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APELAÇÃO AÇÃO POPULAR

admin Ação popular

Apelação
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 3A VARA DA FAZENDA ESTADUAL NA
COMARCA DE MACEIÓ – AL
PROCESSO Nº 16.282-1/97
AUTOR: EVERALDO BEZERRA PATRIOTA E OUTROS
LITISCONSORTES PASSIVOS: COESA ENGENHARIA LTDA. E OUTROS (CONFORME LISTA ADIANTE)
O ESTADO DE ALAGOAS, pessoa jurídica de direito público, representado pelos Procuradores de Estado
que abaixo subscrevem, vem, com o devido respeito, interpor a presente APELAÇÃO para o Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, objetivando a pronúncia de nova decisão, em substituição à
sentença de fls. 5.990/6.005, proferida nos autos desta ação popular movida por Everaldo Patriota e outros
contra Divaldo Suruagy, José Pereira de Souza e Outros, conforme discriminado adiante, pelo que junta à
presente as suas razões de recurso, como de direito, com os documentos que a acompanham.

Requer, ainda, que seja retificada a sua posição processual, fazendo-o constar não mais no pólo passivo da
demanda, mas no pólo ativo, na qualidade de litisconsorte dos autores, tendo em vista a possibilidade de
retratação da posição assumida pela pessoa jurídica no processo da ação popular.

Requer, outrossim, a Vossa Excelência a intimação da parte adversa (litisconsortes passivos, já qualificados
nos autos) e quem mais possa interessar (terceiros prejudicados) para oferecer contra-razões e, em seguida,
a remessa dos autos ao Egrégio Tribunal de Justiça, para o devido processamento e julgamento.

Salienta, por fim, que deixa de anexar o comprovante de recolhimento das custas processuais em razão do
permissivo legal expresso no art. 511, parágrafo 1o, do Código de Processo Civil, que dispensa tal
expediente.

Rio,2007.

Procuradora de Estado

LISTA DOS LITISCONSORTES PASSIVOS


(CONFORME DECISÃO, PROFERIDA EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, PUBLICADA NO DIÁRIO
OFICIAL DO ESTADO DE ALAGOAS DE 27 DE SETEMBRO DE 2.000)
1. COESA ENGENHARIA LTDA.
1. CONSTRUTORA OAS LTDA.
2. CONSTRUTORA QUEIROZ GALVÃO S/A
3. BANCO DE CRÉDITO NACIONAL S/A
4. EIT – EMPRESA INDUSTRIAL TÉCNICA S/A
5. DIVALDO SURUAGY
6. JOSÉ PEREIRA DE SOUZA
7. CONFAB INDUSTRIAL S/A
8. CONSTRUTORA E PAVIMENTADORA SÉRVIA LTDA.
9. BANCO DO ESTADO DO CEARÁ S/A
10. LAÉRCIO MADSON DE AMORIM MONTEIRO
11. FORTUNA CORRETORA DE CÂMBIO E VALORES S/A
12. BANCO ARAUCÁRIA S/A
13. C & D DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES
14. DIVALPAR DIST. DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS LTDA.
15. ESSEX DIST. DE TÏTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS LTDA.
16. OMAR CAMARGO C. C. V. LTDA.
17. PARANÁ BANCO S/A
18. BANESTADO S/A CORRETORA DE CÂMBIO E VALORES MOBILIÁRIOS
20. FUNBEP – FUNDAÇÃO BANESTADO ED SEGURIDADE SOCIAL
21. UNIBANCO – UNIÃO DE BANCOS BRASILEIROS S/A
22. BESC – BANCO DO ESTADO DE SANTA CATARINA S/A
23. BESC S/A CORRETORA DE TÍTULOS VALORES E CÂMBIO
24. INTERFINANCE S/A PARTICIPAÇÕES
25. E OUTROS
RAZÕES DO RECURSO

APELANTE: Estado de Alagoas

APELADOS: Divaldo Suruagy e outros (conforme relação supra)

COLENDO TRIBUNAL,

A sentença de fls. 5.990/6.005, que extinguiu o processo sem julgamento de mérito, não merece prosperar,
pelos fundamentos fáticos e jurídicos que a seguir são apresentados.

1. BREVE RELATO DOS FATOS

A presente ação popular foi intentada pelos cidadãos Everaldo Bezerra Patriota e Outros, nos idos do ano de
1997, tendo por objetivo declarar a nulidade de todas as operações realizadas com a emissão, circulação,
colocação e vendas no mercado financeiro das Letras Financeiras do Tesouro Estadual – LFT/AL.

O Estado de Alagoas, citado para contestar ou a aderir à ação popular, na forma prevista no art. 6o, §3o da
Lei da Ação Popular (“a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de
impugnação poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se
afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente”), houve por bem, num
primeiro momento, contestar a ação, buscando refutar os argumentos expendidos na petição inicial.

Como é de todos conhecido, foi prolatada uma primeira sentença nos autos desta ação popular, julgando
procedente os pedidos formulados pelos autores, condenando, inclusive, o Estado de Alagoas nos ônus da
sucumbência.
Intimado pessoalmente desta sentença, o Estado de Alagoas, desta feita, houve por bem não recorrer,
concordando com as razões ali manifestadas, tendo sido publicado no Diário Oficial do Estado, de 12 de
março de 1998, fls. 12/13, os motivos da não interposição da apelação, nos seguintes termos:

“À consideração do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado de Alagoas.


Intimado pessoalmente da r. decisão proferida nos autos da Ação Popular, proc. 16282-1/97 – Art. 81, VI, da
Lei Complementar 07/91 -, da lavra do eminente Juiz de Direito Manoel Cavalcante de Lima Neto, para
recorrer, venho apresentar a Vossa Excelência o Recurso de Apelação, entretanto, peço autorização para
não ajuizá-lo, utilizando-me da prerrogativa de bem assessorá-lo e o de dever de pugnar pelos interesses do
Estado.
Pois bem. Lastimavelmente, as operações das Letras do Tesouro Estadual foram efetuadas com deságios
significativos, com suspeitas de super-valorização de créditos, além do não pagamento de precatórios
judiciais, sua finalidade constitucional.
Sua anulação, mantida a decisão do ínclito Juiz de Primeira Instância, não acarretará prejuízo algum ao
Estado de Alagoas, mas, ao contrário, restaurará os débitos anteriormente pagos com as Letras, ensejando,
assim, uma criteriosa e austera verificação da origem de cada débito, seu valor, prazos prescricionais,
correção compatível etc.
Sem maiores elucubrações, vê-se, de início, o quanto foram lesivas ao Erário as transações realizadas com
as LFTE, já que é fato público e notório o deságio de até 30% (trinta por cento) efetuado nas transações, o
que corresponde aproximadamente a R$ 90.000.000,00 (noventa milhões de reais) perdidos, jogados fora,
sem nenhum apego à coisa pública.
Ademais, confirmada a r. sentença, jamais se configurará o falado calote do Estado de Alagoas. Todos o
credores do Estado de Alagoas não perderão seus créditos, poderão cobrá-los naturalmente, desde que não
prescritos e legalmente devidos. Os terceiros detentores dos ‘títulos’, da mesma forma, devendo buscar de
seus credores o que têm direito.
Por fim, o fato de não apresentar o recurso voluntário de Apelação não eximirá a apreciação da decisão pelo
Egrégio Tribunal de Justiça deste Estado, que – independentemente dos recursos dos litisconsortes –
reapreciará a matéria, ajustando-a, se for o caso, através do duplo grau de jurisdição obrigatório, o
conhecido Recurso Ex-officio.
Deste modo e pelas razões apresentadas, reafirmamos a posição deste órgão, em não recorrer da decisão
que anulou as Letras Financeiras do Tesouro Estadual, bastando, para tanto, a sua autorização, que se
caracterizará com a aprovação deste Despacho.
Maceió, 10 de março de 1998. OMAR COELHO DE MELLO, Procurador-Geral do Estado”.
Aquela sentença, que havia julgado procedente os pedidos da ação popular, foi confirmada, no mérito, por
unanimidade, pelo Tribunal de Justiça de Alagoas (acórdão 2.250/98), havendo sido posteriormente anulada,
porém, em sede de embargos infringentes, em razão de um suposto cerceamento de defesa alegado pelos
investidores réus.

Retornando os autos ao juízo monocrático, a fim de que, sanadas as irregularidades processuais, nova
sentença de mérito fosse prolatada, foi requerido por um dos investidores (UNIBANCO) a audiência do
Senhor Secretário de Fazenda do Estado de Alagoas, para que este se manifestasse sobre a consistência
da rolagem da dívida mobiliária do Estado, tendo em vista que fora aquela autoridade quem, representando o
Estado, firmara contratos com a União Federal e com os atuais titulares das apólices no sentido de viabilizar
tal operação.
O Senhor Secretário da Fazenda, em ofício, sustentou o caráter benéfico da rolagem de que se trata, tendo
em vista os supostos interesses do Estado de Alagoas, precisamente no que se referia aos títulos públicos
em apreço, na medida em que isentaria o Erário dos efeitos das pressões dos credores, excluindo a
possibilidade de medidas judiciais por estes promovidas e determinativas da indisponibilização de recursos
financeiros imprescindíveis à condução de projetos públicos de interesse coletivo, aduzindo, ainda, que a
mencionada rolagem propiciaria o alargamento do perfil da dívida consolidada, limitando os desencaixes
mensais à conta do Erário e finalmente libertaria o Estado de Alagoas da gravosa inscrição no CADIM,
ensejando um mais eficaz gerenciamento de caixa, viabilizando, segundo ele, a prática de uma gestão
financeira consistente, e, finalmente, abriria espaço a que possa o Estado buscar financiamentos externos a
taxas de custeio subsidiadas.

Com base nesta petição subscrita pelo Senhor Secretário de Fazenda, o douto juiz monocrático proferiu
decisão, extinguindo, sem mérito, a ação popular, considerando que “é inquestionável que, ao diante dos
fatos supervenientes relatados e demonstrados, esvaiu-se a possibilidade jurídica da demanda popular
intentada, bem assim desapareceu o interesse de agir que moveu os seus autores, na melhor das intenções”
(fl. 6007).

Esta sentença que extinguiu o processo sem julgamento do mérito (fls. 5.990/6.008) foi publicada no Diário
Oficial do Estado, em 19 de setembro de 2.000, constituindo o objeto da presente Apelação.

2. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

2.1. PRELIMINARMENTE: DO INTERESSE DE RECORRER

Constitui condição de admissibilidade de qualquer recurso a demonstração, por parte do recorrente, de


interesse processual no sentido de que seja reformada aquela decisão que lhe foi, de algum modo,
prejudicial, ou que não reconheceu tudo aquilo que foi pedido.

Conforme será demonstrado ao cabo destas razões, o Estado possui, sem receio de equívoco, interesse em
recorrer, haja vista (a) a retratação do Poder Público manifestada no despacho publicado no Diário Oficial do
Estado, de 12 de março de 1998, páginas 12 e 13, admitida processualmente em sede de ação popular; (b) o
verdadeiro interesse do Estado em ver declarada a nulidade das Letras Financeiras do Estado – LFTAL, já
manifestada nas contestações às ações ajuizadas pelos credores de letras na Justiça Federal do Rio de
Janeiro e; (c), por fim, o direito a uma sentença de mérito, decorrente do princípio constitucional da
inafastabilidade do controle jurisdicional.

Vale frisar, por último, considerando que a sentença da ação popular que concluir pela carência da ação está
sujeita ao duplo grau obrigatório de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo
tribunal, na forma do art. 19, da Lei 4.171/65 e que a remessa obrigatória devolve toda a análise da matéria
ao Tribunal ad quem, que mesmo não sendo conhecido o presente recurso voluntário, todas as razões aqui
suscitadas podem e devem ser objeto de análise e deliberação pela Corte Revisora, inclusive por se tratar de
matéria de ordem pública, indisponível e, por isso, passível de reconhecimento de ofício.

2.1.1. A POSSIBILIDADE DE RETRATAÇÃO DO ESTADO


“Nunca é tardia a estrada que conduz à probidade”. Sêneca

Poder-se-ia, à primeira vista, alegar que o Estado de Alagoas não possuiria interesse algum em recorrer da
sentença que extinguiu o processo sem julgamento do mérito, pois, tendo ele inicialmente contestado a ação,
colocando-se na posição de réu, a sentença meramente terminativa lhe teria sido de algum modo favorável.

De fato, é inegável que o Estado de Alagoas, no primeiro momento em que se manifestou nos autos, houve
por bem contestar a ação.

Ocorre que, posteriormente, após a publicação da primeira sentença de mérito proferida nestes autos, houve
uma substancial modificação no posicionamento jurídico do Estado, conforme, aliás, foi publicado no Diário
Oficial do Estado, de 12 de março de 1998, cuja cópia segue em anexo.

Naquele despacho, está consignado expressamente que a anulação das Letras do Tesouro Estadual,
“mantida a decisão do ínclito Juiz de Primeira Instância, não acarretará prejuízo algum ao Estado de
Alagoas, mas, ao contrário, restaurará os débitos anteriormente pagos com as Letras, ensejando, assim,
uma criteriosa e austera verificação da origem de cada débito, seu valor, prazos prescricionais, correção
compatível etc”.

Dessa forma, portanto, o posicionamento jurídico do Estado de Alagoas é inteiramente favorável ao requesto
autoral, ou seja, no sentido de ser declarada a nulidade de todas as Letras Financeiras do Tesouro Estadual,
decretando-se, outrossim, a sua total desvalia financeira, no que se refere aos créditos decorrentes de sua
capitalização.

A doutrina, atualmente, é pacífica quanto à possibilidade da retratação da pessoa jurídica de direito público,
como resultado da própria faculdade prevista no art. 6o, §3o, da Lei da Ação Popular (“a pessoa jurídica de
direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação poderá abster-se de contestar o
pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do
respectivo representante legal ou dirigente”), bem como no art. 17 desta mesma lei (“é sempre permitido às
pessoas ou entidades referidas no art. 1o, ainda que hajam contestado a ação, promover, em qualquer
tempo, e no que as beneficiar, a execução da sentença contra os demais réus” – grifamos).

Nesse sentido, é extremamente elucidativa a lição de Alexandre dos Santos Macedo, para quem “a pessoa
jurídica, após o procedimento de primeiro grau – portanto, muito depois da contestação – pode colocar-se ao
lado do autor popular e recorrer voluntariamente da sentença proferida contra ele” (“Da ação popular –
Retratabilidade da posição assumida pela pessoa jurídica no processo – Possibilidade.” In: Revista Forense,
vol. 328, Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 6 – grifos nossos). É que “a pessoa jurídica, mesmo que já tenha
contestado a ação popular, pode validamente mudar do pólo passivo para o pólo ativo da relação jurídica de
direito processual, se assim ditar o interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente”
(idem, p. 3, grifou-se).

E continua o eminente Professor de Direito Processual Civil da UERJ e Juiz de Direito, a justificar sua
opinião:
“Ora, se pode mudar de posição, após o procedimento de primeiro grau, como também depois do trânsito em
julgado da sentença condenatória, quando se lhe permite promover a execução (art. 17 da Lei n. 4.717/65), é
curial a conclusão de que a pessoa jurídica pode mudar de posição na relação processual, mesmo depois de
ter contestado a ação.
(…)
Se a Autoridade Administrativa pode a todo tempo revogar seus próprios atos; se ela, nos termos
consubstanciados nas ementas de ns. 346 e 473 do STF, tem o poder-dever de declarar a nulidade dos atos
administrativos eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos, e de ordenar
as responsabilizações conseqüentes, pois, não o fazendo, a omissão pode importar em crime
(condescendência criminosa), consoante posto no Código Penal; se tem o dever de apurar no seu âmbito
administrativo (controle interno) esses ilícitos, sancioná-los e visar sua reparação na via judicial, se ela tem
todos esses poderes-deveres, como, então, admitir-se que a Autoridade Administrativa possa, ao mesmo
tempo, continuar no processo da Ação Popular a defender e sustentar os atos que reputar imorais e lesivos
ao patrimônio público? A lei não pode, sobretudo uma lei com espectro político tão amplo, conduzir ao
acobertamento dos ilícitos. Nem em Roma o formalismo teria chegado a tais extremos!” (idem, p. 6 – grifou-
se)
E, ao final, com indiscutível clareza, arrebata:

“Se a pessoa jurídica, portanto, convencer-se da ilegalidade e lesividade do ato, mesmo depois de a ação ter
sido contestada, pode e deve mudar de posição no processo, passando do pólo passivo para o pólo ativo,
em prol do interesse público e em obediência ao princípio da moralidade administrativa, aspectos que
caracterizam a finalidade da ação popular” (idem, p. 7 – os grifos não estão no original).

A propósito, a modificação do posicionamento aqui firmada impõe-se como corolário lógico da orientação
seguida pelo Estado nas diversas ações intentadas no Estado do Rio de Janeiro, que têm por objeto a
cobrança do crédito decorrente dos mesmos títulos aqui discutidos.

Com efeito, naquelas ações, em tramitação na Justiça Federal do Rio de Janeiro, o Estado de Alagoas vem
contestando, de forma absoluta, a validade jurídica das Letras Financeiras do Tesouro Estadual – LFTAL,
defendendo, inclusive, a sua imprestabilidade para embasar qualquer pretensão jurídica de cobrança de
supostos créditos de capitalização decorrentes desses títulos. Em outras palavras: o posicionamento do
Estado de Alagoas, manifestado por quem tem competência constitucional para representar o Poder Público
em juízo, é totalmente favorável ao pleito dos autores populares e contrário, portanto, à extinção, sem
julgamento do mérito, do processo em apreço.

Igualmente, na Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa (Ação Civil Pública 99.88-0/98),
aforada pelo Ministério Público estadual contra os responsáveis pela emissão das Letras Financeiras do
Tesouro Estadual, o Estado de Alagoas apresentou petição requerendo a sua inclusão no feito na qualidade
de litisconsorte ativo necessário, corroborando com todos os termos da petição inicial proposta (cópia em
anexo).

Assim, tendo em vista a orientação do Estado de Alagoas, aderindo integralmente ao pleito autoral, fica
patente a presença do interesse de recorrer, visando à anulação da sentença terminativa, a fim de que seja
uma nova sentença proferida, julgando procedentes os pedidos dos autores populares.
2.1.2. O DIREITO A UM JULGAMENTO DE MÉRITO

Mesmo que se considerasse através de um verdadeiro malabarismo hermenêutico, destroçando os mais


básicos princípios de direito público, que o Estado não possui a faculdade de retratação na ação popular, o
que se diz apenas para concluir o raciocínio, ainda assim é incontestável a ocorrência do interesse em
recorrer do ora apelante, tendo em vista a existência do direito a um julgamento de mérito.

Com efeito, a moderna teoria processual, inspirada pelas ondas renovatórias que doravante orientam o
processo, enfatiza a presença de um verdadeiro direito fundamental das partes à completa prestação
jurisdicional, vale dizer, há um direito subjetivo-constitucional de deduzir uma pretensão em juízo e, em
virtude dessa pretensão, receber uma resposta satisfatória (sentença de mérito) e justa, respeitando-se, no
mais, os princípios constitucionais do processo (contraditório, ampla defesa, motivação dos atos decisórios,
juiz natural, entre outros).

No caso dos autos, o processo foi simplesmente julgado e extinto, sem julgamento de mérito, em uma direta
afronta ao princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5o, XXXV, da CF/88).
Ressalte-se que o Poder Judiciário não pode furtar-se de apreciar qualquer lesão ou ameaça a direito, de
qualquer espécie que seja. Daí a adoção do princípio do non liquet (ou da indeclinabilidade), pelo qual o
magistrado não pode deixar de julgar, isto é, mesmo que nada tenha ficado provado, ainda que o juiz não
tenha condições de dizer quem tem a razão, ainda que não saiba qual das partes é a vítima e qual o algoz,
ainda que ignore qual das partes o está o enganando, tem o magistrado o dever de se pronunciar
(PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 92).

Flávio Cheim Jorge, por sua vez, na sua obra Apelação Cível: teoria geral e admissibilidade (São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1999. pp. 131/132), após defender a possibilidade de o próprio réu recorrer da
sentença que extingue o processo sem julgamento de mérito, relaciona extensa lista de trabalhos
doutrinários no mesmo sentido, a saber: Adolfo Schönke, Derecho procesal civil, p. 301; Leo Rosenberg,
Tratado de derecho procesal civil, tomo II, p. 361; Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual
civil, vol. III, p. 256; Laura Salvaneschi, L’interesse ad impugnare, p. 358 e ss.; João de Castro Mendes,
Direito processual civil: Recursos, p. 12; Jorge Fabrega P., Interes em la impugnación en el Codigo Judicial
de Panamá, RePro 60, p. 85; Alfredo Buzaid, Do agravo de petição no sistema do Código de Processo Civil,
p. 146; José Frederico Marques, Instituições de direito processual civil, vol. IV, p. 29; Barbosa Moreira, O
juízo de admissibilidade no sistema dos recursos civis, p. 83 e ss.; Sérgio Bermudes, Comentários ao Código
de Processo Civil, vol. VII, p. 54; Nelson Nery Junior, Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos, p.
264; idem, Extinção do processo sem julgamento do mérito – Legitimidade recursal do réu, RePro 19, p. 173-
178.

Portanto, possuindo o Estado um direito subjetivo a um pronunciamento de mérito acerca da validade ou não
das Letras Financeiras do Estado de Alagoas, é inegável que possui interesse em recorrer da sentença
meramente terminativa do processo.

A par disso, é de fundamental importância informar que a Resolução 36/2000 do Senado Federal, na qual o
Governo Estadual se baseou para firmar os Contratos de Assunção e Refinanciamento das Dívidas,
condiciona expressamente a eficácia destes contratos ao pronunciamento final da Justiça (art. 3o da
Resolução 36, de 2.000).

Semelhantemente, a Lei Estadual 6.148, de 26 de abril de 2000, cuja cópia segue em anexo, que autoriza o
Estado a incluir no refinanciamento com a União a dívida pública mobiliária resultante das letras financeiras
emitidas pelo Estado de Alagoas, condiciona taxativamente os efeitos da referida inclusão “à decisão
definitiva do Poder Judiciário sobre a validade dos respectivos títulos” (art. 1o, grifou-se).

Logo, a possibilidade da rolagem da dívida está condicionada a uma resposta final da Justiça sobre a
validade ou não das Letras Financeiras do Tesouro Estadual. Nenhuma eficácia, portanto, possuem ou
possuirão os contratos, vez que sujeitos à condição suspensiva. Vale dizer: até o pronunciamento de mérito
da Justiça, os contratos são inábeis a produzir qualquer efeito. Aliás, se as próprias Letras forem declaradas
nulas, obviamente, os referidos contratos também perderão a validade. Do contrário, toda vez que o Estado
emitisse títulos de forma totalmente irregular, bastaria formalizar um contrato para tornar existente todo o
crédito representado documentalmente naqueles títulos.

Conforme já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, se o Poder Público “realizasse o
pagamento de títulos emitidos com fraude à legislação e à Constituição estaria legitimando a improbidade
administrativa sob o pálido argumento de proteção do mercado financeiro. Nessa ordem de idéias, o
administrador pouco influenciado pelos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, constantes no art.
37, da CRFB, estaria isento de observar os ditames legais para a emissão dos títulos, uma vez que estejam
ou não de acordo com a lei o seu pagamento seria efetuado. Ora, admitir-se que títulos emitidos com
irregularidade que os inquinam de nulidade ‘ex radice’ tenham força de onerar os cofres públicos seria
admitir a institucionalização do caso na administração e o desrespeito incondicionado ao primado da lei e
aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade” (TJSC, Agravo de Instrumento 98.012356-9, 1a Câmara
Cível, rel. Des. Carlos Prudêncio, data julgamento 28.6.1999).

É de suma importância esclarecer que o Estado de Alagoas não está negando ser devedor daqueles valores
que, originariamente, ingressaram nos cofres públicos. É óbvio que não! O que se defende é que, sendo
nulos os títulos, os créditos decorrentes da capitalização aposta nas letras são inexistentes, ou seja, somente
subsiste a dívida naquilo em que o Estado foi efetivamente beneficiado, e nada mais.

Infere-se, pois, que existe indiscutível interesse processual do Estado na anulação da sentença, objetivando
um pronunciamento final (de mérito) sobre a validade ou não das Letras Financeiras do Tesouro Estadual –
LFTAL, razão pela qual a presente apelação deve ser integralmente conhecida e provida.

Demonstrados, assim, os requisitos necessários ao conhecimento da presente apelação, passa-se à análise


das razões de mérito do presente recurso.

2.2. DO MÉRITO

2.2.1. A NULIDADE DA SENTENÇA


A sentença de fls. 5.990/6.005 é nula de pleno direito, uma vez que (a) fundou-se em documento inábil a
manifestar a vontade do Estado em juízo, (b) tolheu a representação do Estado, através da Procuradoria
Geral, ferindo o princípio do contraditório e da ampla defesa e (c) feriu o devido processo legal, em sentido
formal (procedural due process), na medida em que foi prolatada sem a manifestação, de mérito, do
representante do Ministério Público.

2.2.1.1. A EXCLUSIVIDADE DA REPRESENTAÇÃO JUDICIAL DO PODER PÚBLICO ESTADUAL PELOS


PROCURADORES DE ESTADO

2.2.1.1.1. A imprestabilidade do ofício remetido pelo Secretário de Finanças para embasar qualquer decisão
judicial

“Os interesses secundários não são atendíveis senão quando coincidirem com os interesses primários,
únicos que podem ser perseguidos por quem axiomaticamente os encarna e representa. Percebe-se, pois,
que a Administração não pode proceder com a mesma desenvoltura e liberdade com que agem os
particulares, ocupados na defesa das próprias conveniências, sob pena de trair sua missão própria e sua
razão de existir” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ação Civil Pública e Tutela do Patrimônio Público e da
Moralidade Administrativa pelos Órgãos de Advocacia Pública. In Advocacia Pública e Sociedade. Ano II, n.
2, ed. Max Limonad, São Paulo, 1998, p. 71) – grifou-se.

Primeiramente, é preciso informar que o ofício remetido pelo Senhor Secretário de Fazenda do Estado, no
qual se baseou o juiz monocrático para extinguir o processo, não tem o condão de traduzir o entendimento
judicial do Estado, ou seja, é imprestável para representar os interesses do Poder Público Estadual em juízo.
É que a Constituição Federal, em seu art. 132, dispõe claramente que “os Procuradores dos Estados e do
Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e
títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a
representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas” (grifamos). Em outras
palavras: a representação judicial do Estado é atribuição institucional e exclusiva da Procuradoria Geral do
Estado.

Seguindo esta mesma orientação, a Constituição do Estado de Alagoas determina, em seus arts. 151 e 152,
o seguinte:

“Art. 151. A Advocacia-Geral do Estado, exercida pela Procuradoria Geral do Estado, é instituição
permanente essencial à Justiça, tendo por finalidade a preservação dos interesses públicos e o resguardo da
legalidade e da moralidade administrativa.
Art. 152. São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado:
I – exercer a representação judicial e extrajudicial do Estado; (…).
Parágrafo único. O Estado centralizará, na Procuradoria Geral do Estado, a orientação normativa das
atividades de assessoramento jurídico e de procuradoria judicial das autarquias e das fundações públicas” –
grifamos.
A Lei Orgânica da Advocacia Geral do Estado de Alagoas (LC nº 7/91) é ainda mais incisiva ao afirmar que é
função institucional da Advocacia Geral do Estado o exercício da representação judicial e extrajudicial do
Estado (art. 3o, inc. I), competindo a este órgão “a representação em juízo, com exclusividade, do Poder
Executivo e sua fazenda” (art. 4o, inc. I) – grifou-se.

Sobre o dispositivo constitucional insculpido no art. 132 da Constituição Federal, o Supremo Tribunal
Federal, em julgamento proferido na ADIn n. 881-1 (medida liminar), foi direto ao afirmar que

“o desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual, traduz
prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A
Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva
atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura
no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos”
(Informativo STF n. 68 – DJ de 25.4.97) – grifou-se.

In casu, o Senhor Secretário de Estado peticionou nos autos desta ação popular, demonstrando que,
financeiramente, seria mais vantajoso ao atual Governo o refinanciamento daquela dívida pública referente
às Letras Financeiras do Tesouro Estadual.

Este, porém, não é o mesmo entendimento defendido pelo Estado de Alagoas nas ações em tramitação no
Rio de Janeiro, e, por esta razão, não tem o condão de modificar o posicionamento publicado no Diário
Oficial do Estado, de 12 de março de 1998, reiterado em diversas outras oportunidades, conforme já frisado.

O Estado de Alagoas, através do único órgão que pode representar os interesses estatais em juízo
(Procuradoria do Estado), é taxativamente contrário à validade das Letras Financeiras do Estado – LFTAL,
bem como ao refinanciamento da dívida mobiliária decorrente da capitalização desses títulos, caso seja
pronunciada pelo Judiciário a sua nulidade.

As contestações e os agravos de instrumento apresentados nas Varas Federais e no Tribunal Regional


Federal da 2a Região são uma prova cabal dessa verdadeira posição defendida pelo Estado de Alagoas.

Sendo assim, afigura-se iniludível que o douto Juiz de primeiro grau, ao prolatar a sentença terminativa,
fundou-se em documento sem nenhuma validade jurídica, isto é, imprestável para firmar a posição do Estado
em juízo, pelo que há de ser anulada a decisão monocrática.

2.2.1.1.2. A violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa

“Não raro os agentes governamentais querem a satisfação de inúmeros interesses secundários


absolutamente incompatíveis com os ditos interesses primários e querem que a advocacia pública persiga e
defenda judicialmente aqueles interesses, os quais muitas vezes se confundem com seus interesses
pessoais políticos-individuais. Tal entendimento colide frontalmente com os princípios constitucionais que
devem reger a atividade estatal e que devem nortear a conduta da advocacia pública na defesa do Estado e
não do Chefe do Poder Executivo” (MELO, Mônica de. Ética na Advocacia Pública. In. XXV Congresso
Nacional dos Procuradores de Estado, Livro de Teses, 1999, p. 461).
Além de não refletir o verdadeiro interesse público primário do Poder Público estadual, a decisão ora
impugnada feriu o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, tendo em vista que não houve
a audiência prévia do principal atingido pelas conseqüências da decisão: o Estado de Alagoas.

Por força do dispositivo constitucional já citado (art. 132, CF/88), o magistrado processante do feito deveria,
forçosamente, requerer a manifestação do Estado de Alagoas, por meio de seus Procuradores de Estado,
antes de pronunciar qualquer ato decisório que afetasse diretamente o Poder Público estatal. Isto não foi
feito, em uma afronta direta ao princípio constitucional do contraditório, cerceando também o exercício do
direito fundamental à ampla defesa.

Com efeito, a sentença proferida pelo douto juízo de primeiro grau padece de vício de nulidade, porquanto
ofensiva ao contraditório, erigido a direito fundamental pela Constituição Federal de 1988 (art. 5o, LV).

De fato, ante a suposta perda do objeto da ação popular sustentada pelo juízo (fundada – frise-se – em um
documento inábil a refletir o posicionamento do Estado), era evidente a obrigatoriedade da oitiva da parte
atingida por esta decisão, in casu, do Estado de Alagoas, através de sua Procuradoria Geral, para que assim
formalizasse sua posição.

Dessa forma, evitaria-se a desagradável (e inconstitucional) surpresa caracterizada pela prolação de uma
decisão judicial, sem que nada pudesse fazer o Poder estatal, maculando qualquer ideal de segurança
jurídica, tal qual ocorreu no caso em questão, em que o juiz extinguiu o processo, modificando integralmente
sentença anteriormente prolatada, em nítido prejuízo ao direito fundamental processual do ente público.

Não é despiciendo lembrar que, mesmo nos casos em que pode agir de ofício, deve o juiz, em nome do
princípio constitucional do contraditório, ouvir as partes que serão afetadas com a decisão, vez que o
contraditório, em sua atual feição, não mais se reduz àquela tradicional fórmula da “necessária informação” e
“eventual participação”. De fato, hoje, o princípio é, além disso, uma imposição contra “surpresas” dentro do
processo.

Assim, “o conteúdo mínimo do princípio do contraditório não se esgota na ciência bilateral dos atos do
processo e na possibilidade de contraditá-los, mas faz também depender a própria formação dos
provimentos judiciais da efetiva participação das partes. Por isso, para que seja atendido esse mínimo, insta
a que cada uma das partes conheça as razões e argumentações expendidas pela outra, assim como os
motivos e fundamentos que conduziram o órgão judicial a tomar determinada decisão, possibilitando-se sua
manifestação a respeito em tempo adequado (seja mediante requerimentos, recursos, contraditas etc.).
Também se revela imprescindível abrir-se a cada uma das partes a possibilidade de participar do juízo de
fato, tanto na indicação da prova quanto na sua formação, fator este último importante mesmo naquela
determinada de ofício pelo órgão judicial. O mesmo se diga no concernente à formação do juízo de direito,
nada obstante decorra dos poderes de ofício do órgão judicial ou por imposição da regra iura novit curia, pois
a parte não pode ser surpreendida por um novo enfoque jurídico de caráter essencial tomado como
fundamento da decisão, sem ouvida dos contraditores” (OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Garantia do
Contraditório. In: Garantias Constitucionais do Processo Civil. Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p.
144) – grifos nossos.
Conclui-se, em face do que foi exposto, que a sentença deve ser declarada nula, porquanto fundada em
documento inábil a representar a vontade estatal em juízo e prolatada sem a necessária ouvida do Estado de
Alagoas, através da Procuradoria Geral do Estado, único órgão constitucionalmente competente a
representar judicialmente o Poder Público Estadual em juízo.

2.2.1.2. VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL: AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DO PARQUET

“Intervenção. É sempre obrigatória, funcionando o MP como fiscal da lei (custos legis), em todos os casos do
CPC 82. Não há intervenção facultativa no processo civil brasileiro. (…) A intervenção posterior do MP não
convalida o processo. (…) A falta de intervenção do MP nas causas de interesse público enseja a nulidade
do processo, alcançando todos os atos praticados a partir de quando era devida a intervenção” (NERY
JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação
Processual Civil Extravagante em Vigor. 3a ed. Malheiros, São Paulo, 1997, p. 371 e 379)

A manifestação do representante do Ministério Público no processo da ação popular é obrigatória , em face


do disposto no §4o, art. 6o da Lei da Ação Popular, sendo, inclusive, vedado, em qualquer hipótese, assumir
a defesa do ato impugnado ou dos seus autores. Da mesma forma, impõe o art. 82, inc. III, do CPC, que
compete ao Ministério Público intervir nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela
natureza da lide ou qualidade da parte.

De acordo com o art. 84, do CPC, “quando a lei considerar obrigatória a intervenção do Ministério Público, a
parte promover-lhe-á a intimação sob pena de nulidade do processo”.

O pronunciamento do Ministério Público, nos casos em que é obrigatória a sua observância, não se cinge a
uma participação meramente formal na dialética do processo. Pelo contrário, agindo como custus legis é
fundamental que o órgão do Parquet analise o próprio mérito da demanda, sendo-lhe vedado, como visto,
em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores.

No caso dos autos, a manifestação ministerial não ocorreu. Ou melhor: o Ministério Público, em momento
algum, pronunciou-se acerca do mérito da ação popular, depois que os autos foram baixados para
prolatação de nova sentença. Pelo contrário, seu comparecimento no processo foi meramente formal,
requerendo o prosseguimento do feito.

O douto magistrado, portanto, não poderia ter prolatado uma sentença, mesmo sem mérito, à revelia da
manifestação ministerial.

A decisão é, desse modo, nula, em razão de ser necessária, na ação popular, a ouvida do órgão do
Ministério Público sobre o mérito da lide.

2.2.2. A NULIDADE DAS LETRAS FINANCEIRAS DO ESTADO DE ALAGOAS E A EFETIVA LESIVIDADE


AO PATRIMÔNIO PÚBLICO

“Não se deve flagelar a administração pública com reclamados danos patrimoniais sofridos por investidores
atraídos ao mercado financeiro por altas taxas dos juros e expectativa de avultados lucros sobre o capital
investido, por si, sinalização dos vigorosos riscos que rodeiam essas operações. Se reconhecido o direito à
socialização dos prejuízos, seria judicialmente assegurar lucros ao capital, eliminando-se o risco nas
aplicações especulativas” (STJ, REsp 43102/DF, Rel. Milton Luiz Pereira, 5/4/95).

Feitas essas considerações acerca da nulidade formal da decisão ora vergastada, passemos à análise das
questões substanciais que hão de conduzir à própria reforma da sentença.

Primeiramente, é preciso assinalar que o juízo monocrático admitiu expressamente a nulidade das Letras
Financeiras do Estado de Alagoas, nos seguintes termos:

“No que concerne à ilegalidade ou ilegitimidade dos atos atacados, por sua vez, é bem certo que resultou
caracterizada, na medida em que os recursos financeiros capitalizados com a comercialização das apólices,
pelo que noticiam os autos, foram destinados a fim diverso daquele previsto na norma constitucional que deu
suporte à emissão dos títulos, bem assim à disciplina contida na pertinente Resolução do Senado Federal”
(fl. 6.000).

Infelizmente, contudo, analisando o pressuposto da lesividade, o douto magistrado assim se pronunciou:

“Já no que fere à lesividade, mesmo que fosse tal aspecto apreciável, quando do ajuizamento da ação, pois
que à época em princípio padecia o Erário de efeitos que se sustentavam danosos, em face dos elevados
custos que se afirmava assumidos com o pagamento de comissões elevadas e com a aceitação de deságios
exorbitantes, a verdade é que ao final não resultaram induvidosamente evidenciados e muito menos
quantificados.
Diz-se não induvidosamente evidenciados, eis como em se cogitando de alegados prejuízos que teriam
decorrido da prática de deságios irrazoáveis e da paga de comissões vultosas, suas comprovações não
poderiam terminar concretizadas salvo a partir de criteriosa análise do comportamento do mercado, o que
afinal não foi promovido. E é inconteste que inaceitável é a demonstração de lesividade, inclusive ao
patrimônio público, a partir de mera presunção (RDA 203/264), pois que pensar diferente seria conduzir ao
absurdo, admitindo que a especulação, o mais das vezes apaixonada, substituísse a evidência
criteriosamente colhida.
Afirma-se, por outra, que não foram quantificados, posto como, até mesmo pela inocorrência de análise de
mercado, restaram indisponíveis referenciais que, apontando para os custos que em condições normais
seriam aceitáveis, mais hábeis faltaram a que fosse dimensionado, caso a caso, o plus que se afirma
dispendido.
(…)
Ademais, quando se leva em conta qual das realidades afigurar-se-ia mais danosa ao Erário, é o próprio
Estado de Alagoas que, de forma incisiva, através da manifestação formal do seu Secretário da Fazenda,
patenteia que seria aquela consistente com a invalidação das apólices” (fls. 6000/6001).
Dessa forma, conquanto o douto magistrado tenha reconhecido a presença da ilegalidade e ilegitimidade dos
atos atacados, não houve propriamente uma análise do mérito da demanda, justamente por não ter sido
vislumbrada, pelo juízo, a presença do requisito da lesividade.

Percebe-se que o emérito juiz a quo fundamentou toda a sua decisão no ofício remetido pelo Secretário da
Fazenda, que além de ser imprestável para embasar qualquer decisão, conforme já visto, não reflete o
posicionamento da Procuradoria Geral do Estado, isto é, do próprio Estado de Alagoas.
O ínclito Secretário da Fazenda informou que um dos motivos em favor da rolagem da dívida seria “a opinião
unânime dos juristas consultados e já expressa em decisões do Tribunal Regional Federal da 2a Região de
que, mesmo que declaradas nulas as letras, seu resgates aos possuidores de boa-fé seria inevitável”.

Quem são esses juristas consultados não se tem notícia. O certo é que a Procuradoria Geral do Estado – a
quem cabe exclusivamente a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades
federadas – há muito tempo deixou de adotar esse posicionamento. Pelo contrário, desde há muito tempo
vem sendo defendido que a nulidade das Letras acarreta, irremediavelmente, a inexistência de supostos
créditos de capitalização delas decorrentes (o que é nulo não pode gerar efeitos).

Aliás, há várias decisões de Tribunais nesse mesmo sentido. Assim, esse posicionamento (pela
imprestabilidade das Letras) não se isola na abóbada desta Procuradoria.

De fato, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina pelo em mais de três oportunidades (e.g. AI 98.008988-3, AI
98.013905-8 e AI 98.012356-9) assim se manifestou:

"TÍTULOS PÚBLICOS. LETRAS FISCAIS DO TESOURO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. PROCESSO


DE EMISSÃO. ATO PLENAMENTE VINCULADO. INDÍCIOS DE IRREGULARIDADES. SUSTAÇÃO DE
PAGAMENTO. POSSIBILIDADE. MEDIDA EMINENTEMENTE CAUTELAR. FUMUS BONI JURIS.
PERICULUM IN MORA. Havendo fundados indícios de que as operações financeiras que deram origem às
LFTSC estejam inquinadas de sérias ilegalidades é razoável que, por cautela, determine-se o bloqueio das
operações, dentre as quais, o resgate dos títulos já negociados, garantido, assim, a eficácia do provimento
final" (TJSC, AI 98.008988-3, rel. Des. Carlos Prudêncio, data julgamento 27.4.1997).

Extrai-se, ainda do corpo do acórdão n° 98.008988-3, o seguinte:

“Não resta dúvida a respeito da presença do risco de dano à sociedade catarinense pelo pagamento dos
valores referentes a operações aparentemente atingidas por irregularidades de gênese. Não se pode admitir
que esses títulos, sobre os quais pendem sérias dúvidas, continuem sendo negociados no mercado
financeiro, muito menos resgatados pelo Governo sem que antes sejam expurgados todos os vícios que
parecem inquiná-los” – grifamos.

Esclarece o douto Desembargador, ainda, o que se segue:

“Vê-se que a decisão tem como obstáculo o conflito de princípios que, em primeiro momento, parece ser
intransponível, entretanto, voltando-se os olhos à coletividade e aos valores que o Estado Democrático
busca preservar, tem-se que, na verdade, é de se privilegiar o princípio da proteção ao patrimônio da
coletividade em detrimento do particular.
A resolução desse conflito, como já insinuado, deve se dar pela realização de uma harmonização dos
princípio em jogo. Identificado um conflito de normas, tem aplicação a regra do ‘tudo ou nada’, que,
basicamente, se resume na seguinte fórmula: ou a norma incide, ou está revogada, ou existe uma hierarquia
superior ou existe uma exceção. O intérprete, operador do direito, toma o caso concreto, pondera, identifica
quais valores estão em jogo, toma as demais circunstâncias que cercam o fato e, então, decide frente àquele
caso concreto e específico, ou seja, qual deles, dos princípios, deve prevalecer. Isso não quer dizer que o
princípio, ou valor tido como secundário, tenha sido revogada, mas tão somente, deixa de ser aplicado em
respeito ao eleito como prevalente” – grifou-se.
Em outra oportunidade (acórdão n° 98.007415-0), o emérito Desembargador arremata com precisão:

“Não se trata, pois, de privilegiar um bem jurídico em detrimento de outro, mas sim de optar por aquele que
melhor atende, naquele caso concreto, aos desígnios de efetividade, conservando a entidade de ambos.
(…)
Neste sentido, creio que a proteção do patrimônio público deve prevalecer sobre o interesse da operadoras
de crédito que, por certo, não trabalham excluindo os riscos da atividade financeira” – grifos nossos.
Portanto, o verdadeiro posicionamento do Estado de Alagoas é no sentido de que “a constatação de vícios
insanáveis no procedimento que deu origem à emissão, torna esses títulos nulos e, via de conseqüência,
inaptos a produzir qualquer efeito válido, ‘pela evidente razão de que não se pode adquirir direitos contra a
lei’” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros, São Paulo, 1996, p. 156).

Em outras palavras: “a comprovação de vícios de gênese no processo de emissão das letras retiram-lhe a
capacidade de onerar o Estado” (TJSC, AI 98.013905-8, j. 27.4.1999).

Frise-se: se existe alguma dívida, ela não decorre do crédito representado documentalmente pelas Letras
Financeiras, mas tão-somente daqueles valores que efetivamente ingressaram no patrimônio público. Com
isso, prestigia-se o princípio da vedação de enriquecimento ilícito.

Esta conclusão é corolário lógico da irrefutável existência de irregularidades na própria emissão dos títulos (e
não apenas de desvio de sua finalidade). Afinal:

“Os efeitos da anulação dos atos administrativos retroagem a suas origens, invalidando as conseqüências
passadas, presentes e futuras do ato anulado. E assim é porque o ato nulo (ou inexistente) não gera direitos
ou obrigações definitivas; na admite convalidação. Reconhecida e declarada a nulidade do ato pela
Administração ou pelo Judiciário, o pronunciamento de invalidade opera ex tunc, desfazendo todos os
vínculos entre as partes e obrigando-as à reposição das coisas ao status quo ante, como conseqüência
natural e lógica da decisão anulatória” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros,
São Paulo, p. 188).

De acordo com a lição acima citada, vê-se que a anulação dos títulos, invariavelmente, ocasiona a reposição
das coisas ao status quo ante, qual seja, a devolução das quantias que ingressaram, de fato, nos cofres
públicos, desaparecendo, por completo, qualquer acréscimo resultante da capitalização das Letras
Financeiras.

Esta solução é a que melhor se coaduna com a idéia de justiça ao caso concreto. Primeiro, porque não
permite que o Estado se prejudique ou se beneficie pelos atos de improbidade praticados por alguns de seus
agentes. Segundo, porque possibilita que os credores tenham de volta as quantias por eles investidas nas
letras alagoanas, sem a capitalização, obviamente. Evita-se, com isso, o enriquecimento ilícito de ambas as
partes.
A par disso, como explicou o Des. Carlos Prudêncio, “a existência de um título depende da observância de
vários requisitos de ordem formal que, uma vez observados, concedem-lhe a mais ímpar validade, o que é
vital para que seja aceito, assim cumprindo a sua principal função: a circulação de riqueza. Da mesma forma,
os títulos emitidos pelo poder público devem obedecer a mais rígida legalidade para que tenham aptidão de
onerar os cofres públicos, pois criam verdadeira obrigação para a população, que realmente é quem tem o
dever de saldar esses débitos” (AI 98.008988-3).

Seguindo a mesma linha de raciocínio, é preciso salientar que os responsáveis pela engenharia financeira,
que deu origem às letras, não estão restritos ao território alagoano. Agentes do Banco Central e até mesmo
membros do Senado Federal possuem sua cota de culpa por falharem em sua missão de verificação da
lisura e da estrita legalidade na emissão dos títulos. Não se desconhece – e isso é inquestionável, ante as
constatações da CPI dos Precatórios – a enorme parcela de culpa que parece subsistir a alguns agentes do
Governo Alagoano na emissão dos títulos, todavia, cumpria justamente ao BACEN e ao Senado Federal
barrar esse tipo de atitude. Por isso, é injusto que o povo alagoano arque sozinho pelo inadimplemento dos
órgãos do BACEN e do próprio Senado que, fugindo às suas atividades, deram condições para que várias
irregularidades se consumassem.

A total desvalia jurídica e financeira no que concerne à capitalização das Letras – assinale-se – aplica-se
mesmo aos supostos “credores de boa-fé”.

Ora, se é certo que aqueles investidores que adquiriram os títulos no dito mercado secundário não poderiam,
à primeira vista, ter conhecimento das irregularidades no processo de emissão e circulação dos títulos, já
que foi no mercado primário onde se proliferaram as nulidades, não menos certo é o fato de que o causador
do dano não foi o Estado de Alagoas, mas justamente aqueles investidores que adquiriram as Letras no
mercado primário, participando ativamente das falcatruas. São estes, portanto, que devem responder penal e
civilmente, arcando com todos os ônus financeiros daí decorrentes. Ressalte-se que os valores que
ingressaram no patrimônio público foram mínimos em comparação com as quantias que foram desviadas.

Ademais, sendo o risco inerente à atividade financeira, não se pode pretender que o Judiciário se torne o
“guardião do mercado”, retirando toda e qualquer possibilidade de prejuízo. Mesmo as garantias oferecidas
(típicas de um mercado de risco), como por exemplo a fiscalização do Banco Central sobre o mercado de
títulos mobiliários, não são suficientes para afastar a álea da atividade negocial engendrada. Portanto,
declarando-se a invalidade dos títulos, nada mais óbvio do que retirar todo aquele valor excedente
decorrente de sua capitalização e deságio.

A lesividade ao patrimônio público, no caso, é patente e indiscutível ante aos fatos trazidos à baila durante a
instrução processual. “Lesivo – ensina o Ministro Rafael Mayer – se há de entender o ato que direta ou
indiretamente, mas real ou efetivamente, redunde no injusto detrimento de bens ou direitos da
Administração, representativo de um prejuízo, de um dano, efetivo ou pontencial de valores patrimoniais”
(RTJ 96/1.370).

Deve ser ressaltado que o próprio Tribunal de Justiça de Alagoas, por unanimidade, reconheceu a presença
da lesividade dos atos ora impugnados nesta ação.
De fato, baseado na decisão do emérito Juiz Manoel Cavalcante de Lima Neto, assim julgou o Tribunal de
Justiça, por unanimidade:

“Da lesão ao Patrimônio Público

Começa a lesão a ser produzida mediante a inteira renegação do princípio retor da administração pública: o
da legalidade. Descurando das regras basilares, os representantes do Poder Executivo, Governador e
Secretário da Fazenda, fizeram editar atos, primeiro o decreto e depois contratos, ajustes,
substabelecimentos, etc, que não encontram respaldo no sistema jurídico vigente, porquanto apartados do
cânone da legalidade.

Na seara do Direito Público, como é cediço, não cabe ao administrador fazer o que lhe aprouver, mas
sempre pautar as suas ações nos estritos limites da lei. (…)

Assim, repetindo o discurso de toda a fundamentação, não existia autorização legislativa para o desvio dos
recursos das Letras Financeiras do Tesouro Estadual, a teor do que certificou a CPI do Senado Federal.

‘5. Da destinação das Verbas Oriundas das Emissões

No caso de Alagoas, o desvio de verbas se deu de forma ostensiva. No mesmo dia em que o Plenário do
Senado Federal contemplou o Estado de Alagoas com a autorização para emitir os títulos para a quitação de
precatórios pendentes de pagamentos em 1988, o Governador Divaldo Suruagy fez publicar o Decreto nº
36.804, de 14.12.95 (Anexo VIII), que lhe permitia destinar os recursos financeiros captados para diversos
outros fins, incluindo os pagamentos de débitos com empreiteiras e instituições financeiras.’ (fls. 2.202)

Precisamente quanto ao dispêndio de recursos do Erário Estadual com as operações para emissão e demais
etapas das Letras Financeiras do Tesouro Estadual, constata-se que sem licitação pública (ato ilegal)
contratou-se o BANCO SHECKK/DIVISA S/A para operações técnicas tidas desnecessárias (que atingem
um desvio de finalidade) e mesmo com o insucesso das operações, pagou-se em letras a quantia de R$
18.158.795,13 (dezoito milhões, cento e cinqüenta e oito mil, setecentos e noventa e cinco reais e treze
centavos), fls. 2.255.

Nesse sentido o Relatório da CPI assevera:

‘Apesar do insucesso da negociação dos títulos, o Governo do Estado de Alagoas pagou integralmente, em
LFTAL, a comissão do Banco Divisa e das demais instituições financeiras contratadas’ (fls. 2.196).

É importante observar que o uso das Letras de Alagoas para pagar despesas de assessoramento estava em
total desacordo com a autorização do Senado Federal e com a Constituição Federal’ (fls. 2.197).

Os lucros ofertados nas operações, pelo que comprovou a investigação da CPI do Senado, foram extorsivos,
produzindo prejuízos ao patrimônio financeiro estadual.
‘Não é difícil concluir que as instituições acima apontadas, que juntas lucraram, com este simples conjunto
de operações, cerca de 9,51 milhões, são objetivamente responsáveis pela fraudo que se fez com os títulos’
(fls. 2.221).

O deságio nas operações também provocou perdas ao erário, em valores expressivos, na conformidade do
relacionamento na inicial (fls. 06).

Além disso, os pagamentos de Construtoras, instituições Bancárias e outras Empresas não oriundos de
precatórios judiciais, em que se levantam possibilidade de superfaturamento, devem ser considerados
lesivos ao patrimônio por várias razões: a) pelo desvirtuamento da destinação legal – precatórios e não
outras divisas; b) por privilegiar débitos não advindos de precatórios; c) por provocar o rompimento da ordem
dos precatórios, já que o procedimento regular, para casos que tais, seria a cobrança via judicial e não
administrativa; d) pela ausência de critérios objetivos para os pagamentos, o que subtraiu a possibilidade de
concorrência entre outros credores em igualdade de condições.

Revele-se, por demais, que o montante de recursos aplicados nas apontadas transações atingiram a
considerável cifra de mais de R$ 139.512.179,12 (cento e trinta e nove milhões, quinhentos e doze mil, cento
e setenta e nove reais e doze centavos, em valores da época – fls. 32) sem que os princípios norteadores da
administração pública, legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade (art. 37 CF) fossem
condizentemente resguardados”.

Afora essas considerações, existem muitas outras hão de iluminar a decisão deste sábio Órgão Julgador, no
sentido de se declarar a efetiva lesão ao Erário, na hipótese de o presente processo ser extinto, sem
julgamento do mérito.

Primeiramente, declarando-se a validade das Letras, o refinanciamento da dívida corresponderá ao valor


global decorrente da capitalização dos títulos. Caso contrário, ou seja, reconhecendo-se a nulidade das
Letras – conforme, aliás, o próprio magistrado a quo o fez, sem contudo julgar a lide -, o valor da dívida será
reduzido apenas ao montante que, historicamente, vale dizer, originariamente, ingressou nos cofres públicos.
A diferença entre um valor e outro, assinale-se, é vultosa, sendo certo que, conforme o próprio Senhor
Secretário de Fazenda informou, “o fato de não ter assinado o Contrato de refinanciamento da dívida
mobiliária, com o Governo Federal, em setembro de 1997 (sob o amparo da Lei 9496) onerou o Estado de
Alagoas durante o período de setembro/97 a junho/00 em R$ 150.686.908,86 (Cento e cinqüenta milhões,
seiscentos e oitenta e seis mil, novecentos e oito reais e oitenta e seis centavos) fruto da diferença entre os
índices de atualização monetária e taxa de juros”. Com base neste dado, já é possível se ter uma idéia de
quanto será benéfico ao Estado a declaração da nulidade das letras, com o conseqüente reconhecimento de
inexistência do crédito decorrente de sua capitalização.

Em segundo lugar, mesmo refinanciando o valor decorrente da capitalização das Letras, o Estado de
Alagoas continuará na condição de devedor (da União). Ou seja, o prejuízo ao patrimônio será apenas
diferido: expirado o prazo da rolagem, a dívida deverá ser paga, com todos os juros previstos no contrato de
refinanciamento. Assim, se a rolagem da dívida será vantajosa para o atual Governo, certamente não o será
daqui a dez ou trinta anos.
Em terceiro lugar, é preciso esclarecer que, sendo anuladas as Letras, a cobrança dos supostos créditos
existentes, sem a capitalização dos títulos – que não são, a priori, negados –, deverá seguir o trâmite de
precatório, previsto constitucionalmente.

Lembra-se que a Emenda Constitucional nº 30/2.000 acrescentou ao Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias o art. 78, nos seguintes termos:

“art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de
que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que
já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data
de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999
serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais,
iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos”.

Em outras palavras: aquelas ações já aforadas no Rio de Janeiro, que objetivam a cobrança do crédito
representado pelas Letras, caso tenham seus pedidos julgados procedentes, poderão ser liquidadas em até
dez anos, o que, inegavelmente, é bem mais favorável ao Estado.

Por último, e aqui é o ponto nodal da total incongruência da sentença ora impugnada, mantendo-se em
aberto a validade ou não das Letras Financeiras do Tesouro Estadual – LFTAL, nem mesmo será possível
efetivar o refinanciamento da dívida mobiliária pretendido pelo Senhor Secretário da Fazenda, pois, como
vimos, a Lei Estadual 6.148, de 26 de abril de 2000, condiciona a inclusão da dívida pública mobiliária
emitida pelo Estado de Alagoas “à decisão definitiva do Poder Judiciário sobre a validade dos respectivos
títulos” (art. 1o) – grifou-se.

Ora, se não existe pronunciamento final do Poder Judiciário declarando a validade das letras, os efeitos do
refinanciamento continuarão suspensos! Em suma: a decisão do juiz monocrático criou para o próprio
Senhor Secretário da Fazenda uma situação paradoxal: concordou com os argumentos por ele expedidos,
mas impossibilitou-o de colocá-los em prática.

Em face do exposto, não há como negar que, mantida a sentença meramente terminativa, haverá, aí sim,
enorme prejuízo ao patrimônio público. Nova sentença, pois, haverá de ser elaborada, pronunciando a
invalidade das Letras Financeiras do Tesouro Estadual, e reconhecendo que a emissão desses títulos
acarretarou inegável e inquestionável lesão aos cofres do Estado.

2.2.3. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA MORALIDADE COMO FUNDAMENTO SUFICIENTE DA AÇÃO


POPULAR

Por último, ultrapassados todos os argumentos acima defendidos, o que se diz apenas em atenção ao
princípio processual da eventualidade, mesmo assim a sentença ora impugnada deve ser reformada. É que a
moderna doutrina, atenta à evolução do direito constitucional processual, entende que a simples violação ao
princípio constitucional da moralidade é fundamento suficiente para embasar a ação popular, independente
mesmo da existência da lesividade pecuniária ao Erário.
Por conseguinte, ainda que se entenda que não houve lesão ao patrimônio público, o que se nos afigura
completamente teratológico, ainda assim a ação popular deveria ser julgada procedente.

Em congruência com tal afirmativa está a precisa lição de Maria Sylvia Zanella di Pietro:

“Quanto à imoralidade, sempre houve os que a defendiam como fundamento suficiente para a ação popular.
Hoje a idéia se reforça pela norma do artigo 37, caput, da Constituição, que inclui a moralidade como um dos
princípios a que a Administração Pública está sujeita. Tornar-se-ia letra morta o dispositivo se a prática de
ato imoral não gerasse a nulidade do ato da Administração. Além disso, o próprio dispositivo concernente à
ação popular permite concluir que a imoralidade se constitui em fundamento autônomo para a propositura da
ação popular, independentemente de demonstração de ilegalidade, ao permitir que ela tenha por objeto
anular ato lesivo à moralidade administrativa” (Direito administrativo. 10a ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 538)
– grifos nossos.

O próprio Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de se manifestar sobre o assunto, decidindo o
seguinte:

“O entendimento sufragado pelo acórdão recorrido no sentido de que, para o cabimento da ação popular,
basta a ilegalidade do ato administrativo a invalidar, por contrariar normas específicas que regem a sua
prática ou por se desviar dos princípios que norteiam a Administração Pública, dispensável a demonstração
de prejuízo material aos cofres públicos, não é ofensivo ao inc. LXXIII do art. 5º da Constituição Federal,
norma esta que abarca não só o patrimônio material do Poder Público, como também o patrimônio moral, o
cultural e o histórico” (STF, RE-170768/SP, rel. Ministro ILMAR GALVÃO, DJ 13-08-99 p. 16, j. 26/03/1999 –
Primeira Turma).

Portanto, mesmo que se cogitasse em inexistência de lesividade ao patrimônio público, a ação popular
deveria ser processada e julgada, com análise do mérito, tendo em vista que este remédio constitucional
“abarca não só o patrimônio material do Poder Público, como também o patrimônio moral, cultural e o
histórico”.

3. DO PEDIDO

Diante das razões acima expendidas, vem o Estado de Alagoas requerer,

a) primeiramente, que seja retificada a sua posição processual, fazendo-o constar não mais no pólo passivo
da demanda, mas no pólo ativo, na qualidade de litisconsorte dos autores, tendo em vista a possibilidade de
retratação da posição assumida pela pessoa jurídica no processo da ação popular;

b) que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, através de sua Câmara Cível, conheça e dê
provimento à presente Apelação, para o fim de reconhecer-se a integral nulidade da sentença proferida às
fls. 5.990/6.005, uma vez que foi prolatada em desobediência ao contraditório, à ampla defesa e ao devido
processo, determinando que seja prolatada uma nova sentença de mérito pelo magistrado a quo;
c) ou, de forma sucessiva, caso se entenda que há elementos suficientes para o julgamento do processo,
que seja reformada a decisão, reconhecendo-se além da ilegalidade do procedimento de emissão das Letras
Financeiras do Estado – LFTAL, a lesividade ao patrimônio público e à moralidade administrativa;

d) por fim, ainda sucessivamente, mesmo que o presente recurso voluntário não seja conhecido, que sejam
objeto de análise e deliberação pela Corte Revisora todas as razões aqui suscitadas, em sede de remessa
oficial (“a sentença que concluir pela carência da ação ou pela improcedência do pedido está sujeita ao duplo
grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal”, art. 19, da Lei da Ação
Popular), tendo em vista tratar-se de matéria de ordem pública, indisponível e, por isso mesmo, passível de
reconhecimento de ofício (além, é claro, dos judiciosos e sábios argumentos que o egrégio Órgão Julgador
entender pertinentes).

Seguem, em anexo, (1) cópia do despacho PGE/GAB nº 006/98, publicado no Diário Oficial do Estado de
12/03/1998, (2) cópia da Lei Estadual 6.158, de 26 de abril de 2.000, (3) cópia de contestação apresentada
nos autos da Ação Ordinária no 2000.51010163072, em tramitação na 16a Vara Federal da Seção Judiciária
do Rio de Janeiro e (4) cópia da petição requerendo a inclusão do Estado de Alagoas no feito da Ação Civil
Pública por Ato de Improbidade Administrativa (Proc. 9988-0/98), na qualidade de litisconsorte ativo
necessário.

Informa-se que as decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina estão disponíveis na
internet, no endereço virtual: http://www.tj.sc.gov.br

Nestes termos
Pede deferimento.

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