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Brasília Volume 20 Número 121 Jun./Set. 2018

Centro de Estudos Jurídicos da Presidência


Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil
Presidência da República
121

Brasília Volume 20 Número 121 Jun./Set. 2018


Presidente da República
Michel Temer

Ministro-Chefe da Casa Civil da Presidência da República


Eliseu Lemos Padilha

Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil e


Presidente do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência
Gustavo do Vale Rocha

Coordenadora do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência


Fernanda Rodrigues Saldanha de Azevedo

Revista Jurídica da Presidência / Presidência da República


Centro de Estudos Jurídicos da Presidência – Vol. 1, n. 1, maio de 1999.
Brasília: Centro de Estudos Jurídicos da Presidência, 1999–.
Quadrimestral

Título anterior: Revista Jurídica Virtual


Mensal: 1999 a 2005; bimestral: 2005 a 2008.

ISSN (até fevereiro de 2011): 1808–2807


ISSN (a partir de março de 2011): 2236–3645

1. Direito. Brasil. Presidência da República, Centro de Estudos Jurídicos da Presidência.

CDD 34
CDU 34(81)

Centro de Estudos Jurídicos da Presidência


Centro de Estudos Jurídicos, Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto, Anexo II, Térro, Ala B,
Sala 109 - CEP 70083-900 - Brasília/DF
Telefone: (61)3411–2863
E–mail: revista@presidencia.gov.br
https://revistajuridica.presidencia.gov.br

© Centro de Estudos Jurídicos da Presidência – 2018


Revista Jurídica da Presidência

É uma publicação quadrimestral do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência voltada à


divulgação de artigos científicos inéditos, resultantes de pesquisas e estudos independentes
sobre a atuação do Poder Público em todas as áreas do Direito, com o objetivo de fornecer
subsídios para reflexões sobre a legislação nacional e as políticas públicas desenvolvidas na
esfera federal.

Equipe Técnica
Coordenação de Editoração Revisão de Diagramação
Erick Biill Vidigal Mariana Figueiredo Cordeiro da Silva
Fernanda Rodrigues Saldanha de Azevedo
Fotografia da Capa
Gestão de Artigos Foto do palanque externo do Palácio do
Mariana Figueiredo Cordeiro da Silva Planalto visto do 3º andar

Capa Fotógrafo
Filipe do Nascimento Pires Matheus Moreira Torres

Diagramação Estagiários
Filipe do Nascimento Pires Bárbara de Abreu Lobato
Revisão de Texto Bruno Rodrigues Noronha
Karina Gomes Mansur Costa Igor Gabriel de Oliveira Faria
Mariana Figueiredo Cordeiro da Silva Luíza Villarouca Bento
Matheus Moreira Torres
Revisão de Idiomas Neila Luíza Araujo Melo Sousa
Mariana Figueiredo Cordeiro da Silva Sophia Teodoro Cavalcanti
Conselho Editorial
Claudia Lima Marques Claudia Rosane Roesler
Doutorado e Pós-Doutorado em Direito Doutorado em Teoria do Direito pela
Internacional Privado pela Universidade de Universidade de São Paulo, Brasil, e
Heidelberg, Alemanha. Professora Titular Pós-Doutorado em Teoria do Direito pela
do Corpo Permanente e Coordenadora do Universidade de Alicante, na Espanha.
Programa de Pós-Graduação em Direito Professora da Faculdade de Direito da
da Universidade Federal do Rio Grande do Universidade de Brasília, Brasil.
Sul, Brasil.
Fredie Souza Didier Junior e Pós-Doutorado pela Universidade de
Doutorado em Direito pela Pontifícia Harvard, Estados Unidos da América. Livre-
Universidade Católica de São Paulo, docente pela Universidade do Estado do
Brasil, e Pós-Doutorado em Direito Rio de Janeiro, Brasil, e Professor Titular de
Processual Civil pela Universidade de Direito Constitucional da Universidade do
Lisboa, Portugal. Livre-Docente pela Estado do Rio de Janeiro, Brasil.
Universidade de São Paulo, Brasil, e
Maíra Rocha Machado
Professor associado da Universidade
Doutorado em Direito pela Universidade de
Federal da Bahia, Brasil.
São Paulo, Brasil, com período sanduíche na
Gilmar Ferreira Mendes Universidade de Barcelona, Espanha. Pós-
Doutorado em Direito Constitucional Doutorado pela Universidade de Ottawa,
pela Universidade de Münster, Canadá. Professora Associada na Escola de
Alemanha. Docente permanente do Direito de São Paulo da Fundação Getúlio
Instituto Brasiliense de Direito Público, Vargas, Brasil.
Brasil.
Misabel de Abreu Machado Derzi
João Maurício Leitão Adeodato Doutorado em Direito Tributário pela
Doutorado em Filosofia Jurídica pela Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.
Universidade de São Paulo, Brasil, e Pós- Professora Titular de Direito Financeiro
Doutorado em Filosofia Jurídica pela e Tributário da Faculdade de Direito da
Universidade de Heidelberg, Alemanha. Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.
Livre-docente pela Universidade de
Vera Karam de Chueiri
São Paulo, Brasil. Professor Titular da
Doutorado em Filosofia Jurídica pela
Universidade Federal de Pernambuco,
New School for Social Research, Estados
Brasil.
Unidos da América. Pós-Doutorado pela
Joaquim Shiraishi Neto Universidade de Yale, Estados Unidos da
Doutorado em Direito pela América. Professora associada da Faculdade
Universidade Federal do Paraná, Brasil. de Direito da Universidade Federal do
Professor visitante do Programa de Pós- Paraná, Brasil.
graduação em Direito da Universidade
Federal do Maranhão, Brasil. Apropriate articles are abstracted/indexed in:
BBD – Bibliografia Brasileira de Direito /
José Claudio Monteiro de Brito Filho Rede RVBI
Doutor em Direito das Relações Sociais Google Scholar
pela Pontifícia Universidade Católica de LATINDEX – Sistema Regional de
São Paulo, Brasil. Professor do Programa Información en Linea para Revistas
de Pós-Graduação em Direito da Científicas de América Latina, el Caribe,
Universidade Federal do Pará, Brasil. España y Portugal
ULRICH’S WEB – Global Serials Directory
Luís Roberto Barroso
Doutorado em Direito pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, Brasil,
Colaboradores da Edição 121
Pareceristas
Alexandre Araújo Costa – Prof. Dr. na Universidade de Brasília, DF, Brasil
Alexandre Luiz Pereira da Silva – Prof. Dr. na Wuhan University, China
Alexandre Walmott Borges – Prof. Dr. na Universidade Federal de Uberlândia, MG, Brasil
Alice Ribeiro de Sousa – Prof.ª Dra. na Universidade Federal de Uberlândia, MG, Brasil
Aline Albuquerque – Prof.ª Dra. no Centro Universitário de Brasília, DF, Brasil
Ana Gabriela Mendes Braga – Prof.ª Dra. na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, SP, Brasil
André Mendes Moreira – Prof. Dr. na Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil
André Parmo Folloni – Prof. Dr. na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PR, Brasil
Antonio Augusto Brandao de Aras – Prof. Dr. na Universidade de Brasília, DF, Brasil
Antônio Carlos da Ponte – Prof. Dr. na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil
Antonio Carlos Morato – Prof. Dr. na Universidade de São Paulo, SP, Brasil
Antonio José Maristrello Porto – Prof. Dr. na Fundação Getúlio Vargas, RJ, Brasil
Betina Treiger Grupenmacher – Prof.ª Dra. na Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil
Caio Sperandéo de Macedo – Prof. Dr. nas Faculdades Metropolitanas Unidas, SP, Brasil
Carlos Ari Sundfeld – Prof. Dr. na Fundação Getúlio Vargas, SP, Brasil
Carlos Bolonha – Prof. Dr. na Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Carlos José Cordeiro – Prof. Dr. na Universidade Federal de Uberlândia, MG, Brasil
Carlos Victor Muzzi Filho – Prof. Dr. na Fundação Mineira de Educação e Cultura, MG, Brasil
Carolina Alves de Souza Lima – Prof.ª Dra. na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil
Cesar Calo Peghini – Prof. Dr. na Escola Paulista de Direito, SP, Brasil
Christine Oliveira Peter da Silva – Prof.ª Dra. no Centro Universitário de Brasília, DF, Brasil
Cláudio Jannotti da Rocha – Prof. Dr. no Centro Universitário do Distrito Federal, DF, Brasil
Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida – Prof.ª Dra. na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil
Danielle Anne Pamplona – Prof.ª Dra. na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PR, Brasil
Edilson Pereira Nobre Júnior – Prof. Dr. na Universidade Federal de Pernambuco, PE, Brasil
Edinilson Donisete Machado – Prof. Dr. na Universidade Estadual do Norte do Paraná, PR, Brasil
Egon Bockmann Moreira – Prof. Dr. na Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil
Eriberto Francisco Bevilaqua Marin – Prof. Dr. na Universidade Federal de Goiás, GO, Brasil
Erik Frederico Gramstrup – Prof. Dr. na Faculdade Autônoma de Direito, SP, Brasil
Fábio Ulhoa Coelho – Prof. Dr. na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil
Fernando de Brito Alves – Prof. Dr. na Universidade Estadual do Norte do Paraná, PR, Brasil
Fernando Horta Tavares – Prof. Dr. na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, MG, Brasil
Flavia Danielle Santiago Lima – Prof.ª Dra. na Universidade Católica de Pernambuco, PE, Brasil
Flávio Quinaud Pedron – Prof. Dr. na Fundação Mineira de Educação e Cultura, MG, Brasil
Gilberto Fachetti Silvestre – Prof. Dr. na Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil
Gina Gouveia Pires de Castro – Prof.ª Dra. na Faculdade Maurício de Nassau, PE, Brasil
Grace Ladeira Garbaccio – Prof.ª Dra. no Centro Universitário Cesmac, AL, Brasil
Grazielly Alessandra Baggenstoss – Prof.ª Dra. na Universidade Federal de Santa Catarina, SC, Brasil
Greice Patrícia Fuller – Prof.ª Dra. na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil
Gustavo Ferreira Ribeiro – Prof. Dr. no Centro Universitário de Brasília, DF, Brasil
Hélio Silvio Ourém Campos – Prof. Dr. na Universidade Católica de Pernambuco, PE, Brasil
Henrique Smidt Simon – Prof. Dr. no Centro Universitário de Brasília, DF, Brasil
Ilton Garcia da Costa – Prof. Dr. na Universidade Estadual do Norte do Paraná, PR, Brasil
Ilzver de Matos Oliveira – Prof. Dr. na Universidade Tiradentes, SE, Brasil
João Carlos Medeiros de Aragão – Prof. Dr. no Centro Universitário de Brasília, DF, Brasil
Jorge Renato dos Reis – Prof. Dr. na Universidade de Santa Cruz do Sul, RS, Brasil
José Claudio Monteiro de Brito Filho – Prof. Dr. na Universidade Federal do Pará, PA, Brasil
José Soares Filho – Prof. Dr. na Universidade Católica de Pernambuco, PE, Brasil
Karyna Batista Sposato – Prof.ª Dra. na Universidade Tiradentes, SE, Brasil
Leonardo Netto Parentoni – Prof. Dr. na Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil
Luís Carlos Balbino Gambogi – Prof. Dr. na Fundação Mineira de Educação e Cultura, MG, Brasil
Marcelo Fernando Borsio – Prof. Dr. no Centro Universitário do Distrito Federal, DF, Brasil
Marco Aurélio Serau Junior – Prof. Dr. na Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil
Marcos Augusto de Albuquerque Ehrhardt Junior – Prof. Dr. na Universidade Federal de Alagoas, AL, Brasil
Marcos Aurélio Pereira Valadão – Prof. Dr. na Universidade Católica de Brasília, DF, Brasil
Margareth Vetis Zaganelli – Prof.ª Dra. na Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil
Maria Edelvacy Marinho – Prof.ª Dra. na Universidade Presbiteriana Mackenzie, SP, Brasil
Nestor Eduardo Araruna Santiago – Prof. Dr. na Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil
Pablo Malheiros da Cunha Frota – Prof. Dr. na Universidade Federal de Goiás, GO, Brasil
Paulo Burnier da Silveira – Prof. Dr. na Universidade de Brasília, DF, Brasil
Paulo Henrique Blair de Oliveira – Prof. Dr. na Universidade de Brasília, DF, Brasil
Pedro Durão – Prof. Dr. na Universidade Federal de Sergipe, SE, Brasil
Raquel Coelho de Freitas – Prof.ª Dra. na Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil
Regina Célia Martinez – Prof.ª Dra. no Centro Universitário de Jales, SP, Brasil
Regnoberto Marques de Melo Júnior – Prof. Dr. na Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil
Rennan Faria Kruger Thamay – Prof. Dr. na Faculdade Autônoma de Direito, SP, Brasil
Roberto Freitas Filho – Prof. Dr. no Centro Universitário de Brasília, DF, Brasil
Rogério Greco – Prof. Dr. na Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais, MG, Brasil
Rubia Carneiro Neves – Prof.ª Dra. na Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil
Sérgio Henriques Zandona Freitas – Prof. Dr. na Fundação Mineira de Educação e Cultura, MG, Brasil
Soraia da Rosa Mendes – Prof.ª Dra. no Centro Universitário de Brasília, DF, Brasil
Tanise Zago Thomasi – Prof.ª Dra. na Universidade Tiradentes, SE, Brasil
Valmir César Pozzetti – Prof. Dr. na Universidade do Estado do Amazonas, AM, Brasil
Vanessa Oliveira Batista Berner – Prof.ª Dra. na Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Vitor Salino de Moura Eça – Prof. Dr. na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, MG, Brasil
William Soares Pugliese – Prof. Dr. na Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil
Yvete Flavio da Costa – Prof.ª Dra. na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, SP, Brasil
Autores Convidados
Daniel Wei Liang Wang Paulo Ferreira da Cunha
INGLATERRRA – Londres PORTUGAL – Porto
Professor de Direito na Queen Mary Professor Agregado à Universidade do
University of London (Inglaterra). Doutor em Minho (Portugal). Doutor em Direito pela
Direito e Mestre em Filosofia pela London Universidade Paris II (França) e Universidade
School of Economics (Inglaterra). Mestre e de Coimbra (Portugal). Mestre em Direito
Bacharel em Direito pela Universidade de pela Universidade de Coimbra (Portugal).
São Paulo (USP). Professor Catedrático e Diretor do Instituto
E-mail: daniel.wang@qmul.ac.uk Jurídico Interdisciplinar da Faculdade de
Direito da Universidade do Porto (Portugal).
E-mail: lusofilias@gmail.com

Tradução
Valter Shuenquener de Araújo Victor Felipe de Oliveira Nascimento
BRASIL – Rio de Janeiro/RJ BRASIL – Rio de Janeiro/RJ
Doutor em Direito Público pela Universidade Graduando em Direito pela Universidade do
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
período sanduíche na Ruprecht-Karls Universität E-mail: von@tepedino.adv.br.
Heidelberg (Alemanha). Professor do Programa
de Pós-Graduação em Direito da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
E-mail: vsaraujo19@gmail.com.

Autor de Artigos em Língua Estrangeira

Pedro Parini
BRASIL – Recife/PE
Pós-doutorado em Direito pela Università di Bologna (Itália). Doutor e Mestre em Direito pela
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor do Programa de Pós-Graduação em
Direito da Faculdade de Direito do Recife – Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Coordenador do grupo de pesquisa Direito e Persuasão (CNPq).
E-mail: pparini@gmail.com
Autores

Alan Luiz Bonat Emerson Ademir Borges de Oliveira


BRASIL – Curitiba/PR BRASIL – Marília/SP
Mestre em Direito pela Pontifícia Pós-Doutor em Democracia e Direitos
Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Humanos pela Universidade de Coimbra
Especialista em Direito e Processo Tributário (Portugal). Doutor e Mestre em Direito do
pela Academia Brasileira de Direito Estado pela Universidade de São Paulo (USP).
Constitucional (ABDCONST). Professor Assistente nos cursos de Graduação,
E-mail: bonat.alan@gmail.com Especialização, Mestrado e Doutorado na
Universidade de Marília (Unimar).
E-mail: emerson@unimar.br

Alex Canal Freitas


BRASIL – Vitória/ES Greice Patrícia Fuller
Mestre em Direitos e Garantias BRASIL – São Paulo/SP
Fundamentais pela Faculdade de Direito de
Pós-Doutora em Direito pela Universidad
Vitória (FDV). Professor do Instituto Federal
de Navarra (Espanha) com bolsa concedida
do Espírito Santo (IFES).
pela Coordenação de Aperfeiçoamento de
E-mail: alexcanalfreitas@gmail.com Pessoal de Nível Superior (Capes). Doutora e
Mestre em Direito das Relações Sociais pela
Pontifícia Universidade Católica da São Paulo
(PUC-SP). Professora do Mestrado em Direito
Bruno Dantas da Sociedade da Informação e da Graduação
BRASIL – Brasília/DF do Centro Universitário das Faculdades
Pós-Doutorado pela Universidade do Estado Metropolitanas Unidas (FMU) e do curso de
do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor e Mestre Direito da Pontifícia Universidade Católica de
em Direito pela Pontifícia Universidade São Paulo (PUC-SP).
Católica de São Paulo (PUC-SP). Pesquisador E-mail: greicepf@uol.com.br
Visitante na Benjamin N. Cardozo School of
Law (Estados Unidos da América) e no Max
Planck Institute for Regulatory Procedural Law
(Luxemburgo). Professor da Pós-Graduação
em Direito do Instituto Brasiliense de
Direito Público (IDP).
E-mail: dantasbruno@outlook.com
João Maurício Adeodato Ricardo Schneider Rodrigues
BRASIL – Recife/PE BRASIL – Porto Alegre/RS
Livre-docente, Doutor e Mestre em Direito Doutorando em Direito pela Pontifícia
pela Universidade de São Paulo (USP). Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Professor da Faculdade de Direito da (PUCRS). Mestre em Direito Público pela
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
e da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Professor Titular de Direito Processual Civil
Pesquisador I-A do Conselho Nacional de no Centro Universitário Cesmac (Alagoas).
Desenvolvimento Científico e Tecnológico E-mail: schneider_rodrigues@hotmail.com
(CNPq).
E-mail: jmadeodato@gmail.com

Roger da Silva Moreira Soares


BRASIL – São Paulo/SP

Oksandro Osdival Gonçalves Mestre em Direito da Sociedade da


informação pelo Centro Universitário
BRASIL – Curitiba/PR
das Faculdades Metropolitanas Unidas
Doutor em Direito Comercial pela Pontifícia
(FMU) e Pós-Graduado em Direito e
Universidade Católica de São Paulo
Processo do Trabalho pela Universidade
(PUC/SP). Mestre em Direito Econômico
Cândido Mendes (UCAM). Professor na
pela Pontifícia Universidade Católica do
pós-graduação lato sensu da Universidade
Paraná (PUCPR). Professor do Programa
Estácio (Rio de Janeiro).
de Pós-Graduação em Direito (Mestrado/
E-mail: rsmsoares@gmail.com
Doutorado) da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUCPR).
E-mail: oksandro@cgaadv.com.br
Sumário

Editorial ________________________________________________________________ 247

Ensaio – Autor Convidado _______________________________________ 249


Echoes of a European revolution: Hopes and facts on a constituition for Europe
Paulo Ferreira da Cunha_________________________________________________ 251

Autor Convidado ___________________________________________________ 266


1 De Wednesbury unreasonableness a accountability for reasonableness:
controle judicial e a alocação de recursos em saúde na Inglaterra
Daniel Wei Liang Wang__________________________________________________ 268

Artigos em Língua Estrangeira __________________________________ 310


2 La Retórica de Aristóteles para los juristas de hoy: el entimema y el
paradigma como bases del raciocinio jurídico en la modernidad
Pedro Parini_____________________________________________________________ 312

Artigos ________________________________________________________________ 332

3 Do Massangana à abolição – a retórica humanista de Joaquim Nabuco


João Maurício Adeodato – Alex Canal Freitas ___________________________ 334

4 A expansão da atividade jurisdicional: limites à interpretação na teoria


da argumentação jurídica de Alexy
Ricardo Schneider Rodrigues____________________________________________ 355

Análise Econômica do Direito, incentivos fiscais e a redução das


5
desigualdades regionais
Oksandro Osdival Gonçalves – Alan Luiz Bonat_______________________ 381
6 A tutela penal dos dados empresariais na sociedade da informação no
ordenamento jurídico brasileiro
Greice Patrícia Fuller – Roger da Silva Moreira Soares____________________
408

7 Tipicidade dos Direitos Reais


Bruno Dantas_____________________________________________________________
439

8 Jurisdição Constitucional: entre a guarda da Constituição e o ativismo judicial


Emerson Ademir Borges de Oliveira __________________________________________ 464

Normas de submissão _____________________________________________ 489


Editorial
Caros leitores,
É com grande satisfação que apresentamos a 121a edição da Revista Jurídica da
Presidência – RJP.
Neste ano em que a Constituição da República Federativa do Brasil
completa 30 anos de sua promulgação, abrimos este número com um Ensaio do
Professor da Universidade do Minho, em Portugal, Paulo Ferreira da Cunha, em que
aborda o contexto histórico que serve de pano de fundo para a elaboração dos
textos constitucionais. No seu artigo “Echoes of a European revolution: hopes and facts
on a Constitution for Europe”, o professor questiona a possibilidade de elaboração
de uma Constituição que ultrapassa os limites nacionais e se estende por todo o
continente europeu.
Na sessão Autor Convidado, trazemos o artigo “De Wednesbury unreasonableness
a accountability for reasonableness: controle judicial e a alocação de recursos em
saúde, do Professor titular de Universidade da Inglaterra”, de Daniel Wei Liang Wang,
professor da Queen Mary University of London, na Inglaterra, que conta com tradução
de Valter Shuenquener de Araújo e Victor Felipe de Oliveira Nascimento. No texto,
é feita uma análise das decisões alocativas em saúde na Inglaterra, bem como da
mudança de posicionamento do Poder Judiciário britânico quanto a essas decisões
ao longo do tempo.
Já na seção Artigos em Língua Estrangeira, Pedro Parini nos apresenta o texto
“La Retórica de Aristóteles para los juristas de hoy: el entimema y el paradigma como
bases del raciocinio jurídico en la modernidad”, em que evidencia a importância da
obra Retórica, de Aristóteles, para os juristas contemporâneos, ressaltando o caráter
entimemático e o paradigmático da argumentação jurídica.
João Maurício Adeodato e Alex Canal Freitas desenvolvem seu trabalho também
partindo de uma análise voltada para a retórica. Em seu artigo, os autores nos
apresentam um pouco da história e do pensamento de Joaquim Nabuco, a fim de
demonstrar suas influências e contribuições para o ordenamento jurídico brasileiro
à época da abolição da escravatura e que persistem até os dias atuais.
Em seguida, no artigo “A expansão da atividade jurisdicional: limites à
interpretação na teoria da argumentação jurídica de Alexy”, Ricardo Schneider
Rodrigues investiga o aumento do escopo de interpretação jurídica pelo Poder
Judiciário, explorando os limites de sua criatividade e avaliando as causas para essa
expansão. Para tanto, o autor toma como base a Teoria da Argumentação Jurídica da
Robert Alexy.
No artigo “Análise Econômica do Direito, incentivos fiscais e a redução das
desigualdades regionais”, Oksandro Osdival Gonçalves e Alan Luiz Bonat se utilizam
do método citado no título com o intuito de analisar a prática da desoneração
tributária pela concessão de incentivos fiscais bem como seus limites, avaliando, por
fim, as consequências dessa prática.
Na sequência, Greice Patrícia Fuller e Roger da Silva Moreira Soares abordam a
questão da proteção de dados empresariais na sociedade da informação, buscando
esclarecer quais os mecanismos legais existentes atualmente, que visam à proteção
das informações concorrencialmente sensíveis.
Bruno Dantas Nascimento, por sua vez, contrasta o princípio do numerus clausus
com o princípio da tipicidade dos direitos reais. Para tanto, utilizou-se de uma
abordagem interdisciplinar, que perpassa os campos da filosofia, da metodologia
e da história a fim de demonstrar a importância da distinção desses conceitos e a
necessidade de aplicação do tipo para disciplinar os direitos reais conferindo mais
estabilidade e segurança jurídica ao sistema.
Encerrando a edição, retomamos a seara do Direito Constitucional com o artigo
de Emerson Ademir Borges de Oliveira, que versa sobre o papel desempenhado
pelas Cortes Constitucionais por meio do controle abstrato de constitucionalidade,
tornando-as Guardiãs da Constituição. O autor analisa os limites que se impõem
a esses órgãos com relação à interpretação do texto constitucional e como seu
exercício tem se modificado ao longo do tempo.
Mais uma vez, agradecemos aos membros de nossa equipe, aos nossos
consultores ad hoc – que realizam as avaliações dos artigos por meio do sistema
duplo cego (double blind peer review) –, aos membros do Conselho Editorial e aos
autores que submeteram seus artigos ao nosso periódico.
Desejamos a todos uma ótima leitura!
251

Echoes of a European revolution: Hopes


and facts on a Constitution for Europe

Paulo Ferreira da Cunha


Professor Agregado à Universidade do Minho (Portugal). Doutor em Direito
pela Universidade Paris II (França) e pela Universidade de Coimbra (Portugal).
Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal). Professor
Catedrático e Diretor do Instituto Jurídico Interdisciplinar da Faculdade de
Direito da Universidade do Porto (Portugal).

CONTENTS: 1 On History and Revolutions 2 Different Perspectives on a European Constitution


3 Theory becoming History 4 Some Elements of the European Constitutional Acquis 5 References.

ABSTRACT: The experience of analyzing the road to the creation of a European


Constitution, in the light of the classical constitutional theory, proves to be very
instructive. It is also a lesson for the future of constitutional globalization.

KEYWORDS: Formal Constitution Material Constitution European Union European


Constitution Constitutional Globalization.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 20 n. 121 Jun. 2018/Set. 2018 p. 251-265


http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2018v20e121-1814
252 Echoes of a European revolution: Hopes and facts on a Constitution for Europe

Ecos de uma revolução Europeia: esperanças e fatos sobre uma Constituição


para a Europa

SUMÁRIO: 1 Sobre a História e as revoluções 2 Diferentes perspectivas sobre uma Constituição


Europeia 3 Teoria se tornando História 4 Alguns elementos do Acervo Constitucional Europeu
5 Referências.

RESUMO: A experiência da análise do caminho para a criação de uma Constituição


Europeia, à luz da clássica teoria constitucional, revela-se muito instrutiva. Ela é
também uma lição para o futuro da globalização constitucional.

Palavras-Chave: Constituição formal Constituição material União Europeia


Constituição Europeia Globalização Constitucional.

Ecos de una revolución europea: esperanzas y hechos sobre una Constitución


para Europa

CONTENIDO: 1 Sobre la Historia y las revoluciones 2 Diferentes perspectivas sobre una


Constitución Europea 3 Teoría que se convierte en Historia 4 Algunos elementos del acervo
constitucional europeo 5 Referencias.

RESUMEN: La experiencia del análisis del camino hacia la creación de una


Constitución europea, a la luz de la clásica teoría constitucional, resulta muy
instructiva. También es una lección para el futuro de la globalización constitucional.

PALABRAS-CLAVE: Constitución formal Constitución material Unión Europea


Constitución europea Globalización constitucional.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 20 n. 121 Jun. 2018/Set. 2018 p. 251-265


http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2018v20e121-1814
Paulo Ferreira da Cunha 253

1 On History and Revolutions


Revolutions (and some very critical moments in History, not necessarily
revolutions) are the times when hearts are put into proof and heads may be cut off
from their bodies – said once the couple of biographers Henry Thomas and Dana Lee
Thomas. Maybe you read one or two of their many books: they made (or remade) the
lives of almost every who is who: from great painters to great statesmen, from great
scientists to great philosophers.
We think they wrote this sentence (or something alike) about one of the most
important revolutions of modern times, some would even say the mother of all
revolutions (although each one normally presents itself as prolem sine matre creatam,
as Montesquieu opens his De l’Esprit des Lois): the English revolution, in the XVIIth
century (THOMAS, H.; THOMAS, D. L., 19--). In fact, a series of sequenced revolutions,
they use to call Glorious. At those times, heads begun to be cut off, and not only in
a metaphorical way, inaugurating a ritual in revolutions only overpassed by ulterior
improvements in the art of political killing. Moreover, killing clean, as Dr. Guillotin,
who experienced his own invention, had in mind.
Anyway, why this evocation of so far away past times? The answer is simple. If
we ignore the past, we ignore where we are at the present and we assume a very naïf
stance about the future. It is the same of never having been away from the comfort and
familiar truths at home. To see History is to see other continents, other possibilities,
other ways. Furthermore, all political history is a prophecy, an implicit wish about the
future – no doubt about it. It may be very subtle, very soft, but it’s there.
Nevertheless, we decided to begin with that statement because revolutions and
very critical moments (like wars, for instance) are also the best of times and the
worst of times – as in A Tale of Two Cities – to learn constitutional (and, sometimes,
international) law. According to Dickens:

It was the best of times, it was the worst of times, it was the age of
wisdom, it was the age of foolishness, it was the epoch of belief, it was
the epoch of incredulity, it was the season of Light, it was the season of
Darkness, it was the spring of hope, it was the winter of despair, we had
everything before us, we had nothing before us, we were all going direct
to Heaven, we were all going direct the other way – in short, the period
was so far like the present period, that some of its noisiest authorities
insisted on its being received, for good or for evil, in the superlative
degree of comparison only. (1859, chap. I).

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 20 n. 121 Jun. 2018/Set. 2018 p. 251-265


http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2018v20e121-1814
254 Echoes of a European revolution: Hopes and facts on a Constitution for Europe

Julius von Kirchmann once wrote (that’s a classic topic) that three words of the
legislator may transform into garbage tons of libraries of juridical knowledge (1999).
Just imagine what happens with the revolutionary legislator, what magic he is able
to make. The uncertainty of Law in a context of revolution or of severe crises (those
that put institutions in danger) is a bad circumstance to make people actually learn
in theory about the main rules of the State.
First, because they may doubt, with absolute legitimacy, if what they are learning
is true, or if it will be true in the next moment: everything is moving and moving too
fast. Second, because practice gains more importance than theory, and responsible
people, in those best and terrible times, have the temptation (and often fall into
it) to be part of the History (to enter History, wrote Getúlio Vargas in his last words
before suicide). The note-will that the President left said: “Eu vos dei a minha vida.
Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no
caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história1” (UOL EDUCAÇÃO, 2004).
At least they want to take part of the changing facts. Theory may wait.
That was what happened with me (let me remember some vivid facts): I was a
very young Grammar school student when the Carnations revolution occurred (25th
April 1974). Although very young, the political intervention was a necessity, and
surpassed every other thing as a priority of priorities. I was at the time beginning
my studies of Greek and German, and those were the first things that had to be
sacrificed to the moment urgencies, and I still suffer from that stupid choice (my
political activity at that time was evidently a mere gout in the immense ocean of
the political frenzy of the moment). In fact, I preferred to attend meetings than to
seat quiet and patiently learning declinations and conjugations by heart. Not all
was lost. From the Greeks, I retained a proverb, very wise I must say in times of
social and political enthusiasm: oi anthropoi kakoi eisin, which means men, that is to
say, people, mankind, are bad, evil. Let’s say: don’t fool yourself with the fancy idea of
a nice human nature. And from the German I learned a little bit more, but I would
like to remember here a sentence of Goethe that inspired my last book subtitle:
roots and wings, Wurzeln und Fluegel. In fact, the German poet said that parents
must teach or give their children (as professors and teachers to their students
and pupils, I guess) two thing: roots and wings. In fact, to be more precise, he says
it in a reverse way: “Zwei Dinge sollen Kinder von ihren Eltern bekommen; Wurzeln

1 “I gave you my life. Now I offer [you] my death. I fear nothing. Serenely I take the first step on the path
of eternity and leave life to enter history” (our translation).

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und Fluegel2”. Those two pearls of wisdom may also have been important on those
difficult and heroic times.
But there is another important fact about the relation between revolution and
the knowledge of constitutional law (and in certain terms international law as well
– to Peter Häberle, the great German publicist, they seem to be more and more
convergent, if not alike). If in those times, a fortiori, studying is nothing and books just
paper painted with ink, as Fernando Pessoa wrote in a provocative poem, on the other
hand those are the best times to see in action what once was just law in the books.
The process of European integration, especially in the times of attempting to
create a Constitution (a codified one) for Europe, was a real revolution (CUNHA,
2005, p. 279-323; CUNHA, s.d.; CUNHA, 2005). I wouldn’t discuss easily or lightly
if it was a lost, betrayed, or triumphant one. It could have achieved more distant
goals, but it went far enough to bring (and consolidate, mainly) very important and
deep transformations in all the States of the European Union. And I said consolidate
because, in certain European revolutions, at least, one of the functions of a revolution
is, besides to transform radically the state of things (statu - and not status - quo)
and bring new ones, another subtle and unexpected thing: to clarify, to institute, to
preserve some aspects of the new that were already growing in the old times, the
previous ones.
The Ancien Régime had many new things already. Even an ideological phraseology
in its later times, that was already in use by the king’s cour. Alexis De Tocqueville, in
his extraordinary clever L’Ancien Régime et la revolution (1967), shows us in practice
how many aspects of the new order were born before. The French Revolution was
just the coup de grâce of an order really already half-dead. The Swiss sociologist
Vilfredo Pareto, whose heavy Traité de sociologie générale puts in respect the most
daring scholars (some confess that they couldn’t read it all) explains that strange
cohabitation of the past and the future in present times (every present times) by the
opposition between the terms résidus and derivations (1968).
After all the troubles, the text that, years later, came out of the first turbulence
(after two referenda – Dutch and French – against the project of treaty creating a
codified European Constitution) and the subsequent period of mourning, when
the text seemed to be lying down in an historical refrigerator, the Treaty of Lisbon
was approved. This Treaty, connecting and softening some more constitutionalist
enthusiasms, is a new edition of the later document (or the late document: but not so

2 “Two things should children get from their parents: Roots and wings” (our translation).

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256 Echoes of a European revolution: Hopes and facts on a Constitution for Europe

late because he resurrected, in a sense). Above all, the Lisbon Treaty especially lives in
great part by the previous treaties. It is a political question, of course, but it lives under
the reality of the normative technique. More than that. The Constitution in force now (a
material one) shows well that before the voluntarist fact of the European Convention,
not so few federalism hoc sensu was already in the successive previous treaties. Some
said that it is needed just a small set of divided competences among the States to be
already in a kind of federalism. But that’s not our present topic.
Let’s then come back to the European Constitutional Revolution itself (a soft
one, of course. A kind of a velvet or silk revolution). In those times, especially when
the question of creating a Constitution for Europe jumped from the political world
to the actuality of news, to the turbulence of media, in those times the student and
a fortiori the scholar of constitutional law and international law (and, of course,
European communitarian law) had a kind of an enlightenment. They were suddenly
transported not to the heaven of concepts (the famous Begriffshimmel of the German)
but precisely, on the contrary, to the hell of practice. Let’s not be so dramatic: to the
reality of practice alone.
In those revolutionary times, the debate was serious, and in fact hearts were
tested and maybe some heads were lost – not by the work of a guillotine, fortunately,
but because some people seemed to be out of their minds. I myself (let me be
confessional again) did even worse than in my first revolution: now it was not the
case of missing some classes of Greek and German, but running for the election for
the European Parliament. The constituency was wiser than I was and did not vote my
list. However, when I consider all the aspects of the problem now, I remember that
those times, considered times of Quijote (CUNHA, 2004), were not completely a fight
against windmills. I guess now that we foresaw many of the future time’s dangers.
Nevertheless, at that time, in the general atmosphere of hope (not very
consistent, we must say), even a small reticence (as was mine) or a friendly remark
to the generalized euro-optimism were immediately catalogued as a terrible sign
of dark Euroscepticism, or even worse. That is the fate of dissent in times when a
political correction (BEARD, 1994) involves everything. And, from my side (and from
some others) it was not that at all, on the contrary. We thought that it was not too
much Europe. I was, and I still am (after all these years and disillusions for so many:
those from which substance Brexits are made) a classic federalist. And federalism
implies, as far as I know, equality among the members of the federation, never a two
or even three speed Europe.

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2 Different Perspectives on a European Constitution


What is more interesting to underline is that, at that revolutionary moment, all
the theoretical knowledge came to the conscious mind of those who had previously
studied it. Even if it was a long time ago. According to their preferred theories, some
different positions were taken about the process that was going on.
For the Europeanists of juridical essence, like many communitarians, the
European Constitution didn’t place real problems. No anguishes at all in this group.
They were, as far as I understood, completely prepared to accept every new step on
the road to a deeper European Union. And if such an instrument as a Constitution
seemed to be the way to it, why not?
By their side, the internationalists seemed to be satisfied enough by the fact
that the way for building the novum was a treaty. But at the time it seemed to me
that not so many internationalists took place in the debate (at least in Portugal). It
would be interesting to study why. Maybe they didn’t think (in a second and deeper
consideration) that it was really a matter of international law.
An important remark: If internationalists seemed to me to be cautious on this
matter, with neither great enthusiasm nor dull criticism, certainly at least some of
them thought (or presupposed) that question was res inter alios.
That was not the case of some specialist in international relations, that without
any regrets or barriers from the side of the constitutional law theory (mainly the
classical one), thought that a constitution for Europe was not only very necessary
and very good, but also a complete new thing. Or, we’ll see it was not.
By their side, constitutionalists were the most complex and diverse group. They
were the richest witness group, for the importance of the learned matters in this
practical, historical challenge.
As far as I remember, the more positivistic and fonder of the State were
the participants in the debate, the more they tended to be against a European
Constitution. Some even denied the possibility of the existence of any Constitution
without a State. So, from that axiom they could elaborate an implacable thesis:
– If you have no European single, united State, you may have no Constitution at all –
they said, for short.
Then the corollary would say:
– Of course, if you have a Constitution, in that situation, that would be the sign you are
building a monster, a mega-state, the Europe State, against the will and the idiosyncratic
variety of the real and genuine European States – the only ones where sovereignty lives.

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258 Echoes of a European revolution: Hopes and facts on a Constitution for Europe

That was an argument accepted by many (but not so far in the Portuguese case
to vote against Europe, of course), mainly because since a long time ago people had
in mind that the real Europe that was there was a bureaucrat’s construction, not
the result of people’s will. Still nowadays, a topic is recurrent: it would be hurt by
a severe lack of democracy, a democratic deficit. In fact, we must admit how things
would be splendorous for a constitutionalist if a European Parliament decided to
hold elections for its composition announcing that it would have constituent powers.
We have to remember that nobody elected directly the members of the European
Convention that approved the project of treaty, and that its modus operandi was
consensual, not by voting. So, not the conventional (and we admit romantic, in a
sense) ways of constitution making.

3 Theory becoming History


All the most important questions on the very fundaments of State and high
politics were in case.
By my side, I had several things to clarify.
I was one of those constitutionalists always very seduced by International
and European Law. But my constitutionalist formation (Bildung), also due to my
philosophical inclinations, cultivated in me by my second Alma Mater (the first is, of
course, Coimbra University), the University of Paris II, was pluralistic, not positivistic
at all, not legalistic, not State centered, so by no means nationalist or sovereigntist.
To this constitutional perspective, reality and history show clearly that the form
Constitution is not the monopoly of the nation-state or of the state in general.
Many countries have different constitutions for its states inside a federation or
alike. The reality of multilevel constitutionalism cannot be denied. And neither the
major states are divine decree monstrous realities nor the minor parts are necessarily
a factor of disintegration or even centrifuge movement. And these last ones aren’t
also (another possible argument) always exploited by the central government of
their wealth or their inalienable rights. It’s always a question of checks and balances,
this time at a territorial (and communitarian) level.
But the plain constitutional theory had more to be remembered of which was
very useful in those revolutionary times.
We must always have in mind that the spontaneous juridical philosophy is
legalistic, legal positivistic (BRAZ TEIXEIRA, 1994), and we might say that was
a legacy to the non-juridical, profane world. Therefore, the common people in

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general see law as dura lex, sed lex, as a command – a specially written one. So,
to a legal positivist, as to the majority of people in Europe, I think, because of
that generalized and subtle positivistic and legalistic education (that is, of course,
the most suitable to obedience, of course), the Constitution is a code of political
law, nothing more. Some might even doubt about the juridical supremacy of it.
Although explicitly these are not so many to affirm that. The juridical empire of
Constitution, the binding hegemony as Brazilian Constitutionalist Paulo Bonavides
puts it (2004, p. 18-19), is very widely accepted in theory. Not so much in practice
by non-publicist juridical operators. Even in public administration sometimes a
single order of the direct boss is more important than the Magna Charta itself. But
in that case we are in the simple level of facts, nor jurisprudence or doctrine.
That positivist legacy and expanded conviction was certainly the root for the
idea that the Constitution would be only a voluntarist creation, historically dated
mainly from the XVIIIth century.
On the contrary, the theory of constitution we adopt not only accepts and
engages Lassale’s historic-universal concept of constitution (1976) – that all political
communities and historical periods have a Constitution ­– but also considers that the
acceptance of that theory – and that step was not an evidence for many: we had to
fight for that – implies the existence of two constitutionalism periods and styles
(methods), to be concise.
The modern one was not necessary to prove. But what about the other one, a
previous one? (CUNHA. 2014b; 2014a) We mean, a first constitutionalism, neither
liberal nor revolutionary, although it was concerned with people’s protection.
Therefore, it was important to underline the existence of an old, historical,
natural constitutionalism, existing from the dawn of times, and of course in progress.
So, the constitutionalist written and codified form is not an absolute must, a conditio
sine qua non, nor the coincidence between the historical political form State and the
juridical and political category Constitution.
For those who knew the easy dichotomy between material and formal
constitution, things were very easy. Of course a few people outside the juridical
world unfortunately did (TARELLO, 1988). We are not very good in promoting a
popular juridical culture. Some would say, in a conspiracy mood, that it is because
we are elitist. In some cases, I think we have bad marketing only. Besides jurists
have no time: we have too much to do. And what we are involved in matters

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260 Echoes of a European revolution: Hopes and facts on a Constitution for Europe

immediately or almost immediately. That makes us fly from one thing to another,
always concerned…
Anyway, there is a set of values, principles, and even norms that may not be
positivized, but are the heart of the Constitution (CUNHA, 2015). If we consider
that in historical terms it’s even easier to comprehend. On the other hand, we have
the book. The sacred book. Sacred instrument, as it was said in the beginning of the
American Constitutionalism. Sometimes it is evoked nowadays, too.
The book of the Constitution, the Constitution as a book includes the codified
norms, principles and values chosen by the constituent power to be the formal
Constitution. The spirit (and perhaps a little bit more than only the spirit) lies in the
material Constitution and that has no need to be codified.
The European Constitution was and still is material. But more and more
formal elements are being created. Maybe one day it will be codified without
pain. It’s a question of ripening of the times. So, it was absolutely possible to have
a new Constitution for Europe, without a certainly not desirable novum such as
an European single State. A Constitution for a community of peoples, being now
organized in states.
Therefore, it was no problem of sovereignty in that thing itself. The question
was (always is) how to design in theory (in law) the balance of powers, and especially
how to put it into practice (in action). The future problems seem to be mostly
about the real way of living the treaties. Of course, if we do not live them well, in a
communitarian spirit, some would leave them. The Brexit is a terrible warning. Are
European powers aware of what may come next? Is this Europe in conditions to
reform itself in order to meet again the dream? Or is just from side to side a question
of mere trade, business as usual? We still want to believe it is possible to rethink (and
rebuild) Europe and create the conditions to a future united Europe, with the United
Kingdom. A Europe without UK is unconceivable.
Knowing the different kind of historical and present Constitutions, we are not
fascinated for a magic text, a pretense new thing such as a European Constitution.
Between those who denied the possibility of a democratic, harmonic Europe
with a Constitution, and those who adored, without any criticism, the magic of the
new demiurgic creation, we were in a critical middle of the road, totally based upon
our constitutional background. Law configured even our political position about the
question, because it was a light over what was really under the table.

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And during the debate we showed the constitutional example of the United
Kingdom (long before Brexit), to evoke a title from the Spanish constitutionalist
Pereira Menaut (1992). United Kingdom has a Constitution and always had it, since
its creation. Not as some (maybe not so many now) manuals seem to say, just an
unwritten one. As if it would be a failure, a minus. No, it’s, on the contrary, something
quite different: a question of art and time, with many texts created throughout
History, from the Magna Charta and the Habeas Corpus to (still in force) the Treaty
of Lisbon. All of them, and many other important bills and even mere custom rules
(for example saying who has to be appointed Prime Minister) compose the building.
Somehow, a baroque one, at our continental European eyes.
So, the European Constitution was not created as it was in mind of Monsieur
Valéry Giscard D’Estaing and his followers, but the silent resilience of unknown
European bureaucrats and politicians made possible, some years later, the Treaty
of Lisbon, which is the vertex of the complex pyramid of norms that constitute a
dispersed, uncodified European Constitution.
Let’s underline this: before the European Convention, of course we already
could consider, under the light of the theory we are following, the existence of
a real (of course uncodified, material) European Constitution. Pereira Menaut
(1992) and his co-authors even published in Spanish by that time a nice small
book, with a blue cover showing the symbolic circle of stars with the provocative
but appropriate title: The Constitution of Europe (PEREIRA MENAUT; BRONFMAN;
CANCELA, 2000). Before Giscard D’Estaing’s turtle. Before it decided to walk. In
that book, we could find the treaties, and even some jurisprudential decisions
of constitutional relevance, or even constitutional level. That is to say, it was a
compilation of the material Constitution.
We understand now how relevant are the teachings of the theory of State and
of theory of the Constitution. With them, we face the changing political reality with
a certain spirit (we dare to say with a certain quietness and tranquility of spirit).
Constitutional History, exiled from the curricula in certain universities around the
world, mostly due to the pressure of new subjects, is a longa manus, a long-range
weapon to deal with the present reality. It’s interesting how the canon of French
Constitutional Law, so important to the world constitutionalism, was always prone
to a previous large and deep study of the rich amount of constitutional experience
from past times.

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262 Echoes of a European revolution: Hopes and facts on a Constitution for Europe

4 Some Elements of the European Constitutional Acquis


Brevitatis causa, we cannot express here the relevance of different very important
universal (for sure universal) legacies of the European Constitutional order. Let us
just mention two of them, in our opinion very significant, one from legislative source,
and other from the jurisdictional one.
From the legislative source, we may appreciate the lessons of the values and
the principles’ presence in the texts in all this process. Although the importation of
the Chart of Rights of the Union was not completely compatible with the Preamble
of the Convention’s project of treaty, in their respective terms (CUNHA, 2007, p. 155)
– Confucius would say how important it is, to govern, to rectify the language (apud
LEYS, 2009, p. 66) –, that simple fact that the first paratext of the project appeals to
indivisible and universal values seem to be an outstanding step. That is, of course, a
theoretical level.
Furthermore, in the practical field, we must consider the important corpus of
decisions of the European Courts. And that jurisprudence is really law in action, and
creation of Law. Let us just stress the human rights jurisprudence.
There is an important acquis (as we know, a French word adopted as such to
mean something acquired and settled, decided in principle not to throw away or
revise in the future) we should point out now:
The principle of primacy of European Law over national law.
Sovereigntist politicians and even some constitutionalists are strongly against
this principle, deny it, but it’s done. How could it be otherwise? It seems irreversible,
at least, of course, while the European Union stands.
It should be always not very different from that if we wanted to have any
kind of European community of law. Of course, it must be interpreted and put
into practice in an intelligent way. A decision of a humble (or not so humble)
bureaucrat, let’s say, a under-under-secretary in Brussels doesn’t overtake the
Constitution of Germany or France or even the decisions of the Constitutional
Court of Karlsruhe or the Conseil d’État of Paris. That, of course, in practice. But
that also in good theory, and for the constitutions and constitutional jurisdictional
organs of all the countries part of the Union.
The principle of the most favorable law
If the Constitution of a certain country in the EU protects a citizen more than
the general common treaties, beginning with the European Chart of Fundamental
Rights, we may say that by express text (so, formal Constitution, hoc sensu) the material

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Constitution of Europe gives place to the national right, or the national most favourable
form of protection, excluding the solution of the common law (hoc sensu).
Principle of the European jurisdiction
States answer to European Courts necessarily, not by single consent, in each
conflict. Some states may be from time to time unhappy for being condemned, but
European Courts (God keep them good, wise, independent could be a prayer for them)
are not an adversary of member states, but a great help. Sometimes justice is better
if seen from a certain distance…
All this system allows us to say that there is already a supranational European
constitutional order, and that is a good and promising thing.
In the film A Fiddler in the Roof, directed by Norman Jewison, with the
unforgettable Topol, ironically, the rabbi, when asked if there was a specific prayer
for the sake of the Tzar, said something like this: “May God keep and care the Tzar…
far, far away from our beloved village”.
Sometimes, a far (and nowadays what is distance?) fair power, independent from
the local questions, may be more just. That doesn’t deny the principle of subsidiarity.
It must be articulated with it. Many people put their hopes in European justice… And
the fact that the member states are condemned is a guarantee.
These three principles allow us to say that the European Constitution is also
an important example for ulterior steps on the global constitutionalism. European
Union still is an example of shared sovereign powers, and with better consequences,
an example of multilevel constitutionalism on the judicial powers. Europeans
cannot think their rights, liberties and guarantees nowadays without the comfort of
a possible appeal to European Courts.
We hope that in a future it will be the same with the tranquility of the existence
of an International Constitutional Court.

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264 Echoes of a European revolution: Hopes and facts on a Constitution for Europe

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De Wednesbury unreasonableness a
accountability for reasonableness: controle
judicial e a alocação de recursos em saúde
na Inglaterra1
Daniel Wei Liang Wang
Professor de Direito na Queen Mary (University of London). Doutor em Direito e
Mestre em Filosofia pela (London School of Economics). Mestre e Bacharel em
Direito pela (Universidade de São Paulo).

Tradução: Valter Shuenquener de Araújo e


Victor Felipe de Oliveira Nascimento2

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Controle Judicial das decisões de racionamento em saúde: de Wednesbury a um controle
rigoroso 3 O Estabelecimento de Prioridades no NHS: do racionamento implícito à accountability for reasonableness
4 Conclusão 5 Referências.

RESUMO: Ao longo das últimas décadas, as decisões alocativas no Serviço Nacional de Saúde da
Inglaterra – NHS deixaram de ser implícitas para apresentar um caráter cada vez mais explícito com
relação aos tratamentos que não são fornecidos aos pacientes, bem como com relação aos motivos
para tais decisões e aos procedimentos pelos quais essas são tomadas. O presente artigo argumenta
que os tribunais têm tido um importante papel neste processo. Ao examinar com mais rigor decisões
alocativas, o Judiciário forçou os gestores de saúde a tomar decisões mais bem informadas e a levar o
procedimento decisório mais a sério para garantir o cumprimento das ordens judiciais e para melhor
contestar ou evitar ações judiciais. Este artigo revela que o controle judicial tem contribuído para
graduais, mas significativas e duradouras, mudanças no NHS e oferece elementos para aprofundar
as discussões sobre paradoxos do controle judicial em matéria de escolhas alocativas em saúde.

PALAVRAS-CHAVE: Controle Judicial Saúde Direitos Sociais Judicialização NHS.

1 A versão original em inglês deste artigo foi publicada como “From Wednesbury unreasonableness to accountability
for reasonableness”, no periódico Cambridge Law Journal, 76(3): 642-670, 2017. O autor agradece à Cambridge University
Press por ceder os direitos para a tradução; a Valter Shuenquener de Araújo e a Victor Felipe de Oliveira Nascimento
pela tradução para o português; a Natália Pires de Vasconcelos pela leitura e comentários da versão traduzida; e
a Conor Gearty, Thomas Poole, Carol Harlow e Peter Littlejohns por comentários à versão original deste trabalho.

2 Valter Shuenquener de Araújo: Doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com
período sanduíche na Ruprecht-Karls Universität Heidelberg (Alemanha). Professor do Programa de Pós-Graduação em
Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: vsaraujo19@gmail.com. Victor Felipe de Oliveira
Nascimento: Graduando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: von@tepedino.adv.br.

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From Wednesbury unreasonableness to accountability for reasonableness

CONTENTS: 1 Introduction 2 Judicial Review of health care rationing decisions: From Wednesbury
to a heightened scrutiny 3 Priority-setting in the NHS: from implicit rationing to accountability
for reasonableness 4 Conclusion 5 References.

ABSTRACT: Over the last decades, rationing of medical treatment in the National Health Service
- NHS - has moved from implicit to being increasingly explicit about what is being denied and
about the procedures and reasons for such decisions. This article argues that the courts have
had an important role in this process. By applying a heightened scrutiny of rationing decisions,
courts have forced health authorities to make better-informed decisions and to take procedural
justice more seriously to comply with, respond to and avoid judicial review. The analysis in
this article reveals that litigation has contributed to incremental, but significant and enduring,
changes in a social policy. It also offers insights to the paradoxes of judicial accountability in
health care policies.

KEYWORDS: Judicial Review Health Care Social Rights Rationing NHS.

De Wednesbury unreasonableness a accountability for reasonableness: control


judicial y la asignación de recursos en salud en Inglaterra

CONTENIDO: 1 Introducción 2 Control judicial de las decisiones de racionamiento en salud: de


Wednesbury a un control estricto 3 El establecimiento de prioridades en el NHS: del racionamiento
implícito a la accountability for reasonableness 4 Conclusión 5 Referencias.

RESUMEN: En las últimas décadas, el racionamiento del tratamiento médico en el Servicio Nacional
de Salud de Inglaterra - NHS dejaron de ser implícitas para presentar un carácter cada vez más
explícito sobre lo que se niega y sobre los procedimientos y las razones de tales decisiones. Este
artículo argumenta que los tribunales han tenido un papel importante en este proceso. Al aplicar
un mayor escrutinio de las decisiones de racionamiento, los tribunales han obligado los gestores
de salud a tomar mejores decisiones informadas y a llevar el procedimiento decisorio más en serio
para cumplir, responder y evitar la revisión judicial. El análisis en este artículo revela que el control
judicial ha contribuido a cambios graduales, pero significativos y perdurables en el NHS y ofrece
elementos sobre las paradojas de la responsabilidad judicial en las políticas de atención de la salud.

PALABRAS CLAVE: Revisión Judicial Cuidado de la salud Derechos Sociales Racionamiento NHS.

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1 Introdução
Em diversos países, pacientes têm recorrido ao Judiciário para contestar decisões de
sistemas públicos de saúde que lhes negam o fornecimento de tratamentos médicos. Este
fenômeno é objeto de diversas análises de caso e de estudos comparativos que buscam
compreender o impacto real e potencial da judicialização nos sistemas de saúde e, em
particular, como as ações judiciais afetam a equidade no acesso aos serviços de saúde. O
tema também tem suscitado um debate normativo sobre se – ou em que extensão – juízes
deveriam se envolver em decisões relacionadas à alocação de recursos em saúde3.
Os tribunais ingleses4 não são exceção, pois têm julgado pedidos contra decisões de
racionamento5 em saúde há mais de 30 anos. Ainda assim, o impacto dessas demandas
sobre o Serviço Nacional de Saúde Inglês – NHS não recebeu muita atenção por parte da
literatura sobre direitos sociais, se comparado à vasta literatura sobre o mesmo fenômeno
em países como Canadá, África do Sul, Brasil e Colômbia6. Essa falta de interesse é devida,
muito provavelmente, à ausência de um direito subjetivo à saúde positivado na legislação
britânica e a uma percepção geral de que os tribunais ingleses normalmente evitam
interferir em decisões alocativas discricionárias em políticas sociais.
Entretanto, a falta de atenção ao caso da Inglaterra é uma séria lacuna na literatura. A
jurisprudência inglesa oferece um amplo espectro de respostas para o dilema entre controlar
os gestores encarregados de fazer decisões alocativas e, ao mesmo tempo, reconhecer a
expertise e a legitimidade constitucional destes gestores para tomarem tais decisões. A
Inglaterra também é um lugar em que a atuação do Judiciário contribuiu para produzir
mudanças graduais, mas significativas e duradouras, no modo como o sistema de saúde
define suas prioridades. Este artigo busca preencher essa lacuna.

3 Ver, por exemplo, EXTER; BUIJSEN, 2012; FLOOD; GROSS, 2014b; YAMIN; GLOPPEN, 2011 e KING, 2012.

4 O Reino Unido é composto por Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte. Os julgados estudados
neste artigo foram proferidos por tribunais que possuem jurisdição apenas na Inglaterra e no País de Gales,
quais sejam, a High Court e a Court of Appeal, que são, respectivamente, a primeira e a segunda instância em
casos de direito administrativo. Por razões de simplificação, optou-se por utilizar Inglaterra para se referir a
Inglaterra e País de Gales.

5 O termo racionamento é uma tradução direta do termo em inglês rationing e significa limitar o acesso de
pacientes a tratamentos médicos em razão da necessidade de se estabelecer prioridades, dada a escassez de
recursos. Racionamento é pouco utilizado no Brasil neste contexto e com este sentido, embora seja utilizado
assim por autores portugueses. Ver, por exemplo, PINHO, 2008; 2010.

6 Ver, contudo, FLOOD; GROSS, 2014a.

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A jurisprudência inglesa, no que tange ao controle de decisões alocativas em saúde,


pode ser dividida em dois estágios. Isso reflete a mudança de posicionamento dos tribunais,
que partiram de uma abordagem muito deferente ao Executivo, em razão da aplicação do
teste Wednesbury unreasonableness no primeiro estágio e, progressivamente, no segundo
estágio, passaram a adotar um exame mais rigoroso das decisões de racionamento.
A jurisprudência desenvolvida durante o segundo estágio confronta a percepção comum
entre os especialistas em direito público e direitos humanos no Reino Unido de que os
tribunais ingleses costumam ser deferentes às decisões administrativas que envolvem a
alocação discricionária de recursos em saúde e cautelosos ao interferir em políticas sociais7.
Este artigo, porém, mostra um Judiciário que, apesar de se manter sensível às questões
financeiras e distributivas enfrentadas pela Administração, não aceita ser deferente ao
Executivo simplesmente porque este conta com expertise e legitimidade constitucional e
está disposto a examinar o processo pelo qual se chega a uma certa política pública, bem
como as razões para essa política e as evidências científicas que a informam.
A literatura britânica em direito da saúde sugere que a mudança de uma abordagem
deferente para um maior escrutínio por parte do Judiciário seria resultado de decisões por
racionamento cada vez mais explícitas no NHS. De acordo com esse argumento, o maior
conhecimento com relação à existência, ao escopo e aos processos de racionamento
teria levado ao aumento do controle judicial8. De fato, essa mudança de abordagem por
parte dos tribunais foi concomitante ao racionamento mais explícito no NHS. No entanto,
correlação não é causalidade e uma análise mais abrangente da jurisprudência e de como
o racionamento se tornou mais explícito no NHS, como proposto neste artigo, mostra
uma relação mais complexa entre os tribunais e o estabelecimento de prioridades na
Inglaterra. A análise também mostra que o racionamento mais explícito no NHS não explica
adequadamente o controle cada vez maior exercido pelos tribunais. Na verdade, é o controle
judicial mais intenso que ajuda a explicar as mudanças no sistema de saúde.
A judicialização e o controle judicial rigoroso sobre as decisões de racionamento
em saúde são, certamente, parte de um contexto em que o racionamento se tornou mais
explícito. No entanto, os tribunais também têm contribuído para a criação desse mesmo
contexto ao tornar o racionamento mais explícito ao público com relação ao que está sendo
negado aos pacientes (explícito sobre o quê) e ao exigir razões melhores e mais claras para
se negar financiamento a um certo tratamento, bem como ao demandar que essas decisões
sejam feitas por meio de processos mais transparentes (explícito sobre como e por quê).

7 Sobre o tema, vide AMOS, 2015; KING, 2007; PILLAY, 2013 e KRAJEWSKA, 2015.

8 Vide NEWDICK, 2004 e SYRETT, 2011; 2004.

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A relação mutuamente reflexiva entre como os tribunais decidem ações


relacionadas a racionamento em saúde e a maneira pela qual os cuidados
de saúde são priorizados no NHS tornam o caso da Inglaterra relevante para
a literatura sobre direitos sociais que procura compreender os papéis que
os tribunais podem desempenhar nas políticas de saúde. O tema também é
relevante para os estudos sócio-jurídicos interessados em entender o impacto
da judicialização na Administração 9.
O presente artigo se inicia com o exame da jurisprudência inglesa nos casos em
que se questionam as decisões de racionamento adotadas pelo NHS. Em seguida,
o processo em direção a um racionamento mais explícito no NHS é analisado,
destacando como os tribunais têm contribuído para torná-lo mais explícito sobre
o quê e sobre como e por quê. O trabalho propõe que o afastamento dos tribunais
do teste Wednesbury unreasonableness conduziu à progressiva incorporação das
condições necessárias para o accountability for reasonableness, tal como proposto
por Norman Daniels 10. Por fim, a conclusão discute as lições que podem ser
aprendidas a partir da análise da relação entre os tribunais e racionamento no
NHS, a fim de compreender o potencial, as limitações e os paradoxos do controle
judicial nas políticas de saúde.

2 Controle Judicial das decisões de racionamento em saúde: de Wednesbury a um


controle rigoroso

Esta seção examinará a jurisprudência inglesa em casos em que se discutem decisões


de racionamento tomadas pelo NHS11, ou seja, decisões discricionárias que negavam
financiamento público para intervenções médicas em razão da necessidade de se estabelecer

9 Ver, por exemplo, HERTOGH; HALLIDAY, 2004 e SUNKIN, 2015.

10 Vide DANIELS, 2009; DANIELS; SABIN, 2008.

11 Alguns autores excluem da definição de racionamento os casos em que o financiamento é negado com base na
ineficácia do tratamento (vide por exemplo HERRING, 2008). A definição de racionamento neste artigo, contudo,
não exclui esses casos. Quando se trata de uma decisão administrativa sobre o fornecimento de um tratamento,
normalmente é difícil separar as razões de eficácia das de custo. Em um mundo ideal, onde os recursos fossem
ilimitados, seria perfeitamente razoável fornecer tratamentos cuja eficácia não fosse integralmente comprovada
ou cujos efeitos benéficos não fossem tão expressivos. No entanto, dada a realidade de qualquer sistema de saúde,
cada tratamento carrega custos de oportunidade e, portanto, a análise de eficácia, ao lado da avaliação de custos,
possui um papel central no estabelecimento de prioridades (vide WHO, 2014).

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prioridades na alocação de recursos em saúde12. A análise destes casos permite a divisão da


jurisprudência inglesa em dois estágios. No primeiro, que durou da década de 1980 até meados
da década de 1990, os tribunais dispensavam enorme deferência às decisões tomadas pelo
NHS por razões epistêmicas e constitucionais. Eles consideravam que avaliações científicas
e questões distributivas estavam fora do âmbito de controle judicial e, portanto, os tribunais
só deveriam intervir se a decisão administrativa fosse tão irrazoável que não seria tomada
por nenhuma autoridade pública razoável.
No segundo estágio, a partir da segunda metade da década de 1990, os tribunais
começaram a julgar de uma forma que eles mesmos haviam afirmado, durante o primeiro
estágio, que não deveriam. Eles passaram a analisar os motivos informados e os procedimentos
adotados pela administração, a ponto de as entidades competentes serem obrigadas a agir
sinopticamente, ou seja, a demonstrar que fizeram o melhor trabalho possível na coleta
de fatos, avaliando alternativas e articulando os valores que orientaram suas decisões13.
Um argumento recorrente é que essa mudança de abordagem seria resultado de um
contexto em que o racionamento em saúde se tornara mais explícito. No entanto, esta
seção sugere que a mudança é melhor compreendida como o resultado da incorporação
no direito público inglês de uma linguagem de direitos e do reconhecimento do dever das
autoridades de apresentar a motivação.

2.1 Primeiro Estágio: Intervenção mínima e Wednesbury Unreasonableness


Os primeiros casos em que decisões de racionamento em saúde foram contestadas
nos tribunais ingleses foram Hincks (REINO UNIDO, 1980), Harriott (REINO UNIDO, 1988a),
Walker (REINO UNIDO, 1988b), Collier (REINO UNIDO, 1988c) e Seale (REINO UNIDO, 1994b).
Em Hincks, Walker e Collier, os autores postulavam que o Judiciário declarasse que o atraso
para a marcação das suas cirurgias devido a longas filas de espera era uma violação ao dever
das autoridades da saúde de fornecer assistência médica integral. Em Seale, a reclamante
alegou que a política adotada pelas autoridade local de saúde de custear fertilizações in
vitro somente para mulheres entre 25 e 35 anos era irracional, pois se baseava em evidência
científica controversa e estabelecia um critério de exclusão que não levava em conta as

12 Esta seção analisa toda a jurisprudência sobre esse assunto encontrada na literatura especializada, nos
precedentes citados pelos tribunais e nos bancos de dados Bailii, Westlaw e LexisLibrary. Dado o escopo do artigo,
casos relativos à reconfiguração de serviços que não resultaram diretamente da negativa de financiamento para
tratamentos de saúde, casos de prestação de assistência social, de interpretação estatutária ou de indenização
por negligência médica não foram analisados.

13 Sobre a tomada de decisão sinótica, vide SHAPIRO, 1992.

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circunstâncias individuais de cada caso. Já Harriot, que também envolvia o financiamento


de fertilização in vitro, era uma ação contra a recomendação de um comitê de ética para
remover candidatas com antecedentes criminais da fila para receber tratamento.
Em Hincks, Walker, Collier e Seale, os tribunais se restringiram a um nível mínimo de escrutínio
das escolhas alocativas e confiaram que os gestores são capazes de tomar a melhor decisão.
O raciocínio dos tribunais era claro: os recursos são escassos, nem todas as necessidades de
saúde podem ser atendidas e, portanto, fixar prioridades é necessário; e as autoridades de
saúde são as mais aptas a realizar essa tarefa. Diante dessas premissas, os tribunais ingleses
entendiam que não havia razão para revisar decisões da administração pública que estabeleciam
prioridades para tratamentos de saúde. O controle judicial só seria possível quando as decisões
administrativas fossem Wednesbury unreasonable, ou seja, quando fossem tão absurdas ou
ultrajantes que, quando confrontadas com a lógica ou com a moralidade, nenhuma pessoa
razoável que analisasse a questão teria chegado à mesma conclusão.
Por esse raciocínio, as autoridades não seriam obrigadas a explicar as suas decisões,
cabendo ao autor da ação judicial o ônus de provar a irracionalidade de um racionamento.
Como a Court of Appeal afirmou em Collier, seria desejável que as autoridades de saúde
apresentassem suas razões e justificativas para sua alocação de recursos escassos, mas
os tribunais não seriam o fórum adequado para debater essas questões: “[...] este tribunal
e a High Court não possuem o papel de investigadores gerais das políticas sociais ou da
distribuição de recursos” (REINO UNIDO, 1988c, p. 151, tradução nossa). Ademais, os tribunais
se recusavam a analisar evidências médicas conflitantes, além de não exigirem que as
autoridades de saúde considerassem circunstâncias individuais e excepcionais na hora de
aplicar uma política. O juiz Walker, em Hincks afirmou:

Esta Corte não pode neste caso examinar os fatos mais do que poderia fazer
em qualquer outro em que o equilíbrio financeiro e a distribuição e uso de
verbas sejam objeto de discussão. Essas, certamente, são questões em que há
enorme interesse e preocupação do público – mas são questões que devem ser
levantadas, tratadas e respondidas fora do tribunal. [...] Eu estou plenamente
convencido que estas decisões das autoridades de saúde não são passíveis de
serem discutidas no tribunal. [...] Reprovo qualquer sugestão de que os pacientes
devam ser encorajados a pensar que a Corte tenha algum papel em um caso
desse tipo. (REINO UNIDO, 1980, p. 93, tradução nossa).

Em Harriot também não houve um aprofundamento na análise dos motivos que levaram
à recusa do tratamento médico. A falta de recursos não foi central para a recomendação
de não financiar a fertilização in vitro para essa paciente, embora tenha sido mencionado
que, em situação de escassez, “alguns indivíduos terão argumentos mais convincentes para

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receber tratamento do que outros” (REINO UNIDO, 1988a, p. 512-514, tradução nossa). O
juiz Schiemann admitiu a possibilidade de uma política de saúde ser revista pelos tribunais,
mas mencionou, como exemplo de uma política pública legal, a decisão absurda e ultrajante
de recusar “tratamento a qualquer um que fosse judeu ou de cor” (REINO UNIDO, 1988d, p.
519, tradução nossa). A High Court também se recusou a reconhecer ilegalidade no fato de
a parte autora ter sido impedida de provar que seu caso era excepcional e de não ter sido
informada sobre o verdadeiro motivo para a sua remoção da fila de espera.
Dada a postura de autocontenção por parte dos tribunais acerca do seu próprio papel
na revisão das decisões de racionamento e a dificuldade de se demonstrar que uma decisão
era, de fato, absurda ao arrepio da lógica ou da moralidade, não surpreende que todas as
decisões de racionamento acima citadas tenham resistido à revisão judicial. O ponto de
virada na abordagem dos tribunais se deu em Child B (REINO UNIDO, 1995a). Uma criança
com câncer havia recebido diversos tratamentos médicos que falharam em produzir uma
melhora duradoura. Diante desse cenário, os médicos responsáveis chegaram à conclusão
de que não havia mais nenhum outro tratamento eficaz para a paciente. No entanto, o pai
da criança encontrou um especialista americano disposto a tentar outro procedimento
quimioterápico. Os médicos da criança discordaram, alegando que o tratamento causaria
um sofrimento desnecessário e que as chances de sucesso eram muito baixas devido a sua
natureza experimental. Com base nos depoimentos médicos e no custo do tratamento, a
autoridade de saúde local decidiu não o financiar.
A família, então, ingressou com uma ação judicial e a decisão administrativa de não
financiar o outro método terapêutico foi anulada pela High Court por ser Wednesbury
unreasonable. A High Court decidiu que (1) a autoridade de saúde não havia levado em conta
os desejos da paciente; (2) o tratamento não deveria ter sido considerado experimental,
dadas as estimativas de sucesso apresentadas pelos médicos americanos; (3) ainda que a
perspectiva de sucesso fosse pequena, a paciente deveria ter uma chance de tentar; (4) o
custo do tratamento havia sido superestimado pelas autoridades; (5) o argumento da falta
de recursos consistia apenas em generalidades; (6) quando a vida de alguém está em risco,
as autoridades de saúde não podem simplesmente bradar que recursos são escassos e
devem explicar as prioridades que as levaram a negar o financiamento; e (7) apesar do poder
discricionário conferido às autoridades, elas não podem interferir em direitos, a menos que
possam demonstrar razões objetivas e substanciais de interesse público.
As inovações presentes nessa decisão não podem ser subestimadas. Apesar de ainda
aplicar a linguagem de Wednesbury unreasonableness, o caso foi analisado de uma maneira
que os tribunais afirmavam explicitamente em decisões anteriores que não fariam: questionar

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a avaliação médico-científica das autoridades sobre o tratamento; transferir o ônus da prova


para as autoridades de saúde, que deveriam fornecer motivos suficientes para não prover o
tratamento; não aceitar que a escassez de recursos justifique a recusa de tratamentos por
razões puramente orçamentárias; insistir que as circunstâncias individuais de cada paciente
devam ser consideradas; e estabelecer que o nível de discricionariedade das autoridades de
saúde era menor em situações como essa, em que um importante direito estava em jogo.
A Court of Appeal, no entanto, reverteu essa decisão. Ela declarou que o tribunal não
era o árbitro do mérito de casos como esse e, ainda, que nenhuma prova concreta seria
necessária para convencer a Corte de que nenhuma autoridade de saúde está em posição
de fornecer tudo o que gostaria no interesse de seus pacientes. Dessa forma, os tribunais
não podem fechar os olhos para a realidade de que as autoridades são constantemente
pressionadas a trabalhar dentro dos limites de seu orçamento, ao mesmo tempo em que são
responsáveis por tomar decisões difíceis e angustiantes. Assim, não se deve esperar que os
tribunais examinem ou revejam as prioridades estabelecidas pelas autoridades de saúde,
a menos que elas tenham agido de uma maneira que tenha excedido seus poderes ou de
maneira irrazoável no sentido de serem absurdas:

Decisões difíceis e angustiantes devem ser feitas para que um orçamento limita-
do seja alocado de modo a permitir que o maior número de pacientes receba o
máximo de benefícios. E esse não é um julgamento que cabe aos tribunais fazer.
[...] Não se trata de algo pelo qual a autoridade de saúde possa ser criticada por
não explicar em juízo. (REINO UNIDO, 1995a, p. 906, tradução nossa).

Nada obstante o veredito da Court of Appeal, que reafirmou o papel já predominante


de autocontenção por parte das esferas judiciais, a decisão da High Court em Child B é um
marco. Não somente por ter sido o primeiro caso em que uma decisão de racionamento
em saúde foi questionada, mas também por representar o marco inaugural de um novo
raciocínio jurídico que se tornou predominante na jurisprudência inglesa a partir de então,
pautado em uma análise mais rigorosa das decisões administrativas.

2.2 Segundo estágio: escrutínios rigorosos das razões e dos processos administrativos
Após Child B, e apesar da decisão da Court of Appeal, o entendimento de que as
decisões que estabelecem prioridades são imunes à revisão judicial, bastando, para tanto,
não serem absurdas, foi substituído pela exigência de que os entes públicos demonstrem
ter levado em conta todas as questões relevantes ao limitar o acesso a um tratamento
de saúde. Neste segundo estágio, os tribunais começaram a exigir que as decisões de
racionamento fossem baseadas em motivações racionais e explícitas e tomadas por meio

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de um processo administrativo justo e transparente. Ademais, como será demostrado


nesta seção, os tribunais se tornaram cada vez mais exigentes e rigorosos ao avaliar
motivações e processos administrativos.
No caso Coughlan (REINO UNIDO, 2001), a decisão de fechar um hospital onde uma paciente
deficiente vivia e transferi-la para outro lugar por razões clínicas e financeiras foi anulada
pelo Judiciãrio. A Court of Appeal analisou, dentre outras coisas, as circunstâncias individuais da
paciente; a sua legítima expectativa criada pela promessa que lhe fora feita de poder residir
naquele hospital pelo resto da vida; o interesse público alegado para justificar a frustração
dessa expectativa; e se a outra acomodação atenderia suas expectativas. Como afirmado por
Lord Woolf: “Ao ponderar os interesses conflitantes, o tribunal não irá simplesmente aceitar
a mudança em uma política sem questionamentos, mas vigiará com atenção as avaliações
feitas pelos órgãos públicos” (REINO UNIDO, 2001, p. 89, tradução nossa).
No caso Fisher (REINO UNIDO, 1997a), um tratamento de esclerose múltipla foi
negado por uma autoridade local em função da falta de verbas e de não haver evidências
do seu custo-efetividade, apesar de haver uma circular central do NHS demandando às
autoridades locais de saúde o desenvolvimento e a implementação de medidas para
prescrição desse tratamento. A High Court anulou a decisão sob o fundamento de que
a autoridade questionada não havia apresentado motivos razoáveis e claros para não
cumprir com a política nacional, além de estabelecer uma regra geral de não fornecimento
sem levar em conta as circunstâncias individuais de cada paciente (blanket ban)14. A
decisão de não fornecer um tratamento sem dar margem a exceções foi também a razão
para anular a decisão de racionamento em A, D e G (REINO UNIDO, 1999), caso em que
se discutia a validade da política pública que conferia baixa prioridade às cirurgias de
redesignação sexual. Apesar de a autoridade de saúde local mencionar que circunstâncias
excepcionais deveriam ser consideradas, a Court of Appeal entendeu que a forma como
essas circunstâncias eram consideradas resultava em uma vedação geral. A corte também
contestou a avaliação científica das autoridades de saúde, concluindo que elas não haviam
considerado adequadamente as evidências de que esse tratamento seria eficaz15.
A obrigação de se considerar casos excepcionais em uma política de racionamento foi
reafirmada em diversos casos posteriores em que as decisões de não financiar remédios para
o tratamento de câncer por razões de custo e de falta de evidências foram julgadas ilegais.16.
Nesses casos, os tribunais admitiram que um medicamento pode deixar de ser financiado em

14 Vide REINO UNIDO, 2014.

15 Outro caso em que se questionou a avaliação médico-científica feita pelo NHS foi REINO UNIDO, 2017a.

16 Vide: REINO UNIDO, 2006a; 2006b; 2007a; 2008a e 2008b.

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virtude da necessidade de se estabelecer prioridades, mas essa política só seria admitida como
razoável se fundada em motivos racionais e claros, e desde que considerasse circunstâncias
excepcionais. Além disso, o conceito de excepcionalidade não poderia ser demasiadamente
estreito, a ponto que nenhum caso consiga ser classificado como excepcional. Em Rogers
(REINO UNIDO, 2006a), a Court of Appeal, revertendo decisão da High Court, anulou uma
política exatamente porque as circunstâncias excepcionais para financiar Herceptin não
estavam claras. Em Otley (REINO UNIDO, 2007a) e Ross (REINO UNIDO, 2008a), os tribunais,
com base em opiniões divergentes de especialistas, também contestaram a análise das
evidências científicas feita pelas autoridades de saúde e a consequente conclusão de que
o caso dos requerentes não era excepcional. Em Murphy (REINO UNIDO, 2008b), muito
embora nenhum dos fatores trazidos pela paciente pudessem tornar seu caso excepcional,
o tribunal invalidou a decisão de não financiamento porque as autoridades avaliaram cada
um dos fatores separadamente, e não holisticamente (em conjunto).
Além dos casos contra as autoridades locais de saúde, há, ainda, ações judiciais contra
decisões do National Institute for Health and Care Excellence – NICE, o órgão responsável
por avaliação de tecnologias em saúde, que não recomendaram o fornecimento de
determinados tratamentos pelo NHS. Nesses julgamentos, os tribunais deram especial
atenção à justiça no processo que ensejou a decisão, incluindo discussões sobre se
o NICE precisaria divulgar às partes interessadas uma versão completa do modelo
econômico utilizado para calcular custo-efetividade (REINO UNIDO, 2007b; 2009a;
2010), ou um suposto viés ou conflito de interesse por parte dos especialistas escolhidos
pelo Instituto para realizar as avaliações17.
O tema da intensidade adequada do controle judicial sobre as decisões do NICE,
bem como das motivações apresentadas pelo instituto, foi levantado em Servier (REINO
UNIDO, 2010). A High Court entendeu que uma decisão do NICE de não recomendar um
novo tratamento para osteoporose havia considerado corretamente todos os dados
disponíveis. A corte também decidiu que as razões para a decisão foram explicadas de
forma razoável, inteligível e suficiente, e que caberia ao NICE decidir sobre o peso a ser
atribuído às evidências apresentadas18. A Court of Appeal, no entanto, reformou essa decisão
e determinou que o NICE tomasse uma nova decisão sobre o tema. O NICE havia rejeitado
parte dos dados apresentados pelo fabricante do produto devido à sua baixa qualidade
técnica, mas a Court of Appeal considerou que as razões científicas para essa decisão foram
“inadequadamente explicadas” (REINO UNIDO, 2009b).

17 Vide também: REINO UNIDO, 2009b.

18 Vide também: REINO UNIDO, 2009b.

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É importante ressaltar que também há algumas exceções ao controle judicial mais


rigoroso no segundo estágio. Em Pfizer (REINO UNIDO, 2002),19 a Court of Appeal reformou uma
decisão da High Court que anulara a política do Ministério da Saúde (Department of Health) de
restringia o acesso a Viagra no NHS. A High Court entendeu que a falta de razões suficientes
e transparentes para essa política era uma violação aos Direitos inglês e europeu, conforme
disposto no Art. 7o da Diretiva 89/105/EEC do Conselho Europeu (CONSELHO EUROPEU, 1988).
A Court of Appeal, porém, ecoando o raciocínio judicial que preponderava no primeiro estágio
da jurisprudência inglesa, julgou que a alocação dos recursos destinados à saúde era um
problema político e que seria inapropriado que cada decisão administrativa fosse sujeita a
um controle judicial detalhado de mérito ou de avaliação econômica de produtos médicos. O
elevado status do réu neste caso – o Ministro da Saúde – pode explicar o porquê de a decisão
administrativa ter sido considerada política pelo tribunal e, assim, ter atraído maior deferência
judicial se comparada às outras tomadas pelo NICE ou em nível local. Isso também poderia
explicar porque a maioria da Suprema Corte em A e B (REINO UNIDO, 2017b) não analisou
com tanto rigor a motivação fornecida pelo Ministro da Saúde para não custear serviços de
aborto realizados na Inglaterra para mulheres residentes da Irlanda do Norte20.
Outra exceção, mas por razões diversas, foi a decisão da High Court em Watts (REINO UNIDO,
2003). O caso dizia respeito ao direito de uma paciente, sob as leis da União Europeia, de pleitear
o reembolso junto ao NHS de um tratamento realizado no exterior, quando a fila de espera
na Inglaterra era excessivamente longa. A High Court, diferentemente de outros julgamentos
envolvendo a recusa de financiamento de tratamento médico, analisou o caso sob a perspectiva de
direitos e necessidades individuais, ao invés do ponto de vista da prestação de um serviço público
(MONTGOMERY, 2006, p. 198). Ela concluiu que motivos de natureza meramente econômica não
poderiam, por si só, restringir o direito dos pacientes de buscar tratamentos médicos no exterior e
rejeitou, por se tratar de uma “especulação sem base no bom senso” (REINO UNIDO, 2003), a tese
de que isso colocaria em risco o funcionamento do sistema público de saúde. A Court of Appeal
adiou a sentença para aguardar a decisão da Corte de Justiça da União Europeia, mas levantou
preocupações sobre a decisão da High Court e questionou se um tribunal estaria em posição de
concluir que atribuir ao NHS o dever de financiar tratamentos no exterior não teria um impacto
econômico negativo, nem prejudicaria o sistema de listas de espera (REINO UNIDO, 2004).

19 Vide também: REINO UNIDO, 2011.

20 A Irlanda do Norte, que faz parte do Reino Unido, possui uma legislação mais restritiva que a Inglaterra com relação
ao aborto. Por isso, muitas mulheres da Irlanda do Norte viajam para a Inglaterra para terem acesso a um serviço de
aborto legal. Porém, por não serem residentes na Inglaterra, elas à época não poderiam ter acesso gratuito ao sistema
de saúde inglês e tinham que pagar por um aborto. A ação em A e B alega que o não fornecimento de serviços de aborto
gratuitos na Inglaterra pelo NHS para mulheres na Irlanda do Norte é uma violação de direitos humanos.

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280 De Wednesbury unreasonableness a accountability for reasonableness:

Em suma, uma narrativa quase linear pode ser contada sobre como a jurisprudência evoluiu de
uma postura de autocontenção judicial para uma em que os tribunais constantemente adicionam
novos requisitos a serem considerados pelas autoridades para que uma decisão de racionamento
em saúde possa resistir à revisão judicial21.A presunção de que os tomadores de decisão primários
do NHS estão realizando seu trabalho corretamente e a ideia de que os tribunais não deveriam
reexaminar suas escolhas deixou de prevalecer entre os juízes. Os tribunais, durante o segundo
estágio, julgaram em um sentido que afirmavam de forma explicita e inequívoca não poder julgar
durante o primeiro estágio: aumentaram o rigor no controle das razões e processos para formação
de políticas públicas; contestaram as avaliações científicas com base em opiniões especializadas
divergentes; exigiram que circunstâncias individuais e excepcionais fossem consideradas; e
questionaram a ponderação de interesses conflitantes feita pela Administração. Em alguns casos,
os tribunais enfrentaram até questões orçamentárias. Em um deles, o tribunal entendeu que o
fornecimento de um medicamento específico exigiria uma alocação de recursos relativamente
pequena, o que não colocaria em risco o interesse de outros pacientes (REINO UNIDO, 2007a). Em
outro caso, o tribunal considerou que a autoridade competente tinha fundos suficientes, mas havia
optado por não os usar (REINO UNIDO, 1997a). Este controle judicial mais intenso resultou em uma
série de decisões judiciais contrárias ao NHS (ver figura abaixo). Em alguns poucos casos, a anulação
da decisão administrativa chegou a ser acompanhada da exigência de prover, imediatamente, o
tratamento pretendido pelo paciente (REINO UNIDO, 2008a; 2006b; 2007a).

Fig. 1 – Revisão judicial de decisões de racionamento em saúde


Fonte: Elaborada pelo próprio autor.

21 Vide também: SYRETT, 2007, cap. 6; PALMER, 2007, p. 209; NEWDICK, 2005, p. 93 e SYRETT, 2011.

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2.3 Explicando a Mudança na Jurisprudência


Na literatura britânica de direito da saúde argumenta-se que a mudança de uma
postura deferente, decorrente da aplicação do clássico teste Wednesbury unreasonableness,
para um controle mais rigoroso das decisões de alocação de recursos pode ser explicada
pela crescente racionamento explícito no NHS22. De acordo com esse argumento, quanto
mais as pessoas souberem que há tratamentos médicos potencialmente benéficos lhes
sendo negados, mais elas irão ao Judiciário, e quanto mais transparente forem as razões e
os processos adotados para se estabelecer prioridades, mais rigoroso será o controle judicial.
O seguinte trecho de Syrett ilustra bem esta posição:

Considerando que o ambiente em que a decisão sobre a alocação de recursos se


insere foi significativamente alterado, quando comparado àquele existente no
final dos anos 1980 – e, em particular, que a consciência da existência, do escopo
e do processo de fixação de prioridades é muito maior, como consequência de
uma mudança geral em busca de maior explicitude –, tal transformação nas
atitudes do Judiciário talvez fosse previsível. (2011, p. 108, tradução nossa).

Se este argumento estiver correto, então o caso da Inglaterra confirmaria a hipótese de


que o racionamento explícito abre as portas para o ataque de pacientes insatisfeitos e de seus
advogados, ensejando ações judiciais cada vez mais bem-sucedidas23. No entanto, ao analisar
cronologicamente a jurisprudência, é possível observar que, na verdade, é o rigoroso controle
judicial das decisões de racionamento que levou o NHS a ser mais explícito sobre os motivos
e processos que levaram ao racionamento de um tratamento médico, e não o contrário.
Na maioria dos casos em que as decisões de racionamento eram julgadas ilegais, os
gestores do NHS não foram capazes de atender às exigências dos tribunais: apresentar
razões claras e razoáveis para a proibição total de um tratamento; levar em conta e analisar
adequadamente as circunstâncias excepcionais de cada caso; considerar cuidadosamente as
evidências científicas relevantes; e divulgar informações suficientes às partes interessadas.
Como a jurisprudência nos revela, os tribunais estavam dispostos a acrescentar novos
requisitos à lista que as autoridades competentes deveriam seguir para que suas decisões
fossem mantidas. Esses requisitos, conforme será discutido a seguir, foram posteriormente
incorporados ao processo decisório administrativo, a fim de evitar futuros litígios, de melhor
responder a demandas judiciais, ou de simplesmente cumprir uma sentença.

22 Ver NEWDICK, 2004, p. 93; SYRETT, 2011; 2004, p. 297.

23 Esta hipótese foi discutida por Daniels e Sabin em Setting Limits Fairly (2008, p. 50) e por Daniels em
Just Health (2009, p. 122).

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282 De Wednesbury unreasonableness a accountability for reasonableness:

Desse modo, já que o racionamento explícito não é capaz de, por si só, explicar
adequadamente a transformação na forma como os tribunais decidem em matéria de
racionamento em saúde, esta seção desenvolve uma hipótese alternativa: a mudança de
atitude dos juízes em relação a essas demandas foi parte de uma mudança mais ampla na
cultura e na prática do direito público inglês que levou ao aumento na assertividade dos
tribunais em relação ao seu próprio papel no controle da Administração24.
Tradicionalmente, os tribunais ingleses desempenharam um papel político marginal
e evitaram interferir em questões políticas, provavelmente devido à ausência de uma
Constituição escrita e de mecanismos de controle de constitucionalidade bem como a um
forte apego ao princípio de separação dos poderes. Em regra, os tribunais se recusavam a
substituir as convicções da Administração sobre os méritos de uma política pública pelas
suas, a menos que a decisão administrativa fosse Wednesbury unreasonale25. A abordagem
muito autocontida dos tribunais ao julgar casos de racionamento em saúde antes do caso
Child B deve ser compreendida neste contexto mais amplo.
No entanto, e particularmente a partir dos anos 1990, observou-se o crescente uso dos
tribunais para contestar as decisões da Administração. Isso certamente não se restringiu a
questões de acesso a tratamentos (REINO UNIDO, 1987; SUNKIN, 1995, p. 69; BONDY; SUNKIN,
2009). Este fenômeno pode ser parcialmente explicado pela crescente pressão exercida pela
Convenção Europeia de Direitos Humanos, que prestigia uma maior participação dos tribunais
em decisões políticas e econômicas, sobre o Direito inglês e sua cultura jurídica (SUNKIN, 1995,
p.75). Direitos foram invocados como fontes de princípios normativos ou como parâmetros
para políticas públicas mesmo antes da Convenção ser introduzida na legislação interna por
meio do Human Rights Act – HRA (HARLOW; RAWLINGS, 2009; LESTER, 2011, p. 76-77; POOLE,
2005, p. 706). A promulgação do HRA em 1998 trouxe para a Inglaterra a política dos direitos e
elevou o poder político das instituições responsáveis pela efetividade desses direitos, a saber,
os tribunais, em relação às instituições políticas e administrativas responsáveis pela elaboração
de políticas. A incorporação da linguagem de direitos mitigou as barreiras ao controle judicial
das decisões administrativas fundadas na autoridade da fonte formal de poder e no respeito
à discricionariedade administrativa. Assim, criou-se a expectativa de que os tribunais fariam
mais do que apenas testar se uma decisão impugnada era ou não absurda (ALLAN, 2006, p.
671-695; POOLE, 2007, p. 266; CRAIG, 2008, p. 620).

24 A possibilidade de que mudanças no Direito administrativo inglês pudessem afetar a intensidade do


controle judicial neste tipo de caso já havia sido sugerida por NEWDICK, 2004, p. 119 e por STEWART,
2000.

25 Vide SUNKIN, 1995, p. 67 e HARLOW; RAWLINGS, 2009, p. 95-96.

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Em consonância com a afirmação da linguagem dos direitos, houve uma crescente


tendência no direito inglês de reconhecer a necessidade de um exame detalhado das razões
apresentadas pelas autoridades públicas para suas decisões. Em texto de 1986, Genevra
Richardson entendeu que o dever de motivar estava começando a se desenvolver no
Reino Unido, embora em uma versão mais branda do que a doutrina do hard look do direito
administrativo norte-americano (RICHARDSON, 1986, p. 437)26. Entretanto, o princípio de que
a administração tem o dever de fornecer motivos começou a ser efetivamente articulado e
aplicado no início dos anos 1990 em uma ampla variedade de casos e contra um princípio
consolidado no direito inglês de que as entidades não tinham um dever geral de motivação
(ELLIOT, 2011, p. 56-58; CRAIG, 1994, p. 282). A exigência judicial cada vez mais intensa de
que autoridades públicas fornecessem motivos suficientes para suas decisões foi sentida
pela Administração. Em diferentes edições do documento The Judge Over Your Shoulder,
uma diretriz preparada pelo governo britânico para informar as autoridades públicas
sobre como tornar suas decisões menos vulneráveis à revisão judicial, pode-se notar que a
necessidade de motivação foi inicialmente vista como excepcional e relevante apenas em
certas circunstâncias, mas depois se tornou regra para a Administração27.
De acordo com Murray Hunt, o direito público inglês já estava “traçando seu caminho”
em direção a uma “cultura de justificação” e a HRA acelerou o ritmo dessa transição
(2003, p. 342). O processo de tradução da linguagem dos direitos em um controle judicial
rigoroso dos procedimentos administrativos e das razões que fundamentam as decisões
administrativas transcendeu as fronteiras tradicionais da deferência adotada pelos
tribunais ingleses e, ao mesmo tempo, estabeleceu novos limites para a atuação das
cortes. O dever de apresentar razões tornou-se um mecanismo capaz de permitir que os
tribunais realizassem a sua função de controlador com maior rigor, avaliando as razões
das autoridades competentes a fim de garantir que as suas decisões sejam tomadas de
forma fundamentada e não-arbitrária (CRAIG, 2008, p. 283)28.
A linguagem de direitos e o dever de motivação encontraram uma afinidade
eletiva nos tribunais ingleses. O fato é perfeitamente traduzido pelas palavras do juiz
Laws em um artigo de 1993, texto em que afirmou que os tribunais deveriam atribuir
“prioridade ao direito em questão, a menos que [a autoridade decisória] possa dar
uma justificativa pública objetiva e substancial para superá-la”. Ademais, para o autor,
“quanto maior for a intervenção de um órgão público sobre uma área onde direitos

26 Vide também SHAPIRO, 1992, p. 179.

27 Ver as edições de 1987, 1994, 2000 e 2006 deste documento.

28 Vide também SHAPIRO, 1992, p. 186.

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fundamentais dos cidadãos estão em jogo, mais sólida deve ser a justificativa a ser
dada pela autoridade pública” (1993, p. 74, tradução nossa) 29.
A mesma ideia, com palavras muito semelhantes, apareceu na decisão da High Court em
Child B (REINO UNIDO, 1995a)30, caso que foi julgado pelo próprio juiz Laws. A linguagem
de Wednesbury não foi completamente abandonada, mas aplicada de forma mais elevada.
Por exemplo, a High Court concluiu, em Otley (REINO UNIDO, 2007a), que determinada
política da autoridade de saúde local era Wednesbury unreasonable, mas apenas depois
de uma análise detalhada da política pública, das evidências científicas e dos valores que
fundamentavam a decisão administrativa.
A ideia de que a deferência dos tribunais não se assegura pela simples menção à
discricionariedade administrativa ou à autoridade constitucional do Executivo, mas deveria
ser conquistada pelas autoridades capazes de justificar suas decisões, foi reiterada em um
caso recente sobre financiamento de tratamento de saúde:

Demonstrar pura irrazoabilidade é um obstáculo muito alto a ser superado e,


em seu sentido mais direto, requer que a Corte chegue à conclusão de que a
decisão era tão irrazoável a ponto de ser perversa. Essa avaliação não requer,
necessariamente, qualquer avaliação das razões dadas por um órgão ou do
raciocínio por ele desenvolvido. [...] é certamente possível propor o que pode
ser visto como uma forma mais restrita de se questionar a irracionalidade, que
enfoca a qualidade e a lógica da motivação efetivamente apresentada pelos
tomadores de decisão em um caso. (REINO UNIDO, 2014, p. 95, tradução nossa).

É importante destacar que direitos humanos foram arguidos pelos reclamantes em


demandas judiciais contra decisões de racionamento em saúde, e que direitos foram debatidos
e mencionados nos julgados para justificar um maior controle judicial dessas decisões.
No entanto, em regra, direitos humanos não tiveram protagonismo na análise dos juízes e
não foram determinantes para o resultado dos casos31. Essa constatação é coerente com o
que Thomas Poole observou ao analisar casos relacionados a direitos humanos decididos
pelos tribunais ingleses: ainda que, na maioria dos casos, houvesse alguma consideração
preliminar sobre a importância dos direitos afetados pela decisão administrativa ou pela
política que estava sendo questionada, eles não eram o principal centro de atenção ou de
debate nas decisões. Em vez disso, ainda de acordo com o autor, os casos foram decididos

29 Vide também REINO UNIDO, 1995b.

30 Vide também REINO UNIDO, 2001.

31 A decisão da High Court em Secretary of State for Health, ex parte Watts [2003] EWHC 2228 (Adm) (REINO
UNIDO, 2003) pode ser vista como uma exceção à abordagem centrada no indivíduo e baseada em direitos.

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Daniel Wei Liang Wang 285

principalmente com base em análise da expertise das autoridades e na ponderação da


legitimidade da revisão judicial no equilíbrio constitucional (POOLE, 2007, p. 709).
Por fim, as conclusões da presente análise jurisprudencial contradizem a ideia de que os
tribunais ingleses tendem a ser deferentes ao Executivo quando se trata de rever decisões
administrativas envolvendo a distribuição discricionária de recursos em políticas sociais32.
A decisão Court of Appeal em Child B, que é frequentemente citada como o precedente dessa
doutrina deferente33, é, na verdade, um dos últimos exemplos da abordagem autocontida
dos tribunais na revisão de decisões de racionamento em saúde. O que se seguiu a ela foi
a afirmação do que este julgamento havia rejeitado.
Em suma, as mudanças na abordagem dos tribunais ao julgar decisões que estabelecem
prioridades em saúde são melhor compreendidas quando colocadas no contexto mais
amplo das transformações do direito público inglês nas últimas décadas. Portanto, usar
o racionamento explícito como uma variável explicativa resulta em um entendimento
muito limitado das mudanças na jurisprudência. Ademais, impede a compreensão da real
influência que essa jurisprudência teve em moldar a maneira como o NHS estabelece
prioridades em saúde, como será visto adiante.

3 O Estabelecimento de Prioridades no NHS: do racionamento implícito à accountability


for reasonableness

Não foi somente a jurisprudência dos tribunais em casos relativos ao fornecimento


de tratamentos médicos que mudou significativamente nos últimos 30 anos. Durante o
mesmo período, a forma como o NHS estabelece prioridades também mudou, passando
de um racionamento implícito (quando não se deixa claro que tratamentos estão sendo
negados por razões orçamentárias) a um racionamento crescentemente explícito sobre o
quê (transparência sobre o que está sendo negado) e sobre como e por quê (clareza sobre
as razões e os processos para a tomada dessas decisões).
A distinção entre os dois aspectos do racionamento explícito – sobre o quê e sobre como
e por quê – é importante (apesar de nem sempre ser feita pela literatura), porque ambas
não caminham necessariamente juntas. É possível que o público esteja ciente de quais
tratamentos não estão sendo fornecidos aos pacientes (explícito sobre o quê), mas desconheça
o procedimento ou as razões por meio dos quais as decisões de não fornecimento são

32 Vide AMOS, 2015; KING, 2007, p. 197; PILLAY, 2013, p. 606; KRAJEWSKA, 2015, p. 627.

33 Ver KING, 2007, p. 199.

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tomadas (explícito sobre como e por quê)34. Como será visto adiante, o racionamento explícito
sobre o quê não é imediatamente ou necessariamente seguido de explicitação sobre como
e por quê. Ser explícito sobre como e por quê é uma escolha política. Essa distinção também
permite um entendimento mais preciso dos diferentes estágios que compuseram a transição
de um racionamento implícito para um crescentemente explícito (nos dois sentidos) no
NHS, bem como do papel desempenhado pelo Judiciário neste processo.
O impacto do Judiciário na Administração nem sempre é fácil de ser demonstrado.
Essa influência pode ser mais facilmente verificada quando mudanças na Administração
são exigidas por um tribunal ou quando uma política se destina, reconhecidamente, a
atender a uma ordem judicial. Porém, há outras formas de impacto que são mais difíceis
de se identificar. Algumas mudanças não são provocadas pelo resultado de um processo
judicial per se, mas por entendimentos estabelecidos na jurisprudência ou pela visibilidade
de determinado caso (SUNKIN; RICHARDSON, 1999, p. 90). Além disso, o impacto também
pode ser difuso, influenciando aspectos menos visíveis da Administração, como as dinâmicas
internas e informais de trabalho dos órgãos públicos que aprendem a viver sob a sombra
do controle judicial35.
Grande parte do impacto que os tribunais provocam nas decisões que estabelecem
prioridades em matéria de saúde é do tipo mais difícil de ser delimitado. No entanto,
concentrando-se em dois casos importantes – Child B (REINO UNIDO, 1995a) e Pfizer (REINO
UNIDO, 2002) – é possível mostrar que o impacto existe e é relevante. Child B contribuiu
para chamar a atenção do público para o fato de que estava ocorrendo racionamento
no NHS, bem como para alertar as autoridades de saúde para o fato de que os juízes
estavam atentos às decisões de racionamento. Pfizer, por sua vez, reforçou a necessidade
de um sistema nacional que permitisse que a avaliação de novas tecnologias fosse feita
de maneira fundamentada e mais consistente, a fim de evitar a revisão judicial. Esses
dois casos emblemáticos, aliados às decisões judiciais subsequentes, criaram incentivos
para reformas institucionais importantes e oferecem evidência de que as decisões dos
tribunais têm informado o processo decisório no NHS.
É importante esclarecer que este artigo não argumenta que o controle judicial seja
uma condição necessária ou suficiente para a mudança na maneira como o NHS estabelece
prioridades em matéria de saúde. Como alerta a literatura sobre o impacto do Judiciário
na Administração, é muito difícil isolar o papel dos tribunais para estimar seu impacto

34 Ver DANIELS, 2009, p. 109.

35 Ver RICHARDSON, 2004, p. 103; CANE, 2004, p. 15-42; SUNKIN, 2004, p. 43-75; HARLOW; RAWLINGS,
2009, p. 95-96; PICK, 2001, p. 760 e REINO UNIDO, 1987.

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independente porque os gestores estão reagindo continuamente a múltiplas pressões36.


É possível demonstrar, no entanto, que os tribunais integraram a sopa de influências que
contribuiu para um racionamento mais explícito sobre o quê e que, por meio de suas
decisões, estabeleceram um diálogo contínuo com autoridades do NHS, contribuindo para
tornar o racionamento explícito também sobre como e por quê.

3.1 De Implícito para Explícito Sobre o quê


O NHS, assim como qualquer sistema de saúde do mundo, sempre restringiu acesso
a tratamentos médicos por razões orçamentárias. Durante anos, essa restrição tinha a
forma de um racionamento implícito. Decisões de racionamento eram, na maioria das
vezes, disfarçadas em avaliações clínicas feitas por profissionais que, cientes das restrições
orçamentárias, diziam aos pacientes que nada mais poderia ser feito para beneficiar sua
saúde, em lugar de afirmar explicitamente que um tratamento não seria fornecido porque
os recursos eram insuficientes ou seriam empregados para outras prioridades37. Assim,
por muitos anos e por meio de um paternalismo tecnocrático baseado em uma profunda
deferência às opiniões médicas, o NHS conseguia reduzir as expectativas dos pacientes
e manter o racionamento implícito (NEW; LE GRAND, 1996, p. 6).
O racionamento implícito, contudo, começou a se tornar insustentável a partir dos
anos 1990. Uma das razões foi a reforma no sistema de saúde que descentralizou decisões
alocativas e criou a divisão entre pagadores e prestadores de serviços de saúde no NHS.
A mudança resultou em maior clareza sobre que tipos de serviços seriam financiados e
levou a uma provisão desigual de cuidados de saúde, já que o acesso a alguns tratamentos
dependia da área onde morava o paciente e não apenas de suas necessidades - a chamada
loteria do código postal. Isso fez com que a população percebesse que a disponibilidade de
tratamentos médicos não era determinada apenas por razões clínicas, mas também por
escolhas de política pública e de definição de prioridades38.
Ademais, a gama de possibilidades tecnológicas em matéria de saúde se expandiu de
maneira exponencial nas últimas décadas. Como resultado do desenvolvimento de novas
tecnologias médicas de alto custo, condições que antes eram consideradas incuráveis
passaram a ser tratáveis ou controláveis (STEVENS; MILNE. 2004, p. 12; CALLAHAN, 2011,

36 Ver SUNKIN; RICHARDSON, 1999, p. 90 e BARNES, 2016.

37 Ver NEW; LE GRAND, 1996; COAST, 1997, p. 149; AARON; SCHWARTZ, 1984; KLEIN, 1997, p. 85; KLEIN;
DAY; REDMAYNE, 1996, p. 42 e DOYAL, 1997, p. 139.

38 Vide KLEIN, 2006, p. 213; COULTER, 1999, p. 122-123; KLEIN; DAY; REDMAYNE, 1996, p. 68 e LOCOCK,
2000, p. 91.

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288 De Wednesbury unreasonableness a accountability for reasonableness:

p. 114; SORENSON; DRUMMOND; KANAVOS, 2008). Esse progresso científico, juntamente


com a ampla cobertura de marketing e mídia, coincidiu com uma sociedade envelhecida,
composta por cidadãos mais instruídos e mais bem informados (notadamente com o
advento da internet) que esperam ser tratados com o melhor e mais recente tratamento
que a medicina pode oferecer (CALLAHAN, 2011, p. 115; CRIPPEN; BARNATO, 2011, p.
121; OKUNADE; MURTHY, 2002, p. 147). Na Inglaterra, a mídia também tem tido papel
relevante com matérias sobre racionamento de cuidados médicos apresentadas em um
estilo melodramático que, muito raras na década de 1980, tornaram-se uma fonte constante
de pressão pública sobre o NHS a partir da década de 1990 (KLEIN, 1997, p. 4)39.
Em suma, os pacientes tomaram consciência do que poderiam ter e do que lhes estava
sendo negado pelo NHS. Eles também se tornaram mais contundentes, exigindo, inclusive
por via judicial, o acesso às novas tecnologias existentes (KLEIN, 2006, p. 214; DANIELS,
2009, p. 134; SPIERS, 1999, p. 5; HAM; PICKARD, 1998, p. 33).
No entanto, os tribunais não meramente refletem a mudança na forma como o racionamento
vem sendo realizado no NHS. Como já sugerido pela literatura sóciojurídica, as decisões
judiciais são influenciadas pelo contexto que elas próprias ajudam a criar (SUNKIN, 2004, p.
67) e, se há um caso a ser apontado nesse sentido, é Child B (REINO UNIDO, 1995a).
Child B foi o primeiro caso de racionamento a receber a atenção da grande mídia,
gerando grande visibilidade sobre o quê estava sendo negado a um paciente. Child B
contribuiu para levantar o véu por trás do qual se escondia o racionamento e iniciou
um debate nacional sem precedentes sobre o estabelecimento de prioridades de saúde,
aumentando a pressão sobre políticos e gestores do NHS.
Sem a disputa judicial, o drama daquela criança provavelmente passaria despercebido
pela mídia e pela opinião pública. Em vez disso, este caso esteve nas primeiras páginas de
todos os jornais, além de ter se tornado objeto de muitos comentários editoriais e de ter
sido tratado com grande destaque na televisão (HAM; PICKARD, 1998, p. 49; ENTWISTLE;
WATT; BRADBURY; PEHL, 1996; BRACLAY, 1996; PRICE, 1996, p. 167). O fato de a cobertura
midiática frequentemente ser crítica à autoridade local que recusou financiar o tratamento
também contribuiu para enfraquecer a confiança do público nas decisões tomadas
pelo sistema de saúde (HAM; PICKARD, 1998, p. 52; WATT; WNTWISTLE, 1996, p. 153;
LENAGHAN, 1997, p. 125-126). A literatura especializada argumenta que a repercussão
desse caso tornou o racionamento mais visível para o público e aumentou o interesse
da mídia em discussões mais amplas sobre prioridades e sobre a alocação de recursos

39 Ver também MULLEN; SPURGEON, 1999, p. 3; NEW; LE GRAND, 1996, p. 29; LENAGHAN, 1997, p. 81;
AARON e SCHWARTZ, 1984, p. 110.

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Daniel Wei Liang Wang 289

dentro do NHS (KLEIN, 2006, p. 78; MULLEN; SPURGEON, 1999, p. 3; KNEESHAW, 1997, p.
58; NEW; LE GRAND, 1996, p. 1; ENTWISTLE; WATT; BRADBURY; PEHL, 1996). Além disso,
Child B desencadeou um debate acadêmico sobre o racionamento e sobre a definição de
prioridades no NHS, como pode ser visto pela vasta literatura citada neste artigo, que
se concentra na compreensão desse caso, sua repercussão e suas lições. Após o término
da disputa judicial, e em contraste com a habitual relutância em admitir a existência de
racionamento, a autoridade local de saúde demandada justificou sua decisão afirmando
que racionamento é necessário e legítimo, mas deveria ser feito de maneira explícita, não
a portas fechadas (BARCLAY, 1996, p. 139-140).
Child B não apenas tornou o racionamento mais explícito sobre o quê, mas também
contribuiu para difundir a informação de que uma ação judicial é possível. Pesquisas
qualitativas sobre casos de racionamento logo após Child B mostram que não apenas os
gestores do NHS estavam preocupados com a possibilidade de uma ação judicial, mas
também os pacientes tornaram-se mais atentos à possibilidade de se recorrer à Justiça
ou, ao menos, de ameaçar o ajuizamento de uma ação para pressionar as autoridades de
saúde. Um exemplo interessante é uma carta enviada por um advogado a uma autoridade
de saúde local informando que havia aconselhado um paciente a ajuizar uma ação contra
a decisão de não financiar seu tratamento, mencionando que casos semelhantes já haviam
sido considerados pelos tribunais (HAM; MCIVER, 2000, p. 30; 61).
Child B mostra que o impacto de um processo judicial pode ir muito além do julgamento
per se. A decisão final da Court of Appeal foi ofuscada pelo amplo debate público, acadêmico
e político sobre racionamento de cuidados de saúde que este caso provocou. Isso também
tornou as autoridades de saúde conscientes de que suas decisões de estabelecimento de
prioridades se tornaram mais visíveis e, portanto, mais prováveis de serem questionadas
dentro e fora de um tribunal.

3.2 Do Explícito Sobre o Quê ao Explícito Sobre Como e Por Quê


O visível descompasso entre as expectativas dos pacientes e o nível de cuidado que o
NHS era capaz de fornecer abalou o equilíbrio que anteriormente sustentava um sistema
de racionamento implícito. Gestores de saúde e políticos começaram a enfrentar o dilema
de escolher entre os custos financeiros cada vez maiores para fornecer tratamentos novos e
caros ou os custos políticos cada vez maiores de não os fornecer ou, ainda, a possibilidade
de ter que suportar ambos os custos ao mesmo tempo40.

40 Vide KLEIN, 1999.

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290 De Wednesbury unreasonableness a accountability for reasonableness:

A resposta do NHS aos questionamentos trazidos pelo racionamento explícito sobre


o quê foi tornar o racionamento mais explícito sobre como e por quê. Essa abordagem
no estabelecimento de prioridades começou com os esforços das autoridades locais de
saúde, responsáveis por grande parte das decisões alocativas, para demonstrar que foram
rigorosas e justas o bastante em suas decisões. Isso resultou em um maior envolvimento
de consultores independentes; no estabelecimento de comitês científicos para fornecer
evidências científicas melhores; e nas tentativas de aplicar métodos explícitos de definição
de prioridades, com critérios claros e padronizados para avaliar serviços e tratamentos
(SHELDON; MAYNARD, 1993, p. 13; HAM, 200, p. 13; HAM; MCIVER, 2000, p. 55-56). O
Ministério da Saúde (Department of Health) também mostrou um crescente entusiasmo pela
medicina baseada em evidências para identificar e excluir procedimentos e tratamentos
que não apresentassem boa relação custo-efetividade (KLEIN, 1997, p. 53). Em 1994, o
NHS incitou as autoridades locais de saúde a justificarem suas escolhas alocativas em
evidências de efetividade clínica (REINO UNIDO, 1994a).
O caso Child B deixou ainda mais claro para as autoridades de saúde que elas seriam
severamente fiscalizadas pelos tribunais e pelo público, devendo, portanto, demonstrar
que suas decisões haviam sido justas, transparentes e baseadas em avaliação rigorosa das
evidências. Ele também indicou que o NHS precisava de melhorias nos procedimentos então
existentes para definição de prioridades. Ham e McIver (2000)41 entrevistaram diversas
autoridades locais de saúde envolvidas nas decisões de racionamento após Child B para
avaliar as mudanças nos seus processos decisórios após o caso. A conclusão foi que Child B,
o então recente julgamento em Fisher (REINO UNIDO, 1997a) e a constante ameaça de ações
judiciais contribuíram para conscientizar as autoridades competentes de que elas deveriam
fornecer melhores razões para justificar suas decisões. Em alguns dos casos analisados
nesta pesquisa, a maior atuação dos advogados em disputas sobre financiamento, bem
como a ameaça de uma ação judicial, fizeram com que as autoridades reconsiderassem
suas escolhas e, ocasionalmente, revisassem suas decisões a fim de evitar processos (HAM;
MACIVER, 2000, P. 34; 61-66). As autoridades também perceberam que, para serem capazes de
fornecer uma motivação mais sólida, precisavam de um processo decisório bem informado,
transparente e consistente. Isso, de acordo com os entrevistados, resultou na formação
de comitês para lidar com as decisões de racionamento; na assessoria de especialistas
externos independentes, a fim de se buscar uma perspectiva mais detalhada da situação;
e em uma compreensão mais profunda das questões éticas envolvidas, bem como dos
critérios utilizados para avaliar os pedidos de tratamento. Em suma, encontrar motivos

41 Vide também MCIVER; HAM, 2000, p. 114.

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Daniel Wei Liang Wang 291

que fossem aceitos tanto pelos tribunais como pelo público tornou-se uma preocupação
permanente para as autoridades de saúde após Child B.
Esse caso também provocou um debate acadêmico sobre o papel dos tribunais em
casos de racionamento. Muitos autores criticaram a decisão da Court of Appeal por não
exigir que a autoridade de saúde fornecesse motivos mais consistentes para negar o
financiamento de um tratamento que poderia salvar uma vida e por não enfrentar o
argumento da High Court de que não basta simplesmente afirmar que os recursos são
escassos para justificar uma decisão de racionamento42.
Child B e os casos seguintes mostraram às autoridades de saúde que elas deveriam
ser mais explícitas sobre como e por quê estabelecem prioridades. Eles também deixaram
claro que as autoridades sanitárias precisavam do apoio da administração central para
estabelecer diretrizes que orientassem decisões complexas de definição de preferências.
À época, as autoridades de saúde em nível local não tinham muita informação disponível
sobre a relação custo-efetividade dos tratamentos e nem experiência para produzir
decisões fundamentadas em evidências. Isso resultou em decisões inconsistentes, na
incapacidade de apresentar razões suficientes para restringir o acesso aos tratamentos
ou, em certos casos, na qualidade insatisfatória das evidências fornecidas (PICKARD;
SHEAFF, 1999, p. 48; KLEIN, 1997, p. 123; HAM; PICKARD, 1998, p. 93-98; HAM, 2000, p.
1999, 1258-1261). Por exemplo, o então Executivo Chefe da autoridade de saúde local
ré em Child B queixou-se da posição ingrata de ter que tomar decisões difíceis sem
qualquer diretriz (PICKARD; SHEAFF, 1999, p. 48).
Uma avaliação sofisticada das tecnologias de saúde depende de alto nível de
especialização científica e expertise econômica, além de demandar tempo e recursos. Seria
muito oneroso para cada autoridade de saúde local fornecer uma avaliação abrangente
e bem documentada de cada nova tecnologia de saúde. Isso levaria a uma duplicação
desnecessária de esforços e a confusão e ineficiência no sistema. O uso de critérios
ambíguos, obscuros ou conflitantes por diferentes autoridades de saúde ao avaliar
pedidos divergentes sobre a distribuição de recursos não contribuiu para evitar pressões
financeiras, políticas e judiciais sobre o sistema de saúde causadas pela explicitação sobre
o quê estava sendo negado. O fato de determinados tratamentos terem sido financiados
de forma desigual por diferentes autoridades locais de saúde não só mostrou que os
cuidados de saúde estavam sendo racionados, mas também que as autoridades sanitárias
careciam de critérios consistentes para a definição de prioridades (KLEIN, 1997, p. 124;
NEW; LE GRAND, 1996, p. 12; LENAGHAN, 1997, p. 125-126; SPIERS, 1999, p. 59). O NHS

42 Ver, por exemplo, NEWDICK, 2004, p. 170–71; JAMES; LONGLEY, 1995, p. 367 e PARKIN, 1995, p. 867.

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292 De Wednesbury unreasonableness a accountability for reasonableness:

precisava de uma liderança mais forte para tomar decisões de racionamento, coordenar
a análise de informações tecnológicas e definir padrões nacionais (SHELDON; MAYNARD,
1993, p. 12; HONIGSBAUM; HOLMSTROM; CALLTORP, 1997, p. 68).
O primeiro caso em que o Ministério de Saúde centralizou essa questão foi a decisão
de não financiar o medicamento Viagra no NHS, salvo em circunstâncias excepcionais. A
eficácia do Viagra não foi posta em dúvida, mas a justificativa do Ministério para restringir
o seu fornecimento foi o custo do tratamento e a viabilidade de seu fornecimento para o
NHS. Esse caso foi considerado um marco importante na história do NHS pois mostrou, pela
primeira vez, que o governo central havia reconhecido a inevitabilidade do racionamento e
estava enfrentando publicamente o problema (DEWAR, 1999, p. 139; ABBASI, 1999, p. 338).
Essa política, no entanto, foi criticada porque não havia um conjunto claro de motivos
baseados em evidências para o racionamento de Viagra. Nesse contexto, a empresa
farmacêutica Pfizer entrou com uma ação judicial contra a decisão administrativa do NHS
(REINO UNIDO, 2002). A High Court, ao analisar o caso, exigiu que houvesse motivação na
forma de critérios objetivos e comprováveis para restringir o fornecimento de um tratamento,
o que o governo não pôde fornecer. A controvérsia em torno desse caso e a decisão da High
Court em favor da empresa mostraram que as decisões de racionamento em nível nacional
também tinham de ser fundamentadas em um procedimento justo, em evidências sólidas
e em razões de política pública consistentes (LOCOCK, 2000, p. 91; DEWAR, 1999, p. 149;
CRISHOLM, 1999, p. 273; SMITH, 1999, p. 823; MOSSIALOS; MCKEE, 2003, p. 372). Em outras
palavras, a liderança a partir do centro exigia não apenas decisões centrais sendo explícitas
sobre o quê estava sendo racionado, mas também sobre como e por quê as prioridades eram
estabelecidas. Dessa forma, um procedimento similar ao utilizado pelo NICE seria necessário
para justificar a proibição do Viagra, muito embora, àquela época, o NICE fosse “nada mais
que uma política pública sonhada” (DEWAR, 1999, p. 148)43.
No final da década de 1990, o Ministério da Saúde publicou dois documentos com
propostas para lidar com a necessidade de melhorar a qualidade do atendimento e de lidar
com os questionamentos levantados por um racionamento cada vez mais explícito: The New
NHS: Modern and Dependable (REINO UNIDO, 1997b) e A First Class NHS: Quality in the New
NHS (REINO UNIDO, 1998). Esses documentos afirmavam que o NHS estava “enfrentando
mais desafios do que nunca” como resultado, dentre outras coisas, de maiores e mais rápidos
avanços médicos; de cidadãos melhor informados e mais exigentes; do envelhecimento
populacional; da baixa confiança do público no NHS causada pela loteria de código postal;
da falta de qualquer avaliação coerente de quais tratamentos funcionariam melhor para os

43 Vide também APPLEBY, 2000.

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Daniel Wei Liang Wang 293

pacientes; e do fato de que o NHS nunca foi suficientemente aberto ou responsabilizável pela
qualidade de seus serviços. Esses documentos propunham que as decisões administrativas
deveriam ser baseadas nas melhores evidências possíveis e que o governo deveria fornecer
novas ferramentas para enfrentar esses desafios.
A proposta para a criação do então chamado Instituto Nacional de Excelência Clínica
– NICE foi estabelecida nesses documentos com base na ideia de que alta qualidade e
custo-benefício são dois lados da mesma moeda (REINO UNIDO, 1997b). O NICE tinha como
objetivo criar um sistema nacional coerente para avaliação de novas tecnologias médicas,
em substituição à pluralidade de órgãos que vinham realizando esse tipo de análise com
base em diferentes métodos, qualidade variada e, por vezes, duplicando esforços e criando
evidências confusas que provavelmente não seriam úteis para médicos ou gestores.
O NICE foi fundado em 1999 como reconhecimento político de que era necessário um
mecanismo centralizado, nacional, racional e transparente para estabelecer prioridades
em face do avanço de novas e caras tecnologias de saúde (COULTER, 1999; KLEIN, 2002,
p. 177-182; SYRETT, 2003, p. 715-729). O NICE é responsável pela realização de avaliações
de tecnologias de saúde – estabelecendo diretrizes para o uso de novos medicamentos e
tratamentos médicos com base em análises clínicas e econômicas de custo-efetividade –,
uma tarefa que, devido à sua complexidade, frequentemente gera divergências científicas
e éticas. O Instituto também está sob constante pressão política, já que uma avaliação do
NICE que não recomenda um tratamento restringirá o acesso dos pacientes a ele no NHS.
Portanto, é preciso que as avaliações do NICE sejam legítimas. Buscou-se atingir
esse objetivo por meio da ênfase na justiça procedimental no âmbito do NICE, o que
significa que “os processos pelos quais as decisões de cuidados de saúde são racionados
são transparentes e que as razões para as decisões administrativas são explícitas” (NICE,
2008, p. 9)44. De acordo com Michael Rawlins (2012), primeiro presidente do NICE, e com o
próprio NICE (2008), a justiça procedimental do órgão segue a ideia de Norman Daniels de
accountability for reasonableness (DANIELS, 2009; DANIELS; SABIN, 2008) e explicitamente
englobou suas quatro condições:

1. Publicidade: as decisões sobre a alocação de recursos e as bases para alcançá-las


devem ser tornadas públicas;
2. Relevância: os motivos para as decisões devem ser relevantes e aceitáveis por
pessoas razoáveis;

44 Ver também NICE, 2013; 2017.

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294 De Wednesbury unreasonableness a accountability for reasonableness:

3. Questionamento e revisão: o procedimento deve oferecer oportunidades para que


uma decisão seja questionada, assim como um sistema transparente deve estar
disponível para a revisão de decisões, caso surjam novas evidências: e
4. Regulação/execução: o NICE deve ser responsabilizável (accountable) perante o
público por sua razoabilidade a fim de garantir que as três primeiras condições
sejam atendidas.

A justiça procedimental no NICE reflete-se na transparência das decisões e nos motivos


que as respaldam (publicidade); no rigor científico na análise das evidências e na consideração
dos valores sociais e de equidade (relevância); e no direito das partes interessadas de serem
consultadas e de questionarem as avaliações, que podem, então, ser revisadas para incorporar
novas evidências (questionamento e revisão). Além disso, conforme demonstrado na seção
anterior, os tribunais examinam o processo de tomada de decisão do NICE de modo a garantir
que as três primeiras condições sejam atendidas (regulação / execução).
Em um contexto em que pessoas razoáveis podem discordar sobre quais princípios
devem guiar a alocação de recursos de saúde, a accountability for reasonableness oferece uma
solução de justiça procedimental para o problema de tornar as decisões de racionamento
justas e legítimas, na perspectiva daqueles diretamente afetados por essas decisões, bem
como do público e (ao menos na Inglaterra) dos tribunais.
A decisão da High Court em Pfizer foi concomitante à criação do NICE e alguns autores
sugerem uma associação direta entre este caso e a criação do instituto 45. O próprio
NICE identificou Pfizer como um dos principais impulsionadores da sua criação, já que
o caso mostrou que o governo central também era vulnerável a questões relacionadas
à “forma ad hoc e opaca em que as decisões de racionamento eram tomadas” (NICE,
2004, tradução nossa) quando tentou centralizar decisões fixadoras de prioridade para
enfrentar o problema da loteria do código postal.
O NICE entrou em vigor na mesma época da decisão da Court of Appeal em Pfizer,
mas, curiosamente, o governo não encaminhou a questão do Viagra para sua avaliação.
Possivelmente, o governo temia que uma avaliação favorável do NICE aumentasse a pressão
para o fornecimento do Viagra (SYRETT, 2004, p. 300). Em vez disso, a estratégia judicial do
governo consistiu em insistir que esse caso era um problema de capacidade orçamentária e
não de custo-efetividade e, com sucesso, confiou em uma postura mais deferente da Court of
Appeal. A empresa farmacêutica, por outro lado, insistiu que decisões sobre o financiamento
de medicamentos deveriam basear-se na análise custo-efetividade, o que o governo não

45 Ver CHALKIDOU, 2009 e HARRIS, 2008.

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Daniel Wei Liang Wang 295

havia realizado. Embora a Court of Appeal tenha aceitado os argumentos do governo sem um
exame minucioso desta política em particular, a decisão mencionou o NICE como um órgão
que oferece um quadro abrangente e empiricamente informado para a análise adequada
de novas tecnologias.
Como em Child B, muito embora o controle judicial mais rigoroso da High Court
tenha sido revertido pela Court of Appeal, o caso da Pfizer teve um impacto muito além
do resultado final do processo judicial. Na maioria dos julgamentos subsequentes, os
tribunais estavam dispostos a examinar o procedimento e as motivações das decisões
de racionamento, incluindo aquelas tomadas pelo NICE.
Neste artigo, os casos Pfizer e Child B foram destacados para uma análise mais detalhada,
mas isso não significa que esses sejam os únicos casos relevantes para a compreensão do
impacto das ações judiciais na forma como o NHS estabelece prioridades. O uso contínuo
da Justiça para contestar decisões de racionamento e o controle cada vez mais rigoroso
dos tribunais ao longo dos anos contribuíram para criar mudanças duradouras na forma
como as prioridades são estabelecidas no NHS. O que é exigido pelos tribunais no exercício
do controle judicial passou a se integrar aos processos decisórios do NHS quando este
decide sobre o fornecimento de tratamentos46.
Um estudo sobre como as autoridades locais de saúde tomam decisões para a alocação
de recursos e estabelecem prioridades identificou o risco do controle jurisdicional como
uma das razões que justificam o esforço de tornar mais explícitas as decisões que fixam
prioridades (ROBINSON et al., 2011). De acordo com o prefácio dessa pesquisa:

Os severos desafios financeiros enfrentados pelo Serviço Nacional de Saúde


(NHS), combinados com a crescente demanda por serviços do NHS, sugerem que
decisões difíceis sobre como os recursos do NHS serão utilizados deverão ser
tomadas. O processo para estabelecer e implementar essas prioridades precisará
ser robusto, transparente e capaz de resistir ao controle jurisdicional. (ROBINSON
et al., 2011, p. 7, tradução nossa).

Tornou-se comum, ainda, a elaboração de apresentações e a publicação de artigos


por parte de advogados e juristas para explicar o controle judicial aos gestores do NHS,
auxiliá-los a interpretar a jurisprudência e fornecer orientações sobre como as suas decisões
administrativas devem ser tomadas a fim de evitar processos ou a anulação de suas decisões
pelos tribunais. Dentre as recomendações, destaca-se a orientação de fornecer motivos
capazes de demonstrar que cada caso foi examinado de maneira abrangente e cuidadosa47.

46 Confira KLEIN; MAYBIN, 2012, p. 9 e SYRETT, 2011.

47 Ver, ilustrativamente, NEWDICK, 2008 e LOCK, 2009.

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296 De Wednesbury unreasonableness a accountability for reasonableness:

Após as decisões judiciais que declararam a ilegalidade de políticas que não consideram
circunstâncias individuais e excepcionais de pacientes, as autoridades de saúde criaram os
Painéis de Casos Excepcionais para avaliar pedidos individuais de financiamento (individual
funding requests – IFRs) de tratamentos que não são regularmente e universalmente
oferecidos (FORD, 2012; KLEIN; MAYBIN, 2012, p. 24; REINO UNIDO, 2008c; 2009c). No
documento que fixa as diretrizes para analisar IFRs, afirma-se que as autoridades “devem
ser capazes de explicar de forma coerente suas decisões aos médicos, aos pacientes, à
população e aos tribunais” (REINO UNIDO, 2008c, p. 3, tradução nossa). Além disso, ao
longo do documento há preocupações sobre como as decisões das autoridades serão
vistas pelos magistrados e sobre como proceder de forma a diminuir o risco de as decisões
serem revistas pelo Judiciário REINO UNIDO, 2008c, p. 7-8). Recomenda-se, inclusive, que
as autoridades de saúde analisem os pedidos de modo semelhante a como seria feito em
âmbito judicial, utilizando os mesmos testes e critérios que as cortes em suas decisões.
O Ministério da Saúde recomendou que as autoridades de saúde fornecessem justificativas
por escrito aos pacientes que tiveram um determinado tratamento negado, esclarecendo as
razões para as decisões, a fundamentação dessas decisões com base em evidências robustas
e em critérios consistentes e a documentação do procedimento e das justificativas de cada
decisão (REINO UNIDO, 2009d; 2009e). Além disso, os deveres de transparência, equidade
e motivação impostos pelos tribunais às autoridades decisórias primárias tornaram-se,
como o próprio NHS reconhece, direitos dos pacientes. “Os deveres de fornecer motivos
para o não financiamento de um tratamento e de considerar circunstâncias excepcionais
foram também estabelecidos nas Diretivas do National Health Service Commissioning Board
and Clinical Commissioning” (REINO UNIDO, 2012, tradução nossa). A Constituição do NHS,
que Chris Newdick considera ser reflexo dos princípios desenvolvidos por uma década de
controle judicial (2016, p. 125), declara que os pacientes têm o direito de esperar que as
decisões locais sobre financiamento de cuidados médicos sejam tomadas racionalmente,
após uma consideração adequada das evidências, e que as decisões de não financiar um
medicamento ou tratamento sejam justificadas.
Em resumo, um controle judicial mais rigoroso levou o NHS a estabelecer preferências
em matéria de saúde de forma alinhada com a accountability for reasonableness, a fim
de evitar a judicialização e para contestar melhor e cumprir decisões judiciais. Essas
mudanças na tomada de decisões administrativas refletem o fato de que uma decisão
de racionamento dificilmente será mantida pelos tribunais se a decisão e as razões
para isso não forem públicas (publicidade), não se basearem em evidências sólidas e em
considerações razoáveis de política pública (relevância), e se não houver oportunidade

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Daniel Wei Liang Wang 297

para o questionamento da política ou para a apresentação de exceções (questionamento).


Consequentemente, os tribunais estão garantindo que as decisões de racionamento
em matéria de saúde no NHS cumpram as três primeiras condições da accountability for
reasonableness, realizando, portanto, a última condição (regulação / execução).48

4 Conclusão
Este artigo argumentou que o controle mais intenso das decisões de racionamento por
parte dos tribunais tornou o estabelecimento de prioridades em políticas de saúde mais
visível na Inglaterra e contribuiu para moldar o processo decisório no NHS. Essa relação
entre a judicialização e o racionamento explícito sobre o quê e, em particular, sobre como
e por quê, tem sido surpreendentemente subestimada pela literatura. Ao preencher essa
lacuna, este artigo oferece contribuições importantes para as áreas de estudos sóciojurídicos,
direito público, direito da saúde e direitos humanos.
Em primeiro lugar, o estudo abrangente das decisões judiciais em casos de racionamento
em saúde presente neste artigo confronta a ideia de que os tribunais ingleses tendem a
ser deferentes ao Executivo quando se trata de decisões administrativas que envolvem
alocações discricionárias em políticas sociais. Embora seja verdade que os tribunais muito
raramente interferiram diretamente no resultado de uma política, por exemplo, ordenando
o fornecimento de um tratamento, eles definitivamente não se esquivaram de cobrar das
autoridades melhores justificativas para suas políticas e processos decisórios mais justos.
Em segundo lugar, este artigo fornece evidências do impacto do Judiciário sobre uma
política social. Isso foi feito demonstrando, por meio da análise de documentos publicados
pelo NHS e de revisão da literatura, que os testes e exigências estabelecidos pelos tribunais
foram incorporados ao processo decisório do NHS. As decisões em Child B e em Pfizer também
confirmam que o impacto político de uma decisão não está ligado, necessariamente, à
procedência do pleito (SUNKIN, 2004, p. 52; KAPISZEWSKI; TAYLOR, 2013, p. 803). Embora não
seja possível afirmar que a judicialização tenha sido necessária ou suficiente para tornar o
racionamento explícito (em ambos os sentidos) no NHS, é plausível afirmar que os tribunais,
em resposta a um contexto de transformações na cultura jurídica e no sistema de saúde,
têm contribuído para mudar a maneira como as decisões sobre a definição de prioridades
em políticas de saúde são tomadas. Em outras palavras, uma narrativa das mudanças na
forma como o NHS estabelece prioridades nos serviços de saúde estaria incompleta sem
considerar o papel da judicialização e do controle jurisdicional.

48 Alguns autores sugerem que este é exatamente o papel do controle judicial da alocação de recursos
em saúde. Vide DANIELS et al., 2015, p. 229; SYRETT, 2007 e SYRETT, 2011, p. 469.

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Por fim, a análise deste artigo confirma a ideia de que as autoridades de saúde que
são obrigadas a fundamentar suas decisões perante tribunais tendem a decidir com mais
cuidado, de maneira publicamente justificável, com fundamento em evidências e levando
em consideração diferentes pontos de vista sobre o assunto (SHORT, 2012, p. 1811)49. No
entanto, deve-se ter cautela antes de se chegar a conclusões precipitadas sobre esse
impacto ter sido, de modo geral, positivo ou as recomendações sobre como os tribunais
na Inglaterra ou em outros lugares devem julgar casos relacionados ao fornecimento de
tratamentos de saúde. É importante olhar para as conclusões deste artigo à luz do paradoxo
sugerido por John Mashaw, qual seja, que “o controle judicial tanto apoia a responsabilização
(accountability) política quanto a atrapalha; exige competência administrativa, mas, ao
mesmo tempo, limita as capacidades da burocracia” (2010, tradução nossa).
As autoridades administrativas, quando cobradas pelo Judiciário a demonstrar
que fizeram o melhor trabalho possível na coleta de fatos, avaliando alternativas e
articulando os valores que orientaram suas decisões, gastarão parte do seu tempo e
de seus recursos - que poderiam ser utilizados para outros propósitos – para garantir
que cada aspecto de sua política resista ao controle judicial. Isto é particularmente
verdadeiro naqueles casos em que os entes públicos, como ocorre no NHS, sentem-
se compelidos a realizar, em nível administrativo, o mesmo tipo de análise que eles
esperam ser feito em âmbito judicial (HARLOW; RAWLINGS, 2009, p. 671). Os custos
de oportunidade de se tomar decisões menos vulneráveis ao controle jurisdicional
ainda precisam ser medidos, mas não devem ser ignorados.
O controle judicial cada vez mais rigoroso também pode criar incertezas sobre o que
os tribunais exigirão em termos de motivação para manter uma decisão. Isso poderia ter,
como consequência, decisões de racionamento que não se baseiam no que os gestores
julgam ser a melhor política pública, mas na avaliação das chances de uma política ser
objeto de uma ação judicial ou de resistir ao controle judicial. Os responsáveis por alocar
recursos no sistema de saúde podem optar, por exemplo, por evitar o racionamento em
áreas com maior visibilidade ou que afetem grupos que estão mais dispostos a litigar.
Por outro lado, as autoridades de saúde também podem tentar resolver os casos antes
que eles cheguem aos tribunais, a fim de evitar uma publicidade negativa, os custos de
um processo e possíveis precedentes judiciais desfavoráveis, mesmo quando a decisão
de racionamento for razoável e consistente do ponto de vista de uma política de saúde50.
Em outras palavras, políticas podem ser escolhidas menos pelos seus méritos e mais pela

49 Ver.também PLATT; SUNKIN; CALVO, 2009, p. 243.

50 Ver GALLANTER, 1974, p. 95.

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avaliação sobre como elas serão vistas pelo Judiciário, levando a políticas que, em outro
cenário, não seriam consideradas a melhor opção.
Além disso, o controle judicial não impedirá necessariamente que decisões inconsistentes
sejam tomadas. Por exemplo, os tribunais ingleses exigem que uma política pública de não
financiamento de um tratamento considere circunstâncias excepcionais. Entretanto, não há
definições claras sobre o que seria considerado uma exceção. Além dos custos gerados às
autoridades sanitárias em função da necessidade de considerarem o custo-efetividade de
um tratamento ad hoc para cada solicitação individual, essa exigência resulta em pacientes
com condições clínicas semelhantes recebendo cuidados diferentes, a depender de como
excepcionalidade é interpretada pelos agentes públicos em diferentes regiões da Inglaterra,
o que traz de volta o problema da loteria do código postal51.
Por fim, também não há garantia de que o resultado final de uma alocação, após o
controle judicial, será melhor informada ou fundamentada. Os tribunais, dependendo de
quão rigoroso é seu controle, podem acabar impondo a sua própria visão sobre como
deveria ser a política pública e, assim, reduzir a discricionariedade dos gestores, de modo
que o desfecho de uma política seja praticamente pré-determinado com base na avaliação
dos fatos e interesses por parte dos tribunais (FORD, 2012, p. 188; HARLOW; RAWLINGS,
2009, p. 124) Isso resultaria na substituição do procedimento administrativo por um
procedimento judicial menos capaz de oferecer as virtudes que os tribunais exigem da
Administração, como ampla coleta de dados, consideração das diferentes alternativas e
deliberação sobre as razões de política pública para uma decisão.
Em conclusão, este artigo propõe que o controle mais rigoroso das decisões
administrativas por parte dos tribunais ingleses contribuiu para moldar o processo de
tomada de decisões no NHS, forçando os gestores a levar a sério a justiça procedimental
e a incorporar as condições para accountability for reasonableness. O que isso significa
em termos de eficiência e justiça substantiva na oferta de cuidados de saúde para a
população ainda precisa ser melhor compreendido52.

51 Ver FORD, 2012.

52 Ver, por exemplo, KIESLICH; LITTLEJOHNS, 2015.

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La Retórica de Aristóteles para los juristas


de hoy: el entimema y el paradigma
como bases del raciocinio jurídico en la
modernidad

Pedro Parini
Pós-doutorado em Direito pela Università di Bologna (Itália). Doutor e Mestre
em Direito (UFPE). Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Faculdade de Direito do Recife (UFPE). Coordenador do grupo de pesquisa
Direito e Persuasão (CNPq).

Artigo recebido em 19/6/2018 e aprovado em 8/8/2018.

CONTENIDO: 1 Introducción 2 La actualidad del pensamiento de Aristóteles en el estudio de la


retórica jurídica 3 Una visión filosófica de la retórica 4 El entimema y el paradigma como núcleo
de la persuasión 5 La lógica del defecto en el entimema y en el paradigma: tesis del silogismo
abreviado o imperfeto 6 La lógica del silencio en el entimema y en el paradigma (lo que no es
es posible): tesis del silogismo implícito 7 Conclusión 8 Referencias.

RESUMEN: Este artículo tiene como objetivo general evidenciar la importancia de la


Retórica de Aristóteles aún hoy para la comprensión de las estrategias argumentativas
de los juristas. Para eso, pretendo hablar sobre el papel que el entimema y el
paradigma, conceptos centrales de la Retórica de Aristóteles, desempeñan en el
derecho. Es por medio de entimemas (silogismos retóricos) y paradigmas (ejemplos
dotados de autoridad) que el discurso jurídico se torna persuasivo y racional.
Pretendo demostrar que los argumentos de los juristas son entimemáticos desde
un punto de vista formal, porque no explicitan todas las premisas de su raciocinio,
y, de un punto de vista material, porque se basan en presuposiciones verosímiles
y no en evidencias verdaderas. Además, la argumentación jurídica se presenta
paradigmática en la medida en que su efectivo poder de persuasión depende del
recurso de ejemplos o paradigmas, esto es, decisiones del pasado, precedentes
judiciales e casos hipotéticos.

PALABRAS CLAVE: Aristóteles Retórica Jurídica Entimema Paradigma.

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A Retórica de Aristóteles para os juristas de hoje: o entimema e o paradigma como


bases do raciocínio jurídico na modernidade

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 A atualidade do pensamento de Aristóteles no estudo da retórica


jurídica 3 Uma visão filosófica da retórica 4 O entimema e o paradigma como núcleo da
persuasão 5 A lógica do defeito no entimema e no paradigma: tese do silogismo abreviado ou
imperfeito 6 A lógica do silêncio no entimema e no paradigma (o que não é é possível): tese do
silogismo implícito 7 Conclusão 8 Referências.

RESUMO: Este artigo tem como objetivo geral evidenciar a importancia da Retórica de
Aristóteles ainda nos tempos atuais para a compreensão das estratégias argumentativas
dos juristas. Para tanto, pretendo abordar o papel que o entimema e o paradigma,
conceitos centrais da Retórica de Aristóteles, desempenham no direito. É por meio
de entimemas (silogismos retóricos) e paradigmas (exemplos dotados de autoridade)
que o discurso jurídico se torna persuasivo e racional. Pretendo demostrar que os
argumentos dos juristas são entimemáticos a partir do ponto de vista formal, porque
não revelam todas as premissas de seu raciocínio, e de um ponto de vista material,
porque se baseiam em pressuposições verossímeis e não em evidências verdadeiras.
Além disso, a argumentação jurídica se apresenta paradigmática à medida que seu
efetivo poder de persuasão depende do recurso de exemplos ou paradigmas, ou seja,
decisões do passado, precedentes judicias e casos hipotéticos.

PALAVRAS-CHAVE: Aristóteles Retórica Jurídica Entimema Paradigma.

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314 La Retórica de Aristóteles para los juristas de hoy

Aristotle’s Rhetoric for contemporary’s jurists: the enthymeme and the paradigm
as bases of legal reasoning in modernity

CONTENTS: 1 Introduction 2 The actuality of Aristotle’s thought in the study of juridical rhetoric
3 A philosophic view on rhetoric 4 The enthymeme and the paradigm as core of persuasion
5 The logic of the defect in the enthymeme and the paradigm: the abbreviated or imperfect
syllogism thesis 6 The logic of silence on enthymeme and paradigm (what is not is a possibility):
the implicit syllogism thesis 7 Conclusion 8 References.

ABSTRACT: This article’s main objective is to highlight the importance of Aristotle’s


Rhetoric on current times as a means of understanding the argumentative strategies of
the jurists. To do so, I will talk about the roles that the enthymeme and the paradigm, the
main concepts of Aristotle’s Rhetoric, play on the legal field. It is through enthymemes
(rhetorical syllogisms) and paradigms (examples endowed with authority) that the
legal discourse becomes rational and persuasive. My intention is to demonstrate that
the jurists’ arguments are enthymic from both a formal point of view – because they
do not reveal all the premises of their line of thought – and a material point of
view – because they are based on believable assumptions and not on true evidence.
Moreover, legal argumentation presents itself as being paradigmatic insofar its
effective power of persuasion depends on the use of examples or paradigms, that is,
decisions of the past, judicial precedents and hypothetical cases.

KEYWORDS: Aristotle Legal Rhetoric Enthymeme Paradigm.

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1 Introducción
Este artículo tiene como objetivo general evidenciar la importancia que tiene la
Retórica de Aristóteles aún hoy para la comprensión de las estrategias argumentativas
de los juristas. Para eso, pretendo hablar sobre el papel que el entimema y el
paradigma, conceptos centrales de la Retórica de Aristóteles, desempeñan en la
producción del derecho.
Actualmente, los teóricos de la retórica jurídica suelen definir la argumentación
de abogados, jueces y juristas prácticos, en general, como una forma de manifestación,
sobretodo, entimemática de raciocinio. De hecho, es por medio de entimemas
(silogismos retóricos) y paradigmas (ejemplos dotados de autoridad) – las dos
estructuras lógicas fundamentales de la argumentación retórica, de acuerdo con
Aristóteles – que el discurso jurídico se torna persuasivo y racional al mismo tiempo.
Aristóteles fue el primer filósofo en sistematizar el núcleo lógico de la
argumentación y en construir una teoría analítica de la retórica, es decir, una
metodología de observación de las estrategias persuasivas de la argumentación.
Siguiendo esta metodología de análisis retórico inaugurada por Aristóteles,
pretendo demostrar que los argumentos de los juristas son entimemáticos desde un
punto de vista formal, porque no explicitan todas las premisas de su raciocinio, y, de
un punto de vista material, porque se basan en presuposiciones verosímiles y no en
evidencias verdaderas.
Además, la argumentación jurídica se presenta paradigmática – en el sentido
técnico-retórico de la expresión – en la medida en que su efectivo poder de
persuasión y convencimiento depende necesariamente del recurso de ejemplos o
paradigmas, esto es, decisiones del pasado, precedentes judiciales, e incluso casos
hipotéticos formulados por el pensamiento dogmático.
Así, el entimema, como herramienta de deducción que parte de normas generales,
principios, directrices o formulaciones genéricas muchas veces incompatibles entre
sí, tiene la importante función – entre otras a ser evidenciadas – de mantener veladas
las potenciales inconsistencias y deficiencias del sistema jurídico, garantizando, así,
por lo menos, la apariencia de racionalidad en sus discursos.
Ya el paradigma, capaz incluso de suprimir conceptos y formulaciones genéricas
que orientan la acción al pasar de un caso concreto directamente a otro, funciona
como base para el raciocinio analógico e inductivo de la jurisprudencia de los
tribunales, un recurso fundamental del pensamiento jurídico occidental desde sus
más remotos orígenes.

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316 La Retórica de Aristóteles para los juristas de hoy

2 La actualidad del pensamiento de Aristóteles en el estudio de la retórica jurídica


Aristóteles continúa siendo una referencia en diversos asuntos, entre los cuales
se encuentra la retórica, inclusive con el advenimiento de la modernidad. Podemos
decir lo mismo con relación a la política, a la metafísica, a la ética, a la poética, etc.
En la ciencia del derecho, sin embargo, sabemos que el pensamiento moderno de los
juristas se caracteriza por las diversas tentativas de rechazar los métodos tópicos y
retóricos de la vieja jurisprudencia de origen romano.
A ese respecto, no obstante, es preciso tener en consideración las críticas
modernas contra la autoridad incontestable atribuída a Aristóteles durante buena
parte de la Edad Media. Realmente, un breve análisis retórico del concepto de
autoridad puede proveernos de una manera de comprender esta situación.
Autoridad y autoría son nociones que derivan de la idea latina de auctoritas
(BALLWEG, 1991, p. 177). En el derecho es fácil notar la relación entre las dos
nociones. El autor de una ley – el legislador – es la autoridad competente para
crear el derecho. La propia idea de derecho depende de la idea de autoridad.
Incluso resulta difícil pensar en un derecho sin autor o sin una autoridad que sea
responsable de su constitución.
No sólo en el derecho, sino también en otros campos como en la literatura, en
la música, en la política, o en la religión, para citar algunos ejemplos, la autoridad es
algo que se encuentra generalmente en una posición original. O sea, los autores y
su autoridad están en el pasado, así como la auctoritas romana se encontraba en los
fundadores de Roma (ARENDT, 1993, p. 120). La autoridad está en el origen, en su arché.
La identificación contemporánea entre autor y escritor no corresponde a la noción
medieval de scriptor. El scriptor medieval es un mero copiador y, en ese sentido, es
menos autor incluso que un mero compilador (BARTHES, 2000, p. 31). En el contexto
del pensamiento medieval, Aristóteles, al contrario, es decisivamente un autor. La
autoridad de su pensamiento y la autoría de sus ideas en los más diversos dominios
eran indiscutibles hasta la era moderna. Bertrand Russell (1996, p. 188), por ejemplo,
afirma que el respeto a la autoridad incontestable de Aristóteles corresponde a un
atraso de mil años en el desarrollo de la lógica. De hecho, según Russell, toda la
lógica de Aristóteles sería refutable, excepto la doctrina del silogismo que no tendría
utilidad alguna a no ser para el raciocinio jurídico.
Russell, con todo, es un lógico, no es un jurista. Aun dejando de lado la
posible exageración de su afirmación y considerando su capacidad de opinar
en los más diversos ámbitos, podemos decir que su punto de vista es externo

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Pedro Parini 317

con relación a la práctica y al estudio del derecho. Sin embrago, curiosamente,


los juristas profesionales son los primeros en corroborar la afirmación de que el
raciocinio jurídico es, si no siempre, por lo menos en algunos casos, silogístico
(MACCORMICK, 1997). O sea, el pensamiento jurídico moderno se vuelve contra los
métodos antiguos de la jurisprudencia, pero adopta la teoría del silogismo como
metodología de producción del derecho.
De hecho, a partir de la modernidad jurídica, el silogismo pasa a servir como
esquema para el modelo subsuntivo de aplicación del derecho. La estructura
silogística sería capaz de conferir racionalidad al juicio jurídico. Es decir, la estructura
silogística de una decisión judicial es lo que garantizaría objetividad, universalidad,
seguridad, certeza, previsibilidad y transmisibilidad del conocimiento en lo que se
refiere a la producción del derecho.
Claro que ese modelo silogístico/subsuntivo suscitado en la modernidad jurídica
es parte de una ideología ilustrada; una forma de ilustración que parte de la vieja
distinción platónica entre conocimiento (epistéme) y opinión (dóxa). En su Fedro,
Platón examina la diferencia entre el conocimiento verdadero y la opinión verdadera
sobre un mismo asunto. Él llega a la conclusión de que conocimiento, a diferencia de
la opinión, presupone el encadenamiento de un raciocinio. Por esa razón, el Sócrates
de Fedro recorre a la alegoría de las estatuas de Dédalo que, así como esclavos
huidizos (en las palabras de Sócrates), deberían estar siempre encadenados; de otra
forma huirían, de tan realistas que eran (PLATÃO, 2007, p. 278 [97B]).
De acuerdo con el Sócrates platónico, las opiniones, incluso las verdaderas,
serían fugaces, así como las estatuas corredoras de Dédalo, y, por tanto, deberían
ser amarradas, encadenadas. O sea, presas en cadenas, cuyos eslabones podrían ser
representados por el entrelazamiento de las premisas de un raciocinio hasta una
conclusión segura, la cual podría decirse que resulta del conocimiento y no de meras
opiniones. Las opiniones, de acuerdo con el Sócrates platónico, a pesar de útiles y
valiosas como guía para la buena dirección de la conducta, “huyen del alma de los
hombres, pues no son aún amarradas por el conocimiento de causa” (PLATÃO, 2007,
p. 278-279 [97b-98a], traducción nuestra).
Aristóteles entendió eso y se dedicó al estudio de esta estructura de
entrelazamiento de las premisas de un raciocinio. Así, la noción de silogismo,
como estructura del raciocinio deductivo, se desarrolla a partir de ese momento
y nos llega hasta hoy como algo digno de estudio, al menos entre juristas
(GRÖSCHNER, 2011, p. 516).

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318 La Retórica de Aristóteles para los juristas de hoy

Por tanto, la figura del silogismo sería capaz de garantizar a los juicios jurídicos
el status de conocimiento y no de mera opinión. De hecho, la opinio juris no es
una opinión cualquiera. Cuando un juez decide, cuando un abogado argumenta, o
cuando se interpreta la ley, se espera que, con la actividad dogmática, las razones
sean presentadas como fundamentos para decidir, argumentar e interpretar. El
derecho sin razones tiende a ser considerado ilegítimo precisamente por ser
arbitrario. Aun los ordenamientos jurídicos positivos actuales adoptan esta tesis.
Es lo que se deprende del texto del art. 93, inciso IX de la Constitución de la
República Federativa del Brasil de 1988, por ejemplo, según el cual es nula una
decisión no fundamentada (BRASIL, 1988).
Hoy, los cánones de la modernidad son ampliamente criticados por las teorías
jurídicas. Para varios teóricos contemporáneos, el modelo silogístico no sólo se
revela como ingenuo o incipiente, sino también como ficticio y fraudulento como
falsa representación del raciocinio judicial.
Lo cierto es que innumerables teorías contemporáneas del derecho, de los más
diversos matices, atacan la doctrina del silogismo como una representación teórica
inauténtica de aquello que efectivamente acontece en los más diversos y complejos
procesos de producción del derecho. Así, teorías de orientación hermenéutica,
argumentativa, retórica, pragmatista, realista, escéptica, casuística, antiformalista,
entre otras orientaciones posibles, están de acuerdo en lo que se refiere a la
necesidad de crítica a la doctrina silogística del derecho.
Desde el punto de vista de una teoría retórica del derecho, que yo mismo busco
continuar y desarrollar, el silogismo es entendido como mero modelo de presentación
de las decisiones, no propiamente como modelo de decisión. Las doctrinas de
la retórica jurídica defienden que la producción del derecho (de decisiones
judiciales) nada tiene de silogística, sólo la presentación de las decisiones es la que
generalmente asume la estructura de silogismo, sin importar si hubo realmente un
proceso deductivo de inferencia en la elaboración de los juicios.
Como se sabe, el raciocinio deductivo es una marca del alto nivel de desarrollo
del intelecto en la antigüedad griega, cuando la matemática, a pesar de encontrarse
ya relativamente avanzada en diferentes culturas, obtuvo nuevas dimensiones y
pasó de un mero conjunto de reglas empíricas a un verdadero sistema de inferencias
deductivas, especialmente en relación con la geometría.
El silogismo, empero, como modelo de inferencia deductiva, fue delineado por
Aristóteles ya en un momento de decadencia de aquella era altamente creativa e

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innovadora que estaba a punto de disiparse, transformarse, diluirse y, finalmente,


desaparecer. Curiosamente, la doctrina del silogismo permanece prácticamente
igual a como la estableció Aristóteles, con algunos desdoblamientos hechos
durante la baja Edad Media.
Al tratar filosóficamente de la retórica, pues, Aristóteles se valió de la idea de
silogismo para estructurar el entimema. Además, dividió los discursos persuasivos
en tres géneros: epidíctico, deliberativo y judicial, cada cual con sus propios
entimemas y paradigmas. Como se puede vislumbrar, el derecho fue considerado
uno de los tres ámbitos fundamentales de producción de discursos retóricos. Ese
hecho no debe ser desconsiderado. Es obvio que el carácter argumentativo del
trabajo jurídico, así como de la actividad política no podría ser olvidado en la
realidad ateniense.
Claro, la retórica judicial era algo fundamental en la vida de la propia pólis.
Sabemos el papel que desempeñaban los así llamados sofistas o profesores de
retórica en la formación de jóvenes para la vida pública. Obviamente, Aristóteles se
refería al derecho de su tiempo, una forma de producción, organización y aplicación
de normas muy diferente de la que conocemos modernamente. Un derecho que no
era tan sofisticado o refinado técnicamente como el derecho romano tampoco tan
distante de la cultura griega.
Actualmente tenemos un derecho aún más refinado y diferenciado estructural
y funcionalmente, capaz de absorber y, hasta cierto punto, neutralizar el altísimo
nivel de complejidad social de las demandas actuales. Cuando Aristóteles se refiere
a la retórica judicial y a los discursos forenses de su tiempo, claramente él no
podría llevar en consideración el tipo de organización del pensamiento jurídico
contemporáneo. Él se refería a otro fenómeno.
Pero eso no quiere decir que el aspecto discursivo y retórico del derecho sea
menos relevante hoy en día. Por el contrario, las más recientes investigaciones
sobre retórica jurídica procuran evidenciar eso. Entre ellas destaco el estudio del
entimema judicial.

3 Una visión filosófica de la retórica


Filosóficamente, es preciso destacar tanto el carácter ético como el carácter
epistémico del estudio de la retórica en Aristóteles. Su preocupación por hacer
una teoría de la retórica no se restringía al aspecto epistémico de determinar
científicamente su objeto, pero tenía también el propósito de delinear los aspectos

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320 La Retórica de Aristóteles para los juristas de hoy

éticos del discurso persuasivo. O sea, Aristóteles pretendía no solamente decir


aquello que es la retórica, sino también cómo debe ser empleada.
En ese sentido, Aristóteles procuró separar la buena de la mala retórica. Esto
es explícito cuando escribe que “nosotros debemos ser capaces de sostener de
modo convincente tesis opuestas” (refiriéndose al carácter técnico del orador),
pero “no para hacer las dos cosas” (desde un punto de vista ético), pues “no se debe
convencer a los hombres de tesis reprobables”. Y más todavía, “se debe estar listo
para refutar a otra persona siempre que esta hable injustamente”. Un poco más
adelante, Aristóteles aprovecha para hacer una crítica moral contra los sofistas. Él
afirma que es posible ser retórico tanto por una cuestión de capacidad como en
relación con los propósitos o intenciones de quien argumenta. Para ser dialéctico
no bastan las intenciones del orador, es preciso tener capacidad técnica. De
acuerdo con Aristóteles, los sofistas, al contrario, fundaban sus argumentos sólo
en sus intenciones, pero no en una técnica (1996, p. 9 [1355a], traducción nuestra).
Por otro lado, los juristas modernos, en especial los teóricos y filósofos del derecho
tradicional, se preocupan por mostrar que todo recurso retórico aplicado al derecho
es maligno, o por lo menos superfluo, pues lo que hacen en su actividad práctica
o reflexiva, supuestamente, nada tendría que ver con la retórica. Sus argumentos
serían el resultado de simples demostraciones libres de cualquier forma de retórica.
Tal vez por esa razón algunos juristas teóricos hayan hecho esfuerzos para
producir modelos teóricos argumentativos que no fuesen considerados retóricos.
De hecho, no sólo en sus modelos teóricos, sino también en sus argumentaciones
prácticas, los juristas parecen destacar solamente elementos lógicos y
supuestamente racionales en sus discursos, nunca los retóricos y estratégicos.
Es como si sus argumentaciones nada tuviesen de argumentativo, sólo de
demostrativo. Pero al menos resulta paradójico afirmar que existen argumentos
no-argumentativos, es decir, argumentos libres de retórica.
En verdad, ésta es justamente una estrategia retórica de no permitir ver al
discurso como práctica efectiva de alguna forma de retórica. Aun cuando la estrategia
sea, a veces, la de condenar y definir la retórica como un arte innecesario o incluso
despreciable para personas serias y honestas. Los juristas usan la estrategia de la
“retórica de la supresión de la retórica” (SHERWIN, 2009, p. 88) como algo fundamental
en la elaboración de sus raciocinios y de sus demostraciones. Para el jurista, pues,
parece ser necesario afirmar siempre que lo que hago no es retórica, aunque le sea
necesario actuar retóricamente para la construcción del propio argumento.

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El gran problema para nosotros, los retóricos o estudiosos de la retórica, es


que la retórica a lo largo de siglos fue vaciándose paulatinamente de sus aspectos
lógicos y substanciales y fue reducida a un mero arte de estilo o de oratoria. Se
olvida que la retórica es el primer arte de la argumentación, de la producción de
discursos y, por lo tanto, la primera forma de ilustración (BALLWEG, 1989, p. 229), o
de toma de conciencia en relación con la capacidad de argumentar y el poder del
discurso (lógos).
Dejando de lado el aspecto ético, no obstante, podemos afirmar que Aristóteles
fue el “inventor de la retórica analítica” (SCHLIEFFEN, 2006, p. 48). Esto es, de una
retórica científica que procura describir los elementos que hacen un discurso
persuasivo. Esta retórica analítica inaugurada por Aristóteles no tiene como objetivo
enseñar a persuadir, sino sólo a examinar las características de la persuasión y
teorizar en torno a las estrategias argumentativas.
Lo que dijo Aristóteles en relación con su tentativa de separar la buena de la mala
retórica puede ser interpretado o evaluado al menos de dos formas contradictorias.
Puede entenderse que el filósofo era más sensible a la retórica que sus maestros.
Pero puede entenderse también que Aristóteles estaba en verdad impregnado de
prejuicios contra los adversarios de sus maestros, i.e., los así denominados sofistas,
especialmente por Platón. Sobre dicho tema hay interminables debates que por
desgracia no caben aquí.
En el siglo XX, conocimos diversos giros (en inglés turns) del pensamiento
occidental. Hablamos del giro lingüístico (linguistic turn) especialmente a partir
de Wittgenstein, del giro hermenéutico (hermeneutic turn) de las filosofías de
Heidegger y Gadamer, y también del giro retórico (rhetorical turn) representado por
la Nueva Retórica de Perelman. Todos esos giros tuvieron un papel importante en
el establecimiento de nuevos paradigmas teóricos y metodológicos de las ciencias
sociales. En la ciencia jurídica, los impactos fueron grandes, sobretodo en relación
con los dos primeros giros, es decir, el lingüístico y el hermenéutico. Percibimos eso,
respectivamente, en los trabajos de filosofía analítica del derecho y en el desarrollo
de la así llamada “jurisprudencia hermenéutica” (JUST, 2014, p. 71).
El giro retórico, sin embargo, tuvo resultados paradójicos. Iniciado sobretodo
en el ámbito de la filosofía del derecho con Chaïm Perelman y Theodor Viehweg, el
giro retórico de la ciencia jurídica condujo al surgimiento de teorías argumentativas
que negaban vehementemente el carácter racional de los elementos retóricos
presentes en los discursos y argumentaciones de los juristas. El carácter racional

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del derecho y del discurso jurídico para esas teorías contemporáneas de la


argumentación dependería del grado de ausencia de expedientes estratégicos,
especialmente, retóricos. Filósofos del derecho contemporáneos orientados
hacia el estudio de la argumentación jurídica, como Robert Alexy (1997), Neil
MacCormick (1997) o Aulis Aarnio (1991), por citar tan sólo tres ejemplos de los
más influyentes, tienden a disminuir la importancia de la retórica y de la persuasión
en la caracterización del derecho.
No obstante, la nueva tendencia retórica de la filosofía del derecho iniciada por
Chaïm Perelman y Theodor Viehweg fue continuada por algunos de sus discípulos,
pero hasta el momento no ha tenido una posición relevante y se tornó prácticamente
un estudio marginal de teoría de la argumentación jurídica.
Un discípulo de Viehweg en la Universidad de Maguncia (Johannes Gutenberg
Universität Mainz) en Alemania, Ottmar Ballweg, fue el responsable del desarrollo
del análisis retórico del derecho. Sin embargo, el propio Ballweg (1982, p. 28) negaba
el carácter filosófico de la retórica. Tal vez en razón del sentido estrecho que atribuía
a la palabra filosofía como búsqueda de la esencia o de la verdad de las cosas y
no como búsqueda de la sabiduría. Esa es la crítica de la cual parte João Maurício
Adeodato (2014, p. 5) de la Facultad de Derecho de Recife, en Brasil, para proponer
una filosofía retórica. No se trata de una retórica filosófica, sino de una filosofía que se
caracteriza retóricamente, esto es, como práctica retórico-argumentativa.
Por mi parte considero ambas posiciones radicales en alguna medida. No
considerar el carácter filosófico de la retórica como aparentemente lo hace Ballweg
es dejar de lado aspectos fundamentales de la historia de la filosofía desde su origen
y asumir un prejuicio ontológico o esencialista en relación con la propia definición
de filosofía. Las numerosas corrientes filosóficas como las diferentes formas de
escepticismo, el nominalismo, las variaciones de realismo, entre otras, forman parte
igualmente de la historia del desarrollo del pensamiento occidental a las que se
denomina genéricamente con el término filosofía.
Afirmar, sin embargo, que la retórica puede ser elevada al nivel de una filosofía es
algo de cierta forma inusitado. Hay numerosos trabajos que colocan juntas filosofía
y retórica, pero definir a la retórica como filosofía es menos común. Sin duda, la
sensibilidad para con la retórica y el papel del lenguaje es algo esencial para el
desarrollo de la filosofía o para la búsqueda de la sabiduría. Afirmar, no obstante, que
todos los problemas filosóficos se resumen a problemas del lenguaje puede llevar a
una visión reduccionista de la propia filosofía. Sabemos que las palabras importan,

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y mucho. Estamos conscientes del papel fundamental que desempeña el lenguaje


en la producción de conocimiento y en la constitución de la realidad. Pero reducir la
experiencia y los procesos intelectuales a un producto de los discursos es una tesis
osada, por decir lo menos.
De cualquier forma, las delimitaciones entre los diversos ámbitos de estudio,
sea entre filosofía y retórica, o entre retórica y semiótica, retórica y lógica, etc., deben
ser consideradas con cuidado. En diferentes contextos surgen nuevos criterios de
distinción entre las disciplinas, hecho que no debe ser considerado como algo
esencial o definitivo. Los criterios son siempre tópicos y dependen de un contexto
histórico determinado. Así, se corre el riesgo de separar arbitrariamente ámbitos de
estudio que son, verdaderamente, complementarios entre sí.
Como afirma el profesor Gerardo Ramírez Vidal, es artificial la ya desgastada
querella entre antiguos y modernos que presupone la superación de la retórica
por las disciplinas del discurso como la lingüística, la semiótica, la hermenéutica,
el psicoanálisis, por citar sólo algunos ejemplos. El debate es artificial, según el
profesor, porque “la retórica constituye un conjunto concreto de conocimientos
dentro de una multiplicidad de disciplinas del discurso, de manera que lo que existe
es confluencia, no conflicto” (2011, p. 85).
De esa forma, confronto filosóficamente la retórica y sus problemas correlatos
como cuestiones que forman parte de la propia naturaleza humana, lo que me lleva a
pensar en una antropología retórica. Eso significa afirmar que hay en alguna medida
una ontología de la retórica en el mundo determinado por el hombre, es decir, en
la realidad constituída por el homo rhetoricus (RAMÍREZ VIDAL, 2011, p. 87). Nuestro
filósofo parece haber tomado eso en consideración en el momento en que se dedicó
al estudio de las características de la persuasión.

4 El entimema y el paradigma como núcleo de la persuasión


Ya al inicio de la Retórica, Aristóteles (1996, p. 3 [1354a]) critica el trabajo de
sus antecesores, alegando que el estudio de la retórica hasta entonces se resumía
a la instrucción de los alumnos para que fuesen capaces de despertar emociones
como la ira, el odio, o la compasión, por ejemplo, en su auditorio. Según Aristóteles,
esos viejos profesores de retórica nada decían sobre la parte más importante del
arte de persuadir, o sea, el núcleo racional o lógico de la argumentación. Despertar
emociones es una parte importante, claro, de las estrategias persuasivas. El propio
Aristóteles (1996, p. 13 [1356a]) reconoce eso cuando trata de las tres pruebas

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técnicas. No se puede, sin embargo, fundar toda la persuasión en el pathos. Así como
no se puede contar sólo con el ethos del orador para ganar la adhesión del auditorio.
Es preciso tener en consideración los tres elementos en conjunto: el ethos, el pathos
y el logos. O sea, el carácter de quien habla, las emociones que se pueden suscitar en
los oyentes, y el discurso propiamente dicho.
Por lo que conocemos de Aristóteles, nada más natural que él dedicara especial
atención al logos, es decir, al discurso y a sus razones, y que no haya olvidado el pathos
ni tampoco el ethos en la construcción de su Retórica. Por ese motivo, Aristóteles define
como foco de su investigación el entimema y el paradigma, esto es, la deducción y
la inducción retóricas. Él afirma que “no se debe deformar al juez conduciéndolo a
la ira, al odio, o a la compasión: eso equivaldría a deformar el instrumento del cual
se debe servir para medir” (1996, p. 5 [1354a]). Claro, Aristóteles se refería al juez de
su tiempo, un ciudadano común que él mismo considera como una persona simple
(ARISTOTELE, 1996, p. 5 [1357a]), o sea, no preparada técnicamente en un arte o en
un logos especializado como es el de la moderna dogmática jurídica – un fenómeno
ciertamente bien distante del juez de nuestro tiempo.
De hecho, el juez moderno es adoctrinado, preparado para pensar
dogmáticamente en el contexto de una técnica específica regulada por métodos,
cánones y principios que forman los límites para la argumentación judicial y el
discurso jurídico en general.
A ese respeto es preciso decir que el pensamiento jurídico occidental enfatiza
la necesidad de presentar explícitamente el encadenamiento lógico de los juicios
como criterio de racionalidad del discurso, sin que sea preciso recurrir a elementos
emocionales o patéticos. O sea, la retórica de la objetividad del jurista debería siempre
prevalecer, respetando así los principios de la neutralidad (del lenguaje jurídico) y
de la imparcialidad (de los juicios jurídicos). El logos debería destacarse siempre en
relación con el pathos y el ethos, llegando incluso a ser capaz de neutralizarlos. Por
eso pensamos hoy en la figura objetiva de juez como órgano jurisdiccional y no como
un individuo dotado de una subjetividad altamente compleja que abarca visiones de
mundo particulares, idiosincrasias, solipsismos. Ese es un bello ejemplo del poder
objetivador que tiene el logos moderno de los juristas.

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5 La lógica del defecto en el entimema y en el paradigma: tesis del silogismo


abreviado o imperfeto

Sobre el paradigma no encontramos tantas cuestiones polémicas. El propio


Aristóteles (1996, p. 17 [1356b]) reconoce que, a pesar de que el paradigma ejerza
una función vital en la argumentación, es el entimema él que merece más atención
desde el punto de vista de la constitución de una téchne rhetoriké. No obstante, para
la cultura jurídica occidental, desde su origen, sabemos que los ejemplos (tanto
los hipotéticos como, principalmente, los del pasado) son fundamentales en la
constitución de la jurisprudencia como ciencia del derecho. No sólo para los Estados
del common law que adoptan el sistema del case law, sino también para el derecho
estatutario de los Estados que siguen la tradición legislativa de origen continental
o romanística. Hoy en día, percibimos que los precedentes y los casos decididos en
el pasado asumen cada vez más un papel esencial en la producción del derecho en
diferentes sistemas de estructuración normativa. Aun así, sabemos que el raciocinio
inductivo, a pesar de ser abundante y fundamental en el desarrollo científico, incluso
del derecho, es – así como el raciocinio analógico – menos seguro y convincente que
el raciocinio deductivo.
Ya con relación al carácter deductivo del entimema, algunas controversias son
dignas de mención. Sobre todo en lo que se refiere a su estructura formal y a su
contenido material, bien como al hecho de ser o no una especie de silogismo.
Es común encontrar en los manuales de retórica definiciones que tienen en
consideración solamente su aspecto formal. Algunas van más allá y definen el
entimema como una forma de silogismo abreviado, otras como un silogismo
imperfeto, y otras aún como si fuese un silogismo truncado, esto es, defectuoso
(ADEODATO, 2009, p. 333).
Esa manera de enfrentar el entimema solamente a partir de su estructura de
presentación, o sea, la manera en que es expresado verbal o textualmente procede
sólo en parcialmente. La crítica se fundamenta en la propia Retórica de Aristóteles
(1996, p. 19 [1357a]), en la medida en que el filósofo realmente afirma que las
premisas que forman un entimema deben ser de menor número que las que forman
otros tipos de silogismo como, por ejemplo, el dialéctico. Pero no es este aspecto
formal el que caracteriza al entimema como silogismo retórico. Es el hecho de basarse
en premisas que provienen de nociones comunes, probabilidades, señales o indicios
(ARISTOTELE, 1996, p. 29 [1359a]).

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326 La Retórica de Aristóteles para los juristas de hoy

Sin embargo, eso no impidió que autores posteriores a él continuasen


perpetrando esa definición incompleta de entimema. Hoy, esa tesis tradicional de
que el entimema es un silogismo abreviado (syllogismus truncatus, imperfectus o
abreviatus) es entendida como una falsificación. Para algunas teorías contemporáneas,
el entimema no es una forma de deducción lógica (como el silogismo), sino una
deducción retórica (GRÖSCHNER, 2011, p. 521) que no obedece necesariamente a las
leyes y a los principios de la lógica.
De hecho, el entimema es definido por Aristóteles (1996, p. 7 [1355a]; 15
[1356b]) como una especie de silogismo, o sea, como un silogismo propio de la
retórica. Dicha categorización hecha por Aristóteles del entimema como silogismo,
al mismo tiempo que tuvo un gran alcance y difusión, propició la actual polémica. La
idea aristotélica de que el argumento en el ámbito de la retórica sea estructurado
como un silogismo se perpetuó y prevaleció como definición de entimema, pero no
fue capaz de determinar completamente sus características propias, autónomas con
relación a la lógica de la dialéctica.
Pues bien, dijimos que esa definición meramente formal de entimema sólo
procede en la medida en que realmente lo que se expresa o se explicita en
varios tipos de discurso es sólo parte de aquello que se comunica efectivamente.
Muchas veces lo no dicho, sólo sugerido y no completamente revelado integra la
comunicación. Ese fenómeno no es exclusivo del entimema, pero sucede delante
de una serie de figuras de lenguaje como, por ejemplo, la ironía, la metáfora, la
metonimia, la sinécdoque, entre varias otras.
Esas figuras de lenguaje surgen de forma espontánea y la mayoría de las veces son
analizadas y sistematizadas por los lingüistas en sus sistemas teóricos posteriormente.
Entretanto es algo natural expresarse, incluso cotidianamente, por medio de figuras
de lenguaje que representan meras sugestiones de información no explícita.
Por tanto, antes que silogismo defectuoso, el entimema es entendido por una
tradición que empieza con Aristóteles, como un silogismo que se completa en la mente
de quien habla y de quien oye, pero que no precisa ser completamente verbalizado o
hecho explícito de cualquier otra forma. Según esta tesis, la premisa faltante en la
expresión es sugerida y presentada implícitamente.

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6 La lógica del silencio en el entimema y en el paradigma (lo que no es es posible):


tesis del silogismo implícito

No siempre se expresan las dos premisas del entimema porque, a veces, es


preciso sólo una para hacer que la otra resulte conocida.
Justamente porque el discurso retórico se dirige a un público no especializado, el
papel de la endoxa (ARISTOTELE, 2005, p. 348 [110b]) se torna aún más fundamental
en la construcción de entimemas que en la de silogismos dialécticos. El sentido
común, las opiniones compartidas por la mayoría o por la mayoría calificada
(técnicos en el asunto, personas cultas, sabios, etc.) que forman la endoxa son, en
realidad, la base para la construcción de raciocinios entimemáticos. Es evidente que
la retórica judicial, sobre todo en lo que se refiere al papel de la jurisprudencia y de
la construcción judicial del derecho, atribuye un papel fundamental a las opiniones
mayoritarias y a la doctrina dominante.
El entimema seduce justamente porque se basa en consensos, o en expectativas
de consenso entre orador y auditorio. El hecho de no contener una de las premisas
es, ante todo, no un defecto lógico o formal del discurso, sino una cualidad seductora
para la argumentación. Es un instrumento de empatía para con el auditorio. Se
parte de un punto que no precisa ser probado hasta un otro que precisa serlo, esto
es, se parte de lo conocido (la opinión común de aceptación general) rumbo a lo
desconocido (BARTHES, 2000, p. 69).
Así, el entimema es eficaz en la persuasión, por un lado, porque es concentrado,
porque comunica más de lo que es dicho explícitamente sin que el discurso se
torne tedioso, repetitivo o demasiado analítico. Y, por otro, porque parte de premisas
que son comunes y están al nivel del auditorio. Se puede incluso afirmar que, con
relación al silogismo retórico y a los discursos retóricos en general, “la eliminación
de una parte excita la vanidad y apela a la inteligencia del destinatario” (CATTANI,
1994, p. 109, grifos nuestros, traducción nuestra).
El poder de sugestión del entimema se une, por tanto, a la capacidad de evitar
el disenso por medio de una expectativa de consenso entre quien habla y quien oye, o
entre quien produce el discurso y quien lo interpreta.
Ésta es claramente una consecuencia del alto grado de generalidad de las
premisas omitidas. Una generalidad tal que permite diferentes posibilidades
interpretativas para lo que es solamente sugerido y no explícitamente revelado.
Aquello que necesariamente puede ser interpretado solo de una manera, y lo
que no puede ser interpretado de la manera pretendida por el orador terminan

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por ser poco útiles a los discursos retóricos. Lo necesario, lo imposible y lo


incuestionablemente verdadero, por lo tanto, no son tan persuasivos como lo
posible, lo probable y lo verosímil, en la medida en que limitan la expectativa de
consenso entre orador y auditorio.

7 Conclusión
Un ejemplo de aproximación retórica del derecho contemporáneo es la tesis
de que los patrones de comunicación normativa en procesos de decisión judicial
se encuentran entimemáticamente estructurados (SOBOTA, 1991; SCHLIEFFEN,
2006; ADEODATO, 2009).
Para ese tipo de perspectiva, la práctica jurídica no es gobernada por premisas
mayores, reglas instrumentales o normas universales. Al contrario, son regularidades
o patrones mutables y auto-organizados que guían el proceso de decisión en el
derecho. Son esas formaciones cibernéticas y dinámicas que propician la decisión
(SOBOTA, 1991, p. 47; BALLWEG, 1989, p. 229). Por tanto, si lo que se desea es de
hecho comprender cómo funciona el derecho, es aconsejable observar el modo de
funcionamiento de esos patrones, más que especular sobre reglas y modelos de
decisión supuestamente racionales.
Para ese tipo de teoría, el silogismo judicial es más propiamente una ilusión
con gran potencial de producir efectos de persuasión. Eso se debe al hecho de que el
recurso a la lógica y a la apariencia de logicidad del discurso jurídico sumado a la
amplia difusión de la propia idea de silogismo como modelo de raciocinio deductivo
en nuestra cultura asegura una especie de aura racional a los procesos de decisión.
El silogismo “es una de las más fuertes ideas del pensamiento occidental y de la
decisión judicial, y, como tal, moldea el discurso jurídico, a veces hasta el punto de
confundirlo con la propia realidad – como si el raciocinio jurídico fuese silogístico”
(SOBOTA, 1991, p. 49, traducción nuestra).
Desde un punto de vista retórico, por tanto, el silogismo sería sólo un modo de
presentación de la decisión y no un método de decisión. En ese sentido, el silogismo
es una forma retórica de expresión, pero no de elaboración del pensamiento. O sea,
el silogismo judicial es verdaderamente un entimema.
Lo que fundamenta esta tesis es el hecho de que sería contraproducente o
incluso imposible seguir las exigencias de la dialéctica y explicitar todas las premisas
de un raciocinio judicial. La recomendación de los académicos a los estudiantes
de derecho de verbalizar todas las normas empleadas como fundamento para

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una decisión, es decir, las premisas mayores de un silogismo judicial, no debería y,


realmente, tampoco podría ser efectivamente observada.
Muchas veces, lo que se puede vislumbrar en decisiones judiciales es la
simple referencia a fragmentos de textos normativos, pero no a normas completas.
Además, aunque todos los textos legales alegados en una decisión fuesen
citados ipsis literis, sabemos que eso no sería suficiente para revelar todas las
normas o premisas mayores en juego. En ese sentido, la hermenéutica jurídica
contemporánea sostiene categóricamente la distinción entre texto normativo
y norma jurídica. Para esas teorías (MÜLLER, 1976, p. 249-251; 2009, p. 196), la
norma concretizada transciende el tenor literal de los textos normativos e incluye
elementos dogmáticos, teóricos, no textuales, contextuales (políticos, sociales,
económicos, históricos, etc.), entre varios otros.
Con razón, los textos legales y sus combinaciones propician innumerables
normas diferentes. No es posible afirmar que, para cada texto, hay solamente una
norma. Por el contrario, hay generalmente muchas posibilidades interpretativas para
los mismos enunciados, sobre todo cuando se confrontan con la experiencia y en
contextos determinados. Como sabemos, las leyes jurídicas no son ni necesarias,
como las leyes de la física, ni precisas como los comandos de las computadoras.
La comunicación normativa posibilitada por textos que forman leyes, códigos,
precedentes, contratos, tratados o cualquier otro documento dotado de validad
jurídica está siempre abierta a una potencial semiosis ilimitada.
Los textos normativos, pues, implican siempre diferentes posibilidades de
construcción normativa. Según una perspectiva retórica, explicitar todas esas
construcciones implícitas seria un sin sentido y destructivo (SOBOTA, 1991, p. 51) para
el propio sistema jurídico. De hecho, no mencionar la norma es la regla cuando se trata
de decisiones judiciales. Así como las premisas implícitas del entimema, las normas
parecen tan autoevidentes en el contexto de una cultura jurídica determinada que
no requerirían ni siquiera ser verbalizadas (SOBOTA, 1991, p. 52), sino sólo sugeridas,
presupuestas y tenidas como ciertas. Es como si las normas fuesen perogrulladas u
obviedades que debiesen ser silenciados (SOBOTA, 1991, p. 53).
Por lo tanto, las decisiones judiciales hacen por mucho alusiones a silogismos,
pero difícilmente contienen silogismos completos o explícitos. Se puede ir más
allá y afirmar que mencionar todas las premisas del raciocinio judicial sería hasta
embarazoso e incluso disfuncional para quien juzga.

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No verbalizar todas las premisas es una forma estratégica de evitar contradicciones


e inconsistencias del sistema jurídico. Además, por medio del discurso entimemático,
se puede tanto modificar el sentido de la norma de acuerdo con cada situación
concreta, como también propiciar el entrelazamiento de regularidades emotivas no
verbalizadas y racionalizaciones explícitamente formuladas (SOBOTA, 1991, p. 57).
Así, por lo tanto, las decisiones se tornan paradigmáticas y el proceso retórico de
construcción de nuevas decisiones termina por ser una red compleja de deducciones
retóricas a partir de un conjunto de textos por un lado y, por otro lado, de referencias
a ejemplos que vienen del pasado y son dotados de autoridad.
Por un lado, la deducción de decisiones a partir de las normas generales que
supuestamente se encuentran en códigos, leyes y constituciones es hecha de
forma entimemática. Por el otro, la analogía y la inducción realizadas a partir de la
jurisprudencia de los tribunales y de los precedentes judiciales son hechas de forma
paradigmática, es decir mediante ejemplos.
Este es un intento de demostrar cómo la Retórica de Aristóteles sigue vigente
para comprender los procesos de la toma de decisiones en el derecho y las formas
de su representación. Concluyo mi discurso, sosteniendo, así, que el entimema y
el paradigma, como nociones retóricas, tienen un papel fundamental tanto en la
producción del derecho, como en la presentación de esa producción.

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Do Massangana à abolição – a retórica


humanista de Joaquim Nabuco

João Maurício Adeodato


Livre-docente, Doutor e Mestre em Direito (USP). Professor Permanente da
Faculdade de Direito (FDV). Pesquisador I-A (CNPq).

Alex Canal Freitas


Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais (FDV). Professor (IFES).

Artigo recebido em 7/11/2017 e aprovado em 10/8/2018.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Formação de Joaquim Nabuco no Segundo Reinado 3 Joaquim


Nabuco e sua estratégia abolicionista 4 Da persuasão à abolição 5 Conclusão 6 Referências.

RESUMO: Este texto estuda parte da vida e da obra de Joaquim Nabuco, sua visão
acerca do papel do direito, especificamente na questão da escravatura, bem como
demonstra sua influência na luta pela abolição e sua contribuição para a história
das ideias jurídicas no Brasil. Adota-se a retórica como metodologia, distinguindo-se
da historiografia tradicional. São apresentadas as narrativas que chegaram até nós
sobre o contexto histórico e a biografia de Joaquim Nabuco, relacionando-as com
os argumentos presentes em seus textos para impor suas ideias e, assim, influir no
ambiente histórico, bem como suas contribuições para o momento histórico atual.

PALAVRAS-CHAVE: História das Ideias Jurídicas Joaquim Nabuco Abolicionismo


no Brasil.

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From Massangana to abolition – the humanistic rhetoric of Joaquim Nabuco

CONTENTS: 1 Introduction 2 Formation of Joaquim Nabuco in the Second Reign 3 Joaquim


Nabuco and his abolitionist strategy 4 From persuasion to abolition 5 Conclusion 6 References.

ABSTRACT: This text studies part of the life and work of Joaquim Nabuco, his views
about the role of law, especially on the matter of slavery, and it also demonstrates
his influence in the struggle for abolition and his contribution to the history of
legal ideas in Brazil. This article adopts rhetoric as a methodological approach and
distinguishes itself from the traditional historiography. It presents the stories that
have reached us about the historical context and the biography of Joaquim Nabuco,
relating them to the arguments in Nabuco’s texts in order to impose his ideas and
to influence the historical environment, and also their contributions to the current
historical moment.

KEYWORDS: History of Ideas in Law Joaquim Nabuco Abolitionism in Brazil.

Del Massangana a la abolición – la retórica humanista de Joaquim Nabuco

CONTENIDO: 1 Introducción 2 Formación de Joaquim Nabuco en el Segundo Reinado 3


Joaquim Nabuco y su estrategia abolicionista 4 De la persuasión a la abolición 5 Conclusión
6 Referencias.

RESUMEN: Este texto estudia parte de la vida y obra de Joaquim Nabuco, su visión
acerca del papel del derecho, específicamente en la cuestión de la esclavitud, así
como demuestra su influencia en la lucha por la abolición y su contribución a la
historia de las ideas jurídicas en Brasil. Se adopta la retórica como metodología,
distinguiéndose de la historiografía tradicional. Se presentan las narrativas que
llegaron hasta nosotros sobre el contexto histórico y la biografía de Joaquim Nabuco,
relacionándolas con los argumentos presentes en sus textos para imponer sus ideas
y así influir en el ambiente histórico, así como sus contribuciones al momento
histórico actual.

PALABRAS CLAVE: Historia de las Ideas Jurídicas Joaquim Nabuco Abolicionismo


en Brasil.

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1 Introdução
Este texto estuda parte da vida e da obra de Joaquim Nabuco, sua visão acerca
do direito, especificamente na questão da escravatura, bem como demonstra sua
influência na luta pela abolição e sua contribuição na história das ideias jurídicas
no Brasil.
Adota-se, aqui, a retórica como metodologia para estudo das ideias jurídica
no Brasil (ADEODATO, 2012, p. 239-258). Além de uma metodologia, a retórica é
entendida como método e metódica, tomando por base a distinção entre as retóricas
material, estratégica e analítica (ADEODATO, 2010, p. 50).
Apenas para apontar resumidamente os conceitos, a retórica material compreende
a relação do ser humano com seu meio, isto é, a versão que se estabelece sobre
os fatos ou conjunto de relatos sobre o mundo que constitui a própria existência
humana. Essa dimensão material corresponde ao método, literalmente o caminho
escolhido na organização (interpretação) do que comumente se chama de realidade.
Ela é temporária, mutável no tempo e no espaço e autorreferente, pois diferentes
pessoas e gerações a veem e constituem diversamente.
No que diz respeito a este artigo, ele representa as narrativas que chegaram até
nós sobre o contexto histórico e a biografia de Joaquim Nabuco.
A retórica estratégica corresponde à metodologia, também literalmente uma
teoria sobre os métodos, vez que tem como objetivo interferir sobre a retórica material,
construir estratégias para modificar a narrativa dominante em outra direção: aquela
desejada por quem as aplica.
Aqui, o nível da retórica estratégica consiste em estudar os argumentos
presentes nos textos de Joaquim Nabuco para impor suas ideias e assim influir no
ambiente histórico.
Finalmente, a retórica analítica, ou metódica, procura descrever, tentando
evitar argumentos normativos, como funcionam e se relacionam a retórica material
e a retórica estratégica, além de investigar as conexões entre a época estudada
e o momento histórico atual. Sem manifestar juízos de valor, este texto pretende
examinar a participação de Joaquim Nabuco nos conflitos e debates para extinguir
a escravidão no Brasil.

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2 Formação de Joaquim Nabuco no Segundo Reinado


Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo nasceu no Recife em 19 de agosto de
1849 e faleceu em Washington em 17 de janeiro de 1910. Era filho de José Tomás
Nabuco de Araújo, senador do Império, e de Ana Benigna de Sá Barreto, membro de
família tradicional da elite açucareira pernambucana.
O contexto histórico que interessa é o do Brasil imperial, especificamente do
Segundo Reinado, período que abrange os anos de 1840 a 1889, ano da proclamação
da República. Nessa conjuntura, a Lei Áurea (BRASIL, 1888) foi o ponto culminante
de sucessivas legislações sobre a escravidão.
As primeiras medidas não foram eficazes. A Convenção de 1826 entre Brasil e
Inglaterra visava impedir o comércio de escravos e deveria ter sido implementada
em três anos, mas só foi efetivamente concretizada em 1850. Ainda no período da
Regência de D. Pedro II, especificamente em 7 de novembro de 1831, foi aprovada
a Lei Feijó (BRASIL, 1831), que proibia o tráfico de escravos africanos para o país,
mas que não teve qualquer eficácia, dando origem à expressão, usada até hoje, de
algo para inglês ver. No mesmo sentido, em 4 de setembro de 1850, foi promulgada
a Lei Eusébio de Queiroz (BRASIL, 1850), proibindo a entrada de embarcações
com escravos no país, mas o tráfico permanecia intenso mesmo à margem da lei,
sobretudo porque o contexto brasileiro não conseguia alternativas para substituir o
trabalho escravo (FAUSTO, 2010, p. 194).
Um pouco mais de eficácia foi obtida pela Lei Rio Branco, ou Lei do Ventre
Livre (BRASIL, 1871), que declarou livres os filhos de mulher escrava nascidos a
partir da data de sua promulgação, em 27 de maio de 1871. A crença de alguns
abolicionistas no desaparecimento gradual da escravidão se baseava na perspectiva
de escassez no fornecimento de escravos pela impossibilidade de utilização de sua
descendência. As pressões do movimento abolicionista aumentaram, o que levou
o governo conservador a promulgar, em 28 de setembro de 1885, a Lei Saraiva-
Cotegipe ou Lei Sexagenária (BRASIL, 1885), que regulava a “extinção gradual do
elemento servil”, tal como a projetara Rui Barbosa.
As elites se dividiam sobre a conveniência da escravidão. Muitos proprietários
eram favoráveis, pois dela se beneficiavam. Os que se mostravam contrários
dividiam-se entre aqueles que queriam uma transição gradual, com estratégias de
substituição da mão-de-obra que não acarretassem impacto na economia, e aqueles
que exigiam a imediata abolição.

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Nesse contexto, o movimento abolicionista iria constituir seu mais ativo


representante parlamentar. Nesse percurso até se tornar o principal líder do
movimento na Câmara dos Deputados, quando da promulgação da Lei Áurea (BRASIL,
1888), a formação de Joaquim Nabuco foi fundamental para lhe forjar as convicções
e é indispensável estudá-la para compreender-lhe o caráter.
Passou a infância no engenho Massangana, seu paraíso perdido, como
o chamava, sob os cuidados de seus padrinhos. Ali teve contato íntimo com a
escravidão, o que marcou sua vida, como ele mesmo relata em sua autobiografia
(NABUCO, 1999, p. 159-168).
É curioso Nabuco registrar que a escravidão no Norte do país distinguia-se
pela hereditariedade na sucessão de patrões e escravos – o que contribuiria para
uma maior humanidade de tratamento, numa espécie de tribo patriarcal isolada do
mundo –, uma vez que se tratava de uma exploração para conservação da própria
fazenda. No Sul, que compreendia, sobretudo, as regiões paulistas, as fazendas
eram novas e ricas, com mais rotatividade e impessoalidade entre senhor e escravo,
sendo este considerado apenas um instrumento de trabalho.
Neste cenário, a bondade de sua madrinha no relacionamento com os escravos
marcou seu relato da infância e parece tê-lo influenciado fortemente. Com a morte
dela, transferiu-se com os pais para o Rio de Janeiro, onde recebeu uma educação
esmerada e formou-se em Letras. Em 1866 ingressou na Faculdade de Direito
de São Paulo e concluiu o curso no Recife: “Ali, cercado de estudantes agitados
pelas ideias de Tobias Barreto e Sílvio Romero bem como por manifestações
antiescravagistas de Castro Alves, começou a exercitar-se nas artes da política”
(SEVERO, 2010, p. 18, grifos no original).
Ainda jovem, ao voltar ao engenho onde passara a infância, diante do cemitério
dos escravos, fez uma resolução que levou para toda a vida:

Oh, os santos pretos! Seriam eles os intercessores pela nossa infeliz terra,
que regaram com seu sangue, mas abençoaram com seu amor! Eram essas
as idéias que me vinham entre aqueles túmulos, para mim, todos eles,
sagrados, e então ali mesmo, aos vinte anos, formei a resolução de votar
a minha vida, se assim me fosse dado, ao serviço da raça generosa entre
todas que a desigualdade da sua condição enternecia em vez de azedar e
que por sua doçura no sofrimento emprestava até mesmo à opressão de
que era vítima um reflexo de bondade... (NABUCO, 1999, p. 168).

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Ainda antes de terminar o curso no Recife, iniciou a redação de sua primeira


obra, A Escravidão (NABUCO, 1988), que ficou desconhecida por muitos anos.
Logo após formar-se em Direito, trabalhou como advogado e certa vez defendeu
um escravo chamado Thomás: “Joaquim Nabuco pôde, então, dar vasão a ideias
antiescravocratas, então já bastante amadurecidas” (MENCK, 2010a, p. 49). Na defesa,

[...] justificou a atuação do réu utilizando linha de raciocínio inaugurada


por Luís Gama (advogado mulato que se celebrizou nos foros paulistas na
defesa de escravos): criado como se fosse livre, Thomás reagira à escra-
vidão como um livre teria feito. Obteve apenas a comutação da pena de
morte em galés perpétuas. (MENCK, 2010a, p. 49).

Em 1873, deixando para trás a advocacia, viajou para a Europa e os Estados


Unidos, onde passou por um período de amadurecimento intelectual. Em Minha
Formação (NABUCO, 1999), relata as influências de homens de letras na filosofia,
na religião, na literatura, na poesia, na prosa, no romance, em tudo o que formava o
húmus de sua inteligência e a constituição de seu espírito. Mesmo confessando sua
atração pela vida aristocrática, diz que não esqueceu sua resolução:

Não posso negar que sofri o magnetismo da realeza, da aristocracia, da


fortuna, da beleza, como senti o da inteligência e o da glória; felizmente,
porém, nunca os senti sem a reação correspondente; não os senti mesmo,
perdendo de todo a consciência de alguma coisa superior, o sofrimento
humano, e foi graças a isso que não fiz mais do que passar pela sociedade
que me fascinava e troquei a vida diplomática pela advocacia dos escravos.
(NABUCO, 1999, p. 97).

Uma das maiores influências foi a do próprio pai, cuja presença espiritual exercia
uma ação poderosa em seu interior, subordinando qualquer outra. Nabuco refere
repetidas vezes a atuação política do pai como Ministro da Justiça e sua participação
na promulgação de leis e decretos a favor do abolicionismo. Além das marcas da
infância no engenho Massangana, a atuação política do pai serviu de modelo para
continuidade de um projeto familiar:

Eu não tenho, graças a Deus, dúvida que esta seria a sua atitude, e posso
assim dizer que em 1879 não fiz como deputado senão continuar do
ponto em que ele ficara, substituir-me a ele, com a diferença natural entre
minha mocidade e sua velhice, desenvolvendo em favor dos escravos
existentes o pensamento que ele assinalara como um dever nacional,
tanto no preparo como na discussão da lei que libertou as gerações
futuras. (NABUCO, 1999, p. 148).

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340 Do Massangana à abolição – a retórica humanista de Joaquim Nabuco

É notório o desejo de seguir os passos de Nabuco de Araújo, numa profunda


admiração que crescia cada vez mais com o tempo e que o levou, após a morte do
pai, a escrever-lhe a biografia Um estadista do império: “É para mim hoje uma causa
de arrependimento e compunção o não ter tido como principal aspiração saciar-me,
saturar-me dele, fazer do meu espírito uma cópia, um borrão mesmo, do que havia
impresso e gravado no dele” (NABUCO, 1999, p. 151).
O apoio das amizades foi também importante na luta contra a escravidão,
destacando-se as figuras de André Rebouças, “dos homens nascidos no Brasil o único
universal pelo espírito e pelo coração” (NABUCO, 1999, p. 177), José do Patrocínio,
com quem fundou, em 1880, a Sociedade Brasileira contra a Escravidão, além de
Joaquim Serra, Gusmão Lobo, Machado de Assis e outros.
Apesar de sua maior preocupação política se ter concentrado na abolição da
escravatura, seu pensamento político não se reduz a uma política partidária, mas,
sim, à política como história, pois afirmava ser mais do que um espectador de seu
país, um espectador do seu século. Mais que o papel universalista de espectador,
contudo, seu protagonismo o levou ao engajamento no Partido Liberal. Para influir
e conformar o ambiente em que estava inserido era-lhe necessário, então, “não mais
o diletantismo, mas a paixão humana, o interesse vivo, palpitante, absorvente, no
destino e na condição alheia, na sorte dos infelizes... ajudar o meu país, prestar os
ombros à minha época, para algum nobre empreendimento”. Queria realizar uma
obra que “tivesse o caráter de finalidade, a certeza, a inerrância do absoluto, do
divino, como tem as grandes redenções, as revoluções de caridade ou da justiça,
as auroras da verdade e da consciência sobre o mundo”. E qual seria esse interesse
senão o da emancipação? “E por felicidade da minha hora, eu trazia da infância e
da adolescência o interesse, a compaixão, o sentimento pelo escravo, – o bolbo que
devia dar a única flor da minha carreira...” (NABUCO, 1999, p. 154-155).
Trabalhou como diplomata no exterior até a morte do pai e regressou ao Brasil
em 1878, quando disputou uma vaga de deputado por Pernambuco. Domingos de
Souza Leão, chefe político da província, comprometeu-se a apoiá-lo na campanha,
a pedido de seu pai. Foi então eleito deputado e estabeleceu como prioridade no
programa liberal a questão da escravidão.
Terminado o mandato, não conseguiu reeleger-se em 1881, retornando a
Londres, onde trabalhou como advogado e jornalista, e articulou-se com movimentos
abolicionistas ingleses. No ano de 1883 foi publicada uma de suas obras hoje mais

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conhecidas, O Abolicionismo. Regressou ao Brasil em 1884, oportunidade em que


reiniciou a militância política e conseguiu eleger-se novamente deputado em 1887.
Interessante consignar que Joaquim Nabuco venceu a eleição na campanha de
1884, mas ela foi anulada por fraude. No ano seguinte, foi novamente eleito, porém
desta vez seu mandato não foi reconhecido pela Câmara dos Deputados ou, como
ele diria depois, foi degolado. No mesmo ano de 1885 houve a dissolução da Câmara,
o Partido Conservador voltou ao poder e Nabuco não conseguiu se reeleger. Apenas
assumiria o mandato nas eleições de 1887.

A degola de Nabuco causou revolta em Pernambuco. Tendo de ser refeita


a eleição pelo Quinto Distrito, por falecimento do titular, todos os
candidatos liberais renunciaram em seu favor. A eleição de Nabuco se
torna acontecimento nacional. Novas eleições, com estrondoso triunfo.
Em 1887, já famoso, candidata-se novamente, sem fazer campanha
eleitoral na província. É eleito derrotando o ministro do Império, Manuel
Portela, veterano político e deputado geral pelo Partido Conservador.
(MENCK, 2010b, p. 83).

Nesse período de grande pressão política, as províncias de Ceará e Amazonas


promulgaram leis extinguindo a escravidão em seus territórios. Nessa mesma ocasião,
foi promulgada a Lei dos Sexagenários (BRASIL, 1885), que veio a ser criticada por
Nabuco como retrógrada. Regressando ao Rio de Janeiro, Nabuco publicou quatro
opúsculos de propaganda liberal, entre eles O Erro do Imperador (NABUCO, 2010b) e
O Eclipse do Abolicionismo (NABUCO, 2010c).
Parecia que a ascensão ao poder do Partido Conservador não levaria a
progressos significativos na causa abolicionista. Contudo, no dia 3 de maio de 1888,
ao se iniciarem as atividades do Parlamento no Rio de Janeiro, sob o ministério
conservador de João Alfredo Correia de Oliveira, o fluxo dos acontecimentos levou à
extinção da escravidão no Brasil em 13 de maio. Joaquim Nabuco estava ao lado da
Princesa Isabel quando da assinatura da Lei Áurea (BRASIL, 1888).
Inobstante a vitória da causa abolicionista em 1888, a proclamação da República
no ano seguinte parece ter exercido influência no afastamento de Nabuco da
política, por ser partidário da monarquia. Voltou, então, ao exercício da advocacia e
a seus trabalhos literários. Exerceu depois atividade diplomática em Washington até
morrer em 1910.

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342 Do Massangana à abolição – a retórica humanista de Joaquim Nabuco

3 Joaquim Nabuco e sua estratégia abolicionista


Joaquim Nabuco combateu veementemente a escravidão por meio de sua
atividade política e de seus escritos. O Abolicionismo (NABUCO, 2003), principal obra
sobre o tema, os discursos da Campanha abolicionista no Recife (NABUCO, 2010a)
– obras publicadas originalmente em 1883 e 1884, respectivamente – e alguns
opúsculos publicados em 1886 merecem análise mais detida.
Nabuco inicia O Abolicionismo com a conhecida estratégia retórica pela qual o
orador se arvora porta-voz de um sujeito indefinido, no caso, a consciência nacional,
a qual já decidira que a escravidão era uma mancha moral na história do Brasil e
queria introduzir um elemento da dignidade humana na legislação; uma consciência
que se concentra em dois lugares: “o arrependimento dos descendentes de senhores,
e a afinidade de sofrimento dos herdeiros de escravos” (NABUCO, 2003, p. 23). O
sucesso dessas estratégias se mostrou na progressiva aprovação das Leis Feijó
(BRASIL, 1831), Eusébio de Queiroz (BRASIL, 1850) e Rio Branco (BRASIL, 1871),
mencionadas acima.
Mas o combate à expansão e ao tráfico, assim como aos descendentes de
escravos era demasiado gradual para os objetivos políticos de Nabuco e seu grupo.
Tratava-se, no momento, de eliminar a legitimidade jurídica da escravidão, torná-la
definitivamente ilegal, trazendo o apoio do direito positivo para essa modificação
da realidade social. A retórica dessa estratégia se expressava “contra o escândalo
da sua existência em um país civilizado” e pretendia emancipar de vez a massa dos
escravos, pois é unicamente “este último movimento que se chama abolicionismo, e
só este resolve o verdadeiro problema dos escravos, que é a sua própria liberdade”
(NABUCO, 2003, p. 27). Contra os abolicionistas mais tímidos e moderados, libertar
os escravos era uma tarefa imediata do movimento e nem sequer poder-se-ia
resumir apenas a isso. Era preciso ir além e apagar todos os efeitos desse regime
que, “há três séculos, é uma escola de desmoralização e inércia, de servilismo e
irresponsabilidade para a casta dos senhores, e que fez do Brasil o Paraguai da
escravidão” (NABUCO, 2003, p. 27).
O conceito de escravidão alcança um sentido mais abrangente em sua obra,
significando toda relação de servilismo, submissão e feudalismo presentes na religião,
no comércio e no Estado, a qual beneficiava uma minoria aristocrática e ineficiente.
Ampliando o alcance retórico do termo, o discurso de Nabuco interferiu no sentido de
ultrapassar as ideologias partidárias já existentes e formar uma corrente de opinião
que se desenvolveu do Norte ao Sul. Analisando as retóricas políticas dos partidos

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Liberal e Conservador, observa-se que o abolicionismo os fragmentou fortemente:


num primeiro momento, poucos parlamentares desses principais partidos defendiam
a abolição e nessa primeira fase do movimento abolicionista, por volta de 1879, os
abolicionistas representavam uma oposição minoritária, entregues aos seus próprios
recursos. Posteriormente, de 1884 a 1888, a retórica do abolicionismo mais radical foi
adotada sucessivamente por ambos os partidos.
Outra estratégia importante, de cunho mais filosófico, foi ligar o abolicionismo
à igualdade natural entre os seres humanos e daí a seu espírito de justiça e
humanismo. Esse argumento universal permitia responder à questão da legitimidade
do movimento abolicionista para contradizer o direito positivo e a legalidade
da escravatura. Tratava-se de um mandato inconsciente e tácito por parte dos
representados e irrenunciável por aqueles que os representam. O abolicionista era
o advogado do escravo e do ingênuo – expressão que designava o filho de escravo
nascido após a promulgação da Lei do Ventre Livre (BRASIL, 1871).
Mas, repita-se, Nabuco não se restringia a argumentos de direito natural e
sustentava que, diferentemente do que ocorreu em outros países, os motivos que
impunham essa delegação como uma obrigação pressuposta e irrenunciável não
eram apenas de humanidade ou compaixão, provenientes de sentimentos religiosos
ou filantrópicos, mas nasciam de um pensamento político para “reconstruir o Brasil
sobre o trabalho livre e a união das raças na liberdade” (NABUCO, 2003, p. 38).
Havia, ainda, outra estratégia retórica que invocava a paz social e que o movimento
não deveria estimular a rebeldia nem incitar o ódio, o que desvirtuaria a reconstrução
do país. Como a escravidão é um estado violento de compreensão da natureza humana,
não seria suprimida no Brasil por meio atentados locais. Enquanto a ideia abolicionista
não estivesse sedimentada no sentimento público, na forma de liberdade esculpida
em lei, o máximo que se poderia obter seria “um choque na consciência humana em
um organismo paralisado” (NABUCO, 2003, p. 56). Atraía, assim, para seu discurso os
mais temerosos de convulsões sociais, que haviam irrompido por diversos motivos em
todo o país, ou mesmo da guerra civil generalizada.
Um argumento jurídico interessante de Nabuco envolvia os direitos de
nacionalidade, posto que os escravos haviam sido importados à força da África: ora,
se o escravo era brasileiro, a lei nacional não permitia a redução de seus cidadãos a
essa condição; e se o escravo não era brasileiro, então a lei não tinha competência
para os tornar escravos. Assim, a escravidão é nula e sua ilegalidade, insanável, sem
prejuízo dos argumentos políticos, éticos e filosóficos em geral pela sua proscrição.

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344 Do Massangana à abolição – a retórica humanista de Joaquim Nabuco

Outra controvérsia relevante enfrentada por Joaquim Nabuco, de cunho


econômico e também jurídico, estava relacionada ao pagamento de indenização
aos senhores de escravos, reclamada pelos reticentes. Nesse direcionamento de sua
retórica estratégica observa-se o espírito prático do utilitarismo inglês, adquirido
em sua formação europeia, no sentido de que nenhum abolicionista se oporia a
uma abolição imediata, mesmo acompanhada de indenização. Argumentando que a
extinção imediata da escravidão era o objetivo e que a indenização não poderia ser
óbice em seu caminho, neutralizava um argumento central de seus contrários.
Noutro vértice econômico, salientou que os efeitos da escravidão sobre os
territórios e sobre a população eram, em todos os sentidos, desastrosos. Como
consequência do impacto exercido por ela, tinha-se a destruição de florestas, a
esterilização do solo exaurido de recursos e improdutivo, além de uma população
miserável de proletários nômades. “Esse terrível azorrague não açoitou somente as
costas do homem negro, macerou as carnes de um povo todo” (NABUCO, 2003, p.
144). Numa sentença: a escravidão produz somente uma ilusão de riqueza.

A história da escravidão africana na América é um abismo de degradação


e miséria que se não pode sondar, e, infelizmente, essa é a história do
crescimento do Brasil. No ponto a que chegamos, olhando para o passado,
nós, brasileiros, descendentes ou da raça que escreveu essa triste página
da humanidade, ou da raça com cujo sangue ela foi escrita, ou da fusão de
uma e outra, não devemos perder tempo a envergonhar-nos desse longo
passado que não podemos lavar, dessa hereditariedade que não há como
repelir. Devemos fazer convergir todos os nossos esforços para o fim de
eliminar a escravidão do nosso organismo, de forma que essa fatalidade
nacional diminua em nós e se transmita às gerações futuras, já mais
apagada, rudimentar, e atrofiada. (NABUCO, 2003, p. 132).

Em resumo, a retórica abolicionista de Nabuco fundamentava-se em argumentos


de ordem jurídica, política, econômica, social e filosófica. Para ele, o instituto da
escravidão, dentre outros males, arruína economicamente o país e impossibilita o
seu progresso material, corrompe o caráter e desmoraliza os elementos constitutivos
da cidadania, habitua ao servilismo, produz uma aparência meramente ilusória de
ordem, é um peso que atrasa o Brasil em seu crescimento em comparação com
outros Estados que não a conhecem; apenas com a emancipação total se alcançaria
a grande obra de uma pátria comum, forte e respeitada.
Argumento poderoso colocava que as interferências externas eram ilegítimas e
feriam a soberania nacional, mormente no que dizia respeito às imposições inglesas

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e a submissão de portugueses e brasileiros a seus interesses geopolíticos. Para


Nabuco, cujo ethos pendia para a admiração pelos ingleses, as medidas paliativas
não poderiam ter funcionado e foi o Brasil que agiu mal em relação à Inglaterra,
pois a questão da escravatura não deveria ter se tornado um impasse entre as duas
nações, mas sim posto uma ao lado da outra contra o tráfico. Em suas próprias
palavras, uma defesa contra os argumentos de violação à soberania nacional:

A soberania nacional, para ser respeitada, deve conter-se nos seus limites;
não é ato de soberania o roubo de estrangeiros para o cativeiro. Cada tiro
dos cruzadores ingleses que impedia tais homens de serem internados
nas fazendas e os livrava da escravidão perpétua era um serviço à honra
nacional. Esse pano verde-amarelo, que os navios negreiros içavam à popa,
era apenas uma profanação da nossa bandeira. Essa, eles não tinham o
direito de a levantar nos antros flutuantes que prolongavam os barracões
da costa de Angola e Moçambique até a costa da Bahia e do Rio de Janeiro.
A lei proibia semelhante insulto ao nosso pavilhão, e quem o fazia não
tinha direito algum de usar dele. (NABUCO, 2003, p. 96-97).

Essa posição acrítica em relação ao papel da Inglaterra – que anteriormente sempre


fomentou a escravidão quando esta lhe era vantajosa, deixando às nações periféricas
como Portugal e seus políticos subservientes a tarefa de executar o trabalho sujo – é
um traço característico do ethos de Joaquim Nabuco, sempre simpático à cultura e à
política internacional inglesa, na época o país mais influente do Ocidente.
É oportuno destacar que a promulgação da Lei de 28 de setembro de 1871 (Lei
do Ventre Livre) (BRASIL, 1871) levou as nações centrais do capitalismo mundial a
acreditar que a escravidão havia acabado no Brasil. Foi propagado que os escravos
eram paulatinamente libertados em número considerável e que os filhos de escravos
nasciam totalmente livres (NABUCO, 2003, p. 113). Mas a interpretação historiográfica
hoje dominante reconhece que não houve qualquer mudança significativa após a
referida lei, com exceção do pequeno número de escravos que conseguiu alforriar-se,
mendigando por sua liberdade.
Em 1883, estava diante dos abolicionistas não a escravidão antiga, fruto natural
da violência humana, mas outra escravidão, juridicamente institucionalizada, que
inseria o escravo no campo das leis humanas. Para legitimá-la, como é essencial à
retórica de todo direito positivo, arguia-se que a escravidão era um estado tolerável
e até desejável para o escravo, fazendo supor que, se fosse consultado a respeito,
preferiria o cativeiro à liberdade. Para Nabuco, contudo, em qualquer época, por
sua própria natureza, a escravidão é dura, bárbara e cruel, “e quando deixa de o ser

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não é porque os senhores se tornem melhores, mas, sim, por que os escravos se
resignaram completamente à anulação de toda a sua personalidade” (2003, p. 20):

O pior da escravidão não é todavia os seus grandes abusos e cóleras, nem


as suas vinditas terríveis; não é mesmo a morte do escravo: é sim a pressão
diária que ela exerce sobre este; a ansiedade de cada hora a respeito de
si e dos seus; a dependência em que está da boa vontade do senhor; a
espionagem e a traição que o cercam por toda a parte, e o fazem viver
eternamente fechado numa prisão de Dionísio, cujas paredes repetem cada
palavra, cada segredo que ele confia a outrem, ainda mais, cada pensamento
que a sua expressão somente denuncia. (NABUCO, 2003, p. 124).

No ano seguinte à publicação d’O Abolicionismo, Joaquim Nabuco disputou as


eleições do Recife, conforme mencionado, tornando o combate à escravatura sua
principal bandeira e apresentando com seus dotes oratórios o que já escrevera
com tinta e papel. A propósito, Menck destaca que “seu porte nobre, sua fisionomia
enérgica e inspirada, seu gesto eloquente e sóbrio, a voz bela e vibrante atraíam
plateias por onde passava” (2010b, p. 81)1.
Na campanha, falou a públicos distintos e adequava seu conteúdo aos
interesses de cada auditório, de cada setor da sociedade, sempre preservando o
fio condutor do abolicionismo. No discurso proferido em São José, por exemplo,
dirigido ao público geral, enfatizou que a escravidão era contrária à dignidade
humana, uma instituição homicida e inumana, um inferno da história. No discurso
realizado em bairro nobre do Recife, na Madalena, procurou convencer o público
de que os homens ricos deveriam estar comprometidos com o movimento
abolicionista, pois a escravidão atrapalhava o crescimento e a riqueza da nação.
Ao se dirigir aos comerciantes no Corpo Santo, também discursou contra a
escravidão com o argumento de que ela atrapalhava o comércio e sua expansão.
Perante os artistas sustentou que a escravidão instituía o roubo do trabalho
e a degradação do trabalhador. Por fim, em seu discurso de encerramento
de campanha, sinalizou a abrangência do movimento e conclamou todos a
condenarem essa horrenda instituição:

1 Vide também NABUCO, 2010a, p. 113-159.

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A vós, artistas, eu a denuncio como o roubo do trabalho; a vós, sacerdotes,


como o roubo da alma; a vós, capitalistas, como o roubo da propriedade;
a vós, magistrados, como o roubo da lei; a vós, senhoras, como o roubo da
maternidade; a vós, pais, filhos, irmãos, como o roubo da família; a vós,
homens livres, como o roubo da liberdade; a vós, militares, como o roubo
da honra; a vós, homens de cor, como o roubo de irmãos; a vós, brasileiros,
como o roubo da pátria... sim, a todos eu denuncio essa escravidão maldita
como o fratricídio de uma raça, como o parricídio de uma nação! (NABUCO,
2010a, p. 159).

Fez elogios em O Abolicionismo (NABUCO, 2003) aos esforços do imperador na


supressão do tráfico e na libertação dos nascituros, mas acusou-o, posteriormente,
de aliar-se ao Partido Conservador na postergação da escravidão. “A história há de
dificilmente conciliar a inteligência esclarecida, a vasta ciência do homem com
a indiferença moral do chefe de Estado pela condição dos escravos no seu país”
(NABUCO, 2010b, p. 175). A acusação feita por Nabuco foi à indiferença do imperador
diante da escravidão, pois, por 45 anos, afirmou, o trono brasileiro não pronunciara
uma palavra sequer de condenação à escravidão, quando um único ato do imperador
acabaria com a escravidão; sua passividade, porém, só a fez recrudescer.
A adesão ao movimento abolicionista, na visão dos governistas, poderia
fragilizar as relações de D. Pedro II, que preferia ficar num limite neutro para não
desagradar nenhum dos lados. Nabuco, utilizando a estratégia retórica da ironia,
publicou que seria sem dúvida melhor que a escravidão não existisse no Brasil, mas,
como ela já existia, seria de melhor política não falar nela, como que varrê-la para
baixo do tapete. “Mas o eclipse do abolicionismo já tem durado demais. É preciso
sacudir esse torpor e recomeçar a campanha” (NABUCO, 2010c, p. 187).
Outro tema sensível era a adesão de setores cada vez mais significativos
à necessidade de proclamação da República no país. Esses setores, também
abolicionistas, consideravam a República como a forma natural de democracia e
tendiam a levar Nabuco ao isolamento, por apresentar-se como abolicionista radical,
porém monarquista. A estratégia do pernambucano apoiava-se no direito natural,
pois argumentava que o dever de não escravizar seres humanos preexiste a qualquer
forma de governo e daí a toda estrutura democrática, ou seja, antes de discutir qual
o melhor regime para fazer um povo livre.

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4 Da persuasão à abolição
A trajetória de vida de Joaquim Nabuco levou-o a experimentar uma tensão que
Evaldo Cabral de Mello chama de dilema do mazombo. Isso representa “o descendente
de europeu ou reputado como tal, com um pé na América e outro na Europa, e
equivocadamente persuadido de que cedo ou tarde, terá de vencer a indecisão,
plantando-os ambos de um lado só do oceano” (MELLO, 1999, p. 12).

[...] na América falta à paisagem, à vida, ao horizonte, à arquitetura, a


tudo o que nos cerca, o fundo histórico, a perspectiva humana; que na
Europa nos falta a pátria, isto é, a forma em que cada um de nós foi
vazado a nascer. De um lado do mar sente-se a ausência do mundo; do
outro, a ausência do país. O sentimento em nós é brasileiro, a imaginação
europeia. (NABUCO, 1999, p. 49).

O rompimento dessa tensão constituiu um longo processo que se estendeu de


sua primeira candidatura, em 1879, até a abolição, em 1888. Nesse período, não
se ocupou de outra coisa senão da exaustiva causa abolicionista. No auge da luta
contra a escravidão, afirma:

Eu, por exemplo, há oito anos quase não me ocupo de outra coisa, e assim
reduzi minha inteligência, errática por natureza, não felizmente a fixar-
se nessa ideia única, porque isso a teria morto num cárcere, mas a nada
produzir que não tivesse relação imediata e direta com a enfermidade
orgânica do país, o seu mal incurável [...] Eu, porém, não fiz da abolição
uma coisa, e não estou fazendo outra, por prazer, nem por vocação de
apóstolo, mas por dever, obedecendo ao simples imperativo categórico da
minha nacionalidade, ao fato unicamente de ser brasileiro; e como eu há
tantos! (NABUCO, 2010c, p. 183).

Nesse intervalo de tempo, chamam a atenção os parcos registros de suas


atividades e pensamentos em seus diários, posteriormente publicados. Evaldo Cabral
de Mello registra que esses anos ocupam o quinhão mais modesto de seus diários,
uma vez que “para o intelectual, a ação política é frequentemente esterilizante [...]
O intelectual que mergulha na vida política costuma ficar sem tempo suficiente e
até sem o gosto para registrar suas impressões e reações aos acontecimentos que
se desenrolam ao seu redor” (2006, p. 213). Quando, nos anos de ostracismo, tem
oportunidade de escrever suas recordações, ele declara:

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Em 1879 eu me alistara para uma campanha que supunha havia de durar


além de minha vida; fiz assim, posso dizer, voto perpétuo de servir uma
grande causa nacional: o que devia mais de trinta anos, durou somente
nove, mas nem por isso economizei forças, iniciativa, imaginação para
outros empreendimentos... A abolição, além disso, pelo seu sopro universal,
isolara-me dos partidos, afastara-me da sua esfera contenciosa; por hábito
eu agora aspirava a viver em regiões de ar mais dilatado, onde se respirasse
a unanimidade moral, a fé, o otimismo humano, o oxigênio das grandes
correntes de ideal... (NABUCO, 1999, p. 218).

Na opinião de um de seus principais doxógrafos, O Abolicionismo (NABUCO,


2003), juntamente com as Conferências no Recife na campanha de 1884, contêm
“a mais brilhante análise feita até então do papel desempenhado pela escravidão
na formação social e política do Brasil” (MELLO, 2006, p. 217). Nesse mister, o
desenvolvimento de suas estratégias apresenta um perfil panfletário, como, aliás,
era comum no século XIX. Mas, além do apelo ao pathos, Nabuco utiliza argumentos
pela via do logos, ou seja, dados estatísticos, históricos, econômicos para convencer
seu público, como mencionado, adaptando seus discursos aos auditórios específicos
na tentativa de persuadi-los e alcançar adesão. Analisa a condição social que a
escravidão gerou, interpreta e critica as leis imperiais que trataram da escravidão e
não poupa censuras ao Imperador e à Igreja.
O apelo moral é o mais forte, reunindo as vias persuasivas do ethos e do pathos:
a todo momento frisa que a escravidão é instituição que viola a natureza humana
e contraria os princípios fundamentais do direito pátrio e internacional. E, de outro
lado, a abolição é a mais nobre, a mais augusta das causas.
Contra os que pensavam, entre as classes mais privilegiadas, que a abolição
arruinaria a agricultura e o crédito nacional e que a escravidão era parte decisiva da
economia produtiva do país (WEFFORT, 2010, p. 33), Joaquim Nabuco demonstrou que
a escravidão não trouxera riqueza, mas sim prejuízo ao país. Os proprietários de terra
se endividavam com o tráfico e penhoravam suas fazendas; os escravos morriam e
as dívidas ficavam. Os fazendeiros faziam suas fortunas, os filhos as aproveitavam e
gastavam no exterior, e os netos padeciam à míngua; daí o adágio pai rico, filho nobre,
neto pobre, expressão popular da experiência dos hábitos da escravidão.

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350 Do Massangana à abolição – a retórica humanista de Joaquim Nabuco

Merece menção a perspectiva de Nabuco de que a escravidão brasileira foi


eminentemente africana e decorrente do tráfico2. A partir dessa ideia, o autor
desenvolve a perspectiva da miscigenação como herança e característica do país
e analisa as influências da escravidão sobre a nacionalidade, sobre o território
e sobre a população do interior bem como suas implicações sociais e políticas.
Nesse sentido, ele foi “o primeiro a vislumbrar o surgimento de uma raça brasileira,
tal como conhecemos em nossos dias. Uma raça de mestiços, formada pelo
congraçamento de todos os povos construtores da nossa nacionalidade” (SILVA,
2003, p. 14). Essa percepção de Nabuco, e mesmo de seus comentadores, precisa
ser entendida em seu contexto, pois hoje o conceito de raça não mais se sustenta,
menos ainda uma raça de mestiços.
A perspicácia de Nabuco aparece em sua argumentação, contrária à estratégia
imperial de promover uma abolição lenta e gradual por meio de uma legislação
que sempre considerou insuficiente, ainda que reconhecesse alguns avanços. A Lei
do Ventre Livre (BRASIL, 1871) e a Lei dos Sexagenários (BRASIL, 1885) – apesar
de incompletas, retrógradas e restritas a poucos dentro do universo dos escravos
– tiveram por principal efeito sinalizar a condenação moral da escravidão. Contra
a posição dominante, que acreditava nessa abolição progressiva, porém, Nabuco
defendia que esse conjunto de leis apenas prorrogava o problema, permitindo,
por exemplo, que houvesse escravidão no Brasil até 1932. “A escrava nascida a 27
de setembro de 1871 pode ser mãe em 1911 de um desses ingênuos que assim
ficaria em cativeiro provisório até 1932. Essa é a lei, e o período de escravidão
que ela ainda permite” (NABUCO, 2003, p. 174-175). Esperar por essa transição
tranquila seria a “morte do país”, “o adiamento por meio século da consciência
livre do país” (NABUCO, 2003, p. 176). Por isso a abolição teria que ser imediata,
geral e irrestrita.
Sua crítica ao imperador, já mencionada, veio com tom desanimador, mormente
partindo de um monarquista convicto, o que demonstra o realismo de sua análise
do seu tempo. A demora na abolição fragilizava um império já em crise e Nabuco
prenunciou, em 1886, que os últimos anos da escravidão seriam os últimos do
imperador (NABUCO, 2010b, p. 176).

2 No que tange a essa análise, é importante destacar a recente criação da Comissão Nacional da Verdade da
Escravidão Negra no Brasil pela Ordem dos Advogados do Brasil, o que leva à necessidade de revisitação
da vida e da obra de Joaquim Nabuco.

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De outro lado, lastimava a neutralidade e a indiferença do clero perante


a escravidão. Para tentar combater essa passividade, Nabuco viajou à Europa no
início do ano de 1888 para se encontrar com o Papa Leão XIII, em 10 de fevereiro, e
interceder em favor dos escravos brasileiros, pedindo uma condenação da escravidão,
a qual “tocaria o sentimento religioso da regente” (NABUCO, 1999, p. 192). O Papa
acedeu, mas a Encíclica (LEÃO XIII, 1890) só apareceu depois da promulgação da Lei
Áurea (BRASIL, 1888).

5 Conclusão
De todo o exposto, talvez a sentença mais importante de Joaquim Nabuco seja
aquela que registrou em sua autobiografia, fiel ao realismo que sempre caracterizou
sua retórica: “a escravidão permanecerá por muito tempo como a característica
nacional do Brasil” (NABUCO, 1999, p. 76). Previu, assim, que o país ainda sofreria
após a abolição, pois a obra da escravidão estava arraigada por 300 anos na história
da nação: “Acabar com a escravidão não nos basta; é preciso destruir a obra da
escravidão” (NABUCO, 2010a, p. 117). Era necessária uma refundação da sociedade,
que passaria pela democratização do solo e pela integração dos afrodescendentes, o
que ainda hoje o Brasil não conseguiu impor como realidade:

Depois que os últimos escravos houverem sido arrancados ao poder sinistro


que representa para a raça negra a maldição da cor, será ainda preciso
desbastar, por meio de uma educação viril e séria, a lenta estratificação de
trezentos anos de cativeiro, isto é, de despotismo, superstição e ignorância.
O processo natural pelo qual a escravidão fossilizou nos seus moldes a
exuberante vitalidade do nosso povo durou todo o período do crescimento,
e enquanto a nação não tiver consciência de que lhe é indispensável
adaptar à liberdade cada um dos aparelhos do seu organismo de que a
escravidão se apropriou, a obra desta irá por diante, mesmo quando não
haja mais escravos. (NABUCO, 2003, p. 28).

Não se pode negar que Joaquim Nabuco foi um dos grandes responsáveis pela
abolição de 1888. Tornou-se o principal líder parlamentar da campanha pela abolição
da escravatura no Brasil, posição a que foi levado por condicionantes biográficas e
muita iniciativa própria: a infância marcante, a resolução juvenil, a formação erudita,
a influência paterna, as grandes amizades: “Nabuco foi um desses raros lutadores em
que a paixão convive com uma extrema lucidez” (WEFFORT, 2010, p. 38).
Joaquim Nabuco não estava sozinho nessa luta, é claro. Ele mesmo, diante da
abolição vitoriosa, debruçou-se sobre a questão de a quem caberiam as honras

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por isso, mencionando o jogo político e seus principais personagens, ainda que
não tivesse chegado a uma resposta. Afinal, mais importante do que um herói é a
conquista nacional e de toda a humanidade:

Ninguém, afinal, sabe quem fez mais pela abolição: se a propaganda,


se a resistência: se os que queriam tudo, se os que não queriam nada...
Nada há mais ilusório que as distribuições de glória... As lendas hão de
sempre viver, como raios de luz na treva amontoada do passado, mas
a beleza delas não está em sua verdade, que é sempre pequena; está
no esforço que a humanidade faz, para assim reter alguns episódios de
uma vida tão extensa que, para abrangê-la, não há memória possível.
(NABUCO, 1999, p. 173).

“O que foi a participação de Joaquim Nabuco nos acontecimentos abolicionistas,


di-lo a própria História” (LIRA, 1956 p. 167). Nesse momento particularmente
importante da história nacional e mundial, a temática da escravatura e a muito tardia
abolição brasileira enfrentaram os mais diversos debates, nos quais tomou parte
toda sorte de pessoas das mais diversas nacionalidades e profissões3, engajadas na
luta retórica, mais ou menos civilizada, no sentido de fazerem suas perspectivas de
mundo prevalecer sobre as demais. Nesse contexto, a importância de Nabuco está
em primeiro plano.

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3 Um exemplo peculiar dá VERNE (1929).

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4
355

A expansão da atividade jurisdicional:


limites à interpretação na teoria da
argumentação jurídica de Alexy

Ricardo Schneider Rodrigues


Doutorando em Direito (PUCRS). Mestre em Direito Público (UFAL). Professor
Titular de Direito Processual Civil no Centro Universitário Cesmac (Alagoas).

Artigo recebido em 5/11/2017 e aprovado em 15/8/2018.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 O fenômeno da expansão da atividade jurisdicional 3 A (des)vinculação


entre direito e moral no contexto do controle da atividade jurisdicional 4 Conclusão 5 Referências.

RESUMO: Neste artigo são investigadas as possíveis causas da expansão da


atividade jurisdicional e do aumento da criatividade judicial na interpretação
jurídica. A partir da Teoria da Argumentação Jurídica de Robert Alexy, será
avaliada a possibilidade de controle da atividade interpretativa nos casos em que
fundamentos estranhos ao direito positivo são utilizados na decisão judicial. A
mudança do paradigma teórico positivista, o surgimento do Welfare State e o novo
perfil da legislação dele decorrentes são vistos como causas da expansão judicial.
A incorporação de fundamentos morais ao exercício da jurisdição não é um convite
ao casuísmo ou ao voluntarismo. A Teoria da Argumentação Jurídica de Robert
Alexy fornece instrumentos para o controle dessa atividade, mediante critérios
para a análise da fundamentação das decisões judiciais, pautados pelas regras e
formas da argumentação racional. A metodologia utilizada na elaboração do texto
consiste em revisão bibliográfica de caráter qualitativo.

PALAVRAS-CHAVE: Expansão da Atividade Jurisdicional Limites à Interpretação


Controle Teoria da Argumentação Jurídica Robert Alexy.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 20 n. 121 Jun./Set. 2018 p. 355-380


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356 A expansão da atividade jurisdicional: limites à interpretação na teoria da argumentação jurídica de Alexy

The expansion of jurisdictional activity: Limits to interpretation in Alexy’s theory


of legal argumentation

CONTENTS: 1 Introduction 2 The phenomenon of expansion of the jurisdictional activity 3 The


(dis)connection between law and morals in the context of the control of the jurisdictional activity
4 Conclusion 5 References.

ABSTRACT: In this article the possible causes of the expansion of the judicial
activity and the increase of the judicial creativity in the juridical interpretation are
investigated. The possibility of controlling the interpretive activity in cases where
the reasoning of the judicial decision goes beyond positive law will be evaluated
based on Robert Alexy’s Theory of Legal Argumentation. The change of the positivist
theoretical paradigm, the emergence of the Welfare State and the new profile
of the legislation deriving from it are seen as causes of judicial expansion. The
incorporation of moral grounds to the exercise of jurisdiction is not an invitation to
casuistry or voluntarism. Robert Alexy’s Theory of Legal Argumentation provides tools
for controlling this activity, through criteria for analysing the reasoning of judicial
decisions, guided by the rules and rational argumentation means. The methodology
used on the development of this article was the qualitative bibliographical review.

KEYWORDS: Expansion of Jurisdictional Activity Limits to interpretation Control


Theory of Legal Argumentation Robert Alexy.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 20 n. 121 Jun./Set. 2018 p. 355-380


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Ricardo Schneider Rodrigues 357

La expansión de la actividad jurisdiccional: límites a la interpretación en la teoría


de la argumentación jurídica de Alexy

CONTENIDO: 1 Introducción 2 El fenómeno de la expansión de la actividad jurisdiccional 3 La


(des)vinculación entre derecho y moral en el contexto del control de la actividad jurisdiccional
4 Conclusión 5 Referencias.

RESUMEN: En este artículo se investigan las posibles causas de la expansión de la


actividad jurisdiccional y del aumento de la creatividad judicial en la interpretación
jurídica. A partir de la Teoría de la Argumentación Jurídica de Robert Alexy, se evaluará
la posibilidad de control de la actividad interpretativa en los casos en que se utilizan
fundamentos extraños al derecho positivo en la decisión judicial. El cambio del
paradigma teórico positivista, el surgimiento del Estado de bienestar social y el
nuevo perfil de la legislación de él resultante son vistos como causas de la expansión
judicial. La incorporación de fundamentos morales al ejercicio de la jurisdicción no es
una invitación al casuismo o al voluntarismo. La Teoría de la Argumentación Jurídica
de Robert Alexy proporciona instrumentos para el control de esa actividad, mediante
criterios para el análisis de la fundamentación de las decisiones judiciales, pautados
por las reglas y formas de la argumentación racional. La metodología utilizada consiste
en una revisión bibliográfica de carácter cualitativo.

PALABRAS CLAVE: Expansión de la Actividad Jurisdiccional Límites a la


Interpretación Control Teoría de la Argumentación Jurídica Robert Alexy.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 20 n. 121 Jun./Set. 2018 p. 355-380


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358 A expansão da atividade jurisdicional: limites à interpretação na teoria da argumentação jurídica de Alexy

1 Introdução
Recentes decisões da Suprema Corte brasileira têm direcionado o foco das
atenções da sociedade, em geral, e da Ciência do Direito, em particular, para o papel
a ser desempenhado pelo Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito. Há
grande preocupação com a invasão da esfera de competência atribuída aos Poderes
Legislativo e Executivo por parte daqueles que exercem a jurisdição, em especial a
constitucional. Para além disso, surge também a questão do controle da atividade
judicial a partir do instante que o parâmetro de decisão não é mais apenas o direito
positivo, mas critérios de ordem moral, por exemplo.
Este debate não decorre de alguma peculiaridade do ordenamento jurídico
brasileiro. Em verdade, diversos países já passaram por essa experiência, existindo,
em certa medida, alguma clareza quanto aos principais aspectos desse fenômeno,
cujo estudo poderá contribuir para uma melhor compreensão da realidade
brasileira. É fundamental, portanto, analisar as causas dessa expansão e de que
maneira seria possível exercer um controle sobre a atividade jurisdicional a partir
do momento em que o Poder Judiciário não se vincula mais apenas à literalidade
da lei para tomar decisões.
Nesse sentido, num primeiro momento, são investigadas as causas da expansão
do exercício da jurisdição para searas antes não exploradas, fenômeno associado ao
aumento da denominada criatividade judicial no exercício da interpretação, para,
em seguida, avaliar a relação entre o direito e a moral, bem como a possibilidade
de controle dessa atividade interpretativa quando se utiliza, na decisão judicial,
de fundamentos estranhos ao direito positivo. Para tanto, o artigo utilizará, como
método de pesquisa, a revisão bibliográfica de caráter qualitativo
Inicialmente, o foco recai na análise da expansão da atividade judicial nos
Estados Unidos, na obra de Donald L. Horowitz, que investigou o fenômeno na
perspectiva da atuação do judiciário americano em políticas públicas (1977). Em
seguida, com enfoque na atividade criadora do direito, as causas do fortalecimento
do Poder Judiciário são extraídas do estudo comparativo realizado por Mauro
Cappelletti (1993). O contexto brasileiro é avaliado a partir da obra de Luís Roberto
Barroso (2017). Ao final da primeira parte deste trabalho, são tecidas as conclusões
parciais relacionadas às causas da expansão da atividade judicial.
Partindo-se da premissa de que a expansão da atividade judicial enseja a utilização
de razões que vão além do direito positivo, por ocasião da fundamentação da decisão,
é trazido para a discussão o tema da vinculação – ou da separação – entre direito e

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Ricardo Schneider Rodrigues 359

moral. Na segunda parte deste artigo, portanto, o objetivo consiste em confrontar o


conceito de direito entre a perspectiva positivista de Hans Kelsen e a não positivista
de Robert Alexy, no contexto da necessidade de se exercer um maior controle sobre
a atividade judicial. Na parte final, o tema do controle é examinado a partir da Teoria
da Argumentação Jurídica de Robert Alexy, com o intuito de perquirir se, ao invocar
elementos estranhos ao direito positivo para decidir, não seria possível exercer um
efetivo controle dessa atuação judicial, de modo a rebater a crítica de que a inserção
do aspecto moral no direito abriria o caminho para decisões voluntaristas.

2 O fenômeno da expansão da atividade jurisdicional


A expansão da atividade jurisdicional para domínios anteriormente não
explorados não é um fenômeno recente nem isolado. Diversos países passaram ou
estão passando pela experiência de observar o Poder Judiciário atuar em questões
anteriormente restritas a outras esferas dos Poderes do Estado. Nesse contexto,
serão analisados os fatores responsáveis pela mudança no exercício da atividade
jurisdicional. A primeira análise será feita em relação aos Estados Unidos, a partir da
obra de Donald L. Horowitz (1977); em seguida, será abordado o estudo comparativo
de Mauro Cappelletti (1993), abrangendo diversos países das famílias do common law
e da civil law. Ao final, será feita uma contextualização a partir do cenário brasileiro.

2.1 A expansão nos Estados Unidos


Nos Estados Unidos, particularmente, o fenômeno da expansão vem sendo
detectado desde, ao menos, meados do século passado, conforme avalia Donald
L. Horowitz, em obra dedicada ao estudo da atuação do judiciário em temas
relacionados a políticas públicas (1977). Para o autor, são elementos que sustentam
a criatividade dos juízes americanos para a elaboração do direito: (i) a existência de
uma Constituição escrita, que necessita de interpretação; (ii) a separação de poderes
que, em teoria, são iguais uns aos outros; (iii) uma profunda desconfiança popular
em relação à maioria legislativa; (iv) uma forte corrente dos direitos naturais; e (v)
uma tradição de common law transplantada parcialmente, antes da personificação
do direito natural no Parlamento (1977, p. 2).
Para Horowitz, a diferença entre o poder judicial na Inglaterra e nos Estados
Unidos não deve ser exagerada, é principalmente de ênfase, na medida em que
haveria períodos, nos dois países, de aumento da criatividade judicial e outros de

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360 A expansão da atividade jurisdicional: limites à interpretação na teoria da argumentação jurídica de Alexy

grande passividade (1977, p. 3). Não obstante, para o autor, as cortes americanas
seriam mais abertas a novos desafios e buscariam novas atribuições com mais
frequência, de modo que isso teria encorajado diversos interessados a apresentar
seus problemas em juízo, a ponto de assinalar que em nenhum outro lugar o
judiciário teve tanta responsabilidade pela elaboração de políticas públicas como
nos Estados Unidos (1977, p. 3).
O autor demonstra o aumento do escopo da atuação do judiciário nos Estados
Unidos mencionando sua intervenção em temas que antes eram considerados
impróprios para o referido Poder, como a administração da assistência social, das
prisões e dos hospitais para tratamento de doenças mentais, a gestão de políticas
públicas educacionais e de trabalho, a construção de estradas e de pontes, a
padronização de mecanismos de segurança em automóveis e o gerenciamento de
recursos naturais (HOROWITZ, 1977, p. 4).
Um dos efeitos apontados por Horowitz como decorrência desse fenômeno
seria o crescimento da subordinação do caso individual às questões relacionadas à
elaboração judicial de políticas públicas, assim como a expansão da responsabilidade
judicial quase a sobrepor a responsabilidade de outras instituições governamentais.
Ademais, tal tendência não seria algo peculiar, mas sistemático, pois transcenderia
as preferências judiciais individuais (1977, p. 9).
Em muitos casos, a atuação do Poder Judiciário, para Horowitz, decorreu
de uma espécie de convite formulado pelo Congresso ou pelos legisladores
estaduais, como na utilização de uma legislação tão ampla e indeterminada como
se pretendesse repassar tais problemas para a esfera judicial (1977, p. 5). Daí sua
conclusão no sentido de que, se grande parte dessa atuação foi resultado da
atividade legislativa ou burocrática, seria natural atribuir o fenômeno da expansão
da atividade judicial ao crescimento do Estado de Bem-Estar Social (Welfare
State), sendo, portanto, proporcional o crescimento dessa atividade à expansão da
atividade governamental (1977, p. 5).
Não obstante, o crescimento do Estado não seria a única causa, pois, como
reconhece Horowitz, muito da expansão da atividade judicial teria ocorrido
independentemente do Congresso ou da burocracia, mas, em certos casos, contra
as suas políticas públicas anunciadas, com o objetivo de enfrentar um determinado
problema que teria sido resolvido de forma insatisfatória por outros órgãos do
governo (1977, p. 5-6). Daí a razão de o autor afirmar que haveria uma diferença de
grau entre as decisões judiciais de antes e as atuais no judiciário americano, que

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Ricardo Schneider Rodrigues 361

estaria mais explicitamente voltado à resolução de um problema do que à resposta


a uma queixa (1977, p. 7).
Além da história das políticas americana e inglesa, Horowitz aponta outras
fontes para as mudanças experimentadas (1977, p. 9-10). Uma influência considerada
pelo autor como óbvia seriam os chamados casos de dessegregação escolar (school
desegregation cases), que teriam criado uma espécie de campo magnético ao redor das
cortes, atraindo litígios em áreas onde a intervenção judicial era antes implausível. O
autor ressalta que o ativismo judicial mais amplo da Corte Warren teria demonstrado
a sua vontade de testar os limites das fronteiras convencionais da ação judicial e,
quando isto ocorreu, grupos sociais frustrados por não terem alcançando os seus
objetivos em outros espaços públicos passaram a buscar respostas mais promissoras
em decisões judiciais (1977, p. 9-10).
Além disso, para Horowitz, o desenvolvimento da doutrina majoritária teria
seguido e contribuído para o aumento e as mudanças no caráter das questões trazidas
a juízo, quando, por exemplo, abrandou os requisitos de jurisdição, standing e ripeness1
(1977, p. 10). Grandes obstáculos também teriam sido afastados, como a celeridade,
ajustada a partir da criação de uma agenda de audiências, e os custos dos processos,
por meio de decisões assegurando o pagamento de honorários advocatícios mesmo
nos casos em que ele havia sido dispensado (HOROWITZ, 1977, p. 11).
Outro aspecto influenciador, para o autor, teria sido a própria característica da
sociedade americana, dada a um incomparável legalismo, pela propensão a pensar
os problemas sociais em termos legais e de judicializar tudo, desde reivindicações
salariais até conflitos comunitários e alocação das rotas aéreas, de modo a tornar
natural a concordância de conferir aos juízes uma maior atuação na elaboração de
políticas públicas (1977, p. 12).

2.2 A expansão como tendência evolutiva relativamente universal


Mauro Cappelletti, por sua vez, elaborou um estudo comparativo com o objetivo
não apenas de demonstrar o que considera uma verdade banal, às vezes negada, que
seria a existência da criatividade da jurisprudência ou a criação do direito pelos
juízes, mas também as razões que teriam levado a tal exacerbação nas sociedades

1 No texto, a expressão standing refere-se ao standing to sue, que pode-se traduzir como legitimação ativa
ou legitimidade ad causam; já o termo ripeness pode ser traduzido, literalmente, como maturação, no sentido
de causa madura, e corresponde a uma exigência de que as questões submetidas ao judiciário já estejam
suficientemente maduras para apreciação judicial. Para mais sobre o tema, vide FACCHINI NETO, 2016.

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362 A expansão da atividade jurisdicional: limites à interpretação na teoria da argumentação jurídica de Alexy

contemporâneas (1993). Para o autor, a interpretação judiciária contém certo grau de


criatividade, não existindo oposição entre interpretação e criação do direito. Ainda
que o intérprete não tenha consciência disso, em toda interpretação haveria certo
grau de discricionariedade, assim como em todos os produtos da criação humana,
como literatura, música, artes visuais, filosofia etc. Assim, para o autor, o verdadeiro
problema não seria tanto a oposição – inexistente – entre o ato de interpretar e de
criar o direito, mas o grau de criatividade, os modos e a aceitabilidade da criação de
tal direito pelos tribunais (1993, p. 21).
Para Cappelletti, o fenômeno da intensificação da criatividade da função
jurisdicional, típico do século passado, deve-se a um fenômeno mais amplo,
denominado de revolta contra o formalismo, que nos países do common law dirigiu-
se contra o formalismo do case method, na França e áreas influenciadas voltou-se
contra o positivismo jurídico e na Alemanha deu-se contra o formalismo científico e
conceitual (1993, p. 32).
Tal formalismo teria, por característica, acentuar o aspecto da lógica pura e
mecânica do processo judicial, mascarando o elemento voluntarístico, discricional,
de escolha. Para o autor, as revoltas teriam acentuado o caráter fictício da concepção
puramente cognoscitiva e mecânica da atividade jurisdicional que tinha o
magistrado como a inanimada boca da lei, de inspiração justiniana e montesquiniana
(CAPPELLETTI, 1993, p. 32-33).
Segundo Cappelletti, a revolta contra o formalismo seria reflexo de um fenômeno
muito mais penetrante, tanto que, de certa forma, alguns juízes que integrariam uma
categoria em regra conservadora, dela fizeram parte. Tal mudança radical teria ocorrido
no papel do direito e do Estado, traduzida na ideia do Estado de Bem-Estar Social
(Welfare State), cuja origem se deu num estado legislativo, transformado, em seguida,
num estado administrativo ou burocrático. A atividade legislativa teria alcançado a área
da política social (trabalho, saúde e segurança social), indo para a economia e, por fim,
alcançado a extensão do poder público (1993, p. 34-40).
Outro aspecto relevante considerado por Cappelletti, que certamente
influenciou a expansão da criatividade judicial, diz respeito à legislação com
finalidade social produzida no Welfare State, diferente daquela tradicional, baseada
em regras de conduta e calcada nas funções tradicionais de proteção e de repressão
(night watchman). A partir daí teria ocorrido uma mudança em direção a um tipo
de legislação baseada em finalidades ou princípios, cujas especificações ficariam
subordinadas a outras normas ou decisões ou a novas instituições, utilizando-se de

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Ricardo Schneider Rodrigues 363

uma técnica promocional que prescreve programas futuros, de execução gradual em


vez da legislação clássica, limitada a apontar o certo e o errado, o justo e o injusto,
além da criação de direitos subjetivos mais sociais que individuais (1993, p. 40-42).
Destarte, Cappelletti assevera que teria se tornado difícil para a magistratura
não contribuir para efetivar tais programas, fornecendo seu concreto conteúdo,
controlando e exigindo a atuação estatal e adaptando-se a essa nova função do
Estado, por se tratar de um dever prescrito legislativamente e que deveria ser
respeitado. Para o autor, tais mudanças teriam dado mais espaço para um maior
grau de discricionariedade e criatividade, sendo esta a causa, a seu ver, do aumento
do ativismo, do dinamismo ou da criatividade dos juízes (1993, p. 40-42).
Cappelletti afirma que seu trabalho seguiu o método fenomenológico e focou nos
sistemas jurídicos modernos, não alcançando, porém, o terceiro mundo dos países em
via de desenvolvimento, nos quais os problemas se colocariam de outra maneira.
Assevera que as manifestações apuradas teriam sido diferentes, conforme as
diversas famílias do direito e suas situações individuais, mas seria geral a tendência
evolutiva, devendo-se verificar a situação específica de cada país nessa tendência
evolutiva (relativamente) universal (1993, p. 111).
Não obstante as peculiaridades locais, Cappelletti defende, portanto, a possibilidade
de uma generalização no âmbito dos países da civil law e da common law, na medida
em que os resultados do estudo sobre a crescente e aumentada necessidade da
criatividade jurisdicional se aplicariam a ambas as famílias (1993, p. 116).

2.3 A expansão no Brasil


O Brasil não ficou alheio ao movimento de expansão da atividade jurisdicional
para meandros anteriormente não explorados. Talvez por aqui o movimento tenha
sido retardado por diversos aspectos, dentre eles em razão de não termos logrado
implantar um efetivo Estado de Bem-Estar Social nos moldes observados nos
países desenvolvidos, bem como pela nossa atual Constituição Federal, de caráter
marcadamente social, ter sido promulgada apenas em 1988, ocasião em que o
movimento do crescimento da atividade judicial já vinha ocorrendo há algumas
décadas na Europa e nos Estados Unidos.
Atualmente, não restam dúvidas de que o fenômeno alcançou o Poder Judiciário
brasileiro, que passou a se pronunciar em diversas questões tradicionalmente
reservadas aos Poderes Legislativo e Executivo (BARROSO; OSORIO, 2017). Há
decisões relacionadas a políticas públicas, como a administração do sistema

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364 A expansão da atividade jurisdicional: limites à interpretação na teoria da argumentação jurídica de Alexy

prisional (BRASIL, 2015a, 2015b) e o fornecimento de medicamentos (BRASIL, 2007,


2011c, 2016h); outras que poderiam ser consideradas como matéria interna corporis
do Parlamento ou, ao menos, uma forte intervenção nas atividades de outro Poder,
como a definição do rito do processo de impeachment da Presidência da República
(BRASIL, 2016b, 2016c, 2016d, 2016j, 2016e, 2016f), o afastamento de Chefe do Poder
Legislativo do exercício do cargo (BRASIL, 2016g) e a retirada dos Chefes do Poder
Legislativo, que respondam a processo penal, da linha sucessória da Presidência
República (BRASIL, 2017b). Houve também a interpretação de diversos dispositivos
constitucionais e legais expressos em sentido contrário ao que a literalidade de
norma suporia, como nos casos da descriminalização do aborto (BRASIL, 2016i), da
união estável entre pessoas do mesmo sexo, que passou a abranger o matrimônio
(BRASIL, 2011a, 2011b, 2013), e da mitigação da presunção de não culpabilidade até
o trânsito em julgado (BRASIL, 2016a, 2017a, 2017c, 2016l).
Longe de se pretender realizar aqui um juízo de censura ou aprovação quanto
ao mérito dos referidos julgados, almeja-se apenas demonstrar a ampliação do
escopo da atuação do judiciário, em compasso com a experiência observada
noutros países. Tanto que já é possível sentir em curso um movimento de crítica
ao Poder Judiciário, em especial à Suprema Corte, no sentido de uma maior
autocontenção, ao menos no que se refere à atuação monocrática de seus Ministros,
em detrimento do colegiado. O Ministro Luís Roberto Barroso denomina esta
atuação de monocratização qualitativa, que seria “o crescente julgamento de casos
de maior relevância política, econômica e social para o país de forma monocrática
pelos Ministros do Supremo” (BARROSO, 2017, p. 6).
No contexto constitucional, Barroso atribui a mudança da interpretação jurídica
a três fatores (2014, p. 34-36). O primeiro seria a superação do formalismo jurídico,
cujo pensamento clássico seria alimentado por duas ficções. Uma delas, de que o
direito seria a expressão da razão, de uma justiça imanente, ideia esta superada
pela constatação de que muitas vezes o direito corresponde, em verdade, apenas
à representação de interesses dominantes em dado momento e lugar. A outra, pela
concepção de que a interpretação do Direito seria uma operação lógica e dedutiva,
onde o juiz atuaria por mera subsunção. Esta ficção teria cedido lugar à compreensão
de que, em diversas situações, o direito não apresentará uma resposta pré-pronta,
mas sim construída argumentativamente, mediante o recurso a elementos externos
ao sistema normativo, cujas decisões devem ser legitimadas a partir de valores
morais e fins políticos legítimos.

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O segundo fator ao qual se atribui a mudança da interpretação jurídica, sustenta


Barroso, corresponderia ao advento de uma nova cultura jurídica, denominada
de pós-positivismo. Para esta perspectiva, a profunda separação imposta pelo
positivismo entre o direito e a moral, além dos outros domínios do conhecimento,
deveria ser superada diante do reconhecimento de que o direito nem sempre caberia
integralmente na norma jurídica e que a justiça poderia estar além dela (2014).
O último fator apontado pelo autor seria a ascensão do direito público, no
século XX, mudando o paradigma do século XIX, centrado nas categorias do direito
privado. Tal publicização acabaria por ensejar, para Barroso, a centralidade da
Constituição na ordem jurídica, a partir da qual toda a interpretação deve decorrer
à luz de seus valores e princípios (2014).
Barroso aponta ainda, em relação ao aspecto histórico, o renascimento do
direito constitucional por ocasião do ambiente de reconstitucionalização do país,
quando da discussão prévia, convocação, elaboração e promulgação da Constituição
de 1988, como marco do novo constitucionalismo no Brasil. Em menos de uma
geração, a Constituição teria passado de um estágio de pouca importância no cenário
nacional para atingir o seu apogeu, gerando o que se denomina como sentimento
constitucional, traduzido por um maior respeito pela Lei Maior, a despeito da
volubilidade de seu texto (2014, p. 190-191).

2.4 Conclusões parciais


O aumento da atividade estatal em geral foi apontado como um dos fatores
que ensejaram a ampliação do escopo de atuação do Poder Judiciário. Nos Estados
Unidos, o surgimento do Estado de Bem-Estar Social, somado às características
históricas do direito americano, influenciado, mas não totalmente determinado,
pela experiência inglesa, suscitou nas suas cortes a atuação em áreas antes sequer
cogitadas como passíveis de submissão ao escrutínio judicial.
Tal aspecto, de mudança de um Estado de viés liberal para um contexto de
maior intervenção com enfoque em direitos sociais prestacionais, conduziu – não
apenas nos Estados Unidos, mas em diversos outros países desenvolvidos, tanto
aqueles com tradição oriunda do common law como também do civil law – a uma
maior participação do Poder Judiciário em questões relacionadas, por exemplo, à
definição e à implantação de políticas públicas.
No Brasil, onde não se pode afirmar que o Welfare State tenha sido plenamente
implantado, dado o enorme déficit ainda observado em relação a direitos básicos de

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 20 n. 121 Jun./Set. 2018 p. 355-380


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366 A expansão da atividade jurisdicional: limites à interpretação na teoria da argumentação jurídica de Alexy

grande parcela da população, a evidência do aumento da atividade estatal pode ser


inferida da promulgação da Constituição Federal de 1988, de cunho marcadamente
analítico e voltada ao estabelecimento das bases desse Estado de Bem-Estar.
Aqui, então, a ampliação do escopo do judiciário talvez não tenha se dado tanto
em razão do desenvolvimento do Estado de Bem-Estar, no sentido da concreta
ampliação da prestação de serviços públicos em favor da população, mas por força
da constitucionalização de diversos temas relacionados a esse Estado de Bem-Estar
prometido, mas ainda longe de estar materializado.
A promulgação da Constituição de 1988 também contribuiu, no âmbito do
sistema jurídico pátrio, para o reconhecimento da força normativa de diversos
princípios e normas de caráter indeterminado que compelem o aplicador da lei
a densificar os respectivos significados sem que, do próprio direito positivo, seja
possível extrair todos os parâmetros necessários, além de disseminar diversas
promessas características de um Estado de Bem-Estar. É o que se depreende do texto
constitucional quando nos defrontamos com enunciados desta ordem: a dignidade
da pessoa humana é fundamento da República (art. 1o, inc. III), a administração
pública deve observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e da eficiência (art. 37, caput), a saúde é direito de todos e dever do
Estado (art. 196), a educação é direito de todos e dever do Estado de da família (art.
205), dentre vários outros (BRASIL, 1988).
Outro fator comum apontado como responsável pela citada mudança de
paradigma, corresponde à mudança radical na interpretação ocorrida no século
passado, que observou a derrocada – ou, ao menos, um forte questionamento – do
prisma positivista, que havia se tornado consenso a partir do começo século XIX e
até meados do século passado.
É possível afirmar, portanto, que, embora não seja uma causa única, a mudança
da percepção da relação que o direito tem – ou deveria ter – com a moral, bem
como com os outros aspectos que estão além do direito positivo, também marcou
profundamente a forma de se interpretar o direito, com consequências evidentes
para o exercício da atividade jurisdicional.
Esta relação – entre o direito e a moral – é o que se pretende abordar a partir de
agora, para avaliar se a opção pela tese da vinculação entre ambos – que parece ter
alcançado certa hegemonia atualmente, dada a dimensão da expansão da atividade
jurisdicional – teria por consequência conferir ao Poder Judiciário uma autoridade
sem controle, na medida em que a interpretação se tornaria menos vinculada ao

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que comumente se denomina como vontade do legislador, ou seja, à literalidade da


lei, passando a admitir, em tese, decisões assentadas apenas ou em grande parte em
critérios morais pessoais de quem aplica o direito.

3 A (des)vinculação entre direito e moral no contexto do controle da


atividade jurisdicional

Uma questão central debatida até os dias atuais – e que ganha força cada vez mais
pelo fenômeno da expansão da atividade jurisdicional, observado nas sociedades
contemporâneas –, diz respeito à relação entre direito e moral. O cerne da polêmica
consiste em definir se o juiz poderia buscar, além do direito positivo, elementos
estranhos – como critérios morais – para decidir. Um dos argumentos contrários a
essa possibilidade aponta para a necessidade de se delimitar claramente os papéis
dos Poderes do Estado, de modo a não permitir que uma grande concentração venha
justamente a contrariar o fundamento que ensejou a separação de tais Poderes;
ou seja, venha de encontro à ideia de Montesquieu de que o poder corrompe e
que o remédio para evitar essa corrupção seria limitá-lo, dividindo as principais
atribuições estatais entre diferentes órgãos.
Há outros possíveis argumentos contrários a uma atuação mais livre do judiciário,
como a questão da legitimidade para aplicar o direito de forma não estabelecida
previamente pelo Parlamento, eleito pelo povo para criar as normas gerais e
abstratas que deveriam, em princípio, pautar as decisões judiciais. A insuficiência
de sua capacidade institucional também seria um empecilho aventado. Levanta-se
ainda a questão de como justificar sua atuação em matérias que, além de competirem
primordialmente aos demais Poderes do Estado, iriam além do domínio jurídico,
em relação às quais sua expertise não seria, portanto, indiscutível – versam, muitas
vezes, sobre temas afetos a outras disciplinas e que estão imbricados a questões de
cunho não jurídico ou jurídico, mas que demandam informações inapreensíveis pelo
processo judicial tradicional.
Enfim, todos esses temas passam primeiramente pela concepção de direito que
se adota. Aqui, passaremos a analisar o conceito de direito a partir dos pontos de
vista positivista e não positivista para em seguida tratar de formas possíveis de
controle da discricionariedade judicial, em tempos de ativismo, a partir da Teoria da
Argumentação Jurídica de Alexy.

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3.1 A relação entre direito e moral


Na perspectiva de Robert Alexy, o conceito do direito pode ter duas concepções,
sendo uma relacionada à moral e outra desvinculada a ela, que correspondem,
respectivamente, às teses da vinculação e da separação (2011). Para o autor, no
positivismo o direito não se vincularia à moral, aspecto central que o diferenciaria
das teorias denominadas de não positivistas (2011, p. 24).
Hans Kelsen é um dos autores mais influentes na defesa da visão positivista
do direito (1998). Na Teoria Pura do Direito, segundo este autor, não seria possível
aceitar valores absolutos em geral ou um valor moral absoluto em particular, salvo
a partir de uma crença religiosa. Defende que o bom, o justo ou o mau variam de
acordo com as circunstâncias, épocas, povos e até dentro do mesmo povo, dada a
diversidade de sistemas morais (1998, p. 72).
Assim, Kelsen conclui que o elemento comum a todos os sistemas morais
possíveis seria apenas a circunstância de serem normas sociais, é dizer, estabelecerem
determinada conduta como devida. Somente seria possível falar em uma essência
moral do direito no aspecto formal, por se tratar de uma norma social. Para o
autor, norma e valor são conceitos correlativos, pois, somente um ponto de vista
relativo a todo direito teria moral e seria um valor moral justamente por ser norma,
constituindo um valor jurídico (1998, p. 74).
Contudo, para Kelsen, o direito não possui um conteúdo mínimo moral. Não seria
necessário satisfazer a uma exigência moral mínima para se considerar uma ordem
coercitiva como jurídica, como direito. Para tal fim, defende que seria necessário
pressupor uma moral absoluta, de conteúdo determinado, ou um conteúdo que fosse
comum a todos os sistemas de moral positiva. Por isso, o referido valor jurídico não
corresponderia a um mínimo moral (1998, p. 74).
Em contraponto à visão de Hans Kelsen, temos em Robert Alexy um autor não
positivista, que defende, pois, a existência de uma conexão necessária entre o direito
e a moral, correspondente à tese da vinculação (ALEXY, 2011). Cumpre destacar
que essa tese é defendida a partir do que o autor denomina de ponto de vista do
participante, porque, do ponto de vista do observador, entende que a tese positivista
da separação seria a correta (2011, p. 42-43).
Com efeito, é preciso esclarecer que a perspectiva do participante, em Alexy,
é a de quem argumenta no sistema jurídico acerca do que é ordenado, proibido,
permitido e autorizado, em especial o juiz. Também são considerados outros
atores, como advogados e juristas, porque suas atuações referem-se a como o juiz

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deveria atuar para decidir corretamente. A perspectiva do observador, por sua vez,
corresponderia não a quem questiona a correção da decisão, mas a quem busca
apenas compreender como, de fato, decide-se em determinado sistema jurídico
(ALEXY, 2011, p. 30-31).
Podemos afirmar que, de um modo geral, a relação do direito com a moral
traz em si a preocupação com a abrangência da atuação jurisdicional. A discussão,
ainda hoje atual, do controle da atividade judicial, tem por objeto os limites da
discricionariedade do juiz, compreendida como a possibilidade de decidir sem
utilizar argumentos extraídos diretamente do direito positivo2 ou, ainda, a partir de
conceitos jurídicos indeterminados ou abertos.
Para Kelsen, o objetivo consistia justamente em retirar da Ciência Jurídica tudo
que não pudesse ser objeto de controle. O direito formaria um quadro ou moldura
em cujo interior haveria diversas possibilidades de aplicação, e qualquer delas era
por ele considerada conforme o direito, de modo que a interpretação jurídica apenas
fixaria essa moldura representativa do direito a interpretar (1998, p. 390-391).
Destarte, para o autor, do ponto de vista do direito positivo, não haveria critério
que indicasse uma das soluções cabíveis na moldura em detrimento das demais,
pois, a despeito da teoria chamada de ponderação dos interesses, não seria possível
retirar tal critério da norma interpretada, da lei ou da ordem jurídica (1998, p.
391-392). Daí a razão de sua comparação do legislador ao juiz, diferenciando-os
apenas quantitativamente, em razão da maior liberdade de criação do primeiro,
mas assumindo que ambos criam o direito, com uma relativa liberdade em relação
ao segundo, para afirmar, então, que a questão da definição das opções possíveis
contidas na moldura não seria uma questão jurídica, mas da política do direito
(KELSEN, 1998, p. 392-395).
Acolhida a postura positivista de Kelsen, todas as discussões atuais relacionadas
à aplicação dos princípios – que comportam, pela sua natureza de norma dotada de
elevado grau de indeterminação, diversas possibilidades interpretativas – seriam
alijadas da Ciência Jurídica. Isto poderia representar um grave obstáculo para
o controle das decisões judiciais, em especial quando se refere a ordenamentos
jurídicos como o brasileiro, fecundo dos mais diversos princípios de estatura
constitucional e que, em tese, admitem, dentro da moldura de Kelsen, as mais

2 Conferir o caso da injustiça legal, comentado por Alexy, acerca do advogado judeu emigrante que
fora privado da nacionalidade alemã, cuja decisão do Tribunal Constitucional Federal alemão não se
fundamentou no direito positivo, mas no denominado direito suprapositivo (princípios fundamentais da
justiça) (ALEXY, 2011, p. 6-9).

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diversas decisões jurídicas, sem que a Ciência Jurídica pudesse contribuir para a
compreensão das razões que teriam levado a tais posicionamentos.
Consequentemente, a adesão ao positivismo, que separa a moral do direito,
nos termos defendidos por Kelsen, terminaria por retirar da Ciência Jurídica a
possibilidade de analisar as razões que levaram à opção do juiz no caso concreto,
mas não impediria que, ao decidir, o magistrado se baseasse na moral para efetuar a
escolha, desde que fosse uma possibilidade contida na moldura.
Neste contexto, a tese da vinculação entre direito e moral representa um
avanço, na medida em que busca conferir racionalidade também à opção realizada
dentro da moldura de Kelsen. Assim, a adoção da tese da vinculação entre direito
e moral não conduz necessariamente a uma ausência de controle da atividade do
juiz, que seria potencialmente perigosa, na medida em que poderia ensejar a criação
judicial do direito por quem não fora ungido pelo voto, é dizer, por quem não teria a
legitimidade democrática, e a partir de critérios meramente subjetivos.
Como veremos, em Alexy, a vinculação entre direito e moral não afasta a
possibilidade de controle da decisão judicial. Ao concluir que o conceito de direito,
ao menos na perspectiva do participante, incorpora a moral (2011, p. 151), o autor
não busca com isso uma teoria voltada ao fortalecimento da atividade jurisdicional
ou, em linhas gerais, legitimadora de um ativismo judicial. Apenas demonstra, a
partir de seu ponto de vista, o que é o direito e, a partir daí, procura dotar a decisão
jurídica de racionalidade, a partir de sua Teoria da Argumentação Jurídica (2013).

3.2 Aspectos relevantes para o controle na teoria da argumentação jurídica


Para Robert Alexy, a exigência de racionalidade na argumentação interessa aos
teóricos e filósofos do direito, assim como aos juristas práticos e ao cidadão, pois disso
dependeriam o caráter científico da Ciência do Direito e a legitimidade das decisões
judiciais (2013, p. XI-XII). Com efeito, o autor reconhece que a teoria da argumentação
jurídica racional não é um procedimento que possa garantir a segurança do resultado,
até porque nem mesmo nas ciências naturais é possível falar em uma segurança
definitiva (2013, p. 284). Não obstante, defende que as regras e formas do discurso
jurídico propostas são um critério de correção das decisões jurídicas, de modo que a
sua teoria ofereceria uma ferramenta para avaliar a racionalidade dos processos de
discussão e as decisões nele produzidas (2013, p. 285-286).
Destarte, para Alexy, a teoria do discurso teria a capacidade de definir as condições
pelas quais o poder do melhor argumento poderia ser efetivado numa argumentação

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jurídica. Seriam as condições para iniciar um discurso racional e imparcial, com ganho
teórico em racionalidade e político em legitimidade duradoura (2010, p. 13).
É importante destacar que, para o autor, a ideia de correção estaria atrelada à
racionalidade. Assim, o discurso poderia ser considerado racional caso as condições
de argumentação racional prática tivessem sido devidamente observadas.
Satisfeitas tais condições, seria possível afirmar que o resultado do discurso é
correto, pois “uma teoria do discurso é, portanto, uma teoria procedimental da
correção prática” (ALEXY, 2010, p. 7).
Em diversos aspectos da obra de Alexy vemos sua preocupação em não deixar
o juiz livre para decidir a partir de suas convicções íntimas, sem fundamentos
objetivos, ainda que, para isso, se valha de argumentos morais.
Para Alexy, o discurso jurídico trata-se da fundamentação de uma espécie de
proposição normativa, correspondente às decisões judiciais. Esta justificação (ou
fundamentação) é por ele denominada de justificação interna quando relacionada à
lógica interna da decisão, em relação às premissas invocadas na sua fundamentação;
e de justificação externa, quanto à correção dessas premissas (2013, p. 219).
Na justificação interna, Alexy extrai do princípio da universalidade duas regras
de justificação. A regra (J.2.1)3 exige, na fundamentação de uma decisão jurídica,
a indicação de ao menos uma norma universal, enquanto que a regra (J.2.2)4
estabelece a necessidade de que a decisão decorra logicamente de ao menos uma
norma universal. Caso não seja possível extrair uma regra diretamente da lei, deve-
se construí-la, pois tais regras valem tanto para fundamentação baseada no texto
positivo, quanto para os casos em que isto não ocorre (ALEXY, 2013, p. 221).
No caso da regra (J.2.2), a dedução ganharia maior relevância, segundo Alexy,
ao explicitar as premissas da decisão nos casos em que elas não são extraídas
do direito positivo (2013, p. 226). O autor destaca a importância da justificação
interna ao tornar a evidenciar quais são as premissas que deverão ser justificadas
externamente, formulando explicitamente os pressupostos da decisão, de modo a
viabilizar o reconhecimento e a criticar de eventuais erros. Com efeito, “acrescentar
ou apresentar regras universais facilita a consistência da decisão e contribui, por
isso, para a justiça e para a segurança jurídica” (ALEXY, 2013, p. 228).

3 (J.2.1) Para a fundamentação de uma decisão jurídica, deve-se apresentar pelo menos uma norma universal.

4 (J.2.2) A decisão jurídica deve seguir-se logicamente ao menos de uma norma universal, junto a
outras proposições.

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Além disso, para os casos complicados, quando se tem, por exemplo, várias
propriedades alternativas na hipótese da norma, várias consequências jurídicas
ou diversas interpretações possíveis, Alexy estabelece a regra (J.2.3),5 que se refere
a uma regra de uso das palavras, com a finalidade de definir claramente como a
interpretação deverá ocorrer no caso (2013, p. 224).
Tais regras, dentre outras regras e formas indicadas por Alexy na justificação
interna, referem-se à estrutura formal da fundamentação jurídica e teriam como
ponto central a segurança da universalidade que, por sua vez, serviria de base para
o princípio da justiça formal, segundo o qual se deve observar uma regra que obriga
tratar todos os seres da mesma categoria de igual forma (2013, p. 220).
Na justificação externa, que se refere à fundamentação das premissas utilizadas
por ocasião da justificação interna da decisão, também há diversas regras que
demonstram a preocupação do autor em conferir racionalidade ao procedimento
de aplicação do direito, ainda que se utilizem critérios morais. A ideia central é
sempre impor a quem argumenta o dever de demonstrar claramente as razões que
justificaram a sua decisão de modo que, nos casos futuros, em que os aspectos
relevantes forem semelhantes, a mesma decisão seja aplicada, salvo razões fortes
que justifiquem uma mudança de posição.
Para Alexy, as premissas utilizadas para a justificação interna podem corresponder
a regras do direito positivo, enunciados empíricos ou premissas que não são nem
um nem outro, comportando diferentes métodos de fundamentação, por ocasião
da justificação externa, e que se inter-relacionam (2013, p. 228). Para o autor, as
formas de argumentos e as regras de justificação externa são classificadas em seis
grupos, que são: (i) da interpretação (lei), (ii) da argumentação da Ciência do Direito
(dogmática), (iii) do uso dos precedentes, (iv) da argumentação prática geral (razão),
(v) da argumentação empírica (empiria) e (vi) das formas especiais de argumentos
jurídicos (2013, p. 229).
Ao tratar das formas de argumentação denominadas de cânones da interpretação,
Alexy afirma que eles podem apresentar a forma concreta de argumentos semânticos,
genéticos, históricos, comparativos, sistemáticos e teleológicos (2013, p. 232-241).
Para assegurar a racionalidade no uso de tais cânones, o autor estabelece a regra

5 (J.2.3) Sempre que houver uma dúvida sobre A ser T ou M1, deve-se apresentar uma regra que
decida a questão.

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(J.6),6 segundo a qual toda forma de argumento entre eles deverá ser saturada. O
objetivo é excluir a possibilidade de que um simples argumento seja mero resultado
de uma determinada interpretação literal, histórica ou finalista. Deve-se apresentar,
por conseguinte, as respectivas premissas empíricas ou normativas, aptas a confirmar
a veracidade ou correção do argumento, as quais poderão, inclusive, ser objeto de
novas discussões (ALEXY, 2013, p. 243).
Outra demonstração de que sua teoria busca maior racionalidade e, portanto,
controle da atividade jurisdicional, corresponde à regra (J.7)7, segundo a qual os
argumentos vinculados ao teor literal da lei ou à vontade do legislador prevalecem
sobre os demais, salvo outros motivos racionais que modifiquem essa relação de
prioridade (ALEXY, 2013, p. 245).
O próprio Alexy ressalva que isso não deixa aberta a possibilidade para uma
decisão arbitrária, que venha a reconhecer qualquer razão como suficiente para
reduzir o peso dos argumentos que expressam uma vinculação, de forma que esta
relação de hierarquia também deve ser objeto de argumentação (2013, p. 245). Além
disso, esclarece que, uma vez estabelecido o peso da relação entre os cânones, não
se permite refazer o processo em cada novo caso. Ao contrário, as relações de peso
do caso concreto, por serem fruto de razões, deverão ser aplicadas em todos os
casos futuros e iguais em seus aspectos relevantes por força do princípio básico da
teoria do discurso, qual seja, o princípio da universalidade (ALEXY, 2013, p. 246). Este
entendimento corresponde à regra (J.8)8.
Não apenas em relação aos cânones é observada a existência de regras propícias
ao controle da atividade judicial, de modo a coibir o casuísmo. Alexy também trata
da forma de argumentação denominada de argumentação dogmática. Para o autor, a
dogmática do Direito corresponde a uma série de enunciados referentes à legislação
e à aplicação do Direito, não identificados com a sua mera descrição, relacionados
mutuamente de forma coerente, formados e discutidos no âmbito de uma Ciência
do Direito que funciona institucionalmente com conteúdo normativo (2013, p.
252). Os enunciados dessa argumentação dogmática têm, dentre várias funções, a

6 (J.6) Deve ser saturada toda forma de argumento que houver entre os cânones da interpretação, o que
impede as falas vazias.

7 (J.7) Os argumentos que expressam uma vinculação ao teor literal da lei ou à vontade do legislador
histórico prevalecem sobre outros argumentos, a não ser que se possam apresentar motivos racionais que
deem prioridade a outros argumentos.

8 (J.8) A determinação do peso de argumentos de diferentes formas deve ocorrer segundo regras
de ponderação.

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de estabilização, a exigir, para a sua modificação, razões tão boas que justifiquem
o rompimento com a tradição, conforme o princípio da inércia de Perelman, de
modo que quem busque uma nova interpretação assuma a carga da argumentação
(ALEXY, 2013, p. 261-262). Essa função tem certa relação, portanto, com a função de
controle dos enunciados dogmáticos, a viabilizar que os casos não sejam decididos
isoladamente, mas conforme uma série de outros já decididos e ainda por decidir,
potencializando o grau de eficácia do princípio da universalidade e servindo à
justiça (ALEXY, 2013, p. 265).
De forma semelhante se observa em relação ao uso dos precedentes na
argumentação jurídica. Em verdade, com Alexy, a diferença dessa forma em relação
à dogmática consiste no fato de que a Ciência do Direito elabora seus enunciados
para solução de casos que ainda não foram objeto de decisão, enquanto nas
decisões judiciais não há apenas a elaboração de propostas, mas a execução de
atos (2013, p. 269).
Destarte, no uso dos precedentes, também vale a função de estabilização e a regra
da carga de argumentação, baseada no princípio da inércia de Perelman, segundo
o qual uma decisão somente poderá ser mudada se houver razões suficientes para
tanto, contribuindo-se, pois, para a segurança jurídica e a proteção da confiança na
aplicação do direito (ALEXY, 2013, p. 268-269). Por tais motivos, Alexy instituiu a
regra de justificação, que impõe sempre a citação de um precedente, seja a favor ou
contra a decisão (J.13)9, bem como impõe a carga da argumentação a quem pretende
dele se afastar (J.14)10.
Estes são apenas alguns aspectos selecionados da Teoria da Argumentação
Jurídica de Alexy, apontados com a finalidade de demonstrar que a abertura do direito
para questões morais não significa o abandono das premissas alicerçadas no direito
positivo, na Ciência do Direito ou nos precedentes. Busca-se dotar a fundamentação
jurídica de racionalidade, apresentando regras e formas objetivas de elaboração do
discurso jurídico que permitam a avaliação concreta da atuação jurisdicional. Por
certo que a avaliação do acerto da teoria somente poderá ocorrer naqueles casos
concretos em que suas regras e formas forem devidamente observadas, de modo
que a utilização equivocada da lição de Alexy não pode servir de argumento para
uma crítica superficial quanto à sua utilidade no controle das decisões judiciais.

9 (J.13) Quando se puder citar um precedente a favor ou contra uma decisão, deve-se fazê-lo.

10 (J.14) Quem quiser se afastar de um precedente, assume a carga da argumentação.

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4 Conclusão
O exercício da jurisdição sobre áreas anteriormente não submetidas ao crivo
do Poder Judiciário, bem como o aumento da criatividade por ocasião da aplicação
do direito, integram o fenômeno contemporâneo da expansão da atividade judicial,
verificado em diversos países desenvolvidos e, inclusive, no Brasil.
As razões dessa expansão vão desde a mudança do perfil do Estado, que ampliou
suas atividades a partir da disseminação do modelo do Welfare State, até a mudança
do perfil da legislação dele decorrente. Nesse contexto, a mudança do modelo
teórico também desempenhou um papel fundamental. O positivismo, condizente
com uma concepção liberal de Estado, perde força a partir da compreensão de que
as novas questões submetidas ao Poder Judiciário, em grande parte com caráter
marcadamente social, não poderiam ser enfrentadas somente com as premissas
encontradas no direito positivo.
No Brasil, o marco dessa mudança de perfil traduziu-se na promulgação
da Constituição de 1988, cujo propósito não disfarçado fora, dentre outros, o de
implantar um Estado de Bem-Estar nos moldes observados nos diversos países
desenvolvidos. Embora longe de alcançar essa meta, diante dos inúmeros desafios
ainda pendentes de solução, no que se refere aos mais diversos direitos individuais
e sociais, é verdade que o novo regime constitucional abriu o caminho para que, no
Brasil, o fenômeno da expansão da atividade judicial encontrasse acolhida.
Verificou-se que a simples exclusão de critérios morais do conceito do direito
não corresponderia a um maior controle da decisão judicial, na medida em que, ao
menos a partir do positivismo defendido por Kelsen, tais critérios morais poderiam ser
utilizados nos casos em que a moldura construída a partir da interpretação sugerisse
mais de uma opção possível. Assim, diante de várias opções aceitáveis, a escolha
entre uma delas não seria um tema da Ciência do Direito, mas da política, afastando,
portanto, a possibilidade de se avaliar as razões da escolha no caso concreto.
A Teoria da Argumentação Jurídica, por outra via, busca proporcionar critérios
para a correção da decisão judicial, a partir dos quais seria possível efetuar um
controle da atuação jurisdicional, mediante a identificação das razões – de direito
positivo ou não – que levam os juízes a decidirem de determinada forma.
Tal aspecto ganha relevo diante da peculiaridade do ordenamento jurídico
brasileiro, integrado por diversos princípios constitucionais cuja aplicação requer um
esforço argumentativo suficiente para demonstrar como se chegou a determinada
conclusão no caso concreto, evitando assim a pecha do voluntarismo. Destarte, a

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Teoria da Argumentação Jurídica representa um avanço se comparada à Teoria Pura


do Direito de Kelsen, na medida em que ele exclui do objeto da Ciência Jurídica
questões que são cada vez mais debatidas contemporaneamente, referentes aos
casos complicados que comportam várias interpretações possíveis por estarem
dentro da referida moldura.
No contexto da expansão da atividade judicial, marcado também pela utilização
de critérios morais como razões de decidir, o controle da decisão judicial deve ser
realizado a partir da fundamentação jurídica elaborada pelo intérprete. Seria um erro
ver, na possibilidade de se valer de critérios morais no exercício da jurisdição, um
convite ao casuísmo e uma autorização para decisões baseadas apenas na concepção
pessoal de mundo do magistrado. É justamente sobre as razões explicitadas na
decisão judicial que deverá ser exercido o controle da atividade judicial e, embora
não se venha a encontrar, em muitos casos, uma resposta única, a argumentação
racional legitimará a solução final ao esclarecer todas as premissas que conduziram
à conclusão e ofertar critérios para avaliar a sua correção.

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5
381

Análise Econômica do Direito, incentivos


fiscais e a redução das desigualdades
regionais

Oksandro Osdival Gonçalves


Doutor em Direito Comercial PUC/SP. Mestre em Direito Econômico (PUCPR).
Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Mestrado/ Doutorado
(PUCPR) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

Alan Luiz Bonat


Mestre em Direito (PUCPR). Especialista em Direito e Processo Tributário (ABDCONST).

Artigo recebido em 4/5/2017 e aprovado em 2/7/2018.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Paradigma tradicional da ciência do direito tributário no Brasil


3 Análise Econômica do Direito 4 Tributação e intervenção na ordem econômica 5 Extrafiscalidade
x neutralidade da tributação 6 Estudo de caso: Programa de Desenvolvimento Industrial de
Goiás – PRODUZIR 7 Conclusão 8 Referências.

RESUMO: Este artigo examina como o método conhecido como Análise Econômica do
Direito pode contribuir para a pesquisa dos efeitos socioeconômicos gerados pela concessão
de incentivos fiscais. Para tanto, inicialmente o texto delineia o paradigma tradicional
e ainda predominante na ciência do Direito Tributário no Brasil e, ao apresentar como
alternativa a Análise Econômica do Direito, discorre sobre as premissas que possibilitam a
aplicação desse método. O foco principal é demonstrar como os tributos são computados
como um custo de transação no processo de escolha dos agentes econômicos. Em
seguida, o artigo analisa as possibilidades de intervenção do Estado na ordem econômica,
explicando como a tributação é uma modalidade de intervenção por indução e expondo
o conflito existente entre a extrafiscalidade e o princípio da neutralidade fiscal. Ao final,
o texto apresenta estudo de caso sobre os incentivos fiscais de ICMS concedidos pelo
Programa de Desenvolvimento Industrial do Estado de Goiás.

PALAVRAS-CHAVE: Análise Econômica do Direito Extrafiscalidade Incentivos


Fiscais Desenvolvimento Políticas Públicas.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 20 n. 121 Jun./Set. 2018 p. 381-407


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382 Análise Econômica do Direito, incentivos fiscais e a redução das desigualdades regionais

Economic Analysis of Law, Tax Incentives and Reduction of Regional Inequalities

CONTENTS: 1 Introduction 2 Traditional paradigm of tax law science in Brazil 3 Economic


Analysis of Law 4 Taxation and intervention in the economic order 5 Taxation for non-fiscal purposes
x neutrality of taxation 6 Case study: Industrial Development Program of Goiás - PRODUZIR 7
Conclusion 8 References.

ABSTRACT: This article intends to analyze how the method known as Economic
Analysis of Law can contribute to the research of socio-economic effects generated
by granting of tax incentives. Therefore, at first, the text outlines the traditional and
still prevalent paradigm in science of Tax Law in Brazil and, presenting Economic
Analysis of Law as an alternative, discourses about assumptions that enable the
application of this method. The main focus is demonstrate how taxes are computed
as a transaction in the choice of economic agents process. After, the article analyzes
possibilities of State intervention in the economic order, explaining how taxation is
a form of induction intervention and exhibiting the conflict between the taxation
for non-fiscal purposes and the principle of fiscal neutrality. In its final point, the
paper presents a case study on the VAT tax incentives granted by the Industrial
Development Program of the State of Goiás.

KEYWORDS: Economic Analysis of Law Extrafiscality Tax Incentives Development


Public Policy.

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Oksandro Osdival Gonçalves – Alan Luiz Bonat 383

Análisis económico del derecho, incentivos fiscales y reducción de las desigualdades


regionales

CONTENIDO: 1 Introducción 2 Paradigma tradicional de la ciencia del derecho tributario en


Brasil 3 Análisis Económico del Derecho 4 Impuestos y la intervención en el orden económico
5 Extrafiscalidad x neutralidad de los impuestos 6 Estudio de caso: Programa de Desarrollo
Industrial de Goiás - PRODUZIR 7 Conclusión 8 Referencias.

RESUMEN: Este artículo examina cómo el método conocido como Análisis Económico
del Derecho puede contribuir a la investigación de los efectos socioeconómicos
generados por la concesión de incentivos fiscales. Por lo tanto, inicialmente el texto
delinea el paradigma tradicional y aún predominante en la Ciencia del Derecho
Tributario en Brasil y, al presentar como alternativa al Análisis Económico del
Derecho, discurre sobre los supuestos que permiten la aplicación de este método.
El objetivo principal es demostrar cómo los tributos se calculan como un costo de
transacción en el proceso de selección de los agentes económicos. A continuación, el
artículo analiza las posibilidades de intervención del Estado en el orden económico,
explicando cómo los tributos son una modalidad de intervención para la inducción
y la expondo el conflicto entre extrafiscality y el principio de neutralidad fiscal. En
su extremo, el artículo presenta un estudio de caso sobre los incentivos fiscales del
ICMS concedidos por el Programa de Desarrollo Industrial del Estado de Goiás.

PALABRAS CLAVE: Análisis Económico del Derecho Extrafiscalidad Incentivos


fiscales Desarrollo Políticas Públicas.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 20 n. 121 Jun./Set. 2018 p. 381-407


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384 Análise Econômica do Direito, incentivos fiscais e a redução das desigualdades regionais

1 INTRODUÇÃO
A Constituição prescreve, em seu artigo 3o, III, a busca pela redução das
desigualdades regionais como objetivo da República Federativa do Brasil (BRASIL,
1988). A partir dessa previsão, tornou-se prática comum pelos estados membros a
concessão de incentivos fiscais do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Sobre
Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e de Comunicação – ICMS com
a pretensão de atrair sociedades empresárias para os seus respectivos territórios,
visando à criação de empregos e à promoção do desenvolvimento naquele ente
federado. Trata-se da tributação com fim extrafiscal, consistente na utilização
dos tributos para incentivar ou inibir comportamentos dos contribuintes para se
atingirem finalidades diversas da arrecadação.
Em regra, a tributação deve ser neutra e interferir o mínimo possível no sistema
de formação de preços e na escolha dos agentes econômicos, o que se convencionou
chamar de princípio da neutralidade tributária. A desoneração tributária pela
concessão de incentivos fiscais conflita diretamente com o princípio da neutralidade,
porquanto a tributação extrafiscal pode ser considerada uma espécie de intervenção
do Estado sobre a ordem econômica, razão pela qual há necessidade de se estabelecer
limites à utilização dos tributos com fins extrafiscais.
Além disso, os incentivos fiscais podem surtir efeitos diversos daqueles
inicialmente pretendidos. Ocorre que não é possível o exame desses efeitos pela
maneira tradicional de se fazer ciência no Direito Tributário brasileiro. Destarte,
o objetivo do presente artigo é examinar como o método denominado Análise
Econômica do Direito – AED pode ser empregado para o exame e a compreensão
dos efeitos gerados pela concessão de incentivos fiscais.
Para tanto, inicialmente será exposta a metodologia tradicionalmente utilizada
pela ciência do Direito Tributário no Brasil, demonstrando-se como a delimitação
restrita do objeto de estudo proposto pela referida metodologia é aplicada à
análise dos incentivos fiscais do ICMS. Em seguida, buscar-se-á delinear algumas
noções sobre a AED, explicando como este método pode contribuir para a pesquisa
científica no Direito Tributário. Após, será examinada a possibilidade de utilização
dos tributos com fim extrafiscal, confrontando-a com o princípio da neutralidade
fiscal, a fim de verificar quais as possibilidades e os limites desta modalidade de
tributação. E, por fim, será apresentado um estudo de caso referente às repercussões
dos incentivos fiscais de ICMS concedidos pelo Programa de Desenvolvimento do
Estado de Goiás – PRODUZIR.

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Oksandro Osdival Gonçalves – Alan Luiz Bonat 385

2 Paradigma tradicional da Ciência do Direito Tributário no Brasil


Em um Estado Democrático de Direito, algumas das funções do Estado
consistem em promover o desenvolvimento nacional, reduzir as desigualdades
sociais e regionais existentes e promover diversos serviços públicos. Para cumprir
essas funções, é imprescindível que o Estado disponha de recursos financeiros que
possibilitem o custeio de tais despesas – se não o de todas as atividades a cargo
do Poder Público, pelo menos daquelas de interesse público –, sendo a tributação a
principal fonte de arrecadação (PAULSEN, 2012, p. 11).
No Estado brasileiro, o Poder Constituinte optou pela forma federativa de Estado,
a qual é caracterizada pela pluralidade de centros de poder, aos quais são outorgadas
competências próprias, havendo, assim, uma descentralização política. Contudo, a
mera descentralização política não é suficiente para a caracterização de um Estado
como federal, sendo imprescindível que os entes federados gozem também de
autonomia jurídica e política, evidenciadas pela possibilidade de instituírem seus
próprios órgãos, estruturarem seus pertinentes poderes e exercerem a atividade
legislativa de suas competências (BOBBIO, 2001, p. 481).
A fim de se efetivar a autonomia dos entes federados, é essencial que estes desfrutem
também de autonomia econômico-financeira para que não fiquem subordinados ao
poder central. Como a principal fonte para obtenção de recursos é a tributação, o Poder
Constituinte repartiu a competência tributária entre os entes federados, possibilitando
a todos a obtenção de receitas próprias (BATISTA, 2012, p. 89).
Aos estados membros e ao Distrito Federal foi outorgada, dentre outras, a
competência para instituírem o ICMS, conferindo-lhes a possibilidade de deliberarem
para a concessão de isenções e incentivos fiscais (BRASIL, 1988, art. 155).
No âmbito infraconstitucional, a forma de deliberação é disciplinada pela Lei
Complementar no 24, de 7 de janeiro de 1975, que estabelece em seu artigo 1o
que a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais sobre o ICMS deve
ocorrer necessariamente pela celebração de convênios pelos estados membros e
pelo Distrito Federal, em reuniões do Conselho Nacional de Política Fazendária
– CONFAZ. Ainda, o artigo 2o, § 2o da aludida Lei Complementar (BRASIL, 1975)
prevê a necessidade de unanimidade daqueles entes federados para aprovação de
convênio que conceda incentivos fiscais.
Contudo, mesmo com as previsões legais acima mencionadas, constantemente
são concedidos incentivos fiscais sem a celebração de convênios. Por exemplo, em
2012 os Estados do Espírito Santo e da Paraíba instituíram os Decretos Estaduais no

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386 Análise Econômica do Direito, incentivos fiscais e a redução das desigualdades regionais

2.940-R e no 32.936, respectivamente, concedendo crédito presumido de ICMS com


a finalidade de incentivar sociedades empresárias que exerçam suas atividades pela
forma de comércio eletrônico a se estabelecer em seus territórios.
Outra situação que evidencia a utilização de incentivos fiscais de ICMS é o
Decreto no 45.218, de 20 de novembro de 2009, do estado de Minas Gerais editado
com o objetivo de proteger a economia daquele estado em face de incentivos
fiscais concedidos por outros estados membros sem a aprovação e a celebração de
convênios. Esse decreto permite que o estado de Minas Gerais conceda incentivos
fiscais de, por exemplo, redução da base de cálculo ou concessão de crédito
presumido ao contribuinte. Esses exemplos demonstram a utilização dos tributos
(no caso, da desoneração tributária) com fins extrafiscais.
A doutrina de Direito Tributário desenvolvida no Brasil foi construída a partir da
necessidade de se impor limites ao exercício das competências tributárias outorgadas
aos entes federados, porquanto a tributação interfere em direitos fundamentais,
notadamente nos de propriedade e liberdade (KRONBAUER, 2015, p. 162). Para isso,
estabeleceu o Direito Tributário positivo como objeto da ciência do Direito, de modo
que esta deveria investigar apenas as normas diretamente ligadas a instituição,
fiscalização e arrecadação dos tributos. Assim, tudo o que não é Direito positivo
deve ser excluído do estudo da ciência do Direito, limitando-se a inquirição desta
aos aspectos sintático (como as normas se relacionam no complexo intranormativo)
e semântico (atribuição de “significados unívocos às palavras utilizadas no direito
positivo”) da investigação da linguagem (FOLLONI, 2014b, p. 201-203).
Singelamente, em uma acepção jurídica, benefício pode ser compreendido
com o “sentido de anotar o proveito, a vantagem ou a proteção, decorrente de lei
ou consequente liberalidade ou renúncia de outrem, que é obtida pelo beneficiado
ou beneficiário, pessoa a favor de que o benefício se proveu” (SILVA, D., 2010, p.
202, grifos no original). No campo tributário, benefício ou incentivo fiscal pode ser
definido como um instrumento de desoneração tributária, aprovado e concedido
através de instrumento legislativo específico pelo ente político competente para
a instituição do tributo, com a finalidade de incentivar determinada atividade,
originando relações jurídicas de índole econômica (CATÃO, 2004, p. 19).
A partir dessa definição, é possível a classificação dos incentivos fiscais em
duas categorias: a) incentivos sobre a despesa pública, nos quais o ente político
despende valores em favor do contribuinte, como ocorre na concessão de subsídios
e subvenções; e b) incentivos sobre a receita pública, nos quais o contribuinte é

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dispensado do pagamento do tributo, por exemplo, nas hipóteses de redução de


alíquotas ou isenções (PIRES, 2007, p. 20-24).
Os incentivos fiscais do ICMS devem ser concedidos por convênios, com aprovação
unânime de todos os estados membros e do Distrito Federal. Apesar do papel
importante dos convênios no ordenamento jurídico brasileiro como instrumentos
que visam à integração das legislações estaduais sobre o ICMS (CARVALHO, 2013, p.
254), frequentemente os estados concedem unilateralmente incentivos fiscais. Para
a doutrina tradicional, qualquer incentivo fiscal assim concedido é inconstitucional,
porquanto violaria a forma federativa do Estado brasileiro (MESQUITA, 2012, p. 230).
Todavia, como a desoneração de tributos pela concessão de incentivos
fiscais gera efeitos na ordem econômica (GONÇALVES; RIBEIRO, 2013, p. 80), tais
consequências não podem ser analisadas sob o método da doutrina tradicional. Ou
seja, a metodologia tradicionalmente empregada pela ciência do Direito Tributário
no Brasil, fundamentada essencialmente nos aspectos sintático e semântico das
normas, impede o estudo dos efeitos práticos gerados pela concessão de incentivos
fiscais. Por exemplo, o referido método não permite a verificação da repercussão
de um incentivo fiscal de ICMS em determinado setor da ordem econômica ou os
efeitos do benefício para um determinado estado membro, afinal, tal estudo não
seria objeto da ciência do Direito Tributário. Por essa razão, a aludida metodologia
demonstra-se de certa forma insuficiente, pois inviabiliza a análise da pragmática,
isto é, dos efeitos e das interações entre o Direito, a sociedade e as outras ciências.
Para superar tal carência, são necessários novos métodos de estudo do Direito,
conforme ensina Ivo Teixeira Gico Jr. ao afirmar que “quando as dificuldades de
explicar novos fenômenos ou de responder a antigas questões de forma satisfatória
se avolumam substancialmente, essa superestrutura metodológica se rompe e há,
gradualmente ou não, uma mudança de paradigma” (2010, p. 9).
Nesse contexto, surge o método da Análise Econômica do Direito como uma
alternativa para o estudo dos efeitos dos incentivos fiscais de ICMS, possibilitando
examinar se estes são ou não eficientes.

3 Análise Econômica do Direito


A Análise Econômica do Direito originou-se na década de 1960, com a publicação
dos artigos The Problem of Social Choice, de Ronald Coase, e Some Thoughts on Risk
Distribution and the Law of Torts, de Guido Calabresi (GONÇALVES; VOSGERAU, 2013, p.
209). Este método foi desenvolvido no âmbito do Realismo Jurídico norte-americano

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388 Análise Econômica do Direito, incentivos fiscais e a redução das desigualdades regionais

que, contrapondo-se ao juspositivismo, buscava aproximar o direito da realidade


social e das outras ciências, pugnando a necessidade de um estudo interdisciplinar
do Direito (GICO JR., 2010, p. 12).
A AED consiste em um método consequencialista de compreensão das normas
jurídicas a partir dos efeitos que elas geram na sociedade, partindo da premissa
de “que as normas jurídicas devem ser julgadas à luz das estruturas de estímulos
que estabelecem e das consequentes mudanças comportamentais adotadas pelos
interessados em resposta aos estímulos” (MACKAAY; ROUSSEAU, 2015, p. 666).
Para tanto, são utilizados categorias e instrumentos teóricos da economia para
análise do Direito, em especial para o exame da formação e dos efeitos das normas
jurídicas (RIBEIRO; GALESKI, 2009, p. 53). A AED busca explicar o direito a partir
da teoria econômica, principalmente pela apreciação das instituições e realidades
jurídicas com suporte em instrumentais teóricos da microeconomia neoclássica
(ALVAREZ, 2006, p. 52; ANDRIGHETTO, 2013, p. 78-79).
Existem duas abordagens, “dois níveis epistemológicos para relacionar Direito
e Economia: a dimensão positiva (ou descritiva) e a dimensão normativa (ou
prescritiva)” (GONÇALVES; RIBEIRO, 2013, p. 81). A abordagem positiva tem como
objeto de estudo prever quais as consequências das normas jurídicas na realidade
social, enquanto a análise normativa propõe como as normas devem ser “com base
nos efeitos econômicos analisados” (RIBEIRO; CAMPOS, 2012, p. 314).
Esses dois níveis de abordagem da AED são elucidados por Ivo Teixeira Gico
Junior (2010, p. 19-21). Inicialmente o autor aduz que a AED reconhece a distinção
entre (i) o que é relacionado a um critério de verdade e, portanto, pertencente ao
mundo dos fatos e (ii) o que deve ser, integrante do mundo dos valores e relacionado
a um critério de valor. A análise positiva diz respeito ao primeiro aspecto (o que é),
enquanto a análise normativa atua no âmbito do que deve ser. Na análise positiva
identificam-se as possíveis alternativas de aplicação de uma norma jurídica já
existente em um caso concreto, comparando-se a eficiência entre tais alternativas
em razão das consequências/efeitos desencadeados. Por outro lado, no campo da
análise normativa, inicialmente se identifica um objetivo a ser atingido e quais as
alternativas que podem realizá-lo, sugerindo-se modificações no sistema jurídico (por
exemplo, pela alteração ou criação de normas), para se alcançar o fim previamente
estabelecido da maneira mais eficiente possível.
Tendo em vista que a AED corresponde a um método de avaliação das normas
jurídicas a partir dos efeitos que delas decorrem, pelo emprego de instrumentos

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Oksandro Osdival Gonçalves – Alan Luiz Bonat 389

da teoria econômica para a compreensão e explicação do Direito, sua aplicação


pressupõe o conhecimento de alguns conceitos econômicos. Isto é, devem-se
estabelecer as premissas que permitem a utilização da AED. No presente artigo,
serão adotadas cinco premissas: (i) escassez de recursos; (ii) escolha racional ou
maximização; (iii) resposta dos agentes a incentivos; (iv) equilíbrio; e (v) eficiência.

3.1 Premissas para aplicação da AED


Enquanto as necessidades humanas são praticamente inesgotáveis, os recursos
disponíveis para a satisfação dessas necessidades são limitados. A escassez
dos recursos é uma das preocupações da ciência econômica, a qual estuda o
comportamento humano como uma relação entre fins e recursos escassos (ROBBINS,
1932, p. 15), e é relevante para o Direito, pois “se não houvesse a escassez, não
haveria conflito e, consequentemente, não haveria necessidade do direito, pois todas
as necessidades seriam satisfeitas” (RIBEIRO; CAMPOS, 1012, p. 316).
Como os limitados recursos podem ser utilizados de diversas maneiras para
suprir uma infinidade de necessidades, os indivíduos tendem a agir racionalmente,
fazendo as escolhas que lhes sejam mais vantajosas. Trata-se da premissa da escolha
racional, segundo a qual os indivíduos buscam maximizar sua utilidade: ao tomar
uma decisão, consideram as possíveis alternativas, optando por aquela que melhor
atenda seus fins pessoais, que lhe traga mais satisfação.
Neste ponto, fazem-se necessárias duas considerações. A primeira diz respeito
à limitação das alternativas possíveis em uma determinada situação. Por exemplo,
quando um indivíduo pretende adquirir um bem de consumo, as suas opções serão
limitadas pela sua capacidade financeira ou aos bens disponíveis no mercado.
Dentre as alternativas possíveis, o indivíduo tende a escolher a melhor para si
(COOTER; ULEN, 2000, p. 11). A segunda refere-se à limitação da racionalidade dos
indivíduos: afirmar que a escolha é racional não significa que os indivíduos sejam
completamente racionais ou que sua decisão será a mais coerente sob o ponto
de vista coletivo, mas sim que eles almejam o resultado que lhes propicie mais
utilidade consoante suas concepções pessoais, de acordo com as informações que
possuem (GALESKI JR., 2008, p. 58).
Como consequência dessa racionalidade, durante o processo de escolha, os
indivíduos consideram todos os benefícios e custos envolvidos nas possíveis
alternativas, ou seja, avaliam os preços relacionados à decisão. Há, em regra, uma

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390 Análise Econômica do Direito, incentivos fiscais e a redução das desigualdades regionais

resposta ao sistema de preços, o qual orienta o comportamento dos indivíduos


(PINHEIRO; SADDI, 2005, p. 89).
Para a aplicação da AED, as normas jurídicas são consideradas incentivos e
concebidas como um preço, interferindo nos comportamentos dos indivíduos de
acordo com as vantagens ou desvantagens que impõem. Nesse sentido, os indivíduos
respondem às normas jurídicas e sua respectiva sanção, as quais são processadas
como um preço: “ao tomar o comando normativo como um preço, o receptor da
norma automaticamente, por ser racional, avalia a relação entre custo e benefício da
conduta que poderia vir a praticar” (GONÇALVES; RIBEIRO, 2013, p. 82-83).
Destarte, o simples fato de que uma norma jurídica esteja vigente não significa
que ela será observada pelos destinatários. Será observada se os custos impostos ao
indivíduo em caso de desrespeito à norma forem demasiadamente altos em relação
aos benefícios de que poderia desfrutar em caso de não observação da referida
norma. Ou seja, admite-se que a norma, ainda que vigente, possa ser ignorada pelo
indivíduo (GICO JR., 2010, p. 21).
Por fim, levando-se em conta que os indivíduos agem racionalmente buscando
otimizar seus interesses e, no processo de escolha, respondem a incentivos, em
uma situação na qual todos os agentes estiverem maximizando suas utilidades
haverá equilíbrio, um padrão de comportamento, de modo que o comportamento
de um único agente não modificará o padrão verificado no âmbito do sistema,
permanecendo este em equilíbrio enquanto não receber alguma perturbação
externa (COOTER; ULEN, 2000, p. 11).
No tocante à eficiência, o artigo 37 da Constituição prescreve que a Administração
Pública deve observar o princípio da eficiência, o qual decorre do modelo de Estado
Democrático de Direito nela estabelecido e que busca assegurar e promover a
dignidade da pessoa humana (MOREIRA, 2000, p. 330). A eficiência não deve ser
compreendida exclusivamente sob o aspecto econômico-financeiro, mas como “a
maior realização prática possível das finalidades do ordenamento jurídico, com
os menores ônus possíveis, tanto para o próprio Estado, especialmente de índole
financeira, como para as liberdades dos cidadãos.” (ARAGÃO, 2004).
Na ciência econômica, segundo Amartya Sen, a eficiência é usualmente dividida
em técnica e econômica. A eficiência técnica diz respeito a uma situação na “qual
não é possível gerar mais de um determinado produto sem produzir menos de
algum outro” (1999, p. 37). Importa para o presente trabalho a segunda noção, de

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eficiência econômica, a qual é frequentemente associada a dois critérios: (i) critério


de eficiência ou ótimo de Pareto; e (ii) critério de Kaldor-Hicks.
Conforme a eficiência de Pareto, uma situação será ótima quando não for
possível ampliar a utilidade de um agente sem que outro tenha sua utilidade
prejudicada. Uma situação será eficiente “se em uma sociedade não haja mais
nenhuma modificação possível a fim de melhorar a situação de alguém sem piorar
a de outrem” (GONÇALVES; RIBEIRO, 2013, p. 83).
Duas críticas podem ser tecidas à eficiência de Pareto. A primeira delas diz
respeito à inexistência de preocupação com a distribuição das utilidades, uma vez
que uma situação pode ser ótima, por exemplo, quando algumas pessoas possuírem
grande parte de recursos e outras se encontrarem na miséria extrema, desde que
não seja possível que estas últimas melhorem suas condições sem prejuízo das
primeiras (SEN, 1999, p. 47-78).
A segunda concerne à limitação do campo de aplicação do critério de Pareto, na
medida em que, na maior parte das situações concretas, uma transação acaba por
surtir efeitos perante terceiros, sendo improvável que não exista algum prejuízo,
ainda que indiretamente. Por esta razão, ganhou espaço na AED o critério de Kaldor-
Hicks, segundo o qual a eficiência será satisfeita se o resultado final tiver mais
ganhos do que prejuízos, se “for positivo o bem-estar final” (SILVA, L., 2008).
Consoante o critério Kaldor-Hicks, uma ocasião de disputa por alocação de
recursos será eficiente se os benefícios da parte vencedora permitirem que ela
compense os prejuízos da parte perdedora. Para o Direito, e em especial para a
elaboração de políticas públicas, a eficiência consoante este critério é importante
porquanto visa a orientar a decisão para a “alternativa que maximize a riqueza”
(RIBEIRO; GALESKI, 2009, p. 87-89).
Ademais, deve-se ter em mente que o conceito de eficiência econômica é
permeado por um conteúdo moral que se fundamenta na “noção de bem-estar que já
era usada pelos utilitaristas”, de modo que, existindo duas possíveis decisões, deve ser
aplicada a que proporcionar o maior bem-estar (RIBEIRO; GALESKI, 2009, p. 89-92).
Delineadas as premissas para aplicação da AED, passa-se a examinar os tributos
enquanto custos de transação.

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392 Análise Econômica do Direito, incentivos fiscais e a redução das desigualdades regionais

3.2 Custos de transação


Em razão da racionalidade dos agentes, estes respondem a incentivos visando
maximizar suas próprias utilidades. Mas, além dos incentivos, os agentes consideram
também os custos envolvidos para realizar determinada transação.
As análises tradicionais sobre a teoria microeconômica consideravam como
custos de transação somente aqueles referentes à produção e ao transporte de
mercadorias, desconsiderando outros custos envolvidos, como por exemplo os custos
incorridos no processo de negociação para a celebração de contratos. Tendo em vista
a existência de custos diversos da produção e do transporte de mercadorias, Ronald
Coase aprimorou e ampliou a definição dos custos de transação ao demonstrar que
os custos para elaboração e execução de contratos, bem como para a administração
de uma empresa (firma) deveriam também ser considerados custos de transação,
pois “representam uma parte considerável dos recursos de uma sociedade utilizados
para manter o mecanismo social de trocas e negociação” (CALIENDO, 2009, p. 18-19).
Neste sentido, explana Irineu Galeski Jr., que “as variáveis relacionadas ao custo
de se negociar ou fazer cumprir acordos” devem ser consideradas também como
custos de transação, uma vez que “em relações reais de mercado tais custos são
sempre presentes e influem diretamente na interação entre os agentes econômicos,
alterando as condições de negociação, por conseguinte, de preço” (2008, p. 76-77).
Assim, para realizar uma transação, o agente deve identificar outros agentes com
quem possa negociar, informar a esses agentes sua intenção e as condições estabelecidas
para a negociação, efetivamente negociar, celebrar o contrato, bem como monitorar e
assegurar cumprimento das obrigações contratuais. Todas essas operações são custosas
e podem dificultar a efetivação de transações (COASE, 2008, p. 12).
Desse modo, compreende-se como custos de transação todos os custos
envolvidos em uma transação, tanto os diretamente vinculados à produção ou
ao transporte, quanto os necessários para a realização do próprio negócio, sendo
possível identificar três espécies de custos de transação: (i) custos de informação
e procura de outra pessoa para a realização do negócio; (ii) custos envolvidos
diretamente na celebração do acordo, como a elaboração do respectivo contrato;
e (iii) custos de monitoramento e de execução do pacto firmado entre as partes
(COOTER; ULEN, 2000, p. 87-88).
Nessa sistemática, os custos de transação estão frequentemente relacionados
às incertezas nos campos econômicos, políticos e jurídicos, imprevisibilidades que

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acabam sendo determinantes para as decisões econômicas dos agentes (GONÇALVES;


MORETTINI, 2014, p. 80).
A tributação pode ser compreendida como um custo de transação em sentido
estrito, pois é um custo inerente à celebração de um negócio jurídico, influenciando
assim o processo decisório dos agentes. É também um custo de transação em sentido
amplo porque as “inseguranças decorrentes de um sistema tributário imperfeito e
ineficiente implicam em maior incerteza na contratação e, portanto, em um custo de
transação maior” (CALIENDO, 2009, p. 22).
Por fim, é importante ressaltar que para uma maior eficiência das relações
econômicas, os custos de transação devem ser reduzidos. Para tanto, a Teoria
Neoinstitucionalista sustenta que as instituições têm a função de atuar diminuindo
tais custos, permitindo que “os agentes econômicos transacionem a um custo mais
baixo, reduzindo a complexidade e facilitando as relações comerciais” (GONÇALVES;
RIBEIRO, 2013, p. 86). O Direito, enquanto instituição, tem o papel de reduzir os
custos de transação e facilitar as relações entre os agentes econômicos.

4 Tributação e intervenção na ordem econômica


A ordem econômica no Brasil é regida pelo Título VII da Constituição Federal.
O artigo 170 estatui que, além de observar alguns princípios, a ordem econômica
brasileira tem como fundamentos a livre iniciativa e a valorização do trabalho
humano, e tem como fim “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social” (BRASIL, 1988).
A livre iniciativa é fundamento não só da ordem econômica, mas também da
própria República Federativa do Brasil, a teor do artigo 1o, IV, da CF. Em face desta
atribuição constitucional, André Ramos Tavares aduz que a livre iniciativa “revela
a adoção política da forma de produção capitalista, como meio legítimo de que
se podem valer os agentes sociais no Direito brasileiro” (2011, p. 234-235), razão
pela qual ela deve ser compreendida em uma acepção ampla, como a liberdade
econômica, de empresa, comercial e contratual.
Compreendida em conjunto com a valorização do trabalho humano e com a
finalidade de assegurar uma existência digna a todos os indivíduos, a livre iniciativa
“significa que é através da atividade socialmente útil a que se dedicam livremente
os indivíduos, segundo suas inclinações, que se procurará a realização da justiça
social e, portanto, do bem-estar social” (FERREIRA FILHO, 1995, p. 3).

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394 Análise Econômica do Direito, incentivos fiscais e a redução das desigualdades regionais

Mas a adoção da forma de produção capitalista e a consagração da livre iniciativa


pela Constituição não significam que o Estado deve se abster de intervir na ordem
econômica. Pelo contrário, a partir de princípios elencados no artigo 170, a própria
Constituição impõe a intervenção do Estado na ordem econômica, porquanto uma
economia não “pode operar sem a existência de uma base mínima de organização
institucional”, cabendo ao Estado exercer tal função organizacional (CALIENDO,
2011). Contudo, a intervenção estatal deve ser sempre orientada com o intuito de
garantir aos indivíduos uma existência digna, priorizando-se “a justiça social sobre
os demais valores da economia de mercado” (GONÇALVES; RIBEIRO, 2013, p. 86).
Destarte, a Constituição admite que o Estado explore diretamente atividades
econômicas por necessidades de imperativos de segurança nacional ou de relevante
interesse coletivo ou, ainda, que atue como agente normativo e regulador da atividade
econômica, desempenhando as funções de fiscalização, incentivo e planejamento
(BRASIL, 1988, art. 173-174).
É necessário neste ponto delimitar o conceito de intervenção, diferenciando-o
do de atuação estatal, com base nos ensinamentos de Eros Roberto Grau. Leciona o
autor que a intervenção diz respeito à atuação do Estado na atividade econômica
em sentido estrito, na área de titularidade do setor privado. Por outro lado, a atuação
tem significado mais amplo, correspondendo à ação estatal na atividade econômica
em sentido amplo, compreendida “tanto na área de titularidade própria quanto em
área de titularidade do setor privado”. Partindo dessa distinção, o autor salienta a
existência de três modalidades de intervenção: (i) por absorção ou participação, (ii)
por direção e (iii) por indução (2015, p. 90-91).
A primeira situação diz respeito à intervenção do Estado no domínio econômico,
quer dizer, “no campo da atividade econômica em sentido estrito”. Para tanto, pode
absorver integralmente todas as atividades de determinado setor, atuando em
regime de monopólio, ou atuar em regime de competição com outras empresas
privadas, participando da atividade econômica em determinado setor (GRAU, 2015,
143, grifos no original).
No tocante às hipóteses de intervenção por direção e por indução, o Estado não
atua no, e sim sobre o domínio econômico, exercendo a função de regular a atividade
econômica em sentido estrito. A diferença é que na direção o Estado determina
mecanismos e normas obrigatórias aos agentes econômicos, enquanto na indução
“[...] manipula os instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade
das leis que regem o funcionamento dos mercados” (GRAU, 2015, p. 143-144).

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Nessa classificação, a tributação e as políticas fiscais podem ser utilizadas como


espécie de intervenção por indução. Visando atingir determinados fins, o Poder
Público pode manejar tributos (aumentá-los ou desonerá-los), buscando estimular
determinado comportamento pelos destinatários das normas (indução positiva) ou
com o objetivo de desestimular certas condutas (indução negativa) (GONÇALVES;
RIBEIRO, 2013, p. 87).

5 Extrafiscalidade x neutralidade da tributação


A relação entre a tributação e a ordem econômica brasileira apresenta uma
dicotomia: por um lado, a tributação como custo de transação deve ser reduzida a
fim de possibilitar uma maior eficiência das relações econômicas; por outro, pode
ser utilizada pelo Poder Público como um instrumento para intervenção por indução,
com o escopo de serem buscados determinados objetivos. É dizer: ao mesmo tempo
em que se admite que a tributação deve ser orientada pelo princípio da neutralidade,
reconhece-se a possibilidade de utilização dos tributos com função extrafiscal.
Em uma primeira perspectiva, pelo princípio da neutralidade fiscal, tenciona-se
manter o equilíbrio da economia, de forma que ela seja afetada o menos possível
pela tributação. Ao implementar uma política, o Estado deve fazê-lo influenciando
o mínimo possível a tomada de decisões pelos agentes econômicos e o sistema de
formação de preços, bem como gerando menos efeitos negativos para a sociedade,
sob pena de tornar ineficiente o sistema econômico. A tributação deve ser utilizada
visando a menor interferência nas escolhas dos agentes econômicos e o menor
impacto na formação dos preços (CALIENDO, 2009, p. 101-106).
Entretanto, a neutralidade fiscal pode também ser analisada sob outros dois
prismas: (i) a tributação deve observar uma igualdade de condições no jogo de
mercado, evitando-se criar distinções entre os agentes pelo manejo de tributos;
e (ii) a tributação não pode ser utilizada pelo Estado de modo que imponha
barreiras aos particulares para ingresso e permanência no mercado (FORTES;
BASSOLI, 2010, p. 241-243).
Portanto, a tributação possui estreita relação com o princípio da livre
concorrência, o que é previsto inclusive pela Constituição, nos seguintes termos: “Lei
complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo
de prevenir desequilíbrios da concorrência” (BRASIL, 1988, art.146-A). Por essa razão,
o princípio da neutralidade fiscal deve orientar a elaboração e a edição das normas
tributárias, uma vez que os tributos podem gerar disparidades na concorrência,

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396 Análise Econômica do Direito, incentivos fiscais e a redução das desigualdades regionais

sendo fundamental o papel do Estado para controlar a livre concorrência utilizando


a tributação como instrumento, coibindo e prevenindo o abuso concorrencial
(GONÇALVES, 2012, p. 87-88).
Ademais, o aludido artigo 146-A impõe ao Estado um dever negativo, segundo
o qual as políticas fiscais não devem interferir em uma situação de concorrência de
mercado perfeita, ou quase perfeita, correspondendo isso a um limite à competência
tributária. E também impõe um dever positivo: que o Estado utilize políticas fiscais
com o intuito de fomentar a concorrência, quando esta for imperfeita (GONÇALVES;
RIBEIRO, 2013, p. 89).
Quando a tributação é utilizada pelo Estado para regular a economia, atribui-se
aos tributos uma função extrafiscal, pois seu objetivo é diverso da mera arrecadação
de receitas, esta compreendida como a função fiscal dos tributos. Ocorre que a
extrafiscalidade pode também ser utilizada como instrumento de promoção de
outros objetivos socioeconômicos constitucionalmente previstos, conforme expõe
José Casalta Nabais, para quem a “extrafiscalidade traduz-se no conjunto de normas
que, embora formalmente integrem o direito fiscal, tem por finalidade principal ou
dominante a consecução de determinados resultados econômicos ou sociais através
do instrumento fiscal” (2004, p. 629).
Acerca da extrafiscalidade, duas reflexões são relevantes. Uma é que se devem
distinguir os fins dos efeitos extrafiscais, uma vez que mesmo os tributos fiscais
podem gerar efeitos extrafiscais; como exemplo, o elevado aumento da alíquota de
um imposto municipal que pode induzir os contribuintes a evitarem a realização “do
fato gerador naquela localidade, deslocando espacialmente a incidência”. A diferença
decorre da principal função do tributo: se fiscal, visa à arrecadação; se extrafiscal,
tem como objetivo induzir os contribuintes a realizarem ou não um comportamento.
A outra reflexão é que, ainda que o objetivo almejado não seja econômico, é
pela via econômica que o Poder Público induz o comportamento do contribuinte,
porquanto pela tributação extrafiscal a norma expressamente não proíbe e não
obriga o contribuinte, cabendo a ele optar pela realização ou não de determinada
conduta. Todavia, em que pese o comportamento ser juridicamente lícito, “na
práxis da vida real, o comportamento acaba sendo induzido, muitas vezes, com tal
intensidade que se torna proibitivo ou de realização inevitável, a regra tributária
afeta, sem dúvida, a liberdade de opção individual” (FOLLONI, 2014a, 204-205).
Salienta-se que os incentivos fiscais denotam função extrafiscal, pois buscam
induzir os contribuintes a realizar determinados comportamentos pela desoneração

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tributária. Mas a extrafiscalidade suscita alguns problemas, dentre os quais importa


para este trabalho a colisão com o princípio da neutralidade tributária. Através da
extrafiscalidade o Estado intervém diretamente na economia, buscando atingir um
ou alguns objetivos, mas pela neutralidade deve interferir o mínimo possível no
“sistema de formação de preços e, consequentemente, com a menor quantidade
possível de efeitos negativos na sociedade” (GONÇALVES; VOSGERAU, 2013, p. 213).
A compatibilização entre tais preceitos ocorre pela consideração da neutralidade
como limite à utilização de políticas fiscais fundamentadas na extrafiscalidade. Mas
não como um limite absoluto, admitindo-se a restrição ao princípio da neutralidade
se a extrafiscalidade for utilizada para a implementação de uma política pública
pautada em interesses coletivos superiores.
Para esse propósito, em um primeiro momento é possível justificar a validade
da tributação extrafiscal pelo exame da proporcionalidade, demonstrando-se a sua
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Então, ao utilizar
a tributação extrafiscal, o Poder Público deve evidenciar que: (i) ela é adequada
para atingir o fim estabelecido; (ii) não existem outros meios que limitem menos
os direitos envolvidos; e (iii) a restrição a um ou alguns direitos pode ser justificada
pelo objetivo a ser alcançado (FOLLONI, 2014a, p. 212-217).
Imprescindível também que sejam avaliados os efeitos gerados pela tributação
extrafiscal, tendo em vista que a “compreensão do Direito distanciado da realidade
social, política e econômica não é suficiente para dar conta da complexidade da
sociedade contemporânea” (RIBEIRO; CAMPOS, 2012, p. 320-323), dado que em
inúmeras situações a eficácia de uma norma jurídica não significa que as finalidades
pretendidas pela referida norma serão alcançadas. Relevante, portanto, segundo
aquele autor, que tanto a elaboração normativa quando a análise das políticas
públicas já existentes busque mensurar os efeitos socioeconômicos de tais políticas.
Neste ponto tem importância a Análise Econômica do Direito ao viabilizar a
avaliação da eficiência das políticas públicas que utilizam a tributação extrafiscal,
tanto das já existentes (análise positiva) quanto para a elaboração de novas políticas
públicas (análise normativa).

6 Estudo de caso: Programa de Desenvolvimento Industrial de Goiás – PRODUZIR


A Constituição prescreve, em seu art. 3o, III, a redução das desigualdades
regionais como objetivo fundamental da República (BRASIL, 1988). Trata-se de
um fim a ser buscado, porquanto, na realidade as regiões do país apresentam

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grandes diferenças socioeconômicas. Tais diferenças podem ser observadas pela


concentração de empresas nas regiões Sudeste e Sul. Como exemplo cita-se o último
estudo demográfico de empresas realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia
Estatística – IBGE, o qual apurou que em 2013 havia aproximadamente 5,4 milhões
de empresas ativas no Brasil, as quais totalizavam 5,9 milhões de unidades locais.
Destas últimas, 51,3% estavam localizadas na Região Sudeste, 21,6% na Região Sul,
15,7% na Região Nordeste, 7,7% na Região Centro-Oeste e 3,7% na Região Norte
(IBGE, 2015b, p. 36-37).
Em outra perspectiva, no tocante à participação das grandes regiões no valor
do Produto Interno Bruto – PIB brasileiro em 2013, depreende-se que as regiões
Sudeste e Sul foram responsáveis por aproximadamente 72% do PIB nacional
(IBGE, 2015a, p. 22).
Ante essa realidade, diversos estados membros elaboram políticas públicas com
o escopo de promover o desenvolvimento econômico e reduzir as desigualdades
regionais e sociais. É frequente a utilização da tributação extrafiscal, para que, por
exemplo, sociedades empresárias se estabeleçam no território daquele estado
membro ou realizem investimentos para expansão de plantas industriais.
Neste sentido, no ano de 2000 foi criado o Programa de Desenvolvimento
Industrial de Goiás – PRODUZIR, introduzido pela Lei Estadual no 13.591, de 18 de
janeiro de 2000, como novo instrumento de execução de política industrial daquele
estado, nos termos do art. 1o, da referida Lei. Já o artigo 2o do mesmo diploma prevê
os objetivos do Programa:
O PRODUZIR tem por objeto social contribuir para a expansão, modernização
e diversificação do setor industrial de Goiás, estimulando a realização de
investimentos, a renovação tecnológica das estruturas produtivas e o aumento da
competitividade estadual, com ênfase na geração de emprego e renda e na redução
das desigualdades sociais e regionais (GOIÁS, 2000).
Em breve síntese, o PRODUZIR busca fomentar o investimento de sociedades
empresárias em plantas industriais, diversificar os setores industriais instalados no
estado de Goiás e, consequentemente, criar novos empregos. Dentre os incentivos
concedidos pelo Poder Público Estadual, destaca-se a possibilidade de que este
preste “assistência financeira à realização de projetos industriais de iniciativas
privadas”, concedendo financiamentos aos particulares (GOIÁS, 2000, art. 3o).
Para tanto, o Programa prevê o financiamento de até 73% da parcela mensal do
ICMS devido pela empresa beneficiária, o que significa que ela recolhe somente vinte

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e sete por cento do imposto devido, gozando de um prazo de carência de um ano,


com uma taxa de juros de 0,2% ao mês sobre o valor do financiamento. É possível
também que sejam concedidos descontos às empresas beneficiárias na forma de
subvenções do saldo devedor, que podem variar entre 30% e 100%, desde que sejam
preenchidos alguns critérios. Eduardo Batista Borges adverte que a facilidade para
o preenchimento de tais critérios torna, na prática, “este tipo de financiamento em
renúncia fiscal disfarçada” (2014, p. 173-174).
O estado de Goiás utilizou a tributação extrafiscal, pela desoneração tributária
do ICMS, visando atingir os objetivos delineados no artigo 2o, da Lei Estadual no
13.591/2000 (GOIÁS, 2000). Importa verificar se o PRODUZIR atinge as finalidades
para as quais foi implementado, bem como a eficiência desta política pública. Para
este exame, inicialmente apresentam-se os valores dos incentivos concedidos às
empresas, a quantidade dos empregos gerados e o custo por emprego referentes ao
período compreendido entre os anos de 2001 e 2012:

COMPARATIVO ENTRE VALOR DE BENEFÍCIOS E EMPREGOS GERADOS NO


PERÍODO 2001-2012 (EM R$ 1.000,00)
Custo/
Microrregião Incentivos Empregos emprego
gerado
Anápolis 27.089.529 21.530 1.258
Anicuns 2.315.279 2.556 906
Aragarças 2.356.723 2.329 1.012
Catalão 8.709.777 2.648 3.289
Ceres 5.194.915 5.572 932
Chapada dos Veadeiros 691.004 620 1.115
Entorno de Brasília 9.246.968 8.870 1.042
Goiânia 19.049.531 18.265 1.043
Iporá 516.844 246 2.101
Meia Ponte 18.106.435 16.701 1.084
Pires do Rio 2.707.111 2.858 947
Porangatu 3.582.523 1.656 2.163
Quirinópolis 5.733.442 6.151 932
Rio Vermelho 4.738.814 5.895 804
São Miguel do Araguaia 667.550 344 1.941
Sudoeste de Goiás 19.512.155 16.349 1.193
Vale do Rio dos Bois 11.718.342 11.909 984

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400 Análise Econômica do Direito, incentivos fiscais e a redução das desigualdades regionais

Vão do Paranã 8.436.220 3.654 2.309


Total Metade Norte 27.038.902 21.562 1.254
Total Metade Sul 123.334.260 106.591 1.157
Total Geral 150.373.162 128.153 1.173
Fonte: BORGES, 2014, p. 177.
Elaborado pelos autores.
Percebe-se, a partir dos dados acima, que há certa proporcionalidade entre o
montante correspondente ao valor dos incentivos fiscais concedidos a sociedades
empresárias e o número de empregos criados, de modo que em 13 das 18 microrregiões
o custo de cada emprego gerado pouco varia (são exceções as microrregiões de
Catalão, Iporá, Porangatu, São Miguel do Araguaia e Vão do Paranã). Comparando-se
o custo por emprego gerado a partir do valor dos benefícios concedidos entre as
microrregiões, deduz-se que houve maior eficiência na de Rio Vermelho, ao passo
que a menos eficiente foi a de Catalão, visto que na primeira foram gerados mais
empregos com renúncia de menos valores pelo Poder Público estadual.
Ademais, pelo quadro acima também é possível inferir, pelo valor dos benefícios
concedidos e pelo número de empregos gerados, que a maior parte das empresas
beneficiárias se concentra em poucas microrregiões do Estado, quais sejam, as de
Anápolis, Goiânia, Meia Ponte e Sudoeste de Goiás. Por outro lado, as microrregiões
de Chapada dos Veadeiros, Iporá e São Miguel do Araguaia pouco usufruem dos
recursos do PRODUZIR. Tal concentração é constatada, principalmente, pela
localização das microrregiões no território goiano: as localizadas na metade sul do
estado aproveitam melhor o Programa, enquanto as situadas na metade norte pouco
o utilizam. A justificativa para tal discrepância decorre das piores infraestruturas
socioeconômicas e da baixa densidade demográfica das microrregiões posicionadas
na metade norte (BORGES, 2014, p. 177). Portanto, a rigor, o programa não é eficiente
naquela região, pois não consegue incentivar a instalação de indústrias capazes
de atender o objetivo da norma incentivadora, que é o de promover a geração de
empregos para reduzir as desigualdades sociais.
Destarte, por meio do PRODUZIR, o estado membro utilizou sua competência
tributária para incentivar condutas de sociedades empresárias pela desoneração
tributária, com o fim de induzir as empresas a se instalarem em seu território.
Considerando-se os tributos como custo de transação, os agentes econômicos o
incluem no cálculo durante o processo de escolha/decisão, o qual, conforme visto
anteriormente, é racional. Contudo, a tributação é somente um dos custos de

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transação envolvidos na formação dos preços que influencia a tomada de decisão


dos agentes. No caso em exame, por exemplo, verificam-se também os custos
envolvidos referentes à infraestrutura e à mão de obra disponível nas microrregiões.
Por essa razão, as microrregiões localizadas na metade sul do Estado de Goiás
conseguiram atrair maior quantidade de empresas. Como aquelas disponibilizam
melhores infraestruturas econômicas e sociais, e também maior concentração de
pessoas, a desoneração do ICMS é mais benéfica do que prejudicial às sociedades
empresárias. Por outro lado, os custos para que as empresas se instalem nas
microrregiões da metade norte superam, em regra, os benefícios provenientes da
redução do imposto estadual e, consequentemente, o PRODUZIR não consegue
promover a instalação e a diversificação de indústrias naquelas microrregiões.
Há, porém, uma exceção. As microrregiões da metade norte possuem vastas
jazidas de minérios, conseguindo atrair empresas do setor de extração mineral.
Contudo, não há geração de grande quantidade de empregos porque essa atividade
é extremamente mecanizada (ROMANATTO; ARRIEL; LIMA, 2012, p. 14).
O PRODUZIR tem como objetivo promover o desenvolvimento industrial do
estado de Goiás e, por conseguinte, contribuir para a redução de desigualdades
regionais (ao nível nacional). Não obstante, paradoxalmente o Programa acaba por
criar e aumentar a desigualdade entre as regiões estaduais, possibilitando somente
o desenvolvimento de poucas microrregiões daquele estado, justamente aquelas
que já são mais desenvolvidas, razão pela qual o programa deixa de ser eficiente e
acaba por gerar mais desigualdade.

7 Conclusão
Tradicionalmente, a ciência de Direito Tributário desenvolvida no Brasil admite
como único objeto de estudo o Direito Tributário positivo e, dentre estas normas,
preocupa-se somente com aquelas que prescrevem a instituição, a fiscalização e a
arrecadação de tributos, analisando apenas a relação entre as normas e o significado
das palavras. Nesse contexto, a Análise Econômica do Direito é uma importante
alternativa que contribui para o exame das repercussões socioeconômicas das
normas tributárias e, dentre estas, das utilizadas para concessão de incentivos fiscais
de ICMS, principalmente ao viabilizar a análise da eficiência dessas normas.
Os incentivos fiscais, espécie de tributação extrafiscal, podem ser compreendidos
como uma modalidade de intervenção estatal na economia, visto que, por meio
da desoneração tributária o Poder Público busca estimular comportamentos dos

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contribuintes. Tal prática conflita com o princípio da neutralidade fiscal, segundo o


qual os tributos devem surtir o mínimo de efeitos no sistema de formação de preços
e na sociedade. Assim, o princípio da neutralidade fiscal deve ser considerado como
um limite à tributação extrafiscal, admitindo-se a restrição ao primeiro nas hipóteses
em que a extrafiscalidade buscar promover interesses coletivos superiores, como,
por exemplo, os objetivos delineados no artigo 3o da Constituição.
Aplicando-se o método da AED para o estudo dos incentivos fiscais, infere-se que
a norma que concede o benefício é processada pelos destinatários como um incentivo
e processada como um preço. Em uma situação econômica, as escolhas e tomadas de
decisões pelos agentes são racionais, pois eles buscam maximizar suas utilidades
individuais. Se a norma jurídica impuser mais vantagens do que desvantagens ao
agente, provavelmente ele irá observá-la; já se os custos decorrentes da observância
da norma superarem os benefícios, é provável que o agente a ignore.
A tributação é também um custo de transação a ser observado pelo agente, pois
corresponde a um custo intrínseco à realização de um negócio jurídico e, ademais,
porque a instabilidade do sistema tributário brasileiro provoca incertezas aos
agentes, elevando os custos para a contratação.
Durante o processo de tomada de decisão, as normas que concedem incentivos
fiscais são processadas como um dos preços a serem considerados pelos agentes.
Se os benefícios do incentivo forem elevados e superarem razoavelmente os
demais custos, é provável que a norma estimule os destinatários. Contudo, se os
demais custos de transação envolvidos excederem os benefícios do incentivo fiscal,
provavelmente a desoneração tributária não atingirá o objetivo pretendido.
Com efeito, para reduzir desigualdades regionais, o Estado tem a possibilidade de
aumentar impostos e implementar políticas públicas, aplicando a equação tradicional
em que os tributos são utilizados para financiar a atividade estatal; ou então,
alternativamente, de conceder incentivos fiscais para empresas, por exemplo, para
que se instalem numa determinada localidade que necessita reduzir desigualdades
sociais. No primeiro formato é o Estado o próprio agente da transformação, mas em
princípio há ineficiência nesse processo em razão da burocracia e corrupção. Já o
segundo formato tem como agente da transformação a empresa beneficiada, que
tem interesse em manter o benefício fiscal em troca da geração de empregos e
consequente aumento da arrecadação tributária a médio e longo prazos.
Todavia, tais políticas devem ser concebidas com muito cuidado, pois
podem ocasionar distorções, como aquela verificada no caso do incentivo fiscal

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de ICMS concedido pelo estado de Goiás pelo PRODUZIR, a qual foi eficiente
para o desenvolvimento da região sul do estado, que já apresentava melhores
infraestruturas econômicas e sociais, mas foi ineficiente para promover a instalação
e diversificação de indústrias nas microrregiões localizadas na metade norte, que
é mais necessitada e carente. Portanto, o programa acabou por não produzir o
resultado final pretendido, que era a redução das desigualdades regionais, porque
não diferenciou as microrregiões e isso fez com que o processo de decisão das
empresas, baseada nos custos de transação envolvidos, rumasse para a instalação em
regiões já desenvolvidas e onde a necessidade da redução daquelas desigualdades
não era tão intensa.

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6
408

A tutela penal dos dados empresariais na


sociedade da informação no ordenamento
jurídico brasileiro
Greice Patrícia Fuller
Pós-Doutora em Direito pela Universidad de Navarra (Espanha) com bolsa
concedida pela Capes. Doutora e Mestre em Direito das Relações Sociais
(PUC-SP). Professora do Mestrado em Direito da Sociedade da Informação e da
Graduação (FMU) e do curso de Direito da (PUC-SP).

Roger da Silva Moreira Soares


Mestre em Direito da Sociedade da informação pelas FMU e Pós-Graduado em
Direito e Processo do Trabalho pela UCAM. Professor na pós-graduação lato
sensu da Universidade Estácio.

Artigo recebido em 20/3/2017 e aprovado em 22/3/2018.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Sociedade da Informação, do Conhecimento e da Comunicação 3 Definição


de dados, informação, conhecimento e o direito de propriedade sobre a informação 4 Aspecto
jurídico-penal da proteção de dados informáticos no Direito pátrio 5 Conclusão 6 Referências.

RESUMO: Este trabalho analisa aspectos jurídico-penais de proteção da informação


e sua importância no atual cenário social, denominado sociedade informacional.
Os dados geram a informação que se apresenta como um bem de alto valor para
a sociedade e, principalmente, para os grupos econômicos, que extraem lucros
consideráveis de suas atividades quando armazenam e gerenciam informações de
logística, pesquisa social e até mesmo hábitos dos consumidores e os aplicam em seus
negócios. Assim, as informações passam a ser consideradas por seu aspecto econômico,
gerando o fenômeno de monetização, o que as torna passíveis de atos criminosos, seja
por meio do furto de dados, da destruição ou simplesmente da cópia de determinadas
informações. Entretanto, nem sempre a legislação específica está apta a acompanhar
o desenvolvimento da tecnologia e das atividades empresariais. Este trabalho foi
desenvolvido utilizando o método dedutivo, com uma pesquisa baseada em revisão
bibliográfica e jurisprudencial realizada sob o crivo reflexivo-crítico.

PALAVRAS-CHAVE: Sociedade da Informação Dados Empresariais Propriedade


Tutela Penal.

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Greice Patrícia Fuller – Roger da Silva Moreira Soares 409

Criminal protection of business data in the information society by the Brazilian


Legal System

CONTENTS: 1 Introduction 2 Knowledge, Communication and Information Society 3 Definition


of data, information, knowledge and the right to ownership of information 4 Legal and criminal
aspects of the protection of computer data 5 Conclusion 6 References.

ABSTRACT: This article analyzes the legal and criminal aspects of information
protection and its importance in the contemporary social scenario, called information
society. The data generate the information that presents itself as a good of high
value for society and, especially, for the economic groups that extract considerable
profits from their activities of storing and managing information of logistics, social
research and even consumer habits, and applying them to their businesses. Thus,
information is considered for its economic aspect, generating the phenomenon
of monetization, which makes them liable to criminal acts, either by data theft,
destruction or simply copying of certain information through technological means.
However, specific legislation is not always able to keep pace with the development
of technology and business activities. This work was developed using the deductive
method, with a research based on bibliographical and jurisprudential review carried
out under the reflexive-critical sieve.

KEYWORDS: Information Society Business Data Property Criminal Protection.

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410 A tutela penal dos dados empresariais na sociedade da informação no ordenamento jurídico brasileiro

La protección penal de los datos empresariales en la sociedad de la información en


el ordenamiento jurídico brasileño

CONTENIDO: 1 Introducción 2 Sociedad de la Información, del Conocimiento y de la Comunicación


3 Definición de los datos, la información, el conocimiento y la propiedad de la información
4 Aspecto jurídico-penal de la protección de datos informáticos 5 Conclusión 6 Referencias.

RESUMEN: Este trabajo analiza los aspectos jurídico-penales de protección de la


información y su importancia en el escenario social actual, denominado sociedad
de la información. Los datos generan la información que se presenta como un bien
de alto valor para la sociedad y, principalmente, para los grupos económicos, que
atraen beneficios considerables de sus actividades cuando almacenan y gestionan
informaciones de logística, investigación social e incluso hábitos de los consumidores
y los aplican en sus negocios. Así, las informaciones pasan a ser consideradas por
su aspecto económico, generando el fenómeno de monetización, lo que las hace
pasibles de actos criminales, sea por medio del robo de datos, de la destrucción o
simplemente de la copia de determinada información. Sin embargo, no siempre la
legislación específica es capaz de seguir el desarrollo de las actividades tecnológicas
y de negocio. Este trabajo fue desarrollado utilizando el método deductivo, con una
investigación basada en revisión bibliográfica y jurisprudencial realizada ante la
visión reflexiva-crítica.

PALABRAS CLAVE: Sociedad de la Información Datos de la Empresa Propiedad


Protección Penal.

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Greice Patrícia Fuller – Roger da Silva Moreira Soares 411

1 Introdução
O desenvolvimento dos meios de comunicação, aliado ao dos mecanismos
tecnológicos (computadores, smartphone, rádio, televisão, v.g.), aperfeiçoou o acesso
à informação, com qualidade e velocidade em escala global até então inimagináveis,
permitindo que dados percorram distâncias de forma instantânea. Tais aspectos
possibilitam identificar uma nova era socioeconômica – posterior à era agrícola e à
industrial – identificada como sociedade da informação. Nesta, tem-se a informação,
devidamente armazenada e gerenciada, como principal fator de geração de riqueza, a
exemplo do ocorrido na sociedade agrícola (riqueza gerada pela terra) e na sociedade
industrial (riqueza gerada pelas máquinas a vapor e posteriormente pela eletricidade).
A informação e o conhecimento sempre existiram nas eras socioeconômicas
anteriores, seja quanto às técnicas de cultivo e arado na era agrícola, seja quanto ao
conhecimento necessário ao desenvolvimento de máquinas a vapor e a eletricidade na
era industrial. Entretanto, são os meios tecnológicos e de comunicação que enfatizam
a informação como principal fator de geração de riquezas, ao ponto de identificar-se
uma terceira revolução socioeconômica denominada revolução informacional.
Tal fenômeno ressalta ainda mais a importância dos diversos gêneros de dados
que trafegam pela Internet e pelos demais meios de comunicação. Esses dados podem
ser públicos, privados, pessoais, sensíveis (sendo estes uma espécie dos pessoais), e,
ainda, podem apresentar uma classificação em estruturados e não estruturados.
Embora se possa sustentar uma evolução social resultante da tecnologia, por
permitir o acesso a informações de todos os gêneros por uma grande parcela da
população em nível global (atingindo um público cada vez maior a cada ano), desde
que tenham acesso à Internet e aos meios de comunicação em geral, também é
possível perceber a existência de violações dos mais diversos direitos assegurados
constitucionalmente. Nesse sentido, podem ser citadas as violações aos direitos
da personalidade (nome, honra, imagem, intimidade e privacidade) e ao direito
de propriedade e, apesar das possibilidades de ilícitos existentes, muitos com
consequências extremamente graves, nem sempre a legislação foi competente em
acompanhar os avanços tecnológicos, principalmente em seu aspecto penal.
As informações empresariais objeto de análise neste trabalho serão as
informações sobre logística, administração, gerenciamento, preços e custos,
estratégias de marketing, segredos empresariais, entre outras formas de administração
empresarial e que são denominadas comumente pelo Conselho Administrativo de
Defesa do Consumidor – Cade de informações concorrencialmente sensíveis.

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412 A tutela penal dos dados empresariais na sociedade da informação no ordenamento jurídico brasileiro

A sociedade da informação demonstra a dependência humana desse novo


modelo de sociedade virtual que, por sua vez, fez emergir novos tipos de conflitos, o
que demanda a necessária obrigação do Estado na prestação da tutela jurisdicional
eficaz, com a finalidade de se proteger os bens de interesse da sociedade.
O presente trabalho apresentará uma análise sobre o aspecto jurídico-penal
da proteção dos dados empresariais na sociedade da informação diante das novas
formas de ilícito penal tecnológico, considerando o aspecto econômico da informação
e enfatizando a característica de bem imaterial desta, integrante do patrimônio do
seu titular, razão pela qual torna-se passível de ilícitos penais, a exemplo de furtos
e crimes concorrenciais e, portanto, sendo necessária a tutela punitiva estatal para
salvaguardar tais bens.
A análise realizar-se-á com base nas normas legais até então existentes,
a exemplo da Lei no 12.965, de 23 de abril de 2014 (BRASIL, 2014), denominada
Marco Civil da Internet, da Lei no 12.737, de 30 de novembro de 2012 (BRASIL,
2012), denominada Lei Carolina Dieckmann, da Lei no 9.279, de 14 de maio de 1996
(BRASIL, 1996), que prevê crimes concorrenciais, e do Código Penal – Decreto-Lei no
2.848, de 7 de dezembro de 1940 (BRASIL, 1940).
Para tanto, serão apresentados ao leitor, inicialmente, aspectos que caracterizam
a sociedade da informação, bem como uma explanação sobre sociedade do
conhecimento e sociedade da comunicação, como uma evolução e uma ramificação
daquela, respectivamente. Serão apresentados, ainda, conceitos e características de
dados, informação e conhecimento, elementos essenciais dentro da sociedade da
informação, prosseguindo com uma explanação sobre assimetria da informação e,
por fim, será feita uma análise da legislação penal sobre a proteção de dados na
sociedade da informação.
Metodologicamente, o texto se desenvolverá por meio de pesquisas bibliográficas
e jurisprudenciais, de caráter qualitativo e dedutivo.

2 Sociedade da Informação, do Conhecimento e da Comunicação


Para ter-se uma ideia conceitual de sociedade da informação, é preciso observar no
cenário econômico atual o principal fator gerador de riqueza, qual seja, a informação.
Nas eras anteriores, foi possível caracterizar a sociedade agrícola através do elemento
terra, que, em face das técnicas de agricultura e arado, foi a principal fonte geradora
de riqueza e permitiu ao homem deixar de ser nômade e assentar-se em determinada

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Greice Patrícia Fuller – Roger da Silva Moreira Soares 413

localidade, fazendo surgir os primeiros povoados (FIGUEIREDO, 2015, p. 2), sendo


oportuna a citação de Paulo Hamilton Siqueira Júnior:

Com a Revolução Agrícola o homem evoluiu da condição de caçador e


coletor para criador e agricultor. Esse fato social é indicado no mundo
acadêmico como verdadeira revolução, na medida em que o impacto da
agricultura na vida cotidiana do homem provocou mudanças profundas,
surgindo inclusive conceitos de terra e propriedade, sendo que o homem
paulatinamente foi se fixando. Essa evolução não foi brusca ou surgiu por
intermédio de um fato ou marco histórico. Pelo contrário, a passagem de
coleta para o cultivo ocorre como fruto de um longo processo evolutivo de
percepção do mundo da natureza, que deu ensejo ao surgimento do mundo
da cultura. (2007, p. 254).

Quanto à sociedade industrial, caracterizada a partir do século XVIII, ficou


patente a evolução socioeconômica apresentada pelo desenvolvimento das
máquinas a vapor e da energia elétrica, que multiplicou a produção das indústrias,
superando a produção artesanal dos bens de consumo, o que “possibilitou a
transformação da agricultura, da pecuária, do extrativismo, do comércio e, ainda,
acarretou o surgimento da empresa moderna, modificando consideravelmente as
relações socioeconômicas existentes” (LISBOA, 2006, p. 79).
Explicando o surgimento da revolução industrial, Robert Weaver Shirley expõe
que a industrialização surge com as formas intensivas de energia não-animal
aplicadas às técnicas de produção em massa, acrescentando:

Como todas as inovações, esta começou vagarosamente, quando as máquinas


a vapor foram aproveitadas nos grandes teares mecânicos para produzirem
tecidos de algodão numa escala nunca antes imaginada. As máquinas a
vapor, movidas a carvão, logo são aplicadas em outros setores, como o
ferroviário, nas locomotivas, o da navegação, o da produção em massa de
derivados de metal, principalmente armas, espingardas e canhões. Num
século, o mundo europeu estava transformado, e essa incrível capacidade
produtiva modificou não apenas os países industrializados, mas também
todas as outras nações do mundo. (1987, p. 73).

A revolução industrial pode ser dividida em dois períodos, sendo o primeiro


iniciado a partir do século XVIII, com a invenção do motor a vapor em 1.769, e o
segundo, em meados do século XIX, tendo a eletricidade como inovação e afetando
os meios de produção (SANTOS; CARVALHO, 2009, p. 45).
Uma primeira definição de sociedade da informação foi apresentada por Yoneji
Masuda, que a sintetiza como sendo “uma sociedade em que o peso do sistema

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414 A tutela penal dos dados empresariais na sociedade da informação no ordenamento jurídico brasileiro

econômico produtivo é cada vez mais centrado no fator informação, assim como
os sistemas sociais anteriores foram caracterizados como sociedade caçadora,
sociedade agrícola e sociedade industrial” (2000, p. 45).
Sociedade da informação é aquela cujo desenvolvimento está baseado em
dados, informação e conhecimento, ou seja, calcada em bens imateriais, marcada
pelo avanço tecnológico, passando a fornecê-los como bases da economia em geral.
Através da tecnologia, viabilizou-se o acesso à informação a um público cada vez
maior, de forma ágil e quase que instantânea. Além de reduzir distâncias entre os
interlocutores e possibilitar a troca rápida de informações, a tecnologia também
permite armazená-las e gerenciá-las, agregando-lhes um grande valor quando
devidamente tratadas.
Isso provoca a supervalorização da informação que, como mercadoria, supera
muitas vezes o próprio patrimônio físico de algumas empresas. Informações como
operações de logística e venda e características de consumidores de determinada
região, a exemplo de seus gostos, costumes e hábitos, possuem grande valor
agregado no mundo empresarial, pois permitem às empresas identificar onde e com
qual público seus empreendimentos/produtos terão mais sucesso.
Fernanda Schaefer Rivabem aponta, como atributos essenciais da sociedade da
informação, os aspectos da universalidade, globalidade, permanência, imediatidade
e imaterialidade, expondo suas características:

A Sociedade da Informação, impondo como ideal a excelência e a


infalibilidade da comunicação, vem identificada pelos seguintes atributos
essenciais: universalidade, globalidade, permanência, imediatidade e
imaterialidade. É universal porque permite amplo acesso (desde que esteja
devidamente organizada e gerenciada); é global porque não se limita a
barreiras territoriais possibilitando a convergência das mais diferentes
espécies de informação (reconhecimento de que as necessidades de
informação são cada vez mais complexas); é permanente porque permite
acesso vinte e quatro horas, garantido e incentivado pelo potencial
tecnológico; é imediata porque autoriza a comunicação de eventos assim
que acontecem; é imaterial porque tem por valor maior a informação
(matéria-prima da organização política, social e econômica). (2010, p. 135).

Entretanto, prossegue a autora supramencionada com o alerta de que a


sociedade da informação se revela como uma sociedade da classificação e do
controle, eis que “a vigilância aqui exercida não se destina a proibir comportamentos,
mas sim, coletar sistematicamente informações que possibilitem direcionamento

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Greice Patrícia Fuller – Roger da Silva Moreira Soares 415

dos hábitos de consumo por grandes empresas e o controle social por parte do
Estado” (RIVABEM, 2010, p. 135).
Identifica Roberto Senise Lisboa os principais efeitos da revolução informacional,
elencando a transnacionalização e o surgimento de blocos econômicos, e esclarece
que há um movimento socioeconômico de integração mundial e contrário ao
estabelecimento de um Estado superior, “o que leva aos inevitáveis conflitos de
interesses entre Estados e macro empresas e seus lugares de atuação”; aponta
ainda o advento do e-commerce, gerando questões sobre problemas de atribuição
de autoria de documentos eletrônicos e assinatura digital, validade de documento
original e copiado, proteção dos direitos intelectuais, proteção dos direitos de
propriedade na web, oferta e publicidade eletrônica, contratos eletrônicos e a
proteção do consumidor; a economicidade da informação; a formação de bancos
de dados; a transferência eletrônica de dados; e o estabelecimento de normas
comunitárias, “com vistas a uma uniformização do tratamento legislativo sobre a
matéria” (2006, p. 84-85).
A tecnologia, que caracteriza a sociedade da informação, é um caminho sem
volta e está cada vez mais permeada na vida em sociedade, seja na esfera pública
ou privada, seja em áreas de saúde, educação, cultura, entre outras, como expõe
Antônio Miranda:

Na sociedade da informação, a comunicação e a informação tendem a


permear as atividades e os processos de decisão nas diferentes esferas
da sociedade, incluindo a superestrutura política, os governos federal,
estaduais e municipais, a cultura e as artes, a ciência e a tecnologia, a
educação em todas as suas instâncias, a saúde, a indústria, as finanças,
o comércio e a agricultura, a proteção do meio ambiente, as associações
comunitárias, as sociedades profissionais, sindicatos, as manifestações
populares, as minorias, as religiões, os esportes, lazer, hobbyes etc. A
sociedade passa progressivamente a funcionar em rede. O fenômeno que
melhor caracteriza esse novo funcionamento em rede é a convergência
progressiva que ocorre entre produtores, intermediários e usuários em
torno a recursos, produtos e serviços de informação afins. (2000, p. 80-81).

Como esclarece Roberto Senise Lisboa, a respeito das revoluções


socioeconômicas agrícola, industrial e informacional que, os acontecimentos
históricos não são lineares, senão para os fins meramente didáticos ou de simples
elucidação, expondo que:

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416 A tutela penal dos dados empresariais na sociedade da informação no ordenamento jurídico brasileiro

A bem da verdade, são complexos, podendo o fato novo não importar


na destruição do acontecimento que se principiou antes dele, ora
influenciando-o, ou não. O fato novo pode gerar uma transformação sobre
aquilo que já existia, não necessariamente a sua supressão. Uma revolução,
portanto, nem sempre põe termo a um fato anterior. Muitas vezes o
transforma. (2006, p. 78).

E, dessa forma, os conhecimentos e as consequências de cada revolução se


perpetuam, influenciando-se e complementando-se simultaneamente.
Igualmente, não se pode sustentar a ideia de que revolução necessariamente
significa uma melhora ou somente pontos positivos, e sim que representa um
sentido de alteração socioeconômica. Isso porque, embora tenham trazido situações
que favoreceram a estruturação e as melhoras nas condições sociais, não há como
desconsiderar que a revolução agrícola evoluiu com a força do trabalho escravo e,
nos tempos atuais, propicia a concentração de grandes extensões de terras a poucos
proprietários; a revolução industrial se baseou na precarização das condições de
trabalho das famílias que vinham do campo para a cidade em busca de emprego,
decorrente da desvalorização do trabalho artesanal, além de suprimir os pequenos
comércios e produções familiares, persistindo, ainda hoje, disputas entre empregados
e empregadores, por melhoras nas condições de trabalho, maior segurança para
evitar acidentes, etc. O mesmo se diz da revolução informacional em que, por meio
da utilização e gerenciamento da informação, é possível ocorrer a violação de
direitos à intimidade e à privacidade das pessoas, entre outras formas de condutas
ilícitas (LISBOA, 2006, passim).
Outrossim, é comum serem utilizados como sinônimos termos como sociedade
da informação, sociedade do conhecimento e sociedade da comunicação, o que faz
necessário apresentar distinções conceituais sobre tais nomenclaturas.
Reavaliando o conceito de sociedade da informação, em que se enfatiza estarem
dissolvidas as fronteiras entre telecomunicações, os meios de comunicação de
massa e a informática, Irineu Francisco Barreto Junior se posiciona apresentando
como definição dessa era socioeconômica:

[...] novo paradigma tecnológico, social, cultural e comportamental


estabelecido como marco analítico para qualificar o modelo de sociedade,
resultado das transformações verificadas nas décadas recentes, provocadas
pela formatação de um cenário mundial interligado pelo aparato
tecnológico e influenciado por essa transformação nas suas mais diferentes
nuances. (2007, p. 62).

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Greice Patrícia Fuller – Roger da Silva Moreira Soares 417

Abdul Waheed Khan (apud COLPO, 2011, p. 216), subdiretor-geral da UNESCO


para Comunicação e Informação, faz uma abordagem sobre sociedade da
informação e sociedade do conhecimento, apresentando uma diferenciação entre
ambos, no sentido de que a sociedade da informação é a base para uma sociedade
do conhecimento:

A Sociedade da Informação é a pedra angular das sociedades do


conhecimento. O conceito de sociedade da informação, a meu ver, está
relacionado à ideia da inovação tecnológica, enquanto o conceito de
sociedade do conhecimento inclui uma dimensão de transformação social,
cultural, econômica, política e institucional, assim como uma perspectiva
mais pluralista e de desenvolvimento. (2011, p. 216, grifos no original).

Para Raúl Bernal-Meza e Gustavo Alberto Masera, a sociedade da informação é


uma etapa anterior à sociedade do conhecimento, “e esta última uma consequência
do surgimento do mundo BING, ou seja, uma etapa social na qual o homem dominaria
mais intensivamente os campos Biológicos, Informático, Nanotecnológico e Gno (as
ciências neurônicas)” (2007, p. 25).
Pode-se dizer que a sociedade da informação se caracteriza pela ideia de
acesso democrático, global e total à informação e ao conhecimento, através dos
meios de comunicação, equipamentos eletrônicos e avanços tecnológicos, como
internet, televisão, rádio, celulares, etc.; enquanto que a sociedade do conhecimento
possui como pontos centrais a democratização do conhecimento, a educação, o
saber, o aprender através dos meios de comunicação e equipamentos tecnológicos
caracterizados da sociedade da informação – tais como as redes sociais, em que
são permitidas interações e colaborações entre os indivíduos membros, com trocas
de ideias, opiniões, discussões de questões – ensinando e aprendendo uns com os
outros, em todas as áreas do conhecimento, desenvolvendo a capacidade de reflexão
diante da informação disponibilizada.
Clara Pereira Coutinho e Eliana Santana Lisbôa sustentam que, para se
evoluir de uma sociedade da informação para uma sociedade do conhecimento,
“é imprescindível que se estabeleçam critérios para organizar e seleccionar as
informações, e não simplesmente ser influenciado e moldado pelos constantes
fluxos informativos disponíveis” (2011, p. 10, grifo no original), influência esta em
que se traz a ideia de sociedade da comunicação.
Quanto à sociedade da comunicação, pode-se dizer que é caracterizada por
uma ramificação ou uma manifestação dentro da sociedade da informação. Tendo

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418 A tutela penal dos dados empresariais na sociedade da informação no ordenamento jurídico brasileiro

a tecnologia propiciado o trânsito de informações em quantidade e velocidade até


então inimagináveis, tendo a mídia televisiva, o rádio, as revistas e os jornais como
meios de veiculação da informação, atingindo uma grande massa populacional, não
há como se negar que a mídia ganhou força e certo controle sobre as informações
que divulga, sendo responsável por sua qualidade e conteúdo, conforme expõe
Zoraia Nunes Dutra Ferreira:

A sociedade contemporânea responde também pela alcunha de sociedade


da comunicação explicitando, assim, a importância adquirida pela
comunicação e o grau de influência desta no contexto das relações sociais.
Parte integrante de todas as sociedades desde as mais remotas épocas,
a comunicação sempre teve papel de importância na vida social, porém,
com o processo de desenvolvimento da mídia de massa essa importância
vem se tornando cada vez maior, chegando a ponto de não mais se poder
imaginar a vida sem ela. Um dos motivos para isso reside no fato de que “a
produção e circulação das mensagens na sociedade atual é extremamente
dependente das atividades das indústrias da mídia” (ALEXANDRE, 2001, p.
5), sendo que “a imprensa e a televisão são a principal fonte de informação
para expressiva camada da população”. (2010, p. 3, grifos no original).

Os meios de comunicação facilitam o fluxo de informações. Entretanto, a


ausência de qualidade da informação vinculada pode gerar a incomunicação, como
expõe Antônio Fausto Neto – citado por Zoraia Nunes Dutra Ferreira – para o qual
esta se apresenta não como um problema de carência ou excesso de informação,
e sim “no posicionamento desigual daqueles que podem anunciar e dos que
apenas são convocados a entender certos tipos de mensagens elaboradas pelos
que produzem, regem e mantém as relações assimétricas” (FAUSTO NETO apud
FERREIRA, 2010, p. 9, grifos no original).
Na sociedade da comunicação é possível identificar, com frequência, uma defesa
da mentira – com violação ao princípio ético da verdade, com a divulgação de notícias
sensacionalistas sem, muitas vezes, checar a fonte da informação –, e a possibilidade
de alterar, suprimir e mudar a realidade através do discurso, da mentira e do sofisma
se tornou uma tentação (MANSUR; ANDRADE, 2013, p. 72).
Greice Patrícia Fuller aponta um importante fato quanto à atuação da mídia
na chamada sociedade da comunicação, qual seja a violação por parte daquela
ao direito à informação qualificada, sendo possível desenvolver, inclusive, uma
responsabilização criminal por atos de uma mídia irresponsável.

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Greice Patrícia Fuller – Roger da Silva Moreira Soares 419

Nota-se que os comportamentos da mídia, se abusivos, podem gerar,


indiscutivelmente, violações aos direitos à informação qualificada,
caracterizadoras da chamada violência simbólica geradora da propagação
desenfreada de supostas práticas delitivas na rede social; da dilapidação
conceitual e pragmática dos princípios da solidariedade; da tolerância;
da dignidade da pessoa humana e do enaltecimento ao discurso do ódio.
A violência midiática é capaz de causar a geração de uma multidão sem
rosto e sem valores; sem reflexão e sem freios que prescreve a imposição
compulsória de sanções sociais que geram a morte social da pessoa
humana e a desvalorização ao princípio do estado de inocência. (2014, p.
134, grifos no original)

Assim, pode-se veicular a ideia de que, na sociedade da comunicação, o ponto


fulcral é o poder da mídia na veiculação da informação e, assim, influenciar como
forma de poder, através do que informar e do como informar, o que também permite
propagar a informação sem qualidade, manifestando um poder de persuasão,
podendo gerar desinformação.

3 Definição de dados, informação, conhecimento e o direito de propriedade


sobre a informação

Dentro do tema sociedade da informação, para sua melhor compreensão se


faz necessário desenvolver os conceitos de dados, informação e conhecimento, que
muitas vezes são utilizados como sinônimos.
Apresenta-se a definição de José Eustáquio de Sene sobre dados:

[...] elementos qualitativos e quantitativos da realidade, podem ser


acumulados e, portanto, remetem à ideia de banco. São os elementos mais
disseminados na realidade, mas isoladamente não têm interesse. De fato,
são as pessoas que manifestam interesse por determinados dados, são
elas que lhes atribuem significado, produzindo informação a partir deles.
Noutras palavras, é o sujeito que produz a informação a partir do dado. É
a pergunta apropriada para o dado que permite a extração da informação
pretendida. (2008, p. 4).

Assim, dados se limitam a simples conjuntos de dígitos ou letras sem qualquer


significado a princípio, nada podendo ser extraído deles quando se apresentam de
forma isolada, não contendo nenhum significado intrínseco. Trata-se de um elemento
da informação, sua matéria prima. É a informação não tratada, uma sucessão de fatos
brutos, que não foram organizados, processados, avaliados ou interpretados. Como

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420 A tutela penal dos dados empresariais na sociedade da informação no ordenamento jurídico brasileiro

exemplo, pode-se dizer que um texto, uma imagem, alguns sons e até mesmo os
itens de uma pesquisa eleitoral são dados, se observados isoladamente.
Adalberto Simão Filho e Germano André Doederlein Schwartz apresentam uma
classificação em relação aos dados pessoais, públicos e dados privados, bem como
dados considerados sensíveis:

São considerados como dados públicos os dados pessoais que são


conhecidos por um elevado número de pessoas sem que o titular possa
saber a fonte nem possa impedir a sua difusão, sendo a consciência social
favorável a sua difusão. São dados privados aqueles dados pessoais que
são cedidos com o consentimento de seu titular, sendo a consciência social
favorável a sua privacidade.

No âmbito dos dados pessoais, há os dados considerados sensíveis


consistentes de um conjunto de informações pessoais que são
particularmente propensas a causar discriminação ou estigmatização
ao seu titular, quando forem objeto de tratamento sem autorização, tais
como informações que revelem a origem racial ou étnica do titular, as suas
convicções religiosas, filosóficas ou morais. (2016, p. 4).

Sustentam, ainda, esses doutrinadores, quanto aos dados que transitam pela
internet, uma classificação de dados em estruturados – aqueles objetivamente
coletados e dirigidos, formando um banco de dados específicos – e em dados não
estruturados, estes sendo um conjunto de informações, truncadas ou não, decorrentes
da captação autorizada ou não dos rastros digitais deixados pelos usuários na
internet ou em outro meio digital, por meio de cookies ou outras formas tecnológicas
(SIMÃO FILHO; SCHWARTZ, 2016, p. 10).
A informação seria os dados analisados, processados, sendo o resultado de um
gerenciamento de dados capaz de transmitir ao receptor uma ideia, exigindo-se
uma comunicação com um entendimento para aquele que tem acesso à informação.
Um texto em língua estrangeira para um leitor que desconhece o idioma não
lhe transmite qualquer informação, devido ao fato de a comunicação não estar
aperfeiçoada. A informação deve transmitir significado para que, com base nele,
possa-se tomar decisões ou realizar afirmações e, na gestão da informação em
corporações, a informação se refere, segundo Kira Tarapanoff,

[...] a todos os tipos de informação de valor, tanto de origem interna quanto


externa à organização. Inclui recursos que se originam na produção de
dados, tais como de registros e arquivos, que vêm da gestão de pessoal,

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Greice Patrícia Fuller – Roger da Silva Moreira Soares 421

pesquisa de mercado, da observação e análise utilizando os princípios da


inteligência competitiva, de uma vasta gama de fontes. (2006, p. 23).

Quanto à conceituação de conhecimento, José Eustaquio de Sene propõe, baseado


nas definições de Manuel Castells, Daniel Bell e Philippe Perrenoud, a conclusão de que
“não é apenas a produção científica, gerada de acordo com os cânones acadêmicos, mas
também o conhecimento tácito, senso comum, intuitivo e as experiências individuais
e coletivas que movem as pessoas em seu dia-a-dia” (2008, p. 3), e acrescenta, citando
Nilton José Machado e José Antonio Marina, que conhecimento

[...] remete à ideia de teoria, de compreensão. Para atingi-lo, “é fundamental


a capacidade de estabelecer conexões entre elementos informacionais
aparentemente desconexos, processar informações, analisá-las, relacioná-
las, armazená-las, avaliá-las segundo critérios de relevância, organizá-las
em sistemas”. Realmente, como propõe o filósofo espanhol Antonio Marina,
“conhecer é compreender, quer dizer, apreender o novo com o já conhecido”.
Noutras palavras, para que haja a produção do conhecimento científico, é
necessário inserir as informações num arcabouço teórico que permita a
compreensão da realidade. (2008, p. 3).

Kira Tarapanoff esclarece que o contexto atual que se impõe às corporações é o


da sociedade da informação e do conhecimento, o que traz consigo uma nova forma
de administrar, cujos principais ativos “são a informação e o conhecimento, que,
acessados, compartilhados e trabalhados, geram o conhecimento novo, a inovação e
a inteligência corporativa” (2006, p. 9).
Pode-se perceber que há uma diferença entre os três termos, porém eles
são complementares e diretamente ligados. E pode-se afirmar que, com os dados
devidamente tratados, gerando a informação, é possível que uma empresa conheça
melhor seus consumidores e o mercado em que atua. Acrescenta Kira Tarapanoff
que “em uma organização, informação, conhecimento e inteligência estão presentes
nos seus processos de gestão, que alimentam o processo de tomada de decisão e o
planejamento estratégico” (2006, p. 30).
Observando a informação e os bancos de dados como patrimônio econômico
de uma determinada empresa, oportuna se demonstra a análise feita por Adalberto
Simão Filho e Germano André Doederlein Schwartz, que trazem a conceituação
de Big Data, explicando que não se trata somente de tecnologia de captura de
dados, mas também “o crescimento, a disponibilidade e o uso exponencial de
informações estruturadas e não estruturadas que caminham pela internet no
âmbito da liberdade de expressão”, explanando que, devido a um grande acúmulo

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422 A tutela penal dos dados empresariais na sociedade da informação no ordenamento jurídico brasileiro

de informações que transitam pela internet e são captados/capturados por


potentes sistemas de processamento de informações, é possível que, em tese,
ocorram práticas passíveis de violações de direitos à intimidade e à privacidade
no meio ambiente digital (2016, p. 10).
Prosseguem os referidos doutrinadores, ao apresentar uma observação
empírica, dentro da sociedade da informação, de uma revolução digital dos negócios
baseados em dados, em que determinadas informações inseridas numa base digital
auferem um valor econômico inimaginável, dependendo da forma de organização,
administração e gerenciamento, podendo otimizar os lucros, mas, em contrapartida,
ser fator de violação de direitos à intimidade e à privacidade do usuário:

O sistema de processamento destes dados e informações que trafegam


em internet, onde se incluem dados sensíveis, públicos, sigilosos ou de
qualquer outra natureza, por meio de ferramentas tecnológicas no modelo
Big Data, acaba por gerar o tratamento e seleção de um volume maciço
destes dados, que são utilizados em áreas das mais diversas, gerando
um mundo onde a característica maior é a otimização ao infinito do
processo de captação e prospecção de clientela e de vigilância contínua
em desprestígio à privacidade e intimidade do usuário. (SIMÃO FILHO;
SCHWARTZ, 2016, p. 23).

Dessa forma, é possível definir os dados, informações e conhecimento como


elementos integrantes da sociedade da informação, além de ser possível atribuir
valor econômico a determinados tipos de dados e informações, principalmente
em relação às atividades econômicas e empresariais que influenciam negociações
entre empresas de todos os portes e entre empresa e consumidor, agregando um
considerável valor econômico a tais bens imateriais.
O aspecto econômico da informação revela a sua potencial qualidade como
mercadoria, integrando o patrimônio do seu titular e sendo assim passível de
valoração e merecedora de proteção do ordenamento jurídico. Nesse aspecto, é
importante destacar a análise de Manuel Castells sobre as características dessa
nova ordem:

Uma nova economia surgiu em escala global no último quartel do século


XX. Chamo-a de informacional, global e em rede para identificar suas
características fundamentais e diferenciadas e enfatizar sua interligação. É
informacional porque a produtividade e a competitividade de unidades ou
agentes nessa economia (sejam empresas, regiões ou nações) dependem
basicamente de sua capacidade de gerar, processar e aplicar de forma
eficiente a informação baseada em conhecimentos. É global porque as

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principais atividades produtivas, o consumo e a circulação, assim como seus


componentes (capital, trabalho, matéria-prima, administração, informação,
tecnologia e mercados) estão organizados em escala global, diretamente ou
mediante uma rede de conexões entre agentes econômicos. É rede porque,
nas novas condições históricas, a produtividade é gerada, e a concorrência
é feita em uma rede global de interação entre redes empresariais. Essa
nova economia surgiu no último quartel do século XX porque a revolução
da tecnologia da informação forneceu base material indispensável para
sua criação. (2016, p. 136).

De acordo com o desenvolvido acima, os dados e as informações devidamente


tratadas e gerenciadas tornam-se patrimônio de alto valor agregado para entidades
empresariais, podendo representar até mesmo o seu mais valioso patrimônio,
superando bens materiais tradicionais como imóveis e maquinário.
Assim, o direito fundamental de propriedade também incide sobre informações
empresariais, ou seja, sobre informações concorrencialmente sensíveis, nomenclatura
comumente utilizada pelo Conselho Administrativo de Defesa do Consumidor –
Cade, conforme disposto no Regimento interno do Cade, Art. 147, § 2o (BRASIL, 2018).
Marcelo Guerra Martins expõe que a internet consolidou a sociedade da informação,
caracterizando-a como um período histórico em que a criação, o processamento, o
armazenamento e a difusão das informações e do conhecimento protagonizaram os
contornos socioeconômicos de diversos povos, esclarecendo que os bens imateriais,
em algumas hipóteses, ultrapassam o valor econômico dos bens materiais:

Não que os bens materiais tenham perdido importância no mundo


atual, mas é fato que os segredos industriais, as patentes, as técnicas
de processamento e produção, os resultados de pesquisas, etc., isso é, o
conhecimento como um todo, possui valor econômico que provavelmente
suplanta a soma dos bens materiais produzidos pelos diversos segmentos
sociais. (2015, p. 86).

Tal posicionamento não difere do apresentado por Roberto Senise Lisboa,


quando leciona que o capital intelectual se constitui em um dos principais fatores
do mundo negocial da atualidade, acrescentando ainda que ativos tangíveis das
organizações – dinheiro, terrenos e prédios, instalações, equipamentos e outros
itens do balanço patrimonial – são muito menos valiosos que os ativos intangíveis
– patentes, direitos autorais e bens da era da informação, como bancos de dados e
softwares (2006, p. 91-92).

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424 A tutela penal dos dados empresariais na sociedade da informação no ordenamento jurídico brasileiro

A revolução informacional proporcionou mudanças no comportamento


empresarial, principalmente quanto à valoração do seu patrimônio. O patrimônio
convencional das empresas não desaparecerá – capital físico e financeiro –, mas é
indiscutível que a gestão do conhecimento cada vez mais vem ganhando relevância
no mundo corporativo.
Peter Burke apresenta o fator de produção e venda de informações como
caracterizadores da sociedade da informação, situação essa que contribui
consideravelmente para as economias mais desenvolvidas, acrescentando, ainda, que:

Alguns economistas norte-americanos já tinham chegado a essa conclusão


há algum tempo. Na década de 1960, um deles argumentava que seus colegas
tinham negligenciado os aspectos mercantis do conhecimento e descrevia as
máquinas como conhecimento congelado, sugerindo que o desenvolvimento
econômico era essencialmente um processo de conhecimento. Quase ao
mesmo tempo, outro economista publicava um estudo em forma de livro
sobre o conhecimento como produto, considerando seus estoques, custos
e preços. Em época mais recente, ocorre uma inundação de livros e artigos
sobre a indústria da informação: o marketing da informação, os serviços de
informação e a administração da informação. (2003, p. 136, grifos no original).

Assim, a informação – a exemplo de dados sobre custos, logística, armazenamento


em estoques e meios de produção passíveis de valoração, utilizados para estratégia
em atividades econômicas e negociações empresariais – demonstra-se apta a gerar
riqueza, ocorrendo a monetização dos dados, conforme exposição de Adalberto
Simão Filho e Germano André Doederlein Schwartz:

O princípio da monetização de dados não considera se estes são


provenientes de bancos de dados generalistas ou se são dados pessoais
e sensíveis. O objetivo maior daqueles que se especializam da prospecção
de dados com vistas à formação de valor econômico é exatamente a
transformação e o enriquecimento da capacidade de monetização destes
dados, voltando a empacotá-los de forma tal que os mesmos possam se
consolidar em um ativo imaterial que atenda às soluções idealizadas pelo
cliente para o uso do meio digital específico. (2016, p. 9).

Com o auxílio do computador e dos demais meios tecnológicos, a informação


transformou-se em mercadoria, apresentando-se como uma nova matéria-prima,
pertencente ao gênero especial dos bens imateriais, podendo ser guardada, manipulada
como um objeto, cedida ou até subtraída ilicitamente (PAESANI, 2015, p. 10).
E o valor da informação justifica-se pela exposição de Roberto Senise Lisboa,
para quem a economia do conhecimento se sustenta em 3 (três) pilares, quais sejam,

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(i) o conhecimento impregna tudo o que se compra, se vende ou se produz; (ii)


os ativos do conhecimento passaram a ser mais importantes para as empresas do
que os ativos financeiros e físicos; e (iii) prosperar na nova economia e explorar
esses novos ativos significa a maior utilização de novas técnicas de gestão, novas
tecnologias e novas estratégias (2006, p. 86).
Informações de gestão empresarial são implantadas mediante investimentos
em estudos técnicos, realizados por administradores, engenheiros, economistas,
o que agrega valor econômico a tais dados. Por essa razão, integra o patrimônio
empresarial daquela determinada empresa, o que atrai a proteção legal atribuída
ao direito de propriedade, pois, se assim não fosse, bastaria que uma empresa
investisse em estudos de logística e gestão em geral e, se obtivesse sucesso, outras
empresas simplesmente copiariam todo o processo para alcançar o mesmo resultado,
descartando o risco que a empresa pioneira teve em investir e não conseguir os
resultados pretendidos.
A informação gerenciada apresenta-se como importante insumo na logística
empresarial, otimizando a atividade econômica, melhorando a operacionalização,
reduzindo custos e turbinando os lucros, ou seja, a economicidade da informação será
observada quando for capaz de gerar lucros ou proporcionar vantagens competitivas
para as empresas se diferenciarem dos seus concorrentes.
Adalberto Simão Filho e Germano André Doederlein Schwartz (2016, p. 9)
acrescentam que, a exemplo do que ocorre com o direito de autor, ao titular de uma base
eletrônica de dados é concedido o direito de propriedade intelectual, independente do
registro para fins de sua condição de validade, por constituir um elemento imaterial
que possibilita ganhos por exploração financeira, afinal, “na sociedade da informação,
os ativos do conhecimento determinam o sucesso ou o fracasso da organização e
prevalecem sobre os ativos físicos e financeiros” (LISBOA, 2006, p. 90-91).
Sendo um bem, ao seu titular deve ser atribuída a sua propriedade, podendo
dela dispor, usufruir e, principalmente, negar acesso a terceiros. Assim, os dados
e informações de gestão empresarial, como sua logística de distribuição,
armazenamento em estoques e transportes, formam uma gama de procedimentos
inerentes à sua administração empresarial e que possuem valor econômico.
Como visto, os dados empresariais ostentam a característica de patrimônio,
com a proteção do direito de propriedade, sendo oportuna a exposição de Vicente
Bagnoli, ao explicar o princípio da propriedade privada estabelecido no artigo 5o
inciso XXII, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que o apresenta como uma

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426 A tutela penal dos dados empresariais na sociedade da informação no ordenamento jurídico brasileiro

garantia individual e como princípio da ordem econômica, pressuposto da liberdade


de iniciativa, expondo que, como princípio típico das economias capitalistas,
apresenta a segurança jurídica necessária para os agentes econômicos atuarem nos
mercados (2013, p. 79).
É certo afirmar que determinados atos empresariais devem ser públicos, como
o contrato social e suas respectivas alterações, para que se torne de conhecimento
de todos. Entretanto, outros atos podem e devem ficar restritos e distantes do
conhecimento de terceiros, que não poderão se imiscuir nas operações da pessoa
jurídica para desvendar todos os seus segredos empresariais e operacionais.
O domínio de informações sensíveis da outra parte em uma negociação mercantil,
sem que ao outro seja assegurada a mesma quantidade e qualidade de informações,
apresenta um desequilíbrio na contratação, considerada como uma falha de mercado,
denominada assimetria da informação. Segundo as palavras dos economistas George
Akerlof, Michael Spence e Joseph Stiglitz, expostas por Roberto Vilmar Satur:

A assimetria é entendida como algo de que alguém dispõe, e outro, não.


Com isso se consegue vantagem pelo seu uso exclusivo. A assimetria da
informação é algo muito natural no mercado concorrencial, por exemplo, com
os chamados segredos industriais, mas que pode ser muito perverso quando
envolve relações que exigem confiança (vendedor e comprador). (2015, p. 5).

A proteção dos dados, sejam eles referentes a pessoas físicas ou jurídicas,


desde que não sejam públicos, encontra amparo legal no direito constitucional
de privacidade, conforme sustentam Adalberto Simão Filho e Germano André
Doederlein Schwartz:

Dentre os direitos da personalidade com tratamento e proteção


constitucional e infra constitucional, situa-se o direito a vida privada, como
previsto no Art. 5o, inciso X da Constituição Federal Brasileira de forma
extensiva às pessoas jurídicas haja vista a ausência de definição do tipo de
pessoa que poderia se utilizar desta proteção. (2016, p. 14).

Entretanto, dúvidas surgem quanto ao aspecto jurídico-penal da proteção dos


dados empresariais, visto que a norma penal é regida pelo princípio da tipicidade; ou
seja, para caracterização do ilícito penal, necessária se faz a existência na conduta
do agente de todos os elementos caracterizadores do tipo, o que, em tese, tornou
dificultosa a criminalização de algumas condutas, como se verá adiante.

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4 Aspecto jurídico-penal da proteção de dados informáticos no Direito pátrio


A Internet, aliada a outros meios tecnológicos, possibilita a captura dos mais
diversos dados que trafegam pela rede, bem como os dados constantes de dispositivo
de computador podem ser facilmente copiados, furtados, destruídos, corrompidos,
entre outros males que possam ocasionar sua extinção.
Como visto anteriormente, a informação passou a ostentar status de bem
imaterial no mundo corporativo, influenciando fortemente as decisões empresariais
nos mais diversos ramos econômicos de atuação.
Embora pelo aspecto jurídico-cível seja possível afirmar a possibilidade de
proteção de dados informáticos, empresariais ou não, a mesma proteção legal sobre
a informação não se sustenta quando a análise é feita sob a ótica dos princípios
e regras jurídico-penais. É certo que os dados e a informação possuem previsão
protetiva penal, mas não de forma ampla, não tendo a legislação brasileira
acompanhado a evolução tecnológica e a necessária adequação do tipo penal às
diversas formas de danos passíveis de serem causados por condutas realizadas
através dos meios tecnológicos, conforme leciona Lima:

A tecnologia muda o homem e muda o direito, não exatamente no mesmo


compasso, provocando muitas vezes surpresa e perplexidade aos feitores
e mantedores do direito. Não é exagero afirmar que se aproxima também
uma nova revolução jurídica, trazendo, como conseqüência, a problemática
relativa à criação ou readaptação do ordenamento penal para a proteção
desses novos bens jurídicos informáticos e de outros de igual ou maior
relevância, que venham a ser atingidos criminosamente por meio de
computadores e por intermédio da world wide web. (2006, p. 3-4).

Como ponto paradigmático, parte-se de situação hipotética de que determinado


sujeito, utilizando a Internet e equipamento informático (computador, smartphone,
pen drive, etc.), obtenha para si cópia de dados sigilosos, mas sem fazer uso dos
referidos dados.
À guisa de comparação, sobre o tema é possível citar a tipificação da mencionada
conduta na legislação espanhola, conforme o art. 197 no 2 (tutela da liberdade
informática) que se encontra no capítulo primeiro intitulado da descoberta e revelação
de segredos, cuja descrição assevera que

se imporão as penas de prisão de um a quatro anos e multa de doze a vinte


e quatro meses àquele que sem estar autorizado, se apodere, utilize ou
modifique, em prejuízo de terceiro, de dados reservados de caráter pessoal

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428 A tutela penal dos dados empresariais na sociedade da informação no ordenamento jurídico brasileiro

ou familiar de outro que se encontrem registrados em arquivos ou suportes


informáticos, eletrônicos ou telemáticos, ou em qualquer outro tipo de
arquivo ou registro público ou privado. (ESPANHA, 1995).

Assim, pela legislação acima estabelecida, há a tipificação pela obtenção de


cópia caracterizada pelo verbo apoderamento em um registro privado (autorização
do titular dos dados pessoais) com a finalidade de descobrir ou vulnerar a intimidade
do outro (CONSEJO GENERAL DEL PODER JUDICIAL, 2002, p. 52-54).
Entretanto, no que tange à análise do sentido e do alcance da legislação penal
pátria, a invasão de dispositivo informático que não tenha mecanismo de segurança
com o fim de obter para si cópia de dados sigilosos, mas sem fazer uso dos referidos
dados, conduz à conclusão de conduta típica.
Iniciando-se a análise a partir da legislação penal sobre proteção de dados, cita-
se a Lei no 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula direitos e obrigações relativos
à propriedade industrial, e que em seu artigo 195 tipifica o crime de concorrência
desleal, sendo que, ao que interessa ao presente trabalho, cita-se o caput e os incisos
XI, XII e XIV, que estabelecem:

Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos,


informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou
prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público
ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante
relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;

XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou


informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou
a que teve acesso mediante fraude; ou

XIV - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de resultados de testes ou


outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável e
que tenham sido apresentados a entidades governamentais como condição
para aprovar a comercialização de produtos. (BRASIL, 1996, art. 195).

Como se observa, o crime de concorrência desleal visa combater a assimetria


da informação no âmbito empresarial, quando a aquisição da informação pelo
concorrente for realizada de forma ilícita. Entretanto, os tipos penais previstos não
alcançam a completude das práticas penais possíveis de serem praticadas no mundo
da sociedade da informação. Asseverando e comprovando-se o que se ressalta, é

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de observar-se a não criminalização da conduta de simplesmente obter cópia de


informações empresariais não autorizadas.
Os incisos supracitados estabelecem as ações de divulgar, explorar e utilizar
conhecimentos, informações e dados, nada mencionando ou estabelecendo
quanto à ação de simplesmente copiar, obtendo para si. O tipo penal exige um agir
posterior ao ato de obter os dados, mesmo que esta obtenção tenha ocorrido sem
autorização do seu titular.
Frise-se que para se divulgar, explorar ou utilizar conhecimentos, informações
e dados – condutas tipificadas como crime de concorrência desleal –, inicialmente
se faz necessário obter esses conhecimentos, informações e dados, mas a simples
conduta de obtê-los não possui tipificação como crime de concorrência desleal.
A Lei no 12.737, de 30 de novembro de 2012 (denominada Lei Carolina Dieckmann),
acresceu os artigos 154-A e 154-B ao Código Penal, que prevê um novo tipo penal
e seu regramento processual. O tipo penal estabelecido, e ao que interessa ao
presente artigo (caput) prevê:

Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à


rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de
segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações
sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar
vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. (BRASIL, 2012).

A figura delitiva em questão apresenta o verbo invadir, o que poderia, a


princípio, estabelecer a possibilidade de subsunção à situação hipotética acima
estabelecida. Nesse sentido, o verbo invadir pressupõe ingressar, penetrar ou violar
sem autorização, sem permissão (WENDT, 2017, p. 70).
Ocorre que o tipo em questão apresenta ao menos quatro importantes
elementares, quais sejam: dispositivo informático; rede de computadores; dados ou
informações e mecanismo de segurança.
No que se refere ao mecanismo de segurança, faz-se mister compreender o seu
sentido e alcance em face do contexto da descrição típica legal. Segundo Spencer
Toth Sydow, o mecanismo de segurança deve prover autenticidade no acesso ao
dispositivo, como senhas, tokens, cartões de numeração, criptografia, esteganografia,
impressão palmar, leitura de íris (2013, p. 293). Complementando a ideia sobre o
assunto, Wanderlei José dos Reis ainda assinala como formas do citado mecanismo
a assinatura digital e a chave de segurança (2014, p. 5987). Contudo, ainda caberia

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430 A tutela penal dos dados empresariais na sociedade da informação no ordenamento jurídico brasileiro

a dúvida sobre diversos outros sistemas de segurança para impedir o acesso direto,
como antivírus, firewall e outros.
Mais uma vez, os elementos do tipo penal restringem condutas de violação
de dados. O dispositivo estabelece, de plano, a necessidade de existência de
mecanismo de segurança a ser violado. Ou seja, o tipo penal transfere para a
vítima a obrigatoriedade de instalar um dispositivo de segurança, como se fosse
responsabilidade sua a conduta tomada pelo agente violador do seu dispositivo
informático, mesmo que o agente aja sem sua autorização e sem o conhecimento
do titular dos dados.
Outrossim, apesar do tipo penal prever a conduta obter, o que abrange copiar,
obter uma via para si, o dispositivo legal estabelece mais uma condição para que o
agir seja tido como crime, ou seja, para que toda a ação do agente seja caracterizada
como crime, qual seja, que o agente tenha a finalidade de obter vantagem ilícita.
Assim, não bastaria simplesmente copiar dados sigilosos sem o conhecimento
ou autorização do seu titular, mas se faz necessário que: a) exista dispositivo de
segurança a ser violado; b) exista a finalidade de obter vantagem com o atuar do
agente; e c) essa vantagem seja ilícita.
Seria possível cogitar a tipificação pelo crime de furto, de acordo com o artigo
155 do Código Penal?
Como desenvolvido neste trabalho, determinados dados e informações
ostentam valor econômico, o que lhes atribui natureza de bem, podendo ser objeto
de subtração. Entretanto, o tipo definido exige a ação subtrair que, por sua vez,
entende-se retirar da esfera de proteção e disponibilidade do titular, coisa alheia
móvel, conforme extrai-se da lição de Guilherme de Souza Nucci:

[...] o furto está consumado tão logo a coisa subtraída saia da esfera
de proteção e disponibilidade da vítima, ingressando na do agente. É
imprescindível, por tratar-se de crime material (aquele que se consuma
com o resultado naturalístico), que o bem seja tomado do ofendido,
estando, ainda que por breve tempo, em posse mansa e tranquila do
agente (2012, p. 763-764).

O ato de simplesmente obter cópia, sem retirar da esfera do titular do direito,


não permite a tipificação da conduta como crime, por não estarem presentes todos
os elementos do tipo penal. Embora possa se cogitar que o agente tenha obtido para
si cópia de determinados dados e a tenha de forma mansa e pacífica, o tipo penal

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previsto no artigo 155 do Código Penal exige que a vítima não esteja de posse do
bem subtraído, no caso, os dados copiados.
Por ser pertinente ao tema, é importante citar ementa do acórdão exarado no
processo no 0291040-55.2012.8.21.7000, de relatoria da desembargadora Naele
Ochoa Piazzeta, integrante da 7a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul que, ao julgar caso onde a ré teria copiado para si dados
empresariais do seu antigo empregador, reformou a sentença condenatória de 1o
grau, afastando o tipo penal furto:

APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO QUALIFICADO


PELO ABUSO DE CONFIANÇA. CÓPIA DE ARQUIVOS E DOCUMENTOS
INFORMÁTICOS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO.

Tanto a narrativa contida na denúncia como os substratos probatórios


colacionados aos autos revelam que a ré copiou, para si, possivelmente
infringindo contrato firmado perante sua empregadora, arquivos e
documentos informáticos gravados em disco rígido de computador – conduta
atípica e que não se subsume àquela abstratamente prevista no artigo 155
do CP. Precedentes doutrinários de que o verbo nuclear previsto no tipo
– subtrair – pressupõe o apoderamento da coisa móvel alheia mediante
apreensão e ulterior remoção do local onde se encontrava, exigindo-se,
para a consumação do ilícito, que a res seja inclusive transportada para
lugar onde a vítima não mais possa, ainda que precariamente, realizar
vigilância sobre a mesma. Inviabilidade de se considerar que a acusada,
copiando, para si, dados e arquivos informáticos, tenha tirado os mesmos
da esfera de disponibilidade ou custódia da empresa ofendida, visto que
simplesmente duplicou e gravou os mesmos em dispositivo do tipo USB,
permanecendo a informação originária acessível à respectiva detentora de
seus direitos autorais. Ausência de animus furandi ou rem sibi habendi que
impõe, nesse contexto, considerar atípica a conduta noticiada, razão do
acolhimento do pleito absolutório nos termos do artigo 386, inciso III, do
Estatuto Penal Adjetivo.

APELAÇÃO DEFENSIVA PROVIDA. APELO MINISTERIAL DESACOLHIDO.


(BRASIL, 2014a)

Cita-se, ainda, julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região (Rio


Grande do Sul), processo no 0000295-37.2011.5.04.0027, 10a Turma, relator João
Paulo Lucena, que, julgando pedido formulado pelo empregador através de uma
reconvenção, condenou o ex-empregado a indenizar o ex-empregador pelos danos
morais causados em decorrência do crime de furto eletrônico de dados.

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432 A tutela penal dos dados empresariais na sociedade da informação no ordenamento jurídico brasileiro

RECONVENÇÃO. DANO MORAL À PESSOA JURÍDICA. APROPRIAÇÃO


INDEVIDA DE CORRESPONDÊNCIA ELETRÔNICA E FURTO DE INFORMAÇÕES
SIGILOSAS DE PROPRIEDADE DO EMPREGADOR. INDENIZAÇÃO DEVIDA
PELO EMPREGADO. Demonstrada a ocorrência de apropriação de
informação confidencial pelo empregado, sem a devida autorização do
empregador, está configurado o crime de furto eletrônico ou cibernético,
sendo devida a indenização por dano moral à empresa em face da violação
de seu direito de manter em sigilo dados estratégicos restritos à corporação.
(BRASIL, 2014b).

O julgado acima, apesar de ser proferido na esfera trabalhista e analisar a


responsabilidade daquele que, de forma indevida, teve acesso a dados empresariais,
menciona nos fundamentos de decidir a ocorrência do crime de furto eletrônico, sem
tipificar o delito no ordenamento jurídico penal e sem adentrar ao aspecto da retirada
da posse do ex-empregador dos dados empresariais, nada mencionando sobre a
simples cópia de dados para uso pessoal, o que afasta, do referido julgado, uma
análise técnica jurídico-penal do conceito de crime de furto e, consequentemente,
do conceito de crime de furto eletrônico.
Como leciona Castro, a ausência de norma específica leva à aplicação da
legislação até então existente que, no campo do direito penal, pode acarretar na
ausência da proteção legal por falta de tipicidade.

Face à ausência de norma específica, impõe-se a aplicação da legislação


existente, ou seja, o CP e as leis especiais. Alguns fatos, porém, não se
enquadram perfeitamente nos tipos penais em vigor, o que provoca a
atipicidade e consequentemente a impunidade. (2003, p. 15).

Pelo princípio da legalidade, previstos no artigo 1o do Código Penal e inciso II do


artigo 5o da Constituição Federal, não há como admitir crime sem lei anterior que o
defina, nem pena sem a prévia cominação legal, e, assim, se o tipo penal estabelece
elementos para sua caracterização, não há como aceitar uma interpretação por
analogia in malam partem, a fim de se obter a aplicação da lei penal. Logo, embora
a informação, na atual era socioeconômica, seja o principal fator de geração de
riquezas, a sua proteção jurídico-penal carece de um respaldo pleno, pois ainda não
tipifica como crime o simples ato de obter cópia de dados armazenados em meios
informáticos, mesmo que a cópia de tais dados tenha sido feita sem o conhecimento
e o consentimento do titular dos dados.

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Greice Patrícia Fuller – Roger da Silva Moreira Soares 433

5 Conclusão
Como apresentado no presente trabalho, a era socioeconômica atual possui
como principal fator gerador de riqueza a informação que, devidamente administrada
e gerenciada, é capaz de influenciar as atividades empresariais em todos os ramos
de atuação negocial.
A informação, aliada à tecnologia, influencia não só as atividades empresariais,
mas toda a vida em sociedade, a exemplo da explanação sobre a sociedade da
comunicação, em que a mídia, detentora de um poder de informar, pode selecionar
o que, como e quando informar, de acordo com seus interesses.
Pode-se observar que a informação, como um bem imaterial e que possui valor
econômico, possui tratamento e proteção legal quanto ao seu aspecto jurídico-cível,
resolvendo-se as demandas em indenizações por perdas e danos. Entretanto, quanto
ao aspecto jurídico-penal, há de afirmar-se que a legislação até então existente
não logrou êxito em prever, como tipos penais, todas as condutas possíveis de
serem praticadas diante do avanço tecnológico, estando os dados e informações,
principalmente de âmbito empresarial, vulneráveis e passíveis de serem objeto de
violação, sem que exista legislação penal sobre o tema.
Tanto o Código Penal, ao tipificar a conduta de furto, em seu artigo 155, quanto
a Lei Carolina Dieckmann, que acrescentou o artigo 154-A ao Código Penal, limitam
a aplicação da legislação criminal, tendo em vista a necessidade de se observarem
todos os elementos do tipo penal, enquanto que o artigo 195 da Lei no 9.279, de 14
de maio de 1996, ao prever o crime de concorrência desleal, não criminaliza o ato
de simplesmente obter para si cópia de dados empresariais sigilosos (BRASIL, 1996).
É certo que a sociedade apresenta um desenvolvimento tecnológico em ritmo
acelerado, que influencia diretamente as relações jurídicas, cabendo à legislação e
ao Direito oferecer as respostas necessárias às demandas que se apresentam, sob
pena de, não o fazendo, estar descumprindo seu objetivo principal, qual seja, a paz
social por meio da segurança jurídica.
E, assim, pode-se concluir que existem condutas de agentes que, a princípio,
poderiam gerar danos à privacidade e ao direito de propriedade de terceiros, sem
que exista tipo penal específico e aplicável ao agir em questão.

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434 A tutela penal dos dados empresariais na sociedade da informação no ordenamento jurídico brasileiro

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439

Tipicidade dos Direitos Reais

Bruno Dantas
Pós-Doutorado (UERJ). Doutor e Mestre em Direito (PUC-SP). Pesquisador
Visitante na Benjamin N. Cardozo School of Law (Estados Unidos da América) e
no Max Planck Institute for Regulatory Procedural Law (Luxemburgo). Professor
da Pós-Graduação em Direito (IDP).

Artigo recebido em 17/8/2018 e aprovado em 19/9/2018.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 As ideias de abstração e concreção: rumo ao tipo 3 O numerus


clausus 4 A tipicidade no direito 5 Raízes da moderna concepção de propriedade 6 Direitos
pessoais x direitos reais 7 Especificamente, a tipicidade dos direitos reais 8 Conclusão 9
Referências.

RESUMO: Este artigo analisa o princípio da tipicidade dos direitos reais em contraste
com o princípio do numerus clausus. Para isso, realizou-se investigação de elementos
históricos, filosóficos e metodológicos, mediante o aprofundamento de três aspectos:
a ideia de tipo, contextualizada na perda de prestígio do pensamento abstrato; o
significado de numerus clausus dos direitos reais; e a necessidade, revelada pela
história, de disciplina minuciosa dos direitos relacionados à propriedade. A tipicidade
dos direitos reais, longe de ser uma opção estritamente jurídica, agasalha em si
verdadeira decisão política dos estados modernos, que possui enorme repercussão
em sua vida econômica e social.

PALAVRAS-CHAVE: Tipicidade Numerus Clausus Direitos Reais Metodologia


Propriedade.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 20 n. 121 Jun./Set. 2018 p. 439-463


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440 Tipicidade dos Direitos Reais

The typus in real property rights

CONTENTS: 1 Introduction 2 The ideas of abstraction and concretion: towards the typus 3 The
numerus clausus 4 The typus in law 5 Roots of the modern conception of property 6 Personal rights
vs. real property rights 7 Specifically, the typus of real property rights 8 Conclusion 9 References.

ABSTRACT: This article analyzes the typus of the real property rights in contrast
with the principle of numerus clausus. In order to do so, historical, philosophical and
methodological elements were investigated through the deepening of three aspects:
the idea of ​​typus, contextualized in the loss of prestige of the abstract thought; the
meaning of numerus clausus of property rights; and the need, revealed by history,
for thorough discipline of rights related to property. The typus of property rights, far
from being a strictly legal option, embodies in itself true political decision of the
modern states, which has enormous repercussion in its economic and social life.

KEYWORDS: Typus Numerus Clausus Real Property Rights Methodology Property.

Tipicidad de los derechos reales

CONTENIDO: 1 Introducción 2 Las ideas de abstracción y concreción: hacia el tipo 3 El numerus


clausus 4 La tipicidad en el derecho 5 Raíces de la moderna concepción de propiedad 6 Derechos
personales x reales 7 Específicamente, la tipicidad de los derechos reales 8 Conclusión 9 Referencias.

RESUMEN: El artículo analiza el principio de la tipicidad de los derechos reales en


contraste con el principio del numerus clausus. Para eso, se realizó investigación de
elementos históricos, filosóficos y metodológicos, mediante la profundización de tres
aspectos: la idea de tipo, contextualizada en la pérdida de prestigio del pensamiento
abstracto; el significado de numerus clausus de los derechos reales; y la necesidad,
revelada por la historia, de disciplina minuciosa de los derechos relacionados con la
propiedad. La tipicidad de los derechos reales, lejos de ser una opción estrictamente
jurídica, agasaja en sí verdadera decisión política de los estados modernos, que
tiene enorme repercusión en su vida económica y social.

PALABRAS CLAVE: Tipicidad Numerus Clausus Derechos Reales Metodología


Propiedad.

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1 Introdução
Dentre os princípios que regem a disciplina legal dos direitos reais, merece
destaque o da tipicidade. Para se entender a sua aplicação, é fundamental, em
primeiro lugar, a compreensão do conceito, da aplicação e da função dos tipos a
partir da ideia de concreção do direito, contraposta à ideia tradicional de abstração
que prevalece na ciência jurídica.
Para tanto, é necessário proceder a uma pequena incursão no terreno da
metodologia do direito, com a finalidade de esclarecer satisfatoriamente como
agem a abstração e a concreção na formulação das hipóteses legais e na subsunção
a elas do suporte fático, com vistas à incidência da norma jurídica ao caso concreto.
Essas teses foram discutidas ardorosamente na Alemanha no século passado,
merecendo destaque os estudos de Larenz (1966) e Engisch (1968) sobre abstração
e concreção, respectivamente, na ciência do direito. Os influxos desse debate foram
absorvidos por José de Oliveira Ascensão (1968), que, ao observar a ausência de rigor
no campo dos direitos reais, na diferenciação entre tipicidade e numerus clausus,
ofereceu aos leitores de língua portuguesa uma das melhores obras de que se tem
notícia sobre o princípio da tipicidade aplicado aos direitos reais.
Não se pode olvidar, todavia, que a tipicidade dos direitos reais, nada obstante
a metodologia que lhe rege, deve ser analisada dentro de seu contexto histórico,
a fim de que resgatemos as reais razões que conduziram, a um só tempo, à quase
absoluta liberdade no campo obrigacional e a tamanha restrição no que diz respeito
aos direitos relacionados com a propriedade.
Nesse diapasão, Ourliac e Malafosse (1960), em profundo estudo sobre os
direitos romano e francês histórico, fornecem o panorama jurídico necessário para a
perfeita conexão dos fatos que se sucederam desde os tempos do Império Romano
até os dias de hoje, passando pela Revolução Francesa, em 1789.
A partir daí, revelam-se úteis considerações sobre as teorias explicativas dos
direitos reais, conforme bem anotam Allende (1967), Gatti (1980) e Arruda Alvim
(1987), de modo a distinguir com clareza os direitos reais dos pessoais, a fim de
delimitar com precisão o campo de atuação do princípio da tipicidade neste artigo.
Para estruturar o artigo, servimo-nos de pesquisa bibliográfica e documental,
tanto nacional quanto estrangeira. E, nesse sentido, a fim de cumprir a tarefa que
aqui nos propomos, dividimos o trabalho em sete tópicos. Nos quatro primeiros,
voltados aos aspectos filosófico-metodológicos, abordamos as ideias de abstração e
concreção na ciência do direito.

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Neste primeiro tópico, introdutório, apresentam-se as questões que pretendemos


problematizar, nossas hipóteses de trabalho, a metodologia utilizada para a
consecução da pesquisa e o plano do trabalho. No segundo, abordam-se a abstração,
a concreção e o tipo, trilhando um caminho progressivo. No terceiro, cuida-se do
princípio do numerus clausus e de sua relação com a tipicidade. O quarto tópico, por
sua vez, introduz a ideia que será melhor desenvolvida nos três últimos, ao abordar
a tipicidade no direito.
É nos três últimos tópicos, na verdade, que tratamos do tema central deste
trabalho: a tipicidade aplicada aos direitos reais. Para tanto, o quinto tópico versa
brevemente acerca das raízes históricas do direito de propriedade. Já o sexto
e o sétimo apresentam a teoria geral dos direitos reais visando trazer os traços
distintivos entre estes e os direitos pessoais e analisar a forma como a tipicidade é
aplicada aos direitos reais.
A pesquisa revelou as razões que justificam a distinção nas modelagens dos
direitos obrigacionais e reais. Na seara contratual, como será visto, deve imperar a
liberdade, ao passo que, no campo real, a prevalência é da liberdade vinculada, pois o
conteúdo em si dos direitos reais está fora da esfera de disposição dos interessados.

2 As ideias de abstração e concreção: rumo ao tipo

2.1 A ideia de abstração


O jusfilósofo alemão Karl Larenz (1966) empreendeu uma das mais agudas
e objetivas análises sobre o pensamento abstrativo aplicado à ciência jurídica.
Em sua Metodología de la ciencia del derecho, ao tratar da formação do conceito,
Larenz (1966, p. 334) denomina de abstração isoladora (com inspiração hegeliana)
o processo cognitivo no qual o pensamento apreende as propriedades ou atributos
de um objeto da percepção individualmente, estabelece diferenciação entre eles e
o objeto e entre si mesmos, os determina de modo genérico e cria um nome para
cada um deles.
Para o autor (LARENZ, 1966, p. 335), os atributos genéricos apreendidos e
diferenciados no bojo do processo de abstração isoladora são abstrações de primeiro
grau, mas ainda não são conceitos. Tornam-se elementos de conceitos (abstratos)
quando são acolhidos como características de uma definição conceitual. Ele afirma
que as características conceituais são irrelevantes para sua subsunção ao conceito

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abstrato, pois este ostenta sua própria totalidade, não dependendo necessariamente
da soma de suas características.
A respeito da indagação em torno das propriedades que devem ser consideradas
essenciais para a caracterização de um objeto sob classificação, Larenz (1966, p.
335-336) afirma que tal seleção dependerá fundamentalmente do fim que a ciência
em questão persegue precisamente com a classificação.
Em outras palavras: um mesmo objeto da percepção humana pode receber dois
conceitos abstratos absolutamente distintos, a depender da seara onde o conceito
será aplicado. Colhemos em Larenz (1966, p. 336) o exemplo do conceito de animal,
que se difere enormemente conforme seja aplicado no direito civil ou na biologia.
O objetivo da formação de conceitos com graus de abstração mais elevados é
tornar possível a subsunção neles do maior número possível de objetos individuais,
o que, segundo Larenz, é desejável, dentre outros motivos, porque:

[…] la formación del concepto mediante abstracción y la aplicación mediante


subsunción de los conceptos así obtenidos es el medio mediante el cual
nuestra razón pone orden en nuestras representaciones y lo que hace posible
el conocimiento rápido y seguro de cada cosa como tal, así como la obtención
de consecuencias de lo General para lo Especial que cae dentro de él 1. (1966,
p. 337, grifos no original).

A lei deve ser capaz de englobar um vasto número de situações fáticas distintas
e complexas, de modo a descrevê-las e ordená-las de forma tal que os fatos
considerados semelhantes possam receber o mesmo tratamento jurídico. Isso se dá
pela observação empírica das relações sociais que devem ser valoradas pelo direito,
de modo a alçar o fato social à categoria de fato jurídico.
Embora a formação de conceitos abstratos não se preste exclusivamente à
formulação de supostos de fato, mas também à designação de consequências jurídicas
e institutos jurídicos, Larenz (1966, p. 340) menciona a crítica que se faz ao método
abstrativo, relacionada ao fato de que nele se perdem certos traços característicos
da situação concreta abstraída pelo conceito. Isso porque o pensamento abstrativo
tende a se contentar com o menor número possível de elementos conceituais, o que,
se por um lado, facilita a subsunção, de outro, empobrece o conteúdo dos conceitos
jurídicos gerais.

1 “[...] a formação do conceito pela abstração e aplicação por meio da subsunção dos conceitos assim
obtidos é o meio pelo qual nossa razão coloca ordem em nossas representações e o que torna possível o
conhecimento rápido e seguro de cada coisa como tal, bem como a obtenção das consequências do Geral
para o Especial que se encaixa nele” (tradução nossa, grifos no original).

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Esse empobrecimento, no entender de Larenz, torna o conceito incapaz de “[...]


aprehender el sentido institucional de una regulación y de facilitar, en base a ellos, la
comprensión de los rasgos particulares” (1966, p. 340, grifos nossos)2, e o distancia da
representação naturalística à qual está vinculado, tornando-se vazio de sentido.
Daí porque determinados temas que exigiam tratamento jurídico mais rigoroso,
como, por exemplo, o direito penal, o direito tributário e os direitos reais, escaparam
da metodologia abstrativista e trilharam o caminho da tipicidade, que é uma das
formas de concreção na ciência do direito.

2.2 A ideia de concreção


Karl Engisch (1968), outro renomado jusfilósofo alemão, identificou a antinomia
concreto e abstrato não apenas no direito, mas também na lógica e na ontologia.
Em sua obra sobre a ideia de concreção na ciência jurídica moderna, observou com
precisão as falhas do pensamento abstrato e apresentou a concreção como tendência.
Em seus estudos sobre a concreção na ciência do direito, o jusfilósofo alemão
observou que se atribui uma pluralidade de sentidos à dicotomia concreto-abstrato,
mas que apenas algumas tendências à concreção são especialmente relevantes para
a teoria do direito (ENGISCH, 1968, p. 173).
Nesse sentido, Engisch delineou como relevantes para o direito, dentre outras,
duas tendências para a concreção: a concreção como tendência ao real e a concreção
como tendência ao tipo.
Para o autor (ENGISCH, 1968, p. 203-204), concreção do direito quer dizer
orientação do direito ao real, e não apenas imposição do direito à realidade e
tendência a uma realidade a estruturar. Adverte, porém, que deve-se evitar o
perigo de cair no imenso complexo de teorias do direito natural, pois quando o
direito tende à realidade da vida, pretende orientar-se pela natureza do homem,
pela natureza da sociedade e pela natureza da coisa, de modo a basear o dever-ser
no próprio ser, no ôntico, no existencial, de modo a elaborar-se um fundamentum
in re. Para evitar esse perigo, e não se enveredar pela metafísica do direito, afirma
que deve-se observar, de forma implacável, os problemas prévios delimitados para
a investigação (ENGISCH, 1968, p. 209).

2 “[...] apreender o sentido institucional de um regulamento e facilitar, com base neles, a compreensão da
especificidades” (tradução nossa, grifos nossos).

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Pondera Engisch ainda que “la teoría del derecho está en peligro de quedar
prisionera en las abstracciones” 3, para concluir que “desde comienzos de este siglo está
en marcha un movimiento que exige, paralelamente, una concreción del derecho y de su
aplicación así como una concreción de la ciencia jurídica (en el sentido de orientarse a
la realidad)”4 (1968, p. 244-245, grifos no original).

2.3 A ideia de tipo


As falhas do pensamento abstrativista há muito já haviam sido identificadas
quando, nos anos de 1951 e 1952, a revista alemã Studium Generale dedicou duas
edições ao estudo da aplicação do pensamento típico em diversas ciências, dentre
elas, o direito.
Nessas edições se encontram, entre outros, artigos de J. E. Heyde sobre o
conceito de tipo, de E. Kretschemer sobre o tipo como problema teórico-cognoscitivo
e de Hans J. Wolff e J. von Kempski sobre a aplicação do tipo ao direito e às ciências
sociais, respectivamente (ENGISCH, 1968, p. 416).
Está no artigo de Erich Heyde (1941, p. 220-223, apud LARENZ, 1966, p. 344)
uma grande contribuição ao conhecimento da história dos diversos significados da
palavra tipo e, sobretudo, a explicação sobre o uso atual do termo na acepção que
lhe vem emprestando a Metodologia moderna.
Heyde (1941, apud DERZI, 1987/1988, p. 630) aponta que a forma latina typus
adveio do grego, e que originariamente tinha o sentido de: impressão de uma
forma, forma oca, relevo, impressão, batida, cunhagem. Typus tem, inicialmente, dois
sentidos próprios e pacíficos: a) de cópia, contorno ou molde determinante da forma
de uma série de objetos que dele derivam – a cunhagem de moedas ou selo e
sua impressão exprimem a ideia de um tipo em correlação com a ideia de seus
exemplares ou empregos – e b) de exemplo ou modelo, em acepção mais valorativa,
derivando para protótipo ou arquétipo.
Heyde (1941, apud DERZI, 1987/1988, p. 630), todavia, sustenta que a origem
do atual conceito de tipo das ciências humanas como ordenação do conhecimento
que guarda a possibilidade de transições fluidas e ininterruptas está nas ciências
naturais, em especial na Zoologia e na Botânica.

3 “[...] a teoria do direito corre o risco de ser aprisionada em abstrações” (tradução nossa, grifos no original).

4 “[...] desde o começo deste século está em andamento um movimento que exige, paralelamente, uma
concreção da lei e sua aplicação, bem como uma concretização da ciência jurídica (no sentido de se
orientar para a realidade)” (tradução nossa, grifos no original).

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Segundo relata Misabel Derzi (1987/1988, p. 631), Heyde conclui que,


hodiernamente, o vocábulo tipo é usado no sentido geral de forma básica (Grundform)
ou essência, tanto na acepção mais específica de plano de construção como, por outro
lado, no significado mais lato de forma plena como padrão.
Nada obstante isso, como forma de ordenação lógica do conhecimento que
admitia, por comparação, as transições fluidas e contínuas, o tipo somente se firma
no séc. XIX, no campo das ciências naturais, e se instala, já no séc. XX, no domínio
das ciências sociais (HEYDE, 1941, apud DERZI, 1987/1988, p. 631).
Engisch (1968, p. 417), baseado nas palavras de Heyde, sustenta que à primeira
vista pode parecer estranho que o tipo possa conter uma afinidade com o concreto,
eis que muito se destaca que o tipo, como conceito ou lei, tenha caráter geral.
Com isso, formula Engisch a seguinte indagação: “concepto y ley son generales y
abstractos; si el tipo há de ser también general y abstracto, ¿en qué se diferencia pues
del concepto y de la ley?”5.
O próprio Engisch responde à indagação:

[…] conforme al uso actual del tipo, fundamentalmente en que es


comparativamente concreto. Para descubrir, y, sobre todo, para convencernos de
en qué sentido se habla del tipo como algo concreto, es imprescindible tener
a la vista los significados fundamentales del concepto de tipo, tan fluctuante
como el concepto de concreto. Hay diversas especies – o, ¿debe decirse tipos?
– de tipo6. (ENGISCH, 1968, p. 417).

Ascensão (1968, p. 22-23) atribui a Gustav Radbruch o pioneirismo da aplicação


sistemática do tipo à ciência do direito. Afirma o professor português que o ponto de
partida eram as investigações de Hempel-Oppenheim, nas quais eram contrapostos
os klassenbegrieffe (conceitos de classe ou classificatórios) aos ordnungsbegrieffe
(conceitos de ordem ou ordenadores).
A diferença residia no fato de que, enquanto os klassenbegrieffe se fundavam
numa abstração que desconheceria que a realidade é contínua, dissecando-a em
categorias rígidas, os ordnungsbegrieffe teriam fronteiras fluidas, sendo objeto de
mais de uma descrição, em vez de definição (ASCENSÃO, 1968, p. 22-23).

5 “Conceito e lei são gerais e abstratos; se o tipo também deve ser geral e abstrato, como é diferente do
conceito e da lei?” (Tradução nossa).

6 “[...] de acordo com o uso atual do tipo, fundamentalmente porque é comparativamente concreto.
Para descobrir e, acima de tudo, convencer-nos de em que sentido se fala do tipo como algo concreto, é
essencial ter em vista os significados fundamentais do conceito de tipo, tão flutuantes quando o conceito
de concreto. Existem diferentes espécies – ou, digamos, tipos? – de tipo” (tradução nossa).

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O tipo, acentua Ascensão (1968, p. 36), embora seja mais concreto que o conceito,
é mais abstrato que o caso individual, ocupando, pois, uma posição intermediária
entre este e aquele, o que o torna insuficiente para atender às tendências de
individualização na aplicação do direito.

3 O Numerus clausus
Já no final da década de 1960, o professor português José de Oliveira Ascensão
(1968, p. 14-15) observava a confusão conceitual que se fazia entre os princípios da
tipicidade e do numerus clausus na seara dos direitos reais. Sua obra A tipicidade dos
direitos reais tem sido, desde então, uma das maiores fontes doutrinárias em língua
portuguesa acerca desse espinhoso assunto.
O tema revela sua dificuldade por envolver discussão não estritamente jurídica,
mas principalmente de cunho filosófico e metodológico. Embora seja forçoso
reconhecer que os dois princípios – tipicidade e numerus clausus – andam juntos,
dessa assertiva não pode derivar a conclusão de que se tratam de figuras idênticas.
No campo do direito, o numerus clausus, em regra, está relacionado à restrição ou
à limitação de uma dada situação mencionada pela norma. Trata-se, evidentemente,
de uma enumeração taxativa, o que significa, em outras palavras, que não se admite
interpretação ampliativa diante das hipóteses especificadas. Naturalmente, o caráter
numerus clausus ou apertus não pode ser afirmado aprioristicamente, mas depende
de análise da situação abstrata arrolada pela norma.
Por sua vez, a tipicidade guarda relação com o método de construção normativa.
É ela uma forma de concreção dentro da própria norma, na medida em que, ao
prever elementos determinados que constituem – por exemplo, este ou aquele
direito real, crime, ou tributo –, exerce um tipo de materialização que não ocorre
nas normas mais abstratas. Embora um desavisado pudesse confundir os institutos,
teremos oportunidade de delinear suas semelhanças e distinções.
A evolução histórica do princípio do numerus clausus no campo dos direitos
reais está diretamente associada à da concepção da propriedade nas sociedades
ocidentais. Para melhor compreender o porquê da vasta adoção desse princípio
tanto nos países de civil law quanto nos de common law, é indispensável fazer uma
breve incursão na evolução do direito de propriedade.
Temos, no artigo de Bernard Rudden (1987), Economic theory v. property law:
the numerus clausus problem, uma das melhores e mais completas análises sobre
o princípio do numerus clausus, explicado a partir da teoria econômica. Nele, o

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448 Tipicidade dos Direitos Reais

professor de direito comparado da Universidade de Oxford vai às raízes históricas da


fragmentação da propriedade, que culminaram com a elevação do numerus clausus
a princípio quase universal na seara dos direitos reais.
Sob o direito romano clássico, ao proprietário não era lícito transferir menos que
todo o complexo de direitos, privilégios e poderes que tinha sobre a propriedade.
Transferências de direitos em menor medida que a propriedade plena eram
permitidas apenas em situações excepcionais e em um número limitado de casos.
A concepção da propriedade no direito romano (dominium ex iure Quiritium)
é baseada na constatação de que a otimização do uso da terra está sujeita a
mudanças. como por exemplo o tempo, e que a propriedade absoluta proporciona
maior flexibilidade, dada a concentração dos poderes decisórios nas mãos de um
único indivíduo.
A noção de propriedade absoluta sofreu uma mudança substancial no direito
feudal. Durante a era feudal, uma nova ordem de limitações funcionais e legais no
uso e disposição da terra transgrediu a concepção romana da propriedade absoluta.
Embora as fundações do direito de propriedade medieval fossem inquestionavelmente
romanas, o sistema feudal gradualmente transformou a concepção de propriedade
socialmente aceita7.
No mundo feudal, direitos e deveres estavam baseados na ocupação da terra
e nas relações pessoais e esta concepção de propriedade era instrumental para
manutenção da estrutura social e econômica do feudalismo (BESSONE, 1988, p. 21;
ARRUDA ALVIM, 1987, p. 43).
Nesse sistema de posse das terras, cada indivíduo era definido pelo seu status
hierárquico em relação à terra. À exceção do rei, todo indivíduo era subserviente a
outro. De acordo com a conhecida pirâmide feudal, apenas os possuidores inferiores
usavam a terra, e todos os outros seriam como intermediários na coleta de taxas e
concessões de serviços e proteções. O rei permanecia como último requerente residual.
Nesse processo, a propriedade feudal tornou-se muito distinta do paradigma
romano de propriedade, pois as concessões feudais eram sempre limitadas pelo
ato de licença e pelo título. Além disso, o proveito da posse nunca pertencia à
mesma pessoa; a propriedade não era ilimitada nem absoluta; os direitos não eram
oponíveis erga omnes, mas consistiam em um feixe de direitos e deveres, parcialmente
aplicáveis a toda comunidade e parcialmente determinados pela relação contratual
específica entre o concedente e o beneficiário. Um sistema complexo de controle

7 Para uma completa análise do direito na época feudal, ver OURLIAC; MALAFOSSE, 1960, capítulo V.

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social e político reforçava esta transição do sistema romano para o regime feudal
de propriedade dispersada (e fragmentação da propriedade).
O feudalismo era inseparavelmente vinculado à vida agrícola. Numa economia
agrícola, as formas funcionais de fragmentação geralmente não são problemáticas
enquanto a unidade física da terra estiver preservada. Já se observa aí uma
preocupação com a excessiva fragmentação8, o que era evitado, por exemplo,
mediante regras de primogenitura e proibição de subcontratação9.
Com a Revolução Francesa, de 1789, e o fim do feudalismo, os códigos modernos
passaram a limitar o nível permissivo de fragmentação da propriedade e a fornecer
proteção real apenas para direitos específicos e socialmente desejáveis.
Essa enumeração é conhecida como princípio numerus clausus e é uma importante
expressão do princípio fundamental que dá suporte ao moderno direito de propriedade.
A proposta deste princípio é evitar que os indivíduos criem direitos de propriedade
que se difiram daqueles expressamente reconhecidos pelo sistema jurídico10.
Estudiosos europeus também se referem a esse princípio ao invocar o conceito
de enumeração dos direitos de propriedade. Thomas Merril e Henry Smith (2001, p.
69) reconheceram que, embora o princípio numerus clausus seja mais uma doutrina
do direito romano seguida e imposta na maioria dos países da civil law, o princípio
também existe como parte da vaga tradição do common law. Os autores ilustram as
muitas formas que os juízes da common law estão acostumados a pensar em termos
comparáveis com a doutrina do civil law.
As primeiras formulações do numerus clausus careciam de um raciocínio bem-
articulado e eram especialmente atacáveis em razão do agudo contraste com a
doutrina da liberdade contratual (ASCENSÃO, 1968, p. 74-75).
A dicotomia entre os paradigmas do contrato e da propriedade resulta em uma
tensão geral entre o princípio da liberdade para contratar e a necessidade social de
padronização dos direitos de propriedade. Todas as codificações europeias modernas

8 Mesmo o sistema feudal da propriedade – frequentemente apresentado como paradigma da


propriedade fragmentária – concebia remédios para combater a fragmentação excessiva da propriedade.
Realmente, embora algumas formas funcionais de fragmentação da propriedade fossem instrumentais
para a estabilidade da sociedade feudal, outras podiam ser facilmente prevenidas.

9 Regras emergiam para prevenir a fragmentação dos direitos possessórios mesmo nos tempos feudais.
Os possuidores não podiam subcontratar seus direitos e obrigações.

10 Para um exame moderno do princípio numerus clausus, veja RUDDEN, 1987, que analisa criticamente
as justificações legais, filosóficas e econômicas para a limitação dos tipos legalmente reconhecidos de
direitos reais a um punhado de formas padronizadas.

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450 Tipicidade dos Direitos Reais

refletem essa tensão. Elas promovem a liberdade contratual ao reconhecer e dar


coercibilidade às formas nominadas e inominadas de contrato. Ainda, ao mesmo
tempo, elas limitam a autonomia privada em transações envolvendo direitos reais e
apenas fornece coercibilidade a transações relacionadas com as formas padronizadas
de propriedade11.
A influência do princípio numerus clausus tem durado além dos códigos pós-
revolucionários, e pode ser encontrada na maior parte dos códigos modernos. O Código
Napoleônico de 180412, o BGB alemão de 1900 – que dispõe, em seu parágrafo 90, que
“Sachen im Sinne des Gesetzes sind nur körperliche Gegenstände”, em tradução literal:
“apenas objetos corpóreos são coisas em sentido jurídico” (ALEMANHA, 1896, tradução
nossa), o que pode ser visto como uma partida substancial do conceito feudal de
propriedade, onde a maior parte dos direitos atípicos tinham natureza intangível – e
muitas outras codificações13 contêm provisões que restringem à criação (ao menos com
coercibilidade) de direitos de reais atípicos.
Como Rudden ensina: “in very general terms, all systems limit, or at least greatly
restrict, the creation of real rights: fancies are for contract, not for property” 14 (1987, p.
243, grifos no original).

11 Isso implica que os direitos de propriedade somente são coercíveis com ações reais se eles estiverem
em conformidade com alguma categoria padronizada de direitos reais. Inversamente, a presunção é
oposta no campo dos contratos: o sistema legal atribui coercibilidade a todos os tipos de contratos a
menos que eles violem regras de ordem pública.

12 Muitos artigos do Código Civil francês (FRANÇA, 2016) adotam o conceito de tipicidade de direitos
reais e articulam princípios de propriedade unitária e absoluta. Veja, por exemplo, o art. 516, sobre a
diferenciação da propriedade; art. 526, listando as formas de direitos reais limitados (usufruto, servidões
e hipoteca); arts. 544-546, sobre a definição e conteúdo necessário da propriedade absoluta, etc.

13 Praticamente todas as importantes codificações modernas – nem todas foram diretamente


influenciadas pelos modelos francês e alemão – abraçam um princípio similar de unidade na propriedade.
Bernard Rudden, 1987, fornece uma análise comparativa do princípio do numerus clausus nos modernos
sistemas legais do mundo, relatando que muitos sistemas legais na Ásia adotaram uma regra básica
segundo a qual “nenhum direito real pode ser criado além dos estabelecidos neste Código ou outra
legislação”. Como exemplo, temos o Código Coreano, em seu art. 185; o Código Tailandês, em seu art.
1298; e o Código Japonês, em seu art. 175. Disposições semelhantes existem em outros sistemas de
derivação diretamente europeia como o Código de Louisiana, art. 476-478; o Código Argentino, art. 2536;
o Código Etíope, art. 1204 e a Lei de Terras de Israel, art. 1969, seções 2-5.

14 “Em termos muito gerais, todos os sistemas limitam, ou pelo menos restringem bastante, a criação
de direitos reais: fantasias são para contrato, não para propriedade (tradução nossa, grifos no original).

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A antiga doutrina questionava se prevalecia no Brasil o sistema do numerus


apertus, ou seja, o da enumeração simplesmente exemplificativa, ou se vigorava o
sistema do numerus clausus, que é o da enumeração taxativa.
Darcy Bessone (1988, p. 9-10) afirma que, dentre outros, Afonso Fraga, Lacerda
de Almeida, Carvalho Santos e Philadelpho de Azevedo reputavam a lista como
exemplificativa, ao passo que Lafayette (ainda na vigência do direito pré-codificado),
Dídimo da Veiga (em comentário ao Código Civil), Pontes de Miranda e outros
entendiam sê-la taxativa.
O principal argumento dos primeiros era que no projeto elaborado por Clóvis
estava expresso que somente se considerariam direitos reais, além da propriedade,
os arrolados em lei. O advérbio somente foi suprimido em consequência de emenda
aprovada durante o processo legislativo do projeto que se transformou no Código
Civil de 1916.
Ponderavam, ainda, que em razão de poder o domínio ser decomposto em tantos
direitos quantas forem as frações de utilidade econômica que da coisa se obtém, não
seria possível determinar-se, em um texto legal, o número desses direitos. Assim,
não seria viável restringir a aplicação do princípio da autonomia da vontade, sob
pena de se criar distinção onde a lei não o fez (BESSONE, 1988, p. 9-10).
A esses argumentos podem ser opostos outros, como o de que a supressão do
advérbio somente visou apenas a aprimorar a redação do texto, sem lhe comprometer
o alcance; ou o de que, quando um direito é considerado real pela lei, todas as
partes em que ela se decomponha serão também reais, por força da lei, já que a
realidade do todo se comunica, necessariamente, com as partes resultantes de seu
fracionamento. Assim, o caráter real, nesses casos de decomposição do direito real,
teria origem na lei, não na convenção.
A exigência de que a transferência de propriedades imóveis seja registrada em
um registro público reforça o princípio numerus clausus porque apenas direitos reais
típicos podem ser legalmente registrados. Decorre logicamente disso que qualquer
contrato que constitua ou modifique uma situação de propriedade em desrespeito
à taxonomia dos direitos reais reconhecida pelo sistema legal é apenas fonte de
obrigações contratuais.
De fato, o restabelecimento da concepção absoluta da propriedade, tal qual
concebida no direito romano, era visto como uma forma de atenuar a estratificação
social fomentada pelo regime feudal, libertando, por assim dizer, os homens.

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452 Tipicidade dos Direitos Reais

4 A tipicidade no Direito
José de Oliveira Ascensão (1968, p. 20) reputa fundamental, para o início
de uma investigação científica, distinguir com o rigor possível os vocábulos
tipicidade e facti species. Ele afirma que, pelo fato de a tipicidade se sustentar
necessariamente numa referência ao tipo, poder-se-ia conjecturar que ela se
confunde com previsão ou hipótese legal, que, em verdade, é anterior a toda
norma jurídica. Para caracterização da última, os alemães se socorrem da palavra
tatbestand, que Pontes de Miranda (1983, p. 395) traduziu como suporte fático e
utilizou como alicerce de sua teoria do fato jurídico.
Assim, para Ascensão, o estudo da facti species é, ao mesmo tempo, mais amplo
e mais limitado do que o da tipicidade, justificando que é mais amplo porque “nem
toda previsão legal, no sentido de facti species, implica o recurso à tipicidade”, e mais
limitado porque “a facti species traz consigo a previsão legal, e a tipicidade funciona
tanto no que respeita à previsão como à estatuição” (1968, p. 21).
Em outras palavras, sua amplitude consiste no fato de que a tipicidade é apenas
um dos recursos que o suporte fático se vale para se juridicizar, podendo mesmo
utilizar outros métodos. Por outro lado, sua limitação consiste no fato de ter sempre
caráter positivista, enquanto a tipicidade assume também a feição normativa.
Karl Larenz (1966, p. 350) leciona que, na ciência do direito, o tipo se apresenta,
em primeiro lugar, como meio para designar elementos do suporte fático; em
segundo lugar, como forma de apreensão e exposição de relações jurídicas.
Sobre o problema que era causado pelos conceitos de classe na seara do direito
penal e a virada para o tipo, afirmava Ernst von Beling:

Han pasado los tiempos en que toda acción culpable contraria al derecho
desataba sin más la amenaza de una pena. El desbordado epíteto... será
castigado con la pena adquiere estructura estable cuando nos damos cuenta
de que hoy solo pueden ser objeto de la amenaza de una pena tipos de delito,
claramente descritos... El hombre moderno no soporta ya más un derecho
penal silencioso, que deambula de puntillas con zapatillas de felpa15. (apud
ENGISCH, 1968, p. 458).

15 “Se passaram os tempos em que todas as ações culpáveis contrárias à lei desencadeavam a ameaça
de uma penalidade. O epíteto transbordante... será punido com a penalidade adquire estrutura estável
quando percebemos que hoje só os tipos de crime claramente descritos podem ser objeto da ameaça de
uma penalidade. O homem moderno não pode mais suportar um direito penal silencioso, que vagueia na
ponta dos pés com chinelos de pelúcia” (tradução nossa, grifos no original).

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Com a tipificação não apenas dos delitos, mas também da culpabilidade, Beling
verifica, na evolução do direito penal até a tipicidade, uma contraposição com o
direito civil, no qual a configuração típica dos negócios jurídicos se constituiria como
ponto de partida histórico, que restou suplantado pela autonomia privada reinante
nesse campo do direito (BELING apud ENGISCH, 1968, p. 458).
Isso, todavia, não se constitui em empecilho para que Engisch vislumbre,
no Código Civil Alemão, um vasto campo de aplicabilidade para a tipicidade,
especialmente nos direitos reais, na gestão de negócios, nos atos ilícitos, no
enriquecimento ilícito, nos regimes de bens do casamento, dos motivos para
separação judicial etc. (ENGISCH, 1968, p. 459).
Não se pode olvidar que a tipicidade no direito se contrapõe à consagração,
nas normas jurídicas, de figuras genéricas ou conceitos sem especificações. E é por
isso que, para determinadas questões que carecem de maior rigidez interpretativa,
o legislador opta pela modelação de tipos, eis que eles são determinados por
referência a um conceito, que concretizam (ASCENSÃO, 1968, p. 34).
Percebe-se, pois, que a utilização dos tipos significa um degrau a mais
no nível de concretude da norma, à medida que, naturalmente, valem-se de
conceitos, mas acrescidos de especificações que os tornam menos abstratos que
o conceito puro e simples.
A questão, todavia, não envolve uma tendência cega, mas altamente vinculada
às matérias carentes de regulamentação. Assim, se por um lado há um movimento
no sentido da tipificação em determinados ramos do direito, como o penal, o
tributário e o das coisas, nota-se, por outro lado, o movimento inverso, no sentido
da utilização de conceitos vagos ou imprecisos, em relação, por exemplo, aos
direitos processual e constitucional.
É fundamental, para o exame da tipicidade dos direitos reais, analisarmos duas
espécies distintas de tipologias: taxativas e exemplificativas.
Consoante distingue Ascensão (1968, p. 34), nas primeiras, os tipos disponíveis
para o amoldamento dos conceitos ou figuras são exclusivamente estabelecidos
pela lei, ao passo que, nas segundas, à normatização se segue autorização (explícita
ou implícita) para que os particulares criem novas figuras típicas.

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454 Tipicidade dos Direitos Reais

5 Raízes da moderna concepção de propriedade


Em geral, as normas jurídicas que versam sobre o direito de propriedade
predominantes no mundo ocidental têm como raiz alguns textos cuja enorme
ressonância universal os converteu em paradigma para legisladores.
Tratam-se da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada
pela Revolução Francesa em 1789, da 5a Emenda à Constituição dos Estados
Unidos, introduzida em 1791, e dos artigos do Código Civil francês, promulgado
em 1804 (Código de Napoleão).
A Declaração estatui em seu artigo XVII: “Sendo inviolável e sagrado o direito
de propriedade, ninguém deverá ser privado dele, exceto nos casos de necessidade
pública evidente, legalmente comprovada, sob a condição de uma indenização
prévia e justa” (FRANÇA, 1789, art.XVII). No artigo II, essa mesma declaração havia
qualificado o direito de propriedade como um direito humano natural e imprescritível.
A 5a Emenda à Constituição Norte-Americana, ao absorver a figura da law of the
land, que se refere ao due process of law em sentido substantivo e procedimental,
dispõe que a ninguém “serão privados a vida, a liberdade ou a propriedade senão
por meio do devido processo legal; nem se poderá tomar propriedade privada para
o uso público sem a devida compensação” (UNITED STATES OF AMERICA, 1791,
tradução nossa).
Os dispositivos do Código Civil francês que guardam relação com o tema são os
artigos 544 e 545, que expressam:

Art. 544 – A propriedade é o direito de gozar e dispor das coisas do modo


mais absoluto, sempre que não se faça delas um uso proibido, pelas leis ou
os regulamentos.

Art. 545 – Ninguém pode ser obrigado a ceder sua propriedade se não
é por motivo de utilidade pública e mediante justa e prévia indenização.
(FRANÇA, 2016).

Vivia-se a época do individualismo exacerbado, durante a qual se concebia um


direito de propriedade inviolável, com atributos absolutos em favor de seu titular
e dotado de um caráter exclusivo e perpétuo. A influência do pensamento liberal,
que repercutiu no Código de Napoleão, encontrou terreno fértil em diversos outros
países, como o Brasil. Tal tendência não se modificaria senão passada a primeira
terça parte do século XX, mediante uma evolução gradual, que hoje se conhece
como o perfil social do direito civil.

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Naturalmente, esse discurso não é casual. Ao contrário, corresponde à


evolução geral das ideias políticas, sociais e econômicas que fizeram sucumbir o
feudalismo e impuseram a ascensão do capitalismo em sua forma mais pura: a do
liberalismo econômico.

6 Direitos pessoais versus direitos reais


Segundo o conceito firmado pela escola clássica, direito real é o poder jurídico
da pessoa sobre a coisa, oponível a terceiros (BESSONE, 1988, p. 4). Guillermo
Allende o define como

[...] um direito absoluto, de conteúdo patrimonial, cujas normas,


substancialmente de ordem pública, estabelecem entre uma pessoa
(sujeito ativo) e uma coisa determinada (objeto) uma relação imediata, que
a prévia publicidade obriga a sociedade (sujeito passivo) a abster-se de
realizar qualquer ato contrário ao mesmo (obrigação negativa), nascendo
para o caso de violação uma ação real e que outorga a seus titulares as
vantagens inerentes ao jus persequendi e ao jus preferendi. (1967, p. 18).

Edmundo Gatti (1980 p. 33) atribui a Ulrici Huber a formulação do conceito de


direito real em contraposição ao de direito pessoal. Para ele, “ius in re é a faculdade
que compete ao homem sobre a coisa sem consideração a determinada pessoa; ius
ad rem é a faculdade que nos compete sobre outra pessoa para que nos dê ou faça
algo” (apud GATTI, 1980, p. 33, tradução nossa).
Direito pessoal, conforme anota Ortolan, citado por Vélez Sarsfiel, “é aquele em
que uma pessoa é individualmente sujeito passivo do direito” (apud ALLENDE, 1967,
p. 14). Em outras palavras, direito pessoal é aquele que gera a faculdade de obrigar
individualmente uma pessoa a uma prestação qualquer.
Enquanto Arruda Alvim (1987, p. 47) anota que à teoria que tenta unificar os
direitos reais e os obrigacionais a partir do critério do patrimônio dá-se o nome
de teoria unitária realista, Gatti (1980, p. 43) assinala que, para os defensores dessa
teoria, o direito obrigacional seria absorvido pelo direito real, pois, em última análise,
todos os direitos seriam reais, na medida em que recairiam não sobre a pessoa do
devedor, mas sobre seu patrimônio.
Segundo Washington de Barros Monteiro (1955, p. 16), essa teoria pretende
despersonalizar a obrigação a fim de patrimonizá-la, abstraindo, portanto, a
figura do devedor.

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456 Tipicidade dos Direitos Reais

Teoria diametralmente oposta é a unitária personalista, que, para Arruda Alvim


(1987, p. 48), incorpora os direitos reais aos pessoais, sob o argumento de que entre
ambos não haveria diferença essencial. Essa teoria, que tinha por base a ideia de que
o direito real era uma obrigação passiva universal, embora formulada originalmente
por Windscheid (apud GOMES, 1995, p. 5), foi largamente adotada na França a partir
das lições de Marcel Planiol (1904, p. 679).
Conforme relata Gatti, interpretando a lição de Planiol, para os teóricos da
corrente unitária personalista “no existen diferencias sustanciales entre los derechos
reales y los personales, desde que los primeros no serían más que derechos obligacionales
en los que la prestación consistiría siempre en una abstención que estaría a cargo de
todas las personas”16 (1980, p. 36).
Essa teoria teve evidente inspiração nas ideias de Immanuel Kant, que, em seus
Princípios metafísicos do direito, sustenta ser inconcebível a relação entre pessoas e
coisas, ponderando que ontologicamente que só se pode admitir relações jurídicas
entre pessoas: proportio hominis ad hominem (DINIZ, 2002, p. 10).
Demogue (apud DINIZ, 2002, p. 11), embora simpatizasse com essa teoria,
entendia que a eficácia erga omnes do direito real seria mais forte que a do direito
pessoal. Para o jurista francês, os direitos possuem a mesma natureza, e sua distinção
estaria na eficácia (MONTEIRO, 1955, p. 15).
Orlando Gomes aponta como principais objeções à teoria personalista:

i) a distinção que há entre a obrigação passiva universal e a obrigação, dita,


comum, que vincula o credor e o devedor. Em verdade, anota o professor
baiano, a obrigação passiva universal se trata de uma regra de conduta;

ii) a regra de conduta que impõe o respeito aos direitos de outrem não
é exclusividade do direito real, sendo aplicável mesmo aos direitos
creditórios. (1995, p. 4-5).

Gatti (1980, p. 50) assinala que a teoria eclética ou harmônica busca a conciliação
entre a valorização dos aspectos interno (consoante o faz a teoria clássica) e externo
(conforme a teoria unitária personalista). Essa distinção entre direitos pessoais e
reais assume especial relevância neste artigo, em razão de o princípio do numerus
clausus ser aplicável apenas aos últimos.

16 “Não há diferenças substanciais entre os direitos reais e os pessoais, uma vez que os primeiros não
seriam mais que direitos obrigacionais, em que o benefício consistiria sempre numa abstenção que seria
de todas as pessoas” (tradução nossa).

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7 Especificamente, a tipicidade dos direitos reais


Diante da evolução histórica traçada nos tópicos anteriores, observamos como
dois fatores igualmente relevantes contribuíram para que os direitos reais sofressem
a influência do pensamento típico e, mais, para que a tipologia escolhida para esta
seara do direito civil fosse a taxativa.
Igualmente, pudemos delinear a distinção entre tipicidade e taxatividade,
procedendo à adequada particularização onde grande parte da doutrina brasileira ora
vê identidade, ora simplesmente não se manifesta sobre a questão. Uma das exceções
à regra é Arruda Alvim (1987, p. 48) que, ao tratar da teoria geral dos direitos reais,
enfrenta os princípios da tipicidade e do numerus clausus, efetuando as necessárias
distinções e cuidando para evidenciar que não se tratam da mesma coisa.
O ponto que gera a dificuldade doutrinária decorre da tipologia taxativa que
rege os direitos reais. Note-se que taxatividade é apenas adjetivação empírica para
a tipicidade, eis que, conforme afirmamos, outras tipologias podem existir.
Para explicitar a dificuldade, pondera José de Oliveira Ascensão:

Se há um numerus clausus, também há, necessariamente, uma tipologia de


direitos reais. O numerus clausus implica sempre a existência de um catálogo,
de uma delimitação de direitos reais existentes. Quer dizer, o numerus clausus
significa que nem todas as figuras que cabem no conceito de direito real são
admitidas, mas tão-somente as que forem previstas como tal. Pressupõe, pois,
a especificação de uma pluralidade de figuras que realizam o preenchimento
incompleto dum conceito, o que nos dá a própria definição de tipologia. O
conceito de direito real tem extensão maior do que a resultante da soma dos
direitos reais existentes. (1968, p. 104-105).

Adiante, o professor português arremata, identificando o equívoco:

Temos assim consolidada a base que nos permite afirmar que a


referência tradicional ao numerus clausus desemboca na categoria
moderna da tipicidade.

Mas daqui não podemos inferir que tudo o que respeita à tipicidade dos
direitos reais se esgota com a referência ao princípio do numerus clausus.
Na verdade, enquanto este se limita a estabelecer que só se admite um número
normativamente determinado de direitos reais, aquela conduz a investigação
para campos muito mais vastos. (ASCENSÃO, 1968, p. 107, grifos nossos).

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458 Tipicidade dos Direitos Reais

Eis o ponto nodal da questão: ao passo que o numerus clausus não passa de
delimitação à autonomia privada, a tipicidade permite a fixação de elementos
relevantes para as figuras que carecem de maior concretização.
Pela evolução histórica do direito de propriedade, constatamos com clareza
as razões que levaram quase todas as nações civilizadas a adotar a tipicidade
dos direitos reais (conjugada com a taxatividade). Pretende-se, em resumo, evitar
a ocorrência de situações econômico-sociais indesejáveis, dar transparência ao
sistema, reduzindo a assimetria de informação e os custos de transação e viabilizar
a publicidade, através do sistema de registros públicos (ASCENSÃO, 1968, p. 107).
Outra questão, todavia, intriga os civilistas: o que é preciso para caracterizar a
existência de um tipo legal de direitos reais?
Mais uma vez, a resposta é fornecida por Ascensão (1968, p. 110). Os requisitos
são dois: i) a existência, na lei, da descrição essencial de uma situação; e ii) o
estabelecimento de um regime real.
Daí por que, ao analisarmos o Livro III do Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002)
e verificarmos tanto a descrição essencial quanto o regime real de figuras jurídicas
como hipoteca, penhor, anticrese, superfície, habitação etc., temos a convicção de
que o legislador pátrio optou pela tipicidade dos direitos reais.
Repetimos: a tipicidade não decorre da taxatividade, mas sim da descrição da
situação jurídica e do regime real.
Mais uma questão que é frequentemente levantada quando se confrontam os
limites da autonomia privada nos campos dos direitos pessoais e reais é a relativa às
razões que conduziram um mesmo movimento filosófico a conceber total liberdade
em uma seara e tamanha restrição em outra.
Para se obter uma justificativa satisfatória sobre o problema, não se deve
observar os fenômenos com olhos ingênuos.
Ascensão (1968, p. 75) anota, com acuidade, que a disparidade de critérios é
explicada pelas motivações político-econômicas que influenciaram a decisão,
pois as transformações empreendidas pela Revolução Francesa não tinham como
destinatários os hipossuficientes, mas uma burguesia crescente e ávida por um
arcabouço jurídico que lhes garantisse a riqueza, mediante um único movimento
que enfraquecesse a nobreza e favorecesse a dominação da plebe.
Realmente, devemos concluir, com Ascensão, que “a razão está em que a classe
que lucrava com a liberdade contratual no Direito das Obrigações, não era a mesma
que perdia com a exclusão dessa liberdade no Direito das Coisas” (1968, p. 75).

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Embora, de fato, a liberdade contratual seja amplíssima, não se pode dizer que a
autonomia privada está totalmente excluída na seara dos direitos reais.
Arruda Alvim (1987, p. 48) assevera que os direitos das coisas são modelados por
normas de ordem pública, que repelem a vontade dos particulares quando pretende
remodelar seus institutos, o que só pode ser feito mediante a atuação do legislador.
Apesar disso, em raras situações, como sói ocorrer no Brasil, a própria lei abre
aos particulares pequena margem para o exercício de sua autonomia privada, como
ocorre, verbi gratia, para a definição do objeto de servidão, usufruto ou superfície.

8 Conclusão
No decorrer do artigo, nos detivemos em três aspectos, considerados o tripé de
sustentação da tipicidade aplicada aos direitos reais: i) a ideia de tipo, contextualizada
na perda de prestígio do pensamento abstrato; ii) o significado de numerus clausus
dos direitos reais; e iii) a necessidade, revelada pela história, de disciplina minuciosa
dos direitos relacionados à propriedade.
Investigados os elementos históricos, filosóficos e metodológicos que pudessem
auxiliar o enfrentamento quanto à questão da tipicidade dos direitos reais,
concluímos que a tipicidade dos direitos reais, longe de ser uma opção estritamente
jurídica, agasalha em si verdadeira decisão política dos estados modernos, que
possui enorme repercussão em sua vida econômica e social. Porque o regime
é capitalista, faz-se necessária a adequação dos institutos jurídicos, a fim de que
óbices estruturais – como os que conduziram ao feudalismo – não tenham condições
de prosperar hodiernamente.
O tipo e a tipicidade, conjugados com o numerus clausus, foram as ferramentas
identificadas para, restringindo a autonomia da vontade na seara dos direitos reais,
reservar apenas aos legisladores o poder de constituir novos direitos reais. Essas
razões políticas justificam porque os direitos reais são o campo do direito civil mais
homogêneo e menos suscetível a mudanças.
Verificamos, ainda, que há, no direito brasileiro, uma tipologia taxativa dos direitos
reais, à medida que se pôde observar a existência, no Código Civil, da descrição
essencial das situações típicas e o estabelecimento de um regime real para elas.
Tipicidade e numerus clausus, embora entrelaçados, não têm o mesmo significado,
pois ao passo que o numerus clausus não passa de delimitação à autonomia privada,
restringindo apenas ao legislador a prerrogativa de estabelecer novas figuras, a

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460 Tipicidade dos Direitos Reais

tipicidade é o método que permite a fixação de elementos relevantes para as figuras


que carecem maior concretização.
A utilização do tipo para disciplinar os direitos reais, ao dar maior concreção às
situações descritas, acaba por conferir maior estabilidade e segurança jurídica ao
sistema. Para se concluir isso, basta dar uma olhada superficial sobre o objeto das
lides que se travam perante o Poder Judiciário. Um volume enorme de ações discute
interpretação e alcance de cláusulas contratuais, ao passo que raras discutem o
conteúdo, mesmo de direitos reais.
Na seara contratual, deveria imperar a mais absoluta liberdade, ao passo que,
no campo real, a prevalência é da liberdade vinculada, pois o conteúdo em si dos
direitos reais está fora da esfera de disposição dos interessados. A liberdade consiste
na decisão sobre criar ou não direitos reais e extingui-los ou não.
Como ponderamos ao longo do artigo, essa última posição tem sua razão de
ser, pois as transformações empreendidas desde a Revolução Francesa não tinham
como destinatárias as camadas mais pobres da população. Daí porque a avaliação
feita para se concluir pela conveniência da tipicidade e do numerus clausus não foi
voltada para a melhor distribuição dos recursos por toda a população, mas para o
desenvolvimento e a manutenção de uma estrutura que se formava, e a garantia da
segurança jurídica, entendida como manutenção do status quo.

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Jurisdição Constitucional: entre a guarda


da Constituição e o ativismo judicial

Emerson Ademir Borges de Oliveira


Pós-Doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra
(Portugal). Doutor e Mestre em Direito do Estado (USP). Professor Assistente
nos cursos de Graduação, Especialização, Mestrado e Doutorado (Unimar).

Artigo recebido em 10/4/2017 e aprovado em 11/4/2018.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Os modelos de controle na história 3 A polêmica Kelsen-Schmitt


4 Interpretação e construção: entre o procedimental e o substancial emerge o ativismo
5 Conclusão 6 Referências.

RESUMO: A jurisdição constitucional é um dos principais pilares dos Estados


Democráticos de Direito. A manutenção do federalismo e da concepção do próprio
Estado apenas é possível com a estruturação de um controle de constitucionalidade
que possa, sem interferência dos demais poderes, proporcionar uma interpretação
do texto constitucional de cunho efetivo. Nesse tocante, a preocupação
contemporânea é com o papel que Cortes Constitucionais, enquanto órgãos de
cúpula do Judiciário e com função de controlar abstratamente a Constituição, têm
exercido nos últimos anos e a perspectiva de seu exercício diferida no tempo,
mormente no tocante ao seu dever fundamental de dar vida ao texto constitucional.
Este artigo tem o propósito de analisar a ideia de jurisdição constitucional desde
sua concepção, conferindo-lhe, posteriormente, desenhos práticos para, por fim,
adentrar à discussão acerca do espaço interpretativo e da possibilidade de criação
do direito, valendo-se de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial e do método
dedutivo de trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Jurisdição Constitucional Interpretação Constitucional


Ativismo Judicial Limites Interpretativos Teorias Substancial e Procedimental.

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Judicial Review: Between the preservation of the Constitution and the judicial activism
SUMMARY: 1 Introduction 2 The judicial review models in history 3 The Kelsen-Schmitt
Controversy 4 Interpretation and construction: from in between substantive and procedural
theories emerges the judicial activism 5 Conclusion 6 References.

ABSTRACT: The Constitutional jurisdiction is one of the most important pillars of the
Democratic States. The maintenance of federalism and the State’s own conception is
only possible due to the structuring of a judicial review that can provide an effective
interpretation of constitutional law without the interference of other power
functions. Thus, the contemporary´s concern is the role that Constitutional Courts,
as the top of judiciary power and beholders of the relevant function of controlling
abstractly the Constitution, have exercised in recent years and the perspective of
its differential exercise through time, especially on their fundamental function of
giving meaning to the Constitutional text. This paper aims to analyze the idea of
constitutional jurisdiction, since its conception, granting it practical designs with
the objective to enter the discussion between interpretative framework and the
law creation. This article uses the deductive method and the bibliographical and
jurisprudential research.

KEYWORDS: Constitutional Jurisdiction Constitutional Interpretation Judicial


Activism Interpretative Limits Substancial and Procedural Theories.

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466 Jurisdição Constitucional: entre a guarda da Constituição e o ativismo judicial

Jurisdicción Constitucional: entre la guardia de la Constitución y el activismo judicial

CONTENIDO: 1 Introducción 2 Los modelos de control en la historia 3 La controversia


Kelsen-Schmitt 4 Interpretación y construcción: entre el procedimental y el substancial
emerge al activismo 5 Conclusión 6 Referencias.

RESUMEN: La jurisdicción constitucional es un pilar fundamental de los Estados


Democráticos. El mantenimiento del federalismo y del diseño propio del Estado sólo
son posibles con la formación de una opinión judicial que pueda, sin la interferencia
de otros poderes, proporcionar una interpretación del texto constitucional de
forma efectiva. En este sentido, la preocupación contemporánea es el papel que los
tribunales constitucionales, como órganos de cúpula del Poder Judicial y con función
de controlar abstractamente la Constitución, han ejercido en los últimos años y la
posibilidad de su ejercicio diferido en el tiempo, sobre todo con respecto a su deber
fundamental para dar vida a la Constitución. Este trabajo tiene por objeto examinar
la idea de la jurisdicción constitucional, desde su creación, lo que le da más adelante,
diseños prácticos para entrar finalmente la discusión del espacio interpretativo y
la posibilidad de la creación del derecho. Para esto, nos valemos de investigación
bibliográfica y jurisprudencial y del método deductivo de trabajo.

PALABRAS CLAVE: Jurisdicción Constitucional La Interpretación Constitucional


Activismo Judicial Límites Interpretativos Teorías Sustancial y Procedimental.

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1 Introdução
A jurisdição constitucional na contemporaneidade apresenta-se como uma
consequência praticamente natural do Estado de Direito. É ela que garante que a
Constituição ganhará efetividade e não terá seu projeto cotidianamente rasurado por
medidas de exceção desenhadas atabalhoadamente. Mais do que isso, a jurisdição é
a garantia do projeto constitucional, quando os outros Poderes buscam redefinir os
rumos durante a caminhada.
Nesses termos, a jurisdição constitucional também se apresenta como medida
democrática. Por meio dela, as bases que estruturaram democraticamente o
Estado são conservadas, impedindo que o calor dos fatos mude a interpretação
constitucional ou procure fugir de sua incidência sempre que os acontecimentos
alegarem certa urgência.
Mais do que isso, é a garantia hodierna de que os ventos da mudança não farão
despencar os edifícios que sustentam as bases constitucionais, independentemente
das maiorias momentâneas e dos clamores populares.
Paulatinamente, conforme a Constituição se torna estável e intrínseca na vida da
sociedade, nota-se uma expansão quanto ao seu alcance, destacando, nesse ponto, o
papel desenvolvido pelas Cortes Constitucionais, últimas intérpretes do texto maior.
Noutras palavras, é neste ponto que sentimos a vivência prática da Constituição, não
apenas por si mesma, mas pela proteção que a jurisdição constitucional a ela dispensa.
Historicamente, o controle de constitucionalidade, antes mesmo da diretriz
kelseniana do controle concentrado, vincula-se com o Estado de Direito. A ideia de
Rule of Law impôs ao Estado, principalmente a partir dos documentos históricos que
conformaram a Inglaterra, a necessidade de estabelecer parâmetros legais aos quais
o cidadão, e mesmo o próprio Estado, se submetessem, evitando o agir arbitrário por
parte do governante. Nos Estados Unidos, o sentido fora alcunhado pela expressão
The Reign of Law – o império do direito –, a traduzir na prática a ideia de always under
law – sempre sob a lei.
Eis a raiz que, futuramente, se desenvolveria na ideia central de que a
Constituição é uma lei proeminente, que a todos conforma, inclusive ao restante
do ordenamento jurídico. E, sendo de tal forma, deveria este dobrar-se àquela,
urgindo a teoria do judicial review of legislation a inspirar, mais tarde, a própria
jurisdição constitucional.
Esse controle hermenêutico das leis, tendo a Carta Constitucional como
parâmetro, exige que alguém ou algum órgão se responsabilize pelo papel de curador

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468 Jurisdição Constitucional: entre a guarda da Constituição e o ativismo judicial

da Constituição, não tendo sempre sido unânime, como veremos, a percepção de que
tal função seria destinada a um Tribunal. Melhor dizendo: a guarda da Constituição
nem sempre fora, em maioria, defendida enquanto jurisdição.
A expansão da jurisdição constitucional e as importantes diretrizes conferidas a
tais Tribunais pelas Constituições de vanguarda recolocam a temática sob um novo
viés crítico: afinal, qual o limite para o desenvolvimento do Direito sob a ótica da
moldura constitucional por parte das Cortes? Qual a linha que separa a interpretação
da criação do Direito?
Na seara do ativismo, não se deve esquecer do confronto que norteia a
vertente democrática do Judiciário. De um lado, a teoria substancialista foca na
exegese constitucional e nos vetores axiológicos que materializam a Constituição,
permitindo um alargamento maior do papel dos tribunais (TRIBE, 1985, p. 28).
De outro, refutando tal amplitude no papel da jurisdição constitucional, a teoria
procedimentalista convoca atenção para a higidez e a garantia de funcionamento dos
processos democráticos legítimos. Ao Judiciário, nestes termos, cumpriria garantir
o funcionamento do processo de tomada de decisões, nele não se imiscuindo, mas
desobstruindo-o quando necessário (ELY, 2010, p. 140).
Há no Brasil uma propensão substancialista no papel desenvolvido pelo
Supremo Tribunal Federal, seja pela ausência de força política dos demais Poderes,
seja pelo papel atribuído pela Constituição, seja pelo duplo tipo de controle de
constitucionalidade ou até mesmo pela vertente de autorresponsabilidade que o
STF buscou na retomada democrática.
Entre decisões que invadam a esfera íntima das pessoas, como a que tange
ao aborto de anencéfalos, outras que dizem respeito aos aspectos eleitorais, como
a verticalização das coligações partidárias, e até mesmo outras que tocam nas
diretrizes garantistas, como a prisão após condenação em segunda instância, há no
Brasil uma infindável possibilidade de que as decisões supremas sejam sentidas na
pele pelo cidadão.
Leonardo Martins, a título comparativo, ressalta que, na Alemanha, o Tribunal
Constitucional Federal se elevou principalmente quando a instância realmente
política pretendeu “[...] lavar as mãos, transferindo questões políticas incômodas
ao crivo do controle de constitucionalidade, antes mesmo de haver aperfeiçoado
o momento eminentemente político da conformação legislativa” (2011, p. 5,
grifos no original).

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Não se perquire, pelo presente, o entendimento de quais as circunstâncias que


nos conduziram a este ponto, mas compreender, a partir desse pressuposto teórico,
qual o papel desenvolvido contemporaneamente pela jurisdição constitucional e
como se dá o avanço de tal papel na corrente ativista. Afinal, quais são os limites
para a atuação da jurisdição constitucional?

2 Os modelos de controle na história


O primeiro modelo de controle de constitucionalidade, ainda difuso, fora
instituído despretensiosamente no famoso caso Marbury v. Madison (1803), sem que
houvesse qualquer previsão em tal medida na Constituição Norte-Americana, que
trazia, de forma genérica, a jurisdição sobre todos os casos de aplicação da Lei e
da Equidade sob a Constituição (Artigo III, Seção 2). “A Constituição, evidentemente,
não é autointerpretativa e alguns princípios cruciais – como o controle de
constitucionalidade, a separação de poderes e o federalismo – são mais pressupostos
do que estampados no texto” (O´BRIEN, 1991, p. 25, tradução nossa). O exercício
da jurisdição original da Suprema Corte não dependia de intermediação legal pelo
Congresso (TAYLOR, 1905, p. 44). São famosas as palavras do Chief Justice John
Marshall (1997, p. 29), segundo o qual um princípio essencial de toda Constituição é
de que são nulas quaisquer leis que com ela sejam incompatíveis, uma questão que
obriga a todos os juízes.
De acordo com essa perspectiva, extremamente importante na compreensão
do papel dos juízes na luta pelos direitos fundamentais e por outros direitos
constitucionais, o juiz, em qualquer instância, tem o dever de observar a
constitucionalidade da lei nos casos concretos. Nesse ponto, o pioneiro controle
de constitucionalidade norte-americano acabou se sobrepondo à fórmula de Locke,
para quem “[...] entre o legislador e o povo, ninguém na terra é o juiz”, admitindo que
os juízes podem se inserir em meio a essa relação (CANOTILHO, 2007, p. 60).
Como é cediço, apesar do caráter difuso, o controle de constitucionalidade,
coincidentemente, acabou se desenvolvendo perante a própria Suprema Corte,
embora não tenha sido de fato a pioneira, o que transformou o judicial review em
algo extremamente simbólico:

Já quanto a precedentes judiciais, num momento ulterior, mais


concretamente no período que vai desde a Declaração de Independência
(1776) até à criação da Constituição Federal (1787), verificou-se que
em alguns dos Estados recém-independentizados se registraram casos

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470 Jurisdição Constitucional: entre a guarda da Constituição e o ativismo judicial

esporádicos de controlo das leis estaduais em que o parâmetro de controlo


eram as novas constituições desses Estados – portanto, um autêntico
controlo de constitucionalidade. Tais referidos precedentes ocorrem em
tribunais estaduais, quando os EUA ainda não existiam como Estado
federal. Os exemplos em geral avançados são os de Holmes v. Walton (1780),
julgado pela Supreme Court de New Jersey, e o de Commonwealth v. Caton
(1782), julgado pela Supreme Court da Virgínia. Ao que parece, desde 1795
que os tribunais federais passaram também eles a controlar e a declarar
nulas as leis estaduais que, desta feita, desrespeitassem a Constituição
federal. (URBANO, 2016, p. 55-56, grifos no original).

Como a doutrina norte-americana frisa, não se trata apenas de uma Corte, mas
de “[...] um terço do governo, representando uma importante parte não somente
decidindo o que é hoje o povo norte-americano, mas também o rumo que ele tomará
amanhã” (JOHNSON, 1962, p. 26).
A esse propósito, anota ainda Corwin:

Possuindo, embora, todos os atributos formais de um tribunal judicial, a


Corte Suprema exerce hoje poderes tão vastos e indefinidos, na censura da
legislação, tanto nacional como estadual, e na interpretação da primeira,
que a filosofia social dos nomeados constitui, muito legitimamente, matéria
de grande importância para as autoridades que participam da nomeação, o
Presidente e o Senado. (1959, p. 166).

No início do século XIX,desenvolve-se,entre os alemães,a concepção do Rechtsstaat,


restaurando a ideia do constitucionalismo monárquico e do constitucionalismo
revolucionário a partir da soberania popular. Com o tempo, esse Estado acabou se
caracterizando pela essência liberal, opondo-se ao Estado de Polícia, que tudo regula,
para assumir um modelo em que os cidadãos se tornariam livres e responsáveis pelos
seus propósitos. Os dois direitos tidos como fundamentais – a liberdade (Freiheit)
e a propriedade (Eigentum) – somente poderiam ser restringidos por lei de apelo
igualmente popular. O Estado limitado pelo Direito, isto é, submetido ao império da lei
(Herrschaft des Gesetzes) acabou trazendo em si a necessidade de controle judicial da
atividade administrativa (CANOTILHO, 2007, p. 97).
Posteriormente, em 1920, Hans Kelsen, convidado a compor a Constituição
Austríaca, criou aquilo que se tornou conhecido por ser o modelo de controle
abstrato de constitucionalidade. Cuidou o jurista de criar também uma Corte
Constitucional (Verfassungsgerichtshof) que examinaria a constitucionalidade das
leis. Assim, todas as leis supostamente inconstitucionais seriam objeto de análise,
passíveis de anulação, mas não da mesma forma que no modelo norte-americano. O

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novo sistema rompia com a possibilidade de a inconstitucionalidade a ser aferida da


forma difusa até então vigente.

Kelsen, a partir da ideia já desenvolvida sobre a jurisdição constitucional,


ao instituir o modelo concentrado, em verdade revoluciona a justiça
constitucional, abrindo a duros golpes o bloqueio europeu a modelos que
pudessem se opor à soberania dos parlamentos” (BORGES DE OLIVEIRA,
2017, p. 23). Como afirmara o próprio Kelsen, “[...] uma centralização da
revisão judicial da legislação era altamente desejável no interesse da
autoridade da Constituição (2007, p. 304).

Sua importância tem como fundamento o fato de que a lei declarada


inconstitucional é excluída do ordenamento jurídico e, assim, os seus efeitos
perfazem-se sobre todos, independentemente de uma posição mais objetivista ou
não. É uma via direta de combate ao texto inconstitucional.
De uma forma geral, esse papel preponderante das Cortes Constitucionais
desloca a questão da correção das sentenças dos Tribunais a quo para um papel
envolvendo hard cases. Segundo o Chief Justice William Howard Taft (1922, p. 6), o
papel da Suprema Corte passa a ser o de expandir e estabilizar os princípios jurídicos
em benefício dos cidadãos norte-americanos, trilhando por questões constitucionais
e outras questões jurídicas de benefício público.
É preciso sempre ter em mente que a preferência da Constituição às leis não é
uma questão apenas de hierarquia normativa, mas sim de preferência à intenção do
povo do que à intenção dos seus agentes (O’BRIEN, 1991, p. 27). Para Friedrich Müller:

O estilo de raciocínio da política constitucional refere-se à ponderação das


consequências, à consideração valorativa de conteúdo [...] Elementos de
política constitucional fornecem valiosos pontos de vista de conteúdo à
compreensão e implementação prática de normas constitucionais. (2005,
p. 90, grifos no original).

Como lembra Ackerman, os “[...] políticos eleitos não poderão enfraquecer os


compromissos solenes do povo por meio da criação legislativa cotidiana” (2009,
p. 5), sendo necessário buscar no próprio povo o apoio decisivo para revisão dos
princípios preexistentes.
Mas, evidentemente, não se pode olvidar que a questão da existência de um
controle com base na Lei Fundamental é inerente a todo e qualquer Estado de Direito,
visto sob o ponto de vista da “máxima legalidade da função estatal” (KELSEN, 2007,
p. 239). Conforme assevera Paulo Bonavides, a “[...] conseqüência dessa hierarquia é

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o reconhecimento da superlegalidade constitucional, que faz da Constituição a lei das


leis, a lex legum, ou seja, a mais alta expressão jurídica da soberania” (2008, p. 267,
grifos no original).
Gilmar Mendes (2007, p. 467-468) ressalta, a partir dos ensinamentos de Kelsen
na conferência proferida junto à Associação dos Professores de Direito Público
alemães, que a existência de uma jurisdição constitucional é a base para que se
assegurem garantias de um processo legislativo escorreito e de salvaguarda e, por
consequência, das minorias em face da maioria (ESTEVES, 1995, p. 128-129), a fim de
se evitar, mediante simples pleito jurisdicional, que esta se imponha absolutamente
sobre aquelas.
A diretiva da democracia, evidentemente, não é evitar a existência de soluções
antagônicas a serem oferecidas pelos participantes do combate jurisdicional, mas
sim oferecer a garantia de que tais diferenças serão ouvidas e consideradas para que
a solução dos conflitos seja apaziguadora. Como lembra O’Brien: “O poder do Tribunal
encontra-se na capacidade de persuasão de suas decisões e, ainda, no alinhamento
com outras instituições políticas e com a opinião pública” (1986, p. 277).

3 A polêmica Kelsen-Schmitt
A discussão semântica acerca da jurisdição constitucional, isto é, do controle
concentrado de constitucionalidade, como vimos, inevitavelmente perpassa pelas
mãos de Hans Kelsen, mormente em seu incansável labor de dar vida formal à
materialização constitucional austríaca.
Nesse percurso, Kelsen deparou-se, novamente, com um instigável confronto
acerca da resposta ao questionamento quem deve ser o Guardião da Constituição?1
Nesse texto publicado por ele em 1931, o autor que enfrenta, com sua destreza
peculiar, a posição de Carl Schmitt de que caberia ao chefe de Estado o papel de
constitucionalista-mor.
Assim, assevera, acerca de Schmitt e seu trabalho O guardião da Constituição2, o
quão surpreendente

1 No original, Wer sol der Hüter der Verfassung sein? Publicado em Die Justiz. Heft 11-12, vol. VI, p. 576-628.

2 No original, Hüter der Verfassung. Publicado em Beiträge zum öffentlichen Rechte der Gegenwart, Ed. J. C. B
Mohr (Paul Siebeck), Tübingen, 1931. Há, no entanto, uma publicação do mesmo texto feita anteriormente,
em 1929, e menção ao tema em outros dois artigos: Die Diktatur des Reichspräsidenten nach Artikel 48 der
Weimarer Verfassung, de 1924, e Das Reichsgericht als Hüter der Verfassung, de 1929.

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[...] é que esse escrito tire do rebotalho do teatro constitucional a sua mais
antiga peça, qual seja, a tese de que o chefe de Estado, e nenhum outro órgão,
seria o competente guardião da Constituição, a fim de utilizar novamente
esse já bem empoeirado adereço cênico na república democrática em geral
e na Constituição de Weimar em particular. (KELSEN, 2007 p. 243).

Carl Schmitt ministra um enorme esforço para tentar desqualificar a solução


vista como natural do Judiciário enquanto guardião da Constituição, o que atribuía
basicamente à influência da Suprema Corte Norte-Americana, a qual, segundo ele,
detinha funções muito distintas daquelas exercidas pelos tribunais da Alemanha
(SCHMITT, 1996, p. 12).

Schmitt é contra esta tentativa de Kelsen de racionalizar o Estado de Direito,


ao converter a Justiça Constitucional em guardião da Constituição. Entende
que a função judicial não seria outra que a decisão de casos – em virtude
de leis – e não a discussão do conteúdo das normas. O juiz não poderia se
negar a decidir, pois caso contrário a função judicial se converteria em uma
função que cria direito e não se limita a discutir, tipificar e subsumir os
fatos à norma. (LORENZETTO, 2009, p. 1926).

Como ressalta Gilberto Bercovici, para Schmitt existiam vários impedimentos


para que o Tribunal controlasse a constitucionalidade das leis: a) o controle judicial
funciona a posteriori; b) é um controle acessório que ocorre de maneira incidental,
isto é, de forma difusa, na perspectiva de sentenças judiciais; c) essa sentença
judicial nada mais seria do que a subsunção do fato a uma norma prévia; e d) assim,
seria inadmissível que o Judiciário estivesse acima daquele que confecciona a lei.

Na sua opinião, uma norma jurídica não pode ser defendida por outra
norma jurídica (‘Ein Gesetz kann nicht Hüter eines anderen Gesetzes sein’).
Esta concepção seria fruto da lógica abstrata do normativismo positivista.
Na realidade, o que ocorre é a aplicação da norma a um conteúdo, ou seja,
o problema é do conteúdo das normas jurídicas. Como a questão central é
a determinação do conteúdo da norma, para Schmitt este problema é da
legislação, não da justiça. (BERCOVICI, 2003, p. 195-196).

Para Schmitt, apenas seria admissível que o controle da constitucionalidade


das leis fosse conferido a um Tribunal em um Estado de natureza Judicialista, isto
é, quando absolutamente todas as questões políticas fossem levadas ao Judiciário,
vale dizer, um Estado em que vigoraria a politização da justiça (Politisierung der Justiz)
(SCHMITT, 1996, p. 22). Cumpre ressaltar, como faz Bercovici, que Schmitt parte do
pressuposto de que uma Constituição não possui uma essência jurídica no tocante

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à materialidade constitucional, mas, sim, na decisão política necessária para a sua


criação (BERCOVICI, 2003, p. 196).
Carl Schmitt também descarta o Parlamento enquanto guardião da Constituição.
No Estado Total alemão, marcado por uma ocupação pluralista, “os partidos políticos
inviabilizam a toma de decisões, além do fato de, para Schmitt, a regulação
econômica e social [típica de Estados Totais] ser incompatível com instituições do
liberalismo, como as do sistema parlamentarista” (BERCOVICI, 2003, p. 197). Essa
chuva de diretrizes rompe com qualquer unidade de direcionamento do Parlamento
que, como lembra Schmitt, sequer pode lidar com os percalços econômicos, que dirá
ser Guardião da Lei Fundamental (SCHMITT, 1996, p. 91).
Logo, o papel apenas poderia recair sobre um Poder que estivesse acima dos
outros, agindo de forma neutra, consoante a construção doutrinária de Benjamin
Constant. Poderia até ser um Poder no mesmo nível dos demais, mas com atribuições
e predicativos especiais que o colocasse numa posição de guarda dos demais. Esse
Poder seria atribuído ao Presidente do Reich, conforme o art. 48 da Constituição de
Weimar (SCHMITT, 1996, p. 132). Ao depois, o Presidente seria eleito diretamente
pelo povo alemão, o que lhe conferiria legitimidade democrática para perseguir a
unidade do entendimento constitucional (SCHMITT, 1996, p. 159). E, ainda:

Defende a figura do Chefe de Estado como verdadeiro defensor da


Constituição pelo fato de este ter passado pelo crivo da eleição popular,
aspecto que o legitimaria a atuar com independência em relação aos
partidos e como instância verdadeiramente suprema e neutra. Contudo,
a conversão do Chefe de Estado em Guardião da Constituição guarda
uma opção ideológica bastante nítida pois, ao invés de contribuir na
defesa do sistema constitucional, possibilita a sua violação sob uma base
argumentativa de legitimação. (LORENZETTO, 2009, p. 1926).

Para Kelsen, logo a princípio, é preciso estabelecer uma premissa ao se imaginar


a criação de uma instituição responsável por controlar a conformidade dos atos
estatais à Constituição:

[...] tal controle não deve ser confiado a um dos órgãos cujos atos devem
ser controlados [...] nenhuma instância é tão pouco idônea para tal função
quanto justamente aquela a quem a Constituição confia – na totalidade ou
em parte – o exercício do poder e que portanto possui, primordialmente,
a oportunidade jurídica e o estímulo político para vulnerá-la. [É que,
basicamente,] [...] ninguém pode ser juiz em causa própria. (2007, p. 240).

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Ainda de acordo com Kelsen, a concepção de que o Governo deve ser o guardião
da Constituição parte da tese de que o Monarca seria um terceiro neutro, a realizar
análises de cunho objetivo acima dos dois polos de poder (2007, p. 241), conforme a
criação de Benjamin Constant acerca do Poder Moderador – pouvoir neutre –, utilizado
no Brasil por Dom Pedro I na confecção da Constituição Imperial de 1824, e que, na
prática, demonstrou-se fonte de abusos e arbitrariedades pelo Imperador.

Como poderia o monarca, detentor de grande parcela ou mesmo de todo o


poder do Estado, ser instância neutra em relação ao exercício de tal poder, e
a única com vocação para o controle de sua constitucionalidade? A objeção
de que se trata de uma intolerável contradição seria totalmente descabida,
pois seria aplicar a categoria do conhecimento científico (ciência jurídica
ou teoria do Estado) àquilo que só pode ser entendido como ideologia
política. (KELSEN, 2007, p. 242).

O problema de se apoiar nesse delineamento de Constant, segundo Kelsen, para


atribuir ao Presidente do Reich o papel de Guardião da Constituição, é que aquele
tem como pressuposto a existência de dois poderes Executivos distintos: um passivo
e um ativo, sendo que apenas o passivo teria cunho neutro. Ocorre que tal visão em
nada se adequa ao perfil do Presidente do Reich, conhecido na Constituição de Weimar
justamente pela imensa gama de poderes, consoante o seu art. 48, tornando-se, com
mais essa guarda, um “[...] senhor soberano do Estado”, algo que é de tudo incompatível
“[...] com a função de um garante da Constituição” (KELSEN, 2007, p. 245-246).
Ao depois, havia uma enorme dificuldade em compreender, dentro da esfera
teórica do Estado enquanto um jurídico acima do político, como poderiam ser
relegadas a alguém atividades que pudessem ser norteadas por diretrizes políticas.

Mantidas as devidas proporções, essa idéia ainda permanece até hoje, uma
vez que os tribunais constitucionais que se formaram segundo o modelo
da Supreme Court dos Estados Unidos da América, como o Supremo Tribunal
Federal do Brasil, mantêm referido tipo de entendimento, na esperança de
afastar a heterogeneidade da política representativa e democrática do teor
de suas composições e de suas decisões. (LIMA, 2013, p. 3).

Ademais, Schmitt atacava, sobretudo, o fato de que uma corte constitucional


composta a partir de uma proporcionalidade partidária não teria cunho judicial,
mas político.
Kelsen rebate com maestria o argumento. Para ele, Schmitt parte do pressuposto
de que haveria uma contradição entre as funções jurisdicionais e as funções políticas,
de forma que, se a anulação das leis é um ato político, não poderia ser ao mesmo

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476 Jurisdição Constitucional: entre a guarda da Constituição e o ativismo judicial

tempo jurídico. “Tal concepção, contudo, é falsa, porque pressupõe que o exercício do
poder esteja encerrado dentro do processo legislativo” (KELSEN, 2007, p. 250-251).

O caráter político da jurisdição é tanto mais forte quanto mais amplo


for o poder discricionário que a legislação, generalizante por sua própria
natureza, lhe deve necessariamente ceder. A opinião de que somente a
legislação seria política – mas não a verdadeira jurisdição – é tão errônea
quanto aquela segundo a qual apenas a legislação seria criação produtiva
do direito, e a jurisdição, porém, mera aplicação reprodutiva. Trata-se,
em essência, de duas variantes de um mesmo erro. Na medida em que
o legislador autoriza o juiz a avaliar, dentro de certos limites, interesses
contrastantes entre si, e decidir conflitos em favor de um ou outro, está
lhe conferindo um poder de criação do direito, e portanto um poder que
dá à função judiciária o mesmo caráter político que possui – ainda que
em maior medida – a legislação. Entre o caráter político da legislação e
o da jurisdição há apenas uma diferença quantitativa, não qualitativa. Se
fosse da natureza da jurisdição não ser política, então seria impossível
uma jurisdição internacional; ou melhor: a decisão, segundo as normas do
direito internacional, de controvérsia entre Estados, que só se distinguem
dos conflitos internos porque aparecem mais claramente como conflitos de
poder, deveria receber outra denominação. (KELSEN, 2007, p. 251).

Outrossim, Kelsen assevera que a Suprema Corte não faz nada diferente dos
Tribunais Alemães “[...] quando estes exercem seu direito de controle, ou seja, não
aplicando ao caso concreto as leis consideradas inconstitucionais” (2007, p. 249).
Para ele, no plano prático, a única diferença é que o Tribunal de cassação não anula
a lei inconstitucional para apenas um caso concreto, mas sim no plano abstrato:

Schmitt não pode desmentir que um tribunal, quando rejeita a aplicação


de uma lei inconstitucional, suprimindo assim sua validade para o caso
concreto, funciona na prática como garante da Constituição, mesmo que
não se lhe conceda o altissonante título de guardião da Constituição.
(KELSEN, 2007, p. 250, grifos no original).

Para Hans Kelsen, vencedor legítimo da contenda, a história constitucional


encontrou bom amparo para a jurisdição constitucional, vista, para a maioria, como
o Poder que naturalmente deveria herdar o papel de guarda da Constituição. Mais
do que isso, sobretudo no território norte-americano, os esforços para afastar a
vertente política da Suprema Corte acabaram paulatinamente ruindo em uma
série de decisões históricas em que a Corte inevitavelmente extrapolou o âmbito
jurisdicional. Veja-se, a propósito, os casos Marbury v. Madison (1803), Luther v.

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Borden (1849), Dred Scott v. Sandford (1857), Brown v. Board of Education (1954) e
Cooper v. Aaron (1958).
Nesse sentido, salutar o magistério do professor Gomes Canotilho:

Em primeiro lugar, não deve admitir-se uma recusa de justiça ou declinação


de competência do Tribunal Constitucional só porque a questão é política
e deve ser decidida por instâncias políticas. Em segundo lugar, como já se
disse, o problema não reside em, através do controlo constitucional, se fazer
política, mas sim em apreciar, de acordo com os parâmetros jurídico-materiais da
constituição, a constitucionalidade da política. A jurisdição constitucional tem,
em larga medida, como objecto, apreciar a constitucionalidade do político.
Não significa isto, como é óbvio, que ela se transforme em simples jurisdição
política, pois tem sempre de decidir de acordo com os parâmetros materiais
fixados nas normas e princípios da constituição. Consequentemente, só
quando existem parâmetros jurídico-constitucionais para o comportamento
político pode o TC apreciar a violação desses parâmetros. (2007, p. 1309,
grifos no original).

Uma das principais vertentes da jurisdição constitucional é a sua capacidade


de contribuir para a democracia, mormente quando o estilo jurisdicional pressupõe
o amplo debate acerca das questões abordadas, com a oitiva pública, e o exercício
de seu papel contramajoritário, o que elucida uma preciosa vertente política da
Corte. Como bem ressalta Canotilho, o objetivo não é impedir a existência de juízos
político-valorativos, mas sim guiá-los dentro da função jurisdicional (2007, p. 1309).
Ademais, vale a observação de Rui Barbosa:

Uma questão pode ser distintamente política, altamente política, segundo


alguns, até puramente política fora dos domínios da justiça, e, contudo,
em revestindo a forma de um pleito, estar na competência dos tribunais,
desde que o ato, executivo ou legislativo, contra o qual se demanda, fira a
Constituição, lesando ou negando um direito nela consagrado. (1910, p.178).

Não se olvide, outrossim, que independentemente do teor político analisado


pela Corte, ela jamais se furta à justificação racional de suas decisões. Assim, a
construção racional da decisão serve como um instrumento para se averiguar quão
política é a decisão da Corte e se, por ventura, ela adentra, desarrazoadamente,
na esfera legislativa. Seria absolutamente ilusória a tentativa de afastamento
político daquele que tem como missão analisar o instrumento mais político de
uma sociedade: a sua Constituição.

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478 Jurisdição Constitucional: entre a guarda da Constituição e o ativismo judicial

Ele deve crer que é um mero autômato, que não produz criativamente
direito, mas sim apenas acha direito já formado, acha uma decisão já
existente na lei. Tal doutrina já foi desmascarada há muito tempo. Não é
portanto tão estranho que Schmitt, depois de haver se servido dessa teoria
do automatismo para separar, como princípio, a jurisdição como mera
aplicação da lei e a legislação como criação do direito, e depois que ela lhe
assegurou o principal argumento teórico em sua luta contra a jurisdição
constitucional – ‘uma lei não é uma sentença, uma sentença não é uma lei’
–, coloque-a de lado, declarando enfaticamente: ‘Em toda decisão, mesmo
na de um tribunal que resolva um processo mediante a subsunção de um
fato material, há um elemento de decisão pura que não pode ser deduzido
do conteúdo da lei’. (KELSEN, 2007, p. 258, grifos no original).

Todavia, como iremos tratar adiante, muitas vezes nem mesmo a justificação
racional parece ser limite para o avanço do Tribunal sobre a criação do Direito. De
fato, existe uma fina linha entre a interpretação e a criação, a mesma que responderá
ao questionamento acerca do papel exercido pela Corte Constitucional.

4 Interpretação e construção: entre o procedimental e o substancial nasce o


ativismo

Os limites entre a interpretação e a criação do Direito, no trabalho dos Tribunais,


sobretudo das Cortes Constitucionais, é questão tormentosa para os juristas
públicos. Muito do problema, no entanto, se dá em decorrência da perquirição pelos
mesmos juristas da existência de uma linha divisória sabidamente inexistente e
absolutamente imprecisa.
Alcunhados de ativistas ou substancialistas, muitos juízes e Tribunais sofrem
cotidianamente a acusação de estarem adentrando a seara legislativa, extrapolando
o círculo jurisdicional, criando o Direito. Mas será o ativismo pura criação ou a criação
é inerente a toda interpretação judicial? E se essa segunda parte for verdade, a
interpretação é meramente criativa ou em seu contexto existe um espaço de criação
e um espaço de aplicação?

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A preocupação com o ativismo do Judiciário é partilhada por nomes como


Bruce Ackerman, para quem a democracia dualista não admite a formatação de
modelos morais por parte das Cortes Superiores, sob pena de inversão do fluxo
das mudanças sociais.

Não é próprio à jurisdição especial dos juízes e juristas conduzir o povo


progressivamente na direção de novos e mais elevados valores. Essa é a
tarefa dos cidadãos que podem, após investir muita energia, ter sucesso
(ou fracassar) na tarefa de obter o consentimento da maioria dos seus
compatriotas. O que os juízes e juristas podem fazer é preservar as
conquistas da soberania popular durante os longos períodos da nossa
existência pública, quando a cidadania não estiver mobilizada para grandes
conquistas constitucionais. (ACKERMAN, 2006, p. 195).

Em outubro de 1928, em palestra proferida junto ao Instituto Internacional de


Direito Público3, na qual abordou o perfil decisional da jurisdição constitucional,
Kelsen ressaltou que muito do equívoco argumentativo sobre o direito decorre
de sua confusão ontológica com a lei. Nessa concepção, a jurisdição, atuando de
forma externa ao direito, se restringe a aplicar um direito preexistente a ela, ou
melhor, a própria lei. Criar estaria resumido ao ato de subsunção do fato à lei
(KELSEN, 2007, p. 124).
Para ele, no entanto, é incompreensível o abismo que se cria entre a criação da
lei e a sua execução. Tanto a criação quanto a execução exercem um papel duplo
de criar e aplicar o direito: “Legislação e execução não são duas funções estatais
coordenadas, mas duas etapas hierarquizadas do processo de criação do direito, e
duas etapas intermediárias” (KELSEN, 2007, p. 124-125).
Todo o processo que culmina na aplicação do direito se inicia com a influência
da ordem jurídica internacional nos poderes constituintes, perpassando pelos
reflexos nos atos normativos e, novamente, nos atos administrativos e sentenças,
alcançando, enfim, atos executórios materiais.
Durante esse desenvolvimento, o direito se mostra criador do próprio direito,
ao passo que os atos executórios, sem se desligar do direito que lhes embasa,
conduzem a uma eterna dialética de criação e recriação estatal. Assim, todas as

3 O texto referente à exposição e aos debates foi publicado pela primeira vez em francês (La garantie
jurisdictionelle de la Constitution), na Revue de Droit Public et Science Politique n. 35, p. 197-257, em 1928.
Posteriormente, em 1929, foi publicado em alemão (Wesen und Entwicklung der Staatsgerichtsbarkeit) na
Veröffentlichungen der Vereinigung der deutschen Staatsrechtslehrer, Heft 5, p. 31-88.

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480 Jurisdição Constitucional: entre a guarda da Constituição e o ativismo judicial

etapas desse processo passam a representar a vontade criadora e coletiva eivada no


Estado moderno (BORGES DE OLIVEIRA, 2015, p. 159).
Partindo da Constituição, enquanto norma fundamental positivada, nota-se
a sua regulação da legislação infra, de forma que tal legislação se converte em
aplicação do direito constitucional. Todavia, para os decretos e regulamentos que
esmiúçam o conteúdo legal, a lei é a fonte criadora do direito, ao mesmo tempo em
que o Decreto é, em relação à lei, aplicação, mas, para o ato administrativo que o
aplica, será criação (KELSEN, 2007, p. 125).
Nesse diapasão, o direito se concretiza ao longo de todo esse percurso, que
se inicia com a Constituição e termina nos atos executórios materiais. A cada nível
em direção aos atos de execução, diminui-se o espaço criativo e aumenta-se a
parte aplicadora (KELSEN, 2007, p. 126). Cada grau produz direito para o inferior e
reproduz o direito recebido do superior. As sentenças, praticamente na base desse
esquema, possuiriam maiores limitações para a criação, mas nem por isso a criação
deixaria de existir.
A regularidade da norma é averiguada justamente quanto à sua relação com
a norma de grau superior. “Garantias da Constituição significam portanto garantias
da regularidade das regras imediatamente subordinadas à Constituição, isto é,
essencialmente, garantias da constitucionalidade das leis” (KELSEN, 2007, p. 126).
A interpretação percorre um processo necessariamente criativo, até porque
a decisão não se restringe a apontar a interpretação correta, mas também deve
afastar as divergências, ainda que de forma subliminar. Nesse caminho da escolha
interpretativa, o resultado que se afigure absolutamente oposto à norma restará
como clara criação. Como asseveram Mendes, Coelho e Branco, “[...] uma coisa é
atribuírem-se, criativamente, significados ou sentidos às regras de direito, e outra,
bem distinta, é desconstruí-las, mas, ainda sim, dizer que isso é interpretação” (2008,
p. 92, grifo no original).
Cumpre ressaltar que nos modernos Estados Constitucionais, que adotam
a vetusta concepção tripartite de Montesquieu, a atividade legislativa é função
destinada ao Legislativo, que o faz, geralmente, por representantes eleitos
diretamente pelo povo. O exercício desarrazoado e desproporcional da criação legal
por outros poderes é, na prática, um desvirtuamento do próprio Estado de Direito.
No anseio de se criar uma tênue linha entre a criação judicial do Direito e
a pura legislação, Cappelletti argumenta que o trabalho de cunho legislativo do
Judiciário guarda algumas peculiaridades que o tornam diferenciado do próprio

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Legislativo: a) os juízes devem ser super partes, isto é, decidir sobre casos dos
quais eles não participem ou tenham interesse, livres das pressões das partes; b) o
processo deve sempre apresentar claramente seu caráter contraditório, permitindo
uma manifestação adequada de todas as partes perante um juiz imparcial; e c) o
processo jurisdicional necessita de atores a movê-lo, não se iniciando ex officio
(1999, p. 75-76).
O controle de constitucionalidade, evidentemente, tem como uma de suas razões
a efetivação da Constituição, mormente de seus direitos fundamentais, permitindo
que, para isso, o Judiciário aja como legislador negativo, mas tendo como parâmetro
limite a própria Constituição. “O problema é sempre a interpretação que desvirtue
do sentido da norma constitucional, bem como da criação legal sem qualquer base
na Constituição” (BORGES DE OLIVEIRA, 2015, p. 161).
Em linha oposta à teoria substancial, apoiada por Cappelletti, Ely defende um
afastamento quase total do Judiciário das decisões políticas, servindo-lhe apenas
para desobstruir os caminhos legitimamente democráticos por meio da teoria do
reforço da democracia (democracy-reinforcement).
Ely parte de uma concepção procedimental do papel do Judiciário quanto à
democracia, de sorte que deve este Poder exercer suas atribuições para garantir o
bom funcionamento do processo democrático, sem interferir no mérito das escolhas
realizadas politicamente.
Não haveria justificativa, segundo Ely (2010, p. 8), para a crença de que os valores
dos juristas deveriam prevalecer sobre aqueles pertencentes aos representantes
democraticamente eleitos. E, caso os representados não concordassem com as
opções destes, poderiam demonstrar sua insatisfação no pleito eleitoral.

Quando uma Corte invalida um ato dos poderes políticos com base na
Constituição, no entanto, ela está rejeitando a decisão dos poderes políticos,
e em geral o faz de maneira que não esteja sujeita à correção pelo processo
legislativo ordinário. Assim, eis a função central, que é ao mesmo tempo
o problema central, do controle judicial de constitucionalidade: um órgão
que não foi eleito, ou que não é dotado de nenhum grau significativo de
responsabilidade política, diz aos representantes eleitos pelo povo que
eles não podem governar como desejam. (ELY, 2010, p. 8, grifos no original).

Assim, o Judiciário deveria deixar a democracia seguir naturalmente seu curso,


intervindo apenas quando o processo apresentar falhas que gerem desconfiança, a
fim de controlar o seu livre exercício:

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Não é justo dizer que o governo está funcionando mal só porque às vezes ele
gera resultados com os quais discordamos, por mais forte que seja nossa
discordância (e afirmar que ele obtém resultados de que o povo discorda –
ou de que discordaria, se compreendesse – na maioria das vezes é um pouco
mais que uma projeção delirante). Numa democracia representativa, as
determinações de valor devem ser feitas pelos representantes eleitos; e, se
a maioria realmente desaprová-los, poderá destituí-los através do voto. O
mau funcionamento ocorre quando o processo não merece nossa confiança.
Quando (1) os incluídos estão obstruindo os canais da mudança política
para assegurar que continuem sendo incluídos e os excluídos permaneçam
onde estão, ou (2) quando, embora a ninguém se neguem explicitamente a
voz e o voto, os representantes ligados à maioria efetiva sistematicamente
põem em desvantagem alguma minoria, devido à mera hostilidade ou à
recusa preconceituosa em reconhecer uma comunhão de interesses – e,
portanto, negam a essa minoria a proteção que o sistema representativo
fornece a outros grupos. (ELY, 2010, p. 137, grifos no original).

Ely critica, outrossim, a leitura moral da Constituição, dado o fato de ela estar
mais sensível às opções puramente pessoais de cada justice (2010, p. 78). Tais críticas
merecem sublime consideração, pois escancaram uma preocupação homogênea,
mesmo entre aqueles mais ativistas, de que o Tribunal não deve exceder seu campo
jurisdicional e se colocar na posição de legislador e de que não é desejável que os
juízes se valham puramente de suas opções morais para justificar decisões coletivas.
Muito da construção interpretativa de cunho criativo advém da seara da
hermenêutica constitucional. Noutras palavras, as bases interpretativas como
supedâneo da expansão do texto constitucional. De fato, Hesse revela que a abertura
e a amplitude da Constituição trazem problemas de ordem prática na interpretação
desenvolvida na seara da jurisdição constitucional (1998, p. 54). Mas ressalta:

Tarefa da interpretação é encontrar o resultado constitucionalmente exato em


um procedimento racional e controlável, fundamentar esse resultado racional
e controlavelmente e, deste modo, criar certeza jurídica e previsibilidade – não,
por exemplo, somente decidir por causa da decisão. (HESSE, 1998, p. 55).

Teoricamente, aquilo que permite o abuso também serve como controle. A


justificação racional das decisões é o melhor termômetro do avanço indevido do
Judiciário, não apenas para os juristas que participam ativamente do cotidiano dos
Tribunais a aprovar ou reprovar as conclusões jurídicas, mas para a própria população.
A submissão do direito ao mundo fenomênico da cultura, a edificação
constitucional na principiologia e as vicissitudes típicas do intérprete diante de

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sentidos dúbios ou cambiantes devem também ser tomadas em conta quando se


está por exigir objetividade ou fundamentação estritamente racional do julgador. O
processo interpretativo e o desafiante deslinde entre a letra fria da lei e a vida das
pessoas não podem ser ignorados quando da avaliação da conduta jurisdicional,
mas, como ressalta Cappelletti, criatividade jurisprudencial não significa direito
livre (1999, p. 26).
Longe de ser um risco, a jurisdição constitucional é uma necessidade para o
desenvolvimento do Estado democrático, desde que, como dissemos, respeitados os
parâmetros que evitam transformar o jurisdicional em legislativo.
Como ensina Grant Gilmore (1978, p. 108), o ativismo nos Estados Unidos
destacou-se sob o comando do chief Earl Warren, mas o precedeu em muito,
desenvolvendo-se tanto nas esferas do Direito Público, como do Direito Privado,
tanto nos tribunais estaduais quanto nos tribunais federais. A jurisprudência do pós
Guerra Civil, acostumada com abstrações e teorias unitárias, viu-se questionada
pelas formulações doutrinárias de relevo e, paulatinamente, cedeu lugar para uma
revisão da postura judicial (GILMORE, 1978, p. 108-109).
Vale lembrar a assertiva de Baum sobre aquele momento histórico: “Mesmo hoje,
cerca da metade das decisões da Corte refere-se a leis em vez de à Constituição e
estas decisões sobre leis, frequentemente, têm componentes ativistas” (1987, p. 269).
Contudo, mesmo na Alemanha, onde o Bundesverfassungsgericht4 se demonstra
especialmente forte, a constitucionalização da interpretação legal é vista dentro de
certos parâmetros, “pois constitucionalização exacerbada leva à suspensão de todo
o direito privado, ao avanço de um ativismo judicial sem rédeas com o inexorável
comprometimento dos princípios da separação de funções (poderes) estatais e
democrático” (MARTINS, 2011, p. xxi).
É imperativo ter em mente, em qualquer experiência acerca da jurisdição
constitucional, que não deve reinar interpretação que se furte à lógica ou se esconda
dos limites razoáveis do texto, ainda que inserto em um mundo cultural.
Para Konrad Hesse, o direito não-escrito não deve entrar em contradição
com a Constituição escrita, perfazendo “[...] limite insuperável da interpretação
constitucional” (1998, p. 69). Mais do que isso, esse “[...] limite é pressuposto da
função racionalizadora, estabilizadora e limitadora do poder da Constituição”. Vale
ressaltar que onde “[...] o intérprete passa por cima da Constituição, ele não mais
interpreta, senão ele modifica ou rompe a Constituição” (1998, p. 69-70).

4 Tribunal Constitucional Federal

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484 Jurisdição Constitucional: entre a guarda da Constituição e o ativismo judicial

Tais medidas, por si só, não têm o condão de garantir que as decisões
jurisdicionais, em sede de controle de constitucionalidade, estarão sempre ancoradas
na fundamentação racional das sentenças, até mesmo diante da existência de
espaços altamente ambíguos ou dúbios. Mas quanto maior a possibilidade de
controle externo – em qualquer dos Poderes –, menores as chances de que um Poder
realize tentativas indiscretas de ultrapassar seus limites e usurpar a função alheia.
Por fim, ressalte-se que qualquer interpretação do texto constitucional guardará
sempre na razoabilidade e na proporcionalidade os seus limites. Seja pela vertente
meramente gramatical, seja até pelo Espírito da Constituição, não há espaço para
ofensas ao projeto constitucional. Não soaria razoável, por exemplo, afirmar que o
termo caráter nacional dos partidos políticos exigiria a verticalização das coligações
partidárias, destoando completamente da lógica construtiva do texto original. Ou até
mesmo a conclusão, motivada por motes de mutação constitucional, de que o artigo
52, X, da Constituição passaria a significar mera publicidade da decisão, usurpando
a prerrogativa confiada ao Senado Federal, algo que não pode ser razoavelmente
extraído do texto. Ainda, inúmeras decisões em que o silêncio constitucional possui
efeitos distintos, ora para permitir, ora para proibir.
Percebe-se, assim, que mais do que o caráter de amplitude do texto
constitucional, o que é natural na maioria dos Estados, importarão os liames que
guiam as Cortes. A inafastabilidade do texto, a necessidade de motivação lógica e
a razoabilidade interpretativa podem se oferecer como excelentes balizas, mas não
serão suficientemente produtivas quando o Tribunal se colocar em uma superposição,
eivando-se da responsabilidade de defender, exclusivamente, a Constituição.

5 Conclusão
A proteção do projeto constitucional, historicamente, atribuiu aos Tribunais
o papel de interpretação das leis segundo a Constituição, seja no modelo norte-
americano – criado como difuso, mas desenvolvido no âmbito da Suprema Corte –,
seja no espectro europeu de Kelsen, de caráter concentrado, ou até mesmo conforme
o desenho atribuído pelo direito brasileiro, a mesclar ambos modelos.
A atribuição a tais Cortes, em preferência a qualquer outra forma de controle,
como pretendia Schmitt, confere aos Tribunais a prerrogativa de medir a eficácia
das pretensões constitucionais, tarefa muito além da simples dedução lógica de
positividade ou negatividade no confronto entre o direito infraconstitucional e a
própria Constituição.

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Soma-se a isso a característica comum das Constituições contemporâneas de


garantir uma série extensa de direitos, a inércia ou falta de vontade política dos
demais Poderes e o trato especial destinado ao Judiciário. Eis um conglomerado
capaz de gerar certos riscos.
Os Tribunais Constitucionais de hoje apresentam-se com a missão permanente de
apaziguar os ânimos decorrentes da discussão sobre a interpretação constitucional e, ao
mesmo tempo, transformar, em alguns casos, a simples promessa em realidade material.
Claro que não era essa a preocupação do judicial review, não pelo menos quando
de sua nascença em 1803, embora a Suprema Corte hoje seja vista com os mesmos
olhos das Cortes Constitucionais modernas. Contudo, os Tribunais que ascenderam ou
que foram reformulados no pós-Guerra, em Estados democráticos, inevitavelmente
têm trilhado por este caminho. Logo, a jurisdição constitucional é uma realidade
social-normativa com a função de interpretar e realizar a Constituição, protegendo-a
das intempéries políticas e dos momentos de instabilidade jurídica.
Embora a jurisdição constitucional se apresente como necessária para a
edificação cotidiana de um Estado democrático, não se pode olvidar, atualmente,
dos riscos inerentes à interpretação judicial desenvolvida em face da Constituição,
mormente quando falamos em ativismo.
De um lado, a corrente substancialista defende uma amplitude maior dos
poderes jurisdicionais no momento da leitura constitucional, inclusive para conferir
efetividade a direitos e invadir searas eminentemente políticas. De outro lado, a
teoria procedimentalista arrefece os ânimos da Corte, atribuindo-lhe a função de
cuidar dos meios legitimamente democráticos para a tomada de decisões políticas,
e não para ela própria tomá-las.
É evidente que entre a interpretação e a criação ergue-se um caminho indefinido
e impossível de ser limitado. Mas é preciso ter em mente que alguns parâmetros
devem estar a guiar o trabalho da jurisdição constitucional, para que não se torne
ela a representação da vontade de todas as funções estatais, fazendo-o sem balizas
e à medida de sua vontade.
Há que se ter em conta, primeiramente, que a interpretação – o direito não-
escrito – não pode guardar distância do próprio texto constitucional escrito, de
forma a afirmar aquilo que não consta da literalidade do dispositivo. Em segundo
lugar, qualquer interpretação somente pode ser fruto de uma construção lógica
e motivada, sem a qual ganharia contornos arbitrários imediatos. Por fim, a
hermenêutica constitucional, em qualquer de seus modelos, deve guardar conexão

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com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sob pena de gerar


conclusões que se afastam completamente do projeto constitucional.
É claro que, como dissemos, tais medidas não garantirão que a interpretação
constitucional se mantenha dentro dos parâmetros jurisdicionais, até porque
tais balizas muitas vezes são incertas. Mas constituir-se-ão parâmetros válidos a
serem reforçados pelo julgador, de modo a evitar tanto as conclusões claramente
usurpadoras de funções, quanto o desejo do resultado da decisão antes mesmo do
desenvolvimento hermenêutico.

6 Referências
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respeitada instituição judiciária do mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense
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ESTEVES, Maria da Assunção. Legitimação da justiça constitucional e princípio


majoritário. Legitimidade e legitimação da justiça constitucional (Colóquio no
10o aniversário do Tribunal Constitucional – Lisboa, 28 e 29 de maio de 1993).
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GILMORE, Grant. As eras do direito americano. Rio de Janeiro: Forense


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* Normas de submissão de trabalhos
à Revista Jurídica da Presidência

Condições para recebimento dos artigos

Ineditismo: a Revista Jurídica da Presidência publica apenas artigos inéditos, que


não tenham sido divulgados em outros meios (blogs, sites ou outras publicações).

Envio de artigos: Somente serão aceitos artigos encaminhados à Coordenação


de Editoração da Revista Jurídica da Presidência por meio do sítio eletrônico: https://
revistajuridica.presidencia.gov.br.

Número de Palavras: mínimo de 7.000 (sete mil) e máximo de 9.000 (nove mil)


no artigo completo.

Idiomas:  os autores podem encaminhar artigos redigidos em Português, Inglês,


Francês e Espanhol.

Tipo de arquivo:  são admitidos arquivos com extensões .DOC, .DOCX, .RTF e
.ODT, observadas as normas de publicação e os parâmetros de editoração adiante
estabelecidos.

Requisitos para o(s) autor(es): a Revista Jurídica da Presidência só admite artigos


de autores  graduados (qualquer curso superior). Graduandos podem submeter
artigos em coautoria com graduados.

Fomento:  O autor deve informar à Revista qualquer financiamento, bolsa de


pesquisa ou benefícios recebidos, de fonte comercial ou não, declarando não haver
conflito de interesses que comprometa o trabalho apresentado.

Composição e formatação dos artigos


Os artigos devem ser digitados com fonte tipo Arial ou Times New Roman,
tamanho 12, espaçamento entre linhas 1,5 e texto justificado. A configuração da
página deve ser feita no padrão A4 (210 mm x 297 mm), com margens superior e
esquerda de 3 cm e inferior e direita de 2 cm.

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490

As seções iniciais e finais do artigo devem ser denominadas introdução e conclusão,


respectivamente.

Os textos submetidos deverão conter os seguintes itens:

1.Título
Deve conter, no máximo, 15 (quinze) palavras, incluído o subtítulo (quando
houver), realçado em negrito. Título e subtítulo do artigo devem ter  apenas  a
primeira letra de cada frase em maiúscula, salvo nos casos em que o uso desta seja
obrigatório. Exemplo:

A suposta permissão do Código Civil para emissão eletrônica dos títulos de crédito

2. Sumário
Deve ser posicionado logo abaixo do título e reproduzir somente número e
nome das seções principais que compõem o artigo.

3. Resumo
Deve ser um texto conciso (até 150 palavras), redigido em parágrafo único, que
ressalte o objetivo e o assunto principal do artigo. A enumeração de tópicos não
deve ser usada nesse item. Deve-se, ainda, evitar o uso de símbolos e contrações que
não tenham uso corrente e de fórmulas, equações e diagramas. 

4. Palavras-chave
Indicar até 5 (cinco) termos que classifiquem o trabalho com precisão adequada
para sua indexação, separados por travessão. 

5. Referências
A indicação das referências deve obedecer ao disposto na NBR 6023 –
Informação e Documentação - Referências - Elaboração/ Ago. 2002 da ABNT. Esse
item deve conter todos os dados necessários à identificação das obras, dispostas em
ordem alfabética. A distinção de trabalhos diferentes de mesma autoria será feita
levando-se em consideração a ordem cronológica, conforme o ano de publicação.

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491

Os trabalhos de igual autoria e publicados no mesmo ano serão diferenciados


acrescentando uma letra ao final do ano (Ex. 2016a, 2016b).

Citações e destaques no texto


As citações realizadas ao longo do texto devem obedecer ao disposto na NBR
10520 – Informação e Documentação - Citações em documentos – Apresentação/
Ago. 2002 da ABNT e adotar o  sistema autor-data, segundo o qual se emprega o
sobrenome do autor ou o nome da entidade, a data e a(s) página(s) da publicação da
qual se retirou o trecho transcrito.

1.  Citação indireta ou direta sem o nome do autor expresso no texto: deve
apresentar, entre parênteses, a referência autor-data completa. Exemplo:

A criança passa a ocupar as atenções da família, tornando-se dolorosa a


sua perda e, em razão da necessidade de cuidar bem da prole, inviável a grande
quantidade de filhos (ARIÈS, 1973, p. 7-8).

Mas esse prestígio contemporâneo do Poder Judiciário decorre menos de uma


escolha deliberada do que de uma reação “de defesa em face de um quádruplo
desabamento: político, simbólico, psíquico e normativo” (GARAPON, 2001, p. 26).

2.  Citação indireta ou direta com o nome do autor expresso no texto:  deve
apresentar, entre parênteses, o ano e a(s) página(s) da publicação. Exemplo:

Duarte e Pozzolo (2006, p. 25) pontuam que a ideologia constitucionalista


adota o modelo axiológico de Constituição como norma, estabelecendo uma defesa
radical de interpretação constitucional diferenciada da interpretação da lei.

A Licença Compulsória, segundo Roberta Marques (2013, p. 321), pode ser


definida como “a permissão de industrialização e comercialização de um produto
patenteado, sem o consentimento do titular do monopólio”.

Citações com até 3 (três) linhas devem permanecer no corpo do texto, sem recuo
ou realce, destacadas por aspas. As citações com mais de 3 (três) linhas devem ser
separadas do texto com recuo de parágrafo de 4 (quatro) cm, 11 pontos, espaçamento
entre linhas simples e texto justificado, sem o uso de aspas.

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492

Destaques: Os destaques existentes na obra original devem ser reproduzidos de


forma idêntica na citação. Caso não haja destaques no original mas o autor do artigo
deseje ressaltar alguma informação, é possível utilizar-se desse recurso atentando-
se às normas especificadas abaixo. 

1.       Destaques no original: após a transcrição da citação, empregar a expressão


“grifo(s) no original” entre parênteses.

2.       Destaques do autor do artigo: após a transcrição da citação, empregar a


expressão “grifo(s) nosso(s)” entre parênteses.
 
Outros destaques em trechos do texto devem ocorrer  apenas  no estilo de
fonte itálico e somente nos seguintes casos: 1) expressões em língua estrangeira; e
2) realce de expressões.

  Tradução de citação em língua estrangeira: as citações em língua estrangeira


devem ser sempre traduzidas para o idioma predominante do artigo nas notas de
rodapé, acompanhadas do termo “tradução nossa” entre parênteses.

  Notas de rodapé:  Deve conter  apenas  informações complementares e que


não podem ser inseridas no texto. Não deve ser muito extensa nem deve conter
citações e devem ser formatadas na mesma fonte do artigo, tamanho 10 pontos,
espaçamento entre linhas simples e alinhamento justificado.
 

Elementos com traduções obrigatórias para outros idiomas


  Os elementos  Título,  Sumário,  Resumo  e  Palavras-chave  devem
ser obrigatoriamente traduzidos para outros idiomas. Os artigos enviados em Língua
Portuguesa devem ter esses itens traduzidos para o Inglês e para mais um idioma a
escolher entre Espanhol e Francês.

 Os artigos enviados em Língua Estrangeira devem ter os itens traduzidos para
o Português e o Inglês ou, caso esta seja a língua predominante do artigo, para o
Francês ou para o Espanhol.

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493

Referências
 Todos os documentos mencionados no texto devem constar nas referências, de
acordo com o disposto na NBR 6023 da ABNT. Para auxiliar os autores na composição
das referências, estão reproduzidos exemplos abaixo:

1. Livros (manual, guia, catálogo, enciclopédia, dicionário, trabalhos


acadêmicos):
 Impressos. Exemplos:

BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto.  Responsabilidade social: práticas sociais e


regulação jurídica. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006.

 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

 Eletrônicos. Exemplos:

 CAMÕES, Luis de. Os Lusíadas. Biblioteca Nacional Digital de Portugal. 2. ed. 1572.
Disponível em: <http://purl.pt/1/3/#/0>. Acesso em: 16 mar. 2016. 

 BRASIL. Combate a Cartéis e Programa de Leniência. Secretaria de Direito Econômico,


Ministério da Justiça, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, 3. ed. 2009.
Disponível em: <http://www.cade.gov.br/upload/Cartilha%20Leniencia%20SDE_
CADE.pdf>. Acesso em: 29 abr. 2016.

2. Coletâneas. Exemplos:
 
TOVIL, Joel. A lei dos crimes hediondos reformulada: Aspectos processuais penais. In:
LIMA, Marcellus Polastri; SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna (Coord.). A renovação
processual penal após a constituição de 1988: estudos em homenagem ao professor
José Barcelos de Souza. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

  AVRITZER, Leonardo. Reforma Política e Participação no Brasil. In: AVRITZER,


Leonardo; ANASTASIA, Fátima (Org.).  Reforma Política no Brasil. Belo Horizonte:
UFMG, 2006.

3. Periódicos:
 

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494

Impressos. Exemplo:
 
MENDES, Gilmar Ferreira. O Mandado de Injunção e a necessidade de sua regulação
legislativa.  Revista Jurídica da Presidência. Brasília, v. 13, n. 100, jul./set. 2011, p.
165-192.

PAIVA, Anabela. Trincheira musical: músico dá lições de cidadania em forma de


samba para crianças e adolescentes. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro. 12 de janeiro
de 2002, p. 2.

 
Eletrônicos. Exemplo:
 
COELHO, Fábio Ulhoa. O Projeto de Código Comercial e a proteção jurídica do
investimento privado. Revista Jurídica da Presidência. Brasília, v. 17, n. 112, jun./set.
2015, p. 237-255. Disponível em: <https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.
php/saj/article/view/1113/1099>. Acesso em 16 mar. 2016.

4. Atos normativos. Exemplos:
  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de
1988. Diário Oficial da União. Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 16 mar. de 2016.

  ______. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo


Penal.  Diário Oficial da União. Rio de Janeiro, 1941. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 16 mar. 2016.

5. Projetos de lei. Exemplos:
BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei nº 6.793/2006, versão final. Disponível
em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=382
965&filename=PL+6793/2006>. Acesso em: 16 mar. 2016.

  ______. Câmara dos Deputados.  Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº


41/2010. Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/
materia/96674>. Acesso em: 16 mar. 2016.

6. Jurisprudência:
 
Impressa. Exemplos:
 
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula no  14. In: ______.  Súmulas. São Paulo:
Associação dos Advogados do Brasil, 1994, p.16.

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495

 
Eletrônica. Exemplos:
 
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus no 97.976 MC/MG. Relator: Ministro
Celso de Mello. Brasília, 12 mar. 2009. Diário de Justiça Eletrônico. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=((97976.
NUME.%20OU%2097976.DMS.))%20 NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>.
Acesso em: 16 mar. 2016.

7. Notícias eletrônicas. Exemplos:
COSTA, Rodolfo.  Ministério da Justiça fortalece consumidor.gov para diminuir
conflitos de consumo. Correio Braziliense, 12 mar. 2016. Disponível em: <http://blogs.
correiobraziliense.com.br/consumidor/ministerio-da-justica-fortalece-consumidor-
gov-para-diminuir-conflitos-de-consumo/>. Acesso em 16 mar. 2016.

 PORTAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Ministro aplica nova lei da infância e


garante prisão domiciliar a mãe de filho pequeno. Brasília, 11 mar. 2016. Disponível
em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/
Not%C3%ADcias/Not%C3%ADcias/Ministro-aplica-nova-lei-da-inf%C3%A2ncia-e-
garante-pris%C3%A3o-domiciliar-a-m%C3%A3e-de-filho-pequeno>. Acesso em: 16
mar. 2016.

Avaliação
Os artigos recebidos pela Revista Jurídica da Presidência são submetidos ao
crivo da Coordenação de Editoração, que avalia a adequação à linha editorial da
Revista e às exigências de submissão. Os artigos que não cumprirem essas regras
serão devolvidos aos seus autores, que poderão reenviá-los desde que efetuadas as
modificações necessárias.

Aprovados nessa primeira etapa, os artigos são encaminhados para análise dos
pareceristas do Corpo de Consultores ad hoc, formado por professores doutores das
respectivas áreas temáticas. A decisão final quanto à publicação é da Coordenação
de Editoração e do Conselho Editorial da Revista Jurídica da Presidência.

Direitos Autorais
Ao submeterem artigos à Revista Jurídica da Presidência, os autores declaram
ser titulares dos direitos autorais, respondendo exclusivamente por quaisquer
reclamações relacionadas a tais direitos, bem como autorizam a Revista, sem ônus,

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a publicar os referidos textos em qualquer meio, sem limitações quanto ao prazo,


ao território ou qualquer outra, incluindo as plataformas de indexação de periódicos
científicos nas quais a Revista venha a ser indexada. A Revista fica também autorizada
a adequar os textos a seus formatos de publicação e a modificá-los para garantir o
respeito à norma culta da língua portuguesa.

Considerações finais
Qualquer dúvida a respeito das normas de submissão poderá ser dirimida por
meio de mensagem encaminhada ao endereço eletrônico: revista@presidencia.gov.br.

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