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SENTENÇA

Processo nº: 0800146-45.2022.8.14.0301


Reclamante: CAROLINA DE MATTOS AFFONSO
Reclamado: BANCO BRADESCO S/A

Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C


INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E TUTELA DE URGÊNCIA, na qual a
Reclamante alega, em resumo, e requer o seguinte:

“...1. DOS FATOS

A autora é professora universitária e pesquisadora da


Universidade Federal do estado do Pará, vinculada ao curso de
bacharelado em Engenharia Elétrica da IES. Em 22 de outubro
de 2021 fora intimada a prestar depoimento perante autoridade
da Divisão De Repressão a Furtos e Roubos da Polícia Civil do
Estado do Pará.

Tal intimação teve como motivação prestar esclarecimentos a


investigação policial em curso. Durante o depoimento, foi
surpreendida ao tomar conhecimento da existência de uma
conta corrente no Banco Bradesco em seu nome. A conta
corrente nº 400343-8, agência 3737 foi usada para receber, via
chave PIX, a quantia de R$ 12.000,00 (doze mil reais)
proveniente de um sequestro relâmpago ocorrido no dia 16 de
outubro de 2021 no estacionamento de um estabelecimento
comercial na Cidade de Belém/PA.

Entretanto, a autora não é ou jamais foi titular de conta


bancária junto a instituição financeira demandada. Assim como,
é evidente que a autora não praticou a conduta criminosa a
qual fora investigada como suspeita.

A autora é professora universitária, de reputação ilibada, com


vida íntegra, servidora pública, e não cometeu qualquer crime.
Após o constrangimento de comparecer junto a autoridade
policial, na condição de suspeita de participar de sequestro
relâmpago, buscou a sede da demandada, visando obter
informações sobre a conta e auxiliar nas investigações em
curso, com intuito de comprovar não estar envolvida no crime.
Ao entrar em contato com a referida empresa, conforme consta
em documento anexo, a autora autorizou ao banco que o
concedesse todas as informações necessárias para a condução
das investigações.

O banco, por sua vez, em contato com a autoridade policial,


admitiu que a conta bancária fora aberta em São Paulo, com
retirada de cartão e assinatura de documento em agência
bancária na cidade de Belém/PA, tratando-se de caso de fraude.

O banco, além de prestar esclarecimentos no curso das


investigações, quedou-se inerte, e não tomou providências para
retirar a conta de titularidade da autora, mesmo ciente de que
se tratava de caso de fraude.

Sendo assim, a autora não viu uma alternativa senão ajuizar a


presente demanda, na qual requerer o encerramento da conta
bancária, a declaração de que a conta foi aberta por meio de
fraude em desfavor da autora, a declaração de inexistência de
qualquer débito proveniente da referida conta corrente, bem
como que o seu nome não seja incluído nos órgãos de restrições
ao crédito, e indenização em danos morais.

...

5. DOS PEDIDOS:

Ante o exposto e, dada a forma pacífica e uniforme com que tal


tema vem sendo tratado pelos Tribunais, vem a
autora REQUERER que V. Exª:

I. Conceda, nos termos do art. 6º, inciso VIII do


CDC, a inversão do ônus da prova em favor da autora;

II. Determine a citação do Banco no endereço inicialmente


indicado para, querendo, apresentar defesa que tiver, bem como
comparecer às audiências designadas por este Juízo, sob pena
de revelia;
III. Determine que seja designada AUDIÊNCIA UNA, por
meio virtual em razão da situação da autora conforme já
informado;

IV. Defira o pedido de TUTELA ANTECIPADA, inaudita


altera pars, para que o Banco réu:

a. encerre a conta corrente nº 400343-8, agência 3737 em nome


da autora;

b. se abstenha de efetuar qualquer tipo de cobrança de débitos


provenientes da referida conta;

c. se abster de incluir o nome da autora nos cadastros de


restrições ao crédito e caso seja tenha incluído que seja
determinada a sua retirada, tudo sob pena de multa diária de
R$-1.000,00 (um mil reais) a ser arbitrada por este (a) nobre
Julgador (a).

V. Julgue totalmente procedente a presente demanda e acolha


todos os pedidos para condenar o Banco réu nos termos dos art.
5º, inc. V da CF/88 c/c art. 186 e art. 927 do CC/2002 e art. 6º,
inc. VI da Lei. 8.078/90 a pagar à autora uma indenização por
danos morais no valor de R$10.000,00 (dez mil reais).

IV. Protesta provar o alegado por todos os meios em direito


admitidos, especialmente o depoimento pessoal das partes,
oitiva de testemunhas, produção de prova pericial e juntada
posterior de documentos, que contribuam para comprovar os
fatos alegados pela autora.

Dá à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para efeitos


meramente fiscais....”

A tutela de urgência foi deferida no (id. 46664508), nos


seguintes termos:

“...Posto isto, defiro o pedido de tutela de urgência e determino


que o Banco Reclamado, providencie o imediato encerramento
da conta corrente nº 400343-8, agência 3737, em nome da
autora; se abstenha de efetuar qualquer tipo de cobrança de
débitos provenientes da referida conta e de incluir seu nome em
cadastros de restrições ao crédito e, caso já o tenha incluído,
que providencie sua retirada, no prazo máximo de (cinco) dias
úteis, contados da intimação desta e sob pena de multa diária
no valor de R$ 200,00 (duzentos reais), limitada ao
correspondente a 40 (quarenta) salários mínimos vigentes por
ocasião da execução....”

Em sua contestação o Reclamado arguiu preliminar de falta de


interesse de agir por ausência de pretensão resistida. No mérito, defendeu a tese de
culpa exclusiva do consumidor, referindo que não cometeu ato ilícito que justifique a
incidência de indenização por danos morais, pugnando pela improcedência dos pedidos.

Na audiência (id. 78375550), as partes mantiveram suas


posições antagônicas. Foi tomado o depoimento da Reclamante e concedido prazo para
advogada da Reclamante inserir aos autos informações acerca de processo criminal
relacionado ao fato. Após, os autos foram conclusos para sentença.

É o relatório. Decido.

Rejeito a preliminar de ausência de interesse de agir por


inexistência de pretensão resistida, eis que não há comando legal que obrigue o
consumidor a esgotar previamente a via administrativa para, somente após, ajuizar
demanda visando a resolução de problema oriundo da relação consumerista.

Ultrapassada a preliminar, e decididas as questões pendentes,


passo à análise do mérito.

Primeiramente, cumpre registrar que se cuida de relação de


consumo, em que figura a Reclamante como consumidora. Além disso, os bancos são
fornecedores de serviços e a eles é aplicado o Código de Defesa do Consumidor (art. 3º,
§ 2º, do CDC; Súmula 297-STJ; STF ADI 2591).

A Reclamante assevera que não possui relação jurídica e que


jamais possuiu conta bancária vinculada ao Reclamado, desconhecendo totalmente
qualquer vínculo. Dada a verossimilhança das alegações da Reclamante quanto a não
possuir conta bancária junto ao Reclamado, a qual contesta nesta ação, defiro a inversão
do ônus da prova em relação ao fato em si, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC.

Nesse sentido, caberia ao Reclamado provar que houve a


contratação pela Reclamante da abertura da conta bancária contestada nestes autos.
Portanto, deveria comprovar que não houve ato ilícito ou que tendo ocorrido, o defeito
inexiste ou decorreu de culpa exclusiva do consumidor (art. 14, §3º, I e II do CDC), o
que a meu ver, não ficou demonstrado.
Assim, em que pese a defesa do Reclamado de que a culpa é
exclusiva da Reclamante, não foi inserido aos autos documento comprobatório de
abertura de conta bancária, pela Reclamante, junto ao Reclamado. Da análise das provas
produzidas, constata-se que o fato do nome da Reclamante ter sido vinculado ao
cometimento de crime, e de ter que se explicar em uma delegacia de polícia acerca de
delito que não cometeu, além de se dirigir ao Reclamado para buscar informações,
certamente, causa prejuízo à sua honra e imagem, circunstâncias capazes de gerar o
direito a indenização.

Nesse sentido, ressalte-se que as instituições financeiras


respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e
delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. Configura situação
geradora de danos morais a autorização de abertura de conta corrente em nome da
Reclamante, mediante utilização de documentação falsa, máxime porque a conta
bancária foi utilizada para aplicação de golpes financeiros e prática delitiva por
terceiros, situação que ultrapassa o mero aborrecimento. Nesse sentido decisão.

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS


MATERIAIS E MORAIS. DIREITO CIVIL. CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR. ATO ILÍCITO CONFIGURADO.
FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. AUSÊNCIA DE
SEGURANÇA. TRANSAÇÕES BANCÁRIAS INDEVIDAS.
DANO MATERIAL. RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES.
ABERTURA DE CONTA POR TERCEIRO SEM
AUTORIZAÇÃO. DANO MORAL IN RE IPSA.
CONFIGURAÇÃO. MAJORAÇÃO DO QUANTUM
INDENIZATÓRIO. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. SENTENÇA ALTERADA. 1. Ao realizar as
transações bancárias na conta corrente do autor sem o seu
consentimento ou anuência, a instituição financeira,
indubitavelmente, atesta a má prestação de seus serviços, o que
prova a sua responsabilidade, independentemente da existência
de culpa. 2. Dano material configurado. 3. A restituição dos
valores transacionados da conta corrente do autor deve se dar
na forma simples (e não em dobro), porquanto as transações
não decorreram de dolo ou má-fé da instituição financeira.
Manutenção da indenização. 4. Ao permitir a realização de
transações bancárias sem qualquer anuência ou consentimento
dos autores, bem como permitir a abertura de conta corrente em
nome do autor por terceiro não autorizado, as instituições
financeiras, indubitavelmente, evidenciam a má prestação de
seus serviços, o que prova a responsabilidade pelos danos
causados, independentemente da existência de culpa. Dano
moral in re ipsa, ou seja, presumíveis as consequências
danosas. 5. Majoração da indenização por dano moral para R$
6.000,00 (seis mil reais), quantia que atende plenamente às
funções compensatória e penalizante, respeitados, sobretudo, os
princípios da proporcionalidade e razoabilidade. RECURSOS
CONHECIDOS E NEGADO PROVIMENTO À APELAÇÃO DO
BANCO RÉU E DADO PROVIMENTO AO RECURSO DOS
AUTORES. DECISÃO UNÂNIME.
(TJ-AL - APL: 07018505820168020001 AL 0701850-
58.2016.8.02.0001, Relator: Des. Klever Rêgo Loureiro, Data
de Julgamento: 26/04/2018, 2ª Câmara Cível, Data de
Publicação: 07/05/2018)

Diante disso, caracterizada a ofensa dela surge à necessidade de


reparação, por estar presente a responsabilidade de que trata o art. 186, do Código Civil
e art. 5o, inciso X, da Constituição Federal, além do previsto no art. 6 o, inciso VI do
Código de Defesa do Consumidor.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,


negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,


independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do
dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem.

Desta forma, assiste razão à Reclamante quanto ao seu direito de


exigir reparação pelos danos morais experimentados, tendo em vista que a conta
bancária aberta junto ao Reclamado foi utilizada para a prática delitiva por terceiro, o
que certamente causou transtornos e aborrecimentos que ultrapassam o mero dissabor.
Ressalta-se que o arbitramento do valor correspondente à indenização por danos morais
deve ser razoável e adequado às circunstâncias em que se deu o ato lesivo, devendo ser
observados os incômodos sofridos, a gravidade da ofensa, a natureza do direito
subjetivo fundamental violado, o caráter punitivo e compensatório da sanção e,
principalmente, a repercussão dos fatos no âmbito psíquico do indivíduo lesado.

Atenta aos requisitos legais e jurisprudenciais que regem a


matéria, entendo que o valor da condenação a título de indenização por danos morais
deve ser arbitrado em respeito aos princípios da razoabilidade e moderação, visando a
real proporção do dano, a capacidade socioeconômica e financeira das partes e a
finalidade educativa da indenização que deve atender, sobretudo, ao disposto no artigo
944, do Código Civil. Diante disso, fixo o valor da indenização por dano moral em R$
6.000,00 (seis mil reais), notadamente em virtude de a Reclamante ter tido seu nome
vinculado ao cometimento de prática de delitos.

Considerando-se que o Reclamado não comprovou ter sido a


Reclamante a responsável pela abertura da conta bancária, deve ser reconhecida a
inexistência da relação contratual entre as partes.

Posto isto, ratifico a tutela de urgência concedida e julgo


parcialmente procedentes os pedidos da Reclamante para condenar o Reclamado ao
pagamento de R$ 6.000,00 (seis mil reais), a ser atualizado pelo INPC a partir desta data
(Súmula 362/STJ) e acrescidos de juros de mora simples de 1% (um por cento) ao mês a
contar da citação, até o efetivo pagamento, a título de indenização por danos morais, nos
termos da fundamentação. Extingo o processo com resolução de mérito, nos termos do
art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Isento as partes do pagamento de custas, despesas processuais e


honorários de sucumbência, em virtude da gratuidade do primeiro grau de jurisdição dos
Juizados Especiais (arts. 54 e 55, da Lei n.º 9099/95).

Certificado o trânsito em julgado, aguarde-se requerimento da


Reclamante e após intime-se a Reclamada para cumprimento da sentença, no prazo de
15 (quinze), findo o qual, o valor da condenação deverá ser atualizado com a incidência
de pena de multa de 10% (dez por cento), nos termos do art. 523, § 1º, do Código de
Processo Civil, caso não haja pagamento.

Havendo cumprimento espontâneo, expeça-se alvará ou


transfira-se o valor à conta bancária que for indicada pela parte Reclamante ou seu/sua
advogado(a) (caso haja pedido e este tenha poderes expressos para receber e dar
quitação) do valor recebido, após arquivem-se os autos, dando-se baixa nos registros.

Decorrido o prazo de 30 (trinta) dias sem requerimento pela


Reclamante, arquive-se imediatamente os autos com as baixas necessárias.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Belém, PA, 07 de junho de 2023.

TANIA BATISTELLO
Juíza de Direito Titular da 5ª Vara do JEC de Belém.

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