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DE UM DISCURSO A OUTRO:
Linguagem, Ética e Conhecimento
na Filosofia Contemporânea
Editora CRV
Curitiba – Brasil
2024
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Revisão: Os Autores
S586
Bibliografia
ISBN Digital 978-65-251-5768-9
ISBN Físico 978-65-251-5767-2
DOI 10.24824/978652515767.2
1. Linguagem 2. Ética - Conhecimento I. Carvalho, Marcelo (org.) II. Título III. Série.
2024
Foi feito o depósito legal conf. Lei nº 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
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Três de Febrero – Argentina) (Universidade de Évora – Portugal)
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Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ............................................................................................ 9
Antonio Wardison C. Silva
Marcelo Carvalho
Introdução
1. Subjetividade discursiva
2 BENVENISTE, E. Problemas De Lingüística Geral I. Trad. Maria da Gloria Novak e Maria Luiza Neri. 2 ed.
Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1988, p. 286.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 17
que por sua vez se designa por eu. Vemos aí um princípio cujas conse-
quências é preciso desenvolver em todas as direções. A linguagem só é
possível porque cada locutor se apresenta como sujeito, remetendo a ele
mesmo como eu no seu discurso. Por isso, eu propõe outra pessoa, aquela
que, sendo embora exterior a “mim”, torna-se o meu eco – ao qual digo
tu e que me diz tu3.
3 Ibid., p. 286.
4 BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral II. Trad. Eduardo Guimaraes et al. 2. Ed. Campinas:
Pontes Editora, 2006, p. 97.
5 Ibid., p. 97.
6 Ibid., p. 99-100.
18
O filósofo Aristóteles (384 – 322 a.C.) acreditava que quando não se fala-
vam, consequentemente não possuíam linguagem e tampouco pensamento,
dizia que: “... de todas as sensações, é a audição que contribuiu mais para
7 MILANI, S. E. Historiografia Linguística de Wilhelm Von Humboldt. Conceitos e Métodos. Jundiaí: Paco
Editorial: 2012, p. 24.
8 Ibid., p. 25.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 19
A intenção não é ser leviana com o texto, tentando afirmar coisas que
não estão ditas. É perceptível que o texto trata de um exemplo baseado na
dinâmica sonora da fala. No entanto, convidar o personagem surdo para o
debate linguístico e articular o aprendizado da fala apenas com o treinamento
oral-auditivo é desqualificar todo o empenho e dedicação dos linguistas que
consideram os fatos socioculturais como o conjunto interdependente em que
se instauram as relações dialéticas, que podem ou não ser vivenciadas através
da experiência sonora. Não colocar ao menos uma observação sobre a língua
de sinais ter o potencial emancipador do surdo, onde ele, enquanto sujeito,
não precisa almejar o desenvolvimento da língua verbalizada oralmente, mas
ter na língua de sinais a equivalência com as línguas orais e, portanto, a pos-
sibilidade de participação social, é legitimação das práticas excludentes as
quais os surdos são submetidos cotidianamente.
Dizer que essa omissão caracteriza uma exclusão pode parecer um tanto
quanto irresponsável em alguma medida, mas se olharmos para o indivíduo
enxergando nele a totalidade que lhe é própria, seu grupo, sua nação e, ainda,
sua humanidade, perceberemos que a união, o encontro, o agrupamento é
9 STROBEL, K. História da Educação dos Surdos. Universidade Federal de Santa Catarina. Licenciatura
em Letras-Libras na modalidade a distância. Florianópolis, 2009. Disponível em: https://www.libras.ufsc.br/
colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/historiaDaEducacaoDeSurdos/scos/cap10141/2.html. Acesso
em: 21 ago. 2023, p.18-19.
10 MILANI, S. E. Historiografia Linguística de Wilhelm Von Humboldt. Conceitos e Métodos. Jundiaí: Paco
Editorial: 2012, p. 50.
20
deficiência a ser curada, e não poderia ser diferente, pois qual é o espaço social
que o surdo pode inserir-se linguisticamente com liberdade e autonomia para
constituir-se através das relações discursivas enquanto sujeito?
Sendo a língua “o elo entre os homens, pois este só compreende a
si mesmo depois de certificar-se da compreensão de suas palavras pelos
demais,”14 nos restam muitas indagações que se voltam não apenas para a
historicidade violenta a que os sujeitos surdos estão submetidos, mas a pró-
pria possibilidade de pensar e criticar as ideias estabelecidas e os saberes tão
enraizados que validam a aniquilação dos surdos por uma questão ontologi-
camente estabelecida. Butler15 nos impele a problematizar a naturalidade com
que discursivamente os corpos são produzidos e impedidos de aparecer como
válidos, mesmo quando não correspondentes às categorias que os definem.
Ora, não é ao acaso que a recusa da comunidade surda acadêmica se oponha à
tabela definidora da surdez em graus de perda auditiva, e ainda de sua história
contada através da aparição “heroica” do sujeito ouvinte que salva o surdo
da surdez de tempos em tempos. O problema está dado. É preciso averiguar,
questionar, expor as várias estruturas conceituais que viabilizam o discurso
que naturaliza a violência perpetuada pela forma de relatar a surdez.
Nesse sentido, Volóchinov sugere que a análise marxista enquanto
método sociológico é a única forma de encarar os problemas que são próprios
da filosofia da linguagem. O autor pretende apontar, de um modo geral, como
o pensamento marxista aborda os problemas concretos da linguística, o que
pode nos ajudar a problematizar as questões que nos chegam relacionadas
à linguagem, surdez e subjetividade. Vejamos, então, o caminho percorrido
pelo autor.
sinais estabeleceram o novo olhar acadêmico para a comunicação dos surdos, dando-lhe o status de língua
e não apenas de linguagem.
14 GRILLO, S. Ensaio introdutório. In: VOLOCHINOV, V. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fun-
damentais do método sociológico na ciência da linguagem. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018, p. 19.
15 BUTLER, J. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato Aguiar. 24. ed. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2023.
22
19 Ibid., p. 99.
20 Ibid., p. 106.
24
21 Ibid., p. 129.
22 Ibid., p. 145.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 25
Não estamos falando de um simples esforço por parte dos pais ouvintes
no processo de aquisição da linguagem de seus filhos surdos. Estamos falando
do aprendizado de uma outra língua que funciona por outra via e que difere
da língua naturalmente apreendida e utilizada por eles durante toda a vida.
Muitas pesquisas e estudos que querem abordar essa temática buscam ter o
cuidado de não sobrecarregar esses pais com julgamento e culpa relacionados
ao desenvolvimento linguístico dessas crianças surdas, que ocorre nas famílias
que assim estão configuradas, de modo tardio.
A criança surda tem total capacidade cognitiva para um desenvolvimento
linguístico equiparado ao desenvolvimento linguístico de uma criança ouvinte.
A questão é que uma criança surda, filha de pais ouvintes, não estará inserida
em um ambiente em que naturalmente a língua utilizada lhe afete até porque
“mesmo quando os pais usam algum tipo de comunicação gestual, usam-na
somente com a criança, pois é um sistema criado em função da criança nas-
cida ‘deficiente’”25.
O ideal seria a criança surda começar sua fase escolar já tendo sua lín-
gua natural desenvolvida – a língua de sinais. No entanto, o que acontece, na
Conclusão
Buscar percorrer os caminhos que nos tornam gente é sempre uma tarefa
que não deve ser considerada concluída. Inclusive, o que temos e seguimos
como pressupostos devem ser sempre questionados, como Benveniste bem
aponta: “às vezes é útil pedir à evidência que se justifique”27. E, no caso da
surdez, é urgente que o discurso clínico terapêutico seja posto em questio-
namento, pois a constituição da subjetividade vivida pelos sujeitos surdos
encontra ressonâncias nas experiências visuais, as quais possibilitam sua
26 PEREIRA, M. R. S.; FEITOSA, M. E. A relação cultural entre a escola bilíngue para surdos e a literatura
surda. Contexto, Vitória, n. 36, 2019/2, p. 285.
27 BENVENISTE, E. Problemas De Lingüística Geral I. Trad. Maria da Gloria Novak e Maria Luiza Neri. 2. ed.
Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1988, p. 284.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 27
REFERÊNCIAS
BENVENISTE, E. Problemas De Lingüística Geral I. Trad. Maria da Glo-
ria Novak e Maria Luiza Neri. 2 ed. Campinas: Universidade Estadual de
Campinas, 1988.
Introdução
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4 Uma teoria da verdade como correspondência entende que a verdade de uma proposição consiste em sua
relação como o mundo, isto é, em sua correspondência com os fatos. Wittgenstein é conhecido por ser um
dos expoentes de tal teoria, em conjunto com Russel, durante seu período de adesão àquilo que se costuma
chamar de atomismo lógico. Para uma caracterização das teorias da verdade como correspondência, ver:
HAACK, Susan. Filosofia das lógicas. São Paulo: Unesp, 2002.
5 WITTGENSTEIN, L. Cadernos: 1914-1916. Lisboa: Edições 70, 2004, p. 145.
6 Id. Tractatus Logico-Philosophicus, 4.41.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 31
período inicial é uma robusta concepção “realista”, de re, das noções modais.
Iremos nos valer, também, da série de equivalências propostas por Bradley:
concebilidade = imaginabilidade = figurabilidade = exprimibilidade através
de proposições com sentido = possibilidade = possibilidade lógica.
Essa equivalência nos permite mostrar que Wittgenstein colapsa as
noções de possibilidade dadas pela combinatória verofuncional (aquela com-
binatória dos valores de verdade em uma tabela de verdade) e a noção de
possibilidade metafísica e aceita somente um único tipo de possibilidade, a
possibilidade lógica. Esse nivelamento das noções de possibilidade se deve
ao fato de que Wittgenstein jamais aceitou a ideia de conteúdos necessaria-
keit) de que as coisas estejam umas para as outras tal como os elementos
da figuração”12.
Esse “espelhamento” assume que deve haver “antecipadamente”
alguma correlação entre os elementos da estrutura do pensamento e os
elementos da estrutura do mundo. O dispositivo principal da semântica do
TLP é, portanto, uma correlação a priori entre a forma lógica da linguagem
e a forma ontológica do mundo, que é explicada através da metáfora da
correlação dos nomes sintaticamente simples e dos objetos ontologica-
mente simples:
11 Wenn ich den Gegenstand kenne, so kenne ich auch sâmtliche Möglchkeiten seines Vorkommens in Sach-
verhalten. (Jede solche Möglichkeit muB in der Natur des Gegenstandes Uegen.) Es kann nicht nachtrãglich
eine neue Möglichkeit gefunden werden. WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus, 2.0123).
12 WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus, 2.151.
13 Ibid., 2.1514.
14 Ibid., 2.1515.
34
comum. Assim como nós dissemos, Wittgenstein sugere que o conjunto dos
objetos ontologicamente simples prescreve de alguma maneira todas as con-
figurações possíveis nas quais os objetos poderiam aparecer, será assim que
serão gerados os conjuntos de mundos possíveis. De fato, essa é uma carac-
terística essencial dos objetos simples. Eles são “decalques” para “algo” que
gera um conjunto de mundos possíveis, qualquer que seja a natureza desse
“algo”. Falar sobre “objetos simples” é só uma imagem. Então, Wittgenstein
não se compromete realmente com a existência de objetos simples, mas os
utiliza como dispositivos para sustentar a estrutura representacional. Os obje-
tos nos ajudam a compreender como a forma lógica do mundo poderia ser. A
Uma vez que as sentenças com sentido que descrevem a realidade são
constituídas por situações que as tornariam verdadeiras e situações que as
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 35
tornariam falsas, podemos dizer que tais sentenças possuem um sentido vago
e ainda não determinado. Será a análise lógica da sentença que irá possibilitar
a determinação do sentido e estabelecer se ela é verdadeira ou se ela é falsa.
Uma sentença não analisada, à maneira do TLP, tem a forma gramatical
sujeito-predicado e possui em si todas as condições singulares que a tornariam
verdadeira e todas as condições singulares que a tornariam falsa, de modo que
a vagueza de tais situações se expressa em suas partes constituintes. A razão
de tal vagueza é que há vários elementos implícitos e alternativos que cons-
tituem o sentido da sentença com a forma sujeito-predicado que, no entanto,
não aparecem na sua forma sujeito-predicado, de modo que uma análise aos
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moldes do TLP deveria seguir adiante quando a maioria das análises lógicas
se encerra15. Se tomamos a tarefa de uma análise lógica engendrada no TLP,
devemos sempre ter em mente que: “há uma e apenas uma análise completa
da proposição”16.
Para que possamos compreender esses elementos implícitos e alternati-
vos, consideremos a sentença: “os óculos estão dentro do armário”. No TLP,
nós compreendemos o sentido desta sentença, mas não podemos dizer que
todo o seu sentido está explícito nesta sua forma sujeito-predicado. O sentido
da sentença “os óculos estão dentro do armário” não se encontra totalmente
detalhado nem em sua parte nominal nem em sua parte predicativa, pois estão
ausentes importantes elementos do estado de coisa descrito pela sentença.
Podemos indicar a ausência de no mínimo dois elementos importantes que não
se encontram claros na sentença em sua forma sujeito-predicado: o espaço e o
tempo. Ao enunciarmos “os óculos estão dentro do armário”, queremos signifi-
car que os óculos estão em algum lugar – o que subentende várias coordenadas
espaciais que localizariam precisamente os óculos e que não são especificadas
na sentença com a forma sujeito-predicado; para determinarmos precisamente
“estar dentro do armário”, também deveríamos indicar precisamente outras
tantas coisas, como as relações de tamanho estabelecidas entre os óculos e o
armário, haja vista que se os óculos fossem maiores que o armário eles não
teriam a possibilidade de “estar dentro do armário”.
Em uma completa determinação do sentido, também deveríamos indicar
as propriedades temporais que o estado de coisa descrito em “os óculos estão
dentro do armário” sugere, mas não explicita. Isto porque, ontem e amanhã,
as condições de verdade de tal sentença podem ser distintas das de hoje. Além
desses detalhes espaciais e temporais, há também a questão de que cada termo
15 Para uma descrição passo-a-passo desse processo e análise, cf: VELLOSO, A. R. S. Wittgenstein s unique
Great Analysis: a consequence of the construal of propositional sense as truth-conditions. Analytica (UFRJ),
vol. 18(1), p. 229-269, 2015.
16 WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus, 3.25.
36
17 Ibid., 2.0251.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 37
não fornece nenhum princípio explícito pelo qual eles deveriam ser indi-
vidualizados e então distinguidos. Além disso, e talvez mais importante, a
passagem deixa vago se cada objeto possui o tempo como sua forma ou se
o tempo seria uma forma geral de todos os objetos. Contudo, este ponto não
será crucial para nosso argumento e deixaremos sua discussão para trabalhos
futuros. O tempo será utilizado aqui somente como um exemplo de forma e
ainda que seja somente uma forma para um subconjunto próprio de objetos
e não esteja contido em todos eles, nosso argumento permanecerá o mesmo.
Outra dificuldade da obra é esclarecer como a mudança e o tempo se
relacionam, e será este problema que iremos explorar para que possamos
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18 Aqui cabe observar que mesmo Wittgenstein tendo aprovado a tradução de Sachverhalt como “atomic fact”
na tradução do alemão para o inglês, não se segue disso que nós devemos aceitar tal tradução como correta,
ou que devemos nos comprometer com aquilo que tradicionalmente se compreende pela expressão “fato
atômico” – o termo está em disputa entre os intérpretes de Wittgenstein e, de maneira bastante explícita,
comprometemo-nos em traduzir Tatsache como fato e Sachverhalt como estado de coisas.
19 Incluo nas relações significativas do nome não só sua “referência”, mas também suas possibilidades com-
binatórias, o próprio potencial combinatório de um nome.
38
Podem todas as combinações dos estados de coisas existir e as outras
não existir23.
24 Ibid., 2.0271.
25 Ibid., 2.031.
26 Ibid., 2.032.
27 Ibid., 2,033.
40
Conclusão
REFERÊNCIAS
ANSCOMBE, G. An introduction to Wittgenstein’s Tractatus. Philadelphia:
University of Pennsylvania Press, 1971.
BRADLEY, R. The nature of all being. New York & Oxford: Oxford Uni-
versity Press, 1992.
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HAACK, Susan. Filosofia das lógicas. Trad. Cezar Augusto Mortari, Luiz
Henrique de Araújo Dutra. São Paulo: Editora UNESP, 2002.
Introdução
“Se posso pensar numa ‘espécie de objetos’, sem saber se há tais objetos,
preciso, assim, ter-me construído seu protótipo de figuração. Não se baseia
nisso o método da Mecânica?”2. Assim reza uma anotação feita por Wittgens-
tein em um de seus cadernos – escrita durante a Primeira Guerra Mundial, em
7 de julho de 1916. Outras questões como essa, que versam acerca da natureza
metodológica e do estatuto da Mecânica, e sobre a natureza das proposições
das ciências naturais [Naturwissenschaften], perpassam, de maneira geral, a
obra de juventude de Wittgenstein, recebendo uma formulação mais madura
no Tractatus Logico-Philosophicus: as proposições 4.1 a 4.116 caracterizam
a relação entre a filosofia e ciência; já as proposições 6.3 a 6.3751 abordam
as ciências naturais em geral e, de maneira mais específica, a Mecânica.
Apesar de estes questionamentos não fazerem parte do núcleo principal
de temas que compõem o itinerário filosófico do jovem Wittgenstein3, a “epis-
temologia do Tractatus” – ou seja, nos utilizando do vocabulário de Bento
Prado Neto, “sua reflexão sobre a ciência e , mais especificamente, sobre a
4 PRADO NETO, Bento. O Estatuto A Priori da Mecânica no Tractatus. Cad. Hist. Fil. Ci., série 3, v. 17, n.
1, p. 91-108, jan.jun, 2007. Disponível em: https://www.cle.unicamp.br/eprints/index.php/cadernos/article/
view/583/462. Acesso em: 15 set. 2023, p. 91.
5 WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus. Trad. Luiz Henrique Lopes dos Santos. São Paulo:
Edusp, 1993, 6.53. Notamos que, daqui para frente, como a tradução do Tractatus citada será sempre a de
Luiz Henrique Lopes dos Santos, referenciamos o texto a partir de sua numeração original, e não a partir
da paginação da edição utilizada; ou seja, serão citados os números das proposições.
6 PRADO NETO, Bento. O Estatuto A Priori da Mecânica no Tractatus, p. 92.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 47
7 Ibid., p. 107.
8 Bento fecha seu texto da seguinte maneira: “se o fizemos [refere-se aqui ao fato de ter comparado Wittgens-
tein a Russell e Ramsey, comparação que, a olhares incautos, poderia parecer evitável], foi justamente para
contrastar esses dois tipos de “geometrias” e “sintaxes”: uma que consiste numa determinada multiplicidade
de formas proposicionais - o que corresponderá à geometria do espaço visual, em 1929 – e outra que
consiste num sistema de derivação ou de ordenação de proposições elementares – o que corresponderá
à descrição do espaço físico em 1929. Esse contraste parece-nos extremamente relevante para o exame
dos pontos de continuidade e ruptura entre o Tractatus e as Philosophische Bemerkungen. PRADO NETO,
Bento. O Estatuto A Priori da Mecânica no Tractatus, p. 107.
9 Quanto a esse quadro de influências diversas, cf. a nota 6 do texto de Kjaergaard: KJAERGAARD, Peter.
Hertz and Wittgenstein’s Philosophy of Science. Journal for General Philosophy of Science, v. 33, n. 1,
2002, p. 140.
10 TS-213, 421r[4]: Tal como eu pratico filosofia, é toda sua tarefa configurar a expressão de tal maneira, que
de fim a determinadas || inquietações || problemas?((Hertz)). (Tradução nossa).
11 “Quando essas dolorosas contradições tiverem sido afastadas, a questão a respeito da essência não terá
sido de fato respondida, mas nosso intelecto, não mais torturado, cessará de propor a si mesmo questões
ilegítimas”. HERTZ. Princípios de Mecânica (Introdução). In: VIDEIRA, Antonio Augusto Passos; COELHO,
Ricardo Lopes (Org.) Física, Mecânica e Filosofia: o legado de Hertz. Rio de Janeiro: EdUERJ. 2012, p. 82.
48
12 KJAERGAARD, Peter. Hertz and Wittgenstein’s Philosophy of Science. Journal for General Philosophy of
Science, v. 33, n. 1 (2002), p. 125. (Tradução nossa). O tema da unidade do pensamento de Wittgenstein não
será abordado diretamente aqui, dada sua complexidade. Cf., para mais detalhes da posição de Kjaergaard,
a segunda seção do artigo aqui citado, intitulada “Hertz and the continuity of Wittgenstein’s thinking”.
13 Kjaergaard não chega a falar em “epistemologia”, mas em “philosophy of science”; tal formulação é nossa,
e a escolhemos para aproximar Kjaergaard do horizonte de problemas que havíamos ganhado com o texto
de Bento Prado Neto. No original, Kjaergaard diz: “Para que se possa entender isso, será necessário engen-
drar uma análise mais minuciosa do conteúdo e do caráter da influência hertziana inicial sobre a filosofia
da ciência de Wittgenstein. Através dessa reconstrução intelectual do pensamento de Wittgenstein, uma
biografia qualificada pode ser estabelecida, produzindo uma coerência mais historicamente acurada acerca
de sua vida e trabalho”. KJAERGAARD, Peter. Hertz and Wittgenstein’s Philosophy of Science, p. 125.
14 PRADO NETO, Bento. O Estatuto A Priori da Mecânica no Tractatus, p. 106.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 49
Que uma teoria científica tivesse sucesso não era, claramente, uma coisa
ruim, apesar de ter o efeito lamentável de inspirar interpretações onto-
lógicas indesejadas. Uma maneira de evitar isso seria enfatizar o caráter
puramente representacional de uma teoria física e demonstrar sua inde-
pendência de fundações externas, por meio de uma representação clara
e simples, evitando assim, a confusão acerca do status dos elementos
formais na teoria construída. Para Wittgenstein, essa demanda do caráter
representacional da ciência parecia ser preenchida pela mecânica de Hertz,
que tornou-se prototípica para a ciência no Tractatus16.
a leitura dos Prinzipien não parece dar lastro a uma redução das concepções
de mecânica de Wittgenstein às de Hertz. Vê-se necessário, então, retomar
a introdução feita por Hertz ao livro para clarificar a noção de mecânica por
ele afirmada e verificar em que medida ela se assemelha com a concepção
correlata de Wittgenstein, no Tractatus.
Nota-se, em primeiro lugar, que o objetivo da introdução aos Prinzipien é
justificar a pertinência do projeto hertziano de apresentar a mecânica sob nova
forma, e tal justificativa é levada a cabo mediante um percurso que mostra
a inadequação de sistemas mecânicos anteriores, sistemas esses que Hertz
pretende, no limite, abandonar, em favor de seu próprio sistema. Antes de
avaliar o primeiro desses sistemas, que teria ganhado com Newton e d’Alam-
28 SANTOS, Luiz Henrique Lopes dos. A Essência da Proposição e a Essência do Mundo. In: WITTGENSTEIN,
Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: Edusp, 1993, p. 60.
29 HERTZ. Princípios de Mecânica (Introdução), p. 73.
30 Ibid., p. 73.
31 Ibid., p. 74.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 53
Desta [da apresentação científica das imagens] exige-se que nos mos-
tre claramente quais propriedades atribuímos às coisas por causa de sua
admissibilidade, de sua correção e de sua conveniência. Somente assim,
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32 Ibid., p. 74.
33 HERTZ. Princípios de Mecânica (Introdução), p. 75.
34 Ibid., p. 77.
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remoção das contradições que engendram tais problemas. É sobre esse ponto
que versa a passagem dos Prinzipien der Mechanik, considerada por Witt-
genstein como possível mote das Investigações Filosóficas, por nós citada na
primeira seção. Isso quer dizer que, no que diz respeito à “admissibilidade”
dessas imagens, muitas das contradições e incertezas lógicas que as fustigam
são contradições formais, entre caracteres não essenciais da imagem: “essas
indeterminações não podem consistir em contradições entre os traços essen-
ciais da nossa imagem, ou seja, entre as relações da mecânica que correspon-
dem a relações entre coisas. Elas devem limitar-se estritamente aos traços
inessenciais”35. Em outras palavras, Hertz considera que essas contradições
em português fala em pressuposições com “validade geral de fato”. Aqui, preferimos manter a expressão
“válidos universalmente”, assim nos aproximando mais do texto original que das traduções citadas.
39 Ibid., p. 106.
56
40 PRADO NETO, Bento. O Estatuto A Priori da Mecânica no Tractatus, p. 92. (Grifo nosso).
41 SANTOS, Luiz Henrique Lopes dos. A Essência da Proposição e a Essência do Mundo, p. 51.
42 Ibid., p. 93.
43 Ibid., p. 93.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 57
Há, assim, certamente algo de empírico nas ciências naturais, mas, quando
elas são formuladas na forma de leis, encontramos nelas também algo de
não puramente empírico, uma “construção lógica”. A ciência, enquanto
Conclusão
45 Ibid., p. 92.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 59
REFERÊNCIAS
HERTZ, Heinrich. Die Prinzipien der Mechanik. Leipzig: Johann Ambrosius
Barth (Arthur Meiner), 1894.
Introdução
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através dos fenômenos: porém, nossa investigação não se dirige aos fenôme-
nos, mas sim, por assim dizer, à ‘possibilidade’ dos fenômenos”8. A inves-
tigação “não nasce de um interesse pelos fatos que se produzem na natureza,
nem da necessidade de compreender nexos causais, mas sim de um impulso
para entender o fundamento, ou a essência, de tudo o que é empírico”9. Essa
investigação não é, então, empírica; não nos voltamos àquilo que é efetivo,
mas gramatical10: ela nos conduz aos enunciados que fazemos sobre nossa
experiência e, daí, à “impressão de que haveria algo como uma análise última
das nossas formas de linguagem”11, na qual sua articulação com o mundo se
explicitaria. A sublimação nos conduz à procura por algo oculto por detrás do
16 Ibid., 95.
17 Ainda que o Tractatus seja o principal interlocutor da narrativa da sublimação da lógica, ela inclui um vasto
número de referências implícitas.
18 WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas, 97. O parágrafo 5.5563 do Tractatus diz o seguinte: “de
fato, todas as proposições de nossa linguagem corrente estão logicamente, assim como estão, em perfeita
ordem. O que há de mais simples, que nos cumpre aqui especificar, não é um símile da verdade, mas a
própria verdade plena. (Nossos problemas não são abstratos, mas talvez os mais concretos que existam.).”
66
19 Sobre a sublimação no Tractatus, Luiz H. Lopes dos Santos comenta: “tudo aquilo que concerne à natureza
intrínseca do símbolo, ao modo particular de produzir materialmente o símbolo, é logicamente desprezível. A
essa desmaterização do símbolo, Wittgenstein chamará ironicamente “sublimação do sinal” nas Investigações
Filosóficas. Sem os entraves materiais do sinal, o produto dessa sublimação, a proposição, pode sem problemas
reclamar para si o título de figuração lógica do mundo” (“A essência da proposição e a essência do mundo”, p. 74).
20 WITTGENSTEIN, L. Tractatus, 1.1.
21 Ibid., 2.1. No original: “Wir machen uns Bilder der Tatsachen.” A tradução aqui apresentada foi revista
pelo autor.
22 Utiliza-se aqui a expressão “quase-ontologia” pois, ainda que o livro se inicie com uma série de proposições
sobre “o mundo”, parece equivocado atribuir ao Tractatus o projeto de uma ontologia; o texto se limita a
delinear o que seria implicado pela ideia de necessidade lógica.
23 Cf. WITTGENSTEIN, L. Tractatus, 2.18.
24 Coloca-se, então, de imediato, a pergunta pelas razões da caracterização do mundo como uma totalidade de
fatos; a resposta a esta questão parece estar diretamente ligada ao argumento delineado em 2.0121: “a lógica
trata de cada possibilidade e todas as possibilidades são fatos seus”. Que o mundo seja uma totalidade de fatos,
não de coisas, implica compreendê-lo como um domínio fechado de possibilidades, que exclui o acaso (“pareceria
como que um acaso se à coisa, que pudesse existir só, por si própria, se ajustasse depois uma situação”).
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 67
que se dispõe a ser tomada como instrumento por ter em comum com aquilo
que será figurado a mesma forma lógica, “a forma da realidade”. A única
restrição para que se use um fato como figuração de outro fato é que ambos
tenham a mesma forma lógica.
O conceito de pensamento é introduzido a partir da identificação da
forma mais geral de figuração25. Em um recorte que evidencia a sucessão
dos passos propostos pela argumentação do Tractatus, podemos identificar
como o pensamento ocupa a posição central na constituição da figuração e
da linguagem:
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25 Cf. WITTGENSTEIN, L. Tractatus, 2.182: “toda figuração é também uma figuração lógica”.
68
Conclusão
Esse giro não pode ser descrito sem que nos remetamos aos 88 parágrafos
iniciais do livro, dos quais a narrativa da sublimação da lógica é uma coda.
Ali Wittgenstein se contrapõe à atribuição de qualquer referencialidade à lin-
guagem: o significado não se constitui por meio de uma relação qualquer com
fatos ou objetos, mas unicamente por meio do uso que fazemos de palavras
e expressões em meio a nossas práticas.
e constituidora de regras28.
A constituição de sentido será encontrada, então, não em uma relação
fixada entre fatos e fatos, entre linguagem e um mundo dado, que pressupõe
o pensamento como intermediário, mas no seio cotidiano das práticas huma-
nas, no uso de palavras como instrumento das ações humanas, nos jogos de
linguagem que só existem como parte da vida de pessoas como nós aqui,
agora, no registro que ilusoriamente parece derivado, em nossas ações, em
nossas práticas, que passam, nas mãos do autor das Investigações, a serem
vistas como, ao mesmo tempo, significativas e constituidoras de significado.
Caso se queira descrever o problema que se coloca à nossa frente de
maneira mais dramática, mas não equivocada, a virada copernicana de Witt-
genstein recusa a concepção sobre a relação entre teoria e prática presente na
tradição de investigação sobre a linguagem. É disso que se trata, em grande
medida, no debate sobre regras e no conjunto das Investigações. O giro coper-
nicano de Wittgenstein, em um só movimento, nos joga de volta para o con-
texto cotidiano de nossas ações e elimina a pressuposição de algo oculto, de
um domínio metafísico de possibilidades, e tenta nos mostrar que estamos
lidando, todo o tempo, com coisas usuais, essas coisas que fazemos agora com
as palavras, e cuja descrição não pressupõe erigirmos uma metafísica do que
seria eterno e oculto, da totalidade do possível. A descrição de como usamos
a linguagem terá que se resolver a partir dos elementos que ali estão: o que
fazemos, como agimos e reagimos e como, nesse processo, constituímos toda
a normatividade e significação que estruturam nossa fala como linguagem.
Quanto ao pensamento, resta-nos apenas a descrição dos jogos que joga-
mos com esse termo. Ele é uma expressão que se constitui como significativa
da mesma maneira que qualquer outra. Compreendê-lo pressupõe, então,
compreender as práticas humanas em que ele se situa, e não uma qualquer
estrutura essencial da linguagem em sua relação com o mundo.
27 CARVALHO, M. Posfácio às Investigações Filosóficas, p. 360-1.
28 Ibid., p. 370-1.
70
REFERÊNCIAS
AGOSTINHO. Confissões. Trad. de L. Mammì. São Paulo: Penguin Classics
Companhia das Letras, 2017.
Introdução
3 Id. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 15. ed. Rio de Janeiro: Paz &
Terra, 2008.
4 OLIVEIRA, R. L. Um diálogo com Freire e Foucault sobre poder e saber. Curitiba: Brazil Publishing, 2020.
5 FREIRE, P. Pedagogia do oprimido.
6 WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. Trad. T. Tranjan e G. Rodrigues. São Paulo: Fósforo, 2022.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 73
7 Ibid., §304.
8 FREIRE, P. Pedagogia da esperança.
9 WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas.
10 FREIRE, P. Pedagogia da esperança.
11 Id. Pedagogia do oprimido.
74
decisões. As tarefas de seu tempo não são captadas pelo homem simples,
mas a ele apresentadas por ume elite que as interpreta e lhas entrega em
forma de receita, de prescrição a ser seguida. E, quando julga que se salva
seguindo as prescrições, afoga-se no anonimato nivelador da massifica-
ção, sem esperança e sem fé, domesticado e acomodado: já não é sujeito.
Rebaixa-se a puro objeto. Coisifica-se16.
24 MARCONDES, D. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar,
2007, p. 275.
25 WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas.
26 Ibid., §68.
78
Tais problemas, evidentemente, não são empíricos; eles são resolvidos por
meio de uma percepção acerca do funcionamento da nossa linguagem, e
de tal maneira que reconheçamos que isso acontece contrariamente a um
impulso para entender mal esse funcionamento. Os problemas são resol-
vidos não pela introdução de uma nova experiência, mas pela organização
daquilo que há muito tempo nos é familiar. A filosofia é uma luta contra
o enfeitiçamento de nosso entendimento por meio de nossa linguagem27.
27 Ibid., §109.
28 FREIRE, P. Pedagogia do oprimido.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 79
Conclusão
realidades, rompendo com o que, à primeira vista, está ditado como regra
pétrea, padrão e norma.
À vista das articulações feitas entre os pressupostos de Freire33 e Wit-
tgenstein34, apreende-se que, como os seres humanos são os verdadeiros
agentes construtores da história, a fluidez dos jogos de linguagem, que se
organizam a partir da coletividade e do contexto sócio-histórico-cultural e são,
portanto, a alforria para a petrificação dos significados, coaduna com a parti-
cipação ativa, agentiva e criativa na produção dos sentidos e conhecimentos,
como apregoado por Freire35, atinente à educação libertária36.
Afora essa comunhão, tanto a educação libertária freireana37 quanto
33 Ibid.
34 WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas.
35 FREIRE, P. Pedagogia da esperança.
36 Id. Pedagogia do oprimido.
37 Ibid.
38 WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 81
REFERÊNCIAS
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.
São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
Introdução
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9 Ibid., p. 69.
10 LONGINO, Helen E. Science as Social Knowledge: values and objectivity in scientific inquiry. New Jersey:
Princeton University Press, 1990.
11 LEWONTIN, Richard. As causas e seus efeitos, p. 8- 21.
12 LEWONTIN, Richard; LEVINS, Richard. Introduction. In: LEWONTIN, Richard; LEVINS, Richard. The Dia-
lectical Biologist, USA: Harvard University Press, 1985, p. 1- 5.
86
a conquista da natureza19.
19 Ibid., p. 52.
20 LONGINO, Helen E. Science as Social Knowledge, p. 4.
21 LEWONTIN, Richard. As causas e seus efeitos, p. 29-32.
22 Id. O sonho do genoma humano, p. 303-310.
23 Ibid., p. 309.
88
24 Ibid., p. 310.
25 Ibid., p. 304.
26 Ibid., p. 305.
27 The New York Review of Books foi a seção onde o texto The dream of Human Genome foi publicado pela
primeira vez, em 1992. A piada com um suposto elitismo do jornal já aparece no artigo original, que foi
republicado em diferentes formas nos livros It Ain’t Necessarily So: The Dream of Human Genome and
Other Illusions (2000); Biology as Ideology (1991) e no Biology Under the Influence: Dialectical Essays on
Ecology, Agriculture and Health (2007), publicado em coautoria com Richard Levins.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 89
e em parte no óvulo de onde minha vida se originou, e se, por sua vez,
fui capaz de passar cópias para os milhões de células de esperma que
produzi, então a molécula de DNA deve ter o poder de autorreprodução.
Segundo, se o DNA dos genes é a causa eficiente de minhas propriedades
como ser vivo, das quais sou o resultado, então o DNA deve ter o poder de
ação própria. Isto é, deve ser uma molécula ativa que impõe uma forma
específica a um óvulo fecundado previamente indiferenciado, de acordo
com um esquema que é ditado pela própria estrutura interna do DNA28.
Dizer que o gene não faz nada é dizer também que ele não determina
nada. Conhecer a base genética de uma doença não nos ajuda em nada sem
que conheçamos a história da base física da expressão dessa doença nos
organismos (que passa por entender os processos celulares de expressão da
proteína, a atuação dessa proteína no corpo, entre outras dimensões etiológi-
cas) para que se possa pensar em qualquer tipo de intervenção terapêutica38.
Isso acontece porque genes não são o suficiente para se fazer um organismo;
o desenvolvimento, que se expressa na relação entre a genética e o ambiente,
é parte fundamental sobre as explicações de como um organismo chega à
idade adulta, sobre sua saúde e seu comportamento, e, para entender esse
resultado, um genoma totalmente descrito não basta, assim como o material
herdado dos pais (que inclui o maquinário inicial para a produção de proteí-
nas). É necessário levar em conta “temperatura, umidade, nutrição, olfato,
visão e sons (incluindo o que chamamos de educação)39 e, mesmo assim, não
se conseguiria especificar totalmente um organismo, pois o desenvolvimento
não é resultado de um cálculo exato entre valores colocados pelo ambiente e
pelos genes; há ainda um elemento de casualidade que nasce do processo de
desenvolvimento, chamado de ruído desenvolvimental, que explica a diferença
em padrões de desenvolvimento dos organismos. Como Lewontin coloca,
“não sabemos quanta diferença entre nós é consequência das diferenças alea-
tórias no crescimento de neurônios durante nossa vida embrionária e início
da infância”40. Assim, temos posto o problema tradicional de separar o que é
interno e o que é externo, de separar o natural do ocasional, para determinar
os poderes da genética.
Há duas respostas que cientistas confiantes nos poderes da genética
enquanto graal das ciências biológicas podem oferecer. Primeiro, mesmo que
genes não determinem nada e não sejam responsáveis pela totalidade do que é
37 Ibid., p. 312.
38 Ibid., p. 334.
39 Id. As causas e seus efeitos, p. 33.
40 Ibid., p. 33.
92
Com essa visão de genética, diz-se que desigualdades são justas e natu-
rais , mas também se justifica a limitação da pedagogia em resolver essas
43
47 GOULD, Stephen Jay. The Mismeasure of Men. W. W. Norton & Company, 1996, p. 34.
48 LEWONTIN, Richard. As causas e seus efeitos, p. 36.
49 Ibid., p. 37.
50 CAPONI, G. ¿Qué es un sesgo ideológico?, p. 71.
94
sobre a ideologia E antes que possamos prosseguir. Caponi define uma teoria
(T) como ideológica a partir da ideologia E da seguinte maneira:
51 Ibid., p. 77.
52 Ibid., p. 79.
53 LEWONTIN, Richard; LEVINS, Richard. Introduction, p. 1-5.
54 Caponi não explica se essa omissão necessariamente precisa ser deliberada ou não, ao passo que esse
requerimento pode ser interpretado de maneira mais forte ou mais fraca. Podemos falar em uma omissão
do próprio clima intelectual geral ou de uma omissão individual de cientistas particulares, seja consciente
ou inconsciente, em cada um dos casos esse requerimento se torna mais ou menos razoável.
55 Lewontin, Richard. O sonho do genoma humano, p. 305.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 95
pus, entre ambas tríades há uma diferença que creio pertinente apresentar.
Lalande não considera a ideologia E; em seu lugar, contempla a ideologia
entendida como erro: uma concepção do termo que efetivamente circulou,
e consequentemente não poderia deixar de ser inventariada numa obra
como o Vocabulario57.
56 Ibid., p. 305.
57 CAPONI, G. ¿Qué es un sesgo ideológico?, p. 73.
58 Caponi usa omissão e parcialidade como se fossem sinônimos. De fato, ambos os termos dependem de
intencionalidade ou má-fé em seu uso de senso comum. Não são muito claras as condições de uso de
nenhum dos dois nesse contexto.
59 LEWONTIN, Richard. O sonho do genoma humano, p. 305.
60 Ibid., p. 305.
96
61 Ibid., p. 329.
62 Ibid., p. 329.
63 Ibid., p. 338.
64 Althusser menciona a censura como característica dos Aparelhos Ideológicos do Estado Culturais e a repri-
menda e a exclusão como características da “educação” dos Aparelhos Ideológicos do Estado Escolares
(ALTHUSSER, 1980), ambos poderiam descrever parte essencial da dinâmica relacional dos lugares onde
se faz ciência, o estado e a iniciativa privada, como o caso do relatório citado por Lewontin bem demonstra.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 97
Conclusão
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E é nesse sentido que falamos de ciência como instituição, tratando-se dos lugares onde a ciência é feita,
as relações entre cientistas nesses lugares e as relações econômicas que permeiam sua atividade e seu
produto social.
65 CAPONI, G. ¿Qué es un sesgo ideológico?, p. 66.
66 Como, por exemplo, no prefácio do The Dialectical Biologist, VII-IX.
98
A noção de omissão também parece ter uma defesa difícil quando se fala
de ideologia em Lewontin. Se podemos falar de uma perspectiva ideológica
ou de uma ciência ideológica, onde os conceitos fundamentais e o cânone
com que se trabalha são em si ideológicos, como, por exemplo, quando se faz
genética com a perspectiva ideológica de “gene” que tem poderes de autor-
reprodução e ação própria67, não se pode dizer facilmente e sem qualquer
argumentação posterior que houve omissão, a não ser em um sentido muito
relaxado de omissão. Aqui, surpreendentemente, a noção de erro se sai melhor.
É possível falar que um cientista que trabalha com as definições correntes de
sua disciplina erra, embora seja difícil dizer que ele seja omisso. O tratamento
REFERÊNCIAS
ALTHUSSER, Louis. Os aparelhos ideológicos do estado. In: ALTHUSSER,
Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. 3. ed. Lisboa: Presença;
Martins Fontes, 1980.
LEWONTIN, Richard. Está tudo nos genes? In: LEWONTIN, Richard. Bio-
logia como ideologia: a doutrina do DNA. Ribeirão Preto: Funpec, 2010.
LEWONTIN, Richard. It Ain’t Necessarily So: the dream of the human genome
and other illusions. 2. ed. New York Review Of Books, 2001.
Introdução
A máquina [...] não mais representa nem mesmo o seu aspecto na realidade
mais importante (embora continue a ser o mais espetaculoso) porque a
técnica assume hoje em dia a totalidade das atividades do homem, e não
apenas sua atividade produtora5.
que “tudo deve ser revisto a partir da ordem mecânica”12, Ellul reivindica
a mecânica como autêntico princípio fundador e força-motriz que constitui
ambos os fenômenos aqui abordados.
Mas o automatismo da ordem mecânica seria apenas uma das faces que
determinaram o primado da técnica. Esta foi imbuída de uma ambivalência
decisiva, mantendo-se adequada à máquina por incorporar certa “dose neces-
sária de mecanicismo”13, mas, ao mesmo tempo, só pôde expandir-se em
virtude de seu aspecto integrador:
10 Ibid., p. 2-3.
11 Ibid., p. 3. “De outro ponto de vista, porém, a máquina continua a ser extremamente sintomática, porque
fornece o tipo ideal da aplicação técnica. E apenas e exclusivamente isso.” Ibid., p. 3.
12 Ibid., p. 4.
13 Ibid., p. 4.
14 Ibid., p. 4.
15 Ibid., p. 4.
104
16 Ibid., p. 3.
17 Ibid., p. 4.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 105
18 A Técnica e o Desafio do Século, p. 23-24. Na contramão da corrente dominante até então, Ellul não enxerga
a magia como uma técnica constituída progressivamente em meio a um mundo que ainda não havia sido
desencantado, mas como um tipo de técnica que surge e desaparece em determinadas comunidades.
19 A Técnica e o Desafio do Século, p. 21.
20 Ibid., p. 21.
21 Ibid., p. 21.
106
tudo isso se fixa e se transmite, pois o menor erro, uma palavra, um gesto,
ameaça comprometer o equilíbrio magico22.
[...] a técnica mágica que não se transmite nem no tempo nem no espaço,
não apresenta a mesma curva de evolução que a técnica material. Suas
descobertas não se adicionam, mas permanecem lado a lado, sem misturar-
-se. Finalmente, há um último fator de regressão das técnicas magicas: o
problema da evidência. [...] Quem pode ser juiz da eficácia? Esta nem sem-
pre se mede por um resultado material evidente fazer cair a chuva), mas
Ainda que Ellul esteja atento à série de circunstâncias que envolve uma
compreensão plenamente convincente dos ritos primitivos, o reconhecimento
de que os rituais mágicos se constituem a partir de um pano de fundo histórico
não o faz colocar em xeque o itinerário adotado até aqui. De nossa parte, a
esta altura já parece prudente apontar para a insuficiência da concepção de
magia como uma prática estritamente técnica, tal como concebida pelo autor
no início do capítulo dedicado ao tema.
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24 Ibid., p. 27.
25 Aqui nos valemos da apresentação crítica de Puntel. (Ser e Deus, p. 70)
26 Phillips, D. (1993). ₢, p. 125.
108
27 Ibid., p. 125.
28 Ibid., p. 117.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 109
Peter Winch nos pede para pensar nos moradores das montanhas, os quais,
antes de desenvolverem expressões especificamente religiosas em sua
linguagem, contemplam as montanhas, prostram-se diante delas, cele-
bram ritos relacionados a elas, em modos tais que nós as chamamos de
respostas religiosas primitivas. Mais tarde, eles começam a falar de deuses
nas montanhas. Rituais e estórias se desenvolvem e dizem ser sobre estes
deuses. Devemos nós, então, dizer que discursos sobre deuses expressam
as pressuposições existenciais das reações primitivas32?
29 Ibid., p. 90.
30 Ibid., p. 104.
31 Ibid., p. 103.
32 Ibid., p. 159.
110
A proposta endossada por Phillips não visa explicar por que os membros
de tal religião contemplariam as montanhas, mas sim chamar atenção sobre a
complexidade que pode envolver a conexão entre a compreensão dos povos
sobre seus deuses e suas práticas ritualísticas.
33 Ibid., p. 159. Recorrendo a Wittgenstein mais uma vez, o autor compreende que muitas vezes “o que está
envolvido é ver como a crença regula a vida de uma pessoa” (Ibid, p. 98). Elas se tornam “critérios, não
objetos de avaliação. Reconstruir essas crenças como hipóteses que podem ou não serem verdadeiras é
falsificar seu caráter”. Ibid, p. 99.
34 Ibid., p. 160. Vale mencionar que, como em outras circunstâncias, a questão das “agulhas na efigie” se
desenvolve em torno de um debate filosófico mais técnico (no caso, acerca da intencionalidade).
35 Ibid., p. 158.
36 Ibid., p. 109. De nossa parte vale dizer que a alternativa de Phillips se propõe a combater não apenas à
concepção das práticas ligadas a eficácia para determinados fins, mas visa sobretudo se opor à ideia mais
refinada de que práticas religiosas não são erros, mas ações sem sentido.
37 Ibid., p. 147.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 111
Nas sociedades chamadas primitivas, é verdade que a vida toda está encer-
rada com uma rede de técnicas mágicas. É sua multiplicidade que empresta
caráter de rigidez e de mecanização a esses grupos. Vimos que essa magia
pode ser considerada uma origem das técnicas, mas o caráter primário nes-
sas sociedades não é a consideração técnica, é a consideração religiosa38.
Conclusão
39 Ibid., p. 157.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 113
REFERÊNCIAS
ELLUL, Jacques. La Technique Ou, L’en Jeu du Siècle, 1954.
Introdução
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Nesta passagem é possível verificar que o autor não faz uma distinção
entre o sentido das palavras de um lado, e, do outro, a configuração articular
e sonora que podemos designar como sendo a fala. A fala se relaciona com
o cérebro ou com o psiquismo, e, o sentido da palavra é dado com os estí-
4 Ibid., p. 238.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 117
O mesmo doente que encontra sem esforço a palavra “não” para rejeitar
as questões do médico, quer dizer, quando ela significa uma negação
atual e vivida, não consegue pronunciá-la quando se trata de um exercício
sem interesse afetivo e vital. Portanto, descobria-se atrás da palavra uma
atitude, uma função da fala que condicionam a palavra5-6
5 Ibid. p. 238-239.
6 N. A. – Para um exemplo mais detalhado dessa dupla função da linguagem, ela ser automática ou intencional,
c.f. ex. amnesia das cores, p. 239-240.
7 Ibid. p. 240-241.
118
8 Ibid., p. 241.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 119
1. O pensamento e a fala
da linguagem como um processo mental feito por um sujeito. Ora, como sei
o significado de uma palavra ao ouvi-la? A passagem acima nos apresenta
que articulação das palavras ouvidas, como na formulação de uma frase, por
exemplo, é feita por um sujeito, é uma capacidade mental que o indivíduo
possui de relacionar o som ouvido com o seu correspondente significado.
Dessa maneira, existe uma passagem que vai do som ouvido ao pensamento,
e, o que garante a inteligibilidade de palavras ouvidas seria a decodificação
que o sujeito faz daquilo que foi ouvido. Perceba-se que, aqui, o significado
de uma palavra ou uma frase não é dado pelo som, mas sim pela capacidade
do sujeito de interpretar o que foi dito. Assim, parece que o sentido de uma
palavra é dado por um processo mental que ocorre na consciência do sujeito.
Se isso for verdadeiro, a palavra, enquanto manifestação empírica, não atua
na comunicação, pois ela não tem um sentido próprio, ela é um fenômeno de
segunda ordem.
9 Ibid., p. 242-243.
10 Ibid., p. 243.
120
11 Ibid., p. 243-244.
12 Ibid. p. 244.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 121
Como comenta o bispo de Hipona no excerto acima, ele parece ter apren-
dido a falar ao ver como os adultos falavam dos objetos, esse gesto de mover
o corpo que ele comenta é o gesto de apontar. É como se para designar o que
é um objeto precisássemos apontar para ele, esse apontamento, depois de
ter adquirido a linguagem, não seria mais feito com o gesto, mas com a voz.
Assim, a palavra aponta para algo - “cadeira” por exemplo -, mas a elucubra-
ção de seu sentido não está no ato de falar, ele é acessório, o que garante o seu
sentido é uma atividade do espírito que, no caso de Agostinho, é a doutrina do
mestre interior. O que nos interessa nessa constatação da fala por apontamento
é poder comentar que parece que a fala aponta para um significado fora dela
13 Ibid., p. 247.
14 AGOSTINHO. Confissões. Trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina. São Paulo: Abril S.A. Cultural e
Industrial, 1973, p. 31.
122
que só é captado pelo intelecto. Dessa maneira, a fala é um signo que aponta
para o pensamento porque o seu sentido está num ato do espírito e não na
elucubração da voz: ela só aponta para um processo mental. Voltando para
a relação sujeito e objeto, podemos pensá-la da seguinte maneira: existe o
sujeito que pensa um objeto e é a fala que aponta para esse objeto, ela é um
fenômeno sensível ou a consciência do mesmo. O que quero chamar atenção
aqui é que pode existir um pensamento sem fala porque a fala não possui uma
significação, é o pensamento que faz isso. Portanto, é contra essa concepção
de linguagem intelectualista que o autor francês dirá que: “É preciso que, de
uma maneira ou de outra, a palavra e a fala deixem de ser uma maneira de
15 MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. 5 ed.
São Paulo: WMF Martins Fontes, 2018, p. 247.
16 Ibid.
17 Ibid., p. 248
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 123
3. O pensamento interior
“O pensamento não é nada de “interior”, ele não existe fora do mundo e
fora das palavras. O que nos engana a respeito disso, o que nos faz acreditar em
um pensamento que existiria para si antes da expressão, são os pensamentos
já constituídos e já expressos dos quais podemos lembrar-nos silenciosamente
e através dos quais nos damos a ilusão de uma vida interior”18. Dizer que o
pensamento não é interior e nem existe fora do mundo das palavras é reafirmar
a possibilidade de comunicação pela linguagem. Porque, se o pensamento
fosse algo plenamente interior e não pudesse ser expresso na fala, a comu-
nicação ficaria inviável e a construção de um mundo coletivo seria apenas
uma abstração. Ir contra uma suposta interioridade é se posicionar contra um
subjetivismo racional absoluto que se pensa como descolado do mundo, que
interpreta o pensamento como algo fora do mundo material e fora das pala-
vras. A princípio, a recusa da ideia de interioridade é para não esquecer que
a existência das coisas do mundo se dá no universo concreto da linguagem,
elas têm uma facticidade que não existe só no pensamento da minha cabeça.
Assim, o que causa essa sensação de engano ao se pensar em algo interior ao
sujeito é uma certa naturalização de significações já existentes. Ora, afinal,
não nascemos falando, se a fala é a expressão do pensamento, no processo
civilizatório de educação aprendemos a falar e a nos expressar, assim adqui-
rimos significações já existentes e, pelo que parece sugerir Merleau-Ponty,
essas significações já existentes tornam-se nossas, são introjetas a tal ponto no
indivíduo que se tornam dele. Daí decorreria a falsa sensação de interioridade,
de silêncio do pensamento, porque acreditamos que essas significações dadas
são nossas e não de um grupo social de determinada cultura ou religião. Isso
não quer dizer que não existe individualidade, quer dizer que significamos
a nós mesmos a partir de “significações já disponíveis, resultado de atos de
18 Ibid., p. 249.
124
19 Ibid.
20 Ibid., p. 250.
21 Ibid.
22 Ibid., p. 266-267.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 125
A fala falante é uma intenção em estado nascente porque ela é algo que
transcende o ser, transcende um objeto, ela é um impulso de criação que vai
além da expressão empírica dessa intenção. Porém, como aporte empírico,
essa intenção encontra um meio de expressão, a fala, e assim, aquilo que
tendia para fora do ser retorna a ele através da fala. Mas, esse gesto de expres-
são não é fortuito, quando ele acontece constitui-se um mundo linguístico
porque podemos significar as palavras e dar vazão a esse impulso latente de
intenção. Dessa maneira, construímos sociedades, culturas, religiões e todo
um universo de significações que são inteiramente humanas, a linguagem
não é um artifício secundário da inteligência, é um meio de expressão que
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23 Ibid. p. 267.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 127
Conclusão
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24 Ibid. p. 269.
25 Marilena Chauí. Experiência do pensamento: ensaio sobre a obra de Merleau-Ponty. São Paulo: Martins
Fontes, 2002, p.7. Apud Merleau-Ponty, “De Mauss à Claude Lévi-Strauss” in Signes, Paris, Galimard, 1960,
p. 157; São Paulo, abril, op. cit., p. 393.
26 Marilena Chauí. Experiência do pensamento: ensaio sobre a obra de Merleau-Ponty. São Paulo: Martins
Fontes, 2002, p. 7.
128
REFERÊNCIAS
AGOSTINHO. Confissões. Trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina.
São Paulo: Abril S.A. Cultural e Industrial, 1973.
Introdução
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3 Ibid., p. 205.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 131
4 Ibid., p. 206.
5 CORTINA, Adela. El legado filosófico de Karl-Otto Apel. Topologik, n. 24 (numero speciale), december
2018 – april 2019, p. 107. Na base da racionalidade estratégica se encontra o solipsismo metódico, que
consiste no pensar monológico da filosofia da consciência e da análise linguístico-sintático-semântico. Ele
representa, como é possível admitir, a raiz do liberalismo ocidental, que privilegia a consciência isolada em
detrimento de uma comunidade linguística de comunicação, vindo justificar o egoísmo social. Ibid., p. 107.
6 APEL, Karl-Otto. Estudos de moral moderna, p. 206.
132
7 Ibid., p. 208.
8 APEL, Karl-Otto. Estudios Éticos. Trad. Carlos de Santiago. México: Fontamara S. A., 2004, p. 32-33.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 133
9 CORTINA, Adela. Razon comunicativa y responsabilidad solidaria. 2 ed. Salamanca: Sígueme, 1988, p. 187.
10 WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. Trad. Leônidas Hegenberg e Octany Silveira da Mota.
São Paulo: Cultrix, 1993, p. 106. Weber se questiona sobre a possibilidade de o homem conjugar a paixão
e a frieza da proporção. Responde que política se faz com a cabeça e não com as outras partes do corpo.
Adverte ser a vaidade o maior inimigo do homem político, adversário a ser constantemente enfrentado. Para
ele, o político está movido pelo desejo do poder, sendo este instinto uma das suas qualidades normais.
Comete grande erro quando busca o poder sem compromisso com uma causa, mas apenas por exaltação
pessoal. Constata, então Werber, dois grandes pecados no seio da política: não defender nenhuma causa
e não ter responsabilidade alguma. E isso só pode resultar da vaidade. Ibid., p. 107.
11 CORTINA, Adela. Razon comunicativa y responsabilidad solidaria, p. 188.
12 WEBER, Max. Ciência e Política, p. 113.
134
13 Ibid., p. 113.
14 Ibid., p. 114.
15 Ibid., p. 114.
16 APEL, Karl-Otto. Estudios Éticos, p. 33.
17 CORTINA, Adela. Razon comunicativa y responsabilidad solidaria, p. 189.
18 APEL, Karl-Otto. Estudios Éticos, p. 33.
19 WEBER, Max. Ciência e Política, p. 111.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 135
públicas20. Por isso, deve o indivíduo, caso deseje alcançar a própria salvação
e a dos seus semelhantes, evitar a política, porque ela, por vocação, busca
alcançar seus objetivos e concretizá-los por meio, em geral, da violência21.
Weber, nesse sentido, compreende a ética do sermão da montanha como
a ética absoluta do Evangelho, do tudo ou nada e, por isso, perigosa para a
política, por ser irresponsável e, para Apel, irracional22. O mesmo princípio
é aplicado, como sustenta Weber, na parábola do jovem rico (Mt 19,16-21):
um jovem, ao questionar Jesus sobre o que deveria fazer para alcançar a vida
eterna, recebe a seguinte resposta: obedeça aos meus mandamentos. Mas o
jovem diz já observar tais mandamentos e o questiona sobre o que ainda lhe
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faltava. Então, Jesus responde (e o ordena): se você quer ser perfeito, vá,
venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro nos
céus. Depois, venha e siga-me. Ao ouvir isso, o jovem, triste, se retira. Vê-se
que a ética do Evangelho é incondicional e unívoca. E não há dúvidas de que,
para o político, este legado ético é absurdo e irrealizável ou não aplicável
para todos23.
Este princípio ainda é identificado, para Weber, no ordenamento de Jesus:
“se alguém bater em você numa face, ofereça-lhe também a outra. Se alguém
tirar de você a capa, não o impeça de tirar a túnica” (Lc 6,29). Neste princípio
ético, afirma Weber, não pode haver dignidade, ou melhor, exprime uma ética
sem dignidade, com exceção para os santos (ou para aquele que deseja sê-lo).
Somente neste estado de vida (de santidade), poderá tal princípio ético fazer
sentido e exprimir dignidade ao indivíduo24. Assim, se a ética evangélica
ordena não resistas ao mal pela força, estará convencido o político, contra-
riamente: deves opor-se ao mal pela força. Portanto, ao sustentar-se na ética
do Evangelho, não poderá o indivíduo fazer greve (por ser uma ação coativa)
e nem almejar uma revolução; nem mesmo sustentar a guerra civil como uma
ética legítima e, ainda pior, usar armas para defender uma causa25.
Em sentido contrário, segundo Weber, o político deverá agir de acordo
com a elaboração metódica dos fatos, do status quo, condição que o permi-
tirá alcançar bons resultados, ainda que imediatos. Caso não proceda dessa
26 Ibid., p. 113.
27 CORTINA, Adela. Razon comunicativa y responsabilidad solidaria, p. 191.
28 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70,
1986, p. 23.
29 Ibid., p. 24.
30 Ibid., p. 24.
31 Ibid., p. 25-26.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 137
ção e, com isso, criticamente, o problema para o agir ético: pode o indivíduo,
ao querer agir bem, isentar-se das consequências de sua ação? Ora, a ação
ética, nesse sentido, não pode dispensar a convicção do indivíduo, dado o atri-
buto legislador da vontade racional. Portanto, as consequências da ação não
dependem do sujeito, porque não estão sob o seu comando, mas à causalidade
natural. E disso resulta um dilema para o agir ético, pois as consequências
pertencem ao território da experiência35. Então parece razoável afirmar, de
acordo com a ética da convicção, que a qualidade do agir moral depende da
vontade do sujeito36.
A grande deficiência da ética kantiana está justamente em promover
a separação entre o mundo noumênico e o mundo fenomênico, criando no
homem uma esquizofrenia. Tal perspectiva impede o homem de fenomenizar
a moral. Estabelecida esta separação – entre aquilo que está sob o comando
do sujeito (boa vontade e coleta dos meios para o alcance dos fins) e o que
está além do sujeito (o domínio das consequências do seu agir), identifica-se
o limite entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade. Convém
assinalar que a ética da convicção pode levar o homem a uma catástrofe37,
pois, de acordo com Weber, “há risco de provocar danos grandes e descrédito,
cujas repercussões se farão sentir durante gerações várias, porque não existe
responsabilidade pelas consequências”38. E isso é possível identificar no
32 Ibid., p. 30.
33 Ibid., p. 31.
34 Ibid., p. 33.
35 Nada que esteja ao alcance de uma ética de perspectiva metafísica. Nesse sentido, Apel, habilmente, estru-
turará sua ética em duas partes: A e B. Esta estará apoiada na ética da responsabilidade, de perspectiva
weberiana: a comunidade de comunicação, ao definir (consensualmente) as normas a serem aplicadas,
deverá examinar suas possíveis consequências. A parte B, diferentemente da parte A (contrafactual), é
histórica, factual, responsável pela aplicação das normas alcançadas pelo consenso dos sujeitos.
36 CORTINA, Adela. Razon comunicativa y responsabilidad solidaria, p. 192.
37 Ibid., p. 192.
38 WEBER, Max. Ciência e Política, p. 121.
138
55 Ibid., 56.
56 APEL, Karl-Otto. Estudios Éticos, p. 33-35.
57 A teoria dos jogos desenvolveu-se no século XX, a partir da matemática. Seus estudos estão centrados no
conflito, seja entre pessoas e grupos, seja entre nações. O conflito, nesta perspectiva, está referido a uma
situação onde as duas partes precisam desenvolver estratégias que maximizem os seus ganhos, com base
em regras pré-estabelecidas. A Universidade de Princeton foi pioneira no desenvolvimento desta teoria, ao
ter em seu quadro de professores Neumann, Einstein, Gödel e Oppenheimer. Destaca-se, também, a RAND,
instituição criada pela Força Aérea dos Estados Unidos com o propósito de criar novas estratégias militares.
Diante da diversidade de concepções, vale destacar que a teoria dos jogos apresenta diversas formas de
resolução de problemas, dos quais os mais conhecidos: a) conceito de estratégias dominantes (quando
uma estratégia é a melhor opção ao jogador); b) estratégia maxmin (quando o jogador garante o mínimo
de ganho para os outros; c) equilíbrio de Nash (quando, por meio de uma combinação, nenhum jogador se
arrepende). MEDEIROS, Angelica Pott de. As raízes da teoria dos jogos e comportamento econômico: uma
análise epistemológica a partir dos trabalhos de John von Neumann, Oscar Morgenstern e John Forbes
Nash. Revista Cadernos de Economia, v. 24, n. 40, 2020, p. 12-14.
142
62 Ibid., p. 38-39.
144
63 Ibid., p. 40-41.
64 APEL, Karl-Otto. Ética do Discurso. In: VILLA, Mariano Moreno. Dicionário de pensamento contemporâneo.
Trad. Trad. Honório Dalbosco. São Paulo: Paulus, 2000, p. 282.
65 APEL, Karl-Otto. Estudios Éticos, p. 80-81.
66 Karl Heinz Ilting (1925-1984) tonou-se conhecido, fundamentalmente, por sua edição das transcrições
de palestras da filosofia do direto e do estado de Hegel. Em seu trabalho acadêmico, buscou discutir a
filosofia prática, voltada para a filosofia sistemática e histórica. Em 1966, assumiu a cadeira de filosofia na
Universidade de Saarland, em Saarbrucken. Por meio de seus escritos, ganhou grande destaque, inclusive
internacional. HOPPE, Hansgeorg. Orbituary. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/services/
aop-cambridge-core/content/view/02DEC2B2D891BBF281B06347FD7FFE37/S0263523200003682a.pdf/
karl-heinz-ilting-192 51984.pdf. Acesso em: 17 jul. 2023.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 145
normas para o mundo real – ainda mais diante de situações de conflito –, mas
que tem o objetivo de possibilitar uma solução racional não estratégico-ins-
trumental. O discurso livre da carga de ação é “a condição e o meio de uma
livre disposição da racionalidade do discurso a serviço da possível solução
de conflitos da práxis vital exclusivamente através da satisfação consensual
ou justificação das pretensões de validade do discurso humano”79, sublinha
Apel. Deve então o discurso argumentativo garantir a resolução dos problemas
unicamente por meio do cumprimento das pretensões de validade problema-
tizadas. E isso requer a renúncia de interesses, estratégicos, autoafirmativos.
Adverte Apel que o atuar comunicativo não converge, e nem pode, para
o acordo estratégico-instrumental, de jogos e cálculos de utilidades. Tal pers-
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79 Ibid., p. 86.
80 Ibid., p. 86.
81 COSTA, Regenaldo da. Ética do Discurso e Verdade em Apel. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 92.
82 APEL, Karl-Otto. Estudios Éticos, p. 88.
83 APEL, Karl-Otto. Ética do Discurso, p. 282.
84 APEL, Karl-Otto. Estudios Éticos, p. 88.
148
Porque eu sou, por um lado, um ser humano empírico que, usando certa
linguagem, sou obrigado a pertencer a uma comunidade particular e, entre-
tanto, usando argumentos com pretensões universais de validade, sou
obrigado também a transcender cada comunidade particular e antecipar
o juízo de uma audiência indefinida ideal, que seria a única capaz de
85 CENCI, Angelo Vitório. Apel versus Habermas: a controvérsia acerca da relação entre moral e razão prática
na ética do discurso. Passo Fundo: Universidade de Passo Fundo, 2011, p. 94.
86 CRESPO, Remedios Ávila. El transcendentalismo ético y la vida buena, p. 37.
87 APEL, Karl-Otto. Estudios Éticos, p. 88.
88 Ibid., p. 88.
89 CRESPO, Remedios Ávila. El transcendentalismo ético y la vida buena, p. 38-39.
90 APEL, Karl-Otto. Ética do Discurso, p. 282.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 149
Apel assegura que esta dupla estrutura dialética – necessária para todo
aquele que pretende argumentar com seriedade – responde às aporias, seja
do comunitarismo, seja do relativismo. Se por um lado o sujeito, em uma
comunidade de comunicação, pode aceitar e explicitar, na perspectiva lin-
guístico-hermenêutico-pragmática, a sua pertença a uma comunidade par-
ticular, de uma pré-compreensão historicamente determinada do mundo da
vida, por outro, pode também convencer-se a não somente conectar-se a uma
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91 Ibid., p. 282.
92 Ibid., p. 283.
93 APEL, Karl-Otto. Transformação da Filosofia II – O a priori da comunidade de comunicação. Trad. Paulo
Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 200l, p. 238.
150
98 Ibid., p. 34.
99 APEL, Karl-Otto. Estudios Éticos, p. 96-97.
100 Ibid., p. 97.
101 Ibid., p. 98.
152
105 ESTRADA, Juan Antonio. Tradiciones religiosas y ética discursiva. In: FERNÁNDEZ, Domingo Blanco;
TAPIAS, José A. Pérez; RUEDA, Luis Sáez (Orgs.). Discurso y realidad: en debate con K.-O. Apel. Madrid:
Trotta, 1994, p. 177.
106 APEL, Karl-Otto. A ética do discurso diante da problemática jurídica e política: as próprias diferenças de
racionalidade entre moralidade, direito e política podem ser justificadas normativa e racionalmente pela Ética
do Discurso? In: APEL, Kar-Otto; OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Com Habermas, contra Habermas: direito,
discurso e democracia. São Paulo: Landy, 2004, p. 105. A esse respeito, intensifica Apel a sua convicção
de que qualquer forma de ética individual tradicional – que exija responsabilidade do indivíduo, seja no seio
da família ou do estado – clama, hoje, por uma ética da corresponsabilidade. É relevante, nesse sentido,
o questionamento de Apel: pode um indivíduo, como pessoa privada ou como uma autoridade ecológica,
assumir solitariamente a responsabilidade de conservação da biosfera? Ora, é clara a necessidade de uma
ação coletiva, de corresponsabilidade, para esta atuação de conservação. A Ética do Discurso surge como
uma proposta ética significativa (de caráter pós-convencional e de corresponsabilidade universal) capaz de
enfrentar os problemas da humanidade, pois ela garante uma fundamentação racional da corresponsabilidade
e, ao mesmo tempo, controla, com base na normatividade alcançada, a organização da corresponsabilidade
coletiva. Ibid., p. 106.
107 Para Apel, é possível uma fundamentação última da ética. Ela consiste na tentativa de mostrar determina-
das normas como válidas a priori, a serem reconhecidas obrigatoriamente por todo sujeito que recorre à
argumentação. Tais nomas, “reconstruídas”, são pressupostas pelos argumentantes, em uma perspectiva
pragmática da própria argumentação. A comunidade ideal de comunicação surge aqui, na perspectiva
apeliana, como condição de possibilidade do ato de argumentar. Todavia, a fundamentação última proposta
por Apel – motivo de muitas críticas por seus interlocutores, inclusive de Habermas – não quer significar
uma “metafísica absoluta”, nem mesmo a resistência ou negação a qualquer outra perspectiva filosófica,
senão uma “arquitetônica filosófica” que, em vista das decisões de normatividade moral, recusa um “sujeito
de consciência” (monológico) para garantir sentido e validade moral e, contrariamente, permite o consenso
entre os membros de uma comunidade linguística de comunicação, inclusive daqueles (membros) afetados
pelas consequências das normas tomadas. Para Apel, esta condição é instransponível e, por isso, “última”:
ela não pode ser questionada argumentativamente, porque tal questionamento já pressuporia a argumen-
tação como tal, quer dizer, o sujeito, ao tentar negar essa possibilidade com argumentos, incorrerá em uma
“contradição performativa”. MALIANDI, Ricardo. Semiótica filosófica y ética discursiva. In: APEL, Karl-Otto.
Semiótica Filosófica. Buenos Aires, 1994, p. 47-49.
154
a possibilidade de uma contradição lógico-formal dada a estrutura da Ética do Discurso (em uma parte A e
em uma parte B), de ser, eminentemente, sensata, sem quaisquer consequências lógicas aleatórias. APEL,
Karl-Otto. Transformação da Filosofia II – O a priori da comunidade de comunicação, p. 486.
116 Em sentido lato, essa transformação pós-metafísica da ética kantiana consiste – o que revela a grande
descoberta de Apel – em promover a mediação entre o “giro linguístico” (de caráter pragmático) e a filosofia
transcendental kantiana (p. 50); em sentido stricto, em passar de uma perspectiva monológica para uma
perspectiva dialógica e, com isso, rejeitar o resíduo metafísico de Kant e, em troca, inserir a perspectiva
da responsabilidade normativa no mudo histórico (p. 61). MALIANDI, Ricardo. Semiótica filosófica y ética
discursiva.
117 APEL, Karl-Otto. Teoría de la verdad y ética del discurso, p. 157-159.
118 HERRERO, F. Javier. Ética do Discurso. In: OLIVEIRA, Manfredo Araújo de (Org.). Correntes fundamentais
da ética contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 182.
119 As partes A e B estão vinculadas, como se conjectura, a um desafio duplo instaurado pela ciência atual à
razão prática: o desafio interno, proveniente da racionalidade tecnológica ou cientificista que abnega ou
restringe as questões de fundamentação ao discurso científico, bem como de uma fundamentação racional
para a ética (parte A); o desafio externo, ao colocar em perigo, muitas vezes, a sobrevivência da espécie
humana e de todo o seu habitat (e tais são as consequências), necessitando, nesse sentido, de uma ética
da responsabilidade e de escala universal (parte B). MALIANDI, Ricardo. Semiótica filosófica y ética dis-
cursiva, p. 51.
120 APEL, Karl-Otto. Teoría de la verdad y ética del discurso, p. 160.
DE UM DISCURSO A OUTRO: Linguagem, Ética e Conhecimento na Filosofia Contemporânea 157
que, não estáticos, fundamentam o discurso sobre o real. Para tal, há necessi-
dade de um princípio-ponte, a universalização, que “indica a forma processual
da derivação dos valores, em discurso sobre a realidade fática”121. Assim, toda
norma deve ser observada, mas para isso devem os argumentantes considerar
os efeitos previsíveis já no processo de formação (consensual) das normas.
No segundo plano, por conseguinte, inclui-se o elemento da responsabilidade
ética, que Apel absorve de Weber; consiste em considerar, na formação e
aplicação de normas e valores, as consequências previsíveis.
Esta distinção, na parte A, deriva-se, propriamente, da transformação da
ética kantiana. Ora, o princípio da ética discursiva pressupõe a produção de
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121 HINKELAMMERT, Franz J. Ética de Discurso e Ética de Responsabilidade: uma tomada de posição crítica.
In: SIDEKUM, Antonio (Org.). Ética do discurso e Filosofia da Libertação: modelos complementares. São
Leopoldo: UNISINOS, 1994, p. 89.
122 APEL, Karl-Otto. Teoría de la verdad y ética del discurso, p. 160.
123 APEL, Karl-Otto. A ética do discurso diante da problemática jurídica e política, p. 116.
124 Com Sartre, Apel inquire sobre o imperativo categórico de Kant. Diz ele que para Sartre o indivíduo pode
agir de acordo com a sua intenção, convicto de representar a humanidade, mesmo diante de uma situação
completamente incomparável e restrito de comunicação, podendo, então, transgredir qualquer norma vigente.
Ele pode optar pela humanidade, à medida que opta por si mesmo. Com essa formulação, ou perspectiva,
Sartre sanciona o vazio conteudístico da ética, também encontrado em Kant. Apel, nesse sentido, questiona:
“não se pode derivar, ao contrário da opinião de Kant, um fim conteudístico como princípio regulador de
todas as ações morais a partir do ‘factum da razão’, desde que se conceba esse ‘factum’ como o a priori da
158
uma condição de possibilidade de argumentação, mas um imperativo categórico. Ora, quem argumenta já
reconheceu, desde sempre, uma norma ética fundamental, que pode ser assim entendida: o argumentante
já reconheceu que a razão é prática, “que é responsável pelo agir humano; isto é, que as pretensões de
validade ética da razão, da mesma forma que suas pretensões de verdade, podem e devem ser satisfeitas
através de argumentos” (apud Apel, p. 73), ou melhor, que as regras ideais da argumentação representam,
de fato, condições normativas de possibilidade, com pretensão de validade, por meio do consenso. Um cético,
ao questionar a possibilidade de justificação das normas, já faz uso do argumento e, por isso, deve admitir
que está interessado, no campo teórico, ao menos, por questões práticas. E sobre isso, é possível a seguinte
afirmação: a busca pela fundamentação da razão prática é assunto da razão teórica. Então, deve-se admitir
que “a vontade de argumentar é equivalente à vontade de verdade, e a vontade de verdade supõe as regras
‘morais’ da argumentação, ou seja, é já vontade moral. Esta estrutura em conjunto não pode ser negada
sem contradição performativa, ou seja, é autoverificável” (p. 77). Portanto, a recusa à argumentação não
pode ser senão uma contradição performativa; a argumentação, por sua vez, já implica em regras morais.
Cabe ao cético: ou tornar-se membro de uma comunidade argumentativa ou atuar como uma “planta”.
VELASCO, Marina. Ética do Discurso: Apel ou Habermas? Rio de Janeiro: FAPERJ; Mauad, 2021, p. 72-78.
141 MALIANDI, Ricardo. Semiótica filosófica y ética discursiva, p. 56-57.
142 APEL, Karl-Otto. Teoría de la verdad y ética del discurso, p. 165.
143 MALIANDI, Ricardo. Semiótica filosófica y ética discursiva, p. 57.
144 APEL, Karl-Otto. Teoría de la verdad y ética del discurso, p. 165-166.
162
do seu ato ou a alguma instituição por ele confiada, ou melhor, “não se pode
exigir moralmente que, sem uma ponderação responsável dos resultados e
subconsequências previsíveis de sua ação, deva comportar-se segundo um
princípio moral incondicionalmente válido”149. Esta perspectiva, da ética
discursiva, aponta o aspecto fundamental de diferenciação entre a ética da
convicção e a ética da responsabilidade.
Ora, a ética da convicção – de caráter substancialista e de conteúdo
explícito que determina tanto a vida justa quanto a vida boa – restringe-se à
opção pessoal e sem qualquer perspectiva de fundamentação racional da ética
em uma esfera pública. Esta, por sua vez, como compreende Weber, ainda
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justiça. Ainda que o Estado de Direito exija a conduta moral conforme a lei,
ela já não mais se fundamenta por uma ação moral do “dever”. Este alcance
pós-convencional, moralmente relevante – como acentuado por Weber – não
pode fundamentar (ou justificar) a parte A da Ética do Discurso, abstrativa e
universalista. Contudo, dado que Estado do Direito torne possível a moralidade
alcançada, ao impor normas cuja validade considere o reconhecimento (não
violento) dos afetados e, ao mesmo tempo, uma ação coercitiva, legítima,
susceptível de consenso, fundamenta (ou apresenta a justificação normativa)
a parte B da ética discursiva; por isso, uma ética da responsabilidade, referida
à história. Ora, não é possível a parte A – que fundamenta e valida as normas
164 APEL, Karl-Otto. A ética do discurso diante da problemática jurídica e política, p. 114-115.
165 APEL, Karl-Otto. Ética do Discurso, p. 284.
166 NIQUET, Marcel. Teoria realista da moral, p. 90.
167 Ibid., p. 93.
168 APEL, Karl-Otto. Ética do Discurso, p. 286.
168
Conclusão
pelo princípio procedimental, a priori. Nesse sentido, Apel, com Weber, iden-
tifica na responsabilidade a aplicação ética, no mundo histórico. Na parte B
da ética discursiva, esta perspectiva é incorporada como asseguramento de
aplicação normativa; ela, a parte B, permite à comunidade de comunicação
formular as normas e considerar suas consequências. Ora, a responsabilidade
já é pressuposta na forma procedural, mas com garantia de ser observada
justamente na parte B, historicamente condicionada. Nesse aspecto, Apel
constata, com Weber, a necessidade de valorização do horizonte experiencial
da história para a fundamentação ética.
Além de Weber, Apel confere a corresponsabilidade à Ética do Discurso,
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REFERÊNCIAS
APEL, Karl-Otto. A ética do discurso diante da problemática jurídica e polí-
tica: as próprias diferenças de racionalidade entre moralidade, direito e política
podem ser justificadas normativa e racionalmente pela Ética do Discurso? In:
APEL, Kar-Otto; OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Com Habermas, contra
Habermas: direito, discurso e democracia. São Paulo: Landy, 2004.
C
Convicção 13, 132, 133, 134, 136, 137, 138, 139, 140, 143, 151, 153, 163,
165, 169, 170
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E
Emancipadora 11, 71, 72, 75
Ética 3, 9, 13, 108, 126, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 137, 138,
139, 140, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 150, 151, 152, 153, 154, 155,
156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170,
171, 172, 173, 174, 178
F
Fenomenologia 13, 115, 122, 128
Filosóficos 11, 31, 43, 48, 73, 83
I
Ideologia 11, 12, 22, 23, 83, 84, 85, 86, 87, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 129,
143, 170
Igualitária 11, 71, 75
L
Linguagem 3, 9, 10, 11, 13, 15, 16, 17, 18, 20, 21, 22, 24, 25, 28, 31, 33, 34,
36, 37, 38, 52, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77,
78, 79, 80, 107, 108, 109, 113, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123,
124, 125, 126, 127, 145, 146, 147, 148, 149, 154, 169, 170, 177, 178, 179
Localização espacial 40, 42
Localização temporal 40, 42
M
Mecanismos disciplinares 11, 71
176
O
Ontológicas 39, 42, 49
S
Solidariedade 164, 167, 171
V
Valor heurístico 12, 83, 97
AUTORES
Amanda Cavalcante Ribeiro
Graduada em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo - UMESP.
Pós-graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Faculdade
Metropolitana. Tem ampla experiência na área da surdez e libras; fluente
em Língua Brasileira de Sinais, certificada pela UFSC - PROLibras/2008;
mestranda em Filosofia da Linguagem pela UFABC. Desenvolve pesquisa
sobre as relações entre surdez e constituição da subjetividade à luz das teo-
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
rias discursivas.
Cassiano B. da Costa
Graduando do curso de Licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal
de São Paulo - UNIFESP. Participa do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica - PIBIC – CNPq; desenvolveu pesquisa em 2020/2021 no
Departamento de Educação da EFLCH -UNIFESP sobre educação e trabalho
no sistema carcerário. Atualmente, desenvolve pesquisa na área da filosofia
da psicologia, com o tema: “a relação entre corpo e espírito: tensões entre a
filosofia e a psicologia”.
Felipe Couto
Doutorando em Filosofia da Psicologia pela Universidade Federal de São
Paulo; mestre em Filosofia da Linguagem; graduado em Comunicação Social.
Dedica-se a teorias e questões contemporâneas sobre consciência e lingua-
gem; pesquisa as concepções de subjetividade, linguagem, epistemologia e
ontologia presentes na filosofia tardia de Ludwig Wittgenstein e em escritos
diversos da obra de Blaise Pascal.
Marcelo Carvalho
Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo; Mestre e Graduado
em Filosofia pela mesma Universidade. Atualmente, é Professor do Depar-
tamento de Filosofia da EFLCH – UNIFESP; também, docente permanente
nos Programas de Pós-Graduação em Filosofia da UFABC e em Metafísica
da UnB. Concentra a sua pesquisa nas áreas da Filosofia da Linguagem, da
Lógica e da Filosofia Contemporânea.
SOBRE O LIVRO
Tiragem: não comercializado
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 10,5 | 11,5 | 13 | 16 | 18
Arial 8 | 8,5
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal | Supremo em brilho 250 g (capa)