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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

3ª CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000926-54.2013.8.16.0179, DO FORO


CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE
CURITIBA – 4ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA.

APELANTE (1): ESTADO DO PARANÁ

APELANTE (2): BANCO PANAMERICANO S.A.

APELADOS: OS MESMOS

RELATOR: DES. MARCOS S. GALLIANO DAROS

JUÍZO DE RETRATAÇÃO – APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE


SEGURANÇA PREVENTIVO – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA –
SOLIDARIEDADE RECONHECIDA ENTRE CREDOR FIDUCIÁRIO E
DEVEDOR FIDUCIANTE NO PAGAMENTO DO IMPOSTO SOBRE
PROPRIEDADES DE VEÍCULOS AUTOMOTORES (IPVA) – RECURSO
EXTRAORDINÁRIO (REPERCUSSÃO GERAL) Nº 727.851/MG QUE
NÃO SE APLICA AO CASO EM CONCRETO – ACÓRDÃO MANTIDO –
RESTITUIÇÃO DOS AUTOS À 1ª VICE-PRESIDÊNCIA DESTE
TRIBUNAL DE JUSTIÇA – RETRATAÇÃO NÃO EXERCIDA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº


0000926-54.2013.8.16.0179, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba
– 4ª Vara da Fazenda Pública, em que figuram como apelante (1) o Estado do Paraná,
apelante (2) o Banco Panamericano S.A. e, como apelados, os mesmos.

Trata-se de apelações interpostas contra a sentença proferida nos autos de


mandado de segurança preventivo impetrado pelo Banco Panamericano S.A. contra ato do
Diretor da Coordenação da Receita e Procurador Fiscal do Estado do Paraná, por meio da qual
o eminente juiz da causa concedeu parcialmente a segurança, para o fim de reconhecer a
prescrição dos créditos tributários referentes aos anos de 2007 e 2008. Pela sucumbência,
condenou o impetrado ao pagamento das custas processuais (mov. 65.1, dos autos de origem).

Inconformado, o Estado do Paraná requereu, preliminarmente, o


reconhecimento da falta de objeto relativo ao ano de 2007, consoante o disposto pelo artigo 1º
da Lei Estadual nº 17.562/2015. No mérito, sustentou a inocorrência da prescrição relativa ao
exercício fiscal de 2008, cabendo ao apelado o pagamento das custas processuais, nos termos
do artigo 21, parágrafo único do Código de Processo Civil (mov. 82.1, dos autos de origem).

Também irresignado, o Banco Panamericano S.A. sustentou a inexistência


de solidariedade passiva entre o credor da alienação fiduciária e o devedor fiduciante.
Discorreu sobre o conceito de propriedade e sobre a impossibilidade de responsabilização
tributária do credor fiduciário (mov. 94.1, dos autos de origem).

As partes apresentaram contrarrazões recursais (movs. 95.1 e 104.1, autos


de origem).

Ao julgar os recursos de apelações, cuja relatoria coube ao eminente


Desembargador Vicente Del Prete Misurelli, esta 3ª Câmara Cível, por unanimidade de votos,
deu parcial provimento ao recurso do Estado do Paraná, negou provimento ao recurso do
Banco Panamericano S.A. e alterou parcialmente a sentença, apenas, para modificar o
fundamento da extinção do crédito relativo ao ano de 2007, emprestando à ementa do
respectivo acórdão a seguinte redação (mov. 1.2 – dos autos de apelação):

APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. IPVA. VEÍCULO


ALIENADO FIDUCIARIAMENTE. APELO DO ESTADO. DÉBITO DO ANO
DE 2007. DISPENSADO PELA LEI ESTADUAL 17.562.2013.
PRESCRIÇÃO DO CRÉDITO DE 2008. OCORRÊNCIA. IPVA.
LANÇAMENTO DE OFÍCIO. APELO DO BANCO. CREDOR FIDUCIÁRIO.
LEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ART. 6º, I,
“C”, DA LEI ESTADUAL Nº 14.260/2003. PROPRIEDADE RESOLÚVEL.
TAMBÉM É PROPRIEDADE. CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO FAZ
DISTINÇÃO. BEM QUE NÃO É OFERECIDO COMO SIMPLES
GARANTIA. CONTEÚDO ECONÔMICO CONFIGURADO. ART. 1368-B
DO CÓDIGO CIVIL. NÃO AFASTA A RESPONSABILIDADE FIXADA PELA
LEI ESTADUAL. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PLENA. ART. 24, §3º, CF.
ÔNUS SUCUMBENCIAIS. REDISTRIBUÍDOS. SENTENÇA REFORMADA.
APELO DO ESTADO PARCIALMENTE PROVIDO. APELO DO BANCO
NÃO PROVIDO.

Contra o referido acórdão, o Banco Panamericano S.A. opôs embargos de


declaração, por meio do qual alegou a existência de omissão, uma vez que, segundo diz, o
acórdão recorrido deixou de abordar os artigos 1.228, 1.364 e 1.365 do Código Civil, artigos
110 e 124 do Código Tributário Nacional, e artigo 155, inciso III da Constituição Federal. Os
embargos de declaração foram rejeitados (movs. 1.1 e 1.2, dos Embargos de Declaração nº
0000926-54.2013.8.16.0179 ED 1).

Irresignado, o Banco Panamericano S.A. interpôs recurso extraordinário, no


qual sustentou a violação pelo acórdão recorrido, do artigo 155, inciso III, da Constituição
Federal e a invalidade da Lei Estadual nº 14.260/2003, face ao disposto pelo Código Civil e
Código Tributário Nacional. O recorrido apresentou contrarrazões e foi negado seguimento ao
recurso extraordinário (movs. 1.1, 1.2 e 1.6, dos autos nº 0000926-54.2013.8.16.0179 Pet 2).

O recorrente também interpôs recurso especial, por meio do qual sustentou


a inexistência de solidariedade passiva, no pagamento do IPVA entre o credor e o devedor da
alienação fiduciária, com a consequente violação dos artigos 1.228, 1.364 e 1.365 do Código
Civil, artigos 110 e 124 do Código Tributário Nacional. Argumentou a ocorrência de
entendimento divergente entre os Tribunais de Justiça do Estado do Paraná e de São Paulo. O
recorrido apresentou contrarrazões (movs. 1.1 e 1.2, dos autos nº 0000926-54.2013.8.16.0179
Pet 3).

Por ocasião do juízo de admissibilidade, o então 1º Vice-Presidente desta


Corte Estadual, Desembargador Renato Braga Bettega, negou seguimento ao recurso especial
e extraordinário em razão do disposto pelo enunciado sumular nº 280 do Superior Tribunal de
Justiça (mov. 1.6, autos nº 0000926-54.2013.8.16.0179 Pet 3 e Pet 2).
Foram interpostos agravos ao recurso extraordinário e especial (mov. 1.4,
autos nº 0000926-54.2013.8.16.0179 AIRE 5 e AIRE 4), os quais foram remetidos as
respectivas Cortes Superiores, consoante artigo 1.042, §4º, do Código de Processo Civil.

A ilustre ministra do Superior Tribunal de Justiça, Assusete Magalhães,


determinou a devolução dos autos a este Tribunal para eventual juízo de retratação, em razão
da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE nº
727.851/MG (mov. 1.7, autos nº 0000926-54.2013.8.16.0179 Pet 3).

Com o retorno dos autos, e em face do julgamento do recurso


extraordinário com repercussão geral nº 727.851/MG (Tema 685/STF[1]), o Excelentíssimo 1º
Vice-Presidente desta Corte, Desembargador Wellington Emanuel Coimbra de Moura, em 08
de agosto de 2019, determinou o sobrestamento do recurso especial (mov. 1.8 autos nº
0000926-54.2013.8.16.0179 Pet 3).

Após o julgamento do referido Recurso Extraordinário pela Corte Superior,


o eminente 1º Vice-Presidente desta Corte, determinou o retorno dos autos a este órgão
julgador, para exercer, em sendo o caso, juízo de conformidade entre o acórdão recorrido e o
leading case mencionado (mov. 13.1 autos nº 0000926-54.2013.8.16.0179 Pet 3).

É o relatório.

Voto

Retornam os autos para eventual juízo de retratação pelo Colegiado, por


força de interposição de recurso especial, diante do entendimento firmado pelo Supremo
Tribunal Federal quando do julgamento do recurso extraordinário com repercussão geral nº
727.851/MG (Tema 685/STF).

Pois bem. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, na forma do disposto


nos artigos 120 e 130 do Código de Trânsito Brasileiro e artigo 158, inciso III, da Constituição
Federal, ao julgar o referido recurso, firmou a seguinte tese: “Não incide IPVA sobre veículo
automotor adquirido, mediante alienação fiduciária, por pessoa jurídica de direito público.”
Confira-se a ementa do julgado a seguir transcrita:
IPVA – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – ADQUIRENTE – PESSOA JURÍDICA
DE DIREITO PÚBLICO. Incide a imunidade prevista no artigo 150, inciso
VI, alínea “a”, da Constituição Federal, em se tratando de contrato de
alienação fiduciária em que pessoa jurídica de direito público surge como
devedora.

(RE 727851, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em


22/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL -
MÉRITO DJe-179 DIVULG 16-07-2020 PUBLIC 17-07-2020).

No entendimento do colegiado, os Estados e Municípios podem por meio


de leis locais instituir tributos, conforme a decisão proferida no agravo regimental no recurso
extraordinário nº 208.059, porém a competência para a definição dos fatos geradores e
contribuintes é limitada pelo conceito de propriedade estabelecido pela Carta Magna, que
considera a propriedade em sentido amplo, abrangendo a posse a qualquer título, nos termos
do consignado no recurso extraordinário nº 253.472/SP.

Com isso, a Corte Suprema destacou que no contrato de alienação


fiduciária, o credor fiduciário possui a propriedade resolúvel do bem móvel ou imóvel, enquanto
que o devedor fiduciante possui a posse direta do bem, permitindo assim, a ocorrência da
imunidade tributária prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal.

Ocorre que o presente caso não se amolda a tal entendimento, visto que a
discussão do referido acórdão versou sobre a possibilidade (ou não) de imunidade tributária,
em que figurava na relação processual pessoa jurídica de direito público.

No entanto, a título de argumentação, vê-se que a Primeira Turma do


Supremo Tribunal Federal, em caso semelhante à destes autos, envolvendo, inclusive, a
mesma Instituição Bancária aqui litigante, assim decidiu:

DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO


EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IPVA. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA.
SOLIDARIEDADE PASSIVA. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO
INFRACONSTITUCIONAL. SÚMULAS 279/STF E 280/STF.

1. O Tema 685 da sistemática da repercussão geral, cujo processo


paradigma é o RE-RG 727.851, Rel. Min. Marco Aurélio, não se aplica ao
caso, uma vez que a controvérsia discutida no paradigma é sobre “a
extensão da imunidade tributária recíproca ao IPVA de veículos adquiridos
por município no regime de alienação fiduciária”, situação diversa da
retratada nos presentes autos.

2. O Tribunal de origem solucionou a controvérsia com fundamento na


legislação infraconstitucional e no conjunto fático e probatório, o que não
enseja a abertura da via extraordinária. Incidência das Súmulas 279 e
280/STF. Precedentes.

3. A análise do recurso extraordinário pelo art. 102, III, d, da Constituição


Federal depende de demonstração de conflito de competência legislativa
entre entes federados, sendo incabível quando há pretensão de revisão da
interpretação conferida a norma infraconstitucional.

4. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, fica majorado em 25% o valor
da verba honorária fixada anteriormente, observados os limites legais do
art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015.

5. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa


prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015.

(ARE 890.094 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma,


julgado em 25/10/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-256 DIVULG
22-11-2019 PUBLIC 25-11-2019).

A propósito, cumpre transcrever excerto do acórdão recorrido naquilo que


aqui interessa:

(...) A alienação fiduciária é o contrato pelo qual o credor recebe o domínio


resolúvel e a posse indireta, tornando-se o devedor o possuidor direto e
depositário do bem.
(...) Como inexiste previsão de isenção na hipótese de transferência do
veículo ao devedor, é o credor quem fica responsável pelo pagamento dos
tributos, seja na condição de proprietário (domínio resolúvel), seja por ter a
posse indireta do veículo.

O art. 155, III, CF, define que compete aos Estados instituir IPVA,
delimitado como fato gerador do tributo, a propriedade de veículo
automotor.

Ocorre que inexiste Lei Complementar estabelecendo normas gerais sobre


o referido tributo, havendo entendimento dominante da jurisprudência e
doutrina, de que sua regulamentação deverá ser feita por legislação
estadual. (...)

Diante disso o Estado do Paraná editou a Lei Estadual nº 14.260/2003,


definindo o fato gerador, contribuinte e os responsáveis pelo tributo. (...)

Como é o caso da propriedade fiduciária, que conforme o art. 1.361, CC,


constituiu espécie de propriedade resolúvel, que se inicia com o registro do
contrato, ocorrendo o desdobramento da posse, tornando-se o devedor o
possuidor direto da coisa.

Por certo que este tipo de propriedade contém características bastante


limitativas ao exercício das faculdades sobre a coisa, conforme art. 1.364 e
1.365, CC, mesmo assim, não afasta o fato de que a propriedade é
transferida ao credor desde o registro do contrato, não em eventual
retomada do bem, pois nesse momento apenas passaria a exercê-la com
maior amplitude.

Não há como considerar que o bem em questão é uma simples garantia,


pois o proprietário fiduciário dispõe, desde o registro do contrato, de
prerrogativas específicas que excedem os limites constitucionais de
garantia sobre coisa alheia, se tratando de direito real de garantia sobre
coisa própria.

Pois o devedor não pode dispor da coisa sem a anuência do credor,


admite-se a venda extrajudicial do bem, caso vencida a dívida e não paga
e, nos casos de insolvência, não estará a coisa sujeita ao concurso de
outros credores, revelando assim, o conteúdo econômico da propriedade
fiduciária, que ampara sua tributação.

Ainda, não há nenhuma exigência constitucional de que o responsável seja


o proprietário pleno do bem, admitindo-se todas as formas de propriedade.
(...)
Todavia, conforme explicado anteriormente, não há dúvidas de que o
credor possui a propriedade resolúvel e a posse indireta do bem, de modo
que as alterações estabelecidas não interferem na responsabilidade
tributária fixada pela legislação estadual.

A referida Lei não pode inovar em relação ao fato gerador do tributo e seu
contribuinte indicado na Constituição Federal, já que a Carta Magna nada
dispôs acerca da propriedade plena, referindo-se apenas ao gênero
propriedade, do qual a propriedade resolúvel se enquadra(...)- acrescentei
grifos.

Conquanto o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal no


recurso extraordinário com repercussão geral nº 727.851/MG (Tema 685/STF) não se aplicar
ao presente caso, é incontroverso que o acórdão aqui recorrido se coaduna com o
entendimento proferido o Ag. Reg. no Recurso Extraordinário nº 890.094\MG também daquela
Corte Suprema, que trata do titular da propriedade resolúvel do objeto da alienação fiduciária.

Logo, é desnecessário o exercício de juízo de retratação, porquanto a tese


fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário representativo
de controvérsia nº 727.851/MG (Tema 685/STF) não incide ao caso em análise.

Por essas razões, o meu voto é pela restituição dos autos à 1ª


Vice-Presidência, ante a desnecessidade de exercício do juízo de retratação.

Ante o exposto, ACORDAM os Senhores Magistrados integrantes da 3ª


Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em
restituir os autos à 1ª Vice-Presidência deste Tribunal de Justiça, ante a desnecessidade de
exercício do juízo de retratação, nos termos do voto do relator.

O julgamento foi presidido pelo Desembargador José Sebastião Fagundes


Cunha, sem voto, e dele participaram Desembargador Marcos Sérgio Galliano Daros (relator),
Desembargadora Lidia Maejima e Desembargador Jorge de Oliveira Vargas.

20 de novembro de 2020

Desembargador Marcos Sérgio Galliano Daros


Juiz relator

[1] Tema 685/STF- Extensão da imunidade tributária recíproca ao IPVA de veículos adquiridos por município
no regime de alienação fiduciária.

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