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André Luis de Carvalho

PEJOTIZAÇÃO:
a empresa individual como força de trabalho

Editora CRV
Curitiba - Brasil
2019
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Editor-chefe: Railson Moura
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Carvalho, André Luis de.
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Pejotização: a empresa individ ual como força de trabalho / André
.. Luis de Carvalho _ Gloria Farifias León (Universidade (Faculdade Três Ponta�G)
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de La Havana -Cuba) João Basco Coelho Pasin (UPM)
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CDD 331.117 Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UFOPA) Valéria Furlan (FDSBC)
331.118 Maria Cristina dos Santos Bezerra'(UFSCar) Vallisney de Souza Oliveira (Justiça
Índice para catálogo sistemático Paulo Romualdo Hemandes (UNIFAL-MG) Federal -BrasilialDF)
1. Força de trabalho 331.117 Renato Francisco dos Santos Paula (UFG) Vinicius Klein (UFPR)
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Sérgio Nunes de Jesus (IFRO)
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2019
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SUMÁRIO

APRESE NTAÇÃO...................................................................................... 13

CAPITULO1
NOTAS I NICIAIS S OBREA PEJOTIZAÇÃO
E O C ON TEÚDO DA OBRA...................................................................... 17

CAPiTULO2
MUNDO DO TRA BALHOEM MUTAÇÃO: (des)assalariamento,
(in)formalidades, ordem empreendedora e as empresas individuais ...... 25
2.1A sociedade salarial.............................................................................. 25
2.1.1A desconstrução global da sociedade salarial:
revisitando antigos conceitos à guisa de introdução......................... 30
2.1.2 O projeto de trabalho regulado e protegido:
ascensão do assalariamento nacional (1940-80) ............................. 35
2.1.3As formas persistentes de regimes flexíveis e o declínio
do assalariamento no B rasil............................................................... 41
2.2 Informalidades aqui e ali: para além das dualidades
clássicas do mercado de trabalho ............................................................. 54
2.2.1 Do "setor informal" às informalidades generalizadas .............. 54
2.2.2 De-segmentação, espaços limiares e as "zonas cinzentas"
do assalariamento: além do enquadramento formal/informal
nas formas de inserção no trabalho .................................................. 58
2.3AmbigÚidades do fenômeno empreendedor:
empoderamento, empregabilidade e informalidade ................................. 64
2.3.1A promoção da ordem empreendedora ................................... 65
2.3.2 Empreendedorismo e o ethos do trabalho individualizado...... 73
2.4A empresa individual em questão........................................................ 75
2.4.1A controversa relação "DE EM PRESA/para empresa"............ 76
2.4.2 Os formatos jurídicos de constituição
da empresa individual ........................................................................ 80
2.4.3 Hibridismo contratual, heteronomía produtiva
e vulnerabilidade social na pejotização ............................................. 84
2.4.3.1A pejotização frente aos demais regimes do trabalho ...... 84
2.4.3.2A questão social da "empresa individual" .......................... 91

CAPiTU LO3
O MEi EAS ESTATiSTICAS DAEMPRESA INDIVIDUAL:
a dinâmica da pejotização por vias diversas ............................................. 93
3.1 Movimentos de "formalização" do trabalho na instituição do MEi ...... 94
3.2 O panorama estatístico das empresas individuais........................... 101
3.2.1 A RAIS como recurso para as pesquisas sociais.................. 102 APRESENTAÇÃO
3.2.2 A evolução da empresa individual através
da RAIS Negativa............................................................................. 104
3.2.3 Considerações sobre a (in)formalização a partir dos A pejotização é o movimento no qual um trabalhador, individualmente,
dados do MEi e da RAIS Negativa...................................... :............ 112 constitui uma pessoa jurídica (PJ), daí o termo pejotização, a fim de prestar
serviços a outra empresa, contratante da sua força de trabalho. Por se tratar
CAPÍTULO4 de uma pessoa convertida em uma foma, essa prática acumula em seu bojo
A PEJOTIZAÇÃO ENTRE AS NORMAS E OS FATOS..........................119 aspectos duais e controversos, mas também sobrepostos, com elementos
4.1 Justiça e a questão social: aspectos relativos à pejotização............119
que marcam concomitâncias de emancipação profissional, mas também de
4.2 A Justiça do Trabalho como parâmetro para o contexto
dependência; de assalariamento e de empreendedorismo; de aspectos formais
da pejotização e o aporte das decisões do TST..................................... 124
4. 2.1 A sIs ·r
·tema Ica da pesquisa....................................................... 124 do mercado de trabalho mas, ao mesmo tempo, com atributos ligados ao
chamado setor informal. Enfim, características de indivíduo (pessoa física) e
4.2.2 A pejotização nos tribunais..................................................... 126
de empresa (pessoa jurídica) consolidados num efeito amalgamático de uma
CAPÍTULOS mesma entidade: a empresa individual.
SER EMPREENDEDOR A SERVIÇO DE UMA EMPRESA: Os estudos aqui contidos partem do pressuposto de que a pejotização, esse
números e experiências do "emprego" como empresa individual.......... 145 tipo de relação trabalhista formalizado através de uma contrato comercial de
5.1 Explicações metodológicas adotadas no levantamento................... 145 empresa para empresa, encontrou terreno fértil e evoluiu progressivamente,
5.2 A pejotização observada a partir de números e de experiências..... 150 decorrente, sobretudo, da conjunção de três efeitos histórico-sociais aqui
5.3 Swvey: considerações gerais............................................................ 170 apontados: i) do aviltamento, quantitativo e qualitativo do assalariamento,
onde se pode compreender como escassez e precarização dos chamados em­
CAPÍTULO6
pregos formais; ii) da nova face da (in)fonnalidade, marcada pela imprecisão
ENTREVISTAS: narrativas sobre a prática do "emprego"
dos aspectos formais e informais contidos concomitantemente nos diversos
como empresa individual......................................................................... 173
6.1 Entrevista 1: a empresa individual absoluta no ramo · tipos de relações de trabalho e, por último, iii) da massificação de uma ordem
da produção de audiovisual .................................................................... 176 empreendedora, estabelecida no mundo do trabalho como um imperativo con­
6.2 Entrevista 2: entre fotografias e revelações de amor e junto de competências socialmente desejáveis e implicitamente relacionadas
deódio à CLT........................................................................................... 200 à já conhecida empregabilidade voltada para o trabalho.
6.3 Entrevista3: de assalariada a MEi, o anseio de um O imbricamento desses três fenômenos, segundo o argumento central da
voo empreendedor na confecção de vestuário....................................... 216 obra, favorecem a incorporação coletiva de uma ética do trabalho emergente,
6.4 Entrevista 4: o executivo e acadêmico e sua perspectiva produto da contemporaneidade, na qual o indivíduo se ressignifica (ou é
crítica sobre a condição de ser empresa individual................................ 230 ressignificado) a partir da constatação de si mesmo como sujeito produtivo
6.5 Entrevista5: o corretor que é seguro das necessidades supostamente autônomo, empreendedor e formalizado. Tal efeito é sustentado
de flexibilização das relações trabalhistas.............................................. 246 por um conjunto de elementos que o fragmentam socialmente, mas que, a
6.6 Entrevistas: considerações gerais à luz do debate apresentado..... 266
despeito disso, curiosamente, viabilizam sua autopercepção como detentor
· e condutor da gestão da oferta de sua força de trabalho no mercado e de sua
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 273
própria trajetória profissional. De modo geral, conforme capturado pelas di­
REFERÊNCIAS........................................................................................ 279 versas narrativas apresentadas, via empresa individual (principalmente como
microempreendedor individual - MEI), o trabalhador constrói alternativas
muitas vezes positivas de reação contra as "agonias" (termo utilizado por
trabalhadores) contidas no cotidiano dos ambientes intraorganizacionais,
PEJO 11LAyAv: a empresa 1nmvmua1 como torça de trabalho

tados pela insufici­


seja nas fábricas, comércios, escritórios, enfim, nos circuitos conflitantes do atentatória contra os trabalhadores, comprimidos e debili
chamado "emprego típico". ência do trabalho assalariado.
A respeito das áreas de estudos envolvidas, cabe ressaltar que ao long
o
Assim, no novo contexto do trabalho coabitam elementos superficialmente
lece o olhar
controversos, e até mesmo mutuamente excludentes entre si, sobre a acepção da obra, não obstante sua perspectiva multidisciplinar, preva
dor, dada a
dos seus papéis sociais (empreg:1do/empregador, autônomo/empreendedor, critico emanado. da Sociologia do Trabalho como caminho nortea
pesquisas
formal/informal, indivíduo/empresa, entre outros), revelados através das área originária do material que serviu de aporte para o conjunto das
interpretações subjetivas dos protagonistas - os próprios profissionais pejo­ contidas neste livro.
res-
tizados - desse modelo contratual como mna proposta viável e de caminhos A despeito de possíveis expectativas utilitaristas, a obra não propõe .
soctal e
alternativos ao insuficiente e debilitado vínculo empregatício assalariado, o postas, tampouco manuais gerenciais, mas reflexões so�re o tr!balho.
destmados e
historicamente almejado contrato "de carteira assinada" .. seus rumos. E, assim, a proposta e o convite para sua leitura sao
a respeito
Desse modo, pode-se inferir que a pejcitização é um fenômeno híbrido, incentivados, sobretudo, a todos aqueles que buscam contribuições,
so re a
impreciso e sintomático desse momento difuso e transformacional do mer­ dos fatores condicionantes às transformações em curso, bem �mó �
omstas
cado de trabalho e de todo conjunto de elementos que constituem a chamada prática, os efeitos e as interpretações contidas na vida real dos protag
, trazem,
sociedade contemporânea do trabalho, o que justifica a demanda por olhares da pejotização que, embora heterogêneos na sua estratificação social
mente
atentos sobre os seus efeitos sociais. nas suas percepções e repertórios de narrativas, subsídios significativa
A presente pesquisa almeja complexificar o ainda incipiente entendimento elucidativos de suas condições como força de trabalho.
sobre toda essa dinâmica da empresa individual, sugerindo eixos a partir dos Boa leitura e ótimos debates!
quais podem-se estabelecer diferenciações dentro do universo dessa prática e
evidenciando maneiras pelas quais os trabalhadores vivenciam suas distintas
realidades sob a forma de atuação como PJ.
O fenômeno vem se desenvolvendo a passos largos no Brasil e esta obra
lança luzes sobre seus efeitos ainda pouco explorados na literatura específica.
Ademais, emergência do estudo da pejotização toma-se patente, sobretudo
em um contexto nacional permeado de reformas notadamente precarizantes
das condições sociais. Este livro vem suprir, então, substancial e signifi­
cativamente, uma enorme lacuna nessa área de estudos tanto das relações,
quanto da composição da força de trabalho, oferecendo um aporte teórico
fundamental sem prescindir de diversas pesquisas de campo que agregaram
elementos empíricos reveladores, quiçá, provocadores de outras pertinentes
e aprofundadas investigações nessa temática.
Mesmo sem abrir mão do olhar crítico sobre o objeto em questão (a pe­
jotização), foram perseguidos elementos que substanciem essa abordagem e
seu argmnento de modo que a obra descarta possíveis análises monolíticas e
se empenha em evidenciar aspectos atenuados ou mesmo negligenciados do
avanço da empresa individual, tanto por parte de quem observa o fenômeno
como mna viável estratégia de composição do quadro de pessoal, decretando-a
como mais uma panaceia organizacional, ou por assim dizer, mna promissora
solução contra os revezes produtivos da contemporaneidade, quanto para
aqueles que percebem na generalização dessa prática estritamente fraudulenta,

1.
CAPÍTULO 1
NOTAS INICIAIS SOBRE A PEJOTIZAÇÃO
E O CONTEÚDO DA OBRA

O conteúdo aqui proposto busca caracterizar e analisar a prática do uso


da força de trabalho através da empresa individual, trazendo esse fenômeno
para o debate como um elemento sintomático das transformações recentes das
relações de trabalho no Brasil. No contexto, entende-se por empresa individual
qualquer unidade produtiva juridicamente estabelecida e operada por um único
indivíduo, patrão e empregado de si mesmo, a fim de gerar produtos ou ser­
viços para seus clientes, que são; geralmente, grandes empresas contratantes.
Produto de uma construção social dos novos tempos do trabalho e das
relações estabelecidas entre profissionais e contratantes, a empresa individual
é um conceito correlato ao de pejotização, prática nacionalmente consagrada
no mercado de trabalho hodierno, caracterizada pela constituição de pessoa
jurídica (PJ), a fim de prestar serviços a outra empresa, podendo ou não dis­
simular a relação empregatícia tácita e factual sob esquemas controversos
do ponto de vista das legislações trabalhista e fiscal. Sendo assim, empresa
individual e pejotização são duas categorias indissociadas.
Considera-se que, na maioria das vezes, a pejotização está ligada a um
processo furtivo de obtenção de força de trabalho, o que se dá sob a forma
de indivíduo "empresário", onde a pessoa física se toma pessoa jurídica (ou
PJ, daí o termo pejotização), a despeito de sua atuação tal como empregado
no exercício cotidiano das atividades profissionais, o que lança o fenômeno
a uma condição fraudulenta, ou pelo menos, algo muito próximo disso, do
ponto de vista jurídico.
Parte-se do pressuposto de que o referido movimento metamórfico acumula
elementos norteadores das três principais fonnas de inserção no trabalho histori­
camente (re)elaboradas: o assalariamento', na verdade, sob o desassalariamento
Há correntes de autores, sobretudo na literatura internacional, corno Gastei (1998) e Boltanski e
Chiapello (2009), por exemplo, que tratam as categorias assalariamento, regime salarial e sala­
riato de forma mais ampla, não limitando a noção de assalariamento como vínculo exclusivamente
empregatício, mas como qualquer forma de relação baseada no trabalho continuado. O conceito
de assalariamento aqui foi adotado em sua forma stricto sensu, com o rigor semântico da palavra.
Assim, seus congêneres salariato e regime salarial, são utilizados no seu sentido canônico de
relação de trabalho baseada na contrapartida salarial, que se dá pelo emprego do tipo vinculado, o
que no Brasil ocorre estritamente pelas vias da "carteira assinada". O preciosismo na categorização
predominante nacional, e assumida nesta obra, pode estar relacionado ao fato de o Brasil ser o único
país do mundo a possuir a carteira de trabalho como documento obrigatório para fins de formalização
contratual, bem como à existência de uma considerável estrutura da Justiça do Trabalho no país,
heranças simbólicas de conquistas sociais históricas.
pEJOTIZAÇÃO: a empresa individual como força de trabalho 19
18

gradativo do trabalho a partir dos anos 19802 , as formas de manifestações das microempresários etc.) ajustaram-se aos ditames estratégicos do mercado
informalidadés e a ampliação de uma persuasiva ordem empreendedora. consubstanciando formas transmudadas de inserção no trabalho.
Note-se que o uso de "crise do assalariamento", como usualmente vem O ethos empreendedor sistematicamente forjado a partir do discurso
sendo utilizado, foi evitado ao longo do texto. Considera-se aqui que a crise neo liberal da empregabilidade e da individualização profissional serve de
configura uma categoria insuficiente para dar conta do que vem ocorrendo pano de fundo para a emergência desse formato de trabalho ressignificad� e
_ _
progressivamente no mundo do trabalho, como processo gradual, desde o essencialmente híbrido no que concerne às formas trabalhistas de vmculaçao.
último quartel do século XX. Essa noção, nesse sentido, subdimensiona seus Tal lógica passa pela transformação do trabalhador em microempreendedor,
efeitos cíclicos e de sua ação persistente, sugerindo mera conjuntura, o que muitas vezes subsumido como empregado, e, portanto descartável, qualificado
historicamente não é o caso do salariato nacional. Ainda, crise, de imediato, e autônomo como prestador de serviço.
reportar-se-ia tão somente aos efeitos quantitativos d_o emprego, desprezando Desse modo, a complexa correlação entre a expansão do desassalariamento,
questões ligadas à qualidade dos postos de trabalho, bem como o engajamento a reconfiguração das informalidades e a onda empreendedora constituem um
dos indivíduos, voluntários ou compulsórios, transitórios ou permanentes, às cenário fértil ao estabelecimento das empresas individualizadas, consequente
reconfigurações. Portanto, o desassalariamento é aqui tratado como um dos da rationale do capital reificada através da sistemática redução de custos e
três fatores histórico-sociais diretamente relaciona.dos à situação de redução ampliação das margens de lucro, frequentemente levados a cabo parti� da ª.
de postos de trabalho no período precedente ao recorte temporal focado na redução do quadro de seus "colaboradores", conforme o argumento d1ssuas1vo.
presente análise, sobretudo os anos 1990. As motivações para o engajamento a essa atuação profissional como PJ são
Como será mostrado, a pejotização foi analisada em um período no qual um assunto central neste debate. Essa condição "emancipada" do trabalhador,
as estatísticas do emprego "de carteira assinada" vinham se mantendo em com efeito, é frequentemente associada a uma forma de alocação residual de sua
condições quantitativamente favoráveis ao trabalhador, uma vez que houve,
força de trabalho', Entretanto, como se constatará, nem sempre a constituição
de fato, um avanço na geração de postos de trabalho com carteira assinada
(2000-2015). Contudo, essa retomada do crescimento do emprego experien­ de empresa individual se dará pela via impositiva direta de uma contratante
ciada pelo menos nesse período não foi suficiente para recuperar as sequelas específica, podendo essa migração, por exemplo, oc01Ter por efeitos de um
repercutidas sobre o assalariamento a partir da desindustrialização, da auto­ modus operandi consagrado em determinados segmentos profissionais (repre­
mação dos processos e das formas diversas de reestruturação da produção. sentações comerciais, indústria cultural, imobiliárias, corretoras de seguros
A abordagem a respeito do processo desestruturante do assalariamento etc.). Trata-se, portanto, de uma construção assumida como convencional no
passa necessariamente pelas fonnas de manifestação (tanto pelo viés analítico, mercado de trabalho determinando as formas de relações contratuais entre
como empírico) das "fonnalidades" e das "informalidades" presentes nas capital e trabalho, o que serve de argumento para que empresários a utilizem
relações sociais. Assim, fatores como ação reguladora do Estado, controles como artifício para adoção do seu modelo contratual padrão•.
fiscais, tamanho da unidade produtiva, atuação de familiares nas atividades Em outros casos, porém, e esses são ainda mais intrigantes neste con­
do negócio, ausência de registros contábeis e de pessoal, enfim, elementos texto, a pejotização se manifesta de forma antecipada à contratação, ou seja,
tradicionalmente tidos como referenciais sobre a classificação como formali­ o h·abalhador se constitui PJ antes mesmo de ocorrer uma eventual proposta
dade/informalidade vêm cada vez mais desfazendo o aspecto marcadamente de trabalho, Ele age proativamente e por interesse particular e subjetivo, assu­
dual estabelecido inicialmente entre esses espaços em questão. mindo e concretizando as transformações recentes da dinâmica do mercado de
Nesse sentido, tanto a heteronomia do trabalho assalariado sob suas for­ trabalho sob a forma de "naturalização" da atuação profissional como empresa.
mas diversas (emprego típico, temporário, terceirizado etc.), quanto a suposta
"autonomia" do trabalho por conta própria (autônomos, profissionais liberais,
3 A condição de trabalho residual surgirá em alguns momentos do tex\o sugerindo uma condição de
_ _
2 Embora o debate internacional se faça necessário em alguns momentos do texto, a obra aqui pro­ falta de alternativas de alocação da força de trabalho, ou seJa, como unica forma de mserçao profis­
posta ocupa-se estritamente da pejotização no Brasil. Conforme será discutido adiante, a despeito sional decorrente da escassez do trabalho.
dos países do chamado capitalismo central, sobretudo da Europa Ocidental, que vivenciaram um 4 No dia 27/1012016 foi sancionada a lei n' 13.352/2016, conhecida como a "lei do salão parceiro", que auto­
encolhimento do assalariamento já nos anos 1970, o crescimento do modelo salarial no Brasil se riza a pejotização nas atividades dos profissionais da beleza (manicures, cabeleireiros, barbeir_os, esteUc1s­
manteve ascendente até a década seguinte, tendo experimentado, nos anos 1990, o seu pior mo­ tas etc.), legitimando, através dessa estratégia de fatiamento, a sua prática nesse ramo especifico. A lei na
mento desde a Revolução de 1930 (POCHMANN, 2008a), integra está disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016!elll13352.htm>.
21
l como força de trabalho
�[tpEJOTIZAÇÃO: a empresa individua
:n,<:. ---
ade nacional do �abalho,
Como será demonstrado, muitos indivíduos optam deliberadamente pela a) analisar, no âmbito da construção da socied
a tu ação profissi ona l pej otizad a por diversos moti vos, rejeitand o inclusi ve o como esses fatores histórico-soc
iais apontados (desassal�namento,
receram o surg· imento e a
contrato de trabalho c om carteira assinada. Dentre outros aspectos subjetivos informalidade e empreendedorismo) favo
ap ontados, destacam-se a preferê ncia por uma recompens a mens al mais ele­ propagação das empresas i ndividuais; .
c ­
sub sídios à inte rpre taçã o desses aspec tos transform� w
vada, o sentimento de emancipaçã o profission al e a adesão à flexibilidade de b) ofere cer
iment o de uma ell:a
horário. Esses e outros fat ores serã o discutidos ao l ong o d o texto, s obre tudo nais como elementos que caracterizam o surg
e ideológicos que vao
n os capítulos 5 (survey) e 6 (entrevistas). do trabalho constituída de val ores m ateriais
No que se refere à recorrência temática, constatou-se que a pejotização além do assal ariamento ;
na dos trabalhadores que
vem crescendo muito na literatura específica da doutrina jurídica . O tema c) caracterizar a prática profissional cotidi a
ainda não recebe a devida importância nas investigações voltadas às questões atuam sob a forma d e empresa indivi dual; aç�o
rsas, com a �present
organízacionais. Nessa linha, entre outros, podem ser encontrados em Colbari d) contribuir, a partir de materiais e fontes div e _
(2015), que analisa os aspectos do processo de institucionalização da categ oria da forma de inserção no trab
alho através de empresa s md1 v1 d�a1�;
inserção e permanencia
"trabalhador por conta própria" ou "trabalh ador autônomo" e em Gondim, Rosa e) identificar algun s contextos e condições de
levantar as ne cessidades
e Pimenta (2017) que focam no aspecto do avanço do microempreendedorismo de trabalhadores nessa situação, buscando
as o;
indi vidual sob situação de crise econômica. Ambos identificam a figura do MEI e os interesses dos indivíduos em cada c . _
como nova configuração do autoemprego; e Tometich e Silva (2018) tratam do pej otiza ção às out ras form a s de contr�tu al!zaç_ oes,
f) correlacionar a
processo de empresarização sob o viés da expl oração do trabalhador, apontando tais com o O " assalariame nto
típico" e as subcontrata çoes (aqm en­
rário), além de �-eforçar
o fenôme no com o um sucedâneo aos vínculos de assalariame nto típico . tendidos como terceirização e trabalho tempo
de caracterísl!cas das
Nos estudos s obre o trabalho s ocial, as publicações ainda são espars as, 0 aspecto das sobrep osições e coexistência
sob c ategorias diversas. O processo permeado de aspectos controvers os da diversas formas contratuais.
sociedade contemporânea , qual sej a a transformação d o indivíduo em em­
presa, uma categ oria ainda em construção, assume uma roupagem disti nta, Dito isto, e em decorrência de um pressuposto engajamento �os t�a�a­
_ _
de ac ord o com a persp ectiva de cada a nalista. Trata-se do autoempreen­ Ihadores a esse modelo emergente, como desdobrament� dessa 1de'.a micial,
ded orismo (ROSENFIELD, 2015); do "trabalhad or-empresa" (PEREIRA, busca -se averiguar o quanto essa construção � ocial, forJ ada a part� da e�­
2013b); um "tipo de rela ção de emprego disfarçada" (KREIN, 2007, 2013); presa individual vem estabelecendo form as diversas de mterpretaç oes sob1e
da " terceirização extrema" (FILGUEIRAS, 2012); d a "empresa i ndivi dual" as relações de tr�balho a p onto de c olaborar com a conform ação de um no:,ro
ou "terceiriza ção indivi d ual" (CARVALHO, 2017); de uma forma de "super­ imaginári o e forma de engajamento no sistema produtivo, desta vez, � ara alem
terceirização" (POCHMANN, 2008b ); além da "pej otização " (KREIN, 2007;
_
dos efeit os da postulação sala ria l anterior (do períod� desen_v oI_vi menh sta
ORBEM, 2015; CARVALHO, 2017). Expressões diversas, p orém sob uma - _ _
nacional), mas com base nas novas estratégia� e expenencias md1v1dua1s de
mesma formulação linear do aspect o analítico, aquela paut ada na dissociação como se inserir no atual contexto socioprodulivo .
d os v ínculos trabalhistas regulad os e mediados pelo Estado, corolários dos No que se refere aos traj etos metodológicos assumidos na obra, bus cou­
propósitos neoliberais sobre o mun do do trabalho . -se demonstrar por diferentes formas e fontes o que está acontece�do com a
A falta de estudos empíricos e a generalização d a pejotização também pejotização. Apoiou-se, então, num recorte teórico sob�e os conce1tos-�h�ve
c olaboram com a relevância temática aqui aprese ntada . Assim, a proposta pertinentes ao tema, além de contemplar uma apresentaçao de cunho emp1�1co­
central desta obra é descrever e analisar a prática da pejotização e seu avanç o,
·descritivo s obre a empresa individua l, estabelecend o uma p on'.e �n'. ie as
assim com o a relação dos trabalhad ores c om esse m odelo c ontratual, v ia
transformações apresentadas e os elementos empíricos da e_mpresa 1��1v1dual.
empresa individual, a partir das transformações contemporâneas do trabalho
Na sequência, a investigação lança mão de quatro pesqmsas empmcas, ca­
resultantes do trinômio histórico-social de (des)assalariamento, informalid ade _
racterizando uma investigação como multitécmca, p01s engloba ferramentas
e empreendedorismo.
Complementando esta proposta central, restam outros elementos que diver sas, ta nt o qua litativa s, quanto quan titativas, d e m aneir� mutu�m� nt
:
.
serão perseguidos e tratados ao longo de todo o texto, a s aber: complementar. De modo geral, optou-se pela "pesqmsa quah-quanlitat1va
23
pEJOTIZAÇÃO: a empresa individual como força de trabalho

o contrat o, seja este


p or acreditar que a complementaridade desse formato viabiliza um maior ·entanto pelas vias comerciais pelas quais foi instituído
oempresa (ME), u':1� em­
entendimento sobre o objeto, ainda pouco explorado. �: micro :mpreendedor individual (MEI), uma micr
responsab1hda�e
O caráter eminentemente empírico assumido foi marcado pelo desafio de de pequeno porte (EPP) ou uma empresa individual de
do dessa contra_ :11ah-
constituir uma amostra que pennita ilustrar a heterogeneidade e complexidade r:;::ada (EIRELI). Ademais, é discutido o caráter híbri
nesse processo e a vulnerab1hdade
do objeto da investigação. Nem o survey, nem as entrevistas realizadas são -çã o ' bem como a heteron omia c ontida . .
t1zado.
representativas do universo objeto em questão. São adequadas, no entanto, para social a que, via de regra, se lança o peJo tulos d o 3 ao 6, co n-
fornecer subsídios para a percepção e compreensão do fenômeno da atuação Na sequência, as pesquisas de campo n os cap1
profissi o nal através da empresa individual, sobretudo a partir do avanç o da fonne seguem.
o MEI e o context o q�e
ética empreendedora. Portanto, optou-se por d_iversificar as fontes (através de o capítulo 3 inicia com um breve históricnoo denta _
nto, e a concentraçao
favoreceu seu surgimento. O foco desta etapa,
pesquisa documental, survey, entrevistas etc.) que vi.abilizassem o alcance de encie� o volume das empresas
achad os que lancem luz sobre o fenômeno , permitindo melhor compreensão de esforços na captura dos números que evid
atJva.
individuais, seja a partir do MEI ou da RAIS Neg
a respeito do objet o investigado.
o posicionament o jurídic o que envolve ioo mov iment o das empresas
O livro está dividido em seis capítulos. O primeiro representa esta capítulo ocupa ess e papel
individuais precisa ser acompanhado e o quai dec1
_ _
s es _qu_e
introdução, ocupando-se também em contextualizar os c o nceit os s o bre todas as _ 3 90
_ entre nonnas e fatos. Ali, foram levantadas
o
pejotização, bem como o conteúdo geral aqui apresentado. Na sequência, ) relac1ona�a� à peJ Ot1 -
alcançaram O Tribunal Superio r do Trabalh o (TST al
o segundo capítulo é o mais denso no aspecto teórico, pois situa o cenári o • a uma anal. ise textu
zaçao entre 2008 e 2016, e a partir daí, foi elaborad nais
.
mais
.
ções ocupaci
que favoreceu à ampliação da pejotização no mercado de trabalho. Assim, desse co nteúdo, além de buscar identificar as situa
o

nessa etapa, desenvolveu-se um debate s obre o que se constituiu como recorrentes nas demandas judiciais.
ento (�iwvey), de
sociedade salarial e os aspectos considerados fundantes desse estágio de Na sequência, no capítulo 5, é realizad o um levantam
lhadores_ peJolizad os a
enfraquecimento dos vínculos típicos d o assalariamento, bem c om o trouxe onde se buscam identificar as percepções dos traba
das pesqmsas de campo,
elementos sobre as (in)informalidades e um debate sobre o .fenômeno do · respeito dessa realidade. P or fim, no último capítulo
que atuan_iJatuaram c omo
empreendedorismo, sob a luz da "ordem" de se tomar empresário. Se tomado são apresentadas cinco entrevistas com trabalhadores
e trevIStados, qua� do
como parâmetro o viés tradicionalmente assumido na literatura organiza­ empresa individual. Tanto ao longo das narrativas dos �
eilo do seu conteudo.
cional sobre o tema, pode-se dizer que esta seção p ossui um tom bastante na última seção (6.6), são desenvolvidas análises a resp
crítico sobre o empreendedorismo.
Seja qual for a forma de constituição jurídica sob a qual a empresa é
estabelecida, a despeito da autonomia "empreendedora" propalada, a situação
de dependência é patente entre o trabalhador pejotizado e a empresa contra­
tante.A última seção desse segundo capítulo (seção 2.4) abordou, então, essa
questão de forma empírico-descritiva, ocupando um papel intermediário entre
o corpo teóric o ( demais seções do capítulo 2) e o trabalho de campo do livr o
(capítulos subsequentes, ou seja, do terceiro ao sexto). Aqui se trata de uma
leitura do processo de pejotizaçã o em seus principais aspectos intrinsecamente
contraditórios: a (ir)raci onalidade da pejotizaçã o' disseminada no mercado
de trabalho com o uma relação igualitária "de empresa para empresa", onde a
grande corporação utiliza a força produtiva tal c omo empregado, respaldada,

5 O aspecto da irracionalidade apontado refere-se às contradições desse modelo híbrido de contratua­


lização do trabalho, conforme as antinomias discutidas sobretudo na seção 2.4.3 (hibridismo contra­
tual, heteronomia produtiva e vulnerabilidade social na pejotização).
CAPÍTUL02
MUNDO DO TRABALHO EM MUTAÇÃO:
(des)assalariamento, (in)formalidades, ordem
empreendedora e as empresas individuais

2.1 A sociedade salarial

Embora se registrem relações salariais desde a Antiguidade, foi a tran­


sição do feudalismo para o capitalismo que marcou o surgimento da classe
de trabalhadores assalariados. Até o século XIV ainda não se formara uma
camada de trabalhadores propriamente assalariados, não obstante, segundo
Braverman (1987, p. 55),Aristóteles na sua obra "A Política" menciona o uso
de serviços assalariados. Castel ( 1998) cita historiadores que já mencionam
assalariados e trabalhadores em condições assalariadas na Idade Média.
O processo de acumulação primitiva' marcou o esgotamento do sistema
feudal culminando em um nível de desenvolvimento tecnológico inédito na
Inglaterra entre os séculos XVI e XVIII, acarretando uma série de transfor­
mações sociais e econômicas: a chamada Revolução Industrial. Esse com­
plexo de inovações tecnológicas permitiu mudanças profundas no sistema
de produção, impelindo o artesão e seu modo de produção tradicional a se
inserir no novo mundo do trabalho fabril, moderno e sofisticado à época.
Constituiu-se a partir daí, um modelo social e econômico emergente nas
relações produtivas que, ao mesmo tempo em que se desenvolviam novos
equipamentos e processos, delineava-se uma nova forma de sujeição-oferta
da força de trabalho: o assalariamento'.
Desde o século XVIII, esse modelo de relação de trabalho cresceu
substancialmente chegando até o século XX, ao que se pode afirmar, o maior
paradigma da alocação da força de trabalho na história moderna. A partir dessa
transição entre o trabalho nas oficinas e o processo fabril, dado o elevado
6 Conceito formulado por Marx (1978) a partir da análise sobre a concentração da riqueza oriunda
das colônias britânicas nas mãos de pequenos grupos da nobreza. Soma-se a isso um sistemático
processo de expropriações de terras comunais dos camponeses por alguns nobres interessados
na expansão de suas propriedades, sobretudo voltados à pastagens das ovelhas para obtenção
de lã. Havia ainda a frequente invasão, pós Reforma Protestante, a terras ocupadas até então pela
Igreja Católica. Historicamente, pode-se dizer que a acumulação primitiva viabilizou o modelo de
acumulação capitalista.
7 Os termos assalariamento, salariato ou ainda, regime salarial, assumem valor correspondente ao
longo do texto.
t't:JV 11,w-<, yn.v. C1 t;llltJIV:)CI IILUIVIUUQI '-VlllV ,v,ya U<;; llQUQIIIU

ritmo produtivo proposto pelo incipiente sistema capitalista, vale ressaltar, O apogeu do assalariamento, predominante no século XX, ocorreu com
há uma nítida inversão do predomínio do valor de uso para o valor de troca. 0 que Boltanski e Chiapello (2009) chamaram de segundo espírito do capi­
O aspecto relevante dessa observação de referência tipicamente marxista _
talismo, desenvolvido por volta dos anos 1930 e prolongando-se ate os anos
�este momento é o fato de que a partir da virada do feudalismo para o capita­ setenta através das práticas mercantis regulares do pequeno empreendedor
hsmo promoveu-se uma intensificação nas relações de produção e de consumo. desprendido da sua te1rn de origem e do arraigamento familiar, J?i�erentemente
Antes, somente o excedente se tomava mercantilizado, prevalecendo o valor do "primeiro espírito", delineado pelos autores, esse outro estag10 favoreceu
de uso. No novo sistema, a facilidade de produção, o acelerado ritmo fabril 0 surgimento e o crescimento das grandes firmas, possibilitando a ( e sendo
e a necessidade de expansão dos mercados não só permitiu como ampliou a viabilizado através da) oferta de "garantias" atrativas ao empregado como
produção em larga escala, o que está diretamente ligado ao crescimento da contrapartida de seu comprometimento e fidelidade profissional.
manufatura e da evolução do emprego tipicamente fabril e assalariado. A centralidade do assalariamento, ao longo do tempo, justificou-se a partir
Com o passar do tempo, embora sob cenário de propagação substancial de uma premissa contida no argumento weberiano sintetizado por Boltanski
da industrialização, o espectro do capitalismo em escala mundial se sente e Chiapello (2009, p. 40) de que "as pessoas precisam de poderosas razões
abalado por fatores oponentes aos seus interesses: o intenso impacto econô­ morais para aliar-se ao capitalismo". Nesse sentido, o proletariado europeu
mico de 1929, a sombra da ascensão nazifascista na Europa Ocidental e a daquele momento via seu movimento de clas�es adorm�cido de u�a repre­
ameaça comunista soviética que rondava. Diante disso, o sistema capitalista sentatividade "revolucionária" para um engaJamento s1lente ao sistema de
se ar!Jcula na promoção de medidas significativas de ajustes sociais e econô­ "acumulação flexível" (Harvey, 1993, p. 140) do capital, de modo patente que,
micos a favor de princípios distributivos através do que ficou conhecido como ao desenvolver sua justificativa de cooptação ideológica, de forma sedutora e
keynesianismo que, em certa medida, atenuaria os efeitos nefastos do capital, convincente, o capitalismo, geralmente através do seu argumento utilitarista
além de ''.justificar", no âmbito de sua lógica, as propostas de engajamento como mecanismo de geração, acúmulo e distribuição de riqueza, estabeleceu
aos seus interesses. uma crença generalizada e ordenadamente disseminada de que o assal�riamento
·
O processo baseou-se na centralidade do papel estatal das decisões inclui, protege e, de fato, oferece vias de acesso às necessidades bas1cas.
políticas, sociais e econômicas, de modo a promover o Estado de bem-estar Portanto o espírito capitalista busca unir capital e trabalho de fonna
(welfare state) e o desenvolvimento de mecanismos que viabilizassem o qu�, na sua in�erdependência via condição salarial, se t�mem indissociáveis.
alcance do pleno emprego (uma tentativa de universalização do assalaria­ E esse é o ponto crucial no "espírito do capitalismo" que mteressa nesse debate
mento), num suposto encadeamento harmonioso voltado ao incremento da que, embora global, ajusta-se com bastante conveniência ao presente estudo.
dinâmica de produção e de consumo. Tal modelo assistencial defendia ainda O "espírito" em questão é a ideologia que se engendra ao (ou pelo menos
um Estado interveniente entre a esfera pública e a privada, atuando como tenta)justificar o engajamento de todos os segmentos sociais nesse sistema,
mediador e administrador da demanda interna das necessidades sociais e a mas, sobretudo dos mais "qualificados", a partir do argumento difundido de
favor da generalização do estatuto do assalariamento como propulsor do mer­ que se é bom para o indivíduo, é bom para a sociedad� e vice-ver_s a. O assa­
cado interno e da recuperação econômica. Tratava-se, efetivamente, de uma lariamento seria, nesse sentido, um eficiente sistema de mcorporaçao, por vias
resposta estratégica lançada pelo eixo central do capitalismo, marcadamente materiais e ideológicas, do trabalhador pelo capitalismo. Assim como, mais
a partir do governo britânico, a fim de arrefecer a dinâmica de austeridade do tarde, esse mesmo argumento foi transposto ao empreendedorismo.
capitalismo naquele contexto de debilidade econômica e de ameaças difusas. Nesse sentido, o estilo gerencial fordista caracteriza-se adequadamente
De modo geral, sobretudo no Ocidente capitalista, o regime salarial como modelo ilustrativo desse princípio. No âmbito dos sistemas produtivos
restabeleceu-se e logo se consolidou a partir do conjunto das formulações e das teorias organizacionais, diversas estratégias e formulações gerenciais
político-econômicas de base keynesianoj'ordistas, sustentando-se até o término contemporâneas foram orientadas a partir das plantas fabris de Henry Ford
dos chamados trinta anos gloriosos do pós-guerra (1945-1975). Ressalta-se (1863-1947). Uma delas diz respeito à duplicação dos s�lários dos seus
que este movimento de arrefecimento dos golpes do "moinho satânico" ,
funcionários, alegando que os agentes da manufatura deveriam ser tambem
(POLANYI, 2000) é contemporâneo e consoante com um ethos favorável ao consumidores daquilo que produzem. A esse respeito, as análises de Bauman
estabelecimento do salariato. (2008, p. 32, grifos.meus) apontam que a
t't:JVI ILl"\YMV. (l l:llllJJJ,;;;:,(l LIIUIVIUU(ll VVIIIV 1v1y« '-'" ""'IJ"'"'v

verdadeira razão para essa medida pouco ortodoxa foi o desejo de elimi­ contratuais. Para Castel (1998), no entanto, o tJ·abalho não é uma mera relação
nar a 1mtantemente alta mobilidade da força de trabalho, Ele queria atar
seu� e�pre !;lados_ às empre�as Ford de uma vez por todas e fazer render econômica, mas algo que localiza a inserção na estrutura social, uma vez que o
o dmhe1ro mvestJdo no tremamento - e fazê-lo render outra vez com a
duração d? vida _ de tr�balho de seu� trabalh�dores. E para atingir tal efeito, salário deixa de ser retribuição pontual de uma tarefa. Assegura direitos,
Ford precisava 1mob,l:zm: sua eqmpe. Precisava fazê-los tão dependentes dá acesso a subvenções extratrabalho (auxílio e proteção social em caso
do emprego em sua fabnca como ele mesmo dependia' para sua riqueza de doenças e acidentes, assim como a aposentadoria) e permite uma par­
e poder, de empregá-los. ticipação ampliada na vida social: consumo (Ibidem, p. 416).

O espíri�o do capitalismo seria, nessa mesma linha analítica, justificado De modo que, nesse contexto, a produção, o assalariamento e o consumo
por outros tres poderosos elementos: "progresso material eficácia e efici­ constituem e retroalimentam o círculo virtuoso do capital.
ência na satisfação das necessidades, modo de organizaçã� social favorável Assim, o. emprego típico e regulado', aquele "por prazo determinado,
ao exercício das liberdades econômicas e compatível com regimes políticos como contrato padrão, que se caracteriza pelo trabalho em tempo integral,
liberais" (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009, p. 45-46). De tal forma que 0 com um único empregador, relativa estabilidade e remuneração fixa e mensal"
"segundo espírito do capitalismo" (KREIN, 2013a, p. 168) oferece atributos de localização social. Isso permite,
ainda, o enobrecimento (na acepção moral do termo), identificação, além de
era indissociável dos dispositivos de gerenciamento das carreiras nas conferir o estatuto de pertencimento, não somente no circuito da produção,
grandes empresas, da instauração da aposentadoria distributiva e da mas em todos os aspectos da sociedade fundada na questão salarial, ou seja, em
ampliação a um número de situações cada vez maior da fonna ju�ídica qualquer civilização relacionada ao sistema capitalista de produção e consumo.
do contrato de trab�lho assalariado, de tal modo que os trabalhadores pu­ Essa é a grande questão sobre a coesão social levantada por Castel (1998) e
dessem ser beneficiados pelas vantagens incorporadas naquela condição
(BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009, p. 59). que merece ser considerada nesse contexto pós-salarial': uma sociedade com níveis
cada vez mais elaborados de produtividade que, contudo, prescinde do salário como
Esses elementos foram fundamentais, pelo menos na França daquele grande balizador das questões socioprodutivas. Para o autor, é a própria sociedade
momento sob o olhar dos autores, para justificar o capitalismo e convencer que menospreza o sistema salarial, contraditoriamente não se sustentando sem ele
as pessoas de que poderiam acreditar naquele estilo de vida vigente. nesse jogo das incompatibilidades persistentes entre o trabalho e o capital.
O emprego assalariado, regulado, protegido e estável disseminado a A condição de assalariado a partir daquele momento de consolidação
partir do modelo industrial fordista, foi se justificando e se contornando de das grandes firmas, conforme Castel (1998) e sistematicamente reforçado por
acordo com as realidades idiossincráticas e com os padrões sociais por onde Boltanski e Chiapello (2009), tomou-se, em grande parte do mundo capita­
_ lista, símbolo na esfera das garantias e do pertencimento das sociedades de
se �stabelecia. De um lado, para os trabalhadores, cujos horizontes eram de­
fimdos pela poss_ibilidade d� um emprego vitalício nas empresas, por outro produção e consumo mais correntes. E fazer parte daquele modelo de coesão
_ " social baseada no assalariamento caracterizou, por longo tempo, o trabàlhador
lado, pa�a os ca�Jtahstas, a fortuna da família', pensada para durar além da
expectativa de vida de �ualquer membro isolado, era idêntica às fábricas que moderno. De fato, o vínculo salarial tomou-se o modelo ideal tipo do trabalho
eles herdavam, constrmam ou pensavam agregar ao patrimônio da família" a partir de certo momento de plenitude do sistema capitalista do século XX".
(BAUMAN, 2008, p. 34).
8 O uso de termos corno emprego típico ou regulado ou prolegido, assim corno as suas variantes
Através da implementação das políticas distributivas de bem-estar social subemprego ou subcontratação, recorrentes ao longo do texto, está diretamente relacionado à noção
o tipo ideal d os sistemas de regulação social demonstrou-se bastante propíci� de que o assalariamento, de fato, ainda se sustente como o paradigma das relações de trabalho.
_ 9 Afirmar a não efetividade do pleno emprego mesmo que no auge dos propósitos do Estado de bem­
ao desenvo�v1mento das chancelas normativas no jogo das barganhas recíprocas
-estar social implica assumir que nunca houve uma sociedade absolutamente calcada numa situação
( �ntre patroes e empregados) por conta de estímulos por fidelidade e produti­ universalmente assalariada. Da mesma forma, pós-salarial, confere uma noção de que as relações
vidade. Desse modo, encorpava-se o assalariamento industrial, característico de trabalho não se pautam, necessariamente, no vínculo empregatício protegido e regulado pelo
produto do seu tempo. Estado. Reporta-se, então, não à extinção do assalariamento, mas à sua condição sob as investidas
através dos projetos sistemáticos e gradativos de encolhimento.
A relação �alari�l em nível global persiste, embora sob ameaça, como a 10 Note que, por exemplo, o modelo de trabalhador tipificado na Ética Protestante (WEBER, 2004)
, _
sa1da para um mvel mm1mo de proteção e segurança social advinda dos vínculos ainda não passa n�cessariamente pelo assalariado. Trata-se, na verdade, de um (pequeno) burguês
empreendedor, de acordo com a moral calvinista.
30 t't:JVI ILAl,,AV: a emµreSi:l lllUIVIUUdl l;UIIIU IUlyCI ui; uavc:m,v

Assim, o estágio de amadurecimento do capitalismo industrial percebido ao no sistema fabril e adaptando desde o fluxo produtivo no "chão de fábrica", o
longo do último século promoveu uma representativa relação de trabalho: o giro de estoque, a recomposição dos quantitativos ocupacionais, evidenciando
salariato, da qual se tornou, historicamente, indissociado. Por se constituir uma nova reconfiguração da organização do trabalho, o que alimentou as
o modelo mais significativo dentre as relações laborais há várias décadas, o perspectivas aos processos de reestruturação organizacional (flexibilização
assalariamento ocupa até os dias atuais um papel proeminente como meca­ fabril) e de desregulamentação dos regimes de contratação (flexibilização da
nismo de ordenamento das questões sociais e justifica sua inclusão nas pautas força de trabalho).
reivindicatórias pela centralidade do seu estatuto. No âmbito intraorganizacional, a reestruturação 13 representou a sistemática
Entretanto, não obstante alguns efeitos distributivos alcançados, a condi­ eliminação de postos de trabalho através de discursos gerenciais fundamen­
ção salarial nunca se universalizou. E a corrida pelo pleno emprego e Estado tados pelo aumento da produtividade e pela busca incessante da qualidade
de bem-estar social keynesianos não resistiu às desventuras dos anos 1970, total. A reengenharia produtiva trazida pelo vento globalizante e de cunho
provocando tensões erosivas sobre as relações entre ·capital e tràbalho; Essa neoliberal emana novos ditames organizacionais, tanto nos setores privados,
fase marca o início progressivo de uma corrosão do assalariamento como quanto nos públicos, em um espectro de privatizações, fusões e incorporações
estatuto amplamente representativo de um Estado de bem-estar social. corporativas, terceirizações e, evidentemente, redundantes em grandes fluxos
de demissões através da extinção de postos de trabalho. Pullinger ( 1992,
2.1.1 A desconstrução global da sociedade salarial: revisitando p. 328) criticou esse momento de contração contínua do efetivo de força de
antigos conceitos à guisa de introdução trabalho, afirmando tratar-se de uma espécie de "anorexia organizacional" 14
generalizada. Como se antes de tais movimentos da onda reestruturante daquele
período, as firmas estivessem o tempo todo, desnecessariamente, com seus
A racionalidade do capitalismo, um dos pilares que fundamentaram a
efetivos postos de trabalho indevidamente dilatados. Por outra perspectiva
formação da modernidade ocidental (WEBER, 2004), permeou os modelos
analítica, mas, no mesmo sentido crítico, Antunes (1999, p. 50) apropriou-se
produtivos desde as origens do sistema capitalista. Ao longo da evolução dos
do conceito de "lean production", referindo-se a um rigoroso e sistemático
sistemas de produção, manifestou-se inicialmente através dos princípios de
processo de enxugamento organizacional a partir da redução dos quadros de
eficiência do taylorismo, da padronização da manufatura e da produção seriada
pessoal determinado pelo trabalho polivalente, multifuncional, de times de
fordista. O início do século passado presenciou o incremento da tecnologia
trabalho em células de produção visando ao envolvimento participativo e em
industrial e da complexificação dos métodos de trabalho baseados na otimi­
prol de resultados organizacionais produtivamente satisfatórios.
zação produtiva (produtividade), assim como os "princípios da administração
As questões sociais repercutidas a partir dessa prolongada onda de re­
científica" 11 (ou taylorismo), movimento teórico-empírico que fundamenta a
estruturação produtiva foram generalizados, afetando o mundo do trabalho
implementação do fordismo.
em escala global. O período de 1960-90 marcou golpes significativos contra
Num estágio seguinte, oportunamente, entraram em cena a "tolerância
zero" ao erro e ao retrabalho dos modelos de gestão da qualidade total toyotista, purra" para o mercado de consumo (modelo típico da produção em série do fordismo). No outro caso,
de modo que essa lógica sempre se manteve em comunhão com os princípios quando a produção é puxada, a empresa só aciona a linha de produção a partir das encomendas
da mesma otimização da produtividade de outrora. "puxadas" pelo mercado consumidor. Esse segundo modelo, de produção flexível, baseia-se no prin­
cipio de manutenção de "estoque zero" Uusl in time), a fim de evitar estagnação produtiva de ativos
O modo de produção se reconfigurou tornando-se adaptável a um novo contábeis. Esse segundo modelo caracteriza a produção flexível da "escola japonesa", ou seja, o
padrão de consumo, distinto do modelo fordista. O paradigma emergente Toyotismo (pós-fordismo). Conferir, entre outros, Hopp e Spearman (2000); Booney et. ai. (1999);
baseou-se, então, na produção flexível e customizada através de uma de­ Liker (2005).
13 As discussões sobre os efeitos da reestruturação produtiva (ou reengenharia ou reorganização da
manda puxada 12 pelo consumo, permitindo uma flexibilização generalizada produção, como comumente tratada na literatura organizacional) foram exploradas desde os anos
1990 pela Sociologia por conta dos seus impactos sobre o mundo do trabalho. Trata-se de mudanças
11 Braverman contesta o cientificismo atribuldo ao taylorismo. Para o autor (1987, p. 83), "Faltam-lhe geralmente radicais na estrutura das organizações com propósitos sistemáticos de redução de pes­
as características de uma verdadeira ciência porque suas proposições refletem nada mais que a soal através do incremento tecnológico e da simplificação dos processos de trabalho.
perspectiva do capitalismo com respeito às condições da produção[...]. Não procura descobrir e 14 O fenômeno conhecido por downsizing representa o enxugamento da estrutura organizacional (redu­
confrontar a causa dessa condição, mas a aceita como um dado inexorável, uma condição natural". ção do organograma) e, por decorrência, do quadro de pessoal. Na prática, representou demissões
12 De acordo com a relação "oferta x demanda", no âmbito do chão de fábrica, a produção pode ser em massa (CALDAS, 2000) e a desverticalização produtiva, repercutindo, por conseguinte, na coroa­
classificada como empurrada, quando a empresa produz independentemente da demanda e "em- ção dos processos de subcontratação da força de trabalho.
32 t'l::JV I ILJ-\lyf-\V. d t:lllf.Jlt::.<1 IIIUIVIUUCII l,UJIIU IUl'f0 1,1,:; .,c,.,.,n,v

o trabalho: o declínio fordista do final dos anos 1960, o colapso do Estado de em um contexto de intensas repercussões globais, cuja observação, mesmo
bem-estar social no último quarto do século passado, o processo de redução que a partir de uma conjuntura ampla, requer ponderações de seus efeitos
industrial (avanço da terciarização) nas chamadas "economias avançadas" globais sobre o mercado de trabalho local.
(anos 1980) e a reestruturação intraorganizacional somados ao desmonte As grandes transformações históricas do assalariamento na Europa Oci­
neoliberal do decênio seguinte. Desse modo, o assalariamento vem passando dental foram interpretadas por Castel (1998) sob o olhar de uma nova questão
por substanciais transformações. Nos últimos anos, a dinâmica perturbadora social para o bojo do debate através de uma leitura pouco otimista sobre os
sobre o mundo do trabalho vem se intensificando, como grande ameaça ao rumos nos quais a sociedade salarial francesa (ainda) imerge. O autor aborda
regime salarial tanto no Brasil como praticamente em todos os países que as transformações ocorridas no assalariamento mostrando como essa condição
experimentaram a sua viabilidade como um modelo de coes.ão social pau­ laboral deixou de ser uma situação menosprezada e residual" para se tomar um
tada no trabalho. Esse desmantelamento da sociedade salarial é sistemático, patamar postulado e arduamente mantido por uma minoria populacional nos
persistente e global. dias atuais. Em seu argumento central, salienta alguns conceitos nodais. Dentre
Ao apontar os efeitos da mundialização como uma etapa do avanço do eles, destaca a noção de desfiliação, que classifica um sujeito transposto à parte
capital global, o crítico do neoliberalismo François Chesnais acredita que do tecido social, expelido pelo centro do próprio tecido da sociedade salarial.
esse fenômeno atua sobre o capital assumindo um duplo saldo de polarização. Subempregados, desempregados, inempregáveis são condições sociais comuns
O primeiro, no âmbito de cada nação (efeito local, de aspecto idiossincrático) no contexto ocupacional vulnerabilizado, separados por fios cuja resistência é
e o segundo, de magnitude global, o que seria um movimento contrário de imprevisível e suas consequências são o desmonte da própria sociedade salarial
integração que vinha ocorrendo desde o início dos anos 1900. Dessa forma, que não se sustenta, marcada pelo individualismo, pela fragmentação de uma
a polarização regional provocaria uma consequência trágica entre o nível coesão lastreada na solidariedade entre classes e pela desproteção social.
do assalariamento e o fluxo do mercado financeiro, causando um distancia­ A situação de vulnerabilidade e de insegurança no emprego típico,
mento entre os rendimentos, de modo que os sintomas do desemprego estão adverso do que caracterizaram os moldes da sustentação social de décadas
diretamente relacionados à disparidade "entre os mais altos e os mais baixos atrás, tomou-se uma das maiores preocupações socioeconômicas dos países
rendimentos, em função da ascensão do capital monetário e da destruição das do chamado mainstream econômico (AUER; GAZIER, 2006; CASTEL,
relações salariais estabelecidas (sobretudo nos países capitalistas avançados) 2003; BOYER, 1986; entre outros), de modo que fenômenos da ordem de
entre 1950 e 1970" (CHESNAIS, 1996, p. 37). trabalhos atípicos (non-SER)1 6, alheios aos modelos de emprego protegido e
No que se refere às repercussões diretas sobre as chamadas organizações permeados por flexibilidade dos vínculos e de resistência ao desemprego vem
produtivas, o autor cita os processos de fusão/aquisição entre as firmas apon­ se ampliando há décadas nas "economias mais avançadas".
tando as estratégias voltadas à concorrência a favor da concentração de capital, No Reino Unido, houve redução nas cláusulas de estabilidade e a im­
medida de intuito evidentemente oligopolista, evidenciando uma proliferação plementação de medidas voltadas ao compartilhamento de postos de h·abalho
de conglomerados corporativos, contornando ambientes de concorrência, mas (job sharing), sob pretexto de combater o desemprego, além da criação de leis
predominantemente, gerando uma forte "interdependência entre companhias" que restringiram a prática de piquetes e de greves. O desmonte prosseguiu e,
(Ibidem, p. 92). Esse aspecto reestruturante relaciona-se diretamente à temá­ em decorrência, surgiu o chamado trabalho "zero hora" (zero hour), no qual
tica aqui proposta como fator de gatilho para os desdobramentos estruturais o empregador não garante uma quantidade mínima de jornada, deixando
no âmbito do mercado de trabalho, especificamente, neste contexto, estariam o trabalhador à mercê das necessidades sazonais das organizações e, por
ligados à onda de desverticalização produtiva, uma vez que, agregado a fa­
tores macrossociais diversos, toma-se elemento nodal no fracionamento das 15 "Alguém era um assalariado quando não era nada e nada tinha para trocar, exceto a força de seus
atividades produtivas das maiores em menores corporações, repercutindo, braços. Alguém caía na condição de assalariado quando sua situação se degradava: o artesão
arruinado, o agricultor que a terra não alimentava mais, o aprendiz que não conseguia chegar a
inclusive, na geração e proliferação de empresas individuais. mestre[...]" (CASTEL, 1998, p. 21).
Toda essa discussão, de cunho introdutório e contextual, vale ressaltar, 16 SER corresponde à sigla em inglês para "standard emp/oyment relationship" (BOSCH, 2004), como
justifica-se pela emergência de um olhar sobre as experiências daqueles países vem sendo chamada a "relação de emprego padrão", ou ainda, "relação de emprego típico" nos
debates europeus.'
34
1-'t:.JU 11LAyAu: a empresa mmv1aua1 como iurytt utt uauau,v

conseguinte, sob o risco de incertezas na sua remuneração em determinados questionar se o assalariamento mundial seria, então, um modelo de organi­
períodos (MARZAL, 1997). zação do trabalho intrinsecamente ligado ao capitalismo industrial fordista.
Em meados dos anos oitenta, o governo alemão implantou medidas Conforme debatido sobre os rumos que vem sendo construídos a partir dos
que reduziram os direitos trabalhistas. Ao mesmo tempo, desassegurou a países considerados de capitalismo central, surgem debates alannados sobre
estabilidade no emprego através dos contratos de trabalho por prazo deter­ a orientação da sociedade salarial contemporânea, o que reverbera, decerto,
minado, estabeleceu, assim corno no Reino Unido, os modelos de trabalhos sobre os países "emergentes" e "periféricos", inclusive o Brasil.
compartilhados e estendeu os contratos de trabalho temporário de três para É nesse cenário competitivo, e em fluxo hemisférico norte-sul, que se
seis meses de vigência. Nos anos noventa, o arrocho sobre o trabalhador remodelam ajustamentos e desregulações. das nonnas laborais, desenvolvem-se
prosseguia através da elevação da idade rninirna para aposentadoria de 60 para tipos de trabalhos multiformes, atípicos e contornados por vínculos contro­
65 anos, do afrouxamento das demissões nas empresas de menor porte e da versos, fragmentados e de garantias sociais vulnerabilizadas.
obrigatoriedade de aceitação na terceira oportunidade de emprego, amparado Isso posto, deste ponto em diante, toda abordagem se ocupará especifica­
pelo seguro-desemprego. mente do caso nacional, a fim de permitir análises mais específicas do amplo
Embora persista urna ampla disparidade nos indicadores socioeconôrni­ espectro transformacional do mundo do trabalho no Brasil.
cos na "Zona do Euro", a situação ocupacional é parecida entre muitos países
da região, onde o desemprego na Itália, Croácia, Portugal, Espanha e Grécia
recentemente alcançou patamares extraordinários 17, o que tem promovido
2.1.2 O projeto de trabalho regulado e protegido: ascensão do
contornos precarizantes diversos. Na Itália, o "trabalho parassubordinado",
assalariamento nacional (1940-80)
caracterizado por contratos atípicos diversos, vem se avolumando substan­
cialmente e a França passou recentemente por urna intensa onda de resistência Nesta seção será estabelecido um breve debate histórico-social sobre a
popular contra a controversa e irnpositiva "Lei do Trabalho", um pacote de incipiente sociedade do trabalho regulado no Brasil, a fim de situar o processo
medidas retrocedentes que ameaçam o sistema de proteção social. de fonnação do salariato nacional. Assim, para discutir o processo de fonnação
A estratégia precarizante mais comum em diversos países da região, vol­ de urna sociedade salarial nacional serviu-se de um arrazoado analítico de
Santos (1979) e de Cardoso (2010). O primeiro, por fonnular o emblemático
tada para a flexibilização e redução dos "custos do trabalho", desenvolve-se
através dos contratos "part time"" sob a forma de "mini empregos". O pro­ conceito de cidadania regulada para definir o modelo esquemático forjado no
blema desses "mini empregos" é que além de reduzirem os rendimentos, que seio do Estado Novo (1937-1945), sob as condições de um corporativismo
evidentemente são feitos proporcionalmente à jornada de trabalho realizada, de Estado. O segundo por lançar luz sobre os elemntos condicionantes à
muitas vezes tomam-se regra de contratação. Esse tipo de ocupação, entre proposta de Getúlio Vargas: a utopia da formação de urna sociedade salarial.
Parcial em sua abrangência de trabalhadores, por isso, utópica.
os europeus, era disputado apenas por estudantes, aposentados, membros de
família em revezamento de cuidados com crianças e por aqueles que busca­ O trabalho livre no Brasil se desenvolveu a partir da regulação .e cons­
vam complementar a renda. Atualmente, porém, vem sendo a única forma de tituição de urna coletividade preponderantemente voltada ao assalariamento,
típico daquele nível de maturação do capitalismo. Constituiu-se, porém, sob
obtenção de remuneração para muitos trabalhadores (BOSCH, 2004).
significativos fatores de urna sociedade em vias de construção de sua moderni­
Diante desse ambiente de incerteza e instabilidade generalizadas, emer­
dade, onde o ranço do trabalho escravo e a atuação intensa de forças de caráter
gidos a partir da ruptura do sistema produtivo industrial, toma-se razoável
liberal, entre ouh·os aspectos estruturantes, marcaram as formas de sociabili­
dade brasileira das décadas iniciais do século XX. O período, nesse sentido,
17 De acordo com a Eurostat, a agência europeia de estatísticas, disponível em: <http://ec.europa.eu/ foi marcado pela ausência de um sistema mediador dos conflitos de classes.
eurostaVstatistics-explaíned/index.php/Employment_statistics/pt>. As reivindicações dos movimentos operários foram gerahnente marcadas
18 Embora essa prática seja flagrante em determinados estabelecimentos comerciais (lojas de sho­
pping, redes multinacionais de fast-food entre outros), os contratos de "tempo parcial", ou também pela repressão das forças do Estado, numa época em que a questão social era
chamados de "meio expediente" no Brasil, não tomaram a mesma proporção encontrada nos países "caso de polícia" 19• As incipientes; mas não desprezíveis, articulações sindicais
do capitalismo central. De acordo com a Eurostat, em 2014, esse tipo de contrato chegou a 49,6%
nos Países Baixos. Em países como Áustria, Alemanha, Reino Unido, Dinamarca, Suécia, Bélgica e 19 A frase emblemática é atribuída ao então Presidente da República Waslflngton Luis (1926-1930),
Irlanda, o trabalho de tempo parcial oscilou em torno de 25% da taxa geral de ocupações. sobre a situação de desregulação das questões laborais e do olhar do Estado sobre o trabalhador.
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estavam geralmente relacionadas aos movimentos socialistas ou anarquistas, evolução do processo de regulação da sociedade do trabalho (leia-se "assa­
ideologias incorporadas através dos diversos povos imigrantes'°, que tiveram lariamento") agregado ao fortalecimento dos movimentos de resistência da
papel fundamental nas formulações de pautas e movimentação das reivindi­ classe trabalhadora, foi responsável pela incorporação de uma interpretação
cações trabalhistas que ocorriam nos centros urbanos em desenvolvimento. das relações de trabalho no Brasil. Desse ponto de vista, Vargas
A virada dos anos 1920/30 foi marcada por um contexto nacional e in­
ternacional de intensa crise econômica e política. O advento da Revolução de incorporou as demandas dos trabalhadores em seu projeto de constru­
ção estatal, traduzindo a seu modo o que deve ser encarado como um
1930 ofereceu condições historicamente inéditas e oportunas às contestações verdadeiro espírito de época, cujos principais marcadores haviam sido a
do operariado, que via na Nova República, um efeito pelo menos simbólico Constituição mexicana de 1917 (a primeira a constitucionalizar o direito
de profundas transformações sociais. De fato, o período representa uma fase do trabalho, "instanciando" os preceitos da Encíclica Rerum Novarum,
fundante para o processo de formação da sociedade brasileira do trabalho matriz da doutrina social da Igreja Católica), a revolução bolchevique do
mesmo ano, o Tratado de Versalhes e a constituição da OIT, ambos de
assalariado por conta da estruturação de diversas demandas relativas às 1919 e dos quais o Brasil era signatário, o que obrigava o país a assumir o
questões sociais. compromisso de instituir uma política social (CARDOSO, 201 O, p. 216).
A partir da crise global do mercado (deflagrada em 1929), o trabalhismo
nacional promovia uma série de ajustes favoráveis ao ordenamento do salariato A respeito da construção de um imaginário trabalhista voltado a uma ética
na sociedade urbana, industrial e complexa que iniciava seu desenvolvimento do trabalho assalariado no Brasil daquele período, destaca-se o argumento da
nas décadas seguintes21 • "promoção integral do homem brasileiro" como um dos maiores sustentáculos
Nesse cenário conjuntural se dão as principais conquistas das classes adotados no primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945). Tal formulação
assalariadas no sentido da justiça laboral brasileira, especificamente volta­ social constituía um "projeto civilizatório" da sociedade brasileira, a partir
das ao proletariado, dentre outras, destacam-se: a criação do Departamento do tipo ideal de homem brasileiro: assalariado, arrimo de família com muitos
Nacional do Trabalho (DNT), voltado a medidas de previdência social rela­ filhos, saudável e católico, conforme Cardoso (2010).
tivas à higiene, segurança e inspeção do trabalho (1931); a regulamentação O controverso arranjo sociopolítico constituía a reformulação de aspec­
do trabalho feminino (1932); o limite das oito horas de jornada de trabalho tos centrais da sociedade e fazia parte de um arcabouço maior composto por
(1932); a criação da carteira de trabalho (1932); férias anuais remuneradas mecanismos forjados pelo governo através de elementos que propunham uma
(1933); a instituição do salário mínimo" (1940) e, sobretudo, a promulgação ampla integração em direção à construção de uma sociedade atrativa e inclusiva
da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943. a partir do trabalho assalariado, higiênico e, evidentemente, organizado sob
o Estado23, o que Wanderley Guilherme dos Santos sintetiza no conceito de
Por tais vias, estruturava-se no Brasil sob o primeiro governo de Getúlio
cidadania regulada, estatuto pelo qual o indivíduo seria passível de ascen­
Vargas (1930-1945) uma significativa parte do ordenamento jurídico-trabalhista
são da condição de pré-cidadão a cidadão à medida que se enquadrasse em
necessária a todo um processo de desenvolvimento em marcha. Assim, a uma ocupação formal ou uma profissão regulamentada pelos órgãos estatais
competentes, de modo que essa cidadania estava
20 Segundo Fausto (1983). em São Paulo, os estrangeiros em diversas áreas representavam mais de
50% da força de trabalho no período de 1890 a 1920. principalmente no setor industrial, o que res­ embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos
salta o papel dos imigrantes nos movimentos reivindicatórios do pais naquele período. do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido por lei.
21 Juarez Rubens Brandão Lopes desenvolve uma pesquisa primorosa a respeito da formação da nova Tomam-se pré-cidadãos, assim, todos aqueles cuja ocupação a lei desco­
sociedade que se estabelecia no Brasil, com destaque para os fluxos migratórios e as tentativas de nhece. [... ] o instrumento jurídico comprovante do contrato entre o Estado
fixação nos espaços urbanos durante a década de 1950, ressaltando elementos como as motivações
para o trabalho e o ambiente encontrado pelo migrante rural que compunha a força produtiva nacio­ e a cidadania regulada é a carteira profissional que se toma, em realidade,
nal. Conferir Lopes (1971).
22 A instituição do salário mínimo teve mais do que uma representação socialmente simbólica. Embora
tenha sofrido criticas pelo efeito contraproducente de ter se tornado teto ao invés de piso para as 23 A organização sindical estava sob a tutela estatal. Com a lei de sindicalização (1931), todos os traba­
bases remuneratórias das fábricas, é importante observar, no entanto, que em abrangência nacional lhadores estavam obrigados a se associar a um sindicato, de acordo com a sua profissão; O Decreto nº
dos rendimentos permitiu um melhor ordenamento das bases salariais, quando da sua instituição em 22.132, de 25/11/1932, fixava a exclusividade do atendimento judicial aos sindicalizados; Já o Decreto
1940, bem como elevou a remuneração que vinha sendo praticada nas demais atividades econômi­ n' 23.768, de 18/01/1934 restringia o direito às férias somente aos sindicalizados; entre outros. Ou seja,
cas urbanas e rurais. Conferir Dieese (2015). toda reformulação do trabalho passava pelo sindicato constituído sob um corporativismo estatal.
38 1-'t:JV I ILA\,AU: a empresa mo1v1oua1 como mrça Ul:l 11c1ut:1111u

mais do que uma evidência trabalhista, uma certidão de nascimento cívico no sentido de promoção da "carteira assinada" como estatuto fundador dos
(SANTOS, 1979, p. 75-76). anseios do trabalhador que, em contrapartida, deveria ser sindicalizado para
aceder às prerrogativas sociais, uma vez que nesse contexto, "só quem tem
Portanto, o regime salarial passou a conjugar a inclusão pela cidadania
regulada com as diversas garantias sociais (renda regular, alguma estabilidade ofício-quem é trabalhador com carteira assinada e membro de um sindicato
no emprego, repouso remunerado, previdência social, férias, entre outras) legal-tem benefício" (GOMES, 2005, p. 179). O acesso à obtenção do "pas­
oferecidas ao trabalhador das firmas urbanas. A obtenção da carteira de tra­ saporte para a cidadania" era outra batalha a ser vencida. Paradoxalmente,
balho assinada e o registro nas entidades profissionais, simbolizavam o status havia todo um aparato criterioso e extremamente burocrático no processo
de cidadania nacional, o que deveria ser encarnado pelos que desejassem ser de aquisição da carteira de trabalho, exigência básica para admissão em um
incluídos na sociedade urbana, industrial e "civilizada" que se, encorpava. De emprego formal.
tal modo, o trabalhador daquele contexto, leia-se empregado com carteira Para o historiador brasilianista John French, critico ácido do modelo juslaboral
assinada, seria triplamente incluído: pela firma, por meio da estabilidade no implantado pelo Estado autoritário varguista, as promessas da Consolidação das
emprego, pelo Estado, através da participação em um sindicato fortalecido, e Leis do Trabalho (CLT) eram tão imaginárias quanto reais, tanto para os burocratas
pela sociedade de consumo, uma vez que se implementava um salário mínimo, governamentais, pois já surgiram sem o propósito de ser efetivas, quanto para os
capaz de sanar todas as suas necessidades e de sua família, inclusive na sua trabalhadores. O estadunidense, ironizando a amplitude do aparato normativo,
velhice, através da previdência social (CARDOSO, 2010). afirma que se a CLT fosse realmente efetiva, "o Brasil seria o melhor lugar do
Ao promover uma intensa e sedutora percepção coletivamente comparti­ mundo para se trabalhar[... ] se metade da CLT fosse mesmo cumprida, o Brasil
lhada de que através da carteira de trabalho24 , certidão de nascimento cívico, ainda seria um dos lugares mais decentes e razoavelmente humanos para aqueles
como dito, e passaporte do status de pré-cidadania para a cidadania plena que trabalham em todo o mundo" (FRENCH, 2001, p. 10-15).
(embora regulada, e por isso, limitada e restrita), o trabalhador se identifica, Uma legislação, de fato "para inglês ver", pois não houve pleno cumpri­
se inclui e legitima a condição de "ser trabalhador", "homem de bem", pelo mento das disposições legais, a priori, tampouco efetividade na incorporação
menos no Brasil daquele período. de todos que postulavam a condição de cidadania conforme proposto pelo
O processo civilizatório fundado a partir da sociedade do trabalho es­ propalado esquema político-legal. Complementa-se a isso, o fato de a CLT ter
tável, assalariado e regulado, no entanto, embora atrativo, não passou de nascido sob o signo da Segunda Guerra Mundial, o que se tentou justificar, em
uma proposta utópica25 , uma vez que não foi, per se, suficientemente capaz parte, a patente falta de rigor na sua efetividade inicial, uma vez que o Brasil
de incorporar a massa trabalhadora na esfera de todas as garantias sociais era um país predominantemente rural (cerca de 70% da população nacional não
fora contemplada por esse aparato legal), cuja economia girava justamente em
propostas26 • O projeto de acesso a esse modelo inclusivo a partir da condição
tomo da produção agrária. Ademais, a falta de faticidade da regulamentação
ocupacional, mesmo que simbolicamente, consolidou o apelo ao status de social se deu eminentemente por conta de aspectos peculiares do cenário na­
trabalho fabril, vinculado, celetista. Sustentou, ainda, o imaginário nacional cional (iniquidades na distribuição de renda, dificuldade de acesso à educação,
debilidade das estruturas fiscalizadoras, descrença nas instituições, entre outros).
24 Machado da Silva (1971) se refere a um "reconhecimento social" advindo a partir da obtenção da De um lado, a persistência pelo "pleno emprego nacional" que nunca se
Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada. Durante as rondas policiais de rotina, efetivou e, pari passu, a estrutura ocupacional, em todo país, que sempre foi
ilustra o autor, o inquirido que não apresentasse a CTPS comprovando vínculo empregatício era permeada por ampla (se não majoritariamente) de trabalhadores alocados em
detido "para averiguação" por período de 24 a 48 horas, sendo ainda, passivei de condenação
por vadiagem. condições alheias ao modelo contratual assalariado.
25 Cardoso (2010) analisa essa proposta civilizatória de Vargas, apontando elementos que evidencia­ Soma-se a tudo isso, ainda, como ponto de debilidade da cidadania",
ram a utopia a partir da ausência de faticidade de todo aquele projeto de sociedade. a intermitência do trabalhador nos postos de trabalho, cujos vínculos se
26 Diversos fatores tornaram a CLT inexequível em seu primeiro momento, sobretudo as fortes tensões davam de forma
por conta da li Guerra Mundial, bem como a resistência por parte da burguesia urbana. Ressalta-se,
entretanto, que a despeito dessas adversidades iniciais, as criticas a respeito da regulação social re­
ferem-se a um projeto civilizatório amplo que não deu conta de contemplar toda massa que buscava 27 O conceito de cidadania regulada estava condicionado, a despeito de sua proposta civilizatória pelas
"lugar ao sol" na promessa trabalhista daquele momento. Da mesma forma, houve uma frustração de vias do trabalho protegido, a uma situação excludente, à medida que a "associação entre cidadania e
inclusão às benesses sociais propostas (sobretudo com relação à exclusão dos trabalhadores rurais ocupação proporcionará as condições institucionais para que se inflem, posteriormente, os conceitos
e domésticos), algo que foi além do seu descumprimento legal inicial. de marginalidade e de mercado informal de trabalho, uma vez que nestas últimas categorias fica-
4U J-'t.JU I ILAYAV: a empresa lílOIVIOUal como 10rça ae Lfé!Ui:IIIIU .,

extremamente porosa e fluida, cujas portas de entrada se abriam e se 2.1.3 As formas persistentes de regimes flexíveis e o declínio do
fechavam várias vezes ao longo das trajetórias de vida dos que a ela se assalariamento no Brasil
candidatavam, de tal modo que a inclusão no mundo dos direitos podia
ser bem efêmera, assim como a exclusão dele (CARDOSO, 2010, p. 219).
O ápice do desemprego em tempos de políticas neoliberais serviu como
Um dos mais substanciais legados do que fora resumido na "cidadania mote ao desmantelamento das garantias sociais historicamente conquistadas
regulada" foi, todavia, a concretização da aspiração pelo trabalho estável e através da implementação de mecanismos de flexibilização das regulações
formal, regulado e protegido pelo Estado. Cardoso (201 O, p. 208, grifos do sociais, sob o argumento falacioso de que as medidas, muitas de austeridade
autor) sustenta ainda que social (trabalhistas e previdenciárias), favoreceriam a geração de empregos.
Conforme experiências recentes comprovam, no entanto, tais refonnas, de modo
a "cidadania regulada" gerou nos trabalhadores a expectativa de proteção geral, não beneficiam os trabalhadores. De modo inverso, essa flexibilização
social, alimentando uma promessa de integração cidadã que, se bem que permite que a própria empresa tire proveito "de certa forma deliberadamente,
não se efetivou, cumpriu a tarefa de incorporar, finalmente mas não de uma
vez para sempre, os trabalhadores como artífices do processo de construção uma situação de insegurança que ela contribuiu para reforçar: ela procura
Estatal no Brasil. A partir de Vargas, os nacionais descobriram que valia baixar os custos, mas também tornar possível essa baixa, pondo o trabalhador
à pena lutar pela efetividade da regulação estatal, ou do próprio Estado em risco permanente de perder o seu trabalho" (BOURDIEU, 1998, p. 123).
enquanto ordem jurídica que lhes prometia proteção e bem estar social. De fato, tempos periclitantes para o emprego protegido, conforme am­
plamente difundido por autores daquele período, sob perspectivas diversas.
Esse aparato de fatores, endógenos e exógenos, marcou a insuficiên­ Rifkin (1995), um dos mais repercutidos à época, proclamou uma "nova Era"
cia do projeto utópico de sociedade salarial, compondo uma combinação marcada pelo fim dos empregos, que dava lugar à automação dos processos
para a sucumbência do esquemático projeto de sociedade, que carecia de produtivos, na indústria, nos serviços e no comércio, além da rápida aber­
reformas de base amplas e, evidentemente, passíveis de fortes controvérsias tura econômica que se instaurava. Segundo aquele autor, a reengenharia e a
advindas dos setores mais conservadores, as quais não estariam ao alcance tecnologia teriam chegado para aniquilar o mundo do trabalho, obrigando os
ou mesmo dentro do interesse político naquele momento. profissionais a desenvolverem habilidades mais qualificadas a favor do estatuto
Efetivamente o protagonismo do Estado corporativista viabilizou esse da empregabilidade". De fato, os mecanismos autômatos implantados nos
processo através da instituição de amplo aparato regulatório do trabalho, chãos de fábricas e nos autoatendimentos, por exemplo, substituíram diversos
exercendo um papel preponderante na institucionalização e organização do postos de trabalho. No entanto, o enfático best-seller omitiu os efeitos das
trabalho urbano nacional. É importante frisar que, não obstante sua parcial políticas econômicas alinhadas à agenda neoliberal sobre os rumos do tra­
abrangência, falta de faticidade imediata e de toda sorte de debilidade na balho que, supostamente, afetaram o regime salarial de forma tanto quanto,
sua concretização histórica, é a partir da CLT que se dá, por alguma via, a ou até mais significativa, do que propriamente a automação dos processos
regulação do trabalho assalariado no Brasil ao reunir, reformular e ampliar produtivos, como apregoados pelo autor.
todo o ordenamento legislativo trabalhista. A época marcou perdas substanciais no assalariamento global e o Brasil,
No conjunto aqui proposto, importa que se construiu no trabalhismo evidentemente, não ficou incólume, passando "a registrar, na década de 1990,
nacional um cenário social cujo horizonte de desejo da identificação pro­ a sua mais grave crise de emprego desde a Revolução de 1930.Após quase cinco
fissional firmou-se, ao longo de algumas décadas, a partir da inclusão no décadas de forte crescimento econômico, com importante avanço na constituição
sistema socioprodutivo pelas vias do emprego assalariado simbolizado de uma sociedade salarial" (POCHMANN, 2008a, p. 11 ), esse período marcou
perdas profundas nas questões sociais que vinham se constituindo com base na
pela aquisição da carteira assinada, efeito que será percebido ao longo das
urbanização e no desenvolvimento industrial, rompendo, de forma drástica com
narrativas de alguns trabalhadores participantes das pesquisas de campo a "'promessa integradora' do mercado formal de trabalho" (CARDOSO, 2003b,
analisadas nesta obra. p. 115), qne vinha sendo costurada a duras penas. Para Barbosa (2008, p. 23),
rão incluídos não apenas os desempregados, os subempregados e os empregados ínstãveís, mas,
igualmente, todos aqueles cujas ocupações por mais regulares e estãveis, não tenham sido ainda 28 O debate sobre a empregabilidade será retomado na seção 2.3 (Ambiguidades do fenômeno em­
regulamentadas" (SANTOS, 1979, p. 75, grifos do autor). preendedor: empoderamento, empregabilidade e informalidade).
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A redução da taxa de assalariamento, a invasão da informalidade por todos os de uma suposta participação anual nos lucros, configurando uma
lugares da sociedade, a emergência do desemprego aberto, o reaparecimento espécie de compartilhamento do risco do negócio30 ;
do oculto com nova força, a regressão dos direitos trabalhistas e sociais - fe­ iv) Lei nº 9.601/98, criou o "contrato por tempo determinado". Ela
nômenos que despontaram com todo vigor nos anos 1990 - se não indicavam
um retomo ao passado, atentavam para novas realidades já enunciadas, como também permitiu a jornada semanal superior às 44 horas previstas
em um espelho deformado, no período de origem do nosso capitalismo. na Constituição sem o pagamento das horas extras, através da con­
troversa figura do "banco de horas";
As reformas de Estado surgidas no Brasil naquela década foram justificadas v) MPnº 1.709, renumerada para 1.779 e 2.168, em vigor desde 1998,
pela racionalização da burocracia e a ineficiência do aparelho estatal, e, nessa instituiu o contrato de trabalho em tempo parcial. Permite a jornada
perspectiva, como contraponto a essa disfunção, o suposto papel anacrônico do semanal de no máximo 25 horas, com redução proporcional do
Estado, seria um peso para o desenvolvimento produtivo (leia-se "interesses do salário e do tempo das férias - que pode ser de oito dias; e
capitalismo"). Isso posto, as privatizações seriam a corporificação daquele vi) MP nº 1. 726/98 criou a "demissão temporária", com suspensão do
projeto econômico-liberal, característico do período, assim como o amplo contrato de trabalho por cinco meses. Neste período, o "demitido"
afastamento do setor público das principais questões ligadas aos conflitos recebe o seguro-desemprego, custeado pelo FAT (Fundo de Amparo
entre capital e trabalho (sobretudo na forma da chamada livre negociação). ao Trabalhador), oriundo das contribuições dos assalariados.
Nesse mesmo pacote se explicam, inclusive, o incremento das organizações
Em análise correlata a esse debate, Cacciamali (2004), aponta à analise
não governamentais atuantes nos nichos da ineficiência do poder público,
ainda outros mecanismos instituídos contra as conquistas sociais:
bem como do incentivo generalizado ao empreendedorismo como alternativa
viável ao paradigma do emprego, que então passa a ser difundido como Lei nº 10.102/2001 que autoriza o trabalho aos domingos no co­
i)
regime obsoleto diante da nova sociedade do conhecimento. mércio varejista, desde que aprovado pelo município;
Pochmann e Borges (2002) apontam algumas medidas implementadas ii) MP nº 1.053/1994, reeditada pela MP 1.875/1999 que veda a esti­
ao longo do mandato de FHC (1995-2002), o que, segundo eles, consagram pulação ou fixação de cláusula de reajuste ou correção automática
o destino das relações de trabalho ao amargo da flexibilização instituciona­ vinculada a índices de preços;
lizada pelo próprio Estado através de um violento processo de desmonte da º
iii) MP n 1.620/1998 revoga a Lei 8.542/1992, que assegurava a vigên­
legislação trabalhista29 : cia das convenções e acordos coletivos, até que sobreviesse novo
instrumento normativo;
i) Portaria nº 865, de setembro de 1995, que impediu a autuação das iv) Lei nº 9.958/1998 que cria a Comissão de Conciliação Prévia, pos­
empresas por desrespeito às convenções e acordos trabalhistas. sibilitando a instauração de comissões de conciliação prévia para a
Ao invés de multa, determinou que os fiscais apenas registrem a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais de trabalho;
ocorrência de práticas ilegais; v) Lei nº 9.957/2000, estabelece o procedimento sumaríssimo na Justiça
ii) Decreto nº 2.100, de dezembro de 1996, no qual o governo denunciou do Trabalho; e, por último,
a Convenção 158 da OIT, retirando do direito brasileiro a norma vi) em 2004, já na vigência do primeiro governo de Luiz Inácio Lula
mundial que limita a demissão imotivada; da Silva, foi lançado o Fórum Nacional do Trabalho que propôs o
iii) Medida Provisória (MP) nº 794 que foi regulamentada pela Lei nº Conselho Nacional de Relações de Trabalho, onde ficaram acerta­
10.101/00, que instituiu a Participação nos Lucros e Resultados dos critérios de representatividade, eliminação do imposto sindical,
(PLR). Por não ser incorporada aos salários e beneficias, a PLR con­ estabelecimento da representação no local do trabalho, negociação
figura um meio eficaz de flexibilização da remuneração, favorecendo coletiva obrigatória, introdução de arbitragem privada e manutenção
a manobra da redução dos salários fixos mensais em detrimento da arbitragem pública.

29 Sobre os efeitos neoliberais e o desmonte das conquistas trabalhistas desse período, conferir Car- 30 Nesse sentido, conferir Krein (2007, 2010) que desenvolve uma análise dos efeitos da flexibilização
doso (1999). neoliberal sobre a remuneração do trabalho.
· --- · ·- ·r ·-· - -···r-·--- .. ,_,,,.......... , vu,,,... , ...,,.,... -- .................

No interior da flexibilização da relação capital-trabalho, o estatuto da panorama, um segundo momento, sobre o mercado ocupacional do setor
livre negociação proferido no discurso de posse presidencial (1995) assume secundário. Altas taxas de juros e de câmbio valorizado marcaram o tom
um papel nodal no contexto do conflito de classes. O mecanismo, fruto desfavorável da liberalização financeira e comercial globalizantes. A si­
de políticas alinhadas às propostas neoliberais do crepúsculo do último tuação próxima de uma estagnação econômica e as graves transformações
século, preconiza a primazia da negociação coletiva como instrumento de no mercado de trabalho (POCHMANN, 2008a), evidenciaram que naquele
regulação laboral, uma vez que pode ser considerado um prelúdio estraté­ período a reestruturação chegou de forma intensa e a indústria cedeu lu­
gico de supressão de um conjunto de garantias conquistadas ao longo dos gar a um processo de arrefecimento do trabalho33 • Além disso, houve um
avanços trabalhistas. O estatuto da livre negociação mencionado representa "achatamento da renda, ao contrário do período anterior, que teve maior
o desmantelamento das conquistas trabalhistas no âmbito. das relações diversificação das remunerações acima de dois salários mínimos mensais"
laborais, permitindo, com o respaldo do aparato legal, que as relações (Ibidem, p. 27). Esse período, como mencionado, trouxe consigo as con­
se estabeleçam por políticas e condições do livre ·mercado, ria esfera de sequências desastrosas do desemprego, da elevação contínua das taxas de
cada categoria, escusando progressivamente o papel central do Estado de juros e da desigualdade social 34 •
arbitrar e mediar os interesses gerais, nesse caso, das questões sociais31 • Assim como o processo de industrialização nacional se deu de forma
Além desse efeito da ausência estatal como intermediador das rela­ extemporânea em relação aos países do chamado capitalismo avançado,
ções laborais, outro aspecto que deve ser ressaltado é a condição vulne­ a desindustrialização, por outro lado, também ocorreu sob efeito tardio,
rável das categorias profissionais que, na sua maioria, não se encontram de modo que, o que algumas sociedades experimentaram na virada dos
representativamente articuladas o suficiente para se fazerem manifestar 1970/80, sobretudo no seu efeito econômico, o Brasil sentiu na década
no âmbito de tais negociações coletivas. Geralmente são categorias mais seguinte, o que permitiu ao país uma sobrevida relativamente um pouco
vulneráveis, aquelas mais submetidas às subcontratações, por exemplo. mais estendida sobre o crescimento do emprego industrial.
Enfim, por conta da estagnação econõmica e da série de ajustamen­ O salário mínimo35 , por exemplo, um instrumento poderoso para
tos estruturais iniciados no período das duas últimas décadas do século enfrentar o patamar salarial baixo e a desigualdade de renda, tendeu a ser
passado, o assalariamento nacional, como mecanismo de coesão social pressionado pelo mercado a níveis cada vez mais baixos. De acordo com
e de forma organizativa do trabalho, adquiriu contornos traumáticos e o Dieese (2015), no triênio 1994-1996, esse principal elemento balizador
de repercussões duradouras, através dos abalos e das formas atípicas de das políticas econômicas e sociais alcançou os piores níveis do poder de
mobilização de classes. compra desde a sua instituição em 1940, conforme evidenciado no efeito
Tomando como base os efeitos sobre a situação laboral, o mercado das flutuações do gráfico 1, que oferece um panorama das o_scilações his­
de trabalho brasileiro pode ser dividido em dois momentos específicos, tóricas do poder aquisitivo do salário mínimo no Brasil.
desde o período marcado pelo início das grandes perturbações mundiais
sobre o assalariamento: antes e depois dos anos 1990.
Até a última década do século XX, quando o panorama era de um
mercado de trabalho em estruturação, com indícios de expansão das ocu­
pações, havia um avanço no processo de formalização da mão de obra 33 Os processos de reestruturação produtiva marcam aqui um papel preponderante. Foi a partir desse
nacional, que vinha no contrafluxo da tendência mundial. A chegada dos contexto que as empresas assumiram forte posicionamento de desverticalização de suas produções, o
anos 1990, porém, alterou o quadro de crescimento32 e desenhou um novo que levou ao avanço dos processos de flexibilização das relações de trabalho.
34 De fato, foi um perlodo marcado por indicadores econômicos e sociais desfavoráveis: de 1985 a
31 Tais medidas se assemelham com o que ocorre na Itália com a implantação do Jobs Act e na França 2005, embora a variação média anual do crescimento da população economicamente ativa (PEA)
com a Lei do Trabalho, aprovada recentemente através de uma medida equivalente à Medida Provi­ tenha sido de 2,8%, a criação de novas ocupações cresceu na ordem de 2,4% e o desemprego
sória no Brasil. Evidentemente, houve rejeição de diversos segmentos da sociedade e de parte dos manteve-se, também na média anual, em 8, 1 % (POCHMANN, 2008b).
parlamentares de oposição ao governo. 35 A OIT define o salário mínimo como o salário que constitui o piso para a estrutura salanal (ILO, 2008).
32 Dentre outros fatores econômicos, destacam-se na cnse dos anos 1990, a a bertura comercial com atua­ De suma importância social, pois protege os trabalhadores inseridos na base da distnbuição salarial. No
ção econômica subordinada no cenáno internacional, a redução gradativa da atuação do Estado (eleitos Brasil, o salário mínimo não se restnnge à remuneração do trabalho, funcionando, inclusive como bali­
neoliberais), o mercado de trabalho retraído e o baixo nivel de formação técnica da força de trabalho. zador para definição dos benefícios da Seguridade Social e do seguro-desemprego (DIEESE, 2015).
Gráfico 1 - Salário mínimo real de 1940 a 2014 com base políticas neoliberais, o Brasil voltou a recuperar a trajetória de construção
no poder aquisitivo de 01/01/2015 (em R$) do projeto de sociedade salarial" (POCHMANN, 2010, p. 52), conforme
ilustra a curva do estoque de empregos no gráfico 2 a seguir.

Gráfico 2 - Evolução do estoque de empregos formais 1990-2015


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Fonte: DIEESE (2015).
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De acordo com Filgueiras (2012, p. 147), a renda dos trabalhadores
"é historicamente bastante vinculada à conjuntura do mercado de trabalho, L_---------�--······---- -
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Fonle: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS/tem.


que condiciona a demanda pela força de trabalho, e à política do salário
mínimo, extremamente relevante como parâmetro de remuneração no
Brasil", ou seja, interessante ressaltar que, em períodos de maiores tensões As condições econômicas adversas dos anos noventa ficam evidentes
sobre a relação oferta x procura por oportunidades de trabalho tendem a através do baixo volume relativo de emprego gerado no período. No primeiro
se reconfigurar em momentos mais desfavoráveis ao poder aquisitivo do ano daquela década, o estoque era de 23.198.656 postos formais de trabalho.
Decorridos dez anos, em 2000, foram alcançados 26.228.629 (variação de
salário mínimo, o que decerto evidencia a lógica econômica. Se tomado
apenas +13,06%). Por outro lado, no decênio 2000/2010 há um crescimento
como indexador para vários preços da economia, o nível do salário mí­ de 68,02% dos postos de trabalho formal, o que confirma a significativa re­
nimo ressalta ainda mais a sua importância como parâmetro econômico, cuperação do estoque de empregos. Em números absolutos, foram gerados
constituindo o que Foguel (1998, p. 10) chamou de "efeito farol" desse 17.839.726 de novos postos de trabalho na primeira década dos anos 2000.
rendimento sobre a economia36 • Dito de outra forma, o poder aquisitivo Entretanto, mesmo que positivamente significativos, esses dados eviden­
demonstrado no gráfico ressalta as condições econômicas gerais em que ciam um paradoxo de efeito obscuro sobre o mercado de trabalho brasileiro.
o contexto analisado se situava. Percebida a expressiva geração de novos postos de trabalho nesse período, o
Os anos 2000 trouxeram consigo um sopro de esperança para o assa­ que justifica, então, a persistente alegação da "crise do assalariamento" ainda
lariamento nacional, onde a "formalização é bastante expressiva e reverte nos anos 2000? Afinal, o que vem mudando na morfologia do emprego for­
as tendências da década de 1990, quando houve um processo de desassala­ mal, ou ainda, nas relações de trabalho de forma ampla, quando se expande
riamento e crescimento da informalidade" (KREIN, 2013a, p. 167). A mu­ o assalariamento dessa maneira?
dança estrutural ganhou dimensão e com "a interrupção da hegemonia das Partindo de tais indagações contextuais, Nadya Guimarães investigou os
efeitos do fenômeno do assalariamento em períodos sob condições de expansão
36 De acordo com Foguel (1998, p. 10-11): "o salário mínimo é um preço importante nesse mercado, o de ocupações formais (2002-2010). Suas conclusões, de forma sintetizada,
que implica que mudanças no seu valor tendem a se propagar, impactando uma série de variáveis apontaram para um quadro onde, à medida em que a quantidade de ocupações
tais como: nível salarial, taxa de desemprego, grau de informalidade, entre outras. [...] o efeito farol,
está relacionado ao papel desempenhado pelo mínimo como "indexador' para uma série de outros formais (CLT) vem se expandindo nos anos 2000, o que muda nessa sistemática
preços da economia e do mercado de trabalho".
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é a qualidade dos postos de trabalho, as formas de contratação e os "novos dispensa do que o contrato dito "efetivo", ou seja, do quadro direto da própria
vínculos" que se reconfiguram (GUIMARÃES, 201 !). firma: "o leve refluxo na atividade econômica no Brasil, associado à crise
A paitir disso, a autora percebeu que nos momentos de aquecimento internacional que se deflagrou em 2008, teve efeito imediato sobre o volume
econômico com elevação das taxas do emprego, havia, pari passu, um cres­ de ocupação nesse segmento" (p. 547). Ademais, observou ainda que apenas
cimento do ramo de intermediação da mão de obra. À medida que há uma 10% desses profissionais permanecem por mais de sete anos empregados no
evolução na geração de postos de trabalho, ocorre, no mesmo sentido, um ramo de atividade referente às "empresas de seleção, agenciamento e locação
avanço no prejuízo qualitativo dos regimes contratuais, ou seja, na forma de pessoal", sugerindo, por um lado, um movimento de tentativa de migração
de contratação de pessoal através das "empresas de seleção, agenciamento para postos de trabalho efetivos (a despeito da condição de subcontratação) e,
e locação de pessoal". Dito de outra forma, segundo suas conclusões, a ex­ por outro, o altíssimo índice de turnover4° nas empresas desse ramo.
pansão no assalariamento típico se traduz na subcontratação de mão de obra Embora possa alternar entre as empresas desse setor, esse contingente
(terceirização e trabalho temporário)37 • migra costumeiramente para contratos efetivos em qualquer oportunidade.
Não obstante o avanço nas políticas públicas daquele período de ex­ Em suma, a condição de terceirizado evidenciou-se preterida pelo trabalha­
pansão voltadas ao incremento do emprego, porém, ainda persistem as dor através da alta intermitência nos postos de trabalho, das subcontratações
altas taxas de "informalidade", além da recente lei nº 13.467, de novembro para as contratações diretas pela empresa, a despeito do argumento liberal,
de 2017, que regulamenta a reforma trabalhista, permitindo, inclusive, a como argumento apresentado pelos defensores da reforma trabalhista de que
universalização da terceirização38 • a regulamentação da subcontratação de forma universal (tanto nas atividades
Desse modo, segundo a autora, quando o emprego cresce, via cultura meio, quanto nas atividades fim das operações empresariais) promoveria um
da flexibilização, esse incremento é sob condições comprometidas, através cenário favorável à geração de empregos.
de subcontratação pela intermediação, quer por vias de terceirização com a Como asseverou Braverman (1987, p. 326) a respeito do exército de
redução das garantias sociais, quer por vias do trabalho temporário" e da reserva de trabalho: "nas condições do capitalismo, o desemprego não é uma
alocação de estagiários ( estudantes em processo de formação profissional) em aberração, mas uma parte necessária do mecanismo de trabalho do modo
condições de substituição de trabalhador (profissional formado). Como, para capitalista de produção". Seria, então, razoável supor que a "aberração" não
as estatísticas oficiais, embora dotada de aspectos precarizantes informais, a se limita ao "desemprego" propriamente dito, mas inclusive nas condições
terceirização, é um regime de contrataçãoformal, aparecendo nos indicadores precarizantes dos postos remanescentes ou mesmo gerados em surtos de
sociais como expansão das ocupações, não estabelecendo, assim, uma distinção aquecimento econômico. Em suma, o subemprego, como que em condição
de trabalho típico/atípico ou informal. de inexorabilidade da precarização, arraigou-se na esfera produtiva. Gerar
Guimarães (2011) constata, ainda, que a estabilidade do emprego no tra­ emprego, atualmente, muitas vezes passa pela geração de emprego subcon­
balho intennediado (subcontratação) apresenta vínculo muito mais suscetível à tratado ou de contratos atípicos diversos, de modo que,
37 A subcontratação aqui é entendida como a alocação indireta da mão de obra e pode ser vista como Se as novas modalidades de relação de emprego parecem estar reconfi­
qualquer estratégia de externalização (outsourcing) da força de trabalho: terceirização, trabalho tem­ gurando o velho "trabalho fonnal", essa reconfiguração não seria mais
porário, contratos com cooperativas ou ONGs, pejotização, contratação de estagiários como força que a ponta do iceberg de mudanças que estão ocorrendo na organização
de trabalho entre outros. Há também formulações mais dissimuladas, tais como "parcerias" com da economia, com impactos importantes sobre o mercado de trabalho
microempresas, faccionistas da indústria da confecção de moda (Tavares, 2002), trabalho domiciliar,
(GUIMARÃES, 2011, p. 559).
trabalho familiar e, por último, os consórcios modulares automobilísticos, esses observados por Ra­
malho e Santana (2006).
38 Durante muitos anos, a terceirização foi arbitrada na Justiça do Trabalho a partir da súmula 331 Na nova economia, a reorganização do trabalho rompe com o sistema
do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que estabelecia a possibilidade de terceirização restrita produtivo clássico prevalecente durante período significativo da segunda metade
às atividades-meio operacionais da empresa, gerando muitas controvérsias a respeito. A Reforma
Trabalhista implementada a partir de 2017 aprovou a terceirização em qualquer área da empresa e, do último século, ou seja, aquele sistema baseado nos modelos produtivos das
em agosto de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) ratificou que a terceirização de atividades-fim grandes fábricas. Oriundo do estágio pós-fordista de produção, o fenômeno
é legal, com isso pacificou enfim o entendimento do Judiciário sobre o tema. da desverticalização produtiva foi, essencialmente, um dos principais fatores
39 De acordo com a Lei n' 6.019/1974, que dispõe sobre o trabalho temporário, no seu segundo artigo,
"Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa de trabalho
temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à neces­ 40 Entende-se por tumover a rotatividade de pessoal nos postos de trabalho, ou seja, o fluxo de admis-
sidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços". sões e demissões em determinado período, geralmente com mensuração anual.
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ligados ao avanço da subcontratação. A articulação viabilizou um volume precariedade desse trabalho subcontratado, por conta da extensão de agentes
muito grande de extemalização de processos produtivos, permitindo às em­ mercantis envolvidos e explorando a mercantilização do trabalho. Em função
presas contratantes uma maior dedicação às estratégias de seu core business, disso, ainda mais periclitante para o trabalhador, é o caso da quarteirização que,
ou seja, maior foco na sua atividade-fim: sendo a "terceirização da terceirização", toma, além disso, mais dissimulada
sua prática e deteriorado o nível de regime contratual a que é submetido, uma
Ao invés da verticalização das atividades produtivas, confonne exigia o vez que, do ponto de vista da regulação, o desdobramento dessa relação se
modelo de organização taylorista-fordista do trabalho para assegurar a
padronização da oferta dos componentes do conjunto de atividades, ganhou perde entre os contratos de prestação de serviços (da alçada do Direito Civil)
a expressão justamente o movimento de desverticalização das atividades e a subcontratação da força de trabalho (da competência Trabalhista).
(POCHMANN, 2008b, p. 53). Não obstante a sua imprecisão em um enquadramento legal, a terceiriza­
ção se reproduz e se instaura com naturalidade no mercado de trabalho e sua
Decorrente de um padrão flexível de contratação e da subvalorização quantificação ainda é motivo de dúvidas. Ademais, não há um instrumento
da força de trabalho e, ainda, derivado de um cenário de intermitência entre preciso de mensuração do contingente profissional alocado sob contratos
emprego, subemprego e desemprego, para Guimarães (2003, p. 182), terceirizados no cenário nacional42 • Isso compromete as metodologias de
apreensão da força de trabalho disposta sob essas condições, o que constitui
"Focalização" e "desverticalização" estariam atrelados ao crescimento da um imenso desafio de monitoramento e, consequentemente, de fiscalização.
"subcontratação" e da "extemalização" do trabalho. Desse modo, o esforço
produtivo passaria a ser o resultado da ação de finnas em redes, nas quais De acordo com a Central Única dos Trabalhadores-CUT (2014, pp. 9-10),
a grande empresa ("enxuta" e "focalizada") estaria agora estreitamente órgão de representação sindical, através do dossiê a respeito do impacto da
imbricada a um número seleto de fornecedores qualificados. terceirização sobre os trabalhadores,

Essa desverticalização, como dito, essencialmente ligada à extemalização vale destacar que as estatísticas oficiais dificultam a análise dos efeitos
dos processos operacionais de cada firma, pode se dar parcial ou integralmente da terceirização, que é dificilmente captada pelas pesquisas vigentes[ ... ].
A organização desses dados apresenta uma estimativa sobre o universo de
no sistema produtivo, envolvendo atividades acessórias (atividades-meio) e terceirizados no Brasil e, novamente, é necessário que o país se debruce
até mesmo estratégicas (atividades-fim). Assim, Pochmann (2008b) considera para melhorar as estatísticas sobre o mercado de trabalho, pennitindo que
dois tipos de terceirização: um primeiro que transfere atividades secundárias sejam captados, de modo direto, o perfil dos trabalhadores terceirizados.
ao processo principal da empresa, geralmente, serviços ligados à limpeza,
segurança, transporte e alimentação, que são as chamadas atividades-meio. Há Esse ofuscamento persiste, a despeito de que a terceirização se consti­
ainda o segundo tipo, caracterizado pela terceirização de atividades internas tuiu a principal forma de flexibilização de contratações, pelo menos, a paitir
(primárias) da empresa. São atividades diretamente ligadas ao seu processo de dos anos 1990 (Krein, 2013b), o que dificulta análises mais assertivas sobre
produção, de vendas e de gestão. Trata-se dos processos de "superterceirização" a natureza e a força de atuação desse modelo de subcontratação laboral.
(Ibidem, p. 53). Apresentam-se, desse modo, os processo·s de expansão da Segundo Guimarães (2011 ), de acordo com os números obtidos a partir da
triangulação das relações contratuais, destacando-se como uma das principais Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE) das empresas
estratégias dentre as chamadas formas atípicas de mobilização produtiva dos de "seleção, agenciamento e alocação de pessoal" (classificado pela Relação
novos modelos de organização do trabalho. Anual de Informações Sociais - RAIS - como "divisão código 78"), foi pos­
Na emaranhada cadeia produtiva na qual se situa a terceirização41 , quanto sível constatar que os terceirizados correspondem a cerca de 2% do montante
mais a formalidade que regula essa contratação se distancia judicialmente de trabalhadores com carteira assinada no Brasil43•
das empresas tomadoras do serviço (empresa contratante), através dos elos
de terceirização e de prestações de serviços, maior tende a ser o nível de
42 Nem mesmo a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) fornece um alcance preciso do
volume da força de trabalho terceirizada. Outra forma de acesso a dados para essa finalidade,
41 O uso da categoria terceirização é especifico das relações de trabalho no Brasil. A prática é conhe­ tidos como mais próximos da realidade, seria por via da apuração direta junto aos trabalhadores,
cida como outsourcing nos Estados Unidos e, nos países europeus, inclusive em Portugal, aplica-se através da PNAD/IBGE.
subcontratação nos seus respectivos idiomas, evidentemente. "Subcontratação" reforça o caráter 43 A cifra apresentada, baseada exclusivamente na classificação pela RAIS de empresas de "seleção,
depreciativo desse modelo de relação contratual entre capital e trabalho. agenciamento e alocação de pessoal" mostra·se irrisória e provavelmente, subdimensiona o contin·
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Adotando uma estratégia diferente na tentativa de dimensionar o alcance Nesse sentido, para Druck e Franco (2007) a precarização ocorre quando
da terceirização, Pochmann (2008a), elenca cinco categorias ocupacionais no não se cumprem alguns direitos trabalhistas, entre outros, a equiparação salarial
emprego terceirizado: serviços não especializados prestados a empresas especia­ entre os terceirizados e aqueles contratados diretamente pela empresa (também
lizadas, atividades de limpeza e conservação prestadas por empresas, alocação chamados do quadro efetivo da empresa), a equivalência na jornada de trabalho e,
temporária de mão de obra, serviços de segurança e vigilância e ocupação em sobretudo, a desvinculação com a representação sindical da categoria profissional
empresa individual. Esses dados permitiram-lhe uma noção da dimensão das de origem, uma vez que a relação toma-se ainda mais vulnerável. Assim, um dos
possibilidades de subcontratação e, ainda segundo o autor, de acordo com dados efeitos mais ardis da subcontratação é o processo de descaracterização dos vín­
da PNAD/IBGE, as ocupações terceirizadas foram as que mais cresceram no culos sindicais e consequentemente a desproteção e o vilipêndio desse contrato.
período de 1995/2004. Enquanto a variação média das ocupações totais foi na No contraponto dos setores progressistas que alegam a geração de postos
ordem de 2%, as ocupações terceirizadas cresceram em 7,8% na média anual, de trabalho através da terceirização, a Central Unica dos Trabalhadores afirma
ou seja, quase quatro vezes acima da média geral do crescimento ocupacional. ainda que
Em outros estudos, dessa vez localizados especificamente no estado de São
Paulo, Pochmann (2008b) encontrou que, em 2005, a rotatividade do emprego Não é verdade que a terceirização gera emprego. Esses empregos teriam
terceirizado foi 70, 1 % maior do que a praticada nos demais tipos de regimes que existir para a produção e realização dos serviços necessários à grande
empresa. A empresa terceira gera trabalho precário e, pior, com jornadas
contratuais. No que concerne à remuneração, entre os terceirizados, havia uma maiores e ritmo de trabalho exaustivo, acaba, na verdade, por reduzir o
maior incidência entre os que recebiam menos de dois salários mínimos (58,8%). número de postos de trabalho (CUT, 2014, p. 9).
O panorama se inverte quando a referência era um rendimento maior, pois apenas
5, 7% daqueles que recebiam acima de cinco salários mínimos eram terceirizados. Apesar de ambas convergirem na tentativa de mensuração da força de trabalho
Por outras vias, mas também buscando quantificar a amplitude da terceiri­ alocada na condição de subcontratação, as metodologias utilizadas por Guimarães
zação, a CUT (2014) a partir de dados estatísticos e de informações obtidas com (2011) e pelo estudo da CUT (2014) se diferem porque a primeira parte de um
as representações sindicais dos trabalhadores, criou uma metodologia baseada na levantamento realizado em empresas (através da CNAE), enquanto a segunda
classificação das atividades empresariais em "setores tipicamente contratantes" categoriza os setores em terceirizáveis e não terceirizáveis.
e "setores tipicamente terceirizados"44, apontando nesse segundo segmento, em Em contrapartida, na outra ponta dos interesses e perspectivas em questão,
2013, um total de 26,8% de trabalhadores subcontratados na força de trabalho segundo dados do Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros,
"formal" brasileira. Além disso, de acordo com o estudo que envolveu trabalhado­ Colocação e Administração de Mão de Obra e de Trabalho Temporário no Estado
res de diversos segmentos, sobretudo dos ramos metalúrgico, bancário, portuário, de São Paulo (Sindeprestem) e da Associação Brasileira das Empresas de Ser­
químico, petroleiro, comércio e do setor público, os ditos terceirizados obtiveram viços Terceirizáveis e de Trabalho Temporário (ASSERTTEM)45, no pe1iodo de
uma remuneração 24, 7% menor do que os empregados tipicamente efetivos nas
2012/2013, o Brasil registrou 2.281.000 do que chamam de "empregos formais"
empresas contratantes, cumpriram jornadas de trabalho 7,5% maiores e tiveram
(no entanto, nesse contexto, esses ditos "empregos formais" são classificad.os como
uma estabilidade 53,5% menos duradoura do que os diretamente contratados.
subcontratações, ou seja, terceirizados e temporários), sendo desse total, 74,05%
Resumindo, os "terceirizáveis" recebem menos, trabalham mais e são mais vul­
neráveis na situação de permanência no emprego evidenciando-se, enfim, um em "serviços especializados" (como eles se referem à terceirização) e 25,95%
regime contratual vulnerabilizado frente ao "contrato típico". alocados em postos de trabalho temporários. Tomando esse volume infmmado
de postos de trabalho e considerando-se que o Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (CAGED) daquele ano registrou 40.435.200 de postos de trabalho
gente alocado sob esse modelo contratual, podendo não dar conta da efetiva amplitude desse me­ registrados, pode-se inferir que os subcontratados (terceirizados e temporários),
canismo de subcontratação (temporários e terceirizados) no mercado de trabalho nacional. É muito corresponderam a 5,64% dos aludidos "empregos formais" naquele ano, diver­
provável que haja um amplo contingente de trabalhadores terceirizados diluídos em empresas de ati­
vidades diversas, tais como nos ramos de limpeza, segurança e vigilância, representação comercial, gindo, da mesma forma, do alcance das cifras da subcontratação apresentadas
entre muitos outros que são atividades ti picas e amplamente submetidas a terceiros e temporários e, pelas demais metodologias.
no entanto, são classificadas pela RAIS sob outros códigos, distintos daquele que foi considerado na
apuração mencionada pela autora apenas como código 78.
44 O relatório não apresenta os critérios adotados para essa classificação, informando apenas ter sepa­ 45 Disponível em: <http://www.sindeprestem.com.br/pdf/Pesquisa_Setorial_2012-2013. pdf>. Em­
rado as empresas por "atividades tipicamente terceirizadas" e "atividades tipicamente contratantes". bora o sindicato citado tenha alcance apenas no estado de São Paulo, a ASSERTTEM tem
Por impossibilidade de reagrupamento, o setor agrícola não foi considerado nessa tipificação. abrangência nacional.
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As transfigurações do assalariamento avançam alterando a morfologia do masculina daqueles países estavam inseridas em contexto produtivo alheio às
trabalho e pondo sistematicamente em questão a regulação do que ainda resta do relações salariais (BARBOSA, 2011 ).
trabalho até então tido como protegido. Esse efeito corrosivo sobre a qualidade O referido Programa repercutiu no chamado Relatório do Quênia (publicado
das ocupações vem provocando um avanço de atributos tipicamente ligados aos em 1972) que, além de apresentar conclusões a respeito do desemprego local,
"setores" informais (por serem desregulados ou regulados parcialmente), sobre evidenciou que os países em análise apresentavam um elevado quantitativo de
as vias formais ainda remanescentes no mercado de trabalho, estas até então tidas trabalhadores em condições social e economicamente vulnerabilizadas. Atuavam
como marcadamente protegidas e reguladas pelo Estado e entidades representa­ às margens do sistema tradicional de relação de emprego protegido, buscando
tivas de classes. estabelecer uma analogia causal no sentido de que "inflação, salários inadequados
De tal forma, o mercado de trabalho, assim como as relações contratuais e crescente excedente de força de trabalho estavam na origem do alto nível de
que se estabelecem dentro dele, se reconfiguram a partir desse sistema imbricado informalidade nas atividades geradoras de renda do sub-proletariado" (HART,
que se delineia na sociedade. 1973, p. 61).
Surgia então a categoria ainda tratada como "economia informal", em contra­
2.2 Informalidades aqui e ali: para além das dualidades clássicas posição ao trabalho formal, característico de uma contratação assalariada. A partir
do mercado de trabalho disso, a emergência desse "setor informal" foi submetida a análises sob diversas
perspectivas. Tentou-se dissociá-lo da pobreza, sob o argumento de que não há
uma força de correlação necessariamente estabelecida entre a informalidade e a
Esta segunda seção do capítulo apresenta um debate acerca das informalida­ precariedade socioeconômica (CACCIAMALI, 2000). Assim, obteve destaque a
des presentes nas relações de produção, considerando especialmente os aspectos _
abordagem da subordinação, baseada no fato de que a esfera cap1tahsta (formal)
fluidos entre o que convencionalmente vem se tratando como formal e informal, pennite brechas para a inserção de trabalhadores em condições desreguladas e
bem como a relação dialógica desses contextos de (in)formalidades com o assa­ de oportunidades residuais.
lariamento e o empreendedorismo. Em que contexto dessa categorização dual (e Através dos teóricos da modernização, a informalidade foi analisada basica­
insuficiente) se insere a pejotização? Seria a pejotização uma prática consagrada mente como uma condição transitória entre o tradicional e o moderno, mobilidade
de formalização de postos de trabalho? Ou, a despeito disso, estaria incorrendo típica dos países de estágio de industrialização em desenvolvimento.
esse fenômeno para uma informalidade dissimulada e cada vez mais comum nos A categoria esteve, ainda, pautada a partir da "periferia do capitalismo" e do
tempos atuais? subdesenvolvimentismo, por ter sido analisada inicialmente pela perspectiva da
O conceito relativo ao informal evoluiu da conotação da marginalidade, passou social-democracia europeia, sob intensa frustração do pleno emprego não efetivado.
pela ideia de ausência da regulação e avançou para um dimensionamento muito Para a teoria da marginalidade, que a abordou sob a dificuldade de inserção
mais complexo a partir de sua relação imbricada com as formas emergentes de das camadas menos privilegiadas, o fenômeno seria um descompasso entre a
inserção nos modos de trabalhos além-salarial, o que justifica sua incorporação urbanização dos países latino-americanos e o desenvolvimento econômico local
ao presente debate. Para tal, buscou-se destacar que a face contemporânea do tra­ (NUN, 1978; SETHURAMAN, 1981).
balho não se ajusta às insuficientes categmizações duais do formal e do informal, Na tentativa de destacar que a informalidade estaria relacionada a proble­
pennitindo um amplo espectro de decodificações das formas de trabalho e das mas estritamente políticos e não econômicos, sob outra chave, Lautier (1997)
relações estabelecidas entre os agentes contratantes e os contratados. analisa a "economia informal" a partir da ligação estabelecida enh·e o Estado e
os indivíduos. Por isso, o nível de informalidade seria uma consequência do jogo
2.2.1 Do "setor informal" às informalidades generalizadas político estabelecido, demarcado por interesses e conveniências de um modelo
de clientelismo e de patrimonialismo arraigados em dete1minadas sociedades.
O Programa Mundial do Emprego financiado pela Organização Internacional O autor defende que o próprio termo "informal" remete a um estatuto a partir da
do Trabalho (PME-OlT) lançado com o objetivo de mapear a situação ocupacional forma ausente que o Estado lhe confere:
e de escassez produtiva em alguns países da Áfiica subsaariana revelou dados Falar da economia informal é situar-se em uma problemática na qual a
significativos a respeito da situação produtiva e de acesso à renda (OIT, 1972), intervenção do Estado é considerada como necessária ao funcionamento
apontando, por exemplo, que 40% da população economicamente ativa (PEA) de toda atividade econômica: ele define as regras da conconência; as de
uso do trabalho; permite a reprodução dos trabalhadores de uma geração
56 it:.JVI l�lyf'IV. i:1 t:lllf.Jlt:tJC:I IIIUIVIUUi:11 t;U[ILU IUlyCI UV tlCIUtllllV

à outr�; fixa normas �elativas ao produto (qualidade, segurança); etc. de familiares e assalariados nessa prática e da tipificação da unidade produtiva.
E,_ obviamente,
_ c?bra impostos, taxas e cotas para financiar sua própria Esse entendimento ratifica o uso de "economia informal" proposto pelo Instituto
atividade e lambem para atender a objetivos políticos, sociais ou éticos Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), classificada como "'unidade eco­
(LAUTIER, 1997, p. 61). nômica' que desempenha um conjunto de 'atividades produtivas ou de prestação
de serviços' cuja característica é compor uma 'unidade de trabalho e renda' em
O autor aponta duas correntes divergentes a respeito do papel do Estado como
pequena escala" (CARDOSO, 2013a, p. 42).
er
? � ção e fato� de expansão da informalidade. De um lado, alguns argumentos
. _ Durante muito tempo, alguns autores estabeleciam a clivagem entre o formal
md1cam que a msufic1encia da fiscalização por conta da vastidão territorial, bem
e o informal baseados ou apenas na obtenção da carteira de trabalho assinada
como da incapacidade administrativa pór carência, qualitativa e quantitativa, de
(BARROS; VARANDAS, 1987; PERO, 1992; FERNANDES, 1996) ou ainda
�ecursos _humanos estatais para esse fim, justificam o surgimento e a prática da na inclusão do sistema contributivo previdenciário (KASSOUF, 1998). Aos pou­
mformahdade. Por outro lado, contraditoriamente, o problema estaria também
cos, do ponto de vista analítico, a categoria foi perdendo o característico apelo
relacionado ao excesso, e não mais à ausência de intervenção estatal, tanto a partir
dual (formal/informal) e seguiu se transfi gurando a partir da inserção de ouh·os
das regras ?e �ncionamen ;� quanto às exigências fiscais e parafiscais, ligadas a
um excessivo Jogo burocra!tco, o que tomaria a permanência na informalidade fenômenos no cenário laboral.
Essa tendência binária (ter/não ter carteira assinada; contribuir/não contri­
algo muito mais atrativo e cômodo para o agente do negócio.
buir com a previdência), no entanto, vem sendo abandonada progressivamente.
Esse segundo pressuposto teria base no discurso empresarial, especificamente
A construção teórica e todo arcabouço conceituai que se havia forjado ao longo do
no argumento de curiho neoliberal, que busca o desmantelamento da possibilidade
tempo em tomo da formalidade "dependia mais do acordo sobre o que a informa­
de atuação do Estado sobre as questões mercantil-laborais, a fim de flexibilizar as
lidade não era, do que da unidade interna dos fenômenos aos quais a categoria se
relações sociais de trabalho, de tal modo que, aproximando-as demais, provoque
referia" (MACHADO DA SILVA, 2002, p. 89-90, grifo do autor) e o parâmetro
uma c?nfusão na �ompreensão entre os limites do formal e do informal. Algo que
para essas negativas era a formulação dos ideais da social-democracia sobre o
podena ser resumido como uma argumentação no sentido de destruir "de fato o
apelo do projeto inalcançado da universalização da sociedade salarial baseada na
Estado-Providência; [para que] depois, mostremos que ele é ineficaz; em seguida,
form�laçã? urbanização, industrialização, assalariamento, pleno emprego, que
destruamos o direito; assim, a distinção entre formalidade e informalidade não
devena articular produção em massa com alto padrão de consumo. Nesse sentido,
terá mais sentido" (LAUTIER, 1997, p. 71).
para o autor, a combinação desses fatores representava um pilar de sustentação
Cacciamali (2000, p. 174) defende ainda que processo de iriformalidade
para a manutenção do trabalho assalariado permanente, de tal modo que "talvez se
remete_ a 1;1ffiª c�!egori � em perma�ente (re)fo_rmulação, comum desse estágio
possa dizer que o par formal-informal correspondia à forma aparente do jogo de
do cap1tahsmo, Jª que , A construçao do conceito de Processo de Informalidade
claro-escuro representado pelo ideal inatingido do pleno emprego" (Ibidem, p. 89).
é efetivada a partir dos elementos singulares da contemporaneidade capitalista -
A problemática conceituai da informalidade como um "quase-conceito",
globalização", cuja dinâmica permite observar o fenômeno não mais no isolamento
efetivainente mascara "a forma e a velocidade da integração de certos contingentes
proposto em "setor informal", tampouco em "economia informal" mas como
de trabalhadores" (MACHADO DA SILVA, 2002, p. 84;100)46 na configuração
um fenômeno permeável, complexo, heterogêneo e multifacetado da re�lidade
do mundo do trabalho além-formal, pós-salarial propalado pela social-democracia
da sociedade de trabalho.
e seus congêneres ideológicos em termos globais e ajustado mundo capitalista
Ei_n busca de uma melhor formulação para a categoria em questão, Cac­
. adentro.
ciamah (2000, p. 155) d�fende que o ponto de partida para uma apreensão
A flexibilização produtiva, com todos os seus desdobramentos, agregava um
suficientemente cognosc1vel para o "informal" são as caracteristicas internas
novo teor de indistinção da tradicional ambiguidade e foi "deslocando o foco das
das unid�des econômicas "entre as quais sobressai o fato de o dono do negócio
questões tratadas, da análise das características substantivas do processo produtivo
exercer simultaneamente as funções de patrão e de empregado e de não existir
para sua regulação político-institucional" (MACHADO DA SILVA, 2002, p. 94).
separação entre as atividades de gestão e de produção". Essa liriha interpretativa
Em síntese: as transformações do assalariamento trouxeram a informalidade das
que atualmente defi�iria a situação dos microempreendedores individuais (MEI):
bem como as demais empresas individuais no âmbito das informalidades, se­
gun?º. a autora, permitiria uma maior apreensão a partir da amplitude do tipo de 46 A análise de Machado da Silva (2002) tornou-se marco na interpretação sobre o percurso da
mformahdade nessa virada de lógica a respeito da "vida real" dos indivíduos em condições de
negocio em questão, do perfil desses profissionais envolvidos, do envolvimento 1nformahdade. A chamada ordem empreendedora, assim como o discurso da empregabilidade,
nesse sentido, são, de acordo com o autor, novas faces de manifestação da velha informalidade.
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margens e da negação conceituai para o centro dos debates, abdicando, gradativa­ A perspecÚva dicotômica tem se demonstrado obsoleta e insuficiente na
mente, o estatuto do "outro lado", das narrativas a partir da negativa: "não formal", análise sobre a estrutura do mercado de trabalho, onde as relações produtivas não
"não regulado", "não controlado", "não incluído", da subcategoria analítica a um são necessariamente vinculadas a um emprego "típico", "protegido", "formal", o
patamar de centralidade na vida real do indivíduo. que não quer dizer que tais relações se encontrem e�pecifica�ente n? ambiente
"Setor informal", "economia informal", processo de informalidade ou "neoin­ circunscrito das "informalidades". No campo empínco, ou seJa, na vida real dos
formalidade", essa última trazida por Pérez-Sáinz (1995), independentemente da atores em questão, trata-se de um vaivém ambíguo no qual se configuram perdas
terminologia assumida, foram se reconfigurando à medida que o regime salarial e ganhos, altos e baixos, onde autonomia e heteronomia muitas vezes transitam
se comprimia ao longo da década derradeira do último século, pressionando por concomitantemente na vida do trabalhador, constituindo um gradiente obscuro
outras formas analíticas sobre a categoria em questão. Entre tantas outras pos­ no mercado de trabalho. Há formalidade no que tratam como infonnal, assim
sibilidades, não há uma formulação ou construção suficiente para dar conta de como, evidentemente, persistem muitas informalidades no que s� convencion?u,
forma conclusiva desse fenômeno complexo, heterogêneo.e multifacetado. Fato é
por muito tempo, tratar como formal. Ao formal, não cabe o universo exclusivo
que a problemática suscitou perspectivas diversas, que contemplam as condições
das prerrogativas da regulação, da legitimidade, da salvaguarda estatal e da plena
laborais, os !Úveis de especialização, os acessos aos meios de produção, o tamanho
capacidade produtiva, assim como nem todo inverso será designado ao informal.
das urudades produtivas, as relações com o Estado, entre outros.
Atualmente, a partir da centralidade temática, o debate sobre a informalidade Tomando-se como parâmetro o nível de regulamentação assumido para fins de
recusa sua polarização e superficialidade para a demanda de um olhar atento sobre classificação entre as condições da formalidade/infonnalidade, serão encontrados
_
as diversas condições de trabalho. Seja do ponto de vista do nível de intervenção muitos aspectos do chamado emprego celetista, tido como regulado e protegido,
do Estado nas regulações, do tamanho das urudades produtivas ou do envolvi­ por isso,formal, permeado de elementos s�bólicos da infon_nalidade, �ez un:1ª
mento do proprietário nas operações do negócio, as informalidades estão sempre que carteira assinada não garante necessariamente o cumprrmento de drre1tos
permeando, de alguma forma, as relações contratuais contemporâneas estabeleci­ (FILGUEIRAS, 2012).
das entre capital e trabalho em algum nível, trazendo para o centro das questões, Nesse sentido, como exemplo, Cardoso (2013a) descreve o caso de um
as condições de inserção do trabalhador no âmbito das transformações sociais. camelô que participa do circuito do capital no fluxo d� produção, distribuição e
consumo de bens, ao adquirir sua "muamba" do Paragua1. O produto possivelme�te
veio da China em um navio feito em aço, cujo motor pode ter sido produzido
2.2.2 De-segmentação, espaços limiares e as "zonas cinzentas" do na Inglaterra. Além disso, o objeto do camelô é manufaturado em borracha de
assalariamento: além do enquadramento formal/informal nas formas _
má qualidade e utiliza também como matéria-prima o petróleo que fora extrm�o
de inserção no trabalho do Brasil e circulado, mundo afora através de grandes corporações multmacio­
nais inclusive através de títulos valiosos em Nova Iorque, Cingapura e Tóquio.
Essa abordagem dual (formal/informal) reforçou a longeva polarização acerca A p;odução em massa chinesa e o baixo custo trabalhista daquele país pe�item
_
das condições ocupacionais, sustentando e, ao mesmo tempo, sendo reforçada a hiperprodução de bens a preços módicos, viabilizan?o, em � 1mens? c1rculo
por correntes teóricas diversas47 • vicioso, o envolvimento de diversos agentes: uns formais, outros informais, alguns
nem tão formais e outros ainda, nem tão informais assim.
47 Diversas correntes econômicas, ao longo do tempo, buscaram explicar as segmentações estabe­ Essa narrativa breve e simbólica, mas tão representativa dos ambientes "des­
lecidas em torno do mercado de trabalho. As que mais se destacaram foram as Teorias do Capital regulados" dos comércios populares, ilustra as interpenetrações entre os mercados
Humano e a Teoria da Segmentação do Mercado de Trabalho (TSMT).
Nos anos 1950 surge a Teoria do Capital Humano, que atrelava a remuneração a um nlvel mínimo de exclusivamente na clivagem do formal que se opõe ao informal e vice-versa.
produtividade marginal extraido de cada trabalhador. Para melhor aproveitamento dos conceitos da Para Cardoso (2013a, p. 35) "Recusar a dualidade formal/informal não é recusar
Teoria do Capital Humano conferir Becker (1962) e T hurow (1970). Vale ressaltar que essa corrente
teórica permitiu às organizações estabelecerem perfis tecnicamente mais ajustados a cada cargo,
intensificando as atividades de recrutamento e seleção. Esse modelo, diretamente ligado à noção diversas. A leitura prevalecente dessa teoria classificava dois segmentos do mercado de trabalh�: o
de empregabilidade, ainda possui forte adesão na Gestão de Pessoas contemporânea, geralmente segmento primário independente, relaciona�o aos cargos_ de executivos das grandes _corpor�çoes:
através das práticas voltadas à Gestão do Conhecimento, do Capital Intelectual e das Competências. cujos atributos tlpícos passam pela formulaçao de estrat�g,as, e_ pelos processo� de_c,�orio e criativo,
Como contraponto relevante à Teoria do Capital Humano, vale conferir a crítica contundente desen­ o segmento primário dependente, marcado por ocupaçoes rotmeJras e estave1s, t1p1co dos ?argos
volvida por Lautier e Tortajada (1978). burocráticos e administrativos; e, por último, o mercado de trabalho de segmento secundário, ge­
No início dos anos 1970, por se considerar a heterogeneidade da capacidade produtiva dos indiví­ ralmente relacionado aos cargos de menor grau de escolaridade, de tarefas repet,t,vas. Conferir
duos, surge a Teoria da Segmentação do Mercado de Trabalho (TSMT) composta por abordagens também Cacciamali (1978) e Lima (1980).
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as relações de poder que resultam do (e reproduzem o) modo de operação dos A de-segmentação (ou hibridização48 ), para o autor, não é uma mera
mecanismos de coordenação do sistema. É recusar, apenas, a dualidade". Uma simplificação ou unificação, mas se trata de uma perturbação nas barreiras
dualidade que perdeu espaço para formas amplas e difusas de sobreposições de entre o trabalho protegido e regulado e o trabalho não protegido e não regu­
elementos antes tidos como característicos da informalidade coexistentes com lado nas maneiras de inserção do indivíduo nas condições produtivas. No seu
aspectos que até então vinham sendo atribuídos ao estatuto da formalidade e entendimento, tal complexidade estaria relacionada, evidentemente, além da
vice-versa. precarização, ao desemprego estrutural, ao surgimento dos trabalhadores que
A respeito dessa "zona de interseção" entre os aspectos formais/informais, obtém renda abaixo da linha de pobreza, ampliação das redes de subcontrata­
em estudo inaugural no Brasil sobre a informalidade nos mercados metropolita­ ção e a redução do formato das empresas. Isso oferece pistas para se chegar
nos de trabalho, Machado da Silva (1971) demonstra que há um imbricamento ao verdadeiro objetivo e efeito da de-segmentação que é
entre as esferas formais/informais que não delimitam completamente espaços de
escamotear a dicotomia - agora ultrapassada - entre trabalho protegido e
identificação e atuação por parte dos agentes do trabalho. Para o àutot, ''o fato de trabalho não protegido, próprio às teorias da segmentação [do mercado de
determinados traços definirem um segmento ou grupo de trabalhadores não implica trabalho] e que têm um impacto sobre as formas de contrato de trabalh.o,
necessariamente que é apenas aí que eles se manifestam" (p. 11 O), referindo-se aos que vinculam empregadores e assalariados ou independentes (AZAIS,
"espaços limiares" como o intervalo das ambiguidades entre o "mercado formal 2004, p. 174).
(MF)" e o "mercado não-formalizado (MNF)". De modo que, assim como os laços
de clientela não são exclusivos do l'vlNF, embora evidenciem mais importância Recentemente, no entanto, por acreditar que a ideia de de-segmentação
nesse setor, há, por outro lado, um aparato jurídico-institucional, característico está muito ligada à ausência de antagonismos e conflitos entre classes, o que
do mercado formal (MF), que é também recorrente no l'vlNF, assim como no contraria sua convicção a respeito da diferenciação global (em oposição à
padronização geralmente atribuída ao fenômeno), Azais (2015) empregou o
exemplo do circuito percorrido pela "muamba" no caso anteriormente ilustrado.
conceito de "zona cinzenta"49 para perseguir a ideia já defendida anterimmente
Da mesma forma, há ainda uma variação no que se pode chamar de nível
por Alain Supiot quando se referiu não necessariamente a uma "zona interme­
ou grau de informalidade no âmbito do trabalho, no sentido de enquadramento diária", mas que ultrapassa as dicotomias ainda vigentes de (in)dependência
entre uma situação profissional plenamente formal ou estritamente informal, do assalariamento e da (in)formalidade dos registros ocupacionais. Supiot
assim como o meio termo entre esses dois status. Nesse caso, a formalidade e a (2000) defende a emergência de um espaço intersticial, uma suposta "zona
informalidade não permitem espaço para a dualidade, pelo contrário, coexistem cinzenta" onde o Direito não alcança e, por isso, não opera plenamente por
e se interpõem através de elementos, tácitos ou expressos, presentes nos diversos estar situada às margens de normas instituídas e em dec01Tência de deslizes e
tipos de contratos e nas relações cotidianas do trabalho. de arranjos institucionais elaborados a favor dos novos modelos de vínculos.
O contexto situado no espectro formal-infonnal, marcado pelas indefinições São aspectos de caráter "informais" que perpassam as situações de tra­
das relações laborais estabelecidas, traz para o debate um momento inédito no balho, inclusive nas mais diversas instâncias salariais tidas comument.e como
mundo dos trabalhos, caracterizado por diversas formas de hibridização substan­ "formais". O autor resgata dois conceitos medievais para analisar as condições
cial dos formatos contratuais, tais como: informalidades reguladas, formalidades
desprotegidas, empresários empregados, trabalhadores autônomos que prestam 48 Aqui, o termo hibridização é utilizado no sentido da mistura ou imprecisão entre o formal e o informal,
serviços contínuos e subordinados, enfim, formas que caracterizam o rompimento diferente do uso do termo ao longo do texto aludindo às transposições dos aspectos entre as diversas
formas contratuais de trabalho, o que caracteriza a pejotização como um modelo de confluência entre
com a interpretação meramente segmentada, para um ambiente indefinido, difuso os diversos regimes de relações de trabalho.
e bem mais complexo do que a mera dualidade das (in)formalidades. 49 Regra geral, o termo zona cinzenta refere-se a situações intermediárias e de difícil precisão. Tem
supostamente seu uso originado a partir dos escritos de Primo Levi, italiano de origem judaica,
Trata-se, então, de um contexto de mercado de trabalho multifacetado tanto sobrevivente do campo de concentração nazista em Auschwitz (1945). Segundo ele, no campo de
em sua práxis como em sua inteligibilidade empírico-analítica. Segundo Azais concentração, nas situações extremas entre vítimas e algozes, havia uma sutil zona intermediária
(2004, p. 173-174) que introduz o conceito de de-segmentação do mercado pós­ de conduta, na qual era comum identificarem prisioneiros cujos comportamentos eram adversos �os
demais colegas por interesses e conveniências pessoais e a favor de seus detentores. Ao término
-fordista, esse resultado marca "uma tendência à diluição das fronteiras entre as da Guerra, muitos dos sobreviventes libertos pelas forças aliadas, não foram necessariamente o�
ocupações no mercado, com efeito sobre o teor dos contratos de trabalho nas mais fortes nem os mais inteligentes, mas os que melhor se ajustavam entre os extremos. Para Lev1,
aqueles prisioneiros de conduta ambígua, situavam-se em uma chamada zona cinzenta de interes­
economias desenvolvidas". ses (LEVI, 2004).
ri::,JVI IL/"\',>/"\V. a <;lllfllü;;la IIIUIVIUUQl VUJIIV ,v,ya ,.,,., ......,...... ,.,

de autonomia versus dependência nas relações de produção contemporâneas Para os defensores da formulação analítica referida como "de-segmentação
e, então, compara essa situação de poder entre o trabalhador e o ordenamento do mercado de trabalho" ou "zona cinzenta" (ROSENFJELD, 2015; SUPIOT,
do capital com a ligação entre o suserano e o senhor feudal: 2000, AZAIS, 2004, 2012, 2015; entre outros), as análises sobre as relações de
trabalho não se devem ater somente sob a dicotomia das figuras normativas de
novos modos de governo dos homens, que evocam a vassalidade feudal: "dependência" ou de "autonomia", porém, dentro de uma mesma nova lógica de
um vínculo de obrigação se estabelece a mais ou menos longo prazo, que exercício de poder econômico, numa articulação entre uma esfera e outra.
não permite ao vassalo perder sua qualidade de homem livre, mas o obriga
a usar desta sua liberdade aos serviços dos interesses de seu suserano Ao se analisar algumas formas bastante recmTentes de inserção no mercado
(SUPIOT, 2000, p. 139). de trabalho, é possível perceber uma gama de condições convergentes com as
categorias em questão. A guisa de exemplo, relacionam-se desde as situações do
Dessa forma, para o autor, essa zona intermediária, do "vazio jurídico", subemprego, passando pelos modelos de semiemprego (trabalho em tempo parcial
ultrapassa a dependência do salariato. No entanto, rtão se assemelha, à rigor, e o polêmico trabalho intermitente, este último trazido pela reforma trabalhista de
com a "independência" além-salarial. Os "novos contornos" das relações do 2017) até os pseudo-empregos, que são trabalhadores autônomos em condições,
trabalho evidenciam esse panorama. Para Azars (2012, p. 17 4), a deveras, análogas ao assalariado. Nesse sentido, quando se trata de precarização,
revela-se um vasto esquema de aviltamento das relações de trabalho, muitas
clivagem entre subordinação e autonomia, outrora claramente marcada - o vezes sob anuência do profissional, por conta de uma ampla disponibilidade de
que a teoria marxista refletiu com certa acuidade - não está hoje em dia tão reserva da força de trabalho, do achatamento do rendimento salarial, da própria
acirrada. Alguns profissionais optam por formas institucionais ditas autônomas, subcontratação da força de trabalho e da progressiva degradação dos regimes
à margem da forma canônica do assalariamento, com o intuito de fugirem contratuais, que mais interessam no conjunto desta obra.
da subordinação. Outros, juridicamente independentes, estão a depender de A condição produtiva tipicamente considerada como informalidade nas
um único cliente que lhes aufere a quase integralidade de seu faturamento.
sociedades em processo de desindustrialização, aqui entendido como o enfraqueci­
Esse "novo quadro da informalidade", surgido em decorrência das recon­ mento da participação industrial no cenário geral produtivo, ressalta que os papéis
assumidos pelos trabalhadores sob as novas tramas produtivas se estabelecem a
figurações do trabalho e dos movimentos de flexibilização dos regimes contra­
partir de coesões sociais diferenciadas do modelo propriamente industrial, ou seja,
tuais, evidencia um perfil de mercado de trabalho multiforme e de condições
aos moldes tradicionalmente fordistas ultrapassados. Permitem, agora, uma gama
porosas complexificando a definição empírica dos limites da formalidade ou mais extensa de arranjos contratuais, tal como o trabalho com autonomia jurídica,
da informalidade. mas com heteronomia econômica, no limite entre a autonomia e a subordinação.
Nesse amálgama do trabalho, entre oferta e demanda, deve-se entender por Daquela organização solidária, restou um tipo de sociedade individualizada e
flexibilidade, não somente as formas e regimes contratuais (terceirização, coope­ induzida à polivalência, onde a especialização, sob a concepção da fragmentação
rativas, serviço público celetista e não estatutário, estágio como funcionário etc.), produtiva, deu lugar a um saber-fazer ampliado- de atributos técnicos e gerenciais
mas também na dimensão do tempo de trabalho (jornadas extensivas, banco de - em oposição ao modelo dualista, do tipo "ou/ou" da lógica anterior.
horas como supressão do pagamento das horas extras, utilização sem pagamento A pretensão desse debate estabelecido até aqui teve como propósito a enun­
do sobreaviso'º), assim como relacionada aos sistemas de recompensa (contratos ciação de que a análise não recaia, necessariamente e tão somente, sobre as condi­
por empreitada, jornadas de meio-expediente com remuneração parcializada, ções, mas, inclusive, sobre as interpretações de seus atores nesse contexto social
implementação de remunerações variáveis como mecanismo de redução do sa­ transmudado. O efeito dual de outrora contribuiu ainda mais com o emaranhado
lário fixo, como participação nos lucros e resultados, contratos exclusivamente complexo de dificil precisão não ao espectador analista, debruçado sobre seus
aspectos teórico-epistemológicos, mas ao protagonista desse jogo: o trabalhador
comissionados, entre outros).
"empreendedorizado". Para Machado da Silva (1971, p, 110),
50 O controverso adicional de sobreaviso, previsto no artigo 244 da CLT, é caracterizado pela prontidão Além de eliminar os perigos da rigidez fonnal a que os esquemas dico­
que o trabalhador, em seus momentos extra-jornada, deve disponibilizar à empresa. Geralmente tômicos podem conduzir, uma visão assim matizada da diferenciação na
se dá pela prática de atender ligações, utilizar correios eletrônicos ou até mesmo se deslocar até o
local de trabalho em momentos fora do seu expediente (inclusive em folgas, férias e licenças). Con­ organização do mercado parece encontrar forte apoio empírico: a percepção
troverso, pois, embora seja cada vez mais banalizado o seu fato gerador (a total disponibilidade do dos próprios grupos envolvidos.
funcionário), menos comum tem sido a prática do seu pagamento por parte das empresas.
64 PEJOTIZAÇAO: a empresa individual como força de trabalho "'
O autor refere-se aos limites ambíguos, pouco diferenciados entre o análises mais ponderadas do que a simples ascensão de um movimento
ambiente formal e o informal na práxis do mercado, ou seja, na vida real pseudo-emancipatório.
dos sujeitos, na forma como os trabalhadores interpretam seus efeitos no
seu cotidi ano, sem necessariamente precisar seu estatuto no âmbito das 2.3.1 A promoção da ordem empreendedora
(in)formalidades.
Enfim, a zona cinzenta, como proposto no sentido analítico do termo, Diversos segmentos da sociedade têm apontado a rel evância do em­
não é necessariamente "embaçada" no que diz respeito às condições de preendedorismo destacando seu papel como promotor do fortalecimento
trabalho de seus intérpretes. Entretanto, assume efeitos ambíguos e até econômico e da inovação. Alguns argumentos, geralmente partindo das
controversos quando submetida à perspectiva do próprio trabalhador, agências promotoras da prática empreendedora, alegam. inclusive seu
muitas vezes circunstancialmente conduzidos a regimes c ontratuais de protagonismo no ambiente produtivo, relacionando o efeito do "negócio
condições de difíci l definição dadas as suas tantas imprecisões do ponto próprio" como principal responsável pelo crescimento da economia de
de vista das relações estabelecidas. determinadas regiões.
Os contornos da informali dade, da individualização e os novos laços De fato, as estatísticas associam o sistemático surgimento de no­
estabelecidos entre os trabalhadores e sua noção de (in)dependência e re­ vos negócios, na sua quase totalidade micro e pequenas unidades pro­
lação com o capital no mercado de trabalho serão retomados na próxima dutivas, com a promoção d e cond i ções d e trabalho e de geração de
seção que discutirá a ordem empreendedora dos novos tempos, que age renda para o trabalhador brasileiro e, em alguns casos, da alocação de
sua família, direta ou indiretamente nas operações do incipiente mi­
através de um discurso de suposto movimento de resistência ao desassa­
lariamento e de aporte a mecanismos de "emancipação profissional" no
croestabelecimento. De acordo com o SEBRAE (2015) 52% dos pos­
emaranhado espaço de ofertas e demandas por trabalho. tos de trabalho formais no Brasil estão ocupados nas micro e pequenas
empresas (MPEs)".
Portanto, além da condução do próprio encarreiramento profiss ional
2.3Ambiguidades do fenômeno empreendedor: empoderamento, (note-se a seguir que a maioria desses negócios de micro e pequeno porte
empregabilidade e informalidade ainda não possui empregados), a capacidade de geração de novos postos de
trabalho, conforme apresentado, demonstra a representatividade ocupacio­
O desassalariamento progressivo dos anos 1990 agregado aos efeitos nal dos novos negó cios que, de acordo com o tempo de estabelecimento,
das novas (i n)formalidades encontraram no empreendedorismo um c ampo podem ser classificados como iniciais (nascentes ou novos) ou estabeleci­
fértil para manifestar formas reelaboradas de inserção no trabalho: o em­ dos". A tabela I a seguir oferece um suporte à análise da distribuição dos
preendedor assalariado. empreendedores segundo a geração de empregos, especificamente com
Tal efeito se dá a partir da propagação do fenômeno empreendedor na relação ao tempo de atuação de suas microunidades de negócios.
sociedade "pós-salarial", que surge sob o forte apelo de sucesso profissional
emancipatório do jugo do patronato, ocultando no seu discurso aspectos 51 O SEBRAE considera microempresa os estabelecimentos do setor de comércio ou de serviços com
até nove pessoas ocupadas e os estabelecimentos industriais com até 19 ocupados. Consideradas
muitas vezes ligados a um processo de fragmentação social do trabalhador. de pequeno porte são as empresas de comércio ou de serviços com 10 a 49 ocupados e indústrias
Para discutir o assunto, inicialmente será apresentado um debate acerca que ocupam de 20 a 99 trabalhadores (SEBRAE, 2015). Para o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), porém, o parâmetro para a classificação do porte empresarial se dá
dos indi cadores estatísticos relativos ao volume dos novos negóc ios, sob por conta do faturamento monetário anual e não da quantidade de funcionários dos seus quadros.
o argumento do sucesso de se lançar ao empreendimento como estratégia 52 Os empreendedores nascentes estão envolvidos na estruturação de um negócio do qual são proprie­
profissional . A seguir, constitui-se uma análise contextual dessa força tários, mas que ainda não pagou salários, pró-labores ou qualquer outra forma de remuneração aos
proprietários por mais de três meses. Os empreendedores novos, por sua vez, administram e são pro­
imperativa vigente, do "ter que ser empreendedor", apontando elementos prietários de um novo negócio que pagou salários, gerou pró-labores ou qualquer outra forma de remu­
substanciais geralmente omitidos naqueles discursos hegemôni cos. Por neração aos proprietários por mais de três e menos de 42 meses. Esses dois tipos de empreendedores
são considerados empreendedores iniciais ou em estágio inicial. Empreendedores estabelecidos admi­
último, a favor de conclusões preliminares, serão analisados aspectos nistram e são proprietários de um negócio estabelecido, que pagou salários, pró-labores ou qualquer
relevantes nessa ressignificação do empreendedorismo que permitem forma de remuneração aos proprietários por mais de 42 meses (3,5 anos) (GEM, 2014, p. 29).
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Tabela 1 - Distribuição dos empreendedores iniciais e Já a tabela 2 a seguir destaca a concentração de renda inferior entre aqueles
estabelecidos segundo a geração de empregos 2014 alocados em empresas que contam com um a nove empregados formais, onde
Iniciais Estabelecidos 47,6% desses trabalhadores recebem de 1,01 a 1,5 salário mínimo. Diferente da
Geração de Empregos (em%) condição dos empregados nas fomas maiores, que contam com 500 ou mais em­
(em%)
Nenhum empregado 84,1 79,5 pregados (em média R$2.348,00). Nas menores unidades produtivas, prevalece
1 empregado 6,4 7,3 o rendimento médio de 1,01 a um salário mínimo e meio. Já nas maiores, há uma
2 empregados 4,3 4,8 ligeira predominância dos rendimentos entre 2,01 SM a três salários mínimos
3 empregados 1,7 2,3 (19,26%).Além de uma distribuição mais ampliada entre as demais faixas salariais
4 empregados 1,0 1,3. medianas e as mais elevadas.
5 ou mais empregados 2,5 · 4,9 .·
Tabela 2 - Distribuição do percentual de trabalhadores por faixas salariais (em
Fonte: Adaptado de GEM (2014). salários minimos), de acordo com o porte da empresa (ano referência: 2014)

Os dados apresentados até aqui sinalizam a dimensão assumida pelo mi­ Tamanho Estabelecimento
Faixa Remuneração Média (por quantidade de empregados)
croempreendedorismo, em especial o empreendedorismo individual, uma vez (em salários mínimos - SM)
que, de acordo com os dados apresentados na tabela 1, em sua grande maioria, os de 1 a 9 a partir de 500
empreendimentos contam somente com o dono do negócio nas suas operações. Até0,50 SM 0,36 0,37
Além disso, há evidências de que as unidades produtivas tendem a expandir seu 0,51 a 1,00 SM 7,03 3,73
quadro de trabalhadores à medida que avançam na classificação de iniciais a 1,01 a 1,50 SM 47,60 19,06
estabelecidos. 1,51 a 2,00 SM 22,27 14,87
A discussão a respeito das condições de trabalho em empresas de portes 2,01 a 3,00 SM 14,52 19,26
distintos se justifica neste contexto uma vez que em todos os aspectos, quanto
3,01 a 4,00 SM 4,13 11,36
menor o porte do negócio no qual está alocado, mais suscetível o trabalhador se
4.01 a 5,00 SM 1,68 7,66
toma às condições adversas do mercado.
Assim, no aspecto remuneração dos empregados, no entanto, é que a evidência 5,01 a 7,00 SM 1,33 8,87
da vulnerabilidade se toma ainda mais objetiva. Nota-se que quanto menor o porte 7,01 a 10,00 SM 0,58 6,31
da empresa, mais retraídos ficam os rendimentos do trabalhador, conforme gráfico 10,01 a 15,00 SM 0,28 4,42
3, onde se destacam valores discrepantes entre a remuneração média percebida 15,01 a 20,00 SM 0,10 1,83
nas micro e nas grandes empresas, que tem uma variação de 83,44% a favor dos Mais de 20,00 SM o,11 2,24
trabalhadores alocados nas maiores. TOTAL 100,00 100,00
Gráfico 3 - Remuneração média, de acordo com o porte da empresa (2013) Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS/MTE.

Tanto as evidências apresentadas pelo SEBRAE, quanto aquelas levantadas


através da RAIS apontam a discrepância entre a remuneração obtida pelo em­
pregado, de acordo com o porte do estabelecimento. O indicativo "remuneração
do trabalhador" sinaliza para o fato de que as pequenas unidades produtivas não
conseguem estabelecer, em paridade com as grandes, a capacidade de oferta de
rendimentos ao seu trabalhador. Em efeito cascata, é razoável supor que se associam
MICRO PEQUENAS MÉDIAS GRANDES nesse aspecto à precariedade dos microempreendimentos, a baixa estabilidade no
Fonte: SEBRAE (2015).
emprego (alto índice de rotatividade), a menor capacidade produtiva e competitiva
68 t-'tJU I ILAYAU: a empresa 1na1v1oua1 como rorça ae iraoamo

do pequeno negócio, sua implementação de estratégia de obtenção de recursos recebendo as consequentes recompensas da satisfação e independência econômica
para expansão ou mesmo manutenção financeira de curto prazo e, evidentemente, e pessoal", sugerindo esse perfil de trabalhador como alguém em permanente busca
baixa rentabilidade para o pequeno "capitalista". de um estado de independência produtiva, de forma audaz e individualizada. Os
No entanto, a despeito dessas condições relativamente adversas, o movi­ atributos que compõem o "perfil do empreendedor" seriam um elemento funda­
mento favorável ao empreendedorismo prossegue enaltecendo a "emancipa­ mental para inserção na proposta de novos negócios.
ção" profissional. Alguns aspectos subjetivos e comportamentais, localizados no âmbito das
O termo empreendedorismo ganhou espaço e ampliou0se através do tecido competências individuais, dentre outros, segundo Dornelas (2007)54, identifica
social. Essa "difusão aparece atrelada às transformações socioeconômicas e o indivíduo como visionálio, assertivo em processos decisórios, opmtunista e
políticas ocorridas a partir da década de 1970, que alteraram significativamente dinâmico em cenários de risco e incerteza.
a organização e a regulamentação da esfera econômica Para McClelland ( 1961 ), wn dos principais nomes ligados ao behaviorismo,
. da produção". (DIAS, "ser empreendedor" está relacionado a atributos comportamentais, ligados a
2012, p. 24).
Contudo, a valorização do empreendedorismo não é objeto de análise recente competências subjetivas, que classificaria cada indivíduo em certo nível gradiente
na história do capitalismo, conforme já apontado no "primeiro espírito" de Bol­ de potencial empreendedor: a) capacidade moderada ao risco; b) capacidade de
tanski e Chiapello (2009). Atribui-se a Richard Cantillon, economista francês do desenvolvimento de atividade instrumental nova e potente; c) capacidade de assu­
século XVIII, a definição de empreendedor como aquele que lida com incertezas mir seus próprios riscos; d) capacidade visionária, antecipatória de oportunidades;
e por último, e) capacidade de tomada de decisões. Para esse autor, empreender
ao adquirir mercadorias a um preço definido no presente para vender a um preço
não é necessariamente "abrir um negócio", como geralmente tratado no senso
indefinido no futuro. Ao fazê-lo, assume riscos sob um ambiente de incerteza, o
comwn, mas ser dotado, de modo geral, dessas cinco capacidades correlacionadas.
que o caracteriza como wn indivíduo racional no âmbito da economia de mer­
Organizações e agências nacionais e internacionais de diversos interesses,
cado, posicionando-se em situação intermediária entre produtor e conswnidor53 •
mas de viés ideológico favorável ao empreendedorismo, se empenham na sua
Schwnpeter (1982) através da teoria do desenvolvimento econômico dos
promoção através de propostas sistematicamente pautadas no ethos da emancipação
anos 1930 também aponta o empresário, no caso, o empreendedor, como wn indi­
víduo inovador que modifica o mercado ao combinar recursos de novas maneiras, profissional por vias da geração de trabalho e renda a paitir de wn novo negócio.
diante de um mercado competitivo. Para fundamentar a importância atribuída ao Desde os anos 1990, o movimento empreendedor se fortalece a passos largos.
empreendedorismo, o economista defendeu o conceito de "destruição criadora" De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
que, segundo ele, trata-se de wn processo social e economicamente necessário, (OCDE), uma das principais agências disseminadoras do empreendedorismo, o
através do qual o progresso ocorre por meio de cliações e destruições cíclicas, Brasil é o país que mais impõe barreiras legais e administrativas ao processo em­
favorecendo a permanente prática inovadora e, por extensão, empreendedora. Para preendedor. Diante disso, em 2004, buscando fomentar ainda mais a mentalidade
o autor, o empreendedor foi wn elemento fundamental já no estágio do capitalismo empreendedora nas diversas regiões, a Organização das Nações Unidas (ONU),
do século XIX por conta do seu perfil pessoal desbravador, arrojado e oportunista. promoveu uma assembleia com os países emergentes cuja pauta versava sobre
Assim, tal conceito se relaciona a conquistas de novas combinações e realizações a promoção do movimento empreendedor no âmbito de suas políticas públicas
sob diversos aspectos: novos bens, novos métodos de produção, novos mercados internas. O conteúdo do relatório final destacou, dentre algumas diretrizes a serem
conswnidores, novos fornecedores e novos negócios. incorporadas localmente, que "o pequeno empreendedor é wn elemento tão im­
No âmbito da literatura organizacional, os atributos imputados ao indivíduo pmtante no setor privado quanto wna corporação multinacional, [...] [e por isso]
empreendedor estão, em geral, permeados de elementos ligados a projetos auda­ já ocupa wna posição central na rotina das pessoas pobres, e que detém o poder
ciosos, atitudes aguerridas e senso de afeição ao risco, características intrínsecas de melhorar suas vidas" (ONU, 2004, p. 7).
aos negócios no capitalismo. Para Hisrich e Peters (2004, p. 29), o empreendedo­ Em âmbito nacional, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
rismo é o "processo de criar algo novo com valor dedicando o tempo e o esforço Empresas (SEBRAE) é o órgão da sociedade civil mais representativo na pro­
necessários, assumindo os riscos financeiros, psíquicos e sociais correspondentes e pagação, incentivo e suporte à funcionalidade do empreendedorismo nessa nova

53 O termo empreendedor tem origem no francês entrepreneur, o intermediário (no negócio), aquele que 54 José Carlos Assis Dornelas é o autor que mais publica sobre tema Empreendedorismo na literatura
está entre a aquisição e a venda de determinado produto, sob o "risco do negócio" (jargão corrente no acadêmica e empresarial. Engenheiro, Mestre e Doutor pela USR professor, empresário e consultor
discurso empresarial) .. organizacional, possui 18 livros publicados na área.
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configuração do capital, caracterizando-se corno a "maior agência promotora de e expectativas para se lançarem ao novo negócio; 2) intenções de empreender,
aspectos relacionados tanto à abertura de novos negócios, do trabalho autônomo e em estado de latência; 3) empreendedores nascentes; 4) empreendedores novos
do 'autoernprego "' (DIAS, 2012, p. 158). Segundo dados dessa agência, as micro e 5) empreendedores estabelecidos.
e pequenas empresas (MPEs), expandem-se com muita intensidade no Brasil, o Atualmente, setenta e três países participam do programa, caracterizando­
que é impulsionado pelo crescimento da renda e do acesso facilitado ao crédito. -o corno o maior estudo continuo sobre a dinâmica empreendedora no mundo.
Conforme demonstra o gráfico 4, de acordo com o SEBRAE, 92,8% das unidades O relatório GEM tem servido de base para diversos estudos acadêmicos, de
produtivas são classificadas corno microempresas. políticas públicas, bem corno fonte de consulta para os próprios empreendedores
Gráfico 4 - Distribuição das empresas, de acordo com
(GEM, 2014). Para avaliar o nível da atividade empreendedora de cada um dos
a classificação de porte do SEBRAE (2013) países participantes são entrevistados, anuahnente, membros da população adulta,
selecionados por meio de amostra probabilística. Em 2014, foram entrevistados
MÉDIAS no Brasil 10.000 adultos com idade de 18 a 64 anos, sendo 2.000 de cada urna
das cinco regiões geográficas do país, selecionados confmme procedimentos que
buscam a representatividade destes na população brasileira".
No Brasil, de acordo com os dados dessa pesquisa, 34,5% da população adulta
"possui um negócio ou fez alguma ação, nos últimos 12 meses, com o propósito
de ter o próprio negócio no futuro" (GEM, 2014, p. 19), o que posiciona o país, de
acordo com a pesquisa, em urna perspectiva de elevado potencial empreendedor.
Outro fator bastante considerável indicado nessa pesquisa refere-se à men­
talidade das pessoas sobre o empreendedorismo, o que pode favorecer a predis­
Fonte: SEBRAE (2015). posição ao encaiTeiramento profissional empreendedor, seja ele deliberado ou
induzido por questões socioeconôrnicas. Dentre os ouvidos, 55,5% percebem
O Global Entrepreneurship Monitor (GEM), um dos principais mecanismos boas oportunidades para se empreender em suas regiões, enquanto exatamente
de difusão do empreendedorismo no mundo, desenvolve urna avaliação anual metade (50%) afirma possuir habilidade e experiência necessária para se tornar
do nível da atividade empreendedora nacional em diversos países. Iniciado em um empreendedor. Segundo o relatório "A percepção do indivíduo sobre sua
199 9, por meio de urna parceria entre a London Business School, da Inglaterra, capacidade e habilidade de empreender é importante para que os potenciais
e a Babson College, dos Estados Unidos, o programa de pesquisa define empre­ empreendedores se transformem em empreendedores de fato" (Ibidem, p. 113).
endedorismo corno Ainda nesse aspecto, o medo de fracassai· não é, para 60,9% dos brasileiros,
motivo para não empreender.
[... ] qualquer tentativa de criação e desenvolvimento de novos negócios Constatou-se ainda que o sonho de 31,4% da população brasileira adulta é
ou criação de novas empresas, como o trabalho por conta própria, urna ter o seu próprio negócio, ficando atrás apenas do sonho da casa própria (41,9%)
nova organização empresarial, ou a expansão de urna empresa já existente, e de viajar pelo país (32%). Merece destaque o fato de que "Fazer carreira numa
por um indivíduo, urna equipe de pessoas, ou um negócio estabelecido
(GEM, 2014, p. 21). empresa", dentre doze itens, figurou em nono lugar entre os entrevistados, sendo
assinalados apenas por 15,8% dos ouvidos pela pesquisa. Essas cifras sinalizam
A definição contempla não somente aquele que já se lançou ao empreen­ que, além da ampla propagação do empreendedorismo por parte das agências, há
dimento, corno também o indivíduo dotado de potencial ou intenção para isso,
abrangendo urna sequência que se inicia desde a intenção de empreender e segue
55 De acordo com o próprio relatório, "Um dos principais diferenciais do GEM é o fato de qu_e, além
adiante até a criação efetiva do empreendimento. Em suma, de acordo com a de realizar a coleta de dados diretamente de indivíduos e não de empresas como fontes pnmánas,
metodologia do programa internacional, o processo empreendedor é dividido em utiliza um conceito amplo de empreendedorismo que permite obter informações de empreendedores
cinco fases: 1) potenciais empreendedores, pois colecionam os principais requisitos formais e informais, sejam eles atuantes na base da pirâmide, com empreendimentos simples, ou
atuantes em Empreendimentos mais sofisticados e de maior valor agregado" (GEM, 2014, p. 85).
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uma tendência expressiva de engajamento ao discnrso empreendedor por parte O "empreendedor por necessidade" assinala a situação ocupacional resi­
do trabalhador, o que será retomado adiante. dual no mercado de trabalho, evidenciando as formas diversas que os indiví­
E os dados prosseguem. A edição de 2012 da pesquisa contemplou um duos desenvolvem como estratégia de inserção reativa no ciclo de produção/
aspecto relevante sobre a percepção que as pessoas têm sobre abrir o seu próprio consumo. Empreender, nesse caso, qualifica o caráter do fenômeno muitas
negócio. Nesse ponto, merece destaque o fato de que a maioria significativa das vezes oculto, pois, mais do que um processo de identificação profissional, o
pessoas (83,9%) considera que abrir um negócio é uma opção desejável de carreira que se tem é uma situação onde o trabalhador é impelido a se lançar como
e que 81 % dos ouvidos julgam que os empreendedores de sucesso obtêm status promotor de suas habilidades, agente de sua empregabilidade e objeto da nova
na sociedade. Tomando como parâmetro apenas os dados da referida pesquisa, é vertente da informalidade imposta pela lógica do capital.
possível supor que a população brasileira assume uma percepção bastante favo­ Esse modelo de segmentação remete aos aspectos da empregabilidade e de
rável ao empreendedorismo. determinado perfil ocupacional de última instância (sem escolha) encontrada
Um ponto nodal para início dessa análise pode se dar a partir da retomada como orientação para as trajetórias no mercado de trabalho, sobretudo em
das chamadas motivações para a prática empreendedora de cada indivíduo como momentos de tensão do "emprego formal", sugerindo uma adesão à empresa
estratégia de inserção no trabalho. Alguns estudos, geralmente de cunho econômico individual como alocação residual, como já mencionado. Nesse sentido, o
e gerencial, procnram investigar as escolhas individuais para o empreendedorismo, empreendedor por necessidade estaria condicionado ao "negócio próprio" por
prevalecendo os fatores "por oportunidade" ou "por necessidade" (Block e Wagner, falta de opções ocupacionais e não como decisão deliberada, demandando
20 I O), como fatores distintamente determinantes sobre a ação empreendedora. olhares atentos sobre o assunto.
Nessa linha, o GEM (2014, p. 36) classifica os empreendedores por opor­
tunidade como aqueles que "identificam uma chance de negócio e decidem 2.3.2 Empreendedorismo e o ethos do trabalho individualizado
empreender mesmo possuindo alternativas de emprego e renda". Ainda segundo
essa vertente, o empreendedor por oporturridade age convertendo situações ad­ Os chamados novos negócios, a reboque do fenômeno do empreende­
versas de escassez em soluções utilitárias ao mercado consumidor. Esse tipo de dorismo, têm ocupado papel representativo nas ocupações tanto no Brasil,
empreendedor conseguiria captar novos negócios, identificando ou criando carên­ quanto em escala mundial, sobretudo no que se pôde verificar através do
cias e utilidades para seus novos produtos e serviços. Trata-se do empreendedor volume das micro e pequenas unidades produtivas (MPEs ).
inovador e criativo, schumpeteriano por excelência. Não obstante os efeitos quantitativos, como pode observar um atento
Já os empreendedores por necessidade, o GEM (2014, p. 36) classifica-os analista, "números são notas frias", o que permite relativizações diversas.
como aqueles que "decidem empreender por não possuírem melhores opções de O sucesso do "fenômeno empreendedor" merece uma apreciação criteriosa
emprego, abrindo um negócio a fim de gerar renda para si e suas famílias". De sobre aspectos presentes nesse movimento de transmutação do trabalho,
acordo com Domelas (2007, p. 14), esse tipo de empreendedor, uma vez que as estatísticas e os dados econômicos em pauta não destacam,
através de uma suposta autonomia, a vertente muitas vezes despercebida
É um grande problema social para os países em desenvolvimento, pois de um novo estágio das informalidades, cujas consequências mais impac­
apesar de ter iniciativa, trabalhar arduamente e buscar de todas as formas
a sua subsistência e a dos seus familiares, não contribui para o desenvol­ tantes materializam-se na esfera social sob a forma de individualização e
vimento econômico. Na verdade, os empreendedores por necessidade fragmentação socioprodutiva do trabalhador.
são vítimas do modelo capitalista atual, pois não têm acesso a recursos, No mercado de trabalho, locus de efetivação de trocas (demandas
à educação e às mínimas condições para empreender de maneira estru­ de forças produtivas vivas intercambiadas com ofertas ocupacionais),
turada. Suas iniciativas empreendedoras são simples, pouco inovadoras, o confronto competitivo se reconfigura e, nesse contexto, se dá entre os
geralmente não contribuem com impostos e outras taxas, e acabam por
inflar as estatísticas empreendedoras de países em desenvolvimento, como próprios trabalhadores nas disputas acirradas no âmbito individual, sob
o Brasil. Sua existência em grande quantidade é um problema social que, o ritmo do discurso pró-empreendedor. Isso torna razoável inferir que a
no caso brasileiro, ainda está longe de ser resolvido. concorrência entre as firmas (competitividade) no mercado consumidor,
por analogia, se desdobra do patamar institucional assumindo a mesma
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dimensão no nível dos indivíduos, através da competição fragmentária do permanente vigília sobre os atributos individuais oferecidos ao mercado
"salve-se quem puder" ou no estilo "trabalhadores, virem-se!" (Machado de trabalho. Atributos tais que, sob essa lógica, determinarão a capacidade
da Silva, 1998). Nesse caso, "o papel mediador que o 'quase-conceito' de de (sub)contratação de sua força de trabalho.
informalidade desempenhou por décadas está decididamente esgotado, e Por empregabilidade, essa categoria cuja estrutura "é irmã gêmea de
que ele foi - ou está sendo - substituído por outro, o par 'empregabilidade/ outro conceito neoclássico padrão, o de 'capital humano"' (CARDOSO,
empreendedorismo" (MACHADO DA SILVA, 2002, p. 100, grifo do au­ 2003b, p. 101), entende-se aqui o arcabouço de atributos subjetivos liga­
tor). É nesse sentido que se nota uma mudança interpretativa no aspecto dos às competências e de cunho cognitivos, técnicos e comportamentais
da informalidade, sendo acoplado pelo neologismo da empregabilidade que o trabalhador deve colecionar ao longo de sua trajetória. Em outros
através do empreendedorismo, no qual a "valorização do trabalho autônomo termos, trata-se da polivalência tecnicamente flexível aos ajustes do jogo
empreendedor reinterpreta igualmente o trabalho informal, destacando pós-salarial, um conceito da dinâmica do mercado de trabalho num mundo
seu potencial criador vinculado à predisposição individual ao risco e à onde "a matriz das hierarquias sociais que recortam as gradações do que é
inovação" {LIMA, 2010, p. 161). bom ou ruim, adequado ou não, é a empresa, o lugar da eficiência onde um
O empreendedor/empresário schumpeteriano seria, a partir dessa ativo troca-se por recompensa (salário) segundo sua utilidade marginal"
confluência com a nova informalidade, o indivíduo (Ibidem, p. 100, grifo do autor).
inovador combinando diversos fatores de produção como: trabalho, terra, Atualmente, sob condições comprometidas do assalariamento, a con­
capital, conhecimento e capital social na produção de bens e serviços para figuração dos ditames da empregabilidade ocasionou um novo panorama
um mercado relativamente competitivo dentro de contextos determinados cunhado no redimensionamento da categoria analítica para trabalhabilidade,
[pois] o comportamento do empreendedor não se enquadra numa pers­ "haja vista que trabalho e emprego não mais coincidem necessariamente"
pectiva racional, utilitária de meios de fins; pressupõe a incorporação de
fatores subjetivos como força de vontade, motivação, ou seja, o sentido (ROSENFIELD, 2015, p. 115), onde as situações ocupacionais diversas,
atribuído à conduta (LIMA, 2010, p. 166) 56• além-salariais, deverão ser maturadas e ampliadas como alternativas ao
desemprego no atual contexto pós-fordista.
A nova reconfiguração produtiva e as formas emergentes de inserção Nesse sentido, a análise do fenômeno empreendedor pode revelar
da força de trabalho, resgataram o conceito de empreendedorismo até então aspectos mais impactantes na reconfiguração do trabalho, quando anali­
adormecido em algum momento pregresso do capitalismo, reinterpretando-o sados sob os efeitos do surgimento e crescimento substancial das (micro)
e reapresentando-o sob as amarras das informalidades no mundo do trabalho, empresas individuais.
conforme Machado da Silva (2002, p. 101) sintetiza:
O par 'empregabilidade/empreendedorismo' adquire um sentido oposto, 2.4 A empresa individual em questão
de mecanismo de convencimento ideológico (ou, se se preferir, um termo
mais agressivo, de 'domesticação') que se encaminha no sentido de Nesta seção, busca-se desenvolver uma interpretação sobre a chamada
reconstruir uma cultura do trabalho adaptada ao desemprego, ao risco
e à insegurança, que pareciam em vias de eliminação durante os 'trinta "sociedade pós-salarial" onde o amálgama composto pelos desdobramentos
anos gloriosos'. do salariato e do ambiente transmudado das "novas infonnalidades" encon­
traram, sob a ordem empreendedora, condições favoráveis para constituição
Para o autor, a conjugação entre empregabilidade e empreendedo­ e multiplicação de um novo elemento no mundo do trabalho: a empresa
rismo resultou numa nova reconfiguração da informalidade e, portanto, individual. Sua "novidade", no entanto, não se refere necessariamente
viabilizou a percepção sobre o compromisso profissional de se manter em ao seu aspecto como unidade autonomamente produtiva, no sentido da
sua atividade jurídica, mas sob a forma de uso da força de trabalho, cujo
56 Como foi dito, o conceito comportamentalista de empreendedorismo extrapola o sentido de abrir
empresa. Essa perspectiva promove ainda a categoria do intraempreendedorismo, uma vertente principal rótulo, de modo geral, é o contrato de prestação de serviços em
de funcionário criativo e motivado, cujos atributos subjetivos são ligados ao empreendedorismo no detrimento ao vínculo empregatício.
exercício das atividm;1es mesmo como empregado.
,u
PEJOTIZAÇAO: a empresa individual como força de trabalho li

Pretende-se desvelar esse processo permeado de aspectos controversos se converte em "empresário", através de uma espécie de "empreendedor
da sociedade contemporânea, a empresa individual, uma categoria socioló­ assalariado", sem que seja assalariado, tampouco, necessariamente, em­
gica ainda em construção: o autoempreendedorismo e a "contratualização preendedor. Um cenário que não é tão recente, mas vem se consolidando,
das relações de trabalho" (ROSENFIELD, 2014; 2015), o "trabalhador­ num novo ethos de trabalho do capitalismo atual, flexível e fragmentário,
-empresa" (PEREIRA, 2013b), a "terceirização extrema" (FILGUEIRAS, representativo das inúmeras manobras do "jogo salarial" (BEZERRA, 2011)
2012), um "tipo de relação de emprego disfarçada" (KREIN, 2007, 2013a), em curso, onde a obsolescência sobre a condição salarial e o desmonte da
uma forma de "superterceirização" (POCHMANN, 2008b), da "empresa salvaguarda da CLT revelam-se através de uma lógica predominante, a
individual" ou "terceirização individual" (CARVALHO, 2017); além da favor do "progresso econômico" propalado pelos artífices do novo espírito
propriamente dita "pejotização" (KREIN, 2007; ORBEM, 2015; CAR­ do capital. Em outras palavras, na era do empreendedorismo, a ordem é
VALHO, 2017). Expressões diversas, porém sob uma mesma formulação o indivíduo se tomar empresa.
linear do aspecto analítico, aquela pautada na dis.sociação dos vínculos
Essa onda empreendedora da (nano)empresa individual é o fenômeno
trabalhistas regulados e mediados pelo Estado, corolários dos propósitos
que transmuta o empregado, pessoa física (PF), em empresa, ou seja, numa
neoliberais sobre o mundo do trabalho".
pessoa jurídica (PJ), daí o termo "pejotização". Trata-se, muitas vezes, de
Na primeira parte desta seção, a pretexto de introdução temática,
uma emergente manifestação "que se constitui na contratação de sociedades
será desenvolvido um debate contextual sobre essa prática, buscando
(PJ) para substituir o contrato de emprego. [ ... ] São as empresas do 'eu
identificar os fundamentos dessa lógica "de empresa para empresa". Nas
sozinho' ou PJs ou pejotização como comumente vem sendo denomina­
seções seguintes, de forma eminentemente empírica, serão apresentadas as
das", conforme esclarece Carvalho (2010, p. 62). Orbem (2015, p. 123)
maneiras de constituição jurídica do trabalhador em empresa individual: o
ressalta que "o empregado transformado em pessoa jurídica não é mais
microempreendedor individual (MEi), a microempresa (ME), o empresário
identificado pelo seu número de CPF, como pessoa física, natural, ou pela
de pequeno porte (EPP) e o empresário individual de responsabilidade li­
sua CTPS, mas através de seu CNPJ, da sua fleta identidade jurídica". Em
mitada (EIRELI), cada um dentro de suas limitações e escopo de operação.
suma, esse processo substitui o CPF pelo CNP J, uma vez que, via geral, o
Na sequência, esse modelo contratual será cotejado com outros tipos de
propósito central no conjunto da obra é furtar-se do contrato de trabalho
regimes de trabalho (assalariamento, terceirização, trabalho temporário e
típico, a fim de constituir um contrato comercial alheio às proteções tra­
por conta própria) e, por fim, serão discutidos seus efeitos sobre o mercado
balhistas, tributárias e previdenciárias, inerentes aos vínculos protetivos
de trabalho, propalado como emancipatório do jugo da subalternidade,
do emprego típico.
mas permeado de heteronomias produtivas e de dependência econômica.
Cabe relativizar, no entanto, que nem todas as empresas individuais
são constituídas, necessariamente, a partir do trabalhado pejotizado dire­
2.4.1 A controversa relação "DE EMPRESA/para empresa" tamente subjugado, subcontratado. À guisa de exemplo de trabalhadores
efetivamente autônomos têm-se os profissionais liberais que gozam de
A atual dinâmica das relações de trabalho acumula elementos de pre­ relativo nível de independência produtiva inerente aos seus ofícios, como
cariedades, (in)formalidades e de uma nova empregabilidade transfigurada é o caso, dentre outros, de dentistas, advogados, contadores, consultores,
pelo fenômeno do empreendedorismo, reduzindo cada vez mais a diferen­ empreiteiros da construção civil (pedreiros, carpinteiros, e afins) quando
ciação entre os diversos modelos contratuais. Essa é a tônica de um amplo exercem suas atividades para diversos clientes (empresas ou indivíduos),
segmento em acelerado processo de desenvolvimento, onde o autônomo sem necessariamente submeter-se à exclusividade (contratualizada ou
não), tampouco a comandos de tarefas (subordinação) ou compromisso de
57 Segundo Cardoso (2013b, p. 131) o neoliberalismo, nesse sentido, pode ser entendido como "um horários e metas. Nesse formato de trabalho, o profissional efetivamente
projeto e um conjunto de práticas cujo sentido mais profundo foi dissociar, uma vez mais, acumulação autônomo executa suas atividades com prazos e condições pré-definidos, sob
capitalista e ética do trabalho assalariado, desvalorizar esta última como elemento de uma ordem projetos e de modo descontínuo, onde põem em prática sua especialização
social derrotada, portanto do passado, e colocar no centro significativo da ordem as noções de de­
sempenho, mérito e, sobretudo, empreendedorismo". técnica, de acordo com a capacidade e conveniência no âmbito do contrato
'º 01-VVI 1.u.yr.v. a "''''f-''C'-'" II IUIYIUU,;:11 l,UIIIV 1v1ye1 uc uauau1u

de prestação de serviços, mediante emissão de nota fiscal ao contratante, de prestação de serviços ou a sua proteção simultânea em mais de
seja este pessoa física ou pessoa jurídica. Ao contrário de trabalhadores um lugar;
socialmente fragmentados que se tornam empresas individuais sob o fe­ • aumento de vagas de trabalho, em face da redução de carga trabalhista.
nômeno da pejotização, ou seja, "empresa" com atributos de empregado.
Dessa forma, frequentemente, a pejotização não se refere ao mero Desfavoráveis:
movimento de constituir microempresa, algo que seria socialmente "natural" • inexorável desrespeito aos princípios basilares do Direito do Traba­
e inerente ao paradigma utilitarista do empreendedorismo hodierno, mas lho, em especial ao Princípio da Proteção, gênese da Ciência Jurídica;
como forma de empresa individual;submetido a uma estrutura hierárquica • ofensa aos direitos fundamentais trabalhistas, em especial à digni-
de trabalho subsumido (SOARES, 2008), formalmente institucionalizada dade da pessoa do trabalhador;
ou não, cumprindo ordens em sua rotina diária e de controles diversos • ofensa à legislação trabalhista e social;
(tarefas, horários, metas, entre outros), tal qual um empregado tipicamente • precarização dos direitos trabalhistas;
assalariado { celetista). • aviltamento da condição social do trabalhador;
Há casos, porém, e isso será explorado ao longo das pesquisas empíri­ • desregulamentação e flexibilização da proteção trabalhista; e
cas aqui apresentadas, em que há um engajamento espontâneo ao modelo. incremento do número de horas trabalhadas, tendo em vista a au­
"A questão é que, no cenário atual, muitas das ocupações que poderiam ser sência do controle de jornada, que resulta em maior número de
consideradas como autoemprego e pequeno empresário constituíram-se, acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. Bem como redução
na realidade, em relação de emprego disfarçada" (KREIN, 2013a, p. 170). das horas dedicadas à família, aos amigos, ao lazer e aos estudos.
O que chama atenção, do ponto de vista transformacional nas relações
de trabalho, é o fenômeno no qual o indivíduo se toma "empresa indivi­ Nesse sentido, propondo uma relativização da proteção social, o autor
dual" com a prática cotidiana da submissão produtiva e da heteronomia sugere a possibilidade de uma "lei da pejotização", a fim de regulamentar
empregatícia, no seu movimento dissimulado de ação (ou de reação) para a situação, o que "vai contribuir, e muito, com a proteção mitigada do tra­
que constitua empresa, a fim de resistir aos contratempos interpostos ao balhador, a redução da informalidade e o aumento da oferta de trabalho"
longo de sua disponibilidade profissional nas "prateleiras" do mercado (2013a, p. 129). Tal regulamentação seria fundamentada no fato de que a
de trabalho. Prática muito recorrente entre os representantes comerciais, pej otização já é uma prática consagrada no mercado de trabalho, presente
jornalistas e profissionais do segmento rádio-televisivo (apresentadores de em diversas categorias profissionais e econômicas. Ademais, teria ainda o
programas, radialistas, técnicos, atores), médicos, advogados, corretores objetivo de ampliar o "trabalho regular" e evitar a submissão dos contratos
(de imóveis, de seguros), dentre muitos outros ofícios, de acordo com tidos como fraudulentos, ou seja, aqueles onde evidentemente tratar-se-iam
levantamento apresentado adiante. de subterfúgio à contratação de empregados, via CLT.
Para o advogado trabalhista Leone Pereira, do jeito desregulamentado Por outro lado, conforme Rosenfield (2015, p. 116) assevera, nesse
que está, a pejotização é uma fraude e, de olhar ponderado, o autor salienta contexto, a "relação empregado-empregador é substituída pela relação
alguns itens que considera como favoráveis e outros como desfavoráveis entre trabalhador autônomo e o(s) demandante(s) do trabalho", de tal
do processo de pejotização, a saber: forma que se constitui "em uma estratégia propícia ao atual contexto de
esfacelamento das relações tradicionais de emprego".
Favoráveis: O vínculo de submissão dissimulada é "justificativa", sob a lógica
• maior poder de barganha no valor da prestação de serviços; do contratante, pelo engajamento ao espírito utilitarista do capital (como
• valorização do profissional, tendo em vista a alta competitividade revelado por Boltanski e Chiapello no "terceiro espírito do capitalismo"),
do mercado e a disputa das empresas pelos bons profissionais; conforme explica Filgueiras (2012, p. 90):
• com a redução da proteção trabalhista, as amarras burocráticas são
ao impor condições precárias de contratação e remuneração ao trab�lhador
mitigadas, o que resulta em maiores possibilidades de troca de local por meio de uma pseudoautonomia (mas, de fato, lhe responsab1hzando
• ... u..,, ,..., 'Y' ,..,. '-' .... ,,,,.,, ........... ,...,.,uuc,1 VVIIJV ,v,ya vv UClLJtrn,v

pelos riscos do negócio), engendra forte pressão sobre ele para traba­
lhar mais. Assim, desesperado para manter o vínculo que lhe pennite se Constituídas de um empresário individual (único nessa "sociedade")
reproduzir, inclusive fisicamente, e, concomitantemente, premido pela que se posiciona em um patamar de rentabilidade superior ao do MEI, a
necessidade de elevar seus rendimentos, o trabalhador tende a se dedicar EPP possui as mesmas características jurídicas que a ME, diferenciando­
ao máximo aos objetivos do capital, com reduzida propensão ao questio­
namento individual ou coletivo. -se apenas no que diz respeito ao faturamento anual, uma vez que os
rendimentos anuais da ME são limitados a R$3 60 mil anuais, a EPP pode
Embora sua prática seja encontrada já nos anos 198058 , de forma faturar até R$4,8 milhões anuais (valores vigentes em 2019). Por conta
ainda embrionária e isolada, a pejotização é um modelo que se avulta de sua caracterização legal e capacidade de giro financeiro, trata-se de um
no mercado de trabalho, tomando grandes proporções nos últimos anos, enquadramento muito recorrente nas formulações da pejotização.
merecendo atenção especial pelo seu conjunto que acumula concomitan­ Por muito tempo, a constituição de uma empresa manteve-se rela­
temente atributos multifacetados de empresa, no seu aspecto jurídico; de cionada a uma sociedade, ou seja, havia uma necessidade de pelo menos
empreendedor, por aderência a uma recente praxe do mercado de traba­ duas pessoas como agentes do negócio. Então, o meio empresarial esteve
lho; e de empregado que, regra geral, ressalta condições subsumidas de imerso em forte imbróglio a respeito de seu perfil jurídico quando se tratava
trabalho, fruto das condições híbridas da nova sociedade. da necessidade de constituição de uma empresa composta por apenas um
Nesse aspecto, a histórica debilidade estrutural do mercado de traba­ indivíduo, o que vinha sendo contornado através de uma "manobra" sobre
lho somada às transformações contratuais, permitiu que "parte substancial os contratos sociais com a adoção do "laranja", ou seja, um arranjo ilegal
da população economicamente ativa aceite postos de trabalho desprote­ a fim de incluir outros indivíduos na suposta "sociedade".
gidos pela legislação trabalhista, em condições precárias impostas pelos Atendendo à insistente demanda do setor empresarial, a Lei nº 12.441,
contratantes/empregadores como fonte de obtenção de renda" (ORBEM, de 2011, surgiu para instituir e regulamentar a figura da empresa indivi­
2015, p. 71). dual de responsabilidade limitada (EIRELI), que permite a atuação de
Atualmente, o movimento empresarial tem conseguido viabilizar um empreendedor individual, sem a necessidade de associação com outra
mecanismos favoráveis à pejotização através de formas diversas de mi­ parte. Para Ferraz (2013, p. 12), essa instituição supriu uma demanda do
croempreendimentos juridicamente constituídos, através dos mesmos meio empresarial que tensionava o legislador há muito tempo "sobre a
argumentos precarizantes dos anos 1990 e sob o discurso do incremento implantação de uma modalidade empresarial como esta, que não obriga
da produtividade e do desenvolvimento econômico nacional. a pessoa do empreendedor individual a se associar a outra pessoa natural
somente para revestir seu negócio com responsabilidade limitada".
2.4.2 Os formatos jurídicos de constituição da empresa individual Outra característica marcante que se destaca nessa modalidade de
empresa individual, tornando-a ainda mais interessante ao microempreen­
dedor, é a não comunicação entre o patrimônio do empresário com os bens
De acordo com a legislação brasileira vigente, juridicamente, a empresa e os passivos da empresa constituída, daí seu caráter de "responsabilidade
individual se dá pelas seguintes vias constitutivas: microempresa (ME) ou
limitada". Essa vertente concorreu diretamente para a formalização das
empresa de pequeno porte (EPP), empresa individual de responsabilidade unidades produtivas, uma vez que, em muitos casos, de modo a evitar a
limitada (EIRELI) e microempreendedor individual (MEI). interposição das responsabilidades (bens e obrigações) do empreendedor
e de seu negócio, a empresa deliberava por se manter na clandestinidade.
De acordo com Ferraz (2013, p. 12-13),
58 Por ocasião do levantamento empírico realizado junto às demandas judiciais do TST, conforme será
apresentado na seção 4.2 (A Justiça do Trabalho como parâmetro para o contexto da pejotização A falta de proteção ao patrimônio pessoal do empreendedor individual na
e o aporte das decisões do TST), há relatos de trabalhadores submetidos à contratação via PJ na
década de 1980, assim como o modelo de contratação é relatado na entrevista do trabalhador aqui legislação brasileira, por vezes, acabava incentivando este tipo de investidor
tratado como JB, que teve sua admissão como PJ firmada em 1985 junto a uma grande emissora a se manter na informalidade, não registrando corretamente seu negócio.
de tele.visão. Esses casos comprovam que o fenômeno não surge das adversidades dos 1990'. O Outras vezes, o meio utilizado era a constituição de uma sociedade limitada
referido período propicia o avanço e não o surgimento da pejotização.
"' PEJOTIZAÇAU: a empresa 1nd1vidua1 como torça oe traoaino º'
de fachada, fictícia, associando-se à figura popularmente conhecida como Na primeira fase, imediatamente à sua implantação (julho de 2009),
''laranja" ou "sócio de favor" (pessoa sócia de direito, mas não na prática). os critérios para adesão consistiam em um limite de receita anual de
R$36.000,00 e a taxa de tributação mensal era de 11% do valor do salário
O autor reforça ainda um aspecto do "espírito de época" muito recor­
mínimo vigente, vigorando apenas no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas
rente, no sentido da legalização das unidades produtivas, do fenômeno da
Gerais e no Distrito Federal. A ampla abrangência em território nacional
formalização através da inserção produtiva por vias formais de trabalho. ocorreu somente em fevereiro de 2010. Nessa segunda fase, a taxa de
A única grande semelhança entre uma EIRELI e um empresário individual recolhimento mensal caiu para 5% do salário mínimo (abril de 2011) e
é a possibilidade que ambos os tipos possuem de um único empreendedor o valor limitador subiu para R$60.000,00 (novembro de 2011 ), a fim de
explorar o mundo negocial. Contudo, na prática do mundo empresarial, a ampliar o perfil de participação e a motivação de adesão ao programa,
EIRELI deve ser tratada da mesma forma que uma sociedade limitada, se que sempre foi realizada via internet. Além desses itens, compõe ainda o
assemelhando a esta em quase todos os aspectos. [. .. ]IssOporque o projeto
de lei que deu vida à EIRELI no Brasil possuía claramente o propósito critério de elegibilidade o tipo de atividade econômica do negócio, bem
de pennitir que os pequenos empreendedores saíssem da informalidade, como a possibilidade de contratação de somente um empregado remune­
de modo que registrassem seus próprios negócios, por meio de um re­ rado à base de um salário mínimo, por microempreendedor.
vestimento diferenciado, que atendesse sua principal expectativa, qual O quadro 1 a seguir oferece um panorama resumido sobre esses quatro
seja, possuir um negócio individual com limitação da responsabilidade modelos jurídicos de constituição da empresa individual.
patrimonial (Idem, p. 116).
Quadro 1 - Resumo comparativo entre os modelos de empresa individual
A experiência dos programas de simplificação fiscal iniciada em
1996, como dito, gestou a ampliação das políticas públicas voltadas a esse TIPO DE LIMITE DO
propósito, repercutindo na Lei Complementar n º 128/2008, que passou a EMPRESA FATURAMENTO PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
INDIVIDUAL ANUAL(R$)
vigorar a partir de julho de 2009. Esse dispositivo legal objetivou criar
condições especiais para que o antigo informal, trabalhador conhecido Unidades produtivas simples, geralmente operadas no próprio
espaço residencial. Trata-se da "formalização" do trabalhador
como "por conta própria" 59, passasse a participar do programa do mi­ "por conta própria" de baixa produtividade, algumas vezes
croempreendedor individual (MEi), que integrou um conjunto de outras MEi Até 81.000,00 empregando sua força de trabalho em condições análogas a
políticas daquele contexto voltadas ao arranjo dos espaços produtivos a empregado celetista,
caracterizando a pejotização.
favor da geração de trabalho e renda em âmbito nacional para os diversos
segmentos profissionais e estratos sociais. Pode emitir notas fiscais de valores mais elevados que o
Essa medida teve, particularmente, três grandes motivações: ME Até 360.000,00 MEi, por isso, é uma via muito comum de.�formalização" da
empresa individual que atua como empregado peíotizado.
.

a) estimular o empreendedorismo e a criação de novos negócios fonnais;


EPP Até 4.800.000,00 Idem à ME.
b) elevar os índices de registro e de regularização (via formalização)
das microempresas existentes; e, Não há limite
Empresa individual de tipo mais elaborado do ponto de vista
c) ampliar as contribuições à Previdência Social, que se daria au­ de faturamento contábil, jurídico e comercial, haja vista o rigor burocrático
tomaticamente com a inscrição no MEi, desde que mantidas as como·critério de
e legal, além do fator restritivo do capital relativamente
elegibilidade. Todavia,
contribuições fiscais regularmente. EIRELI é necessário um
elevado. Seu principal diferencial sobre os demais modelos
de constituição mercantil, além da ausência de limite de
capital de pelo menos
faturamentà, é a separação jurldica de bens da pessoa física
100 salários· mínimos
(proprietáno) da pessoa
vigentes à époéa de
jurldica (empresa). .

sua fundação.
59 Em suas pesquisas domiciliares. o PNAD/IBGE considera "por conta própria" a "pessoa que tra­ Fonte: o Autor.
balhava explorando o seu próprio empreendimento, sozinha ou com sócio. sem ter empregado e
contando. ou não, com a ajuda de trabalhador não-remunerado" (IBGE, 2009, p. 9).
ri:;JVI IL/"\"(l"\V, a l::llljJJl::;)Cl IIIULVIUUc:11 l,UIIIU IUl'ftl uv llCIUCIIIIU

Todas essas formas jurídicas de constituição empresarial (MEI, ME, Tabela 3 - Distribuição dos respondentes (trabalhadores
EPP e EIRELI) admitem possibilidades de atuação sob a forma da pejo­ na área de TI) por tipo de vínculo (em%)
tização. O terceiro capítulo resgatará o debate acerca do MEI, elemento 2008 2010 2012 2014
Modelo de contrato 1997 2004 2006
central nas análises sobre o fenômeno das empresas individuais, sobretudo
CLT 70 52 53 47 58 63 71
aquelas condicionadas à pejotização.
PJ 21 28 24 29 24 19 15
CLT Flex o o 7 11 10 10 9
2.4.3 Hibridismo contratual, heteronomia produtiva e vulnerabilidade 7 3 4 3
Estágio 9 9 8
social na pejotização
Cooperativa o 5 4 3 3 2 1
Autônomo o 6 4 3 2 2
2.4.3. 1 A pejotizaçãofrente aos demais regimes do trabalho .·. TOTAL 100 100 100 100 100 100 100
Fonte: APlnfo.
Esta seção inicialmente apresentará um panorama da formulação
"empresa individual" a partir de breves esquemas comparativos das diver­ A despeito do que é difundido no segmento dos profissionais de infor­
sas tramas estabelecidas no mercado de trabalho, a fim de confrontar as mática profissional, a pesquisa evidenciou que em 2014 havia uma alocação
formas mais recorrentes de reelaboração contratual da força de trabalho. significativa (71 %) no modelo de trabalho celetista, enquanto os contratos
Inicialmente, a título ilustrativo, lançou-se mão de uma pesquisa de de pejotização ficavam bem abaixo (15%), embora ressalte-se que o período
fonte secundária realizada no âmbito da categoria dos profissionais da 1997/2004 tenha sido marcado por uma desvalorização do assalariamento na
área de informática, ou profissionais de Tecnologia da Informação (TI) - área. O efeito recuperativo do emprego assalariado, no entanto, se comparado
desenvolvedores, suporte técnico, analistas, dentre outros - para enfatizar à evolução histórica dos últimos anos analisados (2004-2014), se acentuou
alguns aspectos comparativos dentre os regimes contratuais. nos momentos de maior geração de empregos, Ou seja, embora esse segmento
O segmento dos trabalhadores em TI é um dos que mais flexibilizam profissional, tradicionalmente, seja marcado pelos contratos alternativos ao
os contratos de trabalho e, especialmente, praticam a pejotização como assalariamento, de acordo com os dados da pesquisa, vem se configurando
contratação alternativa ao assalariamento dito "típico" (celetista). Salatti um movimento de retomada dos chamados "contratos típicos" de trabalho.
(2005), em sua pesquisa de mestrado, encontrou sete modelos de relações A mesma pesquisa apontou, conforme a tabela 4, que o nível de escolari­
dade no setor vem aumentando significativamente, consonante com a elevação
trabalhistas usualmente praticados nesse setor: celetistas, PJ, cooperativas
exigida pelo mercado de trabalho em geral, somado ao nível de escolaridade
de trabalho, trabalhadores autônomos, estagiários, informais e pseudo-só­
média do brasileiro que também subiu nos últimos anos.
cios. Segundo a pesquisa, o formato de PJ representou 36% de sua amostra.
AAssociação dos Profissionais de Informática (APinfo) realizou uma Tabela 4 - Evolução do grau de escolaridade de profissionais PJ
pesquisa de maio a agosto de 201460 levantando os regimes contratuais
mais comuns no setor: CLT, PJ, CLT Flex61 , estágio acadêmico-profissional, Nível de Escolaridade 2004 2010 2012 2014
cooperativa e trabalho autônomo, de acordo com o quantitativo de cada Ensino Médio 3,6 1,8 2,3 2,1
vínculo contratual distribuído na tabela a seguir. 21,8 21,6 18,9
Superior Incompleto 27,5
60 Disponível em: <www.apinfo.com>. Acesso em: 13 abr. 2016. A instituição não demonstra toda a me­ Superior Completo 48,9 50,7 46,3 47,2
todologia utilizada na pesquisa que foi realizada através do seu si/e, embora informe que em 2014,
22.233 profissionais responderam ao questionário. Krein (2007) também utiliza essa pesquisa, que é Pós-Graduação 15,7 17,7 17,6 14,7
periódica, como fonte para seu debate a respeito da pejotização. 12,2 17, 1
61 O modelo de contratação "CLT Flex'' caracteriza outra burla sobre a legislação nas esferas traba­
MBA 4,3 8
lhista, previdenciária e tributária. Trata-se de um contrato de gestão flexível da remuneração do em­ Fonte: APlnfo.
pregado, na qual este recebe uma parte do salário na folha de pagamento normal e outra parte "por
fora", podendo ser em dinheiro, benefícios, reembolsos de pagamentos diversos, auxilio educação
participação nos lucro� da empresa, entre outros.
Ho rc;;JVI IL/"\)"f"\V. CI "'''1-''"'"" u,u..,uua, vv,,,v IUl\'U '"'" "'"'�'"'"'�

No período (2004-2014), como se vê, o volume de profissionais com A pesquisa apontou ainda que 63% dos profissionais não possuem
apenas nível médio caiu de 3,6% para 2,1 %. Além disso, de forma mais nem nunca possuíram empresa aberta para trabalhar corno PJ e que apenas
evidente, a participação daqueles que detinham apenas o ensino superior 6% preferem trabalhar como PJ.
incompleto passou de 27,5% para 18,9%, num movimento de ampliação Outro aspecto significativo da pesquisa é com referência aos benefí­
do número de profissionais com cursos de especialização profissional cios oferecidos aos trabalhadores "pejotas", conforme aponta o gráfico 6.
(MBA), que subiram de 4,3% em 2004 para significativos 17,1% em 2014.
A noção do nível de instrução é relevante aqui por permitir estabelecer Gráfico 6 - Distribuição de benefícios entre os PJs (em%)
uma referência sobre a pejotizaçãci em determinados setores, tidos como -- 45 ,-
__ _ __ ,.
- ---

prestadores de "serviços especializados", conforme argumento utilizado 40

pela legislação que instituiu precedentes para a atuação desse perfil de 35

trabalhadores como empresas individuais62 • 30 ] ----

Outra evidência relevante da referida pesquisa é o efeito comparativo 25

do nível de escolaridade confrontado entre os trabalhadores pejotizados e os 20 ;-- ._


celetistas. Segundo o gráfico 5, há mais pós-graduados no primeiro grupo, 15 \_ -
apontando que na pesquisa junto aos trabalhadores do setor de informá­ 10 -
tica, o nível de escolaridade entre os que constituem empresa individual 5 \
é sutilmente superior aos que possuem vínculo de "carteira assinada".

Gráfico 5 - Grau de escolaridade de profissionais PJ x CLT (em%) : : Vale Transporte 6 7


tlVale Refeição 21 17 _ ---"19
:_ ___
-
60 1iSeguro de Vida 6 1______ _3 --+ ----�!.__ ______ _
-
-··---:--- - __
111 Assistência Médica 14 9 10
' Idiomas 3 2 2
e--- Mcursos Técnicos Jnfo..,mc,ác,
tic:: ' -- -----''-----l�-�
a-1----'- 4 _
____
40 i
:::!Estacionamento 14 9 19
D,1!Faculdade / Pós-Graduaç�l:-i----"'---f-----'--- 2
!MIAcademia de Ginástica

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__:____ 1___:D:__________

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20
1
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PJ
_J__r- ra ·lBnô o s / P L R
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§Férias como PJ
5
1
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CLT
Total
�-------�-l----'='-----+----'"----+--..cc.."-----1
2,9 �Décimo te_�::!i�:i_�-��:±J=:]__-
•Ensino Médio 3,8 2,1
li Superior lnc o::
in P le to 24
--_::.:.--- 18,9
é---==-- --+--�21::c, :..__-1
9
:::: c::: _:;; -1-- Fonte: APlnfo.
O Superior Completo 46,6 47,2 49,1
LI Pós-Graduação 13,2 14,7 13,4
LI MBA 12,4 17,1 12,6 Dessa análise, o que se destaca é o efeito precarizante da vinculação
contratual dissimulada, onde direitos sociais previstos na Constituição
Fonte: APlnfo.
Federal de 1988, por isso, obrigatoriamente devidos a todos os trabalhado­
res contratados, são negados em sua grande maioria aos entrevistados. Se
tomado o ano de 2014 como parâmetro, apenas 41 % obteve algum tipo de
62 A legislação referida é a Lei 11.196/2005 que no seu artigo 129 permite a prestação de "serviços
intelectuais" via empresas individuais, abrindo precedentes de legitimidade para a prática da pejoti­ férias (benefício mais comum, segundo a pesquisa), somente uma minoria
zação. Essa abordagem será retomada na seção 4.1 (Justiça e questão social: aspectos relativos à de 7% recebia vale transporte e parcos 8% obtiveram décimo terceiro
pejotização) que discute as normas e os fatos relativos à pejotização.
"" t"t:.JUI 1LAyAu: a empresa mu1v1aua1 como rorça ue uauau1u

salário. Salvo casos onde tais vantagens estejam efetivamente diluídas


nos rendimentos mensais, trata-se de patente vilipêndio da relação, onde
se buscam empregados sob a condição de empresa individual, sugerindo
uma pejotização precarizada, longe das propostas emancipadoras do em­
preendedorismo comumente difundido.
Note-se que o benefício "férias" aparece com a maior frequência nas
três edições levantadas. Esse item, e.mbora o mais comum de todos, oferece
um panorama das imprecisões contratuais que vem se estabelecendo, uma
vez que se trata de um instituto legal voltado ao trabalhador assalariado
e não a uma "empresa", mesmo que individual.
Importante observar também que os benefícios mais comuns oferecidos
aos PJs, embora ainda escassos se comparados aos direitos assegurados
pela CLT, são aqueles que os tornam ainda mais próximos de uma rotina de
trabalho assemelhada aos demais membros da organização ainda mantidos
com contratos de assalariamento: vale refeição, estacionamento, férias e
uso do celular funcional que, no caso está relacionado ao uso em atividades
profissionais, ou seja, uma ferramenta de trabalho e não necessariamente
um benefício para o trabalhador.
O pagamento de benefícios dessa natureza aos trabalhadores PJ, ainda
que de forma muito aquém dos direitos trabalhistas, colabora com o que
se tratou como "zona cinzenta" na percepção do trabalhador a respeito de
seu status como integrante do corpo funcional da empresa, bem como seu
lócus no mercado de trabalho.
No entanto, passando para outra perspectiva analítica, mesmo que a
partir dos dados da APinfo, para apontar os aspectos da hibridização das
relações contratuais. O quadro 2 a seguir estabelece um panorama dos
o
•<
modelos contratuais mais comuns atualmente, confrontando as relações de
·ro
trabalho a partir dos seguintes aspectos: o agente de intermediação entre e �
w o
,ro
contratante e trabalhador, a relação do tipo pessoal/impessoal no âmbito
da contratação", o prazo de vigência dos contratos, a competência jurí­
dica responsável por arbitrar a vinculação, a existência da subordinação/
insubordinação entre as partes e os agentes que regulam as condições de
contratação profissional. Esses aspectos subsidiarão a compreensão sobre
a interposição entre as formas contratuais. "'a _,
"'
w< :::,
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wO
63 A relação de pessoalidade/impessoalidade baseia-se no fato de haver ou não determinação sobre quem fará co
o trabalho. Nas relações pessoais, há determinação do sujeito especifioo, enquanto nas impessoais não há
determinação de qual indMduo fará o trabalho. Esse aspecto, de aoordo oom a legislação trabalhista vigente
(Art 3° da CLT), oonoorre para a caracterização do vinculo empregatício entre contratante e oontratado.
,u
t't:.JVI ILA',,/-\U. d l:llllfJll:l:id IIIUlVIUUdl t;UJIJU rorça 01:l UélUdlllU

Ao cotejar os aspectos pertinentes a cada regime contratual (assalaria­ assalariamento, em uma suposta condição autônoma de produção "por conta
mento, trabalho terceirizado e temporário e "por conta própria") é possível própria", juridicamente independente, sob a fonna de terceirização individual,
inferir que a pejotização através da empresa individual, reúne atributos comuns na qual a "empresa intermediadora" é o próprio trabalhador, fragmentado nas
a todas as demais formas contratuais apresentadas. formas de resistência e representatividade de classe.
O modelo assemelha-se ao sistema salarial de emprego típico, à medida
que demanda a individualização do trabalhador de forma pessoal, subordinada
2.4.3.2 A questão social da "empresa individual"
e através de contrato de vigência geralmente predeterminada. No entanto, es­
quiva-se dessa classificação jurídica, a fim de evitar as obrigações trabalhistas.
Em contrapartida, acumula elementos inerentes à subcontratação (tercei­ Como já foi dito, o movimento de desverticalização ou extemalização
rização e trabalho temporário) por se constituir como um contrato "de empresa produtiva está diretamente ligado ao surgimento das empresas individuais,
para empresa" (acordo entre empresas), numa suposta situação de paridade como forma de transferir parte do processo produtivo para outras unidades
produtivas. Segundo Boltanski e Chiapello (2009, p. 244), no novo espírito
das condições negociais. Assim como mantém fortes indícios de um trabalho
do capitalismo "foram criadas várias empresas sem empregados, ou seja,
autônomo, "por conta própria", uma vez que dispensa agentes intermediários
empresas que implicavam apenas o trabalho de seu proprietário". Nesse
nessa situação que, efetivamente se dá entre empresa e indivíduo. modelo, o profissional adquire juridicamente atributos formais de empresa,
Embora juridicamente a terceirização seja um estatuto interorganizacional, embora permaneça exercendo suas atribuições no âmbito da empresa, tal
sendo vedada a sua prática direta entre a empresa e o trabalhador (pessoa fisica), como empregado. Para Krein e Proni (2010, p. 28-30), nessa "expressão da
a pejotização vai além desse mecanismo de subcontratação, pois sua prática, nova informalidade no Brasil", o sujeito "pejotizado", ou simplesmente, PJ
com efeito, é a terceirização de um homem só (terceirização individual, como
já foi dito), tomando o vínculo exposto a uma negociação direta entre, de um é a pessoa que tem uma empresa, mas presta serviços de fonna regular e
lado, uma empresa com seu aparato institucional-corporativo (poder capital, exclusiva a outrem. A relação de trabalho não é pautada pela legislação
última palavra na decisão de pejotizar ou não os vínculos, poder de barganha trabalhista, mas constitui-se em um contrato comercial, em que os con­
contratual, detenção de forte arcabouço jurídico, ditames do ritmo produtivo tratados estão excluídos de todo o sistema de direitos e de proteção social
vinculado ao assalariamento. A regulação social e histórica do trabalho
e, por consequência, da descartabilidade da vinculação, entre outros) e uma não se aplica a esse tipo de contrato. Na prática, isso pode significar a
outra parte, o trabalhador, fragmentado de sua representação coletiva e de sua legalização do que passou a ser chamado de "fraude da pejotização",
força mobilizadora e suscetível à situação na qual se encontra. pois, nessa modalidade de contratação, os direitos trabalhistas (tais como
O trabalho autônomo, ou de "prestação de serviços", diferentemente férias, 13º salário, FGTS, aviso prévio, horas-extras) e previdenciários
do trabalho assalariado que é respaldado pela CLT, é regido pelo Código (estabilidade do acidentado, auxilio doença etc.) não existem.
Civil. Para Pereira (2013a, p. 39) "o elemento fundamental que identifica [ ... l
O critério fundamental para definir essas formas de contratação como
o trabalhador autônomo é a falta de subordinação, pois não está sujeito ao informais, é a relação de emprego disfarçada (encoberta ou siinulada),
poder de direção e comando do empregador, podendo exercer livremente sua que pode ser considerada como mais uma iniciativa presente no mercado
atividade". Desse modo, o profissional é pessoa natural para prestar o serviço, de trabalho no sentido de driblar o padrão de regulamentação do emprego
mas possui personalidade jurídica, para efeitos legais, tanto trabalhistas, vigente no país. Ela ocorre quando estão presentes as características do
quanto tributários e cíveis. trabalho assalariado, mas a contratação da prestação do serviço é feita
Pode-se perceber, assim, que há uma confluência dos diversos modelos sem contemplar os direitos trabalhistas e previdenciários vinculados a
ele. Ou seja, está contida uma relação de subordinação do trabalho, mas
contratuais (assalariamento, subcontratação - terceirização e temporário - e a fonna de contratação não é dada por um contrato de trabalho regular,
autônomo) a favor do surgimento da pejotização, constituindo-se, de fato, tratando-se de uma simulação.
um modelo representativo das novas tramas e artimanhas do capital sobre
as relações contratuais de trabalho, que se tomam cada vez mais híbridas A perspectiva da perda das garantias sociais permite uma intetpretação
em sua composição. de vulnerabilidade social acometida pela inobservância aos direitos trabalhis­
De forma conclusiva, no âmbito deste debate, a pejotização é o processo tas, bem como as naturais consequências da vinculação patrão-empregado.
que submete um trabalhador (pessoa fisica) a uma prática laboral análoga ao Esse modelo de relação trabalhista de cunho estritamente neoliberal, por
excelência, lança trabalhadores ao dissabor das relações contratuais diretas
com as empresas, numa suposta, mas infundada, condição de igualdade de
forças e barganhas. De tal forma, pejotização confunde-se e assume contor­
nos evidentes de desqualificação dos vínculos trabalhistas. Trata-se, ademais,
de urna evidente mercantilização da força de trabalho, pela supressão das
garantias constitucionais do emprego típico (tais como férias remuneradas
acrescidas de um terço desse valor, décimo terceiro salário, horas extras,
descanso semanal remunerado, aviso prévio, vale transporte, FGTS, abono
do PIS). Ressalte-se ainda que esses direitos constitucionais são aqueles que
contemplam praticamente todo o amplo universo de empregados formais e
sua eliminação evidencia o caráter depreciativo dessá relação contratualizada.
Segundo Rocha (2012, p. 83)
se o aparato estatal passar a legitimar a degradação do marco regulatório
laboral, mediante a sedimentação de um processo amplo de flexibilização
das leis trabalhistas, acabará por legitimar as desigualdades, as formas
de exclusão social, não contribuindo, assim para a sedimentação da de­
mocracia, nem para implementação de práticas sociais emancipatórias.
E, assim, institucionalizará a precariedade como marco regulatório do
segmento formal.

Nesse caso, o avanço da terceirização e de todo aparato de desmantela­


mento produtivo do trabalho será a consumação efetiva do esgotamento ini­
ciado nos anos 1990 da já citada "promessa integradora" de Cardoso (2003b).
Iniciando-se pela instituição da livre negociação entre as classes _produtivas
do trabalho e os detentores do capital, através do afastamento da intervenção
e controle regulatórios estatais sobre as questões sociais e da insegurança
socioeconômica do trabalhador.
Tais mudanças refletem a dinâmica do mercado de trabalho no bojo de
suas transformações ocorridas nas últimas décadas substanciando um processo
de novas fmmatações ante as adversidades de alocação profissional dentro
do assalariamento e de suas garantias, bem como fomentado pelo discurso e
prática da ordem empreendedora, via empresa individual.
CAPÍTULO 3
O MEi E AS ESTATÍSTICAS DA
EMPRESA INDIVIDUAL: a dinâmica
da pejotização por vias diversas
A primeira etapa das pesquisas empíricas se constituiu de uma busca pela
conjuntura de instituição do microempreendedor individual (MEi�, ? em como pelos
principais efeitos advindos da implementação desse modelo Jundico de empresa.
_
A inserção da pesquisa com o MEi fm motivada pela necessidade de traçar
um quadro comparativo entre esse modelo e as empresas individuais listadas na
RAIS Negativa, conforme será visto adiante.
Segundo Jannuzzi (2006, p. 15), para a pesquisa acadêmica, "o indicador
social é, pois, o elo de ligação entre os modelos explicativos da Teoria Social e a
_
evidência empírica dos fenômenos sociais observados". Essa afinna!iva e mmto
significativa neste contexto, pois a quantificação e a apuração das empres�s
individuais podem ser percorridas a partir das bases de dados governamentais,
especificamente através da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). ARAIS
configura-se, dessa fonna, um importante indicador social da situação do trabalho
no Brasil. Para fins do tipo de levantamento relativo à progressão desse fenô­
meno, fundamental na construção desse argumento, utilizou-se da observação
longitudinal da RAIS Negativa, um tipo de expediente administrativo que deve
ser prestado pelas microunidades produtivas que funcionaram sem empregados
em detenninado ano-base.
O que ocorre de adverso para fins metodológicos no e:itanto, seria a clas­
'. ,
sificação denh·e esse montante de empresas sem func10�anos, quant�s senam
efetivamente empresas individuais sob o efeito da pejotJZação precanzada, ou
· seja, o tipo específico de fraude trabalhista. A preocupação se justífica uma vez
que nem todas as empresas individuais seriam, na prática, necessanamente o
modelo que vem sendo aqui tratado como trabalhador que atua co�o empresa
"prestando serviços" a outra empresa, a fim de descaractenz�r o vmculo em­
_
pregatício. Entretanto, considera-se que olhar o movn�ento PJ� lnz da e�presa
individual apontada pela RAIS Negativa é a f01ma mais apropnada e efetiva de
quantificá-la, uma vez que parte significativa dessas empresas são, na reahdade,
trabalhadores que atuam sob a condição de pessoa jurídi�a.
_ . , .
A partir do acesso on-line à base de dados fomec1d? pelo Mllllst�no �o
Trabalho e Emprego (MTE) e utilizando os filtros necessanos a ca�� s1tuaçao
_
desejada, uma vez que a RAIS pennite uma série imensa de pos�1b�hdades de
levantamentos desagregados, foi possível acessar os dados cons!itumtes dessa
etapa da pesquisa substanciando as respectivas análises.
S4
PEJOTIZAÇÃO: a empresa individual como força de trabalho

Por se tratar de um levantamento sobre instituições e não sobre pessoas . É nesse contexto que emerge a promoção de medidas favoráveis ao proc�sso
físicas, através da RAIS Negativa não é possível explorar os diversos aspectos de formalização dos trabalhadores até então alheios ao sistema previdenc1áno e
socioeconômicos, demográficos e ocupacionais oferecidos de modo geral e amplo tributário. O ressurgimento dos debates por ajustes pró-flexibilização , sob argu­
pela RAIS, tais como: gênero, faixa etária, remuneração, limitando o levantamento mentos da geração de empregos, rapidamente avolumou-se naquele cenário, �indo
a dados geográficos, setoriais e por estabelecimento. de diversos segmentos da sociedade e marcando profundamente aquele penodo.
A proposta foi, a priori, analisar a situação das taxas de crescime�to das No bojo dessa conjuntura, um aspecto apontado pelo empresariado como um dos
empresas individuais de forma univariada, no recorte temporal de 2000 a 2015, grandes vilões foram os encargos sociais gerados a partir da folha de p�gamento
buscando-se coligir os efeitos intervenientes com aspectos gerais do contexto salarial substanciando diversos debates em tomo das questões reformistas.
social de cada momento apurado. Esse periodo utilizado foi escolhido por eviden­ u:U estudo de Pastore (1994a) apontava o custo do emprego, especifica­
ciar um momento de retomada quantitativa do emprego, permitindo confrontar mente no caso dos encargos sociais sobre os salários, que causava um impacto
como a pejotização se comporta mesmo em momentos defetomada da expansão muito significativo nos negócios, impedindo o crescimento econômico a pa�rr
do assalariamento. da baixa produtividade empresarial. Na ocasião, conforme a tabela 5 a segutr,
A seguir, utilizou-se dessa mesma curva quantitativa de empresas individu­ o autor elaborou uma planilha relacionando os custos diretos da folha de paga­
ais para viabilizar outras análises: desagregar, pelo menos, pelos cinco grandes mento, a fim de evidenciar que o empregado custava muito mais do que aqutlo
setores do IBGE (serviços, indústria, comércio, construção civil e agropecuária) que efetivamente recebia.
e comparar o crescimento da empresa individual com o estoque de empregos
formais e com a variação de microempreendedores individuais atualizada em Tabela 5 - Composição dos encargos relativos à folha de pagamento
tempo real pelo Portal do Empreendedor. itens de Encargos % sobre o salário
Esse cruzamento da RAIS Negativa com as outras referências favoreceu uma 20,00
Previdência Social
observação ponderada e relativizada sobre a variação das empresas individuais
Repouso Semanal Remunerado 18,91
e cada um dos aspectos apontados pelos respectivos fatores.
13 Salário
° 10,91
Férias 9,45
3.1 Movimentos de "formalização" do trabalho na instituição FGTS 8,00
do MEi
Feriados 4,36
Abono de Férias 3,64
Conforme visto no capítulo inicial, as décadas de 1980/90 marcaram o Despesa de Rescisão Contratual 2,57
início de diversas transformações sociais e produtivas repercutindo na rees­ 2,50
Salário Educação
truturação e flexibilização dos processos de trabalho, no avanço da tecnologia
Acidentes do Trabalho (média) 2,00
da informação e das formas de desemprego e de relações estabelecidas entre
SESI 1,50
Estado, organizações e indivíduos. Um cenário transformacional, cujo pano
Aviso Prévio 1,32
de fundo estampa as políticas de reforma de Estado emanadas pela onda ne­
oliberal do momento. Segundo Cardoso e Lage (2007, p. 100), SENA! 1,00
Incidência do FGTS sobre 13° 0,87
Parece incontestável que, na segunda metade dos anos l 990, o poder pú­ SEBRAE 0,60
blico, o MTE, os economistas que informaram a elaboração de políticas Auxilio Enfermidade 0,55
públicas para o mundo do trabalho e tantos outros agentes importantes
das relações de classe no Brasil concordavam que o direito do trabalho INCRA 0,20
herdado do período Vargas era um empecilho à reestruturação produtiva, Outras Incidências 13,68
em particular, e econômica, de maneira geral, ambas necessárias à retomada Total 102,06
da rota ascendente de nossa economia rumo à modernidade. Fonte: Pastore (1994b)f>l.

64 Publicado no Jornal da Tarde em 09/02/1994 sob o titulo "Emprego e encargos sociais" e também
disponível em : <http://www.josepastore.com.br/artigos/rUrt_019.htm>. Acesso em: 20 ju n. 2017.
Pl:.JU I ILAYAU: a empresa individual como força de trabalho 97

Além dos fatores percentuais apontados na tabela, que se refere aos custos significativo no âmbito de todo movimento que se instaurava em torno da
salariais básicos da indústria, existiriam ainda, aqueles beneficios exclusivos facilitação da formalização dos micro e pequenos produtores.
de cada categoria obtidos através das respectivas convenções coletivas (cestas A Lei Complementar nº 123/2006, que substituiu o Simples Federal pelo
básicas, planos de saúde, restaurante, transporte etc.). Ademais, o trabalhador, Simples Nacional, foi resultante de um clamor de diversos setores, sobretudo
por sua vez, teria comprometida parte do seu salário com as contribuições de entidades diretamente ligadas ao segmento das MPEs como o SEBRAE e
previdenciárias, fiscais, sindicais entre outras. Em síntese, segundo o autor, a o Movimento Nacional das Micro e Pequenas Empresas (Monampe). Com o
cada R$100,00 de salário, o trabalhador embolsa apenas cerca de R$80,00, por texto, a lei complementar passa a ter vigência obrigatória em todo território
conta de suas contribuições compulsórias, enquanto a empresa, na verdade, nacional, definindo então o Simples Nacional como um regime especial unifi­
considerando eventuais beneficios específicos de cada categoria, assume um cado de arrecadação de tributos e contribuições devidos pelas microempresas
custo de cerca de R$220,00, correspondendo no totaJ. a quase três vezes o e empresas de pequeno porte.
salário efetivamente recebido pelo funcionário. Diversas alterações e ajustes vem se procedendo no referido instrumento
Esse detalhamento esquemático das composições dos "custos da folha de legal. A alteração trazida pela LC nº 127/07 como um programa de incentivo
pagamento" elaborados pelo sociólogo José Pastore ficou muito conhecido e seus à formalização de microempresas e empresas de pequeno porte, baseado na
dados ainda são frequentemente utilizados na tentativa de justificar a flexibilização redução da carga tributária, desburocratização" e da ampliação de contribui­
dos direitos trabalhistas. O assunto reverberou extensivamente nos debates sobre os ção para a Previdência Social. A figura 1 a seguir oferece um breve panorama
custos do trabalho a partir de então, agregado a interpretações e interesses diversos cronológico desse debate.
e reforçando ainda mais os argumentos dos setores reformistas, sobretudo do em­
presariado, a favor da flexibilização dos direitos do trabalhador. Figura 1 - Evolução das políticas de incentivo às MPEs
Nesse sentido, como mecanismo de inserção contributiva de expressiva
parcela de trabalhadores que estavam às margens do sistema fiscal, algumas
políticas públicas, em atendimento a demandas de diversos segmentos da 1996 Lei 9.317
Simplifica tributos e 1999 Lei 9.841
1988 CF determina
sociedade, foram instituídas através da fonnalização de micro e pequenas tratamento desburocratiza estabelece o Estatuto
das MPEs
unidades produtivas. diferenciado às MPEs processos (Simples
Federal)
No âmbito da formulação de medidas institucionalizadas voltadas à
promoção do empreendedorismo surgidas, a Constituição Federal (CF/88)
definiu que fosse estabelecido um regime próprio a favor da geração e regu­
lação dos micro e pequenos negócios", de forma a simplificar suas operações 2006 _ Lei 123 institui o
Estatuto Nacional da
administrativas e reduzir seus custos, estimulando a expansão dos microem­ 2007 Lei 127 amplia
as categorias eleglveis
Microempresa e da
Empresa de Pequeno
preendimentos. Essa determinação repercutiu na criação da Lei Complementar ao Simples Nacional Porte. Simples
Nacional
(LC) nº 9.317/96, através da qual o Governo lançou o Simples Federal, que
foi instituído por lei ordinária, permitindo que estados e municípios criassem
regras próprias para suas questões tributárias. Fonte: O Autor.
Outro avanço no esforço de regulamentação nesse sentido foi a instituição
do Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte que reforçou No que se refere às políticas ligadas às MPEs desde a Constituição Federal
aspectos relacionados à Previdência Social, relações trabalhistas, linhas de de 1988, pode-se afirmar que é possível ver o Simples Nacional como um pre­
crédito específicas para o setor e recursos federais para aplicação em pesquisa, cursor do MEI no intuito da facilitação e estímulo à adesão do trabalhador ao
desenvolvimento e capacitação tecnológica, o que representou um avanço
66 A respeito da simplificação burocrática, segundo Veiga e Lima (2016), "Com relação à� obrigações
acessórias, o Microempreendedor Individual está dispensado de escriturar livros contabe1s, no en­
65 _
De acordo com o artigo 179 da Constituição Federal de 1988: ''A União, os Estados, o Distrito Federal tanto, existem obrigações periódicas que devem ser observadas pelo MEi, tais como, \1) apresen­
e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas tação mensal, por meio de relatório, do total de receitas auferidas no mês; (ii) relatóno d e notas
em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações .
fiscais de compras de produtos e serviços, receitas e despesas; (iii) relatório anual de receitas; (1v)
administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por preenchimento da Guia de FGTS e GFIP (Informação à Previdência Social) até o dia 7 de cada mês".
meio de lei" (BRASIL, 1988).
98 Pt::JV 11LAyAu: a empresa maiv1dua1 como força de trabalho

processo de formalização de suas atividades produtivas, de modo que se trata 2018,já eram 7.739.452 inscritos,representando um crescimento exponencial
de políticas sistemáticas e dentro de um repertório de medidas, por motivos superior a 175 vezes ao longo de apenas nove anos de vigência desse programa
diversos, favoráveis à ampliação desse segmento de atividades produtivas. do Governo Federal de incentivo à "inclusão através da formalização", cifras
A implementação de uma legislação, mesmo que ampla e dita de caráter que podem ser conferidas no gráfico 7 a seguir.
inclusivo, no entanto, pode não ser suficiente para a formalização de empresas
e de empregos (ANDRADE; BRUHN; MCKENZIE, 2014),carecendo, ainda,. Gráfico 7 - Evolução de inscritos no MEi (dez./2009 a dez./2018)
de forma complementar, da intensificação do controle fiscal e de políticas de
desenvolvimento mais amplas (KHAMIS, 2014). 7.738.590 7.73 9.452

Através de uma perspectiva econométrica, os estudos de Rocha,Ulyssea


e Rachter (2014) apontaram que a redução dos custos advinda da implemen­
tação do Simples Nacional não foi item suficiente·para a formalização dos
que já atuavam na informalidade, embora tenham encontrado efeitos que
consideraram modestos sobre a criação de novas empresas fmmais.
As análises sobre os efeitos das políticas de formalização das atividades
econômicas geralmente partem de abordagens comparativas da realidade entre
países. Buscando alternativas a essa "vala comum" metodológica, Monteiro e 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Assunção (2006) olharam para o caso brasileiro por ocasião da implantação do


Simples Nacional e chegaram a conclusões diversas às apresentadas até então. Fonte: Portal do Empreendedor.

Ao estudar o caso sob o ponto de vista interseccional, analisaram a variação


de formalização do setor varejista, comparando seus efeitos com setores não O crescimento do MEI é contínuo, promovido por um discurso de in­
elegíveis ao Simples. Concluíram, então, que as microunidades varejistas, centivo formulado sob diversos argumentos, que vão desde a formalização da
sobretudo aquelas que operam com vendas diretas e funcionam na casa do pequena unidade produtiva, de fmma rápida e desburocratizada, a viabilidade
proprietário, em menos de um ano de "formalização" ( entre 1996/1997), de acesso aos sistemas de créditos oficiais, a obtenção do cadastro nacional
obtiveram um nível de incremento no licenciamento (formalização) na or­ de pessoa jurídica (CNPJ), que abre as portas para a prestação de serviços a
dem de 13%, superior ao crescimento antes da vigência da referida política empresas, inclusive ao governo, e à emissão de notas fiscais.
social. Esse estudo buscou,ainda, observar a correlação entre a formalização Do ponto de vista das categorias profissionais mais propensas à adesão,
e o nível de investimentos no negócio, inferindo nesse sentido que, embora há uma concentração muito significativa dentre as ocupações dos trabalha­
essa situação seja ambígua, "pertencer a um setor formal é uma combinação dores que se enquadram como microempreendedores individuais. Do total
de direitos de seguridade e melhor capacidade contratual" (Idem, p. 3), tanto de 643 atividades econômicas elegíveis6', as 20 mais comuns entre os MEis
com fornecedores, quanto com contratantes de serviços. (3, 11 % do total) correspondem a 52% do universo de inscritos. Ou seja, os
Por outro lado, o MEI vem crescendo substancialmente no campo da demais 623 enquadramentos ocupacionais possibilitados pelo sistema de ca­
atuação profissional. De acordo com o Portal do Empreendedor, órgão estatal dastro (96,89% das atividades econômicas) representam o restante dos 48%
ligado à Casa Civil da Presidência da República e principal interface do governo
dos microempresários individuais inscritos. Essa concentração dos MEis em
com a sociedade no sentido de disseminação da prática do microempreen­
algumas atividades sinaliza que há segmentos muito mais atraentes do que
dedorismo individual, em dezembro de 2009, final do primeiro ano de sua
outros no sentido de se converter juridicamente em empresa individual.
vigência, eram 44.188 MEis cadastrados no Brasil". No final de dezembro de
As atividades mais expressivas entre os que se enquadram nesse modelo,
conforme o gráfico 8 a seguir, é o comércio varejista de vestuário e aces­
67 O Portal possibilita acesso a dados estatisticamente considerados fidedignos, por não se tratar de pes­
quisas ou de informações emitidas por amostragem (população, empresas ou trabalhadores), uma vez sórios que corresponde a 9, 76% de todos os MEis cadastrados. Na prática,
que é a única via de inscrição como microempreendedor individual (<www.portaldoempreendedocgov. esse contingente se ocupa como sacoleiros, camelôs e negociantes avulsos
br>). Uma fragilidade nessa aferição, no entanto, é que os números apontam simplesmente a adesão
ao MEi, não permitindo separar as inscrições vigentes daquelas que abandonam o registro por motivos
diversos (inadimplência, aquisição de emprego com carteira assinada etc.). 68 Os dados para esta etapa estatística da pesquisa foram coletados em julho/2016.
100 t'c:Ju 11LJ-\y/\u. a tm1µ11:::st111m1v1ouai como rorça ae traoaino IUI

nas vendas diretas realizadas nas suas redes sociais. Esse perfil é seguido Essa classificação por ramos de atividades configura-se relevante à medida
pelos serviços de salão de beleza, que são os cabeleireiros, barbeiros, mani­ que evidencia a formalização de um contingente que vem sendo considerado
cures e afins (7,6%). Em terceiro, estão os pedreiros que realizam trabalhos de relativamente menor poder aquisitivo e grau de instrução e que, além disso,
característicos de alvenaria, excetuando-se daí os ladrilheiros, bombeiros vinha historicamente atuando completamente à margem do universo de arre­
hidráulicos, eletricistas entre outros desagregados na classificação do MEL cadação tributária. São estratos sociais que, nos anos de maior valorização do
Tradicionalmente, grande parcela de profissionais da construção civil trabalha assalariamento ( 1940-1980) eram tipificados de forma socialmente subalternas
por conta própria, realizando serviços esporádicos na vizinhança e até mesmo à condição salarial, uma vez que estavam enquadrados como trabalhadores
prestando serviços através de contratos temporários em projetos de grandes "por conta própria", "trabalhadores sem carteira assinada", ou ainda, bisca­
corporações imobiliárias. Os microempreendimentos ligados a pequenos teiros, trabalhadores do "setor informal", situados à margem do circuito de
estabelecimentos de alimentos e bebidas (as chamadas biroscas e as pensões produção e de consumo na esfera do capital, "sem comprovação de vínculo
caseiras, por exemplo) ficam em quarto lugar. nem renda", não obstante sua significativa participação no cenário econômico.
O olhar sobre a dinâmica das empresas individuais carece de dois fatores
Gráfico 8 - Participação das 20 principais atividades distintos: de um lado, o fluxo dos microempreendedores individuais, conforme
econômicas dos MEis Gulho/2016, em%)
apresentado e, por outro lado, a perspectiva quantitativa fornecida pela RAIS
Assistência técnica Comércio varejista Confecção de Mecânica de Negativa, uma vez que se trata de uma fonte específica de empresas individuais.
de informática e de sorvete, batata vestuários sob veículos
copiadora; 1,28 frita, ovos etc.; 1,22 medida; 1,20 automotores; 1,20
Organização de
festas e de
3.2 O panorama estatístico das empresas individuais
exposições
agropecuárias; 1,48

Pintura de
A prática da pejotização como elemento reconfigurante do trabalho não
edificaçõeS; 1,57 é um fenômeno tão recente na sociedade moderna, uma vez que foi gestado
Distribuição de nos processos incipientes da reestruturação produtiva, m uito em voga nos
folhetos,
panfletagem, anos 1980/90 e se propagou como desdobramento do estágio de maturação
promoção no ponto
de venda; 1,75
da terceirização. Há relatos de sua prática no final dos anos 1980. A retomada
Comércio varejista
dos propósitos político-econômicos liberais no cenário nacional dos anos
de bebidas 1990 viabilizaram-lhe aspectos substanciais favoráveis à sua emergência e
consolidação, vindo a se tornar elemento característico dos "novos tempos"
somente nos anos 2000, caracterizando-o como o período de apuramento
das consequências funestas daquele desmantelamento iniciado há duas
décadas, o que permite nos dias atuais um melhor olhar e aquilatamento da
evolução do fenômeno.
As próximas seções deste capítulo buscam apresentar o papel da RAIS
como instrumento de pesquisa e a progressão quantitativa desse remodela­
mento de instituição para o trabalho a partir de alguns critérios conjugados
Eletricista, in stalação Fornecimento de à empresa individual num recorte temporal recente. Optou-se, então, por
de alarmes, antenas,
automação predial;
alimentos
preparados; 2,15 determinar o intervalo entre os anos 2000 e 2015 como ilustrativos das
2,06
Estética, depilação,
transformações em questão. Assim, o debate sobre a empresa individual será
hidratação, Bar, restaurante,
lanchonete, birosca;
explorado a partir das informações contidas na Relação Anual de Informa­
bronzeamento varejista; 2,51
artificial; 2,18 2,90 ções Sociais (RAIS), mais especificamente a partir da "RAIS Negativa",
por ser este o segmento do relatório onde são identificadas as atividades de
.
Fonte: O Autor, a partir de dados do Portal do Empreendedor: ocupação como empresa individual.
102 PEJOTIZAÇAO: a empresa individual como força de traba_lho ,u,

3.2.1 ARAIS como recurso para as pesquisas sociais possibilitando aos gestores delinear, com maior precisão, ações que reduzam
as disparidades sociais (MTE, 2015, p. 3).
Há muito tempo que as estatísticas públicas, como dado social na forma O próprio MTE estima que sua cobertura seja de 98%, o que confere
bruta, constituem elemento fundamental na compreensão da realidade empírica significativa margem de confiabilidade aos dados pertinentes aos vínculos es­
das sociedades, tal como se dá pelas vias dos censos demográficos, pesquisas tabelecidos entre empresa e empregado. Para Negri et.al. (2001, p. 6) "a RAIS
amostrais e registros administrativos (JANNUZZI, 2006). representa, praticamente, um censo anual do mercado formal brasileiro, na
A partir da elaboração desses elementos estatísticos é possível contextu­ medida em que todas as organizações legais (privadas e públicas) são obrigadas
alizar e parametrizar a realidade de uma sociedade sob a forma de indicadores a declará-la". De fato, a ampla abrangência desse relatório administrativo,
sociais. Assim ocorre com a RAIS, um indicador social de evidente relevância, "a aproxima de um censo do setor fmmal da economia brasileira, o que o
implantada através do decreto nº 76.900 de 1975, com a finalidade-de atender toma, efetivamente, uma fonte preciosa para análise do mercado de trabalho
ao "suprimento às necessidades de controle da atividade trabalhista no País"69, formal" (CARDOSO, 2000, p. 219), permitindo ainda uma conveniente fonte
fornecer o "provimento de dados para a elaboração de estatísticas do trabalho", de informação desagregada regional e setorialmente relativas às variáveis:
bem como a "a disponibilização de informações do mercado de trabalho às faixa etária, grau de instrução, gênero, tipo do vínculo, natureza jurídica,
entidades governamentais" (MTE, 2015) e aos demais segmentos da socie­ tamanho do estabelecimento, nível geográfico, nível setorial, nacionalidade,
dade'º. Sua origem remonta ainda ao fato de esse relatório administrativo ter, remuneração, tempo de serviço e causa do desligamento.
inicialmente, servido à manutenção do controle dos abonos trabalhistas e de Todavia, o documento não é um retrato amplo de todo o cenário do tra­
estabelecer medidas protetivas sobre o avanço da mão de obra imigrante que balho brasileiro. Deixa a desejar, por exemplo, no campo de sua abrangência,
ameaçava se elevar". uma vez que se reporta exclusivamente ao trabalho tradicionalmente tido
Ainda de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), órgão como "formal" no Brasil. Assim, o relatório não contempla os autônomos,
responsável pelo relatório, a RAIS os pequenos empresários fora da formalidade, enfim, todos os trabalhadores
que não atuem sob o contrato típico ( celetistas ou estatutários).
é um registro administrativo e constitui uma das principais fontes de
informações sobre o mercado de trabalho formal brasileiro, que permite No que diz respeito às suas limitações, o próprio órgão responsável pelo
o acompanhamento e a caracterização do emprego formal. O tratamento instrumento recomenda cautela sobre seu uso e interpretação. A instituição
estatístico das informações provenientes da RAIS possibilita a obtenção de ressalta que a principal limitação se refere à omissão de declaração dos es­
dados mais desagregados em tennos geográficos, setoriais e ocupacionais, tabelecimentos, seguida dos erros de preenchimento, tomando a negligência
chegando em nível de município, classes de atividades econômicas e por parte das empresas passível de multa (MTE, 2015). Ainda nessa via da
ocupações. Em razão de sua multiplicidade de infmmações de interesse debilidade técnica do documento, Cardoso (2000, p. 219) observa que a base
social, possui um enorme potencial como fonte de dados, capaz de subsidiar
os diagnósticos e fundamentar as políticas públicas de emprego e renda, de dados apresenta também limitações quanto à origem, das quais destaca

69 Disponível em: <http://www.raís.gov.br/sitio/sobre.jsf>. Acesso em: 10 maio 2018. primeiro, o fato de a informação ser fornecida pelas empresas e não sofrer
70 Saboia e Tolipan (1985, p. 456) contrastaram a RAIS com a PNAD e com o Censo Industrial da controle na fonte, de sorte que a qualidade dos dados não pode ser aferida.
época. Concluíram, então, que o relatório administrativo do Ministério do Trabalho consiste um forte Segundo, há dificuldade de controle do nascimento e da m9rte de empresas,
aliado às políticas públicas, bem como às pesquisas acadêmicas, afirmando que "Tanto o trabalho limite especialmente importante em situação de instabilidade econômica
científico quanto a própria sociedade se beneficiariam de um melhor acesso a �uas informações". ascendente ou descendente.
71 Em seu levantamento sobre a trajetória do Ministério do Trabalho e Emprego, Angela de Castro Go­
mes acrescenta que a RAIS "representa um censo anual do emprego formal, levantando, por meio
de formulário próprio, informações que se destinam a: servir de base de cálculo das cotas do PIS e Na prática, não há o controle na fonte e sua vigilância é realizada, muitas
do Pasep; subsidiar o controle relativo ao FGTS e à Previdência Social; controlar a nacionalização do vezes, através das reclamações dos próprios trabalhadores, a partir de irregu­
trabalho, substituindo a chamada lei dos 213; e viabilizar o pagamento do abono salarial a que se re­ laridades detectadas por ocasião do saque dos abonos do Programa de Inte­
fere o artigo 239 da Constituição Federal" (GOMES, 2007, p. 231). A citada "Lei dos 213", na verdade,
trata-se do Decreto n' 19.482 de 1930, cujo propósito instituía uma medida protetíva ao trabalhador gração Social (PIS), por exemplo, bem como do saque do Fundo de Garantia
"brasileiro nato" em detrimento aos imigrantes, de modo que todas as empresas deveriam manter por Tempo de Serviço (FGTS), quando os trabalhadores têm o recebimento
em seus quadros de empregados, pelo menos 213 de trabalhadores nacionais. Vale ressaltar que, de
certa forma, tal restrição ainda consta na legislação trabalhista (conf. Art. 352 a 371 da CLT).
1U4 1 ._.,._' •� ''f ' ,_, u V'"I''--� '"""''-'"'-''"'-''"VIVI�« UV .,.,..,._.,,,.,

de seus benefícios comprometidos por conta de eventuais incompatibilidades 331 do TST, o que permitia desdobramentos diversos como a terceirização
na transmissão dos dados. individual, a "supe1terceirização" (POCHMANN, 2008b) e a quarteirização;
Em suas diversas formas de consultas, a RAIS permite desagregações além de outras investidas como aquela referida no texto original da Lei nº
tanto a respeito dos vínculos, quanto no sentido de observações transversais 11.457/2007, cujo §4º do seu 9° artigo tentava afastar o poder de autuação
a respeito dos estabelecimentos declarantes. E é justamente nesse aspecto dos fiscais do Ministério do Trabalho contra a pejotização; bem como a im­
que a RAIS se torna ainda mais relevante nesta pesquisa, ao permitir uma posição por parte do empresariado que se apropria desse contexto propício
abordagem analítica não somente sobre os vínculos (empregos), mas sobre para adotar tal medida como subterfúgio de contratação. O gráfico 9 a seguir
as "empresas" em suas características nem sempre atentadas. oferece um panorama fundamental desse contexto ao destacar o avanço das
Esse instrumento permite um olhar direto sobre as empresas individuais unidades produtivas desse formato entre os anos de 2000 a 2015.
através da RAIS Negativa", um segmento específico,Vóltado a declarações
de estabelecimentos ou entidades que não tiveram vínculos láborais no Gráfico 9 - Evolução das empresas individuais (2000-2015)
referido ano-base. 4,50
4,29 4,33 4 29 4,34
,
4,30
4,21 4,21 4,20 _,,,.___

3.2.2 A evolução da empresa individual através da RAIS Negativa 4,10

g 3,90
ARAIS Negativa é um segmento daRAIS, voltando-se especificamente E
j 3,70
a evidenciar informações relacionadas aos estabelecimentos que não tive­
i
·� 3,50
ram empregados, por isso, sem vínculos, o que caracteriza uma "empresa
3,30
individual", cuja operacionalização confunde-se entre a personalidade de
patrão e de empregado. Por conta disso, essa fonte de diversos indicadores 1 3,10

socioeconómicos ocupa espaço central no desdobramento desta investigação. w 2,90

Como mencionado, o recorte temporal apontado nesta análise compreende 2,70

especialmente o período anual de 2000 a 2015. 2,50


2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Inicialmente, a respeito das empresas individuais, o que se pode constatar é
que a evolução desse tipo de estabelecimento vem crescendo substancialmente Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS/MTE.
nos últimos anos. Há, de um lado, o viés ideológico, como a ressignificação
da informalidade através do empreendedorismo e do ethos emancipador do Ao final do ano 2000 (os dados da RAIS são referentes à situação da
autoempresariamento; os esforços institucionalizados materializados nos me­ empresa no último dia de cada ano informado) havia 2.932.860 firmas indi­
canismos legais pela legitimação do processo, como a interpretação enviesada viduais. Quinze anos após, esse número saltou para 4.343.198, representando
do artigo 129 da Lei nº 11.196/2006 73 ; da regulação insuficiente sobre a tercei­ um expressivo crescimento de 48,09%74• Essa cifra,per se, evidencia o papel
rização, que vinha sendo arbitrada de forma judicializada através da súmula
que o modelo em questão vem assumindo em âmbito nacional. A curva do
gráfico ratifica a participação da empresa individual no cenário econômico
72 De acordo com a Portaria nº 269/2015 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE): "Ar!. 2° Estão
obrigados a declarar a RAIS: [...] §1 ° O estabelecimento inscrito no Cadastro Nacional de Pessoa atual, sugerindo ainda, seu potencial de crescimento nos próximos anos no
Jurídica - CNPJ que não manteve empregados ou que permaneceu inativo no ano-base está obri­ mercado de trabalho.
gado a entregar a RAIS - RAIS NEGATIVA - preenchendo apenas os dados a ele pertinentes. §2º
A exigência de apresentação da RAIS NEGATIVA a que se refere o §1º deste artigo não se aplica
Ao observar comparativamente a patticipação desse segmento no ce­
ao Microempreendedor Individual de que trata o ar!. 18-A, §1° da Lei Complementar nº 123/2006". nário empresarial, percebe-se que quanto menor o porte, maior a quantidade
Disponível em: <http://portalfat.mte.gov.br/wp-contenVuploads/2016/02/PORTARIA-RAIS-ano­ de empresas. Em 2015, 52,24% das firmas brasileiras fonnalizadas eram
-base-2015-269.pdf.>. Acesso em: 09 dez. 2018.
73 Conforme será discutido na seção 4.1 (Justiça e questão social: aspectos relativos à pejotização), o
referido artigo da lei vem causando polêmicas no sentido interpretativo de seu conteúdo, viabilizando 74 Para efeitos comparativos, segundo dados do IBGE, a população economicamente ativa (PEA) teve
a contratação de trabalhadores como PJ a despeito de empregado celetista. um crescimento de 30,03% no período de 1999-2014.
106 1-'t:JU I ILAYAV: a empresa 1nmvmua1 como torça de traoaino

classificadas como empresas individuais, conforme o gráfico 1O, enquanto as uma queda no período analisado (2000-2015). Em 2000 marcava 56,71%
empresas com zero empregado" responderam por 5,31 % dos estabelecimentos de participação no quadro empresarial nacional, subiu para 58,52% em
e as microunidades produtivas (de um a quatro funcionários) representaram 2005 e caiu para 55,32% em 2010, até chegar à cifra dos 52,24% apontados
26,83% do total. No outro extremo da classificação por porte, as empresas que em 2015. A tabela 6 traça um panorama sobre a evolução quantitativa das
contam com 500 a 999 empregados representam somente 0,07% dos empre­ empresas por tamanho no período estudado.
endimentos e as maiores, com mais de 1.000 empregos formais, significam
apenas 0,05% do número total de empresas no Brasil. Tabela 6 - Evolução quantitativa das empresas por tamanho (2000-2015)

Tamanho Estabelecimento %por %


Gráfico 10 - Distribuição % das empresas por tamanho (por quantidade 2000 2005 2010 2015 porte 2000-
(quantidade de funcionários) (2015) de empregados) 2015 2015
Empresa Individual 2.932.860 3.844.080 4.213.749 4.343.198 52,24 48,09
O Empregado 268.592 296.684 376.063 441.840 5 ,31 64,43
De 1a4 1.300.466 1.570.654 1.907.315 2.230.894 26,83 71,55
De5 a 9 334.029 425.619 543.619 645.456 7,76 93,23
De10a19 174.584 227.520 299.846 348.458 4,19 99,59
De20a49 98.548 126.891 172.916 194.479 2,34 97,34
De50 a99 31.241 38.792 52.993 56.742 0,68 81,63
De100a249 19.163 22.544 30,234 32.084 0,39 67,43
De250 a 499 6.859 8.527 11.115 11.452 0,14 66,96
De500a999 3.254 4.174 5.406 5.680 0,07 74,55
1000 ou mais 1.951 2.767 3.941 4.223 0,05 116,45
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS/MTE.

A variação da empresa individual sugere que não está havendo, ne­


,:.Empresa individual !#O Empregado �De 1 a4 "'0e5a9 cessariamente, uma migração de porte das firmas maiores para as empresas
111De10a19 illDe20a49 er!De50a99 DDe 100 a 249 individuais, uma vez que todos os outros portes tiveram crescimentos subs­
nDe250a499 1'1De500a999 • 1000 ou Mais tancialmente mais elevados do que isso. Os números, além de evidenciar que
o crescimento empresarial, no todo, vem se sustentando ao longo do período,
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS/MTE. demonstram ainda que esse crescimento é generalizado, ou seja, entre todos
os perfis de tamanho. Aliás, o "porte" empresa individual foi o que menos
Embora seja possível constatar que em 2015 a empresa de um indiví­ cresceu relativamente no período, enquanto, no outro extremo, as grandes
duo só, isoladamente, representava a maioria absoluta de firmas em fun­ cotporações alcançaram o maior crescimento comparado (116,45%). Isso
cionamento no território nacional (52,24%), não se pode afirmar que isso, pe1mite afirmar que, baseado na dinâmica dos estabelecimentos empresariais,
comparativamente, represente um crescimento das empresas desse formato, de modo geral, houve um incremento econômico a partir do que se percebe
tampouco que esteja havendo um processo de miniaturização das unidades no setor produtivo no recorte temporal em questão, inclusive nos momentos
produtivas, como visto. A participação das empresas individuais nessa pers­ mais afetados pela crise no cenário internacional do período de 2008/2009.
pectiva comparada por porte, segundo a RAIS e a RAIS Negativa, sofreu O momento de economia favorável, de certa forma, permitiu, e até mesmo
viabilizou, o avanço das empresas individuais, fenômeno análogo ao que
75 Empresas com O (zero) empregado são estabelecimentos que, ao longo do ano, tiv eram emprega­ ocorreu com o assalariamento de 2000 a 201O, como visto.
dos, masquefecharam o ano sem nenhum, diferentemente dasempresasindividuais, quefuncionam
regular e exclusivamenteatravés das operações do proprietário.
108 1-'t:JU 11LAyAu: a empresa maiv1aua1 como torça de trabalno

Por outra perspectiva, a noção de miniaturização dos estabelecimentos O avanço da pejotização vem sendo fortalecido por diversos fatores, em
ocupa um papel significativo nessa análise, uma vez que está profundamente todos os setores das atividades econômicas, conforme ressaltado, e muitos aspec­
ligada ao processo gradativo de desassalariamento conjugado ao arraigamento tos concorrem a favor dessa evolução. De tal modo, é também interessante notar
do "ter que empreender" através da ordem (micro)empreendedora (individual). como esse fenômeno vem se comportando setorialmente, ao longo do período
Para isso, se faz necessária uma análise sobre o gráfico 11 a seguir, que aponta analisado. Antes, porém, a título de efeitos comparativos, a tabela 7 apresenta a
a participação das empresas na composição dos postos de trabalho formal. variação do volume de empresas (de todos os portes, exceto empresa individual),
bem como da geração de postos de trabalho no petiodo de 2000 a 2015, a partir
Gráfico 11 - Participação das empresas no cenário ocupacional, por tamanho (%) da segmentação por grandes setores do IBGE (serviços, comércio, indústria, agro­
pecuária e construção civil), uma vez que a flutuação quantitativa da pejotização
30
carece de uma ponderação desses dois indicadores por estar em uma situação
intermediária entre empresa e indivíduo. Na sequência, serão demonstrados os

- - -�i-- ., _ _____ __ _J_,ttº,. --- - -"! - - (-" ------


-- -- iú9 -----------
24,55 • 24,05
25 · _, __ .
2 �,44
2
números relativos à variação das empresas individuais, especificamente.
,o
Tabela 7 - Variação do volume de empresas por grandes setores IBGE (2000-2015)

___ ( __
- .-- ·{-------- -- -i Grande setor IBGE Variação empresas(%)
Variação na geração de postos de

'.l..lttlL ltlll]tl:.1 ll
trabalho(%)
10,06
Indústria 57,09 56,18
Construção Civil 121,35 121,34
Comércio 85,07 124,20
Serviços 85,78 81,44
2000 2003 2006 2009 2012 2015
Agropecuária 29,78 39,94
, DDe1a4 D De 5 a 9 DDe10a19 []De 20 a 49 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS/MTE.
@De50a99 f:lDe100a249 WDe250a499 �De soo a 999 i'11000ouMais
O gráfico 12 a seguir ilustra algumas situações do crescimento da pejotiza­
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS/MTE. ção a partir da classificação por grandes setores do IBGE, via RAIS Negativa.
Gráfico 12 -Avanço das empresas individuais por
Como se pode perceber, não há uma forte evidência que comprove o pro­ grandes setores do IBGE (2000-2015)
cesso de migração quantitativo de h·abalhadores das firmas maiores para as 2.500
fomas menores, pelo menos, no período em análise (2000-2015), uma vez que
a participação das empresas no cenário ocupacional manteve-se relativamente Serviçe:s

estável ao longo do tempo. 2.000

Nota-se que a acepção de miniaturização, nesse contexto, relaciona-se apenas


Comércio
ao crescimento quantitativo de empresas menores, o que houve de 2000 a 2003, mas 1.500

que encontrou uma leve e progressiva retração nos anos seguintes, o que pode ser
explicado, a partir de 2008, com o surgimento do MEI, instrumento jurídico que vai 1.000
servir de via alternativa à inserção no trabalho sob a forma de empresa individual.
O fato de não haver uma migração da força de trabalho das grandes para as
micro e pequenas empresas e isso atrelado ao crescimento das empresas individu­ 500
_Jndústfia
ais (EI), sugere um processo de "formalização" do trabalho através do avanço da __ .., .............................. ,.-....... Cõr";'si�çã; C
ivil
__,...,.., ____,.._ ......,_., ____ Agropecuária
empresa individual como forma viável e, muitas vezes, consentida pelo próprio 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
trabalhador (o que será discutido adiante). Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS/MTE.
110 1-'t.JU 1 Jt.Al,,AU: a 1;m1µrtitH:1 mmvmuai como mrça ae uaoa1nu

As observações setoriais no período acumulado de 2000-2015 evidenciam na geração de postos de emprego assalariado que subiram em 39,94% . No
alguns aspectos relevantes. entanto, nota-se que o grande salto se deu pontualmente entre 2 0 08/2009,
A pejotização na indústria apresentou um crescimento geral de 33,15% , ocasião da instituição do MEI, quando o contingente de empresas individuais,
aquém do setor industrial como todo, que teve uma elevação geral de 57,09% de um ano para o outro, sofreu um incremento na ordem de 86, 39% . Ou seja,
e, por outro lado, algo próximo à variação da população economicamente esse efeito se destaca pelo desempenho capturado pela RAIS Negativa, o que
ativa (PEA) daquele mesmo recorte temporal. Apesar de se tratar de um é potencializado ainda mais com o início da vigência do MEL O trabalho na
crescimento expressivo refletido sobre as condições que se fizeram favoráveis agropecuária, ao que os dados indicam, vem sendo relativamente executado
à economia, não se pode afirmar nenhuma excepcionalidade, se levado em substancialmente por empresas individuais.
consideração que a geração de emprego industrial também ficou na mesma O grande setor comercial foi o que mais ofereceu novos postos de emprego
faixa de proporção (56,18%) nesse período. No setor, mereceu destaque a (124,2% ), e as empresas não individuais se elevaram em 85,07% , o que, com­
indústria mecânica, cuja variação no período foi de 238,09%, seguido da parado aos dados da RAIS Negativa, toma essa atividade econômica digna de
indústria de borracha, fumo e couro, que variou em 123,61 % . Por outro lado, maior destaque nessa análise". Embora tenha sofrido uma variação de apenas
a indústria de calçados e a de madeira e mobiliário sofreram uma retração de 4,38 % no período analisado, ao observar a dinâmica entre os subsetores (ata­
15,67% e 3,91 %, respectivamente. cadista e varejista), é possível dimensionar melhor os seus efeitos, conforme
O setor de serviços vem ampliando progressivamente a sua atuação a par­ apontado no gráfico 13, que ilustra essa alteração por ambos os subsetores.
tir da empresa individual e cresceu em 94,7%, algo relativamente próximo ao
crescimento de serviços de modo geral. Destaque aqui para os serviços médicos, Gráfico 13 - Variação dos subsetores do comércio
odontológicos e veterinários, que marcaram um incremento na ordem de 312%, - varejista e atacadista (2000-2015)
seguido dos serviços de utilidade pública (254,36%), esse último ligado sobre­
tudo às organizações do terceiro setor, e dos serviços de administração técnica 1800

profissional (240,76%). Nesse setor como todo, o aumento empresarial ficou na 1600

marca de 85, 07%, os empregos se elevaram em 81,44% e todos os subsetores 1400

dessa atividade econômica cresceram nesse espaço temporal. -1,78%

A construção civil também apresentou destaque, evidenciando uma


1200

ascensão geral de 132,68% de novas empresas individuais, enquanto as em­ 1000

presas não individuais se elevaram em 121,35% , bem próximo à ampliação 800

dos postos de trabalho formais que alcançaram 121,34%. Note-se que na 600

-------- ---------- - -- ....


distribuição das 20 atividades mais comuns no cadastro do MEI obtidos no
Portal do Empreendedor, conforme apresentada na seção 3 .1 (Movimentos 400
51,54%

de "formalização" do trabalho na instituição do MEI), três ocupações ligadas 200

à construção civil se destacam: serviços de alvenaria e pedreiro (4,17%), o


eletricista (2,06%) e pintura de edificações (1,57%). Números altos quando 2000 2001 2002 2003 2004 2005 ·2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

considerado o fato de que fazem parte de um universo de 643 atividades eco­ -comércioVarejista � --comércioAtacadista

nômicas listadas pelo governo. A despeito do elevado índice, no entanto, esse Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS/MTE.
segmento manteve um crescimento regular e constante ano a ano, confonne
sinaliza a curva do gráfico.
O trabalho como empresa individual na agropecuária, embora pouco 76 Conforme será demonstrado no levantamento sobre os processos julgados pelo TST de 2008 a
representado comparativamente, apresentou um crescimento relativo extra­ 2016, a ser tratado na seção 4.2 (A Justiça do Trabalho como parâmetro para o contexto da pejot�za­
ordinário de 513,08% no espaço temporal em questão. Essa excepcionalidade ção e o aporte das decisões do TST), as ocupações ligadas a vendas, sobretudo as representaçoes
comerciais, constituem, de longe, a atividade profissional com maior volume de demandas judiciais
no crescimento se evidencia quando comparado ao crescimento das firmas na instância máxima da Justiça do Trabalho, em consonância com os dados aqui apurados, o que
não individuais que sofreram um incremento de apenas 29,78%, assim como oferece indícios de se tratar de uma área significativamente atrelada à pejotização.
Na confrontação entre os segmentos comerciais desagregados (va­ ocupar um espaço ambíguo na economia do trabalho. De um lado, refere-se
rejista e atacadista), é importante observar que ambas as curvas vinham às firmas, como unidades produtivas juridicamente constituídas. Por outro
crescendo até 2005. O comércio atacadista, aquele constituído sobretudo lado, trata-se de um formato que atua no âmbito dos indivíduos, ou seja, de
pelos representantes comerciais, demonstrou um crescimento regular e pessoas tisicas que realizam suas respectivas operações, tal como empre­
obteve um crescimento expressivo de 51,54%. Já o efeito sobre o varejista gados. Dessa forma, a afinnativa de que as empresas individuais compõem
PJ começou a sofrer retração efetivamente a partir de 2009, podendó estar parcela majoritária na totalidade empresarial brasileira constituem, em certa
associado ao surgimento dos MEis, o que sugere uma possível migração forma, numa incoerência interpretativa, uma vez que se está comparando
de empresa individual para o microempreendimento individual. Ressal­ categorias analíticas distintas. Nesse sentido, as próximas análises consti­
te-se que, de acordo com o que foi levantado a respeito das atividades tuirão um olhar relativo das empresas individuais sobre o emprego e a sua
econômicas que se inserem no MEI, 9,76% são trabalh.adores que atuam conexão com a formalidade/informalidade.
no comércio varejista de vestuários e acessórios; sem considerar aqueles Como visto, o mercado de trabalho nacional foi marcado por uma signi­
que operam com os demais tipos de comércio varejista, tais como cosmé­ ficativa retomada da ''formalidade" ocupacional nos anos 2000, acompanhado
ticos, bebidas, entre outros. da redução do desemprego e do aumento da renda média do assalariamento
Há ainda outro elemento que deve ser lembrado no sentido de favorecer (KREIN; MANZANO, 2014). O aspecto quantitativo das ocupações, com
à lógica do "compartilhamento do risco do negócio" (BEZERRA, 2011; efeito, evidenciou-se por uma curva crescente até 2014. No entanto, ao se
KREIN, 2007). No caso dos representantes comerciais, esse efeito se toma verificar a qualidade dos postos de trabalho e das condições contratuais (ter­
ainda mais patente, uma vez que a pejotização na forma de representação ceirização e serviços temporários), verificou-se uma reconfiguração dessas
comercial imputa ao trabalhador uma responsabilidade ambígua, que é a de situações de trabalho nesse processo, embora, ainda assim, tenha repercutido
filial da contratante e, ao mesmo tempo, a de cliente dessa mesma grande em um melhor incremento da estabilidade e da renda se comparado à década
empresa, delegando-lhe, assim, uma atuação como compradora-distribuidora anterior à análise (anos 1990). O gráfico 14 estabelece o quadro comparativo
dessa empresa, bem como, concomitantemente, o papel de prospecção de entre o crescimento relativo do emprego e da empresa individual tomando
novos clientes para consumo de "seus" produtos. por base o ano 2000.
É evidente que isso sinaliza, da mesma forma, que o vínculo de
trabalho, antes via assalariamento, como vendedor, consultor comercial, Gráfico 14 - Variação relativa do emprego formal e
da empresa individual (ano 2000 = 100)
promotor de vendas, entre outros ligados diretamente à área comercial,
pode estar sendo substituído progressivamente pelo trabalho pejotizado, 200 189•00
quer seja através do MEI, quer pelo modelo de empresa individual captu­ 186 62
180,94 ;_ - ,... �
83,24

rado somente pela RAIS Negativa. Mas isso aponta indícios, inclusive, da 180
17657 ...
.,,. ' �

possibilidade de que o trabalhador que vinha operando "por conta própria", 168,0S,; .,,. .

ligado a esse ramo de atividade, também venha aderindo ao processo de 160


157,11,,
150, 3 � /
147,6114530148,09
"formalização". Esse aspecto limítrofe entre as condições de assalariados, ;, 143,38 .,... 143,54143,67
_...
146 44
• 143,37
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/ 138,36 ----:.----
MEis, empresários individuais e trabalhadores "por conta própria" será ili 140 131,07
134, 0 13
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abordado na seção que segue. 126,82 · - �-- ,....


122,25 .:.--::::- 132,41
117,66 ..,. 126,73
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120 5
110,48 112,6 4 ., 119, 7
3.2.3 Considerações sobre a (in)formalização a partir dos dados do - .,
100 .... ·109,36
MEi e da RAIS Negativa 100
- ,...103 ,66

2000 2005 2010 2015

--Empresa Individual (RAIS) - - ·Emprego formal


O levantamento realizado nas seções anteriores a respeito da situação
das empresas justifica-se neste contexto dada a temática "empresa individual" Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS/MTE.
114 [""L,..,VI l<-.f"lY'''-'• '-' v,,,t',vv'-' "'"'''"'-''-'' '-'VIIIV IVI� '"' "'"'"'-'"''-'

Se, por um lado, houve a retomada do avanço do assalariamento, essa Gráfico 15 - Crescimento da empresa individual - RAIS Negativa e MEI
evolução acompanhou,pari passu, uma substancial deformação na estrutura �---------�----�----
ocupacional, especialmente sob dois aspectos distintos, mas mutuamente
complementares em seu escopo: o avanço abrupto das formas de subcon­
tratação (GUIMARÃES, 2011) e a proliferação das empresas individuais
como mecanismo estratégico de produção e de fragmentação das repre­
sentatividades profissionais.
De acordo com o que foi visto na seção 2.1.3 (As formas persistentes
de regimes flexíveis e o declínio do assalariamento no Brasil), o assalaria­
mento vem passando por uma conformação na estrutura de seus vínculos
que estão qualitativamente comprometidos, sobretudo no que se refere
às formas contratuais usualmente praticadas. Trata-se de um crescimento
quantitativo comprometido, uma vez que não vem se mostrando estrutu­
ralmente robusto do ponto de vista das condições contratuais.
A análise do fenômeno da empresa individual não deve ser esta­
2011 2012 2013 2014 2015
belecida, no entanto, somente sob a perspectiva dos dados relativos ao 2009 2010

crescimento do setor empresarial e do emprego formal. Carece, pois, um ORAIS Negativa • MEi

olhar conjugado a outros indicadores, sobretudo a respeito do avanço Fonte: RAIS - CGET/DES/SPPE/MTE e Portal do Empreendedor.
do microempreendedorismo individual (MEI) que, do ponto de vista
estatístico, "concorre" com a situação setorial do emprego formal, as­
A partir de 2009, ao que o gráfico indica, a estratégia de o trabalhador
sim como com o formato de empresa individual capturada através da
se tomar pejotizado passa a ocorrer, inclusive, pelas vias do MEI (que vigora
RAIS Negativa.
desde julho daquele ano), dado seu nível burocrático reduzido, caráter tri­
A política pública de "inclusão" dos pequenos estabelecimentos ou butário e fiscal simplificado, bem como as demais exigências que se tomam
dos trabalhadores "por conta própria" pelas vias da "formalidade" através mais atrativas ao novo "indivíduo-empresa". Essa observação é mais evidente
do MEI (ou pelo menos a partir do argumento vigente de um mecanismo entre 2011/2012 quando aponta, pela primeira vez, contração no perfil do
de inserção na formalidade), de fato, foi fundamental para a redução esta­ empreendedor individual capturado pela RAIS Negativa. Isso, em detrimento
tística da informalidade, embora, paradoxalmente, por outro lado, também a uma significativa acentuação do volume do MEI, que a partir de 2014 se
serviu aos propósitos da promoção da pejotização, tida aqui como modelo sobreleva quantitativamente quanto à empresa individual.
de relação contratual detentor de atributos tradicionalmente relacionados De forma muito evidente, o gráfico demonstra que o movimento arti­
tanto à formalidade, quanto à informalidade, portanto, híbrido nesse sentido. culado por diversos setores da sociedade a favor da promoção do microem­
Vale lembrar, todavia, que a RAIS Negativa não contempla o MEI, o que preendedorismo através da ação individual vem logrando êxito nos últimos
circunscreve esse último, em certa medida, como um modelo paralelo de anos, o que, conforme será discutido na pesquisa de campo apresentada no
mensuração da prática da pejotização, uma vez que nesse estrato há um capítulo 5 (survey), vem se destacando progressivamente como a principal
quantitativo significativo ( quiçá majoritário) de trabalhadores submetidos via de manifestação da pejotização.
a essa condição ocupacional. Assim, para fins de apuração do contingente Dessa forma, tem-se atualmente nesse "novo" instituto (MEI) um elemento
objeto de estudo desta pesquisa, a análise da evolução da empresa individual disseminador e, ao mesmo tempo, uma via legitimada de acesso conveniente
aferida pela RAIS Negativa deve se estabelecer de forma complementar ao processo de contratação dos serviços de trabalhadores. Assim, o que ocorre
com o crescimento do MEI, o que pode, inicialmente, ser destacado pelos é que o MEI configurou-se a principal fo1ma de tomar,juridicamente, o traba­
dados do gráfico 15 a seguir. lhador em "empresa", o que pode ser evidenciado através do recuo na curva de
116 , ....,V 1 ,....-·,y, ......... VHOt'OVV'-' "'"''"'-''"''-'' VV,,!V IVl'f<J UV .,,....,._..,,v

crescimento da empresa individual (via RAIS Negativa) a partir da instituição O público-alvo inicial deste segmento, entretanto, é o profissional atuante
do MEI em julho de 2009, ao passo que esse último cresce exponencialmente. em uma condição de produção e prestação de serviços de pequena escala,
Da mesma forma, não se pode afirmar que houve conversão ocupacional das o chamado "por conta própria", o que permite um olhar sobre essa parcela
grandes para as microunidades produtivas ao longo do período, como visto significativa dos novos "microempreendedores". Essa constatação pode ainda
na seção a respeito da participação das companhias no cenário ocupacional. ser levada em consideração quando analisada à luz da variação dos dados
As empresas não estão encolhendo, como seria razoável supor superficial­ oficiais sobre a informalidade e sua participação no mercado de trabalho, o
mente. O que ocorre é o surgimento progressivo de empresas individuais e de que se reflete no gráfico 17 a seguir.
micro e pequenos empreendimentos, possivelmente a partir da migração dos
"informais" (sobretudo os que atuam "por conta própria" e os sem carteira Gráfico 17 - Participação da informalidade no mercado de trabalho (1993-2014)
assinada) para a condição de empresá individual.
Ainda nesse sentido, ao coligir a variação do estoque de empregos com 65,0

o volume de empresas individuais e os microempreendedores individuais em


um mesmo aglomerado, é possível perceber a evolução desses últimos na 60,0

composição da força de trabalho.


O gráfico 16 a seguir ilustra o processo de coexistência do estoque de 55,0
emprego com as empresas individuais (RAIS Negativa) e o crescimento pro­ �
gressivo do MEI que se dá a partir de sua vigência em julho de 2009.
50,0

Gráfico 16 - Variação proporcional de ocupações entre empregos


formais, empresas individuais e MEi (em milhões) 45,0

40,0
1993 95 97 99 2001 03 05 07 09 11 13 2014

Fonte: IBGE/IPEA Data.

Não obstante a participação do MEI como forma de composição da


força de trabalho pejotizado e, por isso, precarizado, é razoável supor que
há uma redução daquilo que o Estado vem tratando como trabalho informal
(os biscates, os pequenos negócios por conta própria, enfim, os trabalhos
esporádicos e desvinculados).
Além de convergir com a ampliação do estoque de empregos (2000-2014)
apontado no primeiro capítulo, o que já confirmaria, per se, o incremento da
2000 2005
formalidade no período, a redução da força de trabalho na "informalidade" fica
11 Empregos Formais Empresa Individual (RAIS) DMEI
evidente, inclusive, a partir do conjunto de políticas públicas de formalização
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS/MTE e Portal do Empreendedor. das microunidades produtivas naquele período como apontado. Desse modo,
a informalidade estaria sendo diluída nos espaços tradicionalmente ocupados
Nota-se que o crescimento do MEI ocorre mesmo que concomitante ao pelos "carteira assinada", sobretudo via MEI, bem como nas subcontratações
volume de empresas individuais, inclusive, em momentos de ampliação do que avançaram a par do "reaquecimento" do emprego experimentado na
assalariamento, como observado no período de 2000/2010. primeira década.
IH)

Esse movimento de formalização da força de trabalho se deu inclusive


através das empresas individuais, uma vez que os períodos apontados como
de maiores declínios da informalidade coincidem com a fase de maior avanço
da pejotização (anos 2000), seja por conta da observação pela RAIS Nega­
tiva (empresas individuais), seja por conta do substancial incremento dos
microempreendedores individuais (MEI). O assalariamento e as formas de
empresa individual absorveram parte do contingente oficialmente tido como
informal, pelo que não se pode afirmar, no entanto, que tenha havido ganhos
qualitativos para o trabalhador ao longo desse processo.
De fato, o MEI viabiliza acesso a amparos sociais que os trabalhadores
naquela condição estritamente infonnal não alcançavam. Isso reforça sua
condição de inserção no trabalho formal. São ganhos produtivos, uma vez que
ampliam sua possibilidade de atuação no seu ramo de negócio, bem como,
em certa medida, uma oportunidade de melhoria social, por permitir acesso
a benefícios previdenciários.
Todavia, a retração da informalidade no período, apontado no gráfico, não
garante somente ampliação da proteção e da regulação das questões sociais,
quando observados de uma perspectiva mais ampla. Diversamente, esse efeito
pode sinalizar que as mudanças em marcha apontam para a perda qualitativa
das condições de trabalho até então, de certa forma, protegidas. Assim, o fe­
nômeno, ao que se supõe, não está relacionado necessariamente ao tamanho
das unidades produtivas, mas a uma nova tensão sobre a reconfiguração das
relações de trabalho, de modo que novos postos de trabalho, tradicionalmente
relacionados ao emprego regulado e protegido, podem estar sendo substituídos
por fonnas contratuais de pejotização, tanto via empresa individual captada
pela RAIS Negativa, quanto pelo MEL As apreciações do crescimento do
MEI conjugadas à redução da participação da infonnalidade no mercado de
trabalho (trabalhadores "por conta própria" e "sem carteira assinada") sugere
um engajamento desse segmento no corpus da empresa individual, ou seja, o
avanço da formalidade lastreada, em grande parte, pela pejotização.
Enfim, o MEi insere o trabalhador num patamar de formalização em
um sentido, mas o lança aos aspectos tradicionalmente correlacionados à
infmmalidade por outras vias, permitindo, de certa maneira, a reprodução de
manobras precarizantes diversas sobre as formas contratuais.
CAPÍTUL04
A PEJOTIZAÇÃO ENTRE AS
NORMAS E OS FATOS

Este capítulo objetiva contribuir com o entendimento sobre o estado legal


e jurídico da pejotização a partir de uma pesquisa empírica. Inicialmente se
estabelecerá uma abordagem sobre seus aspectos legais basilares e, na sequên­
cia, fará uma análise qualiquantitativa das decisões judiciais, a partir da última
instância recursai da Justiça do Trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Dado esse seu caráter supremo, os processos que alcançam essa instância são
escassos e pouco representativos, se comparados ao volume global das demandas
judiciais. No entanto, eles revelam-se importantes à medida que concentram
decisões no âmbito de todo território nacional, além de oferecerem um elevado
nível de subsídios informacionais por conta de sua longa tt·amitação processual,
uma vez que agregam interpretações acumuladas tanto das varas do trabalho
(locais), dos tribunais regionais (estadual) e, por último, do próprio TST.
No âmbito geral desta pesquisa, o que mais se ressalta é o aumento quan­
titativo da empresa individual, mesmo que repleta de controvérsias. Em vista
disso, utilizou-se o espaço judicial trabalhista como uma fonte para ilustrar
esse avanço. Esse fenômeno se desenvolve e muitas vezes é admitido como
prática aquiescida no mercad.o de trabalho por alguns setores e refutado por
outros, como, no caso, pela Justiça do Trabalho, pelo menos na sua manifesta­
ção prevalecente, conforme será visto. Dito de outra forma, os dados obtidos
a partir da Justiça do Trabalho demonstram um movimento de resistência de
um determinado setor da sociedade sobre a propalada dinâmica de amplo
engajamento da classe trabalhadora à pejotização.
De tal modo, as decisões proferidas sobre as demandas judiciais ofere­
cem um aporte à análise social do que vem sendo elaborado sob a prática da
pejotização. Assim, a atuação da Justiça do Trabalho, no seu papel de salva­
guarda e manutenção da obediência às leis, através de suas sentenças, fornece
parâmetros aos indivíduos sobre as questões transfmmacionais em debate.

4.1 Justiça e a questão social: aspectos relativos à pejotização

As brechas do sistema legislativo e os modelos constmídos a partir de


reconfigurações dos vínculos viabilizaram muitas contendas judiciais (indi­
viduais ou coletivas) cujas pautas reivindicatórias na Justiça do Trabalho, de
120 1 .,__,V',._. 'Y ' '"•,.. "'''t''""" "''-''''"'""' 1.,VJIIU IUl'fe& UV ., .. .,._.,.,,..

forma muito recorrente, postulavam assegurar o direito de reconhecimento de subcontratações tradicionais. E é nesse sentido que se pode afirmar que a
vínculo contratual nas relações estabelecidas. Tais lacunas nos dispositivos pejotização, no seu aspecto fático, nada mais é do que a terceirização de um
legais promovem uma grande judicialização das relações de classe, o que único indivíduo.
protagoniza a Justiça do Trabalho no sentido das regulações e das contendas Regra geral, as operações produtivas, administrativas e comerciais de
no cenário do mercado de trabalho. Concorrendo com esse fator, é percebido qualquer firma são permanentes e seguem em fluxo ininte1rupto, logo, a
ainda que "o aumento das demandas trabalhistas individuais no Brasil decorre necessidade de realizar atividades com continuidade exige uma regularidade
da crescente deslegitimação do direito do trabalho entre os empregadores, entre a empresa e sua força produtiva. Diante disso, embora não apresente uma
que não se conformam a ele, e tentam se evadir da obediência esperada" definição clara e precisa a respeito do que possa ser habitualidade no sentido
(CARDOSO; LAGE, 2007, p. 99). Assim, se de um lado há ajudicialização legal, a jurisprudência vem dando entendimento de que o prolongamento do
dos conflitos (impelida pela insuficiência do trabalho. orgimizado e da ação exercício, da prestação do serviço, desde que de forma regular, constitua tal
controladora do Estado), por outro há o descrédito generalizado· crescente elemento vinculante 77 •
sobre a legislação, causando desajustes e promovendo novas interpretações Partindo do entendimento de que o trabalho voluntário se dá em situações
sobre o sistema protetivo. Nesse cenário, justifica-se a necessidade de uma esporádicas e altruístas e que o trabalho escravo é completamente desvin­
análise acerca das demandas que chegam à Justiça do Trabalho, assim como culado da razoabilidade, em qualquer situação onde haja alguma forma de
a observação sobre sua interpretação recorrente a essas questões. contraprestação monetária (ônus) pela realização de alguma atividade produ­
Um ponto de partida para apreensão das relações de trabalho, do ponto tiva, caracteriza a dependência financeira, ou seja, a onerosidade na relação
de vista da acepção legal, é a caracterização do chamado "vínculo emprega­ de trabalho. Dessa forma, a comprovação de uma movimentação financeira
tício", aspecto reiterado nas demandas judiciais e, evidentemente, bastante regular é suficiente para justificar a realização de um contrato (mesmo que
caro ao debate sobre a pejotização. Ressalta-se que de acordo com o ranking de forma tácita) de trabalho, o que, no caso da pejotização se dá através da
"Movimentação Processual do Tribunal Superior do Trabalho" (TST, 2016), emissão de nota fiscal pelo empregado/prestador de serviços a favor da em­
em 2,24% dos processos (11.529 demandas trabalhistas) que ali tramitam pregadora/tomadora de serviços.
havia a postulação do reconhecimento de vínculo empregatício, ocupando E, por último, a dependência, ou heteronomia produtiva e econômica,
o 13 º lugar nos assuntos mais recorrentes naquele ano. De acordo com esse também tratada como subordinação, é característica das formas de trabalho
levantamento, os 20 assuntos mais recorrentes representam 70,2% dos pro­
típicas do empregado celetista e presentes nas relações pejotizadas, uma vez
cessos em tramitação.
que, de acordo com cada caso, reúnem atributos diversos de submissão, tais
A respeito da expansão das formulações conceituais pertinentes, faz-se
necessária uma breve visão sobre os quatro elementos constitutivos do sujeito como: alcance de metas, cumprimento de horários estabelecidos, participação
"empregado", conforme previsto na legislação social vigente: pessoalidade, obrigatória em reuniões, exigência do uso de uniformes e de elementos de
habitualidade, onerosidade e subordinação. Esses fatores conjugadamente identificação institucional, atendimento a requisitos técnicos da contratante,
caracterizam a relação de emprego e, por isso, regra geral, norteiam as de­ adoção de políticas de conduta e de preços determinados pela empresa, uti­
cisões judiciais por ocasião das demandas pelo vínculo empregatício entre lização de materiais diversos e de equipamentos eletrônicos adquiridos pela
trabalhadores e contratantes. tomadora de serviços (este último conhecido como subordinação estrutural),
O primeiro elemento, a pessoalidade, caracteriza-se pela definição de
determinado indivíduo (pessoa fisica), de forma que não se faça substituir 77 A esse respeito, em 2015, a 4' Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) arbitrou sobre a contro­
vérsia da habitualidade das empregadas domésticas (com carteira assinada) e das diaristas (autôno­
a gosto e necessidade exclusiva do trabalhador, para desempenhar tarefas mas). A partir daquele acórdão, ficou vigente que as diaristas, sem vínculo, exercerão atividades no
específicas para a empresa. Enquanto o uso do tenno "subcontratação", na máximo duas vezes por semana para cada contratante. A partir do terceiro dia de serviço semanal,
terceirização e no trabalho temporário, reporta a existência de um agente há o risco do entendimento pelo vínculo de emprego. Há ainda outros casos interessantes nessa
mesma chave, como a situação de habitualidade de plantonistas (profissionais da área de saúde,
intermediador na realização do trabalho, no que se refere à pejotização, a por exemplo) ou de professores horistas que, em alguns casos podem trabalhar apenas uma vez por
questão da pessoalidade destaca-se pela forma inicialmente paradoxal de semana ou mesmo todos os dias da semana em determinada instituição. Inclusive nesses casos de
"subcontratação direta". Trata-se de um subcontrato por ser um acordo entre regularidade menos intensa (plantões ou aulas apenas um dia por semana), há habitualidade, por se
"empresas", e, direta pela inexistência de uma intermediação, necessária nas tratar de exercício profissional de forma regular e contínua, ou seja, habitual, caracterizando assim,
o vinculo empregatício. '
122 • - -···,-· --- .,,_,_,__ ,.., vv,,,v ""Y"' ,..v .,,.._,.... ,_
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entre outros fatores que evidenciariam uma situação de subjugo contratual estabelecia-se, assim, clara dicotomia entre contratos de trabalho regulados
entre a empresa contratante e a pessoa que executa os serviços. pelo Código Civil e cujas controvérsias deviam ser resolvidas na Justiça
Nesse sentido, o conjunto desses elementos tipificam a condição de empre­ Estadual, e os contratos de trabalho subordinado, mais precisamente
gado no liame de trabalho. Para Cardoso e Lage (2007, p. 29), essas "definições contratos de emprego, regidos pela CLT e a cargo - as controvérsias - da
legais são precisas e se prestam a afastar ambiguidades". No entanto, tais atributos Justiça do Trabalho. A EC nº 45 rompe com esse esquema.
inerentes ao empregado, lançam a categoria a uma "zona cinzenta" na esfera do
mercado de trabalho e toma conflituosa a classificação e compreensão do modelo O efeito da emenda, no entanto, permite uma interpretação distinta no que
pejotizado, uma vez que, frequentemente, o prestador de serviço na qualidade de se refere a uma "cultura de desprestígio do Direito do Trabalho" (DELGADO,
pessoa juridica (PJ) acumula todos os aspectos constitutivos do indivíduo em­ 2005, p. 11 O). Seria como se seu efeito central fosse o prenúncio de uma
pregado (pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação), promovendo derrocada dos vínculos, assumindo o tom catastrófico "do fim do emprego",
uma vasta recorrência na justiça do trabalhei. conforme discurso muito recorrente na década de 1990.
Conquanto as garantias sociais tenham sido marcadamente corroídas e ultra­
Os efeitos deletérios desse desprestígio e isolamento disseminaram-se
jadas ao longo dos reformismos dos anos 1990, da chamada "década neoliberal" ainda mais em decorrência do apelo da variante intelectual especificamente
(CARDOSO, 2003a), conforme discutido no primeiro capítulo, debates diversos brandida contra as conquistas da Democracia Social no Ocidente, qual
versaram sobre o papel da Justiça do Trabalho no Brasil. seja, a ideia do fim da sociedade do trabalho, da centralidade do trabalho
O papel protetivo advindo do sistemajudicial, no entanto, sofreu alterações e do emprego no mundo capitalista (Idem, p. 109).
na última década. Um dos mais significativos mecanismos de reorganização
das competênciasjuridicas, a partir de intensa disputa política e ideológica nas Ainda para o autor (Idem, p. 106), a reforma constitucional, que vinha sendo
tramitações institucionais, culminou na Emenda Constitucional nº 45/2004 (EC gestada há mais de doze anos, "é produto de seu tempo, em especial da década de
45/2004), portadora de um conteúdo de ampla magnitude sobre a esfera jurídica 1990, período de fmte acentuação no País do ideário de descomprometimento do
instituída em 1988,já sob a égide reformista que se instaurava no pós-Constituição. Estado perante as necessidades sociais". A medida estaria, dessa forma, maculada
Embora a referida alteração constitucional referia-se a diversas esferas da com intenções implícitas de banalização dos valores, fundamentos e princípios
justiça, é no que tange ao trabalho social, evidentemente, que interessa a este de­ da sociedade contemporânea, depreciando ainda mais a Justiça do Trabalho ao se
bate, uma vez que tal aspecto da reforma conferiu à Justiça do Trabalho o mérito constituir, de certa forma, como mais uma via de desmantelamento da sociedade
sobre questões conexas ao trabalho a serem julgadas, e mais, consubstanciando-se do trabalho.
em organização judiciária, processo e princípios específicos de sua jurisdição, Essa perspectiva pode ser reforçada, no que se refere à temática central em
fixando que "nos termos dessa emenda que estende a competência da Justiça do questão, se tomada em conjunto com o surgimento da lei nº 11.196/05 que regu­
Trabalho para a 'relação de trabalho' e não mais a restringe à 'relação de emprego"' larizou a atividade de prestação de serviços realizada por profissionais liberais,
(CARDOSO; LAGE, 2007, p. 169). mediante a constituição de pessoa juridica, buscando legitimar a contratação de
A EC 45/2004, nesse aspecto, definiu que os litígios sobre as relações de "serviços intelectuais", transformando trabalhadores em empresas através. do pro­
trabalho atraem para a Justiça do Trabalho qualquer contenda que concorra cesso de pejotização78 • Tal medida teve como propósito central instituir o "regime
com ela, por exemplo, em demandas sobre danos morais, pleitos intersindicais, especial de tributação para a plataforma de exportação de serviços de tecnologia da
questões entre sindicatos e empresas, entre outros conflitos relegados até então à infonnação", que dispõe sobre incentivos fiscais para a inovação tecnológica. Em
Justiça Estadual, cujos arbítrios restringiam-se a questões contidas nos contratos síntese, o instrumento legal concedeu subsídios através de incentivos fiscais para a
firmados entre as partes. Dito de outra forma, tal dispositivo, ao ampliar o campo pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica, estimulando investimentos
da competência trabalhista, levando para si todas as relações de trabalho, o que privados no processo de criação, fabricação, desenvolvimento ou ap1imoramento
antes restringia-se às relações de emprego, reduziu "o fosso entre trabalhadores de produtos e ou serviços.
em geral e empregados" (MENEZES, 2005, p. 100). Com isso, estendeu-se "a Esse argumento de incentivo fiscal não seria relevante no contexto aqui
competência da Justiça do Trabalho às lides conexas à relação de emprego, ou discutido, não fosse o entendimento do conteúdo do artigo 129 da referida lei,
seja, que não tenham rigorosamente empregador e trabalhador como sujeitos
recíprocos de pretensões e obrigações" (DELGADO, 2005, p. 108, grifos do 78 Vale ressaltar que o Código Civil vigente (Art. 593 a 609) prevê e regulamenta a prestação de servi­
autor). Para Cardoso e Lage (2007, p. 171), ços por empresas. A pej9tização, essa relação "de empresa para empresa", justificar-se-ia através
desse suposto respaldo no Código Civil.
124 iCJVI IL.f"\1(/"\V. CI v111prn<><1 IIIUIVIUUi:11 \,;UIIIU 1u1i,;c1 Ut: UCIUCIIIIV

cuja redação79 respalda e busca legitimar, sob controvérsias, a proposição da à evolução histórica desse sistema, retificando-lhe distorções econômico-sociais
atuação de pessoas físicas tal como pessoas jurídicas na prestação de serviços e civilizando a importante relação de poder que sua dinâmica econômica cria no
"intelectuais" no âmbito das organizações produtivas. Instaura-se, assim, uma âmbito da sociedade civil" (DELGADO, 2010, p. 78) e, desse modo, objetiva
situação litigante no que se refere ao enquadramento dos profissionais alocados amenizar as contendas ou, pelo menos, atenuar seus efeitos mais nefastos sobre
pelas empresas como PJ. De um lado, um dispositivo legal que justificaria a a classe trabalhadora. Nesse sentido, a Justiça do Trabalho e seus interlocutores
transmutação profissional empregado-prestador de serviços (o artigo 129 da Lei (advogados, magistrados, Ministério Público do Trabalho, Sindicatos, entre outros)
nº 11.196/05) e, por outro lado, os parâmetros históricos tomados a partir da CLT vêm, com efeito, ainda resistindo em seu papel fundamental de arbitramento e
que caracterizam o ente empregado. controle sobre as questões sociais. De tal forma que se pode considerar de grande
O teor do artigo legal citado vai ao encontro da ponderação levantada por relevância estabelecer um olhar mais aproximado junto aos litígios laborais.
Delgado (2005), representante da doutrina crítica do Direito laboral, a respeito Atentar aos resultados arbitrados pelos tribunais e aproximar-se dessas
da banalização do trabalho a partir da EC 45/2004. Ressalte-se nesse sentido, decisões pode servir como suporte à apreciação da qualidade, quantidade e ce­
que os efeitos da referida Emenda quando conjugados com o artigo 129 citado leridade do entendimento judicial sobre o tema. A recorrência de determinados
permitem uma compreensão de que havia a construção de c01pus legal que le­ aspectos observada nas decisões oferece, de certa forma, um panorama sobre o
gitimaria a pejotização. Em um primeiro momento, é estabelecida a cisão entre posicionamento do judiciário. Por conta disso, empreendeu-se um levantamento
o Direito Comum e o Direito do Trabalho nas demandas do trabalho, ou seja, o documental de fonte primária, junto ao pmtal de consultas unificadas ah11vés
que for conflito trabalhista, compete estritamente à Justiça do Trabalho, o que do sítio eletrônico do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a chamada "busca
for contenda comum, fica restrito à esfera comum. Esse primeiro momento pode jmisprudencial"81, no sentido de permitir uma análise de conteúdo sobre as decisões
ser interpretado como um arranjo para o que viria logo na sequência, que foi a ali disponibilizadas. Para tanto, utilizou-se, a partir do índice de termos-chave da
investida na legitimação da transformação de trabalhador em empresa, de pessoa pesquisa booleana, apenas a palavra "pejotização", de modo a filh-ar os processos
fisica em pessoa jurídica, de trabalho em prestação de serviço (mercantilização com decisões proferidas na instância daquele Tribunal Superior em que houvesse
laboral) através da citada lei de 2005, num encadeamento deliberado de estabelecer menção ao termo aplicado".
limites nas futuras lides sociais80 • Esse inventáiio das decisões ofereceu subsídios para dois propósitos distintos,
mas mutuamente complementares. O primeiro foi gerar, de modo quantitativo,
4.2 A Justiça do Trabalho como parâmetro para o contexto da subsídios heurísticos a favor da identificação de quais categorias profissionais ou
pejotização e o aporte das decisões do TST condições ocupacionais estão mais propícios à pejotização no âmbito das empresas.
Todavia, a empreitada, evidentemente, não esgota em si uma grande desco­
4.2.1 A sistemática da pesquisa berta, uma vez que se trata apenas de casos nos quais a Justiça foi acionada. Além
disso, trata-se de casos em que esta tenha percorrido uma extensa tramitação de
O Direito do Trabalho surge a partir da intervenção estatal nos conflitos ine­ filtros processuais, os quais vão eliminando as reclamações ao longo das diversas
rentes à relação capital-trabalho. Com efeito, ele "é produto do capitalismo, atado etapas. Ou seja, a última instância da competência trabalhista, o TST, de onde
foram capturados os dados, é uma longa e seletiva esteira processual. Um per­
79 A Lei 11.196/2005, fruto da "MP do Bem", como ficou conhecida a Medida Provisória que a gestou, centual muito baixo de processos iniciados na justiça trabalhista alcança aquela
determina em seu Art. 129: "Para fins fiscais e previdenciários. a prestação de serviços intelectuais,
inclusive os de natureza científica, artlstica ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou instância. Dessa forma, não há uma garantia oferecida aqui de que sejam dados
sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de estritamente representativos do universo da pejotização. Todavia, ainda assim, tal
serviços. quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídi­ método viabiliza o acesso a dados preciosos à análise aqui tratada.
cas. sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei n' 10.406, de 10 de janeiro de 2002
- Código Civil".
A busca, realizada em junho de 2016, totalizou 390 recorrências referidas à
80 Nesse período ocorreram diversas investidas para que a atuação da Justiça do Trabalho fosse ainda "pejotização"83, conforme resumido no quadro 3 a seguir.
mais debilitada. Em 2007, por exemplo, foi proposta a impeditiva do Ministério Público no sentido de
autuar empresas em flagrante fraude de pejotização. De acordo com Couto Filho e Renault (2008, 81 Site para consulta dos processos: <http://www.tst.jus.br/consulta-unificada>.
p. 10), foi vetado pelo Presidente da República o disposto no §4° do Art.9° da Lei 11.457/2007. que 82 Optou-se pelo uso de "pejotização" na busca por se considerar que o termo tenha muito mais re­
propunha a seguinte redação: "No exerclcio das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta corrência no campo jurídico. A categoria "empresa individual", por exemplo, não surge nos relatos
Lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação processuais com a mesma conotação aqui empregada.
de trabalho. com ou sem vinculo empregatício, deverá sempre ser precedida de decisão judicial". De 83 Meramente a titulo de atualização, em junho de 2017, um ano depois da apuração das cifras apresenta­
acordo com essa proposta, qualquer autuação deveria, ainda, ser submetida a julzo. das, ao bngo do processo de finalização desta parte da pesquisa, esse número elevou-se substancial­
mente, chegando a 503 processos com menção à pejotização.
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Quadro 3 - Quantitativo considerado na análise dos processos do TST de 2006. De 2007 a 201O foi restabelecido o contrato regido pela CLT entre as
Processos com referência à Pejotização Quantidade partes, conforme relatado no processo judicial84 :
Total de processos com referência ao termo "Pejotização" 390 Alega o reclamante, na emenda a inicial de fls. 321/350, que foi contratado
( - ) Processos cujas ocupações não foram identificadas 36 pela reclamada, na função de operador de câmera, para laborar em dois
( - ) Processos que citam a prática PJ, mas não têm a pejotização como objeto 17 períodos de 01.10.1968 a 11.08.1971 e de 01.08.1975 a 09.07.2010, sendo
Total de processos considera.dos na apuràção de ocupações
que no dia 30.01.1987 foi procedida a baixa na sua CTPS e, por determi­
= 337
nação da reclamada, o reclama11_te foi obri_gado a constituir pessoa jurídica
Fonte: O Autor. (R LARANGEIRA PRODUÇOES ARTISTICAS LTDA -ME) para que
pudesse permanecer laborando. Sustenta, ainda, que continuou exercendo
Após leitura de cada um desses acórdãos, procedeu�se que 53 (36 + as mesmas funções sem solução de continuidade. Aduz que, a partir de
01.01.2007, a reclamada, novamente assinou sua CTPS, na mesma função
17) processos não foram considerados. Isso porque em 36 processos, não de Operador de Câmera, laborando até 07.2010, momento em que foi dis­
foi possível identificar o(s) cargo(s) ocupado(s) pelo(s) autor(es) das ações pensado de forma imotivada. [...] Diante do quadro probatório produzido
judiciais através de sua leitura. E os outros 17 referem-se a uma demanda nos autos, não há dúvida de que a relação havida entre as partes ocorreu sob
específica relacionada a um concurso público no qual o termo "pejotização" a égide das normas que regem o contrato de emprego. Isto posto, declara-se
foi citado sob menção meramente ilustrativa pelo Ministro relator, fazendo a nulidade do CONTRATO DE LOCAÇÃO DE SERVIÇOS e reconhece-se
que houve um único vínculo de emprego, desde 01/08/1975.
alusão a uma prática existente no mercado de trabalho, mas que em nada se
alude ao conceito submetido à pesquisa, por isso foram desconsiderados. Então, tal como o avanço das demais formas de trabalho precarizado,
Enfim, o total de 337 processos (390 - 36 - 17 = 337) foram computados remontam à forte onda dos processos de reengenharia instaurados nos meios
como válidos e estão distribuídos entre as diversas ocupações classificadas organizacionais dos anos 1980, o que fora ainda mais agravado com o avanço
na pesquisa. dos processos de automação produtiva, incremento tecnológico e, sobretudo
O segundo propósito, ainda desta mesma pesquisa, agora de caráter com a rápida expansão do uso da internet. Aclimatado a partir da ordem da
qualitativo, foi obtido a partir da leitura substancial de cada uma daquelas desverticalização/extemalização produtiva, a pejotização tem seu processo
decisões. Isso permitiu, através da análise de seu conteúdo, obter acesso ao evolutivo permeado pela onda da produtividade e da flexibilidade contratual.
encaminhamento recorrente daquele tribunal no que diz respeito às recla­ Não obstante uma certa "naturalização" do fenômeno da pejotização,
mações em juízo, que acederam à instância máxima da Justiça do Trabalho como apontado no argumento, por parte de diversos atores e segmentos da
(TST), referidas à prática da pejotização. sociedade (sobretudo pelo empresariado, agências promotoras do empreen­
dedorismo e até mesmo por trabalhadores), a Justiça do Trabalho, pelo menos
4.2.2 A pejotização nos tribunais aquela materializada através das decisões dos Ministros do TST, sinaliza que
o Judiciário vem se mantendo em posicionamento relativamente favorável
ao trabalhador "pejotizado",justificando sua tradição de valorização da paite
A despeito do que se poderia supor, e conforme já mencionado, a
frágil da interdependência entre capital e trabalho.
pejotização não é um fenômeno recente nas práticas empresariais. Embora
O que se faz relevante nesse contexto, porém, não é necessariamente a
o fenômeno venha se substanciando progressivamente sob a égide dos
tendência sentenciai, mas a ilustração quantitativa e textual que as vias do
mercados neoliberais e suas propostas reformistas em permanente marcha, judiciário oferecem como pista para o avanço do empresariamento indivi­
já na década de 1980 foi possível assistir seus efeitos em alguns contratos dual. Assim, as análises que seguem, pautadas no quadro jurídico" emanado
pontuais, como o caso de um contrato entre uma grande e missora de
televisão e um Operador de Câmera ao longo do período de 1968 a 2010. 84 Processo: AIRR - 1244-97.2012.5.01 .0063 Data de Julgamento: 08/06/2016, Relator Ministro: Mau­
O regime estabelecido foi celetista durante o período de 1968 a 1971, rício Godinho Delgado, 3' Turma, Data de Publicação: DEJT 10/06/2016.
85 A fim de se inserir no contexto das decisões processuais, o conceito de quadro jurídico é importante
sendo readmitido em 1975 e, novamente demitido em 1987 quando foi para evidenciar o papel do judiciário sobre os conflitos nas relações trabalhistas. De acordo com Fil­
condicionado a constituir empresa individual daquele momento até o final gueiras (2012, p. 121), esse conceito trata da "interpretação hegemonicamente estabelecida pelas ins­
tituições de vigilância do direito do trabalho -especialmente pelo poder judiciário, através das Súmulas
1 '-""'' •�>y< ''-'· '-' "'''t''"""' IIIUIYIUU<ll l.UIIIU IUIYd Ut: lldlJCIIIIU

pelas decisões do TST, oferecem um subsídio ao que vem se conformando bilidade às suas alegações de que foi surpreendido, de que teve de atuar
no mercado de trabalho, uma vez que o volume e o conteúdo das demandas como pessoa jurídica, e etc., como se obrigado a tanto fosse.
Destarte, é muito cômoda a prestação de serviço por meio de pessoa jurídica,
judiciais apontam para as condições desse modelo de vinculação contratual. cuja tributação incidente do Imposto de Renda é de apenas 1,5%, além
Dessa forma, as decisões constituem sólidos parâmetros para os agentes dos demais tributos (CONFINS (sic), PIS, CSSL, etc.), com distribuição
das relações de trabalho, tornando-se referências a serem observadas no de lucro isento de qualquer tributação, em detrimento do trabalhador
estabelecimento das formas contratuais diante das tensões inerentes aos assalariado, cujo Imposto de Renda é de 27,5%, além da contribuição
conflitos de classes. previdenciária de li%" (fls. 325-v). [...]
Tudo examinado, nego provimento ao pedido de reconhecimento de vínculo
Sobre as decisões judiciais, todavia, nem sempre o julgamento do mérito empregatício entre as partes, restando prejudicado o exame dos demais
será favorável ao trabalhador, como recentemente proferido por um Juiz do Tra­ pontos do recurso decorrentes de relação de emprego.87
balho, a respeito de uma reclamação por reconhecimentQ de vínculo trabalhista:
De acordo com a análise desse juiz, o trabalhador teria optado pela condição
Penso que a decisão sobre esse novo tipo de conflito vai sempre depender de pessoa jurídica para prestar seus serviços, motivado pela vantagem tributá1ia
de cada caso concreto.
Quando enfrento esses casos imagino sempre que desde 13 de maio de que teria na condição de PJ, em detrimento ao ônus das contribuições com a
1888 o trabalhador deixou de ser objeto de direito para ser sujeito de Previdência Social e com a Receita Federal, caso fosse contratado na situação
direito. Em pleno século XXI já não se consegue acreditar que um traba­ de trabalhador como pessoa fisica. No entanto, talvez tenha faltado aquilatar
lhador, mesmo que seja um simples trabalhador, não tenha noção do que nos autos e despachos da ação, as perdas substanciais ao longo do tempo que o
é ser sócio de uma empresa e nessa condição trabalhar para outra pessoa trabalhador tenha se submetido por conta de todos os danos trabalhistas, previ­
fisica ou jurídica.
[... l denciários, sociais e econômicos que a situação "empresarial" lhe tenha causado.
Por isso, confirmamos a sentença que decidiu pela rejeição de todos os No que diz respeito às análises do mérito das contendas sobre as relações
pedidos formulados na petição inicial, uma vez que todos eles dependiam trabalhistas, conforme assinala Orbem (2015, p. 87), "Essa correlação de
da existência da relação de emprego que não foi acolhida". forças, materializada na Constituição de 1988, reflete no subcampo juslabo­
ral o confronto entre dois padrões de relações trabalhistas: um voltado para
Nesse caso, assim como em diversos outros, prevaleceu o entendimento de
a proteção e o outro para a flexibilização do Direito do Trabalho". Krein e
que o trabalhador seria amplamente capacitado de compreender sua condição
Manzano (2014, p. 1 !) observam, no entanto, que "mudanças na compreensão
institucional na prestação de serviços, em detrimento a uma vinculação de
sobre a aplicação da lei e maior presença da Justiça do Trabalho no mundo
empoderamento e mesmo de compreensão de vida desiguais, confmme recor­
laboral, ampliando o acesso da sociedade a ela" vem permitindo um novo
rente na análise de casos concretos semelhantes, como em outro que segue.
e prevalecente olhar judicial sobre as questões trabalhistas, contribuindo,
Como bem posto pelo MM. Juízo de Origem na sentença, "o reclamante inclusive, com a ampliação da formalização dos regimes contratuais.
não é nenhum ingênuo nem inexperiente, tanto isso é verdade que consti­ Regra geral, como mencionado, o Judiciário ainda tem se mostrado guar­
tuiu seu próprio negócio. Destarte, desde agosto/2008 emitiu nota fiscal de dião dos vínculos do emprego típico, evidentemente, em consonância com
serviço para o segundo e primeiro reclamados, respectivamente (doe. 76 e o que prevê a CLT88 • Conforme asseverado pelo juiz Guilherme Guimarães
seguintes), logo, a formalização contratual apenas consolidou a situação
de fato pré-existente (contrato verbal). Então, não se pode atribuir credi-
87 Processo: AIRR-1313-88.2012.5.02.0003 Data de Julgamento: 17/12/2014, Relatora Desembarga­
dora Convocada: Vania Maria da Rocha Abensur, 3' Turma, Data de Publicação: DEJT 19/12/2014.
e demais precedentes do TST, que são interpretações da legislação que tendem a orientar todos os 88 CLT Art 3º - "Considera-se empregado toda pessoa tisica que prestar serviços de natureza não
agentes estatais - em relação às prescrições da legislação do trabalho. É o quadro jurídico que define eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário".
· a validade dos textos da legislação, ou seja, que estabelece as 'regras do jogo' - do ponto de vista do Parágrafo único-Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador,
Estado- a serem observadas na relação de emprego. É com base nele que as instituições majoritaria­ nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
mente atuam. Portanto, é a partir dele que o capital formula suas estratégias, e é também ele o definidor No inicio da redação já fica evidenciada a tática ardil da pejotização: a caracterização de empregado
do que os trabalhadores podem esperar da regulação estatal do direito do trabalho". se dá a partir da pessoa física. Do ponto de vista jurídico, jamais uma empresa poderia ser conside­
86 Processo: AIRR-2682-10.2012.5.08.0114 Data de Julgamento: 03/02/2016, Relatora Ministra: Dora rada empregada. De>ponto de vista do enquadramento jurídico, segundo Martins (2008, p. 128), "o
Maria da Costa, 8' Turma, Data de Publicação: DEJT 12/02/2016. primeiro requisito para ser empregado é ser pessoa física. Não é possível o empregado ser pessoa
,ou ·- · ,- ·- · - -···r-· --- ···-···---· ,.,u,,,v ,v,yc, uv ucu,c,n,v

Feliciano (ANAMATRA89 , 2008, p. 15), "A pejotização brasileira tem sido Embora se refiram a dados processuais da década de 1990, os autores apontam
mais reprimida que acalentada, especialmente nas hipóteses de afetação alguns efeitos valiosos para a análise aqui proposta. A começar pelo fato de que nem
coletiva", o que pode ser ilustrado a partir de algumas decisões fixadas pelo toda demanda estaria efetivamente revestida de mérito ou competência da Justiça
Tribunal Superior do Trabalho (TST) a respeito da pejotização: do Trabalho, o que desqualificaria o pedido de prosseguimento da ação, algo que
possivelmente tenha sido sanado a partir da EC 45/2004 e da nova abrangência
A contratação irregular de trabalhadores por intermédio da constituição
de pessoajurídica é denominada pela doutrina trabalhista de "pejotização", de atuação trabalhista. Um segundo ponto se refere ao quantitativo de ações que
que constitui um neologismo originado da sigla PJ, a qual é utilizada para seguem para as conciliações (45%), o que equivale dizer que a inadimplência
designar a expressão pessoa jurídica. Por meio do processo de pejotiza­ trabalhista, por parte do empresaiiado, é algo lucrativo, uma vez que é inerente
ção, o empregador exige que o trabalhador constitua uma pessoa jurídica ao processo conciliatório urna considerável margem de maleabilidade naquilo
(empresa individual) para a ·sua admissão ou permanênc(a no emprego,
que é de direito do autor da ação, ou seja, do h·abalhador. Esse fator estaria ligado
encobrindo, assim, a prestação efetiva de serviços pela pessoa física e
descaracterizando a relação de emprego existente a fim de desonerar-se de a ouh·o aspecto a se considerar, que é mencionado o fato de que apenas 2% das
encargos sociais e direitos trabalhistas'° (Grifos meus). demandas alcançam um atendimento a todos os itens reclamados pelo trabalhador.
De posse dessa inf01mação, advinda da praxe dos tribunais, os advogados
A pejotização, embora muitas vezes tida como uma prática consideravel­ da parte autora tendem a garimpar questões passíveis de complementar a tota­
mente consentida, como dito, e até mesmo, de certa forma, legitimada pelo lidade das reivindicações, uma vez que compreendem ser razoável estabelecer
trabalhador, vem se tomando cada vez mais frequente nas estatísticas proces­ um nível satisfatório de itens reclamados, a fim de equilibrar as tradicionais
suais. De fato, e como era de se esperar, os litígios envolvendo essa relação e reconhecidas perdas da procedência parcial do mérito.
tida como imprecisa (entre a condição de prestação de serviços e a de vínculo A partir de um levantamento realizado sobre os acórdãos (despachos em
empregatício) surgem e se avolumam cada vez mais na justiça trabalhista. colegiado de tribunal superior) junto ao portal de consulta do TST, relativa ao
Além disso, há ainda uma grande quantidade de ações trabalhistas exis­ período de 01/01/2000 a 31/12/2016, foram apurados 444 processos julgados
tentes nas esferas do Judiciário, sobretudo se considerado que nem todas que fizeram referência ao termo "pejotização", tendo sido distribuídos ano a
concluem sua tramitação na análise de seus respectivos méritos, uma vez ano conforme o gráfico 18 a seguir.
que a maioria sofre intervenções diversas, tais como acordos, conciliações,
renúncias, como observa Cardoso e Lage (2007, p. 115), Gráfico 18 - Processos com menção à pejotização julgados pelo TST (2000-2016)

70% das demandas recebidas, em média, são efetivamente submetidas


aos ritos do processo judicial trabalhista, sendo 45% conciliadas e 25% 166
julgadas. Pode-se dizer, pois, que a taxa de reconhecimento da legitimidade
das demandas trabalhistas por parte da Justiça do Trabalho é de 70%. Ou,
por outra, essa é a proporção de processos que, uma vez entrados nas varas 127

do Trabalho, seguirão os ritos judiciais, podendo resultar em conciliações


ou sentenças. Além disso, parece claro que a Justiça do Trabalho tende a 91
não acatar os conteúdos dos processos em sua totalidade. Apenas pouco
mais de 2% deles foram julgados totalmente procedentes.

o 2 o 2 5 21

2009 2010 2011


jurídica ou animal. A legislação trabalhista tutela a pessoa física do trabalhado, Os serviços presta­ 2000 a
2007
2008 2012 2013 2014 2015 2016

dos pela pessoa jurídica são regulados pelo Direito Civil".


89 A Revista ANAMATRA é uma publicação da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados extraídos do portal de consulta do TST.
Trabalho. A matéria de capa da edição do segundo semestre de 2008 discutiu a disseminação da
prática da pejotização, sob a perspectiva da precarização dos vínculos.
90 Processo: AIRR - 1428-79.2013.5.15.0111 Data de Julgamento: 20/0412016, Relatora Ministra: Ma­
ria de Assis Calsing, 4' Turma, Data de Publicação: DEJT 29104/2016.
continuação
Até o ano de 2007, assim como em 2009 não haviam acórdãos proferidos Cargos Ocupados 2008 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 Total
por aquele Tribunal Superior que se reportassem à pejotização. No entanto, com - - - -
Médico 2 5 5 5 17
o passar dos anos, os números ressaltam a presença progressiva de demandas
nesse sentido, reforçando a suposição do avanço tanto dessa prática, quanto dos Advogado - 1 - - 1 3 5 1 11
conflitos judiciais nos últimos anos e, ao mesmo tempo, evidenciando que o dito - - -
Adm/Programador/Suporte TI 2 2 2 3 1 10
engajamento (ocupacional e ideológico) ao aludido modelo contratual pode se
configurar apenas uma aceitação momentânea na trajetória profissional o que, Diretor - - - - - 2 6 2 10
na sua generalidade, demonstra-se insuficiente para neutralizar litígios em busca - - - -
Bancário 1 1 1 5 8
de reparações das perdas contratuais. Esses casos são frequentemente julgados
levando-se em consideração os quatro elementos caracteristicos.da vinculação Técnico Infor mática - - - - - 1 4 3 8
empregatícia: pessoalidade, habitualidade, onerosidade e.subordinação, definidos
Corretor de Imóveis - - - - - 2 4 1 7
na legislação trabalhista, conforme visto na seção anterior. Esses dados crescentes
apontam também o papel referencial que a CLT (que tipifica e regula o trabalho Engenheiros' - - 1 1 - 3 - 2 7
assalariado) ocupa nas relações contratuais, de modo que se pode constatar que
Jornalista - - - - 1 2 2 - 5
o mundo do trabalho (ainda) se mantém a partir desse instrumento regulador das
históricas questões sociais. Professor/Instrutor - - - 1 1 - 1 2 5
Em outro levantamento realizado junto ao TST, foram identificadas e con­
sideradas 390 (trezentas e noventa) decisões judiciais através de acórdãos que se Técnico de Radiologia - - - - - - 3 2 5
referiam ao termo "pejotização", abrangendo julgamentos de outubro de 2008 Enfermeiro - - - - - 2 1 1 4
a junho de 2016. Essa pesquisa permitiu duas vertentes analíticas: a primeira
referiu-se ao levantamento das atividades ocupadas pelos autores das ações, a Mecânico - - - - - 1 1 1 3
fim de disponibilizar ou mesmo aquilatar quais categorias profissionais e que Operador de Câmera/Áudio - - - - - - 2 1 3
níveis internos das estruturas organizacionais, estariam mais suscetíveis à prática
da pejotização. A segunda proposta da mesma pesquisa foi a análise textual dos Radialista/Locutor - - - 1 - - 1 1 3
acórdãos, cujo objetivo foi subsidiar a compreensão das linhas interpretativas Supervisor de Convés - - - - 1 1 - 1 3
a respeito da pejotização são prevalecentes na Justiça do Trabalho, pelo menos
na instância analisada. O resultado quantitativo do levantamento foi elaborado Técnico de Instalação de - - - - 2 1 - 3
Telefonia
conforme o quadro 4 a seguir.
Outros4 - - 1 7 10 19 48 71 156
Quadro 4 -A pejotização por cargos/categorias, de acordo TOTAL 2 2 5 21 30 91 166 127 444
com a distribuição dos Acórdãos do TST
Fonte: Elaborado pelo Autor, a partir dos acórdãos disponibilizados pelo portal de consulta do TST''.
Cargos Ocupados 2008 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 Total ' Além de Representantes Comerciais, foram considerados também os Vendedores Externos.
2
Consultores diversos: de Projetos, de Negócios, de Informática, Educacionais.
Representante Comercial' 1 1 2 1 6 19 19 10 59 3 Engenheiro Civil, Engenheiro Coordenador de Obras e Engenheiro Eletricista.

Corretor de Seguros - - - 1 2 3 17 10 33 4
Na categoria "outros" encontram�se as ocupações que não foram identificadas, os processos
que mencionam a pejotização apenas alusivamente, não sendo este o objeto processual
Gerente/Coordenador - - 1 2 1 6 14 5 29 e os cargos que apareceram uma ou duas vezes ao longo do período analisado.

Consultor' - - - - 1 8 8 2 19
Analista Sistemas/ - - - - 1 5 10 2 18 91 Importante ressaltar ainda que os processos não são necessariamente de demandas exclusivamente indivi­
Desenvolvimento duais, podendo cada processo ter mais de um auto( como é o caso, por exemplo, da açãojudicial TST -AIRR
Motorista/Caminhoneiro - - - 2 3 4 6 3 18 -1444-67.2012.5.03.0025, que possui 489 autores. Ou seja, trata-se de uma mensuração de processos e
não absolutamente dÔ quantitativo de trabalhadores pejotizados em litígio com a tomadora do serviço.
continua...
134 OLo.J� I IL..l"\Yr\V, Ci "'''I''"""' IIIUIVIUUCII \,UIIIU IUJyd Ut: nc:1u,:rn1v

Além dessas apontadas no quadro, as ocupações de Agente de Investimen­ sendo obrigado a se reportar a ele, que, por sua vez, entrava em contato
tos Mobiliários, Ator, Auxiliar de Compras, Borracheiro, Cobrador, Músico, com o setor de compras da Reclamada para verificar a possibilidade de
Supervisor de Vendas, Técnico de Produção, Torneiro Mecânico, Tratorista, alteração das condições de venda pré-estabelecidas pela empresa.[... ]
Resta patente dos autos, portanto, que o Reclamante não atuava em nome
e Vigilante tiveram duas decisões judiciais, enquanto as 27 (vinte e sete) ocu­ próprio, haja vista que não tinha autonomia, estando subordinado à Re­
pações seguintes tiveram apenas um processo julgado pelo TST no período clamada, tanto em relação à qualidade do trabalho, como também quanto
analisado (2008-2016): Agente Local de Inovação, Analista de Marketing, ao cumprimento dos padrões de vendas estabelecidos pela empresa.[ ...].
Apresentador de Merchan, Apresentador de TV, Assessor da Presidência, Au­ Vê-se, pois, que a Reclamada induziu seus vendedores a constituir pessoa
xiliar de Serviços Gerais, Coletor de Dados, Contador, Costureira, Cozinheiro, jurídica, a fim de reduzir seus custos, burlando a legislação trabalhista,
Dentista, Entregador Jornal, Fisioterapeuta, Impermeabilizador, Inspetor de por meio do instituto da pejotização, rechaçado por esta especializada.
Como no Direito do Trabalho prevalece o Princípio de Primazia da
Controle de Qualidade, Manicure, Operador de Logística,Operador de Loja, Realidade" em detrimento da forma, os fatos sobrepõem-se ao contrato
Operador Telemarketing, Pesquisador, Produtor Cinematográfico, Projetista escrito, motivo pelo qual não restam dúvidas de que se está diante de uma
Escapamentos e Periféricos, Serviços Construção Civil, Supervisor Comercial, típica relação de emprego.
Técnico de Instalação de TV, Tesoureiro e Veterinário. Ademais, conforme descreveu o Magistrado, a subordinação a quojurídica
Do ponto de vista quantitativo de processos julgados, ambos os levanta­ denominada estrutural ou integrativa também se encontra presente nos
autos, pois, não há como conceber, que uma empresa de 'distribuição e
mentos apresentados têm em comum a variação das reclamações trabalhistas
comercialização de mercadorias para o comércio varejista (contrato social;
sobre a pejotização, que vem progredindo anualmente. No ano de 2016, Id. 7cba778 - Pág. 3), não tenha vendedores para distribuir seus produtos
todavia, houve redução no volume de processos julgados, o que pode ser no mercado. Em sendo assim, considero que os fatos apurados no conjunto
explicado, em parte, pela redução de processos recebidos pelo TST naquele probatório são suficientes para evidenciar a sujeição do Reclamante ao
ano, comparativamente com o ano anterior92 . poder diretivo empresarial, restando inequívoca, a presença dos elementos
Por outra perspectiva, uma análise da dinâmica ocupacional entre os fálicos-jurídicos relacionados à relação de emprego (arts. 2º e 3 ° da CLT).
Por tais fundamentos, mantenho a sentença que declarou nulo o contrato
mais recorrentes, de acordo com o levantamento das ocupações ou categorias de representação comercial, e, por conseguinte, reconheceu o vínculo
profissionais, de longe, a que mais se destaca no sentido de se constituir como empregatício havido entre as partes" (Grifos meus).
empresa individual é a dos representantes comerciais que possuem, inclusive,
uma legislação específica para regulamentar sua atuação profissional autô­ A atividade comercial, praticada pela categoria em questão, a despeito
noma (Lei n º 4.886/65). No entanto, a despeito de sua necessária atuação de ser comumente uma atividade-fim de qualquer negócio, o que não significa
independente, na vida real desses atores sociais, é recorrente a atuação como muita coisa a pa1tir da reforma trabalhista de 2017, acaba se qualificando como
empresa individual, que muitas vezes se dá sob a chamada subordinação um amplo espaço para a expansão das empresas individuais, uma vez que
estrutural caracterizada pelo uso, por exemplo, de equipamentos e espaço as contratantes alegam haver ali uma "parceria" no processo de distribuição
fisico do contratante, favorecendo o reconhecimento do vínculo empregatício de seus produtos ao consumidor final. Essa tendência de pejotização da área
por parte da justiça. comercial já havia sido apontada nas atividades mais recorrentes pelos MEis,
onde 9,76% desse perfil de trabalhadores ocupa-se em comércio varejista de
Observa-se, pois, que os 'representantes comerciais' da Reclamada faziam vestuários e acessórios, embora, usualmente, os representantes comerciais
uso de um tablet, de propriedade do próprio trabalhador ou mesmo for­
necido pela empresa, no qual era instalado no equipamento um software estejam mais atrelados ao comércio atacadista e esse perfil de ME! citado
(SAF), cuja função era de informar ao trabalhador as metas estabelecidas assuma um campo de atuação mais próximo aos consumidores finais (varejo).
pela empresa, sendo meio apto a controlar hora, dia e condições das vendas Embora seja muito comum o discurso de que o processo de pejotização
realizadas no mês.[ ... ] tenha surgido e sobrevenha notadamente nos chamados serviços especializados
Declarou, também, o preposto que os representantes comerciais não tinham
autonomia plena em relação aos valores dos produtos vendidos, tampouco 93 o Principio jurídico da Prima2ia da Realidade estabelece que independe do que fora (e se fora)
liberdade para conceder um prazo de pagamento diferenciado ao cliente, formalizado, no entendimento jurídico deve prevalecer a prática estabelecida (realidade) no cotidiano
entre as partes, contratante e trabalhador, para se caracterizar a existência do vínculo empregatício.
92 Segundo o TST (2016), o TST recebeu 243.447 processos no ano de 2016, 16,5 % a menos que no 94 Processo: AIRR-1Q391-21.2015.5.03.0150 Data de Julgamento: 15/06/2016, Relator Ministro: Már­
período de 2015, quando esse quantitativo foi de 291.454. cio Eurico Vitral Amaro, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/06/2016.
100
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ou serviços intelectuais, identifica-se sua prática recorrente em qualquer ramo Conforme visto, os litígios se instauram, mas a questão persiste nos cam­
de negócio95 , em todos os níveis de formação e de hierarquia dos quadros de pos de confronto, dos espaços do mercado de trabalho. Em decisão judicial no
pessoal, nos diversos níveis institucionais (tanto gerenciais e administrativos, ano de 2013, em mais uma tentativa de elucidar as distensões esquemáticas,
quanto no chão de fábrica) e segmentos profissionais (comerciais, rodoviá­ o Ministro do TST Maurício Godinho Delgado asseverou que,
rios, construção civil, artísticos e culturais). Tal argumento relacionado aos
serviços especializados restringiria o conceito de pejotização a "contratação No caso da fórmula do art. 129 da Lei nº 11.196, de 2005, somente
de um trabalhador, na condição de pessoa jurídica, para prestação de serviço prevalecerá se o profissional pejotizado tratar-se de efetivo trabalhador
autônomo ou eventual, não prevalecendo como mero simulacro ou artifí­
intelectual" (PEREIRA, 2013a, p. 77), ·que não é o que necessariamente se cio para impedir a aplicação da Constituição da República, do Direito do
constata na realidade do mercado de trabalho. Trabalho e dos direitos sociais e individuais fundamentais trabalhistas".
Em entrevista à Revista ANAMATRA, o Juiz do Tr�balho Jorge Luiz
Souto Maior afirmou que a prática da pejotização tem cotno objetivo a re; De tal sorte, diversas categorias profissionais atuam sob a mira da empresa
dução dos custos empresariais, bem como excluir o trabalhador da órbita de individual. Ronaldo Lima dos Santos, Procurador do Trabalho do Ministério
proteção do contrato de trabalho. Ressaltou, ainda, que a CLT não faz dis­ Público do Trabalho em São Paulo, à época membro do Núcleo de Combate
tinção entre trabalho intelectual, técnico e manual e que "Isto implica dizer às Fraudes nas Relações do Trabalho da Procuradoria Regional do Trabalho
que, sob o ponto de vista da legislação, os ocupantes de altos cargos, estando da 2" Região, adverte sobre a disseminação desse regime especificamente no
subordinados e prestando serviços de forma não eventual e remunerada, são ambiente de comunicação:
igualmente empregados" (ANAMATRA, 2008, p. 15).
O já citado artigo 129 da lei 11.196/05 (dispositivo legal que justificaria Conquanto a pejotização encontre-se presente em diversos setores econô­
micos e ramos de atividade, há alguns setores emblemáticos, nos quais esse
a transmutação profissional empregado-prestador de serviços) realmente faz procedimento fraudulento encontra-se amplamente empregado, como nas
referência aos "trabalhos intelectuais", o que justificaria a suficiente capacidade áreas hospitalar, de informática, indústria de entretenimento (cinema, tea­
de autonomia dos "profissionais mais qualificados" para deliberar sobre sua tros, eventos) e de veículos de comunicação. Nas mais diversas empresas de
condição e vínculo laboral. Para Couto Filho e Renault (2008, p. 6), de fato, comunicação (escrita, radiofônicas, televisivas e veículos de comunicação
há uma corrente de juristas favoráveis aos contratos pejotizados afirmando virtual), tornou-se a tônica a contratação de jornalistas, apresentadores de
que "o serviço intelectual elimina a hipossuficiência do trabalhador, caben­ TV, artistas etc. por meio de empresas individuais abertas somente para
a prestação dos respectivos serviços, que se desenvolvem com pessoa­
do-lhe a escolha da lei de regência relativa ao trabalho prestado, defendendo, lidade, subordinação, onerosidade, habitualidade, alteridade, nos tennos
ainda, que os incentivos fiscais e previdenciários compensariam os beneficias dos artigos 2º e 3º da CLT, até porque constituem típicas atividades-fim,
trabalhistas". Seguindo essa linha, o fato de se tratar da prestação de serviços essenciais ou pennanentes dessas entidades. Trata-se de expediente frau­
intelectuais relevaria a capacidade de deliberar sobre o engajamento por parte dulento também utilizado para a contratação de empregados ocupantes
do trabalhador, o que seria, segundo o pretexto, uma necessidade dos novos de altos cargos nas empresas".
tempos. Argumento esse, no entanto, que admite controvérsias. Isso não se
justifica, uma vez que a hipossuficiência alegada é inerente à discrepância Importa ressaltar ainda que fatores adversos concorrem no sentido de
econômica entre contratada e contratante, ou seja, nas relações capitalistas, comprometer a identificação de determinados segmentos profissionais sub­
a (grande) empresa contratante é a parte evidentemente mais fortalecida96 . metidos à pejotização, como exemplo, observa-se a falta de acionamento
judicial dos conflitos, bem como a morosidade do longo rito processual,
95 Como visto através dos dados obtidos a partir da RAIS Negativa e do Portal do Empreendedor obstaculizando o avanço processual; a incipiência dos casos de pejotização
(relativos ao MEi), onde se verifica a existência de empresas individuais em diversos segmentos de em algumas áreas de atuação; a falta de informação de direitos e até mesmo
atividades produtivas.
96 Segundo o Principio da Indisponibilidade no Direito do Trabalho, mesmo que o trabalhador renuncie certa resignação de muitos trabalhadores, que se conformam com a "condição
contratualmente alguma proteção que lhe é legalmente assegurada, este poderá a qualquer mo­
mento ser reparado, conforme previsão legal, a despeito do que fora contratado formalmente entre 97 Processo: AIRR-639-35.2010.5.02.0083 Data de Julgamento: 19/06/2013, Relator Ministro: Maurí-
as partes. Ressalta-se a importância desse principio do Direito em tempos de intenso risco da manu­ cio Godinho Delgado, 3' Turma, Data de Publicação: DEJT 21/06/2013.
tenção das históricas garantias sociais postas em questão sob o argumento de que deva prevalecer 98 Processo: ARR-15.67-28.2010.5.08.0015 Data de Julgamento: 23/09/2015, Relator Ministro: Márcio
o "negociado sobre o legislado" no âmbito das relações trabalhistas. Eurico Vitral Amaro, 8' Turma, Data de Publicação: DEJT 03/11/2015.
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residual de trabalho" que ocupam; a aquiescência e introjeção coletivas do


discurso da "parceria no risco do negócio" amplamente difundido nos circuitos empresa", uma vez que empresa prestadora de serviços não atua sob condição
organizacionais; e, ainda, outro motivo bastante recorrente, embora não muito subordinada à contratante, o que, mais uma vez, evidencia a dissimulação do
explícito, que é o cerceamento de futuras contratações de serviços em alguns efetivo vínculo empregatício entre as pattes.
segmentos profissionais muito restritos, como é o caso de trabalhadores de A resistência dos setores empresariais em estabelecer contratos plena e le­
rádio, televisão, jornalismo, educação, entretenimento, mercado imobiliário gitimamente pautados no sistema regulató1io sinaliza a possibilidade do uso de
e securitário, entre outros, também em decorrência do mercado de trabalho formulações mais comprometedoras das condições contratuais. Muitas vezes o
restrito desses ramos de atividades ou mesmo porque a mobilidade de "pres­ trabalhador é submetido a relações vilipendiadas nas suas formas de contratação,
tação de serviços" entre as empresas daquele setor é limitada, o que coíbe a confonne relata Filgueiras (2012, p. 156-157) em alguns de seus flagrantes como
motivação de reclamação por via judicial". Auditor Fiscal do Ministério do Trabalho, relatados na sua pesquisa empírica.
A partir da análise dos despachos dos acórdãos, percebesse umà tendência
ao entendimento judicial de que a prática se caracteriza pela transformação Uma fábrica de veículos de uma grande empresa multinacional (EF)
do vínculo empregatício em pejotização, através de uma tentativa deliberada terceirizava parte da própria montagem dos carros, contratando os traba­
de obstruir a evidência da dependência e dos demais elementos tipificadores lhadores através de pessoas jurídicas interpostas por meio de um "leilão"
das relações de emprego, já apontados. Nesse caso, há ainda, a incidência do realizado via internet. [... ]
disposto no artigo 9° da CLT, que nulifica "os atos praticados com o obje­ As empresas interpostas concorriam entre si para fornecer trabalhadores
demandados pela multinacional. O esquema adotado era simples: de acordo
tivo de desvhtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na com a demanda por força de trabalho da tomadora em dete1minado ponto
presente Consolidação" (BRASIL, 2007), ou seja, anula o suposto "contrato do processo produtivo, era enviada uma mensagem eletrônica à caixa das
comercial" e ratifica a efetiva (mesmo que tácita) relação de trabalho, cujo empresas interpostas para habilitação ao fornecimento dos trabalhadores
vínculo é de emprego típico e não de prestação de serviços como proposto, necessários. A empresa interposta que oferecesse o menor preço ganhava
conforme ilustrado no julgamento a seguir. o leilão, intermediando detenninada quantidade de trabalhadores (como
se fossem lotes) no ponto requerido durante o tempo demandado. Esse
O Tribunal Regional reconheceu o vínculo de emprego direto com a recla­ esquema de contratação era contínuo, encerrando-se a cada superação de
mada no período de 26/04/2001 a 13/09/2010. Concluiu, com supedâneo gargalo na linha e se renovando a cada formação de novo gargalo, o que
na prova produzida, que o autor era empregado da ré, consignando ser a era constante e aspecto constituinte do processo produtivo.
constituição de pessoa jurídica conhecido estratagema para o não cum­ Todos os equipamentos utilizados pelos trabalhadores fonnalmente con­
primento de obrigações trabalhistas. [ ... ].Tal prática vem sendo declarada tratados pelas empresas interpostas eram de propriedade da EF, mesmo os
ilegal pela Justiça do Trabalho, quando comprovado o intuito de fraudar instrumentos mais simples. Até as instruções de trabalho eram fornecidas
a aplicação da lei trabalhista, em clara afronta ao disposto no ar/. 9 º da pela tomadora. Não obstante, esses trabalhadores eram selecionado� pela
CLT, diante da inteira e completa subordinação com o suposto contratante, própria contratante EF, que submetia os trabalhadores sugendos pela mter­
situação incompatível com o próprio conceito de empresa e em clara posta a uma prova de conhecimentos. Caso o candidato não conseguisse a
afronta aos princípios protetivos clássicos do Direito do Trabalho. [...]. pontuação exigida, a EF proibia sua contratação. N�o havia pres_ ta_ção de
Nesse contexto, declarada a invalidade da relação contratual firmada serviço, mas interposição_ entre EF e trabalhadores, p01s todas as at!Vldades,
entre a reclamada e a empresa prestadora de serviços, ante a verificação de fato, eram desenvolvidas pela tomadora de serviço.
da real finalidade de desvirtuar e mascarar o pretenso vínculo de emprego, As empresas interpostas faziam intermeqiação de mão de obra, já que não
e, ainda, comprovada a presença dos requisitos constantes dos artigos 2º e fabricavam ou produziam nada, simplesmente forneciam trabalhadores,
3° da CLT, não merece reparos a decisão regional'°' (Grifos meus). que trabalhavam de acordo com as determinações da tomadora.
Nesse processo supracitado merece destaque também a sinalização profe­ Esse caso destaca-se pela inovação no processo de flexibilização da ofe1ta
·ida em juízo a respeito da "situação incompatível com o próprio conceito de da força de trabalho através de pregões via internet. Em outro contexto, ainda do
19 Esse último fator sobrelevou-se diversas vezes por ocasião do levantamento de contatos nos quais mesmo autor (Idem, p. 157), reuniram-se os diversos indícios apontados pelos
seriam aplicados o questionário da pesquisa quantitativa. Muitos trabalhadores consideraram que juízes em casos de flagrante vínculo empregatício dissimulado via pejotização:
qualquer participação poderia expor ou mesmo macular sua imagem no mercado de trabalho.
100 Processo: AIRR -1183-10.2012.5.01 .0009 Data de Julgamento: 22/06/2016, Relator Ministro: Cláu­ Em um caso envolvendo uma empresa de reflorestamento (BP), as ati­
dio Mascarenhas Brandão, 7' Turma, Data de Publicação: DEJT 01/07/2016. vidades realizadas pelos trabalhadores contratados por meio de empresa
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interposta (ME) eram exatamente o reflorestamento, na fase da colheita


florestal. A relação entre a tomadora e trabalhadores terceirizados era os funcionários uma nova oportunidade de trabalho nas mesmas condições
paradigma de fraude, pois: !) mesmo após a substituição de empresas em que já trabalhavam, porém, por meio de empresas a serem constituídas
interpostas, permaneciam os mesmos trabalhadores a serviço da empresa; por esses funcionários; que a reclamada por sua conta constituiu a em­
2) todo o terreno onde ocorriam as atividades era de propriedade da BP; presa do depoente, contratando o escritório de contabilidade Bessas que
3) todo o maquinário empregado nas atividades era de propriedade da pertence a Sra. Nara, esposa do Sr. Lindomar, gerente administrativo da
própria BP, assim como os combustíveis e lubrificantes; 4) o motivo da reclamada; que o depoente depois foi chamado no escritório da reclamada
abertura da empresa ME, em 2007, foi o contrato com a BP, fato admitido onde assinou "toda a papelada" e depois foi encaminhado à contabilidade;
pelo sócio da ME; 5) a ME não prestava serviço em nenhum outro lugar, que na constituição da firma individual o depoente arcou apenas com as
não possuía outra filial e até o escritório onde estava instalada ficava no despesas de reconhecimento de firma em cartório; que "não tinha como
interior de propriedade da BP, em espaço por ela cedido. Em suma, ME recusar essa proposta de trabalho", pois, como seria demitido, precisava
era, na prática, uma fachada para contratação ilegal de emprega_dos pela BP. o depoente de trabalho e, além do mais essa oferta era "viável"; que esse
reunião aconteceu entre outubro a inicio de dezembro de 2005, pois, iniciou
Num último relato, o autor descreve o caso de uma empresa que mantinha as atividades no inicio do ano de 2006; ... que a reclamada "passou" um
suas operações totalmente (tanto as atividades-meio, quanto atividades-fim) caminhão para o depoente; que o depoente não pôde escolher o caminhão
que quisesse, tendo sido passado a ele um caminhão para transporte de
através de indivíduos contratados como PJ: cana, ao passo que o depoente queria um caminhão com báscula; que a
própria reclamada dava manutenção e abastecia o caminhão passado ao
A AF tem base no Paraná, mas suas atividades se concentram na Bahia, depoente; que no acerto do mês a reclamada cobrava do depoente as des­
onde possui nove filiais, além de um escritório e oito fazendas na região pesas com manutenção e abastecimento; ... que naquela reunião não ficou
nordeste do estado. Para desenvolver suas atividades (florestamento e re­
florestamento), a AF demanda trabalho, pois os eucaliptos não brotam, nem esclarecido que os próprios funcionários arcariam com os encargos fiscais
são colhidos espontaneamente. Portanto, condição obrigatória para atingir o e sociais da empresa, ficando sabendo disso, somente quando chegaram
objetivo social da empresa (lucro) é o emprego de trabalhadores. Frise-se: as cobranças; ...que não tinha necessidade de contratação de funcionários,
muitos empregados. Apenas em uma fazenda, eram empregados cento e pois havia apenas um caminhão e o próprio o dirigia; que a reclamada
cinquenta e dois trabalhadores no processo produtivo (plantio, colheita, etc.) exigiu do depoente a prestação de serviço personalíssima por ele ... "
do florestamento e reflorestamento. Contudo, a AF não mantinha nenhum
empregado formalmente registrado em nenhuma de suas filiais. Não havia
empregados registrados sequer no escritório que organizava as atividades Ainda no mesmo processo, a prática se expande:
da empresa. Destarte, a empresa se apresentava como um grande e ativo
empreendimento "sem empregados", em total afronta à Súmula 331. Sobre o tema a testemunha LeonaldoAparecido Rafael afümou (fls.739/740):
... participou o depoente, também de uma outra reunião onde foi proposto
Nesse cenário ultrajante e controverso, a pejotização se instaura causando aos funcionários ligados a motomecanização, a qual estavam vinculados
grandes conflitos interpretativos. os setores de oficina mecânica, de transporte e de máquinas agrícolas que
Essa dinâmica metamórfica vinculante entre trabalhador e contratante pode constituíssem empresas e, passariam a prestadores de serviço à recla­
mada, foi lhes prometido que lhes seriam passados os equipamentos; que
surgir em dois momentos da trajetória de cada indivíduo. O primeiro, a partir esses equipamentos foram avaliados pelo valor de mercado e financiados
de um movimento deliberado de se tomar empresa para, a partir daí oferecer aos prestadores de serviço; foi dito naquela reunião que prestariam os
serviços. Ou, num segundo caso, também muito frequente, conve1ter os atuais serviços terceirizados, porém, mantidas a mesma rotina e condições de
empregados em empresas individuais, por ato de reestruturação organizacional. trabalho anteriores, enquanto empregados; que essa proposta de prestação
O conteúdo da demanda judicial a seguir ilustra adequadamente esse quadro101• de serviço foi praticamente imposta aos funcionários e houve uma certa
pressão psicológica, pois, a maioria deles aceitou a proposta sem estar
Em depoimento pessoal o reclamante afirmou (fls. 738/739): que a recla­ preparada, contudo, para administrar uma empresa; que uma "pequena
mada fez uma reunião com todos os funcionários do setor de transporte, minoria" recusou_ essa ofe1ia; que a reclamada procurou vincular os pres­
comunicando-lhes que seriam todos dispensados, pois, extinguiria esse tadores de serviço ao equipamento em que trabalhavam anterionnente,
setor e, iria terceirizar esse serviço; nessa mesma reunião ofereceu a todos mas não necessariamente; que os funcionários viram nessa proposta uma
oportunidade de crescerem como empreendedores e, no entender do de­
101 Processo: AIRR -1570-76.2011.5.03.0050. Data de Julgamento: 20/04/2016, Relatora Ministra: De­ poente isso teve uma conotação de pressão psicológica; que na reunião
laíde Miranda Arantes, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/04/2016. a reclamada deixou explicito que daria aos prestadores de serviço todo o
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amparo necessário até que caminhassem com as próprias pernas; ... que O Tribunal Regional, soberano na análise do conjunto fálico-probatório
não deixou claro a reclamada que os prestadores de serviço arcariam com dos autos, registrou que prova oral, consistente no depoimento pessoal
os encargos sociais e fiscais da empresa; que de fato a rotina e as condi­ da ré, comprovou que a autora laborou com pessoalidade, habitualidade,
ções de trabalho como prestadores de serviço mantiveram-se as mesmas subordinação e no desempenho de atividade-fim da empresa. Consignou,
de antes, como empregados; que os encarregados de antes continuaram no particular, que a obreira, após contratação como pessoa jurídica,
gerenciando os prestadores de serviço; era a reclamada quem determinava continuou a exercer as mesmas fimções que desempenhava quando con­
o local e o serviço a ser prestado pelo reclamante; que foi o Sr. Lindomar tratada como empregada e que nunca se fez substituir por outrem. [ ... ].
quem providenciou a constituição da empresa do reclamante, por meio da Descaracterizado o contrato de prestação de serviços, porque constatado
indicação de um contador local;. que essa contadora é Sra. Nara Ribeiro o intuito de fraudar direitos previstos na legislação trabalhista por meio da
Bessas, esposa do Sr. Lindomar; que as despesas cartorais foram pagas constituição de pessoa jurídica, fenômeno conhecido como "pejotização".
pela reclamada para posterior dedução no valor dos. serviços prestados; Trata-se de conhecida modalidade de precarização das relações de trabalho
que 70% dos equipamentos transferidos aos terceirizados não estavam por meio da qual o empregado é compelido ou mesmo estimulado a formar
com manutenção mecânica em dia .... "(original sem o negrito). pessoa jurídica, não raras vezes mediante a constituição de sociedade com
familiares, e presta os serviços contratados, mas com inteira dependência,
A prova oral é incontestável e não deixa dúvidas quanto ao fato de que inclusive econômica, e controle atribuído ao tomador'" (Grifos meus).
o autor, na verdade, precisou constituir uma empresa para permanecer
prestando serviços à Reclamada, mas não houve alteração da sua condi­ De acordo com a interpretação vigente, um contrato individual de traba­
ção de empregado, pois os serviços foram prestados com pessoalidade, lho pode se dar de forma tácita ou expressa (Art. 442/CLT), de modo que há
remuneração e de forma subordinada, da mesma fonna que lhe prestava uma presunção de que a realidade dos fatos é o que basta para fins de vínculo
serviços antes da criação da empresa. (contrato) de trabalho, ou seja, o que importa efetivamente é a situação fática
e não o que fora "acordado" entre as pattes, conforme o já mencionado Prin­
Nota-se que, além do receio do desemprego, o suposto aumento sala­ cípio da Primazia da Realidade no âmbito do Direito, relatado no conteúdo
rial como caráter coercitivo para se pejotizar, assume um argumento im­
102
da ação judicial a seguir:
portante na cooptação e adesão dos novos pejotizados, que não consideram,
no entanto, suas perdas materiais substanciais no que se refere aos diversos Registre-se que o fato de o autor saber que as condições em que estava
direitos trabalhistas que serão preteridos. Além disso, nota-se na apropriação sendo contratado para a função de representante autônomo não se sobrepõe
à realidadefática evidenciada nos autos. No caso, foi comprovada a fraude
do discurso da ordem empreendedora um artificio de sedução a uma atrativa desta contratação, o que dá ao autor o direito de receber pela função que
e supostamente almejada "oportunidade de crescer como empreendedor", o de fato desempenhava. Por isso, a "suposta intenção" do reclamante em
que vem sendo fo1mulado constantemente tanto através da mídia (DIAS e ser contratado para trabalhar como autônomo, por meio da criação de uma
WETZEL, 201 O), como também incorporado por parte dos diversos atores empresa, não seria óbice ao reconhecimento do vínculo de emprego entre
sociais diretamente envolvidos neste jogo. as partes, diante da situação fática comprovada nos autos'"' (Grifos meus).
Essa situação é recorrente nos espaços de trocas da "mercadoria" trabalho.
De acordo com a observação efetuada junto às decisões judiciais, a su­
No âmbito judicial, localizar casos concretos permeados de demandas cujos
cumbência das contratantes é frequente e, geralmente, os critérios utilizados
conteúdos são antitéticos a esse formato de apropriação de força de trabalho na justiça para imputar penalidade à empresa por fraude trabalhista e fiscal,
não é tarefa complexa. Da mesma forma, passível de sentença equivalente relacionam-se à observação se a abertura da empresa é compatível com o
em outro processo, pode-se constatar o caso de uma trabalhadora que teve início da relação entre a PJ e a contratante, se havia exclusividade do traba­
apenas o regime conh·atual alterado de empregada para prestadora de serviços, lhador na prestação de serviços, se esse poderia se fazer substituir em caso de
mantendo a mesma rotina laboral: impedimentos pessoais, se havia subordinação funcional ou jurídica (acatava
ordens) ou estrutural (utilizava recursos ferramentais da contratante), entre
102 Assume-se o caráter de suposição no que se refere ao "aumento salarial" no ato de pejotizar
empregados, porque o argumento utilizado é de uma maior remuneração mensal, desconsideran­
do-se os efeitos econômicos acumulativos da remuneração do trabalhador: treze salários anuais, 103 Processo: AIRR - 62500-50.2007.5.02.0043 Data de Julgamento: 22/06/2016, Relator Ministro:
férias efetivamente remuneradas agregadas ao terço constitucional, benefícios sindicais, entre Cláudio Mascarenhas Brandão, 7' Turma, Data de Publicação: DEJT 01/07/2016.
outros. De modo que o argumento e até mesmo a percepção de uma elevação na renda pode ser, 104 Processo: AIRR - 1068-30.2012.5.05.0024 Data de Julgamento: 25/05/2016, Relatora Ministra: Ma­
na verdade, um equivoco. ria Cristina lrigoyén Peduzzi, 8' Turma, Data de Publicação: DEJT 30/05/2016.
outros aspectos que evidenciem os fatores ligados, direta ou indiretamente,
ao já citado artigo terceiro da CLT.
Por conseguinte, os custos judiciais para essas empresas são elevados,
o que pode ser bastante significativo conforme seu porte e vigor finan­
ceiro naquele momento. Esse impacto abre precedentes para demandas
trabalhistas de outros trabalhadores considerados contratualmente lesados,
gerando um efeito nocivo em escala. As indenizações retroagem desde o
início da "prestação de serviços" e sofrem atualizações monetárias, além
disso, frequentemente, as demandas comportam itens que ultrapassam o
reconhecimento do vínculo, abrangendo danos morais, horas.extras, gastos
operacionais, atrasos em pagamentos, dentre muitos outros itens que por
ventura tenham agredido cláusulas contratuais ou meras expectativas da
parte considerada prejudicada. Enfim, são passivos que seriam evitados,
caso fossem, desde o início, considerados oportunamente quando do início
da implantação da relação contratual.
Tais custos, que chegam por longas e morosas vias judiciais, no en­
tanto, muitas vezes são produtos de decisões racionais tomadas a partir da
convicção por parte das empresas capitalistas de que o risco da inadim­
plência trabalhista é mais compensatório do que o estrito cumprimento
da lei e dos acordos sindicais.
No entanto, a despeito de tantas sucumbências e de todos os custos
apontados, a pejotização, via empresas individuais, continua em seus
processos de avanço como alternativa contratual no mercado de trabalho.
Ao abordar a questão da pejotização sob a perspectiva jurídica é
inevitável abrir mão de seu teor fraudulento e pejorativo como conflito
de classe, embora não seja necessariamente este o principal objetivo da
obra. O que se constatou, sem grande esforço seletivo de casos, uma
vez que se trata de uma significativa maioria no tribunal averiguado, foi
efetivamente a prática depreciativa dos vínculos, comumente reportado
como "fraude". No entanto, o que mais se buscou ressaltar através dos
acórdãos é o seu caráter disseminado em diferentes setores do mercado
de trabalho, bem como a visão e a atuação ainda tuteladora da Justiça
do Trabalho, se comparada a outros agentes sociais relacionados a esse
sistema em transformação.
Os números usados como indicador do avanço desse fenômeno mais
uma vez reforçaram a tendência de consolidação da pej otização como
nova face relacional entre capital e trabalho. Isso evidencia a necessi­
dade de esforços ainda maiores na busca pela compreensão desse fenô­
meno, no âmbito desta pesquisa, dessa vez, junto aos próprios trabalha­
dores pejotizados, conforme será tratado nos capítulos 5 e 6 que seguem.
CAPÍTULO 5
SER EMPREENDEDOR A SERVIÇO DE
UMA EMPRESA: números e experiências
do "emprego" como empresa individual

5.1 Explicações metodológicas adotadas no levantamento

Optou-se pela realização de um survey (levantamento) descritivo, a fim


de oferecer um aporte de conhecimento maior sobre esse universo dissimu­
lado que é a atuação do trabalhador como PJ, por se tratar de uma técnica que
pern1ite identificar opiniões e atitudes dos indivíduos em contextos distintos
(efeito longitudinal), favorecendo aos propósitos destacados no presente con­
texto. De acordo com Tanur (apud PINSONNEAULT; KRAEMER, 1993), o
modelo de pesquisa survey caracteriza-se pela fmma de aquisição de dados
ou informações a respeito de características, ações ou opiniões de pessoas
que representam determinada população-alvo, através de um instrumento,
geralmente um questionário.
Nessa etapa da pesquisa, buscou-se aquilatar quantitativamente a pejoti­
zação a partir das interpretações de seus protagonistas, ou seja, dos indivíduos
pejotizados, assim, a população em questão são todos os trabalhadores que
atuam ou já atuaram profissionalmente alocando sua força de trabalho através
de empresas individuais, de forma regular e em condições similares a de em­
pregados, ou seja, submetidos a cumprimento de metas, jornada de trabalho,
subordinação entre outros aspectos inerentes ao vínculo empregatício.
Esse perfil de trabalho, muitas vezes socialmente dissimulado, dificulta
sua identificação e, de certa forma, inibe o reconhecimento desses indivíduos
em seus circuitos. A pmtir desse fator de escamoteamento da população pes­
quisada, chegou-se a definição de que o mais adequado seria a amostragem
não probabilística por conveniência, uma vez que se trata de um perfil de
trabalhadores difícil de identificar, de acessar e de convencer a participar do
levantamento. Desse modo, nesta etapa de campo, os caminhos utilizados
para a realização da pesquisa foram marcados pela dificuldade de localizar,
pelo desafio de convencer e pela persistência em mobilizar a abrir a caixa
preta do jogo praticado nos porões do mercado de trabalho. As metáforas das
"caixas pretas" e dos "porões",justificam-se pela sua face de ocultamento que
os próprios protagonistas fazem de sua condição de trabalhador pej otizado.
PEJOTIZAÇAO: a empresa individual como força de trabalho 147

Através do uso da rede de contatos, amigos, parentes, ( ex)colegas de se dava de fonna exclusivamente na empresa contratante, a fotma como se deu
trabalho, (ex )alunos, entre outros e do desdobramento desse contingente sob o a constituição da empresa individual e os principais fatores que o levaram à
efeito snow bali (indicação da indicação), no total amostral foram levantados pejotização. Também foram buscadas as principais vantagens e desvantagens
156 contatos de trabalhadores que afümaram atuar ou já terem atuado sob a do trabalho pejotizado e, por último, se o respondente trocaria sua condição de
situação de empresa individual para os quais foi enviada uma mensagem por PJ pela de assalariado mesmo sob uma perda de 30% nos rendimentos mensais.
correio eletrônico (e-mail) contendo o link que os reportaria ao questionário. Tal cifra percentual foi atribuída considerando-se que, confonne percebido infor­
Desse total, foram retomadas 99 respostas, das quais: 02 foram consi­ malmente, de modo geral, os contratos quando assumidos como PJ sofrem uma
deradas inválidas a paiiir do questionainento proposto na segunda questão majoração em torno desse valor em detrimento a contrato "de catieira assinada".
(Você trabalha ou já trabalhou como Pessoa Jurídica (PJ) prestando serviços Buscou-se identificar, de fonna indireta, através das condições do tra­
regulares a alguma empresa?), que foi uma pergunta de corte. Em caso de balho realizado como PJ, a correlação desta atividade com os elementos ju­
negativa, o questionário daquele respondente se tomava invalidado e não rídicos característicos da relação salarial típica (pessoalidade, habitualidade,
prosseguia para análise. Pelo fato de as questões não terem sido de respostas onerosidade e subordinação), de acordo com o que prevê o artigo terceiro da
obrigatórias, quatro questionários foram considerados "parcialmente res­ Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), conforme discutido no capítulo
pondidos" por possuírem mais de três respostas em branco. Dessa forma, a anterior. Para isso, foram propostas seis questões que propiciaram comparar
amostra total dessa pesquisa survey é de 97 indivíduos, sendo 93 questionários a prática PJ com a condição assalariada típica, onde se arguiu sobre: os be­
completamente respondidos e quatro incompletos. nefícios recebidos da contratante como prestador de serviços, a possibilidade
A estrutura do questionário foi estabelecida a partir de quatro eixos de se fazer substituir na execução das tarefas contratadas (pessoalidade), a
temáticos, contendo o total das 28 questões propostas: i) Identificação; ii) frequência de realização das tarefas (habitualidade/regularidade), a repmiação
Sobre a atuação Profissional; iii) Das Condições de trabalho e, iv) Sentidos do de fotma subalterna a algum supervisor da empresa contratante (subordina­
trabalho. Cada pergunta dentro dos eixos temáticos buscou reforçar a proposta ção), a forma de negociação sobre o valor da remuneração e, também, se na
de argumentos da obra, partindo da suposição de que a empresa individual execução das atividades profissionais havia a dependência de instrnmentos
constitui modelo representativo das transfmmações recentes do mundo do de titularidade da empresa contratante ou aspectos gerais relativos à caracte­
trabalho a partir de um processo de hibridização de formas contratuais di­ rização de subordinação. Essa etapa também buscou evidenciar a tendência
versas, sobretudo do trabalho assalariado típico, do terceirizado, da prática de sobreposição das características das relações contratuais diversas.
empreendedora e da prestação de serviços como autônomo. A última etapa averiguada teve como objetivo central captar, de modo
No prim eiro eixo (Identificação), com seis questões, buscou-se levantar os sucinto, a forma com que se dá a percepção sobre o trabalho como mecanismo
dados pessoais dos indivíduos, tais como e-mail, faixa etária, gênero, nível de de coesão social. Intitulado "Sentidos do Trabalho", esse eixo foi composto por
escolaridade e perfil estabelecido de pessoa jurídica (ME!, ME, EPP, BIRELI). questionamentos mais abertos, com sete itens, onde se pedia para o indivíduo
Ainda nesse primeiro momento, a segunda pergunta ( Você trabalha oujá completar frases, com poucas palavras, de modo a definir sua concepção sub­
trabalhou como Pessoa Jurídica (PJ) prestando serviços regulares a alguma jetiva sobre: "ser trabalhador PJ", "ser empregado de carteira assinada", "ser
empresa?), como foi dito, teve caráter excludente, de modo que todos que empreendedor (abrir seu próprio negócio)" e "trabalhar 'por conta própria"'.
marcaram a opção "c" (Não, nunca trabalhei como PJ) foram imediatamente Essa etapa final foi opmillnizada inclusive para questionar a aceitação do
descatiados do processo de análise (houve dois casos). respondente a uma evenhial entrevista subsequente, realizada pessoalmente,
As nove questões da segunda etapa trataram de identificar aspectos onde seriam exploradas sobretudo as interpretações individuais sobre a expe ­
ligados à atuação profissional dos indivíduos, buscando em suas trajetórias, riência do trabalho PJ. Para encerrar, pediu-se que se deixassem registradas as
elementos que destacassem o engajamento do trabalhador a esse modelo de impressões finais, tais como comentários, sugestões ou ainda algo que tenha
contratação, sobretudo a partir do contraste com outras eventuais fonnas de faltado mencionar, o que convenientemente ilustrou trechos ao longo do capítulo.
trabalho além da pejotização. Ali, as perguntas permitiram levantar diversos Exceto o pedido inicial de identificação via registro do e-mail do res­
aspectos, tais como: outros tipos de vínculos estabelecidos, o tempo geral de pondente, nenhuma outra questão foi de resposta obrigatória, nem assumiram
atividade profissional, o período de atuação como PJ, e se esse desempenho caráter que pennitisse a identificação dos indivíduos, o que fora previamente
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enunciado. Além disso, as questões de números 7, 16 e 21, respectivamente,


"Além de PJ, de que outras formas você já atuou profissionalmente?", "Quais marcado foi pontuado e, ao final, a partir da pontuação total foram estabele­
beneficias você recebe/recebia da empresa para a qual você presta/prestava cidos os percentuais para cada categoria.
serviços?" e "Na realização de suas atividades regulares, você ... ", permitiram Sobre os sentidos do trabalho ( quarta etapa), foram estabelecidas análi­
marcação em quantas opções fossem necessárias. ses textuais a pattir das breves nmwtivas apresentadas nas questões 22, 23 e
O questionário permaneceu ativo (recebendo respostas) durante dois 24 a respeito do significado, respectivamente, do "ser trabalhador PJ", "ser
meses. Na sequência, passou-se à fase de tratamento e análise dos dados. empregado de cmteira assinada" e "ser empreendedor".
A descrição completa desses relatos seria muito ampla. Sendo assim,
Foram utilizados os serviços da plataforma SurveyMonkey® para criar,
com o propósito de promover uma verificação mais pontual sobre esse as­
desenvolver, gerenciar e tabular os dados do questionário que foi enviado a
todos os contatos levantados. pecto, optou-se por desagregar as respostas entre dois perfis específicos sob
um arranjo bivariado.
A análise se deu, predominantemente, de forma univariada dos filtros
O primeiro, somente as respostas dos nove trabalhadores que atuam/
oferecidos pela platafonna utilizada.
Nas incidências de narrativas transcritas literalmente dos respondentes atuaram concomitantemente como PJ e celetista, uma vez que essa desagre­
gação evidenciaria impressões atuais sobre a experiência desses formatos
ao longo do tratamento dos dados no survey foi utilizado o termo "Indivíduo"
seguido do número de ordem advindo da coleta de suas respostas no levanta­ de trabalho. Então, utilizando as questões 2 ( Você trabalha ou já trabalhou
como Pessoa Jurídica (PJ) prestando serviços regulares a alguma empresa?)
mento, de modo que, ao se referir, por exemplo, a uma fala literal do primeiro
indivíduo a enviar sua resposta, utilizou-se "(Indivíduo OI)" para identificá-lo. e 11 (Enquanto atua/atuou como PJ, você acumula/acumulou sua atuação
profissional com outra.forma de regime de trabalho?) foi possível levantar
As questões 13 e 14 foram, respectivamente, sobre o apontamento
de vantagens e desvantagens percebidas na prática do trabalho pejotizado. esse perfil de trabalhador que no momento atua como PJ e, ao mesmo tempo,
trabalha com contrato de carteira assinada.
Em ambas as questões, a partir de uma enumeração de 9 (nove) opções, foi
Para o segundo perfil, optou-se pelo levantamento das opiniões de traba­
solicitado que o respondente apontasse 3 (três) itens que considerasse mais
lhadores supostamente impelidos a se tomar empresa individual. Buscou-se
vantajosos/desvantajosos, atribuindo-lhes graus: 1 para o mais vantajoso/
averiguar seus pontos de vista a respeito do "trabalho PJ", do "assalariamento"
desvantajoso, 2 para o item intermediário e 3 para aquele que, entre os três,
e de "ser empreendedor", o que objetivou reunir as principais impressões es­
trouxesse menos vantagem/desvantagem. No entanto, após a aplicação do
pecíficas daqueles que, de alguma forma, sinalizaram uma tendência a preferir
questionário, verificou-se que essa fonna de mensuração (1 para maior van­
tagem/desvantagem e 3 para a menor vantagem/desvantagem) geraria efeitos o vínculo salarial "típico" como forma de inserção no trabalho.
Isso foi possível através da conjugação entre as questões 12 (No seu caso,
quantitativos contraproducentes ao se de tabular e apurar os dados. Nesse
particularmente, o que.foi mais determinante para sua adesão ao modelo de
sentido, a fim de atenuar o inconveniente, optou-se por utilizar um fator para
trabalho PJ?) e a questão 15 ( Você trocaria sua condição de PJ pelo vínculo
multiplicar o valor de cada resposta. De modo que a quantidade de respostas
empregatício (carteira assinada), na mesma empresa, apesar de soji-er uma
apontadas em cada item foi multiplicada pelo fator correspondente, ou seja,
perda salarial mensal de 30% sobre o que você recebe/recebia como PJ?).
multiplicou-se por 3 o que foi assinalado como maior vantagem/desvantagem,
Da questão nº 12 foram relacionados tanto os que responderam que o que
por 2 as opções intermediárias e por 1 cada resposta assinalada como menor
determinou foi a "falta de op01tunidades de trabalho", quanto os que agiram
vantagem/desvantagem. Assim, procedeu-se para cada categoria sugerida.
sob "a detenninação da empresa contratante". Já da questão nº 15 buscou-se
O produto total desse cálculo gerou um score em valores absolutos. Daí,
somente os que responderam "sim".
foi convertido para valores relativos (percentuais), o que permitiu a classifica­
Para as demais questões, além dessas citadas, procedeu-se a análise a
ção das categorias em uma escala de mais vantajoso e de mais desvantajoso,
partir da aferição de números percentuais e/ou textual, de fonna univariada.
cada aspecto encontrado na prática do trabalho pejotizado.
De fato, o survey não é necessariamente representativo de todo universo
No item sobre as condições de trabalho, a questão de nº 16 buscou levan­
de trabalhadores sob a condição de empresa individual, mas permite iluminar
tar os beneficias disponibilizados com maior rec01Tência entre os PJs. Como
parcialmente a realidade dos trabalhadores nessa situação produtiva, além de
as respostas permitiram marcações diversas entre as doze opções, cada item
possibilitar a observação de uma série de hipóteses explicativas. O resultado
01..VV I IL.rlynv. a "'''t-''"'"'ª 111\JIYIUUdl l.;UIIIU 1u1ya '-'" .,,........ ,,,_

apresenta o seguinte perfil modal (maior frequência nas respostas): são ho­ O fato de o rendimento de um trabalhador MEi não poder superar, em
mens (67,01 %) na faixa etária de 36 a 45 anos (35,05%), que não atuam mais média, a R$5.000,00 105 por mês, o colocou em uma condição desfavorecida
como PJ (64,95%) e possuem entre 21 a 30 anos (31,91 %) de experiência frente ao modelo PJ. Embora para muitos trabalhadores, sobretudo para aqueles
profissional, considerando todo o tempo de trabalho. que atuavam profissionalmente "por conta própria", o MEi tenha significa do
algum ganho de direitos, pode-se supor que, no caso daqueles que migraram
5.2A pejotização observada a partir de números e de experiências da atuação como assalariamento para microempreendedor individual via pejo­
tização, comparativamente, houve perdas de direitos, uma vez que desse valor
total deverão ser subtraídos todos os seus compromissos fiscais, de transporte,
A respeito da suposição da predominância do ME! como forma jurídica
provisão para férias, gastos extraordinários de final de ano, reserva para garantia
de se estabelecer como empresa individual, pelo menos através do survey,
em tempos de "desemprego", por exemplo, tal como estaria respaldado sob
isso foi constatado. Das 92 respostas válidas para a questão, 39% (maior
algumas das garantias advindas do vínculo celetista (respectivamente: INSS,
parte) atuam/atuaram através desse fonnato e 34% como ME (microempresa),
vale-transporte, férias remuneradas mais o adicional de um terço, 13º salário,
conforme ilustra o gráfico 19 a seguir.
FGTS), o que corrói esse valor mensal inicial, forçando para baixo o poder
Gráfico 19 - Enquadramento jurídico da empresa individual aquisitivo do trabalhador pejotizado.
A atuação desses respondentes sob outras fonnas de vínculos trabalhis­
tas permite uma interpretação mais diversa com relação às possibilidades e
condições contratuais, o que pode ser observado através do gráfico 20.

Gráfico 20-Tipos de vínculos além de PJ (em%)


•MEi '
Empre g ado efetivo 92,55 1
•ME 1 1 ' 1
1 ! '

tiEPP Autônomo
1
41,49 1
1 ' 1
EIRELI Esta giârio 39,39 1 1
Outros ' '
Terceirizado 30,85 1 1
' 1
'

Empresârio 24,47 1
1 i
Trabalho temporârio 22,34 1
1

Coop eratlvado 17,02 1

Fonte: A pesquisa. Outro (especifique )


�I
As principais formas de pejotização parecem estar relacionadas a um Fonte: A pesquisa.
perfil de negócio cuja movimentação financeira é relativamente menor, tendo
em vista a limitação de rendimentos do ME!, possibilitando uma interpreta­ A primeira constatação parece bastante óbvia, evidenciando uma velha
ção no sentido de que se instituir como microunidade produtiva para prestar conhecida: a dinâmica do mercado de trabalho não se caracteriza mais pela
serviços a outra empresa não está ligado necessariamente a uma movimen-. suposta estabilidade dos períodos mais proficuos ou interessantes do assala­
lação de renda mais elevada. As EPPs representam 8% desse total, enquanto riamento. O perfil predominante do trabalhador daquele momento produtivo
as EIREL!s, de movimentação financeira mais elevada, são apenas 4% da
população alcançada. 1 05 No ato desse levantamento, o valor teto referido na legislação era de R$ 60.0 00,00/ano, corres­
pondendo à média de R$ 5.000, 00/mês. A partir de 01/0 1/2018 esse valor anual passou a ser de
R$ 81.0 00 , 00 e, por conseguinte, uma expectativa mensal de R$ 6.750,00 .
rcJv 11LJ-\ynv. a c111p1t:�c1111u1v1aua1 como m1yt:1 ui:: 11aua111v 153

tipicamente fordista (no Brasil isso se deu entre os anos 1940/1980) que se A escolha pelo formato de relação contratual pode ser reforçada pela
mantinha com certa estabilidade na mesma empresa deixou de existir há motivação que o levou a se tomar PJ, conforme o gráfico 21, a seguir.
algum tempo. As pessoas, ao que sugerem os dados, parecem transitar com
muito mais frequência de uma situação a outra, seja nos postos de trabalho, Gráfico 21 - Como ocorreu o processo de pejotização
seja sob as diversas formas de relações contratuais. Jã havia Outros
Questionados sobre outras formas de atuação profissional (além de constituído PJ 6_%
antes de chegar
PJ), onde poderiam informar quantos vínculos fossem necessários, 92,55% na empresa
afirmaram que já atuaram como assalariado, o que não é estranho, dado o 14??·'·
elevado tempo de atuação profissional predominante entre os respondentes
(47,87% afirmaram ter iniciado as atividades profissionais há mais de 21
anos). Ademais, isso pode estar ligado à incapacidade de conduzir de forma
independente, por própria vontade, a sua trajetória profissional, uma vez que
o trabalhador estaria à mercê das oportunidades e nas condições que surgirem,
muitas vezes não cabendo a si mesmo a condução de estratégias individuais
de inserção e de mobilidade profissional de forma deliberada.
Na sequência, vêm os 41,49% que atuaram como autônomo. Esse aspecto
evidencia, em primeiro lugar, que se trata de uma amostra dotada de uma extensa
experiência do ponto de vista da trajetória profissional, reforçando o objetivo de
confrontar a relação contratual PJ com demais formas de inserção no trabalho.
Esse contingente que atua/atuou como autônomo sugere também a forte apro­ Fonte: A pesquisa.
ximação vinculante que existe entre o trabalho PJ e o autônomo, uma vez que a
maior parte dos trabalhadores que se tomaram empresa individual já realizou, em Dentre os indivíduos da pesquisa, pelo menos 80% foram passivos do
algum momento da vida, o trabalho esporádico no modofreelancer. Ressalta-se processo de pejotização, ou seja, foram submetidos à mudança por fatores
que a única diferença esperada entre o PJ e o trabalhador por conta própria é exógenos a seus interesses iniciais, onde 55% constituíram empresa indivi­
o aspecto de constituição de uma firma, onde o primeiro presta serviços como dual quando tiveram seus serviços contratados e 25% já atuavam na empresa
empresa e o segundo (autônomo) atua como pessoa fisica. quando foram submetidos à determinação de se pejotizar. Esse percentual
Quando se considera que todos os respondentes do survey são/foram PJ significativo ratifica as narrativas dos trabalhadores também relatadas em
(ou seja, em. t�se, estão/estiveram na condição de empresário), percebe-se outros pontos da pesquisa a respeito da forma possivelmente discricionária
que a participação de apenas 24,47% se dizendo ser oujá ter sido empresário a que foram submetidos ao trabalho como PJ. Com efeito, os números desse
reforça a existência de uma denegação, deliberada ou não, desse trabalhador contingente reforçam a possibilidade de se tratar de uma determinação ar­
se reconhecer como (micro)empresário. Isso seria uma incoerência do ponto bitrária estabelecida pelo contratante, a despeito de uma forma emancipada
de vista da terminologia e também do discurso hegemônico sobre o empreen­ trazida pela retórica prevalecente do movimento de empresa individual pelas
dedorismo. Ora, se por definição, o PJ é uma empresa, logo, todo PJ é um vias da autonomia profissional ou mesmo de um presumível empoderamento
empresário, o que, pelo menos teoricamente, deveria elevar essa categoria a advindo da capacidade empreendedora subjetiva.
100% de adesão e não apenas a 24,47% como ocorrido. Talvez o princípio Os demais, 14% já haviam constituído PJ antes de receber a proposta
jurídico da primazia da realidade, discutido no capítulo 4, e norteador de de serviço e 6% foram por motivos diversos, tais como "motivação pessoal",
algumas sentenças judiciais favoráveis ao trabalhador, explique esse fenô­ "abri por conta própria", entre outros.
meno. Ou em outras palavras, por conta das condições reais de seu cotidiano A empresa, na sua lógica produtiva e no escopo de suas estratégias, define
laboral (heteronomia, subordinação funcional e estrutural, entre outros), esse áreas e atividades de suas operações que serão ocupadas pela força de trabalho
trabalhador identifica-se de fato como empregado e não como proprietário pejotizada. O achado empírico mostrou que, regra geral, tomar-se empresa
da empresa contratante. individual está condicionado a uma deliberação prévia do contratante, ou
rc.Jv11LJ-\yKv. a e111µresa mmv1aua1 como rorça ae craoamo 155

seja, de uma imposição da empresa respaldada pelas contingências e aspectos Gráfico 23 -Acúmulo de atividades concomitantes com PJ
conjunturais do mercado de trabalho, e não de uma escolha pessoal a partir de
uma detetminação subjetiva do trabalhador. O relato de um dos respondentes Não. Eu trabalho/trabalhava exclusivamente corno PJ 60,22%
nas observações finais do questionário confirma a situação determinada pelo
mercado: "Atualmente, últimos cinco anos, tenho uma empresa com fi.mcio­ Sim. Eu sou/era PJ e empregado em outra empresa 25,81%
1---,---�
nários, mas nos dez anos anteriores fui PJ, de fmma impositiva e era a única
Sim. Eu sou/era PJ e presto/prestava serviços regulares
fonna de estar inserido no mercado de trabalho" (Indivíduo 34). Esse relato como autônomo

evidencia que, em determinado momento da sua vida profissional, esse tra­ Sim. Eu sou/era PJ e pratico/praticava atividades como
5, 8%
balhador, como a maioria dos demais respondentes, encontrou na pejotização empresârio

uma forma de atuação residual, na qual não houve alternativa, onde conseguiu Sim. Eu sou/era PJ e realizo/realizava atividades como
cooperativado 1,08% :
se alocar profissionalmente, a despeito de uma desejável escolha pessoal.
O item "tempo de atuação como PJ" revelou tratar-se de uma amostra Outro (especifique) 1,08 º/�

bastante heterogênea (gráfico 22), o que de certa forma enriquece as colabo­


rações agregadas a esta pesquisa. Fonte: A pesquisa.

Gráfico 22 -Tempo de atuação como PJ


Constituir uma empresa individual a fim de prestar serviços para outra
1 ' empresa ( ou seja, tornar-se PJ), pelo menos de acordo com os números
Acima de 10 anos 18.28% 1 apresentados, sugere não ser uma prática predominantemente voltada a
Entre 5 e 10 anos
' i
19,35%
1 1
atividades eventuais, conforme assinalado pela maioria ( 60,22%) dos
! ! respondentes. Dentre os que afirmaram acnmular a atividade PJ com um
Entre 4 e 5 anos 13,98% emprego efetivo em outra empresa (25,81 % ou 24 respondentes), 66,67%
Entre 3 e 4 anos 6,45% 1
são do sexo masculino, além disso, 75% atuam profissionalmente há mais
1 de 16 anos e 83,34% possuem elevado nível de escolaridade compreen­
Entre 2 e 3 anos 5,38% 1 dido entre especialização (lato sensu), mestrado e doutorado, e 50% de­
1 1 les exerciam suas atividades como PJ por poucos dias da semana, o que
Entre 1 e 2 anos 21,51% 1

Menos de 1 ano 15,05%


1 possibilita considerar a situação de empresa individual como uma forma
de atividade complementar ao vínculo de "carteira assinada" por esses
1 '
indivíduos, supostamente relacionada a áreas de consultoria, assessoria
Fonte; A pesquisa. ou mesmo de formação profissional, por exemplo.
Analisar a percepção de perdas e ganhos na prática da pejotização
O elevado número de trabalhadores que atuam/atuaram como PJ há mais é essencial nesta pesquisa. Por conta disso, foi pedido que apontassem
de cinco anos (37,63%) se destaca, da mesma forma em que os que atuam/ esses aspectos dentro de uma lista de nove opções, onde cada respondente
atuaram há menos de dois anos (36,56%). No entanto, o que se ressalta neste deveria indicar apenas três, graduando aqueles que mais considerassem
item é que, desse contingente que atuam/atuaram há mais de cinco anos, vantajosos/desvantajosos. Embora, a despeito de algumas rejeições em
71,42% o fizeram como forma exclusiva de vínculo, ou seja, enquanto traba­ participar desse item, como o caso de um respondente (Indivíduo 83)
lham/trabalharam como PJ não exercem/exerceram nenhuma outra atividade que alegou ter deixado "a pergunta sobre vantagens em branco porque,
profissional concomitantemente, o que confirma que não se trata de uma ati­ no meu caso, a única vantagem era estar empregado", foi possível est a­
vidade esporádica ou complemento financeiro, mas do único meio de renda belecer um panorama significativo nesse aspecto, conforme os próximos
desses indivíduos. O gráfico 23 a segnir aponta para esse item. gráficos (24 e 25).
.. ,

Gráfico 24-Aspectos percebidos como mais vantajosos na relação PJ usual dessa "flexibilidade" apontada é a possibilidade ou detenninação de 0
trabalhador realizar parte de sua tarefa em seu ambiente domiciliar.
Valor da remuneração mensal 22,14% 1 O item "maior autonomia produtiva e criativa" pode não ser bastante
representativo (16,89%), no entanto, quando observado o seu efeito em con­
Horário mais flexlvel de trabalho 18,01% 1
junto à "possibilidade de trabalhar mais, aumentando os ganhos" (16,14%)
Maior autonomia produtiva e criativa 16,89% 1 representam um contingente expressivo. Essa observação em conjunto sugere
um desejo de desdobramento produtivo (trabalhar mais para ganhar mais) a um
Possibilldade de trabalhar mais, aumentando os ganhos 16,14% 1 senso de compartilhamento do risco do negócio à medida que o pensamento
1
O valor reduzido dos impostos trabalhistas 12,76% 1
prevalecente se transfonna em "tenho autonomia para aumentar meus ganhos".
' Evidentemente tal aumento está diretamente ligado à elevação do lucro do
Capacidade de negociar melhor as condições de trabalho _ 5,07% capital contratante, uma vez que os ganhos individuais dependem diretamente
Não atuar sob a supervisão direta de nenhum chefe 4,69%
dos resultados da grande firma contratante. Nesse sentido, essa autonomia em
questão está ligada à liberdade de cumprimento de jornada a favor de maiores
O falo de não ser empregado celetista

1/o ganhos mensais, o que estaria de acordo com a crítica às fases dos espíritos do
liberdade para rescindir o contrato a qualquer hora �%
capitalismo descritas por Boltanski e Chiapello (2009), uma vez que estabelece
o engajamento produtivo aos moldes cooptativos do "segundo espírito", ao
mesmo tempo em que submete o trabalho aos interesses do capital, conforme
Fonte: A pesquisa. descrito no "terceiro espírito". Os inexpressivos 2,25% que apontaram "o fato
de não ser empregado celetista" também sinalizam a conexão persistente entre
No aspecto vantagem, o item mais apontado foi o valor da remuneração o trabalhador e o formato de contrato regulado e protegido.
mensal obtida (22,14%) 106• Tal percepção pode ser justificada pelo fato de que No aspecto das desvantagens, na questão seguinte, sobressaíram a falta
alguns beneficios advindos do assalariamento são "convertidos" em uma maior de estabilidade e a perda das garantias trabalhistas.
remuneração mensal. Por outro lado, esse fator pode ter se destacado sobre os
demais devido ao seu caráter de atendimento imediato das necessidades dos Gráfico 25 -Aspectos percebidos como mais desvantajosos na relação PJ
indivíduos e por gerar uma sensação instantânea de maior poder aquisitivo. ....... ·- ---· --· • .J -- '

Muitas vezes o argumento persuasivo utilizado pelas firmas sobre o trabalha­ A falta de estabilidade
----�--- ----- ' --�81:38� _ l

dor, com efeito, relaciona-se com o rendimento mensal a ser percebido pelo
l 1
''
- J '
A perda de garantias trabalhistas: férias, 13º, vate
transporte, FGTS etc. . ., ' ... --.. : - !��8-�._ J
profissional por ocasião da migração de empregado para PJ. t - '[
Logo a seguir, ficou a opção pelo horário de trabalho mais flexível assi­ Descartabilidade técnica/profissional
--- ·__l______ ·
. 12,59%
.. l
nalado por 18,01 % dos consultados, o que pode estar relacionado à barganha 1 .: 1
Não ter a carteira assinada 8, 21º/�
.
entre o não cumprimento estrito do horário (através da falta de necessidade de 1-

"bater ponto") e o cumprimento das metas estipuladas. Regra geral, como o PJ A diferença no tratamento que a empresa dá ·aos

.... ____ 7,3io/o-j


efetivos e aos PJ
não é empregado celetista, está dispensado do controle oficial de jornada (seja
O ritmo de trabalho que é muito mais corrido
por relógio de ponto, conh·ole na folha ou mesmo por marcação biométrica, ,,____ .�::_so/�-- J
conforme estabelece a legislação), a despeito da vinculação estrita a uma
agenda de responsabilidades e resultados ao longo da jornada. Outro aspecto
A ausência do coleguismo que existia nas relações
sociais da empresa -�����!
A,em,aecação tolat pois romo PJ acabo gaohaodo --- --- ·;
menos 3 96
__ , o/o1
106 Tomando como princípio que a pejotização se situa em um contexto convergente de elementos tra­ Não ter assistência sindical ou outra -·--,
dicionalmente formais e informais, essa satisfação com a remuneração é coerente. De acordo com representatividade profissional .!.,,!5%
Ulyssea (2006, p. 601), alguns estudos comprovam que "o diferencial de salários pode favorecer os
trabalhadores informais ou que o sinal do mesmo pode variar de acordo com o grupo de trabalhado­ Fonte: A pesquisa.
res que se está analisando".
Como já se poderia esperar, o item mais apontado como desvantagem A questão remuneratória novamente chama a atenção na pesquisa. O item que
percebida na pejotização foi a falta de estabilidade na continuidade da prestação mais se destacou como principal vantagem na pejotização entre os respondentes foi
dos serviços, o que pode estar relacionado à descartabilidade do vínculo, ou seja, a remuneração mensal. No entanto, não se trata de unanimidade. Um trabalhador
a pejotização caracteriza uma condição contratual eminentemente fragilizada. afirma que não percebia essa renda mensal superior: "Eu não ganhava mais por ser
A debilidade contratual reforça a vulnerabilidade do trabalhador frente ao poder de PJ. Apenas me submeti às condições de uma oportunidade. Para virar CLT seria
uso da empresa nesse tipo contratual. Esse aspecto fica ainda mais patente quando uma questão de fazer as contas de salário direto e indireto" (Indivíduo 89). Ou
somado ao fato de que a possibilidade de ser descartado técnica e profissional­ ainda, outro (Indivíduo 71), nos comentários finais do questionário, ponderando
mente significou a terceira grande preocupação desse perfil de trabalhador. Se sobre a falta de aprofundamento sobre a remuneração recebida como item neste
agregados, dada a proximidade analítica entre esses itens, representariam 40,97% instrumento da pesquisa:
de desvantagem. A seguir, com 25,38% está a perda dos direitos trabalhistas tais
como férias remuneradas, 13° salário, FGTS, aviso prévio, vale transporte, entre Acredito que tenha faltado uma pergunta em relação ao valor absoluto da remu­
tantos outros. neração, pois isso te daria uma referência em relação ao tipo de contratação e
Embora tenha se demonstrado a ligação entre o trabalhador e o vinculo ce­ um comparativo em relação ao valor nonnalmente recebido sob essas condições
como CLT (o fator de no mínimo 2x que antes os PJ exigiam não é praticado
letista no aspecto vantagens, o valor simbólico da carteira assinada pareceu não no mercado atual) e isso descaracteriza um pouco esse modelo atualmente.
ser mais tão significativo para muitos desses respondentes, uma vez que apenas
8,27% apontaram essa perda como desvantagem, o que parece ter sido diluído A remuneração certamente ocupa um papel preponderante e, ao mesmo tempo,
e compartilhado com a importância atribuída à privação de direitos e não da polêmico nesse debate. De fato, explorar mais esse fator permitiria observações
obtenção de uma "carteira assinada" agregada a seus atributos de pertencimento convenientes e pormenorizadas a respeito dos rendimentos nos diversos tipos de
moral e social a uma "classe distinta", tal como vinha povoando o imaginário do contratos, viabilizando maiores análises referentes a essa questão, no entanto,
trabalho desde a configurada "cidadania regulada" (SANTOS, 1979). Esse per­ trata-se de u m item muito particular e geralmente de foro confidencial, o que
centual aponta uma tendência ao fato de que não seria necessariamente o estatuto poderia causar ce1to constrangimento e até mesmo inibir no desenvolvimento
do assalariamento como o mais importante e almejado pelo trabalhador, mas das demais questões desse instrumento, por isso, evitou-se explorar aspectos mais
os componentes materiais de uma natureza mais utilitária e funcional advindos específicos sobre remuneração.
dessa condição celetista, tais como mais segurança e continuidade no vínculo, Questionados se trocariam a condição de PJ pelo vínculo empregatício, na
proteção previdenciária e pertencimento ao local de trabalho e, eventualmente, mesma empresa, apesar de sofrer uma perda mensal de 30% sobre os rendimentos
uma remuneração total efetivamente maior, é que representariam os interesses que obtém/obtinha como PJ, 44,68% não aceitariam, enquanto 31,68% afirmaram
atuais, pelo menos, desses trabalhadores inquiridos. que aceitariam a troca.
A respeito do "ambiente de trabalho", percebeu-se uma insatisfação pelo fato Para 23,4%, parcela considerável de indivíduos, essa eventual troca estaria
da perda do engajamento a um espaço de convivência mais regular e de maior condicionada a uma série de fatores, tais como os beneficios atrelados (Indiví­
aproximação entre os trabalhadores, conforme relatado por um respondente nas duos 18, 19, 28, 36, 43 e 90), ou "do plano de cargos e salários" (Indivíduo 15),
observações finais sobre a pesquisa. do perfil do contratante (Indivíduo 41), pois "depende muito, para quem você
presta serviços. Nem sempre é melhor ser PJ" (Indivíduo 85), ou do "momento
Achei interessante a opção sobre o coleguismo. Quando você trabalha dentro financeiro pessoal e momento econômico do país" (Indivíduo 94), ou ainda "se
de uma equipe que se reúne todos os dias, você cria relacionamentos pro­
fundos. Sendo terceirizado, por mais que você conheça mais pessoas, sua o trabalho seria com a mesma carga horária do que quando eu era PJ" (Indivíduo
relação pessoal com elas nunca será a mesma. A coisa que mais gosto como 58). Enfim, a troca leva em consideração a inclusão de demais aspectos, sobre os
free/ancer é trabalhar só o que for necessário, sem ter que ficar fazendo hora quais a pejotização/assalariamento deveriam ser relativizados.
em um lugar só para cumprir uma carga horária (Indivíduo 83). Se considerados os custos do trabalho ainda vigentes apontados por Pastore
(1994a), que chegariam a cerca de 102% além do próprio salário do trabalhador,
Essa narrativa ilustra a perda gradativa dos vínculos pessoais derivada das o "prejuízo" inicial de 30% sobre os rendimentos mensais do trabalhador, pro­
formas diversas de contratos descartáveis promovidos pelas formas fragmentárias posto no questionamento, não equivale às perdas totais sofridas no caso de uma
de relações de trabalho. contratação de PJ em detrimento a um vínculo celetista. Dito de outra forma, em
termos racionais, o PJ deveria receber um valor bem próximo ao dobro do que ele
t't:JV 11LAyAv: a t:Jmprnsa 1nmv1aua1 como mrya utt uaua1110 161

receberia como funcionário, para que a mudança valha a pena financeiramente, Interessante o item "férias" estar entre os benefícios mais comuns
conforme mencionado há pouco pelo Indivíduo 71. concedidos aos trabalhadores (o que fora também reafirmado na pes­
Entretanto, refutando essa lógica, uma parcela expressiva (quase 45%) preferiu quisa realizada pela APinfo citada na seção 2.4.3 .1 (A pejotização frente
permanecer na condição de PJ, o que sugere o engajamento desse contingente ao aos demais regimes do trabalho), u ma vez que se trata de um instituto
modelo, em seu conjunto, demonstrando que há uma significativa parcela desse caracteristicamente celetista e, portanto, a rigor, não careceria ser dis­
perfil de trabalhadores, a despeito das perdas sociais evidenciadas e dos demais
ponibilizado a "empresas prestadoras de serviços". O que importa nesta
prejuízos sociais e financeiros, que efetivamente opta pelo imediatismo remu­
neratório e pela "flexibilidade de .horário" do trabalho pejotizado, ressaltando a observação não é o fato de o trabalhador não ter direito às férias, mas ao
interpretação de que, para muitos deles, a pejotização é uma condição mais do efeito superposto que as empresas estabelecem ao hibridizar trabalho de
que aquiescida, mas satisfatória. Ressalta-se ainda que a população questionada, empregado com o de prestador de serviços. Pereira (2013b, p. 111) em
majoritariamente,já atuou sob a condição celetista, Q que lhes confere uma com­ sua pesquisa específica no ramo de informática, ao analisar os contratos
preensão elaborada sobre as diversas formas de vínculos trabalhistas. estabelecidos entre o PJ e o "cliente-empregador" identificou "cláusulas
Até aqui, o survey concentrou-se em questões sobre a atuação profissional. contratuais bem semelhantes ao contrato de trabalho celetista, como por
Os próximos itens referem-se às condições de trabalho e, nesse sentido, de forma exemplo, um período de aviso prévio para o distrato".
sutil e ponderada, serão considerados os quatro atributos inerentes ao vínculo Esse mesmo efeito ocorre relativamente aos demais benefícios tipica­
trabalhista (onerosidade, pessoalidade, habitualidade e subordinação) discutidos mente conferidos a empregados: plano de saúde, 13 º salário, participação
na seção 4.1 (Justiça e a questão social: aspectos relativos à pejotização) a fim nos lucros e resultados, vale-transporte, entre outros.
de favorecer análises sobre o tratamento dispensado ao indivíduo pejotizado. Do Outra vertente que ressalta à análise é o fato de que, dentre os 97
mesmo modo, essa etapa enseja ressaltar a aproximação que, na prática cotidiana, respondentes, 15 deles se recusaram a responder esse item, número compa­
as empresas estabelecem com seus contratados, salientando um flagrante conflito rativamente elevado se contrastado com o que ocorreu nas demais questões.
entre empregados e pejotizados, numa superposição entre essas formas contratuais.
Esse efeito de rejeição permite supor que o item benefícios não seja visto
Inicialmente, buscou-se levantar indícios da relação matizada entre emprego
e PJ através dos benefícios regularmente conferidos aos trabalhadores, conforme como aspecto que se destaque (positiva ou negativamente) no contexto.
contido no gráfico 26. O pagamento desses complementos remuneratórios oferece pistas
oportunas à compreensão da rotina de trabalho ajustada de um empregado
Gráfico 26 - Benefícios recebidos como PJ
a um PJ. Ora, se há a efetiva necessidade de recompensar seus "prestadores
de serviços" com contrapartidas comuns à de funcionários assalariados,
Participação em festas e eventos 31,96%
evidentemente, h á um elemento estranho na ligação entre as partes, cuja
Plano de saúde � Í28,87% prática empresarial insiste sistematicamente em rejeitar, que é o laço
13° Salário 21,84% distorcido do vínculo de emprego travestido de contratação via empresa
Comissões ou produtividade 24,74% !
individual (PJ).
Refeição (restaurante ou vale) l· 23,71%
Participação lucros/resultados
Além desses benefícios tipicamente celetistas, há ainda aqueles dire­
Vale-transporte tamente ligados à operacionalização das atividades produtivas inerentes
Carro e/ou auxilio oomi,ustível t 13,40% ao cargo. Trata-se de espaço físico, aparelhos telefônicos, computadores
Cesta básica
portáteis, softwares específicos da empresa, carros e treinamentos ade­
Clube social/!azer
quados à sistemática daquela organização. São elementos que pertencem .
Treinamento

Viagens a negôcio
à contratante e que são oferecidos ao trabalhador como aporte à execução
Outros das tarefas, o que caracteriza, conforme já visto, a subordinação estrutural,
Nenhum aspecto tipificador da vinculação empregatícia estabelecida entre empresa e
Recusaram-se a responder 15,46%
trabalhador. O gráfico 27 a seguir ressalta ainda outros elementos relativ os
Fonte: A pesquisa.
a esse tipo de subordinação no trabalho.
t't:Ju 11LAyAu: a empresa 1naiv1d ua1 como rorça ae rraoaino 163

Gráfico 27 - Práticas regulares adotadas ao longo da relação de trabalho PJ aspectos mais recorrentes na consideração pela Justiça do Trabalho, quando
' ' se busca constatar situação fraudulenta contra o vínculo salarial.
Partidpa/participava regularmente de reuniões na empresa 72.04% 1 Outro elemento fundamental na tipificação do "ser empregado" é o crité­
Faz/fazia uso regular de espaço físico da empresa
1 1 1 1 1 1 rio da pessoalidade, muito em voga no trabalho pejotizado ao se conferir que
69,89%
contratante
em caso de qualquer impedimento do profissional executar suas atividades
1 1 1 1 1 1
Apresenta-sefapresentava-se externamente como membro
da equipe da empresa 68,82% profissionais, 68,09% deles não poderiam enviar outra pessoa para realizar
1 .1 1 1 1 1 suas obrigações. Ou seja, trata-se de uma relação direta entre a contratante e
Recebefrecebia melas a serem alcánçadas 67,74% 1 o sujeito específico, evidenciando que nesses casos a impessoalidade neces­
1 1 1 1 1
Utiliza/utilizava computadores, celulares, software ou outro
60,22%
sária à contratação de empresas (individuais) como prestadoras de serviços
. r - -1
recurso tecnológico da empresa
1 1 1 não está ocorrendo. A prestação de serviços de uma empresa a outra deveria
Compartilha/compartilhava atividades semelhantes com
funcionários efetivos da empresa
1 1 1
. 56,99
%
1 estar pautada somente na realização das atividades, sem que houvesse a de­
1 1
terminação de qual trabalhador efetivamente deveria realizar os serviços, tal

I 1
Cumprefcumpria horários estipulados pela empresa '53,76% 1
como deveria ocorrer nos casos de terceirização.
Usa/usava uniformes, crachás ou qualquer forma de
identificação da contratante
1 1
37,:3% 1 A habitualidade, outro fator tipificador do vínculo empregatício é defi­
' '
nido pela prestação de serviços de modo regular e rec01Tente. Assim, o item
Fonte: A pesquisa. relacionado ao nível de frequência dessas atividades descaracteriza o teor
esporádico, oferecendo indícios de um possível vínculo trabalhista na pres­
A participação regular em reuniões, o uso de espaço físico, a apresentação tação de serviços. O gráfico 28 a seguir a respeito da habitualidade reforça
este elemento característico do vínculo trabalhista.
como membro da equipe e o recebimento de metas apontados por cerca de
70% dos respondentes reforçam o aspecto citado da subordinação funcional, o Gráfico 28 - Frequência na realização das atividades como PJ
que parece estar bastante deflagrado como prática pelas empresas individuais,
de acordo com a pesquisa. Além desses, nesse sentido, ainda sobressaíram o
Regularmente, todos os dias da semana 69,15%
exercício de atividades idênticas às de funcionários efetivos (56,99%), a jor­ 1 ' '
nada de trabalho definida pela contratante (53,76%) e o uso de instrumentos Alguns poucos dias da semana 22,34% 1

identificadores como membros da equipe de trabalho (37,63%).


t3/4
'

Uma vez por semana, em mêdia


A prática recorrente de todos esses aspectos apontam, pelo menos de
1

acordo com a amostra analisada, uma certa "naturalização" das transformações Uma vez por quinzena, em mêdia 1,06% '
da relação do emprego "típico", que estaria sob a salvaguarda do Estado e das
'
i
1
Eventualmente 1,06% !
garantias sociais inerentes a esse tipo de contratação de trabalhadores. Essas 1
1
i

práticas notabilizam ainda mais que a firma utiliza a força produtiva como
Fonte: A pesquisa.
empregado, embora contrate como empresa, numa dissimulada contratação
"de empresa para empresa".
Ainda na questão da subordinação funcional no exercício das atividades, Apenas 30% dos questionados afinnaram não trabalhar todos os dias, ou
os respondentes foram questionados se "Na sua prática de trabalho, você se seja, para os demais (quase 70%), o trabalho implica uma atividade cotidiana,
reporta/reportava a algum chefe/supervisor da empresa contratante?", no sem interrupções e pautada na dependência de um serviço regular. Ademais, se
considerado que, conforme mencionado, 60,22% dos respondentes trabalham/
que resultou em 91,49% respondendo sim e apenas 8,51% alegando não se
trabalharam exclusivamente como PJ (sem exercer qualquer outro tipo de trabalho
reportar. Esses números reforçam o teor do altíssimo grau de frequência da concomitantemente), o fa to concorre para reforçar a configuração do eventual vín­
subordinação na prática de trabalho pejotizado. Lembrando que esse é um dos culo empregatício dissimulado. Dentre os 65 indivíduos que afirmaram trabalhar
regularmente (todos os dias da semana), 78% têm/tinham uma situação de trabalho interpretam as formas de se estabelecer diante das relações contratuais.
exclusivamente como PJ, o que reforça a situação vinculante e dependente do O gráfico 30 aponta a semelhança entre a relação PJ e as demais for­
trabalhador ao seu contratante. mas contratuais.
Nesse aspecto das características do reconhecimento dos vinculas entre con­
tratada e contratante, o último elemento é o aspecto remuneratório (onerosidade). Gráfico 30 - Identificação da relação de trabalho
Evidentemente a questão da contraprestação financeira está presente em qualquer PJ com demais formas contratuais
situação de trabalho dentre os questionados. O que ressalta de interessante, no
entanto, é a forma com que isso se dá, ou sejà, os meios que se desenvolvem para ' ' ' '
Dono do próprio negócio 28,26% 1
ajustar aspectos negociáveis do fator remuneração. 1 1 1 '
De acordo com o gráfico 29, majoritariamente (29,79%) a empresa contratante Terceirização 27,17% 1
1 1
é que definiu/define se ou quando deveria haver reajuste. Seguido de uma parcela Emprego com carteira assinada 20,65% 1
(27,66%) que encontrou uma cláusula contratual que previa a forma de reajuste. 1 1
Autônomo (freelancer) 15,22%

Gráfico 29 - Formas de definição da remuneração

1
Trabalho temporário 6,52%. 1

---- �-
Cooperativa
A empresa determina/determinava se/quando haveria l---'---'---'----'--
reajuste
..J 29-_7_9_%-, �
Há/havia uma cláusula contratual que regula/regulava a 1---'---'--..l...
-...l.._...J....-,
Fonte: A pesquisa.
Negocia/negociava periodicamente 22,34%
A questão 25 ("Na sua experiência, a relação de trabalho PJ é mais parecida
Nunca se discutiu sobre o assunto 15,96%
com que outra relação de trabalho?") teve como propósito principal detectar entre
Outro (especifique) os respondentes, como eles assemelham o contrato PJ com outras formas vin­
culantes (dono do próprio negócio, terceirizado, emprego com carteira assinada,
autônomo, trabalho temporário ou cooperativado). De certa forma, houve um
Fonte: A pesquisa.
equilíbrio entre as respostas, embora prevaleça a crença de que ser uma "empresa
individual" esteja muito mais ligada a ser "dono de próprio negócio".
Apenas 22,34% dos respondentes assumiram ter capacidade de ne­ Esse item teve ainda um desdobramento, solicitando que os indivíduos
gociar periodicamente os valores remuneratórios, enquanto para outros explicassem a sua opção, conforme aponta o quadro 5 a seguir.
15,96% nunca sequer discutiram sobre esse aspecto com a contratante. Se
analisados os números dos que apontaram a existência de uma cláusula Quadro 5 - Exemplos de respostas sobre a identificação
contratual que previa a situação de reajustes (27,66%) com aqueles que do trabalho PJ com outras formas contratuais
negociam/negociavam periodicamente (22,34%), conclui-se que a metade
dos respondentes possui/possuía alguma forma de participação na definição Dono do próprio
Terceirlzação Emprego típico (CLT) Autônomo
negócio
dos valores remuneratórios. Isso demonstra a condição de negociação, pelo
menos financeira, alçada por uma parte significativa da amostra. "Sentia.me com as
"Na verdade, meu traba- "Trabalho freelancer
"Você precisa superar mesmas obrigações e
Dentre os que apontaram outras formas, uma consta como ajustes a desafios diários'" (lndivi-
lho na empresa é como
direitos de um emprego
por não ter vínculo com
partir das conquistas sindicais, "Base na Convenção Coletiva de Trabalho" duo 98)
terceirizado" (Individuo
de carteira assinada"
a empresa'" (Individuo
81) 92)
(Indivíduo 16), como afirmou um trabalhador e outro ainda sinalizando (Individuo 100)
uma negociação regular anual, "Mas houve um período que fiquei três "Trabalhar com as "Sou funcionáno com os
"Você administra. todos "Ser flexível para
anos tendo contrato renovado mês a mês ... " (Indivíduo 38). os aspectos de seu
mesmas responsabilida- deveres e obngações de
diferentes relações de
A última etapa do survey referiu-se aos sentidos do trabalho, buscando trabalho" (Individuo 06)
des, porém com menos um CLT, porém sem os
garantias" (Indivíduo 69) benefícios'" (Indivíduo 90) trabalho'" (Individuo 83)
pistas a respeito das diferentes maneiras com que esses trabalhadores
continua...
' �v-,,- 'Y' •-• � v,,,y,vvu "''-'IYIYUCU '-''-'''''-' ,.,,.,.� uv n�vuuov

continuação
.
- Destaca-se no conjunto de respostas ligadas a ser "dono do próprio negócio"
Dono do próprio
negócio
Tercelrlzação Emprego típico (CLT) Autônomo o teor de individualização proposto pelo fenômeno empreendedor e, ao que parece,
"Seus ganhos depen- "Caminho encontrado "A relação de trabalho
introjetado pelo trabalhador, mesmo que em alguns casos a contragosto, ao longo
dem exclusivamente de
"A contratante terceiriza
para redução de custos funcionava por deman- do processo de massificação do empreendedorismo. Gerir o trabalho, emitir nota
o seu trabalho" (lndivi-
sua dedicação e esfor-
duo 80)
pela empresa" (lndivi- da de novos projetos" fiscal, administrar riscos e custos, depender exclusivamente de si mesmo, enfim,
ço" (Indivíduo 35) duo 16) (Indivíduo 23) um conjunto de práticas elaboradas e de natureza empresarial que passam a fazer
"Você.depende de você
"Mesmas obrigações,
"Eu era empregado, parte do contexto do "emprego" reformulado via empreendedorismo.
e paga impostos" (l�di-
porém, com vínculo
mas recebia pela PJ, só
"Você pode ser substi- A vulnerabilidade que marca alguns contratos de trabalho desse tipo está
empregatlclo diferente" tuldo.,: (Individuo 08)
vlduo 85)
(Individuo 40)
isso" (Individuo 59) bem presente nas narrativas de quem associa a pejotização à terceirização. Há um
tom de falta de pertencimento e de assistência, em falas ligadas a trabalhar sem
'Trabalho regular e
ªAssumir riscos, colher .
"Uma empresa contrata . "O trabalho PJ de' ·
diário, remunerado.
integrar a equipe, perda de garantias, representar uma empresajunto a outra sem
outra, terceirização sem veria ser aufonomfa ·, ser nenhuma delas e até mesmo de uma ceita banalização da prática.
resultados quando há ao final do mês, mas
assinar carteira, sem para seus negócios,
planejamento e controle que dá ao empregador Dentre os que confrontaram os traços de PJ com os de empregado "típi co"
beneficias, e sem altos porém não passa de
e colher aprendizado
impostos para contra- um funcionário sem
muita facilidade de estabeleceu-se uma enorme confusão entre o que fora finnado na celebração do
quando nada dá certo" interromper o contrato contrato e a condição fática do trabalho em seu cotidiano. Elementos do tipo
tanta e contratados" beneficias para a
(Individuo 44) sem nenhum ônus"
(Individuo 99) empresa" (Individuo 37)
(Individuo 101)
deveres de um e direitos de outro,fancionário sem beneficias de funcionário,
iniquidade de beneficias entre ocupantes de mesmos cargos, distinção de horá­
"Ao abrir uma firma, o
rios, entre outros aspectos foram utilizados para descrever o imbróglio desse tipo
.
"No caso que eu me
profissional passa a .·
coloco, entendi como a de trabalho. Para um dos respondentes (Indivíduo 38), nas considerações finais
ser um prestador de "No geral, atuo diaria-
terceirização das nego-
serviços, emitindo nota
ciações da empresa que
mente para a empresa, "Você pode ser substi- propostas no questionário individual, a impressão é clara e soa como desabafo:
fiscal e arcando com os não há distinção entre tuido sem garantias e o
represento, otimizando
custos de sua empresa,
assim custos trabalhis-
mim e os demais fun- trabalho pode inexistir PJ na empresa onde trabalhei era um eufemismo, pois sempre nos foi dito
como contratação de
tas que o empregador
cionários, me reporto à de uma hora para que éramos funcionários como todos os outros... Mas na realidade tive
um contador, paga- diretoria diretamente" outra" (lndivlduo42) que amargar 15 anos na justiça do trabalho para ter direitos reconheci­
se compromete ao
menta de tributos, pre- (Individuo 47) dos, A CLT é velha, impõe restrições à contratação, engessa iniciativas!!
formar sua equipe de
vidência privada, entre Extremamente onerosa ... Isso tava entalado!!
vendas" (Individuo 41)
outros" (Individuo 97)
"O PJ assume ativi- E, por último, há os que consideram a pejotização uma vinculação asse­
ªAo criar uma empresa, "O trabalho era igual ao
dadas que pertencem "Trabalho por projeto,
você quem define qual o
a algo maior e não a
dos funcionários, porém
por encomenda" (lndi-
melhada ao trabalho autônomo, quando foram utilizados termos correlatos a
seu segmento de negá-
atividade fim" (Indivíduo
com remuneração dife-
vlduo 21) trabalho descartável, sem vínculo,jlexível do ponto de vista da adaptação ao
cio" (Individuo 43) rente" (Individuo 20)
29) tipo de trabalho, contratos por demanda, "uma única maneira de se éontratar
"A minha única relação sem assumir encargos trabalhistas", conforme argumento de um respondente
"Receber um único ren- "Na grande maioria das
dimento e dividir entre:
"na área de tecnologia
vezes somente mudava
direta com a empresa (Indivíduo 60), Ressalta-se que o trabalho autônomo é marcado exatamente pela
transporte, alimentação,
o PJ é uma forma de
a forma de contratação
contratante era a remu- ausência da subordinação e da continuidade do trabalho, o que, conforme visto,
contratar com menor neração que eu recebia não ocorre na pejotização.
férias, décimo terceiro e todo o resto era igual ao
tributação para o contra- pelo trabalho efetuado,
outros benefícios" (lndi-
lante" (Individuo 07)
dos profissionais CLr
nada mais'' (Individuo As questões 22, 23 e 24 do survey pediram para os respondentes resumirem
vlduo 66) (Individuo 04) em poucas palavras as suas interpretações a respeito de três vias distintas de inser­
53)
"Tenho que cumprir os ção no trabalho: "ser trabalhador PJ", "ser empregado de carteira assinada" e de
"Posso determinar em "Trabalhar dentro de mesmos horários dos "É uma maneira de se "ser empreendedor" 107, respectivamente. A fim de permitir uma melhor análise,
que trabalhar, quando, uma firma, sem fazer empregados efetivos, contratar sem assumir
como é por qual valor" parte dela" (Individuo mas não tenho os encargos trabalhistas" 107 Nessas questões, optou-se por desprezar outras formas de inserção no trabalho (estágio acadêmi-
(Indivíduo 67) 76) mesmos beneficias" (Individuo 60) co-profissional, trabalho voluntário, sem carteira assinada, cooperativado etc.), a fim de oferecer um
(Individuo 26) foco comparativo maior às condições mais expressivas no âmbito desta pesquisa: o PJ, o contrato
típico e o empreendedorismo.
Fonte: A pesquisa.
optou-se por desagregar as respostas a partir da conjugação entre as informações notar pela recorrência dos termos "liberdade", "livre", "independência". O que
obtidas das questões 02 e 11. Da segunda pergunta do questionário ( Você trabalha pode estar ligado ao fato de que a "estabilidade" do emprego e das "garantias",
oujá trabalhou como Pessoa Jurídica (PJ) prestando serviços regulares a alguma conforme apontadas no item seguinte (ser empregado de carteira assinada), per­
empresa?), extraiu-se somente as respostas positivas, ou seja, de indivíduos que mita um olhar para a condição PJ como "bico". No quesito "ser empreendedor"
confirmaram que ainda atuam como PJ, a fim de fornecer urna opinião sobre algo prevaleceu a noção de que o "risco" e a "independência" estão tão presentes no
que está em curso atualmente, ou seja, a atuação como PJ. Já da décima primeira empreendedorismo, quanto no modelo PJ, evidenciando uma similaridade diante
questão (Enquanto atua/atuou como PJ, você acumula/acumulou sua atuação da percepção desse perfil de trabalhador questionado.
profissional com outra forma de regime de trabalho?), levantou-se somente as Buscou-se também desagregar as respostas através de levantamento dos
respostas dos indivíduos que são ou foram empregados e PJ em outra empresa. respondentes que se sentiram incitados a se tomar empresa individual, a fim de
Essa separação evidencia algumas tendências mais representativas, como seguem também transcrever as suas interpretações sobre o "trabalho PJ", o "assalaria­
as nove respostas resultantes dessa combinação reunidas no quadro 6. mento" e "ser empreendedor". 1\s respostas encontram-se no quadro 7 a seguir.
Quadro 6 - Considerações dos trabalhadores que atuam concomitantemente como
Quadro 7 - Narrativas de trabalhadores considerados impelidos a se tornar PJ
PJ e celetistas sobre o '�trabalho PJ", o "assalariamento" e "ser empreendedor" a respeito do "trabalho PJ", do "assalariamento" e de "ser empreendedor"
P22: P23: P24: P23:
Indivíduo n'
Na sua opinião, em Na sua opinião, em poucas Na sua opinião, em P22: P24:
Na sua opinião, em poucas
poucas palavras, ser palavras, ser empregado de poucas palavras, ser em- Na sua opinião, em poucas Na sua opinião, em poucas
Indivíduo nº palavras, ser empregado
trabalhador PJ significa•.. carteira assinada, significa... preendedor, significa... palavras, ser trabalhador palavras, ser empreende-
de carteira assinada,
"Em muitas circunstâncias PJ significa ... dor, significa...
''Atualmente uma forma que significa...
60 significa a precarização do "Garantia de direitos sociais" os contratantes adotam para "Enorme responsabilidade e por
trabalho" eliminar direitos trabalhistas" "Ser controlado financeiramente, "Ter os direitos básicos de um
66 para programar todos os direitos" trabalhador"
um longo período não ter vida
própria"
21 "Diminuição de impostos" "Estabilidade" "Correr riscos positivos e .
negativos" "Trabalhar de forma regular, "Buscar seu melhor, com grande
13 "Emissor de notas fiscais"
tendo felicidade ou não" dificuldade"
"Independência criativa "Correr riscos, mas se
64 "Limitação profissional" "Atuar como um funcionário "Uma grande oportunidade de
intelectual e profissional' orgulhar do resultado" "Maior estabilidade financeira e
45 ceie tista sem qualquer direito
direi/os assegurados"
crescer profissionalmente e se
"Liberdade de horário, que lhe é devido" consolidar no mercado�
14 'Estabilidade" "Independência"
qualidade de vida"
82 "Instabilidade" "Estabilidade" "Um sonho"
78 "Ter uma rotina de trabalho
"Ganhar mais" "Ser mais independente" 33
"Se adaptar às más regras de "Um modelo engessado pelo "Um desafio constante contra o
fixa" impostos do governo" governo" governo"

"Melhoria da condição de "Garantia dos direitos advindos "Independência pessoal e


"Ter maior autonomia e 22 "Ter mais autonomia" "Ter mais estabilidade"
da CLT e maior segurança financeira"
61 remuneração e diminuição responsabilidade sobre o
da carga tributária" quanto a estabilidade do "Uma liberdade de movimenta- "Uma segurança de recebimen- "Um sonho, que quando funcio-
seu futuro" 53 tos de benefícios"
emprego" ção entre trabalhos" na, traz liberdade"
54 "Livre" "Preso" "Novos horizontes" "Estabilidade e direitos assegu- "Autonomia, liberdade, instabili-
27 "Maior salário, sem benefícios"
rados" dade e insegurança"
"Estar preso a um sistema
84 "Liberdade" "Lutar, buscar e seguir em "Direitos trabalhistas, trabalho "Empreendedorismo, iniciativa,
antigo e inadequado aos dias 23 "Autonomia e disciplina"
frente sempre" formar ousadia"
de hoje"
"Ter um salário mensal mais alto, "Garantia de emprego e
95 "Liberdade de atuação" "Restrições da classe" "Risco e benefícios" 26 mas perder alguns benefícios" benefícios"
"Trabalho mais árduo"

Fonte: A pesquisa. "Autonomia, porém existe um "Audácia, liberdade e planeja-


69 desgaste maior"
"Dependência" menta"
Particularmente, para esses que atuam concomitantemente como PJ e como 80 "Flexibilidade" "Garantias" "Falta de opção"
empregados celetistas em alguma empresa, há uma prevalência da percepção 98 "Se reinventar todos os dias" "Cumprir normativas e regras" "Arriscar e desenvolver ideias"
de que ser PJ está ligado a urna possibilidade de emancipação, o que se pode Fonte: A pesquisa.
, ,_.,v,,�ynv. u "'''1-''"'"ª 111u1v1uua1 vu,11v ''-''Y" .. ,.. ........,.,,.. "'
Essa análise reuniu algumas impressões daqueles que tendem a preferir o
exclusivamente pejotizado s e os que atuam como PJ de forma complementar.
vínculo salarial "típico" como forma de inserção no trabalho. Nesse conjunto,
Os que atuavam somente como PJ demonstraram-se mais esquivos e, por
as respostas sobre "ser trabalhador PJ", embora destaquem alguns episódios
conseguinte, mais cautelosos com a pesquisa. Já os que acumulam PJ com
"emancipadores", realçaram a situação de atomicidade e vulnerabilidade
demais regimes contratuais tiveram uma tendência de maior transigência e
social vivida pelo trabalhador que precisa constituir empresa para se alocar
espontaneidade com a pesquisa.
profissionalmente. Entre os termos utilizados, embora tangenciem a autono­
Se, de fato, isso é assim, tal constatação permite a observação feita
mia, reafirmam a cobrança como empresa, a perda de direitos e a exploração
inicialmente de que ser pejotizado ainda abriga a noção da transgressão, da
pelas vias da empregabilidade.
marginalidade, fiuto talvez dos persistentes valores anaigados do projeto de
Garantias e estabilidade permearam os argumentos sobre "ser empregado sociedade salarial e da "cidadania regulada" elaborada por Santos (1979) e
de carteira assinada", a fim de "ter os direitos básicos de um. trabalhador" reinterpretada por Cardoso (201O) sob o contexto das desigualdades seculares
(Indivíduo 66). Nesse item, os trabalhadores demonstraram sua preferência da sociedade do trabalho no Brasil.
pelo vínculo celetista, embora, em alguns casos, surjam lamentos do tipo Do ponto de vista da forma de se tornar empresa individual, destacou­
"modelo engessado pelo governo" e da "dependência", contrários ao modelo -se a condição impositiva por parte da contratante sobre o trabalhador na
contratual de assalariamento típico. proposição de se tornar um PJ a fim de continuar ou passar a oferecer seus
Ao que parece, "ser empreendedor" constitui o imaginário de muitos tra­ serviços à contratante. Nesse aspecto, embora o ethos empreendedor possa
balhadores, de acordo com a pesquisa. A associação à "liberdade" (Indivíduos exercer influência na migração do status de empregado assalariado a empresa
05, 17, 19, 27, 28, 31, 38, 53, 55, 58, 59 e 69) à "independência" (Indivíduos individual, esse fator não parece ter sido decisivo, pois houve, majoritaria­
14, 22, 78 e 101) e à realização do "sonho" (Indivíduos 52, 53, 56, 59 e 68), mente, uma determinação sobre a qual o trabalhador teve de se ajustar, ou
a despeito do reconhecimento sobre o "trabalho árduo" (Indivíduo 26) e de seja, a migração foi, na trajetória da maioria dos respondentes, impositiva.
"não ter vida própria" (Indivíduos 66), demonstram que há um desejo ligado Essa constatação, no entanto, não chega a refutar os valores relacionados
a esse status no horizonte de expectativas de muitos desses trabalhadores. à condição de empreendedor, ainda persistentes nessa coletividade analisada.
Os argumentos ligados à perspectiva de se tomar "dono do próprio negócio",
5.3 Survey: considerações gerais não se pode afirmar se por méritos do empreendedorismo ou pela condição
também vulnerabilizada do assalariamento, evidenciam esse aspecto híbrido
A realização de uma pesquisa de campo através do envio do questionário da interpretação do trabalho social pelos sujeitos submetidos à pejotização.
para levantamento (survey) de alguns aspectos sobre a pejotização constituiu­ O capítulo seguinte, última parte da pesquisa empírica, ocupa um papel
-se um item relevante _na promoção de um melhor entendimento sobre o tema. central na investigação de esclarecimentos no sentido de buscar, diretamente
Esta etapa ilustrou alguns aspectos bastante significativos relacionados à atu­ de alguns dos protagonistas dessa prática, elementos que favoreçam uma
ação profissional como PJ, às condições de trabalho e aos sentidos atribuídos melhor compreensão sobre seus efeitos e percepções.
ao trabalho.
De modo geral, de certa forma, o comportamento dos respondentes
da pesquisa distinguiu-se de acordo com os tipos relacionados à prática da
pejotização: os ainda atuantes como PJ e aqueles que já atuaram, os inician­
tes como empresa individual e os "microempresários" experientes, os que
possuem menor nível de escolaridade e os mais escolarizados, e, sobretudo,
aqueles que atuam exclusivamente como PJ e os que compartilham provisória
ou temporariamente essa forma de atuação com outros regimes contratuais.
Esse último fator, relativo à atuação concomitante de empresa in­
dividual com outra forma contratual, evidenciou uma distinção entre os
CAPÍTULO 6
ENTREVISTAS: narrativas sobre a prática
do "emprego" como empresa individual

Por último, e a partir do survey, foram identificados cinco trabalhadores


cujas experiências retratavam o quadro geral da atuação via empresa individual,
a fim de realizar uma entrevista em profundidade com cada um deles (por
cerca de 60 minutos), de modo que permitiu inferir aspectos da pejotização
como produto das transformações em curso no mundo do trabalho, a partir
da perspectiva do próprio trabal.hador.
A pesquisa qualitativa através de entrevistas em profundidade oferece
maior capacidade de aproximação à experiência vivida pelos atores sociais
em questão, viabilizando um aporte ilustrativo ideal à proposta global desta
investigação. Partiu-se da concepção de que a técnica survey atrelada a en­
trevistas enriqueceria ainda mais o corpus da pesquisa, uma vez que esse
levantamento permite a compreensão do que fora quantificado do fenômeno.
A entrevista em profundidade pode ser vista como uma das principais
técnicas, senão a mais apropriada, para fins heurísticos no âmbito da pesquisa
qualitativa. Por isso, adotou-se essa prática como fen-amental metodológico
adequado, em complementaridade com as técnicas anteriormente apresen­
tadas. Ademais, essa técnica oferece um aporte das experiências, valores,
memórias, considerações, símbolos e ideias extraídos diretamente daquele
que vivenciou o que se busca, pe1mitindo uma validação ainda mais ajustada
aos propósitos investigativos.
Ao longo da realização das entrevistas, buscou-se pennitir um espaço mais
propício às nan-ativas de cada indivíduo, evitando, ao máximo, intervenções
do entrevistador e incentivando o fluxo de desenvolvimento das respostas.
Na maior parte do conteúdo, esquivou-se, também, da publicação dos nomes
de empresas e de pessoas citadas pelos entrevistados.
As entrevistas foram realizadas com cinco trabalhadores que atuam/
atuaram de forma pejotizada, através de amostragem intencional, uma vez
que os sujeitos analisados não foram selecionados casualmente. Com a fala
desses entrevistados, busca-se oferecer um aporte qualitativo minimamente
suficiente para a ilustração e confrontação das suposições levantadas e dos
objetivos propostos, sobretudo quando complementadas pelas demais pesquisas
apresentadas. Assim, o universo inicial desta fase da pesquisa é a amostra uti­
lizada no survey tratado no capítulo anterior. Ou seja, a população considerada
174 ,- L.VVI ,...,.,yr,v. a "'"'t-''"'"ª UIUIVIUUal l,UIIIU IU"yº ,.......... .,..... ,.., ""

para efeitos da entrevista foi o conjunto de respondentes ao questionário, uma utilizadas, a fim de que se obtenha algum nível de representatividade
vez que aquele instrumento serviu de fonte para a seleção dos indivíduos a dos respondentes através dessa técnica investigativa.
serem entrevistados.
Os critérios utilizados para a definição dos entrevistados foram: Trata-se de profissionais com perfis socioprodutivos diversos e que, jus­
tamente por isso, permitem diferentes perspectivas e realidades condicionadas
i) além do fato de trabalhar atualmente oujá ter trabalhado como em­ pela prática do trabalho através da empresa individual.
presa individual, estar atuando ou já ter atuado profissionalmente, Buscou-se uma autocompreensão individual de suas trajetórias ocupacio­
também, através do chamado contrato típico de trabalho ("carteira nais, que possibilite a análise longitudinal retrospectiva proposta, uma vez que
assinada"), ou seja, optou-se por aqueles trabalhadores que conhecem se almeja compreender a situação profissional do trabalhador em momentos
pelo menos esses dois modelos de contrato de trabalho, a fim de e condições distintas, o que justifica o critério da escolha de trabalhadores
estabelecer uma observação comparativa temporal e circunstancial que, além de empresa individual, tenham atuado também como celetistas.
de cada tipo de relação; Isso objetivou identificar como o trabalhador interpreta sua condição de ce­
ii) aproveitou-se ainda o questionário para inserir uma pergunta sobre letista e, em seu outro momento, quais são suas percepções a respeito de ser
a aceitação do indivíduo em uma eventual entrevista ("questão n º "pejotizado", de forma que evidencie o "tempo como elemento endógeno"
27 - Você aceitaria participar de uma entrevista pessoalmente, (CARDOSO, 2000, p. 229) a esse processo analisado.
por cerca de 45 minutos, e com gravação de áudio e devidamente O modelo de entrevista foi o semiestruturado, uma vez que esse tipo
agendada, a respeito da sua experiência como trabalhador PJ?"). oferece uma diretriz mínima durante o processo de interlocução, pennitindo
uma condução mais apropriada ao longo do contato com cada entrevistado
Sendo assim, em atendimento aos dois critérios iniciais, dos 97 respon­ e, ao mesmo tempo, flexibilidade para abertura de novos espaços e frentes
dentes, 58 concordaram em participar da entrevista e 87 atuam/atuaram como a explorar ao longo do transcurso da nmrntiva individual. Foram elaboradas
empregados efetivos. Desses, 54 satisfizeram, em comum, os dois critérios. cerca de dez perguntas previamente definidas, a fim de nortear a interlocução.
Ainda como aspecto de elegibilidade à entrevista, foi utilizado, A partir de cada resposta, incidiam novas questões, proporcionando melhores
esclarecimentos e aprofundamento em cada tópico. Os eixos temáticos que
iii) dentre esses 54 que se situavam nos dois critérios anteriores, foram nortearam a estrutura das entrevistas foram: i) a trajetória profissional; ii)
definidos os seguintes elementos de representatividade: as circtmstâncias da transformação em PJ, bem como a (re)conversão em
a) um jovem profissional em fase inicial de carreira (menos de cinco assalariado (quando foi o caso); iii) aspectos profissionais/pessoais, compa­
anos de atividade profissional); rativamente, mais valorizados na condição de PJ; e por último, iv) a leitura
b) um indivíduo com ampla experiência profissional, a fim de extrair­ que o indivíduo tem sobre a prática de pejotização no mercado de trabalho.
-lhe interpretações de caráter mais longitudinais que se refiram às Algumas perguntas, geralmente aquelas não estruturadas, tiveram sua
transformações do trabalho; ordem cronológica alterada por ocasião da transcrição, a fim de concentrar a
c) um indivíduo que exerça atividade profissional repetitiva, típicas abordagem temática em um mesmo bloco de narrativa.
do modelo produtivo fordista, cuja exigência do mercado não seja Todos os cinco indivíduos entrevistados foram representados por duas
necessariamente o elevado nível de instrução; letras do alfabeto (AL, JB, MJ, DR e AC), a fim de preservar suas identidades.
d) um indivíduo com elevado nível de formação acadêmica e pro­ A primeira entrevista analisada foi realizada com o produtor de audio­
fissional; e, por último, visual AL, de 25 anos de idade e ocupa, nessa investigação, o espaço reser­
e) um indivíduo que represente o perfil mais comum, predominante, vado ao perfil de um jovem em fase inicial de carreira (menos de cinco anos·
dentre a população levantada: homem (67,01 %) na faixa etária de 36 de atividade profissional). A próxima foi realizada com um trabalhador que
a 45 anos (35,05%), que não atua mais como PJ (64,95%) e possui possui extensa experiência profissional, a fim de lhe extrair interpretações
entre 21 a 30 anos (31,91 %) de experiência profissional, conside­ de caráter mais longitudinais que se refiram às transfonnações do trabalho
rando todo o tempo de trabalho, conforme as variáveis quantificáveis e, nesse propósito, a interlocução se deu com o fotógrafo JB, de 62 anos de
"º t'CJVI 1�yr,v. (l c;1111-11c;;;,a UIUIVIUUOII uv.. ,v '"'Y- -- ., ___,.,_

idade e mais de 30 anos de serviços prestados; a terceira foi com a costureira só para cumprir uma carga horária". A respeito do empreendedorismo em voga,
MJ, de 48 anos de idade, MEI há quase dois anos, representando aqui um afirma não reconhecer o sentido utilizado para o termo, confonne, por exemplo,
indivíduo que exerça atividades profissionais repetitivas, típicas do modelo regularmente encontrado nos anúncios de recrutamento de trabalhadores.
produtivo fordista, cuja exigência do mercado não seja necessariamente o
alto grau de instrução; na sequência, buscando inserir um perfil com elevado Entrevistador: Boa tarde, você é um jovem profissional praticamente ini­
ciando carreira, queria que você falasse um pouco da sua transição de
nível de formação acadêmica e ampla experiência profissional, desenvolveu­ estudante a trabalhador, da sua breve trajetória profissional.
-se uma conversa com o executivo DR, de cerca de 60 anos de idade; e, por
último, a entrevista foi realizada com o corretor de seguros AC, de 42 anos, AL: Eu comecei numa escola. técnica. Eu sempre fui muito disper­
por se enquadrar no que se objetivava como um indivíduo que tivesse um so, sempre tive déficit de atenção e tudo mais, aí minha mãe me
perfil modal dentre a população levantada no survey. colocou numa escola técnica porque achava que pelo menos eu
Ressalta-se que além dos comentários ao longo das narrativas de cada iria terminar o ensino médio e ter uma profissão e eu fui fazer
Informática, que foi a primeira coisa que veio à cabeça. E quando
indivíduo, a seção 6.6 (Entrevistas: considerações gerais à luz do debate eu estava no último ano do ensino médio, a minha primeira rela­
apresentado) abordará um panorama global acerca das cinco entrevistas que ção com o mercado de trabalho foi um estágio para pegar o diplo­
seguem, dispostas cada uma em partes distintas. ma. Era o que eu precisava fazer. Eu ganhava R$400, não era bem
aquilo que eu queria e tal. Pulei para outro estágio e também não
foi muito legal e eu fui parar numa empresa pública, não como
6.1 Entrevista 1: a empresa individual absoluta no ramo da concursado, mas como terceirizado, isso em 2011. E aí eu fiquei
produção de audiovisual um ano e meio lá nessa empresa com uma tarefa totalmente buro­
crática, também nada a ver com a minha personalidade. Só que,
"Aí eu não sei cofno que tá sendo o uso dessa palavra empre­ com o dinheiro que eu lava ganhando lá eu me senti incentivado a
endedor, o que isso tá significando na prática. Eu tomo isso procurar uma faculdade, para tentar alguma coisa mais na minha
como um discurso de 'oh, trabalhe mais, vista a camisa'. Por área que tivesse mais a ver comigo e aí eu me interessei por um
quê? Porque isso é mais interessante para a empresa". curso de Publicidade e Propaganda. Não sabia, não tinha muita
noção do mercado como era. Entrei na Publicidade e lá eu comecei
a conhecer pessoas que gostavam de cinema, gostavam de coisas
AL é um jovem profissional de 25 anos de idade. Atuante na área de pro­ parecidas com as que eu gostava. Comecei a trabalhar com cria­
dução de audiovisual, ele se define como um videomaker, pois atualmente tem tividade e vi que eu tinha um futuro mais na área de audiovisual.
se concentrado na filmagem e edição de material publicitário para televisão e E aí o meu primeiro estágio ainda durante a faculdade na minha
internet. Apesar de sua breve experiência profissional (inferior a cinco anos), área atual foi na Folha Dirigida. Eu fui editar vídeos e filmar. Lá
foi uma experiência bem legal, foi bem bacana. Depois da Folha
AL é detentor de uma trajetória diversa no que se refere às formas contratuais. Dirigida, eu fiquei um ano e meio lá, depois eu fui pra um.a produ­
Ele iniciou como estagiário, mas já foi celetista, temporário, autônomo e PJ, o tora perto da minha casa e também entrei como estagiário e depois
que lhe conferiu uma percepção bastante abrangente a respeito das relações de de um ano eles me contrataram e foi o meu primeiro CLT na minha
trabalho. Seu posicionamento é marcadamente favorável à atuação profissional área. Eu fiquei nessa empresa até o final da faculdade. Eu já tava
como empresa individual, pelo menos na sua área, por conta das peculiarida­ um pouco insatisfeito com esse emprego, mas esse emprego nessa
produtora foi muito bom para mim profissionalmente. Eu aprendi
des contratuais no ramo de produção de audiovisual, desde que seja através muita coisa, tudo mais, mas acho que na minha área acaba que te�
da prestação de serviços eventuais, ou seja, sem a rigidez da jornada análoga uma dinâmica muito de estagiários, tem muitas empresas que a di­
ao vínculo celetista e que a remuneração seja condizente com a supressão de nâmica delas é por conta de estagiários, que é uma distorção, mas
todos os beneficios que estariam atrelados ao contrato regular de emprego. enfim... eu acho que não me sinto ofendido por ter alcançado um
certo nível profissional e vi um estagiário fazer algum trabalho e
Cadastrado como MEI, ele considera a pejotização muito parecida com atender empresas, porque se o cara atende à demanda da empresa,
o trabalho autônomo, uma vez que é "flexível para diferentes relações de tra­ beleza... Tem que evoluir para um certo patamar.
balho" e, nessa forma de prestação de seus serviços, valoriza muito o fato de Nessa empresa já era CLT. Só que uma boa parte das produtoras
"trabalhar só o que for necessário, sem ter que ficar fazendo hora em um lugar de audiovisuais eu acho que são empresas muito pequenas, né ...
se você não é uma gigante como a Emissora A [falou o nome da o acesso conquistado pelas anw1ciantes trazido pelo advento e fortalecimento
empresa], eu acho que só essa e a outra [falou o nome da. outra da internet como canal de mídia junto ao grande público, expandiu a comuni­
empresa] dá pra se dizer que são empresas realmente grandes. cação das empresas de menor porte e, com isso, ampliou também a entrada dos
Você tem várias áreas [no audiovisual], não há uma grande deman­
da por formação acadêmica. Muitos não são formados, não há exi­ trabalhadores "informais" nas empresas menores, o que antes era exclusivo das
gência, mas eu considero uma boa experiência a faculdade porque grandes companhias. Com esses "infmmais", evidentemente, o segmento se
na minha concepção tem coisas que você não sabe, mas que você estendeu sobre as microunidades produtivas que se ajustaram ao MEL
precisa aprender. Na faculdade, eles te forçam a aprender algumas
coisas que eu acho importante para a sua formação. E é um merca­ Entrevistador: Você disse que quem ocupa essefilão geralmente é alguém
do bem bagunçado porque você não tem muitas empresas que têm do setor informal. Que informalidade é essa, quais características eles
muitos funcionários. As maiores produtoras audiovisuais têm três têm de informal?
ou quatro funcionários, e aí eles pegam uinà produção de um mi­
lhão de reais, filmes, por exemplo, e contratam equipes para fazer AL: Não tem sindicato, não tem tabela. Você tem até uma indústria mais
essa demanda. formalizada no cinema porque você tem sindicato de Câmeras, por
[ ...] exemplo, sindicato de Operadores de Áudio, você tem um piso sa­
Geralmente comercial de TV agora é muito internet. O que acon­ larial para ele. As grandes produções geralmente procuram respei­
teceu agora na área, assim, depois que veio a internet e o YouTube tar isso minimamente. Só que quando você vai para o mercado onde
é que você conseguiu baratear o custo de produção, então hoje em você diminui muito a equipe, o mesmo cara que faz a câmera ele faz
dia você tem câmeras que filmam com bastante qualidade e tal e a luz, ele faz o áudio e ele edita. E você não tem uma formalização
é mais fácil você usar. Então você também consegue que pessoas sobre quanto que esse cara deveria cobrar. E você ainda tem um
mais de entrada consigam produzir bons filmes. Isso no mercado agravante, que esse cara ainda tem os equipamentos necessários,
abriu espaço para empresas menores, contratarem serviços audio­ ele tem os meios para produzir aquilo.
visuais, porque agora elas têm onde veicular. Então uma empresa
na década de 90 só se interessava em fazer um vídeo para veicular A informalidade é vista sob a perspectiva da desregulamentação e do
se fosse na TV, hoje em dia você tem internet. Então você pode desamparo da representatividade de classe. A "fo1malização", no contexto,
veicular um vídeo comercial publicitário na internet gastando desde
zero até gastando o quanto ela estiver disposta a divulgar aquilo. E é interpretada a partir do alcance da atuação dos sindicatos, mas não neces­
isso cresceu e quem atendeu a essa demanda foi o mercado mais sariamente no aspecto da mobilização e resistência do trabalho organizado.
informal, porque antigamente as pessoas faziam produções de, sei O parâmetro do campo de visão sobre a representação profissional se dá a
lá, a partir de sessenta, R$70.000,00 e hoje em dia, você, com uma partir da regulação da prestação de serviços. Assim, no âmbito do trabalho
equipe extremamente reduzida, você consegue fazer um bom vídeo individualizado, fragmentado e, por isso, desarticulado, o sindicato ocupa
publicitário por R$5.000,00 pra botar na internet. apenas um espaço de arbítrio sobre o mercado de consumo, nas regulações
da esfera competitiva, e não sobre o mercado de trabalho, como era de se
As contratações nessa área de atividade ocorrem usualmente por projetos, esperar de um ente representante de classe.
ou seja, à medida que surgem novas demandas de serviços, o que configura Um outro reflexo dessa individualização ou fragmentação profissional
o campo de atuação da produção audiovisual perfeitamente ajustável aos presente na sua nairntiva reporta-se à constituição de uma empresa individual
propósitos da organização de um trabalho identificado às formas diversas de com todo seu aparato tecnológico produtivo, não restringindo à execução
contratação, como se vê. AL evidencia em sua fala, sua visão de "distorção" somente, mas em sua capacidade produtiva plena dos meios de produção: o
sobre a banalização e exploração contidas nas relações de trabalho em sua área próprio indivíduo e suas ferramentas.
de atuação, como o uso irrestrito de estagiários em atividades de profissionais
formados. Só nesse ramo de atividade, exerceu atividades sob diversas formas Entrevistador: Então, esse indivíduo é uma empresa?
contratuais. Essa característica toma a dinâmica do setor muito mais propícia
AL: Exatamente, isso é muito comum, extremamente comum na área
à pejotização e a alocação da força de trabalho à mercê do contratante. de audiovisual agora com a internet. Em casamentos já rolava isso,
Outro ponto marcadamente interessante nesse contexto foi a "democratiza­ uma das maiores oportunidades... eu não tô muito nessa área, mas
ção publicitária" tanto de produção quanto de veiculação de campanhas, ou seja, eu Sei que é uma das maiores áreas para profissionais autônomos
com equipamentos que têm uma empresa, muitas vezes têm marca, difícil pra quem tem um trabalho que demanda mais tempo.
outras vezes usam só mais o nome pessoal mesmo, então uma área Atualmente, um dos problemas de CLT é que, por ter uma lei traba­
bem grande. As pessoas ganham bastante dinheiro com isso. lhista muito rígida, acaba que o empregador acaba tendo um pouco
de medo de te dar um salário mais alto, ainda mais nessa área que o
Ao longo de sua fala, AL evidencia a sua percepção sobre a pejotização cara... imagina, ele sustentar uma folha salarial hoje nesse mês ele
pode conseguir sustentar perfeitamente, no mês seguinte pode ser
entre as diversas formas de contratação. No caso do autônomo que presta que não tenha demanda, não tenha trabalho e não pode demitir por­
serviços esporádicos, ele chama de freelancer e o trabalhador vinculado à que é CLT. Na CLT, o custo para manter regularmente é muito alto
jornada diária e metas produtivas, é o empregado. AL repudia a possibilidade e aí o que aconteceu foi que eu fui atraído pelo mercadoji-ee/ancer
de retornar à condição de empregado celetista e sua atuação como empresa mais pelo seguinte: uma diária de um freelancer assim muito, muito
por baixo mesmo era de R$500,00 e eu ganhava R$1.500,00 por
individual lhe assegura o atendimento formal da emissão das notas fiscais
mês para trabalhar 40 horas semanais. Então você fica nesse ra­
(leia-se "receber pelo serviço prestado"). E nesse espectrnde descontentamento ciocínio... No começo eu tentei fazer os dois. O dono da produtora,
contratual, desconsidera a eventualidade de vir a atuar sob a condição de um eu era chegado a ele, a gente se dava bem. Eu tentava pegar uma
trabalho subordinado e continuado, em uma mesma empresa, ou seja, como diária defreelancer, ia e fazia ... Aí voltava, mas aí começou a não
empregado. Essa ruptura com o modelo salarial ficou bem evidente também dar muito certo essa dinâmica. Ele começou a reclamar e aí eu tive
que tomar uma decisão entrefreelancer total ou ficar no fixo e aí eu
entre os mais jovens que responderam ao survey, discutido no capítulo anterior. tava numa assim: cara, se eu pegasse o preço dessa minha diária em
um ano, eu precisaria trabalhar um mês para ganhar o que eu ganho
Entrevistador: É muito comum também um celetista migrar para essa hoje como CLT, entendeu? É mas aí, é mais arriscado. Mas eu acho
área, por exemplo? É muito ambicionado isso de o cara querer trabalhar que o risco valia a pena, entendeu? E o que aconteceu foi que no
por conta própria? final de 2015, por muita sorte, eu comecei a fazer muito trabalho
para o Comitê Olímpico, organizador dos jogos, e eles realmen­
AL: Eu não sei na verdade o que gera essa dinâmica, mas a minha expe­ te tinham uma demanda muito grande. Eles tentaram me contratar
riência pessoal é de que na empresa que eu trabalhava, ela pode ter como CLT depois que eu saí da produtora e fui trabalhar só com
muitas demandas, já em um determinado mês pode não ter, porque eles. Tentaram, mas aí eles tinham um problema de logística que
não é como uma empresa que vende um produto simples, que você eles tinham um teto lá dentro pra me pagar e esse teto seria ok se eu
vende e vai ter sempre mais ou menos uma demanda regular que não tivesse que entrar com meus equipamentos e eles não podiam
pode variar. Pode ter vez que a empresa pode ter dois meses que mais. Eles já estavam numa situação muito difícil para fazer um in­
a empresa não vai pegar um vídeo para produzir, entendeu? E aí vestimento de R$30.000,00, por exemplo, precisam de computador
como é que você paga uma estrutura grande de funcionários? Ao potente, precisam de câmera. Mas pra CLT nem sei se tem como
mesmo tempo em que é uma área lucrativa, se você não tiver mui­ fazer isso, uma pessoa montar sua própria estrutura e atuar como
tos clientes... a rotatividade dela é muito baixa. CLT. Acabou que nem eu dei muita ideia pra isso, eu achei que não
valia muito a pena.
Entrevistador: Então, você compreende o caso de uma empresa que não
assina carteira, por exemplo, e contrata de umaforma alternativa?
Interessante notar que, a respeito dessas condições de trabalho em unidades
AL: Algumas funções eu acho que não, mas elas se adaptam perfei­ produtivas muito reduzidas, subjacente ao seu discurso, há uma apreensão dos
tamente. Edição de vídeo, por exemplo. O editor é o profissional desafios e limites da prática empreendedora. É como se, dadas as condições
que trabalha por mais tempo. Você pega um filme que foi rodado de proximidade física, afetiva e talvez até mesmo financeira, contratado e
em dois dias, o editor vai trabalhar duas semanas com esse filme. contratante rompessem a distância regularmente estabelecida entre patrões
Então, isso permite que ele seja um CLT. Porque também imagina a
cabeça de um editor... ele vai pegar trabalho que vai envolver duas e empregados e ali, naquele espaço entre as pequenas unidades produtivas e
semanas. E se durante essas duas semanas surgir um outro trabalho seus trabalhadores, então, compartilhassem melhor das respectivas condições
que ele também não vai poder pegar porque ele tá nessas duas se­ sociais e econômicas, assim como se estabelece uma certa condescendência
manas. Ele pode ficar depois um mês sem pegar trabalho nenhum. entre essas partes em momentos adversos. Essa percepção do entrevistado está
Depois pegar um trabalho de um mês. É mais difícil do que alguém presente em diversos momentos de sua fala, como, por exemplo, quando ele
que trabalha com câmera ou uma coisa que é mais diária. É mais
. -y�. ,� 'Y' ''-'• .... ,.,,,,.,, ......... UIUIVIUUCII 1,,VIIIV ,u, ya uv ll<;:IUCIIIIU
183

traz a figura do patrão como acessível e mais um integrante da "equipe" de muito mais controlada financeiramente. E assim, ele assume esse risco do
trabalho. Ele não constrói o patrão (microempresário) a partir de uma figura "negócio" de sua força de trabalho.
antagônica no espaço da luta de classes, o que se poderia supor, dadas as
condições adversas do assalariamento, mas de mais um trabalhador dotado Entrevistador: E como é quefica a questão orçamentária desse indivíduo,
de condições sociais similares à sua. Diferentemente do que possa ocorrer no no mês a mês? As contas chegam regularmente. Como é que você, por
caso das relações estabelecidas entre o trabalhador e as grandes corporações, exemplo, consegue administrar isso?
como presente na sua narrativa.
AL: Então, para mim é fácil porque eu ainda moro com os meus pais. Eu
Sua inserção como MEI foi coroada por uma contratação que lhe propor­ ainda tô tentando ver se consigo me estabilizar com essa realidade
cionou frutos rentáveis, permitindo-lhe um aprovisionamento financeiro por deji-ee/ance,: Se eu vou conseguir ter bastante cliente e tudo mais,
pelo menos dois anos, segundo sua previsão. Isso evidentemente contribuiu a partir daí eu vou tentar calcular uma média de quanto eu posso
em muito para uma percepção positiva a respeito.da empresa individual e, ao gastar, mas eu acho que o segredo é você viver sempre com um
mesmo tempo, colaborou com seu afastamento da condição de assalariado. mínimo possível. Só realmente dar um passo maior se você sabe
que vai poder manter aquilo durante um tempo. E eu tenho uma or­
Entrevistador: E aí, como ficou a contratação? ganização, por morar com meus pais, mas eu tenho outras despesas,
e eu ajudo eles. A minha estratégia é ter sempre uma reserva de seis
AL: Aí eles contratavam por diárias. A gente estipulava um valor pra meses. Qualquer dinheiro que entra, vai para essa reserva. Passou
essa diária e determinavam um prazo pra eles usarem e eles iam o valor da reserva, aí eu tenho uma estratégia de dividir entre pou­
usando... "Ah chega aqui que a gente precisa disso", aí, ia pingan­ pança, investimentos e luxo, as extravagâncias [risos]. 10% eu dou
do ... Acabou que a demanda foi realmente bem grande. Eu trabalha­ pro luxo, 50% eu reinvisto no meu dinheiro imediatamente e 40%
va quase como um CLT, ainda bem! Porque acabou me rendendo eu boto na poupança. Eu tô com uma reserva boa.
uma boa reserva de grana e foi assim bem bizarro, porque em um
ano eu ganhei mais do que eu tinha ganhado em toda minha vida
trabalhando, sabe? A sua interpretação sobre o trabalho e a obtenção de renda não passa neces­
Uma coisa que eu tô passando a aceitar mais agora, mas eu tentei sariamente pela aquisição de um salário mensal, modelo de ceita fo1ma conven­
não aceitar, aquilo que é uma coisa que para alguns sim, mas para cionado na sociedade moderna de produção e consumo. Trata-se de um padrão
a maioria não, é que não existe muita prospecção de clientes. Não de renda incerto, imprevisível, baseado na obtenção de contratos de serviços que
adianta muito você correr atrás de cliente. Ele tem que vir pra você,
podem ocorrer ou não. Essas flutuações financeiras requerem a necessidade da
sabe? E você saber aceitar isso, sabe? E esperar sair ... Eu tô hoje
dois meses sem trabalho. Como é que fica a cabeça da pessoa, sabe? gestão do h·abalho como um negócio e AL se ajustou bem a esse modelo.
Tu pensa que vai dar certo, não vai dar certo ... pode ser que na se­
mana que vem eu esteja atolado de trabalho, até recusando trabalho, Entrevistador: É comum nesse segmento, ao invés de recusar contratos,
entrando três ao mesmo tempo... Mas eu acho que é uma questão usar a estratégia de subcontratar alguém para ganhar alguma coisa em
de você ter paciência. E quando eu lembro quanto eu poderia tá cima? Existe isso nesse mercado?
ganhando como CLT, eu falo, cara, é muito melhor estar assim.
Mesmo com essa flutuação toda. Eu posso me dedicar esse tempo a AL: A minha dinâmica é assim, às vezes eu pego clientes que eles con­
estudar, a ler e fazer outras atividades. tratam serviço de gravação e edição. Edição é algo que é mais ma­
leável. Então assim se eu tiver muito ocupado com o projeto, se eu
posso trabalhar 14 horas por dia, posso trabalhar 18 horas por dia
A racionalidade desponta e AL se toma uma empresa individual. Com para conseguir entregar aqueles projetos no prazo se tiver prazo.
seus ônus e bônus, esse trabalhador é seduzido pelo modelo que o toma mais Eu às vezes, desenrolo um prazo maior, posso trabalhar domingo.
propício ao risco produtivo e à insegurança financeira sob as intempéries do O que você não consegue administrar é a gravação porque se você
mercado, uma vez que não se pode ter certeza das demandas por serviços, tá gravando um dia não tem como você tá no mesmo lugar um dia
sobretudo pelo fato de que nesse ramo de audiovisual não há o estímulo ao e isso eu consigo terceirizar bastante. Geralmente, o meu tipo de
consumo provocado pelo produtor, conforme disse, como se apresenta comu­ trabalho não tem muita equipe. Geralmente é o cara com a câmera.
mente em tantos outros setores. Seus clientes, diferentemente do consumidor Geralmente sou eu e minha câmera. Então, eu tenho uma rede de
contatos de amigos também que a gente tá sempre passando um
comum, são empresas que atuam, também, sob uma racionalidade, porém,
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para o outro essa demanda, então já passei várias vezes a demanda delas serem assim, porque temos problemas sociais muito graves,
de gravar e eu edito, e vice-versa. de exploração do trabalho mesmo, mas acredito que elas precisam
dar uma dinamizada por elas ao atenderem as pessoas no mercado
As redes sociais que se estabelecem e a forma de subcontratação consen­ como eu, deixam muitas pessoas fora do mercado formal de traba­
tida, e até mesmo necessária, nas regras do jogo desse mercado assumem um lho, então elas não conseguem entra,; não conseguem se formalizar.
Às vezes tem demandas para trabalhos menores e você não consegue
viés colaborativo, e não de subsunção, relativo a um tipo de solidariedade onde preencher porque você não tem como formalizar aquela pessoa. E eu
os indivíduos complementam-se mutuamente em alguns contratos maiores acho que acaba sendo um pouco disso na minha área. Saiu agora uma
ou em momentos de grande demanda. nova lei que todo vídeo. publicitário pela internet vai ter que pagar
uma taxa de condecine 108 que é R$300,00. Isso numa produção que
Entrevistador: De fato, é um segmento bem peculiar. Mas, como é que você ganha mil, R$2.000,00 eu acho que é muito dinheiro. Então
você se tornou PJ? você vai ter que repassar isso. Assim, a dinâmica do MEi, eu acho ela
interessante porque geralmente são profissionais que não têm uma
AL: Uma coisa muito comum na minha área é o MEi, tem CNPJ e pode estrutura grande. Apesar de eles se identificarem como empresários,
emitir nota. E a única razão das pessoas fazerem MEi é para que elas não têm uma estrutura de contador, não tem uma estrutura que real­
possam emitir nota fiscal, a nota carioca, que a maior parte das em­ mente suporte algo muito burocrático. Eu gosto da lei do MEi, eu
presas aceita. E eu tive essa demanda porque o Comitê precisava que acho que ela atende bem, porém eu acho que o valor é muito peque­
emitisse. No começo, eles fizeram alguns pagamentos como um RPA no, pelo menos para minha área. Eu acho que o ideal seria se você
(recibo de pagamento a autônomo), você não precisa ter o imposto pudesse, desse valor de R$60.000,00, por exemplo, fosse tido pro
retido na fonte, tudo mais, só que eles não podem fazer muitas vezes líquido. Você tem essa diferenciação. Se você pudesse comprovar
seguidas esse tipo de pagamento. Eles têm um limite e aí tiveram que que você teve despesas, esse valor poderia ir aumentando, né?
me c?1_1tratar como MEi. E aí eu fiz o MEi, foi muito tranquilo, passei
[ ...]
a emtttr nota, pago eu acho que hoje tá R$55 por mês.
[ ... ]
O ji·eelancer recebe por MEi, ele emite uma nota fiscal. Existe tam­ O trabalhador é convicto de sua posição preferencial pelo trabalho por
bém pagar por fora, que aí, nem é RPA, nem é MEi. É na mão conta própria e reconhece uma necessidade de relativizar os formatos contra­
mesmo e a empresa deve ter algum jeito de contabilizar isso. Mas tuais, vendo o MEi, nesse ponto, com ressalvas, como um caminho de atuação
geralmente são valores menores. profissional adequadamente alternativo ao emprego. E isso é um fato ao qual
ele já se considera estar ajustado.
Nesse ponto, sob a fala de AL, fica evidente que o papel do MEi, no seu
circuito produtivo, é apenas legitimar as transações comerciais estabelecidas. Entrevistador: Você acha que esse modelo de contratação de pessoal pode
De fato, o que se reafirma, é que o alcance do MEi não mudou necessaria­ se tornar uma prática muito mais comum do que o emprego assalariado?
mente o horizonte de expectativas dos indivíduos, pelo menos no aspecto das
condições de trabalho. Do ponto de vista da pejotização, a instituição desse AL: Isso realmente eu não sei. Porque é assim, na minha área só funcio-
formato de mkrounidades produtivas apenas reconfigurou uma forma legal e na assim. A maior parte é assim. É uma tendência? Não! Isso para
mim já é a realidade,já é. Só as empresas grandes como a Emissora
necessária para viabilizar as transações realizadas "de empresa para empresa", [falou o nome da empresa] é que são obrigadas, porque você tem
no âmbito das estratégias dos indivíduos, caracterizando apenas um trunfo o Ministério do Trabalho mais presente ali, porque é mais fácil de
dessa prestação de serviços nas questões contratuais. Isso, efetivamente, re­ fiscalizar. A gente tá falando da Emissora [falou o nome da empresa
sultou em um efeito ambíguo, que foi, por um lado, a formalização do "por novamente], a gente não tá falando da produtora do fulaninho que
conta própria" e, por outro, a precarização dos postos formais existentes. abriu no fundo do quintal dele. Isso é mais difícil de fiscalizar. Eu
acho que quando você cria muitas regras, você acaba prejudicando
Entrevistador: Como disse, você éjovem, iniciando a carreira, apesar de
já ter tanta história para conta,; o que você acha do mercado de trabalho 108 O condecine é um tributo criado pela Lei n' 12.485/2011, que alterou a Medida Provisória n'. 2.228-
que está encontrando? O que espera dos rumos das relações de trabalho? 1/2001, ao inserir entre os fatos geradores "a prestação de serviços que se utilizem de meios que
possam, efetiva ou potencialmente, distribuir conteúdos audiovisuais nos termos da lei que dispõe
sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado. Fonte: Ancine (Agência Nacional do
AL: Eu acho que a gente tem um mercado muito restrito aqui no Brasil. Cinema). Disponlvel em: <http://sad.ancine.gov.br/sacs/cobrancasContribuinte/faq.seam;jsessioni­
As leis trabalhistas são muito pesadas mesmo, porque eu entendo d•531 BCAD986287A41A6ECE2AA346E69F6>. Acesso em: 02jul. 2017.
o carinha do fundo de quintal. Para mim, realmente, é uma coisa Então imagina uma pessoa com mais idade, sem acesso ... ela
que já é realidade. não tem a menor condição de negociar de igual pra igual com o
Eu acho que o trabalhador ele é muito frágil nesse ponto de vista patrão dela. Mas ao mesmo tempo você tem outras pessoas que
[das relações trabalhistas]. Então ele se sente coagido a não fazer tem poderes para negociar, mas a lei não permite. O discurso
isso, porque senão el� vai ficar sem emprego. Como que ele vai de um Estado que controla todas relações é bem legal e tal, que
peitar o patrão dele? E difícil isso, ainda mais em empresas gran­ provém mais pro trabalhador, que dá mais poder a ele é bacana,
des. Nessa outra empresa onde eu fui trabalhar eu lava todo dia mas a gente tá numa economia que é global, se o país dele não se
trabalhando com o dono da empresa. Eu podia reclamar de salário, mantém competitivo, não vai ter emprego, se não tiver emprego,
poderia reclamar da carga horária, ele lava ali, ele era aberto a meu como é que você vai ficar?
ver. E nesse caso eu gostaria de ter uma legislação que pudesse
abrir mais para negociação. Sei lá, se eu pudesse ter uma participa­ Dessa vez, a afiliação sindical surge como ponto de fragilidade da repre­
ção nos lucros maior, se ele se sentisse triai_S seguro de fazer outras sentatividade do trabalho organizado. A desfiliação sindical e as manobras de
formas de pagamento que não pelo salário, porque eu sei que tem
uma série de coisas que podem entrar e isso tem que agregar ao desvinculação são percebidas como mecanismos estratégicos das empresas
salário depois de um tempo ... no sentido de descumprimento de direitos específicos da categoria, como a
jornada de trabalho reduzida, e até mesmo o piso salarial diferenciado. Não
O engajamento à empresa individual, no seu caso, se deu por conta da há uma identificação, tampouco uma percepção no sentido de proteção ad­
"rigidez" da legislação, uma vez que supre uma demanda real diante das vinda dessas entidades de classe. A fala de AL vai ao encontro do discurso
condições do mercado e do segmento em questão. No entanto, ele refuta da flexibilidade de direitos, senão, o país "não se mantém competitivo", mas
a pejotização no sentido de substituição de mão de obra fixa e desregula­ sem a perda total da regulação do Estado que "provém mais pro trabalhador".
mentada. Ao mesmo tempo, legitima a contratação da empresa individual,
Entrevistador: Então você é bemfavorável a uma permissão, uma liberdade
reconhecendo e lamentando a desproteção e a vulnerabilidade conferida pela de negociar tudo isso?
condição fragmentada inerente à pejotização. Esse engajamento à pejotização
retorna, então, sob o viés da necessidade de flexibilização trabalhista, uma AL: Eu acho que somente com uma discussão mais ampla no sentido
vez que há uma crença de que esse efeito possa lhe garantir melhores condi­ de que são vários tópicos, então não é só mudar para rasgar todas
ções na prestação de serviços e assim, a contratação via pejotização se torna as coisas como elas funcionam agora e cmneçar do zero, mas você
aprimorar, você pensar em todos os casos e você ter principalmente
compreendida e legitimada como modelo adequado diante das imprecisões e
muita fiscalização para saber se aquilo está sendo atendido.
dificuldades patentes na sociedade. Eu sou um pouco cético com essa coisa de você regulamentar de­
mais porque as brechas são enormes e as coisas continuam ... não
Entrevistador: No que diz respeito às relações de trabalho. como você sei se é uma coisa da nossa cultura de aproveitar essas brechas ou
imagina que serão as formas de contratação do trabalhador? se é uma tendência ou a ordem natural das coisas, mas sempre vão
achar uma brecha, entendeu? Então existe a CLT pra esses casos
AL: Não sei, porque eu acreditava muito nessa questão de sindicatos. que eu falo. Já me chamaram pra trabalhar para fazer ... e o salário
Eles que poderiam fazer esse papel de intermediador, de até que era ainda era R$5.000,00 e a empresa tem demanda, ela tem de­
ponto você pode fazer ou não, mas eu acho que talvez não funcione manda para te contratar como CLT exatamente que é o limite anual
muito. Eu nunca me senti representado nesses sindicatos até porque do MEi um contrato que a empresa tem demanda, mas ela não quer
nos empregos que eu tive, não fui eu que escolhi o sindicato. Não ficar comprometida. E você sabe que se você entrar nessa é, um dos
funciona essa dinâmica. Eles colocam em qualquer sindicato. Aí sentidos é que eles vão querer fazer você trabalhar 12 horas por dia,
tá dentro de um ramo que não faço a menor ideia de como é que que eles vão querer te fazer trabalhar fim de semana, que eles vão
funciona, por falta de infonnação mesmo. Isso porque eu procuro querer que você não tenha recursos para questionar lá na frente.
algumas coisas, entendeu, eu não sou uma pessoa totalmente igno­
rante nesse assunto, mas eu imagino que a maior parte das pessoas
não têm um mínimo de acesso à informação. Eu sou jovem, eu AL recebeu uma proposta de se pejotizar como MEI, onde atuaria em
acesso a internet, eu escuto podcast sobre esses sistemas, eu acom­ tempo integral numa empresa sob condições de trabalho idênticas a um em­
panho noticiário e mesmo assim eu não tenho muita informação. pregado celetista. Mas recusou porque sabia que teria uma jornada, para ele
"extenuante" e o que ganharia (R$5.000,00), que era o teto mensal de receita muito maior porque trabalha mais horas do que o teu colega que
não pode. Você acaba viciando todo mundo.
desse formato jurídico, não compensaria. Ele admite o rigor da legislação
que pesa sobre o contratante, mas também pontua sua insatisfação com o
Nesse momento, retoma o lamento à subserviência do trabalhador e a situação
regime salarial, não se identifica com a condição subjugada do emprego,
dele com a usurpação elaborada pelo patrão. A perplexidade deAL demonstra sua
sobretudo nas grandes empresas onde não há acesso ao diálogo direto entre
insatisfação com as condições gerais as quais são submetidos os trabalhadores como
patrão e empregado.
empregados. Seu desagrado com essa forma de coerção exercida pela empresa
Entrevistador: A brecha que uma micro ou pequena empresa teria, a sobre os funcionários, que se submetem passivamente a essa situação, oferecem
grande empresa também tiraria provE?ito disso, até mesmo porque ela tem pistas sobre sua interpretação a respeito das condições do emprego. A competição
capacidade de ter ce/etistas, não? interna, em nome da produtividade e o apelo ao engajamento sem retomo reforçam
ainda mais essa sensação de menosprezo pelo contrato assalariado.
AL: Eu acho que o que tinha que acontecer era mais uma conscientiza­
ção. E eu acho que isso é um movimento meio perigoso que eu vejo Entrevistador: Quer dizer, nesse caso, a empresa força uma competição
acontecer. A gente dá uma supervalorização pros nossos empregos, interna, entre os próprios trabalhadores...
claro, é o que mantém a gente vivo, mas a gente tá idolatrando o
empreendedor e empresário e essas pessoas só estão interessadas AL: O nosso sistema de trabalho é muito voltado para... o único bem
em lucro. Não é o que vai te prover uma boa qualidade vida. Eu que a gente entrega, a exceção de casos como eu que às vezes eu
acho que o que acontece, principalmente na minha área, ela lida vou filmar, então como posso trabalhar com mais equipamentos,
muito com paixão. As pessoas gostam de fazer audiovisual. Elas tem bens materiais que eu posso usar naquele trabalho, na maior
acabam se empolgando e trabalhando mais do que está previsto, parte dos trabalhos hoje, o único bem que você coloca na mesa é
entendeu? Então, por exemplo, o limite é oito horas por dia. Tem o tempo. Assim, quanto custa oito horas do meu dia? Se você der
muita gente que extrapola esse limite e muitas vezes também não mais, você tá entregando mais do que você está recebendo eu acho
é só o empregador que tá querendo isso. Às vezes a pessoa mesmo isso uma dinâmica muito preocupante, porque eu vejo isso muito
trabalha mais. Eu acho que falta consciência das pessoas, uma au­ comum, muito comum mesmo. Ainda mais na minha área. O em­
togestão mesmo para que horas extras não existam, para que elas pregador não quer saber de você trabalhar menos e é isso que eu
não façam e se fizerem, cobrem e que não se permitam explorar acho engraçado, porque você fazer uma hora extra é muito comum,
também. Mas eu acho que se todos fizessem isso o mercado seria ninguém fala nada, mas na hora que eu preciso tirar um dia não dá.
mais saudável. Mas eu entendo que é muito difícil fazer isso quan­ Eu acho que para mim, pelo menos, é uma das maiores vantagens
do você é o lado fraco da história. Eu já trabalhei, eu tive uma ex­ que eu encontrei em ser free/ancer, que é você receber por aqui­
periência como temporário em uma grande Emissora de TV [falou lo que você trabalha. Ah, você quer mesmo que eu venha amanhã
o nome da empresa] no início do ano. Era CLT, mas temporário, para fazer esse vídeo? Beleza! Vou cobrar mais, vai ser X. Então
fiquei quatro meses e vi lá dentro que as pessoas fazem hora extra eu vou trabalhar sábado, vou trabalhar domingo, vou trabalhar fe­
e aí reclamam... Enquanto eu entrei lá como temporário e não tinha riado, beleza! Eu tô recebendo por aquilo ali. O que eu percebia na
um objetivo de ficar lá dentro, eu falei, cara, eu não vou fazer hora Emissora fia/ou o nome da empresa novamente], por exemplo, em
extra. Eu não vou fazer. Deu minha hora, eu vou "meter o pé", por­ dezembro eles deram quatro dias para as pessoas. Ah legal, deram
que eu sei que não vão me pagar mais um centavo por causa disso, e quatro dias úteis e no carnaval a metade trabalhou durante carnaval.
ç problema não é se eu tô tranquilo em fazer uma hora extra, sabe? Tudo bem, se você chegasse pro cara e perguntasse "olha, você topa
As vezes até estava tranquilo, não tava fazendo nada em casa e po­ tirar quatro dias agora no natal e trabalhar no carnaval?", aí "topo,
deria ficar. O problema é que eu acabo viciando o mercado e o meu é interessante para mim porque não curto muito carnaval mesmo,
companheiro que tá do meu lado às vezes ele não pode, porque ele ou no natal quero viajar mesmo, alguma coisa fora do feriado", mas
tem filho, porque ele tem que resolver alguma outra coisa, ele tem não existe essa opção. É uma imposição.
outro trabalho, ele não pode ficar ali até mais tarde, sabe?
Isso é muito mais um desrespeito à categoria. A mim, não, porque
se eu quiser fazer, beleza, é um problema meu, é uma coisa minha, Esse argumento reitera a sua insatisfação com o emprego vinculado, onde
mas o problema são essas duas questões, quando parte de cima, do as condições contratuais se dão a partir do ponto de vista e interesses exclu­
empregador que te ameaça, te coage a ficar mais tempo e o problema sivos da empresa, o que ocorre, por exemplo, em questões remuneratórias,
também lá com teus companheiros. Você vai ter um desempenho mas também nos sistemas de compensação de horas extras, ou seja, através
dos bancos de horas, quando existem. Nesse caso, AL sente uma espécie de coletivas, mas também sobre as relações sociais cotidianas. Além disso, res­
poder de negociação, uma impressão de heteronomia produtiva encontrada salta a questão da vulnerabilidade contratual, uma vez que no formato PJ, o
na pejotizaçãoljreelancer, o que lhe soa de forma bastante positiva frente à trabalhador está muito mais exposto a uma exclusão da lista de "prestadores
condição de empregado celetista. de serviços", do que estaria na condição de empregado. Embora ressalte a
salutar possibilidade de rompimento, ou seja, tanto uma parte quanto a outra
Entrevistador: Você está abordando agora essa questão do respeito a podem encerrar a vinculação com mais praticidade.
si mesmo e ao coletivo, o que me lembrou de algo que foi ressaltado na
realização do survey, que foi o lamento pela ausência do coleguismo na Entrevistador: A estabilidade do vínculo, então, é mais fi'ágil dos dois
condição de trabalho pejotizado. Como é que isso ocorre na pejotização? lados, é isso? Por qualquer motivo esses vínculos podem se rompei: Já
no emprego, não. Tem a questão dos direitos...
AL: Isso tem mais a ver com o fato de você ser homework do que traba-
lhar no ambiente físico numa mesma sala com outras pessoas, por­ AL: É simplesmente porque o emprego fixo ele rouba o seu tempo intei­
que como você tá todo dia vendo alguém, você desenvolve relações ro, então você não desenvolve outras atividades. Trabalhando oito
pessoais muito mais fortes do que se você vê de vez em quando. É horas por dia, cinco dias da semana. O que eu vou fazer além disso?
o meu trabalho no Comitê Olímpico, eu só ia lá de vez em quando, Fora o tempo de deslocamento e tudo mais. Então, você não tem
ia lá às vezes resolver algum documento, para uma reunião e ficava perspectiva. Você largar o emprego é uma decisão muito importan­
a semana inteira sem ir e só ia para as gravações. Na minha área é te. Se você é um PJ e você atende um cliente, por mais que ele tenha
legal porque, como eu trabalho gravando, eu tô sempre em lugares uma boa demanda, você tem outras coisas para fazer, você pode
diferentes, sempre conhecendo pessoas diferentes e isso é ótimo. chutar o balde e falar "não, não tá mais interessante para mim e eu
Mas se eu fosse só editor de vídeo, por exemplo, ia passar o dia in­ vou meter o pé sem ressentimento com ninguém".
teiro dentro de casa. Mas eu não sei se é esse sentido de coleguismo Nesse aspecto se você tem uma carteira de cliente fixo e não tem
que você tá querendo saber. um cliente fixo e toda tua renda depende só desse cliente, porque
Eu acho que quando você é um PJ você tem que jogar um jogo polí­ aí, para mim, já muda a relação. Aí, para mim, já é uma relação que
tico muito maior mesmo dentro de uma empresa que tu tá prestando deveria ser de emprego fixo.
serviços. Então porque se você gerar um desconforto com alguém
você pode simplesmente no dia seguinte nunca mais ser chamado
pra trabalhar em nada, você não tem nenhuma garantia, os laços De acordo com a sua narrativa, é possível supor que a "confusão", ou
são bemfi'ágeis, descartáveis. Então você tem que estar oferecendo seja, a imprecisão entre as formas contratuais de trabalho se dá à medida que
um trabalho muito bom o tempo todo e se não as pessoas podem o PJ se aproxima do "carteira assinada" no sentido do cumprimento da carga
simplesmente te descartar. Quando você é CLT, você aceita mais horária e da submissão contratual, mas, por outra ve1tente, há uma identifi­
um desconforto com alguém, algum problema pessoal com outra cação com o freelancer no aspecto dos altos e baixos ganhos produtivos e,
pessoa você aceita melhor isso, porque é mais difícil pra você ser
mandado embora. E eu acho que você, não sei se tô fazendo um por conseguinte, financeiros.
julgamento de valor, não sei se é melhor ou pior, porque quando eu A sua fácil adaptação às contingências financeiras, enquanto a intolerância
vejo um ambiente tão viciado como o da Emissora [falou o nome da às condições degradantes do emprego o conduz a uma atuação de modo muito
empresa] que eu experimentei, eu vejo pessoas lá trabalhando dez determinado como ME!, onde consegue se ajustar sem muitas dificuldades.
anos no mesmo lugar fazendo a mesma coisa e reclamando do che­
fe, reclamando da hora e reclamando de não sei o quê, reclamando Entrevistador: Se o PJ tem todas as suasfichas apostadas num cliente só,
de tudo e reclamando de todos e não tomando nenhuma atitude, en­ ele acaba se colocando numa condição similar a de empregado?
tendeu? E eu acho que esse mercado de PJ é mais dinâmico também
no sentido de que, cara, se eu tô de saco cheio desse cliente, eu meto AL: Sim, ele fica muito dependente daquela relação. E aí, é mais fácil
o pé e vou para outro cliente, entendeu? de ele ser abusado nessa relação, porque ele depende daquilo. Acho
que é isso, oferta e demanda. Então se a empresa sente que não
A individualização que vem sendo discutida até aqui está ligada às ques­ depende muito de você, você vai embora. Você tem que saber até
tões contratuais. No entanto, há uma desvinculação no que se refere à sociabi­ onde dá para ir. Eu acho que o problema da CLT não permite que
essa corda se estique muito. Você precisa trabalhar oito horas por
lidade entre os trabalhadores, o que se repercute sobre as representatividades dia e cinco dias por semana, o modelo é aquele e acabou.
Entrevistador: Há pouco tempo, você estavafalando sobre o empreende­ existir, mas se você tá agindo como CLT pra prestar serviços pon­
dor e o patrão. Você acha que, de certa forma, as pessoas agora estão tuais para a empresa, então a empresa tem a demanda de vídeos,
se sentindo obrigadas a se tornar empreendedoras? Em algum momento tem a demanda pra atender. Sei lá ... a empresa precisa de um eletri­
você vê na pejotização uma forma de trabalho empreendedor? cista para consertar alguma coisa, e o cara vai lá e ele é uma pessoa
física, ele não tem uma estrutura de empresa, porém ele precisa de
AL: Sim, na própria empresa que eu trabalhava como CLT, esse dis­ clientes, ele precisa manter os equipamentos dele. Ele precisa saber
curso de ter que ser empreendedor tomou conta. E a maior parte conciliar os horários, então, sim, isso estimula o empreendedoris­
das empresas onde eu vejo vagas na área de_ comunicação, eu tô mo nesse sentido, mas é isso. Por isso que eu acho que o ME! é le­
falando de comunicação no geral, não necessariamente audiovisual, gal, ele estimula o microempreendedorismo individual. O problema
pode ser designer para trabalhar em agência, é sempre "procuramos é quando isso é confundido legalmente.
pessoas com espírito empreendedor", sempre _iss_o. Aí eu não sei
como que tá sendo o uso dessa palavra empreehded01; o que isso Nessa fala a respeito da sua ligação com o assalariamento, além de
tá significando na prática. Eu tomo isso como um discurso de "oh,
trabalhe mais, vista a camisa". Por quê? Porque isso é mais inte­
reafirmar sua crítica ao caráter fraudulento da pejotização, o trabalhador re­
ressante para a empresa. Porque se a empresa crescer, você acha força sua percepção sobre a ideologia empreendedora sob um ponto de vista
que vai crescer junto e geralmente isso não vem. Geralmente é um crítico, ressaltando a distinção do discurso presente na grande empresa, cujo
discurso mais de exploração mesmo, o que eu sinto, na questão de argumento persuasivo melhor elaborado remete a um maior comprometimento
comportamento. Agora, na questão contratual, se as empresas estão com os resultados da empresa, num sistema de cooptação ideológica do tra­
contratando mais CLT ou menos, aí eu realmente não sei. balhador. E ainda, reitera seu posicionamento a respeito da distinção entre o
Tinha nessa empresa um grande incentivo para que você criasse coisas
que pudessem fazer dinheiro para eles. Então que você tivesse ideias de assalariamento, a atuação como empresa individual e a pejotização. Para ele,
mercado e tudo mais e coisas que nem estão muito dentro da sua área, a necessidade de prospecção e fidelização de clientes, a gestão do tempo e
mas eu não sei, eu acho que esse discurso ele é muito mais para manter o empenho na manutenção de equipamentos, por exemplo, reforçam o teor
você ocupado mais tempo do que você foi contratado. Para isso que do aspecto empreendedor contido na forma elaborada de se trabalhar como
também tem uma coisa meio de ocupar os vácuos. Na minha área tem empresa individual, como pejotizado.
isso ... Essa questão de você ter muita demanda, ter pouca demanda, o
seu patrão vai querer sempre que você trabalhe as 40 horas semanais, Entrevistador: Na resposta ao questionário, muitos trabalhadores respon­
independentemente de ter carga de trabalho ou não. Nessa produtora deram afalta de estabilidade e a perda de direitos trabalhistas como as
que eu trabalhava, tinha semanas que tinha muita coisa, tinha semanas maiores desvantagens na pejotização. Na sua opinião, por que mesmo
que não tinha nada. Ele queria que eu me mantivesse ocupado criando assim o trabalhador atua e permanece atuando como PJ?
coisas que gerassem lucro para ele. Não dá para achar isso muito ruim,
porque assim, ele te contratou para isso, isso foi o acordado. AL: Na minha área, eu vejo um pouco como falta de opção, porque é
meio difícil. Você evitar certos trabalhos, simplesmente _não tem
O uso indiscriminado do termo "empreendedorismo" e a questão da opção. Pelo menos pra mim, no atual momento da minha vida ... eu
cooptação ideológica estão conscientes na interpretação de AL, que vê nessa sou uma pessoa dinâmica, não gosto de rotina, não gosto de traba­
lhar num mesmo lugar, eu gosto dessa coisa de atender outros clien­
falácia empresarial um discurso de aproveitamento do indivíduo e da sua si­ tes, sabe? Se viesse uma possibilidade de eu ser contratado como
tuação de busca pelo emprego e pela empregabilidade, através do discurso do PJ para ficar como fixo, eu não aceitaria. Só se fosse realmente um
(intra)empreendedorismo, conforme trazido para este argumento, sobretudo salário muito alto. Eu não aceitaria assim, se fosse um PJ fixo, que
a partir da leitura de Machado da Silva (2002). seria burlando a lei. Eu sei que os direitos trabalhistas são muito
importantes para as pessoas. Imagina, você não ter direito a férias,
Entrevistador: Você acha que na pejotização tem algo de empreendedor? não sabe quando vão ser suas férias, não pode se programar, você
não vai ter direito a rescisão, nada, a hora extra, se você fizer, você
AL: Sim ... depende. Se for uma simples substituição de CLT, não! Se não tem controle de carga horária, você não tem direito a nada. Isso
você continua exigindo uma carga horária do cara, todos os dias foi até uma coisa que eu conversei muito quando eu tava fazendo
por um valor X no final do mês e corta os direitos trabalhistas, eu contato com o Comitê Olímpico, porque no final rolou de contratar
acho que tá só cerceando os direitos. É algo ilegal que não deveria 20 diárias para ser usadas em um mês, isso é emprego fixo. Eu topei
,.,..,

porque na dinâmica que eu conhecia eles, eles não exigiam car­ Nossa! Depois de um tempo, você fala, ah... esse valor... Mas eu sei
ga horária, então desses 20 dias, tinha dias que eu trabalhava duas que tem pessoas que trabalham só com campanhas políticas.
horas, tinha dias que eu trabalhava doze. Mas. é aquilo, eu tô tra­ Elas ganham tanto dinheiro na campanha política, que vivem igual
balhando, mas eu sei que eu tô ganhando para aquilo. Então, sabe, a formiguinha. Alguns começam a trabalhar antes, a galera do
para mim era tranquilo. E eu notava neles uma certa preocupação marketing, os diretores, os mais cabeças começam antes, mas a for­
de ver até onde eu podia criar. ça bruta, câmera e tal, trabalham só na hora, mas tiram um bom
O meu trabalho também é muito de criação, então se estiver exaus­ dinheiro também.
to, não funciona bem. Eu acho que isso se aplica de forma tão di­
ferente a cada profissão e acho que essa é a grande questão. Cada Entrevistador: Falando em dinheiro, há um certo entendimento no mer­
profissão tem uma dinâmica toialmente diferente. Eu acho que a lei cado de trabalho de que a pejotização só valeria a penafinanceiramente
se baseia muito no trabalhador de chão de fábrica porque acho que para o trabalhador caso ele recebesse o dobro do que receberia como
foram as vozes populares que mais atuaram· para construir a CLT. fimcionário CLT, uma vez que ali estaria embutido mensalmente um doze
Eles acham que todos os trabalhadores estão nessa dinâmica, e não avos deférias e de décimo terceiro, mais um terço de férias, aviso prévio,
é bem assim. 8% do FGTS, enfim, aquela coisa toda das garantias sociais. Você acha
que a remuneração é uma das maiores vantagens se você comparar o
Na resposta ao survey, AL afirmou que trocaria sua condição de PJ por pacote anual todo?
celetista, mesmo sofrendo uma perda de 30% da sua remuneração atual como
AL: Vai depender muito de cada relação. Para mim, na minha experiên-
PJ. O que parece uma contradição sobre essa sua narrativa de não trocar a PJ cia pessoal, foi muito melhor.
pela condição salarial. No entanto, ele atualmente possui uma renda, embora
esporádica, bem mais elevada caso estivesse como assalariado e assim, mesmo Entrevistador: Ao apontar a remuneração como mais vantajosa, será que,
sob essa suposta perda manteria seu rendimento num patamar satisfatório, de modo geral, o trabalhadorfez mesmo essa conta?
ao que ele sinaliza como "Só se fosse realmente um salário muito alto". Para
ele, definitivamente, a jornada como freelancer é mais justa e a questão re­ AL: O meu caso é muito específico. Claro, fiz o cálculo, fiz os cálculos
muneratória deve ser muito bem observada. de depreciação do equipamento, vi o mínimo que eu poderia cobrar
e cobrei esse mínimo. E, porque câmera todo ano você tem que tro­
Outro ponto muito interessante na sua narrativa é revelado a partir da car e é uma das coisas mais caras e a tecnologia tá evoluindo muito
sua lucidez sobre a distinção entre os segmentos profissionais e o contexto de alto e você fica defasado se você não trocar aquele equipamento.
formulação da CLT. AL é um trabalhador de uma geração que não conheceu Você tem seguro do equipamento, todo ano você tem que pagar o
a relação de trabalho necessariamente fordista. E ao conjugar a CLT a um seguro e o valor é alto, você tem o MEi. Então, assim, acredito que
mercado de trabalho eminentemente industrial, ele enxerga um anacronismo a pessoa faça e se não fizer no começo, em algum momento ela vai
fazer. A não ser que ela more com os pais ou ainda não tenha muita
no instrumento regulatório. Talvez, algo que possa ser entendido como ne­ noção, mas em algum momento, vai ter que fazer. Mas eu acho que
cessário, mas obsoleto. a questão de remuneração CLT ê muito mais pela questão da es­
tabilidade. Você saber que vai ganhar aquilo. E para poucos, o PJ,
AL: E tem um pessoal da minha área que trabalha com política. A cada são poucas pessoas que conseguem realmente entender que "calma
dois anos eles vão lá e trabalham três meses sem respirar. Eu qua­ aí, não vou sair gastando toda essa grana ... calma aí, agora eu posso
se entrei numa campanha política e eu ia entrar como estagiário gastar", e aí entra a coisa do empreendedor, você é empreendedor
e a carga horária do estagiário para os dias não tem fim. Durante de si mesmo. V ocê tem que ter muita paciência para tratar dessa
dois meses 12 horas por dia e, de vez em quando, pode rolar uma parte. Financeiramente, para mim, valeu a pena porque no começo
segunda-feira para você ir pagar umas contas, tipo de dois em dois eu pude ter mais clientes e principalmente essa questão da hora,
meses e se fosse pro segundo turno... era campanha para prefeito. entendeu? Por mais que a minha mentalidade quando eu fui para
o PJ, foi exatamente essa, em um mês eu ganhei o suficiente
Entrevistador: E financeiramente vale a pena? para o ano inteiro. O que eu prefiro: trabalhar um ano inteiro ou
trabalhar um mês e usar o meu tempo para outra coisa? Obviamente
AL: Não porque eu era estagiário. Quando você tá entrando no mercado, foi a segunda opção. Acaba sendo isso. Eu sei que eu não tenho
você não faz a menor ideia. Você até agora não ganha nada, ganha um condições de trabalhar todos os dias do mês, é muito difícil que eu
total de zero, aí se chega alguém te dá R$2.000,00 no mês de trabalho... consiga fechar isso, mas eu sei que vou trabalhar menos.
[... l AL: O que acontece bastante como PJ a empresa às vezes não pagar.
Mas tem uma vantagem. Você prefere ganhar R$2.000,00 por mês Simplesmente não pagar. E isso é muito comum. Aí eu tô falan­
como CLT ou R$4.000,00 por mês [como PJ]? Eu vejo a lei como do de alguém que tá prestando um serviço [eventualmente]. Não
se ela tentasse defender a pessoa dela mesma, de ela gastar aquele é tão comum assim de casos de pessoas serem contratadas como
dinheiro. Você tem FGTS, tem seguro-desemprego, são essas para­ PJ para ficar na carga horária normal, de trabalhar exclusivamente
das porque você sabe que se você der o dinheiro todo na mão, mui­ para aquela empresa. Isso não é tão comum assim, mas o que é mais
tas pessoas vão fazer uso desse dinheiro de forma irresponsável. comum na minha área é te contratar como ME! para você prestar
Mas, assim, aí é que eu acho que entra essa coisa do empreendedor. serviços por dois dias na semana, esporádico, e nesse serviço espo­
Eu sei controlar os meus gastos. Eu preferiria receber R$5.000,00 e rádico, sim, tem bastante calote e ainda mais em campanha política.
eu escolher quando e como eu gastar o meu dinheiro. Todo mundo fala que você tem que cobrar tudo antes de acabar
[ ...] a eleição. Se não cobrar tudo antes, o pessoal dá calote e calotes
milionários. O pessoal não quer nem saber. Eu tento me prevenir
AL ressalta o grande desafio de ser trabalhador "por conta própria" coino das mais variadas formas. A primeira coisa, eu cobro 50% antes e
só libero o vídeo se me pagar o restante. Porém, algumas empresas
MEi, ao dizer que "é para poucos, o PJ". Ele sabe e pontua essa limitação
não querem fazer isso, aí é o caso de você avaliar o risco. O que
como um entrave para que muitos trabalhadores se insiram e se mantenham rolou com o Comitê é que eu não cobrava os 50%, porque eu já
sob essa forma de vinculação, dificultando seus ajustamentos aos altos e tinha desenvolvido uma relação mais de confiança, então eles me
baixos que lhe são inerentes. pagavam depois do serviço prestado. Só que começou a atrasar bas­
No entanto, o assalariamento persiste como parâmetro para as relações tante e o problema é que os últimos contratos que foram durante as
contratuais de trabalho, uma vez que é consciente de que existem algumas Olimpíadas foram os maiores, então eu cheguei a ficar dois meses
garantias em casos de desemprego e que, de certa forma, há um sistema pro­ após o término das paralimpíadas sem ter recebido R$30.000,00.
Eu tava tranquilo, vamos esperar. Eu conhecia as pessoas lá de den­
tetivo (FGTS e seguro desemprego) por um período logo após a demissão. tro, tinham boa fé, mas tinha pessoas que foram contratadas só para
as Olimpíadas, que também tinham contratos bem grandes, que não
Entrevistador: O que você açha do caso de trabalhadores PJ que proces­
receberam e começaram a se agitar e a querer botar na justiça. E o
sam judicialmente a empresa?
pior é que tava saindo na imprensa toda semana alguma coisa so­
bre calote na Rio 2016, porque realmente tiveram problemas para
AL: Na minha área eu não conheço ninguém que tenha colocado na justi­ repassar o dinheiro. Mas acredito que acabaram pagando todo mun­
ça, por conta desse medo, mercado fechado, todo mundo se conhece, do, pelo menos todos os meus conhecidos receberam. Mas é um
as empresas se conhecem e se você der mole, é capaz de você nunca risco que você tem sempre que colocar.
mais ser chamado. Aí o cara bota na balança. A não ser que seja um
caso de a empresa estar devendo dez ou R$20.000,00, aí é óbvio que
eu vou colocar. Mas ele calcula os riscos. Se eu tivesse que peitar A inadimplência nos contratos "interfümas", quando observada sob o
wna empresa grande por causa de um ou R$2.000,00 eu acho que eu contexto da pejotização, assume outra vertente diversa e ainda mais perniciosa
preferiria tomar essa despesa para aprender e bola pra frente. que um mero calote de uma empresa sobre outra. Trata-se do descumprimento
das condições contratuais mínimas que regem uma relação de trabalho, ou
Embora a pergunta tivesse um objetivo muito mais voltado à cobrança judi­ seja, o "calote" aqui tratado é o não pagamento do "salário" de um trabalhador.
cial de algo que havia sido acordado, consentido entre as partes, a resposta deAL Tratado de forma generalizada, como dito, "e isso é muito comum".
foi bastante reveladora no sentido da coação ao acionamento judicial: o medo de
ajuizar uma reclamação por conta da restrição do campo de atuação profissional, Entrevistador: O que você recomendaria a um profissional que se encontra
como já apontado a respeito dos abusos cometidos por empresas que nunca vêm em dúvidas sobre aderir ou não ao modelo PJ?
à tona no judiciário. Esse aspecto evidencia que o volume da prática da pejotiza­
AL: Na minha área, realmente o que diria seria fazer esse cálculo de
ção está muito além das demandas mensuráveis a partir das instâncias judiciais.
quanto você ganha como PJ e como CLT e quais são os seus bene­
ficias como CLT. Considere isso no seu cálculo. E considere tam­
Entrevistador: Vocêfalou que o mercado pequeno restringe um pouco essa
prática de acionamento judicial. Mas você ouve as pessoas reclamando bém que você vai ter períodos de "vacas gordas e magras" e por
que a empresa tirou isso ou aquilo do PJ? isso, você precisa saber administrar bem seu dinheiro. Eu tenho
. --- . ·- . ..,.. ·-· - -···,· --- "·-···---· --·,·- --· ,- -- ----------

um amigo que ele é sensacional na área dele que é bolting designer, maior "disponibilidade de tempo livre", o que pode vir a mudar, caso haja
aquele que faz só vídeo de animação. É uma área que tem muitofree­
/ancer, tem muitos PJs também e são projetos que são caros e tem uma reconfiguração domiciliar.
uma demanda muito grande, mas ele prefere trabalhar como CLT,
porque ele não tem controle sobre dinheiro. Ele poderia ganhar qua­ Entrevistador: Você diz que até poderia deixar de serfree/ancer. Seria o
tro vezes mais, mas ele prefere não arriscar, ele não se sente muito que, ao invés de free/ancer?
confiante também e até porque ele também mora sozinho, ele tem
contas pra pagar, tem apartamento, casou agora, é realmente mais AL: Não seria CLT... seria CLT em último caso. Você teria que diver­
dificil ele suportar ficar um mês sem fazer nada, entendeu? Mas acho sificar suas áreas de atuação. Eu tenho muitas áreas que eu posso
que esse que é o segredo da coisa. É você arrumar um jeito de você atuar. Eu posso ser editor de vídeo, posso trabalhar como câmera,
ocupar a sua cabeça quando você não está com uns projetos. Se você eu posso trabalhar como direção, eu posso fazer uma produção, eu
está wna semana em casa sem fazer ilada, cara, ocupa a cabeça. Não posso fazer um vídeo de casamento, eu posso fazer uma animação.
produza, mas também não fica bitolado de querer estar sempre sendo Tem muitas áreas dentro da minha área, entendeu? Muitas coisas
produtivo. Curte, que você tem essa condição privilegiada. Isso para que éu posso ramificar para conseguir trabalhar. Isso seria o plano
mim é uma condição privilegiada absurda, você poder trabalhar me­ B. Sair um pouco do meu foco, que hoje é mais gravação e edição
nos e ganhar o suficiente para sobreviver. e tentar outros ares. Um plano C seria virar CLT.
Na real, eu ainda tô num momento que eu tô avaliando [a condi­
Novamente, surge a necessidade de ser previdente, de saber guardar di­ ção contratual]. É um risco que eu tô correndo. Eu apesar de já ter
nheiro como um grande desafio do PJ frente à "estabilidade" e a "segurança" trabalhado um ano como freelancer e depois trabalhei quatro meses
como CLT [temporário] na Emissora fia/ou o nome da empresa]. Eu
da situação assalariada, de ter que se ajustar à atitude empreendedora, para sei que foi uma coisa que não vai acontecer de novo, ter um cliente
ser PJ. Para o jovem AL, essa consideração é determinante para que alguém como o Comitê Olímpico que teve uma demanda muito grande e
possa se engajar ou não à empresa individual. contínua durante esse ano. Se eu tivesse essa demanda direto eu tava
bem pra caramba, pô, eu já tava morando sozinho, já teria feito uma
Entrevistador: Vocêfalou da sua condiçãofamiliar atualmente. E se você experiência internacional, ou alguma coisa assim, mas eu sei que não
vir a constituir família, se for o caso, você acha que conseguiria manter é assim, eu sei que a dinâmica é você trabalhar muito menos, com
esse pensamento sobre essa condição profissional? muito menos frequência. Enfim, eu ainda tô avaliando.
AL: Eu acho que a profissão é a base para você conseguir sustentar uma
vida, sua vida pessoal. Claro, isso pode acontecer, dificil prever Nesse ponto, ele reforça o que já havia dado indícios, no que se refere
esse tipo de coisa. Mas, então, acho que eu analisaria muito bem o às incertezas da condição de vida sob a pejotização: refuta veementemente a
risco antes de eu fazer qualquer coisa, mas eu só daria um passo na condição de se tornar assalariado.
minha vida pessoal que me gerasse mais gastos se eu tivesse uma
garantia maior de que eu conseguiria me manter dentro daquilo. Entrevistador: Então, só para termina,; quais são as suaspalavrasfinais,
E essa garantia seria, tipo, já tô trabalhando dois anos como frila o quefaltoufa/ara respeito dapejotização?
[freelancer/autônomo}, sei que vai, tenho minhas alternativas. Não
trabalho com casamento porque acho um porre, mas se eu estives­ AL: Acho que a gente falou bastante coisa. Deixa eu pensar. .. tomando
se precisando, seria uma alternativa, entendeu? É arriscar... Sei lá,
eu tenho esse pensamento de que quando eu for morar sozinho, pela minha área, quando você é freelancer, quando você trabalha
sair da casa dos meus pais, vou querer ter um apartamento, porque por projeto, eu acho que é um jeito de remuneração mais justo.
assim, eu não sei se me arriscària em ter essa vida dinâmica, ter um Você receber por aquilo que você trabalha, eu acho que é a melhor
aluguel para pagar, é uma despesa, realmente muito caro. Acho que coisa, o melhor jeito, porém eu entendo que isso poderia gerar in­
a grande questão é você ter uma boa base para você ter para onde segurança, talvez no sentido mais amplo, poderia gerar uma crise.
possa voltar, caso necessite. Acho que esse é o grande segredo. Mas, porque para mim é fácil falar, de receber por aquilo que é tra­
balhado, só que a minha diária ela já é um valor alto. Se eu conse­
A situação atual de vida, marcada pelo fato de ainda morar com os pais, guir fazer quatro dias de trabalho no mês eujá consigo me sustentar
faz com que a ligação de AL com a pejotização, hoje, seja calcada no binômio mais ou menos bem ali. Para uma pessoa que tem um emprego que
não remunere tanto num dia, se ela trabalhar 10 dias no mês, 15
"maior rendimento" (mesmo que esporádico), conjugado ao beneficio de uma dias, o mês todo, pode não ser o suficiente para ela se manter.
Na questão de lei, eu acho que a gente tem muito esse costume de Considera como vantagens no modelo PJ, o horário mais flexível de
achar que essa lei tem problema, a gente vai dar uma canetada e a trabalho, o valor reduzido dos impostos e a possibilidade de trabalhar mais,
lei vai resolver todos os nossos problemas trabalhistas, problemas elevando proporcionalmente os ganhos. Já no campo das desvantagens, as­
sociais, problema de previdência, problema de tudo e não é bem
assim. A gente viu essa cultura de que a gente sempre tenta dar um sinala a falta de estabilidade sob a sensação de descartabilidade a qualquer
jeito para burlar um pouco, se adaptar ou fazer acordos e que adian­ momento e o ritmo de trabalho que, segundo ele, é mais acelerado. Recebia,
ta você criar mais leis. Acho que a gente tem que criar um ambiente enquanto PJ, férias remuneradas (embora fossem comumente inten-ompidas
onde você tenha confiança, onde a confiança seja o principal ponto a qualquer momento), 13 º salário, cestas de natal, plano de saúde e refeição,
de partida entre empregador e empregado e eu acho que isso não entre outros beneficios que a empresa pagava a todos os seus "colaboradores",
acontece muito hoje. Acho que o empregado já entra na empresa quer fossem funcionários, quer fossem PJ, estagiários, temporários etc.
maldando o empregador, achando que ele é o vilão. Muitas vezes
ele é, mas muitas vezes nãç, é. ·Principalnie1Jté_ oS menores, o cara JB tomou-se um PJ por determinação da empresa em 1985 e, durante 15
que é empreendedor que ele tá com o soriho dele, que tá no fundo anos trabalhou exclusivamente para essa contratante. A entrevista foi marcada
de quintal, enfrenta uma série de dificuldade para manter aquilo, pelo debate sobre o conflito relativo ao hibridismo nas relações contratuais.
talvez fosse muito mais jogo para ele ser contratado como CLT
numa empresa, mas ele tá ali se arriscando porque é isso, as pessoas Entrevistador: Como foi que aconteceu a sua mudança para empresa
gostam de tocar as ideias delas ... e uma legislação muito grande individual, ou seja, o início de seu trabalho como PJ?
dificulta pra esse cara. Uma legislação que não dê muita segurança
prejudica o trabalhador, então, acaba nisso. JB: Eu fui obrigado. Eu estava desempregado, isso no Sul. Comecei a
trabalhar comofreelancer na Revista Veja! na sucursal e quando eu
estava lá pintou um trabalho para atender alguma coisa da Emissora
6.2 Entrevista 2: entre fotografias e revelações de amor e de ódio [falou o nome da empresa], eles não sabiam dizer o que era. Corno
àCLT televisão naquela época não tinha a visibilidade que tem hoje, eles
jogaram aquilo ali para o cara que estava lá corno step. E eu fui
e terminei fazendo uma rninissérie para eles e gostaram muito do
"O cara que tá contratado pela CLT ele tá na estabilidade, material. Eu não sabia cobrar direito, eu não sei cobrar direito, isso
ele tem um guarda-chuva, ele tem uma série de privilégios, é uma deformação minha profissional e me pagaram muito mais
ele tem a proteção. Ele tem a Justiça do Trabalho [.. .]. do que eu imaginei que seria. Eles foram muito corretos comigo e
Eu acho que tem que facilitar a vida das pessoas, não aventaram a possibilidade de dar prosseguimento mais adiante.
só das pessoas, das empresas, permitir que os negócios Eu terminei vindo para o Rio, conversei com o pessoal e me convi­
fluam, o Estado é muito intervencionista, o Estado está em daram depois para fazer outra rninissérie. Era um projeto de autores
tudo o que é canto, tem muita regra, isso atrapalha. " brasileiros. E depois dessa ainda veio mais urna. Só que daí houve
uma descontinuidade do projeto. Então eles me convidaram para
Essa entrevista foi realizada com um trabalhador pejotizado de elevada trabalhar aqui [no Rio de Janeiro] e colocar algumas coisas em dia,
experiência profissional, com muito tempo de prestação de serviços como especificamente um material colorido que os fotógrafos que esta­
empresa individual, basicamente a uma mesma contratante. Tendo atuado vam aqui não sabiam fazer.
Naquela época, como a impressão colorida era dificil, era cara, só al­
como fotógrafo em uma grande corporação nacional de comunicações, para a
gumas revistas que faziam e os jornais trabalhavam muito com preto e
qual registrava e vendia fotos para fins de divulgação das produções televisi­ branco até por processo de edição, isso em 1985. Então ninguém que­
vas, JB tem 62 anos de idade e um olhar pessimista sobre os últimos anos da ria fazer e esse material cor também era muito necessário para poder
política e da economia no Brasil, demonstrando uma crença de que as coisas vender o produto da Emissora [falou o nome da empresa novamente]
vão melhorar com a flexibilização trabalhista e previdenciária que avançam. para o exterior. Então, eu comecei a fazer aquilo ali. Eles não tinham
Embora tenha saído vencedor em longa batalha judicial em processo traba­ salário e me falaram: "olha, você vai ter que virar empresa, PJ"...
Isso em 85, quando eu comecei a trabalhar aqui [no RJ].
lhista movido contra a sua ex-contratante, é um crítico da "rigidez" da CLT
e reconhece, em certa medida contraditoriamente, que a Justiça do Trabalho
Conforme apontado por muitos respondentes do levantamento discutido
atua, prioritariamente, a favor do trabalhador, ainda que convicto de que o
na seção 5.2 (A pejotização observada a partir de números e de experiências),
Estado deva ser "menos intervencionista" nas relações de trabalho.
LVL

essa prática de tomar o trabalhador em empresa incomoda, sobretudo, no JB: Isso. Alguns até se beneficiaram. Teve gente que pegou aquele
aspecto administrativo e burocrático do "salve-se quem puder", como citado. fundo de garantia, né, que foi demitido e tal, deu entrada em
Esse lamento da atomização profissional e da necessidade de cuidar de suas apartamento. O cara foi demitido, no outro dia já começou a
trabalhar como PJ.
novas atribuições administrativas é bastante recorrente, de modo geral, o
que fica evidente na narrativa do fotógrafo JB pela sua queixa de não possuir Entrevistador: Eles tinham algum discurso pronto de convencimento ou era
habilidade para precificar seu trabalho, tampouco gerir sua vida, ou seja, de uma proposta aberta, do tipo: "quem quiser aderi1;fica, quem não quise,: .. "?
ter que se tomar empresa.
Essa incitação ao trabalhador para que se tome empresa individual aponta JB: Não,pra mim foi direto: "quer, quer, vai ser assim". Aí eu tive que
o forte poder coercitivo a que a grande empresa submete o profissional. Embora abrir uma firma lá no Sul e comecei a tirar [emitir] nota. Pelo menos
comigo a história foi essa. E porque na realidade era um cargo que
JB demonstre sua anuência com esse formato de contratação ( o que adiante não existia lá. Então, os caras tinham uma verba lá e me pagavam.
será colocado em questão), a empresa determinou que sei:ia dessa forma, não
permitindo o arbítrio do trabalhador. "É pegar ou largar!", como geralmente JB relata o caso de trabalhadores que não cuidaram de seus provimentos
posto à mesa de "negociação". Essa análise é necessária para avançar numa para momentos difíceis, aludindo, indiretamente ao que AL, da entrevista an­
crítica mais adiante a respeito da condição de autonomia muitas vezes alegada terior, havia sinalizado como fator preponderante para engajamento individual
na pejotização, o que é altamente contestável. exitoso à pejotização, dadas as condições de incerteza inerentes aos contratos
Entrevistador: E essa práticajá era comum na empresa naquela época? descartáveis e intermitentes da empresa individual. Além disso, outro fator que
colabora com a percepção desse trabalhador a respeito do modelo contratual
JB: Já,já era comum. Depois eu fiquei sabendo que esse processo surgiu em questão foi a condução do processo pela empresa, reforçando também a
no início dos anos 1980, que a empresa começou a enricar, né? Daí, forma impositiva à qual foi posto a essa situação contratual.
o pessoal da técnica, que era um pessoal mais abrutalhado, pessoal
da iluminação, os câmeras men, carros men, todo aquele pessoal ali Entrevistador: E você percebia diferença entre um empregado de carteira
começou a pedir aumento de salário e daí parece que um "áureo" teve assinada e um PJ no dia a dia da empresa?
aquela ideia e falou assim: "a gente faz o seguinte, demite o cara que
ganhava R$1.000,00 e contrata por R$1.500,00, mas contrata como JB; Comigo não... Veja bem, eu era um empregado sui generis, eu era
PJ". Se o cara ganhava mil, a empresa tinha o custo de dois mil. praticamente dono do meu nariz. O que aconteceu? Quando esses ca­
Então aí foi feito. Só que aí, havia um discurso que não foi cumprido, ras disseram, bem eu tenho que colocar a cor em dia, cor o que é que
que as pessoas contratassem um contador... e mantivesse aquilo... en­ era? Cor era o slide. O slide é muito sensível na medição de cor. Se
tão o cara teria que fazer o recolhimento do INSS dele e os impostos. errar aquilo ali ... "babou", ou fica claro ou fica escuro demais. Então,
Ninguém fez isso, entendeu? E aquilo se tomou uma bola de neve. como eu era acostumado, eu peguei aquilo ali e saí fotografando as
três novelas. Cheguei pro cara, vem cá ficou melhor assim? E o cara:
O caso de JB, assim como outros mencionados ao longo de todo o mate­ "vem cá, você é louco, você fotografou tudo, você colocou tudo em
rial apresentado, comprova que a pejotização não é um fenômeno surgido nas dia. Isso aqui é a Emissora A [falou o nome da empresa]". Entendeu?
duas últimas décadas, tendo sido regularmente praticado já nos anos 1980 por Então eu não tinha nem um contrato fixo, eles me pagavam por uma
grandes corporações que já adotavam as práticas da reestruturação produtiva. diária. Então, se a diária era R$300,00, tinha que estipular dez, doze,
quinze diárias por mês para ficar dentro de um patamar que não cha­
Vale ressaltar que a sua pejotização antecedeu ao MEL Tal processo ocorreu masse atenção. Pô morava na Barra de Guaratiba, cara, maior praião,
em uma fase onde ainda havia muita dificuldade e restrições sobre o campo entendeu? Gaúcho vindo em julho pra cá, 7ºC, chega aqui 23ºC,
de atuação como empresa individual daqueles trabalhadores. aquela praia maravilhosa. Era festa, tinha 31 anos ... daí, em 1987
Na sequência a sua fala marca, novamente, o desafio de o trabalhador nos contrataram, a mim e mais dois fotógrafos. Mas também era um
administrar-se como empresa, sobretudo no aspecto fiscal. contrato que era feito por um cara que era o contador da emissora.

Entrevistador: Então, quer dizer que o trabalhador recebia mensalmente um O trabalho de JB não era por projeto, o que lhe assegurava uma prática
pouco mais, mas não tinha essa preocupação previdenciária, por exemplo? regular e continuada. Porém não se tratava estritamente de um contrato de
emprego típico, pois ele mesmo se considerava, de certa forma, "dono do A rigor, parece não existir trabalho efetivamente autônomo, tampouco nas
nariz". Esse tipo de conduta das empresas caracteriza o hibridismo que vem condições emancipadas que JB sugere.
sendo tratado aqui como sintomático da reconfiguração nas relações contratuais Nas respostas ao questionário, muitos trabalhadores apontaram a re­
de trabalho. A pejotização tem esse caráter de mesclar atributos de diversas muneração mensal como a principal vantagem no modelo PJ, assim como a
formas contratuais distintas, confundindo até mesmo o trabalhador que não flexibilidade de horário de trabalho, enquanto a falta de estabilidade e a perda
dá conta dessas transformações. dos direitos trabalhistas significaram as maiores desvantagens, o que instiga
buscar as formas de engajamento do trabalhador a esse modelo.
Entrevistador: Então de 1985 a 1987. vocêficou como...
Entrevistador: Mas o que parece é que a empresa tem algumas práticas
JB: Como PJ, mas só dando nota. Aí em 87 fizeram o primeiro contrato, com o PJ que se assemelham a de patroa, de uma relação de emprego
que foi até 97. Então em 1987 estabeleceram· que eu tinha que fazer convencional, com carteira assinada. Por exemplo, pagamento de cestas,
p&b também, porque deu uma merda lá ... fotografaram a [disse o férias, inclusive com um dinheirinho extra... enfim, são práticas estranhas
nome da atrizJ de calcinha, meia calça e com a saia levantada, ela a uma relação entre "empresas", afinal, aquele trabalhador é visto ou
olhando assim [simula uma pose sensual], e ela não sabia quem foi, não como empregado, não é isso?
dentro do camarim. Eu acho que ela sabe quem foi porque disparou
o flash. Neguinho ficou pau, ficou injuriado, aí o Fulano [falou o JB: É, porque a gente questionava, né... o meu diretor era o Fulano [fala
nome do diretor da empresa] resolveu nos contratar, três fotógrafos o nome completo]. Pô Fulano, vem cá, sou funcionário comum, por
no mesmo esquema: pessoas jurídicas, cada um com a sua firma que não contratam a gente de uma vez? Nos dá um "cala-boca" aí pelo
individual. Então a partir dali eu comecei a receber um salário, uma tempo que a gente ficou, nos contratam e a gente começa do zero.
merreca. Então, um dos fotógrafos me dava o filme virgem, eu ope­ [...]
rava aquilo ali em p&b, entregava pra ele, ele revelava e cobrava.
Daí ele ficou até 1989 recebendo aquilo ali, eu trabalhando ali. Aí, Esse é um dos aspectos controversos contidos no discurso de JB e pre­
eu arrumei uma menina pra fazer a revelação pra mim, então a
grana começou a engordar, entendeu? sente nas falas de tantos outros ditos convencidos e satisfeitos de sua condição
Tinha uma menina que era de dentro da Emissora [falou o nome como PJ. A despeito da alegação de receberem maior remuneração, possuírem
da empresaJ mesmo, era muito conchavo, até eu pegar o caminho maior autonomia e flexibilidade de horário, não escondem seus interesses
das pedras e tal. De 1994 em diante, por aí, alguns anos depois, eu pelas condições do trabalho protegido. Interesses ou, pelo menos, referência
comecei a fazer aqui atrás, eu tinha um quartinho que eu fazia meu a paitir dos direitos inerentes a um trabalho regulado pelo Estado.
laboratório aqui [na sua própria casa], entendeu? Agora, por exem-
plo, quando eu iniciei, eu não tinha 13 º, não tinha férias ... férias eles Entrevistador: E aí?
falavam que tinha, né... "Ah, você tá de férias", tá bom...
As férias eram remuneradas, até pingava alguma coisa, tirava uma JB: "Não, porque não-sei-mais-o-que;.. , deixa assim, porque vocês são
notinha lá. Mas aí, três dias depois, dez dias depois, duas semanas
depois, o cara me liga "ah, seu *** [fala um palavrão], tá onde?
funcionários como os outros... ", entende? Pô, teve um período
que eu fiquei dois anos sem contrato. Mês a mês eu ia lá, dava a
Tem uma gravação pra entrar não sei o quê ...", que é um volume nota, então, pô, você fica... Não sei se foi em 1994/95, foi quando
muito grande de trabalho, e eu não ficava fixo num produto só, en­ a Emissora [falou o nome da empresa] tava negociando a dívida no
tendeu? Eu rodava em diversas produções. exterior lá. Tinha esses reflexos, a gente via, foi também na época da
saída do Beltrano [fala o nome do CE0 da empresa que saiu nessa
O convencimento de possuir autonomia é reiterado e, de fato, intri­ época]. Eles tinham que resolver aquela saída dele, teve a morte do
gante do ponto de vista do engajamento ao modelo de trabalho PJ. Note-se velho [fundador da empresa], entendeu? Agora, na hora de sair [na
que o seu discurso apresenta elementos de certa forma controversos, uma hora da demissão], chamaram o meu gerente que era funcionário da
casa e falou pô, a gente tava na época da renovação do contrato... e
vez que se considera "dono do próprio nariz", no caso, no entanto, sequer falou "pô vai ser pior pra vocês, a empresa não te1n mais interesse,
consegue arbitrar sobre seu direito de gozar férias regulares, por exemplo. se quiser, vocês podem ir lá... " [referindo-se a possibilidade de uma
Talvez esteja se referindo apenas ao ritmo diário de trabalho. Ademais, reclamação trabalhista]. Cara, eles demitiram um cara que veio de
há ainda os revezes de sua condição contratual indefinida e intermitente. São Paul9... cara, o cara saiu assim, oh... [nesse momento, simula
207

o olhar perdido do trabalhador que fora demitido]. Chamaram o do vínculo traz todas as outras coisas a reboque. Daí, vem todos os
cara para demitir o cara. O cara saiu assim... Alguém recolheu ele direitos que estão na CLT. Hoje em dia na CLT, cara, pra tu contratar
na rua... [Fala um palavrão em sinal de indignação], ele zonzo no um arigó aqui... hoje tá complicado e eles conhecem os direitos deles.
meio da rua. Ele trabalhava em São Paulo, chamaram ele para uma [ ... ]
reunião e demitiram o cara. Em 1998, no final do ano, um dia antes
da festa de Natal, eles demitiram setecentos e poucos funcionários, Ao afirmar que "a justiça tem que ser provocada. Ela não é espontânea",
entendeu? Isso aí foi quando entrou a Fulana [falou o nome da exe­ o trabalhador refere-se não só à insuficiência dos órgãos de fiscalização do
cutiva], que mudou tudo [referindo-se a reestruturação ocorrida na
empresa]. A Fulana é aquela que deixou a merda virar espetáculo trabalho, mas também de todo sistema judiciário trabalhista que, de qualquer
mas que infelizmente quebrou. Mas eu acho que é interessante, por forma, tende a proteger o trabalhador, como ele mesmo disse.
exemplo, pro cara que estava lá, recebia mais e também a alíquota É evidente que há uma ligação conflituosa de amor e ódio estabelecida
do imposto de renda era menor... entre JB e o assalariamento, dada a alternância entre o menosprezo da forma
contratual típica e o reconhecimento e valorização do modelo como forma
Ao falar da dispensa de um funcionário, os olhos marejados de JB evi­ de amparo legal para o trabalhador, que na sua narrativa é materializada pela
denciam sua comoção com a forma de descarte da mão de obra por ocasião CLT e de todo seu estatuto prntetivo. Isso talvez possa ser explicado pela
do término do contrato de trabalho de um colega. A reestruturação produtiva ineficiência, não exclusiva desse, mas de muitos trabalhadores na condução
daquele momento foi sentida na pele não só pelos funcionários efetivos, mas de sua vida na esfera das garantias sociais extrassalariais, tais como planos
também por aqueles que exerciam suas atividades oficialmente desvincula­ de saúde, recolhimento previdenciário entre outros.
dos da contratante. Em menos de dois anos depois desse episódio, o próprio No seu discurso, a sua condição de trabalhador, é naiTada de maneira
entrevistado experimentou os efeitos do prolongamento dos cortes de pessoal. intermitente entre a perspectiva de ser empresário e ser empregado. De forma
O impacto amenizado pela redução da contribuição tributária, conforme muito recorrente, assume uma fala típica de empresário("... hoje tá complicado
ressaltado pelo gerente, no entanto, nem de longe seria suficiente para diminuir e eles conhecem os direitos deles", por exemplo), como se negasse a sua real
os pesares da saída de uma empresa para a qual prestou serviços por tantos condição de classe. O controverso empresário individual, quiçá confuso por
anos sem sequer obter uma compensação rescisória. conta da hibridização contratual marcante em sua trajetória, muitas vezes
apresenta sua alma de empresário que, a rigor, nunca foi posta em prática.
Entrevistador: Sim, isso também foi muito citado pelo pessoal que res­
pondeu ao survey... Entrevistador: Mas, e o que você acha disso? Para você, isso tem
que mudar?
JB: A isenção tá quanto agora, em três mil e pouco? Então, se o cara ga­
nhava R$8.000,00, ele pagava uma mixaria de imposto de renda... JB: Cara, de repente existem coisas que são aberração. No meu caso
Isso como empresa, e o INSS· era de 5%, tinha o PIS e o Cofins. ali ... eles sabiam que tavam cometendo uma ilegalidade... Imagina
que o cara contrata um PJ, imagina, a Emissora [falou o nome da
Entrevistador: Vamos insistir um pouco nesse aspecto. Você trabalhou empresa] não sabe disso? O jurídico da empresa... os caras tão sa­
como PJ por mais de 1 O anos e também já atuou com contrato de car­ bendo. Por exemplo, hoje, estão contratando por cooperativa. Cara,
teira assinada, o ''plano mais completo" como você mesmo assinalou eu conheci camaradas lá, por exemplo, camaradas trabalhavam na
no questionário. Na prática do dia a dia e do ponto de vista das perdas locadora de veículos em Niterói ... fecha com a locadora, vem com
e ganhos para o trabalhador, quais são efetivamente as diferenças entre o motorista, o motorista vem oito horas da manhã, aí primeiro pega
uma forma e outra de contrato? o segundo time, a cabeleireira, o montador, onze horas da manhã,
meio dia ou direto ... onze horas da noite o cara ta trabalhando ain­
JB: O cara que tá contratado pela CLT ele tá na estabilidade, ele tem da... e o cara foi lá e reclamou, botaram ele pra rua e ele entrou com
um guarda-chuva, ele tem uma série de privilégios, ele tem a prote­ uma reclamatória trabalhista contra a Emissora [falou o nome da
ção. Ele tem a Justiça do Trabalho. Ajustiça tem que ser provocada. empresa] e a justiça aceitou ... que na realidade, o fim da prestação
Ela não é espontânea. Ela não age espontaneamente. Por exemplo, de serviços era aquilo ali, então alguém tem que se responsabilizar
no meu caso, eu fui lá, entrei e o cara [advogado] me disse "a gente por aquilo, então que se mude a CLT, que é o que tá sendo proposto
vai pedir o reconhecimento do vínculo". Então, o reconhecimento agora. Por que o restaurante tem que ter um garçom contratado 40
horas semanais se só vai utilizar o cara sexta à noite, sábado e do­ de reconhecer seus valores e vantagens, mas também de saber que a legisla­
mingo. Então faz um contrato, mesmo que o cara receba menos que ção social e o sistema protetivo do trabalho, mesmo moroso e insuficiente,
um salário mínimo e o cara vai trabalhar só aqueles três dias. Tá se protege-o de certas arbitrariedades por parte da empresa.
discutindo isso agora.
Entrevistador: A Justiça do Trabalho, como se sabe, costuma ser muito
JB reconhece na pejotização uma "ilegalidade", pois tinha noção das morosa na tramitação e desfecho de seus processos. Você mesmo lamentou
garantias sociais inerentes à sua condição de "empregado", o que culminou esse aspecto na sua resposta ao questionário. Quando vemos que a em­
na reclamatória. trabalhista, onde teve direitos assegurados. O trabalhador, que presa estáji-audando um contrato admitindo PJ ao invés de empregado,
se posiciona de forma ambígua em seus argumentos, reconhece as condições você acha que as empresas se prevalecem dessa falha deliberadamente,
patronais e, de forma bem parcial, justifica os mecanismos de flexibilização em mesmo sabendo do riscojudicial que correm?
voga. Logo após a entrevista, o modelo de contratação sugerido por JB para que, JB: Com certeza. Com certeza. Cara, olha só! A agressividade da ad­
por exemplo, os garçons trabalhem somente nos finais de semana, foi aprovado vogada da Emissora [falou o nome da empresa] pra cima da juíza
na reforma trabalhista de 2017 sob a nomenclatura de trabalho intermitente. foi uma coisa impressionante. O meu advogado tinha que ter até
me adaptado, entendeu? A agressividade foi uma coisa assim ... a
Entrevistador: O que você recomendaria a um profissional que se encontra primeira audiência é conciliatória.
em dúvidas sobre aderir ou não ao modelo PJ? [ ... l
Então, na primeira audiência, a mulher [juíza] chegou "queremos
JB: Vai, pega tudo o que é nota [risos], tudo o que é bilhete, voucher, e-mail. que a fulana de tal [ex-esposa e sócia de JB na "empresa"] esteja
Cara, eu acho que o mercado de trabalho tá tão fechado e agora presente", pô eu já estava separado dela, já estava casado com ou­
fechou de novo, que você tem que pegar o que rolar, o que aparecer.
tra, a gente já tinha filho e tal... queria que eu chamasse a primeira
Infelizmente, você tem que botar comida pra dentro de casa. Você
tem aluguel, você tem uma série de coisas. Na hora você precisa mulher, que já tava no Sul. Aí ela tinha me passado uma procu­
receber e o cara [contratante] vai chegar e te dizer assim, "olha, te ração. Aí na segunda audiência, ela já entrou com a audiência de
dou um salário de R$2.500,00 e o trabalho é assim, assim e assim". tomada de testemunhas ... a juíza era meio maluca também.
Ah, maravilha! A pessoa precisa trabalhar, é necessidade. Uma ne­ [... l
cessidade imediata. Agora, depois, você vai ver como é que fica...
depois vai ver se existe uma outra possibilidade [...]. A longa e incerta tramitação processual nos tribunais do trabalho confir­
mam que a insatisfação de JB faz sentido (no seu caso específico levou mais
O que o entrevistado fala, intuitivamente, é sobre os princípios jurídicos de uma década). Conforme apontado em Cardoso e Lage (2007), apenas 25%
da indisponibilidade e da primazia da realidade'°', conforme mencionado no dos processos são julgados e somente 2% do total conseguem obter ganho
quarto capítulo, quando se tratou das formas de burlar a legislação trabalhista. procedente em todos os itens demandados. Somado a isso, há ainda a morosi­
Em linhas gerais, esses princípios asseguram ao trabalhador, judicialmente, o que dade do sistema judiciário'" que, por si só, protela "naturalmente" a conclusão
lhe é de direito, a despeito de eventuais renúncias ou subterfúgios provocados dos processos, o que acaba estimulando fraudes, conciliações e acordos em
pela empresa contratante, a fim de se esquivarem do reconhecimento do vínculo. um círculo vicioso contra o respeito às garantias trabalhistas.
Esse aspecto jurídico, entre outros, a despeito de seu caráter protetivo,
parece provocar um sentimento ambíguo entre alguns trabalhadores, tal como Entrevistador: Então, a empresajá desenvolve as artimanhas protelatórias
no caso de JB, que transita bem ideologicamente tanto no ponto de vista da de sua defesa, né?
empresa, assim como na sua efetiva condição de trabalhador. A ambiguidade
fica evidente no engajamento que o trabalhador tem à pejotização no sentido 110 De modo geral, a Justiça do Trabalho é considerada uma das mais rápidas do sistema judiciário, de­
vido aos ritos sumários existentes nos processos trabalhistas. Nesse sentido, Cardoso é Lage (2007,
p. 100) citam "o procedimento sumaríssimo e a regulamentação das comissões de conciliação prévia
109 O principio da indisponibilidade trata que o trabalhador, mesmo abrindo mão (expressa ou tacita­ nas empresas, encarregadas de conciliar o conflito trabalhista individual antes que ele chegue às
mente) de direitos ao longo da vigência do contrato de trabalho, pode reclamar tais beneficias judi­ varas do Trabalho", como elementos que ofereceram celeridade ao processo trabalhista. No entanto,
cialmente. Já a primazia da realidade, como explicitado em nota anterior, refere-se à prática cotidiana grandes ações costumam se prolongar por muitos anos nas diversas tramitações processuais. To­
do trabalho, ou seja, para efeitos, o que deve ser considerado é a realidade praticada e não necessa­ davia, a citada celeridade normalmente traz consigo perdas substanciais em acordos e conciliações
riamente o que fora contratado. prévias que nem sempre favorecem ao trabalhador de forma justa.
.,v · ---··-· r·-· -- ··.-·--- ···-···---· --···- ·-· v· -

JB: Não ... a defesa é toda terceirizada. Eles pegam lá o escritório do obrigado a entrar... ou tu entra ou tu não entra. Ou tu vai ou vai
cara e o cara faz o que quer. trabalhar na feira, cara. Quer trabalhar aqui, então, tudo bem. As
Aí, você tá sentado lá dentro aí, você ouve "TV Tal [falou o nome condições são essas. Agora, nesse meio tempo deveria ter chegado
da empresa] e não sei mais o que" ... é a mesma coisa nas pequenas num acordo... "olha, eles vão contratar vocês, toma aqui um cala a
causas, você ouve "Empresa A, Empresa B, Empresa C... " [falou boca, vão dar R$30.000,00 pra cada um". É que eles contam tam­
os nomes das empresas]. Cara, olha só, por exemplo, no momento bém com uma certa impunidade. Nem todo mundo vai reclamar.
que você assina o contrato, meu contrato era de cinco mil e algu­ Pode ter certeza de que é tudo planejado. Quando chega agosto/
ma coisa por mês, isso em agosto de 2000. E, por nota, consegui setembro, todo ano eles fazem o orçamento na maquininha, eles
comprovar mais quatro mil e po.uco por mê_s de fotos que eu vendia vão separar uma grana lá para pagar as contendas trabalhistas, en­
para eles. Então bateram o martelo e reconheceram que tinha o fixo tendeu? Isso aí, eles são obrigados a fazer, eles têm aqui e ali, vai
e o variado que dava nove mil por mês, eles _morreram com aquilo ficar aplicado em algum canto. E, realmente, quando eles "vão pro
ali e todo cálculo foi feito em cima disso, Daí, houve duas coisas, pau" [são acionados judicialmente], eles pagam tudo. Agora, não
houve o recolhimento do INSS sobre a ação, que achei que foi vinte são todos que entram [com ação na justiça].
e sete mil e alguma coisa mas teria que recolher os 15 anos, a minha
parte e a deles. A Emissora [falou o nome da empresa] se manifes­ Essa racionalidade do capital refere-se ao comportamento utilitarista das
tou para o INSS que iria recolher sobre o salário mínimo e o INSS empresas que "apostam" na ineficácia da Justiça do Trabalho e na insuficiên­
aceitou. Daí, eu fui lá, brequei, discuti... só que a justiça do trabalho
é incompetente para julgar um órgão federal. Eu agora vou ter que cia dos mecanismos de controle e de fiscalização do Ministério do Trabalho,
pegar o processo todo e entrar com uma ação, olha INSS vocês têm do INSS e da Receita Federal. Eis, então, um ponto cmcial na arbitrariedade
que cobrar deles. Uma contribuição previdenciária que foi determi­ empresarial posta em questão. O comportamento comedido e resignado do
nada em juízo, porque foi comprovado. Eu tenho a carteira assinada trabalhador fraudado que, por vezes, fica na esfera do temor à "lista negra"
lá que meu salário era de R$9.000,00 e pouco... do mercado de trabalho, do desinteresse e da desinformação, ou ainda na
sua permissividade e complacência com a prática que a justiça vem tratando
Com isso, JB retoma a questão da decisão deliberada da poderosa empresa predominantemente como fraude.
de fraudar contratos de trabalho via pejotização. Decisão racionalizada porque
supostamente a empresa previamente calcula custos contratuais como os de Entrevistador: Na sua opinião, por que o trabalhado,; de modo geral, atua
JB. A empresa descumpre seu ônus regular da folha de pagamento e tributos e permanece atuando como PJ?
correlatos, sabendo que no futuro, mesmo que judicialmente, poderá acordar
JB: Cara, a minha situação é excepcional. Olha só, eu podia fazer meu
a dívida retroativa de uma forma que lhe seja ainda mais favorável, ganhando horário, eu tinha que tá ligado em roteiro, que sair com antecedên·
em tempo e em montante financeiro. eia. A partir do momento que eu comecei a fazer a parte de labora­
No caso de JB, embora tenha recebido alguns de seus direitos trabalhistas tório, me interessava fazer quanto mais coisas possíveis pra poder
muitos anos depois, há agora uma nova frente litigiosa. Dessa vez contra o vender material, que eu vendia, ·eu tirava o fixo, mas eu ganhava
INSS que acatou o recolhimento subdimensionado referente à reclamatória, muito dinheiro fazendo essa outra parte da operação. Eu ganhava
calculado sobre o salário mínimo e não sobre a remuneração (R$9.000,00 dinheiro vendendo filmes pra eles, eu comprava o filme mais barato
e vendia mais caro, eu fazia três folhas contato, uma ficava comigo,
mensais) determinada na sentença. A perda trabalhista foi, diminutamente, eu fazia a minha parte, tirava xerox, entendeu? Depois eu vendia
sanada. O prejuízo previdenciário, não, esse permaneceu. cópias, pô, no início dava 400 cópias, 600 cópias, isso é um empur·
rão bonito. E, por exemplo, plano de saúde, eu só recebi plano de
Entrevistador: Então, de acordo com esse teu entendimento, você teria saúde depois de 1989, que eu tenho um filho que nasceu em 1989
sido um privilegiado por essa legislação? e o parto dele foi particular... então em 1991/92, o que mais me
chateava naquilo ali é que eu recebia no final do ano... eu recebia
JB: Cara, de certa forma, sim, porque os 15 anos que passei por lá, eu uma *** [fala um palavrão] de uma cesta, uma cesta da Bauducco
sobrevivi, eu construí alguma coisa, agora, por outro lado, eu me e vinha uma sacola térmica com um negócio da Sadia... pô, era ma·
senti lesado porque não me deram os direitos que eu realmente de­ ravilhoso. E ganhava presentes também pros moleques, eles davam
veria ter tido, entendeu? Eu tive que catucar a justiça, mesmo falha cheque-presente pra trocar no Freeway e depois a gente começou a
como ela é, pra ter o meu direito reconhecido, entendeu? Você é receber isso também.
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Novamente, a questão da relação de trabalho estabelecida entre JB e a empresa Entrevistador: Você acha que esse tipo de relação, pelo que você viu,
sofria uma imprecisão contratual. Ora mantinha-se tipicamente como autônomo, ora pelo que tem visto... você tem um olhar longitudinal sobre o mercado de
como empresa, ora como funcionário celetista, tudo isso à flutuação das decisões trabalho, viveu as décadas de 1980, 90, 2000, 2010... Para você, essa
forma de contratação de PJ, pode ser caracterizada como uma tendência?
da grande empresa, a contratante. E, ainda, por diversas vezes, essas relações se Pode um dia se tornar uma prática muito mais comum do que o emprego
sobrepunham em situações contratuais híbridas, numa amálgama entre o formal assalariado, por exemplo?
e o informal, o vínculo e o desvínculo, tomando um elo complexo e impreciso
do ponto de vista da vinculação profissional, embora, em qualquer situação, era JB: Eu acho que existe uma tendência. Acho que deveria ter uma reno­
mantida a disponibilidade e a subordinação funcional sobre o trabalhador. vação da CLT. Acho por exemplo que o custo Brasil é muito caro.
A noção de autonomia utilizada pelo trabalhador possivelmente surge por O custo de abrir uma empresa, o tempo de abrir uma empresa, en­
tendeu? Tem muita legislação. Muita empresa tá indo embora pro
conta da referência que faz a partir das condições de trabalho adotadas junto Paraguai e com funcionários do Paraguai, a legislação deles é mais
aos empregados celetistas, cuja jornada e rendimentos ·mensais eram fixos, enxuta. Essa coisa que o Trump tá querendo fazer, levar a empresa
uma vez que em muitas outras questões, ele e os demais, se encontravam em automobilística de volta, pô, duvi-de-o-dó. Pode funcionar até um
condições idênticas. setor, mas você não tem como regular o mercado mundial.
Se o cara como empresa, por exemplo, o ME!, acho que o MEi
Entrevistador: Mas de modo geral, pela sua experiência, o que o traba­ já é um avanço, até porque mesmo que o cara fique dois o� três
lhador vê como mais interessante na pejotização? meses sem entrar um dinheiro dando nota, ele tem a poss1b1hdade
de contribuir para o INSS pela metade do valor do cara que tem a
JB: Porque tem a certeza de que lá adiante vai reverter se entrar na jus­ menor contribuição, então isso já é uma coisa que dá um empurrão
tiça, mas nem todos entram. pro INSS, entendeu? Eu acho que tem que facilitar a vida das pes­
soas, não só das pessoas, das empresas, permitir que os negócios
Essa fala de JB ilustra a contradição do engajamento do trabalhador a fluam, o Estado é muito intervencionista, o Estado está em tudo o
que é canto, tem muita regra, isso atrapalha. O funcionário ganha
esse modelo de contratualização. O profissional, mesmo aquele ql)e legitima R$!.000,00 a empresa paga R$2.000,00 e tem coisas que de repente
esse tipo de formatação contratual, encontra na pejotização uma forma de não retomam nunca, ou não retorna pra empresa, é muito caro.
inserção e alocação no mercado de trabalho. Encontra nesse tipo de vínculo
uma promissora condição de trabalho, mas muitas vezes não perde a referência Esse momento da entrevista marca uma leitura muito relevante no contexto
das garantias sociais advindas da legislação social, o que configura o grande que JB apresenta, assim como tantos outros pejotizados demonstraram no sur­
risco para a contratante. Isso poderia ser sintetizado na linguagem popular vey, sobre os rumos e a dinâmica das relações de trabalho. A interpretação dele,
como "o barato sai caro". E, no próprio caso de JB, crítico dos mecanismos a despeito de sua ampla expedência intergeracional, flui no sentido da formação
protetivos do trabalhador, isso se materializou: foi, por longo tempo, um PJ de uma ética do trabalho bastante diferente da percepção de um típico trabalha­
satisfeito, embora não tenha desprezado seus direitos como empregado assa­ dor do modelo produtivo fordista, cuja salvaguarda mantinha-se sob a tutela de
lariado, o que conquistou através de longo processo judicial. um emprego regulado e protegido pelo Estado. O trabalhador enaltece não só a
Entrevistador: Muitos veem a situação como um "investimento"? flexibilização das condições de trabalho, mas a renovação da CLT, numa espécie
de "reengenhada" da salvaguarda das relações de classes. E, nesse sentido, aponta
JB: De certa fonna sim. Tem uns caras antigos lá que pô, o cara traba­ o MEI como um mecanismo de vanguarda nas relações prodntivas, uma vez que
lhava, ele recebia o fundo de garantia, no outro dia ele virou PJ, en­ toma o sistema contributivo mais adequado e justo, na sua concepção.
tendeu? Todos eles tinham plano de saúde porque o cara trabalhava
no estúdio, se caísse uma*�* [fala um palavrão] daquela na cabeça Entrevistador: Você já teve empresa com empregados?
lá, volta e meia cai ou se alguém leva um choque, não sei mais o
quê, tem o plano de saúde pra livrar o rabo da empresa. E o cara tá JB: Não.
sabendo que quando ele for lá, mesmo se a Emissora [falou o nome
da empresa] der os métodos de sei lá o que, ele entra na justiça e Entrevistador: Você acha que seria uma solução essajlexibi/ização? Para
ganha, cara. você, o que aconteceria a partir dessa.flexibilização?
f'C,JVI IL/"\. lyf'\V. d tllllf.Jltl:>d IIIUlVIUUGII l,UJIIU IUl\'<1 Utl UdUCutlU

JB: Que as pessoas possam se entender. Eu acho que o Estado intervém por aí, você vê ... Pô, as ruas estão vazias, um carro bom, tu tem três/
demais. Tem que dar uma garantia. Hoje a gente tem 13 milhões de quatro meses de fila de espera, já o carro popular tá encalhado, a pro­
desempregados. Agora, quantas pessoas a gente tem empregadas dução de motos caiu, sete ou oito estados voltaram para trás ao que
com a CLT? São vinte milhões, agora a gente tem quarenta e sete mi­ estavam em 2012. A economia retrocedeu, cara, eles fizeram alguma
lhões de pessoas que trabalham na informalidade e têm que se virar e coisa de errado... e a gente tá pagando por isso. Eu não consigo me
tem que levar comida pra casa todo final de mês. Fora o pessoal que aposentar, sou um profissional, tenho minhas habilidades, já traba­
tá indo pra outros caminhos, tráfico, roubo, que tá aumentando cada lhei em uma série de coisas ... Tá ali, oh [aponta para dois quadros
vez mais... Quem tá na CLT tá amparado por uma série de coisas, que mantém na parede de sua casa], tem dois clientes meus, são dois
mesmo que ele ganhe uma mixaria, agora, pô, quando eu fui demi­ bilionários [tonifica a sílaba "bi"Iionários!], um é o João Roberto
tido, a empregada ... virei e disse, pode me processar... [a empregada Marinho e o outro é o Annando Klabin, meus clientes, eu tô duro que
doméstica dele o processou, possivelmente ern decorrência de sua nem coco, sabe... não entra nada, não tem trabalho ... cara, eu tenho
situação financeira afetada pela "demissão" sofiida]. Eu não fui a três 62 anos, eu acordo de manhã e fico olhando, o que vou fazer? É uma
audiências e o cara, "tu tem que ir lá, PotqÚe se tu riãO-·for, ela vai te coisa extremamente difícil o que tá acontecendo.
condenar a pagar o INSS dela que vai sair mais caro do que fazer um Meu filho me pediu esses dias para pegar um documento aqui no
acordo que vai dar R$1.000,00", entendeu? E realmente... tem coisas CIEP. Eu entrei no corredor, eu me senti ou na Venezuela ou em
que são malucas. O cara tem uma certa grana, quer ter empregada e Cuba. Tanta mulher gorda esperando fazer matrícula, as funcioná­
não quer pagar empregada, pô, hoje em dia é obrigado a pagar, cara... rias também [faz uma careta como imitando as mulheres citadas],
o jardineiro, uma série de coisas. A gente anda por aqui pelo bote­ porque não recebem ... cara, é que nem a Venezuela, cara. Eles ten­
quim, tu ouve... os caras sabem todos os direitos que eles têm... você taram acabar com o país. Cara, a gente tem essa pinguela 111 que é o
vai contratar um cara desses, fie� com a roda do teu carro... Temer, bicho. Tá extremamente complicado, quando é que a gente
vai recuperar isso aí? Tem que haver uma flexibilização, o governo
JB em nenhum momento associou a pejotização ao empreendedorismo, tem que deixar de ser tão grande, cara, e permitir que as coisas
nem ao fato de se identificar como empresário, no sentido lato do termo, a fluam. De repente tu chama alguém pra trabalhar e não dou uma
garantia, e o cara te denuncia, você tá ferrado. Se eu pegar um cara
partir de sua condição de empresa individual. Talvez, ao longo de seu exercí­
aqui pra fazer um buraco e o cara cai, se machuca, qualquer coisa,
cio de trabalho pejotizado, nem tenha ainda sofrido pela massificação dessa eu vou ter um problema.
chamada ideologia empreendedora. No entanto, a sua prática longeva de PJ Meu irmão contratou um velho lá, o velho subiu na escada, a escada
pode ter permitido-lhe uma leitura bastante ampla sobre as relações de tra­ correu, o velho caiu, se machucou, ele tinha parado de pagar o INSS.
balho. Ele não defende, tampouco, enaltece o assalariamento, pelo contrário, Cara, meu irmão ficou alguns meses tentando levar o velho no posto
acusa a proteção legal de impedir contratações e tende a valorizar a autonomia de saúde, cara... fica na situação dele... "eu passo lá, pego o velho em
ou individualização laboral, como se essa fosse urna panaceia para a falta casa, só que o velho ficou sem pagar o lNSS" [simula a fala do iimão,
de postos de trabalho ( o faz, por exemplo, quando reconhece o MEI como que é um pequeno empresário], ele ficou sem pagar porque não tinha
condição de pagar. Eu também tô três meses sem pagar.
possível saída para a questão ocupacional).
[...]
E, mais uma vez, a sua manifestação de lamento da consciência que os
trabalhadores têm de seus direitos, evidenciam o distanciamento que ele possui Entrevistador: E você acredita que essas reformas (trabalhista e previ­
da sua efetiva condição de classe: trabalhador, e trabalhador desempregado. denciária) facilitam algo?

Entrevistador: Bem, então para encerrar a nossa entrevista,fique à vontade JB: Para mim, exatamente, não, eu já estou com 62 anos. O que melhora
para suas considerações finais. Fale, por favor, o que acha que faltou pra mim ... estou sentindo uma leve melhora agora, é porque o ano
dizei; o que você acha, enfim ...
111 Termo supostamente alusivo a uma menção de Fernando Henrique Cardoso a respeito de Michel Te­
JB: Cara, olha só, eu acho que trabalhar... analisando atualmente 2017, mer. conforme matéria publicada no jornal Valor, intitulada "FHC compara governo Temer a 'pinguela'
esse país quebrado, falido,*** [falou outro palavrão]. .. O Arrnínio e diz se esf orçar em favor dele", disponível em: <http://www.valor.com.br/politica/4794061/fhc-com­
Fraga falou esses dias que a Dilma foi um trem desgovernado na para-governo-temer-%3Fpinguela%3F-e-diz-se-esforcar-em-favor-dele>. Em resposta, Michel Temer
economia. Não tem nada inteiro. A capa do Globo de domingo, responde: 'Nunca cal de uma pinguela', diz Temer sobre declaração de FHC, publicado na Folha de
4.600 lojas fecharam no comércio do Rio de Janeiro. Cara, você anda São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/12/1843717-nunca-cai-de-u­
ma-pinguela-diz-temer-sobre-declaracao-de-fhc.shtml>. Ambos acessos em: 08 fev. 2017.
começou. Meu grande problema é que em janeiro e fevereiro que empreendedora na indústria de confecção de moda. �onho esse que, segundo
o pessoal sobe de férias pra serra, aí, eu fico sem ter o que fazer... ela, "existe ainda, latente, tá caminhando pra isso. E um projeto".
agora, todo o ano, tal mês, eu tenho uma criancinha que faz aniver­
sário, aí eu vou lá pra fazer as fotinhas, não é nada, não é nada, já é Entrevistador: Boa tardei Para iniciar a nossa conversa, fale um pouca
um cascalho pra receber. Você tá sempre contando com aquilo ali... sobre a sua carreira profissional desde o início até hoje.
eu acho que está havendo um principiozinho de mudança, de querer
melhorar, acho que a gente não pode perder o otimismo, né? MJ: Boa tarde. Eu sempre trabalhei com carteira assinada. Trabalhei du­
rante muito tempo em confecção, onde eu me tomei profissional e
Entrevistador: Será? depois disso eu trabalhei em outras áreas, mas voltei de novo para
essa função de costureira em confecção. Tem muito tempo esse iní­
JB: Também, fazer o quê? Não vou me suicidar agora, né... cio aí, tenho mais de 30 anos nesse ofício. E hoje atualmente eu
voltei ao trabalho como costureira, sendo que como PJ.
Eu quando comecei, fui trabalhar numa confecção até por acaso, não é
6.3 Entrevista 3: de assalariada a MEi, o anseio de um voo porque eu sabia fazer aquilo. Meu innão mais velho trabalhava numa
empreendedor na confecção de vestuário empresa como cortador e ele arrumou para mim lá como auxiliar no
corte, eu tinha 18 anos. E daí eu fui tomando gosto pela função. Fiquei
"Então, a sala virou a sala de costura, nessa empresa por quatro anos e a empresa acabou. No Plano Collor
a fábrica. Virou uma pequena confecção". teve aquela retenção, teve uma crise e aí, o Collor confiscou, então
nessa época a empresa fechou e era uma empresa muito boa, até gos­
tava muito e daí eu fui passando de fábrica em fábrica. Eu nunca fiquei
A terceira entrevista foi realizada com a costureira MJ de 49 anos. A es­ I?Uitos anos numa fábrica, nunca fiquei mais de três anos numa fábrica.
colha dessa trabalhadora, do ponto de vista metodológico, ocupa o perfil do As vezes você queria uma coisa melhor e tinha que estar pulando
indivíduo que pratica uma atividade tipicamente repetitiva, aos moldes do de galho em galho em busca desse melhor aí era uma ilusão, no
fordismo, e que não requer necessariamente um elevado grau de formação final é tudo igual.
acadêmica ou profissional.
Inserida no cadastro do Portal do Empreendedor como microempreende­ O ramo de confecção é um dos que têm os maiores índices de rotatividade
dora individual, ela possui 30 anos de experiência profissional dos quais mais de pessoal. Isso agregado ao fato de se tratar de um segmento cuja gestão
de 25, entre empregos e desempregos, formal ou informalmente, no ambiente baseia-se rigorosamente aos moldes tayloristas-fordistas ainda remanescentes
de confecção de moda. Com muito esforço diante das diversas formas de desa­ do início do século passado, o que contribui ainda mais com a insatisfação
fios e dificuldades, formou-se em Letras - licenciatura em Língua Portuguesa generalizada e o alto turnover de trabalhadores.
e Literatura Brasileira, embora não tenha exercido o magistério por conta da
falta de identificação com a regência de turmas, o que fora percebido logo Entrevistador: E como foi a mudança de ramo de atividade?
durante o estágio de docência. MJ: Eu passei, cheguei a trabalhar um tempo no comércio, mas como
Há quase dois anos, então, insatisfeita com as condições de trabalho do não me adaptei a trabalhar nos finais de semana, não fiquei muito
ambiente fabril, MJ solicitou desligamento da confecção de roupas infantis tempo não. Foi uma passagem breve pela área comercial, trabalhei
onde atuava e imediatamente recebeu do seu então patrão a proposta de se com telemarketing, que também não gostei muito e acabei voltando
tomar uma faccionista, ou seja, de exercer as atividades produtivas na sua pró­ de novo pra fábrica.
pria casa, utilizando, para isso, seu espaço físico, seu maquinário e o cadastro Como eu te falei eu sempre trabalhei em confecção, com costura,
que por sinal, é uma coisa que eu gosto de fazer. Eu vi ali a possi­
como MEI para que as operações "comerciais" entre eles não caracterizassem bilidade de um dia ter a minha própria confecção, onde ali eu optei
vínculo trabalhista. MJ é mais um caso comum de pejotização da força de por PJ, trabalhar por conta própria.
trabalho, conforme o contexto geral aqui tratado.
A entrevista durou cerca de 50 minutos e foi marcada tanto pela expres­ A profissional via na atuação como PJ, no trabalho "por conta própria",
siva aversão desenvolvida contra a relação assalariada, como essa vem sendo como cita, uma forma de emancipação do jugo do emprego e do ambiente
praticada, quanto pelo sonho que a profissional apresenta pela carreira como fabril que abomina. Sua decisão foi baseada em um "sonho" de se tomar
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microempresária no ramo, com o qual ela se identifica. No entanto, quase dois máquinas, ainda trabalho só, mas eu tenho planos de expandir um
anos depois do início desse "voo" na busca pelo sonho, ainda não conseguiu pouco e aí não vai ser mais só ele, acredito que não, a não ser que
avançar suficientemente na proposta inicial no âmbito dessa perspectiva ele aumente o volume também de serviços.
Aí eu conseguiria subcontratar, à medida que essa pessoa fosse traba­
empreendedora, embora já possua, há mais de três anos, três máquinas pro­ lhar comigo, ele aumentaria o volume de serviço, a quantidade e dai
fissionais adquiridas com verbas rescisórias. eu ia poder manter essa pessoa e aumentar a quantidade de serviço.
Entrevistador: Mas teve uma conversa tua com o então patrão? Foi uma
iniciativa tua? Houve uma proposta q.ue-você recebeu ou foi sua opção? A prática da facção avança sobre as redes sociais da microempreendedora
individual, à medida que ocorre um aumento de produção (podendo ser inter­
MJ: Teve uma negociação. Na verdade eu trabalhei com o último agora, eu mitente) do grande contratante, que se exime de todas as responsabilidades
trabalhei com um confeccionista e ele gostava dó meu trabalho e eu dis­ sociais sobre os novos elos dessa "cadeia produtiva". Mas MJ está satisfeita
se a ele que eu desejava sair da empresa porque ali eu não tinha mais e nutre uma expectativa por essa expansão. Sua satisfação, no entanto, tem
perspectiva de tá trabalhando ali com os direitos muito reduzidos, ape­
nas o salário e mais nada, só o salário de costureira ali por mês. Aí foi como referência as antigas condições, segundo ela, ainda mais sofríveis a
quando eu falei para ele que eu ia ver outra coisa para fazer e que eu já que se submetia.
tinha minhas máquinas para atuar no ramo profissional e diante disso,
ele gostando do serviço e ele é um cara quejá dava trabalho para pessoas Entrevistador: Como é o teu ambiente de trabalho hoje? Funciona na
autônomas também, ele aceitou e me fez a proposta de trabalhar com tua casa?
ele e a gente ser parceiros, me terceirizando. No caso, o que eu fazia na
empresa, eu passei a fazer em casa por minha conta, nessa fonna, nessa MJ: Eu trabalho em casa. A manutenção, tudo é por minha conta de
modalidade de PJ. Foi quando rescindi o contrato CLT, ele me pagou máquinas. Quer dizer, o contratante do meu serviço, a parceria, é
tudo certo, sem nada faltando e estamos aí, estamos até hoje. o outro lado, a empresa que terceiriza o meu trabalho, ela não tem
responsabilidade alguma. A única coisa que há de acordo entre nós,
Entrevistador: Você é umafaccionista? ele me entrega a roupa pronta para ser confeccionada e eu fechar,
aprontar a roupa, botar marca dele e devolver. Lá, nós acordamos o
MJ: Sim, uma faccionista. seguinte: o transpmte ele tem que pagar, levar e trazer roupa. Aí, eu
tenho que ir, porque não pode estar entregando a qualquer pessoa a
A realidade de MJ retrata muitos casos de conversão do emprego no es­ não ser que seja alguém lá deles, um representante lá.
paço da empresa para o trabalho "por conta própria" no ambiente domiciliar. Eu deixo um cômodo para isso. Fica um cômodo, é tudo mistura­
do, porque tem o meu quarto, a sala, uma cozinha e um banheiro.
No ramo da confecção, a facção é um modelo já consagrado dessa prática da Então, a sala virou a sala de costura, afábrica. Virou uma peque­
chamada nova informalidade, cuja característica é transformar o já escasso na confecção.
emprego protegido em trabalho informal ainda mais precário, subsumido às
condições da empresa maior contratante (TAVARES, 2002). Entrevistador: Quer dizer, a extensão do espaço de produção do teu con­
Unindo condições ambientais, financeiras e psicológicas hostis e precá­ tratante está dentro da tua sala?
rias com o desejo e o imperativo empreendedor, MJ tomou-se uma potencial MJ: Sim, dentro da minha sala [risos]. Isso é muito comum. Tem pesso­
faccionista aos propósitos do "patrão" que se tomou "parceiro", por ser uma as que têm uma garagem, onde podem disponibilizar, fazer lá uma
boa "colaboradora" 112• facção. No meu caso, não, isso não acontece, então é dentro do meu
próprio espaço doméstico.
Entrevistador: E hoje você presta serviços exclusivamente para ele?
"Tudo misturado" reforça o caráter improvisado do negócio, num con­
MJ: Na verdade, só para ele, mas não por imposição dele. Mais por
oportunidade mesmo, já que eu não expandi ainda, eu tô com três junto medidas de estratégias de sobrevivência. Os limites entre as questões
pessoais, familiares e profissionais praticamente não existem, traço comum
112 O uso do termo co/aboradorressalta um significado mais corporativo e muito em voga nos discursos na informalidade, de modo que a vida profissional assume os espaços fisicos
organizacionais. Assim, "aparece em Taylor com a mesma intenção: a identidade de interesses" de ambientes pessoais e familiares da entrevistada. Assim, da mesma forma
(FARIA. 2009. p. 30), ou seja, no sentido de cooptação do trabalhador aos interesses do negócio.
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já banalizada, se dá com a jornada de trabalho que pode se estender pela noite Entrevistador: Com relação às perdas e aos ganhos, você afirmou que o
e pelos finais de semana, por exemplo, o que, embora ela veja como fatores contrato PJ é mais vantajoso principalmente por permitir um horário mais
positivos, podem se tomar ainda mais prolongados e exaustivos do que o expe­ flexível de trabalho, enquanto, por outro lado, a maior desvantagem é o
ritmo de trabalho que é muito mais corrido. Você poderia/alar um pouco
diente prestado diretamente à fábrica no dia a dia como assalariada, além de não sobre isso que, a princípio, parece uma contradição?
favorecer a uma separação necessária a cada um desses aspectos na sua vida.
MJ: O legal do ME! é isso. Quando você é um profissional capacitado,
Entrevistador: No questionário respondido pela internet, você informou que você tem meios de ganhos e sabe que pra você ter esses meios de
que não pode ser substituída na realização de suas atividades profissionais ganhos maiores em relação ao que você vem sendo CLT, é o que te
junto ao contratante. que trabalha todos os dias, que você se reporta a move, é o que te motiva a sair de um regime e transitar a outro regime.
um único supervisor da empresa contratante e que ele é quem determina Porque você sabe que sendo ME! são muitas vantagens, a gente paga
se ou quando haverá reajuste no seu pagamento. Esses aspectos são ca­ pouco. Temos wna contribuição que não é muito puxada para pessoa
racterísticos de uma relação de trabalho com cart�ira assinada.. O que e a vantagem é essa, que você sabe que se você é capaz, tem as fen-a­
de fato mudou com relação à sua condição de empregada? Quais são as mentas necessárias para desenvolver wn bom trabalho ali e tirar uma
diferenças na situação anterior para a situação atual? renda que seja razoável em relação ao que você tirava todo mês sendo
fixo como CLT, isso é uma vantagem enorme, isso é bem legal.
MJ: Tem diferença, porque aumenta tudo. As possibilidades de ganho é Essa flexibilidade aí que me referi é justamente sobre isso. Nos me­
uma delas, flexibilidade de horário, de tempo, às vezes para resol­ ses em que eu trabalhar bastante, eu sei que eu vou ter até dobrado
ver alguma coisa durante a semana, já que você estando dentro de ou triplicado, se eu fizer esse trabalho estender. O que seria diferente
uma empresa você não conseguiria, porque não teria uma pessoa eu estando dentro de wna empresa, eu trabalhando em um ritmo bem
para substituir ali e muda tudo. E eu sei que muda também que você intenso, por vezes, não necessariamente com hora extra, mas um ritmo
mais acelerado .e ao passo que o ganho seria o mesmo, sem nenhuma
trabalhando dentro de uma empresa no regime CLT você tem seus alteração no final do mês, sendo no regime CLT. Já isso não acontece,
compromissos e responsabilidades, seus direitos e também seus de­ é diferente você sendo ME!, trabalhando por conta própria. Você tra­
veres. E isso, eu sendo MEI, trabalhando por conta própria, eu sei balha mais, você tem wn ganho maior. No outro dia, você pode dar
que muda um pouco mais, mas para mim, assim de modo geral, aquela pausa, ficar um pouco mais tranquilo.
mudou para melhor, é mais vantajoso sim, eu poder fazer isso.
Na verdade, eu sinto falta dos direitos trabalhistas. Porque em ter­ Entrevistador: Entendi. Então, por exemplo, hoje é uma sexta-feira. Para
mos de direitos, por exemplo, você tendo umas férias remuneradas estarmos aqui fazendo essa entrevista, você planejou isso e, ao longo da
é legal, o décimo terceiro, é uma coisa garantida, se você estiver semana, trabalhou um pouco mais para dar essa pausa?
adoentado, impossibilitado de trabalhar, você vai ter ali os direitos,
é isso o que muda. No mais ... MJ: Exatamente, eu puxei um pouco no ritmo durante a semana justa­
mente tendo sido programada para parar na sexta, eu acelerei um
Assim como todos os pejotizados, MJ encara a dicotomia entre perdas pouco durante a semana sem que isso atrapalhasse o meu serviço lá,
e ganhos. Lamenta a evidente perda de direitos e a insegurança que essa o meu desempenho lá na produção semanal.
condição determina. Mas sua resposta contém algo que marca a sua forma
Entrevistador: Já com relação à desvantagem, o ritmo é mais corrido.
de encarar a pejotização: satisfação. De novo, relata a satisfação pela eman­
Como é isso?
cipação do jugo do ambiente fabril ao qual estava diretamente inserida e a
atormentava. No seu ponto de vista, prefere essa situação indefinida entre MJ: Con-ido porque às vezes os empresários, os confeccionistas, eles
empregada e "por conta própria", mesmo que não tenha alcançado a con­ pegam uma produção muito alta e que não dá para se fazer em
dição empreendedora almejada. tempo hábil com o pessoal fixo que eles têm lá disponíveis. Isso
Por outro lado, a confecção contratante estabeleceu negócio com uma acarreta em muito serviço na divisão de tarefas, então fica puxado,
corrido, por isso.
pessoajurídica, mas levou uma pessoa fisica (pessoalidade); impõe um volume Existe um controle muito rigoroso na fábrica, inclusive tem uma pes­
de trabalho que a faz trabalhar todos os dias (habitualidade); estabelece metas soa destinada só prá isso, para ficar tomando conta de horários, uma
(subordinação) e define valores remuneratórios (onerosidade). É patente a pausa, uma ida ao banheiro, alguém parar para beber água, isso tudo
vinculação empregatícia mascarada pela pejotização. é olhado, não é muito permitido assim livremente, não. É uma regra.
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Entrevistador: Alguém cronometra o tempo que algum fimcionário se um pouco. Então, por isso que eu falo, tem que levar isso muito a
levantou para ir ao banheiro ou beber água, por exemplo? sério, porque é você e você. A partir do momento que você se en­
quadra nesse microempreendedor, seja um empresário ou seja qual
MJ: Tem, e isso tudo é visto, é olhado e depois a pessoa é chamada e for o porte de empreendedorismo, você tem que ir fundo e com
ela é notificada, ela é avisada que fez, quantas vezes fez. Às vezes tudo, não pode relaxar pensando "ah, eu sou o dono eu não vou ter
a pessoa passou mal ou qualquer coisa, isso tudo é olhado, é levado cobrança", vai ter sim, no fundo tem, no final tem.
em conta isso.
É uma prática comum, é muito comum. Quem trabalha com
produção seja qual for o ramo, sabe o que é isso que eu tô falando, Nessa necessidade de terforça de vontade eperseverança há uma conotação
porque é muito comum. Você não pode parar às vezes até para se de falta de seguridade, de respaldo em casos do infortúnio do desemprego ( a CLT
coçar, você não tem tempo, é muito corrido é muito.intenso
·· mesmo. é apontada como "aquela base"), por exemplo, ou até mesmo de algum caso de
É uma coisa muito intensa.. doença. A profissional relata, por exemplo, que é muito comum trabalhadores
No caso de doença, a pessoa fica mal vista e, por vezes, ela até sofre
perseguição pelo superior imediato, tem isso. Existem esses proble­ se lançarem "por conta própria" sem mesmo manter o cadastro e o pagamento
mas aí, sim. do MEI, tomando essas pessoas ainda mais vulneráveis nos momentos adver­
sos, da incapacidade produtiva. Situação diferente da condição assalariada que
Nesse momento a trabalhadora relata algo muito comum na indústria assegura minimamente nessa situação. Atuar como empresa individual requer
de produção da moda que é a hostilidade do ambiente de trabalho ainda essa "força" e vigília permanentes, dada a sua situação individual proporcionada
marcado pelos atributos tayloristas. A figura do capataz, a cronoanálise de a esse contingente de novos "empreendedores".
ritmo produtivo, as pausas tolhidas, e racionalizadas, inclusive para as neces­
sidades fisiológicas, enfim, uma série de práticas que, em muitos segmentos Entrevistador: Que tipo de cobrança, por exemplo?
profissionais se dá de uma forma mais velada, nos ambientes de confecção MJ: No caso, se você for o MEI ou o microempreendedor, empresário,
de moda ainda persistem sob intensa e declarada forma de controle gerencial. você vai perceber que esses teus vacilas aí vão te fazer falta, por­
que aí é uma falta de responsabilidade, e a responsabilidade para
Entrevistador: O que você recomendaria para uma pessoa que se encontra o empreendedor é algo muito imJ?orlante, não pode abrir mão da
em dúvida sobre aderir ou não ao modelo PJ? responsabilidade por outra coisa. E isso que eu tô dizendo.
MJ: Se a pessoa tem dúvida em relação a ser MEI ou estar dentro do Entrevistador: Você falou agora do empreended01: você acha que, hoje
regime trabalhista CLT sendo empregado de uma empresa, a pri­ em dia, de certa forma, as pessoas estão sendo obrigadas a se torna­
meira coisa que eu tenho a dizer para a pergunta é se ela tem força rem empreendedoras?
de vontade. Porque ela tem que terforça de vontade e perseverança
e saber que ela não tem mais aquela base que são os direitos tra­ MJ: Eu acho que sim, porque eu tenho visto muitas pessoas saírem de
balhistas, por isso ela vai ter que pensar várias vezes se ela pode empresas onde trabalham, não vou dizer todos os setores, mas mui­
passar, transitar, para esse regime ou não. Porque, realmente, pode tos setores aí, por exemplo, de fábricas para ir vender bala no sinal,
ser melhor como foi para mim. No meu caso, eu fiz todas as consi­ para vender bala no trem e pagando aí uma autonomia, um negócio
derações estando dentro de uma empresa e eu agora, estando fora, qualquer ou até botando bala na porta de casa numa banca, porque
como autônoma e MEI e eu acho que eu só vejo vantagem para tá muito difícil e as pessoas não têm muito valor como empregado
mim, eu não me arrependo, não. Agora, para essa pessoa, eu digo e aí elas estão recorrendo a trabalhar por conta própria.
mesmo, você tem força de vontade? Tem capacidade? Porque não
éfácil, é muita responsabilidade.
Eu diria para continuar como empregado, pessoas que às vezes não "Empreender", a categoria analiticamente imprecisa, aparece na sua
tem muito interesse, não tem muita força de vontade. Porque você resposta como forma correspondente a atuar por conta própria, novamente,
trabalhando para você mesmo, tem aquele dia que você tem uma como alternativa à saída do jugo da empresa. Qualquer forma de trabalho,
festa ou um compromisso, aí você fica até tarde, no outro dia você qualquer maneira de se empenhar à obtenção de alguma renda de forma
pensa: eu trabalho para mim mesmo, então não vou trabalhar hoje, honesta, além da condição assalariada, adquire o controverso status empreen­
não vou abrir a loja, nem vou lá. E acontece isso. E aí você relaxa dedor. E essa migração (assalariamento/por conta própria), via MEI, reforça
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o efeito ambíguo dessa política de "formalização" implementada a partir Entrevistador: O que você acha disso de ter que ser empreendedor e de
de 2009. De um lado ela inclui os informais em algum tipo de formalidade. ter que trabalhar por conta própria?
Por outro lado, ela viabiliza que a informalidade avance a um estrato antes
minimamente protegido, a uma formalidade circunscrita a algumas poucas MJ: No meu caso de confecção, um profissional seja qual área for, eu
garantias previdenciárias. acho que ele é muito desvalorizado no mercado de trabalho. A gen­
te não tem sindicato, é fraco. Sindicato e nada é a mesma coisa,
Entrevistador: E você viu muitos casos de pessoas que eram empregadas de não serve para nada. Aumentos [salariais], essas coisas todas não
carteira assinada e passaram a ser MEi, passaram a trabalhar em casa? acontecem, e quando acontece é uma coisa muito ... Olha, para �ocê
ter uma noção, há quase 30 anos atrás, que eu era aprendiz amda
. MJ: Vi, eu tenho muitas amigas que são autônomas, outras nem pagam quando eu comecei, quando eu me tomei costureira, aquilo para
nada, simplesmente trabalham; nem sei como elas fazem isso, que mim foi a maior alegria, porque o meu salário dobrou. Hoje, não .
não pagam uma contribuição nem nada, Imprudência, mas eu já vi. Hoje a diferença de um profissional de confecção de costura é de
Muitas até abriram, como eu, o MEL Outras viraram microempre­ cem a R$200,00 a mais do que o mínimo, em cima do salário de um
sárias, tem loja e tudo, tão indo bem, inclusive, gerando emprego auxiliar, que não senta numa máquina, não faz, entendeu? Só a�re­
para outras pessoas. mata. Então, nessa área de confecção, eu acho que todos devenam
Assim como eu, interessada e gosto do que faço, a pessoa tem em pensar assim, os que gostam de trabalhar e que querem isso para si,
mente isso [vontade de empreender], sim. Mas tem muitas pessoas eu acho que devem ser empreendedores. Tem que deixar o empre­
também que trabalham ali dentro de uma confecção e trabalham por endedorismo aí falar mais alto e seguir essa linha, porque eu acho
trabalhar. Para elas, tanto faz estar ali ou não. que ficar dentro de uma fábrica, a gente vai viver ali sem nenhuma
Eu tinha isso em mente. Quando eu trabalhava na confecção de perspectiva, só trocando de uma fábrica para outra e no final, são
alguém, eu já ficava imaginando ali as minhas roupas, as minhas todas iguais, o regime o mesmo.
produções, eu fazendo as dos outros, eu confeccionando, produ­ Então, aí é que está. Se eu não tive nenhuma dúvida em trocar, talvez
zindo roupa para outra pessoa, eu pensava que ali podiam ser as se fosse dessa fonna que você acabou de falar, eu teria dúvida sim,
minhas roupas e isso me motivava. Eu pensava, um dia quero ter a se fosse bem remunerada, reconhecida. Aí sim, mas atualmente...
minha roupa numa loja. Com a minha marca ali, sim, eu fabricando.
Eu ficava olhando a etiqueta e imaginando a minha, mas isso é um Entrevistador: Você está seguindo como PJ mais por insatisfação com
sonho antigo, tem mais de 20 anos. o mercado, com o ambiente e as condições de trabalho assalariado ou
porque você é empreendedora mesmo?
Entrevistador: E como está o sonho hoje?
MJ Em primeiro lugar por essa razão, de ser mal remunerado, não re­
MJ: Ele existe ainda, latente, tá caminhando pra isso, é um projeto. Eu conhecido como profissional na área e depois aí você acaba desco­
tenho um monte de ideias, agora, falta só acontecer. brindo que você podia ser empreendedor, ser como aquela pessoa
que está te dando roupa para fazer. Você pode ser uma pessoa da­
quela, você ser o teu próprio patrão, entendeu? E é isso, eu acho que
Com seu jeito simples e uma certa humildade, presentes em sua fala, é mais pelas condições, mas também misturado com esse negoc1 _
?
MJ abre seus sonhos nessas breves palavras onde aponta a uma perspectiva de você poder ser empreendedor, porque é uma área, como eu falei,
profissional quase utópica no âmbito de sua limitação de tempo operacional que eu gosto, eu acho legal, gratificante, você fazer isso.
no ofício da confecção. Ela trabalha só. Não conta com ajuda de terceiros
e seu tempo escasso não lhe permitiria ampliar seu horizonte de atuação, o MJ, ao que parece, esperou mais da condição assalariada enquanto se
que demandaria um acúmulo operacional e estratégico, produtivo e comer­ manteve empregada nas confecções, mas, em certo ponto, desistiu dessa_
_
cial, fabril e burocrático, o que lhe traria certamente outros tantos desafios, expectativa. Ela conhece bem a situação e sua insatisfação acabou poss1b1-
sobretudo aqueles correlatos às competências empreendedoras, de fato. Um litando-lhe vislumbrar no empreendedorismo uma alternativa viável de se
sonho, que está guardado e aguardando a oportunidade de se realizar, "la ­ sustentar, à medida que vai se ajustando a esse ambiente, com todos os_ seus
tente", como na sua fala, tanto quanto em inúmeros outros trabalhadores que desafios. Apresenta-se como mais um caso de "empreendedor por necessidade"
dão alguns passos nessa tão disseminada e, ao mesmo tempo, controversa que surge das insatisfações com o emprego e não necessariamente partir da ª.
direção empreendedora. sua "vocação" ou "competência" empreendedora, conforme defendido pelos
r 1...,1v 1 1LJ"\ ynv. g "''''I''""" """''""''"'' vv,,,v '"'Y,.. �" .,,...,,...,,,.,

comportamentalistas. A artífice rompe com o sistema "protegido" e encontra MJ: Não, de fonna alguma, mesmo porque eu quase nem usava. Eu não
no ambiente (in)formal melhores condições, pelo menos no curto prazo, para tinha nem conhecimento, eu nunca nem pus os pés no sindicato pra
suas necessidades mais ligadas à satisfação subjetiva pelo trabalho. nada, a não ser quando era para fazer a homologação, somente, por­
que é obrigatório depois de um ano você homologar no sindicato.
Entrevistador: Você vê empreendedorismo na sua atividade? Ou em
qualquer outra atividade MEi, por exemplo, no trabalho de um pedreiro Entrevistador: Então, estar como microempreendedora individual, ou seja,
autônomo ou de um contador que é MEi? na condição de trabalhadora individualizada, isolada da categoria, isso
não te faz falta se comparado com a tua situação profissional anterior,
MJ: Eu acho que sim, porque a màioria dos pedreiros bons mesmo, eu de empregada assalariada?
acho que nenhum deles está vinculado à empresa. Se você reparar,
muitos são autônomos e formam suas equipes. Eu não sei como, MJ: Não, de forma alguma. Eu acho até que eu tenho maior autonomia
mas são empreendedores, sim. Mas não sei se eles contribuem, mesmo, no mais amplo sentido da palavra autonomia legal mesmo,
mas muitos trabalham por conta própria e eu acho que isso é legal. porque é aquilo que eu falei, se eu tra):>alhar mais, eu tenho mais, o
Agora, tem funções que, realmente, é melhor estar dentro da em­ que dentro da empresa não acontece. As vezes você triplica o servi­
presa, ser empregado. Um enfermeiro, por exemplo, eu acho que ço, sem ganhar nem um centavo a mais.
um enfermeiro...
Eu não acho legal essa coisa que tão querendo tornar o Brasil, A individualização sob o ponto de vista do trabalho organizado, não é
todo mundo empreendedor. Eu acho que as pessoas têm que ter necessariamente o que mais impactou na nova fase profissional de MJ. Mesmo
a carteira, todos os direitos trabalhistas, sim. Não devem ser ex­ que sob insistência na pergunta, na sua opinião, a atuação do sindicato junto à
tintos esses direitos do trabalhador, não. Agora muitas áreas têm sua categoria significava apenas uma entidade burocrática e distante da sua rea­
que ter. Por exemplo, o professor. Já pensou, um professor MEI?
Um professor autônomo? Eu não imagino. Um enfermeiro autô­ lidade cotidiana, onde não se havia estabelecida uma relação de pertencimento
nomo? Médico? Agora, só se o médico tiver sua própria clínica. e representatividade como classe, tampouco de amparo. Esse distanciamento
Mas, eu acho que todas as profissões aí, mas a maioria tem que viabiliza ainda mais a definição e consolidação de uma nova ética do trabalho
ter as empresas. A pessoa tem que ser empregada e bem remune­ individualizado, cujas marcas não se estabelecem necessariamente a partir da
rada bem reconhecida. identificação com a veia empreendedora, mas por desolação da ausência dos
atributos inerentes à condição de assalariado.
A falta de reconhecimento simbólico pelo trabalho e da recompensa ma­
terial são os fatores que tanto a incomodam no regime salarial. Há o lamento Entrevistador: Você conhece casos de trabalhadores que acionaram a
da perda de direitos, antes alegada e, agora, a queixa pela decomposição das justiça por conta da prática de trabalho como PJ?
formas de valorização do trabalhador no ambiente empresarial. E assim, mais
MJ: Negativo, não conheço.
uma vez, aponta o trabalho individualizado como alternativa.
Entrevistador: Do jeito que você trabalha atualmente, como faccionista,
Entrevistador: Para você, em algumas atividades dá para tentar ir adiante com aquelas mesmas características do teu trabalho, você achajusto um
como empreendedor, enquanto outras, não? trabalhador processar uma empresa reivindicando vínculo empregatício?
MJ: Sim, eu comecei como MEI, mas não é para ficar prestando muito MJ: Não, não acho justo, não, porque quando você inicia essa parceria
serviço era mais para eu aprender, para eu fazer para mim, para eu você está ciente. No meu caso, houve um acordo entre mim e o
vender, para eu negociar que aí é uma forma de até um ganho maior. patrão, então, não tem esse negócio, não.
A minha intenção é essa.
Entrevistador: Trabalhar individua/mente como ME!, você tem garantia
Entrevistador: Vocêfalou há pouco que o "sindicatofraco, não serve para de alguma entidade ou da Justiça? Você sabe se tem a quem recorrer em
nada", foi uma das coisas que te desanimou. Você sente falta de algum caso de alguma desvalorização ou desrespeito como trabalhadora?
respaldo, de alguma proteção ou de alguma referência como coletividade?
A minha pergunta é se as instituições, como sindicatos, por exemplo, te MJ: Então, o que acontece? Você sendo MEI, eu vejo como uma pes­
fazem falta atualmente? soa que assume o risco e a responsabilidade, que é altamente de
autonomia. Então, você é responsável pelo serviço, mas se você MJ Exatamente, respondendo a primeira parte da pergunta, da perda dos
não estiver satisfeito, achando que alguma coisa é devida, você tem direitos trabalhistas, inclusive quando vai embora, férias, tem sempre
que trocar para quem você está prestando serviço e passar para ou­ esses bônus aí, lógico, que fazem falta, porque o salário é aquilo de
tro. Não tem como você protestar, como processar, como requerer sempre. Mas no caso quando você se toma MEI, o pensamento pri­
alguma coisa não. É uma prestação de serviço. meiro deve ser esse, você guardar alguma coisa, entendeu? Você tem
que ser previdente, você tem que pegar, separar uma quantia todo
Ao longo do seu discurso, é perceptível que a trabalhadora não se vê como mês e colocar na caderneta de poupança. Não é o meu caso ainda
não, eu ainda não fiz isso porque eu tô só um ano e já penso em fazer
sujeito de direito trabalhista, ou talvez de qualquer outra forma de direito, no isso, guardar para poder ter, você tem que ter um fundo, lógico.
que se refere às suas atividades profissionais, como se, para ela, trata-se apenas [ ... l
de uma prestação de serviços de empresa para empresa, uma arena, segundo Eu não queria que fosse assim não, mas como eu falei, tem profis­
ela, onde não caberia a questão judicial, por ter sido preyiamente acordado. sões, têm funções que têm que ser bem reconhecidos e estar dentro da
CLT direitinho. Eu não queria que fosse, eu não desejo, mas se todas
Entrevistador: Você falou do MEi que ele se formalizou, mas tem carac­ as costureiras pudessem se tornar MEi, eu acharia legal [risos]. Ia
terísticas ainda de um trabalho informal. Você acha que como MEi, você ser bom para todas. Porque é o que eu falei. Não tem direito nenhum,
é uma trabalhadora formal ou uma trabalhadora informal? o salário muito seco. 10% a mais do mínimo... Reconhecimento, am­
biente de trabalho a qualidade, deslocamento ... E o ambiente não é
MJ: Informal. Informal porque ... porque eu sei que eu tô fora do regi­ muito favorável. Você costuma ter muito estresse, é muito estresse
me trabalhista. entre os próprios colegas. O estresse rola solto. É muito estresse, é
Ah, eu? Para mim ... Acho que foi formal mesmo, porque tem essa uma cobrança ... Porque, como é uma confecção, tem muitas opera­
coisa de eu ter que pagar contribuição, né ... o informal que eu pen­ ções e passa na mão de várias pessoas. Você imagina uma roupa que
sei foi por trabalhar por conta própria e tal. passa na mão de cinco mulheres. Tem dia que uma tá bem, a outra
É formal, porque de certa forma eu tô subordinada a uma empresa não tá, e se você falar alguma coisa ali, aí pronto, já viu, é curto
que terceiriza o meu trabalho. Eu sou uma subempresa dentro de circuito na certa. Acontece muito isso, acontece muito. Muita gen­
uma empresa. E é informal por causa disso, eu tenho autonomia te chega ao cúmulo de agressão e a justa causa. Sempre aconteceu.
dessas coisas todas, flexibilidade de horário. Porque formalizada, Pergunta para alguém que trabalha dentro de uma fábrica de costura
eu não teria. Então, mescla meio isso, de formal e informal, eu não se nunca teve uma briga dentro de uma fábrica.
sei onde fica um e termina o outro [risos].
A fala "se todas as costureiras pudessem se tomar MEI, eu acharia legal"
Essa imprecisão é comum entre os trabalhadores e ilustra a "zona cin­ contém um lamento pelas condições degradantes às quais as trabalhadoras
zenta" que paira sobre as interpretações subjetivas a respeito das condições estão submetidas e, concomitantemente, um grito de emancipação, carregando
de trabalho contemporâneas. Tanto a regulamentação daquilo que vinha sendo um desejo de libertação da condição hostil típica desse segmento. O estresse
considerado informal, quanto o desmantelamento progressivo das condições e os demais aspectos ambientais (físicos e psicológicos) a afastam desse
do que era formal concorrem para que fenômeno se desenvolva e confunda modelo de submissão do trabalho fabril. Ambiente sobre o qual ela optou e
mesmo as interpretações a respeito dessa ambiguidade. De certo nisso, apenas prefere se manter afastada.
o vilipêndio das condições de trabalho, das questões do informal, que avançam
sobre o formal e vice-versa. Entrevistador: Bom, então para termina,; o que faltou dizei; alguma ex­
periência que você teve, só para encerrar a nossa conversa.
Entrevistador: Voltando ao seu questionário e ao que falou aqui, você
lamenta a perda de alguns direitos. Mas,. ao mesmo tempo,falou também MJ: Bom, eu acho que é uma pena que o Brasil esteja passando por essa
que ganha mais do que ganharia como empregada de carteira assinada. crise e disso tudo quem tá mais sofrendo e vai sentir esse abalo
Mas como empregada, você teria direito a férias, 13 ° salário, FGTS en­ mesmo, em meio a tanta corrupção, tanta coisa, somos nós traba­
tre outros beneficias além da remuneração regular mensal. No teu caso, lhadores e, principalmente, os das classes mais baixas, né? Porque
você consegue ou pensa em fazer algum tipo de provisionamento, você se os direitos eram tão restritos, hoje estão mais restritos ainda.
guarda dinheiro para suprir essa perda, esse a mais que você perdeu? Serão menos direitos que teremos agora. E eu como MEI, uma mi­
Há esse planejamento? croempreendedora, espero um dia eu conseguir crescer um pouco
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como empreendedora. Eu vou fazer diferente do que eu encontrei


nas empresas de confecção, que foi meu caso. Fazer diferente. de pessoal aqui no Rio de Janeiro. Era o Banco do Estado de Minas
Gerais e eles tinham uma administração forte aqui no Rio e eu pas­
Contratar pessoas e dar a elas o valor devido, reconhecimento, uma
sei a responder por essa área de treinamento. Foi assim que eu in­
remuneração legal, justa e dar uns direitos, algumas coisas assim
gressei na minha área, mas como era o banco de Minas Gerais,
que eu nunca tive. Um plano de saúde, alguma ajuda de custo, al­
qualquer oportunidade de crescimento nessa área, que eu já lava,
guma coisa para incentivar a profissão, o trabalho da pessoa.
estava me identificando com RH [recursos humanos], eu teria que
ir para Minas Gerais, o que não era o meu interesse, então passei a
6.4 Entrevista 4: o executivo e acadêmico e sua perspectiva procurar outras alternativas de trabalho. Aí consegui me colocar na
crítica sobre a condição de ser empresa individual Varig, também na área de desenvolvimento de pessoal e aí eu traba­
lhei na gerência de pessoal. Não era gerente, era da equipe técnica
que elaborava e aplicava o programa de treinamento gerencial,
"Acho que é saudável correr riscos; sâbe?.-Mas µma coisa é programa de supervisão. Da V arig, fiquei ali por um ano e meio,
você querer saltar de asa delta, outra coisa ê vócê ser empur­ um pouco mais do que isso, recebi um convite e fui trabalhar numa
rado e depois 'ih, cadê a asa delta?' Primeiro que às vezes você empresa do grupo Votorantim em Salvador. Aí, eu fui chefiar uma
nem quer saltar de asa delta e segundo, que eles nem te colo­ área de desenvolvimento pessoal. Fiquei lá cerca de dois anos,
caram asa delta. Então, tem que ter esse tipo de cautela". depois aí começou a agonia.
Já era um pouco agoniado, mas aí a agonia aumentou e eu saí para
DR é um profissional experiente no mercado de trabalho. Bacharel em tentar me estabelecer por conta própria. Aí, eu comecei com essa
Administração, possui doutorado com diversas publicações na área de Políticas vida de PJ. Eu fiquei ali de 1988 até 1993 aproximadamente. Me
Públicas e já atuou ao longo de sua trajetória como estagiário, cooperativado, associei com pessoas que tinham escritório de consultoria de outras
áreas e eu comecei a trabalhar com consultoria de RH junto com
autônomo, microempresário e empregado assalariado. Além de executivo em
essa empresa, como uma parceria. Eu já era PJ e comecei a desen­
grandes empresas, também lecionou em instituições de ensino de graduação e volver projetos para empresas, programas de recrutamento e sele­
de pós-graduação e atualmente trabalha apenas com consultorias empresariais, ção, programa de treinamento gerencial, era o que eu gostava de fa.
através de sua empresa de pequeno porte (EPP). zer e simultaneamente a isso, eu comecei a trabalhar também como
Iniciou sua trajetória como empresa individual em 1988, a partir de sua professor numa faculdade lá em Salvador. Fiz alguns trabalhos com
"vontade de abrir um negócio no meu nome", como ele mesmo relata, quando grandes clientes nessa parte de consultoria e cheguei a fazer uma
consultoria grande para o SES! lá em Salvador. Estava realmente
negociou sua saída da empresa onde atuava como assalariado após não supor­
consolidando um espaço profissional lá dentro, ganhando uma certa
tar mais a "agonia" daquele modelo contratual. Agonia foi o termo utilizado projeção, mas eu tinha vontade de retornar pro Rio de Janeiro.
diversas vezes ao longo de sua narrativa para caracterizar sua insatisfação Acabou que eu não voltei para o Rio, fui para São Paulo. Recebei
com o ambiente produzido pelas organizações e das condições gerais hostis do um convite, aí deixei de ser PJ, fui ser diretor de Recursos Humanos
cenário empresarial. Com seus quase 60 anos de idade, enxerga a pejotização no SENAI/SP, como assalariado CLT. Depois, eu vim para o Rio de
claramente como um processo de precarização das relações de trabalho e, Janeiro, também como empregado CLT. Eu fui assessor da diretoria
geral de administração estratégica, até que o SENA! em 98 tinha
apesar de sua leitura marcadamente crítica sobre a ideologia empreendedora, decidido centralizar em Brasília, mudou a sede do Rio de Janeiro
que resulta na migração para o formato de empresa individual, reiteradamente, para Brasília e eu decidi não ir. Eu fiquei até o início de 1999, se não
defende a pejotização e o empreendedorismo, desde que estabelecidos sob a me engano, aí eu decidi sair.
opção individual de cada trabalhador. Voltei a ser PJ. Fiquei de 99 a 2002 como PJ e fiz trabalhos de
consultoria para algumas empresas, mas era aquela PJ quase um
Entrevistador: Boa noite! Para iniciar a nossa conversa, queria que você home office. Em Salvador, eu tinha uma certa estrutura, tinha uma
falasse um pouco da sua trajetória profissional. sala dupla, tinha estagiários que trabalhavam comigo, as pessoas
trabalhavam comigo era muito por demanda, por projeto. Quando
DR: Isso faz muito tempo [risos]. Quando eu comecei a atuar profis­ eu pegava um serviço grande, eu me associava a outras empresas e
sionalmente, depois que eu me formei e tal, eu trabalhava em um a gente junto trabalhava com essas empresas, mas a responsabilida­
banco e consegui cavar lá um espaço e tentar ir para uma área ad­ de jurídica final era minha. Então era um trabalho como PJ. Um PJ
ministrativa onde eu passei a responder pela parte de treinamento prestando serviços a outra PJ.
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Mas já nessa outra fase aqui no Rio de Janeiro eu trabalhei mais


como atividade individual tipo home office que já tava também pen­ aspecto empreendedor que é inerente à atividade de consultoria, sobretudo a
sando em trabalhar menos horas. Aí, eu fui contratado para uma ação sob a forma de empresa individual.
umdade do SENA! aqui no Rio, fiquei lá fazendo consultoria e
depois me chamaram para ser Diretor de Educação e Tecnologia. Entrevistador: Essa tua visão sobre o trabalho PJ que você chegou tratar
Eu fiquei lá quatro anos e saí em 2006. Voltei a estudar, fiz um como precarização, ela é relativa a você não se ver mais empregado ou
trabalho como autônomo, nem me estabeleci como PJ... aí eu você diz isso como um todo para a sociedade?
voltei para o trabalho de PJ que eu tô até hoje, de 2008/2009,
talvez, até agora, mas também mais no esquema de home office, DR: Então, tem duas questões aí colocadas. Você pode ser PJ por uma
trabalhando com projetos. opção pessoal e você não querer mais ter um vínculo com uma
Eu fiquei um pouco parado, porque eu estava.fazendo doutorado aí organização e você poder estar trabalhando para vários clientes ou
eu fiquei misto. Eu fiz um trabalho grande no SENAC. Aí que e;tra você monta uma equipe de trabalho e você se estabelece como um
uma questão que é crítica no meu modo· de ver. Se você está numa prestador de serviço. É essa a questão que eu valorizo, que eu vivi
insti�ição de ensino superior coordenando um curso de pós-gra­ na Bahia e outra parte aqui no Rio de Janeiro. A outra questão é
duaçao ou sendo docente desse curso, você é empregado da ins­ você ser/orçado a se estabelecer como PJpor conta da intenção do
tituição. Você não tem que ser um PJ. Então, eles desvirtuam isso contratante de ter menos encargos com teu trabalho. Aí ele trans­
por uma questão de trabalhar a um custo menor na contratação. Aí, forma você, quer que você seja PJ, você é forçado a isso.
transforma todo mundo em pessoa jurídica. Essa fase no SENAC, Nos anos 90, quando as empresas fizeram muito downsizing [en­
por exemplo, eu considero um pouco diferente, mais como precari­ xugamento da estrutura organizacional], essa história tava muito
zação do trabalho do que realmente uma atividade como PJ. Tanto é na moda, até dentro daqueles programas de reengenharia, muitas
que depois eles pararam com isso e resolveram intemalizar as pes­ pessoas eram estimulados a sair da empresa e se estabelecerem
soas. Então fiz um processo seletivo realizado pelo SENAC mas como pessoa jurídica e até motivados pelo grande apelo financei­
fiquei pouco tempo lá também, por conta do doutorado. ro que as empresas davam para você se desligar, de programas de
Eu fiz m1;a parte do meu doutorado no exterior e aí me desliguei demissão voluntária, muitos saiam e às vezes até se estabeleciam
e fiquei so por conta do doutorado e agora que eu retomei mas eu como pessoa jurídica e quebravam a cara. O SEBRAE tem estu­
t� mu(to mais �oltado a fazer trabalho de pesquisa de pós'. gradua­ dos sobre isso. Quebraram a cara porque essas pessoas não tinham
çao, digo, de pos-doutorado, tô com outras intenções aí e não devo uma preparação para isso, uma orientação para isso, não tinham
�ontinuar como PJ, mas tive uma experiência, acho que bastante um perfil para estar à frente de uma linha de negócio. Estão ha­
11:tensa. Numa '.ase da minha vida, chegou um momento que eu já bituados a receber o salário no final do mês. Tinham uma cultura
n�o me via mais trabalhando numa empresa, eu já me enxergava toda voltada para ser empregado aí quando é que você tenta se
so co�o... quando eu entrava nas empresas para poder prestar con­ transformar em empregador forçado pelas circunstâncias, acaba
sultona, eu pensava, eu não me vejo trabalhando com 40 horas por se dando mal.
_
semana. Para mmha agonia era muito mais indicado, eu me sentia Eu fiz muitos trabalhos para o SEBRAE também como PJ nessa
muito mais à vontade prestando serviços para várias empresas do fase de 2008/2009 até 2014, quando parei por conta do doutorado,
que somente para uma empresa. mas era opção minha. O SEBRAE trabalha muito contratando PJ,
mas aí é outra questão.
essa fase do SENAC, de fato, DR exerceu um trabalho tipicamente O que eu separei na primeira parte do seu questionário, eu respondi
. � foi que há uma ideologia hoje aí voltada para o empreendedorismo,
� h �do, atuando sob a ação circunstancial do contratante e cumprindo
eJo z
voltada para que você seja o dono de você mesmo e aí acaba sendo
Jomadas regulares, tal como um celetista. No entanto, o que há de se ressaltar
?ª ,
?l�bqraç�� dess� fala inicial é que a ligação do pesquisado com a empresa
a pessoa que vai responder pelo seu sucesso e pelo seu fracasso.
Mas é mentira. Você tem um mercado cada vez mais cartelizado,
md1v1dual e mtenmtente. Ao que parece, ele se apoia na pejotização quando cada vez mais dominado pelas grandes corporações e elas pautam
nãc, está atuando sob o regime CLT, sugerindo uma situação residual, como o que o mercado vai fazer, elas pautam a sua remuneração, elas
se fosse um plano alternativo na condução de sua trajetória. Entretanto, con­ pautam a avaliação do seu trabalho... então a gente fica vivendo em
forme narrativa sequencial, ele tem na pejotização um trunfo. Uma situação uma ideologia, comprando uma coisa que tem um viés estritamente
que o permite escapar da "agonia" da empresa, pois se identifica com esse ideológico e a gente acredita nisso e acaba se estrepando.
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O poder de opção do indivíduo por qualquer forma de contratação profis­ competitividade, mas não, isso é trabalho precário. Você vai poder
sional é a tônica do seu discurso antipejotização, considerando válida a adesão contratar pessoa da forma que for mais conveniente para o interesse
do trabalhador a esse ou a qualquer outro formato de relação contratual, desde do empregador. Então você fragiliza a outra parte disso aí e por
que submetida às perspectivas individuais, pelo interesse de cada profissional. causa de um país como o Brasil, que é uma economia dependente e
A "cultura" e a capacidade de cada um deveriam ser consideradas e não ajus­ um mercado ainda instável, ainda em fonnação. Isso a médio prazo
tadas aos ditames do mercado de trabalho como vem ocorrendo comumente. é um tiro no pé do próprio empresário, porque quanto menos ele
contrata, quanto menos ele remunera, menos ele tem mercado con­
Entrevistador: Você tinha falado inicialmente que você foi PJ de 1988 a sumidor para o produto dele.
1993, e agora você falou na questão do downsizing e da reestruturação Quem estudou o fordismo do início do século sabe disso. Não
produtiva. Dessa primeirafase em que vocêfoi PJ pra cá, houve diferença? sei se sua formação é em Administração, eu me "deformei" em
Como é que se tratava disso? Administração, a gente sabe dessas coisas. Você não pode numa eco­
nomia dependente, prescindir de um mercado... ou você vai botar
tudo para exportação, vai exportar para quem? Você acha que os ou­
DR: Tem diferença, pelo menos na realidade que eu vivi. Eu estava bem
numa empresa, mas eu estava numa "fábrica", eu começava a traba­ tros países não erguem barreiras técnicas contra produtos que vêm de
fora? É claro que erguem, então, é um tiro no pé que os empresários
lhar muito cedo, às sete horas da manhã e ia embora só quando fecha­
va o escritório. Era um ritmo de trabalho que não me dava satisfação. e as representações empresariais estão dando. A não ser que seja ren­
Então eu fiz uma negociação, eu saí dessa empresa, eu me estabeleci tista, aí já é outra história. Mas na lógica industrial mesmo, você tá
como PJ e ela foi a minha primeira cliente [risos]. Foi majs uma op­ dando um tiro no pé. Veja o exemplo aí dessas quebradeiras que nós
ção minha, eu que propus, era a minha agonia na época. E diferente estamos tendo aí na indústria e no comércio no país.
de quando você é forçado a isso por um modelo de reestruturação
econômica, que foi o que se viveu fortemente nos anos 1990. DR toca em um ponto crucial que funciona como pano de fundo de toda
Muitas pessoas, inclusive, foram encantadas com essa ideia e de­ essa problemática apontada e que origina essa ideologia empreendedora que
pois quebraram a cara. As pessoas acham que o seu sucesso ou o são as propostas neoliberais em questão, principalmente sob o discurso da
seu fracasso dependem só de você. Isso é uma balela, como se você individualização, conforme discutidos no segundo capítulo. Ademais, ressalta
fosse o dono da realidade social na qual você está inserido e não é
assim, mas só que as pessoas compram essa ideologia e acham que um aspecto pernicioso no discurso promotor do empreendedorismo que é
dá para chegar lá e ainda citam o exemplo do Bill Gates e daquele o enaltecimento dos casos de sucesso daqueles que um dia se propuseram
cara também da Apple, o Steve Jobs. Esses caras tiveram financia­ ao próprio negócio. Os inúmeros casos de fracasso são omitidos, como se
mento público para chegar aonde chegaram. Foi dinheiro público não existissem.
e dinheiro público americano, mas ficam vendendo para gente só
um lado da história, não contam toda a história. Os fracassos que Entrevistador: No questionário realizado para esta pesquisa, você apontou
ele teve até chegar ao sucesso pouco são contados e os apoios que a maior autonomia produtiva e criatii:a como a principal vantagem em
ele teve para poder chegar a esse sucesso também são ignorados. um trabalho pejotizado, no seu caso. Assim como a perda das garantias
Então fica parecendo aquela ideia do selfmade man que os Estados trabalhistas como uma grande desvantagem. Sobre essa aparente con­
Unidos gostam de vender e que nem eles praticam lá dessa forma. tradição inerente ao trabalho PJ (ganho de autonomia versus perda de
Lamentavelmente, parece que tudo caminha no sentido disso se direitos), você acha que isso justifica a prática da pejotização?
tomar o paradigma contratual. Por que lamentavelmente? Porque
ao submeter essa relação profissional, uma relação entre pessoas ju­ DR: Veja bem, quando você está escolhendo ser PJ por opção de vida,
rídicas, qual é o tipo de barganha que tem um ex-empregado numa você não está se pautando pelas mesmas regras de contratação de
negociação dessa com uma grande corporação? A barganha dele é trabalho que são tradicionais. Você tá vendo uma escolha, então
nenhuma.' Então, ele se submete a uma regra de mercado previamen­ você vai renunciar a alguma coisa e obviamente você não vai fazer
te estabelecida pelos grandes contratantes, então, ele tá fragilizado. isso. A não ser que seja um grande iluminado com a grande ideia
É você, colocar dentro do galinheiro, a raposa e as galinhas com os brilhante que vai se tomar realidade, você não vai fazer isso se não
mesmos direitos e há uma assimetria de poder nessa relação ai tiver uma reserva financeira que te dê uma sustentação para isso.
Então você imagina, agora estão fazendo uma reforma na CLT, uma Você não vdi se jogar nesse mercado de peito aberto. Então, é uma
reforma que vai retroceder às relações de trabalho ao final do sé­ vantagem que permite você dosar sua carga de trabalho ao seu in­
culo XIX, ao início do século XX como se isso fosse sinônimo de teresse. Você pode dizer "este projeto eu quero, este projeto eu não
O --- • •- •r •-• - _,,,,..., --- n•-••oYY�O __ ,,,_ OY•:r- -- ., ___.,,_

quero". Então, você tem essa autonomia, mas é uma escolha que
você fez, você se planejou para isso. empreendedor, pro cara ser o Antônio Ermírio de Moraes, como se
O outro lado, que é o lado ruim que eu vejo, é a pessoa ser forçada isso brotasse. Para mim, isso é manipulação.
a isso. Ser obrigada a fazer isso como forma de ter algum tipo de Isso vem das faculdades, dos meios de comunicação, isso vem do
remuneração. Aí, sim, é trabalho precário. Aí, sim, é desqualifica­ culto do Estado mínimo também que se faz muito do mercado como
ção do trabalhador por que ou ele se submete a essa regra ou está fora um Deus. Então, o Deus mercado fala: "seja competente". Isso vem
e como você tem um exército industrial de reserva e cada vez maior lá do liberalismo, Já de séculos atrás, que agora está revisitado com
por conta do desemprego estrutural, você tem a barganha mais forta­ esse neoliberalismo. Então, é o culto ao indivíduo, é o indivíduo
lecida do lado que quem contrata e não do lado de quem é contratado. por si mesmo, como se ele fosse a pessoa que só dependesse dele o
Nós estamos vivendo uma época que você tem o desemprego tecno­ sucesso ou o fracasso, o que é falso.
lógico e as mudanças organizacionais que se faz. Então, as mudanças A partir do momento em que você tem aí uma inquietação, uma
gerenciais, as mudanças na organização do trabalho, a incorporação certa agonia, você não consegue se ver fazendo o mesmo tipo de
de tecnologia, não só no processo de produção, nias na própria ges­ trabalho diariamente para a mesma empresa e você quer dar outros
tão, na própria administração das empresas, isso tudo é poupador de voos na sua vida, você tem esses incômodos, você vai partir para
mão de obra. Então, esse exército industrial de reserva aumenta. Se uma solução empreendedora. Acho que isso é comum. Eu passei
ele aumenta, a barganha de quem tá fora sempre diminui. Então você por isso, outras pessoas que eu conheço passaram por isso, porque
tende a realmente fazer um trabalho mais precário. as pessoas não se viam efetivamente dentro de uma empresa traba­
lhando 40 horas.
Até porque, quando você entra para uma empresa, você tem aqueles
O risco do novo negócio, inerente ao empreendedorismo, está sempre programas pré-estabelecidos, você tem aquela realidade mais pro­
presente na sua fala marcadamente cautelosa, uma vez que reconhece a im­ gramada do dia a dia. Então, as mudanças são processos difíceis,
posição do capital realizada nesse sentido. O fato de "não se jogar de peito muitas vezes são processos lentos, tanto é que as empresas quando
aberto" representa a manutenção do status quo, a resistência às mudanças, se submetem a ambientes mais competitivos, elas vem falar de que?
ou seja, manter-se no emprego e não se "aventurar" na empresa individual. Elas vêm trabalhar a ideia do empreendedor interno. Então é para
tornar as empresas mais dinâmicas e mais ágeis, _mais receptivas
Aqui, sua fala demonstra a sensação de que a pejotização é efetivamente a mudanças e geraram resultados diferentes. Então, quer dizer, a
produto dos tempos atuais, fruto das arbitrariedades e da força socialmente ideia de empreendedorismo em si não é negativa, tanto ela para o
desmanteladora lançada pelo setor produtivo sobre as relações contratuais. indivíduo, quanto para a própria empresa. A questão é o culto que
se faz disso hoje em dia.
Entrevistador: Vai ter o desafio e a segregação da mesmaforma, da indi­
vidualização do trabalhado,; dafragmentação da representação sindical, O uso reiterado de "agonia" serve ao entrevistado para se referir ao
por exemplo. É isso?
incômodo do trabalhador com a condição de assalariado sob o jugo de uma
DR Tudo isso vai sendo desmontado, tudo isso é um aparato que se co­ empresa, o que marca a sua visão a respeito das condições de trabalho e
loca. Essa reforma da CLT é um grande exemplo disso. Você acaba a sua concepção para o que impele o trabalhador ao empreendedorismo
com a própria representação de trabalhadores, você vai fragilizando como empresa individual. Ele insiste no termo para pontuar casos onde o
ela, então, o trabalhador vai ficando mais atomizado. Então, é cada
um por si. Isso faz parte do ideário do neoliberalismo. Ele preconi­ perfil de cada indivíduo é diferente e que, esses estados de inconformismo
za essas coisas. Ele parece que tá virando um pensamento único. profissional justificaria a motivação individual para situações de inserções
As escolas de Administração ensinam muito nessa linha. Eu parti­ no trabalho diversas ao assalariamento.
cipei pelo Conselho Regional de Administração (CRA), por alguns É como se, para DR, a tal agonia da condição precária do assalaria­
anos, como voluntário na comissão de desenvolvimento sustentá­ mento de um lado e a chamada ordem empreendedora vigente na sociedade
vel. Eu fui até coordenador dessa comissão. Ia a muitas universi­
dades conversar com professores e coordenadores dos programas, do trabalho de outro, funcionariam como elementos cruciais no efeito
levava o tema do desenvolvimento sustentável, da sustentabilidade gatilho para o exercício de u m empreendedorismo generalizado, tanto no
para proposição de que isso entrasse em currículos e programas mercado de trabalho, quanto nas dependências de cada empresa que "vêm
do curso de Administração, mas o que se via era uma tristeza. Era trabalhar a ideia do empreendedor interno", como dito pelo entrevistado,
toda uma preparação do futuro Administrador para o cara ser um nos diversos tipos de postos de trabalho. No âmbito interno das firmas,
a gestão participativa, o trabalho em equipe, o comprometimento com a Enfim, fatores que demarcam novos condicionantes para as interpretações
produtividade, o modelo voltado à qualidade total, entre outros aspectos subjetivas sobre o trabalho e as formas de relação que o sujeito desenvolve
do contexto "pós- fordista", deflagraram a ordem do empreendedorismo para lidar com os efeitos desse fenômeno.
interno, como um elemento subjacente à empregabilidade, tal como dis­
Entrevistador: Há um certo entendimento no mercado trabalho de que
cutida sob o olhar atento de Machado da Silva (2002), e à sobrevivência só valeria mesmo a pena financeiramente para o trabalhador, caso ele
do trabalhador, mesmo que na condição de funcionário assalariado. recebesse, como PJ, o dobro do que receberia comofimcionário celetista,
por conta da perda de direitos. No questionário aplicado, vocêfoi um dos
Entrevistador: Então, pelo que está.falando, essa questão de ser ou não diversos que apontaram a remuneração como uma das maiores vantagens
ser empreendedo1; em algum momento da carreira do trabalhado,; isso da pejotização. Você estava se referindo à remuneração mês a mês ou a
vai passar pela vida dele? remuneração como um todo, o pacote de remuneração anual?
DR: Isso parece que vai ser um caminho que ele vai ter que optar. DR: Eu estava me referindo a um modo como você faz opção para ser
Lamentavelmente. Eu não sou a favor disso, mas pelo que está ca­ empreendedor. Se você acumula aí um capital de conhecimento e
minhando, é para esse tipo de situação e aí, o resultado social dis­ um capital social também e monta uma rede, você pode se esta­
so, nós vamos ver com mais clareza daqui a alguns anos. Você vai belecer como PJ para poder prestar serviço, você pode ter ganhos
desmontar todo o mínimo de bem-estar social que se tem no país, mais favoráveis. Então, eu tava colocando nessa questão. Agora, eu
mínimo mesmo, ele é bastante restrito e você não vai colocar nada acho que é muito difici/ que, por exemplo, um capitalista nos dias
no lugar, vai colocar a solução do cada um por si e isso num país de hoje vá te estimular a ser PJ te pagando praticamente a mesma
com as mazelas sociais com um nível de desigualdade que o Brasil remuneração que você tinha como empregado. Eu acho que isso é
tem, para mim é gravíssimo. Isso é pra chegar a uma convulsão uma coisa que não rola hoje.
social. Naquele primeiro momento quando ele queria alavancar esse mer­
[ ... l cado, ele até dava a garantia de que você ia trabalhar para ele por
O trabalho está mudando ... a própria tecnologia em alguns campos algum tempo, mas hoje eu acho que isso não acontece. Ele vai atrás
te permite isso. O trabalho de escritório, por exemplo, você fazer de preço, tanto que as pessoas que entram nesse mercado de PJ,
outras fonnas de trabalho, que você não precisa juntar um grupo de elas ficam o tempo todo na mão do cliente, na mão da empresa.
trabalhadores no mesmo local. Você pode trabalhar remotamente Então, quando você tem essa possibilidade, você faz uma opção
disperso, você trabalhar o tempo todo, com o tempo real, se você voluntária. Vou virar PJ para ter uma remuneração maior, trabalhar
considera o fuso horário, aí uma empresa de contabilidade, de in­ menos. Isso é um sonho. Eu trabalhei com consultoria, não virei PJ
formática ou de qualquer outra coisa vai tá distribuída em qualquer para produzir alguma coisa, para criar um comércio. Eu trabalhava
lugar do planeta onde se tem as melhores condições de contratação, muito com o imaterial, então é uma realidade diferente. Eu posso
com um custo mais baixo de contratação. Então, nisso você já está trabalhar [como PJ] porque o meu valor hora pode ser maior do que
criando uma outra ética, né? Realmente, diferente daquela onde aquele valor hora que eu teria como empregado, mas eu não neces­
você tem vários trabalhadores agrupados no mesmo local, compar­ sariamente estaria aplicando as minhas 40 horas como PJ, então o
tilhando as mesmas agruras, as mesmas dificuldades e vendo os saldo final financeiro seria diferente, seria menor.
mesmos resultados do seu trabalho. Você cria uma outra ética, in­
clusive cada vez mais individualista. Então, o outro passa a ser não
o portador de um "eu", você não enxerga o outro como o detentor Mantinha-se na época em que ainda havia a sustentação das promessas
de um "eu", mas como um instrumento da sua satisfação pessoal, de uma sociedade salarial, e isso era justificado, o discurso da segurança
da satisfação de si mesmo. Então você só enxerga a si mesmo. E a e da estabilidade no emprego. Esse efeito se dava, inclusive, pelas vias
tendência de quem tá chegando é essa aí. V ários autores, inclusive de uma melhor remuneração atrelada a uma política de benefícios sociais
falam sobre essa questão. mais atrativas e ajustadas às necessidades dos empregados. Atualmente,
entretanto, os laços marcados pela individualização do trabalhador acen­
Aqui, DR suscita, indiretamente, a conformação de uma "outra ética,
tuam a descartabilidade e as formas de estabelecer os valores relativos à
inclusive cada vez mais individualista", fruto de um modelo de trabalho
emergente que decorre de fatores diversos, tais como a segregação espacial contraprestação pelo trabalho. Na pejotização, isso fica ainda mais desa­
do trnbalho, a individualização e a dissolução das representações coletivas. justado, ou melhor, ainda mais sob o controle dos contratantes ( empresas
m aiores), porque esses contratos estão alheios, ou pelo menos, ainda DR: Não sou nada contra a ideia de ter aí o microempreendedor indi­
mais apartados à regulação trabalhista. Nessa contratação "de empresa vidual. A questão é: ele tem alternativa, se ele não for microem­
para empresa", o "salário" é definido, exclusivamente, por quem contrata preendedor individual? Se ele não tem alternativa, a resposta já tá
dada. Ele vai ter que ser isso aí com todos os riscos, com todos os
os serviços, restando poucas margens para negociação. No que resta da dissabores que ele possa enfrentar ou até mesmo pode até vir a ter
sociedade salarial, espera-se que a ação sindical (o que ainda sobrevive sucesso o que me incomoda é isso. É igual a questão das cooperati­
dessa coletividade) ocupe esse papel normativo das representatividades vas nos anos 90. "Ah, agora a ideia é você ser cooperativado", vai
de classes. desenvolver as cooperativas, "é um grupo que todo mundo é dono
do empreendimento". Mentira, trabalho precário, o resultado mos­
Entrevistador: Será que existe algum tipo de perfil de· trabalhador que trou isso. Emancipou nada! Quando as pessoas tinham chance de
pode racionalizar isso no sentido defazer conta, por exemplo, eu ganhava voltar para o emprego fonnal, elas voltavam. Tem até uma tese de
R$1. 000, 00, como PJ vou ganhar R$2. 000, 00?· Será que
· · há· uma margem
· doutorado sobre isso, que desmonta essas questões, apresentando
de barganha para alguém? como é que isso é falácia.
Então, o MEI não pode repetir a mesma trajetória que foi o coopera­
DR: Acho que tem sim. Se o cara tá analisando, fazendo um plane- tivismo no Brasil nos anos 90 e você repara até que as cooperativas
jamento, uma análise de cenário, usando essas ferramentas de cresceram muito, enquanto o emprego fonnal caía, era o trabalho
Administração, ele vai verificar se realmente tá com uma grande precário. Então, o MEi, com certeza, tá entrando pelo mesmo cami­
base de conhecimento, que é um conhecimento diferenciado, uma nho. Para o empregador, ele não assume encargos trabalhistas, ele
competência distintiva, ele pode até fazer esse tipo de escolhas, mas ficava forçando uma barra para que haja uma legislação que permi­
há que se pensar se efetivamente ele tem perfil para poder correr ta contratar o indivíduo como empreendedor, de ser microempreen­
risco. Porque quando você quer participar do empreendedorismo dedor individual ou então quando o Estado não consegue estimular
por opção, você tá sabendo que vai correr risco. Ter um lastro finan­ a economia para gerar trabalho e renda, ele acaba para poder ganhar
ceiro é importante, que você não pode entrar em desespero quando um tipo de formalização e de algum tipo de tributação, ele aca­
terminar o primeiro mês e não caiu salário na conta, que é algo que, ba formalizando as pessoas como microempreendedor individual.
muitas vezes, você tem isso há muitos anos. Pelo menos traz para a fonnalidade, traz o indivíduo para poder ser
Então, é uma opção delicada, eu acho que ela é importante. Eu não reconhecido e ele poder também recolher para o governo.
me arrependo das vezes em que eu fiz isso. Dei muita cabeçada, ain­ Acho que são alternativas que estão se dando aífi-ente a uma crise
da mais no início, porque eu tinha muito isso na cabeça, o salário no estrutural do emprego e que não se consegue hoje forçar o ca­
final do mês, o que vai acontecer comigo daqui a cinco, seis ou sete pital a ceder alguma coisa, como se fez na época do Estado de
meses... mas é uma decisão que tem que ter aspectos do indivíduo bem-estar social. O we/fare state não surgiu na Europa por conta
racionalizando isso, percebendo, entendendo, decidindo isso. Ele não do capitalismo mais avançado desses países. Pelo contrário, no
pode ser simplesmente empurrado como hoje está acontecendo, ou é meu modo de el).tender, foi muito mais como uma resposta que o
isso ou você é um laser [derrotado]. Isso é manipulação. capital deu ao avanço do bloco socialista na Europa. Foi uma forma
de quebrar esse avanço. Tanto é que quando acaba a Guerra Fria,
Na condição de empresa individual, tal como a de um empreendedor, acaba o Estado de bem-estar social. Eu morei em Portugal durante
sete meses e eu vi lá como era a precarização do trabalho. Agora,
o indivíduo assume riscos empresariais e se posiciona ao ritmo das flutua­ eles deram um pouco de freio nisso[... ].
ções produtivas e financeiras. As incertezas e os riscos (falta de contratos,
inadimplência, entre outros) fazem parte desse novo cenário cotidiano do Entrevistador: Você afirmou há pouco que o MEi "traz para aformalidade".
homem-empresa, onde as desventuras dessa natureza se estabelecem como Até que ponto, na sua opinião, ele "traz para aformalidade" mesmo ou,
pelo contrário, "lançam na informalidade", à medida que, via MEi, as
fatores inerentes ao "negócio" ao qual se lançou, ou foi lançado. pessoas estão sendo pejotizadas.
Entrevistador: Entrando um pouco mais no teu cenário acadêmico atual, DR: Pois é, eu abordei isso de passagem na primeira parte da minha res­
as políticas públicas, o MEi, se não a principal, é pelo menos uma im­
posta. Quando o empregador não quer assumir os encargos sociais e
portante via de inserção na pejotização. Como você elabora a instituição
do MEi nesse cenário propício à pejotização? trabalhistas da contratação, ele acaba forçando uma legislação, para
que·pennita ele contratar sem esses encargos, aí vem de se chegar a
. -- - . ·- . .,.. -- . - ---.,.. --- ···-------· __ ,.,_ ·-·y- -- ··-----·-

um MEi desses, né? Ou você tem também um nível de desemprego


mais elevado e as pessoas começam a fazer um trabalho informal, O patronato sabe desse risco e, na concepção do entrevistado, é como se a
você tenta trazer essas pessoas para o MEL empresa estabelecesse uma espécie de efeito proativo para que o trabalhador
O discurso oficial coloca pelo segundo caminho. Mas acho que o não se sinta em total desvantagem. Por outro lado, no campo do que se pode
primeiro caminho tá muito presente nisso, da mesma forma tam­ "especular", seguindo a proposta do entrevistado, essa prática pode também
bém é a pejotização batendo lá na testa do indivíduo. Você não tem revelar uma situação intermediária, transitória, entre o padrão salarial tradi­
uma empresa, você não tem um grupo organizado para criar uma cional e protegido, por isso portador de garantias diversas, e o novo formato
empresa, você vai ser o seu empreendedor. O dono de si mesmo. E destituído de tais prerrogativas. Como se houvesse uma transição gradual de
salve-se quem puder. um modelo para o outro, tendendo a requerer a adoção de algumas formas de
recompensas ainda remanescentes do "antigo" padrão, baseado no modelo
Na fala "Acho que são alternativas que estão se dando aí frente a uma
crise estrutural do emprego e que não se consegue hoje forçar o capitala ceder celetista de contratação.
alguma coisa", DR aponta a sua perplexidade com os rumos do assalariamento Entrevistador: Com relação à sua prática profissional e nos circuitos por
e aponta sua interpretação sobre a viabilidade do MEL Esse efeito, como dis­ onde atua, você vê as pessoas se identificando com o trabalho sob aforma
cutido, caracteriza a ambiguidade da (in)formalidade do MEi, uma vez que de empresa individual?
esse instituto circunscreve o trabalhador num patamar deformalização, mas,
ao mesmo tempo, lança-o aos aspectos da informalização por outras vias, à DR: Eu vejo ... eu coordenava um curso de Gestão Estratégica e
Inteligência Competitiva em uma faculdade, pós-graduação, eu
medida que permite a condição de manobras precarizantes sobre as formas fazia questão de entrevistar os candidatos, embora a direção não
contratuais, ou mesmo pelo fato de, na vida real desses atores, não promover gostasse muito disso porque ali era ligar e tava matriculado. Eu
nenhuma mudança ou fator de garantia, via regulação ou proteção de Estado, conversava com as pessoas e via muito aquele sonho de a partir
por exemplo, salvo os limitados direitos previdenciários ( aposentadoria por dali se tornarem independentes, se tornarem donos de si mes­
idade, auxílio doença e licença maternidade), dentro das regras aplicadas a mos, do seu próprio nariz, trabalhar para si mesmos, tinha isso.
cada caso. Agora, tem essa questão que eu coloquei dessa ideologia de hoje
que está por trás disso, mas também funciona como umfeedback
Entrevistador: Em muitos contratos de PJ, deforma um tanto quanto inco­ para as empresas, ou seja, com as condições de trabalho daque­
les que estão empregados com carteira assinada, às vezes estão
erente ou até mesmo contraditória, algumas empresas praticam beneficias
sociais típicos de contratos celetistas (férias, 13 ° salário, participação tão hostis que o cara prefere trabalhar por conta própria, mes­
nos lucros etc.). Na sua opinião, por que essas empresas estabelecem essa mo ganhando menos, do que ficar se submetendo a essas regras
forma ambígua de compensação?
do jogo numa empresa. O cara não tem mais tempo livre, o cara
aí tá conectado, recebe o telefone da empresa, você tá 24 horas
DR: Estranho isso, né? Será que não estão com medo? Porque se você por dia conectado, sete dias por semana. E se tua empresa tiver
sede em outro país, a hora dele lá não é a tua hora, azar o teu,
tem a contumácia prestando serviço a um mesmo empregador
por muito tempo, mesmo você sendo PJ, você acaba caindo na você vai responder na hora que é a hora dele. Você faz uma vi­
CLT. Então eu vou especular. Pode ser uma forma de tentar evitar deoconferência com muita facilidade, você pode conversar pelo
computador, você faz isso pelo celular, então você tá o tempo
qualquer tipo de problema trabalhista mais adiante, porque quando
você presta serviço para uma única empresa por muito tempo, só todo conectado.
Então, as empresas estão sugando bastante em nome da dita
ele que é teu empregador, isso aí tá escamoteando algum tipo de
fuga da pejotização. Isso aí é uma digital que ele tá botando, né ... competitividade que, na verdade, para mim, é mais a intensifica­
ção do trabalho, que é uma questão que tem que ser ainda estu­
dada e debatida, que se dá no ambiente industrial, mas também
A respeito desse comportamento percebido como incoerente e "estranho" no ambiente de escritório e as pessoas querem usar essa vida,
quanto aos possíveis litígios, DR está se referindo a uma forma de amenizar fazer um curso, fazer uma pós-graduação, "que eu vou tentar
os prejuízos causados ao contratado pelo descumprimento à regulação traba­ trabalhar por conta própria para depois me livrar de empresa".
lhista que, de acordo com a CLT, caracteriza o empregado a partir da pessoali­ Eu ouvia muito isso com as pessoas. Sim, fuga da hostilidade do
dade, habitualidade, onerosidade e subordinação presentes na situação fática. ambiente empresarial.
O desejo de engajamento, emancipação e as "agonias" coletivas são o indivíduo sozinho contra uma empresa e um Estado ali, já tá dito
elementos que ele elabora como uma adesão forçada, uma "fuga" da con­ quem é a parte frágil da relação.
dição hostil, não uma escolha baseada no desejo individual ou convicto de
se tomar empreendedor. Isso foi pontuado nas entrevistas anteriores, sob o Há uma descrença sobre as instituições protetivas na sua narrativa, da
mesmo argumento pautado nas interpretações a partir do sofrimento vivido mesma forma, também reportada pelos demais entrevistados. A Justiça do
sob a condição assalariada. Trabalho parcial, o Ministério Público ineficiente e a ação sindical enfraque­
cida tomam a situação do trabalho "protegido" ainda mais debilitada. Embora
Entrevistador: Mas de qualquer forma. ele vai se relacionar com o am­ haja a descrença, sua fala aponta ainda uma crença no papel de um "sindicato
biente empresarial. f01te", o que, como representatividade coletiva, estava sendo relegado a um
papel subalterno e sem efetividade.
DR: Sim, mas ele imagina que ele vai trabalhar de igual para igual, de PJ
versus PJ, aí é a parte que ele se ilude. Entrevistador: Uma das consequências da pejotização é justamente essa
individualização, a qual você acabou de se referÍI: Então, você acha que
Entrevistador: O que você recomendaria a um profissional que se encontra uma coisa reforça a outra?
em dúvidas sobre aderir não à pejotização?
DR: Com certeza eles querem até acabar com a justiça trabalhista, fazer
DR: Juízo [risos]. Calma, ponderação, equilíbrio e determinação para através da negociação direta. Como é que eu v�u negociar com um
ver se é isso mesmo que ele quer, porque o cara não pode pensar no cara que é mais forte do que eu. Negociar o que? E brincadeira, né? Eu
mês de remuneração de 30 dias. O mês dele poderá durar três, pode tenho que levar comida pra casa, eu vou negociar o que com o cara?
durar dois.
[... ] Entrevistador: Para termina,; fique à vontade para fazer um fechamento
sobre a nossa conversa, enfim, falar o que ainda nãofoi dito...
Entrevistador: A relação de trabalho PJ é difícil de distinguir das demais.
No dia a dia a gente não consegue saber se aquele trabalhador é PJ ou DR: Tirando esse viés ideológico que está colocado forte e carregado de
empregado, por exemplo. Você conhece ou conheceu muitos PJs? neoliberalismo você ser PJ como uma opção, como uma escolha de
vida, porque v�cê quer apostar num outro caminho, quer correr riscos
DR: Sim, no SEBRAE eu tinha muitos contatos e via muitas pessoas ali hoje, porque amanhã você vai ter um retomo, eu acho legal, acho bo?1.
e já estavam bem estabelecidas como PJ, tinha outros que estavam Eu não me arrependo das vezes que eu fui PJ. Agora, eu lambem
ali como forma de ganhar mais ou sobreviver num espaço no mer­ nunca fui assim de peito aberto. Desde quando eu era um garoto de
cado, tinha o bico também, um trabalho extra. No SENAC eu vi vinte e poucos anos que eu comecei nesse negócio, eu não me arre­
muito isso. pendo, eu acho que foi saudável. Eu peguei o Plano Collor ( 1990)
Não vi muitos processos judiciais, porque como o meu trabalho era como PJ, tinha um monte de empresa que tava devendo todo mun­
de consultoria, as pessoas permaneciam pouco tempo nos lugares. do, baseado no argumento de que o Plano Collor congelou tudo,
Então, trabalhos mais eventuais, eu demorei mais tempo trabalhan­ ninguém me pagou, mas as minhas contas não ficaram congeladas.
do no SEBRAE ou SENAC do que com outras empresas, então Eu dei sorte porque fui dar aula numa faculdade, o que comple­
eram coisas mais pontuais, então eu não cheguei a perceber esse mentou a minha renda, mas eu fiquei aí uns dois anos hessa e se não
tipo de coisa. fosse a faculdade, eu teria tido muito mais dificuldade.
Eu nem posso falar que a Justiça do Trabalho seja isenta, porque Então, a gente não pode é ficar ouvindo esse canto aí e achando que
ela pertence a um Estado e esse Estado também não é um Estado ele é bonito. Ele é cheio de percalços. Ser PJ é legal, ser empre­
isento. O problema é que essas leis são muito baseadas no casuís­
endedor é bacana, é importante, às vezes as pessoas estão agonia­
mo. E aí a Justiça do Trabalho vai interpretar essa lei de forma
casuísta também. Espero que tivesse uma legislação mais perene e das por ficar na empresa, trabalhando na mesma empresa, aturando
uma Justiça do Trabalho que estivesse melhor equipada para poder chefe chato, aturando um tipo de trabalho que não agrega, o cara
efetivamente responder a essas questões com mais serenidade, mas se sente massacrado quanto ao salário no final do mês. Acho que é
ela não está ali para isso. A não ser que você esteja, por exemplo, saudável correr riscos, sabe? Mas uma coisa é você querer saltar de
vinculado a um sindicato de trabalhadores forte, que tem uma certa asa delta, outra coisa é você ser empurrado e depois "ih, cadê a asa
demanda coletiva e tal, aí você pode exercer meios de pressão, mas delta?". Primeiro que às vezes você nem quer saltar de asa delta e
,--- 1-,JV I l"-M'rf"IV. g "'''l-''"'"'ª IIIUIVIUU<ll <,UIIIV ,v,ya ""' "ª"ª"'"

segundo, que eles nem te colocaram asa delta. Então, tem que ter
esse tipo de cautela. Então, eu recomendo com essas precauções aí. possa ajustar o vínculo contratual com seus "colaboradores", estes que, por
sua vez, detêm (ou poderiam deter) um "poder de escolha" contratual.
6.5 Entrevista 5: o corretor que é seguro das necessidades de Entrevistador: Boa tarde, como foi a sua trajetória profissional? E como
flexibilização das relações trabalhistas é que se deu a conversão para o modelo PJ?

AC: Eu sempre trabalhei na área comercial. Trabalho na área de ven­


"Eu acredito que a maneira como é hoje está sufocando as das desde os 18 anos de idade, quando comecei efetivamente a
empresas para que contrate as pessoas de uma forma, entre trabalhar. Dos 15 aos 18, trabalhe\ como office boy, mas trabalho
aspas, legal. Isso inibe, a carga tributária inibe hoje que a profissional, eu comecei aos 18. E muito comum no merca�o de
empresa contrate um profissional para agregar o seu quadro". vendas de informática, a pejotização... A empresa contrata, via PJ,
a fim de diminuir custos com a metodologia CLT. Custos com im­
A última entrevista foi realizada com o AC, casado, tem 40 anos de postos e tudo mais. Durante esse tempo você tem toda uma rela­
idade e duas filhas. De acordo com a proposta apresentada na metodologia ção trabalhista com horário para cumprir, subordinação a chefes,
da pesquisa, esse entrevistado corresponde ao perfil estatisticamente modal a processos, a sistema, a modus operandi em geral� então,,ª. minha
experiência como PJ inicialmente no mercado de mfonna!tca, ela
do survey, ou seja, um indivíduo com perfil mais comum dentro da população foi sempre no modelo de PJ, com o objetivo de reduzir custos para
levantada, conforme as variáveis mensuráveis utilizadas. a empresa, mas o dia a dia era realmente de um empregado comum,
Graduado em Licenciatura em Matemática pela Uerj, AC nunca trabalhou tava prestando serviços dessa fonna. Depois disso, eu fui trabalhar
como professor. Foi office boy no início de sua trajetória, antes de iniciar no no mercado segurador, fui trabalhar numa grande seguradora ame­
"trabalho profissional" (como disse) como PJ, por determinação da empresa ricana que abriu empresa aqui no Brasil e que contrata no modelo
para atuar no ramo de representação comercial na área de informática. Possui PJ também para disfarçar o modelo celetista, como é chamado...
Desde quando eu trabalhava na área de informática, a pejotização
mais de 20 anos de experiência profissional, tendo atuado, assim como todos era muito transparente, no que diz respeito a todos os contratandos
os demais entrevistados, inclusive como assalariado. Apontou como maiores no modelo PJ para baratear custos, mas a empresa, é engraçado, ela
vantagens da pejotização o horário flexível de trabalho, a possibilidade de colaborava, dava um 13 º [salário} porfora,férias porfora, e/afazia
ganhar mais proporcionalmente ao aumento de trabalho e o valor reduzido questão de manter uma estrutura CLT, de subordinação, de horári�,
dos impostos. Já como desvantagem, cita a perda das garantias trabalhistas e resultados para a empresa, de exclusividade, mas o obJe!tvo prmc1-
pal no mercado de informática era baratear custo para o empregador,
da assistência sindical ou de outra representatividade profissional e a ausência embora ela compartilhava... olha, vai ter um 13 º aqui, umas férias ali,
do coleguismo que havia nas relações sociais no ambiente da empresa. o cara quando era mandado embora tinha alguma coisa ali ... agora,
Assim, como a maioria dos trabalhadores PJ, ele recebia complementos aquela carga que era voltada para o governo como o INSS, por exe�­
financeiros das empresas para as quais prestava serviços, tais como plano de plo, fiquei sem, esse tempo todo aí trabalhando. Mas era uma relaçao
saúde, comissões e participação nos lucros e resultados. Para AC, que atual­ transparente no mercado de infonnática. Acho que era transparente
mente possui uma microempresa no segmento de corretagem de seguros, a porqúe tornou-se tão natural que os novos vendedores quando eram
inseridos no mercado de informática isso lá nos idos dos anos 2000
questão central das relações de trabalho passa pelo papel e atuação do governo, já era comum ele começar nessa filosofia de trabalho.
de tal forma que, para ele, ser PJ significa "se adaptar às más regras de im­ Como PJ. E achávamos até estranho, tinha umas empresas do ramo
postos do governo", ser assalariado é "um modelo engessado pelo governo", que trabalhavam como CLT, mas os ganhos eram tão mais baixos,
e, por último, ser empreendedor é "um desafio constante contra o governo". que até mesmo incentivava o cara a ser PJ.
De fala bastante segura, incisiva e de tom marcadamente prescritivo e
sempre muito ilustrada através de exemplos situacionais, discorreu numa AC, como se pode perceber, é um entusiasta do modelo de contratação
entrevista que durou 59 minutos, defendendo com muita convicção a flexibi­ como PJ. Ele utiliza, ao longo da conversa, diversos cenários onde, segundo
lização das relações entre capital e trabalho sob uma perspectiva empresarial, ele, o trabalhador adere, satisfeito, à pejotização. O mercado na área de
onde o capitalista, de acordo com a realidade e a necessidade do seu negócio, informática já tinha determinado a "filosofia de trabalho" e, segundo ele,
havia um engajamento consentido, "transparente" e "naturalizado", onde
• -�� • •� •y• ·�·,.. "''' t''�� ... "''"''""'-'' ..,v,,,.., ,v, y,.. "" .,,...,..,.,,v

todos os trabalhadores preferiam a empresa individuai, por conta de um trabalhar com informática sem ter a carteira assinada. Esse era o
maior rendimento e de um ajustamento ao que era comum naquele ramo grande motivo, por isso que ninguém colocava na justiça. Era uma
de atividades. prática comum e ninguém colocava na justiça.
Outro aspecto marcante na fala iniciai é o fato da hibridização das
formas contratuais, como dito sobre a adoção deliberada de características AC evidencia o seu engajamento (e a de outros conhecidos) ao mo­
do assalariamento (pagamento de 13 º salário e férias, por exemplo) em delo de trabalho como PJ ressaltando as vantagens, sobretudo·financeiras,
contratos PJ, quando afirma que "a empresa, é engraçado, eia colaborava, advindas desse formato contratual. No bojo das "vantagens", encontra-se o
dava um 13 ° [salário] por fora, férias por fora, ela fazia questão de manter incremento remuneratório atrelado à produção de resultados estratégicos,
uma estrutura CLT, de subordinação, de horário, resultados para a empresa, além da questão da redução tributária, em troca de maior comprometi­
de exclusividade". Essa política intermediária entre os tipos de contratação mento e dedicação do trabalhador. Para ele, a pejotização é uma forma
sugere um comportamento ambíguo ou até mesmo transitório, como dito, contratual viável no sentido de ampliar os ganhos do trabalhador à medida
uma vez que mescla atributos de um modelo tido como "ultrapassado" em em que este se comprometa cada vez mais com a empresa. E para ele, os
uma forma contratual cada vez mais emergente, suscitando uma forma resultados para ambos os lados é o que mais importa nesse jogo. Mesmo
contratual em formação, supostamente, por ainda acumular resquícios do quando há o "conflito" entre o que seja "legal" ou "ilegal", ou seja, a
emprego formai. prática do que a Justiça do Trabalho vem tratando, predominantemente,
Entrevistador: E o trabalhador aderia numa boa? como fraude contratual.
A inexistência ou o seu desconhecimento sobre demandas em juízo, não
AC: Aderia numa boa. E não lembro de nenhum caso de processo de justiça, asseveram que, de fato, não haja insatisfação ou até mesmo descumprimentos
não me lembro de nenhum colega meu que tenha entrado na justiça legais ou contratuais. Sugere, apenas, que não seja um assunto muito divulgado
para obter isso, olha contratei uma coisa contigo aqui e quero... naqueles circuitos, seja lá por quais motivos.
Isso acontece porque ele entendia claramente que ele tava ganhando A questão da formalização das condições contratuais de trabalho repre­
um pouco mais para ser um PJ. Ele não entendia isso como um senta somente a inclusão de um agente que, no seu entendimento, não merece
engodo. Ele não estava sendo enganado. Ele sabia que estava ga­ participar dos ganhos: o governo. E a inclusão desse agente, no seu ponto de
nhando o dobro do mercado, entre aspas, líquido no bolso dele para vista, obviamente só diminuiria os ganhos da empresa e do trabalhador. Enfim,
você ganhar aquilo tudo. E o mercado de vendedor tem uma coisa até aqui, o seu argumento destaca que o governo é um ente prescindível nas
que é interessante também. O mercado de vendedor vive muito de relações em questão.
comissões. É muito dificil para um empresário naquela época tam­
Entrevistador: A onda empreendedora traz muito a coisa do querer mais,
bém pagar impostos sobre comissões. Então para que você tivesse da busca pelo resultàdo, o envolvimento maior. O trabalhador tem que
uma renda maior e uma comissão maior, você acaba tirando da atuar por conta própria, fazer o seu próprio resultado. Você acha que
legalização, da legalidade, enfim, da carteira assinada, não sei se é isso tem a ver com esse pe1:fil de trabalhador ou não tem nada a ver com
legal ou se é ilegal, o PJ... a pessoa e é mais uma determinação do mercado?
Tirando da formalização, acho que a palavra é essa. Então, por
AC: Existem as duas partes. Existem metodologias de empresas que
exemplo, como é que o cara vai pegar uma comissão... no mercado não necessariamente precisam de um profissional que tenha von­
de informática é muito comum o cara ganhar quatro, cinco, seis, sete, tade de ganhar mais, crescer mais e tem empresas que precisam
oito mil de salário fixo, mesmo sendo um PJ e ganhar R$50.000,00 angariar novos clientes todos os dias, são empresas que preci­
de comissão num mês, num trimestre. Ganhei várias comissões de sam buscar mais no mercado. Imagina uma empresa que tá nas­
R$50.000,00, R$30.000,00... Então, você imagina pegar uma co­ cendo hoje e tem que buscar no mercado. Imagina uma empresa
missão dessa e colocar na carteira? Isso daria de repente um impacto que tá nascendo aqui e tem que buscar mercado, como é que
ela vai buscar mercado? Elas têm que contratar pessoas assim,
como FGTS, décimo terceiro, férias, então para que tivéssemos uma empreendedoras, que queiram buscar mais, que queiram ganhar
comissão maior no bolso, a gente sabia que era contratado para mais, de repente pegar um cara na faixa dos 29/30 anos que está
1 L.úVI ·�vnv. Q v111p1,:;.:,a IIIUIYIUUi:11 \,UlllU 1u1yc1 Ut: UdUdlllU 251

entre aspas aí casando, constituindo família, carro, constituin­


do a sua casa. Tiro isso por mim, você quer ganhar uma grana muito pequena, o que vai levá-lo a ficar naquele mercado ali, ok?
maior, então a empresa busca um profissional assim, acho que Quando você pega um mercado de alto poder aquisitivo, com com­
não tem nenhum problema, buscar um profissional que queira pras de alto valor, muitas das vezes, a venda não acontece no escri­
buscar alavancar negócio, o cara que é da área comercial se não tório. A venda é externa, a venda é viajando, a venda ela é fora do
tiver esse perfil, não vai ter vida longa nesse trabalho. Então é horário comercial. É muito comum num ambiente de vendas você
um trabalho de muita cobrança, de metas. É um perfil. Não tá chamar o cara pra um happy hour, pra um futebol no Maracanã...
certo nem errado, é:um perfil. veja bem, você não está aqui forçando corrupção não, nada disso,
você está desenvolvendo laços que, entre aspas, ultrapassam aquele
modelo padrão de 8h às 18h ou de 8h às 20h. Enfim, então esse
O discurso pró-flexibilização de AC, assim como a sua tolerância à frag­ modelo de trabalho, por exemplo, não exige muito hoje que eu te­
mentação dos indivíduos, alude à crítica a respeito dasformas de utilitarismo, nha que estar na empresa às 8h da manhã para olhar para a cara de
descatiabilidade, imediatismo, polivalência e fragmentação do trabàlho, sobre­ um colega e dar bom dia. Eu posso de repente chegar às 11h num
cliente, no escritório dele, na empresa dele, na casa dele, desenvol­
tudo o que diz respeito ao interesse do capital pelos mais jovens, tidos como
ver a relação comercial para isso. Então para esse tipo de negócio
mais ajustáveis às formas arbitrárias e persuasivas do trabalho ultraflexível. é muito comum que ele seja um negócio comissionado, então é um
Isso instaura o conflito de que o trabalho fordista coabita as empresas com negócio até pra empresa gerenciar a emissão de dinheiro pra aquela
o trabalho flexível, assim como o trabalho em equipe (pós-fordista), ainda pessoa, tem que justificar aquilo ali. Então, dependendo da maneira
compartilha espaço com a ética da rotina. que você vai fazer aquilo, mesmo na área comercial, quanto mais o
arroz e feijão, quanto mais commodities, quanto mais interno, tem
Entrevistador: Vamos voltar lá. A empresa já surgiu com esse pe,jil de que ser no CLT. Até porque... vamos imaginar aqui o atendente da
contratação? Você foi mais um? Tinha celetistas e PJsjuntos? Como é padaria. Se ele te vender 5.000 pãezinhos de manhã ele vai receber
que era esse ambiente na empresa? o mesmo salário se te vendesse 3.000 pãezinhos de manhã. Não vai
mudar. Agora, se eu sou um vendedor que vai distribuir pães nas
AC: Boa pergunta... o mercado de trabalho PJ era para os vendedores. padarias, pães industrializados, se eu visitar 50 padarias, eu vou ter
Exclusivamente na área comercial. O financeiro, o administrativo, um ganho menor ou maior do que de quem visitar 20 ou de quem
a área de faturamento, eram funcionários que tinham muitas vezes visitar 100 padarias. Então, como esse meu ganho é diretamente
aquele horariozinho bonitinho ali a cumprir na empresa, 100% in­ proporcional a esse meu esforço, ele tende a extrapolar esse mo­
terno, em que ele tinha uma metodologia de trabalho que ele não delo engessado da CLT. Então pra que isso seja ativo, você acaba
ia ganhar mais ou menos se tivesse mais ou menos trabalho. Esse expandindo um pouco mais a comissão e dando mais um incentivo
pessoal era totalmente CLT, em toda empresa de informática em financeiro para a pessoa.
que eu trabalhei. A área comercial, por estannos falando de uma
área comercial de alto valor agregado, ela tinha um, entre aspas, A dinâmica do mercado produtor e consumidor, as novas formas de rela­
um salário, não vou nem chamar de salário, uma remuneração fixa. ções entre capital, trabalho e consumo, e até mesmo as formas de redes sociais
E o que motivava o pessoal a entrar nessa área eram os ganhos com estabelecidas, entre outros aspectos dos modos de sociabilidade hodierna, estão
comissionamento. Esse comissicinamento é que não era colocado... ligados à utilização de mecanismos que se ajustam a tais transformações. Fato,
nunca foi, era mais um... todo corpo comercial era assim, trabalhan­
do como PJ para buscar uma comissão maior. aliás, percebido também no transcurso das demais entrevistas realizadas. AC,
de forma reiterada, associa a pejotização a um sistema remuneratório diferen­
Entrevistador: Você acha que essa forma é uma tendência de relação ciado, como se fosse uma necessidade intrínseca do modelo contratual, o que
de trabalho? justificaria a sua aquiescência à essa transformação do mercado de trabalho.
Uma visão utilitarista, mas muito atual e disseminada.
AC: Depende. Depende do seguinte. Imagina que você está num sho­
pping center, ele abre às 8h da manhã e vai até às !Oh da noite. Ele Entrevistador: Parece que a gente vive um momento de grandes trans­
tá interno, ele presta um trabalho 100% dentro da empresa. Esse formações nas formas contratuais, aliás, esse é o foco dessa pesquisa.
cara tem que ser carteira assinada porque ele não vai ganhar mais E, pelo que você mesmo relatou, algumas empresas tinham uma forma
ou menos se vender mais ou menos. Ele vai ter ali uma comissão de re/aç{Jo com vocês de adotar políticas de beneficias idênticos tanto
para os PJs, quanto para os empregados. Então, tem algumas questões
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que ficam numa zona cinzenta, entre o sou ou não sou empregado, sou autonomia relativa, ajustada ao interesse da organização da contratante. Na
PJ, mas pareço empregado... enfim, a minha questão tem a ver com esse pejotização, mesmo no ramo de informática relatado por ele, não há uma
conflito quefica na cabeça do trabalhador, que sai de casa, pra sua lide autonomia produtiva, onde o ritmo, a jornada e as condições de trabalho
diária, para "matar leões", como se diz, para bater metas como PJ. Mas,
e se a política de preços definida por aquela empresa, e se os processos não dependem unicamente da decisão do trabalhador. No seu exemplo,
e métodos de trabalho definidos pela empresa, e se o treinamento que tanto o vendedor de pães quanto o de informática, assalariados ou PJ, estão
lhe foi aplicado, ou até mesmo se o produto não é satisfatório, essas vinculados a uma empresa contratante à qual devem subordinação. Eles
questões estritamente institucionais, como é quefica a vida profissional apenas representam comercialmente aquelas grandes empresas, agindo sob
efinanceira desse PJ se ele não conseguir efetivar venda de um produto suas determinações e políticas gerais relativas ao negócio preestabelecidas
que não é dele, onde, nesse processo como todo, ele não teve participação,
tampouco autonomia alguma para definir as condições de produção e e impostas pela contratante.
comercialização. Resumindo, ele vai vender o produto de alguém, pelo Assim, para esses trabalhadores, o "x" da questão, no que diz respeito à
preço que alguém determinou e da forma que àlguém mandou, mas não satisfação, não passa especificamente pela situação de autonomia/heteronomia,
é empregado, é um ''parceiro". mas pela remuneração flexível e diferenciada, o que converge, a princípio,
com os resultados do survey realizado na pesquisa, que aponta a remuneração
AC: Concordo contigo. A autonomia, acho que é o "x" da questão. Se
eu, por exemplo,já que comecei a falar de pães, imagina que eu sou como a principal vantagem na pejotização. Embora para ele, ainda assim,
vendedor de pães da empresa "A" qualquer. Eu tenho que trabalhar essa correlação de dependência/independência da empresa assuma um papel
com exclusividade para aquela empresa. Eu tenho que vender 50 preponderante no que se refere à caracterização da contratação estabelecida.
pacotes de pães daquela empresa, vivo exclusivamente para ela,
tenho uma subordinação com chefe me ligando, con-endo atrás, eu Entrevistador: Então para você é a autonomia que vai definir essa relação
me sinto completamente uma pessoa CLT, mesmo se fosse PJ, por­ de trabalho? A autonomia produtiva, autonomia de barganha ...
que eu não saio para vender a hora que eu quero, eu não saio para
vender os pães que eu quero, eu tenho que trabalhar com o que a AC: A autonomia, a subordinação... Imagina que eu esteja aqui hoje.
empresa determina, com os números que me determinam. Às vezes Um dia que seria supostamente dificil aqui no Rio de Janeiro, difi­
até com a rota que me determinam. Então, quando eu vendia infor­ culdades de segurança, enfim, eu como empregado, tenho que de­
mática, por exemplo, eu só podia vender aquela marca que aquela finir o que a empresa determina e ponto final. Sendo eu um PJ ,ou
empresa vendia, eu tinha que vender com as margens de lucro que não. Ah, eu tenho que visitar a empresa "X". Eu tenho que ir e pon­
aquela empresa mandava, eu tinha que vender com a metodologia to final. Não tenho a decisão se quero ir ou não. Então, nesse caso,
comercial daquela empresa, política de preço, política de entrega, independente de como eu penso, eu sou um CLT. Eu tenho que tra­
política de financiamento, política de análise de concon-ência, en­ balhar dessa forma e o mercado de informática também trabalhava
fim, era um modelo em que, por mais que nós não estivéssemos dessa fonna. Você é obrigado a cumprir o que estava dete1minado.
internos na empresa, e fossemos um modelo de contratação PJ para Você tem uma estrutura que atendia dessa forma, que só não pagava
diminuir custos, era completamente um CLT, porque se outro dia integralmente na carteira por uma questão de redução de custos. Ou
meu chefe não gostasse da minha forma de atuação eu poderia ser
entregava o dinheiro mais pro Estado ou entregava mais pro teu
demitido tranquilamente e não teria mais acesso àqueles produtos
para vender. Então, isso deixa muito claro que há uma caracteri­ bolso. Era uma escolha que o mercado fez, não era uma escolha
zação de um produto dessa forma. Agora, o que é que eu penso individual, quero ser PJ, quero ser CLT, a empresa que determinava
especificamente? Imagina que eu seja um vendedor de pães de três isso e ponto final. Não era uma escolha pessoal.
marcas específicas. Eu tenho autonomia para venqer ao preço que
eu quiser, a rota que eu quiser, como bem quiser. E wna coisa que Entrevistador: Vamos voltar naquela questão da justiça. Ajustiça, na
acontecia com um profissional realmente autônomo, enfim, aí eu sua tramitação processual, é morosa, tem aquela questão de proble­
podia trabalhar com a distribuidora A, B ou C, enfim, é completa­ mas que a gente já está cansado de sabe,: Mas na tua opinião, não
mente diferente. Não me sinto um CLT dessa forma, me sinto um havendo essa autonomia para trabalhar e a gente olhando para ele,
vendedor autônomo. vê um típico celetista. No teu ponto de vista, onde é que entraria o
papel da Justiça do Trabalho aí?
O limite entre os conceitos de autonomia e flexibilização para AC é
AC: Imagina o seguinte... se a pessoa tem que cumprir ordens, se a pes­
tênue e passíveis de sobreposição em muitos aspectos. Ele defende uma soa tem que seguir uma metodologia, ela tem que fazer o que é
. ---··-·y ·-•--•••l'" ___ ,,,.._.,,,vv,..,vv,,,v,v•y,..vv.,VV'-'"''-'

mandado, ela apenas não é CLT na burocracia, mas na prática é. Entrevistador: Você que tem mais de vinte anos de experiência profissional,
Então, o Estado serve para garantir os direitos e os deveres das o que vem percebendo de mudanças no mercado e nas relações de trabalho?
pessoas e das empresas também, para nortear isso. Cabe ao Estado
analisar os fatos e verificar isso. Será que essa pessoa tinha subor­ AC: O mercado de trabalho vem constantemente mudando. As fonnas
dinação de chefes? Ela sofria pressão de metas? Será que ela tinha de fazer negócio vêm mudando, as redes sociais estão aí... os apli-
autonomia? Eu acho que o Estado é que tem que definir isso. Como cativos de conversas estão aí... a internet está aí... enfim ... Existe aí
você mesmo falou, tinha uma região que é cinzenta nessa história. um caminho em que hoje as empresas estão colocando as pessoas
Por que é que no mercado de infonnática não tinha muito essa ques­ para dentro de suas casas. O metro quadrado está caro, o custo da
tão entre os vendedores de justiça, de procurar a justiça? Porque energia elétrica está alto, enfim, o mercado de trabalho está mudan­
os vendedores quando eram contratados, sabiam que estavam rece­ do em relação a isso. Agora, a maneira de fazer negócio, a maneira
bendo uma remuneração a mais para isso, tinha uma compensação de se contratar, ela também tem que mudar, porque é muito difícil
financeira pra isso, então a pessoa entrava sabendo disso, tinha essa às vezes de trabalhar numa metodologia de impostos pela CLT que
questão toda, enfim, mas era o modo comum do.mercado. Agora, é na minha visão leiga tem 50 anos. A forma de contratar lá atrás é di­
diferente quando uma pessoa não tinha o poder de escolha. Ela tem ferente da fonna que é hoje. Eu acredito que a maneira como é hoje
que entrar para trabalhar e ai ela descobre que assim, ela tem que está sufocando as empresas para que contrate as pessoas de uma
sustentar uma família e aí vai fazer normalmente aquele trabalho forma, entre aspas, legal. Isso inibe, a carga tributária inibe hoje
ali. Se ela ficar doente, não conseguir bater a meta ou não teve um que a empresa contrate um profissional para agregar o seu quadro.
treinamento adequado e aí não conseguiu alcançar o resultado e por O medo que ela tem hoje de ter um prejuízo financeiro é muito �!to,
isso ela foi mandada embora, a justiça tem que interagir sim, por­ principalmente numa crise econômica dessa, gera o efeito Tostme�,
que essa pessoa muitas vezes, essa empresa pode ter usado o poder ele não contrata mais porque tem muitos impostos e não tem di­
econômico para acuar aquela pessoa que pode, numa necessidade nheiro para pagar os impostos porque não contrata mais. Então eu
financeira, aceitar aquilo daquela forma. Imagina uma pessoa tem acho que nós estamos sufocados hoje por causa do modelo. Tem
que pagar suas contas hoje, não tá recebendo, vai trabalhar tantas que haver uma restrição do governo sim, trabalhando para isso, mas
horas exclusivo para uma empresa, subordinado, seguindo metas, tem que flexibilizar. Tem que pensar a maneira como é visto hoje.
tudo mais aqui, da noite pro dia ela fica incapacitada de trabalhar
e aí, como é que fica a relação? Por isso eu acho que a justiça tem
Profissionalmente, AC situa-se em um uma condição intermediária, ou
que interagir sim.
mesmo ambígua, entre trabalhador PJ e microempresário do ramo de seguros.
Ele conhece bem essas duas condições contratuais, além da própria situação
Nesse momento de sua narrativa, AC reconhece a responsabilidade do
assalariada. Da mesma maneira, seu discurso permite duas formas possíveis
Estado como mediador das relações de classes, atribuindo-lhe esse papel
de linhas interpretativas. A primeira, se encarado como microempresário, ele
de regulador e controlador dos conflitos, que podem eclodir através da des­
mostra-se ideologicamente defensor de reformas que seriam convenientes
caracterização do vínculo empregatício. Tem também noção do alcance da
do seu ponto de vista, uma vez que prevê ampliar sua atuação comercial e
legislação trabalhista vigente e, com certeza, esse "peso" da lei o incomoda,
seus negócios. Sob a ótica do pejotizado, o entrevistado apresenta uma visão
o que busca justificar como um entrave entre as questões de classes. sofisticada e até certo ponto renovada, sobre os contornos de uma nova ética
Quando AC menciona que o ideal seria contratar de forma legal, na fala, do trabalho assalariado não mais fundada nos anseios de uma sociedade pos­
por exemplo, de que é "Esse amadurecimento que eu posso buscar e todo tulante do emprego regulado pelo Estado. Fato é que clama por modificações
mundo ser legal", talvez ele esteja se referindo a uma conjunção de fatores que permitam, à sua interpretação, gerar produtividade para as empresas e
onde haja, necessariamente, a combinação da redução sobre os custos da folha ganhos aos trabalhadores.
de pagamento (diminuição tributária e negociação de direitos como férias,
décimo terceiro etc.), atrelado à flexibilização da jornada de trabalho. Ele Entrevistador: O debate predominante que se tem hoje sobre a flexibilização
está convicto de que esse ajustamento poderá ser bastante conveniente para das relações de trabalho está tendendo para isso, de uma regulação do
Estado menos pesada, um Estado menos atuante, com legislações mais
o sistema produtivo de modo geral: empresários, trabalhadores e, talvez, até brandas sobre o trabalho. Como você está acompanhando esse movimento
mesmo possivelmente incluiria aí o Estado. sobre a flexibilização das relações de trabalho?
AC: Olha, eu acredito na contratação por hora, particularmente, tá? ainda mais a renda advinda do trabalho e deixou de ser opção para se tomar
Vamos pensar aqui a cultura americana, eu posso contratar um pro­ a regra no jogo salarial, causando efeitos econômicos devastadores. Assim,
fissional para ficar comigo só três horas. E nesse período d.e três segundo ele, o mundo mudou e as formas contratuais devem se ajustar a isso,
horas eu vou recolher os impostos sobre isso e ponto final. E uma
coisa mais justa. Você hoje trabalhar 40 horas, 32 horas, dependen­ o que fica bem marcado em sua fala.
do do sindicato, enfim, isso faz às vezes que você tenha uma subuti­
lização daquela mão de obra, faz com que o empregador tenha uma Entrevistador: E o trabalhador estaria disponível para a empresa de
tributação alta para ele e não consiga ter um retomo sobre o inves­ acordo com a necessidade dela?
timento adequado. Isso pode inibir... você imagina uma pessoa de
repente hoje... três pequenas empresas que não têm condições de AC: Sim, se não, não teria sentido eu estar contratando ele. _A relação
contratar um empregado. Vamos dar um exemplo uma empresa de tem que estar para os dois lados. Eu quer9 um profiss1?nal para
limpeza, por exemplo. Chego de manhã, de oito às onze numa em­ atender e eu quero vender aquele serviço. E uma nec�ss1dade ca­
presa, faço o meu serviço de limpeza, recebo as horas, tenho minha pitalista. Um quer comprar e o OJ!,lrO quer vender. Pra isso, _aquele
carteira assinada, contribuindo com o INSS, tudo mais, almoço de processo de estar disponível por· ,/jlenas três h?ras. Eu acredito que
onze a meio-dia, de meio-dia às 15h, trabalho em outra empresa é melhor eu estar disponível três· horas por dia e poder pagar por
pequena também, que não têm condições de me dar um salário de essas três horas do que ficar dispon,ível dez horas, oito horas por dia
R$900,00, mas pode me pagar legalmente R$300,00 ... não tô aqui e não poder pagar. Ao invés de é)i\ ter três horas legais, eu vou ter
preocupado com a quantificação, mas com a ideia e que legalmente, oito horas informais. Não sei se e\(respondi...
vou contratar aquela pessoa ali por tantas horas por dia e aquele Eu acho que a questão é de cultura, tá, enfim ... eu acho que se de
funcionário que saiu às três horas da tarde da empresa vai fazer certa fonna não acontece, vira o éfeito Tostines: não tem porque
um lanche por conta própria dá um descanso e trabalha de quatro não tem demanda, não tem demanda porque não pode ser feito.
às sete da noite numa outra empresa. O que eu penso sobre isso? Imagina hoje um polo como o Centro do Rio de Janeiro, um polo
Você possibilitou que três empresas pudessem contratar legalmen­ como Jacarepaguá, um polo da Barra, a logística tem que estar in­
te, entre aspas, enfim, um funcionário de limpeza. Normalmente é tegrada em tudo na tua vida. Você não pode colocar o teu filho pra
um serviço que você não precisa ter ali constante e você permitiu estudar a oito quilômetros da tua casa e dali a uma hora colocar ele
que aquela pessoa vendesse as suas horas de trabalho de uma forma no judô a 15km, Você acaba fazendo isso na sua vida hoje ... Wdos
adequada, de uma forma distribuída. Sem aquela preocupação de nós hoje utilizamos a logística. Eu tenho que pensar em sall' do
que um só vai ter que arcar com toda carga tributária. Isso que eu meu trabalho ir pra faculdade, da faculdade pra casa, então a lo­
lava falando, a questão do banco de horas. gística acont;ce na nossa vida desde pequenos. O q�e teria �ue ser
,
feito é uma readequação, é um despertar pra log1sl!ca, Entao, por
Entrevistador: Um banco de horas baseado na flexibilidade dentro da exemplo, se eu sei que eu vendo a min�a �ontratação, minha ve�da
necessidade exclusiva da empresa? no banco de horas é fragmentada, sena mteressante, se eu quiser
ter uma maximização disso, vender essa hora pra empresas que
AC: É isso aí. estão perto e até mesmo negociar caso eu tenha que perder numa
outra empresa. Então, por exemplo, se eu estou no Centro do R10 de
Janeiro, trabalhei lá supostamente de oito às onze, trabalhei três horas,
Para o entrevistado, a solução para os problemas das empresas, no que se eu venho pra Barra da Tijuca, onde é supostamente um mercado
diz respeito às contratações, está tanto no poder de escolhàs para que contra­ emergente no Rio de Janeiro, as empresas grandes estão indo pra lá
tantes e trabalhadores possam fazer sobre seus contratos, quanto no emprego e tudo mais, eu posso negociar uma hora melhor com meu trabalha­
racional do uso da força de trabalho. De certa forma, essa visão proposta por dor porque eu vou ter uma hora de deslocamento. Entre aspas, eu vou
perder uma hora de produtividade do meu horário de trabalho, mas eu
AC já existe em alguns países sob nomenclaturas das mais diversas: contratos
posso transfonnar isso em rentabilidade na hora em que eu for vender
part time, trabalho zero hora, parassubordinado. No Brasil, a figura do traba­ minhas horas de trabalho. Ao invés de vender três horas, eu vendo duas
lho intermitente vem se desenvolvendo nesse modelo de utilização flexível. horas e meia. Isso eu vou decidir ainda. Será que eu quero ir pra BaiTa
No entanto, em nenhum local por onde foi implementado, houve alguma depois? Esse amadurecimento que eu posso buscar e todo mundo ser
solução efetiva para as questões apresentadas. Ao contrário, demonstrou-se legal. Então, por exemplo, imagina que eu esteja numa e�presa na
contraproducente, uma vez que a medida aumentou o desemprego, reduziu Barra, eu sei que se eu abro uma empresa na Barra eu tena um cus­
to maior do que de repente eu montando uma empresa em Duque de
<OS

Caxias. O custo homem-hora naquele lugar é mais caro. Isso é natural tem que acontecer é ter o poder da escolha. O que é que eu procuro
até globa�nente, se eu contratar uma hora na Suíça sai mais caro do e o que é que quero oferecer. Não vejo problema nenhum nisso.
que no Brasil. Então, eu acredito que regionalizando, trazendo para a
nova realidade de comércio, você pode ajustar isso sim. O relato da expectativa dos pais ilustra bem a concepção de época sobre
o assalariamento e o padrão que se esperava para os filhos. AC, no entanto,
AC traz sua percepção de um mundo pós-salarial onde a fragmentação e parece ter rompido com esse modelo social reproduzido em sua família e
a individualização podem ser a tônica para a satisfação dos interesses mútuos, demonstra que ajustes foram necessários aos efeitos da nova dinâmica. Para
tanto de trabalhadores, por lhes proporcionar uma maior opção de alocações, ele, essa nova compreensão (a partir de uma ordem empreendedora) deve ser
quanto de empresas, que contarão com condições de força de trabalho mais assimilada e deve "passar nas escolas", a fim de promover maior integração
adequadas às suas necessidades. Essa questão "é de cultura", por isso pode dos indivíduos à nova sociedade.
e deveria mudar, de acordo com a sua leitura sobre a situação do emprego.
Entrevistador: E essa escolha é do trabalhador?
Entrevistador: O pe,jil que você está ilustrando é de um trabalhador que
está se tornando cada vez mais, supostamente, protagonista daforma de AC: E do empresário também. Olha, imagina que eu trabalho em um
contratação entre capital e trabalho. No sentido de que está se passando restaurante. Eu tenho que ter um departamento de limpeza cons­
para ele uma atribuição de, inclusive, administrar a sua própria alocação tante. Não posso ter um funcionário trabalhando apenas três horas.
e trajetória profissionais. Será que todo trabalhador tem que assumir, ou Imagina que eu tenha um escritório pequeno onde eu possa con­
é uma tendência, esse perfil empreendedor, negociado,; arrojado, dinâ­ tratar por três horas uma pessoa com carteira assinada. Limpou, se
mico, que assume o risco de alocação de sua força de trabalho, enfim, tá um pouco de poeira, tudo bem, dá para esperar até o outro dia.
esse pe1:fil de semiempresário? Mas se eu estiver numa clínica médica, num consultório odonto­
lógico, num restaurante, essa limpeza tem que ser integral. Então,
AC: A pergunta é cabida e digo mais, nós não estamos preparados para será melhor para o empregador contratar três, um logo após o ou­
isso, no geral, mas eu acredito numa criação de cultura. Se você tro ou ter apenas um específico? Depende da maneira. O que eu
deixar isso, realmente não vai acontecer no geral, tá? Eu fui criado, acredito é que você tem que ter o poder da escolha, o livre arbítrio
por exemplo, para ser funcionário da Petrobras [risos], sem contar da melhor maneira para trabalhar e não dessa maneira como é
no Banco do Brasil. A minha mãe e o meu pai acreditavam que o hoje, do Estado dizendo que tem que ser assim, tem que trabalhar,
emprego tem que ter a carteira assinada, ali da Petro ... enfim, dessa por exemplo, com 40 horas semanais com o funcionário p_ara ele
estrutura, porque está no imaginário... se você for empreendedor ganhar um salário mínimo. Será que de repente eu podena con­
você não está trabalhando. Existe uma mudança de cultura que é tratar quatro pessoas trabalhando 25% do teu tempo para que no
necessária nisso tudo. Não tem jeito! Você imagina, por exemplo, final desse um salário mínimo, um salário mínimo e meio, enfim,
se o Pelé jogasse hoje. Dizem, eu não conheço a história, que o acho que se você pudesse dar quatro possibilidades de emprego...
Pelé foi campeão do mundo e ganhou um Fusca ... [risos]. Imagina agora, como tudo, você tem que ver a tua utilização, a tua �e­
se o Pelé estivesse jogando hoje. O que eu quero dizer com isso é cessidade porque um patrão, uma empresa, não contrata alguem
porque quer, contrata porque precisa atender uma necessidade e
que as coisas mudam, a percepção, ela muda ao longo do tempo e
um perfil. E aí, eu trago de novo para a área comercial. A área co­
eu acredito que qualquer modelo de mudança vai requerer tempo mercial é diferente da área administrativa. A pergunta é: será que
sim. Isso vai ter que passar nas escolas, isso vai passar gerações...
a maneira de contratação de uma área comercial tem que ser igual
eu acredito que até lá atrás na criação das regras do trabalho pelo a de uma área administrativa? Isso é uma pergunta. Dependendo
menos promulgadas pelo Getúlio Vargas, imagino que deva ter mu­ da empresa, ela pode ser uma áreafi1// time, se eu estiver venden­
dado um paradigma anterior. Isso tem que ser construído, não tem do eletronicamente pela web eu posso tirar um pedido às três da
jeito. Mas tem que dar o início. E te digo mais, pode ser que para manhã, porque vai ter um faturista ali que vai botar papel pra sair
algumas classes de trabalho isso não se adéque. Até porque uma nota fiscal para o caminhão passar lá de manhã e pegar o produto,
empresa, às vezes, ela prefira ter um modelo de trabalho... vou dar então depende do modelo de negócio. Agora, eu acredito que em
um exemplo aqui, o metalúrgico. Eu acredito que o metalúrgico... países modernos, a pessoa se propõe a ser empresário pra ela de­
quanto tempo uma empresa perde na mudança desse posto de três finir o modelo de trabalho para ela contratar uma mão de obra que
horas, três horas, três horas? De repente é mais lucrativo para uma atenda uma necessidade em busca disso, eu vou vender a minha
empresa ter um funcionário específico ali. Agora, o que eu acho que mão de obra para atender aquela necessidade humana. Então eu
acredito que hoje nós estamos perdendo espaço de trabalho por­ Entrevistador: O discurso empresarial, do ponto de vista da racionalidade
que pequenos empresários que movem ainda o Brasil não podem estratégica, aponta muita reclamação sobre a 'falta de parceria" que o
contratar integralmente serviços que estariam subdimensionado trabalhador terceirizado adere ao seu negócio. A pejotização, de alguma
em determinado tempo do dia. forma, é uma terceirização. Só que a terceirização de uma pessoa só, é a
terceirização individual. Nesse ponto de vista, você que conhece o lado
Aqui, mais uma vez, ele retoma a questão das mudanças, elemento caro do empresário, do PJ e do fimcionório, o que você acha disso?
ao corpus de sua narrativa. Mudanças com alternativas, com "poder de esco­ AC: Não existe negócio sem risco. Acho que faz parte do trabalho do
lhas", o que orientam o pensamento reformista de AC, que acredita em um empresário assumir riscos. É isso que diferencia o empresário da
modelo regulatório mais ajustado ao novo cenário, desde que livre das "duras" pessoa que não quer ser empresária. Vou te dar um exemplo. Se eu
condições regulatórias, ainda que sob míngua, mas vigentes. quiser buscar um alto ganho, eu posso de repente largar a minha
família no Rio de Janeiro e buscar uma nova estratégia em Angola,
Entrevistador: O que você recomendaria para um jovem iniciante· no por exemplo. Eu tenho riscos, não tenho? De abandonar meus ami­
mercado de trabalho? gos, deixar minha família, deixar a minha cultura, deixar o meu país
e ter um salário quatro vezes maior do que o que eu tenho hoje aqui.
AC: Sair da mesmice. É interessante ... vou puxar a sardinha pro meu Isso não é um risco? Posso chegar lá e não gostar, sentir saudade do
lado ... eu costumava dizer na informática quanto mais difícil, me­ meu país. Então, o empresário tem que pensar nisso e o funcionário
lhor. A questão da raridade. Achar pedras e britas na rua não é novi­ também. Cada um tem um perfil. E o perfil não tem o certo e não
dade, agora achar diamante na rua já não é trivial. Então o que Jaz tem o errado. Existem pessoas que querem trabalhar com o mínimo
a mão de obra valer ou não é a raridade daquela mão de obra. E garantido e elas estão certas, tá... por exemplo, eu prefiro trabalhar
o que diz se aquela é uma pedra rara ou não no nosso caso aqui? A oito horas por dia e ter um salário X qualquer. A pessoa está certa,
formação, a qualificação. então ela tem que buscar uma empresa que tenha uma necessidade
Existe hoje um paradoxo que é o seguinte, eu acredito que têm mui­ de oito horas por dia para ganhar X. Agora, se a minha caracte­
tas empresas que estão com vaga sobrando, mas que está faltando rística pessoal ou necessidade exija que eu ganhe mais, eu posso,
o quê? Está faltando qualificação. Se eu quiser hoje contratar um por exemplo, fazer uma logística para trabalhar em três locais para
profissional, não desqualificando, tá, pelo amor de deus, vou con­ ganhar l ,5X, por exemplo. Então o ser humano não é uma ciência
tratar uma pessoa para contar quantos transeuntes passam aqui pela exata. Então, cada pessoa tem um perfil e cada empresa tem um
rua. Apenas contar quem passa. Esse serviço requer alguma espe­ perfil. O ideal é que esses perfis possam se encontrar. O grande pro­
cialização? Não. Então, sabendo disso, eu vou jogar o salário ao blema é quando você tenta juntar perfis que não são idênticos. Aí,
mínimo necessário. Agora, se eu preciso saber se esse transeunte você vai ter rupturas, você pode ter, por exemplo, brigas na justiça,
tem origem africana, se ele tem origem latina, se ele tem origem você pode ter insatisfações, pode ter empresas quebrando. Essa é a
europeia e eu preciso verificar isso numa simples visualização, opa! minha opinião.
Esse mesmo profissional que estava ali tem que ter tido uma forma­
ção melhor para que ele possa trazer para aquele empregador uma Ao falar dos perfis individuais, AC demonstra que compreende que o
rentabilidade maior e com isso vai ganhar mais. Ele tem que buscar risco do negócio é um elemento exclusivo do empresário, o que fica bastante
especialização. Não adianta ficar na vala comum. elucidado no seu argumento. Assim, mais uma vez, ele estabelece pelo me­
nos dois perfis polarizados: de um lado, o empresário propenso ao risco do
A empregabilidade, conceito correlato ao de "raridade da mão de obra" negócio e, de outro, o funcionário, aquele que quer "trabalhar com o mínimo
sob essa leitura, é uma responsabilidade de cada trabalhador e parece ser garantido". Nessa fala, ele não defende o empreendedorismo como uma pana­
vista como algo necessário, uma espécie de elemento de ajuste individual ceia social (atitude comum na "nova ordem empreendedora"), pelo contrário,
ao mercado de trabalho. Na sua concepção, cabe ao trabalhador se man­ ele reconhece, pelo menos tacitamente, o papel e a importância de cada um,
ter permanentemen.te capacitado a oferecer sua mão de obra qualificada, estabelecendo uma solidariedade necessária entre esses perfis no mercado,
e,
especializada assim, adquirida a qualquer momento na disputada arena pois o ideal é que esses perfis diferentes "possam se encontrar".
competitiva profissional. Mais uma vez, isso é relacionado por AC como
um jogo de ganha-ganha. Entrevistador: Vamos voltar nesse assunto que esse viés é interessante.
Estamos aqui desenhando um pe1fil de construção de um novo mercado de
trabalho, maisflexível onde eu perguntei se a gente não está transformando o é um tipo de negócio que tem um� característi�a própria.. E exi�tem
_
trabalhador em empresa e agora a gentefala em pe1fis diferentes. E aí, como outros. Agora, eu como empresáno, posso abnr uma chmca medica
é quefica o trabalhador que nasceu sob o discurso empreendedor que rotula em quatro ou cinco endereços e em cada dia estar em uma. O _q ue
esse ou aquele como detentor de um pe,jil de quem "não é empreendedor" eu quero dizer com isso, a demanda, não posso falar que vai ter
_
ou que "nasceu para ser celetista ", como costuma ser dito, inclusive na só uma fonna de acesso. O que eu posso falar, o que eu acredito,
realização do "survey"... Como é quefica esse cara nesse cenário? é que tem que ter opções. O que não pode ter é uma única forma
gerindo tudo, porque o ser humano é diferente, as necessidades sã�
AC: Vou dar um exemplo. Eu venho da Baixada Fluminense, uma re­ diferentes. É a mesma coisa você calçar um sapato número 40 no pe
gião onde você tem a construção civil muito ativa. Existem pessoas de todo homem adulto. O que eu faço com quem calça 3 7 e o que
que são empreendedoras... então, por exemplo, eu posso te oferecer eu faço com quem calça 42? Então, o que nós precisamos ter é uma
um serviço de construção da sua casa. Vou te cobrar R$100.000,00 flexibilização do modelo de negócio, a flexibilização do modelo de
para construir a sua casa. Então, contratei urria pessoa ou uma em­ contratação. Podem ter negócios que exijam a dedicação fidl time e
presa, enfim, que é a mesma coisa... Se·. for uma ·pes·soa, CLT, vou podem ter negócios que exijam a dedicação pari time.
contratar uma estrutura para projetarem a minha casa, daqui a seis
meses eu volto, que o meu contrato foi isso, para morar nela. Esse Entrevistador: Mas para isso, já não existem as formas diversas de con­
empreendedor tem vaga nesse mercado? Acredito que sim. Mas, tratação? Existe o chamado emprego típico (celetista), o terceirizado, o
claro, ele não vai conseguir entregar a sua casa em seis meses. Ele temporário, o estagiário, o cooperativado, o fi·eelance,� ..
precisa contratar pessoas que têm a necessidade de ter um mínimo
garantido todo mês. Então, quando eu te cobrei R$100.000,00 para AC: Olha não sei dizer isso na prática. Não sei dizer como se chegaria
construir a tua casa, vou gastar trinta, ter um lucro de trinta e esses lá. S� vai ser via cooperativa, se vai ser... pode ser que essas coisas
quarenta, é para que eu possa manter aquele meu empregado mes­ até tenham uma região comum, um interseção. Posso usar o serviço
mo nos períodos em que eu não tenha demanda de mão de obra. de uma cooperativa, de um PJ, o que vai nortear é a metodologia de
Porque aquele meu funcionário não quer saber se eu vou conseguir trabalho. Depende do que eu queira oferecer no meu negócio. Olha
novas obras ou não. Ele precisa ter o seu salário todo mês e eu o ramo de automóveis. Imagina que você compra um carro e tem
como empresário, empreendedor, vou ter que contratar pessoas que como garantia serviços 24h por dia. Aí você precisa, chega numa
também queiram aquele salário ali mensal, porque se ele quiser ser oficina às 3h da manhã. Essa oficina, pela necessidade de negóc10
empreendedor, ele vai ser meu concorrente, não meu funcionário. dela, ela pode escolher ter ali um cara d� 8h da noite a 8h da manh�,
Então eu vou contratar essas pessoas, faço com eles um contrato de ou uma pessoa que trabalha de 8h à meta noite ou de meta n01te_ as
trabalho por tempo determinado e eu posso demiti-lo daqui a um 4h da manhã, não é isso? Mas isso tem que ser uma cooperativa
ano, como qualquer empresa faz. Essa empresa pode ter perdido pra eu chegar lá e não ter o serviço prestado. Tem que ter o serviço
mercado, eu posso não ter tido obras, meu concotTente pode ter en­ prestado. O que garante isso, eu acredito, é a demanda, a n,:'ces­
trado no mercado com preço menor e eu quebrar. Da mesma forma, sidade. Não pode ser imposição, o que deve nortear a relaçao de
pode vir uma outra construtora assumir aquela obra e eu ter que trabalho é a demanda. Não pra botar isso de cima pra baixo. O de
mandar esse profissional embora. Esse modelo acaba interligando cima pra baixo é útil? É, mas tem uma parte que vai ficar de fora.
os dois, tanto a pessoa que é empreendedora, tanto quanto a pessoa
que, entre aspas, é dita para ser CLT. Um necessita do outro e na
minha visão não tem como você separar isso. Agora, depende do A leitura que AC faz dos vínculos, ao que parece, não alude necessaria­
modelo de trabalho. Depende do que nós estamos falando. mente à hibridização contratual muitas vezes aqui abordadas, mas, conforme
sua fala reiterada, pela flexibilização entre as formas de unir os interesses
Entrevistador: Como é que você vê o fi1turo do emprego? do dono do negócio, do trabalhador e da sociedade usuária dos serviços, o
que, novamente, passa pelas opções de estratégias de inserção �o trabalho.
AC: Sob demanda. Não dá para ser somente. De novo, eu não tenho essa
visão para dizer se é somente ou principalmente sob demanda. Eu Importante ressaltar que o discurso de AC, de modo geral, mas nao de_ f�nna
exclusiva, baseia-se em interpretações que rompem com o formato trad1c10na l
acredito e pelo que tenho visto aqui, existem mercados. Por exem­ ' .
de uma sociedade parcialmente lastreada no assalariam ento. O emprego tlp1co
plo, imagina o hospital que tem aqui perto. Ele tem o pediatra que
tá lotado ali, ele pode não tá fazendo nada naquele momento, mas nas suas falas serve geralmente como parâmetro para se referir aquilo que ele
se chegar uma criança com febre, ele vai ter que estar lá. Então, esse contesta e que, por isso, precisa de ajustes para se adequar à nova morfologia
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da sociedade do trabalho. É o trabalho sendo visto a partir do emprego, mas Nessa leitura de AC, no entanto, nem todo mundo deve compartilhar
não necessariamente trabalho reduzido exclusivamente a emprego. esse risco com a empresa. O gerente de qualidade citado necessita desse
Entrevistador: Então, a gente tá falando de risco do negócio. No teu alinhamento com o negócio. Então esse sim, deverá compartilhar os riscos.
entendimento, reiteradamente vocêfala da necessidade de um comparti­ No entanto, há ocupações numa empresa que não necessitam estar sob esse
lhamento do risco do negócià entre a empresa e o trabalhador. Você acha alinhamento, por isso, também estariam isentos do compartilhamento. Sua
· que a empresa pode compartilhar esse risco que é inerente ao negócio, leitura, então, passa pelo aspecto da seletividade, do perfil e não de uma
como foi dito, com o trabalhador? generalização sobre os trabalhadores, o que, em parte, é coerente com sua
posição sobre as formas contratuais.
AC: Não. Tem pessoas que não vão entender esse tipo de coisa e tem
pessoas que não tem necessidade de entender esse tipo de coisa. A contradição em seu argumento estaria, por exemplo, na questão do
Vou dar um exemplo. Imagina que eu estou buscando ·um gerente fatiamento da jornada de trabalho, conforme exemplo que utilizou dos serviços
comercial, um gerente de vendas ou um gerente de qualidade. Pra de limpeza de um escritório, onde o trabalhador poderia assumir uma jornada
sair um pouco da área de vendas, eu imaginei agora um gerente de fracionada a apenas três horas diárias, com salário reduzido proporcional­
qualidade. Eu vou comprar meu carro e eu sou um fabricante que mente. Isso, embora não declarado por AC, seria uma forma dissimulada de
está dando uma garantia de cinco anos para aquele veículo. Para legitimar o tal compartilhamento do risco do negócio, uma vez que, entre
que eu não tenha que ter prejuízo com aquele negócio, eu tenho que outros prejuízos, fraciona a possibilidade de campo de atuação do trabalhador.
ter uma metodologia de fabricação que me garanta que eu não tenha
reposição de peças, custos de serviços e de mão de obra. Então, Entrevistador: Bom, pra encerrar então,fique à vontade para/à/ar o que
quando eu contrato um gerente de qualidade ele precisa saber dis­ faltou, o que acha importante, enfim, o que quiser para conclui,: ..
so. Esse tipo de negócio exige que eu tenha alinhamento com o
negócio. Agora, se eu tô contratando uma pessoa que não tenha ne­ AC: Bem, eu quero agradecer a oportunidade e espero ter agregado va­
cessidade de alinhamento com o negócio, de repente eu tô levando lor, enfim, vai que, de alguma forma, eu tenha plantado a semente
para aquele profissional uma necessidade que não é inerente aque­ aí, e você seja o grande agricultor que esteja trabalhando com essa
le negócio naquele momento. Posso estar até complicando aquela semente. Porque toda cadeia de empresário, funcionário, consu­
questão. Exemplo, se eu preciso ter naquela empresa de limpeza de midor é calcada nessa cadeia de remuneração. Eu tenho que ser
manhã, contrato uma grande empresa, contrato, enfim ... o que isso remunerado de alguma fonna pelo meu trabalho. E isso é muito
tem a ver com o alinhamento do negócio de cinco anos de garantia? importante. Acho que esse trabalho, estou muito satisfeito de ter
Pouco tem a ver. Então, dependendo do negócio, da estratégia do colaborado ... isso impacta no meu jantar, isso impacta no abasteci­
negócio. E digo mais, dentro da própria empresa tem atividades que mento do meu carro, isso impacta na educação das minhas filhas,
não tem que estar obrigatoriamente na ponta. Vai fazer até mal estar enfim... eu só acho que nós temos que ter opções. Eu não acredito,
na ponta. Você pode criar preocupações naquele funcionário que vou trazer para a minha opinião, eu não acredito numa única fonna,
não estão no foco de trabalho dele, vai tá complicando a vida dele. aqui, durante o nosso bate papo, a necessidade é que faz a mão de
Então não tem essa necessidade. obra. O que eu não acredito é que, de repente o Estado ... uma coisa
é o Estado fiscalizar e agir com justiça em situações de injustiça.
O compartilhamento do risco do negócio com o funcionário é um argu­ Outra coisa é o Estado determinar a fonna de trabalho. O Estado
pode se preocupar com as questões internas ao Estado para que faça
mento caro à gestão empresarial, uma vez que, sincronicamente, furta-se ao
a máquina andar e não definir se eu vou trabalhar 40h ou de 8h às
compromisso financeiro fixo e regular com o trabalhador, além de tomá-lo 8h da manhã, enfim... o Estado tem que prover, proteger o cidadão
cada vez mais um "parceiro do negócio", sob as variações condicionadas acima de tudo, mas a relação trabalhista dele tem que ser mais livre.
pelos resultados obtidos no mercado, fato que o impele ao perfil empreen­ A minha filosofia hoje é de acreditar numa livre negociação. Pode
dedor, mesmo sendo verdadeiramente um empregado. Como dito em outros ser até com carteira assinada, que eu vou dedicar paite do meu dia
momentos, nem sempre, os resultados da empresa estarão sob a condução pra você, para o teu negócio, para a tua empresa, para tua insti­
tuição, pro governo [eleva o tom ao falar governo], inclusive, pro
dos trabalhadores, o que toma pouco razoável o tal compartilhamento dos governo! [repete]. Você tem mais fonna de abranger mais pessoas
riscos de suas operações. Em caso de sucesso, por exemplo, o lucro jamais e eu acredito até que isso não seja excludente, eu acredito que isso
será igual ou proporcionalmente compartilhado. sejà inclusivo. Essa é a minha opinião ... eu não sou uma pessoa
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especialista nessa área, aliás, eu tô usando muito meu conhecimen­


to pessoal para dar essa opinião. com naturalidade o fato de ter que transformar a sala de sua casa em uma
mini confecção, o que parece fazer parte do seu projeto de empreendimento.
O quarto entrevistado foi o consultor DR que, no que diz respeito ao
6.6 Entrevistas: considerações gerais à luz do debate apresentado
engajamento ao processo de pejotização, considera o modelo uma forma
viável e até mesmo legítima de contratação, o que se refere a uma forma de
Perseguiram-se alguns elementos específicos comuns no conjunto das emancipação do jugo do trabalho sofrível nas empresas, o que é consoante
entrevistas, como: as formas de engajamento de cada sujeito à empresa in­ com os demais entrevistados. Todavia, para ele, a condição para essa legiti­
dividual; os aspectos que evidenciam a formação de uma nova ética do tra­ midade apontada deve respeitar o direito de opção de cada trabalhador, ou
balho, sob as condições "pós-salariais"; o suposto hibridismo característico seja, a pejotização não deve ser imposta, mas escolhida pelos indivíduos. Caso
das relações contratuais atuais; a interpretação individual sobte as "novas" contrário, a pejotização caracteriza apenas mais uma forma de precarização
informalidades que vão além da dualidade do formal versus informal; a in­ do trabalho. Para ele, esses processos de relação de trabalho além-salarial
trojeção da ordem empreendedora e o papel da autonomia/heteronomia do representam uma fuga das "agonias" (teimo reiterado em sua narrativa) que
trabalho nesse contexto e, por último, a percepção sobre a individualização o trabalhador sofre nos ambientes das empresas.
socioprodutiva contida nesse modelo de trabalho. Por último, aquele que se pode assinalar como o mais entusiasta desse
Assim, as cinco entrevistas apresentadas objetivaram, em linhas gerais, modelo contratual, o corretor de seguros AC, fala de uma "naturalização" da
no âmbito do que a técnica aplicada foi capaz, reforçar e ampliar o que as empresa individual como se isso correspondesse, necessariamente a satisfação
demais etapas de campo perseguiram nos seus respectivos escopos: uma de todos os trabalhadores de oficios elegíveis a esse processo e inseridos nessa
compreensão de como as mudanças contratuais estão afetando as relações contratualização da força produtiva. Defende a pejotização por conta de uma
contemporâneas de trabalho e como isso tem se reverberado na vida dos atores remuneração diferenciada que advém dessa forma contratual.
sociais diretamente envolvidos, os pejotizados. Do ponto de vista da constituição de uma nova ética do trabalho e da
De modo geral, a adesão à empresa individual se deu de forma espontânea, percepção sobre o assalariamento, no conjunto, pode-se afirmar que há uma
planejada ou pelo menos aquiescida, permitindo um ajustamento ao longo do predileção sobre o trabalho por conta própria, o que aponta para um afas­
processo. O trabalhador AL, o produtor de audiovisual de 25 anos de idade, tamento da ligação com o modelo assalariado, apesar da unanimidade em
incorporou bem essa proposta, embora não acate a substituição do emprego reconhecer nesse formato de trabalho típico uma fonte das garantias que na
fixo por um contrato PJ, o que assim seria uma situação de desvalorização empresa individual não encontram.
do trabalhador. Esse trabalhador não se vê mais como um assalariado de "40 AL tem uma concepção diferenciada sobre a obtenção de uma renda fixa
horas", como diz, alegando ainda que, do ponto de vista do planejamento e mensal, aceitando e preferindo com naturalidade as incertezas financeiras, uma
controle financeiro e produtivo, a pejotização "é para poucos". vez que o assalariamento é uma sujeição ao patrão. JB preza a autonomia que
JB, o fotógrafo, embora tenha sido submetido a um processo de pejotização diz ter possuído, embora não consiga omitir sua vinculação material relativa
compulsório, ou pelo menos uma condição para a sua contratação, ajustou-se ao assalariamento. Deixa subentendido que essa afeição, no entanto, é relativa
(ou foi ajustado) facilmente ao modelo, do qual reconhece os valores e vanta­ à sua idade avançada. A costureira trata da condição assalariada como algo
gens. Muitas vezes, assume uma fala a respeito do trabalho sob a perspectiva sofrível e, por isso, superada por ela, uma vez que não se vê mais sob o jugo
do patrão, utilizando "eles", com certo distanciamento, ao se referir aos seus diário do ambiente taylorista de uma confecção. O discurso do consultor e
colegas e a todos os trabalhadores, como se estive a parte desse contingente. acadêmico apresenta esse mesmo viés de fonte de sofrimento e de subsunção,
A costureira MJ de 49 anos tomou-se MEi há quase dois anos como assumindo que as condições adversas atuais fazem com que o trabalhador
primeiro passo para a concretização do seu sonho de empreender. Atualmente, busque formas alternativas de inserção produtiva. "O mundo mudou" e por
está convicta de sua satisfação sob a condição de PJ, o que parece ocorrer isso, diferentemente do que seus pais concebiam, o corretor idealiza um
por comparnção com os vínculos de emprego pregressos, onde sentia falta de contexto social que prescinda do salário (sobretudo naquele formato regular
reconhecimento e recompensas, tanto materiais, quanto simbólicas. Vê, ainda, e invariável) como elemento central da vinculação entre capital e trabalho e
que os poucos postos de trabalho formais remanescentes sejam por demanda,
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ou seja, de acordo com a necessidade sazonal dos contratantes. Dessa forma, "acaba tirando da legalização, da legalidade, enfim, da carteira assinada, não
valoriza ainda uma sociedade composta por indivíduos negociadores de si sei se é legal ou se é ilegal, o PJ". De qualquer forma, ele acaba apoiando
mesmos, de suas próprias forças de trabalho. a situação dita como "informal", uma vez que isso exclui a participação do
Outro aspecto perseguido foi observar a ínterposição entre as formas Estado nos ganhos sobre o trabalho das pessoas.
contratuais mais comuns. Assim, buscou-se também a leitura subjetiva desses Além da questão relacionada diretamente à (in)formalidade, o modo como
índivíduos a respeito do que se está tratando aqui como hibridismo das relações esses trabalhadores lidam ou interpretam a ordem empreendedora vigente na
de trabalho. Nesse sentido, o que se percebeu entre os cinco entrevistados foi que sociedade revelou elementos caros à análise. Todos apoiam esse aspecto como
AL associa a pejotização com o vínculo de carteira assinada, embora valorize alternativa na condução de suas trajetórias profissionais individuais. AL critica
a autonomia da condição freelancer. JB tinha seu volume e fluxo produtivo o mau uso do termo empreendedorismo, o qual, na verdade, nem mesmo sabe
sob a heteronomia da empresa, levando uma vida de empregado assalariado, precisar o significado tal como vem sendo utilizado. Para ele, isso está ligado
no entanto considerando-se "dono do nariz", no que diz respeito ao horário. à exploração do capital exercida sobre o trabalhador, inclusive quando se trata
Supostamente, essa sua visão esteja relacionada à comparação que fazia com os do intraempreendedorismo, ou seja, aquele desenvolvido junto aos próprios
demais trabalhadores efetivamente empregados de sua contratante. Uma vez que funcionários como medida de estímulo ao aumento da produtividade sob um
MJ ainda se reporta ao seu parceiro de negócio como patrão e confunde a sua movimento de cooptação ideológica de engajamento do trabalhador.
real situação de vínculo, fala de autonomia, embora tenha apresentado ao longo JB considera o empreendedorismo como uma alternativa à escassez
de sua narrativa, diversos traços de subordinação. Ao estranhar o embaralha­ do emprego e MJ atua sob essa mesma ordem. A trabalhadora elabora um
mento entre os "carteira assinada" e os contratados como PJ, DR considera essa sonho que talvez seja fruto dessa suposta generalização da sociedade atual.
prática uma medida preventiva frente às possíveis demandas judiciais futuras. Nesse sentido, apoia a necessidade de intensificação de uma força de vontade
Para AC, a hibridização estaria presente entre o PJ e o assalariado somente no pennanente para mitigar os impactos de uma eventual parada produtiva. Na
que diz respeito à dicotomia entre autonomia e heteronomia, de modo que o PJ visão crítica de DR, o empreendedorismo é fruto dos desdobramentos do
deve gozar de uma independência relativa ao contratante. neoliberalismo, por isso, massificado por diversas vias na sociedade moderna.
As chamadas "zonas cinzentas" nas quais se situam as interpretações Já para AC, todos devem assumir atitudes empreendedoras, até mesmo os
dos agentes do trabalho pejotizado constituem um aspecto interessante nesta empregados assalariados, na fmma do mencionado intraempreendedorismo.
análise por ilustrar as percepções acerca do locus do trabalho como empresa No entanto, relativiza seu pensamento ao reconhecer que não se trata de uma
individual e do que isso pode representar na vida real desses trabalhadores. cura para todos os males da sociedade do trabalho.
Nesse aspecto, as respostas versaram preponderantemente no sentido da O próximo aspecto levantado foi a respeito da individualização e seus
perda do amparo legal. AL interpreta sob o contexto da desregulamentação efeitos sobre o trabalhador. AL, que vê nas microempresas individuais uma
do setor em que atua profissionalmente, lamentando pela falta de controle conveniente forma de prestação de serviços, também lamenta os efeitos da
dos sindicatos sobre as transações comerciais. Para ele, nesse aspecto, os atomização dos indivíduos na sociedade, mas ao mesmo tempo, não acredita
sindicatos deveriam ser mais atuantes como agentes promotores de políticas em nenhuma forma de ação coletiva via sindicatos. Esse pensamento é com­
regulatórias sobre as negociações entre as partes (empresa e prestadores de
partilhado por MJ que não vê prejuízo atualmente na sua condição de trabalho
serviços). JB e DR lamentam as perdas substanciais das garantias advindas
individualizado, pelo fato de nunca ter sido amparada por sindicatos ou qual­
do trabalho alheio à formalidade, enquanto MJ, como atualmente a maioria,
quer outra forma institucional de representação ou proteção. DR, que também
ou todos os trabalhadores, não consegue definir essa zona de interseção na
compartilha desse pensamento predominante a respeito dos sindicatos, aponta
qual está inserida. É informal porque se encontra "fora do regime trabalhista",
esse efeito fragmentário como decorrente das mudanças neoliberais impostas,
mas é formal também pelo fato de "ter que pagar contribuição", além de estar
visando a segregação individual e espacial como estratégia do capital, a fim de,
subordinada a uma empresa, "então, mescla meio isso, de formal e informal,
por exemplo, reduzir as ações coletivas de resistência da classe trabalhadora.
eu não sei onde fica um e termina o outro".
Já AC equipara o formal/informal ao legal/ilegal, como se ocupassem um AC assume seu discurso claramente individualizante através das propostas de
flexibilização e das relações fragmentadas de prestação de serviços.
mesmo patamar sobre os efeitos trabalhistas. Assim, a empresa contratante
' -y-' ,_ 'T' •-• - _.,,,... ___ .,,_,,,___, __,.._ ·-·,- -- ·----···-

Já no sentido da adesão por resistência às "injustiças sociais", sobretudo propósitos capitalistas o toma flexibilizado e dotado de uma consciência com­
no que diz respeito ao sistema previdenciário e tributário vigente, há uma nítida prometida com os resultados organizacionais, tal como, de fato, um capitalista
compreensão de que o engajamento desses indivíduos aos formatos contratuais detentor dos meios de produção. O tom de viés ideologicamente reformista,
desregulados (até agora, ainda tidos como "atípicos") se justificam (ou pelo predominante ou subjacente em alguns argumentos, porta-vozes da leitura de
menos tentam se justificar) por uma melhor forma de estabelecer uma política seu tempo, reforça a noção do surgimento e vias de maturação de uma nova
distributiva, de tal modo que "todos ganham mais: a empresa e o trabalhador", ética do trabalho pautada nos princípios da individualização profissional e
à medida que o Estado se afaste, pelo menos parcialmente, dessas questões da imposição empreendedora, numa ordem pós-salarial e consequentemente
sociais. O que fica reforçado através da fala de JB, por exemplo, quando afirma alheia à tutela do Estado e do trabalho sindicalmente organizado. Aliás, o
que "Eu acho que tem que facilitar a vida das pessoas, não só das pessoas, das movimento sindical como instância representativa, ou qualquer alusão positiva
empresas, permitir que os negócios fluam, o Estado é muito intervencionista
. , a essa forma de resistência, passou ao largo nas falas dos sujeitos em análise,
o Estado está em tudo o que é canto, tem muita regra, isso atrapalha". Ou o que deve ser ressaltado na análise.
mesmo no discurso de AC ao demonstrar seu interesse "por exemplo, pro Nas narrativas, além do forte anseio compartilhado por mudanças nas
cara que estava lá, recebia mais e também a alíquota do imposto de renda era relações de trabalho (leia-se "reformas"), foram identificados aspectos re­
menor... " e ainda "Ou entregava o dinheiro mais pro Estado ou entregava mais veladores de engajamento à nova dinâmica empreendedora do mercado de
pro teu bolso", entre tantos outros trechos ao longo das entrevistas. O excesso trabalho. Ao que ficou evidenciado, esses trabalhadores, cada um ao seu modo
da presença, assim como a atuação insuficiente do Estado (LAUTIER, 1997), e de acordo com suas convicções e experiências subjetivas, assumiram bem
para eles, estaria ligada à redução da remuneração percebida pelo trabalhador, a condição de se tornar empresas. Até mesmo nas falas sob a perspectiva do
além de retroalimentar a clandestinidade nos negócios. locus assalariado, onde o modelo "emprego típico" também seria dotado de
Sob outra perspectiva, a competição interfirmas, típica do capitalismo fatores determinantes da competitividade generalizada, sob a denominação
moderno, foi assumida na vida dos indivíduos e traduzida subjetivamente do discurso da velha empregabilidade.
pelas vias da empregabilidade, levando para si, nas suas ações e interpretações Todos já foram celetistas, o que pode ter permitido alcançar olhares
particulares, a necessidade competitiva inerente ao capital e suas operações, diversos, até em um mesmo indivíduo. Enfim, há ambiguidades em todos
onde o trabalhador, transmutado em empresa individual, se ajusta e assume os debates. Há um conformismo e mesmo uma satisfação predominante nas
o mesmo (ou algo bem próximo) do discurso empresarial: competitividade. falas desses sujeitos. Os trabalhadores analisados, de modo geral, assumiram
AL, o mais jovem entrevistado, assume isso como natural, necessário e bem a condição de se tornar pejotizado, não necessariamente pelos méritos
saudável. JB admite essa tônica, mas se exime do combate por fatores diversos, e atributos ou afeição a esse modelo individualizador, e muitas vezes até
sobretudo pela idade avançada. MJ, na condição evidente de empregada no mesmo pseudoemancipatório, mas por uma desolação e insatisfação com as
seu ambiente domiciliar, vê no aumento de trabalho uma maior possibilidade condições hostis com que as empresas vêm submetendo seus empregados.
de ampliar sua renda, enquanto DR critica, mas legitima a concorrência. E, O tom das ambiguidades contido nas narrativas é fundamental neste
por último, AC delega ainda maiores desafios ao trabalhador na luta pelo contexto, uma vez que revela o caráter indefinido de uma dinâmica trans­
seu "lugar ao sol", ao atribuir-lhe a responsabilidade de uma fatiada jornada formacional, cujos efeitos e interpretações não são claramente definidos
de trabalho (part time) ao sabor utilitarista do capital, conjugado, segundo nem pelo trabalhador, nem mesmo, de fonna precisa, pelos que se debruçam
a sua visão, a uma negociação direta com cada trabalhador. Para defender sobre esse fenômeno. Ou ainda, como já revelado pelo analista, a respeito do
seu argumento, em seu modelo ideal, AC comporta, num mesmo patamar individualismo empreendedor instaurado nas últimas décadas, trabalhadores
de barganhas, a debilitada resistência dos trabalhadores fragmentados com o do Brasil, virem-se (MACHADO DA SILVA, 1998).
(geralmente forte) poder econômico do empresariado.
A narrativa construída ao longo das entrevistas demonstra homens produ­
tos da mesma fragmentação dos tempos atuais (BAUMAN, 2008; SENNETT,
2004). Em muito pode ser relacionado ao perfil do trabalhador moderno,
descrito por Sennett na Corrosão do Caráter, cujo costume corrompido pelos
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes de avançar nos aspectos conclusivos gerais da pesquisa implemen­


tada, vale ressaltar um breve aspecto relevante a respeito dos indicadores sociais
disponibilizados para a sociedade. Ao longo do procedimento de levantamento
de dados, constatou-se uma insuficiência na forma da disponibilização de in­
formações oficiais para oferecer subsídios mais concretos e objetivos sobre a
quantificação e classificação dos postos de trabalho sob as formas de subcon­
tratação (terceirização e trabalho temporário), o que daria, inclusive, pistas mais
evidentes do trabalho efetivamente pejotizado, objeto desta análise.
Esse desafio metodológico foi detectado através das diversas vias que
atualmente são utilizadas a fim de tratar o assunto, ou seja, para a aferição do
contingente desse tipo de relação e forma de contrato de trabalho. A estrntura
infonnacional dos indicadores sociais mostra-se ineficiente, gerando um gap no
que poderia ser um forte aliado às pesquisas acadêmicas, às políticas públicas e
a toda sociedade na esfera da disseminação de informações relativas ao assunto.
Essa questão poderia ser sanada caso os instrnmentos como a RAIS, por exemplo,
fossem elaborados de forma a permitir uma maior fonte de informações mais
precisas, sobretudo a respeito da identificação das ocupações e sob a forma de
subcontratações, bem como de todo universo do trabalho além CLT.
A pesquisa teve como objetivo principal analisar as transformações nas
relações contratuais através das empresas individuais, proposto aqui como
um efeito emblemático e representativo dos novos tempos do trabalho social.
Para isso, considerou-se que o avanço desse modelo de contratualização se
deu, sobretudo, a partir da confluência de três aspectos socio-históricos no
mundo do trabalho:

• o desmonte progressivo e sistemático do salariato, ocorrido no Brasil


intensamente a partir dos anos 1990;
• as reconfigurações das relações formais/informais e das contradições
inerentes a esse esquema; e
• o avanço do empreendedorismo promovido nos últimos anos e
proposto como panaceia aos males da desocupação profissional.

Dito isso, pode-se constatar que as análises feitas no marco deste ar­
gumento central permitem, ao menos, quatro agrupamentos de conclusões:

I. o avanço da pejotização caracteriza-se como fator resultante dos


três elementos histórico-sociais apontados (desassalariamento,
· -- - · ·- ·r ·- · - -· ,.,.. --- •• ·-···---· --···- ·-·v- -- "-�-.. ·-

infonnalidades e empreendedorismo) e, por isso, é representativo razoável concluir diante do que foi debatido, é que, de realmente novo, há o
das transformações nas relações de trabalho; avanço da informalidade sobre aquilo que antes era tido como mais protegido
II. há uma heterogeneidade de manifestação do fenômeno da pejotização; e regulado, onde a pejotização, assim como outras "emergentes" e híbridas for­
III. evidencia-se, na vida real dos agentes do trabalho pejotizado, formas mas contratuais que avançaram no período analisado sofreram forte influência
ambíguas de interpretação da sua condição socioprodutiva e, por último; de elementos até então tidos como pertencentes ao "mundo dos informais":
IV a confirmação de fortes indícios de que, malgrado o desenvolvimento de desregulação, desproteção, falta de representatividade coletiva, ente outros.
uma nova ética do trabalho, é a partir do modelo tradicional de relação Não se podem precisar todos os fatores intervenientes na promoção
contratual (emprego) que se pautam as transformações em curso. da empresa individual como fenômeno social emergente, nem mesmo que
o instrumento normativo da Lei 11.196/2006, em seu artigo 129, confmme
Ao observar a convergência entre esses três fatores histórico-sociais visto na seção 4.1 (Justiça e questão social: aspectos relativos à pejotização),
apontados, nota-se que são aspectos intimamente corr�latoê no ponto de partida tenha sido o único propulsor do avanço da pejotização, embora tenha servido
para análise das mutações elaboradas sobre as formas de relações de trabalho. de argumento legitimador aos seus propósitos. Os dados evidenciados sobre a
Tal constatação se dá pelo fato de que os três elementos se interpõem num empresa individual através dos seus aspectos quantitativos obtidos pela RAIS
grande esquema favorável ao avanço do (micro )empresariamento individual Negativa sugerem, considerando válidas as interpretações aqui apontadas,
como força de trabalho, conforme visto. uma forte tendência de o fenômeno se consolidar como uma fmma viável
Os efeitos iniciados na década de 1990 repercutiram diretamente sobre e, por isso, anuída, de relação de trabalho. No entanto, foi no surgimento do
o período aqui analisado. A debilidade quali-quantitativa e ideológica do MEI, política pública de "formalização" do trabalho "por conta própria", que
assalariamento e a propagação da ordem (na acepção prescritiva do termo) a pejotização ganhou espaço de destaque, o que pode ser observado a paitir
generalizada do empreendedorismo concorreram no engendramento desse do volume de PJ que exerce suas atividades através desse modelo, fiscal e
processo transformacional em questão. Tudo isso permeado de forte dose de burocraticamente simplificado, de se constituir como microunidade produtiva.
imprecisão entre o formal/informal, uma vez que, como discutido, não cabem Ressalta-se, não obstante, a grande parcela de MEis que não necessariamente
proposições que deem conta assertivamente desses enquadramentos. Como submetem-se a "vínculos" continuados.
se constatou, há traços e evidências do "informal" no "formal", assim como o De certo, para "não jogar fora a criança junto com a água do banho", há
"formal" está altamente constituído de características tradicionalmente ditas espaço para a prática da relação contratual via pejotização sem a burla dos
"informais". Esse imbricamento aparece tanto no assalariamento considerado direitos trabalhistas. Assim como existe o campo de atuação dos profissionais
típico, regulado e protegido, quanto nas subcontratações ou até mesmo nas liberais, trabalhadores autônomos, dadas as circunstâncias e natureza de sua
manifestações diversas de se "formalizar" como microempreendedor. prática socioprodutiva, é viável a contratação de trabalhadores no formato
Os entrevistados apontaram as perdas das· garantias trabalhistas como pejotizado, prestadores de serviços não eventuais e fornecedores de notas
o principal elemento perturbador da chamada "nova informalidade", mani­ fiscais, desde que não extrapolem as garantias preconizadas nos instrnmentos
festada através do que aqui foi apontado como algo que vai além da mera que ainda regulam as relações sociais (trabalhistas e tributárias), sobretudo
. dualidade do formal versus informal. Dito ainda de outra forma, é formal por no que concerne aos elementos tipificadores da relação de emprego, contidos
se caracterizar como trabalho juridicamente constituído, à medida que, ainda no artigo terceiro da CLT.
assim, condiciona-se como informal em suas interpretações ao que representa Sobre o hibridismo das relações contratuais, o que mais se destaca, tanto
perda de direitos trabalhistas. a partir do survey, quanto nas entrevistas, é que os profissionais associam a
A introjeção da ordem empreendedora e o papel da autonomia/hete­ pejotização com o vínculo de carteira assinada, dadas as manifestações dos ele­
ronomia do trabalho no contexto da pejotização apontou que todos apoiam mentos caracterizantes desse vínculo trabalhista (habitualidade, pessoalidade,
esse aspecto como alternativa na condução de suas trajetórias profissionais onerosidade e subordinação), embora reconheçam e valorizem a autonomia
individuais. As entrevistas ressaltaram a valorização do empreendedorismo contida na forma de trabalho pejotizado.
como forma viável de alocação de sua força de trabalho. Em última análise Assim, a pejotização, esse fenômeno eminentemente dissonante e com­
nesse sentido, sobre as transformações nas relações de trabalho atuais, seria plexo reúne atributos de condição patentemente híbrida das relações de trabalho.
Nesse sentido, importante salientar que os entrevistados, em seu mundo moral no sentido de que, embora elimine qualquer possibilidade de ação coletiva
empreendedor, questionam a pejotização como uma prática genuinamente (mesmo que não esperem a competência representativa via sindicatos), há
empreendedora, de modo ambíguo e ambivalente sob a autopercepção dos uma compensação ligada ao fato de que o trabalho individualizado é mais
protagonistas do trabalho. justo à capacidade produtiva de cada um e até mesmo mais satisfatório,
Pode-se então afirmar, através dos argumentos apontados e de todo mate­ uma vez que foge dos reveses do cotidiano do ambiente corporativo, o que
rial empírico apresentado, que a grande contribuição aqui disponibilizada está está muito presente na condição dita como sofrível de empregado regular.
diretamente relacionada ao que se evidenciou em expressiva heterogeneidade As falas evidenciaram sentimentos de rompimento com a exploração da
na pejotização, possível de ser observada sob perspectivas analíticas diversas: dedicação de seus trabalhos em tempo e ritmo de produção integralmente
seja no aspecto interpretativo jurídico e legal, nas percepções subjetivas de destinados ao empregador.
perdas e ganhos ou ainda e, sobretudo, nas interposições das formas consti­ De modo geral, evidenciou-se o avanço de um processo de desmantela­
tutivas das relações de trabalho. mento moral dos aspectos oriundos do trabalho regulado e protegido, observado
O próprio trabalhador pejotizado, ao comparar-se com os demais modelos a partir do demérito dispensado à CLT e de todo sistema de proteções. Esse
contratuais, percebe-se desajustado a partir do dilema da empresa individual. fenômeno da tutela do Estado, segundo a interpretação dos próprios trabalha­
Ora interpreta-se tal como empregado, o que, de certa forma é, dadas as carac­ dores, mesmo que sob controvérsias, vem progressivamente sendo associado
terísticas constitutivas dessa condição socioprodutiva; ora como autônomo, a um mecanismo de insuficiência produtiva do tipo de relação conservadora.
desvinculado da contratante, mas detentor de todos os atributos trabalhistas Interessante notar que o trabalhador se distancia dessa salvaguarda, assumindo
vinculantes a ela; ora de forma análoga a um terceirizado, o que não deixa de que o caminho é a individualização, numa patente manifestação de sentimento
ser real, uma vez que a pejotização também foi tratada aqui como terceirização misto de emancipação e lamento pelas perdas advindas desse rompimento.
individual; ora como microempreendedor, o que também é irrefutável, pelo Toda essa amplitude interpretativa concorre para a formação de uma nova
menos do ponto de vista objetivo de seu enquadramento. ética do trabalho (inclusive do próprio assalariamento), conforme dito, pautada
Outro aspecto perseguido nesta investigação, além do avanço do fenômeno num perfil de trabalhador airnjado, dinâmico e polivalente ditado pelo próprio
da pejotização, foi também verificar como o trabalhador vem se engajando a mercado de trabalho e massificado através dos meios de comunicação, sob o
esse movimento metamórfico das relações contratuais. Constatou-se que esse argumento da fmmação do profissional ajustado aos novos tempos.
engajamento se dá através de fatores diversos, tais como atitudes deliberadas Os aspectos que evidenciam a formação dessa nova ética do trabalho, sob
e convictas, adesões residuais, incorporações por ordem da contratante, entre as condições "pós-salariais", apontaram uma tendência de interesses individuais
outras. Isso porque, embora a pejotização esteja situada, na melhor das situa­ pelas atividades por conta própria, o que sugere uma ruptura sintomática com
ções, a uma linha muito tênue da fraude às regulações sociais vigentes, há um o modelo assalariado, a despeito do reconhecimento dos valores materiais
considerável estrato desse universo de trabalhadores, como visto sobretudo a e até mesmo simbólicos dessa forma (tradicional) de inserção no trabalho.
partir das narrativas, que consideram a empresa individual uma forma legítima, Não obstante, nota-se que é através da solidariedade viabilizada pelo
viável e promissora de inserção no trabalho. assalariamento e pela articulação advinda desse estatuto que historicamente
Tal lógica de aquiescência pode ter sido implantada por causas diversas, foi possível levantar questões e pôr em pauta demandas até então ausentes
tais como a insuficiência de geração de empregos protegidos pelo sistema às agendas reivindicatórias. Foi através desse modelo de organização dos
produtivo ( quantitativa ou qualitativamente); a percepção de uma política trabalhadores que se constituíram "projetos políticos e identidades sociais
tributária injusta sobre os rendimentos do trabalhador; a intemalização massiva ancorados na dignidade do assalariamento" levando as classes mais favore­
e sistemática de uma cultura voltada ao empreendedorismo, quer seja como cidas "a reconhecer o trabalhador como um igual, apesar de sua condição de
mecanismo de estratégia sobre a desocupação, quer por motivos de orientação subaltemidade" (CARDOSO, 2014, p. 9, grifos do autor).
pessoal, entre tantas outras. Dessa forma, depreende-se que o regime salarial celetista, com registro
Dentre os principais aspectos perseguidos nas entrevistas, um deles foi formal direto pelo próprio contratante da força de trabalho viabiliza a ação
observar a percepção da individualização inerente ao trabalho pejotizado sindical, institui o trabalho social como estatuto de classe e permite a reivindi­
(empresa individual). As respostas foram diversas, convergindo, no entanto, cação de melhores condições de trabalho e melhorias remuneratórias (salários
e beneficios), enfim, auxilia na promoção da representatividade, resistência
e identidade de classe.
Com efeito, o que vem se constatando é que, embora sob fogo cruzado,
historicamente, o assalariamento ainda assume papel relevante no mundo do
trabalho, bem como no horizonte de expectativa de muitos "vendedores de força
produtiva". Nesse sentido, é razoável afirmar que, a despeito de um colapso,
esse regime de vínculo vem passando por fenômenos transformacionais, com
novas formas interpretativas, de acordo com o espaço e os circuitos encon­
trados para se estabelecer, adequando seus contornos através das estratégias
organizacionais lançadas nas barganhas do mercado detrabalho.
Assim, de fato, quer queira ou não, as relações de trabalho no Brasil
(ainda) se dão a partir do olhar que se lança sobre a CLT. Qualquer análise ou
ponderação a respeito dos vínculos trabalhistas se darão a partir desse sistema
regulatório do trabalho, afinal, as contratualizações diversas, em certa medida,
olham para esse instituto protetivo e regulatório das garantias sociais, a fim de
se estabelecer, se contornar e se reproduzir sistematicamente, o que justifica
seu status paradigmático vigente e, por isso, norteador das emergentes, hete­
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