EDIÇÃO 33

Junho / Julho 2017

Fechamento autorizado
Pode ser aberto pela ECT

ENTREVISTA MATÉRIA ARTIGOS

O jurista Zeno Veloso analisa os Os especialistas Giselda Hironaka e Luciana Dadalto e Lisieux Borges
pág. 5 motivos que levam o brasileiro a ter pág. 9 Luiz Paulo Vieira de Carvalho tratam o pág. 14 abordam, respectivamente,
medo de fazer um testamento assunto sob vários aspectos testamento vital e a era da inclusão e
os testamentos no Brasil
 EDITORIAL
SEM MEDO DE TESTAR
Em 1931, dois anos antes de sua morte, um homem,
por volta dos 60, chega à Sorocaba, cidade paulista.
Ali, em um 7 de setembro, no 2º Tabelião de Notas, fez
seu segundo testamento*. O primeiro foi na França,
no Tabelião Casenave em Orthez, Basse Pyrineos.
O testador: Alberto Santos Dumont, mais conhecido
como o "Pai da Aviação". Em pleno feriado nacional,
com um atendimento privado, frente a um tabelião e
cinco testemunhas, Santos Dumont, 58 anos, solteiro,
destinou seus bens e nomeou os herdeiros. O novo
documento foi feito para revogar o anterior, em que ele
havia deixado sua herança para um único sobrinho. A
pedido deste, o inventor também contemplou outros
parentes, como irmãos, primos e afilhados. E fez
uma doação: como recebeu a propriedade em que
nasceu, localizada em João Ayres (Cabangu), em Minas
Gerais (hoje Santos Dumont), em doação pela Nação
Brasileira, restituiu-a à primeira dona do bem. Foram
suas disposições de última vontade expressas em um
testamento público.
Esta é uma curiosidade em referência ao tema
desta edição: Testamento, assunto considerado tabu
para muitas pessoas. Como detecta o jurista Zeno
Veloso: “O brasileiro não quer falar em morte, nem
prever situações para depois da morte”. No entanto,
os números apontados pelo Colégio Notarial do Brasil
mostram que há mudanças no cenário. Somente nos
seis primeiros meses deste ano, foram feitos 14.615
testamentos. Em 2016, foram 27.509. Ao que parece,
muitos já se perguntam: por que não testar?
Especialistas como Giselda Hironaka e Luiz Paulo
Vieira de Carvalho destacam as formas de testar, os
pressupostos de validade e os motivos que levam à
revogação. Na seção de artigos, duas importantes
abordagens: testamento vital e a capacidade de
deficientes para testar. O importante é perder o
medo de fazer o planejamento sucessório e, dentre o
conjunto de providências, um testamento.
* Registrado no Livro de Notas n.º 141, fls. 203 v, no
Cartório do 2º Ofício da cidade de Sorocaba (SP)
EXPEDIENTE
DIRETORIA EXECUTIVA
Presidente: Rodrigo da Cunha Pereira (MG);
Vice-Presidente: Maria Berenice Dias (RS);
Primeiro-Secretário: Rolf Madaleno (RS);
Segundo-Secretário: Rodrigo Azevedo Toscano de Brito (PB);
Primeiro-Tesoureiro: José Roberto Moreira Filho (MG);
Segundo-Tesoureiro: Antônio Marcos Nohmi (MG);
Diretor de Relações Internacionais: Paulo Malta Lins e Silva (RJ);
Primeiro Vice-Diretor: Cássio Sabbagh Namur (SP),
Segunda Vice-Diretora: Adriana Antunes Maciel Aranha Hapner (PR);
Secretária de Relações Internacionais: Marianna de Almeida Chaves Pereira Lima (PB);
Diretor do Conselho Consultivo: José Fernando Simão (SP);
Diretora de Relações Interdisciplinares: Giselle Câmara Groeninga (SP).
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
Diretor Norte: Zeno Veloso (PA); Diretor Nordeste: Paulo Luiz Netto Lôbo (AL); Diretora
Centro-Oeste: Eliene Ferreira Bastos (DF); Diretora Sul: Ana Carla Harmatiuk Matos (PR);
Diretora Sudeste: Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (SP);
CONSELHO FISCAL
Presidente: Raduan Miguel Filho (RO); Primeira Vice: Angela Maria Sobreira Dantas
Tavares (CE); Segundo Vice: Rodrigo Fernandes Pereira (SC);
COMISSÕES
Científica: Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (SP); Vice-Presidente: João Batista
de Oliveira Cândido (MG); Direito das Sucessões: Zeno Veloso (PA); Primeira Vice: Tatiana
de Almeida Rego Saboya (RJ); Segundo Vice: Flávio Murilo Tartuce Silva (SP); Mediação:
Suzana Borges Viegas de Lima (DF); Primeira Vice: Ana Gerbase (RJ); Infância e Juventude:
Melissa Telles Barufi (RS); Vice: Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel (RJ); Idoso:
Tânia da Silva Pereira (RJ); Jurisprudência: Viviane Girardi (SP); Arbitragem: Francisco
José Cahali (SP); Assuntos Legislativos: Mário Luiz Delgado Regis (SP); Primeira Vice:
Érika de Barros Lima Ferraz (PE); Segundo Vice: Ricardo Lucas Calderon (PR); Gênero e
Violência Doméstica: Adélia Moreira Pessoa (SE); Vice: Ana Florinda Mendonça da Silva
Dantas (AL); Notários e Registradores: Priscila de Castro Teixeira Pinto Lopes Agapito
(SP); Vice: Karin Regina Rick Rosa (RS); Estudos Constitucionais da Família: Gustavo José
Mendes Tepedino (RJ); Vice: Ana Luiza Maia Nevares (RJ); Ensino Juridico de Família:
Waldyr Grisard Filho (PR); Primeira Vice-Presidente da Comissão de Ensino Jurídico de
Família: Fabiola Albuquerque Lôbo (PE); Segundo Vice: Marcos Alves da Silva (PR); Relações
Acadêmicas: Marcelo Luiz Francisco Bürger (PR); Primeiro Vice : Ulysses Lacerda Moraes
(MT); Segundo Vice: Luiz Geraldo do Carmo (PR); Direito Homoafetivo: Patrícia Cristina
Vasques de Souza Gorisch (SP); Vice: Vladimir Fernandes Mendonça Costa (DF); Adoção:
Silvana do Monte Moreira (RJ); Advogados de Família: Marcelo Truzzi Otero (SP); Primeiro
Vice: Aldo de Medeiros Lima Filho (RN); Segundo Vice: Daniel Blikstein (SP); Magistrados
de Família: Jones Figueirêdo Alves (PE); Vice: Andréa Maciel Pachá (RJ); Promotores
de Família: Cristiano Chaves de Farias (BA); Defensores Públicos da Família: Roberta
Quaranta (CE); Vice-Presidente: Cláudia Tannuri (SP); Direito de Família e Arte: Ana
Maria Gonçalves Louzada (DF); Vice: Fernanda Leão Barreto (BA); Direito Previdênciário:
Melissa Folmann (PR); Comissão da Pessoa com Deficiência: Cláudia Grabois Dischon
(RJ); Vice-Presidente: Nelson Rosenvald (MG).
DIRETORIAS ESTADUAIS
REGIÃO NORTE - Acre: Eronilço Maia Chaves; Amapá - Nicolau Eládio Bassalo Crispino;
Amazonas – Gildo Alves de Carvalho Filho; Pará - Maria Celia Nena Sales Pinheiro;
Rondônia - Raduan Miguel Filho; Roraima – Denise Abreu Cavalcanti; Tocantins –
Alessandra Aparecida Muniz; REGIÃO NORDESTE - Alagoas - Ana Florinda Mendonça da
Silva Dantas; Bahia – Alberto Raimundo Gomes dos Santos; Ceará – Anislay Romero da
Frota Moares; Maranhão - Lourival de Jesus Serejo Sousa; Paraíba – Wladimir Alcibíades
Marinho Falcão Cunha; Pernambuco – Maria Rita de Holanda Silva Oliveira; Piauí –
Isabella Nogueira Paranaguá De Carvalho Drumond; Rio Grande Do Norte – Suetônio
Luiz De Lira; Sergipe - Acácia Gardênia Santos Lelis; REGIÃO CENTRO-OESTE - Distrito
Federal – Liliana Barbosa do Nascimento Marquez; Goiás – Maria Luiza Póvoa Cruz; Mato
Grosso – Angela Regina Gama da Silveira Gutierres Gimenez; Mato Grosso do Sul – Bruno
Terence Romero e Romero Gonçalves Dias; REGIÃO SUDESTE - Espírito Santo – Thiago
Felipe Vargas Simões; Minas Gerais – José Roberto Moreira Filho; Rio De Janeiro – Luiz
Cláudio de Lima Guimarães Coelho; São Paulo - João Ricardo Brandão Aguirre; REGIÃO
SUL - Paraná - Fernanda Barbosa Pederneiras Moreno; Rio Grande Do Sul – Conrado
Paulino da Rosa; Santa Catarina – Mara Rúbia Cattoni Poffo.
REVISTA IBDFAM
Uma publicação da Assessoria de Comunicação do Instituto Brasileiro de Direito de Família
COORDENADORA DE COMUNICAÇÃO: Simone Castro
ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO: Arthur Möller; Eduardo Oliveira
DIAGRAMAÇÃO: Diogo Rodrigues
ASSESSORIA JURÍDICA: Ronner Botelho
TIRAGEM: 6.000 exemplares
PERIODICIDADE: bimestral
DISTRIBUIÇÃO: gratuita, aos associados do IBDFAM
OS ARTIGOS ASSINADOS, BEM COMO OPINIÕES EMITIDAS EM ENTREVISTAS, SÃO DE
RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES.
ATENDIMENTO AO ASSOCIADO: (31) 3324-9280 | PARA ANUNCIAR: (31) 3324-9280
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 ESPAÇO DO LEITOR

Foto: Pixabay

“Pode-se estar apaixonado por várias pessoas ao mesmo tempo, por todas com a
mesma dor, sem trair nenhuma”. A reflexão do romancista Gabriel García Márquez
nos remete ao que o ordenamento jurídico chama de “poliamor”. Bom que se diga
que o substantivo nada tem a ver com relações adúlteras e/ou meramente sexuais.
Conforme o entendimento de Cristiano Chaves de Farias, promotor de Justiça do Mi-
nistério Público da Bahia e presidente da Comissão Nacional de Promotores do Ins-
tituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o poliamorismo é uma modalidade
de manifestação afetiva, pautada na pluralidade e concomitância de vínculos amoro-
sos, com absoluto conhecimento e consentimento de todos os envolvidos. O texto faz
parte da matéria sob o título “A ausência do poliamor na jurisprudência brasileira”,
publicada no Boletim Informativo do IBDFAM (http://www.ibdfam.org.br/noticias/6373/
A+aus%C3%Aancia+do+poliamor+na+jurisprud%C3%Aancia+brasileira), em 02 de agos-
to de 2017.

Confira alguns comentários entre os seguidores do IBDFAM no Facebook:

Aline Goulart (Rio de Janeiro): Há quem diga que o direito evolui com a evolução
da sociedade. A verdade é que se o poliamor fosse aceito na sociedade brasileira, o
adultério, que hoje já não é mais visto como um "crime", diminuiria, não digo que
acabaria, mas diminuiria. Certo é que, vive dessa maneira quem se sente feliz assim
e só se pode reconhecer o poliamor se todos aceitarem essa condição, senão não
podemos dizer que se trata de poliamor, e sim de família paralela/simultânea. Triste
saber que o direito não acompanha a evolução da sociedade como se fala. Cadê a
garantia de direitos iguais? Se todos estão de acordo nesta relação, por que não
proteger seus direitos e garantias? Retrocesso...Só pra constar, adoro o poliamor,
mas não pra mim. Dá-lhe poliamor. Amo direito de família!

Juliana Giachin (Mato Grosso): É preciso que nós, operadores do direito, tenhamos
uma visão inclusiva, livre de preconceitos. Não se trata de moral, conceitos religiosos,
Capa: KLEE, Paul. 1916. Introducing the Miracle. valores éticos, mas sim, a proteção jurídica que o Estado precisa conferir as relações
Técnica têmpera, caneta e tinta sobre tela, 29.2 cm x 23.6 cm que surgem e se estabelecem "na vida, como ela é!".

Paul Klee, pintor suíço, nascido na cidade de Münchenbuch-

see, em 18 de dezembro de 1879, tem obras que se situam
em três importantes movimentos artísticos – surrealismo, Este espaço é seu. Participe!
cubismo e expressionismo -, sendo considerado um dos
grandes pintores do século XX. O início de seus estudos em www.ibdfam.org.br
artes plásticas foi em Munique, na Alemanha. Um marco em
sua carreira foi a exposição “Minha Habitação”, realizada em ascom@ibdfam.org.br
1896. Ao lado dos artistas Kandinsky e Franz Marc fundou,
em 1911, um grupo artístico ligado ao expressionismo. Seu Acesse nossas redes sociais:
nome é vinculado à famosa Escola Bauhaus. Na década de
1930, foi perseguido pelos nazistas. Morreu em Muralto (Suí- Twitter: @IBDFAM_oficial
ça), em 20 de junho de 1940. Instagram: @ibdfam
Facebook: facebook.com/ibdfam
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 ENTREVISTA
`

“O BRASILEIRO NÃO QUER FALAR

ALAR
EM MORTE, NEM PREVER SITUAÇÕES
PARA DEPOIS DA MORTE”
M embro fundador e diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de
Família (IBDFAM) e tabelião do 1º Ofício de Notas de Belém (PA), Zeno
Veloso é referência quando o assunto é testamento. Mas, de acordo com ele,
o brasileiro não quer ouvir falar em morte. Pior: tem pavor! Consequência
disso? O testamento é muito pouco difundido e desenvolvido no País. À Revista
IBDFAM, o renomado jurista não só esclarece aspectos sobre o tema, como
faz críticas ao testamento particular, uma das espécies, e antevê o sucesso de
uma possível inovação: o videotestamento. “Será uma forma moderníssima
de testar. Extraordinária”, afirma.
ZENO VELOSO

O PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO PODE
TORNAR MAIS ÁGIL O INVENTÁRIO,
NA MEDIDA EM QUE PRESERVA A
VONTADE DO TESTADOR?
O planejamento sucessório repre-
senta um conjunto de providências.
Pode ser elaboração de um testamen-
to, pode ser uma partilha em vida - fei-
ta pelo titular do patrimônio -, pode
ser uma doação com adiantamento de
legítima para os filhos, pode ainda ser
a criação de uma holding. São várias as
estratégias relativas a essa expressão
“planejamento sucessório”, cujo obje-
tivo é facilitar o futuro inventário, tor-
nar a futura partilha mais igualitária,
mais aceitável e palatável por parte
dos herdeiros. Esse é o papel do plane-
jamento sucessório. Claro que, se for
bem feito, o inventário é mais rápido,
mais ágil, mais barato e, às vezes, nem
há necessidade de inventário, porque
em vida a pessoa já distribuiu todos os
seus bens.
O RIGOR EXCESSIVO DA LEI É
RELATIVIZADO EM DETRIMENTO
DA VONTADE DO TESTADOR. PELAS
ESPÉCIES DE TESTAMENTO, O
RIGOR PODE SER RELATIVIZADO NO
JUDICIÁRIO. ISSO ABRE MARGEM
PARA AS FRAUDES?
A fraude sempre é possível em todo e
qualquer ato ou negócio jurídico. Não é
pelo medo da fraude que se deve evitar
que algo aconteça. Porque, se for por
isso, ninguém nem nasce. Há o risco
de, na fraude, ao nascer, uma pessoa
não conseguir respirar. Quero dizer
que a fraude está sempre presente e
sempre pode acontecer, e não devemos
evitar que se pratique atos pelo perigo
da fraude, pela possibilidade de haver
fraude. Ela tem que ser coibida sempre,
mas não impede-se que os atos sejam
praticados.
No atual Código Civil, houve uma di-
minuição das formalidades no que se
refere aos testamentos. Houve uma
simplificação dos testamentos. Basta
dar um exemplo: outrora eram cinco
as testemunhas dos testamentos or-
dinários; hoje, bastam duas testemu-
nhas. Houve uma mudança, só neste
ponto, muito significativa. O que acon-
tece, às vezes, é o não cumprimento de
uma dessas formalidades - que já não
são muitas -, e o Judiciário, em muitos
momentos, tem achado que isso deve
ser superado em nome da vontade do
testador, garantindo-se que a vontade
é livre, capaz.
Aquela formalidade que não foi
cumprida, é colocada de lado. Isso não
deixa de ser um paradoxo, porque as
formalidades testamentárias não são
previstas só por serem previstas. Elas
são antevistas para dar mais garantia,
firmeza, veracidade, autenticidade
à vontade do testador. E, em nome
desta vontade, a formalidade que
não foi bem cumprida é colocada de
lado, desconsiderada, para que o
testamento seja cumprido se, afinal,
ficar provado que o testador agiu com
pleno discernimento, sem vício de
vontade.
POR QUE, EM SUA OPINIÃO, O
BRASILEIRO NÃO É HABITUADO A
FAZER TESTAMENTOS?
Em primeiro lugar, porque o testa-
mento não é uma figura muito difun-
dida e desenvolvida no nosso País.
Ainda, porque tem algumas formali-
dades, que geram alguma despesa,
e muitos autores dizem que há uma
superstição. O brasileiro, de um modo
5
geral, não quer ouvir falar em morte,
tem pavor. O brasileiro não quer falar
em morte, nem prever situações para
depois da morte. Por isso não há o há-
bito de fazer testamento. Trata-se de
um ato que demonstra cultura, dis-
cernimento, maturidade, e talvez falte
isso para uma grande parte, de um
certo nível menor e menos intelec-
tualizado, da nossa população. Infeliz-
mente, o subdesenvolvimento do Bra-
sil é também, em grandes camadas,
um subdesenvolvimento intelectual, e
essa gente não conhece nem a figura
do testamento. Infelizmente, porque
o testamento poderia resolver muitos
problemas.
O TESTAMENTO É SEMPRE TEMA DE
AMPLO DEBATE NOS CONGRESSOS
DO IBDFAM. A PARTIR DAÍ, TEM-SE
A IDEIA DE CRIAR UMA NOVA FORMA
DE TESTAMENTO: O TESTADOR
GRAVARIA EM VÍDEO AS DISPOSIÇÕES
DE ÚLTIMA VONTADE. SERIA O
VIDEOTESTAMENTO, SOBRE O QUAL
O SENHOR JÁ AFIRMOU: “SERÁ UMA
FORMA MODERNÍSSIMA DE TESTAR,
PODEMOS ATÉ CHAMAR DE FORMA
TESTAMENTÁRIA DO SÉCULO 21.
SIGNIFICARIA UMA EXTRAORDINÁRIA
INOVAÇÃO. NÃO CONHEÇO NO MUNDO
A UTILIZAÇÃO DE UMA FORMA
COMO ESTA PARA TESTAR”. PARA O
SENHOR, É MESMO UMA INOVAÇÃO
REVOLUCIONÁRIA?
É realmente extraordinária. Uma
ideia muito inteligente do videotesta-
mento. Nós temos hoje que nos acomo-
dar com o desenvolvimento da técnica,
da ciência, sobretudo deste mundo da
internet, dos computadores. Acho que
é por aí o caminho. Não conheço ainda,
no mundo, nenhum país que já tenha
essa forma. Porém, o Congresso do IB-
DFAM, sempre na frente, sempre avan-
çado, sempre revolucionário - no me-
lhor sentido da palavra -, já apresentou
essa ideia de criar uma nova forma de
testamento, utilizando esses meios de
6
computação, gravado em vídeo, com
toda a segurança. Acho que pode ser
uma forma muito interessante, uma
verdadeira inovação.
QUAIS AS PRINCIPAIS CRÍTICAS NA
LEGISLAÇÃO QUE ESTÁ POSTA SOBRE
OS TESTAMENTOS?
Acho que o testamento público
está bem regulamentado. Já no caso
do testamento cerrado, diminuiu-se
algumas formalidades excessivas. O
testamento particular é o que merece
a maior crítica. Ele poderia ser o mais
barato, simples, e mais utilizado pelo
nosso povo, caso fosse dada publicidade
a isso. Mas ele tem uma segunda fase,
que seria depois da morte do testador,
quando ocorre a necessidade de
haver uma confirmação por parte das
testemunhas.
E, se faltarem essas testemunhas
(ex.: o testador morreu com as tes-
temunhas num desastre de avião), o
testamento perde a eficácia. Ele é vá-
lido, mas não vai ser eficaz. Esta fase
de confirmação testemunhal do testa-
mento particular devia ser excluída do
nosso sistema jurídico. Há também um
outro testamento, um subtipo de tes-
tamento particular, que é aquele feito
em circunstâncias extraordinárias e
excepcionais. Basta que seja escrito.
Tem que ser do próprio punho e as-
sinado pelo testador, sendo cumprido
depois da morte dele.
Acho que devia se prever a hipótese
de perder a eficácia, passado um certo
tempo. Ou seja: com relação a esse
testamento, em caráter excepcional
e muito simplificado, eu acho que se
devia prever os prazos de caducidade
que existem nas outras formas
testamentais especiais. Se o testador
não fizer outro testamento na forma
ordinária, aquele testamento que
ele fez outrora, naquela situação
especial, perde o efeito. Acho que,
da mesma forma, no testamento em
circunstâncias excepcionais, até com
maior razão, deveria perder também a
eficácia [esse testamento], se, depois
de certo tempo, o testador não renová-
lo na forma ordinária.
CONSIDERANDO A DECISÃO DO
STF SOBRE PREVALÊNCIA DA
PATERNIDADE SOCIOAFETIVA
SOBRE A BIOLÓGICA (RE 898060),
É POSSÍVEL RECONHECER A
MULTIPARENTALIDADE EM
TESTAMENTO?
Eu não enxerguei nessa decisão
do Supremo essa tal prevalência de
uma paternidade socioafetiva sobre a
biológica, ou vice-versa. Acho que o
Supremo, naquele momento, admitiu
justamente a multiparentalidade. A
possibilidade dessas parentalidades
até coexistirem simultaneamente se-
rem admitidas, o que não implica, de
forma alguma, numa prevalência, su-
perioridade e hierarquia. Uma pessoa
pode ter dois pais: um socioafetivo e
outro biológico; um pai registral e um
afetivo. As hipóteses são as mais va-
riáveis. Será que se pode reconhecer
isso num testamento? Acho que sim.
Uma pessoa faz um testamento, que
diz: “Tenho três filhos, havidos com
minha esposa, mas quero informar que
há um quarto filho, que é o ‘fulano de
tal’, que eu tenho criado desde sempre,
por quem eu tenho maior apreço e
amor. Nosso relacionamento não é de
puro afeto, mas um afeto qualificado.
Estabeleceu-se, entre nós dois, uma
relação paterno-filial, e eu o considero
meu filho socioafetivo e declaro isso
para todos os efeitos neste testamento,
estando ele autorizado a tomar todas as
providências judiciais ou extrajudiciais
para caracterização desse vínculo
paterno-filial. Em consequência, aliás,
este filho é meu herdeiro necessário,
numa situação de igualdade com os
meus demais filhos biológicos”.

O PROVIMENTO DO CNJ Nº 56/2016
DISPÕE SOBRE A OBRIGATORIEDADE
DE CONSULTA AO REGISTRO CENTRAL
DE TESTAMENTO ON-LINE. É DO
CONHECIMENTO DE TODOS?
TEM UMA EFETIVIDADE?
COMO SE APLICA?
Este é um assunto que ainda está
em formação. Ainda não tenho total
segurança com relação a esse regis-
tro central no nosso País. Primeiro,
ele não está sendo devidamente in-
formado por todos os tabeliães es-
palhados pelo Brasil. Fazem essas
regras, essas leis, essas ordens,
mas sem considerar nossa exten-
são territorial. Tabelião que não tem
nem onde ter o seu cartório. Coloca,
às vezes, na salinha da sua própria
casa. Como ele irá mandar essas in-
formações?! Já se vê que essas re-
gras têm que esperar um certo tem-
po, serem amadurecidas.
Ao lado disso, não existe somente o
testamento público. Pode ser cerrado,
particular. E o testamento particular
pode existir, de maneira que já há
uma relatividade neste provimento
do CNJ, a qual diz que só se pode
fazer o inventário depois de se pedir
a certidão de que não há testamento.
Não se pode ter certeza se não há
testamento. Os que têm lar registrado
- de testamentos públicos -, já não
atendem a todos os testamentos que
podem ser feitos no País.
É um risco concluir que não
há testamento somente por essa
declaração do CENSEC (Central
Notarial de Serviços Eletrônicos
Compartilhados). Mas, ao lado disso,
também não estão lá registrados os
testamentos particulares. Pode haver
um que não está no registro, e nem
poderia estar. Essa é uma matéria
que ainda precisa de evolução, de
maturidade. Estamos engatinhando
com relação a este assunto.
COMO FICA A LEGÍTIMA NO CASO DAS
DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS?
SEGUE A MESMA REGRA DA DOAÇÃO?
Sim. Tanto para doar como para tes-
tar, quem tem herdeiros necessários
- descendentes, ascendentes, cônjuge
sobrevivente e, a meu ver, o compa-
nheiro e a companheira - passaram a
ser herdeiros necessários, sobretudo
depois da última decisão do Supremo,
que mandou aplicar aos companheiros
as regras da sucessão dos cônjuges.
Quem tem herdeiros necessários, afi-
nal, não pode dispor de todos os seus
bens. Tem que respeitar a legítima,
que é a metade do patrimônio. E essa
legítima caberá, por força de lei ex vi
legis, para os herdeiros necessários.
Só se pode testar livremente sobre a
metade disponível.
Também quem tem herdeiros ne-
cessários, só pode doar sem nenhuma
limitação quanto aos bens que inte-
grem a metade disponível. O que ex-
ceder disso, é passível de anulação. O
excesso é anulável, tanto na disposição
testamentária quanto na doação, que
no caso se chama inoficiosa.
O QUE É TESTAMENTO CONJUNTIVO E
POR QUE NÃO É ACEITO?
EM ATOS SEPARADOS, NO ENTANTO, É
POSSÍVEL QUE SE FAÇA?
O testamento conjuntivo é aquele
celebrado no mesmo ato por mais de
uma pessoa. Aproveitar o mesmo ato,
para que mais de uma pessoa teste.
Ele não é aceito, até pelo princípio da
liberdade, da autonomia. Testamento
é um ato absoluto, completamente
irrevogável. E se dois fizessem o
testamento, um dispondo em favor do
outro, e se demonstravam certo acordo,
um certo compromisso, quase que um
negócio, um contrato, é tradicional
no nosso direito, bem como de outros
povos cultos, a proibição do testamento
conjuntivo. Mas eu tenho levantado
ENTREVISTA
a tese de que ele devia ser aceito no
nosso país, se for um testamento feito
pelo marido e pela mulher.
O testamento feito pelo casal, seja
o marido e a mulher - ou marido e
marido, ou mulher e mulher -, seria
possível o testamento conjuntivo. Isso
é uma tese. Estou falando de lege fe-
renda. No momento atual, é proibido o
testamento conjuntivo, o que é feito no
mesmo ato, por duas ou mais pessoas.
Já em atos separados, independen-
tes, cada um cumprindo sua própria
formalidade e observando os requi-
sitos que lhe sejam próprios, é pos-
sível, sim, que uma pessoa disponha
em favor de outra - o marido em favor
de sua mulher e vice-versa -, não há
testamento conjuntivo aí, embora haja
essa reciprocidade de disposições,
porque os atos são separados. Aí é
possível, sim, que se faça, e é muito
comum até que se faça no mesmo dia,
na mesma hora, no mesmo livro nota-
rial, perante o mesmo tabelião, com
as mesmas testemunhas, o marido
fazer o seu testamento, a mulher fa-
zer o dela. Dispõe em favor do marido,
ele dispõe em favor da mulher, e nada
é proibido, porque os atos são inde-
pendentes. O que não poderia ocorrer
é haver essa disposição num mesmo
e só ato.
QUAL A RAZÃO PARA SE PERMITIR
QUE ALGUÉM AOS 16 ANOS, MESMO
NÃO SENDO EMANCIPADO, POSSA
FAZER UM TESTAMENTO E NÃO AOS
18?
Aos 18 anos é o início da plena ca-
pacidade, o alcance da maioridade ci-
vil. Mas, em matéria de testamento, é
comum em muitos povos, quase que
uma generalidade, admitir-se que a
capacidade testamentária se obtenha
antes da capacidade civil plena. Isso
também ocorre em matéria de casa-
mento. A idade núbil também aconte-
7
ce aos 16 anos. Para testar, o legisla-
dor acha que não precisava alcançar
a maioridade, mas, desde os 16 anos,
a pessoa tem plena capacidade para
testar.
Alguns dizem: “Mas ele precisa
ser assistido pelo seu representan-
te legal, para fazer seu testamento”.
Isso é de um desconhecimento ab-
soluto. No testamento não pode, de
forma alguma, haver essa participa-
ção de outrem, como que auxiliando,
como que participando da manifes-
tação de vontade de quem tem 16
anos. Aos 16, a pessoa é plenamen-
te capaz para testar. Não precisa do
acompanhamento, da anuência, da
autorização de quem quer que seja.
Antecipa-se a capacidade da pes-
soa, para efeito testamentário. Isso
é tradicional. Isso está dentro dos
costumes de vários povos. E, prati-
camente, em todos que conheço, a
capacidade plena, testamentária, se
alcança antes de a pessoa atingir a
maioridade.
COMO FUNCIONA O PRINCÍPIO
DO APROVEITAMENTO DOS
NEGÓCIOS JURÍDICOS EM MATÉRIA
TESTAMENTÁRIA?
Isso vem do Antigo Direito Romano.
Era uma expressão favor testamen-
ti. Deve se analisar favoravelmente a
disposição de última vontade, evitar
excessos interpretativos, que cortem
essa vontade em privilégio de uma ou
outra formalidade menos importante.
É aproveitar, ao máximo que for, a dis-
posição de quem já morreu e de quem
não pode repetir mais, no momento
em que ela vai ser cumprida, porque a
pessoa que declarou aquilo, que disse
aquilo, que ordenou aquilo, que deixou
para os pósteros, não mais está no
mundo dos vivos. Há que se aproveitar
o que ela fez, na medida do possível.
O SENHOR JÁ ENTROU EM CONTATO
COM ALGUM TESTAMENTO EM
CARTÓRIO QUE TERIA AFRONTADO
A LEGALIDADE? EXEMPLIFIQUE.
Eu já vi muitas queixas de herdei-
ros, que dizem que um determinado
8
testador nem compareceu ao cartório,
que foi alguém no lugar dele, talvez
com uma identidade falsa. Vi outros
alegarem que o testador estava muito
idoso, que não sabia o que estava fa-
zendo, que houve pressão de um her-
deiro nomeado para que ele deixasse
alguma coisa naquele testamento. Em
alguns casos, já ouvi dizer que o ta-
belião não teve cuidado, deixou de ob-
servar (no caso do testamento público)
que tinha sido feito alguns requisitos
essenciais. Isso tudo eu já ouvi dizer,
mas nunca tive um caso concreto, que
eu pudesse checar objetivamente que
houvesse uma ilegalidade flagrante,
uma falsidade.
O que acontece, na verdade, é
que ninguém fica satisfeito quando
não é beneficiado num testamento,
quando vê um irmão levar vantagem,
um parente ou até uma pessoa que
nem parente é. Diante da herança, as
pessoas se modificam. Há quem diga:
“Você quer conhecer uma pessoa?
Jogue pôquer com ela, ou beba com
essa pessoa, para que se tenha noção
de seu caráter”. O mesmo eu digo com
relação ao patrimônio. Diante de uma
herança é que a gente vai conhecer
o caráter, a dignidade das pessoas, o
que elas são capazes. Já vi brigas de
irmãos por causa do resto de dinheiro
que o pai deixou. Então, esse é o
problema. Muitas vezes, quando entra
dinheiro, a amizade acaba, o amor
desaparece.
O TESTAMENTO, EM TERMOS DE
CUSTO, É ACESSÍVEL A TODOS? OU
TEM UM ÔNUS QUE JUSTIFIQUE,
TALVEZ, O DESINTERESSE?
PODE SER USADA A ASSISTÊNCIA
JUDICIÁRIA?
Não vejo como utilizar a assistência
judiciária. A não ser para que as
pessoas, lá, elaborassem, para
quem as procurasse, um testamento
particular, que, praticamente, não tem
custo nenhum. É um papelzinho, uma
caneta, uma máquina de escrever,
um computador para colocar, ali,
a vontade do testador. Ele lê esse
testamento para três testemunhas,
que devem assinar, juntamente com
ele, o documento. É um testamento
com a mesma importância dos
outros. A crítica que se faz a esse
testamento, que é o particular, é que
ele tem que ser como que ratificado
e confirmado pelas testemunhas
perante o juiz, após a morte do
testador - o que gera inúmeros
embaraços. Esse testamento é barato,
é quase nada, é uma ninharia, mas
é pouco utilizado, e poderia ser feito
perante as assistências judiciárias, as
defensorias públicas.
Já quanto aos outros testamentos,
especialmente os ordinários, o público
e o cerrado, são feitos perante o
tabelião. É um ato notarial. No caso do
testamento público, é uma escritura
pública; no caso do testamento
cerrado - cheio de más formalidades
-, é um ato também notarial, em que
há a necessidade de cerrar. O preço
dos testamentos no Brasil é muito
variável. Uma vez para atender a um
pedido de um professor de Hamburgo
(Alemanha), fiz um levantamento
de preço de testamento em todo o
Brasil. E é surpreendente. Alguns
são irrisórios, como se fossem R$
50,00 - estou falando naquele tempo.
Os outros mais caros que vi eram em
volta de R$ 1.600,00 ou R$ 1.700,00.
Agora veja: de R$ 50,00 a R$
1.600,00, no mesmo País, debaixo da
mesma ordem jurídica e da mesma
fiscalização. Talvez o de R$ 1.600,00
seja um pouco caro, mas o de R$
50,00 tem um preço irrisório. Tem
que haver organização quanto a isso.
O testamento, em termo de custo,
pode não ser acessível a todos, porque
nossa população, em modo geral,
está precisando de muito dinheiro.
Estamos passando por dificuldades.
Todo dinheiro é muito, quando se
fala na média do povo brasileiro. Mas
ainda é vantagem fazer o testamento,
porque você já orienta, define, faz
justiça conforme a sua melhor e justa
vontade com relação àqueles que você
quer que fique com seus bens.
* Zeno Veloso fará a conferência de abertura
do XI Congresso Brasileiro de Direito das Famí-
lias e Sucessões, de 25 a 27 de outubro, em Belo
Horizonte.
 E m uma rápida consulta ao
dicionário, podemos observar
que uma das definições para a palavra
testamento se refere ao “ato solene
pelo qual se dispõe, para depois da
morte, de todos ou de alguns bens
próprios”. Porém, mesmo sendo
muito presente em filmes, livros e até
novelas, o ato da ação testamentária
ainda está distante da realidade da
maioria da população brasileira. Por
que isso acontece? Seria uma espécie
de tabu pensar no que irá acontecer
com nossos bens após a morte?
Será para a maioria das pessoas um
assunto burocrático demais? Ou tudo
não passa de desinformação?
O advogado e consultor jurídico,
Luiz Paulo Vieira de Carvalho, diretor
do Instituto Brasileiro de Direito
de Família (IBDFAM), seção Rio de
Janeiro, explica que o testamento
é um negócio jurídico unilateral,
unipessoal, solene e essencialmente
revogável, pelo qual a pessoa física
ou natural, dentro dos ditames da
lei, em regra, dispõe, no todo ou
em parte, do seu patrimônio, e/ou
realiza determinações de caráter não
patrimonial. Em tais termos, esse
relevante negócio causa mortis tem
por principal objetivo a designação
de herdeiros testamentários e/ou
legatários.
“É de se atentar para o fato de, mesmo
considerado juridicamente existente e
válido por ocasião de sua confecção, o
testamento nasce sempre ineficaz em
sentido estrito, já que os seus efeitos
só se produzem, independentemente
do tempo em que fora realizado ou de
mudança concernente ao patrimônio ou
à capacidade do disponente, a partir do
óbito do testador, momento em que os
beneficiados testamentários (herdeiros
e/ou legatários), passam a ter não mais
uma simples expectativa de direito, e
sim, direitos subjetivos sobre o acervo
deixado pelo testador”, comenta.
Para obtenção de tais finalidades, se
faz indispensável que a pessoa tenha
capacidade testamentária, nos moldes
dos arts. 1.860 e 1.861 do Código Civil
brasileiro, respectivamente: “Além
dos incapazes, não podem testar os
que, no ato de fazê-lo, não tiverem
pleno discernimento. Parágrafo único:
Podem testar os maiores de 16 anos”.
E: “A incapacidade superveniente do
testador não invalida o testamento,
nem o testamento do incapaz se
valida com a superveniência da
capacidade”. Também é necessário
que o disponente (deficiente ou não)
seja capaz de entender e querer as
razões e finalidades da sua declaração
por ocasião da realização do ato de
última vontade, mesmo que haja tido
perturbações mentais em época
anterior ou venha a padecer com as
mesmas a posteriori.
“É importante acrescentar que a ca-
pacidade testamentária ativa, segundo
o inesquecível jurista Carlos Maximilia-
no, deve ‘existir durante todo o tempo
da elaboração do testamento, até se
concluírem todas as formalidades in-
dispensáveis à sua plena eficiência’.
Destacamos que a capacidade em
questão, como a capacidade em geral,
é presumida, cabendo ao interessado
em impugnar a manifestação de última
vontade, após a abertura da sucessão
hereditária, opor judicialmente pro-
cedimento de invalidade (nulidade ou
anulabilidade) total ou parcial do testa-
mento (arts. 1.859 e 1.909, p.ú. do CC)
e, comprovar a incapacidade existente
por ocasião da testificação, para que
os efeitos testamentários venham a
ruir, cair por terra (art.1.788 do CC)”,
lembra o advogado Luiz Paulo Vieira de
Carvalho.
FORMAS
Segundo Giselda Novaes Hironaka,
diretora nacional do IBDFAM, o tes-
tamento exige, no momento de sua
confecção, uma determinada forma
externa, e será esta forma que fixará
a espécie de testamento que se está a
concluir, válida e eficazmente. O direi-
to brasileiro conhece uma duplicidade
classificatória de modalidades testa-
mentárias, quais sejam, as ordinárias
e as especiais. As formas ordinárias
de testamento são as seguintes: tes-
tamento público, testamento cerrado e
testamento particular. Já as formas de
testamentos especiais são: testamen-
to marítimo, testamento aeronáutico e
testamento militar.
9

“Estas últimas três formas são de
baixíssimo uso, entre nós. O testamento
público é a forma mais comumente
utilizada pelos brasileiros, e é
aquela, como o nome avisa, realizada
publicamente, pelo tabelião ou seu
substituto, em livro de notas próprio,
de acordo com a declaração de vontade
do testador, exarada verbalmente, em
língua nacional, perante aquele oficial
e perante duas testemunhas idôneas
e desimpedidas. Os requisitos desta
modalidade devem ser rigorosamente
observados, sob pena de invalidade
– e consequente ineficácia – do
testamento. Esta forma testamentária
é a admitida para o testamento das
pessoas que têm deficiência visual e/
ou auditiva”, destaca.
Giselda Hironaka explica que “com
o escopo de proteger o cego, o Códi-
go Civil lhe permitiu apenas esta única
forma testamentária: no momento da
leitura do ato, as disposições ali inser-
tas lhe serão lidas duas vezes, uma vez
pelo tabelião e outra vez por uma das
testemunhas, designada pelo próprio
testador. Quanto ao surdo – que não é
mudo – ao utilizar-se desta forma, dita-
rá de viva voz, em português, o seu tes-
tamento ou declarará quais são suas
disposições de última vontade ao tabe-
lião. Se souber ler, lerá pessoalmente
seu testamento; se não souber, indica-
rá pessoa de sua confiança (não teste-
munha) para que proceda à leitura, que
não ouvirá, mas que as outras pessoas
ouvirão. Quanto ao surdo-mudo, se pu-
der se manifestar inequivocamente por
alguma forma, poderá testar por meio
de modalidade testamentária que dis-
pense a manifestação oral”.
O testamento cerrado (ou testamen-
to secreto, ou místico) é aquele escrito
pelo próprio testador ou por outra pes-
soa, a seu rogo, cujas disposições po-
dem ser de caráter estritamente sigilo-
so, e que se completa pelo instrumento
lavrado pelo oficial público, que o apro-
10
va, na presença de duas testemunhas,
normalmente sem conhecer o seu con-
teúdo. O sigilo das disposições testa-
mentárias é uma faculdade que tem o
testador, mas não é requisito essencial
para a sua validade e eficácia. Ao docu-
mento, assim escrito pelo testador, se
dá o nome de cédula testamentária; é
este documento que será entregue ao
tabelião, declarando ser aquela a sua
disposição de última vontade e reque-
rendo a aprovação da mesma.
“
NESTA MODALIDADE
[TESTAMENTO PARTICULAR],
A MAIS SIMPLES DE TODAS,
O TESTADOR ESCREVERÁ,
ASSINARÁ E ELE MESMO
LERÁ AS SUAS DISPOSIÇÕES
DE ÚLTIMA VONTADE
“ de última vontade, em testamento,
O tabelião a aprovará e lerá o auto
de aprovação ao testador e às teste-
munhas, colhendo as assinaturas. A
seguir, o oficial dobrará a cédula tes-
tamentária e o auto de aprovação e os
colocará, juntos, dentro de um envelo-
pe, que depois coserá e lacrará, como
explica Giselda Hironaka. “Em seguida,
entregará o invólucro assim cosido e
lacrado ao testador ou à pessoa que
ele indicar. Por sua vez, o testamento
particular (aberto ou hológrafo) é o es-
crito e assinado pelo próprio testador,
e por ele lido em voz alta perante três
testemunhas idôneas que também o
assinarão. Então, nesta modalidade, a
mais simples de todas, o testador es-
creverá, assinará e ele mesmo lerá as
suas disposições de última vontade.
Não é essencial que seja escrito à mão,
podendo ser digitalizado”.
A doutora e livre-docente em Direito
acrescenta ainda a chamada “herança
digital” – à qual não faz referência o Có-
digo Civil – e que se trata do acervo vir-
tual deixado por pessoa que falece, que
pode conter, por exemplo, senhas, mú-
sicas, fotos, perfil pessoal, e tudo o que
CAPA
componha os ativos digitais do autor da
herança e que pudessem estar guarda-
dos tanto em máquinas, como armaze-
nados em nuvens. De acordo com ela,
o que se tem indagado, na contempo-
raneidade, e sido levado às barras dos
tribunais, é a questão de se saber se
este acervo compõe patrimônio econo-
micamente valorado, que possa alçar o
status de herança.
“Ao que parece, a resposta é dúplice,
isto é, entre os bens ou itens que
compõem este acervo digital, há os de
valoração econômica (como músicas,
poemas, textos, fotos de autoria da
própria pessoa) – e estes podem integrar
a herança do falecido, ou mesmo
podem ser objeto de suas disposições
e há os que não têm qualquer valor
econômico, e geralmente não integram
categoria de interesse sucessório”.
De acordo com o Colégio Notarial
do Brasil, o número total de Atos
RCTO (Registro Central de Testa-
mentos On-line), que é destinado à
pesquisa de testamentos públicos
e de instrumentos de aprovação de
testamentos cerrados, tem crescido
gradativamente desde 2015, quando
foram lavrados 31.950 documentos
(sendo 71 aditamentos, 195 Cerra-
dos, 2.780 Revogações, 27.312 Tes-
tamentos, 1.460 Testamentos com
Revogação e 132 Testamentos sem
Conteúdo Patrimonial). Conforme
o mesmo levantamento, em 2016,
foram registrados no Brasil 33.486
Atos RCTO, com aumento em quase
todas as categorias (127 Aditamen-
tos, 157 Cerrados, 3.808 Revogações,
27.509 Testamentos, 1.741 Testa-
mentos com Revogação e 144 Testa-
mentos sem Conteúdo Patrimonial).
E a tendência é de crescimento
para 2017. Somente nos seis primei-
ros meses do ano, foram registra-
dos 17.675 Atos RCTO, mais do que a
metade do número total de 2016. Se-
gundo o Colégio Notarial do Brasil,
são 59 Cerrados, 1.990 Revogações,
14.615 Testamentos, 858 Testamen-
tos com Revogação e 72 Testamentos
sem Conteúdo Patrimonial. Já em re-
lação ao Testamento Vital, somente
em 2015 foram registrados 697 Dire-
tivas Antecipadas de Vontade. No ano
seguinte, 2016, o número sofreu leve
queda (672) e nos seis primeiros me-
ses de 2017 já foram realizadas 362
DAVs em todo País.
Porém, Giselda Hironaka afirma
que a difusão testamentária no
Brasil ainda é minúscula. Em regra,
as pessoas passam pela vida e dela
se vão, intestadas. Esta espécie de
aversão à prática de testar, entre nós,
é devida, provavelmente, segundo
ela, a razões de caráter cultural e
costumeiro, folclórico e até mesmo
psicológico, tantas vezes. “Tenho dito
e escrito que o brasileiro não gosta,
em princípio, de falar na morte, e
esta circunstância é ainda bastante
mistificada e resguardada, como se
esta cautela servisse para ‘afastar
maus fluídos e más agruras’. Por isso,
talvez, é que não se encontra arraigado
o hábito de adquirir, por antecipação,
o lugar destinado ao nosso túmulo
ou sepultura, bem como não temos
difundido o hábito de contratar seguro
de vida, ou de nos decidirmos pela
condição de doadores de órgãos para
serem utilizados depois da morte”,
comenta.
REVOGAÇÃO
Outro ponto que ainda deixa dúvidas
diz respeito à revogação testamentária
e como se daria o procedimento de
alteração do testamento. Luiz Paulo
Vieira de Carvalho esclarece que a
revogação pode ser total ou parcial,
conforme os (arts. 1.969 a 1.972 do
CC). Ela ocorre quando a vontade
do testador, em regra, através de
um novo testamento, faz com que a
primitiva disposição de última vontade
se torne ineficaz no todo ou em parte.
“Recordamos, outrossim, não exigir
tal tipo de revogação, da mesma
maneira que os atos revogatórios
em geral, intervenção judicial, sendo
discricionário e imotivado, uma vez
que o testador pode livremente operá-
la, sem necessidade de qualquer
fundamento, desde que presente a
capacidade testamentária ativa”.
Segundo o art. 1.969 do Código Civil
de 2002 (art. 1.746 do CC/1916), “o tes-
tamento só pode ser revogado do mes-
mo modo e forma como pode ser feito”.
Nesse particular, entende-se, como
regra, que um testamento só pode ser
revogado por outro testamento, isto é,
faz-se necessário para tanto que o tes-
tador teste novamente. Impende des-
tacar, no entanto, que o ato revogador
não precisa ser da mesma espécie que
o ato revogado, podendo qualquer for-
ma testamentária, seja comum, ou es-
pecial, revogar o testamento anterior.
Por exemplo: um testamento cerrado
pode revogar um testamento público;
um testamento público pode revogar
um particular; um testamento militar
pode revogar um testamento público;
e assim por diante. Como regra,
não é possível a revogação verbal de
testamento; porém de vez que há em
nosso ordenamento uma espécie de
testamento oral, qual seja o testamento
militar nuncupativo (art. 1.896 do CC),
esse, como outro testamento qualquer,
pode revogar o anterior.
Por fim, de acordo com o art. 1.972
do CC classifica o legislador como
hipótese de revogação tácita, real ou
material o fato de o testador, estando
lúcido, ou outrem que o faça com o
seu consentimento, dilacerar, rasgar,
ou abrir a cédula testamentária no
testamento cerrado (para parte da
doutrina, isso pode ocorrer também
no testamento particular previsto no
art.1.876 do CC).
VALIDADE
A Corregedoria Nacional de Justiça
(CNJ) assinou, em 14 de julho de 2016,
o Provimento n°56, que “dispõe sobre
a obrigatoriedade de consulta ao Re-
gistro Central de Testamentos On-Line
(RCTO) para processar os inventários
e partilhas judiciais e lavrar escrituras
públicas de inventários extrajudiciais”.
Em tais termos, o Provimento torna
obrigatória aos juízes de direito e aos
tabeliães a consulta ao RCTO tanto para
se processar os inventários e partilhas
judiciais, bem como lavrar escrituras
públicas de inventários extrajudiciais.
“
TAL PROVIMENTO, EMBORA
SEM CARÁTER LEGISLATIVO,
DEVE SER EFETIVAMENTE
APLICADO, POIS PRETENDE
QUE A TRANSFERÊNCIA
TESTAMENTÁRIA DO ACERVO
DISPOSTO PELO FALECIDO
SEJA EFETUADA A FAVOR DE
“
SEU VERDADEIRO TITULAR
Luiz Paulo Vieira de Carvalho é favo-
rável ao documento e relembra que a
instituição do Registro Central de Tes-
tamentos On-Line teve como alicerce o
Provimento n° 18/2012, baixado igual-
mente pelo mesmo órgão. De acordo
com o advogado, tal Provimento, em-
bora sem caráter legislativo, deve ser
efetivamente aplicado, pois pretende
que a transferência testamentária do
acervo disposto pelo falecido seja efe-
tuada a favor de seu verdadeiro titular
(isto é, o verdadeiro herdeiro ou lega-
tário), tudo calcado na nobre finalidade
de se evitar que o magistrado orfanoló-
gico determine o cumprimento de tes-
tamentos eventualmente revogados, de
molde a impedir o surgimento no plano
sucessório a indesejável figura do her-
deiro aparente.
11

Com relação aos pressupostos de
validade de um testamento, Luiz Paulo
Vieira de Carvalho afirma que é muito
importante terem sido observadas por
ocasião da confecção da respectiva cé-
dula, as solenidades essenciais, isto é,
os elementos extrínsecos de cada tipo
de testamento (comum ou especial), de
acordo com a lei em vigor por ocasião
da sua feitura tempus regit actum, sob
pena de nulidade da cédula testamen-
tária (art.116, IV e VII do CC).
De acordo com ele, apesar de tal as-
sertiva, o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) vem flexionando esse entendi-
mento através do fenômeno denomi-
nado de dessonelização do testamento,
no seguinte sentido: desde que, in con-
creto, a capacidade testamentária do
testador não tenha objeto de séria dú-
vida, frente ao princípio da obediência à
vontade deste último (art.1.899 do CC),
as disposições testamentárias hão de
ser preservadas.
“Afinal, sendo testamento Lex Pri-
vata, deve a última vontade da pessoa
natural - que é sagrada, repetimos,
ser preservada, na medida do razoá-
vel e possível – a propósito vide, p.ex.,
os REsp’s n.302767, 600746 e 141972).
Obviamente, algumas solenidades têm
tamanha importância que, em não sen-
do realizadas - tal qual a não oposição
da assinatura do testador na corres-
pondente cédula -, conduzem a total
ineficácia do testamento”, complemen-
ta Luiz Paulo Vieira.
CUSTOS
Presidente do Colégio Notarial do
Brasil, Paulo Roberto Gaiger Ferreira
compreende que, com o aumento das
famílias multiparentais e, mais rara-
mente, da poliafetividade, o testamen-
to é um ato que permite às pessoas
contemplarem os seus afetos de modo
distinto. Para ele, no entanto, a desin-
formação, a falta de cultura do planeja-
12
mento sucessório e, sobretudo, o medo
da morte têm afastado as pessoas de
projetarem a atenção especial aos en-
tes amados após a morte.
“A sucessão legítima privilegia os
descendentes, o cônjuge e os ascen-
dentes com 50% da herança. Aquelas
pessoas que não têm herdeiros neces-
sários - ou têm, mas querem destinar
recursos para pessoas de seu afeto -
precisam fazer o testamento”, adverte
o presidente.
O valor do testamento público pode
variar, uma vez que é ditado por leis
estaduais. Em São Paulo, por exemplo,
o custo é de R$ 956,39, totalizando
R$ 1.606,15 (somando-se os tributos).
Há uma previsão de desconto de 50%
para patrimônios que não superem R$
75.210,00. “Não acredito que o preço
tenha impedido as pessoas de fazerem
o seu testamento. Não há previsão
de gratuidade para este ato e, por
isso, a assistência judiciária não pode
ser usada”, esclarece Paulo Roberto
Gaiger Ferreira.
EXTRAJUDICIAL
A Corregedoria Geral de Justiça de
São Paulo decidiu que, quando houver
testamento, é possível fazer inventário
extrajudicial. Surge, aí, a questão: foi
condicionada a análise da legalidade
no Judiciário - e o inventário feito no
cartório após essa verificação - ou
foi autorizado que tudo fosse feito no
cartório pelo tabelião?
Priscila Agapito, tabeliã e presiden-
te da Comissão de Notários e Registra-
dores do IBDFAM, explica que, falecida
a pessoa e tendo ela deixado testa-
mento, inventário e partilha poderão
ser feitos extrajudicialmente, desde
que presentes os pressupostos legais
- todos os herdeiros serem maiores
ou capazes e não existir conflito entre
eles. Além disso, será necessário que
CAPA
as partes ingressem previamente, por
meio de advogado, com a ação judicial
de registro de testamento.
“Na própria petição inicial, já reque-
rerão que, decretados pelo juiz esta-
rem presentes os requisitos formais
do testamento, o inventário e a partilha
doravante possam ser extrajudiciais,
no tabelionato de escolha das partes.
Assim é feito e, ao final, é extraído um
mandado que deve ser endereçado ao
tabelião de notas eleito, para que ele
possa lavrar o inventário extrajudicial,
que será propagado normalmente,
como qualquer outro - observando-se,
no caso, a sucessão testamentária de-
finida na cédula apresentada”, esclare-
ce Agapito.
A tabeliã, no entanto, tem ressalvas
quanto ao processo. Para ela, teria ha-
vido avanço neste sentido, caso o tabe-
lião pudesse lavrar o inventário direta-
mente, sem que houvesse necessidade
desta ação prévia, “que, por mais sim-
ples que seja, demanda, das partes,
tempo e dinheiro. Contudo, essa foi a
saída que as corregedorias estaduais
encontraram para interpretar a Lei
11.441/07, que é expressa ao dizer que,
se houver testamento, o inventário de-
verá ser judicial”, acrescenta. E garan-
te: “A maneira atual, adotada pela Cor-
regedoria de São Paulo, tem atendido à
população”.
O CPC/2015, em seu artigo 610,
manteve a redação do antigo código
de 1973, direcionando para o poder ju-
diciário casos em que há testamento.
Para o IBDFAM, trata-se de um verda-
deiro retrocesso, uma vez que afronta
os princípios da celeridade e da econo-
mia processual.
Em alguns estados, como Rio
de Janeiro e Bahia, de acordo com
Agapito, já existem provimentos neste
sentido, a exemplo de São Paulo. Ela
revela que, nas demais Unidades da

Federação, os casos têm sido resolvidos individualmente. “Tendo em vista que esse é praticamente um caminho evolutivo
sem volta, talvez fosse o caso de o Conselho Nacional de Justiça - CNJ se manifestar, autorizando em nível nacional essa
prática, que tão útil é a toda população. Isso enquanto não vier lei expressa”, observa.
ANTEPROJETO DO ESTATUTO DAS SUCESSÕES
S empre atento e atuante em re-
lação às mudanças e moder-
nizações necessárias do Direito Su-
cessório no Brasil, o IBDFAM criou
um grupo de discussão, coordenado
pelo advogado Mário Luiz Delgado,
presidente da Comissão de Assuntos
Legislativos do Instituto, e que conta
com nomes de referência na matéria,
visando elaborar um Anteprojeto de lei
do Estatuto das Sucessões capaz de
promover reformas nessa área. Este
ano, já foram realizadas quatro reu-
niões. A mais recente em agosto, na
qual os participantes se debruçaram
sobre as sugestões acerca da reforma
que se propõe para a sucessão legíti-
ma, que concentra os temas das maio-
res polêmicas.
“O principal deles, sem dúvida, é
a questão da legítima dos herdeiros
necessários, se deve ser mantida
como está, se deve ser afastada
completamente ou se deve subsistir
apenas em situações excepcionais ou
em percentual menor do que o atual.
O mesmo se diga no tocante ao rol
dos herdeiros necessários: ainda que
mantida a legítima, o rol deve ser
reduzido para excluir o cônjuge ou
ampliado para incluir o companheiro?”,
questiona Mário Luiz Delgado.
O Direito das Sucessões, segundo
o advogado e doutor em Direito Civil,
clama por reformas desde a entrada
em vigor do Código Civil, há quase 15
anos. As grandes inovações introdu-
zidas por ele, especialmente aquelas
atinentes à sucessão do cônjuge e do
companheiro, foram lacunosas e trou-
xeram muitas dúvidas as quais, por
sua vez, deram origem a acaloradas
discussões doutrinárias e, não raro,
a contraditórias posições na jurispru-
dência.
“Até hoje não temos segurança ju-
rídica em relação a diversas questões,
como é o caso do afastamento do côn-
juge da sucessão após prolongada
separação de fato, a concorrência do
cônjuge com a descendência híbrida, o
cálculo do quinhão dos descendentes
comuns e exclusivos e a concorrência
do cônjuge com o companheiro. Sem
falar nas demandas que resultam das
novas formas de filiação. Os filhos so-
cioafetivos têm legitimidade sucessó-
ria em relação a todos os ascendentes,
não importa quantos sejam e qual seja
a origem? Os filhos oriundos de inse-
minação artificial post mortem pos-
suem direitos sucessórios, mesmo se
nascidos quando já encerrado o inven-
tário? E os embriões excedentários?”,
destaca.
Para Mário Luiz Delgado, recen-
temente esse estado de inseguran-
ça se agravou bastante com a última
decisão do Supremo Tribunal Federal
(STF) que afastou, por inconstitucional,
o tratamento sucessório diferenciado
entre casamento e união estável. “Não
sabemos responder, por exemplo: o
companheiro é herdeiro necessário?
Quais regras da sucessão do cônjuge
aplicar-se-ão à união estável? Somen-
te o art. 1.829 ou todos os demais?
Ou seja, além das dúvidas que já per-
CAPA
turbavam a doutrina, agora surgiram
várias outras, o que torna premente
uma reforma ampla do Código Civil, de
modo a compatibilizar o direito mate-
rial com os novos rumos ditados pela
jurisprudência”, afirma.
Ele espera que, até a data do XI Con-
gresso Brasileiro de Direito das Famí-
lias e Sucessões, a ser realizado entre
25 e 27 de outubro, o grupo de discus-
são do Direito das Sucessões tenha em
mãos as respostas de algumas dessas
questões levantadas, para que se pos-
sa debatê-las com os congressistas e
concluir, até o final deste ano, um am-
plo projeto de reforma.
“Na sucessão testamentária, no
extremo oposto do que ocorre na su-
cessão legítima, reunimos o maior
número de consensos. É pacífico que
o ato de testar deve ser simplificado e
modernizado, de forma a incentivar e
popularizar o uso do testamento, mas
sem perder a segurança proporciona-
da pelas formalidades testamentárias.
Novas tecnologias devem ser incorpo-
radas, como é o caso do testamento,
público ou particular, realizado por
meio de recursos audiovisuais. Os tes-
tamentos especiais também devem
ser simplificados, de forma a aproxi-
má-los do testamento hológrafo feito
em situações de emergência”, conclui
o jurista.
* Giselda Hironaka, Priscila Agapito e Mário
Luiz Delgado farão palestra no XI Congresso
Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões,
de 25 a 27 de outubro, em Belo Horizonte.
13

TE
TEST
TAME
AMEN
NTO
TO VITA
VITAL
LUCIANA DADALTO
Doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG;
Mestre em Direito Privado pela PUC/Minas;
Sócia fundadora da Dadalto & Carvalho Advocacia e Consultoria em Saúde;
Administradora do portal www.testamentovital.com.br.
O testamento vital é um documen-
to redigido por uma pessoa no
pleno gozo de suas faculdades men-
tais, com o objetivo de dispor acerca
dos cuidados, tratamentos e procedi-
mentos que deseja ou não ser subme-
tida quando estiver fora de possibili-
dades terapêuticas e impossibilitada
de manifestar livremente sua vontade.
Trata-se de uma espécie de diretivas
antecipadas de vontade, gênero de
documentos sobre manifestações de
vontade para fins de saúde.
Surgiu nos EUA, na década de 1960,
sendo denominado living will. No Bra-
sil, assim como em outros países de
língua latina, a expressão inglesa foi
traduzida para testamento vital ao in-
vés de desejos/vontades em vida, ter-
mo considerado mais adequado, razão
pela qual é muito comum a confusão
do testamento vital com o testamento
patrimonial, apesar de serem institu-
tos díspares. Enquanto o primeiro é
tema afeto aos direitos de personali-
dade, o segundo é afeto ao direito su-
cessório.
É comum a confusão do testamento
vital com outros conceitos atinentes
à temática da morte digna. A eutaná-
sia é a abreviação da vida do pacien-
te a pedido deste, por compaixão em
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virtude do seu estado de saúde. Já a
ortotanásia é utilização de cuidados
paliativos com o objetivo de aliviar o
sofrimento do paciente, sem interferir
no curso natural da doença. A distaná-
sia, por sua vez, é o prolongamento da
vida biológica do paciente com a utili-
zação de aparato artificial.
No Brasil, a eutanásia é entendida
como crime – apesar de não haver tipo
penal específico – e também como
infração ética na Medicina (artigo 41
do Código de Ética Médica), portanto,
caso haja disposição sobre eutanásia
no testamento vital, ela será tida por
não escrita.
A ortotanásia, apesar de não ser
tratada em nenhuma norma federal
brasileira, é entendida como prática lí-
cita, reconhecida pelo Poder Judiciário
brasileiro no julgamento da Ação Civil
Pública n. 2007.34.00.014809-3, pro-
posta contra a resolução do Conselho
Federal de Medicina 1805/06, decisão
esta que já transitou em julgado.
A distanásia também não é tratada
em nenhuma norma federal brasilei-
ra, mas é entendida como infração
ética na Medicina (artigo 41 do Códi-
go de Ética Médica), contudo, é prática
socialmente aceita, pois é amparada
ARTIGO
na nobre tentativa de salvar a vida do
paciente
O testamento vital é um documen-
to de manifestação de vontade e seu
conteúdo deverá amoldar-se ao orde-
namento jurídico do país em que for
aplicado. Para tanto, deve-se ter em
mente que não é o fato do paciente
pedir para manter ou suspender um
tratamento que define se isso é euta-
násia, ortotanásia ou distanásia, mas
sim a análise diante do caso concre-
to da importância desse tratamento
para o quadro clínico do paciente, que
permitirá dizer se o desejo do paciente
é lícito ou não. Por essa razão, reco-
menda-se que seja redigido de forma
detalhada, evidenciando a quais con-
textos clínicos as decisões tomadas se
referem.
Por fim, sabe-se que a procura pela
feitura de testamentos vitais tem cres-
cido, mas ainda vivemos em um cená-
rio de desconhecimento da temática
e de insegurança jurídica, portanto, é
preciso cuidado na aplicação do ins-
tituto e luta em prol da aprovação de
uma lei sobre o tema.
 ARTIGO

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LISIEUX NIDIMAR DIAS BORGES
Advogada;
Professora Assistente de Direito Civil e Processual Civil;
Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais;
Especialista em Direito Civil pelo Instituto de Educação Continuada
da PUC/MG.

O Brasil passa por grandes mo-

dificações sociais, culturais e
tecnológicas, levando seus cidadãos a
questionarem o mundo ao seu redor,
e, exigirem que este mundo, acolha
suas diferenças, e, encare a dignida-
de da pessoa humana, como um direi-
to fundamental pertencente a todos.
(BORGES, 2014) (BORGES, 2015).
O paradigma social da diversidade
avançou entre nós com a Constitui-
ção Brasileira de 1988, consequente-
mente, com vasta atividade legislativa
infraconstitucional sobre o tema, que
garantiu vários direitos às pessoas
com deficiências (BORGES, 2014), in-
cluindo-as como cidadãs e participan-
tes da sociedade (ROSENVALD , 2017).
A Lei n. 13.146/2015, Estatuto da
Pessoa com Deficiência, impulsionou
a reflexão sobre o instituto da capa-
cidade civil, mudando a compreen-
são de todos os demais institutos do
Direito Civil. O referido Estatuto e a
principiologia constitucional vigente,
permite-nos afirmar que a matéria de
testamentos contida no Código Civil de
2002, está materialmente modificada,
devendo toda sua aplicação, e, inter-
pretação se adequar a legislação es-
pecial e constitucional vigentes.
Assim, as pessoas com deficiências
físicas (visual, auditiva, fonadora e mo-
tora), poderiam testar de várias for-
mas, independentemente da tipificação
civil, desde que suas vontades fossem
expressas de forma livre, consciente e
sem quaisquer embaraços. Todos os
meios tecnológicos e linguagens pode-
riam ser instrumentos aptos para ma-
terializar tal vontade, como a escrita
braile, a LIBRAS, assinaturas digitais,
biometria, áudios, vídeos, entre outras
possibilidades (BORGES, 2015).
A capacidade de testar (art.
1.860, CC/2002), que antes da Lei n.
13.146/15, garantia a liberdade de
testar aos plenamente capazes, deve
ser totalmente reinterpretada sob a
ótica inclusiva, garantindo às pes-
soas que possuem deficiências de
natureza mental, a possibilidade de
imporem sua vontade em sede tes-
tamentária. Porém, se faz necessá-
rio também, um controle da vontade
do testador com deficiência mental,
em razão do entendimento de mundo
que possui.
Controlar a vontade, não significa
vedação da vontade, como acontecia
outrora, mas, uma forma de prote-
ção da própria pessoa com deficiência
mental que testa. Neste sentido, o novo
instituto conhecido como Tomada de
Decisão Apoiada surge como balizador
do controle estatal da vontade da pes-
soa parcialmente capaz, e, ao mesmo
tempo, permite que esta pessoa possa
exprimir sua vontade, de acordo com o
grau de seu entendimento do mundo,
sempre acompanhada dos seus apoia-
dores judicialmente estabelecidos, po-
dendo, então, exercer sua liberdade de
testar.
Referências. BORGES, Lisieux N. D. Testamento
Particular em Braile, por que não? Inclusão
já. Revista Brasileira de Direito das Famílias e
Sucessões, v.01, p.71-93,2014.
BORGES, Lisieux N. D. Superando as restrições
testamentárias ‘pressupostas’ no Brasil em
razão de deficiências físicas: auditiva, fonadora,
visual e motora. Revista IBDFAM : Famílias e
Sucessões, v. 11, p. 27-62, 2015.
ROSENVALD, Nelson. Em 11 perguntas e res-
postas – Tudo que você precisa para conhecer o
Estatuto da Pessoa com Deficiência. In: Boletim
Informativo CAOCIFE, 2015, 13.a Ed.
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 LAZER

FILME DICA DE LIVRO

VOCÊS AINDA NÃO VIRAM NADA
De certa forma a ver com o tema desta edição,
o filme Vocês ainda não viram nada, de Alain
Resnais, traz a seguinte trama: depois da morte
do dramaturgo Antoine d'Anthac, os atores que
encenaram sua peça Eurídice, em várias produções
teatrais, são chamados à sua casa para a leitura de
seu testamento. Lá, descobrem que o autor deixou
um vídeo para que eles avaliem seu pedido.

Drama/ Ano: 2012 / Direção: Alain Resnais / A SOCIEDADE DOS SONHADORES

Elenco: Elenco: Anne Consigny, Anny Duperey, Denis INVOLUNTÁRIOS
Podalydès, Gérard Lartigau.
O escritor angolano José Eduardo
Agualusa lançou, recentemente, A socie-
dade dos sonhadores involuntários (Tus-
quets – Ed.Planeta). Ele marcou presença
no projeto Sempre um Papo, realizado em
Belo Horizonte. No livro, o jornalista Da-
niel Benchimol sonha com pessoas que

EXPOSIÇÕES não conhece. Moira Fernandes, artista

plástica, encena e fotografa os próprios
sonhos. Hélio de Castro, neurocientista,
desenvolveu uma máquina capaz de fil-
CANÇÃO AMIGA CELEBRA O CLUBE mar os sonhos de outras pessoas. E Hos-
DA ESQUINA si Kaley, hoteleiro, pode caminhar pelos
“Coisas que a gente se esquece de dizer. sonhos alheios. Quatro personagens uni-
Frases que o vento vem às vezes me lembrar. dos numa sucessão de acontecimentos
Coisas que ficaram muito tempo por dizer. misteriosos.
Na canção do vento não se cansam de voar...”
A utopia de um mundo melhor, impressa nas José Eduardo Agualusa nasceu no
poéticas canções do Clube da Esquina, é re- Huambo, Angola, em 1960. Estudou silvi-
presentada em Canção amiga, exposição que cultura e agronomia em Lisboa, Portugal.
está no Espaço do Conhecimento. Trata-se do Escreve crônicas para o jornal O Globo. É
resgate da história do grupo que, juntamente membro da União dos Escritores Ango-
com Milton Nascimento, marcou a música brasileira. lanos. Vencedor do Independent Foreign
Fiction Awards por O vendedor de passa-
Até fim de setembro. Informações: http://www.espacodoconhecimento.org.br/cancao-a- dos e finalista do Man Booker Internatio-
miga-clube-da-esquina/ nal Prize por Teoria geral do esquecimen-
to, já foi traduzido para quase 30 idiomas.
ENTRE NÓS – A FIGURA HUMANA
NO ACERVO DO MASP
A exposição tem como eixo central a repre-
sentação da figura humana, tema que atraves-
sa diferentes histórias da arte presentes em
variadas coleções do acervo do Museu de Arte
de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP). Da
celebrada coleção europeia, passando pelas
coleções pré-colombiana, africana, brasileira
e latino-americana. A mostra conta com peças
de artistas como Van Gogh, Cândido Portinari,
Picasso, Paul Cézanne (foto: O negro Cipião), Flávio de Carvalho. No Centro Cultural Banco
do Brasil Brasília até fim de setembro.

Informações: http://culturabancodobrasil.com.br/portal/entre-nos-figura-humana-no-a-
cervo-masp/
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Seja um parceiro!

O Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM

gostaria de tê-lo como parceiro em nosso XI Congresso
Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões, um dos
maiores fóruns de debates sobre o tema da América
Latina. A previsão de público é de mil participantes, em
evento que reúne renomados especialistas da área.

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Sociedade de Advogados
OAB/SP 11.339

Nena Sales Pinheiro

D I R E I T O D E FA M Í L I A E S U C E S S Õ E S