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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

8ª Câmara de Direito Público

PROCESSO DIGITAL – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

PN 41035

AGRAVO DE INSTRUMENTO: 2286672-90.2023.8.26.0000

AGRAVANTE: MARCIO VALERIO JUNQUEIRA

AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE


SÃO PAULO (MPSP)

VOTO CONVERGENTE 40610 – lcb

AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA DA


PENA DE PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA EM AÇÃO DE IMPROBIDADE
– IMPOSSIBIIDADE DE CONVERSÃO AUTOMÁTICA EM CASSAÇÃO
DA APOSENTADORIA.

Decisão recorrida que deferiu liminar para a expedição de ofício ao


Instituto de Previdência dos Servidores Públicos do Município de
Miguelópolis, para a imediata interrupção de pagamento dos
proventos de aposentadoria do executado, ora agravante.

Insurgência recursal do executado – Pretensão à reforma da


decisão, sob o fundamento de que é descabida a conversão da
penalidade de perda da função pública em cassação de
aposentadoria.

Cassação da aposentadoria que não consta no título executivo


formado, que se limitou ao pedido do MPSP de ressarcimento e
perda da função pública. Necessidade de adstrição do título
executivo ao pedido inicial da ação de improbidade e do
cumprimento de sentença.

Penalidade de cassação da aposentadoria não prevista na Lei de


Improbidade Administrativa. Princípio da tipicidade legal dos atos de
improbidade e das sanções em simetria ao princípio da
anterioridade da lei (nullum crimen, nulla poena sine previa lege).
Também, a cassação da aposentadoria não é prevista na lei
municipal (n. 2.146, estatuto do funcionário público de Miguelópolis)
como penalidade por infração funcional.

O entendimento do STF na ADPF 418 (2020) de reconhecer a


recepção constitucional da previsão da pena de cassação da
aposentadoria no estatuto do servidor federal civil (Lei 8.112/90)

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não se aplica ao caso de servidor municipal. Presença de elementos


de distinguishing.

Impossibilidade, no caso, de se aplicar ao servidor municipal, a


conversão ilegal e automática, de forma vicária, da pena de perda
da função pública pela cassação da sua aposentadoria em cargo
diverso (cirurgião dentista) daquele em que se deu a improbidade
(Secretário Municipal). Necessidade de observância do devido
processo legal e direito de defesa em processo administrativo ou
ação própria, que não é possível em sede estreita de cumprimento
de sentença.

Em caso de não acolhimento do recurso, que se declare que será


assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição entre o
Regime Geral de Previdência Social e os regimes próprios de
previdência social, e destes entre si, observada a compensação
financeira, de acordo com os critérios estabelecidos em lei, nos
termos do art. 201, §9º da CF.

Recurso de agravo provido, com revogação da liminar, com efeito


translativo para se julgar extinto o cumprimento de sentença pela
perda de objeto, indeferindo-se a petição inicial, também, por
constar pedido estranho ao título executivo (art. 924, I do CPC).

Vistos.

Consta do relatório do Exmo. Des. Relator, que adoto:

“Trata-se de agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo


interposto tempestivamente por Marcio Valerio Junqueira, em face da r. decisão às
fls. 72/76 dos autos do cumprimento de sentença, que deferiu o pedido do
Agravado, determinando a expedição de ofício ao Instituto de Previdência dos
Servidores Públicos do Município de Miguelópolis, para a imediata interrupção dos
referidos proventos de aposentadoria.

O agravante sustenta, em suma, que a decisão está em desacordo com o


arcabouço legal, que não prevê a possibilidade de converter a penalidade de perda
da função pública, aplicada em sede de processo de improbidade administrativa,
em cassação de aposentadoria, e em descompasso com o entendimento
jurisprudencial firmado no sentido de que o magistrado não tem competência para
aplicar a cassação de aposentadoria como sanção a servidor condenado
judicialmente por improbidade administrativa.

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Destaca o risco de dano irreparável que pode advir da suspensão do


pagamento dos proventos de aposentadoria e pretende, por isso, a concessão de
efeito suspensivo ao agravo, para o fim de sustar qualquer ato que importe na
suspensão/cassação de sua aposentadoria até o julgamento do recurso, provendo-
o, a final, para cassar a decisão agravada.

Deferido o efeito suspensivo requerido (fls. 66/68), foi apresentada


contraminuta às fls. 76/82. A d. Procuradoria Geral de Justiça apresentou parecer,
no qual opinou pelo não provimento do recurso (fls. 86/98).”

Acrescento ao relatório o que segue e voto.

O executado Marcio respondeu a ação de improbidade administrativa por ter


recebido irregularmente o pagamento de horas-extras no total de R$ 80.238,27,
nos anos de 2009 a 2011, em decorrência do TCE não ter considerado legais os
pagamentos, por considerar incompatível o regime do cargo público de cirurgião
dentista com aquele de Secretário Municipal, de dedicação integral, que ocupou no
referido período. Na petição inicial da ação, o MPSP pediu cumulativamente a
aplicação de todas as sanções, inclusive a de perda do cargo em comissão (item
4.2, fls.19, dos autos eletrônicos da origem), mas não formulou pedido de cassação
de aposentadoria.

A sentença (fls. 934/953, 05.11.2018) condenou o executado às sanções,


inclusive a de perda do cargo, sem expressa motivação, justificativa ou extensão ao
cargo de cirurgião-dentista, como atualmente é exigido pela Lei de Improbidade
Administrativa no §1º, do art. 12, com a redação incluída pela Lei 14.230/2021,
que pretendeu pôr fim à controvérsia antes existente.

Com efeito, silente a sentença sobre qual dos cargos incidia a pena de perda
do cargo público, a interpretação lógica era de que se referia ao cargo comissionado
de Secretário e não ao de cirurgião, no qual o executado aposentou-se durante o
curso do processo.

O acórdão desta 8ª. Câmara (fls. 1170/1184) confirmou a sentença e a


aplicação das sanções impostas.

Seguiram-se Recursos Especial e Extraordinário, que não foram admitidos a


fls. 1480/1483 e a fls. 1484/1486 respectivamente, tendo sido não providos os
Agravos contra os despachos denegatórios (fls. 1789/1792 e 1793/1794) pelo STJ
e STF, transitando em julgado em 02.06.2023.

Transitado em julgado, o MPSP ingressou com o cumprimento de sentença


de pagar quantia certa (proc. 000417-61.2023.8.26.0352) e, também, em autos

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próprios, com o cumprimento de sentença para convolar a perda da função pública


na cassação da aposentadoria especial, com pedido de liminar, considerando o
requerimento da aposentadoria pelo executado em dezembro de 2018 e início do
pagamento dos proventos de sua aposentadoria como cirurgião dentista em
01.12.2021.

A liminar foi concedida para suspender os pagamentos da aposentadoria


(decisão de fls. 72/76 dos autos apensados 000620-23.2023.8.26.0352.

O executado, então, manejou o presente recurso de Agravo de Instrumento,


alegando, em síntese: (a) conflito com o Estatuto dos Funcionários Públicos do
Município de Miguelópolis, que prevê a pena de cassação da aposentadoria apenas
se o benefício foi concedido ilegalmente (art. 133 e 134); (b) a Lei de Improbidade
não prevê a pena de cassação da aposentadoria e eventual cassação somente
poderia se dar em processo administrativo; (c) que as sanções de improbidade são
taxativas na Lei 8429/1992.

Pois bem, merece ser reprisado que na petição inicial da ação de


improbidade não foi requerida a sanção administrativa de cassação da
aposentadoria, que não existe na Lei de Improbidade, mas a perda da função
pública.

Logo, o título executivo deveria guardar correlação com o pedido feito pelo
autor da ação de improbidade, o MPSP, em observância ao princípio da adstrição,
sob pena de nulidade de julgamento fora dos limites daquele.

Como se sabe, o princípio da adstrição ou congruência indica que a resposta


dada pelo Judiciário a uma demanda deve guardar estreita vinculação com aquilo
que a parte pediu, ou seja, não é lícito, em regra, ao magistrado proferir decisão
sem que esteja diretamente relacionada ao postulado pelas partes. Não há dúvida
ser defeso ao magistrado proferir julgamento de mérito fora dos limites
previamente estabelecidos pelas partes na peça de ingresso em juízo, sendo,
portanto, inadmissível a prolação de sentença citra, ultra ou extra petita, de acordo
com o mandamento contido nos artigos 141 e 492 do CPC:

Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes,
sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo
respeito a lei exige iniciativa da parte.

Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da


pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em
objeto diverso do que lhe foi demandado.

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Assim, o cumprimento de sentença deve visar a perda da função pública em


que se deu a improbidade. Se impossível aquela em face de não estar mais o
agente na função, ocorre a perda do objeto da sanção cominada, devendo a
execução ou o cumprimento de sentença, nessa parte, ser extinta.

De fato, por força dos princípios constitucionais da legalidade, do devido


processo legal, da segurança jurídica, não há como confundir os institutos da
sanção administrativa de perda de função ou cargo com a cassação da
aposentadoria, não sendo intercambiáveis ou equivalentes para simplesmente
substituir a aplicação da primeira, que ficou prejudicada ou impossível, pela
segunda, não prevista na Lei de Improbidade e ao arrepio daqueles princípios
mencionados, sem o devido processo administrativo e possiblidade de apreciação
judicial em ação própria de conhecimento.

A perda do cargo em que se deu o ato de improbidade tem motivação


vinculada à necessidade do afastamento do servidor ou agente público do cargo em
que se evidenciou inadequado e por meio do qual praticou ato doloso prejudicial ao
erário, para que isso cesse, provada a inidoneidade para o desempenho daquela
função pública.

No caso, o executado foi condenado por ato praticado no exercício da função


de Secretário Municipal, cargo em comissão, no qual não mais está, o que esvaziou
a sanção de perda do cargo a que foi condenado.

A despeito da redação do acórdão de fls. 1170/1184 ter se referido ao


recebimento indevido de gratificações como cirurgião dentista, o fato é que tal
percepção ilegal foi feita em razão e em função do exercício do cargo de Secretário
Municipal, tendo o executado optado pelos vencimentos do cargo de cirurgião
dentista, como lhe facultava a lei, não sendo ele ordenador de despesa e
responsável pelos pagamentos.

Daí, a improbidade foi reconhecida por ser indevido o pagamento de horas


extras ao Secretário Municipal, agora, executado.

O título executivo não autoriza a perda do cargo de cirurgião dentista, que o


executado não exercia quando Secretário, de dedicação exclusiva, razão pela qual o
TCU impugnou o recebimento das horas-extras!

Nem houve na sentença ou acórdão extensão, menção ou justificativa que


apontasse que a perda iria alcançar o outro cargo, no qual não se deu a
improbidade.

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É consabido que as penas do art. 12 da Lei 8.429/1992 não são


necessariamente cumulativas.

Desse fato decorre a imprescindibilidade de fundamentação da escolha das


sanções aplicadas, levando-se em conta fatores como: a reprovabilidade da
conduta, o ressarcimento anteriormente à propositura da Ação Civil Pública dos
danos causados, a posição hierárquica do agente, o objetivo público da
exemplaridade da resposta judicial e a natureza dos bens jurídicos secundários
lesados (saúde, educação, habitação, etc.). (REsp 765212, STJ, Rel. Herman
Benjamin, julg. 02.03.2010, DJe 22.06.2010).

Convém lembrar que as sanções têm tipicidade, que se constitui em garantia


para o cidadão, permitindo que ele anteveja as condutas proibidas e respectivas
sanções, além de impedir que a Administração Pública eventualmente atue de
forma arbitrária, vez que somente imporá pena relativamente ao que estiver
descrito na norma como infração.

É o princípio do tipo administrativo sancionador bem como das penas


administrativas, que também seguem a máxima de direito nullum crimen, nulla
poena sine previa lege.

Sem o reconhecimento da supremacia axiológica dos princípios adotados


pela CF não há efetiva garantia aos direitos fundamentais da cidadania e se
privilegiará atitudes e comportamentos punitivos ao talante daqueles cheios de
vontade de punir, com a criação de estereótipos merecedores de todo o rigor da lei
e algo mais, incentivando atitudes estruturais de perseguição e “witch Hunter”
(caça às bruxas). Essas posturas de “prazer em condenar” já foram objeto de justa
crítica no HC 889138, pela Ministra Daniela Teixeira do STJ (09.02.2024).

A despeito das Emendas Constitucionais 3/1993, 20/1998 e 41/2003 terem


afirmado o caráter contributivo da aposentadoria para o regimes geral e os
próprios, com valores dos proventos calculados pelo tempo de contribuição e seus
valores, em substituição ao antigo conceito de que antes da Emenda Constitucional
3/1993 a aposentadoria tinha natureza de prêmio (custeada integralmente pelo
Estado, após a referida emenda passou a ter natureza de seguro, uma vez que o
servidor público também suporta financeiramente o custeio), o atual STF entendeu
na ADPF 418 (15.04.2020), que no caso dos servidores federais, não haveria
incompatibilidade a previsão legal da pena de cassação da aposentadoria na Lei
Federal 8.112/90 (que dispõe especificamente sobre o regime jurídico dos
servidores civis da União, Autarquias e fundações públicas federais), pois a pena
teria sido recepcionada pela CF.

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Na verdade, a referida decisão na ADPF 418 foi balizada nos precedentes do


STF no MS 21948, relatado pelo Min. Neri da Silveira e MS 22728 de relatoria do
Min. Moreira Alves DJ 13.11.1998), mas nesses dois casos exigiram-se o (a)
processo administrativo, (b) ampla defesa e (c) previsão legal da pena disciplinar
de cassação da aposentadoria no estatuto legal próprio:

MANDADO DE SEGURANÇA. DEMISSAO. PROCURADOR AUTARQUICO.


2. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS INCISOS III E IV
DO ART. 127, DA LEI N. 8112/1990, AO ESTABELECEREM ENTRE AS
PENALIDADES DISCIPLINARES A DEMISSAO E A CASSAÇÃO DE
APOSENTADORIA OU DISPONIBILIDADE. SUA IMPROCEDENCIA. A
RUPTURA DO VÍNCULO FUNCIONAL E PREVISTA NO ART. 41, PAR. 1.
DA CONSTITUIÇÃO. HOUVE, NO CASO, PROCESSO
ADMINISTRATIVO, ONDE ASSEGURADA AO IMPETRANTE AMPLA
DEFESA. A DEMISSAO DECRETOU-SE POR VALER-SE O IMPETRANTE
DO CARGO, EM DETRIMENTO DA DIGNIDADE DA FUNÇÃO PÚBLICA E
DESIDIA. LEI N. 8.112/1990, ART. 117, INCISOS IX E XI. 3. NÃO
CABE, EM MANDADO DE SEGURANÇA, PENETRAR NA INTIMIDADE
DAS PROVAS E FATOS DE QUE RESULTOU O PROCESSO
DISCIPLINAR. 4. NÃO PODE PROSPERAR, AQUI, CONTRA A
DEMISSAO, A ALEGAÇÃO DE POSSUIR O SERVIDOR MAIS DE TRINTA
E SETE ANOS DE SERVIÇO PÚBLICO. A DEMISSAO, NO CASO,
DECORRE DA APURAÇÃO DE ILICITO DISCIPLINAR PERPETRADO
PELO FUNCIONÁRIO PÚBLICO, NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES.
NÃO E, EM CONSEQUENCIA, INVOCAVEL O FATO DE JA POSSUIR
TEMPO DE SERVIÇO PÚBLICO SUFICIENTE A APOSENTADORIA. A LEI
PREVE, INCLUSIVE, A PENA DE CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA,
APLICAVEL AO SERVIDOR JA INATIVO, SE RESULTAR APURADO QUE
PRATICOU ILICITO DISCIPLINAR GRAVE, EM ATIVIDADE. 5.
AUTONOMIA DAS INSTANCIAS DISCIPLINAR E PENAL. 6. MANDADO
DE SEGURANÇA INDEFERIDO.

(STF - MS: 21948 RJ, Relator: Min. NÉRI DA SILVEIRA, Data de


Julgamento: 29/09/1994, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 07-
12-1995 PP-42640 EMENT VOL-01812-01 PP-00091)

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Mandado de segurança. Servidor público. Penalidade de cassação da


aposentadoria por improbidade administrativa e por aplicação
irregular de dinheiros públicos. - Inexistência de nulidade do processo
dirigido pela nova comissão processante, porquanto, além de não
haver ofensa ao artigo 169 da Lei 8.112/90, não houve prejuízo para
a impetrante. - Improcedência da alegação de ocorrência de
prescrição. Interpretação da fluência do prazo de prescrição na
hipótese de ser interrompido o seu curso (artigo 142, I e §§ 3º e 4º,
da Lei 8.112/90). - Falta de demonstração da alegação vaga de
cerceamento de defesa. - A alegação de que as imputações à
impetrante são inconsistentes e não foram provadas, demanda
reexame de elementos probatórios, o que não pode ser feito no
âmbito estreito do mandado de segurança. - Inexistência do "bis in
idem" pela circunstância de, pelos mesmos fatos, terem sido
aplicadas a pena de multa pelo Tribunal de Contas da União e a pena
de cassação da aposentadoria pela Administração. Independência das
instâncias. Não aplicação ao caso da súmula 19 desta Corte. -
Improcedência da alegação de que a pena de cassação da
aposentadoria é inconstitucional por violar o ato jurídico perfeito. -
Improcedência da alegação de incompetência do Ministro de Estado
da Educação e do Desporto. Mandado de segurança denegado.

(STF - MS: 22728 PR, Relator: MOREIRA ALVES, Data de Julgamento:


22/01/1998, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 13-11-1998 PP-
00005 EMENT VOL-01931-01 PP-00150)

Contudo, é preciso ressaltar que afronta o nosso sistema jurídico a mera


conversão automática da pena de perda da função pública com a de cassação da
aposentadoria.

São garantias constitucionais o devido processo legal e a ampla defesa, além


de ser direito fundamental social a aposentadoria, que é expressamente prevista no
art. 7º, XXIV, da CF.

A postulação do MPSP no cumprimento de sentença de aplicação vicária e


automática da cassação de aposentadoria, a qual não é prevista naquele e nem na
Lei de Improbidade Administrativa, constitui flagrante desvio do princípio da
adstrição e atropela o devido processo legal, que demanda processo administrativo
próprio ou ação judicial específica para dar o direito de defesa, que é inexistente ou
estreito em sede de cumprimento de sentença.

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Não de outra sorte, é matéria de defesa do executado, ora agravante, que a


Lei Municipal 2.146 de 29.10.1993, que instituiu o estatuto do funcionário público
de Miguelópolis, apesar de prever a cassação da aposentadoria, expressamente a
autoriza em caso de ilegalidade na sua concessão, mas não como penalidade por
ato infracional (arts. 125 e 133, fls. 54 e 56 dos autos eletrônicos deste agravo).

Assim, o precedente do STF da constitucionalidade da cassação da


aposentadoria como penalidade aos servidores federais, que demanda processo
administrativo ou ação judicial próprias, não tem aplicação ao caso do servidor
municipal, menos ainda, em simples cumprimento de sentença de pena não
prevista na Lei de Improbidade e no estatuto dos servidores do Município de
Miguelópolis -SP.

Nesse sentido:

Esta Corte orienta-se pela impossibilidade de aplicação da pena de


cassação da aposentadoria em substituição à perda do cargo nas
apurações por improbidade administrativa, ante a inexistência de
previsão legal, porquanto as normas que descrevem infrações
administrativas e cominam penalidades constituem matéria de
legalidade estrita, sendo inadmissível a interpretação extensiva.

(STJ - AgInt no AgInt no REsp: 1867096 AM 2020/0064607-7,


Relator: Ministra REGINA HELENA COSTA, Data de Julgamento:
04/09/2023, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe
08/09/2023)

1. Não foi cominada originariamente (na sentença condenatória) ao


Recorrido a medida da cassação de aposentadoria. Assim, ausente a
previsão da penalidade no título executivo, não há falar em sua
conversão em sede de cumprimento de sentença. Precedentes: AgInt
no AREsp 861.767/SP, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/08/2016, DJe 26/08/2016; REsp
1186123/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA,
julgado em 02/12/2010, DJe 04/02/2011. 2. Agravo interno não
provido.

(STJ - AgInt no REsp: 1626456 PR 2016/0243239-0, Relator: Ministro


MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 18/05/2017, T2 -
SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/05/2017)

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Não tendo a aplicação da penalidade de cassação de aposentadoria


sido discutida no processo de conhecimento, não se deve cogitar de
sua execução, já que ao menos poderia ser consignada no título
executivo, como não o foi. Impossibilidade da aplicação da pena de
cassação de aposentadoria em sede administrativa, unicamente como
decorrência da condenação em ação de improbidade, quando o título
judicial transitado em julgado não tiver expressamente previsto a sua
aplicação, tendo-se limitado à imposição da pena perda da função
pública. Ordem concedida.

(TJ-RJ - MS: 00645556020198190000 201900402648, Relator:


Des(a). SÉRGIO NOGUEIRA DE AZEREDO, Data de Julgamento:
13/06/2023, DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação:
14/06/2023)

O STF teve a intelecção de que o regime próprio de previdência social


adotado no Brasil é o de repartição simples (pay-as-you-go pension system:
sistema de repartição com inerente solidariedade), o qual, diferentemente do
regime de capitalização (funding ou fully funded pension plans, ou defined-benefit
plans, modelo normalmente adotado pela previdência privada complementar), não
forma um fundo individual para cada servidor, mas sim um fundo coletivo, em que
as contribuições pagas pelos funcionários da ativa financiam os benefícios pagos
aos servidores inativos. Não haveria, portanto, um montante específico reservado
para cada segurado.

É necessário a atenção do juiz aos princípios da razoabilidade e


proporcionalidade entre a pena ao agente público, aplicada por ato de improbidade,
para que se afaste das funções para os quais se evidenciou inapto, daquela de
verdadeira morte civil, privando-o da subsistência já na idade madura, dos
proventos da aposentadoria para a qual contribuiu. Cabe ao julgador fugir das
estratégias de litigância que fazem o pedido do mais para se obter o menos.

Desta forma, impossível o cumprimento de sentença quanto à perda da


função pública já não mais ocupada, perdido o seu objeto, é caso de dar efeito
translativo a esse agravo de instrumento, julgando-se o mérito do cumprimento de
sentença, que deve ser extinto, na forma do art. 485, §3º. do CPC ((STJ - AgInt
nos EDcl no REsp: 1846660 GO 2019/0328816-2, Relator: Ministra REGINA
HELENA COSTA, Data de Julgamento: 14/02/2022, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de
Publicação: DJe 17/02/2022).

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Em caso de não acolhimento do recurso na forma aqui proposta, que se ao


menos seja declarado que será assegurada a contagem recíproca do tempo de
contribuição entre o Regime Geral de Previdência Social e os regimes próprios de
previdência social, e destes entre si, observada a compensação financeira, de
acordo com os critérios estabelecidos em lei, nos termos do art. 201, §9º da CF. 1

Pelo exposto, meu voto é no sentido de dar provimento ao agravo de


instrumento, revogando a medida liminar, com efeito translativo para julgar extinto
o processo de cumprimento de sentença, indeferindo-se a petição inicial (art. 924, I
do CPC), por exigir prestação ou sanção estranhas ao título executivo e, aquela que
nesse constava ficou prejudicada ou impossível.

Leonel Costa

2º Desembargador

1 § 9º Para fins de aposentadoria, será assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição


entre o Regime Geral de Previdência Social e os regimes próprios de previdência social, e destes entre si,
observada a compensação financeira, de acordo com os critérios estabelecidos em lei. (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)

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