Você está na página 1de 5

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2021.0000236667

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº


2237251-39.2020.8.26.0000, da Comarca de São Carlos, em que é agravante CARLOS
HENRIQUE RIBEIRO DO VALLE, é agravado CARLOS THIAGO SOARES.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 15ª Câmara de Direito Privado


do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao
recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RAMON MATEO


JÚNIOR (Presidente) E ELÓI ESTEVÃO TROLY.

São Paulo, 30 de março de 2021.

MENDES PEREIRA
Relator
Assinatura Eletrônica

Voto nº 22932
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Agravo de instrumento nº 2237251-39.2020.8.26.0000


Agravante: Carlos Henrique Ribeiro do Valle
Agravados: Carlos Thiago Soares
Comarca: São Carlos
15ª Câmara de Direito Privado

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - Insurgência do credor contra


decisão que indeferiu expedição de ofício ao INSS para verificar
se o executado possui vínculo empregatício - Possibilidade -
Expedição de ofício ao INSS para comprovar eventual rendimento
líquido percebido mensalmente pela parte executada - Medida
necessária para aferir a possibilidade e proporcionalidade do
bloqueio de valores - Possibilidade de constrição do salário da
executada que deve ser aferida à luz do caso concreto - Decisão
reformada - Recurso provido.

Trata-se de agravo de instrumento interposto diante da r. decisão de fl. 08 do


instrumento que, indeferiu o pedido de expedição de ofício ao INSS, por ser a medida
inócua, por não ter o crédito objeto da demanda natureza alimentar, não sendo possível
penhora de valores de origem salarial, por força no disposto no artigo 833, inciso IV, do
Código de Processo Civil.
Aduz o recorrente que restaram infrutíferas as pesquisas de bens e valores
efetuadas pelos sistemas Bacenjud (fls. 28/30), Renajud (fls. 35, 122/125 e 136) e Infojud
(fls. 36 e 126/127). O único imóvel pertencente ao devedor se encontra alienado a uma
instituição financeira (fls. 45/47 da origem). Por sua vez, a pessoa jurídica executada se
encontra encerrada e inativa (fls. 185) e negado o pedido de desconsideração da
personalidade jurídica da sociedade empresária (autos n. 0001368-34.2019.8.26.0566).
Requereu a expedição de ofício ao INSS, a fim de que se verifique eventual vínculo
empregatício do agravado Carlos, para verificação da viabilidade da penhora sobre seus
vencimentos, cujo pedido foi negado, sobrevindo a decisão agravada. Houve mudança de
entendimento dos Tribunais Superiores quanto à possibilidade de penhora de verba
salarial para pagamento de dívida de natureza não alimentar. Haverá que se atentar ao
princípio da satisfação executiva e o mínimo existencial. O novo CPC instituiu maiores
poderes ao Magistrado para a consecução da satisfação executiva, nos termos do artigo
139, inciso IV. Ademais, o salário deve servir além da subsistência do devedor, também
para o pagamento de suas obrigações, pois, caso contrário, o assalariado e sem posses
poderia contrair inúmeras dívidas e se valer do argumento da impenhorabilidade salarial.
Pugna pelo provimento do recurso para que se determine a expedição de ofício ao INSS,
para que informe eventual vínculo empregatício do recorrido.
Sem pedido de efeito ativo ao recurso.
Dispensada a contraminuta diante da revelia do executado.
É o relatório.
Cuida-se na origem de ação de cumprimento de sentença onde busca o
requerente a satisfação do débito no valor R$63.409,59.
Agravo de Instrumento nº 2237251-39.2020.8.26.0000 -Voto nº 22932 – São Carlos - MCC 2
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Efetuadas as pesquisas pelos sistemas informatizados postos à disposição do


Poder Judiciário, consistentes no Bacenjud (fls. 29/30 - positivo com valor irrisório de
R$0,49 e fls. 120/121 - negativo); Renajud (fls. 122/125 - positivo - com Renavam
baixado) e Infojud (fls. 35/36 e 126/127 - negativo).
Embora caiba ao exequente o fornecimento de informações referentes aos
bens do executado passíveis de expropriação, deve ele empreender as diligências
necessárias para consecução deste fim.
Observa-se que é hipótese na qual a parte necessitada da intervenção do
Poder Judiciário para acessar as informações solicitadas. No caso, o deferimento torna
efetiva a prestação jurisdicional na busca de bens que permitam alcançar o objetivo do
processo, que é a satisfação do crédito (art. 797, NCPC).
Não cabe relegar o credor a peregrinar em cartórios e repartições públicas
em busca de bens se as informações são facilmente obtidas mediante o concurso judicial.
Não cabe ao julgador que preside a execução obstar a expedição de ofício a impedir que a
parte exerça direito processual que lhe é inerente.
O processo de execução permite ao credor, dentro do direito de acesso à
Justiça, os meios lícitos que se prestem a garantir-lhe a satisfação do seu direito de crédito.
Afinal, a execução se desenvolve em proveito e no interesse do credor,
estando tais providências de acordo com os princípios da efetividade, celeridade e
economia processual.
Se se observar a garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição
(art. 5º, XXXV, CF) que se apresenta como suporte a justificar o atendimento da pretensão
do agravante de expedição de ofício ao INSS para pesquisa a respeito de eventuais vínculos
de emprego mantidos pelo agravado.
Não se desconhece dispor o art. 833, inciso IV, do Código de Processo
Civil, que são absolutamente impenhoráveis os vencimentos, os subsídios, os soldos, os
salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os
montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao
sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários
de profissional liberal.
Contudo, a proteção que se dá ao salário não é absoluta, cabendo sua
mitigação, devendo, todavia, se assegurar ao executado o direito fundamental à dignidade
da pessoa humana.
Em situações envolvendo o tema, esta Corte, em consonância com
precedentes do Superior Tribunal de Justiça, vem decidindo pela admissão da penhora de
pequena parte da verba salarial, desde que não haja comprometimento para a subsistência
do devedor.
“PENHORA DE SALÁRIO/PROVENTOS/REMUNERAÇÃO - Execução
de título extrajudicial - Decisão que indeferiu o bloqueio de percentual da renda mensal do
agravado - Mitigação da regra do art. 833, IV do CPC, preservando-se da subsistência
digna da devedora - Relativização da norma, considerando a remuneração do agravado e as
peculiaridades do caso - Precedentes jurisprudenciais - Excepcionalidade - Autorizada a
Agravo de Instrumento nº 2237251-39.2020.8.26.0000 -Voto nº 22932 – São Carlos - MCC 3
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

penhora de 10% dos vencimentos líquidos - Decisão reformada - RECURSO


PARCIALMENTE PROVIDO”. (TJSP; Agravo de Instrumento
2043476-59.2020.8.26.0000; Relator (a): Spencer Almeida Ferreira; Órgão Julgador: 38ª
Câmara de Direito Privado; Foro Regional III - Jabaquara - 4ª Vara Cível; Data do
Julgamento: 10/06/2020; Data de Registro: 10/06/2020);
“Agravo de instrumento. Execução de título extrajudicial. Honorários
advocatícios. Indeferimento de penhora de salário. Relativização da impenhorabilidade. O
art. 833 do CPC/15 suprimiu a palavra "absolutamente" do seu texto e que estava inserida
no art. 649 do CPC/73, seu correspondente revogado. Penhora de 10% da pensão da
executada deferida. Agravo provido parcialmente”. (TJSP; Agravo de Instrumento
2063104-34.2020.8.26.0000; Relator (a): Soares Levada; Órgão Julgador: 34ª Câmara de
Direito Privado; Foro Central Cível - 26ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/06/2020;
Data de Registro: 12/06/2020);
Esse o entendimento esposado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça:
“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA. PENHORA DO PERCENTUAL DE 15% DA APOSENTADORIA E DA
PENSÃO. IMPOSSIBILIDADE DE MACULAR A SOBREVIVÊNCIA DO DEVEDOR
E DE SUA FAMÍLIA. PRÉVIA APURAÇÃO ACERCA DE BENS PARA SALDAR A
DÍVIDA. SÚMULA 7/STJ. CABIMENTO DA CONSTRIÇÃO. SÚMULA 83/STJ.
AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Consoante o STJ, "não há que se falar na
flexibilização da impenhorabilidade com base, unicamente, no disposto no art. 833, IV, §
2º, do CPC/2015, porque a própria evolução jurisprudencial não impede que tal mitigação
ocorra nas hipóteses em que os vencimentos, subsídios, soldos, etc. sejam inferiores a 50
(cinquenta) salários mínimos. O que a nova regra processual dispõe é que, em regra, haverá
a mitigação da impenhorabilidade na hipótese de as importâncias excederem o patamar de
50 (cinquenta) salários mínimos, o que não significa dizer que, na hipótese de não
excederem, não poderá ser ponderada a regra da impenhorabilidade" (EDcl nos EREsp
1.518.169/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 21/5/2019, DJe
24/5/2019). 2. A segunda instância atestou que a penhora do percentual de 15% dos
montantes decorrentes da pensão e da aposentadoria não interferiria no sustento do devedor
e de sua família, razão por que não haveria óbice à sua implementação. Essas conclusões,
além de terem sido fundadas na apreciação fática da causa (aplicação da Súmula 7/STJ),
estão de acordo com o entendimento deste Tribunal Superior sobre a questão, atraindo a
aplicação da Súmula 83/STJ. 3. Agravo interno desprovido”. (AgInt no REsp 1815052/SP,
Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em
16/03/2020, DJe 20/03/2020);
Trata-se de buscar um equilíbrio entre a regra da impenhorabilidade do
salário, sem deixar de garantir a satisfação do crédito da execução, que não fica dependente
da alegação de impenhorabilidade.
Nessa linha, tem-se que as ações deste tipo devem ser analisadas
casuisticamente, de modo a conciliar a satisfação da obrigação e o princípio da dignidade
da pessoa humana.
Agravo de Instrumento nº 2237251-39.2020.8.26.0000 -Voto nº 22932 – São Carlos - MCC 4
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

No caso dos autos, todavia, sequer se sabe se o recorrido possui emprego


formal ou percebe benefício previdenciário, e qual seria o seu valor. Assim, necessária a
expedição de ofício ao INSS para a busca de tais informações. Após a vinda delas ao
processo, a possibilidade ou não de penhora de percentual do salário deverá ser verificada
à luz do caso concreto.
Nesse sentido já decidiu este Egrégio Tribunal de Justiça Bandeirante:
“Execução. Não localização de bens penhoráveis da Executada. Pretensão de
expedição de ofício ao INSS e CEF para apurar a vinculação da Executada a atividade
remunerada, ou recebimento de benefício previdenciário. Possibilidade. Recurso provido,
com observação”. (TJSP; Agravo de Instrumento 2203708-45.2020.8.26.0000; Relator
(a): Luis Carlos de Barros; Órgão Julgador: 20ª Câmara de Direito Privado; Foro
Regional XV - Butantã - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/09/2020);
“Agravo de instrumento. Execução de título extrajudicial. Possibilidade de
constrição do salário da executada, ante a mitigação da regra da impenhorabilidade, desde
que observada a dignidade e subsistência da devedora. Expedição de ofício ao INSS para
comprovar eventual rendimento líquido percebido mensalmente pela executada. Medida
necessária para aferir a possibilidade e proporcionalidade do bloqueio de valores. Recurso
parcialmente provido”. (TJSP; Agravo de Instrumento 2083219-76.2020.8.26.0000;
Relator (a): Walter Exner; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Foro de
Ribeirão Preto - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/08/2020);
“CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - Expedição de ofício ao INSS, a fim
de aferir a existência de vínculos empregatícios ou de benefícios previdenciários, assim
como para obtenção do endereço da Executada - Indeferimento - Inconformismo
insistindo na pretensão deduzida, aduzindo a possibilidade de constrição de verba salarial
- Admissibilidade, em parte - Diligência que só pode ser obtida mediante requisição
judicial - Interesse da Justiça na efetividade processual - Possibilidade de penhora que
somente deverá ser analisada a partir dos informes a serem prestados - Decisão reformada
- Recurso provido, em parte”. (TJSP; Agravo de Instrumento 2002805-
91.2020.8.26.0000; Relator (a): Mario de Oliveira; Órgão Julgador: 38ª Câmara de
Direito Privado; Foro de Dracena - 3ª. Vara Judicial; j. 13/08/2020).
Diante do exposto, dá-se provimento ao agravo de instrumento para
determinar a expedição de ofício ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para que
o juízo seja informado se o agravado possui vínculo empregatício ou percebe benefício
previdenciário e o valor percebido.

MENDES PEREIRA
Relator

Agravo de Instrumento nº 2237251-39.2020.8.26.0000 -Voto nº 22932 – São Carlos - MCC 5

Você também pode gostar