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Sumário

ARTIGOS DE DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL

PARA CARREIRAS JURÍDICAS........................................................................................10

Já ouviu falar no Decreto-lei n. 3.240/1941?...................................................................10

Novidade sobre execução provisória no âmbito do Tribunal do Júri?........................12

STJ e (mais um) novo capítulo sobre o reconhecimento de pessoas no

Processo Penal..................................................................................................................15

Crime de moeda falsa e a agravante do art. 61, II, h, do Código Penal........................18

Execução provisória da prisão no âmbito do júri?........................................................22

RHC 158.850: a legalidade da realização de diligência de busca pessoal

por agentes policiais.........................................................................................................26

Fishing expedition no Processo Penal...........................................................................32

Policiais aposentados ostentam o direito a manter porte de arma de fogo?.............35

Lei n. 14.322/2022: primeiras impressões e comentários.............................................38

Nova repercussão geral no STF (Tema n. 661)...............................................................40

Consentimento da ofendida e medida protetiva da Lei Maria da Penha.....................43

Afinal, o reconhecimento de pessoas é uma regra ou mera recomendação?............47

Cabe prisão domiciliar às presas em regime fechado quando se tratar de mãe

cuja presença seja imprescindível aos cuidados de criança?.....................................51

Polêmica decisão do STJ.................................................................................................53

Afinal, o que foi admitido pelo STJ é ou não decretação de prisão

preventiva de ofício?........................................................................................................56

BOMBA! 2ª Turma do STF diverge frontalmente do

STJ em tema importantíssimo.........................................................................................58

Afinal, será que um juízo pode se negar a fiscalizar prisão preventiva em regime

domiciliar e disponibilizar monitoração eletrônica descumprimento

carta precatória?...............................................................................................................61

É possível a aplicação da causa de aumento de pena do art. 12, III, da

Lei n. 8.137/1990 ao crime de venda de medicamentos vencidos?.............................63


Teoria da Cegueira Deliberada no crime de lavagem de capitais.................................65

A importação de colete à prova de balas configura crime?..........................................68

Cabe substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de

direitos em alguma modalidade do crime de tortura?...................................................70

Regime inicial de cumprimento de pena no crime de tortura.......................................72

Considerações sobre o “animus” do crime de associação para o

tráfico de drogas...............................................................................................................76

Reconfiguração cooptada do Estado..............................................................................79

É válida a prova obtida mediante ingresso policial autorizado pelos

avós do investigado?........................................................................................................81

(IM)Possibilidade de insignificância no contrabando de pequena quantidade

de medicamentos, na visão do STJ.................................................................................83

O que é criptoimputação?................................................................................................86

Eu já utilizei a Teoria da Perda de uma Chance no Processo Penal e…

deu certo............................................................................................................................88

(IM)Possibilidade de o assistente de acusação ser ouvido como testemunha no

âmbito do Processo Penal...............................................................................................91

O índio, em “estado de isolamento”, é inimputável para fins de aplicação da

lei penal brasileira?...........................................................................................................93

Caiu na prova oral da DPU: Discorra sobre a Teoria Funcionalista do

Direito Penal e suas vertentes (i) moderada e (ii) radical..............................................95

Negociação processual para ampliar o prazo dos debates no Júri é possível?........97

ATENÇÃO! Será que as qualificadoras no homicídio podem ser reconhecidas

a partir exclusivamente de “testemunho de ouvir dizer”?............................................99

Novidade: readequação (unânime) de repetitivo criminal no Superior

Tribunal de Justiça............................................................................................................103

Recebimento do ADITAMENTO da inicial acusatória tem o condão de

interromper a prescrição?................................................................................................106

Guantanamização do Processo Penal............................................................................108


Importante decisão sobre competência criminal e auxílio emergencial

durante a covid-19.............................................................................................................110

A defesa deixou de apresentar alegações finais?.........................................................113

(Im)possibilidade de compensação da prestação pecuniária e a reparação

dos danos causados.........................................................................................................115

“Double jeopardy clause” e o Direito Constitucional Penal brasileiro........................118

Bagatela imprópria............................................................................................................121

Eventual firmeza na condução do interrogatório pelo Juiz-Presidente gera

ruptura da imparcialidade dos jurados no âmbito do Plenário do Júri?.....................125

Garantismo hiperbólico monocular.................................................................................128

Atos infracionais podem ser considerados para fins de afastamento da aplicação

da minorante do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006?.....................................................132

Valoração Paralela da Esfera do Profano.......................................................................135

(IM)Prescritibilidade do delito de injúria racial...............................................................137

Você sabia que o examinador da prova de Processo Penal de DELTA/RJ

defende (veementemente) que a ação penal de lesão corporal leve no contexto

da Lei Maria Da Penha é pública condicionada à representação?...............................141

Intranscendência da sanção penal e a (in)existência de exceção em relação à

pena de multa....................................................................................................................143

STJ reforça a adoção da teoria objetivo-formal para o delineamento do crime

consumado no Brasil........................................................................................................145

A participação de adolescente pode ser considerada para tipificação do crime de

associação para o tráfico e para agravar a pena como causa de aumento?..............148

Tipos congruentes X incongruentes...............................................................................151

Importantíssima decisão do STJ acerca da (in)existência de corrupção passiva

envolvendo médicos.........................................................................................................153

Utensílio para plantação de maconha para consumo pessoal NÃO é crime,

diz STJ................................................................................................................................156

Análise da Súmula n. 605 do Superior Tribunal de Justiça..........................................159


Atuação do Juízo ad quem no julgamento da apelação em sede de Tribunal do Júri

na hipótese do art. 593, III, d, do CPP..............................................................................161

Lei n. 14.155/2021 tem aplicação imediata, inclusive para fatos anteriores à

sua vigência.......................................................................................................................164

3ª Seção confere importante interpretação acerca da REINCIDÊNCIA

mencionada no art. 44, § 3º, do Código Penal................................................................166

Qual a teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro para os

crimes impossíveis?.........................................................................................................170

Advogado dativo pode renunciar à prerrogativa de intimação pessoal?....................172

CUIDADO! Tráfico nas proximidades de templos religiosos........................................174

Teoria das Janelas Quebradas (Broken windows theory).............................................177

É possível aplicar a suspensão de direitos políticos nas condenações a penas

restritivas de direito?........................................................................................................181

Você já ouviu falar em GEO-FENCING?..........................................................................183

Motorista condenado por homicídio culposo pode ser contemplado por PRD?........185

A retratação da calúnia precisa de anuência do ofendido para

extinguir a punibilidade?..................................................................................................187

Autoria mediata por domínio de aparato organizado de poder....................................189

“Juiz sem rosto” no Brasil e as organizações criminosas...........................................191

Diferentes standards probatórios do sequestro no CPP e na Lei de Lavagem

de Capitais.........................................................................................................................194

Tema n. 1077 no STJ.........................................................................................................196

Decisão importantíssima sobre competência criminal da 3ª Seção do STJ...............199

Conferindo concretude à Resolução da CIDH, STJ determina contagem de

pena em dobro nas condições degradantes..................................................................201

Tema n. 1084 – Novo Repetitivo do STJ..........................................................................203

Concussão e corrupção passiva.....................................................................................205

COAF e a última palavra sobre (i)licitude de movimentação financeira......................208

Afinal, o ato infracional serve ou não para afastar a causa de diminuição do

art. 33, § 4º, da Lei de Drogas?........................................................................................210


Impossibilidade de condenação calcada exclusivamente em declarações

informais obtidas no momento do flagrante..................................................................212

A existência de indícios de legítima defesa é suficiente para o trancamento do

Processo Penal?...............................................................................................................214

Lei n. 7.492/1986: A utilização de “laranjas” desnatura o crime do art. 21 da

Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional?...............................................217

Supremo Tribunal Federal julgou o art. 17-D da Lei de Lavagem de

Capitais inconstitucional..................................................................................................219

Como se dá a progressão de regime de cumprimento de pena nos crimes

hediondos em face do reincidente genérico após a Lei Anticrime?............................221

O período de suspensão do dever de apresentação mensal em juízo, em razão

da pandemia de covid-19, pode ser reconhecido como pena

efetivamente cumprida.....................................................................................................224

Gestantes ou mães de criança reincidentes criminalmente têm

direito à prisão domiciliar?..............................................................................................226

IRDR e o Processo Penal..................................................................................................230

Mandado de busca e apreensão precisa detalhar documento a ser apreendido?

E se ele for de natureza sigilosa?....................................................................................232

Alteração de entendimento no STJ.................................................................................234

Exame criminológico........................................................................................................238

Chip de telefone celular em presídio: “dois pesos, duas medidas”?..........................240

3ª Seção do STJ: Recolhimento domiciliar com tornozeleira eletrônica

autoriza a detração penal.................................................................................................243

Decisão da 5ª Turma do STJ fragiliza o entendimento da 3ª Seção da Corte?...........245

“Testemunha de ouvir dizer” (hearsay testimony) e a pronúncia nos crimes

dolosos contra a vida.......................................................................................................248

Qual é o termo final da suspensão da prescrição quando da

expedição da carta rogatória?.........................................................................................251

O que é a Teoria do “Three Strikes and You’re Out”?...................................................253

Repercussão geral e suspensão prescricional em matéria penal................................256


Importação de pequena quantidade de semente de maconha na visão

dos Tribunais Superiores.................................................................................................259

STJ supera a divergência: crime de favorecimento da prostituição de criança

ou adolescente não exige a figura de terceiro intermediador......................................262

Qual o estabelecimento penal em que devem ser alocadas as mulheres trans?.......264

Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) e a sua aplicação no tempo......................266

Sistema vicariante ou duplo binário?.............................................................................269

Ponte de ouro antecipada? O que é isso?......................................................................271

Detração analógica virtual?.............................................................................................273

(Des)necessidade de policiais gravarem autorização de morador para

entrar em sua residência..................................................................................................276

Finalmente pacificou! Afinal, é possível ou não a conversão do flagrante em

preventiva de ofício pelo magistrado?............................................................................279

Exercício arbitrário das próprias razões: crime formal ou material?..........................282

A expedição de carta precatória impacta no momento de

realização do interrogatório?...........................................................................................285

STJ assume lado em polêmica doutrinária na lei de organização criminosa.............287

Distinguishing sobre o cabimento de astreintes no Processo Penal..........................289

Será que a conduta de possuir ou portar integra o rol dos crimes hediondos?........292

É possível juntar o laudo toxicológico após a sentença condenatória?.....................294

Vamos entender o conteúdo dos dois novos verbetes de

súmula criminal do STJ?..................................................................................................296

Carta rogatória e auxílio direto........................................................................................298

STF X STJ...........................................................................................................................300

STF decidiu (acertadamente)...........................................................................................303

Qual é o recurso idôneo para atacar a negativa de homologação de acordo

de colaboração premiada?...............................................................................................304

Você já ouviu falar sobre “nulidade de algibeira”? Ela é compatível com o

Processo Penal?...............................................................................................................308

Escassez de policiais penais para a escolta e audiência por vídeo conferência.......310


O que preconiza a Teoria da Reiteração Não Cumulativa de

Conduta de Gêneros Distintos?.......................................................................................312

Constituição Estadual pode prever foro por prerrogativa de função

para Vereadores?..............................................................................................................315

Escusas absolutórias.......................................................................................................318

ADI 5264.............................................................................................................................321

(Des)Necessidade de delimitação temporal no acesso a dados telemáticos

com finalidade investigatória criminal............................................................................324

O STJ mudou?...................................................................................................................327

(Im)Possibilidade de audiência de custódia por videoconferência no

processo penal brasileiro.................................................................................................329

Qual o critério a ser utilizado para a adoção do “quantum” de aumento de

pena em um crime continuado?......................................................................................331

Crime praticado, durante o primeiro mandato, por Prefeito reeleito deve

observar prerrogativa de foro?........................................................................................334

Reconversão de pena restritiva de direitos é faculdade do condenado?...................338

A Lei Anticrime alterou o entendimento acerca da licitude da gravação ambiental

por um dos interlocutores?..............................................................................................341

Multa por abandono de processo....................................................................................343

Isso caiu em prova e quase ninguém sabia responder….............................................346

STF ratifica seu entendimento acerca da impossibilidade de progressão de

regime sem o pagamento da multa penal.......................................................................348

(Algumas) Considerações sobre a Teoria do Domínio do Fato....................................350

Imputar feminicídio de grávida e provocação de aborto, concomitantemente,

é bis in idem?....................................................................................................................353

Operação dólar-cabo invertido!.......................................................................................355

Concussão: (i) momento consumativo e (ii) prisão em flagrante.................................357

O MP pode apelar contra decisão do Júri calcada no quesito genérico de

absolvição? E se tiver contrária às provas dos autos?................................................359


Agência de Inteligência de Segurança Pública pode ajudar em

investigação criminal?......................................................................................................362

A simples alegação de dependência química enseja a realização de exame

toxicológico no Processo Penal?....................................................................................365

Revisão periódica da prisão preventiva, Lei Anticrime e o (polêmico)

entendimento do STJ sobre o tema.................................................................................367

Exceção de Romeu e Julieta no Direito Penal brasileiro..............................................370

Crime do art. 89 da Lei de Licitações e a jurisprudência do STF.................................373

Interceptação de comunicações telemáticas com informações armazenadas

no estrangeiro precisa observar acordo de cooperação internacional?.....................375

Aplicação financeira não declarada à repartição federal competente no

exterior é crime contra o Sistema Financeiro Nacional?..............................................377

PF investigou fora das atribuições? E o que o STF decidiu?.......................................380

Justa causa duplicada......................................................................................................382

Você sabia que a lavagem de capitais é dividida em fases?........................................384

Reconhecimento de inimputabilidade penal depende de incidente de

insanidade mental?...........................................................................................................387

Ação penal no crime de estelionato e a Lei Anticrime..................................................390

12 teses solidificadas no STJ sobre os crimes contra a dignidade sexual.................395

Crimes do colarinho azul?................................................................................................402

32 enunciados criminais aprovados na I Jornada de Direito Penal e Processual

Penal do Conselho de Justiça Federal (CJF).................................................................404

(IN)Admissibilidade de Mandado de Segurança contra decisão que defere

desbloqueio de bens e valores no processo penal.......................................................406

Interceptação de sinal de TV a cabo...............................................................................408

Como a Lei Maria da Penha evoluiu para evitar o processo de vitimização

secundária ou revitimização?..........................................................................................410

Saiba como o crime do art. 218-B do CPB vai cair na sua prova.................................413

Pontes de ouro do Direito Penal......................................................................................416

O que está por trás da Súmula n. 617 do Superior Tribunal de Justiça?....................418


ARTIGOS DE DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL
PARA CARREIRAS JURÍDICAS
Professor: Pedro Coelho

Pedro Coelho
Defensor Público Federal desde 2011. Aprovado na Defensoria Pública de Alagoas. Titular do 2º Ofício
da DPU/PB – João Pessoa). Ex-Chefe da DPU-Acre. Graduado em Direito pela Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE). Pós-Graduado em Ciências Criminais. Professor de Direito Processual Penal
e Legislação Penal Especial.

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PARA CARREIRAS JURÍDICAS

PROFESSOR PEDRO COELHO

JÁ OUVIU FALAR NO DECRETO-LEI N. 3.240/1941?

É BOM SE LIGAR, PORQUE ELE VAI CAIR NA SUA PROVA…

Fala, pessoal! Tudo certo?

Hoje vamos falar sobre um tema bastante interessante e inusitado.

Se você não atua – na prática – com direito processual penal ou (por algum motivo estra-
nho) teve em contato com algum artigo específico, a maior probabilidade é de que JAMAIS
tenha sequer ouvido falar desse Decreto-Lei 3240/41. Sua ementa indica como objeto o
seguinte: “Sujeita a sequestro os bens de pessoas indiciadas por crimes de que resulta pre-
juízo para a fazenda pública, e outros”.

“Ah Pedro… Deixa de ser exótico. É claro que essa norma foi revogada pelo CPP ou
não foi recepcionada pela CF/1988”. Se você pensou assim, CUIDADO! A resposta é nega-
tiva. Ele foi recepcionado e está plenamente vigente.

Aliás, não apenas foi recepcionado como já foi cobrado em provas recentes de con-
curso público, como no caso do certame de Delegado da Polícia Civil do Amazonas, reali-
zado no primeiro semestre de 2022.

E, para surpresa de muitos, esse tema ele apareceu no Informativo 732 do STJ, em
julgamento da lavra da 5ª Turma (AgRg no RMS 67.164/MG), apreciando especificamente
o seu art. 4º. De acordo com esse dispositivo, “o sequestro pode recair SOBRE TODOS OS

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BENS DO INDICIADO, e compreender os bens em poder de terceiros desde que estes os


tenham adquirido dolosamente, ou com culpa grave” (nesse sentido, STJ, RMS 29.854/RJ).
Em relação ao mencionado Decreto-Lei, além de o sequestro poder recair sobre todos
os bens (e não apenas os produtos e proveitos do crime), é importante consignar que, no art.
3º, há a menção quanto à exigência de “INDÍCIOS VEEMENTES DA RESPONSABILIDADE”,
para que a medida seja efetivada.

Bacana, Pedro.  Então exige-se essa demonstração indiciária do delito, acrescido de


demonstração de perigo da demora, correto?

NÃO! Ao menos, não é assim que interpreta o STJ. Segundo a Corte, a incidência do
Decreto-Lei n. 3.240/1941 afasta a prévia comprovação do periculum in mora para a imposi-
ção do sequestro (AgRg no REsp 1.844.874/SC[1]).

Por fim, destacou-se que, além de garantir o ressarcimento do prejuízo causado pelo


réu, tais medidas assecuratórias podem ser decretadas para abarcar o pagamento de even-
tuais multas e das custas processuais. Fiquemos espertos! Se cair na sua prova, será o con-
teúdo desse texto! Assim, salva para revisar.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

[1] PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. INCI-


DÊNCIA DO DECRETO-LEI 3.240/41. PRESSUPOSTOS CAUTELARES. INVERSÃO
DO ÔNUS DA PROVA. INCIDÊNCIA DA LEI ESPECIAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL.
NECESSIDADE DE AFERIR PRESSUPOSTO CAUTELAR. EXAME PREJUDICADO. CON-
FLITO DE LEIS NO TEMPO. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO. AGRAVO
CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO. 1. A incidência do Decreto-Lei 3.240/41 afasta a
prévia comprovação do periculum in mora para a imposição do sequestro, bastando indícios
da prática criminosa, a teor do que dispõe o art. 3º desse diploma normativo. Precedentes. 2.
Prejudicada a análise quanto ao periculum in mora, ainda que submetida a controvérsia de
forma autônoma pela alínea “c” do permissivo; uma vez que a conclusão pela incidência do
Decreto-Lei 3.240/41 repele qualquer ônus da prova para imposição de medida constritiva. 3.
O exame de suposto conflito de leis penais no tempo a revogar o Decreto-Lei 3.240/41 repre-
senta inovação de tese em sede de regimental, não cabendo o exame de matéria qua não
foi deduzida de forma originária nas razões do recurso especial. 4. Agravo regimental conhe-
cido em parte e desprovido (AgRg no REsp 1844874/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS,
QUINTA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 15/09/2020).

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NOVIDADE SOBRE EXECUÇÃO PROVISÓRIA


NO ÂMBITO DO TRIBUNAL DO JÚRI?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Falaremos hoje sobre um importantíssimo tema para aqueles que estudam e/ou militam
na área do processo penal: execução provisória da pena.

Entretanto, é importante anotar que a regra geral não sofreu qualquer modificação (ao
menos não por ora) desde novembro de 2019, quando o Plenário do Supremo Tribunal Fede-
ral assentou que impossibilidade de prisão decorrente (pura e simplesmente) da condenação
exarada por Tribunal.

À época, a Corte afirmou que, diante da ausência de trânsito em julgado, não seria pos-
sível apontar imperativamente o início do cumprimento provisório da pena, sem elementos
fundamentados de cautelaridade. Ainda que se afirme que os recursos pendentes osten-
tem efeito meramente devolutivo (sem efeito suspensivo), não há cumprimento provisório da
pena no Brasil, pois ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado (art.
5º, LVII, da CF/88). Nesse sentido, o próprio art. 283 do CPP, que exige o trânsito em julgado
da condenação para que se inicie o cumprimento da pena, é constitucional, sendo compatível
com o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da CF/88[1].

Entretanto, há ainda uma parcela da doutrina – com ressonância da jurisprudência –


que advoga a tese que a orientação acima apontada deveria ser excepcionada nos feitos
relativos ao procedimento especial do Tribunal do Júri, em razão do postulado da soberania
dos veredictos. Nessa linha, em precedente da 1ª Turma do STF, de relatoria do Ministro
Luís Roberto Barroso, “a Constituição Federal prevê a competência do Tribunal do Júri para
o julgamento de crimes dolosos contra a vida (art. 5º, inciso XXXVIII, d). Prevê, ademais, a
soberania dos veredictos (art. 5º, inciso XXXVIII, c), a significar que os tribunais não podem
substituir a decisão proferida pelo júri popular. Diante disso, não viola o princípio da presun-
ção de inocência ou da não culpabilidade a execução da condenação pelo Tribunal do Júri,
independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso. (…) Caso haja
fortes indícios de nulidade ou de condenação manifestamente contrária à prova dos autos,
hipóteses incomuns, o Tribunal poderá suspender a execução da decisão até o julgamento
do recurso”[2].

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CUIDADO! Não é correto dizer que essa é a orientação predominante do Supremo


Tribunal Federal. Até porque, em sentido oposto, apontando não ser viável a execução pro-
visória da pena ainda que estejamos em condenações proferidas pelo Tribunal do Júri é a
consolidada posição da 2ª Turma[3].
Essa celeuma recebeu um novo capítulo com o advento da Lei Anticrime, que modificou
a redação do artigo 492 do Código de Processo Penal. A partir de 23 de janeiro de 2020, o
mencionado dispositivo passou a assim prever:

Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que: I – no caso de condenação:


e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se pre-
sentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou
superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com
expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos
que vierem a ser interpostos (…) § 4º A apelação interposta contra decisão condenatória do
Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão não terá efeito
suspensivo. § 5º Excepcionalmente, poderá o tribunal atribuir efeito suspensivo à apelação
de que trata o § 4º deste artigo, quando verificado cumulativamente que o recurso: I – não
tem propósito meramente protelatório; e II – levanta questão substancial e que pode resultar
em absolvição, anulação da sentença, novo julgamento ou redução da pena para patamar
inferior a 15 (quinze) anos de reclusão. § 6º O pedido de concessão de efeito suspensivo
poderá ser feito incidentemente na apelação ou por meio de petição em separado dirigida
diretamente ao relator, instruída com cópias da sentença condenatória, das razões da ape-
lação e de prova da tempestividade, das contrarrazões e das demais peças necessárias à
compreensão da controvérsia (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019).

Dessa maneira, o Supremo Tribunal Federal reconheceu repercussão geral ao tema


relativo à possibilidade de execução provisória no âmbito do Tribunal do Júri, seja em relação
a qualquer condenação (independentemente do quantum da reprimenda), seja relativamente
ao parâmetro igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, tal qual consta do novo art.
492 do CPP.

Contudo, até o presente momento, não houve qualquer deliberação do Plenário da


Corte. Necessário, pois, aguardarmos o julgamento da TESE 1068, em que se deliberará se
a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri, prevista na Constituição Federal, autoriza a
imediata execução de pena imposta pelo Conselho de Sentença (RE 1.235.340).

Bacana, Pedro! Mas você havia mencionado alguma novidade, não?

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Exatamente!

É que, apesar de essa temática ainda pender de análise definitiva pelo Supremo Tribu-
nal Federal, o STJ tem se manifestado pela ilegalidade da execução provisória no Júri, bem
como da própria redação do art. 492 do CPP. Em recente precedente, a Corte ratificou[4]
sua orientação no sentido de que “pendente de julgamento no STF o Tema n. 1.068, em que
se discute a constitucionalidade do art. 492, I, do CPP, deve ser reafirmado o entendimento
do STJ de impossibilidade de execução provisória da pena mesmo em caso de condenação
pelo tribunal do júri com reprimenda igual ou superior a 15 anos de reclusão”[5].

Acompanhemos de perto, porém cientes da posição já agasalhada pelo Superior Tribu-


nal de Justiça!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] STF, Plenário, ADC 43/DF, ADC 44/DF e ADC 54/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julga-
dos em 7/11/2019.
[2] HC 118770, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ROBERTO BAR-
ROSO, Primeira Turma, julgado em 07/03/2017.
[3] STF, 2ª Turma, HC 163814 ED/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 19/11/2019.
[4] Essa compreensão já vinha sendo adotada, tanto que consta do JURISPRUDÊN-
CIA EM TESES (edição 185) – TESE 10: pesar da alteração legislativa promovida pela Lei
nº 13.964/2019 no art. 492, I, e, do Código de Processo Penal – CPP, a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal entende que é ilegal a execução
provisória da pena como decorrência automática da condenação proferida pelo Tribunal do
Júri, salvo quando demonstrados os fundamentos da prisão preventiva.
[5] TJ. 5ª Turma. AgRg no HC 714.884-SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador
convocado do TJDFT), Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 15/03/2022.

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STJ E (MAIS UM) NOVO CAPÍTULO


SOBRE O RECONHECIMENTO DE PESSOAS NO PROCESSO PENAL

Olá, pessoal! Tudo certo?

Sei que o título do post de hoje foi um tanto provocativo, mas me permitam explicar.

Ao longo dos últimos dois anos, houve uma significativa intensificação de reformulações
e ponderações acerca do instituto do reconhecimento de pessoas no âmbito do processo
penal. Inicialmente compreendido como uma “mera recomendação” do legislador pelos Tri-
bunais Superiores, houve um amadurecimento e uma modificação sensível de orientação.

Esse tema já foi objeto de análises em textos nossos anteriores aqui no blog, mas o
fato é que o entendimento atual caminha no sentido de que o procedimento estabelecido pelo
legislador deve ser seguido à risca, tanto da fase processual como também na etapa inquisi-
tiva da persecução penal[1].

De acordo com o Ministro Rogério Schietti Cruz, em seu voto referente ao julgamento
do HC 598.886/SC[2], a partir de estudos da Psicologia moderna, são comuns as falhas e
os equívocos que podem advir da memória humana e da capacidade de armazenamento de
informações. Isso porque a memória pode, ao longo do tempo, se fragmentar e, por fim, se
tornar inacessível para a reconstrução do fato. O valor probatório do reconhecimento, por-
tanto, possui considerável grau de subjetivismo, a potencializar falhas e distorções do ato e,
consequentemente, causar erros judiciários de efeitos deletérios e muitas vezes irreversí-
veis. O reconhecimento de pessoas deve, portanto, observar o procedimento previsto no art.
226 do CPP, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se vê na condição
de suspeito da prática de um crime, não se tratando, como se tem compreendido, de “mera
recomendação” do legislador. Em verdade, a inobservância de tal procedimento enseja a
nulidade da prova e, portanto, não pode servir de lastro para sua condenação, ainda que
confirmado, em juízo, o ato realizado na fase inquisitorial, a menos que outras provas, por si
mesmas, conduzam o magistrado a convencer-se acerca da autoria delitiva.

Ademais, é imperioso pontuar a peculiaridade referente ao procedimento de reconhe-


cimento de pessoas, presencialmente ou por fotografias, durante a fase investigativa. Con-
forme compreensão do STJ, a mencionada diligência somente é apta para identificar o réu
e fixar a autoria delitiva quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código

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de Processo Penal[3] e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob
o crivo do contraditório e da ampla defesa[4].
Relembrado esses aspectos, é hora de analisarmos um novo julgado da lavra da 6ª
Turma do Superior Tribunal de Justiça. Segundo o Colegiado, se a vítima é capaz de indi-
vidualizar o autor do fato, é desnecessário instaurar o procedimento do art. 226 do CPP[5].

É que, ao compulsarmos o teor do art. 226 do CPP, verifica-se que o legislador aponta
que tal procedimento será verificado “quando houver necessidade”, sendo possível inferir
que, a contrario sensu, não havendo dúvidas sobre a autoria delitiva, desnecessário se faz
a produção da mencionada prova (afinal, ela NÃO é obrigatória – sistema da prova tarifada).

De acordo com o que se extrai do voto do Min. Sebastião Reis Júnior, “verifica-se, no
caso concreto, que a autoria delitiva não se amparou, exclusivamente, no reconhecimento
pessoal realizado na fase do inquérito policial, destacando-se, sobretudo, que as duas víti-
mas reconheceram o agravante em Juízo, descrevendo a negociação e a abordagem[6]. A
identificação do perfil na rede social facebook foi apenas uma das circunstâncias do fato,
tendo em conta que a negociação se deu por essa rede social. Isso não afastou o reconheci-
mento dos autores do fato em juízo, razão pela qual não há falar em violação do art. 226 do
Código de Processo Penal” (grifos nossos).

Não há a menor dúvida de que essa orientação aparecerá muito em breve em certames
vindouros! Anota mais essa e aguarda para gabaritar sua prova!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

[1] HC 652.284/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA


TURMA, julgado em 27/04/2021, DJe 03/05/2021.
[2] HC 598.886/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado
em 27/10/2020.
[3] Art. 226. QUANDO HOUVER NECESSIDADE de fazer-se o reconhecimento de
pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma: I – a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento
será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida; Il – a pessoa, cujo reco-
nhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem
qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la; III
– se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de
intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reco-

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nhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela; IV – do ato de reconhe-
cimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada
para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais. Parágrafo único. O
disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário
de julgamento.
[4] Nesse sentido, vide: AgRg no HC n. 664.416/SC, Ministro Antonio Saldanha Palheiro,
Sexta Turma, DJe 26/11/2021
[5] HC 721.963-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por maioria, julgado
em 19/04/2022.
[6] Vejamos trechos importantes que serviram de lastro para corroborar a tese susten-
tada pelo Relator, que se sagrou prevalecente: “(…) Importante repisar que Luís Cláudio reco-
nheceu pessoalmente os apelantes em juízo, pontuando ter certeza quanto à identificação
realizada na fase inquisitiva, algo também confirmado por Eviton que, conquanto não tenha
realizado a identificação sob o contraditório, narrou ter segurança quanto ao apontamento for-
malizado na Delegacia mais de uma vez (vide fls. 13/17, 15/16 e 29/30). (…) Não bastasse,
narram os policiais civis Márcio Caneschi e Cristina Aparecida dos Santos ter o ofendido Luís
Cláudio reconhecido os assaltantes através de perfis relacionados ao suposto vendedor “Jose-
mar Ferreira” no Facebook. Segundo o ofendido, o crime se deu após uma emboscada, tendo
sido atraído ao local após a negociação de compra de um automóvel. O proprietário do bar
onde as vítimas pediram informações antes do crime disse saber que, “no bairro, acontecem
coisas erradas”, masque não compactua com tais condutas, nada sabendo sobre o crime em
pauta. Ao final, disseram que as vítimas mencionaram o emprego de armas de fogo durante o
roubo (relatório de investigação a fls. 12/23 e link de acesso a fls. 515).

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CRIME DE MOEDA FALSA


E A AGRAVANTE DO ART. 61, II, H, DO CÓDIGO PENAL

COMO SE POSICIONA A JURISPRUDÊNCIA? SERÁ QUE A TESE DA DPU “COLOU”?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje vamos trazer um tema especialmente delineado para aqueles que estudam para
concursos na área federal, visto que vários certames estão sendo especulados e anunciados
pelo Poder Público da União.

Nesse cenário, vamos tratar de um tema extremamente importante e frequente nas


provas e na atuação judicial na área criminal federal. Refiro-me ao crime de moeda falsa,
tipificado no art. 289 do CPB. E, como vocês sabem, posso garantir que a relevância é tanto
teórica (para as provas), como prática, visto que – atuando há mais de 10 anos como Defen-
sor Público Federal – posso garantir que vários casos envolvem esse delito.

Dentre os vários cuidados e peculiaridades que permeiam o CRIME DE MOEDA


FALSA[1], parece-me interessante tratar sobre um tema não muito frequente, mas que se
exigido pelo seu examinador pode trazer alguns problemas.

O assunto analisado pelo Superior Tribunal envolvia a possibilidade ou não de incidên-


cia da agravante prevista no artigo 61, II, h do CPB (PRÁTICA CONTRA PESSOA IDOSA)
no mencionado delito, uma vez que a posição majoritária aponta como vítima do crime de
moeda falsa o próprio Estado. Vejamos o dispositivo:

Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou
qualificam o crime: II – ter o agente cometido o crime: h) contra criança, MAIOR DE 60 (SES-
SENTA) ANOS, enfermo ou mulher grávida;

No caso em questão, o cidadão foi condenado por ter introduzido em circulação moeda
falsa, inicialmente REPASSANDO UMA CÉDULA DE CINQUENTA REAIS PARA A SUA AVÓ
e, posteriormente, repassando duas notas de igual valor (também falsificadas) para uma vizi-
nha de sua avó, ambas COM IDADE SUPERIOR A 60 ANOS. Indubitável, pois, que a con-
duta, formalmente, se adéqua ao previsto no artigo 289, § 1º do CPB.

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Mas afinal QUEM É A VÍTIMA DO CRIME DE MOEDA FALSA? Se é o Estado, como


aplicar a agravante pautada na maior vulnerabilidade da vítima idosa?

De acordo com Cleber Masson, o SUJEITO PASSIVO DO CRIME DE MOEDA FALSA É


O ESTADO, interessado na preservação da fé pública, e, mediatamente, a pessoa física ou
jurídica prejudicada pela conduta criminosa[2]. Em sentido similar, advogando a prevalência
do interesse do Estado na tutela do bem jurídico efetuada pelo tipo penal de moeda falsa,
emblemática é a lição do professor LUIZ RÉGIS PRADO, para quem:

“Sujeito passivo é o Estado, ou, mais precisamente, a coletividade, a quem interessa


a proteção da fé pública. Eventualmente, pode haver uma vítima imediata, que é a pessoa
física ou jurídica – inclusive o próprio Estado, enquanto Administração – diretamente lesada
pela conduta do agente, entretanto, como o bem jurídico diretamente protegido é a fé pública,
consubstanciada na fiabilidade da moeda, e não o interesse patrimonial da pessoa que tenha,
eventualmente, recebido o dinheiro falso como se verdadeiro fosse, prepondera a figura do
Estado no polo passivo da conduta criminosa, e não a do particular economicamente prejudi-
cado, visto que “quem recebe de boa-fé uma nota falsa não é a vítima do delito, nem a obje-
tividade jurídica da infração se dirige contra a propriedade determinada de uma pessoa”[3].

Essa foi a tese agasalhada pela Defensoria Pública da União no HC impetrado perante
o STJ e, inicialmente, encampada pelo Ministro Sebastião Reis Júnior e pela Ministra The-
reza de Assis Moura para afastar a incidência da agravante!

Todavia, ao final do julgamento, A POSIÇÃO PREVALENTE NA 6ª TURMA FOI A DIVER-


GENTE DA POSIÇÃO DA DPU, trazida à baila, sobretudo, pelo Ministro Rogério Schietti
Cruz em voto de divergência.

De acordo com a tese vencedora, não obstante ser inquestionável que o bem jurídico
tutelado pelo delito em questão ser a fé pública, não haveria como negar que a vítima pode
ser, além do Estado, uma pessoa física ou um estabelecimento comercial, dado o notório pre-
juízo experimentado por eles, afinal as pessoas a quem são repassadas cédulas ou moedas
falsas pode ser elemento crucial e definidor do grau de facilidade com que o crime é praticado
e a fé pública, portanto, é atingida.

Utilizam-se ainda de arrimo para a tese vencedora, as lições do penalista gaúcho Cezar
Roberto Bitencourt quando assevera que “sujeito passivo é o Estado, representando a coleti-
vidade, BEM COMO A PESSOA LESADA. Com efeito, in concreto, sujeito passivo é sempre

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quem tem seu interesse lesado pela conduta do sujeito ativo; tanto pode ser sujeito passivo
do crime a pessoa física como a jurídica”[4].

Dessa maneira, por 3 votos a 2, A TESE DEFENDIDA PELA DPU NÃO SE SAIU VEN-
CEDORA, prevalecendo o entendimento de que, não obstante o crime de moeda falsa tutelar
a fé pública, A EXISTÊNCIA DE VÍTIMA INDIRETA OU MEDIATA (PARTICULAR) PERMITE
A AFERIÇÃO E APLICAÇÃO DA AGRAVANTE DESENHADA NO ARTIGO 61, II, H DO CPB
QUANDO ENVOLVER PARTICULAR MAIOR DE 60 ANOS.

Para o Superior Tribunal de Justiça, pois, a fé pública do Estado é o bem jurídico tute-
lado no delito do art. 289, § 1º, do Código Penal, o que não induz à conclusão de que o
Estado seja vítima exclusiva do delito. Em virtude da diversidade de meios com que a intro-
dução da moeda falsa em circulação pode ser perpetrada, não há como negar que vítima
pode ser, além do Estado, uma pessoa física, ou um estabelecimento comercial, dado o
notório prejuízo experimentado por esses últimos. Não há como negar que a pessoa a quem,
eventualmente, são passadas cédulas ou moedas falsas pode ser elemento crucial e defini-
dor do grau de facilidade com que o crime será praticado, e a fé pública, portanto, atingida.
No tocante ao agravamento da reprimenda quando o ofendido é ascendente, descendente
irmão ou cônjuge, a preocupação do legislador foi a de punir com mais rigor aquele que
quebra, ou ofende, o natural vínculo de afeto e de cumplicidade mútuo que deve existir nas
relações familiares. Apesar de já destacada a essência motivadora dessa agravante, cumpre
lembrar que o critério de aplicação, em caso de pessoa idosa, é objetivo, e nesta hipótese,
cronológico[5].

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido! Isso vai cair em prova!

Vamos em frente!

[1] Art. 289 – Falsificar, fabricando-a ou alterando-a, moeda metálica ou papel-moeda


de curso legal no país ou no estrangeiro: Pena – reclusão, de três a doze anos, e multa. § 1º
– Nas mesmas penas incorre quem, por conta própria ou alheia, importa ou exporta, adquire,
vende, troca, cede, empresta, guarda ou introduz na circulação moeda falsa. § 2º – Quem,
tendo recebido de boa-fé, como verdadeira, moeda falsa ou alterada, a restitui à circulação,
depois de conhecer a falsidade, é punido com detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 3º – É punido com reclusão, de três a quinze anos, e multa, o funcionário público ou dire-
tor, gerente, ou fiscal de banco de emissão que fabrica, emite ou autoriza a fabricação ou
emissão: I – de moeda com título ou peso inferior ao determinado em lei; II – de papel-moeda

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em quantidade superior à autorizada. § 4º – Nas mesmas penas incorre quem desvia e faz
circular moeda, cuja circulação não estava ainda autorizada.
[2] MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado, Vol. 3 – Parte Especial. 3ª edição,
Ed. Método, pg.434.
[3] PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 8ª ed., São Paulo: Revista
dos Tribunais, pág. 279
[4] BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Especial 4, 8 ed.,
São Paulo: Saraiva, 2014, p. 484
[5] HC 211.052/RO, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro
ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 05/06/2014, DJe 15/09/2014.

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EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PRISÃO NO ÂMBITO DO JÚRI?

COMO COMPATIBILIZAR A LEI ANTICRIME, O STF E O STJ ATUALMENTE?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Talvez você, ao ler o título do presente texto, possa ter sido acometido por algum estra-
nhamento. Digo isso porque é natural pensarmos, depois de tanto tempo, o STF não havia
colocado um ponto final (sabe-se lá até quando) sobre esse tema da execução provisó-
ria da pena?

E a resposta é positiva. Sim, o Supremo Tribunal Federal, em novembro de 2019, afas-


tou a compatibilidade da execução provisória da pena com o atual ordenamento jurídico
pátrio. Para a Corte, não tendo havido trânsito em julgado, não se pode determinar que o réu
inicie o cumprimento provisório da pena. Não importa que os recursos pendentes possuam
efeito meramente devolutivo (sem efeito suspensivo). Não existe cumprimento provisório da
pena no Brasil porque ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado
(art. 5º, LVII, da CF/88). O art. 283 do CPP[1], que exige o trânsito em julgado da condenação
para que se inicie o cumprimento da pena, é constitucional, sendo compatível com o princípio
da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da CF/88[2].

Entretanto, parcela da doutrina sustentava que, dentro do espectro do Tribunal do Júri,


haveria margem para a possibilidade de admissão de execução imediata da pena fixada nos
crimes dolosos contra a vida justamente em razão da soberania dos veredictos. Essa temá-
tica era essencialmente acadêmica, mas passou a ser debatida nos Tribunais Superiores
com maior intensidade e interesse, especialmente quando o Ministro Roberto Barroso se
tornou entusiasta e defensor dessa corrente.

Em suas palavras, “nas condenações pelo Tribunal do Júri, sequer é necessário aguar-
dar o julgamento de recurso em segundo grau de jurisdição, até porque o Júri é soberano e,
consequentemente, o Tribunal de Justiça não tem como substituir a decisão do Júri. Even-
tualmente pode anulá-lo, mas as estatísticas documentam que é irrisório o número de con-
denações pelo Júri anuladas pelos tribunais de justiça. O contrário até acontece com mais
frequência, absolvições que venham a ser anuladas, mas condenações que venham a ser
anuladas é um número irrisório. Portanto, diante do princípio da soberania do Tribunal do
Júri, o meu entendimento (…) é de que a condenação pelo Tribunal do Júri já significa a pos-
sibilidade de execução da pena”[3].

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Apesar disso, não se pode dizer que esse entendimento é o prevalecente no âmbito
jurisprudencial. Isso porque, dentro do próprio STF, há um segundo entendimento bastante
forte e consolidado por alguns Ministros da Corte apontando que, antes do julgamento de
eventual apelação, sequer há o exaurimento das instâncias ordinárias. Ademais, compul-
sando o art. 593 do CPP, no âmbito do júri, é possível o reconhecimento em grau recursal
de nulidades posteriores à pronúncia, retificação da decisão em face de contrariedade ou
divergência dela em relação à quesitação dos jurados ou mesmo correção de erro de direito
manifesto[4]. Vale destacar as palavras do Ministro Celso de Melo para quem “não cabe
invocar a soberania do veredicto do Conselho de Sentença, para justificar a possibilidade de
execução antecipada (ou provisória) de condenação penal recorrível emanada do Tribunal
do Júri, eis que o sentido da cláusula constitucional inerente ao pronunciamento soberano
dos jurados (CF, art. 5º, XXXVIII, “c”) não o transforma em manifestação decisória intangível,
mesmo porque admissível, em tal hipótese, a interposição do recurso de apelação, como
resulta claro da regra inscrita no art. 593, III, “d”, do CPP”[5].

ATENÇÃO! A discussão ganhou novos contornos com o advento do Pacote Anticrime


(Lei n. 13.964/2019), que trouxe uma nova e polêmica redação ao art. 492 do CPP, prevendo
a possibilidade da execução provisória no âmbito do Júri, em determinados casos. Vejamos:

Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que: (…) e) mandará o acusado
recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da
prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze)
anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado
de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser inter-
postos; (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) (…) § 3º O presidente poderá, excep-
cionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas de que trata a alínea e do
inciso I do caput deste artigo, se houver questão substancial cuja resolução pelo tribunal ao
qual competir o julgamento possa plausivelmente levar à revisão da condenação. (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019) § 4º A apelação interposta contra decisão condenatória do Tri-
bunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão não terá efeito
suspensivo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 5º Excepcionalmente, poderá o tribu-
nal atribuir efeito suspensivo à apelação de que trata o § 4º deste artigo, quando verificado
cumulativamente que o recurso: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) I – não tem propósito
meramente protelatório; e (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) II – levanta questão substan-
cial e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, novo julgamento ou redução
da pena para patamar inferior a 15 (quinze) anos de reclusão. § 6º O pedido de concessão
de efeito suspensivo poderá ser feito incidentemente na apelação ou por meio de petição em
separado dirigida diretamente ao relator, instruída com cópias da sentença condenatória, das

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razões da apelação e de prova da tempestividade, das contrarrazões e das demais peças


necessárias à compreensão da controvérsia. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Nesse cenário, é pertinente destacar que, não obstante as normas gozarem de presun-
ção de constitucionalidade, a possibilidade ou não de execução provisória no âmbito do Tri-
bunal do Júri permanece extremamente polêmica, objeto – como vimos, de série divergência,
especialmente dentro da 1ª Turma do STF que, diferentemente da 2ª Turma e da maioria dos
julgados recentes do STJ, vem admitindo essa execução antecipada em face da soberania
dos veredictos. A posição definitiva e segura somente poderá se dar quando o Supremo Tri-
bunal Federal levar a efeito o julgamento do RE 1.235.340 – cuja repercussão geral foi reco-
nhecida – colocando um ponto final na celeuma.

Feita essa introdução e diante da fluidez de posicionamentos, recentemente, já no


ano de 2022, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça construiu importante precedente.
Segundo o Colegiado, pendente de julgamento no STF o Tema n. 1.068, em que se discute
a constitucionalidade do art. 492, I, do CPP, deve ser reafirmado o entendimento do STJ de
impossibilidade de execução provisória da pena mesmo em caso de condenação pelo tribu-
nal do júri com reprimenda igual ou superior a 15 anos de reclusão.

Apesar de o STF ter refutado a execução provisória da pena a partir do 2º grau (ADCs
43, 44 e 54), sem elementos de cautelaridade, a Lei Anticrime veio a trazer previsão especí-
fica autorizando essa perspectiva quando – no âmbito do júri – houvesse condenação supe-
rior a 15 anos de pena privativa de liberdade. O art. 492 do CPP, que traz a novidade, já foi
questionado no âmbito do STF quanto a sua constitucionalidade (TEMA 1068, RE 1.235.340/
SC), tendo o Min. Gilmar Mendes votado pela sua inconstitucionalidade. Nesse contexto,
diante da pendência do mencionado julgamento no Supremo Tribunal Federal, deve ser rea-
firmado o entendimento do STJ de impossibilidade de execução provisória da pena mesmo
em caso de condenação pelo tribunal do júri com reprimenda igual ou superior a 15 anos de
reclusão[6].

Espero que tenham compreendido e gostado.

Vamos em frente!

[1] Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em
virtude de condenação criminal transitada em julgado. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de
2019) § 1º As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não

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for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade. (Incluído


pela Lei nº 12.403, de 2011). § 2o A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer
hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio. (Incluído pela Lei nº
12.403, de 2011).
[2] STF, Plenário, ADC 43/DF, ADC 44/DF e ADC 54/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julga-
dos em 7/11/2019.
[3] HC 140449, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min.
ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 06/11/2018.
[4] Esse tema será detalhado quando estudarmos Apelação, no capítulo de Recursos
em Espécie.
[5] HC 174759 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 20/09/2019. No
mesmo sentido, decisão monocrática da Ministra Laurita Vaz na ordem de habeas corpus
458.249, julgada em 12 de julho de 2018.
[6] AgRg no HC 714.884-SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado
do TJDFT), Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, por maioria, julgado em
15/03/2022, DJe 24/03/2022.

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RHC 158.850: A LEGALIDADE DA REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIA


DE BUSCA PESSOAL POR AGENTES POLICIAIS

ANÁLISE ACERCA DA PARADIGMÁTICA DECISÃO DO STJ ACERCA DA BUSCA


PESSOAL REALIZADA PELA POLÍCIA (STJ, 6ª TURMA, RHC 158.580)!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Falaremos hoje acerca do precedente julgado pela 6ª Turma do Superior Tribunal de


Justiça, no RHC 158.580, ocasião em que a Corte estabeleceu – paradigmaticamente –
importantes considerações e critérios de aferição da legalidade da realização da diligência
de BUSCA PESSOAL realizada por órgãos e agentes policiais.

À ocasião, o STJ ratificou a tendência de limitar – cada vez mais – a atuação investi-
gativa pautada exclusivamente em notitia criminis apócrifa, inqualificada ou também conhe-
cida vulgarmente como “denúncia anônima”. Nesse cenário, asseverou-se que a busca pes-
soal realizada com base isoladamente em “denúncia anônima” não encontra ressonância na
legalidade vigente. É necessário, para tanto, a identificação e demonstração de existência
PRÉVIA de fundadas razões, passíveis de serem aferidas e comprovadas, indiciariamente,
de maneira objetiva.

Justamente por esse motivo, a Corte foi além e anotou que a intuição policial ou “abor-
dagens de rotina” também não seriam suficientes – por si sós – para justificar e conferir lici-
tude às buscas pessoais. No caso concreto, um cidadão foi abordado por policiais militares
em razão de “atitude suspeita”, ocasião em que fora realizada busca pessoal e se identificou
o flagrante de maconha e cocaína voltadas para a traficância.

Analisando o caso concreto, o Relator, Ministro Rogério Schietti Cruz, afirmou que “o
artigo 244 do CPP não autoriza buscas pessoais praticadas como ‘rotina’ ou ‘praxe’ do poli-
ciamento ostensivo, com finalidade preventiva e motivação exploratória, mas apenas buscas
pessoais com finalidade probatória e motivação correlata”. Sem qualquer divergência (una-
nimidade), os Ministérios da 6ª Turma concluíram que a justificativa utilizada – “atitude sus-
peita” – não se revela idônea, visto que o réu apenas trafegava de moto até ser parado
pela polícia.

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PARA CARREIRAS JURÍDICAS
Professor: Pedro Coelho

O voto do Ministro Relator ostenta exatas 50 páginas. Considerando que se trata de um


precedente paradigmático e simbólico, não há quaisquer dúvidas – concordando-se ou não –
que as reflexões ali delineadas serão cobradas em todos os concursos e fases de certames
públicos de carreiras jurídicas que exijam a compreensão de alto nível do processo penal.
Em razão disso, revela-se imprescindível aprofundar e sintetizar aspectos que reputo mais
pertinente, extraídos do julgamento. Vamos a eles.

(i) Busca pessoal “de rotina” – A diligência da busca pessoal está regrada, entre outros,
no artigo 244 do Código de Processo Penal. Diferenciando-se da busca domiciliar, é evi-
dente que não se exige a prévia ordem judicial para sua efetivação, bastando que o agente
demonstre a presença de fundada suspeita. Conforme previsão legal, “a busca pessoal inde-
penderá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa
esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou
quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar”.

Conforme destacou o STJ, há uma necessária referibilidade da medida, vinculada à


sua finalidade legal probatória, a fim de que não se converta em salvo-conduto para abor-
dagens e revistas exploratórias (fishing expeditions), baseadas em suspeição genérica exis-
tente sobre indivíduos, atitudes ou situações, sem relação específica com a posse de arma
proibida ou objeto (droga, por exemplo) que constitua corpo de delito de uma infração penal.
O art. 244 do CPP não autoriza buscas pessoais praticadas como “rotina” ou “praxe” do poli-
ciamento ostensivo, com finalidade preventiva e motivação exploratória, mas apenas buscas
pessoais com finalidade probatória e motivação correlata. Ou seja, não se revela idônea
suficiente a realização da medida com base em, exclusivamente, informações de fonte não
identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições e impressões subjetivas, intangíveis e
não demonstráveis de maneira clara e concreta, apoiadas, por exemplo, exclusivamente, no
tirocínio policial.

(ii) Standard probatório da busca pessoal – Na dicção do recente entendimento do STJ,


em termos de standard probatório para busca pessoal ou veicular sem mandado judicial, a
existência de fundada suspeita (justa causa) – baseada em um juízo de probabilidade, des-
crita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos
indícios e circunstâncias do caso concreto – de que o indivíduo esteja na posse de drogas,
armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a
urgência de se executar a diligência. Ainda que se encontre – posteriormente à busca pes-
soal – objetos ilícitos, não sendo demonstrada objetivamente a prévia existência de fundadas
suspeitas, a diligência deve ser compreendida como ilícita, não se sustentando o flagrante e
as evidências probatórias.

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(iii) Razões da imprescindibilidade dessa (nova) orientação – De acordo com o Tribunal,


algumas razões justificam a orientação ora assimilada. Vejamos as três principais:

a. Evitar o uso excessivo desse expediente e, por consequência, a restrição desne-


cessária e abusiva dos direitos fundamentais à intimidade, à privacidade e à liberdade (art.
5º, caput, e X, da Constituição Federal), porquanto, além de se tratar de conduta invasiva
e constrangedora – mesmo se realizada com urbanidade, o que infelizmente nem sempre
ocorre –, também implica a detenção do indivíduo, ainda que por breves instantes;

b. garantir a sindicabilidade da abordagem, isto é, permitir que tanto possa ser contras-
tada e questionada pelas partes, quanto ter sua validade controlada a posteriori por um ter-
ceiro imparcial (Poder Judiciário), o que se inviabiliza quando a medida tem por base apenas
aspectos subjetivos, intangíveis e não demonstráveis;

c. evitar a repetição – ainda que nem sempre consciente – de práticas que reprodu-
zem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o caso do perfilamento racial,
reflexo direto do racismo estrutural[1].

(iv) Uso de câmeras e filmagens nas abordagens policiais – Não é novidade a com-
preensão que vem sendo sufragada pontualmente pelo STJ e pelo próprio Supremo Tribu-
nal Federal no sentido de destacar a importância – para fins de transparência e até mesmo
proteção da legitimidade das ações policiais – da utilização mandatória de equipamentos de
filmagens das abordagens dos agentes de segurança público, como mecanismo cautelar e
garantidor da higidez da atuação. Nesse sentido, vale destacar que no julgamento do HC n.
598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª Turma, DJe 15/3/2021), a Corte tem enfati-
zado a importância do uso de câmeras pelos agentes de segurança, a fim de que se possa
aprimorar o controle sobre a atividade policial, tanto para coibir práticas ilegais, quanto para
preservar os bons policiais de injustas e levianas acusações de abuso. Nessa mesma linha,
o STF, ao julgar os Embargos de Declaração na Medida Cautelar da ADPF n. 635 (“ADPF
das Favelas”, em 3/2/2022), reconheceu a imprescindibilidade de tal forma de monitoração
da atividade policial e determinou, entre outros pontos, que “o Estado do Rio de Janeiro, no
prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, instale equipamentos de GPS e sistemas de gra-
vação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o
posterior armazenamento digital dos respectivos arquivos“.

(v) Ineficácia aviltadora das “abordagens de rotina” – Analisando alguns posicionamen-


tos contrários ao agasalhado pela Corte, constata-se que um dos principais aventados é
justamente que tal posicionamento vai melindrar e fragilizar a efetividade e EFICÁCIA da

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atuação policial, que vê nesse expediente um dos principais mecanismos de realização de


prisões em flagrante. Entretanto, será mesmo que essa atuação encontra ressonância na
concreta percepção de “eficácia” ou isso é mais um senso comum?
De acordo com a pesquisadora Gisela Aguiar Wanderley[2], em análise de dados extra-
ídos das Secretarias Públicas de Segurança (oficiais), o índice de êxito dessas abordagens
aleatórias e “de rotina” é de aproximadamente 1%. Ou seja, a cada 100 pessoas que são
abordadas a partir de “fundadas suspeitas” calcadas em elementos fluidos e genéricos,
apenas 1 delas é encontrada com objeto ilícito[3].

Em complemento, o Ministro Rogério Schietti Cruz traz à baila ainda a análise – a título
comparativo – de semelhante situação observada em Nova York. Segundo ele, na referida
cidade, “o percentual de “eficiência” das stop and frisks era de 12%, isto é, 12 vezes a por-
centagem de acerto da polícia brasileira, e, mesmo assim, foi considerado baixo e inconstitu-
cional em 2013, no julgamento da class action Floyd, et al. v. City of New York, et al. pela juíza
federal Shira Scheindlin (Floyd, et al. v. City of New York, et al. 959 F. Supp. 2d 540 (2013)[4]”.

(vi) Reflexão que não deve se limitar à polícia – É importante apontar que, no caso con-
creto, as ponderações manejadas pelos Ministros da Corte – de forma alguma – se restrin-
giu a atuação das polícias. Ao contrário, de maneira expressa, registrou-se a problemática
dentro das estruturas do próprio Sistema de Justiça, englobando o Ministério Público e o
próprio Poder Judiciário. De acordo com o Relator do caso sob análise, as “práticas como a
evidenciada no processo objeto deste recurso só se perpetuam porque, a pretexto de comba-
ter a criminalidade, encontram respaldo e chancela, tanto de delegados de polícia, quanto do
Ministério Público – a quem compete, por excelência, o controle externo da atividade policial
(art. 129, VII, da Constituição Federal) e o papel de custos iuris –, como também, em espe-
cial, de segmentos do Poder Judiciário, ao validarem medidas ilegais e abusivas perpetradas
pelas agências de segurança (grifei)”[5].

(vii) Ressonância dessa posição na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos


Humanos – A Corte também aproveitou o ensejo para endossar o acerto da nova orientação
a partir de um reflexo necessário e condizente com as percepções e precedentes exarados
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

No precedente Fernández Prieto & Tumbeiro v. Argentina, a CIDH apontou violação à


Convenção Americana de Direitos Humanos pela Argentina nos casos de abordagem policial
baseada exclusivamente em parâmetros subjetivos. Vejamos o trecho traduzido:

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[…] ante a ausência de elementos objetivos, a classificação de determinada conduta


ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, obe-
dece às convicções pessoais dos agentes intervenientes e as práticas dos próprios corpos
de segurança, o que comporta um grau de arbitrariedade que é incompatível com o art. 7.3
da CADH (Corte IDH, Caso Fernández Prieto e Tumbeiro v. Argentina. Sentença de 1.9.2020.
Mérito e reparações, § 68 e seguintes)[6].

A ideia foi esquematizar, explicar e pontuar os principais argumentos acerca da nova


posição do Superior Tribunal de Justiça acerca da busca pessoal. Eu não tenho a menor
dúvida de que esse assunto despencará nas próximas provas. A tranquilidade, porém, se
dá porque essa certeza é acompanhada por outra: aqueles que lerem o presente artigo,
terão absolutamente totais chances de acertar e gabaritar quaisquer indagações sobre esse
precedente!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

[1] “Em um país marcado por alta desigualdade social e racial, o policiamento ostensivo
tende a se concentrar em grupos marginalizados e considerados potenciais criminosos ou
usuais suspeitos, assim definidos por fatores subjetivos, como idade, cor da pele, gênero,
classe social, local da residência, vestimentas etc. Sob essa perspectiva, a ausência de jus-
tificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos –– diante da dis-
cricionariedade policial na identificação de suspeitos de práticas criminosas – pode fragilizar
e tornar írritos os direitos à intimidade, à privacidade e à liberdade” (STJ).
[2] WANDERLEY, Gisela Aguiar. Liberdade e suspeição no Estado de Direito: o poder
policial de abordar e revistar e o controle judicial de validade da busca pessoal. Dissertação
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Univer-
sidade de Brasília, 2017, p. 79-80
[3] Vale dizer, ainda que se considere que todos os flagrantes decorrem de busca pes-
soal – o que por certo não é verdade –, o índice de encontro de objetos ilícitos é de apenas
1%; isto é, de cada 100 pessoas revistadas, apenas uma é autuada por alguma ilegalidade
(na mesma linha, a reportagem disponível em https://g1.globo.com/saopaulo/noticia/2013/11/
cada-100-abordagens-policiais-em-sp-apenas-umatermina-em-prisao.html, acesso em:
fev. 2022).
[4] Disponível em: http://www.nysd.uscourts.gov/cases/show.php?db=”special&id=317,
acesso em: fev. 2022).

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[5] Endossando essa tese: “Para controlar a violência policial, é preciso aumentar os
controles externos. Os órgãos constitucionais de supervisão de polícia têm falhado sistema-
ticamente e não cansam de demonstrar diariamente que são parte interessada na manuten-
ção do sistema de justiça criminal nos seus moldes elitistas e classistas, em que a reprodu-
ção do racismo e da demofobia é sua essência mais preciosa. É o caso do Ministério Público,
que tem sido omisso diante de mais de 1.000 mortes decorrentes de ação policial todos os
anos, e mesmo do STF, que tem relutado em tomar medidas mais duras para controlar a vio-
lência policial aberta em vários estados. O controle externo da polícia é o celular do morador
de favela, do jovem que filma a abordagem, do moleque que controla a agressão do policial
mostrando que está gravando e ameaçando mostrar na mídia. O controle externo é a notícia
na grande mídia, a pressão política sobre os poderes executivo e legislativo para que contro-
lem suas polícias. Nesse conjunto de pressões, os resultados de pesquisas que mostram à
sociedade e à própria polícia os efeitos do que seus agentes praticam nas ruas pode ter seu
papel”. (RAMOS, Silvia et al. Negro trauma: racismo e abordagem policial no Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: CESeC, 2022, p. 46 e 50).
[6] https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_411 _esp.pdf, acesso em:
fev. 2022.

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FISHING EXPEDITION NO PROCESSO PENAL

Olá, pessoal! Tudo certo?

Quem acompanha nossas aulas de processo penal sabe que uma peculiar preocupação
em manter os nossos alunos atualizados com os temas de maior probabilidade de cobrança
em provas de certames públicos, mas também de trazer e trabalhar assuntos modernos e
que possuam chances de surpreender a maioria dos candidatos.

Nesse caminhar, já há algum tempo, tenho trabalhado em nossos encontros de pro-


cesso penal sobre a figura do fishing expedition, tema essa que, inclusive, já apareceu em
provas orais, discursivas e também objetivas!

Ou seja, se você não sabe ou não domina com segurança esse tema, é mais do que
urgente que acompanhe as próximas linhas.

Trata-se de prática deplorável, repleta de carga preconceituosa e recheada de incons-


titucionalidades. Porém, arbitrariedades toleradas, com algum grau significativo de conveni-
ência, por parte de alguns “exemplares de cidadãos de bem”. No processo penal, a figura da
FISHING EXPEDITION é percebida a partir de uma investigação criminal especulativa, sem
objeto certo ou determinado. Lança-se a rede das medidas especiais de investigação para
colher “alguma coisa”.

Seria uma atuação pautada na seguinte ideia: “tenho convicção de que se procurarmos
ferrenhamente dentro daquela comunidade, encontraremos algum ilícito. Não sei o que é,
onde está, com quem está e como foi parar lá. Mas se procurar, algo de podre e ilícito encon-
traremos”. Essa é uma frase que traduz o espírito dessa prática não rara no Brasil.

Segundo Philipe Benoni Melo e Silva, trata-se de situação em que são lançadas as
redes da investigação com a esperança de “pescar” qualquer prova, para subsidiar uma
futura acusação. Ou seja, é uma investigação prévia, realizada de maneira muito ampla e
genérica para buscar evidências sobre a prática de futuros crimes. Como consequência, não
pode ser aceita no ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de malferimento das balizas de
um processo penal democrático de índole Constitucional.

De acordo com o escólio do professor Alexandre de Morais da Rosa, “Fishing Expedition


ou Pescaria Probatória é a procura especulativa, no ambiente físico ou digital, sem ‘causa
provável’, alvo definido, finalidade tangível ou para além dos limites autorizados (desvio de

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finalidade), de elementos capazes de atribuir responsabilidade penal a alguém. É a prática


relativamente comum de se aproveitar dos espaços de exercício de poder para subverter a
lógica das garantias constitucionais, vasculhando-se a intimidade, a vida privada, enfim, vio-
lando-se direitos fundamentais, para além dos limites legais. O termo se refere à incerteza
própria das expedições de pesca, em que não se sabe, antecipadamente, se haverá peixe,
nem os espécimes que podem ser fisgados, muito menos a quantidade” (grifos nosso)[1].

O mais claro exemplar da prática da “expedição aleatória da pescaria probatória” é,


sem dúvidas, os Mandados de Busca e Apreensão GENÉRICOS ou coletivos. Ora, a referida
medida cautelar ostenta restrição de direito fundamentação (regulada no art. 240 do CPP) e
deve ser observada a partir dos estritos requisitos vigentes.

Ela deve ser CERTA E DETERMINADA, individualizando ao máximo o local em que se


pretende realizar a diligência. O Supremo Tribunal Federal é profícuo em precedentes que
apontam para a IMPOSSIBILIDADE de mandados genéricos, exigindo-se a individualização
da localidade em que será efetuada a busca e apreensão, mormente por envolver flexibiliza-
ção da inviolabilidade domiciliar (HC 106.566[2]). O contrário teria o condão de violar a pre-
visão do art. 243, I e II do CPP.

A fishing expedition existe e NÃO deve ser tolerada também em relação às intercep-
tações telefônicas, conforme previsão extraída diretamente da Lei 9296/96, e tampouco em
relação às buscas e apreensão. Aliás, recentemente, o próprio Superior Tribunal de Justiça
anotou que admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não
significa conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistin-
tamente, EM VERDADEIRA PESCARIA PROBATÓRIA (FISHING EXPEDITION). Vejamos
uma situação hipotética. Imagine-se que, no decorrer de uma investigação pela prática dos
crimes de furto e receptação, a autoridade policial represente pela concessão de mandado de
busca e apreensão, a fim de recuperar um celular subtraído, cujo localizador (GPS) aponte
estar em determinada moradia. Deferida a ordem para a procura do aparelho, a polícia, por
ocasião do cumprimento da diligência, aproveita a oportunidade para levar cães farejadores
com o objetivo de verificar a possível existência de drogas no local, as quais acabam sendo
encontradas. Conquanto seja perfeitamente lícito o ingresso em domicílio, é ilegal a apreen-
são das drogas, por não haver sido precedida de justa causa quanto à sua existência e por
não decorrer de mero encontro fortuito – esse admissível – mas sim de manifesto desvio de
finalidade no cumprimento do ato, o qual, no primeiro caso, se limitava a autorizar o ingresso
para a recuperação do celular subtraído; no segundo, apenas para efetuar a prisão do rouba-
dor e recuperar a motocicleta subtraída[3].

Excelente tema para cair na sua prova!

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Espero que tenham compreendido e gostado.

Vamos em frente!

[1] ROSA, Alexandre Morais da, Guia do Processo Penal Estratégico: de acordo com a
Teoria dos Jogos, 1ª ed., Santa Catarina: Emais, 2021, p. 389-390
[2] Habeas corpus. 2. Inviolabilidade de domicílio (art. 5º, IX, CF). Busca e apreensão
em estabelecimento empresarial. Estabelecimentos empresariais estão sujeitos à proteção
contra o ingresso não consentido. 3. Não verificação das hipóteses que dispensam o con-
sentimento. 4. Mandado de busca e apreensão perfeitamente delimitado. Diligência esten-
dida para endereço ulterior sem nova autorização judicial. Ilicitude do resultado da diligência.
5. Ordem concedida, para determinar a inutilização das provas. (HC 106566, Relator(a):
GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 16/12/2014).
[3] HC 663.055-MT, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, jul-
gado em 22/03/2022.

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POLICIAIS APOSENTADOS OSTENTAM O DIREITO A MANTER


PORTE DE ARMA DE FOGO?

CUIDADO COM A APLICAÇÃO NORMATIVA NO TEMPO SOBRE ESSE TEMA!

Fala, pessoal! Tudo certo?

Hoje falaremos sobre um tema extremamente interessante e importante para aque-


les que empreendem um estudo mais aprofundado do Estatuto do Desarmamento (Lei
10.826/2003). Naturalmente, as expectativas de cobrança desse assunto se voltam para os
certames de carreiras policiais, porém poderá aparecer em qualquer concurso de carreiras
jurídicas em que a área criminal seja um dos pontos nevrálgicos.

Não é segredo para ninguém que os agentes de segurança pública – e, dentre eles, os
policiais, por óbvio – ostentam o direito de porte de arma de fogo. Nesse sentido aponta o art.
6, II do Estatuto do Desarmamento:

Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os
casos previstos em legislação própria e para: (…) II — os integrantes de órgãos referidos nos
incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal;

Entretanto, considerando a estrutura normativa então vigente, a doutrina e jurispru-


dência majoritárias sempre apontaram que esse direito não se manteria com o advento da
aposentadoria. Ou seja, se João – agente da polícia civil – viesse a se aposentar, não mais
remanesceria o direito de porte de arma de fogo.

Essa orientação se calcava no art. 33 do Decreto 5123/2004, que assim previa:

Art. 33. O Porte de Arma de Fogo é deferido aos militares das Forças Armadas, AOS
POLICIAIS federais e estaduais e do Distrito Federal, CIVIS e militares, aos Corpos de Bom-
beiros Militares, bem como aos policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal EM
RAZÃO DO DESEMPENHO DE SUAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS. § 1º O Porte de Arma
de Fogo das praças das Forças Armadas e dos Policiais e Corpos de Bombeiros Militares
é regulado em norma específica, por atos dos Comandantes das Forças Singulares e dos
Comandantes-Gerais das Corporações. § 2º Os integrantes das polícias civis estaduais e das
Forças Auxiliares, QUANDO NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS OU
EM TRÂNSITO, poderão portar arma de fogo fora da respectiva unidade federativa, desde

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que expressamente autorizados pela instituição a que pertençam, por prazo determinado,
conforme estabelecido em normas próprias.

Ora, a partir do momento em que os decretos regulamentadores do tema traziam como


fundamentação a justificar a observância do porte de arma de fogo justamente o exercí-
cio das funções institucionais, era intuitivo apontar que a aposentadoria afastaria o mencio-
nado direito.

Nessa linha de raciocínio, aliás, consolidou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de


Justiça. Vejamos:

(…) 1. De acordo com o artigo 33 do Decreto Federal 5.123/2004, que regulamentou o


artigo 6º da Lei 10.826/2003, o porte de arma de fogo está condicionado ao efetivo exercício
das funções institucionais por parte dos policiais, motivo pelo qual não se estende aos apo-
sentados. 2. Habeas corpus não conhecido (HC 267.058/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI,
QUINTA TURMA, julgado em 04/12/2014, DJe 15/12/2014).

Como se sabe, o estudo do Estatuto do Desarmamento é extremamente desafiador,


porque se trata de uma norma penal em branco, que demanda complementação por regula-
mentação realizada em atos normativos promovidos pelo Poder Executivo.

Diante disso, é preciso redobrado cuidado para se manter atualizado e verificar as alte-
rações perpetradas por tais normativas. Aliás, no ponto ora estudado, houve uma sensível
modificação que gera impacto prático extremamente relevante, em data recente.

Com o advento do Decreto 9785/2019 (já substituído pelo Decreto 9847/2019), o tema
recebeu novas roupagens, passando a assim ser regulamentado:

Art. 30. Os integrantes das Forças Armadas e os servidores dos órgãos, instituições
e corporações mencionados nos incisos II, V, VI e VII do caput do art. 6º da Lei nº 10.826,
de 2003, transferidos para a reserva remunerada ou APOSENTADOS, para conservarem a
autorização de porte de arma de fogo de sua propriedade deverão submeter-se, a cada dez
anos, aos testes de avaliação psicológica a que faz menção o inciso III do caput do art. 4º
da Lei nº 10.826, de 2003. § 1º O cumprimento dos requisitos a que se refere o caput será
atestado pelos órgãos, instituições e corporações de vinculação. § 2º Não se aplicam aos
integrantes da reserva não remunerada das Forças Armadas e Auxiliares as prerrogativas
mencionadas no caput.

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Diante dessa novidade, apesar de não termos um número significativo de julgados


externando a alteração de posição, é inafastável anotarmos que a posição outrora consoli-
dada do Superior Tribunal de Justiça quanto à impossibilidade de porte de arma de fogo para
policiais aposentados NÃO MAIS SE SUSTENTA.

Afinal, a norma regulamentadora que conferia supedâneo para essa posição encontra-
-se revogada e, diferentemente, a atual previsão admite, perfeitamente, essa manutenção,
desde que o agente se submeta a alguns requisitos, como a realização de testes de avalia-
ção psicológica a cada 10 (dez) anos.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido.

Atualizem seus materiais e vamos em frente!

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LEI N. 14.322/2022: PRIMEIRAS IMPRESSÕES E COMENTÁRIOS

LEI N. 14.322/2022 ALTERA A LEI DE DROGAS!


CONFIRA AS PRIMEIRAS IMPRESSÕES E COMENTÁRIOS.

Olá, pessoal! Tudo certo?

Como sempre falo em textos e aulas, a Lei de Drogas é uma das mais importantes e
frequentes em prova de concurso público. Para garantirmos os acertos, além de dominá-la, é
especialmente relevante manter-nos atualizados em absolutamente tudo que a ela se refere.

Nesse caminhar, não podemos nos limitar ao acompanhamento e evolução das análi-
ses doutrinárias e jurisprudenciais. É imprescindível também atentarmos para as novidades
legislativas e alterações normativas promovidas pelo Poder Legislativo pátrio.

Esse aspecto, nos últimos dias, se revelou com ainda maior destaque em razão do advento
da Lei 14.322/2022, responsável por alterar alguns dispositivos da Lei de Drogas. Vejamos:

Art. 60 (…) § 5º Decretadas quaisquer das medidas previstas no caput deste artigo[1],
o juiz facultará ao acusado que, no prazo de 5 (cinco) dias, apresente provas, ou requeira
a produção delas, acerca da origem lícita do bem ou do valor objeto da decisão, exceto no
caso de veículo apreendido em transporte de droga ilícita. § 6º Provada a origem lícita do
bem ou do valor, o juiz decidirá por sua liberação, exceto no caso de veículo apreendido em
transporte de droga ilícita, cuja destinação observará o disposto nos arts. 61 e 62 desta Lei,
ressalvado o direito de terceiro de boa-fé.

Art. 61. A apreensão de veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios


de transporte e dos maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza
utilizados para a prática, habitual ou não, dos crimes definidos nesta Lei será imediatamente
comunicada pela autoridade de polícia judiciária responsável pela investigação ao juízo
competente.

A Lei de Drogas já trazia a previsão de apreensão de bens, direitos ou valores sob


os quais recaíssem suspeita de origem ilícita. O que a nova lei traz de novidade efetiva-
mente se dá no que tange à (atual) impossibilidade de devolução de veículos apreendidos no
transporte específico de drogas. Ou seja, automóveis, embarcações, aeronaves e quaisquer
outros meios de transporte ou maquinários usados para essa finalidade podem ser DEFINI-
TIVAMENTE confiscados pelo poder público.

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Pedro, essa nova regra é absoluta?

Não! O próprio legislador, na parte final do parágrafo 5º do art. 60, expressa a ressalva
de que os veículos utilizados diretamente pelo tráfico e que sejam de propriedade de tercei-
ros de boa-fé – utilizados indevidamente pelos criminosos – poderão ser devolvidos aos seus
verdadeiros titulares.

CUIDADO PARA NÃO CONFUNDIR!

Chamo a atenção para potenciais “pegadinhas de prova”.

Fácil prever que o seu examinador intentará confundir os candidatos afirmando que,
doravante – a partir da vigência da Lei 14.322/2022-, todos os bens apreendidos e envolvidos
no transporte de drogas deverão ser confiscados pelo Poder Público, independentemente da
proveniência ilícita.

Não é isso! Essa situação se restringe aos veículos utilizados e apreendidos no trans-
porte de drogas! Para as demais situações (ou seja, bens apreendidos que não sejam veícu-
los de transporte), mantém-se a regra que permite ao juiz facultar ao acusado a apresenta-
ção de provas ou a produção delas, dentro de cinco dias, a fim de provar a origem lícita deles
para sua liberação.

Naturalmente, é fácil antever que essa nova lei será questionada quanto a sua consti-
tucionalidade, em prever hipótese de atuação confiscatória do Estado em relação a bens de
natureza lícita. Entretanto, destaque-se, por ora, devemos considerar – para fins de prova – a
regra de que toda norma goza de presunção de constitucionalidade, razão pela qual a litera-
lidade da norma ora vigente deve ser norteadora para questões de concurso, especialmente
em provas objetivas.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido.

Vamos em frente!

[1] Art. 60. O juiz, a requerimento do Ministério Público ou do assistente de acusação,


ou mediante representação da autoridade de polícia judiciária, poderá decretar, no curso do
inquérito ou da ação penal, a apreensão e outras medidas assecuratórias nos casos em que
haja suspeita de que os bens, direitos ou valores sejam produto do crime ou constituam pro-
veito dos crimes previstos nesta Lei, procedendo-se na forma dos arts. 125 e seguintes do
Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal.

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NOVA REPERCUSSÃO GERAL NO STF (TEMA N. 661)

LICITUDE DAS SUCESSIVAS RENOVAÇÕES DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA.

Olá, pessoal! Tudo certo?

Se estar em dia com informativos e entendimentos dos Tribunais Superiores tem se


revelado como condição essencial para aumentar as chances de aprovação, indubitável afir-
mar que compreender e assimilar adequadamente os entendimentos consagrados em teses
repetitivas ou repercussões gerais é uma OBRIGAÇÃO para quem almeja a aprovação.

Nesse sentido, é importante atualizarmos os materiais de vocês trazendo os comentá-


rios sobre a importante tese definida pelo Supremo Tribunal Federal já nesse ano de 2022,
com repercussão geral reconhecida. Trata-se do TEMA 661 da mencionada Corte, estabele-
cida a partir do julgamento do RE 625263. Vejamos:

“São LÍCITAS as sucessivas renovações de interceptação telefônica desde que, verifica-


dos os requisitos do artigo 2º da Lei 9.296/1996 e demonstrada a NECESSIDADE da medida
diante de elementos concretos e a complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e
as prorrogações sejam DEVIDAMENTE MOTIVADAS, com justificativa legítima, AINDA QUE
SUCINTA, a embasar a continuidade das investigações. SÃO ILEGAIS AS MOTIVAÇÕES
PADRONIZADAS OU REPRODUÇÕES DE MODELOS GENÉRICOS SEM RELAÇÃO COM
O CASO CONCRETO” (meus destaques).

Interessante pontuar que os requisitos do art. 2º da Lei de Interceptação Telefônica


devem se fazer presentes não apenas no primeiro deferimento, mas também devem constar
e se evidenciar nas deliberações de renovações da medida cautelar investigativa. Relembre-
mos o que diz o dispositivo:

Art. 2º Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer


qualquer das seguintes hipóteses: I – não houver indícios razoáveis da autoria ou participa-
ção em infração penal; II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; III – o fato
investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção. Parágrafo
único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação,
inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta,
devidamente justificada.

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Durante muito tempo houve a alegação de parcela da doutrina (minoritária) de que


as sucessivas renovações de interceptação telefônica não estariam em consonância com
a legislação e com a Constituição Federal, visto que a limitação de duração dela seria – no
máximo – por 30 dias. Essa compreensão se daria a partir da própria dicção do art. 2º da Lei,
sugerindo a limitação de renovação “POR UMA VEZ”, bem como a partir do limite de duração
do Estado de Defesa.

Quanto a esse último argumento, o Plenário do STF afirmou que o prazo máximo de
duração do estado defesa (CF, art. 136, § 2º)[1] não é fundamento para limitar a viabilidade
de renovações sucessivas.

Importante registrar que a compreensão de que as renovações de prazo de intercep-


tação telefônica não são limitadas aprioristicamente não é, propriamente, uma novidade no
âmbito dos Tribunais Superiores, apenas havendo agora o reconhecimento de sua repercus-
são geral. Vejamos alguns precedentes que já se alinhavam nesse sentido:

A Lei nº 9.296/1996 prevê que a interceptação telefônica “não poderá exceder o prazo
de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio
de prova.” (art. 5º).

A interceptação telefônica não pode exceder 15 dias. Contudo, pode ser renovada por
igual período, não havendo restrição legal ao número de vezes para tal renovação, se com-
provada a sua necessidade (STF, 2ª Turma, HC 133148/ES, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
julgado em 21/2/2017).

O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que a interceptação telefônica não


pode exceder 15 dias. Contudo, pode ser renovada por igual período, não havendo restrição
legal ao número de vezes para tal renovação, se comprovada a sua necessidade (STJ, 5ª
Turma, RHC 47.954/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 01/12/2016).

Não há mais dúvida de que o disposto no art. 5º da Lei n. 9.296/1996 não limita a pror-
rogação da interceptação telefônica a um único período, podendo haver sucessivas renova-
ções, e de que o prazo de 15 dias ali previsto começa a correr da data em que a escuta é
efetivamente iniciada, e não do despacho judicial (STJ, 6ª Turma, RHC 72.706/MT, Rel. Min.
Sebastião Reis Júnior, julgado em 06/10/2016).

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Considerando que não houve propriamente uma novidade – além da orientação de ser
observada pelas demais instâncias – eu destaco a ênfase dada pelos Ministros à necessi-
dade da motivação concreta e pautada na razoabilidade.

Apesar de ser essa a compreensão dominante, o fato é que – NA PRÁTICA (e olhe


que atuo no âmbito criminal há mais de 10 anos) – há uma quantidade imensa de decisões
(especialmente de renovação de cautelares probatórias, inclusive interceptação telefônica)
que adota verdadeiras “fórmulas genéricas”, aplicáveis a qualquer caso.

Permitam-me compartilhar uma técnica por mim utilizada recentemente em alguns


habeas corpus por mim impetrados, sobre esse tema, na qualidade de Defensor Público
Federal. Sempre que há uma decisão de prorrogação de interceptação, por exemplo, eu
salvo em uma pasta. Quando chega um caso para mim, eu faço uma conferência das razões
utilizadas. Quando percebo que a fundamentação é exatamente a mesma, sem maior apro-
fundamento casuístico e contextualizado no caso concreto, eu monto uma planilha com todas
essas situações, copiando todas as decisões em uma tabela, com a finalidade de demonstrar
a ilegalidade das prorrogações, a partir de modelos padronizados. Agora, com essa decisão
em RG, a chance de êxito dessa estratégia será ainda maior.

Percebem? A importância de estarmos e nos mantermos atualizados vai além do estudo


para concurso. Cada vez mais, aqueles que estão preocupados em exercer suas funções
laborais – sejam quais forem – no âmbito jurídico precisam estar em dia com as discussões
e orientações firmadas pelos Tribunais Superiores.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido.

Atualizem seus materiais e vamos em frente!

[1] § 2º O tempo de duração do estado de defesa não será superior a trinta dias, podendo
ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua
decretação.

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CONSENTIMENTO DA OFENDIDA E MEDIDA PROTETIVA


DA LEI MARIA DA PENHA

ESSA “PEGADINHA” DERRUBOU MUITA GENTE NA PROVA DE DELTA/RJ!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Sempre falo em aulas que, dentro das Leis Penais Especiais, uma das principais em
certames de carreiras jurídicas estaduais é, indubitavelmente, a Lei Maria da Penha (Lei n.
11.340/2006), até mesmo porque – em todas essas áreas de atuação prática no âmbito cri-
minal – essa é uma temática recorrente.

Justamente por isso, sempre alerto a necessidade de estar totalmente atualizado com
os dispositivos de lei (frequentemente alvo de mudanças e acréscimos), bem como com a
evolução jurisprudencial. Em relação a essa legislação, feliz ou infelizmente, o fato é que
acompanhar “apenas” os julgados divulgados nos informativos do STF e STJ tem se revelado
insuficiente.

É preciso buscar estudar por fontes e aulas atualizadas, cujos autores e professores
tenham essa preocupação de aprofundamento com o tema.

Recentemente, na prova de Delegado da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro


(2022), isso ficou evidenciado. Foi exigido dos candidatos um conhecimento acerca de um
tema que JAMAIS foi veiculado em informativo de jurisprudência. Vamos compreender?

Basicamente, a questão narrava uma situação em que o agente tinha tido contra si fir-
mado uma medida protetiva de urgência de afastamento do lar e de aproximação da ofen-
dida[1], sua ex-companheira, após tê-la agredido.

Entretanto, em razão de a filha deles estar ardendo de febre, ela mesma ligou para ele,
chamando-o a sua casa e autorizando seu ingresso. Eles se desentenderam e houve uma
discussão. A questão trazia assertivas para o candidato assinalar a CORRETA, de acordo
com a JURISPRUDÊNCIA DO STJ.

A grande polêmica envolvia duas assertivas. A assertiva constante no enunciado “C”


indicava que o fato seria ATÍPICO, ao passo que o constante no enunciado “E” apontava que
ele deveria ser responsabilizado pelo crime do art. 24-A da Lei Maria da Penha:

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Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência pre-
vistas nesta Lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. § 1º A configuração do
crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas. § 2º Na
hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança. § 3º O
disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis. (Incluído pela Lei nº
13.641, de 2018)

O problema é que alguns Tribunais de Justiça entendem que o consentimento da vítima


NÃO tem o condão de afastar o caráter criminoso do fato, o que sugeriria a resposta da
assertiva da letra E. É, por exemplo, o caso do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Ter-
ritórios. Vejamos:

“(…) a alegação de atipicidade da conduta referente ao crime de descumprimento de


medida protetiva de urgência também não merece prosperar. O tipo penal do artigo 24-A da
Lei nº 11.340/2006 visa à proteção da mulher de forma indireta, sendo que o objeto jurídico
protegido é a manutenção do respeito às decisões judiciais, SENDO O SUJEITO PASSIVO,
PRIMEIRAMENTE, A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. A doutrina aponta requisitos para a
aplicação do consentimento do ofendido como causa supralegal de exclusão da antijuridici-
dade, os quais se situam nos seguintes grupos: a) liberdade no consentir; b) capacidade para
consentir (compreensão do consentimento); e c) disponibilidade do bem jurídico exposto a
perigo de lesão.(…) E, evidenciados os requisitos, verifica-se, de início, que O BEM JURÍDICO
TUTELADO PELO CRIME DO ARTIGO 24-A DA LEI Nº 11.340/2006 É INDISPONÍVEL, uma
vez que se refere, primeiramente, à Administração da Justiça, e apenas secundariamente à
proteção da vítima (…). E, em sendo indisponível o bem jurídico tutelado pela norma penal,
não cabe a aplicação do instituto do consentimento da ofendida. Assim, enquanto vigentes as
medidas protetivas impostas em favor da ofendida, era obrigação do recorrente cumpri-las, a
fim de assegurar a integridade física da vítima”[2].

ATENÇÃO! A questão exigia do candidato a demonstração de conhecimento da orienta-


ção do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA! E, nessa toada, o mencionado Tribunal Supe-
rior tem compreensão sólida no sentido de que ainda que efetivamente tenha o acusado
violado cautelar de não aproximação da vítima, isto se deu com a autorização dela, de modo
que não se verifica efetiva lesão e falta inclusive ao fato dolo:

HABEAS CORPUS. LEI MARIA DA PENHA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PRO-


TETIVAS DE URGÊNCIA (ART. 24-A DA LEI N. 11.340/06). ABSOLVIÇÃO. APROXIMAÇÃO
DO RÉU DA VÍTIMA. CONSENTIMENTO DA OFENDIDA. AMEAÇA OU VIOLAÇÃO DE

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BEM JURÍDICO TUTELADO. AUSENTE. MATÉRIA FÁTICA INCONTROVERSA. POSSIBI-


LIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. A intervenção do direito penal exige observância aos
critérios da fragmentariedade e subsidiariedade. 2. Ainda que efetivamente tenha o acusado
violado cautelar de não aproximação da vítima, isto se deu com a autorização dela, de modo
que não se verifica efetiva lesão e falta inclusive ao fato dolo de desobediência. 3. A auto-
rização dada pela ofendida para a aproximação do paciente é matéria incontroversa, não
cabendo daí a restrição de revaloração probatória. 4. Ordem concedida para restabelecer a
sentença absolutória (HC 521.622/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, jul-
gado em 12/11/2019, DJe 22/11/2019).

No caso acima apontado, o STJ restabeleceu o entendimento do juízo sentenciante


acerca da atipicidade da conduta em razão do consentimento da vítima para que o réu se
aproximasse, descumprindo ordem judicial.

Particularmente, eu não acho que deveria ser fato ATÍPICO, por enxergar uma exclu-
dente supralegal de ilicitude. Mas essa é a orientação do STJ e, portanto, era a orientação a
ser seguida na prova.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido.

Vamos em frente!

[1] Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos
termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separada-
mente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: I – suspensão da posse ou
restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº
10.826, de 22 de dezembro de 2003 ; II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivên-
cia com a ofendida; III – proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação
da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre
estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer
meio de comunicação; c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integri-
dade física e psicológica da ofendida; IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes
menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V – prestação
de alimentos provisionais ou provisórios. VI – comparecimento do agressor a programas de
recuperação e reeducação; e (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020) VII – acompanhamento
psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio. (Inclu-
ído pela Lei nº 13.984, de 2020) 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplica-
ção de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as

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circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público. § 2º


Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas
no caput e incisos do art. 6º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará
ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas
e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor respon-
sável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de preva-
ricação ou de desobediência, conforme o caso. § 3º Para garantir a efetividade das medidas
protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
§ 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos
§§ 5º e 6º do art. 461 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).
[2] Acórdão 1245366, 00057834720188070009, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELI-
NATI, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 23/4/2020, publicado no PJe: 6/5/2020.

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AFINAL, O RECONHECIMENTO DE PESSOAS É UMA REGRA


OU MERA RECOMENDAÇÃO?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje falaremos sobre um dos temas mais controvertidos dentro do tema “prova crimi-
nal” nos últimos anos. Refiro-me ao meio de prova legalmente chamado de reconhecimento
de pessoas.

Trata-se de um meio de prova típico, uma vez que sua procedimentalização encontra
exaustivamente delineada no art. 226 do Código de Processo Penal. Vejamos:

Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proce-


der-se-á pela seguinte forma:
I – a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa
que deva ser reconhecida;
Il – a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado
de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o
reconhecimento a apontá-la;
III – se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por
efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser
reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;
IV – do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela auto-
ridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas
presenciais.
Parágrafo único. O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da instru-
ção criminal ou em plenário de julgamento.

Entretanto, a partir de 2015, as Turmas Criminais do Superior Tribunal de Justiça pas-


saram a identificar que o descumprimento ou inobservância do procedimento acima referido
não conduziria ao reconhecimento de nulidade da diligência probatória. Isso porque, con-
forme diversas decisões anotavam, as disposições ali contidas ali contidas configurariam
apenas uma verdadeira “recomendação legal”, e não uma exigência absoluta. Destarte, o ato
seria válido ainda que perpetrado de forma diversa da lei[1].

Esse panorama passou a começar a ser alterado no ano de 2020, especialmente com
o julgamento do HC 598.886/SC, por parte da 6ª Turma do STJ. À ocasião, o Ministro Rogé-
rio Schietti trouxe à baila inúmeras e importantes ponderações. Segundo o seu voto, a partir

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de estudos da Psicologia moderna, são comuns as falhas e os equívocos que podem advir
da memória humana e da capacidade de armazenamento de informações. Isso porque a
memória pode, ao longo do tempo, se fragmentar e, por fim, se tornar inacessível para a
reconstrução do fato. O valor probatório do reconhecimento, portanto, possui considerável
grau de subjetivismo, a potencializar falhas e distorções do ato e, consequentemente, causar
erros judiciários de efeitos deletérios e muitas vezes irreversíveis. O reconhecimento de pes-
soas deve, portanto, observar o procedimento previsto no art. 226 do CPP, cujas formalida-
des constituem garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um
crime, não se tratando, como se tem compreendido, de “mera recomendação” do legislador.
Em verdade, a inobservância de tal procedimento enseja a nulidade da prova e, portanto, não
pode servir de lastro para sua condenação, ainda que confirmado, em juízo, o ato realizado
na fase inquisitorial, a menos que outras provas, por si mesmas, conduzam o magistrado a
convencer-se acerca da autoria delitiva.

Diante dessa análise, os demais Ministros da 6ª Turma firmaram importante conclu-


sões, abaixo esquematizadas:

(i) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226


do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se
encontra na condição de suspeito da prática de um crime;

(ii) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do pro-
cedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa
suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reco-
nhecimento em juízo;

(iii) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que
observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria
delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com
o ato viciado de reconhecimento;

(iv) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s)[2] ao reconhe-


cedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser
visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode
servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo[3].

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Posteriormente a esse julgado, que marcou a mudança de entendimento da 6ª Turma,


foi a vez da 5ª Turma do mesmo STJ seguir semelhante trajetória. Segundo o Colegiado, uma
reflexão aprofundada sobre o tema, com base em uma compreensão do processo penal de
matiz garantista voltada para a busca da verdade real de forma mais segura e precisa, leva
a concluir que, com efeito, o reconhecimento (fotográfico ou presencial) efetuado pela vítima,
em sede inquisitorial, não constitui evidência segura da autoria do delito, dada a falibilidade
da memória humana, que se sujeita aos efeitos tanto do esquecimento, quanto de emoções
e de sugestões vindas de outras pessoas que podem gerar “falsas memórias”, além da influ-
ência decorrente de fatores, como, por exemplo, o tempo em que a vítima esteve exposta ao
delito e ao agressor; o trauma gerado pela gravidade do fato; o tempo decorrido entre o con-
tato com o autor do delito e a realização do reconhecimento; as condições ambientais (tais
como visibilidade do local no momento dos fatos); estereótipos culturais (como cor, classe
social, sexo, etnia etc.). Diante da falibilidade da memória seja da vítima seja da testemunha
de um delito, tanto o reconhecimento fotográfico quanto o reconhecimento presencial de pes-
soas efetuado em sede inquisitorial devem seguir os procedimentos descritos no art. 226 do
CPP, de maneira a assegurar a melhor acuidade possível na identificação realizada[4].

Especificamente sobre o reconhecimento fotográfico, anotou-se que sua serventia seria


apenas como prova apenas inicial e deve ser ratificado por reconhecimento presencial, assim
que possível. E, no caso de uma ou ambas as formas de reconhecimento terem sido efetu-
adas, em sede inquisitorial, sem a observância (parcial ou total) dos preceitos do art. 226 do
CPP e sem justificativa idônea para o descumprimento do rito processual, ainda que confir-
mado em juízo, o reconhecimento falho se revelará incapaz de permitir a condenação, como
regra objetiva e de critério de prova, sem corroboração do restante do conjunto probatório,
produzido na fase judicial.

Recentemente, já em 2022, tivemos um “novo capítulo” da evolução do tema, desta


feita a partir do Supremo Tribunal Federal. De acordo com o sufragado pela 2ª Turma, a
desconformidade ao regime procedimental determinado no art. 226 do CPP deve acarretar a
nulidade do ato e sua desconsideração para fins decisórios, justificando-se eventual conde-
nação somente se houver elementos independentes para superar a presunção de inocência.
O reconhecimento de pessoas, presencial ou por fotografia, deve observar o procedimento
previsto no art. 226 do CPP, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se
encontra na condição de suspeito da prática de um crime e para uma verificação dos fatos
mais justa e precisa.

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A inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido


o reconhecimento da pessoa suspeita, de modo que tal elemento não poderá fundamentar
eventual condenação ou decretação de prisão cautelar, mesmo se refeito e confirmado o reco-
nhecimento em juízo. Se declarada a irregularidade do ato, eventual condenação já proferida
poderá ser mantida, se fundamentada em provas independentes e não contaminadas[5].

Tema importantíssimo e que está na ordem do dia para a sua prova!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido.

Vamos em frente!

[1] STJ, 5ª Turma, AgRg no AREsp 1665453/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado
em 02/06/2020.
[2] O reconhecimento de pessoa por meio fotográfico é ainda mais problemático, máxime
quando se realiza por simples exibição ao reconhecedor de fotos do conjecturado suspeito
extraídas de álbuns policiais ou de redes sociais, já previamente selecionadas pela autori-
dade policial. E, mesmo quando se procura seguir, com adaptações, o procedimento indicado
no Código de Processo Penal para o reconhecimento presencial, não há como ignorar que
o caráter estático, a qualidade da foto, a ausência de expressões e trejeitos corporais e a
quase sempre visualização apenas do busto do suspeito podem comprometer a idoneidade
e a confiabilidade do ato.
[3] HC 598.886/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado
em 27/10/2020, DJe 18/12/2020
[4] HC 652.284/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA
TURMA, julgado em 27/04/2021, DJe 03/05/2021
[5] RHC 206846/SP, relator Min. Gilmar Mendes, julgamento em 22.2.2022.

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CABE PRISÃO DOMICILIAR ÀS PRESAS EM REGIME FECHADO


QUANDO SE TRATAR DE MÃE CUJA PRESENÇA SEJA
IMPRESCINDÍVEL AOS CUIDADOS DE CRIANÇA?

OU ISSO É RESTRITO À TUTELA CAUTELAR?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje vamos tratar de um entendimento recente que fora objeto de uniformização pela 3ª
Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RHC 145.931/MG.

Impera registrar, de início, que o Supremo Tribunal Federal, em 2018, concedeu a ordem
ao julgar o habeas corpus coletivo 143.641/SP para determinar a substituição da prisão pre-
ventiva pela domiciliar – sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas
previstas no art. 319 do CPP – de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães
de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos
das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relaciona-
das no mencionado HC pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal
condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave
ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais
deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício.

O impacto dessa decisão foi tão forte e importante que motivou o legislador a editar
a Lei 13.769/2018, responsável por inserir os novos artigos 318-A e 318-B no CPP, com a
seguinte redação:

Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou respon-
sável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde
que: I – não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; II – não tenha
cometido o crime contra seu filho ou dependente.

Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem pre-
juízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código.

Contudo, urge destacar que a prisão domiciliar ora analisada está vinculada à seara cau-
telar, ou seja, é uma forma diversa de cumprimento da prisão preventiva, quando o recluso
está em uma das hipóteses do art. 318 do Código de Processo Penal. A alteração reali-

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zada em 2018 e mesmo a própria decisão coletiva do Supremo Tribunal Federal não incluiu
expressamente às pessoas que estivessem inseridas na fase de cumprimento da pena.

Ao revés, na Lei de Execução Penal, o cabimento de prisão domiciliar se restringe


exclusivamente às hipóteses em que o apenado está em regime aberto. Vejamos:

Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em resi-


dência particular quando se tratar de: I – condenado maior de 70 (setenta) anos; II – conde-
nado acometido de doença grave; III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou
mental; IV – condenada gestante.

Destarte, a partir de uma interpretação literal, eventuais presas cumprimento sanção


penal reclusiva em regime fechado, mesmo que sejam mães cuja presença física seja
imprescindível para os cuidados de criança ou pessoa com deficiência não teria direito à
prisão domiciliar.

Ocorre que essa interpretação literal, por vezes, esvazia valores tidos como funda-
mentais na sociedade e, especialmente, na Carta Magna. Como já havia deliberado ante-
riormente o STJ, é preciso realizar uma interpretação teleológica da Lei que inseriu essas
hipóteses de prisão domiciliar, em conjunto com as disposições da Lei de Execução Penal, e
à luz do constitucionalismo fraterno, previsto no art. 3º e no preâmbulo da Constituição Fede-
ral, revela ser possível se inferir que as inovações trazidas pelo novo regramento podem ser
aplicadas também à fase de execução da pena[1].

Sobre o tema, é preciso recordar que (a) o princípio da fraternidade é uma categoria
jurídica e não pertence apenas às religiões ou à moral. Sua redescoberta apresenta-se como
um fator de fundamental importância, tendo em vista a complexidade dos problemas sociais,
jurídicos e estruturais ainda hoje enfrentados pelas democracias. A fraternidade não exclui o
direito e vice-versa, mesmo porque a fraternidade, enquanto valor, vem sendo proclamada
por diversas Constituições modernas, ao lado de outros historicamente consagrados como
a igualdade e a liberdade; (b) o princípio da fraternidade é um macroprincípio dos Direitos
Humanos e passa a ter uma nova leitura prática, diante do constitucionalismo fraternal pro-
metido na Constituição Federal, em especial no seu art. 3º, bem como no seu preâmbulo; (c)
o princípio da fraternidade é possível de ser concretizado também no âmbito penal, através
da chamada Justiça restaurativa, do respeito aos Direitos Humanos e da humanização da
aplicação do próprio direito penal e do correspondente processo penal[2].

[1] STJ, 5ª Turma, HC 487.763-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em
02/04/2019
[2] AgRg no HC 679.489/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA
TURMA, julgado em 28/09/2021, DJe 04/10/2021.

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POLÊMICA DECISÃO DO STJ

O REQUERIMENTO DE SIMPLES GUARDA DOS REGISTROS DE ACESSO A


APLICAÇÕES DE INTERNET OU REGISTROS DE CONEXÃO POR PRAZO SUPERIOR
AO LEGAL, FEITO POR AUTORIDADE POLICIAL, ADMINISTRATIVA OU MINISTÉRIO
PÚBLICO, PRESCINDE DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.

Olá, pessoal! Tudo certo?

Ao que parece, o ano jurisprudencial de 2022 já começou com tudo. Quem me acompa-
nha nas aulas aqui no Gran sabe que eu venho alertando desde o ano passado que há uma
tendência de várias controvérsias no âmbito criminal originadas na Lei 12.965/2014 (Marco
Civil da Internet) aparecerem cada vez mais em provas de concurso público.

Pois bem. Agora, no início de fevereiro de 2022, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Jus-
tiça deliberou, à unanimidade, um controverso entendimento, ao julgar a ordem de Habeas
Corpus 626.983/PR. Segundo o colegiado, requerimento de simples guarda dos registros
de acesso a aplicações de internet ou registros de conexão por prazo superior ao legal, feito
por autoridade policial, administrativa ou Ministério Público, PRESCINDE de prévia autoriza-
ção judicial.

Vamos compreender melhor esse tema? Vejamos que nos diz a supramencionada lei:

Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplica-


ções de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comu-
nicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e
da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas. § 1º O provedor responsável pela
guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros mencionados no caput, de forma
autônoma ou associados a dados pessoais ou a outras informações que possam contribuir
para a identificação do usuário ou do terminal, MEDIANTE ORDEM JUDICIAL, na forma do
disposto na Seção IV deste Capítulo, respeitado o disposto no art. 7º. § 2º O conteúdo das
comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7º .

Ademais, o Marco Civil da Internet, mais adiante, deixa claro que essa disponibilidade
por ordem judicial deve ter a finalidade formar conjunto probatório em processo judicial cível
ou criminal, em caráter incidental ou autônomo, a pedido da parte interessada, desde que

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haja “indícios fundados da ocorrência do ilícito”, “justificativa motivada da utilidade dos regis-
tros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória” e “PERÍODO AO QUAL SE
REFEREM OS REGISTROS[1]“.
A grande questão analisada no caso em tela se refere à possibilidade dos órgãos de
investigação da persecução penal requererem aos provedores de internet o congelamento/
preservação do conteúdo de comunicações telemáticas, SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL,
ignorando o princípio da Jurisdicionalidade.

Impera registrar que a Lei 12.965/2014 prevê que a autoridade policial, administrativa
ou o Ministério Público poderão requerer cautelarmente que os registros de conexão sejam
guardados por prazo superior a 1 (um) ano (art. 13, § 2º), e os registros de acesso a aplica-
ções de internet por prazo superior a 6 (seis) meses (art. 15, § 2º), devendo, nas duas situa-
ções, e no prazo de 60 (sessenta) dias, contados do requerimento administrativo, ingressar
com o pedido de autorização judicial de acesso aos (dois) registros (arts. 13, § 3º, e 15, § 2º).
A grande questão é justamente saber se esse pedido de natureza cautelar pode ser realizado
sem o intermédio do Poder Judiciário.

A jurisprudência do STF tem afirmado que o inciso XII do art. 5º da Constituição protege
somente o sigilo das comunicações em fluxo (troca de dados e mensagens em tempo real),
e que o sigilo das comunicações armazenadas, como depósito registral, é tutelado pela pre-
visão constitucional do direito à privacidade do inciso X do art. 5º da CF/88[2]. Assim, não
visão do STJ, a simples guarda dos registros de acesso a aplicações de internet ou registros
de conexão não viola o postulado constitucional do sigilo de informações eletrônicas, assim
como também não ofende o princípio da jurisdicionalidade o fato de o provedor de aplicações
de internet atender o pedido do Ministério Público, ainda que sem autorização judicial, haja
vista que a disponibilização dos registros, esta sim deve ser por meio de autorização judicial,
que deverá ser requerida no prazo legal após a guarda dos referidos registros.

Ou seja, o pedido de “congelamento” de dados pelo Ministério Público não precisa


necessariamente de prévia decisão judicial para ser atendido pelo provedor, uma vez que ele
não equivale a que o requerente tenha acesso aos dados “congelados” sem ordem judicial.

Assim, o que resta-nos concluir – E ESSA É A TESE PRIMÁRIA PARA FINS DE PROVA
– é que a disponibilização ao requerente dos registros de que trata a Lei 12.965/2014 (dados
intercambiados), em atenção à referida cláusula constitucional, deverá ser precedida de
autorização judicial, sendo estabelecido, inclusive, um prazo de 60 dias, contados a partir do
requerimento de preservação dos dados, para que o Ministério Público ingresse com esse
pedido de autorização judicial de acesso aos registros, sob pena de caducidade.

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Trata-se de tema moderno, importantíssimo e que, com a absoluta certeza, será enfren-
tado em provas vindouras.

Espero que tenham compreendido e gostado.

Vamos em frente!

[1] IMPORTANTE! Não é necessário especificar a limitação temporal para os acessos


requeridos pelo Ministério Público, por se tratar de dados estáticos, constantes nas plata-
formas de dados. Apesar de o art. 22, III, da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet)
determinar que a requisição judicial de registro deve conter o período ao qual se referem, tal
quesito só é necessário para o fluxo de comunicações, sendo inaplicável nos casos de dados
já armazenados que devem ser obtidos para fins de investigações criminais (STJ, 6ª Turma,
HC 587732-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 20/10/2020).
[2] HC 91.867 – Rel. Ministro Gilmar Mendes – 2ª Turma, julgado em 24/04/2012.

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AFINAL, O QUE FOI ADMITIDO PELO STJ


É OU NÃO DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA DE OFÍCIO?

Olá, pessoal! Tudo certo?

No último dia 15 de fevereiro, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deliberou, por


maioria, sobre um tema que repercutiu bastante. Foram dezenas as mensagens encaminha-
das para mim, nas redes sociais, solicitando que eu comentasse o teor do RHC 145.225/RO.

Isso porque muitos passaram a me questionar: Afinal, Pedro, a legislação processual


penal vedou ou não da decretação da prisão preventiva de ofício pelo magistrado criminal?

Antes de enfrentar o tema do julgado, é importante responder de forma categórica a


indagação acima. E a resposta é POSITIVA. A redação conferida pela Lei Anticrime deixa
essa orientação bastante clara, não apenas para as prisões preventivas, mas também para
toda e qualquer cautelar de natureza pessoal. Vejamos:

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observan-
do-se a: (…) § 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz A REQUERIMENTO DAS
PARTES ou, quando no curso da investigação criminal, POR REPRESENTAÇÃO DA AUTO-
RIDADE POLICIAL ou MEDIANTE REQUERIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. (Redação
dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a


prisão preventiva decretada pelo juiz, A REQUERIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO
QUERELANTE OU DO ASSISTENTE, ou POR REPRESENTAÇÃO DA AUTORIDADE POLI-
CIAL. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

Com essa introdução e revisão, vamos compreender qual a celeuma analisada pelo
Superior Tribunal de Justiça. Imagine que determinada autoridade policial ou membro do
Ministério Público tenha representado ou requerido, respectivamente, pela decretação de uma
cautelar diversa da prisão, constante do rol do art. 319 e 320 do Código de Processo Penal.

Uma vez provocada, poderia a autoridade judicial determinar a cautelar máxima (prisão
preventiva)? Ou esse comportamento, uma vez que não fora objeto de prévia provocação
específica, caracterizaria prisão preventiva oficiosa, violando o art. 311 do CPP?

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Conforme deliberado pela 6ª Turma, determinação do magistrado pela cautelar máxima,


em sentido diverso do requerido pelo Ministério Público, pela autoridade policial ou pelo ofen-
dido, não pode ser considerada como atuação ex officio[1].

Segundo a Corte, a decisão que decreta a prisão preventiva, desde que precedida da
necessária e prévia provocação do Ministério Público, formalmente dirigida ao Poder Judi-
ciário, mesmo que o magistrado decidida pela cautelar pessoal máxima, por entender que
apenas medidas alternativas seriam insuficientes para garantia da ordem pública, NÃO DEVE
SER CONSIDERADA COMO DE OFÍCIO.

Ora, segundo o entendimento preponderante no julgado, a partir da provocação, deve


o juiz poder agir de acordo com o seu convencimento motivado e analisar qual medida cau-
telar pessoal melhor se adequa ao caso. Impor ou não cautelas pessoais, de fato, depende
de prévia e indispensável provocação. Entretanto, a escolha de qual delas melhor se ajusta
ao caso concreto há de ser feita pelo juiz da causa. Entender de forma diversa seria vincular
a decisão do Poder Judiciário ao pedido formulado pelo Ministério Público, de modo a trans-
formar o julgador em mero chancelador de suas manifestações, ou de lhe transferir a escolha
do teor de uma decisão judicial.

Entre as motivações desse julgado, houve menção a uma semelhante linha de racio-
cínio por parte da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal que admitiu o magistrado indefe-
rir pedido de revogação de prisão preventiva exarado pelo titular da ação penal (Ministério
Público), não podendo tal comportamento ser considerado como decretação da cautelar pes-
soal de ofício[2].

Trata-se de tema extremamente polêmico e que não encontra eco em grande parte da
doutrina. Ainda assim, HOJE, essa é a tendência de compreensão predominante. Resta-nos
aguardar a fim de que os órgãos plenários dos Tribunais Superiores se manifestem.

Espero que tenham entendido e, sobretudo, gostado.

Vamos em frente!

[1] RHC 145.225-RO, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por maioria, julgado
em 15/02/2022
[2] HC 203.208 AgR, Rel. Ministro Gilmar Mendes, 2ª T., DJe 30/8/2021.

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BOMBA! 2ª TURMA DO STF DIVERGE FRONTALMENTE DO STJ


EM TEMA IMPORTANTÍSSIMO!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Eu sempre falo que, para aqueles que buscam a aprovação em concurso público ou
mesmo o melhor desempenho no exercício da atuação jurídica do ponto de vista prático, é
imprescindível estar atualizado com os precedentes dos Tribunais Superiores.

E, por vezes, a leitura de informativos periódicos de jurisprudência não é suficiente. É


preciso estudar por materiais, livros e aulas extremamente atualizadas. É isso que procuro
fazer no exercício do cargo de Defensor Público e, claro, também de professor.

Nessa linha, gostaria de trazer uma ponderação e destacar uma novidade (ainda) pouco
comentada acerca do art. 2º, § 1º da Lei de Organização Criminosa (Lei 12.850/2013):

Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa,


organização criminosa: Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo
das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. § 1º Nas mesmas penas
incorre quem IMPEDE ou, de qualquer forma, EMBARAÇA a investigação de infração penal
que envolva organização criminosa.

Em 2019, o STJ agasalhou o entendimento sufragado por Vinicius Marçal, Cleber


Masson, Rogério Sanches e Nucci no sentido de que o tipo penal previsto pelo art. 2º, §1º, da
Lei nº 12.850/2013 define conduta delituosa que abrange o inquérito policial e a ação penal.

Consoante deliberado à época pelo Superior Tribunal de Justiça, a tese de que a inves-
tigação criminal descrita no art. 2º, § 1º, da Lei n. 12.850/13 cinge-se à fase do inquérito, não
deve prosperar, eis que as investigações se prolongam durante toda a persecução criminal,
que abarca tanto o inquérito policial quanto a ação penal deflagrada pelo recebimento da
denúncia. Com efeito, não havendo o legislador inserido no tipo a expressão estrita “inquérito
policial”, compreende-se ter conferido à investigação de infração penal o sentido de perse-
cução penal, até porque carece de razoabilidade punir mais severamente a obstrução das
investigações do inquérito do que a obstrução da ação penal. Ademais, sabe-se que muitas
diligências realizadas no âmbito policial possuem o contraditório diferido, de tal sorte que não
é possível tratar inquérito e ação penal como dois momentos absolutamente independentes
da persecução penal[1].

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Apesar de eu particularmente sempre ter discordado dessa posição, o fato é que tal
orientação era indicada como pacífica para fins de concurso.

ATENÇÃO! É HORA DE ATUALIZAR! O mencionado delito é tipificado como “quem


impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal”.

De acordo com o deliberado pela 2ª Turma do STF ao julgar o INQ 4720[2], o tipo legal
restringe expressamente o âmbito de alcance da norma penal incriminadora aos atos de
impedimento ou obstrução praticados na fase pré-processual de investigação. Entendimento
contrário, na visão do colegiado, acarretaria violação do princípio da legalidade penal estrita,
também conhecido como princípio da tipicidade, que está previsto no artigo 5º, inciso XXXIX,
e no artigo 1º do Código Penal.

De acordo com essas normas: (a) não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena
sem prévia cominação legal; (b) a interpretação dos tipos penais deve ser realizada de forma
estrita, sendo proibido o uso da analogia in malam partem ou da interpretação extensiva para
fins penais.

É o entendimento de José Paulo Baltazar Jr., Cézar Roberto Bitencourt e Busato,


segundo o qual o objeto da ação (do crime de obstrução de justiça) será a investigação de
infração penal que envolva organização criminosa, não podendo ser reconhecido o delito
quando a conduta se der na fase de ação penal.

O julgamento foi efetuado em agosto e publicado em dezembro de 2021! Aguardemos


para verificar como se posicionará a 1ª Turma e o Plenário da Corte!

Entretanto, já podemos afirmar que TEMOS DIVERGÊNCIA!

Gostaram dessa?

Vamos em frente.

[1] HC 487.962/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em
28/05/2019, DJe 07/06/2019
[2] Penal e processo Penal. Ação penal originária. Denúncia oferecida pelo crime de
obstrução de justiça. Preliminar de incompetência do Relator para supervisionar as investi-
gações. Rejeição. Alegação de inconstitucionalidade do art. 2º, §1º, da Lei 12.850/2013. Não
acolhimento. Rejeição da preliminar de nulidade das interceptações telefônicas. Alegação

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defensiva de inépcia da inicial pela ausência de individualização das condutas. Requisitos do


art. 41 do CPP. Doutrina. Precedentes. Acolhimento. Excesso acusatório. Não demonstração
do vínculo direto dos parlamentares denunciados com os fatos descritos. Impossibilidade de
acolhimento da denúncia com base apenas nas palavras de investigado que adota postura
colaborativa. Atipicidade da conduta de obstrução de justiça ocorrida após o oferecimento da
denúncia. Princípio da legalidade penal e da proibição de analogia in malam partem. Proibi-
ção da alteração da classificação jurídica do crime, por parte do órgão judicial, em desfavor
do réu. Violação ao princípio da inércia e da imparcialidade. Doutrina e precedentes. Nuli-
dade das provas produzidas por agente infiltrado sem prévia autorização judicial. Ausên-
cia de crime nos casos de condutas provocadas. Doutrina. Precedentes. Súmula 145 do
STF. Rejeição da denúncia, nos termos do art. 395, I, II e III, do Código de Processo Penal.
(Inq 4720, Relator(a): EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Segunda
Turma, julgado em 22/08/2021).

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AFINAL, SERÁ QUE UM JUÍZO PODE SE NEGAR A FISCALIZAR


PRISÃO PREVENTIVA EM REGIME DOMICILIAR E DISPONIBILIZAR
MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DESCUMPRIMENTO CARTA
PRECATÓRIA?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Indubitavelmente, a questão que intitula o presente post é belíssima para aparecer


em provas. Trata-se de um tema muito negligenciado, porém que pode surpreender muitos
candidatos. O que temos observado nas provas de processo penal é que, mesmo em car-
reiras que não lidam muito com alguns temas da referida matéria, as provas objetivas têm
explorado.

Exemplo disso é a recente prova de Delegado da Paraíba (2022), em que foram cobra-
dos temas de atos de comunicação processual e hipóteses de impedimento do juiz criminal.

Feita essa introdução, vamos refletir um pouco sobre uma problemática envolvendo
devolução e não cumprimento de carta precatória. Vejamos.

Imagine que uma Vara Criminal da cidade “A” depreque a fiscalização de prisão pre-
ventiva em regime domiciliar com tornozeleira eletrônica para a cidade “B”. O juízo da cidade
“B” se nega a cumprir, porque entende que a obrigação do fornecimento do equipamento,
como também da próprio efetiva monitoração são de responsabilidades do juízo deprecante
(Cidade “A”).

Andou bem o juízo da Cidade “B”?

NÃO! De acordo com o STJ, em razão do art. 3º do CPP[1], também no processo penal,
somente será caso de recusa de carta precatória nas hipóteses do art. 267 do Código de Pro-
cesso CIVIL, vinculadas a requisitos legais – (i) a carta não estiver revestida dos requisitos
legais; (ii) faltar ao juiz competência em razão da matéria ou da hierarquia; e (iii) o juiz tiver
dúvida acerca de sua autenticidade.

O Superior Tribunal de Justiça, aliás, vem admitindo a recusa de transferência de con-


denado que cumpre pena em regime semiaberto harmonizado, exclusivamente quando não
existem vagas ou quando a Justiça do local para o qual se pretende transferir o executado
não dispõe de tornozeleiras eletrônicas ou de equipamento para monitoração[2].

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Ademais, a 3ª Seção, no julgamento do CC 174.482, assinalou que ainda que houvesse


prova da existência atual de tecnologia e de disponibilidade, no Juízo deprecante, de equi-
pamentos capazes de realizar o monitoramento de tornozeleira eletrônica em outros Esta-
dos da Federação, ainda assim tal monitoramento interestadual não seria aconselhável, na
medida em que eventuais intercorrências derivadas de mal funcionamento da tornozeleira
não poderiam ser sanadas a partir do Estado do Juízo deprecante, não sendo razoável se
impor o deslocamento da acusada a outro Estado, sempre que houvesse a necessidade de
solucionar algum problema técnico com o equipamento, sobretudo em um país de dimensões
continentais como o Brasil[3].

ATENÇÃO! Eu nunca vi esse tema sendo explorado em provas, mas certamente o será,
demandando especial atenção aos alunos que almejam a magistratura.

Espero que tenham compreendido e gostado!

Vamos em frente.

[1] Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica,
bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.
[2] AgRg no CC 150.563/CE, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 26/09/2018, DJe 02/10/2018.
[3] CC 174.482/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 14/10/2020, DJe 20/10/2020.

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É POSSÍVEL A APLICAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO


ART. 12, III, DA LEI N. 8.137/1990 AO CRIME DE VENDA
DE MEDICAMENTOS VENCIDOS?

Olá, pessoal! Tudo certo?

A Lei n. 8.137/1990 é tradicionalmente conhecida como “lei dos crimes tributários”. Não
sem razão, uma vez que a lei realmente traz – em seus 3 primeiros artigos – uma série de
condutas que são tipificadas como crimes tributários.

Entretanto, essa lei não se limite a essa espécie de crime. Trata também de delitos
contra a ordem econômica e contra as relações de consumo. E, dentre os crimes relativos ao
consumo, vale destacar o da comercialização de medicamentos vencidos!

Pedro, existe um crime específico para isso? Sim! Vejamos:

Art. 7º Constitui crime contra as relações de consumo: IX – vender, ter em depósito para
vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em
condições impróprias ao consumo; Pena – detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.

Diante dessa possibilidade, interessante questionamento prático se dá em relação à


incidência ou não da causa de aumento de pena delimitada no art. 12, III da própria Lei n.
8.137/1990, segundo o qual pode agravar de 1/3 a 1/2 as penas fixadas se o crime pra-
ticado for “em relação à prestação de serviços ou ao comércio de bens essenciais à vida
ou à saúde”.

Pedro, e por qual razão não seria aplicável?

É que a expressão “bens essenciais à vida ou à saúde” é extremamente vaga e, por-


tanto, segundo alguns, incompatível com a legalidade estrita. Se não houve definição de seu
conteúdo, não poderia ser utilizada essa norma em branco para agravar a situação do réu.

ATENÇÃO! Essa tese não foi agasalhada pelo Superior Tribunal de Justiça. Prevalece o
entendimento de que a vontade do legislador em reprimir com maior rigor aqueles que prati-
cam o crime contra a economia popular por meio de bens ou serviços “essenciais à saúde ou
à vida” deve ser feita pelo julgador do caso concreto, não havendo que se falar em violação
à legalidade/taxatividade.

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Segundo a Corte, aplica-se a causa de aumento de pena prevista no art. 12, III, da Lei
n. 8.137/1990, porquanto medicamentos são passíveis da caracterização como bens essen-
ciais à vida e à saúde.

Não há falar em negativa de vigência do referido dispositivo legal a pretexto de faltar


taxatividade à expressão “bens essenciais à vida e à saúde”, na medida em que a amplitude
propositalmente disposta na lei objetiva alcançar a multiplicidade de produtos e serviços exis-
tentes, cabendo ao julgador, caso a caso, fundamentar o recrudescimento da pena[1].

Espero que tenham gostado! Esse tema VAI CAIR em concursos!

Vamos em frente!

[1] REsp 1207442/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em
01/12/2015, DJe 11/12/2015.

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TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA


NO CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS

Olá, pessoal! Tudo certo?

As questões sobre Leis Penais Especiais, em concurso público, estão exigindo cada
vez mais conhecimento dos candidatos. Se antigamente a máxima de que “leis penais espe-
ciais é só decorar a norma” podia gerar um saldo positivo, agora isso não mais condiz com
a realidade.

Em diversas provas, mesmo de fases preambulares, revela-se necessário o domínio


conjugado da norma, atualização jurisprudencial e também o devido aprofundamento dou-
trinário, inclusive com teorias específicas, correlacionando – por vezes – aspectos do direito
material e processual.

É justamente o caso da TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA, DAS INSTRUÇÕES


DO AVESTRUZ ou ainda da EVITAÇÃO DA CONSCIÊNCIA, que, além de receber essas
peculiares designações, traz consigo também uma série de polêmicas quanto às consequên-
cias de sua aplicação prática. O melhor exemplo de aplicação prática é no âmbito da Lava-
gem de Capitais.

Para justificar o seu nome, a doutrina aponta a imagem figurativa de um avestruz que,
diante de uma situação “suspeita”, para não tomar conhecimento dela e se comprometer,
opta por colocar sua cabeça em um buraco e deixar, propositadamente, de enxergar o que se
passou. Dessa maneira, não poderá ser acusado que sabia do que eventualmente ocorreu
naquele momento.

Pedro, não entendi! O que tem a ver uma avestruz com a cabeça no buraco e o
direito penal?

Calma, essa é apenas uma imagem figurada. Para ficar mais claro, deixe-me trazer um
exemplo prático real. Imagine que um vendedor de joias, no final de seu expediente, quase
fechando o estabelecimento comercial, recebe a visita de 4 pessoas vestidas de maneira
simples e um tanto afoitas. Ato contínuo, colocam sobre o balcão da loja R$ 100.000,00 (cem
mil reais) em notas de R$ 50,00, todas com um ar de mofo (muito tempo guardadas). Após
mostrar o dinheiro, os clientes pedem para que o vendedor entregue quaisquer joias, cujos
valores culminem no total de R$ 100.000,00 (justamente a quantia que eles dispõem).

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Agora as perguntas que devem ser feitas: (i) há elementos que sugiram que os valores
envolvidos são ilícitos? (ii) o vendedor deve recusar realizar a venda? (iii) Se realizar a venda,
estaria atuando com dolo?

Se o vendedor, apesar da inusitada situação, não faz qualquer tipo de questionamento


e efetiva a venda, sem dúvidas, ele está se colocando em situação deliberada de não conhe-
cimento (ou de ignorância permanente) acerca de todos os fatos, apesar da evidente possi-
bilidade de ciência. É essa a ideia da teoria da cegueira deliberada!

Aquele agente que se coloca DELIBERADAMENTE em estado de ignorância ou


cegueira, evitando a consciência do crime, deve responder por dolo eventual? Ou, lado con-
trário, ao evitar a consciência delitiva o agente estaria sem qualquer dolo e, portanto, sua
conduta seria atípica?

No direito brasileiro, essa doutrina passou a ter (ainda mais) relevância prática a partir
da modificação realizada em 2012 na Lei de Lavagem de Capitais. É que, antes da modifi-
cação, havia a previsão de punição também daquele que se “utiliza, na atividade econômica
ou financeira, bens, direitos ou valores que SABE SEREM provenientes de qualquer dos
crimes antecedentes referidos neste artigo”, ou seja, claramente havia a exigência de um
dolo DIRETO para a verificação do crime de lavagem de capitais.

Contudo, com a redação conferida pela Lei n. 12.683/2012, aparentemente o legislador


afastou a exigência do dolo direto, admitindo também o DOLO EVENTUAL, já que o pará-
grafo 2º, I da Lei de Lavagem de Capitais passou a adotar um texto menos restritivo. Vejamos:

Art. 1º § 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem: I – utiliza, na atividade econômica


ou financeira, bens, direitos ou valores PROVENIENTES DE INFRAÇÃO PENAL; (Redação
dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

A partir dessa modificação, a maioria doutrina passou a afirmar que se restar compro-
vado que o agente acusado de ter praticado crime de lavagem de capitais tiver se colocado
em posição deliberada de permanecer sem o conhecimento acerca dos fatos integrais e tinha
essa possibilidade (como ocorreu em nosso exemplo acima), teríamos uma conduta típica,
já que presente o elemento subjetivo exigido, qual seja, o dolo, em sua modalidade eventual!

Como bem anotado por Renato Brasileiro, “restará configurado o delito, a título de dolo
eventual, quando comprovado que o autor da lavagem de capitais tenha deliberado pela
escolha de permanecer ignorante a resposto de todos os fatos quando tinha essa possibili-

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dade. Em outras palavras, conquanto tivesse condições de aprofundar o seu conhecimento


quanto à origem dos bens, direitos ou valores, preferiu permanecer alheio a esse conheci-
mento, daí porque deve responder pelo crime a título de dolo eventual. Afinal, nos mesmos
moldes que a actio libera in causa, positivada no artigo 28, II do CPB, ninguém pode bene-
ficiar-se de uma causa de exclusão da responsabilidade penal provocada por si próprio”[1]
(LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Ed. Jus Podivm, 2ª
Edição, pág.320).

Apesar da cada vez maior popularidade da aplicação da teoria da cegueira deliberada


para atestar o dolo eventual nos crimes de lavagem, fato é que essa polêmica longe está de
ser pacífica. É que importante corrente se posiciona em sentido diverso. É muito complicado
afirmar e comprovar no caso concreto se houve um efetivo dolo (vontade + consciência) de
se colocar na condição de ignorância permanente para se beneficiar da situação e, ainda,
que essa postura tenha se dado para evitar o conhecimento de um ilícito penal.

A linha de diferenciação entre o dolo eventual e a culpa consciente é bastante tênue.


Ocorre que, ao se aplicar a cegueira deliberada como comprovação de um dolo eventual,
pode-se legitimar, de maneira enviesada, a punição de um fato cujo elemento subjetivo é a
culpa consciente!

E qual o problema disso?

É que a lavagem não é punida com culpa (seja de que modalidade for)! Então, estaría-
mos diante de um instrumento com muita chance de autorizar uma responsabilização penal
objetiva. Entendo que é ainda preciso muito cuidado e uma melhor definição dos critérios
para a utilização legítima da teoria da cegueira deliberada para justificar o dolo eventual.
Apesar da minha particular posição, deve-se registrar que a sua adoção é cada vez maior
na prática, mormente após as modificações legais de 2012! Em provas objetivas, o gabarito
deve ser orientado pela compatibilidade ATUAL da Teoria da Cegueira Deliberada com a
Lavagem de Capitais, também sendo esse o posicionamento a ser espelhado como MAJO-
RITÁRIO em provas dissertativas e orais.

Espero que tenham entendido e gostado!

Vamos em frente!

[1] LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Ed. Jus
Podivm, 2ª Edição, pág.320

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A IMPORTAÇÃO DE COLETE A PROVA DE BALAS


CONFIGURA CRIME?

É POSSÍVEL A APLICAÇÃO DA INSIGNIFICÂNCIA EM RELAÇÃO A ESSA CONDUTA?

Olá, pessoal! Tudo beleza?

Estava revisando alguns entendimentos “com cara de prova” para cursos de dicas em
reta final e me deparei com um precedente muito específico, de onde podem ser extrair algu-
mas questões de provas.

Justamente por isso, é imprescindível COMPREENDER (e não apenas decorar) a ratio


do que vem sendo decidido pelo Superior Tribunal de Justiça sobre esse tema. Refiro-me,
especificamente, ao julgamento realizado pela 5ª Turma da Corte, no RHC 62.851/PR. Vamos
compreender o caso e sua repercussão no mundo jurídico.

No caso concreto, um cidadão “X” importou através da rede mundial de computadores


um colete a prova de balas de fabricação israelense. Diante disso, houve imputação do crime
de CONTRABANDO, tipificado no art. 334-A do CP, que pude com reclusão de 2 a 5 anos
aquele que importar o exportar MERCADORIA PROIBIDA.

Pedro, mas colete a prova de balas é mercadoria proibida no Brasil? Sério?

Calma! Esse é o nó górdio da questão. Conforme muito bem exposto pelo Relator (Min.
Sebastião Reis Júnior), o colete balístico é equipamento se destina à defesa pessoal contra
arma de fogo e que tanto sua IMPORTAÇÃO, quanto sua venda e uso são CONTROLADOS
pelo Exército Brasileiro (Portaria n° 18 – DLOG, de 19-12-006).

Ora, se de acordo com o artigo 334-A do CPB temos o delito de contrabando aperfei-
çoado com a importação e exportação de MERCADORIA PROIBIDA, bem como se estamos
diante de um equipamento cuja comercialização DEPENDE de controle do Exército, caso
não tenha sido observado esses critérios, haveria a incidência típica FORMAL do referido
dispositivo!

Trata-se do fenômeno da MERCADORA DE PROIBIÇÃO RELATIVA.

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Ademais, o art. 334-A, § 1º, II do CP anota que “incorre na mesma pena quem importa
ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de
órgão público competente”.

Pedro, acho que entendi, mas não estou seguro sobre o que seria isso… Tem como
explicar de outra maneira?

Claro! MERCADORA DE PROIBIÇÃO RELATIVA é aquela que pode ser sim comercia-
lizada no âmbito interno, mas desde que haja o atendimento de todos os requisitos e exigên-
cias demandados pelos órgãos e normais de controle. Contrapõe-se, pois, às mercadorias
de proibição absoluta.

Retornando ao caso em testilha, vimos que há sim adequação típica formal ao crime de
contrabando. Mas não poderíamos arguir a insignificância para afastar a tipicidade MATERIAL?

Essa aqui era a principal tese defensiva, mas fora afastada pelo STJ!

De acordo com os Ministros, o controle da comercialização de coletes balísticos visa a


propiciar, em última análise, a segurança e a paz social. Ademais, “a importação de colete
balístico, mercadoria de proibição relativa, sem a prévia e necessária autorização do Exército
Brasileiro, configura o delito de contrabando que por não tutelar apenas o interesse fiscal,
mas, em especial, a segurança pública, IMPOSSIBILITA A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA”.

Ou seja, para o Superior Tribunal de Justiça, NÃO se aplica o princípio da insignificância


quando o bem juridicamente tutelado vai além do mero valor pecuniário do imposto elidido,
pois, nesse caso, o objetivo É PROTEGER O INTERESSE ESTATAL e impedir a entrada e a
comercialização de produtos proibidos em território nacional.

Tema importantíssimo! Já consigo vislumbrar provas objetivas ou dissertativas exigindo


dos candidatos o domínio conceitual de mercadorias de proibição absoluta e relativa no con-
texto do crime de contrabando.

Assim, espero que caia na sua prova e que vocês acertem a questão, lembrando
desse texto!

Vamos em frente!

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CABE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE


POR RESTRITIVA DE DIREITOS EM ALGUMA MODALIDADE
DO CRIME DE TORTURA?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Recentemente, um seguidor me fez essa pergunta, especificando a situação do delito


previsto no art. 1º, § 2º da Lei de Tortura (Lei n. 9.455/1997):

Art. 1º Constitui crime de tortura: (…) § 2º Aquele que se omite em face dessas condu-
tas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a
quatro anos.

Em razão desse preceito secundário, vislumbra-se uma possível “pegadinha” de prova,


principalmente para aqueles candidatos que são extremamente detalhistas (as famosas pes-
soas que buscam “pelo e ovo”). Isso porque o preceito secundário dessa modalidade delitiva
– conhecida como Tortura-Omissão – prevê sanção privativa de liberdade máxima não supe-
rior a 4 anos, o que, – EM TESE – autorizaria a conversão da pena privativa de liberdade em
restritiva de direitos, conforme prevê o CP:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de


liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade NÃO SUPERIOR A QUATRO
ANOS e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que
seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso;
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem
como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

Apesar de doutrinariamente se questionar a constitucionalidade desse dispositivo, por


supostamente violar o princípio da isonomia e da proporcionalidade na perspectiva da veda-
ção da proteção insuficiente, bem como do próprio mandado constitucional de criminaliza-
ção, que não é compatível com sancionamento tão brando se comparado às demais modali-
dades, o fato é que essa norma ostenta presunção de constitucionalidade.

CUIDADO! Isso não significa que o simples fato de o preceito secundário do tipo em
tela ser compatível com o parâmetro quantitativo objetivo fixado no art. 44 do CP permite,
automaticamente, a conclusão da possibilidade de conversão. Não.

Imaginemos um caso de condenação no crime de tortura culminando com a fixação de


PPL de 2 anos e seis meses, seria possível essa conversão?

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É aqui que reside o perigo.

Não se pode analisar APENAS o quantum da pena. É que, além dessa exigência legal,
o artigo 44, I do CPB registra que para a concessão do benefício da conversão será impres-
cindível que o delito analisado no caso concreto não tenha sido cometido com violência ou
grave ameaça à pessoa! Esse trecho do dispositivo legal é o grande óbice a efetivação da
conversão nos crimes de tortura. Afinal, o delito de tortura tem em sua essência justamente
o comportamento violento em desfavor de uma pessoa.

E como se posicionam os Tribunais Superiores?

Parece-nos, pois, que em qualquer modalidade do crime de tortura é absolutamente


incompatível a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, inclusive na
tortura-omissão, não obstante o tratamento mais brando firmado pelo legislador.

De toda sorte, é importante registrar que parcela da doutrina aponta como exceção o
caso do delito de omissão perante a tortura praticada por outrem (artigo 1º, parágrafo 2º da
Lei 9.455/97), advogando a tese de que, tecnicamente, não se trataria de tortura, bem como
por não prever a utilização pelo agente de emprego de violência ou grave ameaça. Ou seja,
com base nisso, há quem defenda ser possível substituição por pena restritiva de direitos.

Destaque-se, porém, que é prudente adotar, em certames públicos de primeira etapa


(prova objetiva), diante de uma indagação genérica sobre se é possível a substituição no
crime de tortura, a resposta que indique o sentido NEGATIVO dessa possibilidade, pelas
razões acima indicadas.

Trata-se de tema pouco abordado em manuais, porém bem interessante para ser
cobrado na sua prova.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido.

Vamos em frente!

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REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA


NO CRIME DE TORTURA

CUIDADO COM A RECENTE PROVA DO CEBRASPE!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje vamos tratar sobre um tema extremamente polêmico e que, por vezes, me irrita
profundamente. A peculiar interpretação das bancas sobre determinados temas que reputa-
mos “pacíficos”.

Um desses assuntos é justamente o relativo ao início de cumprimento de pena em


determinados delitos, mormente os hediondos e equiparados. Isso porque a Constituição
Federal de 1988 impôs o dever, ao legislador infraconstitucional, de criminalizar determina-
dos comportamentos, conferindo a eles tratamento mais recrudescido do que o ofertado para
os demais tipos penais. São os chamados “mandados constitucionais de criminalização”.
Vejamos um exemplo emblemático disso:

Art. 5º (…) XLIII – a lei considerará CRIMES INAFIANÇÁVEIS E INSUSCETÍVEIS DE


GRAÇA OU ANISTIA a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os
executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

Nesse cenário, quando do advento da Lei 8072/90, que regulamentou e etiquetou deter-
minados crimes como hediondos, o legislador – cumprimento o mandamento constitucional
– firmou determinadas balizas que denotavam a especial gravidade desses delitos, o que
justificava o tratamento mais firme.

Apesar de esse tratamento rígido ser uma vontade expressada pelo constituinte, um
dos dispositivos mais polêmicos da Lei dos Crimes Hediondos era justamente o referente ao
cumprimento do regime de pena. Isso porque a redação originária assim previa:

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e


drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: (…) § 1º A pena por crime previsto neste
artigo será cumprida INTEGRALMENTE em regime fechado.

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Entretanto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade


desse dispositivo. De acordo com a Corte, a progressão no regime de cumprimento da pena,
nas espécies fechado, semiaberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do
preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. Conflita com a garantia da
individualização da pena – artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal – a imposição,
mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteli-
gência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a
inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990[1].

A partir dessa decisão, o legislador “repaginou” a Lei dos Crimes Hediondos, superando
a ideia de cumprimento integral da pena em regime fechado, mas exigindo – abstratamente
– que o seu início se desse no referido regime. Com o advento da Lei n. 11.464/2007, a men-
cionada lei passou a prever, em seu art. 2º, § 1º, que “a pena por crime previsto neste artigo
será cumprida INICIALMENTE em regime fechado”.

Pedro, então quer dizer que fixar, abstratamente, o regime inicial de pena como fechado
pela qualidade do crime é constitucional?

Calma. Isso também é polêmico e foi, efetivamente, analisado pela Suprema Corte.
E a resposta foi em sentido NEGATIVO. Essa nova previsão não é constitucional. Conso-
ante se extrai de um importantíssimo precedente do Supremo Tribunal, “se a Constituição
Federal menciona que a lei regulará a individualização da pena, é natural que ela exista. Do
mesmo modo, os critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar
com as garantias constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a fundamentação do
regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado. Na situação em aná-
lise, em que o paciente, condenado a cumprir pena de seis (6) anos de reclusão, ostenta
circunstâncias subjetivas favoráveis, o regime prisional, à luz do art. 33, § 2º, alínea b, deve
ser o semiaberto. Tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado, em even-
tual apreciação das condições subjetivas desfavoráveis, vir a estabelecer regime prisional
mais severo, desde que o faça em razão de elementos concretos e individualizados, aptos a
demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo, nos
termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59, do Código Penal. Ordem concedida tão somente para
remover o óbice constante do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei
nº 11.464/07, o qual determina que “[a] pena por crime previsto neste artigo será cumprida
inicialmente em regime fechado”. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito
ex nunc, da obrigatoriedade de fixação do regime fechado para início do cumprimento de
pena decorrente da condenação por crime hediondo ou equiparado[2].

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Ou seja, em razão do constitucional postulado da individualização da pena (art. 5º,


XLVI), que deve ser observado também no momento da sentença para fixar o regime inicial
de cumprimento, o juiz deve atentar para as circunstâncias específicas do caso concreto,
motivando sua opção pontualmente, mesmo que se trate de crime hediondo ou equiparado.
Deverá, pois, o magistrado analisar o regramento firmado no art. 33 do CP, podendo esta-
belecer regime prisional mais severo se as condições subjetivas forem desfavoráveis ao
condenado, desde que o faça em razão de elementos concretos e individualizados, aptos a
demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo.

Portanto, o regime inicial nas condenações por crimes hediondos ou equiparados não
tem que ser obrigatoriamente o fechado, PODENDO SER (EM TESE) também o regime
semiaberto ou aberto, desde que presentes os requisitos do art. 33, § 2º, alíneas “b” e “c”, do
Código Penal.

ATENÇÃO AO CRIME DE TORTURA!

Entendido isso, vamos avançar. É que a Lei n. 9.455/1997 (Lei de Tortura) trata esse
tema de forma específica. Vejamos:

Art. 1º, § 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, INI-
CIARÁ O CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME FECHADO.

É que esse dispositivo, especificamente, apesar de trazer redação semelhante à da


Lei dos Crimes Hediondos, conferida pela Lei 11.464/2007, não foi submetida a controle de
constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.

Ainda assim, sempre defendi e ensinei que eventual condenação a esse delito não
pode, APENAS COM BASE NA FORÇA DA PREVISÃO LEGAL EM ABSTRATO, justificar o
início (obrigatório) do cumprimento de pena em regime fechado. É preciso, COM FULCRO
EM ELEMENTOS CONCRETOS, motivar sua opção/decisão. Afinal, a essa previsão norma-
tiva se aplicariam todos os fundamentos chancelados pelo STF, correto?

Sim. A resposta é POSITIVA. Tanto é verdade, que em diversas oportunidades, o Supe-


rior Tribunal e Justiça anotou que “o exame dos autos revelam que após manterem a pena-
-base no mínimo legal, por considerarem favoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59 do
CP, o regime fechado foi fixado pelo Magistrado sentenciante e mantido pelo Tribunal de Jus-
tiça sem fundamentação idônea, baseado exclusivamente na imposição legal contida na Lei
n. 9.455/97, o que contraria a jurisprudência desta Corte. Ademais, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal, no dia 27 de junho de 2012, ao julgar o HC n. 111.840/ES, por maioria,

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declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do § 1º, do art. 2.º, da Lei n. 8.072/90, com a


redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.464/07, afastando, dessa forma, a obrigatoriedade do
regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, INCLUÍDO
AQUI O CRIME DE TORTURA”[3] [4].
Assim, espero que caia na sua prova e que vocês acertem a questão, lembrando
desse texto!

Vamos em frente!

[1] HC 82959, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2006


[2] HC 111840, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/06/2012
[3] HC 383.090/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em
21/03/2017
[4] (…) 6. É flagrante o constrangimento ilegal em relação à fixação do regime inicial
fechado com base no art. 1.º, § 7.º, da Lei de Tortura. 7. Com a declaração pelo Pretório
Excelso da inconstitucionalidade do regime integral fechado e do § 1.º do art. 2.º da Lei de
Crimes Hediondos, com redação dada pela lei n.º 11.464/2007 – também aplicável ao crime
de tortura -, o cumprimento da pena passou a ser regido pelas disposições gerais do Código
Penal. Porém, consideradas desfavoráveis as circunstâncias judiciais do caso concreto, cabí-
vel aplicar inicialmente o regime prisional semiaberto, atendendo ao disposto no art. 33, c.c. o
art. 59, ambos do Código Penal. 8. Recurso desprovido. Habeas corpus concedido, de ofício,
para fixar o regime semiaberto para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade
imposta aos Recorrentes (REsp 1299787/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA,
julgado em 10/12/2013, DJe 03/02/2014).

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CONSIDERAÇÕES SOBRE O “ANIMUS” DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO


PARA O TRÁFICO DE DROGAS

Olá, pessoal! Tudo certo?

Falaremos hoje um pouco sobre o importantíssimo crime de Associação para o Tráfico,


tipificado no art. 35 da Lei 11.343/2006. Faremos um recorte específico sobre o ponto que
reputo mais relevante na sua compreensão: o seu elemento subjetivo, ou seja, o “animus”
que os agentes precisam apresentar.

No entanto, considerando a relevância e efetiva incidência em provas de concurso,


compartilharemos – introdutoriamente – um gráfico com as principais informações e obser-
vações acerca desse delito. Vejamos:

Art. 35.  Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qual-
quer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei: Pena – reclusão, de 3 (três) a 10
(dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa. Parágrafo único. 
Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime
definido no art. 36 desta Lei.
Bem jurídico
A saúde pública, o equilíbrio sanitário da coletividade e a paz pública.
protegido
Sujeito ativo Crime comum – qualquer pessoa.
Sujeito passivo A coletividade. Trata-se de um CRIME VAGO.
–  Crime plurissubjetivo ou de concurso necessário: exige ao menos duas pes-
soas, inclusive inimputáveis;
– Especial fim de agir: “para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qual-
quer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei”, sob
pena de atipicidade;
– Crime permanente;
– Estabilidade: a associação deve ser estável, contínua. Se a associação se der para
Associação para o
praticar um ou outro delito isolado de tráfico = coautoria no delito de tráfico de drogas;
tráfico
– Não equiparado a hediondo;
– Desnecessidade de apreensão e exame pericial da droga: basta provar a esta-
bilidade, a permanência e o especial fim de agir;
– Concurso de crimes com o art. 33, caput: possível, tendo em vista que a asso-
ciação não é meio necessário para o tráfico – não incide o princípio da consunção;
– Princípio da especialidade: o presente delito é especial em relação ao art.
288, CP (associação criminosa);
Com a efetiva associação e suas características, não sendo necessário que os
Consumação
agentes pratiquem as condutas descritas no tipo – crime formal.
Crime comum; formal; doloso; comissivo; de perigo abstrato; permanente de
Classificação
perigo abstrato; não cabe tentativa.
Lei n. 9.099/1995 Incabível suspensão condicional do processo – pena mínima superior a 1 ano.

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Associação para o financiamento do tráfico – Distinção em relação ao caput:


Conduta equiparada
a conduta deve ocorrer de forma reiterada; e a associação deve ser dirigida ao
(parágrafo único)
financiamento do tráfico.

Anotada essa revisão, é indispensável asseverar que a jurisprudência dos Tribu-


nais Superiores se apresenta de maneira uníssona no sentido de que a caracterização do
crime de ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO exige o dolo de se associar com estabilidade e
permanência.

Vamos aprofundar um pouco mais o tema?

O crime de associação para o tráfico se apresenta como uma das maiores discordân-
cias na sua verificação prática, revelando-se, amiúde, como fonte de diversos debates na
prática criminal no dia a dia forense. É que, além de pressupor a presença associativa de NO
MÍNIMO DUAS PESSOAS, afirma-se que esse delito NÃO EXIGE A PRÁTICA REITERADA
do crime de tráfico, mas EXIGE SIM UM ANIMUS ASSOCIATIVO CONSTANTE, com certa
permanência, de planejamento, ainda que seja a prática única de tráfico de drogas.

A prática pretendida não precisa ser reiterada, mas a associação precisa ser constante!
Não caracteriza a associação para o tráfico quando inexistir essa constância. Esse é o ele-
mento diferencial entre a associação para o tráfico e o mero concurso de agentes no tráfico.

Em verdade, sequer a existência concreta do tráfico efetivamente consumado/realizado


é exigência para a configuração do crime de associação para o tráfico. A pedra angular desse
tipo penal é exatamente a COMPROVAÇÃO OU NÃO DO ANIMUS ASSOCIATIVO CONS-
TANTE, com estabilidade e permanência.

Vejamos julgado bastante elucidativo da 6ª Turma do STJ:

(…) 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal firmou o entendimento de que, para a


subsunção da conduta ao tipo previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, é imprescindível a
demonstração concreta da estabilidade e da permanência da associação criminosa. 2. O
acórdão impugnado, ao concluir pela condenação do paciente e do corréu pelo crime pre-
visto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, em momento algum fez referência ao vínculo asso-
ciativo estável e permanente porventura existente entre eles, de maneira que, constatada
a mera associação eventual entre os acusados para a prática do tráfico de drogas – sem
necessidade de revaloração probatória ou exame de fatos -, devem ser absolvidos do delito
em questão. 3. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido, de ofício, para absolver o
paciente do crime previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, com extensão dos efeitos desse

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decisum para o corréu, a teor do art. 580 do CPP (HC 270.837/SP, Rel. Ministro ROGERIO
SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/03/2015, DJe 30/03/2015).

Espero que tenham gostado! Lembrando que o estudo verticalizado das leis penais
extravagantes é extremamente importante para a preparação nos certames em que a maté-
ria criminal é cobrada de maneira incisiva!

E a Lei de Drogas, indubitavelmente, está entre as principais legislações penais cobra-


das em provas objetivas, subjetivas e orais!

Vamos em frente!

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RECONFIGURAÇÃO COOPTADA DO ESTADO

ISSO VAI CAIR NA SUA PROVA!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Como vocês podem estar percebendo, nesse início de 2022, optamos por trazer bases
conceituais e teorias inusitadas e com ampla possibilidade de serem cobradas em provas.

No texto de hoje aqui no blog, tratarei de uma temática que, com absoluta convicção,
afirmo que aparecerá nas próximas provas, especialmente orais, para as carreiras do Minis-
tério Público e também de áreas policiais. Trata-se da reconfiguração cooptada do estado.

E o que é isso, Pedro?

Calma. Vamos entender. Se você nunca ouviu falar nessa expressão saiba que ela
pode aparecer na sua prova também como INFILTRAÇÃO ÀS AVESSAS. Trata-se, pois, da
potencial infiltração de membros de ORCRIM’s dentro da esfera formal de poder, para – “atu-
ando de dentro” – facilitar a prática de crimes e garantir impunidade.

Como muito bem anotado por Flávio Cardoso Pereira, através da RECONFIGURAÇÃO
COOPTADA DO ESTADO (ou infiltração invertida ou às avessas), deseja-se a conquista de
benefícios de quaisquer espécies e lucros que determinarão o incremento de novas ativida-
des delitivas por parte da delinquência organizada.

Ademais, através dela, os criminosos conseguem financiando campanhas políticas,


inserir pessoas pertencentes ao grupamento delitivo, em posições estratégicas dentro do
cenário político, através de eleições manipuladas pela compra de votos e pelo uso de fraudes.

Quando lemos notícias de grandes Organizações Criminosas financiam estudos, espe-


cializações e capacitam pessoas a – dentro do Poder oficial – ingressar nas instituições do
Estado (por exemplo através de concurso público) ou financiando políticos que assumirão
o Poder Executivo ou Legislativo (vide o exemplo das milícias, cada vez mais inseridas no
Poder Público, atuando paralela e diretamente no estado), temos uma infiltração invertida.

Essa atuação – repugnante e perigosa – configura o que vem se convencionando


chamar de RECONFIGURAÇÃO COOPTADA DO ESTADO.

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Como adverte a doutrina especializada, essa infiltração gravíssima do crime para dentro
das instituições apresenta algumas características bastante destacadas, a saber (i) etapa
de maior complexidade no processo de corrupção; (ii) participação de indivíduos ou grupos
sociais legais e ilegais; (iii) os benefícios a serem atingidos não são somente de caráter eco-
nômico, mas também penais e inclusive de legitimação social; (iv) uso de coação e estabele-
cimento de alianças políticas que complementam ou substituem o “suborno”; e (v) busca de
influência e infiltração nos mais diferentes ramos do poder público e em distintos níveis da
administração[1].

Para evitar esse tipo de prática é imprescindível investimento em contrainteligência e


cruzamento de informações diversificada de múltiplos bancos de dados.

Tema interessantíssimo e com alta probabilidade de aparecer em provas, especialmente


porque não se revela apenas “mais uma inusitada teoria”, mas sim uma teoria que faz todo o
sentido e está antenada com os modernos dilemas do enfrentamento da criminalidade atual.

Espero que tenham gostado. Vamos em frente!

[1] file:///C:/Users/PEDRO~1.COE/AppData/Local/Temp/396-Texto%20do%20Artigo-
340340552-2-10-20190611.pdf

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É VÁLIDA A PROVA OBTIDA MEDIANTE INGRESSO POLICIAL


AUTORIZADO PELOS AVÓS DO INVESTIGADO?

VEJAMOS O QUE DISSE O STJ!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Quem me acompanha sabe que eu constantemente faço levantamentos estatísticos


sobre os julgados criminais apreciados pelos Tribunais Superiores. Recentemente, afirmei
categoricamente que o tema que mais vem crescendo em termos de apreciação dentro
da esfera do Superior Tribunal de Justiça – ao menos na seara criminal – são as medidas
de busca e apreensão, sobretudo no contexto da inviolabilidade domiciliar e (in)validade
de provas.

Imprescindível se faz recordar que o entendimento pacificado no STF, em sede de


repercussão geral, e atualmente agasalhado no STJ, é no sentido de não ser necessária
certeza quanto à prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em
compasso com as provas produzidas, seja demonstrada justa causa para a medida, ante a
existência de elementos concretos que apontem para situação de flagrância (RE 603.616/
RO). Ademais, prevalece a compreensão de que, nos crimes permanentes, tal como o tráfico
de drogas, o estado de flagrância prolonga-se no tempo, o que, todavia, não é suficiente, por
si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demons-
tração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, está-se diante
de uma situação de flagrante delito.

Revisado isso, vamos entender um caso concreto.

Imagine que policiais tenham avistado um jovem em atividade suspeita (não percep-
ção dos agentes) e, ao ser abordado em frente de sua casa, identificou-se em seu poder
30 gramas de maconha e um valor próximo de dois mil reais. Os agentes pediram para
entrar na residência do suspeito, o que fora franqueado por seus avós, idosos. No local,
foram encontradas 20 gramas de cocaína e documentos que atestavam ser o jovem um tra-
ficando contumaz.

Nessa situação, o flagrante é legal? E as provas obtidas são lícitas?

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Um caso muito semelhante ao narrado acima fora apreciado em dezembro do ano


passado pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. À época, a Corte deliberou que não
foram realizadas investigações prévias nem indicados elementos concretos que confirmas-
sem o crime de tráfico de drogas dentro da residência, não sendo suficiente, por si só, a veri-
ficação de atitude suspeita do paciente ou mesmo a sua fuga no momento da abordagem,
tampouco a apreensão da droga em sua posse

Ademais, relativamente à autorização para ingresso no domicílio, não há nenhum regis-


tro de consentimento do morador para a realização de busca domiciliar. O Tribunal vem rei-
teradamente decidindo que “as regras de experiência e o senso comum, somadas às pecu-
liaridades do caso concreto, não conferem verossimilhança à afirmação de que [a genitora
do paciente] teria autorizado, livre e voluntariamente, o ingresso em seu próprio domicílio,
franqueando àqueles a apreensão de drogas e, consequentemente, a formação de prova
incriminatória”[1].

Destarte, diante do fato de que a ação policial não esteve legitimada pela existência de
fundadas razões (justa causa) para a entrada no imóvel em que se residia o paciente, e que
não houve autorização judicial ou válido consentimento do morador para ingresso naquele
domicílio, a Corte reconheceu a ilicitude das provas obtidas e suas respectivas anulações.

Diante do panorama probatório restante, houve absolvição do acusado, por ausência


de provas (art. 386, II do Código de Processo Penal).

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido.

Vamos em frente!

[1] HC 598.051/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado
em 02/03/2021, DJe 15/03/2021.

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(IM)POSSIBILIDADE DE INSIGNIFICÂNCIA NO CONTRABANDO


DE PEQUENA QUANTIDADE DE MEDICAMENTOS, NA VISÃO DO STJ

Olá, pessoal! Tudo certo?

Iniciaremos os comentários e textos aqui no blog nesse ano de 2022 tratando de um


tema recorrente em provas de concurso público na seara criminal: PRINCÍPIO DA INSIG-
NIFICÂNCIA!

Especificamente, gostaria de tratar acerca da insignificância nos crimes de contrabando.


É que, ao contrário do que temos para o descaminho, a regra no tratamento daquele delito é
quanto à inaplicabilidade da bagatela própria.

E por qual razão esse tratamento é diferenciado, Pedro?

É que, consoante o reiterado entendimento das Corte Superiores, no contrabando, o


prejuízo não é APENAS de caráter tributário, uma vez que a importação de produtos absoluta
ou relativamente proibidos tem o condão de causar potencialmente danos de maior gravi-
dade. Eis alguns exemplos concretos em que tal compreensão é observada:

(i) Importação de cigarros, ainda que em quantidade pequena[1];


(ii) Importação de medicamentos[2];
(iii) Importação de arma de pressão, independentemente do calibre[3];
(iv) Importação de colete balístico[4];
(v) Importação de peças de máquinas de jogo[5] – “caça-níqueis”.

Nesse sentido, indubitável afirmarmos corretamente, de forma genérica, que – de


acordo com a compreensão exarada pelo STF e STJ – o contrabando é incompatível com
a incidência do princípio da insignificância, uma vez que o dano causado com esse delito
suplanta a esfera patrimonial, atingindo valores e bens outros, caros ao ordenamento jurídico
e incompatível com o status bagatelar.

Entretanto, é preciso redobrar os cuidados com as EXCEÇÕES.

Nesse contexto, imperioso anotar que o próprio Superior Tribunal de Justiça vem
excepcionando o seu entendimento e admitindo o reconhecimento da atipicidade material
pela insignificância em se tratando de importação de pequena quantidade de medicamentos.

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Segundo a Corte, é certo que o contrabando deve ser aplicado aos casos em que suficien-
temente caracterizado o dolo do agente em introduzir no território nacional mercadoria que
sabe ser de proibição absoluta ou relativa. Não se pode olvidar, ainda, o princípio da pro-
porcionalidade quando se constatar que a importação do produto se destina ao uso próprio
(pelas características de quantidade e qualidade) e não é capaz de causar lesividade sufi-
ciente aos bens jurídicos tutelados como um todo[6].

Em recente posicionamento, a 6ª Turma do STJ ratificou essa compreensão, conforme


se extrai do didático excerto abaixo colacionado:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. IMPORTAÇÃO IRRE-


GULAR DE MEDICAMENTOS DE ORIGEM ESTRANGEIRA. PEQUENA QUANTIDADE
PARA CONSUMO PRÓPRIO. HIPÓTESE EXCEPCIONAL DE INCIDÊNCIA DO CRIME DE
BAGATELA. RECURSO MINISTERIAL. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓ-
RIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. INCIDÊNCIA. INOVAÇÃO RECURSAL. INAD-
MISSIBILIDADE. 1. Em regra, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não admite
a incidência do princípio da insignificância aos delitos de contrabando de medicamentos. 2.
EM HIPÓTESES EXCEPCIONAIS, CONTUDO, A ORIENTAÇÃO DESTA CASA PERMITE
O RECONHECIMENTO DA INFRAÇÃO BAGATELAR SE A QUANTIDADE APREENDIDA É
PEQUENA E DESTINADA AO CONSUMO PRÓPRIO, COMO CONSIDEROU O ACÓRDÃO
RECORRIDO. Isso ocorre tendo em vista a falta de lesão ou perigo de lesão ao bem juridi-
camente tutelado pela norma penal incriminadora, sob o ponto de vista da tipicidade mate-
rial. Precedentes. 3. Na hipótese, a Corte regional decidiu que a agravada adquiriu pequena
quantidade de fármaco a preço mais favorável e para consumo pessoal. Fixadas pelo aresto
recorrido a ausência de potencial lesivo à saúde pública e a falta de destinação comercial dos
produtos, rever esse entendimento, como alega o Ministério Público, demandaria o reexame
dos elementos fático-probatórios, o que é defeso em recurso especial, em virtude do que pre-
ceitua a Súmula n. 7 desta Corte. 4. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior, é
defeso, em âmbito de agravo regimental, ampliar a quaestio veiculada nas razões do recurso
especial. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1724405/RS, Rel. Ministro ANTO-
NIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 18/10/2018, DJe 06/11/2018)[7].

Pedro, dominar isso é realmente importante??

Demais! Além de, como sempre digo e repito em aula, o candidato precisar estar com
atenção redobrada às exceções, temos percebido que, estatisticamente, os examinadores
têm ampliado a cobrança de temas que estão espelhados na ferramenta do Superior Tribunal
de Justiça chamada “Jurisprudência em Teses”.

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Nessa seção no site do Tribunal, encontramos a edição 81 “Crimes contra a Administra-


ção Pública”, na qual observamos a seguinte tese no item 4:

“A importação clandestina de medicamentos configura crime de contrabando, aplican-


do-se, excepcionalmente, o princípio da insignificância aos casos de importação não autori-
zada de pequena quantidade para uso próprio”.

Não bastasse isso, recentemente, na primeira semana de janeiro de 2022, fora enca-
minhado através de e-mail do próprio STJ um compilado de “pesquisa pronta” justamente
noticiando esse tema.

Ou seja, temos mais do que razões para afirmar que esse tema está na órbita dos ope-
radores do direito e, sobretudo, do seu examinador. Até porque se muita gente conhece a
regra, posso categoricamente afirmar que poucos são os que dominam essa exceção!

Agora, você já sabe e não vai escorregar em eventual pegadinha, bacana?

Espero que tenham gostado e, principalmente, entendido!

Vamos em frente.

[1] STF: HC 131.205/MG, DJe 22/09/2016; STJ: AgRg no AREsp 697.456/SC, DJe
28/10/2016.
[2] STJ: AgRg no REsp 1.500.691/SP, DJe 26/10/2016.
[3] STJ: AgRg no REsp 1.479.836/RS, DJe 24/08/2016.
[4] STJ, RHC 62.851/PR, DJe 26/02/2016.
[5] STJ: EREsp 1.230.325/RS, DJe 05/05/2015.
[6] REsp 1428628/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em
28/04/2015, DJe 12/05/2015.
[7] Na mesma linha, é a orientação da 5ª Turma. Vejamos:
PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
ESPECIAL. IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTO. PEQUENA QUANTIDADE. USO PRÓPRIO.
EXCEPCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. EMBARGOS
ACOLHIDOS. 1. A importação de pequena quantidade de medicamento destinada a uso
próprio denota a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade
social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressi-
vidade da lesão jurídica provocada, tudo a autorizar a excepcional aplicação do princípio da
insignificância. 2. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para negar
provimento ao recurso especial. (EDcl no AgRg no REsp 1708371/PR, Rel. Ministro JOEL
ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 24/04/2018, DJe 11/05/2018).

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O QUE É CRIPTOIMPUTAÇÃO?

ESSE TEMA VAI CAIR NA SUA PROVA!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Quem acompanha os meus textos, livros e aulas sabe que um dos meus mantras é:
“gostemos ou não, nomenclatura em prova de concurso público é questão de sobrevivência”.
Afirmo isso não porque acho um critério saudável, correto e justo, mas sim porque – inde-
pendentemente do meu desgosto particular – o fato é que vários certames públicos cobram
em questões objetivas, discursivas e orais temas que envolvem classificações e teorias inu-
sitadas e estranhas.

Nessa linha, observamos a cobrança por mais de três vezes quanto ao conceito de
CRIPTOIMPUTAÇÃO.

Afinal, Pedro, o que vem a ser isso? Você sabe?

Com certeza sabe! Mas talvez não com esse nome. Então vejamos. O art. 41 do CPP
traz alguns regramentos básicos (requisitos) exigidos para a oferta de ação penal, entre os
quais a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, sob pena de inépcia
e consequente não recebimento da peça acusatória (art. 395 CPP).

Essa previsão se justifica diante da necessidade de observância do postulado da ampla


defesa, que não restaria cumprido acaso, da leitura da inicial acusatória, não se compreen-
desse razoavelmente os fatos que estão sendo atribuídos à autoria do réu.

De forma organizada e didática, pode-se afirmar que uma inicial acusatória perfeita
deve conter (i) descrição de uma conduta fática; (ii) a imputação, que é atribuição da autoria
de uma conduta humana; e (iii) a qualificação jurídico-criminal da narrativa, isto é, o enqua-
dramento da conduta na lei penal. O MP ou querelante necessita fazer a classificação provi-
sória do delito (tipo fundamental) e de suas qualificadoras (tipo derivado). É desnecessário
imputar agravantes na denúncia ou na queixa, eis que se trata, em boa medida, de matéria
preponderantemente de direito (reincidência, qualidade de ascendente da vítima, etc.) e,
ademais, o art. 385, do CPP, autoriza ao juiz reconhecer agravantes mesmo nas hipóteses
de ausência de pedido condenatório, nas ações penais públicas.

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Em outras palavras, quando a exordial penal estiver contaminada com grave deficiên-
cia na narrativa dos fatos imputados (sério descumprimento ao art. 41 do CPP), haveria uma
petição inicial “gravemente inepta” ou, como prefere parte da doutrina processualista, esta-
mos diante de uma CRIPTOIMPUTAÇÃO.

Naturalmente, a doutrina faz uma analogia à criptografia, ou seja, aquela linguagem


codificada, truncada, incompreensível ao leitor comum. Essa expressão é utilizada, entre
outros, pelos professores Hugo Mazzilli e Antonio Scarance Fernandes.

Espero que tenham entendido! Essa não mais vão errar!

Vamos em frente!

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EU JÁ UTILIZEI A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NO


PROCESSO PENAL E… DEU CERTO

ENTENDA ISSO, PORQUE JÁ CAIU EM CONCURSO!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje vou falar de um tema pouco analisado, que trato em meu livro de processo penal
e que já apareceu em provas de concurso. Trata-se da aplicação da teoria da perda de uma
chance no âmbito do processo penal, especificamente do ponto de vista probatório.

Antes de fazer essa análise, permitam-me justificar a ideia desse texto. Estava eu aqui
revisando a aprofundando as reflexões sobre alguns julgados dos Tribunais Superiores não
veiculados em informativo de jurisprudência e me deparei com um interessante precedente
da lavra da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Segundo essa decisão, “a requisição de produção probatória, ao final da audiência,


refere-se àquelas originadas de circunstâncias ou de fatos apurados no decurso da instru-
ção, nos termos do art. 402 do CPP. No caso em exame, o procedimento administrativo,
requisitado tão-somente ao final da instrução probatória, deveria constar do rol das provas a
serem produzidas ainda na defesa prévia (art. 396-A do CPP), o que de fato não ocorreu, de
modo que a matéria resta acobertada pelo manto da preclusão, nos termos do art. 572, I, do
CPP. “Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha
concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse” (art.
565 do CPP), como in casu, no qual o recorrente, que deixou de especificar na defesa prévia
a pretensão de produzir referida prova, olvidou-se do seu munus, e pretende, indevidamente,
corrigir tal situação por intermédio do recurso especial”[1].

Esse precedente me fez relembrar instantaneamente de um fato comigo ocorrido, no


exercício da minha função de Defensor Público Federal, justamente em aplicação da teoria
da perda de uma chance. Essa teoria é delineada na área cível, indicando que ainda que
inexista dano certo e determinado, havendo uma probabilidade de prejuízo para a vítima,
extraída de uma legítima expectativa, exsurgirá o dever de reparação civil.

No processo penal, a adaptação é possível, apesar de ser feita com o devido tempe-
ramento. Conforme indica Alexandre da Rosa, essa lógica incide no caso da apreciação da
carga probatória, afinal deve a acusação provar a autoria, materialidade, ilicitude, tipicidade e

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culpabilidade de determinada conduta atribuída no âmbito criminal. A dúvida, pois, milita em


favor do réu, que deverá ser absolvido em caso de não comprovação desses fatores.

Compreendido isso, vamos ao caso prático por mim vivenciado!

Tratava-se de um determinado roubo em que, SUPOSTAMENTE, o agente tinha ren-


dido o vigilante e gerente de determinado estabelecimento e, ato contínuo, subtraído valores
e pertences. Não houve flagrante.

Processo em curso, o Ministério Público Federal não arrolou qualquer testemunha que
pudesse reconhecer o acusado. Nas filmagens, como o criminoso estava de óculos e boné,
não houve possibilidade de reconhecimento.

As imagens não eram nítidas, impossível a identificação. Nenhuma pessoa que presen-
ciou o feito foi arrolada como testemunha do processo.

Finda a instrução, o MP pediu em diligências finais a intimação do gerente para a fei-


tura do reconhecimento de pessoas, na forma do art. 226 do CPP. Aberta a palavra para mim
(DEFESA), sustentei a perda de uma chance probatória.

De acordo com o art. 402 do CPP[2], as diligências devem recair sobre fatos descorti-
nados NA INSTRUÇÃO, ao passo que essa dificuldade de identificação se revelava desde a
fase investigativa.

Ora, conforme se verificou, o Ministério Pública havia perdido a chance de, tempestiva-
mente, produzir provas. Não havendo qualquer dado comprobatório da autoria, a absolvição
é de rigor. Não é preciso provar a inocência, basta a dúvida razoável para absolvição.

Requerimento de diligência INDEFERIDO, pelo magistrado.

Naturalmente, estamos diante de um exemplo do fenômeno da preclusão temporal.


Entretanto, situações análogas poderão ser enfrentadas, na sua prova, justamente como
aplicação prática da teoria da perda de uma chance na esfera processual penal. Isso já caiu
em provas discursivas e, mais de uma vez, em provas orais.

Anota mais essa, porque poderá aparecer na sua prova!

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Espero que tenham compreendido! É um assunto bem bacana para ser trazido
em provas!

Vamos em frente!
[1] AgRg no REsp 1886303/RN, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, jul-
gado em 01/09/2020, DJe 14/09/2020.
[2] Art. 402. Produzidas as provas, ao final da audiência, o Ministério Público, o quere-
lante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se
origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.

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(IM)POSSIBILIDADE DE O ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO SER OUVIDO


COMO TESTEMUNHA NO ÂMBITO DO PROCESSO PENAL

Olá, pessoal! Tudo certo?

Nesse final de ano, peguei-me parado fazendo algumas reflexões e, claro, também
exercendo a minha criatividade, colocando-me na posição de examinador (“coração peludo”)
e imaginando questões inéditas e interessantes que podem ser feitas a vocês nos próximos
certames públicos, mormente na área de processo penal.

Nessa toada, uma das questões por mim idealizadas e que pode ser decisiva para a
sua aprovação seria: “Candidato, é possível realizar oitiva do assistente de acusação como
testemunha?”.

Calma! Antes de se alegrar ou se desesperar, vamos entender e revisar, combinado?

O assistente de acusação, tecnicamente, nada mais é do que a vítima ou seu repre-


sentante legal. Nos termos do artigo 269 do Código de Processo Penal, a intervenção na
qualidade de assistente da acusação poderá ocorrer em qualquer momento da ação penal,
desde que ainda não tenha havido o trânsito em julgado, sendo certo que o assistente recebe
a causa no estado em que se achar. Ou seja, a primeira conclusão que devemos ter é que o
assistente atua objetivamente durante a fase judicial da persecução penal, razão pela qual
toda questão que trouxer sua atuação na fase investigativa estará errada. Afirmo isso pelo
simples fato de NÃO existir assistente de acusação antes da formalização efetiva da própria
acusação (com a ação penal proposta).

Curial se revela registrar que o artigo 271 do Código de Processo Penal preceitua que
“ao assistente será permitido propor meios de prova, requerer perguntas às testemunhas,
aditar o libelo e os articulados, participar do debate oral e arrazoar os recursos interpostos
pelo Ministério Público, ou por ele próprio, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598“. Portanto,
consoante reza o supramencionado dispositivo, na qualidade de auxiliar do Ministério Público
no curso do processo penal, o assistente de acusação tem o direito de produzir provas, inclu-
sive de arrolar testemunhas, haja que, caso contrário, não teria como exercer o seu papel na
ação penal pública.

Ao analisarmos o CPP, verifica-se que o seu art. 202 anota que “toda pessoa poderá
ser testemunha”, sendo que o artigo 208 do mesmo diploma normativo ressalva que “não
se deferirá o compromisso a que alude o art. 203 aos doentes e deficientes mentais e aos

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menores de 14 (quatorze) anos, nem às pessoas a que se refere o art. 206”. De acordo com
a doutrina, “a norma processual é bastante clara ao estipular que toda pessoa pode ser tes-
temunha”, razão pela qual “as pessoas consideradas de má reputação (…), imaturas (…),
interessadas no deslinde do processo (…), mitômanas, emotivas ou de qualquer outro modo
afetadas, podem ser testemunhas, devidamente compromissadas, embora o juiz tenha plena
liberdade para avaliar a prova produzida”[1].

Em um precedente analisado pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 18 de


agosto de 2020, houve interessante ponderação acerca da (im)possibilidade de oitiva de
assistente de acusação na qualidade de testemunha. Asseverou-se inexistir qualquer óbice à
colheita do depoimento da mãe da vítima, que também atuou como assistente de acusação,
cabendo ao magistrado aferir o valor probatório das declarações por ela prestadas.

É correto indicar que esse entendimento é majoritário no âmbito jurisprudencial. Em


outro recente precedente, analisando situação similar do ponto de vista jurídico, a Corte
apontou que “sendo a mãe, representante da ofendida, não há qualquer ilegalidade em seu
depoimento, mesmo sendo ela a assistente da acusação. Prosseguindo, conforme consig-
nado pela Corte de origem, no processo penal, não há vedação legal para a oitiva da vítima
ou sua representante legal, quando figuram como Assistentes de Acusação, podendo suas
declarações serem valoradas para formação do livre convencimento motivado do Magistrado,
em busca da verdade real, tanto que a jurisprudência é remansosa em admitir o depoimento
da vítima e de seus parentes como meio de prova, pois, caso contrário todos os crimes pra-
ticados na clandestinidade (sem testemunhas presenciais), ficariam impunes, mormente em
relação aos cometidos contra a dignidade sexual, como no caso. Em síntese, inexiste qual-
quer óbice à colheita do depoimento da mãe da vítima, que também atuou como assistente
de acusação, cabendo ao magistrado oficiante quando do julgamento do acusado, aferir o
valor probatório das declarações por ela prestadas”[2].

Espero que tenham compreendido! É um assunto bem bacana para ser trazido
em provas!

Vamos em frente!

[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 11ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 473-474.
[2] AgRg no AREsp 1594445/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
QUINTA TURMA, julgado em 06/02/2020, DJe 14/02/2020.

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O ÍNDIO, EM “ESTADO DE ISOLAMENTO”, É INIMPUTÁVEL


PARA FINS DE APLICAÇÃO DA LEI PENAL BRASILEIRA?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Vamos falar sobre um tema especialmente pensado para aqueles concursos em que,
no edital de direito penal, há a previsão da Lei n. 6.001/1973 (Estatuto do Índio).

O assunto por mim eleito gera bastante confusão e insegurança quando do estudo da
aplicação (ou não) da lei penal aos índios. Em primeiro lugar, ao contrário do que alguns
possam entender, o chamado “estado de isolamento” mencionado no título do texto não
denota (necessariamente) um conteúdo preconceituoso (apesar de não ser o ideal), mas sim
extraído pela doutrina do próprio Estatuto do Índio.

É que a Lei n. 6.001/1973 traz a existência de 3 estágios de integração dos índios.


Vamos a eles:

a. ISOLADOS – Quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos


e vagos informes através de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional;
b. EM VIAS DE INTEGRAÇÃO – Quando, em contato intermitente ou permanente com
grupos estranhos, conservam menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas
aceitam algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão
nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o próprio sustento;
c. INTEGRADOS – Quando incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no
pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições caracte-
rísticos da sua cultura.

Durante algum tempo, parcela da doutrina entendia que o simples fato de os índios
viverem em estado de isolamento, por si só, seria suficiente para sustentar a ideia de INIM-
PUTABILIDADE.

Esse não é mais o pensamento dominante, conforme se pode verificar – dentre vários
– no precedente da Suprema Corte datado de 2005 (HC 85.198/MA[1]). De maneira enfática,
vale verificar ainda o HC 79.530/PA, da 1ª Turma do STF, que indicou a “sujeição do índio às
normas do art. 26 e parágrafo único, do CP, que regulam a responsabilidade penal, em geral,
inexistindo razão para exames psicológico ou antropológico, se presentes, nos autos, ele-
mentos suficientes para afastar qualquer dúvida sobre sua imputabilidade, a qual, de resto,
nem chegou a ser alegada pela defesa no curso do processo”.

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Beleza, Pedro. Acho que entendi. Mas tem como fazer um resumo de tudo?

Claro! Vamos lá.

Analisando o atual momento, podemos indicar que a simples condição de índio não é
decisiva para a imputabilidade (ou ATRIBUILIDADE, como aponta Francisco Assis de Toledo),
tampouco será caráter absoluto o grau de sua integração com a sociedade. As regras a
serem aplicadas aos índios são as mesmas dos demais, ou seja, aquelas fixadas pelo legis-
lador no artigo 26 do CPB[2].

Naturalmente, o grau de integração servirá como um dos parâmetros para a aferição


da imputabilidade no caso concreto, mas se revela imprescindível para seu afastamento a
impossibilidade de entendimento do ilícito ou atuação de acordo com esse entendimento.
Não há critério absoluto, certo?

Espero que tenham compreendido! É um assunto bastante delicado!

Vamos em frente!

[1] EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIMES DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES,


ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E PORTE ILEGAL DE ARMA PRATICADOS POR ÍNDIO.
LAUDO ANTROPOLÓGICO. DESNECESSIDADE. ATENUAÇÃO DA PENA E REGIME DE
SEMILIBERDADE. 1. Índio condenado pelos crimes de tráfico de entorpecentes, associação
para o tráfico e porte ilegal de arma de fogo. É dispensável o exame antropológico desti-
nado a aferir o grau de integração do paciente na sociedade se o Juiz afirma sua imputabi-
lidade plena com fundamento na avaliação do grau de escolaridade, da fluência na língua
portuguesa e do nível de liderança exercida na quadrilha, entre outros elementos de convic-
ção. Precedente. 2. Atenuação da pena (artigo 56 do Estatuto do Índio). Pretensão atendida
na sentença. Prejudicialidade. 3. Regime de semiliberdade previsto no parágrafo único do
artigo 56 da Lei n. 6.001/73. Direito conferido pela simples condição de se tratar de indígena.
Ordem concedida, em parte. (HC 85198, Relator(a): EROS GRAU, Primeira Turma, julgado
em 17/11/2005).
[2] Art. 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz
de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Parágrafo único – A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de
perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não
era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento.

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CAIU NA PROVA ORAL DA DPU: DISCORRA SOBRE A TEORIA


FUNCIONALISTA DO DIREITO PENAL E SUAS VERTENTES
(I) MODERADA E (II) RADICAL

Olá, pessoal! Tudo certo?

Frequentemente, vários alunos e leitores me pedem para eu analisar e exemplificar


questões de prova oral. Assim, achei pertinente revisitarmos um tema que fora objeto de
questionamento no último concurso para ingresso na carreira de Defensor Público Federal,
na banca de Direito Penal.

Trata-se de um tema bem interessante e que exigiu um conhecimento doutrinário


moderno da matéria criminal, ao exigir do candidato que discorresse sobre as correntes da
Teoria Funcionalista do Direito Penal.

A TEORIA FUNCIONALISTA do direito penal ganhou importância após a segunda


metade do século XX, tendo como expoentes principais os professores alemães Claus Roxin
e Gunther Jakobs. Contudo, cada um desses penalistas representam um “braço” do funcio-
nalismo, dividindo-o em espécies: (i) funcionalismo moderado e (ii) funcionalismo radical.

Para Roxin, na corrente dita moderada, a preocupação precípua do direito penal deve
ser com a proteção de bens jurídicos (relevantes). Ademais, para que uma conduta se apre-
sente como criminosa é preciso analisar a criação ou não de um risco proibido e ainda que
o resultado criminoso advenha justamente dessa conduta. Do contrário, não teremos uma
ação criminosa, em razão da teoria da imputação objetiva.

Com base no funcionalismo, fica difícil a tolerância, por exemplo, aos chamados crimes
de perigo abstrato, quando não há efetivamente lesão ou perigo de lesão aos bens jurídicos
tutelados pela norma penal.

Vejamos os chamados valores predominantes dessa corrente, a seguir esquematizados:

a. TIPICIDADE: Associa-se a determinação da lei penal em conformidade com o princí-


pio da reserva legal. Aqui se vê a teoria da imputação objetiva no marco da tipicidade. Com
efeito, enquanto para as doutrinas clássica, neoclássica e finalista falava-se uma relação de
causalidade, essa nova vertente examina a criação, por meio da ação, de um risco não per-
mitido dentro do fim de proteção da norma.

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b. ILICITUDE: Associa-se o âmbito de soluções sociais aos conflitos. Roxin concebe a


ilicitude como uma espécie de elemento negativo do tipo.
c. CULPABILIDADE: Associa-se a necessidade de pena com uma finalidade predomi-
nantemente preventiva. Claus Roxin privilegia um conceito bipartido do delito: o injusto penal
(fato típico + ilicitude) e a responsabilidade, que inclui a culpabilidade.

De outra sorte, o Funcionalismo Radical ou Sistêmico de Jakobs dialoga com a ideia de


expansão do direito penal, tendencioso a um “direito penal máximo”. É que para ele a função
precípua do direito penal nada tem a ver com a proteção a bens jurídicos, mas sim a proteção
da própria norma em si.

O que releva, ao direito penal, é manter a confiança no sistema penal. Quem viola uma
norma posta comete crime, INDEPENDEMENTE de ofensa a bem jurídico tutelado. Como
preferem alguns, o bem jurídico para Jakobs é a própria norma penal. A partir dessa lógica, é
possível se “eleger” o inimigo, sendo aquele que desrespeita reiteradamente o direito penal
posto… Daí a lógica do “direito penal do inimigo” (que poderá ser tema de futuras postagens).

Jakobs, adaptou o Direito Penal à teoria dos sistemas sociais de Luhmann, com a sua
teoria da imputação normativa. O Direito Penal tem como função assegurar os valores éticos
e sociais da ação. Os dois pilares básicos de sua perspectiva normativista estão constituídos
pela função preventiva geral positiva atribuída à pena e pelas normas jurídico-penais como
objeto de proteção. Em suma, a função do Direito Penal é aplicar o comando contido na
norma penal, pois somente sua reiterada incidência lhe confere o merecido respeito.

Para esquematizar as peculiaridades de cada corrente, vejamos:

FUNCIONALISMO MODERADO, DUALISTA OU DE


FUNCIONALISMO RADICAL, MONISTA OU SISTÊMICO
POLÍTICA CRIMINAL
Claus Roxin (Escola de Munique) Günther Jakobs (Escola de Bonn)
Preocupa-se com os fins do Direito Penal De satisfaz com os fins da pena
Norteia-se por finalidades político-criminais, priori- Leva em consideração apenas necessidades sistê-
zando valores e princípios garantistas micas, e o Direito Penal é que deve se ajustar a elas.
Finalidade: proteção de bens jurídicos indispensá- Finalidade: a reafirmação da autoridade do Direito,
veis, respeitando os limites impostos pelo ordena- que não encontra limites externos, mas somente
mento jurídico. internos.

Tema interessantíssimo e (não preciso nem falar) lindo para cair na sua prova!

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

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NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL PARA AMPLIAR O PRAZO


DOS DEBATES NO JÚRI É POSSÍVEL?

SE LIGA NA (INTERESSANTE) DECISÃO DO STJ!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Sabemos que há uma forte tendência em certames públicos de os examinadores pri-


marem por temas que permitam as chamadas questões multidisciplinares, afinal é cada vez
mais exigido dos profissionais do direito a capacidade de estabelecer diálogos entre diferen-
tes ramos jurídicos.

Nesse sentido, o tema que separamos para desenvolver no presente artigo tem tudo
a ver com essa perspectiva. Trata-se do assunto apreciado recentemente pela 6ª Turma do
STJ, no julgamento do HC 703.912/RS[1].

Sabe-se que não é admitida a alteração unilateral, pelo magistrado, dos prazos fixados
na legislação processual vigente, sob pena de afronta ao devido processo legal e, como con-
sequencial, nulidade.

Ocorre que a ideia de negócio jurídico processual foi potencializada pelo Código de
Processo Civil de 2015, que previu uma verdadeira cláusula geral dos negócios jurídico pro-
cessuais em seu art. 190. Vejamos:

Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às
partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às espe-
cificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres
processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o
juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação
somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que
alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

Vale ressaltar que os negócios jurídicos processuais não são novidade do CPC/2015. A
novidade trazida não consiste em criação (o fenômeno jurídico já conhecido pelo nosso sis-
tema processual), mas sim a sua generalização. Ou seja, o NCPC passou a prever expres-
samente uma cláusula geral de negócio jurídico processual, de modo que além de permitir

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as hipóteses específicas de negócio processual típico, permite a celebração de acordo entre


as partes de forma geral, envolvendo tanto o procedimento como as situações processuais.

E essa cláusula é aplicável ao Processo Penal, Pedro?

De acordo com o STJ, em atenção ao art. 3º do CPP, a resposta é positiva. Com base
nesse parâmetro, da CLÁUSULA GERAL DE NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL, a Corte enten-
deu possível a sua observância e considerou válido o acerto fixado – em comum acordo –
pelas partes (acusação e defesa) no sentido de dilatar o prazo de debates (maior do que o
tempo fixado em lei), observando-se os demais princípios que norteiam o procedimento do júri.

Tema interessantíssimo e (não preciso nem falar) lindo para cair na sua prova!

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

[1] HC 703.912-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade,
julgado em 23/11/2021

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ATENÇÃO! SERÁ QUE AS QUALIFICADORAS NO HOMICÍDIO PODEM


SER RECONHECIDAS A PARTIR EXCLUSIVAMENTE
DE “TESTEMUNHO DE OUVIR DIZER”?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje falaremos de um tema que vem sendo recorrentemente analisado no Superior


Tribunal de Justiça e que, mais recentemente, sofreu uma importante guinada em sentido
diverso ao que restara anteriormente majoritário na referida Corte.

Refiro-me, claro, à (in)aplicabilidade do art. 155 do Código de Processo Penal[1] às


sentenças proferidas pelo Tribunal do Júri. Vale destacar que o STJ, no ano de 2021, pacifi-
cou o seu entendimento no sentido de não se admitir a decisão de pronúncia quando pautada
exclusivamente em testemunhos indiretos, “de ouvir dizer”. Apesar de a análise aprofundada
dos elementos probatórios ser feita somente pelo Tribunal do Júri, não se pode admitir, em
um Estado Democrático de Direito, a pronúncia baseada, exclusivamente, em testemunho
indireto (por ouvir dizer) como prova idônea, de per si, para submeter alguém a julgamento
pelo Tribunal Popular[2].

Em semelhante sentido, o Tribunal da Cidadania já cunhou que “a norma segundo a


qual a testemunha deve depor pelo que sabe per proprium sensum et non per sensum alte-
rius impede, em alguns sistemas – como o norte-americano – o depoimento da testemunha
indireta, por ouvir dizer (hearsay rule). No Brasil, embora não haja impedimento legal a esse
tipo de depoimento, “não se pode tolerar que alguém vá a juízo repetir a vox publica. Teste-
munha que depusesse para dizer o que lhe constou, o que ouviu, sem apontar seus infor-
mantes, não deveria ser levada em conta” (Helio Tornaghi)”. É fato que, em nosso país, não
há vedação à testemunha de ouvir dizer, porém ela – isoladamente – não serve de substrato
para justificar uma decisão de pronúncia do procedimento do júri.

Entretanto, o que se almeja esclarecer no presente artigo é, essencialmente, se o art.


155 do CPP ― ao proibir que a condenação se fundamente apenas em elementos colhidos
durante a fase inquisitorial ― tem aplicação às sentenças proferidas pelo tribunal do júri? Ou
seja, podem os jurados condenar o réu tomando por base exclusivamente indícios reunidos
no inquérito policial, não confirmados em sede judicial e sob o crivo do contraditório?

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Tradicionalmente, consoante o entendimento da 5ª e 6ª Turmas deste STJ, o art. 155


do CPP não se aplica aos vereditos do tribunal do júri. Isso porque, tendo em vista o sistema
de convicção íntima que rege seus julgamentos, seria inviável aferir quais provas motiva-
ram a condenação. Segundo os referidos órgãos colegiados, não obstante a jurisprudência
da Corte entender que o art. 155 do Código de Processo Penal seja aplicado a todos os
procedimentos penais, o Conselho Popular pode condenar o réu até por íntima convicção,
não sendo, portanto, possível afirmar quais provas foram valoradas para a condenação do
agente. Inviável, portanto, a análise referente à violação ao art. 155 do CPP[3].

Entretanto, consoante verificado, cada vez mais tem se verificado a importância da


prova no âmbito do Tribunal do Júri. Além de retromencionada superação de entendimento
quanto à possibilidade de pronúncia pautada exclusivamente em testemunho indireto (de
ouvir dizer), recentemente o Tribunal decidiu que, quando a apelação defensiva contra a
sentença condenatória é interposta com fundamento no art. 593, III, “d”, do CPP, o Tribunal
tem o dever de analisar se pelo menos existem provas de cada um dos elementos essenciais
do crime, ainda que não concorde com o peso que lhes deu o júri. Caso falte no acórdão
recorrido a indicação de prova de algum desses elementos, há duas situações possíveis: (I)
ou o aresto é omisso, por deixar de enfrentar prova relevante, incorrendo em negativa de
prestação jurisdicional; (II) ou o veredito deve ser cassado, porque nem mesmo a análise
percuciente da Corte local identificou a existência de provas daquele específico elemento. No
homicídio qualificado pela torpeza (art. 121, § 2º, I, do CP), os motivos são um elemento obje-
tivo-normativo do tipo. A autoria, contudo, com eles não se confunde, por integrar a tipicidade
objetivo-descritiva. Consequentemente, a presença de prova do suposto motivo não supre a
ausência de prova da autoria. A simples existência de prova testemunhal de uma desavença
prévia entre a ré e a vítima, conquanto possa consistir em motivo torpe na visão dos jurados,
não basta para provar a autoria delitiva. Não há no acórdão recorrido a indicação de nenhum
elemento concreto que sugira ser a ré autora intelectual do delito. Seu desentendimento his-
tórico com a vítima, embora possa torná-la suspeita e impulsionar uma investigação mais
detida (que não ocorreu), não autoriza presumir a autoria do homicídio[4].

Mas e a aplicação do art. 155 do CPP em relação às sentenças do Tribunal do Júri?

Percebamos que, tecnicamente, a condenação de alguém calcada apenas em evidên-


cias descortinadas pelo inquérito policial permitiria que uma pessoa fosse condenada sem
provas. Consoante anotam Eugênio Pacelli e Douglas Fischer, “material produzido na fase de
investigação não pode ser considerado prova. Ao menos, em princípio.

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A fase de investigação, como se sabe, é destinada à formação do convencimento do


órgão da acusação e não do magistrado. Na aludida fase, não há preocupação com o con-
traditório, até mesmo porque sequer se exerce a defesa do acusado. Não há ali, à evidência,
ampla defesa. A partir de uma notitia criminis, avança-se para uma apuração sumária de seus
elementos comprobatórios, sempre voltada para o convencimento do órgão responsável pelo
juízo acusatório. Esse, o juízo acusatório, pode ser positivo, em que há o oferecimento da
denúncia ou queixa, ou negativo, hipótese em que se requer o arquivamento da investigação,
quaisquer que sejam os seus fundamentos. Apenas o material produzido em Juízo é que, a
rigor, constituiria prova, abrindo-se necessariamente ao contraditório e à ampla defesa, com
efetiva participação da defesa. Em princípio, portanto, apenas a prova se prestaria ao con-
vencimento judicial, não cumprindo essa missão os chamados elementos informativos da
fase investigatória”[5].

Destarte, recusar a incidência do referido dispositivo aos vereditos condenatórios equi-


valeria, na prática, a exigir um standard probatório mais rígido para a admissão da acusação
do que aquele aplicável a uma condenação definitiva. Consoante o entendimento firmado
no julgamento do AREsp 1.803.562/CE (já mencionado), embora os jurados não precisem
motivar suas decisões, os Tribunais locais – quando confrontados com apelações defensi-
vas – precisam fazê-lo, indicando se existem provas capazes de demonstrar cada elemento
essencial do crime.

Se o Tribunal não identificar nenhuma prova judicializada sobre determinado elemento


essencial do crime, mas somente indícios oriundos do inquérito policial, há duas situações
possíveis: ou o aresto é omisso, por deixar de analisar uma prova relevante, ou tal prova real-
mente não existe, o que viola o art. 155 do CPP.

No caso concreto, ora analisado, o recorrente foi condenado por homicídio qualificado
pela paga e pelo recurso que dificultou a defesa da vítima (art. 121, § 2º, I e IV, do CPP). A
insurgência defensiva voltou-se, exclusivamente, contra as qualificadoras, por entender o réu
que apenas um depoimento prestado na esfera policial deu suporte à narrativa acusatória
nesse ponto. Entretanto, conforme verificado pela 5ª Turma, o único elemento de convenci-
mento que se tinha em relação às qualificadoras era, justamente, um depoimento indireto (de
ouvir dizer), extrajudicialmente.

Ora, quando o testemunho é indireto, também conhecido como testemunho de “ouvir


dizer” ou hearsay testimony, na expressão de língua inglesa, ele sequer serve para lastrear
isoladamente uma pronúncia, razão pela qual – com mais rigor – deve-se refutar a possibili-
dade de sustentar uma condenação, ainda que emanada pelo Tribunal do Júri, orientado pelo

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sistema da íntima convicção. Considerando que, mesmo não havendo impugnação quanto à
autoria delitiva, não se revela possível decotar as qualificadoras, sob penal de usurpação de
competência pelo Tribunal, deve-se instaurar um novo júri[6].

Trata-se de uma tendência, porém será necessário aguardar e acompanhar a evolu-


ção do tema a fim de verificar se prevalecerá, inclusive na 6ª Turma do Superior Tribunal
de Justiça!

Anotem mais essa e vamos em frente!

[1] Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas. Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as
restrições estabelecidas na lei civil.
[2] STJ, 5ª Turma, HC 673.138-PE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado
em 14/09/2021 e 6ª Turma. REsp 1649663/MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
14/09/2021.
[3] AgRg no HC n. 454.895/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, jul-
gado em 18/09/2018 e AgRg no HC 489.737/RN, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA
FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 05/08/2019.
[4] AREsp 1803562/CE, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em
24/08/2021, DJe 30/08/2021
[5] Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. 13. ed. São Paulo:
Atlas, 2021, p. 473
[6] (…) Uma vez reconhecido pelo Tribunal, em recurso de apelação, que a qualificadora
do meio cruel foi indevidamente reconhecida pelo Tribunal do Júri, competia-lhe determinar a
realização de novo julgamento, pois não lhe é franqueado decotar da condenação a referida
qualificadora, em respeito à soberania dos veredictos (Precedentes). 3. Agravo regimental
desprovido” (AgRg no REsp 1657757/MT, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO,
SEXTA TURMA, julgado em 14/05/2019).

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NOVIDADE: READEQUAÇÃO (UNÂNIME) DE REPETITIVO CRIMINAL


NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Olá, pessoal! Tudo certo?

Quem me acompanha nos textos, nas aulas e também nas postagens através das
redes sociais já sabe da minha extremada preocupação (quase uma obsessão) em buscar
atualizações. O objetivo e a razão para isso é tanto para produzir meus escritos, livros, aulas
e trazer a maior atualização possível aos alunos, bem como para incrementar minha atuação
criminal prática na Defensoria Pública da União, da qual sou membro há 10 anos.

Nesse caminhar, no último dia 24 de novembro desse ano de 2021, tivemos uma (nova)
readequação do TEMA 931 (tese aprovada na sistemática de repetitivo) da 3ª Seção do
Superior Tribunal de Justiça. Vamos revisar e entender o ocorrido.

Em 2015, a Corte havia aprovado entendimento no sentido de que o réu que cumpre a
pena privativa de liberdade tem a extinção da punibilidade decretada mesmo se ainda não
pagou a pena de multa. Entretanto, em razão do deliberado pelo STF no julgamento da ADI
3150, apontando que a multa é dívida de valor, porém NÃO perde o seu caráter de sanção
penal (o que fora ratificado pela Lei Anticrime[1]), houve a necessidade de fazer uma (PRI-
MEIRA) readequação da tese. Vejamos:

Execução penal. Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Pena de multa.


Legitimidade prioritária do Ministério Público. Necessidade de interpretação conforme. Pro-
cedência parcial do pedido. 1. A Lei nº 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida
de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal, que lhe é inerente por força do art.
5º, XLVI, c, da Constituição Federal. 2. Como consequência, a legitimação prioritária para
a execução da multa penal é do Ministério Público perante a Vara de Execuções Penais.
3. Por ser também dívida de valor em face do Poder Público, a multa pode ser subsidiaria-
mente cobrada pela Fazenda Pública, na Vara de Execução Fiscal, se o Ministério Público
não houver atuado em prazo razoável (90 dias). 4. Ação direta de inconstitucionalidade cujo
pedido se julga parcialmente procedente para, conferindo interpretação conforme à Consti-
tuição ao art. 51 do Código Penal, explicitar que a expressão “aplicando-se-lhes as normas
da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas
interruptivas e suspensivas da prescrição”, não exclui a legitimação prioritária do Ministério
Público para a cobrança da multa na Vara de Execução Penal. Fixação das seguintes teses:
(i) O Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa,

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perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento descrito pelos artigos 164 e
seguintes da Lei de Execução Penal; (ii) Caso o titular da ação penal, devidamente intimado,
não proponha a execução da multa no prazo de 90 (noventa) dias, o Juiz da execução cri-
minal dará ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (Federal ou Estadual,
conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com a
observância do rito da Lei 6.830/1980 (ADI 3150, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a)
p/ Acórdão: ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/12/2018).

Assim, em 2019, a 3ª Seção ajustou o TEMA, que passou a prever que “na hipótese
de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da
sanção pecuniária OBSTA O RECONHECIMENTO da extinção da punibilidade”.

“Beleza, Pedro! Mas isso só foi revisão. Eu estou interessado é em saber da NOVIDADE!”.

Calma que apressado come cru.

Agora, o mais recente movimento realizado pelo Superior Tribunal de Justiça foi justa-
mente na direção de efetuar um ajuste extremamente oportuno e adequado à realidade social
do Brasil. Para a 3ª Seção da Corte, “na hipótese de condenação concomitante a pena priva-
tiva de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária pelo condenado que com-
provar impossibilidade de fazê-lo não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade”.

Situação diversa era angustiante, maléfica e quase desumana. Alguém que cumpriu
PPL e não tem dinheiro, ficando sem extinção da punibilidade por conta disso, não consegue
(i) reabilitação (art. 93 do CPB), (ii) como não tem o sigilo dos registros (sem reabilitação),
não consegue certidão negativa aumentando a dificuldade de obter emprego, (iii) permanece
com suspensão dos direitos políticos, (iv) não tem crédito financeiro, (v) não tem acesso a
vários programas sociais, entre outras coisas. É, como anotado pelo Ministro Schietti, um
“CICLO VICIOSO DE DESESPERO”.

Considerando a importância (também para concursos) de expressões pouco usuais e


por se tratar de temática certamente a ser enfrentada em provas vindouras, anote-se que a
expressão “ciclo vicioso de desespero” foi originariamente utilizada pela própria Defensoria
Pública do Estado de São Paulo no RESP 1.785.861/SP[2]. De acordo com a instituição, “o
efeito nefasto e inesperado, que deve ser imediatamente corrigido, foi a sobrepunição da
pobreza, visto que o egresso miserável e sem condições de trabalho durante o cumprimento
da pena (menos de 20% da população prisional trabalha, conforme dados do INFOPEN), ali-

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jado dos direitos do art. 25 da LEP, não tem como conseguir os recursos para o pagamento
da multa, e ingressa em círculo vicioso de desespero“.

Nesse sentido, como relevantemente bem pontuado pelo Ministro Ricardo Schietti,
“ineludível é concluir, portanto, que o condicionamento da extinção da punibilidade, após o
cumprimento da pena corporal, ao adimplemento da pena de multa transmuda-se em puni-
ção hábil tanto a acentuar a já agravada situação de penúria e de indigência dos apenados
hipossuficientes, quanto a sobreonerar pessoas próximas do condenado, impondo a todo o
seu grupo familiar privações decorrentes de sua impossibilitada reabilitação social, o que põe
sob risco a implementação da política estatal proteção da família (art. 226 da Carta de 1988).
Demais disso, a barreira ao reconhecimento da extinção da punibilidade dos condenados
pobres, para além do exame de benefícios executórios como a mencionada progressão de
regime, frustra fundamentalmente os fins a que se prestam a imposição e a execução das
reprimendas penais, e contradiz a inferência lógica do princípio isonômico (art. 5º, caput da
Constituição Federal) segundo a qual desiguais devem ser tratados de forma desigual. Mais
ainda, desafia objetivos fundamentais da República, entre os quais o de “erradicar a pobreza
e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art. 3º, III)”.

Com a certeza de que estou vivo, isso cairá nas provas! Espero que tenham entendido
e gostado!

Vamos em frente!

[1] Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada
perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas
relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interrupti-
vas e suspensivas da prescrição
[2] Julgamento conjunto dos RESP´s 1785861 e 1785383.

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RECEBIMENTO DO ADITAMENTO DA INICIAL ACUSATÓRIA TEM O


CONDÃO DE INTERROMPER A PRESCRIÇÃO?

Fala, pessoal! Tudo certo?

Hoje falaremos de um tema extremamente importante e que dialoga tanto com o direito
penal material, como também com o processo penal, razão pela qual deve receber cuida-
dos redobrados, mormente para as bancas de concurso que adoram a tão temida interdisci-
plinaridade.

É bem verdade que essa temática despencava, há um tempo, em provas, porém há


algumas primaveras que não temos observado isso em provas de carreiras jurídicas (salvo
alguns pontuais questionamentos em provas de magistratura).

E por que você resolveu tratar isso agora, Pedro?

É que o STF (re)apreciou o tema recentemente, no julgamento pela 2ª Turma (À unani-


midade) do HC 200341 AgR.

De acordo com o art. 117 do CPB, a prescrição será INTERROMPIDA nas seguintes
hipóteses: (i) pelo recebimento da denúncia ou da queixa, (ii) pela pronúncia, (iii) pela deci-
são confirmatória da pronúncia; (iv) pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios
recorríveis; (v) pelo início ou continuação do cumprimento da pena e (vi) pela reincidência.

Perceba que nada fala sobre aditamento da inicial acusatória. Entretanto, admite-se,
tranquilamente, a interpretação extensiva. Trata-se de instituto disponível no Direito Brasi-
leiro capaz de ampliar o conteúdo da lei, estabelecendo seu real sentido. Isso acontece,
por exemplo, quando a norma aborda menos que deveria, ou seja, quando a literalidade
expressa da lei demonstra uma extensão menor da norma.

Assim, o recebimento de eventual aditamento permite sim a interrupção do lapso pres-


cricional. Conforme deliberado pelo STF, recebimento do aditamento à denúncia, excetuados
os casos previstos no art. 117, V e VI, do Código Penal, constitui marco interruptivo da pres-
crição da pretensão punitiva e produz efeitos relativos a todos os acusados.

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ATENÇÃO! No caso concreto, estávamos diante de um aditamento próprio, conforme


indicado no próprio precedente. Segundo a Corte, “o aditamento à denúncia não tratou
apenas de definição jurídica diversa do fato já imputado, uma vez que foram incluídos novos
coautores à denúncia, com caracterização de concurso de agentes entre estes e o agra-
vante, de forma que o referido aditamento alterou substancialmente o quadro processual,
inclusive com repercussão na dosimetria da pena”[1].

A título de revisão, vamos recapitular as classificações de aditamento, de acordo com a


doutrina majoritária. Vejamos:

a. Aditamento próprio: (a.1) Próprio Real – Quando se tratar de fatos delituosos novos,
qualificadoras ou causas de aumento de pena. Este pode ser real material (quando acres-
centa fato delituoso novo, agravando ou qualificando o anterior, ou mesmo outro fato delitu-
oso, importando mais de um crime) ou real legal, no caso de acréscimo de dispositivos legais
ou processuais, alterando o rito ou a classificação do crime, sem inovar no fato descrito. (a.2)
Próprio Pessoal – inclusão de coautores ou partícipes.
b. Aditamento Impróprio – Quando buscar corrigir alguma falha na denúncia ou trouxer
algum esclarecimento sobre o fato narrado.

Anota mais essa e vamos em frente!

[1] HC 200341 AgR, Relator(a): NUNES MARQUES, Segunda Turma, julgado em


20/09/2021

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GUANTANAMIZAÇÃO DO PROCESSO PENAL

ESSA EXPRESSÃO JÁ APARECEU EM PROVAS, HEIN?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Retomaremos hoje uma daquelas postagens que causam mal estar ou dor de cabeça a
alguns estudantes, por envolver nomenclaturas inusitadas. Entretanto, sem juízo de valor, o
fato é que dominar determinadas teorias ou expressões pode ser decisivo para a aprovação,
tanto em fases objetivas, como também em provas discursivas ou orais.

Nessa toada, analisaremos hoje o que vem a ser Guantanamização do processo penal?

Advirta-se que essa designação já apareceu na prova da Defensoria Pública do Estado


do Espírito Santo, quando o examinador assim fez constar:

“Após os ataques do dia 11 de setembro de 2001, inúmeras medidas foram tomadas


pelo Governo norte-americano no combate ao que eles mencionaram tratar-se de terrorismo.
Dentre estas medidas, criou-se a prisão de Guantánamo. Em um julgado específico da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, de 07 de setembro de 2004, utilizou-se a expressão
Guantanaminização que, em linhas gerais, trata-se de uma: (…)
d. forma de revisitar o processo penal e as penas, impondo violações a direitos huma-
nos, especialmente a tortura e prisão sem justa causa, em nome da segurança e do dis-
curso do medo”.

Ora, gostando ou não, se ela já apareceu em provas de concurso público, há boa pro-
babilidade de isso vir a se repetir. Assim, vamos aprender o que ela consiste e a lógica por
trás da expressão.

Se servir de algum consolo, apesar de inusual, trata-se de uma expressão coerente e


que não carece por completo de sentido, ao contrário do que percebemos de vez em quando
em provas. A menção à GUANTANAMIZAÇÃO foi extraída em um dos julgados da Corte Inte-
ramericana de Direitos Humanos, no voto do juiz mexicano Sérgio Ramírez.

Sabe-se da existência de uma série de relatos acerca de violações praticadas na famosa


Prisão de Guantánamo[1], marcada por arbitrariedades e sistemáticas violações de direitos
humanos, inclusive tortura, em contrariedade a normas de direito internacional.

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Com base nesse cenário, a expressão utilizada pelo juiz da Corte Interamericana serve
para qualificar o processo penal calcado justamente na violação e EROSÃO INQUIETANTE
(expressão por ele utilizada) dos direitos humanos no âmbito processual penal, a inobser-
vância de garantias fundamentais, supressão de direitos processuais e inversão de valores
constitucionais, como a presunção de inocência.

Particularmente, penso se tratar de expressão com sentido similar ao Direito Processual


Penal do Inimigo e, portanto, resta incompatível com a nossa Constituição Federal. Nesse
sentido, (ainda) é a doutrina majoritária. Contudo, já é possível encontrar defensores desse
tratamento “mais flexível”, sempre se calcando em ponderações de valores, especialmente o
interesse e a segurança pública.

Vale ressaltar, em paralelo interessante ao direito brasileiro, que o Supremo Tribunal


Federal reconheceu que o sistema carcerário/penitenciário brasileiro encontra-se em estado
de coisas inconstitucional, repisando o que fora decidido pela Corte Constitucional da Colôm-
bia em 1997, tendo se verificado a existência de um quadro de violação generalizada e sistê-
mica de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente
das autoridades públicas em modificar a conjuntura, de modo que apenas transformações
estruturais da atuação do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades
podem alterar a situação inconstitucional.

Como bem apontado por Daniel Sarmento, o sistema penitenciário brasileiro apresen-
ta-se claramente com um panorama de violação generalizada e sistêmica de direitos funda-
mentais, inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modifi-
car a conjuntura e situação que exige a atuação não apenas de um órgão, mas sim de uma
pluralidade de autoridades para resolver o problema, tendo sido a tese agasalhada pelo STF
no julgamento da medida cautelar em ADPF 347[2].

Se cair na prova, agora vocês não poderão se dizer surpresos com a expressão!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, entendido!

Vamos em frente!

[1] A Prisão de Guantánamo, oficialmente Campo de Detenção da Baía de Guantánamo


(em inglês: Guantánamo Bay Detention Camp), é uma prisão militar estadunidense, parte
integrante da Base Naval da Baía de Guantánamo, que, por sua vez, está incrustada na baía
homônima, na província também homônima, na ilha de Cuba. A Base abriga três campos
de detenção: Camp Delta, construído em 2002 e composto de 5 outros campos (1, 2, 3, 4 e
Camp Echo), Camp Iguana e Camp X-Ray, atualmente fechado.
[2] STF, Plenário, ADPF 347 MC/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 9/9/2015.

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IMPORTANTE DECISÃO SOBRE COMPETÊNCIA CRIMINAL


E AUXÍLIO EMERGENCIAL DURANTE A COVID-19

Olá, pessoal! Tudo certo?

Sempre brinco nas minhas aulas – falando sério – de que a vida imita a arte, a arte imita
a vida e o seu examinador imita os fatos relevantes do mundo real. Ou seja, tudo, absoluta-
mente tudo que acontece na nossa realidade deve ser analisado e estudado sob a perspec-
tiva jurídica, pois há uma grande probabilidade de vir a ser cobrado em provas de concurso.

Nesse sentido, obviamente, em várias áreas do direito, uma série de situações comple-
xas e polêmicas vivenciadas ao longo da pandemia da COVID-19 terão repercussões impor-
tantes em certames públicos vindouros.

Na última semana de outubro, tivemos um caso desses, apreciado pela 3ª Seção do


STJ, cuja conclusão foi no sentido de que não compete à Justiça Federal processar e julgar
o desvio de valores do auxílio emergencial pagos durante a pandemia da covid-19, por meio
de violação do sistema de segurança de instituição privada, sem que haja fraude direcionada
à instituição financeira federal[1].

Antes de tecer considerações, vamos colacionar uma síntese do ocorrido no caso con-
creto. Vejamos:

“O presente inquérito policial foi instaurado para a apurar estelionato consistente em


fraude na obtenção de auxílio emergencial concedido pelo Governo Federal em decorrência
da pandemia de Covid-19, ocorrido em dois de julho de 2020, neste município e comarca. Há
oitiva a fls.17. Segundo consta do inquérito, Bruna dos Santos Carneiro da Silva declarou que
realizou depósito em sua conta do Mercado Pago, no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais)
e depois percebeu que aquela quantia foi transferida para Erick de Oliveira, sendo que não
foi Bruna quem realizou a operação financeira e nem a autorizou. Erick assinalou que a alu-
dida quantia foi realmente transferida para sua conta no Mercado Pago, e foi declarada como
pagamento de conserto de motocicleta, para enganar os órgãos competentes e conseguir a
antecipação do auxílio emergencial. Disse que foi Alexandre Vieira, proprietário de uma loja
de manutenção de telefones celulares, quem lhe propôs a prática de tais condutas, mas disse
que seria um procedimento legal e ainda ofereceu R$ 50,00 para cada antecipação passada
em sua máquina do Mercado Pago, sendo que Erick praticou a conduta quatro vezes. Disse
que o dinheiro entrava em sua conta no Mercado Pago e era transferido para a conta de Ale-

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xandre. Tratando-se de crime referente à Caixa Econômica Federal e referente a interesse


da União a competência para conhecer da matéria é da Justiça Federal, para onde requeiro
a remessa do inquérito”.

Vale ressaltar que, de acordo com o depoimento constante do Inquérito Policial, para
apurar notitia criminis no sentido de que ERICK DE OLIVEIRA SANTOS teria sacado indevi-
damente os valores do auxílio emergencial de BRUNA DOS SANTOS CARNEIRO DA SILVA,
constata-se, pelo depoimento da vítima, que foi ela quem, voluntariamente, em 2/7/2020,
fez um depósito de R$ 600,00 (seiscentos) reais para sua própria conta no Mercado Pago e
que apenas após referida operação legal houve indevida transferência do numerário para o
suposto agente delituoso.

Ou seja, no caso concreto não se identificou ofensa direta à Caixa Econômica Fede-
ral – CEF ou à União, uma vez que não houve qualquer notícia de que a beneficiária tenha
empregado fraude. Em outras palavras, houve ingresso lícito no programa referente ao auxí-
lio emergencial e transferência lícita da conta da Caixa Econômica Federal para a conta do
Mercado Pago, ambas de titularidade da beneficiária do auxílio. Ocorre que aparentemente,
no caso em tela, houve transferência fraudulenta de valores entre contas do Mercado Pago
de titularidade da vítima e do agente delituoso, ou seja, a vítima não foi induzida a erro e tam-
pouco entregou espontaneamente o numerário, de tal forma que o atual estágio das investi-
gações indica suposta prática de furto mediante fraude. Nesse sentido, vejamos:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. CONTRATAÇÃO DE


EMPRÉSTIMO BANCÁRIO E TRANSFERÊNCIA DE VALORES. FRAUDE ELETRÔ-
NICA. AUSÊNCIA DE ENTREGA VOLUNTÁRIA DO BEM PELA VÍTIMA. ESTELIONATO.
NÃO CONFIGURAÇÃO. TIPIFICAÇÃO ADEQUADA. FURTO QUALIFICADO. MEDIANTE
FRAUDE ELETRÔNICA. COMPETÊNCIA. LUGAR DA CONSUMAÇÃO. INGRESSO DOS
VALORES NAS CONTAS DESTINATÁRIAS DAS TRANSFERÊNCIAS. LOCALIDADES DIS-
TINTAS. PREVENÇÃO. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O
JUÍZO SUSCITANTE. 1. Para que se configure o delito de estelionato (art. 171 do Código
Penal), é necessário que o Agente, induza ou mantenha a Vítima em erro, mediante artifício,
ardil, ou qualquer outro meio fraudulento, de maneira que esta lhe entregue voluntariamente
o bem ou a vantagem. Se não houve voluntariedade na entrega, o delito praticado é o de furto
mediante fraude eletrônica (art. 155, § 4.º-B, do mesmo Estatuto). 2. No caso concreto, não
houve entrega voluntária dos valores pela Vítima, mas, sim, ocorreu a contratação de emprés-
timos vinculados à sua conta corrente em agência bancária na cidade de Santa Helena/MA,
bem como a transferência dos valores a contas situadas no Estado de São Paulo, por meio
de fraude eletrônica. 3. Em se tratando de furto, a consumação do delito ocorre quando o

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autor do delito obtém a posse do bem. Na situação dos autos, a consumação delitiva ocor-
reu quando os valores ingressaram nas contas destinatárias dos valores, todas em agências
localizadas no Estado de São Paulo, nas comarcas de Campinas, Itaim Paulista e São Paulo
capital. 4. Sendo igualmente competentes os mencionados Juízos paulistas, a competência
é firmada pela prevenção, nos termos dos art. 71 e 83 do Código de Processo Penal que, no
presente feito, é do Juízo campineiro, porque o único dos referidos Juízos do Estado de São
Paulo que nele proferiu decisão. 5. Conflito conhecido para declarar competente o JUÍZO DE
DIREITO DA 5.ª VARA CRIMINAL DE CAMPINAS – SP, o Suscitante (CC 181.538/SP, Rel.
Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2021, DJe 01/09/2021).

Ora, considerando que o agente delituoso ao transferir para si os valores pertencentes


à vítima não fraudou eletronicamente o sistema de segurança da Caixa Econômica Federal,
mas apenas o sistema de segurança de instituição privada para a qual o numerário foi trans-
ferido por livre vontade da vítima[2].

Portanto, é inarredável a conclusão de que, sem fraude ao sistema de segurança da


instituição financeira federal, não há de se falar em competência da Justiça Federal.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, entendido!

Vamos em frente!

[1] CC 182.940-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, jul-
gado em 27/10/2021, DJe 03/11/2021.
[2] Interessante pontuar que, em trecho extraído do voto do Relator do CC ora apre-
ciado, houve menção ainda à decisão monocrática proferida pelo ilustre Ministro Felix Fisher
no julgamento do CC 177.398/RS (DJe 12/2/2021) no qual, em situação análoga ao caso con-
creto, firmou-se a competência da Justiça Estadual ao fundamento de que a vítima do delito
patrimonial havia transferido valores provenientes de auxílio emergencial, por livre opção, ao
sistema de pagamento virtual conhecido como PICPAY para somente depois sofrer o preju-
ízo advindo do crime. Em resumo, também no caso ora em análise, em que houve violação
ao sistema de segurança de instituição privada, qual seja, o Mercado Pago, sem qualquer
fraude ou violação de segurança direcionada à CEF, o prejuízo ficou adstrito a instituição pri-
vada e particulares, não se identificando situação prevista no art. 109, inciso IV, da CF.

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A DEFESA DEIXOU DE APRESENTAR ALEGAÇÕES FINAIS?

E AGORA, O QUE PODE/DEVE O JUIZ CRIMINAL FAZER?

Fala, pessoal! Tudo certo?

Imagine que a defesa técnica entenda que a instrução está repleta de vícios procedi-
mentais que ensejariam nulidades e, diante da irresignação com o comportamento (supos-
tamente) passivo do magistrado, decide – deliberadamente – não apresentar as alegações
finais. Nesses casos, será possível e legítimo ao juiz criminal abrir vista à parte para designar
outro advogado ou, mantendo-se inerte, nomear a Defensoria Pública para assumir o caso?

Dito de outra maneira, afinal a ampla defesa engloba a possibilidade de o advogado se


recusar a oferecer as alegações finais por discordar de alguma decisão do juiz da causa na
condução do procedimento?

Sobre o tema, interessante se faz trazer à baila as lições de Gabriel Campos. De acordo
com ele, ao defensor se aplicam, portanto, deveres processuais de cooperação, inerentes às
ideias de boa-fé e lealdade processual, sem que tal implique cerceamento da ampla defesa.
O que se quer reconhecer é a existência de certos limites à atuação da defesa no processo
penal, como na seara probatória, a manipulação de depoimentos de testemunhas com o
intuito de falsear a verdade, ou, no campo do direito recursal, a interposição sucessiva de
recursos, com nítida finalidade procrastinatória, por vezes pretendendo ocasionar a prescri-
ção do crime. A defesa no processo penal brasileiro, embora a ela se assegurem todos os
meios e recursos cabíveis, não pode ser abusiva. O abuso do direito deve ser consabido,
ainda que favoreça o réu[1]. Como muito bem assimilado no voto do Ministro Rogério Schietti
Cruz, a forma legal para impugnar eventuais discordâncias com as decisões tomadas pelo
juiz na condução da ação penal não pode ser a negativa de oferecimento de alegações
finais. Admitir, por hipótese, a validade de tal conduta implicaria, em última instância, confe-
rir o poder de definir a legalidade da atuação do magistrado não aos Tribunais, mas ao pró-
prio advogado.

Ademais, não se deve admitir a violação da duração razoável do processo, direito fun-
damental que não pode ficar dependente de um juízo de oportunidade, conveniência e lega-
lidade das partes de quando e como devem oferecer alegações finais. A recalcitrância da
negativa de oferecer alegações finais obriga o magistrado a adotar a providência de nome-
ação de um defensor ad hoc ou até mesmo a destituição do causídico. Dessa forma, não há

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que se falar em ilegalidade ou abuso de poder, mas, sim, em adoção de medidas legítimas
para resguardar a duração razoável do processo e o poder do juiz para conduzi-lo, conforme
ratificado recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça[2].

Em arremate, vale anotar que a análise quanto a ter sido justificada ou não a recusa da
atuação somente interfere na incidência do art. 265 do CPP (que não foi aplicado no presente
caso). A falta de justificativa plausível é motivo para a aplicação da multa, conforme recente-
mente reafirmou o STJ que “não se verifica ilegalidade na aplicação da multa prevista no art.
265 do CPP ao advogado que, intimado pessoalmente por duas vezes, deixa de apresentar
alegações finais sem justificativa plausível. A superveniente absolvição do cliente (réu) não
afasta a aplicação da referida multa, pois a sanção está ligada à atuação do profissional do
defensor na condução do processo, independente do mérito da ação penal[3].

Espero que vocês tenham gostado e, sobretudo, entendido!

Vamos em frente!

[1] CAMPOS, Gabriel Silveira de Queirós. Princípios do Processo Penal. Salvador: Jus-
podivm, 2021, p. 137
[2] RMS 47.680-RR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade,
julgado em 05/10/2021, DJe 11/10/2021.
[3] AgRg nos EDcl nos EDcl no RMS n. 66.353 / RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª T.,
DJe 9/8/21.

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(IM)POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO DA PRESTAÇÃO


PECUNIÁRIA E A REPARAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS

Olá, pessoal! Tudo certo?

Direto ao ponto. Imagine que você, em sua prova oral, seja instado a responder: “Can-
didato, o valor pago a título de prestação pecuniária pode ser compensado daquele referente
à reparação dos danos causados pela infração penal?”.

E aí?

Calma! Eu sei que iniciamos o presente texto com uma verdadeira provocação, porém
o intuito foi apenas de destacar a importância desse tema, que fora enfrentado recentemente
pela 5ª Turma do STJ, ao apreciar o REsp 1.882.059/SC (julgado em 19/10/2021).

No caso concreto, fora determinada conversão da pena privativa de liberdade em duas


restritivas de direito, especificamente (i) na prestação de serviços à comunidade e (ii) pres-
tação pecuniária destinada à entidade com destinação social, no valor de R$ 1.500,00 (mil e
quinhentos reais), fixando, ainda, mínimo para reparação dos danos causados pela infração,
no valor de R$ 5.947,83 (cinco mil e novecentos e quarenta e sete reais e oitenta e três cen-
tavos), em favor da vítima (União).

De acordo com a doutrina majoritária, em relação à prestação pecuniária, houve o


estabelecimento de uma ordem sucessiva de preferência entre os beneficiários elenca-
dos. Vejamos:

Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-se-á na forma


deste e dos arts. 46, 47 e 48. § 1o A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro
à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de
importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezen-
tos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual con-
denação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários.

Assim, como bem anotado por Rogério Greco, “quando o juiz do processo de conheci-
mento condena o réu à pena de prestação pecuniária, vários detalhes devem ser observa-
dos: (1º) a vítima e seus dependentes têm prioridade no recebimento da prestação pecuni-
ária, não podendo o juiz determinar o seu pagamento à entidade pública ou privada quando

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houver aqueles; (2º) nas infrações penais onde não haja vítima, a exemplo do delito de
associação criminosa (art. 288 do CP), poderá a prestação pecuniária ser dirigida à entidade
pública ou privada com destinação social; (3º) a condenação tem seus limites estipulados
em, no mínimo, 1 (um) salário mínimo e, no máximo, 360 (trezentos e sessenta) salários; (4º)
o valor pago a vítima ou a seus dependentes será deduzido do montante em ação de repara-
ção civil, no caso de serem coincidentes os beneficiários”[1]. Em semelhante sentido são as
lições de Delmanto[2] e Cleber Masson[3].

Dessa maneira, havendo vítima determinada no caso concreto – e, na específica situ-


ação, se revelando como a União – é a ela que deve ser destinado o montante relativo à
prestação pecuniária.

Avançando sobre esse instituto, impera anotar que o art. 45, § 1º, do Código Penal
prevê que a prestação pecuniária tem natureza de pena (restritiva de direitos), contudo,
possui finalidade nitidamente reparatória (cível), ao dispor que “(…) consiste no pagamento
em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação
social (…)”. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a referida pena restritiva
de direitos guarda correspondência com o prejuízo causado pelo delito, o que reforça seu
caráter reparatório.

Importa anotar ainda que, desde a vigência da Lei n. 11.719/2008, o art. 387, IV do
Código de Processo Penal passou a prever que o magistrado, ao proferir sentença penal
condenatória, fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, consi-
derando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Esse dispositivo tem o intuito de assegurar a
reparação cível dos danos causados pela infração penal, representando nítida antecipação
efetuada pelo juiz criminal.

Consoante anotado por abalizada doutrina, não há dúvidas de que o legislador permi-
tindo o juiz criminal, por ocasião da sentença condenatória, estabelecer indenização mínima
devida à vítima, objetivou possibilitar a esta ter satisfeito o prejuízo que lhe foi causado pela
prática criminosa com maior prontidão, sem a necessidade de aguardar as delongas de uma
fase liquidatória prévia ao ajuizamento da ação executória. Tal arbitramento, então, apenas
visa antecipar, em parâmetros mínimos, o valor que, em liquidação de sentença, seria apu-
rado no juízo cível”[4].

Ora, diante da similitude do caráter reparatório de ambas as previsões, quando o bene-


ficiário for coincidente, impõe-se a dedução do montante fixado a título de reparação de
danos – art. 387, IV, do Código de Processo Penal, do que foi estipulado a critério de presta-

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ção pecuniária substitutiva – art. 45, § 1º, do Código Penal, que prevê: “(…) O valor pago será
deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes
os beneficiários”.

Tema muitíssimo interessante para aparecer em provas, hein?

Espero que vocês tenham gostado e, sobretudo, entendido!

Vamos em frente!

[1] Greco, Rogério. Código Penal: comentado /Rogério Greco. – 11. ed. – Niterói, RJ:
Impetus, 2017. pg. 267.
[2] Masson, Cleber Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120) – vol. 1 / Cleber Masson. –
13. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2019. pg. 1046.
[3] DELMANTO, Celso, DELMANTO JUNIOR, Roberto e DELMANTO, Fábio M. de
Almeida. Código Penal comentado. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2016, pg. 231.
[4] Avena, Noberto. Processo Penal/Noberto Avena – 10. Ed. rev., atual e ampl – Rio de
Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2018, pg. 381.

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“DOUBLE JEOPARDY CLAUSE”


E O DIREITO CONSTITUCIONAL PENAL BRASILEIRO

Olá, pessoal! Tudo certo?

Vamos falar sobre um tema importante, pertinente e que já apareceu em provas de múl-
tiplas maneiras, conferindo ênfase a uma nomenclatura específica: “Double jeopardy clause”.

Nunca me esqueço quando, em um grupo de pesquisa na faculdade de direito (UFPE),


levantaram a questão trabalhada no filme (de duvidosa qualidade) “Risco Duplo” à luz do
direito constitucional e penal brasileiro. No enredo da obra, uma mulher é condenada pelo
suposto assassinato do marido, motivada pelo recebimento de alguns milhões de dólares
de seguro.

Todavia, durante o período de encarceramento, ela descobre que a morte do marido


fora uma farsa, forjado pelo próprio “falecido” para usufruir do prêmio do seguro enquanto ela
cumpria pena!

Saída da prisão, a personagem central do filme passa a buscar incessantemente o


ex-marido para matá-lo! Por que isso?

É que, diante da ideia do “DOUBLE JEOPARDY CLAUSE”, previsto também na Cons-


tituição dos EUA, ninguém pode ser processado e condenado pelo mesmo fato duas vezes
(fim do spoiler)!

Esse raciocínio está correto, Pedro?

Não. Antes de entendermos a razão da negativa, algumas considerações precisam ser


feitas. A ideia consubstanciada no DOUBLE JEOPARDY é aquela que conhecemos por prin-
cípio do non bis in idem, ou seja, o réu não pode ser processado ou condenado novamente
pelo mesmo fato delitivo!

São diferentes nomenclaturas para o mesmo fenômeno! Essa constatação, inclusive,


fora externada em emblemático voto do ex-ministro do STF Francisco Rezek, no julgamento
do pedido de Extradição 688, quando asseverou que “ninguém pode expor-se, em tema de
liberdade individual, à situação de duplo risco. Essa é a razão pela qual a existência de situ-
ação configuradora de ‘double jeopardy’ atua como insuperável causa obstativa do atendi-

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mento do pedido extradicional. Trata-se de garantia que tem por objetivo conferir efetividade
ao postulado que veda o ‘bis in idem “[1].

Voltando ao filme, se a personagem principal já havia sido condenada por um fato,


constatando na prática que ele não ocorreu, ela não estaria legitimada a efetuá-lo? Nova
condenação não encontraria óbice no princípio do non bis idem[2]?

Em primeiro lugar, essencialmente não estaríamos falando de exatamente sobre


“mesmos fatos”, pois motivação, circunstância, ambiente e tudo mais seriam diferentes.
“Apenas” a conduta e consequência, além de agentes ativos e passivos, seriam iguais.

Não estamos falando, pois, de mesmos fatos, mas apenas de mesma tipificação,
autor e vítima!

Ademais, o desenho constitucional brasileiro prima pela defesa da dignidade da pessoa


humana e autorizar a prática de qualquer conduta criminosa, ainda que posterior a uma
injusta condenação, seria autorizar uma violação normativa bastante séria, o que não parece
compatível com o “espírito da Constituição de 1988”.

O que se verifica no caso narrado, em verdade, é a presença de manifesto, triste e inad-


missível ERRO JUDICIAL, lastimavelmente bastante frequente no dia a dia judiciário. Ora, é
verdade também que a condenação de um inocente em face de erro judicial é sim violação ao
dever fundamental do cidadão condenado, sobretudo quando tem sua liberdade de locomo-
ção tolhida temporalmente, mas a solução ideal não parece ser a concessão de uma “carta
branca para o cometimento do delito pelo qual injustamente fora condenado o cidadão”.

O caminho a ser adotado em casos tais deve ser representado pela (i) Revisão Criminal
na esfera penal, a fim de rescindir a sentença condenatória e todos os seus efeitos penais e
extrapenais, bem como (ii) a indenização por perdas e danos (cumulativamente ou não com
a revisão criminal).

De toda forma, a double jeopardy clause não autoriza simplesmente, em qualquer hipó-
tese, impunidade para o cometimento de crimes de qualquer espécie!

Esse é um excelente tema para ser cobrado em concursos! Espero que tenha ficado claro!

Vamos em frente!

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[1] BRAGA, Sérgio Jacob. Direito e ficção. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n.
1215, 29 out. 2006. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/9099>.
[2] A fórmula latina “non bis in idem“, cuja tradução literal pode ser “não duas vezes
sobre a mesma coisa“, exprime o princípio jurídico segundo o qual uma pessoa que já tenha
sido julgada por um facto delituoso não pode ser perseguida de novo pelo mesmo facto.

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BAGATELA IMPRÓPRIA

PRINCÍPIO DA (DES)NECESSIDADE DA PENA OU IRRELEVÂNCIA PENAL DO FATO.

Olá, pessoal! Tudo certo?

Ao contrário do que frequentemente se verifica em sede doutrinária, não se pode con-


fundir os conceitos entre os princípios da Desnecessidade da Pena e os da Insignificância.
Enquanto esse envolve aspectos da tipicidade material, o primeiro se vincula ao caráter de
causa excludente da punição concreta do fato, ou seja, de dispensa de pena (em razão de
sua desnecessidade, como o próprio nome indica, à luz do caso concreto analisado).

Trata-se, em última análise, da chamada infração bagatelar imprópria. Ao contrário da


própria, vinculada à insignificância, ela nasce relevante ao Direito Penal – porque existe um
efetivo desvalor da conduta e do resultado, mas depois se verifica que a incidência de qual-
quer pena no caso concreto apresentar-se-ia completamente desconectada e irrelevante.

Ressalte-se que tais observações não são produtos de invenções incoerentes e teses
carentes de substratos, mas antes uma apreciação direta do texto legal do Código Penal Bra-
sileiro, a partir de uma interpretação consonante com o espírito e postulados constitucionais
vigentes. Anote-se que o substrato legal do reconhecimento dos delitos de bagatela impró-
pria está plasmado no art. 59 do CPB:

Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à per-


sonalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como
ao comportamento da vítima, ESTABELECERÁ, CONFORME SEJA NECESSÁRIO E SUFI-
CIENTE PARA REPROVAÇÃO E PREVENÇÃO DO CRIME: I – as penas aplicáveis dentre
as cominadas; II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III – o regime
inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV – a substituição da pena privativa da
liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (Redação dada pela Lei nº 7.209,
de 11.7.1984).

Nesse caminhar, curial, pois, indicar que o reconhecimento do princípio da desnecessi-


dade da pena ou da irrelevância penal do fato não é extralegal (como boa parte da doutrina
especializada aponta), mas ao contrário, tem amparo expresso no teor do capitulado no dis-
positivo supratranscrito.

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Para que se reconheça a infração bagatelar imprópria e a consequente incidência do


postulado da DESNECESSIDADE DA PENA ao caso concreto, o magistrado deverá se ater
a elementos importantes, tais como os aspectos pessoais do agente e do próprio fato em
deslinde). Nesse diapasão, é mister atentar, dentro outros, ao ínfimo valor da culpabilidade,
ausência de antecedentes criminais, reparação dos danos ou devolução do objeto (crimes
patrimoniais), reconhecimento da culpa, colaboração com a justiça, o fato de o agente ter
sido processado, o fato de ter sido preso ou ter ficado preso por um período (…).

Reconhecendo a importância do instituto e sua viabilidade na prática cotidiana na seara


criminal, impera-se trazer à baila o escólio do eminente professor Luiz Flávio Gomes:

O fato em apreço amolda-se, claramente, às circunstâncias exigidas para a aplicação


do princípio da irrelevância penal do fato, que cuida de infração bagatelar imprópria (aquela
que nasce relevante para o Direito penal – porque há desvalor da conduta e desvalor do
resultado, mas depois se verifica que a incidência de qualquer pena no caso concreto apre-
senta-se totalmente desnecessária). Não se pode confundir o princípio da insignificância
com o princípio da irrelevância penal do fato: aquele está para a infração bagatelar própria
assim como este está para a infração bagatelar imprópria. Cada princípio tem seu especí-
fico âmbito de incidência (cf. L. F. GOMES, Princípio da insignificância, RT). O da irrelevân-
cia penal do fato está estreitamente coligado com o princípio da desnecessidade da pena.
Assim, ao “furto” de dez reais deve ser aplicado o princípio da insignificância (porque o fato
nasce irrelevante). Ao “roubo” de dez reais, já que estão em jogo bens jurídicos sumamente
importantes, como a integridade física, aplica-se o princípio da irrelevância penal do fato (se
presentes os seus requisitos).

Para que se reconheça esse último princípio (assim como a desnecessidade ou dis-
pensa da pena), há múltiplos fatores a serem analisados (…) É certo que não se faz neces-
sária a concorrência de todos esses fatores. Tudo deve ser analisado pelo juiz em cada caso
concreto e o fundamento jurídico para o reconhecimento deste princípio reside no art. 59 do
CP, visto que o juiz, no momento da aplicação da pena, deve aferir sua suficiência e, antes
de tudo, sua necessidade (…).

A dogmática, muitas vezes, consegue andar mais rápida que a (conservadora) jurispru-
dência. No nosso livro Princípio da insignificância (RT) procuramos demonstrar a diferença
inequívoca entre o princípio da insignificância e o princípio da irrelevância penal do fato. O
TJMG acertou na absolvição, mas deveria ter aplicado o princípio da irrelevância penal do
fato (não o da insignificância). O STJ, da mesma forma, poderia (em tese) ter reconhecido
referido princípio. Mas a ele sequer fez referência. A sensação que se tem, muitas vezes, é

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a de que a jurisprudência está anos-luz longe dos avanços dogmáticos. E por quê? Porque
(em geral) continua apegada ao modelo formalista do Direito penal, ignorando os avanços
do funcionalismo moderado de Roxin (1970), que concebe a união entre Direito penal e Polí-
tica criminal (seus princípios devem reger todas as categorias do Direito penal, a começar
pela tipicidade). Persiste a confusão a que fizemos menção no princípio destes comentários.
Ainda falta domínio sobre o tema, o que prejudica sua perfeita adequação e aplicação no
mundo jurídico[1].

Exemplos de (interessante) utilização

No dia a dia da Defensoria Pública da União, podemos vivenciar uma série de casos
em que a tese da (des)necessidade da pena ou bagatela imprópria pode e deve ser cada vez
mais utilizada. Insta trazer como ilustração as situações em que a jurisprudência nacional
rechaça a aplicação do postulado da bagatela própria (insignificância).

Os crimes de moeda falsa, crimes contra a administração pública em geral, contra-


bando, falsificação de cd’s e dvd’s (lastimavelmente), crimes ambientais possuem contra si
enorme resistência quanto ao reconhecimento da natureza insignificante (atipicidade mate-
rial) pela jurisprudência das Cortes Superiores, ressalvadas pontuais exceções[2]. Impere
registrar que a bagatela imprópria somente será apreciada caso afastada eventual argumen-
tação vinculada à insignificância, já que, logicamente, não há de se questionar se uma puni-
ção é necessária se a ação é atípica.

É preciso difundir e, portanto, arguir, de maneira mais frequente a tese da desneces-


sidade da pena, de modo a instigar os Tribunais Superiores a apreciá-la e, talvez, superar
a resistência argumentativa que insiste aplicar o direito penal visando punir condutas irrele-
vantes, totalmente dissonantes da “regra” consagrada no combalido brocardo da ultima ratio.

Quando deve se dar a alegação da Desnecessidade da Pena?

Ao contrário do que acontece na bagatela própria (Princípio da Insignificância), para


que o magistrado aplique o princípio da irrelevância penal do fato (LFG), curial se revela a
observância do devido processo legal. É dizer, não se deve confundir os momentos e conse-
quências das bagatelas (própria e imprópria).

Enquanto a primeira pode ensejar a absolvição sumária (art. 397 do CPP) antes mesmo
da submissão de instrução probatória, a bagatela imprópria deve se dar após o regular desen-
volvimento do processo criminal, com efetiva análise das circunstâncias do fato pelo Poder

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Judiciário e, ao final, a conclusão e reconhecimento pela (des)necessidade da pena, a partir


das peculiaridades do caso concreto, com arrimo legal no artigo 59 do CPB.

Bagatela Imprópria na Jurisprudência

Consoante já mencionado e devidamente advertido pelo professor Luiz Flávio Gomes,


a jurisprudência das Cortes Superiores (ainda) é bastante tímida na adoção de teses “des-
penalizadoras e pró defesa”, como é a da bagatela imprópria. Todavia, como um verdadeiro
sopro de esperança, é possível identificar vez por outra um julgado em que se trabalha e
desenvolve a desnecessidade da pena. Nesse contexto, vale a pena destacar precedente do
Superior Tribunal de Justiça em que o referido postulado foi analisado e parcialmente reco-
nhecido! Trata-se de tese extremamente minoritária, com tímida repercussão na jurisprudên-
cia, mas que vejo com excelentes perspectivas e ânimo para a sua análise e reconhecimen-
tos cada vez mais frequentes! Vide o HC 222.093[3]/MS, 5ª Turma do STJ.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

[1] GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Roubo, insignificância e prin-
cípio da irrelevância penal do fato. Disponível em http://www.lfg.com.br.
[2] STF, HC 83.526/CE – Emblemático caso em que o Supremo reconheceu a atipici-
dade material da conduta de moeda falsa em razão da Insignificância, rompendo (no caso
concreto) com a conservadora tese da inviabilidade de aplicação da bagatela própria aos
crimes contra a fé pública e administração pública.
[3] PENAL. HABEAS CORPUS. CÁRCERE PRIVADO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA. IRRELEVÂNCIA PENAL DO FATO. AÇÃO PENAL
PÚBLICA INCONDICIONADA. AUSÊNCIA DE REQUISITOS SUBJETIVOS POSITIVOS.
MAUS ANTECEDENTES. RECONHECIMENTO DA DESNECESSIDADE DA PENA. IMPOS-
SIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. I. O reconhecimento do princípio da bagatela imprópria
permite que o julgador, mesmo diante de um fato típico, deixe de aplicar a pena em razão
desta ter se tornado desnecessária, diante da verificação de determinados requisitos. II. No
vertente caso, o Tribunal a quo reconheceu a incidência do princípio da bagatela imprópria
quanto ao crime de lesão corporal, tendo em vista que este se processa mediante ação
penal pública condicionada. (…). IV. Ademais, o paciente não reúne requisitos subjetivos
positivos, pois foi condenado anteriormente por outros delitos igualmente graves, o que não
permite o reconhecimento da desnecessidade da pena. V. Ordem denegada, nos termos do
voto do Relator. (HC 222.093/MS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em
07/08/2012, DJe 14/08/2012).

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EVENTUAL FIRMEZA NA CONDUÇÃO DO INTERROGATÓRIO


PELO JUIZ-PRESIDENTE GERA RUPTURA DA IMPARCIALIDADE
DOS JURADOS NO ÂMBITO DO PLENÁRIO DO JÚRI?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje falaremos sobre um importante tema no âmbito do processo penal, que mereceu
reflexão recente da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (HC 694.450-SC, Rel. Min. Rey-
naldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 05/10/2021).

No caso em tela, a defesa suscitou nulidade do julgamento em plenário, em razão de o


juiz-presidente ter conduzido os debates – inclusive o interrogatório – com linguagem exces-
siva, influenciando – indevidamente – o ânimo dos jurados (juízes leigos) contra o paciente.
Entre outras coisas, o magistrado teria promovido indevidas intervenções durante a fala da
defesa, no depoimento de testemunhas e, até mesmo, no interrogatório do paciente.

Vale registrar que a função do magistrado no âmbito do julgamento em plenário do júri


exige cuidados ainda mais especiais. É que, considerando que os juízes dos fatos são os
jurados, cuja formação jurídica inexiste, a atuação tendenciosa do juiz togado pode ser deci-
siva para influenciar no ânimo e, portanto, na votação dos quesitos.

Isso não significa dizer que o magistrado é um mero espectador. Não. Ele possui não
apenas o direito, mas o dever de conduzir o julgamento de forma eficiente e isenta na busca
da verdade real dos fatos, em atenção a eventual abuso de uma das partes durante os
debates. Essa atribuição encontra guarida expressa no art. 497, III do Código de Processo
Penal. Vejamos:

Art. 497. São atribuições do juiz presidente do Tribunal do Júri, além de outras expressa-
mente referidas neste Código: I – regular a polícia das sessões e prender os desobedientes;
II – requisitar o auxílio da força pública, que ficará sob sua exclusiva autoridade; III – DIRI-
GIR OS DEBATES, INTERVINDO EM CASO DE ABUSO, EXCESSO DE LINGUAGEM OU
MEDIANTE REQUERIMENTO DE UMA DAS PARTES; IV – resolver as questões incidentes
que não dependam de pronunciamento do júri; V – nomear defensor ao acusado, quando
considerá-lo indefeso, podendo, neste caso, dissolver o Conselho e designar novo dia para o
julgamento, com a nomeação ou a constituição de novo defensor; VI – mandar retirar da sala
o acusado que dificultar a realização do julgamento, o qual prosseguirá sem a sua presença;
VII – suspender a sessão pelo tempo indispensável à realização das diligências requeridas

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ou entendidas necessárias, mantida a incomunicabilidade dos jurados; VIII – interromper a


sessão por tempo razoável, para proferir sentença e para repouso ou refeição dos jurados;
IX – decidir, de ofício, ouvidos o Ministério Público e a defesa, ou a requerimento de qualquer
destes, a arguição de extinção de punibilidade; X – resolver as questões de direito suscita-
das no curso do julgamento; XI – determinar, de ofício ou a requerimento das partes ou de
qualquer jurado, as diligências destinadas a sanar nulidade ou a suprir falta que prejudique
o esclarecimento da verdade; XII – regulamentar, durante os debates, a intervenção de uma
das partes, quando a outra estiver com a palavra, podendo conceder até 3 (três) minutos
para cada aparte requerido, que serão acrescidos ao tempo desta última.(Incluído pela Lei
nº 11.689, de 2008)

É verdade que o excesso de linguagem pode ensejar a nulidade do julgamento em ple-


nário. Entretanto, na visão clássica dessa perspectiva, o Superior Tribunal de Justiça aponta
que para essa consequência se materializar, imprescindível se faz a ausência de dúvidas
quanto ao prejuízo à acusação ou à defesa, o que não se verificou no caso concreto ora apre-
ciado. Como apontado pela Corte em precedente antigo, “diante das peculiaridades do julga-
mento pelo Tribunal do Júri, em que não raras vezes as partes proferem dizeres impensados
ou espontâneos, cabe ao magistrado aferir, caso a caso, se excessivas ou aptas a contami-
nar o conselho de sentença, só sendo possível a anulação do julgamento se o prejuízo à acu-
sação ou defesa for extreme de dúvidas, nos termos do artigo 563 da Lei Penal Adjetiva”[1].

Conforme já deliberado pelo Superior Tribunal de Justiça, em processo relativo ao pro-


cedimento do júri, a firmeza do magistrado presidente na condução dos debates não acar-
reta, necessariamente, a quebra da imparcialidade dos jurados. Segundo a 6ª Turma, “a con-
dução pelo togado do interrogatório da ré, durante o júri, de forma firme e até um tanto rude,
não importa, necessariamente, em quebra da imparcialidade do magistrado e nem influência
negativa nos jurados, tanto mais se, como na espécie, sequer recurso sobre o mérito da con-
denação apresentou a defesa. 2 – O mesmo se diga quanto a ter a juíza perguntado à ré se
esta tinha ameaçado testemunha, conforme telefonema que recebera a magistrada momen-
tos antes da sessão de julgamento, porquanto teve a defesa oportunidade de se manifestar,
bem assim a própria ré que negou o fato. Em matéria de nulidade, no processo penal, como
cediço, há de ser demonstrado prejuízo, ausente na espécie[2].

Em outra oportunidade, a 5ª Turma anotou que nem mesmo a utilização de termos mais
fortes e expressivos na sentença penal condenatória — como “bandido travestido de empre-
sário” e “delinquente de colarinho branco” — configuraria, por si só, situação apta a compro-
var a ocorrência de quebra da imparcialidade do magistrado[3].

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Portanto, é correto asseverar que o entendimento predominante na jurisprudência do


STJ e no sentido de que a condução do interrogatório do réu de forma firme e até um tanto
rude durante o júri não importa, necessariamente, em quebra da imparcialidade do magistrado
e em influência negativa nos jurados. Ou seja, a firmeza do magistrado presidente na condu-
ção do julgamento não acarreta, necessariamente, a quebra da imparcialidade dos jurados.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

[1] HC 282.691/SP, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGA-


DOR CONVOCADO DO TJ/PE), Quinta Turma, julgado em 6/8/2015, DJe de 18/8/2015.
[2] HC 410.161/PR, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA,
julgado em 17/04/2018, DJe 27/04/2018
[3] STJ, 5ª Turma, REsp 1.315.619-RJ, Rel. Min. Campos Marques (Desembargador
convocado do TJ-PR), julgado em 15/8/2013.

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GARANTISMO HIPERBÓLICO MONOCULAR

ESSE TEMA JÁ CAIU EM PROVA. E, CERTAMENTE, VOLTARÁ A CAIR!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Apesar de ser alvo de controvérsias e críticas por parcela da doutrina (inclusive de


minha parte), o fato e que a expressão garantismo hiperbólico monocular tem ganhado força
e adeptos, tendo, inclusive, sido objeto de questões de prova, especialmente em certames
do Ministério Público Federal e também de Ministérios Públicos Estaduais.

Dessa maneira, é preciso tecer considerações acerca do que viria a significar tal expres-
são e como você deve desenvolver o tema se for instado a fazê-lo pelo seu examinador.

Antes, porém, de adentrarmos nesse relevante conceito, curial se apresenta a devida


contextualização sobre o GARANTISMO PENAL. Não há como compreender esse “movi-
mento garantista” sem assinalar a relevância dos estudos e obra do professor italiano Luigi
Ferrajoli, para quem o garantismo nada mais seria do que a observância de direitos e pro-
teções previstos na Constituição, mormente durante toda a persecução penal e também na
interpretação e aplicação de normas criminais.

Para o professor italiano, a Constituição não poderia ser compreendida de maneira


exclusivamente normativa, mas sim deveria viabilizar a produção do seu conteúdo formador,
do seu ideal e modelo de sociedade desejado, inclusive na seara punitiva-penal.

Nesse contexto, para que as sanções possam se legitimar democraticamente, o Estado


precisa respeitar os Direitos Fundamentais, apoiando-se em uma cultura igualitária e sujeita
à verificação de suas motivações, porque o poder estatal deve ser limitado, a saber, somente
pode fazer algo quando expressamente autorizado.

Há quem entenda ser necessária a classificação do garantismo em (i) garantismo posi-


tivo e (ii) garantismo negativo. Apesar de essa nomenclatura e a própria classificação em si
serem polêmicas, essa divergência será analisada em outra postagem, em momento opor-
tuno. No momento, vale anotar que essa dicotomia é pautada a partir de compreensões
extraídas do princípio da proporcionalidade. Explico.

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É que, a partir desse postulado interpretativo, indica-se o GARANTISMO NEGATIVO


como aquele que traz ínsita a proibição do excesso. Contudo, parte da doutrina processual
penal entende que estaria havendo uma desvirtuação da concepção garantista, flertando
com a defesa da impunidade.

Destarte, revelar-se-ia necessário também trabalhar com a “concepção positiva” do


garantismo, fulcrada na proibição da proteção deficiente. O sistema de proteção dos direitos
fundamentais se expressa em proteção negativa (proteção do indivíduo frente ao poder do
Estado) e proteção positiva (proteção, por meio do Estado, dos direitos fundamentais contra
ataques e ameaças provenientes de terceiros). Pelo princípio da proibição de proteção insu-
ficiente (proibição de não-suficiência ou proibição por defeito), o Estado também será omisso
quando não adota medidas suficientes para garantir a proteção dos direitos fundamentais.

O ministro do Supremo Tribunal Federal e eminente constitucionalista Gilmar Mendes,


refletindo sobre o tema, já apontou que:

“os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção […], expres-
sando também um postulado de proteção […]. Haveria, assim, para utilizar uma expressão
de Canaris, não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbot), mas também uma
proibição de omissão (Untermassverbot). Nos termos da doutrina e com base na jurispru-
dência da Corte Constitucional alemã, pode-se estabelecer a seguinte classificação do dever
de proteção: […] (b) Dever de segurança […], que impõe ao Estado o dever de proteger o
indivíduo contra ataques de terceiros mediante adoção de medidas diversas; […] Discutiu-
-se intensamente se haveria um direito subjetivo à observância do dever de proteção ou, em
outros termos, se haveria um direito fundamental à proteção. A Corte Constitucional acabou
por reconhecer esse direito, enfatizando que a não-observância de um dever de proteção
corresponde a uma lesão do direito fundamental previsto no art. 2, II, da Lei Fundamental.”[1].

O professor e Procurador da República Douglas Fischer (examinador recentes con-


cursos para ingresso no MPF) vem trabalhando incisivamente o tema, a partir dessa noção
de proteção positiva e negativa (garantismo integral) com uma crítica ao que ele chama de
GARANTISMO HIPERBÓLICO MONOCULAR[2].

No entender do supramencionado doutrinador, a exacerbação do discurso garantista


“unilateral” ou monocular, atento “apenas” ao aspecto da proibição do excesso, tem desvirtu-
ado a garantia de uma imunidade às arbitrariedades, concebendo uma equivocada a garantia
(potencial) de impunidade.

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Afirma, pois, que “tem havido uma disseminação de uma ideia apenas parcial dos ideais
garantista (daí nos referirmos a um garantismo hiperbólico monocular) é porque muitas vezes
não se tem notado que não estão em voga (reclamando a devida e necessária proteção)
exclusivamente os direitos fundamentais, sobretudo os individuais. Se compreendidos sis-
temicamente e contextualizados à realidade vigente, há se ver que os pilares do garantismo
não demandam a aplicação de suas premissas unicamente como forma de afastar os exces-
sos injustificados do Estado à luz da Constituição (proteção do mais fraco). Quer-se dizer que
não se deve invocar a aplicação exclusiva do que se tem chamado de garantismo negativo.
(…) O dever de garantir a segurança não está em apenas evitar condutas criminosas que
atinjam direitos fundamentais de terceiros, mas também (segundo pensamos) na devida apu-
ração (com respeito aos direitos dos investigados ou processados) do ato ilícito e, em sendo
o caso, na punição do responsável”[3].

RESUMINDO O TEMA:

A partir da mais difundida classificação de garantismo à luz da (i) proibição do excesso


e da (ii) proibição da proteção deficiente, parcela da doutrina aponta que o tratamento dado
majoritariamente no direito brasileiro por uma linha penalista ao garantismo tem como foco
exclusivo e exacerbado o chamado “garantismo negativo”.

Desse modo, em contraposição ao garantismo INTEGRAL, passou-se apontar e criti-


car a ideia do garantismo hiperbólico monocular. Diz-se hiperbólico uma vez que ele estaria
sendo aplicado de maneira ampliada, intensa desproporcional e/ou hiperbolizada! Ademais,
seria também MONOCULAR já que somente estaria enxergando os direitos fundamentais
do réu. Nessa ideia, não há uma análise refratária ao garantismo, mas sim a defesa da sua
integralidade, também no viés positivo, visando a resguardar não apenas os direitos funda-
mentais dos réus e investigados, como também das vítimas.

IMPORTANTE: Esse é um tema que deve ser explorado e defendido, sobretudo, em


provas de Ministério Público e, talvez, a depender do Tribunal, da magistratura. Contudo, em
provas de Defensoria Pública, o cuidado deve ser redobrado. Isso porque há severas resis-
tências (minhas, inclusive) de entender o chamado garantismo positivo como efetivo garan-
tismo! Mas isso será tema de outras postagens futuras! Por ora, espero que vocês tenham
entendido o conceito e gostado da abordagem!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

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[1] MENDES, Gilmar Ferreira. Os Direitos Fundamentais e seus múltiplos significados


na ordem constitucional. Revista Jurídica Virtual, Brasília, v. 2, n. 13, jun. 1999. Também em
Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional, n. 8, 2004, p. 131-142.
[2] FISCHER, Douglas. Garantismo penal integral (e não o garantismo hiperbólico
monocular) e o princípio da proporcionalidade: breves anotações de compreensão e aproxi-
mação dos seus ideais. Revista de Doutrina da 4ª Região, v. 28, p. 1, 2009.
[3] FISCHER, Douglas. Garantismo penal integral (e não o garantismo hiperbólico
monocular) e o princípio da proporcionalidade: breves anotações de compreensão e apro-
ximação dos seus ideais. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 28, mar. 2009.
Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.
trf4.jus.br/artigos/edicao028/douglas_fischer.html

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ATOS INFRACIONAIS PODEM SER CONSIDERADOS


PARA FINS DE AFASTAMENTO DA APLICAÇÃO DA MINORANTE
DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006?

VEJA O QUE DELIBEROU A 3ª SEÇÃO DO STJ!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Falaremos hoje sobre um tema importantíssimo e que sempre trouxe muita divergência
no âmbito doutrinário e jurisprudencial. Refiro-me à possibilidade ou não de utilizar o histórico
de atos infracionais do agente para afastar a aplicação da causa de diminuição de pena do
art. 33 da Lei de Drogas. Rememoremos o que diz o dispositivo:

Art. 33, § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser
reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons anteceden-
tes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Como salientado, a temática sempre foi extremamente complexa e sem uniformidade


dos Tribunais Superiores. No Supremo Tribunal Federal, por exemplo, a 1ª Turma compre-
ende pela possibilidade, uma vez que o contexto fático seria apto a comprovar que o requisito
de não dedicação a atividades criminosas não foi preenchido. De acordo com essa visão, a
intenção do legislador, ao inserir a redação foi distinguir o traficante contumaz e profissional
daquele iniciante na vida criminosa, bem como daquele que se aventura na vida da traficân-
cia por motivos que, por vezes, confundem-se com a sua própria sobrevivência e/ou de sua
família[1]. De outro lado, a 2ª Turma do STF refuta essa compreensão. Ora, segundo esse
entendimento, a prática de atos infracionais não é suficiente para afastar a minorante, visto
que adolescente não comete crime nem lhe é imputada pena. Nos termos do Estatuto da
Criança e do Adolescente, as medidas aplicadas são socioeducativas e objetivam a proteção
do adolescente que cometeu infração. Portanto, a menção a atos infracionais praticados pelo
paciente não configura fundamentação idônea para afastar a minorante[2].

O tema era extremamente controvertido no âmbito das Turmas Criminais do Superior


Tribunal de Justiça.

Pedro, “ERA”? Houve alguma alteração?

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Exatamente. A conjugação é no pretérito perfeito mesmo. É que no último dia 08 de


setembro de 2021, a 3ª Seção concluiu o julgamento do EREsp 1.916.596-SP, uniformi-
zando o entendimento no sentido de que o histórico de ato infracional pode ser considerado
para afastar a minorante do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, por meio de fundamentação
idônea que aponte a existência de circunstâncias excepcionais, nas quais se verifique a gra-
vidade de atos pretéritos, devidamente documentados nos autos, bem como a razoável pro-
ximidade temporal com o crime em apuração.

Conforme consignado pelo Colegiado, uma interpretação teleológica do art. 33, § 4º,
da Lei 11.343/2006 à luz da política criminal de drogas instituída pelo Sistema Nacional de
Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD) permite inferir que o espírito da norma contida no
referido dispositivo de lei é o de beneficiar o agente iniciante na vida criminosa, que não faz
do ilícito sua atividade profissional. Se o intuito foi esse, inequivocamente a orientação nor-
mativa pretendeu afastar o benefício àqueles que possuem um passado criminógeno e que,
constantemente, incorrem na prática ilícita e já tiveram envolvimento com o narcotráfico e/
ou com ilícitos que, não raro, estão a ele interligados (como delitos patrimoniais, homicídio,
associação criminosa etc.). Ora, se a natureza do instituto em análise é justamente tratar
com menor rigor o indivíduo que se envolve circunstancialmente com o tráfico de drogas – e
que, portanto, não possui maior envolvimento com o narcotráfico ou habitualidade na prá-
tica delitiva -, não parece razoável punir um jovem de 18 ou 19 anos de idade, sem nenhum
passado criminógeno e sem nenhum registro contra si, da mesma forma e com igual intensi-
dade daquele indivíduo que, quando adolescente, cometeu reiteradas vezes atos infracionais
graves ou atos infracionais equivalentes a tráfico de drogas. A prevalecer tal orientação, esta-
ríamos afrontando o princípio da individualização da pena e o próprio princípio da igualdade.

ATENÇÃO! Ciente dessa compreensão, imprescindível redobrar o cuidado para as


provas de concurso público. Isso porque se o seu examinador trouxer a informação da admis-
são pelo STJ do afastamento da referida minorante em razão da prática de atos infracionais
em face da ausência de bons antecedentes, ISSO ESTARÁ ERRADO! É que os registros
pretéritos de atos infracionais podem afastar o redutor não por ausência de preenchimento
dos dois primeiros requisitos elencados pelo legislador – quais sejam, a primariedade e a
existência de bons antecedentes -, mas pelo descumprimento do terceiro requisito exigido
pela lei, que é a ausência de dedicação do acusado a atividades criminosas.

Diante dessa perspectiva, é correto anotar que a 3ª Seção do STJ pacificou o enten-
dimento dessa Corte no sentido de admitir o sopesamento de atos infracionais para fins de
comprovar a dedicação do réu a atividades criminosas e, por conseguinte, impedir a incidên-
cia da causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas.

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É preciso, porém, alertar que NÃO É qualquer ato infracional que se prestará a tal finali-
dade, devendo-se examinar atentamente cada caso para dele extraírem-se todas as suas
especificidades, de modo a torná-lo singular e, portanto, a merecer providência adequada e
necessária.
E quais serão as balizas que deveremos utilizar para nortear essa possibilidade, Pedro?

A Corte segmentou os nortes interpretativos da seguinte maneira:

(i) se o(s) ato(s) infracional(is) foi(ram) grave(s);


(ii) se o(s) ato(s) infracional(is) está(ão) documentado(s) nos autos, de sorte a não
pairar dúvidas sobre o reconhecimento judicial de sua ocorrência;
(iii) a distância temporal entre o(s) ato(s) infracional(is) e o crime que deu origem ao
processo no qual se está a decidir sobre a possibilidade de incidência ou não do redutor, ou
seja, se o(s) ato(s) infracional(is) não está(ão) muito distante(s) no tempo. Não é possível uti-
lizar atos infracionais perpetrados há um longo elastério temporal, em semelhante raciocínio
aplicado pela Corte em relação aos maus antecedentes (vide AgRg no REsp n. 1.875.382/
MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, 6ª T., DJe 29/10/2020).

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

[1] STF, 1ª Turma, HC 192147, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 24/02/2021.
[2] STF, 2ª Turma, HC 191992, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 08/04/2021.

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VALORAÇÃO PARALELA DA ESFERA DO PROFANO

Olá, pessoal! Tudo certo?

Teremos hoje mais um texto daqueles que envolvem nomenclatura. E, portanto, lá


venho eu com o meu mantra. É que, gostemos ou não, nomenclatura para prova de concurso
é questão de sobrevivência. Dito isso, vamos entender (mais) essa.

Imagine que seu examinador, na prova oral, diga: “Doutor(a), você está quase lá no
seu objetiva. Mas ainda tenho uma pergunta. Me diga o que você sabe sobre VALORAÇÃO
PARALELA NA ESFERA DO PROFANO”.

Assustou? Calma. Vamos entender. Mas saibam que foi justamente isso que foi ques-
tionado na prova oral do meu concurso da Defensoria Pública da União, em 2010, fato esse
que já se repetiu em certames da magistratura e do Ministério Público.

A valoração paralela da esfera do profano é instituto ligado diretamente à culpabilidade,


devendo essa ser compreendida, de maneira sintetizada, como o juízo de censura ou de
reprovabilidade efetuado durante a formação e exteriorização da vontade do responsável por
um fato típico e ilícito, com o propósito de aferir a necessidade de imposição da pena, exis-
tindo discussões acerca de sua natureza jurídica (se se trata de pressuposto de aplicação da
pena ou de um terceiro elemento do conceito de crime).

O sistema penal brasileiro abraçou a teoria limitada da culpabilidade[1], pela qual os


elementos que a compõem são (i) a imputabilidade, (ii) a potencial consciência da ilicitude e,
por fim, a (iii) exigibilidade de conduta diversa.

A valoração paralela na esfera do profano se volta ao item da POTENCIAL CONSCIÊN-


CIA DA ILICITUDE. A menção ao “profano” se refere àquele que desconhece a abrangência
do direito, sua extensão, a noção do conteúdo lícito ou ilícito. Dessa maneira, não obstante
atuar com conduta ilícita (sem a salvaguarda de excludentes legais) e tipicamente, a partir de
seus valores sociais, éticos, morais e culturais, pode não ter condições contextualizadas de
efetuar o juízo de reprovabilidade (CULPABILIDADE), razão pela qual não poderia ser punido.

Os limites da valoração do injusto praticado conduzidos pelo leigo (profano) de acordo


com a capacidade e limitação de compreensão da realidade é o que se discute no instituto
da valoração paralela na esfera do profano.

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Nesse contexto, imprescindível analisarmos os ensinamentos do professor Luiz


Flávio Gomes:

“Nem a imputabilidade nem a consciência da ilicitude, que se acham na cabeça do


agente, devem ser enfocados desde essa perspectiva. Cabe ao juiz examinar em cada caso
concreto se o agente tinha capacidade de entender ou de querer e, ademais, se tinha pos-
sibilidade de ter consciência da ilicitude, ainda que seja nos limites de sua capacidade de
compreensão do injusto – numa “valoração paralela na esfera do profano” (Mezger, Tratado
de derecho penal, trad. de 1955), isto é, valoração do injusto levada a cabo pelo leigo, de
acordo com sua capacidade de compreensão”[2].

A valoração paralela na esfera do profano constitui-se em um critério utilizado para


aferir a possibilidade da compreensão da ilicitude da conduta por parte do sujeito ativo no
caso concreto. A valoração “paralela” na esfera do “profano” traz no seu bojo de forma explí-
cita um juízo axiomático, realizado de forma (paralela) ao conhecimento técnico jurídico, pelo
homem leigo (profano), produzindo assim o conhecimento do injusto, ou seja, a consciência
profana, não técnico jurídica, que é suficiente para indicar ao agente leigo que sua conduta
é errada[3].

Destarte, a partir da análise criteriosa do caso concreto, ao juiz deverá atentar para
a valoração paralela na esfera do profano, colocando-se na posição do suposto autor do
fato delituoso e, a reconhecer a ausência de potencial consciência da ilicitude no caso con-
creto, deverá aplicar as consequências do erro de proibição, previsto pelo legislador penal
brasileiro.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

[1] A fim de espancar quaisquer dúvidas acerca da opção feita pelo legislador, cumpra
colacionar o teor do item 19 da Exposição de Motivos do Código Penal Brasileiro: “19. Repete
o Projeto as normas do Código de 1940, pertinentes às denominadas “descriminantes puta-
tivas”. Ajusta-se, assim, o Projeto à teoria limitada da culpabilidade, que distingue o erro
incidente sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação do que incide sobre a
norma permissiva. Tal como no Código vigente, admite-se nesta área a figura culposa (art.
17, § 1º)”.
[2] http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080218084311349
[3] VIDAL, Nelson. A valoração paralela na esfera do profano e o dever de informar-se
como óbices ao reconhecimento do erro de proibição inevitável. Jus Navigandi, Teresina, ano
16, n. 2836, 7 abr. 2011. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/18850.

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(IM)PRESCRITIBILIDADE DO DELITO DE INJÚRIA RACIAL

AFINAL, COMO SE POSICIONAR EM PROVAS DE CONCURSO PÚBLICO?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje trataremos de um tema extremamente importante e – por óbvio – polêmico nas


esferas doutrinária e jurisprudencial. Afinal, o crime de injúria racial é ou não imprescritível?
Antes de dar a resposta, é preciso fazer algumas considerações. Vamos a elas.

A chamada injúria racial (particularmente, prefiro a utilizo a alcunha de injúria com con-
teúdo discriminatório) está prevista no art. 140, parágrafo 3º do Código Penal Brasileiro[1],
materializado quando o comportamento injurioso consistir “na utilização de elementos refe-
rentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de
deficiência“, tutelando a honra SUBJETIVA (autoestima). Diferente do crime de Racismo (Lei
n. 7.716/1989), cujo bem jurídico tutelado é a igualdade (“crime de discriminação ou pre-
conceito”).

Vale organizarmos as diferenças básicas trazidas de maneira uniforme pela doutrina


entre o crime de racismo, previsto na lei específica acima indicada, e o de injúria racial:

Ademais, sabemos que a CF/88 prevê que o RACISMO é crime inafiançável e IMPRES-
CRITÍVEL[1], o que, de acordo com a maior parte da doutrina, não inclui no seu espectro o
crime de injúria racial, certo? Só que aqui a coisa começa a complicar…

É que de acordo com o STJ, em julgados pontuais (AgRg no AREsp 686.965/DF[2]),


seria possível adotar a tese do Guilherme de Souza Nucci no sentido de que a injúria racial
seria mais um delito no cenário do racismo, devendo ser considerada (i) imprescritível e (ii)
inafiançável.

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Anteriormente entendida como isolada, essa posição ganhou musculatura especial-


mente dentro da Corte Superior. Tanto que, em 2018, a 6ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça endossou o entendimento de que o tipo de injúria racial seria “mais um delito no
cenário do racismo” e, portanto, imprescritível e inafiançável, afinal o constituinte originário
estabeleceu um mandado de criminalização precipuamente dirigido ao legislador ordinário
para tutela de bens jurídicos pelo Direito Penal – para o racismo.

Ao fazê-lo, demanda o constituinte derivado (e também do legislador ordinário) que


assegurem máxima efetividade à proteção do bem jurídico tutelado nos crimes de racismo[4].

Em minha ótica, apesar dos pontos relevantes que estão sendo considerados pelo STJ,
o maior óbice a essa posição ampliativa é que ela se revela potencialmente como uma ver-
dadeira analogia in malam partem, que é vedada na seara criminal brasileira. Basta lembrar,
inclusive, que a injúria qualificada é crime de ação pública condicionada à representação e,
se essa não for feita no prazo de 06 meses, teríamos decadência.

De toda sorte, o tema vem sendo enfrentado pelo Plenário do Supremo Tribunal Fede-
ral, no julgamento da ordem de habeas corpus 154.248, na expectativa de se colocar um
ponto final na controvérsia. Entretanto, o fato é que, até o presente momento, o julgamento
não fora concluído. Houve pedido de vista do Ministro Alexandre de Moraes, no dia 02 de
dezembro de 2020, não existindo prazo previsto para a retomada do julgamento.

Na mencionada Corte, foram colhidos até o momento dois votos. Vejamos:


(i) Edson Fachin[1] – relator: injúria racial se equipara ao racismo e, por isso, é
imprescritível;
(ii) Nunes Marques[2]: crime de injúria racial não se equipara juridicamente ao racismo.

É preciso monitorar o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Até lá, grassará a


incerteza. Entretanto, podemos afirmar que, atualmente, a compreensão majoritária no STJ
se inclina pela ampliação do alcance do conceito de racismo, conferindo tratamento mais
severo aos crimes de injúria racial.

Tema denso e de extrema importância para a prática e, claro, para a sua prova!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

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[1] Art. 140, § 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor,
etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação
dada pela Lei nº 10.741, de 2003) Pena – reclusão de um a três anos e multa.
[2] Art. 5º, XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito
à pena de reclusão, nos termos da lei;
[3] PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL. INJÚRIA RACIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCOR-
RÊNCIA. EXISTÊNCIA NOS AUTOS DE CERTIDÃO EMITIDA POR SERVENTUÁRIO DA
JUSTIÇA ABRINDO PRAZO PARA A RESPOSTA AO REFERIDO RECURSO. TEMPESTIVI-
DADE DO AGRAVO AFERIDA EM CONFORMIDADE COM A SÚMULA N.448 DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL – STF. DECISÃO EXTRA PETITA. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO DE
ARTIGOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INVIABILIDADE EM RECURSO ESPECIAL.
IMPRESCRITIBILIDADE DO DELITO DE INJÚRIA RACIAL. DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA,
IN CASU. RECURSO DESPROVIDO. 1. Não há que se falar em cerceamento de defesa,
porquanto consta dos autos documento assinado por serventuário da justiça certificando que,
em 22.1.2015, as partes foram intimadas para responderem, no prazo de 5 (cinco) dias, o
recurso de agravo em recurso especial. 2. O agravo é tempestivo, pois consoante a Súmula
n.448 do Supremo Tribunal Federal: “O prazo para o assistente recorrer, supletivamente,
começa a correr imediatamente após o transcurso do prazo do Ministério Público.” In casu,
sequer consta nos autos a informação de que o Ministério Público tenha sido intimado pes-
soalmente da decisão que inadmitiu o recurso especial. 3. O recurso da parte adversa traz
tópico específico acerca da prescrição, não havendo que se falar em decisão extra petita,
no ponto. 4. Não cabe, na via do recurso especial, a análise de suposta violação de artigos
da Constituição Federal. De acordo com o magistério de Guilherme de Souza Nucci, com o
advento da Lei n.9.459/97, introduzindo a denominada injúria racial, criou-se mais um delito
no cenário do racismo, portanto, imprescritível, inafiançável e sujeito à pena de reclusão. 5. A
injúria racial é crime instantâneo, que se consuma no momento em que a vítima toma conhe-
cimento do teor da ofensa. No presente caso a matéria ofensivo foi postada e permaneceu
disponível na internet por largo tempo, não sendo possível descartar a veracidade do que
alegou a vítima, vale dizer, que dela se inteirou tempos após a postagem (elidindo-se a deca-
dência). O ônus de provar o contrário é do ofensor.6. A dúvida sobre o termo inicial da con-
tagem do prazo decadencial, na hipótese, deve ser resolvida em favor do processo. Agravo
Regimental desprovido. (AgRg no AREsp 686.965/DF, Rel. Ministro ERICSON MARANHO
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 18/08/2015,
DJe 31/08/2015).
[4] AgRg no AREsp 734.236/DF, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, jul-
gado em 27/02/2018.

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[5] De acordo com o Ministro, “há racismo no Brasil”, e ele “é uma chaga infame que
marca a interface entre o ontem e o amanhã”. O relator retomou dados do IBGE e do IPEA
que demonstram a crítica situação dos negros no Brasil e, portanto, “se reconhece de modo
inequívoco como algo a ser superado. Homens e Mulheres não são negros apenas pela cor
da pele, mas pela atribuição de sentidos que apagam as riquezas de suas ancestralidades e
os qualificam a partir de valores negativos e desumanizantes”.
[6] Para o ministro Nunes Marques, a injúria racial atinge a honra subjetiva, já o racismo
é atinge a dignidade da pessoa humana que deve ser protegida independentemente de cor,
raça, religião etc. O crime de injúria racial não se equipara juridicamente ao racismo. “A gra-
vidade do delito não pode servir para que o poder Judiciário amplie as hipóteses de impres-
critibilidade pelo legislador e nem altere o prazo previsto na lei penal”.

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VOCÊ SABIA QUE O EXAMINADOR DA PROVA DE PROCESSO PENAL


DE DELTA/RJ DEFENDE (VEEMENTEMENTE)
QUE A AÇÃO PENAL DE LESÃO CORPORAL LEVE
NO CONTEXTO DA LEI MARIA DA PENHA
É PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO?

Olá, pessoal! Tudo certo?

O tema do presente texto é voltado essencialmente para os candidatos que prestarão o


concurso de Delegado da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Trata-se de um certame
extremamente difícil e bastante peculiar, exigindo dos candidatos o conhecimento acerca da
posição dos examinadores membros da banca, em todas as matérias do edital.

Em concursos assim, como eu sempre falo, é preciso saber estudar. Óbvio que você
deve saber o entendimento majoritário. Entretanto, por vezes, de múltiplas e variadas formas,
pode ser instado a demonstrar conhecimento acerca da visão particular do examinador sobre
determinados temas. Daí porque se revela essencial estudar (também) pela obra dos mem-
bros da banca.

No caso do certame do Rio de Janeiro, em processo penal, entendemos imprescindí-


vel dominar a visão dessa disciplina do professor Paulo Rangel, o principal nome da banca
de processo criminal. E não são poucas as peculiaridades de sua perspectiva, conforme se
extrai de várias obras de sua autoria.

Um dos exemplos emblemáticos que chamam a atenção é o referente à ação penal do


crime de lesão corporal leve praticado no contexto da Lei Maria da Penha.

Você deve se recordar que o STF e STJ indicam que a lesão corporal leve no contexto
mencionada lei desafia ação penal pública incondicionada. Essa é a inteligência do verbete
sumulado nº 542 do STJ (A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de vio-
lência doméstica contra a mulher é pública incondicionada).

Isso porque o art. 41 da LMP veda a aplicação da Lei n. 9.099/1995 aos crimes com vio-
lência doméstica e familiar, ao passo que a condicionante da lesão corporal leve se encontra
na referida lei. Vejamos respectivamente:

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Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, inde-
pendentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de
representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.
Se de um lado, como afirmado, a posição dos Tribunais Superiores é uniforme no sen-
tido de que, em casos tais, a ação penal a ser desafiada é pública INCONDICIONADA, se
você for prestar a prova para o cargo de Delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro precisa
saber que essa não é visão compartilhada por Paulo Rangel.

Vejamos os principais (VISÃO MINORITÁRIA):


(i) Quando a Lei de Violência Doméstica (Lei n. 11.340/2006) veda a aplicação da Lei
n. 9.099/1995, o que ela quer é vedar a aplicação dos institutos despenalizadores da com-
posição civil e da transação penal, instrumentos que impediam a persecutio criminis em face
do agressor.
(ii) A própria Lei de Violência Doméstica admite que haja crimes de ação penal pública
condicionada à representação exigindo que a ofendida, caso queira se retratar (o legislador
usou a expressão renúncia, por engano), o faça somente na presença do juiz. Ou seja, não
é porque a vítima é a mulher, no âmbito doméstico, que as ações penais públicas dos crimes
de que for vítima passarão todas a ser incondicionadas.
(iii) Se o legislador tencionasse tornar pública incondicionada a ação penal no crime
de lesão corporal leve teria feito, expressamente. No entanto, limitou-se a diminuir a pena
mínima de seis para três meses e majorar a pena máxima de um para três anos, como consta
do art. 129 do CP, com a redação que lhe deu a Lei n. 11.340/2006.

É importante atentar para essas peculiaridades. Especificamente sobre esse ponto, em


qualquer outro certame, ele não mereceria maiores considerações. Contudo, considerando
que essa compreensão é justamente defendida pelo mais importante e destacado membro
da banca de processo civil do concurso de Delegado do Rio de Janeiro, se você for fazer a
prova, é imprescindível que domine esse e outros conhecimentos.

Sabiam dessa? Espero que gostem!

Vamos em frente!

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INTRANSCENDÊNCIA DA SANÇÃO PENAL E A (IN)EXISTÊNCIA DE


EXCEÇÃO EM RELAÇÃO À PENA DE MULTA

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje vamos falar sobre um tema espinhoso e que suscita muitas dúvidas entre os
alunos. Será que a pena de multa é exceção em relação à intranscendência? Frequente-
mente, lemos e ouvimos que sim. Entretanto, não é bem assim.

Calma! Antes de explicarmos em detalhes, imprescindível se revela revisar a ideia de


intranscendência. Estatuída na Constituição Federal como uma garantia fundamental, ela
se fundamenta na ideia de que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo
a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da
lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio
transferido.

Também conhecido como postulado da responsabilidade pessoal ou irresponsabili-


dade de terceiros, consagra-se aqui a perspectiva de que apenas o condenado – subme-
tido ao devido processo legal – pode responder e arcar as consequências do fato praticado,
não podendo a sanção penal se alastrar para pessoas que não participaram da empreitada
criminosa.

Dúvidas não há que a multa se caracteriza como uma espécie de sanção penal. Afinal,
o próprio Código Penal Brasileiro, em seu art. 32, assim preconiza:

Art. 32 – As penas são:


I – privativas de liberdade;
II – restritivas de direitos;
III – DE MULTA.

Sempre houve um debate sobre eventual peculiaridade dessa sanção pecuniária, pois
– na visão de alguns – considerando que ela é considerada dívida de valor, se desnaturaria
como sanção penal, o que autorizaria seu redirecionamento a eventuais herdeiros, em caso
de falecimento do infrator, na medida e limites da herança.

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Se essa compreensão – apesar da defesa de alguns – já não era tão solidificada, perdeu
ainda mais força com a vigência da Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), que reforçou a sua
essência penal, destacando que a competência para a execução da pena de multa é o juízo
das execuções penais. Vejamos:
Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante
o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas
à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e sus-
pensivas da prescrição. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

Ao estabelecer que a pena de multa mantém sua essência e seu caráter penal, outra
conclusão não se pode extrair que a necessária observância de postulados norteadores
da aplicação da pena criminal também a ela deve ser realizada. Dizendo de outra forma,
também a pena de multa criminal deverá respeitar o princípio da intranscendência da pena,
não havendo como passar da pessoa do condenado.

Imagine, pois, que – após ser condenado ao pagamento de uma pena de multa no valor
de R$ 3.000,00 – João das Couves, inadimplente, tenha falecido. Entretanto, deixou um patri-
mônio líquido no valor de R$ 175.000,00 aos seus herdeiros. O Estado poderá redirecionar a
cobrança dos valores de multa, obedecendo os limites da herança?

Não! Considerando os limites do princípio da pessoalidade da pena, não poderá haver


execução em desfavor do espólio na hipótese de falecimento do condenado, posto que tal
fato, nos termos do art. 107, I, do Código Penal, é causa de extinção da punibilidade[1].

Importante! Não faça confusão entre a impossibilidade mencionada relativa à multa e


outros efeitos decorrentes da condenação. É que será possível redirecionar ao espólio, nas
forças da herança, o dever de (i) reparar o dano e eventual (ii) decretação do perdimento de
bens, afinal aqui estamos diante de obrigações de natureza diversa da sanção penal, não
submetidas à intranscendência da pena.

Tema muito bacana e que, certamente, será reavivado em concurso público a partir da
Lei Anticrime!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

[1] Art. 107 – Extingue-se a punibilidade: I – pela morte do agente;

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STJ REFORÇA A ADOÇÃO DA TEORIA OBJETIVO-FORMAL


PARA O DELINEAMENTO DO CRIME CONSUMADO NO BRASIL

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje falaremos sobre um tema com densidade doutrinária, porém com importantes
repercussões na seara jurisprudencial e prática. Tanto isso é verdade que, no último dia 21
de setembro de 2021, a 5ª Turma do STJ analisou a temática ao julgar o AREsp 974.254/TO.

No caso concreto, a conclusão do órgão colegiado foi no sentido de que, adotando-se a


teoria objetivo-formal, o rompimento de cadeado e destruição de fechadura da porta da casa
da vítima, com o intuito de, mediante uso de arma de fogo, efetuar subtração patrimonial da
residência, configuram meros atos preparatórios que impedem a condenação por tentativa
de roubo circunstanciado.

Antes de aprofundarmos o caso específico, curial se revela rememorar as teorias exis-


tentes e respaldadas para explicar a transição dos atos preparatórios (em regra, não punidos
no âmbito do direito penal) para os atos de execução (ou executórios).

Vejamos esquematicamente:

(i) Teoria Subjetiva: não há transição dos atos preparatórios para os atos executórios.
O que interessa é o plano interno do autor, a vontade criminosa, existente em quaisquer dos
atos que compõem o iter criminis. Ou seja, tanto a fase da preparação como a fase da exe-
cução importam na punição do agente.
(ii) Teoria Objetiva: os atos executórios dependem do início de realização do tipo penal.
O agente não pode ser punido pelo seu mero “querer interno“. E imprescindível a exterioriza-
ção de atos idôneos e inequívocos para a produção do resultado lesivo.

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(iii) Teoria da hostilidade ao bem jurídico: atos executórios são aqueles que atacam o
bem jurídico, enquanto os atos preparatórios não caracterizam afronta ao bem jurídico. Prin-
cipais defensores: Nélson Hungria e José Frederico Marques.
(iv) TEORIA OBJETIVO-FORMAL ou LÓGICO-FORMAL: exige tenha o autor concre-
tizado efetivamente uma parte da conduta típica, penetrando no núcleo do tipo. Ex.: em um
homicídio, o sujeito, com golpes de punhal, inicia a conduta de “matar alguém“.
(v) Teoria Objetivo-Material: o magistrado deve se valer do critério do terceiro obser-
vador para impor a pena. Ex.: aquele que está no alto de uma escada, portando um pé de
cabra, pronto para pular um muro e ingressar em uma residência, na visão de um terceiro
observador, iniciou a execução de um crime de furto.
(vi) Teoria objetivo-individual: não se preocupa com o terceiro observador, mas sim
com a prova do plano concreto do autor, independentemente de análise externa. Exemplo:
“A”, com uma faca em punho, aguarda atrás de uma moita a passagem de “B” para matá-
-lo, desejo já anunciado para diversas pessoas. Quando este se encontra a 200 metros de
distância, “A” fica de pé, segura firme a arma branca e aguarda em posição de ataque seu
adversário. Surge a polícia e o aborda. Para essa teoria, poderia haver a prisão em flagrante,
em face da caracterização da tentativa de homicídio. Principais defensores: Zaffaroni e José
Henrique Pierangeli.

Como mencionam Zaffaroni e Pierangeli, o problema mais crítico e árduo da tentativa


é a determinação da diferença entre os atos executivos e os atos preparatórios, que normal-
mente não são puníveis. Afirmam os mencionados doutrinadores que determinar este limite é
dificílimo, e, ao mesmo tempo, importantíssimo, esclarecendo que existem diversos critérios
doutrinários que propõe uma solução, explicando seis diferentes, mas reconhecendo que
nenhum deles é totalmente suficiente.

De acordo com a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (CC 56.209/MA), apesar da


divergência doutrinária intensa, deve ser aplicado o raciocínio por meio do qual se deduz a
adoção da teoria objetivo-formal para a separação entre atos preparatórios e atos de exe-
cução, exigindo-se para a configuração da tentativa que haja início da prática do núcleo do
tipo penal[1].

Analisando o caso concreto, o rompimento de cadeado e a destruição de fechadura


de portas da casa da vítima, com o intuito de, mediante uso de arma de fogo, efetuar sub-
tração patrimonial da residência, configuram meros atos preparatórios impuníveis, por não
iniciar o núcleo do verbo subtrair, o que impedem a condenação por tentativa de roubo cir-
cunstanciado.

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Tema denso e de extrema importância para a prática e, claro, para a sua prova!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

[1] AREsp 974.254-TO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, jul-
gado em 21/09/2021, DJe 27/09/2021.

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A PARTICIPAÇÃO DE ADOLESCENTE PODE SER CONSIDERADA


PARA TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO
E PARA AGRAVAR A PENA COMO CAUSA DE AUMENTO?

OU ISSO É CONSIDERADO BIS IN IDEM?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Quem me acompanha sabe que eu afirmo com convicção – e pautado em estatísticas


– que a Lei de Drogas é uma das três leis penais especiais mais cobradas em concursos
públicos de carreira jurídica. E sua exigência se dá em todas as fases dos certames.

Afirmo – novamente – isso para que sirva de alerta aos leitores acerca da importância
a ser dada às observações e entendimentos sobre os institutos e a aplicação prática dos
crimes delineados na Lei n. 11.343/2006.

Apesar de a importância – e mais frequência – a ser dada ao crime de tráfico de drogas,


não se pode negligenciar aspectos atinentes a outro delito dessa lei. Refiro-me ao tipo penal
do art. 35, Associação para o Tráfico:

Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou
não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: Pena – reclu-
são, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos)
dias-multa.

Diante da relevância, antes de aprofundarmos sobre o ponto específico e objeto do


presente texto, impera-se rememorar aspectos cruciais dessa conduta delitiva, esque-
maticamente:

Como se percebe, para a configuração desse crime (DELITO AUTÔNOMO), é neces-


sário que haja a (i) associação de duas ou mais pessoas (NÃO VÁ CONFUNDIR, AQUI O
MÍNIMO É DE DUAS PESSOAS – crime de concurso necessário) e que haja (ii) reunião
estável e permanente (ou seja, que não se caracterize como um agrupamento eventual, pon-
tual). Para concursos, é importante que vocês saibam que essa estabilidade e permanência
é chamada de “societas sceleris”.

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Feitos esses registros, concentremo-nos no aspecto “quantitativo” dos agentes exigidos


pela lei para a formação dessa associação para o tráfico do artigo 35 da Lei n. 11.343/2006.
Afinal, os inimputáveis são ou não considerados para esse cômputo?

Da mesma forma que os crimes de Associação Criminosa e Organização Criminosa,


pode registrar sem medo de ser feliz que os inimputáveis são considerados para fins de com-
posição da Associação para o Tráfico, ainda que não respondam criminalmente pelo delito (já
que carecem de culpabilidade). Portanto, se estivermos diante de um agrupamento estável e
permanente composto por João, André e Maria, ainda que André e Maria sejam menores de
18 anos, se preenchidos os demais requisitos do artigo 35, teremos um crime de associação
para o tráfico cometido por João (único maior de 18 anos no exemplo)!

Bacana, Pedro! Porém a pergunta difícil e que vai cair na sua prova é se, além do artigo
35, João poderá ser condenado e constar na sua pena a causa de aumento do artigo 40, VI
da mesma legislação de drogas? Ou isso configura bis in idem?

Art. 40. VI – sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem
tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e
determinação.

Apesar de, particularmente, eu não concordar com a “dupla” consideração em malefí-


cio do acusado, o fato é que o entendimento dominante no Superior Tribunal de Justiça é no
sentido de ser possível incidir a causa de aumento, não havendo que se falar em bis in idem.
De acordo com o colegiado se, podendo escolher em formar a associação para o tráfico com
imputáveis, houve a opção de se relacionar com inimputáveis, razão pela qual seria correta
a maior reprovabilidade verificada na incidência da causa de aumento[1].

Em mesmo sentido, a 5ª Turma da Corte anotou que por se tratar de condutas autôno-
mas e tipos penais distintos, não há bis in idem na aplicação da causa de aumento da pena do
art. 40, inciso VI, da Lei n.º 11.343/06, concomitantemente aos crimes de tráfico e de
associação para o tráfico de drogas. Do mesmo modo, é cabível a aplicação da majorante
de o crime envolver ou visar a atingir criança ou adolescente em delito de associação para o
tráfico de drogas com menor de idade[2].

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

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[1] PROCESSUAL PENAL E PENAL. (…). POSSIBILIDADE. BIS IN IDEM. INOCOR-


RÊNCIA. (…).RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA.1. (…).4. É cabível a aplicação da
majorante de o crime envolver ou visar a atingir criança ou adolescente (art. 40, VI, da Lei
11.343/2006) em delito de associação para o tráfico de drogas com menor de idade.5(…).6.
Habeas corpus não conhecido, todavia, concedo a ordem, de ofício, para restabelecer a pena
fixada na sentença condenatória quanto ao ora paciente, tendo em vista que a correção do
erro material, da forma como operada pelo Tribunal estadual, configurou reformatio in pejus.
(HC 250.455/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/12/2015,
DJe 05/02/2016).
[2] HC 237.782/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 05/08/2014,
DJe 21/08/2014.

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TIPOS CONGRUENTES X INCONGRUENTES

VOCÊ SABE A DIFERENÇA?

Olá, pessoal! Tudo certo?

É óbvio que a concentração dos esforços e dedicação de estudo e preparação devem


se focar na tríada da “doutrina, legislação e jurisprudência”, com grandes doses de revisão e
prática (questões). Seguindo essa receita, com determinação e consistência, a aprovação é
uma questão de tempo. Isso não significa que é fácil. Entretanto, seguindo isso, se você não
desistir, atingirá a esperada aprovação.

Ocorre que essa é a regra. Ainda assim, em algumas situações, o seu – por vezes mal-
doso – examinador exigirá do candidato o conhecimento imprescindível para acertar a ques-
tão que envolve classificação ou nomenclatura pouco usual. Por isso é importante conhecer
às mais importantes.

E, nesse contexto, especificamente aquela que separa os crimes em congruentes e não


congruentes vem caindo bastante nos últimos 05 anos, mormente em provas objetivas. Você
sabe a diferença entre um tipo CONGRUENTE e INCONGRUENTE?

Tipo congruente é aquele em que existe uma exata correspondência entre o tipo obje-
tivo e o subjetivo, para configurar o crime aquilo previsto pelo tipo para acontecer no mundo
é exatamente o que o sujeito precisa desejar.

O homicídio simples é um exemplo de tipo CONGRUENTE: o que acontece no mundo


é a morte de alguém e o que o sujeito deseja é a morte de alguém, ele precisa ter consciên-
cia e vontade de matar alguém. Então há uma exata correspondência. O agente fez EXATE-
MENTE o que DESEJAVA fazer. Por isso há essa relação de “congruência”.

Todavia, é preciso destacar que os crimes DOLOSOS são “bifacetados” ou compostos


por duas “faces”, a objetiva e subjetiva (dolo), as quais nem sempre serão coincidentes. Em
casos tais, reconhece-se a existência dos chamados crimes INCONGRUENTES! Aqui, o
acontecimento é diferente do que o sujeito deseja.

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Exemplo: lesão corporal seguida de morte, o agente deseja a lesão, mas não deseja
a morte, a morte é culposa, então precisa ocorrer a lesão e a morte, então o tipo objetivo
(ACONTECIMENTO) é maior que o tipo subjetivo (o DESEJADO).

Pode acontecer o contrário: o tipo subjetivo ser maior que o tipo objetivo. Normalmente
quando há um elemento subjetivo especial (um delito de intenção) o tipo subjetivo é maior
que o tipo objetivo. É o caso da extorsão mediante sequestro. Para sua configuração, é
necessário ocorrer a privação da liberdade da vítima (ela é colocada no cativeiro), mas o que
é desejado para configurar o crime é a privação da liberdade e o recebimento do resgate.
Lembrar que não precisa efetivamente receber o resgate, mas é preciso desejá-lo, se não o
crime é outro (de sequestro – 148 Código Penal Brasileiro).

Interessante ainda anotar, de maneira mais didática, que, segundo Luiz Flávio Gomes,
o mais importante exemplo de CRIMES INCONGRUENTES estaria exatamente na TENTA-
TIVA criminosa. É que a figura penal da tentativa (artigo 14, II do CPB) indica situação em
que a parte subjetiva da conduta do agente NÃO se amolda a parte objetiva, já que o agente
deseja um resultado que não se aperfeiçoa por razões alheias a sua vontade.

Então no tipo incongruente aquilo que acontece no mundo é diferente do que aquilo que
a agente precisa desejar. O tipo subjetivo é distinto do tipo objetivo. Então a incongruência
pode se dar com uma diferença entre o tipo objetivo para mais ou para menos em relação ao
tipo subjetivo.

Vale ressaltar que o seu examinador pode usar ainda a expressão crimes SIMÉTRI-
COS ou ASSIMÉTRICOS designando nada mais que sinônimos para os congruentes e
incongruentes.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

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IMPORTANTÍSSIMA DECISÃO DO STJ ACERCA DA (IN)EXISTÊNCIA


DE CORRUPÇÃO PASSIVA ENVOLVENDO MÉDICOS

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje falaremos sobre uma importantíssima decisão exarada pela 5ª Turma do Superior
Tribunal de Justiça, exarada à unanimidade no dia 14 de setembro de 2021, quando do jul-
gamento da ordem de habeas corpus 541.447/SP.

Segundo a conclusão do órgão colegiado, para tipificação do art. 317 do Código Penal
– corrupção passiva -, deve ser demonstrada a solicitação ou recebimento de vantagem
indevida pelo agente público, não configurada quando há mero ressarcimento ou reembolso
de despesa.

De acordo com a inicial acusatória, o acusado é um médico com atuação em hospital


conveniado ao SUS, foi acusado de ter recebido indevidamente a quantia de R$ 2.500,00 de
paciente submetido a colecistectomia, cirurgia já custeada pelo sistema público de saúde.
Por consequência, teria infringido os deveres para com a administração pública e incorrido
no crime de corrupção passiva (art. 317, § 1º, CP[1]).

Ao analisarmos comentários da doutrina pátria acerca do crime de corrupção passiva,


verifica-se abalizada posição no sentido de que a
vantagem indevida é elementar normativa do tipo penal, sendo definida como aquilo
que é injusto, ilegal, contra lege, não amparado pelo ordenamento jurídico. Anota ainda
Cézar Roberto Bitencourt que “a indiferença sobre a licitude ou ilicitude do ato objeto da con-
duta ativa ou omissiva do funcionário venal (…) reside na gravidade do tráfico do comércio
da função, que acarreta o descrédito e a degradação da administração pública perante a
coletividade”[2].

Como muito bem registrado no voto condutor do Ministro Relator, João Otávio de Noro-
nha, sabe-se que a Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (Lei n. 8.080/1990) e a Portaria
n. 113/1997 do Ministério da Saúde vedam a cobrança de valores do paciente ou familiares
a título de complementação, dado o caráter universal e gratuito do sistema público de saúde,
entendimento reforçado pelo STF no julgamento do RE n. 581.488/RS, com repercussão
geral, em que se afastou a possibilidade de “diferença de classe” em internações hospitala-
res pelo SUS (relator Ministro Dias Toffoli, Plenário, DJe de 8/4/2016).

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Ou seja, sob o aspecto administrativo, acaso eventualmente comprovada a exigência


de complementação de honorários médicos ou a dupla cobrança por ato médico realizado,
estaria configurada afronta à legislação citada, bem como ao Código de Ética Médica, arts.
65 e 66, segundo os quais:

Art. 65. Cobrar honorários de paciente assistido em instituição que se destina à presta-
ção de serviços públicos, ou receber remuneração de paciente como complemento de salário
ou de honorários.

Art. 66. Praticar dupla cobrança por ato médico realizada.

Entretanto, para fins de verificação do crime de corrupção passiva no mundo concreto,


demanda-se a comprovação inabalável de recebimento de vantagem indevida pelo médico,
não configurada quando há mero ressarcimento ou reembolso de despesas, conquanto desa-
tendidas as normas administrativas.

Na obra retromencionada, o professor Bitencourt anota, em sentido semelhante, que


“ressarcir despesas realizadas jamais representará vantagem, e sem a presença dessa ele-
mentar normativa não se pode falar em corrupção, ativa ou passiva; reembolso além de não
configurar vantagem, é devido, mesmo que o procedimento adotado possa, eventualmente,
ser equivocado, podendo, no máximo, caracterizar simples irregularidade administrativa,
sem qualquer conotação penal“.

Destarte, considerando que o uso da aparelhagem de videolaparoscopia importa custos


de manutenção e reposição de peças, não se revela razoável que se obrigue o médico a
suportar tais gastos, especialmente quando houver aquiescência da vítima à adoção da téc-
nica cirúrgica por lhe ser notoriamente mais benéfica em relação à cirurgia tradicional ou
“aberta”. Assim, o reembolso dos gastos pelo uso do equipamento não representa o recebi-
mento de vantagem pelo acusado, não demonstrada a elementar normativa do art. 317 do
Código Penal.

Ótimo tema para provas objetivas e, especialmente, questões discursivas ou prático-


-processuais.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

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[1] Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda
que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar
promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. § 1º – A
pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcioná-
rio retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
[2] Tratado de Direito Penal: Parte Especial: crimes contra a administração pública e
crimes praticados por prefeitos – arts. 312 a 359-H e Lei n. 10.028/2000 [e-book]. v. 5. 15ª
ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 58.

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UTENSÍLIO PARA PLANTAÇÃO DE MACONHA


PARA CONSUMO PESSOAL NÃO É CRIME, DIZ STJ

Olá, pessoal! Tudo certo?

Vamos falar sobre uma importantíssima decisão exarada pela 6ª Turma do Superior
Tribunal de Justiça, no último dia 14 de setembro de 2021. À unanimidade, o colegiado deli-
berou não ser possível que determinada pessoa responda pela prática do crime do art. 34 da
Lei n. 11.343/2006 quando a posse dos instrumentos configura ato preparatório destinado ao
consumo pessoal de entorpecente.

Sabemos que o art. 34 da Lei de Drogas[1] pune basicamente a posse de utensílios,


maquinários e equipamentos destinados à fabricação de entorpecentes. Entretanto, o que
fora debatido no caso concreto era se seria possível enquadrar no referido tipo alguém que
possuísse tais instrumentos empregando-os na finalidade de cultivar plantas destinadas à
produção de pequena quantidade de droga para uso pessoal.

Normalmente, os atos preparatórios não são puníveis no âmbito criminal. Essa regra,
porém, comporta exceções. Isso ocorrerá quando o próprio legislador entender por tipificar
autonomamente a conduta dos atos preparatórios. É justamente isso que ocorre com o art.
34 da Lei de Drogas. Esse tipo penal tem o objetivo de punir os atos preparatórios para o trá-
fico de drogas (descrito no artigo 33). Justamente por isso, o crime do artigo 34 é absorvido
pelo do 33 quando as ações são praticadas no mesmo contexto. Naturalmente, quando se
evidenciar de forma autônoma que os equipamentos se destinavam à produção de drogas
para o tráfico, o réu poderá perfeitamente responder pelo crime do art. 34[2].

Feitas tais colocações, não obstante haver a autonomia potencial do mencionado delito,
a questão é saber se seria possível que o agente responda pela prática do referido delito
quando a posse dos instrumentos se configura como ato preparatório destinado ao consumo
pessoal de entorpecente?

No julgamento do RHC 135.617/PR, a 6ª Turma analisou essa problemática. De acordo


com a Ministra Relatora, Laurita Vaz, apesar de o delito do artigo 34 da Lei n. 11.343/2006
possa subsistir de forma autônoma, não é possível que o agente responda por esse crime se
a posse dos instrumentos constitui ato preparatório destinado ao consumo pessoal de entor-
pecente, e não ao tráfico. Segundo a decisão, o artigo 28 prevê tratamento mais brando para
quem é usuário (advertência, prestação de serviços ou comparecimento a programa educa-

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tivo), não se justificando punir com mais rigor as ações que antecedem o consumo pessoal.
De acordo com a Ministra, “se a própria legislação reconhece o menor potencial ofensivo da
conduta do usuário que adquire drogas diretamente no mercado espúrio de entorpecentes,
não há como evadir-se à conclusão de que também se encontra em situação de baixa peri-
culosidade o agente que sequer fomentou o tráfico, haja vista ter cultivado pessoalmente a
própria planta destinada à extração do óleo, para seu exclusivo consumo”.

Considerando que, nos termos do §1º do art. 28 da Lei de Drogas[3], nas mesmas
penas do caput incorre quem cultiva a planta destinada ao preparo de pequena quantidade
de substância ou produto (óleo), seria um contrassenso jurídico que a posse de objetos des-
tinados ao cultivo de planta psicotrópica, para uso pessoal, viesse a caracterizar um crime
muito mais grave, equiparado a hediondo e punido com pena privativa de liberdade de três
a dez anos de reclusão, além do pagamento de vultosa multa. A toda evidência, aquele que
cultiva uma planta naturalmente faz uso de ferramentas típicas de plantio, tais como a maior
parte dos itens apreendidos no caso (vasos, substrato de plantas, gotejador, lona, hastes
de estufa, fibra de coco), razão pela qual se deve concluir que a posse de tais objetos está
abrangida pela conduta típica prevista no aludido §1º do art. 28 da Lei n. 11.343/2006 e, por-
tanto, não é capaz de configurar delito autônomo.

Ou seja, considerando que não há tipo penal específico para sancionar os atos prepara-
tórios destinados à produção de droga para consumo pessoal, diferentemente do que ocorre
da destinação para o tráfico (art. 34), e que os atos preparatórios, em regra, não são aptos a
ensejar punição, não há falar em crime na hipótese em tela.

Precedente extremamente importante e, com a certeza de que eu estou vivo, ele cairá
nas próximas provas! Vale lembrar que a Lei de Drogas é uma das mais relevantes e cons-
tantes em provas de concurso público de carreiras jurídicas, tanto da seara estadual, como
também da federal.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

[1] Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a
qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho,
instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transforma-
ção de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

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Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000
(dois mil) dias-multa.
[2] É possível que o “tráfico de maquinário) se consume de forma autônoma, circunstân-
cia na qual [d]eve ficar demonstrada a real lesividade dos objetos tidos como instrumentos
destinados à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, ou seja, rele-
vante analisar se os objetos apreendidos são aptos a vulnerar o tipo penal em tela.” (AgRg
no AREsp 303.213/SP, Rel. Ministro Marco Aurelio Bellizze, Quinta Turma, DJe 14/10/2013).
[3] Art. 28, § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal,
semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de subs-
tância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

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ANÁLISE DA SÚMULA N. 605 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ELA VAI CAIR EM PROVA!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Como sabido, dominar jurisprudência dos Tribunais Superiores é uma exigência para os
concursos de carreira jurídica. Se isso é verdade, eu sempre afirmo que conhecer e dominar
entendimentos edificados em verbetes sumulados é verdadeira questão de sobrevivência.

Assim, parece-me importante analisarmos e aprofundarmos sobre a Súmula 605 do


Superior Tribunal de Justiça, mormente porque ela dialoga tanto com o direito penal, como
também com o direito infracional. Vejamos:

Súmula 605 do STJ: A superveniência da maioridade penal não interfere na apuração


de ato infracional nem na aplicabilidade de medida socioeducativa em curso, inclusive na
liberdade assistida, enquanto não atingida a idade de 21 anos.

Não é novidade que a maioridade penal, no Brasil, é 18 anos. Ou seja, somente a partir
daí que se pode pensar em alguém sendo submetido à pena criminal. Isso, contudo, não sig-
nifica afirmar, como alguns poderiam supor, que necessariamente a partir dos 18 anos não
mais seria possível infligir alguém à medida socioeducativa.

A ideia da inimputabilidade etária acima mencionada encontra previsão também no


artigo 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente[1]. Porém, advirta-se, o parágrafo único
da norma indicada aponta que deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.

O próprio ECA traz previsão expressa de “aplicação excepcional aos maiores de 18


anos” das regras ali estabelecidas. É que no parágrafo único do seu art. 2º, o legislador
trouxe a previsão de que “nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Esta-
tuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade”.

A grande celeuma que surge é justamente sobre essa exigência de previsão legal. A
maior parte da doutrina admite, sem grandes polêmicas e traumas, a não extinção da medida
socioeducativa pela superveniência da maioridade penal nos casos de (i) internação e (ii)
semiliberdade, face às previsões expressas nesse sentido.

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O problema, porém, seria acerca da continuidade de medidas socioeducativas mais


brandas, diante da ausência de previsão específica no sentido de sua continuidade. Juris-
prudencialmente, há algum tempo, vinha prevalecendo a necessidade de uma interpretação
sistêmica.

Segundo os Tribunais, não haveria sentido lógico em admitir o prolongamento (“ultrativi-


dade”) de medidas mais rígidas como as acima apontadas e a proibição desse mesmo efeito
nas mais brandas. Em diversas oportunidades, a 5ª e 6ª Turmas do STJ apontaram que “a
maioridade penal apenas torna o adolescente imputável, porém, não é levada em considera-
ção para a continuidade da medida socioeducativa, que tem o fim de educar e ressocializar
o menor”[2].

De toda forma, desejando colocar uma pá de cal definitiva no tema, a 3ª Seção editou
o verbete de número 605, reafirmando que “a superveniência da maioridade penal não inter-
fere na apuração de ato infracional nem na aplicabilidade de medida socioeducativa em
curso, inclusive na liberdade assistida, enquanto não atingida a idade de 21 anos”, indepen-
dentemente da medida socioeducativa envolvida no caso concreto.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

[1] Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às
medidas previstas nesta Lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser conside-
rada a idade do adolescente à data do fato.
[2] HC 319.987/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA,
julgado em 26/04/2016, DJe 03/05/2016.

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ATUAÇÃO DO JUÍZO AD QUEM NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO


EM SEDE DE TRIBUNAL DO JÚRI
NA HIPÓTESE DO ART. 593, III, D, DO CPP

RECENTE E IMPORTANTE DECISÃO DO STJ!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Vamos falar de um tema importantíssimo e que despenca em prova: sistema recursal


no âmbito do Tribunal do Júri. A apelação, no procedimento especial do júri, é um recurso
de fundamentação vinculada, ou seja, nem todas as matérias fáticas e jurídicas podem ser
arguidas. Objetivamente, os temas que comportam o apelo nessa área estão regulados no
dispositivo a seguir transcrito:

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: III – das decisões do Tribunal do
Júri, quando: a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; b) for a sentença do juiz-presidente
contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; c) houver erro ou injustiça no tocante à
aplicação da pena ou da medida de segurança; d) for a decisão dos jurados manifestamente
contrária à prova dos autos.

O objeto do presente texto focará essencialmente na alínea “d” supradestacada. De


acordo com o entendimento sufragado no último dia 24 de agosto de 2021, no julgamento
pela 5ª Turma do STJ do AREsp 1.803.562/CE, a conclusão do colegiado foi no sentido de
que, quando a apelação contra a sentença condenatória é interposta com fundamento no art.
593, III, “d”, do CPP, o Tribunal tem o dever de analisar se existem provas de cada um dos
elementos essenciais do crime, ainda que não concorde com o peso que lhes deu o júri.

Sobre essa hipótese recursal, de há muito a doutrina e jurisprudência dos Tribunais


Superiores caminham no sentido de que a anulação da sentença, nessa hipótese, somente
é cabível quando a conclusão dos jurados estiver completamente dissociada dos elementos
de prova dos autos. Ou seja, quando não houver qualquer elemento probatório que confira
supedâneo à tese agasalhada no veredicto. Caso contrário, se o júri tiver apenas optado por
uma das versões discutidas em plenário (e amparadas nas provas então produzidas), será
válida sua decisão, mesmo que o juiz togado com ela não concorde[1].

No voto condutor do recente julgado ora analisado, o Ministro Ribeiro Dantas (Relator)
asseverou que a “tese central que proponho é de fácil assimilação: penso que o veredito

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condenatório manifestamente contrário ao conjunto probatório é o proferido sem que


exista prova capaz de demonstrar, individualmente, cada um dos elementos essenciais do
crime – isto é, de cada factum probandum isoladamente considerado. Aferir a existência
das provas é tarefa que cabe ao Tribunal Estadual ou Regional, quando aprecia a apelação
do art. 593, III, “d”, do CPP. Se a Corte local não for capaz de apontar tais provas, ou seu
acórdão é omisso (nulo, portanto), ou o veredito condenatório deve ser cassado por falta de
provas, ainda que o aresto recorrido o tenha mantido incólume”.

Dizendo de outra forma, o órgão julgador do recurso deverá examinar as provas existen-
tes e, caso rejeite a tese defensiva, demonstrar quais elementos probatórios dos autos emba-
sam (a) a materialidade e (b) autoria delitivas, bem como (c) a exclusão de alguma causa
descriminante suscitada pela defesa. Objetivamente, haveria dois juízos distintos feitos pelo
julgador recursal ao se debruçar sobre as provas que embasam uma condenação por crime
doloso contra a vida. Vejamos:

Compreendido isso, no caso dos crimes da competência do júri (dolosos contra a vida),
aos juízes togados, quando apreciam a apelação do art. 593, III, “d”, do CPP, cabe somente
o juízo antecedente; o juízo consequente compete ao júri. A cognição judicial encerra-se com
o primeiro juízo, o da existência das provas: se positivo, a apelação deve ser desprovida,
porque não incumbe ao Tribunal prosseguir ao juízo consequente; se negativo, quando o
veredito for completamente dissociado das provas, a sentença é anulada.

Mencionada pelo Relator, a doutrina de Kazuo Watanabe vai anotar, sobre a soberania
dos veredictos que “numa sistematização mais ampla, a cognição pode ser vista em dois
planos distintas: horizontal (extensão, amplitude) e vertical (profundidade). No plano hori-
zontal, a cognição tem por limite os elementos objetivos do processo estudados no capítulo
precedente (…). Nesse plano, a cognição pode ser plena ou limitada (ou parcial) segundo a
extensão permitida. No plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau de
sua profundidade, em exauriente (completa) e sumária (incompleta)”[2]. Assim, quando esta-
mos analisando uma apelação cujo ponto nevrálgico é a alegação de contrariedade do vere-
dicto com as provas dos autos (dimensão horizontal da cognição, ou a delimitação do objeto
sobre o qual será exercida), caberá ao órgão julgador perquirir a (in)existência de provas
capazes de conferir arrimo conclusivo ao teor do julgamento. Trata-se de uma cognição par-

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cial, no aspecto horizontal – já que a apelação contra sentença do tribunal do júri é de fun-
damentação vinculada; e, no plano vertical, embora não seja sumária, também não é exau-
riente, limitando-se a constatar se existem provas relativas à tese acatada pelos juízes leigos.

Nesse caminhar, é possível – e correto – concluir que ao julgar a apelação fundada no


art. 593, III, “d”, do CPP, o Tribunal precisa indicar as provas de cada elemento essencial do
crime que dão suporte à versão aceita pelos jurados. Caso se revele ausente, no acórdão, a
demonstração de que algum elemento tem respaldo probatório mínimo, hás duas possibilida-
des distintas: (i) ou o arresto é nulo, por deficiência de fundamentação, já que se omitiu sobre
alguma prova existente e importante; (ii) ou o veredito deve ser anulado, porque a Corte de
origem não foi capaz de localizar prova de determinado elemento essencial do delito.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

[1] Da cognição no processo civil. 2. ed. São Paulo: Bookseller, 2000, p. 111-112
[2] (…) 4. À instituição do júri, por força do que dispõe o artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea
‘c’, da Constituição da República, é assegurada a soberania de veredictos. 5. O artigo 593,
inciso IV, alínea ‘d’, do Código de Processo Penal, autoriza que, em sendo a decisão mani-
festamente contrária à prova dos autos, ou seja, quando os jurados decidam arbitrariamente,
dissociando-se de toda e qualquer evidência probatória, é de ser anulado o julgamento pro-
ferido pelo Tribunal Popular. 6. Oferecidas aos jurados vertentes alternativas da verdade dos
fatos, fundadas pelo conjunto da prova, mostra-se inadmissível que o Tribunal de Justiça,
quer em sede de apelação quer em sede de revisão criminal, desconstitua a opção do Tribu-
nal do Júri – porque manifestamente contrária à prova dos autos – sufragando, para tanto,
tese contrária. (…) (REsp 220.188/MG, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA
TURMA, julgado em 16/8/2001, DJ 4/2/2002).

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LEI N. 14.155/2021 TEM APLICAÇÃO IMEDIATA,


INCLUSIVE PARA FATOS ANTERIORES A SUA VIGÊNCIA

Olá, pessoal! Tudo certo?

Vocês sabem que alterações legislativas recentes são sempre alvo de uma série de
questões, mormente em provas objetivas. Dessa maneira, é importantíssimo que vocês
estejam atentos à novidade perpetrada pela Lei 14.155/2021 em relação à competência
ratione loci.

Com a referida novidade legislativa, o artigo 70 do Código de Processo Penal ganhou


um novo parágrafo, conferindo tratamento específico. Vejamos:

Art. 70. (…) § 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão
de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento
frustrado ou mediante transferência de valores, A COMPETÊNCIA SERÁ DEFINIDA PELO
LOCAL DO DOMICÍLIO DA VÍTIMA, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência
firmar-se-á pela prevenção.

Antes da nova lei, aplicávamos a teoria da consumação ou do resultado, ou seja, a


competência territorial seria orientada e definida pelo local da consumação. Em se tratando
de estelionato, considerando que ele se consuma no momento e no local em que é auferida
a vantagem ilícita, o prejuízo alheio, apesar de fazer parte do tipo penal, não influenciaria na
competência, pois estaria relacionado à consequência do crime de estelionato e não à con-
duta propriamente.

Entretanto, a Lei 14.155/2021 tratou de prever a primeira hipótese do processo penal


em que a competência territorial é definida de acordo com o domicílio da vítima, fato esse
inexistente até a vigência da mencionada lei.

O tema analisado recentemente pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça relacio-


na-se com a aplicação dessa lei processual penal no tempo. Conforme se extrai do julga-
mento do CC 180.832/RJ, o colegiado anotou que nos crimes de estelionato, quando pra-
ticados mediante depósito, por emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em
poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou por meio da transferência de valores, a

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competência será definida pelo local do domicílio da vítima, em razão da superveniência de


Lei n. 14.155/2021, AINDA QUE OS FATOS TENHAM SIDO ANTERIORES À NOVA LEI.

Ora, considerando que o novo § 4º do art. 70 do Código de Processo Penal é norma de


natureza processual, a nova regra deve ser aplicada de imediato, ainda que os fatos tenham
sido anteriores à nova lei, notadamente quando o processo ainda estiver em fase de inquérito
policial, razão pela qual a competência no caso é do Juízo do domicílio da vítima.

Com a certeza de que estou vivo, afirmo que as novidades de direito material e proces-
sual inseridas pela Lei n. 14.155/2021 aparecerão intensamente nas próximas provas. Dessa
maneira, redobre suas atenções!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

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3ª SEÇÃO CONFERE IMPORTANTE INTERPRETAÇÃO


ACERCA DA REINCIDÊNCIA MENCIONADA
NO ART. 44, § 3º, DO CÓDIGO PENAL

ISSO VAI CAIR NA SUA PROVA!

Olá, pessoal! Tudo certo?

A última semana de mês de agosto de 2021 nos brindou com uma importantíssima
decisão da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. À unanimidade, o colegiado deliberou
sobre o AREsp 1.716.664/SP, concluindo que a reincidência específica tratada no art. 44, §
3º, do Código Penal[1] somente se aplica quando forem idênticos, e não apenas de mesma
espécie, os crimes praticados.

Vamos compreender o alcance dessa decisão e sua importância do ponto de vista


prático. No caso em testilha, a 3ª Seção inovou no entendimento até então pacificado nas
Turmas Criminais do STJ. Isso porque, tanto a 5ª como a 6ª Turmas anotavam que a rein-
cidência em crimes da mesma espécie, ainda que não seja no mesmo crime, obstaria por
completo a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, superando o
debate quanto à suficiência da pena substitutiva, uma vez que a reincidência específica tor-
naria desnecessário aferir se a substituição é ou não socialmente recomendável. Vejamos:

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5ª Turma do STJ[2] 6ª Turma do STJ


(...) III – A substituição da pena privativa de liber- AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPE-
dade descrita no artigo 44 do Código Penal deve CIAL. FURTO QUALIFICADO. ART. 44, § 3º, DO CP.
ser interpretada de forma conjunta com o parágrafo SUBSTITUIÇÃO DA PENA. INVIABILIDADE. CON-
3º do mesmo dispositivo, ou seja, a substituição da DENAÇÕES ANTERIORES POR ROUBO. CRIMES
pena deve ser socialmente recomendável e o réu DA MESMA ESPÉCIE. REINCIDÊNCIA ESPECÍ-
não pode ser reincidente específico. IV – Na hipó- FICA CONFIGURADA. PRECEDENTES, AGRAVO
tese, o Tribunal de origem bem fundamentou a não PROVIDO. 1. Nos termos da orientação jurispru-
substituição da pena privativa de liberdade por dencial desta Corte, a reincidência específica se
restritivas de direitos, uma vez que “o réu é rein- caracteriza pela prática de dois ou mais crimes
cidente na prática de crimes contra o patrimônio da mesma espécie, assim considerados aque-
(art. 44, inciso II e § 3º, do CP), sendo que sua les delitos que tutelam o mesmo bem jurídico,
condenação pretérita se refere ao cometimento independentemente de constarem do mesmo
de delito com emprego de grave ameaça ou vio- tipo penal (AgRg no AgRg no AREsp 1276547/RS,
lência”. V – Considerando o quantum de pena esta- Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA,
belecido, a reincidência específica do paciente e a julgado em 20/09/2018, DJe 26/09/2018). 2. O
fundamentação concreta levada a efeito pelo eg. prévio crime de roubo caracteriza reincidência
Tribunal de origem, inexiste constrangimento ilegal específica em relação ao delito de furto super-
a ser sanado pela via do writ, nos temos do artigo veniente, inviabilizando a concessão da subs-
44, inciso II e § 3º, do Estatuto Regressivo. Qual- tituição da pena, inexistindo, assim, contrarie-
quer incursão que escape a moldura fática ora apre- dade ao art. 44, § 3º, do CP. 3. Agravo regimental
sentada, demandaria inegável revolvimento fático- provido para negar provimento ao recurso especial
-probatório, não condizente com os estreitos lindes defensivo (AgRg no REsp 1873041/SP, Rel. Minis-
deste átrio processual, ação constitucional de rito tro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em
célere e de cognição sumária. Agravo regimental 04/08/2020, DJe 13/08/2020).
desprovido (AgRg no HC 644.709/SC, Rel. Minis-
tro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em
06/04/2021, DJe 09/04/2021).

Apesar desse entendimento, após algumas reflexões, o Ministro Relator (Ribeiro


Dantas) optou por revisitar o tema junto aos pares da 3ª Seção, suscitando a análise sobre
se, para os fins da reincidência específica tratada no art. 44, § 3º, do CP, basta que o réu já
tenha sido condenado por crime da mesma espécie, ou somente a condenação pelo mesmo
crime impede a substituição da pena?

É importante destacar, de início, que o princípio da vedação à analogia in malam partem


recomenda que não seja ampliado o conceito de “mesmo crime”. Toda atividade interpreta-
tiva parte da linguagem adotada no texto normativo, a qual, apesar da ocasional fluidez ou
vagueza de seus termos, tem limites semânticos intransponíveis. Existe, afinal, uma distin-
ção de significado entre “mesmo crime” e “crimes de mesma espécie”; se o legislador, no par-
ticular dispositivo legal em comento, optou pela primeira expressão, sua escolha democrática
deve ser respeitada.

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Apesar disso, releva destacar que o conceito de reincidência específica não é uniforme,
existindo corrente compreendendo ela configurada “se o crime anterior e o posterior forem os
mesmos”[3] ou, contrariamente, “quando os dois crimes praticados pelo condenado são da
mesma espécie”[4]. Esta última definição está em sintonia com o art. 83, V, do CP, que proíbe
o livramento condicional para o reincidente específico em crime hediondo – ou seja, quando
a reincidência se operar entre delitos daquela espécie.

Como muito bem anota o Ministro Relator em seu voto, “é possível ver, também, outro
fator relevante em favor da interpretação que hoje prevalece, neste STJ, sobre o art. 44, § 3º,
do CP. Pela redação do dispositivo, há situações em que a progressão criminosa, com a prá-
tica de um delito mais grave, premia o agente com a substituição, enquanto o cometimento
de dois crimes mais leves a proíbe. Por exemplo: o réu reincidente pela prática de dois crimes
de furto simples (art. 155, caput, do CP) não terá direito à substituição da pena, porquanto
aplicável a vedação absoluta contida no art. 44, § 3º, do CP. De outro lado, se o segundo
crime for de furto qualificado (art. 155, § 4º, do CP), o réu pode fazer jus à substituição, se a
pena não ultrapassar 4 anos de reclusão. Em outras palavras, o cometimento de um segundo
crime mais grave poderia, em tese, ser mais favorável ao acusado, em possível violação ao
princípio constitucional da isonomia”. A partir do entendimento consagrado até o momento
nas Turmas do STJ, essa contradição não se verifica, afinal o tratamento de reincidência
específica alcança os crimes de mesma espécie.

Ainda assim, a 3ª Seção do STJ ALTEROU A POSIÇÃO DA CORTE! Apesar da peculia-


ridade e da (aparente) contradição mencionada, o fato é que corrigir a discutível técnica legis-
lativa em desfavor do réu é algo incabível no processo penal, que rejeita a analogia in malam
partem em seu arsenal jusdogmático. Essa incongruência é matéria político-legislativa, a ser
corrigida mediante os meios e processos da democracia; no Judiciário, impõe-se respeitar os
limites lexicais dos textos normativos e assim aplicá-los. Ampliar o sentido de “mesmo crime”,
para obstar a substituição da pena de prisão, equivaleria a impor uma sanção criminal sem
previsão legal, em ofensa ao alerta que, ainda no século XIX, nos fez FEUERBACH: nulla
poena sine lege (Lehrbuch des gemeinen in Deutschland gültigen peinlichen Rechts (Gies-
sen: Georg Friedrich Heyer Verlag, 1847, p. 41).

Nesse contexto, entende-se pela superação da tese de que a reincidência em crimes


da mesma espécie impede, em absoluto, a substituição da pena privativa de liberdade por
restritivas de direitos, porque somente a reincidência no mesmo crime (aquele constante no
mesmo tipo penal) é capaz de fazê-lo, nos termos do art. 44, § 3º, do CP. Nos demais casos
de reincidência, cabe ao Judiciário avaliar se a substituição é ou não recomendável, em face
da condenação anterior.

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Tema importantíssimo e, com absoluta certeza, aparecerá nas próximas provas!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

[1] Art. 44, § 3º Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição,
desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a
reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.
[2] AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. PENAL. POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART.
12 DA LEI 10.826/2003). POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO (ART.
16, LEI 10.826/2003). CRIMES DE MESMA ESPÉCIE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Preva-
lece em ambas as Turmas que compõem a 3ª Seção desta Corte, o entendimento de que a
reincidência específica se caracteriza pela prática de dois ou mais crimes da mesma espécie,
assim considerados aqueles delitos que tutelam o mesmo bem jurídico, independentemente
de constarem do mesmo tipo penal. 2. No caso em exame, a reincidência específica fica
caracterizada pela condenação anterior por crime da mesma espécie, haja vista que a con-
denação relativa ao delito de posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei
10.826/2003) é da mesma natureza da infração de posse ilegal de arma de fogo de uso res-
trito (art. 16, Lei 10.826/2003). Isso porque ambos os tipos penais visam à proteção da inco-
lumidade pública, estão previstos na mesma lei especial e possuem características essen-
ciais comuns. 3. Agravo regimental a que se nega provimento” (AgRg no AgRg no AREsp
1276547/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 20/9/2018).
[3] ROSSETTO, Enio Luiz. Teoria e aplicação da pena. São Paulo: Atlas, 2014,
p. 141-142.
[4] CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral. 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018, p. 480.

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QUAL A TEORIA ADOTADA PELO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO


PARA OS CRIMES IMPOSSÍVEIS?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje falaremos um pouco sobre teoria no âmbito do direito penal, especificamente rela-
cionada ao crime impossível.

De acordo com o artigo 17 do CPB, “não se pune a tentativa quando, (i) por ineficácia
absoluta do meio ou (ii) por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o
crime”. Sabendo que o legislador adotou a teoria objetiva para a definição de tentativa, deve-
mos saber qual o reflexo dessa concepção para o crime impossível.

De acordo com a TEORIA OBJETIVA PURA, o crime impossível não faz qualquer dis-
tinção entre a relativa ou absoluta impropriedade do meio, ou objeto. Percebe-se, pois, que
o CPB não adotou essa teoria!

Então, qual foi a linha adotada pelo legislador pátrio, Pedro?

O nosso legislador penal agasalhou a TEORIA OBJETIVA TEMPERADA, segundo a


qual somente existe perigo ao bem jurídico quando o objeto ou o meio forem (em tese) aptos
à produção do resultado. Ou seja, só se considera ser impossível o crime – por não produção
de perigo ao bem jurídico – os casos em que ABSOLUTAMENTE o meio for ineficaz para
produzir o resultado típico ou ABSOLUTAMENTE o objeto se revelar impróprio para tanto.

Quando a impropriedade ou a ineficácia do meio forem meramente relativas, essa teoria


objetiva temperada considera que existiu perigo ao bem jurídico e por isso se justifica a puni-
ção a luz da tentativa (idônea).

Vamos aos exemplos para afastar quaisquer resquícios de dúvidas!

a. Se João utilizar arma de fogo sem munição, ele nunca conseguirá consumir o crime
de homicídio, em razão da ineficácia ABSOLUTA do meio utilizado para tal finalidade. Assim,
há crime impossível (em relação ao homicídio – já que é possível a configuração do crime de
porte/posse de armas).
b. Todavia, se João estiver utilizando a mesma arma de brinquedo (simulacro) para pra-
ticar um roubo, não se pode dizer que é crime impossível. No máximo, poderíamos imaginar
que se trata de um meio RELATIVAMENTE ineficaz, mas pela adoção da teoria objetiva tem-
perada (CPB), tal não se revela suficiente para a caracterização de crime impossível. Haverá,
pois, no mínimo, a tentativa.

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É possível esquematizar as principais teorias sobre crime impossível da seguinte maneira:

Tema muito importante para provas de direito penal, seja nas fases objetiva, discursiva
ou mesmo prático processual!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

[1] PENAL. HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO. CRIME IMPOSSÍVEL. ORDEM


DENEGADA. 1. O crime impossível somente se caracteriza quando o agente, após a prática
do fato, jamais poderia consumar o crime pela ineficácia absoluta do meio empregado ou
pela absoluta impropriedade do objeto material, nos termos do art. 17 do Código Penal. 2. A
ação externa alheia à vontade do agente, impedindo a consumação do delito após iniciada
a execução, caracteriza a tentativa (art. 14, II, do CP). 3. Ordem denegada. (HC 45.616/
SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 09/08/2007, DJ
10/09/2007, p. 248)

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ADVOGADO DATIVO PODE RENUNCIAR À PRERROGATIVA


DE INTIMAÇÃO PESSOAL?

SE LIGA NA LÓGICA DE REGRA E EXCEÇÃO!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Vamos falar hoje sobre um tema que é pouco usual, mas que já apareceu em provas,
como se verifica da última edição da fase objetiva da magistratura do Tribunal de Justiça
do Paraná.

Como sempre repito em aulas, dominar a regra é importantíssimo, mas se você almeja
acertar as questões que pouquíssimos candidatos garantem, é imprescindível dominar
também as exceções. Questão de sobrevivência!

Nesse sentido, será que o advogado dativo pode renunciar à prerrogativa de ser inti-
mado pessoalmente?

No processo penal, as intimações do Ministério Público e Defensoria Pública são rea-


lizadas pessoalmente, conforme indicam as prerrogativas institucionais. Contudo, TAMBÉM
será aplicável tal regramento aos advogados dativos, conforme indica o parágrafo 4º do art.
370 do CPP, ao descrever expressamente que “a intimação do MP e do defensor nomeado
será PESSOAL”[1].

Dito de outra maneira, se o Poder Judiciário intimar o advogado DATIVO exclusiva-


mente através do Diário da Justiça (imprensa oficial), haverá NULIDADE! Essa é a REGRA!

Mas se é a regra, há exceção? Nesse caso SIM!

Tanto a 5ª, como também a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça admitem a não
observância desse tratamento a depender das peculiaridades do caso concreto. Explico.

É que NÃO HÁ QUE SE FALAR EM NULIDADE se o dativo pedir para ser intimado dos
atos processuais pelo diário oficial. Conforme deliberou em um caso concreto, a 6ª Turma
apreciou situação em que peculiaridade que modifica o quadro fático e autoriza decisão em
sentido diverso. Isso porque o próprio defensor nomeado assinou termo firmando o compro-
misso de ser intimado pela imprensa oficial. E diante da expressa e prévia concordância do
defensor dativo, não há falar em nulidade. Incide, inclusive, o disposto no art. 565 do Código

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de Processo Penal[2]. Vale registrar, no mesmo sentido, precedente também da 5ª Turma


do STJ, o que ratifica a informação de que se trata de compreensão pacífica no Tribunal da
Cidadania[3].

Assim, saber a regra é importantíssimo! Contudo, amiúde, o seu examinador vai testar
o seu conhecimento acerca da exceção! Você sabia dessa? Agora sabe e não erra mais!

Espero que tenham entendido e, sobretudo, gostado!

Vamos em frente!

[1] Art. 370. (…) § 4º A intimação do Ministério Público e do defensor nomeado


será pessoal.
[2] RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. CONDENAÇÃO.
AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEFENSOR DATIVO. NULIDADE. INOCORRÊN-
CIA. PRÉVIA ANUÊNCIA DO DEFENSOR DE SER INTIMADO VIA IMPRENSA. AUSÊNCIA
DE ILEGALIDADE PATENTE. DESPROVIMENTO. 1. A jurisprudência desta Corte é pací-
fica no sentido de reconhecer a obrigatoriedade de intimação pessoal de defensor dativo,
não bastando, em regra, a simples publicação via imprensa. 2. A hipótese, contudo, apre-
senta peculiaridade que modifica o quadro fático e autoriza decisão em sentido diverso. Isso
porque o próprio defensor nomeado assinou termo firmando o compromisso de ser intimado
pela imprensa oficial. E diante da expressa e prévia concordância do defensor dativo, não
há falar em nulidade. Incide, inclusive, o disposto no art. 565 do Código de Processo Penal.
3. Recurso ordinário a que se nega provimento (RHC 44.684/SP, Rel. Ministra MARIA THE-
REZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 03/02/2015).
[3] 1. Não se desconhece o entendimento pacífico neste Sodalício no sentido de que a
ausência de intimação pessoal da Defensoria Pública ou do defensor dativo sobre os atos do
processo, a teor do disposto no artigo 370 do Código de Processo Penal e do artigo 5º, § 5º,
da Lei 1.060/1950, gera, via de regra, a sua nulidade. 2.No caso dos autos, o próprio defen-
sor dativo optou por ser intimado pela imprensa oficial, declinando da prerrogativa de ser
pessoalmente cientificado dos atos processuais, o que impede o reconhecimento da mácula
suscitada na impetração. Precedente.(…) (HC 311.676/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI,
QUINTA TURMA, julgado em 16/04/2015, DJe 29/04/2015).

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CUIDADO! TRÁFICO NAS PROXIMIDADES DE TEMPLOS RELIGIOSOS

COMO UMA EMENTA MALFEITA PODE TE LEVAR A ERRAR QUESTÃO


NA SUA PROVA!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Todos nós sabemos que o estudo de julgados envolvendo casos concretos, da lavra
dos Tribunais Superiores, é essencial para o bom desempenho dos candidatos em prova de
concurso público, qualquer que seja a fase.

Ademais, envolvendo o tema relativo à Lei de Drogas, isso salta aos olhos. Explico. Tra-
ta-se de uma das leis penais especiais mais importantes para quem atua no dia a dia criminal
e, naturalmente, das mais frequentes em prova. Ou seja, cada vez mais o examinador está
se especializando em abordar e exigir o conhecimento de aspectos peculiares deliberados
pelos Tribunais.

Dentre os pontos que mais aparecem em certames públicos, podemos citar as hipóte-
ses de causa de aumento de pena, delineadas no art. 40 da Lei n. 11.343/2006. Nesse dis-
positivo, são arroladas várias situações que permitem o incremento de pena, na 3ª fase da
dosimetria, no patamar de 1/6 a 2/3. Vamos tomar como exemplo, para ilustrar o objeto do
presente texto, o inciso a seguir indicado:

Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a
dois terços, se: III – a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de esta-
belecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de ENTIDADES estudantis,
SOCIAIS, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo,
de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de
tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou poli-
ciais ou em transportes públicos;

Conforme se infere, o legislador indicou uma série de locais em cujas proximidades


geraria um incremento da pena dos crimes de tráfico, justamente por se revelar um maior
desvalor do comportamento, diante da maior potencialidade de difusão da droga ou de sua
capacidade lesiva (proximidade com estudantes, por exemplo).

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Entretanto, apesar de vozes da doutrina sustentar tal possibilidade, o Superior Tribu-


nal de Justiça pacificara o entendimento de que se o crime de tráfico ocorrer nas proximida-
des de igrejas e templos religiosos, não haveria de se falar em incidência da referida causa
de aumento.

Isso porque a norma não prevê esse fato gerador da majorante e, admitir o contrário,
seria o aperfeiçoamento do incompatível exercício da analogia in malam partem, violando o
princípio da legalidade estrita, uma das pedras angulares do sistema penal. Vejamos:

Uma vez que, no Direito Penal incriminador, não se admite a analogia in malam partem
e porque a hipótese dos autos (tráfico de drogas cometido em local próximo a igrejas) não
foi contemplada pelo legislador no rol das majorantes previstas no inciso III do art. 40 da Lei
n. 11.343/2006, deve ser afastada a causa especial de aumento de pena em questão (…) 5.
Ordem parcialmente concedida, para afastar a majorante prevista no inciso III do art. 40 da
Lei de Drogas e, por conseguinte, reduzir a reprimenda da paciente para 5 anos de reclu-
são e 500 dias-multa (HC 528.851/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA
TURMA, julgado em 05/05/2020).

Esse sempre foi – de há muito – o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça


e, como visto, com total razão. Se houver o entendimento de ser razoável o acréscimo de
novas situações como majorantes, revela-se imprescindível a modificação do texto normativo
através do devido processo legislativo.

Entretanto, no dia 21 de junho de 2021, a 5ª Turma proferiu um julgamento que sugeriu


criação de divergência. Justamente por isso, vários sites especializados na área jurídica pas-
saram a divulgar essa “novidade”. E isso se deu especialmente em razão da ementa publi-
cada do julgado. Vejamos:

Nesse contexto, justificada a incidência da causa de aumento prevista no art. 40, inciso
III, da Lei n.º 11.343/2006, uma vez consta nos autos a EXISTÊNCIA DE IGREJA EVANGÉ-
LICA a aproximadamente 23 metros de distância do local onde a traficância era realizada.
(…) (AgRg no HC 668.934/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA
TURMA, julgado em 22/06/2021).

Então quer dizer que temos divergência, Pedro?

NÃO!!! Cuidado! Estranhando esse entendimento, sobretudo por conhecer a posição


do Ministro Relator, como de hábito, resolvi dar uma estudada no inteiro teor e um esclareci-
mento revela-se imprescindível de ser realizado. Ao contrário do que indicado pela ementa,

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na verdade nós estávamos diante de uma entidade social onde se realizava cultos de uma
igreja evangélica. Ora, a incidência da causa de aumento do art. 40, III da Lei de Drogas não
se deu em razão das proximidades com a igreja evangélica, que não se encontra no referido
rol, mas SIM nas proximidades de uma entidade social, que está prevista no dispositivo ora
analisado. Vejamos o importante trecho do voto do Relator:

“(…) De início, no que diz respeito à pretensão de afastamento da causa de aumento


de pena prevista no art. 40, inciso III, da Lei n.º 11.343/2006, o Tribunal a quo consignou
que o crime de tráfico foi praticado nas proximidades de uma ENTIDADE SOCIAL onde se
realizavam cultos de uma igreja evangélica, local de reunião de membros da comunidade
(e-STJ fl. 36). Acerca da matéria, é firme a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de
que, para a imposição da causa de aumento de pena prevista no art. 40, inciso III, da Lei n.º
11.343/2006, basta que o tráfico de drogas tenha ocorrido nas proximidades de qualquer dos
estabelecimentos descritos na norma, sendo prescindível a comprovação de que o comércio
de entorpecentes visava atingir estudantes ou qualquer frequentador dos locais indicados no
referido preceito (HC n.º 164.414/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, jul-
gado em 20/8/2015, DJe 8/9/2015)”.

Ou seja, redobrem seus cuidados! Apesar de a ementa sugerir alteração de posiciona-


mento ou divergência entre as Turmas, na verdade, nada mudou! Espero apenas que o seu
examinador também tenha o cuidado de ler o inteiro teor desse julgado, a fim de não causar
confusões por assimilações açodadas.

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

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TEORIA DAS JANELAS QUEBRADAS (BROKEN WINDOWS THEORY)

Olá, pessoal! Tudo certo?

Vamos falar no texto de hoje sobre um tema extremamente interessante e que vem
sendo cobrado em provas de direito penal e também de criminologia. Ademais, várias repor-
tagens midiáticas, políticas públicas e projetos de leis versam – direta ou indiretamente –
sobre esse assunto. Estou me referindo à Teoria das Janelas Quebradas.

Considerando que o incremento dos números de criminalidade vem aumentando em


uma parte sensível do país, parece-nos pertinente revisar o teor de uma teoria vinculada ao
movimento de Lei e Ordem, com elementos de “pan-penalismo”[1].

A teoria das janelas quebradas (Bronken Windows Theory) tem origem norte americana
e que possui diversos reflexos na seara de política criminal internacional, inclusive no direito
pátrio. Essa teoria revela-se como um dos braços mais “famosos” da lógica do chamado
Direito Penal Máximo, ou seja, da ideia de que a aplicação cada vez mais ampla e rigorosa
do direito criminal se apresentaria como a principal e mais eficaz forma de reação aos cres-
centes índices de violência urbana, abrindo margem para solução dos problemas sociais.

A teoria das janelas quebradas foi desenvolvida pelo cientista político James Wilson e
pelo psicólogo criminalista George Kelling – a partir do embasamento do experimento reali-
zado pelo psicólogo Philip Zimbardo, da Universidade de Stanford – externando bases funda-
mentais na ideologia da chamada Escola de Chicago (Criminologia). Os idealizadores desse
pensamento partiram da seguinte análise:

“Se apenas uma janela de um prédio fosse quebrada e não fosse imediatamente con-
sertada, as pessoas que passassem pelo local e vissem que a janela não havia sido conser-
tada concluiriam que ninguém se importava com isso, e que em um curto espaço de tempo
todas as demais janelas também estariam quebradas, pois as pessoas começariam a jogar
mais pedras para quebrar as demais janelas. Em pouco tempo, aquela comunidade seria
levada à decadência. Abandonado, o local seria ocupado por pessoas viciadas, imprudentes
e com tendências criminosas. A comunidade seria abandonada e tomada por desordeiros”[2].

A ideia, pois, é fundamentada na lógica exteriorizada a partir da janela indicando que,


se ela estiver quebrada e não vier a ser imediatamente consertada, a população passará a
pensar que não existe autoridade responsável pela ordem ali. Com isso, em instantes, todas

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as outras janelas estariam destruídas, levando à decadência daquele espaço urbano, criando
terreno propício para a criminalidade.

Assim, concluíram os autores que a desordem teria como consequência inexorável


(mais) desordem, delitos e intensificação da criminalidade, por mais simples e “inofensivo”
que o comportamento reprovável possa se revelar em um primeiro momento.

A comprovação empírica disso não serviria apenas para a seara criminal, mas também
para aspectos banais do nosso cotidiano. Afinal se nosso veículo automotor (moto ou carro),
por exemplo, eventualmente apresenta um ruído no motor e não se leva ao mecânico, em
pouco tempo outros problemas – mais graves – aparecerão. A mesma “lógica” deveria ser
observada no enfrentamento da criminalidade.

Atendendo aos reclamos do que Direito Penal Máximo e se revelando, posteriormente,


um dos expoentes da política de tolerância zero e da Lei e Ordem, a teoria das janelas que-
bradas apontava para que o Estado deveria se preocupar com a prática de todo e qualquer
delito, inclusive os de pequena monta e gravidade ínfima.

É que punindo de maneira “exemplar” essas pequenas infrações, o Estado denotaria


para a população um estado de ordem, em contraposição à desordem. Caso contrário, não
havendo punição, aquela sociedade teria o mesmo fim que a comunidade em que se locali-
zava o prédio cuja janela não fora consertada em tempo hábil.

Onde a criminalidade é maior, o descuido, a sujeira, a desordem e o maltrato são maio-


res. Se por alguma razão racha o vidro de uma janela de um edifício e ninguém o repara,
muito rapidamente estarão quebrados todos os demais. A tolerância com os pequenos deli-
tos teria uma relação direta de causalidade com o recrudescimento das taxas da criminali-
dade violenta, de acordo com esse pensamento.

No Brasil, essa linha do Direito Penal Máximo, Tolerância Zero, Lei e Ordem e Teoria
das Janelas Quebradas apresenta influência significativa nos tratamentos e produção legis-
lativa criminal, pautando a agenda normativa com a “mesmice” de ampliação desenfreada
do rigor punitivo, a fim de causar uma (falsa) sensação instantânea de eficiência do aparelho
repressor estatal, mantendo parcela da população anestesiada diante do caos administra-
tivo e social.

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Dentre outras causas para essa “popularização do pan-penalismo” como solução de


todos os males sociais hodiernos, Rogério Greco aponta, em interessante crítica, que o
desempenho e atuação de profissionais formadores de opinião e mídia propagadora de um
sentimento desenfreado de risco (sociedades de risco) chamando para si a responsabilidade
de criticar as leis penais, fazendo a sociedade acreditar que, mediante o recrudescimento
das penas, a criação de novos tipos penais incriminadores e o afastamento de determinadas
garantias processuais, a sociedade ficaria livre daquela parcela de indivíduos não adaptados
contribui sensivelmente para a consolidação desse sentimento[3].

Nesse cenário, vale indicar as importantes palavras do professor Jacinto Coutinho


(UFPR), crítico do Direito Penal Máximo, para quem a “saída não é tão obscura quanto
parece, ou quanto querem fazer parecer: um Direito Penal mínimo, verdadeiramente subsidi-
ário e que atenda à Constituição (que segue e deve seguir dirigente); educação e saúde para
todos: como exigir do mendigo que “seja educado, não atrapalhe e não feda”, se não se dá
a ele sequer ensino e saneamento básico? É hipócrita dizer, afinal, que “todo mundo tem o
direito de dormir embaixo da ponte”. Abalou-se, na estrutura, a ética, sem a qual em perigo
está a própria democracia”[4].

Esse é um tema que pode ser cobrado em provas objetivas e subjetivas, tanto relacio-
nado ao direito penal, como também ao estudo da criminologia! Independentemente de como
venha na prova, meu desejo é que todos estejam preparados e dominando o tema.

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

[1] Adotando, portanto, esta termologia (panpenalismo) para descrever o fenômeno indi-
cado por Luisi, resta encontrar sua relevância histórica como influência na sistemática penal
vigente. Nesse sentido, interessante lição de Luigi Ferrajoli situa o marco inicial da observa-
ção do fenômeno na sistemática jurídica de origem romano-germânica, bem como pontua
sua relação com a noção de periculosidade social que hoje fundamenta outro fenômeno
sociológico, o da criminalidade: […] a ideia substancialista de que a desviação deva ser cap-
tada, e prevenida, além de suas definições legais, na sua identidade ontológica de malum in
se (moral, ou natural), favoreceu – primeiramente na maciça legislação de polícia produzida
na Europa depois da segunda metade do século XIX e, posteriormente, nos próprios códigos
– uma expansão do direito penal muito além dos rígidos limites garantistas da determinação
do fato, da sua ofensividade e materialidade, bem como da culpabilidade de seu autor. Mister
se pense, de uma parte, à relevância que se deu, sob o influxo da ‘Escola Positivista’, à figura

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da ‘periculosidade social’ ou a outras características pessoais do réu (reincidência, capaci-


dade de delinquir e outras) enquanto pressupostos de medidas punitivas de prevenção e de
segurança, assim como o enorme desenvolvimento das sanções cautelares, processuais ou
de polícia, ante ou extra-delictum. (FERRAJOLI, 2010, p. 214) O panpenalismo, então, seria
análogo ao maximalismo penal, tendência de exarcebação do poder estatal através da utili-
zação de normas penais, com objetivo de orientar o comportamento social, evitando assim
condutas lesivas ao interesse público, representado pelo Estado. Essa tendência, protegida
sob a ótica legalista positivista, autorizaria o Estado a prescindir das garantias fundamentais
com a finalidade de combater a “periculosidade social”. A ausência de limites, entretanto,
afetaria o modelo penal minimalista, uma vez que tais limites existem exatamente para que o
poder público não tenha ingerência sobre a determinação da noção de legalidade, ou pericu-
losidade. Em outras palavras, o modelo mínimo permite que o Estado interfira nas liberdades
individuais somente em situações de extrema necessidade, visando a manutenção da ordem
pública; o modelo maximalista, torna irrestrita a interferência do Estado, transformando o sis-
tema democrático, consequentemente, em autoritário. Nesse sentido, conceituando o modelo
maximalista: […] consiste em sistemas de controle penal próprio do Estado absoluto ou tota-
litário, entendendose por tais expressões qualquer ordenamento onde os poderes públicos
sejam legibus soluti ou ‘totais’, quer dizer, não disciplinados pela lei e, portanto, carentes de
limites e condições. (FERRAJOLI, 2010, p. 101) Esse inflacionamento das normas penais,
naturalmente possui relação com alguma necessidade social. De fato, essa necessidade se
observa na realidade atual, em que a fragilização da inderrogabilidade2 das penas cria no
seio social uma ideia de falha do poder público em sua obrigação de viabilizar o exercício dos
direitos sociais. Com base nessa errônea compreensão da efetividade das normas penais,
posto que o lapso decorre de uma incapacidade de promover a sua aplicação e não de sua
eficácia, se cria o campo fértil para a aceitação do inflacionamento penal (extraído de “O
FENÔMENO DO PANPENALISMO E SUA INFLUÊNCIA NA REALIDADE LEGISLATIVA DO
BRASIL”, Marcelo D’Angelo Lara).
[2] HABIB, Gabriel. Leis Penais Especiais, Tomo I. Jus Podivm. 7ª edição, 2015,
página252-253.
[3] GRECO, Rogério. Direito Penal do equilíbrio. 4 ed. Niterói: Impetus, 2009.
[4] https://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/11716-11716-1-PB.htm

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É POSSÍVEL APLICAR A SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS


NAS CONDENAÇÕES A PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO?

VEJA COMO DECIDIU O STF EM REPERCUSSÃO GERAL!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Vamos falar sobre um aspecto importante das consequências e efeitos da condenação


criminal nos casos em que haja a fixação de penas restritivas de direitos. Isso porque as cha-
madas “PRD´s” são dotadas de duas características primordias:
a. Substitutividade: Os tipos penais não possuem, no preceito secundário, a previsão
direta de penas restritivas de direitos, as quais estão definidas pela Parte Geral do Código
Penal. Elas resultam do procedimento judicial que, depois de aplicar uma pena privativa de
liberdade, efetua a sua substituição por uma ou mais penas restritivas de direitos, desde que
presentes os requisitos legais[1].
b. Autonomia: Uma vez substituídas, as penas restritivas de direito não podem ser
cumuladas/somadas com a pena privativa de liberdade. Durante a execução penal, o Poder
Judiciário somente poderá retomar a pena privativa de liberdade nas hipóteses extraordina-
riamente previstas em lei.

Em razão dessas peculiaridades, houve na doutrina um questionamento sobre a possi-


bilidade ou não de suspensão dos direitos políticos, prevista no art. 15, inc. III, da Constitui-
ção Federal[2], nos casos em que a pena privativa de liberdade for convertida em restritiva
de direitos.

O tema foi apreciado em repercussão geral pelo STF, que culminou com o reconheci-
mento pela maioria dos Ministros quanto ao entendimento de que deve haver a suspensão de
direitos políticos mesmo nos casos de condenação criminal definitiva, ainda que haja subs-
tituição da pena privativa por restritiva de direitos, apesar da divergência sustentada pelos
Ministros Marco Aurélio e Rosa Weber no sentido de que tal entendimento violaria a individu-
alização da pena e a proporcionalidade.

De acordo com o raciocínio que obteve a adesão da maioria, o art. 15, III da CF/1988
prevê uma determinação autoaplicável, ao indicar que a CONDENAÇÃO CRIMINAL transi-
tada em julgado gera a suspensão dos direitos políticos.

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Dessa maneira, considerando que a Carta Magna não fez qualquer distinção acerca
da pena aplicada, independe – para fins de incidência do referido efeito – se a sanção penal
envolve uma privação de liberdade, uma restrição de direitos ou mesmo que estejamos diante
de suspensão condicional da pena.

Salientou-se, ainda, que a razão de ser da norma constitucional é impedir aos condena-
dos, respeitado o devido processo legal e transitada em julgado a sentença, o exercício dos
direitos políticos enquanto cumprirem pena.

Logo, não haveria nenhuma arbitrariedade no fato de a própria Constituição estabele-


cer, de forma excepcional, a possibilidade, seja temporária – no caso de suspensão –, seja
permanente – no caso de perda –, do afastamento do exercício dos direitos políticos. Isso
porque o exercício dos direitos políticos, assim como o exercício de qualquer outro direito
fundamental, não é absoluto.

Eis a tese em repercussão geral: A suspensão de direitos políticos prevista no art. 15, inc.
III, da Constituição Federal aplica-se no caso de substituição da pena privativa de liberdade
pela restritiva de direitos. (RE 601182, 02.10.2019) – Repercussão Geral – Tema 370/STF.

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

[1] Exceção: Art. 28, Lei 11.343/2006 – posse de droga para consumo pessoal. O dispo-
sitivo impõe expressamente apenas penas restritivas de direitos consistentes em advertên-
cia sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de
comparecimento a programa ou curso educativo.
[2] Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se
dará nos casos de: I – cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;
II – incapacidade civil absoluta; III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto
durarem seus efeitos; IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alter-
nativa, nos termos do art. 5º, VIII; V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

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VOCÊ JÁ OUVIU FALAR EM GEO-FENCING?

ELA É ADMITIDA NO ÂMBITO DA PERSECUÇÃO PENAL?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Sabemos que nomenclatura em prova de concurso público é questão de sobrevivência,


então vamos tratar sobre um tema importantíssimo no âmbito do processo penal, mas ainda
pouco estudado. Refiro-me ao GEO-FENCING!

Recentemente, em um site da notícias jurídicas, (Conjur[1]), (re)li apontamentos sobre


esse polêmico tema e decidi ser importante trazer algumas considerações sobre esse insti-
gante assunto. Fundamentalmente, GEO-FENCING envolve o uso de tecnologia e geolocali-
zação que permite saber quem esteve em um determinado local e horário, a partir de dados
de celulares conectados à internet, revelando-se ferramenta útil para a elucidação de delitos.

A 3ª Seção do STJ já teve a oportunidade de afirmar que a ordem judicial para quebra
do sigilo dos registros, delimitada por parâmetros de pesquisa em determinada região e por
período de tempo, não se mostra medida desproporcional, porquanto, tendo como norte a
apuração de gravíssimos crimes cometidos por agentes públicos contra as vidas de três pes-
soas – mormente a de quem era alvo da emboscada, pessoa dedicada, em sua atividade par-
lamentar, à defesa dos direitos de minorias que sofrem com a ação desse segmento podre da
estrutura estatal fluminense – não impõe risco desmedido à privacidade e à intimidade dos
usuários possivelmente atingidos pela diligência questionada (RMS 60.698/RJ, Rel. Ministro
ROGERIO SCHIETTI CRUZ, julgado em 26/08/2020).

Recentemente, a Corte determinou que o Google entregasse ao Ministério Público


dados de todas as pessoas que transitaram em três áreas do Rio de Janeiro em período
de dois anos, entre 1º de janeiro de 2017 e 5 de fevereiro de 2019. Esses dados incluem
identificação de contas de usuários e dados cadastrais, registros de conexão, mídias (fotos,
vídeos e outras), histórico de pesquisa e de navegação, favoritos, histórico de localização,
e-mails, agenda, agenda de contatos, aplicativos instalados e backups contidos nos serviços
de “driver”.

A medida é interessante e amplamente majoritária sua admissibilidade no âmbito do


Judiciário. Entretanto, há de se refletir se, da maneira generalizada como é agasalhada, não
seria uma espécie de “fishing expedition virtual”[2].

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O tema ainda precisa ser efetivamente analisado pelo Supremo Tribuna Federal que,
em maio de 2021, reconheceu repercussão geral ao tema (ainda pendente), objeto do RE
1.301.250.

De acordo com a Ministra Rosa Weber (Relatora), é preciso verificar cuidadosamente


compatibilidade da proteção da privacidade em conflito com a manipulação de dados pesso-
ais para a segurança nacional.

ATENÇÃO! Isso ainda não caiu em prova, mas certamente aparecerá nos próximos
concursos, mormente com a ampla admissão no Poder Judiciário – ao menos até a defini-
ção do tema no STF – e nas aplicações concretas e recentes pelo próprio Superior Tribunal
de Justiça.

Espero que tenham gostado! Vamos em frente!

[1] https://www.conjur.com.br/2021-ago-10/stj-divide-advogados-ampliar-uso-geo-fen-
cing-investigacoes
[2] No processo penal, a figura da FISHING EXPEDITION é percebida a partir de uma
investigação criminal especulativa, sem objeto certo ou determinado. Lança-se a rede das
medidas especiais de investigação para colher “alguma coisa”. “Tenho convicção de que
se procurarmos ferrenhamente dentro daquela comunidade, encontraremos algum ilícito.
Não sei o que é, onde está, com quem está e como foi parar lá. Mas se procurar, algo de
podre e ilícito encontraremos”. Essa é uma frase que traduz o espírito dessa prática não rara
no Brasil. Segundo Philipe Benoni Melo e Silva, trata-se de situação em que são lançadas
as redes da investigação com a esperança de ‘pescar’ qualquer prova, para subsidiar uma
futura acusação. Ou seja, é uma investigação prévia, realizada de maneira muito ampla e
genérica para buscar evidências sobre a prática de futuros crimes (ou até mesmo desco-
nhecidos). Como consequência, não pode ser aceita no ordenamento jurídico brasileiro, sob
pena de malferimento das balizas de um processo penal democrático de índole Constitucio-
nal. O mais claro exemplar da prática da “expedição aleatória da pescaria probatória” é, sem
dúvidas, os Mandados de Busca e Apreensão GENÉRICOS. Ora, a referida medida cautelar
ostenta restrição de direito fundamentação (regulada no art. 240 do CPP) e deve ser obser-
vada a partir dos estritos requisitos vigentes. Ela deve ser CERTA E DETERMINADA, indivi-
dualizando ao máximo o local em que se pretende realizar a diligência. O STF é profícuo em
precedentes que apontam para a IMPOSSIBILIDADE de mandados genéricos, exigindo-se
a individualização da localidade em que será efetuada a busca e apreensão, mormente por
envolver flexibilização da inviolabilidade domiciliar (HC 106.566). O contrário teria o condão
de violar a previsão do art. 243, I e II do CPP. A fishing expedition existe e NÃO deve ser
tolerada também em relação às interceptações telefônicas, conforme previsão extraída dire-
tamente da Lei 9296/96.

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MOTORISTA CONDENADO POR HOMICÍDIO CULPOSO


PODE SER CONTEMPLADO POR PRD?

RECENTE ENTENDIMENTO LAVRADO PELO STJ E A LEI PENAL NO TEMPO

Fala, pessoal! Tudo beleza?

O tema a ser analisado nesse texto é extremamente interessante e deve ser lido com
muito cuidado, porque envolverá a análise de lei penal no tempo. Genericamente, o Código
Penal Brasileiro prevê a admissibilidade de conversão da pena privativa de liberdade em
restritiva de direitos, independentemente do quantum de pena, quando estivermos diante de
crime culposo. Vejamos:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de


liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o
crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a
pena aplicada, se o crime for culposo;

Nesse cenário, o crime de homicídio culposo quando o agente estava sob influência de
álcool ou outra substância psicoativa, em tese, admitiria essa conversão:

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas – deten-
ção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habili-
tação para dirigir veículo automotor. (…) § 3o Se o agente conduz veículo automotor sob a
influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas – reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a per-
missão ou a habilitação para dirigir veículo automotor (Incluído pela Lei nº 13.546, de 2017).

Como eu sempre falo em aula, o Código de Trânsito Brasileiro é uma das normas
mais desafiadoras no campo criminal, porque está em constante alteração. Uma dessas
modificações relativamente recentes impactaram sensivelmente na conclusão da tese acima
delineada, porque passou a vedar absolutamente a referida conversão. Refiro-me à Lei n.
14.071/2020:

Art. 312-B. Aos crimes previstos no § 3º do art. 302 e no § 2º do art. 303 deste Código
não se aplica o disposto no inciso I do caput do art. 44 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal) (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020).

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E aí Pedro? Quer dizer que o delito de homicídio culposo quando o agente estava sob
influência de álcool ou outra substância psicoativa?
Se a pergunta se referir aos dias atuais, certamente a resposta será negativa. Afinal, o
comando legislativo é peremptório e goza de presunção de constitucionalidade. Entretanto,
CUIDADO para como será circunstanciado o tema e a abordagem na sua prova! Afirmo isso
porque, como muito bem salientado pelo Superior Tribunal de Justiça, é imprescindível aten-
tar para a aplicação da lei penal no tempo.

Analisando um caso concreto em que o delito tinha sido praticado em 13/07/2018, ou


seja, antes da edição da Lei n. 14.071/2020, que acrescentou ao Código de Trânsito Brasi-
leiro o art. 312-B, a Corte asseverou ser indiscutível que não há vedação legal para que, no
crime de homicídio culposo na direção de veículo cometido sob a influência de álcool ou de
qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, praticado antes do início
da vigência da nova redação do art. 312-B do CTB, ocorra a substituição da reprimenda
reclusiva por sanções restritivas de direitos[1].

Ao tecer considerações sobre o caso concreto, o STJ destacou que a Justiça Estadual
deixou de consignar motivação válida para afastar o direito do Condenado – notadamente
porque concorre, em seu benefício, as circunstâncias de que a prova dos autos demonstrou
que a luz traseira da motocicleta em que colidiu estava desligada, e de que no cálculo da
pena o Tribunal estadual assinalou a primariedade do réu, seus bons antecedentes, que a
conduta não extrapolou a culpabilidade normal e as consequências são próprias do delito.
“A favorabilidade das circunstâncias mencionadas evidencia que a substituição da pena se
mostra medida socialmente recomendável“[2].

CONCLUSÃO: Cuidado com a sua prova! Se a questão for atualizada a partir da vigên-
cia do art. 312-B do CTB, essa vedação de conversão da pena privativa de liberdade em
restritiva de direito é pressuposta na própria legislação. Entretanto, se ela se referir a fato
anterior, deverá ser verificada a pertinência na situação concreta, mormente sob o crivo do
juízo de ser ela socialmente recomendável ou não.

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

[1] HC 673.337/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 22/06/2021
[2] STJ, HC 601.514/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA,
julgado em 23/03/2021, DJe 29/03/2021.

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A RETRATAÇÃO DA CALÚNIA PRECISA DE ANUÊNCIA


DO OFENDIDO PARA EXTINGUIR A PUNIBILIDADE?

SE LIGA NA POSIÇÃO DA CORTE ESPECIAL DO STJ!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Um dos temas mais frequentes em provas objetivas de carreiras jurídicas na área crimi-
nal é o relativo a várias questões vinculadas aos crimes contra a honra, tanto no que tange a
aspectos de direito material, como também de processo.

Dessa maneira, revela-se premente estudarmos um recente julgado da lavra da Corte


Especial, exarado em 03 de março de 2021 (APn 912/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, CORTE
ESPECIAL).

De acordo com a regra entabulada no Código Penal, os crimes contra a honra desafiam
ação penal privada, salvo casos específicos delineados na legislação. Além desse aspecto,
amiúde o legislador traz previsões que visam a inibir o tratamento punitivo dessa espécie de
delito. Isso acontece com as hipóteses de extinção da punibilidade pontualmente previstas
para os crimes contra a honra. É o que acontece, por exemplo, com o desenhado no art.
143 do CPB:

Art. 143 – O querelado que, ANTES DA SENTENÇA, se retrata cabalmente da calúnia


ou da difamação, fica isento de pena. Parágrafo único. Nos casos em que o querelado tenha
praticado a calúnia ou a difamação utilizando-se de meios de comunicação, a retratação dar-
-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa.

De acordo com o STJ, a retratação cabal da calúnia, feita antes da sentença, de forma
clara, completa, definitiva e irrestrita, sem remanescer nenhuma dúvida ou ambiguidade
quanto ao seu alcance – que é justamente o de desdizer as palavras ofensivas à honra, retra-
tando-se o ofensor do malfeito -, implica a extinção da punibilidade do agente e independe
de aceitação do ofendido.

De acordo com o parágrafo único do dispositivo destacado, se o ataque se der por


meios de comunicação, o ofendido poderá exigir retratação em formato semelhante. Será
que essa previsão teria o caráter de alterar a essência do instituto? Teria sido a vontade do
legislador criar, nessa hipótese, uma previsão bilateral para a retratação?

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Esse não foi o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Para a Corte Superior, porém, a norma penal, ao abrir ao ofendido a possibilidade


de exigir que a retratação seja feita pelo mesmo meio em que se praticou a ofensa, NÃO
TRANSMUDOU A NATUREZA DO ATO, QUE É ESSENCIALMENTE UNILATERAL. Apenas
permitiu que o ofendido exerça uma faculdade.

Ou seja, se o ofensor, desde logo, mesmo sem consultar o ofendido, já se utiliza do


mesmo veículo de comunicação para apresentar a retratação, não há razão para desmere-
cê-la, porque o ato já atingiu sua finalidade legal (vide APn 912/RJ, julgado em 03/03/2021).

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

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AUTORIA MEDIATA POR DOMÍNIO DE APARATO


ORGANIZADO DE PODER

Olá, pessoal! Tudo certo?

Se você leu o título do texto e teve a impressão de ser algo exclusivamente acadêmico
sem qualquer vinculação com concursos públicos, é bom ter cuidado!

Digo isso porque exatamente esse tema foi objeto de questionamentos na prova de
Delegado Pará (2016) e Promotor de Justiça do MP Rondônia. Se é assim vamos compre-
ender o que vem a ser a “AUTORIA MEDIATA POR DOMÍNIO DE APARATO ORGANIZADO
DE PODER”.

E aí, você sabe do que isso se trata?

Calma! Vou tentar explicar. Antes, precisamos fazer uma rapidíssima digressão. Para
lembrar do conceito (ou da ideia) de AUTORIA MEDIATA basta rememorarmos a ideia de
um agente que se utiliza de interposta pessoa (terceiro), por ele manipulado, com o fito de
comente o delito almejado.

O executor (autor imediato) é mero instrumento do “autor mediato”, razão pela qual age
sem dolo ou culpa. Caso assim não o fosse, estaríamos diante de coautoria!

Contudo, não satisfeito com essa distinção e vislumbrando algumas situações problemá-
ticas, Claus ROXIN criou “nova espécie ou modalidade” de autoria mediata: a autoria mediata
por domínio de organização ou POR DOMÍNIO DE APARATO ORGANIZADO DE PODER.

Como muito bem assinala o professor Paulo Queiroz, “trata-se de uma espécie diversa
de autoria, porque aqui autor mediato e imediato (homem de trás e executor) são igualmente
culpáveis e puníveis. Além disso, não seria o caso de coautoria, quer porque o executor é
uma figura anônima e substituível (fungível), quer porque não há, em geral, acordo prévio e
preciso entre mandantes e mandatários, que, com frequência, sequer se conhecem”.

Segundo Roxin, o nível de pressão a que é submetido o autor direto dentro de um apa-
rato organizado de poder em comparação a um executor independente, APESAR DE NÃO
SER SUFICIENTE PARA EXCLUIR SUA CULPABILIDADE NEM RESPONSABILIDADE
PENAL, o predispõe ao cometimento do delito, aumentando consideravelmente a probabili-

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dade do cumprimento de uma ordem e contribuindo, consequentemente, ao domínio do fato


pelo homem de trás.

Particularmente, na realidade brasileira, entendo que o melhor exemplo a ser obser-


vado para ilustrar essa ideia são as mulas do tráfico.

O tema ainda demanda algumas reflexões e uma leitura crítica. Entretanto, com o con-
teúdo acima exposto, você estará mais do que apto a responder e garantir os pontos de
eventuais cobranças em provas!

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

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“JUIZ SEM ROSTO” NO BRASIL E AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

REALIDADE E EQUÍVOCO INTERPRETATIVO?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Precisamos falar de forma um pouco mais aprofundada sobre aspectos importantes


operacionalizados pela Lei n. 12.694/2012, a qual trouxe a previsão, em âmbito federal, do jul-
gamento colegiado em 1º grau de jurisdição em crimes envolvendo organizações criminosas.

Vale destacar que essa lei foi pioneira na conceituação de organização criminosa no
âmbito interno, apesar de não ter tipificado tal comportamento como delito. De acordo com
sua redação originária, organização criminosa seria a associação, de 3 (três) ou mais pes-
soas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que infor-
malmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza,
mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou
que sejam de caráter transnacional.

Entretanto, como se sabe, esse conceito não é mais atual. Isso porque, menos de um
ano depois de sua vigência, a Lei 12.850/2013 adotou outro conceito, bem como tipificou
organização criminosa como delito autônomo. A partir de então, temos que ORCRIM é a
associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela
divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente,
vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máxi-
mas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Apesar de parcela minoritária da doutrina sustentar a coexistência desses dois concei-


tos, prevalece a ideia de que a Lei n. 12.850/2013 revogou a Lei n. 12.694/2012 especifica-
mente no que tange ao conceito de organização criminosa, devendo ser ele o único utilizado,
para fins de segurança jurídica.

Feito esse registro, retomemos à ideia do julgamento colegiado em 1º grau. Desde


2012, portanto, temos verdadeiros “acórdãos de 1º grau”! Essa técnica de julgamento poderá
ser utilizada tanto em relação ao crime de organização criminosa, como também no “crime
organizado por extensão”, ou seja, nos delitos praticados pelos grupos organizados em si.

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Essa Lei n. 12.694/2012 é a primeira lei federal a tratar sobre esse tema. Todavia, é
necessário destacar a Lei n. 6.806/2007 do Estado de Alagoas, que criou um juízo colegiado
para o julgamento de crimes praticados por organização criminosa, atendendo inclusive a
Recomendação 03/2006 do CNJ. Essa lei foi parar no STF, quando do julgamento da ADI
4.414, o qual apontou algumas diretrizes sobre a compatibilidade ou não desse juízo cole-
giado ao ordenamento jurídico pátrio, já que até o presente momento não houve apreciação
da constitucionalidade ou não da lei federal.

E o que o STF entendeu?

Diante da inércia (à época) da União em legislar sobre a matéria, poderiam sim os Esta-
dos legislar sobre a matéria, já que se trataria de matéria vinculada ao PROCEDIMENTO (e
não ao processo), havendo, pois, autorização constitucional para tanto. A única ressalva que
o STF fez foi o fato de que essa lei se valia do conceito da Convenção de Palermo para o
crime de organização criminosa e isso violaria o princípio da legalidade no que se refere a
garantia da chamada lex populli.

Esse problema foi superado com a Lei n. 12.694/2012. Muita coisa pode ser falada
sobre essa lei, mas uma das dúvidas que podem suscitar controvérsias e pegadinhas de
prova é se esse julgamento colegiado de 1º grau se assemelha à figura do “Juiz sem Rosto”?

A resposta é negativa, porém precisamos explorar mais. Na década de 90, a Colômbia


vivenciava um cenário constante de terrorismo provocado pelo narcotráfico, sendo frequente
assassinatos de juízes, testemunhas e investigadores que não “jogassem o jogo” imposto
pela criminalidade. Tentando gerar uma “proteção” aos julgadores, fora criada essa figura,
cujas marcas principais é a não revelação da identidade civil do julgador, seu nome, seu rosto
e até mesmo sua formação técnica. Como apontava Luiz Flávio Gomes, “do juiz sem rosto
nada se sabe, salvo que dizem que é juiz”.

Nos anos 2000, a Corte Constitucional colombiana reputo a figura do juiz sem rosto com
inconstitucional, violadora do devido processo legal, publicidade e do direito ao confronto na
produção de provas. Em sentido similar, a Corte IDH, no caso Castillo Petruzii e outros vs.
Peru analisando um julgamento realizado por magistrados e membros do MP “MASCARA-
DOS” afirmou que, em razão da impossibilidade de identificar o magistrado, não era possível
assegurar que fosse o julgador investido da jurisdição para julgar.

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O que a Lei n. 12.694/12 fez não foi reproduzir o juiz sem rosto, afinal isso seria incons-
titucional e inconvencional. Apesar de haver um julgamento colegiado em 1º grau, os juízes
são identificáveis, a decisão não é apócrifa e é possível arguir exceções de impedimento ou
suspeição.

Assim, apesar de algum desconforto doutrinário, prevalece com alguma tranquilidade


da constitucionalidade do Juízo Colegiado de 1º Grau nos crimes organizados.

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

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DIFERENTES STANDARDS PROBATÓRIOS DO SEQUESTRO NO CPP


E NA LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS

Olá, pessoal! Tudo certo?

Como sempre falo, a preparação para concurso público em carreiras jurídicas exige uma
preparação constante na tríade da doutrina, legislação e jurisprudência. Entretanto, conhecer
os temas abordados em cada um desses vértices não mais vem se revelando suficiente.

É preciso revisar constantemente e, sobretudo, atentar para os detalhes. É justamente


nesses pontos que tento aperfeiçoar nas aulas e textos. O objeto desse artigo é justamente
um ótimo exemplo disso.

Calma. Antes de entendermos as peculiaridades e atentar para os detalhes, é preciso


compreender o contexto da discussão. Afinal, o que são esses STANDARDS PROBATÓRIOS?

Há várias formas de definir, mas é possível sintetizar na ideia de modelos padronizados


para aferição do juízo (controle judicial) acerca do grau ou nível de prova exigido no caso
concreto para dirimir algo ou fundamentar uma decisão. São modelos ou critérios padroniza-
dos de controle judicial.

Não entendi, Pedro! Calma!

Sabe quando o legislador se vale de expressões como “além de dúvida razoável”, “pre-
ponderância de prova”, “indícios de autoria”, “indícios veementes de autoria”, etc? Essas fórmu-
las são standards probatórios. Ou seja, também chamados de modelos de constatação, eles
correspondem aos níveis de provas exigidos nas diferentes espécies de processos judiciais.

Vejamos alguns exemplos:

STANDARD PROBATÓRIO FINALIDADE


VPI (Verificação da Procedência das Informações) Para formalmente abrir investigação criminal após
receber uma denúncia anônima.
Prova da materialidade (juízo de certeza) + indícios Para decretação de prisão preventiva (art. 312 do CPP).
de autoria (juízo de probabilidade)
Convencimento quanto à materialidade + presença Para a pronúncia do réu (art. 413 do CPP)
de indícios suficientes de autoria
Juízo de certeza quanto à autoria e materiali- Para fins de condenação do réu.
dade além de qualquer dúvida razoável.

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Compreendido o tema, vamos aprofundar em uma questão ainda não vista em provas,
mas que seria bastante interessante. E se seu examinador perguntar: Disserte sobre os stan-
dards probatórios no sequestro da Lei de Lavagem comparando-os aos do CPP.

Calma! Vamos entender:

O art. 4º da Lei de Lavagem afirma que para a decretação de MEDIDAS ASSECURA-


TÓRIAS (entre elas o sequestro), são necessários havendo INDÍCIOS SUFICIENTES de
infração penal. Isso DIFERE da previsão do CPP, vez que o art. 126 prevê “para a decretação
do sequestro, bastará a existência de indícios VEEMENTES da proveniência ilícita dos bens”.

Parcela da doutrina (Badaró e Bottini), pois, anotam que “indícios suficientes” do delito
retrata grau de constatação menor (standard probatório de menor grau) que a de “indí-
cios veementes da proveniência ilícita dos bens”, sendo esse standard mais rigoroso do
que o do CPP!

Trata-se, pois, de tema que exige uma bagagem doutrinária interessante, compreensão
acerca dos standard´s probatórios e, sobretudo, uma leitura atenta da legislação, encon-
trando os pontos diferenciais. Se você não sabia, zero problema! Agora já sabe!

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

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TEMA N. 1077 NO STJ

NOVA TESE CRIMINAL FIXADA PELA 3ª SEÇÃO DO STJ!

Fala, pessoal! Tudo certo?

No Informativo 702 do Superior Tribunal de Justiça, houve a veiculação do REsp


1.794.854/DF, relatado pela Ministra Laurita Vaz, julgado em 23/06/2021, ocasião em que a
3ª Seção da Corte definiu, à unanimidade o Tema 1077, segundo o qual condenações cri-
minais transitadas em julgado, não consideradas para caracterizar a reincidência, somente
podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não
se admitindo sua utilização para desabonar a personalidade ou a conduta social do agente.

Conforme se extrai do art. 68 do Código Penal Brasileiro, adotando a teoria idealizada


por Nelson Hungria, a dosimetria da pena privativa de liberdade deve observar o sistema tri-
fásico, a seguir esquematizado:
(i) 1ª Fase: A fixação da pena-base (utilizando-se os critérios do artigo 59 do Código Penal);
(ii) 2ª Fase: O magistrado deve levar em consideração a existências de circunstâncias
atenuantes (contidas no artigo 65 do Código Penal) e agravantes (artigos 61 e 62, ambos do
Código Penal);
(iii) 3ª Fase: Por fim, aqui, as eventuais causas de diminuição e de aumento de pena.

Especificamente em relação à primeira fase, o legislador delineou 08 vetores (circuns-


tâncias judiciais) para nortear a atuação judicante e concretizando a individualização da pena:
a culpabilidade; os antecedentes; a conduta social; a personalidade do agente; os motivos;
as circunstâncias; as consequências do crime; e o comportamento da vítima. Para a valora-
ção negativa de quaisquer delas, é imprescindível a devida fundamentação. Contudo, even-
tuais condenações transitadas em julgado que não forem consideradas para a reincidência,
somente poderá funcionar como antecedente criminal.

Nesse sentido, vejamos alguns precedentes do STJ:

“Uma vez existente condenação transitada em julgado por fato anterior ao cometimento
do delito sub examine, mostra-se correta a conclusão pela existência de maus antecedentes”
(6ª Turma, HC 399.029/PE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 26/06/2018).

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“O conceito de maus antecedentes, por ser mais amplo do que o da reincidência,


abrange as condenações definitivas, por fato anterior ao delito, transitadas em julgado no
curso da ação penal e as atingidas pelo período depurador, ressalvada casuística constata-
ção de grande período de tempo ou pequena gravidade do fato prévio” (6ª Turma. AgRg no
AREsp 924.174/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 06/12/2016).

Apesar de as condenações pretéritas poderem servir – quando não funcionarem como


agravante da reincidência – para recrudescer a pena base na 1ª fase da dosimetria da pena,
deve-se destacar que isso acontecerá exclusivamente em relação aos antecedentes crimi-
nais, não podendo ser utilizadas para avaliar personalidade do agente ou mesmo a con-
duta social.

Em relação a essa última, aliás, volta-se a aferir o seu comportamento perante a socie-
dade, afastando tudo aquilo que diga respeito à prática de infrações penais. Afastando a
possibilidade da valoração desse ponto ser realizada a partir de condenações pretéritas, o
próprio Supremo Tribunal Federal já anotou que ela representa o comportamento do agente
no meio familiar, no ambiente de trabalho e no relacionamento com outros indivíduos. Os
antecedentes sociais do réu não se confundem com os seus antecedentes criminais. São
circunstâncias distintas, com regramentos próprios, razão pela qual não se mostra correto o
magistrado utilizar as condenações anteriores transitadas em julgado como “conduta social
desfavorável”[1].

Como bem registrado no voto da Ministra Relatora, essa condenações tampouco podem
repercutir na esfera da PERSONALIDADE do agente, cuja valoração negativa “deve ser afe-
rida a partir de uma análise pormenorizada, com base em elementos concretos extraídos
dos autos, acerca da insensibilidade, desonestidade e modo de agir do criminoso para a
consumação do delito[2]. A personalidade, pois, é um retrato psíquico do agente, com suas
qualidades morais e sociais.

Nesse caminhar, cumpre registrar que a conduta social e a personalidade do agente


não se confundem com os antecedentes criminais, porquanto gozam de contornos próprios
– referem-se ao modo de ser e agir do autor do delito -, os quais não podem ser deduzidos,
de forma automática, da folha de antecedentes criminais do réu. Trata-se da atuação do réu
na comunidade, no contexto familiar, no trabalho, na vizinhança (conduta social), do seu tem-
peramento e das características do seu caráter, aos quais se agregam fatores hereditários e
socioambientais, moldados pelas experiências vividas pelo agente (personalidade social)[3].

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Ou seja, pode anotar no seu material a síntese do TEMA 1077, porque ele VAI CAIR NA
SUA PROVA: “Condenações criminais transitadas em julgado, não consideradas para carac-
terizar a reincidência, somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título
de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização para desabonar a personalidade
ou a conduta social do agente”.
Espero que tenham gostado e, sobretudo, entendido!

Vamos em frente!

[1] STF, 2ª Turma, RHC 130132, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 10/5/2016.
[2] HC 472.654/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 11/3/2019 e STJ, AgRg
no REsp 1.918.046/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe
19/04/2021
[3] STJ, 3ª Seção, EAREsp 1.311.636-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, jul-
gado em 10/04/2019.

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DECISÃO IMPORTANTÍSSIMA
SOBRE COMPETÊNCIA CRIMINAL DA 3ª SEÇÃO DO STJ

Fala, pessoal! Tudo certo?

Sabemos que competência é um dos três temas mais frequentes nas provas de pro-
cesso penal, com incidência em todas as fases do concurso. E se, para muitos, acompanhar
esse tema é um verdadeiro desafio – e de fato é – atentar para entendimentos consagrados
pela 3ª Seção do STJ – que reúne os Ministros das Turmas Criminais – se revela de rigor.

No dia 09 de junho de 2021, o referido colegiado se reuniu para julgar o Conflito de


Competência 179.467/RJ. O caso envolvia o delito de esbulho possessório (art. 161, II do
CPB[1]), cujo objetivo primário é evitar e punir o impedimento da utilização do bem por quem
exerce a posse direta. Ou seja, o sujeito passivo desse crime é APENAS o possuidor DIRETO.

Isso ganha relevância em relação à alienação fiduciária, pois a posse é desdobrada: (i)
a direta é exercida pelo devedor fiduciário, ao passo que a (ii) indireta é pelo credor. Logo,
apenas o devedor fiduciário pode ser vítima do crime de esbulho possessório do Código Penal.

CUIDADO! Apesar disso, não é correta a ilação de que o credor fiduciário carece de
interesse em relação ao bem esbulhado. Ele só não é vítima. Tanto isso é verdade que, no
plano cível, o credor será legitimado concorrente para ingressar com ação de reintegração
de posse (vide art. 560 do CPC/2015[2]).

E POR QUE ISSO É IMPORTANTE, PEDRO?

Isso é sim extremamente importante. Como acontece na maior parte das vezes, o credor
fiduciário é a Caixa Econômica, empresa pública federal. Logo, se há interesse jurídico dela,
está preenchido requisito do art. 109, IV da CF[3] e a competência é da Justiça Federal,
mesmo a CEF NÃO sendo vítima.

E quando o bem imóvel esbulhado for financiado pelo Programa Minha Casa, Minha
Vida, considerando que a União subsidia esse pagamento, enquanto o bem estiver vinculado
ao programa (vigência do contrato subsidiado por verba federal), haverá também o interesse
direto da União, ratificando a competência da JF.

Então, pode anotar e guardar no coração a assertiva que despencará em provas:

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COMPETE À JUSTIÇA FEDERAL PROCESSAR E JULGAR O CRIME DE ESBULHO


POSSESSÓRIO DE IMÓVEL VINCULADO AO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA.
Espero que tenham gostado e, sobretudo, entendido!

Vamos em frente!

[1] Art. 161, II – invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante con-
curso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório.
§ 2º Se o agente usa de violência, incorre também na pena a esta cominada. § 3º Se a pro-
priedade é particular, e não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.
[2] Art. 560. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e rein-
tegrado em caso de esbulho.
[3] Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: IV – os crimes políticos e
as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de
suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada
a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

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CONFERINDO CONCRETUDE À RESOLUÇÃO DA CIDH,


STJ DETERMINA CONTAGEM DE PENA EM DOBRO
NAS CONDIÇÕES DEGRADANTES

Fala, pessoal! Tudo certo?

Hoje falaremos sobre uma decisão histórica dentro do âmbito do Superior Tribunal de
Justiça, independentemente da concordância ou não quanto ao seu mérito. A 5ª Turma da
Corte conferiu, à unanimidade, concretude a uma determinação firmada em Resolução da
Corte Interamericana de Direitos Humanos, adotando posicionamento mais ampliativo à luz
do vértice interpretativo pro homine.

Pela primeira vez, o Superior Tribunal de Justiça se valeu do PRINCÍPIO DA FRATER-


NIDADE[1] para gerar contagem de pena mais benéfica ao apenado em local degradante. Se
isso virará case para ser replicado a outras situações, só o tempo dirá. Vamos compreender
o contexto e o caso concreto.

Diante do evidente quadro de calamidade do sistema penitenciário e de extrema indig-


nação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, houve provocação junto à Corte
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a fim de que se averiguasse as péssimas e
degradantes condições prisionais do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (RJ), fato esse
que resultou na edição de Resolução da CIDH no dia 22/11/2018.

De acordo com a Resolução acima referida, reconheceu-se que os presos alocados


no IPPSC estavam em situação degradante, delineando-se expressa determinação, entre
outras coisas, de que se computasse “em dobro cada dia de privação de liberdade cumprido
no IPPSC, para todas as pessoas ali alojadas, que não sejam acusadas de crimes contra a
vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais, ou não tenham sido por eles condenadas“.

Que o Brasil se submete à CIDH não há dúvidas. Entretanto, o ponto de divergência evi-
denciado no caso concreto[2] se referia à extensão dos efeitos dessa Resolução. De acordo
com o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ), a contagem do prazo em dobro no cum-
primento da pena somente deve se dar a partir de dezembro de 2018, data exata em que o
Brasil fora notificado na edição da Resolução da CIDH.

E esse entendimento prevaleceu no STJ?

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NÃO! De acordo com a 5ª Turma, por princípio interpretativo das convenções sobre
direitos humanos, o Estado-parte da CIDH pode ampliar a proteção dos direitos humanos,
por meio do princípio pro personae, interpretando a sentença da Corte IDH da maneira mais
favorável possível aquele que vê seus direitos violados. Esse espírito hermenêutico indica
que a melhor interpretação a ser dada, é pela aplicação a Resolução da Corte Interamericana
de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 2018 a todo o período em que cumprida pena
no IPPSC, independentemente da data da notificação.

Isso porque essa Resolução apenas reconheceu uma condição degradante, com as
respectivas consequências, fato esse que deve permitir a consideração de todo o período
contado em dobro. Vale destacar que o o Min. João Otávio Noronha anotou que o princípio
da FRATERNIDADE, de estatura constitucional indica que os direitos e garantias expressos
na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e princípios por ela adotados ou
dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O horizonte
da fraternidade é, na verdade, o que mais se ajusta com a efetiva tutela dos direitos huma-
nos fundamentais. A certeza de que o titular desses direitos é qualquer pessoa, deve sempre
influenciar a interpretação das normas e a ação dos atores do Direito e do Sistema de Justiça.

Se esse entendimento será aplicado de forma extensiva a outros casos, mormente con-
siderando que o próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu que o sistema penitenciário
brasileiro está em Estado de Coisas Inconstitucional não há como saber, apesar de ser uma
tese sedutora.

Entretanto, não há dúvidas, de que esse caso concreto aparecerá nas próximas provas!

Assim, espero que tenham gostado e, sobretudo, entendido!

Vamos em frente!

[1] Ciente de que a cidadania e a dignidade humana são fundamentos da Constituição,


é dever do Poder Público orientar a construção de uma sociedade fraterna, como indica o
preâmbulo da Carta (HC n. 94163, Relator Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma do STF,
julgado em 2/12/2008).
[2] RHC 136.961-RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unani-
midade, julgado em 15/06/2021.

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TEMA N. 1084 – NOVO REPETITIVO DO STJ

IMPORTANTE DECISÃO ACERCA DA PROGRESSÃO DE REGIME


A PARTIR DA NOVA REDAÇÃO INSERIDA PELA LEI ANTICRIME!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Sabemos que as novidades da Lei Anticrime são essenciais para que possamos gaba-
ritar questões de provas, mormente porque a tendência dos examinadores, nesses anos ini-
ciais de sua vigência, é exigir conhecimento da sua literalidade.

Entretanto, já se começa a perceber importantes decisões dos Tribunais Superiores


acerca de temas recém inseridos pelo referido diploma, com repercussões teóricas e práticas
relevantes.

Conforme veiculado no Informativo 699, o Superior Tribunal de Justiça teve oportuni-


dade de apreciar uma dessas novidades, relativas à execução penal, aprovando o novíssimo
TEMA 1084, a partir da sistemática de repetitivos.

Ao concluir o julgamento do RESP 1.910.240/MG, o colegiado anotou que “é reconhe-


cida a retroatividade do patamar estabelecido no art. 112, V, da Lei n. 13.964/2019, àque-
les apenados que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem resultado
morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante”.

Sabemos que a Lei Anticrime promoveu importantes e sensíveis mudanças relativas à


progressão de regime, especialmente afastando-se do critério fracional e adotando percen-
tuais variados para fins de comprovação do requisito objetivo vinculado a esse benefício da
execução[1].

Assim, se antes qualquer apenado em crime hediondo ou equiparado REINCIDENTE


(genérico ou específico) precisava atender a 3/5 de pena cumprida para progredir, atual-
mente, com a Lei 13.964/2019 será preciso um cuidado e atenção, pois o tratamento mais
recrudescido SOMENTE se verificará nos casos de reincidência específica.

Segundo o STJ, ainda que provavelmente não tenha sido essa a intenção do legisla-
dor, é irrefutável que de lege lata, a incidência retroativa do art. 112, V, da Lei n. 7.210/1984,
quanto à hipótese da lacuna legal relativa aos apenados condenados por crime hediondo ou

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equiparado e reincidentes genéricos, instituiu conjuntura mais favorável que o anterior lapso
de 3/5, a permitir, então, a retroatividade da lei penal mais benigna.

Analisando o caso concreto, é dever reconhecer a incidência retroativa da referida lei


em relação a condenado por estupro, porém reincidente genérico, de forma que é mister o
reconhecimento de sua retroatividade, dado que o percentual por ela estabelecido – qual
seja, de cumprimento de 40% das reprimendas impostas -, é inferior à fração de 3/5, anterior-
mente exigida para a progressão de condenados por crimes hediondos, fossem reincidentes
genéricos ou específicos.

Ou seja, temos um novo TEMA em repetitivos e ele congrega execução penal, impor-
tantes mudanças da lei anticrime e um dos assuntos mais constantes em prova dessa maté-
ria: progressão de regime! Portanto, vai despencar em prova!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

[1] Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a
transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver
cumprido ao menos: I – 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o
crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; II – 20% (vinte por cento)
da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave
ameaça; III – 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver
sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; IV – 30% (trinta por cento) da pena,
se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
V – 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime
hediondo ou equiparado, se for primário; VI – 50% (cinquenta por cento) da pena, se o ape-
nado for: a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte,
se for primário, vedado o livramento condicional; b) condenado por exercer o comando, indi-
vidual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou
equiparado; ou c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada; VII –
60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo
ou equiparado; VIII – 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime
hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.

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CONCUSSÃO E CORRUPÇÃO PASSIVA

O INTUITO DE LUCRO FÁCIL E A COBIÇA PODEM SER UTILIZADAS


PARA EXASPERAR A PENA BASE?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Falaremos hoje sobre um tema pacificado na jurisprudência dos Tribunais Superiores


e que, com alguma frequência, aparece em provas de concurso. O assunto está vinculado,
especialmente, aos crimes de concussão (art. 316 do CPB[1]) e corrupção passiva (art. 317
do CPB[2]), sendo tais alguns dos tipos mais assíduos em provas.

De acordo com o raciocínio reinante no sistema trifásico da dosimetria da pena (res-


salvado o caso da multa, que adota o sistema bifásico), a primeira etapa é a fixação da
“pena-base”. Para esse momento, o artigo 59 do CPB fixou 08 vetores interpretativos, os
quais devem ser utilizados pelo magistrado para fundamentar o seu convencimento quanto à
fixação da pena mínima ou eventualmente em patamares superiores, dentro da previsão em
abstrato. Vejamos:

Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à per-


sonalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como
ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para repro-
vação e prevenção do crime: (…).

Apreciando um caso concreto, a 3ª Seção do STJ verificou que o Tribunal de origem


adotou pena-base superior ao mínimo legal e, para tanto, fundamentou sua exasperação
para os crimes de corrupção passiva e concussão em 6 (seis) dos quesitos descritos no
caput do art. 59 do CP: a culpabilidade, a conduta social, a personalidade do agente, os
MOTIVOS DO CRIME, as circunstâncias e consequências do crime.

A grande celeuma está justamente na análise dos “MOTIVOS DO CRIME”. É que a


divergência identificada se dava quanto à possibilidade ou não de considerar a cobiça e a
finalidade de obtenção de lucro fácil como legítima motivação para exasperar a pena ou se
constituiria elementar dos crimes mencionados!

Vejamos o teor da fundamentação da decisão no ponto em tela:

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“(…) e) Motivos do crime: Considerando as premissas doutrinárias citadas quando da


análise da personalidade do réu XXXXXX, verifica-se que o ânimo de formação de quadri-
lha e cometimento dos delitos de concussão e corrupção passiva visou à obtenção de lucro
fácil, em razão de cobiça, consistente em recebimento de dinheiro mensal na quantia de
R$50.000,00 e outras vantagens indevidas para si e terceiros, em troca de apoio político,
o qual nunca poderia ser objeto de barganha pelo réu, porquanto se traduz em mecanismo
político importante para a representação popular, bem como exercício digno do mister de
legislador, em prol da população. Desta forma, a presente circunstância revela-se negativa-
mente valorada para o réu”.

Essa decisão não encontrou ressonância no âmbito do Superior Tribunal de Justiça,


tendo a Corte Superior laborado acertadamente. A compreensão foi de que os crimes contra
a administração pública analisados também ostentariam caráter de delito patrimonial. Jus-
tamente por isso, a ganância e a intenção de obter lucro fácil constituem elementares dos
delitos, não podendo, assim, serem utilizadas novamente na apreciação das circunstâncias
judiciais para justificar a elevação da pena-base.

Afinal, quando os fundamentos utilizados para valorar negativas os motivos e consequ-


ências do crime se confundem com elementares do próprio tipo, é pacífico que não há possi-
bilidade de legítima exasperação, justamente o que se verifica no caso em tela.

Segundo o Ministro Jorge Mussi (PExt no HC 166.605/RJ), “evidente que o que move o
agente na prática da concussão é a intenção de obter vantagem indevida, patrimonial ou não,
sem a qual não haveria crime, e, no caso, tendo essa vantagem valor econômico, certo que a
cupidez não poderia ser considerada para aumentar a sanção básica acima do mínimo, pois
inserida na elementar normativa do tipo do art. 316 do CP”.

Então anote porque vai cair em sua prova: De acordo com o entendimento do STJ,
embora inseridos no Código Penal no Título dos crimes contra a administração pública, tanto
a concussão (art. 316, CP) quanto a corrupção passiva (art. 317, CP) possuem várias das
características dos crimes contra o patrimônio, com a peculiaridade da qualificação do agente
como servidor público. Assim sendo, no exame das circunstâncias judiciais envolvendo a
prática desses dois delitos, a jurisprudência desta Corte vem entendendo que a cobiça, a
ganância e a intenção de obter lucro fácil constituem elementares dos delitos, não podendo,
assim, serem utilizadas novamente na apreciação das circunstâncias judiciais para justificar
a elevação da pena-base[3].

Espero que tenham gostado e, sobretudo, entendido!

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Vamos em frente!

[1] Art. 316 – Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da
função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena – reclusão, de
2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
[2] Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda
que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar
promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
[3] EDv nos EREsp 1196136/RO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/05/2017, DJe 01/08/2017.

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COAF E A ÚLTIMA PALAVRA SOBRE (I)LICITUDE


DE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA

IMPORTANTE DECISÃO DA 6ª TURMA DO STJ!

Olá, prezados! Tudo certo?

Hoje falaremos sobre um importantíssimo julgamento da lavra da 6ª Turma do Superior


Tribunal de Justiça, no RMS 42.120/SP, cujo cerne era a discussão sobre o procedimento a
ser adotado pelo Ministério Público após o recebimento de notitia criminis inqualificada ou
apócrifa (denúncia anônima) e os limites do sigilo bancário quando se constata uma movi-
mentação atípica, mas que foi considerada normal pelo COAF.

É de rigor rememorar que não se defere a possibilidade de quebra de sigilo de dados


com base exclusivamente em denúncia anônima. Entretanto, no caso em tela, após o recebi-
mento da referida notícia, houve diligência para apuração de informações quanto à existência
das movimentações. Entre essas diligências, menciona-se a própria consulta ao COAF, que
referendou a informação quanto à realização das transações. Entretanto, não fez constar
nos Relatórios de Inteligência Financeira (RIF’s) por entender que as movimentações eram
lícitas[1].

Os RIF’s são instrumentos através dos quais dados fiscais são compartilhados quando
se suspeita da prática de ilícitos criminais. No julgamento do RE 1.055.941, o STF enten-
deu – sob a sistemática de repercussão geral, que (i) é constitucional o compartilhamento
dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da
Receita Federal que define o lançamento do tributo com os órgãos de persecução penal para
fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado
o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior
controle jurisdicional e (ii) o compartilhamento referido no item anterior pela Unidade de Inte-
ligência Financeira e pela Receita deve ser feito unicamente por meio de comunicações for-
mais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos
efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.

Entretanto, isso ocorrerá quando o COAF entender haver indícios de atividades sus-
peitas e potencial ilicitude criminal. Mas e quando a conclusão for inversa? Quando o COAF
entender que as movimentações são lícitas e não fizer constar no RIF?

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De acordo com o Ministério Rogério Schietti Cruz, a existência do Relatório de Inteligên-


cia Financeira não é uma condição de procedibilidade para que o Ministério Público possa
investigar movimentações financeiras atípicas. O titular da ação penal é o Ministério Público,
que necessita desses dados para exercer seu juízo valorativo sobre a licitude das movimen-
tações financeiras. Nada impede que haja decisão judicial a autorizar tal compartilhamento.
Não fosse esse entendimento, a decisão do Coaf de não encaminhar o RIF acabaria por ser
definitiva, já que o MPF não teria acesso às informações de modo direto e, com base apenas
na denúncia anônima, não poderia recorrer ao Judiciário para a quebra do sigilo.

É importante compreender que uma das funções primordiais do Ministério Público é


justamente atuar como garantia da ordem constitucional e observância do respeito e promo-
ção dos direitos fundamentais. Nesse contexto, assegurar a possibilidade de acesso da ins-
tituição a movimentações suspeita é viabilizar a concretização de sua função constitucional.
Como destacou em seu voto o Ministro Relator, a doutrina de Alexandre Araújo aponta que
“Um Ministério Público que, na defesa dos interesses sociais seja capaz de enfrentar não
somente os poderes públicos (como, por exemplo, a criminalidade do poder, traduzida na cri-
minalidade política), mas também os selvagens poderes privados, traduzidos no absolutismo
dos poderes econômicos (como, por exemplo, as grandes indústrias que produzem danos
ambientais e à saúde dos consumidores) e dos poderes criminais (como, por exemplo, as
organizações criminosas)”[2].

Tema extremamente rico para aparecer em provas!

Espero que tenham entendido e gostado!

Vamos em frente!

[1] De acordo com o que consta dos autos, o COAF informou que os saques em espé-
cie, acima de 100 mil, eram realizados semanalmente, mas não resultaram em Relatório de
Inteligência Financeira (RIF).
[2] SOUZA, Alexander Araujo de. O Ministério Público como instituição de garantia: as
funções essenciais do Parquet nas modernas democracias. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2020, p. 154

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AFINAL, O ATO INFRACIONAL SERVE OU NÃO PARA AFASTAR A


CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI DE DROGAS?

Olá, pessoal! Tudo certo?

A maior parte dos compêndios de jurisprudência e manuais voltados para concurso


público apontam, de forma indiscriminada, que os atos infracionais, apesar de não poderem
servir de parâmetro para a reincidência (STJ, AgRg no AREsp 1665758/RO) e tampouco
para maus antecedentes (STJ, HC 499.987/SP), servem como óbice à incidência da causa
de diminuição de pena delineada no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Vejamos:

(…) 2. Concluído pelas instâncias antecedentes, com fulcro nos elementos constantes
dos autos e no fato de registrar atos infracionais análogos ao tráfico de entorpecentes, que o
agravante se dedica ao tráfico de drogas, a alteração desse entendimento – para fazer inci-
dir a minorante da Lei de Drogas – enseja o reexame do conteúdo probatório dos autos, o
que é inadmissível em sede de habeas corpus. Precedentes. 3. Conforme entendimento do
Superior Tribunal de Justiça, o registro de atos infracionais é elemento idôneo para afastar
a figura do tráfico privilegiado, quando evidenciar a propensão do agente a práticas crimino-
sas. Precedentes. (…) (AgRg no HC 573.149/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA
TURMA, julgado em 02/06/2020).

Entretanto, como restou bem delineado na decisão do Ministro Joel Ilan Paciornik, rela-
tor do Habeas Corpus 662.834, a possibilidade de utilização de atos infracionais pretéritos
para afastar a referida minorante se dá quando eles forem análogos ao tráfico, a fim de carac-
terizar a dedicação a atividades criminosas.

No caso analisado a situação era diversa. O ato infracional praticado pelo paciente
envolvia a divulgação em redes sociais de vídeos íntimos com menor com que manteve rela-
ções íntimas, vinculando-se ao art. 217-A do Código Penal e art. 241-B, ECA, não podendo
por si apontar dedicação à atividade criminosa do tráfico. Assim, sendo o paciente primá-
rio, sem antecedentes e a quantidade de droga apreendida não sendo de elevada monta,
possível o reconhecimento da aplicação do redutor previsto no § 4º, do art. 33, da Lei nº
11.343/2006[1].

Em conclusão, de acordo com o Ministro Relator, não se deve considerar em todos os


casos os atos infracionais como sendo crimes, para o afastamento da redutora prevista em
lei. A jurisprudência do STJ admite o uso de ato infracional para demonstrar habitualidade

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delitiva, desde que o crime praticado é o mesmo. No caso em tela, porém, os atos infracio-
nais praticados pelo réu enquanto menor de idade e que levaram à condenação não servem
para, por si só, apontar dedicação à atividade criminosa do tráfico.

O assunto, sem dúvidas, ainda está longe de restar pacificado, sendo uma ótima ques-
tão para uma prova discursiva, dissertativa ou oral.

Espero que tenham entendido e gostado!

Vamos em frente!

[1] 1. Consoante o § 4.º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, os condenados pelo crime de


tráfico de drogas terão a pena diminuída, de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), quando forem
reconhecidamente primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades
criminosas ou integrarem organização criminosa. Para que o agente possa ser beneficiado, é
preciso preencher cumulativamente os requisitos. 2. Na esfera da Lei n. 8.069/1990, as medi-
das socioeducativas aplicadas em resposta a ato infracional cometido por adolescente pos-
suem o objetivo de responsabilização quanto às consequências lesivas do ato, a integração
social e garantia de seus direitos individuais e sociais, bem como a desaprovação da conduta
infracional (art. 1.º, § 2.º, incisos I, II e III, da Lei n. 12.594/2012 – SINASE). 3. No entanto,
apesar de a medida socioeducativa, impositiva e preponderantemente pedagógica, possuir
certa carga punitiva, certo é que não configura pena e, portanto, não induz reincidência nem
maus antecedentes. Nessa medida, é incompatível considerar o registro de anterior ato infra-
cional, na terceira fase da dosimetria da pena do crime de tráfico de drogas, como elemento
caracterizador da dedicação do agente a atividades delituosas, obstando a minorante, equi-
parando a conduta a crime hediondo e recrudescendo a execução penal. 4. Vale dizer, o
registro da prática de fato típico e antijurídico por adolescente (inimputável), que não comete
crime nem recebe pena, atingida a maioridade penal, não pode ser utilizado como funda-
mento para se deduzir a dedicação a atividades criminosas, e produzir amplos efeitos desfa-
voráveis na dosimetria e execução da pena. 5. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Fede-
ral, em recentes julgados, tem reafirmado que “[a] prática de atos infracionais não é suficiente
para afastar a minorante do tráfico privilegiado, pois adolescente não comete crime nem
recebe pena. Como disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990), as
medidas aplicadas são socioeducativas, (arts. 1º e 112) e visam à proteção integral do ado-
lescente infrator” (HC 184.979-AgR/SP, Rel. Ministra CÁRMEN LÚCIA, SEGUNDA TURMA,
DJe 07/08/2020). (REsp 1916596/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado
em 27/04/2021, DJe 04/05/2021).

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IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO CALCADA EXCLUSIVAMENTE


EM DECLARAÇÕES INFORMAIS OBTIDAS
NO MOMENTO DO FLAGRANTE

RECENTE DECISÃO DO STF!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Falaremos hoje sobre uma importante decisão da lavra da 2ª Turma do Supremo Tribu-
nal Federal, datada do início de maio de 2021, no julgamento do RHC 170843 AgR/SP.

Em uma primeira e rápida análise, o ponto fulcral da decisão não nos oferece pro-
priamente uma novidade. É que segundo o colegiado, não se admite condenação baseada
exclusivamente em declarações informais prestadas a policiais no momento da prisão em
flagrante.

Ora, de acordo com o art. 155 do Código de Processo Penal, “o juiz formará sua con-
vicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fun-
damentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,
ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. Nesse caminhar, se a con-
denação é pautada exclusivamente em informações obtidas no momento da prisão em fla-
grante, temos a violação ao teor do dispositivo supracolacionado.

Ocorre que, ao analisarmos o inteiro teor da decisão acima referenciada, o que se des-
taca avidamente é que o Supremo Tribunal Federal destacou a importância e necessidade de
se observar o direito de advertência ao silêncio também no momento da prisão em flagrante,
sob pena de comprometimento da validade dos elementos de informação obtidos.

De acordo com o julgadores, A Constituição Federal impõe ao Estado a obrigação de


informar ao preso seu direito ao silêncio não apenas no interrogatório formal, mas logo no
momento da abordagem, quando recebe voz de prisão por policial, em situação de flagrante
delito. A falta da advertência ao direito ao silêncio, no momento em que o dever de informa-
ção se impõe, torna ilícita a prova.

É que o privilégio contra a autoincriminação (nemo tenetur se detegere), erigido em


garantia fundamental pela Constituição, importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo,
ao dever de advertir o interrogado acerca da possibilidade de permanecer calado.

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De acordo com o Ministro Gilmar Mendes – Relator – no caso concreto, da leitura


dos depoimentos dos policiais responsáveis pela prisão da recorrente, extrai-se que não foi
observado o comando constitucional, a partir do qual o preso deve ser informado acerca do
seu direito de permanecer em silêncio. Destacou-se que tal informação deve ser prestada ao
preso pelos policiais responsáveis pela voz de prisão e não apenas pelo delegado de polí-
cia, quando de seu interrogatório formal. Evidentemente, a todos os órgãos estatais dotados
de poderes normativos, judiciais ou administrativos, impõe-se a importante tarefa de reali-
zação dos direitos fundamentais. A Constituição Federal de 1988 atribuiu significado ímpar
aos direitos individuais. Já a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do
texto constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes significado especial.
A amplitude conferida ao texto, que se desdobra em setenta e oito incisos e quatro parágra-
fos (CF, art. 5º), reforça a impressão sobre a posição de destaque que o constituinte quis
outorgar a esses direitos. A ideia de que os direitos individuais devem ter eficácia imediata
ressalta, portanto, a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de
guardar-lhes estrita observância[1].

O direito ao silêncio, que assegura a não produção de prova contra si mesmo, cons-
titui pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das
expressões do princípio da dignidade da pessoa humana. O privilégio contra a autoincrimi-
nação nemo tenetur se detegere, erigido em garantia fundamental pela Constituição além
da inconstitucionalidade superveniente da parte final do art. 186 CPP importou compelir o
inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado do seu direito ao silên-
cio: a falta da advertência – e da sua documentação formal -faz ilícita a prova que, contra si
mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em con-
versa informal gravada, clandestinamente ou não[2].

Nesse contexto, consoante se infere de julgados outros da Corte Suprema a Constitui-


ção Federal impõe ao Estado a obrigação de informar ao preso seu direito ao silêncio não
apenas no interrogatório formal, mas logo no momento da abordagem, quando recebe voz
de prisão por policial, em situação de flagrante delito[3] e, caso tal procedimento não seja
observado, deverá redundar na ilicitude probatória, direta e derivada.

Espero que tenham entendido e gostado!

Vamos em frente!

[1] portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15340410508&ext=.pdf
[2] HC 80.949/RJ, rel. Min. SepúlvedaPertence, Primeira Turma, DJe 14.12.2001
[3] RHC 192798 AgR, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em
24/02/2021

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A EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE LEGÍTIMA DEFESA É SUFICIENTE


PARA O TRANCAMENTO DO PROCESSO PENAL?

SE LIGA NESSA RELEVANTE E RECENTÍSSIMA DECISÃO DO STJ!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Conforme analisamos em nossas aulas e livros, o trancamento do processo é uma


medida de força e possível de ser determinada pelo Poder Judiciário, quando a manutenção
da persecução penal – por si só – se revelar como constrangimento ilegal.

Assim, é iterativa a jurisprudência dos Tribunais Superiores no sentido de se admitir o


trancamento do processo, de forma prematura e em habeas corpus, desde que fique eviden-
ciada, de plano, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou,
ainda, se flagrantemente não houver lastro probatório mínimo para a instauração ou prosse-
guimento da ação penal.

Apesar de a persecução penal ser regida pelo princípio da presunção de inocência (ou
não culpabilidade), o fato é que essa extinção anômala do processo deve ser orientada por
cláusula de excepcionalidade, justamente quando a causa para sua verificação restar evi-
denciada de maneira clara.

Conforme muito bem anotado pelo Ministro Antônio Saldanha Palheiro, do STJ, o tran-
camento do processo se revela como medida excepcional, uma vez que a regra é que haja o
regular exercício do direito de ação, no caso da ação penal pública, poder-dever atribuído ao
Ministério Público pela Constituição Federal (art. 129, I). Por isso, somente quando for neces-
sário afastar constrangimento ilegal suportado pelo acusado, nas hipóteses acima referidas,
é que se admitirá o excepcional trancamento da ação penal[1].

No último dia 16 de março de 2021, a 6ª Turma do STJ se deparou com um caso em


que a Corte Estadual havia trancado o processo diante da presença de indícios de legítima
defesa. Entretanto, segundo o Tribunal Superior, tal conclusão revela-se precipitada, pois
mostrou-se necessária a realização de instrução probatória, uma vez que se deve aferir,
durante o iudicium accusationis, a ocorrência de eventual excesso e da própria excludente
de ilicitude[2].

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Ademais, cumpre destacar que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é, rei-


teradamente, no sentido de que a verificação da ocorrência da legítima defesa, por deman-
dar incursão aprofundada no acervo probatório, não pode ser realizada em habeas corpus.
Nesse sentido, é possível conferir a título ilustrativo alguns dos seguintes precedentes: (i) HC
404.593/PR, relator Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 24/10/2017, (ii)
RHC 88.331/BA, relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, jul-
gado em 26/9/2017, e (iii) HC 237.093/MS, relatora Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA,
julgado em 7/5/2013.

Ou seja, de acordo com a compreensão que se revela majoritária nas Cortes Superio-
res, não é possível encerrar a ação penal apenas em razão da possibilidade de a conduta
ter se dado em legítima defesa, porquanto necessário aferir se houve uso moderado dos
meios necessários a repelir a injusta agressão, bem como se esta agressão era atual ou imi-
nente, nos termos do disposto no art. 25 do Código Penal. A comprovação ou não da legítima
defesa, nos moldes legais, deve ser demonstrada durante a instrução processual, momento
apropriado para o Magistrado exercer seu juízo de convicção acerca dos elementos proba-
tórios juntados aos autos[3].

Pedro, então quer dizer que a legítima defesa JAMAIS pode ensejar trancamento do
processo penal?

CUIDADO! NÃO FOI ISSO QUE EU DISSE! Na verdade, a mera existência de indícios
de causa excludente da ilicitude não pode afastar o direito à instrução processual. Entretanto,
havendo um cenário em que as provas e evidências produzidas e identificadas se revelem
total e integralmente convergentes (como no caso de haver testemunhas presenciais que
confirmassem a versão dos recorridos, por exemplo), seria plenamente possível a realização
excepcional de trancamento do processo criminal.

Em regra, porém, somente após a realização da instrução probatória, ao final do iudi-


cium accusationis (julgamento da acusação), acaso confirmada, em juízo, a versão apre-
sentada pelos acusados, é que se poderia reconhecer a legítima defesa e, por conseguinte,
absolver sumariamente os imputados.

Espero que tenham entendido e gostado!

Vamos em frente!

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[1] No mesmo sentido: 1. O trancamento prematuro de persecução penal, pela via


estreita do writ, é medida excepcional, admissível somente quando emergem dos autos, de
plano e sem necessidade de apreciação probatória, a ausência de lastro mínimo de mate-
rialidade e de autoria, a absoluta falta de justa causa, a evidente atipicidade da conduta ou
a ocorrência de causa de extinção da punibilidade, conforme reiterada jurisprudência deste
Superior Tribunal.2. O Tribunal a quo, na espécie, afirmou que são suficientes para configu-
rar a justa causa os elementos coletados no inquérito policial, em que há indícios de que o
paciente teria oferecido droga para as jovens, o que seria demonstrado pelos depoimentos
uniformes na delegacia. Desse modo, não há como se constatar, nesta via, motivo para o
trancamento da ação penal, já que não se pode excluir do Ministério Público, de plano, a pos-
sibilidade de produzir novas provas durante a instrução processual, que sejam aptas ao con-
vencimento do Juízo de origem.3. Especificamente quanto à tese de ausência de materiali-
dade pela inexistência de laudo preliminar em relação às jovens que teriam recebido drogas
do paciente, o Tribunal a quo não conheceu da matéria no ponto, o que impede o exame
acurado do tema por essa Corte, sob pena de indevida supressão de instância. 4. Recurso
não provido (RHC 122.998/DF, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA,
julgado em 02/02/2021).
[2] REsp 1013441/PR, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA,
julgado em 16/03/2021.
[3] RHC 111.043/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA
TURMA, julgado em 19/09/2019.

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LEI N. 7.492/1986: A UTILIZAÇÃO DE “LARANJAS”


DESNATURA O CRIME DO ART. 21
DA LEI DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL?

PREPARAMOS ESSE CONTEÚDO ESPECIAL PARA QUE VOCÊ CONSIGA ENTENDER


A LEI N. 7.492/1986, TAMBÉM CONHECIDA COMO A LEI DOS CRIMES CONTRA O
SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, UMA DAS MAIS COMPLEXAS. CONFIRA ABAIXO!

Fala, pessoal! Tudo certo?

Sempre falo que a Lei n. 7.492/1986 – a Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro
Nacional – é uma das mais complexas de serem assimiladas, tanto sob o prisma da compre-
ensão teórica, como também da atuação prática.

Ao julgar o RESP 1.595.546/PR (Rel. Min. Nefi Cordeiro), julgado em 2/5/2017, a 6ª


Turma do STJ teve a oportunidade de apreciar uma situação bastante peculiar e impor-
tante. No caso mencionado, houve apresentação de Promoção de Arquivamento por parte
do Ministério Público, mas o juízo de 1º grau – em sua (extremamente criticável, mas aceita
majoritariamente) “função anômala de fiscal da obrigatoriedade da ação penal pública” – não
aderiu ao intento do titular da ação penal e se valeu do artigo 28 do CPP.

ATENÇÃO! Sabe-se que a Lei Anticrime alterou a redação do art. 28 do CPP para
acabar com a atuação do Poder Judiciário no procedimento de arquivamento de investiga-
ções criminais, mas – em razão de liminar concedida pelo STF – tais alterações encontram-
-se suspensas, restando ainda observável a previsão originária do art. 28 do Código.

Retomando o raciocínio, a discussão meritória que reputo importante para analisarmos


se dá quanto à TIPICIDADE e correspondência ao artigo 21 da Lei n. 7.492/1986 quando se
verifique a utilização de laranjas para aquisição de moeda estrangeira. Antes, porém, para
entendermos esse debate, imprescindível transcrever o dispositivo. Vejamos:

Art. 21. ATRIBUIR-SE, OU ATRIBUIR A TERCEIRO, FALSA IDENTIDADE, PARA REA-


LIZAÇÃO DE OPERAÇÃO DE CÂMBIO: Pena – Detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e
multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, para o mesmo fim, sonega informação
que devia prestar ou presta informação falsa.

Não entendi a polêmica, Pedro…

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Calma! É que no caso apreciado pelo STJ, não houve efetivamente uma atribuição pes-
soal ou a terceiros de falsa identidade. Não houve concretamente uma falsa identidade, pois
se sabia que estava realizado a operação de câmbio. Contudo, o que se constatou é que
essas operações se davam em favor de pessoas que se valiam de outras para fins de registro
e burla legal, tratando-se os adquirentes registrados de meros “laranjas” em favor daqueles
que efetivamente se beneficiavam da aquisição.

Particularmente (ATENÇÃO: trata-se aqui da minha opinião pessoal, com viés voltado
para a Defesa. Claro que se é meu posicionamento, entendo ser ele o correto, mas alerto que
o STJ deliberou em sentido contrário, como já já veremos), penso acertada a tese defensiva
que declinou pela INEXISTÊNCIA DE TIPICIDADE da conduta, e isso por um motivo bas-
tante claro. Parece-me que o ato de se valer de terceiro para a realização de operação de
câmbio NÃO ESTARIA ABRANGIDO pelo tipo do art. 21, Lei 9.492/86 (RELEIA O DISPOSI-
TIVO LÁ EM CIMA), já que não caracterizaria o núcleo do tipo por NÃO HAVER ATRIBUIÇÃO
DE IDENTIDADE FALSA E INEXISTENTE, principalmente em razão da anuência do terceiro
com a aposição verídica de sua assinatura (como foi no caso em tela).

Mas esse NÃO FOI o entendimento que prevaleceu na 6ª Turma do STJ!

Segundo o Ministro Relator, “a conduta prevista no art. 21, Lei 9.492/86, pressupõe
fraude que tenha o potencial de dificultar ou impossibilitar a fiscalização sobre a operação
de câmbio, com o escopo de impedir ou constatar a prática de condutas delitivas diversas
ou mesmo eventuais limites legais para a aquisição de moeda estrangeira (…). Assim, ainda
que os terceiros tenham anuído com as operações, TAL FATO, POR SI, NÃO É CAPAZ DE
DESCARACTERIZAR O TIPO PENAL, POIS O BEM JURÍDICO RESTOU VIOLADO COM
A DISSIMULAÇÃO DE ESCONDER A REAL IDENTIDADE DO ADQUIRENTE DA MOEDA
ESTRANGEIRA VALENDO-SE DA IDENTIDADE, AINDA QUE VERDADEIRA, DE TER-
CEIROS”[1].

Sendo assim, muita atenção em provas objetivas, em que esse entendimento poderá
ser explorado pelo seu examinador! Em provas discursivas, entretanto, você deverá apresen-
tar as duas correntes e os respectivos argumentos que foram acima detalhados!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, entendido.

Vamos em frente!

[1] O bem jurídico resta violado com a dissimulação de esconder a real identidade do
adquirente da moeda estrangeira valendo-se da identidade, ainda que verdadeira, de tercei-
ros (6ª Turma, REsp 1.595.546-PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 2/5/2017).

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL JULGOU O ART. 17-D


DA LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS INCONSTITUCIONAL

Olá, pessoal! Tudo bem?

Vamos tratar de um tema extremamente importante e que era bastante aguardado


por parcela significativa da doutrina. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal concluiu
o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4911, ajuizada pela Associação
Nacional dos Procuradores da República (ANPR), concluindo pela inconstitucionalidade do
art. 17-D da Lei de Lavagem de Capitais.

De acordo com o referido dispositivo, “em caso de indiciamento de servidor público,


este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que
o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno”.

Apesar do registro do entendimento sem sentido contrário dos vencidos Ministros


Edson Fachin[1] e Carmen Lucia, a maioria dos Ministros da Corte refutaram a constitucio-
nalidade da norma, revelando-se em descompasso com a presunção de inocência a ideia
de mero indiciamento nos crimes de lavagem acarretarem afastamento AUTOMÁTICO de
servidor público.

Segundo a compreensão majoritária, a determinação do afastamento automático do


servidor investigado, por consequência única e direta do indiciamento pela autoridade poli-
cial, não se coaduna com o texto constitucional, uma vez que o afastamento do servidor,
em caso de necessidade para a investigação ou instrução processual, somente se justifica
quando demonstrado nos autos o risco da continuidade do desempenho de suas funções e a
medida ser eficaz e proporcional à tutela da investigação e da própria administração pública,
circunstâncias a serem apreciadas pelo Poder Judiciário.

Reputou-se violado o princípio da proporcionalidade quando não se observar a neces-


sidade concreta da norma para tutelar o bem jurídico a que se destina, já que o afastamento
do servidor pode ocorrer a partir de representação da autoridade policial ou do Ministério
Público, na forma de medida cautelar diversa da prisão, conforme os arts. 282, § 2º, e 319,
VI, ambos do CPP.

De acordo com Min. Alexandre de Moraes, “a presunção de inocência exige que a


imposição de medidas coercitivas ou constritivas aos direitos dos acusados, no decorrer de
inquérito ou processo penal, seja amparada em requisitos concretos que sustentam a funda-

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mentação da decisão judicial impositiva, não se admitindo efeitos cautelares automáticos ou


desprovidos de fundamentação idônea”.

O Ministro ainda afirma que o art. 17-D da Lei 9.613/1998, objeto da presente ação,
determina o afastamento do servidor público como consequência necessária e automática do
indiciamento realizado pela autoridade policial, independentemente de qualquer motivação
específica relacionada ao sujeito indiciado, às circunstâncias do crime investigado ou, ainda,
vinculadas a medidas de caráter essencialmente cautelar destinadas à tutela de coletividade.
Trata-se, assim, de medida restritiva de direitos materiais do investigado determinada sem
que haja pedido por qualquer legitimado ou apreciação concreta de sua necessidade e efi-
cácia, fundada tão somente numa consequência legal do ato de indiciamento da autoridade
policial, o que não tem aderência ao texto constitucional e ao sistema acusatório.

Ademais, a Corte anotou que o indiciamento é ato dispensável para o ajuizamento de


ação penal, razão pela qual a norma que determina o afastamento automático de servidores
públicos, por força da opinio delicti da autoridade policial, quebraria a isonomia entre acusa-
dos indiciados e não indiciados, ainda que denunciados nas mesmas circunstâncias, além da
possibilidade de arquivamento da investigação mesmo que haja indiciamento prévio.

Vale registrar que o ato de indiciamento não gera e não pode gerar efeitos materiais
em relação ao indiciado, já que se trata de mero ato de imputação de autoria de natureza
preliminar, provisória e não vinculante ao titular da ação penal. Sendo conclusão havida pela
autoridade policial a partir das investigações, tem natureza meramente descritiva e, conforme
pacífica doutrina, produz apenas efeitos sociais de indicação do indiciado como possível
autor da infração penal.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

[1] De acordo com o Ministro, que julgou pela improcedência da ADI e, portanto, pela
constitucionalidade da norma, a atribuição pelo legislador de poder cautelar à autoridade
policial coaduna-se com as funções que lhe foram atribuídas pelo texto constitucional, na
linha da jurisprudência desta Corte que reconhece a necessidade de instrumentos para o
exercício de um dever constitucional a órgãos que não exercem natureza estritamente juris-
dicional. O art. 17-D, da Lei 9.613/1998 não afasta, na visão do Ministro, o princípio constitu-
cional insculpido no art. 5º, XXXV, mas apenas prevê hipótese de jurisdicionalidade diferida,
garantindo simultaneamente os direitos fundamentais do indiciado, bem como o respeito às
competências constitucionais do Poder Judiciário e do Ministério Público. O indiciamento é
ato privativo de Delegado de Polícia e necessariamente fundamentado, não se confundindo
com ato arbitrário ou mesmo discricionário da autoridade policial.

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COMO SE DÁ A PROGRESSÃO DE REGIME DE CUMPRIMENTO


DE PENA NOS CRIMES HEDIONDOS
EM FACE DO REINCIDENTE GENÉRICO APÓS A LEI ANTICRIME?

SE LIGA NO ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES


DIANTE DA LACUNA LEGISLATIVA.

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje vamos falar um pouco sobre (mais) um problema do ponto de vista prático legado
pela Lei Anticrime (Lei n. 13.964/2019), desta feita relacionado à execução penal.

Se outrora a progressão de regimes era orientada pelos critérios subjetivo e objetivo e,


em relação a esse segundo, o quantum de pena cumprida era definido em frações, a depen-
der do caso concreto, atualmente, com a Lei Anticrime, isso se alterou sensivelmente. Essa
modificação se deu tanto do ponto de vista da forma – já que agora o parâmetro objetivo é
firmado em percentuais – como também em multiplicidade de opções.

Vejamos o que diz o atual art. 112 da Lei de Execução Penal:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a
transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver
cumprido ao menos: I – 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o
crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; II – 20% (vinte por cento)
da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave
ameaça; III – 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver
sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; IV – 30% (trinta por cento) da pena,
se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
V – 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime
hediondo ou equiparado, se for primário; VI – 50% (cinquenta por cento) da pena, se o ape-
nado for: a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte,
se for primário, vedado o livramento condicional; b) condenado por exercer o comando, indi-
vidual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou
equiparado; ou c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada; VII –
60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo
ou equiparado; VIII – 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime
hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.

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Antes de avançarmos, é importante registrar que o § 2º do art. 112 da LEP aponta no


sentido de que a decisão que determinar a progressão será sempre motivada e precedida
de manifestação do Ministério Público e do defensor. Ademais, a Lei n. 13.769/2018 acres-
centou no art. 112 da LEP seu atual § 3º e com ele instituiu modalidade de progressão espe-
cial de regime, que deve ser concedida à mulher gestante ou que for mãe ou responsável
por crianças ou pessoas com deficiência, quando satisfeitos, cumulativamente, os seguintes
requisitos (i) não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; (ii) não ter
cometido o crime contra seu filho ou dependente; (iii) ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo)
da pena no regime anterior; (iv) ser primária e ter bom comportamento carcerário, compro-
vado pelo diretor do estabelecimento; (v) não ter integrado organização criminosa.

Apesar de o legislador ter (aparentemente) se dedicado bastante para a reformulação


do sistema de progressão de regime e, na maior parte dos casos, ter intentado o recrudesci-
mento do tratamento, o fato é que houve falhas e omissões – em princípio – não desejadas.

Entre as principais que podemos apontar está aquela referente aos crimes hediondos e
equiparados. Em relação a essa espécie delitiva, temos como requisito objetivo basicamente
os seguintes parâmetros:
a. 40% da pena, se o condenado for primário;
b. 50% da pena, se for: a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado,
com resultado morte, se for primário; b) condenado por exercer o comando, individual ou cole-
tivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado;
c. 60% da pena, se o condenado for reincidente na prática de crime hediondo ou
equiparado; e
d. 70% da pena, se o condenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com
resultado morte.

Ora, a partir de uma atenta leitura da nova redação do art. 112 da LEP conferida pelo
Pacote Anticrime, constata-se que em seu rol não consta tratamento específico da progres-
são de regime relativa ao condenado pela prática de crime hediondo ou assemelhado, reinci-
dente em razão de precedente condenação por crime que não é hediondo nem assemelhado
(REINCIDENTE GENÉRICO).

Dessa maneira, caso um apenado condenado por crime hediondo que seja reincidente
genérico (já tenha, por exemplo, cometido um crime de furto) esteja cumprindo pena, qual
será o percentual de pena que ele terá que cumprir para progredir de regime?

Tanto a 5ª quanto a 6ª Turmas do STJ manifestaram compreensão no sentido de que,


após as mudanças operadas pela Lei n. 13.964/19 (Pacote Anticrime), que alterou o artigo
112 da Lei de Execução Penal, ao condenado por crime hediondo ou equiparado que seja
reincidente genérico, deverá incidir o percentual equivalente ao que é previsto para o primá-

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rio, qual seja, de 40% (quarenta por cento) ou 50% (cinquenta por cento), na forma do art.
112, insc. V e VI, alínea a, da LEP, a depender do caso (se houve ou não resultado morte).

5ª Turma do STJ 6ª Turma do STJ


A Quinta Turma, em alinhamento ao que já vinha Em recentes julgados de ambas as Turmas Crimi-
sendo julgado pela Sexta Turma desta eg. Corte nais, firmou-se o posicionamento segundo o qual a
Superior, no julgamento dos HCs n. 613.268/SP e alteração promovida pelo Pacote Anticrime no
n. 616.267/SP, passou a entender que a entrada art. 112 da LEP não autoriza a aplicação do per-
em vigor da Lei n. 13.964/19 (Pacote Anticrime), centual de 60%, relativo aos reincidentes em
que alterou o artigo 112 da Lei de Execução Penal, crime hediondo ou equiparado, aos reinciden-
trouxe mudanças significativas no sistema de pro- tes não específicos. Isso porque, ante a omissão
gressão de regime, de forma que ao condenado legislativa, impõe-se o uso da analogia in bonam
por crime hediondo ou equiparado que seja rein- partem, para se aplicar, na hipótese, o inciso V do
cidente genérico, pelo uso da analogia in bonam artigo 112, que prevê o lapso temporal de 40% ao
partem, deverá incidir o percentual equivalente primário e ao condenado por crime hediondo ou
ao que é previsto para o primário, qual seja, de equiparado. (AgRg no HC 640.014/AC, Rel. Minis-
40% (quarenta por cento) ou 50% (cinquenta por tro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado
cento), na forma do art. 112, insc. V e VI, alínea em 23/03/2021, DJe 29/03/2021).
a, da LEP, a depender do caso (se houve ou não
resultado morte).  (AgRg no REsp 1919672/MG,
Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA,
julgado em 30/03/2021).

De forma a demonstrar a compreensão consolidada no STJ, o tema foi veiculado no


Informativo 681 da Corte, noticiando o entendimento detalhado da 6ª Turma, à unanimidade,
ao julgar o HC 581.315-PR.

À ocasião, anotou-se que, em relação aos apenados que foram condenados por crime
hediondo mas que são reincidentes em razão da prática anterior de crimes comuns não há
percentual previsto na Lei de Execuções Penais, em sua nova redação, para fins de progres-
são de regime, visto que os percentuais de 60% e 70% se destinam unicamente aos reinci-
dentes específicos, não podendo a interpretação ser extensiva, vez que seria prejudicial ao
apenado. Assim, por ausência de previsão legal, o julgador deve integrar a norma aplicando
a analogia in bonam partem. No caso (condenado por crime hediondo com resultado morte,
reincidente não específico), diante da lacuna na lei, deve ser observado o lapso temporal
relativo ao primário. Impõe-se, assim, a aplicação do contido no inciso VI, a, do referido artigo
da Lei de Execução Penal, exigindo-se, portanto, o cumprimento de 50% da pena para a pro-
gressão de regime[1].

Tema atual e extremamente importante! Certamente aparecerá nas próximas provas.

Vamos em frente!

[1] HC 581.315-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade,
julgado em 06/10/2020.

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O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO DEVER DE APRESENTAÇÃO


MENSAL EM JUÍZO, EM RAZÃO DA PANDEMIA DE COVID-19,
PODE SER RECONHECIDO COMO PENA EFETIVAMENTE CUMPRIDA

Olá, pessoal! Tudo certo?

A 6ª Turma do STJ nos brindou com uma interessantíssima decisão no último dia 27 de
abril de 2021, ao julgar o HC 657.382/SC[1], de relatoria da Min. Laurita Vaz. O caso envolvia
apenado que progrediu do semiaberto para o regime aberto e, entre outras condições, deve-
ria comparecer mensal e presencialmente em juízo.

Contudo, diante do contexto de pandemia, a Vara de Execução Penal acolheu a Reco-


mendação 62/2020 do CNJ e determinou a suspensão temporária do dever de apresentação
das pessoas em cumprimento de pena em regime aberto.

Diante disso, a defesa requereu judicialmente o reconhecimento do período de suspen-


são como pena efetivamente cumprida, no que foi atendida no âmbito do juízo da execução,
mas com reforma do entendimento no julgamento do Agravo em Execução.

De acordo com a 6ª Turma, o TJ, ao julgar o agravo em execução, se equivocou. A sus-


pensão do dever de comparecimento se deu em razões alheias à vontade do agente, não se
revelando razoável o prolongamento da pena sem que tenha sido evidenciada a participação
do apenado em tal retardamento.

Com a mesma conclusão cite-se trecho das Orientações sobre Alternativas Penais no
âmbito das medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus (Covid-19),
também elaborada pelo Conselho Nacional de Justiça para disciplinar situação semelhante
à ora analisada[2].

Ademais, no caso concreto, o paciente cumpriu TODAS AS DEMAIS CONDIÇÕES do


regime aberto, QUE NÃO FORAM SUSPENSAS, inclusive, permaneceu sujeito às sanções
relativas a eventual descumprimento, o que reforça a necessidade de se reconhecer o tempo
de suspensão do dever de apresentação mensal em juízo como pena efetivamente cumprida,
sob pena de alargar o período em que o apenado está sujeito à disciplina do regime aberto, o
que se revelaria abusivo, irrazoável e sem qualquer amparo no ordenamento jurídico vigente.

Ótimo tema para cair em provas!

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Espero que tenham entendido e gostado!

Vamos em frente!

[1] (…) Vê-se que a suspensão do dever de apresentação mensal em Juízo foi deter-
minada pelo Magistrado em cumprimento à recomendação do Conselho Nacional de Jus-
tiça e à determinação do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, decorrentes da
situação de pandemia, circunstância alheia à vontade do ora Paciente, de modo que não se
mostra razoável o prolongamento da pena sem que tenha sido evidenciada a participação do
apenado em tal retardamento. 2. O Paciente cumpriu todas as demais condições do regime
aberto, que não foram suspensas, inclusive, permaneceu sujeito às sanções relativas a even-
tual descumprimento, o que reforça a necessidade de se reconhecer o tempo de suspensão
do dever de apresentação mensal em juízo como pena efetivamente cumprida, sob pena
de alargar o período em que o apenado está sujeito à disciplina do regime aberto. 3. Ordem
concedida para reconhecer o lapso temporal em que foi suspensa a apresentação mensal
em juízo como pena efetivamente cumprida pelo Paciente, sobretudo porque cumpridas as
demais condições impostas ao regime aberto (HC 657.382/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ,
SEXTA TURMA, julgado em 27/04/2021).
[2] “No âmbito da execução penal, transação penal e condições impostas por suspen-
são condicional do processo e sursis: (I) Dispensar o comparecimento pessoal para o cum-
primento de penas e medidas alternativas – como a prestação de serviços à comunidade, o
comparecimento em juízo etc. – durante o período da pandemia; (II) Computar o período de
dispensa temporária do cumprimento de penas e medidas alternativas de cunho pessoal e
presencial – como a prestação de serviços à comunidade, o comparecimento em juízo etc. –
durante o período da pandemia, como período de efetivo cumprimento, considerando que a
sua interrupção independe da vontade da pessoa em cumprimento, decorrendo diretamente
de imposição determinada por autoridades sanitárias, além do que a manutenção prolongada
de pendências jurídico-penais tem um efeito dessocializador, em particular quanto as oportu-
nidades de trabalho e renda”.

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GESTANTES OU MÃES DE CRIANÇA REINCIDENTES


CRIMINALMENTE TÊM DIREITO À PRISÃO DOMICILIAR?

ISSO AQUI SERÁ QUESTÃO E PEGADINHA DE PROVA!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Sem dúvida alguma, dentro do tema prisão cautelar, um aspecto que vem sendo cada
vez mais cobrado em provas é o da PRISÃO DOMICILIAR, encapsulada no Capítulo IV do
Título IX do Código de Processo Penal (entre os artigos 317 e 318-B).

Dentro desse espectro, vem ganhando ainda maior relevância prática – naturalmente
com reflexos nas provas – a prisão domiciliar envolvendo presas cautelares gestantes, puér-
peras ou de mães de crianças ou deficientes. Isso porque, desde fevereiro de 2018, quando
o STF concedeu HC Coletivo através da 2ª Turma (HC 143641/SP, Rel. Min. Ricardo Lewan-
dowski – ementa cuja leitura é OBRIGATÓRIA[1]), a conclusão foi de que caberia domiciliar
para todas as mulheres presas que fossem (i) gestantes, (ii) puérperas (que deu à luz há
pouco tempo); (iii) mães de crianças (isto é, mães de menores até 12 anos incompletos) ou
(iv) mães de pessoas com deficiência.

De acordo com o STF, apesar de essa ser a regra, haveria exceções nas quais a domi-
ciliar não estaria autorizada. Não seria cabível quando (i) a mulher tiver praticado crime
mediante violência ou grave ameaça; (ii) 2) a mulher tiver praticado crime contra seus des-
cendentes (filhos e/ou netos); ou (iii) em outras situações excepcionalíssimas, as quais deve-
rão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício.

Posteriormente, o legislador fez inserir o art. 318-A no CPP (através da Lei 13.769/2018),
segundo o qual a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável
por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que (i)
não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; (ii) não tenha cometido
o crime contra seu filho ou dependente.

Pedro, o legislador reproduziu as duas hipóteses já previstas pelo STF no HC Coletivo


suprarreferido, mas silenciou em relação a outras possibilidades. Isso significa que estamos
diante de um rol exaustivo de limitação da prisão domiciliar nesses casos?

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Na verdade, apesar de o legislador ter omitido a previsão das situações excepcionais


e devidamente justificadas no caso concreto, tal prerrogativa ainda persiste. Nesse sentido,
aliás, anotou o Superior Tribunal de Justiça que o fato de o legislador não ter inserido outras
exceções na lei, não significa que o magistrado esteja proibido de negar o benefício quando
se deparar com casos excepcionais. É dizer, pois, que deve prevalecer a interpretação tele-
ológica da lei, assim como a proteção aos valores mais vulneráveis. Portanto, naquilo que a
lei não regulou, o precedente do STF deve continuar sendo aplicado, já que a interpretação
restritiva da norma pode representar, em determinados casos, efetivo risco direto e indireto à
criança ou ao deficiente, cuja proteção deve ser integral e prioritária[2].

ATENÇÃO! Em relação à presa reincidente, esse fator não está no rol de vedações e
tampouco se revela como uma circunstância que, por si só, autoriza o tratamento excepcio-
nal. O simples fato de estarmos diante de ré reincidente NÃO afasta o direito consagrado na
jurisprudência e na lei acima indicada. Nesse sentido, recentemente, ao julgar o AgRg no HC
169.406[3], o STF concluiu que a circunstância de a reclusa ostentar a condição de reinci-
dente, por si só, NÃO CONSTITUI ÓBICE AO DEFERIMENTO DA PRISÃO DOMICILIAR.

Presume-se a imprescindibilidade da mãe para com os cuidados de filho na idade e


condições apontadas no presente caso, notadamente quando em cena criança com apenas
03 anos de idade. Desconstituir essa presunção, para efeitos processuais penais, passa
pelas balizas do artigo 318-A do CPP, que, no caso, não se concretizam.

Espero que tenham entendido e gostado!

Vamos em frente!

[1] I – Existência de relações sociais massificadas e burocratizadas, cujos problemas


estão a exigir soluções a partir de remédios processuais coletivos, especialmente para coibir
ou prevenir lesões a direitos de grupos vulneráveis. II – Conhecimento do writ coletivo home-
nageia nossa tradição jurídica de conferir a maior amplitude possível ao remédio heroico,
conhecida como doutrina brasileira do habeas corpus. III – Entendimento que se amolda ao
disposto no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal – CPP, o qual outorga aos juízes
e tribunais competência para expedir, de ofício, ordem de habeas corpus, quando no curso
de processo, verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal. IV
– Compreensão que se harmoniza também com o previsto no art. 580 do CPP, que faculta
a extensão da ordem a todos que se encontram na mesma situação processual. V – Trami-
tação de mais de 100 milhões de processos no Poder Judiciário, a cargo de pouco mais de
16 mil juízes, a qual exige que o STF prestigie remédios processuais de natureza coletiva

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para emprestar a máxima eficácia ao mandamento constitucional da razoável duração do


processo e ao princípio universal da efetividade da prestação jurisdicional VI – A legitimidade
ativa do habeas corpus coletivo, a princípio, deve ser reservada àqueles listados no art. 12 da
Lei 13.300/2016, por analogia ao que dispõe a legislação referente ao mandado de injunção
coletivo. VII – Comprovação nos autos de existência de situação estrutural em que mulhe-
res grávidas e mães de crianças (entendido o vocábulo aqui em seu sentido legal, como a
pessoa de até doze anos de idade incompletos, nos termos do art. 2º do Estatuto da Criança
e do Adolescente – ECA) estão, de fato, cumprindo prisão preventiva em situação degra-
dante, privadas de cuidados médicos pré-natais e pós-parto, inexistindo, outrossim berçários
e creches para seus filhos. VIII – “CULTURA DO ENCARCERAMENTO” que se evidencia
pela exagerada e irrazoável imposição de prisões provisórias a mulheres pobres e vulnerá-
veis, em decorrência de excessos na interpretação e aplicação da lei penal, bem assim da
processual penal, mesmo diante da existência de outras soluções, de caráter humanitário,
abrigadas no ordenamento jurídico vigente. IX – Quadro fático especialmente inquietante
que se revela pela incapacidade de o Estado brasileiro garantir cuidados mínimos relativos à
maternidade, até mesmo às mulheres que não estão em situação prisional, como comprova
o “caso Alyne Pimentel”, julgado pelo Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Dis-
criminação contra a Mulher das Nações Unidas. X – Tanto o Objetivo de Desenvolvimento do
Milênio nº 5 (melhorar a saúde materna) quanto o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável
nº 5 (alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas), ambos da
Organização das Nações Unidades, ao tutelarem a saúde reprodutiva das pessoas do gênero
feminino, corroboram o pleito formulado na impetração. X – Incidência de amplo regramento
internacional relativo a Direitos Humanos, em especial das Regras de Bangkok, segundo as
quais deve ser priorizada solução judicial que facilite a utilização de alternativas penais ao
encarceramento, principalmente para as hipóteses em que ainda não haja decisão conde-
natória transitada em julgado. XI – Cuidados com a mulher presa que se direcionam não só
a ela, mas igualmente aos seus filhos, os quais sofrem injustamente as consequências da
prisão, em flagrante contrariedade ao art. 227 da Constituição, cujo teor determina que se
dê prioridade absoluta à concretização dos direitos destes. XII – Quadro descrito nos autos
que exige o estrito cumprimento do Estatuto da Primeira Infância, em especial da nova reda-
ção por ele conferida ao art. 318, IV e V, do Código de Processo Penal. XIII – Acolhimento
do writ que se impõe de modo a superar tanto a arbitrariedade judicial quanto a sistemática
exclusão de direitos de grupos hipossuficientes, típica de sistemas jurídicos que não dispõem
de soluções coletivas para problemas estruturais. XIV – Ordem concedida para determinar
a substituição da prisão preventiva pela domiciliar – sem prejuízo da aplicação concomi-
tante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP – de todas as mulheres presas,
gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da
Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e

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Lei 13.146/2015), relacionadas neste processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais,
enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante
violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepciona-
líssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o
benefício. XV – Extensão da ordem de ofício a todas as demais mulheres presas, gestantes,
puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes
sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas
as restrições acima (HC 143641, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma,
julgado em 20/02/2018).
[2] STJ, 5ª Turma, HC 470.549/TO, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em
12/02/2019.
[3] 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento, em 20.02.2018, do Habeas Corpus
nº 143.641/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, concedeu ordem coletiva para determinar
a substituição da custódia preventiva por prisão domiciliar “de todas as mulheres presas,
gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes (…), enquanto durar tal condição,
excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça,
contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão
ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício”. 2. A Lei 13.469,
de 19.12.2018, incluiu o artigo 318-A no Código de Processo Penal, para efeito de impor a
substituição da prisão preventiva pelo regime de confinamento domiciliar “à mulher gestante
ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência”, desde que não seja
caso (i) de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa ou (ii) de infração pra-
ticada contra o filho ou dependente. 3. O regime instituído no art. 318-A do CPP nada mais
reflete senão a projeção, no plano legal, do princípio constitucional que estabelece a garantia
de tutela especial e prioritária à criança, assegurando-lhe, com absoluta primazia, o direito à
convivência familiar (CF, art. 227), bem como exprime manifestação de fidelidade do Estado
brasileiro a compromissos por ele assumidos na arena internacional. 4. A circunstância de a
Agravada ostentar a condição de reincidente, por si só, não constitui óbice ao deferimento
da prisão domiciliar. Precedentes. 5. Presume-se a imprescindibilidade da mãe para com os
cuidados de filho na idade e condições apontadas no presente caso, notadamente quando
em cena criança com apenas 03 anos de idade. Desconstituir essa presunção, para efeitos
processuais penais, passa pelas balizas do artigo 318-A do CPP, que, no caso, não se con-
cretizam. Precedentes. 6. Agravo regimental conhecido e não provido. (HC 169406 AgR,
Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 19/04/2021).

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IRDR E O PROCESSO PENAL

ATÉ QUANDO DEVE DURAR A SUSPENSÃO DOS PROCESSOS


DETERMINADA PELO RELATOR?

Olá, pessoal! Tudo certo?

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) passou a ser tratado no


ordenamento jurídico pátrio a partir do Código de Processo Civil de 2015. Entretanto, apesar
de ele estar quase sempre associado ao processo civil, não é verdade que se limita ou vin-
cula exclusivamente a esse ramo jurídico.

O IRDR tem plena aplicabilidade no âmbito do processo penal e a recente decisão exa-
rada pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça veio a ratificar essa ideia. Refiro-me aqui
ao REsp 1.869.867/SC, julgado em 20/04/2021.

No referido precedente, o colegiado analisou o prazo de suspensão dos temas analisa-


dos em IRDR, diferenciando-se da sistemática de repetitivos. Em relação a essa última, os
artigos 1039[1] e 1040[2] do CPC condicionam o prosseguimento dos processos pendentes
apenas à publicação do acórdão paradigma e tais decisões não se submetem a recursos
dotados de efeito suspensivo ordinário.

Em relação ao IRDR, o art. 982, § 5º do CPC prevê que a suspensão dos processos
pendentes apenas cessa caso não seja interposto recurso especial ou recurso extraordinário
contra a decisão proferida no incidente.

Ademais, os §§1º e 2º do art. 987 do CPC, os recursos extraordinário e especial contra


acórdão que julga o incidente em questão têm efeito suspensivo automático (ope legis),
bem como de que a tese jurídica adotada pelo STJ ou pelo STF será aplicada, no território
nacional, a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão
de direito.

Ou seja, em relação ao IRDR decididos por TJ ou TRF, eventual RESP e RE ostentam


efeito suspensivo, o que não ocorre no caso de repetitivo que desafia RE, por exemplo.

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Como bem anotado pela Turma, admitir o prosseguimento dos processos penden-
tes ANTES DO JULGAMENTO dos recursos extraordinários interpostos contra o acórdão
do IRDR poderia ensejar uma multiplicidade de atos processuais desnecessários, sobre-
tudo recursos.

De outra sorte, com a manutenção da suspensão dos processos pendentes até o jul-
gamento dos recursos pelos tribunais superiores, assegura-se a homogeneização das deci-
sões judiciais sobre casos semelhantes, garantindo-se a segurança jurídica e a isonomia de
tratamento dos jurisdicionados.

Impede-se, assim, a existência – e eventual trânsito em julgado – de julgamentos confli-


tantes, com evidente quebra de isonomia, em caso de provimento do REsp ou RE interposto
contra o julgamento do IRDR.

Tema MUITÍSSIMO importante e pouco explorado no âmbito criminal!

Espero que tenham entendido!

Vamos em frente!

[1] Art. 1.039. Decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados declararão preju-
dicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando
a tese firmada. Parágrafo único. Negada a existência de repercussão geral no recurso extra-
ordinário afetado, serão considerados automaticamente inadmitidos os recursos extraordiná-
rios cujo processamento tenha sido sobrestado.
[2] Art. 1.040. Publicado o acórdão paradigma: I – o presidente ou o vice-presidente do
tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobresta-
dos na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior; II – o
órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência
originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recor-
rido contrariar a orientação do tribunal superior; III – os processos suspensos em primeiro e
segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada
pelo tribunal superior; IV – se os recursos versarem sobre questão relativa a prestação de
serviço público objeto de concessão, permissão ou autorização, o resultado do julgamento
será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização
da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada. § 1º A parte
poderá desistir da ação em curso no primeiro grau de jurisdição, antes de proferida a sen-
tença, se a questão nela discutida for idêntica à resolvida pelo recurso representativo da con-
trovérsia. § 2º Se a desistência ocorrer antes de oferecida contestação, a parte ficará isenta
do pagamento de custas e de honorários de sucumbência. § 3º A desistência apresentada
nos termos do § 1º independe de consentimento do réu, ainda que apresentada contestação.

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MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO


PRECISA DETALHAR DOCUMENTO A SER APREENDIDO?
E SE ELE FOR DE NATUREZA SIGILOSA?

ATENÇÃO À RECENTE DECISÃO DO STJ!

Olá, pessoal! Tudo certo?

No último dia 27 de abril de 2021, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deliberou


no sentido de “inexistir exigência legal de que o mandado de busca e apreensão detalhe o
tipo de documento a ser apreendido, ainda que de natureza sigilosa”[1].

A referida decisão se deu em caso envolvendo investigação deflagrada em relação a


adulterações de prontuários, contexto em que se obteve judicialmente mandado de busca e
apreensão.

Naturalmente, os objetos principais almejados com a referida diligência eram os prontu-


ários de pacientes submetidos a tratamento.

De acordo com a 6ª Turma, embora os prontuários possam conter dados sigilosos,


foram obtidos a partir da imprescindível autorização judicial prévia, quer dizer, a prova foi
obtida por meio lícito. A AUSÊNCIA DE SUA DISCRIMINAÇÃO ESPECÍFICA NO MANDADO
DE BUSCA É IRRELEVANTE, até porque os prontuários médicos encontram-se inseridos
na categoria de documentos em geral, inexistindo qualquer exigência legal de que a auto-
rização cautelar deva detalhar o tipo de documento a ser apreendido quando este possuir
natureza sigilosa.

É importante destacar dois precedentes que servem de arrimo argumentativo para tal
entendimento. O STJ já deliberou que “o artigo 243 da Lei Processual Penal disciplina os
requisitos do mandado de busca e apreensão, dentre os quais não se encontra o detalha-
mento do que pode ou não ser arrecadado“[2], assim como anotou ser “suficiente à delimita-
ção da busca e apreensão é a determinação de que deveriam ser apreendidos os materiais
que pudessem guardar relação estrita com aqueles fatos“[3].

Com base nessa linha de raciocínio, firmou-se a compreensão quanto à inexistência de


exigência legal de que o mandado de busca e apreensão detalhe o tipo de documento a ser
apreendido, ainda que de natureza sigilosa.

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Espero que tenham entendido!

Vamos em frente!

[1] RHC 141.737/PR, 6ª Turma, julgado em 27.04.2021.


[2] HC 524.581/RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/2/2020
[3] AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO CHABU. MANDADO
DE BUSCA E APREENSÃO. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS NA RESIDÊNCIA SEM
A PRESENÇA DE REPRESENTANTE DA OAB. ALEGAÇÃO DE INVIOLABILIDADE DO
ADVOGADO. INOCORRÊNCIA. INVESTIGAÇÃO DE CRIME NÃO RELACIONADO COM
A ATUAÇÃO PROFISSIONAL. ALEGADA GENERALIDADE DO MANDADO DE BUSCA
E APREENSÃO. IMPOSSIBILIDADE DE PREVER TODOS OS MATERIAIS QUE SERÃO
ENCONTRADOS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO IMPRO-
VIDO.1. A decisão agravada deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos.2. A pro-
teção do art. 7º, II e § 6º, da Lei 8.906/94, se dá em favor da atividade da advocacia e do
sigilo na relação com o cliente – não como obstáculo à investigação de crimes pessoais – e
estará sempre relacionada ao exercício da advocacia, como compreendeu o Supremo Tri-
bunal Federal na ADI 1.127.3. Suficiente à delimitação da busca e apreensão é a determi-
nação de que deveriam ser apreendidos os materiais que pudessem guardar relação estrita
com aqueles fatos, e que todo e qualquer material apreendido que se revele desconectado
dos fatos em apuração deverá ser imediatamente restituído a parte. Precedentes.4. Agravo
regimental improvido (HC 537.017/RS, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6ª Turma, DJe 3/2/2020).

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ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO NO STJ

O RECONHECIMENTO DE PESSOAS FEITO PELA VÍTIMA DURANTE A INVESTIGAÇÃO


CRIMINAL SEM OBSERVÂNCIA DA REGRA DO ART. 226 DO CPP NÃO SE REVELA
EVIDÊNCIA SEGURA DA AUTORIA DELITIVA.

Olá, pessoal! Tudo certo?

Falaremos hoje acerca de um tema importantíssimo e que vem sendo alterado pelas
Turmas Criminais do Superior Tribunal de Justiça. Refiro-me ao rigor da observância dos
parâmetros legais para o reconhecimento de pessoas no processo penal, previsto no art. 226
do CPP[1]. Dentre esses regramentos, podemos destacar a necessidade de (i) prévia des-
crição da pessoa que deverá ser reconhecida, (ii) a colocação, se possível, da pessoa a ser
reconhecida ao lado de outras a ela semelhantes, (iii) a lavratura de auto pormenorizada da
diligência, entre outras formalidades.

Feitas essas observações, a grande celeuma a ser apreciada se dá em relação à OBRI-


GATORIEDADE de observância dessas previsões legais. Dito de outra forma, caso esteja-
mos diante de um caso concreto em que esses dispositivos NÃO FORAM observados, esta-
remos diante de uma nulidade?

Antes de analisar o entendimento dos Tribunais Superiores, vale consignar que – parti-
cularmente – entendo e defendo a posição trazida por parcela da doutrina no sentido de que
a violação às previsões do artigo 226 do CPP deve ensejar o reconhecimento de nulidade!
Na esteira das lições de AURY LOPES JR, “trata-se de uma prova cuja forma de produção
está estritamente definida e, partindo da premissa de que – em matéria processual penal –
forma é garantia, não há espaço para informalidades judiciais”. O professor ainda afirma que
eventuais e arbitrárias simplificações desse procedimento constitui um desprezo à formali-
dade do ato probatório, atropelando as regras do devido processo e, principalmente, violando
o direito de não fazer prova contra si mesmo. Por mais que os tribunais brasileiros façam
vista grossa para esse abuso, argumentando às vezes em nome do “livre convencimento do
julgador”, a prática pode ensejar nulidade”.

Vou dar um exemplo para tentar ilustrar um PÉSSIMO hábito presente no cotidiano
forense. Amiúde, o juiz ou o promotor viram para a vítima ou para uma testemunha que está
sendo ouvida e faz a célebre frase: “você reconhece alguém nessa sala de audiências que

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seria o autor do delito ora analisado”? E ato contínuo há a indicação do réu (que está no
lugar de réu).

Pronto! Chegamos ao ponto fundamental! Essa atuação não respeita, claramente, o


artigo 226 do CPP, mas deve configurar nulidade? Quando analisamos alguns precedentes
mais antigos (não de há muito tempo), a 6ª Turma do STJ asseverava que “a inobservância
das formalidades legais para o reconhecimento pessoal do acusado NÃO ENSEJA NULI-
DADE, POR NÃO SE TRATAR DE EXIGÊNCIA, MAS APENAS RECOMENDAÇÃO, sendo
válido o ato quando realizado de forma diversa da prevista em lei, notadamente quando
amparado em outros elementos de prova”[2]. No mesmo sentido, entendimentos da 5ª Turma
advogando justamente que “o artigo 226, do Código de Processo Penal, encerra UMA RECO-
MENDAÇÃO E NÃO UMA EXIGÊNCIA A SER SEGUIDA, em relação ao procedimento para o
reconhecimento de pessoas, conforme assente entendimento deste Tribunal”[3].

Conforme registrado, apesar de alguma resistência de parcela da doutrina, o fato é que


esse entendimento que consagrava o procedimento do art. 226 do CPP para fins de reconhe-
cimento de pessoas como uma MERA RECOMENDAÇÃO prevaleceu durante muito tempo
como norte interpretativo nos Tribunais Superiores.

Entretanto, no ano de 2020, o cenário começou a se alterar. No julgamento no HC


598.886/SC, a 6ª Turma do STJ concluiu que (i) o reconhecimento de pessoas deve obser-
var o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades
constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de
um crime; (ii) à vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância
do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da
pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado
o reconhecimento em juízo; (iii) pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconheci-
mento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele
se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação
de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento; (iv) o reconhecimento do suspeito
por simples exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo pro-
cedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual
reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que
confirmado em juízo[4].

De acordo com o Ministério Rogério Schietti, de acordo com estudos da Psicologia


moderna, são comuns as falhas e os equívocos que podem advir da memória humana e da
capacidade de armazenamento de informações. Isso porque a memória pode, ao longo do

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tempo, se fragmentar e, por fim, se tornar inacessível para a reconstrução do fato. O valor
probatório do reconhecimento, portanto, possui considerável grau de subjetivismo, a poten-
cializar falhas e distorções do ato e, consequentemente, causar erros judiciários de efeitos
deletérios e muitas vezes irreversíveis, razão pela qual a observância do procedimento edi-
ficado em lei deve ser rigoroso e atento, de forma a reduzir as chances de equívocos. Com
base nessa realidade, concluiu-se ser, portanto, necessário adotar um novo rumo na compre-
ensão dos Tribunais acerca das consequências da atipicidade procedimental do ato de reco-
nhecimento formal de pessoas, não mais se podendo referendar a jurisprudência que afirma
se tratar de mera recomendação do legislador, o que acaba por permitir a perpetuação desse
foco de erros judiciários e, consequentemente, de graves injustiças.

Bacana, Pedro! Mas ainda remanesce a divergência com a 5ª Turma do STJ?

Eis a recentíssima novidade! ATENÇÃO! Em julgamento realizado no início de maio de


2021, ao apreciar a ordem de HC nº 652284/SC, a 5ª Turma do STJ, anuindo ao entendi-
mento já consagrado na 6ª Turma, anotou que o reconhecimento fotográfico ou presencial
feito pela vítima na fase do inquérito policial, sem a observância dos procedimentos descri-
tos no artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP), não é evidência segura da autoria
do delito. Para o colegiado, tendo em conta a ressalva contida no inciso II do artigo 226
– segundo o qual a colocação de pessoas semelhantes ao lado do suspeito deve ser feita
sempre que possível –, eventual impossibilidade de seguir o procedimento precisa ser justi-
ficada, sob pena de invalidade do ato. De acordo com o Min. Reynaldo Soares da Fonseca,
o reconhecimento fotográfico do suspeito é uma prova inicial, que deve ser ratificada pelo
reconhecimento presencial e, mesmo havendo confirmação em juízo, não pode servir como
prova única da autoria do crime.

Conforme se extrai da ementa do referido precedente, uma reflexão aprofundada sobre


o tema, com base em uma compreensão do processo penal de matiz garantista voltada para
a busca da verdade real de forma mais segura e precisa, leva a concluir que, com efeito, o
reconhecimento (fotográfico ou presencial) efetuado pela vítima, em sede inquisitorial, não
constitui evidência segura da autoria do delito, dada a falibilidade da memória humana, que
se sujeita aos efeitos tanto do esquecimento, quanto de emoções e de sugestões vindas de
outras pessoas que podem gerar “falsas memórias”, além da influência decorrente de fato-
res, como, por exemplo, o tempo em que a vítima esteve exposta ao delito e ao agressor;
o trauma gerado pela gravidade do fato; o tempo decorrido entre o contato com o autor do
delito e a realização do reconhecimento; as condições ambientais (tais como visibilidade do
local no momento dos fatos); estereótipos culturais (como cor, classe social, sexo, etnia etc.).
Diante da falibilidade da memória seja da vítima seja da testemunha de um delito, tanto o
reconhecimento fotográfico quanto o reconhecimento presencial de pessoas efetuado em
sede inquisitorial devem seguir os procedimentos descritos no art. 226 do CPP, de maneira a
assegurar a melhor acuidade possível na identificação realizada. Tendo em conta a ressalva,

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contida no inciso II do art. 226 do CPP, a colocação de pessoas semelhantes ao lado do sus-
peito será feita sempre que possível, devendo a impossibilidade ser devidamente justificada,
sob pena de invalidade do ato.

O reconhecimento fotográfico serve como prova apenas inicial e deve ser ratificado por
reconhecimento presencial, assim que possível. E, no caso de uma ou ambas as formas de
reconhecimento terem sido efetuadas, em sede inquisitorial, sem a observância (parcial ou
total) dos preceitos do art. 226 do CPP e sem justificativa idônea para o descumprimento do
rito processual, ainda que confirmado em juízo, o reconhecimento falho se revelará incapaz
de permitir a condenação, como regra objetiva e de critério de prova, sem corroboração do
restante do conjunto probatório, produzido na fase judicial.

Dessa maneira, evidencia-se uma alteração significativa dos rumos da jurisprudência


do STJ, com a uniformização da 5ª e 6ª Turma da Corte advogando a superação da ideia de
“mera recomendação” e entendimento atual de necessária observância do procedimento edi-
ficado no art. 226 do CPP para legitimação e validade do reconhecimento de pessoas como
prova apta a convencer acerca da autoria delitiva.

Tema importantíssimo!

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente.

[1] Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, pro-
ceder-se-á pela seguinte forma: I – a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convi-
dada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida; II – a pessoa, cujo reconhecimento se
pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer seme-
lhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la; III – se houver
razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação
ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a auto-
ridade providenciará para que esta não veja aquela; IV – do ato de reconhecimento lavrar-
-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao
reconhecimento e por duas testemunhas presenciais. Parágrafo único. O disposto no no III
deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.
[2] HC 278.542/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 18/08/2015.
[3] AgRg no REsp 1444634/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA,
julgado em 01/06/2017.
[4] HC 598.886/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado
em 27/10/2020.

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EXAME CRIMINOLÓGICO

UMA ELUCIDATIVA E DIDÁTICA DECISÃO DO STJ.

Olá, pessoal! Tudo certo?

No texto de hoje vamos falar um pouco sobre esse importante instituto que despenca
em provas e ainda hoje suscita dúvidas nos estudantes. Refiro-me, naturalmente, ao exame
criminológico.

O pano de fundo foi o caso concreto apreciado pela 6ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça no julgamento do AgRg no HC 625.449/SP[1]. Na situação concreto, o Tribunal de
Justiça havia cassado a decisão originária que concedera livramento condicional. Ato contí-
nuo, houve determinação pela Corte de realização de EXAME CRIMINOLÓGICO para cons-
tatação do requisito subjetivo.

Por sua vez, a defesa anotou que tal decisão violaria a Súmula 439 do STJ[2], sob o
argumento de que determinar a realização do exame criminológico, com base em uma gra-
vidade abstrata, e em fundamento inidôneo, vai de encontro com o objetivo maior da Lei de
Execução Penal, qual seja a ressocialização do apenado.

Vale destacar que o fundamento da decisão do Tribunal de Justiça foi de que “os crimes
cometidos pelo agravante são graves, envolvendo reiteração criminosa em crimes patrimo-
niais com exercício de violência ou grave ameaça, aparentando fazer do crime modo de vida.
Desse modo, maior cautela deve haver para o deferimento de qualquer benefício, exigindo
uma análise mais detalhada, sobretudo quanto ao requisito subjetivo”.

De acordo com o reiterado posicionamento do STJ, fundamentos abstratos e genéricos


(como os apresentados pelo Tribunal de origem), NÃO JUSTIFICAM a exigência de exame
criminológico, bem como a análise do preenchimento do requisito subjetivo somente poderá
fundar-se em fatos praticados durante a execução penal (AgRg no HC 590.322/SP[3], 6ª
Turma). Essa também é a posição da 5ª Turma do STJ, que aponta ser a determinação de
realização do exame criminológico, sob argumentação genérica, baseada na gravidade abs-
trata dos crimes e na probabilidade de reincidência, não apontando elementos concretos
extraídos da execução da pena, que pudessem justificar a necessidade do exame técnico,
medida indevida e ilegítima (HC 525.745/SP).

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Por isso, no caso ora comentado, fora restabelecida a decisão originária e a efetivação
do livramento condicional sem prévio exame criminológico.

Espero que tenham entendido! É entendimento pacífico e você não pode errar, bacana?

Vamos em frente!

[1] (…) 1. Esta Corte Superior entende que não é idôneo o Tribunal estadual cassar a
decisão do Juiz da Execução Penal que concedeu o livramento condicional da pena em favor
do paciente, para condicionar esse benefício penal à realização prévia do exame criminoló-
gico, sob argumentação genérica, baseada na gravidade abstrata dos crimes, faltas discipli-
nares já reabilitadas, e na probabilidade de reincidência, não apontando elementos concretos
extraídos da execução da pena, que pudessem justificar a necessidade do referido exame
técnico. 2. Não foi apresentada fundamentação válida para o exame criminológico, porque,
da leitura do acórdão, extrai-se que, embora preenchido o requisito objetivo, o Tribunal a
quo entendeu ser necessária a submissão do paciente à exame criminológico, porquanto os
crimes cometidos pelo agravante são graves, envolvendo reiteração criminosa em crimes
patrimoniais com exercício de violência ou grave ameaça, aparentando fazer do crime modo
de vida. Desse modo, maior cautela deve haver para o deferimento de qualquer benefício,
exigindo uma análise mais detalhada, sobretudo quanto ao requisito subjetivo. 3. Agravo
regimental improvido. (AgRg no HC 625.449/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA
TURMA, julgado em 15/12/2020).
[2] Súmula 439 do STJ – Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do
caso, desde que em decisão motivada.
[3] (…) 1. Na hipótese, o Tribunal a quo entendeu pela necessidade de realização de
exame criminológico, em razão da reincidência do apenado, da gravidade abstrata do delito
(roubo) e da longa pena a cumprir. Todavia, nos termos da jurisprudência desta Corte Supe-
rior, fundamentos abstratos e genéricos, como os apresentados pela Corte de origem, não
justificam a exigência de exame criminológico, bem como a análise do preenchimento do
requisito subjetivo somente poderá fundar-se em fatos praticados durante a execução penal.
2. Agravo regimental improvido (AgRg no HC 590.322/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS
JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 18/08/2020).

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CHIP DE TELEFONE CELULAR EM PRESÍDIO:


“DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS”?

SE LIGA NA RECENTÍSSIMA DECISÃO DA 5ª TURMA DO STJ!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje falaremos sobre a recentíssima decisão exarada pela 5ª Turma do Superior Tribu-
nal de Justiça no julgamento do HC 619.776/DF, à unanimidade, realizado no último dia 20
de abril de 2021.

De acordo com o colegiado, a conduta de ingressar em estabelecimento prisional com


chip de celular não se subsome ao tipo penal previsto no art. 349-A do Código Penal. Reme-
moremos o que diz a literalidade do referido dispositivo:

Art. 349-A. Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a ENTRADA DE APA-


RELHO TELEFÔNICO DE COMUNICAÇÃO MÓVEL, DE RÁDIO OU SIMILAR, sem autori-
zação legal, em estabelecimento prisional. Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

Vamos ilustrar agora a controvérsia apreciada a partir de um exemplo. Imagine que


João está indo ao presídio visitar o seu filho, apenado em regime fechado, e leva sob suas
vestes um chip de telefone celular. Durante o procedimento de fiscalização e revista, é fla-
grado com o item. Posteriormente, o Ministério Público apresenta denúncia imputando-lhe o
crime do art. 349-A do Código Penal.

Andou corretamente o membro do parquet?

A resposta é NEGATIVA, de acordo com a 5ª Turma do STJ. Ora, como bem assinalado
pelo colegiado, o legislador se limitou em punir – basicamente – o ingresso ou o auxílio na
introdução de APARELHO TELEFÔNICO MÓVEL OU SIMILAR em estabelecimento prisio-
nal, não fazendo referência a qualquer outro componente ou acessório utilizado para viabili-
zar o funcionamento desses equipamentos. Nesse contexto, em decorrência da principiolo-
gia básica do direito penal (legalidade), na falta de lei prévia que defina o ingresso de chip em
estabelecimento prisional como comportamento típico (nullum crimen sine lege), impõe-se a
absolvição pelo delito previsto no art. 349-A do Código Penal.

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Particularmente, entendo acertada a decisão do Superior Tribunal de Justiça, uma vez


calcada em um dos dogmas principiológicos da hermenêutica interpretativa do direito crimi-
nal (legalidade estrita). Entretanto, é preciso muito cuidado acerca do tema para não confun-
dirmos a interpretação dada no caso supramencionado e aquela agasalhada há muito pelos
Tribunais Superiores acerca do reconhecimento da falta grave.

É que, para fins de definição de falta grave na execução da pena, a LEP prevê o seguinte:

Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que: VII – tiver
em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a
comunicação com outros presos ou com o ambiente externo.

Ora, vimos que a 5ª Turma deliberou por interpretar semelhante dispositivo de maneira
estrita. Contudo, para fins de verificação de falta grave, a jurisprudência reiterada do Supremo
Tribunal Federal e do próprio STJ milita em sentido diverso, ou seja, de modo a abranger não
apenas os telefones celulares, mas também seus componentes essenciais (como por exem-
plo carregador, CHIP, placa eletrônica, entre outros)[1].

A própria 5ª Turma assinalara que, após a edição da Lei nº 11.466/2007, a posse de


aparelho telefônico ou dos componentes essenciais ao seu efetivo funcionamento, a exemplo
do chip, passou a ser considerada falta grave[2].

Em sentido semelhante, a 6ª Turma do STJ anotou que a conduta consistente na apre-


ensão de bateria de celular, micro cartões de memória e de adaptadores USB, após a regu-
lar instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar, no qual a defesa foi plenamente
exercida, configura a falta disciplinar de natureza grave prevista no art. 50, VII, da Lei de
Execuções Penais[3].

Pedro, a decisão referente ao art. 347-A do Código Penal impactará necessariamente


no entendimento relacionado às faltas graves?

Não! Sem dúvidas, isso PODE acontecer, mas – por ora – a decisão deve se limitar ao
conteúdo da tipificação do art. 347-A, não interferindo necessariamente no conceito ampliado
de falta grave. No entanto, temos sem dúvidas mais um argumento de força para sustentar
essa tese.

Restará para nós aguardarmos as cenas dos próximos capítulos, certo?

Atualiza o seu material e espero que tenham gostado!

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Vamos em frente.

[1] STJ, 5ª Turma, HC 260122-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em
21/3/2013.
[2] STJ, 5ª Turma, REsp 1457292/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 04/11/2014.
[3] AgInt no HC 532.846/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado
em 03/12/2019.

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3ª SEÇÃO DO STJ: RECOLHIMENTO DOMICILIAR


COM TORNOZELEIRA ELETRÔNICA AUTORIZA A DETRAÇÃO PENAL

Olá, pessoal! Tudo certo?

Vamos falar um pouco sobre o instituto da DETRAÇÃO e repercutir importante decisão


exarada em data recente pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. De acordo com a
inteligência do Código Penal, a DETRAÇÃO nada mais é do que o ato de computar, na pena
privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou
no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em hospital de custódia e trata-
mento psiquiátrico ou análogo[1].

Percebe-se, pois, que para fins de detração, EM RELAÇÃO ÀS MEDIDAS CAUTELA-


RES, somente será contabilizado o período de efetiva prisão cautelar, não incluindo o perí-
odo que o agente se submetera a cautelares diversas, estampadas nos artigos 319 e 320
do CPP. Tais cautelares, não obstante apresentarem restrição inferior às prisões, também
limitam a liberdade de locomoção do agente, razão pela qual parcela importante da doutrina
critica a omissão do legislador.

Justamente por conta dessa percepção, é que a doutrina sempre sustentou a possibi-
lidade de flexibilização pontual desse entendimento, o que era eventualmente agasalhado
pelo STJ. Segundo a Corte, a despeito da inexistência de previsão legal para a detração
penal na hipótese de submissão do sentenciado a medidas cautelares diversas da prisão, o
PERÍODO DE RECOLHIMENTO DOMICILIAR NOTURNO, por comprometer o status liberta-
tis, deve ser detraído da pena em observância aos princípios da proporcionalidade e do non
bis in idem[2].

ATENÇÃO! Apesar de não estender a detração integralmente às cautelares diversas


da prisão, o STJ vinha reconhecendo a compatibilidade do instituto em relação ao (i) recolhi-
mento domiciliar noturno e a internação provisória (art. 319, V e VII do CPP).

Esse entendimento foi endossado recentemente pela 3ª Seção do STJ – ao julgar o HC


455.097 – o que nos faz afirmar com segurança que se trata da posição majoritária da Corte.

Para o órgão, embora o recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga, juntamente
com o uso de tornozeleira eletrônica – previstos no artigo 319, incisos V e IX, do Código
de Processo Penal (CPP) –, não constituam pena privativa de liberdade, as limitações a

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que a pessoa fica submetida se assemelham ao cumprimento de pena em regime prisional


semiaberto.

Segundo a Ministra Laurita Vaz, “interpretar a legislação que regula a detração de forma
que favoreça o sentenciado harmoniza-se com o princípio da humanidade, que impõe ao juiz
da execução penal a especial percepção da pessoa presa como sujeito de direitos”.

ATENÇÃO! Acatando sugestão do Min. Rogério Schietti, a 3ª Seção deliberou que o


cálculo da detração considerará a soma da quantidade de horas efetivas de recolhimento
domiciliar com monitoração eletrônica, as quais serão convertidas em dias para o desconto
da pena. Isso porque no recolhimento noturno, as restrições são pontuais, ao contrário da
prisão cautelar. Se liga NESSE DETALHE!

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente.

[1] Art. 42 – Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança,


o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de
internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.
[2] AgRg no HC 565.899/SP, julgado em 27/10/2020.

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DECISÃO DA 5ª TURMA DO STJ FRAGILIZA O ENTENDIMENTO


DA 3ª SEÇÃO DA CORTE?

QUAL O IMPACTO DO NOVO ENTENDIMENTO NO DIA A DIA PROCESSUAL?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Já tivemos a oportunidade de falar aqui mesmo no blog e em nossas aulas que, desde
a vigência da Lei Anticrime, diversas polêmicas passaram a ser travadas no ambiente dou-
trinário e, logicamente, também no jurisprudencial. Um dos tópicos que salientávamos era
justamente a manutenção ou não do entendimento anteriormente consagrado nos Tribunais
Superiores, mesmo na vigência da Lei 12.403/2011, quanto à manutenção da possibilidade
de conversão da prisão em flagrante em preventiva de ofício – ou seja, sem representação ou
requerimento do Delegado de Polícia e do membro do Ministério Público, respectivamente.

Esse entendimento era pacífico nos Tribunais, apesar de criticado fortemente por par-
cela significativa da doutrina, que enxergava nessa possibilidade uma violação ao contradi-
tório. Entretanto, com o pacote anticrime e o processo por mim chamado de densificação do
sistema acusatório, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal e a 5ª Turma do STJ passaram
a entender não mais fazer sentido lógico admitir a conversão do flagrante em preventiva
de ofício.

Entretanto, ao longo de todo o ano de 2020, a 6ª Turma do STJ insistia em manter o


seu entendimento outrora consolidado, anotando que seria peculiar e admitida a situação
em que o juiz converte, por força de comando legal, a prisão em flagrante em alguma(s)
medida(s) cautelar(es) de natureza pessoal, inclusive a prisão preventiva, porquanto, nesta
hipótese, regulada pelo art. 310 do CPP, o autuado já foi preso em flagrante delito e é trazido
à presença da autoridade judiciária competente, após a lavratura de um auto de prisão em
flagrante, como determina a lei processual penal, para o controle da legalidade e da neces-
sidade da prisão, bem como da observância dos direitos do preso, especialmente o de não
sofrer coação ou força abusiva pelos agentes estatais responsáveis por sua prisão e guarda.
Não haveria em tal situação, uma atividade propriamente oficiosa do juiz, porque, a rigor, não
apenas a lei obriga o ato judicial, mas também, de um certo modo, há o encaminhamento,
pela autoridade policial, do auto de prisão em flagrante para sua acurada análise, na expec-
tativa, derivada do dispositivo legal (art. 310 do CPP), de que o juiz, após ouvir o autuado,
adote uma das providências ali previstas, inclusive a de manter o flagranciado preso, já agora
sob o título da prisão preventiva[1].

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Entretanto, finalmente, em 24 de fevereiro de 2021, a 3ª Seção do Superior Tribunal de


Justiça – que reúne os Ministros da 5ª e 6ª Turma – se alinhou ao entendimento da impos-
sibilidade, invalidando a conversão automática feita pelo Judiciário, após prisão de suspeito
em flagrante (RHC 131.263[2]).

Para a maioria dos Ministros, mesmo que o inciso II do artigo 310 do CPP, que trata da
audiência de custódia, permita converter a prisão em flagrante em preventiva se presentes
os requisitos do artigo 312 e se outras cautelares se revelarem insuficientes, é preciso que
haja alguma representação. A não ocorrência da audiência de custódia por qualquer razão
ou eventual ausência do representante do Ministério Público NÃO AUTORIZA que o juiz
converta a prisão sem que haja o pedido — pedido este que, inclusive, pode ser formulado
independentemente da audiência. A interpretação do art. 310, II, do CPP deve ser realizada
à luz do art. 282, § 2º e do art. 311, significando que se tornou inviável, mesmo no contexto
da audiência de custódia, a conversão, de ofício, da prisão em flagrante de qualquer pessoa
em prisão preventiva, sendo necessária, por isso mesmo, para tal efeito, anterior e formal
provocação do Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o caso, do querelante
ou do assistente do MP.

Beleza, Pedro! Mas por que você disse que havia uma decisão da 5ª Turma que poderia
fragilizar esse entendimento?

Calma! Chegaremos lá. É que o referido colegiado se reuniu em 11 de março de 2021 –


menos de 1 mês da decisão da 3ª Seção – e, julgando à unanimidade o AgRg RHC 136.708/
MS, concluiu que o posterior requerimento da autoridade policial pela segregação cautelar
ou manifestação do Ministério Público favorável à prisão preventiva suprem o vício da inob-
servância da formalidade de prévio requerimento.

Segundo o entendimento da 5ª Turma, em relação à decretação de prisão preventiva


oficiosamente no caso concreto, o posterior requerimento da autoridade policial pela segre-
gação cautelar ou manifestação do Ministério Público favorável à medida cautelar extrema
suprem o vício da inobservância da formalidade de prévio requerimento, corroborando a higi-
dez do feito e ausência de nulidade processual. Na situação específica, embora na homolo-
gação da prisão em flagrante e sua posterior conversão em custódia preventiva não se tenha
observado a formalidade de prévio requerimento pela autoridade policial ou ministerial, em
momento posterior, qual seja, 4 dias após, houve o requerimento da autoridade policial pela
decretação da prisão preventiva, evidenciando-se a higidez do feito, de modo que não se con-
figura nenhuma nulidade passível de correção, observado, pois, o devido processo legal[3].

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De acordo com o voto do Ministro Relator (Felix Fisher), “a Constituição Federal de


1988 estabeleceu a dignidade da pessoa humana como ponto nuclear das suas diretrizes
principiológicas e programáticas, reverenciando-a, no âmbito penal, na responsabilização
por conduta penalmente imputável como decorrência da estrita observância das garantias
constitucionais que as concretizam, tornando justo e legítimo o decreto condenatório. Nesta
esteira, sem esgotá-los, destacam-se os princípios que dignificam a responsabilização penal
definitiva: reserva legal (art. 5º, II), juízo natural (art. 5º, XXXVII, legalidade (art. 5º, XXXIX),
devido processo legal (art. 5º, LIV), contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV), legalidade das
provas (art. 5º, LVI) e segurança jurídica (art. 5º, XXXVI). Nesse aspecto, o desrespeito das
normas que promovem o devido processo legal implica, em regra, nulidade do ato nas hipóte-
ses de descumprimento da sua finalidade e da ocorrência de efetivo e comprovado prejuízo,
segundo orientação dos princípios pas de nullité sans grief e da instrumentalidade.

E, no entendimento que se sagrou prevalecente na Corte, havendo posterior represen-


tação da autoridade policial ou requerimento do membro do Ministério Público, o vício do
comportamento ativo oficioso do magistrado estaria superando “evidenciando-se a higidez
do feito, de modo que não se configura nenhuma nulidade passível de correção, observado,
pois, o devido processo legal”.

Dessa maneira, apesar de mantido o entendimento da 3ª Seção do Superior Tribunal de


Justiça no sentido de impossibilidade de conversão do flagrante em preventiva de ofício, se
tal ocorrer, basta que autoridade policial ou membro do Ministério Público providencie repre-
sentação ou requerimento posterior para convalidar o ato e superar a alegação de vício do
procedimento adotado.

Entendimento bastante polêmico, mas que tende (aqui é mera especulação) em minha
opinião a prevalecer também na 6ª Turma. Aguardemos as novidades!

Espero que vocês tenham gostado!

Vamos em frente!

[1] HC 583.995/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGE-
RIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 15/09/2020.
[2] STJ, 3ª Seção, RHC 131263, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 24/02/2021.
[3] AgRg no RHC 136.708/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado
em 16/03/2021.

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“TESTEMUNHA DE OUVIR DIZER” (HEARSAY TESTIMONY)


E A PRONÚNCIA NOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA

ATENÇÃO AO STJ!

Olá, pessoal! Tudo certo com vocês?

Vamos tratar de um tema “com cara de prova” e que muita gente não domina no âmbito
do processo penal. E se você quer se antecipar a questões de concurso, redobra as atenções
porque desse assunto podemos vislumbrar vários enunciados a serem criados pelo seu exa-
minador, tanto no tópico “provas em espécie”, como também (especialmente) nas assertivas
relacionadas ao procedimento do Tribunal do Júri.

Antes de analisar um entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca da possibili-


dade (ou não) de pronúncia calcada exclusivamente em “testemunha de ouvir dizer”, temos
que saber o que danado essa expressão significa, não é mesmo?

Testemunha de ouvir dizer ou “HEARSAY TESTIMONY” se verifica quando determi-


nada pessoa vem, no curso da instrução processual, prestar depoimento acerca de fatos
direta ou indiretamente relacionados à prática delitiva, sem, contudo, ter visto ou presenciado
qualquer situação relacionada ao caso concreto, sem contato direto com os fatos, mas a fim
de retratar e/ou “explicar” o que tomou conhecimento “através de terceiros”.

Pedro, isso é possível no sistema processual penal brasileiro?

SIM! Particularmente, não tenho a menor simpatia por esse instrumento, mas por dever
de ofício tenho obrigação de consignar que prevalece o entendimento quanto à admissibili-
dade. No entanto, em uma prova de Defensoria Pública (ATENÇÃO), se você quiser ques-
tionar a legitimidade dessa prova, o melhor argumento para tanto é a violação concreta ao
contraditório via exame cruzado das provas testemunhais (art. 212 CPP), já que restará invia-
bilizado o pleno confrontamento dos fatos, já que aquela testemunha “nada sabe, apenas
ouviu dizer”, certo?

Anote-se, ademais, que normativamente a testemunha deveria prestar depoimento


acerca do que sabe per proprium sensum et non per sensum alterius, fato esse que impede,
em alguns sistemas – como o norte-americano – o depoimento da testemunha indireta, por
ouvir dizer (hearsay rule). Já vimos, acima, que não é o caso do Brasil, em que se admite (ao

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menos excepcionalmente) tal modalidade de prova. Ainda assim, vale registrar a pertinente
crítica de Hélio Tornaghi, que assevera que esse tipo de depoimento “não se pode tolerar
que alguém vá a juízo repetir a vox publica .Testemunha que depusesse para dizer o que lhe
constou, o que ouviu, sem apontar seus informantes, não deveria ser levada em conta”[1].

No Recurso Especial 1.373.356[2]/BA, o STJ se deparou com interessantíssima situa-


ção envolvendo a “testemunha de ouvir dizer”. Tratava-se de caso em que, em procedimento
do Júri, houve decisão de pronúncia exclusivamente calcada em uma “testemunha de ouvir
dizer”, cuja oitiva se dera exclusivamente na fase inquisitorial das investigações preliminares!

E o que decidiu o STJ?

Nesse caso concreto, fora cunhada a conclusão de que não se pode admitir a pronún-
cia do réu, dada a sua carga decisória, sem qualquer lastro probatório colhido em juízo, fun-
damentada exclusivamente em prova colhida na fase inquisitorial, mormente quando essa
prova se encontra isolada nos autos.

Segundo bem anotou o Relator (Ministro Rogério Schietti Cruz), no caso ora analisado
pode-se inferir que, além de a pronúncia não ter supedâneo em qualquer “prova judicializada”
(apenas em testemunha de ouvir dizer ouvida na investigação), há o agravante de que os
únicos testemunhos judiciais produzidos não apontam os recorrentes como autores do delito.
Na verdade, o Tribunal estadual destaca que mesmo os depoimentos produzidos na fase
inquisitorial são “relatos baseados em testemunho por ouvir dizer, […] que não amparam a
autoria para efeito de pronunciar os denunciados“.

Segundo o STJ, nesse julgamento, a decisão de pronúncia é um mero juízo de admis-


sibilidade da acusação, não sendo exigido, neste momento processual, prova incontroversa
da autoria do delito; bastam a existência de indícios suficientes de que o réu seja seu autor e
a certeza quanto à materialidade do crime. Muito embora a análise aprofundada dos elemen-
tos probatórios seja feita somente pelo Tribunal Popular, não se pode admitir, em um Estado
Democrático de Direito, a pronúncia sem qualquer lastro probatório, mormente quando os
testemunhos colhidos na fase inquisitorial são, nas palavras do Tribunal a quo, “relatos base-
ados em testemunho por ouvir dizer, (…)que não amparam a autoria para efeito de pronun-
ciar os denunciados”.

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Atenção! Não se refutou a possibilidade da testemunha de ouvir dizer no processo


penal pátrio – antes o contrário. Ela é admitida. Entretanto, quando um testemunho dessa
estirpe for o único e isolado indicativo de autoria delitiva, tal não será suficientemente apto a
sustentar uma decisão de pronúncia.

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

[1] TORNAGHI, Hélio. Instituições de processo penal. v. IV. Rio de Janeiro: Forense,
1959, p.461.
[2] REsp 1373356/BA, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, jul-
gado em 20/04/2017.

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QUAL É O TERMO FINAL DA SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO


QUANDO DA EXPEDIÇÃO DA CARTA ROGATÓRIA?

SE LIGA NA IMPORTANTÍSSIMA DECISÃO DO STJ!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje falaremos de um tema pouquíssimo analisado pela doutrina e pela jurisprudência,


porém de impacto e relevância extrema, quando analisado sob a perspectiva do caso con-
creto. Aliás, esse assunto ganha relevo justamente porque foi recentemente enfrentado pelo
Superior Tribunal de Justiça, especificamente através da sua 5ª Turma, quando da conclusão
do julgamento do RESP. 1.882.330/SP, em 0 de abril de 2021.

A grande celeuma apreciada pela Corte Superior se vinculava ao termo final de duração
da suspensão do prazo prescricional quando da expedição de carta rogatória. Vale rememo-
rar que a carta rogatória é instrumento jurídico para comunicação entre as Justiças de países
diferentes. Quando há a necessidade de cumprimento de uma diligência do processo em
outro país – por exemplo, o depoimento de uma testemunha que mora no exterior – é enviada
uma Carta Rogatória para formalização do ato processual.

De acordo com o Código de Processo Penal, em caso de expedição de carta rogató-


ria, haverá suspensão do curso da prescrição e essa suspensão durará até o seu cumpri-
mento. Vejamos:

Art. 368. Estando o acusado no estrangeiro, em lugar sabido, será citado mediante
carta rogatória, suspendendo-se o curso do prazo de prescrição até o seu cumprimento.

A grande questão que se põe, diante da vagueza e falta de precisão do dispositivo


acima colacionado, é justamente quando é o cumprimento dessa carta regotária?

De um lado, sustenta-se que a data de cumprimento da carta rogatória é da sua juntada


aos autos, o que afastaria a prescrição (cita-se, por todos, o prof. Fernando Capez[1]). Em
sentido oposto, há entendimento na linha de que a fluência do prazo prescricional continua
não na data em que os autos da carta rogatória der entrada no cartório, mas sim naquela em
que se der o efetivo cumprimento no juízo rogado, invocando a Súmula 710, do STF[2].

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Acerca dessa segunda corrente, vale destacar que o enunciado de súmula exarado
pelo Supremo Tribunal Federal prevê que, no âmbito do processo penal, os prazos contam-
-se da data da intimação, não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou
de ordem, valendo o mesmo raciocínio para a carta rogatória. Isso, aliás, como bem coloca a
defesa, tem por base a regra específica do art. 798, § 5º, “a”, do CPP, que diferencia a siste-
mática adotada para os processos criminais em relação aos processos cíveis.

Apesar de reconhecer que a redação problemática e pouco precisa do art. 368 do CPP
propicia ambas as interpretações de forma razoável, o fato é que a 5ª Turma do STJ terminou
por, à unanimidade, agasalhar a segunda corrente.

De acordo com o colegiado, o art. 368, do CPP, embora seja claro ao estabelecer a sus-
pensão do prazo prescricional pela expedição de carta rogatória para citação do acusado no
exterior, não é preciso quanto ao termo final da referida suspensão, devendo ser interpretado
de forma sistemática, com o art. 798, § 5º, “a”, do CPP, bem como com a Súmula 710, do STF,
voltando a correr o lapso prescricional da data da efetivação da comunicação processual no
estrangeiro, ainda que haja demora para a juntada da carta rogatória cumprida aos autos[3].

Se liga, porque eu não tenho a menor dúvida de que esse tema despencará nas próxi-
mas provas!

Anota aí e vamos em frente!

[1] Curso de Processo Penal, 20ª edição, São Paulo: Saraiva, 2013.
[2] LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado, 2ª edição, Sal-
vador: Juspodivm, 2017.
[3] REsp 1.882.330/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, jul-
gado em 06/04/2021.

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O QUE É A TEORIA DO “THREE STRIKES AND YOU’RE OUT”?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje é dia de aplicarmos – mais uma vez – um de nossos mantras mais constantes: gos-
tando ou não, o fato é que nomenclatura em prova de concurso público é questão de sobre-
vivência. Sendo assim, vamos analisar e conhecer mais uma dessas teorias “pouco usuais”.

Aliás, a Teoria do Three strikes and you´re out” já foi cobrada em prova para o ingresso
na carreira de Promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás.

Com nítida influência da chamada Escola de Chicago (dentro do assunto de Criminolo-


gia), a chamada teoria do “three strikes and you are out” se vale da expressão vinculada ao
beisebol, popular esporte nos Estados Unidos.

É que no referido esporte, quando um jogador comete sua terceira falta dentro do
mesmo jogo, há sua respectiva exclusão da partida. Essa lógica, de acordo com a doutrina
criminalista ora analisada, deve ser trazida para o direito penal visando à efetiva prevenção
à prática do crime.

Apesar de alguma divergência e variação dentre os estados que adotam a referida


teoria – já compreendida como constitucional pela Suprema Corte Americana – podemos
compreender aqui a ideia de que alguns crimes mais graves (estupro, homicídio, roubo,
sequestro, tráfico de drogas entre outros) devem ser etiquetados como verdadeiros strikes.
Trazendo para uma ótica brasileira, imaginemos tais crimes como os “severos” itens do car-
dápio de hediondos e equiparados.

O sujeito que viesse a praticar o terceiro “strike” seria punido de maneira impiedosa, e
não teria direito a usufruir qualquer benefício da execução penal. Nos Estados Unidos, aliás,
esse cidadão teria uma punição variável de 25 anos à prisão perpétua, devendo cumprir (no
mínimo) 85% do total aplicado.

No Brasil, em razão das já altas penas máximas existentes nos preceitos secundários
dos nossos tipos penais, os defensores da referida teoria se voltam sobretudo aos menores
infratores, atualmente regidos sobre o Estatuto da Criança e Adolescente.

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Com base no referido discurso, entendem que se as crianças e adolescentes viessem a


praticar “faltas infracionais” (strikes) por mais de 2 vezes demonstrariam uma “personalidade
tipicamente voltada para o crime”, razão pela qual deveriam ser punidos como tal. Ou seja,
defendem aí a aplicação de pena (distintas das medidas socioeducativas) sem a submissão
dos limites legais do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Duas críticas podem ser apontadas à referida linha de pensamento. Vejamos:

O primeiro, em relação à inocuização, pois a irracionalidade entre o fato e a sanção faz


sucumbir o próprio Estado democrático de direito que apresenta suas premissas nas garan-
tias e direitos fundamentais do individuo que estão na Carta de 1988. Já o segundo guarda
relação com a intimidação, que facilita os eventuais abusos ou arbitrariedades, pois rompe
com o ideal de garantismo do direito penal, uma vez que nem ao menos previne porque atua
após a pratica de um crime, não buscando, ao menos, um fim preponderante[1].

Após analisar a mencionada teoria, a professora e doutoranda em direito penal Débora


de Souza de Almeida registra com muita propriedade que a questão específica da delinqu-
ência juvenil não carece de teorias criminalísticas variadas como panaceia para sua extirpa-
ção, devendo o foco da atuação estatal distinguir-se do âmbito penal, ao menos como linha
prioritária. Vejamos:

A solução imediata para a criminalidade juvenil está no recolhimento de todos os meno-


res em estabelecimentos de ensino, com aulas presenciais e telepresenciais para todo país,
além de atividades lúdicas e profissionalizantes, das 8 às 18h. Desde a tenra idade até os
18 anos, jamais uma criança ou adolescente poderia estar abandonado na rua. Esse com-
promisso ético não pode ser exclusivamente do governo, sim, também da sociedade inteira.
Toda população seria fiscal do cumprimento dessa regra, chamando a polícia quando uma
criança ou adolescente fosse encontrado abandonado na rua. Com os menores deveríamos
fazer como fazemos com os bezerros: nunca se vê um deles abandonado nas ruas (porque
possui valor econômico).

A frequência escolar absolutamente obrigatória, portanto, nos daria uma dupla garantia:
a primeira consiste no recolhimento físico do menor a um estabelecimento de ensino, diaria-
mente, das 8 às 18h (ele não ficará perambulando pelas ruas); a segunda reside na formação
educativa e profissionalizante do menor, que sairá da escola com excelente preparo (com
isso também resolveríamos o problema grave da falta de mão de obra qualificada no nosso
país). Existe, portanto, um efeito preventivo imediato (recolhimento obrigatório a estabeleci-
mento de ensino), assim como um efeito preventivo de longo prazo (formação educativa e

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profissional do menor). A sociedade de consumo exagerado não suporta soluções apenas de


longo prazo. Ela é imediatista, consumista. Daí o recolhimento de todos os menores do país
em estabelecimentos penais o dia inteiro[2].

Apesar das considerações, importante destacar que não se vislumbra a possibilidade


de qualquer compatibilidade das linhas orientadoras da TEORIA DO THREE STRIKES AND
YOU ARE OUT com a atual redação e valores insculpidos pela Constituição Federal, revelan-
do-se, pois, (ao menos por ora) uma discussão meramente acadêmica e ideológica.

A razão do presente texto foi de apresentar o tema e advertir da possibilidade de


cobrança em concursos públicos, sobretudo após o questionamento efetuado na prova do
Ministério Público de Goiás!

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

[1] CORDEIRO, Alexandre. Teorias legitimadoras da pena como critério inicial da ativi-
dade judicial de individualização. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/26108.
[2] ALMEIDA, Débora de Souza de. “Three strikes and you’re out”. A vitimização da
democracia substancial na cruzada contra a reincidência criminal. Jus Navigandi, Teresina,
ano 16, n. 2854, 25 abr. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18971>.

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REPERCUSSÃO GERAL E SUSPENSÃO PRESCRICIONAL


EM MATÉRIA PENAL

ENTENDA O POLÊMICO ENTENDIMENTO DO PLENÁRIO DO STF!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Falaremos hoje sobre um tema relativamente antigo (analisado em 2017), porém extre-
mamente importante e bacana para aparecer em provas de concursos públicos, especial-
mente porque envolve diálogos entre matérias jurídicas diversas.

O tema foi apreciado em um caso concreto que envolvia discussão em Recurso Extra-
ordinário acerca atipicidade ou não dos jogos de azar, cuja previsão formal e objetiva se
encontra na Lei de Contravenções Penais, da década de 40 do século passado.

Reconhecida a repercussão geral em âmbito da Suprema Corte, o Ministério Público


trouxe Questão de Ordem para requerer que os feitos criminais em que houvesse repercus-
são geral e a consequente suspensão de processos em que se debate situações análogas
tivessem também suspenso o curso do lapso prescricional.

Tudo isso em razão da redação do novel artigo 1.035 do NCPC, especialmente em seu
parágrafo 5º. Vejamos:

Art. 1.035, § 5º – Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal


Federal DETERMINARÁ A SUSPENSÃO DO PROCESSAMENTO DE TODOS OS PRO-
CESSOS PENDENTES, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no
território nacional.

Vamos a 3 perguntas relevantes e vinculadas ao objeto do presente texto, antes de


avançarmos, certo?

(i) Pedro, esse dispositivo do NCPC é aplicável ao Processo Penal?

A possibilidade de suspensão dos processos em TODO território nacional, caso haja


reconhecimento de repercussão geral, é admitida pelo STF inclusive em relação aos proces-
sos criminais!

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(ii) Essa suspensão é obrigatória, Pedro?

Não! A suspensão é FACULTATIVA, é uma decisão DISCRICIONÁRIA a ser deliberada


pelo Ministro Relator no Supremo!

(iii) A suspensão atinge também os procedimentos de investigação?

Não! Essa questão também foi enfrentada pelo Plenário e consolidou-se a tese de que
a suspensão se aplica exclusivamente na ação penal, não se incidindo em relação aos inqué-
ritos policiais ou outros procedimentos investigatórios criminais. ATENÇÃO: Também não
serão suspensos os processos penais em que haja réu preso!

Bacana! Agora podemos retomar o ponto principal do texto!

Qual era mesmo, Pedro? Tanta coisa que a gente termina se perdendo!

Então vamos nos achar! A dúvida é: caso determinada a suspensão dos processos em
face da repercussão geral, vamos ter suspensão do prazo prescricional?

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, decidiu que é pos-
sível a suspensão do prazo prescricional em processos penais sobrestados em decorrência
do reconhecimento de repercussão geral. A suspensão do prazo prescricional ocorrerá a
partir do momento em que o relator implementar a regra prevista do Código de Processo Civil.

Ao final do julgamento, prevaleceu o entendimento do Relator do caso concreto (Minis-


tro Fux) no sentido de se efetivar uma interpretação conforme a Constituição do artigo 116,
inciso I, do Código Penal[1] – até o julgamento definitivo do recurso paradigma pelo Supremo,
podendo o relator suspender o prazo de prescrição da pretensão punitiva relativa a todos os
crimes objeto de ações penais que tenham sido sobrestadas por vinculação ao tema em
questão[2].

Essa é a tese que prevaleceu na Supremo Corte, ok?

Pedro, mas se eu tiver que me posicionar em uma prova subjetiva, sobretudo de


Defensoria Pública… Quais argumentos poderia trazer para discordar do entendimento que
prevaleceu?!

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São alguns, mas o mais relevante e forte, em minha visão, foi o utilizado pelo Ministro
Fachin. Segundo ele, impor barreiras ao fluxo do prazo prescricional legalmente estabele-
cido significa ampliar o poder punitivo estatal, o que só pode ocorrer, segundo o ministro, por
edição de lei.

Nas precisas palavras do jurista, “à mingua de uma previsão legal em sentido formal, a
suspensão do fluxo do lapso temporal prescricional não pode ocorrer”.

É isso, pessoal! Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

[1] Art. 116 – Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: I –
enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da
existência do crime;
[2] RE 966177 RG/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7/6/2017.

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IMPORTAÇÃO DE PEQUENA QUANTIDADE DE SEMENTE


DE MACONHA NA VISÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Olá, pessoal! Tudo certo?

Vamos tratar hoje de um tema polêmico, mas que vem recebendo entendimento mais
uniforme atualmente nos Tribunais Superiores. Refiro-me aqui à importação de pequena
quantidade de frutos aquênios ou, como normalmente são conhecidos, de sementes de
maconha. Será que essa conduta é típica?

A primeira questão a ser respondida é se a semente de maconha é considerada DROGA.


É que a Lei 11.343/2006 não define o que são drogas, mas remete a uma norma complemen-
tar essa indicação. Trata-se, pois, de uma clássica norma penal em branco.

Atualmente, ela é complementada pela Portaria 344/98 da Anvisa. Não basta, pois, que
uma substância ou produto seja capaz de causar dependência para se inserir no contexto
criminal de drogas, sendo imprescindível que esteja no rol definido pelo Poder Executivo,
periodicamente atualizado.

Ao contrário do que muita gente pensa, a referida Portaria não traz a maconha pro-
priamente como substância considerada droga, mas sim o tetrahidrocanabinol (THC), que é
a substância psicoativa presente da maconha (cannabis sativa). Ocorre que a semente de
maconha NÃO possui em sua estrutura o THC. Ou seja, ao contrário da planta da maconha
– que ostenta THC – a semente dela não pode ser considerada droga, de acordo com os
critérios legais.

Como não se enquadra no conceito de droga, importar a semente de maconha não


pode ser considerado tráfico de drogas. Mas será que poderia ser matéria-prima ou insumo
voltado para a preparação de drogas?

A resposta é negativa, visto que não se prepara ou produz droga com a semente de
maconha. Como bem assinalou o Ministro Gilmar Mendes, “na doutrina, afirma-se que a
matéria-prima, conforme Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi, é a substância de que
podem ser extraídos ou produzidos os entorpecentes que causem dependência física ou
psíquica (GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel. Lei de drogas anotada.3ª edição.
São Paulo: Saraiva, 2009. p. 99). Ou seja, a matéria-prima ou insumo devem ter condições
e qualidades químicas para, mediante transformação ou adição, por exemplo, produzirem a

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droga ilícita, o que não é o caso das sementes da planta Cannabis sativa, que não possuem
a substância psicoativa (THC)”[1].

Tecnicamente, parece-me que – do ponto de vista formal – a conduta se adéqua ao


crime de contrabando, tipificando no art. 334-A do CPB, uma vez que é possível considerar
os frutos aquênios como mercadoria proibida. É que a importação de sementes sem inscri-
ção no Registro Nacional de Cultivares é considerada vedada pelo ordenamento pátrio, jus-
tamente o caso das sementes de maconha (art. 34 da Lei 10.711/2003[2]).

Nesse contexto, a importação de pequena quantidade de sementes de maconha é con-


siderada criminosa?

Na visão da maior parte dos julgados do STF[3], não! E nesse sentido também – não
sem antes alguma controvérsia – se solidificou a posição do STJ, tendo a 3ª Seção da Corte
assim consagrado:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. IMPORTAÇÃO DE 16


SEMENTES DE MACONHA (CANNABIS SATIVUM). DENÚNCIA POR TRÁFICO INTER-
NACIONAL DE DROGAS. REJEIÇÃO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. RECLASSIFI-
CAÇÃO PARA CONTRABANDO, COM APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
AFASTAMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. PRETENDIDO TRANCAMENTO DA
AÇÃO POR ATIPICIDADE. ACATAMENTO DO ENTENDIMENTO DO STF. EMBARGOS DE
DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS. 1. O conceito de “droga”, para fins penais, é aquele estabele-
cido no art. 1.º, parágrafo único, c.c. o art. 66, ambos da Lei n.º 11.343/2006, norma penal em
branco complementada pela Portaria SVS/MS n.º 344, de 12 de maio de 1998. Compulsando
a lista do referido ato administrativo, do que se pode denominar “droga”, vê-se que dela não
consta referência a sementes da planta Cannabis Sativum. 2. O Tetrahidrocanabinol – THC
é a substância psicoativa encontrada na planta Cannabis Sativum, mas ausente na semente,
razão pela qual esta não pode ser considerada “droga”, para fins penais, o que afasta a sub-
sunção do caso a qualquer uma das hipóteses do art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006. 3. Dos
incisos I e II do § 1.º do art. 33 da mesma Lei, infere-se que “matéria-prima” ou “insumo” é a
substância utilizada “para a preparação de drogas”. A semente não se presta a tal finalidade,
porque não possui o princípio ativo (THC), tampouco serve de reagente para a produção de
droga. 4. No mais, a Lei de regência prevê como conduta delituosa o semeio, o cultivo ou a
colheita da planta proibida (art. 33, § 1.º, inciso II; e art. 28, § 1.º). Embora a semente seja
um pressuposto necessário para a primeira ação, e a planta para as demais, a importação
(ou qualquer dos demais núcleos verbais) da semente não está descrita como conduta típica
na Lei de Drogas. 5. A CONDUTA DE IMPORTAR PEQUENA QUANTIDADE DE SEMEN-

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TES DE MACONHA É ATÍPICA, CONSOANTE PRECEDENTES DO STF: HC 144161, REL.


MINISTRO GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, JULGADO EM 11/09/2018, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-268 DIVULG 13-12-2018 PUBLIC 14-12-2018; HC 142987, Relator Min.
GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-256 DIVULG 29-11-2018 PUBLIC 30-11-2018; no mesmo sentido, a decisão monocrá-
tica nos autos do HC 143.798/SP, Relator Min. ROBERTO BARROSO, publicada no DJe de
03/02/2020, concedendo a ordem “para determinar o trancamento da ação penal, em razão
da ausência de justa causa”. 6. Embargos de divergência acolhidos, para determinar o tran-
camento da ação penal em tela, em razão da atipicidade da conduta (EREsp 1624564/SP,
Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/10/2020).

Ou seja, atualmente, o entendimento das Cortes Superiores brasileiras milita no sen-


tido de que a importação de sementes de maconha se amolda ao crime de contrabando, ao
passo que se o objeto da conduta for uma pequena quantidade, deve-se incidir o postulado
da insignificância, afastando-se por consequência a tipicidade material.

Tema riquíssimo e, com toda certeza, aparecerá em provas vindouras!

Vamos em frente!

[1] http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=752291888
[2] Art. 34. Somente poderão ser importadas sementes ou mudas de cultivares inscritas
no Registro Nacional de Cultivares.
[3] Habeas corpus. 2. Importação de sementes de maconha. 3. Sementes não pos-
suem a substância psicoativa (THC). 4. 26 (vinte e seis) sementes: reduzida quantidade de
substâncias apreendidas. 5. Ausência de justa causa para autorizar a persecução penal. 6.
Denúncia rejeitada. 7. Ordem concedida para determinar a manutenção da decisão do Juízo
de primeiro grau. (HC 144161, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em
11/09/2018).

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STJ SUPERA A DIVERGÊNCIA: CRIME DE FAVORECIMENTO


DA PROSTITUIÇÃO DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE
NÃO EXIGE A FIGURA DE TERCEIRO INTERMEDIADOR

SE LIGA NA DECISÃO EXARADA PELA 3ª SEÇÃO DA CORTE SUPERIOR!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Recentemente, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça se reuniu e pôs fim a uma


celeuma que divergia a Corte em relação ao crime favorecimento da prostituição ou de outra
forma de exploração sexual de criança, ou adolescente, ou de vulnerável, consagrado no art.
218-B do Código Penal Brasileiro.

Eis a sua tipificação:

Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual
alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem
o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a aban-
done: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. §1o Se o crime é praticado com o fim
de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. § 2o Incorre nas mesmas penas: I
– quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito)
e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo; II – o proprietário,
o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput
deste artigo.

De acordo com a 5ª Turma do STJ, o crime supratranscrito exigia para sua consuma-
ção, de forma inexorável e intransponível, a presença de um terceiro como agenciador ou
intermediário. Ou seja, não seria possível adequar ao tipo do art. 218-B do CPB a a conduta
daquele que aborda diretamente suas vítimas para a satisfação de lascívia própria.

De acordo com essa compreensão, quando a conduta do agente visar tão somente à
satisfação da própria lascívia, tal conduta não se amoldaria ao tipo penal descrito no artigo
218-B, § 2o, inciso I, do Código Penal – apesar da imoralidade e reprovabilidade do compor-
tamento – que visa punir quem assume a posição de “cliente” e aufere lucro a terceiro, que
explora a prática de serviço sexual[1].

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Entretanto, conforme salientado, caminho diverso era militado pela 6ª Turma da Corte,
também especializada em direito criminal. Segundo o seu entendimento, o inciso I do § 2º do
art. 218-B do Código Penal é claro ao estabelecer que também será penalizado aquele que,
ao praticar ato sexual com adolescente, o submeta, induza ou atraia à prostituição ou a outra
forma de exploração sexual. Dito de outra forma, enquadra-se na figura típica quem, por meio
de pagamento, atinge o objetivo de satisfazer sua lascívia pela prática de ato sexual com
pessoa maior de 14 e menor de 18 anos. A leitura conjunta do caput e do § 2º, I, do art. 218-B
do Código Penal não permite identificar a exigência de que a prática de conjunção carnal
ou outro ato libidinoso com adolescente de 14 a 18 anos se dê por intermédio de terceira
pessoa. Basta que o agente, mediante pagamento, convença a vítima, dessa faixa etária, a
praticar com ele conjunção carnal ou outro ato libidinoso[2].

Era, pois, necessário pacificar e uniformizar o entendimento da Corte Superior com a


finalidade de conferir maior segurança jurídica sobre o tema. E, como salientado, a 3ª Seção
do STJ concluiu – por maioria de votos – pela predominância da compreensão sustentada
até então pela 6ª Turma. Ou seja, o delito previsto no art. 218-B, § 2°, inciso I, do Código
Penal, na situação de exploração sexual, não exige a figura do terceiro intermediador[3].

Portanto, a exploração sexual estará caracterizada quando o menor de 18 e maior de


14 anos tiver sua sexualidade tratada como mercancia, não se exigindo um intermediário. É
lícito concluir que a norma traz uma espécie de presunção relativa de maior vulnerabilidade
das pessoas menores de 18 e maiores de 14 anos.

Logo, quem, se aproveitando da idade da vítima, oferece-lhe dinheiro em troca de favo-


res sexuais está a explorá-la sexualmente, pois se utiliza da sexualidade de pessoa ainda em
formação como mercancia, independentemente da existência ou não de terceiro explorador.

Tema extremamente importante e divergência superada! Isso vai despencar em provas!

Vamos em frente!

[1] AgRg no AREsp 1138200/GO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,


QUINTA TURMA, julgado em 21/11/2017
[2] REsp 1490891/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, jul-
gado em 17/04/2018.
[3] EREsp 1.530.637/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por maioria, julgado
em 24/03/2021.

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QUAL O ESTABELECIMENTO PENAL EM QUE DEVEM SER


ALOCADAS AS MULHERES TRANS?

É POSSÍVEL SE VALER DOS PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA PARA ESSA DEFINIÇÃO?


ENTENDA A POLÊMICA DECISÃO DO MINISTRO BARROSO NA ADPF 527 (STF).

Fala, pessoal! Tudo certo?

Recentemente, fora veiculada notícia indicando que o Ministro Luís Roberto Barroso,
do Supremo Tribunal Federal, ajustara os termos da medida cautelar concedida na ADPF
527, determinando que presas transexuais e travestis com identidade de gênero feminino
POSSAM OPTAR (direito de escolha) por cumprir penas em estabelecimento prisional femi-
nino ou masculino.

Nesse último caso, elas devem ser mantidas em área reservada, como garantia de
segurança. De acordo com estudos mais recentes, entre eles a nota técnica 07/2020 do MJ/
Segurança Pública, seria possível aferir que o ideal é que a transferência ocorra mediante
consulta individual da travesti ou da pessoa trans. A nota técnica também defende que a
transferência seja feita após a manifestação de vontade da pessoa presa.

Antes, a determinação do Ministro não era conferir o direito de escolha, mas indicar as
presas transexuais femininas fossem transferidas para presídios femininos.

Esse caso me fez recordar da decisão monocrática do Min. Rogério Schietti do STJ,
quando ele deferiu o pedido de escolha de presa trans para ser levada a penitenciária femi-
nina. Um dos nortes da decisão do Ministro foram os PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA, que
prevê ser a orientação sexual e a identidade de gênero são essenciais para a dignidade e
humanidade de cada pessoa e não devem ser motivo de discriminação ou abuso.

Esses princípios são encontrados na Carta de Yogyakarta, cidade da Indonésia na qual,


em 2006, a Comissão Internacional de Juristas e o Serviço Internacional de Direitos Huma-
nos coordenaram conferência com a participação de diversos organismos internacionais (e
a colaboração de especialistas de 29 nações, inclusive do Brasil), a fim de desenvolver um
conjunto de cânones e preceitos jurídicos internacionais sobre a aplicação da legislação dos
países às violações de direitos humanos baseadas na orientação sexual e na identidade de
gênero (real ou percebida).

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Sob o contexto de apreciação humanitária do tema, vale destacar trecho do impor-


tantíssimo voto do Ministro Celso de Mello, ao julgar a ADO 26/DF (em 20 de fevereiro de
2019) no qual anotou que “relatório submetido pelo Alto Comissário das Nações Unidas para
os Direitos Humanos e aprovado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU apresentou
evidências de um padrão sistemático de violência e discriminação motivado pela orientação
sexual ou pela identidade de gênero das pessoas, vindo a reconhecer que a falha das autori-
dades estatais em criar mecanismos de proteção aos direitos e liberdades ameaçados, além
de configurar transgressão aos compromissos assumidos pelos Estados (inclusive o Brasil)
na ordem internacional, ocasiona, ainda, a exposição dos integrantes da comunidade LGBT
aos riscos da violência, da opressão e do constrangimento, tanto na esfera pública quanto
no âmbito privado, seja em decorrência da atuação de agentes estatais, de particulares, de
grupos ou de organizações extremistas, seja, até mesmo, em face de comportamento de
membros da própria família da vítima”.

Não se trata de um tema fácil e tampouco pacífico. Entretanto, sem dúvidas, caso apa-
reça em provas de concurso público, temos deliberações de Ministros do STJ e do STF indi-
cando que travestis e mulheres trans devem ficar em estabelecimento feminino, mormente
se assim for a sua vontade expressada.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, entendido!

Vamos em frente!

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ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP)


E A SUA APLICAÇÃO NO TEMPO

ENTENDA A NOVA GUINADA DE ENTENDIMENTO DA 6ª TURMA DO STJ!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Conforme venho alertando desde que entrou em vigência a Lei Anticrime (Lei n.
13.954/2019), um dos aspectos mais relevantes em relação ao novo Acordo de Não Perse-
cução Penal, regrado no art. 28-A do CPP, é a sua aplicação no tempo.

Para analisar de forma completa, é preciso fazer uma recapitulação acerca da aplica-
ção da lei processual penal no tempo. A lei processual penal é norteada, no que tange a sua
aplicabilidade no tempo, por dois postulados fundamentais: (a) princípio da imediatidade e (b)
princípio do isolamento dos atos processuais.

Essa lógica é extraída do art. 2º do CPP, segundo o qual “a lei processual penal apli-
car-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei ante-
rior”. É dizer, portanto, que se estivermos diante de uma norma genuinamente processual,
ela terá aplicabilidade no dia de sua vigência, devendo ser observada para os processos em
curso. Entretanto, os atos já praticados sob a égide da legislação anterior, serão considera-
dos válidos e serão conservados, ou seja, não é necessário repeti-los com a nova orientação
normativa.

Se a regra acima indicada é adotada para as normas puramente processuais (normas


processuais genuínas), a orientação para as normas processuais penais mistas é diversa.
Aqui, deveremos observar tanto o princípio da irretroatividade, como também o postulado da
ultratividade. É dizer, pois, que se for prejudicial, a norma revogada continuará regulando os
fatos praticados em sua vigência.

A polêmica sobre o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) se insere justamente


aqui. É que, indubitavelmente, essa novidade do Código de Processo Penal ostenta caracte-
rística de norma processual penal mista (ou heterotópica) o que nos conduziria à conclusão
de que, em se revelando favorável (como de fato o é), deve ser aplicada retroativamente.
Entretanto, por ora, o tema ainda não pode ser considerado definitivamente uniformizado.

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No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, ao longo de 2020, houve uma clara diver-
gência entre a 5ª e 6ª Turmas. A primeira tem ventilado a retroatividade do ANPP em pro-
cessos em curso SOMENTE até o recebimento da denúncia, ao passo que a outra vinha
admitindo a retroatividade do ANPP aos processos em curso até o TRÂNSITO em julgado.
Vejamos esquematicamente:

Já no âmbito do Supremo Tribunal Federal, essa temática foi afetada ao Plenário, na


expectativa de uniformizar a compreensão e aplicação do novo dispositivo. Ao encaminhar
o Habeas Corpus 185.913 para o órgão máximo do STF, o Ministro Gilmar Mendes indicou
objetivamente que a Corte deve decidir se (i) o ANPP pode ser oferecido em processos já em
curso quando do surgimento da Lei n. 13.964/19? (ii) Qual é a natureza da norma inserida
no art. 28-A do CPP? (iii) se é possível a sua aplicação retroativa em benefício do imputado?
E (iv) se é potencialmente cabível o oferecimento do ANPP mesmo em casos nos quais o
imputado não tenha confessado anteriormente, durante a investigação ou o processo? Até o
presente momento, não há decisão definitiva do Plenário sobre o assunto.

No entanto, a 1ª Turma do STF encampou tese semelhante à da 5ª Turma do STJ à


unanimidade. Segundo o colegiado, o ANPP se esgota na etapa pré-processual, sobretudo
porque a consequência da sua recusa, sua não homologação ou seu descumprimento é
inaugurar a fase de oferecimento e de recebimento da denúncia. O recebimento da denúncia

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encerra a etapa pré-processual, devendo ser considerados válidos os atos praticados em


conformidade com a lei então vigente. Dessa forma, a retroatividade penal benéfica incide
para permitir que o ANPP seja viabilizado a fatos anteriores à Lei nº 13.964/2019, desde que
não recebida a denúncia.

ATENÇÃO! Agora no início de 2021 (março), tivemos uma GRANDE NOVIDADE! A 6ª


Turma alterou sua posição e passou a afirmar (por maioria) que é possível a aplicação retro-
ativa do acordo de não persecução penal, introduzido pela chamada “Lei Anticrime”, DESDE
QUE A DENÚNCIA NÃO TENHA SIDO RECEBIDA. Para o colegiado, uma vez iniciada a per-
secução penal em juízo, não há como retroceder no andamento processual (HC 628.647). A
antiga divergência no STJ foi SUPERADA.

Segundo a Min. Relatora (Laurita Vaz), “o benefício a ser eventualmente ofertado ao


agente sobre o qual há, em tese, justa causa para o oferecimento de denúncia se aplica
ainda na fase pré-processual, com o claro objetivo de mitigar o princípio da obrigatoriedade
da ação penal” e, assim, permitir sua aplicação retroativa quando já houvesse ação pena
recebida desvirtuaria o instituto.

Ainda resta pendente a deliberação do Pleno do Supremo Tribunal Federal, mas – cada
vez mais – se consolida a impressão de que essa será a tese que deverá prevalecer.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, entendido!

Vamos em frente!

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SISTEMA VICARIANTE OU DUPLO BINÁRIO?

QUAL O SISTEMA ADOTADO PELO BRASIL


EM RELAÇÃO ÀS MEDIDAS DE SEGURANÇA?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Falaremos no post de hoje sobre um importante tema relacionado às medidas de segu-


rança no âmbito do direito penal brasileiro. Você se lembra o que é uma medida de segurança?

Vamos revisar! Podemos defini-la como uma modalidade/espécie de sanção penal


cujo fito é essencialmente preventivo, já que se destina a tratar inimputáveis e semi-imputá-
veis que ostentem o caráter de periculosidade. Ao contrário da sanção pena, que se vincula
essencialmente ao aspecto da culpabilidade, as medidas de segurança demandam do juízo
uma prognose voltado para a periculosidade do agente.

Constatada, na situação concreta, a periculosidade do imputado, a solução legislativa


será a imposição de medida de segurança, a partir de uma SENTENÇA ABSOLUTÓRIA
IMPRÓPRIA, já que culmina com uma sanção penal.

Vale atentar para a Súmula 422 do STF que indica que a “absolvição criminal não preju-
dica a medida de segurança, quando couber, ainda que importe privação da liberdade”.

Durante muito tempo, o legislador brasileiro agasalhou o chamado SISTEMA DO


DUPLO BINÁRIO (duplo trilho ou dupla via), pelo qual o semimputável cumpriria inicialmente
a pena privativa de liberdade e, ao seu final, se mantida a presença da periculosidade, seria
submetido a uma medida de segurança!

Atenção, porque não é mais assim, ok?

Com a reforma efetivada na parte geral do nosso Código Penal pela Lei n. 7.209/1984,
alterou-se esse entendimento, com importantes reflexos para o semimputável. Em relação a
ele, haverá a prolação de uma sentença condenatória, podendo haver a diminuição de 1/3 a
2/3, conforme parágrafo único do artigo 26 do CPB.

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Todavia, se o magistrado constatar que pela periculosidade ostentada no caso concreto


se revelar mais efetivo um tratamento curativo, essa pena reduzida pode perfeitamente ser
substituída por uma medida de segurança, conforme indica o artigo 98 do CPB[1].

Diante dessa alteração legislativa, afirma-se que o legislador pátrio passou a adotar
expressamente o Sistema VICARIANTE ou UNITÁRIO, superando o sistema do duplo biná-
rio. Assim, ao semimputável será aplicada a pena reduzida de 1/3 a 2/3 OU a medida de
segurança, conforme seja mais adequado ao caso. É dizer, pois, que NÃO MAIS É ADMITIDA
A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E MEDIDA DE SEGURANÇA, ainda que em sequência.

Entendi, Pedro! Mas vamos imaginar a seguinte situação. João cumpre uma pena priva-
tiva de liberdade em razão de ter cometido a crime X. Durante o cumprimento da pena, vem
a ser condenado em outra ação penal (desta feita pelo crime Y), culminando com o reconhe-
cimento de sua semimputabilidade!

Pode o juiz fixar medida de segurança ou isso seria violação ao sistema vicariante?

De acordo com decisão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (2016), no julga-


mento da ordem de habeas corpus 275.635/SP, durante o cumprimento de pena privativa
de liberdade, o fato de ter sido imposta ao réu, em outra ação penal, medida de segurança
referente a fato diverso NÃO IMPÕE A CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
QUE ESTAVA SENDO EXECUTADA EM MEDIDA DE SEGURANÇA.

O sistema vicariante afastou a imposição cumulativa ou sucessiva de pena e medida de


segurança, uma vez que a aplicação conjunta ofenderia o princípio do ne bis in idem, já que
o mesmo indivíduo suportaria duas consequências em razão do mesmo fato.

De acordo com o entendimento adotado, pois, o sistema vicariante ora vigente é óbice
para a fixação cumulativa de medida de segurança e pena privativa de liberdade ao semim-
putável PELO MESMO FATO! Lado outro, como na situação concreta apreciada, se as san-
ções diversas se revelarem oriundas de fatos também diversos, não há que se falar em vio-
lação ao sistema vicariante!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, entendido!

Vamos em frente!

[1] Art. 98 – Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o


condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substitu-
ída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos,
nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.

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PONTE DE OURO ANTECIPADA? O QUE É ISSO?

ESSE TEMA CAIU NA ÚLTIMA PROVA ORAL DO MP/MG!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje vamos tratar de uma nomenclatura pouco usual, mas que tem aparecido em provas
de concurso público. Exemplo concreto e recente disso foi a prova oral para ingresso como
membro do Ministério Público de Minas Gerais, provas essa realizada em 2020.

Questionou-se a um grupo de examinandos o que viria a ser PONTE DE OURO


ANTECIPADA?

Antes de responder a essa indagação, imprescindível se revela fazermos uma revisão


acerca do que é, em direito penal, considerado como “ponte de ouro”. Consoante ensinado
pela maior parte da doutrina criminal, as pontes de ouro seriam o caminho possível de ser
percorrido pelo agente que iniciou a pratica de um ilícito penal voltando a corrigir o seu per-
curso, retornando à seara da licitude.

A ponte de ouro está presente, entre nós, no art. 15 do CPB[1], nos institutos do arre-
pendimento eficaz e desistência voluntária. Segundo ele, o agente que, voluntariamente,
desiste de prosseguir na execução (DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA) ou impede que o resul-
tado se produza (ARREPENDIMENTO EFICAZ), só responde pelos atos já praticados.

Certo, Pedro! Esse tema aí em me recordava. O problema é responder a partir da


expressão agregada: “ antecipada”? O que vem a ser isso?

Calma, chegaremos lá! O importante, por ora, é que você perceba e assimile que nas
tradicionais pontes de ouro – acima referenciadas – o início da execução da infração penal é
imprescindível para sua materialização. Dizendo de outra forma, no iter criminis[2] o agente
precisa ter adentrado na etapa da execução.

Entretanto, inovando no sistema, o art. 10 da Lei 13.260/2016 (Lei Antiterrorismo) prevê̂


que “mesmo ANTES DE INICIADA A EXECUÇÃO do crime de terrorismo, na hipótese do art.
5º desta Lei, aplicam-se as disposições do art. 15 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro
de 1940 – Código Penal”.

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ATENÇÃO! A regra é que para haver desistência voluntária ou arrependimento eficaz,


imprescindível se revela o início da execução do crime. No entanto, excepcionalmente, no
crime de terrorismo, se o agente PREPARA (atos preparatórios) atos de terrorismo, mas
desiste de iniciar a execução do crime de terrorismo, haverá́ a incidência ANTECIPADA do
art. 15 do CPB, da “ponte de ouro”.

Justamente por esse peculiar momento de sua ocorrência, diferentemente das outras
situações, é que esse novo dispositivo da Lei Antiterrorismo é considerado como PONTE DE
OURO ANTECIPADA!

Espero que tenham entendido!

Vamos em frente!

[1] Art. 15 – O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou


impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.
[2] “(…) como em todo ato humano voluntário, no crime a ideia antecede a ação é no
pensamento do homem que se inicia o movimento delituoso, e a sua primeira fase é a ide-
ação e a resolução criminosa. Há um caminho que o crime percorre, desde o momento que
germina, como ideia, no espirito do agente, até aquele em que se consuma no ato final. A
esse itinerário percorrido pelo crime, desde o momento da concepção até aquele em que
ocorre a consumação, chama-se iter criminis e compõe-se de uma fase interna (cogitação)
e de uma fase externa (atos preparatórios, executórios e consumação), ficando fora dele o
exaurimento, quando se apresenta destacado da consumação. O autor Damásio de Jesus
nos ilustra um exemplo em que o agente, com intenção de matar a vítima (cogitação), adquire
um revólver e se posta de emboscada à sua espera (atos preparatórios), atirando contra ela
(execução) e lhe produzindo a morte (consumação). É na verdade o inter criminis o caminho
a ser percorrido pelo crime a qual antecede o fato criminoso, ou seja, o agente antes de pra-
ticar o delito ele passa por uma series de etapas em que depois de realizadas, logo então é
concretizado o delito pelo autor” (extraído em “https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-
-penal/as-fases-do-iter-criminis/).

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DETRAÇÃO ANALÓGICA VIRTUAL?

ISSO JÁ CAIU EM CONCURSO PÚBLICO!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje vamos tratar de um tema bastante interessante, envolvendo aspectos práticos da


área criminal e, claro, nomenclatura. Se você é meu aluno já sabe que nomenclatura para
concurso público é questão de sobrevivência e, portanto, gostando ou não, precisamos aten-
tar para algumas teorias e teses que aparecem em provas.

Nesse contexto, vamos tratar sobre DETRAÇÃO ANALÓGICA VIRTUAL, tema que já
apareceu em alguns certames, como por exemplo na prova do Ministério Público do Estado
do Rio de Janeiro.

Sabemos que a DETRAÇÃO é um procedimento previsto no art. 42 do CPB[1] através


do qual o réu condenado tem subtraído de sua pena definitiva o prazo de encarceramento
cautelar o de internação em qualquer dos estabelecimentos ao longo da persecução penal.

De onde saíram os “predicados” de Analógica e Virtual, Pedro?

Aí temos que compreender o contexto do HC 390.038/SP[2] (STJ), julgado pela 6ª


Turma do STJ em fevereiro de 2018. No caso concreto, o paciente estivera preso por alguns
meses (cautelarmente) em razão do suposto tráfico de drogas. Ocorre que, quando da sen-
tença, o magistrado reconheceu se tratar, em verdade, de porte para consumo próprio (art.
28), delito esse incompatível com qualquer modalidade prisional (cautelar ou definitiva).

Diante do fato de o acusado ter ficado preso (quando não era cabível, conforme se cons-
tatou posteriormente), o magistrado resolveu declarar a extinção da punibilidade! Segundo
o raciocínio firmado, “qualquer pena a ser aplicada no crime do art. 28 da LD estaria efeti-
vamente exaurida, se aplicássemos o “desconto” da detração”. Afinal, a cautelar fora mais
rígida do que a própria pena abstratamente possível.

Veja! Há aqui uma detração, certo? Mas ela seria ANALÓGICA porque o art. 28 da LD
não prevê pena privativa de liberdade. Assim, devemos nos valer da analogia para “descon-
tar” a prisão cautelar da pena diversa, prevista no art. 28 da LD (seja ela qual for). Vamos
abater da pena do art. 28 o tempo de prisão cautelar.

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Certo, mas por que virtual, Pedro?

Ela é também VIRTUAL porque houve o desconto (detração) SEM a efetiva condena-
ção! Diferentemente da detração “ordinária”, aqui não houve desconto da prisão cautelar em
face da pena do art. 28 da LD!

Segundo o raciocínio, a prisão cautelar é TÃO MAIS GRAVE se comparada com as


penas (definitivas) do referido dispositivo, que não haveria de se falar sequer em “necessária
condenação”.

Para mim, trata-se de um CLARO CASO DE BAGATELA IMPRÓPRIA, apesar de o STJ


não ter expressado isso de maneira evidente!

Na prova do MP/RJ ainda se questionava se esse crime do art. 28 no referido cenário


poderia ser utilizado para fins de reincidência. É fato que o mencionado delito pode ser uti-
lizado como fator reincidente específico, ou seja, para fins de nova sanção do art. 28 da Lei
de Drogas.

Mas isso NÃO OCORRE no cenário mencionado, pois, REPITO, em razão da DETRA-
ÇÃO ANALÓGICA VIRTUAL não houve sequer condenação. Reconheceu-se uma perda
superveniente de interesse ou (na minha visão) um perdão judicial extralegal.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido! Tema difícil, mas EXCE-
LENTE e bastante atual!

Vamos em frente!

[1] Art. 42 – Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança,


o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de
internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.
[2] HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO
DE PENA PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. REINCIDÊNCIA CON-
SIDERADA DE MANEIRA EQUIVOCADA. ORDEM CONCEDIDA. 1. É inconcebível con-
siderar, em nítida interpretação prejudicial ao réu, que o tempo de prisão provisória seja o
mesmo que o tempo de prisão no cumprimento de pena, haja vista tratar-se de institutos
absolutamente distintos em todos os seus aspectos e objetivos. 2. A decisão de extinção da
punibilidade, na hipótese, aproxima-se muito mais do exaurimento do direito de exercício da
pretensão punitiva como forma de reconhecimento, pelo Estado, da prática de coerção cau-

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telar desproporcional no curso do processo – que culminou com a condenação por porte de
substância entorpecente para consumo próprio – do que com o esgotamento de processo
executivo pelo cumprimento de pena. 3. Se o paciente não houvesse ficado preso preventiva-
mente – prisão que, posteriormente, se mostrou ilegal, dada a impossibilidade de se aplicar
tal medida aos acusados da prática do crime de porte de substância entorpecente para con-
sumo próprio -, ele teria feito jus à transação penal (conforme, aliás, expressamente enten-
deu ser possível o próprio membro do Ministério Público), benefício que, como é sabido, não
é apto a configurar nem maus antecedentes nem reincidência. A prevalecer entendimento
contrário, estaria o paciente a sofrer em duplicidade os efeitos decorrentes de um processo
que, ao final, não traduziu a gravidade que inicialmente se imaginou. 4. Ordem concedida,
para afastar a reincidência do paciente e, por conseguinte, determinar o retorno dos autos ao
Juízo de primeiro grau para que analise o eventual preenchimento, pelo paciente, dos demais
requisitos necessários ao reconhecimento da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei de
Drogas. (HC 390.038/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado
em 06/02/2018).

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(DES)NECESSIDADE DE POLICIAIS GRAVAREM AUTORIZAÇÃO DE


MORADOR PARA ENTRAR EM SUA RESIDÊNCIA

ENTENDA E POLÊMICA E RECENTÍSSIMA DECISÃO DA 6ª TURMA DO STJ!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Vamos tratar de um julgado extremamente importante e, claro, bastante polêmico. Antes


de analisar objetivamente o que a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu ao julgar
o HC 598.051, é preciso rememorar algumas premissas.

De acordo com o art. 5º, XI da Constituição Federal de 1988, a garantia da inviolabili-


dade domiciliar foi erigida a cláusula pétrea (garantia fundamental), prevendo que “a casa é
asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador,
salvo EM CASO DE FLAGRANTE DELITO ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante
o dia, por determinação judicial.

Ou seja, salvo nessas hipóteses expressamente apontadas pelo constituinte originário,


não há como alguém adentrar no domicílio de outrem. No entanto, a jurisprudência dos Tri-
bunais Superiores vem tendendo a exercer uma interpretação ainda mais restritiva, especial-
mente nos casos envolvendo a situação de flagrante delito.

Justamente por isso, o Supremo Tribunal Federal aprovou o TEMA 280, em repercus-
são geral, assim vaticinando:

“A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período


noturno, quando amparada EM FUNDADAS RAZÕES, devidamente justificadas a posteriori,
que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsa-
bilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos pratica-
dos (RG TEMA 280, RE 603.616)”.

Ou seja, quando há entrada forçada – mesmo que se constate situação de flagrante


delito, especialmente nos crimes permanentes – quando não identificada justa causa (causa
provável, fundadas razões) para a ação estatal, os Tribunais Superiores têm invalidado as
provas recolhidas no interior de residências devassadas sem autorização judicial. A maioria
dos casos refere-se a situações em que a polícia, fazendo ronda nas imediações da residên-
cia do conjecturado traficante, ou movida por notícia anônima, ingressa na morada porque o

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alvo da diligência, ao avistar a guarnição se aproximando, entra apressadamente em sua casa


ou assume uma atitude que, na avaliação subjetiva dos policiais, é considerada suspeita[1].

De acordo com as ponderações emanadas do voto do Ministro Rogério Schietti, “são


frequentes e notórias as notícias de abusos cometidos em operações e diligências policiais,
quer em abordagens individuais, quer em intervenções realizadas em comunidades dos gran-
des centros urbanos. É, portanto, ingenuidade, academicismo e desconexão com a realidade
conferir, em tais situações, valor absoluto ao depoimento daqueles que são, precisamente,
os apontados responsáveis pelos atos abusivos. E, em um país conhecido por suas práticas
autoritárias –não apenas históricas, mas atuais –, a aceitação desse comportamento com-
promete a necessária aquisição de uma cultura democrática de respeito aos direitos funda-
mentais de todos, independentemente de posição social, condição financeira, profissão, local
da moradia, cor da pele ou raça”.

Nesse diapasão, a 6ª Turma delineou 5 teses (ou eixos principais) que visam a regula-
mentar – no espaço vazio da lei de regência sobre o tema – a situação envolvendo o ingresse
em domicílio de agentes de segurança pública em situações de flagrante e/ou anuência do
proprietário do imóvel. Vejamos:
(1) Em suspeita de crime em flagrante, exige-se, em termos de standard probatório para
ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões,
aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da
casa ocorre situação de flagrante delito.
(2) O tráfico ilícito de entorpecentes, mesmo sendo crime permanente, nem sempre
autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga.
Apenas será permitido o ingresso em situações de URGÊNCIA, quando se concluir que do
atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa, objetiva e concretamente, infe-
rir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada.
(3) O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua
casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre
de qualquer tipo de constrangimento ou coação.
(4) A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na resi-
dência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com DECLARA-
ÇÃO ASSINADA pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que
possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser REGISTRADA em áudio-
-vídeo, e preservada tal prova enquanto durar o processo.

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(5) A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no


domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como
das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de even-
tual responsabilização penal dos agentes públicos que tenham realizado a diligência.

Pedro, mas essas medidas todas precisarão ser implementadas de imediato? As polí-
cias possuem estrutura para tanto?

Pensando justamente em permitir que o Estado se estruture para dar cumprimento às


diretrizes alinhavadas, a Corte estabeleceu o prazo de um ano para permitir o aparelhamento
das polícias, treinamento e demais providências necessárias para a adaptação às diretrizes
da presente decisão, de modo a, sem prejuízo do exame singular de casos futuros, evitar
situações de ilicitude que possam, entre outros efeitos, implicar responsabilidade administra-
tiva, civil e/ou penal do agente estatal.

Se esse entendimento vai prevalecer ou não, ainda não se pode afirmar. Entretanto, se
eu tivesse que arriscar um palpite, diria que essa tendência é bastante significativa. Ou seja,
parece-me imprescindível – pensando em provas de concursos vindouros – que os candi-
datos dominem as 05 teses acima apontadas, sendo esse um dos julgados mais relevantes
para o estudo das próximas provas de processo penal.

Concordando ou não, espero que tenham entendido e gostado!

Vamos em frente!

[1] Nesse sentido direcionaram-se inúmeros julgados desta Corte: HC n. 525.266/PR,


Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., julgado em 24/9/2019, DJe 1º/10/2019; AgRg no HC
n. 483.887/RJ, Rel. Ministra Laurita Vaz, 6ª T., julgado em 17/12/2019, DJe 3/2/2020); RHC
n. 89.853/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª T., julgado em 18/2/2020, DJe 2/3/2020; RHC
n. 83.501/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6ª T., julgado em 6/3/2018, DJe 5/4/2018; AgRg no
HC n. 585.150/SC, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ªT., julgado em 4/8/2020,
DJe 13/8/2020; HC n. 609.982/RS, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, julgado em 15/12/2020, DJe
18/12/2020; HC n. 609.955/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, julgado em 2/2/2021, DJe 8/2/2021;
RHC n. 134.894/GO, Rel. Ministro Nefi Cordeiro,julgado em 2/2/2021, DJe 8/2/2021; AgRg no
HC 609.981/RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª T., julgado em 02/02/2021, DJe 08/02/2021.

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FINALMENTE PACIFICOU! AFINAL, É POSSÍVEL OU NÃO


A CONVERSÃO DO FLAGRANTE EM PREVENTIVA DE OFÍCIO
PELO MAGISTRADO?

VEJA O QUE DECIDIU A 3ª SEÇÃO DO STJ SOBRE O TEMA!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Muito já foi falado e escrito acerca desse tema, mas – recentemente – vivemos novos
capítulos. Vamos compreender.

O Supremo Tribunal Federal, especialmente através de sua 2ª Turma (HC 188.888/


MG[1]), reconheceu a impossibilidade jurídica de o magistrado, mesmo fora do contexto da
audiência de custódia, decretar, de ofício, a prisão preventiva de qualquer pessoa submetida
a atos de persecução criminal (inquérito policial, procedimento de investigação criminal ou
processo judicial), “tendo em vista as inovações introduzidas nessa matéria pela recentís-
sima Lei nº 13.964/2019 (“Lei Anticrime”), que deu particular destaque ao sistema acusatório
adotado pela Constituição, negando ao Juiz competência para a imposição, ex officio, dessa
modalidade de privação cautelar da liberdade individual do cidadão (CPP, art. 282, §§ 2º e
4º, c/c art. 311).

O tema, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, era controverso, com posições anta-
gônicas entre a 5ª e 6ª Turmas. Mantendo o entendimento anterior à Lei Anticrime, a 6ª
Turma se manifestou recentemente, de forma unânime, indicando que o magistrado poderia
converter a prisão em flagrante em preventiva, DE OFÍCIO (HC 583.995). Segundo esse
colegiado, não houve alteração da realidade com a edição da Lei Anticrime. Comparando à
impossibilidade de decretação da prisão cautelar de ofício, entendeu ser diversa a situação
em que o juiz converte, por força de comando legal, a prisão em flagrante em alguma(s)
medida(s) cautelar(es) de natureza pessoal, inclusive a prisão preventiva, porquanto, nesta
hipótese, regulada pelo art. 310 do CPP, o autuado já foi preso em flagrante delito e é trazido
à presença da autoridade judiciária competente, após a lavratura de um auto de prisão em
flagrante, como determina a lei processual penal, para o controle da legalidade e da neces-
sidade da prisão, bem como da observância dos direitos do preso, especialmente o de não
sofrer coação ou força abusiva pelos agentes estatais responsáveis por sua prisão e guarda.
Não haveria em tal situação, uma atividade propriamente oficiosa do juiz, porque, a rigor, não
apenas a lei obriga o ato judicial, mas também, de um certo modo, há o encaminhamento,
pela autoridade policial, do auto de prisão em flagrante para sua acurada análise, na expec-

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tativa, derivada do dispositivo legal (art. 310 do CPP), de que o juiz, após ouvir o autuado,
adote uma das providências ali previstas, inclusive a de manter o flagranciado preso, já agora
sob o título da prisão preventiva[2].

Diferentemente, 5ª Turma julgando o HC 590.039, reconheceu também que esse com-


portamento oficioso é ILEGAL, após a Lei Anticrime. Nessa perspectiva, a Lei n. 13.964/2019
promoveu diversas alterações processuais, deixando clara a intenção do legislador de reti-
rar do Magistrado qualquer possibilidade de decretação ex officio da prisão preventiva. O
anterior posicionamento da Corte, no sentido de que “não há nulidade na hipótese em que o
magistrado, de ofício, sem prévia provocação da autoridade policial ou do órgão ministerial,
converte a prisão em flagrante em preventiva”, merece nova ponderação em razão das modi-
ficações trazidas pela referida Lei n 13.964/2019, já que parece evidente a intenção legisla-
tiva de buscar a efetivação do sistema penal acusatório. A partir das inovações trazidas pelo
Pacote Anticrime, tornou-se inadmissível a conversão, de ofício, da prisão em flagrante em
preventiva. Portanto, a prisão preventiva somente poderá ser decretada mediante requeri-
mento do Ministério Público, do assistente ou querelante, ou da autoridade policial (art. 311
do CPP), o que não ocorreu na hipótese dos presentes autos[3].

E QUAL É A NOVIDADE, PEDRO?

É que a 3ª Seção – que reúne os Ministros da 5ª e 6ª Turma – se alinhou ao enten-


dimento da impossibilidade, invalidando a conversão automática feita pelo Judiciário, após
prisão de suspeito em flagrante (RHC 131.263).

Para a maioria dos Ministros, mesmo que o inciso II do artigo 310 do CPP, que trata da
audiência de custódia, permita converter a prisão em flagrante em preventiva se presentes
os requisitos do artigo 312 e se outras cautelares se revelarem insuficientes, é preciso que
haja alguma representação.

A não ocorrência da audiência de custódia por qualquer razão ou eventual ausência


do representante do Ministério Público NÃO AUTORIZA que o juiz converta a prisão sem
que haja o pedido — pedido este que, inclusive, pode ser formulado independentemente da
audiência.

Atualizem seus materiais! Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

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[1] (…) A interpretação do art. 310, II, do CPP deve ser realizada à luz dos arts. 282,
§§ 2º e 4º, e 311, do mesmo estatuto processual penal, a significar que se tornou inviável,
mesmo no contexto da audiência de custódia, a conversão, de ofício, da prisão em flagrante
de qualquer pessoa em prisão preventiva, sendo necessária, por isso mesmo, para tal efeito,
anterior e formal provocação do Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o
caso, do querelante ou do assistente do MP. Magistério doutrinário. Jurisprudência. AUTO
DE PRISÃO EM FLAGRANTE – NATUREZA JURÍDICA – ELEMENTOS QUE O INTEGRAM
– FUNÇÃO PROCESSUAL – O auto de prisão em flagrante, lavrado por agentes do Estado,
qualifica-se como ato de formal documentação que consubstancia, considerados os elemen-
tos que o compõem, relatório das circunstâncias de fato e de direito aptas a justificar a cap-
tura do agente do fato delituoso nas hipóteses previstas em lei (CPP, art. 302), tendo por
precípua finalidade evidenciar – como providência necessária e imprescindível que é – a
regularidade e a legalidade da privação cautelar da liberdade do autor do evento criminoso,
o que impõe ao Estado, em sua elaboração, a observância de estrito respeito às normas
previstas na legislação processual penal, sob pena de caracterização de injusto gravame
ao “status libertatis” da pessoa posta sob custódia do Poder Público. Doutrina. – Mostra-se
inconcebível que um ato de natureza meramente descritiva, como o é o auto de prisão em
flagrante, limitado a relatar o contexto fático-jurídico da prisão, permita que dele infira-se,
por implicitude, a existência de representação tácita da autoridade policial, objetivando, no
âmbito da audiência de custódia, a conversão da prisão em flagrante do paciente em prisão
preventiva. – A conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, no contexto da audi-
ência de custódia, somente se legitima se e quando houver, por parte do Ministério Público
ou da autoridade policial (ou do querelante, quando for o caso), pedido expresso e inequí-
voco dirigido ao Juízo competente, pois não se presume – independentemente da gravidade
em abstrato do crime – a configuração dos pressupostos e dos fundamentos a que se refere
o art. 312 do Código de Processo Penal, que hão de ser adequada e motivadamente com-
provados em cada situação ocorrente. Doutrina. (…). – Inexiste, em nosso sistema jurídico,
em matéria processual penal, o poder geral de cautela dos Juízes, notadamente em tema
de privação e/ou de restrição da liberdade das pessoas, vedada, em consequência, em face
dos postulados constitucionais da tipicidade processual e da legalidade estrita, a adoção, em
detrimento do investigado, do acusado ou do réu, de provimentos cautelares inominados ou
atípicos. O processo penal como instrumento de salvaguarda da liberdade jurídica das pes-
soas sob persecução criminal. Doutrina. Precedentes: HC 173.791/MG, Rel. Min. CELSO DE
MELLO – HC 173.800/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 186.209- -MC/SP, Rel. Min.
CELSO DE MELLO, v.g. (HC 188888, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, jul-
gado em 06/10/2020).
[2] HC 583.995/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGE-
RIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 15/09/2020.
[3] HC 590.039/GO, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em
20/10/2020.

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EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES:


CRIME FORMAL OU MATERIAL?

CONTROVÉRSIA DOUTRINÁRIA E (RECENTÍSSIMA) DECISÃO DO STJ!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje vamos falar sobre a decisão exarada no REsp 1.860.791, da lavra da 6ª Turma do
STJ, veiculada no Informativo 685 da Corte.

O tema de fundo se vinculava à natureza do delito tipificado no art. 345 do CPB (exer-
cício arbitrário das próprias razões). De acordo com o dispositivo, o crime consiste em “fazer
justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei
o permite”, sendo punido com detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena
correspondente à violência, ressalvando que se não houver emprego de violência, somente
se procede mediante queixa (ação penal privada).

Considerando que se trata de um tipo penal menos estudado do que deveria, pare-
ce-me válido fazer uma rápida revisão acerca das principais características a ele ineren-
tes. Vamos lá?

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OBJETO MATERIAL É a pessoa ou a coisa contra a qual a conduta é dirigida.


O sujeito despreza o estado, ao agir por conta própria.
É compatível com qualquer meio de execução (forma livre).
Pretensão é um direito que o sujeito tem (legítima) ou acredita ter (suposta-
mente legítima). Em regra, a pretensão pertence ao próprio indivíduo, mas
pode pertencer a terceiro, quando atua como representante legal ou manda-
NÚCLEO DO TIPO:
tário. Neste crime, ela deve ser passível de satisfação em juízo, sob pena de
“fazer”
atipicidade.
Elementos normativos do tipo:
NÚCLEO DO TIPO:
– “legítima”, característica a ser aferida no caso concreto. Também abrange a
“fazer”
pretensão “supostamente legítima”, desde que haja uma aparência de direito
(teoria da putatividade ou da aparência), uma fumaça do bom direito;
– “salvo quando a lei o permite”: autotutela de um direito. Ex.: legítima defesa,
desforço imediato para proteção da possa (art. 1.210, §1º, CC). Nada mais é
que o exercício regular de um direito, excludente de ilicitude (art. 23, III, CP).
SUJEITO ATIVO Crime comum ou geral: pode ser cometido por qualquer pessoa.
Imediato: o Estado.
SUJEITO PASSIVO
Mediato: a pessoa física ou jurídica lesada.
ELEMENTO SUBJE- Dolo + finalidade específica (para satisfazer pretensão, embora legítima).
TIVO Não admite culpa.
Divergência doutrinária.
Material: o crime se consuma com a satisfação da pretensão; não obtido o
resultado pretendido, haverá tentativa.
CONSUMAÇÃO
Formal: consuma-se ainda que a pretensão não venha a ser satisfeita.
É JUSTAMENTE ESSE PONTO QUE VAMOS ESCLARECER À LUZ DO
PRECEDENTE OBJETO DO PRESENTE TEXTO.
TENTATIVA É possível.
Regra: privada;
AÇÃO PENAL
Exceção: emprego de violência (física apenas) – p. ún.
Se o crime for cometido mediante violência, a lei impõe o concurso material
obrigatório entre o art. 345 e o crime resultante da violência.
Se da violência resultar vias de fato, não haverá concurso de crime, pois essa
CONCURSO MATERIAL
contravenção penal é sempre absolvida como meio de execução (subsidiarie-
OBRIGATÓRIO
dade expressa).
A ameaça também é absolvida pela coação e não determina o cumulo mate-
rial.
Crime de menor potencial ofensivo, de competência do JECrim, compatível
LEI N. 9.099/1995
com a Lei n. 9.099/1995.

Realizada essa recapitulação, retomemos o ponto fulcral do texto.

Consoante se verificou, há forte controvérsia no que tange à qualificação do crime de


exercício arbitrário das próprias razões ser (i) formal ou (ii) material.

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Apesar de reconhecer a controvérsia no âmbito doutrinário, a 6ª Turma do Superior


Tribunal de Justiça indicou que seu entendimento recai no sentido de que o crime do art.
345 do Código Penal Brasileiro é de natureza FORMAL, por se entender suficiente para a
consumação que os atos voltados a fazer justiça com as próprias mãos tenham visado a tal
pretensão, não sendo imprescindível sua satisfação exitosa. Se isso acontecer, estaremos
diante de mero exaurimento.

Dentre outros, essa é a posição sustentada por Guilherme de Souza Nucci. Segundo
ele, ao comentar o tipo em questão, “trata-se de crime comum (aquele que pode ser cometido
por qualquer pessoa); FORMAL (que não exige, para sua consumação, resultado naturalís-
tico, consistente na efetiva satisfação da pretensão). Há posição em sentido contrário, consi-
derando material a infração penal, necessitando, para a consumação, que o agente satisfaça
a pretensão” (NUCCI, GUILHERME de Souza. Código Penal Comentado. 20ª. Ed., revista
atualizada e reformulada. Forense: Rio de Janeiro, 2020, item 104.).

Em sentido oposto – e que apesar de importante parece-nos minoritário – há os ensina-


mentos de Mirabete e Nelson Hungria, vaticinando a natureza material do referido delito. Ou
seja, não havendo êxito da realização de “fazer justiças com as próprias mãos”, não teríamos
o delito consumado.

Entretanto, seguindo o entendimento sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça no


sentido de se tratar de crime formal, uma vez praticados todos os atos executórios, resta con-
sumado o delito, a despeito de o autor da conduta não ter logrado êxito em sua pretensão,
que, no caso analisado, era a de pegar o celular de propriedade da vítima, a fim de satisfazer
dívida que esta possuía com agente.

Ótimo tema para ser explorado em uma prova dissertativa.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido.

Vamos em frente!

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A EXPEDIÇÃO DE CARTA PRECATÓRIA IMPACTA


NO MOMENTO DE REALIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO?

VEJA O QUE DECIDIU O STJ!

Fala, pessoal! Tudo certo?

Vamos analisar uma decisão recentíssima do STJ (julgado no início de fevereiro de


2021), no HC 585.707/PE[1] da lavra da 5ª Turma.

Para compreendermos o que fora deliberado pelo colegiado, revela-se imprescindível


recordar que eventual expedição de carta precatória no processo penal NÃO tem o condão
de suspender o processo, conforme previsto no art. 222, § 1º do CPP. Vejamos:

Art. 222. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do
lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável,
intimadas as partes. § 1º A EXPEDIÇÃO DA PRECATÓRIA NÃO SUSPENDERÁ A INSTRU-
ÇÃO CRIMINAL.

Partindo dessa premissa legal, seria intuitivo afirmar que, na pendência do cumprimento
da referida carta, não haveria óbice na realização do interrogatório do imputado, correto?

Eu disso PODERIA ser, porque – na prática – não é bem assim. Como muito bem assen-
tado pelo STJ, considerando a opção do sistema acusatório, a interpretação do artigo 222, §§
1º c/c artigo 400 do CPP, que melhor alinha-se à nova sistemática acusatória é aquela que
privilegia o INTERROGATÓRIO DO ACUSADO AO FINAL DA INSTRUÇÃO, mormente após
ter ciência das declarações das testemunhas de acusação.

ESSA REGRA É ABSOLUTA, PEDRO?

Não! De acordo com a Corte, essa ordem pode ser excepcionada por decisão funda-
mentada do juízo processante que leve em consideração circunstâncias fáticas do desenro-
lar processo (exemplo: excessiva demora no retorno das precatórias), julgando pertinente a
inversão da ordem. Porém, essa opção NÃO DEVE DECORRER ÚNICA E AUTOMATICA-
MENTE EM RAZÃO DA NECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO DE CARTAS PRECATÓRIAS para
a colheita das declarações das pessoas arroladas pelo Ministério Público.

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Aliás, no caso concreto específico, o entendimento foi no sentido de que não restou
verificada qualquer situação excepcional a ensejar a inversão da ordem natural do processo
penal, tendo o magistrado processante, diante da ausência das testemunhas de acusação,
determinado a expedição de carta precatória e automaticamente a continuidade dos procedi-
mentos da audiência, com a colheita dos interrogatórios dos réus.

Se a inversão fosse decorrência automática da expedição da carta precatória, indis-


criminadamente, teríamos um duplo prejuízo ao réu, uma vez que ele (i) teria prestado seu
depoimento antes de ouvir as declarações das testemunhas que o acusam e (ii) teria ainda
que aguardar o retorno das cartas precatórias dessas testemunhas de qualquer forma para o
encerramento da instrução, não havendo qualquer garantia que sua inquirição em momento
anterior resultará num processo mais célere ao final.

Tema muito interessante e com foco no aspecto prático do processo!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido. Vamos em frente!

[1] HC 585.707/PE, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em


02/02/2021.

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STJ ASSUME LADO EM POLÊMICA DOUTRINÁRIA


NA LEI DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

ISSO VAI CAIR NA SUA PROVA!

Olá, pessoal! Tudo certo?

O tema que abordarei hoje não é tão recente assim, mas é extremamente relevante
para as provas de concurso, em absolutamente todas as etapas. Isso porque ela envolve
legislação, interpretação normativa e suas técnicas, divergências doutrinárias e uma polê-
mica posição do Superior Tribunal de Justiça.

Vamos entender?

Uma das várias polêmicas da Lei 12.850/2013 é a redação do art. 2o § 1o, que prevê
punição para aquele que impede ou, de qualquer forma, embaraça a INVESTIGAÇÃO DE
INFRAÇÃO PENAL que envolva organização criminosa.

De acordo com a interpretação literal, somente haverá esse crime se a obstrução se


materializar durante a investigação penal, não havendo adequação típica se a obstrução
(embaraçar) se verificar durante o processo. Conforme aponta Cézar Roberto Bitencourt, não
é possível elastecer a interpretação, sob pena de se estar fazendo uma verdadeira analogia
in malam partem.

PEDRO, ESSE ENTENDIMENTO É PACÍFICO?

Não! Há doutrina forte (Rogério Sanches, Vinícius Marçal e Cléber Masson) defen-
dendo uma interpretação teleológica e extensiva para incluir o embaraço de toda a persecu-
ção penal, sendo mantidas a mens legis e o bem jurídico tutelado.

A jurisprudência ainda é bastante tímida e não há uma posição uniforme. Contudo, a 5ª


Turma do STJ, ao julgar o HC 487.962[1], afirmou que o crime de embaraçar a investigação
de infração penal previsto no parágrafo 1º do artigo 2º da Lei n. 12.850/2013 não está res-
trito à fase do inquérito policial, sendo aplicável também quando o fato ocorre no âmbito da
ação penal.

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Segundo o Ministro (Relator) Joel Ilan Paciornik, as investigações se prolongam durante


toda a persecução criminal, que abarca tanto o inquérito policial quanto a ação penal defla-
grada pelo recebimento da denúncia. Com efeito, não havendo o legislador inserido no tipo
a expressão estrita ‘inquérito policial’, compreende-se ter conferido à investigação de infra-
ção penal o sentido de persecução penal como um todo. Ademais, carece de razoabilidade
punir mais severamente a obstrução das investigações do inquérito do que a obstrução da
ação penal.

O tema é polêmico, mas esse precedente revela aquilo que (IMAGINO) tende a ser
majoritário. Aguardemos mais novidades.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido.

Vamos em frente!

[1] HC 487.962/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em
28/05/2019.

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DISTINGUISHING SOBRE O CABIMENTO DE ASTREINTES


NO PROCESSO PENAL

TUDO SOBRE A LÓGICA DA “REGRA E EXCEÇÃO” NO TRIBUNAL SUPERIOR.

Fala, pessoal! Tudo certo?

O Superior Tribunal de Justiça, através da 3ª Seção, exarou entendimento no julga-


mento do REsp 1.568.445/PR indicando a possibilidade de fixação de astreintes em des-
favor de terceiros no âmbito do processo penal. Como sabemos, na legislação processual
penal não há previsão da chamada multa cominatória, mas – para sua incidência no âmbito
criminal – a Corte Superior tem invocado o sempre polêmico “poder geral de cautela” – de
aplicabilidade limitada e controversa no âmbito criminal, como arrimo argumentativo para tal
conclusão.

O que tem prevalecido no STJ é a compreensão de que ao juiz somente foi obstado
o emprego de cautelares inominadas que atinjam a liberdade de ir e vir do indivíduo. Ade-
mais, a teoria dos poderes implícitos também é um fundamento autônomo que, por si só,
justificaria a aplicação de astreintes pelos magistrados. De acordo com o referido Tribunal, é
possível aplicar astreintes em desfavor de terceiros que NÃO participaram da relação proces-
sual. Segundo os Ministros da 3ª Seção, no processo penal, a irregularidade não se verifica
quando imposta a multa coativa a terceiro. Haveria, sim, invalidade se ela incidisse sobre o
réu, pois ter-se-ia clara violação ao princípio do nemo tenetur se detegere. Rememorou-se
que o Marco Civil da Internet traz expressamente a possibilidade da aplicação de multa ao
descumpridor de suas normas quanto à guarda e disponibilização de registros conteúdos.

Bacana, Pedro! Posso memorizar isso e seguir feliz?

NÃO! É que tivemos novidades recentes, da lavra da mesma 3ª Seção, que fora divul-
gada no Informativo 684 do STJ. Ao julgar o RMS 60.531/RO[1], em 09 de dezembro de 2020,

O colegiado estabeleceu uma importantíssima distinção (distinguishing) relacionado a


esse tema.

Vamos compreender com um exemplo. Imagine que, em um processo criminal, uma


das partes indique ao juízo que precisa (com)provar uma tese a partir de documento ou infor-
mação que está em posse do Google? Nesse caso, o juiz pode determinar que essa infor-

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mação ou documento seja entregue pela empresa. Mas e se ela se negar? Poderá haver a
incidência de multa (astreintes). Essa é a regra já firmada no STJ.

No entanto (ATENÇÃO), se a razão da negativa de fornecimento por parte do Google


for a impossibilidade técnica, considerando que os dados estão criptografados. A fixação da
multa seria razoável?

Como bem destacado pelo STJ, a criptografia de ponta a ponta é a proteção dos dados
nas duas extremidades do processo, tanto no polo do remetente quanto no outro polo do des-
tinatário. Nela, há “dois tipos de chaves são usados para cada ponta da comunicação, uma
chave pública e uma chave privada. As chaves públicas estão disponíveis para as ambas as
partes e para qualquer outra pessoa, na verdade, porque todos compartilham suas chaves
públicas antes da comunicação. Cada pessoa possui um par de chaves, que são complemen-
tares. […] O conteúdo só poderá ser descriptografado usando essa chave pública (…) junto
à chave privada (…). Essa chave privada é o único elemento que torna impossível para qual-
quer outro agente descriptografar a mensagem, já que ela não precisa ser compartilhada“.

No julgamento da ADPF 403 e da ADI 5527, os Ministros Edson Fachin e Rosa Weber,
respectivamente, entenderam que se trata de forma de proteger a liberdade de comunicação
e expressão, concluindo que o ordenamento jurídico brasileiro não autoriza, em detrimento
da proteção gerada pela criptografia de ponta a ponta, em benefício da liberdade de expres-
são e do direito à intimidade, sejam os desenvolvedores da tecnologia multados por descum-
prirem ordem judicial incompatível com encriptação.

Assim, em ponderação de valores os benefícios advindos da criptografia de ponta a


ponta se sobrepõem às eventuais perdas pela impossibilidade de se coletar os dados das
conversas dos usuários da tecnologia.

Em um trecho do voto da Ministra Rosa Weber no precedente acima citado, ela destaca
o seguinte:

“se aos cidadãos não for assegurada uma esfera de intimidade privada, livre de ingerên-
cia externa, um lugar onde o pensamento independente e novo possa ser gestado com segu-
rança, de que servirá a liberdade de expressão? O direito à privacidade tem como objeto, na
quase poética expressão de Warren e Brandeis, ‘a privacidade da vida privada’. O escopo
da proteção são os assuntos pessoais, em relação aos quais não se vislumbra interesse
público legítimo na sua revelação, e que o indivíduo prefere manter privados. ‘É a invasão
injustificada da privacidade individual que deve ser repreendida e, tanto quanto possível, pre-

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venida’. Vale observar, ainda, que os maiores desafios contemporâneos à proteção da priva-
cidade nada têm a ver com a imposição de restrições à liberdade de manifestação, enquanto
relacionados, isto sim, aos imperativos da segurança nacional e da eficiência do Estado, à
proliferação de sistemas de vigilância e à emergência das mídias sociais, juntamente com a
manipulação de dados pessoais em redes computacionais por inúmeros, e frequentemente
desconhecidos, agentes públicos e privados. Nesse contexto, pertinente, ainda, a contribui-
ção de Alan Westing à doutrina jurídica da privacidade no mundo contemporâneo, ao carac-
terizar a estrutura desse direito como controle sobre os usos da informação pessoal. Nesse
sentido, a privacidade, afirma, ‘é a pretensão de indivíduos, grupos ou instituições de deter-
minarem para si quando, como e em que extensão a informação sobre eles será comunicada
a outros’. Tal concepção do direito à privacidade está alinhada com o reconhecimento do seu
papel social na própria preservação da personalidade e no desenvolvimento da autonomia
individual.” (Voto da em. Min. Relatora Rosa Weber na ADI 5527).

Temos, pois, que o ordenamento jurídico brasileiro não autoriza, em detrimento da pro-
teção gerada pela criptografia de ponta a ponta, em benefício da liberdade de expressão e
do direito à intimidade, sejam os desenvolvedores da tecnologia multados por descumprirem
ordem judicial incompatível com encriptação.

Ou seja, é legítima a fixação de astreintes em desfavor de terceiros para fornecimento de


dados relevantes ao processo penal. Entretanto, tal possibilidade deve ser afastada quando
a negativa da entrega se pautar em impossibilidade técnica, como, por exemplo restrições
de criptografia.

Espero que tenham entendido! Tema com cara de prova, hein?

Vamos em frente!

[1] 1. A possibilidade de aplicação, em abstrato, da multa cominatória foi reconhecida,


por maioria, nesta Terceira Seção (REsp 1.568.445/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI
CRUZ, Rel. p/ Acórdão Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
24/6/2020, DJe 20/8/2020). 2. No caso concreto, porém, há de se fazer uma distinção ou um
distinguishing entre o precedente citado e a situação ora em análise. Diversamente do pre-
cedente colacionado, a questão posta nestes autos objeto de controvérsia é a alegação, pela
empresa que descumpriu a ordem judicial, da impossibilidade técnica de obedecer à deter-
minação do Juízo, haja vista o emprego da criptografia de ponta a ponta (…) RMS 60.531/
RO, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 09/12/2020).

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SERÁ QUE A CONDUTA DE POSSUIR OU PORTAR


INTEGRA O ROL DOS CRIMES HEDIONDOS?

VEJA COMO ESTÁ A QUESTÃO APÓS A LEI ANTICRIME!

Fala, pessoal! Tudo certo?

Consoante a doutrina majoritária já vinha assentando, a jurisprudência do STJ tem con-


cluído que crime de posse ou porte de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca
ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado NÃO INTEGRA O
ROL DOS CRIMES HEDIONDOS. Isso foi adotado, entre outros, no recente julgamento do
HC 525.249/RS, julgado no final de 2020[1].

A Lei n. 13.497/2017 alterou a Lei de Crimes Hediondos para incluir o crime de posse ou
porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 da Lei n. 10.826/2003, como
equiparado à hediondo.

De acordo com a tese sustentada pela Defensoria Pública, considerando o contexto


normativo pós Pacote Anticrime, o porte ou a posse de arma de fogo de uso permitido, ainda
que com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou
adulterado, não tem índole hedionda. Isso porque o objetivo fulcral do legislador reformador
foi conferir tratamento mais gravoso apenas ao crime de posse ou porte de arma de fogo, de
acessório ou de munição de uso proibido ou restrito, não abrangendo o crime de posse ou
porte de arma de fogo, de acessório ou de munição de uso permitido.

Aliás, essa compreensão é compartilhada por parcela expressiva da doutrina, conforme


se extrai das lições abaixo:

“(…) não pretendeu o legislador abranger como crime hediondo as figuras com penas
equiparadas previstas no parágrafo único do art. 16 do Estatuto, exceto, obviamente, se
importarem concomitantemente posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. Dessa
forma, se alguém portar um revólver calibre 38 (arma de uso permitido) com numeração ras-
pada incorrerá na figura equiparada do art. 16, parágrafo único, IV, do Estatuto, que possui
as mesmas penas do caput mas que não terá natureza hedionda. Caso, entretanto, o agente
esteja portando um fuzil com numeração raspada o delito será considerado hediondo”[2].

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Vale destacar, conforme brilhantemente realizado pela Ministra Relatora Laurita Vaz,
que a alteração na redação da Lei de Crimes Hediondos reforça o entendimento ora afir-
mado, no sentido da natureza não hedionda do porte ou posse de arma de fogo de uso per-
mitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou
adulterado. Acerca do assunto, esta Corte Superior, até o momento, afirmava que os Legis-
ladores atribuíram reprovação criminal equivalente às condutas descritas no caput do art. 16
da Lei n. 10.826/2003 e ao porte ou posse de arma de fogo de uso permitido com numeração
suprimida, equiparando a gravidade da ação e do resultado. Todavia, TAL ENTENDIMENTO
DEVE SER SUPERADO (OVERRULING).

A ratio por trás da referida conclusão é a ideia da atuação do Poder Judiciário como ver-
dadeiro instrumento de redutor de danos, na linha do sustentado por Rodrigo Roig:

“Surge daí a tese central da teoria redutora de danos na execução penal, aqui defen-
dida: a existência de um autêntico dever jurídico-constitucional de redução do sofrimento e
da vulnerabilidade das pessoas encarceradas, sejam elas condenadas ou não. O cumpri-
mento de tal dever, sobretudo dos juristas e agências jurídicas, é o grande norte interpretativo
e de aplicação normativa da execução penal. Se de fato a execução da pena é a região mais
obscura, mas ao mesmo tempo a mais transparente do poder punitivo, onde a tensão entre
o estado de polícia e o estado de direito evidencia o conflito entre o poder punitivo e o poder
jurídico, é por afirmação deste que se esvaziarão os danos causados por aquele”[3].

Dessa maneira, é certo concluir que, atualmente, com a vigência da Lei Anticrime, o
crime de posse ou porte de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qual-
quer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado NÃO INTEGRA O ROL
DOS CRIMES HEDIONDOS.

Espero que tenham gostado! Vamos em frente!

[1] HC 525.249-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em
15/12/2020.
[2] Victor Eduardo Rios Gonçalves no livro Coleção Sinopses Jurídicas Volume 24 –
Tomo 1 – Legislação Penal Especial, 14.ª Edição, 2018, pg. 22, Editora Saraiva Jur.
[3] Execução Penal: Teoria Crítica. 4.ª Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pp. 28.

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É POSSÍVEL JUNTAR O LAUDO TOXICOLÓGICO


APÓS A SENTENÇA CONDENATÓRIA?

FIQUEM ESPERTOS A ESSE IMPORTANTE E RECENTE JULGADO DO STJ!

Fala, pessoal! Tudo beleza?

Vamos falar hoje sobre a Lei de Drogas e um importante cenário prático referente ao
procedimento ali delineado. De acordo com a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de
Justiça, o laudo toxicológico definitivo é imprescindível para a comprovação da materialidade
do delito de tráfico de entorpecentes, sob pena de acarretar a absolvição do acusado.

Entretanto, para eventual lavratura da prisão em flagrante ou mesmo para o ofereci-


mento da inicial acusatória, com a finalidade de comprovar a materialidade delitiva, a própria
legislação se satisfaz com a feitura do laudo de constatação preliminar. Vejamos o que indica
expressamente a Lei n. 11.343/2006:

Art. 50. Ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade de polícia judiciária fará, imediata-
mente, comunicação ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto lavrado, do qual será
dada vista ao órgão do Ministério Público, em 24 (vinte e quatro) horas. § 1º Para efeito da
lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da materialidade do delito, é sufi-
ciente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial
ou, na falta deste, por pessoa idônea.

Não obstante a regra acima firmada, o próprio Superior Tribunal de Justiça ressalvou a
regra da juntada do laudo toxicológico definitivo, após a sentença, quando estivermos diante
da possibilidade de se manter o édito condenatório quando a materialidade delitiva estiver
amparada em laudo preliminar, dotado de certeza idêntica ao do definitivo, certificado por
perito oficial, em procedimento equivalente.

Assim, não será reconhecida eventual nulidade muito embora o laudo toxicológico defi-
nitivo correto tenha sido juntado aos autos após a prolação do édito condenatório, o laudo
de constatação provisório foi firmado por perito criminal e não foi em nada contraditado pelo
posterior.

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Em sentido semelhante, também a 6ª Turma da Corte anotou que embora não tenha
havido a juntada aos autos do laudo toxicológico definitivo até a data da sentença conde-
natória, há meios robustos de prova que evidenciam a materialidade do delito de tráfico de
drogas. Isso porque, embora o laudo de constatação haja sido elaborado ainda na fase inqui-
sitiva, conteve todas as informações necessárias à comprovação, com segurança, de que a
substância apreendida com o acusado se tratava de maconha. No caso concreto, o laudo
toxicológico definitivo aportou aos autos, embora pouco depois da prolação da sentença, e
confirmou que a substância encontrada em poder do réu era, de fato, maconha.

Uma vez que: (a) o exame preliminar realizado no caso dos autos foi dotado de certeza
idêntica à do definitivo, porquanto confeccionado em procedimento equivalente, que logrou
constatar a natureza e a quantidade de drogas apreendidas; (b) o laudo preliminar foi corro-
borado pelas demais provas colhidas ao longo da instrução criminal – submetidas, portanto,
ao crivo do contraditório e da ampla defesa; (c) sobreveio aos autos o laudo toxicológico defi-
nitivo, em que se confirmou que a substância apreendida com o acusado se tratava, de fato,
de maconha, está devidamente comprovada a materialidade do delito de tráfico de drogas.

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

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VAMOS ENTENDER O CONTEÚDO DOS DOIS NOVOS VERBETES


DE SÚMULA CRIMINAL DO STJ?

SAIBAM TUDO SOBRE OS ENUNCIADOS DE SÚMULA 634 E 644


DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

Olá, pessoal! Tudo certo?

No texto de hoje, vamos dividir nossa análise em duas partes. Inicialmente, trataremos
de aspectos atinentes ao enunciado de súmula 643 do STJ e, posteriormente, à súmula 644
da Corte, recém aprovadas pela 3ª Seção.

De acordo com a súmula 643, “a execução da pena restritiva de direitos depende do


trânsito em julgado da condenação”. Naturalmente, não se trata de compreensão nova, porém
é importante entendermos sua relevância, especialmente para provas dissertativas e orais.

Vocês devem se recordar que o STF pacificou (ao menos por ora) a impossibilidade da
execução provisória da pena, sendo que essa apenas pode passar a ser cumprida após o
exaurimento dos recursos (ADC 43/DF, ADC 44/DF, ADC 54/DF).

Antes disso, porém, tivemos a repercussão geral analisada pelo STF no ARE 964.246
(em 2016) que indicava a possibilidade (não mais aceita) de execução da pena privativa de
liberdade após a condenação em 2ª instância. Entretanto, mesmo quando vigente tal com-
preensão, a Corte afastava-se da possibilidade em relação às restritivas de direito.

O principal argumento era no sentido de que o art. 147 da Lei de Execução Penal era
expresso em exigir trânsito em julgado para execução da PRD (“Transitada em julgado a
sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o Juiz da execução, de ofício ou a requeri-
mento do Ministério Público, promoverá a execução, podendo, para tanto, requisitar, quando
necessário, a colaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares”).

O novo verbete sumular – para ser bem honesto – me parece tardio e desnecessário.
Entretanto, servirá de mais um argumento para reforçar a ideia de presunção de não culpa-
bilidade, ratificando a exigência do trânsito em julgado TAMBÉM para a execução da pena
restritiva de direito. Não há, pois, previsão de execução provisória de restritiva de direitos.

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Se essa súmula é pouco agregadora e desafiadora, essa não é a conclusão em relação


ao verbete de número 644 do STJ. É que o seu entendimento permite suscitarmos alguns
questionamentos que necessitam ser esclarecidos. Vejamos o que ele diz:

“O núcleo de prática jurídica deve apresentar o instrumento de mandato quando consti-


tuído pelo réu hipossuficiente, salvo nas hipóteses em que é nomeado pelo juízo”.
Será que ele está afirmando que o mandato deve ser sempre apresentado quando da
atuação do núcleo de prática jurídica, mesmo se tratando de réu hipossuficiente no processo
penal? Se não é isso, quando ele será dispensado?

Vamos por partes. Os famosos “NPJ´s” são iniciativas mantidas por cursos de Direito a
partir dos quais alunos da graduação atuam oferecendo assistência jurídica – sem custos – a
pessoas hipossuficientes, sempre sob a orientação de um professor dotado de capacidade
postulatória. Vamos a um exemplo elucidativo.

Se Godofredo for citado para apresentar resposta à acusação, não tiver condições de
pagar um advogado e não tiver acesso à Defensoria Pública, ele poderá buscar auxílio de
algum Núcleo de Prática Jurídica, para atuar em sua defesa.

Nesse caso, haverá necessidade de juntar-se ao processo o instrumento de procuração


(mandato)? A resposta é sim. E, nessa procuração, deve-se individualizar os advogados a
quem foram atribuídos os poderes de atuação em favor de Godofredo.

Sabemos que se fosse a Defensoria, esse instrumento de mandato não seria (como
regra) exigível, porque a Lei Orgânica (LC 80/94) prevê dispensa de mandato para atuar em
favor dos assistidos. Essa NÃO é a mesma realidade dos NPJ´s, ok?

Hum… Bacana! Mas isso tem exceção?

SIM! Vamos imaginar que, passado o prazo de resposta à acusação, Godofredo nada
tenha feito. Não havendo Defensoria Pública no local, o juiz nomeia o NPJ para atuar em seu
favor. Nesse caso, haverá imprescindibilidade de procuração?

Aqui NÃO! Não foi Godofredo que provocou a atuação do NPJ, mas sim estamos diante
de um munus público a partir de determinação judicial. Não há razão para procuração. É isso
que restou materializado na Súmula 644 do STJ.

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

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CARTA ROGATÓRIA E AUXÍLIO DIRETO

UMA IMPORTANTE DECISÃO DO STJ SOBRE COOPERAÇÃO JURÍDICA


INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL.

Fala, pessoal! Tudo certo?

Vocês já devem ter reparado que vários editais de certames públicos têm trazido, dentro
de direito penal, processual penal ou internacional, o tema de cooperação jurídica internacio-
nal, certo?

Essa é uma realidade teórica e prática em face da qual não se pode fugir, mormente em
um mundo tão globalizado e de práticas criminosas que envolvem mais de um país. Nesse
contexto, o mútuo esforço de cooperação na persecução penal é uma realidade inafastável.

Nesse contexto, é preciso dominar determinados institutos relacionados – direta ou


lateralmente – com a cooperação internacional, especialmente quando objeto de preceden-
tes das Cortes Superiores brasileiras.

Justamente por isso, vamos comentar um importante precedente do Superior Tribunal


de Justiça, que culminou com a declaração de nulidade de medida de busca e apreensão
realizada a partir de ordem emanada do Poder Judiciário francês.

Consoante observado pelo STJ, o cumprimento da referida decisão não fora antecedida
de exequatur, ou seja, não foi objeto de prévia autorização do próprio STJ para cumprimento
de Carta Rogatória, conforme previsão do art. 105, I, “i” da CF/1988.

No caso específico, o Promotor da República de Paris denunciou e solicitou ao Judi-


ciário francês o processamento da investigação, e o Juiz de instrução julgou necessárias
as providências referentes à colheita de prova “para a manifestação da verdade”. Assim, o
Juízo estrangeiro, ao deferir a produção da prova requerida pelo Ministério Público, emitiu
pronunciamento jurisdicional. Quer dizer, houve um juízo de valor realizado pelo Judiciário
alienígena sobre a necessidade e adequação da colheita de prova. A decisão judicial estran-
geira, portanto, deveria ser submetida ao juízo delibatório do Superior Tribunal de Justiça,
assegurando-se às Partes as garantias do devido processo legal, sem, contudo, adentrar-se
no mérito da decisão proveniente do País rogante, o que não se verificou.

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No caso específico, o pedido do juízo francês foi autorizado pela 9ª Vara Federal do
RJ com base no acordo de cooperação existente entre os dois países (Dec. 3324/99). No
entanto, a Ministra Laurita Vaz apontou a necessidade de se realizar uma cuidadosa avalia-
ção e distinção entre Carta Rogatória e Auxílio Direto.

Na primeira, há decisão do juízo rogante que precisa ser executada em outro Estado
(rogado) que, no caso do Brasil, demanda concessão de exequatur pelo STJ, a fim de se
avaliar a legalidade FORMAL do pedido (não há análise meritória). Já no auxílio direto, há
um pedido de assistência diretamente ao Estado rogado para que este preste informações
ou requeira à Justiça para analisar a providência requerida (por exemplo, uma busca e apre-
ensão), com base no Acordo de Cooperação.

EIS O PULO DO GATO! No caso em tela, tivemos uma medida deferida pelo Tribunal
francês, ou seja, um ato de caráter decisório. Não houve pedido de auxílio direto, não se tra-
tando de mero encaminhamento de pedido de cooperação. Seria imprescindível que essa deci-
são fosse submetida ao crivo da checagem de legalidade, justamente através do exequatur.

Segundo o STJ, “não se trata de mero ato judicial formal de encaminhamento de pedido
de cooperação, mas de ato com caráter decisório proferido pelo Poder Judiciário francês
no exercício típico da função jurisdicional. A concessão do exequatur é imprescindível na
hipótese, pois, existente decisão judicial estrangeira a ser submetida ao crivo desta Corte, o
caso concreto amolda-se à definição de carta rogatória, sendo de rigor a anulação dos pro-
cedimentos já realizados. Não respeitada a competência adequada para o processamento
da cooperação internacional em território nacional, nos termos do art. 105, inciso III, alínea
i, da Constituição da República, impõe-se a anulação do feito desde o seu início. O ato de
delegação da condução e direção de produção de prova oral à Autoridade estrangeira, a fim
de que esta proceda diretamente à inquirição da testemunha ou do investigado, não encontra
qualquer tipo de respaldo constitucional, legal ou jurisprudencial. (…). Além disso, a nulidade
decorrente do reconhecimento da necessidade de exequatur, abrange também a realização
do aludido ato[1].

Daí porque houve a nulidade! Outros vícios foram apontados, como a deliberada dele-
gação do protagonismo para autoridades estrangeiras, já que o membro do MPF se ausentou
da sala no início da oitiva do investigado, deixando-o com os franceses.

Enfim, tema muitíssimo importante! Você sabia da diferença entre Carta Rogatória e
Auxílio Direto? Agora já sabe! Anota aí e vamos em frente, porque isso vai cair na sua prova!

[1] RHC 102.322/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 12/05/2020.

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STF X STJ

ATENÇÃO ESPECIAL À DIVERGÊNCIA ENTRE AS CORTES


EM RELAÇÃO À COMPATIBILIDADE DE PRISÃO CAUTELAR
E REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA DIVERSO DO FECHADO.

Olá, pessoal! Tudo certo?

Recentemente, a Ministra do Supremo Tribunal Federal exarou interessante decisão,


ao julgar a ordem de habeas corpus 196.062 (HC 196.062), trazendo à luz novamente um
tema que há algum tempo não era debatido: será que é possível determinar prisão preventiva
de quem é condenado a pena em regime inicial aberto ou semiaberto?

Consoante deliberado pela Ministra, “fixado o regime inicial menos severo que o fechado,
a manutenção da prisão preventiva, própria das cautelares, representaria, em última análise,
a legitimação da execução provisória da pena em regime mais gravoso do que o fixado no
próprio título penal condenatório”.

Ora, tecnicamente, a prisão cautelar é cumprida em condições mais adversas (severas


e rígidas) do que o regime aberto ou semiaberto (é similar ao regime fechado), daí porque
adotar o entendimento contrário seria sugerir que abrir mão do direito de recurso seria mais
interessante ao réu, para evitar tratamento mais drástico, o que se revela como absurdo.
Nesse sentido vem caminhando a jurisprudência da Corte Suprema (vide HC 130773[1] e
HC 138122[2]).

CUIDADO! Essa posição NÃO é compartilhada pelo STJ!

COMO ASSIM, PEDRO?

Calma! É que para a referida Corte, se ainda persistirem as razões que sustentam uma
prisão cautelar, ela poderia se manter, mesmo após a condenação (pendente de recurso)
para cumprimento da pena em regime aberto ou semiaberto. Entretanto, para fins de se
evitar uma violação à proporcionalidade, o Poder Judiciário deveria adaptar – excepcional-
mente – a prisão cautelar de modo que ela siga as regras do regime imposto na sentença
pendente de recurso.

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Consoante o STJ tem decidido, caso a sentença condenatória tenha fixado o regime
prisional semiaberto para o início do cumprimento da pena do recorrente, deve a sua prisão
provisória ser compatibilizada ao regime imposto, sob pena de tornar mais gravosa a situa-
ção daquele que opta por recorrer do decisum[3].
Conclusão: Com esse cuidado, o STJ diverge do STF para advogar a tese de que o fato
de o réu ter sido condenado a cumprir pena em regime semiaberto não constitui empecilho
à decretação/manutenção da prisão preventiva, bastando que se tenha o cuidado de não se
colocá-lo em estabelecimento inadequado (vide RHC 98.469/MG[4]).

Fiquem espertos, porque isso vai cair em prova!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, entendido.

Vamos em frente!

[1] EMENTA HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL E DIREITO PENAL. IMPE-


TRAÇÃO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
NÃO ESGOTAMENTO DE JURISDIÇÃO. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33 DA
LEI 11.343/2006). PRISÃO PREVENTIVA. INCOMPATIBILIDADE COM REGIME INICIAL
SEMIABERTO FIXADO NA SENTENÇA E COM BENEFÍCIOS DA EXECUÇÃO PENAL.
CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. 1. Há óbice ao conhecimento de habeas corpus
impetrado contra decisão monocrática, indeferitória de writ, do Superior Tribunal de Justiça,
cuja jurisdição não se esgotou, ausente o manejo de agravo regimental. Precedentes. 2.
Fixado o regime inicial semiaberto para cumprimento da pena, incompatível a manutenção
da prisão preventiva nas condições de regime mais gravoso. Precedentes. 3. A concessão
de benefícios inerentes à execução penal, na hipótese, além de caracterizar o indevido cum-
primento antecipado da pena, não se amolda ao instituto da prisão preventiva. 4. Habeas
corpus extinto sem resolução de mérito, mas com a concessão da ordem de ofício, para
revogar a prisão preventiva do paciente, sem prejuízo de aplicação, se for o caso, das medi-
das cautelares diversas da prisão pelo magistrado de primeiro grau ((HC 130773, Relator(a):
ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 27/10/2015).
[2] Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO. SENTENÇA CONDENATÓRIA.
FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL SEMIABERTO. MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA.
INCOMPATIBILIDADE. PRECEDENTES DA SEGUNDA TURMA. ORDEM CONCEDIDA. I
– Nos termos da jurisprudência desta Segunda Turma, a manutenção da prisão provisória é
incompatível com a fixação de regime de início de cumprimento de pena menos severo que
o fechado. Precedentes. II – Ordem concedida para revogar a prisão preventiva do paciente
e determinar a sua imediata soltura, sem prejuízo da fixação, pelo juízo sentenciante, de

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uma ou mais medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, caso
entenda necessário (HC 138122, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma,
julgado em 09/05/2017).
[3] HC 441.358/MG, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado
em 11/09/2018.
[4] RHC 98.469/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA
TURMA, julgado em 02/10/2018.

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STF DECIDIU (ACERTADAMENTE)

COLABORAÇÃO PREMIADA NÃO É CAUSA DE FIXAÇÃO OU MODIFICAÇÃO DE


COMPETÊNCIA E OS FATOS NELA CONTIDOS NÃO GERAM PREVENÇÃO.

Fala, pessoal! Tudo certo?

Hoje vamos falar especificamente acerca de um tema veiculado em decisão recentís-


sima do Supremo Tribunal Federal que veio a ratificar postura anteriormente já agasalhada
na referida Corte Superior.

De acordo com o que fora decidido, a colaboração premiada não fixa competência e
que os fatos relatados em colaboração premiada não geram prevenção. Enquanto meio de
obtenção de prova, esses fatos, quando não conexos com o objeto do processo que deu
origem ao acordo, devem receber o tratamento conferido ao encontro fortuito de provas.

De acordo com o voto do Ministro Gilmar Mendes, a competência não pode ser definida
com base em critério temático e aglutinativo de casos atribuídos aleatoriamente pelos órgãos
de persecução e julgamento, “como se tudo fizesse parte de um mesmo contexto, indepen-
dente das peculiaridades de cada situação”.

Em outro julgado da Corte, bem elucidativo (INQ 4130[1]), afirmou-se que mesmo tendo
o juízo de origem, com base nos depoimentos do imputado colaborador e nas provas por
ele apresentadas, decretado prisões cautelares e ordenado a quebra de sigilos bancário ou
fiscal e a realização de busca e apreensão ou de interceptação telefônica, essas medidas,
por si sós, não geram sua prevenção, com base no art. 83 do CPP, caso devam ser primaria-
mente aplicadas as regras de competência do art. 70 do Código de Processo Penal (local da
consumação) ou do art. 78, II, a ou b, do Código de Processo Penal (determinação do foro
prevalente, no caso de conexão ou continência).

Vamos imaginar que, no âmbito da Justiça Federal, seja homologado acordo de colabo-
ração premiada no qual, entre outras coisas, o colaborador apresente indicativos da prática
de delitos que foram perpetrados em desfavor de um determinado estado da federação, sem
qualquer vinculação com os fatos primariamente investigados. Se o acordo de colaboração
fosse fator ensejador de conexão ou continência (causas de modificação da competência)
seria razoável cogitar que esse crime – mesmo que não atingisse diretamente bens, serviços
e interesses da União – fosse processado e julgado na própria Justiça Federal (por conexão).

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CUIDADO! Esse raciocínio está equivocado, como visto. Ora, tratando-se de mero meio
de obtenção de prova, a colaboração premiada não enseja a modificação de competência
e, mesmo os indicativos de crime apontados no negócio jurídico processual homologado na
Justiça Federal, não há que se falar em alteração da competência da justiça estadual.

Esses elementos informativos (art. 155, CPP) sobre crimes outros, sem conexão com
a investigação primária devem receber o mesmo tratamento conferido à descoberta fortuita
ou ao encontro fortuito de provas em outros meios de obtenção de prova, como a busca e
apreensão e a interceptação telefônica.

Ainda que válidos os elementos de informação trazidos pelo colaborador, relativamente


a outros crimes que não sejam objeto da investigação matriz, há que se ressaltar que o
acordo de colaboração, como meio de obtenção de prova, não constitui critério de deter-
minação, de modificação ou de concentração de competência. Vale dizer: mesmo que o
agente colaborador aponte a existência de outros crimes e que o juízo perante o qual foram
prestados seus depoimentos ou apresentadas as provas que corroborem suas declarações
ordene a realização de diligências (interceptação telefônica, busca e apreensão etc.) para
sua apuração, esses fatos, por si sós, não firmam sua prevenção, pois devem ser primaria-
mente aplicadas as regras de competência do art. 70 do Código de Processo Penal (local da
consumação) ou do art. 78, II, a ou b, do Código de Processo Penal (determinação do foro
prevalente, no caso de conexão ou continência).

Tema muitíssimo interessante e que precisa ser bem assimilado, certo?

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido.

Vamos em frente.

[1] Inq 4130 QO, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 23/09/2015.

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QUAL É O RECURSO IDÔNEO PARA ATACAR A NEGATIVA


DE HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA?

CUIDADO COM A DECISÃO DO STJ!

Olá, pessoal! Tudo certo?

No final de 2020, fomos brindados com um julgado do Superior Tribunal de Justiça cujo
tema é daqueles que VAI CAIR EM PROVA!

O pano de fundo envolve o princípio recursal da fungibilidade, especificamente relacio-


nado à Lei de Organizações Criminosas (Lei n. 12.850/2013).

A Lei de ORCRIM indica que após a realização do acordo de colaboração premiada,


o juiz deverá verificar sua regularidade, legalidade, adequação e voluntariedade, os termos
do ajuste, as declarações do colaborador e cópia da investigação (art. 4º, § 7º, da Lei n.
12.850/13). Vejamos:

Art. 4º, § 7º – Realizado o acordo na forma do § 6º deste artigo, serão remetidos ao juiz,
para análise, o respectivo termo, as declarações do colaborador e cópia da investigação,
devendo o juiz ouvir sigilosamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, oportu-
nidade em que analisará os seguintes aspectos na homologação: I – regularidade e legali-
dade; II – adequação dos benefícios pactuados àqueles previstos no caput e nos §§ 4º e 5º
deste artigo, sendo nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime inicial de
cumprimento de pena do art. 33 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código
Penal), as regras de cada um dos regimes previstos no Código Penal e na Lei nº 7.210, de
11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal) e os requisitos de progressão de regime não
abrangidos pelo § 5º deste artigo; III – adequação dos resultados da colaboração aos resul-
tados mínimos exigidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput deste artigo; IV – voluntariedade
da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve
sob efeito de medidas cautelares. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

PEDRO, O JUIZ TEM OBRIGAÇÃO DE HOMOLOGAR?

Não! O dispositivo acima indicado aponta para uma etapa necessária à validação do
acordo, que pode ou não prosperar. Caso o magistrado entenda que não é acertado a homo-
logação e opte pela sua recusa, deverá fundamentar sua decisão, por exemplo, indicando

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que a proposta não atende aos requisitos legais, é possível impugnar tal decisão. Entretanto,
a lei não é clara quanto ao recurso idôneo para tanto!

Diante da lacuna normativa, devemos buscar interpretar qual a espécie recursal que
melhor se encaixa. Durante minhas aulas e escritos, sempre apontei que a doutrina se divi-
dia em duas posições principais. A primeira, sugerindo cabimento de RESE, era capitaneada
pelo prof. Pacelli. Sempre entendi essa posição como equivocada, porque se pautava no art.
581, I do CPP. A segunda era defendida por Marcos Paulo Dutra, defendendo a apelação.
Para mim, é a posição mais coerente.

E, de acordo com o STJ (REsp 1834215/RS, 6ª T., julgado em 27/10/2020[1]), tem-se


que a APELAÇÃO criminal é apropriada para confrontar a decisão que recusar a homologa-
ção da proposta de acordo de colaboração premiada. É que essa decisão (i) não ocasiona
uma situação de inversão tumultuária do processo, a atrair o uso da correição parcial e (ii)
tem força definitiva, uma vez que impede o negócio jurídico processual, com prejuízo às
partes interessadas.

Ademais, o cabimento do recurso em sentido estrito está taxativamente previsto no art.


581 do CPP e seus incisos não tratam de hipótese concreta que se assemelha àquela pre-
vista no art. 4°, § 8°, da Lei n.12.850/2013.

Apesar disso, reconheceu-se haver dúvida objetiva e, portanto, se trata de caso de


observância potencial da fungibilidade. Ou seja, utilizar outra espécie recursal (RESE ou
CORREIÇÃO) não constitui erro grosseiro. Respeitado o prazo da apelação criminal, reve-
la-se aplicável o princípio da fungibilidade recursal. Foi violado o art. 579 do CPP[2], uma
vez que: “salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um
recurso por outro”.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido! Anota mais essa porque vai
cair em prova!

Vamos em frente!

[1] RECURSO ESPECIAL. DECISÃO QUE RECUSA A HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO


DE COLABORAÇÃO PREMIADA. RECURSO CABÍVEL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGIS-
LATIVA EXPRESSA. DÚVIDA OBJETIVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBIBILI-
DADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. A teor das disposições contidas
na Lei n. 12.850/2013, realizado o acordo de colaboração premiada, serão remetidos ao juiz,

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para verificação de sua regularidade, legalidade, adequação e voluntariedade, os termos


do ajuste, as declarações do colaborador e cópia da investigação. Tem-se, nessa fase, a
fiscalização dos aspectos previstos no art. 4º, § 7º, do mesmo regramento legal, com reda-
ção incluída pela Lei n. 13.964/2019. 2. O magistrado poderá recusar a homologação da
proposta que não atender aos requisitos legais e esse ato judicial tem conteúdo decisório,
pois impede o meio de obtenção da prova. Entretanto, não existe previsão normativa sobre o
recurso cabível para a sua impugnação. 3. Nesse contexto, ante a lacuna na lei, o operador
do direito tem de identificar, entre os instrumentos recursais existentes no direito processual
penal, aquele mais adequado para a revisão da decisão proferida em primeira instância. 4.
Analisadas as espécies de recursos elencados no Código de Processo Penal, tem-se que
a apelação criminal é apropriada para confrontar a decisão que recusar a homologação da
proposta de acordo de colaboração premiada. 5. O ato judicial: a) não ocasiona uma situação
de inversão tumultuária do processo, a atrair o uso da correição parcial e b) tem força defini-
tiva, uma vez que impede o negócio jurídico processual, com prejuízo às partes interessadas.
Ademais, o cabimento do recurso em sentido estrito está taxativamente previsto no art. 581
do CPP e seus incisos não tratam de hipótese concreta que se assemelha àquela prevista
no art. 4°, § 8°, da Lei n. 12.850/2013. 6. De toda forma, ante a existência de dúvida objetiva
quanto ao instrumento adequado para combater o provimento jurisdicional, não constitui erro
grosseiro o manejo de correição parcial, principalmente quando esse instrumento foi aceito
em situações outras pelo Tribunal. Interposta a insurgência no interstício de cinco dias, sem
que se possa falar em sua intempestividade, era perfeitamente aplicável o princípio da fun-
gibilidade recursal. Foi violado o art. 579 do CPP, uma vez que: “salvo a hipótese de má-fé,
a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro” (REsp 1834215/RS,
Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020).

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VOCÊ JÁ OUVIU FALAR SOBRE “NULIDADE DE ALGIBEIRA”?


ELA É COMPATÍVEL COM O PROCESSO PENAL?

ATENÇÃO ESPECIAL PARA A (ATUAL) POSIÇÃO DO STJ SOBRE O TEMA!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Quem me conhece saber que eu gosto bastante de trabalhar – em textos e aulas – com
nomenclaturas inusitadas. Não por admirar esses nomes estranhos, mais porque entendo
que nomenclatura em prova de concurso é questão de sobrevivência.

Nesse cenário, falar sobre nulidade de algibeira é ainda mais relevante, uma vez que
esse assunto envolve (i) polêmica doutrinária, (ii) nomenclatura utilizada na prática proces-
sual e (iii) posições dos Tribunais Superiores, razão pela qual ele tem tudo para aparecer nas
próximas provas.

Antes, porém, de saber se é ou não aplicável no processo penal, revela-se imprescindí-


vel saber o que raios seria uma NULIDADE DE ALGIBEIRA, certo?

Em síntese, diz haver nulidade de algibeira quando estamos diante de um vício pro-
cessual passível de ser objeto de imediata insurgência por parte da defesa (já devidamente
ciente de sua existência), mas que – por conveniência e/ou estratégia – não é alegada de
pronto, guardando-a como um “trunfo na manga” para eventual momento futuro.

BACANA, PEDRO! MAS E AÍ, É OU NÃO ADMITIDA NO PROCESSO PENAL?

De acordo com parcela da doutrina, em entendimento com o qual concordo, admite sim,
considerando o valor constitucional da AMPLA DEFESA, devendo o Judiciário e o MP zelar
pela condução processual sem vícios. Contudo, essa compreensão NÃO VEM ENCON-
TRANDO RESSONÂNCIA no STJ.

De acordo com a Corte Superior, em vários precedentes, a nulidade de algibeira não


encontra guarida na ordem jurídica vigente no Brasil, pautada no princípio da boa-fé proces-
sual, que exige lealdade de todos os agentes processuais (EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp
1382353/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, 5ª Turma, julgado em 07/05/2019 e AgRg no
RHC 115.647[1], Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, 13.10.2020).

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Em um caso concreto, o STJ analisou que, embora não adimplido o lapso de 15 (quinze)
dias entre a publicação do edital de intimação e a audiência aprazada, no caso concreto, o
padrão de conduta adotado pela defesa técnica violou a boa-fé processual (NULIDADE DE
ALGIBEIRA ou DE BOLSO), havendo ainda a preclusão temporal da matéria (vício não ale-
gado em momento oportuno).

Intimado da data da realização da sessão do júri, o patrono constituído não se mani-


festou sobre o vício em petição apresentada seis dias antes da referida audiência, tampouco
sustentou tal protesto em plenário, somente aventando a suposta mácula APÓS O JULGA-
MENTO DESFAVORÁVEL aos interesses de seu assistido.

Dessa maneira, considerando que a manifestação se materializou somente após a con-


clusão do julgamento desfavorável, não havendo arguição do vício em momento oportuno,
como “nulidade de algibeira”, a Corte refutou a anulação do júri realizado.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido! Anota mais essa porque vai
cair em prova!

Vamos em frente.

[1] (…) 1. Na espécie, o Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo regimental


interposto da decisão monocrática que não conheceu do pedido, ao argumento de que a
matéria já havia sido decidida na apelação. 2. Em consulta ao AResp 446.040/GO interposto
pelo ora recorrente do acórdão que julgou a apelação nestes autos referenciada, verifica-se
que a sentença condenatória data de agosto de 2010 e as razões da apelação são de abril
de 2011 e, dentre as nulidades lá arguídas, não consta qualquer menção à questão de que
houve resposta absolutória ao 3º quesito, mas houve lavratura de sentença condenatória
pela Juíza Presidente. 3. Não se vislumbra, nesta sede mandamental, razão ao recorrente,
pois ocorreu a preclusão da matéria, uma vez que a pretensa nulidade não foi arguída no
recurso de apelação criminal, ou seja, na primeira oportunidade em que teve a defesa de
se manifestar. Precedentes. 4. Demais disso, a jurisprudência dos Tribunais superiores não
tolera a chamada “nulidade de algibeira” – aquela que, podendo ser sanada pela insurgência
imediata da defesa após ciência do vício, não é alegada, como estratégia, numa perspectiva
de melhor conveniência futura. Observe-se que tal atitude não encontra ressonância no sis-
tema jurídico vigente, pautado no princípio da boa-fé processual, que exige lealdade de todos
os agentes processuais. 5. Não há falar em indevida supressão de instância, pois a decisão
ora atacada lançou mão de argumentos para fundamentar a razão pela qual não haveria
necessidade de se retornar os autos ao Tribunal de origem para julgamento da matéria sus-
citada, até porque tal análise não caberia mais ao TJGO, consoante explicitado no acórdão
originário atacado. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC 115.647/GO, Rel. Minis-
tro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 13/10/2020).

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ESCASSEZ DE POLICIAIS PENAIS PARA A ESCOLTA


E AUDIÊNCIA POR VÍDEO CONFERÊNCIA

SE LIGA NO ENTENDIMENTO DO STJ QUE “VAI CAIR NA SUA PROVA”!

Olá, pessoal! Tudo certo?

O nosso primeiro texto do ano de 2021 a ser publicado aqui no blog do Gran Cursos
será emblemático! E por qual razão afirmo isso? É que tratarei com vocês acerca de uma
decisão recente do Superior Tribunal de Justiça e que, “com a certeza de que estou vivo”,
despencará nas provas vindouras, especialmente (mas não exclusivamente) naquelas refe-
rentes às carreiras policiais.

O que pretendemos analisar é se o argumento de que o Estado não dispõe de contin-


gente suficiente para viabilizar o deslocamento do acusado encarcerado para audiência é
justificativa idônea para a realização do ato através de videoconferência. Vamos entender o
caso concreto?

Tratava-se de situação em que um réu preso que não conseguiu exercer seu direito de
presença (física) perante o magistrado julgador em razão da precariedade do sistema pri-
sional do Estado de Santa Catarina, o qual não dispunha de número suficiente de agentes
(policiais penais) para realizar a escolta. Diante da impossibilidade de comparecimento, fora
determinada a videoconferência.

De acordo com o CPP, as audiências por videoconferência – especialmente para inter-


rogatório – podem ser realizadas em caráter excepcional, inclusive pode ser decretada de
ofício pelo magistrado, quando tal medida se destinar a atender alguns fins específicos, como
(i) prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre
organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento; (ii)
viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade
para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal; (iii)
impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possí-
vel colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 do CPP ou (iv)
responder à gravíssima questão de ordem pública.

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De acordo com a defesa do acusado, a determinação de videoconferência no caso


concreto configuraria constrangimento ilegal, pois a argumentação violaria o art. 185, § 2º do
Código de Processo Penal e o art. 5º da Resolução n. 105/2010 do Conselho Nacional de
Justiça, defendendo que deve ser realizada a audiência presencial.

Esse entendimento encontrou guarida no STJ, Pedro?

NÃO! Aliás, a tese defensiva não apenas não foi acolhida no caso concreto, como
também não vem encontrando ressonância nos últimos tempos nos Tribunais Superiores. Ao
contrário, o Superior Tribunal de Justiça vem admitindo como fundamentação idônea a justi-
ficar a audiência por meio remoto a escassez de servidores para a efetivação da escolta. Já
se deliberou, em outra situação, que “o Magistrado de primeiro grau, em obediência ao dis-
posto no § 2º do art. 185 da Lei n. 11.900/2009, apresentou fundamentação apta a justificar
a necessidade da adoção do interrogatório do recorrente pelo sistema de videoconferência,
notadamente para se evitar a delonga na prestação jurisdicional, considerando sobretudo os
problemas constantes na escolta de réu preso (AgRg no RHC n. 110.019/AL, 5ª Turma, jul-
gado em 215/2019).

Mais recentemente, anotou-se inexistir contrariedade ao § 2º do art. 185 da Lei n.


11.900/2009, diante da idônea fundamentação da decisão que opta pela escolha de realiza-
ção do interrogatório do réu por meio de videoconferência em razão da dificuldade de deslo-
camento dos acusados até o local da audiência, bem como pelo risco à segurança pública,
haja vista a insuficiência de agentes para realizar a escolta (AgRg no RHC n. 125.373/RS,
6ª Turma).

Conclui-se, pois, que a escassez de agentes penitenciários para realizar a escolta de


detentos é argumento válido para justificar a excepcionalidade da audiência por meio remoto
(AgRg no HC 587.424/SC, julgado, pela 5ª Turma, em 06/10/2020).

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido! Anota mais essa porque vai
cair em prova!

Vamos em frente.

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O QUE PRECONIZA A TEORIA DA REITERAÇÃO NÃO CUMULATIVA


DE CONDUTA DE GÊNEROS DISTINTOS?

ELA ENCONTRA RESSONÂNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES?

O princípio da insignificância ou da bagatela própria possui lastro diretamente vinculado


à política criminal e dialoga diretamente, no âmbito da dogmática criminal, com a tipicidade
material. Sob essa perspectiva, além da lógica formal, atentando ao desvalor do comporta-
mento do agente e também do resultado produzido, entende-se que nem toda violação à lei
penal será típica, do ponto de vista material, especialmente quando o desvalor do resultado
for ínfimo.

A jurisprudência dos Tribunais Superiores se uniformizou no sentido de estabelecer


quatro vetores interpretativos para aferir se uma conduta é ou não insignificante. São eles
(i) a mínima ofensividade da conduta, (ii) nenhuma periculosidade social da ação, (iii) redu-
zidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (iv) inexpressividade da lesão jurí-
dica provocada. Tudo isso orientado pela lógica do caráter subsidiário do sistema penal
reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do
poder público.

E nesse contexto, é importante anotarmos e compreendermos as considerações vei-


culadas na chamada teoria da reiteração não cumulativa de conduta de gêneros distintos,
já apreciada e aplicada pelos Tribunais pátrios. Por essa teoria, a contumácia de infrações
penais que não têm o patrimônio como bem jurídico tutelado não pode ser valorada como
fator impeditivo do reconhecimento do princípio da insignificância, uma vez que não há peri-
culosidade social da ação, com lesão jurídica expressiva à propriedade alheia.

Assevera-se não ser possível reconhecer como reduzido o grau de reprovabilidade na


conduta do agente que, de forma reiterada e habitual, comete vários delitos. Ponderou-se
que, de fato, a lei seria inócua se tolerada a reiteração do mesmo delito, seguidas vezes, em
frações que, isoladamente, não superassem certo valor tido por insignificante, mas o exce-
desse na soma.

O STJ já teve oportunidade de concluir que, qualquer entendimento contrário seria um


verdadeiro incentivo ao descumprimento da norma legal, mormente tendo em conta aqueles
que fazem da criminalidade um meio de vida[1].

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Quando estivermos diante da reiteração de infrações penais cujo bem tutelado não é o
patrimônio, não deverá ser valorada para aplicação do princípio da insignificância. Colhe-se
da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

Habeas corpus. Penal. Furto. Princípio da insignificância. Incidência. Valor dos bens
subtraídos. Inexpressividade da lesão. Contumácia de infrações penais cujo bem jurídico
tutelado não é o patrimônio. Desconsideração. Ordem concedida. 1. Segundo a jurisprudên-
cia do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado
“princípio da insignificância” e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a
conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, redu-
zido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social. 2.
Nesse sentido, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um
juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resul-
tado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de
modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe des-
virtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de
se considerar que “a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à
ordem normativa” (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já conside-
rou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para
mitigar a pena ou a persecução penal. 3. Trata-se de furto de um engradado que continha
vinte e três garrafas vazias de cerveja e seis cascos de refrigerante, também vazios, bens
que foram avaliados em R$ 16,00 e restituídos à vítima. Consideradas tais circunstâncias, é
inegável a presença dos vetores que autorizam a incidência do princípio da insignificância.
4. À luz da TEORIA DA REITERAÇÃO NÃO CUMULATIVA DE CONDUTAS DE GÊNEROS
DISTINTOS, a contumácia de infrações penais que não têm o patrimônio como bem jurídico
tutelado pela norma penal não pode ser valorada, porque ausente a séria lesão à proprie-
dade alheia (socialmente considerada), como fator impeditivo do princípio da insignificância.
5. Ordem concedida para restabelecer a sentença de primeiro grau, na parte em que reco-
nheceu a aplicação do princípio da insignificância e absolveu o paciente pelo delito de furto
(STF, HC 114.723/MG, 2.a Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 26.08.2014, DJe-222, divulg.
11.11.2014, public. 12.11.2014).

Vale registrar que, apesar de a prática denotar outra realidade, ao menos em tese, o
Supremo Tribunal Federal deliberou no sentido de que a reincidência – por si só – não é apta
a afastar de maneira absoluta a aplicação da insignificância.

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Segundo o entendimento predominante, a incidência do princípio da insignificância


envolve um juízo amplo (“conglobante”), que vai além da simples aferição do resultado mate-
rial da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos
que, embora não determinantes, devem ser considerados. A reincidência não impede, por si
só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do
caso concreto. Na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável
a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento
seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral,
em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, “c”, do CP no caso con-
creto, com base no princípio da proporcionalidade[2].

Assim, PERCEBA! É justamente a possibilidade da aplicação da TEORIA DA REITERA-


ÇÃO NÃO CUMULATIVA DE CONDUTAS DE GÊNEROS DISTINTOS que pode ser citada
como exemplo de insignificância em casos de reincidência do agente!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido! Anota mais essa porque vai
cair em prova!

Vamos em frente.

[1] HC 150.236/DF, 5.a Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 06.12.2011.


[2] STF. Plenário. HC 123108, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/08/2015.

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CONSTITUIÇÃO ESTADUAL PODE PREVER


FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO PARA VEREADORES?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje vamos falar sobre um tema extremamente polêmico e que, em meados de 2020,
teve um importante e novo capítulo, com o julgamento do Agravo Regimental no Recurso
Ordinário em Habeas Corpus 181.895/RJ[1].

Antes de falar, especificamente, sobre esse julgado, é preciso tecer algumas considera-
ções, já que a possibilidade ou não de foro por prerrogativa de função dos representantes do
legislativo municipal demanda cautela. Sabemos que a Constituição Federal garante a eles
inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscri-
ção do município (art. 29, VIII, da CF), mas isso não quer dizer que há previsão ou autoriza-
ção para prerrogativa de foro.

O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de inadmitir essa possibilidade de


previsão na Constituição Estadual, ao apontar que “não prevalece, na hipótese, a norma
constitucional estadual que atribui foro especial por prerrogativa de função a vereador, para
ser processado pelo Tribunal de Justiça. Matéria não enquadrável no art. 125, § 1º, da Carta
Magna. Cumpre observar, ainda, que a regra do art. 29, X, da Constituição Federal, não com-
preende o vereador”[2].

Em medida cautelar, a Corte veio a suspender a eficácia de norma prevista na Constitui-


ção Estadual do Rio de Janeiro, a qual indicava a prerrogativa de foro do Tribunal de Justiça
para julgar os Vereadores dos municípios daquele estado, justamente por violação ao princí-
pio da simetria ou paralelismo constitucional[3].

Ainda assim, esse tema sempre envolveu muita polêmica. Tanto isso é verdade que o
próprio Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de apontar expressamente que “não
afronta a Constituição da República, a norma de Constituição estadual que, disciplinando
competência originária do Tribunal de Justiça, lhe atribui para processar e julgar vereador”[4].
Aliás, seguindo a mesma linha, o STJ decidiu que “embora a Constituição Federal não tenha
estabelecido foro especial por prerrogativa de função aos vereadores, não há óbice de que
tal previsão conste das Constituições estaduais”[5].

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Apesar dessa divergência, analisando os julgados mais recentes sobre a (im)possibi-


lidade de Constituição Estadual criar situações novas de prerrogativa de foro, meu enten-
dimento é no sentido de que a tendência do STF era no sentido de que as Constituições
Estaduais NÃO podem trazer prerrogativa de foro para os Vereadores. Afirmo isso a partir da
interpretação da recente conclusão da Corte Suprema na ADI 2553/MA, segundo a qual a
“a CF, apenas excepcionalmente, conferiu prerrogativa de foro para as autoridades federais,
estaduais e municipais. Assim, não se pode permitir que os Estados possam, livremente,
criar novas hipóteses de foro por prerrogativa de função”[6].

Destaque-se que em julgados recém analisados e divulgados no Informativo de Juris-


prudência do STF nº 1000, o plenário da Corte ratificou sua posição indicando que as Cons-
tituições Estaduais não podem atribuir foro por prerrogativa de função a autoridades diversas
daquelas arroladas na Constituição Federal (CF). As normas que estabelecem hipóteses de
foro por prerrogativa de função são excepcionais e, como tais, devem ser interpretadas res-
tritivamente. A regra geral é que todos devem ser processados pelos mesmos órgãos jurisdi-
cionais, em atenção ao princípio republicano (CF, art. 1º), ao princípio do juiz natural (CF, art.
5º, LIII) e ao princípio da igualdade (CF, art. 5º, caput).

Apenas excepcionalmente, e a fim de assegurar a independência e o livre exercício de


alguns cargos, admite-se a fixação do foro privilegiado. O legislador constituinte não disci-
plinou a matéria apenas na esfera federal, mas determinou quais seriam as autoridades em
âmbito estadual e municipal que seriam detentoras dessa prerrogativa. Fora dessas hipó-
teses, a Constituição estadual só pode conceder o foro privilegiado a autoridades do Poder
Executivo estadual por simetria com o Poder Executivo federal. Justamente por isso, não é
possível, por exemplo, previsão de foro por prerrogativa de função para (i) Procuradores e (ii)
Defensores Públicos Estaduais.

Mas e em relação aos Vereadores? Houve alguma novidade em 2020?

Apesar de não se tratar de decisão definitiva e tampouco manifestação do Plenário


da Corte, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RHC 181895 AgR, sinalizou
expressamente a tendência de reconhecer a impossibilidade de previsão de prerrogativa de
foro para os Vereadores no âmbito da Constituição Estadual.

De acordo com o Ministro Alexandre de Moraes, assim como a inviolabilidade ou imu-


nidade material – de que ora não se discute e que foi estendida, em termos, aos vereadores
pela Constituição Federal (CF, art. 29, IV) – e a prerrogativa de sigilo – de que cogita o §6º do
art. 102, cuja extensão aos vereadores se questiona -, são matéria de direito penal, as imuni-

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dades processuais são tema de Processo Penal: porque se compreendem substancialmente


em áreas de competência legislativa exclusiva da União (art. 22, I), afora e acima da lei fede-
ral, só a Constituição da República pode dispor a respeito. Silente a Constituição Federal
sobre prerrogativas processuais penais dos integrantes das Câmaras Municipais, plausível é
a conclusão de que não se deixou espaço à inserção de normas constitucionais locais.

Esse é um tema espinhoso, bastante interessante para ser arguido em provas e que,
cada vez mais, vai se encaminhando para uma definição nas Cortes Superiores.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS


CORPUS. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA. CABIMENTO.
ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA DE OFÍCIO AO CORRÉU. AGRAVO A QUE
SE NEGA PROVIMENTO. (RHC 181895 AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Pri-
meira Turma, julgado em 22/06/2020).
[2] RHC 80477, Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, Segunda Turma, julgado em
31/10/2000.
[3] ADI 558 MC, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em
16/08/1991.
[4] RE 464935, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em
03/06/2008.
[5] CC 116.771/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, jul-
gado em 29/02/2012.
[6] STF. Plenário. ADI 2553/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre
de Moraes, julgado em 15/5/2019 (Info 940).

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ESCUSAS ABSOLUTÓRIAS

VAMOS CONVERSAR SOBRE ELAS?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Vamos falar hoje acerca uma temática extremamente importante, pois despenca (de
verdade) em concursos públicos nas mais diversas fases. Já foi objeto de pergunta ou reper-
gunta de provas orais de Defensoria Pública, MP, Delegado e Magistratura.

Vamos tecer, pois, algumas considerações sobre o assunto das ESCUSAS ABSOLU-
TÓRIAS no direito penal. Em primeiro lugar, já podemos apontar que a doutrina ostenta
alguma variação quanto à natureza jurídica do instituto, mas prevalece elas são verdadeiras
CONDIÇÕES NEGATIVAS DE PUNIBILIDADE ou ainda CAUSAS PESSOAIS DE EXCLU-
SÃO DA PENA!

É condição NEGATIVA da punibilidade e, se presente de maneira evidente, enseja


óbice inclusive para a instauração de investigação preliminar. Perceba que, caso presente
uma escusa absolutória, tal conduta nunca terá sido punível, diferentemente do que ocorre,
em regra, com as excludentes.

Apesar de esse entendimento se revelar majoritário, deve-se apontar que há entendi-


mentos diversos, razão pela qual se pode asseverar existir polêmica sobre o tema. Além da
posição majoritária (condição negativa de punibilidade), há ainda os que defendem ser (b)
causa especial de exclusão de pena; (c) caso de inexigibilidade de conduta diversa; (d) causa
de extinção da punibilidade e (e) perdão judicial.

Seu fundamento repousa em razões de política criminal (opção do legislador) e envolve,


essencialmente, a isenção de pena de quem comete crimes patrimoniais (sem violência ou
grave ameaça à pessoa), desde que o agente preenche alguns requisitos de ordem familiar!

E quais requisitos são esses, Pedro?

São fornecidos pelo artigo 181 do Código Penal, indicando que não sofrerá sanção
penal por crime patrimonial sem violência ou grave ameaça o autor que for, EM RELAÇÃO
À VÍTIMA, (i) cônjuge, na constância da sociedade conjugal OU (ii) ascendente ou descen-
dente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

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Vamos esquematizar algumas informações imprescindíveis sobre cada uma dessas


hipóteses:

Feita essa revisão, vale questionar sobre a existência de exceção em relação a essas
escusas absolutórias?

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Existe sim! Lembremos que essas escusas absolutórias são aplicadas aos crimes patri-
moniais, desde que não se trate de crime é de roubo ou de extorsão, ou, se houver emprego
de grave ameaça ou violência à pessoa. Também não se aplicará, em atenção à regra do
artigo 30 do CPB, ao estranho que participa do crime e, por fim, também não será observada
essa causa negativa de punibilidade se o crime for praticado contra pessoa com idade igual
ou superior a 60 (sessenta) anos.

E aí, gostaram da revisão? Espero que sim!

Vamos em frente.

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ADI 5264

STF DECIDE QUE A COMPETÊNCIA DOS JECRIM´S PARA OS FEITOS ENVOLVENDO


INFRAÇÕES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO É RELATIVA.

Olá, pessoal! Tudo certo?

O Supremo Tribunal Federal concluiu recentemente o julgamento acerca de um impor-


tantíssimo tema que divide parcela da doutrina. Refiro-me à natureza da competência para
processamento e julgamento de feitos relacionados a infrações de menor potencial ofensivo
pelos Juizados Especiais Criminais.

De acordo com a Procuradoria Geral da República, ao apresentar a Ação Direta de


Inconstitucionalidade (ADI) 5264, os JECRIM´s seriam dotados de competência absoluta, em
razão da matéria, para processar e julgar infrações penais de menor potencial ofensivo[1],
pela qual é inderrogável e improrrogável pela aplicação de institutos de natureza infraconsti-
tucional, como a conexão ou continência, para julgamento na Justiça Comum ou no Tribunal
do Júri daquelas infrações.

Esse entendimento foi refutado pela Ministra Carmen Lúcia para quem “pelo princípio
do juiz natural a competência para o processo dá-se em previamente designado na Consti-
tuição ou na lei, vedando-se, no sistema jurídico, juiz de exceção. Entretanto, não se deter-
minou a exclusividade dos Juizados Especiais Criminais para o julgamento das infrações de
menor potencial ofensivo, mas a observância do procedimento célere e dos institutos despe-
nalizadores previstos na Lei n. 9.099/1995”.

Sobre esse tema, a Ministra indica o estranhamento pelo fato de a PGR não impugnar
a constitucionalidade de todas as normas que trazer modificação de competência do Juizado
Especial para o comum na ADI. Afinal, se o entendimento é de que a competência é absoluta,
ela seria incompatível com toda e qualquer possibilidade de prorrogação.

No entanto, o § 2º do art. 77 e parágrafo único do art. 66 da Lei n. 9.099/1995 trazem


a previsão de outras duas causas modificativas da competência do Juizado Especial para o
juízo comum, a saber, a complexidade ou circunstâncias da causa que dificultem a formu-
lação oral da peça acusatória e o réu não ser encontrado para a citação pessoal, situações
essas que não foram impugnadas na ação.

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Ademais, houve o registro de que os institutos despenalizadores não dependem do


juízo em que tramita o processo, mas se constituem como garantia individual do acusado e,
como tais, devem ser asseguradas independentemente do juízo em que tramitam os feitos
envolvendo as infrações de menor potencial ofensivo.

Sobre o tema, Eugênio Pacelli advoga que “(…) a) nenhuma privatividade dos Juizados
para o julgamento dos crimes de menor potencial ofensivo, como facilmente se percebe da
leitura do art. 98, I, CF; b) qualquer competência material, rigorosamente falando, isto é, em
razão do direito material, que pudesse exigir a criação de uma Justiça especializada. O que
é especializado nos Juizados é o rito procedimental e a possibilidade de transação penal,
consoante os termos do art. 98, I, da Constituição. (…) É bem de ver, porém, que nos Jui-
zados Criminais, pelo menos no que diz respeito à conceituação das espécies de jurisdição,
não se exerce jurisdição especial, uma vez que o seu objeto é o Direito Penal comum, ao
contrário do que ocorre, por exemplo, com a jurisdição eleitoral e a jurisdição militar. Naquela
(a eleitoral), ainda que não se possa falar rigorosamente em Direito Penal especial, o fato é
que o objeto e sua tutela é inegavelmente específico, o que, a nosso aviso, permite, ao lado
das especificidades ocorridas também na formação de seus órgãos jurisdicionais, a deno-
minação de jurisdição especial. Em razão disso, quando presente o concurso de infrações,
a reunião de processos ocorrerá fora dos Juizados, segundo os critérios do citado art. 78 do
CPP. E se já pensávamos assim desde as primeiras edições deste Curso, agora ficamos na
confortabilíssima companhia da Lei. De fato, a Lei 11.313/06, como vimos, alterando a reda-
ção do art.60, parágrafo único, da Lei 9.099/95, e, também, do art. 2º, parágrafo único, da
Lei 10.259/01, ressalva expressamente a (in)competência dos Juizados Criminais quando
as referidas infrações forem conexas e/ou continentes om outras, da competência do juízo
comum ou do tribunal do júri. E, acrescentaríamos nós: também de qualquer outra jurisdição
ressalvada em Lei ou na Constituição da República. Nessas situações, nada impedirá a apli-
cação das normas mais favoráveis previstas na Lei n. 9.099/95, adotando-se, se for o caso,
a unidade apenas do juízo e não do processo. Assim, reunidos diversos e diferentes proce-
dimentos (e crimes), nada obstará, no mesmo juízo, a adoção da transação penal, se for o
caso, para o processo originariamente da competência dos Juizados”[2].

Segundo a Ministra, “se praticada infração penal de menor potencial ofensivo em con-
curso com outra infração penal comum e deslocada a competência para a Justiça Comum ou
Tribunal do Júri, não há óbice, senão determinação constitucional, à aplicação dos institutos
despenalizadores da transação penal e da composição civil dos danos quanto à infração de
menor potencial ofensivo, em respeito ao devido processo legal”. Vale dizer ainda que não
se deve somar à pena máxima da IMPO com a da infração conexa (de maior gravidade) para
excluir a incidência da fase consensual e ser invocada como fator impeditivo da transação
penal ou composição civil dos danos.

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A conclusão da Ministra Relatora, na qual foi seguida à unanimidade pelos Minis-


tros da Suprema Corte, foi no sentido de que os JECRIM´s ostentam competência relativa
para julgamento das infrações de menor potencial ofensivo, pela qual se permite que essas
infrações sejam julgadas por outro juízo com vis atractiva para o crime de maior gravidade,
pela conexão ou continência, observados, quanto àqueles, os institutos despenalizadores,
quando cabíveis.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] “Consideram infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta
Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2
(dois) anos, cumulado ou não com multa”.
[2] Curso de Processo Penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2012. p.
563 e 571.

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(DES)NECESSIDADE DE DELIMITAÇÃO TEMPORAL


NO ACESSO A DADOS TELEMÁTICOS
COM FINALIDADE INVESTIGATÓRIA CRIMINAL

ATENÇÃO À DECISÃO DO STJ!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Vamos falar um pouco sobre o impacto das normas estampadas da Lei do Marco Civil
da Internet (Lei n. 12.965/2014) no âmbito das investigações criminais, especificamente
daquilo que foi objeto – recentemente – de apreciação pela 6ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça, no HC 587.732/RJ[1].

O artigo 10 do Marco Civil da Internet prevê a imprescindibilidade de tutela da privaci-


dade dos dados pessoais e do conteúdo das comunicações privadas[2]. No entanto, isso não
significa que as exigências para eventual acesso judicial são similares àquelas observadas
nas interceptações das comunicações telefônicas.

Segundo o dispositivo acima mencionado, aguarda e a disponibilização dos registros


de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados
pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimi-
dade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.
O § 2° desse mesmo dispositivo legal determina que o conteúdo das comunicações privadas
somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a
lei estabelecer, e o art. 22 prevê quais são os requisitos do pedido para o acesso a aplicações
de internet. Vejamos:

Art. 22. A parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em
processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que
ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros
de acesso a aplicações de internet. Parágrafo único. Sem prejuízo dos demais requisitos
legais, o requerimento deverá conter, sob pena de inadmissibilidade: I – fundados indícios da
ocorrência do ilícito; II – justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins
de investigação ou instrução probatória; e III – período ao qual se referem os registros.

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Nesse contexto, não obstante a orientação normativa do Marco Civil da Internet no sen-
tido de ser necessário observar a tutela da privacidade de dados pessoais e do conteúdo de
comunicações privadas (art. 10), ao tratar do acesso judicial somente exige limitação tem-
poral no acesso aos registros de “aplicações de internet”, termo legal usado para definir “o
conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à
internet” (art. 5°, VII). Ou seja, não há limitação de tempo para acesso aos dados pessoais,
em sentido amplo, mas apenas ao acesso à internet.

É importante registrar que não se deve confundir as “comunicações privadas armaze-


nadas” (art. 7º, III, da Lei n. 12.965/2014) com o “fluxo de comunicações pela internet” (art.
7º, II) e “aplicações de internet” (art. 5º, VII), sobretudo porque somente ao fluxo de comuni-
cações é que se determinar limitação temporal para a interceptação (art. 15, § 1º).

Não há ilegalidade na decisão que determina o acesso aos dados constantes nos bens
que vierem a ser apreendidos, a fim de que sejam submetidos à perícia, sem a determinação
de limite temporal, porque se trata de dados já salvos nos dispositivos eletrônicos, em que os
pacientes tiveram a liberdade de apagarem ou acrescentarem informações, não sendo “fluxo
de comunicações” mantidos ou armazenados por provedores de internet.

De acordo com a doutrina especializada, em relação ao conteúdo dos registros a serem


guardados, este não abrange as comunicações em si mesmas estabelecidas a partir do
acesso a aplicações. Então, o § 2º do art. 10 do Marco Civil da Internet informa que o con-
teúdo das comunicações somente poderá ser fornecido pelos provedores mediante ordem
judicial, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7º. Contudo, não existe previsão de
guarda do conteúdo das comunicações nem prazo legal para tanto, de forma que se conclui
que somente ordem judicial poderá obrigar os provedores a assim agirem[3].

Em um caso apreciado pela 6ª Turma do STJ, a Corte asseverou que em se tratando


de equipamento (computador, pen drive, HD externo etc.) apreendido em busca e apreensão
domiciliar, o próprio mandado judicial pode facultar o acesso às informações que nele cons-
tem. Por isso, não há óbice para que a autoridade policial ou o Ministério Público solicite, em
sua representação pela autorização de busca e apreensão, que seja deferido o acesso aos
dados estáticos contidos no material coletado. As Leis n. 12.965/2014 e 9.296/1996 possuem
dispositivos legais que objetivam tutelar o fluxo das comunicações em sistemas de informá-
tica e telemática, isto é, proteger a fluência da comunicação em andamento, diversamente do
que ocorre quando são recolhidos aparelhos informáticos em decorrência de busca e apre-
ensão domiciliar, nos quais os dados são estáticos. Em virtude disso, é incorreta a avaliação
dos requisitos necessários para a interceptação do fluxo de comunicações, a fim de aferir

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a possibilidade de acesso as informações estáticas que estão armazenadas em aparelhos


recolhidos em busca e apreensão domiciliar[4].

Com base nessas orientações, diferentemente do que ocorre quando se está alme-
jando o acesso a fluxo de comunicações, não há necessidade de a ordem judicial estabele-
cer limitação temporal específica para os acessos requeridos pelo Ministério Público, por se
tratar de dados estáticos, constantes nas plataformas de dados[5].

Tema extremamente complexo! Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] HC 587.732-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em
20/10/2020.
[2] Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplica-
ções de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comu-
nicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e
da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.
[3] BRAUN, Caroline; MARTINS, Rafael D’Errico. O marco civil da internet, a guarda e
fornecimento de registros por provedores de conexão e de acesso a aplicações de internet:
limites legais e questões probatórias relevantes. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 130.
[4] HC 444.024/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro
ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 02/04/2019.
[5] Segundo o STJ, no caso, não se tratava de guarda e disponibilização dos registros
de conexão e de acesso a aplicações de internet, e, acaso fosse, a autoridade policial ou o
Ministério Público poderia requerer cautelarmente que o provedor de aplicações de internet,
por ordem judicial, guardasse os registros de acesso à aplicação de internet, para finalidades
de investigação criminal.

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O STJ MUDOU?

RECENTÍSSIMO JULGADO COLOCA UMA “PULGA ATRÁS DA ORELHA”!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Vamos falar sobre um tema pouquíssimo abordado e que não teve a repercussão com-
patível com a devida importância, uma vez que marcou uma (possível) alteração de perspec-
tiva por parte do Superior Tribunal de Justiça.

O tema de fundo é a colaboração premiada. Somente por esse aspecto você deve
redobrar as atenções, pois nos últimos 2 anos, esse é um dos assuntos mais frequentes em
provas de Leis Penais Especiais e de Processo Penal em concurso público.

Como eu sempre escrevo e destaco em minhas aulas de Organização Criminosa e


Colaboração Premiada, o Superior Tribunal de Justiça tradicionalmente se posiciona no sen-
tido de que, quando houver o prêmio da causa de diminuição de pena em razão da colabora-
ção premiada, também seria possível a aplicação da atenuante da confissão espontânea. Na
visão “tradicional” da Corte, “não há impossibilidade de aplicação simultânea da atenuante da
confissão, na 2.ª fase de individualização da pena, com a da delação premiada, na 3.ª etapa,
por se revestir, no caso do art. 14 da Lei 9.807/99, de causa de diminuição de pena[1]”.

Dizendo de outro modo, mais diretamente, a confissão é pressuposto da colaboração


premiada. Ainda assim, apesar de ela ser condição necessária para a incidência de causa de
diminuição prevista no acordo firmado (sem confissão não haveria acordo), pode simultane-
amente servir como atenuante.

Esse era o entendimento tranquilo! Mas… CUIDADO!

É que em julgamento realizado no dia 20 de outubro de 2020, a 5ª Turma do STJ, no


REsp 1852049/RN[2], anotou que se deve evitar a múltipla valoração do mesmo fato com
idêntico fundamento jurídico e, ainda, tomada a amplitude de consequências e benefícios
extraídos do instituto da colaboração premiada, razão pela qual há bis in idem na considera-
ção da atenuante da confissão do réu quando já estabelecido o acordo de colaboração entre
ele e o órgão ministerial nos casos em que aplicada a benesse de redução da pena prevista
na Lei 12.850/13, determinando-se o refazimento da dosimetria das penas dos colaborado-

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res que tiveram duplamente reconhecidas a atenuante da confissão espontânea e a redução


da pena pela colaboração premiada.

Posição diametralmente oposta à até então consolidada!

Pedro, isso quer dizer que o STJ rompeu de vez com a posição anterior? Ainda não
podemos afirmar isso. No entanto, para as provas, você deve considerar que o entendimento
anterior – no sentido de ser permitida a utilização da confissão como requisito de validade do
acordo de colaboração e concomitantemente como atenuante a incidir na 2ª fase da dosime-
tria da pena – não é mais uniforme dentro da referida Corte.

É necessário, também em relação a esse tema, acompanharmos como o assunto evo-


luirá nos Tribunais Superiores!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE HOMICÍDIO


TRIPLAMENTE QUALIFICADO, ROUBO QUALIFICADO E SEQUESTRO. PEDIDO GENÉ-
RICO DE READEQUAÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT.
ORDEM DENEGADA. 1. Não há constrangimento ilegal a ser sanado na via do habeas
corpus, estranha ao reexame da individualização da sanção penal, quando a fixação da
pena, de forma fundamentada e proporcional, justifica-se em circunstâncias judiciais des-
favoráveis corretamente aferidas com percuciente análise do caso concreto. Verifica-se, do
texto da impetração, que o Impetrante/Paciente não apontou os motivos pelos quais a dosi-
metria da pena careceria de correção. Ante o caráter genérico do presente mandamus, que
simplesmente pede a diminuição da pena, sem impugnar os pontos específicos eivados de
nulidade e, considerando inexistir ilegalidade patente na dosimetria da sanção, é vedado, na
estreita via do habeas corpus, proceder ao amplo reexame dos critérios considerados para a
sua fixação, por demandar análise de matéria fático-probatória. 3. Habeas corpus denegado.
(HC 183.304/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 09/10/2012).
[2] REsp 1852049/RN, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado
em 20/10/2020.

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(IM)POSSIBILIDADE DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA


POR VIDEOCONFERÊNCIA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

Olá, pessoal! Tudo certo?

Vamos falar sobre um tema pouquíssimo abordado e que não teve a repercussão com-
patível com a devida importância, uma vez que marcou uma (possível) alteração de perspec-
tiva por parte do Superior Tribunal de Justiça.

O tema de fundo é a colaboração premiada. Somente por esse aspecto você deve
redobrar as atenções, pois nos últimos 2 anos, esse é um dos assuntos mais frequentes em
provas de Leis Penais Especiais e de Processo Penal em concurso público.

Como eu sempre escrevo e destaco em minhas aulas de Organização Criminosa e


Colaboração Premiada, o Superior Tribunal de Justiça tradicionalmente se posiciona no sen-
tido de que, quando houver o prêmio da causa de diminuição de pena em razão da colabora-
ção premiada, também seria possível a aplicação da atenuante da confissão espontânea. Na
visão “tradicional” da Corte, “não há impossibilidade de aplicação simultânea da atenuante da
confissão, na 2.ª fase de individualização da pena, com a da delação premiada, na 3.ª etapa,
por se revestir, no caso do art. 14 da Lei n. 9.807/1999, de causa de diminuição de pena[1]”.

Dizendo de outro modo, mais diretamente, a confissão é pressuposto da colaboração


premiada. Ainda assim, apesar de ela ser condição necessária para a incidência de causa de
diminuição prevista no acordo firmado (sem confissão não haveria acordo), pode simultane-
amente servir como atenuante.

Esse era o entendimento tranquilo! Mas… CUIDADO!

É que em julgamento realizado no dia 20 de outubro de 2020, a 5ª Turma do STJ, no


REsp 1852049/RN[2], anotou que se deve evitar a múltipla valoração do mesmo fato com
idêntico fundamento jurídico e, ainda, tomada a amplitude de consequências e benefícios
extraídos do instituto da colaboração premiada, razão pela qual há bis in idem na considera-
ção da atenuante da confissão do réu quando já estabelecido o acordo de colaboração entre
ele e o órgão ministerial nos casos em que aplicada a benesse de redução da pena prevista
na Lei 12.850/13, determinando-se o refazimento da dosimetria das penas dos colaborado-
res que tiveram duplamente reconhecidas a atenuante da confissão espontânea e a redução
da pena pela colaboração premiada.

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Posição diametralmente oposta à até então consolidada!

Pedro, isso quer dizer que o STJ rompeu de vez com a posição anterior? Ainda não
podemos afirmar isso. No entanto, para as provas, você deve considerar que o entendimento
anterior – no sentido de ser permitida a utilização da confissão como requisito de validade do
acordo de colaboração e concomitantemente como atenuante a incidir na 2ª fase da dosime-
tria da pena – não é mais uniforme dentro da referida Corte.

É necessário, também em relação a esse tema, acompanharmos como o assunto evo-


luirá nos Tribunais Superiores!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE HOMICÍDIO


TRIPLAMENTE QUALIFICADO, ROUBO QUALIFICADO E SEQUESTRO. PEDIDO GENÉ-
RICO DE READEQUAÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT.
ORDEM DENEGADA. 1. Não há constrangimento ilegal a ser sanado na via do habeas
corpus, estranha ao reexame da individualização da sanção penal, quando a fixação da
pena, de forma fundamentada e proporcional, justifica-se em circunstâncias judiciais des-
favoráveis corretamente aferidas com percuciente análise do caso concreto. Verifica-se, do
texto da impetração, que o Impetrante/Paciente não apontou os motivos pelos quais a dosi-
metria da pena careceria de correção. Ante o caráter genérico do presente mandamus, que
simplesmente pede a diminuição da pena, sem impugnar os pontos específicos eivados de
nulidade e, considerando inexistir ilegalidade patente na dosimetria da sanção, é vedado, na
estreita via do habeas corpus, proceder ao amplo reexame dos critérios considerados para a
sua fixação, por demandar análise de matéria fático-probatória. 3. Habeas corpus denegado.
(HC 183.304/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 09/10/2012).
[2] REsp 1852049/RN, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado
em 20/10/2020.

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QUAL O CRITÉRIO A SER UTILIZADO PARA A ADOÇÃO


DO “QUANTUM” DE AUMENTO DE PENA
EM UM CRIME CONTINUADO?

Não é segredo para ninguém que dosimetria da pena é um dos temas mais instigantes,
complexos e difíceis de se estudar na parte geral do Direito Penal. Até por isso, ele despenca
em provas de concurso.

Um dos assuntos a ela relacionados que gera bastante dúvida se refere aos critérios
utilizados pelos Tribunais Superiores para definir o quantum de aumento de pena em caso de
reconhecimento de continuidade delitiva.

Vale lembrar que o chamado “crime continuado” tem seu regramento estabelecido pelo
artigo 71 do CPB, nos seguintes termos: “quando o agente, mediante mais de uma ação ou
omissão, pratica dois ou mais CRIMES DA MESMA ESPÉCIE e, pelas condições de tempo,
lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como
continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais
grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços”.

Vem prevalecendo ainda que, para o seu reconhecimento, é necessário observar a uni-
dade de desígnios presente nos delitos praticados pelo agente, razão pela qual a maior parte
da doutrina aponta ter sido adotada a teoria objetivo-subjetiva.

Sobre a natureza jurídica do crime continuado, o direito penal brasileiro adotou a Teoria
da Ficção Jurídica. Segundo ela, desenvolvida por Francesco Carrara, a continuidade delitiva
é uma ficção criada pelo Direito. Existem, na verdade, vários crimes, considerados como um
único delito para fins de aplicação da pena. Foi a teoria acolhida pelo art. 71, CP. A unidade
se opera exclusivamente para fins de aplicação da pena. Para as demais finalidades há con-
curso, tanto que a prescrição, por exemplo, é analisada separadamente em relação a cada
delito (art. 119 do CP e Súmula 497 do STF: “Quando se tratar de crime continuado, a pres-
crição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente
da continuação”).

Há ainda outra teoria que pretende explicar o crime continuado, mas que não fora aga-
salhada pelo nosso direito penal. Refiro-me à teoria da realidade ou da unidade real, ideali-
zada por Bernardino Alimena, vislumbra o crime continuado como um único delito. Para ele,

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a conduta pode ser composta por um ou vários atos, os quais não necessariamente guardam
absoluta correspondência com a unidade ou pluralidade de delitos.

Feita essa revisão, vamos analisar o quantum de acréscimo previsto no art. 71 do


Código Penal. Constata-se, facilmente, que o legislador adotou o critério da EXASPERAÇÃO
(quando a pena receberá um aumento – 1/6 a 2/3), diferentemente do sistema do cúmulo
material (quando há somatório das penas).

Certo, Pedro! Mas o que queremos saber agora é como se deve justificar a variante de
aumento de pena, já que no referido dispositivo consta uma larga margem de 1/6 a 2/3?

Explicarei analisando o precedente relatado pelo Ministro Dias Tofolli (HC 134.327[1])
do STF. No caso concreto indicado, fora imputado ao paciente dois crimes de peculato, mas
o Tribunal de Justiça do Espírito Santo aplicou a causa de aumento de pena prevista no artigo
71 do CPB no patamar de 1/3, contrariando o que defende a doutrina!

Por quê? Segundo Paulo Queiroz, “o respectivo aumento (de um sexto a dois terços)
variará conforme o número de infrações praticadas em continuidade; PROPORCIONAL-
MENTE, portanto”.

E nessa mesma linha caminha a majoritária jurisprudência dos Tribunais Superiores,


razão pela qual a ordem de HC fora concedida. Na decisão, o Ministro Tofolli destacou que
o entendimento do Supremo se direciona no sentido de que em se tratando de crimes conti-
nuados, deve-se adotar critério objetivo que relaciona o número de infrações delituosas e as
correspondentes frações de acréscimo penal.

Assim, para crimes continuados calcados em duas condutas, aplicar-se-ia acréscimo


de um sexto. Para três crimes, um quinto de acréscimo; para quatro crimes, um quarto; para
cinco crimes, um terço; para seis crimes metade (1/2) e, finalmente, para mais de seis crimes,
o aumento máximo de dois terços.

E o STJ, Pedro? Caminha no mesmo sentido! Para comprovar, basta a leitura do acór-
dão no HC159.476/TO, quando fora anotado que “nos termos da jurisprudência desta Corte,
o aumento pela continuidade delitiva deve-se dar de acordo com o número de infrações, defi-
nindo-se o patamar mínimo 1/6 quando se tratarem de dois delitos”.

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Mais recentemente, a Corte ratificou essa compreensão ao afirmar que, em se tratando


de delito praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa, deve ser aplicada a regra do
art. 71, caput do Código Penal, sendo que o critério para se determinar o quantum da majora-
ção (entre 1/6 a 2/3) não é outro senão o da quantidade de delitos cometidos. Assim, quanto
mais infrações, maior deve ser o aumento. Assim, cometidos quatro crimes de satisfação
de satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, segundo o enten-
dimento dessa egrégia Corte, deve ser aplicada a fração de aumento de 1/4, para ambos
os acusados.

Fez-se, porém, um pequeno e relevante acréscimo. É que, em se tratando de crimes


dolosos, praticados com violência ou grave ameaça à pessoa, aplica-se a regra prevista no
artigo 71, parágrafo único, do Código Penal, entendendo a jurisprudência da Corte que a
fração de aumento pela continuidade delitiva específica (art. 71, parágrafo único, do Código
Penal), pressupõe a análise das circunstâncias judicias do artigo 59 do Código Penal, além
da quantidade de crimes praticados[2].

Dosimetria da pena é um assunto IMPORTANTÍSSIMO para qualquer concurso, razão


pela qual conhecer intensamente a jurisprudência sobre o tema é imprescindível!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] Afirma que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 134.327, Relator o


Ministro Dias Toffoli, estabeleceu, “na hipótese de crime continuado”, (…) um critério objetivo
de cálculo de pena que leva em consideração, no caso concreto, a quantidade de crimes
praticados no caso de concurso de agentes”. 8. Prossegue a impetração para alegar que, no
caso dos autos, o Tribunal Estadual “reconheceu o crime continuado, sendo um homicídio
simples consumado e outro tentado, também na modalidade simples”. De modo que, “Pela
lógica adotada pelo Supremo Tribunal Federal, o acréscimo aplicado na pena do paciente
deve ser de 1/6. Ou seja, dois crimes, um sexto”.
[2] REsp 1718212/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em
19/04/2018.

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CRIME PRATICADO, DURANTE O PRIMEIRO MANDATO, POR


PREFEITO REELEITO DEVE OBSERVAR PRERROGATIVA DE FORO?

IMPORTANTE DECISÃO DO STF!

Fala, pessoal! Tudo beleza?

Sabemos que nos últimos anos várias alterações interpretativas relacionadas às prer-
rogativas de foro foram firmadas pelo STF. Entre as mais importantes, passou-se a se limitar
sua incidência aos crimes praticados (i) no exercício do cargo e (ii) com vínculo funcional (ou
seja, o delito precisa estar relacionado ao cargo exercido). Essa foi a conclusão do Plenário
no AP 937 QO/RJ[1].

Vale registrar que, posteriormente, a Corte anotou que a ratio decidendi do precedente
firmado pela QO na AP 937 aplica-se a toda e qualquer autoridade que possua prerrogativa
de foro, pois “a discussão acerca da possibilidade de modificação da orientação jurispruden-
cial foi conduzida objetivamente pelo Plenário em consideração aos parâmetros gerais da
sobredita modalidade de competência especial, isto é, sem qualquer valoração especial da
condição de parlamentar do réu da AP 937” (QO no INQ 4.703[2]).

Compreendida essa regra, vamos avançar!

Imaginemos agora que um prefeito de determinada cidade esteja sendo acusado de ter
praticado crime envolvendo danos ao erário público no curso (e com vinculação) ao exercí-
cio do seu 1º mandato na municipalidade. Contudo, por ter sido reeleito, atualmente ele está
exercendo o 2º mandato, sem solução de continuidade, como prefeito daquela cidade. Nesse
caso, deverá ser observada a prerrogativa de foro?

Sim! Essa foi a resposta do STF! Segundo a Corte, não havendo solução de descon-
tinuidade entre os mandatos exercidos por Prefeito municipal, em virtude de sua reeleição
para o mandato imediatamente subsequente ao anterior, a competência para processar e
julgar os crimes por ele cometidos durante o exercício do primeiro mandato, em obediência
ao requisito da atualidade da função, é do Tribunal de Justiça.

No caso concreto, apreciado pela 1ª Turma em junho de 2020, os crimes supostamente


praticados foram cometidos durante o exercício do cargo e se relacionam com as funções
desempenhadas. Além disso, não houve solução de descontinuidade entre os mandatos
de Prefeito municipal por ele exercidos, pois houve a sua reeleição para mandato imediata-

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mente consecutivo ao anterior, fato que permite fixar a competência do TJ/CE! Decisão no
AgR RE 1240599[3]!
O mais importante a compreender desse entendimento é que ele se deu em um con-
texto no qual a reeleição para o mesmo cargo se materializou sem solução de continui-
dade[4]. Ou seja, o STF, da mesma forma que o STJ, vem sinalizando que essa continuidade
da prerrogativa de foro se limita aos casos em que os mandatos diversos sejam referentes
ao mesmo cargo e exercidos em sequência, de forma ininterrupta.

Analisando situação diversa, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça verificou que os


fatos atribuídos ao paciente, então Prefeito de Buritizal/SP, datam do ano de 2011, ou seja,
teriam supostamente ocorrido durante o mandato 2008-2012. Não eleito para o mandato sub-
sequente, o paciente apenas veio a ocupar novo cargo de Prefeito em 2017-2020. Diante
desse quadro fático, constata-se que houve a quebra da necessária e indispensável conti-
nuidade do exercício do mandato político para fins de prorrogação da competência. Portanto,
vislumbrou-se ilegalidade na manutenção do Tribunal como juízo competente originário, tendo
em vista que o recebimento da denúncia aconteceu em 24/04/2019 pelo órgão colegiado.

Apesar disso, não se anulou o processo desde o oferecimento da inicial acusatória, pois
na visão do STJ essa medida não se mostra consentânea com o direito processual moderno,
porquanto os atos praticados pelo juízo incompetente, inclusive os decisórios, são ratificáveis
no juízo competente[5]. A jurisprudência, hoje, é uníssona ao exigir a comprovação de efetivo
prejuízo para a anulação de atos processuais, tanto nas hipóteses de incompetência relativa
quanto nas de absoluta[6].

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] Ementa: Direito Constitucional e Processual Penal. Questão de Ordem em Ação


Penal. Limitação do foro por prerrogativa de função aos crimes praticados no cargo e em
razão dele. Estabelecimento de marco temporal de fixação de competência. I. Quanto ao
sentido e alcance do foro por prerrogativa 1. O foro por prerrogativa de função, ou foro privi-
legiado, na interpretação até aqui adotada pelo Supremo Tribunal Federal, alcança todos os
crimes de que são acusados os agentes públicos previstos no art. 102, I, b e c da Constituição,
inclusive os praticados antes da investidura no cargo e os que não guardam qualquer relação
com o seu exercício. 2. Impõe-se, todavia, a alteração desta linha de entendimento, para res-
tringir o foro privilegiado aos crimes praticados no cargo e em razão do cargo. É que a prática
atual não realiza adequadamente princípios constitucionais estruturantes, como igualdade e

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república, por impedir, em grande número de casos, a responsabilização de agentes públicos


por crimes de naturezas diversas. Além disso, a falta de efetividade mínima do sistema penal,
nesses casos, frustra valores constitucionais importantes, como a probidade e a moralidade
administrativa. 3. Para assegurar que a prerrogativa de foro sirva ao seu papel constitucional
de garantir o livre exercício das funções – e não ao fim ilegítimo de assegurar impunidade
– é indispensável que haja relação de causalidade entre o crime imputado e o exercício do
cargo. A experiência e as estatísticas revelam a manifesta disfuncionalidade do sistema, cau-
sando indignação à sociedade e trazendo desprestígio para o Supremo. 4. A orientação aqui
preconizada encontra-se em harmonia com diversos precedentes do STF. De fato, o Tribu-
nal adotou idêntica lógica ao condicionar a imunidade parlamentar material – i.e., a que os
protege por 2 suas opiniões, palavras e votos – à exigência de que a manifestação tivesse
relação com o exercício do mandato. Ademais, em inúmeros casos, o STF realizou interpre-
tação restritiva de suas competências constitucionais, para adequá-las às suas finalidades.
Precedentes. II. Quanto ao momento da fixação definitiva da competência do STF 5. A partir
do final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresen-
tação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais – do STF ou
de qualquer outro órgão – não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar
outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo. A jurisprudência
desta Corte admite a possibilidade de prorrogação de competências constitucionais quando
necessária para preservar a efetividade e a racionalidade da prestação jurisdicional. Prece-
dentes. III. CONCLUSÃO 6. RESOLUÇÃO DA QUESTÃO DE ORDEM COM A FIXAÇÃO
DAS SEGUINTES TESES: “(I) O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO APLICA-SE
APENAS AOS CRIMES COMETIDOS DURANTE O EXERCÍCIO DO CARGO E RELACIO-
NADOS ÀS FUNÇÕES DESEMPENHADAS; E (II) APÓS O FINAL DA INSTRUÇÃO PRO-
CESSUAL, COM A PUBLICAÇÃO DO DESPACHO DE INTIMAÇÃO PARA APRESENTA-
ÇÃO DE ALEGAÇÕES FINAIS, A COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR AÇÕES
PENAIS NÃO SERÁ MAIS AFETADA EM RAZÃO DE O AGENTE PÚBLICO VIR A OCUPAR
CARGO OU DEIXAR O CARGO QUE OCUPAVA, QUALQUER QUE SEJA O MOTIVO”. 7.
Aplicação da nova linha interpretativa aos processos em curso. Ressalva de todos os atos
praticados e decisões proferidas pelo STF e demais juízos com base na jurisprudência ante-
rior. 8. Como resultado, determinação de baixa da ação penal ao Juízo da 256ª Zona Eleitoral
do Rio de Janeiro, em razão de o réu ter renunciado ao cargo de Deputado Federal e tendo
em vista que a instrução processual já havia sido finalizada perante a 1ª instância. (AP 937
QO, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/05/2018).
[2] EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM. DENÚNCIA OFERECIDA PELA PROCURADO-
RA-GERAL DA REPÚBLICA. DIREITO PENAL. DIREITO PROCESSUAL PENAL. COM-
PETÊNCIA. PRECEDENTE. AP 937-QO. RATIO DECIDENDI. APLICABILIDADE A TODA
E QUALQUER AUTORIDADE QUE POSSUA PRERROGATIVA DE FORO. QUESTÃO DE

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ORDEM RESOLVIDA PARA DECLINAR DA COMPETÊNCIA AO JUÍZO DE 1ª INSTÂNCIA.


1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao concluir o julgamento, na data de 03/05/2018,
da AP 937-QO, aprovou, por maioria, as teses de que: “(i) O foro por prerrogativa de função
aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às fun-
ções desempenhadas; e de que “(ii) Após o final da instrução processual, com a publica-
ção do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para
processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a
ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”. 2. A ratio
decidendi do julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal na AP 937-QO aplica-se,
indistintamente, a qualquer hipótese de competência especial por prerrogativa de função,
tanto que a discussão acerca da possibilidade de modificação da orientação jurisprudencial
foi conduzida objetivamente pelo Plenário em consideração aos parâmetros gerais da sobre-
dita modalidade de competência especial, isto é, sem qualquer valoração especial da condi-
ção de parlamentar do réu da AP 937. 3. (…) (Inq 4703 QO, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira
Turma, julgado em 12/06/2018).
[3] (…) 4. No caso em apreço, os crimes supostamente praticados pelo ora recorrente
foram cometidos durante o exercício do cargo e se relacionam com as funções desempe-
nhadas. Além disso, não houve solução de descontinuidade entre os mandatos de Prefeito
municipal por ele exercidos, pois houve a sua reeleição para mandato imediatamente con-
secutivo ao anterior, fato que permite fixar a competência do Tribunal de Justiça do Estado
do Ceará para o processamento e julgamento da denúncia formulada em seu desfavor. 5.
Agravo Regimental a que se dá provimento para dar provimento ao Recurso Extraordinário
e, por via de consequência, determinar o envio dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado
do Ceará, nos termos do art. 29, X, da Constituição Federal. (RE 1240599 AgR, Relator(a):
MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, jul-
gado em 08/06/2020).
[4] “Na hipótese em que o delito seja praticado em um mandato e o réu seja reeleito
para o mesmo cargo, a continuidade do foro por prerrogativa de função restringe-se às
hipóteses em que os diferentes mandatos sejam exercidos em ordem sequencial e ininter-
rupta (Inq 4.127, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, TRIBUNAL PLENO, julgado em
20/11/2018, DJe 23/11/2018)”.
[5] HC n. 507.134/MT, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 13/08/2019.
[6] A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e desta Corte Superior é uníssona no
sentido de que, tanto nos casos de nulidade relativa quanto nos casos de nulidade absoluta,
o reconhecimento de vício que enseje a anulação de ato processual exige a efetiva demons-
tração de prejuízo ao acusado, o que não ocorreu na espécie” (HC n.490.478/RJ, Sexta
Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 10/04/2019).

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RECONVERSÃO DE PENA RESTRITIVA DE DIREITOS


É FACULDADE DO CONDENADO?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje vamos tratar de um tema que é bastante adorado pelo examinador em prova de
concurso público e ainda traz surpresas a muitos candidatos! Refiro-me às penas restritivas
de direito.

As balizas essenciais das penas restritivas de direitos (PRD´s) encontram-se plasma-


das no art. 44 do Código Penal, indicando que elas são autônomas e substituem as privati-
vas de liberdade, quando (i) aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos
e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja
a pena aplicada, se o crime for culposo, (ii) o réu não for reincidente em crime doloso e (iii)
a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem
como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

Vale anotar que o simples fato de o réu ser reincidente não se revela óbice intransponí-
vel à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, já que há permissivo
legal indicando que o juiz poderá efetuar a conversão, desde que, em face de condenação
anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em
virtude da prática do mesmo crime.

Até aqui, nada de muito novo, apenas revisão. Agora, é preciso avançar e densificar
nossas reflexões.

Vamos imaginar que alguém foi beneficiado pela substituição de pena privativa de liber-
dade por restritiva de direitos, mas – antes de iniciar o cumprimento da restritiva de direitos
imposta – diz ao juízo que prefere cumprir a pena privativa de liberdade.

Basta imaginarmos um caso de regime inicial aberto em que o apenado entenda ser
menos gravosa essa opção. ISSO É POSSÍVEL?

Para o STJ, NÃO! Essa “reconversão” não pode ocorrer a pedido do condenado, depen-
dendo da observância de requisitos legais (ex.: descumprimento das condições impostas
pelo juiz da condenação), não sendo facultado ao condenado requerer a que lhe parece mais
cômoda ou conveniente (vide RESP 1.524.484/PE[1]).

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É importante que você saiba que, na hora de sua prova, esse é o entendimento domi-
nante e agasalhado pelo Superior Tribunal de Justiça. No entanto, particularmente, entendo
que ele não é razoável. Explico.

Ora, se o apenado desejar, de fato, uma reconversão da PRD em PPL, basta que ele
não inicie o cumprimento da restritiva de direitos que lhe fora indicado e essa reconversão
se materializará. Afinal, o próprio art. 44, § 4o do CPB anota que “a pena restritiva de direi-
tos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado
da restrição imposta”. Ou seja, se essa for efetivamente a vontade do apenado, estar-se-ia
estimulando um comportamento contra legem que poderia ser facilmente evitado, sem qual-
quer problema legal, afinal a pena privativa de liberdade fixada anterior à conversão deve ser
reputada como legítima e proporcional.

Ainda sobre o tema de penas restritivas de direito, vale destacar que o STJ vem reite-
radamente asseverando inexistir “direito subjetivo do réu em optar, na substituição da pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos, se prefere a duas penas restritivas de direito
ou uma restritiva de direitos e uma multa” (AgRg no HC n.456.224/SC, Rel. Ministro Joel Ilan
Paciornik, QUINTA TURMA, Dje 1º/4/2019)”.

Nesse contexto, em precedente recente, a Corte considerou, diante das peculiarida-


des do caso, que as penas restritivas de direitos impostas pelo Juiz sentenciante (prestação
de serviços à comunidade ou a entidades públicas e prestação pecuniária) são as medidas
socialmente recomendáveis para a prevenção e reparação do delito de tráfico de drogas,
cometido pela paciente não se revelando razoável e pertinente a modificação das penas res-
tritivas de direito fixadas na situação[2].

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. CONDENAÇÃO À PENAS RESTRITI-


VAS DE DIREITOS. RECONVERSÃO A PEDIDO DO CONDENADO. INADMISSIBILIDADE.
RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. O art. 33, § 2º, alínea c, do Código Penal, dito vio-
lado, apenas estabelece que o condenado não reincidente, condenado à pena igual ou infe-
rior a 4 anos poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto. Referido dispositivo legal
não traça qualquer direito subjetivo do condenado quanto à escolha entre a sanção alterna-
tiva e a pena privativa de liberdade, que é a tese sustentada no recurso. A reconversão da
pena restritiva de direitos imposta na sentença condenatória em pena privativa de liberdade

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depende do advento dos requisitos legais (descumprimento das condições impostas pelo juiz
da condenação), não cabendo ao condenado, que sequer iniciou o cumprimento da pena,
escolher ou decidir a forma como pretende cumprir a sanção, pleiteando aquela que lhe
parece mais cômoda ou conveniente. Recurso especial desprovido. (REsp 1524484/PE, Rel.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2016,
DJe 25/05/2016)
[2] AgRg no HC 618.418/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado
em 27/10/2020.

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A LEI ANTICRIME ALTEROU O ENTENDIMENTO


ACERCA DA LICITUDE DA GRAVAÇÃO AMBIENTAL
POR UM DOS INTERLOCUTORES?

CUIDADO PARA NÃO ERRAR ISSO EM PROVA!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Você já está cansado de saber (mas nunca é exagero repisar) que se está focando em
concursos para os próximos meses, dominar as alterações exaradas no ordenamento jurí-
dico brasileiro pela Lei 13.964/2019 (Lei Anticrime) é questão de sobrevivência.

Nesse contexto, é preciso muito cuidado para entender corretamente as alterações –


que não foram poucas – porém redobrar a atenção para não achar que absolutamente tudo
mudou. O tema de gravação telefônica e ambiental é um desses aspectos que permanecem
exatamente como era.

Essa compreensão, aliás, foi repisada recentemente pelo STJ, ao julgar no final de
agosto de 2020 a ordem de habeas corpus 512.290/RJ. O caso envolvia uma colaboração
premiada na qual houve gravação ambiental de conversa realizada por um dos interlocuto-
res, em repartição pública, sem o conhecimento dos outros.

É importante rememorar a diferença entre algumas situações, especialmente em rela-


ção à (i) interceptação captação de comunicação alheia e sem conhecimento dos comuni-
cadores, de forma subreptícia; (ii) escuta captação de conversa, por terceiro, com o con-
sentimento de um dos interlocutores e (iii) gravação captação feita por um dos próprios
comunicadores sem que o outro saiba.

De acordo com o entendimento do STJ, a gravação ambiental realizada por colaborador


premiado, um dos interlocutores da conversa, SEM O CONSENTIMENTO DOS OUTROS,
É LÍCITA, ainda que obtida sem autorização judicial, e pode ser validamente utilizada como
meio de prova no processo penal (STF, no mesmo sentido, conforme se verifica da QO-RG
RE 583.937/RJ).

De acordo com essa compreensão, a disponibilização de conteúdo de conversa por


partícipe, emissor ou receptor, significaria apenas dispor daquilo que também é seu, sem que
se possa falar em interceptação, sigilo de comunicação ou de intromissão furtiva em situação
comunicativa.

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IMPORTANTE: Não se delimitou que a gravação de conversa por um dos participantes


do diálogo seria lícita somente se utilizada em defesa própria, nunca como meio de prova da
acusação[1].

A Lei Anticrime NÃO passou a exigir autorização judicial para gravação de diálogo por
um dos interlocutores, ok? A reserva jurisdicional existe para os casos relacionados à capta-
ção por terceiros, sem conhecimento dos comunicadores, quando existe a inviolabilidade da
privacidade, protegida constitucionalmente!

Ao contrário, quando analisamos o art. 10-A da Lei 9.296/96, extrai-se justamente a


conclusão no sentido de que a gravação ambiental (e também telefônica) levada a cabo por
um dos interlocutores é medida lícita, não se configurando irregularidade ou crime. Vejamos:

Art. 10-A. Realizar captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos


para investigação ou instrução criminal sem autorização judicial, quando esta for exigida:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. § 1º Não há crime se a captação
é realizada por um dos interlocutores. § 2º A pena será aplicada em dobro ao funcionário
público que descumprir determinação de sigilo das investigações que envolvam a captação
ambiental ou revelar o conteúdo das gravações enquanto mantido o sigilo judicial. (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019)

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] EMENTA Direito Constitucional. Direito Eleitoral. Ação de Impugnação de Man-


dato Eletivo – AIME. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem
conhecimento do outro. Jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral no sentido da ilicitude
dessa prova, sob o fundamento de que há a necessidade de proteção da privacidade e da
honra. Gravação ambiental que somente seria legítima se utilizada em defesa do candidato,
nunca para o acusar da prática de um ilícito eleitoral. Suportes jurídicos e fáticos diversos
que afastariam a aplicação da tese de repercussão geral fixada, para as ações penais, no RE
nº 583.937. A temática controvertida é apta a replicar-se em diversos processos, atingindo
candidatos em todas as fases das eleições e até mesmo aqueles já eleitos. Implicações
para a normalidade institucional, política e administrativa de todas as unidades da Federa-
ção. Repercussão geral reconhecida. (RE 1040515 RG, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribu-
nal Pleno, julgado em 30/11/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-283 DIVULG 07-12-2017
PUBLIC 11-12-2017)

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MULTA POR ABANDONO DE PROCESSO

PRECISAMOS FALAR SOBRE O ART. 265 DO CPP!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Analisaremos hoje um tema bastante negligenciado pelos estudantes, mas que se


encontra no meu rol de apostas para aparecerem nas provas vindouras do ano de 2021 (e
não serão poucas). Refiro-me à possibilidade ou não de fixação de multa em desfavor de
advogado que abandona – injustificadamente – um processo.

De acordo com o art. 265 do Código de Processo Penal, “o defensor não poderá aban-
donar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de
multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis”.

A interpretação que vem se dando ao dispositivo acima colacionado é no sentido de


que “o não comparecimento de advogado a audiência sem apresentar prévia ou posterior
justificativa plausível para sua ausência, pode ser qualificado como abandono de causa que
autoriza a imposição da multa prevista no art. 265 do CPP” (AgRg no RMS 55.414/SP, Rel.
Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 25/06/2019).

Configura-se o abandono da causa se os advogados, sem juntar aos autos comunica-


ção de renúncia de seu mandato, deixam de atuar em diversas ocasiões, causando prejuízo
ao réu, por deixarem de comparecer à audiência, sob o pretexto de que o réu (seu cliente)
não lhes havia fornecido meios financeiros para o deslocamento, e se não apresentam ale-
gações finais no prazo fixado pelo magistrado de 1º grau.

Recentemente, o plenário do Supremo Tribunal Federal julgou constitucional o art. 265


do CPP, restando assim ementada a compreensão:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CAPUT DO ART. 265 DO CÓDIGO


DE PROCESSO PENAL. APLICAÇÃO DE MULTA DE DEZ A CEM SALÁRIOS MÍNIMO AO
ADVOGADO QUE ABANDONA INJUSTIFICADAMENTE O PROCESSO, SEM COMUNICA-
ÇÃO PRÉVIA AO JUÍZO. CONSTITUCIONALIDADE. DISPOSIÇÃO LEGAL QUE VISA ASSE-
GURAR A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA, A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E O
DIREITO INDISPONÍVEL DO RÉU À DEFESA TÉCNICA. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPRO-

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CEDENTE. (ADI 4398, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2020,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-238 DIVULG 28-09-2020 PUBLIC 29-09-2020).

É que, para o STF, o papel desempenhado pelo advogado, especialmente no âmbito do


processo penal, é indispensável, não havendo como se ter por ilegítima previsão legislativa
de sanção processual pelo abandono do processo pelo profissional do direito, cuja ausên-
cia impõe prejudicialidade à administração da justiça, à duração razoável do processo e ao
direito de defesa do réu. A conduta sancionada pelo art. 265do Código de Processo Penal é
clara. Trata-se de situação descrita com especificidade suficiente a se interpretar a sua ocor-
rência quando o advogado deixa de atuar na defesa do réu (abandona) injustificadamente,
sem comunicação prévia ao juízo.

De acordo com abalizada doutrina, “(…) o artigo trata de situação em que a não con-
tinuidade na causa deva ser comunicada com antecedência ao juiz. Além dessa previsão
legal, o EOAB prevê que, em situações de advogados constituídos, a renúncia ao exercí-
cio do mandato deve ser comunicada ao contratante com antecedência de 10 dias, salvo
se antes do escoamento de tal prazo houver a constituição de novo defensor (art.5º, § 3º).
Diante desses regramentos, sustenta-se que o abandono da causa é algo distinto do exer-
cício do direito de renúncia, pois enquanto o primeiro pode significar conduta deontologica-
mente reprovável e até sancionável pelos órgãos de classe censores (Ordem dos Advogados
do Brasil e Defensoria Pública), uma vez não apresentado qualquer motivo (quando menos o
“imperioso” previsto no dispositivo), o exercício do direito de renúncia ao patrocínio dos inte-
resses do acusado não é decisão censurável, pois se encontra não só regrada em lei como
lícita, como é perfeitamente admissível, dada a não compulsoriedade a que qualquer advo-
gado se eternize à frente da condução de qualquer defesa”[1].

Vale registrar, ademais, que o art. 265 do Código de Processo Penal contém previsão
de sanção processual pelo abandono do processo, sem impedir que a Ordem dos Advoga-
dos do Brasil possa punir, se for o caso, o profissional que compõe os seus quadros admi-
nistrativamente. A parte final do art. 265 do Código de Processo Penal esclarece que a multa
é aplicada “sem prejuízo das demais sanções cabíveis”. O comportamento exigido pelo art.
265 do Código de Processo Penal para a não aplicação da multa nele prevista é que o advo-
gado comunique ao juízo antes de deixar a defesa do réu ou informe a impossibilidade de
prática dos atos processuais que lhe cabem.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça analisou novamente o tema, ao julgar o


AgRg no RMS 64.313/MG, em 6 de outubro de 2020, anotando pela constitucionalidade do
dispositivo, referendando tal compreensão com a improcedência da ADI 4398 (STF), acima
mencionada. Consignou-se que a multa do art. 265 do Código de Processo Penal tem natu-

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reza processual e não impede eventual censura por parte da Ordem dos Advogados do Brasil,
não havendo que se falar em usurpação da competência disciplinar do órgão de classe ou
em dupla punição pelo mesmo fato (AgRg nos EDcl no RMS 57.492/SP, Rel. Ministro JORGE
MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2019).

Destacou-se ainda que “toda profissão legalmente exercida deve ser remunerada e
não se olvida que o profissional liberal depende de seus honorários para sobreviver. No
entanto, existe um procedimento correto e amparado na boa-fé objetiva para o recebimento
de pagamento por serviços prestados e ele não se coaduna com a inércia em relação ao
cumprimento de deveres profissionais, sem prévia comunicação a quem de direito, assu-
mindo o risco de causar graves prejuízos ao contratante, ainda que esteja ele eventualmente
inadimplente” (AgRg nos EDcl no RMS 54.291/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA
FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 12/09/2017).

Não há como se acolher a justificativa de que o contrato avençado entre o réu e os cau-
sídicos somente estabeleciam o compromisso de acompanhar o processo pelo prazo de um
ano, se, mesmo após substabelecerem os poderes recebidos e após o alegado fim do prazo
avençado no contrato de serviços advocatícios, os advogados continuaram por mais dois
anos a apresentar manifestações nos autos. De mais a mais, o contrato celebrado entre as
partes não exime o advogado da obrigação, da qual tem ciência até por dever de ofício, de
renunciar expressamente ao mandato que lhe fora outorgado, comunicando tanto seu cliente
quanto o Juízo[2].

Tema muito legal, pouco abordado e, tenho certeza, aparecerá nas próximas provas!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] VEIRA, Renato Stanziola. “Comentário ao art. 265”. In:GOMES FILHO, Antônio
Magalhães; TORON, AlbertoZacharias; BADARÓ, Gustavo Henrique (Coord). Código dePro-
cesso Penal comentado. 2. ed. São Paulo: Thomson ReutersBrasil, 2019
[2] AgRg no RMS 64.313/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
QUINTA TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020.

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ISSO CAIU EM PROVA E QUASE NINGUÉM SABIA RESPONDER…

Olá, pessoal! Tudo certo?

Não é segredo para ninguém que a boa preparação envolve o estudo de doutrina, lei
e jurisprudência. No entanto, essa tríade deve ser complementada com revisão periódica e
muito treino de questões.

Essas questões de provas passadas servem para testar os conhecimentos adquiridos,


avaliar a evolução, revisar e, claro, antecipar situações que serão vivenciadas no dia da prova.

Justamente por isso, eu sempre confiro as questões das provas envolvendo as maté-
rias por mim lecionadas. E na prova de processo penal do último certame para Defensor
Público do Distrito Federal, houve uma questão simples, mas que – por trás dela – havia uma
bonita complexidade.

Sem dúvidas, na prova de processo penal, foi assertiva mais inteligente que houve, em
minha visão. E trouxe um tema que somente havia sido cobrado em DUAS PROVAS anterio-
res, nos últimos 05 anos (sim, eu tenho minhas planilhas estatísticas, até para acompanhar
e atualizar meu livro de Entendimentos Criminais). Na última prova da Defensoria Pública do
DF, o enunciado narrava uma CONTRAVENÇÃO (infração de menor potencial ofensivo). Em
tese, da competência dos Juizados Especiais, correto? SIM.

Contudo, o réu havia sido citado por edital. E por que isso é importante?

É que, como vemos nas nossas aulas da Lei dos Juizados Especiais Criminais temos
basicamente 3 exceções à regra da competência do JECRIM: (i) CITAÇÃO POR EDITAL, (ii)
complexidade da causa e (iii) conexão ou continência. Foquemos na citação por edital. Diz
o art. 66, pu, da Lei 9099/95 que “não encontrado o acusado para ser citado, o Juiz encami-
nhará as peças existentes ao Juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei”.

E QUAL É ESSE PROCEDIMENTO, PEDRO?

É o procedimento sumaríssimo, por expressa previsão no art. 538 do Código de Pro-


cesso Penal[1]. Aí a questão avançava (até aqui estava mediana). Afirmava que o prazo
para apelação seria de 5 dias nesses casos e se o termo poderia ser apresentado separada-

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mente das razões (08 dias). Se estivéssemos nos Juizados Especiais, isso estaria ERRADO,
porque o prazo é de 10 dias e o termo e razões são apresentados CONJUNTAMENTE[2].

Mas estávamos no procedimento sumaríssimo, certo? Então, Pedro, nesse caso a ape-
lação é apresentada em 05 dias (para o termo) + 08 dias (para as razões)?

Eis aqui a beleza e peculiaridade da questão!

Em minhas aulas e livros sempre digo que a única utilidade do art. 600 CPP[3], in fine,
é aqui. O prazo da apelação (no ordinário e sumário) é 5+8, SALVO NOS PROCESSOS DE
CONTRAVENÇÃO, EM QUE O PRAZO SERÁ DE TRÊS DIAS.

Ou seja, em se tratando de processo envolvendo contravenção, com citação por edital,


o prazo para apelação é de cinco dias para a interposição mais três dias para razões, apli-
cando-se o procedimento sumário. Se a citação fosse pessoal e o procedimento norteador do
caso fosse o sumaríssimo, dinamizado na Lei n. 9.099/1995, o prazo seria de 10 (dez) dias,
devendo o termo e as razões serem apresentadas concomitantemente.

Excelente questão para revisarmos.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] Art. 538. Nas infrações penais de menor potencial ofensivo, quando o juizado espe-
cial criminal encaminhar ao juízo comum as peças existentes para a adoção de outro proce-
dimento, observar-se-á o procedimento sumário previsto neste Capítulo.
[2] Art. 82. Da decisão de rejeição da denúncia ou queixa e da sentença caberá apela-
ção, que poderá ser julgada por turma composta de três Juízes em exercício no primeiro grau
de jurisdição, reunidos na sede do Juizado. § 1º A apelação será interposta no prazo de dez
dias, contados da ciência da sentença pelo Ministério Público, pelo réu e seu defensor, por
petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente. § 2º O recorrido será
intimado para oferecer resposta escrita no prazo de dez dias.
[3] Art. 600. Assinado o termo de apelação, o apelante e, depois dele, o apelado terão o
prazo de oito dias cada um para oferecer razões, salvo nos processos de contravenção, em
que o prazo será de três dias.

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STF RATIFICA SEU ENTENDIMENTO


ACERCA DA IMPOSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO
DE REGIME SEM O PAGAMENTO DA MULTA PENAL

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje vamos falar de um tema extremamente importante e que foi recentemente revisi-
tado pelo Supremo Tribunal Federal.

Refiro-me, especificamente, ao julgamento do agravo na Ação Penal 1030, concluído


no último dia 19 de outubro (2020), envolvendo o ex-deputado federal e Ministro Geddel
Vieira de Lima, ocasião em que o órgão julgador ratificou o entendimento no sentido de que
o não pagamento da multa IMPEDE a progressão de regime.

O ex-deputado havia preenchido o requisito objetivo e subjetivo para progredir para o


regime semiaberto, mas não pagou a multa no valor de 1,6 milhão. O grande detalhe desse
julgado é que o STF anotou que o não pagamento da multa impede a progressão MESMO
QUE não tenha havido o trânsito em julgado (trata-se de prisão preventiva).

Como disse, não se trata de um tema exatamente recente. Em abril de 2015, o STF
julgou o EP 12 ProgReg-AgR/DF[1], de relatoria do Min. Roberto Barroso, e registrou que
apesar desse requisito não constar do art. 112 da LEP, o pagamento da multa pode sim ser
exigido para deferimento da progressão.

Destacou-se que não se trata de uma prisão por dívida, já que não é ela quem justifica
o recolhimento. O que o débito faz é impedir a progressão de regime, por descumprimento
de um dever reconhecido judicialmente (ainda que sem o trânsito em julgado). Ademais, a
progressão exige do apenado a ideia de autodisciplina e senso de responsabilidade, pressu-
pondo o respeito às decisões judiciais.

ATENÇÃO! Se o apenado não tiver condições econômicas de pagar, estando tal fato
devidamente comprovado, não haverá óbice à progressão. Essa é uma importante exceção.

Esquematizadamente, nós temos:

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REGRA EXCEÇÃO
O não pagamento deliberado da pena de multa Ainda que não tenha havido o adimplemento, pode
cumulativamente aplicada ao sentenciado impede a ser permitida a progressão de regime se ficar compro-
progressão no regime prisional. vada a absoluta impossibilidade econômica do ape-
nado em quitar a multa, ainda que parceladamente.

IMPORTANTE! Não se exige o pagamento integral, de uma só vez, por parte do ape-
nado ou recluso cautelarmente para viabilizar a progressão de regimes. Em casos de impos-
sibilidade de pagamento de imediato, é possível o parcelamento do débito e, com o adimple-
mento da primeira parcela, a progressão já será de rigor, caso os demais requisitos estejam
presentes. Naturalmente, se no curso do parcelamento houver atrasos e inadimplementos,
haverá regressão de regime.

Retomando ao caso do ex-deputado federal, considerando que quando ele foi intimado
a pagar a multa não providenciou o recolhimento da quantia atualizada nem apresentou jus-
tificativas sobre eventual impossibilidade de fazê-lo, houve indeferimento da progressão!

Caso interessante para revisarmos esse assunto!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] Execução Penal. Agravo Regimental. Inadimplemento deliberado da pena de multa.


Progressão de regime. Impossibilidade. 1. O inadimplemento deliberado da pena de multa
cumulativamente aplicada ao sentenciado impede a progressão no regime prisional. 2. Tal
regra somente é excepcionada pela comprovação da absoluta impossibilidade econômica
do apenado em pagar a multa, ainda que parceladamente. 3. Agravo regimental despro-
vido. (EP 12 ProgReg-AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em
08/04/2015).

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(ALGUMAS) CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA DO DOMÍNIO


DO FATO

Olá, pessoal! Tudo certo?

Desde já preciso alertar que o presente texto não pretende exaurir todas as discussões
e reflexões sobre a (sempre polêmica) TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO, mas sim trazer
alguns esclarecimentos necessários em razão de seu (aparente) desvirtuamento e distorção
por parte de alguns doutrinadores e também repercussões práticas.

As teorias objetivo-formais desenvolvidas pelos estudiosos do direito penal para con-


ceituar a ideia de autor do delito se revelaram muitas vezes, apesar de “seguras”, um tanto
limitadoras. Isso porque ao indicar que autor seria quem efetivasse (praticasse) total ou par-
cialmente o verbo nuclear da ação típica, isso trazia alguns inconvenientes à luz de casos
concretos. Visando a contornar esses “problemas”, algumas teorias “complementares” foram
desenvolvidas, entre elas a Teoria do Domínio do Fato.

Um dos primeiros (se não o primeiro) a pensar na teoria do domínio do fato foi o “pai
do finalismo penal“, Hans Welzel. Para o alemão, não seria autor apenas aquele que desem-
penhasse a conduta típica, mas também quem detivesse o domínio final da ação, ou seja,
aquele que dispusesse de todos os meios para determinar o cometimento, o início, o fim e o
modo do crime.

Na década de 60 do século XX, Claus Roxin voltou a trabalhar com a ideia de domínio
do fato, dando um gás no desenvolvimento dessa teoria. Avançando nos estudos, Roxin fez
questão de apontar que nem todos os delitos poderiam observar a teoria do domínio do fato
para a definição de autor. Citava como exemplo o caso dos crimes omissivos impróprios,
quando aquele que estivesse da função de GARANTE (ou garantidor), com um dever de agir
específico, é que seria o autor. Todavia, para os crimes comuns, a teoria teria aplicação sem
problemas.

Beleza, Pedro! Mas quer dizer que nesses crimes comuns, basta a pessoa ter o domí-
nio do fato para ser autor? Então se eu for o executor de um homicídio, mas não tiver o domí-
nio do fato, eu serei partícipe?

Não. Calma!

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Quem exerce a conduta típica (verbo nuclear do tipo) será sempre autor. Segundo
Roxin, nesses casos, há o chamado DOMÍNIO PRÓPRIO DA AÇÃO (há alguma variável
nessa classificação, mas a ideia é essa). Aquele conceito restritivo das teorias objetivo-for-
mais está atendido, mas o autor alemão vai além.

Aqueles que dominam alguma função da atividade criminosa seria um COAUTOR, em


razão do DOMÍNIO FUNCIONAL do fato. Por fim, visando explicar a autoria mediata, há
aquelas situações em que o agente mantém o completo controle sobre a vontade do agente
que executa diretamente o núcleo do crime. Há um domínio do controle (vontade) do fato.

Esquematicamente, pois, podemos dividir a Teoria do Domínio do fato em (i) DOMÍNIO


DA AÇÃO, (ii) DOMÍNIO FUNCIONAL E (iii) DOMÍNIO DA VONTADE.

Bacana, Pedro! Agora, por que disseram que a Teoria do Domínio do Fato foi “desvirtu-
ada” na aplicação da Ação Penal 470 (Mensalão)?

Sem entrar no mérito de existência ou não de provas suficientes para a condenação no


referido caso (não tive acesso aos autos, portanto não tenho legitimidade para atacar ou dis-
cordar da decisão de maneira fundamentada), tentarei analisar as principais críticas tecidas
pelos especialistas no direito penal sobre o tema.

Para muitos, a referida teoria foi utilizada como critério de imputação do resultado (prova
do envolvimento) para alguns réus, quando ela deve servir, única e exclusivamente, para
explicar e definir quem é (i) autor e quem é (ii) partícipe.

Deixe-me explicar melhor. A teoria do domínio do fato não pode ser a responsável pela
condenação deste ou daquele réu. A condenação deve se pautar em provas de autoria e de
materialidade, não sendo possível justificá-la a partir da teoria do domínio do fato. Conven-
cido de que o acusado é autor ou partícipe de determinado evento criminoso, aí sim deve ser
utilizada a referida teoria para a verificar o grau de protagonismo na empreitada criminosa.

Como afirma de maneira bastante didática a advogada Fernanda Tórtima, “o concurso


de acusados em determinada empreitada criminosa, seja na qualidade de meros partícipes
(instigadores ou cúmplices) ou na qualidade de autores, deve ser comprovado independen-
temente da interferência da teoria em questão. E, uma vez comprovado, aí sim se poderá
lançar mão do conceito de domínio do fato para que se conclua terem os acusados atuado
como autores ou simples partícipes”.

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Por fim, para entender bem a mensagem das críticas, para além do caso concreto da
AP 470, a teoria do domínio do fato não pode ser responsável pela condenação de quem
quer que seja.

Após a identificação de elementos suficientes para a condenação (existência de impu-


tação objetiva, relação de causalidade, bem como a vinculação subjetiva ao evento), sua uti-
lização será idônea e cabível para a definição da autoria ou participação dos agentes envol-
vidos, com repercussões na dosimetria da pena, por exemplo.

É isso, pessoal! O tema hoje foi um pouco mais “árido”, mas é preciso estar atento às
polêmicas, sobretudo porque essa aí já foi objeto de questões em provas subjetivas!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

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IMPUTAR FEMINICÍDIO DE GRÁVIDA E PROVOCAÇÃO DE ABORTO,


CONCOMITANTEMENTE, É BIS IN IDEM?

ISSO FOI ANALISADO PELO STJ E VAI CAIR NA SUA PROVA!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Antes de respondermos à pergunta título do presente post, é imprescindível compreen-


der o caso concreto analisado pelo Superior Tribunal de Justiça. Tratava-se de situação em
que o juízo de 1º grau exarou decisão de pronúncia em desfavor do réu, indicando a possível
prática do crime tipificado no art. 121, § 2º, I, IV e VI, c/c § 2º-A, I, c/c § 7º, I; art. 125 e art. 211
(duas vezes), c/c art. 61, II, alínea b, na forma do art. 69, todos do Código Penal.

A defesa, ao impugnar tal decisão através de Recurso em Sentido Estrito, logrou parcial
êxito, uma vez que o respectivo Tribunal de Justiça determinou o afastamento do delito de pro-
vocação de aborto (art. 125 do CPB) da pronúncia, mantendo os demais termos da decisão.

De acordo com o Tribunal, “o delito de aborto configura bis in idem com a qualificadora
do feminicídio. Vale lembrar, inicialmente, que o feminicídio reúne indícios suficientes para
ser acolhido pela decisão de pronúncia, e isso se dá exatamente porque é uma qualificadora
de ordem objetiva – vai incidir sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e
familiar propriamente dita -, e existem indicativos de que o crime tenha ocorrido na forma
descrita na denúncia, ou seja, a vítima era ex-namorada do recorrente, sendo certo que
deste relacionamento sobreveio a gravidez. A majorante incidiu justamente porque o delito
foi cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em observância ao
estado gestacional da vítima, protegendo-a, portanto, por demonstrar maior vulnerabilidade.
Como se vê, a vítima, sua ex-namorada, estava em estado gestacional, fato do qual o recor-
rente tinha pleno conhecimento e, ao que tudo indica, pretendia cessá-la, pois não queria
assumir a paternidade. No entanto, a admissibilidade da causa majorante do feminicídio (per-
petrado durante a gestação da vítima) acarreta bis in idem se, igualmente constar da impu-
tação o crime conexo de aborto, por não ser possível, ao perpetrar o feminicídio, o agente
incidir na conduta de feminicídio qualificado pelo estado gestacional da vítima e também res-
ponder pelo crime de aborto, pois ao ceifar a vida ou tentar ceifar a vida de mulher grávida
seria apenado duas vezes: pela majorante e pelo crime de aborto. Assinale-se que é juridi-
camente inaceitável eventual condenação do recorrente pelo crime de homicídio de mulher,
praticado “durante a gestação” e, posteriormente, pelo crime de aborto, porque receberia
dupla apenação (uma pela majorante e outra pelo crime de aborto)”.

Pedro, esse entendimento prevaleceu no Superior Tribunal de Justiça?

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Não! De acordo inclusive com outros julgados, o STJ vem compreendendo que, enquanto
o art. 125 do CP tutela o feto enquanto bem jurídico, o crime de homicídio praticado contra
gestante, agravado pelo art. 61, II, h, do Código Penal protege a pessoa em maior grau de
vulnerabilidade, raciocínio aplicável ao caso dos autos, em que se imputou ao acusado o art.
121, § 7º, I, do CP, tendo em vista a identidade de bens jurídicos protegidos pela agravante
genérica e pela qualificadora em referência (vide HC 141.701/RJ[1]).

Como bem destacado pelo Min. Relator, no crime de aborto provocado por terceiro,
apesar de ser necessário que a vítima esteja grávida, o bem tutelado pelo ordenamento
jurídico é a vida do feto (CC 104.842/PR) e no homicídio contra a gestante, o Código Penal
protege quem está mais vulnerável” (Resp 1.672.789/SP).

Espero que tenham entendido! Isso vai cair em prova!

Vamos em frente.

[1] HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO CONTRA GESTANTE. ABORTO.


OCULTAÇÃO DE CADÁVER PARA ASSEGURAR A IMPUNIDADE DE OUTRO CRIME.
PENA-BASE. AGRAVANTES. ART. 61, II, “B” E “H”, DO CÓDIGO PENAL. BIS IN IDEM. NÃO
OCORRÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CONFISSÃO ESPONTÂNEA CONFI-
GURADA. ATENUANTE DA MENORIDADE. VIOLAÇÃO AO MÉTODO TRIFÁSICO. NOVA
DOSIMETRIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Por ocasião da análise das circunstâncias judiciais estabelecidas no art. 59 do Código
Penal, o Magistrado tem o dever de justificar a majoração da pena-base, fundamentando-a
em elementos concretos. 2. Não há bis in idem quanto à incidência da agravante do art. 61,
II, “h”, do Código Penal no crime de homicídio contra gestante e a condenação pelo crime de
aborto, porquanto as duas normas visam tutelar bens jurídicos diferentes: a agravante tutela
pessoas em maior grau de vulnerabilidade e o aborto diz respeito ao feto. 3. A jurisprudência
desta Corte já decidiu que é inviável a análise de elemento subjetivo do crime na via estreita
do habeas corpus, por demandar acurado exame probatório. Assim, inviável o conhecimento
do writ com relação ao alegado bis in idem quanto à incidência da agravante do art. 61, II, “b”,
no crime de ocultação de cadáver. 4. Este Tribunal tem entendido que a confissão espontâ-
nea, ainda que parcial ou qualificada, deve ser reconhecida, de modo a ensejar a atenuação
da pena. 5. O Código Penal estabeleceu o método trifásico para aplicação da pena, de modo
que as atenuantes devem ser analisadas juntamente com as agravantes, na segunda fase da
dosimetria. Evidente o constrangimento ilegal quando o Tribunal aplica a atenuante da meno-
ridade penal após o estabelecimento da pena total definitiva. 6. Habeas corpus não conhe-
cido. Ordem concedida de ofício para reduzir a pena imposta ao paciente. (HC 141.701/RJ,
Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 01/12/2016).

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OPERAÇÃO DÓLAR-CABO INVERTIDO

ENTENDA POR QUAL RAZÃO ISSO VAI CAIR NA SUA PROVA.

Olá, pessoal! Tudo certo?

Quem me acompanha em aulas, textos, postagens ou nos meus livros sabem que eu
sempre repito e enfatizo algumas máximas. Hoje, trataremos de duas das principais. A pri-
meira é que nomenclatura em prova de concurso público é questão de sobrevivência e a
segunda é “o que está no informativo, tem que estar na sua cabeça”.

Nessa linha, vamos resgatar uma expressão que apareceu há algum tempo, no infor-
mativo de jurisprudência 912 do Supremo Tribunal Federal, quando da notícia acerca do jul-
gamento do HC 157604/RJ.

No voto do Ministro Gilmar Mendes, tivemos a menção da expressão “DÓLAR-CABO


INVERTIDO”. A operação de dólar-cabo invertido, que consistiria em efetuar operação de
câmbio não autorizada com o fim de promover a internalização de capital estrangeiro, não se
enquadra na evasão de divisas, na forma do caput do art. 22. Além disso, não há que se cogi-
tar de seu enquadramento no tipo do parágrafo único do art. 22, uma vez que não podemos
presumir que a internalização decorra de valores depositados no exterior e não declarados
à autoridade financeira no Brasil. Ainda, cabe lembrar que, o crime de manter depósitos não
declarados no exterior só se perfectibiliza se o dinheiro estivesse depositado no exterior na
virada do ano e não fosse declarado ao Banco Central no ano seguinte, e nada disso consta
do decreto de prisão.

A tradicional operação dólar cabo é uma modalidade do crime contra o sistema finan-
ceiro nacional de EVASÃO DE DIVISAS (art. 22, pu, Lei 7492/86), que se aperfeiçoa com a
negociata no mercado paralelo de dólar, com o fito de depósito em instituição estrangeira (no
exterior), em desobediência à legislação vigente no Brasil.

Perceba que essa conduta de evasão de divisas se dá em face da remessa de numerá-


rio ao exterior por vias inadequadas (não se operacionalizando através de instituições finan-
ceiras habilitadas). E isso é importante para diferenciar o DÓLAR-CABO “tradicional” e o
“INVERTIDO”.

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Do precedente mencionado, podemos extrair que a operação de DÓLAR-CABO INVER-


TIDO consiste em efetuar operação de câmbio não autorizada com o fim de promover a INTER-
NALIZAÇÃO de capital estrangeiro, fato esse que não se enquadra na evasão de divisas!
Não se pode presumir (sem provas) que essa internalização decorre de valores deposi-
tados lá fora e não declarados à autoridade financeira no Brasil.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

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CONCUSSÃO: (I) MOMENTO CONSUMATIVO


E (II) PRISÃO EM FLAGRANTE

TEMA IMPORTANTE E FREQUENTE EM PROVAS!

Hoje vamos tratar de uma dúvida bastante frequente e que tangencia tanto o direito
penal, como também o direito processual penal.

Em verdade, o seu examinador sabe tanto disso que é bastante frequente indagações
sobre o tema em provas de concurso público, especialmente dentre os crimes contra a admi-
nistração pública.

O crime de concussão está estampado no Código Penal especificamente no art. 316 e


tipifica a conduta de “exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora
da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida”.

Desse dispositivo, é importante extrair e compreender sua natureza de crime FORMAL,


ou seja, é com a exigência da vantagem indevida que ele se aperfeiçoa, sendo o seu recebi-
mento um mero exaurimento do crime.

Isso é muito importante, dentre outras coisas, para situações em que eventual prisão
“flagrante” se dê no momento do recebimento da vantagem.

Imagine que João (servidor público) exige vantagem indevida em razão de sua função.
Três dias depois, marca o encontro para receber os valores demandados e, no momento do
recebimento, é preso em flagrante.

Pedro, essa prisão está amparada na Legislação?

Não! Afinal o crime já estava consumado há 3 dias, sendo a entrega do dinheiro se con-
substancia como exaurimento do crime previamente consumado!

Conforme já deliberou o STJ, em casos como o narrando, não há situação de flagrância


delitiva no momento em que a prisão foi efetuada, de modo que o Magistrado deve relaxar o
cárcere, não havendo que se cogitar de liberdade provisória, tampouco de arbitramento de
fiança (ilegalidade do flagrante) – HC 266.460/ES, 5ª Turma[1].

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Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] (…) 2. Trata-se a concussão de delito formal, que se consuma com a realização da
exigência, independentemente da obtenção da vantagem indevida. A entrega do dinheiro se
consubstancia como exaurimento do crime previamente consumado. 3. Caso em que não
havia situação de flagrância delitiva no momento em que a prisão foi efetuada, de modo que
o Magistrado deveria ter relaxado o cárcere, não havendo que se cogitar de liberdade pro-
visória, tampouco de arbitramento de fiança. 4. Todavia, estando já o paciente solto e tendo
levantado os valores referentes ao pagamento da fiança, cumpre ressaltar que a constatação
de ilegalidade do flagrante não há de condenar os elementos indiciários colhidos quando da
lavratura do auto, que mantém sua qualidade informativa, para que se inicie a ação penal.
5. Reclamada a indevida vantagem antes da intervenção policial, não há falar em flagrante
preparado. Se a atividade policial se restringiu a aguardar o melhor momento para executar a
prisão, fica afastado o crime impossível. 6. Habeas corpus não conhecido. (HC 266.460/ES,
Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 11/06/2015,
DJe 17/06/2015).

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O MP PODE APELAR CONTRA DECISÃO DO JÚRI CALCADA


NO QUESITO GENÉRICO DE ABSOLVIÇÃO?
E SE TIVER CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS?

IMPORTANTÍSSIMA E POLÊMICA DECISÃO DA 1ª TURMA DO STF.

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje vamos falar de um dos julgados recentes mais polêmicos no âmbito do processo
penal. Refiro-me à ordem de habeas corpus 178.177, julgada no último dia 29 de setembro
de 2020, por apertada maioria na 1ª Turma da Corte (3×2).

A conclusão emanada pelo colegiado foi no sentido de não ser possível ao Ministério
Público recorrer de decisão absolutória do Tribunal do Júri calcada no quesito absolutório
genérico. Ou seja, vamos imaginar que os jurados reconheçam a materialidade e autoria deli-
tivas, mas, na hora do quesito genérico, tenham optado por absolver o acusado. Percebam
que, independentemente de qualquer coisa, mesmo tendo feito o juízo positivo da materiali-
dade e autoria do crime, a legislação vigente impõe a formulação do quesito genérico (para
alguns, chamado de quesito de clemência), conforme se extrai do teor do artigo 483, III e
respectivo §2º do CPP. Esse quesito veio a potencializar no procedimento especial do júri o
valor constitucional a ele inerente da plenitude de defesa, já que o decreto absolutório pode
ser agasalhado pelos juízes leigos do Conselho de Sentença por qualquer fundamento, seja
ele jurídico ou extrajurídico. É esse ponto que diferencia a plenitude de defesa – inerente ao
Júri – e a ampla defesa, típica do processo penal.

Nesses casos, o MP pode recorrer afirmando que se trata de decisão contrária à prova
dos autos?

De acordo com o art. 593, § 3º do CPP, se o Tribunal reconhecer essa situação, deverá
determinar NOVO julgamento, não podendo se imiscuir no mérito para exarar nova decisão.
Esse recurso seria compatível com a SOBERANIA DOS VEREDICTOS?

De acordo com a manifestação exarada em outro julgado, em agosto de 2019, o Minis-


tro Celso de Mello

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O Ministro Celso de Mello entendeu, em agosto de 2019, que NÃO. Em decisão mono-
crática no HC 117.076/PR, afirmou que a absolvição calcada no quesito genérico (após a
materialidade e autoria) reflete a íntima convicção dos jurados, destacando-se que no pro-
cedimento do júri prevalece a plenitude de defesa, ou seja, é possível a decisão com base
em teses e argumentos extrajurídicos. Para o Ministro, esse impedimento valoriza o “livre
convencimento, em que o membro do Conselho de Sentença possui inteira discrição, prote-
gido, constitucionalmente, pelo sigilo da votação (CF, art. 5º, XXXVIII, “b”), para absolver o
acusado por razões, até mesmo, de clemência, tal como tem sido decidido por alguns Tribu-
nais judiciários”.

Voltando ao mais recente HC 178.177, o Ministro Relator Marco Aurélio anotou em seu
voto (vencedor) que a “partir da soberania dos veredictos, tem-se no artigo 483, parágrafo 2º,
que respondendo os jurados aos dois primeiros quesitos (materialidade e autoria) de forma
positiva, deve o corpo de jurados ser indagado se absolve ou não o acusado. Se absolve,
tem-se o encerramento da quesitação. Decidindo os jurados pela condenação, o julgamento
prossegue”.

Na mesma linha, o Ministro Dias Toffoli asseverou que “com a toga que me tem aos
ombros eu alertei que essa é uma instituição disfuncional. Era melhor que os crimes dolosos
contra a vida fossem julgados por juízes togados, e que não tivéssemos os custos e burocra-
cias do Tribunal do Júri. Veja agora, com a pandemia, a dificuldade que é realizar o Tribunal
do Júri. Os relatos são repugnantes, mas há a soberania do Júri e temos que respeitar, seja
para condenar, ou para absolver”.

Como bem registra parcela da doutrina, temos uma “faculdade exclusiva da defesa a
apelação arrimada na argumentação de que a decisão dos jurados é manifestamente contrá-
ria à prova dos autos. Primeiramente, por força do quesito obrigatório da absolvição genérica.
Ademais, a soberania dos veredictos é garantia instituída em favor da plenitude defensiva e
da presunção de inocência do acusado. Não cabe, pois, a um tribunal técnico desconstituir
o mérito do decreto absolutório proferido pelos jurados. Noutro norte, se o réu for conde-
nado, tal decisum não admite dissentimento às provas do feito ou às prescrições legais, pois
representaria grave ofensa ao direito fundamental de presunção de inocência e ao devido
processo legal. A condenação deve estar vinculada ao standard probatório de culpabilidade
do réu, razão pela qual inexiste “um quesito genérico da condenação”[1].

O tema longe está de ser pacificado, advirta-se. No entanto, avizinha-se o momento em


que essa celeuma será superada (ao menos provisoriamente), uma vez que a possibilidade
ou não de realização de novo júri posteriormente a absolvição pelo Conselho de Sentença

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em recurso do Ministério Público, por contrariedade das provas dos autos, já teve repercus-
são geral reconhecida, no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.225.185, estando
pendente de definição.

Vale anotar de que o entendimento da possibilidade, em casos tais, de recurso do MP


ainda prevalece na 2ª Turma do STF, bem como é agasalhado no Superior Tribunal de Jus-
tiça. Aliás, em julgado realizado em 22/09/2020, a 5ª Turma entendeu que a absolvição do
réu pelos jurados, com base no art. 483, III, do CPP, ainda que por clemência, não constitui
decisão absoluta e irrevogável, assim, resta plenamente possível o controle excepcional da
decisão absolutória do Júri, com o fim de evitar arbitrariedades e em observância ao duplo
grau de jurisdição. Entender em sentido contrário exigiria a aceitação de que o conselho de
sentença disporia de poder absoluto e peremptório quanto à absolvição do acusado, o que,
ao meu ver não foi o objetivo do legislador ao introduzir a obrigatoriedade do quesito absolu-
tório genérico previsto no art. 483, III, do CPP. A 3ª Seção do STJ consolidou o entendimento
de que ” não ofende a soberania dos veredictos a anulação de decisão do Tribunal do Júri
que se mostre manifestamente contrária a prova dos autos, ainda que os jurados tenham
respondido positivamente ao terceiro quesito formulado nos termos do art. 483, § 2º, do CPP
(AgRg no AREsp n. 1.116.885/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro)[2].

Ou seja, apesar da recente decisão da 1ª Turma do STF, ainda não temos uma definição.
Isso obrigará os candidatos a acompanharem o debate e, claro, até ulterior definição, ficar
atento para a existência de duas relevantes correntes de entendimento sobre essa temática.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] https://www.conjur.com.br/2020-out-04/gomes-muniz-decisao-absolutoria-ju-
ri-soberana
[2] AgRg no AREsp 1567450/MG, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA
TURMA, julgado em 22/09/2020, DJe 28/09/2020.

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AGÊNCIA DE INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA


PODE AJUDAR EM INVESTIGAÇÃO CRIMINAL?

ENTENDA O (POLÊMICO) CASO RECÉM APRECIADO PELO STJ.

Fala, pessoal! Tudo certo?

Hoje vamos analisar as peculiaridades de uma decisão exarada pela 6ª Turma do Supe-
rior Tribunal de Justiça, que fora publicada em diário oficial no último dia 25 de agosto e que
fora veiculada também no informativo 678 da referida Corte. Refiro-me ao Habeas Corpus nº
512.290/RJ.

Analisando o caso do Rio de Janeiro, a Corte apontou que a atividade de inteligên-


cia desempenhada por agência estatal se vincula ao exercício de ações especializadas
para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais na esfera de segurança
pública, alcançado diversos campos de atuação – um deles a inteligência policial judiciária –
e entre suas finalidades está não só subsidiar o planejamento estratégico de políticas públi-
cas, mas também assessorar com informações as ações de prevenção e repressão de atos
criminosos.

Não sendo seu objetivo primordial, o trabalho desempenhado pode SIM ser aproveitado
no processo penal. Foi isso que ocorreu no caso específico, relacionado à Subscretaria de
Inteligência (SSINTE/SESEG), no Rio de Janeiro.

Na situação específica, houve comunicação à agência de inteligência acerca de suposta


extorsão mediante sequestro feita por policiais, gerando diligência e investigação do SSinte.
As informações foram juntadas em ofício e entregues em envelope lacrado ao Ministério
Público. Em 2015, a promotoria decidiu abrir procedimento investigativo criminal (PIC), no
qual atuou tendo a SSinte como auxiliar.

Vale repisar, como muito bem anotou o Ministro Rogério Schietti, que a agência de inte-
ligência de segurança pública não atua como polícia judiciária na investigação de crimes.
Entretanto, como opera incessantemente na busca de conhecimento, o resultado de suas
operações pode, ocasionalmente, ser aproveitado para subsidiar a produção de provas. Ade-
mais, no Estado do Rio de Janeiro, a SSINTE/SESEG possuía a atribuição legal, em confor-
midade com o art. 2°, parágrafo único, da Resolução n. 436 de 8/2/2011, de prestar “o apoio
necessário” aos órgãos incumbidos de investigação criminal.

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O Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento de que a atribuição de polícia


judiciária às polícias civil e federal não torna nula a colheita de elementos informativos por
outras fontes. Ademais, o art. 3°, VIII, da Lei n. 12.850/2013 permite a cooperação entre as
instituições públicas na busca de dados de interesse da investigação.

Segundo se colhe do voto do Ministro Relator, são várias as categorias de atividade de


inteligência (de defesa, policial, penitenciária, financeira, fiscal, de Estado etc.). A de segu-
rança pública, por sua vez, possui diversos campos de atuação, entre as quais o de pres-
tar apoio às missões das polícias militar, judiciária e rodoviária. Essa estrutura não existe
somente no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, “o primeiro ramo da análise de inte-
ligência nas agências estaduais e locais é a análise investigativa”, que se “concentra em
apoiar as operações de repressão e os mandados de prisão contra organizações crimino-
sas e narcotraficantes”; “trabalha com base no crime que já aconteceu, e busca descobrir o
autor”. A outra vertente “é a análise criminal, cujo objetivo é subsidiar os tomadores de deci-
são com informações táticas e estratégicas de combate ao crime”. Esta estrutura “existe em
todos os lugares em que parte dos efetivos policiais funciona como polícia ostensiva e parte
do efetivo tem missões de polícia judiciária”[1].

Aliás, dentro do contexto de segurança pública, a inteligência policial “tem como escopo
questões (em sua maioria táticas) de repressão e apoio à investigação de ilícitos e grupos de
infratores – não se trata, registre-se bem, de atividade de investigação criminal”. Visa “levan-
tar indícios e tipologias que auxiliam o trabalho da Polícia Judiciária e do Ministério Público”,
principalmente no combate do crime organizado, dissimulado ou complexo[2].

Na avaliação do relator, ministro Rogério Schietti, não há ilegalidade na atuação da


SSinte no caso, pois não há comprovação inequívoca de que o órgão investigou por conta
própria ou extrapolou suas atribuições legais. Por opção do MP, os dados colhidos pelo
SSinte foram aproveitados nos autos do procedimento investigatório criminal (PIC), a fim de
subsidiar a produção de provas.

Ao contrário do que a defesa sustentou, não há identidade com a Operação Satiagraha,


pois inteligência de segurança pública não se confunde com inteligência de Estado (ABIN).
Segundo a Corte, naquela hipótese, a nulidade foi reconhecida, em síntese, pela atuação
irregular da Agência Brasileira de Informação (ABIN) e pela participação indevida de inves-
tigador particular. Consignou-se que a ABIN teria por finalidade precípua e única fornecer
subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional. Já no caso ora
apreciado, houve o mero auxílio operacional da Subsecretária de Inteligência, órgão exis-
tente dentro da própria estrutura da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de
Janeiro, órgão este com função precípua de coordenar e comandar toda a segurança pública
de nosso Estado.

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Mencionou-se também a vedação à proteção deficiente que trata da proteção da socie-


dade quanto a omissão do Estado, quando este deve agir, mas deixa de fazê-lo. Criar limi-
tação para além do texto constitucional quanto ao exercício conjunto da atividade investiga-
tiva pelos diversos órgãos estatais policiais e pelo Ministério Público causaria lesão a essa
premissa. Principalmente em crimes cometidos por agentes do próprio Estado. Essa visão é
compartilhada também por Denilson Feitoza Pacheco, para quem “se a Constituição atribuiu
a órgãos de segurança pública e aos ministérios públicos competências constitucionais que,
em parte, somente podem ser realizadas por meio da atividade de inteligência, é porque,
implicitamente, lhes atribuiu os meios necessários. A rigor, com fundamento na eficiência, a
Constituição lhes impôs o uso da inteligência, uma vez que não podem se negar a realizar a
própria competência constitucional”[3][4].

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] BRANDÃO, Priscila; CEPIK, Marco (org). Inteligência de Segurança pública: Teoria
e Prática no controle da criminalidade. Niterói, RJ: Impetus, 2013, p. 39.
[2] GONÇALVES, Joanisval. Atividade de Inteligência e Legislação Correlata. 6. ed. Rio
de Janeiro: Impetus, 2018, pg. 36.
[3] Vale registrar que esse NÃO É UM ENTENDIMENTO ISOLADO NA CORTE! É pos-
sível destacar o seguinte precedente da 6ª Turma, no qual se anotou que “não se apresenta
ilegítima a cooperação da Secretaria de Segurança Pública em investigações, por meio da
denominada Subsecretaria de Inteligência, dotada dos devidos recursos tecnológicos para
empreender as diligências necessárias. A constitucional definição da atribuição de polícia
judiciária às polícias civil e federal não torna nula a colheita de indícios probatórios por outras
fontes de investigação criminal (HC n. 343.737/SC, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma).
Assim, não há nulidade nas diligências realizadas por policiais designados pelo Órgão de
Segurança Pública para esse fim específico. (RHC n. 96.540/RJ, Rel. Ministro Sebastião
Reis Júnior, 6ª T., DJe 29/8/2019).
[4] PACHECO, Denilson Feitoza. Atividades de inteligência e processo penal. In: IV
JORNADA JURÍDICA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO – AUDITORIA DA 4ª CJM, 30 set.
2005, Juiz de Fora/MG. Disponível em: <http://pointinteligencia.blogspot.com/2012/05/ativi-
dades-de-inteligencia-e-processo.html#!/2012/05/atividades-de-inteligencia-e-processo.html

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A SIMPLES ALEGAÇÃO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA ENSEJA


A REALIZAÇÃO DE EXAME TOXICOLÓGICO NO PROCESSO PENAL?

Fala, pessoal! Tudo certo?

Hoje falaremos de um tema que pode ser explorado pelo seu examinador visando a
confundir o candidato, seja em provas objetivas, como também em provas práticas.

Pensemos em um caso hipotético. João está sendo acusado de ter praticado um crime
de roubo e sua defesa técnica, sem maiores comprovações, afirma que se trata de pessoa
dependente química (viciado em crack e cocaína) e que passou a praticar delitos para “sus-
tentar o vício”.

Essa alegação é suficiente para fazer com que o magistrado instaure o exame toxicoló-
gico para aferição de inimputabilidade ou semi-imputabilidade?

O entendimento amplamente majoritário nos Tribunais Superiores em sentido negativo.


Em recente julgado, a 5ª Turma do STJ voltou a asseverar que a realização do exame de
insanidade mental não é automática ou obrigatória, devendo existir dúvida razoável acerca
da higidez mental do acusado para o seu deferimento. Segundo a Corte, a alegação de
dependência química de substâncias entorpecentes por parte do réu não implica obrigatorie-
dade de realização do exame toxicológico, ficando a análise de sua necessidade dentro do
âmbito de discricionariedade motivada do Magistrado[1].

Ora, não deve prevalecer a argumentação defensiva de que o indeferimento nesses


casos teria o condão de se caracterizar cerceamento de sua atuação. Até porque, para que
isso se verifique, seria imprescindível demonstrar ao menos a plausibilidade da alegação
com outros elementos de prova, seja documental (ex.: documento indicativo de internações
médicas anteriores), seja de outra natureza ou ainda indícios contundentes da dependência
toxicológica do acusado).

Dizendo de outro modo, revela-se essencial a demonstração indiciária de que o acu-


sado ou investigado ostenta comprometimento parcial, ou total de sua capacidade cognitiva
em razão de tal condição de dependência, para que seja determinado o exame.

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Conforme já deliberado em outra oportunidade, a alegação defensiva de dependência


química de substâncias entorpecentes por parte do paciente não implica obrigatoriedade de
realização do exame toxicológico, ficando a análise de sua necessidade dentro do âmbito de
discricionariedade motivada do magistrado, que deverá avaliar a existência de indícios míni-
mos de alteração comportamental do acusado, ausentes no caso, no entender do julgador[2].
Esse entendimento é compartilhado também pela 6ª Turma da Corte, que reiteradamente
tem adotado semelhante compreensão[3].

ATENÇÃO! Se você está se preparando para concursos do Ministério Público, vale


destacar que essa compreensão resta consolidada na TESE 247 DO MP/SP. Segundo ela,
“o juiz não está obrigado a determinar a realização do exame de dependência toxicológica
em virtude da simples declaração do réu ser dependente de drogas, se outros elementos de
convicção não indicarem sua necessidade”.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] AgRg no HC 606.617/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA


TURMA, julgado em 15/09/2020.
[2] HC 336.811/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma,
julgado em 28/6/2016.
[3] AgRg no HC 484.526/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em
21/3/2019.

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REVISÃO PERIÓDICA DA PRISÃO PREVENTIVA,


LEI ANTICRIME E O (POLÊMICO) ENTENDIMENTO DO STJ
SOBRE O TEMA

REVISÃO PERIÓDICA DA PRISÃO PREVENTIVA:


SE LIGA NOS ATUALIZADÍSSIMOS POSICIONAMENTOS DA CORTE SUPERIOR
SOBRE ESSA NOVIDADE DO PROCESSO PENAL.

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje falaremos sobre um tema extremamente polêmico e que vem movimentando a


doutrina e a jurisprudência acerca de novidades inseridas no ordenamento jurídico pela Lei
Anticrime (Lei n. 13.964/2019). Refiro-me à revisão periódica da prisão preventiva, encartada
no art. 316, parágrafo único do Código de Processo Penal. Vejamos:

Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se,
no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista,
bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. Parágrafo único.
Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de
sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob
pena de tornar a prisão ilegal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Esse dispositivo traz algo muito aguardado pela doutrina processual penal, já que a
prisão preventiva – diferentemente do que ocorre com a prisão temporária – não possui prazo
pré-definido pelo legislador. Assim, não raro, há notícias de prisões preventivas absoluta-
mente irrazoáveis, que duram cinco, dez ou até quinze anos, pelo simples fato de o recluso
ser “esquecido no cárcere cautelar”.

Com o fito de se evitar situações como essas, o legislador inseriu a ideia de revisão
periódica dessas prisões preventivas. Assim, a partir da vigência da Lei Anticrime, os magis-
trados precisarão (re)analisar a pertinência, legalidade e razões que ensejaram a referida
cautelar pessoal e verificar – fundamentadamente – se sua manutenção é (ainda) necessária
e adequada. Caso contrário, a revogação será de rigor.

É bem verdade que esse dispositivo do art. 316 do Código de Processo Penal é repleto
de polêmicas. Há muita coisa para falar sobre ele. No entanto, no presente artigo, nos con-
centraremos apenas em uma delas. Será mesmo que todos os órgãos do Poder Judiciário

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se submetem ao comando do art. 316, parágrafo único do CPP? Ou essa obrigatoriedade de


revisão se limita ao órgão emissor da decretação prisional?

Particularmente, entendo que esse comando deve ser observado por todas as instân-
cias, ou seja, juízo de 1º grau, Tribunal revisor e Tribunais Superiores. Explico. O sistema
processual é regido pela ideia de “esgotamento de instâncias” (art. 494 do CPC[1]), ou seja,
uma vez encerrada a atuação de uma determinada esfera judicial, a competência será trans-
ferida para outra – na íntegra – naquilo que se abrange em um recurso.

Ou seja, se estivermos diante de uma prisão preventiva decretada por um juiz de direito,
tão logo prolatada sentença condenatória e mantida a referida cautelar, a partir da apresen-
tação de apelação, a competência – inclusive para análise das cautelares – também é dire-
cionada ao órgão recursal, devendo o mesmo raciocínio ser observado em relação aos Tribu-
nais Superiores. Ora, se a natureza cautelar da prisão mantém essa natureza até o momento
do trânsito em julgado – quando eventual prisão se tornará definitiva – a competência da
revisão periódica deverá acompanhar as instâncias superiores.

Não faz muito sentido, na minha visão, entender como encerrada a competência jurisdi-
cional do magistrado de 1º grau que decretou a prisão preventiva e manter sua competência
para efetuar a revisão periódica a cada 90 dias de processos que se encontram do Tribunal
Recursal, Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal.

ATENÇÃO! Apesar de essa ser a minha visão (e de grande parte da doutrina), é pre-
ciso cuidado. É que, diferentemente do esposado, o entendimento que – até o momento – se
revela majoritário no Superior Tribunal de Justiça é em sentido oposto.

No último dia 22 de setembro, foi publicado no Diário Eletrônico do STJ uma decisão
exarada pela 6ª Turma da Corte, apreciado a ordem de habeas corpus 589.544/SC. Segundo
o que fora deliberado, a obrigação de revisar, a cada 90 (noventa) dias, a necessidade de
se manter a custódia cautelar (art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal) é
imposta apenas ao juiz ou tribunal que decretar a prisão preventiva. Com efeito, a Lei nova
atribui ao “órgão emissor da decisão” – em referência expressa à decisão que decreta a prisão
preventiva – o dever de reavaliá-la. Encerrada a instrução criminal, e prolatada a sentença ou
acórdão condenatórios, a impugnação à custódia cautelar – decorrente, a partir daí, de novo
título judicial a justificá-la – continua sendo feita pelas vias ordinárias recursais, sem preju-
ízo do manejo da ação constitucional de habeas corpus a qualquer tempo. De acordo com a
Ministra Laurita Vaz (Relatora do referido HC), pretender o intérprete da Lei nova que essa
obrigação – de revisar, de ofício, os fundamentos da prisão preventiva, no exíguo prazo de

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noventa dias, e em períodos sucessivos – seja estendida por toda a cadeia recursal, impondo
aos tribunais (todos abarrotados de recursos e de habeas corpus) tarefa desarrazoada ou,
quiçá, inexequível, sob pena de tornar a prisão preventiva “ilegal”, data maxima venia, é o
mesmo que permitir uma contracautela, de modo indiscriminado, impedindo o Poder Judiciá-
rio de zelar pelos interesses da persecução criminal e, em última análise, da sociedade.

Ou seja, conforme esposado pela 6ª Turma, a compreensão é de que o comando do


art. 316, parágrafo único do CPP deve se direcionar apenas ao órgão emissor da decisão de
decretação da prisão preventiva, não sendo passível de transferência de competência para
as instâncias recursais. Trata-se, pois, de uma “estranha” exceção à lógica do esgotamento
de instâncias.

Essa mesma compreensão já havia sido manifestada pela 5ª Turma, ao anotar que nos
“termos do parágrafo único do art. 316 do CPP, a revisão, de ofício, da necessidade de manu-
tenção da prisão cautelar, a cada 90 dias, cabe tão somente ao órgão emissor da decisão
(ou seja, ao julgador que a decretou inicialmente) (…). Portanto, a norma contida no pará-
grafo único do art. 316 do Código de Processo Penal não se aplica aos Tribunais de Justiça
e Federais, quando em atuação como órgão revisor”[2].

Apesar da minha discordância, a impressão que eu tenho é que esse entendimento se


sagrará majoritário, fundamentalmente porque ele encerra um argumento utilitarista de asso-
berbamento de trabalho nos Tribunais Recursais e Superiores.

No entanto, o tema ainda não está totalmente pacificado, especialmente no âmbito do


Supremo Tribunal Federal, razão pela qual demandará calma, acompanhamento e atualiza-
ção sobre esse importantíssimo tema, certo?

Excelente para cair em provas, especialmente em fases discursivas.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

[1] Art. 494. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: I – para corrigir-lhe, de
ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou erros de cálculo; II – por meio de
embargos de declaração.
[2] 5ª Turma do STJ, AgRg no HC 569.701/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, julgado
em 09/06/2020, DJe 17/06/2020.

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EXCEÇÃO DE ROMEU E JULIETA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

NOMENCLATURA INUSITADA, DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA


E ENTENDIMENTO SUMULADO EM UM SÓ ASSUNTO!

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje vamos falar sobre um tema extremamente interessante e que envolve aspectos
doutrinários, nomenclatura, jurisprudência e, claro, polêmica.

Com a finalidade de contextualizá-los, é imprescindível rememorar que a Lei nº 12.015/09


fez inserir do Código Penal Brasileiro o chamado “Estupro de Vulnerável”. De acordo com
esse tipo penal, plasmado no artigo 217-A, é crime a conduta de “ter conjunção carnal ou
praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos ou com alguém que, por enfer-
midade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou
que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”.

A partir da dicção do mencionado dispositivo, percebe-se que não haveria margem de


flexibilização para admitir a relação sexual com menor de 14 anos, ao menos a partir de uma
interpretação literal. Não obstante, há doutrinadores contrários ao tratamento rígido, razão
pela qual se utilizam do raciocínio da “Exceção de Romeu e Julieta”.

Calma! Irei explicar.

Na clássica obra do inglês Shakespeare, Julieta tinha apenas 13 anos quando manteve
relação amorosa com Romeu, fato esse que a enquadraria – na legislação ora vigente no
Brasil – no conceito de vulnerável. A ideia da teoria sustentada por parcela da doutrina é de
que havendo consentimento e uma diferença pequena da idade entre os parceiros (há quem
indique margem de até 5 anos), não seria razoável considerar o ato sexual como um estupro
(imaginemos um caso de namorados de 13 e 18 anos).

ATENÇÃO! Essa compreensão não é majoritária, seja na doutrina ou na jurisprudência


pátria. Aliás, apesar de julgados isolados, antigos e pontuais apontando o caráter relativo da
presunção de violência antes da reforma de 2009 nos crimes contra a dignidade sexual, é
fato que o STJ e o STF solidificaram sua jurisprudência em sentido oposto, mesmo antes da
novidade legislativa.

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Vale destacar o precedente em que a 3ª SEÇÃO DO STJ assinalou que “a presun-


ção de violência nos crimes contra os costumes cometidos contra menores de 14 anos,
PREVISTA NA ANTIGA REDAÇÃO DO ART. 224, ALÍNEA A, DO CÓDIGO PENAL, POSSUI
CARÁTER ABSOLUTO, POIS CONSTITUI CRITÉRIO OBJETIVO PARA SE VERIFICAR A
AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES DE ANUIR COM O ATO SEXUAL. Não pode, por isso, ser rela-
tivizada diante de situações como de um inválido consentimento da vítima; eventual expe-
riência sexual anterior; tampouco o relacionamento amoroso entre o agente e a vítima. O
Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento “quanto a ser absoluta a presunção de
violência nos casos de estupro contra menor de catorze anos nos crimes cometidos antes da
vigência da Lei 12.015/09, a obstar a pretensa relativização da violência presumida”[1].

Como visto, a opção do legislador se aproximou dessa compreensão de vedação abso-


luta, já que o tipo penal do art. 217-A do CPB aponta ser crime a conduta de “ter conjunção
carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos ou com alguém que,
por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do
ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”.

Ou seja, apesar de eventuais críticas doutrinárias à opção do legislador, prevaleceu a


compreensão de que deve ser afastada qualquer margem de possibilidade de flexibilização
quanto à licitude de relações sexuais com menores de 14 anos!

Ainda assim, é oportuno registrar que em outubro de 2017, a 3ª Seção do Superior Tri-
bunal de Justiça aprovou o enunciado de Súmula 593, no sentido de que “o crime de estupro
de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de
14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua expe-
riência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente”, confirmando
a tendência acima indicada.

Para a Corte, “de um Estado ausente e de um Direito Penal indiferente à proteção da


dignidade sexual de crianças e adolescentes, evoluímos, paulatinamente, para uma Política
Social e Criminal de redobrada preocupação com o saudável crescimento, físico, mental e
emocional do componente infanto-juvenil de nossa população, preocupação que passou a
ser, por comando do constituinte (art. 226 da C.R.), compartilhada entre o Estado, a socie-
dade e a família, com inúmeros reflexos na dogmática penal. (…) No caso de crianças e
adolescentes com idade inferior a 14 anos, o reconhecimento de que são pessoas ainda
imaturas – em menor ou maior grau – legitima a proteção penal contra todo e qualquer tipo
de iniciação sexual precoce a que sejam submetidas por um adulto, dados os riscos impre-
visíveis sobre o desenvolvimento futuro de sua personalidade e a impossibilidade de dimen-

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sionar as cicatrizes físicas e psíquicas decorrentes de uma decisão que um adolescente ou


uma criança de tenra idade ainda não é capaz de livremente tomar”[2].

CONCLUSÃO! Com a Súmula 593, o STJ não apenas afastou a possibilidade de flexi-
bilização a partir do eventual consentimento da vítima, como também desqualificou para fins
de consumação do delito a experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento
amoroso! Não há, pois, que falar na “Exceção de Romeu e Julieta”!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] EREsp 1152864/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
26/02/2014
[2] REsp 1480881/PI, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 26/08/2015.

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CRIME DO ART. 89 DA LEI DE LICITAÇÕES


E A JURISPRUDÊNCIA DO STF

ISSO AQUI DESPENCA EM PROVA DE CONCURSO!

Olá, pessoal! Tudo certinho?

O tema envolvendo Licitações é muito mais estudado para provas de Direito Adminis-
trativo, mas não pode ser negligenciado em concursos cujo edital prevê em seu programa os
chamados crimes de licitação.

Nesse cenário, se o edital do seu certame prevê esse tópico na matéria de Direito Penal
ou Legislação Penal Especial, redobre suas atenções porque um dos delitos mais cobrados
é aquele estampado no art. 89 da Lei 8.666/93. Vejamos:

Art. 89. DISPENSAR ou INEXIGIR licitação FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM


LEI, ou DEIXAR DE OBSERVAR AS FORMALIDADES pertinentes à dispensa, ou à inexigi-
bilidade: Pena – detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. Na mesma
pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ile-
galidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o
Poder Público.

Quando lemos esse dispositivo, é possível extrair dele a interpretação de que o (simples)
descumprimento de formalidades do procedimento licitatório adequado ensejaria sua tipifi-
cação no mundo concreto. No entanto, não é essa a interpretação mais acertada e seguida
pelos Tribunais Superiores.

Conforme se pode extrair dos mais recentes julgados do Supremo Tribunal Federal, o
crime do artigo 89 da Lei de Licitações não criminaliza o mero descumprimento de formalida-
des, exigindo também violação de postulados caros à Administração e dolo específico[1]. Ou
seja, o referido delito – especialmente em sua segunda parte – revela-se como uma norma
penal em branco, a qual, quanto às formalidades a que alude, é complementada pelo art. 26
da mesma Lei. O delito em questão tutela bem jurídico voltado aos princípios da administra-
ção pública (CF, artigo 37). O descumprimento das formalidades só tem pertinência à repres-
são penal quando involucrado com a violação substantiva àqueles princípios.

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Com base nesse raciocínio, é possível refutar a tipicidade material na conduta em que o
gestor deixou de instaurar licitação para contratação de serviço publicitário, a partir de argu-
mentos legítimos e calcados em pareceres técnicos e jurídicos, não restando sequer indícios
de conluio com os pareceristas.
Vale destacar ainda que a jurisprudência da Corte tem reafirmado o entendimento de
que o crime de inexigibilidade ilegal de licitação (art. 89 Lei 8666/93, 1ª parte) demanda ele-
mento subjetivo especial, qual seja, o animus de causar dano ao erário ou de gerar o enrique-
cimento ilícito dos agentes envolvidos na empreitada criminosa, não configurado na espécie.

Ou seja, a mera adequação FORMAL dos fatos ao tipo objetivo NÃO é suficiente para
a configuração do crime do artigo 89 da Lei de Licitação, na compreensão do STF! Aliás,
para que se verifique no plano concreto a conduta tipificada no art. 89 da Lei 8.666/1993, é
indispensável a demonstração, já na fase de recebimento da denúncia, do elemento subje-
tivo consistente na intenção de causar dano ao erário ou obter vantagem indevida (STF, 2ª
Turma. Inq 3965, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 22/11/2016).

Aprofundando um pouco mais sobre esse tema, vale revisar o entendimento sufragado
em outro julgado da Suprema Corte, especificamente no Inquérito 3674/RJ[2]. À ocasião,
asseverou-se a partir de um triplo critério para a configuração ou não do delito que o intento
do legislador ao tipificar aquela conduta no artigo 89 não é a punição do gestor público des-
preparado, incapaz ou desleixado, mas sim o desonesto, que atua com a intenção (dolo) de
causar dano e/ou obter vantagem indevida, devendo ser diferenciada a conduta que se qua-
lifica como “mero” ilícito civil e administrativo daquele criminal.

Essa diferenciação deverá ser pautada a partir dos seguintes critérios:


(i) Deverá ser verificada a presença ou não de parecer jurídico autorizando a dispensa,
ou a inexigibilidade, já que sua existência será indicativo da ausência de dolo do agente,
salvo se houver circunstâncias que demonstrem o contrário.
(ii) A peça de acusação deve apontar o especial fim de agir (dolo especial), ou seja,
demonstrar o intento de dano ao erário e/ou obter vantagem ilícita.
(iii) A denúncia deverá descrever o vínculo subjetivo entre os agentes.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] Inq 3962, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 20/02/2018
[2] Inq 3674, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 07/03/2017.

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INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÕES TELEMÁTICAS


COM INFORMAÇÕES ARMAZENADAS NO ESTRANGEIRO
PRECISA OBSERVAR ACORDO DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL?

MUITA ATENÇÃO AO ENTENDIMENTO DO STJ SOBRE ESSE (ESPINHOSO) TEMA!

Fala pessoal, tudo certo?

O tema sobre o qual conversaremos hoje é daqueles que eu gosto de dizer para “guar-
darmos do lado esquerdo do peito”. Falo isso porque se trata de um assunto vinculado a
matérias como o processo penal, direito internacional e também direitos humanos. Além
disso, é bastante específico e difícil de ser encontrado em livros e manuais.

Ou seja, trata-se de um tema complexo, com pouco material explicativo e que VAI CAIR
EM PROVA, especialmente para as carreiras da magistratura, MP, Defensoria Pública e
Delegado de Polícia.

Não se trata de decisão inédita, mas recentíssima, datada de 01 de setembro de 2020,


quando o colegiado da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou o AgRg no AREsp
1604544/SP.

Na oportunidade, chancelou-se a tese de que, se as comunicações alvo de ordem de


interceptação telemática em investigação criminal são trocadas em território brasileiro por
intermédio de operadoras de telefonia estabelecidas neste país e se referem a crime come-
tido dentro das fronteiras nacionais, o fato de as informações serem armazenadas em servi-
dores estrangeiros não atrai a necessidade de observar tratado de cooperação internacional.

Hum… Bacana, Pedro. Mas não sei se entendi. Pode explicar?

Claro. No caso em tela, as comunicações foram travadas aqui no Brasil, através de


operadoras de telefonia aqui atuantes, sendo uma delas de origem canadense. Até por isso,
o local de armazenamento do conteúdo das mensagens dos usuários brasileiros era em ser-
vidores estrangeiros (canadenses). Como muito bem indicou o Min. Relator Sebastião Reis,
quando se demonstra que as comunicações foram perpetradas em solo brasileiro, por inter-
médio das operadoras de telefonia estabelecidas neste país, evidenciando-se a efetiva atu-
ação da referida entidade empresarial no Brasil, independentemente do local de armazena-
mento do conteúdo das mensagens realizadas por usuários brasileiros em âmbito nacional.

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O próprio STJ, em situações semelhantes, já afirmou que, em se tratando de matéria


submetida à jurisdição brasileira, não é necessária a cooperação jurídica internacional, como
no caso em análise. Nesse sentido, conferir os RHC 84.100/SP, RHC n. 89.116/SP, RMS
55.109/PR.

É possível afirmar, pois, que o entendimento assimilado pelo Superior Tribunal de Jus-
tiça é no sentido de que os serviços telefônicos e telemáticos – por meio dos quais são rea-
lizadas as comunicações interceptadas – encontravam-se ativos no Brasil, por intermédio de
operadoras de telefonia estabelecidas no território nacional, evidenciando-se a efetiva atu-
ação da empresa canadense no País, independentemente do local de armazenamento do
conteúdo das mensagens trocadas entre o recorrente e os demais acusados. Dessa forma,
tratando-se de matéria submetida à jurisdição brasileira, desnecessária se torna a própria
cooperação jurídica internacional, a qual só seria necessária caso se pretendesse, por exem-
plo, interceptar pessoas residentes no exterior, o que não é o caso (RHC n. 67.558/RJ, Minis-
tro Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma).

Até porque, por estar instituída e em atuação no País, a pessoa jurídica multinacional
submete-se, necessariamente, às leis brasileiras, motivo pelo qual se afigura desnecessá-
ria a cooperação internacional para a obtenção dos dados requisitados pelo juízo (RMS n.
55.109/PR, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma).

Se eu fosse examinador, certamente traria esse caso para a prova! E SE LIGA! Eu cos-
tumo antecipar várias questões de prova.

Tema IMPORTANTÍSSIMO!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

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APLICAÇÃO FINANCEIRA NÃO DECLARADA À REPARTIÇÃO


FEDERAL COMPETENTE NO EXTERIOR É CRIME CONTRA O
SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL?

FICA ESPERTO COM O ENTENDIMENTO DO STJ SOBRE ESSE TEMA!

Olá, pessoal! Tudo certo com vocês?

Hoje falaremos sobre um dos temas que, na minha visão, são mais complexos dentro
da seara criminal. E falo isso sob o prisma teórico, bem como pelo prático. Ou seja, tratar
sobre esse assunto requer muito estudo, atenção e cuidado tanto nas fases dos concursos,
como posteriormente na atividade jurídico-prática da área criminal.

Refiro-me, claro, aos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, especificamente os


delimitados na Lei n. 7.492/1986. Desde os meus tempos de estudante para concurso, pas-
sando para professor e também na prática criminal da DPU, essa lei me traz vários desafios.
Por isso, esse julgado veiculado no informativo 648 do STJ é bastante interessante.

O art. 22, parágrafo único[1] da referida lei diz que é comete crime quem, a qualquer
título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou NELE
MANTIVER DEPÓSITOS não declarados à repartição federal competente.

Analisando o caso concreto, o Ministério Público Federal apontou que o réu ostentava
cerca de US$ 180 mil em uma aplicação no Opportunity em dezembro de 2002, valor não
declarado à Receita Federal e que foi sacado no ano seguinte.

PEDRO, mas essa aplicação não é “depósito em conta corrente”. Há adequação típica?

De acordo com a doutrina de Leandro Bastos Nunes, “deve-se incluir no conceito de


depósito QUALQUER TIPO DE INVESTIMENTO NO EXTERIOR APLICADO NO SISTEMA
FINANCEIRO, tais como, ações, fundos ou cotas de fundos de investimentos (incluindo pre-
vidência privada), haja vista o escopo da norma em tutelar o controle das divisas situadas
no exterior, abrangendo os respectivos depósitos oriundos de quaisquer tipos de aplicações
financeiras, com base na hermenêutica da interpretação sistemática e teleológica”[2].

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De acordo com o Ministro Joel Ilan Paciornik, a parte final do parágrafo único tipifica
a manutenção de depósito não declarado à repartição federal competente no exterior. Para
fins de interpretação do termo “depósito” deve-se considerar o fim a que se destina a norma,
pois visa à proteção do Sistema Financeiro Nacional – SFN. A lei não restringiu o local de
depósito no exterior. Assim, não deve ser considerado apenas o depósito em conta bancária
no exterior, mas também o valor depositado em aplicação financeira no exterior, em razão da
disponibilidade da moeda e do interesse do SFN.

Sobre o tema, Andrei Zenkner Schmidt e Luciano Feldens anotam que a “forma delitiva
da segunda parte do parágrafo único igualmente visa à proteção da regular execução da
política cambial, uma vez certo que depósitos titulados no exterior constituem-se como um
passivo cambial. Ou seja, na expectativa de que um dia retornarão ao País, esses depósi-
tos exigirão ser contraprestacionados em moeda nacional. Mais especificamente, o controle
exercido pelo BACEN sobre depósitos no exterior tem por objetivo mapear o quadro dos
capitais brasileiros no exterior e conhecer a composição do passivo externo líquido do País,
dados esses convenientes e necessários à boa formatação da política cambial brasileira,
sendo essa a finalidade protetiva da norma. O objeto material da conduta delituosa são os
depósitos mantidos pelo agente no exterior, em moeda ou divisas, ao título que forem: como
investimento direto, empréstimos, financiamentos etc. Compreendem-se nessa conceitua-
ção, portanto, as disponibilidades financeiras (divisas ou moeda local depositada em conta
bancária) ou títulos que lhe sejam correspondentes por uma relação de liquidez imediata (V.
g., aplicações em poupança, fundos de investimentos, ações em bolsa de valores, certifica-
dos de depósito bancários etc.)”[3] (grifos nossos).

Portanto, para a 5ª Turma do STJ (AREsp 774.523-SP), eventual aplicação financeira


realizada por meio da aquisição de cotas do fundo de investimento no exterior e não decla-
rada à autoridade competente preenche a hipótese normativa do art. 22, parágrafo único,
parte final, da Lei n. 7.492/1986[4].

Tema IMPORTANTÍSSIMO!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

[1] Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão
de divisas do País: Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único.
Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída

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de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição
federal competente.
[2] Evasão de Divisas, 2ª Edição revista e ampliada – Salvador: Juspodivm. 2017.
[3] O Crime de Evasão de Divisas: A Tutela Penal do Sistema Financeiro Nacional
na Perspectiva da Política Cambial Brasileira – Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2006.
fls. 178/179
[4] AREsp 774.523/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado
em 07/05/2019

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PF INVESTIGOU FORA DAS ATRIBUIÇÕES? E O QUE O STF DECIDIU?

FIQUE ATENTO PORQUE DESSA DECISÃO SAIRÃO VÁRIAS QUESTÕES DE PROVA.

Olá, pessoal! Tudo certo com vocês?

Hoje vamos falar sobre um tema que vez por outra cai em concurso público e foi nova-
mente revisitado pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, conforme notícia veiculada no
Informativo 964.

De acordo com o deliberado pelo colegiado no julgamento da ordem de habeas corpus


169.348/RS, julgado no final de 2019, NÃO HÁ nulidade dos atos judiciais decorrentes de
investigações da Polícia Federal em relação a fatos que não teria atribuição para atuar, já que
não incluídos nos limites da Lei 10.446/02.

Sabemos que as atribuições da PF estão encartadas na Constituição Federal (art. 144,


§ 1º, I ) e podem ser resumidas basicamente (i) nos crimes de competência da JF (lato sensu)
e também (ii) nas hipóteses da Lei 10.446/02. Ou seja, a atribuição da PF é mais ampla do
que a competência da Justiça Federal!

Dizendo de outra forma, é possível que a Polícia Federal investigue crimes que serão
processados e julgados no âmbito da Justiça Estadual, desde que se verifique que eles apre-
sentem (i) repercussão Interestadual ou Internacional e (ii) exija REPRESSÃO UNIFORME,
conforme dispuser lei específica (justamente a Lei 10.446/2002).

Exemplo didático e frequente se dá nas investigações de certos crimes perpetrados


através da internet (rede mundial de computadores), os quais em regra são julgados no
âmbito estadual (salvo quando o Brasil houver se comprometido em reprimir esses delitos
em Tratados e Convenções Internacionais, ocasião em que a competência será da Justiça
Federal, como regra, quando a prática tiver se dado pela internet, em razão do disposto no
art. 109, V da CF/88).

Um exemplo muito comum ultimamente em que isso ocorre é a inserção da PF nos


crimes praticados pela internet, que em regra será estadual. Isso está na própria inteligência
da Constituição Federal.

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No caso concreto, apesar de a investigação ter sido instaurada por requisição do MPF,
posteriormente houve declínio de competência para a Justiça Estadual e a hipótese não se
enquadrava na Lei 10.446/02. A partir dessa situação, a defesa requereu a nulidade de todas
as provas do processo em razão do vício de atribuição. E O QUE O STF DECIDIU?

Para a Corte, a desconformidade da atuação da Polícia Federal com as disposições da


Lei 10.446/2002 e eventuais abusos cometidos por autoridade policial podem implicar res-
ponsabilidade no âmbito administrativo ou criminal dos agentes. No caso, por não apresenta-
rem qualquer repercussão no tocante à validade jurídica das provas obtidas, não se mostram
passíveis de caracterizar nulidade.

O art. 5º, LIII, da Constituição da República, ao dispor que ninguém será processado
nem sentenciado senão pela autoridade competente, contempla o princípio do juiz natural,
não se estende às autoridades policiais, porquanto não investidas de competência para julgar.

Uma vez supervisionados pelo juízo competente e por membro do Ministério Público
revestido de atribuição, pouco importa que os procedimentos investigatórios atinentes à ope-
ração desencadeada tenham sido presididos por autoridade de Polícia Federal.

CONCLUSÃO: Como regra, os vícios do Inquérito Policial NÃO geram prejuízo ao pro-
cesso, salvo raras exceções, como na teoria dos frutos da árvore envenenada. Esse pre-
cedente foi abordado HOJE, na aula que será disponibilizada AMANHÃ em nosso curso de
processo penal.

Vamos em frente!

[1] Art. 144, § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado
e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I – apurar infrações penais
contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou
de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prá-
tica tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se
dispuser em lei; os crimes previstos em tratado ou convenção internacional.

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JUSTA CAUSA DUPLICADA

O QUE DANADO É ISSO?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Assim como em nosso último texto, vamos trazer outro tema relacionado umbilicalmente
à Lei de Lavagem de Capitais, em uma perspectiva mais atrelada ao direito processual penal.

Vale ressaltar que não se trata de tema inédito. Ao contrário, ele recorrentemente é
abordado em provas de concurso público, mas ainda há um número significativo de candi-
datos que desconhecem ou ainda ficam inseguros quando o tema é justa causa duplicada.

Em primeiro lugar, devemos compreender o que significa justa causa. Trata-se de


expressão inserida no ordenamento jurídico positivado a partir da Lei 11.719/08, ao inserir o
art. 395, III do Código de Processo Penal.

A doutrina, no entanto, já trabalhava há muito com essa perspectiva. Nesse sentido,


vale lembrar as lições do professor Afrânio Jardim, membro da Escola Carioca de Processo
Penal. Segundo ele, a justa causa nada mais seria que o lastro probatório mínimo deman-
dado para a instauração de um processo penal a partir da propositura de uma ação penal!

Seria, pois, a necessidade de comprovação de indícios de autoria e materialidade da


conduta típica imputada na inicial de acusação, evitando-se que o cidadão seja submetido a
uma aventura irresponsável e sem critérios, com potencial de estigmatização social, que é o
processo criminal.

Bacana, Pedro! A revisão foi válida! Mas e essa coisa aí de “JUSTA CAUSA DUPLI-
CADA”? O que danado é isso?

Sem desespero! Para a compreensão do termo – que é bastante coerente depois que
entendemos sua razão de existir – precisamos fazer uma rápida análise dos crimes de lava-
gem de capitais!

De acordo com o artigo 1º da Lei n. 9.613/1998, o legislador construiu a estrutura dos


crimes de lavagem de capitais a partir de uma conduta criminosa antecedente, que funcio-
nará como própria elementar do crime financeiro de ocultação! Sem esse crime antecedente,
não há que se falar em lavagem. Há, pois, uma relação de ACESSORIEDADE! É que a lava-

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gem é um crime ACESSÓRIO, diferido, remetido, parasitário, pois a sua tipificação está con-
dicionada a uma infração penal antecedente.
Beleza! Mas não enrola. E a história lá da Justa Causa Duplicada?

Pois é! Acompanha o raciocínio comigo: Se a infração penal antecedente é considerada


como uma “elementar do crime de lavagem” e, nos termos do artigo 2º, parágrafo 1º da Lei
n. 9.613/1998, para ensejar legitimamente a DENÚNCIA, devem estar presentes lastro pro-
batório mínimo em relação a ela (justa causa), a doutrina concluiu que o legislador, a partir
de 2012, expressamente exige a presença DUPLA de “lastro probatório mínimo”, tanto do (i)
delito antecedente, como também (ii) do próprio crime de lavagem de capitais!

Ora, se “lastro probatório mínimo” é igual à justa causa e essa é exigida de maneira
dúplice, está aí a razão pela qual, no crime de LAVAGEM DE CAPITAIS, exigir-se a chamada
JUSTA CAUSA DUPLICADA, compreenderam? De toda forma, vale conferir a lei:

Art. 2º § 1º A denúncia será instruída COM INDÍCIOS SUFICIENTES DA EXISTÊNCIA


DA INFRAÇÃO PENAL ANTECEDENTE, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda
que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal ante-
cedente. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

Em relação à justa causa referente à lavagem, ela é lógica do sistema processual penal,
por isso não é necessária previsão na lei especial!

Essa expressão é muito relevante e, inclusive, vem sendo veiculada em votos dos Minis-
tros e em acórdãos dos Tribunais Superiores. Exemplifica-se isso a partir de um trecho do
voto do Ministro do STJ, Antônio Saldanha Palheiro, no julgamento do Recurso em Habeas
Corpus 124.607/PR, em que registrou que a “denúncia não preenche a justa causa dupli-
cada exigida para o delito de lavagem de ativos, seja por não carrear elementos suficientes
da prática dos crimes antecedentes pelo imputado, mas também porque deixou de amparar
a denúncia com indícios suficientes de autoria quanto ao delito de lavagem, restando induvi-
dosa a inexistência dos indícios de autoria e materialidade delitiva a viabilizar o desencadea-
mento da ação penal, ou seja, falta justa causa ao início da persecução penal”.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

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VOCÊ SABIA QUE A LAVAGEM DE CAPITAIS É DIVIDIDA EM FASES?

ESSE TEMA VAI APARECER EM SUA PROVA.

Olá, pessoal! Tudo bem?

Dentro do programa de direito penal e especificamente de Leis Penais Extravagantes,


indubitavelmente a Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/98) é um dos mais importantes.
A relevância dessa legislação se revela não apenas no que tange à incidência em provas
de concurso, mas também em relação à atuação prática no dia a dia de quem milita na
seara criminal.

Nesse caminhar, considerando essa intensidade e ampliação de importância, é impres-


cindível atentarmos para peculiaridades desse crime e de sua legislação. Dentre os vários
aspectos importantes, podemos destacar a configuração do crime de lavagem de capitais em
fases bem delimitadas.

Questões sobre as fases do crime de lavagem de capitais aparecem em provas objeti-


vas, discursivas e orais, além de ser relevante para fins de peças práticas. Vale destacar que
o crime de lavagem de capitais pode ser conceituado, em apertada síntese, como a atividade
que tem por objetivo transformar recursos financeiros gerados ou auferidos de maneira ilícita
em ativos com aparência de legalidade.

Essa conduta pode ser operacionalizada em 3 fases. Vejamos cada uma delas:

Fase 1 – Placement ou Introdução – Consiste na introdução do dinheiro ilícito no sis-


tema financeiro, dificultando a identificação da procedência dos valores. É a fase mais arris-
cada para o “lavador” em razão da sua proximidade com a origem ilícita. Walter Fanganiello
Maiorovitch diz que é o momento “de apagar a mancha caracterizadora da origem ilícita”.

A partir desses procedimentos, o dinheiro ilícito é introduzido no mercado formal para a


sua conversão em ativos lícitos, normalmente por meio do fracionamento dos valores, con-
versão do valor ilícito em moeda estrangeira, remessa dos valores ilícitos para o exterior,
para paraísos fiscais, entre outras condutas.

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Professor: Pedro Coelho

Exemplo curioso e emblemático dessa etapa é justamente a técnica conhecida como


SMURFING, fazendo referência clara aos personagens de um famoso desenho animado,
que ostentava tamanho diminuto. Isso porque através dessa técnica há uma pulverização
de grande quantidade de dinheiro em pequenos depósitos, com o fito de passar desperce-
bida aos órgãos de controle a movimentação financeira. É, pois, o fracionamento de vul-
tosa quantia de valores visando a escapar do controle administrativo imposto às instituições
financeiras.

Fase 2 – Dissimulação (layering) – Nessa fase ocorre a camuflagem das evidências,


com a utilização de uma série de negócios ou movimentações financeiras, a fim de que seja
dificultado o rastreamento contábil dos lucros ilícitos. É a fase da lavagem propriamente dita,
pois se dissimula a origem dos valores para que sua procedência não seja identificada.

Conforme indica abalizada doutrina, temos aqui um mecanismo mais sofisticado do que
o inicial mascaramento, revelando-se um conjunto de idas e vindas no círculo financeiro ou
comercial que atrapalha ou frustra a tentativa de encontrar sua ligação com o ilícito antece-
dente. São exemplos de dissimulação as transações entre contas correntes no país ou no
exterior, a movimentação de moeda via cabo, a compra e venda sequencial de imóveis por
valores artificiais[1] (…) (BADARÓ e BOTTINI, 2013, p. 66).

Cria-se um emaranhado de complexas transações financeiras, em sua maioria interna-


cionais, sendo que é nesta fase que os países e as jurisdições que não cooperam com as
investigações referentes à lavagem de dinheiro têm papel fundamental. É a fase mais com-
plexa do processo e a que envolve maiores riscos de vulnerabilidade aos sistemas financei-
ros nacionais. É a lavagem propriamente dita.

Fase 3 – Integração (integration) – Por fim, nessa etapa os valores são formalmente
incorporados ao sistema econômico, por meio da criação, aquisição ou do investimento em
negócios lícitos, ou compra de bens. Já com a aparência lícita, o capital é formalmente incor-
porado ao sistema econômico, geralmente por meio de investimentos no mercado mobiliário
e imobiliário e é assimilado com todos os outros ativos existentes no sistema. A integração do
“dinheiro limpo” através das outras etapas faz com que este dinheiro pareça ter sido ganho
de maneira lícita.

CUIDADO: Essas três fases, se presentes, compõem a chamada “lavagem de capitais


perfeita ou plena”!

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O que isso quer dizer, Pedro? É que prevalece, tanto no âmbito doutrinário como também
no jurisprudencial, que a presença das 3 fases não é imprescindível para a configuração do
delito. Havendo efetivamente a mera colocação (introdução), já estaria consumado o crime!

Conforme já assinalou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o crime de lavagem de


dinheiro se dá em três fases, de acordo com o modelo do GAFI – Grupo de Ação Financeira
sobre Lavagem de Dinheiro, a saber: colocação (separação física do dinheiro dos autores do
crime; é antecedida pela captação e concentração do dinheiro), dissimulação (nessa fase,
multiplicam-se as transações anteriores, através de muitas empresas e contas, de modo que
se perca a trilha do dinheiro [paper trail], constituindo-se na lavagem propriamente dita, que
tem por objetivo fazer com que não se possa identificar a origem dos valores ou bens) e inte-
gração (o dinheiro é empregado em negócios lícitos ou compra de bens, dificultando ainda
mais a investigação, já que o criminoso assume ares de respeitável investidor, atuando con-
forme as regras do sistema). Todavia, o tipo penal do art. 1º da Lei nº 9.613/98 não requer a
comprovação de que os valores retornem ao seu proprietário, ou seja, não exige a compro-
vação de todas as fases (acumulação, dissimulação e integração)[2].

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro:


aspectos penais e processuais penais. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, pg. 66.
[2] TRF-4 – RCCR 50080542920124047200, Rel. José Paulo Baltazar Junior,
D.E. 9.4.2014.

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RECONHECIMENTO DE INIMPUTABILIDADE PENAL


DEPENDE DE INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL?

EIS UMA IMPORTANTÍSSIMA E RECENTE DECISÃO DA 6ª TURMA DO STJ.

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje vamos tratar de uma decisão interessantíssima e que aparecerá nas próximas
provas de direito penal e processual penal, da lavra da 6ª Turma do Superior Tribunal de Jus-
tiça, exarada no dia 23 de junho de 2020.

Ao concluir o julgamento do REsp 1.802.845/RS, o colegiado anotou, à unanimidade,


que o reconhecimento da inimputabilidade ou semimputabilidade do réu depende da prévia
instauração de incidente de insanidade mental e do respectivo exame médico-legal nele pre-
visto. Dizendo de outro modo, não há possibilidade de ser reconhecida a inimputabilidade ou
semi-imputabilidade do acusado com base exclusivamente no depoimento da vítima ou de
testemunhas, sem a efetiva determinação da realização do exame médico-legal.

É importante destacar também que, segundo o STJ, a mera alegação de que o acusado
é inimputável não justifica a instauração de incidente de insanidade mental, providência que
deve ser condicionada à efetiva demonstração da sua necessidade, mormente quando há
dúvida a respeito do seu poder de autodeterminação[1].

Sabemos que o processo penal brasileiro se orienta pelo sistema da persuasão racio-
nal, razão pela qual o juiz (con)forma seu convencimento a partir da livre apreciação da prova
(art. 155 do CPP). Ou seja, como regra, não há que se falar em prova legal ou tarifada como
critério de solução de controvérsias processuais. No entanto, especificamente em relação à
inimputabilidade (art. 26, caput, do CP) e semi-imputabilidade (art. 26, parágrafo único, do
CP), não há como ignorar a importância do exame pericial, considerando que o Código Penal
adotou expressamente o critério biopsicológico.

Consoante importante escólio doutrinário, “o exame de insanidade mental é de funda-


mental importância para o reconhecimento da doença mental à época do crime e no momento
atual. Ainda que outras provas indiquem a necessidade de realização do exame (v.g., certi-
dão de interdição), jamais poderão suprir esta prova pericial. Afinal, levando-se em conside-
ração que o Código Penal adota, em regra, o sistema biopsicológico para o reconhecimento
da imputabilidade (art. 26, caput), é de fundamental importância aferir não só a presença de

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doença mental, ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, mas também se, por
conta disso, teve o acusado suprimida sua capacidade de entendimento e de autodetermi-
nação à época do fato delituoso. Nesse sentido, como já se pronunciou o STJ, a conclusão
do laudo pericial, ora acostado aos autos, produzido no processo de interdição civil do acu-
sado, é válido apenas em relação aos atos de sua vida civil, não sendo capaz de isentá-lo
da culpabilidade penal. Tal dúvida somente será solucionada após a realização correta do
incidente de sanidade mental do acusado, o qual ainda não se efetivou por culpa exclusiva
do paciente”[2].

Certo, Pedro! Mas, afinal, é ou não possível reconhecer a inimputabilidade sem inci-
dente de insanidade mental?

Ora, o magistrado não detém os conhecimentos técnicos indispensáveis para aferir


a saúde mental do réu, tampouco a sua capacidade de se autodeterminar, daí porque fora
salutar a previsão do incidente de insanidade mental, delineado a partir do art. 149 do CPP.
A relevância desse incidente não sobressai apenas do conteúdo técnico da prova que se
almeja produzir, mas também da vontade do legislador que, especificamente nos arts. 151 e
152 do CPP, estabeleceu algumas consequências diretas extraídas da conclusão do exame
pericial, como a continuidade da presença do curador e a suspensão do processo.

ATENÇÃO! Isso não significa dizer que o magistrado está vinculado às conclusões do
laudo pericial. NÃO ESTÁ! Aliás, isso é expressamente sublinhado no art. 182 do CPP, ao
se anotar que “o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou
em parte“.

Aliás, sobre a possibilidade de o juízo discordar das conclusões exaradas pelos peri-
tos experts nos laudos produzidos em juízo, vale destacar as lições de Gustavo Badaró
no sentido de que “em princípio aplica-se ao laudo que resulta do incidente de insanidade
mental a regra geral das perícias, prevista no art. 182 do CPP, segundo a qual o juiz não
fica vinculado aos laudos periciais, podendo aceitá-los ou rejeitá-los, no todo ou em parte, o
que é uma decorrência da máxima de que o juiz é o peritus peritorum. Todavia, em virtude
da elevada especialização técnica da questão de definir ou não a ocorrência de insanidade
mental no momento da prática da infração penal, será muito difícil que o juiz, sem qualquer
outro elemento técnico, possa divergir do laudo pericial. Poderá haver divergência entre os
laudos periciais: (i) caso se considere que prevalece a regra do art. 150 do CPP, que prevê
a nomeação de peritos – sobre a regra do art. 159, caput, com a redação dada pela Lei
nº 11.690/2008, que determina a realização das perícias por “perito oficial”; (ii) caso sejam
nomeados peritos não oficiais e cada um apresente seu laudo, com resultados divergentes

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(art. 159, § 1º); (iii) considerando que em um caso concreto a perícia de insanidade mental
será particularmente complexa, o juiz designe mais de um perito oficial (art. 159, § 7º). Em
qualquer desses casos, o juiz poderá privilegiar o resultado de um laudo em detrimento de
outro, ou nomear um terceiro perito, ou mandar proceder a novo exame por outros peritos
(CPP, art. 180). A divergência entre o laudo oficial e os pareceres dos assistentes técnicos
pode autorizar a adoção das providências do citado art. 180 do CPP”[3].

No julgamento específico do REsp 1.802.845/RS, a conclusão da 6ª Turma foi no sen-


tido de que o laudo produzido não é necessariamente vinculante, mas – para o efetivo e
concreto reconhecimento da inimputabilidade ou semi-imputabilidade penal pelo julgador, a
realização do exame médico-legal é IMPRESCINDÍVEL como forma de colaborar a formação
da convicção do julgador, para fins de aplicação do art. 26 do Código Penal!

Esse tema tem cara de prova! Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente.

[1] AgRg no HC n. 516.731/GO, Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, 2019


[2] LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal comentado. 5ª edição. Sal-
vador: Juspodivm, 2017, págs. 1.191-1.192
[3] BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. Rio de Janeiro: Campus, 2012, pág. 249.

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AÇÃO PENAL NO CRIME DE ESTELIONATO E A LEI ANTICRIME

DIVERGÊNCIA ENTRE AS TURMAS DO STJ.

A Lei n. 13.964/2019, também conhecida como Lei Anticrime, trouxe diversas altera-
ções na área criminal. Entenda melhor os impactos causados!

Não é surpresa para ninguém que a Lei Anticrime (Lei n. 13.964/2019) trouxe várias
alterações na seara criminal e, em grande parte delas, polêmicas se evidenciaram. Conforme
alertei desde o início de sua vigência, em 23 de janeiro de 2020, um dos grandes impactos a
serem observados foi na natureza da ação penal no crime de estelionato. Antes desafiando
sempre a ação penal pública incondicionada, com a Lei Anticrime a regra passou a ser a
ação penal pública condicionada à representação da vítima.

ATENÇÃO! Eu disse que essa é a nova regra, mas ela comporta exceções. De acordo
com o legislador, o crime de estelionato permanecerá desafiando ação penal pública incon-
dicionada quando a vítima for (i) a Administração Pública, direta ou indireta, (ii) criança ou
adolescente, (iii) pessoa com deficiência mental ou (iv) maior de 70 (setenta) anos de idade
ou incapaz.

Compreendida a nova regra, o ponto de tensionamento em relação a ela se dá justa-


mente no que tange a sua aplicação (ou não) nos processos já em curso. Ou seja, se uma
denúncia proposta contra alguém lhe imputando a prática de estelionato tiver sido materiali-
zada em novembro de 2019 (ação penal pública incondicionada), a nova regra vigente (exi-
gindo representação da vítima) deverá ser observada?

O debate é intenso e as soluções são múltiplas. Por exemplo, a Defensoria Pública do


Estado de Minas Gerais propôs um enunciado indicando que “o artigo 171, §5º, do CP, por
possuir reflexos de natureza penal, aplica-se aos fatos ocorridos anteriormente à sua vigên-
cia, operando-se a decadência na hipótese de a ação penal ter se iniciado sem a manifes-
tação da vítima e já houver transcorrido o prazo de seis meses contados da data em que o
ofendido tomou conhecimento da autoria”. Parece-me uma solução exagerada e incorreta,
já que essa retroação sugerida implicaria extinção da punibilidade de todos os estelionatos
praticados há mais de 06 meses da vigência da nova norma.

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Por sua vez, em encontro realizado pelo Conselho Nacional do Procuradores-Gerais


dos MP’s, foi aprovado o enunciado 04, sugerindo que “nas investigações e processos em
curso, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecer representação no
prazo de 30 dias, sob pena de decadência”.
Essa posição parece-me interessante e razoável. Apesar disso, entendo que não seria
a melhor opção, justamente porque houve uma omissão do legislador. Explico. É que a Lei
n. 13.964/2019 não trouxe previsão para essa fase de transição, diferentemente do que fez
a Lei n. 9.099/1995 quando de sua promulgação, ao dispor no art. 88 que a ações penais
relativas aos crimes de lesões corporais leves e culposas passariam a depender de repre-
sentação. Na época, o art. 91 da referida legislação especial previu que “nos casos em que
esta lei passa a exigir representação para a propositura da ação penal pública, o ofendido ou
seu representante legal será intimado para oferecê-la no prazo de trinta dias, sob pena de
decadência”.

Particularmente, compreendo que a representação é estudada como condição de pro-


cedibilidade quando assim indica a lei penal, mas se a infração penal já está sendo apurada
ou processada quando a representação passa a ser exigida, sua natureza jurídica será de
condição de prosseguibilidade. Nesse caminhar, mesmo quando a lei nova assim não pre-
veja expressamente, as vítimas dos inquéritos e processos em curso devem ser intimadas a
se manifestar sobre a representação.

No entanto, considerando que, diferentemente do art. 91 da Lei dos Juizados Especiais,


a Lei Anticrime não regulamentou de maneira específica o tema, entendo que, a partir de sua
vigência, a vítima terá o prazo decadencial de 06 meses para efetuar sua representação,
sob pena de – não o fazendo – restar extinta a punibilidade. Enquanto isso, as investigações
e processos em curso sobre o crime de estelionato deveriam permanecer suspensos, sem
novos andamentos.

Compreendidas essas posições de caráter doutrinário, o avançar do ano de 2020 per-


mitiu que o debate chegasse aos Tribunais Superiores. Nesse contexto, a 5ª Turma do Supe-
rior Tribunal de Justiça, ao julgar o HC 573.093/SC em 09 de junho de 2020, afirmou ser pos-
sível observar que o novo comando normativo apresenta caráter híbrido, pois, além de incluir
a representação do ofendido como condição de procedibilidade para a persecução penal,
apresenta potencial extintivo da punibilidade, sendo tal alteração passível de aplicação retro-
ativa por ser mais benéfica ao réu.

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Contudo, além do silêncio do legislador sobre a aplicação do novo entendimento aos


processos em curso, tem-se que seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e
acabado (oferecimento da denúncia), de modo que a retroatividade da representação no
crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o processo. Do contrá-
rio, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra, transformando-se a
representação em condição de prosseguibilidade e não procedibilidade[1].
Não me parece acertada a decisão. Explico. Indubitavelmente, a norma apreciada
ostenta caráter híbrido ou misto e, dessa maneira, é preciso observar o regramento inscul-
pido no art. 5º, XL da CF/88, ou seja, se a norma for benéfica ao réu, retroage, sendo preju-
dicial, aplica-se somente para fatos praticados após a vigência da norma. A norma que altera
a natureza da ação penal não pode retroagir, SALVO para beneficiar o réu.

E por que isso se aplica à ação penal no estelionato? É que essa alteração legislativa
dispõe sobre a classificação da ação penal e influencia decisivamente o jus puniendi, já inter-
fere nas causas de extinção da punibilidade, como a decadência e a renúncia ao direito de
queixa, portanto, tem efeito material[2].

De toda forma, tínhamos (até então) essa compreensão estabelecida pela 5ª Turma do
STJ. No entanto, no dia 04 de agosto de 2020, a 6ª Turma deliberou sobre o tema ao julgar
o HC 583.837/SC[3], fixando uma divergência na Corte.

De acordo com a Turma, as normas que disciplinam a ação penal, mesmo aquelas
constantes do CPP, são de natureza mista, regidas pelos cânones da retroatividade e da
ultratividade benéficas, pois disciplinam o exercício da pretensão punitiva. O processo penal
tutela dois direitos de natureza pública: tanto os direitos fundamentais do acusado, voltados
para a liberdade, quanto a pretensão punitiva. Não interessa ao Estado punir inocentes, tam-
pouco absolver culpados, embora essa última solução se afigure menos danosa. Não é pos-
sível conferir a essa norma, que inseriu condição de procedibilidade, um efeito de extinção
de punibilidade, quando claramente o legislador não o pretendeu.

A retroação do § 5º do art. 171 do CPB alcança todos os processos em curso, ainda


sem trânsito em julgado, sendo que essa não gera a extinção da punibilidade automática dos
processos em curso, nos quais a vítima não tenha se manifestado favoravelmente à perse-
cução penal. Ou seja, a 6ª Turma agasalhou a tese de aplicação, por analogia, do art. 91 da
Lei n. 9.099/1995.

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O ato jurídico perfeito e a retroatividade da lei penal mais benéfica são direitos funda-
mentais de primeira geração, previstos nos incisos XXXVI e XL do art. 5º da Constituição
Federal. Por se tratarem de direitos de origem liberal, concebidos no contexto das revoluções
liberais, voltam-se ao Estado como limitadores de poder, impondo deveres de omissão, com
o fim de garantir esferas de autonomia e de liberdade individual. Considerar o recebimento da
denúncia como ato jurídico perfeito inverteria a natureza dos direitos fundamentais, visto que
equivaleria a permitir que o Estado invocasse uma garantia fundamental frente a um cidadão.

Ou seja, para além das controvérsias doutrinárias, temos atualmente uma divergência
entre as turmas criminais do Superior Tribunal de Justiça, assim sintetizada:

Estelionato e Lei Anticrime (Lei n. 13.964/2019): divergências entre as turmas!

Aguardemos as cenas dos próximos capítulos e a definição sobre o tema!

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De toda forma, para fases objetivas de concurso público, o examinador tenderá a exigir
dos candidatos a nova regra e suas respectivas exceções, já analisadas por nós. Até even-
tual definição do tema da possibilidade ou não de retroação da nova norma, a divergência
deve ser conhecida e explorada em fases dissertativas, práticas ou orais.

Vamos em frente!

[1] Doutrina: Manual de Direito Penal: parte especial (arts. 121 ao 361) / Rogério San-
ches Cunha – 12. ed. rev., atual. e ampl. – Salvador: Editora JusPODIVM, 2020, p. 413.
[2] O próprio STJ já compartilhou dessa orientação em ocasião pretérita (analisando
outra alteração legislativa) ao asseverar que “a norma que altera a natureza da ação penal
não retroage, salvo para beneficiar o réu. A norma que dispõe sobre a classificação da ação
penal influencia decisivamente o jus puniendi, pois interfere nas causas de extinção da puni-
bilidade, como a decadência e a renúncia ao direito de queixa, portanto, tem efeito material.
Assim, a lei que possui normas de natureza híbrida (penal e processual) não tem pronta
aplicabilidade nos moldes do art. 2º do CPP, vigorando a irretroatividade da lei, salvo para
beneficiar o réu, conforme dispõem os arts. 5º, XL, da CF e 2º, parágrafo único, do CP (HC
182.714-RJ, rel. min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19.11.12), assim como o
próprio STF, no julgamento da ADI 1.719-9.
[3] HC 583.837/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado
em 04/08/2020.

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12 TESES SOLIDIFICADAS NO STJ SOBRE OS CRIMES


CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

Olá, pessoal! Tudo certo?

Na preparação para concursos, precisamos estar atentos a algumas ferramentas exis-


tentes e que podem auxiliar a nossa caminhada, inclusive antecipando questões de prova.

Nesse cenário, tenho percebido nas mais diversas matérias que os examinadores têm
exigido conhecimento de teses firmadas pelo Superior Tribunal de Justiça que estão disponi-
bilizadas no Jurisprudência em Teses.

O que é isso, Pedro? Trata-se de uma iniciativa do STJ em que se compila teses refe-
rentes a determinados temas e que têm recebido tratamento reiterado pelo Corte em sentido
semelhante. São vários os temas, as coletâneas e as matérias reunidas. E, no último dia 07
de agosto de 2020, o STJ divulgou a edição de número 153, expressando a terceira parte de
temas acerca dos crimes contra a dignidade sexual.

Indubitavelmente, várias das teses ali coletadas e reunidas aparecerão nos concur-
sos vindouros. Justamente por isso, resolvi separar as 12 teses por mim reputadas como
principais da referida edição, trazendo uma explicação e comentários objetivos sobre cada
uma delas.

Separe esse texto para ler, reler e revisar, porque daqui sairão várias questões de
prova. Disso eu não tenho a menor dúvida. Vamos a elas:

(1) Aquele que adere à determinação do comparsa e contribui para a consumação crime
de estupro, ainda que não tenha praticado a conduta descrita no tipo penal, incide nas penas
a ele cominadas, nos exatos termos do art. 29 do Código Penal.

De acordo com o entendimento prevalecente na jurisprudência do STJ, o Código Penal


adota, como regra, a teoria monista, segundo a qual, presentes a pluralidade de agentes e
a convergência de vontades voltada à prática da mesma infração penal, todos aqueles que
contribuem para o delito incidem nas penas a ele cominadas, na medida da sua culpabili-
dade. Assim, embora não tenha o recorrido praticado a conduta prevista no núcleo do tipo
penal, aderiu à determinação do comparsa, facilitando e assegurando a consumação do
delito, concorrendo, assim, para a conduta típica, nos exatos termos do art. 29 do Código

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Penal, incidirá nas penas do crime praticado (REsp 1799010/GO, Rel. Ministro SEBASTIÃO
REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 23/04/2019).

Nesse contexto, a Corte já anotou que “o acusado, ao franquear a entrada e permanên-


cia dos agentes em sua residência para a prática dos crimes de estupro e atentado violento
ao pudor, aos quais permaneceu assistindo da porta do quarto, facilitou e assegurou a consu-
mação dos delitos, concorrendo para a conduta típica, aplicando-lhe a norma de extensão do
art. 29 do CP” (REsp 1175623/GO, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado
em 01/12/2015).

(2) Nas hipóteses em que há imprecisão acerca do número exato de eventos abusivos à
dignidade sexual da vítima, praticados em um longo período de tempo, é adequado o aumento
de pena pela continuidade delitiva (art. 71 do CP) em patamar superior ao mínimo legal.

Em um caso concreto bastante interessante e ilustrativo da tese acima indicada, o STJ


apreciou situação em que houve um número impreciso de atos criminosos abusivos à digni-
dade da vítima, ocasião em que se ratificou a jurisprudência é no sentido que, nas hipóteses
em que há imprecisão acerca do número exato de eventos delituosos, é de se considerar
adequada a fixação da fração de aumento, referente à continuidade delitiva, em patamar
superior ao mínimo legal, com base na longa duração dos sucessivos eventos delituosos
(STJ, AgRg no AREsp n. 455.218/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA
TURMA, julgado em 16/12/2014).

Em um caso concreto, embora impreciso o número exato de eventos delituosos, o STJ


tem considerado adequada a fixação da fração de aumento no patamar acima do mínimo na
hipótese de que o crime ocorreu por um período de tempo, como na espécie, em que ficou
demonstrada, por meio da leitura da sentença condenatória e do acórdão recorrido, a suces-
são de abusos durante, pelo menos, 7 anos, por diversas vezes. Assim, ficando suficiente-
mente atestada pelas instâncias de origem a continuidade delitiva e a reiteração das infra-
ções contra a vítima, mostra-se adequado o acréscimo pela continuidade delitiva na fração
máxima de 2/3 (art. 71 do CP) (AgRg nos EDcl no AgRg no AREsp 1629001/SP, Rel. Ministro
REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 19/05/2020).

(3) Nos crimes de estupro praticados com violência presumida, não incide a regra da
continuidade delitiva específica (art. 71, parágrafo único, do CP), que condiciona a sua inci-
dência às situações de emprego de violência real.

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Sabemos que o crime continuado é benefício penal, modalidade de concurso de crimes,


que, por ficção legal, consagra unidade incindível entre os crimes que o formam, para fins
específicos de aplicação da pena. Para a sua aplicação, o art. 71, caput, do Código Penal
exige, concomitantemente, três requisitos objetivos: I) pluralidade de condutas; II) pluralidade
de crimes da mesma espécie; e III) condições semelhantes de tempo, lugar, maneira de exe-
cução e outras semelhantes. A continuidade delitiva específica, descrita no art. 71, parágrafo
único, do Código Penal, além daqueles exigidos para a aplicação do benefício penal da con-
tinuidade delitiva simples, exige que os crimes praticados: I) sejam dolosos; II) realizados
contra vítimas diferentes; e III) cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa.

No caso em tela, os atos libidinosos praticados contra as vítimas vulneráveis foram des-
providos de qualquer violência real, contando apenas com a presunção absoluta e legal de
violência do próprio tipo delitivo. A violência de que trata a continuidade delitiva especial (art.
71, parágrafo único, do Código Penal) é real, sendo inviável aplicar limites mais gravosos do
benefício penal da continuidade delitiva com base, exclusivamente, na ficção jurídica de vio-
lência do legislador utilizada para criar o tipo penal de estupro de vulnerável, se efetivamente
a conjunção carnal ou ato libidinoso executado contra vulnerável foi desprovido de qualquer
violência real […] (HC 232.709/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado
em 25/10/2016). Segundo o STJ, o aumento no crime continuado comum é determinado em
função da quantidade de delitos cometidos. Assim, tendo sido cometidos crimes de estupro
de vulnerável, com violência presumida, contra 8 vítimas diferentes, incide a continuidade
delitiva simples, devendo ser aplicado o aumento de 2/3, que resulta na reprimenda definitiva
de 13 anos e 4 meses de reclusão. (HC 483.468/GO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA
FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 05/02/2019).

(4) A orientação da Súmula n. 593/STJ não importa na retroatividade de lei penal mais
gravosa (novatio legis in pejus) e apresenta adequada interpretação jurisprudencial das modi-
ficações introduzidas pela Lei n. 12.015/2009.

De acordo com o enunciado de Súmula 593 do Superior Tribunal de Justiça, aprovado


pela 3ª Seção em 25 de outubro de 2017, “o crime de estupro de vulnerável configura-se com
a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante o
eventual consentimento da vítima para a prática do ato, experiência sexual anterior ou exis-
tência de relacionamento amoroso com o agente”.

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Com a edição do referido verbete, instaurou-se debate doutrinário acerca da (ir)retro-


atividade ou não do comando ali estabelecido. No entanto, para a própria Corte, o referido
entendimento não constitui novatio legis in pejus, mas apenas apresenta a adequada inter-
pretação das modificações introduzidas pela Lei n.º 12.015/2009.

Portanto, uma vez que a referida Lei estava em vigor na data do delito ora apurado, não
há hipótese de violação à irretroatividade de lei penal mais gravosa. Assim, as hipóteses que
se amoldam com precisão ao disposto na Súmula n.º 593/STJ, não podem ter sua tipicidade
afastada com fundamento em eventual consentimento da vítima para a prática do ato ou na
existência de prévia relação amorosa (AgRg no REsp 1765591/ES, Rel. Ministra LAURITA
VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/04/2019).

(5) A prática de conjunção carnal ou de atos libidinosos diversos contra vítima imobili-
zada configura o crime de estupro de vulnerável do art. 217-A, § 1º, do CP, ante a impossibi-
lidade de oferecer resistência ao emprego de violência sexual.

Segundo o STJ, apesar de a reprovação da violência não sofrer alteração deontológica


significativa – ambos sendo igualmente reprováveis e abjetos, a vítima sem potencial motor
ou a vítima com relativo potencial motor -, é certo que, quando se encontra completamente
imobilizada, ela está, de fato e de direito, incapacitada de oferecer resistência, completa-
mente vulnerável, à revelia da sorte escolhida por seu agressor unilateralmente.

Se completamente inerte e incapaz de usar seu potencial motor (oferecer resistên-


cia) contra a violência sexual, haverá crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP). Se
ainda lhe restar capacidade de discernir sobre a ilicitude da conduta, possibilidade de ofer-
tar alguma resistência e não houver elementos biológicos incapacitantes, haverá o crime de
estupro do art. 213 do CP. Assim, a agressão sexual contra vítima completamente impossibili-
tada de esboçar reação (vítima amarrada com as mãos para trás) configura estupro de vulne-
rável (art. 217-A, § 1º, do CP) (REsp 1706266/MT, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA
TURMA, julgado em 18/10/2018).

(6) O avançado estado de embriaguez da vítima, que lhe retire a capacidade de ofere-
cer resistência, é circunstância apta a revelar sua vulnerabilidade e, assim, configurar a prá-
tica do crime de estupro previsto no § 1º do art. 217-A do Código Penal.

A indução ao consumo excessivo de bebida alcoólica pode ser utilizado como meio para
submeter a vítima a um estado de supressão da consciência ou de incapacidade de atuar con-
forme sua vontade, tornando-a vulnerável para os fins do art. 217-A, § 1º, do Código Penal.

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No entanto, é preciso cautela e cuidado na análise do caso concreto para verificar se


a vítima teve ou não sua consciência suprimida, não sendo uma automática conclusão a
ser deliberada a partir da embriaguez, que ostenta vários graus. Em um caso concreto em
que, não obstante a embriaguez, não se verificou a inconsciência ou incapacidade da vítima,
o STJ concluiu não haver como atender ao pleito acusatório de condenação do Recorrido
como incurso no art. 217, § 1º, do Código Penal, uma vez que não foi constatada a necessá-
ria incapacidade de discernimento da vítima ou a sua completa impossibilidade de resistên-
cia no momento dos fatos (REsp 1775136/AC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA,
julgado em 03/12/2019).

(7) Com o advento da Lei n. 12.015/2009, o crime de corrupção sexual de maiores de


14 e menores de 18 anos, previsto na redação anterior do art. 218 do CP, deixou de ser tipi-
ficado, ensejando abolitio criminis.

Analisando situações concretas que, em tese, poderiam caracterizar a figura típica do


art. 218-B, § 2º, I, do CP (favorecimento da prostituição de criança ou adolescente ou de
vulnerável), O STJ destacou ser importante registrar que alguns fatos ocorridos antes do
advento da Lei n. 12.015/2009, que introduziu a mencionada figura típica ao Código Penal,
não podem ser atingidos pela retroação da Lei mais gravosa (v.g.: RHC 36.364/RJ, Sexta
Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 6/6/2014).

Ademais, segundo jurisprudência desta Corte Superior, a corrupção sexual de maio-


res de 14 (quatorze) e menores de 18 (dezoito) anos deixou de ser tipificada no Código
Penal, ensejando abolitio criminis. (RHC 80.481/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA
TURMA, julgado em 04/04/2017).

(8) No crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (art.


218-B do CP), a vulnerabilidade relativa do menor de 18 anos deve ser aferida pela inexis-
tência do necessário discernimento para a prática do ato ou pela impossibilidade de oferecer
resistência, inclusive por más condições financeiras.

Segundo julgados da Corte e nos termos do artigo 218-B do Código Penal, são punidos
tanto aquele que capta a vítima, inserindo-a na prostituição ou outra forma de exploração
sexual (caput), como também o cliente do menor prostituído ou sexualmente explorado (§
1º). Na espécie, o paciente, a quem se imputou a exploração sexual dos ofendidos, também
figurou como “cliente” dos menores, com eles praticando atos libidinosos, fatos que se enqua-
dram na figura do inciso I do § 2º do artigo 218-B do Estatuto Repressivo.

O crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de


criança ou adolescente busca proteger a dignidade sexual do vulnerável, assegurando que
possa se desenvolver de forma saudável, e, no momento apropriado, decidir livremente o

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seu comportamento sexual. Diferentemente do que ocorre nos artigos 217-A, 218 e 218-A
do Código Penal, nos quais o legislador presumiu de forma absoluta a vulnerabilidade dos
menores de 14 (catorze) anos, no artigo 218-B não basta aferir a idade da vítima, devendo-
-se averiguar se o menor de 18 (dezoito) anos não tem o necessário discernimento para a
prática do ato, ou por outra causa não pode oferecer resistência, o que ocorre, na maioria
das vezes, mediante a comprovação de que se entrega à prostituição devido às suas más
condições financeiras. (HC 371.633/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, jul-
gado em 19/03/2019).

(9) O segredo de justiça previsto no art. 234-B do Código Penal abrange o autor e a
vítima de crimes sexuais, devendo constar da autuação apenas as iniciais de seus nomes.

Ratificando seu entendimento já consolidado, o Superior Tribunal de Justiça tem asse-


verado que o pedido do Ministério Público para se retificar a autuação com a finalidade de
que se conste por extenso o nome do paciente/acusado não deve prosperar.

Conforme o decido na Questão de Ordem no julgamento do REsp n. 1.397.236/PB, tendo


esta Corte firmado “o entendimento de que segredo de justiça determinado pelo artigo 234-B do
Código Penal se destina ao processo como um todo, não fazendo distinção entre réu e vítima” (HC
539.181/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 05/05/2020).

(10) O Juizado Especial de Violência Doméstica é competente para julgar e processar


o delito de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP) desde que esteja presente a motivação
de gênero ou quando a vulnerabilidade da vítima for decorrente da sua condição de mulher.

A 6ª Turma analisou, entre outros casos, situação em que se apurava a prática de crime
de estupro de vulnerável, em tese praticado por genitor contra filha de 4 anos de idade.
Assim, ainda que fosse o caso de violência doméstica, deve prevalecer, para fins de fixação
de competência, a condição de criança da vítima, nos termos do Estatuto da Criança e do
Adolescente. Ademais, por outra senda, esta Corte já decidiu que, “verifica-se que o fato de
a vítima ser do sexo feminino não foi determinante para a prática do crime de estupro de vul-
nerável pelo paciente, mas sim a idade da ofendida e a sua fragilidade perante o agressor,
seu próprio pai, motivo pelo qual não há que se falar em competência do Juizado Especial de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher” (AgRg no REsp 1490974/RJ, Rel. Ministro
ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 20/08/2019).

(11) Nos crimes sexuais praticados contra criança e adolescente, admite-se a oitiva da
vítima por profissional preparado e em ambiente diferenciado na modalidade do “depoimento
sem dano”, prevista na Lei n. 13.431/2017, medida excepcional que respeita sua condição
especial de pessoa em desenvolvimento.

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O STJ tem entendido justificada, nos crimes sexuais contra criança e adolescente, a
inquirição da vítima na modalidade do “depoimento sem dano”, em respeito à sua condição
especial de pessoa em desenvolvimento, procedimento admitido, inclusive, antes da defla-
gração da persecução penal, mediante prova antecipada (AgRg no AREsp 1612036/RS, Rel.
Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 05/03/2020).

O Conselho Nacional de Justiça, considerando o disposto no art. 227 da Constituição


Federal, na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e nas disposições do Esta-
tuto da Criança e do Adolescente, bem como a necessidade de viabilizar maior confiabilidade
na produção de provas testemunhais, na busca da verdade e na responsabilização penal de
agressores, editou a Recomendação n. 33/2010, no intuito de recomendar aos Tribunais a
adoção de providências para implementar procedimentos de colheita especial de prova oral,
evitando-se a revitimação do ofendido, ocorrida em decorrência de sucessivas inquirições
sobre o mesmo fato, seja na fase investigatória seja na processual.

Os mecanismos de “Escuta Especializada” estão colocados à disposição e discricio-


nariedade das vítimas e testemunhas de violência para o seu devido resguardo, não sendo
plausível o reconhecimento de suposta nulidade em virtude da sua não realização, quando
a vítima ou testemunha efetivamente deseja depor perante o Juízo não se podendo reti-
rar a validade das declarações colhidas perante o magistrado, mormente quando respeita-
dos o contraditório e a ampla defesa (HC 422.635/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA
PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 26/02/2019).

(12) Na apuração de suposta prática de crime sexual, é lícita a utilização de prova extra-
ída de gravação telefônica efetivada pelo ofendido, ou por terceiro com a sua anuência, sem
o conhecimento do agressor.

Ratificando o seu entendimento já consolidado, o STJ apreciou caso concreto e asseve-


rou que a gravação de conversa, no caso, não configura prova ilícita, visto que não ocorreu,
a rigor, interceptação por terceiro, mas uma mera gravação pela genitora utilizando-se do
próprio celular, objetivando a proteção da liberdade sexual de absolutamente incapaz, sua
filha, na perspectiva do poder familiar, vale dizer, do poder-dever de que são investidos os
pais em relação aos filhos menores, de proteção e vigilância (AgInt no REsp 1712718/AC,
Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 24/04/2018).

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

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CRIMES DO COLARINHO AZUL?

O QUE É ISSO?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Quem acompanha nossas aulas e nossos textos já sabe que um dos mantras que mais
repito é “gostando ou não, nomenclatura em prova de concurso é questão de sobrevivência”.
Falo isso porque, frequentemente, aparecem questões objetivas e, principalmente, dissertati-
vas exigindo o domínio por parte dos candidatos sobre determinadas teorias com nomencla-
turas peculiares. Por vezes, esse tipo de questão é extremamente criticável, pois não men-
sura efetivamente conhecimento e levanta dúvidas sobre a qualidade da prova. Ainda assim,
dominar algumas dessas teorias pode ser o diferencial entre sua aprovação ou não.

Nesse contexto, uma expressão que já apareceu em provas se referia aos CRIMES DO
COLARINHO AZUL.

Antes de anotarmos algumas considerações sobre o assunto, revela-se curial comentar


sobre os (agora) cada vez mais “famosos” crimes do colarinho branco. Expressão cunhada
pela doutrina penalista a partir dos estudos do sociólogo norte americano Edwin Sutherland,
ela se refere aos delitos essencialmente praticados por indivíduos que gozam de elevado
status social e/ou ocupam posição de destaque na iniciativa privada ou no serviço público.

Como exemplos típicos das infrações penais etiquetadas como crimes do colarinho
branco, podemos citar a macrocriminalidade econômica, desenhada no ordenamento jurí-
dico pátrio pelas leis (i) de lavagem de capitais (Lei n. 9.613/1998), (ii) dos crimes contra o
sistema financeiro nacional (Lei n. 7.492/1986), (iii) dos crimes contra a ordem tributária (Lei
n. 8.137/1990), entre outras.

A terminologia utilizada, naturalmente, se deu com o evidente fito de identificar a parcela


da população que mais frequentemente comete tais delitos, amiúde usando vestes sociais,
gravatas, ternos e colarinho branco.

É possível destacar 3 aspectos essenciais apontados por Sutherland que levaram a


essa “implementação diferenciada” da norma penal em relação aos sujeitos ativos típicos dos
crimes de colarinho branco. Aponta-se (i) o status do “homem de negócios”, que lhe confere
um grau de respeitabilidade no seio social, de modo que não é visto como um criminoso;(ii)
a tendência de não castigar esse tipo de infração sob a ótica criminal; e (iii) a ausência de
crítica e de compreensão dos efeitos dos delitos de colarinho branco pela sociedade[1].

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Sabendo ou não desse histórico, muito provavelmente a expressão crimes do colarinho


branco não é exatamente uma novidade para você. No entanto, você já ouviu falar em crimes
do colarinho AZUL? O que justifica essa “mudança de cores”?

Vamos explicar.

Diversamente aos crimes do colarinho branco, os crimes do colarinho azul são pratica-
dos por pessoas economicamente desabastadas e se verifica como uma alusão aos maca-
cões azuis utilizados nas fábricas dos Estados Unidos, servindo como “identificador” dos auto-
res mais recorrentes, evidenciando a oposição à criminalidade econômica supramencionada.

Aqui se pode dar como exemplos os crimes patrimoniais (furto, estelionato, roubo),
lesões corporais, crimes de dano, entre outros. Apesar de um evidente caráter preconceitu-
oso e estigmatizador na classificação, a expressão se pauta por questões estatísticas a partir
dos delitos efetivamente descobertos e/ou investigados pelo sistema de justiça, que autori-
zam identificar a “clientela” mais frequente desse tipo de criminalidade.

Pedro, mas essa classificação é realmente importante?

Como disse acima, além de isso já ter aparecido pontualmente em provas de concurso, há
uma razão bastante forte para pensarmos que isso permanecerá acontecendo. É que o Ministro
do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux (próximo presidente do STF), no julgamento da
Ação Penal 470 (caso do Mensalão), valeu-se, em seu voto, dessa expressão, assim indicando:

“O desafio na seara dos crimes do colarinho branco é alcançar a plena efetividade da


tutela penal dos bens jurídicos não individuais. Tendo em conta que se trata de delitos come-
tidos sem violência, incruentos, não atraem para si a mesma repulsa social dos crimes do
colarinho azul”.

Como sabemos que nomenclatura em prova de concurso público é questão de sobrevi-


vência e que essa classificação pouco usual fora utilizada recentemente por um Ministro do
Supremo Tribunal Federal em seu voto referente a um dos casos mais debatidos no Judiciá-
rio pátrio, é interessante e prudente dominar a ideia incutida nos chamados crimes do cola-
rinho azul!

Espero que tenham entendido e gostado!

Vamos em frente.

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32 ENUNCIADOS CRIMINAIS APROVADOS NA I JORNADA


DE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL
DO CONSELHO DE JUSTIÇA FEDERAL (CJF)

Olá, pessoal! Tudo certo?

Na última semana, entre os dias 10 e 14 de agosto, foi concluída a I Jornada de


Direito Penal e Processual Penal organizada pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), culmi-
nando com a aprovação, em sua plenária final, de 32 enunciados sobre temas diversos da
seara criminal.

Em que consistiu essa Jornada?

Trata-se de encontro voltado à reunião de diversos profissionais que atuam na seara


criminal (na prática e academicamente) com o objetivo de delinear posições interpretativas
sobre o Direito Penal e Processual Penal vigente, adequando-as às inovações legislativas,
doutrinárias e jurisprudenciais por meio do debate entre especialistas.

Não se trata de entendimento jurisprudencial. Ao menos, não nesse exato momento.


Contudo, como são teses construídas a partir de um debate rico e composto por múltiplas e
diversas visões da seara criminal, é muito provável que vários desses enunciados se tornem
jurisprudência consolidada nos Tribunais em um futuro próximo e, sobretudo, que seus con-
teúdos sejam exigidos (direta ou indiretamente) nas provas vindouras.

Nesse link disponibilizo a íntegra dos 32 enunciados aprovados. No entanto, abaixo já


indico aqueles que se revelam como os mais emblemáticos e interessantes, em minha visão.
Vale a pena conhecer e estudá-los! Vejamos:

Enunciado 2: Para a aplicação do artigo 40, inciso VI, da Lei n. 11.343/2006, é neces-
sária a prova de que a criança ou adolescente atua ou é utilizada, de qualquer forma, para
a prática do crime, ou figura como vítima, não sendo a mera presença da criança ou adoles-
cente no contexto delitivo causa suficiente para a incidência da majorante.

Enunciado 8: Nos casos de Estelionato (art. 171, CP) cometido por meio virtual, a com-
petência para processo e julgamento da ação será do local da agência bancária da conta
depositária, se a vítima realizou depósito bancário em dinheiro, ou o local da agência bancá-
ria da vítima, se ela realizou transferência bancária (TED).

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Enunciado 11: O pronunciamento jurisdicional do art. 396 do CPP, que recebe a denún-
cia, tem natureza jurídica de decisão interlocutória, portanto necessita de fundamentação,
conforme art.93, IX, da CF.

Enunciado 15: Para fins de aplicação do art. 91-A do Código Penal, cabe ao Ministério
Público, e não à Defesa, a comprovação de incompatibilidade entre o patrimônio e os rendi-
mentos lícitos do réu.

Enunciado 18: Na execução penal, o não pagamento da multa pecuniária ou a ausência


do seu parcelamento não impedem a progressão de regime, desde que os demais requisitos
a tanto estejam preenchidos e que se demonstre a impossibilidade econômica de o apenado
adimpli-la.

Enunciado 19: Cabe ao Tribunal no qual se encontra tramitando o feito em grau de


recurso a reavaliação periódica da situação prisional do acusado, em atenção ao parágrafo
único do art. 316 do CPP, mesmo que a ordem de prisão tenha sido decretada pelo Magis-
trado de primeiro grau.

Enunciado 27: São imprescritíveis e insuscetíveis de anistia, graça ou indulto crimes


que caracterizem graves violações de direitos humanos, praticados por agentes públicos ou
particulares, diante da Convenção Americana de Direitos Humanos e da pacífica jurisprudên-
cia da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de observância obrigatória por todos os
órgãos e poderes do Estado brasileiro.

Enunciado 32: A proposta de acordo de não persecução penal representa um poder-


-dever do Ministério Público, com exclusividade, desde que cumpridos os requisitos do art.
28-A do CPP, cuja recusa deve ser fundamentada, para propiciar o controle previsto no §14
do mesmo artigo.

Espero que tenham entendido e gostado.

Vamos em frente!

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(IN)ADMISSIBILIDADE DE MANDADO DE SEGURANÇA


CONTRA DECISÃO QUE DEFERE DESBLOQUEIO DE BENS
E VALORES NO PROCESSO PENAL

Fala, pessoal! Tudo certo?

Vamos comentar mais um entendimento “com cara de prova” deliberado recentemente


pelo Superior Tribunal de Justiça. Trata-se de assunto bastante explorado pelas bancas exa-
minadoras e que vários candidatos têm dificuldade. Ou seja, se você dominar esse conteúdo,
estará em vantagem.

Vamos compreender através de um exemplo.

Determinado magistrado de 1º grau determinou o sequestro/arresto de valores recebi-


dos por terceiros, oriundos da suposta prática de crimes contra o sistema financeiro nacional
(esquema de pirâmide financeira) e de lavagem de capitais (Lei n. 9.613/1998).

Posteriormente, fora determinado o desbloqueio desses valores, em razão de que seria


inadmissível que os bens de terceiras pessoas, sem indícios suficientes de autoria delitiva,
permanecessem constritos por longo período de tempo, sem previsão de conclusão das
investigações ou mesmo de propositura da ação penal.

Diante dessa decisão, o membro do Ministério Público atuante no caso impetrou Man-
dado de Segurança, tendo o respectivo Tribunal deferido a ordem para manter os valores em
questão bloqueados.

Nesse cenário, agiu corretamente o Tribunal? O mandado de segurança é instrumento


idôneo para enfrentar a decisão de desbloqueio emanada pelo juízo criminal?

Consoante jurisprudência tranquila do Superior Tribunal de Justiça[1], o mandado de


segurança não pode servir como sucedâneo recursal, sob pena de desnaturar sua vocação
e finalidade precípua. Em verdade, o recurso idôneo para atacar a decisão que julga pedido
de restituição de bens é a apelação.

Essa interpretação é extraída da análise conjunta do art. 5º, II da Lei n. 12.016/2009 e


art. 593, II, do CPP:

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Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: II – das decisões definitivas,
ou com força de definitivas, proferidas por juiz singular nos casos não previstos no Capí-
tulo anterior;
Art. 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: II – de decisão judi-
cial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;

Esse entendimento vem agasalhado ainda na compreensão retratada no enunciado de


súmula 267 do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual não cabe mandado de segurança
contra ato judicial passível de recurso ou correição.

Por isso, em nosso exemplo, laborou em equívoco o Tribunal, ao conceder a ordem no


Mandado de Segurança impetrado pelo Ministério Público. Foi justamente essa a posição
renovada pela 6ª Turma do STJ, no julgamento do REsp 1787449/SP[2], no último dia 10 de
março de 2020.

Espero que tenham entendido e gostado!

Vamos em frente.

[1] AgInt no RMS 53.637/PE, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, julgado em
16/05/2017 (…) 2. Não é admissível a impetração de mandado de segurança contra ato juris-
dicional que defere o desbloqueio de bens e valores, por se tratar de decisão definitiva que,
apesar de não julgar o mérito da ação, coloca fim ao procedimento incidente. 3. O recurso
adequado contra a decisão que julga o pedido de restituição de bens é apelação, sendo inca-
bível a utilização de mandado de segurança como sucedâneo do recurso legalmente pre-
visto. 4. Ausente, ainda, teratologia na decisão que determinou o desbloqueio dos valores,
tendo em vista o tempo de constrição perdurar mais de 3 anos, à época do julgamento, sem
a propositura de ação penal. 5. Recurso especial provido para restabelecer a decisão que
determinou a liberação dos valores bloqueados e indeferido o pedido de sobrestamento do
recurso às fls. 744-748. (REsp 1787449/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA,
julgado em 10/03/2020, DJe 13/03/2020).

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INTERCEPTAÇÃO DE SINAL DE TV A CABO

É OU NÃO PASSÍVEL DE FURTO?

Fala, pessoal! Tudo beleza?

Esse é um tema que vez ou outra aparece em provas dissertativas e causa um verda-
deiro alvoroço. A razão é simples: HÁ CONTROVÉRSIAS! Vamos entender?

De acordo com o art. 155, § 3º, do CPB, para fins de consumação do delito de furto,
“equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico”.
Ou seja, se alguém subtrai a energia elétrica da casa da vizinha, estará cometendo crime de
furto, certo?

MAS E SE A SUBTRAÇÃO FOR RELATIVA AO SINAL DA TV A CABO?

De acordo com parcela da doutrina, o referido sinal NÃO pode ser objeto de furto.
Segundo Bitencourt, “energia se consome, se esgota, diminui e pode inclusive terminar, ao
passo que sinal de TV não se gasta, não diminui. (…) Quem retira sinal de TV alheio não
reduz patrimônio alheio” e tampouco dificulta ou limita seu desfrute.

Essa compreensão já foi agasalhada em julgados específicos do Supremo Tribunal


Federal. Segundo a Corte, o sinal de TV a cabo não é energia, e assim, não pode ser objeto
material do delito previsto no art. 155, § 3º, do Código Penal. Daí a impossibilidade de se
equiparar o desvio de sinal de TV a cabo ao delito descrito no referido dispositivo. Ademais,
na esfera penal não se admite a aplicação da analogia para suprir lacunas, de modo a se
criar penalidade não mencionada na lei (analogia in malam partem), sob pena de violação ao
princípio constitucional da estrita legalidade[1].

Ao indicar, corretamente, que a conduta mencionada não se adéqua tipicamente ao


delito desenhado no art. 155, § 3º do CPB, o STF advoga que na legislação específica há
dispositivo tratando diretamente do caso descrito, qual seja o art. 35 da Lei n. 8.977/1995:

Art. 35. Constitui ilícito penal a interceptação ou a recepção não autorizada dos sinais
de TV a Cabo.

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Não obstante haver uma conduta típica desenhada pelo legislador, não houve imputa-
ção abstrata de sanção penal e por não haver pena cominada ao tipo legal a conduta é atí-
pica! Trata-se, pois, nos dizeres de Luiz Flávio Gomes de um exemplar da chamada norma
penal em branco inversa, ou seja, aquela em que o complemento normativo diz respeito à
sanção, não ao conteúdo da proibição! No caso ora analisado, inexistindo tal norma, não se
admite a aplicação da analogia in malam partem para fins punitivos.

ATENÇÃO! O tema não é pacífico.

De acordo com o escólio de Guilherme de Souza Nucci[2], o sinal de televisão a cabo


está enquadrado na figura do art. 155, parágrafo 3º do CPB. Nesse sentido, o STJ possui
julgados reconhecendo não se constatar qualquer ilegalidade passível de ser remediada por
este Sodalício, pois o sinal de TV a cabo pode ser equiparado à energia elétrica para fins de
incidência do artigo 155, § 3º, do Código Penal[3].

Pedro, e como eu devo me posicionar em provas de concurso?

Se estivermos em uma prova objetiva, o candidato deverá atentar sobre o específico


conteúdo da assertiva. Se se exigir a posição do STF, o caminho será a atipicidade da con-
duta, ao passo que se a indicação for a compreensão do STJ, haverá crime de furto.

No entanto, esse tema é mais provável em fases discursivas ou orais, ocasião em que
o examinado deve expor os dois posicionamentos, com base nas posições doutrinárias e
jurisprudenciais acima indicadas.

Espero que tenham entendido e gostado!

Vamos em frente.

[1] HC 97261, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em


12/04/2011
[2] Código Penal Comentado, 13ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 703.
[3] RHC 30.847/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em
20/08/2013.

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COMO A LEI MARIA DA PENHA EVOLUIU PARA EVITAR O PROCESSO


DE VITIMIZAÇÃO SECUNDÁRIA OU REVITIMIZAÇÃO?

PREPARAMOS UM CONTEÚDO ESPECIAL PARA EXPLICAR COMO A LEI MARIA DA


PENHA EVOLUIU PARA EVITAR QUE OCORRA A VITIMIZAÇÃO SECUNDÁRIA OU
REVITIMIZAÇÃO. CONFIRA ABAIXO!

Vamos analisar hoje um tema extremamente atual, importante e multidisciplinar, que


poderá aparecer em provas de direito penal, processual penal, criminologia ou mesmo em
leis penais extravagantes. Estou falando, claro, da vitimização secundária ou revitimização.

É possível definir a vitimização secundária como o processo danoso de revisitação aos


fatos criminosos vivenciados pela vítima, causando novos danos e incômodos, mormente
no processo de investigação e apuração delitiva. Assim, além das consequências diretas do
crime (vitimização primária), o indivíduo é ouvido na polícia, passa por exame de corpo de
delito, presta depoimento judicial, vai para reconhecimento de pessoas, etc, gerando poten-
cialmente novos traumas. Além delas, é possível assentar ainda a existência de uma vitimiza-
ção terciária, que seria a estigmatização social da vítima de um crime. Vamos esquematizar:

Esquematização dos processos de vitimização.

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Feita essa recapitulação, voltemos ao tema principal. Especialmente em relação à viti-


mização secundária, temos que esse processo traumático pode ou não ser necessário. E é
aqui que uma recente mudança da Lei Maria da Penha veio a minorar tais efeitos. Trata-se
da inserção do DEPOIMENTO SEM DANO nessa lei especial, a partir da Lei n. 13.505/2017.
A partir da redação conferida pela modificação normativa, é direito da mulher em situ-
ação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, inin-
terrupto e prestado por servidores – PREFERENCIALMENTE DO SEXO FEMININO – pre-
viamente capacitados. Ademais, a inquirição da mulher em situação de violência doméstica
e familiar ou de testemunha JAMAIS terá contato direto com investigados ou suspeitos e
pessoas a eles relacionadas.

E, de maneira expressamente preventiva à vitimização secundária, o art. 10-A da


LMP[1] prevê a NÃO REVITIMIZAÇÃO da depoente, evitando sucessivas inquirições sobre
o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem como questionamentos sobre
a vida privada.

Sempre critico alterações legislativas e as múltiplas atecnia do legislador. Aqui, con-


tudo, faço questão de elogiar. Trata-se de um avanço sensível e, acima de tudo, coerente e
pautado situação pertinente e calcada em estudos multidisciplinares, à luz da criminologia,
direito penal e processual penal.

Depoimento sem dano, vitimização secundária, criminologia, direito penal e processo


penal. Isso tem CARA DE PROVA! Anota aí porque vai cair!

Espero que tenham entendido e gostado!

Vamos em frente!

[1] Art. 10-A. É direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendi-
mento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores – preferencial-
mente do sexo feminino – previamente capacitados. § 1ºA inquirição de mulher em situação
de violência doméstica e familiar ou de testemunha de violência doméstica, quando se tratar
de crime contra a mulher, obedecerá às seguintes diretrizes: I – salvaguarda da integridade
física, psíquica e emocional da depoente, considerada a sua condição peculiar de pessoa
em situação de violência doméstica e familiar; II – garantia de que, em nenhuma hipótese, a
mulher em situação de violência doméstica e familiar, familiares e testemunhas terão contato
direto com investigados ou suspeitos e pessoas a eles relacionadas; III – não revitimização
da depoente, evitando sucessivas inquirições sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível

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e administrativo, bem como questionamentos sobre a vida privada. § 2º Na inquirição de


mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de testemunha de delitos de que
trata esta Lei, adotar-se-á, preferencialmente, o seguinte procedimento: I – a inquirição será
feita em recinto especialmente projetado para esse fim, o qual conterá os equipamentos
próprios e adequados à idade da mulher em situação de violência doméstica e familiar ou
testemunha e ao tipo e à gravidade da violência sofrida; II – quando for o caso, a inquirição
será intermediada por profissional especializado em violência doméstica e familiar designado
pela autoridade judiciária ou policial; III – o depoimento será registrado em meio eletrônico ou
magnético, devendo a degravação e a mídia integrar o inquérito.

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SAIBA COMO O CRIME DO ART. 218-B DO CPB


VAI CAIR NA SUA PROVA

Olá, pessoal! Tudo certo?

Especialmente em concursos estaduais em que as matérias criminais estão no pro-


grama editalício, os crimes contra a dignidade sexual demandam um cuidadoso e atento
estudo, pois uma série de questões e “pegadinhas” podem ser extraídas desse tema.

Justamente por isso, devemos analisar aspectos relacionados à literalidade da legisla-


ção, mas especialmente à compreensão doutrinária e jurisprudencial acerca de polêmicas e
casos concretos envolvendo esses crimes.

Nesse contexto, uma das questões que será cobrada em provas vindouras envolverá o
caso concreto apreciado pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, cujo julgamento fora
concluído em 19 de março de 2019, na ordem de habeas corpus nº 371.633/SP (Relatoria
Ministro Jorge Mussi).

Vamos entender o caso?

Antônio “convidou” adolescentes para, duas vezes por semana, irem ao seu aparta-
mento e, em troca de lanches e 50 reais, manter com ele relações sexuais, fato esse que se
reproduziu por cerca de 3 meses.

Em uma primeira análise, é fácil concluir que, ao menos em tese, esse comportamento
se amolda ao tipo penal do art. 218-B do CPB[1], ou seja, delito de favorecimento da prosti-
tuição ou outra forma de exploração sexual de criança, ou adolescente ou vulnerável, afinal
o intento do legislador é punir tanto o explorador da atividade, como também o eventual
“cliente”.

Saliente-se que o inciso I do § 2º do art. 218-B do Código Penal é claro ao estabelecer


que também será penalizado aquele que, ao praticar ato sexual com adolescente, o submeta,
induza ou atraia à prostituição, ou a outra forma de exploração sexual. Dito de outra forma,
enquadra-se na figura típica quem, por meio de pagamento, atinge o objetivo de satisfazer
sua lascívia pela prática de ato sexual com pessoa maior de 14 e menor de 18 anos.

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A leitura conjunta do caput e do § 2º, I, do art. 218-B do Código Penal NÃO PERMITE
IDENTIFICAR A EXIGÊNCIA de que a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso
com adolescente de 14 a 18 anos se dê por INTERMÉDIO DE TERCEIRA PESSOA. Basta
que o agente, mediante pagamento, convença a vítima, dessa faixa etária, a praticar com ele
conjunção carnal ou outro ato libidinoso.

É o que se infere da reiterada jurisprudência assentada pela Corte, inclusive em jul-


gados da lavra também da 6ª Turma. Em outro caso concreto, o referido colegiado anotou
literalmente que “a leitura conjunta do caput e do § 2º, I, do art. 218-B do Código Penal não
permite identificar a exigência de que a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso
com adolescente de 14 a 18 anos se dê por intermédio de terceira pessoa. Basta que o
agente, mediante pagamento, convença a vítima, dessa faixa etária, a praticar com ele con-
junção carnal ou outro ato libidinoso. Pela moldura fática descrita no acórdão impugnado se
vê claramente que o recorrido procurou, voluntariamente, a vítima e, mediante promessa de
pagamento, a induziu à prática de atos libidinosos, a evidenciar seu nítido intuito de explora-
ção sexual da adolescente, o que justifica o restabelecimento de sua condenação[2].

Além de sustentar a atipicidade da conduta – tese essa refutada pelo STJ, conforme
acima indicado – a defesa tentou afastar a continuidade delitiva no caso em tela. No entanto,
essa compreensão também não recebeu guarida do Tribunal. Vejamos as razões.

De acordo com a tese veiculada perante a Corte, a habitualidade delitiva seria verda-
deira condição para o crime do art. 218-B do CPB, razão pela qual haveria óbice para o reco-
nhecimento da continuidade. Entretanto, segundo o STJ, os núcleos submeter, induzir, atrair
e facilitar, exigem a habitualidade ao exercício da prostituição ou de outra forma de explora-
ção sexual para fins de consumação, o que NÃO OCORRE com o tipo do inciso I do § 2º do
artigo 218-B do Código Penal.

Essa é a mesma compreensão de Cleber Masson, para quem “nos núcleos ‘subme-
ter’, ‘induzir’, ‘atrair’ e ‘facilitar’, a consumação se dá no momento em que a vítima passa a
se dedicar com habitualidade ao exercício da prostituição ou de outra forma de exploração
sexual, ainda que não venha a atender pessoa interessada em seus serviços”, ao passo que
o tipo do inciso I do § 1º do artigo 218-B do Código Penal “não reclama a habitualidade no
relacionamento sexual entre o agente e a pessoa menor de 18 e maior de 14 anos”[3].

Tema bem interessante, pois – no mesmo dispositivo – temos um crime habitual (caput)
e outro não habitual!

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Por fim, uma curiosidade bem interessante e “com cara de prova”. Vale registrar que a
vulnerabilidade do art. 218-B do CPB é diferente daquela delineada nos arts. 217-A, 218 e
218-A do mesmo diploma, consoante a 5ª Turma do STJ. No crime do art. 218-B do CPB, a
vítima é “alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental,
não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que
a abandone”.

Em sendo as vítimas maiores de 14 anos e menores de 18, o fato de ter havido consen-
timento, por si só, não afasta a tipicidade do art. 218-B. No estupro de vulnerável, os vulnerá-
veis são os menores de 14 anos, os enfermos e deficientes mentais e os que não podem opor
resistência”, ao passo que “no art. 218-B, cuja titulação também trata de pessoa vulnerável,
inclui-se o menor de 18 anos.

De acordo com Bitencourt, “a justificativa para se ampliar o conceito, é o fato de que


embora o maior de 14 já esteja apto a manifestar sua vontade sexual, normalmente ele se
entrega à prostituição face à péssima situação econômica”, motivo pelo qual “a sua imaturi-
dade em função da idade associada a sua má situação financeira o torna vulnerável”[4].

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

[1] Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração
sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental,
não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar
que a abandone: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. § 1º Se o crime é praticado
com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. § 2º Incorre nas mesmas
penas: I – quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18
(dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo; II – o pro-
prietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no
caput deste artigo. § 3º Na hipótese do inciso II do § 2º, constitui efeito obrigatório da conde-
nação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.
[2] REsp 1490891/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, jul-
gado em 17/04/2018, DJe 02/05/2018
[3] Código Penal Comentado. 6ª ed. São Paulo: Método, 2018, p. 926/927
[4] Tratado de Direito Penal. Parte Especial. v. 4. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 124.

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PONTES DE OURO DO DIREITO PENAL

O QUE VOCÊ PRECISA SABER PARA NÃO SER SURPREENDIDO EM PROVAS!

Hoje vamos tratar de um tema extremamente relevante da parte geral do direito penal e
que despenca (de múltiplas formas) em prova de concurso público.

Vários institutos jurídicos foram inseridos – historicamente – no direito penal a partir de


uma lógica pautada em política criminal, com o intento de reduzir ou mesmo evitar a punição
do agente, desde que preenchidos determinados requisitos. É, justamente, o que ocorre com
as chamadas pontes de ouro do direito penal.

As pontes de ouro seriam o caminho possível de ser percorrido pelo agente que iniciou
a prática de um ilícito penal voltando a corrigir o seu percurso, retornando à seara da licitude.
A ponte de ouro está presente, entre nós, no art. 15 do CPB, nos institutos do arrependimento
eficaz e desistência voluntária. Segundo ele, o agente que, voluntariamente, desiste de pros-
seguir na execução (DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA) ou impede que o resultado se produza
(ARREPENDIMENTO EFICAZ), só responde pelos atos já praticados.

De acordo com os ensinamentos de Von Liszt, no momento em que o agente transpõe a


linha divisória entre os atos preparatórios impunes e o começo da execução punível, incorre
na pena cominada contra a tentativa. Semelhante fato não pode mais ser alterado, suprimido
ou anulado retroativamente. Pode, porém, a lei, por considerações de política criminal, cons-
truir uma ponte de ouro para a retirada do agente que já se tornara passível de pena.

A natureza jurídica da desistência voluntária e do arrependimento eficaz é polêmica,


havendo defensores da classificação como (i) causa pessoal de extinção da punibilidade (ex:
Zaffaroni), (ii) causa de exclusão da culpabilidade (ex: Claus Roxin), prevalecendo, porém,
na doutrina e jurisprudência pátria a concepção de que são verdadeiras (iii) causas de exclu-
são da tipicidade.

É possível concluir, especialmente da dicção extraída do art. 15 do Código Penal Bra-


sileiro, que um dos pressupostos básicos para a incidência da ponte de ouro é o agente
ter iniciado a fase da execução do delito dentro do “caminho do crime” (iter criminis). Essa
é a regra.

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No entanto, eu preciso que você redobre os cuidados aqui! É que o seu examinador
pode exigir de você o conhecimento acerca da ponte de ouro ANTECIPADA! Aliás, isso foi
objeto de pergunta da última prova oral do MP/MG, realizada em 2020.

Essa ponte de ouro antecipada é uma inovação trazida pela Lei Antiterrorismo. Segundo
o art. 10 da Lei 13.260/2016, há a previsão de que “mesmo ANTES DE INICIADA A EXECU-
ÇÃO do crime de terrorismo, na hipótese do art. 5º desta Lei, aplicam-se as disposições do
art. 15 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal”.

ATENÇÃO: A regra é que para haver desistência voluntária ou arrependimento eficaz,


imprescindível se revela o início da execução do crime. No entanto, excepcionalmente, no
crime de terrorismo, se o agente PREPARA (atos preparatórios) atos de terrorismo, mas
desiste de iniciar a execução do crime de terrorismo, haverá a incidência ANTECIPADA do
art. 15 do CPB, da “ponte de ouro”.

Antes de concluirmos, preciso que você redobre a atenção a um detalhe que pode ser
decisivo. A ponte de ouro, como visto, é associada aos institutos da desistência voluntária e
do arrependimento eficaz (art. 15 do CPB), mas não em relação ao arrependimento posterior
(art. 16 do CPB[1]). Em relação a esse último, temos a chamada ponte de prata. Trata-se de
um caminho a ser adotado pelo agente criminoso, ofertado pela legislação visando também à
redução de danos da conduta delituosa que, não obstante não evitar que o réu responda pelo
crime perpetrado, autoriza uma minoração das circunstâncias, viabilizando que o processa-
mento se dê como se tentativa fosse. Ele não será beneficiado com a exclusão da tipicidade
(ponte de ouro), mas o será com a (causa de) redução da pena!

Existe ainda outras pontes no direito penal, como as de bronze e diamante, menos fre-
quentes (porém não menos importantes) do que as de ouro e prata. No entanto, elas serão
objeto de outra postagem!

Espero que tenha entendido e gostado.

Vamos em frente!

[1] Art. 16 – Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado
o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário
do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

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O QUE ESTÁ POR TRÁS DA SÚMULA N. 617


DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA?

Olá, pessoal! Tudo certo?

Hoje vamos tratar sobre um tema que gera bastante confusão por parte dos alunos. Não
é segredo para ninguém que o conhecimento e o domínio dos entendimentos consolidados
em verbetes sumulares dos Tribunais Superiores são mandatórios para concursos públicos.

No entanto, se saber a literalidade das súmulas é essencial para provas, alguns verbetes
demandam um estudo mais aprofundado, pois não são autoexplicativos. É o caso da Súmula 617
do Superior Tribunal de Justiça, aprovada em 26 de setembro de 2018 pela 3ª Seção da Corte.

Segundo sua literalidade, a ausência de suspensão ou revogação do livramento condi-


cional antes do término do período de prova enseja a extinção da punibilidade pelo integral
cumprimento da pena.

Saber o que está por trás desse verbete é imprescindível, especialmente para provas
discursivas e dissertativas. Vamos ilustrar com um hipotético caso concreto:

João cumpria uma pena de 2 anos e 8 meses de reclusão, tendo sido beneficiado com
o livramento condicional, em janeiro de 2015. Em março do mesmo ano, ele foi preso em fla-
grante por um novo crime. Após o período de prova, o magistrado a quo entendeu por bem
revogar o benefício, tendo em vista a superveniência da segunda condenação (definitiva).

Está correta a postura? Calma. Vou explicar.

De acordo com a tese sustentada pelo Ministério Público, considerando o teor do artigo
86 do CPB, deve ser o benefício do livramento condicional revogado, já que há a previsão
desse efeito se o liberado condicionalmente vem a ser condenado a pena privativa de liber-
dade em sentença irrecorrível por crime cometido durante a vigência do benefício. Vejamos
o que diz o referido dispositivo:

Art. 86 – Revoga-se o livramento, se o liberado vem a ser condenado a pena privativa


de liberdade, em sentença irrecorrível: I – por crime cometido durante a vigência do benefí-
cio; II – por crime anterior, observado o disposto no art. 84 deste Código.

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No nosso exemplo, João de fato cometeu crime durante o período de prova, mas a
revogação do livramento condicional somente foi realizada pelo magistrado após o mencio-
nado intervalo de tempo.

Nesse contexto, invocando o art. 90 do Código Penal, a defesa de João defende que a
postura adotada pelo magistrado fora equivocada, afinal “se até o seu término o livramento
não é revogado, considera-se EXTINTA a pena privativa de liberdade”.

E foi nesse contexto que o Superior Tribunal de Justiça consolidou o verbete sumular nº
617: A ausência de suspensão ou revogação do livramento condicional antes do término do
período de prova enseja extinção da punibilidade pelo integral cumprimento da pena”.

Você pode estar pensando que essa é uma janela para impunidade. Ora, se o magis-
trado tem que aguardar eventual trânsito em julgado da condenação do segundo crime e ela
somente ocorrer após o período de prova da liberdade condicional, ele estará de “mãos ata-
tadas”, certo?

Errado. É aqui que muita gente se equivoca.

A Lei de Execução Penal prevê, em seu art. 145, que praticada pelo liberado outra infra-
ção penal, o Juiz poderá ordenar a sua prisão, ouvidos o Conselho Penitenciário e o Ministé-
rio Público, SUSPENDENDO o curso do livramento condicional, cuja revogação, entretanto,
ficará dependendo da decisão final.

Voltando ao caso de João, percebe-se que o magistrado não observou o art. 145 da
LEP. Em verdade, durante o período de provas, não determinou a suspensão, prorrogação
ou revogação do benefício, tendo adotado essa última opção APÓS o referido período, vio-
lando o art. 90 do CPB.

Olha o detalhe!!! O que o juiz deveria ter feito, seguindo o art. 145 da LEP, era SUSPEN-
DER cautelarmente o benefício, ainda durante o seu curso, situação que se manteria até o
trânsito em julgado da sentença condenatória, o que acarretaria a sua revogação.

Não fazendo isso no período devido, tanto do STF, como também a 5ª e 6ª Turmas do
STJ entendem que deve ser reconhecida a extinção da pena privativa de liberdade. Essa é a
inteligência da Súmula 617 do STJ! Ela precisa ser lida e interpretada em consonância com
o artigo 145 da LEP.

Espero que tenham entendido e gostado!

Vamos em frente!

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