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Arbitragem
ISSN: 1806809X
© Kluwer Law International
Uma publicação do CBAr – Comitê Brasileiro de Arbitragem e da Kluwer Law International.
Esta Revista deve ser citada como Revista Brasileira de Arbitragem, n. 67, jul./set. 2020.
A Revista Brasileira de Arbitragem é uma publicação trimestral.
Os preços de assinatura para 2020 [volume 17, números 65 a 68] são:
– Preço da versão impressa, incluindo a remessa postal: EUR 268 / GBP 213 / USD 356
(A) Nacional
1. Nova Lei de Franquias e Arbitragem
Tatiana Dratovsky Sister e Thiago Del Pozzo Zanelato....................................................... 7
(B) Internacional
1. Arbitragem, petróleo e gás: uma construção recíproca
Matthieu de Boisséson e Katherine Spyrides..................................................................... 78
2. Has the English Court of Appeal changed its mind on the proper law of the
arbitration agreement?
Frederico Singarajah....................................................................................................... 108
3. COVID-19 and new ways of doing arbitration: are they here to stay?
María Solana Beserman Balco......................................................................................... 129
Jurisprudência
(A) Estatal Nacional Comentada
1. Tutela de Urgência. Carta Arbitral. Assistência do Poder Judiciário para
Efetivação da Ordem. Medida de Apoio Deferida pelo Juiz para Cooperação
por Terceiro
Brasil. Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial 1.798.089/MG – Terceira
Turma. Relatora Ministra Nancy Andrighi – J. 27.08.2019
Mateus Aimoré Carreteiro.............................................................................................. 145
Informações Gerais
1. Decreto nº 10.025/2019: Arbitragem Envolvendo a Administração Pública
Federal nos Setores Portuário e de Transporte Rodoviário, Ferroviário,
Aquaviário e Aeroportuário
Isabel Cantidiano............................................................................................................ 197
Resenhas de Livros
1. Multi-Party and Multi-Contract Arbitration in Brazil
Autor: Leonardo Ohlrogge
Cristina Saiz Jabardo e Flavia Foz Mange....................................................................... 253
RESUMO: Não obstante a importância das provas como elemento do processo decisório do tribunal
arbitral, não há clareza quanto às regras de imparcialidade e independência aplicadas aos profissionais
técnicos que atuam na fase instrutória. Este artigo explora o panorama legislativo e regulatório sobre o
tema, e apresenta o resultado de pesquisa empírica conduzida junto à comunidade arbitral brasileira e às
instituições de arbitragem atuantes no País, por meio da qual foram colhidas informações sobre a prática
dos pesquisados e as expectativas em torno da matéria.
PALAVRAS-CHAVE: Provas; perícias; imparcialidade; independência; regras; peritos; assistentes téc-
nicos.
ABSTRACT: Notwithstanding the importance of evidence in the arbitral tribunal’s decision-making process,
there is no clarity about the expected impartiality and independence of the appointed experts during the
proceedings. This article analyses the legislation and regulation about the subject, and presents the results
of a research conducted within the Brazilian arbitral community and the arbitral institutions that operate in
the country, designed to collected information on respondent’s practice and expectations upon the matter.
KEYWORDS: Evidence; taking of evidence; impartiality; independence; rules; experts; party-appointed
experts.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Perícias e peritos no Brasil; 1.(i) Perícias no Código de Processo Civil – Breve
histórico; 1.(ii) Perícias na Lei de Arbitragem; 1.(ii).(a) A sistemática de produção de provas; 1.(ii).(b) Os
profissionais técnicos e as regras de imparcialidade e independência na produção de provas; 1.(iii) O mo-
delo adotado por legislações arbitrais de outras jurisdições; 1.(iv) Regulamentos e soft law; 2 Imparciali-
dade e independência – O que esperar dos profissionais técnicos que atuam em perícias?; 3 A pesquisa;
3.(i) Vertente A; 3.(ii) Vertente B; 4 O papel do tribunal arbitral; Conclusão.
INTRODUÇÃO1
Com a intensificação do uso da arbitragem como meio de resolução de
disputas e a evolução do instituto, muitos dos seus conceitos básicos já se en-
contram em vias de consolidação, remanescendo, no entanto, ampla discussão
1 Registro meu agradecimento aos seguintes profissionais e amigos, pelas valiosas contribuições para a elaboração
deste trabalho: Gilberto Giusti, Professor Celso Mori, André Rodrigues Junqueira, Bruno Megna, Cláudio Finkelstein,
Cesar Augusto Guimarães Pereira, Thiago Marinho Nunes, Patrícia Kobayachi e Luiza Kömel. Agradeço também a
todos os que se dispuseram a participar da pesquisa.
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sobre alguns temas. Um deles diz respeito à produção de provas, em especial
o campo de atuação dos profissionais que operam nessa fase do procedimento.
São terceiros que não constituem o tripé que forma a base de condução do pro-
cesso – requerente, requerido e tribunal arbitral –, mas cuja atuação é decisiva
para o desfecho da disputa.
2 GONÇALVES, Eduardo Damião; SILVA, Rafael Bittencourt. A perícia na arbitragem. A produção de provas técnicas
no âmbito do procedimento arbitral e novas tendências. Revista do Advogado, São Paulo, a. 33, n. 119, p. 35-41,
abr. 2013.
3 Idem, ibidem.
4 CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem: mediação: conciliação: Resolução CNJ nº 125/2010. 5. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 270.
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A evolução legal será analisada tanto sob o aspecto da forma de indica-
ção dos especialistas quanto das regras de imparcialidade incidentes, visto que
esses dois fatores se permeiam, havendo uma direta relação de causa e efeito.
Verifica-se que nesse modelo processual, que vigeu até 1973, a figura
do perito (mesmo que indicado pela parte) tinha importância fundamental nas
diversas fases procedimentais, com o texto legal fazendo inúmeras referências
à sua participação e oitiva em vários momentos decisivos do processo. Essa
importância exigia uma postura de imparcialidade, sendo que o perito estava
sujeito à exceção de suspeição e à incidência de penalidades pecuniárias e
de impedimento de atuação em novas perícias, em especial quando prestadas
Nova mudança, dessa vez trazida pela Lei nº 8.455, de 24.08.1992, in-
troduziu a separação do conceito de perito e assistente técnico, sendo o perito
o profissional nomeado pelo juiz e o assistente técnico profissional indicado e
de confiança da parte.
6 GONÇALVES, Eduardo Damião; SILVA, Rafael Bittencourt. A perícia na arbitragem. A produção de provas técnicas
no âmbito do procedimento arbitral e novas tendências. Revista do Advogado, São Paulo, a. 33, n. 119, p. 35-41,
abr. 2013.
7 Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
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Referida reforma do CPC de 1973 colocou grande importância à atuação
independente e imparcial do perito, ao deixar expresso que este cumprirá es-
crupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo
de compromisso (art. 422), podendo escusar-se ou ser recusado por impedi-
mento ou suspensão (art. 423). Em caso de descumprimento do encargo no
prazo assinalado, sem justo motivo, o juiz poderia comunicar a ocorrência à
corporação profissional respectiva e impor multa a ser fixada levando em con-
sideração o valor da causa e o possível prejuízo decorrente do atraso (art. 424,
parágrafo único).
8 A alteração de 1992 revogou o art. 430, que dispunha sobre a atuação conjunta entre perito e assistentes para
lavrar o laudo pericial.
9 O chamado novo Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015
(“NCPC”).
38 R��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL
A evolução legislativa mostra que muitos são os modelos admissíveis e
que poderiam, em princípio, ser aplicados no procedimento arbitral.
10 Olavo Augusto Vianna Alves de Oliveira conclui: “A partir da análise da legislação brasileira, é possível verificar
que não há previsão expressa e específica acerca da forma de produção de provas no âmbito do procedimento
arbitral. Ademais, a maioria dos regulamentos dos tribunais arbitrais não se preocuparam em definir diretrizes ou
se aprofundar no tema da produção de provas” (FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves; ROCHA, Matheus Lins;
FERREIRA, Débora C. F. A. Alves. Lei de Arbitragem comentada artigo por artigo. São Paulo: Juspodivm, 2019.
p. 261).
11 Art. 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que
poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às
partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento.
§ 1º Não havendo estipulação acerca do procedimento, caberá ao árbitro ou ao tribunal arbitral discipliná-lo.
§ 2º Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade de partes, da
imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.
§ 3º As partes poderão postular por intermédio de advogado, respeitada, sempre, a faculdade de designar quem as
represente ou assista no procedimento arbitral.
§ 4º Competirá ao árbitro ou ao tribunal arbitral, no início do procedimento, tentar a conciliação das partes,
aplicando-se, no que couber, o art. 28 desta Lei.
12 Art. 22. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a
realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício.
§ 1º O depoimento das partes e das testemunhas será tomado em local, dia e hora previamente comunicados, por
escrito, e reduzido a termo, assinado pelo depoente, ou a seu rogo, e pelos árbitros.
§ 2º Em caso de desatendimento, sem justa causa, da convocação para prestar depoimento pessoal, o árbitro ou o
tribunal arbitral levará em consideração o comportamento da parte faltosa, ao proferir sua sentença; se a ausência
for de testemunha, nas mesmas circunstâncias, poderá o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral requerer à
autoridade judiciária que conduza a testemunha renitente, comprovando a existência da convenção de arbitragem.
§ 3º A revelia da parte não impedirá que seja proferida a sentença arbitral.
§ 4º (Revogado)
§ 5º Se, durante o procedimento arbitral, um árbitro vier a ser substituído fica a critério do substituto repetir as
provas já produzidas.
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nado à produção de provas. Na ausência de disposição (na lei, no regulamento
da instituição arbitral ou de indicação na convenção de arbitragem), cabe aos
participantes da arbitragem (partes e tribunal arbitral) estabelecer o modo de
produção de provas, implicando: qual a sequência das diversas formas proba-
tórias a ser adotada – apresentação de documentos, depoimento das partes,
oitiva de testemunhas, apresentação de laudo –; a elaboração dos quesitos; a
atuação ou não de peritos; a forma de nomeação dos peritos; a comunicação
entre os peritos e assistentes; a inquirição entre os profissionais; a realização de
audiência preparatória; enfim, todos os atos relacionados à condução procedi-
mental, no que se inclui o modo de produção da prova, e, ainda, acrescenta-
mos regras de imparcialidade que se pretendem ver aplicadas.
13 MURIEL, Marcelo A. Produção de provas na arbitragem. In: CARMONA, Carlos Alberto; LEMES, Selma Ferreira;
MARTINS, Pedro Batista (Coord.). 20 anos da Lei de Arbitragem. Homenagem a Petrônio Muniz. São Paulo: Atlas,
2017.
14 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. São Paulo: Atlas, 2009.
15 Para um panorama dos doutrinadores e seu posicionamento quanto à aplicação (ou não) subsidiária do Código
de Processo Civil ao procedimento arbitral, ver FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves; ROCHA, Matheus Lins;
FERREIRA, Débora C. F. A. Alves. Lei de Arbitragem comentada artigo por artigo. São Paulo: Juspodivm, 2019.
p. 49-50.
40 R��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL
art. 21 da Lei de Arbitragem e que formam, na lição de Rafael Francisco Alves16,
o “núcleo do devido processo legal na arbitragem”, cuja violação enseja a anu-
lação da sentença arbitral.
16 ALVES, Rafael Francisco. O devido processo legal na arbitragem. In: MACHADO, Rafael Bicca; JOBIM, Eduardo
(Coord.). Arbitragem no Brasil – Aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 383.
17 MARTINS, Pedro A. Batista. Panorâmica sobre as provas na arbitragem. In: MACHADO, Rafael Bicca; JOBIM,
Eduardo (Coord.). Arbitragem no Brasil – Aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 350.
18 Ibidem, p. 338.
19 Observamos que a mesma flexibilidade, no entanto, não se aplica à formação de julgamento pelos árbitros. A
valoração que os árbitros emprestam às provas produzidas deve encontrar apoio nas regras de direito material que
versam sobre o direito em questão. Por exemplo, em uma análise sobre a propriedade de um imóvel, há que se
observar as regras do Direito Civil que versam sobre a forma de comprovar a propriedade.
20 FARIA, Marcela Kohlbach de. A produção de prova no procedimento arbitral. Revista de Arbitragem e Mediação,
v. 32, p. 207-226, jan./mar. 2012; Doutrinas Essenciais Arbitragem e Mediação, v. 3, p. 461-480, set. 2014.
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mento a ser aplicado, sempre em observância dos princípios do contraditório e
isonomia das partes, cabendo ao árbitro a decisão sobre a admissão das provas,
bem como facultando-lhe a determinação de produção de outras provam que
entenda necessárias.
22 Há ainda um aspecto importante desse regime, que é a forma de produção de provas pela parte interessada,
anteriormente ao procedimento judicial ou arbitral. A aplicação dessa metodologia no Brasil pode suscitar uma
série de questionamentos, como a quebra do princípio do contraditório, e não será objeto de estudo neste trabalho.
23 Nesse sentido “a influência da CoL [common law] sobre a arbitragem é muito maior do que parece, e exige
dos árbitros e advogados da CiL [civil law] que conheçam bem alguns conceitos da CoL, especialmente em
matéria de provas” (DUARTE GARCIA, Mário Sérgio; LAZZARINI LEMOS, Júlio Cesar. A sistemática da perícia na
arbitragem. In: MAIA NETO, Francisco; FIGUEIREDO, Flávio Fernando de (Coord.). Perícias em arbitragem. São
Paulo: Universitária de Direito, p. 65-90, 2012).
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1.(ii)(b) Os profissionais técnicos e as regras de imparcialidade e independência na
produção de provas
Um dos pilares da teoria da arbitragem é a certeza de que as partes serão
submetidas a um procedimento no qual lhes seja garantido o devido processo
legal e um julgamento imparcial. Segundo Selma Lemes24, “a exigência de in-
dependência e imparcialidade constitui a garantia de um julgamento justo e é
o baluarte de uma justiça honesta”.
24 LEMES, Selma Maria Ferreira. A independência e a imparcialidade do árbitro e o dever de revelação. Revista
Brasileira de Arbitragem, n. 26, p. 22-34, abr./jun. 2010.
25 Art. 21, § 2º, da Lei de Arbitragem.
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É notória a influência das regras do processo civil na estrutura que vi-
gora na fase probatória da arbitragem, havendo uma transposição da prática
processualista para o procedimento arbitral, o que pudemos perceber na fase
exploratória da nossa pesquisa, prévia à elaboração do questionário. Como
medida preparatória, realizamos algumas entrevistas com profissionais reno-
mados e experientes no cenário arbitral brasileiro, e a primeira constatação foi
a ausência de conceitos unívocos para perito e assistente técnico no âmbito
da arbitragem. Em acréscimo, é corriqueiro o uso da expressão expert e expert
witness trazida da prática internacional, e que pode ser traduzida tanto para
“perito do tribunal” quanto para “perito da parte”, a depender de quem o indi-
ca, diferenciação que, em regra, não acompanha o uso do termo no Brasil. O
termo expert witness é utilizado na prática brasileira como assistente técnico,
mas poderia também ser a testemunha técnica a ser ouvida pelo tribunal arbi-
tral. E a ausência de uniformização torna árdua a discussão subsequente, qual
seja, a cogência ou conveniência de ser exigida expressamente a imparcialida-
de e independência desses profissionais.
Assim, para discutir o tema parece ser importante nos despirmos dos
conceitos que advêm da lei processual e pensarmos em um modelo próprio
da arbitragem, com regras adequadas para esse instrumento de resolução de
disputas no contexto brasileiro.
26 Como já mencionado antes, nos parece que esse expert witness seria o que na prática brasileira vem sendo
denominado de assistente técnico da parte, embora o termo também possa ser traduzido como “testemunha
técnica”.
27 UK Arbitration Act 1996 c.23, 37. Power to appoint experts, legal advisers or assessors. Disponível em:
<https://www.legislation.gov.uk>. Acesso em: 30 maio 2020.
28 UK Civil Procedure Rules. Disponível em: <https://www.justice.gov.uk/courts/procedure-rules/civil/rules/part35>.
Acesso em: 30 maio 2020.
29 Livre tradução de: “35.2 (1) A reference to an ‘expert’ in this Part is a reference to a person who has been
instructed to give or prepare expert evidence for the purpose of proceedings”.
30 “35.3
(1) It is the duty of experts to help the court on matters within their expertise.
(2) This duty overrides any obligation to the person from whom experts have received instructions or by whom
they are paid.”
31 SACHS, Karl with the assistance of SCHMIDT-AHRENDTS, Nils. Protocol on Expert Teaming: A New Approach to
Expert Evidence. In: VAN DEN BERG, Albert Jan (General Editor). Arbitration Advocacy in Changing Times – ICCA
Congress Series nº 15, Kluwer Law International BV, The Netherlands, p. 135-148, 2011.
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suspeição exigidas dos árbitros, e impondo o dever de revelação32. O resultado
da pesquisa empírica (Vertente B), porém, demonstrou que, mesmo na ausên-
cia de disposição expressa em regulamento, a maior parte das câmaras solicita
ao perito o preenchimento de declaração de independência, imparcialidade e
ausência de conflito de interesses, quando da assinatura do termo de compro-
misso.
32 Vide o Regulamento da Camarb, que estende ao perito dispositivos que tratam da declaração de ausência de
impedimento ou suspeição e o dever de revelação do árbitro: “8.5 Em relação ao perito, aplicar-se-à o disposto
nos itens 4.10, 4.11 e 5.1 deste Regulamento, cabendo ao tribunal arbitral decidir sobre eventual impugnação
ao perito” (Disponível em: <https://www.camarb.com.br/wpp/wp-content/uploads/2019/10/regulamento-de-
arbitragem-camarb-2019_atualizado2019.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2020).
33 Para um aprofundado estudo sobre o tema, ver ABBUD, André de Albuquerque Cavalcanti. Soft law e produção de
provas na arbitragem internacional. São Paulo: Atlas, 2014.
34 Haveria vários outros regulamentos a serem expostos, de igual importância, o que não se faz em razão do espaço
limitado para este artigo.
35 Comentando os aspectos positivos das orientações da IBA, Selma Lemes menciona: “Também não se pode deixar
de aferir que tanto estas como os Códigos de Ética possuem finalidade pedagógica e são um norte, um guia e uma
referência que, dependendo do caso concreto a ser aplicado, poderá ser oportuna ou, ao contrário, inadequada”
(LEMES, Selma Maria Ferreira. A independência e a imparcialidade do árbitro e o dever de revelação. Revista
Brasileira de Arbitragem, n. 26, p. 21-34, abr./jun. 2010).
36 Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration (2014) e Rules on the Taking of Evidence in
International Arbitration (2010). Disponível em: <https://ibanet.org>. Acesso em: 20 maio 2020.
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interesses, dever de revelação e possibilidade de renúncia expressa das par-
tes ao direito de impugnar o árbitro. Outrossim, não é incomum ser invocado
como paradigma de aplicação aos peritos pela parte que se sentir em risco de
ser prejudicada.
A orientação da IBA que tem aplicação mais direta à atuação dos peritos
consiste nas Regras da IBA sobre Produção de Provas em Arbitragem Interna-
cional (“Regras”). Essas Regras, publicadas inicialmente em 1999 e adotadas
pelo Conselho da IBA em 2010, foram emitidas com o objetivo de ser um
recurso para partes e árbitros gerarem um processo eficiente, econômico e
justo para a produção de provas na arbitragem internacional, podendo o seu
uso ser referenciado na cláusula arbitral. Há uma sugestão de redação para tal
finalidade.
Regras de Praga
As “Prague Rules”38 foram elaboradas em 2018 por um Grupo de Traba-
lho com representantes de 30 países. Embora inicialmente pensadas para dar
apoio a disputas entre partes advindas de países da civil law, seus autores con-
cluíram serem regras que podem ser usadas em qualquer procedimento arbitral
onde a natureza do litígio ou o montante envolvido justifica uma tramitação
mais fluida dirigida pelo tribunal arbitral, como consta do preâmbulo do do-
cumento. De fato, há uma percepção geral de que as “Regras de Praga” foram
elaboradas em contraposição às “Regras IBA”, que pretendem adotar como
paradigma e transpor para a arbitragem internacional a sistemática do direito
da common law dos Estados Unidos da América. Guilherme Rizzo Amaral39,
analisando as duas regras, rechaça essa premissa, apontando que poucas são
as diferenças entre as duas orientações de soft law.
37 “Art. 6 – Peritos indicados pelo tribunal. 1. O tribunal arbitral, após consultar as partes, poderá nomear um ou mais
peritos indicados pelo tribunal independentes para prestar informações sobre questões específicas designadas pelo
tribunal arbitral.”
38 Disponível em: <https://praguerules.com/upload/medialibrary/1ce/1ceb209403ed5145d6b85c632489bf56.pdf>.
Acesso em: 28 jul. 2020.
39 AMARAL, Guilherme Rizzo. Prague Rules v. IBA Rules and the Taking of Evidence in International Arbitration:
Tilting at Windmills – Part II. Disponível em: <http://arbitrationblog.kluwerarbitration.com/2018/07/06/prague-
rules-v-iba-rules-taking-evidence-international-arbitration-tilting-winmills-part-ii/?doing_wp_cron=1592173255.
9542350769042968750000>. Acesso em: 14 jun. 2020.
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O art. 6 do documento é dedicado aos peritos, e as regras parecem pri-
vilegiar a nomeação de perito(s) pelo tribunal arbitral, o que, no entanto, não
afasta a possibilidade de as partes apresentarem relatórios periciais elaborados
por peritos por elas nomeados. A forma de escolha do perito pelo tribunal
arbitral conta com ativa participação das partes no processo, mediante ofere-
cimento de candidatos, embora a sugestão não vincule o tribunal arbitral. A
escolha final cabe aos árbitros, que podem: a) aceitar o candidato proposto
pelas partes; b) nomear o candidato indicado pelo próprio tribunal; c) nomear
uma comissão de peritos composta por candidatos propostos pelas partes; ou
d) solicitar a uma organização neutra, tal como uma câmara de comércio ou
outra associação profissional, a indicação de um perito adequado.
(ii) o pagamento da parte ao perito por ela indicado deve ser razoável
para o serviço prestado, e não deve, por si só, afetar sua imparciali-
dade;
43 Dushyant Dave afirma: “The Chartered Institute of Arbitrators has in fact framed exhaustive rules in this regard
which throw substantial light on the manner and method of this technique” (DAVE, Dushyant. Should Experts Be
neutrals or Advocates? In: VAN DEN BERG, Albert Jan (General Editor). Arbitration Advocacy in Changing Times –
ICCA Congress Series nº 15, Kluwer Law International BV, The Netherlands, p. 149-159, 2011.)
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A transposição desse modelo para a prática brasileira recomendaria a
utilização do termo perito da parte, e não o conceito de assistente técnico, na
percepção que vigora. Em nossa pesquisa, 76% dos respondentes indicaram
ser viável existir a figura do perito da parte, que deve agir com imparcialidade
e independência, em contraposição a 24% contrários à ideia (pergunta 12.1).
Sachs Protocol
Apresentado em 2010 no Rio de Janeiro, na International Council for
Commercial Arbitration (ICCA), o estudo de Karl Sachs44 sobre o tema tornou-se
um paradigma sobre a questão da forma de indicação do perito. Em seu Sachs
Protocol, apresenta inicialmente as desvantagens nas duas formas de indicação
do profissional, das quais se destacam:
44 SACHS, Karl with the assistance of SCHMIDT-AHRENDTS, Nils. Op. cit., p. 135-148.
52 R��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL
para a produção de provas, contendo objeto, forma de apresentação de docu-
mentos, método de comunicação entre os peritos e as partes, obrigações dos
peritos em relação às partes e ao tribunal arbitral, e remuneração. Essa Equipe
de Peritos, embora tenha sido gerada por nomes indicados pelas partes, deve
agir com independência e imparcialidade, e responde ao tribunal arbitral, sen-
do essa, no entendimento de Sachs, a grande vantagem em relação ao modelo
de atuação individual e paralela dos peritos das partes.
45 No original: “The CIArb Expert Protocol issued by the Chartered Institute of Arbitrators probably reflects most
closely today’s standards of best practice for party-appointed experts in international arbitration” (Op. cit.,
p. 148).
46 PINTO, José Emílio Nunes. Anotações práticas sobre a produção de provas na arbitragem. Revista Brasileira de
Arbitragem, n. 25, jan./mar. 2010.
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a introdução de um novo paradigma pelo Código Civil e, ademais, de uma no-
vel dogmática contratual, a partir de 2003, tem gerado perplexidade nas partes
contratantes. Vivemos um período novo, onde há a prevalência da solidarieda-
de sobre o individualismo contratual, onde a boa-fé objetiva permeia, ou, pelo
menos, deveria permear o cumprimento das obrigações assumidas pelas partes,
carreando para elas os denominados deveres acessórios e laterais da boa-fé
objetiva.
47 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Ética e lealdade no processo arbitral. Revista do Advogado, São Paulo: AASP Editora,
n. 145, p. 115-120, abr. 2020.
48 Observamos que analisamos apenas as regras desses dois regulamentos profissionais.
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Cruz e Tucci é enfático em afirmar pela aplicação do dever de revelação
previsto na Lei de Arbitragem também para o perito. Para o autor, esse dever
há de ser exercido no momento de assinatura do termo de independência, cujo
não cumprimento “implica inarredável nulidade da sentença”49. Em relação ao
profissional que atua como perito indicado pelo tribunal arbitral, sem qualquer
vinculação de indicação ou remuneração pela parte, há um consenso, refletido
na pesquisa, que este deve atuar dentro dos padrões de imparcialidade e inde-
pendência aplicados aos árbitros.
Esse aspecto foi bem explorado em artigo50 que retratou pesquisa realiza-
da (por Peleias e outros) sobre a relação entre advogados e assistente técnicos,
e tratou do conceito de independência destes:
A independência atribui ao assistente técnico a autonomia e a liberdade de pen-
samento, isento de submissão à parte ou ao advogado do cliente. Essa indepen-
dência permite que o assistente técnico se recuse a defender teses mirabolantes
porventura postuladas pelos advogados ou clientes e lhe confere a condição
de se recusar a defender, em processos diferentes, teses conflitantes, ainda que
legítimas e defensáveis. O compromisso com a independência garante que o
assistente técnico sustente o que acredita ser o correto.
Por outro lado, a relação direta entre o assistente técnico e a parte coloca
em risco essa independência, conforme descrito por André Chateaubriand, que
utiliza o termo “perito da parte” e alude à necessidade de haver uma instituição
intermediando essa relação:
O fiel da balança seria a reputação e os valores éticos da profissão que forçam
os peritos a se manter imunes a pressões da parte, ainda que se possa dizer que
essa independência é relativa. Enquanto subsistir relacionamento direto e ex-
clusivo entre parte e perito, com a negociação e pagamento de honorários sem
o intermédio de uma instituição de arbitragem, as regras que criam tais deveres
de independência e imparcialidade produzem eficácia relativa, na medida em
que elas tentam impor padrão de conduta que colide com a essência da própria
relação estabelecida entre parte e perito por ela nomeado.53
52 PELEIAS, Ivam Ricardo; OLIVEIRA, Aline Gorrão; ORNELAS, Martinho Maurício Gomes de; WEFFORT, Elionor
Farah Jreige. Op. cit.
53 MARTINS, André Chateaubriand. Deveres de imparcialidade e independência dos peritos em arbitragem: uma
reflexão sob a perspectiva da prática internacional. Revista de Arbitragem e Mediação, v. 39, p. 99-119, out./dez.
2013.
54 Disponível em: <http://www.icccwbo.org>. Acesso em: 20 maio 2020.
56 R��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL
Também a falta de conhecimento dos assistentes técnicos pode ser um
elemento que embaraça a boa perícia, como foi exposto na Vertente A da
pesquisa que conduzimos, exposta no item 3, infra, no campo “Comentários”
(pergunta 18):
Tema importante e de extrema relevância. Por vezes os assistentes técnicos
não contribuem para a discussão dos conflitos e dificultam a decisão dos árbi-
tros. Isso ocorre em função da parcialidade dos assistentes técnicos, mas, prin-
cipalmente, pela relutância de profissionais em adotar práticas recomendadas
e exercícios internacionalmente consagrados para avaliar temas corriqueiros
em disputas, como atrasos de cronograma de obras e perda de produtividade.
A figura do party-appointed expert geraria economia processual com a tendên-
cia de haver maior nível de convergência entre experts devido à liberdade de
atuação.
3 A PESQUISA
A análise empírica permite ao pesquisador identificar fatos sobre o des-
conhecido, enfrentando inicialmente a tarefa de dar concretude a noções abs-
RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL........................................................................................................................................ 57
tratas55. Iniciamos nosso projeto com uma fase exploratória, na qual buscamos
mapear os conceitos utilizados em relação ao profissionais técnicos que atuam
com perícias e identificar as dúvidas mais recorrentes sobre o tema central, por
meio de estudos preliminares e conversas com profissionais do setor. Esses ele-
mentos nos possibilitaram desenvolver uma pesquisa quantitativa, amealhando
dados que permitissem uma análise estatística e o aferimento de conclusões
gerais. A pesquisa contou também com elementos qualitativos56 em uma de
suas fases57, na medida em que buscou explorar a percepção dos participantes
em relação a determinados temas, e abriu a oportunidade para a inserção de
comentários que os pesquisados entendessem relevantes, permitindo o cotejo
de opiniões para obter respostas aos problemas apresentados.
3.(i) Vertente A
O roteiro do formulário foi dividido em 3 módulos. No primeiro, bus-
cou-se identificar o campo de atuação do entrevistado (árbitro, advogado ou
profissional técnico); no segundo, a sua vivência e experiência pessoal. No
terceiro módulo, buscou-se apurar quais, na percepção dos entrevistados, são
as práticas adotadas na sua vivência, e a sua preferência sobre determinados
aspectos relacionados à produção de provas. Seguiram perguntas sobre o en-
tendimento do entrevistado sobre a aplicação de soft law nos procedimentos e
a sua opinião quanto à regulamentação da matéria pelas instituições arbitrais.
A pergunta 18 consistiu em um espaço para serem inseridas considerações
gerais, permitindo a coleta de informações qualitativas a contribuir na análise
da questão.
55 EPSTEIN, Lee; MARTIN, Andrew D. Quantitative Approaches to Empirical Legal Research. In: CANE, Peter;
KRITZER, Herbert M. The Oxford Handbook of Empirical Legal Research. Oxford University Press, 2010.
56 WEBLEY, Lisa. Chapter 38 Qualitative Approaches to Empirical Legal Research. In: CANE, Peter; KRITZER,
Herbert M. The Oxford Handbook of Empirical Legal Research. Disponível em: <http://10.1093/
oxfordhb/9780199542475.013.0039>. Acesso em: 13 jun. 2020.
57 Na parte da pesquisa denominada Vertente A, esclarecida no próximo parágrafo.
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A pesquisa ficou disponível para ser respondida no período de
02.02.2020 até 06.03.2020, e foi divulgada por via eletrônica para dezenas
de e-mails pessoais, lista de e-mails do CBAr, grupos de WhatsApp do CBAr,
OAB/SP, CIArb, e outros, e mídias sociais, como Instagram, Facebook e Linkedin.
Contamos com a participação de 116 respondentes, um número que conside-
ramos adequado para dar representatividade à pesquisa58.
A percepção (perguntas 2 a 6)
58 Deixamos de apontar o intervalo de confiança, ou margem de erro, por não existirem informações disponíveis sobre
o número de árbitros, advogados e profissionais que atuam no setor de arbitragens no Brasil. A base de potenciais
respondentes, portanto, é incerta.
59 Talvez essa discrepância tenha origem na métrica utilizada para caracterizar a experiência dos advogados: 0-20,
21-50, mais de 50 casos de procedimentos arbitrais em que tenham atuado; enquanto que para árbitros e
profissionais técnicos a quantidade de casos utilizada foi outra: 0-5, 06-10, mais de 10 casos.
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A pesquisa revelou que, na percepção dos participantes, a grande maio-
ria das perícias (74%) adota a sistemática de indicação do perito pelo tribunal
arbitral, com a participação de assistentes técnicos indicados pelas partes. A
segunda forma mais utilizada (15,5%) é a realização de perícia apenas por
assistentes técnicos indicados pelas partes sem compromisso expresso de in-
dependência em relação a quem os indicou. Um baixo percentual de perícias
é realizado apenas por perito indicado pelo tribunal arbitral e a modalidade
menos popular, mas existente, é a indicação de profissional técnico indicado
pela parte, com expectativa de imparcialidade e independência.
A pergunta 12.1 teve por objetivo apurar se, na opinião dos entrevista-
dos, seria viável existir a figura do “perito” indicado pela parte, ou seja, um
profissional técnico indicado pela parte, mas que deve agir com imparcialidade
e independência: 76% responderam afirmativamente, 24% negativamente. A
resposta dessa pergunta 12.1 é coerente com a pergunta 11, e mostra, em nossa
opinião, que um grande número dos profissionais envolvidos na arbitragem
caminha para acolher a figura do “perito da parte”, com deveres e obrigações
desvinculados da parte que o indicou.
3.(ii) Vertente B
Cabe observar que, embora essas instituições tenham preparo para lidar
com disputas envolvendo qualquer conteúdo material, é possível identificar
que algumas se especializaram em um determinado nicho de mercado. Tam-
bém o número de procedimentos administrados varia muito. Esses dois ele-
mentos podem influenciar a questão probatória e impactam o espaço amostral,
de maneira que devem ser levados em consideração pelo leitor, ao fazer o
cotejo com os números e percentuais ora divulgados.
Nos 3,7% das perícias restantes, essas são realizadas unicamente por
profissionais indicados pelas partes no conceito de assistente técnico (sem
compromisso de imparcialidade e independência).
63 Pensamos que uma razão poderia ser a importância do conjunto de regras de ética e compliance às quais
se submetem as sociedades anônimas listadas na bolsa de valores. Nesse sentido, indica a câmara: “A CAM
atua na administração de procedimentos arbitrais originários de conflitos surgidos no âmbito das companhias
comprometidas com a adoção de práticas diferenciadas de governança corporativa e transparência, cujas ações são
listadas na B3, e também em outros litígios entre pessoas físicas e jurídicas, desde que sejam referentes a direito
empresarial” (Disponível em: <http://www.b3.com.br/pt_br/b3/qualificacao-e-governanca/camara-de-arbitragem-
do-mercado-cam/sobre-a-cam/>. Acesso em: 10 abr. 2020). Esse paradigma poderia estar sendo reproduzido na
produção de provas, exigindo que mesmo os profissionais indicados pelas partes assumam compromisso expresso
de atuar com independência e imparcialidade. Mas essa é apenas uma suposição da autora.
RBA Nº 67 – Jul-Set/2020 – DOUTRINA NACIONAL........................................................................................................................................ 65
Na segunda parte do questionário foram solicitadas informações acerca
da existência de orientações informais (ou seja, que não integram o Regula-
mento da instituição arbitral) no tocante aos aspectos de condução das perícias
(resposta sim ou não) e sobre requisitos de imparcialidade e independência
dos profissionais técnicos que atuam na produção de provas, com as seguintes
perguntas (resposta descritiva):
Camarb: possui orientação interna de sugerir ao tribunal arbitral que o perito responda um
questionário de imparcialidade e independência, bem como assine uma declaração de
não impedimento e compromisso de sigilo. O questionário constitui-se em dez perguntas
que objetivam cumprir o dever de revelação de circunstâncias que possam dar origem a
uma dúvida justificável quanto à imparcialidade ou independência do perito com relação
às partes e aos seus advogados ou à controvérsia que está sendo submetida à apreciação,
bem como se o profissional dispõe de tempo hábil para atuar na perícia.
CAMFIEP: o perito deve contemplar dispositivos do código de ética da Câmara, os quais
são indicados no momento em que o mesmo firma o termo de confidencialidade e inde-
pendência (o código de ética teve sua redação inicialmente destinada aos árbitros, porém
aplicado a questões de conflitos aos peritos por analogia).
Ciergs: nenhuma informação é solicitada dos peritos/assistentes.
Quanto aos itens 4.3 e 4.4, todas as instituições informaram não pos-
suírem regras sobre análise de conflito de interesses dos profissionais que atu-
am como assistentes técnicos, que tenham ou não firmado compromisso ex-
presso de independência em relação às partes. Dessa forma, caso venha a ser
levantada a alegação de conflito por uma das partes, caberá ao tribunal decidir
de acordo com o seu convencimento sobre o tema.
64 Que difere de uma ordem processual por não ser ato impositivo do tribunal arbitral, mas documento consolidado a
partir da participação e oitiva das partes.
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Vale lembrar que as regulamentações profissionais já impõem esse dever
aos seus filiados, de maneira que um compromisso formal nesse sentido não
deveria causar maiores surpresas. Isso não afasta a participação de profissionais
técnicos vinculados às partes, que por vezes as acompanham desde antes da
apresentação do requerimento de arbitragem. Esses profissionais fazem parte
da equipe da parte, dando os subsídios técnicos para o pleito. No entanto, um
laudo produzido por esse profissional há que ser valorado pelo tribunal exata-
mente dentro deste contexto, com as devidas restrições. E isso parece não ser
muito eficiente em algumas situações.
Alguns painéis arbitrais têm optado por estabelecer uma regra em ordem
processual, como a Professora Selma Lemes, na redação a seguir reproduzida:
(i) ESCLARECER que as partes poderão requerer que, com o intuito de recolher
informações técnicas e específicas sobre determinada matéria, sejam admitidas
testemunhas técnicas a serem ouvidas como contribuição para o processo de
formação de convicção dos árbitros. As testemunhas técnicas deverão ser inde-
pendentes das partes, não sendo admitidos nessa condição profissionais espe-
cializados que mantenham vínculo empregatício, relação de subordinação hie-
rárquica ou qualquer relação de trabalho constante com a parte que os houver
designado; [...].65
65 Redação que me foi transmitida pela Professora Selma Lemes, em atendimento a meu pedido após ouvir o
“WarmUp Hard Talk: violação ao devido processo legal e nulidade da sentença arbitral”, organizado pelo Canal de
Arbitragem, em 08.05.2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hEzEOZyVzP4>. Acesso em:
5 jun. 2020.
66 Redação de termo de arbitragem de procedimento no qual a autora figura como árbitra.
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A questão que mais me preocupa sobre a realização de perícias em arbitragens
é a organização de seu procedimento. Frequentemente os tribunais arbitrais não
se preocupam com a regulamentação da fase instrutória de forma prévia, geran-
do, em certos casos, um efeito surpresa aos advogados que estruturam suas es-
tratégias desde o início da arbitragem. Creio que o estabelecimento de diretrizes
básicas sobre a etapa instrutória e os limites de atuação dos assistentes técnicos
indicados pelas partes nos regulamentos das câmaras de arbitragem seria bem-
-vinda.
Nos casos em que participei como perito do tribunal arbitral constatei que o
tribunal não dialoga normalmente com o perito. Acho que, sendo o perito um
profissional de confiança do tribunal, deveria ocorrer maior interação entre
eles, principalmente na fase inicial mas também durante o desenvolvimento
do processo.
67 SIMÕES, Alexandre Palermo; MONTORO, Marcos André Franco. O perito e a expert witness (“testemunha técnica”)
na arbitragem. In: MAIA NETO, Francisco; FIGUEIREDO, Flávio Fernando de (Coord.). Perícias em arbitragem. São
Paulo: Universitária de Direito, p. 122-142, 2012.
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Pode haver dúvida quanto à necessidade ou conveniência de diálogo
entre o tribunal arbitral e os profissionais indicados pela parte. Entendemos
que mesmo no modelo de participação de assistentes técnicos, caso estes este-
jam encarregados de elaborar laudos periciais, não haveria qualquer prejuízo
ou aspectos negativos, desde que observada a transparência e a comunicação
conjunta entre os representantes de todas as partes, sem diálogo ex parte.
CONCLUSÃO
Não obstante a ausência de regras específicas na Lei de Arbitragem, o
princípio da boa-fé e as regras incidentes sobre as categorias profissionais que
realizam perícia já deveriam ser suficientes para garantir a imparcialidade e in-
dependência dos indicados, seja na posição de perito do tribunal arbitral, seja
designado pelas partes, de maneira que a assinatura de um termo sobre conflito
de interesses seria mera decorrência desses padrões éticos já existentes.
Objetivo:
A produção de provas tem sido um tema importante nas discussões do
setor profissional envolvido com arbitragens no Brasil, sendo um dos pon-
tos de atenção dever (ou não) de revelação dos peritos indicados pelo
tribunal arbitral e a incidência (ou não) de regras de imparcialidade e de
conflito de interesses sobre os profissionais indicados pelas partes.
Alguns regulamentos de instituições arbitrais brasileiras equiparam o peri-
to ao árbitro no que diz respeito ao dever de informar quanto a situações
de potencial conflito de interesses e parcialidade. Quanto ao papel e aos
deveres do assistente técnico nada foi localizado.
No âmbito da arbitragem internacional, algumas boas práticas recomen-
dam que o profissional técnico indicado pelas partes – party-appointed
expert – atue de forma imparcial e revele quaisquer relacionamentos que
tenha tido com as partes, como indica o International Arbitration Practice
Guideline do Chartered Institute of Arbitrators (CIArb).
Há, assim, muitas dúvidas quanto à imparcialidade que pode ser exigida
dos profissionais envolvidos e da necessidade de revelação e apresenta-
ção de compromissos que afastem dúvidas quanto a situações de poten-
cial conflito de interesses.
Observação:
A participação na pesquisa ocorre anonimamente. A identificação poderá
ser feita nos comentários finais.
Orientação:
Responder como árbitro, advogado de parte, ou profissional técnico, con-
siderando a atuação em arbitragens sob a lei brasileira. A pesquisa poderá
ser repetida para cada forma de atuação.
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Conceitos adotados:
– Perito: o profissional técnico responsável pela emissão de opinião técni-
ca sobre um tema específico, consubstanciada em um laudo, que atua
com dever de imparcialidade.
–
Assistente técnico: o profissional técnico indicado pelas partes, que
pode ou não elaborar um laudo, e não assume compromisso de impar-
cialidade.
Fevereiro/2020