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Revista Brasileira de

Arbitragem

Pesquisa: regras de imparcialidade e independência na


produção de provas nas arbitragens

CRISTINA M. WAGNER MASTROBUONO

Volume XVII Number 67 2020

ISSN: 1806809X
© Kluwer Law International
Uma publicação do CBAr – Comitê Brasileiro de Arbitragem e da Kluwer Law International.
Esta Revista deve ser citada como Revista Brasileira de Arbitragem, n. 67, jul./set. 2020.
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Brasileira de Arbitragem – v. 1, n. 1 (jul./out. 2003)-


Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International, 2004
v. 17, n. 67; 16 x 24 cm
Trimestral
ISSN: 1806-809X
1. Arbitragem. 2. Direito internacional. 3. Direito empresarial. 4. Direito processual
CDU: 341.63
CDD: 341.4618

(Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka CRB 10/855)

Uma coedição de:

CBAr – Comitê Brasileiro de Arbitragem Kluwer Law International


Av. Paulista, 1294 – 8º andar P.O. Box 316
01310-100, São Paulo, SP 2400 AH Alphen aan den Rijn
Brasil The Netherlands
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Sumário
Doutrina

(A) Nacional
1. Nova Lei de Franquias e Arbitragem
Tatiana Dratovsky Sister e Thiago Del Pozzo Zanelato....................................................... 7

2. Pesquisa: regras de imparcialidade e independência na produção de provas


nas arbitragens
Cristina M. Wagner Mastrobuono..................................................................................... 32

(B) Internacional
1. Arbitragem, petróleo e gás: uma construção recíproca
Matthieu de Boisséson e Katherine Spyrides..................................................................... 78

2. Has the English Court of Appeal changed its mind on the proper law of the
arbitration agreement?
Frederico Singarajah....................................................................................................... 108

3. COVID-19 and new ways of doing arbitration: are they here to stay?
María Solana Beserman Balco......................................................................................... 129

Jurisprudência
(A) Estatal Nacional Comentada
1. Tutela de Urgência. Carta Arbitral. Assistência do Poder Judiciário para
Efetivação da Ordem. Medida de Apoio Deferida pelo Juiz para Cooperação
por Terceiro
Brasil. Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial 1.798.089/MG – Terceira
Turma. Relatora Ministra Nancy Andrighi – J. 27.08.2019
Mateus Aimoré Carreteiro.............................................................................................. 145

(B) Estatal Internacional Comentada


1. The Antrix Case: a case study of the principles governing the waiver to raise
a procedural irregularity under french law
Thomas Granier.............................................................................................................. 169

Informações Gerais
1. Decreto nº 10.025/2019: Arbitragem Envolvendo a Administração Pública
Federal nos Setores Portuário e de Transporte Rodoviário, Ferroviário,
Aquaviário e Aeroportuário
Isabel Cantidiano............................................................................................................ 197

2. Congresso Brasileiro de Arbitragem na Administração Pública


Aristhéa Totti Silva Castelo Branco de Alencar, Cristiane Cardoso Avolio
Gomes e Tatiana Mesquita Nunes................................................................................... 203

3. Comentário sobre o Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos


entre a República Federativa do Brasil e a República da Índia
Gisela Ferreira Mation.................................................................................................... 209
Clássico da Arbitragem
1. Nota ao Artigo “Les manoeuvres dilatoires des parties et des arbitres dans l’arbitrage
commercial international”, de Emmanuel Gaillard (Revue de l’Arbitrage, Comité
Français de l’Arbitrage, v. 1990, Issue 4, p. 759-796, 1990)
Natália Mizrahi Lamas.................................................................................................... 217

Resenhas de Livros
1. Multi-Party and Multi-Contract Arbitration in Brazil
Autor: Leonardo Ohlrogge
Cristina Saiz Jabardo e Flavia Foz Mange....................................................................... 253

Revista das Revistas


1. Ana Paula Montans..........................................................................................................258

Linha Editorial........................................................................................................................... 269


Doutrina Nacional
Pesquisa: Regras de Imparcialidade e Independência na Produção de
Provas nas Arbitragens
Survey: Rules of Impartiality and Independence on the Taking of Evidence in
Arbitral Proceedings

CRISTINA M. WAGNER MASTROBUONO


Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). LLM-Master of Laws pela University of
Chicago. Ex-Procuradora-Geral Adjunta do Estado de São Paulo. Árbitra, FCIArb.

RESUMO: Não obstante a importância das provas como elemento do processo decisório do tribunal
arbitral, não há clareza quanto às regras de imparcialidade e independência aplicadas aos profissionais
técnicos que atuam na fase instrutória. Este artigo explora o panorama legislativo e regulatório sobre o
tema, e apresenta o resultado de pesquisa empírica conduzida junto à comunidade arbitral brasileira e às
instituições de arbitragem atuantes no País, por meio da qual foram colhidas informações sobre a prática
dos pesquisados e as expectativas em torno da matéria.
PALAVRAS-CHAVE: Provas; perícias; imparcialidade; independência; regras; peritos; assistentes téc-
nicos.
ABSTRACT: Notwithstanding the importance of evidence in the arbitral tribunal’s decision-making process,
there is no clarity about the expected impartiality and independence of the appointed experts during the
proceedings. This article analyses the legislation and regulation about the subject, and presents the results
of a research conducted within the Brazilian arbitral community and the arbitral institutions that operate in
the country, designed to collected information on respondent’s practice and expectations upon the matter.
KEYWORDS: Evidence; taking of evidence; impartiality; independence; rules; experts; party-appointed
experts.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Perícias e peritos no Brasil; 1.(i) Perícias no Código de Processo Civil – Breve
histórico; 1.(ii) Perícias na Lei de Arbitragem; 1.(ii).(a) A sistemática de produção de provas; 1.(ii).(b) Os
profissionais técnicos e as regras de imparcialidade e independência na produção de provas; 1.(iii) O mo-
delo adotado por legislações arbitrais de outras jurisdições; 1.(iv) Regulamentos e soft law; 2 Imparciali-
dade e independência – O que esperar dos profissionais técnicos que atuam em perícias?; 3 A pesquisa;
3.(i) Vertente A; 3.(ii) Vertente B; 4 O papel do tribunal arbitral; Conclusão.

INTRODUÇÃO1
Com a intensificação do uso da arbitragem como meio de resolução de
disputas e a evolução do instituto, muitos dos seus conceitos básicos já se en-
contram em vias de consolidação, remanescendo, no entanto, ampla discussão

1 Registro meu agradecimento aos seguintes profissionais e amigos, pelas valiosas contribuições para a elaboração
deste trabalho: Gilberto Giusti, Professor Celso Mori, André Rodrigues Junqueira, Bruno Megna, Cláudio Finkelstein,
Cesar Augusto Guimarães Pereira, Thiago Marinho Nunes, Patrícia Kobayachi e Luiza Kömel. Agradeço também a
todos os que se dispuseram a participar da pesquisa.
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sobre alguns temas. Um deles diz respeito à produção de provas, em especial
o campo de atuação dos profissionais que operam nessa fase do procedimento.
São terceiros que não constituem o tripé que forma a base de condução do pro-
cesso – requerente, requerido e tribunal arbitral –, mas cuja atuação é decisiva
para o desfecho da disputa.

Já de início chamamos a atenção para o fato de que não há, na legislação


brasileira que rege o instituto da arbitragem, disposição expressa sobre a forma
de produção de provas e sobre os deveres dos profissionais técnicos envolvidos
na sua apuração, do que decorre a ausência de entendimento uniforme sobre
o tema.

Há um outro ingrediente que torna difícil a análise da prática da produ-


ção de provas e estudos aptos a traçar conclusões: a maioria dos procedimen-
tos arbitrais é conduzida em confidencialidade e as informações ficam restritas
às partes, afastando a possibilidade de estudo empírico e aplicação de um mé-
todo comparativo para extrair as melhores experiências.

Ao já exposto some-se o fato de que, na prática arbitral, falta univoci-


dade quanto aos termos utilizados. Por exemplo, há o uso constante do termo
expert, importado do ambiente da arbitragem internacional, seja como sinôni-
mo de perito, seja como sinônimo de assistente técnico da parte. É utilizado
também o termo expert witness, o qual, por sua vez, além de corresponder ao
assistente técnico, poderia ser traduzido emprestando a figura do especialista
que participa da prova técnica simplificada, trazida no § 3º do art. 464 do Có-
digo de Processo Civil (“CPC”).

Ao iniciar o estudo do tema, identificamos várias dúvidas: Quais são


as práticas mais comuns na produção de provas? Como são conduzidas as
perícias: pelo tribunal ou pelas partes? Perito é apenas aquele profissional no-
meado pelo tribunal arbitral? É possível às partes indicarem peritos? “Assistente
técnico da parte” equivale a “perito da parte”? Quais os deveres que regem a
atuação dos peritos: a) quando nomeados pelo tribunal? e b) quando nomeados
pelas partes? Quais os deveres e as responsabilidades dos assistentes técnicos
indicados pelas partes?

Com o objetivo de conhecer a prática e o que pensam os profissionais


do mercado, desenvolvemos uma pesquisa empírica junto à comunidade ar-
bitral brasileira, que foi dividida em duas partes: a 1ª, voltada aos agentes que
atuam na produção de provas e no procedimento arbitral: árbitros, advogados
e profissionais técnicos (denominada “Vertente A”); a 2ª, dirigida às instituições
arbitrais operantes no País (denominada “Vertente B”).
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O foco principal da pesquisa, cuja metodologia será exposta no item “3”,
é indagar sobre as regras de independência e imparcialidade dos profissionais
envolvidos na produção de provas e as expectativas dos envolvidos.

No presente artigo, discorremos, inicialmente, acerca dos aspectos teóri-


cos do procedimento de produção de provas, e, na sequência, apresentamos o
resultado da pesquisa, formulando, ao final, nossas conclusões.

1 PERÍCIAS E PERITOS NO BRASIL


Muito não é preciso discorrer sobre a importância da perícia nos proces-
sos, seja no âmbito da jurisdição estatal, seja no campo da arbitragem, caracte-
rizando um “instrumento essencial do julgador”2, na “verificação de fatos que
necessitem conhecimentos especiais”3.

E a prova interessa a todos os que tomam parte na arbitragem, pois cabe


à requerente que apresenta a demanda demonstrar seus direitos e à requerida
refutá-los. Embora não exista distribuição legal do ônus da prova em procedi-
mento arbitral, compete àquele que quer ser vitorioso na ação demonstrar o
seu direito e os fatos relacionados4.

Antes de adentrar no tema específico da exigência de imparcialidade ou


não dos profissionais ligados às perícias, urge analisar: (i) o tratamento legal
dado à produção de provas na lei processual brasileira; (ii) o disposto na Lei
de Arbitragem; (iii) o modelo adotado por legislações arbitrais de outras jurisdi-
ções; e (iv) os regulamentos e soft law.

1.(i) Perícias no Código de Processo Civil – Breve histórico


Embora a Lei de Arbitragem não faça referência ao Código de Processo
Civil no que diz respeito à produção de provas, é importante conhecer o his-
tórico dos modelos adotados na jurisdição estatal, eis que, em nosso entendi-
mento, tem sido ela a formadora dos conceitos e do procedimento que de certa
forma encontram-se arraigados na cultura profissional daqueles que atuam no
campo das arbitragens.

2 GONÇALVES, Eduardo Damião; SILVA, Rafael Bittencourt. A perícia na arbitragem. A produção de provas técnicas
no âmbito do procedimento arbitral e novas tendências. Revista do Advogado, São Paulo, a. 33, n. 119, p. 35-41,
abr. 2013.
3 Idem, ibidem.
4 CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem: mediação: conciliação: Resolução CNJ nº 125/2010. 5. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 270.
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A evolução legal será analisada tanto sob o aspecto da forma de indica-
ção dos especialistas quanto das regras de imparcialidade incidentes, visto que
esses dois fatores se permeiam, havendo uma direta relação de causa e efeito.

No processo estatal nacional, a figura do perito surgiu no Código de


Processo Civil de 19395 como um profissional, sempre que possível técnico,
de livre escolha do juiz. Na redação original do CPC/1939, o perito poderia
ser recusado pelas mesmas causas que justificam a recusa dos juízos e das
testemunhas.

O Decreto-Lei nº 4.565, de 1942, alterou esse modelo na medida em que


possibilitou às partes a indicação de um nome, em comum acordo. Somente
na ausência de entendimento é que o juiz assumia a indicação do profissional.
Além de as partes indicarem o perito, cabia-lhes ter um assistente técnico que
as auxiliasse no acompanhamento do trabalho do perito, e que teria os mesmos
poderes investigativos deste. Veja-se que esse modelo admitia a atuação de
profissional técnico indicado pela parte na condição de perito, e não apenas
de assistente técnico.

Nova alteração do CPC/1939, ocorrida em 1946 pelo Decreto-Lei


nº 8.570, alargou ainda mais esse conceito de perito da parte, que melhor
pode ser explicada transcrevendo a redação do então art. 129: “Os exames
periciais poderão ser feitos por um só louvado, concordando as partes; se não
concordarem indicarão de lado a lado o seu perito e o juiz nomeará o terceiro
para desempate por um dos laudos dos dois antecedentes, caso não se contente
com um destes”. Em não ficando satisfeito, ou havendo dúvidas em relação aos
laudos apresentados pelos peritos das partes, cabia ao juiz indicar profissional
de sua confiança. Nessa redação de 1946 do CPC ficou afastada a figura do
assistente técnico da parte e havia a possibilidade de apresentação de laudo
único pelos peritos indicados pelos dois lados do litígio, ou cada parte apre-
sentando o seu.

Verifica-se que nesse modelo processual, que vigeu até 1973, a figura
do perito (mesmo que indicado pela parte) tinha importância fundamental nas
diversas fases procedimentais, com o texto legal fazendo inúmeras referências
à sua participação e oitiva em vários momentos decisivos do processo. Essa
importância exigia uma postura de imparcialidade, sendo que o perito estava
sujeito à exceção de suspeição e à incidência de penalidades pecuniárias e
de impedimento de atuação em novas perícias, em especial quando prestadas

5 Decreto-Lei nº 1.608, de 18.09.1939.


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informações inverídicas com dolo ou culpa grave, penalidades essas aplicadas
pelo próprio juiz da causa.

Chamamos a atenção para o fato de que alguns autores, como Eduardo


Damião Gonçalves6, entendem ser o padrão que mais se assemelha ao utiliza-
do nas arbitragens no Brasil. Para tanto, o autor equipara o perito da parte do
CPC na redação do DL 8.570 ao assistente técnico indicado pelas partes em
procedimentos arbitrais: “O segundo método implementado pelo Decreto-Lei
nº 8.570 é o que mais se assemelha ao utilizado atualmente nas arbitragens,
em que cada parte indica sua testemunha técnica, cabendo ao tribunal arbitral
interpretar as diferenças de opinião e chegar a uma conclusão razoável”.

Como se verá mais adiante, os dados coletados demonstram que a prá-


tica mais corriqueira não tem sido essa, tanto no que diz respeito à forma mais
usual de indicação do perito quanto à expectativa de imparcialidade então im-
posta ao perito da parte (no processo civil), que não se reproduz em relação ao
assistente técnico no modelo atualmente em vigor, o que foi confirmado pela
resposta à pergunta 6 da pesquisa, comentada no item 3.(i)(b) mais adiante.

A promulgação do Código de Processo Civil de 19737 fez retornar o mo-


delo de indicação de perito apenas pelo juiz, cabendo às partes a nomeação
de assistentes técnicos para o acompanhamento da produção de prova. Essa
alteração na denominação, de perito da parte para assistente técnico, porém,
não condiz com o nível de obrigações que foram impostas aos profissionais.
Nesse modelo, o assistente técnico deixou de ser da confiança da parte (como
expresso no CPC/1939 com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 8.570/1946),
para ser um profissional voltado a assistir ao juiz, sujeito a regras de imparcia-
lidade, devendo assinar juntamente ao perito compromisso de cumprir cons-
cienciosamente o encargo que lhe foi cometido (art. 422), podendo escusar-se
ou ser recusado por impedimento ou suspeição. Interessante notar também
que o laudo pericial deveria ter conteúdo unânime e ser produto de discussões
entre os profissionais técnicos, escrito pelo perito e assinado por este e pelos
assistentes técnicos (arts. 429 e 430), sendo possível a apresentação de laudo
divergente, devidamente fundamentado.

Nova mudança, dessa vez trazida pela Lei nº 8.455, de 24.08.1992, in-
troduziu a separação do conceito de perito e assistente técnico, sendo o perito
o profissional nomeado pelo juiz e o assistente técnico profissional indicado e
de confiança da parte.

6 GONÇALVES, Eduardo Damião; SILVA, Rafael Bittencourt. A perícia na arbitragem. A produção de provas técnicas
no âmbito do procedimento arbitral e novas tendências. Revista do Advogado, São Paulo, a. 33, n. 119, p. 35-41,
abr. 2013.
7 Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
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Referida reforma do CPC de 1973 colocou grande importância à atuação
independente e imparcial do perito, ao deixar expresso que este cumprirá es-
crupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo
de compromisso (art. 422), podendo escusar-se ou ser recusado por impedi-
mento ou suspensão (art. 423). Em caso de descumprimento do encargo no
prazo assinalado, sem justo motivo, o juiz poderia comunicar a ocorrência à
corporação profissional respectiva e impor multa a ser fixada levando em con-
sideração o valor da causa e o possível prejuízo decorrente do atraso (art. 424,
parágrafo único).

O assistente técnico, por sua vez, foi reconhecido como profissional de


confiança da parte, não sujeito a impedimento ou suspeição. O perito elabora
e apresenta o laudo8, cabendo aos assistentes técnicos oferecer pareceres.

A última alteração veio ocorrer em 20159, sendo que, no tocante à pro-


dução de provas, a nova lei processual manteve, em certa medida, o modelo
em vigor desde 1992, com a atuação de um perito indicado pelo juiz respon-
sável pela elaboração do laudo e a participação de assistentes técnicos como
profissionais de confiança das partes, não sujeitos à impugnação e que podem
contribuir com pareceres.

Diferença do modelo de 1992 para o de 2015 poderia ser apontada no


que diz respeito ao caráter de imparcialidade que se espera do perito, uma vez
que a nova redação, embora submeta este às regras de suspeição e impedimen-
to aplicáveis aos magistrados, não repetiu as mesmas expressões mandatórias
de assinatura de termo de compromisso e a prescrição de penalidades pelo
descumprimento da tarefa que lhe foi atribuída. No entanto, a ausência de
replicação dos comandos mais diretos e de previsão de imposição de penali-
dades no texto do NCPC em vigor não afasta a obrigação de atuação imparcial
e independente do perito e uma possível impugnação, caso existam elementos
para tanto.

Por fim, não há que se falar em peritos da parte, e não há referência à


expectativa de imparcialidade quanto aos profissionais técnicos que auxiliam a
parte no modelo processual civil atualmente em vigor, que deixa claro ser o as-
sistente técnico profissional de confiança da parte. Esse conceito está arraigado
em alguns profissionais que atuam nas arbitragens.

8 A alteração de 1992 revogou o art. 430, que dispunha sobre a atuação conjunta entre perito e assistentes para
lavrar o laudo pericial.
9 O chamado novo Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015
(“NCPC”).
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A evolução legislativa mostra que muitos são os modelos admissíveis e
que poderiam, em princípio, ser aplicados no procedimento arbitral.

1.(ii) A Lei de Arbitragem


A Lei nº 9.307/1996 (Lei Geral de Arbitragem ou Lei de Arbitragem),
além de não fazer nenhuma alusão ao momento e à forma de produção de pro-
va, igualmente não faz nenhuma referência ao profissional técnico que atua na
fase instrutória e às regras de independência e imparcialidade que devem (ou
não) incidir sobre sua atuação. Esses dois aspectos serão detalhados a seguir.

1.(ii)(a) A sistemática de produção de provas


No âmbito do processo civil, há uma sequência de atos processuais pre-
vista e conhecida das partes, o que, no entanto, não ocorre no procedimento
arbitral, uma vez que a Lei de Arbitragem não dispõe especificamente sobre o
tema10. Elementos importantes, no entanto, são trazidos pelos arts. 2111 e 2212,
que tratam do procedimento arbitral.

Constatação inicial é que, na esteira do princípio da autonomia da von-


tade das partes e da flexibilidade que norteia o processo e o procedimento arbi-
tral, cabe às partes e ao tribunal arbitral acordar sobre tudo o que está relacio-

10 Olavo Augusto Vianna Alves de Oliveira conclui: “A partir da análise da legislação brasileira, é possível verificar
que não há previsão expressa e específica acerca da forma de produção de provas no âmbito do procedimento
arbitral. Ademais, a maioria dos regulamentos dos tribunais arbitrais não se preocuparam em definir diretrizes ou
se aprofundar no tema da produção de provas” (FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves; ROCHA, Matheus Lins;
FERREIRA, Débora C. F. A. Alves. Lei de Arbitragem comentada artigo por artigo. São Paulo: Juspodivm, 2019.
p. 261).
11 Art. 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que
poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às
partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento.
§ 1º Não havendo estipulação acerca do procedimento, caberá ao árbitro ou ao tribunal arbitral discipliná-lo.
§ 2º Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade de partes, da
imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.
§ 3º As partes poderão postular por intermédio de advogado, respeitada, sempre, a faculdade de designar quem as
represente ou assista no procedimento arbitral.
§ 4º Competirá ao árbitro ou ao tribunal arbitral, no início do procedimento, tentar a conciliação das partes,
aplicando-se, no que couber, o art. 28 desta Lei.
12 Art. 22. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a
realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício.
§ 1º O depoimento das partes e das testemunhas será tomado em local, dia e hora previamente comunicados, por
escrito, e reduzido a termo, assinado pelo depoente, ou a seu rogo, e pelos árbitros.
§ 2º Em caso de desatendimento, sem justa causa, da convocação para prestar depoimento pessoal, o árbitro ou o
tribunal arbitral levará em consideração o comportamento da parte faltosa, ao proferir sua sentença; se a ausência
for de testemunha, nas mesmas circunstâncias, poderá o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral requerer à
autoridade judiciária que conduza a testemunha renitente, comprovando a existência da convenção de arbitragem.
§ 3º A revelia da parte não impedirá que seja proferida a sentença arbitral.
§ 4º (Revogado)
§ 5º Se, durante o procedimento arbitral, um árbitro vier a ser substituído fica a critério do substituto repetir as
provas já produzidas.
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nado à produção de provas. Na ausência de disposição (na lei, no regulamento
da instituição arbitral ou de indicação na convenção de arbitragem), cabe aos
participantes da arbitragem (partes e tribunal arbitral) estabelecer o modo de
produção de provas, implicando: qual a sequência das diversas formas proba-
tórias a ser adotada – apresentação de documentos, depoimento das partes,
oitiva de testemunhas, apresentação de laudo –; a elaboração dos quesitos; a
atuação ou não de peritos; a forma de nomeação dos peritos; a comunicação
entre os peritos e assistentes; a inquirição entre os profissionais; a realização de
audiência preparatória; enfim, todos os atos relacionados à condução procedi-
mental, no que se inclui o modo de produção da prova, e, ainda, acrescenta-
mos regras de imparcialidade que se pretendem ver aplicadas.

O modelo a ser adotado, frise-se, pode ser totalmente diverso daquele


previsto no CPC.

Marcelo Muriel13 destaca a flexibilidade na produção de provas de que


dispõe o árbitro como uma das maiores diferenças entre o processo civil e o
processo arbitral:
Muito se fala sobre as diferenças entre o processamento de uma controvérsia
perante o Judiciário estatal e perante um procedimento arbitral. E com razão,
porque as diferenças não são poucas, nem irrelevantes. Mas dentre todas as dife-
renças, talvez resida na produção de provas uma das mais significativas. É na li-
berdade de regras, e na disponibilidade de tempo do procedimento arbitral, que
o grande esforço da procura da verdade se afirma e se revela como fator de atra-
tividade à aplicação da arbitragem como forma de resolução de controvérsias.

Não havendo regulamento preestabelecido, seja em convenção de ar-


bitragem, seja pela instituição arbitral, poderia ser utilizada a regra do CPC?
A doutrina majoritária14 entende pela não aplicação subsidiária do CPC15 ao
procedimento de arbitragem, cabendo, em última análise, ao tribunal arbitral
disciplinar e ordenar a instrução, com fundamento no art. 21, § 1º, c/c o art. 22
da Lei de Arbitragem.

Veja-se, porém, que a flexibilidade procedimental está jungida à obser-


vância dos princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcia-
lidade do árbitro e de seu livre convencimento, como determina o § 3º do

13 MURIEL, Marcelo A. Produção de provas na arbitragem. In: CARMONA, Carlos Alberto; LEMES, Selma Ferreira;
MARTINS, Pedro Batista (Coord.). 20 anos da Lei de Arbitragem. Homenagem a Petrônio Muniz. São Paulo: Atlas,
2017.
14 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. São Paulo: Atlas, 2009.
15 Para um panorama dos doutrinadores e seu posicionamento quanto à aplicação (ou não) subsidiária do Código
de Processo Civil ao procedimento arbitral, ver FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves; ROCHA, Matheus Lins;
FERREIRA, Débora C. F. A. Alves. Lei de Arbitragem comentada artigo por artigo. São Paulo: Juspodivm, 2019.
p. 49-50.
40 R��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL
art. 21 da Lei de Arbitragem e que formam, na lição de Rafael Francisco Alves16,
o “núcleo do devido processo legal na arbitragem”, cuja violação enseja a anu-
lação da sentença arbitral.

A igualdade das partes tem uma dimensão grande e garante a realiza-


ção da Justiça com efetividade, Justiça justa, nas palavras de Pedro A. Batista
Martins, que ressalta sua importância:
A igualdade extravasa uma gama significativa de direitos e realça, no aspecto
processual, simetria de informação e oportunidade, e o equilíbrio da relação
demandante/demandado, de forma a que ambos tenham a mesma possibilidade
e os mesmos instrumentos, inclusive probatórios, a fim de que o estado possa,
assim, administrar e realizar a justiça.17

O respeito a todos esses princípios é um dos desafios do processo arbi-


tral, que tem como uma de suas pretendidas características a celeridade. Na
medida em que a produção de provas se atenha ferrenhamente ao contraditório
e à igualdade de partes, ensejando o deferimento de todo e qualquer pedido
apresentado por estas, é possível que a celeridade sofra grande impacto, com
consequências negativas para essa qualidade. A discussão centra-se nos pode-
res do tribunal. Sendo o livre convencimento do árbitro um dos princípios nor-
teadores da arbitragem, é admissível o não acatamento de pedidos das partes
quando houver a percepção de que a prova não contribuirá para persuasão do
julgador e a intenção de procrastinação for perceptível.

Martins18 bem se posiciona a esse respeito, defendendo que o indeferi-


mento de provas, em algumas situações, não causa prejuízo à lisura do proce-
dimento19: “Tal não acarreta, como pensam e sugerem alguns advogados em
arbitragem, violação ao devido processo legal e, consequentemente, a anula-
ção da futura decisão arbitral”.

Marcela Kohlbach de Faria20 igualmente destaca a liberdade quanto ao


procedimento a ser escolhido e os poderes do árbitro no tocante à matéria:
Assim, no que tange à produção de provas, conclui-se que a nossa lei de arbi-
tragem concede às partes bastante liberdade com relação à escolha do procedi-

16 ALVES, Rafael Francisco. O devido processo legal na arbitragem. In: MACHADO, Rafael Bicca; JOBIM, Eduardo
(Coord.). Arbitragem no Brasil – Aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 383.
17 MARTINS, Pedro A. Batista. Panorâmica sobre as provas na arbitragem. In: MACHADO, Rafael Bicca; JOBIM,
Eduardo (Coord.). Arbitragem no Brasil – Aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 350.
18 Ibidem, p. 338.
19 Observamos que a mesma flexibilidade, no entanto, não se aplica à formação de julgamento pelos árbitros. A
valoração que os árbitros emprestam às provas produzidas deve encontrar apoio nas regras de direito material que
versam sobre o direito em questão. Por exemplo, em uma análise sobre a propriedade de um imóvel, há que se
observar as regras do Direito Civil que versam sobre a forma de comprovar a propriedade.
20 FARIA, Marcela Kohlbach de. A produção de prova no procedimento arbitral. Revista de Arbitragem e Mediação,
v. 32, p. 207-226, jan./mar. 2012; Doutrinas Essenciais Arbitragem e Mediação, v. 3, p. 461-480, set. 2014.
RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL........................................................................................................................................ 41
mento a ser aplicado, sempre em observância dos princípios do contraditório e
isonomia das partes, cabendo ao árbitro a decisão sobre a admissão das provas,
bem como facultando-lhe a determinação de produção de outras provam que
entenda necessárias.

Em face da ausência de previsão na lei, como então definir as regras e


qual o momento mais propício para tal?

A forma de produção de provas, indicação de peritos e regras incidentes,


poderia, em tese, vir prevista na convenção de arbitragem. Não há nenhum
óbice legal a que as partes, ao definirem a cláusula arbitral, já façam referência
aos elementos essenciais que a instrução do procedimento deve observar. No
entanto, há dúvidas se esse detalhamento seria eficiente, considerando que a
produção de provas leva em consideração a disputa concreta, os fatos alegados
pelas partes e o aspecto material a ser demonstrado no caso específico. Via de
regra, as convenções de arbitragem não se dedicam a esse aspecto procedi-
mental, de maneira que apenas no transcurso do processo, com o objeto da
prova já delineado, é que cabe deliberar sobre a sua produção.

Reitera-se: foi intenção do legislador não se imiscuir em questões proce-


dimentais, deixando as partes e o tribunal arbitral livres para definir o procedi-
mento ao caso concreto, inclusive no que diz respeito à apuração dos fatos e a
outras análises relacionadas à prova.

Não havendo disposição legal, passa-se a buscar um norte junto aos


regulamentos do órgão arbitral ou da entidade especializada, indicado pelas
partes na convenção arbitral para regular o próprio procedimento da arbitra-
gem. No entanto, não identificamos regulamento de instituição de arbitragem
nacional que adentre nesse detalhamento, o que foi corroborado pela pesquisa
conduzida junto às câmaras de arbitragem (item 3.(ii), infra).

Entendemos como acertada essa postura, pois reflete o apreço ao concei-


to da flexibilidade do procedimento arbitral e da autonomia das partes.

Também na arbitragem comercial internacional a produção de pro-


vas “tem como corolário a liberdade das partes quanto às regras que serão
aplicáveis”21, o que não previne a discussão sobre o tema, como se verá mais
à frente.

Mais um aspecto a ser observado no presente item envolve as diferen-


ças que existem entre a produção de provas nos sistemas da common law

21 FOUCHARD, Philippe; GAILLARD, Emmanuel; GOLDMAN, Berthold. Traité de l’arbitrage commercial


international. Paris: Litec, 1996. p. 703-704. Apud PESSOA, Fernando José Breda Pessoa. A Produção Probatória
na Arbitragem. Revista Brasileira de Arbitragem, n. 13, p. 71-106, jan./mar. 2007.
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e no campo do direito civil, que ora se aborda tão somente em razão das
consequências que provocam no aspecto da imparcialidade e independência
dos profissionais técnicos. De forma bem resumida, no regime da common
law a prova é produzida quase que essencialmente pelas partes, o que indi-
ca a grande participação de profissionais técnicos indicados por estas (expert
witness ou apenas expert), que atuam em conjunto à parte contratante22. O juiz
forma sua opinião a partir da análise do conjunto probatório apresentado pelas
partes, com o uso de técnicas de inquirição e comparação de testemunhos – o
cross examination. Essa técnica, em tese, permite ao tribunal arbitral afastar as
inconsistências e extrair o melhor suporte para a tomada de decisão, mesmo
que considerando os laudos apresentados pelas partes. Esse modelo encontra
variações pelos diversos países da common law, especialmente no que diz
respeito ao compromisso assumido pelos profissionais técnicos. Já no sistema
do direito civil, a perícia é produzida para o tribunal, e o perito atua como seu
auxiliar, cabendo às partes contar com um assistente técnico.

Essa é uma forma bem resumida de apresentar as diferenças, correndo o


risco de omitir aspectos essenciais de cada uma das metodologias. A intenção,
no entanto, é apresentar um sistema exterior ao brasileiro que, ao fim e ao cabo,
vem influenciando grandemente a forma de produção de provas no Brasil23. É
o que se verifica na instrução feita exclusivamente por assistentes técnicos da
parte, que não assumem compromisso de imparcialidade e independência, e é
por vezes conduzida sem os demais elementos inerentes ao common law, onde
a atuação do expert witness é acompanhada de um conjunto de instrumentos
que permite uma melhor comparação e argumentação entre os técnicos, como,
por exemplo, a cross examination.

Em vista do escopo deste artigo – imparcialidade e independência dos


profissionais que atuam na fase probatória –, não iremos nos alongar quanto
aos demais aspectos relacionados à produção de provas, em especial o proce-
dimental. Com relação a esse ponto, no entanto, cabe observar que a sistemá-
tica a ser adotada deve ser estabelecida pelas partes, em conjunto ao tribunal
arbitral. E, quanto mais claras as regras, maior a eficiência na sua execução.
Esse tema será retomado no item 4, infra.

22 Há ainda um aspecto importante desse regime, que é a forma de produção de provas pela parte interessada,
anteriormente ao procedimento judicial ou arbitral. A aplicação dessa metodologia no Brasil pode suscitar uma
série de questionamentos, como a quebra do princípio do contraditório, e não será objeto de estudo neste trabalho.
23 Nesse sentido “a influência da CoL [common law] sobre a arbitragem é muito maior do que parece, e exige
dos árbitros e advogados da CiL [civil law] que conheçam bem alguns conceitos da CoL, especialmente em
matéria de provas” (DUARTE GARCIA, Mário Sérgio; LAZZARINI LEMOS, Júlio Cesar. A sistemática da perícia na
arbitragem. In: MAIA NETO, Francisco; FIGUEIREDO, Flávio Fernando de (Coord.). Perícias em arbitragem. São
Paulo: Universitária de Direito, p. 65-90, 2012).
RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL........................................................................................................................................ 43
1.(ii)(b) Os profissionais técnicos e as regras de imparcialidade e independência na
produção de provas
Um dos pilares da teoria da arbitragem é a certeza de que as partes serão
submetidas a um procedimento no qual lhes seja garantido o devido processo
legal e um julgamento imparcial. Segundo Selma Lemes24, “a exigência de in-
dependência e imparcialidade constitui a garantia de um julgamento justo e é
o baluarte de uma justiça honesta”.

A imparcialidade do árbitro25 é um dos princípios norteadores trazidos


pela Lei da Arbitragem, que o submete, no que couber, aos mesmos deveres e
responsabilidades do juiz estatal, fazendo expressa remissão ao Código de Pro-
cesso Civil. Na mesma linha, algumas das relações que caracterizam os casos
de impedimento ou suspeição dos juízes também se aplicam aos integrantes
do tribunal arbitral.

No entanto, não obstante a importância da prova no processo de forma-


ção do convencimento necessário ao julgamento da disputa, essa correlação
entre os deveres dos árbitros e dos juízes não se replica na comparação entre
as regras aplicáveis aos peritos arbitrais e aos peritos judiciais. A Lei de Arbi-
tragem não faz nenhuma alusão ao dever de imparcialidade e independência
dos profissionais que atuam na produção de provas, como o faz a lei proces-
sual. E mais, a Lei de Arbitragem não faz qualquer referência ao termo perito,
e tampouco ao termo assistente técnico. Outrossim, não há obrigação legal de
aplicação subsidiária das regras do CPC ao regramento incidente sobre as pe-
rícias no âmbito de um procedimento arbitral, no tocante à atuação de peritos
ou assistentes técnicos.

Fato curioso ocorre, no entanto, na prática. Muito embora as regras do


CPC não tenham aplicação subsidiária, entendemos que uma substancial par-
cela da comunidade arbitral, na ausência de regramento específico, se vale
do conceito de produção de provas do processo civil, transpondo-o ao proce-
dimento arbitral, em especial no que diz respeito aos deveres e às responsa-
bilidades dos profissionais técnicos que atuam na fase instrutória. A pesquisa
corrobora essa percepção, na medida em que 51% dos respondentes indicam
que o regime do CPC sobre impedimento e suspeição dos peritos judiciais deve
ser aplicado na arbitragem, 26% têm dúvidas e apenas 23% afastam tal possi-
bilidade (pergunta 16).

24 LEMES, Selma Maria Ferreira. A independência e a imparcialidade do árbitro e o dever de revelação. Revista
Brasileira de Arbitragem, n. 26, p. 22-34, abr./jun. 2010.
25 Art. 21, § 2º, da Lei de Arbitragem.
44 R��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL
É notória a influência das regras do processo civil na estrutura que vi-
gora na fase probatória da arbitragem, havendo uma transposição da prática
processualista para o procedimento arbitral, o que pudemos perceber na fase
exploratória da nossa pesquisa, prévia à elaboração do questionário. Como
medida preparatória, realizamos algumas entrevistas com profissionais reno-
mados e experientes no cenário arbitral brasileiro, e a primeira constatação foi
a ausência de conceitos unívocos para perito e assistente técnico no âmbito
da arbitragem. Em acréscimo, é corriqueiro o uso da expressão expert e expert
witness trazida da prática internacional, e que pode ser traduzida tanto para
“perito do tribunal” quanto para “perito da parte”, a depender de quem o indi-
ca, diferenciação que, em regra, não acompanha o uso do termo no Brasil. O
termo expert witness é utilizado na prática brasileira como assistente técnico,
mas poderia também ser a testemunha técnica a ser ouvida pelo tribunal arbi-
tral. E a ausência de uniformização torna árdua a discussão subsequente, qual
seja, a cogência ou conveniência de ser exigida expressamente a imparcialida-
de e independência desses profissionais.

Assim, para discutir o tema parece ser importante nos despirmos dos
conceitos que advêm da lei processual e pensarmos em um modelo próprio
da arbitragem, com regras adequadas para esse instrumento de resolução de
disputas no contexto brasileiro.

1.(iii) O modelo adotado por legislações arbitrais de outras jurisdições


A análise de outras jurisdições pode trazer valiosas informações sobre
as diversas práticas empregadas. Iniciamos nossa análise com a “Lei modelo”
para a arbitragem comercial internacional (Uncitral Model Law on Internacio-
nal Commercial Arbitration), que elege a autonomia das partes e a flexibilidade
procedimental como regra, e estabelece caber ao tribunal arbitral decidir sobre
a admissibilidade, a relevância, a materialidade e o peso da evidência, resguar-
dado o direito das partes em definir de maneira diversa (art. 19).

A regra geral, cabendo às partes o direito de decidir de outra forma, é a


indicação de um ou mais peritos pelo tribunal (expert appointed by the arbitral
tribunal), para a elaboração de laudo sobre tema específico. Não há referência
à indicação de perito indicado pela parte. No tocante aos deveres dos peritos,
a Uncitral Arbitration Rules (versão 2010), que traz orientações sobre aspectos
práticos do procedimento da arbitragem, faz referência ao termo “perito inde-
pendente” (independent expert), que deve assinar termo de imparcialidade e
independência, sendo dada às partes a oportunidade de apresentar oposição
ao nome indicado. O perito pode ser interrogado pelas partes em audiência,
RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL........................................................................................................................................ 45
na qual poderá ser trazido o testemunho técnico de profissional indicado pela
parte, o chamado expert witness26.

A Lei de Arbitragem do Reino Unido – UK Arbitration Act 1996 – uti-


liza o modelo do perito indicado pelo tribunal arbitral27, desde que as partes
não tenham decidido de forma diversa, nada mencionando sobre profissionais
indicados pelas partes e silenciando quanto a regras de independência e im-
parcialidade. O dever de lealdade vem, porém, expresso na lei processual28,
que utiliza o termo perito (expert) para conceituar “a pessoa que foi instruída
para dar ou preparar evidência técnica para o procedimento”29. A obrigação do
perito é auxiliar a corte, considerando sua especialidade, e suplanta qualquer
obrigação em relação à pessoa que o remunera e/ou que tenha lhe orientado30.
Pelo que se verifica, a lei não faz diferença entre o profissional indicado pela
corte ou pela parte quando assume o papel de perito, ou seja, como sendo
responsável pela elaboração de um laudo técnico.

As leis arbitrais da Áustria e da Espanha seguem a Model Law, e contêm


previsão de indicação de expert pelas partes, sendo que as leis da Suíça, da
França e dos Estados Unidos da América sequer contêm previsão do perito
nomeado pelo tribunal arbitral31, tal qual a lei brasileira, o que, no entanto, não
afasta a possibilidade do seu uso.

1.(iv) Regulamentos e soft law


Um meio de disciplinar o assunto é o uso de regulamentos de institui-
ções de arbitragem. Não logramos identificar disposição sobre o tema nas ins-
tituições que foram objeto de pesquisa, indicadas no item 3.(ii) deste trabalho,
exceção à Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil (“Camarb”), que possui
regra específica sujeitando os peritos às mesmas hipóteses de impedimento e

26 Como já mencionado antes, nos parece que esse expert witness seria o que na prática brasileira vem sendo
denominado de assistente técnico da parte, embora o termo também possa ser traduzido como “testemunha
técnica”.
27 UK Arbitration Act 1996 c.23, 37. Power to appoint experts, legal advisers or assessors. Disponível em:
<https://www.legislation.gov.uk>. Acesso em: 30 maio 2020.
28 UK Civil Procedure Rules. Disponível em: <https://www.justice.gov.uk/courts/procedure-rules/civil/rules/part35>.
Acesso em: 30 maio 2020.
29 Livre tradução de: “35.2 (1) A reference to an ‘expert’ in this Part is a reference to a person who has been
instructed to give or prepare expert evidence for the purpose of proceedings”.
30 “35.3
(1) It is the duty of experts to help the court on matters within their expertise.
(2) This duty overrides any obligation to the person from whom experts have received instructions or by whom
they are paid.”
31 SACHS, Karl with the assistance of SCHMIDT-AHRENDTS, Nils. Protocol on Expert Teaming: A New Approach to
Expert Evidence. In: VAN DEN BERG, Albert Jan (General Editor). Arbitration Advocacy in Changing Times – ICCA
Congress Series nº 15, Kluwer Law International BV, The Netherlands, p. 135-148, 2011.
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suspeição exigidas dos árbitros, e impondo o dever de revelação32. O resultado
da pesquisa empírica (Vertente B), porém, demonstrou que, mesmo na ausên-
cia de disposição expressa em regulamento, a maior parte das câmaras solicita
ao perito o preenchimento de declaração de independência, imparcialidade e
ausência de conflito de interesses, quando da assinatura do termo de compro-
misso.

Na ausência de regramentos específicos em leis nacionais que discipli-


nam o tema, e como resposta a dúvidas enfrentadas, algumas das instituições
que atuam no campo da arbitragem comercial internacional se dedicam a emi-
tir guias e orientações sobre determinados temas, denominadas soft law. Essas
orientações, que têm sido cada vez mais aceitas, passam a ser vinculantes entre
as partes por escolha dos sujeitos do processo arbitral33.

Comentaremos alguns dos mais conhecidos que tratam da produção de


provas34, em especial quanto à forma de indicação dos profissionais e o seu
dever de imparcialidade.

International Bar Association (IBA)


A International Bar Association (IBA) produz regularmente orientações
relevantes sobre determinada área do direito, refletindo as melhores práticas
identificadas junto aos profissionais que atuam em âmbito internacional35. Em
relação à arbitragem, para efeito deste estudo, têm relevância dois: o relativo
a conflito de interesses e o que trata da produção de provas em arbitragem
internacional36.

Embora as Diretrizes da IBA sobre Conflitos de Interesses em Arbitragem


Internacional (“Diretrizes”) tenham por objetivo disciplinar regras de conflito
de interesses de árbitros (presidente, coárbitros, secretários administrativos e
assistentes), não se aplicando a peritos, é importante destacar alguns princípios
basilares ali contidos: imparcialidade e independência, ausência de conflito de

32 Vide o Regulamento da Camarb, que estende ao perito dispositivos que tratam da declaração de ausência de
impedimento ou suspeição e o dever de revelação do árbitro: “8.5 Em relação ao perito, aplicar-se-à o disposto
nos itens 4.10, 4.11 e 5.1 deste Regulamento, cabendo ao tribunal arbitral decidir sobre eventual impugnação
ao perito” (Disponível em: <https://www.camarb.com.br/wpp/wp-content/uploads/2019/10/regulamento-de-
arbitragem-camarb-2019_atualizado2019.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2020).
33 Para um aprofundado estudo sobre o tema, ver ABBUD, André de Albuquerque Cavalcanti. Soft law e produção de
provas na arbitragem internacional. São Paulo: Atlas, 2014.
34 Haveria vários outros regulamentos a serem expostos, de igual importância, o que não se faz em razão do espaço
limitado para este artigo.
35 Comentando os aspectos positivos das orientações da IBA, Selma Lemes menciona: “Também não se pode deixar
de aferir que tanto estas como os Códigos de Ética possuem finalidade pedagógica e são um norte, um guia e uma
referência que, dependendo do caso concreto a ser aplicado, poderá ser oportuna ou, ao contrário, inadequada”
(LEMES, Selma Maria Ferreira. A independência e a imparcialidade do árbitro e o dever de revelação. Revista
Brasileira de Arbitragem, n. 26, p. 21-34, abr./jun. 2010).
36 Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration (2014) e Rules on the Taking of Evidence in
International Arbitration (2010). Disponível em: <https://ibanet.org>. Acesso em: 20 maio 2020.
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interesses, dever de revelação e possibilidade de renúncia expressa das par-
tes ao direito de impugnar o árbitro. Outrossim, não é incomum ser invocado
como paradigma de aplicação aos peritos pela parte que se sentir em risco de
ser prejudicada.

O item 3 das Diretrizes consiste na “Lista Laranja”, que arrola situações


exemplificativas nas quais, a depender do caso concreto, podem suscitar dúvi-
das quanto à imparcialidade ou independência do árbitro, cabendo a revelação
deste às partes acerca do relacionamento. Um dos itens dessa lista é o 3.4.3,
que trata de possível amizade próxima do árbitro, incluindo a figura do perito,
e o 3.4.4, que cuida de possível inimizade entre os mesmos. A caracterização
de uma dessas duas situações não implica, por si só, em impedimento, mas é
importante que seja analisado o alcance do afeto ou desafeto. Outra referência
à relação árbitro-perito, dessa vez descrevendo uma atuação profissional con-
junta no passado, está contida na “Lista Verde”, item 4.4.3, da qual, no entanto,
não deriva dever de revelação.

A orientação da IBA que tem aplicação mais direta à atuação dos peritos
consiste nas Regras da IBA sobre Produção de Provas em Arbitragem Interna-
cional (“Regras”). Essas Regras, publicadas inicialmente em 1999 e adotadas
pelo Conselho da IBA em 2010, foram emitidas com o objetivo de ser um
recurso para partes e árbitros gerarem um processo eficiente, econômico e
justo para a produção de provas na arbitragem internacional, podendo o seu
uso ser referenciado na cláusula arbitral. Há uma sugestão de redação para tal
finalidade.

As Regras adotam a possibilidade de que o profissional técnico ao qual


será atribuída a tarefa de produzir um laudo pericial, o perito, seja indicado
pelo tribunal arbitral ou pelas partes. Em ambas as situações, o perito deverá
atuar com independência e imparcialidade.

Ao apresentar o laudo pericial, deverá o perito indicado pela parte pres-


tar uma série de esclarecimentos, entre os quais destacamos: (5.2.)(a) o nome
completo e o endereço do perito indicado pela parte, uma declaração sobre
seu relacionamento atual e passado (se houver) com qualquer das partes, seus
assessores jurídicos e o tribunal arbitral, bem como uma descrição de seu his-
tórico profissional, suas qualificações, sua formação e sua experiência; (b) uma
descrição das instruções segundo as quais ele ou ela está prestando suas opi-
niões e conclusões; e (c) uma declaração de sua independência das partes, de
seus assessores jurídicos e do tribunal arbitral.

É possível perceber uma diferença no tratamento que as Regras fazem


entre o perito das partes e o perito indicado pelo tribunal arbitral, que tornam
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a atuação deste último sob um escrutínio mais rigoroso. No item 6.1, ao se
referir ao perito indicado pelo tribunal, o texto utiliza o termo independente37.
E, no item 6.2, é descrito um procedimento a ser tomado pelo perito indicado,
antes de aceitar a nomeação, consistente na apresentação de uma declaração
de sua independência das partes, seus assessores jurídicos e do tribunal arbitral
e outras informações ali arroladas, a partir das quais poderá ser apresentada
objeção. A autoridade do perito indicado pelo tribunal para acesso a informa-
ções equipara-se à autoridade do tribunal arbitral e, consequentemente, é mais
extensa do que a daqueles indicados pelas partes.

Como se verifica, é um modelo que impõe o dever de imparcialidade e


independência à atuação do perito, mesmo que indicado pelas partes, guarda-
das algumas diferenças entre as duas situações.

Regras de Praga
As “Prague Rules”38 foram elaboradas em 2018 por um Grupo de Traba-
lho com representantes de 30 países. Embora inicialmente pensadas para dar
apoio a disputas entre partes advindas de países da civil law, seus autores con-
cluíram serem regras que podem ser usadas em qualquer procedimento arbitral
onde a natureza do litígio ou o montante envolvido justifica uma tramitação
mais fluida dirigida pelo tribunal arbitral, como consta do preâmbulo do do-
cumento. De fato, há uma percepção geral de que as “Regras de Praga” foram
elaboradas em contraposição às “Regras IBA”, que pretendem adotar como
paradigma e transpor para a arbitragem internacional a sistemática do direito
da common law dos Estados Unidos da América. Guilherme Rizzo Amaral39,
analisando as duas regras, rechaça essa premissa, apontando que poucas são
as diferenças entre as duas orientações de soft law.

Com o nome de “Regras sobre a Condução Eficiente de Procedimentos


de Arbitragem Internacional”, podem ser adotadas pelas partes como orienta-
ção à forma de produção de provas. Uma observação inicial a ser feita diz res-
peito ao destaque que as Regras de Praga dão aos poderes do tribunal arbitral,
que é “incentivado a desempenhar um papel ativo na prova dos fatos em litígio
que julgar relevantes para a resolução do mesmo” (art. 3.1).

37 “Art. 6 – Peritos indicados pelo tribunal. 1. O tribunal arbitral, após consultar as partes, poderá nomear um ou mais
peritos indicados pelo tribunal independentes para prestar informações sobre questões específicas designadas pelo
tribunal arbitral.”
38 Disponível em: <https://praguerules.com/upload/medialibrary/1ce/1ceb209403ed5145d6b85c632489bf56.pdf>.
Acesso em: 28 jul. 2020.
39 AMARAL, Guilherme Rizzo. Prague Rules v. IBA Rules and the Taking of Evidence in International Arbitration:
Tilting at Windmills – Part II. Disponível em: <http://arbitrationblog.kluwerarbitration.com/2018/07/06/prague-
rules-v-iba-rules-taking-evidence-international-arbitration-tilting-winmills-part-ii/?doing_wp_cron=1592173255.
9542350769042968750000>. Acesso em: 14 jun. 2020.
RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL........................................................................................................................................ 49
O art. 6 do documento é dedicado aos peritos, e as regras parecem pri-
vilegiar a nomeação de perito(s) pelo tribunal arbitral, o que, no entanto, não
afasta a possibilidade de as partes apresentarem relatórios periciais elaborados
por peritos por elas nomeados. A forma de escolha do perito pelo tribunal
arbitral conta com ativa participação das partes no processo, mediante ofere-
cimento de candidatos, embora a sugestão não vincule o tribunal arbitral. A
escolha final cabe aos árbitros, que podem: a) aceitar o candidato proposto
pelas partes; b) nomear o candidato indicado pelo próprio tribunal; c) nomear
uma comissão de peritos composta por candidatos propostos pelas partes; ou
d) solicitar a uma organização neutra, tal como uma câmara de comércio ou
outra associação profissional, a indicação de um perito adequado.

Não há, porém, nenhuma regra explícita quanto a deveres de imparciali-


dade ou independência do profissional a ser indicado e/ou escolhido.

Chartered Institute of Arbitrators (CIArb)


O tema também mereceu orientação pelo Chartered Institute of Arbitra-
tors (CIArb), instituição fundada na Inglaterra em 1915, que tem por objetivo
desenvolver o interesse e o uso de meios alternativos de solução de disputas,
contando com associados por todo o mundo, inclusive uma representação no
Brasil, desde 2019. Em 2007, foram emitidas orientações gerais para o regime
de indicação dos peritos indicados pelas partes, o chamado CIArb Protocol
for the Use of Party-Appointed Expert Witnesses in International Arbitration
(“Protocol”)40, e para a indicação de peritos pelo tribunal arbitral, ambos como
parte integrante do guia International Arbitration Practice Guideline41. O do-
cumento menciona que o método mais usado em arbitragem internacional na
produção de prova técnica é a indicação de um expert42 por cada uma das par-
tes, por isso a necessidade de traçar orientações com padrões éticos elevados
para esses profissionais.

Quanto à sistemática de produção de provas a ser utilizada, a recomen-


dação é que seja indicada no estágio mais inicial possível a necessidade de
ser realizada perícia técnica e a maneira que esta será conduzida. Cabe aos
árbitros, consultando as partes, identificar o(s) tema(s) sobre os quais os peritos
serão instados a se manifestar. Uma vez identificado o objeto específico da pe-

40 Disponível em: <https:/www.ciarb.org>. Acesso em: 5 maio 2020.


41 Disponível em: <https:/www.ciarb.org>. Acesso em: 5 maio 2020.
42 Constatação também trazida por Karl Sachs, enfatizando a diferença de prática entre os sistemas common law
e civil law: “It is true that arbitration practice still reflects a certain divide between the common law and the
civil law approach to expert evidence: In arbitration proceedings involving parties and counsel from a common
law background, as a general rule, expert testimony is provided by party-appointed experts. By contrast, in
proceedings involving primarily civil law representatives, tribunal-appointed experts are still the rule, although
there is a certain trend towards using party-appointed experts” (Op. cit., p. 136).
50 R��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL
rícia, os quesitos e o número de peritos, é recomendada a expedição de ordem
processual contendo as informações e o procedimento que será adotado, in-
clusive prazos, visitas técnicas, troca de laudos e comunicação entre os peritos.

Os peritos (do tribunal e das partes) são orientados a realizar reuniões


e identificar os pontos incontroversos e aqueles em relação aos quais ainda
existe divergência, com explicações sobre os motivos dessa discordância. Esses
pontos serão objeto de cross-examination na audiência. A apresentação dessas
regras tem sido reconhecida positivamente por especialistas43.

O documento orienta ainda quanto ao método de escolha do perito do


tribunal, abrindo espaço para a participação das partes na indicação.

Interessante notar que as Guidelines e o CIArb Protocol consideram os


peritos, inclusive o profissional indicado pela parte (party-appointed expert),
como tendo sua atuação vinculada ao tribunal arbitral, e não à parte, embora
tenham sido escolhidos e sejam remunerados por esta. Como regra geral, o
CIArb Protocol indica que:

(i) a opinião do expert deve ser imparcial e objetiva;

(ii) o pagamento da parte ao perito por ela indicado deve ser razoável
para o serviço prestado, e não deve, por si só, afetar sua imparciali-
dade;

(iii) o dever do perito em produzir prova na arbitragem é dar assistência


ao tribunal arbitral para decidir sobre os temas objeto da perícia.

Além disso, o laudo do perito deve conter, entre outros aspectos:


(i) qualificação, treinamento e experiência profissional; (ii) revelação sobre o
relacionamento passado ou presente com qualquer das partes, o tribunal ar-
bitral, advogados ou outros representantes das partes, testemunhas ou entes
envolvidos na arbitragem; (iii) remuneração recebida pela parte que o indicou;
(iv) declaração atestando sua imparcialidade e objetividade, e veracidade das
revelações efetuadas.

Como se vê, nesse modelo o professional, mesmo quando indicado pela


parte, assume o dever de revelação e se compromete a atuar de maneira impar-
cial e independente.

43 Dushyant Dave afirma: “The Chartered Institute of Arbitrators has in fact framed exhaustive rules in this regard
which throw substantial light on the manner and method of this technique” (DAVE, Dushyant. Should Experts Be
neutrals or Advocates? In: VAN DEN BERG, Albert Jan (General Editor). Arbitration Advocacy in Changing Times –
ICCA Congress Series nº 15, Kluwer Law International BV, The Netherlands, p. 149-159, 2011.)
RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL........................................................................................................................................ 51
A transposição desse modelo para a prática brasileira recomendaria a
utilização do termo perito da parte, e não o conceito de assistente técnico, na
percepção que vigora. Em nossa pesquisa, 76% dos respondentes indicaram
ser viável existir a figura do perito da parte, que deve agir com imparcialidade
e independência, em contraposição a 24% contrários à ideia (pergunta 12.1).

Sachs Protocol
Apresentado em 2010 no Rio de Janeiro, na International Council for
Commercial Arbitration (ICCA), o estudo de Karl Sachs44 sobre o tema tornou-se
um paradigma sobre a questão da forma de indicação do perito. Em seu Sachs
Protocol, apresenta inicialmente as desvantagens nas duas formas de indicação
do profissional, das quais se destacam:

a) quanto ao perito indicado pela parte – esse método suscita dúvidas


quanto à efetiva imparcialidade e independência em relação à parte
que o indica; a possibilidade de apresentação de laudos divergentes
e elaborados em bases diversas, caso não haja a unificação de orien-
tação quanto ao objeto da perícia e quesitos a serem respondidos,
gera aumento nos custos da arbitragem, com a profusão de laudos e
discussões em bases divergentes;

b) quanto ao perito nomeado pelo tribunal arbitral – Sachs indica como


desvantagem a dificuldade que as partes têm em confiar em profis-
sional em relação ao qual ainda não têm uma fidúcia desenvolvida.
Ainda, há o receio de que, em se tratando de questão técnica muito
intrincada, o tribunal arbitral fundamente sua decisão unicamente
no laudo do perito, levantando dúvidas quanto a uma eventual de-
legação do poder decisório à pessoa que não seja de confiança das
partes, requisito fundamental para a validade da arbitragem. O autor
indica ainda que existe a percepção de que os laudos dos peritos in-
dicados pelos tribunais arbitrais podem ter a mesma falta de clareza
que o laudo dos peritos indicados pelas partes.

Considerando que a prática internacional tem clara preferência pelo uso


do profissional técnico nomeado pela parte, e com o intuito de otimizar o
trabalho pericial, o autor sugere uma inovadora forma de composição de uma
equipe que realizará a perícia. As partes indicam 3 ou 5 nomes de profissionais,
cabendo ao tribunal arbitral escolher um profissional de cada lista. É formado,
então, o Expert Team, ou Equipe de Peritos, e, em reunião que contará com a
participação de árbitros, partes e peritos, é celebrado um termo de referência

44 SACHS, Karl with the assistance of SCHMIDT-AHRENDTS, Nils. Op. cit., p. 135-148.
52 R��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL
para a produção de provas, contendo objeto, forma de apresentação de docu-
mentos, método de comunicação entre os peritos e as partes, obrigações dos
peritos em relação às partes e ao tribunal arbitral, e remuneração. Essa Equipe
de Peritos, embora tenha sido gerada por nomes indicados pelas partes, deve
agir com independência e imparcialidade, e responde ao tribunal arbitral, sen-
do essa, no entendimento de Sachs, a grande vantagem em relação ao modelo
de atuação individual e paralela dos peritos das partes.

Sachs indica ainda alguns mecanismos que minimizam os aspectos ne-


gativos, inibem comportamentos parciais e permitem expor incongruências
técnicas e argumentativas, dando maior eficiência à realização da perícia,
como reuniões prévias à audiência, reuniões entre os peritos e a utilização de
padrões éticos. Na mesma linha, a recomendação de haver a inquirição dos
peritos pelas partes e pelos árbitros, após a apresentação dos laudos, o chama-
do hot tubbing, abrindo a oportunidade de discussão dos relatórios ou laudos,
de uma maneira clara e objetiva, com a participação dos profissionais que os
elaboraram.

Deve ser ressaltado que, mesmo em relação aos profissionais indicados


pelas partes, o autor valoriza a aplicação de códigos de conduta, fazendo ex-
pressa referência ao Protocolo CIArb, que “provavelmente reflete o mais pró-
ximo possível os standards de melhores práticas para peritos indicados pelas
partes nas arbitragens internacionais”45.

2 IMPARCIALIDADE E INDEPENDÊNCIA – O QUE ESPERAR DOS PROFISSIONAIS TÉCNICOS QUE ATUAM


EM PERÍCIAS?
A ausência de regramento na Lei de Arbitragem e nos Regulamentos,
no entanto, não implica no absoluto vácuo de métricas na atuação dos peri-
tos, cabendo analisar alguns importantes parâmetros que impõem um dever de
conduta aos profissionais, fundados em elevados valores éticos.

O primeiro é o paradigma da boa-fé objetiva, que norteia as relações


contratuais e deve reger os atos das partes envolvidas com as disputas que delas
decorrem, inclusive aqueles responsáveis pela produção de provas. Menciona
José Emílio Nunes Pinto46 que

45 No original: “The CIArb Expert Protocol issued by the Chartered Institute of Arbitrators probably reflects most
closely today’s standards of best practice for party-appointed experts in international arbitration” (Op. cit.,
p. 148).
46 PINTO, José Emílio Nunes. Anotações práticas sobre a produção de provas na arbitragem. Revista Brasileira de
Arbitragem, n. 25, jan./mar. 2010.
RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL........................................................................................................................................ 53
a introdução de um novo paradigma pelo Código Civil e, ademais, de uma no-
vel dogmática contratual, a partir de 2003, tem gerado perplexidade nas partes
contratantes. Vivemos um período novo, onde há a prevalência da solidarieda-
de sobre o individualismo contratual, onde a boa-fé objetiva permeia, ou, pelo
menos, deveria permear o cumprimento das obrigações assumidas pelas partes,
carreando para elas os denominados deveres acessórios e laterais da boa-fé
objetiva.

Na mesma linha, José Rogério Cruz e Tucci estende a todos os partícipes


do processo arbitral, entre os quais se incluem os peritos, a observância ao
princípio da boa-fé processual, igualmente aplicável ao processo arbitral, não
como uma mera transposição do processo civil, mas para “reafirmar a intera-
ção que deve existir – quando compatível e coerente – num mesmo ordena-
mento jurídico, entre diferentes sistemas processuais”47.

Outro parâmetro a ser seguido pelos profissionais é o código de ética da


regulamentação profissional à qual estejam vinculados.

Em 27.03.2020, foi publicada no Diário Oficial da União a NBC TP 1


(R1), emitida pelo Conselho Federal de Contabilidade, dispondo sobre a perícia
contábil, tanto a judicial quanto a extrajudicial, na qual se insere a perícia rea-
lizada em arbitragem. Além de traçar a orientação de atuação ao perito, impõe
obrigações aos profissionais atuando como assistente técnico da parte, deixan-
do claro que estes “têm o dever inalienável de colaborar para a revelação da
verdade e comportar-se de acordo com a boa-fé e com a equidade, além de
cooperar entre si e com o perito nomeado, para que se obtenha um resultado
da perícia em tempo razoável” (art. 22 (d)).

Já o Código de Ética Profissional da Engenharia, da Agronomia, da Geo-


logia, da Geografia e da Meteorologia – Confea/Crea, aprovado pela Resolução
nº 1.002, de 26.11.2002, tem disposição semelhante: “No exercício da profis-
são são deveres do profissional, nas relações com os clientes, empregadores e
colaboradores, atuar com imparcialidade e impessoalidade em atos arbitrais e
periciais” (art. 9º, III, d).

Como se verifica, os padrões éticos que norteiam a atividade dos pro-


fissionais de contabilidade e de engenharia48, que provavelmente concentram
o maior número de perícias, já impõem a observância de regras de equidade
entre as partes e imparcialidade do profissional.

47 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Ética e lealdade no processo arbitral. Revista do Advogado, São Paulo: AASP Editora,
n. 145, p. 115-120, abr. 2020.
48 Observamos que analisamos apenas as regras desses dois regulamentos profissionais.
54 R��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL
Cruz e Tucci é enfático em afirmar pela aplicação do dever de revelação
previsto na Lei de Arbitragem também para o perito. Para o autor, esse dever
há de ser exercido no momento de assinatura do termo de independência, cujo
não cumprimento “implica inarredável nulidade da sentença”49. Em relação ao
profissional que atua como perito indicado pelo tribunal arbitral, sem qualquer
vinculação de indicação ou remuneração pela parte, há um consenso, refletido
na pesquisa, que este deve atuar dentro dos padrões de imparcialidade e inde-
pendência aplicados aos árbitros.

Registre-se que o padrão profissional imposto pelas regulamentações


profissionais se aplica independentemente da posição assumida em processo
judicial ou arbitral, de maneira que também aquele atuando como assistente
técnico estaria, em tese, em uma posição de imparcialidade que deve suplantar
o relacionamento com a parte que o contrata.

Esse aspecto foi bem explorado em artigo50 que retratou pesquisa realiza-
da (por Peleias e outros) sobre a relação entre advogados e assistente técnicos,
e tratou do conceito de independência destes:
A independência atribui ao assistente técnico a autonomia e a liberdade de pen-
samento, isento de submissão à parte ou ao advogado do cliente. Essa indepen-
dência permite que o assistente técnico se recuse a defender teses mirabolantes
porventura postuladas pelos advogados ou clientes e lhe confere a condição
de se recusar a defender, em processos diferentes, teses conflitantes, ainda que
legítimas e defensáveis. O compromisso com a independência garante que o
assistente técnico sustente o que acredita ser o correto.

Mais do que dever de observar a independência, é autoproteção ao assistente


técnico, que, ao fugir da técnica para atender aos interesses de quem o contra-
tou, poderá ter sua reputação maculada junto aos clientes e aos julgadores.

Referida pesquisa relata, no entanto, não ser essa a percepção de alguns


dos advogados entrevistados, que enfatizam o compromisso assumido com o
cliente ao qual o assistente técnico está vinculado51. A conclusão do estudo,
porém, caminha para o resguardo da imparcialidade:
Observadas as questões éticas, não pode o assistente técnico, em nome da de-
fesa da tese do seu cliente, afastar-se da imparcialidade (que, em certa medida,
se confunde com a independência) e deixar de se posicionar de forma técnica

49 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Op. cit., p. 120.


50 PELEIAS, Ivam Ricardo; OLIVEIRA, Aline Gorrão; ORNELAS, Martinho Maurício Gomes de; WEFFORT, Elionor
Farah Jreige. O assistente técnico em perícias contábeis: a percepção de advogados à luz da teoria dos papéis.
Revista de Arbitragem e Mediação, v. 52, p. 141-168, jan./mar. 2017.
51 Também nesse sentido, um dos “comentários” (pergunta 18) apresentados em nossa pesquisa (exposta no item 3,
infra): “Acredito que os assistentes técnicos indicados pelas partes, atuam de forma semelhante aos advogados e,
portanto, dentro da ética legal e técnica, atendem aos interesses do seu contratante”.
RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL........................................................................................................................................ 55
requerida à circunstância; ao revés, deve seguir o seu livre convencimento téc-
nico diante dos fatos constatados.52

Por outro lado, a relação direta entre o assistente técnico e a parte coloca
em risco essa independência, conforme descrito por André Chateaubriand, que
utiliza o termo “perito da parte” e alude à necessidade de haver uma instituição
intermediando essa relação:
O fiel da balança seria a reputação e os valores éticos da profissão que forçam
os peritos a se manter imunes a pressões da parte, ainda que se possa dizer que
essa independência é relativa. Enquanto subsistir relacionamento direto e ex-
clusivo entre parte e perito, com a negociação e pagamento de honorários sem
o intermédio de uma instituição de arbitragem, as regras que criam tais deveres
de independência e imparcialidade produzem eficácia relativa, na medida em
que elas tentam impor padrão de conduta que colide com a essência da própria
relação estabelecida entre parte e perito por ela nomeado.53

Essa intermediação por instituição de arbitragem mencionada por André


Chateaubriand já é uma realidade. A Corte de Arbitragem da Câmara Inter-
nacional de Comércio (ICC) criou, em 2015, a orientação denominada “ICC
Expert Rules”54. Trata-se de um serviço colocado à disposição do mercado,
com as seguintes opções: 1) proposta de peritos e profissionais imparciais
(Proposal of experts and neutrals); 2) indicação de peritos e profissionais im-
parciais (Appointment of experts and neutrals); e 3) administração de procedi-
mentos periciais (Administration of experts proceedings). Trata-se de um novo e
interessante mecanismo ainda pouco conhecido pelos profissionais brasileiros,
e cuja exposição merece um texto próprio, cabendo enfatizar nesse momento
o reconhecimento, por parte de uma das mais importantes instituições arbitrais
no cenário internacional, da necessidade de ser providenciado esse tipo de
apoio às disputas.

Considerando que o padrão ético deve nortear sempre a atividade do


profissional, em tese não deveria existir situação de antagonismo entre opiniões
periciais. Essa divergência, porém, é comum e, justiça seja feita, muitas vezes
tem origem em interpretações e premissas técnicas, não necessariamente de-
notando indevida parcialidade do profissional. Cabe ao tribunal arbitral definir
essas premissas, de maneira que os laudos e relatórios sejam elaborados a partir
da mesma base técnica e/ou teórica.

52 PELEIAS, Ivam Ricardo; OLIVEIRA, Aline Gorrão; ORNELAS, Martinho Maurício Gomes de; WEFFORT, Elionor
Farah Jreige. Op. cit.
53 MARTINS, André Chateaubriand. Deveres de imparcialidade e independência dos peritos em arbitragem: uma
reflexão sob a perspectiva da prática internacional. Revista de Arbitragem e Mediação, v. 39, p. 99-119, out./dez.
2013.
54 Disponível em: <http://www.icccwbo.org>. Acesso em: 20 maio 2020.
56 R��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL
Também a falta de conhecimento dos assistentes técnicos pode ser um
elemento que embaraça a boa perícia, como foi exposto na Vertente A da
pesquisa que conduzimos, exposta no item 3, infra, no campo “Comentários”
(pergunta 18):
Tema importante e de extrema relevância. Por vezes os assistentes técnicos
não contribuem para a discussão dos conflitos e dificultam a decisão dos árbi-
tros. Isso ocorre em função da parcialidade dos assistentes técnicos, mas, prin-
cipalmente, pela relutância de profissionais em adotar práticas recomendadas
e exercícios internacionalmente consagrados para avaliar temas corriqueiros
em disputas, como atrasos de cronograma de obras e perda de produtividade.
A figura do party-appointed expert geraria economia processual com a tendên-
cia de haver maior nível de convergência entre experts devido à liberdade de
atuação.

Quanto à expectativa de imparcialidade e independência do profissional


que atua por indicação da parte, entendemos que várias são as alternativas pos-
síveis, de acordo com o que almejam e decidem as partes, não sendo prudente
tentar definir uma padronização. Assim, o comentário de um dos pesquisados,
inserido no campo da pergunta 18: “Entendo que a auto-regulação, mediante o
exame de caso a caso pelo Tribunal Arbitral, resolve a questão”.

Como visto, é possível a adoção de outros cenários além do tradicional


“perito do tribunal – assistentes técnicos da parte”, a depender do que as partes
definirem.

É importante ter uma clara abordagem sobre esse aspecto da produção


de provas desde o início do procedimento, com o estabelecimento das regras
no Termo de Arbitragem ou na Ata de Missão. Esse tema será aprofundado no
item 4, a seguir.

Em nossa pesquisa, não formulamos pergunta específica sobre o dever


de revelação dos profissionais, concentrando-nos nas indagações sobre o dever
de imparcialidade e independência. A necessidade de revelar seria uma de-
corrência lógica desses deveres. Um outro tema que merece ser explorado em
momento oportuno é o alcance da imparcialidade e independência que pode
ser exigida dos peritos.

3 A PESQUISA
A análise empírica permite ao pesquisador identificar fatos sobre o des-
conhecido, enfrentando inicialmente a tarefa de dar concretude a noções abs-
RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL........................................................................................................................................ 57
tratas55. Iniciamos nosso projeto com uma fase exploratória, na qual buscamos
mapear os conceitos utilizados em relação ao profissionais técnicos que atuam
com perícias e identificar as dúvidas mais recorrentes sobre o tema central, por
meio de estudos preliminares e conversas com profissionais do setor. Esses ele-
mentos nos possibilitaram desenvolver uma pesquisa quantitativa, amealhando
dados que permitissem uma análise estatística e o aferimento de conclusões
gerais. A pesquisa contou também com elementos qualitativos56 em uma de
suas fases57, na medida em que buscou explorar a percepção dos participantes
em relação a determinados temas, e abriu a oportunidade para a inserção de
comentários que os pesquisados entendessem relevantes, permitindo o cotejo
de opiniões para obter respostas aos problemas apresentados.

A pesquisa foi dividida em duas vertentes, A e B. A primeira, dirigida


a árbitros, advogados e profissionais técnicos que atuam em arbitragens, que
se dispuseram a responder a um formulário eletrônico desenvolvido em uma
plataforma Web (Google forms), sem obrigação de identificação, contendo 18
perguntas, que ora denominamos “Vertente A”.

A segunda parte da pesquisa, que denominamos “Vertente B”, foi dirigi-


da a várias instituições arbitrais que atuam no Brasil, contendo perguntas sobre
a forma de produção de provas nos procedimentos em curso e a regulamen-
tação existente sobre a matéria no âmbito da referida instituição, seguindo a
metodologia quantitativa.

3.(i) Vertente A
O roteiro do formulário foi dividido em 3 módulos. No primeiro, bus-
cou-se identificar o campo de atuação do entrevistado (árbitro, advogado ou
profissional técnico); no segundo, a sua vivência e experiência pessoal. No
terceiro módulo, buscou-se apurar quais, na percepção dos entrevistados, são
as práticas adotadas na sua vivência, e a sua preferência sobre determinados
aspectos relacionados à produção de provas. Seguiram perguntas sobre o en-
tendimento do entrevistado sobre a aplicação de soft law nos procedimentos e
a sua opinião quanto à regulamentação da matéria pelas instituições arbitrais.
A pergunta 18 consistiu em um espaço para serem inseridas considerações
gerais, permitindo a coleta de informações qualitativas a contribuir na análise
da questão.

55 EPSTEIN, Lee; MARTIN, Andrew D. Quantitative Approaches to Empirical Legal Research. In: CANE, Peter;
KRITZER, Herbert M. The Oxford Handbook of Empirical Legal Research. Oxford University Press, 2010.
56 WEBLEY, Lisa. Chapter 38 Qualitative Approaches to Empirical Legal Research. In: CANE, Peter; KRITZER,
Herbert M. The Oxford Handbook of Empirical Legal Research. Disponível em: <http://10.1093/
oxfordhb/9780199542475.013.0039>. Acesso em: 13 jun. 2020.
57 Na parte da pesquisa denominada Vertente A, esclarecida no próximo parágrafo.
58 R��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL
A pesquisa ficou disponível para ser respondida no período de
02.02.2020 até 06.03.2020, e foi divulgada por via eletrônica para dezenas
de e-mails pessoais, lista de e-mails do CBAr, grupos de WhatsApp do CBAr,
OAB/SP, CIArb, e outros, e mídias sociais, como Instagram, Facebook e Linkedin.
Contamos com a participação de 116 respondentes, um número que conside-
ramos adequado para dar representatividade à pesquisa58.

O perfil dos respondentes (pergunta 1)


Foram 116 participantes, dos quais: 32 árbitros (27,6%), 52 advogados
(44,8%) e 32 profissionais técnicos (27,6%).

A participação dos advogados foi mais expressiva do que a dos árbitros


e profissionais técnicos, refletindo, a nosso ver, um maior número de profis-
sionais envolvidos na arbitragem. De fato, o número de advogados em cada
procedimento arbitral ultrapassa o número de árbitros e dos técnicos que pro-
duzem provas.

De maneira geral, o perfil dos árbitros e profissionais técnicos que parti-


ciparam da pesquisa, no que diz respeito à experiência, é parecido, com uma
predominância de profissionais mais experientes (62,5% e 65,6% para árbitros
e peritos, respectivamente), em contraposição à categoria dos advogados, que
contou com participação majoritária de profissionais com menor experiência
(52%)59.

Ainda, a participação foi diretamente proporcional à idade, com 69%


dos participantes maiores de 41 anos.

A percepção (perguntas 2 a 6)

Nas perguntas 2 a 4 buscamos obter a informação quanto à forma de in-


dicação dos profissionais técnicos e à prática quanto à exigência de assinatura
de declaração de independência e imparcialidade. Esclarecemos que, nas per-
guntas 3 e 4, as alternativas de resposta foram “sim, em alguns casos”, “sim, na
maioria dos casos”, “não” e “não me lembro”. Optamos por usar esse formato
ao invés de oferecer alternativa de resposta quantitativa, pois imaginamos que
os participantes não teriam o número exato disponível no momento de respon-
der à pesquisa. O objetivo, então, foi captar a percepção dos pesquisados.

58 Deixamos de apontar o intervalo de confiança, ou margem de erro, por não existirem informações disponíveis sobre
o número de árbitros, advogados e profissionais que atuam no setor de arbitragens no Brasil. A base de potenciais
respondentes, portanto, é incerta.
59 Talvez essa discrepância tenha origem na métrica utilizada para caracterizar a experiência dos advogados: 0-20,
21-50, mais de 50 casos de procedimentos arbitrais em que tenham atuado; enquanto que para árbitros e
profissionais técnicos a quantidade de casos utilizada foi outra: 0-5, 06-10, mais de 10 casos.
RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL........................................................................................................................................ 59
A pesquisa revelou que, na percepção dos participantes, a grande maio-
ria das perícias (74%) adota a sistemática de indicação do perito pelo tribunal
arbitral, com a participação de assistentes técnicos indicados pelas partes. A
segunda forma mais utilizada (15,5%) é a realização de perícia apenas por
assistentes técnicos indicados pelas partes sem compromisso expresso de in-
dependência em relação a quem os indicou. Um baixo percentual de perícias
é realizado apenas por perito indicado pelo tribunal arbitral e a modalidade
menos popular, mas existente, é a indicação de profissional técnico indicado
pela parte, com expectativa de imparcialidade e independência.

Essa percepção foi corroborada pelas informações disponibilizadas pe-


las câmaras de arbitragem que participaram da Vertente B da pesquisa, cujo
resultado indica que 90% das perícias realizadas nos últimos 5 anos contaram
com a participação de um perito indicado pelo tribunal arbitral (com ou sem
assistente técnico), e apenas 10% são realizadas tão somente por profissionais
designados pelas partes.

A pergunta 3 busca saber se, na experiência do respondente, os profissio-


nais técnicos indicados pelo tribunal arbitral foram instados a revelar fatos que
pudessem denotar dúvida quanto à imparcialidade e independência. Apenas
a metade (50%) indicou “na maioria dos casos” e 27,6% se referiram a “em
alguns casos”. Verifica-se, portanto, que há a percepção de que nem todas as
indicações de perito pelo tribunal arbitral são acompanhadas de pedido de
esclarecimentos com relação a fatos relativos à sua independência e imparcia-
lidade, e assinatura de termo nesse sentido.

A mesma indagação quanto aos profissionais técnicos indicados pela


parte indica que em 49% dos casos não há pedido de revelação de relações
e fatos que denotem dúvida quanto à imparcialidade e independência destes.
Dos entrevistados, 22% responderam que “na maioria dos casos” a revelação
é solicitada, e para 22,4% a revelação foi solicitada “em alguns dos casos”
(pergunta 4).

A percepção, no entanto, de que o profissional técnico indicado pelo


tribunal arbitral deve atuar dentro das regras de independência e imparcialida-
de, com a assinatura de compromisso nesse sentido, é afirmada por 95,7% dos
pesquisados, com apenas 4,3% se posicionando expressamente contra ou não
tendo opinião formada (pergunta 5).

Com relação aos profissionais técnicos indicados pela parte, a percep-


ção é diversa, o que pode ser visto na resposta à pergunta 6. Do total, 61,2%
posicionam-se pela exigência do compromisso, mas apenas quando o indica-
60 R��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL
do atuar como perito da parte, ou seja, não como um assistente técnico. Dos
entrevistados, 19% entendem que o profissional indicado pela parte, em qual-
quer situação, deve assinar o termo de independência e imparcialidade, em
contraponto a 10,3% que entendem que não e 9,5% que têm dúvidas. Essas
respostas denotam que, não obstante existir uma certa padronização instalada
no cenário de arbitragens em torno do método “perito do tribunal + assistentes
técnicos das partes”, existe espaço para explorar outros modelos, com a indi-
cação de peritos pelas partes que atuem com compromisso de independência
e imparcialidade.

Regras procedimentais (perguntas 7 a 9)

As perguntas 7 a 9 buscaram obter informações sobre o pensamento dos


participantes quanto à sistemática procedimental da fase instrutória.

A pergunta 7 abordou a sistemática de formulação de quesitos, sendo


que 86,2% entendem que devem ser formulados pelas partes e pelo tribunal
arbitral, 12,1% apenas pelas partes e 1,7% apenas pelo tribunal arbitral.

A grande maioria (88%) opinou pela importância de serem estabelecidas


pelo tribunal arbitral regras detalhadas para a condução dos trabalhos peri-
ciais, a serem consolidadas em um termo ou ordem procedimental (pergunta
9). Essas regras devem ser estabelecidas (com o conteúdo e os atos da perícia)
somente após as alegações das partes (80,2%), e não no início da arbitragem
(pergunta 8).

Regras de impedimento e suspeição (perguntas 10 a 12.1)

Quase a totalidade dos pesquisados – 93% – acolheu o entendimento


de que o tribunal arbitral tem competência para impor a aplicação de regras
de impedimento e suspeição em relação aos profissionais por ele indicados
(pergunta 10). Essa mesma contundência não é reproduzida quando indagados
se o tribunal arbitral pode impor essas mesmas regras em relação aos profissio-
nais técnicos que atuam indicados pelas partes: 54,3% aceitam positivamente
a determinação do tribunal arbitral nesse sentido, mas apenas quando o pro-
fissional técnico indicado pela parte atuar como perito, 20,7% entendem que
sim, sempre, 12% não e 13% têm dúvidas (pergunta 11). As respostas não per-
mitem uma conclusão definitiva, mas nos parece que há uma aceitação quanto
à imposição de regras de imparcialidade e independência para os profissionais
que atuam por indicação das partes, desde que as regras fiquem claras para os
partícipes.
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Dos que responderam, a maioria – 89% – opinou que a legislação e/ou
regulamentação existente no Brasil não é suficientemente clara no que diz res-
peito às regras de conflito de interesses e imparcialidade dos profissionais que
realizam perícias em arbitragem (pergunta 12).

A pergunta 12.1 teve por objetivo apurar se, na opinião dos entrevista-
dos, seria viável existir a figura do “perito” indicado pela parte, ou seja, um
profissional técnico indicado pela parte, mas que deve agir com imparcialidade
e independência: 76% responderam afirmativamente, 24% negativamente. A
resposta dessa pergunta 12.1 é coerente com a pergunta 11, e mostra, em nossa
opinião, que um grande número dos profissionais envolvidos na arbitragem
caminha para acolher a figura do “perito da parte”, com deveres e obrigações
desvinculados da parte que o indicou.

Soft law (perguntas 13 a 16)

Na ausência de regras sobre o tema, indagamos sobre a experiência dos


participantes quanto à aplicação, pelo tribunal arbitral, das Regras do IBA. Dos
entrevistados, 35,3% já testemunharam o tribunal arbitral invocá-las, 51,7%
não tiveram a experiência ainda e 12,9% não se lembram (pergunta 13).

Quanto ao uso do CIArb Protocol, sua aplicação é ainda mais reduzida:


82% nunca vivenciaram o tribunal arbitral aplicá-lo, 11% não se lembram,
tendo apenas 7% tido a experiência de vê-lo aplicado em uma arbitragem (per-
gunta 14).

Não obstante, a maioria (55%) é favorável à inclusão no Termo de Arbi-


tragem ou na Ata de Missão de orientação quanto à necessidade de observân-
cia das regras do IBA ou CIArb, enquanto 9,5% são contrários. Ainda, 15,5%
têm dúvidas e 20% desconhecem essas orientações e preferiram não opinar
(pergunta 15).

Essas respostas indicam que há um certo desconhecimento na arbitragem


nacional em relação a esses guias de procedimento – conhecidos na arbitragem
internacional – no tocante à produção de provas, havendo espaço no cenário
brasileiro para a sua discussão e divulgação.

A pergunta 16 indagou se o regime do CPC sobre impedimento e suspei-


ção dos peritos judiciais deve ser aplicado aos profissionais técnicos que atuam
na produção de provas em procedimento arbitral. Corroborando nossa percep-
ção de que, na prática, ainda há uma influência muito forte dos conceitos do
direito processual na arbitragem, 51% responderam positivamente. Por outro
62 R��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL
lado, 23% são contrários e 26% têm dúvidas, o que indica um grande número
de profissionais que divergem da influência processual civil.

Câmaras e instituições de arbitragem (pergunta 17)

O último questionamento (pergunta 17) também dá um norte importan-


te. Perguntamos se deveria haver regulamentação pelas câmaras e instituições
de arbitragem sobre o tema: 80% são favoráveis, 10% são contrários e 10%
têm dúvidas. Indubitavelmente há uma demanda dos players de arbitragem
para um regramento mais claro sobre o assunto por parte das instituições ar-
bitrais.

3.(ii) Vertente B

A segunda parte da pesquisa teve o intuito de permitir um confronto das


respostas oferecidas na primeira parte com dados empíricos quantitativos de
posse de algumas das instituições de arbitragem que atuam no Brasil. Cabe
aqui uma importante observação: parte das informações solicitadas não estão
automaticamente disponíveis às instituições, o que exigiu um trabalho extra
por parte destas de verificação em cada um dos procedimentos em curso para
apurar os números solicitados, em especial os relacionados à forma de indica-
ção dos profissionais técnicos.

Tentamos elaborar critérios objetivos para reduzir ao máximo o campo


de subjetividade nas respostas, mas, na ausência de dados padronizados que
sejam utilizados pelas instituições, é possível que as informações tenham ori-
gem em base de dados não coincidente entre as câmaras arbitrais responden-
tes, o que precisa ser considerado. Não obstante as dificuldades apontadas, em
nosso entendimento as informações obtidas são muito valiosas para o estudo
da matéria.

Nossa opção foi enviar o formulário para as câmaras de arbitragem in-


dicadas no ranking da Leaders League60, sendo que contamos com a participa-
ção das seguintes instituições: Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara
de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), Câmara de Mediação e Arbitragem
Empresarial (Camarb), Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM), Centro de
Arbitragem e Mediação (AMCHAM), Conselho Arbitral do Estado de São Paulo

60 Disponível em: <https://www.leadersleague.com/en/rankings/dispute-resolution-ranking-2020-arbitration-centers-


brazil>. Acesso em: 15 jan. 2020.
RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL........................................................................................................................................ 63
(Caesp), Câmara de Arbitragem, Mediação e Conciliação do CIERGS (Camers),
Câmara de Arbitragem da FIEP (CAMFIEP) e Câmara de Mediação e Arbitragem
da Associação Comercial do Paraná (Arbitac). O índice de participação foi sig-
nificativo61, oferecendo-nos uma boa representatividade à pesquisa.

Cabe observar que, embora essas instituições tenham preparo para lidar
com disputas envolvendo qualquer conteúdo material, é possível identificar
que algumas se especializaram em um determinado nicho de mercado. Tam-
bém o número de procedimentos administrados varia muito. Esses dois ele-
mentos podem influenciar a questão probatória e impactam o espaço amostral,
de maneira que devem ser levados em consideração pelo leitor, ao fazer o
cotejo com os números e percentuais ora divulgados.

Elaboramos um formulário em duas partes. A primeira pretendeu colher


informações quantitativas sobre o número de procedimentos processados nos
últimos anos e o número de perícias realizadas. Entre estas, indagou-se sobre
a sistemática utilizada na indicação do profissional e a existência ou não de
compromisso de independência e imparcialidade.

Segue, a seguir, o quadro com a totalização das respostas da primeira


parte62:
1. Quantos procedimentos foram processados nessa Câmara de Arbitragem 1.352
nos últimos 5 anos?
2. Em quantas arbitragens foram realizadas perícias? 188
3. Nas arbitragens nas quais foram realizadas perícias:
3.1 Em quantas houve a atuação unicamente de profissional técnico (perito) 87
indicado pelo tribunal arbitral?
3.2 Em quantas houve a atuação de profissional técnico (perito) indicado pelo 83
tribunal com a participação de assistentes técnicos das partes?
3.3 Em quantas houve a atuação unicamente de assistentes técnicos (assis- 7
tentes técnicos sem compromisso expresso de independência em relação às
partes) das partes?
3.4 Em quantas houve a atuação unicamente de party-appointed expert (as- 14
sistentes técnicos com compromisso de independência em relação às partes)
indicado pelas partes?

Como se verifica, enquanto que nos últimos 5 (cinco) anos houve um


grande número de procedimentos arbitrais (1.352), apenas em 14% desse nú-
mero total de casos processados houve a produção de provas com a partici-

61 De 13 (treze) instituições consultadas, 8 (oito) enviaram resposta.


62 Dados fornecidos por CAM-CCBC, Camarb, CAM, AMCHAM, Caesp, Camers, CAMFIEP e Arbitac, às quais sou
imensamente grata.
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pação de profissionais técnicos – peritos ou assistentes técnicos. Dado o lapso
temporal entre o início de uma arbitragem e o momento de produção de pro-
vas, não se pode afirmar que desses 1.352 procedimentos apenas 188 envol-
veram perícias. Não é possível fazer essa correlação, o que foi expressamente
observado por algumas das câmaras. No entanto, mesmo na ausência dessa re-
lação direta, é possível constatar que nem todas as arbitragens exigem perícias
no procedimento probatório; pelo contrário, há um número pequeno delas, em
comparação ao total de arbitragens iniciadas no mesmo período.

Do total das perícias em curso, a grande maioria (90%) é realizada por


peritos indicados pelo tribunal. Dessas, metade unicamente pelo perito indica-
do pelo tribunal arbitral e metade com a participação de profissionais indica-
dos pelas partes, na condição de assistentes técnicos (respectivamente, 46% e
44% do total de perícias).

Em 7,3% do total de perícias, há unicamente a participação de profissio-


nais indicados pelas partes, no conceito de perito indicado pela parte, em que
este assume compromisso de independência e imparcialidade.

Nos 3,7% das perícias restantes, essas são realizadas unicamente por
profissionais indicados pelas partes no conceito de assistente técnico (sem
compromisso de imparcialidade e independência).

A proporção entre os tipos de perícias se reproduz em um padrão muito


similar em todas as câmaras que participaram, com exceção da Câmara de
Arbitragem do Mercado (CAM), instituição especializada em disputas socie-
tárias e relativas ao mercado de capitais. Nesta, há um número substancial de
perícias realizadas por profissionais que atuam como peritos das partes, tendo
assinado compromisso de imparcialidade e independência. Não identificamos
uma razão para tal fato63. Ainda nesse aspecto, a CAM informa que em alguns
procedimentos o tribunal arbitral solicitou a participação das partes na escolha
do perito, por meio da apresentação de lista com a possibilidade de exclusão
de alguns nomes.

63 Pensamos que uma razão poderia ser a importância do conjunto de regras de ética e compliance às quais
se submetem as sociedades anônimas listadas na bolsa de valores. Nesse sentido, indica a câmara: “A CAM
atua na administração de procedimentos arbitrais originários de conflitos surgidos no âmbito das companhias
comprometidas com a adoção de práticas diferenciadas de governança corporativa e transparência, cujas ações são
listadas na B3, e também em outros litígios entre pessoas físicas e jurídicas, desde que sejam referentes a direito
empresarial” (Disponível em: <http://www.b3.com.br/pt_br/b3/qualificacao-e-governanca/camara-de-arbitragem-
do-mercado-cam/sobre-a-cam/>. Acesso em: 10 abr. 2020). Esse paradigma poderia estar sendo reproduzido na
produção de provas, exigindo que mesmo os profissionais indicados pelas partes assumam compromisso expresso
de atuar com independência e imparcialidade. Mas essa é apenas uma suposição da autora.
RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL........................................................................................................................................ 65
Na segunda parte do questionário foram solicitadas informações acerca
da existência de orientações informais (ou seja, que não integram o Regula-
mento da instituição arbitral) no tocante aos aspectos de condução das perícias
(resposta sim ou não) e sobre requisitos de imparcialidade e independência
dos profissionais técnicos que atuam na produção de provas, com as seguintes
perguntas (resposta descritiva):

Parte 2 – por favor escreva a resposta


4. Existe alguma orientação dessa Câmara de Arbitragem (que não conste do Regulamento)
sobre regras de:
4.1 condução de perícia?

4.2 análise de conflitos de interesse dos peritos?


4.3 análise de conflitos de interesse dos assistentes técnicos (assistentes téc-
nicos sem compromisso expresso de independência em relação às partes)
das partes?
4.4 análise de conflitos de interesse de party-appointed experts (assistentes
técnicos com compromisso de independência em relação às partes)?

Todas as respostas foram negativas para o item 4.1, salvo a CAM-CCBC,


que relatou possuir um procedimento interno para condução das perícias, com
ênfase na atuação da câmara na organização dos autos e envio de notificações,
e disponibilização das instalações para a realização de reuniões entre peritos/
assistentes técnicos. Embora indicando não possuir procedimento interno, a
AMCHAM ressalvou que a Secretaria, sempre que solicitada, auxilia as par-
tes e o tribunal. Concluímos, portanto, que nenhuma das instituições arbitrais
indagadas têm uma orientação formal, consolidada em ato normativo interno
tornado público, sobre a condução de perícias.

No tocante ao item 4.2, nos parece importante transcrever as respostas


fornecidas:

AMCHAM: após a indicação, se solicitado pelo tribunal arbitral ou partes, a secretaria do


Centro AMCHAM envia “Questionário de Independência, Imparcialidade e Disponibili-
dade do Perito” e “Termo de Confidencialidade”.
Arbitac: sim, previamente à análise dos autos o perito deve apresentar sua declaração de
independência e imparcialidade, momento no qual confirma não ter qualquer conflito de
interesses.
Caesp: nenhuma informação é solicitada dos peritos/assistentes.
CAM: nenhuma informação é solicitada dos peritos/assistentes.
CAM-CCBC: quando indicado, o perito responde o questionário de conflito de interesse e
disponibilidade e assina o termo de independência e imparcialidade.
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Camarb: possui orientação interna de sugerir ao tribunal arbitral que o perito responda um
questionário de imparcialidade e independência, bem como assine uma declaração de
não impedimento e compromisso de sigilo. O questionário constitui-se em dez perguntas
que objetivam cumprir o dever de revelação de circunstâncias que possam dar origem a
uma dúvida justificável quanto à imparcialidade ou independência do perito com relação
às partes e aos seus advogados ou à controvérsia que está sendo submetida à apreciação,
bem como se o profissional dispõe de tempo hábil para atuar na perícia.
CAMFIEP: o perito deve contemplar dispositivos do código de ética da Câmara, os quais
são indicados no momento em que o mesmo firma o termo de confidencialidade e inde-
pendência (o código de ética teve sua redação inicialmente destinada aos árbitros, porém
aplicado a questões de conflitos aos peritos por analogia).
Ciergs: nenhuma informação é solicitada dos peritos/assistentes.

Como se verifica, das 8 instituições que responderam, embora não haja


previsão no Regulamento, em 4 o perito é sempre instado a preencher decla-
ração de imparcialidade e independência, em 1 quando assim o tribunal e
as partes solicitarem e em 3 em regra não há solicitação de firmar qualquer
declaração.

Quanto aos itens 4.3 e 4.4, todas as instituições informaram não pos-
suírem regras sobre análise de conflito de interesses dos profissionais que atu-
am como assistentes técnicos, que tenham ou não firmado compromisso ex-
presso de independência em relação às partes. Dessa forma, caso venha a ser
levantada a alegação de conflito por uma das partes, caberá ao tribunal decidir
de acordo com o seu convencimento sobre o tema.

4 O PAPEL DO TRIBUNAL ARBITRAL


O vácuo de regramento sobre a sistemática de produção de provas é re-
flexo da teoria da autonomia da vontade que vigora no instituto da arbitragem,
que tem sido extremamente respeitada pelas instituições arbitrais.

Ao mesmo tempo, verifica-se a pertinência de ser dado um norte no


procedimento de produção de provas, buscando-se a celeridade processual e
evitando-se o dispêndio de recursos com perícias realizadas de maneira impro-
dutiva e não objetiva. Isso reforça a necessidade de atuação firme do tribunal
arbitral, não apenas na análise e no deferimento das provas requeridas, mas
também no estabelecimento prévio dos objetivos a serem alcançados pelas
provas, pelos quesitos, pelos prazos, pela comunicação entre os profissionais
envolvidos e outros aspectos que forem necessários.

O caráter confidencial das arbitragens tem como externalidade negativa


a dificuldade da circulação do conhecimento e das boas práticas entre os que
atuam no setor. No entanto, a troca de informações em tese, sem abrir mão
RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL........................................................................................................................................ 67
do sigilo acerca das partes e da matéria em disputa, nos deu elementos sufi-
cientes para afirmar que o uso de um termo que tem por objetivo consolidar
os fatos controversos e incontroversos, os quesitos, as regras que devem nor-
tear a condução da produção de provas, os prazos e a forma de comunicação
entre os profissionais indicados, é um eficaz instrumento de objetividade e
celeridade processual. Esse termo64 pode ser elaborado pelo tribunal arbitral e
ser submetido às partes antes de sua formalização, oferecendo a oportunidade
de acréscimos e supressões, e a apresentação de quesitos (e questionamento
daqueles apresentados pela outra parte). Após a oitiva das partes e as consi-
derações dos pedidos, o termo é consolidado, refletindo o entendimento de
todos os envolvidos. Conforme a pesquisa realizada, 88% dos pesquisados se
mostraram favoráveis à adoção de tal prática, que traz objetividade ao trabalho
a ser desenvolvido e propicia uma maior uniformidade nos laudos, facilitando
a análise e apuração de divergências técnicas e inconsistências. O resultado,
sem dúvida, é um quadro mais objetivo para auxiliar na formação da decisão
do tribunal arbitral.

Outro destaque é o papel do tribunal em estabelecer regras de impe-


dimento e suspeição em relação aos profissionais que atuam nas arbitragens.
Entendemos que o tribunal tem poderes para fixar que, em havendo realização
de laudo pericial pelas partes, deverão estas indicar profissionais sujeitos a fir-
marem declaração de independência e imparcialidade, com a recomendação
que essa orientação seja estabelecida desde o início da arbitragem. Esse pensar
é corroborado por grande parte dos que participaram da pesquisa, como pode
ser verificado nas respostas às perguntas 11 e 12. Alguns dos comentários escri-
tos (no campo da pergunta 18) apresentados pelos pesquisados vão nessa linha:
Este tema é relevante e não há uma clareza sobre o assunto, no entanto, entendo
que pelas características do instituto da arbitragem, os tribunais têm condições
de fixar regras que adequem-se a cada caso. As partes também têm tal oportuni-
dade, mas muitos ainda não têm a maturidade suficiente até mesmo para indicar
em comum acordo um perito, então realmente cabe ao tribunal uma atuação
mais detalhada e específica para o melhor desenvolvimento da Perícia, vislum-
brando uma redução de tempo e custo.

E, também, por outro pesquisado: “Entendo necessárias algumas regras


de atuação dos assistentes técnicos indicados pelas partes para atuarem como
defensores técnicos não como defensores jurídicos e com compromisso cientí-
fico e com a verdade fática submetida à sua apreciação”.

64 Que difere de uma ordem processual por não ser ato impositivo do tribunal arbitral, mas documento consolidado a
partir da participação e oitiva das partes.
68 R��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL
Vale lembrar que as regulamentações profissionais já impõem esse dever
aos seus filiados, de maneira que um compromisso formal nesse sentido não
deveria causar maiores surpresas. Isso não afasta a participação de profissionais
técnicos vinculados às partes, que por vezes as acompanham desde antes da
apresentação do requerimento de arbitragem. Esses profissionais fazem parte
da equipe da parte, dando os subsídios técnicos para o pleito. No entanto, um
laudo produzido por esse profissional há que ser valorado pelo tribunal exata-
mente dentro deste contexto, com as devidas restrições. E isso parece não ser
muito eficiente em algumas situações.

Não pode ser esquecido que a condução da prova cabe ao tribunal,


ouvidas as partes, é certo, mas a direção e definição é competência, em última
análise, do tribunal arbitral.

Alguns painéis arbitrais têm optado por estabelecer uma regra em ordem
processual, como a Professora Selma Lemes, na redação a seguir reproduzida:

(i) ESCLARECER que as partes poderão requerer que, com o intuito de recolher
informações técnicas e específicas sobre determinada matéria, sejam admitidas
testemunhas técnicas a serem ouvidas como contribuição para o processo de
formação de convicção dos árbitros. As testemunhas técnicas deverão ser inde-
pendentes das partes, não sendo admitidos nessa condição profissionais espe-
cializados que mantenham vínculo empregatício, relação de subordinação hie-
rárquica ou qualquer relação de trabalho constante com a parte que os houver
designado; [...].65

Idealmente, a nosso ver, as regras sobre o tema devem ser fixadas no


termo de arbitragem ou em documento similar, como, exemplificativamente, a
reproduzida a seguir:

Na hipótese de ser determinada a produção de prova pericial, os peritos desig-


nados pelo tribunal arbitral ou nomeados pelas partes, não assim seus assistentes
técnicos, deverão declarar sua imparcialidade e independência e estarão sujei-
tos ao dever permanente de revelação de quaisquer circunstâncias pretéritas ou
supervenientes que possam comprometê-las.66

A definição de regra em momento inicial do procedimento oferece previ-


sibilidade e segurança jurídica às partes. Como comentou um dos pesquisados
(Vertente A):

65 Redação que me foi transmitida pela Professora Selma Lemes, em atendimento a meu pedido após ouvir o
“WarmUp Hard Talk: violação ao devido processo legal e nulidade da sentença arbitral”, organizado pelo Canal de
Arbitragem, em 08.05.2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hEzEOZyVzP4>. Acesso em:
5 jun. 2020.
66 Redação de termo de arbitragem de procedimento no qual a autora figura como árbitra.
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A questão que mais me preocupa sobre a realização de perícias em arbitragens
é a organização de seu procedimento. Frequentemente os tribunais arbitrais não
se preocupam com a regulamentação da fase instrutória de forma prévia, geran-
do, em certos casos, um efeito surpresa aos advogados que estruturam suas es-
tratégias desde o início da arbitragem. Creio que o estabelecimento de diretrizes
básicas sobre a etapa instrutória e os limites de atuação dos assistentes técnicos
indicados pelas partes nos regulamentos das câmaras de arbitragem seria bem-
-vinda.

A segurança proporcionada pelas regras também é enfatizada em outro


comentário:

A importância de haver regulamentação prévia à realização da perícia se justi-


fica, muitas vezes, para evitar que as partes conturbem o escopo técnico do ex-
pert. É muito comum que as partes se utilizem da perícia para juntar documen-
tos que não foram apresentados previamente ao tribunal, levem advogados a
reuniões técnicas ou diligências, busquem contatos sem a participação da parte
contrária etc. Daí para a segurança e transparência da perícia, as entidades sai-
bam previamente, todas as diretrizes que devem seguir para sua regular atuação.

A previsibilidade da sistemática utilizada é também enfatizada por


Simões e Montoro67, para os quais “a terminologia não é relevante, o que é
importante é ficar claro o sistema”, para que os profissionais não sejam pegos
de surpresa.

Outro ponto a ser mencionado é a necessidade de diálogo entre o tribu-


nal e os profissionais técnicos que estão produzindo o laudo pericial. Como já
observado supra, nos estudos técnicos há possíveis variáveis que dependem da
premissa teórica assumida, com reflexos jurídicos importantes. Essa comuni-
cação pode ser decisiva para uma boa compreensão do escopo do trabalho e
separação entre os aspectos técnicos e os aspectos jurídicos inerentes à produ-
ção de prova. Isso foi trazido nos comentários escritos na pesquisa (Vertente A),
conforme a opinião consignada por um engenheiro:

Nos casos em que participei como perito do tribunal arbitral constatei que o
tribunal não dialoga normalmente com o perito. Acho que, sendo o perito um
profissional de confiança do tribunal, deveria ocorrer maior interação entre
eles, principalmente na fase inicial mas também durante o desenvolvimento
do processo.

67 SIMÕES, Alexandre Palermo; MONTORO, Marcos André Franco. O perito e a expert witness (“testemunha técnica”)
na arbitragem. In: MAIA NETO, Francisco; FIGUEIREDO, Flávio Fernando de (Coord.). Perícias em arbitragem. São
Paulo: Universitária de Direito, p. 122-142, 2012.
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Pode haver dúvida quanto à necessidade ou conveniência de diálogo
entre o tribunal arbitral e os profissionais indicados pela parte. Entendemos
que mesmo no modelo de participação de assistentes técnicos, caso estes este-
jam encarregados de elaborar laudos periciais, não haveria qualquer prejuízo
ou aspectos negativos, desde que observada a transparência e a comunicação
conjunta entre os representantes de todas as partes, sem diálogo ex parte.

CONCLUSÃO
Não obstante a ausência de regras específicas na Lei de Arbitragem, o
princípio da boa-fé e as regras incidentes sobre as categorias profissionais que
realizam perícia já deveriam ser suficientes para garantir a imparcialidade e in-
dependência dos indicados, seja na posição de perito do tribunal arbitral, seja
designado pelas partes, de maneira que a assinatura de um termo sobre conflito
de interesses seria mera decorrência desses padrões éticos já existentes.

Quase a totalidade dos pesquisados concorda que as instituições arbi-


trais devem regulamentar o tema da imparcialidade e independência dos pro-
fissionais técnicos que atuam em arbitragens. Em nossa opinião, essa medida
contribuiria para diminuir as incertezas e os custos de transação que ocorrem
quando essa tarefa é atribuída ao tribunal arbitral.

À medida que aprofundamos nossos estudos sobre o tema e analisamos


os resultados da pesquisa realizada, formamos a opinião de que não há fórmula
que resolva a produção de provas em todas as disputas arbitrais. A maior cer-
teza que aflora é a necessidade de diálogo sobre o assunto, a imperiosidade de
que as partes e o tribunal pensem despidos de conceitos pré-concebidos advin-
dos da prática processual civil sobre qual a melhor sistemática a ser utilizada
em uma dada arbitragem e estabeleçam as regras desde o início do procedi-
mento, definindo o padrão de imparcialidade e independência esperado dos
profissionais que irão atuar. Se as partes não o fizerem, cabe ao tribunal arbitral
provocá-las, apresentando alternativas e, na ausência de consenso, definir as
regras que pretende ver aplicadas. Uma atuação precoce pode evitar o indese-
jado prolongamento da fase instrutória com a consequente redução de custos e
emissão mais consciente e expedita da sentença arbitral.

Muitos aspectos de relevo relacionados ao tema comportam estudos adi-


cionais, mas os dados amealhados permitem uma visão mais aderente às ne-
cessidades dos profissionais envolvidos com arbitragem, dando elementos para
a definição mais segura de novos passos a serem dados.
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PESQUISA: PERITOS E ASSISTENTES TÉCNICOS – REGRAS DE IMPARCIALIDADE
Formulação:

Pesquisa: PERÍCIAS – REGRAS DE IMPARCIALIDADE

Objetivo:
A produção de provas tem sido um tema importante nas discussões do
setor profissional envolvido com arbitragens no Brasil, sendo um dos pon-
tos de atenção dever (ou não) de revelação dos peritos indicados pelo
tribunal arbitral e a incidência (ou não) de regras de imparcialidade e de
conflito de interesses sobre os profissionais indicados pelas partes.
Alguns regulamentos de instituições arbitrais brasileiras equiparam o peri-
to ao árbitro no que diz respeito ao dever de informar quanto a situações
de potencial conflito de interesses e parcialidade. Quanto ao papel e aos
deveres do assistente técnico nada foi localizado.
No âmbito da arbitragem internacional, algumas boas práticas recomen-
dam que o profissional técnico indicado pelas partes – party-appointed
expert – atue de forma imparcial e revele quaisquer relacionamentos que
tenha tido com as partes, como indica o International Arbitration Practice
Guideline do Chartered Institute of Arbitrators (CIArb).
Há, assim, muitas dúvidas quanto à imparcialidade que pode ser exigida
dos profissionais envolvidos e da necessidade de revelação e apresenta-
ção de compromissos que afastem dúvidas quanto a situações de poten-
cial conflito de interesses.

A presente pesquisa tem por objetivo coletar informações sobre as práticas


mais comuns e as preferências dos profissionais envolvidos na produção
de provas no Brasil, de maneira a:
(i) permitir uma reflexão sobre o tema; e
(ii) dar elementos para que as instituições arbitrais optem por regulamen-
tar (ou não) a matéria.

Observação:
A participação na pesquisa ocorre anonimamente. A identificação poderá
ser feita nos comentários finais.

Orientação:
Responder como árbitro, advogado de parte, ou profissional técnico, con-
siderando a atuação em arbitragens sob a lei brasileira. A pesquisa poderá
ser repetida para cada forma de atuação.
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Conceitos adotados:
– Perito: o profissional técnico responsável pela emissão de opinião técni-
ca sobre um tema específico, consubstanciada em um laudo, que atua
com dever de imparcialidade.

–
Assistente técnico: o profissional técnico indicado pelas partes, que
pode ou não elaborar um laudo, e não assume compromisso de impar-
cialidade.

– Party-appointed expert: o profissional técnico indicado pelas partes, que


assume compromisso de imparcialidade.

Agradeço muitíssimo pela sua colaboração.

Cristina M. Wagner Mastrobuono, FCIArb

Fevereiro/2020

Resultado: 116 respostas


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indicados pelas partes?


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