuguez e Latino, 1712,
10 vols.;
• R. Magalhães Júnior, Dicionário de Provérbios e
Curiosidades, 1960;
• V. César da Silveira, Dicionário de Direito Romano,
1957, 2 vols.

Nota

(1) Ao advogado criminalista muito aproveitará a leitura


dos discursos de defesa de Cícero, modelos acabados
da arte de argumentar e convencer. Dentre esses têm
lugar conspícuo os seguintes: Pro Milone(*), Pro Roscio
Amerino, Pro Q. Ligario, Pro Archia, etc. Tito Lívio
“tributou à sua memória a maior homenagem, declarando
que, para elogiar Cícero, só o talento do próprio Cícero”
(César Zama, Três Grandes Oradores da Antiguidade,
1896, p. 585).
(*) Pleito em favor do assassino de Clódio; este discurso
é considerado o mais belo de Cícero (Bernardo H.
Harmsen, Cícero, Antologia, 1959, p. 10).
Coisas Inúteis

1. (“Zero à esquerda”?!)
No universo das realidades, infinito é o número de
coisas que afimam a vida e lhe abrandam os rigores e
demasias, pelo que se consideram úteis ou benéficas; outras,
aos revés, trazem em si mesmas uma como tacha de
deformidade que as desmerece e torna dispensáveis (e talvez
repugnantes, por afrontosas do siso comum).
Quando queremos dizer que algo é imprestável (e,
pois, despiciendo), costumamos juntar-lhe, para encarecer e
avivar seus atributos e notas particulares, certos termos de
comparação, deste feitio: inútil como verruga, fósforo
apagado, trem fora da linha, barata (dentro ou fora de casa),
sino sem badalo, ferramenta cega, lápis sem ponta, etc.(1)
Nesse rol de coisas reputadas inúteis averbou o vulgo,
desde tempos imemoriais, a locução “zero à esquerda”, que
Antenor Nascentes recolheu numa de suas obras: “Ser um
zero à esquerda. Nada valer, não ter a menor importância,
a menor consideração”(2).
Onde, porém, o “zero à esquerda” (ou cifra da
mediocridade, segundo os irreverentes) irradia sua estéril
presença é no enunciado da numeração cardinal,
notadamente na representação gráfica dos dígitos (ou
números inteiros de 1 a 10), assim (“horribile dictu”!): 01,
02, 03…, etc.
132

Em verdade, é ordinário ver-se em todo lugar (placas


em vias públicas, repartições administrativas, agências
bancárias, locais de trabalho, áreas de lazer, peças de
vestuário, papéis impressos, petições forenses, calendários,
etc.) o tal símbolo excrescente:
133
134

Feriu o ponto, de forma cabal e irrespondível, o


Comendador DeRose, num interessante opúsculo em que
trata de certas mazelas da língua portuguesa. Parece bem
reproduzi-lo aqui:
“Está grassando um cacoete do zero à esquerda. Na data,
assim como em qualquer outro número, lembre-se de que zero à
esquerda não tem valor. Portanto, nada de escrever 01, 02, 03,
etc. Isso é cafona.
Se você escrever dia 03, vou querer escrever que no dia 018
de fevereiro de 02013 fiz 069 anos.
A desculpa esfarrapada de que o zero à esquerda é para
evitar confusão não convence ninguém. Uma placa com a
informação portão 03 é claramente mais confusa do que portão 3.
Tal praxe é incompreensível, pois, inclusive, sai mais caro
mandar fazer 20 ou 30 placas com um algarismo a mais, um
desnecessário zero, antes do número que se quer indicar.
E todas as vezes em que alguém colocar o zero à esquerda,
deveríamos ler em voz alta: Dia zero três, na sala zero quatro, às
zero duas horas, só para fazer gracinha!” (Falando Bonito,
2013, p. 31; Editora Gráfica Vida & Consciência; São
Paulo).
À vista de tal lição – que se firma em argumentos de
muita força e alcance, capazes de render os mais refratários
entendimentos –, persistir na prática acintosa de grafar
“zero à esquerda” seria mais do que teimosia de espírito,
porque fora também chapada estultícia (vênia!).
135

2. (“Boa noite a todos e a todas”?!)


O poder atrativo da novidade e certa perversão do
gosto, eis os responsáveis por atentarem muitas pessoas
(algumas até da primeira esfera) contra o pudor da
gramática. Exemplo frisante é o do orador que, ao proferir
sua arenga, rompe cerimonioso: “Boa noite a todos e a todas!”.
A flexão feminina “todas” mostra-se aí, evidentemente, por
demais. Com dizer todos, por sua feição de coletivo
universal, já se entende a totalidade dos ouvintes, sendo de
todo o ponto supérfluo aditar ao pronome indefinido a
forma genérica feminina.
Nem suponha algum espírito de contradição
que a falta do termo específico importava desdouro
ou menoscabo ao elemento feminino. É especioso o
argumento!
O próprio vocábulo “homem”, de per si só (e em senso
lato), máxime no plural, já presume o sexo oposto, visto
encerra a ideia de gênero humano.
Numa assembleia, quando o conferencista apregoa:
“Adianto aos senhores que serei breve”, ninguém duvida que
exultarão homens e mulheres (se as houver no recinto). Isto
é dos livros!
Advertiu, com efeito, o imperador Justiniano em seu
Digesto(3): É fora de dúvida que o termo homem compreende
assim o varão como a mulher. Donde o haver proclamado
a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de
dezembro de 1948, em seu art. 1º: Todos os homens nascem
livres e iguais em dignidade e direitos. Portanto, essa “página
136

mais brilhante do pensamento jurídico da Humanidade”(4) é o


paládio ou garantia suprema, simultaneamente, do homem
que da mulher!
Muita vez, o exagerado empenho do orador de dirigir-
-se a cada um dos ouvintes – dando-lhes “todos” e “todas”
– sói interpretar-se menos por lance de galantaria e
urbanidade do que por ingênuo e desgracioso bordão
retórico. Evitá-lo, pois!

3. (“A poeta” Cecília Meireles?!)


Conta-se do diabo que, tanto se extremou em enfeitar
a cara do filho, que acabou por vazar-lhe um olho.
Estão nesse caso os que, para armar ao efeito, não
trepidam em remeter inconsideradamente o disco além da
meta, esquecidos de que o ótimo é inimigo do bom!
Descendo ao particular: em beleza, eufonia e acepção,
poucas palavras há, na língua portuguesa, que possam
apostar primazia com poetisa.
Não é este, porém, o vocábulo que, ao presente –
ainda mal! –, empregam alguns (ia a escrever excêntricos)
– para designar, por escrito ou verbalmente, o feminino de
poeta. Quando acerta de aludirem a Cecília Meireles,
justapõem-lhe, muito de estudo, a forma de tratamento “a
poeta” (que não a poetisa, conforme os cânones gramaticais).
Poetisa (falando-se de mulher) é a forma que
praticaram sempre os mais acreditados padrões da boa
linguagem:
137

a) “…Safo, poetisa grega (VII-VI séc. a.C.” (Pequeno


Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 11a. ed.;
v. sáfico; Eivilização Brasileira S.A.; Rio de Janeiro).
b) À filha do poeta português Tomás Ribeiro (a qual
também o era das musas) chamara-lhe Cândido de
Figueiredo, com sua reconhecida competência de
lexicógrafo e escritor de nota, “(…) Branca de Gonta,
a poetisa das Matinas” (Os Meus Serões, 1928, p. 40;
Livraria Clássica Editora; Lisboa).
c) À derradeira, como quem tem voz no capítulo, Paulo
Bomfim, O Príncipe dos Poetas Brasileiros, além de
prosador elegante e vernáculo: “Certa vez me disse
(Ruy Apocalypse) que a única pessoa que poderia fazê-lo
feliz era a poetisa Renata Pallottini” (O Caminheiro,
2001, p. 124; Editora Green Forest do Brasil; São
Paulo).
Na doutrina gramatical não se conhece discrepância:
o feminino de poeta é poetisa (cf. Eduardo Carlos Pereira,
Gramática Expositiva, 91a. ed., p. 88; Ernesto Carneiro
Ribeiro, Gramática Portuguesa, 1932, p. 70; Júlio Ribeiro,
Gramática Portuguesa, 1900, p. 87; Cândido de Oliveira,
Dicionário Gramatical, 1967, p. 525; Francisco da Silveira
Bueno, Gramática Normativa da Língua Portuguesa, 1968,
p. 166; Napoleão Mendes de Almeida, Gramática Metódica
da Língua Portuguesa, 1980, p. 104, etc.
A Academia Brasileira de Letras, que, por disposição
de seus Estatutos, “tem por fim a cultura da língua e da
literatura nacional” (art. 1º), assentou que o feminino de
poeta é poetisa(5).
138

José Maria da Costa, jurista de prol e cultor exímio de


nosso idioma, exarou: “(…) uma forma própria para o
masculino (poeta) e outra para o feminino (poetisa), não se
admitindo seu emprego como se fosse substantivo comum de
dois gêneros” (Manual de Redação Jurídica, 6a. ed., p. 570;
Migalhas; Ribeirão Preto SP).
O que fica dito autoriza esta forçosa conclusão:
atribuir à palavra poeta o caráter – que não tem –
de substantivo comum de dois gêneros e dizer “a poeta”
(em vez de poetisa) seria contravir a regra elementar de
gramática, sobre sancionar um desconchavo, que os sujeitos
avisados geralmente aborrecem e proscrevem.
Em suma: honremos, quanto em nós couber, a
memória de Cecília Meireles(6), Francisca Júlia e
Colombina, poetisas notáveis pelo estro e primor de estilo!

Notas

(1) Ao cadoz das coisas inúteis também Agrippino


Grieco deitou sua cota-parte: “Inútil como um tenor
resfriado” (Gralhas & Pavões, 1988, p. 106; Editora
Record; Rio de Janeiro).
(2) Tesouro da Fraseologia Brasileira, 1945, p. 447; Livraria
Editora Freitas Bastos; Rio de Janeiro.
(3) “Hominis appellatione tam foeminam quam masculum
contineri nemo dubitat” (Dig. 58,16, 152).
139

(4) Jayme de Altavila, Origem dos Direitos dos Povos, 4a.


ed., p. 185; Edições Melhoramentos; São Paulo.
(5) Cf. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, 5a.
ed., p. 662.
(6) “Falecida em 1965, viveu sempre no Rio de Janeiro.
Professora primária, soube elevar-se aos mais altos
píncaros da poesia lírica, tornando-se a primeira poetisa
contemporânea” (Francisco da Silveira Bueno, História
da Literatura Luso-Brasileira, 6a. ed., p. 195; Edição
Saraiva; São Paulo).
A Mentira perante a Justiça

Sumário. Mais do que defeito grave de caráter ou hábito detestável,


faltar à verdade em Juízo é crime, a que a lei comina pena severa
(art. 342 do Cód. Penal). Tomar tento, pois!

I. Na esfera da Justiça, repugna muitíssimo à pesquisa da


verdade real – alma e escopo do processo – toda a sorte
de mentira.
Está a demonstrá-lo mais de um texto legal. Dispõe,
com efeito, o art. 77 do Código de Processo Civil: “(…) são
deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de
qualquer forma participem do processo: I — expor os fatos em
juízo conforme a verdade”.
O Código de Processo Penal, de sua vez, reza assim:
“A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer
verdade do que souber e lhe for perguntado (…)” (art. 203).
E, o que é mais, pune a lei, com rigor, aquele que, em
processo judicial, fizer “afirmação falsa, ou negar ou calar a
verdade (…)” (art. 342 do Cód. Penal).
Falar verdade em Juízo constitui, pois, desde tempos
imemoriais, preceito inviolável.(1)
A razão desse escrúpulo – a que se deve atender, sem
quebra, nos negócios da Justiça – é que a mentira,
conforme soberba lição de Kant, passa pela “falta individual
mais grave porque perverte o fim natural da palavra (2); e esta,
na frase de elegante escritor, deve trazer sempre “o venerável
selo da verdade”.(3)
142

É o quanto basta para encarecer o amor da verdade,


virtude sobre todas estimável.(4)
Mas, como advertiu o eloquente Cícero, pode a
verdade corromper-se com a mentira ou com o silêncio.(5)
De fato, é lição da experiência vulgar que, nos autos
mesmos dos processos que tramitam sob o aspecto grave
da Justiça, tem a mentira curso desembaraçado, como a
secundar o dito célebre, inscrito no texto sacro: Todo o
homem é mentiroso.(6)
Ninguém ignora que, em obséquio ao exercício do
direito de defesa, haja até quem reconheça ao acusado o
privilégio de poder, no interrogatório, se não mentir,
inventar a verdade.(7) É o que vociferam alguns, com entono
de arengueiro de praça pública: O único que pode mentir em
Juízo é “Sua Excelência o Réu”!
Alto lá! – ia quase a acrescentar apologistas do caos –
que tal licença se mostra, pelo comum, sobre indecorosa e
inútil, contraproducente. À uma, porque sempre se degrada
e dá má cópia de si o indivíduo que mente; à outra, porque
a mentira, ainda quando habilmente arquitetada, cedo se
destrói e desvanece(8); à derradeira, afastando-se da verdade
real, poderá o criminoso deitar a perder vantagens e
benefícios não desprezíveis.
143

II Na memória dos brasileiros estão ainda bem vivos


aqueles episódios ruidosos, em que personalidades assaz
conhecidas do cenário político nacional – chamadas a
prestar estritas contas à Justiça –, ao depor acerca dos fatos
que lhes eram imputados, não se corriam de negá-los de
pés juntos.
Desses, houve alguns aos quais se pudera ajustar, à
maravilha, a hipérbole que, em referência a certo mentiroso
chapado, cunhou um escritor de espírito e renome: “Mentia
com tanta ênfase, que até mesmo o contrário do que dizia estava
longe de ser a verdade”.(9)
Como pelejavam contra a evidência, em rixa aberta
com o conjunto probatório, não lograram desviar de suas
cabeças os golpes da vigorosa clava penal.
Em suma: também no templo da Justiça – ainda mal!
– entrou a mentira. Os bons Juízes, porém, com o
costumeiro discernimento, saberão sempre apartar o certo
do errado e a verdade da mentira, dispensando a cada um o
que lhe toca e merece.

III. Como faz o objeto deste ensaio a mentira – sobre a


qual triunfa sempre a verdade –, não será despropositado
trazer à colação o acórdão seguinte:
144

PODER JUDICIÁRIO

T RIBUNAL DE A LÇADA C RIMINAL


OITAVO GRUPO DE C ÂMARAS

Revisão Criminal nº 355.002/3


Comarca: Itu
Peticionário: CAB

Voto nº 2175
Relator

— Tem a confissão alto sentido moral no


processo-crime: ao admitir a autoria da
ação reprovável, revela o infrator caráter
não inteiramente deformado e como que
certa contrição pelo mal que fez; inculca,
ao demais, propósito de emenda e
recuperação. Por isso, havendo-se posto ao
lado da Justiça, ainda que com sério risco
para sua liberdade, é razoável se lhe defira
algum benefício (v.g., fixação de regime
prisional mais brando), à guisa de estímulo
à cultura dos valores éticos e galardão do
mérito.
145

— Não há proibição legal de o Juiz conceder


regime semiaberto a condenado não-
-reincidente a pena inferior a 8 anos
(art. 33, § 2º, alínea b, do Cód. Penal); a
concessão de tal benefício unicamente é
defesa ao réu condenado a pena que exceda
a 8 anos (não importando se primário), ou
ao reincidente, cuja pena seja superior a 4
anos.

1. CAB, por sua eficiente e culta patrona (Dra. Adriana


Haddad Uzum), propôs ação de revisão criminal, com o
intuito de desfazer sentença que proferiu o MM. Juízo de
Direito da 1a. Vara Criminal da Comarca de Itu,
condenando-o à pena de 1 ano, 9 meses e 10 dias de
reclusão, no regime fechado, por infração do art. 157, § 2º,
ns. I e II, combinado com o art. 14, nº II, do Código Penal.
Alega, em primoroso arrazoado, que a prova dos
autos, frágil e precária, não justificava a edição do decreto
condenatório.
Acrescenta que a própria confissão do réu não devia
ser interpretada como prova decisiva de sua culpabilidade.
À derradeira, clama pela modificação do regime
prisional para aberto, com “sursis” (fls. 18/22).
A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em detido
e escorreito parecer do Dr. Oswaldo Henrique Duek
Marques, opina pelo provimento parcial do pedido para
estabelecer ao sentenciado regime prisional mais brando
(fls. 24/27).
146

É o relatório.

2. Foi condenado o peticionário porque, na alvorada do


dia 11 de novembro de 1993, na Praça Dom Pedro I, na
histórica cidade de Itu, obrando em concurso e unidade de
propósitos com outro indivíduo, mediante grave ameaça
exercida com emprego de armas de fogo, tentou subtrair da
residência da família Steiner, dentre outros objetos, um
revólver Taurus, calibre 38, com 5 projéteis intactos, e a
carabina Rossi, avaliados em CR$ 82.000,00 (oitenta e dois
mil cruzeiros reais), padrão monetário da época, não o
conseguindo, porém, por circunstâncias alheias à sua
vontade.
Estavam os réus a perpetrar o roubo quando,
chamada, veio a Polícia em socorro das vítimas. Cercada a
residência, os réus entregaram-se, mediante voz de prisão.
Tramitou o processo segundo os cânones legais; ao
cabo, a r. sentença revidenda condenou os réus pelo crime
de tentativa de roubo.
Pretende agora o peticionário, com base na fragilidade
da prova, a absolvição.

3. Suposto digno de encômio o esforço de sua


Defensora, a pretensão do requerente não depara
fundamento nos autos nem nos melhores de Direito.
147

Em verdade, em presença do Magistrado que o


interrogava, admitiu que, acompanhado de um colega que
dava pela alcunha de Capeta, praticou a tentativa de roubo
descrita na denúncia (fl. 33).
As vítimas inquiridas na instrução, confirmaram as
palavras do peticionário (fls. 17/19).
Ante a certeza da materialidade e da autoria do crime,
não havia senão decretar contra o réu condenação.

4. Na ação especial de revisão, toca ao interessado fazer


prova convincente de que a decisão contra a qual se insurge
ofendeu de frente a prova dos autos ou contraveio a literal
disposição de lei.
É que, visto como se acha sob o selo da coisa julgada,
nenhuma decisão se altera sem prova plena e superior a
toda a dúvida sensata de que hostilizou o Direito Positivo
ou incorreu seu prolator em insidioso engano.
Não o demonstrou, contudo, a nobre Defesa, sem
embargo da suma diligência com que assistiu o réu.
Ora:
“É princípio assente que, na instância revisional, o ônus da
prova passa ao requerente. Nessas condições, não trazendo
ele elementos novos em abono das suas alegações, não merece
deferimento o pedido” (Rev. Forense, vol. 171, p. 384).
Por isso mesmo que não provado que a sentença
condenatória infringiu a prova nem a lei, não há rescindi-la.
148

5. Num ponto, entretanto, acho razão à combativa


Defesa e é quando terça pela modificação do regime
prisional.
Ao clamor do réu, juntou-se, aliás, a voz abalizada do
insigne Dr. Procurador de Justiça (fls. 25/26).
Com efeito, sobre primário, confessou o réu
espontaneamente o delito, e isto em presença do
Magistrado.
Ora, a confissão tem alto sentido moral no julgamento
do infrator. Admitindo a autoria da ação reprovável,
demonstra caráter não inteiramente deteriorado e como
que certa contrição pelo mal que fez. Ao demais, inculca
propósito de emenda e recuperação.
Destarte, uma vez se colocou ao lado da Justiça, ainda
que com sério risco para sua liberdade, é razoável deferir-
-lhe o benefício, à guisa de estímulo e galardão.
Vem a pelo notar que inexiste proibição legal de o
Juiz conceder ao condenado não-reincidente a pena inferior
a 8 anos o benefício do regime semiaberto; o Código
Penal, o que veda às expressas é que se defira ele ao réu
condenado a pena superior a 8 anos (não importando se
primário), ou ao reincidente, cuja pena seja superior a
4 anos.
Persuade-o a jurisprudência deste Egrégio Tribunal:
“Em se tratando de crime de roubo qualificado pelo
emprego de arma, sendo o réu primário, cuja conduta
não indica reprovabilidade exacerbada, é possível a fixação
149

do regime prisional semiaberto, sendo certo que o


estabelecimento da modalidade fechada pela só gravidade do
delito não encontra amparo legal, estando o Juiz vinculado
aos critérios previstos no art. 59 do Cód. Penal, consoante
dispõe o art. 33, § 3º, do mesmo diploma” (RJTACrimSP,
vol. 36, p. 116; rel. Ricardo Feitosa).

6. Isto posto, defiro parcialmente a revisão criminal para


fixar ao peticionário o regime semiaberto.

São Paulo, 19 de maio de 2000


Carlos Biasotti
Relator

IV. Pelo relevante significado que tem a confissão no


processo penal, deve a Justiça amercear-se daquele que,
ainda com dano para sua liberdade, preferiu ser sincero
com o Juiz que o interrogou. Essa, a que se pudera chamar
coragem moral, é digna sempre de recompensa, não só
apologia.
Porque se trata no entanto de matéria grave, que
entende com o foro da consciência e do caráter do
indivíduo, será ele unicamente o árbitro da decisão. Em
todo o caso, peço escusa ao gentil leitor para trasladar aqui
breves ementas que proferi, há bem de tempo, em causas
criminais:
150

1. “Do réu confesso é bem que se amerceie a Justiça: pois,


ainda nos lábios daqueles que resvalaram pela trilha
sinuosa da delinquência, dizer verdade passa por ato sempre
louvável” (TACrimSP; Ap. nº 1.099.813/5).
2. “O teor de proceder do réu que confessa perante a Justiça o
crime que cometeu é dado notável, que lhe justifica o
deferimento de regime menos gravoso, pois a prática da
virtude sempre merece louvor, ainda em relação àqueles
que violam a ordem jurídica” (TACrimSP; Ap. nº
1.208.539/0).
3. “A confissão espontânea e sincera do réu, pedra de toque do
arrependimento e do propósito de emenda, justifica-lhe a
estipulação do regime semiaberto para o cumprimento da
pena privativa de liberdade, ainda nos casos de roubo”
(TACrimSP; Ap. nº 1.102.347/8).
4. “Até à mentira tem o réu licença de recorrer, como meio de
defesa; não lhe é lícito, entretanto, atribuir-se falsa
identidade, que isto a lei define e pune como crime (art.
307 do Cód. Penal)” (TJSP; Ap. Crim. nº 1.198.048-
3/2-00).
5. “Pela confissão espontânea do crime, é certo que o réu lavra
contra si a própria sentença condenatória, porém dá
exemplo de grandeza moral: demonstra aborrecer o vício da
mentira e talvez se haja arrependido da transgressão à lei.
Não há ilegalidade, pois, em compensar-lhe a nota de
reincidência com a circunstância atenuante obrigatória
prevista no art. 65, nº III, alínea d, do Código Penal”.
151

“Quem se acusa a si mesmo escusa acusador, e faz leve o seu


delito” (Pe. Manuel Bernardes, Nova Floresta, 1711, t.
III, p. 259). (TJSP; Ap. Crim. nº 993.06.072180-1).
6. “Situações existem, contudo, que, suposto não se ajustem ao
rol das descriminantes, toleram (se é que o não aconselham)
confesse o arguido a autoria do fato que lhe é imputado. São
aqueles em que a sua negativa quanto ao fato
representaria, pelo estado da prova, um sesquipedal
insulto à inteligência do inquisidor e de qualquer pessoa de
suficiente consideração. Deveras, que mais atentatório do
siso comum que isso de insistir o réu em negar, perante o
magistrado, aquele mesmo fato cuja autoria admitira, sem
ambages, na quadra do inquérito?!” (Carlos Biasotti,
Tributo aos Advogados Criminalistas, 2005, p. 80;
Millennium Editora Ltda.).

V. A Mentira: Pecúlio de Frases e Citações


Tema de muito alcance, da mentira já trataram
infinitas celebridades literárias. De notas de leitura extraí
pequena coletânea, que ao leitor peço vênia para expor à
luz pública:
1. “A mentira é velha como o mundo. A crer-se no famoso
conceito de Talleirand, a palavra foi dada ao homem para
esconder o pensamento” (Nélson Hungria, Novas Questões
Jurídico-Penais, 1945, p. 233).
152

2. “Mentira é uma locução contra a verdade. Para Kant, a


mentira é a falta individual mais grave porque perverte o
fim natural da palavra” (Castro Nery, Filosofia, 1931,
p. 99).
3. “É um exemplo de presunção de homem, que aquele, que
mente em uma cousa, se presume mentir em tudo”
(Lourenço Trigo Loureiro, Teoria e Prática do Processo,
1850, p. 127).
4. “Todas as variações graves são um indício positivo de
mentira” (Mittermayer, Tratado da Prova em Matéria
Criminal, 1871, t. II, p. 30; trad. Alberto Antônio
Soares).
5. “Há pessoas que mentem com mais firmeza do que os
tímidos dizem a verdade” (Edgard de Moura Bittencourt,
Vítima, 1a. ed., p. 104).
6. Na batalha que se trava entre a acusação e a defesa, a
mentira do réu, na luta por sua liberdade, se não é
elogiável sob o aspecto moral, também não lhe é proibida.
Dizer a verdade contra si próprio, com risco de um enorme
sofrimento, é atributo das criaturas superiores, mas a lei
penal – observa o velho Garraud – não quer o heroísmo”
(Idem, Crime, 1973, p. 218).
7. “A experiência demonstra que a verdade é mais frequente
na boca dos homens do que a mentira” (Antônio
Dellepiane, Nova Teoria da Prova, 140; trad. Érico
Maciel).
153

8. “A história humana é um infinito oceano de erros, onde


sobrenadam uma ou outra verdade mal conhecida”
(Marquês de Beccaria, Dos Delitos e das Penas, § XV;
trad. Torrieri Guimarães).
9. “A metade só da verdade é uma mentira inteira”
(Almeida Garrett, Obras Completas, 1854, vol. II, p.
732).
10. “Ninguém tem o direito de negar o que a evidência
mostra” (Bento de Faria, Código de Processo Penal, vol.
II, p. 131).
11. “Mentir, como define Santo Agostinho, é dizer ou ir quem
fala contra o que entende: Mentiri est contra mentem ire”
(Pe. Antônio Vieira, Sermões, 1959, t. XIII, p. 413;
Lello e Irmão — Editores; Porto).
12. “Só dos poetas gostava, porque quem mente por profissão,
fala verdade” (Idem, ibidem, t. XV, p. 292).
13. “De maneira que o Sol, que em toda a parte é a regra certa
e infalível por onde se medem os tempos, os lugares, as
alturas, em chegando à terra do Maranhão, até ele mente.
E terra onde até o Sol mente, vede que verdade falarão
aqueles sobre cujas cabeças e corações ele influi” (Idem,
ibidem,
t. IV, p. 158).
14. “Mentir é ir contra a mente própria” (Pe. Manuel
Bernardes, Nova Floresta, 1711, t. III, p. 276).
154

15. “Toda a minha vida pública se resume neste lema: não


mentir” (Rui Barbosa, A Imprensa e o Dever da Verdade,
1920, p. 66).
16. “Que lugar haverá no mundo sem falsidades? Até no
céu se entroniza a mentira” (Rafael Bluteau, Prosas
Portuguesas, 1728, vol. I, p. 32).
17. “A verdade é uma conformidade do pensamento com a
palavra” (Idem, ibidem, p. 195).
18. “Verdade: conformidade do nosso juízo com certo objeto”
(Idem, ibidem, p. 226).
19. “Mendaci ne verum quidem dicenti creditur” (Cicero; De
Divinatione, II, 146). O mentiroso não é acreditado
ainda quando diz verdade.
20. “Do mentiroso nem a própria verdade ousamos acreditar”
(Alexandre Herculano, Opúsculos, t. I, p. 89).
21. “Fala todos os idiomas da mentira” (Luís Viana Filho,
Antologia de Rui Barbosa, p. 82).
22. “Mentia com tanta ênfase, que até mesmo o contrário do
que dizia estava longe de ser a verdade” (Stanislaw Ponte
Preta, Máximas Inéditas de Tia Zulmira, p. 94).
23. “Tornou-se-lhe proverbial o descaro: mentia com quantos
dentes tinha na boca” (Xenofonte, O Príncipe Perfeito,
p. 18; trad. Aquilino Ribeiro).
24. “Os homens não são todos mentirosos, porque alguns já
estão mortos” (Bartle Quinker; apud Ambrose Bierce,
O Dicionário do Diabo, p. 120).
155

25. “Em 1566 um comerciante de tecidos de Brístol, na


Inglaterra, declarou que vivera quinhentos anos e que,
em todo esse tempo, nunca dissera uma mentira” (André
Bierce, op. cit., p. 120).
26. “Mentiram mais do que permitia a força humana”
(Camilo, A Queda dum Anjo, p. 34).
27. “Sob color duma verdade dizer mil mentiras” (Heitor
Pinto, Imagem da Vida Cristã, vol. II, p. 160).
28. “Quem deve mente por força”, reza o brocardo.
29. “Tais fórmulas derivavam de triviais manifestações de
eutrapelia, convencionais mentiras de polidez” (Afonso
Celso, Oito Anos de Parlamento, 1981, p. 87).
Eutrapelia — Modo de gracejar sem ofender (Pequeno
Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 11a. ed.).
30. Ergueu um monumento à mentira.
31. Querem alguns provar a verdade com a mentira.
32. “Quando é necessário mentir, não devemos ter escrúpulo em
fazê-lo” (Heródoto, História, 1950, p. 279; trad. Brito
Broca).
33. “O mentiroso prudente de quando em vez diz uma
verdade” (mandamento cautelar dos fora-da-lei).
34. As alegações do réu são um impudente obelisco de
mentiras.
35. “Uma mentira dita mil vezes torna-se verdade” (Joseph
Goebbels, ministro da propaganda de Hitler). Sofisma
retórico alçado à categoria de quinta-essência da
156

pseudopublicidade, mas repudiado com veemência por


todos os sistemas doutrinários que professam o
primado da dignidade da inteligência humana.
36. Já entrou em provérbio a notória vocação dos
pescadores para a mentira: dizia um deles que era tão
grande o peixe que pescara, que somente a sua
fotografia pesou 2 kg. Nos ranchos em que se
acomodam, é também frequente dar-se com esta
inscrição: Aqui se reúnem pescadores e outros mentirosos.
37. A par dos mitômanos, que não conhecem outra
linguagem senão a da mentira, estão aqueles que não
trepidam em exagerar, a qualquer respeito, as
qualidades e atributos de suas coisas. Teor de
proceder é esse que, as mais das vezes, ninguém toma
ao sério, por sabê-lo fruto de fantasia desordenada,
ingênua hipérbole ou mera bazófia. É da condição
humana, com efeito, isto de exagerarem as pessoas as
notas positivas de tudo o que possuem: tanto lhes
agrada ter e cobiçar o melhor ou o mais raro de uma
ordem ou classe!
38. Não incorre nas penas do art. 66 do Código de Defesa do
Consumidor (afirmação falsa ou enganosa) o agente que,
para vender produto, encarece-lhe as qualidades, sem
contudo mentir sobre sua natureza ou características.
Espécie de “dolus bonus”, é estratagema a que de
ordinário recorrem os negociantes para gabo de suas
mercadorias, cujas excelências não raro exaltam até
aos cornos da Lua.
157

39. “Mentira branca – Mentira inocente, sem intenção de


causar dano. Por exemplo: mandar a criada responder que
não se está em casa quando há trabalho urgente a fazer, ou
que se está doente para não ir a uma reunião aborrecida”
(R. Magalhães Júnior, Dicionário de Provérbios e
Curiosidades, l960, p. 168; Editora Cultrix; São Paulo).
40. “Isto de trazer alguém nome suposto para velar seus
acidentes biográficos e eximir-se do castigo é prática
ignominiosa a que, de cotio, se entregam sujeitos
inescrupulosos. E, o que é mais: não raro granjeiam a
terceiros alguma benevolência, quando lhes afirmam que o
fizeram sob a capa de meio ou recurso de defesa (art. 307 do
Cód. Penal). Desenganem-se, porém, os que obram segundo
este indigníssimo estalão: ao acoroçoar a mentira e
perverter o fim natural da palavra (que é dizer verdade),
não estão quebrantando apenas preceitos da Moral; estão de
igual passo infringindo regras de Direito” (TACrimSP;
Ap. nº 1.021.323/5).
41. “A mentira, suposto sirva muita vez de recurso de defesa,
não na admite a Lei quando constitui violação de direitos de
terceiros. Nesta censura incorre aquele que, para ocultar
passos de sua biografia penal, atribui-se identidade de
outrem a quem, por isto, causa danos morais graves. O
intuito de autodefesa não exclui, pois, o crime de falsa
identidade” (art. 307 do Cód. Penal)” (TACrimSP;
Ap. Crim. nº 1.099.779/9).
158

42. “Embora a mentira não deva entrar no templo da Justiça,


que lhe fecha de contínuo as portas como a inimigo público,
a conduta do sujeito que faz declaração falsa de pobreza
para beneficiar-se de assistência judiciária gratuita não
incorre em crime, pelo que não há indiciá-lo em inquérito
policial por falsidade ideológica (art. 299 do Cód. Penal)”
(TJSP; “Habeas Corpus” nº 990.08.043080-7).
43. “Incorre nas penas da lei (art. 342, § 1º, do Cód. Penal) a
testemunha que, ao depor em processo-crime, falta com
a verdade acerca de fato juridicamente relevante, com
o intuito de favorecer o réu. A mentira não pode ter
entrada no templo da Justiça” (TJSP; Ap. Crim. nº
990.08.090617-8).
44. Pode a mentira perder seu caráter maligno ou
reprovável, quando empregada “per jocum” (por mero
brinco ou gracejo), “reservatio mentalis” (restrição
mental, intenção reservada) ou “dolus bonus” (fraude
pia), em que faz as vezes de locução verbal própria
a mitigar a impressão forte da verdade. Exemplo:
“Não vai doer nada!”, acentua a enfermeira ao vacinar a
criança, que, após silenciosa expectativa, prorrompe,
gemebunda, em choro copioso.
45. Mas as mentiras, ainda quando convencionais ou
“jocandi animo” (por gracejo ou pilhéria), nem sempre
se toleram, agradam ou edificam. Ilustra-o conhecida
anedota:
159

“Certa manhã, um jovial dominicano que tem a absurda


pretensão de se rir do bos mutus (10), exclama, debruçado da
janela:
– Frei Tomás, vinde ver um boi a voar!
Calmo, no seu passo pesado, Tomás aproxima-se, como para
observar o prodígio. O frade jovial triunfa, perdido de riso.
E Tomás, impassível:
– Supus que era mais fácil ver um boi a voar do que um
frade a mentir…
De fato, seria menos de surpreender uma alteração da
ordem natural do que uma alteração da ordem moral –
para a sábia virtude do Doutor Angélico” (João Ameal,
São Tomás de Aquino, 4a. ed., pp. 56-57; Livraria
Tavares Martins; Porto).
46. Para quem tem “pernas curtas”, a mentira já foi longe
demais; por isso, aqui faço ponto, com este belo
pensamento do clássico Pe. Antônio Vieira: “Quem
fala muito não pode ser verdadeiro em tudo” (Cartas,
1971, t. I, p. 110; Imprensa Nacional; Lisboa).

Notas:

(1) É fama que João Mendes Jr., mestre incomparável do


Direito, ao ensinar Processo Penal aos alunos da
Faculdade das Arcadas, evocava-lhes episódio da
história da antiguidade, em que se exaltavam as
funções do Juiz. Recitava-lhes que no Fórum egípcio
160

havia uma pintura mural representando um


julgamento, e dos lábios do Magistrado pendiam
estas graves palavras: “Eu sou o secretário de Deus, no
templo da Verdade e da Justiça” (apud Vicente de
Azevedo, Curso de Direito Judiciário Penal, 1958,
vol. I, pp. 47-48).
(2) Apud Castro Nery, Filosofia, 1931, p. 99.
(3) Eça de Queirós, O Mandarim, p. 20.
(4) Vem muito a propósito, mencionaar aqui as três
coisas que os persas haviam pelas mais importantes:
“(…) montar a cavalo, atirar com o arco e dizer verdade”
(Heródoto; História, 1950, p. 72; trad. Brito Broca).
(5) “Veritas vel mendacio corrumpitur, vel silentio” (De Off.,
I,23).
(6) “Omnis homo mendax” (Ps. 145,11).
(7) Por aborrecerem a mentira – a que, ordinariamente,
recorre o acusado como forma de defesa –, talvez
alguns juízes quiseram, no seu íntimo, antes se
prestigiasse o silêncio, não fora este sempre acintoso.
De feito, haverá nada mais inconciliável com as
regras da urbanidade do que o silêncio desdenhoso
do réu que, no interrogatório, não atende às
perguntas do juiz?!
(8) Cai a lanço reproduzir aqui a ementa de acórdão que
feriu o tema:
161

“O réu que, acusado de roubo, se defende mediante álibi


(alegando que estava preso ao tempo do crime), deve
prová-lo cumpridamente, máxime se permaneceu calado
na fase extrajudicial e foi reconhecido, sem falta, pela
vítima e testemunhas. A força do argumento que assenta
na negativa loci pode-a abalar a menor dúvida. As
crônicas policiais, com efeito, registram mais de um caso de
réu que, dado por oficialmente preso, foi visto, à luz
meridiana, a regalar suas entranhas em casas de pasto
da metrópole paulista” (TACrimSP; Ap. 250.559/6-
São Paulo).
(9) Stanislaw Ponte Preta, Máximas Inéditas de Tia
Zulmira, p. 94.
(10) “Bos mutus Siciliae” – “Boi mudo da Sicília” –,
alcunha maliciosa dada a Tomás de Aquino, “frade
moço e corpulento, pesado e sério, refugiado em teimosa
mudez” (João Ameal, op. cit., p. 54).
O Advogado e a Eloquência fora dos Tribunais

Sumário. Nobre veículo do pensamento, pode a palavra, em certas


circunstâncias – sobretudo quando em rixa aberta com o senso
comum –, meter na berlinda ao próprio orador e turvar-lhe a boa
reputação. Tomar tento, pois!

I. Com grande assombro das pessoas circunspectas,


órgãos de comunicação têm, ultimamente, realejado notícia
que, por seu teor insólito, despertou rudes críticas e
veementes protestos em todas as esferas sociais.
Foi o caso que, durante reunião gastronômica
promovida por seleto grupo de advogados notáveis, um
deles, erguendo sua taça num brinde ao mais famigerado
dos convivas, teria dito que, segundo o espírito do tempo,
adiantava pouco punir o infrator, se cometido já o crime.
Ainda: que o castigo era ineficaz contra a corrupção.
(Não recolhi ao orador suas palavras textuais; sou-
lhes, porém, fiel ao sentido, a saber: seria em pura perda
infligir pena ao criminoso, porque irreparáveis as
consequências do ato que praticou; ao demais, era a
corrupção mal invencível).
Tal afirmação – a pôr-se fé inteira nos meios
eletrônicos que a transmitiram – fizera-a um dos mais
renomados, competentes e argutos advogados criminalistas
do País: o Dr. Antônio Cláudio Mariz de Oliveira.
164

Não fosse o fato público e notório (que, em bom


direito, dispensa prova), ninguém o tomaria ao sério. É
que todos os que o conhecem – e sou desse número,
que forma legião – juram-no incapaz de dar curso a
semelhante enormidade (resisto ao impulso de chamar-lhe
parvoíce chapada).
As razões que militam em prol desta persuasão têm
grande peso e força. Laureado pela Faculdade Paulista de
Direito (PUC), frequentou Antônio Cláudio a lição de
mestres os mais consumados na Ciência do Direito, como
José Frederico Marques, Washington de Barros Monteiro,
Agostinho Neves de Arruda Alvim e Waldemar Mariz de
Oliveira Júnior, este seu ilustre pai (e meu saudoso e
querido professor de Direito Processual Civil). Com eles
aprendemos que a toda violação corresponde uma sanção,
ou “pena cominável aos violadores da ordem instituída”.(1)
Não pode cair em dúvida, com efeito, que todo
infrator, sendo imputável, está sujeito ao rigor da lei.
Donde a advertência de Nélson Hungria, com justiça
proclamado “o maior penalista brasileiro de todos os tempos” (2):
“A pena traduz, primacialmente, um princípio humano por
excelência, que é o da justa recompensa: cada um deve ter o que
merece”.(3)

II. A proposição – não ser de bom aviso punir o


delinquente, porque perpetrado já o crime – havia, sem falta,
de incorrer na reprovação das pessoas de reto juízo e
critério sólido.
165

Passa o mesmo quanto à corrupção, cancro social a


que, por extirpá-lo, os países de organização democrática
declaram guerra sem tréguas nem quartel.
Tais conceitos, que tanta indignação despertaram
nos espíritos esclarecidos, teria de fato emitido o nobre
advogado?!
Admito-o, a benefício de inventário, pois que –
segundo consta – ele próprio não se empenhou em lavrar
desmentido; tampouco se retratou.
Mas – e aqui bate o ponto! –, o provecto causídico
estava, ao tempo, em seu acordo e razão?!
Eis por que, não me sofrendo o ânimo ver arrastado
ao pelourinho da execração pública distinto e prestigioso
paladino do Direito, lembrou-me, sob a invocação das leis
da amizade, acudir por sua honra. Tenho-o na conta de
amigo e, conforme aquilo de um autor engenhoso, “um bom
amigo vale mais do que uma carabina” (4), que substituo aqui
pela arma do advogado: a palavra.
Tomo sobre mim, em suma, o encargo de seu
defensor “ad hoc”, a despeito de alguma voz que porventura
se levante para entoar o refrão do costume: Para ruim
defesa, melhor é nenhuma!

III. Aquele chorrilho de expressões o garboso Dr. Mariz


proferiu (ia quase a escrever expectorou), ao termo de um
banquete, perante colegas do ofício e algumas pessoas, estas
a mais de um respeito bem conhecidas.
166

Entre iguarias, que decerto causariam inveja à


glutonaria de Vitélio e à magnificência das mesas de
Lúculo, é de presumir não faltassem também – visto que
hoje muito poucos se constrangem diante de uma garrafa
– os melhores vinhos (capitosos, naturalmente!).
Nosso orador (diga-se a verdade lisa e francamente) é
possível não se tivesse limitado a sorver a água do copo,
que a praxe manda conservar à esquerda da tribuna, para
alguma emergência gutural. Lançando mais longe a barra:
embora seja a água “o vinho de Deus”, na original definição
de um homem de letras e espírito (5), não está afastada a
hipótese de que entrasse galhardamente pelas bebidas.
Palpito mais que, ao discursar (ou soltar-se em palavras), já
estava aquecido pelos vapores do álcool…
Ora, é de elementar intuição que as bebidas alcoólicas,
tanto que absorvidas pelo sangue, entram a operar efeitos
nos centros superiores do sistema nervoso do indivíduo,
desintegrando-lhe o psiquismo.
Assim, até mesmo quando consiga manter-se em pé,
ensinam os tratadistas da matéria que o atleta de Baco,
eclipsado o entendimento pelo torpor alcoólico e rotos seus
freios inibitórios, desata a palavrear e a despejar frases sem
nexo.(6)
Em prova desta alegação, tenho por autor não menos
que ao polido Pe. Antônio Vieira, que falava como o
oráculo de seu tempo: “(…) porque eles (os vinhos)
perturbam e tiram os homens de seu juízo, e fazem que fiquem
fora de si como doudos”.(7)
167

Numa palavra: a bebida alcoólica tem arte de enfatuar


o ânimo daqueles que a ela se entregam e, o que é mais, nos
casos de libação excessiva, faz sucumbir muitos ao estado de
embriaguez.(8)
É certo que – noção que ensinam os rudimentos do
Direito Penal – a embriaguez voluntária não elide a
responsabilidade criminal do agente, porque lhe não exclui
a imputabilidade.(9)
Pelo que, isto de ter-se alguém enfrascado em vinho,
antes de enunciar despautérios ou obrar contra o direito
expresso, não lhe serve de razão escusativa de
responsabilidade.
Haverá, entretanto – o que não é licença desprezível
–, de aproveitar-lhe como argumento “pietatis causa”: que,
se estivesse, como de ordinário, sóbrio e lúcido, não lhe
cairiam dos lábios palavras e frases que repugnam ao juízo
das pessoas de médio entendimento e, por mais forte razão,
ao daquele que se conhece por timbre e espelho de sua
instituição, a gloriosa Ordem dos Advogados do Brasil.
Enfim, se por mero gracejo, ou jocosa expansão de
jovialidade, foi que o orador proferiu as palavras que tanto
estranharam às pessoas de maduro juízo, não havia senão
recebê-las com um grão de sal; mas, se outra a hipótese,
passava por medida salutar, oportuna e talvez meritória que
lhe viessem os amigos limpar a testada.
Nisto pus a mira, em obséquio à grande estima que
tenho ao “Dr. Mariz”, a quem faço um discreto brinde
como pedem os estilos da urbanidade.(10)
168

Notas

(1) Goffredo Telles Junior, Iniciação na Ciência do Direito,


2a. ed., p. 76; Editora Saraiva.
(2) Evandro Lins e Silva, Arca de Guardados, 1995, p. 96;
Editora Civilização Brasileira; Rio de Janeiro.
(3) Novas Questões Jurídico-Penais, 1945, p. 131; Rio de
Janeiro.
(4) João Guimarães Rosa, Noites do Sertão, 7a. ed., p. 34;
Editora Nova Fronteira; Rio de Janeiro.
(5) Escreveu algures Agrippino Grieco.
(6) Em contradição com o retrilhado anexim “Quem não
bebe, não fuma e não mente não é filho de boa gente”,
formulou Baudelaire a advertência: O homem que só
bebe água tem alguma coisa a esconder (apud Almeida Jr.,
Lições de Medicina Legal, 7a. ed., p. 489: Companhia
Editora Nacional).
(7) Sermões, 1959, t. XIII, p. 320; Lello & Irmão —
Editores; Porto.
(8) Nunca faltou, entretanto, quem no vinho achasse até
virtudes dignas da voz latina: “In vino veritas”. (O
vinho seria uma como pedra de toque da verdade).
Para outros, faria as vezes de estímulo. Os advogados
veteranos (ou da velha escola) estarão lembrados
daquela celebridade da oratória forense que, antes de
assomar à tribuna, costumava, como dizia, “molhar a
169

palavra”. No Restaurante Corso, junto das Arcadas


(Faculdade de Direito do Largo de São Francisco),
após sorver um trago de conhaque, filosofava: “Tira o
juízo, mas dá coragem!”. E – circunstância notável –,
no maior número das causas que patrocinava, saía do
plenário do júri coberto de louros!
(9) Em seu espírito e forma, dispõe o art. 28 do Código
Penal que não exclui a imputabilidade penal: “II — a
embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou
substância de efeitos análogos”. Cifra-se esta norma à
teoria da “actio libera in causa”; quem quer a causa
quer o efeito.
(10) Desde tempos imemoriais, foi uso em todas as
sociedades esse de brindar ou beber à saúde de
alguém, com votos pela felicidade pessoal e em
atenção a seu merecimento. Como quer que o
episódio oratório, que faz objeto deste arrazoado,
ocorreu num brinde a certo vulto da classe política,
leve-me em paciência o benévolo e instruído leitor
evoque das páginas de nossa História dois outros,
frisantes por suas circunstâncias e pela dignidade dos
sujeitos a que se referiam:

I — “Brinde de Rui Barbosa ao Senador Pinheiro Machado.


No banquete político de 7 de maio de 1907: (…) os
que se habituaram a ver nele (Senador Pinheiro
Machado) não só um guia de raro tino entre as
incertezas políticas, mas ainda uma dessas úteis reservas
170

de energia moral, concentradas numa individualidade


robusta e poderosa, para as quais as nações democráticas
dirigem a vista confiadamente, quando consideram no
seu porvir” (Obras Completas de Rui Barbosa, vol.
XXXI, t. I, pp. 91-92).

II — “Recepção na Bahia. Discurso do Dr. Virgílio de Lemos


(…): “Não posso, pois, deixar de, em nome do presente,
levantar a minha taça em honra desta individualidade
verdadeiramente excepcional, considerada como a
culminância intelectual do país. Assim, pois, em nome
do presente e em nome do passado brilhante da Bahia,
brindo ao Conselheiro Rui Barbosa, que, melhor do que
qualquer outro baiano, concretiza e representa o brilho
de suas tradições e o fulgor de suas glórias” (Ibidem,
p. 103).
“Quantum mutatus ab illo!”.
Arrazoados Forenses. Extensão e Conteúdo

Sumário. A virtude está no meio. Por essa velha máxima de filosofia


prática entende-se que os extremos são nocivos; o demasiado,
vicioso; a mesma bondade morre do excesso. Também no circuito
judiciário isto ocorre: a exageração no reclamar justiça pode, muita
vez, ser causa de sua própria denegação.

I. Movido de altas preocupações, fáceis de presumir –


como a escassez de tempo, a quantidade assombrosa dos
processos que tramitam em todas as instâncias da Justiça do
País e até a voz da consciência ecológica –, propôs o
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pela generalidade
de seus juízes(1), fosse limitada a dez laudas a extensão das
petições forenses e decisões judiciais.
Pelo que, os obreiros do Direito (advogados, membros
do Ministério Público e autoridades judiciárias), primeiro
que viessem a juízo com petições, razões de recurso e
sentenças, deveriam submetê-las a um como leito de
Procusto.(2)
Ao toque de rebate dos expoentes do Judiciário
gaúcho acudiu de plano a Justiça bandeirante, que lhe
enalteceu e prestigiou o protocolo de intenções.(3)
Muitos receberam tal proposta com vivos e
conscientes aplausos; alguns porém a tiveram por afrontosa
e lesiva a seus direitos e interesses.
172

De importante que é, embora controvertido, ao


assunto não repugnam por isso reflexões e adequadas
providências, que, sem mortificar o sagrado direito de
defesa (princípio capital da ordem jurídica), ponham a mira
na solução da grave crise que, muito há, vem empecendo a
atuação da Justiça, à conta de sua morosidade (inevitável)
na prestação jurisdicional.(4)
Que seja lenta a Justiça não há negá-lo, que já
o perceberam e amiúde repetem ainda os de parco
entendimento. Não direi, entretanto – como o vulgo
profano –, que entre nós “se arrastem” os processos
(porque, em verdade, “tramitam” e nunca o fazem sem
dignidade), mas é força reconhecer que lhes falta o caráter
intrínseco de instrumento de solução de litígio: a celeridade.
Ora, é coisa difícil unir a dor à paciência, e os
litigantes – fato de certeza experimental – estão a provar
cotidianamente o cálice amargo da angústia e do
infortúnio! Donde veio a dizer um autor a todas as luzes
grande: “Não há maior tormento no mundo que o esperar”.(5)
Eis por que ao aflito, que bate às portas da Justiça,
urge despachar bem e rapidamente!

II. A muita demora nos julgamentos – mal que de tão


sério e pernicioso parece incurável! – tem causa bem
conhecida daqueles que um dia puderam penetrar a
complexa administração judiciária: a quantidade inaudita
dos processos que assoberbam a maioria dos foros, em
contraste implacável com o número (sempre inferior) dos
173

juízes que neles terão de oficiar. Deveras, sem embargo de


seus ingentes esforços e irrestrita dedicação à Justiça –
predicados que, pelo comum, os distinguem –, nada
podem os magistrados contra a insana pletora dos serviços
inerentes a seu cargo.(6)
Assim, visto que o Estado não acrescenta o número
ideal dos juízes, e a flux recrudesce o dos processos em
trâmite perante as seções judiciárias – metida em conta, ao
demais, a ampla liberdade de acesso das partes à via recursal
–, não há senão adotar medida de cunho emergencial que
contribua para o melhor aproveitamento do tempo (sempre
exíguo) dos juízes.
O alvitre da Magistratura do Rio Grande do Sul, que
se ponha cobro à extensão das peças forenses como forma
de emendar as inveteradas anomalias que obstam à
realização da justiça, é portanto muito de louvar (e receber),
ainda que pareça, ao primeiro súbito de vista, fazer rosto ao
direito de liberdade de expressão.
Àqueles que, falando ou escrevendo, cultivam o estilo
difuso ou prolixo, certamente lhes custará sujeitar ao rigor
da nova craveira suas petições, argumentos e razões em
processos judiciais. É lembrar-lhes, todavia, a milenar
exortação horaciana: Sê breve, e agradarás! (7).
Mais que agradar (ou, antes, satisfazer à “elegantia
juris”), é do ofício do advogado persuadir e “argumentar
para convencer”(8). Para alcançá-lo, pouco lhe bastará. Já
o ensinava, com efeito, didaticamente, o velho Código de
Processo Civil de 1939, no art. 158: na petição escrita,
174

“determinados os termos de seu objeto”, serão indicados “o fato e


os fundamentos jurídicos do pedido, expostos com precisão e clareza
(…)” (inc. III). Posto se referisse à petição inicial, aquela
cláusula salutar entende também com as mais peças
forenses, pois que todas constam de objeto, narração de fato
e fundamento de direito.
Comuns a todo o gênero literário, os requisitos da
“precisão e clareza” convêm especialmente ao estilo do foro.
À luz da experiência comum, a exposição clara (como
água de regato) e precisa (como as verdades matemáticas)
influem consideravelmente na boa inteligência dos
argumentos e razões; e, sobre isso, é poderosa para
conciliar (e até mesmo render) o ânimo do juiz da causa e
meter em desespero e confusão o adversário.

III. É quando entra a discutir a questão posta em juízo,


que o advogado – para imprimir cunho enérgico às suas
razões e argumentos – costuma dilatar as raias do escrito;
embora lhe bastara alegar com a doutrina e a lição de um
ou dois autores de nomeada, não hesita em trazer ao
terreiro da controvérsia para cima de meia dezena deles; e,
o que é mais, transcreve-lhes, prodigamente, páginas
inteiras dos lugares de suas obras… Não há mal em citar
bons autores e sábios jurisconsultos(9); apenas o exagero é
que parece bem evitar.
Passa o mesmo em matéria de jurisprudência dos
Tribunais: duas ementas, que fizessem ao caso, eram as que
bastavam para fechar a abóbada ao arrazoado forense,
175

dispensada coleta copiosa. Para mais, não haverá esquecer a


sentenciúncula: “Jura novit curia”, que, em nosso vulgar,
significa: O Tribunal conhece o direito.
A objeção de que seria violar o postulado de ampla
defesa (art. 5º, nº LV, da Const. Fed.) isso de coartar o
tamanho das petições forenses, não tem, “data venia”,
fundamento sólido que o sustente. A razão é que, se não
conseguir o advogado (ou outro profissional de sua
condição) expender, em dez laudas, argumentos cabais em
prol da causa que defende, em vão tentará fazê-lo em
cinquenta. (E se o podia em dez folhas, não lhe havia de
mister ir além, que tal fora não só inútil, mas também
supérfluo).
Esse ponto, de muito alcance, deve-se entender em
termos hábeis: ao juiz, sujeito sempre à inexorável tirania
do tempo, falece indubitavelmente vagar para a leitura
ponderada e de sobremão de petições derramadas e
sesquipedais.(10)
Tal diretriz haverá de respeitar somente à extensão
das peças jurídicas, não a seu conteúdo estrito ou padrão da
linguagem. Pelo conseguinte, escusa tratar aqui do quilate
da expressão verbal que se deve empregar na esfera
judiciária; nada obstante, cai a lanço recordar o pregão do
insigne magistrado Hildebrando Campestrini: “Não há
bom Direito em linguagem ruim”.(11)
176

À derradeira, como quer que, de regra, petições e


arrazoados desfecham em requerer e pedir, não resisto
à força que me faz o desejo de transcrever aqui este
pedacinho de ouro do clássico Manuel Bernardes:
“Memorais longos e compostos até a Deus desagradam”!(12)

Notas

(1) Cf. https://www.tjsp.jus.br


(2) “Procustes, salteador da África; obrigava os viajantes a
deitar-se num leito de ferro e cortava-lhes os pés quando
excediam o tamanho deste, ou esticava-os com cordas
quando o não atingiam. Foi morto por Teseu, que lhe
aplicou o mesmo suplício” (Lello Universal; v. Procustes).
(3) Cf. https://www.tjsp.jus.br
(4) Com efeito, vai já por um século, Rui estigmatizava
com ferro em brasa essa pertinaz mazela: “Mas justiça
atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e
manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador
contraria o direito escrito das partes e, assim, as lesa no
patrimônio, honra e liberdade” (Oração aos Moços, 1a.
ed., p. 42).
(5) Pe. Antônio Vieira, Sermões, 1959, t. V, p. 210; Lello
e Irmão – Editores; Porto.
(6) O fato não é raro: horas mortas da noite e ainda está
acesa a luz da bliblioteca do obscuro magistrado!
Solitário (e como abstraído), compulsa autos, em que
177

ásperas questões jurídicas lhe fatigam o cérebro; nada


porém o demove da busca diligente da verdade real
– alma e escopo de todo o processo –, que
lhe dará a conhecer o direito que, no caso concreto,
terá de preponderar na balança incorruptível da
Justiça. Isto praticam, de ordinário, os juízes! Não
será muito, destarte, se lhes consigne um voto
sincero de gratidão e simpatia; porque souberam
honrar a toga e dignificar, em sumo grau, o Poder
Judiciário, todo o louvor lhes será acanhado!
(7) “Quicquid praecipies, esto brevis” (Horácio, Arte Poética,
v. 355).
(8) Edmundo Dantès Nascimento, Linguagem Forense,
1980, p. 18.
(9) “Desconfio muito de quem se não abordoa a autoridades”
(José de Sá Nunes, Aprendei a Língua Nacional, 1938,
vol. II, p. 221).
(10) Apropriado ao nosso intento é o episódio que, faz bem
de anos, o desembargador Brenno Caramuru Teixeira
(de saudosa memória: 1910-1981) narrava a um pugilo
de advogados que se compraziam em escutá-lo
acerca de coisas do foro. Com a vênia do gentil leitor,
reproduzo-o aqui.
Foi o caso que, no exercício de sua judicatura na
comarca de Faxina (que pelo nome não perca), depois
chamada Itapeva, acertou de comparecer, de uma
feita, a seu gabinete, à primeira hora do expediente,
178

garboso advogado da região. Após saudá-lo


cortesmente, estendeu-lhe uma petição de avultado
aspecto. O magistrado, tanto que lhe pôs os olhos,
percebeu se tratava de inicial de reintegração de posse
com pedido de concessão de liminar. Havia um
obstáculo notável, porém: orçava a dita petição por
sessenta laudas! O “Dr. Caramuru” – que era esse o
tratamento que davam os jurisdicionados ao juiz-
titular da vara –, primeiro cerrou o sobrecenho; a
breve trecho, contudo, num impulso de consciência
reta e magnífico senso judicante, acenou ao nobre
causídico para que se assentasse na cadeira junto à sua
mesa e discreteou: Doutor, não posso despachar sua
petição, que é larga, sem que a examine detidamente,
mas o meu tempo é curto, “sou empurrado pelo ponteiro
do relógio”! Dou-lhe um conselho: torne ao escritório,
refaça-a em quatro laudas, indicando o objeto do litígio
e os fundamentos jurídicos do pedido, que ainda hoje
– prometo-lhe – direi da justiça de seu cliente.
Não tendo que opor à sensata e oportuna exortação, o
advogado – a túrgida petição entre mãos – enfiou
diretamente para sua banca e pôs-se a amputar-lhe as
demasias…
Era já pelo cair da tarde quando retornou ao fórum,
onde o esperava, tranquilo, o benevolente Caramuru,
que lhe recebeu a petição, leu-a enquanto o diabo
esfrega um olho e nela exarou pronta e curial decisão.
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O guapo e diligente advogado, esse não sopitava largo


sorriso de satisfação ao descer as escadarias do Palácio
da Justiça, pois fora despachado de boa sombra!
(11) Como Redigir Ementas, 1994, p. 40; Editora Saraiva.
(12) Nova Floresta, 1726, t. IV, p. 420.
Trabalhos Jurídicos e Literários de
Carlos Biasotti

1. A Sustentação Oral nos Tribunais: Teoria e Prática;


2. Adauto Suannes: Brasão da Magistratura Paulista;
3. Advocacia: Grandezas e Misérias;
4. Antecedentes Criminais (Doutrina e Jurisprudência);
5. Apartes e Respostas Originais;
6. Apelação em Liberdade (Doutrina e Jurisprudência);
7. Apropriação Indébita (Doutrina e Jurisprudência);
8. Arma de Fogo (Doutrina e Jurisprudência);
9. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (1a. Parte);
10. Citação do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
11. Crime Continuado (Doutrina e Jurisprudência);
12. Crimes contra a Honra (Doutrina e Jurisprudência);
13. Crimes de Trânsito (Doutrina e Jurisprudência);
14. Da Confissão do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
15. Da Presunção de Inocência (Doutrina e Jurisprudência);
16. Da Prisão (Doutrina e Jurisprudência);
17. Da Prova (Doutrina e Jurisprudência);
18. Da Vírgula (Doutrina, Casos Notáveis, Curiosidades, etc.);
19. Denúncia (Doutrina e Jurisprudência);
20. Direito Ambiental (Doutrina e Jurisprudência);
21. Direito de Autor (Doutrina e Jurisprudência);
22. Direito de Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
23. Do Roubo (Doutrina e Jurisprudência);
24. Estelionato (Doutrina e Jurisprudência);
25. Furto (Doutrina e Jurisprudência);
26. “Habeas Corpus” (Doutrina e Jurisprudência);
27. Legítima Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
28. Liberdade Provisória (Doutrina e Jurisprudência);
29. Mandado de Segurança (Doutrina e Jurisprudência);
30. O Cão na Literatura;
31. O Crime da Pedra (Defesa Criminal em Verso);
32. O Crime de Extorsão e a Tentativa (Doutrina e Jurisprudência);
33. O Erro. O Erro Judiciário. O Erro na Literatura (Lapsos e
Enganos);
34. O Silêncio do Réu. Interpretação (Doutrina e Jurisprudência);
35. Os 80 Anos do Príncipe dos Poetas Brasileiros;
36. Princípio da Insignificância (Doutrina e Jurisprudência);
37. “Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?”;
38. Tópicos de Gramática (Verbos abundantes no particípio;
pronúncias e construções viciosas; fraseologia latina, etc.);
39. Tóxicos (Doutrina e Jurisprudência);
40. Tribunal do Júri (Doutrina e Jurisprudência);
41. Absolvição do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
42. Tributo aos Advogados Criminalistas (Coletânea de Escritos
Jurídicos); Millennium Editora Ltda.;
43. Advocacia Criminal (Teoria e Prática); Millennium Editora Ltda.;
44. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (2a. Parte);
45. Contravenções Penais (Doutrina e Jurisprudência);
46. Crimes contra os Costumes (Doutrina e Jurisprudência);
47. Revisão Criminal (Doutrina e Jurisprudência);
48. Nélson Hungria (Súmula da Vida e da Obra);
49. Ação Penal (Doutrina e Jurisprudência);
50. Crimes de Falsidade (Doutrina e Jurisprudência);
51. Álibi (Doutrina e Jurisprudência);
52. Da Sentença (Doutrina e Jurisprudência);
53. Fraseologia Latina;
54. Da Pena (Doutrina e Jurisprudência);
55. Ilícito Civil e Ilícito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
56. Regime Prisional (Doutrina e Jurisprudência);
57. Alimentos (Doutrina e Jurisprudência);
58. Estado de Necessidade (Doutrina e Jurisprudência);
59. Receptação (Doutrina e Jurisprudência);
60. Inquérito Policial. Indiciamento (Doutrina e Jurisprudência);
61. A Palavra da Vítima e seu Valor em Juízo;
62. A Linguagem do Advogado;
63. Memorando aos Colegas da Advocacia e da Magistratura;
64. Código de Defesa do Consumidor (Casos Especiais em Matéria
Criminal);
65. Crime de Dano (Doutrina e Jurisprudência);
66. Nulidade Processual (Doutrina e Jurisprudência);
67. Da Coação no Direito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
68. Violação de Domicílio (Doutrina e Jurisprudência);
69. Indenização (Doutrina e Jurisprudência);
70. Desistência Voluntária (Doutrina e Jurisprudência);
71. A Embriaguez e o Direito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
72. Embargos de Declaração (Doutrina e Jurisprudência);
73. A Estrada Real do Direito;
74. Coautoria (Doutrina e Jurisprudência);
75. Medida de Segurança (Doutrina e Jurisprudência);
76. Centenário da Morte do Maior dos Brasileiros: Rui Barbosa.
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| Memorando aos Colegas da Advocacia e da Magistratura | Carlos Biasotti |

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