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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

MIAS
Nº 70055734164 (N° CNJ: 0298043-27.2013.8.21.7000)
2013/CÍVEL

EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. PAGAMENTO


INDEVIDO A TERCEIRO. BENEFÍCIO
PREVIDENCIÁRIO. DEPÓSITO. CONTA-
CORRENTE. PRESCRIÇÃO. PRAZO.

1. O Código Civil distingue o pagamento indevido do


enriquecimento sem causa. Art. 876 e 886 do CC.

2. Configura pagamento indevido o depósito pela


autarquia previdenciária de pensão previdenciária de
segurada falecida em conta-corrente de terceiro.
Aquele que recebe o que não lhe era devido fica
obrigado a devolver por força do art. 876 do CC. O
prazo de prescrição da cobrança do pagamento
efetuado por erro é de dez anos. Art. 205 do CC. Não
se aplica, no caso, a prescrição relativa ao
enriquecimento sem causa.
Recurso provido.

APELAÇÃO CÍVEL VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Nº 70055734164 COMARCA DE PORTO ALEGRE


(N° CNJ: 0298043-27.2013.8.21.7000)

INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO APELANTE


ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

JOÃO MIGUEL GUIMARÃES BLOM APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima
Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade,
dar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.

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MIAS
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2013/CÍVEL

Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os


eminentes Senhores DES. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO E DES.ª
DENISE OLIVEIRA CEZAR.
Porto Alegre, 24 de outubro de 2013.

DES.ª MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA


Presidente e Relatora

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO


DE PREVIDÊNCIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL contra a
sentença que extinguiu pela prescrição intercorrente a execução da
sentença que move contra JOÃO MIGUEL GUIMARÃES BLOM para haver a
quantia de R$ 128.629,241, relativo aos valore apropriados ilicitamente
relativos à pensão paga por engano a sua mãe, que era pensionista, após
seu falecimento, que era depositada na conta conjunta. 2 Alega que a é
imprescritível a pretensão de cobrança do valor apropriado indevidamente
pelo Apelado, forte no artigo 37, § 5º, da Constituição de República.
Apresentadas as contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal.
Nesta instância, o Ministério Público opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório

VOTOS
1
Conforme cálculo de fls. 141/143, elaborado em 29 de julho de 2002.
2
Referente à pensão previdenciária depositada na conta bancária após o falecimento da
pensionista Lylia Guimarães Blom. Nos autos da ação de conhecimento 001/0.01.0355375-
7 , reconheceu-se que o Réu deixou de comunicar à autarquia previdenciária o falecimento
de sua genitora, em 21 de março de 1995, recebendo indevidamente durante 32 meses a
pensão que era depositada em conta conjunta.
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DES.ª MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA (PRESIDENTE E


RELATORA)

Trata-se de execução da sentença que condenou o Apelado a


restituir valores que recebeu do Apelante indevidamente por ter sido
depositado em sua conta-corrente quantia a que não tinha direito, já que não
era titular de qualquer direito subjetivo. Tudo decorreu do fato de o Apelante,
a despeito do óbito da segurada Lylia Guimarães Blom, ter continuado a
depositar o valor da pensão que lhe era devida, na conta-corrente conjunta
que o Apelado mantinha com a segurada falecida.

Está-se, então, diante de pretensão fundada no art. 876 do


Código Civil, segundo o qual “Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido
fica obrigado a restituir”. Configurado, então, o pagamento indevido sobreveio
sua condenação a restituir o valor recebido.

Ora, o prazo prescricional da ação de cobrança do pagamento


indevido, nesse caso, é de 10 anos (art. 205 do Código Civil), já que a lei
não prevê para a hipótese prazo menor.

Não se aplica, na espécie, o prazo prescricional relativo à


pretensão assentada no enriquecimento sem causa (art. 884 do Código
Civil).

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Daí que, segundo as normas do Código Civil, não houve


prescrição da pretensão executiva, visto que não decorreram dez anos entre
o arquivamento da execução e o pedido de prosseguimento.

Em suma, ainda que não se aplique a controvertida regra do


art. 37, § 5º, da Constituição da República3, não se consumou a prescrição.

3
Na lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery,

“a CF 37 § 5º relega à lei a fixação do prazo de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente,
servidor ou não, que cause prejuízos ao erário. Trata-se do prazo para o exercício da pretensão
condenatória criminal (ius puniendi), isto é, da ação penal exercitável contra funcionário ou servidor.
As pretensões civis de ressarcimento do erário, que favorecem o Poder Público, sejam exercitáveis por
ele próprio, pelo MP ou por qualquer outro co-legitimado à defesa dos direitos meta-individuais em
juízo (v.g. ação civil pública, ação popular, ação de improbidade administrativa), regem-se pelas
regras ordinárias de prescrição previstas nas leis respectivas e, na sua falta, pelo CC. A leitura da parte
final da norma comentada pode sugerir tratar-se de pretensão imprescritível. Todavia, os princípios da
segurança jurídica e da proibição de excesso indicam a necessidade de haver prazo de extinção da
pretensão do Estado para o ressarcimento do erário pelos danos causados por ato de improbidade
administrativa, porquanto se trata de pretensão que se exerce mediante ação condenatória, a qual, por
sua natureza, de acordo com o sistema do Direito, é sempre prescritível. O que o sistema jurídico
admite como imprescritível são as pretensões que se exercem mediante ações constitutivas e
declaratórias. Quando a CF quis dar o regime jurídico da imprescritibilidade a alguma situação
jurídica, faz menção expressa a essa exceção em apenas duas ocasiões: CF 5º XLII e XLIV, que
tratam como imprescritíveis os crimes de racismo e de grupo armado contra a ordem constitucional e
o Estado Democrático. Como se trata de exceção, a imprescritibilidade dos crimes previsto na CF 5º
XLII e XLIV não pode ser estendida para a pretensão de indenização deles decorrente.”?

Também Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que

“até a 26ª edição deste Curso admitimos que, por força do § 5º do art. 37, de acordo
com o qual os prazos de prescrição para ilícitos causados ao erário serão estabelecidos por lei,
ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento, estas últimas seriam imprescritíveis. É certo que
aderíamos a tal entendimento com evidente desconforto, por ser óbvio o desacerto de tal solução
normativa. Com efeito, em tal caso, os herdeiros de quem estivesse incurso na hipótese poderiam ser
acionados pelo Estado mesmo decorridas algumas gerações, o que geraria a mais radical insegurança
jurídica. Simplesmente parecia-nos não haver como fugir de tal disparate, ante o teor desatado da
linguagem constitucional.
Já não mais aderimos a tal desabrida intelecção. Convencemo-nos de sua erronia ao
ouvir a exposição feita no Congresso Mineiro de Direito Administrativo, em maio 2009, pelo jovem e
brilhante professor Emerson Gabardo, o qual aportou um argumento, ao nosso ver irrespondível, em
desfavor da imprescritibilidade, a saber: o de que com ela restaria consagrada a minimização ou
eliminação prática do direito de defesa daquela a quem se houvesse increpado dano ao erário, pois
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Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso para determinar o


prosseguimento da execução.

DES. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO (REVISOR) - De acordo com


o(a) Relator(a).
DES.ª DENISE OLIVEIRA CEZAR - De acordo com o(a) Relator(a).

ninguém guarda documentação que lhe seria necessária além de um prazo razoável, de regra não
demasiadamente longo. De fato, o Poder Público pode manter em seus arquivos, por período de tempo
longuíssimo, elementos prestantes para brandir suas increpações contra terceiros, mas o mesmo não
sucede com estes, que terminariam inermes perante argüições desfavoráveis que se lhes fizessem.
Não é crível que a Constituição possa abonar resultados tão radicalmente adversos aos princípios que
adota no que concerne ao direito de defesa. Dessarte, se a isto se agrega que quando quis estabelecer a
imprescritibilidade a Constituição o fez expressamente como no artigo 5º, incs. LII e LXIV (crimes de
racismo e ação armada contra a ordem constitucional) – e sempre em matéria penal que, bem por isto,
não se eterniza, pois não ultrapassa uma vida -, anda mais se robustece a tese adversa à
imprescritibilidade. Eis, pois, que reformamos nosso anterior entendimento da matéria.
Como explicar, então, o alcance do art. 37, § 5º? Pensamos que o que se há de extrair dele é a intenção
manifesta, ainda que mal-expressada, de separar os prazos de prescrição do ilícito propriamente, isto
é, penal, ou administrativo, dos prazos das ações de responsabilidade que não terão porque
obrigatoriamente coincidir. Assim, a ressalva para as ações de ressarcimento significa que terão
prazos autônomos em relação aos que a lei estabelecer para as responsabilidades administrativa e
penal.
Qual seria, então, o prazo prescricional a vigorar nos casos de dano ao erário?
Pensamos que os prazos prescricionais serão os mesmos acima apontados para a decretação de
invalidade dos atos viciados.”?

Cumpre referir que o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu recentemente a


repercussão geral da matéria, na sessão realizada em 26 de agosto de 2013, no Recurso
Extraordinário n.º 669.069/MG, Relator Ministro Teori Zavascki:

“ADMINISTRATIVO. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. PRESCRIÇÃO.


INTERPRETAÇÃO DA RESSALVA FINAL PREVISTA NO ARTIGO 37, § 5º, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
Apresenta repercussão geral o recurso extraordinário no qual se discute o alcance da
imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário prevista no artigo 37, § 5º, da Constituição
Federal.”

Na ocasião, o Em. Relator destacou que “a questão transcende os limites subjetivos da causa,
havendo, no plano doutrinário e jurisprudencial, acirrada divergência de entendimentos,
fundamentados, basicamente, em três linhas interpretativas: (a) a imprescritibilidade aludida no
dispositivo constitucional alcança qualquer tipo de ação de ressarcimento ao erário; (b) a
imprescritibilidade alcança apenas as ações por danos ao erário decorrentes de ilícito penal ou de
improbidade administrativa; (c) o dispositivo não contém norma apta a consagrar imprescritibilidade
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DES.ª MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA - Presidente - Apelação Cível


nº 70055734164, Comarca de Porto Alegre: "DERAM PROVIMENTO AO
RECURSO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: PEDRO LUIZ RODRIGUES BOSSLE

alguma.”

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