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RELATÓRIO
Aponta a recorrente negativa de vigência aos arts. 66 e 78, XV, da Lei 8.666/93 e
ao art. 5º, II, III, LIV e LV da CF/88.
Sustenta que a lei não chancela conduta ilícita da Administração; acima dos
princípios da supremacia do interesse público sobre o particular e da indisponibilidade do interesse
público estão os princípios constitucionais da legalidade e da reserva legal; inexistindo qualquer
disposição legal que obriga uma empresa a trabalhar gratuitamente, não cabe o juiz, a pretexto do
atingimento de um ideal subjetivo de justiça, criar regra descabida.
Alega, em síntese, que:
a) não se trata de cessação sumária dos serviços de fornecimento de
alimentação, mas do exercício legítimo de um direito previsto em lei, posto que, desde
outubro/2004 as empresas vêm alertando o Município sobre os riscos de um desabastecimento de
alimentação nos hospitais municipais em virtude da própria impossibilidade material da prestação,
por não mais disporem de recursos financeiros para a aquisição de gêneros alimentícios caros e
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imprescindíveis ao preparo das refeições especiais;
b) os recorrentes não precisam pedir "autorização judicial" para suspendem o
cumprimento de seus serviços; e
c) a via judicial presta-se apenas na hipótese do particular desejar rescindir o
contrato com a Administração Pública, não para suspender o fornecimento, sendo bastante que o
atraso no pagamento das faturas ultrapasse o prazo legal de 90 (noventa) dias, como autorizado
pelo art. 78, XV, 2ª parte, da Lei 8.666/93 e art. 6º, § 3º, II, da Lei 8.987/95.
Aponta, ainda, negativa de vigência aos arts. 126, 131, 165, 458, II e 535, todos do
CPC, afirmando que o acórdão recorrido carece de fundamentação.
Para configurar o dissídio, invoca precedentes desta Corte no REsp 337.965/MG
e de próprio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Sem contra-razões, subiram os autos por força de agravo de instrumento.
Relatei.
VOTO
Sobre o art. 78, XV, da Lei 8.666/93, reconheceu o TJ/RJ que o dispositivo não
tem o alcance pretendido pelas então agravantes, pois a suspensão no cumprimento das
obrigações do contratante pode ser, uma vez preenchidos os requisitos legais, deferida, desde
pleiteada judicialmente - o que inocorreu no caso em tela.
E acrescentou o relator:
Art. 66. O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo
com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas
conseqüências de sua inexecução total ou parcial.
Com o advento da Lei 8.666/93, não mais tem sentido a discussão sobre o
cabimento ou não da inoponibilidade da exceptio non adimpleti contractus contra a
Administração, ante o teor do art. 78, XV, do referido diploma legal. Por isso, despicienda a
análise da questão sob o prisma do princípio da continuidade do serviço público.
O que se questiona, nessa demanda, é se o contratado, tendo a Administração
permanecido inadimplente por mais de 90 (noventa) dias, pode, sponte propria , deixar de
cumprir suas obrigações contratuais ou se seria indispensável, para valer-se do direito à
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suspensão, de provimento judicial.
A Profª Maria Sylvia Zanella di Pietro trata do tema, sem, entretanto, condicionar
o exercício desse direito a um provimento judicial. Vejamos:
Grande parte dos doutrinadores entende que essa exceção não pode ser
aplicada no direito administrativo, principalmente pelo fato de que, neste, o contratado
assume o papel de colaborador da Administração Pública e, como tal, age no interesse
público, que não pode ficar prejudicado pela paralisação na execução do contrato.
Essa doutrina sofre hoje algum abrandamento, pois já se aceita que a
exceptio non adimpleti contractus seja invocada pelo particular contra a Administração,
embora sem a mesma amplitude que se apresente no direito privado. Neste, os interesses
das partes são equivalentes e se colocam no mesmo pé de igualdade; no contrato
administrativo, os interesses das partes são diversos, devendo, em determinadas
circunstâncias, prevalecer o interesse público que incumbe, em princípio, à Administração
proteger. Por isso, o particular deve, como regra, dar continuidade ao contrato, evitando
de, sponte sua, paralisar a execução do contrato, já que a rescisão unilateral é prerrogativa
da Administração; o que o particular pode e deve fazer, até mesmo para acautelar seus
interesses, é pleitear a rescisão, administrativa ou judicialmente, aguardando que ela seja
deferida.
Essa regra admite exceção pela aplicação da teoria do fato da
Administração, quando sua conduta tornar impossível a execução do contrato ou causar
ao contratado um desequilíbrio econômico extraordinário, que não seria razoável exigir que
suportasse, pela desproporção entre esse sacrifício e o interesse público a atingir pela
execução do contrato.
A Lei nº 8.666/93 previu uma hipótese em que é possível, com critério
objetivo, saber se é dado ou não ao particular suspender a execução do contrato. Trata-se
da norma do artigo 78, inciso XV, segundo a qual constitui motivo para a rescisão do
contrato "o atraso superior a 90 dias dos pagamentos devidos pela Administração
decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou
executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou
guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de
suas obrigações até que seja normalizada a situação".
Isto significa que, ultrapassados os 90 dias sem que a Administração
efetue os pagamentos em atraso, é dado ao contratado, licitamente, suspender a execução
do contrato.
O dispositivo prevê exceção para os casos de calamidade pública, grave
perturbação da ordem interna ou guerra, hipóteses em que não se aplica a regra dos 90
dias, se as ocorrências previstas no dispositivo impuserem a paralisação antes desse prazo
limite.
(in Direito Administrativo, 20ª ed, Atlas, São Paulo, 2007, p. 261/262)