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EMENTA
1. "A aplicação do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor somente é justificável
quando ficarem configuradas tanto a cobrança indevida quanto a má-fé do credor fornecedor do
serviço. Precedentes do STJ" (AgRg no REsp 1200821/RJ, Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE
NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/02/2015, DJe 13/02/2015.).
2. Para que haja a devolução em dobro do indébito, é necessária a comprovação de três requisitos,
conforme o parágrafo único do artigo 42 do CDC, a saber: 1) que a cobrança realizada tenha sido
indevida; 2) que haja o pagamento indevido pelo consumidor; e 3) que haja engano injustificável ou
má-fé. Mutatis mutandis, a mesma exigência impõe-se para a repetição ou para a indenização prevista
no art. 940 do Código Civil.
3. A má-fé é inerente à atitude humana de quem age com a intenção deliberada de enriquecimento
ilícito ao cobrar o que já foi pago, ao receber o que foi cobrado e ao cobrar o que não era devido, sem
qualquer engano ou erro justificável.
4. Para a devolução em dobro, não basta a cobrança indevida. As instituições financeiras, conceito que
compreende bancos e, também, companhias que administram operações de cartões de crédito,
conhecidas como bandeiras, operam com inteligência artificial,a chamada 4ª Revolução Industrial, que
é caracterizada pela fusão de tecnologias que puseram em xeque as esferas física, digital e biológica.
Não há como se imputar má-fé às cobranças feitas por sistemas computacionais, por robôs eletrônicos.
5. Há que se repensar conceitos que não poderão receber dos juristas as antigas soluções impostas pelo
Direito Romano ao vendedor de balcão, com caderneta de apontamentos pessoais dos seus fregueses,
contemporânea da 1ª Revolução Industrial, a era da máquina movida a vapor.
6. As inconsistências do emprego de inteligência artificial não podem ser punidas com o rótulo da
má-fé, atributo exclusivamente humano, ínsito a quem anota, naquela mencionada caderneta, uma
compra que não foi feita ou uma dívida que já foi paga, para dobrar, fraudulentamente, o lucro no fim
do mês.
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
banco do brasil s.a. (réu) ejerÔNIMO bastos garcia (autor) interpuseram Recursos de Apelação
objetivando a reforma da Sentença proferida pelo Juízo da Décima Oitava Vara Cível da Circunscrição
Judiciária de Brasília, a qual julgou a presente ação parcialmente procedente para declarar a
inexistência do débito, condenando o réu ao pagamento do dobro das quantias de R$ 8.431,41 (oito
mil, quatrocentos e trinta e um reais e quarenta e um centavos) e R$ 550,85 (quinhentos e cinquenta
reais e oitenta e cinco centavos), corrigidos monetariamente a partir do desembolso com incidência de
juros legais a contar da citação.
Em suas razões recursais (ID 6214833), o réu alegou, preliminarmente, a inépcia da Inicial por
ausência de documentos indispensáveis ao ajuizamento da demanda, no caso, prova documental
preexistente ao ajuizamento da lide.
Em relação à inversão do ônus da prova, afirma não estarem configurados os requisitos para tal.
Quanto à repetição do dobro do indébito, tampouco haveria razões para o seu deferimento porquanto
inexistentes provas aptas a caracterizar a má-fé da parte apelante.
Preparo regular (ID 6214840).
O autor, por sua vez, requer a reforma da Sentença apenas no que tange aos danos morais, os quais, em
sua visão, devem ser arbitrados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Contrarrazões apresentadas pelo réu em ID 6214844 e pelo autor em ID 6214846, ambas pugnando
pelo desprovimento dos recursos contrários ao seu pleito.
É o relatório.
VOTOS
VOTOS
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço das Apelações no duplo efeito legal, nos termos
dos artigos 1.011, II e 1.012, do Código de Processo Civil.
De início, é importante esclarecer o conceito de inépcia da Inicial previsto no artigo 330, parágrafo 1º
do Código de Processo. Segundo dispõem os processualistas civis Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio
Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero,
“Petição inicial inepta é aquela que desobedece à forma prescrita em lei para sua apresentação. A
petição inicial é inepta quando lhe faltar pedido ou causa de pedir, quando o pedido for genérico fora
das hipóteses legais, da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão e quando contiver
pedidos incompatíveis entre si. Só se deve decretar inepta a petição inicial quando for ininteligível e
incompreensível (STJ, 1.ª Turma, REsp 640.371/SC, rel. Min. José Delgado, j. 28.09.2004,DJ
08.11.2004, p. 184)” (Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, Novo
Código de Processo Civil Comentado, 2017, 3ª edição e-book baseada na 3ª edição impressa).
Por oportuno, transcrevo o próprio texto de Lei para elucidação das hipóteses nas quais o legislador
previu a ocorrência do mencionado fenômeno. Leia-se:
I - for inepta;
(...)
II - o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico;
Analisando os autos, verifico não estarem presentes quaisquer das situações jurídicas aptas a atrair a
incidência do referido fenômeno processual. Isso porque a Inicial apresenta causa de pedir definida,
bem como pedidos determinados e compatíveis entre si. Além disso, a Petição Inicial permite leitura
fluida, possibilitando o estabelecimento de relação lógica entre os fatos e a conclusão.
Sendo assim, não procede a alegação de ausência de “documentação essencial à pretensão deduzida
em juízo” (ID 6214833), nos termos da instituição bancária apelante. A uma, porque, em Apelação, a ré
apenas formula afirmação genérica sem especificar qual documento estaria ausente. A duas, porque a
petição inicial se encontra acompanhada dos documentos necessários à compreensão da lide.
No mérito, cinge-se a controvérsia da demanda a respeito de suposta fraude bancária realizada por
terceiro por meio de cartão de crédito emitido pela instituição financeira em nome do autor.
Fixada esta premissa, deve incidir a responsabilidade objetiva, prevista no artigo 14 do Código de
Defesa do Consumidor, respondendo o fornecedor, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados por defeitos relativos à prestação dos serviços.
A clonagem do cartão do consumidor (final 3331) ocorreu em 30/08/2017, por meio de compra
“CELL SHOP-BEBID” no valor de R$ 8.363,03 (oito mil, trezentos e sessenta e três reais e três
centavos), como demonstra mensagem do Banco do Brasil no qual o próprio réu possibilita o bloqueio
do cartão por se tratar de transação suspeita. Na ocasião, o autor solicitou o bloqueio, obtendo a
confirmação da operação pela instituição financeira (ID 6214793).
Apesar disso, no dia 08/09/2017, houve inclusão na fatura do novo cartão de crédito (final 8621) de
valor em dólares convertidos em R$ 8.431,41 (oito mil, quatrocentos e trinta e um reais e quarenta e
um centavos) descrito como “QUEST IMPROCED-CELL SHOP-BEBIDAS” com IOF equivalente a
R$ 550,85 (quinhentos e cinquenta reais e oitenta e cinco centavos) (ID 6214791).
Diante desse cenário fático, caberia ao banco comprovar sua principal alegação defensiva, qual seja, a
culpa exclusiva do consumidor por se tratar de compra supostamente realizada por cartão de crédito
com chip e senha pessoal. Porém, a parte ré não se desonerou de comprovar a existência de nenhum
fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito dos autores, devendo incidir, portanto, no caso em
tela, as disposições do artigo 373, II, do Código de Processo Civil.
Por oportuno, colaciono julgado semelhante apreciado por esta Oitava Turma Cível no qual a culta
Desembargadora Ana Cantarino se posicionou no mesmo sentido. Confira-se:
Antes de analisar o seguinte tópico recursal, é importante esclarecer não se tratar de caso no qual a
fraude teria ocorrido por procedimento bancário autorizado exclusivamente por meio de senha pessoal
ou identificação. A situação dos autos é distinta justamente por não ter sido sequer comprovado o meio
utilizado para realização da compra no exterior realizada por terceiros.
Situação distinta se daria caso se tratasse de saques em caixa eletrônico, operação na qual a senha é
imprescindível – como analisado pelo douto Desembargador Diaulas Costa Ribeiro no Acórdão de nº
1124832 - ou contratos de empréstimos, em julgado analisado por esta Relatoria no Acórdão nº
1135645, ou, ainda, na hipótese em que o próprio consumidor tivesse fornecido as informações
pessoais a terceiros, como demonstrado no Acórdão nº 1107874 da lavra da Desembargadora Nídia
Corrêa Lima.
Em relação à devolução em dobro da quantia desembolsada pelo autor, verifico estarem igualmente
corretas as razões expostas na Sentença. Isso porque houve o pagamento do débito (ID 6214828), bem
como restou comprovado o bloqueio do cartão referente àquela compra indicando ter sido reconhecida
a fraude, como demonstra o “print” da tela do celular atestando as medidas administrativas realizadas
pelo próprio réu a pedido do consumidor (ID 6214792 - Pág. 1).
A Jurisprudência deste Tribunal de Justiça tem entendido, para esses casos, ser necessário analisar a
existência de erro justificável e má-fé apta a afastar a repetição em dobro por cobrança indevida, como
dispõe o artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor.
“Se ocorre a cobrança de quantia indevida, o fornecedor não só fica obrigado a restituir o que
cobrou em demasia, como seria normal pela aplicação do Código Civil, como também fica obrigado
legalmente a restituir emdobro, corrigido monetariamente, para evitar qualquer dano ao consumidor
e, em última análise, para evitar a negligência no cálculo do valor a ser cobrado do consumidor. A
restituição emdobroserve, assim, como uma espécie de multa, de sanção legal. Mas pode ser elidida
se o fornecedor provar que o engano foi "justificável”.”. (Claudia Lima Marques, Contratos no
Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, 2ª edição em e-book
baseada na 8ª edição impressa, 2016).
No caso dos autos, não há falar em erro justificável por parte da instituição bancária. Como dito, houve
o bloqueio do cartão anterior (final 3331) em razão de o consumidor não reconhecer a realização da
compra. Contudo, ainda assim, no mês seguinte, em novo cartão de crédito (final 8621), a quantia foi
incluída na fatura, tendo sido cobrada mesmo diante da informação de que se tratava de compra
reconhecida pelo correntista como fraudulenta.
Sendo assim, reconheço a má-fé na prática da instituição, bem como a inexistência de erro justificável
apto a afastar o direito do consumidor à restituição em dobro.
Por fim, em relação aos danos morais, incabível a irresignação do autor. Como bem menciona a
Magistrada, na origem, é certa a existência de aborrecimentos ao autor diante dos fatos narrados,
contudo, frisa-se, não restou demonstrado ter o ocorrido extrapolado os limites do mero dissabor da
vida cotidiana, não sendo, pois, passível de indenização, a título de danos morais.
É como voto.
Senhor Presidente, peço vênia ao eminente Relator para alterar meu voto,
reconsiderando o voto anteriormente proferido.
Com essas considerações, peço vênia ao eminente Relator para dar parcial
provimento para determinar a restituição de forma simples.
Trato, pontualmente, da repetição em dobro de quantia fixada pela sentença e mantida por S.Exa.
Não identifico, no contexto fático dos autos, a má-fé necessária para se determinar a devolução em
dobro.
Como se trata de relação regida pelo Código de Defesa do Consumidor, é preciso revisitar o conteúdo
do art. 42, além da sua literalidade. Impõe, para que haja devolução em dobro, a comprovação de três
requisitos: a)cobrança indevida; b)efetivo pagamento pelo consumidor; e c) engano injustificável ou
má-fé. Ausente um dos requisitos, incabível a repetição em dobro.
Nesse sentido:
“5. Para que haja a devolução em dobro do indébito, é necessária a comprovação de três requisitos,
conforme o parágrafo único do artigo 42 do CDC, a saber: 1) que a cobrança realizada tenha sido
indevida; 2) que haja o efetivo pagamento pelo consumidor; e 3) que haja engano injustificável ou
má-fé.” (...) (Acórdão n.1142422, 20160110945678APC, Relator: ROBSON BARBOSA DE
AZEVEDO 5ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 05/12/2018, Publicado no DJE: 17/12/2018.
Pág.: 515/522)
Não houve má-fé nem engano injustificável que autorizasse a restituição em dobro. A má-fé, no caso, é
a atitude de quem não disfarça a intenção de enriquecimento ilícito ao cobrar o que já foi pago, ao
cobrar o que não era devido, sem qualquer erro justificável, e ao de receber o que foi cobrado.
Não basta, data vênia, a cobrança indevida. Inclusive porque todos esses bancos e as companhias que
administram as operações com cartões de crédito, conhecidas como bandeiras, operam com
inteligência artificial,a chamada 4ª revolução industrial, que é caracterizada pela fusão de tecnologias
que estão pondo em xeque as esferas física, digital e biológica. Não há como se imputar má-fé às
cobranças feitas por sistemas, por robôs eletrônicos.
Há que se repensar, inclusive, conceitos que não poderão receber dos juristas as antigas soluções
imposta ao vendedor de balcão, com caderneta de apontamentos pessoais dos seus fregueses, no tempo
da primeira revolução industrial (máquina a vapor). Apenas para registro, a segunda revolução
industrial foi caracterizada pelo uso da eletricidade e a terceira pelo uso das tecnologias eletrônicas.
As inconsistências da inteligência artificial não podem ser punidas como quem anota, naquela mesma
caderneta, uma compra que não foi feita, para dobrar o seu lucro no final do mês, ao cobrar a conta.
O Banco do Brasil é um gigante do sistema financeiro nacional e não se pode presumir que tenha
cobrado, de propósito, escondendo-se na surpresa ao devedor, para obter lucro. Não se pode avançar
para a conclusão de que houve má-fé. A má-fé deve ser equivalente ao dolus malus,e não se contenta
com o mero erro de fato. Não se pode confundir erro de fato com má-fé.
Não há elementos para se afirmar, ainda, que a empresa pretendia enriquecer-se à custa de um cliente,
cobrando e recebendo, propositalmente, uma dívida indevida, por má-fé ou engano injustificável.
Por essas razões,dou parcial provimento ao recurso do réu, Banco do Brasil, e determino que a
devolução de R$ 8.431,41 e, ainda, de R$ 550,85 (quinhentos e cinquenta reais e oitenta e cinco
centavos) seja feita na forma simples.
Com o provimento parcial do recurso, deixo de majorar os honorários, fixados em 10% pela sentença.
Consequentemente, faço o rateio, sendo 70% a cargo do autor e 30%a cargo do réu. Relembro que a
sentença atribuiu sucumbência recíproca e equitativa entre as partes, e que este voto reduziu, em
metade, a sucumbência do Banco do Brasil.
É como voto.
CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO
V O T O (S)
Acompanho a divergência.
Com a divergência.
DECISÃO