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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARÁ

5ª VARA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE BELÉM


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SENTENÇA

Processo nº: 0857941-43.2021.8.14.0301

Reclamante: ANDREIA FRANCELINO DE OLIVEIRA


Reclamado: BANCO BRADESCO S/A

Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C


INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E TUTELA DE URGÊNCIA, na
qual a Reclamante alega, em resumo, e requer o seguinte:

“...1. DOS FATOS

A autora é professora universitária e pesquisadora da


Universidade Federal do estado do Pará, vinculada ao
curso de bacharelado em Engenharia Elétrica da IES.
Em 22 de outubro de 2021 fora intimada a prestar
depoimento perante autoridade da Divisão De Repressão
a Furtos e Roubos da Polícia Civil do Estado do Pará.

Tal intimação teve como motivação prestar


esclarecimentos a investigação policial em curso.
Durante o depoimento, foi surpreendida ao tomar
conhecimento da existência de uma conta corrente no
Banco Bradesco em seu nome. A conta corrente nº
400343-8, agência 3737 foi usada para receber, via
chave PIX, a quantia de R$ 12.000,00 (doze mil reais)
proveniente de um sequestro relâmpago ocorrido no dia
16 de outubro de 2021 no estacionamento de um
estabelecimento comercial na Cidade de Belém/PA.

Entretanto, a autora não é ou jamais foi titular de conta


bancária junto a instituição financeira demandada.
Assim como, é evidente que a autora não praticou a
conduta criminosa a qual fora investigada como
suspeita.

A autora é professora universitária, de reputação


ilibada, com vida íntegra, servidora pública, e não
cometeu qualquer crime. Após o constrangimento de
comparecer junto a autoridade policial, na condição de
suspeita de participar de sequestro relâmpago, buscou a
sede da demandada, visando obter informações sobre a
conta e auxiliar nas investigações em curso, com intuito
de comprovar não estar envolvida no crime.

Ao entrar em contato com a referida empresa, conforme


consta em documento anexo, a autora autorizou ao
banco que o concedesse todas as informações
necessárias para a condução das investigações.

O banco, por sua vez, em contato com a autoridade


policial, admitiu que a conta bancária fora aberta em
São Paulo, com retirada de cartão e assinatura de
documento em agência bancária na cidade de Belém/PA,
tratando-se de caso de fraude.

O banco, além de prestar esclarecimentos no curso das


investigações, quedou-se inerte, e não tomou
providências para retirar a conta de titularidade da
autora, mesmo ciente de que se tratava de caso de
fraude.

Sendo assim, a autora não viu uma alternativa senão


ajuizar a presente demanda, na qual requerer o
encerramento da conta bancária, a declaração de que a
conta foi aberta por meio de fraude em desfavor da
autora, a declaração de inexistência de qualquer débito
proveniente da referida conta corrente, bem como que o
seu nome não seja incluído nos órgãos de restrições ao
crédito, e indenização em danos morais.

...

5. DOS PEDIDOS:

Ante o exposto e, dada a forma pacífica e uniforme com


que tal tema vem sendo tratado pelos Tribunais, vem a
autora REQUERER que V. Exª:

I. Conceda, nos termos do art. 6º, inciso VIII


do CDC, a inversão do ônus da prova em favor da
autora;

II. Determine a citação do Banco no endereço


inicialmente indicado para, querendo, apresentar defesa
que tiver, bem como comparecer às audiências
designadas por este Juízo, sob pena de revelia;

III. Determine que seja designada AUDIÊNCIA UNA,


por meio virtual em razão da situação da autora
conforme já informado;

IV. Defira o pedido de TUTELA


ANTECIPADA, inaudita altera pars, para que o Banco
réu:

a. encerre a conta corrente nº 400343-8, agência 3737


em nome da autora;

b. se abstenha de efetuar qualquer tipo de cobrança de


débitos provenientes da referida conta;
c. se abster de incluir o nome da autora nos cadastros de
restrições ao crédito e caso seja tenha incluído que seja
determinada a sua retirada, tudo sob pena de multa
diária de R$-1.000,00 (um mil reais) a ser arbitrada por
este (a) nobre Julgador (a).

V. Julgue totalmente procedente a presente demanda e


acolha todos os pedidos para condenar o Banco réu nos
termos dos art. 5º, inc. V da CF/88 c/c art. 186 e art. 927
do CC/2002 e art. 6º, inc. VI da Lei. 8.078/90 a pagar à
autora uma indenização por danos morais no valor de
R$10.000,00 (dez mil reais).

IV. Protesta provar o alegado por todos os meios em


direito admitidos, especialmente o depoimento pessoal
das partes, oitiva de testemunhas, produção de prova
pericial e juntada posterior de documentos, que
contribuam para comprovar os fatos alegados pela
autora.

Dá à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para


efeitos meramente fiscais....”

A tutela de urgência foi deferida no (id. 46664508), nos


seguintes termos:

“...Posto isto, defiro o pedido de tutela de urgência e


determino que o Banco Reclamado, providencie o
imediato encerramento da conta corrente nº 400343-8,
agência 3737, em nome da autora; se abstenha de
efetuar qualquer tipo de cobrança de débitos
provenientes da referida conta e de incluir seu nome em
cadastros de restrições ao crédito e, caso já o tenha
incluído, que providencie sua retirada, no prazo máximo
de (cinco) dias úteis, contados da intimação desta e sob
pena de multa diária no valor de R$ 200,00 (duzentos
reais), limitada ao correspondente a 40 (quarenta)
salários mínimos vigentes por ocasião da execução....”
Em sua contestação o Reclamado arguiu preliminar de
falta de interesse de agir por ausência de pretensão resistida. No mérito,
defendeu a tese de culpa exclusiva do consumidor, referindo que não cometeu
ato ilícito que justifique a incidência de indenização por danos morais,
pugnando pela improcedência dos pedidos.

Na audiência (id. 78375550), as partes mantiveram suas


posições antagônicas. Foi tomado o depoimento da Reclamante e concedido
prazo para advogada da Reclamante inserir aos autos informações acerca de
processo criminal relacionado ao fato. Após, os autos foram conclusos para
sentença.

É o relatório. Decido.

Rejeito a preliminar de ausência de interesse de agir por


inexistência de pretensão resistida, eis que não há comando legal que obrigue
o consumidor a esgotar previamente a via administrativa para, somente após,
ajuizar demanda visando a resolução de problema oriundo da relação
consumerista.

Ultrapassada a preliminar, e decididas as questões


pendentes, passo à análise do mérito.

Primeiramente, cumpre registrar que se cuida de relação


de consumo, em que figura a Reclamante como consumidora. Além disso, os
bancos são fornecedores de serviços e a eles é aplicado o Código de Defesa do
Consumidor (art. 3º, § 2º, do CDC; Súmula 297-STJ; STF ADI 2591).

A Reclamante assevera que não possui relação jurídica e


que jamais possuiu conta bancária vinculada ao Reclamado, desconhecendo
totalmente qualquer vínculo. Dada a verossimilhança das alegações da
Reclamante quanto a não possuir conta bancária junto ao Reclamado, a qual
contesta nesta ação, defiro a inversão do ônus da prova em relação ao fato em
si, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC.
Nesse sentido, caberia ao Reclamado provar que houve a
contratação pela Reclamante da abertura da conta bancária contestada nestes
autos. Portanto, deveria comprovar que não houve ato ilícito ou que tendo
ocorrido, o defeito inexiste ou decorreu de culpa exclusiva do consumidor
(art. 14, §3º, I e II do CDC), o que a meu ver, não ficou demonstrado.

Assim, em que pese a defesa do Reclamado de que a


culpa é exclusiva da Reclamante, não foi inserido aos autos documento
comprobatório de abertura de conta bancária, pela Reclamante, junto ao
Reclamado. Da análise das provas produzidas, constata-se que o fato do nome
da Reclamante ter sido vinculado ao cometimento de crime, e de ter que se
explicar em uma delegacia de polícia acerca de delito que não cometeu, além
de se dirigir ao Reclamado para buscar informações, certamente, causa
prejuízo à sua honra e imagem, circunstâncias capazes de gerar o direito a
indenização.

Nesse sentido, ressalte-se que as instituições financeiras


respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a
fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.
Configura situação geradora de danos morais a autorização de abertura de
conta corrente em nome da Reclamante, mediante utilização de documentação
falsa, máxime porque a conta bancária foi utilizada para aplicação de golpes
financeiros e prática delitiva por terceiros, situação que ultrapassa o mero
aborrecimento. Nesse sentido decisão.

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR


DANOS MATERIAIS E MORAIS. DIREITO CIVIL.
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ATO
ILÍCITO CONFIGURADO. FALHA NA PRESTAÇÃO
DO SERVIÇO. AUSÊNCIA DE SEGURANÇA.
TRANSAÇÕES BANCÁRIAS INDEVIDAS. DANO
MATERIAL. RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES.
ABERTURA DE CONTA POR TERCEIRO SEM
AUTORIZAÇÃO. DANO MORAL IN RE IPSA.
CONFIGURAÇÃO. MAJORAÇÃO DO QUANTUM
INDENIZATÓRIO. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. SENTENÇA ALTERADA. 1. Ao
realizar as transações bancárias na conta corrente do
autor sem o seu consentimento ou anuência, a instituição
financeira, indubitavelmente, atesta a má prestação de
seus serviços, o que prova a sua responsabilidade,
independentemente da existência de culpa. 2. Dano
material configurado. 3. A restituição dos valores
transacionados da conta corrente do autor deve se dar
na forma simples (e não em dobro), porquanto as
transações não decorreram de dolo ou má-fé da
instituição financeira. Manutenção da indenização. 4. Ao
permitir a realização de transações bancárias sem
qualquer anuência ou consentimento dos autores, bem
como permitir a abertura de conta corrente em nome do
autor por terceiro não autorizado, as instituições
financeiras, indubitavelmente, evidenciam a má
prestação de seus serviços, o que prova a
responsabilidade pelos danos causados,
independentemente da existência de culpa. Dano moral
in re ipsa, ou seja, presumíveis as consequências
danosas. 5. Majoração da indenização por dano moral
para R$ 6.000,00 (seis mil reais), quantia que atende
plenamente às funções compensatória e penalizante,
respeitados, sobretudo, os princípios da
proporcionalidade e razoabilidade. RECURSOS
CONHECIDOS E NEGADO PROVIMENTO À
APELAÇÃO DO BANCO RÉU E DADO PROVIMENTO
AO RECURSO DOS AUTORES. DECISÃO UNÂNIME.
(TJ-AL - APL: 07018505820168020001 AL 0701850-
58.2016.8.02.0001, Relator: Des. Klever Rêgo Loureiro,
Data de Julgamento: 26/04/2018, 2ª Câmara Cível, Data
de Publicação: 07/05/2018)

Diante disso, caracterizada a ofensa dela surge à


necessidade de reparação, por estar presente a responsabilidade de que trata o
art. 186, do Código Civil e art. 5 o, inciso X, da Constituição Federal, além do
previsto no art. 6o, inciso VI do Código de Defesa do Consumidor.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,


negligência ou imprudência, violar direito e causar dano
a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),
causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,


independentemente de culpa, nos casos especificados em
lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida
pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco
para os direitos de outrem.

Desta forma, assiste razão à Reclamante quanto ao seu


direito de exigir reparação pelos danos morais experimentados, tendo em vista
que a conta bancária aberta junto ao Reclamado foi utilizada para a prática
delitiva por terceiro, o que certamente causou transtornos e aborrecimentos
que ultrapassam o mero dissabor. Ressalta-se que o arbitramento do valor
correspondente à indenização por danos morais deve ser razoável e adequado
às circunstâncias em que se deu o ato lesivo, devendo ser observados os
incômodos sofridos, a gravidade da ofensa, a natureza do direito subjetivo
fundamental violado, o caráter punitivo e compensatório da sanção e,
principalmente, a repercussão dos fatos no âmbito psíquico do indivíduo
lesado.

Atenta aos requisitos legais e jurisprudenciais que regem


a matéria, entendo que o valor da condenação a título de indenização por
danos morais deve ser arbitrado em respeito aos princípios da razoabilidade e
moderação, visando a real proporção do dano, a capacidade socioeconômica e
financeira das partes e a finalidade educativa da indenização que deve atender,
sobretudo, ao disposto no artigo 944, do Código Civil. Diante disso, fixo o
valor da indenização por dano moral em R$ 6.000,00 (seis mil reais),
notadamente em virtude de a Reclamante ter tido seu nome vinculado ao
cometimento de prática de delitos.

Considerando-se que o Reclamado não comprovou ter


sido a Reclamante a responsável pela abertura da conta bancária, deve ser
reconhecida a inexistência da relação contratual entre as partes.
Posto isto, ratifico a tutela de urgência concedida e julgo
parcialmente procedentes os pedidos da Reclamante para condenar o
Reclamado ao pagamento de R$ 6.000,00 (seis mil reais), a ser atualizado
pelo INPC a partir desta data (Súmula 362/STJ) e acrescidos de juros de mora
simples de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação, até o efetivo
pagamento, a título de indenização por danos morais, nos termos da
fundamentação. Extingo o processo com resolução de mérito, nos termos do
art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Isento as partes do pagamento de custas, despesas


processuais e honorários de sucumbência, em virtude da gratuidade do
primeiro grau de jurisdição dos Juizados Especiais (arts. 54 e 55, da Lei n.º
9099/95).

Certificado o trânsito em julgado, aguarde-se


requerimento da Reclamante e após intime-se a Reclamada para cumprimento
da sentença, no prazo de 15 (quinze), findo o qual, o valor da condenação
deverá ser atualizado com a incidência de pena de multa de 10% (dez por
cento), nos termos do art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil, caso não
haja pagamento.

Havendo cumprimento espontâneo, expeça-se alvará ou


transfira-se o valor à conta bancária que for indicada pela parte Reclamante ou
seu/sua advogado(a) (caso haja pedido e este tenha poderes expressos para
receber e dar quitação) do valor recebido, após arquivem-se os autos, dando-
se baixa nos registros.

Decorrido o prazo de 30 (trinta) dias sem requerimento


pela Reclamante, arquive-se imediatamente os autos com as baixas
necessárias.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.


Belém, PA, 23 de maio de 2023.

TANIA BATISTELLO

Juíza de Direito Titular da 5ª Vara do JEC de Belém.

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