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Carlos Biasotti

Carlos Biasotti
(Organizador)
Ministro Sydney Sanches (Honra e Glória do Supremo Tribunal Federal)

Ministro Sydney Sanches


(Honra e Glória do Supremo Tribunal Federal)

2a. ed.

2023
São Paulo, Brasil
O Organizador

Carlos Biasotti foi advogado criminalista, presidente da


Acrimesp (Associação dos Advogados Criminalistas do Estado
de São Paulo) e membro efetivo de diversas entidades (OAB,
AASP, IASP, ADESG, UBE, IBCCrim, Sociedade Brasileira de
Criminologia, Associação Americana de Juristas, Academia
Brasileira de Direito Criminal, Academia Brasileira de Arte,
Cultura e História, etc.).

Premiado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, no


concurso O Melhor Arrazoado Forense, realizado em 1982, é autor
de Lições Práticas de Processo Penal, O Crime da Pedra, Tributo aos
Advogados Criminalistas, Advocacia Criminal (Teoria e Prática), Da
Prova, Da Pena, Direito Ambiental, O Cão na Literatura, etc., além de
numerosos artigos jurídicos publicados em jornais e revistas.

Juiz do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São


Paulo (nomeado pelo critério do quinto constitucional, classe dos
advogados), desde 30.8.1996, foi promovido, por merecimento,
em 14.4.2004, ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça.

Condecorações e títulos honoríficos: Colar do Mérito


Judiciário (instituído e conferido pelo Poder Judiciário do Estado
de São Paulo); medalha cívica da Ordem dos Nobres Cavaleiros
de São Paulo; medalha cultural “Brasil 500 Anos”; medalha “Prof.
Dr. Antonio Chaves”, etc.
Ministro Sydney Sanches
(Honra e Glória do Supremo Tribunal Federal)
Carlos Biasotti
(Organizador)

Ministro Sydney Sanches


(Honra e Glória do Supremo Tribunal Federal)

2a. ed.

2024
São Paulo, Brasil
Índice

I. Prólogo....................................................................................11

II. Convite para a homenagem ao Ministro


Sydney Sanches....................................................................15

III. Discurso de saudação.........................................................17

IV. Palavras de agradecimento do Homenageado..............25

V. Palavras de encerramento da solenidade pelo


Presidente do Tribunal de Justiça.....................................39
VI. Repercussão da homenagem no meio forense.............41

VII. Qualidades morais do Homenageado............................45

VIII. O Homenageado e seu sentimento de justiça..............79

IX. Fotos da solenidade de homenagem..............................99

X. Epílogo................................................................................105
Prólogo

Duas forças, ambas inelutáveis e poderosas, parecem


mover, sem quebra nem desfalecimento, o comum dos
homens: a preocupação de concorrer, cada qual em sua
esfera, para o aprimoramento da sociedade em que vive,
e a obrigação de indicar aos pósteros, com preceito que
as imitem na prática das virtudes morais e políticas,(1)
aquelas personalidades que, no uniforme consentimento
dos contemporâneos, lhes serviram de guia, conselho e
salvaguarda.

A esses numes tutelares é que deve a Humanidade a


inspiração de seus projetos e a excelência de suas conquistas.
Numa palavra: são os espíritos superiores — porque lúcidos,
generosos e prudentes — os que abrem os alicerces às futuras
gerações.(2)

(1) Denominava Montesquieu virtude política o amor às leis e à pátria


(cf. O Espírito das Leis, liv. IV, cap. V).

(2) Tem cunho de verdade irrecusável o apotegma de Isaac Newton:


Se enxerguei mais longe, foi por estar de pé sobre os ombros de gigantes (apud
Ettore Barelli e Sergio Pennacchietti, 2001, p. 122; trad. Karina Jannini;
Editora Martins Fontes).
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Por especial fortuna (em rigor, mercê divina), fomos


também nós prodigamente aquinhoados com partes
consideráveis dessa inestimável herança espiritual.

Daqui a antiga e louvável praxe de se lhes perpetuar a


presença no cadastro oficial dos povos, à guisa de lição,
exemplo e força criadora.

Na verdade, em todas as províncias do saber e


das profissões nunca faltaram magníficos arquétipos.
Recenseando-os por maior, eis alguns: Rui Barbosa, José
Bonifácio, Duque de Caxias, Osvaldo Cruz, Carlos Gomes,
Pedro Américo, Ramos de Azevedo, etc.
Há-os, por igual, na Magistratura, em cujo rol
onomástico (da última centúria), por suas peregrinas
qualidades, merecem inscritos: Pisa e Almeida, Lúcio
Mendonça, Viveiros de Castro, Mário Guimarães, Laudo de
Camargo, Manoel Costa Manso, Nélson Hungria, Edgard
de Moura Bittencourt, Eliézer Rosa…

Mesmo em nosso tempo, conturbado por desvarios


infinitos, é possível trazer à alta consideração dos brasileiros
(aos Magistrados, em especial), rara figura pública, assaz
conhecida e digníssima de imitar, não só enaltecer: Sydney
Sanches, Ministro do Supremo Tribunal Federal.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, fiel à


tradição de preservar e difundir sua glória mais cara — a de
reputado celeiro de notáveis Juízes —, promoveu, há pouco,
justa e esplêndida homenagem a Sua Excelência.
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Fomos presente à solenidade e com atenção ouvimos


seus brilhantes oradores; os discursos, assim do orador
designado para saudá-lo como do ilustre Homenageado,
arrebataram o ânimo dos ouvintes!

As palavras deste — documento genuíno de grandeza


histórica e esboço de vida edificante —, formaram utilíssimo
compêndio ou roteiro de proceder, concebido para os que
abraçaram a bela e grave carreira da Magistratura.(3) Seria
grande lástima não pudessem guardar-se das injúrias do
tempo! Eis por que nos pareceu bem reimprimi-las, num
como preito de justiça, amizade e gratidão ao Ministro
Sydney Sanches, um dos maiores nomes de nossa Corte
Suprema.

O Organizador

(3) Os discursos foram reproduzidos, “ipsis verbis”, de textos


escritos.
II. Convite para a homenagem ao
Ministro Sydney Sanches

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por seu


Presidente (Desembargador José Renato Nalini), no intento de
render homenagem ao Ministro Sydney Sanches, expediu
formal convite, do teor seguinte:
III. Discurso de saudação

Designado para saudar o homenageado, proferiu o


ilustre Juiz Ricardo Braga Monte Serrat o seguinte discurso:

Peço a todas as autoridades presentes, aos parentes,


amigos e admiradores do homenageado, que me permitam
saudá-los na pessoa do excelentíssimo senhor Desembargador
José Renato Nalini, nosso ilustre Presidente, magistrado de
incontáveis qualidades. Dentre suas virtudes, avulta a da
bondade extrema, bem comprovada neste momento em que
confere a simples juiz do interior a extraordinária honra de,
no Tribunal de Justiça de São Paulo, saudar o Ministro Sydney
Sanches, que, há poucos dias, recebeu do Instituto dos
Magistrados do Brasil o título de Expoente Máximo da
Magistratura Brasileira.
Muito obrigado, senhor Presidente.

Peço, também, a todos os presentes, que me permitam


mencionar a grande emoção que sinto por retornar a este
local solene, a Sala dos Retratos do Tribunal de Justiça, trinta
e oito anos depois de aqui haver estado para ser submetido ao
exame oral que permitiu meu ingresso na magistratura
paulista.

Senhoras e senhores.
Um saudoso advogado de minha região iniciou poema
em que descreve a atividade do juiz dizendo:
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O semeador da lei a mão espalma


A derramar na terra, em cada canto,
Aqui um sorriso, logo adiante um pranto
Que lhe marcam os passos e a própria alma…

O “semeador da lei” e sua alma! Razão e emoção! Juiz e


homem! Acertada a descrição dessa simbiose: por um lado, o
magistrado é órgão do poder soberano do Estado, com sua
grave, elevada e sublime função de dizer o Direito. Por outro
lado, ele é o ser humano que tem de conviver com as
incertezas do processo e com as consequências de suas
decisões. Pois é para saudar e apresentar um raro modelo de
Juiz e de homem, um semeador da lei e da equidade dotado
de nobre alma, que hoje compareço a este templo da Justiça.

Certa vez, em viagem de turismo, visitei empresa que


afirmava talhar os mais perfeitos diamantes, produzindo,
com sua lapidação esmerada, verdadeiras maravilhas a partir
da gema em estado bruto. O longo passeio terminava com a
exibição de uma de suas melhores produções: uma pedra de
grande tamanho, que inicialmente repousava em aparador de
veludo negro, sob o foco de luz especial. Era um grande
diamante, de incontáveis facetas, as quais, a cada movimento
do observador, se alternavam na emissão de lampejos
reveladores de pureza e de cores inimagináveis. Para
aumentar a admiração dos presentes, o exibidor, com sua
luva branca, apanhou o enorme brilhante e passou a movê-lo
sob o foco de luz, mostrando-o de um lado a outro,
provocando cintilações que pareciam partículas incandescentes
saltando daquela peça magistralmente polida.
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Recordei-me desse episódio quando, depois de


convidado para fazer esta breve saudação, passei a lembrar-
-me dos múltiplos talentos do Ministro Sydney Sanches e
do sucesso por ele alcançado em cada uma das atividades a
que se dedicou.

Se o contemplarmos como estudante, veremos sempre


o lampejo do melhor aluno, o primeiro da classe e da turma,
do curso primário em Pitangueiras ao bacharelado em
Direito na USP, às especializações, ao mestrado e ao
doutorado também naquela universidade. Tivesse eu tempo
e emolduraria esta narrativa contando-lhes, com detalhes,
como o homenageado, no ginásio, copiava, à mão, livros
inteiros que não tinha recursos para adquirir.

Se o olharmos como doutrinador, seremos


deslumbrados pela produção literária do autor de obra
premiada, de vários livros jurídicos publicados, de
incontáveis artigos, conferências e palestras em nosso país e
no exterior, assim como pela atuação do professor emérito
de várias faculdades de Direito e membro de Academias
Jurídicas.

Admirando-o por outra perspectiva, vê-se o Juiz


dispersando intensa luz. Na carreira da magistratura
ingressou também como primeiro colocado. Alcançou ainda
em primeiro lugar, formando, com os juízes Kazuo Watanabe
e Cornélio Vieira de Morais Júnior, o conhecido “Trio de Ouro
da Magistratura”, que se reunia no Fórum João Mendes Júnior
após as audiências, para debater questões de Direito e
enriquecer o grupo de magistrados que se reunia para
ouvi--los. Seguiram-se os sucessos no Tribunal de Alçada
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Criminal, no 1º Tribunal de Alçada Civil e neste Tribunal de


Justiça, ao qual honrou como Desembargador.

Ofusca o observador a luz intensa de sua atuação como


líder nacional da magistratura, atuação essa iniciada como
Diretor-Tesoureiro e Vice-Presidente (e presidente de fato) da
Associação Paulista de Magistrados, destacando-se, sempre,
como paladino das prerrogativas dos juízes e do Poder
Judiciário.
Depois de liderar os juízes de todo o país por meio de
sua atuação associativa, passou a comandá-los ocupando os
postos mais elevados do Judiciário. Brilhou o homenageado
como Ministro, na presidência do Tribunal Superior Eleitoral,
conduzindo eleições nacionais em clima de tranquilidade
pública e, acima de tudo, de certeza e confiança por parte dos
eleitores e dos candidatos. Presidiu, por fim, o Supremo
Tribunal Federal e nessa função coube-lhe comandar, perante
o Senado, o mais importante processo de nossa história, o
impeachment de um Presidente da República. Nesse momento
único em relevância, sua independência e imparcialidade, seu
profundo conhecimento jurídico, sua firmeza e serenidade
absolutas, reacenderam a esperança dos brasileiros, tornando
verdadeiros como nunca os versos de um magistrado desta
Casa, que escreveu certa vez:
Quando o desmando dos homens
o cobrir de cicatrizes,
pensando as dores reflita:
Ainda temos juízes!
Autoridades corruptas,
tantos homens infelizes…
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Não ceda à desesperança:


Ainda temos juízes!

Passando da vida pública à vida pessoal e familiar, vê-se


o clarão de seu modelo de dignidade e honradez. Como
Bayard, o homenageado sempre foi um guerreiro sem
mácula, que com a gentil, encantadora e saudosa professora
Eucides, formou jardim do qual brotaram as filhas Cristina,
Luciana, Renata e Márcia, e os netos Carolina, Adriana,
Isabela, Matheus, Bruno, Gabriela, Lucas, Camila e Felipe.

Visto sob o enfoque do reconhecimento público, o filho


do ferroviário José Sanches Martins e de dona Henriqueta
Zilioli Sanches, o menino nascido em Rincão que começou a
trabalhar como fiel de cartório em Pitangueiras aos 11 anos
de idade, emite agora o fulgor de várias dezenas das mais
importantes condecorações civis e militares de nosso país, de
diversos títulos de cidadania honorária, de Doutor Honoris
Causa, das missões de representação de nosso país no
exterior.

Nosso homenageado brilhou em tudo o que fez. Nos


diamantes bem trabalhados, a cintilação intensa revela peso,
cor, pureza e qualidade de lapidação. No caso de Sua
Excelência, esse brilho reflete o peso de sua cultura, as cores
fulgurantes de sua inteligência, a pureza de sua alma e o
magnífico trabalho de lapidação e polimento que à sua vida
foram aplicados por Jesus Cristo, nosso bondoso Deus.

A esta altura, obediente à limitação de tempo que me foi


imposta e ciente de que, em menos de uma hora, não se faz,
sequer, simples leitura das mais de cento e trinta páginas do
currículo do homenageado, devo escolher, então, para
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encerrar, uma última faceta deste brilhante que estamos


contemplando. Escolho, então, falar do homem leal,
verdadeiro, simples, solidário, companheiro, acessível, sempre
pronto a abrir seu coração aos que o buscam. Em síntese, o
homem dotado de infinita capacidade de ser amigo!

Lembro-me, por ter assistido pela televisão, que na


época do célebre processo de impeachment, um grupo de
estudantes juntou-se diante de seu apartamento em Brasília
e iniciou manifestação com o intuito de pressioná-lo a
conduzir o julgamento segundo melhor lhes parecia. Fosse
outro o Presidente do Supremo Tribunal e, talvez, ficasse a
aguardar que os manifestantes se cansassem e fossem
embora. Outro, ainda, apagaria as luzes para revelar seu
descontentamento. Algum haveria que chamaria a polícia
para pôr fim à manifestação que objetivava influir
indevidamente no processamento da causa. Porém, o chefe
do Poder Judiciário Nacional era o Ministro Sydney Sanches.
Em poucos minutos, desceu e estava em meio àqueles jovens
e, surgido de algum lugar um violão, cantava músicas
populares juntamente com o grupo de estudantes, então já
transformados de manifestantes e admiradores, em amigos…

E não é que, há poucos dias, tive a oportunidade de


conhecer seus amigos de infância na cidade de Pitangueiras?
O coração do homenageado, senhoras e senhores, é um cofre
de ouro, onde ele guarda sempre cada amigo que conquista!

Pois, então, senhor Ministro Sydney Sanches, é sua


capacidade inigualável de ser amigo e de preservar seus
amigos para sempre que me leva a encerrar minha saudação
lembrando que:
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Passam dias, passam anos


E com eles vão-se os planos
Da vibrátil mocidade.
Mas uma essência perdura,
Sempre excelsa, sempre pura:
A velha e doce amizade!
Senhoras e senhores, ecce judex, ecce homo. Eis o juiz! Eis o
homem!

Muito obrigado.
IV. Palavras de agradecimento
do Homenageado

Em minuciosa e enternecida oração, agradeceu o


Ministro Sydney Sanches a homenagem que lhe prestou o
Tribunal de Justiça. Ei-la, na íntegra:

Discurso de agradecimento do Ministro Sydney Sanches


por ocasião da homenagem recebida no
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
(21.10.2015)

Agradecimento ao Tribunal de Justiça pela iniciativa.

E ao Dr. Ricardo Braga Monte Serrat, por haver aceito o


convite para falar, autorizado pelo Presidente do Tribunal.

Meu interesse pela Magistratura começou muito cedo,


mas a convicção de que seria minha vocação ocorreu um
pouco mais tarde.

Nasci em Rincão, cidade pequena da região de


Araraquara.

Em 1943 havia concluído a 4a. série do Grupo Escolar


em Pitangueiras, com 10 anos de idade.
Não havia Ginásio na cidade. Meus pais achavam que
precisava continuar estudando mas consideravam temerária
a saída para outra cidade somente com 11 anos.
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Foi então que meu pai, José Sanches Martins, ferroviário


da Cia. Paulista de Estradas de Ferro, entrou em contacto com
o Cartório do Coronel Ubaldo Guimarães Spínola onde
poderia usar um método de aprendizagem de datilografia.

O Cartório era de Registro de Imóveis, de Títulos e


Documentos, com anexo de Inquérito Policial.

A partir de outubro de 1944, prestei pequenos serviços


de datilografia ao Cartório e ao Advogado Dr. Clóvis
Guimarães Spínola, filho do Coronel.

Alguns meses depois, passei a trabalhar no Cartório do


2º Ofício Judicial, do Bacharel Licínio Roberto de Almeida
Duarte, onde passei a ter contactos com Juízes como o Dr.
Júlio D’Elboux Guimarães e Dr. Henrique Fagundes Neto,
com Promotores Públicos, como o Dr. Oswaldo Espósito e o
Dr. Lavínio de Abreu Galvão, com Advogados como o Dr.
Clóvis Guimarães Spínola e Dr. Leônidas Campos, dentre
outros.
Já na ocasião me despertara maior curiosidade a
atuação do Juiz de Direito e seu papel relevante para a
comunidade.
Mas em 1947, com 14 anos de idade, meus pais
permitiram que eu estudasse em Araraquara, morando em
pensões.

Concluindo o 4º ano do Ginásio em 1950, de volta para


Pitangueiras, meu pai me avisou que o novo Juiz da Comarca
estava precisando de serviços de datilografia.

Era o Dr. Valentim Alves da Silva. Passei, então, a


datilografar fichas de jurisprudência dos Tribunais do País,
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inclusive do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e do


Supremo Tribunal Federal.

Lia os acórdãos assinalados e me interessei muito pelos


assuntos tratados e me convenci a partir daí, já entusiasmado,
de que pretendia seguir a carreira de Juiz. A vocação
despertara de vez aos 17 anos.
As fichas destinavam-se ao “Repositório de Jurisprudência
do Código Penal”, depois editado, transformado em livro.

Meu pai me aconselhou a não cobrar do Dr. Valentim


pelos serviços prestados, mas que lhe pedisse para conseguir
algum emprego em São Paulo. O Dr. Valentim não só pagou
pelos serviços, como ainda escreveu 3 cartas, com
solicitação, uma ao Dr. Júlio D’Elboux Guimarães, que fora
Juiz de Pitangueiras e, àquela altura era titular de uma das
Varas Criminais de São Paulo; a segunda para o Dr. Adriano
Lopes Camargo, então Escrivão da Corregedoria-Geral da
Justiça; e a terceira ao Deputado Carvalho Sobrinho.

Procurei o Dr. Júlio D’Elboux Guimarães neste Palácio


da Justiça, no 3º andar, onde estava a 4ª Vara Criminal, e o Dr.
Adriano Lopes Camargo, cuja sala era no 5º andar, junto à
Corregedoria-Geral da Justiça.

Ambos me disseram que precisaria obter antes o


certificado do Serviço Militar.
Retornei, pois, a Araraquara onde cursei o 1º e o 2º anos
do Curso Clássico.

Nesse entretempo consegui quitação do serviço militar,


pois, tendo domicílio ainda com a família em Pitangueiras,
fui dispensado de prestá-lo, por se tratar de Zona Rural.
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Havia conservado, durante dois anos, a carta redigida


pelo Dr. Valentim ao Deputado Carvalho Sobrinho.

E, em 1953, já com 20 anos de idade e quite com o


serviço militar, procurei o Deputado à Rua Líbero Badaró, em
São Paulo, expliquei por que só mais de 2 anos depois estava
lhe entregando o envelope.

Mas acrescentei que, dado o tempo decorrido, não sabia


se a recomendação ainda valia, escrita mais de 2 anos antes.

E o Deputado abriu o envelope, leu a carta e me disse:


“partindo do Dr. Valentim, vale para sempre”.

Dr. Carvalho colocou-me provisoriamente como “boy”


do 23º Tabelionato de Notas, de que era Titular, à Rua Líbero
Badaró, próximo ao Largo São Bento.

E lá, depois como Datilógrafo e, em seguida, como


Escrevente, me preparei para o Vestibular para o Concurso de
Ingresso na Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo (Largo São Francisco).

Ingressei em 1954 e concluí o curso de Bacharelado em


1958. No interregno trabalhei também no 24º Tabelionato, do
Dr. José Cyrillo, à Rua Barão de Paranapiacaba, junto a esta
Praça da Sé.

Depois, advoguei por 3 anos, na área cível, criminal e


trabalhista, mas sempre estudando para o Concurso de
Ingresso na Magistratura de São Paulo.

O Concurso ocorreu no segundo semestre de 1961.

A Banca Examinadora presidida pelo Decano do


Tribunal de Justiça, Desembargador Alberto de Oliveira Lima
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e integrada pelos Desembargadores Alceu Cordeiro


Fernandes e Euclides Custódio da Silveira e, como
representante da O.A.B., o Professor Celso Neves.

Comigo foram aprovados Carlos Antonio Antonini,


Amador da Cunha Bueno Netto, José Celso de Camargo
Sampaio, Fernando Febeliano da Costa Neto, Renato Mônaco,
Cornélio Vieira de Morais Junior, Maurílio Gentil Leite, Paulo
Lúcio Nogueira, Godofredo José Marques Mauro e Sinésio de
Souza.

Nossa posse, em cerimônia singela, foi no Gabinete


da Presidência, no dia 18.1.1962, sendo Presidente o
Desembargador Sylos Cintra, presentes, ainda, o Vice-
-Presidente, Desembargador Victor Hugo Lacôrte e o
Corregedor-Geral da Justiça, Desembargador Euclides
Custódio da Silveira.
Tratava-se do primeiro concurso em que se exigia
dos candidatos exame psicotécnico e os aprovados se
submeteriam ao prazo mínimo de dois anos de estágio para
eventual vitaliciamento.

Não sei, de memória, quais as circunscrições de cada


um. Nem os degraus que percorreram.

De minha parte, fui nomeado para a circunscrição


sediada em Santo André e integrada também pelas Comarcas
de São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Guarulhos.

Em 1964 designado Juiz Auxiliar de São Bernardo do


Campo, função que acumulei entre 1964 e 1965 com a de Juiz
de Direito de São Bento do Sapucaí (1ª entrância). Era titular o
Juiz Dr. Horácio de Carvalho Junior. Nesse período residi com
a família em São Bernardo do Campo.
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No final de 1965, promovido para Guararapes, então


2a. entrânia, lá permaneci até princípios de 1967, quando
promovido para Itapeva (3ª entrância).

Cinco meses depois, promovido para o cargo de Juiz


Substituto da Capital (4ª entrância), judiquei nas Varas
Distritais, então recentes, e outras do Fórum Central, Cíveis,
de Acidente do Trabalho, da Família, da Fazenda Pública, de
Registros Públicos e Criminais (1967 a 1970).
Promovido em 1970 para a 1a. Vara Cível, nela
permaneci até agosto de 1972, quando removido para o cargo
de Juiz Substituto de 2ª Instância, substituindo nos Tribunais
de Alçada Civil (1º e 2º), Criminal e Tribunal de Justiça, por
mais tempo neste último.

A promoção a Juiz do Tribunal de Alçada Criminal


ocorreu em abril de 1978. Lá permaneci por 4 meses. E fui
removido para o 1º Tribunal de Alçada Civil.

A 17 de setembro de 1980 cheguei ao Tribunal de


Justiça, como Desembargador, mais de 18 anos depois do
início da carreira em janeiro de 1962.

Comigo também tomaram posse mais 14 colegas e


amigos: Lauro de Souza Alves, Luiz Carlos Galvão Coelho,
Manoel Alves dos Santos, Hélio de Quadros Arruda, Plínio
Novaes de Andrade, Francisco Papaterra Limongi Neto, Silvio
Lemmi, Arthur de Oliveira Costa, Jurandyr Nilson, Fábio
Costa Carvalho Moretzson de Castro, Antonio Carlos Alves
Braga, Carlos Alberto Ortiz e Joaquim Macedo Bittencourt
Netto.
A posse coletiva foi no Plenário do Tribunal, presidida
pelo Desembargador Young da Costa Manso. Fomos
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saudados pelo Desembargador Fernando de Albuquerque


Prado, e, em nome dos Tribunais de Alçada Civil pelo Juiz
Ney de Mello Almada, e do Tribunal de Alçada Criminal pelo
Juiz Paulo Restiffe Neto.

Em nome do Ministério Público o então Procurador de


Justiça Antonio Raphael da Silva Salvador e, pela O.A.B.,
I.A.S.P. e A.A.S.P., o Advogado Raimundo Paschoal Barbosa.
Falou pelos empossados o mais novo na carreira:
eu mesmo.

Permaneci no Tribunal de Justiça até agosto de 1984,


nomeado que fui Ministro do Supremo Tribunal Federal e
empossado no dia 31.8.

Quando assumi, era Presidente da Corte Ministro


Cordeiro Guerra, Vice-Presidente Ministro José Carlos
Moreira Alves e também a integravam os Ministros Djaci
Falcão, Soares Munhoz, Décio Miranda, Rafael Mayer, Néri da
Silveira, Oscar Corrêa, Aldir Passarinho, Francisco Rezek
(1a. vez), e Sydney Sanches.

Passando pela Vice-Presidência, atingi a Presidência do


Supremo Tribunal, em maio de 1991 até maio de 1993.

No ano de 1992, como Presidente do Supremo Tribunal


Federal, presidi, no Senado Federal, o processo de
“impeachment” do Presidente da República Fernando
Affonso Collor de Mello, que, durante a sessão de julgamento,
renunciou ao mandato, mas sofreu a pena autônoma (não
acessória) de interdição do exercício de qualquer função
pública por oito anos.
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Quando de minha posse na Presidência do S.T.F., era


Vice-Presidente o Ministro Octávio Gallotti e o compunham
ainda os Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Célio
Borja, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello,
Marco Aurélio, Carlos Velloso e Procurador-Geral da
República o Dr. Aristides Junqueira Alvarenga.

Permaneci no S.T.F. desde 31.8.1984 até 26.4.2003,


quase 19 anos, quando completei a idade limite de 70 anos.
Somados os mais de 22 anos de judicatura em São Paulo
com os quase 19 anos no Supremo Tribunal Federal, fui
Magistrado por 41 anos.
Dediquei-me, durante a judicatura em São Paulo,
também ao Magistério (Cursos preparatórios para Concurso
de Ingresso na Magistratura e no Ministério Público, e ainda
nas Faculdades de Direito de Osasco e São Bernardo do
Campo).

Os livros que escrevi aconteceram durante os Cursos de


Especialização, de Mestrado e Doutorado.

E tive militância associativa na Associação Paulista de


Magistrados (Vice-Presidente, 1980/1981) e na Associação
dos Magistrados Brasileiros (Presidente eleito para os anos de
1982 e 1983 e reeleito para os anos de 1984 e 1985, mas
em 1984 fui nomeado Ministro do S.T.F., razão pela qual
renunciei ao segundo mandato).

Foram importantíssimos na minha vida o primeiro


emprego em Pitangueiras e o primeiro emprego em São
Paulo, sendo certo que durante os cursos ginasial e clássico
em Araraquara trabalhei como datilógrafo em Escritório de
Contabilidade, em empresa de comércio e indústria e até
33

dando aulas para alunos do ginásio, que dependiam de


exames de segunda época.

Destaco que, na solenidade de minha posse no Tribunal


de Alçada Criminal, fui recebido e conduzido à Mesa
principal da solenidade pelos Juízes Lauro Malheiros,
Valentim Alves da Silva (aquele, de Pitangueiras, cujas fichas
de jurisprudência datilografei e se destinaram ao Repositório
a que me referi, e que me arranjou o 1º emprego na Capital) e
ainda Dagoberto Salles Cunha Camargo, ambos ex-Juízes de
Pitangueiras.

Na solenidade de posse na Presidência do S.T.F., além da


esposa, as quatro filhas e então duas netas, outros familiares,
inúmeros colegas e amigos, Desembargadores e Juízes de São
Paulo e de outros Estados, Presidentes e Diretores de
Associações, Presidentes da Câmara dos Deputados e do
Senado do Tribunal, o Governador Franco Montoro e o
Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
Desembargador Bruno Affonso de André, estiveram também
o Dr. Valentim Alves da Silva, (aquele do 1º emprego em São
Paulo), o Dr. Felizardo Calil antigo Juiz de Santo André (este
enviou ofício ao T.JS.P., que possibilitou meu vitaliciamento)
e o Dr. Horácio de Carvalho Jr., Juiz de São Bernardo do
Campo, de quem fui Juiz-Auxiliar. Igualmente, já aposentado,
na ocasião, o Desembargador Pedro Barbosa Pereira Filho (e
sua esposa Marly), ele, antigo companheiro no início da
carreira em Santo André como Juiz Substituto, que se prestou
a comandar a Secretaria de meu Gabinete no S.T.F. e com sua
humildade, sua competência, sua dignidade e sua amizade,
até de atuar como meu assessor, durante os quase 19 anos na
Corte.
34

Destaco que meu pai, o ferroviário José Sanches


Martins, exemplo de dignidade e de responsabilidade, esteve
presente nas minhas posses no Tribunal de Alçada Criminal,
no Tribunal de Justiça, e nas de Ministro e de Presidente do
S.T.F. No meu discurso de posse na Presidência, anunciei a
presença desse ferroviário. Ele nesse momento levantou-se e
foi muito aplaudido pelos presentes, inclusive os demais
Ministros, dois dos quais vieram me falar de sua emoção
naquele momento: Sepúlveda Pertence e Carlos Velloso.
Recentemente, ou seja, a 25 de setembro de 2015, mais
de 12 anos depois de aposentado no S.T.F., estive no Forum
de Pitangueiras e doei ao Museu da Comarca, idealizado pelo
Juiz Titular, Dr. Gustavo Müller Lorenzato, a toga que utilizei
no S.T.F. e me fora entregue na solenidade de posse como
Ministro, em 31 de agosto de 1984, em nome de Pitangueiras,
pelo pitangueirense e amigo de infância Déscio Désie; e mais
a última máquina de datilógrafo, que usei nos últimos tempos
de S.T.F., alguns volumes encadernados de acórdãos, que
relatei, um volume da coleção “História Oral do S.T.F., da
Fundação Getúlio Vargas”, precisamente o que contém
apenas o meu depoimento de Magistrado. E, ainda, algumas
fotos das solenidades de posse.

O mais importante, porém, de minha vida ocorreu em


fevereiro de 1955, quando cursava o 2º ano da Faculdade de
Direito do Largo São Francisco.

Meu pai já era Chefe de Estação em Colina, próxima de


Barretos e lá conheci a jovem normalista Eucides Paro
Rodrigues por quem me apaixonei e com quem me casei no
dia 17 de dezembro de 1960. Dela nasceram nossas filhas
35

Cristina, Luciana, Renata e Márcia, bênçãos e orgulho de


nossa vida.

Elas me trouxeram os nove netos.


De Cristina, minhas netas Carolina, Adriana e Isabela.

De Luciana, os netos Mateus e Lucas, filhos de Marcos


Endo, meu genro, marido e pai exemplar, hoje colega e amigo.

De Renata, os netos Bruno, Gabriela e Camila.


E de Márcia, o neto Felipe.

São elas as filhas, as netas e os netos os amores que


cultivarei para todo o sempre, sobretudo depois que Eucides,
a mãe de minhas 4 filhas e avó de meus 9 netos, nos deixou a
todos no dia 22 de agosto de 2006, há mais de 9 anos.

Ela contribuiu enormemente para a formação, o


crescimento e a harmonia de todos, com seu trabalho de
Professora, com seu exemplo e seu amor insuperáveis. E
também com extremo zelo e competência na administração
da casa.
E mais ainda, tornando possível minha carreira,
inclusive morando em todas as Comarcas, e inteiramente feliz
minha vida pessoal.

Reverencio sua memória com imenso carinho e


imorredoura saudade.
Nas posses de Ministro e de Presidente estiveram
presentes também minha querida irmã Vera Lúcia Sanches
Torrecillas, nascida em Pitangueiras, e seu saudoso marido
Victor Roberto de Macedo Torrecillas.
36

Minha mãe Henriqueta Zilioli Sanches falecera a


2.8.1970, quando eu ainda era Juiz de 1a. instância (1a. Vara
Cível). Ela, a educação, a humildade, a religiosidade, a
bondade e a doçura em pessoa.

Rubens Sanches, meu querido irmão, faleceu dias


depois de minha posse na Presidência do S.T.F., em maio de
1991.
Os principais responsáveis pela sugestão de meu nome
ao Presidente da República foram o Desembargador Bruno
Affonso de André, então Presidente do T.J.S.P. e o Ministro
Cordeiro Guerra, então Presidente do S.T.F.
A todas as pessoas aqui referidas e a muitas outras devo
tudo que pude conquistar.

Posso dizer, em resumo, que na minha vida limitei-me a


seguir os bons exemplos que encontrei em casa, no trabalho,
na escola, na magistratura, enfim na vida particular e na vida
pública.
Para tudo isso também trabalhei e estudei muito.

Mas o que mais me orgulha é que, na Magistratura,


nunca tive atrito com Magistrados, Membros do Ministério
Público, Advogados, Funcionários, Partes e Testemunhas.

Também assim no Magistério, com Diretores,


Professores, Alunos e Servidores.

Igualmente no convívio com as Associações.


Enfim, na vida pública e na particular, não tive e não
tenho inimigos, graças a Deus.
37

E hoje, viúvo, desfruto, nesta fase da minha vida,


da frequente e agradabilíssima companhia de Elizabeth
Torrecillas Sarraf, também viúva, ela que era irmã do saudoso
Victor Roberto de Macedo Torrecillas, e, portanto, cunhada
de minha irmã (Vera Lúcia Sanches Torrecillas) e viúva de
meu saudoso amigo Celso Sarraf.

E já que falei em Deus, a Ele devo mais que tudo.


Às vésperas do Concurso de Ingresso na Magistratura,
estive na Igreja da Sé, ajoelhado diante da imagem de Nosso
Senhor Jesus Cristo.
E por sua intercessão, pedi a Deus que me permitisse ser
Juiz e eu lhe prometi ser um Juiz honesto, trabalhador,
responsável e humano.

Foi com tanta fé que formulei o pedido, que Deus não só


o permitiu como, em sua santa generosidade, exagerou um
pouco.
Se é que um simples mortal pode dizer que até Deus às
vezes exagera.

Mas, com todo o respeito, “data maxima venia”, no meu


caso exagerou. E eu me limitei a cumprir minha parte na
promessa.

Enfim, muito obrigado a todos pelo comparecimento e


atenção.
E se possível gostaria de cumprimentá-los pessoalmente.
V. Palavras de encerramento da solenidade
pelo Presidente doTribunal de Justiça

Ao final da solenidade, o Presidente José Renato


Nalini, em nome do Tribunal, agradeceu às pessoas que,
em numeroso concurso, a ela haviam comparecido para
congratular-se com o ilustre Homenageado.

Em breve improviso — que, embora não transcrito aqui


“ad litteram”, foi-nos possível alcançar-lhe o sentido(4) —,
ressaltou que, tendo-se pronunciado já a voz, sobre todas
autorizada, do Homenageado, cujas virtudes e raros dotes
de espírito o orador oficial bem soubera apregoar, não lhe
cumpria senão declarar encerrado o ato público.

(4) Foram debalde as diligências por suprir a lacuna, mesmo


intervindo o Cerimonial do Tribunal de Justiça, provocado por carta
desta substância:
40
VI. Repercussão da homenagem no
meio forense

Entre os que estiveram presentes à solenidade era


concorde a opinião acerca da homenagem prestada ao
Ministro Sydney Sanches: merecida e justa, demais de
oportuna.
Foi realizada bem a propósito, pois que parte integrante
da série de comemorações da Agenda 150 Anos de Memória
Histórica do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Teve também o caráter de galardão, que o órgão


institucional da Magistratura, atentos os reconhecidos e
invulgares méritos do Homenageado, acertou conferir-lhe.
Em verdade, por servir de regra e nível a todos os membros
de sua classe, é matéria para encômios isto de um Juiz,
superadas longas e árduas etapas de edificante carreira, haver
tomado assento na Mais Alta Corte de Justiça do País, em
circunstâncias muito especiais: além dos indeclináveis
requisitos do notório saber jurídico e reputação ilibada, nele
concorriam, em grau assinalado, aquelas apreciáveis
qualidades que os graves autores geralmente encarecem a
todos os que oficiam no templo da divina Têmis
incorruptível, mas — ainda mal! — raro se encontram.
42

Em obra de nomeada clássica(5) escreveu Mário


Guimarães:

“O merecimento do juiz resulta de se reunirem, na sua pessoa,


e em dose elevada, certos predicados: inteligência, cultura, amor
ao trabalho, honestidade, bom-senso, domínio de si mesmo,
imparcialidade, circunspecção, coragem.

Os mais desses atributos são extensivos a todos os homens


dignos, o que justifica a frase de Bossuet: Se queres um bom
magistrado, procura primeiramente um homem de bem.

Há, todavia, traços que se requerem mais acentuadamente em


quem exerça a profissão de julgador. Boncennes indicava cinco: ciência
vasta de Direito, probidade a toda a prova, grande independência de
caráter, espírito reto e consumada experiência.

Para Sclopis, três seriam indispensáveis: critério justo, doutrina


sincera e imparcialidade absoluta” (O Juiz e a Função Jurisdicional,
1958, p. 133; Editora Forense; Rio de Janeiro).
De Orosimbo Nonato, conspícuo Ministro do Supremo
Tribunal Federal, traz aquele autor, em nota de rodapé, trecho
que devia ser gravado em lâminas de ouro, para que o tivesse
o Juiz sempre diante dos olhos e guardasse na alma e no
coração:

(5) O Ministro Mário de Guimarães (1889 – 1976) honrou sobremodo


o Judiciário paulista e o Supremo Tribunal Federal; enriqueceu, ao
demais, com obras doutrinárias de grande preço, as letras jurídicas:
Recurso de Revista, Estudos de Direito Civil e, em especial, O Juiz e a Função
Jurisdicional, vade-mécum excelente, cuja leitura se tornou obrigatória
a todo magistrado.
43

“(…) o que se lhe exige é um cúmulo de virtudes: modéstia,


compostura, discrição, cultura, operosidade, ânimo sofredor e
paciência, mas capaz de fortaleza e ousio para resistências extremas, e
aquele amor profundo da justiça, que inculcava o rei sapientíssimo.
Tem ele de ser exato e guardar, no exercício de suas funções, um
equilíbrio irreprochável, longe do escorregadio das outorgas e
relaxações, mas sem campar de inexorável e cruel, sem agravar nas leis
‘para se acreditar com o nome de austero e ilibado’.(6) Ser fiel à justiça, e
pontual e exato ainda no menor, para ser também nas coisas magnas,
conforme aquilo do evangelista: Qui fidelis est in minimo, et in majori
fidelis est; et qui in modico iniquus est, et in majori iniquus est.(7)
Desanimado de vaidades e sem entono, sem arrogância, sem orgulho,
mas armado de resistência moral indobrável, o bom juiz só atenderá,
através de todas as circunstâncias, ao mandamento da lei e aos
impulsos de sua consciência” (apud Mário Guimarães, op. cit.,
p. 133).

Ao ínclito varão, exornado de tais qualidades, era bem


prestasse o Tribunal de Justiça magnífica homenagem; e
assim o fez!

(6) Cf. Rui Barbosa, Oração aos Moços, 1a. ed., p. 43.

(7) “O que é fiel no menos, também é fiel no mais; e o que é injusto no pouco,
também é injusto no muito” (Lc 16, 10; trad. Pe. Antônio Pereira
Figueiredo).
VII. Qualidades morais do Homenageado

Penas ilustres já deram relevo às notas distintivas de sua


personalidade. Além do jornalista Ricardo Viveiros, que lhe
escreveu esmerada biografia (Justiça seja feita), ocuparam-se
dos fatos mais importantes da vida do Homenageado, entre
outros, os eminentes Desembargadores Justino Magno de
Araújo (A Eficiente Contribuição da Magistratura Paulista ao
Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, 2019,
pp. 8 e 43-44) e Benedito Silvério Ribeiro, autor de Vultos do
Poder Judiciário (2016), livro justamente elogiado, de que
transcrevemos este lugar: “Por seu carisma, simpatia, simplicidade
e humildade, tinha o condão de cativar pessoas, qualquer que fosse a
classe social” (p. 105).
46

O livro comemorativo dos 145 anos do Tribunal de


Justiça (2019) também o incluiu, como era de razão, entre as
maiores figuras do Poder Judiciário. Eis, à letra, o teor da
histórica publicação (pp. 169-170):
47
48

Com efeito, a par dos atributos inerentes a seu cargo,


aos quais satisfez a primor, sobressaem no Homenageado
traços incomuns de urbanidade e fidalguia. É sempre afável
e atencioso não só no trato pessoal, que também na
conversação epistolar. Pedra de toque de sua refinada polidez,
nunca faltou à pontualidade no responder às cartas que lhe
escrevem. Demonstram-no que farte as que vão a seguir
reproduzidas:(8)

(8) Vem à feição este relanço de Rui: “(…) rasgarei diante de vós o
santuário dos segredos da alma. As cousas santas nem sempre se profanam
quando se expõem” (Escritos e Discursos Seletos, 1960, p. 247; Editora José
Aguilar Ltda.; Rio de Janeiro).
49

CB
São Paulo, 21 de outubro de 2015

Estimado Ministro Sydney Sanches :


Cordiais saudações!

Se é verdadeira a opinião de que toda solenidade de


homenagem costuma avaliar-se pela honorificência do
sujeito a quem se presta — o que admito e concedo —, a que
lhe sagrou hoje o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
passa pela mais bela, justa e edificante de todas quantas ali se
realizaram.

Desde o discurso de saudação do Dr. Ricardo Braga


Monte Serrat — que o comparou, com boa fortuna oratória,
a um brilhante de fino lavor e alto quilate — até à alocução do
Presidente José Renato Nalini, que elaborou perfeita e fiel
súmula do evento, correu soberba e magnífica a cerimônia.

Onde, porém, se empinou à mais alta esfera e


fechou a abóbada de autêntica apoteose foi no admirável
pronunciamento do querido Mestre e Amigo.
Sem quebra nem desvio, antes com vivo interesse e
respeito, a numerosa assembleia escutou-lhe as palavras, que
se constituíram em documento biográfico e profissão de fé
notabilíssima de um vaso de eleição!

Os dedos das mãos bastarão para enumerar os que se


lhe poderiam equiparar (pela inteireza de ânimo, raros dotes
de inteligência, singular teor de vida, retidão de caráter,
entranhado amor ao Direito e à Justiça e incomum
capacidade de trabalho, pedestal de toda vitória): o imenso
Rui, o santo Clóvis, os íntegros e austeros Manoel Costa
50

Manso, Laudo de Camargo, Mário Guimarães, e poucos


mais…

Além do meticuloso historiador — que sói discorrer


segundo o critério da verdade —, em sua narrativa também
se descobriu o destro e talentoso artista da palavra, a quem
não foram estranhos importantes gêneros literários, como o
oratório, o didático e o dramático. A nenhum ouvinte, com
efeito, escaparam os lances de ternura com que se referiu
àquela que não pôde comparecer à tocante festividade.

Não sei resistir ao impulso de trasladar para aqui este


pedacinho de ouro de Camilo:

“Tinha sido muito feliz. A mulher mais peregrina que seus olhos
viram, amou-a. Pediu-a, deram-lha, santificou a sua ternura e creu que
os anjos deviam invejá-lo. E os anjos, de feito, invejaram-no; porque um
dia, desceram até onde estava a esposa do rival e roubaram-lha” (Cavar
em Ruínas, 1912, p. 51).

Não conhecem lenitivo as dores da alma; entre os


amigos, porém, é sempre lícito dividi-las!

Por hoje aqui faço ponto, depois de haver assistido à


mais garbosa homenagem que o Tribunal de Justiça jamais
tributou a um de seus integrantes!

É bem de desejar que o Amigo cuide breve da impressão


de opúsculo com os discursos antológicos do orador oficial
(Juiz Ricardo Braga Monte Serrat), do homenageado
(Ministro Sydney Sanches) e do Presidente do Tribunal
(Desembargador José Renato Nalini), cujo texto creio se possa
restabelecer. Peço-lhe vênia para, desde já, inscrever-me entre
os candidatos a um exemplar!
51

Os livrinhos que ora lhe deponho aos pés são frutos


mesquinhos e sensaborões de minha sáfara messe. Fio não
lhes falte com sua conhecida benevolência e acolha-os de boa
sombra.
Deus guarde e prolongue generosamente os preciosos
dias do querido Amigo!

___________________________
Carlos Biasotti
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Congratulações pelo Aniversário

Ministro Sydney Sanches

Mais que prazeroso cânon de urbanidade, constitui


verdadeiro preceito moral cumprimentar, na sua data
natalícia, o eminente Ministro Sydney Sanches. É sempre
oportunidade nova que temos os brasileiros — os que
servimos lugares de magistratura, em especial — de
agradecer com fervor a Deus, que no-lo concedeu, paradigma
de homem honrado, chefe de família e pai exemplar, demais
de espelho de todos os juízes! Traços de personalidade são
estes que não demandam prova, por notórios e públicos.
(Mas, a duvidá-lo alguém, entre a ler, para cabal desengano, o
livro belíssimo Justiça Seja Feita, de Ricardo Viveiros!).

Aos numerosos votos que já se fizeram hoje por sua


saúde e felicidade queira juntar estes do menor e mais
obscuro de seus amigos e admiradores, que tem muita honra
de apertar-lhe a mão e abraçá-lo, com protestos de particular
estima e reconhecimento.
Tem razão de força, em suma, para sentir-se
inteiramente feliz aquele que é protagonista de história
(pública e privada) tão bela, edificante e benemérita! Estou
a falar do aniversariante (escusava declará-lo!). “Ad multos
annos”!

SP 26.4.2018 Carlos Biasotti

_____________
P.S. Caro Dr. Sydney, perdoe-me a confiança de
depositar-lhe aos pés um tosco e talvez inútil artiguelho: Lei,
Justiça e Bom-Senso. Até breve! Bem haja!
73
75

CB

São Paulo, 14 de dezembro de 2020

Caro Ministro Sydney Sanches:


Minha cordial saudação!

Por especial mercê divina, chegamos enfim, incólumes,


ao termo deste ano de tão cruéis atribulações!

Seja-lhe o Ano Novo um benfazejo arauto de alvíssaras,


tais como: saúde, paz, alegria, prosperidade, esperança na
redenção política e moral da Pátria, recuperação dos valores
e virtudes que, sob sua Presidência, exornavam o glorioso
Supremo Tribunal Federal e, sobretudo, lhe não faltem
bênçãos abundantes do Céu!

Descendo ao particular: estes — porque assim o diga —


livrecos, aqui adjuntos, peço a Vossa Excelência queira recebê-
-los por expressão do muito apreço, respeito e admiração que
lhe voto. “Ex corde”,

___________________________
Carlos Biasotti

Em tempo:

I. Estimado Ministro, a dar-se o caso que, num vão das


estantes de sua biblioteca, ainda tenha algum exemplar do
livro biográfico Justiça seja feita e dele possa dispor, muito
folgaria de recebê-lo. (Vossa Excelência fico me haverá
escusar esta confiança com que lhe solicito a laureada obra).
76

II. Da magnífica homenagem que lhe prestou nosso


Tribunal de Justiça, no dia 21 de outubro de 2015 — ano
do sesquicentenário da Corte —, conservo uma cópia do
discurso do Juiz Ricardo Braga Monte Serrat, que o saudou, e
das alocuções de Vossa Excelência e do Presidente Des. José
Renato Nalini.

Não me consta, porém, tivessem vindo à luz mediante


impressão mecânica; e bem mereciam a honra da letra de
forma! Por isso, estou a preparar um fascículo, em que vai
consubstanciada, para ciência, edificação e regalo dos sujeitos
que fazem caso e cabedal dos fastos e das figuras mais
notáveis do Poder Judiciário, a memória daquele ato solene e
honorífico, e ligeiras notas minhas. Conto enviar-lhe, dentro
em pouco, a primeira prova do folheto. Com o seu beneplácito
(ou “nihil obstat”), dele providenciarei pequena tiragem, para
que possa correr entre mãos amigas, à maneira do opúsculo
Nélson Hungria (Súmula: Vida e Obra). Até breve!
77

CB
São Paulo, 23 de novembro de 2021

Estimado Ministro Sydney Sanches:


Cordiais saudações!

Primeiro que o mais, agradeço-lhe — a mão sobre o


coração — os gentis cumprimentos pelo meu natalício, que,
a essa conta, adquiriu imerecido relevo!

Implacavelmente cerceado no direito deambulatório


pela atroz pandemia — de que as pessoas já entradas em anos
devem fugir como o diabo da cruz —, só o comércio epistolar
depara ao espírito algum lenitivo para a saudade que
martiriza os que se prezam e consideram.

Praza aos Céus que logo a vacina ponha cobro de vez à


insidiosa desgraça que a caixa de Pandora chinesa disseminou
por todos os quadrantes da Terra!

Enquanto, porém, as coisas não tomem novo e melhor


semblante, é rezar e conjugar, na voz ativa, o verbo esperar!

Caro Ministro, por impulso do coração, mas sobretudo


por preceito de justiça, escrevi-lhe o nome (sempre honrado e
nunca esquecido!) num rol dos mais insignes e respeitáveis
Juízes de nosso tempo.

Atendi, para esse efeito, ao critério do notável saber


jurídico, nobre ideal de bem servir, grandeza de alma e
retidão de caráter, da mesma têmpera dos metais que se não
corrompem.
78

Folgaria que o soubesse; por isso lhe peço leia a p. 35 do


livro (ou, por falar com mais exação, insignificância literária)
que ora lhe estou remetendo — Memorando aos Colegas da
Advocacia e da Magistratura —, com um afetuoso abraço.

Com o intento de afastar do espírito certa dúvida sobre


a efetiva entrega, por estafeta particular, de carta que escrevi a
Vossa Excelência, tomo a liberdade de remeter-lhe dela a
cópia anexa.
Aqui faço ponto, meu douto e querido amigo. Favor
recomendar-me, com respeito e carinho, à distinta família.
Deus lhe conserve, por dilatados anos, a preciosa vida! Vale!

___________________________
Carlos Biasotti
VIII. O Homenageado e seu sentimento
de justiça

Ao administrar justiça, que é o escopo da função do


juiz, revelou o Homenageado, desde os primórdios de sua
judicatura, particular disposição de espírito, a que deveu a
excelência dos resultados de sua difícil e fecunda atividade.
Suas decisões não se esforçavam apenas em imenso cabedal
jurídico, adquirido em aturados e ininterruptos estudos e no
magistério universitário, mas na aplicação da lei segundo
a lógica do jurista, à luz dos ensinamentos de Luís Recaséns
Siches(9); ou, por modo mais incisivo, como leu o Prof.
Goffredo Telles Junior: “Deve o juiz usar a lógica do jurista, que é,
precisamente, a lógica do razoável e do humano”.(10)
Assim prestava jurisdição e dispensava justiça o zeloso e
culto Magistrado.

Era o que preconizava também, e com assaz de razão,


outro símbolo da Magistratura brasileira: “A Justiça está na
alma do juiz. Não está nos Códigos. A Justiça é o Juiz”.(11)
Para nossa fortuna, revistas especializadas e repertórios
de jurisprudência dos Tribunais conservam ainda páginas

(9) Nova Filosofia de Interpretação do Direito, 1975, p. 165; México.

(10) A Folha Dobrada, 2004, p. 162; Editora Nova Fronteira; Rio de


Janeiro.

(11) Eliézer Rosa, Uma Justiça para o nosso Tempo e nosso Meio, 1977,
p. 19.
80

lapidares do Homenageado — artigos doutrinários, sentenças


e acórdãos — que lhe abonam o airoso conceito de jurista de
pulso e magistrado a todos os respeitos exemplar.

Em prova da afirmação, alguns tópicos:

I. Denunciação da Lide no Direito Processual Civil Brasileiro,


1984; Editora Revista dos Tribunais; São Paulo.

1. Em prefácio ao livro escreveu o Prof. Alfredo Buzaid:

“À guisa de testemunho
Não escrevo um prefácio nem uma apresentação. Presto um
testemunho sincero sobre o valor científico desta obra, com que o ilustre
Desembargador Sydney Sanches se doutorou na Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo. Muito cedo despertou ele para os
estudos do direito processual civil. No mestrado apresentou ensaios tão
valiosos que foram logo dados a lume e receberam merecido louvor. No
prazo legal entregou sua monografia para o doutoramento, intitulada
Denunciação da lide. A simples escolha do tema já revela o seu
pendor para as altas meditações. A denunciação da lide, como está
disciplinada no Código de Processo Civil (art. 70 usque 76), foi uma
inovação que abriu largas perspectivas aos estudiosos do direito.

Não se pode cogitar agora se a introdução desse instituto, com


suas novas linhas, é boa ou má. Houve uma opção de política
legislativa e ao intérprete cabe construir o pensamento da lei ao invés
de procurar solução em projetos futuros. Os problemas que nasceram
da exegese do instituto já deram lugar a uma rica literatura que,
considerada pela jurisprudência dos tribunais, ensejará a exata
aplicação da lei.
81

Com esta monografia, que apresentou ao concurso do


doutoramento, o insigne autor foi laureado com distinção conferida
por todos os examinadores. A obra já está premiada, sem qualquer
liberalidade.

Aí vai, pois, o depoimento de quem viu, desde o nascedouro,


resplandecer o talento do ilustre professor e magistrado e teve a honra
de presidir ao seu concurso.
Brasília-DF, junho de 1984.
Alfredo Buzaid”.

2. “A denunciação da lide é modalidade de intervenção de terceiros


que só se admite no processo de conhecimento.

Através dela se propõe ação incidental de conhecimento com


pretensão de garantia e/ou indenização, no curso de um processo
principal, também de conhecimento. É admissível apenas nas hipóteses
dos incisos I, II e III do art. 70 do CPC. Seu julgamento de mérito
depende sempre de derrota, total ou parcial, do denunciante na causa
principal. É proposta por uma das partes (da ação originária) contra
quem lhe deve prestação de garantia ou indenização. Na maioria dos
casos, de um terceiro. Em casos excepcionais, porém, a denunciação
pode ser feita a quem já é parte na causa, como adiante se verá. De
qualquer maneira, não pode ser instaurada de ofício pelo juiz.

Tanto a ação principal, entre as partes originárias, quanto a


incidental de garantia, promovida por uma das partes contra terceiro
(denunciação da lide), devem ser julgadas na mesma sentença.
É o que estatui o art. 76 do CPC: a sentença, que julgar
procedente a ação, declarará, conforme o caso, o direito do evicto, ou a
responsabilidade por perdas e danos, valendo como título executivo.
82

Já sustentamos em parágrafo anterior que esse artigo deve ser


entendido assim: a sentença que julgar a ação (e não que julgar
necessariamente procedente a ação), declarará, conforme o caso, o
direito do evicto, ou a responsabilidade por perdas e danos, valendo
como título executivo.
Se o litisdenunciante for vencedor na ação principal (originária)
automaticamente estará prejudicada a ação incidental de garantia
(denunciação da lide) pois sua pretensão indenizatória perante o
litisdenunciado ficará esvaziada, já que deduzida in eventum litis.
Com efeito, se vitorioso na ação principal, o litisdenunciante nenhum
prejuízo experimentará. E, então, nada poderá pretender contra o
litisdenunciado, pois sua pretensão estava condicionada a eventual
derrota.
De qualquer maneira, o que importa é que, nos termos em que
foi colocado o instituto da denunciação da lide no CPC brasileiro de
1973, só no processo de conhecimento ela pode ocorrer. É que só nela
pode existir a espécie de sentença a que alude o art. 76” (Sydney
Sanches, op. cit., pp. 142-143).

3. “A denunciação da lide, com base no inc. III do art. 70 só deve


encerrar as hipóteses de obrigação de garantia propriamente dita, não
de garantia imprópria; e os de direito de regresso, em sentido estrito,
ou seja, apenas o conferido, por lei ou por contrato, a alguém, que
adimpliu uma obrigação, de se voltar contra terceiro, para deste
receber, no todo ou em parte, o valor prestado. Excluem-se, porém, da
denunciação, as hipóteses de cofiança e de obrigações solidárias, todas
tratadas no chamamento ao processo (arts. 77 a 80 do CPC). Não é de
se admitir a inserção, através da denunciação da lide, de fundamento
estranho à obrigação de garantia propriamente dita ou ao direito de
regresso em sentido estrito. A interpretação puramente literal do inciso
III do art. 70, permitindo a denunciação da lide para qualquer outra
83

espécie de pretensão indenizatória (de ressarcimento ou de reembolso,


por garantia imprópria ou por direito de regresso em sentido amplo)
contra o terceiro, acabaria por afrontar o princípio da economia
processual, que justifica a denunciação da lide, com imenso e
desnecessário campo que lhe abriria” (Idem, ibidem, p. 251).

(Foto do livro Denunciação da Lide no


Direito Processual Civil Brasileiro)
84

II. Uniformização da Jurisprudência, 1975; Editora Revista dos


Tribunais; São Paulo.

1. “Importância da jurisprudência

A jurisprudência, em sua quíntupla função de interpretar,


vivificar, humanizar, suplementar e rejuvenescer a lei, segundo Limongi
França (ob. cit., pág. 291)(1), só por essa atuação já evidencia a própria
importância.
Interpreta-a, porque ‘define o significado da norma jurídica’
(Caldara, Interpretazione delle Leggi, pág. 5).
Vivifica-a, porque, ao eliminar as controvérsias, o Judiciário a
faz viver.
Humaniza-a, porque a personaliza, isto é, aproxima a norma
geral e abstrata do elemento humano a que se destina. E o próprio
julgador presta sua contribuição pessoal.

Suplementa-a, porque lhe supre as inevitáveis lacunas.


Rejuvenesce-a, porque a ajusta às condições do tempo em que
incide.
Petrarca, Pascal, Kirchman e Shakespeare minimizam-na (a
importância da jurisprudência).
Entre nós, também Monteiro Lobato.
É o que informa Washington de Barros Monteiro no artigo
já mencionado,(2) lembrando, porém, em seu favor, a imagem de
Pellegrino Rossi:
‘O homem caminha de acordo com a sua fantasia e a lei
claudica; aquele reclama e esta é surda. É a jurisprudência que segue
85

obrigatoriamente o homem, que o escuta sempre. O homem não exige


arestos, mas, por sua livre vontade, obriga-a a pronunciar-se’ (RF
202/374).

A importância da jurisprudência, no Brasil, está definitivamente


demonstrada por M. Seabra Fagundes (‘Contribuição da jurisprudência
à evolução do Direito brasileiro’, RF 126/18) e, em geral, por Oscar
Tenório (‘A formação judicial do Direito’, RF 211/5), por Vítor Nunes
Leal (‘Atualidade do Supremo Tribunal’, RF 208/15), pelo já
mencionado Bulhões de Carvalho (ob. e loc. cits.)(3) e por Alfredo
Buzaid (Estudos de Direito, ‘A Crise do Supremo Tribunal Federal’,
Ed. Saraiva, 1972).

O presente trabalho não se propõe a demonstrar a importância


da jurisprudência, razão por que se limita ao que ficou dito, nesse
ponto” (Sydney Sanches, op. cit., pp. 5-6).

2. “Considerações Finais
A uniformização da jurisprudência contemporânea é mesmo um
ideal de justiça, tal qual o da não estagnação do Direito no tempo.
Os instrumentos de que se tem valido o legislador nem sempre
hão correspondido a esses anseios, seja pela imperfeição dos textos, seja
pela dos homens que os aplicam.

Que se aprimorem os textos.


Mas também que se capacitem os intérpretes de que é preciso
alcançar o objetivo comum: igualmente de resultados ante a igualdade
de situações.
Com isso, muito ganhará a causa da Justiça.
E, com ela, a própria Civilização” (Idem, ibidem, p. 51).
86

(Foto do livro: Uniformização da Jurisprudência)

(1) Jurisprudência — seu caráter de forma de expressão do Direito;


apud Carvalho Santos, Repertório Enciclopédico do Direito
Brasileiro, p. 291; Ed. Borsoi; Rio de Janeiro.

(2) Da jurisprudência (RF, pp. 202-373).

(3) Missão da jurispudência, 1968; Ed. Borsoi.


87

III. Poder Cautelar Geral do Juiz no Processo Civil Brasileiro, 1978;


Editora Revista dos Tribunais; São Paulo.

1. “Sem embargo da grande e respeitável divergência doutrinária,


estamos propensos a admitir que também na ação cautelar haja,
além das condições gerais (possibilidade jurídica, interesse de agir e
legitimidade), matéria concernente ao mérito em que praticamente se
convertem os requisitos especiais do periculum in mora e do fumus
boni iuris.

Não nos parece possível negar a existência de uma lide cautelar,


consistente no conflito de interesses, qualificado por uma pretensão à
segurança, resistida ou insatisfeita.
E é essa lide relativa à segurança que o juiz deve resolver com a
sentença cautelar de mérito.

Barbosa Moreira, aliás, expressamente admite a existência de


lide no processo cautelar, quando fala em seu julgamento antecipado
segundo o art. 803: ‘A lide deduzida no processo cautelar será
antecipadamente julgada’…(1).

Mas o importante é que, considerados o periculum in mora e


o fumus boni iuris como condições especiais de admissibilidade da
ação cautelar, ou como o próprio mérito desta, o que mais interessa
é que não será a tutela jurisdicional cautelar prestada sem que tais
requisitos estejam presentes.
Os que os consideram como condições especiais de ação devem
concluir que, não atendidos, o processo cautelar deve ser julgado
extinto, sem julgamento de mérito porque ali não há mérito a ser
julgado.
88

Os que os consideram como requisitos para a procedência da


ação cautelar devem concluir pela sua improcedência, quando não
preenchidos.

A matéria é fascinante, mas, ante os limites deste trabalho, não


será mais aprofundado.

Surge, porém, pelo menos mais esta observação: para os que


acham que na ação cautelar não há matéria de mérito, nunca será a
sentença nela proferida suscetível de desconstituição mediante ação
rescisória, mesmo ocorrendo qualquer das hipóteses previstas no
art. 485.

Os que admitem a existência de matéria de mérito em sentença


cautelar naturalmente hão de achar cabível ação rescisória, nos casos
contemplados naquele artigo.

Ressalve-se, porém, que, ocorrendo alteração, superveniente à


ação cautelar, relativa à matéria de fato ou de direito, poderá ela
ser revogada ou modificada, independentemente de ação rescisória,
face aos termos do art. 807, segundo o qual as medidas cautelares
conservam a eficácia no prazo do artigo antecedente e na pendência do
processo principal; mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou
modificadas” (Sydney Sanches, op. cit., pp. 40-42).

2. “Considerações finais
Alinhamo-nos entre os que veem no Livro III do Código de
Processo Civil de 1973 um de seus pontos altos, embora concordemos
com algumas observações críticas a ele endereçadas, outras mais
acrescentando.
89

A tutela cautelar, todavia, está suficientemente distribuída, seja


no próprio livro a isso destinado, seja em dispositivos esparsos
dos dedicados ao processo de conhecimento, de execução e aos
procedimentos especiais.
Devidamente utilizados os instrumentos oferecidos pelo novo
estatuto, desapegando-se os juízes do antigo preconceito contra
medidas cautelares, sobretudo as ditadas por seu poder cautelar geral,
e usando da prudência que sempre há de caracterizar o bom
magistrado, não há dúvida de que a distribuição da Justiça poderá ser
consideravelmente melhorada, sem maiores riscos para as partes,
enquanto aguardam a prestação jurisdicional definitiva.

Eventuais abusos hão de ser coibidos através dos instrumentos e


com uso dos poderes propiciados pela lei nova.
É lícito esperar, então, uma jurisprudência rica e aberta aos
novos reclamos do direito processual civil e principalmente da Justiça”
(Idem, ibidem, p. 146).
90

(Foto do livro: Poder Cautelar Geral do Juiz)

(1) Barbosa Moreira, O Novo CPC Brasileiro, 1976, vol. II,


p. 180, item V, nº 2; Editora Forense.
91

IV. Direito Penal. Ementas e trechos de acórdãos, de que foi


relator o eminente Ministro Sydney Sanches:

1. “A coação irresistível pressupõe a existência de coator, para quem


se transfere a responsabilidade criminal” (TJSP; Ap. Crim. nº
117.501; Rev. Tribs, vol. 450, p. 378).
2. “Não se instaura ação penal por falso testemunho se, reinquirido
em Juízo, retrata-se o agente cabalmente, ao confessar a falsidade
do depoimento anterior. É que, por força do art. 342, § 3º, do
Cód. Penal, deixa o fato delituoso de ser penalmente persequível”
(TACrimSP; Ap. nº 50.301; RJTACrimSP, vol. 24, p. 404).

3. “Estelionato. (Conto do vigário). Tentativa. Assim, se no


chamado conto do vigário a proposta enganosa não chega a ser
apresentada à vítima, não cabe falar em início da execução
de um estelionato, mesmo porque, dependendo de seu teor, tal
proposta poderia até ser considerada como meio absolutamente
inidôneo à obtenção de qualquer vantagem pecuniária. Nesse
caso, não haveria crime, em razão da inexistência de qualquer
perigo ao bem jurídico penalmente tutelado” (TACrimSP;
Ap. nº 183.093; Rev. Tribs., vol. 515, p. 370).
4. “A dúvida sobre se o ato é preparatório ou de execução resolve-se
sempre em favor do réu” (TACrimSP; Ap. 183.093; Rev. Tribs.,
vol. 515, p. 369).

5. “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, firmada em


Plenário, é no sentido de que se considera consumado o roubo, se
os agentes, mediante violência, conseguem subtrair pertences da
vítima, mesmo que, pouco tempo depois, venham a ser presos
em flagrante” (STF; RECr. nº 115. 288-5-SP; DJU 10.8.89,
p. 12.919).
92

6. “Desejando o sentenciado obter benefício previsto em lei


posterior ao acórdão por ele impugnado, cumpre-lhe dirigir-se
originariamente ao juízo das execuções e não diretamente ao
Supremo Tribunal Federal, através de habeas corpus” (STF;
HC nº 63.082-1-RO; Rev. Tribs., vol. 601 p. 420).

7. “Sursis. Personalidade do réu. Requisitos não satisfeitos. Exame


em habeas corpus. Se o acórdão impugnado, segundo a prova
dos autos, em face da personalidade do paciente, considerou não
satisfeitos os requisitos para a concessão do sursis, descabe, no
âmbito do habeas corpus, o reexame da matéria” (STF; RHC
nº 63.304-8; DJU 27.9.85, p. 16.611).

8. “O parágrafo único do art. 83 do Cód. Penal, que fixa seus novos


requisitos (Lei nº 7.209/84), embora não exija, também não
impede exame psiquiátrico para constatação de condições
pessoais que façam presumir não volte o sentenciado a delinquir.
Trata-se de meio de prova legítimo, para formação do
convencimento do juiz, que não pode ser obstado, se não se
mostra desarrazoado nem configura constrangimento ilegal”
(STF; RHC nº 63.439-7-RS; DJU 8.11.85, p. 20.104).

9. “Pena. Fixação. Menoridade. Circunstância atenuante, que,


todavia, não pode implicar redução da pena fixada no mínimo
legal. Precedentes” (STF; HC nº 63.707-SP; Rev. Trim. Jurisp.,
vol. 118, p. 928).
10. “Suspensão condicional da pena. Revogação do benefício, por
descumprimento de uma das condições (art. 81, § 1º, do Cód.
Penal e 707 do Cód. Proc. Penal). Se o juiz está seguramente
informado, com elementos nos autos, de que o beneficiário do
sursis descumpriu uma de suas condições, pode revogá-lo, desde
logo (art. 81, § 1º, do Cód. Penal). Não está obrigado a adotar
previamente a solução alternativa da prorrogação do período de
93

prova previsto no § 3º do mesmo artigo. A opção por uma das


alternativas deve resultar das circunstâncias do caso, segundo
prudente critério. A invocação do princípio do contraditório não
obsta a revogação, de pronto, do benefício. Confronto dos artigos
707, parágrafo único, e 770 do Cód. Proc. Penal. Precedente”
(STF; RHC nº 63.661-6-MS; Rev. Trim. Jurisp., vol. 118,
p. 112).

11. “Há justa causa para a ação penal privada subsidiária (queixa-
-crime) quando os fatos nela descritos (e com ela documentados,
no caso) configurem, em tese, o delito imputado (injúria ou
difamação)” (STF; HC nº 63.802-RJ; Rev. Trim. Jurisp., vol.
118, p. 131).

12. “Aplicação do direito superveniente, mais benigno em tema de


prescrição (art. 2º do Cód. Penal). Se não houve recurso da
acusação, e, entre a data da sentença recorrida e o julgamento do
recurso do réu, decorreu prazo suficiente para a prescrição da
pretensão punitiva, segundo a pena em concreto, esta deve ser
declarada, extinguindo-se a punibilidade, de acordo com a lei
nova” (STF; RE nº 104.991-0-SP; DJU 16.10.87, p. 22.417).

13. “Ação penal incondicionada, independente, por isso mesmo,


de representação” (STF; RHC nº 66.093-2-SP; DJU 10.6.88,
p. 10.402).
14. “Não caracteriza o furto privilegiado a circunstância da
recuperação, pela vítima, de coisas furtadas, quando de valor
considerável (não pequeno). Nem é conciliável o tratamento
privilegiado do art. 155, § 2º, do Cód. Penal com as hipóteses
de furto qualificado (§ 4º)” (STF; RE nº 114.102-6-SP; DJU
18.8.89, p. 13.230).
94

15. “A imissio penis, mesmo parcial, sem que tenha havido o


rompimento da membrana himenal, não desclassifica o crime
de consumado para tentado” (STF; Rec. Crim. nº 100.090-RJ;
Rev. Trim. Jurisp., vol. 112, p. 781).

16. “Roubo, mediante simulação de porte de arma. Segundo a


jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, se o agente,
simulando porte de arma, ameaça, intimida e subjuga a vítima,
subtraindo-lhe os pertences, configura-se o crime de roubo
(art. 157, caput, do Cód. Penal) e não de furto qualificado”
(STF; RE nº 108.62-9-SP; RJTACrimSP, vol. 7, p. 255).

17. “Roubo duplamento qualificado (uso de arma e concurso de


agentes). Quadrilha (simples, desarmada). Possibilidade de
concurso material, sem violação da regra: non bis in idem.
Qualificadora do concurso de agentes incancelável, no caso, pela
via do habeas corpus, por depender de reexame de elementos
que influíram no quantum do aumento da pena” (STF; HC
nº 67.111.0-RJ; DJU 14.4.89, p. 5.459).

18. “Pena. Fixação. Fundamentação. Pena-base. Critério trifásico.


Se a sentença de 1º grau e o acórdão, que a confirma, fixam a
pena-base, fundamentadamente, ou seja, com observância do
art. 59 do Cód. Penal, sem quaisquer acréscimos, à falta de
circunstâncias agravantes ou atenuantes e de causas de aumento
ou diminuição da pena, não se torna necessária a adoção do
critério trifásico” (STF; HC nº 68.424-6-SP; DJU 15.3.91,
p. 2.650).
95

19. “Penas. Unificação. Limite de trinta anos. Art. 75, §§ 1º e 2º, do


Cód. Penal. O limite de trinta anos, previsto no caput do art. 75
do Cód. Penal, não é de ser observado se, após a unificação das
primeiras penas, até esse limite, o sentenciado pratica novos
delitos e sofre novas condenações. Nesse caso, é de ser feita nova
unificação, até o máximo de trinta anos, desprezando-se, porém,
o período de pena já cumprido (§ 2º do art. 75 do Cód. Penal)”
(STF; HC nº 68.153-1-DF; DJU 15.3.2001, p. 2.647).
20. “É de se ter por caracterizado o estupro se a conjunção carnal se
consuma, mediante violência ou grave ameaça à vítima” (STF;
HC nº 68.080-1-DF; DJU 15.3.91, p. 2.647).

21. “Caracteriza-se o crime de latrocínio consumado, e não de


homicídio, quando o agente ocasiona a morte da vítima, ainda
que não consiga realizar a subtração de bens, caso em que é
competente para o julgamento o Juiz Criminal e não o Tribunal
do Júri” (STF; HC nº 74.986-1-SP; Rev. Tribs., vol. 744,
p. 517).

22. “Falsidade material e falsidade ideológica. Distinção. A


falsidade material envolve a forma do documento, enquanto a
ideológica diz respeito a conteúdo do documento” (STF; HC
nº 77.366-SP; Rev. Trim. Jurisp., vol. 178, p. 769).

23. “A falsidade ideológica concerne ao conteúdo e não à forma.


Quando esta é alterada, forjada ou criada, a falsidade a
identificar-se é a material” (STF; HC nº 77.366-SP; Rev.
Trim. Jurisp., vol. 178, p. 769).

24. “Exame pericial. Falsidade material. Falsidade ideológica. A


primeira pode ser averiguada pela perícia; a segunda não,
cumprindo ser demonstrada por outros meios” (STF; HC nº
77.366-SP; Rev. Trim. Jurisp., vol. 178, p. 769).
96

25. “(…) exceto nos casos de crimes hediondos, não basta a própria
natureza do crime (roubo qualificado), em abstrato, para
a imposição do regime inicialmente fechado de cumprimento
de pena, se o julgado que o aplica não explicita as circunstâncias,
que, segundo os arts. 33, § 3º, e 59 do Cód. Penal, o justificariam”
(STF; HC nº 77.187-SP; Rev. Trim. Jurisp., vol. 180, p.
563).(12)

(12) Fonte: Código Penal na Expressão dos Tribunais, 2007; Editora


Saraiva. De autoria do eminente Desembargador Mohamed Amaro, é
porventura o melhor repertório de jurisprudência pátria já publicado.
97

V. Homenagem do Supremo Tribunal Federal (27.4.2003).


Discurso da Ministra Ellen Gracie. Tópicos principais:

1. “Enaltecer a figura de Sydney Sanches, o nosso homenageado de


hoje, é enaltecer a figura do juiz. Do juiz que é exemplo para juízes. Do
juiz que é paradigma para toda a magistratura. Do autêntico e genuíno
magistrado de carreira, experimentado nas comarcas mais distantes do
interior do estado de São Paulo e que galgou cada passo da hierarquia
judiciária antes de vir integrar esta Casa, que presidiu no biênio 1991 a
1993. Sydney Sanches, este juiz é, antes de mais nada, a personificação
do homem bom. E não foram os anos de experiência acumulada nem
as láureas dos postos elevados que fazem o estofo desse ideal de
conduta, por ele encarnado. Muito jovem ainda, ao ascender ao
Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, já demonstrava Sydney
Sanches a lucidez com que compreendia a dimensão da atividade
judicial […]”.

2. “O exemplo de quem dedica tanto tempo à solução dos


problemas alheios que muito não lhe sobeja para a solução dos
próprios. Exemplo de quem vê nas leis apenas um roteiro, que deve
seguir, enquanto conduz à justiça que o legislador pretendeu. O
exemplo de quem se lembra, a cada instante, de que é pago pelo povo
para ser honesto, imparcial, independente, incorruptível, infenso às
honrarias tendenciosas e ao amesquinhamento dos ideais. O exemplo
de quem vê na Justiça Divina a justiça perfeita e na terrena apenas
o esforço dos homens sérios e bons para que ela não se revele não
imperfeita” (apud Ricardo Viveiros, Justiça seja feita, 2017, p. 206;
SESI-SP Editora).
IX. Fotos da solenidade de homenagem

Na foto, (à esq.) o Desembargador José Renato Nalini (Presidente do


Tribunal de Justiça) e o Homenageado (Ministro Sydney Sanches)
100

Na foto, (à esq.) o Juiz de Direito Ricardo Braga Monte Serrat (orador oficial)
101

Parte do público presente à solenidade


102

Parte do público presente à solenidade


103

Familiares do Homenageado
X. Epílogo

Estas páginas, que compilamos em obediência às leis da


amizade — mas sobretudo às da verdade e da justiça —
tiraram ao fito de apresentar aos futuros juízes (e também
aos de nosso tempo) os lances principais da vida de um
Magistrado que os membros de sua Instituição têm por
modelo.
É fora de controvérsia que, entre os poderes da
República, “independentes e harmônicos” (art. 2º da Const. Fed.),
veneranda tradição conferiu sempre ao Judiciário a primazia,
à conta da superior qualificação de seus integrantes.
A muitos sujeitos de sublime entendimento, no entanto,
se tem ouvido, ultimamente, com infinita mágoa, que já
não podiam levar a bem certas práticas, de cunho insólito
e pernicioso, que nele pareciam querer insinuar-se.
Era de mister — ponderavam — pôr-lhes cobro, não
viessem a deslustrar a grandeza e a majestade da Justiça
brasileira!
Ora, o meio mais eficaz para erradicar essa, a que
pudéramos chamar praga abominável, depara-nos a imitação
do exemplo dos melhores.
Isto mesmo sentia um autor gravíssimo, forte em sã
doutrina: “Segue as pegadas dos antigos, e não te afastes de sua
autoridade, aliás vir-te-ão à cabeça muitas coisas que te arrastarão ao
erro”.(13)

(13) Alexandre Herculano, Cartas, t. I, p. 24; Lisboa.


106

Ainda que dinâmica a vida do Direito, estão seus


aplicadores adstritos aos princípios e cláusulas irrevogáveis da
ética profissional, da honra e da nobreza de inteligência.
Ora, é ao número dos grandes valores da Magistratura,
mui dignos de imitar, que pertence o Homenageado.
E, deitando a barra mais longe, tocar-lhe-ia, por força,
a melhor parte na lenda aterradora forjada por Maomé. Foi
o caso que, após contemplar demoradamente um suntuoso
Tribunal de Justiça, fulminara-lhe O Profeta o anátema: De três
juízes somente um se salvará.
“Data venia” dos mais, Sydney Sanches é esse juiz que se
salvaria!
Todos os que o puderam acompanhar nos labores da
vida consagrada aos elevados negócios da Justiça, esses
nenhuma dúvida terão em sufragar-lhe o nome.
A supor alguém encerre esta afirmativa mais louvor que
verdade inconcussa, alegaremos com as palavras de sábio
e claro varão: “Elogios nem sempre são lisonjas; quando vêm
merecidos, são dever”(14).
Esteve, pois, à altura do Ministro Sydney Sanches a bela
homenagem que lhe prestou, com rara eficiência e esplendor,
o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

(14) Júlio de Castilho, Os Dois Plínios, 1906, p. 343; Lisboa.


107

Foi certamente com o pensamento em magistrados


desse jaez que o imenso Rui burilou, para os que têm fome e
sede de justiça, o pregão confortador: “A esperança nos juízes é
a última esperança”!(15)

(15) Obras Seletas, 1956, t. VIII, p. 204.


CB

São Paulo, 17 de julho de 2023

Estimado Ministro Sydney Sanches:


Saúdo-o vivamente!

As dificuldades que se opunham ao meu deliberado intento (de


patentear e oferecer aos Juízes, de hoje e de amanhã, o nome de um
colega, a todos os respeitos ilustre, que lhes servisse de guia e modelo
muito para imitar), felizmente remitiram. Obtive, afinal, os livros de
sua autoria e deles extraí os textos que importavam para o caso.

(Benditos os alfarrábios, ou sebos, que “ad instar” das pessoas


longevas e de espírito cultivado, guardam preciosas lições dos tempos
pretéritos!).

Eis aqui alguns exemplares do livrinho, editado em memória da


magna homenagem que lhe prestou nosso Tribunal de Justiça, no dia
21 de outubro de 2015. Os discursos então proferidos (pp. 17-37), os
textos de excelente doutrina jurídica (pp. 78-95) e as fotos principais
do evento (pp. 97-101) mereciam sobreviver à fugacidade daquele
momento solene! Outros exemplares em breve lhe enviarei.

Diligenciarei também por informar-me se o Tribunal de Justiça,


por seu Departamento de Artes Gráficas, poderia imprimir e destinar
a cada um de nossos Juízes, à guisa de estímulo e edificação, um
exemplar do despretensioso livro.

Os três de sua autoria, aqui juntos, esses muito folgaria de


recebê-los com sua dedicatória. Espero me releve esta confiança!

Deus lhe acrescente, meu querido amigo e mestre, os dias felizes


e lhe conserve no coração a inefável alegria que transparece nos
semblantes de todos os que estão na bela foto da página 101.

Meu afetuoso abraço.

___________________________
Carlos Biasotti
Trabalhos Jurídicos e Literários de
Carlos Biasotti

1. A Sustentação Oral nos Tribunais: Teoria e Prática;


2. Adauto Suannes: Brasão da Magistratura Paulista;
3. Advocacia: Grandezas e Misérias;
4. Antecedentes Criminais (Doutrina e Jurisprudência);
5. Apartes e Respostas Originais;
6. Apelação em Liberdade (Doutrina e Jurisprudência);
7. Apropriação Indébita (Doutrina e Jurisprudência);
8. Arma de Fogo (Doutrina e Jurisprudência);
9. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (1a. Parte);
10. Citação do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
11. Crime Continuado (Doutrina e Jurisprudência);
12. Crimes contra a Honra (Doutrina e Jurisprudência);
13. Crimes de Trânsito (Doutrina e Jurisprudência);
14. Da Confissão do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
15. Da Presunção de Inocência (Doutrina e Jurisprudência);
16. Da Prisão (Doutrina e Jurisprudência);
17. Da Prova (Doutrina e Jurisprudência);
18. Da Vírgula (Doutrina, Casos Notáveis, Curiosidades, etc.);
19. Denúncia (Doutrina e Jurisprudência);
20. Direito Ambiental (Doutrina e Jurisprudência);
21. Direito de Autor (Doutrina e Jurisprudência);
22. Direito de Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
23. Do Roubo (Doutrina e Jurisprudência);
24. Estelionato (Doutrina e Jurisprudência);
25. Furto (Doutrina e Jurisprudência);
26. “Habeas Corpus” (Doutrina e Jurisprudência);
27. Legítima Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
28. Liberdade Provisória (Doutrina e Jurisprudência);
29. Mandado de Segurança (Doutrina e Jurisprudência);
30. O Cão na Literatura;
31. O Crime da Pedra (Defesa Criminal em Verso);
32. O Crime de Extorsão e a Tentativa (Doutrina e Jurisprudência);
33. O Erro. O Erro Judiciário. O Erro na Literatura (Lapsos e Enganos);
34. O Silêncio do Réu. Interpretação (Doutrina e Jurisprudência);
35. Os 80 Anos do Príncipe dos Poetas Brasileiros;
36. Princípio da Insignificância (Doutrina e Jurisprudência);
37. “Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?”;
38. Tópicos de Gramática (Verbos abundantes no particípio; pronúncias e
construções viciosas; fraseologia latina, etc.);
39. Tóxicos (Doutrina e Jurisprudência);
40. Tribunal do Júri (Doutrina e Jurisprudência);
41. Absolvição do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
42. Tributo aos Advogados Criminalistas (Coletânea de Escritos Jurídicos);
Millennium Editora Ltda.;
43. Advocacia Criminal (Teoria e Prática); Millennium Editora Ltda.;
44. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (2a. Parte);
45. Contravenções Penais (Doutrina e Jurisprudência);
46. Crimes contra os Costumes (Doutrina e Jurisprudência);
47. Revisão Criminal (Doutrina e Jurisprudência);
48. Nélson Hungria (Súmula da Vida e da Obra);
49. Ação Penal (Doutrina e Jurisprudência);
50. Crimes de Falsidade (Doutrina e Jurisprudência);
51. Álibi (Doutrina e Jurisprudência);
52. Da Sentença (Doutrina e Jurisprudência);
53. Fraseologia Latina;
54. Da Pena (Doutrina e Jurisprudência);
55. Ilícito Civil e Ilícito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
56. Regime Prisional (Doutrina e Jurisprudência);
57. Alimentos (Doutrina e Jurisprudência);
58. Estado de Necessidade (Doutrina e Jurisprudência);
59. Receptação (Doutrina e Jurisprudência);
60. Inquérito Policial. Indiciamento (Doutrina e Jurisprudência);
61. A Palavra da Vítima e seu Valor em Juízo;
62. A Linguagem do Advogado;
63. Memorando aos Colegas da Advocacia e da Magistratura;
64. Código de Defesa do Consumidor (Casos Especiais em Matéria
Criminal);
65. Crime de Dano (Doutrina e Jurisprudência);
66. Nulidade Processual (Doutrina e Jurisprudência);
67. Da Coação no Direito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
68. Violação de Domicílio (Doutrina e Jurisprudência);
69. Indenização (Doutrina e Jurisprudência);
70. Desistência Voluntária (Doutrina e Jurisprudência);
71. A Embriaguez e o Direito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
72. Embargos de Declaração (Doutrina e Jurisprudência);
73. A Estrada Real do Direito;
74. Coautoria (Doutrina e Jurisprudência);
75. Medida de Segurança (Doutrina e Jurisprudência);
76. Centenário da Morte do Maior dos Brasileiros: Rui Barbosa;
77. Ministro Sydney Sanches (Honra e Glória do Supremo Tribunal Federal);
78. A Mentira perante a Justiça;
79. Da Ameaça (Doutrina e Jurisprudência);
80. Israel Souza Lima (Vida Centenária de um Homem Singular).
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Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

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