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precarização do trabalho
e das condições de vida
Editora CRV - Proibida a comercialização
Organizadores
Rosangela Nair de Carvalho Barbosa
Ney Luiz Teixeira de Almeida
Editora CRV - Proibida a comercialização
Rosângela Nair de Carvalho Barbosa
Ney Luiz Teixeira de Almeida
(Organizadores)
Editora CRV - Proibida a comercialização
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO
DO TRABALHO E DAS
CONDIÇÕES DE VIDA
Editora CRV
Curitiba – Brasil
2023
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Imagem de Capa: Freepik
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Revisão: Os Autores
Edição financiada com apoio da Capes / Proex - Programa de Excelência Acadêmica.
L112
Bibliografia
ISBN Digital 978-65-251-5287-8
ISBN Físico 978-65-251-5286-8
DOI 10.24824/978652515286.8
2023
Foi feito o depósito legal conf. Lei nº 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
Todos os direitos desta edição reservados pela: Editora CRV
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Editora CRV - Proibida a comercialização
Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
Editora CRV - Proibida a comercialização
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .......................................................................................... 11
PREFÁCIO ..................................................................................................... 21
PARTE 1
O DEBATE TEÓRICO SOBRE A PRECARIZAÇÃO
SOCIAL NO CAPITALISMO
DOI: 10.24824/978652515286.8.37-66
PARTE 3
A PRECARIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E SUA
INCIDÊNCIA SOBRE O TRABALHO, OS DIREITOS SOCIAIS E A
REPRODUÇÃO DAS FRAÇÕES DA CLASSE TRABALHADORA
Inez Stampa
Tatiane Valéria Cardoso dos Santos
DOI: 10.24824/978652515286.8.343-364
mia capitalista.
Raquel Raichelis escreve o terceiro capítulo – “Crise do capital, pre-
carização do trabalho e TICs – o trabalho de assistentes sociais no ‘fio da
navalha’”– onde reflete, em outro diapasão, sobre a centralidade da crise do
capital, acentuando que ela desencadeia o severo contexto de precariedade
social, pois para reverter os limites aciona-se agendas profundamente pre-
carizantes que agravam a questão social, o que repercute sobre o trabalho
dos assistentes sociais, notadamente, por conta das novas configurações do
mercado de trabalho da área profissional e da própria fragilização neoliberal
dos serviços públicos. A autora estabelece alguns parâmetros sobre como a
dinâmica capitalista contemporânea impacta a profissão, refuncionalizando o
assalariamento dos profissionais, assim como as respostas às demandas sociais
e a racionalização instrumental do trabalho através das novas tecnologias
de informação. Desse modo, examina as mudanças do trabalho profissional
como parte dos processos societários maiores que formam a totalidade social
capitalista, em crise.
Ricardo Antunes e Luci Praun escrevem o quarto capítulo – “As formas
de ser do trabalho no capitalismo contemporâneo: do taylorismo-fordismo à
acumulação flexível e digital”. O texto toma como ponto de partida o enten-
dimento sobre a redução do indivíduo à unidimensionalidade do trabalho
no capitalismo, ao transformar a capacidade laboral em mercadoria força de
trabalho, apequenando e exaurindo a vida humana no assalariamento. Com
esse eixo analítico o capítulo percorre os ciclos expansionista do fordismo e
de crise do capitalismo que redundou no toyotismo e, mais recentemente, na
digitalização, apontando aspectos do processo de trabalho nesses contextos. Os
autores centram-se na arguição sobre os sentidos intrínsecos, visando superar,
14
***
1 (UERJ/CNPQ)
2 (UNIFESP)
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 33
REFERÊNCIAS
ANDRADE, C. D. de. Lira Itabirana. O Cometa Itabirano, Itabira, 1984.
PARTE 1
O DEBATE TEÓRICO SOBRE
A PRECARIZAÇÃO SOCIAL
NO CAPITALISMO
Editora CRV - Proibida a comercialização
TRABALHO, PRECARIZAÇÃO E
PRECARIEDADE: considerações teóricas
à luz de um balanço (auto) crítico
Graça Druck
DOI: 10.24824/978652515286.8.37-66
3 Vale registrar que algumas estudiosas da precarização, como Annie Thebaud-Mony, Beatrice Appay, (1997),
Helena Hirata (2002), dentre outros, para o caso da França, analisaram outros indicadores além da inserção
no mercado de trabalho, a exemplo da saúde do trabalhador e o trabalho das mulheres.
40
Afinal, ter qualquer emprego é melhor que não ter nenhum. Aplica-se aqui,
de forma generalizada, o que Marx e Engels elaboraram acerca da função
política principal do exército industrial de reserva, qual seja: a de criar uma
profunda concorrência e divisão entre os próprios trabalhadores e, com isso,
garantir uma quase absoluta submissão e subordinação do trabalho ao capital.
O consenso se produz a partir do momento em que os próprios trabalhadores,
influenciados por seus dirigentes políticos e sindicais, passam a acreditar
que as transformações no trabalho são inexoráveis e, como tal, passam a ser
justificadas como resultados de uma nova época ou de um “novo espírito do
capitalismo” (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009).
Para Standing (2013), o precariado é composto por aqueles que estão fora
da “cidadania industrial”, isto é, sem garantia de vínculo empregatício, sem
segurança no emprego e no trabalho, sem garantia de reprodução de habili-
dade, insegurança de renda e sem garantia de representação. Vivem, portanto,
numa situação de instabilidade, irregularidade e insegurança permanentes
em todos os níveis sem qualquer possibilidade de um pertencimento a uma
“comunidade trabalhista solidária”. Sem perspectivas de futuro, se movem
no curtíssimo prazo, influenciados pelas novas tecnologias e mídias sociais,
seu pensamento é rápido e curto e não há memória de longo prazo. Nessa
condição de “incerteza crônica”, não conseguem criar vínculos nem formas
de solidariedade, não se identificam uns com os outros, pois são “[...] uma
crescente massa de pessoas [...] em situações que só podem ser descritas como
alienadas, anômicas, ansiosas e propensas à raiva. O sinal de advertência é
o descompromisso político” (STANDING, 2013, p. 47) (DRUCK, 2018).
Ainda segundo Standing (2013, p. 48), constituem uma “classe perigosa”:
‘o precariado não é uma classe organizada que busca ativamente seus interes-
ses, em parte porque está em guerra consigo mesmo.’ [...] As tensões dentro
do precariado estão colocando as pessoas umas contra as outras, impedin-
do-as de reconhecer que a estrutura social e econômica está produzindo seu
conjunto de vulnerabilidades. Muitos serão atraídos por políticas populistas
e mensagens neofascistas, um desenvolvimento que já é claramente visí-
vel através da Europa e dos EUA e em outros lugares. É por isso que o
precariado é a classe perigosa, e é por isso que ‘uma política de paraíso’ é
necessária para responder aos seus medos, inseguranças e aspirações.
52
5 Na primeira parte desse tópico, reproduzo resumidamente uma discussão apresentada em: Druck (2018).
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 57
No caso do Brasil, Alves (2013a, p.88) salienta que é a partir dos anos
de 1990 que se constitui um “novo e precário mundo do trabalho”, fruto da
combinação de políticas neoliberais e da reestruturação produtiva, cuja centra-
lidade é a “nova precariedade salarial”, como elemento que sintetiza as demais
dimensões da precarização. Ademais, reflete as transformações no campo da
tecnologia, dos novos métodos de gestão/organização do trabalho, dos coletivos
geracionais híbridos e das novas relações flexíveis de trabalho, cujas expressões
empíricas são a remuneração flexível, a jornada de trabalho flexível e os novos
contratos flexíveis de trabalho. Em escritos mais recentes, afirma:
6 Em artigo mais recente Braga e Silva (2022, p. 120) discutem sobre os trabalhadores de plataformas,
classificando-os como parte do precariado, compreendido como: “Por “precariado” entendemos aquele
segmento das classes subalternas formado pela fusão das populações latentes, fluentes ou estagnadas da
classe trabalhadora, mais aqueles setores médios que estão em processo de proletarização, notadamente os
grupos sociais formados por jovens em trânsito mais ou menos permanente entre o aumento da exploração
econômica e a ameaça de exclusão social. Para mais detalhes, ver Braga (2012).” (tradução livre)
60
Notas Finais
REFERÊNCIAS
ALVES, G. Dimensões da precarização do trabalho – ensaios de sociologia
do trabalho. Bauru: Projeto Editorial Praxis, 2013a.
7 Um termo que por si já faz alusão à cisão da vida entre as esferas da produção e reprodução social, própria
da sociedade capitalista, que coloca o valor como fundamento e produz a ideia de um “exterior” no qual
existem atividades que não geram valor.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 69
8 Se referem às atividades que são tratadas como periféricas e secundárias em relação ao trabalho e a
produção de valor, consideradas em sentido capitalista, a centralidade da vida social.
70
9 Como assinala Trenkle “a antecipação de valor a ser produzido no futuro não financiou (e financia) em
larga escala, pela venda de títulos de propriedade (como obrigações e ações), apenas investimentos na
economia real e medidas de infraestrutura; também uma parte considerável dos investimentos, sobretudo
no setor da construção civil, que emprega uma quantidade enorme de força de trabalho em todo o mundo,
está diretamente relacionada à produção de capital fictício (especulação imobiliária)” (2016, p. s/p).
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 73
10 “Em 2007, a população economicamente ativa mundial estava distribuída já em 36,4 % para o setor primário,
22,2 % no setor secundário e 41,4 % no setor terciário. Em 2012, a União Europeia apresentava 71,8 % de
sua população ativa no setor terciário. Os EUA, 79,1 % e o Brasil, 71 %. Até mesmo a China, considerada
a fábrica mundial, em 2012 já apresentava a maior parte de sua população ativa no setor terciário 35,7 %,
contra 34,8 % no primário e 29,5 % no secundário.” (BOTELHO, 2018, s/p)
74
11 Isto não se aplica a países como o Brasil, que nunca tiveram um Estado Social constituído plenamente.
12 O complexo policial é uma constante na formação social de países como o Brasil, onde os traços escravo-
cratas e punitivos nunca deixaram de existir para grandes parcelas da população que viveram e vivem às
margens da forma social orgânica, reproduzindo de maneira permanente a violência e marginalização.
13 “somente a dívida pública em todo mundo alçou a soma de 42,4 trilhões em 2016.” (BOTELHO, 2018, s/p).
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 75
é uma fonte direta de capital fictício: essa dívida pública em algum momento
deve ser executada.
As possibilidades de gestão da crise pelo Estado são cada vez mais limi-
tadas, porque, como dito anteriormente, seu próprio funcionamento interno se
tornou dependente da injeção de capital fictício devido à redução constante
de arrecadação da mais-valia15. A relativa autonomia dos Estados nacionais
se tornou ainda mais frágil diante dos imperativos do mercado internacional
porque a concorrência se tornou imediatamente global, com pouca margem
para ações limitadas ao mercado interno.
Diante dessa conjuntura, não é mais possível tratar as contradições do
capitalismo nacional separadas do contexto global, porque tanto a produção
industrial, como os déficits estatais não dependem apenas do mercado interno,
mas estão diretamente relacionadas com o capital mundial.
A China, por exemplo, que despontava no início do século como nova
potência econômica, demonstra agora que o crescimento do seu enorme
parque industrial foi baseado em capital fictício, uma vez que, além de um
endividamento estatal sem precedentes16, a compra de títulos do Tesouro
14 “Bancarrotas dos Estados ocorrem regularmente desde os princípios da história do capital. No entanto, é
muito diferente se um Estado declarou falência quando se apresenta somente como consumidor de bens
de luxo (militar, corte), correspondendo a menos de 5% da riqueza existente, ou um Estado moderno,
insubstituível para a reprodução social cotidiana, administrando de 40 a 50% do PIB” (LOHOFF, 2015, s/p).
15 “A crise econômica mundial de 2008 resultou precisamente do fato de que o governo de George W. Bush
não quis “resgatar” e “salvar” os mercados financeiros, deixando que a quebra do Lehman Brothers fosse
usada como exemplo dissuasivo para os demais operadores financeiros. As consequências dessa tentativa
de sair da economia de bolha são bem conhecidas: os mercados financeiros congelaram, os empréstimos
estagnaram e a economia global entrou em recessão.” (KONICZ, 2020, p. 37).
16 “Em menos de duas décadas, a dívida duplicou seu tamanho total em relação ao PIB: em 2008, ela corres-
pondia a 140% do PIB; agora já chega a 265%, com um crescimento de 45% só nos últimos cinco anos. Todo
76
esse endividamento em um ritmo inédito na história do capitalismo produziu a maior das bolhas imobiliárias,
que agora exige novos recursos para que seu estouro seja adiado.” (BOTELHO, 2022)
17 Após a crise de 2008, com a queda substancial no consumo de mercadorias pelo país norte-americano,
a China para tentar evitar os reflexos da crise começou a inflar uma bolha financeira interna a partir de
investimentos em infraestrutura e especulação imobiliária, porém o seu mercado consumidor interno não é
capaz de absorver as mercadorias em um nível minimamente compatível com o de sua produtividade atual.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 77
o mundo estão caindo fora das categorias funcionais pois não há mais lugar
para elas num sistema produtor de mercadorias que pode explorar produtiva-
mente cada vez menos força de trabalho. Se tornando supérfluas em sentido
capitalista, surge de maneira universal um segmento de camadas inferiores
que nada tem a ver com o velho proletariado, tornando-se desnecessárias na
sociedade produtora de mercadorias.
No Brasil, esse segmento possui uma forte determinação de raça, que é
administrada ou eliminada através da violência direta do Estado ou por outros
aparelhos não oficiais, mas que funcionam por dentro do próprio Estado.
Essa interdição foi marcada historicamente pela nossa particular sociedade
do trabalho, que se ergueu sobre o colonialismo, escravismo e racismo, uma
vez que na formação social brasileira a lógica do trabalho nunca possibilitou
a incorporação massiva dos sujeitos.
Assim, quando o capitalismo entra em seu processo de declínio, as
expressões da questão social brasileira estão assentadas nestas bases, cul-
turalmente e economicamente, atravessadas por uma forma particular de
mercantilização das relações sociais. Mesmo a exploração extrema da força
de trabalho como meio para compensar a baixa produtividade econômica em
relação à média dos países mais desenvolvidos, não resolve as contradições
internas da valorização do valor que são regidas pela concorrência mundial.
Como reflexo, a corrida pela racionalização das forças produtivas condi-
cionada pelo mercado externo e pelo curto prazo que pode ser sustentada por
capital fictício, faz com que nos países periféricos, como o Brasil, a força de
trabalho produtiva comece a ser eliminada antes mesmo de conseguir expandir
o seu mercado consumidor interno.
78
18 “Segundo indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do segundo semestre de 2021,
na superacumulação de uma massa de pessoas subempregadas, uberizadas, “se virando” na informalidade,
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 79
33,8 milhões sobreviviam com um rendimento mensal de até um salário-mínimo. Desse contingente, 21,9
milhões obtêm rendimento entre meio e um salário-mínimo. No intervalo de um ano, houve um aumento de
4,4 milhões de trabalhadores. Tomando como parâmetro o primeiro trimestre de 2022, o número salta para
36,414 milhões de pessoas” (BRITO, 2022).
80
Considerações Finais
19 Segundo o informe da FAO “em 2022 até 828 milhões de pessoas padeceram de fome em 2021, 46 milhões
de pessoas a mais que no ano anterior e 150 milhões a mais que em 2019” https://www.fao.org/newsroom/
detail/un-report-global-hunger-SOFI-2022-FAO/es. No Brasil, “o número de domicílios com moradores
passando fome saltou de 9% em 2019 (19,1 milhões de pessoas) para 15,5% em 2022 (33,1 milhões de
pessoas). São 14 milhões de novos brasileiros/as em situação de fome em pouco mais de um ano”.
Disponível em: https://olheparaafome.com.br/.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 81
REFERÊNCIAS
BOTELHO, M. Ainda sobre o “milagre chinês” (I). Blog da Boitempo, 12
jan.. São Paulo: Boitempo, 2022. Disponível em: https://blogdaboitempo.
com.br/2022/01/12/ainda-sobre-o-milagre-chines/. Acesso em 21 dez. 2022.
20 As reflexões aqui apresentadas beneficiam-se diretamente dos estudos, pesquisas e debates desenvolvidos
pelo Núcleo de Estudos e Pesquisa Trabalho e Profissão (NETRAB), do PPG em Serviço Social da PUC-SP,
sob minha coordenação, notadamente de suas últimas pesquisas publicadas em e-book de acesso gratuito,
com o título “Nova-velha morfologia do trabalho no Serviço Social – TICs e pandemia”, disponível para
download em https://www.pucsp.br/educ
86
Por essa razão, para Konicz (2020), com quem concordamos, não com-
preenderemos adequadamente a crise atual se não entendermos o próprio capi-
talismo, mais precisamente o movimento do capital em sua busca incessante
de valorização do valor por meio da transformação de tudo em mercadoria e
dinheiro (D-M-D’), buscando acumular cada vez mais trabalho assalariado
abstrato e trabalho morto (2020, p. 35).
Como uma totalidade histórica concreta e contraditória, a “instabilidade
e a propensão às crises – mas também a dinâmica destrutiva – do sistema
capitalista resultam da tendência do capital, mediado pelo mercado, de reduzir
o uso do trabalho assalariado no processo produtivo” (KONICZ, 2020, p. 35).
Em tal contexto, o capital precisa se expandir incessantemente ou decreta
sua destruição; e, contraditoriamente, ao fazê-lo, tenta se livrar da sua própria
substância – o trabalho assalariado –, processo impulsionado pelo progresso
técnico que aprofunda a contradição entre as relações sociais de produção e
as forças produtivas do trabalho (MARX, 2013).
Portanto essa contradição em processo no movimento histórico de
expansão do sistema capitalista mundial vai desencadeando crises sucessivas
– bolhas, estagnação econômica, crises monetárias, dívida dos países depen-
dentes em permanente crescimento, desemprego, precarização do trabalho,
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 87
22 Abílio (2021) denomina esse processo de “autogerenciamento subordinado”, noção que propõe adotar critica-
mente no lugar de empreendedorismo, para não alimentar a subjetivação neoliberal que dissemina a ideologia do
trabalhador proprietário “patrão de si mesmo”. A autora chama atenção para o trabalho de viração, que vai além
do “viver de bicos” (gig economy no jargão atual) ou de um trabalhador informal, que sempre existiu nas periferias
92
das cidades brasileiras, estruturando modos de vida e relações de trabalho sem direitos e proteções sociais,
transformando trabalhadores/as em sujeitos solitários/as na busca cotidiana e desesperada pela sobrevivência.
23 Para o que nos interessa nesse texto, não é excessivo lembrar que o trabalho uberizado não se limita às
empresas UBER, sendo que na atualidade esse tipo de trabalho se expande para todos os segmentos
do mercado de trabalho, nas empresas e organizações privadas, no Estado e nas instituições públicas,
principalmente no trabalho em serviços, incidindo portanto no exercício profissional de assistentes sociais
e demais trabalhadores/as que participam da formulação, gestão e implementação de políticas sociais e
de serviços sociais públicos e privados.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 93
2011, p. 589).
24 Para Dantas (2022b), em suas instigantes e polêmicas análises sobre o valor da informação-trabalho à luz da
teoria marxiana do valor-trabalho, a questão fundamental do capitalismo contemporâneo é que “o acesso ao
conhecimento cientifico-técnico, aos produtos artísticos, ao entretenimento cultural e aos próprios ‘estilos’ dos
valores de uso necessários ao dia a dia nas sociedades contemporâneas passa a depender das condições
impostas ao mercado por algum detentor monopolista da propriedade sobre esse conhecimento” (p. 72 ,
grifo do autor). Tal dinâmica dá origem à renda informacional, sustentada por uma draconiana legislação
internacional que transfere ao investidor privado capitalista os direitos de propriedade intelectual (DPI) sobre
os produtos do trabalho semiótico de cientistas, engenheiros, artistas, professores e outros trabalhadores
informacionais. Processo este que ocorre por meio do registro das patentes, marcas, desenhos industriais,
direitos autorais sobre softwares, obras cientificas, artísticas e literárias, endereços de sitos de internet,
entre outros, configurando um movimento de “cercamento” similar ao que deu origem ao cerceamento de
terras por ocasião da acumulação primitiva de capital descrita por Marx. Para aprofundamento dessa reflexão
sobre direitos de propriedade intelectual (DPIs) e rendas informacionais, Dantas remete ao texto de Larissa
Ormay (2022, p. 97-144), na mesma obra organizada por Dantas, Moura, Raulino e Ormay (2022).
25 Dantas (2022a, p. 4) observa que durante o governo Collor de Mello (1990-1992), período em que se
popularizou a internet no Brasil voltada sobretudo para o comércio e o lucro, “travou-se uma luta aberta
contra políticas industriais protecionistas que poderiam favorecer o aparecimento e avanço de uma indústria
brasileira de TICs”, sob o discurso do ingresso do Brasil no “primeiro mundo”, em defesa de ampla abertura
comercial e facilitação do acesso de todos (diga-se da classe média) aos prazeres do consumo.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 95
O capital financeiro que, por meio dos juros de seus empréstimos, abo-
canha parte do mais-valor extraído pelo capital produtivo, encontrou nas
PSD [Plataformas Sociodigitais] outro poderoso meio de se apoderar do
mais-valor do trabalho social – aqui sem intermediários. E manda a conta
para quem realmente produz”. (2022b, p. 89)
27 Para aprofundar a análise dos sofrimentos e desgastes provocados pelo trabalho de assistentes sociais
mediado pelas TICs e seus impactos na saúde e nos conteúdos teórico-metodológicos e ético-políticos do
exercício profissional, consultar Vicente e Monteiro (2022, p. 117-137).
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 99
30 Para aprofundar a análise sobre os efeitos na captura do tempo de trabalho e erosão de direitos no quadro
mais geral da flexibilização capitalista, consultar Barbosa (2020, p. 69-104).
104
REFERÊNCIAS
ABÍLIO, Ludmila C. Uberização: a era do trabalhador just in time? Estudos
Avançados. São Paulo, USP, v. 34, n. 98, p. 111-126, jan./abr., 2020.
BEHRING, Elaine Rossetti. Fundo público, valor e política social. São Paulo:
Cortez, 2021.
KONICZ, Tomasz. As origens da crise atual: visão geral das causas sistêmi-
cas e do curso histórico da crise do sistema mundial do capitalismo tardio.
Revista Margem Esquerda. São Paulo: Boitempo, n. 35, p.33-39, dez./2020.
NETTO, J.P. Capitalismo monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2009.
2020, p. 179-192.
31 Este texto é uma versão ampliada de artigo publicado sob o título “Transformações do trabalho no mundo
contemporâneo” no livro Engenharia do trabalho: saúde, segurança, ergonomia e projeto, organizado por
D. Braatz, R. Rocha e S. Gemma (Ed. Ex Libris Comunicação, 2021, p. 41-53).
110
Mas, situações como essas, por outro lado, auxiliadas pela alta concen-
tração de operários, típica das fábricas organizadas aos moldes do tayloris-
mo-fordismo, também se converteram no pós-Guerra em combustível para o
fortalecimento das lutas e das entidades representativas da classe trabalhadora
em diferentes países. Dessas lutas, assim como daquelas travadas desde o
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 115
32 Como a liofilização, expressão utilizada por Juan J. Castillo, não é um termo das Ciências Sociais, cabe
aqui uma explicação rápida: na Química, liofilizar significa, em um processo de temperatura baixa, secar
as substâncias vivas. O leite em pó é um leite liofilizado. Nos referimos, portanto, aqui, à secagem da
substância viva que, na empresa, é o trabalho vivo, que produz coisas úteis, riqueza material e valor, e que
contraditoriamente se reduz no capitalismo.
118
Considerações finais
REFERÊNCIAS
ANTUNES, R. (org.). Uberização, trabalho digital e indústria 4,0. São Paulo,
Boitempo, 2020.
LUKÁCS, G. Para uma Ontologia do ser social. São Paulo: Boitempo, 2013.
tas passa por ressaltar um caráter peculiar: uma “integração negativa”, isto
é, sua inserção na totalidade concreta do sistema do capital acontece pela
exclusão das formas básicas de sociabilidade do valor. Sua característica de
incompletude estrutural não é sinal de atraso ou de formas atávicas, mas é
parte necessária do moderno sistema produtor de mercadorias: precariedade,
informalidade, irregularidade e ilegalidade são condições necessárias para a
realização da forma-valor na periferia do capitalismo.
As periferias, enquanto espacialização das desigualdades sociais que se
manifestam nas contradições da urbanização, não são índices do atraso ou
do arcaísmo das economias subalternas, mas estão intrinsecamente conecta-
das com o desenvolvimento capitalista em sua escala planetária. A condição
de superexploração estrutural implicou a organização de certas estratégias
de reprodução social da população periférica que passava pela mencionada
complexa trama de ilegalidade, informalidade e precariedade. Esse cenário
tende a se agravar no atual contexto: o desenvolvimento da crise do capi-
tal significou o aprofundamento e a generalização da condição periférica
(CANETTIERI, 2020).
Este texto parte da realização de uma pesquisa de inspiração etnográfica34
e de anos de ativismo em periferias para analisar a vida cotidiana em territórios
33 Agradeço à Marina Paolinelli, Felipe Magalhães, Lourenço Morais e Taís Clark pela leitura e comentários
das ideias esboçadas neste texto. Naturalmente, equívocos, deficiências e exageros são de minha inteira
responsabilidade.
34 Estou convencido de que descrevo, ainda que em linhas gerais, processos sociais abrangentes, que
não se limitam apenas ao campo de minha pesquisa, realizado em Belo Horizonte, no âmbito do projeto
Disjunções e fraturas na periferia: sobre as fronteiras periféricas das metrópoles. Dessa forma, para a
segurança dos(das) meus(minhas) interlocutores(ras) e por julgar que não é o foco deste texto, eu optei
por omitir a localização da área do campo.
124
35 Aqui, como espero esclarecer ao longo do texto, refiro-me a forma histórica e espacialmente específica da
reprodução social sob um contexto de crise.
36 Segundo Roberto Schwarz (1999), a periferia se tornou um posto de observação privilegiado para com-
preender a dinâmica de desagregação do capitalismo global, como veremos adiante.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 125
37 Ou seja, ainda podemos adotar o termo “periferia”, pois existem elementos homogêneos que conecta estes
lugares a um conceito. Todavia, periferia é um gênero para designar uma pluralidade de realidades e contextos.
126
38 A bem da verdade, tanto a forma moderna do trabalho como o progresso propriamente dito nunca tenham
se estabelecido por aqui.
39 A expressão foi cunhada por Fernando Henrique Cardoso em 7 de abril de 1997: “O processo global de
desenvolvimento econômico cria pessoas dispensáveis no processo produtivo, que são crescentemente
‘inempregáveis’, por falta de qualificação e pelo desinteresse em empregá-las”.
40 Aqui sigo o argumento de Robert Kurz (2018; 2014; 1993) que demonstra como o movimento contraditório
do capital cria as barreiras e limites que bloqueia a valorização.
41 Esse movimento, por sua vez, foi assim sintetizado pelo então presidente-capitão: “a legislação trabalhista
vai ter que se aproximar da informalidade”. A frase teria sido dita em uma reunião com deputados no dia
12 de dezembro de 2018.
128
42 Tenho em conta a teoria de Postone (2014), para quem o conceito de valor em Marx cumpre a função de desig-
nar uma forma especificamente moderna de dominação social abstrata que se exerce por meio do tempo.
130
43 Faço essa ressalva porque boa parte da produção intelectual que se vale dessa categoria a utiliza para
analisar o mundo do trabalho. Embora tenha contribuições relevantes para conhecer essa realidade, não a
utilizo aqui no mesmo sentido. Meu interesse é enfocar um amplo processo social de decaimento das condi-
ções de vida que são impedidas de serem acessadas e desenvolvidas pela maioria dos indivíduos expulsos
das formas básicas de sociabilidade capitalista. Assim, não é do meu interesse tratar a precariedade como
faz Ruy Braga (2017), ao entendê-la como uma “dimensão intrínseca ao processo de mercantilização do
trabalho” a partir da definição de um patamar de renda, tampouco uso o termo restrito à perda de direitos e
inovações jurídico-legais que intensificam a exploração do trabalho, como faz Antunes (2018). Da mesma
maneira, não é meu interesse seguir o trabalho de Guy Standing (2013), que entende a precarização como
a condição de um emprego incerto, de baixa renda e com baixos níveis de segurança e como uma falta de
identidade segura baseada no trabalho. Meu interesse no uso da expressão precariedade é designar uma
condição específica, embora presente desde muito tempo na periferia, que marca a reprodução material
da vida em diferentes graus de intensidade e de diferentes maneiras.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 131
44 Sobre isso, deve–se ter em conta o que escreve Denning (2010, p.79 - tradução minha): “No capitalismo,
a única coisa pior do que ser explorado é não ser explorado. Desde os primórdios da economia salarial, a
vida sem salário tem sido uma calamidade para aqueles despossuídos dos meios de subsistência”.
132
designar a forma de reprodução da vida social que ocorre sem a mediação das
instituições modernas tradicionais, isto é, uma forma de vida que se desenvolve
às margens do Estado, do trabalho, do sindicato, da igreja, do partido, da assis-
tência social. A autora insiste, apesar de existir sem a mediação das tradicionais
instituições, que a pragmática vitalista das populações periféricas negocia os
limites de sua atuação, validade e legitimidade com essas instituições, relacio-
nando-se com elas. Desse modo, criam-se dinâmicas de reprodução social que
são próprias da atual fase do capitalismo. Também inspirada por Gago (2018),
Isadora Guerreiro (2020, s.p.) nota que essas são “dinâmicas de sobrevivência
que atravessam (ou não) o mundo do trabalho, mas não se detêm nele, não se
conformam (pois, afinal, ficam “sem forma”) por suas determinações internas”.
Contudo, nota-se que a erosão do regime de normatividade das institui-
ções tradicionais não leva à superação de uma vida baseada no dinheiro, afinal,
o capitalismo logrou transformar a todos em sujeitos monetários – mesmo que
Trabalho de viração
Assistencialismo de crise
Microempreendedorismo
as duas dimensões.
Rentismo periférico
45 Apesar de Paolinelli (2023; 2022) utilizar a expressão rentismo de baixo, apoiando-se, sobretudo, na ideia
de uma “neoliberalismo de baixo” apresentada por Gago (2018), aqui utilizo a expressão rentismo periférico
para dar ênfase ao rentismo que se desenvolve no interior da periferia.
46 Bonduki e Rolnik (1979) descrevem alguns casos que antes mesmo da casa do proprietário apresentar
qualidade de habitabilidade, algumas famílias empreendem na produção de imóveis para alugar, pois é
uma fonte primordial de acesso a recursos.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 137
Ilegalismos populares
Associativismo popular
47 Importante destacar as diversas ações de solidariedade ocorridas em territórios periféricos durante o período
mais intenso da pandemia de covid-19. Conferir, sobre isso, Canettieri (2021).
140
destacar que todas essas linhas se entrecruzam nas práticas sociais da peri-
feria, penetram a economia doméstica e a circulação das mercadorias e o
jogo social se faz a partir da conexão – não sem tensões e choques – com
outros circuitos e regimes normativos que se embaralham. Interessante frisar
que as estratégias para sobreviver na adversidade envolvem composições
complexas, legitimadas pelas práticas de vida cotidiana dos grupos perifé-
ricos. Para sobreviver na adversidade da periferia, é preciso desenvolver
uma combinação de estratégias e articulá-las de modo a aumentar sua efi-
ciência de sobrevivência. Ao mesmo tempo, todavia, essa situação acaba
reproduzindo e atualizando desigualdades históricas que são incorporadas
ao atual momento do capital: basta pensar como as formas de exclusão
racial de uma sociedade racista e a permanência da violência de gênero de
uma sociedade patriarcal são constantemente incorporadas e amplificadas
no contexto de crise48.
Não é possível ignorar o fato de que essa reprodução está, muitas vezes,
restrita a fazer uma gestão da miséria. Por meio dessas estratégias de repro-
dução social crítica, a vida cotidiana em um contexto de formas sociais
decadentes continua se reproduzindo. Dessa maneira, ocorre a mercantili-
zação de todas as relações sociais e momentos da vida cotidiana, mas num
sentido diferente do ressaltado por Henri Lefebvre (2014). Já não ocorre
uma dominação pela inclusão nas formas sociais do capital, mas pelo seu
contrário: a exclusão completa e absoluta das formas sociais de reprodu-
ção social próprias do capital. Essa dinâmica contraditória não extingue a
48 Aqui, tenho em conta exatamente a formulação de Roswitha Scholz (2008, s.p. - tradução minha): “Ora,
deduz-se precisamente da estrutura da dissociação-valor, como forma fundamental, que no capitalismo a
estratificação social, a desclassificação e a exclusão são definidas como necessárias”.
142
Considerações finais
49 Por exemplo, Roberto Schwarz (1999) rastreia elementos dessa sociedade violenta nos livros Cidade de
Deus, de Paulo Lins, e Estorvo, de Chico Buarque.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 143
REFERÊNCIAS
ABÍLIO, L. Uberização e viração: mulheres periféricas no centro da acu-
mulação capitalista. Margem Esquerda. São Paulo: Boitempo, n. 31, p.54-
59, 2018.
DENNING, Michael. Wageless life. New Left Review, n. 66, p. 79–97, 2010.
KURZ, R. Dinheiro sem valor: linhas gerais para uma transformação da crítica
da economia política. Lisboa: Antígona, 2014.
146
50 A partir de diferentes ângulos teóricos Guy Standing (2013), Ruy Braga (2012, 2017) e Alves (2013) debatem
acerca da constituição social do precariado, referindo-se aos indivíduos atingidos pelas formas precárias
de vida e trabalho.
51 Evidente, que compreendemos que há uma alteração qualitativa nos últimos quarenta anos, na medida em que
o ápice dos limites e contradições internas da sociabilidade capitalista carrega o novo tempo para uma acirrada
reestruturação capitalista mundial com picos de agravamento em 2000 e, sobretudo, em 2008. O esgotamento
do modo técnico-operacional de aumento da produtividade dos “trinta anos gloriosos” impactou o consenso social
que sustentava esse ciclo virtuoso do capitalismo, provocando a colisão da associação distribuição de renda aos
assalariados e acumulação de capital. Para variados estudiosos é um rompimento com o pacto social existente
desde o pós-Segunda Guerra e que provoca o esgarçamento do tecido social (CASTEL, 1998; BOURDIEU, 1998,
2008; POLANYI, 2000), colocando em ruínas o consenso social em torno do trabalho assalariado fordista. Para
outros, expressa a crise estrutural do capital, em sua reprodução ampliada, conforme mencionaremos adiante.
150
52 É válido acrescentar que esse universo de ponderações sobre as condições de vida e de trabalho no
capitalismo influenciou também a OIT (Organização Internacional do Trabalho) que passou a caracterizar
o trabalho precário como aquele regido por contratos de duração restrita (temporário, intermitente, casual),
crescentemente menos normatizado por regulações públicas e com proteção frágil contra demissão; baseado
em relações de trabalho camufladas e trianguladas como subcontratação, estágios, cooperativas ou empre-
sas-plataformas, além de gestão individualizada do trabalho, tendência a impedir a organização sindical e
condições laborais inseguras com restrição do salário, das condições de saúde e segurança ocupacional,
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 151
acrescido de ausência de promoção da qualificação e do crescimento em carreira. Para essa agência mul-
tilateral, o quadro de flexibilização, além de baixa proteção jurídica e atuação sindical, provoca expansivo
deslocamento de riscos dos empregadores para os trabalhadores (OIT, 2011).
53 Essa é uma ponderação recorrente nos estudos do trabalho, como o faz Linhart quando enfatiza o sentimento
de precariedade como uma variável pertinente às condições de saúde do trabalhador, em razão das exigências
de intensidade do trabalho que leva a que os trabalhadores estejam permanentemente preocupados com a
possibilidade de não terem condições de cumprirem as metas, o que os levariam a não se sentirem seguros ou
protegidos em seus postos de trabalho, tornando o futuro aleatório. A autora chama isso de precariedade subje-
tiva, inerente ao assalariado estável que mesmo não compondo o exército de desempregados, vive a tormenta
da incerteza no trabalho, por não poder se fiar na experiência, competência, habilidade e rede de sociabilidade
laboral, necessitando se esforçar continuamente para atingir os objetivos fixados pela empresa. Sem contar
com amparo coletivo, dada a individualização das relações de trabalho, dissemina-se o empreendedorismo
na gestão da carreira e, portanto, a viva competição entre os trabalhadores. “O resultado é, frequentemente, o
medo, a ansiedade, a sensação de insegurança (...) o sentimento difuso de (...) ser obrigado a cometer erros
para atingir objetivos (...) erros que (também) poderiam justificar um afastamento.” (LINHART, 2014, p. 46).
54 O problema da população em excesso no capitalismo não é um desafio dos dias de hoje, nem mesmo a
polarização em torno da heterogeneidade do trabalho. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), nos
anos de 1960, classificou o trabalho na forma emprego (com contrato de trabalho, regido por legislação
trabalhista, realizado em empresas formalizadas do mercado tipicamente capitalista) como trabalho for-
mal e chamou de trabalho informal aquele realizado sem contrato de trabalho e em formas econômicas
pré-capitalistas, observável nos países periféricos do capitalismo. Já nos anos de 1980, a OIT, tratou as
mudanças no trabalho capitalista mundial por meio das noções de emprego padronizado versus empregos
não-padronizados. O emprego padronizado era o emprego em tempo integral, contínuo e estável, represando
os trabalhadores em trajetória ocupacional com um único (ou poucos) empregador(es). Essa modalidade
envolvia também salário para sustento da família, acesso às políticas públicas (apoio à reprodução social),
legislação protetiva do trabalho e representação sindical. O emprego não-padronizado era a negativa ou a
insegurança em todos esses quesitos. A base da sociedade salarial europeia envolvia esse emprego-padrão,
152
ao menos no centro e no norte do continente. Todavia, o oposto, o emprego não-padrão, era invisibilizado
nessas regiões ainda que envolvesse segmentos de trabalhadores expressivos como mulheres e migrantes
(ou seus descendentes) que dificilmente participavam da experiência laboral padrão. Esse modo dominante
de pensar o trabalho (emprego-padrão) tinha o efeito ideológico de positivar o enquadramento fordista e
deixar na penumbra o trabalho e as condições de vida que atravessavam a maior parte do planeta. No
capitalismo dependente, por exemplo, fortaleceu-se o enquadramento dos bons trabalhos como aqueles
com contrato ou “carteira assinada” (formais) e os demais como informais, repletos de precariedade. Nesse
caso, a saída era ter como horizonte o crescimento dos trabalhos formais, o que invisibilizava o trabalho
informal – que abarcava a maioria da população ativa -, e de certo modo alimentava o argumento místico
de que mais modernização capitalista levaria à ampliação de empregos-padrão. Hoje, com as mutações em
voga, não é possível ver a generalização da forma emprego-padrão e, ao contrário, a precariedade ganha
expressão e a sua caracterização descritiva tende a relacionar o trabalho temporário – com ou sem contrato
-, à renda baixa e/ou irregular e à falta de benefícios sociais trabalhistas. O mais arrebatador é que essa
forma de trabalho historicamente precária da periferia capitalista se generalizou, demonstrando que o que
se vivia antes no sul global era mesmo capitalismo barbarizante, como futuro antecipado, que, agora, se
espalhou no novo tempo do mundo, conforme refletiu Oliveira (2013) e Arantes (2023).
55 Esses estudiosos tendem a se apoiar em Polanyi (2000), para quem, a mercantilização da terra e do trabalho,
assim como a dinâmica desmesurada desse processo aniquila o que ele chama de a própria substância da
sociedade, o sentido coletivo das relações entre os homens e deles com a natureza, portanto dos próprios
valores de uso. Essa degradação tenderia a ruir também com o próprio mercado e essa contradição seria
o substrato da história moderna. A solidariedade fordista, com as formas sociais de regulação do mercado,
serviu como boia de salvação para as contradições perenes da mercantilização. O Estado e o sindicato
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 153
eram a estrutura de emergência que canalizava o antagonismo para o curso da cidadania salarial (proteção
social e carreira ocupacional), a nosso ver, num período peculiar do capitalismo, quando o expansionismo
do valor estava em alta, sendo outra a situação na crise aberta a partir dos anos de 1970.
56 A resistência a essa reacomodação neoliberal do capitalismo não deixou de vir à tona e a juventude mundial
reagiu em diversos pontos geopolíticos. Esses escombros mobilizaram insurgências contra a desenfreada
expropriação social, contra as privatizações, o reordenamento do trabalho, o alto custo de vida e a violên-
cia sobre a população acantonada nas periferias urbanas. Contramovimentos de novo tipo, de natureza
154
espontânea, contra esse novo estágio do capitalismo, que amplia a mercantilização e cria mais empecilhos
para o acesso ao trabalho e a renda. O cerne da mobilização seriam os destroços da financeirização. ata-
das à denúncia das relações de opressão, exploração e espoliação por forças financeirizadas mundiais. A
precariedade da condição proletária começou a aparecer, então, como o novo meio de possível unificação
dos subalternos (BRAGA, 2012, 2017).
57 Para Dörre (2022), ainda que a precariedade, hoje, atinja a todos que dependem do assalariamento, a
compreensão mais próxima da complexidade da realidade social exige que se pense esses marcadores
sociais mencionados e a conexão entre classe e riscos de precariedade; frações de classe e de segmento
social e a maior permeabilidade à insegurança e à instabilidade social. Mesmo que não forme uma classe
à parte como precariado, tudo indica que os efeitos materiais e subjetivos na vida do assalariado merecem
ser apreciados, inclusive, para entender essa universalização do trabalho abstrato e a menor expressão dos
conteúdos particulares do trabalho concreto, que aprofundam os efeitos humanos negativos, ao passo que
possibilitam entender e atuar sobre o nexo comum dos trabalhos, desviando de dispositivos corporativos
hierarquizantes que tradicionalmente marcaram as identidades laborais fordistas.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 155
Marx não faz uso do termo precariedade, mas toda sua obra convida a
tomá-lo como efeito do processo de constituição da sociedade capitalista.
Afinal, a mercantilização é a base da especulação volátil da reprodução social
e o objetivo da dinamização das forças produtivas. Portanto, esses são fun-
damentos da incerteza das condições de vida e, por isso, vale a pena colocar
em relevo algumas chaves teóricas, de modo a situar a precariedade como
Editora CRV - Proibida a comercialização
60 De imediato, lembramos que a cisão produção e vida social, em favor da centralidade da primeira é uma
especificidade do capitalismo, que transforma o complexo da economia em produção de riqueza abstrata,
secundarizando os bens não-mercadoria, as coisas úteis à subsistência.
158
61 Essa contradição é bem delineada quando Marx diz: “os homens não estabelecem relações entre os produtos
do seu trabalho como valores por considerá-los simples aparência material de trabalho humano de igual natu-
reza (...) Ao igualar, na permuta, como valores, seus diferentes produtos, igualam seus trabalhos diferentes,
de acordo com sua qualidade comum de trabalho humano. Fazem isto sem o saber” (MARX, 2008, p. 95).
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 159
das trocas –, ainda que de modo invertido ou fetichizado porque aparenta ser
ele, o dinheiro, o todo poderoso do valor e não o trabalho. Todos os valores
de uso projetam no dinheiro seu valor de troca, proporcionando que as mer-
cadorias se relacionem como valores, possibilitando a troca de mercadorias
com a mesma quantidade de trabalho ou a mesma escala de trabalho social.
A forma-dinheiro torna tangível o valor das mercadorias e isso não decorre
das mercadorias em si e dos trabalhos concretos, mas dessa condição social
das relações entre elas, as mercadorias.
No entanto, o dinheiro não é só meio de compra e venda, ele também se
torna capital quando é usado para os adiantamentos em fatores de produção
(máquinas, insumos e força de trabalho) na expectativa de retorno, acrescido
62 Uma sociedade regida pela lógica do trabalho abstrato enreda a compulsão social pela dinâmica das trocas
entre os indivíduos para viverem, por meio de uma dominação historicamente específica, uma dominação
abstrata sustentada numa estrutura social que impõe à assimilação ao sistema de trocas mercantis e ao
poder do capital nesse contexto. Mas, produzir valor compulsória e crescentemente implica em estabelecer
coerção, disciplinamento e concorrência entre os produtores para que se produza mais em menos tempo,
tendo como referência de valor o tempo socialmente necessário para produção das coisas, o que normaliza
compulsoriamente as relações, ainda que seja uma referência móvel dado o impulso imanente por aumento
de produtividade do trabalho. Por conseguinte, a dominação capitalista é uma dominação do tempo de vida
para o trabalho, objetivando relações sociais alienadas que constituem o capital e o reproduzem. O trabalho
abstrato é uma peculiaridade e condição para isso (MARX, 2011).
63 Para Marx, seria fundamental entender essa especificidade do capitalismo, refutando, portanto, a transhisto-
ricidade do trabalho e da produção social. “A forma de valor do produto do trabalho é a forma mais abstrata,
mas também mais geral do modo burguês de produção, que assim se caracteriza como um tipo particular
de produção social e, ao mesmo tempo, um tipo histórico. Se tal forma é tomada pela forma natural eterna
da produção social, também se perde de vista necessariamente a especificidade da forma de valor, e assim
também da forma-mercadoria e, num estágio mais desenvolvido, da forma-dinheiro, da forma-capital etc.”
(2008, p. 102). É como forma histórica peculiar que a sociedade capitalista pode ser compreendida (e
superada), criticando-se o fundamento das trocas generalizadas (valor) e do estranhamento da condição
humana e ecológica do planeta nesse contexto.
160
64 Vale sublinhar que o reinado do dinheiro decorre das necessidades dessa forma histórica peculiar orientada
pelo valor autoexpansivo e sustentada num modo específico de exploração com o produtor de riqueza (traba-
lhador) reduzido à mercadoria força de trabalho. Mas, a crítica a essa dominação do valor, representada no
dinheiro, não se reduz à distribuição de riqueza (repartir melhor o dinheiro), na medida em que é específico
a esta sociedade a dissociação do trabalhador da criação produtiva, sendo a produção uma esfera estranha
a ele, sem sentido, fixada fora dele, que contínua, descontrolada e coercitivamente dinamiza a saga da
crescente produtividade, acionando mecanismos de depreciação humana e ecológica.
65 Ainda que não seja tratado aqui, sabemos que a reprodução social não se resume a comprar coisas para
subsistência por meio do salário, também envolve atividade não paga das famílias – necessária à reprodução
da força de trabalho - que, socialmente, é absorvida pelas mulheres. Além disso, formas não tipicamente
capitalistas também concorrem para a reprodução social viabilizando a reprodução contínua de capital, como
atividades domésticas e economias camponesas. Além disso, como sabido, na fase do capital monopolista
diversas ações de reprodução social foram incorporadas como políticas sociais no Estado. A problematização
dessas dimensões foge às possibilidades desse texto, no momento, mas vale aqui a sinalização, sugerindo
a reflexão do impacto do acirramento da precarização nessas outras dimensões da reprodução social.
66 A troca de equivalentes na relação capital-força de trabalho é uma cilada que tem manifestação na realidade
concreta, dando sentido às classes sociais, possibilitando a extração e apropriação de mais-valor.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 161
67 Marx (2008) apresenta uma vasta caracterização das jornadas de trabalho exaustivas, dos salários restritos
e das condições de saúde insalubres das fábricas, por meio dos relatórios dos inspetores fabris, sublinhando
um denso quadro de precariedade laboral. Também, diz ele, os salários sendo abaixo das necessidades de
reprodução, ao trabalhador não resta alternativa que não seja residir em moradias improvisadas e aglome-
rações em espaços abaixo do regramento sanitário plausível. As tratar da acumulação primitiva recupera a
violência dos processos de usurpação de terras, das Works Houses, do sistema colonial e da escravidão de
indígenas e negros. As condições insalubres das moradias, o esgotamento físico pelas horas trabalhadas
e pelas péssimas condições de trabalho, se somam à requisição para incorporar toda a família proletária
no trabalho, incluindo as crianças, para fazer frente ao baixo poder aquisitivo dos salários. Ao sintetizar a
apuração da sorte da classe trabalhadora com a crescente acumulação de capital, Marx mostra o destino da
superpopulação relativa, entre empregos inseguros, desemprego e trabalhos desprotegidos de contrato. Daí
emerge o exército industrial de reserva formado por aqueles trabalhadores que podem retornar ao mercado
de trabalho e a população sobrante, que excede às necessidades estruturais do capital.
162
69 Esse fetiche do dinheiro provoca, igualmente, instabilidade sistêmica, quanto mais esse equivalente universal
se distancia da relação intrínseca com a produção de riqueza (valor) e, também, quanto mais ele é ampliado
como instrumento especulativo do capital dada a demora de retorno lucrativo da circulação ou dos limites à
produção do valor nas últimas décadas. Essa é a artimanha da financeirização que emergiu na agenda do
capital após 1970 para fazer frente a sua crise e que tem aprofundado a dinâmica negativa das contradições
sistêmicas, enveredando pela ampliação dos recursos monetários mesmo com a queda da produção de
valor, o que alimenta bolhas potencialmente explosivas de consumo e enriquecimento.
164
origem social. Trabalhar e ter dinheiro para cobrir necessidades vitais apare-
cem como formas naturais de viver em todos os tempos, embora sejam mani-
festações de dominação historicamente específicas da sociedade capitalista.
A forma social da mercadoria torna todos entorpecidos porque os elemen-
tos-objetos da realidade se apresentam para a consciência de modo invertido
e isso resultadas relações sociais que acontecem de modo não consciente.
Em consequência, não é a realidade que é percebida distorcidamente, mas a
realidade mesma de que fazemos parte é assim, pois o fetichismo constrange
os atos da vida cotidiana e o todo social. Portanto, é uma sociabilidade não
conscientemente reflexiva, mas que desmedidamente reproduz o capital, em
seu impulso cego e automático por valor.
Consequentemente, Marx enfatiza a centralidade da dimensão do
trabalho abstrato – condição da generalização das trocas mercantis – que
transforma o trabalho num mecanismo da lógica coisal, de modo que para
nário, que exige maior investimento em capital constante. Isso significa que a
própria desmedida do valor que se valoriza provoca esse entrave, pois revela
a dificuldade crescente do capital com a autovalorização que o compõe.
Marx explicou isso observando que o modo de produção, em seu desen-
volvimento, desemboca em ciclos de ascensão da acumulação seguidos de
ciclos descendentes que acionam a agenda de recomposição dos processos
produtivos, do trabalho e do mercado. Sendo as barreiras à acumulação parte
da própria acumulação, o capital em sua pulsão pelo crescimento desmedido
de valor supera essas barreiras criando novas e maiores barreiras.
Essa dinâmica contraditória e paradoxal leva Marx a ver a propensão
do sistema para crises como resultado das próprias contradições fundamen-
tais do capitalismo. A crise econômica pode decorrer do curto-circuito, por
exemplo, entre produção e consumo que entrava a realização do mais-valor
por não vender as mercadorias competitivamente, o que, portanto, provoca
perdas vitais, irradiando-se pelo sistema e levando à destruição de capitais
(falências), com recessão econômica e desemprego. O que está em questão
aí, primordialmente, não é a retração do consumo que dificulte vender uma
mercadoria para comprar outra, mas fundamentalmente, a produção e a apro-
priação de mais-valor para viabilizar o reinvestimento produtivo em oportuni-
dade lucrativa. A carência dessa oportunidade oblitera a acumulação renovada
de valor. Essa disparidade que redunda em superprodução não é um quadro
excepcional e sim uma possibilidade lógica da concorrência de capitais, que
move o expansionismo de mercado, o movimento constante de corte de custos
e o impulso pelo aumento de produtividade, configurando mesmo um padrão
cíclico de seu desenvolvimento, abrangendo ascenso e descenso econômico. O
referido descompasso é motivado pelas próprias contradições que constituem
166
70 Um dos meios de ampliação dos lucros é a introdução de novos métodos de produção para reduzir custos
e ampliar a produtividade. A concorrência de produtores individuais motiva, por exemplo, esse movimento
de crescente inserção da ciência na produção, pois capitalista que consiga produzir abaixo do tempo médio,
apropria maior proporção de mais-valor e pode expulsar concorrentes do mercado, lançando trabalhadores
no desemprego. Nessa dinâmica concorrencial, a disputa pode depender também de reduções salariais,
intensificação do trabalho e ampliação da jornada.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 167
crash, portanto, para ele, a sociedade estaria estruturada num terreno movediço,
o que significa que a volatilidade das condições sociais e ambientais abarcadas
no vocábulo precariedade não é decorrência do acaso de um evento externo. A
tendência às crises expõe a irracionalidade inerente ao próprio modo de produção,
sendo assim, o capitalismo é uma experiência histórica limitada para fornecer
sustentabilidade à existência humana e à natureza, de modo que a precarização
do modo de vida resulta dessas exigências internas da lógica do capital71.
As duas últimas grandes crises (1929 e 2008) carregam essas determi-
nações tematizadas por Marx, pois resultaram das contradições sistêmicas e
serviram como freio de arrumação das condições de reprodução do capital.
A crise de 1929 foi agravada pela própria agenda anticíclica do Estado nor-
te-americano que elevou os juros e recomendou que o mercado ajustasse as
condições econômicas pela ação competitiva, com drástica eliminação dos
capitais mais fracos. Essa purificação provocou uma profunda e longa depres-
Editora CRV - Proibida a comercialização
73 Não é demais lembrar que a pandemia da covid-19 é uma expressão desse achaque da expansão de fron-
teiras ao capital, avançando sobre as regiões e maculando a biodiversidade. Ver a respeito: Monerat, 2020.
74 Em todo o mundo, verifica-se o agravamento das determinações do capital sobre as cidades, colocando a
moradia como uma das graves consequências da sociabilidade do valor, na medida em que a especulação
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 169
Considerações finais
imobiliária torna uma necessidade humana básica de abrigo estopim da disputa de capitais, constituindo
uma crise imobiliária global sem precedentes. A população que vive nas ruas, a favelização das moradias e o
banditismo avançam e se entrecruzam conforme crescem os artefatos de maior gentrificação dos lugares, de
acomodação turística plataformizada (Airbnb), de destruição de economias fabris, de investimentos especula-
tivos com títulos imobiliários/fiscais e de encurtamento de políticas públicas consequentes como valor de uso.
75 Vale dizer que a precariedade das condições de vida e o empobrecimento até o século XIX decorriam da
emersão e consolidação da sociedade capitalista como modo de vida e, agora, no capitalismo mundializado
e em crise essas expressões derivam do impasse interno da lógica do valor, quando ganha nova força as
ruínas sociais e ambientais.
170
REFERÊNCIAS
ALVES, Giovanni. Crise estrutural do capital, maquinofatura e precarização
do trabalho. Textos & Contextos, v. 12, n. 2, jul./dez. Porto Alegre: PUC-RGS,
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OIT. From precarious work to decent work: policies and regulations to combat
precarious employment. ONU/OIT: Switzerland, 2012. Disponível em: https://
www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_dialogue/---actrav/documents/mee-
tingdocument/wcms_179787.pdf Acesso em: 18 nov. 2022.
PARTE II
A VIOLÊNCIA DA DINÂMICA
CAPITALISTA PRECARIZANTE E A
GESTÃO DOS SEUS ESCOMBROS
Editora CRV - Proibida a comercialização
EXPROPRIAÇÃO E VIOLÊNCIA:
reflexões a partir dos impactos dos
grandes projetos de desenvolvimento
no espaço agrário do Rio de Janeiro
Ana Costa
Paulo Alentejano
Pedro Catanzaro da Rocha Leão
DOI: 10.24824/978652515286.8.177-198
76 O Grupo de Trabalho de Assuntos Agrários da Associação dos Geógrafos Brasileiros - Seções Locais Rio de
Janeiro e Niterói (GTAgrária) foi criado em 2002 e desde o final dos anos 2000 dedica-se a apoiar diferentes
movimentos sociais rurais no processo de identificação dos impactos dos GPDs e na construção da resistência
contra esses. O livro Geografia dos grandes projetos de desenvolvimento: reflexões a partir dos conflitos no
estado do Rio de Janeiro materializa essa contribuição teórico-política do GT Agrária (GTAGRÁRIA, 2021)
178
Os grandes projetos voltam à pauta nos últimos anos, de que são exem-
plares megaempreendimentos hídricos – transposição das águas da bacia
do São Francisco, hidrelétricas de Belo Monte e Madeira. Há, porém, uma
decisiva mudança do que se passa hoje em relação ao que aconteceu nos
anos 70: agora, grande parte das empresas e de seus empreendimentos
territoriais não estão mais sob controle do Estado brasileiro (VAINER,
2007, p. 11).
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isso forja-se uma aliança entre Estado, elites locais e grandes corporações
transnacionais para reordenar o território.
Expropriações e violência
através do ataque (físico) aos corpos dos homens e mulheres da terra, mas
também como estratégia perpetrada pelo Estado e pelo capital para viabili-
zação desses projetos e seus interesses.
Para Fontes, “a expropriação não pode ser considerada como um fenô-
meno apenas econômico, uma vez que é propriamente social [...]” (2010, p.
88). Esta autora afirma que “trata-se da imposição – mais ou menos violenta
– de uma lógica da vida social pautada pela supressão de meios de existên-
cia ao lado da mercantilização crescente dos elementos necessários à vida”
(2010, p. 88). Tais fatos não são exclusivos do Estado brasileiro, mas após a
chamada mundialização do capital, possibilita ao grande capital restabelecer
a rentabilidade dos seus investimentos. Para Santos,
nos anos 1970, que migraram para o município vizinho de Cabo Frio por efeito
do processo expropriatório orquestrado pelo grileiro Henrique Cunha Bueno.
Essa área que foi expropriada é reivindicada pelo QBF no processo de
regularização fundiária e titulação do território quilombola. Parte dessa área,
no entanto, é pretendida pelo projeto de expansão do condomínio de luxo
Aretê que busca ampliar sua territorialização na região. Nesse sentido, os
herdeiros de Henrique Cunha Bueno – hoje em posse da Fazenda Porto Velho
– não conseguiram emplacar a venda da terra, uma vez que a luta quilombola
inviabiliza a comercialização da área.
Diante deste entrave, os fazendeiros e o Aretê pressionaram a comuni-
dade de todas as formas para desistir do processo de titulação do território
quilombola, oferecendo uma área ínfima da fazenda em troca da retirada do
processo de titulação no Incra.
O projeto Aretê77 é considerado um dos maiores empreendimentos imo-
Editora CRV - Proibida a comercialização
77 Aretê, do tupi-guarani, quer dizer algo como “lugar de festa, festividade”. Trata-se de um ato de cinismo
nomear a partir do tupi-guarani um condomínio de luxo localizado em território originário indígena, ignorando
e, de certa forma, celebrando a violência colonial. Escolhemos aqui referir-nos ao complexo turístico exa-
tamente dessa forma para que não nos esqueçamos de suas raízes. Sublinhe-se que o nome Aretê surgiu
em 2017 com a intenção de comercializar o projeto.
192
tratar da violência colonial que assolou a região com um dos maiores portos de
tráfico negreiro do estado e como as raízes da comunidade de QBF datam dos
tempos da colônia e do império), pois não é objetivo deste artigo, retomemos
ao menos aos anos 1950, quando se iniciaram novas obras de infraestrutura
que promoveram uma valorização dos terrenos das Baixadas Litorâneas.
De lá pra cá, foram muitos os casos de violências e violações dos direitos
de comunidades negras rurais (dentre as quais algumas, ao longo do tempo,
se autorreconheceram enquanto comunidades quilombolas) estimulados pela
especulação imobiliária e realizados por grileiros, fazendeiros e empresários.
E há uma continuidade nessa dinâmica, na medida em que os interesses do
projeto Aretê atualizam formas de violência contra o QBF.
O avanço do Aretê pode ser considerado um processo de expropriação e
de territorialização de exceção pois, de acordo com a comunidade, a territo-
rialização do projeto acarreta a expropriação de recursos territoriais, naturais
Conclusão
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, G. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.
BARTRA, A. Con los pies sobre la tierra. Despojo y resistencia en los terri-
torios. Ciudad de México: Editora Itaca, 2015.
colonial. Mesmo diante dessa questão histórica, somos mobilizados por uma
interrogação política e científica sobre o alcance do dano socioambiental
provocado pela Mineradora Samarco com o desabamento da barragem,
ocorrido no dia 5 de novembro de 2015, quando foram derramados sobre
um povoado da cidade de Mariana, e, regiões limítrofes, os rejeitos repre-
sados da indústria.
O rompimento da barragem, recordamos, resultou em um rastro de
destruição ainda não completamente calculado e que afetou as condições de
vida material como o modo de vida das comunidades ao longo da bacia do
Rio Doce, abalando a biodiversidade ao longo de 600 km de cursos d’água
e da vida marinha no oceano atlântico, na medida em que esse rio chega até
o estado do Espírito Santo. A avalanche de rejeitos da mineração destruiu
diretamente uma área de cerca de 1.500 hectares, deixando 19 mortos, sendo
14 trabalhadores da mineração e 5 moradores do povoado de Bento Rodri-
gues. Foram soterrados bairros e localidades, atingindo cidades e povoados,
desabrigando centenas de moradores, a ponto de, em conjunto, impactar
diretamente a vida de cerca de 1 milhão de pessoas ao longo da calha do Rio
Doce (SANTOS, 2022).
O processo sociopolítico que atravessa o contexto de ruptura dessa bar-
ragem da mineração e o andamento político-jurídico de responsabilização
das empresas exigem interpretação teórica porque revelam uma nova fase
do capitalismo dependente, sob a mundialização de capitais. E, para isso, de
imediato revelamos que a Samarco não está sozinha, em especial porque ela
é uma empresa joint venture da Companhia Vale e da Anglo Australiana BHP
Billiton, cuja composição acionaria é dividida igualitariamente, evidenciando
200
79 Por força de Termo de Transação de Ajustamento de Conduta, celebrado com o Ministério Público, a empresa
subcontratada Samarco criou, em 2016, a Fundação Renova – organização civil – para lidar, em nome da
empresa, com os danos do rompimento da barragem. À semelhança da relação de subcontratação dessas
grandes corporações com a Samarco, a criação da referida fundação mais escamoteia as reais consequên-
cias do rompimento sobre a região do que os fatos e depoimentos dos atingidos sinalizam (SANTOS, 2022).
80 Sob orientação da Professora Doutora Rosangela Nair de Carvalho Barbosa.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 201
Apontamentos metodológicos
81 Adotamos, ao longo do texto, o termo “mais-valor”, uma vez que, segundo a orientação de Mário Duayer
na tradução dos Grundrisse (MARX, 2011), o termo “Mehrwert” significa “mais-valor”, mais adequado do
que mais-valia.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 203
uma dinâmica em que o próprio trabalhador passa a ser o seu inimigo mor,
tanto na disputa de vagas como na aceitação de formas e condições de traba-
lho aviltantes, já que o mercado de trabalho se torna um ambiente altamente
disputado, constituído por amplo contingente de indivíduos expropriados de
seus meios de vida82. A formação de força de trabalho excedente e com ampla
disponibilidade para o mercado de trabalho é intrínseco à dinâmica de produ-
ção do capital, na medida em que o investimento em capital constante amplia
a produtividade, diminuindo o valor das mercadorias em razão da contenção
do tempo social de trabalho incorporado em cada uma.
Marx destaca que além do capital tirar vantagens da existência do excedente
de trabalhadores, ele busca ultrapassar os limites da extração de mais trabalho
da parte do capital empregado, o que significa que a redução ou preservação do
capital variável não implica em diminuição do trabalho ou a promoção de mais
tempo livre para o trabalhador, mas, ao contrário, ampliação da produtividade.
Assim sendo, o máximo de produtividade extraída da força de trabalho, resul-
tará na potencialização da acumulação de capital, para o que é fundamental o
aprimoramento reiterado das técnicas de ampliação do rendimento do trabalho.
Mesmo com o surgimento de novos setores de expansão do capital, estes
buscarão produzir mais valor, na medida em que haja possibilidade de manter
a massa salarial em níveis satisfatoriamente baixos para que em períodos
de oscilação da taxa de lucro não resultem em limitações na dinâmica de
acumulação do capital, daí ser da natureza da economia da riqueza abstrata
82 De acordo com Marx (2017a), as definições socialmente necessárias para a reprodução da vida são obvia-
mente circunscritas também às relações entre as classes sociais, conforme mostra no debate sobre os
conflitos em torno do tempo da jornada de trabalho. A luta de classes responde aos condicionantes das
épocas históricas, confrontando-se com as determinações do metabolismo do capital e níveis culturais
socialmente alcançados (MARX, 2017a).
204
De frente a uma grave crise do capital, a partir dos anos de 1970, o amplo
desenvolvimento industrial e econômico da China emergiu como uma possível
correção do capitalismo recessivo, e, no início deste século, ele foi capaz de
provocar o ciclo virtuoso da economia primária, com grande demanda por
commodities, entre elas os minérios, o que fomentou investimentos em infraes-
trutura industrial e em urbanização, em ritmo acelerado no Brasil (MEDEIROS,
2010). Durante o período de 2003 a 2008, a procura chinesa por minério de
ferro cresceu em cerca de 225%, seguido por alumínio (124%) e cobre (78%).
Essa demanda contribuiu para o aumento do volume extraído e para a alavan-
cagem dos preços das commodities minerais no mercado (JENKINS, 2011).
Um fator importante para esse ciclo, conhecido como boom das commodi-
ties, além do efeito China, foi o processo da financeirização das commodities, o
qual foi constituído por meio de componentes especulativos do mercado finan-
ceiro e que resultaram na aplicação de preços bem superiores ao crescimento
da relação oferta e demanda (WANDERLEY, 2017). Esse processo conhecido
como de “financeirização” sobre os recursos minerais pelo mercado de capitais
83 Vale lembrar que a categoria “capital financeiro” assume uma centralidade nas análises dentro do pensamento
marxista, essencialmente para no que tange a compreensão da dinâmica do modo de produção capitalista
e seus desdobramentos na atualidade. Em termos de Lênin, a concentração da produção capitalista e seus
monopólios, fusão do capital industrial com o bancário, a busca pela ampliação de novos mercados de
investimentos, resultou no surgimento dessa modalidade de capital (SANTOS, 2022). Os desdobramentos
foram a concentração monopolista que assinalou a etapa imperialista do modo de produção capitalista.
Essa dinâmica ganhará novo estágio a partir do fim dos anos de 1970.
208
Nesse sentindo, Harvey (2005) aponta que a circulação possui dois aspec-
tos fundamentais, um é “o movimento físico real de mercadorias do lugar
de produção ao lugar de consumo, e [outro é] o custo real ligado ao tempo
consumido e às mediações sociais (a cadeia de atacadistas, varejistas, ope-
Editora CRV - Proibida a comercialização
sem entraves, já que quanto menor o tempo de giro do capital, mais rápido é
o retorno do rendimento para a estrutura capitalista, já que na lógica da acu-
mulação incide na minimização de barreiras espaciais, o que exige constante
desenvolvimento das forças produtivas vinculadas aos sistemas de transporte
e comunicação. No entanto, a “indústria do transporte constitui, por um lado,
um ramo independente de produção e, por conseguinte, uma esfera especial
de investimento do capital produtivo (MARX, 2017b, p. 231)
A busca pelo desenvolvimento técnico, aperfeiçoamento de equipamen-
tos, melhorias na logística, aumento do volume transportado, da velocidade
dos meios para a contração do espaço pelo tempo contribuem como formas de
redução do tempo de giro do capital e exigem a produção de infraestruturas
onde há centros de produção e contingente populacional para que ocorra escoa-
mento da produção. Nesse sentido, o parque logístico da Vale em Governador
Valadares se apresenta como elemento primordial na cadeia produtiva ligada
ganhos econômicos. De acordo com Santos (2022), a Vale busca formas para
a legitimação das ações que garantam sua cadeia de valor através de meca-
nismos de convencimento das comunidades vinculadas às suas operações,
assim como a realização de projetos sociais e ambientais nos territórios, nas
áreas e estados nos quais a empresa atua.
Ao cotejar esses projetos e suas intenções, evidenciamos dispositivos
de consentimento que contraditoriamente lidam com demandas formativas
locais em áreas temáticas importantes, provocando a disseminação de um
“modo de ser” de crianças e jovens da cidade, por meio da educação e da
cultura. De acordo com Acselrad (2018, p.48) essas ações empresariais
“destinam-se a prevenir o risco de instabilidade institucional”, ou seja,
evitar qualquer ação que possa afetar a cadeia de valor e as oportunidades
de negócio. Portanto, utilizam-se de estratégias políticas e sociais através
da responsabilidade social empresarial e da gestão de suas interfaces institu-
Considerações finais
REFERÊNCIAS
ACSELRAD, Henri. Territórios do capitalismo extrativista: a gestão empre-
sarial de “comunidades” in: ACSELRAD, Henri (org.). Políticas territo-
riais, empresas e comunidades: o neoextrativismo e a gestão empresarial do
“social”. Rio de Janeiro: Garamond, 2018.
MARX, Karl. Grundrisse. Trad. Mario Duayer. São Paulo: Boitempo, 2011.
MILANEZ, Bruno et al. Minas não há mais: avaliação dos aspectos eco-
nômicos e institucionais do desastre da Vale na bacia do rio Paraopeba.
220
85 O “acidente” é assim referido, entre aspas, pois, entende-se que um acidente é algo inesperado, imprevisível
ou de difícil previsão. Quando privatizada, a Vale do Rio Doce, hoje Vale S.A. assume as determinações do
processo de valorização. A escolha da finalidade do processo produtivo no lucro ao invés da vida, caracte-
rizariam o “acidente” como crime sócio-ambiental.
86 Crime semelhante em forma, mas com consequências ainda mais devastadoras em termos de número de
trabalhadores e trabalhadoras mortos, ocorreria anos depois na cidade de Brumadinho, também no estado
de Minas Gerais.
224
dois casos, o que se busca apresentar neste trabalho é o caráter estrutural des-
ses “acidentes”, referido ao modo de produção capitalista, e, justificam-se as
formulações aqui propostas porque hoje, passados sete anos do primeiro “aci-
dente”, as mineradoras retomam a plenitude de suas atividades em Mariana,
sem que os prejuízos causados a todas aquelas famílias consideradas pela
empresa como atendidas, de fato, tenham sido sanados. Prenúncio de violên-
cias individuais e coletivas, de ofensa à vida das trabalhadoras e trabalhadores
da região dos Inconfidentes.
De acordo com as informações prestadas pelos trabalhadores durante as
entrevistas e as informações obtidas na investigação e revisão bibliográfica, a
privatização da Vale do Rio Doce, é um importante marco para nossa reflexão.
Isso porque, para a estatal, que se preparava para privatização e entrada no
mercado mundial como empresa privada, também incorpora sensíveis mudan-
ças, em termos globais, da organização do trabalho. A Vale S.A. em Mariana,
cidade com população estimada no ano de 2018 em pouco mais de sessenta
mil pessoas, sentiu estas mudanças e ajustou-se aos novos modelos para reco-
nhecer-se competitiva no mercado internacional. Os impactos transcendem o
universo da produção e atingem de forma direta a vida da trabalhadora e do
trabalhador da empresa.
doar suas horas de trabalho e trocar suas horas de trabalho e vender suas
horas de trabalho, sem muita preocupação. Terminava a jornada, ele ia
pra casa, ia cuidar da sua vida. A partir da implantação desses métodos
japoneses da introdução desses métodos, as empresas passaram também
a exigir também que o trabalhador se preocupasse com a produção e isso
extrapolava, os trabalhadores começaram a levar isso pra casa, tá enten-
dendo? Envolvia tanto a cabeça do trabalhador que, podemos dizer assim,
aumentou o processo de alienação do trabalho a partir da implantação
desses modelos japoneses aí. [...] Isso foi no processo de preparação pra
empresa ser privatizada (Eletricista aposentado).
será beneficiado até o produto final e o rejeito pode voltar para o processo
produtivo ou ser depositado a céu aberto ou em galerias subterrâneas89.
Para ficar mais claro o impacto causado por uma atividade mineradora,
sugere-se uma conta simples. A Vale, em seu relatório para o terceiro trimes-
tre de 2022, informou ganhos de 4,002 bilhões de dólares com mineração de
ferro e níquel. Neste mesmo período o preço por tonelada do minério de ferro
(iron ore) variou entre US$ 119,00 e US$ 98,00. Apenas com isso, podemos
já imaginar o enorme impacto em termos ambientais que é causado pela
mineração para o alcance de tais cifras.
Isto posto, para ser economicamente viável para a empresa privada,
precisa-se beneficiar uma enorme quantidade de minério, sofrendo, por isso,
influência do mercado, da variação de preço do minério de ferro, que, em
alta, estimularia a produção e em baixa poderia chegar a ter a produção inter-
rompida, o que é um medo recorrente entre os trabalhadores manifestado nas
Editora CRV - Proibida a comercialização
89 Para mais detalhes do processo produtivo da mineração, e em particular, do processo produtivo da mineração
do ferro na cidade de Mariana/MG na mina Alegria e usina Germano, Cf. Carmo (2018).
228
90 Na sociabilidade capitalista, sabemos, com Marx (1996), que o lucro não é apenas uma escolha individual.
Ou se abraça as estratégias de contratendência à queda da taxa de lucro, ou corre-se o risco de sujei-
tar-se às agruras da alienação do trabalho. Subverter a lógica societária é uma questão revolucionária,
não custa lembrar aqui.
230
Minério-dependência
Com certeza, né. Já tô fazendo esse curso pra ter já alguma carta na manga.
A gente não sabe o dia de amanhã. Né, se eu for desligado ou não aí o
que que eu vou fazer da minha vida. O que eu sei fazer é operar os equi-
pamentos, mas aqui no comércio não tem esses equipamentos [...] então
eu tenho que buscar outras alternativas (Trabalhador e estudante, chefe
de uma família com esposa e filhos).
91 Vila mais próxima à entrada das minas e usinas, Antônio Pereira é distrito de Ouro Preto/MG. As vias de
acesso e linhas de ônibus à vila, entretanto, passam pela cidade de Mariana/MG, o que pode gerar confusão
ao visitante, que pode supor ser região marianense.
232
Essa região nossa, principalmente Mariana aqui, é uma região que precisa
da mineração mesmo porque não tem outro tipo de serviço entendeu?
Depois desse rompimento da barragem da Samarco, parou a minera-
dora, hoje, Mariana praticamente tá parada. Mariana hoje diminuiu
muito. Igual eu sou morador daqui, então eu vejo assim: Mariana em
94 Disponível em: h t t p s : / / w w w. r e d e b r a s i l a t u a l . c o m . b r / t r a b a l h o /
em-2015-pais-teve-613-mil-acidentes-de-trabalho-com-2-502-mortes-2092/
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 235
95 Freitas et al (2000) consideram os termos “acidente ampliado” e “acidente químico ampliado” contudo,
sugerem ser mais preciso o termo “acidente industrial ampliado” como um avanço nos debates sobre os
“acidentes maiores” promovidos pelas Comunidades Europeias, ou ainda de “acidente industrial grave”
usada em Portugal e por alguns técnicos no Brasil.
96 Essa diretiva impunha aos Estados membros da União Europeia que identificassem as zonas industriais
que apresentam riscos de acidentes graves. A diretiva, construída em 1982 já sofreu atualizações, sendo
a última do dia 16 de dezembro de 2003.
236
97 Desde 2002 a liderança do executivo municipal é marcada por instabilidade. Para se ter uma ideia, o prefeito
eleito no pleito de 2020 não chegou a assumir o mandato por estar inelegível. De lá para cá, a cidade já
teve dois prefeitos e pode ainda sofrer mais duas trocas até o final desse mandato (2024).
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 237
98 São propriedade privada e, como vimos de forma mais aprofundada em Carmo, 2018, preservam
interesse econômico.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 239
Considerações finais
REFERÊNCIAS
ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na
era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.
MANSUR, M.S. et al. Antes fosse mais leve a carga: introdução aos argumen-
tos e recomendações referente ao desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton. In:
ZONTA, M.; TROCATE, C. (org). Antes fosse mais leve a carga: reflexões
sobre o desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton. Coleção A questão mineral,
v. 2. Marabá/ PA: Editorial iGuana, 2016, p. 17-49.
dos trabalhadores/as sem teto, os/as ocupantes de imóveis antes vazios, os/
as pessoas que se encontram na situação limite de estarem na rua, as famílias
que moram, de forma precária, em ocupações.
Assim sendo, este artigo, que pretende refletir sobre os processos que
atuam para invisibilizar o cotidiano da região portuária do Rio de Janeiro, mas
sobretudo as formas de uso do espaço urbano portuário pela população que
mora, vive e trabalha na região, além de resistir e lutar pelo direito à moradia
digna e ao espaço como reafirmação do habitar, constitui-se uma breve análise
da pesquisa de Tese de Doutorado “O uso da terra para fins de moradia de
interesse social na região portuária do Rio de Janeiro: da Operação Urbana
Consorciada do Porto às necessidades habitacionais”, defendida em setembro
de 2020 por esta autora99. A atualização de alguns dados da referida pesquisa
também foi contemplada aqui, a partir da participação nos espaços de debate,
reflexão e de trocas sobre a questão da moradia, do direito à cidade, na luta
A região portuária do Rio de Janeiro, vive, desde 2009, o seu mais novo
paradoxo estrutural. Ora, se por um lado, com a nova reurbanização a área
recebeu sistemas de informação e transporte considerados tecnologicamente
de ponta, por outro, nesse mesmo movimento, a maioria da população que
vive, trabalha e usa esse espaço, sente o aviltamento no nível da sua qualidade
de vida. As violações de direitos, que historicamente atinge a população de
baixa renda da região, vêm se acirrando, seja porque não consegue mais pagar
o seu aluguel, garantir a sua alimentação e as demais despesas básicas, seja
porque, em último caso, são obrigadas a deixar a área.
Porém, é com a Operação Urbana Consorciada da Região Portuária (OUC
do Porto)100 que a população que mora, trabalha e vive na região central da
cidade, teve o aguçamento da precarização da sua condição de vida. A OUC
do Porto, desenvolvida pelo governo municipal de Eduardo Paes nas gestões
de 2009-2013/2013-2016, com prazo de 15 anos, podendo ser prorrogada
por igual período, teve um custo inicial de oito bilhões de reais. A extensão
101 Os CEPACs são Certificados de Potencial Adicional de Construção, que dizem respeito a valores mobi-
liários emitidos por municípios brasileiros, negociados por meio da bolsa de valores brasileira, como
investimento especulativo.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 249
102 Os bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, que constituem a I Região Administrativa e que integra a
área de Planejamento I (AP1), são os três bairros que compõem o núcleo da Área Especial de Interesse
Urbanístico onde se desenvolve a Operação Urbana Consorciada da Região Portuária do Rio de Janeiro.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 251
105 Olhe para a fome-Oxfam Brasil, 2022. Disponível em: https://olheparaafome.com.br/. Acesso em: 19 jan. 2022.
106 O Índice de Progresso Social (IPS) consiste na aferição do desenvolvimento humano a partir de indica-
dores vindo três dimensões e doze componentes. “O IPS é composto por indicadores socioambientais de
resultado, de modo que não utiliza variáveis econômicas ou intermediárias. Isto se dá porque o desenvol-
vimento humano ou progresso social se diferencia de crescimento econômico, e, portanto, é mensurado
multidimensionalmente através de variáveis sociais — indicadores de saúde, nível de acesso e qualidade
dos serviços básicos e da educação básica e superior — e também por variáveis ambientais, de acesso à
comunicação, direitos humanos, liberdade de escolha, tolerância e inclusão. Este marco teórico fundamenta
a estrutura das dimensões e componentes do IPS”. Índice de Progresso Social do Rio de Janeiro Rio
de Janeiro/Instituto Pereira Passos. Disponível em: https://ips-rio-pcrj.hub.arcgis.com/documents/918d-
d39478594792a9cfa7080b84c0b5/about. Acesso em: 19 jan. 2023.
107 Disponível em: https://ips-rio-pcrj.hub.arcgis.com/documents/918dd39478594792a9cfa7080b84c0b5/about.
Acesso em: 19 jan. 2023.
108 Disponível em: https://ips-rio-pcrj.hub.arcgis.com/pages/comparaes. Acesso em: 19 jan. 2022
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 253
ainda possuir índices tão baixos no que tange a qualidade de vida da população
(RIO DE JANEIRO, 2022).
Desta forma, entende-se que só é possível dar visibilidade à situação
da moradia na área central da cidade, especialmente na região portuária, ao
reconhecer que, como espaço vivido, é espaço de conflitos e de disputas por
seu valor de uso. Quando tratamos da região portuária observamos que se,
por um lado, não houve no âmbito da OUC do Porto investimento em políti-
cas públicas na região, por outro essa mesma Operação causou impactos que
agudizaram ainda mais os problemas sociais e as desigualdades socioespaciais
(WERNECK, 2017), levando centenas de famílias a buscar, por conta própria,
soluções para problemas históricos, como por exemplo, a garantia de um teto.
Esse quadro de precarização da vida, pode ser observado pela pesquisa
sobre cortiços da área central da cidade sob o título Prata Preta vinculada
ao projeto de extensão Viver, Morar e Trabalhar no Centro realizada pelo
Observatório das Metrópoles e Central de Movimentos Populares (CMP/
Editora CRV - Proibida a comercialização
109 Este Plano foi construído em 2015 por exigência do Ministério das Cidades. O PHIS do Porto apresenta,
“dentre outras medidas, a produção de pelo menos 10.000 Unidades de habitação de interesse social na
região portuária; um inventário fundiário dos imóveis públicos de todos os entes da Federação na área
254
portuária e na região central da cidade para se produzir habitação; oferta de pelo menos 1.500 imóveis
residenciais e 250 imóveis comerciais para aluguel, no âmbito do programa de Locação Social; reforma,
ampliação e recuperação de aproximadamente 2.500 residências de famílias de baixa renda; criação de
AEIS de vazios, gravando a destinação de terrenos públicos vazios para o uso residencial de interesse
social” (FORUM NACIONAL PELA REFORMA URBANA, 2022, p. 11).
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 255
área central da cidade, estão aquelas organizadas por movimentos sociais, como
Central de Movimentos Populares (CMP), a União Nacional por Moradia Popular
(UNIÃO), o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM) e Movimento
de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). São projetos de Habitação de Inte-
resse Social inscritos no “Programa Minha Casa, Minha Vida” ainda na gestão
dos governos federais do Partido das Trabalhadores nas décadas passadas, como
por exemplo, as ocupações Vito Giannotti e Quilombo da Gamboa localizadas
no bairro Santo Cristo, Mariana Crioula no bairro da Gamboa e Manoel Congo
na área central, Cinelândia. Essas moradias são em imóveis públicos, que esta-
vam vazios a mais de dez anos, logo, não estavam cumprindo a função social
da propriedade como rege a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).
Com o golpe parlamentar e político ocorrido em 2016, todos esses pro-
jetos-Vito Giannotti e Manoel Congo projeto de requalificação, Quilombo da
Gamboa e Mariana Crioula construção- foram paralisados nas instituições
federais. Assim, são seis anos de luta e resistência das famílias que moram
nesses imóveis para garantir a permanência como também a posse definitiva.
Movimentos e mobilizações nacionais foram de fundamental importân-
cia para a visibilidade e fortalecimento da luta popular contra os despejos,
principalmente durante a pandemia do Covid/19, exigindo a permanência
das famílias nessas ocupações e nas chamadas de espontâneas. Dentre tais
lutas e movimentos destacam-se a Campanha Nacional Despejo Zero, cons-
tituída por mais de 175 entidades de todo o Brasil, a aprovação da Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental 828 (ADPF), em 2021110 e a
110 Esta Lei que ficou conhecida como PL dos Despejos (PL 827/2020), “foi promulgada após a derrubada, pelo
Congresso Federal, do veto integral do Presidente Jair Bolsonaro ao texto da lei. De autoria do deputado federal
André Janones (AVANTE), em coautoria com as deputadas federais Natália Bonavides (PT) e Professora Rosa
256
Neide (PT)”. A aprovação da Lei garante que milhares de famílias permaneçam em suas casas, como ainda
minimização dos impactos das crises social, econômica e sanitária, cuja mais atingida é a população mais
vulneral. Disponível em: https://www.campanhadespejozero.org/aprovada-a-lei-federal. Acesso em: 21 jan. 2023.
111 A missão Denúncia em Defesa do Direito à Moradia, ao Território e Contra dos Despejos na Cidade do
Rio de Janeiro e Petrópolis foi realizada pelo Fórum Nacional pela Reforma Urbana, Campanha Nacional
Despejo Zero em Defesa da Vida na Cidade e no Campo, Conselho Nacional de Direitos Humanos, Plata-
forma DHESCA- Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais
(FORUM NACIONAL PELA REFORMA URBANA, 2022).
112 Relatório Rio de Janeiro e Petrópolis/RJ Missão Denúncia em Defesa do Direito à Moradia Adequada, ao
Território e contra os desejos nas cidades do Rio de Janeiro e Petrópolis/RJ (2022). Disponível em: https://
www.campanhadespejozero.org/aprovada-a-lei-federal. Acesso em: 21 jan. 2023.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 257
Considerações Finais
113 O Cais do Valongo foi construído em 1811 para o desembarque e comércio de pessoas escravizadas vindo
do continente africano. Localiza-se nas ruas Coelho e Castro e Sacadura Cabral na região portuária. Em
2017, recebeu o título de Patrimônio Histórico da Humanidade pela UNESCO.
260
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília: Governo Federal, 1988.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui-
cao.htm. Acesso em: 4 mar. 2022.
OXFAM BRASIL. Relatório. A Distância que nos une; um retrato das desi-
gualdades brasileiras. São Paulo, OXFAM, 2017. Disponível em: < https://
sinapse.gife.org.br/download/a-distancia-que-nos-une-um-retrato-das-desi-
gualdades-brasileiras Acesso em: 1 set. 2023.
OXFAM BRASIL. Olhe para a fome. São Paulo: Oxfam Brasil, 2022. Dis-
ponível em: https://olheparaafome.com.br/. Acesso em: 19 jan. 2022
114 É importante destacar que os alimentos disponibilizados e consumidos pela população brasileira são produzidos
principalmente pela agricultura familiar, constituída por pequenos produtores rurais, povos e comunidades
tradicionais, assentados da reforma agrária, silvicultores, aquicultores, extrativistas e pescadores. A Lei 11.326,
de 24 de julho de 2006, define as diretrizes para formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e os
critérios para identificação desse público. Conforme a lei, as principais características da Agricultura Familiar
são: gestão da propriedade compartilhada pela família; força de trabalho familiar; a atividade produtiva agro-
pecuária é a principal fonte geradora de renda; relação particular com a terra, local de trabalho e moradia;
muitas vezes a produção de subsistência está aliada à produção destinada ao mercado. Dados importantes
são fornecidos pelo Censo Agropecuário de 2017 do IBGE, levantamento feito em mais de 5 milhões de
propriedades rurais de todo o Brasil, que revela que 77% dos estabelecimentos agrícolas foram classificados
como da agricultura familiar, responsável por 23% do valor total da produção, ocupando, nesse período, 23%
da área total desses estabelecimentos. Ademais, esse setor empregava mais de 10 milhões de pessoas em
setembro de 2017, o que representava 67% das pessoas ocupadas na agropecuária. Disponível em: https://
www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/agricultura-familiar/agricultura-familiar-1. Acesso: 10 jan. 2023.
266
115 “O litoral, a costa o mar e o oceano eram simplesmente extensões do continente e as populações que viviam
desses ecossistemas eram considerados ‘camponeses’ e assalariados marítimos (no caso da navegação
costeira ou oceânica) para os quais as cidades litorâneas e as zonas costeiras representam espaço de
moradia”. (DIEGUES, 1993, p. 8). Portanto, considerando os mares e oceanos enquanto objeto de conhe-
cimento conclui-se que até há pouco tempo “estavam ausentes totalmente as ciências humanas, como se
o mar e os oceanos fossem grandes vazios, povoados somente por espécies de peixes e aves marinhas”
(DIEGUES, 1993, p. 7). Isso apesar de que desde a Antiguidade os mares tenham sido habitados de forma
temporária por navegadores, pescadores e piratas e de forma permanente ou quase, no caso dos pescadores
asiáticos, que moram com suas famílias nos seus barcos.
116 Cf.: Mattos et al. (2020).
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 267
O conjunto desses dados mostra que a pesca artesanal, prática mais antiga
que a própria história oficial do Brasil118, sobrevive a um modelo de desenvol-
vimento econômico e político que – resultado do modo de produção capitalista
– ameaça mangues, lagoas, rios, mar e a própria existência das diversas formas
de vida. Desse modo, é possível afirmar que “a dinâmica do capital leva não
somente à exploração dos trabalhadores do mar, mas também ao desrespeito
das leis que regulam o metabolismo da natureza” (DIEGUES,1983, p. 102).
Na área da pesca brasileira, de maneira geral, existe, por um lado, a
pequena produção mercantil litorânea que abrange tanto a pequena produção
de pescadores-lavradores quanto a de pescadores artesanais. Do outro lado, a
produção capitalista que abarca a produção dos armadores de pesca (proprietá-
rios de mais de uma embarcação) e as empresas de pesca. No litoral brasileiro,
em determinados momentos históricos uma das formas de organização social
da pesca é dominante e mais dinâmica, mas ela coexiste e se articula com as
117 Dados extraídos da Justificativa da 1ª Conferência Nacional de Aquicultura e Pesca – Caderno de Resoluções,
Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca, novembro de 2003.
118 O estudo histórico de Silva (1988) corrobora a necessidade de compreender a existência dos pescadores
artesanais não separada da relação política e econômica global do país, mostrando sua participação ativa
como sujeitos sociais em diversos momentos históricos importantes do território nacional, como a abolição
da escravatura, a independência, as revoltas de Cabanagem e Sabinada (Cf. p. 73-93). O autor revela que no
Brasil-Colônia a pesca artesanal estava intimamente relacionada com a história dos grupos oprimidos dessa
sociedade: os indígenas e, posteriormente, os negros africanos. Desse modo, ele afirma que “as origens mais
profundas desta situação atual se confunde com a história de todos os grupos oprimidos (camponeses, escravos,
etc.) deste país.” (p. 23). Já no período do Estado Imperial foi evidente um intenso processo de dominação,
controle político e opressão fiscal da atividade pesqueira, assim como em 1846 a elaboração da primeira
listagem oficial de todos os pescadores brasileiros, através da criação das Capitanias dos Portos e Costas e
dos Distritos de Pesca (Cf. p. 116-149). Portanto, é possível afirmar que colocar em evidência a “face oculta do
Brasil significa considerar grupos sociais inteiros que, tradicionalmente, sempre estiveram presentes mesmo
que, por trás da casa grande ou da senzala, como o são os pescadores artesanais” (SILVA, 1988, p. 13).
268
120 Neste sentido, a partir do trabalho é possível investigar o complexo concreto de sociabilidade do ser humano
como forma de ser (LUKÁCS, 2013). Isto significa dizer que o trabalho é a categoria fundante do ser social e
que em germe contém todas as outras determinações, aspecto que determina sua prioridade ontológica na
análise de sua gênese e desenvolvimento. Nos termos do autor: “no trabalho estão contidas in nuce todas as
determinações que constituem a essência do novo no ser social” (p. 44). Por conseguinte, como já assinalado,
o trabalho é a categoria fundante, mediadora, essencialmente intermediária, vínculo material e objetivo entre
ser humano e natureza que por excelência assinala a passagem do ser meramente biológico ao ser social. A
linguagem, a sociabilidade e a divisão do trabalho são outras categorias decisivas para esclarecer o caráter
fundante do trabalho, cuja existência e operação requerem que o ser social já esteja plenamente constituído.
121 “Parece um paradoxo, por exemplo, considerar o peixe que ainda não foi pescado meio de produção da pesca.
Mas, até hoje não se inventou a arte de pescar em águas onde não haja peixes” (MARX, 1994, p. 205).
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 271
122 A PNPCT defende a necessidade de ações intersetoriais, integradas, coordenadas, sistemáticas, na base
do reconhecimento da diversidade socioambiental e cultural das comunidades tradicionais, levando em
conta etnia, raça, gênero, idade, religiosidade, ancestralidade, orientação sexual, bem como a necessidade
de não desrespeitar, subsumir ou negligenciar as diferenças entre as comunidades ou, ainda, instaurar ou
reforçar qualquer relação de desigualdade. No mesmo Decreto, no artigo 3º I, determina como objetivo
específico “garantir aos povos e comunidades tradicionais seus territórios, e o acesso aos recursos naturais
que tradicionalmente utilizam para sua reprodução física, cultural e econômica”.
272
123 “As comunidades tradicionais ainda sobrevivem em função da formação de suas bases na organização
sociocultural. Elas se mantêm pela formação de una identidade pautada nos laços de solidariedade, alianças
e também de conflitos. Todo este complexo envolvendo as relações sociais, políticas, econômicas, religiosas
e culturais nos permite uma diversidade para se trabalhar o conceito, não de forma fragmentada, mas sim,
integrada, produzindo ‘lógicas diferenciadas’ envolvidas por um saber característico de cada local estudado.”
(SOUZA; BRANDÃO, 2012, p. 118).
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 273
124 Entretanto, é importante ressaltar que no contexto de crescente empobrecimento das comunidades dos
pequenos produtores litorâneos artesanais, como resultado dos múltiplos fenômenos relacionados na
introdução deste texto, assiste-se a uma ameaça de completa desorganização dessas culturas.
125 Entre 1985 e 1988, pescadores e pescadoras artesanais, com o objetivo de lutar pelo atendimento de
seus interesses, realizaram a “Constituinte da Pesca”. Só a partir da constituição de 1988 as Colônias de
Pescadores (órgãos de classe) ganharam status de organização sindical independente, passando a sofrer
menos interferências do Estado.
274
126 Neste sentido, como resultado da luta das comunidades tradicionais pesqueiras pela efetivação de seus
direitos fundamentais, foi apresentado o Projeto de Lei n. 131/2020 que propõe a regulamentação dos
territórios dessas comunidades no Brasil, assegurando-lhes o direito de exercer a sua atividade de acordo
com os seus modos tradicionais de ser, criar e viver.
127 Sempre é oportuno lembrar que “Este modo da produção não deve ser considerado só segundo o aspecto
de ser a reprodução da existência física dos indivíduos. Ele já é antes uma maneira determinada de atividade
desses indivíduos, uma maneira determinada de manifestar a sua vida, um modo de vida determinado. Os
indivíduos são assim como manifestam a sua vida. O que eles são coincide, portanto com a sua produção,
tanto com o que produzem quanto também com o como produzem. Portanto, o que os indivíduos são
depende das condições materiais da sua produção.” (MARX; ENGELS, 1983, p. 187).
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 275
128 Diegues (2004a) observa que as ciências sociais reconhecem que pescadores integram culturas e sociedades
diferenciadas como portadores de práticas de pesca distintas, em contraposição à tendência das ciências naturais
que enfatiza a diversidade biológica e padroniza as práticas e organizações sociais dos pescadores. O autor,
partindo desse reconhecimento, defende a necessidade de uma visão interdisciplinar, enquanto articulação de
várias formas de saberes que incorporam a ciência e o conhecimento de comunidades de pescadores artesanais.
129 É importante registrar que a pesca artesanal, como qualquer atividade extrativa, está submetida a restrições
ambientais na época do defeso. A Lei 19779, de 25 de novembro de 2003, dispõe sobre a concessão do
benefício de seguro de desemprego, durante o período de defeso, aos pescadores profissionais que exercem
a atividade pesqueira de forma artesanal.
276
130 O autor também assinala que cidades como Pernambuco e Rio de Janeiro contavam com um número
significativo de corporações, mas pelo fato de que a maioria da população urbana constituída por mestiços
e brancos pobres, entre os que se encontravam os pescadores, utilizava as mãos em suas profissões não
eram considerados “gente limpa ou honrada”. Diante disso, “operou-se construção ideológica, por parte
das elites frente aos trabalhadores artesãos, cujo uso das mãos (efetivada por profissões populares) e sua
condição de cor inferiorizava os homens das corporações diante dos aristocratas, dos cidadãos mãos limpas
e, por isso, refinados de espírito” (RAMALHO, 2008, p. 265).
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 277
133 O espia, presente no sudeste e sul, é o pescador que observa a movimentação dos cardumes e anuncia
sua aproximação, desencadeando o cerco a partir da praia e do lançamento da rede. O que domina a arte
do arremesso da tarrafa, instrumento para ser operado de maneira solitária, é encontrado tanto na pesca
costeira quanto na pesca continental em várias localidades do país. O pescador de pirarucu a partir da fisga,
manejada da pequena embarcação que circula nos lagos e canais amazônicos, continua a capturar o imenso
peixe. Os jangadeiros de pesca de linha ou de rede, possuidores de embarcação característica formada por
uma balsa e a vela, estão presentes ainda hoje nas zonas litorâneas rurais e urbanas no nordeste do país. As
armadilhas, onde galhadas são dispostas, criando um ambiente semelhante a um recife artificial que atrai o
pescado, ainda são empregadas no nordeste nas lagunas costeiras e nas águas rasas marinhas e estuarinas.
134 O estudo do Diegues (1983) mostra que no litoral do país tribos indígenas ou pequenos agrupamentos
ribeirinhos em locais distantes do Amazonas, se bem atualmente não é expressiva e quase acabou, praticam
a pesca de autossubsistência, articulada à caça e à pequena lavoura também de subsistência. Trata-se
da produção de valores de uso que tem como unidade de trabalho a própria tribo ou a unidade familiar. A
propriedade dos apetrechos de pesca é comunitária, o espaço de captura são rios e enseadas, raramente
utilizam embarcações, o pescado é consumido de imediato, têm a tradição como fonte de conhecimento e
a capacidade de predação e escala de produção é mínima. O eventual excedente produzido é reduzido e
trocado dentro de padrões redistributivos sem mediação de moeda.
135 As sínteses das características das formas de produção da pesca apresentadas neste item (pequena
produção mercantil dos pescadores-lavradores, pequena produção mercantil dos pescadores artesanais,
produção dos armadores da pesca, produção da pesca empresarial-capitalista) têm como base Diegues
(1983, p. 148-172; 2004c, p. 128-139).
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 279
safra. Nesta forma existe uma reduzida divisão de trabalho estabelecida por
critérios de sexo e idade. Os homens, de forma eventual, integram as com-
panhas de pesca, grupos pequenos de pescadores que compartilham entre si
o pescado capturado. A produção pesqueira tem como principal objetivo o
consumo familiar, os instrumentos de produção são de propriedade familiar,
os instrumentos de pesca, incluindo a rede, são feitos com base no trabalho
familiar. As embarcações também utilizadas como meio de transporte são de
remo ou vela. Outras características são: a limitada capacidade de predação;
a salga/secagem como forma de conservação do pescado; a tradição constitui
a fonte de conhecimentos na pesca; o mar é percebido como parte da terra;
a produção de excedente é casual; e o pequeno comerciante agrícola é o
intermediário na comercialização.
No caso da “pequena produção mercantil dos pescadores artesanais”
aparecem elementos que possibilitam falar em “pequena produção mercantil
Editora CRV - Proibida a comercialização
ampliada”, visto que a pesca deixa de ser uma atividade complementar para
se tornar a principal fonte de produção de bens destinados à venda e de renda,
desse modo, o mercado, se bem periférico, é importante. Com isso, neste está-
gio, surge o pescador artesanal como estrato social que passa a viver exclusiva
ou quase exclusivamente de sua profissão.136 Os instrumentos de produção
são de propriedade individual/familiar,137 a unidade de trabalho é constituída
por grupos de pescadores independentes que participam com sistema de par-
tes sobre o valor da captura. Dentre as principais características podem ser
destacadas: a exploração de ambientes mais amplos; a média capacidade
de predação e de escala de produção; a exigência de conhecimentos mais
específicos, mas que mantêm a tradição como elemento central; o mar passa
a ser percebido como entidade própria; e, neste caso, a organização social
é caracterizada pelo compadrio e pelas Colônias de Pescadores. A atividade
é realizada com embarcações de pequeno porte, porém incorpora importan-
tes avanços tecnológicos como motor, redes de náilon, novos processos de
conservação e transporte do pescado. No caso da captura de moluscos, ramo
específico da pesca artesanal denominado catação, a atividade é realizada sem
embarcação. No processo de comercialização do pescado ganham lugar as
136 Trata-se de deslindar “as condições históricas para o surgimento de uma categoria social: a dos pescadores
artesanais, ligada em princípio ao meio rural, mas se urbanizando progressivamente. Essa urbanização
significou a separação das condições primitivas da produção – a terra, a agricultura – e o surgimento de
um estrato social, o dos pescadores artesanais portadores de uma profissão, de uma certa visão de mundo
ligada às coisas do mar.” (DIEGUES, 1983, p. 270).
137 É importante registrar a diferenciação de dois tipos de propriedade privada na análise desenvolvida por Martins
(1991): “terra de negócio” e “terra de trabalho”. Nessa análise, o autor especifica que, ainda que propriedade
privada, não se pode confundir a propriedade capitalista com a propriedade familiar. A propriedade familiar
é propriedade direta de instrumentos de trabalho por parte de quem trabalha, seus resultados sociais são
completamente distintos, é propriedade do trabalhador, não é propriedade capitalista.
280
138 “A introdução de relações sociais de produção capitalista na pesca se dá com a separação efetiva do pes-
cador e os meios de produção e pela introdução da máquina a bordo. Efetivamente, nos grandes arrastões
modernos, a rede é lançada e recolhida mecanicamente, sendo a operação comandada a partir de um
painel de controle no convés. Da mesma forma, a posição da rede durante o arrasto pode ser corrigida a
partir do painel de controle, sem necessitar da intervenção dos homens do convés. [...] Dessa maneira, a
estrutura altamente complexa de um barco pesqueiro moderno faz com que ele se aproxime de qualquer
unidade industrial em outros setores, onde as tarefas se tornam cada vez mais especializadas e impostas
pelo ritmo das máquinas.” (DIEGUES, 1983, p 73).
139 No período de 1962 a 1989, a pesca foi administrada pela Superintendência do Desenvolvimento da Pesca
(SUDEPE), vinculada ao Ministério de Agricultura.
140 Em 1973, a SUDEPE criou o Plano Pescart – Plano de Desenvolvimento da Pesca Artesanal – baseado na
“modernização” tecnológica, estratégia que, na realidade, beneficiava principalmente os grandes interesses
empresariais. Ver: Diegues (2004b, p. 98-99).
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 281
141 Conforme assinalado em vários momentos através de diferentes observações, as diretrizes políticas e econô-
micas para o setor pesqueiro brasileiro, historicamente, têm fomentado e privilegiado o agronegócio da pesca
oceânica e da aquicultura, provocando sobre-exploração dos estoques e danos ambientais. Ademais, essas
políticas desconsideram as reais necessidades dos pescadores artesanais e não reconhecem as atividades
da cadeia produtiva da pesca, realizadas principalmente por mulheres que trabalham a terra no beneficiamento
do pescado e na confecção de apetrechos de pesca, na maioria das vezes, no regime da economia familiar.
142 O desenvolvimento das forças produtivas, conforme já assinalado pelo próprio Marx no século XIX, possui
um potencial destrutivo que é inerente ao desenvolvimento do modo de produção capitalista. Neste particular,
Mészáros (2002, p. 988) assinala que Marx abordou o problema da ecologia dentro das dimensões de seu
real significado socioeconômico, compreendendo a necessidade de que para o controle efetivo das forças
da natureza seria preciso uma reestruturação radical do modo dominante de intercâmbio e controle humano
da natureza. Modo este caracterizado pelo movimento cego e autodestrutivo que deriva de sua condição
alienada e reificada. Tais potenciais destrutivos da acumulação do capital estão vinculados, evidentemente,
a interesses econômicos e políticos que provocam dramáticas consequências humanas e sociais.
282
Considerações finais
143 A partir da análise minuciosa dos métodos desenvolvidos para a criação do mais-valor relativo, Marx ilustra
como o capital progressivamente coloniza a esfera da produção e cria para si um modo de produção que
lhe é específico – o modo de produção capitalista –, capaz de produzir sempre mais, imperativo desta forma
de sociedade onde vigora o valor. Neste particular, Marx (1985) distingue subsunção formal e subsunção
real do trabalho no capital, posto que esta última é resultado do modo de produção específico criado pelo
capital. Ver: Marx (1985, p. 87-108).
284
REFERÊNCIAS
BORGES, J. C. L. A pesca sob o capital: conflitos socioambientais no litoral
catarinense. Universidade Federal de Santa Catarina. 2009. Mimeo.
LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social II. São Paulo: Boi-
tempo, 2013.
144 O Censo e Pesquisa Nacional para a População em Situação de Rua foi realizado pelo MDS entre outubro
de 2007 e janeiro de 2008 em 71 municípios brasileiros, com o objetivo de identificar a estimativa de pes-
soas adultas em situação de rua no Brasil, bem como realizar a caracterização social, a fim de subsidiar
a implementação e/ou o redimensionamento de políticas públicas voltadas para esse grupo populacional.
Entre as capitais, não foram pesquisadas São Paulo, Belo Horizonte e Recife, pois esses municípios já
tinham realizado pesquisas semelhantes em anos anteriores, nem Porto Alegre, porque realizou um estudo
simultaneamente ao contratado pelo MDS. O estudo contemplou as pessoas com ou acima de 18 anos
completos e que aderiram à pesquisa de forma voluntária.
145 O Censo Suas é um questionário eletrônico preenchido pelo órgão gestor dos estados e municípios
anualmente sob a supervisão da Secretaria Especial de Desenvolvimento Social do Ministério da Cida-
dania, com a finalidade de coletar informações sobre os serviços, programas e projetos no âmbito da
assistência social prestados à população usuária, bem como acerca dos conselhos de participação e
controle social. Veja mais sobre essa temática em: http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/censosuas. Acesso
em: 10 out. 2020.
146 A Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (Sagi) tem como missão identificar as melhores estra-
tégias para aperfeiçoar as políticas públicas sob responsabilidade do Ministério da Cidadania. Para tanto,
realiza estudos e pesquisas, desenvolve conceitos e ferramentas que auxiliam na gestão da informação
e coordena o processo de formação dos agentes públicos e sociais que atuam na operação dos diversos
programas do referido Ministério.
290
147 O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada é uma fundação pública federal vinculada ao Ministério da
Economia criada em 1964, com o nome de Epea. Desde 1967, passou a ser denominado de IPEA.
148 O Censo e o Mapa de Riscos Sociais do estado do Ceará realizado pela Secretaria de Proteção Social,
Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos tem como objetivo coletar informação sobre os riscos
sociais ocorridos e notificados pelos municípios para apoiar técnicos e gestores estadual e municipais na
gestão e qualificação dos serviços voltados à garantia de proteção social.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 291
149 Essa pesquisa foi realizada para o doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da
UERJ, sob orientação da Professora Doutora Valéria Forti (PRADO, 2020).
292
150 A Guerra de Secessão ou Guerra Civil Americana foi uma disputa entre o Norte e o Sul dos EUA. Essa
guerra se deu pela divergência entre a contratação de trabalhadores/as livres ou a continuidade do uso
da força de trabalho escrava. O sul-americano era totalmente dependente do trabalho escravo, já o Norte
recorria predominantemente ao trabalho livre assalariado nas propriedades.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 293
151 Para nossa pesquisa, Marilda Iamamoto realiza uma profícua discussão sobre questão social, que tem sido
de grande relevância no seio da categoria dos/as assistentes sociais e com quem temos inteira concordância.
A autora compreende a questão social como indissociável do conjunto das expressões das desigualdades
sociais da sociedade capitalista madura e tem raízes profundas nas contradições entre o trabalho coletivo
e a apropriação privada das condições e fruto do trabalho. A questão social eclodiu na segunda metade
do século XIX como um fator perturbador à ordem burguesa, e exigindo uma intervenção do Estado e da
burguesia. Sendo assim, a questão social reflete as expressões do processo de formação e desenvolvimento
da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como
classe por parte do empresariado e do Estado (PINTO, 2020).
294
152 Banco vendido ao grupo Bradesco no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005. A venda
já estava prevista desde o governo de Fernando Henrique, como parte do acordo de renegociação das
dívidas do Ceará.
296
153 O CIC era uma instância de organização política de uma elite empresarial formado por empresários jovens,
na faixa de 30 a 40 anos, com formação superior e cursos de pós-graduação advindos dos centros nacio-
nais e internacionais, quase todos estando à frente dos negócios das famílias, que se expandiram com os
incentivos do planejamento estatal, mantendo boas articulações políticas com empresários do eixo Rio-São
Paulo. O empresário Tasso Jereissati foi um dos primeiros presidentes do CIC, justamente nessa fase de
organização político-ideológica do grupo (QUEIROZ, 2008).
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 297
a) Fortaleza
b) Maracanaú
154 Maracanã é uma pequena arara nas cores azul e verde, a qual se tornou símbolo da cidade, mesmo com a
sua redução gradativa na atualidade, que enche de beleza mesmo diante da poluição gerada pelas indústrias.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 301
155 Neste estudo, o Ipece considerou a análise do PIB dos municípios cearenses nos anos de 2002, 2010, 2016
e 2017. Ainda considerou que o ano de 2017 foi também de retração para a indústria geral cearense, com
queda de 2,84% no valor adicionado total na comparação com o ano anterior.
156 Segundo o Ipece, a fonte dos dados é a Secretaria da Fazenda.
302
c) Caucaia
A cidade entre mar, sertão e serra, Caucaia, faz parte da RMF, distando
apenas 16 quilômetros da capital, com cerca de 1.227,9 km2 e com uma popu-
lação estimada em 325.441 habitantes (IBGE, 2010), com uma estimativa de
361.400 pessoas até 2019. É a segunda maior cidade em termos de contingente
populacional, ficando atrás apenas da capital cearense. Vale ressaltar que é
uma das cidades mais importantes do Ceará, com o terceiro maior PIB, com
R$ 5.435.899,00; atrás de Fortaleza e Maracanaú. A arrecadação é procedente,
principalmente, dos empreendimentos e investimentos turísticos em toda a
sua orla litorânea.
Os primeiros habitantes são originários das tribos indígenas Tapeba,
Potiguar, Tremembé, Cariri e Anacés. Dados do IBGE apontam que Caucaia
é a segunda cidade com a maior presença de população indígena do Ceará,
com destaque para a etnia Tapeba, que existe somente nessa cidade, em torno
de 10.000 indivíduos, totalizando quase 400 mil povos originários, travando
disputas contra o mercado imobiliário e empresarial do setor hoteleiro.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 303
Caucaia é conhecida por suas belas praias e pela oferta de uma enorme
gama de hotéis, pousadas, resorts, spas e uma rede de empreendimentos
na cidade. Limita-se ao norte com o Oceano Atlântico. O turismo é um
dos principais responsáveis pela expansão urbana a partir da instalação
de empreendimentos para atender turistas nacionais e estrangeiros, o que
acirrou a disputa pelo direito à terra pela população indígena contra a
especulação imobiliária.
Caucaia é a expressão da exploração das praias e do mar para fins exclu-
sivamente de acumulação de capital, mostrando visivelmente diversas contra-
dições sociais forjadas na relação destrutiva com a natureza e desrespeitosa
com o povo originário da cidade, visto que “O capitalismo e a racionalidade
do planejamento social abrangente são radicalmente incompatíveis” (MÉSZÁ-
ROS, 2011, p. 58). O processo de crescimento e urbanização se deu pautado
na exploração desmedida de seus recursos naturais, principalmente em torno
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157 Esse estudo é um desdobramento do Atlas da Violência, tendo considerado municípios com taxa de homi-
cídios por 100 mil habitantes no ano de 2017. Em todo o Brasil, existiam 310 municípios brasileiros com
mais de 100 mil habitantes em 2017.
304
158 Por questões ético-metodológicas, nos trechos dos depoimentos, apresentados seguidamente, os entrevis-
tados não serão identificados por seus nomes, mas somente pela numeração da entrevista.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 305
Aqui ninguém rouba […]. Me sinto bem aqui. Para mim, aqui é igual a
uma família. Eu também lavo carro. Eu sou muito respeitador.
Agora ficou mais difícil trabalhar como flanelinha. E a gente não pode
vender Zona Azul porque não temos comprovante de endereço. A pre-
feitura colocou Zona Azul, ficou mais difícil para a gente. Todo lugar é
Zona Azul. Só o que tinha para a gente fazer aqui era vigiar os carros. A
gente poderia trabalhar na Zona Azul também, fazer o cadastro da gente,
e a gente não pode vender Zona Azul porque não temos comprovante de
endereço (ENTREVISTADA 2, 2020).
Eu tenho gente que trabalha comigo. Eu pego muito carro para lavar,
aí passo para uma pessoa; é R$ 10,00, então R$ 5,00 é meu e R$ 5,00 é
dele. Isso não dá confusão (ENTREVISTADA 3, 2019).
Lavo carro e fico vigiando carro. Passo água e sabão. Fico na Praça do
Liceu. Ganho R$ 20,00 e dou a comissão do dono do espaço da praça;
dou R$ 5,00, porque a vaga é dele. Trabalho na vaga. Fico vigiando
carros no estacionamento perto da igreja (ENTREVISTADO 7, 2019).
Acordo cedo e cato latinha até as 10 da manhã. Dou uma parada. Des-
canso depois do almoço, aí volto a catar latinha. Coleto aqui mesmo na
Caucaia. Não cato na praia. Lá já tem muita gente, tem muita latinha na
praia. Já me cortei, sim. Faz um tempo. Cortei meu dedo. (ENTREVIS-
TADA 8, 2019).
Um quilo de latinhas é R$ 1,50. Para fazer um quilo, é preciso 70 latas.
Para ganhar R$ 10,00, temos que catar 700 latas. Papelão é mais barato
ainda. O que é mais valorizado é latinha por causa do alumínio. É muita
exploração. O capital especula, e assim a pobreza existe. Eu leio Marx e
Lenin (ENTREVISTADO 9, 2019).
O dono do depósito cede o carro, tipo uma geladeira, para a gente res-
gatar as mercadorias. Passa o dia trabalhando e à noite ele pesa e paga.
Cada produto tem uma classificação: cobre, plástico, papel. Depende do
produto e da variedade. A gente recebe por quilo. O quilo é R$ 0,05. O
C) O artesanato e as ruas
O trabalho é tudo na vida de uma pessoa. Eu acho que a gente não vive
sem o trabalho. Eu não vivo sem trabalho. Trabalhei muito. Tenho é uma
vergonha dessa situação em que estou. Tenho uma filha que não conheci
ainda. Eu sei onde ela está. Ela sabe que estou no Ceará, mas não em
situação de rua. A mãe dela é casada (ENTREVISTADO 1, 2019).
Considerações finais
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, N. G. de. A industrialização no Ceará: breves considera-
ções. Boletim Goiano de Geografia. Goiânia: UFG/PPGG v. 27, n. 2, p.
97-114, 2007.
JESUS, C. M. de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. 10. ed. São
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Fontes digitais:
159 Ao longo de todo o texto, a referência é ao gênero humano. Nessa perspectiva, cabe esclarecer que, para
evitar uma leitura impertinente e/ou cansativa ao/à leitor/a, não utilizaremos alternância simultânea de gênero.
A nossa referência é ao gênero humano sempre, respeitando e valorizando toda diversidade que comporta.
318
Mesmo que não seja incomum nos deparamos com a ideia de que a com-
preensão do mundo capitalista é possível na esfera da circulação, é no processo
de produção que isso é realmente revelado. Aí encontra-se o engendramento
do lucro capitalista e da desigualdade social. Distintamente do processo de
trabalho cuja finalidade se encontra em razão restrita da utilidade peculiar do
produto destinada ao próprio consumo, ou seja, em razão do valor de uso efe-
tivado pelo trabalho concreto – atividade indispensável à existência humana –,
o processo de trabalho na produção capitalista incorpora a condição essencial
de produtora de mercadorias. Portanto, ao valor de uso incorpora-se o valor de
troca. A utilidade peculiar do produto volta-se à troca no mercado, não mais
se dirigindo ao saciamento da necessidade do produtor da mercadoria, pois
160 Por diferentes alegações, mas, comumente, pela inércia e/ou pela desqualificação para o trabalho, são
recorrentes os argumentos que atribuem a responsabilidade do não consumo da força de trabalho aos
próprios trabalhadores.
161 A esse respeito, é importante consultar: Carcanholo (2015) e Forti (2020).
322
164 Sucintamente podemos sinalizar que o fordismo-taylorismo é o padrão produtivo predominante na indústria
capitalista internacional, no pós-guerra, marcado pela produção em massa, estruturada de maneira con-
centrada e verticalizada, pautada na racionalização e no controle do tempo. Todavia, é preciso declarar que
foi a associação entre o referido padrão produtivo com o keynesianismo, no plano da reprodução social,
balizado em arranjos e estratégias políticas e sociais, a responsável pelo importante e longo patamar de
expansão capitalista operado. A combinação aludida entre o fordismo-taylorismo e o keynesianismo forjou
um crescimento fenomenal ancorado, como reconhece Harvey (2014), em uma diversidade de compromissos
e reposicionamentos por parte dos principais sujeitos do processo capitalista de desenvolvimento.
165 O legado de Marx permite-nos apreender que a dinâmica do modo de produção capitalista é propensa à
crise. Nesse sentido, conforme aludimos, entrecruzam as crises econômicas apreciadas como a queda das
taxas de lucro, a superacumulação e o subconsumo.
166 A exemplo do denominado setor de serviços que se viu ampliado.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 325
167 Vale caracterizarmos brevemente o que vem a ser Welfare State ou Estado de Bem-Estar Social. Nessa
perspectiva, faz-se necessário resgatarmos que a grave crise econômica de 1929, seguida dos efeitos da
Segunda Guerra Mundial, suscita reflexões e proposições no que tange à necessidade de intervenção estatal
e consequentemente enfrentamento dos efeitos da crise. Constitui-se, portanto, um verdadeiro consenso,
balizado nas reflexões do economista John Keynes, capaz de promover determinadas pactuações que se
expressam na aprovação de legislações sociais e pela assunção de experiências em determinados países
da Europa que serão caracterizadas como Welfare State. Cabe aqui registrar que a terminologia guarda
inúmeras polêmicas no que diz respeito à sua aplicação para distintas realidades históricas.
168 The Road to Serfdom.
169 Escola de pensamento econômico liberal, também conhecida como Escola de Viena.
326
170 Em agosto de 2016 o segundo mandato de Dilma Rousseff foi interrompido pelo golpe parlamentar jurídi-
co-midiático que conduziu ao poder o vice-presidente Michel Temer.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 327
dade desmedidos.
Em harmonia ao exposto e sucintamente, após breve digressão pela tra-
jetória após a adoção de medidas de flexibilização e de neoliberalização, insta
nos atermos a eventos recentes na cena nacional, notadamente após a efeti-
vação do golpe parlamentar jurídico-midiático citado, haja vista o potencial
danoso à classe trabalhadora de tais eventos.
Sob essa ótica temos, no ano de 2016, o golpe empreendido contra a
presidente Dilma Rousseff, culminando com a sua deposição e a nomea-
ção do vice, Michel Temer, como presidente. Entre as distintas motivações
aventadas como explicação para o referido golpe, temos a sanha de uma
elite capitalista que, em um cenário de grave crise política e econômica, não
se contentava mais com as concessões, almejando, em vista disso, ampliar
ganhos – uma guinada ao atraso. Dessa maneira, principia-se com Temer
um processo de radicalização e aprofundamento neoliberal que perdura até
o tempo presente.171 No curso do governo ilegítimo Temer, implementa-se
uma plataforma política e econômica com intento de: a) extremar o Estado
mínimo para o social e máximo para o capital; b) acentuar a participação
da iniciativa privada; c) flexibilizar ainda mais o mercado de trabalho; e d)
liquidar e entregar o que restou do patrimônio público nacional para a con-
corrência internacional.
Nesse lamentável fio condutor histórico, contabilizamos algumas derrotas
para a classe trabalhadora que merecem relevo. Nesse sentido, tivemos, por
exemplo, em dezembro de 2016, a aprovação da Emenda Constitucional nº
95, estabelecendo um teto para os gastos públicos. A referida EC 95/2016
171 Não obstante as inestimáveis dificuldades, parece-nos que o governo recém-empossado, que tem como
presidente o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, tem a pretensão de buscar alteração nesse processo.
328
177 No final do mês de novembro de 2022, o painel mundial apresentou um pouco mais de 638 milhões de
pessoas infectadas e 6,6 milhões de vidas perdidas. No caso brasileiro, mais de 35 milhões de casos e
quase 690 mil óbitos revelaram o rumo final do governo de Bolsonaro. Estes dados referem-se a 30/11/2022.
Disponível em: https://covid19.who.int/. Acesso em: 30 nov. 2022.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 331
178 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Desemprego. 2022. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/
explica/desemprego.php. Acesso em: 30 nov. 2022.
179 As celas físicas compõem as estruturas das prisões estaduais, federais ou outras, a exemplo de batalhões
de polícias ou do corpo de bombeiros militares. No Brasil, as penas podem ser cumpridas em três regimes
prisionais: fechado (com confinamento em tempo integral de pessoas sentenciadas ou provisórias); semiaberto
(em que a pena deve ser cumprida em estabelecimentos penais classificados como agrícolas, industriais ou
similares e os reclusos têm o direito de realizar atividades laborativas ou de formação educacional / profissional
externas ao estabelecimento prisional, autorizadas pela autoridade judicial); e aberto (refere-se à condição
do preso em trabalhar ou realizar outra atividade, assim como frequentar cursos de formação durante o dia,
recolhendo-se à noite ao albergue prisional (alojamento coletivo) ou à própria casa. O direito aos regimes
varia conforme o tipo de crime e o tempo de condenação, reincidência, condições de saúde etc.
332
181 Cabe-nos apreciar a repercussão disso em face do ampliado nível de desemprego e das precárias condições
de trabalho e vida em países como o nosso.
182 A lógica empresarial e hierárquica que dá sustentação às organizações do tráfico apresenta, geralmente, os
seguintes recursos humanos: o dono, chefe ou patrão, responsável por todas as operações, incluindo o recebi-
mento dos lucros e suas devidas divisões; e o gerente geral, pessoa de fidúcia responsável por receber e fazer
cumprir as ordens no território. Os “trabalhadores de ponta” assumem funções menos hierárquicas: vapores
(vendedores) e aviões (que buscam e entregam as matérias); mulas (transportadores e abastecedores da “boca
de fumo”); endoladores (encarregados pelo embalamento das substâncias); e o esticas, que realizam os serviços
delivery. Ainda, nas atividades de suporte, há os vigias, campanas, olheiros, radinhos ou sentinelas, responsáveis
pelo monitoramento e alerta nas áreas quando das ações de rivais e/ou policiais; e os soldados, cujas funções
exigem mais coragem e maior exposição, pois assumem características bélicas, de guerra e confronto.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 335
REFERÊNCIAS
ALVES, G. Trabalho, subjetividade e capitalismo manipulatório: o novo meta-
bolismo social do trabalho e a precarização do homem que trabalha. Revista da
RET. Marília/SP: UNESP/Rede de Estudos do Trabalho, v. 5, n. 8, p. 1-31, 2011.
CHADE, J. Um em cada quatro jovens brasileiros não trabalha nem estuda, diz
OIT. Uol Notícias, São Paulo, 11 ago. 2022. Disponível em: https://noticias.
uol.com.br/colunas/jamil-chade/2022/08/11/um-a-cada-quarto-jovens-brasi-
leiros-nao-trabalha-e-nem-estuda-diz-oit.htm Acesso em: 30 nov. 2022.
PARTE 3
A PRECARIZAÇÃO DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS E SUA INCIDÊNCIA SOBRE
O TRABALHO, OS DIREITOS SOCIAIS
E A REPRODUÇÃO DAS FRAÇÕES
DA CLASSE TRABALHADORA
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TRABALHO E CRISE NO CONTEXTO
DAS CONTRARREFORMAS
BRASILEIRAS NO SÉCULO XXI183
Inez Stampa
Tatiane Valéria Cardoso dos Santos
DOI: 10.24824/978652515286.8.343-364
183 O presente texto traz resultados preliminares de pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação
em Serviço Social da PUC-Rio no âmbito do Grupo de Pesquisa Trabalho, Políticas Públicas e Serviço
Social (TRAPPUS).
184 O Ministério da Economia, criado no governo Bolsonaro, reunia funções dos extintos ministérios da Fazenda, do
Planejamento, da Indústria, Comércio Exterior e Serviços e do Trabalho, que foram por ele absorvidas. Paulo
Guedes, nos anos 1980, depois de seu doutoramento em Economia pela Universidade de Chicago (EUA),
foi recrutado por Selume, ex-diretor de Orçamento da ditadura de Pinochet (1973-1990), que então dirigia a
Faculdade de Economia e Negócios da Universidade do Chile. Guedes afirmava pretender realizar no Brasil as
reformas que foram feitas no Chile de Pinochet: autonomia do Banco Central, câmbio flutuante, equilíbrio fiscal
(equilíbrio entre receitas e despesas públicas) e previdência social no regime de capitalização (MONTES, 2018).
344
185 As medidas adotadas incluem três Propostas de Emenda à Constituição (PEC). A primeira, PEC n° 188/2019,
nomeada de PEC do Pacto Federativo, se centrava em um novo regime fiscal que tinha como destaque a
soma das verbas destinadas para a saúde e a educação. A segunda, a PEC da Emergência Fiscal (PEC nº
186/2019, que visava produzir gatilhos de contenção de gastos públicos para a União, estados e municípios
e, também, considerava a redistribuição dos recursos do pré-sal. A terceira, a PEC dos Fundos Públicos
(PEC 187/2019), que propunha a reavaliação de mais de 280 fundos públicos. Nesse bojo, adicionava-se a
reforma tributária, a reforma administrativa e as privatizações. As três PEC, juntas, formavam o Plano Mais
Brasil (elaborado pela equipe econômica do governo, as propostas pretendiam reduzir gastos obrigatórios,
revisar fundos públicos e alterar as regras do Pacto Federativo). Dessa maneira, o Plano Mais Brasil dialo-
gava com as reformas feitas anteriormente, como as reformas trabalhista e da Previdência. Fonte: Agência
Senado. Fonte: Revista Carta Capital, matéria de 03/11/2019. Disponível em: https://www.cartacapital.
com.br/economia/guedes-defende-fim-da-estabilidade-dos-servidores-em-reforma-profunda/. Acesso em:
3 dez. 2022.
186 Emenda Constitucional 103/2019, de 12 de novembro de 2019 - Altera o sistema de previdência social e
estabelece regras de transição e disposições transitórias. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/emendas/emc/emc103.htm. Acesso em: 11 dez. 2022.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 345
187 Dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de trabalho temporário e na empresa de prestação de
serviços a terceiros, e dá outras providências. Nova ementa do substitutivo: Altera dispositivos da Lei nº
6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras
providências e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros.
Transformado na Lei Ordinária 13.429/2017. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/
fichadetramitacao?idProposicao=20794. Acesso em: 17 dez. 2022.
188 O Projeto de Lei nº 4.302/1998 foi encaminhado ao Congresso pelo então presidente Fernando Henrique
Cardoso (1995-2002), e, após tramitação, foi retirado da pauta em 19 de agosto de 2008 pelo ex-presidente
Lula da Silva (2003-2010), e atual presidente da República em seu terceiro mandato.
189 Contrato de prestação de serviços. Legalidade (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à
redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011. Disponível em: http://www3.tst.jus.br/
jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_301_350.html#SUM-331. Acesso em: 10 jan. 2023.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 347
190 A denominação mundialização do capital está sendo aqui utilizada porque este conceito, cunhado por Ches-
nais (1996), expressa de forma clara a nova etapa de internacionalização do capitalismo, ainda em curso.
Acreditamos que o termo globalização, muito difundido entre nós, é um termo carregado de ideologia, com
certo caráter apologético, com pouco ou nenhum rigor conceitual, o que o torna um mito do nosso tempo.
Por essa razão, ao invés de globalização, adotamos o termo mundialização do capital e nova ordem do
capital, de acordo com Chesnais (1996) e Harvey (1998).
350
191 A saída do Reino Unido da União Europeia (iniciada em 2016 e efetivada em 2020), foi apelidada de Brexit,
palavra originada na língua inglesa resultante da junção de British (britânico) e exit (saída).
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 351
192 Referimo-nos aos chamados novos movimentos sociais, ao sindicalismo combativo, à presença significativa
de partidos de esquerda e à promulgação da Constituição Federal de 1988.
352
193 Da qual a Lei 13.467 de 2017 é exemplo claro. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho e as Leis nº
6.019 de 1974, 8.036 de 1990, e 8.212 de 1991, para adequar a legislação às novas relações de trabalho.
194 Emenda Constitucional (EC) nº 103/2019, que altera o sistema de Previdência Social e estabelece regras
de transição e disposições transitórias
195 Aqui se destaca a EC nº 95/2016, que instituiu o novo regime fiscal que congela as despesas do governo
federal, por até 20 anos, impactando diretamente a educação e a seguridade social. Esta medida é exemplo
de como a lógica fiscal adquire preponderância sobre os direitos sociais. A política de austeridade não toca
nos interesses do capital, ao contrário, os preservam e os garantem no âmbito do Estado.
196 Die Hauspostille (BRECHT, 1927).
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 353
que deixaria para trás a falta de conexão com a realidade atual devido sua
obsoletude, ao contar com 74 anos de história, deixando um rastro de antigui-
dade nas marcas de um país agrário, recupera-se o mito do favor na relação
entre empregador e trabalhador, centrado naquele pensamento escravocrata
da “minoria prepotente”.
Assim, também reconhecemos que o processo de desconstrução da tela
de proteção social do trabalho (BIAVASCHI, 2016, p. 75) atende a interesses
distintos centrados nos conceitos e normativas ideológicas, pois “uma das
premissas fundamentais da regulamentação jurídica é, portanto, o antago-
nismo dos interesses privados” (PACHUKANIS, 2017, p. 94), é o que busca
demonstrar o quadro nº 1.
197 O conceito de inovação (stricto sensu) refere-se à ação ou efeito de inovar; aquilo que é novo e foi empregado
pelos governos Temer e Bolsonaro para defender que as flexibilizações das relações de trabalho respondem
à necessidade social decorrente do desenvolvimento econômico. No entanto, compreendemos que essas
inovações legislativas ou normativas devam ocorrer no interesse dos trabalhadores, pois, do contrário, o
que se efetiva são retrocessos sociais no direito humano do trabalho.
354
198 Conforme dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (IBGE, 2021). Disponível em: https://www.
ibge.gov.br/explica/desemprego.php. Acesso em: 10 ago. 2021.
199 Dados oficiais do IBGE indicam, no 3º trimestre de 2022, o seguinte quadro: Desempregados (desocupados):
9,5 milhões; Taxa de desemprego (desocupação): 8,7%; Desalentados: 4,3 milhões; Taxa de subutilização:
20,1%. Acreditamos que a indicação de queda nas taxas se deve ao crescimento de postos de trabalhos
informais e desprotegidos (incluindo o de microempreendedor individual), o que mascara a real taxa de
desemprego no país. Fonte: https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php. Acesso em: 11 jan. 2022.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 357
Conclusão
REFERÊNCIAS
ANTUNES, R. A substância da crise. In: MÉSZÁROS, I. (org.). A crise
estrutural do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.
FLEURY, R. Com mudanças, sem direitos. Labor. Rio de Janeiro: MPT, ano
IV, n. 8, p. 7, 2017.
FORUM. Bolsonaro nos EUA: quando a diplomacia não dá certo têm as Forças
Armadas. Política, em 18.03.2019. Disponível em: https://revistaforum.com.
br/politica/2019/3/18/bolsonaro-nos-eua-quando-diplomacia-no-da-certo-tm-
-as-foras-armadas-video-53984.html. Acesso em: 10 nov. 2022.
HOBSBAWN, E. Era dos extremos. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 363
Este capítulo tem como objetivo expor reflexões sobre a dinâmica entre
trabalho e processo saúde-doença, demarcada por processos de adoecimento
e/ou de acidentes de trabalho que resultaram na inserção de trabalhadores201
em programa de reabilitação profissional. Estas reflexões tomam por base
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201 Neste texto, a expressão trabalhador(es) é usada para todas as pessoas que, em sua diversidade, são
postas em ação e exploradas pelo capital.
202 Essa pesquisa de mestrado foi realizada sob a orientação da Professora Doutora Ana Inês Simões Cardoso
de Melo, no PPGSS/UERJ.
203 Os dados secundários foram extraídos do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) e do Sistema de
Administração de Benefícios por Incapacidade (SABI), ambos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
366
204 Em linhas gerais, para trabalhadores com vínculo à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), quando o
afastamento do trabalho ocorre em prazo superior a 15 dias, é necessária a realização de perícia médica
para o reconhecimento da incapacidade e concessão do benefício previdenciário. Nos casos em que for
considerado que o agravo à saúde o impede (de forma definitiva ou por dado período) de exercer a função
que desempenhava até o afastamento do trabalho e, sendo considerada sua condição clínica estabilizada,
o INSS realiza a sua inclusão no Serviço de Reabilitação Profissional (SRP).
205 Oferta de cursos ou treinamentos em instituições conveniadas para promover capacitações por meio, por
exemplo, do chamado “Sistema S”.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 367
206 Expressão utilizada para designar a situação do empregado que, após ter cessado seu benefício previden-
ciário com indicação de retorno ao trabalho, mas é considerado, pelo médico do trabalho como inapto a
retornar às atividades. Trata-se de uma situação de incerteza, em que o trabalhador fica tanto sem o salário
quanto sem o benefício previdenciário.
207 Discurso corrente que transfere responsabilidades ao trabalhador, seja em condições pretéritas do trabalho
por conta própria, por vezes informais, seja pela avalanche da pejotização (empresas que, muitas vezes,
escamoteiam o assalariamento).
376
208 Desgaste concebido como a “perda da capacidade potencial e/ou efetiva, corporal e psíquica” que “pode
ou não expressar-se no que a medicina reconhece como patologia” (LAURELL e NORIEGA, 1989, p. 110;
115-116). Conferir também Laurell,1982.
209 Sobre a distinção entre a “questão” saúde dos trabalhadores e o “campo” da Saúde do Trabalhador, ver
Souza (2019).
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 377
210 Nesta agência do INSS, em 2018 o total de trabalhadores reabilitados foi de 77 (setenta e sete); todavia na
análise um caso atípico foi desconsiderado, pois a trabalhadora solicitou desligamento por ter sido aprovada
em concurso público.
382
Fonte: Elaboração a partir de dados do INSS (CNIS; SABI), 2018-2019 (SÁ, 2022).
211 Utilizamos a expressão “empresa de vínculo de origem” para denominar os vínculos formais de trabalho nos quais
o trabalhador estava vinculado quando ocorreu seu afastamento do trabalho em razão dos agravos à saúde.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 383
Considerações finais
REFERÊNCIAS
ALVES, G. Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia
do trabalho. 2ª ed. Londrina: Praxis; Bauru: Canal 6, 2007.
transitórias. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 3 nov. 2019, ed. 220,
seção 1, p. 1.
213 No tomo I do Capital, Marx também pontua a existência da forma D-D’, forma do capital usurário ou juros. A forma
aparente desta fórmula leva a falsa compreensão que o dinheiro se torna mais dinheiro sem ter, diretamente,
mediação com a esfera da produção. Marx diz: “no capital usurário, a forma D-M-D’, reduz-se a dois extremos
sem termo médio D-D’, dinheiro que se troca por mais dinheiro e por isso inexplicável do ponto de vista da
troca de mercadoria” (MARX, 1980, p. 184). Essa discussão será aprofundada no terceiro item deste capítulo.
394
podendo ser estendido para a esfera da circulação214 uma vez que pressupõe
a criação de mais-valor.
Esse processo não ocorre nem na circulação, nem no consumo, nem na
financeirização e não pode ser explicado pela condição de assalariamento,
para Marx, “um trabalhador pode ser trabalhador assalariado, jornaleiro etc.
[...] Todo trabalhador produtivo é assalariado, mas nem todo trabalhador assa-
lariado é produtivo” (MARX, 1985, p. 111). O trabalho improdutivo, por sua
vez, é comprado:
[...] para o consumir como valor de uso, como serviço, não para colocar
como fator vivo no lugar do valor do capital variável e o incorporar ao
processo capitalista de produção, o trabalhador não é produtivo e o traba-
lhador assalariado não é produtivo. (MARX, 1985, p. 112)
214 Na apropriação de Marx feita por Cotrim (2009) existem dois tipos de trabalho produtivo na esfera da cir-
culação que agregam valor às mercadorias, são eles: transporte de mercadorias e manutenção de valores
de uso ou estoque.
215 Compreendemos que o fundo público se origina do trabalho excedente e necessário, pagos na forma de
impostos e contribuições tanto por capitalistas quanto por trabalhadores. De acordo com Behring (2018), o
fundo público se conforma, por um lado, por meio da mais-valor social oriundo do capital industrial, portador
de juros, comercial e dos proprietários de terra e, por outro lado, é trabalho necessário, cuja tributação incide
diretamente no salário. Esta última tendência tem se acirrado na emersão das políticas neoliberais no mundo,
ampliando sem medidas a contribuição dos trabalhadores para a conformação do fundo público.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 395
216 Nos limites desse trabalho podemos dizer que a esfera pública é organizada majoritariamente pelo trabalho
improdutivo, contudo, sabemos que há segmentos que participam do ciclo de valorização do capital, tais
como aqueles vinculados às empresas públicas.
217 Cabe aqui pontuar que o trabalho produtivo é aquele que produz mais-valor. Por mais-valor, conforme já
abordado, Marx (1980) compreende a parcela do trabalho não paga ao trabalhador. Essa parcela pode ser
alcançada com o prolongamento da jornada de trabalho ou pela intensificação do trabalho por meio da
tecnologia ou da gestão da força de trabalho que permita produzir mais no mesmo tempo. Em ambos os
casos, a ampliação a força de trabalho continua sendo remunerada pelo tempo de trabalho socialmente
necessário e não por sua capacidade de produção. Portanto, essas teorias sobre o mais-valor não se referem
ao trabalho material ou imaterial, mas a produção de um excedente não pago ao trabalhador.
396
218 Tendo em vista nossa finalidade de refletir sobre o Serviço Social na política previdenciária estamos deli-
mitando nossa compreensão ao conjunto de trabalhadores que participam do processo de redistribuição
do fundo público.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 397
Segundo a lógica da reforma do Estado dos anos 90, estes serviços devem
em princípio ser terceirizados, ou seja, devem ser submetidos à licitação
pública e contratados com terceiros. Dessa forma, esses serviços, que
são serviços de mercado, passam a ser realizados competitivamente, com
substancial economia para o Tesouro (BRESSER-PEREIRA, 1997, p. 29).
resolutividade deles.
De acordo com Cardoso Jr. e Pires (2020), pela simples razão de que
critérios privados ou meramente técnicos não podem ser transpostos
automaticamente para o setor público. O aumento da competição laboral
interna, ainda que possa redundar em maiores indicadores de produtivi-
dade individual, raramente significará melhores condições de sanidade
e salubridade em locais de trabalho que primam pela cooperação como
fundamento da ação coletiva, nem tampouco significará maior eficiên-
cia, eficácia ou efetividade da ação pública de modo geral (NEIVA,
2020, p. 19).
219 Desde a criação do App o acesso à instituição é mediado pelo sistema digital, pois é ele que agenda e
distribui o trabalho nas APS, por meio da algoritimização da política social.
402
220 Essas atribuições estão previstas no Manual Técnico do Serviço Social, disponível em: https://www.alexan-
dretriches.com.br/wp-content/uploads/2017/11/PAP_Manual-técnico-do-serviço-social.pdf
221 Na maioria das APS os/as assistentes sociais têm sua agenda semanal preenchida pelos sistemas digitais
com 7 avaliações sociais diárias. O tempo de preenchimento de uma avaliação social simples dura uma
hora, os casos complexos demandam mais tempo, contudo, se exceder o tempo em algum atendimento os
assistentes sociais devem reduzir o tempo atendimentos dos subsequentes. Destaca-se que, nessa esfera,
o Serviço Social perdeu, para gerência, o controle e priorização das atividades que irá desenvolver.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 403
avaliação social222, para, depois, ser encaminhado para perícia médica. Após
essa mudança a perícia pode ser realizada antes da avaliação social e, depen-
dendo do parecer do perito, o caso não precisa passar pelo Serviço Social223.
Sinalizamos que muitos impedimentos considerados leves ou moderados
pela perícia podem se tornar graves a partir dos aspectos sociais ligados ao
preconceito, ausência de serviços e equipamentos públicos, além falta de
acessibilidade e ausência de vínculos familiares.
Para a categoria profissional, a avaliação social média vem representando
uma perda de espaço sócio-ocupacional na instituição. Ao minar a única ati-
vidade desenvolvida pelas/os assistentes sociais, ao retirar a obrigatoriedade
de nossa participação, temos um sério risco para a profissão no Regime Geral
de Previdência Social (Instituto Nacional de Seguro Social - INSS). Nós
observamos que a instituição vem, nos termos de Marx (1980), simplificando
um trabalho complexo. Parece-nos que o aprofundamento da precarização
Editora CRV - Proibida a comercialização
222 A avaliação social da pessoa com deficiência é um dos requisitos para acessar o Benefício de Prestação
Continuada (BPC). Assim, o/a assistente social aborda aspectos sociais que aprofundam as disparidades
vivenciadas pelas pessoas com deficiência, rompendo, portanto, com a restrita visão biomédica.
223 Os casos em que a perícia é favorável ao deferimento utiliza-se de inteligência artificial para simular uma
avaliação social que era realizada por assistentes sociais.
224 Uma expressão latente desse movimento situa-se na contratação de assistentes sociais por meio da nomen-
clatura genérica de Analista de Seguro Social com ênfase em Serviço Social. Esse fato representa muito
mais que a mudança de nomenclatura, expressa, sobretudo, a criação de um trabalho genérico, para um
processo de trabalho também genérico. A expressão mais latente desse processo está no trabalho de
assistentes sociais na reabilitação profissional, onde são chamados a desenvolver o mesmo processo de
trabalho que médicos, fisioterapeutas e psicólogos. Nesse processo, a categoria profissional perde suas
atribuições privativas e o trabalho passa a ser orientado pelas competências profissionais.
225 O Serviço 135 é operacionalizado por profissionais terceirizados que não atuam em nenhuma APS e não
possuem nível superior. Observa-se uma tecnificação da socialização de informações que perde seu caráter
404
cada avaliação social diversos aspectos são abordados, tais como: discrimina-
ção, preconceito, situação familiar, acesso a serviços, empregabilidade, difi-
culdades vivenciadas no cotidiano, dentre outros. Ao abordar esses assuntos,
tanto o profissional, quanto o usuário precisam se sentir seguros de que não
estão sendo ouvidos por outros. Parece-nos que a teleavaliação compromete
o sigilo e assegurá-lo deixa de ser uma mediação com incidência direta do
assistente social. É preciso cobrar esclarecimentos institucionais quanto ao
sigilo dos usuários, fazendo valer nossa autonomia relativa, regulamentada
em nossas legislações profissionais.
A teleavaliação também subtrai momentos de interação entre o profissio-
nal e a pessoa com deficiência, pois através da tela do computador você já não
enxerga na íntegra o sujeito atendido. As câmeras podem apresentar problemas
e se ficarem fechadas, mesmo assim, o atendimento prossegue? Sem câmeras,
trata-se de uma audioavaliação? Parece-nos que tais tendências podem nos
aproximar de um telemarketing social, que exige nossa reflexão apurada.
Outro elemento que surge desse contexto é a possibilidade de atender
usuários em regiões geográficas distintas das que atuamos. Em nossa com-
preensão, a avaliação social exige o mínimo de conhecimento do território
para que possamos mensurar as diversas barreiras enfrentadas pelas pessoas
com deficiência em cada região do país, bem como suas desproteções sociais
e relacionais. Parece-nos que tal modalidade aprofunda uma compreensão da
avaliação social como um instrumento tecnicista, dissociada dos elementos
necessários para sua realização, de acordo com Guerra et al.
227 É importante pontuar que o evento foi restrito aos assistentes sociais que trabalham remotamente, excluindo
os profissionais que estão no trabalho presencial. Tal questão vem expressando uma fragmentação da
categoria profissional, que, em nossa compreensão, refletem distintas compreensões sobre o PEP.
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 407
Considerações Finais
REFERÊNCIAS
ALVES. G. A disputa pelo intangível: estratégias gerenciais do capital na era
da globalização. In: ANTUNES, R. (org.). Riqueza e miséria do trabalho no
Brasil III. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 55-72.
(ANTUNES, 2022).
Maia (2022), numa tentativa de síntese, destaca quatro aspectos que
foram centrais para as mudanças que ocorreram no mundo do trabalho. Essas
mudanças, obviamente, seguiram ritmos distintos, conforme o país em ques-
tão, mas constituíram um novo modelo balizado pelo que conhecemos como
“toyotismo”, no qual se propõe:
Pode-se mesmo dizer que uma das metas centrais do golpe – que desti-
tuiu, sem prova material e cabal, a então presidenta eleita Dilma Rousseff –,
ocorrido em 31 de agosto de 2016, foi precisamente, o ataque ao trabalho, seja
no sentido distributivo da renda, seja no sentido organizativo dos movimentos
sociais e de trabalhadores. Dito de outro modo:
gerir tudo isso solitariamente! Não devemos ignorar, ainda, que as mutações
subjetivas provocadas pelo neoliberalismo “operam no sentido do egoísmo
social, da negação da solidariedade e da redistribuição e que podem desem-
bocar em movimentos reacionários ou até mesmo neofascistas” (LAVAL;
DARDOT, 2016, p. 9), o que de fato, tem ocorrido.
Trata-se de um individualismo exacerbado, de uma gestão da vida como
uma empresa (o sujeito como empresário de si mesmo), de uma crença quase
religiosa na meritocracia e da consolidação de uma “vida social” na qual
toda figura de solidariedade acaba por ser destruída. Do sujeito, exige-se
a participação no jogo da concorrência e a otimização permanente de suas
capacidades competitivas. Em outros termos, sob condições de desigualdade
desenfreada e de mobilidade bastante reduzida, reiterar a lógica de que nós
somos os responsáveis por nosso destino, além de culpabilizar os que ficam
para trás, corrói a solidariedade e os coletivos.
Editora CRV - Proibida a comercialização
Não por acaso, a ascensão do neoliberalismo nos anos 1970 é seguida por
uma modificação brutal das formas de descrição e categorização do sofrimento
psíquico, emergindo, inclusive a depressão. Na realidade, com o neolibera-
lismo, o próprio capitalismo parece ter sofrido uma mutação em relação ao
sofrimento psíquico. “Em vez de proteção e narrativização do sofrimento,
descobre-se que a administração do sofrimento, em dose correta e de forma
Considerações finais
REFERÊNCIAS
ANTUNES, R. Capitalismo pandêmico. São Paulo: Boitempo, 2022.
DUNKER, C.; PAULON, C.; SANCHES, D.; LANA, H.; LIMA, R. A.;
BAZZO, R. Para uma arqueologia da psicologia neoliberal brasileira. In:
SAFATLE, V.; SILVA JÚNIOR, N.; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como
gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 199-238.
Introdução
Editora CRV - Proibida a comercialização
mesmo com uma política econômica que não reverteu nenhuma das tendências
estruturais construídas entorno do ajuste fiscal permanente (BERHING, 2021),
obteve êxito em função de um ciclo de expansão do mercado interno alicerçado
no aumento do poder aquisitivo de parcela da classe trabalhadora pela via do
aumento real do salário mínimo e dos benefícios sociais e programas de trans-
ferência de renda e alta dos preços das comodities no mercado internacional.
Já o governo Dilma, além de não dispor das mesmas condições econô-
micas - em função dos efeitos da crise de 2008 que exigiu cortes nos investi-
mentos –, também não obteve as mesmas bases de apoio político, sobretudo
em função das medidas mais restritivas que teve que tomar e que foram pro-
fundamente criticadas por diferentes setores da sociedade, como se verificou
nas jornadas de junho de 2013, e que “serviram de mote” para a interrupção
de seu mandato, com o golpe de 2016.
Porém, foi nesse período que o país experimentou um processo de expan-
são, sem precedentes, dos níveis e modalidades da política de educação que
cumprem uma função importante no processo de formação para o trabalho
complexo. Nesse contexto, obedecendo a um padrão de intervenção do Estado
sob nítida perspectiva gerencialista (NEWMAN & CLARKE, 2012) e não
universalizante, a partir da criação de programas que requeriam a adesão
de instituições e entes governamentais para o recebimento dos investimen-
tos. Cabe destacar que a formação para o trabalho complexo no capitalismo
monopolista, segundo Neves e Pronko (2008, p. 27) “tem por finalidade a
preparação de especialistas que possam aumentar a produtividade do trabalho
sob sua direção e, simultaneamente, a formação de intelectuais orgânicos da
sociabilidade capitalista”. No entanto as exigências formativas em termos
de tempo, conteúdo e amplitude da base social a partir da qual esses estratos
430
228 A respeito do alcance do empresariamento da educação de novo tipo e a função estratégica desempe nhada
pelo movimento “Todos pela Educação” destacamos a detalhada pesquisa realizada por Martins (2013).
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 431
exemplo, que 20% dos professores da sala de aula fossem deslocados para a
gestão de unidades descentralizadas nos interiores dos Estados. Nas palavras
do autor (e em consonância com a noção de inclusão excludente):
232 Nestes termos, os docentes das universidades têm vivenciado, por um lado, uma “[…] crescente proleta-
rização em termos econômicos e, por outro, nossa insidiosa transformação numa espécie de lumpesinato
438
233 O PNAES tem como finalidade ampliar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública
federal. E estabelece como áreas de ação da assistência estudantil: alimentação; transporte; atenção à
saúde; inclusão digital; cultura; esporte; creche; moradia estudantil; apoio pedagógico; e acesso, participação
e aprendizagem de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades
e superdotação (BRASIL, 2010a).
440
Decreto nº
Institui o Programa de Apoio a Planos de
6.096/2007 24 de abril Educação
Reestruturação e Expansão das Universidades Lula da Silva
(BRASIL, de 2007. Superior
Federais (REUNI).
2007b).
Decreto nº
7.234/2010 19 de julho Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Educação
Lula da Silva
(BRASIL, de 2010. Estudantil (PNAES). Superior
2010a).
Projeto de
Educação
Lei (PL) n° 20 de
Aprova o Plano Nacional de Educação para o Básica,
8035/2010 dezembro Lula da Silva
decênio 2011-2020, e dá outras providências. Tecnológica
(BRASIL, de 2010.
e Superior
2010b).
continua...
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 443
continuação
Modalidades/
Data de Governo/
Legislação Disposição e destinação níveis da
publicação presidente
Educação
Lei n° Educação
13.005/2014 25 de junho Aprova o Plano Nacional de Educação (PNE), com Dilma Básica,
(BRASIL, de 2014. vigência por 10 (dez) anos (2014-2024). Rousseff Tecnológica
Editora CRV - Proibida a comercialização
2014). e Superior
Emenda
Educação
Constitucional 15 de Altera a Constituição Federal de 1988, impondo um
Básica,
n.º 95/2016 dezembro teto limite para os gastos públicos, com correção Michel Temer
Tecnológica
(BRASIL, de 2016. pela inflação, por até 20 anos.
e Superior
2016a).
continua...
444
continuação
Modalidades/
Data de Governo/
Legislação Disposição e destinação níveis da
publicação presidente
Educação
Lei
Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
13.467/2017 13 de julho Educação
a fim de adequar a legislação às novas relações Michel Temer
(BRASIL, de 2017. Tecnológica
de trabalho.
2017c)
Decreto nº Regulamenta a Educação a Distância (EaD),
9.057/2017 25 de maio permitindo às instituições de ensino superior a Educação
Michel Temer
(BRASIL, de 2017. ampliar a oferta de cursos superiores de graduação Superior
2017d) e pós-graduação a distância.
Instrução
Dispõe sobre as regras e diretrizes do procedimento
Normativa
26 de maio de contratação de serviços sob o regime de Educação
nº 5/2017 Michel Temer
de 2017. execução indireta no âmbito da administração Superior
(BRASIL,
pública federal direta, autárquica e fundacional.
2017e).
Considerações Finais
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e
a negação do trabalho. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2000.
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Decreto/
D8752.htm#art19. Acesso em: 23 set. 2019.
B
Editora CRV - Proibida a comercialização
Barragem 131, 180, 181, 188, 192, 193, 194, 196, 199, 200, 209, 223, 225,
228, 232, 233, 239, 240
C
Cadeia de valor 199, 209, 210, 214, 215, 216
Capital 39, 40, 41, 43, 44, 45, 46, 50, 51, 52, 56, 58, 61, 67, 68, 69, 70, 71,
72, 73, 74, 75, 76, 77, 79, 80, 81, 83, 85, 86, 87, 88, 89, 91, 92, 93, 94, 95,
96, 97, 99, 101, 103, 106, 107, 114, 115, 116, 117, 118, 120, 121, 123, 124,
125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 135, 141, 142, 146, 147, 148, 149, 150,
152, 153, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 167,
168, 169, 170, 171, 173, 177, 178, 179, 180, 183, 184, 185, 186, 187, 188,
189, 191, 192, 193, 194, 195, 196, 197, 201, 202, 203, 204, 205, 206, 207,
208, 209, 211, 212, 214, 216, 217, 219, 221, 228, 237, 240, 243, 248, 249,
255, 258, 259, 261, 267, 268, 271, 274, 277, 281, 282, 283, 284, 285, 286,
287, 291, 292, 293, 295, 297, 299, 300, 301, 302, 303, 306, 307, 308, 309,
312, 315, 317, 318, 319, 320, 321, 322, 323, 324, 325, 326, 327, 328, 329,
330, 333, 339, 344, 345, 348, 349, 350, 351, 352, 358, 361, 362, 363, 365,
367, 369, 370, 371, 372, 373, 374, 376, 377, 378, 379, 380, 383, 385, 389,
393, 394, 395, 399, 409, 410, 414, 416, 420, 422, 423, 427, 428, 429, 431,
434, 436, 437, 438, 441, 443, 445, 451, 461, 462
Capitalismo 35, 37, 38, 39, 42, 44, 45, 46, 49, 50, 51, 52, 53, 55, 56, 57, 58,
61, 62, 63, 65, 68, 69, 72, 75, 76, 77, 79, 80, 82, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91,
93, 94, 99, 101, 102, 105, 106, 107, 109, 110, 114, 115, 116, 117, 119, 122,
123, 124, 125, 128, 129, 130, 131, 132, 135, 141, 142, 146, 149, 150, 151,
152, 153, 154, 155, 156, 157, 159, 162, 164, 165, 167, 169, 170, 171, 173,
454
181, 182, 183, 185, 187, 188, 196, 199, 200, 204, 206, 207, 212, 216, 218,
219, 229, 237, 263, 265, 283, 291, 292, 300, 303, 317, 318, 319, 321, 323,
326, 327, 328, 338, 349, 351, 352, 356, 358, 359, 362, 363, 364, 368, 369,
372, 375, 376, 377, 387, 388, 413, 416, 418, 419, 424, 425, 428, 429, 430,
431, 435, 450, 451, 463
Caucaia 290, 291, 299, 302, 303, 304, 305, 307, 312
Condições de vida 3, 57, 104, 125, 130, 139, 140, 146, 149, 150, 151, 152,
154, 155, 157, 166, 167, 168, 169, 199, 224, 230, 239, 245, 299, 300, 312,
317, 318, 322, 358, 371, 385, 427
Consolidação das leis 55, 306, 314, 328, 346, 352, 366, 388, 434, 443,
444, 449
Contrarreforma 92, 328, 348, 352, 353, 355, 356, 373, 374, 378, 381, 391,
392, 395, 397, 398, 406, 407, 434, 435, 438, 445
D
Direitos do trabalho 39, 47, 60, 68, 92, 107, 118, 119, 122, 344
Divisão internacional 55, 94, 116, 200, 371, 430
E
Economia política 106, 107, 138, 144, 145, 146, 152, 173, 197, 219, 243,
251, 286, 287, 333, 339, 363, 389, 400, 410, 451, 461
Espaço agrário 177, 178, 180, 181, 194
Expansão da educação 430, 433, 438, 439, 440, 441, 450
Expropriação e violência 177, 182, 188, 194, 286
F
Força de trabalho 40, 46, 48, 57, 59, 61, 69, 71, 72, 77, 79, 89, 90, 92, 101,
110, 112, 116, 125, 128, 130, 135, 144, 151, 153, 156, 157, 158, 159, 160,
162, 165, 166, 185, 188, 201, 202, 203, 206, 209, 239, 241, 242, 265, 266,
268, 281, 283, 292, 293, 294, 301, 307, 317, 319, 320, 321, 325, 328, 329,
330, 333, 335, 337, 346, 357, 358, 359, 365, 366, 367, 368, 369, 370, 371,
372, 373, 375, 376, 377, 378, 379, 383, 384, 385, 392, 393, 395, 398, 400,
428, 430, 431, 432, 435
Fordismo 40, 41, 46, 50, 52, 58, 59, 68, 70, 71, 77, 89, 90, 109, 110, 113,
114, 116, 121, 153, 155, 170, 324, 368, 369, 389
LABIRINTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DAS CONDIÇÕES DE VIDA 455
Formas de organização 37, 54, 55, 60, 90, 96, 110, 111, 112, 116, 119, 265,
267, 269, 271, 276, 281, 286, 374, 429, 436
G
Geografia 124, 145, 147, 177, 185, 195, 196, 243, 273, 285, 314, 331, 345,
363, 459, 463, 464
Gestão e organização 47, 48, 367, 396, 402, 404
Governador valadares 199, 200, 207, 210, 212, 215, 216, 217, 220
H
Habitação 212, 245, 248, 251, 253, 254, 255, 256, 258, 260, 264, 296, 372
I
Editora CRV - Proibida a comercialização
Informação e comunicação 37, 40, 88, 91, 92, 94, 95, 108, 208, 409
Interesse social 246, 248, 251, 253, 254, 255, 258, 260, 264
L
Lei 4, 64, 138, 155, 158, 163, 169, 184, 186, 190, 201, 202, 204, 205, 246,
247, 255, 256, 262, 264, 265, 274, 275, 280, 285, 287, 304, 314, 315, 332,
334, 335, 336, 346, 347, 348, 352, 353, 354, 355, 359, 361, 370, 388, 402,
404, 409, 415, 432, 439, 440, 441, 442, 443, 444, 448, 449
M
Mal-estar 55, 90, 413, 417, 418, 423, 424
Mapa de risco 290, 314, 315
Maracanaú 290, 291, 294, 295, 297, 299, 300, 301, 302, 303, 304, 305, 306,
312, 463
Meios de produção 97, 110, 157, 188, 201, 202, 203, 204, 277, 280, 284,
317, 319, 320, 370, 371, 372, 392, 393
Mercado de trabalho 38, 39, 43, 46, 48, 50, 55, 60, 66, 74, 78, 87, 90, 92, 96,
117, 132, 156, 161, 203, 231, 311, 312, 313, 325, 327, 329, 353, 356, 359,
365, 366, 367, 368, 369, 374, 382, 383, 384, 385, 386, 396, 397, 398, 437
Minério 181, 189, 200, 201, 207, 208, 210, 212, 217, 220, 223, 224, 226,
227, 228, 229, 230, 231, 232, 233, 234, 237, 238, 239, 240, 242
Miséria automatizada 67
Miséria do trabalho 120, 173, 387, 388, 409, 450
456
Modo de produção 40, 58, 89, 110, 149, 155, 157, 158, 159, 161, 162, 164,
165, 166, 167, 201, 202, 206, 207, 225, 232, 267, 272, 277, 281, 283, 317,
324, 329, 345, 351, 369
N
Novo proletariado 54, 59, 63, 105, 120, 144, 242, 338, 387
O
Operação urbana 246, 247, 248, 250, 252, 262
P
População em situação de rua 261, 289, 290, 291, 292, 293, 299, 302, 304,
305, 306, 308, 311, 312, 313, 315, 461, 463
R
Rede federal 432, 434, 435, 436, 442, 448
Região portuária 245, 246, 247, 248, 249, 250, 251, 252, 253, 255, 257, 258,
259, 264
Reprodução ampliada 68, 86, 129, 149, 157, 165, 167, 201, 202, 205, 207,
249, 277, 300
Reprodução social 68, 70, 74, 75, 78, 90, 99, 103, 106, 109, 123, 124, 128,
129, 130, 131, 132, 133, 135, 136, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 151, 156,
157, 160, 171, 238, 265, 269, 272, 284, 300, 317, 324, 326, 459
Rio de Janeiro 64, 65, 66, 82, 83, 108, 120, 122, 144, 145, 146, 172, 173,
177, 178, 179, 180, 181, 182, 183, 186, 187, 188, 189, 190, 192, 193, 194,
195, 196, 197, 218, 219, 220, 221, 224, 242, 243, 245, 246, 247, 248, 249,
250, 252, 253, 254, 256, 257, 259, 262, 263, 264, 273, 276, 286, 314, 315,
Editora CRV - Proibida a comercialização
338, 339, 361, 362, 363, 364, 365, 381, 388, 389, 390, 410, 450, 451, 459,
460, 461, 462, 463, 464
Risco pessoal 290, 314, 315
Risco pessoal e social 290, 314, 315
S
São Paulo 63, 64, 65, 66, 82, 83, 105, 106, 107, 108, 120, 121, 122, 144,
145, 146, 147, 148, 171, 172, 173, 174, 195, 196, 197, 218, 219, 220, 221,
242, 243, 262, 263, 273, 285, 286, 287, 289, 290, 296, 301, 314, 315, 338,
339, 361, 362, 363, 364, 387, 388, 389, 390, 409, 410, 424, 433, 447, 450,
451, 452, 460
Saúde-doença 365, 376, 377, 378, 379, 380, 385, 390
Serviço social 89, 95, 99, 105, 106, 107, 108, 120, 171, 173, 195, 200, 224,
242, 246, 262, 291, 315, 338, 339, 343, 364, 387, 390, 391, 392, 396, 399,
400, 401, 402, 403, 406, 407, 409, 410, 450, 451, 459, 460, 461, 462, 463, 464
Situação de rua 261, 289, 290, 291, 292, 293, 299, 300, 302, 304, 305, 306,
308, 311, 312, 313, 315, 461, 463
Superexploração 79, 90, 92, 116, 123, 125, 182, 194, 242, 294, 351, 359,
372, 373, 375, 377, 378, 385, 390, 415, 420, 431
T
Taxa de lucro 72, 161, 165, 203, 205, 229, 395
Taylorismo 40, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 116, 121, 324
Tempo de trabalho 86, 98, 102, 103, 106, 119, 129, 158, 159, 160, 171, 204,
323, 373, 395, 402, 414
Trabalho coletivo 102, 293, 391, 392, 399, 400, 401, 402, 406, 407, 435, 436
Trabalho digital 106, 107, 108, 110, 115, 118, 119, 120, 122, 387
Trabalho docente 425, 428, 431, 432, 434, 436, 437, 438, 439, 440, 441,
444, 445, 446, 450, 451
V
Vale do Rio Doce 200, 210, 212, 223, 225, 226, 243
André Menezes
Professor do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de Campina
Grande (UFCG). Mestre em Planejamento e Políticas Públicas (Universi-
dade Estadual do Ceará - UECE). Atualmente, cursa Doutorado no Programa
de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (PPGSS-UERJ). Email: andre.menezes@professor.ufcg.edu.br
Deise Mancebo
Professora Titular do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ). Professora do Programa de Pós-graduação em Polí-
ticas Públicas e Formação Humana (PPFH/UERJ). Doutora em História da
Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), com
pós-doutorado pela Universidade de São Paulo (USP). Cientista do Nosso
Estado da FAPERJ. Bolsista de produtividade do CNPq, nível 1. Membro da
coordenação colegiada da Rede Universitas/Br e da Rede ASTE. E-mail: deise.
mancebo@gmail.com
Graça Druck
Professora titular do Programa de Pós-graduação em C. Sociais da Faculdade
de Filosofia e C. Humanas e do Programa de Serviço Social da Universidade
Federal da Bahia. Pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Huma-
nidades/CRH/UFBa. Bolsista Produtividade do CNPq. Membro da Rede de
Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista – REMIR.
Estudiosa da precarização do trabalho, terceirização, servidores públicos,
reformas administrativas e neoliberalismo. Email: druckg@gmail.com
Inês Stampa
Assistente Social. Professora associada do Departamento e do Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade católica do Rio
de Janeiro (PUC-Rio). Pós-doutora em Sociologia e Antropologia (UFRJ).
Doutora em Serviço Social (PUC-Rio). Bolsista de Produtividade em Pes-
quisa do CNPq – PQ 1B. Líder do Grupo de Pesquisa Trabalho, Políticas
Públicas e Serviço Social (TRAPPUS) registrado no DGP/CNPq. Email:
inezstampa@gmail.com
Juliana Menezes
Assistente Social, mestre em Serviço Social pela
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF); doutora em Serviço Social pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj); professora Adjunta da Faculdade
de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj); assistente
Editora CRV - Proibida a comercialização
Lana Carrijo
Assistente social formada pela FSS-UERJ. Mestre em Serviço Social pelo
PPGSSDR-UFF. Doutoranda em Serviço Social pelo PPGSS-UFRJ, desen-
volve pesquisa de tese sobre a crise contemporânea do capital, com ênfase
no capital fictício e na crítica do trabalho. E-mail: lana.carrijo@gmail.com
Luci Praun
Professora da Universidade Federal do Acre (Ufac) e do Programa de Pós-
-Graduação em Economia Política Mundial da Universidade Federal do ABC
(Ufabc). Autora do livro Reestruturação Produtiva, Saúde e Degradação do
Trabalho (Papel Social, 2016). Email: lupraun@uol.com.br
Mariela Becher
Professora Adjunta da FSS/UERJ. Atualmente realiza Pós-Doutorado na Uni-
versidade de Bonn, Alemanha. Desenvolve pesquisa na área de crise do capital,
implosão do sujeito moderno, revoltas sociais, com ênfase na Formação Social
Latinoamericana. E-mail: marielabecher@gmail.com
Raquel Raichelis
Assistente Social; Doutora em Serviço Social pela PUC-SP; Pós-doutorado na
Universidade Autônoma de Barcelona; Coordenadora do Núcleo de Estudos
e Pesquisa Trabalho e Profissão cadastrado no diretório do CNPQ. Pesquisa-
dora do CNPq (1D). Professora e atual Coordenadora (2021-2023) do PPG
em Serviço Social da PUC-SP. Email: raichelis@uol.com.br
Régia Prado
Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS) da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Assistente social do Cen-
tro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro
Pop) de Maracanaú, Ceará (CE), e do Hospital Instituto Doutor José Frota
(IJF), em Fortaleza (CE). E-mail: regiaprado@gmail.com
Ricardo Antunes
Professor titular de Sociologia do Trabalho no IFCH-UNICAMP. Publicou
recentemente Capitalismo Pandêmico (Boitempo, 2022), editado também
na Itália e Áustria e organizou Icebergs à deriva (no prelo, Boitempo, 2023).
Coordena a Coleção Mundo do Trabalho (Boitempo). Email: : rlcantu-
nes53@gmail.com
Thiago Canettieri
Professor do departamento de Urbanismo da Escola de Arquitetura da UFMG.
Doutor em Geografia pela UFMG. Pesquisador do Cosmópolis (UFMG/CNPq)
e Observatório das metrópoles (RMBH/CNPq). Autor do livro A Condição
Periférica” (Editora Consequência). Email: thiago.canettieri@gmail.com
Valeria Forti
Assistente Social, tendo atuado na SMDS-RJ por duas décadas;
doutora em Serviço Social pela UFRJ; professora de Graduação e do
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de Serviço Social
(FSS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGSS/FSS/Uerj); coor-
denadora de projetos de pesquisa e extensão vinculados ao tema “ética, trabalho
e Serviço Social”. Email: vforti17@gmail.com
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Labirintos da
Ney Luiz Teixeira de Almeida
Professor Associado da Faculdade
precarização do trabalho
de Serviço Social da UERJ. Mestre
e Doutor em Educação pela UFF. e das condições de vida
Professor do Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social e do
Programa de Pós-Graduação em A coletânea “Labirintos da Precarização do Trabalho e das
Políticas Públicas e Formação Hu+ Condições de Vida” gira em torno do trabalho e das condições
mana, ambos da UERJ. Vice- líder de vida dos trabalhadores no capitalismo, tomando a precari-
do Grupo de Estudo e Pesquisa zação como dimensão estrutural, que se expressa em
SOBRE O LIVRO
Tiragem não comercializada
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm ISBN 978-65-251-5286-8
Tipologia: Times New Roman 10,5 | 11,5 | 13 | 16 | 18
Arial 8 | 8,5
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal | Supremo 250 g (capa)
9 786525 152868