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1. Consideração introdutória
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semelhantes como a caducidade, preclusão, prescrição, decadência, renúncia etc.
Os sujeitos do processo devem comportar-se de acordo com a boa-fé, que, nesse caso,
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deve ser entendida como uma norma de conduta ("boa-fé objetiva"). Esse é o
princípio da boa-fé processual, que se extrai do texto do inc. II do art. 14 do CPC
(LGL\1973\5): "São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma
participam do processo: (...) II - proceder com lealdade e boa-fé".
Note que os destinatários da norma são todos aqueles que de qualquer forma participam
do processo, o que inclui, obviamente, não apenas as partes, mas também o órgão
jurisdicional. A observação é importante, pois grande parte dos trabalhos doutrinários
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sobre a boa-fé processual restringe a abrangência do princípio às partes.
A opção por uma cláusula geral de boa-fé processual é a mais correta. É que a infinidade
de situações que podem surgir ao longo do processo torna pouco eficaz qualquer
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enumeração legal exaustiva das hipóteses de comportamento desleal. Daí ser correta a
opção da legislação brasileira por uma norma geral que impõe o comportamento de
acordo com a boa-fé.
De fato, não seria necessária qualquer enumeração legal das condutas desleais: o inc. II
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é bastante, exatamente por tratar-se de uma cláusula geral.
Antes, porém, é preciso tecer ainda mais algumas considerações sobre o princípio da
boa-fé processual.
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proteção da boa-fé objetiva. É objetivo da República Federativa Brasileira a construção
de uma sociedade livre, justa e solidária. Haveria um dever fundamental de
solidariedade, do qual decorreria o dever de não quebrar a confiança e de não agir com
deslealdade. Nesta mesma linha de raciocínio, há quem veja a cláusula geral de boa-fé
como concretização da proteção constitucional à dignidade da pessoa humana (art. 1.º,
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III, CF (LGL\1988\3)).
Para Menezes Cordeiro, por exemplo, a exigência de atuação de acordo com a boa-fé
decorre do direito fundamental à igualdade: "a pessoa que confie, legitimamente, num
certo estado de coisas não pode ser vista se não tivesse confiado: seria tratar o diferente
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de modo igual".
Para Joan Pico I Junoy, o princípio da boa-fé processual compõe a cláusula do devido
processo legal, limitando o exercício do direito de defesa, como forma de proteção do
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direito à tutela efetiva, do próprio direito de defesa da parte contrária e do direito a
um processo com todas as garantias ("processo devido"). Cria, para tanto, eloqüente
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expressão: o devido processo leal.
O STF, órgão máximo da justiça brasileira, segue também essa linha de argumentação,
de maneira ainda mais incisiva: a cláusula do devido processo legal exige um processo
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leal e pautado na boa-fé. A transcrição de trecho da fundamentação é necessária:
"O princípio do devido processo legal, que lastreia todo o leque de garantias
constitucionais voltadas para a efetividade dos processos jurisdicionais e administrativos,
assegura que todo julgamento seja realizado com a observância das regras
procedimentais previamente estabelecidas, e, além, representa uma exigência de fair
trial, no sentido de garantir a participação equânime, justa, leal, enfim, sempre imbuída
pela boa-fé e pela ética dos sujeitos processuais.
A máxima do fair trial é uma das faces do princípio do devido processo legal positivado
na Constituição de 1988, a qual assegura um modelo garantista de jurisdição, voltado
para a proteção efetiva dos direitos individuais e coletivos, e que depende, para seu
pleno funcionamento, da boa-fé e lealdade dos sujeitos que dele participam, condição
indispensável para a correção e legitimidade do conjunto de atos, relações e processos
jurisdicionais e administrativos."
"Nesse sentido, tal princípio possui um âmbito de proteção alargado, que exige o fair
trial não apenas dentre aqueles que fazem parte da relação processual, ou que atuam
diretamente no processo, mas de todo o aparato jurisdicional, o que abrange todos os
sujeitos, instituições e órgão, públicos e privados, que exercem, direta ou indiretamente,
funções qualificadas constitucionalmente como essenciais à Justiça."
(giusto, como dizem os italianos, eqüitativo, como dizem os portugueses) precisa ser
ético e leal. Não se poderia aceitar como justo um processo pautado em
comportamentos desleais ou antiéticos.
Com base nessas premissas, vamos ao exame da questão-objeto desse nosso pequeno
artigo.
4. Valor da multa, dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate the
loss) e o princípio da boa-fé processual: possibilidade de supressio
O tema é instigante e complexo. Tivemos acesso a dois casos concretos, que podem
servir como bons pontos de partida para a solução do problema.
Em ambos os casos, como se vê, o montante da multa atingiu valor altíssimo, muito por
força do comportamento omissivo do credor-autor.
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devedor".
Segundo Véra Maria Jacob de Fradera, a jurisprudência francesa ora enquadra o dever
de mitigar o próprio prejuízo como corolário da boa-fé, ora se vale da proibição de venire
contra factum proprium como fundamento para punir "o comportamento do credor
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faltoso". A autora cita como exemplo o caso de um locador que permaneceu 11 anos
sem cobrar os aluguéis e, ao invocar a cláusula resolutória do contrato, acabou por ser
privado de exercer esse direito, com fundamento na proibição de comportamento
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contraditório.
Parece, porém, que, tendo em vista que o comportamento abusivo é omissivo (não
evitar o aumento exagerado dos prejuízos), talvez seja mais adequado referir à
supressio, e à sua correlata surrectio, e não à proibição do venire contra factum
proprium.
Remanesce a dúvida: toda essa construção teórica, criada para o universo do direito
privado, pode ser aplicada por extensão ao direito processual?
3. "La giustificata aspettativa che il diritto stesso non sarebbe più stato fatto valere"
(RANIERI, Filippo. Rinuncia tacita e Verwirkung. Padova: Cedam, 1971, p. 1).
4. CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil. 2.ª reimp.
Coimbra: Almedina, 2001, p. 797.
5. Idem, ibidem.
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Multa coercitiva, boa-fé processual e supressio:
aplicação do duty to mitigate the loss no processo civil
6. Idem, p. 801. Sobre a evolução da Verwirkung, também, RANIERI, Filippo. Op. cit., p.
14 e ss.
8. Idem, p. 802.
10. Na doutrina brasileira, não são muitos doutrinadores que mencionam a existência de
uma "boa-fé objetiva processual". Poucos doutrinadores brasileiros aproveitaram essa
grande contribuição germânica (Treu und Glauben,a proteção objetiva da confiança e da
lealdade) em seus estudos sobre o direito processual, que ainda estão presos a uma
concepção subjetiva de boa-fé. Ignora-se toda produção doutrinária sobre boa-fé
objetiva no direito privado e no direito público. Parece não ter havido "comunicação
doutrinária interdisciplinar", fato triste e lamentável. Olvida-se, também, a doutrina
européia sobre a boa-fé objetiva no processo, principalmente os autores alemães e
portugueses, citados ao longo do texto. Cabe, então, mencionar alguns autores
brasileiros que expressamente defendem a existência de uma "boa-fé processual
objetiva": CABRAL, Antônio do Passo. O contraditório como dever e a boa-fé processual
objetiva. RePro 126/76-78. São Paulo: Ed. RT, ago. 2005; MITIDIERO, Daniel. Bases
para a construção de um processo civil cooperativo: o direito processual civil no marco
teórico do formalismo-valorativo. Tese de doutorado, Porto Alegre, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, 2007, p. 70; ______. Comentários ao Código de Processo Civil
(LGL\1973\5). São Paulo: Memória Jurídica, 2004, t. I, p. 173; VINCENZI, Brunela Vieira
de. A boa-fé no processo civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 169 e ss.; GÓES, Gisele.
Defesa do devedor na execução de título extrajudicial: principiologia e técnicas
processuais de efetividade. A leitura. Belém: Escola Superior da Magistratura, 2008. vol.
1, p. 32-40.
11. Por exemplo, o monografista do tema PICO I JUNOY, Joan. EL DEBIDO PROCESO
"LEAL". REVISTA PERUANA DE DERECHO PROCESAL 9/341. Lima: Palestra, 2006;
MILMAN, Fábio. Improbidade processual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 81 e ss.;
NERY JR., Nelson, NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. Código de Processo
Civil (LGL\1973\5) comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: Ed. RT, 2006,
p. 177-178; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Código de Processo Civil (LGL\1973\5)
interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 84-85.
12. PICO I JUNOY, Joan. Op. cit., p. 370-371. Também reconhecendo a grande utilidade
de uma cláusula geral processual de boa-fé,VINCENZI, Brunela Vieira de.Op. cit., p. 169
e ss.
13. LIMA, Alcides de Mendonça. Abuso do direito de demandar. RePro 19/61. São Paulo:
Ed. RT, jun.-set. 1980. Assim, também, CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 69.
15. Embora sem dizer isso expressamente, parece ser este o pensamento de Antônio do
Passo Cabral, ao afirmar que o inc. II do art. 14 do CPC (LGL\1973\5) "consubstancia
cláusula genérica de conduta ética" (CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 69).
16. § 242 do BGB (Bürgerliches Gesetzbuch): "Der Schuldner ist verpflichtet, die
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Multa coercitiva, boa-fé processual e supressio:
aplicação do duty to mitigate the loss no processo civil
Leistung so zu bewirken, wie Treu und Glauben mit Rücksicht auf die Verkehrssitte es
erfordern" ("O devedor está adstrito a realizar a prestação tal como o exija a boa fé,
com consideração pelos costumes do tráfego", de acordo com a tradução de CORDEIRO,
António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil cit., p. 325). Há uma
outra tradução, bastante conhecida no Brasil, de Souza Diniz: "O devedor está obrigado
a executar a prestação como a boa fé, em atenção aos usos e costumes, o exige"
(Código Civil (LGL\2002\400) Alemão. Rio de Janeiro: Record, 1960, p. 56).
17. "A sua natureza instrumental perante o Direito Civil e uma certa tradição literária de
escrita sobre a boa fé em Processo terão facilitado a transposição" (CORDEIRO, António
Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil cit., p. 375).
18. O STF já decidiu que o processo penal também é regido pelo princípio da boa-fé
objetiva, como forma de impedir comportamentos abusivos: STF, HC 92.012/SP, 2.ª T.,
j. 10.6.2008, rel. Min. Ellen Gracie.
19. CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil cit., p.
376, especialmente a nota 437.
20. "Essa expansão é notável e denota a compleição da boa-fé não como um instituto
jurídico comum, mas como factor cultural importante, ligado, de modo estreito, a um
certo entendimento do jurídico" (CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da
boa-fé no direito civil cit., p. 371).
26. Das Verbot zu schafen,no texto original BAUMGäRTEL, Gottfried. Idem, ibidem.
27. Como, por exemplo, alguns casos previstos no Código de Processo Civil
(LGL\1973\5) brasileiro: o requerimento doloso da citação por edital (art. 233, CPC
(LGL\1973\5)), a atuação dolosa do órgão jurisdicional (art. 133, I, CPC (LGL\1973\5)) e
em algumas hipóteses de litigância de má-fé que exigem a presença do "elemento
subjetivo" (art. 17, I, II, III e IV, CPC (LGL\1973\5)). É importante registrar,
especificamente para a aplicação do art. 17 do CPC (LGL\1973\5), que nem todos os
casos de litigância de má-fé ali previstos exigem a "má-fé subjetiva"; há casos em que a
"má-fé" é examinada objetivamente, como nos casos dos incs. V, VI, VII e VIII do
mesmo artigo. Advertindo sobre esse aspecto, BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A
responsabilidade das partes por dano processual no direito brasileiro. Temas de direito
processual. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 26. Trata-se de um dado relevante para
confirmar a existência de uma cláusula geral de proteção da boa-fé objetiva.
28. Como, por exemplo, recorrer contra uma decisão que se aceitara (art. 503 do CPC
(LGL\1973\5): "A parte, que aceitar expressa ou tacitamente a sentença ou a decisão,
não poderá recorrer") ou pedir a invalidação de ato a cujo defeito deu causa (art. 243 do
CPC (LGL\1973\5)).
30. Como, por exemplo, o abuso do direito de defesa, que pode autorizar a antecipação
dos efeitos da tutela jurisdicional (art. 273, II, CPC (LGL\1973\5)), ou o abuso do direito
de recorrer, que é hipótese expressa de litigância de má-fé (art. 17, VII, CPC
(LGL\1973\5)).
33. CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil cit., p.
900.
35. Sobre a relação entre boa-fé e abuso do direito, mais uma vez CORDEIRO, António
Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil cit., p. 861-902.
39. CABRAL, Antônio do Passo. Op. cit., p. 63. Assim, também, VINCENZI, Brunela
Vieira de.Op. cit., p. 172.
42. STF, RE 464.963/GO, 2.ª T., j. 14.02.2006, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 30.06.2006.
Com fundamentação semelhante, STF, AgIn 529.733/RS, 2.ª T., j. 17.10.2006, rel. Min.
Gilmar Mendes, DJ 01.12.2006.
44. Assim, FRADERA, Véra Maria Jacob de. Op. cit., p. 116-117; TARTUCE, Flávio. A
boa-fé objetiva e a mitigação do prejuízo pelo credor. Disponível em:
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Multa coercitiva, boa-fé processual e supressio:
aplicação do duty to mitigate the loss no processo civil
50. Sobre o tema, DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador:
Juspodivm, 2008. vol. 1, p. 245 e 276-277.
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