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SENTENÇA
1. RELATÓRIO
A. M. O. ingressou com ação de indenização por danos materiais e morais em face do BANCO
ITAÚ S/A, alegando, emsíntese, que em 30 de abril de 1999, ao solicitar empréstimo perante o
Banco do Brasil, teve o pedido negado ao argumento de existirem cheques emitidos em nome
do autor perante o Banco Itaú S/A, agência de Tangará da Serra, apresentando o autor, assim,
restrição cadastral perante o CCF e o SERASA. Salientou, porém, que jamais possuiu conta
perante o estabelecimento bancário réu, sobretudo na longínqua cidade de Tangará da Serra.
Asseverou que descobriu que o réu utilizou o CPF do autor para abrir conta corrente em nome
de Antônio Manuel Dias Oliveira, este sim emitente dos cheques mencionados, sendo que o réu
não procurou reduzir o dano causado, tendo o autor que viajar a várias cidades a fim de
“limpar” seu nome. Aduziu que, por conta disso, perdeu financiamento agrícola e teve de usar o
limite de sua conta corrente para arcar com suas obrigações profissionais, o que o levou a
perder um seguro que pagava há cinco anos em favor de sua esposa e de sua filha, num
prejuízo total de R$ 2.356,00, em valores originais. Fez considerações acerca do conceito do
dano moral e do cabimento da respectiva indenização. Pediu a condenação do réu ao
pagamento de indenização por danos morais e materiais. Juntou documentos (fls. 16-35).
Citado (fl. 37), o réu apresentou contestação às fls. 38-56, acompanhada dos documentos de fls.
57-66. Em sua peça de defesa, suscitou preliminares de “inexistência de ato ilícito” e de
impossibilidade jurídica do pedido por inexistência de direito adquirido ao seguro e por
irreparabilidade do dano moral. No mérito, salientou que não houve culpa do banco, eis que
houve emissão dupla de CPF e que não houve comprovação de qualquer prejuízo indenizável.
Pugnou pela improcedência da pretensão estampada na inicial.
Réplica pelo autor às fls. 68-75, rechaçando as preliminares aventadas e reiterando os termos
contidos na inicial. Em audiência conciliatória, não foi obtido acordo, especificando as partes as
provas que pretendiam produzir (fl. 103).
Decisão de saneamento às fls. 104-105, relegando a análise das preliminares juntamente com o
mérito da demanda e determinando a produção de provas orais e documentais.
Na audiência de instrução, ouviu-se uma testemunha arrolada pelo autor (fls. 125-128).
Uma testemunha foi ouvida por deprecata (fls. 148-149). Na seqüência, as partes apresentaram
suas alegações finais, vindo-me, após, conclusos os autos para prolação de sentença.
É o relatório. Decido.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Cuida-se de ação de indenização por danos materiais e morais decorrentes da abertura de
conta corrente em nome do autor mediante uso de CPF falso.
Quanto aos danos morais, tenho bem demonstrada a existência da obrigação legal de
indenizar. Sustenta o réu não poder ser responsabilizado, pois também vítima de um golpe
perpetrado por terceiro. Contudo, restou demonstrado nos autos que o banco não tomou
cautelas mínimas a fim de preservar a segurança dos dados que utilizou. Veja-se, em princípio,
que a pessoa de Antônio Manuel Dias Oliveira apresentou os documentos de fls. 60-66 a fim de
abrir a conta corrente na cidade de Tangará da Serra, isso em julho de 1997.
Por tais documentos, denota-se, de início, que os comprovantes de residência de fls. 61-63 não
se referem à pessoa de A. M., o que, por si só, já exigiria mais cautela do banco réu em admitir a
abertura de conta e o fornecimento de cheques a tais pessoas.
A par disso, apresentou ele cédula de identidade de estrangeiro e cartão do então CIC (fl. 66).
Colhe-se dos autos que o réu sequer procurou efetuar uma confirmação do número do
cadastro perante a Receita Federal a fim de verificar a identidade entre o documento
apresentado e o cadastro constante daquele órgão.
Nem se diga que essa cautela não lhe era exigível. Em se tratando de instituição bancária que
lida com dados de milhares de pessoas, com o poder, inclusive, de inscrever os nomes de
clientes em cadastros restritivos de crédito, cabia-lhe adotar todas as medidas possíveis a fim
de assegurar que os dados recebidos e lançados no sistema conferem com a realidade.
Ademais, é de conhecimento notório que toda e qualquer pessoa que pretenda obter crédito
perante tais instituições tem de se submeter ao extenuante processo de verificação de seu
nome junto a diversos cadastros restritivos de crédito (SPC, SERASA, CADIN, CCF, apenas para
citar os mais comuns).
Ora, se o banco toma o cuidado de consultar todas essas instituições antes de abrir uma conta
bancária para um cliente, a fim de assegurar-se dos prejuízos de eventual inadimplência, deve
adotar igual ou maior cautela em relação à confirmação da veracidade dos dados que recebe, a
fim de evitar danos a terceiros.
Ainda que não fosse demonstrada a culpa do réu, penso que o tema se encerra no disposto nos
arts. 927 do Código Civil de 2002 e 14 do Código de Defesa do Consumidor, é dizer, a
responsabilidade do réu é objetiva, seja por ser ele fornecedor de produtos e serviços, sujeito às
regras do Código de Defesa do Consumidor (Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça), seja
porque sua atividade envolve o risco de recebimento e repasse de informações falsas (em se
cuidando de atividade envolvendo processamento de dados de terceiras pessoas, não vejo
campo em que exista risco maior de recebimento de dados falsos), devendo o estabelecimento
bancário arcar com os ônus decorrentes desse risco.
Modernamente, a jurisprudência tem se inclinado nesse sentido. Já decidiu o Superior Tribunal
de Justiça:
Postas as coisas deste modo, imperiosa se faz a responsabilização do réu pelos danos morais.
Nesse diapasão, é incontroverso nos autos que houve inscrição do nome do autor em cadastros
restritivos de crédito. Isso, por si só, basta para a caracterização do dano moral, não havendo
necessidade de sua comprovação, sendo esse dano presumido, porque se trata de fato cujas
conseqüências são do conhecimento do homem médio. Trata-se de presunção hominis,
plenamente admitida em direito. Assim entende o Superior Tribunal de Justiça:
Tais ensinamentos dão conta, portanto, de que, na fixação do dano moral, deve o juiz ser
razoável, tomando as cautelas para que a indenização não seja fonte de enriquecimento sem
causa, ao mesmo tempo em que não seja meramente simbólica.
Alguns outros requisitos a serem levados em conta pelo julgador são lembrados no seguinte
aresto, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Demais disso, nos autos o autor demonstrou, através das testemunhas ouvidas (fl. 148 em
especial) que, em razão do ato ilícito do réu, deixou ele de obter financiamento agrícola,
prejudicando suas atividades. Com isso, atento ao alto grau de culpabilidade do réu e às
nefastas conseqüências trazidas ao autor (tanto pela presunção da extensão do dano quanto
por sua comprovação através de prova testemunhal), fixo o quantum indenizatório em R$
20.000,00 (vinte mil reais), valor que considero suficiente para punir a negligência do réu e
estimulá-lo a adotar procedimento de segurança mais efetivos, para compensar o autor pelo
abalo moral sofrido, sem, contudo, constituir-se em fonte de enriquecimento ilícito.
Resolvida a questão atinente ao pedido de indenização por danos morais, passo a analisar o
pleito indenizatório por danos materiais. Entendo que o pedido não procede no ponto.
Alegou o autor, na inicial, que o dano material sofrido consistiria no fato de que passou ele
cinco anos pagando um seguro de vida e que, por não ter conseguido obter financiamento
agrícola, teve de usar recursos de seu limite em conta corrente e, com isso, não pôde arcar com
os pagamentos, perdendo direito ao seguro. Assim, pleiteou a indenização pelo que já havia
pagado e acabou perdendo.
Ocorre, porém, que não vislumbro, in casu, a existência de nexo de causalidade entre o não
recebimento do financiamento agrícola e a impossibilidade de pagamento do seguro.
Tal nexo consistiria no fato de que, em razão da não obtenção do financiamento, o autor não
conseguiu arcar com as parcelas do seguro.
Colhe-se do extrato de fl. 32, apresentado pelo autor, que este, em 28/12/1998, não teve
dinheiro em conta para pagar a parcela do seguro de vida, havendo estouro do limite da conta
corrente. Contudo, daquele extrato não se verifica que foram debitadas na conta corrente
despesas inerentes à atividade agrícola que seria custeada pelo financiamento.
A par disso, de acordo com o documento de fl. 33, a negativa do financiamento se deu em 30
de abril de 1999, depois, portanto, da data em que não foi possível o pagamento do seguro.
Desta forma, não se pode afirmar que o não pagamento do seguro se deu em razão da negativa
de financiamento (que por sua vez foi gerada pela inclusão indevida do nome do autor no
cadastro do SERASA), o que afasta a pretensão indenizatória quanto aos danos materiais.
3. DISPOSITIVO
Pelo exposto, e por tudo mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o
pedido deduzido na inicial, o fim de condenar o réu a pagar ao autor indenização por danos
morais, que fixo em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), valor esse a ser acrescido de juros moratórios