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Ana Carolina Costa Pereira
Eugeniano Brito Martins
(Organizadores)
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS
ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O
OLHAR DA PLURALIDADE

Editora CRV
Curitiba – Brasil
2021
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação: Designers da Editora CRV
Capa: Os autores
Imagens da Capa: Freepik
Revisão: Analista de Escrita e Artes

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


CATALOGAÇÃO NA FONTE
Bibliotecária Responsável: Luzenira Alves dos Santos CRB9/1506

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IN62

Investigações científicas envolvendo a história da matemática sob o olhar da pluralidade


/ Ana Carolina Costa Pereira, Eugeniano Brito Martins (organizadores). – Curitiba: CRV, 2021.
128 p.

Bibliografia
ISBN Digital 978-65-251-0700-4
ISBN Físico 978-65-251-0702-8
DOI 10.24824/978652510702.8

1. Educação 2. Educação Matemática 3. Formação do Professor – matemática 4. História


da Matemática 5. História - Ensino de Matemática I. Pereira, Ana Carolina Costa, org. II. Martins,
Eugeniano Brito, org. III. Título IV. Série.

CDU 51 CDD 510


Índice para catálogo sistemático
1. História da matemática 510

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2021
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Sydione Santos (UEPG)
Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA)
Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)

Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO�������������������������������������������������������������������������������������������� 9

CAPÍTULO 1
PESQUISAS CIENTÍFICAS EM HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA E SUAS RELAÇÕES COM
O ENSINO DE MATEMÁTICA NOS ANAIS DO SCHM���������������������������������� 11
Ana Carolina Costa Pereira
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CAPÍTULO 2
SOBRE TEXTOS HISTÓRICOS E O
ENSINO DE CONTEÚDOS MATEMÁTICOS�������������������������������������������������� 23
João Cláudio Brandemberg

CAPÍTULO 3
O ENTRELAÇAMENTO ENTRE A HISTÓRIA DA
MATEMÁTICA E A TEORIA DA OBJETIVAÇÃO:
contribuições para a formação do cidadão do século XXI������������������������������ 35
Valdenize Lopes do Nascimento

CAPÍTULO 4
ALIANÇA ENTRE HISTÓRIA, TECNOLOGIAS E
INVESTIGAÇÃO: uma tendência em Educação Matemática������������������������� 47
Giselle Costa de Sousa

CAPÍTULO 5
SOBRE PROCESSOS CRIATIVOS NAS
HISTÓRIAS DA CRIAÇÃO MATEMÁTICA������������������������������������������������������ 63
Iran Abreu Mendes

CAPÍTULO 6
O PROBLEMA DOS INCOMENSURÁVEIS NA MATEMÁTICA
GREGA E A SOLUÇÃO DE EUDÓXIO DE CNIDO���������������������������������������� 75
Luis Saraiva

CAPÍTULO 7
ALGUMAS POSSIBILIDADES DE TRABALHO
COM A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM SALA
DE AULA DE FORMA INTERDISCIPLINAR��������������������������������������������������� 93
Ana Rebeca Miranda Castillo
CAPÍTULO 8
A PROBLEMATIZAÇÃO MATEMÁTICA
DE TEXTOS HISTÓRICOS: o exemplo das
cartas de Euler à Princesa Sophie Charlotte������������������������������������������������ 105
Daniele Esteves Pereira Smith

CAPÍTULO 9
DA TÁBUA DE PLIMPTON ÀS
PRIMEIRAS DEFINIÇÕES DE FUNÇÃO������������������������������������������������������ 113
Miguel Chaquiam

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ÍNDICE REMISSIVO����������������������������������������������������������������������������������� 123

SOBRE OS AUTORES�������������������������������������������������������������������������������� 125


APRESENTAÇÃO
Em meados de 2020, aconteceu o IV Seminário Cearense de História da Mate-
mática (SCHM), pela primeira vez, de modo remoto, devido ao Coronavírus (COVID-
19), sediado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
(IFCE), no campus Canindé. Nessa edição, foram apresentadas 42 comunicações
científicas e 12 palestras de diversos seguimentos da área de História da Matemática.
As discussões culminaram na produção de um material que possibilitasse a
disseminação de estudos da área de História da Matemática e vislumbrasse uma
possível tendência no cenário luso-brasileiro, apontando, assim, um rumo científico
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adequado ao século XXI.


Dessa forma, aqui, apresentam-se nove capítulos, que versam sobre pontos
importantes na pesquisa da área de História da Matemática, cujo primeiro deles,
intitulado Pesquisas científicas em História da Matemática e suas relações com o
ensino de Matemática nos anais do SCHM, de Ana Carolina Costa Pereira, tem o
intuito de traçar um levantamento dos estudos brasileiros envolvendo História da
Matemática a partir dos trabalhos publicados no Seminário Cearense de História da
Matemática (2014-2020), promovido pelo Grupo de Pesquisa em Educação e História
da Matemática – GPEHM, sediado na Universidade Estadual do Ceará – UECE.
O segundo capítulo, de João Cláudio Brandemberg, denominado Sobre textos
históricos e o ensino de conteúdos matemáticos, trata de uma discussão a respeito
de textos históricos de/com conteúdo matemático e das possibilidades de seu uso em
situações de ensino de conteúdos matemáticos.
No terceiro capítulo, intitulado O entrelaçamento entre a História da Mate-
mática e a teoria da objetivação: contribuições para a formação do cidadão do
século XXI, de Valdenize Lopes do Nascimento, são discutidas as contribuições da
História da Matemática e da Teoria da Objetivação para a formação de professores
de Matemática.
O quarto capítulo, escrito por Giselle Costa de Sousa, chamado Aliança entre
história, tecnologias e investigação: uma tendência em Educação Matemática, traz
um debate sobre um campo de pesquisa tratado como tendência na área de Educação
Matemática, que se alinha à proposta didática que se alicerça em três outras tendên-
cias, a saber: o uso da História da Matemática (HM), das tecnologias digitais (TD)
e da investigação matemática (IM).
O quinto capítulo, Sobre processos criativos nas histórias da criação mate-
mática, o autor Iran Abreu Mendes convida os leitores a pensar sobre os múltiplos
processos operacionalizados pelo pensamento e pelas práticas matemáticas, em busca
de explicação para o modo de ser e de estar dos objetos matemáticos, em suas cor-
relações, no contexto sociocultural ao longo da nossa história humana e como esses
modos de ser e de estar foram e são captados pela mente de quem exercitou e exercita
a criatividade na criação matemática em suas múltiplas dimensões.
O sexto capítulo, escrito por Luis Saraiva, traz uma discussão sobre O pro-
blema dos incomensuráveis na Matemática grega e a solução de Eudóxio de Cnido,
10

apresentando algumas contribuições atribuídas a Tales de Mileto, elemento chave


da Escola da Jónia e da Escola Pitagórica, especialmente, no que diz respeito ao
seu estudo dos números. Também é abordada a teoria dos pares e dos ímpares,
relatada no Livro VII dos Elementos, de Euclides, para apresentar como Eudóxio de
Cnido resolveu o problema da incomensurabilidade por meio de uma nova noção
de proporcionalidade.
O sétimo capítulo, intitulado Algumas possibilidades de trabalho com a História
da Matemática em sala de aula de forma interdisciplinar, de Ana Rebeca Miranda
Castillo, aborda uma discussão sobre a inserção de recursos didáticos advindos
da História da Matemática, dando exemplos a partir de tratados, como Tectonicon
(DIGGES, 1556) e Pantometria (DIGGES, 1591), entre outros, que tiveram ampla

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divulgação por conta da valorização do ofício do artesão agrimensor.
No oitavo capítulo, A problematização matemática de textos históricos: o exem-
plo das cartas de Euler à princesa Sophie Charlotte, de Daniele Esteves Pereira
Smith, são apresentadas alternativas para o ensino de Matemática por meio do uso
de fontes históricas nas salas de aulas, em todo o percurso da educação básica e nos
Cursos de Formação de Professores de Matemática. As problematizações ocorre-
ram através da obra escrita pelo matemático e físico suíço: Leonhard Paul Euler
(1707-1783), denominada de Lettres à une Princesse d’ Allemagne sur divers sujets
de physique et de philosophie (Cartas a uma princesa da Alemanha sobre diversos
temas de física e filosofia).
O nono capítulo, que faz um relato Da tábua de Plimpton às primeiras defini-
ções de função, de Miguel Chaquiam, realiza uma viagem nos trabalhos de Nicole
Oresme e nas contribuições de John Napier. Também são abordadas as contribuições
de René Descartes, Pierre de Fermat, Isaac Newton e Gottfried Wilhelm Leibniz,
com a apresentação da definição de função, primeiro por Johann Bernoulli e depois
por Leonhard Euler, em Introductio in Analysis Infinitorum.
CAPÍTULO 1
PESQUISAS CIENTÍFICAS EM
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E SUAS
RELAÇÕES COM O ENSINO DE
MATEMÁTICA NOS ANAIS DO SCHM
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Ana Carolina Costa Pereira

Apontamentos Iniciais

O capítulo proposto tem o intuito de traçar um levantamento dos estudos bra-


sileiros envolvendo História da Matemática a partir dos trabalhos publicados no
Seminário Cearense de História da Matemática (2014-2020), promovido pelo Grupo
de Pesquisa em Educação e História da Matemática – GPEHM, sediado na Univer-
sidade Estadual do Ceará – UECE.
Nesse sentido, é necessário, inicialmente, compreender o panorama exposto por
outros autores, que já realizaram estudos nessa vertente, em que apontam algumas
tendências na área da História da Matemática. Também se propõe a entender o papel
que o Seminário Cearense de História da Matemática – SCHM tem no cenário das
pesquisas brasileiras. Para isso, apresenta-se uma análise longitudinal quantitativa
de estudos, por meio de categorias propostas por pesquisadores, que esclareça o
caminho percorrido de pesquisas, no Ceará envolvendo a História da Matemática.
O escopo aqui é colaborar com discussões sobre o papel de trabalhos em Histó-
ria da Matemática nas suas diversas dimensões, sejam elas ligadas ao ensino, como
recursos didáticos, ou voltadas para a História da Educação Matemática ou, ainda,
em relação ao seu caráter epistemológico.

Movimento de pesquisas em História da Matemática

Para remontar esse movimento de pesquisas em História da Matemática no


Brasil, é necessário revisitar alguns estudos já realizados, que traçam tendências
nessa área nas últimas três décadas. O período escolhido da publicação dos textos
foi a partir da institucionalização da Sociedade Brasileira de História da Matemática
– SBHMat, em 1999, visto que a produção acadêmica se expandiu devido a alguns
fatores. No Brasil, foi o aparecimento do uso da História da Matemática no ensino
proposto pelos Parâmetros Nacionais Curriculares – PCN (BRASIL, 1997, 1998).
Internacionalmente, foram os debates realizados pela International Commission
on Mathematics Instruction – ICMI e defendidos no International Congress on
12

Mathematical Education – ICME, nesse momento. Ressalta-se que foram escolhi-


das produções que buscam trazer uma discussão de tendências de pesquisa na área
de História da Matemática (Quadro 1):

Quadro 1 – Textos que buscam tendências de pesquisa


na área de História da Matemática
ESTUDO/PESQUISA PUBLICAÇÃO AUTOR/ANO
A pesquisa em história da matemática e suas relações com a Baroni e Nobre
1 Capítulo de livro
educação matemática (1999)
A investigação científica em história da matemática e suas relações Baroni, Teixeira
2 Capítulo de livro

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com o programa de pós-graduação em educação matemática e Nobre (2004)
Comunidade Cientifica de história da matemática: uma trajetória de
3 Anais de evento Sad (2005)
sua difusão e de eventos produtores
4 Uma radiografia dos textos publicados nos Anais dos SNHM1. Anais de evento Mendes (2008)
História na Educação Matemática – um estudo sobre trabalhos
5 Artigo Souto (2010)
publicados no Brasil nos últimos cinco anos
Pesquisas em história da Educação Matemática no Brasil em três
6 Artigo Mendes (2012)
dimensões

7 Sobre as histórias que ensinam: duas décadas de experiências Capítulo de livro Mendes (2015)

Fonte: Elaborado pela autora.

Algumas décadas atrás, dois capítulos de livros: “A Pesquisa em História da


Matemática e suas relações com a Educação Matemática”, de Baroni e Nobre (1999)2
e “A investigação científica em História da Matemática e suas relações com o Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação Matemática”, de Baroni, Teixeira e Nobre
(2004)3, impulsionaram o movimento de pesquisas em História da Matemática e suas
relações com a Educação Matemática.
No primeiro deles, os autores trazem uma visão geral da História da Matemática
à luz das discussões de Wussing (1997), que aborda oito itens: história de proble-
mas e de conceitos; interligações entre Matemática, Ciências Naturais e Técnicas;
biografias; organizações institucionais; Matemática como parte da cultura humana;
influências sociais ao desenvolvimento da Matemática; Matemática como parte da
formação geral do indivíduo e análise histórica e crítica de fontes literárias. Essas
discussões iniciais culminaram em quatro considerações vinculadas aos estudos
envolvendo História da Matemática e suas relações com a Educação Matemática
no Brasil. São eles:

(1) história da educação matemática; (2) as concepções dos professores de mate-


mática em relação à história da matemática; (3) a história da matemática na for-
mação do matemático e do professor de matemática; (4) a utilização da história
da matemática como recurso pedagógico (BARONI, NOBRE, 1999, p. 132).

1 Seminário Nacional de História da Matemática.


2 Citado no Google Acadêmico em 108 artigos. Acesso em: 18 mar. 21.
3 Citado no Google Acadêmico em 61 artigos. Acesso em: 18 mar. 21.
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 13

Vale frisar que, no ano de publicação desse capítulo de livro, é criada a SBHMat,
em abril de 1999, no III Seminário Nacional de História da Matemática, em Rio
Claro, São Paulo.
Em Baroni, Teixeira e Nobre (2004), esse movimento ampliou-se, dando lugar
a discussões envolvendo o livro History in Mathematics Education, organizado por
Fauvel e Van Maanen (2000), considerado um marco nessa temática entre a História
da Matemática e a Educação Matemática. Isso culminou em vários argumentos favorá-
veis e desfavoráveis4 para o uso da história no ensino de Matemática, visto que, nesse
momento, a inclusão da História da Matemática, em livros didáticos e em currículos
de cursos de formação de matemáticos (bacharelado) e professores de Matemática
(licenciatura), visava seu uso em “datas e dados biográficos, ou abordando aspectos
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curiosos ou anedóticos da História” (BARONI; TEIXEIRA; NOBRE, 2004, p. 166).


Nessa reflexão, os autores categorizaram as pesquisas publicadas por vários paí-
ses, a partir da publicação de Fauvel e Van Maanen (2000), ou seja, estudos que tratam
de questões filosóficas, multiculturais e interdisciplinares; da História da Matemática
na formação de professores e da História da Matemática e sua incorporação em sala
de aula5. Esse debate impulsionou diversas pesquisas acadêmicas no período, ditando
uma tendência dentro dos próprios trabalhos desenvolvidos no Grupo de Pesquisa
em História da Matemática – GPHM, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em
Educação Matemática da UNESP, em Rio Claro, São Paulo.
Uma das primeiras tentativas de buscar uma tendência das produções da área de
História da Matemática foi realizada por Sad (2005), que, conforme a categorização
apresentada por Sad e Silva (2005)6, estuda os Anais dos Seminários Nacionais de
História da Matemática de 1995 a 2005 e o I Colóquio Brasileiro de História da Mate-
mática, em 2005. Nessa análise panorâmica, percebeu-se uma tendência direcionada
a “questões educacionais experenciadas ou observadas – preocupados com o ensino
e a aprendizagem da matemática” (SAD, 2005, p. II, grifo nosso).
Outros artigos foram produzidos por Mendes (2008, 2012), que buscava consti-
tuir uma cartografia da produção em História da Matemática no Brasil. Nesse sentido,
em Mendes (2008), parte-se de uma classificação inicial, que categoriza os estudos
apresentados nos Seminários Nacionais de História da Matemática, compreendidos
entre 1995 e 2007, em: resultados de pesquisa, relatos de experiências e projetos de
investigação. Ele descreve como as abordagens das pesquisas em Ciências Humanas
e Sociais incorporaram-se aos estudos relacionados à História da Matemática.

4 Para visualizar os argumentos favoráveis e desfavoráveis sobre o uso da História da Matemática no ensino,
vide: Baroni, Teixeira e Nobre (2004, p. 166-168).
5 Banoni, Teixeira e Nobre (2004, p. 169-175) trazem um detalhamento dessas pesquisas, que são apresen-
tadas em Fauvel e Van Maanen (2000), sendo categorizadas a partir da leitura.
6 As onze categorias podem ser vistas em Sad (2005, p. I). São elas: 1. Investigação sobre a vida de mate-
máticos ou educadores; 2. Investigação sobre a evolução de algum conceito ou teoria; 3. Investigação sobre
uma área de conhecimento; 4. Investigação sobre instituições; 5. Investigação sobre o contexto cultural de
uma criação; 6. Investigação sobre uma época determinada; 7. Investigação sobre um grupo específico; 8.
Investigação sobre as relações da Matemática com outras áreas do conhecimento; 9. Investigação sobre
as aplicações da história da Matemática; 10. Investigação sobre livros didáticos; 11. Investigação sobre o
desenvolvimento de produções sobre história da Matemática.
Mendes (2012) também fez uma categorização de trabalhos voltados para a História da Educação
Matemática, mas não é o objeto de discussão deste capítulo.
14

Já no artigo de Mendes (2012), além de reorganizar e analisar o material men-


cionado por Sad (2005), ampliando até 2009, ele inicia uma análise das dissertações
e das teses defendidas entre 1990-2010 em programas de pós-graduação stritu sensu
do Brasil, nas áreas de Educação, Educação Matemática, Ensino de Ciências Naturais
e Matemática e áreas afins.
Nesse estudo, Mendes (2012, p. 84) categoriza os trabalhos dos SNHM em
História da Matemática e História da Educação Matemática, cuja primeira ação é
analisar 250 trabalhos, reorganizando-os em seis categorias: “1. Evolução de algum
conceito ou teoria; 2. Temas específicos de Matemática; 3. Relações entre Matemática
e outras áreas; 4. Aplicações da história da Matemática; 5. História da Matemática nos
livros didáticos; 6. Desenvolvimento de produções sobre História da Matemática”.

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Uma de suas conclusões é a de que esses estudos são oriundos de estudos e pesquisas
de programas de pós-graduação em Educação Matemática, que focalizam estudos
em História da Matemática.
No que se refere às teses e dissertações, sua conclusão parcial é a de que houve

um crescimento significativo na qualidade e quantidade dos trabalhos elabora-


dos, significando um exercício de criatividade na pesquisa histórica em Educa-
ção Matemática, ocasionado também por um acréscimo valioso na variedade
de abordagens e na conjunção de tendências, de modo a gerar formas mistas
de investigação e análise das informações históricas que tecem um painel dos
caminhos da história da Educação Matemática no mesmo período – entre 1990
e 2010 (MENDES, 2012, p. 89-90).

Souto (2010) traz o levantamento de alguns desses trabalhos citados anterior-


mente, mas focaliza sua fala nos trabalhos publicados em Anais dos Seminários
Nacionais e dos Encontros Luso-brasileiros de História da Matemática, realizados
no período compreendido entre 2003 e 2007, verificando o discurso direcionado a
possibilidades pedagógicas da História na Educação Matemática. Nessa categorização,
surgiram seis grupos de trabalhos:

1. Caracterização das diferentes perspectivas teóricas no interior do campo


de investigação da História na Educação Matemática;
2. Busca, na História da Matemática, de subsídios para estratégias didáticas
e argumentos para fundamentar práticas pedagógicas;
3. Reflexões sobre o papel da História da Matemática na sala de aula e/ou
nas pesquisas;
4. Recurso à História da Matemática para compreender práticas escolares e/
ou pensar na formação de professores;
5. Investigação sobre a disciplina História da Matemática em cursos
de graduação;
6. Estudo sobre a percepção de professores a respeito da História da Mate-
mática como recurso didático.

Entretanto, em uma análise mais aprofundada, Souto (2010) refaz esses grupos
e reconhece que 1, 3, 4, 5 e 6 fazem parte de um grupo maior, que apresenta reflexões
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 15

teóricas a respeito das contribuições da História para a Educação Matemática e que


o grupo 2 busca, na História da Matemática, subsídios para estratégias didáticas e
argumentos para fundamentar práticas pedagógicas. Nesse texto, verifica-se que “a
inserção da História na Educação Matemática tem sido insistentemente recomendada,
especialmente quando se trata do ensino na escola básica” (SOUTO, 2010, p. 534).
Por fim, um dos últimos estudos, que traz dessa ‘cartografia’, é um capítulo
apresentado por Mendes (2015, p, 159), no qual descreve melhor as dissertações e
teses defendidas entre 1990 e 2010 e as concentra em cinco tendências:

1) Estudos e pesquisas em História e Epistemologia da Matemática: 2) Estudos


e pesquisas em História da Educação Matemática: 3) Estudos e pesquisas em
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História para o Ensino de Matemática; 4) Estudos e pesquisas em formação de


professores de matemática e 5) Estudos e pesquisas sobre a elaboração e testagem
de métodos para o ensino de matemática.

Nessas tendências apontadas por Mendes (2015), duas delas estão diretamente
ligadas a temáticas da História da Matemática: 1 e 3, em que, dos 281 trabalhos
estudados, 22% (62 trabalhos) incluem-se na primeira categoria e 13% (36 trabalhos)
na segunda categoria.
Nessa visão geral, percebe-se que esse movimento da inserção da História da
Matemática em trabalhos acadêmicos, sejam eles dissertações e teses ou estudos
publicados em anais de eventos especializados na área, oscila à medida que os inte-
resses dos pesquisadores mudam. Isso está diretamente relacionado com a publicação
de documentos oficiais governamentais, publicação de pesquisas internacionais que
impactam no Brasil, entre outras.
Embora, no Ceará, essas pesquisas já tenham chegado, ainda não foi realizada
essa “cartografia” de estudos envolvendo a História da Matemática. Portanto, é apre-
sentado, a seguir, um estudo de categorização dos trabalhos publicados nos quatro
últimos Seminários Cearenses de História da Matemática – SCHM, de 2014 a 2020.

A pesquisa em História da Matemática no SCHM

O SCHM é um evento organizado pelo GPEHM, que acontece em anos pares,


na segunda-feira após o domingo de Ramos, início da Semana Santa. Além de con-
ferências e mesas-redondas, o SCHM acolhe trabalhos acadêmicos na categoria de
comunicação científica, os quais são divididos em cinco eixos temáticos: (1) História
da Matemática e a formação do professor de Matemática; (2) História da Matemática
e sua incorporação em sala de aula; (3) História da Educação Matemática no Brasil;
(4) História de conteúdos matemáticos e (5) História da Matemática e sua relação
com a Educação Matemática.
Sua primeira edição aconteceu nos dias 14 e 15 de abril de 2014, nas dependên-
cias da UECE, no campus do Itaperi, com 210 inscritos e 20 comunicações científicas
apresentadas: Ceará (10), Pernambuco (5), Pará (3), Rio Grande do Norte (1) e São
Paulo (1), como forma de comemorar a institucionalização do GPEHM no diretório
16

de grupos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –


CNPq. Segundo Pereira (2020, p. 23),

O SCHM tem o intuito de promover e propagar pesquisas em História da Matemá-


tica desenvolvidas por pesquisadores, professores e alunos ligados a essa temática,
assim como suas relações com a Educação Matemática. O propósito inicial era
proporcionar um debate entre alunos, professores e pesquisadores do estado do
Ceará, sobretudo no que se refere como, por que e para que realizar pesquisas na
área da História da Matemática, visando contribuir para a melhoria da qualidade
do ensino de Matemática da região.

Nos demais eventos, houve um crescimento nos números de participantes e

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comunicações científicas: em 2016, teve 212 participantes e 44 trabalhos; em 2018,
teve 148 participantes e 44 trabalhos; por fim, em 2020, teve 400 participantes e 41
trabalhos. Ressalta-se que a última edição aconteceu de modo remoto, devido à
COVID-19. Na Tabela 1, apresenta-se um detalhamento dos eventos:

Tabela 1 – Panorama dos SCHM


SNHM PARTICIPANTES TRABALHOS LOCAL ANO
I 210 20 (10)7 Fortaleza/ UECE 2014
II 212 44 (12) Fortaleza/ UECE 2016
III 148 44 (17) Juazeiro do Norte/ IFCE 2018
IV 400 41 (20) Canindé/ IFCE 2020
TOTAL 1370 149 (58) -- --

Fonte: Anais do SCHM (2014, 2016, 2018, 2020).

Esses números possibilitam uma análise descritiva, que mostrará uma cartografia
do cenário das pesquisas apresentadas no SCHM. Da mesma forma que foi realizada
por Sad (2005), Mendes (2008, 2012, 2015) e Souto (2010), uma categorização é
necessária. Assim, utilizaram-se os cinco eixos apresentados pelos coordenadores
científicos do SCHM, citados anteriormente. Entretanto, o eixo cinco foi fundido com
o eixo dois, visto que estes possuem relações intrínsecas voltadas para a inserção da
história no ensino de Matemática.
Como maneira de detalhar esses eixos, far-se-á uma melhor discussão para cada
um: (1) História da Matemática e a formação do professor de Matemática: apresenta
estudos envolvendo a história como forma de contribuir na formação de professores
que ensinam Matemática; (2) História da Matemática e sua incorporação em sala
de aula: apresenta estudos e pesquisa que têm características de fins pedagógicos,
tais como a elaboração de atividades e materiais didáticos para ensinar Matemática,
incorporando alguns fragmentos da História da Matemática; (3) História da Educação
Matemática no Brasil: são trabalhos e estudos que têm características direcionadas
“à história das instituições, biografias de matemáticos e professores de matemática
(antigos e atuais) e suas contribuições para a formação de professores” (BARROS;

7 Os números nos parênteses, nessa tabela, estão relacionados aos trabalhos apresentados e publicados
por cearenses nos quatro SCHM.
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 17

MENDES, 2017, p. 140); (4) História de conteúdos matemáticos8: são aqueles que
tratam das produções científicas “relacionadas à vida e à obra de matemáticos e
ao desenvolvimento de suas ideias matemáticas, bem como o desenvolvimento da
área em pauta enquanto conteúdo científico” (BARROS; MENDES, 2017, p. 140).
Na Tabela 2, apresenta-se um esboço da classificação dos trabalhos do SCHM em
relação aos eixos.

Tabela 2 – Classificação dos trabalhos do SCHM em relação aos eixos


SCHM
EIXOS
1 2 3 4 TOTAL
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(1) História da Matemática e a formação do professor de Matemática 2 7 7 4 20


(2) História da Matemática e sua incorporação em sala de aula 8 22 24 16 70
(3) História da Educação Matemática no Brasil 1 5 9 5 20
(4) História de conteúdos matemáticos 9 10 4 16 39
TOTAL 20 44 44 41 149

Fonte: Anais do SCHM (2014, 2016, 2018, 2020).

É importante evidenciar que, embora o seminário seja regional, muitos trabalhos


submetidos são de participantes de fora do Ceará, 61%, os outros 39% são de estudos
realizados no estado. Entretanto, percebe-se, pelo Gráfico 1, que esse número tem
aumentado nos últimos anos.

Gráfico 1 – Comparação de trabalhos publicados no


SCHM por cearenses e outros estados

40
30 32
27
20 20 21
17
10 12
9 11
0
I SCHM II SCHM III SCHM IV SCHM
Ceará Fora do Ceará

Fonte: Anais do SCHM (2014, 2016, 2018, 2020).

Uma hipótese desse aumento está atrelada à abertura de programas de pós-


-graduação que têm linhas de pesquisas na área de concentração em História da

8 Ressalta-se que Barros e Mendes (2017) relacionam essa característica a estudos que envolvem História
e Epistemologia da Matemática. Entretanto, considera-se essa descrição pertinente ao eixo “História de
conteúdos matemáticos”.
18

Matemática, como é o caso do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e


Matemática, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE.
Desses 58 trabalhos apresentados no SCHM, oriundos de pesquisas de cearenses
nos últimos seis anos, percebe-se que dois eixos se destacam: História da Matemática
e sua incorporação em sala de aula (56%) e história de conceitos matemáticos (22%).
Um panorama geral pode ser visto no Gráfico 2.

Gráfico 2 – Porcentagem de trabalhos publicados no SCHM por cearenses e eixos

22% 14%

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8%

56%

História da Matemática e a Formação do Professor de Matemática


História da Matemática e sua Incorporação em Sala de Aula
História da Educação Matemática no Brasil
História de Conteúdos Matemáticos

Fonte: Anais do SCHM (2014, 2016, 2018, 2020).

Esse resultado está diretamente atrelado à especificidade das pesquisas desenvol-


vidas no Ceará, visto que possui características pontuais, mas segue esse movimento
da História da Matemática no Brasil. A seguir, serão discutidas algumas considerações
em torno dessa temática.

Algumas considerações sobre a tendência em


História da Matemática no SCHM

Nesses vinte e cinco anos de institucionalização das pesquisas envolvendo


História da Matemática, diversos encaminhamentos foram traçados por tendências
que abrangem diretamente estudos nacionais e internacionais da área. No começo,
esse movimento, encabeçado por pesquisadores de dentro da universidade, logo se
expandiu na educação básica e pelos professores que ensinam Matemática. Isso se
deu, principalmente, pelas publicações dos Parâmetros Curriculares Nacionais –
PCN, das Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN e da mais recente Base Nacional
Comum Curricular – BNCC.
Esse fato é comprovado nas produções de Baroni e Nobre (1999); Baroni,
Teixeira e Nobre (2004); Sad (2005); Mendes (2008, 2012, 2015) e Souto (2010),
nas quais a atuação da História da Matemática, em acontecimentos vinculados ao
ensino, está em expansão. Entretanto, como Mendes (2012) retrata, são poucas as
que discutem propostas efetivas de inserções históricas em sala de aula.
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 19

Nos estudos apresentados por cearenses nos SCHM, essa estatística é diferente.
Muitos desses trabalhos trazem diversas possibilidades de incorporação da história
no ensino de Matemática, sendo voltados para a educação básica, para os professores
que ensinam Matemática e para os licenciandos em Matemática.
Consideram-se diversos motivos para que isso ocorra. Um deles é a ampliação
de universidades que ofertam o curso de licenciatura em Matemática, que são, aproxi-
madamente, 15 cursos em todo o Ceará. Como as Diretrizes Curriculares para o Curso
de Licenciatura em Matemática (BRASIL, 2001) indicam a inclusão de conteúdos da
Ciência da Educação, da História e Filosofia das Ciências e da Matemática, muitas
matrizes incluem a História da Matemática como uma disciplina e/ou como recurso
didático para ser utilizado em sala de aula. Isso acarreta a escrita de Trabalhos de
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Conclusão de Curso – TCC e pesquisas de Iniciação Científica – IC com o caráter


mais voltado para o ensino ou mesmo relatos de experiências com a incorporação
da História da Matemática na educação básica, por professores em exercício, que
ensinam Matemática.
Outro motivo é a implantação, conforme comentado anteriormente, do mestrado
acadêmico em Ensino de Ciências e Matemática, do IFCE, cuja linha de pesquisa
voltada para o ensino de Matemática possui estudos na área de História da Matemá-
tica. Como a área de concentração é o ensino, o programa visa

a qualificação profissional de professores de Matemática, [...], em plena atividade


no sistema educacional, público ou privado (no modelo formal ou informal),
com vistas ao desenvolvimento e a promoção de práticas pedagógicas, práti-
cas didáticas (e metodológicas) inovadoras de ensino de Ciências e Matemática
(CEARÁ, 2015, p. 6).

Por fim, a criação do Grupo de Pesquisa em Educação e História da Matemática,


em 2013, que promove eventos, palestras, cursos, oficinas, como forma de divulgar
e publicitar esse campo de investigação, direcionando alguns estudos da interface
entre história e ensino de Matemática.
Embora outros trabalhos publicados no SCHM estejam vinculados a temáticas
diferentes, como, por exemplo, história de conteúdos matemáticos, percebe-se que
há uma tendência em estudos que priorizam a História da Matemática e sua incor-
poração em sala de aula no Ceará.
Isso induz a pensar em outros aspectos aos quais esses estudos estão relaciona-
dos, tais como as metodologias incorporadas na produção de materiais envolvendo a
história no ensino de Matemática ou mesmo metodologias de aplicação dessas produ-
ções, as teorias pedagógicas inseridas nas pesquisas, a historiografia (tradicional ou
atualizada) assumida pelos autores na escrita dos trabalhos, os conteúdos específicos
que são citados nos documentos oficiais, entre outros.
Desse modo, sugere-se uma pesquisa de aprofundamento desses 58 trabalhos,
de forma a evidenciar, com mais clareza e descrição, a vertente para a qual caminha
a pesquisa em História da Matemática no estado do Ceará, pois verifica-se, mediante
a discussão fomentada neste, a intrínseca necessidade e possibilidade de exploração
desta na Educação Matemática.
20

REFERÊNCIAS
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história da matemática e suas relações com o programa de pós-graduação em
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Bacharelado e Licenciatura. Brasília: Conselho Nacional de Educação / Câmara
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SEMINÁRIO CEARENSE DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA, 1., 2014, Fortaleza.


Anais... Fortaleza: Eduece, 2014. CD-ROM.

SEMINÁRIO CEARENSE DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA, 1., 2014, Fortaleza.


Anais... Fortaleza: Eduece, 2016. CD-ROM.

SEMINÁRIO CEARENSE DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA, 3., 2018, Fortaleza.


Anais... Fortaleza: Eduece, 2018. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/
BOCEHM/issue/view/4. Acesso em: 27 mar. 2021.

SEMINÁRIO CEARENSE DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA, 4., 2020, Fortaleza.


Anais... Fortaleza: Eduece, 2020. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/
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SOUTO, R. M. A. História na Educação Matemática – um estudo sobre traba-


lhos publicados no Brasil nos últimos cinco anos. Bolema, Rio Claro (SP), v. 23,
n. 35B, p. 515 a 536, abril 2010.

WUSSING, H. Vom Zählstein zum computer – Mathematik in der Geschichte.


Hildesheim: VIVerlag Frazbecker, 1997.
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CAPÍTULO 2
SOBRE TEXTOS HISTÓRICOS
E O ENSINO DE CONTEÚDOS
MATEMÁTICOS
João Cláudio Brandemberg
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Apresentação

Defendemos uma utilização de ‘aspectos da história da matemática’ relacionados


ao ensino de conteúdos matemáticos em contextos de sala de aula, sejam escolares
e/ou acadêmicas, que se institui na importância do conhecimento acerca do desen-
volvimento histórico de conceitos e na viabilização do uso de “textos históricos” de
matemática (BRANDEMBERG, 2020).
Uma discussão sobre as potencialidades didáticas desses textos que vise imple-
mentar uma proposta de ensino de conteúdos matemáticos oriundos de sua escrita,
selecionados e adaptados, em atividades problematizadas e interativa, deve trazer
maior aproximação e significado aos conceitos estudados, utilizando problemas de
cunho histórico, deve ser considerada.
De fato, em acordo com Brandemberg (2020, p. 267) uma discussão sobre
o papel da história da Matemática no ensino de matemática se faz recorrente nas
últimas décadas, como podemos observar nos apontamentos presentes nos trabalhos
de vários autores, como em Fauvel e van Maanem (2000), Brandemberg (2010) e
Mendes (2015).

Tais autores vêm buscando, e realizando, uma forma de implementação do uso


da história da matemática como componente metodológica para o Ensino de
Matemática, trazendo extratos de textos históricos na produção de atividades
com problemas de cunho histórico em uma proposta didática ou discutindo o
processo de desenvolvimento de determinados conceitos matemáticos (BRAN-
DEMBERG, 2020, p. 267).

Assim, consideramos que os seguintes aspectos relacionados a História da


Matemática e ao seu uso como componente metodológica devam ser considerados
e trabalhados em situações de ensino. A saber, o aspecto facilitador que se institui
das possibilidades de resolução de problemas matemáticos utilizando, de maneira
adequada, mais de um método historicamente desenvolvido, que permitam a com-
paração das estratégias de resolução quando confrontados; e o aspecto promotor se
fundamenta nas perspectivas que a história nos apresenta e que permite transitarmos,
via conteúdos matemáticos, entre os universos acadêmico, escolar e cotidiano do
conhecimento matemático.
24

Teremos então um uso da componente histórica, partindo dos conteúdos presen-


tes em textos históricos de matemática, que facilita e promove a aprendizagem de tais
conteúdos (objetos, processos). Com isso, é possível inferirmos uma ampliação nos
conhecimentos matemáticos de professores e alunos que ocorra, mediante ao uso da
História da Matemática, com a oportunização da apropriação de novos enunciados,
usos e aplicações dos conceitos (processos, conteúdos) matemáticos em uma interação
que vise garantir, impulsionar ou estimular o gosto pela Matemática.
Desta forma, em acordo com Mendes (2015) e Brandemberg (2017), estudar
matemática se torna agradável, em um processo de redescoberta e observação do
desenvolvimento dos processos (conteúdos, conceitos) matemáticos que lhes permi-
tam visualizar a matemática em seus aspectos culturais e promovendo um aprimo-

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ramento de seus conhecimentos.

Sobre a prática de professor de Matemática


e de História da Matemática

Como professores de matemática, nossas práticas pedagógicas se organizam, de


forma intencional ou não, para atender as expectativas educacionais exigidas por uma
dada comunidade social. Nesse sentido, tais práticas, em sua constituição, enfrentam
um dilema essencial: sua representatividade e valoração advêm dos pactos sociais,
isto é, das negociações e deliberações coletivas (FRANCO, 2016).
Desta forma, temos uma prática que se constitui da organização de uma série
de atividades requeridas e possíveis de serem realizadas. Tal ação pedagógica visa
possibilitar aos nossos estudantes um aprimoramento de seus conhecimentos.

No ensino organiza-se uma série de atividades didáticas para ajudar os alunos a


compreender áreas específicas do conhecimento (ciências, história, matemática...).
Na educação, o foco, além de ensinar, é ajudar a integrar ensino e vida, conhe-
cimento e ética, reflexão e ação, a ter uma visão de totalidade (MORAN, 2000,
p. 12).

Nos questionamos, como professores de matemática, de “como utilizar os conhe-


cimentos obtidos em nossa formação epistemológica, em nossas práticas pedagó-
gicas?” De fato, nossa formação se torna um fator preponderante em nossas práxis.
Em nossa prática, vimos trabalhando tanto com o ensino de conteúdos mate-
máticos (professor de matemática), como com a discussão sobre o desenvolvimento
histórico de conteúdos matemáticos (professor de história da matemática) em uma
atuação que considera a história da Matemática, com as devidas e necessárias adap-
tações, uma componente metodológica com possibilidades efetivas para o ensino
de matemática.
Essa prática dual, consideramos, tem nos permitido uma maior circulação tanto
em nossa atividade de pesquisa, quanto em nossa prática de sala de aula. Inferimos
que a obtenção de uma visão “panorâmica” sobre a história da matemática pode nos
prover um maior background quando das tratativas em momentos de discussão dos
conteúdos matemáticos em ambientes acadêmicos e/ou escolares. Assim, prover
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 25

alternativas, uma vez que os cursos de licenciatura em matemática enfatizam mais o


conteúdo e carecem de uma visão da matemática como uma área de conhecimento
em evolução (desenvolvimento) ao longo da história da humanidade (SAITO, 2015).

O ensino de conteúdos matemáticos: Atividades de cunho histórico

Utilizar aspectos históricos relacionados ao conteúdo matemático a ser ensinado


se faz importante para conhecer o desenvolvimento de conceitos matemáticos; uma
importância que se acentua, quando pensamos em um Ensino de Matemática que
vise o reconhecimento e, se possível, a contextualização dos conteúdos (BRAN-
DEMBERG, 2018).
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Assim, ao considerarmos uma abordagem que se utilize problemas de cunho his-


tórico e seus métodos de solução em atividades estruturadas ou ao menos semiestru-
turadas, buscamos as relações entre as estruturas conceituais envolvidas na concepção
(formação e produção) desses problemas e aos processos de resolução dos mesmos
visando iluminar ligações entre o conhecimento atual e o antigo, e que permitam aos
nossos estudantes uma maior apreensão dos conceitos envolvidos, de uma matemática
que se constitui nos mais diversos contextos socioculturais da atividade humana.
Nosso objetivo é apontar possibilidades de uma aprendizagem que indica a
relevância do papel da História no Ensino de Matemática, defendendo a inclusão da
História da Matemática como componente metodológica para o ensino de conteúdos
matemáticos: aritméticos, algébricos, geométricos ou analíticos, presentes nos textos
de matemática produzidos historicamente, que denominamos “textos históricos”.
Ao analisarmos a multiplicidade dos ambientes onde se produz, se ensina e
se aprende matemática, assim como suas diversas situações e práticas de ensino,
um ensino que considera as interações socioculturais e acadêmicas que compõem o
cenário educacional, buscamos visualizar os potenciais didático-pedagógicos que se
multiplicam da utilização de aspectos históricos do desenvolvimento sociocultural
do conhecimento matemático (BRANDEMBERG, 2018).
Da constituição de um contexto de práticas sociais que transformam e produzem
novas tecnologias e novas práticas didático-pedagógicas que ampliam o processo,
buscamos no estudo (leitura e pesquisa) dos “textos históricos” não somente uma
maior compreensão de seus conteúdos matemáticos, como uma possibilidade de
aplicação dessas nuances de produção nos processos de ensino e aprendizagem.
Nossa proposta de abordagem, se constitui em uma prática pedagógica que
julgamos viável (adequada), e que considera que a utilização de textos históricos no
processo, oferece vantagens, como apontadas por Fauvel e van Maanem (2000), Men-
des (2015) e Brandemberg (2010) sobre o uso da história no ensino de matemática.

[...] Em seu texto “O Uso da História no Ensino de Matemática: reflexões teóricas


e experiências”, publicado originalmente em 2001, o professor Iran Abreu Mendes
apresenta esta discussão e ainda argumenta sobre o seu uso para o processo de
ensino de conteúdos matemáticos, a partir do seu desenvolvimento histórico-
-epistemológico. Nesta linha, [...] Brandemberg (2010) amplia para o estudo de
textos clássicos produzidos ao longo da História (BRANDEMBERG, 2017, p. 17).
26

Associar aspectos históricos ao conteúdo se faz importante para conhecermos


o desenvolvimento de conceitos matemáticos, uma importância se acentua, quando
discutimos um ensino de matemática que visa a contextualização dos conteúdos
estudados. Com nossa abordagem utilizando “textos históricos” queremos visualizar
e relacionar as estruturas conceituais envolvidas nos processos de resolução dos pro-
blemas e fazer a ligação (ou mesmo, para comparação de estratégias de resolução)
entre o conhecimento atual e o antigo.
Pensamos, então, na elaboração e resolução de atividades, que aqui, são propos-
tas a partir de exemplos de cunho histórico, que tem como fonte os “textos históricos”
considerados no estudo, em processos diferenciados, que permitam tais ligações do
conhecimento matemático (BRANDEMBERG, 2018).

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[...] o conhecimento deste conteúdo histórico nos permite a comparação de estra-
tégias de resolução de problemas e garante ao aluno a percepção do desenvol-
vimento conceitual e dos aspectos epistemológicos do conceito abordado, bem
como as facilidades disponibilizadas pelos métodos estruturados de resolução
modernos. Assim, considerando a beleza dos métodos de resolução históricos e
relacionando-os a economia de tempo e esforço propiciada pela resolução moderna
para resolver tais problemas, além de tentar garantir a aprendizagem existe uma
preocupação nossa com o ato cotidiano de ensinar-aprender, considerando as
experiências anteriores dos estudantes (BRANDEMBERG, 2017, p. 25).

Ao apresentarmos os processos de resolução a partir de exemplos particulares,


coletados em fontes originais, os nossos “textos históricos” podemos proporcionar
ao estudante, o contato com os métodos utilizados e as dificuldades características
de cada época na resolução desses problemas; nos garantindo uma oportunidade de
compartilhar uma matemática que historicamente se consolida como uma produção
sociocultural humana, onde os aspectos do cotidiano, da escola e da academia ao
se mesclarem, criam as possibilidades de comparação das estratégias de resolução
antigas com as atuais, identificando as vantagens e as desvantagens do uso de uma
ou da outra (BRANDEMBERG, 2018).
Em acordo com Miguel (1997), Fauvel e van Maanem (2000), Mendes (2009) e
Brandemberg (2010), discutimos como o uso da história da matemática como compo-
nente metodológica no ensino de Matemática pode ser favorável para o aprendizado
de conteúdos matemáticos. Uma forma de promover uma aprendizagem mais apri-
morada e significante para nossos estudantes, a partir da apresentação (e produção)
de atividades matemáticas em uma abordagem inspirada nos conteúdos presentes
nos “textos históricos”.
Considerando as assertivas de Mendes (2015), como professores, devemos
adotar uma ação pedagógica que nos permita a incluir determinados elementos desen-
volvidos (produzidos, ensinados) ao longo da história visando uma compreensão
mais efetiva de alguns conceitos debatidos em sala de aula.
Assim, propomos/sugerimos a adoção do uso de atividades, coletadas em “textos
históricos”, que sejam elaboradas considerando o conteúdo matemático a ser estudado
e conformadas estruturalmente com temas e objetivos bem definidos ligados a obten-
ção do conhecimento matemático direcionado a um/ou mais conceitos especificados.
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DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 27

Devemos enfatizar que as atividades perpassam ao simples encaminhamento


passo a passo e mecanizado. Devem sim, ser conectadas aos aspectos cotidianos,
escolares e acadêmicos da cultura matemática. Uma das implicações deste pro-
cesso é a discussão a partir dos erros e acertos produzidos na busca de respostas
que podem encaminhar a novos desafios na resolução de problemas que ampliem
e multipliquem os caminhos ou estratégias criativas de resolução que levem a
novas fronteiras do conhecimento matemático (BRANDEMBERG, 2017, p. 28).

Os nossos “textos históricos”, que são nossas fontes de material para a elabo-
ração de atividades em nossa abordagem de ensino de conteúdos matemáticos, se
constituem essenciais ao processo. Nos cabendo uma maior discussão dos mesmos,
elucidando suas características como elementos (material) didáticos e de pesquisa
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(estudo). – O que se constitui em um texto histórico? Inferimos então, a necessidade de


uma definição (conceituação) e classificação de um “texto histórico” de matemática.

Para uma classificação dos “textos históricos” de matemática

Começamos nossa tarefa de emersão dos “textos históricos” trazendo à tona


de nossas discussões, as seguintes indagações, que consideramos pertinentes neste
momento de reflexão: (i) O que entendemos por “texto Histórico” (buscando conceito
e/ou definição)? (ii) É possível (e necessário) obter uma classificação dos “textos
históricos”? (iii) Como descrever o uso de textos históricos como um material com-
ponente no ensino de conteúdos matemáticos?
Com relação a obtenção de uma possibilidade de definição pensamos, como
uma necessidade, a consulta a professores pesquisadores da área; onde fomos pronta-
mente atendidos e agradecemos, o que nos permitiu a partir de elementos “extraídos”
dessas discussões implementar uma definição de nosso “texto histórico”, propor um
formato de uso no ensino de conteúdos matemáticos e vislumbrar uma classificação
dos mesmos.
Na linha de definir (conceituar) tomamos, entre os vários concedidos, os seguin-
tes assertos:
“Um texto que fala sobre História da Matemática” […] “até com (um) dia de
escrito é considerado histórico” [o conteúdo].
“[…] (um) texto do século XVII é um texto histórico no sentido de que a sua
compreensão histórica depende do sistema de ideias em que foi elaborado. O sistema
de ideias que dá significado ao texto do século XVII é diferente do nosso sistema de
ideias […]” [o contexto].
“Sim, [...] um texto histórico teria de apresentar algum distanciamento no tempo.
Se tomarmos como exemplo livros didáticos [...] considero texto histórico aquele
que não é mais usado [...]” [o distanciamento].
“[...] livros textos. Geralmente são livros textos de épocas anteriores à nossa,
mas pensamos que será melhor considerar um livro texto como um texto histórico
se seu uso como um livro texto tem sido largamente descontinuado. [...]” [o livro].
“Mesmo um texto matemático escrito hoje pode, [...], ser investigado como um
texto histórico, [...]” [a investigação].
28

Podemos observar desses extratos de nossa consulta, no diálogo com os pes-


quisadores, uma maior amplitude em nossa concepção de “textos históricos”, onde
destacamos e denominamos elementos caracteristicos (específicos), implicitamente
ou explicitamente presentes nas falas, a saber: o conteúdo {com D´Ambrosio, 2020}9,
o contexto {com Saito, 2020}, o distanciamento {com Morey. 2020}, o livro texto
{com Fossa, 2020} e a investigação {com Hoyrup, 2020}.
E que encaminham para uma definição, que pode convergir de forma total ou
parcial a uma trazida por Fossa (2020) – “podemos tentar caracterizar textos históricos
como: documentos que inserem o leitor a um contexto investigatório sobre um
problema aberto/recém-aberto da sua época”.
De fato, em sua escrita (produção) um texto histórico de matemática traz em

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suas entrelinhas todas as nuances que compõem os elementos que vimos dialogando
e todas as contingências pontuais em sua elaboração.

Histórias da matemática sempre foram escritas desde a antiguidade. Entretanto,


cada uma dessas histórias foi escrita em diferentes épocas e contextos, atendendo a
diferentes contingencias que, nem sempre, foram ou são “matemáticas” no sentido
que hoje entendemos por esse termo. Além disso, as narrativas históricas de uma
época a outra não podem ser consideradas contínuas [...] (SAITO, 2015, p. 21).

Como discutido {com Nobre 2020}, ponderamos que para ser considerado
um “texto histórico” o texto deve reportar-se a ao menos um ramo da matemática,
ser relevante e prover algum progresso para a ciência. Um tal texto auxilia na com-
preensão sobre o desenvolvimento do conteúdo referido. Além disso, deve ter tido
destaque e influência sobre outras gerações.
Da discussão {com Gonçalves, 2020}, inferimos que o texto deve apresentar
maior interesse ou relevância para a pesquisa em história.
Acordamos {com Hoyrup, 2020} que, um texto de/com conteúdos matemáticos
pode ser investigado como um “texto histórico” quando submetido a perguntas que
caracterizam a historiografia da matemática em uma vinculação com textos anteriores
e/ou posteriores, considerando aspectos sociais e intelectuais como condições para
sua produção.
Assim, temos elementos para efetivar e conseguimos conformar uma definição
(conceito) de “texto histórico” de/com conteúdo matemático. Consideramos então,
como texto histórico “um documento que, composto (impressão, pictografia, escrita)
de formatos e materiais (argila, papiro, pergaminho, bambu, papel) variados em
algum momento da história, nos permite acessar de maneira implícita e expli-
cita elementos do contexto de sua composição e da relevância de seu conteúdo
com vistas ao entendimento do conhecimento matemático, de sua produção,
desenvolvimento e divulgação”.
Para uma primeira classificação (caracterizar e/ou categorizar) dos textos histó-
ricos, como definimos, levamos em consideração, fortemente, as especificações trata-
das a partir de nossas leituras e dos diálogos com os pesquisadores que contatamos.

9 A notação {...} caracteriza que cada pesquisador com os quais dialogamos se constituem em elementos impor-
tantes na produção de nossas assertivas. Em função disso, optamos por uma notação de (trabalho) conjunto.
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 29

Apresentamos então, nossa primeira classificação de texto histórico de/com


conteúdo matemático. Nessa classificação consideramos os aspectos do conteúdo, do
contexto, do distanciamento, da investigação e do uso como livro texto. Além disso,
trazemos elementos de nossa prática e pesquisas anteriores, quando denominamos
“textos históricos” de matemática de textos clássicos por sua importância (famosos) e
tempo de escrita (um certo distanciamento), como elencado em Brandemberg (2017).

[...] do estudo de textos clássicos como: o “Traité des Substitutions et des Équa-
tions Algébriques” de JORDAN (1957), o “Reflexions sur la Résolution Algé-
brique des Équations” de LAGRANGE (1771), o “Disquisitiones Arithmeticae”
de GAUSS (1801), o “Volständige Anleitung zur Algebra” de EULER (1770), o
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“Líber Abaci” de FIBONACCI (1202), o “Ars Magna” de CARDANO (1545)


ou o “Al - Jabr” de AL KHOWARIZMI (século IX); e do que denominamos de
estudo da evolução (ou desenvolvimento de conceitos) (BRANDEMBERG, 2017,
p. 20-21).

Para nos situarmos, sintetizamos em um quadro (Quadro 1) que analisamos, a


seguir, em uma tentativa de tornar nossas assertivas mais definitivas e clarificando
nossa argumentação, descrevendo seus elementos e associando exemplos ilustrativos
de textos dos quais temos alguma aproximação como pesquisador/leitor.

Quadro 1 – Uma síntese da classificação de “texto histórico”


Para Uma Classificação Inicial de Texto Histórico de Matemática

Obs.: Pensamos em cinco classes e suas categorias. Algumas ainda em desenvolvimento.

Texto de matemática;
Quanto ao conteúdo Texto de história da matemática;
Texto de divulgação matemática.

Textos Clássicos;
Quanto ao distanciamento
Textos modernos.
Livro Texto;
Quanto ao uso
Livro Fonte (consulta/estudo)
Fonte Principal;
Quanto a investigação
Fonte Complementar.
Buscamos uma classificação que considere o contexto da escrita do texto e o
Quanto ao contexto
contexto na escrita do texto...???

Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

Inicialmente, relacionando a característica de distanciamento, classificamos


como Textos Clássicos, aqueles cuja primeira publicação se deu até o ano de 1820,
de forma que o Disquisitiones Arithmeticae de Carl F. Gauss (1777-1855), exem-
plifica essa categoria. Para os textos publicados a partir de 1820 nossa classificação
é de Textos Modernos; observando que podemos denominar de texto Atual10, aos
textos modernos publicados a partir do ano 2000. Em nossa classificação, quando

10 Nobre {2020} os denomina de “contemporâneos”.


30

consideramos o conteúdo, temos: (i) Textos de Matemática, que tratam da produção


de conteúdos (objetos, conceitos, processos) matemáticos; (ii) Textos de História da
Matemática que, em geral nos mostram como determinados conteúdos se desenvol-
vem, trazendo no bojo o contexto sociocultural e as personagens envolvidas11; (iii)
Textos de Divulgação Matemática, que são os que, sobremaneira, buscam aproximar
a matemática acadêmica do grande público.
Os artigos científicos, em especial, são textos que transitam por essas três
categorias, principalmente como textos de produção e divulgação do conheci-
mento matemático.
As outras duas categorias de classificação, quanto ao Contexto e quanto ao

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Uso, devem ser consideradas em uma discussão mais detalhada; o que ainda, preci-
samos aprimorar, por sua importância relacionada as nuances do ensino de conteúdos
de matemática.
Quanto ao Uso, temos o Livro Texto que, em algum grau, pode e/ou deve ser
trabalhado como um elemento direcionador, quiçá promotor ou facilitador, em “cur-
sos” de matemática. O Livro Fonte, utilizado para a pesquisa (estudo) em matemática,
é uma característica forte dos textos de História da Matemática. Onde, os textos de
Roque (2012) e Wussing (1989) são exemplificações que apontam na direção de uma
historiografia mais atual, como cogitado em Saito (2015, p. 28).

[...] a História da Matemática é muitas vezes considerada um instrumento impor-


tante para o professor de matemática em sala de aula que, utilizando-se de fon-
tes adequadas e atualizadas, pode promover entre seus alunos uma visão mais
crítica em relação a Matemática e a construção do conhecimento matemático
(SAITO, 2015, p. 20).

Aqui, o significado de livro é mais ampliado; assim, podemos considerar o


Papiro de Rhind (1650 a C.)12 como um Livro Fonte.
Desse modo, considerando o contexto em que foi produzido {com Saito, 2020}
um texto clássico é um texto histórico no sentido do sistema de ideias em que foi
elaborado e que deve ser considerado em sua compreensão como texto histórico.
Nas palavras {de Saito, 2020} “O sistema de ideias que dá significado a um texto
do século XVII é diferente do nosso sistema de ideias”. Assim, acordamos {com
Saito, 2020} que, ao considerarmos as noções de um conceito, como o conceito de
equação, em um texto clássico, elas não são as mesmas que encontramos em um
texto composto nos dias de hoje.
Nessa construção do conhecimento matemático o texto histórico pode ser carac-
terizado pelo/no contexto sociocultural de sua produção, tornando-se o elemento

11 Historicamente, temos um predomínio de personagens do gênero masculino. Uma característica que se


encaminha para efetivas mudanças neste século.
12 O papiro de Rhind ou papiro de Ahmes é um documento egípcio antigo que contém as soluções detalhadas de
85 problemas de aritmética, proporções, trigonometria e cálculo de áreas e volumes de figuras geométricas.
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 31

principal nessa “abordagem” e trazendo todo esse contexto em suas referências expli-
citas ou as implícitas, as quais são de mais difícil vislumbre.
Para finalizar, neste momento, vislumbramos que alguns elementos considerados
em nossa classificação são corroborados nos diálogos com vários de nossos interlo-
cutores, como instamos: o conteúdo {com D´Ambrosio, Nobre e Hoyrup, 2020}13,
o contexto {com Saito, 2020}, o distanciamento {com Morey. Gonçalves, Nobre
e Saito,2020}, o livro texto {com Fossa e Nobre 2020} e a investigação {com
Hoyrup, 2020}. Portanto, em nossa classificação inicial se fez mister considerar
tais elementos. Dessa forma, nossa definição e nossa classificação inicial apresen-
tam características bem gerais, uma vez que não foi possível maior simplificação
ou abstração.
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Mesmo assim, inferimos que tal classificação se faz/fez importante por eviden-
ciar ou possibilitar maior simplicidade quando da implementação do uso de textos his-
tóricos no ensino de matemática que muitas vezes não se fazem tão claras na prática.
Buscamos, então, uma possível clarificação com o que argumentamos sobre textos
históricos em uma vinculação com uma historiografia da matemática que considera
as relações socioculturais e intelectuais na pesquisa cientifica (HOYRUP, 2000).

Considerações

Consideramos em nossa abordagem, com a utilização de textos históricos de/


com conteúdo matemático, as possibilidades de uma investigação que atente aos
aspectos (elementos) socioculturais e que tragam um enfoque histórico-epistemoló-
gico as práticas escolares institucionalizadas no ensino de Matemática. Neste sentido,
buscamos estabelecer as conexões entre os aspectos didáticos e histórico-episte-
mológicos visando à formação de nossos estudantes tanto da Educação Superior
(professores em formação), quanto da Educação Básica (MENDES, 2014).
Como de costume, tomamos a História da Matemática como componente meto-
dológica na busca da efetivação de um ensino de Matemática com maior significado
para os envolvidos no processo e que considere elementos do contexto no qual tal
processo se desenvolva.
Visualizamos a Matemática como parte importante da cultura humana que nos
permite explorar as informações, em fontes e documentos, das práticas socioculturais
e históricas, de modo a incluir tal conhecimento histórico-cultural na formação de
nossos estudantes.
Uma abordagem que envolva investigações históricas sobre as práticas sociais
ligadas ao desenvolvimento da matemática tem se revelado um método significante
ao ensino de conteúdos matemáticos, pois além de autonomia, oferece aos estudan-
tes, em sua formação acadêmica, possibilidades de maior reflexão e reconstrução
dos conceitos matemáticos em um pensamento crítico e inovador (MENDES, 2014)
(BRANDEMBERG, 2018).

13 Reiteramos que qualquer erro na redação ou interpretação dos argumentos dialogados com os pesquisadores
e apresentados no texto são de minha exclusiva responsabilidade.
32

Concluímos que, com a integração da componente histórica e do material histó-


rico pesquisado e/ou produzido a partir da utilização de textos históricos ao ensino de
Matemática no processo de sala de aula, atualmente, podemos estabelecer vinculações
importantes entre as formas de ensinar do passado e as do presente (GUIMARÃES
FILHO e BRANDEMBERG, 2017).
Assim, um estudo de conteúdos (conceitos, processos) matemáticos a partir da
inserção de atividades (de cunho histórico) apresentadas, com clareza, contextuali-
zação e objetividade, deve conduzir os estudantes a uma valorização da necessidade
do aprendizado e da construção do conhecimento matemático.
De nossas discussões a respeito dos textos históricos, afirmamos tratar-se de uma
produção sociocultural de representação do conhecimento matemático em diferentes

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momentos históricos, que pode ser trabalhada como material didático no ensino de
matemática escolar ou acadêmica, com vistas a ensinar conteúdos de aritmética,
álgebra ou cálculo, proporcionando aos estudantes, “novas” formas de resolver pro-
blemas em suas práticas cotidiana, acadêmica e escolar.
Destarte, os textos históricos se constituem em um material didático-pedagógico
(BRANDEMBERG, 2020).
Assim, de suas escritas, podemos inferir as possibilidades de argumentação e
uso dos conteúdos matemáticos presentes, que nos permite considerar extratos destes
conteúdos para uma abordagem introdutória em aulas de matemática.
A elaboração, apresentação, discussão e resolução de atividades de cunho his-
tórico, envolvendo problemas práticos, diversificados, deve nos permitir discutir
uma prática educativa voltada para formar atitude de um cidadão consciente de
sua participação social, que se identifica com as problematizações do século XXI
(BRANDEMBERG, 2020).
Como vimos discutindo, incentivamos um ensino de conteúdos matemáticos
que considere a exploração de aspectos teóricos e metodológicos, resgatados de
textos históricos, configuradas em atividades de apresentação e resolução de proble-
mas, trabalhadas de forma objetiva com nossos estudantes e que considere o uso de
textos históricos como elemento de destaque nos processos de ensino de conteúdos
matemáticos. Assim, dedicar maior atenção aos problemas matemáticos, presentes
nesses textos, sejam eles elementares, de nível médio ou superior, pode nos dar maior
consistência no alcance de conhecimentos matemáticos mais avançados.

Agradecimentos

Agradeço penhoradamente aos professores pesquisadores: Bernadete Morey,


Carlos Gonçalves, Fumikazu Saito, Jens Hoyrup, John Fossa, Sérgio Nobre e
Ubiratan D´Ambrosio. A todos(as), minhas considerações e estima. Senhores(as),
considerando nossa discussão, acabamos de produzir um “texto histórico” para pos-
terior classificação.
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 33

REFERÊNCIAS
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de las matemáticas: sobre la potencialidad didáctica de los textos históricos y el
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BRANDEMBERG, J. C. história e ensino de matemática: uma abordagem partindo


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BRANDEMBERG, J. C. História e Ensino de Matemática. Revista EXITUS (online);


v. 7, n. 2, p. 16-30. UFOPA, 2017.

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GUIMARÃES FILHO, J. S.; BRANDEMBERG, J. C. Um estudo do Liber Qua-


dratorum (1225) e suas potencialidades para o ensino de Matemática. Revista de
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HOYRUP, J. Human Sciences: Reappraising the Humanities Through History and


Philosophy. New York: State University, 2000.

MENDES, I. A. História da Matemática no Ensino: entre trajetórias profissionais,


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MENDES, I. A. Práticas sociais históricas no ensino da Matemática. Em MENDES,


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MENDES, I. A. Investigação Histórica no Ensino de Matemática. Rio de Janeiro,


RJ: Ciência Moderna, 2009.
34

MIGUEL, A. As Potencialidades Pedagógicas da História da Matemática em Questão:


argumentos reforçadores e questionadores. Zetetiké, Campinas, v.  5, n. 8, p. 73-105,
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MORAN, J. M. Novas tecnologias e mediação pedagógica. (Coleção Educação).


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ROQUE, T. História da Matemática: uma visão crítica desfazendo mitos e lendas.


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SP: Livraria da Física, 2015.

WUSSING, H. Lecciones de Historia de las Matemáticas. Siglo XXI, 1989.


CAPÍTULO 3
O ENTRELAÇAMENTO ENTRE A
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E A
TEORIA DA OBJETIVAÇÃO: contribuições
para a formação do cidadão do século XXI
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Valdenize Lopes do Nascimento

Introdução

Não é incomum o discurso de que a matemática além de contribuir para o


desenvolvimento da ciência e da tecnologia, pode contribuir também para a formação
do cidadão. Evidências desse discurso estão presentes inclusive na Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) da Educação Básica vigente no Brasil quando destaca
que o “conhecimento matemático é necessário para todos os alunos da Educação
Básica, seja por sua grande aplicação na sociedade contemporânea, seja pelas suas
potencialidades na formação de cidadãos críticos, cientes de suas responsabilidades
sociais” (BRASIL, 2018, p. 265).
Entretanto, os mesmos discursos que comentam sobre as potencialidades do
conhecimento matemático para a formação de um cidadão crítico, não costumam
esclarecer ‘como’ o conhecimento matemático pode contribuir e como estas poten-
cialidades podem ser concretizadas.
Na prática, o que temos visto (e praticado!) em nossas salas de aula é um ensino
de matemática estritamente técnico e utilitarista preocupado apenas em transformar
os estudantes em bons resolvedores de exercícios e problemas matemáticos que
poderão (se é que poderão!) ser utilizados ou aplicados em suas futuras atividades
profissionais. Esse tipo de ensino tem produzido um grande número de estudantes
alienados14 que desenvolvem um verdadeiro pavor à matemática.
Por outro lado, a realidade que vivemos no século XXI tem exigido cada vez
mais de nós. Temos presenciado um avanço sem precedentes da ciência, da tecnologia
e da comunicação e temos à nossa disposição, na palma de nossas mãos, diferente-
mente dos séculos anteriores, um crescente oceano de informações. Diante de tantas
informações disponíveis, precisamos, mais do que em qualquer período anterior,
atuar de modo crítico e reflexivo. Precisamos saber “filtrar” o que é relevante dentro
do oceano de informações que está disponível. Mais ainda, precisamos saber identi-
ficar informações verdadeiras e falsas, não podemos acreditar e reproduzir tudo que

14 O termo alienação é aqui utilizado em um sentido marxista, significando que o estudante não se reconhece
nos produtos de sua própria aprendizagem.
36

vemos, ouvimos e lemos. Além disso, precisamos também ter consciência de nosso
papel na sociedade, principalmente na escolha de nossos representantes. As últimas
eleições têm nos mostrado que o povo tem necessidade de mudança e pode efetivar
as mudanças que desejar, porém, uma mudança não deve ocorrer sem a devida refle-
xão, sob pena de piorar a situação. Não adianta mudar só por mudar, precisamos ter
clareza sobre o que e por que queremos e precisamos mudar.
Além disso, as consequências do regime capitalista ao qual estamos submetidos
têm se agravado cada vez mais, uma vez que o estabelecimento de um mercado de
trabalho cada vez mais competitivo e exigente, acaba por determinar um modelo
educacional cuja principal finalidade é a formação profissional. Estudamos para ter
um trabalho, um emprego, uma profissão. Estudamos para ter sucesso financeiro e

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profissional. Assim, na prática, o que temos é uma Educação para Ter em detrimento
de uma Educação para Ser. Um modelo de educação cuja principal finalidade é o
sucesso profissional e financeiro, cria sujeitos excessivamente competitivos e egoístas,
preocupados apenas em satisfazer suas próprias necessidades. Como consequência, o
que temos presenciado em nossas salas de aula é um aumento da violência, da falta de
colaboração e da falta de respeito entre estudantes e professores e o agravamento de
problemas psicológicos como estresse, ansiedade e depressão. Enquanto educadores,
precisamos tomar consciência de nosso compromisso com uma educação voltada
para o desenvolvimento humano e não apenas para o desenvolvimento técnico e
profissional. Precisamos de uma educação, inclusive matemática, com foco em uma
formação para a cidadania.
A atual realidade exige então que nós educadores repensemos a educação em
geral e a educação matemática em particular. Nosso maior desafio enquanto educa-
dores matemáticos neste século não se reduz a fazer com que os alunos aprendam
sobre os conteúdos curriculares ou contribuir para seu sucesso profissional e finan-
ceiro, nosso maior desafio é formar pessoas que sejam capazes de refletir sobre os
ambientes em que vivem e assumir conscientemente e criticamente um papel nestes
ambientes. É com este propósito que discutimos neste capítulo, da perspectiva da
educação matemática, sobre as contribuições que o entrelaçamento entre a História
da Matemática e a Teoria da Objetivação pode trazer para a formação do cidadão
do século XXI.
Antes de discutirmos sobre as contribuições desse entrelaçamento, apresenta-
mos um breve histórico sobre a articulação entre História da Matemática e Educação
Matemática e uma breve exposição sobre a Teoria da Objetivação.

A articulação entre História da Matemática e


Educação Matemática: breve histórico

As preocupações com o processo de ensino-aprendizagem da matemática são


crescentes e têm acarretado uma busca constante por recursos pedagógicos que pos-
sam ser utilizados para melhoria desse processo. Como destaca Ubiratan D’Ambrosio,
a “complexidade da Matemática, sobretudo por suas relações com outras áreas de
conhecimento e por suas implicações sociais, políticas e econômicas, justifica, desde
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 37

a Antiguidade, reflexões, teorias e estudos sobre seu ensino” (D’AMBROSIO, 1993,


p. 9-10).
Dentre os recursos pedagógicos em evidência na Educação Matemática (EM)
atualmente está a História da Matemática (HM), considerada uma de suas tendências.
As pesquisas envolvendo as relações entre HM e EM têm crescido consideravelmente,
tanto em âmbito nacional quanto internacional, e muitos são os argumentos15 que
destacam a importância da História da Matemática para o ensino-aprendizagem dos
saberes matemáticos, apresentando diversas abordagens e alegando diversos bene-
fícios que a HM pode trazer para o ensino da Matemática. Neste sentido, podemos
afirmar que a articulação entre HM e EM tem sua própria história.
A articulação entre HM e EM vem sendo praticada há, pelo menos, três sécu-
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los. Em 1741, o matemático, astrônomo e geofísico francês Alexis Claude Clairaut


(1713-1765) publicou uma obra intitulada Elemens de Geometrie, que consistia em
um curso preparatório para o estudo dos Elementos de Euclides. Clairaut considerava
que o estudo da Geometria Euclidiana como é apresentada nos Elementos era bastante
difícil para quem estava iniciando e decidiu propor um outro caminho para um estudo
introdutório à essa geometria com um ensino baseado na História da Matemática. O
uso da HM como recurso para o ensino por Clairaut, segundo Miguel (1993), tinha
por base a ideia de que o indivíduo deveria aprender conceitos matemáticos seguindo
a mesma “ordem” segundo a qual esses conceitos foram desenvolvidos historica-
mente, isto é, seguindo os mesmos passos que a humanidade seguiu. Dois séculos
depois, em 1948, a matemática italiana Emma Castelnuovo (1913-2014), influenciada
por Clairaut, publicou a obra Geometria Intuitiva, recorrendo também à HM como
recurso para o ensino de matemática. Castelnuovo pretendia ampliar a perspectiva de
Clairaut de uso da HM, mas, de acordo com Miguel (1993), essa ampliação tratava
apenas de uma maior periodização da História da Matemática, abrangendo a história
da geometria desde a pré-história, permanecendo a mesma visão de Clairaut sobre a
HM como recurso para o ensino.
Em termos das discussões acerca da articulação entre HM e EM, destacamos
que essa articulação vem sendo debatida, pelo menos, desde a segunda metade do
século XIX, de acordo com Clark et al. (2016). Alguns matemáticos da época, como
o britânico Augustus De Morgan (1806-1871), o alemão Felix Klein (1849-1925) e
o francês Jules Henri Poincaré (1854-1912) viam com bons olhos e defendiam essa
articulação. Posteriormente, alguns historiadores também passaram a se interessar
ativamente pelo papel que a HM pode exercer na EM, como é o caso do francês Paul
Tannery (1843-1904) e do italiano Gino Benedetto Loria (1862-1954). Ao longo do
século XX, inicialmente como consequência dos debates sobre os fundamentos da
matemática, esses debates foram se intensificando. Ainda neste século, como destacam
Clarck et al. (2016), a história tornou-se, inclusive, um recurso para várias aborda-
gens epistemológicas, como foi o caso da epistemologia histórica de Bachelard, da
epistemologia genética de Piaget e da epistemologia fenomenológica de Freudenthal,
fornecendo paralelamente estímulos no que se refere à formulação de ideias e con-
clusões específicas sobre o processo de aprendizagem.

15 Para estudos que abordam argumentos favoráveis ao uso da HM para fins educacionais ver: Miguel (1993,
1997, 2011), Radford (2008) e o capítulo 3 de Radford (2011).
38

Outro fator que contribuiu para ampliar esse debate foi o Movimento da Mate-
mática Moderna entre as décadas de 1960 e 1980. Enquanto os idealizadores desse
movimento eram contrários ao uso da HM como recurso ao ensino, os opositores do
movimento consideravam a HM como um remédio contra o dogmatismo presente
na chamada Matemática Moderna. Neste mesmo período, destaca-se ainda como
fator importante, a dedicação do 31º Anuário do National Council of Teacher of
Mathematics (NCTM) nos EUA à HM como uma ferramenta de ensino e, na década
de 1970, começou a tomar forma um movimento internacional generalizado, muito
estimulado e apoiado pela criação de um grupo de estudos internacional sobre as
relações entre a história e a pedagogia da matemática, o HPM Group, vinculado
à International Commission on Mathematical Instruction (ICMI), por ocasião do

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segundo International Congress on Mathematical Education (ICME 2) em 1972.
Encerrando o século XX, uma maior visibilidade a estas discussões ocorreu a partir
da publicação no ano 2000 da obra16 History in Mathematics Education: The ICMI
Study, editada por John Fauvel e Jan van Maanen, uma obra construída coletivamente
por 62 colaboradores, que tem sido um grande marco desta temática.
No século XXI as pesquisas envolvendo a articulação entre HM e EM17 se
ampliam cada dia mais e diversas abordagens têm sido desenvolvidas, como por
exemplo, o uso de textos históricos e a construção e uso de instrumentos históricos.
De acordo com Clarck et al. (2016), as temáticas centrais que têm norteado essas
pesquisas são: as histórias adequadas, pertinentes e relevantes para a EM; o papel
da HM na EM; como este papel pode ser avaliado e estimado e até que ponto ele
contribui para o ensino e aprendizagem da matemática; e até que ponto a HM foi
integrada na EM (currículos, livros didáticos, material educacional/material de recur-
sos, formação de professores).
Encerramos aqui o breve histórico sobre a articulação entre HM e EM. Na
próxima seção apresentamos uma breve exposição sobre a Teoria da Objetivação.

A Teoria da Objetivação

Diante da necessidade de mudança da realidade que temos vivenciado no campo


educacional, como mencionamos na introdução, apontamos a necessidade e impor-
tância da adoção de uma teoria educativa que possa orientar apropriadamente os
professores na promoção de uma educação para a cidadania. Uma das teorias educa-
tivas contemporâneas que acreditamos possuir grande potencial para contribuir para
a formação do cidadão, promovendo uma educação ética, crítica e não alienante, com
foco na satisfação das necessidades coletivas, é a Teoria da Objetivação.
A Teoria da Objetivação (TO)18 é uma teoria educacional da corrente sociocul-
tural, de forte abordagem semiótica, que se concentra nos problemas do ensino e da

16 Ver Fauvel e Maanen (2000).


17 Um levantamento bibliográfico parcialmente anotado e continuamente atualizado sobre os desenvolvimentos
recentes sobre as pesquisas acerca da articulação entre HM e EM, pode ser encontrado em: http://www.
clab.edc.uoc.gr/HPM/HPMinME-TopicalStudy-18-2-16-NewsletterVersion.pdf.
18 Um maior aprofundamento sobre a TO pode ser obtido nos textos disponibilizados por Luis Radford em sua
página pessoal: http://luisradford.ca/publications/.
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 39

aprendizagem da matemática. Essa teoria, em desenvolvimento pelo pesquisador e


educador matemático Luis Radford, nasceu no campo da Educação Matemática mas
não está limitada a ele, uma vez que já existem aplicações desta teoria em pesquisas
de outras áreas, como por exemplo no ensino de ciências19. A TO se inspira na dialé-
tica do filósofo alemão Friedrich Hegel (1770-1831), na filosofia dialético-materia-
lista do filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) e do filósofo russo Evald Ilienkov
(1924-1979), na escola psicológica histórico-cultural de Lev Vygotsky (1896-1934)
e seus colaboradores e na concepção de educação de Paulo Freire (1921-1997).
Os primeiros passos em direção à elaboração dessa teoria se deram a partir de um
movimento internacional iniciado nas últimas décadas do século XX que buscava
oferecer alternativas para superar as abordagens individualistas de aprendizagem que
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dominavam o campo da Educação Matemática (como por exemplo as abordagens


construtivistas) e para a concepção Eurocêntrica da Matemática.
Nesta teoria, a educação matemática não é vista como uma espécie de apêndice
da matemática, ou seja, como a busca de métodos pedagógicos eficientes para trans-
mitir o saber matemático aos estudantes. A TO concebe a educação matemática como
uma prática social, cultural, política e histórica que tem por objetivo a ‘criação’ de
sujeitos éticos, capazes de refletir criticamente e matematicamente sobre os problemas
de suas comunidades e do mundo.
Radford destaca que:

[...] na TO o foco muda de como os estudantes recebem saber (ensino tradicional)


e como os estudantes constroem seu próprio saber (construtivismo), para como
professores e estudantes produzem [juntos] o saber em sala de aula tendo como
pano de fundo a cultura e a história. Contudo o foco também se desloca para a
forma como os professores e estudantes coproduzem a si mesmos como sujeitos,
em geral, e como sujeitos da educação, em particular (RADFORD, 2017, p. 243,
grifo nosso).

A posição antropológica assumida pela TO faz com ela não se limite à dimen-
são do saber, mas considere igualmente importante a dimensão do ser, do tornar-se
(tornar-se alguém com outros). Neste sentido, podemos dizer que, na TO, qualquer
processo em direção ao saber é também um processo de constituição do ‘eu’. Em
outras palavras, nesta teoria, não se privilegia apenas a aprendizagem dos conteúdos
curriculares, mas também as transformações subjetivas que as atividades educativas
propiciam, tanto para os estudantes quanto para os professores.
Na TO, a aprendizagem é teorizada como o resultado dos processos simultâ-
neos e entrelaçados de objetivação e subjetivação. Os processos de objetivação são
processos graduais de tomada de consciência dos saberes (científicos, matemáticos,
jurídicos etc.) que são produzidos historicamente e culturalmente pela humanidade e
que, no caso da escola, ocorrem por meio da atividade de sala de aula, que nesta teo-
ria, é denominada Labor Conjunto. Na TO a atividade ou labor conjunto é entendida
“como uma forma de vida estética produzida historicamente, aonde a matéria, corpo,
movimento, ação, ritmo, paixão, e sensação vêm à tona” (RADFORD, 2017, p. 251).

19 Algumas aplicações da TO em pesquisas envolvendo o Ensino de Ciências podem ser encontradas em


Gobara e Radford (2020).
40

Para Radford (2017, p. 251), “a produção/reconhecimento de saber é de fato


um fenômeno mediado”. Ele destaca ainda que:

Do ponto de vista da TO, a produção de saber da sala de aula e sua revelação


progressiva à consciência dos estudantes está enredada com o desenvolvimento da
atividade de sala de aula que faz tal produção/revelação possível. Como resultado,
o tipo de atividade matemática em sala de aula torna-se extremamente importante
no ensino e na aprendizagem. Na aprendizagem tradicional, a participação dos
estudantes na revelação do saber é minimizada, como resultado os estudantes
estão alienados da aprendizagem significativa. Eles não podem expressar-se nos
produtos de sua aprendizagem (RADFORD, 2017, p. 251).

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Para Radford, o conceito de labor conjunto “oferece uma reconceitualização
do ensino e da aprendizagem”, não reduzindo os estudantes, “a um papel de simples
sujeitos cognitivos”, ou seja, “eles não aparecem como sujeitos passivos recebendo
saber ou como sujeitos autônomos que constroem seu próprio saber”. Do mesmo
modo, “os professores não são reduzidos a um papel de agentes tecnológicos e
burocráticos - guardiães e executores do currículo”. Os professores “não aparecem
como possuidores de saber que entregam ou transmitem saber para os estudantes
diretamente ou através de estratégias facilitadoras”. O conceito de labor conjunto
permite definir professores e estudantes simplesmente “como indivíduos que traba-
lham juntos” (RADFORD, 2017, p. 251-252, grifo nosso).
Ainda sobre o labor conjunto, Radford destaca que:

Este conceito sugere uma perspectiva educacional que visualiza o ensino e a


aprendizagem não como duas atividades separadas, mas como uma única e mesma
atividade: aquela na qual professores e estudantes, embora sem fazer as mesmas
coisas, empenham-se em conjunto, intelectual e emocionalmente, para a produção
do que chamamos, um trabalho comum (RADFORD, 2017, p. 252).

Já os processos de subjetivação, são “aqueles processos nos quais, coprodu-


zindo-se a si mesmos no contexto da cultura e da história, professores e estudantes
chegam a ser presenças no mundo” (RADFORD, 2020a, p. 22, tradução nossa, grifo
do autor).
Recorrendo aos argumentos de Paulo Freire, Radford esclarece que:

chegar a ser presença no mundo consiste em reconhecer nossa natureza relacio-


nal; é também reconhecer a si mesmo como presença autêntica, isto é, reconhe-
cer-se como indivíduo que intervém, transforma, se expressa, avalia, compara,
pondera, toma decisões, não tem medo de romper com as tradições e sonhos
(RADFORD, 2020a, p. 22, tradução nossa).

A TO propõe uma metodologia para o ensino-aprendizagem da matemática


alicerçada no labor conjunto e em uma ética comunitária capaz de promover respeito,
colaboração, solidariedade e cuidado com o outro. A partir desta metodologia,

a sala de aula aparece como um espaço público de debates no qual os alunos são
encorajados a mostrar abertura para com os outros, responsabilidade, solidarie-
dade, cuidado e consciência crítica. A sala de aula, na verdade aparece como um
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 41

espaço de encontros, onde professores e estudantes se tornam o que Paulo Freire


[...] denominou presenças no mundo. Ou seja, a sala de aula aparece como um
espaço de encontros, dissidência e subversão, no qual professores e estudantes
se tornam indivíduos que são mais do que seres no mundo, eles são indivíduos
com um interesse investido no outro e em sua empreitada comum; indivíduos
que intervêm, transformam, sonham, apreendem, sofrem e esperam juntos (RAD-
FORD, 2017, p. 254).

Encerramos aqui a breve exposição sobre a Teoria da Objetivação. Na próxima


seção discutimos as contribuições que o uso conjunto desta teoria com a História da
Matemática pode trazer para a formação do cidadão.
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Contribuições do entrelaçamento entre a História da Matemática


e a Teoria da Objetivação para a formação do cidadão

Nesta seção, tratamos das contribuições que o entrelaçamento entre a História


da Matemática e a Teoria da Objetivação pode trazer para a formação do cidadão
no século XXI. Mais precisamente, discutimos como o uso conjunto da História
da Matemática e da Teoria da Objetivação no ensino-aprendizagem de matemática
pode proporcionar uma formação para a cidadania. Como a Teoria da Objetivação
considera a história e a cultura como pano de fundo para a produção de saberes e a
coprodução de sujeitos em sala de aula, nossa discussão sobre as contribuições do
entrelaçamento entre HM e TO, parte dos posicionamentos do autor da TO, Luis
Radford, em relação a natureza da matemática e a importância de se recorrer à sua
história no ensino-aprendizagem de matemática.
Para que possamos proporcionar uma educação matemática que contribua efe-
tivamente para a cidadania, precisamos primeiramente repensar o que entendemos
por matemática. Precisamos nos libertar da visão utilitarista da matemática que tem
reinado em nossas salas de aula pois, a matemática não se reduz a técnicas para
resolver problemas. Radford (2014) destaca que o perigo de reduzir a matemática
a uma ciência do cálculo, considerando apenas seus aspectos técnicos, reduzindo-a
a uma espécie de tecnologia sofisticada que erradica os indidíduos da disciplina, já
havia sido percebido por muitos filósofos, como por exemplo, Hegel e Heidegger.
Nesta concepção utilitarista, como destaca Radford (2008, p. 165, tradução nossa),
“a matemática tornou-se a busca de respostas rápidas e boas – dois efeitos principais
de um mundo onde os valores tecnológicos (como o rápido e o mecânico) vieram a
substituir os humanos”. O conhecimento matemático, como diz Radford, “foi reduzido
a um tipo de mercadoria que carrega em si o fetichismo da produção e do consumo
em massa”.
Nesta concepção da Matemática, como destaca Radford (2014), o conhecimento
matemático é colocado de um lado e o estudante de matemática é colocado no outro.
O contato entre ambos está no ponto tecnológico, fazendo com que a matemática
seja vista frequentemente como um assunto nada atraente por muitas pessoas. A
sugestão de Radford é que
42

talvez possamos pensar a matemática como uma prática social historicamente


constituída, uma forma cultural de reflexão e ação, muito parecida com música,
poesia ou pintura, algo praticado não em um vácuo, mas com outros e para outros.
A matemática não seria, portanto, algo a adquirir (como se a matemática fosse
mercadoria), mas uma prática na qual passamos a nos inserir, onde entramos no
espaço público. Seria o que Arendt [...], seguindo os gregos, chamava de polis –
um lugar onde vamos para ouvir as vozes e perspectivas dos outros e para falar.
Pode haver alguma esperança de que, ao fazê-lo, nossos alunos não mais se
encontrarão diante de um discurso alienante e impenetrável, mas crescerão como
sujeitos da matemática, como sujeitos culturais críticos. (RADFORD, 2014, p.
105-106, tradução nossa)

Em um texto anterior Radford argumenta que:

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Como a poesia ou a literatura, a matemática – como uma das possíveis formas
de reflexão, compreensão e ação sobre o mundo em um dado momento de uma
cultura – não é um mero repositório de conteúdos conceituais a serem apropriados
por um observador desapaixonado da realidade, mas uma produtora de sensibi-
lidades e subjetividades também20 (RADFORD, 2008, p. 165, tradução nossa).

E enfatiza em seguida que a “matemática, com seu equipamento conceitual tre-


mendamente sofisticado, deveria ser uma janela para entender outras vozes e
subjetividades, e compreender a nós mesmos como criaturas historicamente e
culturalmente constituídas” (RADFORD, 2008, p. 166, tradução nossa).

Conforme exposto na segunda seção deste capítulo, o uso da História da Mate-


mática como recurso para ensino-aprendizagem de matemática já vem sendo praticado
e discutido há bastante tempo. Os argumentos utilizados para esse uso são os mais
diversos possíveis. Os mais comuns apresentam a HM como fonte de motivação e como
fonte de problemas, métodos e objetivos de ensino. Entretanto, como pontua Radford
(2008), é importante ter consciência de que a HM é muito mais que uma ferramenta
motivacional ou uma ferramenta para tornar a matemática acessível aos nossos alunos.
Para Radford (2014), recorrer à história como uma ferramenta para melhoria cognitiva
pode ser uma boa ideia, mas podemos estar perdendo o ponto mais importante, ver
a história como algo que pode nos tornar conscientes de quem somos e de como nos
tornamos os indivíduos que somos. Para Radford, devemos recorrer à história
ao mesmo tempo em que estamos plenamente conscientes do fato de que essas
duas coisas em constante mudança – o que pensamos e o que somos – só foram
possíveis graças aos desenvolvimentos filogenéticos das culturas em que vivemos.
Os significados que nós formamos sobre o nosso mundo têm uma história cultural
como pré-condições (RADFORD, 2008, p. 165-166, tradução nossa).

E, neste sentido, Radford (2008) reconhece a história como uma necessidade.


Assumindo o posicionamento do filósofo russo Evald Ilyenkov ele argumenta que
a história é uma necessidade porque somente através de uma abordagem histórica é
possível alcançar uma concreta compreensão da realidade. Ele enfatiza que:

20 Para exemplos que mostram a matemática como produtora de sensibilidades e subjetividades, ver o capítulo
8 de Radford (2011).
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 43

A realidade não pode ser compreendida pela simples observação, nem pela sim-
ples aplicação de conceitos, não importa o quão sutis sejam suas ferramentas
conceituais. As configurações da realidade a cada momento estão ligadas numa
espécie de sistema orgânico contínuo àquelas camadas histórico-conceituais que
tornaram a realidade o que ela é. A realidade não é uma coisa, mas é um processo
que mesmo sem ser percebido, retrocede discretamente a todo momento aos pen-
samentos e ideias das gerações anteriores. A história está embutida na realidade
(RADFORD, 2008, p. 164, tradução nossa, grifo nosso).

Partindo da concepção de matemática proposta por Radford, de seus argumen-


tos sobre a necessidade da história para compreensão da realidade e da sua visão
de educação e da prática educativa refletidas na Teoria da Objetivação, acreditamos
que o entrelaçamento entre a História da Matemática e a Teoria da Objetivação pode
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contribuir para a formação do cidadão, promovendo, principalmente:


• Uma (re)conexão entre ser e conhecer;
• Uma educação matemática não alienante e crítica; e,
• A construção de valores não individualistas na educação.

Essas contribuições podem ser concretizadas a partir do labor conjunto (e sua


ética comunitária subjacente)21 entre professores e estudantes em sala de aula, con-
forme proposto pela Teoria da Objetivação.

Considerações Finais
Neste capítulo discutimos sobre as contribuições que o entrelaçamento entre
a História da Matemática e a Teoria da Objetivação pode trazer para a formação do
cidadão do século XXI. Iniciamos colocando a problemática da educação atual não
estar proporcionado efetivamente uma formação para a cidadania. A educação atual,
atendendo ao modelo econômico capitalista, tem tido como foco principal preparar os
estudantes para o mercado de trabalho. Consequentemente, a dimensão humanística
da educação tem sido negligenciada. A educação matemática por sua vez, tem se
limitado a transformar os estudantes em bons resolvedores de exercícios e problemas
matemáticos. Além disso, a atual educação, também não tem dado conta de preparar
os estudantes para lidar com o volume de informações que estão à sua disposição.
Diante disto, nós educadores, precisamos repensar a educação em geral e a
educação matemática em particular. Precisamos encontrar novos caminhos e novas
práticas para formar pessoas que sejam capazes de refletir sobre os ambientes em
que vivem e assumir conscientemente e criticamente um papel nestes ambientes.
Do ponto de vista da educação matemática, acreditamos que um modelo de
ensino que recorra à História da Matemática e à Teoria da Objetivação conjuntamente,
conforme discutido neste capítulo, pode contribuir para a formação do cidadão do
século XXI, promovendo: uma (re)conexão entre ser e conhecer, uma educação
matemática não alienante e crítica e a construção de valores não individualistas
na educação.

21 Para um maior aprofundamento sobre o labor conjunto e a ética comunitária propostos pela TO, ver Radford
(2020b, 2020c) e Radford e Herrera (2020).
44

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CAPÍTULO 4
ALIANÇA ENTRE HISTÓRIA,
TECNOLOGIAS E INVESTIGAÇÃO:
uma tendência em Educação Matemática
Giselle Costa de Sousa
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Introdução

Ancorada em três tendências em Educação Matemática, a aliança entre História


da Matemática (HM), Tecnologias Digitais (TD) e Investigação Matemática (IM)
surge de um projeto de pesquisa intitulado CONEXÕES POTENCIAIS ENTRE
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E TDIC (PROPESQ/UFRN) que se encontra na
quarta edição de execução, sendo a primeira em 2012. Nessa pesquisa procurou-se,
inicialmente, investigar a possibilidade de conexão das três tendências supracitadas
a partir de levantamentos bibliográficos, em seguida, tem voltado seu olhar para o
aporte e fomento de pesquisas dessa natureza de modo a se configurar como mais
uma tendência em educação matemática.
Dessa forma, na primeira e segunda edição, fizemos um levantamento dos
trabalhos publicados em eventos nacionais e internacionais da área de educação
matemática. Em ambos os casos, a partir de parâmetros de investigação (chamados
de subtemáticas), chegou-se que, apesar de existirem probabilidades proeminentes de
aliança entre HM, TDIC e IM, ainda havia pouca produção bibliográfica nessa linha
de modo que ainda existem mais trabalhos independentes voltados para cada uma
das três tendências, cujos argumentos favoráveis em prol do ensino e aprendizagem
da matemática já se encontram colocados. (Para mais detalhes de tais investigações
ver OLIVEIRA, 2014; COSTA; SOUSA, 2017; SOUSA, 2020a).
Posteriormente, na terceira edição do projeto de pesquisa supracitado, reali-
zou-se um levantamento no banco de Teses e Dissertações da CAPES analisando
trabalhos no período de 2013 a 2016. Para tanto, foram designados alguns critérios
de busca, como: palavras-chave; ano de defesa da dissertação ou tese; grande área de
conhecimento; área de conhecimento; avaliação e área de concentração, os quais ser-
viram para realizar levantamento em trabalhos que pudessem direcionar a conjunção.
Na apreciação, procuramos elementos como referencial comum ou mais frequente
da aliança, exemplares de metodologias seguidas, implicações mais relevantes que
direcionem como a aliança se dá, autores mais recorrentes e suas relativas produções,
principalmente, recursos tecnológicos utilizados, temas mais usados ou adequados,
entre outros aspectos. Como resultado, similarmente ao que obtivemos nas outras
edições, observando pontualmente os trabalhos por ano, podemos deduzir que o
uso da aliança, até essa edição do projeto de pesquisa, ainda não era uma tendência
48

expressiva. Em Sousa (2020a) encontramos uma hipótese para tal fato que inclusive
alude a possibilidade de fomento a partir dos parâmetros obtidos que podem servir
como norte ou referência para suscitar aparecimento de mais trabalhos na linha.
Como resultados chegamos, nessa edição, que trabalhos voltados para a aliança ado-
tam frequentemente a metodologia qualitativa, a partir de investigação de diversos
temas históricos, sendo o mais recorrente os ligados à Geometria, com apoio mais
frequente do software Geogebra, tendo o cunho educacional ancorado em sequências
didáticas ou sequências de atividades ou tarefas, na maioria das vezes. (COSTA;
SOUSA, 2018). Desse modo, surgem como proposta didática da tendência aliança,
as atividades-históricas-com-tecnologia e a investigação-histórica-com-tecnologia.
Ainda nessa direção, a quarta edição tem se configurado a partir do projeto

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nomeado por CONEXÕES POTENCIAIS ENTRE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
E TDIC: APORTE PARA FOMENTO DE ATIVIDADES-HISTÓRICAS-COM-TEC-
NOLOGIAS (PROPESQ/UFRN). Este, por sua vez, tem procurado construir aporte
para o fomento de atividades-históricas-com-tecnologia enquanto recurso propenso
para o ensino e aprendizagem da matemática. Portanto, foram analisadas disser-
tações de mestrado profissional, sob orientação de Giselle Costa de Sousa (autora
desse capítulo) cujo produto educacional foi voltado para a aliança almejada. De tais
investigações buscou-se elucidar as definições destas atividades e delinear maneiras
de como elaborá-las, explanando sua estrutura, ou seja, os itens, e ainda colocando o
que se deve fazer para organizá-las e explorá-los da forma conveniente. Resultados
dessa pesquisa podem ser encontrados em Sousa e Gomes (2020).
Considerando a trajetória posta nessa exposição introdutória, o devir aclarado
sobre a aliança será explanado nas seções que seguem as quais tratarão ainda do Deli-
neio e aportes da aliança e ainda Aplicações exemplificadoras das práticas almejadas
desse estudo em prol do ensino e aprendizagem de matemática de como a compor,
como dito, uma proposta didática que se remete a tendência em educação matemática.

Delineio e aportes da aliança

O delineio aqui apresentado é fruto da trajetória exposta na introdução de modo


que tem permitido que a aliança entre história, tecnologias e investigação venha se
moldando ao longo dos anos de sua configuração. Desse modo, ressaltamos que
ainda está em construção, mas o recorte temporal em que estamos, unido aos proces-
sos investigativos já realizados, permitem uma constituição que ora revelamos. Tal
constituição aponta para enxergarmos a aliança como uma proposta didática que se
alinha a metodologia de ensino e aprendizagem da matemática que tende a se confi-
gurar como mais uma tendência em educação matemática. Portanto, é composta por
fundamentos que respaldam a proposta do ponto de vista teórico e metodológico, a
saber, argumentos favoráveis e questionadores do uso da HM, TD e IM tendo ainda
caminhado para ancoragem em teoria de aprendizagem como a Teoria da Objetiva-
ção22 (T.O.) (RADFORD, 2020). Além disso é formada por elementos constituintes

22 TO ou Teoria da Objetivação consiste numa teoria sociocultural de ensino e aprendizagem idealizada por
Luis Radford. Nessa teoria tanto aluno quanto professor são seres sociais em constante transformação,
inacabados. A aprendizagem ocorre pelos movimentos de Objetivação e Subjetivação propiciados pelo
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 49

como as atividades-históricas-com-tecnologias e investigação-histórica-com-tecno-


logia que compõem o produto final da proposta atrelados a orientações de processos
de sua configuração incluindo elementos essenciais, indicação de recursos e passos
importantes que formam o design do que consideramos aliança.23
Caminhando para a concretização do delineio da aliança faz-se necessário acla-
rar seus aportes a partir de breve exposição sobre a HM, as TD e IM, pois considera-
mos que cada uma consiste numa proposta relevante para o ensino e aprendizagem
da matemática, mas que a conexão entre elas também pode propiciar mais uma
alternativa proeminente para educação matemática.
De fato, tendo em vista a complexidade das diferentes nuances do âmbito edu-
cacional, no que diz respeito à matemática e o contexto social que nos encontramos,
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isso também é inerente. Assim, para as diversas facetas dos processos de ensino e
aprendizagem têm sido pensadas propostas pedagógicas por diferentes pesquisadores.
No que concerne à matemática os frutos dessas pesquisas surgem como tendências
em educação matemática que assinalam diversos argumentos favoráveis ao uso peda-
gógico, mas considerando suas potencialidades e limitações nos diversos contextos,
isto é, sem considerar panaceia aos processos de ensino e aprendizagem. Em meio
a tais tendências estão a História da Matemática (HM), as Tecnologias Digitais de
Informação e Comunicação (TDIC) e a Investigação Matemática (IM).
Nessa ótica, autores como Miguel e Miorim (2008, 2011, 2019), Miguel
(1993, 1997), Fauvel e Maanen (2002), Mendes, Fossa e Valdés (2006), Fossa (2001),
Mendes (2001, 2006, 2009a e 2009b), Roque (2012, 2014), Saito (2014), Chaquiam
(2017), Morey (2013), Gutierre (2008) e Sousa (2012), entre outros, abordam dire-
cionamentos em suas produções para tratar do uso pedagógico da HM.
Por exemplo, Miguel e Miorim (2019) colocam argumentos favoráveis e ques-
tionadores ao uso da HM exemplificando obras e autores que trazem ressalvas ao
uso pedagógico da HM e alertando para possíveis erros que possam cometer quando
não é tomado um uso apropriado da História da Matemática. Similarmente, algumas
dificuldades são exibidas por Fauvel e Maanen (2002), a exemplo da compreensão
de línguas arcaicas e termos técnicos em seu contexto. Considerando as ressalvas
que se deve ter frente aos argumentos questionadores, o uso da HM é recomendado
pois, de acordo com Mendes (2009b, p. 5) “[...] é necessário conhecer e entender
a matemática como uma criação humana [...]”. Assim, a HM seria encarregada de
revelar como os problemas surgem, tornando notórias as condições e motivações
do contexto sociocultural em que emergem e quais influências estes trazem para o
conhecimento científico da matemática, o que poderia ser obtido por uma historio-
grafia atualizada como defendem Roque (2012, 2014) e Saito (2014).
Para Mendes (2006) e Gutierre (2011), uma maneira de proceder no espaço
da sala de aula é utilizando problemas e/ou episódios da HM em atividades histó-
ricas ou estruturadas de modo a imprimir maior significação à matemática esco-
lar. Também, segundo Chaquiam (2017) isso pode ocorrer via Unidades Básicas
de Problematização.

Labor Conjunto (atividades) ancorado pela Ética Comunitária (RADFORD, 2020). Nesse processo vários
elementos são mobilizados e relevantes como signos, gestos, artefatos, entre outros.
23 Mais detalhes na seção 2 desse capítulo.
50

Miguel (1993, p. 76), alerta para o fato de que a história não é a salvadora da
Educação Matemática, contudo, possui funções didático pedagógicas as quais for-
mam uma história pedagogicamente vetorizada que está de acordo com o conjunto de
argumentos apontados por Fauvel e Maanen (2002), na obra History in Mathematics
Education incluindo os relacionados a formação de professores de matemática
Entre prós e contras quanto à inclusão como recurso pedagógico no ensino,
Fossa (2001) coloca que há tipos de uso da HM que incluem o uso ornamental,
ponderativo, episódico, novelesco e manipulativo.
Diante desses diferentes usos e apoiando-se em uma base que ampara a percep-
ção de história como tendência em educação matemática, Mendes (2001, p. 11-12,
grifo nosso) “concebe o uso da História no ensino da matemática numa perspectiva de

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resgate das situações problematizadoras que conduzam os estudantes à redescoberta
da matemática através de informações históricas que revestem essas situações” favo-
recendo o amadurecimento do estudante à medida que busca colocá-lo frente a uma
situação semelhante àquela em que matemáticos estiveram, incluindo possibilidade
de extrapolação para o futuro, inclusive numa articulação com as TDIC.
Nessa direção, Fauvel e Maanen (2002, p. 354, tradução nossa) colocam que:

[...] calculadoras programáveis modernas permitem que os estudantes de hoje


refaçam os cálculos de antigamente, muitas vezes, para maior precisão e muito
mais para o cálculo. Capturando em poucos segundos um cálculo que pode ter
levado dezesseis séculos, dias ou meses dos astrônomos, os alunos não vão indis-
cutivelmente recapturar a experiência antiga, mas gerar uma nova. Em alguns
casos, os estudantes de hoje podem ser capazes de encontrar coisas nas imagens
que os seus antecessores não puderam.

No que se refere a contribuição das TDIC, Lévy (1996; 1999) coloca que as
tecnologias ganham espaço, uma vez que:

colocam desafios irrecusáveis à atividade educativa dada a sua possibilidade de


proporcionar poder ao pensamento matemático e estender o alcance e a profundi-
dade das aplicações desta ciência. Trata-se de poderosas ferramentas intelectuais,
que permitem automatizar os processos de rotina e concentrar a nossa atenção
no pensamento criativo. Mas estas tecnologias não ensinam por si só. Ao pro-
fessor, cabe um papel decisivo na organização das situações de aprendizagem
(PONTE, 1995, p. 2, grifo nosso) .

Assim “o papel do computador é o de provocar mudanças pedagógicas pro-


fundas, ao invés de ‘automatizar’ o ensino ou preparar o aluno para ser capaz de
trabalhar com a informática” (VALENTE, 1999a, p. 8), tendo o professor o papel
central nesse processo.
Além disso Araújo (2005) afirma que vivemos em um mundo cada vez mais
repleto de novidades tecnológicas, de modo que o uso de seus recursos em sala de
aula é esperada/exigido por todos: alunos, gestores da educação, professores, pais,
enfim, pela sociedade de modo geral. (BORBA, PENTEADO, 2019; BORBA, 2010).
Desse modo, deve-se “recorrer às tecnologias digitais a fim de compreender e veri-
ficar conceitos matemáticos nas práticas sociocientíficas” (BRASIL, 2015, p. 121,
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 51

grifo nosso) de modo que a informação e a utilização das TDIC em sala de aula
parecem inevitáveis.
Borba (2002, p. 135) coloca em suas pesquisas que “há aqueles que defendem
que o sujeito epistêmico seria o ser humano isolado e os que defendem que a unidade
básica de produção de conhecimento seria o ser social, composto por mais do que uma
pessoa” num coletivo pensante. Assim, ele, apoiado em Lévy (1993) e Thikomirov
(1981), defende os “coletivos pensantes formados por humanos e não-humanos”,
indivíduo e máquinas (coletivo). Logo, Tikhomirov (1981) coloca que a informática
tem a capacidade de reorganizar o pensamento e não complementá-lo/substituí-lo.
Lévy (1993) pondera ainda que as tecnologias podem ser vistas como extensão da
memória e corrobora com Tikhomirov (1981) no que diz respeito a ideia de que não
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deve haver dicotomia entre técnica e ser humano. Para Borba (2002, p. 138-139),
Lévy (1993) relaciona técnica, conhecimento e história de modo a considerar que
“a história da humanidade está sempre impregnada de mídias” e ainda que seres
humanos são “constituídos por técnica que estendem e modificam seu raciocínio”
de modo que que “o conhecimento é produzido por um coletivo formado por seres-
-humanos-com-mídias”. Confirmando, esta ideia Valente (1999b, p. 89) assegura
que “por intermédio da análise dos softwares, é possível entender que o aprender
(memorização ou construção de conhecimento) não deve estar restrito ao software,
mas à interação do aluno-software”.
Segundo Brasil (2000), é consensual a ideia de que não existe um caminho que
possa ser identificado como único e melhor para o ensino de qualquer disciplina, em
particular, da matemática.

No entanto, conhecer diversas possibilidades de trabalho em sala de aula é fun-


damental para que o professor construa sua prática. Dentre elas, destacam-se a
História da Matemática, as tecnologias da comunicação e os jogos como recursos
que podem fornecer os contextos dos problemas, como também os instrumentos
para a construção das estratégias de resolução (BRASIL, 2000, p. 42).

Similarmente, documentos como a Base Nacional Comum Curricular (BRA-


SIL, 2017) indicam a investigação matemática como proposta pedagógica. No âmbito
da abordagem da IM em sala de aula, tomamos como principais fontes Mendes, Fossa
e Valdez (2006), Mendes (2009b) e Ponte, Brocardo e Oliveira (2005, 2013, 2019),
entre outros. Desse modo, como defendido por Ponte, Brocardo e Oliveira (2005,
p. 13), consideramos que o processo de IM consiste na descoberta de “[...] relações
entre objetos matemáticos conhecidos ou desconhecidos, procurando identificar as
respectivas propriedades [...]” de modo a procurar saber o que não se sabe perpassando
pelos seguintes momentos de Exploração e formulação de questões, Conjecturas,
Testes e Reformulação e, por fim, Justificação e avaliação.
A relevância da IM é colocada por Braumann (2002, p. 21) ao mencionar que
“aprender matemática passa necessariamente por uma faceta investigativa, que só se
pode apreender fazendo investigação matemática”, ou seja, para esclarecer o referido
autor faz uma analogia interessante com aprender a andar de bicicleta. De fato, se uma
pessoa deseja aprender a andar de bicicleta apenas olhado outras pessoas andarem
52

ou ouvindo suas orientações, ela dificilmente conseguirá aprender. Para obter êxito,
é preciso andar na bicicleta, errar e aprender com os erros.
De acordo com Mendes (2006, p. 10) a inserção de uma prática de ensino que
“valorize a investigação e a busca de informações como princípio de aprendizagem
e socialização coletiva de informação” é indispensável de modo que o processo de
produção do conhecimento ocorre pela sistemática organização de “nossas expe-
riências, observações, interações sociais e investigações realizadas no contexto da
sociedade e da cultura, ao longo do desenvolvimento histórico das civilizações”
(MENDES, 2006, p. 83) numa “reinvenção da realidade investigativa” que pode,
inclusive, estar apoiado pelas tecnologias, já que sua história está atrelada a própria
história da humanidade.

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A presente exposição sinaliza que há diversos argumentos favoráveis uso da
HM, das TDIC e da IM em prol do ensino e aprendizagem de matemática, contudo, a
articulação entre essas tendências apontadas pelas pesquisas em educação matemática
também parece promissora24. Nesse raciocínio reside nossa proposta de aliança entre
a HM, TDIC e IM. Analisando as bases dessas tendências, Silva (2019) chega a 5
aspectos comuns, ou seja, tanto a HM, quanto as TDIC e IM (i) permitem a apre-
sentação da matemática como criação humana, (ii) propiciam geração/produção de
conhecimento investigativo, (iii) são fontes de exploração/proposição de problemas,
(iv) permitem a simulação do trabalho do matemático e ainda que (v) promovem a
interação aluno/professor na aula de matemática.
Tendo em vista tais aspectos, como posto, consideramos que a aliança entre a
HM, as TDIC e IM consiste em proposta didática configurada como uma tendência
em educação matemática que se consolida pela investigação de problemas/episódios/
temas históricos com apoio das tecnológicas que em prol do ensino e aprendizagem
da matemática. Dessa forma, se consolida pela conexão entre HM e TDIC tendo a
IM como amalgama e podendo ocorrer via o que chamamos de atividades-históri-
cas-com-tecnologias ou investigação-histórica-com-tecnologia.
A fim de delinear o design da aliança as (1) atividades-históricas-com-tecno-
logias ou investigação-histórica-com-tecnologia consistem o primeiro elemento
importante cuja definição aponta para tarefas/atividades que envolvam abordagem
de situações/problemas/obras/temas históricos que podem ser investigados com o
apoio de recursos tecnológicos.
Outro elemento relevante do design da aliança são os encaminhamentos para
elaboração de proposta, nessa ótica, surgem as (2) orientações de como elaborar
uma atividade histórica (atividade-histórica-com-tecnologia). Adaptamos de Alves
(2015, p. 78-79, adaptado25) as seguintes:

i. Escolher o conceito matemático/obra/documento/tema a ser trabalhado;


ii. Coletar informações históricas acerca não apenas da necessidade que levou à
produção de tal conhecimento, mas também o contexto social, histórico, econô-
mico, artístico, entre outros aspectos, que permearam a época de desenvolvimento,

24 Mais detalhes em Sousa (2020).


25 Destacamos em itálico o que foi modificado.
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 53

reconhecendo, assim, situação problema, visto por Ponte, Brocardo e Oliveira


(2013) como a primeira etapa da Investigação Matemática;
iii. Usar as informações históricas não como um conto, mas sim como um pro-
cesso de recriação investigativo dos acontecimentos que levaram a produção de
conhecimento, relacionando-as, sempre que possível, com o contexto atual dos
estudantes (tendo cuidado para não cair em anacronismo);
iv. Usar as TDIC para explorações, simulações e (re)criações, além de servir
como ferramentas de auxílio na investigação, reflexão e comparação do que foi
encontrado pelos estudantes e os resultados históricos conhecidos, ações estas
que conduzem às últimas etapas da investigação.

Outras direções para o delineio da proposta de aliança estão nos (3) parâmetros
já apontados no início desse texto e obtidos por Costa e Sousa (2017) com referência a
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proposição de caminhos ao fomento de trabalhos na área. Estes por sua vez concluem
que: a metodologia de pesquisa mais usada é a qualitativa, o tema histórico mais
usado é relativo à Geometria, o recurso tecnológico mais recorrente como apoio as
investigações dos temas é o Geogebra e o cunho educacional mais frequente é o uso
de sequências didáticas, de atividades ou tarefas.
Considerando ainda a composição da aliança chegamos à necessidade de elabo-
ração e/ou uso de produtos educacionais que, de acordo com Gomes e Sousa (2020),
são compostos em geral dos seguintes (4) elementos: elementos pré-textuais (capa,
sumário e apresentação) informações básicas (individual ou em grupo, objetivo,
conhecimentos prévios, cronograma, recursos necessários, recomendações ao pro-
fessor/estudante e procedimentos), desenvolvimento da atividade (textos explorató-
rios, perguntas reflexivas e recortes históricos) e avaliação (produções de relatórios,
dinâmicas e debates reflexivos).

Figura 1 – Esquema de design da aliança

(1) atividades-históricas-com-tecnologias
Definição
ou investigação-histórica-com-tecnologia.

(2) orientações de como elaborar


passos
uma atividade

metodologia qualitativa
tema Geometria
(3) parâmetros recurso Geogebra
Cunho educacional sequência de atividades

elementos pré-textuais

(4): elementos informações básicas


desenvolvimento da atividade
avaliação

Fonte: Elaborada pela autora.


54

Tendo em vista essa configuração, consideramos que a aliança se sustenta em um


tripé de tendências em educação matemática, a saber, HM, TDIC e IM que aludem a
uma firmeza propiciada, por exemplo, por uma figura tríade e rígida com triângulo.
Nesse sentido, cada ponta reside numa dessas tendências, mas sua junção nos dá uma
outra configuração, isto é, uma nova tendência em educação matemática.

Figura 2 – Aliança: uma tendência

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Fonte: Elaborada pela autora.

Logo, a aliança ocorre em prol do ensino e aprendizagem da matemática sendo


um campo de proposição didática que pretende se ancorar no ser social, não indi-
vidual, mas que vai além da relação humano-humano, de modo que a inclui, mas
também a extrapola atingindo um coletivo pensante associado aos seres-humanos-
-com-mídias, ou seja, humano e máquina. Para tanto, o papel de cada um dos ternos
deve ser bem compreendido e articulado aos demais, isto é, a história da matemática
não é só gatilho, mas perpassa o processo; as tecnologias não são quaisquer, mas as
digitais e que são essenciais nas explorações, de modo a não só recapturar o passado,
mas propiciar novas experiências. Portanto, a tecnologia na aliança seria um instru-
mento/artefato que apoia a investigação acionada para a interface entre história e
ensino, seria assim, uma via da interface (SAITO, 2014). Vale ainda ressaltar que não
é fazer a mesma coisa com uma mídia diferente, não só usar tecnologia na história,
nem também basear na história e propor algo com tecnologia. Nesse sentido, a esco-
lha do recurso tecnológico é importante, bem como, a escolha do tema/documento
histórico, pois devem propiciar a investigação que, por sua vez, seria o amálgama da
conexão entre HM e TDIC. Para isto, recomenda-se o uso da historiografia atualizada,
presença do texto histórico aliando a exploração deste com investigação apoiada por
tecnologia que permita simulações, gerando novas experiências além de recapturar
as antigas, procurando o não acontecimental num coletivo pensante.
Na sequência, apresentamos alguns trabalhos dissertativos de mestrado profis-
sional, desenvolvidos sobre orientação da autora desse capítulo, na ótica desse design.
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 55

Para tanto, trazemos uma apresentação geral das propostas e indicação de referência
onde podem ser obtidos na íntegra.

Práticas

Nessa seção, são apresentados exemplos de propostas desenvolvidas à luz da


aliança entre HM, TD e IM.
A primeira prática tem como título A GEOMETRIA DO COMPASSO (1797)
DE MASCHERONI (1750-1800) EM ATIVIDADES COM O GEOGEBRA, sendo
fruto de dissertação de autoria de José Damião Souza de Oliveira (2014). O refe-
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rido material trata de tarefas que abordam investigação de problemas históricos de


construções geométricas com apoio do software de matemática dinâmica GeoGebra.
Para tanto, se organiza em três blocos a partir do proposto por Lorenzo Mascheroni
(1750-1800) e sua obra Geometria do Compasso (OLIVEIRA; SOUSA, 2017).
O segundo exemplo prático de aliança é nomeado por DOS MÍNIMOS QUA-
DRADOS À REGRESSÃO LINEAR: ATIVIDADES HISTÓRICAS SOBRE FUN-
ÇÃO AFIM E ESTATÍSTICA USANDO PLANILHAS ELETRÔNICAS de autoria
de Juliana Maria Schivani Alves (2015). Tal trabalho gerou um caderno contendo duas
sequências de atividades/tarefas pautadas no contexto histórico de desenvolvimento
do Método dos Mínimos Quadrados (1805) de Adrien-Marie Legendre (1752-1833)
bem como, nos experimentos que originaram a Regressão Linear (1875) usados para
provar a teoria eugênica de Francis Galton (1822-1911). Para tanto, recria o experi-
mento de Galton, mobilizando conhecimento inerente com investigação propiciada
por exploração apoiada por software de planilhas eletrônicas. Além disso, objetiva
aplicar os conceitos históricos para fazer um estudo comparativo das medidas cor-
porais e de roupas, calçados e acessórios. Ambas são independentes, podendo ser
aplicadas juntas ou isoladas (SOUSA, ALVES, 2017).
Uma terceira prática é intitulada por HISTÓRIA DA MATEMÁTICA (HM)
E TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO (TDIC) NO
ENSINO DE FUNÇÃO de autoria de Andrade (2017). Essa, por sua vez, traz um
caderno com três atividades/tarefas que considera o desenvolvimento histórico do
conceito de Função, sobretudo, suas formas de representação na Antiguidade, Idade
Média e Idade Moderna, períodos sugeridos por Youschkevitch (1976). As investi-
gações são apoiadas nesse caso pelo Geogebra (ANDRADE; SOUSA, 2018).
Outra aplicação da aliança recebe o seguinte título HISTÓRIA DA MATE-
MÁTICA, TECNOLOGIAS DIGITAIS E INVESTIGAÇÃO MATEMÁTICA NO
ENSINO DE UNIDADES TEMÁTICAS DE MATEMÁTICA DA BNCC PARA O 8°
ANO cujo produto educacional é intitulado por História, Tecnologias e Matemática:
Uma Aliança Potencial para conteúdos do 8° Ano, de autoria de Silva (2019). Nele,
são apresentados três blocos de investigação-histórica-com-tecnologia referente aos
seguintes temas: Problema das gavetas de Dirichlet (1805-1859) que articula a uni-
dade de Números (unidade 1) e a unidade de Probabilidade e Estatística (unidade 5);
56

transformações geométricas no plano cartesiano que articula a unidade de Álgebra


(unidade 2) e a unidade de Geometria (unidade 3); por fim, a quadratura do círculo
que abrange a unidade de Grandezas e Medidas (unidade 4). Dentre os recursos
usados para as explorações está o Geogebra (SILVA, 2019).
Por fim, a quinta prática apresentada nesse artigo é oriunda da dissertação
nomeada por Soluções de equações quadráticas por ‘Abd Al-Hamid Ibn Turk na for-
mação inicial do professor de matemática: uma perspectiva orientada pela História
da Matemática aliada às TDIC via Investigação Matemática que resultou no produto
educacional intitulado por Conhecendo ‘Abd Al-Hamid Ibn Turk e sua resolução
geométrica para equações quadráticas de autoria de Muniz (2020). Esse material tem

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como pano de fundo a civilização islâmica medieval e sua ciência, com foco para o
trabalho de ‘Abd Al-Hamid Ibn Turk (século IX) e suas proposições para resolução
de casos de equações quadráticas a partir de figuras geométricas. Assim como em
outros, recursos do Geogebra são usados para apoiar as investigações (MUNIZ, 2020).

Figura 3 – Exemplos de práticas

Fontes: Oliveira (2014); Alves (2015); Andrade (2017); Andrade


e Sousa (2018); Silva (2019); Muniz (2020).
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 57

Consideramos que as práticas postas são relevantes propostas pedagógicas


para matemática sendo fruto de pesquisa na área de educação matemática que aliam
tendências já existentes, particularmente, HM, TDIC e IM gerando uma outra ten-
dência na área. Não obstante, ressaltamos que não esgotam todas as possiblidades e
deste modo almejamos que outras possam ser fomentadas a partir do aporte relevado
nesse trabalho.

Considerações finais

Buscando configurar a proposta de aliança entre História da Matemática, Tec-


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nologias Digitais da Informação e da Comunicação e a Investigação Matemática, o


presente capítulo inicia com a apreciação do trajeto das pesquisas desenvolvidas na
área, para, em seguida, abordar o delineio da conexão juntamente com seu aporte.
Destaca-se nesse cenário os cinco argumentos comuns às três tendências e inerentes
à nova tendência, assim como, o design da aliança composto por parâmetros para
o desenvolvimento de trabalhos, rudimentos importantes como as atividades-histó-
ricas-com-tecnologias ou investigações-históricas-com-tecnologias atrelados a sua
definição, orientações de elaboração e elementos essenciais.
Em seguida, são apontadas práticas assentadas nas lucubrações teóricas e orien-
tações para produção da aliança de modo a exemplificar cinco produtos educacionais e
suas respectivas fontes que os detalham. Lembramos que tais aplicações não esgotam
todas as possibilidades, de modo que outras ainda se encontram em produção, da
mesma forma que esperamos que este trabalho fomente novos no tocante a temática
(SOUSA, 2020b).
Em trabalhos futuros, o uso da Interface entre História e Ensino, conforme posto
por Saito (2014), bem como, a incorporação da Teoria da Objetivação como preconi-
zada por Radford (2020) almejam serem evidenciados em novas práticas e propostas.
58

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In: VALENTE, J. A. (org.). O computador na sociedade do conhecimento. 1. ed.
UNICAMP / NIED, Campinas, 1999b.
CAPÍTULO 5
SOBRE PROCESSOS CRIATIVOS NAS
HISTÓRIAS DA CRIAÇÃO MATEMÁTICA
Iran Abreu Mendes
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Introdução

Uma indagação frequentemente estabelecida nos ambientes educativos refere-se


ao ato da criação, com a finalidade de conceber a criatividade como uma habilidade
inerente ao ser humano em seu processo de conhecer, explicar e compreender. Tal
inquietação indagativa remete a duas interrogações: por que e para quê? A esse res-
peito, diversos estudiosos do assunto asseguram que a criatividade é uma habilidade
humana essencial a ser exercitada, porque é fundamental para o desenvolvimento do
potencial de quem estuda, aprende e produz conhecimento.
Tal habilidade é essencial para a autonomia humana no sentido de desenvolver
um pensamento inovador/criativo que se constitui em uma estratégia essencial para
conduzirmos nossa vida em um processo educativo emancipatório. Igualmente, a
busca de dinâmicas para a produção de conhecimento novo poderá apontar caminhos
que enriqueçam processos educativos que possam favorecer o crescimento de quem
produz conhecimento, de modo a conduzir um processo de aprendizagem e produção
cognitiva sempre prazeroso e inovador que nunca permita a cristalização da rigidez de
práticas e conceitos. Ao contrário, que viabilize uma dinâmica das estratégias de pen-
samento que imprima um constante interesse pela renovação e arejamento de ideias.
Nesse cenário de indagações podemos ampliar nossas interrogações acerca
dos processos de criatividade e criação matemática na história da humanidade. A
esse respeito, destaco, inicialmente, que a tradição clássica grega se referia ao termo
Matemática como aprendizagem ou ciência. Ao longo dos tempos tal significado
foi ampliado a campos especiais de aprendizagem, gerando várias definições para o
vocábulo. Sua desvantagem, entretanto, foi ignorar a intuição, as práticas matemáticas
e os métodos não padronizados surgidos ao longo da história.
Tais métodos e práticas avançaram estimulando a criação de símbolos e padrões
de representação formal para determinados conceitos matemáticos, o que representou
um processo de criatividade e, consequentemente, a criação de novas matemáticas.
As conclusões alcançadas pelo uso de novos padrões e códigos simbólicos passa-
ram a impor certas leis de combinações apoiadas às escritas matemáticas, levando
os estudiosos do assunto à busca por uma adaptação de uma literatura codificada e
às múltiplas condições de representação de ideias e práticas matemáticas oferecidas
64

por elas, fazendo emergir diversos modos de representação dos pensamentos e prá-
ticas matemáticas.
Este ensaio originou-se da palestra proferida na abertura do IV Seminário Cea-
rense de História da Matemática (IV SCHM) ocorrido na modalidade virtual, no
período de 12 a 15 de julho de 2020. Por meio dele, convido os leitores a pensar sobre
os múltiplos processos operacionalizados pelo pensamento e pelas práticas matemá-
ticas em busca de explicação para o modo de ser e de estar dos objetos matemáticos
em suas correlações com o contexto sociocultural ao longo da nossa história humana.
Como esses modos de ser e de estar foram e são captados pela mente, em processos
de criação matemática em todas as suas dimensões?

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Um dos exercícios para assim tratar dessa produção histórica de conhecimentos
matemáticos é aquele que intenciona ser disseminado no contexto escolar e científico.
Assim, destacarei alguns momentos históricos de processos relativos às criações mate-
máticas que poderão fornecer ao professor sugestões de usos em seu trabalho docente.
O tema que tratarei doravante é reflexo de estudos e pesquisas por mim desen-
volvidas entre 2007 e 2019 (aproximadamente 13 anos), a respeito do processo de
criação em Matemática no decorrer da história da humanidade, estudos que são fru-
tos de desdobramentos dos resultados obtidos em minhas pesquisas de Mestrado e
Doutorado (1997 a 2001), que me tem feito refletir ao longo desses anos e que estou
em processo de escrita acerca do assunto.
O recorte das discussões trata das histórias da criação matemática e seus pro-
cessos criativos no sentido de apontar modos inovadores por meio dos quais diversos
matemáticos se envolveram na busca de soluções para problemas que os desafiaram
e a partir dos quais organizaram dinâmicas de combinações entre conhecimentos já
produzidos, para que pudessem apontar soluções aos problemas novos que surgiam.
Denominei esse movimento de criatividade matemática na história.
Assim, meus estudos têm seguido na direção desses processos que por mim são
considerados movimentos criativos, feitos pelos matemáticos de diferentes campos
dessa ciência ao longo da história humana, para produzir soluções que se caracteri-
zem como explicações de fatos matemáticos desafiadores, portanto gerando conhe-
cimento novo, ou seja, novas explicações matemáticas para os fatos antigos ou para
a evidência de fatos novos.
Nesse movimento, minha proposta é convidar a todos para refletir sobre os
processos operacionalizados pelo pensamento humano a fim de explicar objetos
matemáticos, práticas matemáticas, suas relações com o contexto sociocultural em
todos os tempos e em todos os espaços, principalmente na perspectiva de responder
a uma questão: como esses modos de ser e de estar do pensamento e das práticas
matemáticas foram e ainda hoje são captados em processos de criação matemática
em todas as suas dimensões, ou seja, como é que essas coisas acontecem: como se
processam? Se esses processos têm uma dinâmica única ou se se constituem em
múltiplas dinâmicas das culturas matemáticas movimentando-se em exercícios para
tratar dessa produção?
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 65

Considero que se trata de um movimento processual de produção histórica


desse conhecimento que precisa e deve ser disseminado no contexto científico e
escolar. Todavia, no contexto escolar, muitas vezes se mostra permeado de lacu-
nas, talvez pela formação fragmentada ou incompleta adquirida pelo professor
de Matemática, que denota desconhecimento sobre o desenvolvimento histórico
das ideias matemáticas expressas nas formas de conceitos, propriedades e rela-
ções epistêmicas.
A respeito dessa situação, reflito com base em todos os anos de estudos, pes-
quisas e experiência docente, para compreender e explicar que os professores têm
dificuldade de esclarecer determinados assuntos, ou seja, abrir um pouco mais sua
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explicação compreensiva para os estudantes em virtude de uma formação insuficiente


sobre o conhecimento matemático a ser ensinado, o que faz parecer que eles não
tenham um domínio pleno do seu processo de composição histórica, ou seja, um
sequencial histórico em movimento que foi desenvolvendo-se ao longo dos tempos
em múltiplos espaços. Então é na busca de explicar o processamento desse movi-
mento que procurarei destacar um pouco dos momentos históricos desses processos
de criação matemática.
Parto da premissa de que o domínio desses processos pode conceder ao professor
possibilidades de inserir esse movimento em seu trabalho docente de sala de aula,
pois essa é uma abordagem que já venho tratando desde 1993 e aprofundando ao
longo dos estudos de Mestrado e Doutorado e, posteriormente, no desenvolvimento
de projetos de pesquisas e nas minhas práticas de orientações de Pós-graduação.
Trata-se de um processo que exigiu criatividade dos matemáticos e exige criatividade
dos pesquisadores e dos professores para que a dinâmica da criação seja inserida na
docência com o intuito de compor estratégias metodológicas de ensino que possam
contribuir ao alcance da aprendizagem matemática.

Interrogações Iniciais

Para adentrar no campo das reflexões sobre o tema a ser tratado é necessário
apresentar e discutir algumas indagações iniciais, conforme mencionarei a seguir: O
que é criação? O que é criação matemática? O que são processos criativos? O que são
processos criativos em Matemática? Como se compreende um processo criativo na
História da Matemática? Como se compreende as histórias da criação matemática?
Que possibilidades podem ser apontadas para o trabalho docente?
Para entender do que se trata, tomo o conceito de criação a fim de compreendê-lo
e, por extensão conceitual, estabelecer o conceito de criação matemática para, então,
partir dos conhecimentos matemáticos que investigo em seus processos históricos
estabelecidos no tempo e no espaço. Com base nesses conceitos é possível buscar
explicações para o que pode ser considerado um processo criativo em Matemática e
como tal processo se desenvolve para que as matemáticas sejam criadas conforme
o interesse de cada criador.
66

Do mesmo modo a terceira questão inicial aparece no sentido de responder


como é que ocorrem esses processos criativos dentro da matemática ao longo dos
tempos e espaços. É um processo que ocorre em uma dinâmica única ou é uma
dinâmica plural, uma dinâmica múltipla em diferentes tempos e espaços para que
tenhamos uma história que não seja cronológica e nem especificamente local, mas
uma história que acontece de modos diferentes, exatamente em função de modelos
de pensamento, modelos de práticas socioculturais e modelos de registro e sistema-
tização desses processos de produção e de interpretação dos objetos do mundo na
perspectiva da matemática.
É essa dinâmica que denomino de processos criativos, ou seja, uma dinâ-

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mica que, de um modo geral, leva a sociedade a perceber, registrar, sistematizar e
disseminar suas formas de compreender e explicar. Portanto, constitui-se em um
movimento que faz surgir o que denominamos conhecimento matemático. Trata-se
de um processo longo pelo qual qualquer estudo histórico realizado não dá conta de
explicar, embora possa apresentar uma certa panorâmica, a partir do recorte e das
prioridades estabelecidas previamente por quem vai realizar o estudo e de acordo
com as condições existentes em cada espaço e tempo em que tais estudos são rea-
lizados, ou seja, mostra que os processos de estudos históricos não são realizados
de maneira única.
Assim, podemos afiançar que conhecemos uma parte que nos foi dada a pos-
sibilidade de conhecer de acordo com os documentos existentes, por meio dos
documentos identificados posteriormente ao longo da história, e pelas publicações
referentes a essas pesquisas em documentos, em artefatos, em arquivos e similares.
Porém, sabemos que no decorrer do processo muitas coisas podem aparecer e essas
histórias vão sendo (re)criadas. (Re)criadas exatamente por conta de novos subsídios
informativos que surgem, bem como novas reflexões e interpretações, estabelecidas
a partir de questionamentos e métodos inovadores de organização de informações,
muitas vezes em combinação com informações antigas já validadas. Então esse é
um movimento que oferece possibilidades ao movimento criativo em História da
Matemática e, naturalmente, na compreensão da matemática que é produzida de
modo criativo. Portanto, o desenvolvimento histórico-epistemológico da produção
de conhecimento matemático caracteriza-se por uma constante criação, recriação e
organização formal de códigos representativos da interpretação de situações cotidianas
vividas pela sociedade, gerando modelos representativos para compreender e explicar
a realidade de uma forma mais próxima possível.
É a partir desse modo de explicitar o movimento criativo que respondo uma
quarta questão: o que são esses processos criativos em Matemática na história? A
esse respeito, desde 2002, elaborei um ciclo explicativo do processo criativo, no
qual as problematizações que se estabelecem nas relações entre sociedade, cognição
e cultura, geram questões que, ao serem respondidas, necessitam ser codificadas,
para converter-se em um conhecimento disseminável e de possível apreensão pela
sociedade (Figura 1).
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 67

Figura 1 – Ciclo de Problematização, imaginação,


formulação e representação do conhecimento
Ciclo de Problematização, imaginação, formulação e representação do conhecimento

Contexto Sociocultural
Problematização e imaginação
do conhecimento

Codificação: formulação e
Questões Resolvidas: representação do conhecimento Questões em aberto:
geração do conhecimento Novas indagações
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Conhecimento acadêmico: Codificação: formulação e Novas investigações


representação do conhecimento
escolar e científico

Questões em aberto para Conhecimento escolar


os estudantes: (atividades investigatórias)
indagações escolares

Questões escolares Novas questões em aberto


Resolvidas: para os estudantes:
Conhecimento construído indagações escolares

Nesse sentido, o ciclo explicativo mostra como a matemática pode ter sido
construída historicamente entre questões (indagações) e respostas de diferentes ori-
gens e contextos, motivados por problemas derivados da vida cotidiana ou de outras
ciências (Física, Astronomia etc.), assim como de problemas relacionados às inves-
tigações internas na própria matemática (cf. MENDES, 2015). Nesse ciclo explica-
tivo, a codificação matemática das respostas às questões que surgem nos problemas
cotidianos faz emergir novas questões sobre o problema resolvido, mas que muitas
vezes necessitam uma melhor explicação. Assim, de cada questão respondida pode
surgir uma ou mais soluções a serem codificadas. Delas, geralmente surgem novas
questões, denominadas por Mendes como questões abertas, constituindo assim fon-
tes provocativas para novos estudos, transformando então o processo de geração de
conhecimento em um ato cíclico.
Dessa maneira, convertem-se em instrumentos ou ferramentas matemáticas que
se configuram como representações das estratégias cognitivas para serem utilizadas na
busca de soluções de novas dúvidas e questões que tenham surgido e/ou às perguntas
matemáticas já existentes. Essas questões são utilizadas amiúde para resolver alguns
problemas pendentes. Na medida em que são respondidas, essas questões abertas
convertem-se em conhecimentos acadêmicos que, por meio de uma organização
didática, passam a configurar os conhecimentos a serem ensinados e aprendidos pelos
estudantes, na escola, em qualquer nível educativo.
Uma quinta questão também inicial, que surge em consequência das quatro
anteriores refere-se aos modos como se compreende, instala-se, estabelece-se ou
68

como se percebe um processo criativo na História da Matemática, ou seja, como é


que conseguimos compreender um pouco do movimento processual de criação da
matemática nos tempos e espaços para que nós possamos nos apropriar desse pro-
cesso e compreender melhor essas epistemologias que precisamos dar conta como
pesquisador e como professor? Esse movimento nos possibilitará compreender como
ocorreram essas criações matemáticas no decorrer da nossa história sociocultural
e científica.
Isto porque conhecemos diversas informações sobre algumas dessas histórias,
principalmente aquelas que são hegemônicas, ou seja, que ganharam o status cientí-
fico e oficial, adquirindo o poder ou o direito de entrar nos livros e publicações das
academias, nos periódicos e nos currículos das escolas, e que informam sobre alguns

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fragmentos desses processos de criação matemática. Outras histórias da criação mate-
mática, consideradas não hegemônicas, não ganharam esse status por outros motivos,
possivelmente relacionados ao processo sociológico que se instalou historicamente
para a produção e a validação do conhecimento matemático no decorrer de toda a
sua produção histórica.
Então, essa é uma indagação da qual não apresento uma resposta concreta, mas
apenas possíveis indícios ou suspeitas do porquê determinados modos de produzir
conhecimentos foram validados e outros não, tal como abordado por Ludwik Fleck
(2010) ao tratar dos coletivos e estilos de pensamento, ou nos modos como Thomas
Kuhn (1996) trata dos modelos paradigmáticos na ciência, para a sistematização do
conhecimento produzido e reconhecido em categorias como ciência normal, ciência
pré-paradigmática, pseudociência e não ciência, assim como discutido por Bruno
Latour (2013) para estabelecer o que ele denomina parlamento das coisas, como uma
espécie de estatuto da razão, para enfatizar que a ciência oficial estabelece parâme-
tros e critérios para autorizar o que é validado e permanece como conhecimento que
atende ao estatuto da razão.
Assim, é possível tomar como uma segunda premissa, a possibilidade de que
outras matemáticas podem ter sido deixadas de lado, por muitas vezes não atenderem
ao estatuto da razão em determinados tempos e locais da nossa história humana.
Todavia, precisamos refletir sobre os aspectos criativos dessas matemáticas deixadas
de lado, e que podem ter sido criadas conforme as necessidades de seus criadores.
Não sabemos, portanto, assegurar quais os critérios de validação e reconhecimento
dessas matemáticas. Logo, precisamos identificar e analisar cada situação.
Uma última questão inicial diz respeito a quais possibilidades podem ser apon-
tadas para o trabalho docente. Essa é uma questão que permeia meus estudos desde
a década de 1990, quando me interrogo sobre como é que vou me utilizar das infor-
mações que as histórias da matemática me oferecem, para objetivar melhor os modos
de abordagem conceitual e didática das matemáticas junto a meus alunos na sala
de aula. Uma possibilidade é compreender e refletir um pouco sobre os múltiplos
processos levados a cabo pelo pensamento e práticas matemáticas em busca de uma
explicação dos modos de ser e de estar dos objetos matemáticos em suas correlações
no contexto sociocultural ao longo de nossa história humana, nos processos de criação
matemática em todas as suas dimensões.
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 69

Dos Fundamentos sobre criatividade e


criação matemática na História

Para avançar nas discussões sobre as questões e indagações anteriores, abordarei


alguns fundamentos sobre criatividade e criação matemática na história, tomando o
pressuposto de que a criação matemática é uma invenção imaginativa pautada em
processos criativos históricos de conceptualização, tal como advogaram Henri Poin-
caré, no final do século XIX e Jacques Hadamard no livro Psicologia da invenção
matemática, no início do século XX, quando ambos discutiram o assunto, bem como
outros estudiosos franceses que discorreram sobre as ideias de criação, invenção e
criatividade, dentre os quais destaco René Boirel com dois de seus livros: Théorie
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générale de l’invention (1961) e L’Invention (1966) (A invenção), os quais argumen-


tam acerca dos processos de invenção criativa na produção de conhecimento, como
invenção imaginativa a qual ganha sentidos na medida em que sistematizamos modos
de argumentação explicativa sobre si mesma. Portanto, esses aspectos caracterizam
o que denomino de processos históricos de conceptualização, e que Poincaré deno-
mina invenção matemática, uma invenção fundamentada na lógica de organização e
formalização dessa invenção, para sua sustentação e validação.
Assim, considero que se trata de um tipo de criação matemática que ocorre por
meio de um processo histórico conceitual de fluxo contínuo caracterizado por um
movimento sequencial histórico (MSH) em constante expansão que se processa de
maneira descontínua (não obedece a um movimento cronológico ou espacial, e sim
desordenado, sem uma sequência organizada), que acontece de formas diferentes em
lugares diferentes, com o envolvimento de grupos diferentes, que nem sempre estão
estudando o mesmo problema, e principalmente da mesma maneira.
Quem escreve a História da Matemática e quem a pesquisa precisa agir com
base em um outro processo de criação, que é o processo de organização sistemática
desse processo histórico-conceitual, de modo a atribuir um encaminhamento con-
catenado que dê sentido ao que se quer. Então, quando pesquisamos em História da
Matemática, (re)criamos um objeto epistemológico já criado, cuja recriação é feita em
função do movimento que queremos dar ao trabalho que intencionamos desenvolver.
Portanto, cada pesquisador tem o seu fluxo de movimento, ou seja, de sistematização,
que envolve três aspectos centrais:

1. O primeiro aspecto refere-se à intuição, à imaginação e à organização


lógica das informações imaginadas que precisam ser sistematizadas de
maneira a dar sentido às invenções por meio de múltiplas formalizações
representativas, estabelecidas socialmente ao longo dos tempos. Esse
talvez seja um nó que o pesquisador precisa atentar-se ao desatar sua
atividade investigativa, pois ao produzirmos alguma informação escrita
sobre História da Matemática, precisamos refletir sobre os modos como
essas múltiplas formalizações representativas aparecem e como vamos nos
valer delas para desenvolver o nosso trabalho de escrita da história ou de
exploração da história em nosso trabalho docente visando a aprendizagem
dos estudantes.
70

É com esse movimento que precisamos ter bastante cuidado, pois é essa dinâ-
mica que dará singularidade a cada história que escreveremos, a partir de uma pes-
quisa realizada. Talvez seja por esse motivo que as escritas originadas das histórias da
matemática, produzidas em pesquisas, precisem de uma singularidade, uma vez que
são histórias criadas com base nos métodos utilizados pelo historiador para pesquisar
e para relatar a história pesquisada. Logo, a história escrita reflete um pensamento,
um processo e um princípio sobre o que é história e historiar, a partir de questões de
pesquisa e dos objetivos de cada pesquisador. Essa é uma parte do movimento que
compõe a explicação dos processos de criação matemática na história.

2. O segundo aspecto a ser destacado refere-se às ideias estabelecidas por

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Abraham Moles (1998; 2007) quando assevera que a criação é um pro-
cesso por meio do qual um novo objeto é trazido para a existência, ou
seja, um novo objeto ganha vida. A afirmação de Moles está fundada
em seus argumentos de que a criatividade é uma habilidade do espírito
(mente) para dar sentido ou existência a esse novo objeto, significando
incluir a capacidade de criar e que a produtividade criativa é um quantum
de novidade por unidade de tempo (MOLES, 1998; 2007).
3. Um terceiro aspecto é destacado por Moles (idem) ao mencionar que histo-
ricamente emergiram três tipos de verdades científicas, geradas em estágios
diferentes de desenvolvimento das epistemologias da ciência: ciência do
certo, ciência do provável e ciência do percebido, ocasionadas por proces-
sos criativos estabelecidos pelo espírito científico no tempo e no espaço,
ou seja, o momento histórico em que estamos inseridos nos possibilita
desenvolver, validar e disseminar juízos sobre racionalidades científicas
que estabeleçam uma ciência do certo, do provável ou do percebido.

Assim, considero que esses tipos de verdades podem ser também interpretados
para a matemática, no decorrer dos tempos e em diferentes espaços, de modo a ser
considerada uma ciência do percebido, ou admitida como uma ciência do provável,
assim como uma ciência do provável que pode ser reconhecida como uma ciência do
certo, ou não. Todo esse movimento de validação e reconfiguração epistemológica a
respeito desse estatuto de ciência dependerá dos processos criativos estabelecidos pelo
espírito científico no tempo e no espaço e sua validação pela comunidade científica
(no caso a matemática também).
É com essa compreensão que Moles (1998; 2007) admite não haver diferença
entre ciência pura e ciência aplicada, mas sim uma dinâmica que se move no pen-
samento humano à procura de ecos, ou seja, de sujeitos, contextos, conteúdos e
valores que possam ser tomados como pilares e parâmetros para que o conhecimento
produzido possa estabelecer-se como criação científica (ou matemática). Significa,
portanto, que nem sempre os espaços e os tempos são favoráveis para que determina-
dos objetos que estamos querendo trazer à vida, possam se estabelecer como criação.
Então, às vezes, os embargos que a sociedade, o sistema econômico, o sistema teórico,
dentre outros microssistemas que fazem parte do nosso macrossistema social podem
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 71

dificultar esse movimento de criação, um movimento que intenciona dar existência


ao que queremos que ganhe vida, ou que seja criado.
A história da ciência e a história da matemática são constituídas de um conjunto
de inúmeros exemplos como o caso da instituição e constituição dos números nega-
tivos, dos números complexos, dos números irracionais, da geometria fractal, que
refletem um processo composto de uma certa lentidão em torno do estabelecimento
de sua existência como conhecimento admitido academicamente, como uma ciência
que oscilou entre a ciência do provável, do percebido ou do certo no decorrer dos
movimentos históricos e trajetórias conceituais de suas criações.

Alguns ecos originados nos movimentos históricos e


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trajetórias conceituais em criações matemáticas

A constituição dos mais variados episódios da história escrita e reescrita da


matemática, conforme a lente epistemológica de cada pesquisador que escreve sobre
essas histórias, faz emergir alguns ecos sobre a dinâmica criativa de cada matemática
historiada, ou seja, indicativos que caracterizem os processos de criação matemática
na história.
A esse respeito destaco alguns desses ecos como, por exemplo, os movimentos
sequenciais históricos (MSH) relativos aos irracionais, aos problemas sobre a qua-
dratura das curvas e seus movimentos conceituais, aos processos criativos sobre os
indivisíveis de Cavalieri e a trajetória do conceito de variáveis e limite, bem como
a unidade imaginária e a composição do corpo dos complexos, a trajetória concei-
tual da geometria analítica antes e depois dos estudos de René Descartes, o método
das fluxões de Isaac Newton, a composição do campo da trigonometria das cordas,
semicordas, triângulos planos e esféricos às representações algébricas, as geometrias
não euclidianas: criadas por problematização ou apenas imaginadas, dentre outras
imaginações, outras criações, outras matemáticas (MENDES, 2021a; 2021b).
Diante do exposto, podemos considerar como os movimentos sequenciais histó-
ricos são constituídos por descontinuidade de criação, como é o caso do desenvolvi-
mento histórico do conceito de irracional, uma vez que as escritas das histórias desse
desenvolvimento conceitual e que moldam esses sequenciais a depender dos objetivos
e questões a serem tratadas em cada sequencial, tal como a sequência figural a seguir.

d 1 √2 1

1 1
continua...
72

continuação
1
1

√4 √3
√5 √2 1
√6 √1
√7 √17

√8 √16
√15
√9
√14
√10 √11 √13
√12

0 1 √2 √3 2 √5 √6 √7

Um movimento semelhante pode ser organizado para expressar um movimento

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sequencial histórico relacionado ao problema da quadratura do círculo em seu desen-
volvimento histórico e as consequências matemáticas de cada questão respondida e
questões em aberto que foram surgindo e sendo respondidas no decorrer do tempo e
nos espaços, ou seja, os problemas sobre a quadratura das curvas e seus movimentos
conceituais em um sequencial descontínuo (MENDES, 2021a; 2021b).
A unidade imaginária e a composição do corpo dos complexos podem originar
um sequencial histórico que parta de uma interrogação acerca da existência de um
número considerado impossível, seguida pela problematização sobre as seguintes
questões: como operar aritmeticamente com esse número? Como representar as
medidas a partir desse número? O propósito é mostrar que, algebricamente, o real e
o imaginário juntam-se para gerar o complexo.
Trata-se, portanto, de explicar que a unidade imaginária foi interpretada como
um apêndice para suportar o processo de solução de determinados tipos de equações.
O sequencial precisa mostrar que esse movimento histórico, organizado por diversos
historiadores da matemática, sempre pretendeu mostrar que se trata de um ato criativo
que possibilitou a criação de um novo corpo numérico, que agregou a parte possível
à parte considerada impossível do número, ou seja, a parte considerada real e a outra
considerada não existente, mas existente (a parte imaginária).

Considerações Finais

A respeito do professor pesquisador e em relação aos movimentos de criação


na História da Matemática, deve-se considerar que, no campo da formação de pro-
fessores de Matemática e no exercício da docência, faz-se necessário refletir acerca
dos modos como se pode estabelecer esse movimento processual tendo em vista a
elaboração de atividades didáticas para ensinar matemática. A reflexão significa pôr
em prática o espírito investigativo (a alma de pesquisador) diante dos movimentos
de criação explicitados nos textos relativos à História da Matemática, conforme o
tema de interesse do professor para que possa estabelecer seu sequencial histórico
direcionado a uma abordagem conceitual desse tema em sala de aula, apoiado em
algum tipo de abordagem didática que incorpore o movimento histórico que se pre-
tende problematizar para alcançar a aprendizagem dos alunos.
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 73

Tal abordagem pode tomar como base alguns indicativos como: 1) A suspeita,
que leva o pesquisador em História da Matemática a buscar indícios que lhe fazem
elaborar ideias primeiras ou conceitos primários (primitivos) a respeito dos objetos; 2)
As proposições primeiras, conhecidas como axiomas ou postulados e as proposições
formalizadas ou teoremas; 3) As proposições formalizadas amplamente (para um
domínio qualquer do saber matemático) que estruturam as teorias e, por fim, o movi-
mento que sai das origens e opera transformações conceituais com vistas a estabelecer
as continuidades desse processo em movimentos históricos e trajetórias conceituais.
Com relação ao uso dos textos de (re)criação histórica da matemática para a
sala de aula, o professor precisa apostar na exploração dos movimentos expostos em
(re)criação lógica e sequencial histórica conforme interesses pessoais, profissionais
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e institucionais, tendo em vista as possibilidades de adaptação sistemática e (res)


significada de cada aspecto conceitual a ser explorado em sala de aula a partir dos
textos históricos (re)criados. Igualmente, deve-se considerar os planejamentos de
aulas envolvendo o uso de atividades didáticas previamente elaboradas, atividades
com utilização de tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs), propo-
sição prévia de projetos de investigação temática, encaminhamento de investigações
temáticas abertas, entre outros.
A realização de seminários de acompanhamento e avaliação contínua dos proces-
sos de (re)criação histórica, envolvendo a participação do professor e dos estudantes.
Os debates temáticos para apreensão e compreensão dos aspectos conceituais em
seus desenvolvimentos históricos e epistemológicos conectados às contextualiza-
ções atuais.
74

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HADAMARD, Jacques. Psicologia da invenção na matemática. Tradução Estela
dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009.

KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções científicas. Tradução Beatriz Vianna


Boeira e Nelson Boeira. 4. ed. São Paulo: editora Perspectiva, 1996. (Coleção Debates
Ciência, 115).

LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: um ensaio de antropologia simétrica.


Tradução Carlos Irineu da Costa. 3. ed. São Paulo: editora 34, 2013.

MENDES, Iran Abreu (a). Mendes, I. A. (2021). Historical Creativities for the Tea-
ching of Functions and Infinitesimal Calculus. International Electronic Journal of
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MENDES, Iran Abreu (b). Epistemologias sobre criatividade e criação matemá-


tica: evidências extraídas da história da matemática. 2021 (Livro no prelo).

MENDES, Iran Abreu. History for the teaching of mathematics transformation and
mobilization of mathematical knowledge for school. Pedagogical Research, v. 5,
n. 3, em0072, p. 1-10, 2020. Disponível em: https://www.pedagogicalresearch.com.

MENDES, Iran Abreu. Criatividade na história da criação matemática: potencia-


lidades para o trabalho do professor. Belém: SBEM Pará, 2019.

MENDES, Iran Abreu. História da Matemática no ensino: entre trajetórias pro-


fissionais, epistemologias e pesquisas. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2015.

MOLES, Abraham A. A criação científica. Tradução Gita K. Guinsburg. São Paulo:


editora Perspectiva, 1998.

MOLES, Abraham A. A criação científica. Tradução Gita K. Guinsburg. 3. ed. 1ª


reimpressão. São Paulo: editora Perspectiva, 2007.

POINCARÉ, Henri. Science et Méthode. Paris: Flamarion, 1920.


CAPÍTULO 6
O PROBLEMA DOS INCOMENSURÁVEIS
NA MATEMÁTICA GREGA E A
SOLUÇÃO DE EUDÓXIO DE CNIDO
Luis Saraiva
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Introdução

O estudo da Matemática Grega, principalmente a Matemática pré-euclidiana,


apresenta dificuldades específicas que são devidas ao facto de muitos dos textos dos
matemáticos de então se terem perdido, em todo ou em parte. Recorre-se muito aos
chamados comentadores, dos quais os exemplos mais conhecidos são Proclus, Papus
e Theon, que escreveram comentários a obras que, entretanto, desapareceram e hoje
conhecemo-las pelo que eles sobre elas relatam nos seus escritos. Mesmo tendo teste-
munhos directos de autores gregos da época em estudo, eles têm de ser confrontados
com outros relativos ao mesmo assunto, pois se verifica que por vezes não relatam
correctamente o dado histórico, reescrevendo-o de forma alterada. Um exemplo claro
é Platão: tem de se analisar com cuidado as suas afirmações nos seus diálogos e con-
seguir distinguir quais das suas afirmações podem ser consideradas factos históricos
(BURKERT, 1972, p. 5). Neste aspeto, cruzar as informações existentes com a que
veiculam autores como Iamblichus, Oenopides de Chios, Diogenes Laertius, Stobaeus
e outros é essencial para se poder obter uma reconstituição tão exacta quanto possível.
Há um facto que é essencial em toda a investigação em história da Matemática:
ela tem de ser feita com base no estudo de documentos originais, de fontes primei-
ras. Ou seja, no nosso caso, só pode efectuar investigação no campo da história da
Matemática Grega quem domina o grego, as traduções, por mais fiáveis que elas
sejam, não são suficientes para quem quer fazer pesquisa. Isto é uma evidência, e
facilmente podemos observar nalgumas das discussões de possíveis interpretações
de afirmações sobre a matemática grega o quão fundamental é conhecer a língua
utilizada nos documentos analizados26, a questão está frequentemente na interpre-
tação do original grego, no que ele quer dizer. E muitas vezes o original em si não
permite uma interpretação clara, a busca do sentido tem de ser feita contextualmente,
comparada com outros textos e factos. Quem não sabe grego poderá, quando muito,
formar uma opinião sobre temas da matemática grega por via indirecta, por livros

26 Há muitos exemplos claros. Burkert (1972; p. 408) refere a questão do momento em que a geometria
pitagórica passou a ser escrita. Paul Tannery e W. Burkert dominavam ambos o grego, mas leram de forma
diferente um texto de Iamblichus, e dessas diferentes leituras sairam conclusões opostas. A que tinha feito
Tannery levou a que se pensasse que havia um tratado de geometria antes de Hipócrates de Chios, quando
de facto a passagem traduzida analizava a utilização de palavras e não se referia a livro algum.
76

que leu de especialistas sobre essa matéria, mas não por conclusões suas de leitura
dos textos originais.
O objetivo deste texto não é apresentar investigação em história da Matemática
Grega, mas sim chamar a atenção para dois factos importantes nessa história: como
é possível, a partir de uma teoria simples, chegar à descoberta dos incomensuráveis,
descoberta que modificou o curso da Matemática Grega; e evidenciar o modo brilhante
como o problema causado por esta descoberta foi resolvido por Eudóxio de Cnido.
Apresentaremos um olhar nosso, do início do século XXI, sobre aqueles dois factos.
Para além das referências das histórias gerais como (EVES, 1990) e
(KLINE, 1972), valiosas, mas generalistas, e nem sempre precisas, indicaremos no
texto outras referências.

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Fontes da Matemática Grega

Euclides (315 a.C-255 a.C) escreve os Elementos no início do século III a.C.
A obra teve um imenso impacto, não só na sua época, mas ao longo dos séculos, até
aos nossos dias. Consta que, a seguir à Bíblia, é a obra que mais divulgação, análise
e edições teve. Desde o começo da imprensa em 1482 já houve mais de 1000 edições.
É uma obra de síntese, da maior parte da matemática que era conhecida então
e que obedecia aos critérios de rigor formulados e consensualmente aceites pelos
gregos: todas as demonstrações geométricas tinham de ser feitas com uma régua não
graduada e um compasso, que não é o compasso dos nossos dias, era um compasso
que apenas permitia traçar circunferências, mas que não transpunha distâncias.
Mas nem todo o conhecimento que se podia demonstrar de modo rigoroso está
nos Elementos: por exemplo não inclui a demonstração que as alturas de um triângulo
traçadas dos seus vértices se intersectam num ponto. Por outro lado, nos Elementos
faltam áreas significativas então estudadas, como as cónicas, e igualmente os cha-
mados problemas clássicos da matemática grega: a duplicação do cubo, a trissecção
do ângulo e a quadratura do círculo, pois nem as cónicas nem os problemas clássicos
eram então estudados segundo os critérios de rigor atrás apontados. Nem sempre o
rigor nas demonstrações das proposições dos Elementos era o mesmo, estão neles
incluídas algumas demonstrações por sobreposição.
No essencial o que Euclides faz é compilar e reordenar grande parte do
conhecimento matemático do seu tempo, simplificando e tornando mais rigorosas
as demonstrações.
Os Elementos constam de 13 livros ou capítulos - (EUCLIDES, 2009),
(EUCLID, 1956). Euclides explicita um conjunto de definições, axiomas e postu-
lados, e as demonstrações são feitas por raciocínio dedutivo a partir deste conjunto
primeiro de noções.
O impacto da obra de Euclides foi tal que muitas das obras anteriores foram de
alguma maneira consideradas antiquadas e supérfluas e não houve o cuidado devido
para as conservar. A matemática pré-euclidiana teve de ser reconstruída a partir de
fragmentos e fontes indirectas. Hoje muito do que conhecemos da matemática grega
antes de Euclides se deve aos comentadores, pessoas cultas que tiveram acesso a
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 77

obras hoje perdidas, em parte ou na totalidade, e que escreveram sobre elas. Entre os
comentadores é de salientar Proclus (século V d.C). A sua obra Comentário ao Livro
I dos Elementos de Euclides inclui um resumo em linhas gerais do desenvolvimento
da matemática grega antes de Euclides que é conhecida por Síntese Eudemiana,
nome que é devido ao matemático Eudemus de Rodes (século IV a. C), um aluno de
Aristóteles, que escreveu uma história da geometria grega27 e que é uma das fontes de
Proclus. Outras fontes disponíveis para se conhecer a matemática grega, são devidas
a comentadores como Papus, Theon e outros. As passagens matemáticas em Platão
e Aristóteles são igualmente importantes.
Já no século XX foram compilados fragmentos que se foram encontrando da
época pré-socrática. Publicados pela primeira vez em 1903, foi aumentando a lista
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dos textos descobertos, chegando-se a uma sexta edição em 1952. São referenciados
por numeração Diels-Kranz.

A Escola da Jónia e a especificidade da Matemática Grega

Podemos colocar na Jónia os começos quer da Astronomia teórica quer da


Matemática teórica. E podemos dar uma hipótese formulada por Dmitri Panchenko
(2005; p. 32) para isso ter acontecido na Grécia e não na Mesopotâmia.
Em relação à astronomia, na Mesopotâmia havia um grupo fechado de obser-
vadores dos céus que trabalhava para os reis e para os templos, e eles eram pagos
porque se considerava que sabiam ler e interpretar os sinais celestes, indicando a
vontade dos deuses. Eram os mediadores dessa vontade, e devido a essa qualidade
especial faziam parte dum grupo privilegiado, com um estatuto especial. Perde-
riam essa proeminência se alguma vez fosse aceite uma interpretação naturalista
dos movimentos celestes, uma interpretação baseada na regularidade do movimento
dos astros, deixariam de ser considerados especiais e com qualidades únicas. Daí a
exclusão imediata de qualquer movimento nesse sentido. Não existia este panorama
na Grécia. Considera-se que os deuses não comunicam os seus sinais aos servidores
das várias repúblicas. Os gregos não tinham profissionais para interpretar os sinais
celestes, e estavam muito mais propensos a aceitar explicações naturalistas dessas
ocorrências. Os gregos dos estratos mais elevados eram cidadãos livres e iguais em
direitos, não estavam ligados a nenhum grupo e podiam pesquisar qualquer área que
lhes interessasse, independentemente de ter aplicação prática ou não. Conforme atesta
(ZHMUD, 2006; p. 31), a sociedade grega era profundamente competitiva, e um
dos motores que levava os gregos a pesquisar era a obtenção de um reconhecimento
colectivo do seu valor e do seu trabalho. À medida que o seu trabalho ia produzindo
resultados confirmados pelos seus contemporâneos, iam não só ganhando prestígio
na sociedade, mas igualmente alunos, que continuaram as suas pesquisas.
Em relação à geometria, a da Mesopotâmia e a do Egipto eram essencialmente
práticas. A inovação dos gregos da Jónia foi precisamente passarem a fazer demons-
trações dedutivas baseadas em princípios gerais. Também aqui se pode colocar como
hipótese do aparecimento da matemática teórica na Grécia e não no Egipto e na

27 Escreveu também histórias da astronomia e da aritmética (ZHMUD, 2006; p. 147-152, 166-218, 228-238).
78

Mesopotâmia pelo clima social que se vivia na Grécia entre a classe mais elevada:
num ambiente de igualdade, havia intensa competividade entre os membros desta
comunidade. Para resolver problemas que não tinham nem medição nem observação
imediatas, as soluções apresentadas teriam de ser acompanhadas de argumentos
inatacáveis que fossem aceites por todos, que garantissem a consensualidade sobre
a correcção de quem os fazia. Aqui se pode entrever a razão do aparecimento da
demonstração dedutiva (PANCHENKO, 2005; p. 57)
Tales de Mileto é a figura central da Escola da Jónia. Continua a haver polémica
hoje sobre o que se lhe pode atribuir. O problema tem maiores proporções porque
Tales não deixou nada escrito, ao contrário de outras figuras eminentes da Jónia, como
Anaximandro e Anaximenes. O que estes últimos escreveram perdeu-se, mas temos

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o testemunho indirecto de outros gregos que leram essas obras. Neste caso, se por
um lado temos o importante testemunho de quem leu as obras em causa, por outro
não temos maneira de verificar a correcção dessa leitura, apenas eventualmente de
forma indirecta poderemos de alguma forma ter uma ideia mais sólida da validade
do testemunho, se se conhecerem várias leituras que se possam comparar28.
Tales pode ser considerado o iniciador da astronomia científica. Os antigos atri-
buem-lhe unanimemente a explicação correcta dos eclipses solares29. Cícero e Aristarco
de Samos afirmam que foi ele quem descobriu que o eclipse do Sol se deve à interposi-
ção da Lua30. E o testemunho do segundo terá de ter peso na medida em que Aristarco
era um astrónomo de valor e estava temporalmente relativamente perto de Tales, pois
viveu na primeira metade do século III a. C. Eudemus de Rodes, uma das maiores
fontes da história científica grega, no que diz respeito a Tales afirma que foi “o primeiro
a descobrir o eclipse do sol”, isto no sentido de explicar o eclipse pela interposição da
Lua, como refere Platão num comentário da República (PANCHENKO, 2005; p. 25).
Contudo Eudemus não exprime aqui uma opinião sua (idem, p. 27), a frase citada está
incluída numa exposição resumida das descobertas maiores da astronomia grega, que
tinha sido obtida por Theon de Smyrna de um outro autor desconhecido.
A interpretação de Tales representa um salto qualitativo na interpretação dos
fenómenos celestes. Não mais há aqui o resultado da vontade de deuses, mas sim a
procura de causas naturais do eclipse. Esta explicação foi acompanhada de outras
considerações importantes, como a afirmação de que a Lua é um corpo como a Terra
e que recebe a sua luz do Sol.
Coloca-se a hipótese da prática da Astronomia entre os gregos ter sido influente
nos inícios da matemática demonstrativa. Tales tinha estudado o movimento dos
corpos celestes, em particular tinha calculado os tempos de nascimento e ocaso de
certas estrelas. Para fazer isto tinha de ter em conta não só o círculo do horizonte,
mas igualmente as trajetórias circulares dos corpos celestes. Os objetos em estudo
eram inacessíveis a uma medição direta, e, portanto, qualquer afirmação sobre eles
tinha de ser demonstrada. Verdades particulares sobre estes objetos só podiam adquirir

28 Hipias de Elis, um dos sofistas do século V a.C., é uma das fontes de informação sobre Tales e outros, e
foi uma das referências de Eudemus para a sua História da Geometria (ZHMUD, 2006; p. 50).
29 Há historiadores modernos que não atribuem esta primazia a Tales, a maioria mencionando Anaxágoras
como o primeiro a dar a interpretação correcta dos eclipses solares. (PANCHENKO, 2005; pp. 28-30) discute
e rebate essa ideia.
30 Ver (LEBEDEV, 1990).
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 79

credibilidade se fossem demonstradas por raciocínio dedutivo a partir de um conjunto


de princípios gerais consensuais.
Tales é igualmente considerado o fundador da geometria grega. Proclus, no
seu Comentário ao Livro I dos Elementos de Euclides dá conta da sua contribuição.
Transcrevo as várias menções que faz de Tales (PROCLUS, 1970): .
Sobre a introdução na Grécia de conhecimentos da Geometria dos egípcios31:

[...] geometry was first discovered among the Egyptians [...]. Thales, who had
travelled to Egypt, was the first to introduce this science into Greece. He made
many discoveries himself and taught the principles for many others to his suc-
cessors, attacking some problems in a general way and others more empirically
(idem, p. 52)32
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Sobre a divisão de um círculo pelo seu diâmetro:

The famous Thales is said to have been the first to demonstrate that the circle
is bisected by the diameter. The cause of this bisection is the undeviating course
of the straight line through the center; for since it moves through the middle and
throughout all parts of its identical movement refrains from swerving to either
side, it cuts off equal lengths of the circumference on both sides (idem, p. 124).

Ou seja, temos um argumento que, não sendo uma dedução, pretende articular o
que se entende por círculo e por diâmetro, e, portanto, quer manter-se num plano geral,
não particularizado, não recorre à demonstração por rotação e sobreposição de figuras33:
Sobre a igualdade dos ângulos da base de um triângulo isósceles:

“We are indebted to old Thales for the discovery of this and many other theo-
rems. For he, it is said, was the first to notice and assert that in every isosceles
[triangle] the angles at the base are equal” (idem, p. 195).

A demonstração está explicitada em (ZHMUD, 2012; p. 252-253). Sobre a


igualdade de ângulos opostos em duas rectas concorrentes:

“If two straight lines cut one another, they make the vertical angles equal to one
another. [...] It was first discovered by Thales, Eudemus says, but was thought wor-
thy of a scientific demonstration only with the author of the Elements” (idem, p. 233).

Em relação à proposição que estabelece que dois triângulos com dois ângulos
iguais e um lado igual têm os restantes lados e ângulo iguais, é afirmado:

“Eudemus in his history of geometry attributes the theorem itself to Thales,


saying that the melhod by which he is reported to have determined the distance
of ships at sea shows that he must have used it.” (idem, p. 275).

31 Os negritos são do autor do artigo.


32 Isto deve ser interpretado como tendo trazido algum conhecimento próprio do Egipto, como por exemplo de
agrimensura e de construção de edifícios; já existia conhecimento prático geométrico na Grécia.
33 Nem Euclides apresenta uma demonstração desta afirmação.
80

A Escola Pitagórica

Sobre Pitágoras tem havido muita controvérsia. Como referências importantes


para uma avaliação actual da chamada escola Pitagórica referimos obras de William
Burkert (1972) e de Leonid Zhmud (2006) e (2012). Faremos uma referência geral
aos domínios onde foi feita investigação e depois desenvolveremos um pouco o que
foi o seu estudo dos números. Concluímos com uma demonstração do chamado
teorema de Pitágoras.
Foram quatro essencialmente os domínios de estudo dos pitagóricos: a Teoria dos
Números ou Aritmética, a Teoria da Música ou Harmónica, a Geometria, e a Astronomia.
Não se pode dizer que os primeiros pitagóricos fizessem ciência no sentido que

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hoje lhe damos, mas sim (BURKERT, 1972; p. 14) uma interpretação pré-racional
do cosmos, acompanhada de uma especulação aritmética e lógica.
Os pitagóricos afirmam a importância do número na interpretação e quantificação
do mundo e vão dar-lhe uma atenção especial. Os números podem ser pensados como
configurações de pontos dispostos de modo especial. Léon Brunschvig, (1981; p. 34)
pensa que esta visualização dos números pode estar relacionada com a observação
das constelações no céu, também elas com um número fixo de estrelas e dispostas
sempre geometricamente do mesmo modo relativo. Então, conforme a sua configu-
ração específica, os números podiam ter diferentes designações. Por exemplo temos:
Números triangulares (Figura 1):

Figura 1

1 3 6 etc.

Números quadrados (Figura 2):

Figura 2

1 4 9 etc.

Os resultados eram intuídos geometricamente. A aritmética dos primeiros pita-


góricos era feita de forma indutiva e visual. Não temos aqui qualquer raciocínio
dedutivo. Vejamos para ilustrar isto uma proposição muito simples:
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 81

A soma de números ímpares consecutivos a começar em um é um número qua-


drado (Figura 3): basta colocarmos cada número ímpar a seguir a um de modo a fazer
mais uma coluna e uma linha, e vemos que as somas dão sempre números quadrados.

Figura 3


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Foram igualmente procurados outros modos de relacionar números, utilizando


os seus divisores. Como exemplo, temos os números chamados amigáveis – friendly
ou amicable em inglês – (EVES, 1990; p. 76), (HEATH, 1981; p. 74-75): dois núme-
ros dizem-se amigáveis se cada um é igual â soma dos divisores próprios do outro.
Exemplo: 220 e 284. Não é fácil encontrar pares de números com esta propriedade.
Em fins do século XIII/início do século XIV foi encontrado um segundo par, 17.296
e 18.416. Continuou sendo um tema de pesquisa para os matemáticos, tendo havido
contribuições de Fermat (1636), Descartes (1638) e Euler (a partir de 1747). Hoje
com o auxílio dos computadores são conhecidos todos os números amigáveis infe-
riores a um bilião.
A partir da definição de números pares e números ímpares, os pitagóricos desen-
volveram uma teoria das suas operações, que aparece explicitada no livro IX dos
Elementos de Euclides, nas proposições 21 a 3434 (EUCLIDES, 2009; p. 343-348):
Em termos de hoje, essas proposições dizem o seguinte:
Para a soma:
Proposição 21. Uma soma de números pares é par.
Proposição 22. A soma de um número par de números ímpares é par.
Proposição 23. A soma de um número ímpar de números ímpares é ímpar.

Para a subtração (para os gregos só tinha sentido a operação a-b quando b <a):
Proposição 24. Par menos par é par.
Proposição 25. Par menos ímpar é ímpar.
Proposição 26. Ímpar menos ímpar é par.
Proposição 27. Ímpar menos par é ímpar.

Para a multiplicação:
Proposição 28. Ímpar vezes par é par
Proposição 29. Ímpar vezes ímpar é ímpar.

Para a divisão (ou propriedades que implicam a divisão):

34 Arquitas de Tarento (ca 428 – ca. 365-347 a.C.) é considerado o pitagórico iniciador do caminho que levou
à teoria dos números, tal como ela se encontra explicada nos Elementos de Euclides.
82

Proposição 30. Se um número ímpar divide um número par, divide também a


sua metade. [Ex.: 3 divide 12, e divide também 6]
Proposição 31. Se um número ímpar é primo com um número dado, é também
primo com o seu dobro. [Ex.: 3 é primo com 5, e também é primo com 10]
Proposição 32. Se um número resulta da sucessiva duplicação de 2, é exclusi-
vamente da forma par vezes par [Ex.: 32 = 2 x 16 = 4x 8]
Proposição 33. Se um número tem a sua metade ímpar, só se pode escrever
como ímpar vezes par [Ex.: 30 = 2 x 15 = 3 x 10 = 5 x 6]
Proposição 34. Cada número par que não está nas condições das Proposições 32
e 33 pode escrever-se como par x par e como par vezes ímpar, [Ex.: 20 = 2 x 10 =

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4 x 5].

O chamado Teorema de Pitágoras já era conhecido muito antes dos Pitagóricos,


mas nesta Escola foi dada pela primeira vez uma demonstração rigorosa.
Este resultado era de tipo geométrico: significava que o quadrado construído
sobre a hipotenusa de um triângulo rectângulo era igual á soma dos quadrados cons-
truídos sobre os catetos. Uma possibilidade de demonstração é a que a seguir coloca-
mos (e que não é a que figura nos Elementos de Euclides, sendo aí a Proposição I. 47):
Queremos demonstrar que, dado o triângulo rectângulo de catetos a e b, e
hipotenusa c, o quadrado de lado c é igual à soma dos quadrados de lados a e
b respectivamente.

Figura 4 A Figura 4 B

b a a b
a c U a b a
W
c
b V b a b
b a b a

Fazemos uma divisão do quadrado de lado a+b de dois modos diferentes. Na


figura 4 A, o quadrado é a soma dos quadrados U e V com 4 triângulos iguais ∆. Na
Figura 4 B é a soma do quadrilátero W com 4 triângulos iguais ∆.
Ou seja, U + V + 4∆ = W + 4∆
Concluímos que U + V = W.
A proposição fica demonstrada ao se provar que W é um quadrado de lado c,
isto é, que tem os lados todos iguais e que os seus ângulos internos são todos rectos35.

35 Para outra demonstração do Teorema de Pitágoras, utilizando a teoria das proporções, bem como para mais
informação sobre a teoria dos pares e dos ímpares, ver (ZHMUD, 2012; p. 270-273).
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 83

Grandezas comensuráveis e incomensuráveis

Os gregos consideravam inicialmente que todas as quantidades da mesma espé-


cie eram comensuráveis, isto é, dadas duas grandezas da mesma espécie (compri-
mentos, áreas, pesos etc.) era possível encontrar uma quantidade da mesma espécie
das duas dadas e da qual cada uma delas era múltiplo.
Portanto, se tivermos as grandezas A e B, da mesma espécie, julgava-se que
havia sempre uma grandeza v, da mesma espécie de A e B, da qual A e B eram múl-
tiplos, ou seja, em linguagem de hoje, haveriam números naturais m e n tais que A
= mv e B = nv.
Isto era algo que parecia intuitivo, pensava-se que bastaria considerar uma
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quantidade suficientemente pequena v para as duas quantidades dadas inicialmente


serem ambas múltiplas dela.
Na base desta crença foi elaborada uma espécie de teoria das proporções, um
conjunto de regras que permitiam relacionar razões36 (a razão a:b era considerada
como as relações entre a entidade a e a entidade b, não coincide o nosso conceito
actual de quociente; e só podia haver razões entre grandezas do mesmo tipo).
Deste modo, e enunciado em termos de hoje, dadas duas quantidades da mesma
natureza, A e B, e outras duas quantidades da mesma natureza, C e D (não necessa-
riamente da mesma natureza de A e B) dizemos que A:B = C:D se existirem unidades
v do mesmo tipo de A e B, e w, do mesmo tipo de C e D, e ainda números naturais
m e n tais que

A = mv C = mw
B = nv D = nw

Nesta definição, como se vê, está implicada a comensurabilidade de A e B, e


igualmente de C e D, por serem múltiplas de unidades comuns, respectivamente v e
w, e a igualdade de razões deriva do facto das constantes envolvidas, m e n, serem
as mesmas nas duas razões, ou seja, a relação entre A e B é a mesma que existe entre
C e D.
Os Pitagóricos demonstraram que havia grandezas da mesma natureza que não
eram comensuráveis, isto é, encontraram grandezas A e B da mesma espécie tais
que não existia nenhuma unidade v da mesma natureza delas das quais elas fossem
múltiplos, ou seja, em termos de hoje, não existiam nenhuns números naturais m e
n tais que A = mv e B = nv.
Isto espelha a diferença entre o discreto, o mundo dos números naturais, a
Aritmética, e o contínuo, o domínio da Geometria.
Esta descoberta levantou um problema na Matemática Grega, ao se perceber
que havia “mais” quantidades geométricas que numéricas.
Vejamos um modo simples de se demonstrar a incomensurabilidade da diagonal
de um quadrado com um dos seus lados, utilizando a teoria dos pares e dos ímpares.
Daremos apenas os passos essenciais desta demonstração, feita em termos actuais:

36 Pensa-se que o termo “razão”, ou “proporção” derivou da teoria musical dos pitagóricos.
84

Figura 5

A D

B C

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Seja o quadrado [ABCD] (Figura 5). Suponhamos AC comensurável com AB.
Todos os números que consideraremos a seguir são obviamente números naturais.
Então ambos são múltiplos de uma unidade de comprimento u, ou seja, existem p e
q tais que AC = pu e AB = qu, o que permite afirmar que AC:AB = p:q.
Sejam m e n os menores números tais que
AC:AB = m:n (1)
Então também ( AC ) : ( AB ) = m : n
2 2 2 2
(2)
Pelo teorema de Pitágoras:
( AC ) = ( AB ) + ( BC ) = 2 ( AB )
2 2 2 2

o que implica, por (2), que


m 2 = 2n 2 (3)
2
Portanto m é par, e por consequência m também é par (se fosse ímpar o seu
quadrado também o era, Proposição IX. 29 dos Elementos), e, portanto, n tem de ser
ímpar, pois se fosse par, m e n não seriam os menores números que verificavam (1).
2 2
Como m é par, então existe h tal que m = 2h, e portanto m = 4h , e de (3) temos
2 2 2 2 2
2n = 4h , ou seja, n = 2h , donde deduzimos que n é par, e portanto n será
igualmente par, o que é um absurdo, pois tínhamos visto que era ímpar. Consequen-
temente AC não pode ser comensurável com AB.
A descoberta da incomensurabilidade e a consciência que a Geometria tinha
“mais” grandezas que a Aritmética levou os Gregos a de algum modo modificarem
o curso da história da Matemática Grega, desenvolvendo mais a Geometria, e de
algum modo estagnando a Aritmética, sendo os seus problemas colocados em ter-
mos geométricos.

A Contribuição de Eudóxio de Cnido

A teoria das proporções cai num impasse que só é quebrado por Eudóxio (tam-
bém chamado Eudoxo37) de Cnido (ca 390 - ca 337 a. C.)38. É uma concepção que

37 Utilizamos Eudóxio como termo português, seguindo o adoptado por (VASCONCELLOS, 1925).
38 Sobre Eudóxio, ver (ZHMUD, 2006; p. 96-100).
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 85

podemos classificar de revolucionária, no sentido em que há uma mudança quali-


tativa na perspectiva da comparação de grandezas, não mais é importante saber o
que cada grandeza é, mas sim o modo como se relaciona com as outras grandezas
da mesma espécie.
A definição de Eudóxio, colocada em termos de hoje, diz o seguinte:

Sejam A e B duas grandezas do mesmo tipo, e C e D duas outras igualmente do


mesmo tipo, não necessariamente do das grandezas A e B, dizemos que A:B =
C:D se e só se para todos os números naturais m e n, se mA > nB, então mC >
nD; se mA = nB, então mC = nD; e se mA< nB, então mC < nD.
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É fácil ver que esta definição é uma generalização da noção de proporcionalidade


para grandezas comensuráveis, isto é, se A e B são grandezas comensuráveis, e C e
D também o são, e se A:B = C:D no sentido clássico, então a igualdade também se
verifica no sentido de Eudóxio.
O Livro V dos Elementos de Euclides (2009; p. 205-230) é relativo à Teoria
das Proporções, tal como Eudóxio a formulou. Este Livro começa com um conjunto
de seis definições que resumem o essencial das bases desta teoria.
Define-se: uma grandeza ser parte de outra (isto é, divisora); uma grandeza ser
múltipla de outra; uma razão de duas grandezas (relação de dimensão entre duas
grandezas do mesmo tipo); grandezas que têm a mesma razão (definição de propor-
cionalidade); ou seja, que são proporcionais; e ainda uma última definição que de
facto é um axioma, e que é hoje conhecido por axioma de Eudóxio-Arquimedes, por
ter sido pela primeira vez enunciado por Arquimedes, e por ter sido Eudóxio quem
o formulou pela primeira vez, embora não explicitamente:

Grandezas dizem-se terem uma razão, uma em relação à outra, quando é possível,
por multiplicação, cada uma exceder a outra. (definição 4 do Livro V).

Isto é, por exemplo, dados dois comprimentos, há sempre um múltiplo do pri-


meiro maior que o segundo e um múltiplo do segundo maior que o primeiro.
Com esta nova concepção de proporção e este conjunto de definições vão ser
demonstrados os resultados operatórios básicos relativos a razões. Vamos indicar
alguns deles que estão demonstrados no Livro V, mas utilizando a notação actual,
ou seja, em vez das razões de Eudóxio colocamos frações:
a c ma mc
=Se = , então , para todo o número m (Proposição 4)
b d nb nd
a c c e a e
Se e
= = , então
= (Proposição 11)
b d d f b f
a c e a a+c+e
Se = = , então = (Proposição 12)
b d f b b+d + f
a c
Dado = ; se a > c, entãob > d ; se a = c, entãob = d ; e se a < c, entãob < d
b d
(Proposição 14)
86

ma a
Para todo o número m tem-se = (Proposição 15)
mb b
a c a b
Se
= = , então (Proposição 16)
b d c d
Se a = c , então a + b = c + d (Proposição 18)
b d b d
O Livro VI dos Elementos de Euclides (2009; p. 231-267) é relativo à aplicação
da teoria das proporções, conforme tinha sido estudada no Livro V, à Geometria.
Como exemplo, vejamos como é aí demonstrado um resultado geométrico por
aplicação da nova definição de igualdade de proporções.

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Proposição VI.1 Triângulos e paralelogramos com a mesma altura estão entre
si como as suas bases.

Vamos demonstrar o resultado só para os triângulos, uma vez que o resultado


para os paralelogramos sai como consequência imediata deste, pois já antes se encon-
tra demonstrado que a área de um paralelogramo é dupla da de um triângulo com a
mesma base e a mesma altura (Proposição I. 41). Designamos os triângulos pelas
letras dos seus vértices entre parêntesis rectos. A ideia geral da demonstração que
vamos fazer é a que figura nos Elementos, mas vamos adaptá-la e utilizar notação
de hoje para ser mais facilmente perceptível o raciocínio utilizado.

Figura 6

Bm Bm-1 ... B2 B=B1 C D=D1 D2 ... Dn-1 Dn

Consideremos a figura 6. Vamos provar que BC:CD=[ABC]:[ACD]


Prolongamos BD em ambas as direções e marcamos para a esquerda m-1 seg-
mentos iguais a BC, e para a direita, n-1 segmentos iguais a CD.
=
Isto é: Bm C m= BC eCDn nCD

Temos por construção que [ ABC ] = [ AB2 B1 ] = [ AB3 B2 ] = …[ ABm Bm −1 ]  ,


visto serem triângulos com bases iguais e alturas iguais.

Portanto [ ABm C] = m [ ABC ] .


INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 87

Analogamente [ ACDn ] = n [ ACD ] .

Consequentemente, se Bm C = CDn , teremos que [ ABm C] = [ ACDn ] ,

ou seja,
se m BC = n CD, então m [ABC] = n [ACD].
Analogamente se mostra que, se
m BC > n CD, então m [ABC] > n [ACD],
e que
se m BC < n CD, então m [ABC] < n [ACD].
Ou seja, utilizando a nova definição de igualdade de razões, ficou demons-
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trado que
BC:CD = [ABC]:[ACD].

Considerações finais

Todo o ganho de conhecimento deve ser valorizado, independentemente de


se considerar que é um grande ou pequeno avanço no desvendar do desconhecido.
Com o exemplo da teoria dos pares e dos ímpares, algo que poderemos hoje qualifi-
car de elementar, vemos como com a sua manipulação foi possível questionar algo
que parecia indiscutivelmente verdadeiro, fazer perceber que existia um problema a
resolver do qual até então não tinha havido consciência, e com isso não só originar
uma inflexão na Matemática Grega, que procurou outros caminhos para rodear o
problema novo que então aparecia, mas também provocar uma reflexão sobre o con-
ceito de igualdade de razões, que acabou por originar uma resolução deste problema.
Vemos igualmente que foi necessária uma nova perspectivação sobre o modo de
ver as grandezas para poder resolver satisfatoriamente este problema, uma visão em
que não necessitamos de saber o que é cada grandeza em si, mas sim essencialmente
como ela se relaciona com as outras da mesma natureza, ou seja, passamos a ter uma
perspectiva essencialmente operatória e não existencial.

Apêndice

Breve nota sobre a chamada Álgebra Geométrica

A comunicação apresentada só tangencialmente toca nesta área, mas achei


relevante, sem ser especialista neste assunto, dar alguns elementos sobre ele.
Muitos dos autores no século XX de histórias gerais da Matemática adoptaram
o termo álgebra geométrica para designarem uma área da geometria que se constituiu
na Geometria Grega em consequência da descoberta dos incomensuráveis. Esta área
não tem o mesmo significado para todos esses historiadores, mas genericamente
podemos dizer que engloba propriedades que se podem considerar do tipo aritmético
e/ou algébrico demonstradas geometricamente.
88

Em 1975 Sabetai Unguru publicou um artigo em que defendia a necessidade de


uma reescrita da História da Matemática Grega (UNGURU, 1975), argumentando
sobre o que considerava erros graves feitos pelos historiadores da Matemática, que
no seu entender colocavam nos matemáticos gregos conceitos e modos de operar só
desenvolvidos muitos séculos depois. Este artigo, chamando a atenção para pontos
importantes que se tinham de repensar, fê-lo de um modo extremamente agressivo
e, a meu ver, com muito pouco polimento. Esta crispação de escrita encontra-se ao
longo de todo o texto, o que pode levar a pensar que, para além dos problemas que
levanta, outras motivações exteriores aos temas tratados podem ter sido a causa de
tanta agressividade, totalmente inabitual em artigos de pesquisa. É o tom de um
investigador que pensa ser o portador da verdade, tratando a maioria dos investiga-

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dores desta área como ignorantes e com erros de principiante. Para se ter uma ideia
do tipo de linguagem utilizado, transcrevo apenas um pequeno segmento em que
Unguru tenta ser irónico:

“[…] how wise a decision it is for a professional to start writing the history of his
discipline, when his only calling lies in professional senility which bars him from
encroaching on more friendly, familiar and hospitable territory!” (idem, 1975; p. 88).

Este artigo, não só pelo conteúdo, mas, parece-me, igualmente pelo modo como
está escrito, suscitou respostas e foi o início de um debate que se tem prolongado até
hoje. Algumas dessas respostas, em consequência do modo como Unguru escreveu
o seu artigo, foram igualmente frontais. Transcrevo parte da resposta de André Weil,
saída em 1978:

“When a discipline intermediary in some sense between two already existing


ones (say A and B) becomes newly established, this often makes room for the
proliferation of parasites, equally ignorant of both A and B, who seek to thrive
by intimating to practitioners of A that they don´t understand B, and vice versa.”
(WEIL, 1978; p. 93).

Uma das questões levantadas por Unguru diz respeito à Álgebra Geométrica.
Uma boa síntese e reflexão sobre a história da polémica sobre este tema pode ser
encontrado em (HOYRUP, 2017)39. O que transparece é que ela tem as características
que muitas vezes se vêm nos debates literários: um dos participantes, para estabelecer
que é aquele que tem a razão do seu lado, argumenta contra um ponto de vista que
não é o do oponente, mas que objetivamente lhe convém que se acredite que seja
para mais facilmente impor os seus argumentos. É fácil encontrarmos exemplos
deste tipo de polémicas, basta pensarmos o que foi o debate presidencial nas eleições
americanas de 2020.
Uma das afirmações de Unguru, e que tem sido repetida pelos seguidores da sua
linha, tem sido que a criação do termo álgebra geométrica se deve a Paul Tannery
e a H. G. Zeuthen. Hoyrup, mostra que este termo não foi criado por Paul Tannery
(que, afirma, só o utilizou uma única vez e com alguma restrição no seu significado)

39 Um outro artigo interessante sobre esta questão, noutra perspectiva, e introduzindo a noção de álgebra
pre-moderna, é o de (SIALAROS, CHRISTIANIDIS, 2016).
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 89

mas sim por Zeuthen, mas, mais importante, este utiliza-o num sentido que não é o
que lhe atribuiu Unguru, e que portanto não é susceptível da crítica deste:

“Symbolic álgebra and geometry are thus seen as parallel in this aspect, none
of them expresses the other. If anything, Zeuthen claims that we make use of an
“algebraic arithmetic of proportions” and the Ancients of a “geometric arithmetic
of proportions” […]. In this way a geometrical algebra developed; one may call
it thus, since, on one hand, like algebra, it dealt with general magnitudes […] on
the other because it used other tools than common language in order to visualize
its procedures and impress them in memory […]. That is, Zeuthen uses the term
not because ancient Greek geometrical theory (or a part of it) “translated” alge-
braic propositions or procedures but because it fulfilled analogous functions.40”
(HOYRUP, 2017; p. 135).
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Vejamos o que Unguru aponta aos seus oponentes (UNGURU, 1975; p. 68-69):

“As to the goal of these so-called “historical” studies, it can easily be stated in
one sentence: to show how past mathematicians hid their modern ideas and pro-
cedures under the ungainly, gauche, and embarrassing cloak of antiquated and
out-of fashion ways of expression; in other words, the purpose of the historian of
mathematics is to unravel and disentangle past mathematical texts and transcribe
them into the modern language of mathematics, making them thus easily available
to all those interested.”

Hoyrup desmonta estas afirmações (2017; p. 150), salientando não só a incom-


preensão de Unguru do que propõem os que critica, mas ainda o pouco cuidado em
ver as fontes primárias de muitos que tomaram parte neste debate:

“Neither Tannery nor Zeuthen have evidently said or done anything like this; I
doubt Unguru would be able to find anybody who has. At least, however, he has
read the writings of Tannery and Zeuthen, which nobody else since Heath appears
to have done – unfortunately without seriously trying to understand them.”

O artigo de Hoyrup é bem detalhado na sua análise do que vários historiadores


da matemática, de Thomas Heath aos mais recentes, referem sobre este tema. Vale
bem a pena ler os extratos das claras respostas que van der Waerden (p. 153) e Freu-
denthal (p. 154) dão a Unguru. Transcrevo aqui, pela sua clareza, parte do extrato
do primeiro destes pesquisadores41:

“We [ZEUTHEN e os seus seguidores] feel that the Greeks started with algebraic
problems and translated them into geometric language. UNGURU thinks that
we argued like this: we found that the theorems of EUCLID II can be translated
into modern algebraic formalism, and that they are easier to understand if thus
translated, and this we took as “the proof that this is what the ancient mathema-
tician had in mind”. Of course, this is nonsense. We are not so weak in logical
thinking! The fact that a theorem can be translated into another notion does not
prove a thing about what the author of the theorem had in mind. No, our line of
thought was quite different”.

40 Itálicos de Jens Hoyrup, negritos nossos.


41 Sublinhado nosso.
90

Hoyrup formula uma possível explicação para esta incapacidade de Unguru


entender a prática dos pesquisadores que critica a partir da sua diferente formação
profissional, que o leva a não entender o que são conceitos matemáticos: enquanto
Unguru vem da filosofia e da filologia clássica, os que critica vêm da pesquisa mate-
mática (HOYRUP, 2017; p. 153-154)42:

“[Zeuthen e van der Waerden] knew from their experience as creative mathemati-
cians that “mathematical entities” do not reside ready-made and immutable “in the
world of Platonic ideas, where they wait patiently to be discovered by the genius
of the working mathematician” […]. Unguru instead, trained as a philosopher and
a classical philologist, is an essentialist, convinced that, incorruptibly, algebra is
algebra is algebra”.

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É inserida uma última citação, de um artigo de Nathan Sidoli de 2013, Research
on Ancient Greek Mathematical Sciences, para perspectivar qual a situação sobre
este tema hoje (HOYRUP, 2017; p. 156):

“The new historiographic approach that was so hotly debated in the 1970s has
become mainstream. There are now almost no serious scholars of the subject trying
to determine how Greek mathematics must have originated based on what seems
likely from some mathematical or logical perspective, or trying to understand the
motivation for methods found in Apollonius or Diophantus using mathematical
theories and concepts developed many centuries after these mathematicians lived.”

Hoyrup comenta negativamente o texto de Sidoli, afirmando que este não faz um
trabalho de verdadeiro profissional, concluindo que continua perpetuada a descrição
errónea de Unguru sobre a prática dos historiadores por ele contestada:

“Obviously no “serious scholars of the subject” ever tried to do so; if anybody


has argued a priori from a “mathematical or logical” perspective, it will have
been Abel Rey – no “serious scholars of the subject” but a philosopher speaking
from second-hand knowledge. It has nothing to do with Zeuthen, Neugebauer, or
van der Waerden (with whom one may or not disagree) – but it seems that Sidoli
continues the tradition from Neugebauer, inventing the opinions of those whom
he cites, or worse, speaking of things he never read or read carefully. So even
by otherwise good scholars, Unguru’s report of the opinion of those whom he
attacked have been broadly accepted on faith”.

Agradecimentos

Quero agradecer à Professora Ana Carolina Costa Pereira o convite que me fez
para participar no IVº Seminário Cearense de História da Matemática, onde expus
este tema.
Agradeço igualmente ao CIUHCT, que subsidiou a investigação que produziu
este artigo, ao abrigo da rúbrica UIDB/00286/2020, e ao Departamento de Matemática
da FCUL, que também me apoiou nesta investigação.

42 Sublinhado nosso.
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 91

REFERÊNCIAS
BRUNSCHVICG, Léon. Les Etapes de la Philosophie Mathématique. Paris: Albert
Blanchard, 1981. 592 p.

BURKERT, Walter. Lore and Science in Ancient Pythagorianism. Cambridge,


Massachusetts: Harvard University Press, 1972. 535 p.

EUCLID (editor, tradução e notas de HEATH, Thomas L.), The Thirteen Books of
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the “Elements” (3 vols). New York: Dover Publ. Inc, 1956. 432+436+546 p.

EUCLIDES, Os Elementos (tradução e introdução: BICUDO, Irineu), São Paulo:


Editora UNESP, 2009. 594 p.

EVES, Howard. An Introduction to the History of Mathematics. Philadelphia: Saun-


ders College Publ., 1990. 775 p. (Tradução no Brasil: Introdução à História da
Matemática, Campinas: Unicamp, 1997).

HEATH, Thomas. A History of Greek Mathematics, Volume 1. New York: Dover


Publ. Inc., 1981. 446 p.

HOYRUP, Jens. What is “geometric algebra”, and what has it been in historiography?
AIMS Mathematics, v. 2, 1, p. 128-160, 2017.

KLINE, Morris. Mathematical Thought from Ancient to Modern Times, volume


I. New York: Oxford University Press, 1972. 411 p.

LEBEDEV, Andrei V. Aristarchus of Samos on Thales’s Theory of Eclipses. Apeiron:


A Journal for Ancient Philosophy and Science, v. 23, n. 2, p. 77-85, 1990.

PANCHENKO, Dmitri. Thales and the Origin of Theoretical Reasoning. Site da


academia.edu, 2005. 81 p.

PROCLUS. A Commentary on the First Book of Euclid’s “Elements”. New Jersey:


Princeton University Press, 1970. 355 p.

SIALAROS, Michalis; CHRISTIANIDIS, Jean. Situating the debate on “Geome-


trical Algebra” within the framework of Premodern Algebra. Science In Context,
Cambridge, v. 29, n. 2, p. 129-150, 2016.

UNGURU, Sabetai. On the need to rewrite the history of Greek Mathematics. Archive
for the History of Exact Sciences, v. 15, p. 67-114, 1975.
92

VASCONCELLOS, Fernando de Almeida e. História das Matemáticas na Anti-


guidade. Lisboa: Aillaud e Bertrand, 1925. 653 p.

WEIL, André. Who betrayed Euclid. Archive for the History of Exact Sciences,
v. 19, p. 91-93, 1978.

ZHMUD, Leonid. The origin of the History of Science in Classical Antiquity.


Berlin/New York:Walter de Gruyer, 2006. 331 p.

ZHMUD, Leonid. Pythagoras and Early Pythagorians. Oxford: Oxford University


Press, 2012. 491 p.

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CAPÍTULO 7
ALGUMAS POSSIBILIDADES DE
TRABALHO COM A HISTÓRIA DA
MATEMÁTICA EM SALA DE AULA
DE FORMA INTERDISCIPLINAR
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Ana Rebeca Miranda Castillo

Introdução
Na Educação Matemática é interessante destacar a presença do discurso his-
tórico em publicações da área destinadas à Matemática escolar. Há várias propostas
que articulam a História da Matemática e a Educação Matemática, dentre as quais
se destacam os livros didáticos e paradidáticos e propostas elaboradas por órgãos
governamentais responsáveis pela elaboração de diretrizes para a educação básica.
Dificilmente um professor não se deparou em obras didáticas com o famoso
“Osso de Ishango” produzido entre 20 mil e 18 mil a.C. e pinturas rupestres da Serra
da Capivara no Piauí. Para alguns esses achados sugerem uma forma rudimentar
de contagem. Na Geometria figuras encontradas no sítio arqueológico Pollurua na
Amazônia peruana sugerem a representação de figuras geométricas e as pirâmides
egípcias são um recurso exaustivamente utilizado em livros didáticos para exempli-
ficar diversos conteúdos nessa área. Também aparecem nessas obras a história do
Papiro de Rhind e seus 87 problemas matemáticos, o sistema de numeração Maia e
a escrita cuneiforme dos sumérios.
Em geral ideias da História da Matemática aparecem nessas obras como curio-
sidades, anedotas e pequenas biografias que introduzem os conceitos e servem como
uma forma de contextualizar o conhecimento matemático. Muitos autores já escreve-
ram a respeito da História da Matemática tendo como preocupação a contextualização
do conhecimento, mas é necessário ressaltar que essas narrativas se relacionam à
forma como é entendida a escrita da história.
A área do conhecimento denominada Matemática como a conhecemos hoje
não se originou na pré-história e nem evoluiu da antiguidade para chegar até o que
conhecemos hoje. Podemos sim reconhecer a existência de conhecimentos mate-
máticos na antiguidade, na pré-história, no período babilônico e egípcio antigo, na
antiguidade clássica e na Idade Média, mas o que hoje entendemos como Matemática
teve o início de sua construção no século XVI.
A História da Matemática é um campo de conhecimento autônomo que possui
seu objeto de investigação e metodologias de abordagem próprios e é impossível
reduzi-la a uma mera narrativa que entrelaça cada descoberta matemática do passado
ao que conhecemos como a matemática moderna. Ao entendermos isso temos uma
94

possibilidade de trabalho com essa área acompanhando de certa forma seu percurso
de desenvolvimento que ocorreu de forma dinâmica, dentro do contexto histórico de
diversas épocas em que ocorreram escolhas e decisões muitas vezes feitas por per-
sonagens nem sempre destacados na historiografia tradicional e ainda considerando
conhecimentos que por vezes não se relacionavam diretamente com a área e sim
faziam parte dos cenários e demandas de cada época, como guerras, disputas terri-
toriais e religiosas, necessidades sociais entre outros. São justamente esses cenários
que podem ser revisitados a partir de documentos da época, como tratados antigos
por exemplo, que oferecem as diversas possibilidades de trabalho com a História da
Matemática em sala de aula de forma interdisciplinar.

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História da Matemática e historiografia
Histórias da matemática foram escritas desde a antiguidade, em diferentes
épocas e contextos, atendendo a certas demandas que muitas vezes não vinham da
matemática como a entendemos hoje em dia.
Essas narrativas não podem ser consideradas como uma progressão de conhe-
cimentos interligados de forma contínua. No Brasil, a maior parte do material de
história da matemática se baseia em uma história linear e progressista, que traz a ideia
de um desenvolvimento da ciência em um único sentido voltado ao dito verdadeiro
conhecimento e baseada no aprimoramento de antigas noções que por vezes são
consideradas errôneas e por isso descartadas.
Entendendo a historiografia como a escrita da história, toda a história da mate-
mática escrita até hoje foi influenciada por diversos fatores, entre eles quem a escreve,
a concepção de ciência considerada e o contexto social da época em que foi produzida.
A vertente historiográfica tradicional traz narrativas presentistas denominadas
assim pois o historiador a partir do presente busca no passado o que lhe convém para
fundamentar sua narrativa, deixando de lado o que não interessa ou não compreende.
Assim, o historiador matemático dessa vertente apresenta resultados/descobertas que
privilegiam a lógica do discurso matemático, que muitas vezes tornam suas narrativas
anacrônicas pois dão uma ideia de que havia uma intencionalidade no passado de
evoluir para chegar ao que sabemos hoje. Essas são as narrativas que valorizam os
“pais” ou precursores de teorias e conceitos, como Descartes, Pitágoras e Bháskara, por
exemplo, em que diversas obras apresentam suas biografias e curiosidades de sua vida.
Na historiografia atualizada, os historiadores não só se preocupam com técnicas e
conteúdos matemáticos, mas também com as circunstâncias em que foram elaborados.
São investigados documentos de alguma forma ligados a esses conteúdos que não necessa-
riamente são da matemática, como tratados, manuscritos, cartas, além da cultura material
da época como monumentos, máquinas, instrumentos etc. Dessa forma, tenta-se partir do
passado em direção ao presente, não há uma comparação entre o conhecimento do passado
e do presente. O conhecimento matemático do passado é contextualizado no passado.
Ao optarmos por essa historiografia atualizada a História da Matemática mostra
seu valor no ensino como forma de acessar diferentes ideias, argumentos, temas que
no processo de escrever essa história foram esquecidos ou não considerados e isso
propicia ao estudante identificar diversas relações entre as áreas do conhecimento,
que de outra forma ficam menos evidentes, a ter novas reflexões sobre a construção
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 95

do conhecimento matemático como o conhecemos hoje, proporciona fontes adequa-


das e atualizadas sobre um conceito e ainda favorece uma visão crítica em relação à
matemática e ao seu desenvolvimento.

A História da Matemática nos documentos oficiais


Tendo claro como considerar a escrita da história da matemática, é interes-
sante observar como os documentos oficiais contemplam o trabalho com a história
da matemática mesmo que não de forma explícita. Os dois documentos que serão
destacados são os que forneceram de forma mais ampla uma organização do conhe-
cimento desenvolvido na educação básica.
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Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) publicados inicialmente em 1997


tendo sua versão final em 1998. São uma orientação quanto aos principais conteúdos
que devem ser trabalhados na educação básica e serviram como subsídio aos pro-
fessores em suas práticas pedagógicas. Nos PCN’s do Ensino Fundamental 6º ao 9º
ano são dados alguns caminhos para “fazer matemática” na sala de aula e a História
da Matemática é apontada como um deles,

Ao revelar a Matemática como uma criação humana, ao mostrar necessidades e


preocupações de diferentes culturas, em diferentes momentos históricos, ao esta-
belecer comparações entre os conceitos e processos matemáticos do passado e do
presente, o professor tem a possibilidade de desenvolver atitudes e valores mais
favoráveis do aluno diante do conhecimento matemático (BRASIL, 1998, p. 42).

É possível perceber no trecho em destaque que a vertente historiográfica con-


siderada nesse documento é a tradicional, o que de certa forma corrobora como a
História da Matemática é abordada nas obras voltadas para a educação básica.
Em 2018, foi publicada a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que trouxe
uma mudança significativa para a educação no Brasil, destacando que as decisões
pedagógicas devem estar voltadas para o desenvolvimento de competências e habi-
lidades. As competências devem ser as referências para assegurar a aprendizagem e
as habilidades são as aprendizagens essenciais voltadas aos objetos de conhecimento
de cada área. Dentre as competências, há dez competências gerais que devem ser
desenvolvidas por todas as áreas de conhecimento. A primeira mostra a preocupação
com o conhecimento historicamente construído,

Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo


físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar
aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e
inclusiva (BRASIL, 2018, p. 9).

Há também as competências específicas de cada área. Entre as oito competências


específicas de Matemática do Ensino Fundamental, a primeira destaca que:

Reconhecer que a Matemática é uma ciência humana, fruto das necessidades e


preocupações de diferentes culturas, em diferentes momentos históricos, e é uma
ciência viva, que contribui para solucionar problemas científicos e tecnológicos
96

e para alicerçar descobertas e construções, inclusive com impactos no mundo do


trabalho (BRASIL, 2018, p. 267).

No Ensino Médio entre as cinco competências específicas nenhuma enfatiza um


olhar para a história no seu desenvolvimento, porém vale ressaltar que o documento
prevê uma consolidação dos conhecimentos desenvolvidos anteriormente, com uma
ampliação dos recursos para resolução de problemas mais complexos, além do desen-
volvimento de uma visão mais integrada da Matemática, dela com outras áreas do
conhecimento e ainda com uma aplicação à realidade. Ou seja, diferentemente dos
PCN’s a BNCC não mostra uma visão anacrônica da História da Matemática e embora
não se aprofunde quanto a como trabalhá-la em sala de aula seus pressupostos possi-

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bilitam um trabalho com a historiografia atualizada e ainda de forma interdisciplinar.

Interdisciplinaridade e projetos

Hoje há diversos termos que definem estratégias de articulação entre as disciplinas,


como Multidisciplinaridade, Pluridisciplinaridade, Transdisciplinaridade e Interdisci-
plinaridade. Cada uma possui uma lógica para seu desenvolvimento e para a produção
do conhecimento que resulta nas diferentes áreas. Porém, segundo Nicolescu (2001,
p. 13) “A disciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdis-
ciplinaridade são as quatro flechas de um único e mesmo arco: o do conhecimento”.
Diversos autores definem cada uma dessas estratégias e os pontos em comum
dessas definições explicam que na Multidisciplinaridade há um trabalho com diversas
disciplinas em relação a uma temática em comum, porém cada disciplina permanece
com sua própria metodologia e o resultado do trabalho não é integrado. Na Pluridis-
ciplinaridade também há um trabalho com diversas disciplinas e uma temática em
comum, porém agora há uma cooperação embora não sistematizada. Na Interdisci-
plinaridade há um intercâmbio e interação de diversos conhecimentos, as disciplinas
dialogam de forma coordenada e buscam soluções para seus próprios problemas, mas
com a articulação dos conhecimentos de outras disciplinas. Já a Transdisciplinaridade
é uma estratégia de articulação das disciplinas que ultrapassa a interdisciplinaridade.
Nesta estratégia o mundo é compreendido como um todo e assim deve ser enquanto
a produção do conhecimento que não deve ser dividido em disciplinas.
Embora a Transdisciplinaridade seja uma estratégia que consideramos propícia
para articular a História da Matemática no ensino, já que possibilita uma visão do
conhecimento como uma construção humana que a princípio não considera uma divi-
são nas áreas de conhecimento e sim prioriza necessidades que a sociedade apresenta
tendo como objetivo atende-las, sabemos que a realidade da educação ainda se baseia
na divisão das áreas do conhecimento e por isso a interdisciplinaridade nesse momento
é uma alternativa metodológica de maior viabilidade no trabalho em sala de aula.
Como possibilidade de trabalho interdisciplinar diversos autores destacam suas
características como Hilton Japiassu que é considerado e referenciado nos trabalhos
sobre essa estratégia como sendo um dos pioneiros no Brasil, além do mais, é de sua
autoria a primeira produção sobre a temática no país. Segundo o autor, “interdiscipli-
naridade se caracteriza pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 97

de integração real das disciplinas, no interior de um projeto específico de pesquisa”


(JAPIASSU, 1976, p. 74).
Já para Fazenda (2011) o exercício dessa estratégia deve implicar simultanea-
mente numa transformação profunda da pedagogia, um novo tipo de formação de
professores e um novo jeito de ensinar,

Passa-se de uma relação pedagógica baseada na transmissão do saber de uma


disciplina ou matéria, que se estabelece segundo um modelo hierárquico linear, a
uma relação pedagógica dialógica na qual a posição de um é a posição de todos”
(FAZENDA, 2011, p. 48-49).

Segundo a autora a interdisciplinaridade não pode perder de vista a superação


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de uma visão fragmentada do ensino e consiste essencialmente,

[...] num trabalho em comum tendo em vista a interação das disciplinas científicas,
de seus conceitos e diretrizes, de suas metodologias, de seus procedimentos, de
seus dados e da organização de seu ensino. (FAZENDA, 2011, p. 34)

Freire em sua obra apresenta os Temas Geradores, não faz uma relação direta
com a interdisciplinaridade, mas explica que as esferas disciplinares se relacionam,
não devendo ficar restritas a apenas uma área de conhecimento, segundo o autor,

[...] a delimitação temática feita por cada especialista dentro do seu campo possibilita
a integração e a discussão entre as diferentes áreas do conhecimento de modo a con-
tribuir com a interpretação da realidade socioeducativa, [...] (FREIRE, 1987, p, 115).

A interdisciplinaridade está profundamente associada ao trabalho com projetos. É


uma estratégia que oferece diversas possibilidades dentro de nossa realidade escolar e vem
ao encontro do que a BNCC propõe principalmente no trabalho com o Ensino Médio.
Nessa etapa do ensino a BNCC coloca que é necessário reorientar currículos e
propostas pedagógicas – que devem ser compostos por uma formação geral básica e
itinerários formativos que considerem as competências específicas de cada área do
conhecimento. Esses itinerários possibilitam as opções de escolha dos estudantes que
podem ser focados em uma área do conhecimento ou na formação técnica profissional e
devem mobilizar as competências dessas áreas do conhecimento e devem ser integrados.
Com base nisso o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD)
que avalia e disponibiliza obras didáticas, pedagógicas e literárias, entre outros mate-
riais de apoio à prática educativa, em seu edital de 2021 voltado ao Ensino Médio
propõe além da produção do livro didático outros objetos de aprendizagem e entre
eles os projetos integradores para cada área do conhecimento e que devem contem-
plar temas como STEAM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Arte e Matemática),
Protagonismo juvenil, Midiaeducação, Mediação de conflitos, além de outros temas
livres todos voltados a desenvolver cada um algumas das competências gerais já
citadas anteriormente. É interessante destacar que os projetos integradores também
fizeram parte do edital de 2020 voltado ao Ensino Fundamental. Ou seja, o trabalho
com projetos deverá ser desenvolvido nas escolas e pelo destaque dado à integração
das áreas do conhecimento nas diferentes etapas de ensino é necessário entender
98

como pode ser feita essa integração ou articulação. Há diversos autores que tratam do
assunto. A partir de suas considerações é possível vislumbrar algumas possibilidades
que articulam a História da Matemática no ensino.
Hernández e Ventura (1998) trabalharam como uma intervenção psicopedagógica
na Escola Pompeu Fabra em Barcelona que durou quase uma década. Segundo os autores,

[...] a ideia fundamental dos projetos como forma de organizar os conhecimentos


escolares é que os alunos se iniciem na aprendizagem de procedimentos que lhes
permitam organizar a informação, descobrindo relações que podem ser estabe-
lecidas a partir de um tema ou de um problema. A função principal do projeto
é possibilitar aos alunos o desenvolvimento de estratégias globalizadoras de
organização dos conhecimentos escolares, mediante o tratamento da informação

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(HERNÁNDEZ E VENTURA, 1998, p. 89).

Araujo (2014), trata sobre o trabalho com projetos ligados aos seis temas trans-
versais citados nos PCN’s43, que embora não seja o documento oficial mais atual, a
BNCC também os considera dentro de seis macro áreas temáticas com quinze temas
contemporâneos transversais44, para o autor,

A introdução do trabalho com projetos como estratégia pedagógica permite articu-


lar os conhecimentos científicos e os saberes populares e cotidianos, propiciando
condições para que os questionamentos científicos sejam respondidos à luz das
curiosidades dos alunos de seus interesses cotidianos e de suas necessidades. E
mais: coloca os sujeitos da educação no centro do processo educativo, na tentativa
de responder aos problemas sociais (ARAUJO, 2014, p. 79).

Bender (2014) em sua obra destaca a necessidade de oferecer uma metodologia


ativa ao estudante, ou seja, propor assuntos que sejam de seu interesse pois assim
passam a ter voz mais ativa o que leva a um envolvimento efetivo no processo de
ensino e aprendizagem. Para o autor, o professor passa assim a ter um papel de faci-
litador nesse processo. Segundo o autor,

A ABP (Aprendizagem baseada em projetos) pode ser definida pela utilização


de projetos autênticos e realistas, baseados em uma questão, tarefa ou problema
altamente motivador e envolvente, para ensinar conteúdos acadêmicos aos alu-
nos no contexto do trabalho cooperativo para a resolução de problemas (BEN-
DER, 2014, p. 15).

Dentro do processo de ensino e aprendizagem os projetos interdisciplinares


segundo Martins (2005) se caracterizam por,

- partir de um tema que funciona como fio condutor do trabalho;

43 Os seis temas transversais são Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Saúde, Trabalho e Consumo e
Orientação Sexual.
44 Meio ambiente: Educação Ambiental e Educação para o consumo; Economia: Trabalho, Educação Financeira e
Educação Fiscal; Saúde: Saúde e Educação Alimentar e Nutricional; Cidadania e civismo: Vida familiar e social,
Educação para o trânsito, Educação em Direitos Humanos, Direitos da criança e do adolescente e Processo
de envelhecimento e respeito e valorização do idoso; Multiculturalismo: Diversidade Cultural, Educação para
valorização do multiculturalismo nas matrizes históricas e culturais brasileiras; Ciência e Tecnologia.
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 99

- extrapolar os currículos escolares na busca de novas versões de informações;


- investigar temas que são de interesse dos alunos ou vivenciados por eles;
- desenvolver o gosto pela pesquisa com buscas, entrevistas, estudos;
- promover a reflexão e a interpretação dos conceitos aprendidos;
- facilitar a interdisciplinaridade e a parceria entre alunos e professores (MAR-
TINS, 2005, p. 98).

E para Macedo, Machado e Arantes (2006) são quatro os elementos que


constituem a ideia de projeto e podem estar em maior ou menor grau durante
seu desenvolvimento,

1 – Um projeto significa ter metas e lançar-se para alcançá-las. Não existe um


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projeto sem elas;


2 – Há uma referência ao futuro. Um projeto é uma ação que será realizada. Se
não existem projetos o futuro não se realiza;
3 – Pressupõe um futuro aberto que dependerá das ações de quem realiza o pro-
jeto. Envolve riscos, a meta a ser alcançada não pode ser trivial nem impossível;
4 – As ações para realizar o projeto devem ser realizadas pelo projetante (indivíduo
ou grupo) (MACEDO, MACHADO; ARANTES, 2006, p. 59).

Possibilidades de trabalho com a História da Matemática

Diversas possibilidades de execução de projetos podem advir do estudo de


tratados antigos que versavam a respeito da fabricação e uso de instrumentos de
medição de terras, posicionamento de artilharia e/ou uso para a localização no mar.
Esses instrumentos são mais do que peças de antiquário. Para que possamos com-
preendê-los, é necessário inseri-los nos contextos em que foram produzidos e verificar
no processo da construção do conhecimento seu real significado, sem atribuir-lhes
características notoriamente modernas.
Na educação básica não se trata de fazer um estudo aprofundado dos tratados e
sim estudar o contexto histórico de sua escrita a partir de trechos já devidamente traba-
lhados didaticamente para dessa forma não se distanciarem da realidade do estudante.
A partir de questões propostas aos estudantes podem ser estabelecidas as relações
com outras áreas do conhecimento como as Ciências Humanas e sociais aplicadas e Geo-
grafia e ainda promoverem o delineamento de projetos que tenham como objetivo desen-
volver um produto ou chegar a uma solução final para um problema levantado por eles.
Tratados como Tectonicon (DIGGES, 1556), Pantometria (DIGGES, 1591)
entre outros tiveram ampla divulgação por conta da valorização do ofício do artesão
agrimensor, impulsionada tanto pela exploração de novos territórios e a colonização
destes, como por um aumento na demanda em obter conhecimentos matemáticos
que eram necessários para essa área de atuação, mas também estavam muitas vezes
ligados à arte da cartografia, da navegação e do comércio. A partir desse contexto,
podem ser propostas diversas questões como:

• Que novos territórios estavam sendo explorados e colonizados na época


da escrita dos tratados?
• Que conhecimentos matemáticos eram e ainda são necessários
na agrimensura?
100

• E na cartografia, navegação e comércio?


• O que faz um agrimensor hoje em dia?
• Que instrumentos utiliza?
• Como medir uma superfície sem esses instrumentos?

Aspectos práticos da geometria despertaram o interesse de príncipes e estadis-


tas, pois eram utilizados, por exemplo, na organização da artilharia em uma possível
guerra, na necessidade de determinar a medida das alturas de muralhas e distâncias
entre navios e a costa, no traçado de mapas, no estabelecimento de posições em alto
mar e na demarcação de fronteiras. No comércio e no câmbio, mudanças se faziam
presentes na padronização dos pesos, medidas e nas regras para a troca de moedas.

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Pode ser propostas questões como:

• Quais eram os príncipes e estadistas dessa época?


• Que guerras ocorreram?
• Como eram traçados os mapas?
• Como eram determinadas as posições em alto mar com o uso de instrumentos?
• Quais eram as unidades de medidas utilizadas na época?
• Qual é a importância para a humanidade do processo de medição?

Na navegação os estudiosos das ciências matemáticas, nesse período, forneciam


aos marinheiros, regras, tabelas e instruções quanto aos procedimentos necessários
para o uso dos instrumentos na navegação. Um exemplo de como esta instrução
era ministrada, foi a atuação de Sebastian Cabot (1477-1557) e Stephen Borough
(1525-1584) junto aos marinheiros ingleses, ambos ficaram conhecidos como exímios
navegadores e depois apoiados por comerciantes ingleses interessados em buscar
outras fontes de matérias primas e também alternativas de rotas comerciais, passaram
a instruir os marinheiros ingleses. A partir dessas informações propor questões como:

• Que instrumentos nessa época eram utilizados na navegação em alto mar?


• Como é feita hoje a localização geográfica de um navio em alto mar?
• O que é navegação de cabotagem?
• Ainda é utilizada? É feita no Brasil?

A época em que Leonard Digges viveu foi bastante tumultuada e passou pelo
reinado de três monarcas ingleses entre os anos de 1509 e 1603. Entre os diferentes
eventos que marcaram este período, podemos destacar as iniciativas da coroa inglesa
para projetos ligados a demarcação, preservação e defesa das fronteiras inglesas a
partir do século XV. Podem ser colocadas as questões:

• Quais foram esses reinados?


• Como se deu a expansão inglesa nas colônias?
• Qual era a configuração política e econômica da Inglaterra nessa época?

Em Pantometria diversos instrumentos são apresentados e entre eles está o


Theodolitus (Figura 1), que alguns autores dizem se tratar de um teodolito primitivo.
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 101

Pode ser proposto aos estudantes que construam o instrumento e a partir das instruções
de uso dadas no tratado, traduzidas e adaptadas para a devida compreensão textual,
façam medições e as comparem com as medições feitas com instrumentos atuais.

Figura 1 – Theodolitus
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Fonte: Pantometria (DIGGES, 1591).

Outro tratado que pode ser explorado para trabalhos com projetos interdisci-
plinares é o Trigonall Sector escrito por John Chatfeilde publicado em 1650. Nele é
descrito o instrumento Setor Trigonal (ver figura 2) e seus usos que indicam se tratar
possivelmente de um instrumento de cálculo como pode ser deduzido por dois de
seus usos mostrados nas figuras 3 e 4.

Figura 2 – Setor Trigonal

Fonte: Trigonall Sector (CHATFEILDE, 1650).


102

Figura 3 – Uso 12: Como encontrar um número em


proporção contínua tendo sido dados dois números

16

16

8
8

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6 4
3
4 2

Fonte: Trigonall Sector (CHATFEILDE, 1650).

Figura 4 – Uso 14: Dado o cubo e seu quadrado do


qual foi tirado, encontrar a raiz de ambos

Cubo 8
Quadrado 4

Quadrado 4
Raíz 2
4
8
2

Fonte: Trigonall Sector (CHATFEILDE, 1650).

Podem ser propostas questões como:

• Haveria um uso prático para esses cálculos?


• Que problemas podiam ser resolvidos com esses cálculos?
• Qual era o contexto social na época da escrita do tratado?
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 103

A partir das questões sugeridas os estudantes poderão elaborar outras e com


o acompanhamento e orientação do professor chegar a problemas que poderão ser
discutidos e trabalhados em um projeto. O uso dos tratados nesses projetos deve
ser um fator gerador de questões e problemáticas que o estudante tenha interesse
em investigar e desenvolver e a partir deles buscar estabelecer as relações com as
diversas áreas do conhecimento e também com demandas atuais que façam parte de
seu entorno. Não se trata de estabelecer comparações entre o passado e o presente e
sim observar que no passado ocorreram questões e necessidades que precisavam ser
atendidas e o processo para chegar às soluções pode fornecer indícios para a análise
de problemáticas atuais.
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Considerações finais

O trabalho com projetos interdisciplinares deve ter o cuidado de não se tornar


um processo multidisciplinar, ou seja, ao desenvolver um projeto com o objetivo de
se chegar a um resultado/produto final observar que não houve efetivamente uma
integração entre as disciplinas. A interdisciplinaridade como já colocado anteriormente
deve promover uma troca de conhecimentos e a interação entre as disciplinas tendo
em vista um objetivo comum. Para que isso ocorra o papel do professor é fundamental
no sentido de conduzir o processo de forma a potencializar essas interações.
Além disso, especificamente o desenvolvimento de um projeto como uma estra-
tégia pedagógica não pode perder de vista o interesse do estudante em realizá-lo,
isso não significa que somente temas ligados ao seu cotidiano devam ser trabalhados,
mas é necessário considerar que o estabelecimento do problema a ser resolvido ou
do tema a ser desenvolvido deva ter o estudante como o protagonista do processo
e o professor como facilitador/mediador entre o conhecimento e a aprendizagem.
Dessa forma, para articular a História da Matemática em projetos interdisci-
plinares é preciso, dentro dos conhecimentos escolares necessários para o segmento
de ensino ao qual se destinam, propor um fator gerador e a partir dele mobilizar os
estudantes a estabelecerem questões que poderão se converter em problemas ou
temas geradores dos projetos.
Neste trabalho nossa intenção foi a de fornecer possibilidades a partir de tratados
antigos, porém como já dito outros elementos históricos poderiam ser trabalhados
como os próprios instrumentos antigos a partir de visitas a museus e consultas à
literatura que aborda seus usos podem ser levantadas diversas questões até de ordem
epistemológica, ou seja, o estudante pode buscar indícios do processo de elaboração
de teorias científicas, quais são as condições que produziram a validade de conheci-
mentos científicos e como isso interferiu na construção, ampliação e aprofundamento
dos diferentes saberes.
104

REFERÊNCIAS
ARAÚJO, U. F. Temas transversais, de projetos e mudanças na educação: Práticas
e reflexões. São Paulo: Summus Editorial, 2014.

BENDER, W. N. Aprendizagem baseada em projetos: educação diferenciada para


o século XXI. Porto Alegre: Penso Editora, 2014.

BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: Matemática.


Brasília: MECSEF, 1998. BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e

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quarto ciclos: História. Brasília: MECSEF, 1998.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

CHATSFEILD, John. The trigonall sector. Lately invented and now exposed to the
publique view by John Chatsfeild. London: Robert Leybourn. 1650.

DIGGES, L. A boke named Tectonicon. London: Iohn Daye, 1556.

DIGGES, L. A geometrical practise, named Pantometria, divided into three


bookes, Longimetria, Planimetria and Stereometria. London: Abell Feffes, 1571
Disponível em: http://quod.lib.umich.edu/e/eebo/A20458.0001.001?rgn=main;vie-
w=fulltext. Acesso em: 4 jan. 2021.

FAZENDA, I. C. A. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efe-


tividade ou ideologia. São Paulo: Edições Loyola, 2011.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra,1987.

HERNÁNDEZ, F; VENTURA, M. A organização do currículo por projetos de


trabalho: O conhecimento é um caleidoscópio. Porto Alegre: ARTMED, 1998.

JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago


editora, 1976.

MACEDO, L.; MACHADO, N. J.; ARANTES, V. A. Jogo e projeto pontos e con-


trapontos. São Paulo: Grupo Editorial Summus, 2006.

MARTINS, J. S. Projetos de pesquisa: estratégias de ensino e aprendizagem em


sala de aula. Campinas: Autores Associados, 2005.

NICOLESCU, B. Educação e transdisciplinaridade. Organização das Nações Unidas


para a Educação, a Ciência e a Cultura, Representação no Brasil, 2001. Disponível em
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000127511.locale=en. Acesso em: 11 jul. 2020.
CAPÍTULO 8
A PROBLEMATIZAÇÃO MATEMÁTICA
DE TEXTOS HISTÓRICOS: o exemplo das
cartas de Euler à Princesa Sophie Charlotte
Daniele Esteves Pereira Smith
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Introdução
Os argumentos favoráveis sobre o uso e adaptação de textos históricos com a
finalidade de identificar o potencial pedagógico para a produção de atividades no
ensino de matemática, a ser utilizado na Educação Básica e nos Cursos de Formação
de Professores de Matemática, se avolumam em número e grau de complexidade nos
diversos espaços de discussão e produção de conhecimento em Educação Matemática,
mais especificamente no âmbito da História da Matemática
Neste sentido, trazemos a possibilidade de utilização da obra Lettres à une
princesse d’allemagne sur divers sujets de physique et de philosophie, (Cartas a uma
princesa da Alemanha sobre diversos temas de física e de filosofia), de Leonhard
Euler (1707-1783), publicada no século XVIII.
O potencial pedagógico da obra foi abordado a partir da elaboração de Unidades
Básicas de Problematização - UBPs (MIGUEL, MENDES, 2010) para o ensino de
matemática, fundamentadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN de mate-
mática (BRASIL, 1998), na pedagogia da correspondência de Paulo Freire (2000).

As Lettres de Leonhad Euler à princesa alemã


A Europa do século XVIII vivia sob uma atmosfera de propósitos acerca de
divulgação científica, de progresso técnico e material, de ética e de crítica social. Foi
nesse contexto histórico que Leonhard Euler escrevera suas Lettres, uma obra cientí-
fica para leigos, na qual deixou seu legado filosófico. As epistolas foram escritas em
língua francesa após o autor ser convidado pelo rei da Prússia Frederico II, o Grande,
para residir em Berlim onde acabara tornando-se tutor da Princesa Anhalt-Dessau45,
sua sobrinha, fato que o levou a ministrar aulas sobre os mais variados assuntos.

Estas cartas foram publicadas em São Petersburgo entre 1768 e 1772 e, compila-
das em três volumes. Tornaram-se um “best-seller” imediato: Foram traduzidas
rapidamente em todos os principais idiomas e por muito tempo permaneceram

45 Sophie Charlotte Friedericke Leopoldina von Brandenburg-Schwedt (1745-1808) teve seus nomes transmitidos
de forma diferente ao longo da História. Foi filha de Margrave Friedrich Heinrich von Brandenburg-Schwedt,
primo de segundo grau do rei Frederico II. Desde 1765, ela foi agraciada com o título de Abadessa do
Convento de Herford, cidade onde se conserva um retrato da abadessa no museu local (FELMANN, 2007).
106

como a sinopse mais amplamente distribuída sobre a cultura científica e filosófica


popular. (FELMANN, 2007, apud PEREIRA, 2014, p. 14).

O texto completo reúne um conjunto de 234 epistolas caracterizado por uma


gama de conteúdos das mais diferentes áreas, dentre elas destacamos a teoria musical,
filosofia, mecânica, óptica, astronomia, teologia e ética divididas em partes quase
equivalentes, incorporando exposições sobre vários assuntos pertencentes à mate-
mática. As missivas ainda revelam perspectivas religiosas e a própria personalidade
de Euler.

Figura 1 – Frontispícios de edições em língua alemã, francesa e

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inglesa, respectivamente de Lettres à une princesse d’Allemagne
sur divers sujets de physique & de philosophie

Fonte: www.openlibrary.org

A escolha de tutores para conduzir a educação intelectual da realeza alemã e


de outros países europeus era uma prática recorrente no século XVIII, devendo a
instrução ser ministrada na língua francesa pois, considerava-se ser a França um
país ícone em termos de educação e cultura geral. Contactar parentes e ou tutores
privados para ensinar latim às mulheres consistia em uma prática recorrente neste
período da história. Estudar em universidades era fato excepcionalmente raro entre o
gênero feminino e participar de comunidades acadêmico-científicas era sumariamente
vetado (BURKE, 2003).

Cartas como ferramentas no ensino de matemática

Ao adentrarmos no universo de Leonhard Euler no século XVIII e, analisarmos


suas Lettres com o intuito de identificar possibilidades pedagógicas para em seguida,
selecionar conteúdos matemáticos contidos no bojo da obra, seguindo as orientações
didáticas dos PCN de matemática, buscamos evidenciar as possíveis conexões entre
o texto histórico e metodologias de ensino atuais.
Nesse sentido, elegemos as cartas como um estilo literário que pode ser tornar
uma importante ferramenta pedagógica para o ensino de matemática que aproxima
quem ensina de quem aprende. Isso se dá pelo fato de que as cartas convidam o lei-
tor ao diálogo, à resposta, à continuidade e à troca de experiências. Daí, indicarmos
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DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 107

como aporte teórico a pedagogia freireana da correspondência (FREIRE, 2000), por


assumir que o gênero epistolar, direcionado intencionalmente para fins pedagógicos,
visa promover relações dialógicas entre escritor e leitores, valorizando a interlocução
como um processo de humanização entre quem escreve e quem lê.
Em suas cartas pedagógicas, Paulo Freire dirige-se a um grande público e, ao
mesmo tempo convida cada um a compartilhar de sua intimidade e de sua pedagogia.
Educa por meio das relações que estabelece, sejam elas de confiança, cumplici-
dade, amizade, bem querer, sem dissociar o cognitivo do afetivo. Pela pedagogia da
correspondência, Freire dispende muita importância à forma, à relação, ao método
utilizado, buscando aliar o cuidado da linguagem com a justa importância exigida
aos conteúdos e os saberes científicos (COELHO, 2011).
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Euler, le professeur

Euler arriscou-se ao escrever uma obra distante de todos os seus outros inte-
resses literários até o momento em que escreveras as Lettres por abordar conteúdos
elementares, usando cartas pedagógicas como metodologia de ensino que traduziam
estes conteúdos de forma interessante, esclarecedora e minuciosa em riqueza de
detalhes. Euler se propôs a introduzir o leitor leigo no universo das ciências naturais,
teologia, filosofia, história, lógica, ética e música por meio de um trabalho compacto
que englobava os principais ensinamentos que eram elementares para uma formação
geral básica do período em que a obra foi escrita (PEREIRA, 2014).
Na leitura direcionada das Lettres com fins didáticos, optamos em agrupar as
cartas por aproximação e afinidades temáticas, com o intuito de favorecer a identi-
ficação de intersecções entre os tópicos e subdivisões da matemática, evitar a repe-
tição desnecessária de informações e, destacar o potencial pedagógico das cartas
apresentadas no Tomo I do livro, o qual foi objeto de investigação desta pesquisa.
O primeiro grupo de correspondências direcionadas à princesa Anhalt-Dessau
são as cartas I e II que trazem como tema central a mecânica. Trazem para discussão
temáticas como distância percorrida, movimento e velocidade. Essas duas cartas
foram a base para as problematizações propostas neste trabalho.
De acordo com a versão comentada do texto histórico em questão preparada
por Pérez (1990),

Iniciam-se as Cartas com algumas considerações gerais sobre a extensão (I) e a


velocidade (II). Por meio das quais deve-se constituir uma ideia adequada de quan-
tidade, ressaltando os traços característicos desta: ser mais ou menos suscetível, e
dispor de parâmetros para determiná-la. Estes parâmetros no caso da velocidade
são o espaço percorrido (a extensão) e o tempo utilizado (PÉREZ, 1990, p. 53).

Pérez (1990) segue anunciando sutilmente a transversalidade com que Euler


aborda seus temas. Os títulos das missivas eulerianas exercem a função de temas gera-
dores ou fios condutores. Em cada uma delas os conteúdos são abordados de acordo
com a temática central, impulsionando o surgimento de tópicos complementares que
enriquecem a metodologia de ensino e a variedade de conhecimentos levantados.
Assim, em uma única correspondência são alinhavados a transversalidade do ensino
e a multiplicidade de áreas do conhecimento abordadas. (PEREIRA, 2014).
108

Nas várias áreas do currículo escolar existem, implícita ou explicitamente, ensi-


namentos a respeito dos temas transversais, isto é, todas educam em relação a
questões sociais por meio de suas concepções e dos valores que veiculam nos
conteúdos, no que elegem como critério de avaliação, na metodologia de trabalho
que adotam, nas situações didáticas que propõem aos alunos. Por outro lado, sua
complexidade faz com que nenhumas das áreas, isoladamente, seja suficiente
para explicá-los; ao contrário, a problemática dos temas transversais atravessa os
diferentes campos do conhecimento (BRASIL, 1998, p. 26).

A forma como Euler apresentava seus conteúdos no longínquo século XVIII é


hoje recomendada pelos documentos oficiais a fazerem parte das práticas escolares
em substituição de abordagens fragmentadas, como possibilidade de estabelecer a

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interlocução entre a matemática com outros áreas do conhecimento. Nas Cartas I e
II, o cálculo de distâncias, as unidades de medida de comprimento (pé, polegada e
milha), a conversão entre medidas, o seu uso adequado de acordo com a situação
utilizada, são conteúdos matemáticos identificáveis no texto que podem estabelecer
os canais de diálogos entre outros conteúdos contidos no bloco Grandezas e Medidas
dos PCN de matemática e outras áreas do conhecimento.

A problematização das Lettres

Exemplificamos a problematização a partir das duas primeiras cartas de Euler.


Buscamos explicações no século XVIII, especificamente na Revolução Francesa, para
explicitar como as implicações políticas, sociais, econômicas e culturais advindas
da ascensão de uma outra classe social no poder (burguesia) respingaram em toda a
Europa e, até hoje seus reflexos são perceptíveis no sistema de medidas de compri-
mento46 adotado e calendários vigentes.
Lacroix (2013, p. 312) detalha os reflexos dos ventos revolucionários franceses
das reformas sociais e políticas sobre a o cotidiano europeu e, consequentemente
a matemática

A Convenção implantou um novo sistema de pesos e medidas (o sistema métrico)


e um novo calendário foi usado, de 1793 a 1805. Inspirado na república romana
da Antiguidade e nos ideais do iluminismo, esse novo calendário, negando o
gregoriano, tem 1792 como marco inicial, seu ano I. A proposta de divisão do
dia em dez horas, das horas em cem minutos “decimais” e dos minutos em cem
segundos “decimais” mostrou-se problemática e foi abandonada já em 1795. Os
doze meses anuais – de trinta dias cada, divididos em três “décades” de dez dias
–, foram batizados com novos nomes, muito deles afrancesamentos do latim.

Assinalamos que os conteúdos encontrados nestas e nas outras cartas, como


as séries numéricas; preferência pelos aos múltiplos de 10; unidades de medida de
comprimento não usuais (pé, polegada e milha); relações de equivalência entres as
medidas de comprimento; relação entre tempo e distância são alguns exemplos que

46 Em 1898, A tradução das Lettres em castelhano divulgou todas as unidades de medida utilizadas até o
período que antecedeu ao sistema métrico decimal. O sistema métrico foi instituído na França pela lei de 7
de abril de 1795. Na Espanha eram usadas as léguas espanholas equivalentes a 8000 varas castelhanas
ou 24000 pés. Passou a ser obrigatório neste país em de 19 de julho de 1849 (PÉREZ, 1990).
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 109

ilustram algumas possibilidades de serem trabalhados por práticas escolares que


podem recorrer ao uso da História da matemática na Educação Básica e na formação
de professores. Além do exercício da transversalidade entre esta disciplina e outras
áreas como as ciências naturais, a física, a geografia, a história, a língua portuguesa,
línguas estrangeiras, ensino de artes e música.

Proposta de contextualização histórica para a realização de


atividades desenvolvidas a partir da leitura e exploração das
Lettres I e II (Sobre a extensão e Sobre a Velocidade):
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Sugerimos neste momento, atividades que podem ser utilizadas a partir da


leitura das Lettres I e I, as quais poderão ser trabalhadas dentro do bloco Grandezas
e Medidas dos PCN de matemática do Ensino Fundamental. Demais possibilidades,
como Geometria, trigonometria do triângulo e circunferência para o Ensino Médio
e a formação de professores de matemática também podem ser abordadas. É válido
ressaltar que a adequação das atividades quanto aos conteúdos abordados, possibilida-
des de transversalidade de áreas do conhecimento envolvidas, grau de complexidade
e dificuldades deve ser feita de acordo com os propósitos de cada professor e ao nível
de ensino em que deseja utilizá-las.

Figura 2 – Trecho da Lettre I

Fonte: books.google.com.
110

Bloco de atividades 1
No Brasil prevalece o sistema métrico universal. Entretanto, medidas regio-
nais permanecem em uso até hoje porque são aplicadas em situações peculiares de
práticas culturais de grupos sociais específicos, como é o caso do alqueire, utilizado
por fazendeiros e 260 agricultores. Uma unidade da medida equivale a área de terra
necessária para o plantio de todas as sementes contidas numa cesta também denomi-
nada de alqueire. Há ainda outras variações da medida, como o alqueire mineiro, o
paulista e o baiano, todos implantados na época do Brasil colônia. • Em um noticiá-
rio foi divulgado que os plantadores de feijão estavam lastimando a perda de mais
de 800 alqueires do cultivo do grão. Essa perda é muito grande? Pesquise os valores

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de cada alqueire regional (baiano, mineiro e paulista) e transforme a quantidade para
o sistema métrico • Faça uma pesquisa sobre outras unidades de medidas regionais
e suas aplicações sociais e comerciais

Bloco de atividades 2
De acordo com um trecho da Carta II “A velocidade do vento é muito variável;
uma brisa percorre 10 pés em um segundo, ou 600 pés em um minuto, como resul-
tado caminha duas vezes mais rápido que eu. Um vento que corre 20 pés em um
segundo, ou 1.200 em um minuto já é bastante forte”. Reescreva este trecho da carta
utilizando unidades usuais do sistema métrico para mensurar as grandezas expressas.
♣ Segundo a Carta II “A terra se move ao redor do sol no espaço de um ano e com
esta velocidade percorre 128.250 milhas em 24 horas, logo esta velocidade é dezoito
vezes mais rápida que a de uma bala de canhão.” Qual a distância em Km pela terra
em 24 horas? ♣ Qual a velocidade do canhão em km/h e em m/s?

Considerações finais

As discussões levantadas ao analisarmos um texto histórico do século XVIII


especificamente as Lettres de Leonhard Euler, sinalizaram para possibilidades concre-
tas de entrelaçamento entre os conteúdos matemáticos identificados na obra e metodo-
logias de ensino atuais. Essa construção foi concebida a partir do redimensionamento
do uso de cartas pedagógicas segundo a perspectiva freiriana da correspondência e,
principalmente da utilização de novas vias de comunicação do século XXI, ambas
visando o diálogo e a aproximação entre quem escreve e quem lê.
As Lettres, como fonte de estudos e material de apoio para o trabalho docente,
foram organizadas em eixos temáticos conforme os propostos pelos PCN de Mate-
mática, apontando potencialidades pedagógicas das cartas no aporte de ensino de
matemática e outras áreas do conhecimento a partir de uma abordagem indisciplinar.
Ressaltamos que não é recomendável que textos históricos cheguem até as
salas de aula sem receberem um tratamento didático adequado para as informações
matemáticas, ou de outras áreas. Neste momento, foi criterioso recorrer à problema-
tização da fonte histórica selecionada, a fim de que a mesma estivesse apta a atender
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 111

os programas curriculares, as recomendações oficiais para a Educação Básica e os


currículos das licenciaturas para professores de matemática.
Por fim, apontamos que obras científicas elaboradas sob o gênero literário epis-
tolar, demostram que as correspondências pedagógicas como recurso metodológico
nas aulas de matemática podem receber um tratamento de revitalização relacionado
a formais atuais de uso e os objetivos do ensino da educação no século XXI.
A facilidade de comunicação que as tecnologias apresentam por meio dos cor-
reios eletrônicos, mensagens de textos instantâneas, blogs e redes sociais entre outras,
nos permitem conjecturar que essas mudanças levam a reflexões de que o uso das
cartas está sendo reconfigurado para demandas da sociedade atual que possuem meios
bem mais velozes de comunicação. Todos esses novos canais podem convergir para
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projetos e práticas escolares que permitam o uso destes recursos para a escrita de
cartas que não usem apenas caneta e papel, a favor da primária necessidade natural
do homem em se comunicar.
112

REFERÊNCIAS
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PÉREZ, C. M. Prefácio. In: EULER, L. Cartas a una princesa de Alemania sobre


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rias, 1990.
CAPÍTULO 9
DA TÁBUA DE PLIMPTON ÀS
PRIMEIRAS DEFINIÇÕES DE FUNÇÃO
Miguel Chaquiam

Introdução
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A escolha dessa temática foi influenciada por diversos fatores, para além do
trabalho Constituição do conceito de função e generalidades por Leonhard Euler em
Introductio In Analysis Infinitorum e da palestra O conceito de função na constituição
da análise matemática moderna, proferida durante o I Ciclo de Formação do Grupo
de Estudos e Pesquisas em História e Ensino de Matemática, vinculado a Universi-
dade Federal do Pará, há também o trabalho de Lira e Chaquiam (2017), intitulado O
conceito de função e alguns obstáculos históricos epistemológicos, apresentado no
XI Encontro Paraense de Educação Matemática (XI EPAEM), e os trabalhos de La
Penha sobre Euler, em particular, Éloge de Euler e A evolução do conceito de função.
Por outro lado, foi considerado o fato de que o conceito de função é um impor-
tante conceito na Matemática e a possibilidade de aplicação nas mais diversas áreas do
conhecimento científico, dentre elas, química, física, engenharia, medicina, biologia,
economia e computação. Associado a sua importância e a aplicabilidade, temos os
problemas relacionados ao seu ensino em vários níveis, decorrentes de dificuldades
na interpretação, análise e gráfico de função pela ausência de elementos basilares para
apreensão desse conceito, dentre estes, variabilidade, dependência e representações.
Essa importância é ressaltada nos documentos oficiais que orientam o ensino de
matemática na Educação Básica, enfatizada nas competências gerais e específicas na
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), no
Plano Nacional de Educação (PNE) e nos Parâmetros Curriculares Nacionais para
o Ensino Médio (PCNEM).
Com foco na Educação Matemática identifica-se pesquisas que apontam as difi-
culdades relacionadas ao ensino do conceito de função e também as que sugerem que
o ensino desse desse conceito pode ser associado aos recursos didáticos, dentre eles,
o uso da história da matemática no ensino de conteúdos matemáticos, que segundo
Lopes & Ferreira (2013) pode tornar as aulas mais ativas e atraentes, que é possível
mostrar o porquê de estudar certos conteúdos e que o professor pode construir um
olhar crítico sobre o tema em pauta.
É notório que a História da Matemática vem se consolidando como área de
conhecimento e investigação em Educação Matemática, fato que pode ser observado
em Miguel (1997) quando discute as potencialidades pedagógicas da história da
matemática e em Vianna (1998) quando apresenta os argumentos favoráveis ao uso
didático da história da matemática defendidos por André Weil (1906-1998) e Dirk Jan
114

Struik (1894-2000), além destes, D’Ambrosio (1999) aponta que o uso da história da
matemática em sala de aula contribui para o reconhecimento da Matemática como
uma criação humana e conectar a Matemática as atividades humanas.
Para além dos elementos expostos acima, tomei por base outros historiadores,
matemáticos e educadores que apontam vantagens na inserção de conteúdos históricos
no ensino tendo em vista a melhoria do aprendizado de conceitos e ideias, além de
contribuir para a formação geral do indivíduo.

Das tábuas às primeiras definições

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Apresento um caminho constitutivo do conceito de função que vai ao encontro
da maioria dos trabalhos, dividido em cinco partes, inicio com a tabela de valores,
seguido das representações geométrica e mecânica. Na etapa intermediária apresento
as representações analíticas, seguida da representação que estabelece correspondência
e, por fim, as primeiras definições de função, na ordem, de Bernoulli e Euler.
Provavelmente, uma das mais conhecidas placas que contêm valores associados
seja a Tábua de Plimpton, ou Plimpton 322, que data cerca de 1700 a.C. Essa placa,
que possui 12,7 cm de comprimento por 8,8 cm de largura, Figura 1, pertence a
coleção Plimpton da Universidade de Columbia, em Nova York.

Figura 1 – Tábua de Plimpton ou Plimpton 322

Fonte: https://www.clarku.edu/departments/mathematics-and-computer-science/ (2020).

Essa tábua de argila foi analisada e interpretada por Otto Eduard Neugebauer
(1899-1990), que a partir da hipótese de que se trata de uma tábua com ternos pita-
góricos, foi possível reconstruir partes ilegíveis e corrigir os erros cometidos pelo
escriba. (ESTRADA et all, 2000, p. 92-99). Em 2017, essa tabela foi interpretada por
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 115

pesquisadores da Universidade da Nova Gales do Sul, na Austrália, que revelaram ser


a mais antiga e acurada tabela de trigonometria, possivelmente usada na construção,
e evidencia que os babilônios foram os primeiros a sistematizar a trigonometria.
Na antiguidade as tabelas foram bastante utilizadas para associar duas quanti-
dades – sequência de números e seus quadrados ou recíprocos ou raízes quadradas
ou cúbicas, sem simbolismo algébrico – e sabe-se que as primeiras tabelas da corda
foram moldadas por Hiparco, Menelaus e Ptolomeu e que os pitagóricos a utilizavam
para relacionar os comprimentos das cordas e as alturas dos sons emitidos por estas,
ilustrado Figura 2.
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Figura 2 – Ilustração de Franchinus Gafurius, 1492

Fonte: Pereira (2013, p. 21).

O matemático hindu Aryabhata, que se sobressaiu no século IV, escreveu um


livro de astronomia intitulado Aryabhatiya, sendo o terceiro capítulo dedicado à
matemática. Ele também discutiu o conceito de seno e uma tabela dos Jiva (tabela
de senos). Na Figura 3 observa-se o arco, a corda e a semicorda do arco 2θ em uma
circunferência e que a semicorda de 2θ coincide com o seno de θ.
116

Figura 3 – Seno de Aryabhata

SEMICORDA
θ (ac = cb) ARCO
O

(
θ c (ab)

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CORDA
(ab)

Fonte: https://es.wikipedia.org/wiki/Tabla_de_senos_de_%C4%80ryabha%E1%B9%ADa

Outro destacado matemático hindu foi Brahmagupta, século VII, escreveu o


trabalho de astronomia intitulado Brahma-sphuta-sidd’hanta, que continha dois
capítulos dedicados à matemática. Bhaskara (1150) escreveu o trabalho Siddhanta
S’iromani, com destaque para as partes Lilavati e Vijaganita, que contemplam, res-
pectivamente, conteúdos de aritmética e álgebra.
No século 14, surgem as noções de “velocidade instantânea” e de “acelera-
ção” dentro de um da mecânica, a cinemática. Dentre os precursores destacam-se
o filósofo franciscano inglês Roger Bacon (1214-1294) e o filósofo Nicole Oresme
(1323-1382) com trabalhos escritos sobre matemática e astronomia. Ao segundo estão
associados aspectos da geometria analítica ao representar graficamente certas leis e a
representação gráfica de uma “função” por meio do grau de intensidade numa linha
vertical (latitude) e extensão numa linha horizontal (longitude), além disso, ocorre
pela primeira vez uma representação gráfica dos movimentos retilíneos em decor-
rência dessa teoria associada as formas, publicado em Tractatus de configurationibus
qualitatum et motuum.
O Merton College, fundado em 1264, é uma das mais antigas faculdades de
Oxford que, no século seguinte, detinha uma geração de pensadores aos quais lhe são
imputadas as primeiras tentativas de tratamento matemático às Ciências Naturais,
tornando-os conhecidos como Calculadores. Eles foram os primeiros a enunciar o
teorema da velocidade média, também denominado Regra de Merton de aceleração
uniforme, ou simplesmente Teorema de Merton, em seu teor retrata que “Um corpo
uniformemente acelerado (começando do repouso, isto é, velocidade inicial zero)
viaja a mesma distância que um corpo com velocidade uniforme cuja velocidade é
a metade da velocidade final do corpo acelerado”, ilustrado abaixo.
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 117

Figura 4 – Demonstração da Regra de Merton por Oresme


C

Grau ou Intensidade da Qualidade

F E G

Quantidade da Qualidade
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A D B
Extensão da Qualidade

Fonte: Adaptado de Katz (2010).

A demonstração desse teorema é atribuída a Nicole Oresme, Figura 4. Por outro


lado, o físico-matemático e historiador, da ciência Truesdell (1968, p. 30), afirma em
Essays in The History of Mechanics que Giovanni di Casale (1320-1375) – também
conhecido como Johannes da Casale – e Nicole Oresme descobriram quase que
simultaneamente como representar os resultados por meio de gráficos geométricos.
Avançamos temporalmente nos apoiando em Roque e Carvalho (2012) para dis-
correr sobre o matemático, físico, astrônomo, astrólogo e teólogo John Napier (1550-
1617), mais conhecido como decodificador do logaritmo. A imagem a seguir, adaptada
de Roque e Carvalho (2012), representa uma simplificação cinemática do modelo
de Napier, que de certa forma agrega entes geométricos e mecânicos ao conceito de
“função”.

Figura 5 – Representação simplificada do modelo mecânico de Napier


P0 P1 P2 P3 P C
A

B
Q0 Q1 Q2 Q3 Q

Fonte: Adaptada de Roque e Carvalho (2012).

Até o final do século 16 são estudadas as propriedades geométricas das curvas


por meio de gráficos ou tabelas e, 1619, Neper introduz a “função” logarítmica,
muito provavelmente a última assentada na linguagem antiga e por considera-
ções cinemáticas.
118

A criação da álgebra literal em 1591 por François Viète (1540-1603) nos eleva
ao patamar das representações simbólicas de uma variável, ou seja, a representação
por meio de uma fórmula. Os aperfeiçoamentos ocorridos contribuem para o desen-
volvimento dos estudos dos movimentos e da cinemática e ressaltam as expressões
analíticas. Com o surgimento da geometria analítica, esta passa a permitir o estudo
das curvas pelos métodos de cálculo, ou seja, por meio da álgebra, e o estudo sobre
figuras por meio das suas propriedades geométricas é substituído por estudos que
envolvem elementos analíticos, mais precisamente, agregam uma visão dinâmica e
contínua da relação funcional em contraposição a visão estática e discreta dos antigos.
Neste contexto abrolham René Descartes (1596-1650) e Pierre de Fermat (1601-
1665) que passam a representar um objeto geométrico por meio de uma fórmula ana-

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lítica, em especial as curvas. De certo modo, com Descartes e Fermat o conceito de
“função” está associado a uma equação entre x e y. Descartes avançou diferenciando
dois tipos de curvas, aquelas susceptíveis de serem representadas por uma equação
algébrica, P (x ; y) = 0, onde P é um polinômio e as curvas mecânicas, tais como
a ciclóide. Descartes também afirmou que uma equação em duas variáveis indica
uma dependência entre quantidades, geometricamente representada por uma curva.
As contribuições de Gerardus Mercator (1512-1594) possibilitaram a projeção
do globo terrestre sobre uma carta plana e estudos sobre séries ampliaram o escopo
das funções estudadas. Dentre as séries está a série Newton-Mercator, muito embora
associada ao nome de Newton, foi uma descoberta independente de Mercator, que
é a série que representa o desenvolvimento da série Taylor para o logaritmo natural
para valores compreendidos entre – 1 e 1.
No trabalho intitulado Vera Circuli et Hyperbolae Quadratura, publicado
em 1667, James Gregory (1638-1675) apresentou expansões em série para sen(x)
e cos(x), fez distinção entre série convergente e série divergente. Além disso, con-
tribuiu à constituição do conceito de função quando afirma que “Dizemos que uma
quantidade é composta de quantidades quando, por adição, subtração, multiplicação,
divisão, extração de raízes dessas quantidades ou por qualquer operação imaginável,
obtemos a outra quantidade”. Noutro caminho, Gregory apresentou “uma demonstra-
ção engenhosa, mas satisfatória, de que a quadratura euclidiana do círculo é impos-
sível” (EVES, 2004, p. 404).
Na última metade do século XVII e início do XVIII ocorreu uma das batalhas
mais conhecidas na matemática, protagonizada por Isaac Newton (1642-1727) e Gott-
fried Wilhelm Leibniz (1646-1716) que, neste interim, desenvolveram o ferramental
do cálculo infinitesimal e algoritmo que permitiu resolver problemas relacionados a
máximo e mínimo de funções, problemas de tangência e cálculo de área associado a
uma curva e volume a partir da rotação de uma curva em torno de uma reta contida
em seu plano.
Esses dois matemáticos resolveram diversos problemas do cálculo, para além
dos citados acima. Além disso, compreenderam e aplicaram a relação inversa dos
seus conceitos e contribuíram com notações e algoritmos que permitiram a fácil
utilização desses conceitos. Os trabalhos de Newton e Leiniz, La méthode des flu-
xions et des suites infinies (1736) e Nova calculi differentialis applicatio et usus ad
multiplicem linearum constructionem ex data tangentium conditione (1694) versam,
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 119

respectivamente, sobre a representação cinemática de curvas e sobre relações de


dependência de quantidades geométricas na forma de curva.
Em Katz (2000) encontramos curiosidades sobre Newton e Leibniz, sobre o
primeiro, afirma que este tinha intensa facilidade de concentração, fato que pode ter
contribuído para seu sucesso. Quanto ao segundo, procurava símbolos apropriados
que representassem adequadamente o pensamento, assim como, facilidade na com-
binação destes, fato que nos proporcionou os símbolos para o cálculo hoje utilizados.
Por outro lado, a divulgação das palavras “constante”, “variável”, “parâmetro” e
“coordenada” introduzidas por Leibniz se deve ao Marquês de l’Hôpital – Guillaume
François Antoine (1661-1704) – com a publicação de um livro que retrata o cálculo
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infinitesimal de Leibniz.
A palavra “função” emerge de um artigo Johann Bernoulli (1667-1748) em 1718
quando afirma que “Chamamos a função de uma quantidade variável de uma quan-
tidade composta de qualquer maneira, dessa quantidade variável e de constantes”
Nesse artigo ele também propõe o uso da letra ϑ para denotar uma função ϑx sem
o parêntesis. Por outro lado, a notação proposta por Leonhard Euler (1707-1783),
em 1740, encontra-se no formato f(x/a + c), equivalente a f(x). (LA PENHA, 1986).
Os trabalhos de Euler podem ser considerados separatriz do que podemos
denominar de Análise Matemática Clássica e Análise Matemática Moderna e a sua
definição de função é publicada Introductio in Analysis Infinitorum (1748) – tradu-
zido para o francês sob o título de Intoduction à L’Analyse Infinitésimale, também
em dois volumes – “Uma função de quantidade variável é uma expressão analítica
composta de qualquer modo, pela mesma quantidade e números, ou com quantida-
des constantes”.

Considerações finais

A partir do caminho traçado, da tábua de Plimpton até a definição de função


proposta por Euler em 1748, é possível evidenciar que partimos de tabela de valores,
passamos por representações geométricas, nos apoiamos nas expressões analíticas e,
por fim, as primeiras definições de função que trazem em seu bojo as noções variável,
dependência, correspondência e continuidade.
Uma leitura mais aguçada sobre a definição de função, apresentada por Euler
em Introductio in Analysis Infinitorum, é possível afirmar que essa definição de
função compreende apenas funções algébricas, entretanto, Euler em seus trabalhos
posteriores reintroduziu a definição de função que muito se aproxima da definição
empregada atualmente.
Uma breve revisão da literatura nos apontará que o conceito de função é um dos
conteúdos que sempre gera discussões, tanto na educação básica quanto no ensino
superior, seja por sua abordagem que geralmente segue o padrão clássico, pautado
na definição a partir de relação, com alguma simbologia associada e predominância
aos números reais, ou pelo rigor matemático e as implicações que tangenciam às
variáveis, dependência, continuidade, classes, representações e restrições.
120

Ressaltamos a necessidade de que o conceito de função deve ser trabalhado


de forma clara, precisa e abrangente durante a formação inicial de professores de
matemática, bem como subsidiá-los de modo que possam abordar adequadamente o
referido conceito na Educação Básica. É recomendável que seja discutido os conceitos
relacionados a variabilidade e dependência, avançar na apresentação de exemplos
que contemplem situações nos diversos campos científicos, bem como discutir as
conexões entre expressões algébricas e elementos gráficos e, por fim, o uso correto
das linguagens matemáticas e materna na exposição desse conceito.
Espera-se que esse caminhar tenha nos despertado no sentido de buscar elemen-
tos que possibilitem a melhoria do ensino e da aprendizagem do conceito de função
no que tange a necessidade de compreensão do conceito de variável e das diversas

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formas de representação de uma função – dentre elas, a algébrica e a gráfica – bem
como o entendimento e uso da simbologia agregada.
Por fim, o caminho adotado nos evidencia a centralidade do conceito de função,
assim como sua importância na formação do pensamento matemático, sobretudo pelas
possibilidades de explorar um campo fértil de construção da linguagem matemática
associada à linguagem materna.
INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS ENVOLVENDO A HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA SOB O OLHAR DA PLURALIDADE 121

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ÍNDICE REMISSIVO

A
Aprendizagem 13, 24, 25, 26, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 44, 45, 47, 48,
49, 50, 52, 54, 58, 60, 61, 63, 65, 69, 72, 95, 97, 98, 103, 104, 120

C
Conhecimento 13, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 31, 32, 35, 36, 41, 47, 49, 51,
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52, 53, 55, 58, 59, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 76, 79, 87, 93, 94,
95, 96, 97, 99, 103, 104, 105, 107, 108, 109, 110, 113
Conhecimento Matemático 23, 25, 26, 27, 28, 30, 32, 35, 41, 58, 65, 66, 68,
76, 93, 94, 95
Conteúdos 7, 9, 15, 17, 19, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 31, 32, 33, 36, 39, 42,
55, 70, 93, 94, 95, 98, 106, 107, 108, 109, 110, 113, 114, 116, 119

E
Educação 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 24, 31, 33, 34,
35, 36, 37, 38, 39, 41, 43, 44, 47, 48, 49, 50, 52, 54, 57, 58, 59, 60, 61, 62,
93, 95, 96, 98, 99, 104, 105, 106, 109, 111, 112, 113, 119, 120, 121, 123, 124
Educação Matemática 7, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 33, 36,
37, 39, 41, 43, 44, 47, 48, 49, 50, 52, 54, 57, 58, 59, 60, 93, 105, 113, 121,
123, 124
Ensino 7, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 26, 27, 30, 31,
32, 33, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 54,
55, 57, 58, 59, 60, 61, 65, 74, 94, 95, 96, 97, 98, 103, 104, 105, 106, 107,
109, 110, 111, 112, 113, 114, 119, 120, 121, 122, 123, 124
Ensino de Matemática 7, 9, 10, 11, 13, 15, 16, 19, 23, 24, 25, 26, 31, 32, 33,
35, 37, 59, 60, 105, 106, 110, 112, 113, 123, 124

H
História 3, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 26,
27, 28, 29, 30, 31, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 47, 48,
49, 50, 51, 52, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 68, 69, 70,
71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 84, 88, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 98, 99, 103,
104, 105, 106, 107, 109, 112, 113, 114, 121, 122, 123, 124
História da Matemática 3, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21,
124

23, 24, 25, 26, 27, 29, 30, 31, 33, 34, 35, 36, 37, 41, 42, 43, 44, 47, 48, 49,
51, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 64, 65, 66, 68, 69, 71, 72, 73, 74, 75,
76, 84, 88, 90, 91, 93, 94, 95, 96, 98, 99, 103, 105, 109, 112, 113, 114, 121,
122, 123, 124

M
Matemática 3, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 24,
25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44,
45, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65,
66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 83, 84, 87, 88, 89, 90, 91,

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93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112,
113, 114, 115, 116, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124
Matemáticos 7, 9, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 31, 32,
35, 36, 37, 39, 43, 50, 51, 61, 63, 64, 65, 68, 75, 81, 88, 89, 93, 94, 95, 99,
106, 108, 110, 113, 114, 118, 124

P
Processo 23, 24, 25, 27, 31, 32, 36, 37, 39, 43, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 63, 64,
65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 94, 98, 99, 100, 103, 107

T
Teoria da Objetivação 7, 9, 12, 35, 36, 38, 41, 43, 44, 45, 48, 57, 61
Textos Históricos 7, 8, 9, 10, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 31, 32, 33, 38, 73,
105, 110
SOBRE OS AUTORES

Ana Carolina Costa Pereira


Docente do curso de licenciatura em matemática da Universidade Estadual do Ceará
(UECE), do Programa de pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) e do Programa
de Pós-Graduação em Educação da UECE.
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Ana Rebeca Miranda Castillo


Doutora em Educação Matemática, bacharel e licenciada em Matemática pela Pon-
tifícia Universidade Católica de São Paulo é Professora Doutora Colaboradora na
Universidade Federal do ABC, professora na Faculdade UniDrummond e professora
substituta no Instituto Federal de São Paulo. Trabalha com assessoria pedagógica
em diversas editoras na produção de conteúdo de Matemática para livros didáticos
voltados à educação básica.

Daniele Esteves Pereira Smith


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
(2014). Mestra em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(2008). Possui especialização em Educação Matemática pela Universidade Estadual
do Pará - UEPA (2002). Licenciada plena em Matemática pela Universidade Estadual
do Pará (1995).

Giselle Costa de Sousa


Bacharel e licenciada em matemática, mestre e doutora em Educação. Foi professora
da rede básica de ensino e é professor associada do departamento de matemática e
do PPGECNM da UFRN tendo sido orientadora do PIBID e Residência Pedagógica.

Iran Abreu Mendes


Graduado em Licenciatura em Matemática (UFPA), Mestrado e Doutorado em
Educação (UFRN) e Pós-doutorado em Educação Matemática (UNESP/Rio Claro).
Atualmente é professor Titular do Instituto de Educação Matemática e Científica da
Universidade Federal do Pará (IEMCI), onde atua como pesquisador do Programa
de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemáticas. Desenvolve pesquisas
sobre: Epistemologia da Matemática, História da Matemática, História da Educação
Matemática, História para o Ensino de Matemática, Práticas Socioculturais e Educa-
ção Matemática, Diversidade Cultural e Educação Matemática. Bolsista Produtividade
em Pesquisa nível 1C do CNPq. Líder do Grupo de Pesquisa sobre Práticas Sociocul-
turais e Educação Matemática (GPSEM/UFPA). Membro do Conselho Consultivo
do HPM (2021-2024).
126

João Cláudio Brandemberg


Professor Doutor Associado IV da Faculdade de Matemática - ICEN-UFPA. Pesqui-
sador em História da Matemática e Ensino de Matemática. Orientador de mestrado
e doutorado - IEMCI-UFPA. Desde 2005 associado a SBHMat. Autor de livros
com foco na história de conceitos matemáticos e suas aplicabilidades ao ensino
de matemática.

Luis Saraiva
Doutor em Matemática e licenciado em Filologia Românica. Tem trabalhado princi-
palmente sobre a história da Matemática Portuguesa dos séculos XIX e XX, coorga-

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nizou 27 Encontros Internacionais e coeditou Anais de 15 desses Encontros.

Miguel Chaquiam
Licenciado em Matemática (CESEP), Mestre em Matemática (UFPA) e Doutor em
Educação (UFRN). Professor da Universidade do Estado do Pará (UEPA), vinculado
ao PPGEM/UEPA e Coordenador do Grupo de Pesquisa GHEMAZ.

Valdenize Lopes do Nascimento


Docente da Universidade Federal do Semi-Árido (UFERSA)-RN. Possui licenciatura
e mestrado em matemática pela Universidade Federal do Ceará e, atualmente, cursa
doutorado em ensino de ciências e matemática na Universidade Federal do Rio Grande
do Norte com pesquisas envolvendo a articulação entre História da Matemática,
Educação Matemática e Teoria da Objetivação.
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SOBRE O LIVRO
Tiragem não comercializado
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 X 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 11,5/12/16/18
Arial 7,5/8/9
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal Supremo 250 g (capa)

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