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CDD 34
CDU 34(81)
Equipe Técnica
Coordenação de Editoração Revisão de Diagramação
Erick Biill Vidigal Mariana Figueiredo Cordeiro da Silva
Fernanda Rodrigues Saldanha de Azevedo
Fotografia da Capa
Gestão de Artigos Foto do palanque externo do Palácio do
Mariana Figueiredo Cordeiro da Silva Planalto visto do 3º andar
Capa Fotógrafo
Filipe do Nascimento Pires Matheus Moreira Torres
Diagramação Estagiários
Filipe do Nascimento Pires Bárbara de Abreu Lobato
Revisão de Texto Bruno Rodrigues Noronha
Karina Gomes Mansur Costa Igor Gabriel de Oliveira Faria
Mariana Figueiredo Cordeiro da Silva Luíza Villarouca Bento
Matheus Moreira Torres
Revisão de Idiomas Neila Luíza Araujo Melo Sousa
Mariana Figueiredo Cordeiro da Silva Sophia Teodoro Cavalcanti
Conselho Editorial
Claudia Lima Marques Claudia Rosane Roesler
Doutorado e Pós-Doutorado em Direito Doutorado em Teoria do Direito pela
Internacional Privado pela Universidade de Universidade de São Paulo, Brasil, e
Heidelberg, Alemanha. Professora Titular Pós-Doutorado em Teoria do Direito pela
do Corpo Permanente e Coordenadora do Universidade de Alicante, na Espanha.
Programa de Pós-Graduação em Direito Professora da Faculdade de Direito da
da Universidade Federal do Rio Grande do Universidade de Brasília, Brasil.
Sul, Brasil.
Fredie Souza Didier Junior e Pós-Doutorado pela Universidade de
Doutorado em Direito pela Pontifícia Harvard, Estados Unidos da América. Livre-
Universidade Católica de São Paulo, docente pela Universidade do Estado do
Brasil, e Pós-Doutorado em Direito Rio de Janeiro, Brasil, e Professor Titular de
Processual Civil pela Universidade de Direito Constitucional da Universidade do
Lisboa, Portugal. Livre-Docente pela Estado do Rio de Janeiro, Brasil.
Universidade de São Paulo, Brasil, e
Maíra Rocha Machado
Professor associado da Universidade
Doutorado em Direito pela Universidade de
Federal da Bahia, Brasil.
São Paulo, Brasil, com período sanduíche na
Gilmar Ferreira Mendes Universidade de Barcelona, Espanha. Pós-
Doutorado em Direito Constitucional Doutorado pela Universidade de Ottawa,
pela Universidade de Münster, Canadá. Professora Associada na Escola de
Alemanha. Docente permanente do Direito de São Paulo da Fundação Getúlio
Instituto Brasiliense de Direito Público, Vargas, Brasil.
Brasil.
Misabel de Abreu Machado Derzi
João Maurício Leitão Adeodato Doutorado em Direito Tributário pela
Doutorado em Filosofia Jurídica pela Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.
Universidade de São Paulo, Brasil, e Pós- Professora Titular de Direito Financeiro
Doutorado em Filosofia Jurídica pela e Tributário da Faculdade de Direito da
Universidade de Heidelberg, Alemanha. Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.
Livre-docente pela Universidade de
Vera Karam de Chueiri
São Paulo, Brasil. Professor Titular da
Doutorado em Filosofia Jurídica pela
Universidade Federal de Pernambuco,
New School for Social Research, Estados
Brasil.
Unidos da América. Pós-Doutorado pela
Joaquim Shiraishi Neto Universidade de Yale, Estados Unidos da
Doutorado em Direito pela América. Professora associada da Faculdade
Universidade Federal do Paraná, Brasil. de Direito da Universidade Federal do
Professor visitante do Programa de Pós- Paraná, Brasil.
graduação em Direito da Universidade
Federal do Maranhão, Brasil. Apropriate articles are abstracted/indexed in:
BBD – Bibliografia Brasileira de Direito /
José Claudio Monteiro de Brito Filho Rede RVBI
Doutor em Direito das Relações Sociais Google Scholar
pela Pontifícia Universidade Católica de LATINDEX – Sistema Regional de
São Paulo, Brasil. Professor do Programa Información en Linea para Revistas
de Pós-Graduação em Direito da Científicas de América Latina, el Caribe,
Universidade Federal do Pará, Brasil. España y Portugal
ULRICH’S WEB – Global Serials Directory
Luís Roberto Barroso
Doutorado em Direito pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, Brasil,
Colaboradores da Edição 121
Pareceristas
Alexandre Araújo Costa – Prof. Dr. na Universidade de Brasília, DF, Brasil
Alexandre Luiz Pereira da Silva – Prof. Dr. na Wuhan University, China
Alexandre Walmott Borges – Prof. Dr. na Universidade Federal de Uberlândia, MG, Brasil
Alice Ribeiro de Sousa – Prof.ª Dra. na Universidade Federal de Uberlândia, MG, Brasil
Aline Albuquerque – Prof.ª Dra. no Centro Universitário de Brasília, DF, Brasil
Ana Gabriela Mendes Braga – Prof.ª Dra. na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, SP, Brasil
André Mendes Moreira – Prof. Dr. na Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil
André Parmo Folloni – Prof. Dr. na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PR, Brasil
Antonio Augusto Brandao de Aras – Prof. Dr. na Universidade de Brasília, DF, Brasil
Antônio Carlos da Ponte – Prof. Dr. na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil
Antonio Carlos Morato – Prof. Dr. na Universidade de São Paulo, SP, Brasil
Antonio José Maristrello Porto – Prof. Dr. na Fundação Getúlio Vargas, RJ, Brasil
Betina Treiger Grupenmacher – Prof.ª Dra. na Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil
Caio Sperandéo de Macedo – Prof. Dr. nas Faculdades Metropolitanas Unidas, SP, Brasil
Carlos Ari Sundfeld – Prof. Dr. na Fundação Getúlio Vargas, SP, Brasil
Carlos Bolonha – Prof. Dr. na Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Carlos José Cordeiro – Prof. Dr. na Universidade Federal de Uberlândia, MG, Brasil
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Jorge Renato dos Reis – Prof. Dr. na Universidade de Santa Cruz do Sul, RS, Brasil
José Claudio Monteiro de Brito Filho – Prof. Dr. na Universidade Federal do Pará, PA, Brasil
José Soares Filho – Prof. Dr. na Universidade Católica de Pernambuco, PE, Brasil
Karyna Batista Sposato – Prof.ª Dra. na Universidade Tiradentes, SE, Brasil
Leonardo Netto Parentoni – Prof. Dr. na Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil
Luís Carlos Balbino Gambogi – Prof. Dr. na Fundação Mineira de Educação e Cultura, MG, Brasil
Marcelo Fernando Borsio – Prof. Dr. no Centro Universitário do Distrito Federal, DF, Brasil
Marco Aurélio Serau Junior – Prof. Dr. na Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil
Marcos Augusto de Albuquerque Ehrhardt Junior – Prof. Dr. na Universidade Federal de Alagoas, AL, Brasil
Marcos Aurélio Pereira Valadão – Prof. Dr. na Universidade Católica de Brasília, DF, Brasil
Margareth Vetis Zaganelli – Prof.ª Dra. na Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil
Maria Edelvacy Marinho – Prof.ª Dra. na Universidade Presbiteriana Mackenzie, SP, Brasil
Nestor Eduardo Araruna Santiago – Prof. Dr. na Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil
Pablo Malheiros da Cunha Frota – Prof. Dr. na Universidade Federal de Goiás, GO, Brasil
Paulo Burnier da Silveira – Prof. Dr. na Universidade de Brasília, DF, Brasil
Paulo Henrique Blair de Oliveira – Prof. Dr. na Universidade de Brasília, DF, Brasil
Pedro Durão – Prof. Dr. na Universidade Federal de Sergipe, SE, Brasil
Raquel Coelho de Freitas – Prof.ª Dra. na Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil
Regina Célia Martinez – Prof.ª Dra. no Centro Universitário de Jales, SP, Brasil
Regnoberto Marques de Melo Júnior – Prof. Dr. na Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil
Rennan Faria Kruger Thamay – Prof. Dr. na Faculdade Autônoma de Direito, SP, Brasil
Roberto Freitas Filho – Prof. Dr. no Centro Universitário de Brasília, DF, Brasil
Rogério Greco – Prof. Dr. na Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais, MG, Brasil
Rubia Carneiro Neves – Prof.ª Dra. na Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil
Sérgio Henriques Zandona Freitas – Prof. Dr. na Fundação Mineira de Educação e Cultura, MG, Brasil
Soraia da Rosa Mendes – Prof.ª Dra. no Centro Universitário de Brasília, DF, Brasil
Tanise Zago Thomasi – Prof.ª Dra. na Universidade Tiradentes, SE, Brasil
Valmir César Pozzetti – Prof. Dr. na Universidade do Estado do Amazonas, AM, Brasil
Vanessa Oliveira Batista Berner – Prof.ª Dra. na Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Vitor Salino de Moura Eça – Prof. Dr. na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, MG, Brasil
William Soares Pugliese – Prof. Dr. na Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil
Yvete Flavio da Costa – Prof.ª Dra. na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, SP, Brasil
Autores Convidados
Daniel Wei Liang Wang Paulo Ferreira da Cunha
INGLATERRRA – Londres PORTUGAL – Porto
Professor de Direito na Queen Mary Professor Agregado à Universidade do
University of London (Inglaterra). Doutor em Minho (Portugal). Doutor em Direito pela
Direito e Mestre em Filosofia pela London Universidade Paris II (França) e Universidade
School of Economics (Inglaterra). Mestre e de Coimbra (Portugal). Mestre em Direito
Bacharel em Direito pela Universidade de pela Universidade de Coimbra (Portugal).
São Paulo (USP). Professor Catedrático e Diretor do Instituto
E-mail: daniel.wang@qmul.ac.uk Jurídico Interdisciplinar da Faculdade de
Direito da Universidade do Porto (Portugal).
E-mail: lusofilias@gmail.com
Tradução
Valter Shuenquener de Araújo Victor Felipe de Oliveira Nascimento
BRASIL – Rio de Janeiro/RJ BRASIL – Rio de Janeiro/RJ
Doutor em Direito Público pela Universidade Graduando em Direito pela Universidade do
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
período sanduíche na Ruprecht-Karls Universität E-mail: von@tepedino.adv.br.
Heidelberg (Alemanha). Professor do Programa
de Pós-Graduação em Direito da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
E-mail: vsaraujo19@gmail.com.
Pedro Parini
BRASIL – Recife/PE
Pós-doutorado em Direito pela Università di Bologna (Itália). Doutor e Mestre em Direito pela
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor do Programa de Pós-Graduação em
Direito da Faculdade de Direito do Recife – Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Coordenador do grupo de pesquisa Direito e Persuasão (CNPq).
E-mail: pparini@gmail.com
Autores
It was the best of times, it was the worst of times, it was the age of
wisdom, it was the age of foolishness, it was the epoch of belief, it was
the epoch of incredulity, it was the season of Light, it was the season of
Darkness, it was the spring of hope, it was the winter of despair, we had
everything before us, we had nothing before us, we were all going direct
to Heaven, we were all going direct the other way – in short, the period
was so far like the present period, that some of its noisiest authorities
insisted on its being received, for good or for evil, in the superlative
degree of comparison only. (1859, chap. I).
Julius von Kirchmann once wrote (that’s a classic topic) that three words of the
legislator may transform into garbage tons of libraries of juridical knowledge (1999).
Just imagine what happens with the revolutionary legislator, what magic he is able
to make. The uncertainty of Law in a context of revolution or of severe crises (those
that put institutions in danger) is a bad circumstance to make people actually learn
in theory about the main rules of the State.
First, because they may doubt, with absolute legitimacy, if what they are learning
is true, or if it will be true in the next moment: everything is moving and moving too
fast. Second, because practice gains more importance than theory, and responsible
people, in those best and terrible times, have the temptation (and often fall into
it) to be part of the History (to enter History, wrote Getúlio Vargas in his last words
before suicide). The note-will that the President left said: “Eu vos dei a minha vida.
Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no
caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história1” (UOL EDUCAÇÃO, 2004).
At least they want to take part of the changing facts. Theory may wait.
That was what happened with me (let me remember some vivid facts): I was a
very young Grammar school student when the Carnations revolution occurred (25th
April 1974). Although very young, the political intervention was a necessity, and
surpassed every other thing as a priority of priorities. I was at the time beginning
my studies of Greek and German, and those were the first things that had to be
sacrificed to the moment urgencies, and I still suffer from that stupid choice (my
political activity at that time was evidently a mere gout in the immense ocean of
the political frenzy of the moment). In fact, I preferred to attend meetings than to
seat quiet and patiently learning declinations and conjugations by heart. Not all
was lost. From the Greeks, I retained a proverb, very wise I must say in times of
social and political enthusiasm: oi anthropoi kakoi eisin, which means men, that is to
say, people, mankind, are bad, evil. Let’s say: don’t fool yourself with the fancy idea of
a nice human nature. And from the German I learned a little bit more, but I would
like to remember here a sentence of Goethe that inspired my last book subtitle:
roots and wings, Wurzeln und Fluegel. In fact, the German poet said that parents
must teach or give their children (as professors and teachers to their students
and pupils, I guess) two thing: roots and wings. In fact, to be more precise, he says
it in a reverse way: “Zwei Dinge sollen Kinder von ihren Eltern bekommen; Wurzeln
1 “I gave you my life. Now I offer [you] my death. I fear nothing. Serenely I take the first step on the path
of eternity and leave life to enter history” (our translation).
und Fluegel2”. Those two pearls of wisdom may also have been important on those
difficult and heroic times.
But there is another important fact about the relation between revolution and
the knowledge of constitutional law (and in certain terms international law as well
– to Peter Häberle, the great German publicist, they seem to be more and more
convergent, if not alike). If in those times, a fortiori, studying is nothing and books just
paper painted with ink, as Fernando Pessoa wrote in a provocative poem, on the other
hand those are the best times to see in action what once was just law in the books.
The process of European integration, especially in the times of attempting to
create a Constitution (a codified one) for Europe, was a real revolution (CUNHA,
2005, p. 279-323; CUNHA, s.d.; CUNHA, 2005). I wouldn’t discuss easily or lightly
if it was a lost, betrayed, or triumphant one. It could have achieved more distant
goals, but it went far enough to bring (and consolidate, mainly) very important and
deep transformations in all the States of the European Union. And I said consolidate
because, in certain European revolutions, at least, one of the functions of a revolution
is, besides to transform radically the state of things (statu - and not status - quo)
and bring new ones, another subtle and unexpected thing: to clarify, to institute, to
preserve some aspects of the new that were already growing in the old times, the
previous ones.
The Ancien Régime had many new things already. Even an ideological phraseology
in its later times, that was already in use by the king’s cour. Alexis De Tocqueville, in
his extraordinary clever L’Ancien Régime et la revolution (1967), shows us in practice
how many aspects of the new order were born before. The French Revolution was
just the coup de grâce of an order really already half-dead. The Swiss sociologist
Vilfredo Pareto, whose heavy Traité de sociologie générale puts in respect the most
daring scholars (some confess that they couldn’t read it all) explains that strange
cohabitation of the past and the future in present times (every present times) by the
opposition between the terms résidus and derivations (1968).
After all the troubles, the text that, years later, came out of the first turbulence
(after two referenda – Dutch and French – against the project of treaty creating a
codified European Constitution) and the subsequent period of mourning, when
the text seemed to be lying down in an historical refrigerator, the Treaty of Lisbon
was approved. This Treaty, connecting and softening some more constitutionalist
enthusiasms, is a new edition of the later document (or the late document: but not so
2 “Two things should children get from their parents: Roots and wings” (our translation).
late because he resurrected, in a sense). Above all, the Lisbon Treaty especially lives in
great part by the previous treaties. It is a political question, of course, but it lives under
the reality of the normative technique. More than that. The Constitution in force now (a
material one) shows well that before the voluntarist fact of the European Convention,
not so few federalism hoc sensu was already in the successive previous treaties. Some
said that it is needed just a small set of divided competences among the States to be
already in a kind of federalism. But that’s not our present topic.
Let’s then come back to the European Constitutional Revolution itself (a soft
one, of course. A kind of a velvet or silk revolution). In those times, especially when
the question of creating a Constitution for Europe jumped from the political world
to the actuality of news, to the turbulence of media, in those times the student and
a fortiori the scholar of constitutional law and international law (and, of course,
European communitarian law) had a kind of an enlightenment. They were suddenly
transported not to the heaven of concepts (the famous Begriffshimmel of the German)
but precisely, on the contrary, to the hell of practice. Let’s not be so dramatic: to the
reality of practice alone.
In those revolutionary times, the debate was serious, and in fact hearts were
tested and maybe some heads were lost – not by the work of a guillotine, fortunately,
but because some people seemed to be out of their minds. I myself (let me be
confessional again) did even worse than in my first revolution: now it was not the
case of missing some classes of Greek and German, but running for the election for
the European Parliament. The constituency was wiser than I was and did not vote my
list. However, when I consider all the aspects of the problem now, I remember that
those times, considered times of Quijote (CUNHA, 2004), were not completely a fight
against windmills. I guess now that we foresaw many of the future time’s dangers.
Nevertheless, at that time, in the general atmosphere of hope (not very
consistent, we must say), even a small reticence (as was mine) or a friendly remark
to the generalized euro-optimism were immediately catalogued as a terrible sign
of dark Euroscepticism, or even worse. That is the fate of dissent in times when a
political correction (BEARD, 1994) involves everything. And, from my side (and from
some others) it was not that at all, on the contrary. We thought that it was not too
much Europe. I was, and I still am (after all these years and disillusions for so many:
those from which substance Brexits are made) a classic federalist. And federalism
implies, as far as I know, equality among the members of the federation, never a two
or even three speed Europe.
That was an argument accepted by many (but not so far in the Portuguese case
to vote against Europe, of course), mainly because since a long time ago people had
in mind that the real Europe that was there was a bureaucrat’s construction, not
the result of people’s will. Still nowadays, a topic is recurrent: it would be hurt by
a severe lack of democracy, a democratic deficit. In fact, we must admit how things
would be splendorous for a constitutionalist if a European Parliament decided to
hold elections for its composition announcing that it would have constituent powers.
We have to remember that nobody elected directly the members of the European
Convention that approved the project of treaty, and that its modus operandi was
consensual, not by voting. So, not the conventional (and we admit romantic, in a
sense) ways of constitution making.
general see law as dura lex, sed lex, as a command – a specially written one. So,
to a legal positivist, as to the majority of people in Europe, I think, because of
that generalized and subtle positivistic and legalistic education (that is, of course,
the most suitable to obedience, of course), the Constitution is a code of political
law, nothing more. Some might even doubt about the juridical supremacy of it.
Although explicitly these are not so many to affirm that. The juridical empire of
Constitution, the binding hegemony as Brazilian Constitutionalist Paulo Bonavides
puts it (2004, p. 18-19), is very widely accepted in theory. Not so much in practice
by non-publicist juridical operators. Even in public administration sometimes a
single order of the direct boss is more important than the Magna Charta itself. But
in that case we are in the simple level of facts, nor jurisprudence or doctrine.
That positivist legacy and expanded conviction was certainly the root for the
idea that the Constitution would be only a voluntarist creation, historically dated
mainly from the XVIIIth century.
On the contrary, the theory of constitution we adopt not only accepts and
engages Lassale’s historic-universal concept of constitution (1976) – that all political
communities and historical periods have a Constitution – but also considers that the
acceptance of that theory – and that step was not an evidence for many: we had to
fight for that – implies the existence of two constitutionalism periods and styles
(methods), to be concise.
The modern one was not necessary to prove. But what about the other one, a
previous one? (CUNHA. 2014b; 2014a) We mean, a first constitutionalism, neither
liberal nor revolutionary, although it was concerned with people’s protection.
Therefore, it was important to underline the existence of an old, historical,
natural constitutionalism, existing from the dawn of times, and of course in progress.
So, the constitutionalist written and codified form is not an absolute must, a conditio
sine qua non, nor the coincidence between the historical political form State and the
juridical and political category Constitution.
For those who knew the easy dichotomy between material and formal
constitution, things were very easy. Of course a few people outside the juridical
world unfortunately did (TARELLO, 1988). We are not very good in promoting a
popular juridical culture. Some would say, in a conspiracy mood, that it is because
we are elitist. In some cases, I think we have bad marketing only. Besides jurists
have no time: we have too much to do. And what we are involved in matters
immediately or almost immediately. That makes us fly from one thing to another,
always concerned…
Anyway, there is a set of values, principles, and even norms that may not be
positivized, but are the heart of the Constitution (CUNHA, 2015). If we consider
that in historical terms it’s even easier to comprehend. On the other hand, we have
the book. The sacred book. Sacred instrument, as it was said in the beginning of the
American Constitutionalism. Sometimes it is evoked nowadays, too.
The book of the Constitution, the Constitution as a book includes the codified
norms, principles and values chosen by the constituent power to be the formal
Constitution. The spirit (and perhaps a little bit more than only the spirit) lies in the
material Constitution and that has no need to be codified.
The European Constitution was and still is material. But more and more
formal elements are being created. Maybe one day it will be codified without
pain. It’s a question of ripening of the times. So, it was absolutely possible to have
a new Constitution for Europe, without a certainly not desirable novum such as
an European single State. A Constitution for a community of peoples, being now
organized in states.
Therefore, it was no problem of sovereignty in that thing itself. The question
was (always is) how to design in theory (in law) the balance of powers, and especially
how to put it into practice (in action). The future problems seem to be mostly
about the real way of living the treaties. Of course, if we do not live them well, in a
communitarian spirit, some would leave them. The Brexit is a terrible warning. Are
European powers aware of what may come next? Is this Europe in conditions to
reform itself in order to meet again the dream? Or is just from side to side a question
of mere trade, business as usual? We still want to believe it is possible to rethink (and
rebuild) Europe and create the conditions to a future united Europe, with the United
Kingdom. A Europe without UK is unconceivable.
Knowing the different kind of historical and present Constitutions, we are not
fascinated for a magic text, a pretense new thing such as a European Constitution.
Between those who denied the possibility of a democratic, harmonic Europe
with a Constitution, and those who adored, without any criticism, the magic of the
new demiurgic creation, we were in a critical middle of the road, totally based upon
our constitutional background. Law configured even our political position about the
question, because it was a light over what was really under the table.
And during the debate we showed the constitutional example of the United
Kingdom (long before Brexit), to evoke a title from the Spanish constitutionalist
Pereira Menaut (1992). United Kingdom has a Constitution and always had it, since
its creation. Not as some (maybe not so many now) manuals seem to say, just an
unwritten one. As if it would be a failure, a minus. No, it’s, on the contrary, something
quite different: a question of art and time, with many texts created throughout
History, from the Magna Charta and the Habeas Corpus to (still in force) the Treaty
of Lisbon. All of them, and many other important bills and even mere custom rules
(for example saying who has to be appointed Prime Minister) compose the building.
Somehow, a baroque one, at our continental European eyes.
So, the European Constitution was not created as it was in mind of Monsieur
Valéry Giscard D’Estaing and his followers, but the silent resilience of unknown
European bureaucrats and politicians made possible, some years later, the Treaty
of Lisbon, which is the vertex of the complex pyramid of norms that constitute a
dispersed, uncodified European Constitution.
Let’s underline this: before the European Convention, of course we already
could consider, under the light of the theory we are following, the existence of
a real (of course uncodified, material) European Constitution. Pereira Menaut
(1992) and his co-authors even published in Spanish by that time a nice small
book, with a blue cover showing the symbolic circle of stars with the provocative
but appropriate title: The Constitution of Europe (PEREIRA MENAUT; BRONFMAN;
CANCELA, 2000). Before Giscard D’Estaing’s turtle. Before it decided to walk. In
that book, we could find the treaties, and even some jurisprudential decisions
of constitutional relevance, or even constitutional level. That is to say, it was a
compilation of the material Constitution.
We understand now how relevant are the teachings of the theory of State and
of theory of the Constitution. With them, we face the changing political reality with
a certain spirit (we dare to say with a certain quietness and tranquility of spirit).
Constitutional History, exiled from the curricula in certain universities around the
world, mostly due to the pressure of new subjects, is a longa manus, a long-range
weapon to deal with the present reality. It’s interesting how the canon of French
Constitutional Law, so important to the world constitutionalism, was always prone
to a previous large and deep study of the rich amount of constitutional experience
from past times.
Constitution of Europe gives place to the national right, or the national most favourable
form of protection, excluding the solution of the common law (hoc sensu).
Principle of the European jurisdiction
States answer to European Courts necessarily, not by single consent, in each
conflict. Some states may be from time to time unhappy for being condemned, but
European Courts (God keep them good, wise, independent could be a prayer for them)
are not an adversary of member states, but a great help. Sometimes justice is better
if seen from a certain distance…
All this system allows us to say that there is already a supranational European
constitutional order, and that is a good and promising thing.
In the film A Fiddler in the Roof, directed by Norman Jewison, with the
unforgettable Topol, ironically, the rabbi, when asked if there was a specific prayer
for the sake of the Tzar, said something like this: “May God keep and care the Tzar…
far, far away from our beloved village”.
Sometimes, a far (and nowadays what is distance?) fair power, independent from
the local questions, may be more just. That doesn’t deny the principle of subsidiarity.
It must be articulated with it. Many people put their hopes in European justice… And
the fact that the member states are condemned is a guarantee.
These three principles allow us to say that the European Constitution is also
an important example for ulterior steps on the global constitutionalism. European
Union still is an example of shared sovereign powers, and with better consequences,
an example of multilevel constitutionalism on the judicial powers. Europeans
cannot think their rights, liberties and guarantees nowadays without the comfort of
a possible appeal to European Courts.
We hope that in a future it will be the same with the tranquility of the existence
of an International Constitutional Court.
5 References
BEARD, Henri; CERF, Christopher. Dicionário do Politicamente correto. Translation by
Vera Karam and Sérgio Karam. Porto Alegre: L&PM, 1994.
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7 th ed., 2nd print. São Paulo:
Malheiros Editores, 2004. p. 18-19.
DICKENS, Charles. A Tale of Two Cities. London: Bradbury & Evans, 1859.
LASSALE, Ferdinand. O Que é uma Constituição Política? Porto: Nova Crítica, 1976.
TARELLO, Giovanni. Cultura giuridica e politica del diritto. Bologna: Il Mulino, 1988.
De Wednesbury unreasonableness a
accountability for reasonableness: controle
judicial e a alocação de recursos em saúde
na Inglaterra1
Daniel Wei Liang Wang
Professor de Direito na Queen Mary (University of London). Doutor em Direito e
Mestre em Filosofia pela (London School of Economics). Mestre e Bacharel em
Direito pela (Universidade de São Paulo).
SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Controle Judicial das decisões de racionamento em saúde: de Wednesbury a um controle
rigoroso 3 O Estabelecimento de Prioridades no NHS: do racionamento implícito à accountability for reasonableness
4 Conclusão 5 Referências.
RESUMO: Ao longo das últimas décadas, as decisões alocativas no Serviço Nacional de Saúde da
Inglaterra – NHS deixaram de ser implícitas para apresentar um caráter cada vez mais explícito com
relação aos tratamentos que não são fornecidos aos pacientes, bem como com relação aos motivos
para tais decisões e aos procedimentos pelos quais essas são tomadas. O presente artigo argumenta
que os tribunais têm tido um importante papel neste processo. Ao examinar com mais rigor decisões
alocativas, o Judiciário forçou os gestores de saúde a tomar decisões mais bem informadas e a levar o
procedimento decisório mais a sério para garantir o cumprimento das ordens judiciais e para melhor
contestar ou evitar ações judiciais. Este artigo revela que o controle judicial tem contribuído para
graduais, mas significativas e duradouras, mudanças no NHS e oferece elementos para aprofundar
as discussões sobre paradoxos do controle judicial em matéria de escolhas alocativas em saúde.
1 A versão original em inglês deste artigo foi publicada como “From Wednesbury unreasonableness to accountability
for reasonableness”, no periódico Cambridge Law Journal, 76(3): 642-670, 2017. O autor agradece à Cambridge University
Press por ceder os direitos para a tradução; a Valter Shuenquener de Araújo e a Victor Felipe de Oliveira Nascimento
pela tradução para o português; a Natália Pires de Vasconcelos pela leitura e comentários da versão traduzida; e
a Conor Gearty, Thomas Poole, Carol Harlow e Peter Littlejohns por comentários à versão original deste trabalho.
2 Valter Shuenquener de Araújo: Doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com
período sanduíche na Ruprecht-Karls Universität Heidelberg (Alemanha). Professor do Programa de Pós-Graduação em
Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: vsaraujo19@gmail.com. Victor Felipe de Oliveira
Nascimento: Graduando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: von@tepedino.adv.br.
CONTENTS: 1 Introduction 2 Judicial Review of health care rationing decisions: From Wednesbury
to a heightened scrutiny 3 Priority-setting in the NHS: from implicit rationing to accountability
for reasonableness 4 Conclusion 5 References.
ABSTRACT: Over the last decades, rationing of medical treatment in the National Health Service
- NHS - has moved from implicit to being increasingly explicit about what is being denied and
about the procedures and reasons for such decisions. This article argues that the courts have
had an important role in this process. By applying a heightened scrutiny of rationing decisions,
courts have forced health authorities to make better-informed decisions and to take procedural
justice more seriously to comply with, respond to and avoid judicial review. The analysis in
this article reveals that litigation has contributed to incremental, but significant and enduring,
changes in a social policy. It also offers insights to the paradoxes of judicial accountability in
health care policies.
RESUMEN: En las últimas décadas, el racionamiento del tratamiento médico en el Servicio Nacional
de Salud de Inglaterra - NHS dejaron de ser implícitas para presentar un carácter cada vez más
explícito sobre lo que se niega y sobre los procedimientos y las razones de tales decisiones. Este
artículo argumenta que los tribunales han tenido un papel importante en este proceso. Al aplicar
un mayor escrutinio de las decisiones de racionamiento, los tribunales han obligado los gestores
de salud a tomar mejores decisiones informadas y a llevar el procedimiento decisorio más en serio
para cumplir, responder y evitar la revisión judicial. El análisis en este artículo revela que el control
judicial ha contribuido a cambios graduales, pero significativos y perdurables en el NHS y ofrece
elementos sobre las paradojas de la responsabilidad judicial en las políticas de atención de la salud.
PALABRAS CLAVE: Revisión Judicial Cuidado de la salud Derechos Sociales Racionamiento NHS.
1 Introdução
Em diversos países, pacientes têm recorrido ao Judiciário para contestar decisões de
sistemas públicos de saúde que lhes negam o fornecimento de tratamentos médicos. Este
fenômeno é objeto de diversas análises de caso e de estudos comparativos que buscam
compreender o impacto real e potencial da judicialização nos sistemas de saúde e, em
particular, como as ações judiciais afetam a equidade no acesso aos serviços de saúde. O
tema também tem suscitado um debate normativo sobre se – ou em que extensão – juízes
deveriam se envolver em decisões relacionadas à alocação de recursos em saúde3.
Os tribunais ingleses4 não são exceção, pois têm julgado pedidos contra decisões de
racionamento5 em saúde há mais de 30 anos. Ainda assim, o impacto dessas demandas
sobre o Serviço Nacional de Saúde Inglês – NHS não recebeu muita atenção por parte da
literatura sobre direitos sociais, se comparado à vasta literatura sobre o mesmo fenômeno
em países como Canadá, África do Sul, Brasil e Colômbia6. Essa falta de interesse é devida,
muito provavelmente, à ausência de um direito subjetivo à saúde positivado na legislação
britânica e a uma percepção geral de que os tribunais ingleses normalmente evitam
interferir em decisões alocativas discricionárias em políticas sociais.
Entretanto, a falta de atenção ao caso da Inglaterra é uma séria lacuna na literatura. A
jurisprudência inglesa oferece um amplo espectro de respostas para o dilema entre controlar
os gestores encarregados de fazer decisões alocativas e, ao mesmo tempo, reconhecer a
expertise e a legitimidade constitucional destes gestores para tomarem tais decisões. A
Inglaterra também é um lugar em que a atuação do Judiciário contribuiu para produzir
mudanças graduais, mas significativas e duradouras, no modo como o sistema de saúde
define suas prioridades. Este artigo busca preencher essa lacuna.
3 Ver, por exemplo, EXTER; BUIJSEN, 2012; FLOOD; GROSS, 2014b; YAMIN; GLOPPEN, 2011 e KING, 2012.
4 O Reino Unido é composto por Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte. Os julgados estudados
neste artigo foram proferidos por tribunais que possuem jurisdição apenas na Inglaterra e no País de Gales,
quais sejam, a High Court e a Court of Appeal, que são, respectivamente, a primeira e a segunda instância em
casos de direito administrativo. Por razões de simplificação, optou-se por utilizar Inglaterra para se referir a
Inglaterra e País de Gales.
5 O termo racionamento é uma tradução direta do termo em inglês rationing e significa limitar o acesso de
pacientes a tratamentos médicos em razão da necessidade de se estabelecer prioridades, dada a escassez de
recursos. Racionamento é pouco utilizado no Brasil neste contexto e com este sentido, embora seja utilizado
assim por autores portugueses. Ver, por exemplo, PINHO, 2008; 2010.
7 Sobre o tema, vide AMOS, 2015; KING, 2007; PILLAY, 2013 e KRAJEWSKA, 2015.
11 Alguns autores excluem da definição de racionamento os casos em que o financiamento é negado com base na
ineficácia do tratamento (vide por exemplo HERRING, 2008). A definição de racionamento neste artigo, contudo,
não exclui esses casos. Quando se trata de uma decisão administrativa sobre o fornecimento de um tratamento,
normalmente é difícil separar as razões de eficácia das de custo. Em um mundo ideal, onde os recursos fossem
ilimitados, seria perfeitamente razoável fornecer tratamentos cuja eficácia não fosse integralmente comprovada
ou cujos efeitos benéficos não fossem tão expressivos. No entanto, dada a realidade de qualquer sistema de saúde,
cada tratamento carrega custos de oportunidade e, portanto, a análise de eficácia, ao lado da avaliação de custos,
possui um papel central no estabelecimento de prioridades (vide WHO, 2014).
12 Esta seção analisa toda a jurisprudência sobre esse assunto encontrada na literatura especializada, nos
precedentes citados pelos tribunais e nos bancos de dados Bailii, Westlaw e LexisLibrary. Dado o escopo do artigo,
casos relativos à reconfiguração de serviços que não resultaram diretamente da negativa de financiamento para
tratamentos de saúde, casos de prestação de assistência social, de interpretação estatutária ou de indenização
por negligência médica não foram analisados.
Esta Corte não pode neste caso examinar os fatos mais do que poderia fazer
em qualquer outro em que o equilíbrio financeiro e a distribuição e uso de
verbas sejam objeto de discussão. Essas, certamente, são questões em que há
enorme interesse e preocupação do público – mas são questões que devem ser
levantadas, tratadas e respondidas fora do tribunal. [...] Eu estou plenamente
convencido que estas decisões das autoridades de saúde não são passíveis de
serem discutidas no tribunal. [...] Reprovo qualquer sugestão de que os pacientes
devam ser encorajados a pensar que a Corte tenha algum papel em um caso
desse tipo. (REINO UNIDO, 1980, p. 93, tradução nossa).
Em Harriot também não houve um aprofundamento na análise dos motivos que levaram
à recusa do tratamento médico. A falta de recursos não foi central para a recomendação
de não financiar a fertilização in vitro para essa paciente, embora tenha sido mencionado
que, em situação de escassez, “alguns indivíduos terão argumentos mais convincentes para
receber tratamento do que outros” (REINO UNIDO, 1988a, p. 512-514, tradução nossa). O
juiz Schiemann admitiu a possibilidade de uma política de saúde ser revista pelos tribunais,
mas mencionou, como exemplo de uma política pública legal, a decisão absurda e ultrajante
de recusar “tratamento a qualquer um que fosse judeu ou de cor” (REINO UNIDO, 1988d, p.
519, tradução nossa). A High Court também se recusou a reconhecer ilegalidade no fato de
a parte autora ter sido impedida de provar que seu caso era excepcional e de não ter sido
informada sobre o verdadeiro motivo para a sua remoção da fila de espera.
Dada a postura de autocontenção por parte dos tribunais acerca do seu próprio papel
na revisão das decisões de racionamento e a dificuldade de se demonstrar que uma decisão
era, de fato, absurda ao arrepio da lógica ou da moralidade, não surpreende que todas as
decisões de racionamento acima citadas tenham resistido à revisão judicial. O ponto de
virada na abordagem dos tribunais se deu em Child B (REINO UNIDO, 1995a). Uma criança
com câncer havia recebido diversos tratamentos médicos que falharam em produzir uma
melhora duradoura. Diante desse cenário, os médicos responsáveis chegaram à conclusão
de que não havia mais nenhum outro tratamento eficaz para a paciente. No entanto, o pai
da criança encontrou um especialista americano disposto a tentar outro procedimento
quimioterápico. Os médicos da criança discordaram, alegando que o tratamento causaria
um sofrimento desnecessário e que as chances de sucesso eram muito baixas devido a sua
natureza experimental. Com base nos depoimentos médicos e no custo do tratamento, a
autoridade de saúde local decidiu não o financiar.
A família, então, ingressou com uma ação judicial e a decisão administrativa de não
financiar o outro método terapêutico foi anulada pela High Court por ser Wednesbury
unreasonable. A High Court decidiu que (1) a autoridade de saúde não havia levado em conta
os desejos da paciente; (2) o tratamento não deveria ter sido considerado experimental,
dadas as estimativas de sucesso apresentadas pelos médicos americanos; (3) ainda que a
perspectiva de sucesso fosse pequena, a paciente deveria ter uma chance de tentar; (4) o
custo do tratamento havia sido superestimado pelas autoridades; (5) o argumento da falta
de recursos consistia apenas em generalidades; (6) quando a vida de alguém está em risco,
as autoridades de saúde não podem simplesmente bradar que recursos são escassos e
devem explicar as prioridades que as levaram a negar o financiamento; e (7) apesar do poder
discricionário conferido às autoridades, elas não podem interferir em direitos, a menos que
possam demonstrar razões objetivas e substanciais de interesse público.
As inovações presentes nessa decisão não podem ser subestimadas. Apesar de ainda
aplicar a linguagem de Wednesbury unreasonableness, o caso foi analisado de uma maneira
que os tribunais afirmavam explicitamente em decisões anteriores que não fariam: questionar
Decisões difíceis e angustiantes devem ser feitas para que um orçamento limita-
do seja alocado de modo a permitir que o maior número de pacientes receba o
máximo de benefícios. E esse não é um julgamento que cabe aos tribunais fazer.
[...] Não se trata de algo pelo qual a autoridade de saúde possa ser criticada por
não explicar em juízo. (REINO UNIDO, 1995a, p. 906, tradução nossa).
2.2 Segundo estágio: escrutínios rigorosos das razões e dos processos administrativos
Após Child B, e apesar da decisão da Court of Appeal, o entendimento de que as
decisões que estabelecem prioridades são imunes à revisão judicial, bastando, para tanto,
não serem absurdas, foi substituído pela exigência de que os entes públicos demonstrem
ter levado em conta todas as questões relevantes ao limitar o acesso a um tratamento
de saúde. Neste segundo estágio, os tribunais começaram a exigir que as decisões de
racionamento fossem baseadas em motivações racionais e explícitas e tomadas por meio
15 Outro caso em que se questionou a avaliação médico-científica feita pelo NHS foi REINO UNIDO, 2017a.
virtude da necessidade de se estabelecer prioridades, mas essa política só seria admitida como
razoável se fundada em motivos racionais e claros, e desde que considerasse circunstâncias
excepcionais. Além disso, o conceito de excepcionalidade não poderia ser demasiadamente
estreito, a ponto que nenhum caso consiga ser classificado como excepcional. Em Rogers
(REINO UNIDO, 2006a), a Court of Appeal, revertendo decisão da High Court, anulou uma
política exatamente porque as circunstâncias excepcionais para financiar Herceptin não
estavam claras. Em Otley (REINO UNIDO, 2007a) e Ross (REINO UNIDO, 2008a), os tribunais,
com base em opiniões divergentes de especialistas, também contestaram a análise das
evidências científicas feita pelas autoridades de saúde e a consequente conclusão de que
o caso dos requerentes não era excepcional. Em Murphy (REINO UNIDO, 2008b), muito
embora nenhum dos fatores trazidos pela paciente pudessem tornar seu caso excepcional,
o tribunal invalidou a decisão de não financiamento porque as autoridades avaliaram cada
um dos fatores separadamente, e não holisticamente (em conjunto).
Além dos casos contra as autoridades locais de saúde, há, ainda, ações judiciais contra
decisões do National Institute for Health and Care Excellence – NICE, o órgão responsável
por avaliação de tecnologias em saúde, que não recomendaram o fornecimento de
determinados tratamentos pelo NHS. Nesses julgamentos, os tribunais deram especial
atenção à justiça no processo que ensejou a decisão, incluindo discussões sobre se
o NICE precisaria divulgar às partes interessadas uma versão completa do modelo
econômico utilizado para calcular custo-efetividade (REINO UNIDO, 2007b; 2009a;
2010), ou um suposto viés ou conflito de interesse por parte dos especialistas escolhidos
pelo Instituto para realizar as avaliações17.
O tema da intensidade adequada do controle judicial sobre as decisões do NICE,
bem como das motivações apresentadas pelo instituto, foi levantado em Servier (REINO
UNIDO, 2010). A High Court entendeu que uma decisão do NICE de não recomendar um
novo tratamento para osteoporose havia considerado corretamente todos os dados
disponíveis. A corte também decidiu que as razões para a decisão foram explicadas de
forma razoável, inteligível e suficiente, e que caberia ao NICE decidir sobre o peso a ser
atribuído às evidências apresentadas18. A Court of Appeal, no entanto, reformou essa decisão
e determinou que o NICE tomasse uma nova decisão sobre o tema. O NICE havia rejeitado
parte dos dados apresentados pelo fabricante do produto devido à sua baixa qualidade
técnica, mas a Court of Appeal considerou que as razões científicas para essa decisão foram
“inadequadamente explicadas” (REINO UNIDO, 2009b).
20 A Irlanda do Norte, que faz parte do Reino Unido, possui uma legislação mais restritiva que a Inglaterra com relação
ao aborto. Por isso, muitas mulheres da Irlanda do Norte viajam para a Inglaterra para terem acesso a um serviço de
aborto legal. Porém, por não serem residentes na Inglaterra, elas à época não poderiam ter acesso gratuito ao sistema
de saúde inglês e tinham que pagar por um aborto. A ação em A e B alega que o não fornecimento de serviços de aborto
gratuitos na Inglaterra pelo NHS para mulheres na Irlanda do Norte é uma violação de direitos humanos.
Em suma, uma narrativa quase linear pode ser contada sobre como a jurisprudência evoluiu de
uma postura de autocontenção judicial para uma em que os tribunais constantemente adicionam
novos requisitos a serem considerados pelas autoridades para que uma decisão de racionamento
em saúde possa resistir à revisão judicial21.A presunção de que os tomadores de decisão primários
do NHS estão realizando seu trabalho corretamente e a ideia de que os tribunais não deveriam
reexaminar suas escolhas deixou de prevalecer entre os juízes. Os tribunais, durante o segundo
estágio, julgaram em um sentido que afirmavam de forma explicita e inequívoca não poder julgar
durante o primeiro estágio: aumentaram o rigor no controle das razões e processos para formação
de políticas públicas; contestaram as avaliações científicas com base em opiniões especializadas
divergentes; exigiram que circunstâncias individuais e excepcionais fossem consideradas; e
questionaram a ponderação de interesses conflitantes feita pela Administração. Em alguns casos,
os tribunais enfrentaram até questões orçamentárias. Em um deles, o tribunal entendeu que o
fornecimento de um medicamento específico exigiria uma alocação de recursos relativamente
pequena, o que não colocaria em risco o interesse de outros pacientes (REINO UNIDO, 2007a). Em
outro caso, o tribunal considerou que a autoridade competente tinha fundos suficientes, mas havia
optado por não os usar (REINO UNIDO, 1997a). Este controle judicial mais intenso resultou em uma
série de decisões judiciais contrárias ao NHS (ver figura abaixo). Em alguns poucos casos, a anulação
da decisão administrativa chegou a ser acompanhada da exigência de prover, imediatamente, o
tratamento pretendido pelo paciente (REINO UNIDO, 2008a; 2006b; 2007a).
21 Vide também: SYRETT, 2007, cap. 6; PALMER, 2007, p. 209; NEWDICK, 2005, p. 93 e SYRETT, 2011.
23 Esta hipótese foi discutida por Daniels e Sabin em Setting Limits Fairly (2008, p. 50) e por Daniels em
Just Health (2009, p. 122).
Desse modo, já que o racionamento explícito não é capaz de, por si só, explicar
adequadamente a transformação na forma como os tribunais decidem em matéria de
racionamento em saúde, esta seção desenvolve uma hipótese alternativa: a mudança de
atitude dos juízes em relação a essas demandas foi parte de uma mudança mais ampla na
cultura e na prática do direito público inglês que levou ao aumento na assertividade dos
tribunais em relação ao seu próprio papel no controle da Administração24.
Tradicionalmente, os tribunais ingleses desempenharam um papel político marginal
e evitaram interferir em questões políticas, provavelmente devido à ausência de uma
Constituição escrita e de mecanismos de controle de constitucionalidade bem como a um
forte apego ao princípio de separação dos poderes. Em regra, os tribunais se recusavam a
substituir as convicções da Administração sobre os méritos de uma política pública pelas
suas, a menos que a decisão administrativa fosse Wednesbury unreasonale25. A abordagem
muito autocontida dos tribunais ao julgar casos de racionamento em saúde antes do caso
Child B deve ser compreendida neste contexto mais amplo.
No entanto, e particularmente a partir dos anos 1990, observou-se o crescente uso dos
tribunais para contestar as decisões da Administração. Isso certamente não se restringiu a
questões de acesso a tratamentos (REINO UNIDO, 1987; SUNKIN, 1995, p. 69; BONDY; SUNKIN,
2009). Este fenômeno pode ser parcialmente explicado pela crescente pressão exercida pela
Convenção Europeia de Direitos Humanos, que prestigia uma maior participação dos tribunais
em decisões políticas e econômicas, sobre o Direito inglês e sua cultura jurídica (SUNKIN, 1995,
p.75). Direitos foram invocados como fontes de princípios normativos ou como parâmetros
para políticas públicas mesmo antes da Convenção ser introduzida na legislação interna por
meio do Human Rights Act – HRA (HARLOW; RAWLINGS, 2009; LESTER, 2011, p. 76-77; POOLE,
2005, p. 706). A promulgação do HRA em 1998 trouxe para a Inglaterra a política dos direitos e
elevou o poder político das instituições responsáveis pela efetividade desses direitos, a saber,
os tribunais, em relação às instituições políticas e administrativas responsáveis pela elaboração
de políticas. A incorporação da linguagem de direitos mitigou as barreiras ao controle judicial
das decisões administrativas fundadas na autoridade da fonte formal de poder e no respeito
à discricionariedade administrativa. Assim, criou-se a expectativa de que os tribunais fariam
mais do que apenas testar se uma decisão impugnada era ou não absurda (ALLAN, 2006, p.
671-695; POOLE, 2007, p. 266; CRAIG, 2008, p. 620).
fundamentais dos cidadãos estão em jogo, mais sólida deve ser a justificativa a ser
dada pela autoridade pública” (1993, p. 74, tradução nossa) 29.
A mesma ideia, com palavras muito semelhantes, apareceu na decisão da High Court em
Child B (REINO UNIDO, 1995a)30, caso que foi julgado pelo próprio juiz Laws. A linguagem
de Wednesbury não foi completamente abandonada, mas aplicada de forma mais elevada.
Por exemplo, a High Court concluiu, em Otley (REINO UNIDO, 2007a), que determinada
política da autoridade de saúde local era Wednesbury unreasonable, mas apenas depois
de uma análise detalhada da política pública, das evidências científicas e dos valores que
fundamentavam a decisão administrativa.
A ideia de que a deferência dos tribunais não se assegura pela simples menção à
discricionariedade administrativa ou à autoridade constitucional do Executivo, mas deveria
ser conquistada pelas autoridades capazes de justificar suas decisões, foi reiterada em um
caso recente sobre financiamento de tratamento de saúde:
31 A decisão da High Court em Secretary of State for Health, ex parte Watts [2003] EWHC 2228 (Adm) (REINO
UNIDO, 2003) pode ser vista como uma exceção à abordagem centrada no indivíduo e baseada em direitos.
32 Vide AMOS, 2015; KING, 2007, p. 197; PILLAY, 2013, p. 606; KRAJEWSKA, 2015, p. 627.
tomadas (explícito sobre como e por quê)34. Como será visto adiante, o racionamento explícito
sobre o quê não é imediatamente ou necessariamente seguido de explicitação sobre como
e por quê. Ser explícito sobre como e por quê é uma escolha política. Essa distinção também
permite um entendimento mais preciso dos diferentes estágios que compuseram a transição
de um racionamento implícito para um crescentemente explícito (nos dois sentidos) no
NHS, bem como do papel desempenhado pelo Judiciário neste processo.
O impacto do Judiciário na Administração nem sempre é fácil de ser demonstrado.
Essa influência pode ser mais facilmente verificada quando mudanças na Administração
são exigidas por um tribunal ou quando uma política se destina, reconhecidamente, a
atender a uma ordem judicial. Porém, há outras formas de impacto que são mais difíceis
de se identificar. Algumas mudanças não são provocadas pelo resultado de um processo
judicial per se, mas por entendimentos estabelecidos na jurisprudência ou pela visibilidade
de determinado caso (SUNKIN; RICHARDSON, 1999, p. 90). Além disso, o impacto também
pode ser difuso, influenciando aspectos menos visíveis da Administração, como as dinâmicas
internas e informais de trabalho dos órgãos públicos que aprendem a viver sob a sombra
do controle judicial35.
Grande parte do impacto que os tribunais provocam nas decisões que estabelecem
prioridades em matéria de saúde é do tipo mais difícil de ser delimitado. No entanto,
concentrando-se em dois casos importantes – Child B (REINO UNIDO, 1995a) e Pfizer (REINO
UNIDO, 2002) – é possível mostrar que o impacto existe e é relevante. Child B contribuiu
para chamar a atenção do público para o fato de que estava ocorrendo racionamento
no NHS, bem como para alertar as autoridades de saúde para o fato de que os juízes
estavam atentos às decisões de racionamento. Pfizer, por sua vez, reforçou a necessidade
de um sistema nacional que permitisse que a avaliação de novas tecnologias fosse feita
de maneira fundamentada e mais consistente, a fim de evitar a revisão judicial. Esses
dois casos emblemáticos, aliados às decisões judiciais subsequentes, criaram incentivos
para reformas institucionais importantes e oferecem evidência de que as decisões dos
tribunais têm informado o processo decisório no NHS.
É importante esclarecer que este artigo não argumenta que o controle judicial seja
uma condição necessária ou suficiente para a mudança na maneira como o NHS estabelece
prioridades em matéria de saúde. Como alerta a literatura sobre o impacto do Judiciário
na Administração, é muito difícil isolar o papel dos tribunais para estimar seu impacto
35 Ver RICHARDSON, 2004, p. 103; CANE, 2004, p. 15-42; SUNKIN, 2004, p. 43-75; HARLOW; RAWLINGS,
2009, p. 95-96; PICK, 2001, p. 760 e REINO UNIDO, 1987.
37 Ver NEW; LE GRAND, 1996; COAST, 1997, p. 149; AARON; SCHWARTZ, 1984; KLEIN, 1997, p. 85; KLEIN;
DAY; REDMAYNE, 1996, p. 42 e DOYAL, 1997, p. 139.
38 Vide KLEIN, 2006, p. 213; COULTER, 1999, p. 122-123; KLEIN; DAY; REDMAYNE, 1996, p. 68 e LOCOCK,
2000, p. 91.
39 Ver também MULLEN; SPURGEON, 1999, p. 3; NEW; LE GRAND, 1996, p. 29; LENAGHAN, 1997, p. 81;
AARON e SCHWARTZ, 1984, p. 110.
dentro do NHS (KLEIN, 2006, p. 78; MULLEN; SPURGEON, 1999, p. 3; KNEESHAW, 1997, p.
58; NEW; LE GRAND, 1996, p. 1; ENTWISTLE; WATT; BRADBURY; PEHL, 1996). Além disso,
Child B desencadeou um debate acadêmico sobre o racionamento e sobre a definição de
prioridades no NHS, como pode ser visto pela vasta literatura citada neste artigo, que
se concentra na compreensão desse caso, sua repercussão e suas lições. Após o término
da disputa judicial, e em contraste com a habitual relutância em admitir a existência de
racionamento, a autoridade local de saúde demandada justificou sua decisão afirmando
que racionamento é necessário e legítimo, mas deveria ser feito de maneira explícita, não
a portas fechadas (BARCLAY, 1996, p. 139-140).
Child B não apenas tornou o racionamento mais explícito sobre o quê, mas também
contribuiu para difundir a informação de que uma ação judicial é possível. Pesquisas
qualitativas sobre casos de racionamento logo após Child B mostram que não apenas os
gestores do NHS estavam preocupados com a possibilidade de uma ação judicial, mas
também os pacientes tornaram-se mais atentos à possibilidade de se recorrer à Justiça
ou, ao menos, de ameaçar o ajuizamento de uma ação para pressionar as autoridades de
saúde. Um exemplo interessante é uma carta enviada por um advogado a uma autoridade
de saúde local informando que havia aconselhado um paciente a ajuizar uma ação contra
a decisão de não financiar seu tratamento, mencionando que casos semelhantes já haviam
sido considerados pelos tribunais (HAM; MCIVER, 2000, p. 30; 61).
Child B mostra que o impacto de um processo judicial pode ir muito além do julgamento
per se. A decisão final da Court of Appeal foi ofuscada pelo amplo debate público, acadêmico
e político sobre racionamento de cuidados de saúde que este caso provocou. Isso também
tornou as autoridades de saúde conscientes de que suas decisões de estabelecimento de
prioridades se tornaram mais visíveis e, portanto, mais prováveis de serem questionadas
dentro e fora de um tribunal.
que fossem aceitos tanto pelos tribunais como pelo público tornou-se uma preocupação
permanente para as autoridades de saúde após Child B.
Esse caso também provocou um debate acadêmico sobre o papel dos tribunais em
casos de racionamento. Muitos autores criticaram a decisão da Court of Appeal por não
exigir que a autoridade de saúde fornecesse motivos mais consistentes para negar o
financiamento de um tratamento que poderia salvar uma vida e por não enfrentar o
argumento da High Court de que não basta simplesmente afirmar que os recursos são
escassos para justificar uma decisão de racionamento42.
Child B e os casos seguintes mostraram às autoridades de saúde que elas deveriam
ser mais explícitas sobre como e por quê estabelecem prioridades. Eles também deixaram
claro que as autoridades sanitárias precisavam do apoio da administração central para
estabelecer diretrizes que orientassem decisões complexas de definição de preferências.
À época, as autoridades de saúde em nível local não tinham muita informação disponível
sobre a relação custo-efetividade dos tratamentos e nem experiência para produzir
decisões fundamentadas em evidências. Isso resultou em decisões inconsistentes, na
incapacidade de apresentar razões suficientes para restringir o acesso aos tratamentos
ou, em certos casos, na qualidade insatisfatória das evidências fornecidas (PICKARD;
SHEAFF, 1999, p. 48; KLEIN, 1997, p. 123; HAM; PICKARD, 1998, p. 93-98; HAM, 2000, p.
1999, 1258-1261). Por exemplo, o então Executivo Chefe da autoridade de saúde local
ré em Child B queixou-se da posição ingrata de ter que tomar decisões difíceis sem
qualquer diretriz (PICKARD; SHEAFF, 1999, p. 48).
Uma avaliação sofisticada das tecnologias de saúde depende de alto nível de
especialização científica e expertise econômica, além de demandar tempo e recursos. Seria
muito oneroso para cada autoridade de saúde local fornecer uma avaliação abrangente
e bem documentada de cada nova tecnologia de saúde. Isso levaria a uma duplicação
desnecessária de esforços e a confusão e ineficiência no sistema. O uso de critérios
ambíguos, obscuros ou conflitantes por diferentes autoridades de saúde ao avaliar
pedidos divergentes sobre a distribuição de recursos não contribuiu para evitar pressões
financeiras, políticas e judiciais sobre o sistema de saúde causadas pela explicitação sobre
o quê estava sendo negado. O fato de determinados tratamentos terem sido financiados
de forma desigual por diferentes autoridades locais de saúde não só mostrou que os
cuidados de saúde estavam sendo racionados, mas também que as autoridades sanitárias
careciam de critérios consistentes para a definição de prioridades (KLEIN, 1997, p. 124;
NEW; LE GRAND, 1996, p. 12; LENAGHAN, 1997, p. 125-126; SPIERS, 1999, p. 59). O NHS
42 Ver, por exemplo, NEWDICK, 2004, p. 170–71; JAMES; LONGLEY, 1995, p. 367 e PARKIN, 1995, p. 867.
precisava de uma liderança mais forte para tomar decisões de racionamento, coordenar
a análise de informações tecnológicas e definir padrões nacionais (SHELDON; MAYNARD,
1993, p. 12; HONIGSBAUM; HOLMSTROM; CALLTORP, 1997, p. 68).
O primeiro caso em que o Ministério de Saúde centralizou essa questão foi a decisão
de não financiar o medicamento Viagra no NHS, salvo em circunstâncias excepcionais. A
eficácia do Viagra não foi posta em dúvida, mas a justificativa do Ministério para restringir
o seu fornecimento foi o custo do tratamento e a viabilidade de seu fornecimento para o
NHS. Esse caso foi considerado um marco importante na história do NHS pois mostrou, pela
primeira vez, que o governo central havia reconhecido a inevitabilidade do racionamento e
estava enfrentando publicamente o problema (DEWAR, 1999, p. 139; ABBASI, 1999, p. 338).
Essa política, no entanto, foi criticada porque não havia um conjunto claro de motivos
baseados em evidências para o racionamento de Viagra. Nesse contexto, a empresa
farmacêutica Pfizer entrou com uma ação judicial contra a decisão administrativa do NHS
(REINO UNIDO, 2002). A High Court, ao analisar o caso, exigiu que houvesse motivação na
forma de critérios objetivos e comprováveis para restringir o fornecimento de um tratamento,
o que o governo não pôde fornecer. A controvérsia em torno desse caso e a decisão da High
Court em favor da empresa mostraram que as decisões de racionamento em nível nacional
também tinham de ser fundamentadas em um procedimento justo, em evidências sólidas
e em razões de política pública consistentes (LOCOCK, 2000, p. 91; DEWAR, 1999, p. 149;
CRISHOLM, 1999, p. 273; SMITH, 1999, p. 823; MOSSIALOS; MCKEE, 2003, p. 372). Em outras
palavras, a liderança a partir do centro exigia não apenas decisões centrais sendo explícitas
sobre o quê estava sendo racionado, mas também sobre como e por quê as prioridades eram
estabelecidas. Dessa forma, um procedimento similar ao utilizado pelo NICE seria necessário
para justificar a proibição do Viagra, muito embora, àquela época, o NICE fosse “nada mais
que uma política pública sonhada” (DEWAR, 1999, p. 148)43.
No final da década de 1990, o Ministério da Saúde publicou dois documentos com
propostas para lidar com a necessidade de melhorar a qualidade do atendimento e de lidar
com os questionamentos levantados por um racionamento cada vez mais explícito: The New
NHS: Modern and Dependable (REINO UNIDO, 1997b) e A First Class NHS: Quality in the New
NHS (REINO UNIDO, 1998). Esses documentos afirmavam que o NHS estava “enfrentando
mais desafios do que nunca” como resultado, dentre outras coisas, de maiores e mais rápidos
avanços médicos; de cidadãos melhor informados e mais exigentes; do envelhecimento
populacional; da baixa confiança do público no NHS causada pela loteria de código postal;
da falta de qualquer avaliação coerente de quais tratamentos funcionariam melhor para os
pacientes; e do fato de que o NHS nunca foi suficientemente aberto ou responsabilizável pela
qualidade de seus serviços. Esses documentos propunham que as decisões administrativas
deveriam ser baseadas nas melhores evidências possíveis e que o governo deveria fornecer
novas ferramentas para enfrentar esses desafios.
A proposta para a criação do então chamado Instituto Nacional de Excelência Clínica
– NICE foi estabelecida nesses documentos com base na ideia de que alta qualidade e
custo-benefício são dois lados da mesma moeda (REINO UNIDO, 1997b). O NICE tinha como
objetivo criar um sistema nacional coerente para avaliação de novas tecnologias médicas,
em substituição à pluralidade de órgãos que vinham realizando esse tipo de análise com
base em diferentes métodos, qualidade variada e, por vezes, duplicando esforços e criando
evidências confusas que provavelmente não seriam úteis para médicos ou gestores.
O NICE foi fundado em 1999 como reconhecimento político de que era necessário um
mecanismo centralizado, nacional, racional e transparente para estabelecer prioridades
em face do avanço de novas e caras tecnologias de saúde (COULTER, 1999; KLEIN, 2002,
p. 177-182; SYRETT, 2003, p. 715-729). O NICE é responsável pela realização de avaliações
de tecnologias de saúde – estabelecendo diretrizes para o uso de novos medicamentos e
tratamentos médicos com base em análises clínicas e econômicas de custo-efetividade –,
uma tarefa que, devido à sua complexidade, frequentemente gera divergências científicas
e éticas. O Instituto também está sob constante pressão política, já que uma avaliação do
NICE que não recomenda um tratamento restringirá o acesso dos pacientes a ele no NHS.
Portanto, é preciso que as avaliações do NICE sejam legítimas. Buscou-se atingir
esse objetivo por meio da ênfase na justiça procedimental no âmbito do NICE, o que
significa que “os processos pelos quais as decisões de cuidados de saúde são racionados
são transparentes e que as razões para as decisões administrativas são explícitas” (NICE,
2008, p. 9)44. De acordo com Michael Rawlins (2012), primeiro presidente do NICE, e com o
próprio NICE (2008), a justiça procedimental do órgão segue a ideia de Norman Daniels de
accountability for reasonableness (DANIELS, 2009; DANIELS; SABIN, 2008) e explicitamente
englobou suas quatro condições:
havia realizado. Embora a Court of Appeal tenha aceitado os argumentos do governo sem um
exame minucioso desta política em particular, a decisão mencionou o NICE como um órgão
que oferece um quadro abrangente e empiricamente informado para a análise adequada
de novas tecnologias.
Como em Child B, muito embora o controle judicial mais rigoroso da High Court
tenha sido revertido pela Court of Appeal, o caso da Pfizer teve um impacto muito além
do resultado final do processo judicial. Na maioria dos julgamentos subsequentes, os
tribunais estavam dispostos a examinar o procedimento e as motivações das decisões
de racionamento, incluindo aquelas tomadas pelo NICE.
Neste artigo, os casos Pfizer e Child B foram destacados para uma análise mais detalhada,
mas isso não significa que esses sejam os únicos casos relevantes para a compreensão do
impacto das ações judiciais na forma como o NHS estabelece prioridades. O uso contínuo
da Justiça para contestar decisões de racionamento e o controle cada vez mais rigoroso
dos tribunais ao longo dos anos contribuíram para criar mudanças duradouras na forma
como as prioridades são estabelecidas no NHS. O que é exigido pelos tribunais no exercício
do controle judicial passou a se integrar aos processos decisórios do NHS quando este
decide sobre o fornecimento de tratamentos46.
Um estudo sobre como as autoridades locais de saúde tomam decisões para a alocação
de recursos e estabelecem prioridades identificou o risco do controle jurisdicional como
uma das razões que justificam o esforço de tornar mais explícitas as decisões que fixam
prioridades (ROBINSON et al., 2011). De acordo com o prefácio dessa pesquisa:
Após as decisões judiciais que declararam a ilegalidade de políticas que não consideram
circunstâncias individuais e excepcionais de pacientes, as autoridades de saúde criaram os
Painéis de Casos Excepcionais para avaliar pedidos individuais de financiamento (individual
funding requests – IFRs) de tratamentos que não são regularmente e universalmente
oferecidos (FORD, 2012; KLEIN; MAYBIN, 2012, p. 24; REINO UNIDO, 2008c; 2009c). No
documento que fixa as diretrizes para analisar IFRs, afirma-se que as autoridades “devem
ser capazes de explicar de forma coerente suas decisões aos médicos, aos pacientes, à
população e aos tribunais” (REINO UNIDO, 2008c, p. 3, tradução nossa). Além disso, ao
longo do documento há preocupações sobre como as decisões das autoridades serão
vistas pelos magistrados e sobre como proceder de forma a diminuir o risco de as decisões
serem revistas pelo Judiciário REINO UNIDO, 2008c, p. 7-8). Recomenda-se, inclusive, que
as autoridades de saúde analisem os pedidos de modo semelhante a como seria feito em
âmbito judicial, utilizando os mesmos testes e critérios que as cortes em suas decisões.
O Ministério da Saúde recomendou que as autoridades de saúde fornecessem justificativas
por escrito aos pacientes que tiveram um determinado tratamento negado, esclarecendo as
razões para as decisões, a fundamentação dessas decisões com base em evidências robustas
e em critérios consistentes e a documentação do procedimento e das justificativas de cada
decisão (REINO UNIDO, 2009d; 2009e). Além disso, os deveres de transparência, equidade
e motivação impostos pelos tribunais às autoridades decisórias primárias tornaram-se,
como o próprio NHS reconhece, direitos dos pacientes. “Os deveres de fornecer motivos
para o não financiamento de um tratamento e de considerar circunstâncias excepcionais
foram também estabelecidos nas Diretivas do National Health Service Commissioning Board
and Clinical Commissioning” (REINO UNIDO, 2012, tradução nossa). A Constituição do NHS,
que Chris Newdick considera ser reflexo dos princípios desenvolvidos por uma década de
controle judicial (2016, p. 125), declara que os pacientes têm o direito de esperar que as
decisões locais sobre financiamento de cuidados médicos sejam tomadas racionalmente,
após uma consideração adequada das evidências, e que as decisões de não financiar um
medicamento ou tratamento sejam justificadas.
Em resumo, um controle judicial mais rigoroso levou o NHS a estabelecer preferências
em matéria de saúde de forma alinhada com a accountability for reasonableness, a fim
de evitar a judicialização e para contestar melhor e cumprir decisões judiciais. Essas
mudanças na tomada de decisões administrativas refletem o fato de que uma decisão
de racionamento dificilmente será mantida pelos tribunais se a decisão e as razões
para isso não forem públicas (publicidade), não se basearem em evidências sólidas e em
considerações razoáveis de política pública (relevância), e se não houver oportunidade
4 Conclusão
Este artigo argumentou que o controle mais intenso das decisões de racionamento por
parte dos tribunais tornou o estabelecimento de prioridades em políticas de saúde mais
visível na Inglaterra e contribuiu para moldar o processo decisório no NHS. Essa relação
entre a judicialização e o racionamento explícito sobre o quê e, em particular, sobre como
e por quê, tem sido surpreendentemente subestimada pela literatura. Ao preencher essa
lacuna, este artigo oferece contribuições importantes para as áreas de estudos sóciojurídicos,
direito público, direito da saúde e direitos humanos.
Em primeiro lugar, o estudo abrangente das decisões judiciais em casos de racionamento
em saúde presente neste artigo confronta a ideia de que os tribunais ingleses tendem a
ser deferentes ao Executivo quando se trata de decisões administrativas que envolvem
alocações discricionárias em políticas sociais. Embora seja verdade que os tribunais muito
raramente interferiram diretamente no resultado de uma política, por exemplo, ordenando
o fornecimento de um tratamento, eles definitivamente não se esquivaram de cobrar das
autoridades melhores justificativas para suas políticas e processos decisórios mais justos.
Em segundo lugar, este artigo fornece evidências do impacto do Judiciário sobre uma
política social. Isso foi feito demonstrando, por meio da análise de documentos publicados
pelo NHS e de revisão da literatura, que os testes e exigências estabelecidos pelos tribunais
foram incorporados ao processo decisório do NHS. As decisões em Child B e em Pfizer também
confirmam que o impacto político de uma decisão não está ligado, necessariamente, à
procedência do pleito (SUNKIN, 2004, p. 52; KAPISZEWSKI; TAYLOR, 2013, p. 803). Embora não
seja possível afirmar que a judicialização tenha sido necessária ou suficiente para tornar o
racionamento explícito (em ambos os sentidos) no NHS, é plausível afirmar que os tribunais,
em resposta a um contexto de transformações na cultura jurídica e no sistema de saúde,
têm contribuído para mudar a maneira como as decisões sobre a definição de prioridades
em políticas de saúde são tomadas. Em outras palavras, uma narrativa das mudanças na
forma como o NHS estabelece prioridades nos serviços de saúde estaria incompleta sem
considerar o papel da judicialização e do controle jurisdicional.
48 Alguns autores sugerem que este é exatamente o papel do controle judicial da alocação de recursos
em saúde. Vide DANIELS et al., 2015, p. 229; SYRETT, 2007 e SYRETT, 2011, p. 469.
Por fim, a análise deste artigo confirma a ideia de que as autoridades de saúde que
são obrigadas a fundamentar suas decisões perante tribunais tendem a decidir com mais
cuidado, de maneira publicamente justificável, com fundamento em evidências e levando
em consideração diferentes pontos de vista sobre o assunto (SHORT, 2012, p. 1811)49. No
entanto, deve-se ter cautela antes de se chegar a conclusões precipitadas sobre esse
impacto ter sido, de modo geral, positivo ou as recomendações sobre como os tribunais
na Inglaterra ou em outros lugares devem julgar casos relacionados ao fornecimento de
tratamentos de saúde. É importante olhar para as conclusões deste artigo à luz do paradoxo
sugerido por John Mashaw, qual seja, que “o controle judicial tanto apoia a responsabilização
(accountability) política quanto a atrapalha; exige competência administrativa, mas, ao
mesmo tempo, limita as capacidades da burocracia” (2010, tradução nossa).
As autoridades administrativas, quando cobradas pelo Judiciário a demonstrar
que fizeram o melhor trabalho possível na coleta de fatos, avaliando alternativas e
articulando os valores que orientaram suas decisões, gastarão parte do seu tempo e
de seus recursos - que poderiam ser utilizados para outros propósitos – para garantir
que cada aspecto de sua política resista ao controle judicial. Isto é particularmente
verdadeiro naqueles casos em que os entes públicos, como ocorre no NHS, sentem-
se compelidos a realizar, em nível administrativo, o mesmo tipo de análise que eles
esperam ser feito em âmbito judicial (HARLOW; RAWLINGS, 2009, p. 671). Os custos
de oportunidade de se tomar decisões menos vulneráveis ao controle jurisdicional
ainda precisam ser medidos, mas não devem ser ignorados.
O controle judicial cada vez mais rigoroso também pode criar incertezas sobre o que
os tribunais exigirão em termos de motivação para manter uma decisão. Isso poderia ter,
como consequência, decisões de racionamento que não se baseiam no que os gestores
julgam ser a melhor política pública, mas na avaliação das chances de uma política ser
objeto de uma ação judicial ou de resistir ao controle judicial. Os responsáveis por alocar
recursos no sistema de saúde podem optar, por exemplo, por evitar o racionamento em
áreas com maior visibilidade ou que afetem grupos que estão mais dispostos a litigar.
Por outro lado, as autoridades de saúde também podem tentar resolver os casos antes
que eles cheguem aos tribunais, a fim de evitar uma publicidade negativa, os custos de
um processo e possíveis precedentes judiciais desfavoráveis, mesmo quando a decisão
de racionamento for razoável e consistente do ponto de vista de uma política de saúde50.
Em outras palavras, políticas podem ser escolhidas menos pelos seus méritos e mais pela
avaliação sobre como elas serão vistas pelo Judiciário, levando a políticas que, em outro
cenário, não seriam consideradas a melhor opção.
Além disso, o controle judicial não impedirá necessariamente que decisões inconsistentes
sejam tomadas. Por exemplo, os tribunais ingleses exigem que uma política pública de não
financiamento de um tratamento considere circunstâncias excepcionais. Entretanto, não há
definições claras sobre o que seria considerado uma exceção. Além dos custos gerados às
autoridades sanitárias em função da necessidade de considerarem o custo-efetividade de
um tratamento ad hoc para cada solicitação individual, essa exigência resulta em pacientes
com condições clínicas semelhantes recebendo cuidados diferentes, a depender de como
excepcionalidade é interpretada pelos agentes públicos em diferentes regiões da Inglaterra,
o que traz de volta o problema da loteria do código postal51.
Por fim, também não há garantia de que o resultado final de uma alocação, após o
controle judicial, será melhor informada ou fundamentada. Os tribunais, dependendo de
quão rigoroso é seu controle, podem acabar impondo a sua própria visão sobre como
deveria ser a política pública e, assim, reduzir a discricionariedade dos gestores, de modo
que o desfecho de uma política seja praticamente pré-determinado com base na avaliação
dos fatos e interesses por parte dos tribunais (FORD, 2012, p. 188; HARLOW; RAWLINGS,
2009, p. 124) Isso resultaria na substituição do procedimento administrativo por um
procedimento judicial menos capaz de oferecer as virtudes que os tribunais exigem da
Administração, como ampla coleta de dados, consideração das diferentes alternativas e
deliberação sobre as razões de política pública para uma decisão.
Em conclusão, este artigo propõe que o controle mais rigoroso das decisões
administrativas por parte dos tribunais ingleses contribuiu para moldar o processo de
tomada de decisões no NHS, forçando os gestores a levar a sério a justiça procedimental
e a incorporar as condições para accountability for reasonableness. O que isso significa
em termos de eficiência e justiça substantiva na oferta de cuidados de saúde para a
população ainda precisa ser melhor compreendido52.
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Pedro Parini
Pós-doutorado em Direito pela Università di Bologna (Itália). Doutor e Mestre
em Direito (UFPE). Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Faculdade de Direito do Recife (UFPE). Coordenador do grupo de pesquisa
Direito e Persuasão (CNPq).
RESUMO: Este artigo tem como objetivo geral evidenciar a importancia da Retórica de
Aristóteles ainda nos tempos atuais para a compreensão das estratégias argumentativas
dos juristas. Para tanto, pretendo abordar o papel que o entimema e o paradigma,
conceitos centrais da Retórica de Aristóteles, desempenham no direito. É por meio
de entimemas (silogismos retóricos) e paradigmas (exemplos dotados de autoridade)
que o discurso jurídico se torna persuasivo e racional. Pretendo demostrar que os
argumentos dos juristas são entimemáticos a partir do ponto de vista formal, porque
não revelam todas as premissas de seu raciocínio, e de um ponto de vista material,
porque se baseiam em pressuposições verossímeis e não em evidências verdadeiras.
Além disso, a argumentação jurídica se apresenta paradigmática à medida que seu
efetivo poder de persuasão depende do recurso de exemplos ou paradigmas, ou seja,
decisões do passado, precedentes judicias e casos hipotéticos.
Aristotle’s Rhetoric for contemporary’s jurists: the enthymeme and the paradigm
as bases of legal reasoning in modernity
CONTENTS: 1 Introduction 2 The actuality of Aristotle’s thought in the study of juridical rhetoric
3 A philosophic view on rhetoric 4 The enthymeme and the paradigm as core of persuasion
5 The logic of the defect in the enthymeme and the paradigm: the abbreviated or imperfect
syllogism thesis 6 The logic of silence on enthymeme and paradigm (what is not is a possibility):
the implicit syllogism thesis 7 Conclusion 8 References.
1 Introducción
Este artículo tiene como objetivo general evidenciar la importancia que tiene la
Retórica de Aristóteles aún hoy para la comprensión de las estrategias argumentativas
de los juristas. Para eso, pretendo hablar sobre el papel que el entimema y el
paradigma, conceptos centrales de la Retórica de Aristóteles, desempeñan en la
producción del derecho.
Actualmente, los teóricos de la retórica jurídica suelen definir la argumentación
de abogados, jueces y juristas prácticos, en general, como una forma de manifestación,
sobretodo, entimemática de raciocinio. De hecho, es por medio de entimemas
(silogismos retóricos) y paradigmas (ejemplos dotados de autoridad) – las dos
estructuras lógicas fundamentales de la argumentación retórica, de acuerdo con
Aristóteles – que el discurso jurídico se torna persuasivo y racional al mismo tiempo.
Aristóteles fue el primer filósofo en sistematizar el núcleo lógico de la
argumentación y en construir una teoría analítica de la retórica, es decir, una
metodología de observación de las estrategias persuasivas de la argumentación.
Siguiendo esta metodología de análisis retórico inaugurada por Aristóteles,
pretendo demostrar que los argumentos de los juristas son entimemáticos desde un
punto de vista formal, porque no explicitan todas las premisas de su raciocinio, y, de
un punto de vista material, porque se basan en presuposiciones verosímiles y no en
evidencias verdaderas.
Además, la argumentación jurídica se presenta paradigmática – en el sentido
técnico-retórico de la expresión – en la medida en que su efectivo poder de
persuasión y convencimiento depende necesariamente del recurso de ejemplos o
paradigmas, esto es, decisiones del pasado, precedentes judiciales, e incluso casos
hipotéticos formulados por el pensamiento dogmático.
Así, el entimema, como herramienta de deducción que parte de normas generales,
principios, directrices o formulaciones genéricas muchas veces incompatibles entre
sí, tiene la importante función – entre otras a ser evidenciadas – de mantener veladas
las potenciales inconsistencias y deficiencias del sistema jurídico, garantizando, así,
por lo menos, la apariencia de racionalidad en sus discursos.
Ya el paradigma, capaz incluso de suprimir conceptos y formulaciones genéricas
que orientan la acción al pasar de un caso concreto directamente a otro, funciona
como base para el raciocinio analógico e inductivo de la jurisprudencia de los
tribunales, un recurso fundamental del pensamiento jurídico occidental desde sus
más remotos orígenes.
Por tanto, la figura del silogismo sería capaz de garantizar a los juicios jurídicos
el status de conocimiento y no de mera opinión. De hecho, la opinio juris no es
una opinión cualquiera. Cuando un juez decide, cuando un abogado argumenta, o
cuando se interpreta la ley, se espera que, con la actividad dogmática, las razones
sean presentadas como fundamentos para decidir, argumentar e interpretar. El
derecho sin razones tiende a ser considerado ilegítimo precisamente por ser
arbitrario. Aun los ordenamientos jurídicos positivos actuales adoptan esta tesis.
Es lo que se deprende del texto del art. 93, inciso IX de la Constitución de la
República Federativa del Brasil de 1988, por ejemplo, según el cual es nula una
decisión no fundamentada (BRASIL, 1988).
Hoy, los cánones de la modernidad son ampliamente criticados por las teorías
jurídicas. Para varios teóricos contemporáneos, el modelo silogístico no sólo se
revela como ingenuo o incipiente, sino también como ficticio y fraudulento como
falsa representación del raciocinio judicial.
Lo cierto es que innumerables teorías contemporáneas del derecho, de los más
diversos matices, atacan la doctrina del silogismo como una representación teórica
inauténtica de aquello que efectivamente acontece en los más diversos y complejos
procesos de producción del derecho. Así, teorías de orientación hermenéutica,
argumentativa, retórica, pragmatista, realista, escéptica, casuística, antiformalista,
entre otras orientaciones posibles, están de acuerdo en lo que se refiere a la
necesidad de crítica a la doctrina silogística del derecho.
Desde el punto de vista de una teoría retórica del derecho, que yo mismo busco
continuar y desarrollar, el silogismo es entendido como mero modelo de presentación
de las decisiones, no propiamente como modelo de decisión. Las doctrinas de
la retórica jurídica defienden que la producción del derecho (de decisiones
judiciales) nada tiene de silogística, sólo la presentación de las decisiones es la que
generalmente asume la estructura de silogismo, sin importar si hubo realmente un
proceso deductivo de inferencia en la elaboración de los juicios.
Como se sabe, el raciocinio deductivo es una marca del alto nivel de desarrollo
del intelecto en la antigüedad griega, cuando la matemática, a pesar de encontrarse
ya relativamente avanzada en diferentes culturas, obtuvo nuevas dimensiones y
pasó de un mero conjunto de reglas empíricas a un verdadero sistema de inferencias
deductivas, especialmente en relación con la geometría.
El silogismo, empero, como modelo de inferencia deductiva, fue delineado por
Aristóteles ya en un momento de decadencia de aquella era altamente creativa e
técnicas. No se puede, sin embargo, fundar toda la persuasión en el pathos. Así como
no se puede contar sólo con el ethos del orador para ganar la adhesión del auditorio.
Es preciso tener en consideración los tres elementos en conjunto: el ethos, el pathos
y el logos. O sea, el carácter de quien habla, las emociones que se pueden suscitar en
los oyentes, y el discurso propiamente dicho.
Por lo que conocemos de Aristóteles, nada más natural que él dedicara especial
atención al logos, es decir, al discurso y a sus razones, y que no haya olvidado el pathos
ni tampoco el ethos en la construcción de su Retórica. Por ese motivo, Aristóteles define
como foco de su investigación el entimema y el paradigma, esto es, la deducción y
la inducción retóricas. Él afirma que “no se debe deformar al juez conduciéndolo a
la ira, al odio, o a la compasión: eso equivaldría a deformar el instrumento del cual
se debe servir para medir” (1996, p. 5 [1354a]). Claro, Aristóteles se refería al juez de
su tiempo, un ciudadano común que él mismo considera como una persona simple
(ARISTOTELE, 1996, p. 5 [1357a]), o sea, no preparada técnicamente en un arte o en
un logos especializado como es el de la moderna dogmática jurídica – un fenómeno
ciertamente bien distante del juez de nuestro tiempo.
De hecho, el juez moderno es adoctrinado, preparado para pensar
dogmáticamente en el contexto de una técnica específica regulada por métodos,
cánones y principios que forman los límites para la argumentación judicial y el
discurso jurídico en general.
A ese respeto es preciso decir que el pensamiento jurídico occidental enfatiza
la necesidad de presentar explícitamente el encadenamiento lógico de los juicios
como criterio de racionalidad del discurso, sin que sea preciso recurrir a elementos
emocionales o patéticos. O sea, la retórica de la objetividad del jurista debería siempre
prevalecer, respetando así los principios de la neutralidad (del lenguaje jurídico) y
de la imparcialidad (de los juicios jurídicos). El logos debería destacarse siempre en
relación con el pathos y el ethos, llegando incluso a ser capaz de neutralizarlos. Por
eso pensamos hoy en la figura objetiva de juez como órgano jurisdiccional y no como
un individuo dotado de una subjetividad altamente compleja que abarca visiones de
mundo particulares, idiosincrasias, solipsismos. Ese es un bello ejemplo del poder
objetivador que tiene el logos moderno de los juristas.
7 Conclusión
Un ejemplo de aproximación retórica del derecho contemporáneo es la tesis
de que los patrones de comunicación normativa en procesos de decisión judicial
se encuentran entimemáticamente estructurados (SOBOTA, 1991; SCHLIEFFEN,
2006; ADEODATO, 2009).
Para ese tipo de perspectiva, la práctica jurídica no es gobernada por premisas
mayores, reglas instrumentales o normas universales. Al contrario, son regularidades
o patrones mutables y auto-organizados que guían el proceso de decisión en el
derecho. Son esas formaciones cibernéticas y dinámicas que propician la decisión
(SOBOTA, 1991, p. 47; BALLWEG, 1989, p. 229). Por tanto, si lo que se desea es de
hecho comprender cómo funciona el derecho, es aconsejable observar el modo de
funcionamiento de esos patrones, más que especular sobre reglas y modelos de
decisión supuestamente racionales.
Para ese tipo de teoría, el silogismo judicial es más propiamente una ilusión
con gran potencial de producir efectos de persuasión. Eso se debe al hecho de que el
recurso a la lógica y a la apariencia de logicidad del discurso jurídico sumado a la
amplia difusión de la propia idea de silogismo como modelo de raciocinio deductivo
en nuestra cultura asegura una especie de aura racional a los procesos de decisión.
El silogismo “es una de las más fuertes ideas del pensamiento occidental y de la
decisión judicial, y, como tal, moldea el discurso jurídico, a veces hasta el punto de
confundirlo con la propia realidad – como si el raciocinio jurídico fuese silogístico”
(SOBOTA, 1991, p. 49, traducción nuestra).
Desde un punto de vista retórico, por tanto, el silogismo sería sólo un modo de
presentación de la decisión y no un método de decisión. En ese sentido, el silogismo
es una forma retórica de expresión, pero no de elaboración del pensamiento. O sea,
el silogismo judicial es verdaderamente un entimema.
Lo que fundamenta esta tesis es el hecho de que sería contraproducente o
incluso imposible seguir las exigencias de la dialéctica y explicitar todas las premisas
de un raciocinio judicial. La recomendación de los académicos a los estudiantes
de derecho de verbalizar todas las normas empleadas como fundamento para
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RESUMO: Este texto estuda parte da vida e da obra de Joaquim Nabuco, sua visão
acerca do papel do direito, especificamente na questão da escravatura, bem como
demonstra sua influência na luta pela abolição e sua contribuição para a história
das ideias jurídicas no Brasil. Adota-se a retórica como metodologia, distinguindo-se
da historiografia tradicional. São apresentadas as narrativas que chegaram até nós
sobre o contexto histórico e a biografia de Joaquim Nabuco, relacionando-as com
os argumentos presentes em seus textos para impor suas ideias e, assim, influir no
ambiente histórico, bem como suas contribuições para o momento histórico atual.
ABSTRACT: This text studies part of the life and work of Joaquim Nabuco, his views
about the role of law, especially on the matter of slavery, and it also demonstrates
his influence in the struggle for abolition and his contribution to the history of
legal ideas in Brazil. This article adopts rhetoric as a methodological approach and
distinguishes itself from the traditional historiography. It presents the stories that
have reached us about the historical context and the biography of Joaquim Nabuco,
relating them to the arguments in Nabuco’s texts in order to impose his ideas and
to influence the historical environment, and also their contributions to the current
historical moment.
RESUMEN: Este texto estudia parte de la vida y obra de Joaquim Nabuco, su visión
acerca del papel del derecho, específicamente en la cuestión de la esclavitud, así
como demuestra su influencia en la lucha por la abolición y su contribución a la
historia de las ideas jurídicas en Brasil. Se adopta la retórica como metodología,
distinguiéndose de la historiografía tradicional. Se presentan las narrativas que
llegaron hasta nosotros sobre el contexto histórico y la biografía de Joaquim Nabuco,
relacionándolas con los argumentos presentes en sus textos para imponer sus ideas
y así influir en el ambiente histórico, así como sus contribuciones al momento
histórico actual.
1 Introdução
Este texto estuda parte da vida e da obra de Joaquim Nabuco, sua visão acerca
do direito, especificamente na questão da escravatura, bem como demonstra sua
influência na luta pela abolição e sua contribuição na história das ideias jurídicas
no Brasil.
Adota-se, aqui, a retórica como metodologia para estudo das ideias jurídica
no Brasil (ADEODATO, 2012, p. 239-258). Além de uma metodologia, a retórica é
entendida como método e metódica, tomando por base a distinção entre as retóricas
material, estratégica e analítica (ADEODATO, 2010, p. 50).
Apenas para apontar resumidamente os conceitos, a retórica material compreende
a relação do ser humano com seu meio, isto é, a versão que se estabelece sobre
os fatos ou conjunto de relatos sobre o mundo que constitui a própria existência
humana. Essa dimensão material corresponde ao método, literalmente o caminho
escolhido na organização (interpretação) do que comumente se chama de realidade.
Ela é temporária, mutável no tempo e no espaço e autorreferente, pois diferentes
pessoas e gerações a veem e constituem diversamente.
No que diz respeito a este artigo, ele representa as narrativas que chegaram até
nós sobre o contexto histórico e a biografia de Joaquim Nabuco.
A retórica estratégica corresponde à metodologia, também literalmente uma
teoria sobre os métodos, vez que tem como objetivo interferir sobre a retórica material,
construir estratégias para modificar a narrativa dominante em outra direção: aquela
desejada por quem as aplica.
Aqui, o nível da retórica estratégica consiste em estudar os argumentos
presentes nos textos de Joaquim Nabuco para impor suas ideias e assim influir no
ambiente histórico.
Finalmente, a retórica analítica, ou metódica, procura descrever, tentando
evitar argumentos normativos, como funcionam e se relacionam a retórica material
e a retórica estratégica, além de investigar as conexões entre a época estudada
e o momento histórico atual. Sem manifestar juízos de valor, este texto pretende
examinar a participação de Joaquim Nabuco nos conflitos e debates para extinguir
a escravidão no Brasil.
Oh, os santos pretos! Seriam eles os intercessores pela nossa infeliz terra,
que regaram com seu sangue, mas abençoaram com seu amor! Eram essas
as idéias que me vinham entre aqueles túmulos, para mim, todos eles,
sagrados, e então ali mesmo, aos vinte anos, formei a resolução de votar
a minha vida, se assim me fosse dado, ao serviço da raça generosa entre
todas que a desigualdade da sua condição enternecia em vez de azedar e
que por sua doçura no sofrimento emprestava até mesmo à opressão de
que era vítima um reflexo de bondade... (NABUCO, 1999, p. 168).
Uma das maiores influências foi a do próprio pai, cuja presença espiritual exercia
uma ação poderosa em seu interior, subordinando qualquer outra. Nabuco refere
repetidas vezes a atuação política do pai como Ministro da Justiça e sua participação
na promulgação de leis e decretos a favor do abolicionismo. Além das marcas da
infância no engenho Massangana, a atuação política do pai serviu de modelo para
continuidade de um projeto familiar:
Eu não tenho, graças a Deus, dúvida que esta seria a sua atitude, e posso
assim dizer que em 1879 não fiz como deputado senão continuar do
ponto em que ele ficara, substituir-me a ele, com a diferença natural entre
minha mocidade e sua velhice, desenvolvendo em favor dos escravos
existentes o pensamento que ele assinalara como um dever nacional,
tanto no preparo como na discussão da lei que libertou as gerações
futuras. (NABUCO, 1999, p. 148).
A soberania nacional, para ser respeitada, deve conter-se nos seus limites;
não é ato de soberania o roubo de estrangeiros para o cativeiro. Cada tiro
dos cruzadores ingleses que impedia tais homens de serem internados
nas fazendas e os livrava da escravidão perpétua era um serviço à honra
nacional. Esse pano verde-amarelo, que os navios negreiros içavam à popa,
era apenas uma profanação da nossa bandeira. Essa, eles não tinham o
direito de a levantar nos antros flutuantes que prolongavam os barracões
da costa de Angola e Moçambique até a costa da Bahia e do Rio de Janeiro.
A lei proibia semelhante insulto ao nosso pavilhão, e quem o fazia não
tinha direito algum de usar dele. (NABUCO, 2003, p. 96-97).
não é porque os senhores se tornem melhores, mas, sim, por que os escravos se
resignaram completamente à anulação de toda a sua personalidade” (2003, p. 20):
4 Da persuasão à abolição
A trajetória de vida de Joaquim Nabuco levou-o a experimentar uma tensão que
Evaldo Cabral de Mello chama de dilema do mazombo. Isso representa “o descendente
de europeu ou reputado como tal, com um pé na América e outro na Europa, e
equivocadamente persuadido de que cedo ou tarde, terá de vencer a indecisão,
plantando-os ambos de um lado só do oceano” (MELLO, 1999, p. 12).
Eu, por exemplo, há oito anos quase não me ocupo de outra coisa, e assim
reduzi minha inteligência, errática por natureza, não felizmente a fixar-
se nessa ideia única, porque isso a teria morto num cárcere, mas a nada
produzir que não tivesse relação imediata e direta com a enfermidade
orgânica do país, o seu mal incurável [...] Eu, porém, não fiz da abolição
uma coisa, e não estou fazendo outra, por prazer, nem por vocação de
apóstolo, mas por dever, obedecendo ao simples imperativo categórico da
minha nacionalidade, ao fato unicamente de ser brasileiro; e como eu há
tantos! (NABUCO, 2010c, p. 183).
2 No que tange a essa análise, é importante destacar a recente criação da Comissão Nacional da Verdade da
Escravidão Negra no Brasil pela Ordem dos Advogados do Brasil, o que leva à necessidade de revisitação
da vida e da obra de Joaquim Nabuco.
5 Conclusão
De todo o exposto, talvez a sentença mais importante de Joaquim Nabuco seja
aquela que registrou em sua autobiografia, fiel ao realismo que sempre caracterizou
sua retórica: “a escravidão permanecerá por muito tempo como a característica
nacional do Brasil” (NABUCO, 1999, p. 76). Previu, assim, que o país ainda sofreria
após a abolição, pois a obra da escravidão estava arraigada por 300 anos na história
da nação: “Acabar com a escravidão não nos basta; é preciso destruir a obra da
escravidão” (NABUCO, 2010a, p. 117). Era necessária uma refundação da sociedade,
que passaria pela democratização do solo e pela integração dos afrodescendentes, o
que ainda hoje o Brasil não conseguiu impor como realidade:
Não se pode negar que Joaquim Nabuco foi um dos grandes responsáveis pela
abolição de 1888. Tornou-se o principal líder parlamentar da campanha pela abolição
da escravatura no Brasil, posição a que foi levado por condicionantes biográficas e
muita iniciativa própria: a infância marcante, a resolução juvenil, a formação erudita,
a influência paterna, as grandes amizades: “Nabuco foi um desses raros lutadores em
que a paixão convive com uma extrema lucidez” (WEFFORT, 2010, p. 38).
Joaquim Nabuco não estava sozinho nessa luta, é claro. Ele mesmo, diante da
abolição vitoriosa, debruçou-se sobre a questão de a quem caberiam as honras
por isso, mencionando o jogo político e seus principais personagens, ainda que
não tivesse chegado a uma resposta. Afinal, mais importante do que um herói é a
conquista nacional e de toda a humanidade:
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2010a.
______. O Erro do Imperador. In: MELLO, Evaldo Cabral de (Org). Essencial Joaquim
Nabuco. São Paulo: Companhia das Letras, Penguin, 2010b.
ABSTRACT: In this article the possible causes of the expansion of the judicial
activity and the increase of the judicial creativity in the juridical interpretation are
investigated. The possibility of controlling the interpretive activity in cases where
the reasoning of the judicial decision goes beyond positive law will be evaluated
based on Robert Alexy’s Theory of Legal Argumentation. The change of the positivist
theoretical paradigm, the emergence of the Welfare State and the new profile
of the legislation deriving from it are seen as causes of judicial expansion. The
incorporation of moral grounds to the exercise of jurisdiction is not an invitation to
casuistry or voluntarism. Robert Alexy’s Theory of Legal Argumentation provides tools
for controlling this activity, through criteria for analysing the reasoning of judicial
decisions, guided by the rules and rational argumentation means. The methodology
used on the development of this article was the qualitative bibliographical review.
1 Introdução
Recentes decisões da Suprema Corte brasileira têm direcionado o foco das
atenções da sociedade, em geral, e da Ciência do Direito, em particular, para o papel
a ser desempenhado pelo Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito. Há
grande preocupação com a invasão da esfera de competência atribuída aos Poderes
Legislativo e Executivo por parte daqueles que exercem a jurisdição, em especial a
constitucional. Para além disso, surge também a questão do controle da atividade
judicial a partir do instante que o parâmetro de decisão não é mais apenas o direito
positivo, mas critérios de ordem moral, por exemplo.
Este debate não decorre de alguma peculiaridade do ordenamento jurídico
brasileiro. Em verdade, diversos países já passaram por essa experiência, existindo,
em certa medida, alguma clareza quanto aos principais aspectos desse fenômeno,
cujo estudo poderá contribuir para uma melhor compreensão da realidade
brasileira. É fundamental, portanto, analisar as causas dessa expansão e de que
maneira seria possível exercer um controle sobre a atividade jurisdicional a partir
do momento em que o Poder Judiciário não se vincula mais apenas à literalidade
da lei para tomar decisões.
Nesse sentido, num primeiro momento, são investigadas as causas da expansão
do exercício da jurisdição para searas antes não exploradas, fenômeno associado ao
aumento da denominada criatividade judicial no exercício da interpretação, para,
em seguida, avaliar a relação entre o direito e a moral, bem como a possibilidade
de controle dessa atividade interpretativa quando se utiliza, na decisão judicial,
de fundamentos estranhos ao direito positivo. Para tanto, o artigo utilizará, como
método de pesquisa, a revisão bibliográfica de caráter qualitativo
Inicialmente, o foco recai na análise da expansão da atividade judicial nos
Estados Unidos, na obra de Donald L. Horowitz, que investigou o fenômeno na
perspectiva da atuação do judiciário americano em políticas públicas (1977). Em
seguida, com enfoque na atividade criadora do direito, as causas do fortalecimento
do Poder Judiciário são extraídas do estudo comparativo realizado por Mauro
Cappelletti (1993). O contexto brasileiro é avaliado a partir da obra de Luís Roberto
Barroso (2017). Ao final da primeira parte deste trabalho, são tecidas as conclusões
parciais relacionadas às causas da expansão da atividade judicial.
Partindo-se da premissa de que a expansão da atividade judicial enseja a utilização
de razões que vão além do direito positivo, por ocasião da fundamentação da decisão,
é trazido para a discussão o tema da vinculação – ou da separação – entre direito e
grande passividade (1977, p. 3). Não obstante, para o autor, as cortes americanas
seriam mais abertas a novos desafios e buscariam novas atribuições com mais
frequência, de modo que isso teria encorajado diversos interessados a apresentar
seus problemas em juízo, a ponto de assinalar que em nenhum outro lugar o
judiciário teve tanta responsabilidade pela elaboração de políticas públicas como
nos Estados Unidos (1977, p. 3).
O autor demonstra o aumento do escopo da atuação do judiciário nos Estados
Unidos mencionando sua intervenção em temas que antes eram considerados
impróprios para o referido Poder, como a administração da assistência social, das
prisões e dos hospitais para tratamento de doenças mentais, a gestão de políticas
públicas educacionais e de trabalho, a construção de estradas e de pontes, a
padronização de mecanismos de segurança em automóveis e o gerenciamento de
recursos naturais (HOROWITZ, 1977, p. 4).
Um dos efeitos apontados por Horowitz como decorrência desse fenômeno
seria o crescimento da subordinação do caso individual às questões relacionadas à
elaboração judicial de políticas públicas, assim como a expansão da responsabilidade
judicial quase a sobrepor a responsabilidade de outras instituições governamentais.
Ademais, tal tendência não seria algo peculiar, mas sistemático, pois transcenderia
as preferências judiciais individuais (1977, p. 9).
Em muitos casos, a atuação do Poder Judiciário, para Horowitz, decorreu
de uma espécie de convite formulado pelo Congresso ou pelos legisladores
estaduais, como na utilização de uma legislação tão ampla e indeterminada como
se pretendesse repassar tais problemas para a esfera judicial (1977, p. 5). Daí sua
conclusão no sentido de que, se grande parte dessa atuação foi resultado da
atividade legislativa ou burocrática, seria natural atribuir o fenômeno da expansão
da atividade judicial ao crescimento do Estado de Bem-Estar Social (Welfare
State), sendo, portanto, proporcional o crescimento dessa atividade à expansão da
atividade governamental (1977, p. 5).
Não obstante, o crescimento do Estado não seria a única causa, pois, como
reconhece Horowitz, muito da expansão da atividade judicial teria ocorrido
independentemente do Congresso ou da burocracia, mas, em certos casos, contra
as suas políticas públicas anunciadas, com o objetivo de enfrentar um determinado
problema que teria sido resolvido de forma insatisfatória por outros órgãos do
governo (1977, p. 5-6). Daí a razão de o autor afirmar que haveria uma diferença de
grau entre as decisões judiciais de antes e as atuais no judiciário americano, que
1 No texto, a expressão standing refere-se ao standing to sue, que pode-se traduzir como legitimação ativa
ou legitimidade ad causam; já o termo ripeness pode ser traduzido, literalmente, como maturação, no sentido
de causa madura, e corresponde a uma exigência de que as questões submetidas ao judiciário já estejam
suficientemente maduras para apreciação judicial. Para mais sobre o tema, vide FACCHINI NETO, 2016.
Uma questão central debatida até os dias atuais – e que ganha força cada vez mais
pelo fenômeno da expansão da atividade jurisdicional, observado nas sociedades
contemporâneas –, diz respeito à relação entre direito e moral. O cerne da polêmica
consiste em definir se o juiz poderia buscar, além do direito positivo, elementos
estranhos – como critérios morais – para decidir. Um dos argumentos contrários a
essa possibilidade aponta para a necessidade de se delimitar claramente os papéis
dos Poderes do Estado, de modo a não permitir que uma grande concentração venha
justamente a contrariar o fundamento que ensejou a separação de tais Poderes;
ou seja, venha de encontro à ideia de Montesquieu de que o poder corrompe e
que o remédio para evitar essa corrupção seria limitá-lo, dividindo as principais
atribuições estatais entre diferentes órgãos.
Há outros possíveis argumentos contrários a uma atuação mais livre do judiciário,
como a questão da legitimidade para aplicar o direito de forma não estabelecida
previamente pelo Parlamento, eleito pelo povo para criar as normas gerais e
abstratas que deveriam, em princípio, pautar as decisões judiciais. A insuficiência
de sua capacidade institucional também seria um empecilho aventado. Levanta-se
ainda a questão de como justificar sua atuação em matérias que, além de competirem
primordialmente aos demais Poderes do Estado, iriam além do domínio jurídico,
em relação às quais sua expertise não seria, portanto, indiscutível – versam, muitas
vezes, sobre temas afetos a outras disciplinas e que estão imbricados a questões de
cunho não jurídico ou jurídico, mas que demandam informações inapreensíveis pelo
processo judicial tradicional.
Enfim, todos esses temas passam primeiramente pela concepção de direito que
se adota. Aqui, passaremos a analisar o conceito de direito a partir dos pontos de
vista positivista e não positivista para em seguida tratar de formas possíveis de
controle da discricionariedade judicial, em tempos de ativismo, a partir da Teoria da
Argumentação Jurídica de Alexy.
deveria atuar para decidir corretamente. A perspectiva do observador, por sua vez,
corresponderia não a quem questiona a correção da decisão, mas a quem busca
apenas compreender como, de fato, decide-se em determinado sistema jurídico
(ALEXY, 2011, p. 30-31).
Podemos afirmar que, de um modo geral, a relação do direito com a moral
traz em si a preocupação com a abrangência da atuação jurisdicional. A discussão,
ainda hoje atual, do controle da atividade judicial, tem por objeto os limites da
discricionariedade do juiz, compreendida como a possibilidade de decidir sem
utilizar argumentos extraídos diretamente do direito positivo2 ou, ainda, a partir de
conceitos jurídicos indeterminados ou abertos.
Para Kelsen, o objetivo consistia justamente em retirar da Ciência Jurídica tudo
que não pudesse ser objeto de controle. O direito formaria um quadro ou moldura
em cujo interior haveria diversas possibilidades de aplicação, e qualquer delas era
por ele considerada conforme o direito, de modo que a interpretação jurídica apenas
fixaria essa moldura representativa do direito a interpretar (1998, p. 390-391).
Destarte, para o autor, do ponto de vista do direito positivo, não haveria critério
que indicasse uma das soluções cabíveis na moldura em detrimento das demais,
pois, a despeito da teoria chamada de ponderação dos interesses, não seria possível
retirar tal critério da norma interpretada, da lei ou da ordem jurídica (1998, p.
391-392). Daí a razão de sua comparação do legislador ao juiz, diferenciando-os
apenas quantitativamente, em razão da maior liberdade de criação do primeiro,
mas assumindo que ambos criam o direito, com uma relativa liberdade em relação
ao segundo, para afirmar, então, que a questão da definição das opções possíveis
contidas na moldura não seria uma questão jurídica, mas da política do direito
(KELSEN, 1998, p. 392-395).
Acolhida a postura positivista de Kelsen, todas as discussões atuais relacionadas
à aplicação dos princípios – que comportam, pela sua natureza de norma dotada de
elevado grau de indeterminação, diversas possibilidades interpretativas – seriam
alijadas da Ciência Jurídica. Isto poderia representar um grave obstáculo para
o controle das decisões judiciais, em especial quando se refere a ordenamentos
jurídicos como o brasileiro, fecundo dos mais diversos princípios de estatura
constitucional e que, em tese, admitem, dentro da moldura de Kelsen, as mais
2 Conferir o caso da injustiça legal, comentado por Alexy, acerca do advogado judeu emigrante que
fora privado da nacionalidade alemã, cuja decisão do Tribunal Constitucional Federal alemão não se
fundamentou no direito positivo, mas no denominado direito suprapositivo (princípios fundamentais da
justiça) (ALEXY, 2011, p. 6-9).
diversas decisões jurídicas, sem que a Ciência Jurídica pudesse contribuir para a
compreensão das razões que teriam levado a tais posicionamentos.
Consequentemente, a adesão ao positivismo, que separa a moral do direito,
nos termos defendidos por Kelsen, terminaria por retirar da Ciência Jurídica a
possibilidade de analisar as razões que levaram à opção do juiz no caso concreto,
mas não impediria que, ao decidir, o magistrado se baseasse na moral para efetuar a
escolha, desde que fosse uma possibilidade contida na moldura.
Neste contexto, a tese da vinculação entre direito e moral representa um
avanço, na medida em que busca conferir racionalidade também à opção realizada
dentro da moldura de Kelsen. Assim, a adoção da tese da vinculação entre direito
e moral não conduz necessariamente a uma ausência de controle da atividade do
juiz, que seria potencialmente perigosa, na medida em que poderia ensejar a criação
judicial do direito por quem não fora ungido pelo voto, é dizer, por quem não teria a
legitimidade democrática, e a partir de critérios meramente subjetivos.
Como veremos, em Alexy, a vinculação entre direito e moral não afasta a
possibilidade de controle da decisão judicial. Ao concluir que o conceito de direito,
ao menos na perspectiva do participante, incorpora a moral (2011, p. 151), o autor
não busca com isso uma teoria voltada ao fortalecimento da atividade jurisdicional
ou, em linhas gerais, legitimadora de um ativismo judicial. Apenas demonstra, a
partir de seu ponto de vista, o que é o direito e, a partir daí, procura dotar a decisão
jurídica de racionalidade, a partir de sua Teoria da Argumentação Jurídica (2013).
jurídica. Seriam as condições para iniciar um discurso racional e imparcial, com ganho
teórico em racionalidade e político em legitimidade duradoura (2010, p. 13).
É importante destacar que, para o autor, a ideia de correção estaria atrelada à
racionalidade. Assim, o discurso poderia ser considerado racional caso as condições
de argumentação racional prática tivessem sido devidamente observadas.
Satisfeitas tais condições, seria possível afirmar que o resultado do discurso é
correto, pois “uma teoria do discurso é, portanto, uma teoria procedimental da
correção prática” (ALEXY, 2010, p. 7).
Em diversos aspectos da obra de Alexy vemos sua preocupação em não deixar
o juiz livre para decidir a partir de suas convicções íntimas, sem fundamentos
objetivos, ainda que, para isso, se valha de argumentos morais.
Para Alexy, o discurso jurídico trata-se da fundamentação de uma espécie de
proposição normativa, correspondente às decisões judiciais. Esta justificação (ou
fundamentação) é por ele denominada de justificação interna quando relacionada à
lógica interna da decisão, em relação às premissas invocadas na sua fundamentação;
e de justificação externa, quanto à correção dessas premissas (2013, p. 219).
Na justificação interna, Alexy extrai do princípio da universalidade duas regras
de justificação. A regra (J.2.1)3 exige, na fundamentação de uma decisão jurídica,
a indicação de ao menos uma norma universal, enquanto que a regra (J.2.2)4
estabelece a necessidade de que a decisão decorra logicamente de ao menos uma
norma universal. Caso não seja possível extrair uma regra diretamente da lei, deve-
se construí-la, pois tais regras valem tanto para fundamentação baseada no texto
positivo, quanto para os casos em que isto não ocorre (ALEXY, 2013, p. 221).
No caso da regra (J.2.2), a dedução ganharia maior relevância, segundo Alexy,
ao explicitar as premissas da decisão nos casos em que elas não são extraídas
do direito positivo (2013, p. 226). O autor destaca a importância da justificação
interna ao tornar a evidenciar quais são as premissas que deverão ser justificadas
externamente, formulando explicitamente os pressupostos da decisão, de modo a
viabilizar o reconhecimento e a criticar de eventuais erros. Com efeito, “acrescentar
ou apresentar regras universais facilita a consistência da decisão e contribui, por
isso, para a justiça e para a segurança jurídica” (ALEXY, 2013, p. 228).
3 (J.2.1) Para a fundamentação de uma decisão jurídica, deve-se apresentar pelo menos uma norma universal.
4 (J.2.2) A decisão jurídica deve seguir-se logicamente ao menos de uma norma universal, junto a
outras proposições.
Além disso, para os casos complicados, quando se tem, por exemplo, várias
propriedades alternativas na hipótese da norma, várias consequências jurídicas
ou diversas interpretações possíveis, Alexy estabelece a regra (J.2.3),5 que se refere
a uma regra de uso das palavras, com a finalidade de definir claramente como a
interpretação deverá ocorrer no caso (2013, p. 224).
Tais regras, dentre outras regras e formas indicadas por Alexy na justificação
interna, referem-se à estrutura formal da fundamentação jurídica e teriam como
ponto central a segurança da universalidade que, por sua vez, serviria de base para
o princípio da justiça formal, segundo o qual se deve observar uma regra que obriga
tratar todos os seres da mesma categoria de igual forma (2013, p. 220).
Na justificação externa, que se refere à fundamentação das premissas utilizadas
por ocasião da justificação interna da decisão, também há diversas regras que
demonstram a preocupação do autor em conferir racionalidade ao procedimento
de aplicação do direito, ainda que se utilizem critérios morais. A ideia central é
sempre impor a quem argumenta o dever de demonstrar claramente as razões que
justificaram a sua decisão de modo que, nos casos futuros, em que os aspectos
relevantes forem semelhantes, a mesma decisão seja aplicada, salvo razões fortes
que justifiquem uma mudança de posição.
Para Alexy, as premissas utilizadas para a justificação interna podem corresponder
a regras do direito positivo, enunciados empíricos ou premissas que não são nem
um nem outro, comportando diferentes métodos de fundamentação, por ocasião
da justificação externa, e que se inter-relacionam (2013, p. 228). Para o autor, as
formas de argumentos e as regras de justificação externa são classificadas em seis
grupos, que são: (i) da interpretação (lei), (ii) da argumentação da Ciência do Direito
(dogmática), (iii) do uso dos precedentes, (iv) da argumentação prática geral (razão),
(v) da argumentação empírica (empiria) e (vi) das formas especiais de argumentos
jurídicos (2013, p. 229).
Ao tratar das formas de argumentação denominadas de cânones da interpretação,
Alexy afirma que eles podem apresentar a forma concreta de argumentos semânticos,
genéticos, históricos, comparativos, sistemáticos e teleológicos (2013, p. 232-241).
Para assegurar a racionalidade no uso de tais cânones, o autor estabelece a regra
5 (J.2.3) Sempre que houver uma dúvida sobre A ser T ou M1, deve-se apresentar uma regra que
decida a questão.
(J.6),6 segundo a qual toda forma de argumento entre eles deverá ser saturada. O
objetivo é excluir a possibilidade de que um simples argumento seja mero resultado
de uma determinada interpretação literal, histórica ou finalista. Deve-se apresentar,
por conseguinte, as respectivas premissas empíricas ou normativas, aptas a confirmar
a veracidade ou correção do argumento, as quais poderão, inclusive, ser objeto de
novas discussões (ALEXY, 2013, p. 243).
Outra demonstração de que sua teoria busca maior racionalidade e, portanto,
controle da atividade jurisdicional, corresponde à regra (J.7)7, segundo a qual os
argumentos vinculados ao teor literal da lei ou à vontade do legislador prevalecem
sobre os demais, salvo outros motivos racionais que modifiquem essa relação de
prioridade (ALEXY, 2013, p. 245).
O próprio Alexy ressalva que isso não deixa aberta a possibilidade para uma
decisão arbitrária, que venha a reconhecer qualquer razão como suficiente para
reduzir o peso dos argumentos que expressam uma vinculação, de forma que esta
relação de hierarquia também deve ser objeto de argumentação (2013, p. 245). Além
disso, esclarece que, uma vez estabelecido o peso da relação entre os cânones, não
se permite refazer o processo em cada novo caso. Ao contrário, as relações de peso
do caso concreto, por serem fruto de razões, deverão ser aplicadas em todos os
casos futuros e iguais em seus aspectos relevantes por força do princípio básico da
teoria do discurso, qual seja, o princípio da universalidade (ALEXY, 2013, p. 246). Este
entendimento corresponde à regra (J.8)8.
Não apenas em relação aos cânones é observada a existência de regras propícias
ao controle da atividade judicial, de modo a coibir o casuísmo. Alexy também trata
da forma de argumentação denominada de argumentação dogmática. Para o autor, a
dogmática do Direito corresponde a uma série de enunciados referentes à legislação
e à aplicação do Direito, não identificados com a sua mera descrição, relacionados
mutuamente de forma coerente, formados e discutidos no âmbito de uma Ciência
do Direito que funciona institucionalmente com conteúdo normativo (2013, p.
252). Os enunciados dessa argumentação dogmática têm, dentre várias funções, a
6 (J.6) Deve ser saturada toda forma de argumento que houver entre os cânones da interpretação, o que
impede as falas vazias.
7 (J.7) Os argumentos que expressam uma vinculação ao teor literal da lei ou à vontade do legislador
histórico prevalecem sobre outros argumentos, a não ser que se possam apresentar motivos racionais que
deem prioridade a outros argumentos.
8 (J.8) A determinação do peso de argumentos de diferentes formas deve ocorrer segundo regras
de ponderação.
de estabilização, a exigir, para a sua modificação, razões tão boas que justifiquem
o rompimento com a tradição, conforme o princípio da inércia de Perelman, de
modo que quem busque uma nova interpretação assuma a carga da argumentação
(ALEXY, 2013, p. 261-262). Essa função tem certa relação, portanto, com a função de
controle dos enunciados dogmáticos, a viabilizar que os casos não sejam decididos
isoladamente, mas conforme uma série de outros já decididos e ainda por decidir,
potencializando o grau de eficácia do princípio da universalidade e servindo à
justiça (ALEXY, 2013, p. 265).
De forma semelhante se observa em relação ao uso dos precedentes na
argumentação jurídica. Em verdade, com Alexy, a diferença dessa forma em relação
à dogmática consiste no fato de que a Ciência do Direito elabora seus enunciados
para solução de casos que ainda não foram objeto de decisão, enquanto nas
decisões judiciais não há apenas a elaboração de propostas, mas a execução de
atos (2013, p. 269).
Destarte, no uso dos precedentes, também vale a função de estabilização e a regra
da carga de argumentação, baseada no princípio da inércia de Perelman, segundo
o qual uma decisão somente poderá ser mudada se houver razões suficientes para
tanto, contribuindo-se, pois, para a segurança jurídica e a proteção da confiança na
aplicação do direito (ALEXY, 2013, p. 268-269). Por tais motivos, Alexy instituiu a
regra de justificação, que impõe sempre a citação de um precedente, seja a favor ou
contra a decisão (J.13)9, bem como impõe a carga da argumentação a quem pretende
dele se afastar (J.14)10.
Estes são apenas alguns aspectos selecionados da Teoria da Argumentação
Jurídica de Alexy, apontados com a finalidade de demonstrar que a abertura do direito
para questões morais não significa o abandono das premissas alicerçadas no direito
positivo, na Ciência do Direito ou nos precedentes. Busca-se dotar a fundamentação
jurídica de racionalidade, apresentando regras e formas objetivas de elaboração do
discurso jurídico que permitam a avaliação concreta da atuação jurisdicional. Por
certo que a avaliação do acerto da teoria somente poderá ocorrer naqueles casos
concretos em que suas regras e formas forem devidamente observadas, de modo
que a utilização equivocada da lição de Alexy não pode servir de argumento para
uma crítica superficial quanto à sua utilidade no controle das decisões judiciais.
9 (J.13) Quando se puder citar um precedente a favor ou contra uma decisão, deve-se fazê-lo.
4 Conclusão
O exercício da jurisdição sobre áreas anteriormente não submetidas ao crivo
do Poder Judiciário, bem como o aumento da criatividade por ocasião da aplicação
do direito, integram o fenômeno contemporâneo da expansão da atividade judicial,
verificado em diversos países desenvolvidos e, inclusive, no Brasil.
As razões dessa expansão vão desde a mudança do perfil do Estado, que ampliou
suas atividades a partir da disseminação do modelo do Welfare State, até a mudança
do perfil da legislação dele decorrente. Nesse contexto, a mudança do modelo
teórico também desempenhou um papel fundamental. O positivismo, condizente
com uma concepção liberal de Estado, perde força a partir da compreensão de que
as novas questões submetidas ao Poder Judiciário, em grande parte com caráter
marcadamente social, não poderiam ser enfrentadas somente com as premissas
encontradas no direito positivo.
No Brasil, o marco dessa mudança de perfil traduziu-se na promulgação
da Constituição de 1988, cujo propósito não disfarçado fora, dentre outros, o de
implantar um Estado de Bem-Estar nos moldes observados nos diversos países
desenvolvidos. Embora longe de alcançar essa meta, diante dos inúmeros desafios
ainda pendentes de solução, no que se refere aos mais diversos direitos individuais
e sociais, é verdade que o novo regime constitucional abriu o caminho para que, no
Brasil, o fenômeno da expansão da atividade judicial encontrasse acolhida.
Verificou-se que a simples exclusão de critérios morais do conceito do direito
não corresponderia a um maior controle da decisão judicial, na medida em que, ao
menos a partir do positivismo defendido por Kelsen, tais critérios morais poderiam ser
utilizados nos casos em que a moldura construída a partir da interpretação sugerisse
mais de uma opção possível. Assim, diante de várias opções aceitáveis, a escolha
entre uma delas não seria um tema da Ciência do Direito, mas da política, afastando,
portanto, a possibilidade de se avaliar as razões da escolha no caso concreto.
A Teoria da Argumentação Jurídica, por outra via, busca proporcionar critérios
para a correção da decisão judicial, a partir dos quais seria possível efetuar um
controle da atuação jurisdicional, mediante a identificação das razões – de direito
positivo ou não – que levam os juízes a decidirem de determinada forma.
Tal aspecto ganha relevo diante da peculiaridade do ordenamento jurídico
brasileiro, integrado por diversos princípios constitucionais cuja aplicação requer um
esforço argumentativo suficiente para demonstrar como se chegou a determinada
conclusão no caso concreto, evitando assim a pecha do voluntarismo. Destarte, a
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KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo:
Martins Fontes, 1998.
RESUMO: Este artigo examina como o método conhecido como Análise Econômica do
Direito pode contribuir para a pesquisa dos efeitos socioeconômicos gerados pela concessão
de incentivos fiscais. Para tanto, inicialmente o texto delineia o paradigma tradicional
e ainda predominante na ciência do Direito Tributário no Brasil e, ao apresentar como
alternativa a Análise Econômica do Direito, discorre sobre as premissas que possibilitam a
aplicação desse método. O foco principal é demonstrar como os tributos são computados
como um custo de transação no processo de escolha dos agentes econômicos. Em
seguida, o artigo analisa as possibilidades de intervenção do Estado na ordem econômica,
explicando como a tributação é uma modalidade de intervenção por indução e expondo
o conflito existente entre a extrafiscalidade e o princípio da neutralidade fiscal. Ao final,
o texto apresenta estudo de caso sobre os incentivos fiscais de ICMS concedidos pelo
Programa de Desenvolvimento Industrial do Estado de Goiás.
ABSTRACT: This article intends to analyze how the method known as Economic
Analysis of Law can contribute to the research of socio-economic effects generated
by granting of tax incentives. Therefore, at first, the text outlines the traditional and
still prevalent paradigm in science of Tax Law in Brazil and, presenting Economic
Analysis of Law as an alternative, discourses about assumptions that enable the
application of this method. The main focus is demonstrate how taxes are computed
as a transaction in the choice of economic agents process. After, the article analyzes
possibilities of State intervention in the economic order, explaining how taxation is
a form of induction intervention and exhibiting the conflict between the taxation
for non-fiscal purposes and the principle of fiscal neutrality. In its final point, the
paper presents a case study on the VAT tax incentives granted by the Industrial
Development Program of the State of Goiás.
RESUMEN: Este artículo examina cómo el método conocido como Análisis Económico
del Derecho puede contribuir a la investigación de los efectos socioeconómicos
generados por la concesión de incentivos fiscales. Por lo tanto, inicialmente el texto
delinea el paradigma tradicional y aún predominante en la Ciencia del Derecho
Tributario en Brasil y, al presentar como alternativa al Análisis Económico del
Derecho, discurre sobre los supuestos que permiten la aplicación de este método.
El objetivo principal es demostrar cómo los tributos se calculan como un costo de
transacción en el proceso de selección de los agentes económicos. A continuación, el
artículo analiza las posibilidades de intervención del Estado en el orden económico,
explicando cómo los tributos son una modalidad de intervención para la inducción
y la expondo el conflicto entre extrafiscality y el principio de neutralidad fiscal. En
su extremo, el artículo presenta un estudio de caso sobre los incentivos fiscales del
ICMS concedidos por el Programa de Desarrollo Industrial del Estado de Goiás.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição prescreve, em seu artigo 3o, III, a busca pela redução das
desigualdades regionais como objetivo da República Federativa do Brasil (BRASIL,
1988). A partir dessa previsão, tornou-se prática comum pelos estados membros a
concessão de incentivos fiscais do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Sobre
Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e de Comunicação – ICMS com
a pretensão de atrair sociedades empresárias para os seus respectivos territórios,
visando à criação de empregos e à promoção do desenvolvimento naquele ente
federado. Trata-se da tributação com fim extrafiscal, consistente na utilização
dos tributos para incentivar ou inibir comportamentos dos contribuintes para se
atingirem finalidades diversas da arrecadação.
Em regra, a tributação deve ser neutra e interferir o mínimo possível no sistema
de formação de preços e na escolha dos agentes econômicos, o que se convencionou
chamar de princípio da neutralidade tributária. A desoneração tributária pela
concessão de incentivos fiscais conflita diretamente com o princípio da neutralidade,
porquanto a tributação extrafiscal pode ser considerada uma espécie de intervenção
do Estado sobre a ordem econômica, razão pela qual há necessidade de se estabelecer
limites à utilização dos tributos com fins extrafiscais.
Além disso, os incentivos fiscais podem surtir efeitos diversos daqueles
inicialmente pretendidos. Ocorre que não é possível o exame desses efeitos pela
maneira tradicional de se fazer ciência no Direito Tributário brasileiro. Destarte,
o objetivo do presente artigo é examinar como o método denominado Análise
Econômica do Direito – AED pode ser empregado para o exame e a compreensão
dos efeitos gerados pela concessão de incentivos fiscais.
Para tanto, inicialmente será exposta a metodologia tradicionalmente utilizada
pela ciência do Direito Tributário no Brasil, demonstrando-se como a delimitação
restrita do objeto de estudo proposto pela referida metodologia é aplicada à
análise dos incentivos fiscais do ICMS. Em seguida, buscar-se-á delinear algumas
noções sobre a AED, explicando como este método pode contribuir para a pesquisa
científica no Direito Tributário. Após, será examinada a possibilidade de utilização
dos tributos com fim extrafiscal, confrontando-a com o princípio da neutralidade
fiscal, a fim de verificar quais as possibilidades e os limites desta modalidade de
tributação. E, por fim, será apresentado um estudo de caso referente às repercussões
dos incentivos fiscais de ICMS concedidos pelo Programa de Desenvolvimento do
Estado de Goiás – PRODUZIR.
7 Conclusão
Tradicionalmente, a ciência de Direito Tributário desenvolvida no Brasil admite
como único objeto de estudo o Direito Tributário positivo e, dentre estas normas,
preocupa-se somente com aquelas que prescrevem a instituição, a fiscalização e a
arrecadação de tributos, analisando apenas a relação entre as normas e o significado
das palavras. Nesse contexto, a Análise Econômica do Direito é uma importante
alternativa que contribui para o exame das repercussões socioeconômicas das
normas tributárias e, dentre estas, das utilizadas para concessão de incentivos fiscais
de ICMS, principalmente ao viabilizar a análise da eficiência dessas normas.
Os incentivos fiscais, espécie de tributação extrafiscal, podem ser compreendidos
como uma modalidade de intervenção estatal na economia, visto que, por meio
da desoneração tributária o Poder Público busca estimular comportamentos dos
de ICMS concedido pelo estado de Goiás pelo PRODUZIR, a qual foi eficiente
para o desenvolvimento da região sul do estado, que já apresentava melhores
infraestruturas econômicas e sociais, mas foi ineficiente para promover a instalação
e diversificação de indústrias nas microrregiões localizadas na metade norte, que
é mais necessitada e carente. Portanto, o programa acabou por não produzir o
resultado final pretendido, que era a redução das desigualdades regionais, porque
não diferenciou as microrregiões e isso fez com que o processo de decisão das
empresas, baseada nos custos de transação envolvidos, rumasse para a instalação em
regiões já desenvolvidas e onde a necessidade da redução daquelas desigualdades
não era tão intensa.
8 Referências
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desmistificações. Direito, Estado e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 9, n. 29, p. 49-68,
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ABSTRACT: This article analyzes the legal and criminal aspects of information
protection and its importance in the contemporary social scenario, called information
society. The data generate the information that presents itself as a good of high
value for society and, especially, for the economic groups that extract considerable
profits from their activities of storing and managing information of logistics, social
research and even consumer habits, and applying them to their businesses. Thus,
information is considered for its economic aspect, generating the phenomenon
of monetization, which makes them liable to criminal acts, either by data theft,
destruction or simply copying of certain information through technological means.
However, specific legislation is not always able to keep pace with the development
of technology and business activities. This work was developed using the deductive
method, with a research based on bibliographical and jurisprudential review carried
out under the reflexive-critical sieve.
1 Introdução
O desenvolvimento dos meios de comunicação, aliado ao dos mecanismos
tecnológicos (computadores, smartphone, rádio, televisão, v.g.), aperfeiçoou o acesso
à informação, com qualidade e velocidade em escala global até então inimagináveis,
permitindo que dados percorram distâncias de forma instantânea. Tais aspectos
possibilitam identificar uma nova era socioeconômica – posterior à era agrícola e à
industrial – identificada como sociedade da informação. Nesta, tem-se a informação,
devidamente armazenada e gerenciada, como principal fator de geração de riqueza, a
exemplo do ocorrido na sociedade agrícola (riqueza gerada pela terra) e na sociedade
industrial (riqueza gerada pelas máquinas a vapor e posteriormente pela eletricidade).
A informação e o conhecimento sempre existiram nas eras socioeconômicas
anteriores, seja quanto às técnicas de cultivo e arado na era agrícola, seja quanto ao
conhecimento necessário ao desenvolvimento de máquinas a vapor e a eletricidade na
era industrial. Entretanto, são os meios tecnológicos e de comunicação que enfatizam
a informação como principal fator de geração de riquezas, ao ponto de identificar-se
uma terceira revolução socioeconômica denominada revolução informacional.
Tal fenômeno ressalta ainda mais a importância dos diversos gêneros de dados
que trafegam pela Internet e pelos demais meios de comunicação. Esses dados podem
ser públicos, privados, pessoais, sensíveis (sendo estes uma espécie dos pessoais), e,
ainda, podem apresentar uma classificação em estruturados e não estruturados.
Embora se possa sustentar uma evolução social resultante da tecnologia, por
permitir o acesso a informações de todos os gêneros por uma grande parcela da
população em nível global (atingindo um público cada vez maior a cada ano), desde
que tenham acesso à Internet e aos meios de comunicação em geral, também é
possível perceber a existência de violações dos mais diversos direitos assegurados
constitucionalmente. Nesse sentido, podem ser citadas as violações aos direitos
da personalidade (nome, honra, imagem, intimidade e privacidade) e ao direito
de propriedade e, apesar das possibilidades de ilícitos existentes, muitos com
consequências extremamente graves, nem sempre a legislação foi competente em
acompanhar os avanços tecnológicos, principalmente em seu aspecto penal.
As informações empresariais objeto de análise neste trabalho serão as
informações sobre logística, administração, gerenciamento, preços e custos,
estratégias de marketing, segredos empresariais, entre outras formas de administração
empresarial e que são denominadas comumente pelo Conselho Administrativo de
Defesa do Consumidor – Cade de informações concorrencialmente sensíveis.
econômico produtivo é cada vez mais centrado no fator informação, assim como
os sistemas sociais anteriores foram caracterizados como sociedade caçadora,
sociedade agrícola e sociedade industrial” (2000, p. 45).
Sociedade da informação é aquela cujo desenvolvimento está baseado em
dados, informação e conhecimento, ou seja, calcada em bens imateriais, marcada
pelo avanço tecnológico, passando a fornecê-los como bases da economia em geral.
Através da tecnologia, viabilizou-se o acesso à informação a um público cada vez
maior, de forma ágil e quase que instantânea. Além de reduzir distâncias entre os
interlocutores e possibilitar a troca rápida de informações, a tecnologia também
permite armazená-las e gerenciá-las, agregando-lhes um grande valor quando
devidamente tratadas.
Isso provoca a supervalorização da informação que, como mercadoria, supera
muitas vezes o próprio patrimônio físico de algumas empresas. Informações como
operações de logística e venda e características de consumidores de determinada
região, a exemplo de seus gostos, costumes e hábitos, possuem grande valor
agregado no mundo empresarial, pois permitem às empresas identificar onde e com
qual público seus empreendimentos/produtos terão mais sucesso.
Fernanda Schaefer Rivabem aponta, como atributos essenciais da sociedade da
informação, os aspectos da universalidade, globalidade, permanência, imediatidade
e imaterialidade, expondo suas características:
dos hábitos de consumo por grandes empresas e o controle social por parte do
Estado” (RIVABEM, 2010, p. 135).
Identifica Roberto Senise Lisboa os principais efeitos da revolução informacional,
elencando a transnacionalização e o surgimento de blocos econômicos, e esclarece
que há um movimento socioeconômico de integração mundial e contrário ao
estabelecimento de um Estado superior, “o que leva aos inevitáveis conflitos de
interesses entre Estados e macro empresas e seus lugares de atuação”; aponta
ainda o advento do e-commerce, gerando questões sobre problemas de atribuição
de autoria de documentos eletrônicos e assinatura digital, validade de documento
original e copiado, proteção dos direitos intelectuais, proteção dos direitos de
propriedade na web, oferta e publicidade eletrônica, contratos eletrônicos e a
proteção do consumidor; a economicidade da informação; a formação de bancos
de dados; a transferência eletrônica de dados; e o estabelecimento de normas
comunitárias, “com vistas a uma uniformização do tratamento legislativo sobre a
matéria” (2006, p. 84-85).
A tecnologia, que caracteriza a sociedade da informação, é um caminho sem
volta e está cada vez mais permeada na vida em sociedade, seja na esfera pública
ou privada, seja em áreas de saúde, educação, cultura, entre outras, como expõe
Antônio Miranda:
exemplo, pode-se dizer que um texto, uma imagem, alguns sons e até mesmo os
itens de uma pesquisa eleitoral são dados, se observados isoladamente.
Adalberto Simão Filho e Germano André Doederlein Schwartz apresentam uma
classificação em relação aos dados pessoais, públicos e dados privados, bem como
dados considerados sensíveis:
Sustentam, ainda, esses doutrinadores, quanto aos dados que transitam pela
internet, uma classificação de dados em estruturados – aqueles objetivamente
coletados e dirigidos, formando um banco de dados específicos – e em dados não
estruturados, estes sendo um conjunto de informações, truncadas ou não, decorrentes
da captação autorizada ou não dos rastros digitais deixados pelos usuários na
internet ou em outro meio digital, por meio de cookies ou outras formas tecnológicas
(SIMÃO FILHO; SCHWARTZ, 2016, p. 10).
A informação seria os dados analisados, processados, sendo o resultado de um
gerenciamento de dados capaz de transmitir ao receptor uma ideia, exigindo-se
uma comunicação com um entendimento para aquele que tem acesso à informação.
Um texto em língua estrangeira para um leitor que desconhece o idioma não
lhe transmite qualquer informação, devido ao fato de a comunicação não estar
aperfeiçoada. A informação deve transmitir significado para que, com base nele,
possa-se tomar decisões ou realizar afirmações e, na gestão da informação em
corporações, a informação se refere, segundo Kira Tarapanoff,
a dúvida sobre diversos outros sistemas de segurança para impedir o acesso direto,
como antivírus, firewall e outros.
Mais uma vez, os elementos do tipo penal restringem condutas de violação
de dados. O dispositivo estabelece, de plano, a necessidade de existência de
mecanismo de segurança a ser violado. Ou seja, o tipo penal transfere para a
vítima a obrigatoriedade de instalar um dispositivo de segurança, como se fosse
responsabilidade sua a conduta tomada pelo agente violador do seu dispositivo
informático, mesmo que o agente aja sem sua autorização e sem o conhecimento
do titular dos dados.
Outrossim, apesar do tipo penal prever a conduta obter, o que abrange copiar,
obter uma via para si, o dispositivo legal estabelece mais uma condição para que o
agir seja tido como crime, ou seja, para que toda a ação do agente seja caracterizada
como crime, qual seja, que o agente tenha a finalidade de obter vantagem ilícita.
Assim, não bastaria simplesmente copiar dados sigilosos sem o conhecimento
ou autorização do seu titular, mas se faz necessário que: a) exista dispositivo de
segurança a ser violado; b) exista a finalidade de obter vantagem com o atuar do
agente; e c) essa vantagem seja ilícita.
Seria possível cogitar a tipificação pelo crime de furto, de acordo com o artigo
155 do Código Penal?
Como desenvolvido neste trabalho, determinados dados e informações
ostentam valor econômico, o que lhes atribui natureza de bem, podendo ser objeto
de subtração. Entretanto, o tipo definido exige a ação subtrair que, por sua vez,
entende-se retirar da esfera de proteção e disponibilidade do titular, coisa alheia
móvel, conforme extrai-se da lição de Guilherme de Souza Nucci:
[...] o furto está consumado tão logo a coisa subtraída saia da esfera
de proteção e disponibilidade da vítima, ingressando na do agente. É
imprescindível, por tratar-se de crime material (aquele que se consuma
com o resultado naturalístico), que o bem seja tomado do ofendido,
estando, ainda que por breve tempo, em posse mansa e tranquila do
agente (2012, p. 763-764).
previsto no artigo 155 do Código Penal exige que a vítima não esteja de posse do
bem subtraído, no caso, os dados copiados.
Por ser pertinente ao tema, é importante citar ementa do acórdão exarado no
processo no 0291040-55.2012.8.21.7000, de relatoria da desembargadora Naele
Ochoa Piazzeta, integrante da 7a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul que, ao julgar caso onde a ré teria copiado para si dados
empresariais do seu antigo empregador, reformou a sentença condenatória de 1o
grau, afastando o tipo penal furto:
5 Conclusão
Como apresentado no presente trabalho, a era socioeconômica atual possui
como principal fator gerador de riqueza a informação que, devidamente administrada
e gerenciada, é capaz de influenciar as atividades empresariais em todos os ramos
de atuação negocial.
A informação, aliada à tecnologia, influencia não só as atividades empresariais,
mas toda a vida em sociedade, a exemplo da explanação sobre a sociedade da
comunicação, em que a mídia, detentora de um poder de informar, pode selecionar
o que, como e quando informar, de acordo com seus interesses.
Pode-se observar que a informação, como um bem imaterial e que possui valor
econômico, possui tratamento e proteção legal quanto ao seu aspecto jurídico-cível,
resolvendo-se as demandas em indenizações por perdas e danos. Entretanto, quanto
ao aspecto jurídico-penal, há de afirmar-se que a legislação até então existente
não logrou êxito em prever, como tipos penais, todas as condutas possíveis de
serem praticadas diante do avanço tecnológico, estando os dados e informações,
principalmente de âmbito empresarial, vulneráveis e passíveis de serem objeto de
violação, sem que exista legislação penal sobre o tema.
Tanto o Código Penal, ao tipificar a conduta de furto, em seu artigo 155, quanto
a Lei Carolina Dieckmann, que acrescentou o artigo 154-A ao Código Penal, limitam
a aplicação da legislação criminal, tendo em vista a necessidade de se observarem
todos os elementos do tipo penal, enquanto que o artigo 195 da Lei no 9.279, de 14
de maio de 1996, ao prever o crime de concorrência desleal, não criminaliza o ato
de simplesmente obter para si cópia de dados empresariais sigilosos (BRASIL, 1996).
É certo que a sociedade apresenta um desenvolvimento tecnológico em ritmo
acelerado, que influencia diretamente as relações jurídicas, cabendo à legislação e
ao Direito oferecer as respostas necessárias às demandas que se apresentam, sob
pena de, não o fazendo, estar descumprindo seu objetivo principal, qual seja, a paz
social por meio da segurança jurídica.
E, assim, pode-se concluir que existem condutas de agentes que, a princípio,
poderiam gerar danos à privacidade e ao direito de propriedade de terceiros, sem
que exista tipo penal específico e aplicável ao agir em questão.
6 Referências
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Bruno Dantas
Pós-Doutorado (UERJ). Doutor e Mestre em Direito (PUC-SP). Pesquisador
Visitante na Benjamin N. Cardozo School of Law (Estados Unidos da América) e
no Max Planck Institute for Regulatory Procedural Law (Luxemburgo). Professor
da Pós-Graduação em Direito (IDP).
RESUMO: Este artigo analisa o princípio da tipicidade dos direitos reais em contraste
com o princípio do numerus clausus. Para isso, realizou-se investigação de elementos
históricos, filosóficos e metodológicos, mediante o aprofundamento de três aspectos:
a ideia de tipo, contextualizada na perda de prestígio do pensamento abstrato; o
significado de numerus clausus dos direitos reais; e a necessidade, revelada pela
história, de disciplina minuciosa dos direitos relacionados à propriedade. A tipicidade
dos direitos reais, longe de ser uma opção estritamente jurídica, agasalha em si
verdadeira decisão política dos estados modernos, que possui enorme repercussão
em sua vida econômica e social.
CONTENTS: 1 Introduction 2 The ideas of abstraction and concretion: towards the typus 3 The
numerus clausus 4 The typus in law 5 Roots of the modern conception of property 6 Personal rights
vs. real property rights 7 Specifically, the typus of real property rights 8 Conclusion 9 References.
ABSTRACT: This article analyzes the typus of the real property rights in contrast
with the principle of numerus clausus. In order to do so, historical, philosophical and
methodological elements were investigated through the deepening of three aspects:
the idea of typus, contextualized in the loss of prestige of the abstract thought; the
meaning of numerus clausus of property rights; and the need, revealed by history,
for thorough discipline of rights related to property. The typus of property rights, far
from being a strictly legal option, embodies in itself true political decision of the
modern states, which has enormous repercussion in its economic and social life.
1 Introdução
Dentre os princípios que regem a disciplina legal dos direitos reais, merece
destaque o da tipicidade. Para se entender a sua aplicação, é fundamental, em
primeiro lugar, a compreensão do conceito, da aplicação e da função dos tipos a
partir da ideia de concreção do direito, contraposta à ideia tradicional de abstração
que prevalece na ciência jurídica.
Para tanto, é necessário proceder a uma pequena incursão no terreno da
metodologia do direito, com a finalidade de esclarecer satisfatoriamente como
agem a abstração e a concreção na formulação das hipóteses legais e na subsunção
a elas do suporte fático, com vistas à incidência da norma jurídica ao caso concreto.
Essas teses foram discutidas ardorosamente na Alemanha no século passado,
merecendo destaque os estudos de Larenz (1966) e Engisch (1968) sobre abstração
e concreção, respectivamente, na ciência do direito. Os influxos desse debate foram
absorvidos por José de Oliveira Ascensão (1968), que, ao observar a ausência de rigor
no campo dos direitos reais, na diferenciação entre tipicidade e numerus clausus,
ofereceu aos leitores de língua portuguesa uma das melhores obras de que se tem
notícia sobre o princípio da tipicidade aplicado aos direitos reais.
Não se pode olvidar, todavia, que a tipicidade dos direitos reais, nada obstante
a metodologia que lhe rege, deve ser analisada dentro de seu contexto histórico,
a fim de que resgatemos as reais razões que conduziram, a um só tempo, à quase
absoluta liberdade no campo obrigacional e a tamanha restrição no que diz respeito
aos direitos relacionados com a propriedade.
Nesse diapasão, Ourliac e Malafosse (1960), em profundo estudo sobre os
direitos romano e francês histórico, fornecem o panorama jurídico necessário para a
perfeita conexão dos fatos que se sucederam desde os tempos do Império Romano
até os dias de hoje, passando pela Revolução Francesa, em 1789.
A partir daí, revelam-se úteis considerações sobre as teorias explicativas dos
direitos reais, conforme bem anotam Allende (1967), Gatti (1980) e Arruda Alvim
(1987), de modo a distinguir com clareza os direitos reais dos pessoais, a fim de
delimitar com precisão o campo de atuação do princípio da tipicidade neste artigo.
Para estruturar o artigo, servimo-nos de pesquisa bibliográfica e documental,
tanto nacional quanto estrangeira. E, nesse sentido, a fim de cumprir a tarefa que
aqui nos propomos, dividimos o trabalho em sete tópicos. Nos quatro primeiros,
voltados aos aspectos filosófico-metodológicos, abordamos as ideias de abstração e
concreção na ciência do direito.
abstrato, pois este ostenta sua própria totalidade, não dependendo necessariamente
da soma de suas características.
A respeito da indagação em torno das propriedades que devem ser consideradas
essenciais para a caracterização de um objeto sob classificação, Larenz (1966, p.
335-336) afirma que tal seleção dependerá fundamentalmente do fim que a ciência
em questão persegue precisamente com a classificação.
Em outras palavras: um mesmo objeto da percepção humana pode receber dois
conceitos abstratos absolutamente distintos, a depender da seara onde o conceito
será aplicado. Colhemos em Larenz (1966, p. 336) o exemplo do conceito de animal,
que se difere enormemente conforme seja aplicado no direito civil ou na biologia.
O objetivo da formação de conceitos com graus de abstração mais elevados é
tornar possível a subsunção neles do maior número possível de objetos individuais,
o que, segundo Larenz, é desejável, dentre outros motivos, porque:
A lei deve ser capaz de englobar um vasto número de situações fáticas distintas
e complexas, de modo a descrevê-las e ordená-las de forma tal que os fatos
considerados semelhantes possam receber o mesmo tratamento jurídico. Isso se dá
pela observação empírica das relações sociais que devem ser valoradas pelo direito,
de modo a alçar o fato social à categoria de fato jurídico.
Embora a formação de conceitos abstratos não se preste exclusivamente à
formulação de supostos de fato, mas também à designação de consequências jurídicas
e institutos jurídicos, Larenz (1966, p. 340) menciona a crítica que se faz ao método
abstrativo, relacionada ao fato de que nele se perdem certos traços característicos
da situação concreta abstraída pelo conceito. Isso porque o pensamento abstrativo
tende a se contentar com o menor número possível de elementos conceituais, o que,
se por um lado, facilita a subsunção, de outro, empobrece o conteúdo dos conceitos
jurídicos gerais.
1 “[...] a formação do conceito pela abstração e aplicação por meio da subsunção dos conceitos assim
obtidos é o meio pelo qual nossa razão coloca ordem em nossas representações e o que torna possível o
conhecimento rápido e seguro de cada coisa como tal, bem como a obtenção das consequências do Geral
para o Especial que se encaixa nele” (tradução nossa, grifos no original).
2 “[...] apreender o sentido institucional de um regulamento e facilitar, com base neles, a compreensão da
especificidades” (tradução nossa, grifos nossos).
Pondera Engisch ainda que “la teoría del derecho está en peligro de quedar
prisionera en las abstracciones” 3, para concluir que “desde comienzos de este siglo está
en marcha un movimiento que exige, paralelamente, una concreción del derecho y de su
aplicación así como una concreción de la ciencia jurídica (en el sentido de orientarse a
la realidad)”4 (1968, p. 244-245, grifos no original).
3 “[...] a teoria do direito corre o risco de ser aprisionada em abstrações” (tradução nossa, grifos no original).
4 “[...] desde o começo deste século está em andamento um movimento que exige, paralelamente, uma
concreção da lei e sua aplicação, bem como uma concretização da ciência jurídica (no sentido de se
orientar para a realidade)” (tradução nossa, grifos no original).
5 “Conceito e lei são gerais e abstratos; se o tipo também deve ser geral e abstrato, como é diferente do
conceito e da lei?” (Tradução nossa).
6 “[...] de acordo com o uso atual do tipo, fundamentalmente porque é comparativamente concreto.
Para descobrir e, acima de tudo, convencer-nos de em que sentido se fala do tipo como algo concreto, é
essencial ter em vista os significados fundamentais do conceito de tipo, tão flutuantes quando o conceito
de concreto. Existem diferentes espécies – ou, digamos, tipos? – de tipo” (tradução nossa).
O tipo, acentua Ascensão (1968, p. 36), embora seja mais concreto que o conceito,
é mais abstrato que o caso individual, ocupando, pois, uma posição intermediária
entre este e aquele, o que o torna insuficiente para atender às tendências de
individualização na aplicação do direito.
3 O Numerus clausus
Já no final da década de 1960, o professor português José de Oliveira Ascensão
(1968, p. 14-15) observava a confusão conceitual que se fazia entre os princípios da
tipicidade e do numerus clausus na seara dos direitos reais. Sua obra A tipicidade dos
direitos reais tem sido, desde então, uma das maiores fontes doutrinárias em língua
portuguesa acerca desse espinhoso assunto.
O tema revela sua dificuldade por envolver discussão não estritamente jurídica,
mas principalmente de cunho filosófico e metodológico. Embora seja forçoso
reconhecer que os dois princípios – tipicidade e numerus clausus – andam juntos,
dessa assertiva não pode derivar a conclusão de que se tratam de figuras idênticas.
No campo do direito, o numerus clausus, em regra, está relacionado à restrição ou
à limitação de uma dada situação mencionada pela norma. Trata-se, evidentemente,
de uma enumeração taxativa, o que significa, em outras palavras, que não se admite
interpretação ampliativa diante das hipóteses especificadas. Naturalmente, o caráter
numerus clausus ou apertus não pode ser afirmado aprioristicamente, mas depende
de análise da situação abstrata arrolada pela norma.
Por sua vez, a tipicidade guarda relação com o método de construção normativa.
É ela uma forma de concreção dentro da própria norma, na medida em que, ao
prever elementos determinados que constituem – por exemplo, este ou aquele
direito real, crime, ou tributo –, exerce um tipo de materialização que não ocorre
nas normas mais abstratas. Embora um desavisado pudesse confundir os institutos,
teremos oportunidade de delinear suas semelhanças e distinções.
A evolução histórica do princípio do numerus clausus no campo dos direitos
reais está diretamente associada à da concepção da propriedade nas sociedades
ocidentais. Para melhor compreender o porquê da vasta adoção desse princípio
tanto nos países de civil law quanto nos de common law, é indispensável fazer uma
breve incursão na evolução do direito de propriedade.
Temos, no artigo de Bernard Rudden (1987), Economic theory v. property law:
the numerus clausus problem, uma das melhores e mais completas análises sobre
o princípio do numerus clausus, explicado a partir da teoria econômica. Nele, o
7 Para uma completa análise do direito na época feudal, ver OURLIAC; MALAFOSSE, 1960, capítulo V.
social e político reforçava esta transição do sistema romano para o regime feudal
de propriedade dispersada (e fragmentação da propriedade).
O feudalismo era inseparavelmente vinculado à vida agrícola. Numa economia
agrícola, as formas funcionais de fragmentação geralmente não são problemáticas
enquanto a unidade física da terra estiver preservada. Já se observa aí uma
preocupação com a excessiva fragmentação8, o que era evitado, por exemplo,
mediante regras de primogenitura e proibição de subcontratação9.
Com a Revolução Francesa, de 1789, e o fim do feudalismo, os códigos modernos
passaram a limitar o nível permissivo de fragmentação da propriedade e a fornecer
proteção real apenas para direitos específicos e socialmente desejáveis.
Essa enumeração é conhecida como princípio numerus clausus e é uma importante
expressão do princípio fundamental que dá suporte ao moderno direito de propriedade.
A proposta deste princípio é evitar que os indivíduos criem direitos de propriedade
que se difiram daqueles expressamente reconhecidos pelo sistema jurídico10.
Estudiosos europeus também se referem a esse princípio ao invocar o conceito
de enumeração dos direitos de propriedade. Thomas Merril e Henry Smith (2001, p.
69) reconheceram que, embora o princípio numerus clausus seja mais uma doutrina
do direito romano seguida e imposta na maioria dos países da civil law, o princípio
também existe como parte da vaga tradição do common law. Os autores ilustram as
muitas formas que os juízes da common law estão acostumados a pensar em termos
comparáveis com a doutrina do civil law.
As primeiras formulações do numerus clausus careciam de um raciocínio bem-
articulado e eram especialmente atacáveis em razão do agudo contraste com a
doutrina da liberdade contratual (ASCENSÃO, 1968, p. 74-75).
A dicotomia entre os paradigmas do contrato e da propriedade resulta em uma
tensão geral entre o princípio da liberdade para contratar e a necessidade social de
padronização dos direitos de propriedade. Todas as codificações europeias modernas
9 Regras emergiam para prevenir a fragmentação dos direitos possessórios mesmo nos tempos feudais.
Os possuidores não podiam subcontratar seus direitos e obrigações.
10 Para um exame moderno do princípio numerus clausus, veja RUDDEN, 1987, que analisa criticamente
as justificações legais, filosóficas e econômicas para a limitação dos tipos legalmente reconhecidos de
direitos reais a um punhado de formas padronizadas.
11 Isso implica que os direitos de propriedade somente são coercíveis com ações reais se eles estiverem
em conformidade com alguma categoria padronizada de direitos reais. Inversamente, a presunção é
oposta no campo dos contratos: o sistema legal atribui coercibilidade a todos os tipos de contratos a
menos que eles violem regras de ordem pública.
12 Muitos artigos do Código Civil francês (FRANÇA, 2016) adotam o conceito de tipicidade de direitos
reais e articulam princípios de propriedade unitária e absoluta. Veja, por exemplo, o art. 516, sobre a
diferenciação da propriedade; art. 526, listando as formas de direitos reais limitados (usufruto, servidões
e hipoteca); arts. 544-546, sobre a definição e conteúdo necessário da propriedade absoluta, etc.
14 “Em termos muito gerais, todos os sistemas limitam, ou pelo menos restringem bastante, a criação
de direitos reais: fantasias são para contrato, não para propriedade (tradução nossa, grifos no original).
4 A tipicidade no Direito
José de Oliveira Ascensão (1968, p. 20) reputa fundamental, para o início
de uma investigação científica, distinguir com o rigor possível os vocábulos
tipicidade e facti species. Ele afirma que, pelo fato de a tipicidade se sustentar
necessariamente numa referência ao tipo, poder-se-ia conjecturar que ela se
confunde com previsão ou hipótese legal, que, em verdade, é anterior a toda
norma jurídica. Para caracterização da última, os alemães se socorrem da palavra
tatbestand, que Pontes de Miranda (1983, p. 395) traduziu como suporte fático e
utilizou como alicerce de sua teoria do fato jurídico.
Assim, para Ascensão, o estudo da facti species é, ao mesmo tempo, mais amplo
e mais limitado do que o da tipicidade, justificando que é mais amplo porque “nem
toda previsão legal, no sentido de facti species, implica o recurso à tipicidade”, e mais
limitado porque “a facti species traz consigo a previsão legal, e a tipicidade funciona
tanto no que respeita à previsão como à estatuição” (1968, p. 21).
Em outras palavras, sua amplitude consiste no fato de que a tipicidade é apenas
um dos recursos que o suporte fático se vale para se juridicizar, podendo mesmo
utilizar outros métodos. Por outro lado, sua limitação consiste no fato de ter sempre
caráter positivista, enquanto a tipicidade assume também a feição normativa.
Karl Larenz (1966, p. 350) leciona que, na ciência do direito, o tipo se apresenta,
em primeiro lugar, como meio para designar elementos do suporte fático; em
segundo lugar, como forma de apreensão e exposição de relações jurídicas.
Sobre o problema que era causado pelos conceitos de classe na seara do direito
penal e a virada para o tipo, afirmava Ernst von Beling:
Han pasado los tiempos en que toda acción culpable contraria al derecho
desataba sin más la amenaza de una pena. El desbordado epíteto... será
castigado con la pena adquiere estructura estable cuando nos damos cuenta
de que hoy solo pueden ser objeto de la amenaza de una pena tipos de delito,
claramente descritos... El hombre moderno no soporta ya más un derecho
penal silencioso, que deambula de puntillas con zapatillas de felpa15. (apud
ENGISCH, 1968, p. 458).
15 “Se passaram os tempos em que todas as ações culpáveis contrárias à lei desencadeavam a ameaça
de uma penalidade. O epíteto transbordante... será punido com a penalidade adquire estrutura estável
quando percebemos que hoje só os tipos de crime claramente descritos podem ser objeto da ameaça de
uma penalidade. O homem moderno não pode mais suportar um direito penal silencioso, que vagueia na
ponta dos pés com chinelos de pelúcia” (tradução nossa, grifos no original).
Com a tipificação não apenas dos delitos, mas também da culpabilidade, Beling
verifica, na evolução do direito penal até a tipicidade, uma contraposição com o
direito civil, no qual a configuração típica dos negócios jurídicos se constituiria como
ponto de partida histórico, que restou suplantado pela autonomia privada reinante
nesse campo do direito (BELING apud ENGISCH, 1968, p. 458).
Isso, todavia, não se constitui em empecilho para que Engisch vislumbre,
no Código Civil Alemão, um vasto campo de aplicabilidade para a tipicidade,
especialmente nos direitos reais, na gestão de negócios, nos atos ilícitos, no
enriquecimento ilícito, nos regimes de bens do casamento, dos motivos para
separação judicial etc. (ENGISCH, 1968, p. 459).
Não se pode olvidar que a tipicidade no direito se contrapõe à consagração,
nas normas jurídicas, de figuras genéricas ou conceitos sem especificações. E é por
isso que, para determinadas questões que carecem de maior rigidez interpretativa,
o legislador opta pela modelação de tipos, eis que eles são determinados por
referência a um conceito, que concretizam (ASCENSÃO, 1968, p. 34).
Percebe-se, pois, que a utilização dos tipos significa um degrau a mais
no nível de concretude da norma, à medida que, naturalmente, valem-se de
conceitos, mas acrescidos de especificações que os tornam menos abstratos que
o conceito puro e simples.
A questão, todavia, não envolve uma tendência cega, mas altamente vinculada
às matérias carentes de regulamentação. Assim, se por um lado há um movimento
no sentido da tipificação em determinados ramos do direito, como o penal, o
tributário e o das coisas, nota-se, por outro lado, o movimento inverso, no sentido
da utilização de conceitos vagos ou imprecisos, em relação, por exemplo, aos
direitos processual e constitucional.
É fundamental, para o exame da tipicidade dos direitos reais, analisarmos duas
espécies distintas de tipologias: taxativas e exemplificativas.
Consoante distingue Ascensão (1968, p. 34), nas primeiras, os tipos disponíveis
para o amoldamento dos conceitos ou figuras são exclusivamente estabelecidos
pela lei, ao passo que, nas segundas, à normatização se segue autorização (explícita
ou implícita) para que os particulares criem novas figuras típicas.
Art. 545 – Ninguém pode ser obrigado a ceder sua propriedade se não
é por motivo de utilidade pública e mediante justa e prévia indenização.
(FRANÇA, 2016).
ii) a regra de conduta que impõe o respeito aos direitos de outrem não
é exclusividade do direito real, sendo aplicável mesmo aos direitos
creditórios. (1995, p. 4-5).
Gatti (1980, p. 50) assinala que a teoria eclética ou harmônica busca a conciliação
entre a valorização dos aspectos interno (consoante o faz a teoria clássica) e externo
(conforme a teoria unitária personalista). Essa distinção entre direitos pessoais e
reais assume especial relevância neste artigo, em razão de o princípio do numerus
clausus ser aplicável apenas aos últimos.
16 “Não há diferenças substanciais entre os direitos reais e os pessoais, uma vez que os primeiros não
seriam mais que direitos obrigacionais, em que o benefício consistiria sempre numa abstenção que seria
de todas as pessoas” (tradução nossa).
Mas daqui não podemos inferir que tudo o que respeita à tipicidade dos
direitos reais se esgota com a referência ao princípio do numerus clausus.
Na verdade, enquanto este se limita a estabelecer que só se admite um número
normativamente determinado de direitos reais, aquela conduz a investigação
para campos muito mais vastos. (ASCENSÃO, 1968, p. 107, grifos nossos).
Eis o ponto nodal da questão: ao passo que o numerus clausus não passa de
delimitação à autonomia privada, a tipicidade permite a fixação de elementos
relevantes para as figuras que carecem de maior concretização.
Pela evolução histórica do direito de propriedade, constatamos com clareza
as razões que levaram quase todas as nações civilizadas a adotar a tipicidade
dos direitos reais (conjugada com a taxatividade). Pretende-se, em resumo, evitar
a ocorrência de situações econômico-sociais indesejáveis, dar transparência ao
sistema, reduzindo a assimetria de informação e os custos de transação e viabilizar
a publicidade, através do sistema de registros públicos (ASCENSÃO, 1968, p. 107).
Outra questão, todavia, intriga os civilistas: o que é preciso para caracterizar a
existência de um tipo legal de direitos reais?
Mais uma vez, a resposta é fornecida por Ascensão (1968, p. 110). Os requisitos
são dois: i) a existência, na lei, da descrição essencial de uma situação; e ii) o
estabelecimento de um regime real.
Daí por que, ao analisarmos o Livro III do Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002)
e verificarmos tanto a descrição essencial quanto o regime real de figuras jurídicas
como hipoteca, penhor, anticrese, superfície, habitação etc., temos a convicção de
que o legislador pátrio optou pela tipicidade dos direitos reais.
Repetimos: a tipicidade não decorre da taxatividade, mas sim da descrição da
situação jurídica e do regime real.
Mais uma questão que é frequentemente levantada quando se confrontam os
limites da autonomia privada nos campos dos direitos pessoais e reais é a relativa às
razões que conduziram um mesmo movimento filosófico a conceber total liberdade
em uma seara e tamanha restrição em outra.
Para se obter uma justificativa satisfatória sobre o problema, não se deve
observar os fenômenos com olhos ingênuos.
Ascensão (1968, p. 75) anota, com acuidade, que a disparidade de critérios é
explicada pelas motivações político-econômicas que influenciaram a decisão,
pois as transformações empreendidas pela Revolução Francesa não tinham como
destinatários os hipossuficientes, mas uma burguesia crescente e ávida por um
arcabouço jurídico que lhes garantisse a riqueza, mediante um único movimento
que enfraquecesse a nobreza e favorecesse a dominação da plebe.
Realmente, devemos concluir, com Ascensão, que “a razão está em que a classe
que lucrava com a liberdade contratual no Direito das Obrigações, não era a mesma
que perdia com a exclusão dessa liberdade no Direito das Coisas” (1968, p. 75).
Embora, de fato, a liberdade contratual seja amplíssima, não se pode dizer que a
autonomia privada está totalmente excluída na seara dos direitos reais.
Arruda Alvim (1987, p. 48) assevera que os direitos das coisas são modelados por
normas de ordem pública, que repelem a vontade dos particulares quando pretende
remodelar seus institutos, o que só pode ser feito mediante a atuação do legislador.
Apesar disso, em raras situações, como sói ocorrer no Brasil, a própria lei abre
aos particulares pequena margem para o exercício de sua autonomia privada, como
ocorre, verbi gratia, para a definição do objeto de servidão, usufruto ou superfície.
8 Conclusão
No decorrer do artigo, nos detivemos em três aspectos, considerados o tripé de
sustentação da tipicidade aplicada aos direitos reais: i) a ideia de tipo, contextualizada
na perda de prestígio do pensamento abstrato; ii) o significado de numerus clausus
dos direitos reais; e iii) a necessidade, revelada pela história, de disciplina minuciosa
dos direitos relacionados à propriedade.
Investigados os elementos históricos, filosóficos e metodológicos que pudessem
auxiliar o enfrentamento quanto à questão da tipicidade dos direitos reais,
concluímos que a tipicidade dos direitos reais, longe de ser uma opção estritamente
jurídica, agasalha em si verdadeira decisão política dos estados modernos, que
possui enorme repercussão em sua vida econômica e social. Porque o regime
é capitalista, faz-se necessária a adequação dos institutos jurídicos, a fim de que
óbices estruturais – como os que conduziram ao feudalismo – não tenham condições
de prosperar hodiernamente.
O tipo e a tipicidade, conjugados com o numerus clausus, foram as ferramentas
identificadas para, restringindo a autonomia da vontade na seara dos direitos reais,
reservar apenas aos legisladores o poder de constituir novos direitos reais. Essas
razões políticas justificam porque os direitos reais são o campo do direito civil mais
homogêneo e menos suscetível a mudanças.
Verificamos, ainda, que há, no direito brasileiro, uma tipologia taxativa dos direitos
reais, à medida que se pôde observar a existência, no Código Civil, da descrição
essencial das situações típicas e o estabelecimento de um regime real para elas.
Tipicidade e numerus clausus, embora entrelaçados, não têm o mesmo significado,
pois ao passo que o numerus clausus não passa de delimitação à autonomia privada,
restringindo apenas ao legislador a prerrogativa de estabelecer novas figuras, a
9 Referências
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Judicial Review: Between the preservation of the Constitution and the judicial activism
SUMMARY: 1 Introduction 2 The judicial review models in history 3 The Kelsen-Schmitt
Controversy 4 Interpretation and construction: from in between substantive and procedural
theories emerges the judicial activism 5 Conclusion 6 References.
ABSTRACT: The Constitutional jurisdiction is one of the most important pillars of the
Democratic States. The maintenance of federalism and the State’s own conception is
only possible due to the structuring of a judicial review that can provide an effective
interpretation of constitutional law without the interference of other power
functions. Thus, the contemporary´s concern is the role that Constitutional Courts,
as the top of judiciary power and beholders of the relevant function of controlling
abstractly the Constitution, have exercised in recent years and the perspective of
its differential exercise through time, especially on their fundamental function of
giving meaning to the Constitutional text. This paper aims to analyze the idea of
constitutional jurisdiction, since its conception, granting it practical designs with
the objective to enter the discussion between interpretative framework and the
law creation. This article uses the deductive method and the bibliographical and
jurisprudential research.
1 Introdução
A jurisdição constitucional na contemporaneidade apresenta-se como uma
consequência praticamente natural do Estado de Direito. É ela que garante que a
Constituição ganhará efetividade e não terá seu projeto cotidianamente rasurado por
medidas de exceção desenhadas atabalhoadamente. Mais do que isso, a jurisdição é
a garantia do projeto constitucional, quando os outros Poderes buscam redefinir os
rumos durante a caminhada.
Nesses termos, a jurisdição constitucional também se apresenta como medida
democrática. Por meio dela, as bases que estruturaram democraticamente o
Estado são conservadas, impedindo que o calor dos fatos mude a interpretação
constitucional ou procure fugir de sua incidência sempre que os acontecimentos
alegarem certa urgência.
Mais do que isso, é a garantia hodierna de que os ventos da mudança não farão
despencar os edifícios que sustentam as bases constitucionais, independentemente
das maiorias momentâneas e dos clamores populares.
Paulatinamente, conforme a Constituição se torna estável e intrínseca na vida da
sociedade, nota-se uma expansão quanto ao seu alcance, destacando, nesse ponto, o
papel desenvolvido pelas Cortes Constitucionais, últimas intérpretes do texto maior.
Noutras palavras, é neste ponto que sentimos a vivência prática da Constituição, não
apenas por si mesma, mas pela proteção que a jurisdição constitucional a ela dispensa.
Historicamente, o controle de constitucionalidade, antes mesmo da diretriz
kelseniana do controle concentrado, vincula-se com o Estado de Direito. A ideia de
Rule of Law impôs ao Estado, principalmente a partir dos documentos históricos que
conformaram a Inglaterra, a necessidade de estabelecer parâmetros legais aos quais
o cidadão, e mesmo o próprio Estado, se submetessem, evitando o agir arbitrário por
parte do governante. Nos Estados Unidos, o sentido fora alcunhado pela expressão
The Reign of Law – o império do direito –, a traduzir na prática a ideia de always under
law – sempre sob a lei.
Eis a raiz que, futuramente, se desenvolveria na ideia central de que a
Constituição é uma lei proeminente, que a todos conforma, inclusive ao restante
do ordenamento jurídico. E, sendo de tal forma, deveria este dobrar-se àquela,
urgindo a teoria do judicial review of legislation a inspirar, mais tarde, a própria
jurisdição constitucional.
Esse controle hermenêutico das leis, tendo a Carta Constitucional como
parâmetro, exige que alguém ou algum órgão se responsabilize pelo papel de curador
da Constituição, não tendo sempre sido unânime, como veremos, a percepção de que
tal função seria destinada a um Tribunal. Melhor dizendo: a guarda da Constituição
nem sempre fora, em maioria, defendida enquanto jurisdição.
A expansão da jurisdição constitucional e as importantes diretrizes conferidas a
tais Tribunais pelas Constituições de vanguarda recolocam a temática sob um novo
viés crítico: afinal, qual o limite para o desenvolvimento do Direito sob a ótica da
moldura constitucional por parte das Cortes? Qual a linha que separa a interpretação
da criação do Direito?
Na seara do ativismo, não se deve esquecer do confronto que norteia a
vertente democrática do Judiciário. De um lado, a teoria substancialista foca na
exegese constitucional e nos vetores axiológicos que materializam a Constituição,
permitindo um alargamento maior do papel dos tribunais (TRIBE, 1985, p. 28).
De outro, refutando tal amplitude no papel da jurisdição constitucional, a teoria
procedimentalista convoca atenção para a higidez e a garantia de funcionamento dos
processos democráticos legítimos. Ao Judiciário, nestes termos, cumpriria garantir
o funcionamento do processo de tomada de decisões, nele não se imiscuindo, mas
desobstruindo-o quando necessário (ELY, 2010, p. 140).
Há no Brasil uma propensão substancialista no papel desenvolvido pelo
Supremo Tribunal Federal, seja pela ausência de força política dos demais Poderes,
seja pelo papel atribuído pela Constituição, seja pelo duplo tipo de controle de
constitucionalidade ou até mesmo pela vertente de autorresponsabilidade que o
STF buscou na retomada democrática.
Entre decisões que invadam a esfera íntima das pessoas, como a que tange
ao aborto de anencéfalos, outras que dizem respeito aos aspectos eleitorais, como
a verticalização das coligações partidárias, e até mesmo outras que tocam nas
diretrizes garantistas, como a prisão após condenação em segunda instância, há no
Brasil uma infindável possibilidade de que as decisões supremas sejam sentidas na
pele pelo cidadão.
Leonardo Martins, a título comparativo, ressalta que, na Alemanha, o Tribunal
Constitucional Federal se elevou principalmente quando a instância realmente
política pretendeu “[...] lavar as mãos, transferindo questões políticas incômodas
ao crivo do controle de constitucionalidade, antes mesmo de haver aperfeiçoado
o momento eminentemente político da conformação legislativa” (2011, p. 5,
grifos no original).
Como a doutrina norte-americana frisa, não se trata apenas de uma Corte, mas
de “[...] um terço do governo, representando uma importante parte não somente
decidindo o que é hoje o povo norte-americano, mas também o rumo que ele tomará
amanhã” (JOHNSON, 1962, p. 26).
A esse propósito, anota ainda Corwin:
3 A polêmica Kelsen-Schmitt
A discussão semântica acerca da jurisdição constitucional, isto é, do controle
concentrado de constitucionalidade, como vimos, inevitavelmente perpassa pelas
mãos de Hans Kelsen, mormente em seu incansável labor de dar vida formal à
materialização constitucional austríaca.
Nesse percurso, Kelsen deparou-se, novamente, com um instigável confronto
acerca da resposta ao questionamento quem deve ser o Guardião da Constituição?1
Nesse texto publicado por ele em 1931, o autor que enfrenta, com sua destreza
peculiar, a posição de Carl Schmitt de que caberia ao chefe de Estado o papel de
constitucionalista-mor.
Assim, assevera, acerca de Schmitt e seu trabalho O guardião da Constituição2, o
quão surpreendente
1 No original, Wer sol der Hüter der Verfassung sein? Publicado em Die Justiz. Heft 11-12, vol. VI, p. 576-628.
2 No original, Hüter der Verfassung. Publicado em Beiträge zum öffentlichen Rechte der Gegenwart, Ed. J. C. B
Mohr (Paul Siebeck), Tübingen, 1931. Há, no entanto, uma publicação do mesmo texto feita anteriormente,
em 1929, e menção ao tema em outros dois artigos: Die Diktatur des Reichspräsidenten nach Artikel 48 der
Weimarer Verfassung, de 1924, e Das Reichsgericht als Hüter der Verfassung, de 1929.
[...] é que esse escrito tire do rebotalho do teatro constitucional a sua mais
antiga peça, qual seja, a tese de que o chefe de Estado, e nenhum outro órgão,
seria o competente guardião da Constituição, a fim de utilizar novamente
esse já bem empoeirado adereço cênico na república democrática em geral
e na Constituição de Weimar em particular. (KELSEN, 2007 p. 243).
Na sua opinião, uma norma jurídica não pode ser defendida por outra
norma jurídica (‘Ein Gesetz kann nicht Hüter eines anderen Gesetzes sein’).
Esta concepção seria fruto da lógica abstrata do normativismo positivista.
Na realidade, o que ocorre é a aplicação da norma a um conteúdo, ou seja,
o problema é do conteúdo das normas jurídicas. Como a questão central é
a determinação do conteúdo da norma, para Schmitt este problema é da
legislação, não da justiça. (BERCOVICI, 2003, p. 195-196).
[...] tal controle não deve ser confiado a um dos órgãos cujos atos devem
ser controlados [...] nenhuma instância é tão pouco idônea para tal função
quanto justamente aquela a quem a Constituição confia – na totalidade ou
em parte – o exercício do poder e que portanto possui, primordialmente,
a oportunidade jurídica e o estímulo político para vulnerá-la. [É que,
basicamente,] [...] ninguém pode ser juiz em causa própria. (2007, p. 240).
Ainda de acordo com Kelsen, a concepção de que o Governo deve ser o guardião
da Constituição parte da tese de que o Monarca seria um terceiro neutro, a realizar
análises de cunho objetivo acima dos dois polos de poder (2007, p. 241), conforme a
criação de Benjamin Constant acerca do Poder Moderador – pouvoir neutre –, utilizado
no Brasil por Dom Pedro I na confecção da Constituição Imperial de 1824, e que, na
prática, demonstrou-se fonte de abusos e arbitrariedades pelo Imperador.
Mantidas as devidas proporções, essa idéia ainda permanece até hoje, uma
vez que os tribunais constitucionais que se formaram segundo o modelo
da Supreme Court dos Estados Unidos da América, como o Supremo Tribunal
Federal do Brasil, mantêm referido tipo de entendimento, na esperança de
afastar a heterogeneidade da política representativa e democrática do teor
de suas composições e de suas decisões. (LIMA, 2013, p. 3).
tempo jurídico. “Tal concepção, contudo, é falsa, porque pressupõe que o exercício do
poder esteja encerrado dentro do processo legislativo” (KELSEN, 2007, p. 250-251).
Outrossim, Kelsen assevera que a Suprema Corte não faz nada diferente dos
Tribunais Alemães “[...] quando estes exercem seu direito de controle, ou seja, não
aplicando ao caso concreto as leis consideradas inconstitucionais” (2007, p. 249).
Para ele, no plano prático, a única diferença é que o Tribunal de cassação não anula
a lei inconstitucional para apenas um caso concreto, mas sim no plano abstrato:
Borden (1849), Dred Scott v. Sandford (1857), Brown v. Board of Education (1954) e
Cooper v. Aaron (1958).
Nesse sentido, salutar o magistério do professor Gomes Canotilho:
Ele deve crer que é um mero autômato, que não produz criativamente
direito, mas sim apenas acha direito já formado, acha uma decisão já
existente na lei. Tal doutrina já foi desmascarada há muito tempo. Não é
portanto tão estranho que Schmitt, depois de haver se servido dessa teoria
do automatismo para separar, como princípio, a jurisdição como mera
aplicação da lei e a legislação como criação do direito, e depois que ela lhe
assegurou o principal argumento teórico em sua luta contra a jurisdição
constitucional – ‘uma lei não é uma sentença, uma sentença não é uma lei’
–, coloque-a de lado, declarando enfaticamente: ‘Em toda decisão, mesmo
na de um tribunal que resolva um processo mediante a subsunção de um
fato material, há um elemento de decisão pura que não pode ser deduzido
do conteúdo da lei’. (KELSEN, 2007, p. 258, grifos no original).
Todavia, como iremos tratar adiante, muitas vezes nem mesmo a justificação
racional parece ser limite para o avanço do Tribunal sobre a criação do Direito. De
fato, existe uma fina linha entre a interpretação e a criação, a mesma que responderá
ao questionamento acerca do papel exercido pela Corte Constitucional.
3 O texto referente à exposição e aos debates foi publicado pela primeira vez em francês (La garantie
jurisdictionelle de la Constitution), na Revue de Droit Public et Science Politique n. 35, p. 197-257, em 1928.
Posteriormente, em 1929, foi publicado em alemão (Wesen und Entwicklung der Staatsgerichtsbarkeit) na
Veröffentlichungen der Vereinigung der deutschen Staatsrechtslehrer, Heft 5, p. 31-88.
Legislativo: a) os juízes devem ser super partes, isto é, decidir sobre casos dos
quais eles não participem ou tenham interesse, livres das pressões das partes; b) o
processo deve sempre apresentar claramente seu caráter contraditório, permitindo
uma manifestação adequada de todas as partes perante um juiz imparcial; e c) o
processo jurisdicional necessita de atores a movê-lo, não se iniciando ex officio
(1999, p. 75-76).
O controle de constitucionalidade, evidentemente, tem como uma de suas razões
a efetivação da Constituição, mormente de seus direitos fundamentais, permitindo
que, para isso, o Judiciário aja como legislador negativo, mas tendo como parâmetro
limite a própria Constituição. “O problema é sempre a interpretação que desvirtue
do sentido da norma constitucional, bem como da criação legal sem qualquer base
na Constituição” (BORGES DE OLIVEIRA, 2015, p. 161).
Em linha oposta à teoria substancial, apoiada por Cappelletti, Ely defende um
afastamento quase total do Judiciário das decisões políticas, servindo-lhe apenas
para desobstruir os caminhos legitimamente democráticos por meio da teoria do
reforço da democracia (democracy-reinforcement).
Ely parte de uma concepção procedimental do papel do Judiciário quanto à
democracia, de sorte que deve este Poder exercer suas atribuições para garantir o
bom funcionamento do processo democrático, sem interferir no mérito das escolhas
realizadas politicamente.
Não haveria justificativa, segundo Ely (2010, p. 8), para a crença de que os valores
dos juristas deveriam prevalecer sobre aqueles pertencentes aos representantes
democraticamente eleitos. E, caso os representados não concordassem com as
opções destes, poderiam demonstrar sua insatisfação no pleito eleitoral.
Quando uma Corte invalida um ato dos poderes políticos com base na
Constituição, no entanto, ela está rejeitando a decisão dos poderes políticos,
e em geral o faz de maneira que não esteja sujeita à correção pelo processo
legislativo ordinário. Assim, eis a função central, que é ao mesmo tempo
o problema central, do controle judicial de constitucionalidade: um órgão
que não foi eleito, ou que não é dotado de nenhum grau significativo de
responsabilidade política, diz aos representantes eleitos pelo povo que
eles não podem governar como desejam. (ELY, 2010, p. 8, grifos no original).
Não é justo dizer que o governo está funcionando mal só porque às vezes ele
gera resultados com os quais discordamos, por mais forte que seja nossa
discordância (e afirmar que ele obtém resultados de que o povo discorda –
ou de que discordaria, se compreendesse – na maioria das vezes é um pouco
mais que uma projeção delirante). Numa democracia representativa, as
determinações de valor devem ser feitas pelos representantes eleitos; e, se
a maioria realmente desaprová-los, poderá destituí-los através do voto. O
mau funcionamento ocorre quando o processo não merece nossa confiança.
Quando (1) os incluídos estão obstruindo os canais da mudança política
para assegurar que continuem sendo incluídos e os excluídos permaneçam
onde estão, ou (2) quando, embora a ninguém se neguem explicitamente a
voz e o voto, os representantes ligados à maioria efetiva sistematicamente
põem em desvantagem alguma minoria, devido à mera hostilidade ou à
recusa preconceituosa em reconhecer uma comunhão de interesses – e,
portanto, negam a essa minoria a proteção que o sistema representativo
fornece a outros grupos. (ELY, 2010, p. 137, grifos no original).
Ely critica, outrossim, a leitura moral da Constituição, dado o fato de ela estar
mais sensível às opções puramente pessoais de cada justice (2010, p. 78). Tais críticas
merecem sublime consideração, pois escancaram uma preocupação homogênea,
mesmo entre aqueles mais ativistas, de que o Tribunal não deve exceder seu campo
jurisdicional e se colocar na posição de legislador e de que não é desejável que os
juízes se valham puramente de suas opções morais para justificar decisões coletivas.
Muito da construção interpretativa de cunho criativo advém da seara da
hermenêutica constitucional. Noutras palavras, as bases interpretativas como
supedâneo da expansão do texto constitucional. De fato, Hesse revela que a abertura
e a amplitude da Constituição trazem problemas de ordem prática na interpretação
desenvolvida na seara da jurisdição constitucional (1998, p. 54). Mas ressalta:
Tais medidas, por si só, não têm o condão de garantir que as decisões
jurisdicionais, em sede de controle de constitucionalidade, estarão sempre ancoradas
na fundamentação racional das sentenças, até mesmo diante da existência de
espaços altamente ambíguos ou dúbios. Mas quanto maior a possibilidade de
controle externo – em qualquer dos Poderes –, menores as chances de que um Poder
realize tentativas indiscretas de ultrapassar seus limites e usurpar a função alheia.
Por fim, ressalte-se que qualquer interpretação do texto constitucional guardará
sempre na razoabilidade e na proporcionalidade os seus limites. Seja pela vertente
meramente gramatical, seja até pelo Espírito da Constituição, não há espaço para
ofensas ao projeto constitucional. Não soaria razoável, por exemplo, afirmar que o
termo caráter nacional dos partidos políticos exigiria a verticalização das coligações
partidárias, destoando completamente da lógica construtiva do texto original. Ou até
mesmo a conclusão, motivada por motes de mutação constitucional, de que o artigo
52, X, da Constituição passaria a significar mera publicidade da decisão, usurpando
a prerrogativa confiada ao Senado Federal, algo que não pode ser razoavelmente
extraído do texto. Ainda, inúmeras decisões em que o silêncio constitucional possui
efeitos distintos, ora para permitir, ora para proibir.
Percebe-se, assim, que mais do que o caráter de amplitude do texto
constitucional, o que é natural na maioria dos Estados, importarão os liames que
guiam as Cortes. A inafastabilidade do texto, a necessidade de motivação lógica e
a razoabilidade interpretativa podem se oferecer como excelentes balizas, mas não
serão suficientemente produtivas quando o Tribunal se colocar em uma superposição,
eivando-se da responsabilidade de defender, exclusivamente, a Constituição.
5 Conclusão
A proteção do projeto constitucional, historicamente, atribuiu aos Tribunais
o papel de interpretação das leis segundo a Constituição, seja no modelo norte-
americano – criado como difuso, mas desenvolvido no âmbito da Suprema Corte –,
seja no espectro europeu de Kelsen, de caráter concentrado, ou até mesmo conforme
o desenho atribuído pelo direito brasileiro, a mesclar ambos modelos.
A atribuição a tais Cortes, em preferência a qualquer outra forma de controle,
como pretendia Schmitt, confere aos Tribunais a prerrogativa de medir a eficácia
das pretensões constitucionais, tarefa muito além da simples dedução lógica de
positividade ou negatividade no confronto entre o direito infraconstitucional e a
própria Constituição.
6 Referências
ACKERMAN, Bruce. Nós, o povo soberano. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
JOHNSON, Gerald W. A Suprema Côrte dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Record, 1962.
KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
MARTINS, Leonardo. Direito processual constitucional alemão. São Paulo: Atlas, 2011.
O’BRIEN, David M. Constitutional law and politics. v. 2: Civil Rights and Civil Liberties.
New York: W. W. Norton, 1991.
______. Storm Center: The Supreme Court in American Politics. New York: W. W. Norton
& Company, 1986.
SCHMITT, Carl. Der Hüter der Verfassung. 4. ed. Berlin: Duncker & Humblot, 1996.
TAFT, William Howard. Hearings before the House Committee on the Judiciary. 67th
Congress, 2d sess., 1922, 2.
TAYLOR, Hannis. Jurisdiction and procedure of the Supreme Court of the United
States. Rochester: The Lawyer’s Co-operative Publishing Conpany, 1905.
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.ODT, observadas as normas de publicação e os parâmetros de editoração adiante
estabelecidos.
1.Título
Deve conter, no máximo, 15 (quinze) palavras, incluído o subtítulo (quando
houver), realçado em negrito. Título e subtítulo do artigo devem ter apenas a
primeira letra de cada frase em maiúscula, salvo nos casos em que o uso desta seja
obrigatório. Exemplo:
A suposta permissão do Código Civil para emissão eletrônica dos títulos de crédito
2. Sumário
Deve ser posicionado logo abaixo do título e reproduzir somente número e
nome das seções principais que compõem o artigo.
3. Resumo
Deve ser um texto conciso (até 150 palavras), redigido em parágrafo único, que
ressalte o objetivo e o assunto principal do artigo. A enumeração de tópicos não
deve ser usada nesse item. Deve-se, ainda, evitar o uso de símbolos e contrações que
não tenham uso corrente e de fórmulas, equações e diagramas.
4. Palavras-chave
Indicar até 5 (cinco) termos que classifiquem o trabalho com precisão adequada
para sua indexação, separados por travessão.
5. Referências
A indicação das referências deve obedecer ao disposto na NBR 6023 –
Informação e Documentação - Referências - Elaboração/ Ago. 2002 da ABNT. Esse
item deve conter todos os dados necessários à identificação das obras, dispostas em
ordem alfabética. A distinção de trabalhos diferentes de mesma autoria será feita
levando-se em consideração a ordem cronológica, conforme o ano de publicação.
1. Citação indireta ou direta sem o nome do autor expresso no texto: deve
apresentar, entre parênteses, a referência autor-data completa. Exemplo:
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Citações com até 3 (três) linhas devem permanecer no corpo do texto, sem recuo
ou realce, destacadas por aspas. As citações com mais de 3 (três) linhas devem ser
separadas do texto com recuo de parágrafo de 4 (quatro) cm, 11 pontos, espaçamento
entre linhas simples e texto justificado, sem o uso de aspas.
Os artigos enviados em Língua Estrangeira devem ter os itens traduzidos para
o Português e o Inglês ou, caso esta seja a língua predominante do artigo, para o
Francês ou para o Espanhol.
Referências
Todos os documentos mencionados no texto devem constar nas referências, de
acordo com o disposto na NBR 6023 da ABNT. Para auxiliar os autores na composição
das referências, estão reproduzidos exemplos abaixo:
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
Eletrônicos. Exemplos:
CAMÕES, Luis de. Os Lusíadas. Biblioteca Nacional Digital de Portugal. 2. ed. 1572.
Disponível em: <http://purl.pt/1/3/#/0>. Acesso em: 16 mar. 2016.
2. Coletâneas. Exemplos:
TOVIL, Joel. A lei dos crimes hediondos reformulada: Aspectos processuais penais. In:
LIMA, Marcellus Polastri; SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna (Coord.). A renovação
processual penal após a constituição de 1988: estudos em homenagem ao professor
José Barcelos de Souza. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
3. Periódicos:
Impressos. Exemplo:
MENDES, Gilmar Ferreira. O Mandado de Injunção e a necessidade de sua regulação
legislativa. Revista Jurídica da Presidência. Brasília, v. 13, n. 100, jul./set. 2011, p.
165-192.
Eletrônicos. Exemplo:
COELHO, Fábio Ulhoa. O Projeto de Código Comercial e a proteção jurídica do
investimento privado. Revista Jurídica da Presidência. Brasília, v. 17, n. 112, jun./set.
2015, p. 237-255. Disponível em: <https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.
php/saj/article/view/1113/1099>. Acesso em 16 mar. 2016.
4. Atos normativos. Exemplos:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de
1988. Diário Oficial da União. Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 16 mar. de 2016.
5. Projetos de lei. Exemplos:
BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei nº 6.793/2006, versão final. Disponível
em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=382
965&filename=PL+6793/2006>. Acesso em: 16 mar. 2016.
6. Jurisprudência:
Impressa. Exemplos:
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula no 14. In: ______. Súmulas. São Paulo:
Associação dos Advogados do Brasil, 1994, p.16.
Eletrônica. Exemplos:
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus no 97.976 MC/MG. Relator: Ministro
Celso de Mello. Brasília, 12 mar. 2009. Diário de Justiça Eletrônico. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=((97976.
NUME.%20OU%2097976.DMS.))%20 NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>.
Acesso em: 16 mar. 2016.
7. Notícias eletrônicas. Exemplos:
COSTA, Rodolfo. Ministério da Justiça fortalece consumidor.gov para diminuir
conflitos de consumo. Correio Braziliense, 12 mar. 2016. Disponível em: <http://blogs.
correiobraziliense.com.br/consumidor/ministerio-da-justica-fortalece-consumidor-
gov-para-diminuir-conflitos-de-consumo/>. Acesso em 16 mar. 2016.
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