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O PENTATEUCO
Uma critica dos pressupostos científicos das Hipóteses
Documentárias em face da autoridade bíblica
e seus fundamentos
São Paulo
2015
Moraes, Danilo
O Pentateuco - uma crítica dos pressupostos científicos das hipóteses documentárias
em face da autoridade bíblica e seus fundamentos. Danilo Moraes. São Paulo. 2015.
Fonte Editorial.
ISBN 978-85-68252-69-7
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou meio eletrônico e
mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, sem permissão expressa da editora.
(Lei no 9.610 de 19.2.1998)
Ao Deus gracioso e misericordioso expresso meu louvor e adoração. O único que incon-
dicionalmente me aceitou me amou e restaurou os muros caídos de minha natureza humana.
Aos professores, que com afinco me instruíram no caminho das Escrituras e ao temor
do Senhor.
A minha família, amigos, em especial minha mãe Alaide, pelo apoio em todo tempo.
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 13
Capítulo 1
INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS DO PENTATEUCO ........................................................... 19
Capítulo 2
A HIPÓTESE DOCUMENTÁRIA:
sua origem e desenvolvimento até o século XX ............................................................ 28
1. Raízes dos pressupostos críticos: dos Pais da Igreja até o século XIII ............................... 29
2. Surgimento dos pressupostos críticos: período de transformações e descobertas .............. 39
2.1. Período anterior à reforma protestante ................................................................ 39
2.2. Período da reforma protestante ............................................................................ 42
3. Desenvolvimento dos pressupostos críticos: do Iluminismo ao apogeu das
Hipóteses Documentárias .................................................................................................. 48
3.1. Iluminismo - O Século das “Luzes” ....................................................................... 48
3.2. Principais precursores na filosofia ........................................................................ 52
3.3. Principais precursores na teologia ........................................................................ 57
4. A Teologia Moderna e o Liberalismo Teológico: fundamentos para as
Hipóteses Documentárias ................................................................................................... 73
4.1. Teologia Moderna .................................................................................................. 73
4.2. Liberalismo Teológico ............................................................................................ 78
5. O apogeu das Hipóteses Documentárias ......................................................................... 86
5.1 Julius Wellhausen: o apogeu da Hipótese Documentária .................................... 86
5.2. A evolução da religião de Israel segundo Wellhausen ......................................... 95
5.3. As pesquisas críticas do Pentateuco pós-wellhausenianas ................................ 104
5.4. Principais hipóteses sobre a formação do Pentateuco ....................................... 135
5.4.1. Hipótese Documentária ............................................................................. 136
5.4.2. Hipótese Fragmentária ............................................................................... 137
5.4.3. Hipótese dos Complementos ou “Suplementos” ..................................... 138
Capítulo 4
A FRAUDE DA HIPÓTESE DOCUMENTÁRIA:
análise e considerações relevantes em face da autoridade
bíblica e seus fundamentos ................................................................................................. 189
1. O anti-sobrenaturalismo nos estudos bíblicos ............................................................... 189
2. As falácias das Hipóteses Documentárias e seus pressupostos ..................................... 196
3. Os nomes divinos Yahweh - Elohim: as diferenças dos nomes divinos
e a estrutura textual do Pentateuco implicam autores diferentes? ................................. 231
3.1. O conceito teológico do nome de Deus ................................................................ 231
3.2. Os nomes divinos e a Hipótese Documentária .................................................... 232
3.2.1. Os nomes divinos em Gênesis 1 e Gênesis 2 ............................................. 238
4. A partir de qual momento Deus passou a ser conhecido pelo nome “Yahweh”? ........ 241
5. Os Supostos Redatores e Editores .................................................................................... 253
6. Narrativas duplicadas, implicam autores diferentes? .................................................... 256
7. A Arqueologia e o Antigo Testamento .............................................................................. 258
8. Respondendo a algumas objeções críticas ao Pentateuco ............................................. 263
8.1. Considerações preliminares .................................................................................. 263
8.2. As diferenças entre os dez mandamentos descritos em Êxodo com os
descritos em Deuteronômio não demonstram terem sido escritos por
autores diferentes? ................................................................................................. 268
8.3. Passagens como Êxodo 6.26,27 e 16.33-36, onde o autor se utiliza
a terceira pessoa do singular para se referir a Moisés, não indica
terem sido escritas por alguém que não fosse Moisés? ....................................... 269
8.4. O fato de Balaão fazer referência a Agague, não prova que
Números foi escrito em um período posterior a Moisés? ................................... 270
8.5. O fato de Deuteronômio se referir à “terra da sua possessão”,
não demonstra que foi escrito depois de Moisés? .............................................. 270
8.6. Pode-se crer na historicidade de Adão e Eva? ...................................................... 271
Capítulo 5
O ESTADO ATUAL DAS PESQUISAS:
a formação do Pentateuco e as questões em debate ................................................... 300
1. Em busca de novos paradigmas ....................................................................................... 300
2. Análise do Pentateuco em sua forma final (método canônico) ..................................... 310
Capítulo 6
A AUTORIA DO PENTATEUCO EM QUESTÃO:
breve análise das evidências internas e externas ......................................................... 316
1. Evidências internas da autoria mosaica .......................................................................... 318
2. Evidências externas da autoria mosaica .......................................................................... 329
3. Ponto de equilíbrio ............................................................................................................ 344
CONCLUSÃO ............................................................................................................................. 348
Apêndice 1
A CRÍTICA BÍBLICA E SUAS ESCOLAS:
uma avaliação de seus métodos e pressupostos ......................................................... 352
1. Observações preliminares e a importância da crítica bíblica......................................... 352
2. Breve resumo das principais análises críticas.................................................................. 356
2.1. Crítica textual .......................................................................................................... 356
2.2. Crítica das fontes .................................................................................................... 356
2.3. Crítica linguística .................................................................................................... 356
2.4. Crítica literária ........................................................................................................ 357
2.5. Crítica da forma ...................................................................................................... 358
2.6. Crítica histórica ...................................................................................................... 362
2.7. Crítica da redação ................................................................................................... 363
2.8. Crítica da tradição .................................................................................................. 364
2.9. Crítica canônica ...................................................................................................... 365
3. A Baixa Crítica .................................................................................................................... 366
Apêndice 2
A HISTORICIDADE DAS NARRATIVAS PATRIARCAIS:
Lendas vivas ou vidas lendárias? ...................................................................................... 379
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................................... 399
Apesar de a Palavra de Deus ter sido transmitida a nós através de um contexto histórico
palpável, ela se distingue justamente por ser uma Palavra viva, assim veremos que o Penta-
teuco tal como temos hoje é fruto de um processo de edição, compilação, cópia e tradução,
isso tudo, fruto da providência de Deus. Não se pode reconhecer nenhuma realidade particular
sem incorporá-la em um contexto maior. Pretendo buscar o significado em seu contexto histó-
rico (exegese), e também ajustar o conhecimento adquirido pela exegese aos nossos próprios
dias (hermenêutica).1 Por mais que se possa aceitar a inspiração divina do texto bíblico e a cre-
dibilidade histórica, não se podem descartar os problemas inerentes às questões tratadas na
formação do Pentateuco, apelar para o dogma neste ponto seria pura insensatez. Este presente
trabalho, parte da confissão, de que o Antigo Testamento é a revelação de Deus na forma escrita.
O fato de utilizar determinado autor ou obra não implica que eu concorde com tudo o que
o autor expôs, pois é muito comum determinado autor tratar sobre um assunto onde julguei
contribuir para os propósitos deste trabalho, e em outros assuntos tratados pelo mesmo autor
eu não compartilhar de sua opinião.
Devemos reconhecer sempre que possível às dificuldades encontradas no texto, lem-
brando-se que: “... nenhuma profecia da Escritura provém de interpretação pessoal, pois
jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus,
impelidos pelo Espírito Santo.” (2 Pe 1.20-21).2 Ou seja, a Escritura nem é dada pelo homem,
nem por ele interpretada isoladamente; é o Espírito Santo que realiza as duas tarefas através
de nós, e para nós. Fica assim, a cabo do intérprete, buscar alcançar o mundo que se esconde
detrás do texto, sabendo que a Bíblia é uma espécie diferente de objeto para espécies dife-
rentes de intérpretes. Com propriedade Walter Kaiser comentou a respeito da interpretação
das Escrituras “o grande divisor nos estudos bíblicos não é sobre nossos diferentes sistemas
de interpretação, mas se a pessoa acredita que Deus é em última análise o autor das Escritu-
ras”. (KAISER, 2007, p. 11). Trabalhando o aspecto de autoridade das Escrituras, Hill e Walton
declaram: “A interpretação adequada não exige que os leitores eliminem todas as pressupo-
sições, mas insiste em que eles reconheçam sua existência, reavaliando constantemente sua
validade e subordinando-as ao texto das Escrituras. (HILL, 2006, p. 26).”
1. O emprego da hermenêutica nessa ocasião esta em sua forma mais restrita. Pois, a hermenêu-
tica de certa forma abrange todo o processo de interpretação textual.
2. Por todo o livro as citações bíblicas serão extraídas da NVI (Nova Versão Internacional), a não ser quando
indicado outra versão.
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Não devemos encarar o estudo das Escrituras com ceticismo, e meramente ignorar o pro-
blema tratando as Escrituras como meras narrativas, ou ainda propor teorias hipotéticas da
formação do Pentateuco ignorando a autoridade das Escrituras. Sem negar a inspiração divina
do Pentateuco, o estudioso tem a direito de investigar quem foi o autor humano do Pentateuco.
O interesse pela pesquisa da formação do Pentateuco, não se restringe somente a exegetas
e pesquisadores do tema, pois, todo o Antigo Testamento e a história de Israel é posto sob um
novo prisma mediante os resultados apresentados pelas pesquisas recentes, principalmente as
destinadas ao Pentateuco. À primeira vista, os resultados da pesquisa bíblica, principalmente
as derivadas da Hipótese Documentária, pode dar a impressão que estamos perdidos em águas
turbulentas da controvérsia erudita e acadêmica, por isso, não me proponho deter-me, nas in-
findáveis, e infrutíferas análises técnicas da separação e subdivisão das supostas fontes JEDP.
Buscar compreender e se aprofundar a respeito da formação do Pentateuco é essencial
para se ter uma compreensão de todo o Antigo Testamento, e segurança quanto ao Novo
Testamento. “Os estudos do Antigo Testamento jamais encontrarão um alicerce seguro, en-
quanto não se resolver o problema do Pentateuco” (WINNETT apud PURY, 1996, p. 17). Ainda
“a questão da formação e das fontes do Pentateuco é hoje uma das mais controvertidas da
exegese moderna” (TERRA, 2005, p.8). Da mesma opinião é Sellin e Fohrer (1977, p. 139): “...
a crítica do Pentateuco, que constituiu e constitui ainda hoje a parte mais considerável da
ciência do AT.” Schimidt, da mesma forma pondera que “a pesquisa do Pentateuco repercutiu
para além de seus limites” (SCHIMIDT, 1994, p. 49).
Esta instabilidade interpretativa e exegética nos estudos do Pentateuco, não nos impede
de na práxis cristã encontrarmos descanso e refrigério para nossa alma. Outros assuntos com
problemas semelhantes dentro da exegese interpretativa também permanecem sem solução,
e, nem por isso, o cristão e estudioso das Escrituras deve se sentir acuado e desanimado.
O estudante quando se achega ao Pentateuco para estudá-lo, acaba envolto em inú-
meras teorias que acreditam terem achado “o mapa do tesouro”. Isso gera dúvidas sobre a
validade e autoridade do Pentateuco. Assim, não se deve negar a dificuldade ao se falar sobre
o Pentateuco e sua formação.
Devido à grande quantidade de variações dentro dos métodos de pesquisa de estudo do
Antigo Testamento, a situação em que vivemos hoje é de uma verdadeira confusão metodoló-
gica. E isso tem gerado debates calorosos e motivos de muita indefinição quanto ao que vem a
ser o método correto ou mais confiável. Durante séculos tem se buscado chegar a uma definição
plausível, mas o que se verifica é que a confusão metodológica continua. E vários são os fatores
para isso. Conforme expõe Gotwald, (1988, p. 20) “atualmente, não há provavelmente nenhum
estudioso bíblico que domine compreensão profunda de todos os métodos agora operantes nos
estudos bíblicos”. Somos forçados a admitir que jamais o estudo do Pentateuco foi o mesmo
desde o século XVII, e principalmente XVIII e XIX. A formação do Pentateuco aparece dema-
siadamente complexa para que um único livro como este possa chegar a abarcá-la totalmente.
Este objetivo certamente não será alcançado por um único autor, muito menos por mim. Da
mesma forma, nenhuma metodologia para abordar o tema da formação do Pentateuco é per-
feita, e a que se propõe não é exceção. A metodologia que proponho, procura manter o valor
histórico, teológico e literário do Antigo Testamento, e com isso, o presente livro busca demons-
trar a, historicidade, autoridade e unidade do Antigo Testamento.
Tem sido neste ponto de Introdução ao Pentateuco que muitos grandes teólogos e pes-
quisadores cristãos foram gradualmente afastados de sua fidelidade ao cristianismo ortodoxo.
E também o tema da formação do Pentateuco, se tornou instrumento de questionamentos e
divisões em seminários inteiros, principalmente nos Estados Unidos e Europa, e até mesmo, de-
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nominações inteiras dividiram opiniões sobre este assunto. A questão do Pentateuco - o que é,
quem o escreveu, e quando foi escrito - tem sido um ponto focal do ataque da crítica bíblica na-
turalista, e tem tido resultados visíveis em cada porção dos estudos do Antigo Testamento. Hoje,
é praticamente impossível, fazer um estudo sério em qualquer área do Antigo Testamento, sem
que leve em conta os resultados da Hipótese Documentária, e de todas as teorias e metodologias
que se desenvolveram dela. As questões vitais são: Moisés escreveu o Pentateuco? É o Pentateuco
algo que Deus revelou? É confiável, as hipóteses modernas sobre a formação do Pentateuco?
Nossa atitude para com o Pentateuco é o ponto chave para a nossa atitude para com
toda a Bíblia. Muitos que acreditam na Hipótese Documentária, mantem sua crença, funda-
mentada em algum livro que leu, ou devido algum professor que o influenciou, mas pouco se
deve a uma análise profunda da formação do Pentateuco.
Veremos que na história da interpretação do Pentateuco muitos críticos expuseram
suas conclusões precipitadamente, sem, contudo, avaliar as consequências que acarretariam
para a sociedade, para a igreja e para a própria autoridade das Escrituras. Consequentemen-
te teólogos conservadores não mediram esforços em denunciar e atacar as conclusões que
se desviavam das doutrinas tidas como bíblicas e expressadas durante toda história da igre-
ja. Mas, precipitadamente se atacava, juntamente com as conclusões, qualquer método
crítico de estudo da Bíblia. Com isso, de um lado, temos uma crítica desprovida de sensibi-
lidade e tato, e do outro lado, temos uma defesa alucinada e carente de abertura para novos
métodos de análise textual. É evidente que “o direito de crítica é inato da natureza humana”
(RODRIGUES, 1921, p. 309).
Deve haver bom senso quanto às limitações do assunto tratado, conforme Cole sugeriu,
Onde não é possível a certeza absoluta o melhor é ter mente aberta, com grande reve-
rência, tendo o cuidado de não confundir ideias tradicionais sobre a composição dos
livros com aquilo que a Bíblia realmente reivindica para si mesma (COLE, 1980, p. 49).
Não é minha intenção “convencer” adeptos dogmáticos das mais diversas hipóteses da for-
mação do Pentateuco, mas me reservo o direito de discordar e buscar demonstrar a autoridade
das Escrituras mesmo ao tratar de um assunto tão pouco “espiritual”. Assim sendo, meu esforço
é para que, as hipóteses da formação do Pentateuco possam ser “esclarecidas” através de uma
abordagem canônica que preserva a autoridade da Palavra de Deus.
Quando se crê, não é necessário buscar nos textos bíblicos o quanto ele é correto, ou diz a
verdade. No campo da fé, isso já se mostrou verdadeiro antes mesmo de se aprender trabalhar o
problema histórico do texto. O ponto histórico e crítico acaba tornando-se apenas uma forma de
fortalecer a fé. Sendo assim, é de grande valia buscar se aprofundar nos textos bíblicos utilizando-
-se das ferramentas fornecidas pelo método histórico e crítico. Mas, o estudo sério das Escrituras
pode em alguns momentos mostrar-nos o quanto estávamos equivocados sobre nossas conclu-
sões, nesse caso precipitadas. Nesse ponto, temos que estar preparados para nos curvarmos e
deixarmos de lado nosso orgulho teológico e principalmente denominacional-confessional.
Observaremos que o advento do racionalismo, o desenvolvimento do método histórico-
-crítico e o surgimento da crítica literária, constituíram alguns dos fatores que contribuíram
para uma nova concepção acerca da Bíblia, essa, deixou de ser considerada Palavra de Deus
inspirada, e passou a ser vista como qualquer outra literatura antiga que contenha reflexões
humanas e religiosas. Pode-se dizer, que neste período a ênfase passou da inspiração das
Escrituras para sua humanidade. A consequência disso, foi que “para muitos a palavra de
Deus neutralizou, como se não fora mais do que uma mera ressonância ainda conservada no
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3. Na Inglaterra, os deístas do século XVIII chamaram atenção para aparentes incoerências, contradições, ab-
surdos intelectuais e ambiguidades morais no Antigo Testamento e questionaram o seu status de revelação
divina... No continente europeu, especialmente na Alemanha, o deísmo teve um impacto considerável,
conduzindo ao menosprezo do AT. Lessing comparou o AT a um livro do ensino fundamental recomendado
e determinado para os judeus, mas que já não era leitura obrigatória. Kant, em Religion in the Boundaries
of Pure Reason [A religião nos limites da razão pura] (1794) negou que a fé judaica tivesse alguma ligação
vital com o cristianismo. (BRUCE, 2008, p. 103). Pode-se referir ao que chamamos “religião natural”, que
aceita um conjunto de conhecimentos religiosos adquiridos exclusivamente pelo uso da razão. Resume
a função de Deus na criação simplesmente à mera primeira causa. Deus teria dado corda no relógio do
mundo de uma vez para sempre, sem a necessidade de envolvimento da parte de Deus.
4. Por naturalismo entendemos a recusa total de qualquer realidade além da natureza, que não esteja sujeita às
costumeiras leis físicas da natureza, do mesmo modo que o está à própria matéria.
5. Obviamente que devemos analisar e compreender nosso tempo, e da mesma forma as ciências que se põe
a nosso dispor, que em muito contribui para nossa compreensão do Antigo Testamento, mas, o alerta do
apóstolo Paulo é sempre presente: “Tenham cuidado para que ninguém os escravize a filosofias vãs e enga-
nosas, que se fundamentam nas tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em
Cristo.” (Cl 2.8).
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no sentido que indica o conjunto da frase, analisar o contexto da passagem em análise, levar
em consideração o objetivo ou desígnio do livro ou passagem em que ocorrem as palavras ou
expressões obscuras, e consultar passagens paralelas, estaremos bem próximos de conhecermos
o que realmente o autor do texto quis dizer, e para quem disse. Esses métodos de análises textuais
também são compartilhados pela grande maioria dos adeptos da Hipótese Documental, más,
geralmente suas conclusões são influenciadas pelos seus pressupostos filosóficos e naturalistas -
o que o presente livro ira procurar demonstrar.
Hoje, se reconhece como atividade legítima e necessária os estudos bíblicos que le-
vam em consideração evidências linguísticas, literárias, históricas e científicas; mas alguns
pesquisadores que são denominados como críticos bíblicos, ou conforme tem sido usado
com frequência no Brasil e outros países da América Latina para não causar uma imagem
“negativa”, preferem ser chamados de biblistas. Estes, geralmente têm sido mostrados dota-
dos de uma mentalidade cética quanto à autoridade e inspiração da Palavra de Deus conforme
demonstrarei largamente no presente livro.
O que proponho não é um retorno ao século XVI, pois a forma como o Pentateuco é en-
tendido desde seus primórdios não foi abandonada devida suas inconsistências internas ou suas
aparentes contradições, mas sim, porque foi inadequadamente analisado ao submete-lo a mé-
todos desprovidos de relevância bíblica e dotado de pressuposições filosóficas. Proponho então,
que haja uma reflexão quanto os métodos exegéticos de interpretação das escolas críticas que
aplicam seus resultados ao estudo do Pentateuco, levando em conta seus pressupostos filosóficos
e teológicos. Proponho também haver um exame de seus limites e resultados, para que se possa
pôr em evidência hipóteses fecundas e hipóteses inutilizáveis. O que não proponho, é fornecer
respostas conclusivas e finais sobre as questões levantadas sobre o Pentateuco e sua formação,
mas sim, demonstrar a fragilidade dos pressupostos em que se fundamentam as escolas críticas,
em especial a Hipótese Documental, orientando as perguntas e refletindo sobre as respostas.
Para os crentes sinceros de tempos antigos, e também de grande parte da atualidade, o
Pentateuco se eleva acima da vida e de toda a criação como um testemunho eterno e imutável
da vontade de Deus expressa a Moisés no monte Sinai. Os judeus e os cristãos, acreditavam
que todos indivíduos mencionados no Pentateuco tinham vivido realmente, e o que era dito
sobre eles era indiscutivelmente verdadeiro, e a autoria de Moisés não era questionada. O pre-
sente trabalho, pretende mostrar, entre outras coisas, até que ponto, essa crença sincera pode
ser mantida. Para isso, será feito um levantamento histórico, da forma com que o mundo foi
sofrendo transformações culturais e filosóficas, e desta forma, os estudos do Antigo Testa-
mento, gradativamente foram sendo submetidos às novas descobertas e principalmente aos
novos pressupostos filosóficos naturalistas.
O que fazer? O que dizer? Em que acreditar? Bem estas são algumas das dúvidas6 que
sobrevêm ao se deparar se com este tema. E isso foi à mola propulsora que impulsionou o
presente livro. Se iremos ter respostas por completo, não sabemos; mas pelo menos vamos
poder encarar o assunto com maturidade. Sabendo que o conhecimento e dados adquiridos
podem ser falhos e necessitem serem reexaminados. Assim, postulando uma posição conser-
vadora mantenho no essencial a certeza através da fé e da razão, e nos pontos não essenciais
tolerância em nome de uma unidade saudável.
Com o crescimento indiscutível das ciências bíblicas, e também dos estudos do Antigo
Testamento, acumulado nas últimas décadas, torna-se cada vez mais desafiador, o trabalho
6. A dúvida nem sempre é um problema intelectual, ela também engloba um problema espiritual, emocional
e pessoal.
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ֶ֥
אל־משהֶ יהוה
֥ -. . וידבר
֥ ֵּ - . -
-
7. Uma composição literária dispõe livremente de um material tradicional anterior a ela. Os autores das com-
posições não criam o material narrativo ou legislativo que reúnem. O trabalho consiste em ordenar e dar
forma a esse material segundo uma perspectiva teológica original. Um texto preexistente, pela composi-
ção, aparece reformulado, completado e/ou modificado.
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8. Especificamente João 4.25, podendo ter sido usado anteriormente pelos judeus helenísticos de Alexandria
já no primeiro século.
9. Torá não pode ser traduzido pela palavra “lei”, porque ela reduziria teologicamente o seu sentido. O con-
ceito deuteronomista de Torá compreende o conjunto dos provimentos salvíficos da vontade de Javé em
favor de Israel. É possível reproduzir a Torá pela expressão “a revelação da vontade.” É impossível, pois,
compreender os mandamentos do Dt como “lei”, no sentido teológico do termo, como se o Dt orientasse
Israel a buscar merecer a salvação através de um engajado desempenho de obediência. Pelo contrário,
todos os mandamentos do Dt nada mais são que uma grande explicação do mandamento de amar Javé e
de apegar-se a ele exclusivamente (Dt 6.4s). E esse amor é a resposta de Israel ao amor que Deus lhe dedica.
(RAD, 2006, p. 218; 225).
10. Redução de palavras a um agrupamento de letras, ou a formação de sigla derivada das iniciais de cada
palavra de uma frase.
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havia profetizado acerca de uma “nova aliança” (Jr 31.31ss), que substituiria a antiga aliança. Foi
Irineu quem primeiro empregou o termo “Antigo Testamento”, e também “Novo Testamento”
para definir as coletâneas (Contra Heresias 4.12.2). Leopold Zunz, um historiador judeu do século
XIX, definiu a Torá como “pátria portátil para os judeus”. Uma tradição antiga dos judeus, diz que:
“somos um povo graças a Torá”. Heinrich Heine, grande poeta alemão, disse a respeito da Torá:
“Os judeus podem consolar-se de haver perdido Jerusalém, o Templo, a Arca da Aliança, os vasos
de ouro, e as coisas preciosas de Salomão. Tal perda é insignificante em comparação com a Torá –
o tesouro imperecível que salvaram.” (apud AUSUBEL, 1964, p. 77). Maomé, na Sura 5.77, chama
os judeus de “Povo do Livro”, na Sura 3.64, chama de “adeptos do Livro”.
A palavra “Cinco” em hebraico é Xmh
“hamesh”, e um termo mais formal é “amishah
“umshei Torah, “5/5”, cinco quintos da Torá. Chumash é um dos nomes dados à Torá dentro
do judaísmo.11 Geralmente é usado em relação aos “livros” da Torá, enquanto, os rolos são
chamados Sefer Torá. O termo Torá:
não significa primeiramente ‘lei’, mas ‘orientação’ ou ‘instrução’. Assim as histórias
de Jacó e José são ‘torá’ tanto quanto o são os mandamentos dados no Sinai. Tudo
esta ligado a algum ponto do tempo e do espaço, não para tornar o seu ensino mera-
mente local e temporário, mas para mostrar que ele proporciona ‘orientação’, e não
‘lei’. (CLINES, David J. A. In: BRUCE, 2008, p. 109).
Torá é um conceito pactual tendo, primeiro, um propósito educacional de ensinar,
instruir e, em segundo lugar, o sentido de “lei”. Em outras palavras, torah é para ser
entendida como instrução autoritária divinamente revelada. (GRONINGEN, 2002,
p. 108).
A lei, tôrah, é primariamente uma instrução, uma doutrina, uma decisão dada em
vista de um caso particular. Coletivamente, a palavra significa o conjunto de re-
gras que ordenam as relações do homem para com Deus e dos homens entre si.
Finalmente, a palavra designa os cinco primeiros livros da Bíblia, o Pentateuco, que
contém as instruções de Deus a seu povo, as prescrições às quais este deve ajustar
sua vida moral, social e religiosa. No Pentateuco, encontram-se todas as coletâneas
de leis do Antigo Testamento. (VAUX, 2003, p. 176).
A própria Bíblia descreve a Torá (ou porções dela) como “neste livro da Lei” (Dt 29.21; 30.10);
“este livro da Lei” (Dt 31.26); “livro desta Lei” (Dt 28.61; Js 1.8); “livro da Lei de Moisés” (Js 8.31;
23.6; 2 Rs 14.6), que são expressões equivalentes a “livro da Lei” (Js 8.34) ou “livro de Moisés” (2 Cr
35.4). O título “livro da Lei do SENHOR” (2 Cr 17.9) era usado no tempo do rei Josafá para ensinar
o povo. O rolo de papel descoberto pelo sacerdote Hilquias no Templo é descrito como “livro da
Lei” (2 Rs 22.8,11), “livro do concerto” (2 Rs 23.2,21; 2 Cr 34.30), “livro da Lei do SENHOR, dada
pelas mãos de Moisés” (2 Cr 34.14) e “livro de Moisés” (2 Cr 35.12).
O texto de Esdras 6.18 fala do “livro de Moisés”. “Livro da Lei de Moisés”, “livro da Lei”,
“livro da Lei de Deus”, “livro, na Lei de Deus” e “livro da Lei do SENHOR, seu Deus” são ex-
pressões usadas nas passagens paralelas de Neemias 8.1,3,8,18 e 9.3. Os dizeres de Neemias
13.1 identificam que o trecho de Deuteronômio 23.3-5 é proveniente do “livro de Moisés”. O
nome “Lei de Moisés” é também mencionado em 1 Reis 2.3 e Daniel 9.13.
11. “Da perspectiva dos proponentes da Hipótese Documentária, a divisão do Pentateuco em cinco livros pa-
recia uma imposição posterior a material reunido. A divisão desse conjunto era considerada como algo um
tanto arbitrário, talvez determinada pelo desejo de se ter cinco livros, razoavelmente, do mesmo tamanho,
ou pelo tamanha físico dos rolos. A divisão entre Gênesis e Êxodo era bastante natural, bem como a divisão
entre Deuteronômio e os livros que o precediam. Já a divisão entre Êxodo, Levítico e Números parecia ser
completamente infeliz.” (BRIGGS, Richard S.; LOHR, Joel N., 2013, p. 195).
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12. O nome “Moisés” é egípcio, e significa “filho”, assim como outros israelitas tinham o nome egípcio (Hofni e Fi-
néias). Para os judeus, o nome Moisés, em hebraico Móshe, é associado homofonicamente ao verbo hebraico
mashah, que têm o significado de “tirar”. Na etimologia judaica popular, têm o significado de “retirado [isto
é, salvo]” da água. Hoje em dia o consenso é de que “Moisés” remonta a uma raiz egípcia ms, “criança”, mss,
“nascer”. ms aparece num antropônimo em egípcio, mas é mais prontamente identificado como a segunda
parte de nomes teofóricos, Ahmose – Ah nasceu, Ptahmose – Ptah nasceu, interpretando-se mose como anti-
go perfectivo egípcio do verbo mss. (HARRIS, 1998, p. 883). “Na realidade ele é o sufixo mose (ou moisés) que
se acrescentava aos nomes das divindades egípcias (Amósis, Tutmósis, Ramsés) e significava ‘filho’”. (RAVASI,
1985, p. 17).
21
Em forma composta temos Hattôrá (A Lei), e também Tôrat-Moseh (A Lei de Moisés)13, ain-
da Seper Hattôrâ (O livro da Lei) e Hamisha humshe ha Torah (As cinco primeiras partes da Lei).
Desde Filo de Alexandria, os judeus alexandrinos indicaram pelo nome de pentateucoj Pentateu-
co - o livro composto de cinco rolos.
Pentateuco deriva-se de um termo grego pentateucoj que é a composição de penta - penta
(cinco) e teucoj - teuchos (instrumento, utensílio). Originalmente teuchos tinha o sentido de
“recipiente cilíndrico dos rolos”, que por metonímia passou a ser chamado de “rolo”. Assim
etimologicamente Pentateuco chamar-se-ia “cinco rolos” ou “o livro guardado em cinco vasos”.
Outra forma de se referir aos cinco livros do Pentateuco era “os cinco quintos da Lei”; cada um
deles, portanto, era um “quinto”. Na Vulgata foi traduzido como Pentateuchus.
O Pentateuco também é chamado como “o livro de cinco volumes”, “os cinco quintos da
Lei – expressão comum entre os judeus”, e por outros nomes semelhantes. A divisão quíntupla
já era usada pelo Pentateuco Samaritano e pela Septuaginta (LXX).14 A Torá é o coração da fé do
povo de Deus, como exemplo temos o uso que perdura ainda nos dias de hoje que é o uso do
tefilin, que consiste em uma caixinha que se amarra em determinadas partes do corpo, e em seu
interior encontra-se um trecho da Torá, geralmente Deuteronômio 6 – o Shemá. Assim o povo
13. O Talmude Babilônico 23b-24a, diz que a Lei de Moisés, constitui um corpo legal de 613 mandamentos, ou mit-
zvot. Apesar de que houve muitas tentativas de codificar e enumerar os mandamentos contidos na Torá, a visão
tradicional é baseada na enumeração de Maimônides. De acordo com essa tradição, estes 613 mandamentos
estão divididos em “mandamentos positivos”, no sentido de realizar determinadas ações (mitzvot assê, manda-
mentos do tipo “faça”, obrigações) e “mandamentos negativos”, na qual se deve abster de certas ações (mitzvot
ló taassê, mandamentos do tipo “não faça!”, proibições). Existem 365 mandamentos negativos, correspondendo
ao número de dias no ano solar, que é como se cada dia dissesse à pessoa “Não cometa uma transgressão hoje”
e 248 mandamentos positivos, relacionado ao número de ossos ou órgãos importantes no corpo humano, isto
é, como se cada membro dissesse à pessoa: “Cumpra um preceito comigo”. Apesar de que o número 613 é
mencionado no Talmude, sua significância real cresceu na literatura rabínica medieval tardia.” Para maiores
informações, consultar: http://www.chabad.org.br/mitsvot/index.html. Acessado em: 15/04/2015.
14. A princípio tradução da Torah (cinco livros de Moisés), do texto hebraico para o grego koine, e posterior-
mente de todo o Antigo Testamento. A Septuaginta se destaca por ter sido a tradução usada do A.T no N.T, e
as citações que eram feitas do A.T provinham da Septuaginta. Segundo a “Carta de Aristéias” a tradução foi
feita a pedido de Ptolomeu Filadelfo, durante o século que transcorreu 250-150 a.C. Não se sabe a exatidão
histórica, ou se isso seria uma lenda, diz-se que as autoridades de Jerusalém enviaram 72 doutores da Lei,
que na pequena ilha de Faros na Alexandria, traduziram o Pentateuco em 72 dias. É por causa dessa lenda
que se vinculou a essa versão o termo Septuaginta (setenta). A lenda foi originalmente registrada em um
documento chamado Carta de Aristeas. Conforme (BRUCE, 2011, p. 42), tanto Filo (Life of Moses, 2.57) como
Josefo (Antiguidades, prefácio, 3), confirmam que somente os livros da Lei foram traduzidos pelos anciãos.
“Tradições posteriores (registradas, e.g., por Fílon, Ireneu e Clemente de Alexandria) embelezaram a lenda
ao descrever como os tradutores foram isolados em 72 cômodos separados e produziram 72 traduções in-
dependentes, porém concordes umas com as outras, palavra por palavra! Se essa história fosse crível, não
somente provaria que a LXX era inspirada, mas também que todo o AT era reconhecido como canônico já
em 250 a.C. Mas não podemos dizer mais do que o fato que o projeto de tradução foi iniciado em alguma
época durante o século III a.C. – e foi iniciado sem dúvida pelo Pentateuco.” (BRUCE, 2008, p. 37).
Segundo Archer (2003, p. 46-47), “a LXX tem grandes diferenças de qualidade e de valor, de um livro para
o outro. O Pentateuco foi traduzido com maior exatidão, de modo geral, do que os demais livros do Antigo
Testamento, indubitavelmente porque tinha que servir como um tipo de Targum Grego nos cultos nas sina-
gogas das congregações judaicas do Egito”. Porem ressalta “os escribas gregos não aderiram às mesmas regras
estritas de exatidão literal e meticulosa que foram adotadas pelos escribas judeus do período dos Soferim.”
Devido o cunho lendário da tradução da Septuaginta, podemos acatar um processo mais ponderado da tradu-
ção, como segue: “Mas há detalhes no relato original de Aristéias que, de modo geral, são considerados dignos
de crédito. E muito provável que o Pentateuco tenha sido a primeira parte do AT a ser traduzida para o grego
e que o trabalho tenha sido realizado por judeus bilíngues em Alexandria, no início do século III a.C. Não é
tão provável, por outro lado, que Ptolomeu Filadelfo tenha sido o instigador do empreendimento. Há razões
suficientes para o projeto no fato de que nessa época existia no Egito uma grande comunidade de judeus que
só sabiam falar o grego. Depois que o Pentateuco foi traduzido, o restante dos livros canônicos também deve
ter sido tratado da mesma maneira, de modo que, em torno de 100 a.C., uma versão completa do AT grego
estivesse à disposição.” (BRUCE, 2008, p. 22).
22
pode simbolicamente expressar sua fé, dizendo que a Torá está em sua mente, em seu coração
e nas suas ações.
Sobre a qualidade do Pentateuco traduzido no texto da Septuaginta, temos o seguinte parecer:
O Pentateuco é bem fielmente reproduzido com exatidão muito maior que os de-
mais livros. A tradução dos livros históricos é, igualmente, boa. Ao contrário, os
livros poéticos e proféticos muito deixam a desejar, encontrando-se, a cada ins-
tante, contrassensos, omissões e glosas que parecem demonstrar um trabalho
executado de maneira apressada e por tradutores pouco competentes. (STEIN-
MANN, 1960, p. 20).
23
16. Êxodo passou a significar um tema, bem como um livro ou um acontecimento. Êxodo representa a narrati-
va mais forte e clara do Pentateuco. De 770 referências a Moisés no Antigo Testamento, aproximadamente
um terço ocorre no livro de Êxodo.
17. A falta de interesse e até mesmo desprezo pelo livro de Levítico, esta relacionada a concepção protestante
em relativizar o papel dos sacerdotes de rituais de modo geral. “Em alguns aspectos, Levítico não é tanto
um código de leis arraigado no meio do Pentateuco (e, geralmente, ignorado hoje), mas, sim, o próprio clí-
max ou, até mesmo, a força motriz da Torá, o próprio ensinamento de Deus concedido no Sinai. Este é um
ponto que não podemos apreciar plenamente se lermos de forma isolada dos outros livros do Pentateuco
ou se o lermos com um olhar que reduz o sacerdócio e o ritual – o olhar do protestantismo tradicional.”
(BRIGGS, Richard S.; LOHR, Joel N., 2013, p. 148-149).
18. Por razões desconhecidas, Números recebeu como título a quinta palavra ao invés da primeira. O objetivo
do livro seria identificado com mais precisão e clareza pelo título “Peregrinação”. Estas “numerações” ocu-
pam pequena porção do livro, qual seja, os capítulos 1 a 4 e 26. Ou olhando o livro da posição vantajosa da
história hebraica e cristã, poderíamos intitulá-lo “A Tragédia de um Povo Murmurador”. O livro está salpicado
de registros de murmuração e reclamação dos israelitas por causa dos sofrimentos pelos quais passavam.
Contém, como centro histórico, o grande pecado de incredulidade em Cades-Barnéia, onde o povo passou
da crítica aos líderes para a crítica ao próprio Deus.
19. “o Senhor falou a Moisés” esta é uma das expressões mais comuns em Números. Esse fato é declarado mais
de 150 vezes em mais de 20 maneiras diferentes. Isso reforça de maneira contundente a autoria mosaica.
20. O nome “deuteronômio” é uma tradução equivocada da Septuaginta da palavra hebraica hnE“v.mi
“mišnË”em Dt 17.18 o termo foi traduzido por “repetição da lei” ao invés de “cópia da lei”. Von Rad descreve
Deuteronômio como o livro que “reúne praticamente todas as qualidades da fé que Israel tem, verificando-
-as e purificando-as teologicamente”, formando, assim, “a unidade mais completa e perfeita que se pode
conceber”. Studies in Deuteronomy, 1953, p. 37.
21. Com exceção de Números os títulos hebraicos não descrevem com precisão o conteúdo de cada livro. Deve-
mos levar em consideração que o método mais antigo refletido na Bíblia Hebraica nunca teve a intenção de
ser um título, mas antes um meio de identificar um rolo ou tablete.
24
persas e os quatro outros livros, contêm hinos e cânticos feitos em louvor de Deus
e preceitos para os costumes. Escreveu-se também tudo o que se passou desde Ar-
taxerxes até os nossos dias22, mas como não se teve, como antes, uma seqüência de
profetas não se lhes dá o mesmo crédito... (JOSEFO, 2001, p. 712).
Como pudemos ver, em Josefo a literatura canônica é situada entre Moisés e o rei Arta-
xerxes, e tudo o que foi escrito após este período não tem autoridade religiosa para os judeus.
Em todo o Pentateuco vemos sua composição constituída principalmente de narrativas
e leis/instruções. A religião do Antigo Testamento é uma religião histórica. Temos em Gênesis
a origem de Israel, e nos demais livros do Pentateuco, a organização do povo sob a liderança
de Moisés, ou seja, a vida de Moisés a serviço de Deus.
Nitidamente se percebe o papel da lei no Pentateuco, ela ocupa o papel central desta
obra literária e de todo o povo de Israel. Apesar do grande volume de literatura legislativa, não
podemos ignorar a presença de narrativas e as demais formas literárias no Pentateuco.
O Pentateuco é ao todo uma obra com caráter religioso e jurídico, sua importância con-
siste substancialmente em ser um texto normativo para a vida de Israel, e a sobrevivência
desta nação depende tão só em obedecer aos preceitos e leis que compõe esta obra. “Portan-
to, como um todo o Pentateuco deve ser definido como um documento que dá a Israel a sua
própria compreensão, a sua etiologia de vida”. (BENTZEN, 1968, p. 89). Nele temos o cenário,
os principais atores, e as linhas mestras do enredo de uma grande obra – a Bíblia. Indiscu-
tivelmente o Pentateuco tem sido considerado tanto por judeus como por cristãos, o mais
importante das três divisões do cânon hebraico – Torá, Profetas e Escritos.
Dentro da história da revelação, Moisés ocupa um lugar especial, devido a isso o Pen-
tateuco é único. No Pentateuco temos acesso a informações sobre a pessoa de Moisés, e
sua vida de devoção a Deus. Vemos a promessa de Deus feita aos antepassados e o êxodo
de Israel.23 Durante todo o Pentateuco Deus se mostra como o Deus dos “pais”, e o Deus
que libertou o povo dEle do Egito. O Senhor (Yahweh) se mostra como “o Deus de Abraão, o
Deus de Isaque, o Deus de Jacó.”24 (Êx 3.6) e também como “...o Senhor, o teu Deus, que te
tirou do Egito, da terra da escravidão.” (Êx 20.2). No que diz respeito ao conteúdo, Núme-
ros poderia ser designado o “Livro de Moisés”. Ao longo destas páginas, Moisés é retratado
como homem de Deus de maneira mais incisiva que nos dois livros precedentes e, talvez
até mais, que no livro seguinte - Deuteronômio. Ele domina a cena como legislador, inter-
cessor, pacificador, provedor, conselheiro sábio, estadista astuto, general inteligente, líder
íntegro e servo de Deus.
A importância destes cinco livros é incalculável. Podemos compreender isto através
destes cinco aspectos relacionados por Ellisen:
Cósmico: explicam o cosmos dando o único relato antigo que identifica a “Primeira
Causa”. O princípio unificador do Universo, procurado às cegas pelos filósofos e clássicos,
está compreendido na primeira sentença - “No princípio criou Deus...”.
25
Étnico: Eles descrevem o começo e a expansão das três divisões raciais do mundo:
oriental, negróide e ocidental.
Histórico: Esses livros são os únicos a traçar a origem do homem numa linha contínua a
partir de Adão. Todavia, não é sua intenção apresentar a história completa de todas as raças,
mas sim um relato altamente especializado da implantação do reino teocrático no mundo e
do plano de redenção da humanidade. Nesse processo, a história de Israel remonta a Abraão,
através de quem Deus prometeu a redenção.
Religioso: Esses livros são fundamentais. Retratam a Pessoa e o caráter de Deus, a cria-
ção do homem e sua queda, as alianças e promessas divinas de trazer a redenção através de
um divino Redentor.
Profético: Os livros do Pentateuco são a origem dos temas proféticos mais importantes da
Bíblia. É a história centralizada no Messias associada à profecia centralizada no Messias. Apre-
sentam em conjunto uma filosofia simétrica da história. As profecias preenchem a interpelação
histórica através das demais revelações. (ELLISEN, 1993, p. 14).
Com estas ponderações chega-se à apreciação do conteúdo do Pentateuco assim como
seu propósito principal: instruir o povo de Deus sobre o próprio Deus, sobre o povo e sobre os
propósitos divinos em relação ao povo. Por isso, “os judeus atribuem a torá, maior autoridade
e santidade que ao restante das escrituras” (LASOR, 2002, p. 3).
2. O Pentateuco Samaritano
O Pentateuco Samaritano é a “Bíblia” da comunidade samaritana. Os samaritanos man-
tiveram o Pentateuco como única escritura inspirada, e os judeus acrescentaram os livros dos
profetas e os hagiográficos (escritos). O Pentateuco samaritano pode ter-se originado no perío-
do de Neemias, em que se reedificou Jerusalém. Essa obra foi, de fato, uma porção manuscrita
do texto do próprio Pentateuco. Contém os cinco livros de Moisés, tendo sido escrito num tipo
paleo-hebraico, muito semelhante ao que se encontrou na pedra moabita, na inscrição de Siloé,
nas Cartas de Laquis e em alguns manuscritos bíblicos mais antigos de Qumran. A tradição tex-
tual do Pentateuco samaritano é independente do Texto Massorético. Não foi descoberto pelos
estudiosos cristãos senão em 1616, embora fosse conhecido dos pais da igreja, como Eusébio de
Cesaréia e Jerônimo, tendo sido publicado pela primeira vez na obra Poliglota de Paris (1645)
e, depois, na Poliglota de Londres (1657). O códice do Pentateuco Samaritano mais antigo traz
uma nota sobre ter sido vendido em 1149-1150 d.C, embora fosse muito mais velho. A Biblioteca
Pública de Nova Iorque abriga outro exemplar que data de cerca de 1232. Imediatamente após
a descoberta desse exemplar, em 1616, o Pentateuco Samaritano foi aclamado como superior
ao Texto massorético. No entanto, depois de cuidadoso estudo, foi relegado a posição inferior.
Só recentemente esse documento reobteve um pouco de sua antiga importância, ainda que
seja considerado até hoje de menor importância do que o texto massorético da lei. Os méritos
do texto do Pentateuco Samaritano podem ser avaliados pelo fato de apresentar apenas 6.000
variantes textuais em relação ao Texto Massorético, e em sua maior parte constituem diferenças
ortográficas que se considerariam insignificantes. (GEISLER, 1997, p. 189 ss).
O Pentateuco Samaritano contém interpolações sectárias tendenciosas, procurando
demonstrar que Deus escolheu Gerizim e não Sião, e Siquém no lugar de Jerusalém. Pode-se
acrescentar que os samaritanos escreveram o texto com letras muito diferentes do hebraico
quadrático, mas desenvolvidas das letras paleo-hebraicas. O Pentateuco Samaritano está pre-
servado no tipo antigo de letras hebraicas arredondadas (antigamente chamadas de fenícias),
as quais basicamente deixaram de ser usadas pelos judeus depois de adotarem os caracteres
aramaicos quadrados, no tempo do exílio. No processo de copiar e recopiar as formas de mui-
26
tas destas letras mudaram tanto que a escrita samaritana difere bastante em relação as formas
mais antigas, das quais são tão claramente descendentes. “A rigor, o Pentateuco Samaritano
‘na verdade não é uma versão, mas uma transcrição’ embora haja em torno de 6 mil diferen-
ças entre o Texto Massorético e o Pentateuco Samaritano, muitas delas são meras variantes
ortográficas. Além disso, o Pentateuco Samaritano tem a tendência de simplificar formas e
construções difíceis e, em geral, de fazer ‘alterações típicas de textos populares’. Algumas das
outras discrepâncias do Texto Massorético são resultado evidente de preconceitos e tendên-
cias sectárias em ação no Pentateuco Samaritano. O Pentateuco Samaritano, no entanto, não
foi transmitido com a mesma precisão e fidelidade quanto o Texto Massorético, e isso, em
conjunto com a óbvia coloração sectária, responde pela negligência com que os críticos tex-
tuais o tratam. A primeira cópia do Pentateuco Samaritano a chegar ao Ocidente foi trazida
de Damasco por Pietro delia Valle, em 1616, e as primeiras edições impressas foram as que
apareceram nas Poliglotas de Paris e de Londres (1632 e 1657 respectivamente). Uma edição
apenas com esse texto foi publicada em Oxford, em 1790, por Benjamin Blayney. Naquela
época, o Pentateuco Samaritano era tido em alta estima, e foram necessários as pesquisas e
os pronunciamentos do grande crítico alemão Gesenius, no início do século XIX, para rebater
as reivindicações infundadas que foram feitas em favor desse texto.” (BRUCE, 2008, p. 21).
27
CAPÍTULO 2
A HIPÓTESE DOCUMENTÁRIA:
sua origem e desenvolvimento
até o século XX
Hoje estamos passando por uma revolução nas pesquisas em torno do Pentateuco. Mui-
to do que se acreditava, pareceu desmoronar para dar lugar a uma nova forma de entender a
origem e formação do Pentateuco, e esta nova forma de entender por não ter se sustentado
começa a dar lugar a uma forma mais equilibrada e destituída de pré-conceitos teológicos.
Atualmente o estudo do Antigo Testamento está composto por vários defensores do Libera-
lismo Teológico; mas, vozes conservadoras têm se manifestado com vasta erudição. Dentre
autores menos conservadores em suas abordagens com obras publicadas no Brasil temos:
Klaus Homburg, Introdução ao Antigo Testamento, Ed. Sinodal, 1981; Aage Bentzen25, Introdu-
ção ao Antigo Testamento, ASTE, 1968, 2 volumes; E. Sellin & G. Fohrer, Introdução ao Antigo
Testamento, Paulinas, 1978, 2 volumes; Werner H. Schmidt, Introdução ao Antigo Testamento,
Sinodal, 1994; Werner H. Schmidt, A Fé do Antigo Testamento. Sinodal, 200426; Erich Zenger.
Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo, Loyola 2003; entre outras.
Entre os conservadores27 temos: Edward J. Young, Introdução ao Antigo Testamento,
Vida Nova, 1964; Clyde T. Francisco, Introdução do Velho Testamento, JUERP, 1969; Gleason
L. Archer, Merece Confiança o Antigo Testamento? Vida Nova, 2003; Stanley A. Ellisen, Conheça
Melhor o Antigo Testamento, Vida, 1996; W.S. LaSor28; D.A. Hubbard29 & F.W. Bush, Introdução
ao Antigo Testamento, Vida Nova, 1999; Raymound B. Dillard & Tremper Longman III, Intro-
28
dução ao Antigo Testamento, Vida Nova, 2006; entre outros. As introduções conservadoras são
fortemente caracterizadas por seu interesse apologético30, principalmente ao método históri-
co-crítico e a formação do Pentateuco, com ressalvas a de LaSor-Hubbard-Bush.
Durante a história levantaram-se vozes questionando a forma como era entendida a
formação e autoria do Pentateuco, e estas vozes como que através de uma corrente chega até
nós hoje interpretada e reinterpretada por dezenas, centenas de outras vozes. Isso demonstra
a complexidade ao se falar sobre o assunto, e manter uma posição teológica sem concessões.
Ao mergulhar no tema, conforme mais fundo buscamos ir, mais parece que as suposições até
então tidas como certas parecem ir por água abaixo. Um pouco mais fundo e tem se a impres-
são destas mesmas suposições se encontrarem inabaláveis, enfim, diante disto cremos que
o crivo de nossas pesquisas deve ser a Palavra de Deus e sua autoridade como verdade para
julgar todas as coisas.
Nenhuma teologia, filosofia ou política é constituída fora de um ambiente cultural que
forneça os caminhos que auxiliem sua compreensão, por isso nesta primeira parte do livro se
faz necessário analisarmos as raízes do estudo crítico do Pentateuco e de seu desenvolvimen-
to no que diz respeito a sua formação. Veremos também que os próprios pesquisadores do
tema são filhos de seu tempo e de sua geografia.
Espero com esta primeira parte, levar o leitor a olhar para os períodos da história que
contribuíram com as pesquisas críticas do Pentateuco e sua formação, verá que o que já foi
dito acerca do objeto de pesquisa, e com isso evitará erros que esta pequena introdução à
história da formação do Pentateuco aponta através de antecedentes teológicos e filosóficos.
Muitos foram surpreendidos com a enorme mudança no campo das pesquisas bíblicas
em torno do Pentateuco, a ponto de combatê-la severamente, e outros a receberam de bom
grado sem ao menos questioná-la, e poucos a analisaram por completo (devido à velocidade
com que se desenvolveu as pesquisas sobre o tema). Cabe a nós hoje em pleno século XXI a
luz de seus resultados julga-lá? Teríamos tal condição? Creio que sim. Mas não sem parciali-
dades. Devemos reconhecer os limites em tal empreendimento e a delimitação da presente
abordagem.
Na Idade Média tínhamos a teologia como a rainha das ciências, e no iluminismo este
papel foi passado para a filosofia e para a ciência. Com o advento do pós-modernismo este
papel ficou com a teoria literária.31 Isto serve para esclarecer o demasiado interesse atual pe-
las ciências literárias, da qual a análise do Pentateuco vem se utilizando cada dia mais, como
veremos. Verificaremos também como estas mudanças influenciaram a forma de se com-
preender o mundo, especificamente o estudo do Antigo Testamento, e que afetou também
todo o campo religioso.
1. Raízes dos pressupostos críticos: dos Pais da Igreja até o século XIII
De acordo com as escolas de pensamentos críticos, notaremos que se colocam de forma
multifacetada, e não podemos reunir seus partidários sob uma única categoria crítica, e até
mesmo teológica. As articulações críticas entrelaçadas e dependentes de seus predecessores
acentuam uma impossibilidade acadêmica de expor as minuciosas nuanças em que cada teo-
ria crítica se alicerça e se projeta. Evidentemente surgiram sempre dúvidas contra a autoria
mosaica do Pentateuco, mas não se pode falar que tenham sido uma investigação de sentido
29
histórico e literário. Basta dizer que, mesmo na antiguidade, as pessoas estavam oferecendo
várias teorias para explicar as origens das Escrituras.
Veremos a seguir um breve resumo dos principais expoentes que deram início aos
questionamentos a respeito da formação do Pentateuco e da autoria mosaica nos primeiros
séculos da era cristã, culminando na Idade Média. Será data atenção a suas contribuições e
pesquisas bíblicas em torno do Antigo Testamento, especificamente ao Pentateuco.
Esdras. Devemos admitir que Esdras fosse uma figura de capital importância para histó-
ria do povo de Israel “embora sejam fantásticos os exageros com os quais a lenda fez dele um
personagem não inferior a Moisés, não deixam de ter sua justificação. Se Moisés foi o funda-
dor de Israel, foi Esdras quem reconstruiu Israel e deu à sua religião uma forma pela qual ele
pôde sobreviver através dos séculos.” (BRIGHT, 2003, p. 465).
Que lei Esdras trouxe do exílio babilônico é uma questão para a qual não existe uma
resposta certa:
Certamente, não podemos dizer quais leis Esdras leu realmente em voz alta. Mas
o mais provável é que o Pentateuco completado estivesse em seu poder, e que ela
tenha sido a lei imposta à comunidade como prática e regra de religião normativa. A
Torá, naturalmente, tinha esse status logo depois do tempo de Esdras, e é plausível
supor que está tenha sido a lei trazida por ele. (BRIGHT, 2003, p. 466).
O texto de Neemias 8.2-3 nos diz que Esdras trouxe a lei diante do povo e a leu. O tex-
to e o contexto bíblico não dão nenhuma margem para supor que esta lei que foi lida havia
sido reescrita por Esdras por ter sido destruída anteriormente. Em Esdras 7.25 o rei Artaxerxes
comissiona Esdras para ir a Jerusalém, e uma das tarefas de Esdras era ensinar as leis de seu
Deus ao povo. Como poderia Esdras ensinar a lei, se a lei estivesse destruída e esquecida?
Não seria o caso de o livro de Esdras e Neemias relatar a destruição da lei? O texto bíblico se
cala em relação a destruição da lei, mas prontamente nos apresenta em Neemias 8.2-3 Esdras
lendo a lei como se ela estivesse naturalmente em sua posse. O contexto mediante a reação
do povo diante da leitura da lei32, fortemente aponta que o conteúdo que foi lido já lhes era
conhecido, o que também argumenta contra alguns críticos que atribuem que formação do
Pentateuco a um período posterior ao exílio.
Buscando responder a pergunta: Que papel Esdras teve na formação do cânon do Antigo
Testamento?, podemos esboçar uma resposta coerente, vejamos:
Uma tradição muito antiga o associa de forma literária com o cânon (2Ed 14.21 ss;
Baba Bathra 14b). Essas tradições, embora evidentemente lendárias, muitas vezes
têm alguma base em fatos históricos. Será possível que Esdras, sacerdote e escriba
versado na Lei (Ed 7.6), e seus companheiros (Ne 8.9) tenham feito a edição final
do Pentateuco e a coleção e edição finais dos Profetas Anteriores e Posteriores?
Isso não significa dizer que ele ou a “Grande Sinagoga” de alguma forma canoni-
zaram esses livros. Pois está evidente nos textos bíblicos que a Lei era algo muito
antigo, muito mais antigo do que Esdras, algo que possuía autoridade firmada ha-
32. “Muitos tratados hititas ordenam que o texto seja lido periodicamente na presença do rei vassalo e de
todo seu povo. Da mesma maneira, Dt 31.10-13 prescreve uma leitura pública da lei a cada sete anos. É
provável que tais leituras tenham mesmo sido feitas, e talvez com maior frequência ainda, por ocasião, por
exemplo, de uma cerimônia anual de renovação da aliança, análoga àquela que os manuscritos do mar
Morto indicam na seita de Qumran. Os textos históricos aludem unicamente a algumas leituras feitas em
circunstâncias excepcionais: no momento da reforma de Josafá, II Cr 17.9; depois da descoberta do Deute-
ronômio, II Rs 23.2; por ocasião da promulgação da lei por Esdras, Ne 8.4-18.” (VAUX, 200, p. 182).
30
Dentro da Arca da Aliança se encontravam as duas “tábuas da lei”33 que Moisés recebeu de
Deus (Dt 10.2), isso nos mostra seu status divino e santo. Após a invasão da Babilônia34 em 586
a.C, segundo o texto de 2 Reis 25.9 o templo do Senhor foi incendiado, e supostamente a Arca
da Aliança juntamente com as tábuas da lei também foram destruídas. O conteúdo escrito nas
tábuas da lei que se encontravam dentro da Arca da Aliança é incerto, mas logicamente era um
resumo/síntese de todo o conteúdo da lei. Sendo assim temos que admitir que o conteúdo da
lei de forma expandida circulava fora do templo, ou pelo menos fora da Arca da Aliança, o que
implica largamente ter sobrevivido ao incêndio ocasionado pela invasão babilônica.
É importante nesse contexto também mencionarmos que um outro livro apócrifo cha-
mado 2 Macabeus também se pronuncia a respeito do destino da lei que se encontrava dentro
do templo na ocasião do incêndio. Segundo o texto de 2 Macabeus 2.1-12 o profeta Jeremias
solicitou que levassem a Arca até o monte Nebo para ali a esconder em uma caverna. Assim,
segundo esse texto teria sobrevivido ao incêndio.
Isso posto, aponta para que o texto apócrifo de 4 Esdras exala uma forte admiração pela
figura de Esdras e seu papel na história de Israel, mas muito pouco demonstra nesse ponto
analisado exatidão histórica.
2 Esdras. Existe uma lenda bem elaborada em 2 Esdras 14.37-47, escrita em cerca
de 100 d.C, onde Deus supostamente teria ordenado a Esdras que bebesse bebida forte,
33. G. Kline, em seu livro Treaty of the GreatKing, desenvolve este tema, sugerindo que cada um dos dois table-
tes eram cópias duplicadas completas do Decálogo. De acordo com a clássica prática do tratado suserano
do segundo milênio, uma cópia da aliança era colocada no santuário do vassalo e a outra no santuário do
suserano. Os dois santuários coincidiam no Israel antigo, pois Deus era o suserano e, portanto, os dois ta-
bletes, cada um contendo a expressão completa do Decálogo escrita em ambos os lados, foram colocados
na arca da aliança. (TENNEY, 2008, p. 909). “Os tratados orientais eram escritos em tabuinhas ou eram
gravados sobre uma estela e eram colocados em um santuário, diante dos deuses. O Decálogo foi gravado
sobre duas tábuas e colocado na tenda sagrada, na arca da “Aliança” ou da “Lei”. O pacto de Siquém foi
escrito em um livro, segundo Js 24.26, ou ainda em pedras, segundo, Js 8.35; Dt 27.2-4, e o santuário de
Iahvé guardava o testemunho deste pacto, Js 24.26-27. O “livro da lei”, o Deuteronômio, foi encontrado no
Templo de Jerusalém, II Rs 22.8.” (VAUX, 2003, p. 182). A arca da aliança aparece no contexto da história
do povo que migra no deserto: Nm 10.33-36. Ela representa a presença protetora de Deus, em especial nas
batalhas. Com a arca, o Javé guerreiro marcha para a batalha. Na origem, a arca talvez tenha sido apenas
um recipiente para guardar objetos sagrados. Talvez por esse motivo ela era tida como poderoso paládio
nas batalhas. Conforme a tradição, estava depositada, por um tempo, no santuário de Silo e era levada à
batalha quando necessário (1 Sm 4-6). Após uma derrota contra os filisteus, a arca foi levada à Filistéia,
onde fez enormes estragos. Davi traz a arca a Jerusalém para valorizar a sua nova capital com um símbolo
sagrado (especialmente nas tribos de Efraim e Manassés). Na época da monarquia, a arca se encontra no
santo dos santos do templo de Jerusalém até ser destruída juntamente com o mesmo, em 586.
34. Bab-ilu (Porta de Deus), como era chamada originalmente.
31
e o mesmo teria descrevido o seguinte: “Por causa disso meu coração derramou conhe-
cimento... e o Altíssimo deu entendimento aos cinco homens (comigo), e em turnos eles
escreveram o que foi ditado, em caracteres que eles não conheciam.” (KAISER, 2007, p. 15).
Depois de quarenta dias, Deus ordenou a Esdras: “Publique os vinte quatro (posteriormente
organizados nos nossos trinta e nove) livros.” (KAISER, 2007, p. 15). Baseado nesta descri-
ção tipicamente lendária, teria se originado aos livros do Pentateuco, e os demais livros do
Antigo Testamento.
Isto claramente remete ao conceito grego de que a habilidade artística é derivada de um
estado de êxtase. Claramente esta forma de revelação foge dos princípios bíblicos.
4 Esdras. Tem se buscado argumentar com base nesse livro apócrifo que a “Lei de
Moisés” foi destruída no templo devido a um incêndio com a invasão babilônica, e que o Pen-
tateuco que temos hoje foi por inspiração do Espírito Santo reescrito totalmente por Esdras.
Assim diz o texto de 4 Esdras 14.21-22:
Porque a tua lei foi queimada, de modo que ninguém sabe as coisas que foram
feitas ou serão feitas por ti. Se tenho achado graça diante de ti, envia o Espírito
Santo a mim, e escreverei tudo que tem acontecido no mundo desde o princípio,
as coisas que foram escritas na tua lei, afim de que homens possam ser capazes de
encontrar o caminho, e a fim de que aqueles que desejam viver nos últimos dias
possam viver.
Parte da tradição judaica pressupões que Esdras e seus continuadores, os “120 lumina-
res” que, num período aproximado de dois séculos, até c. 200 a.C., constituíam os “Homens
da Grande Assembleia” ou “Homens da Grande Sinagoga”, organizaram a Tanach (Antigo
Testamento) em três divisões principais. Um dos tratados da Mishnah, Pirkê Avot35 (Os Ca-
pítulos dos Pais), que é um reservatório das tradições orais da religião judaica, explica que a
transmissão da Torá, é explicada segundo a seguinte genealogia: “Moisés recebeu a Torah no
Sinai, e a entregou a Josué, Josué aos Anciãos, os Anciãos aos Profetas, e os Profetas a entrega-
ram aos Homens da Grande Assembleia.” (APUD AUSUBEL, 1964, p. 85).
Tradição judaico-talmúdica. A tradição judaico-talmúdica foi apoiada por personali-
dades eminentes, para as quais a autenticidade do Pentateuco era afirmada pela Escritura
e pela tradição, portanto revelada: revelação implícita, uma vez que se deduziria dos dados
revelados com uma simples explicação, sem necessidade de um argumento dedutivo. Negá-la
teria sido, para estes, um erro contra a fé.
Os tradutores gregos da Septuaginta consideravam Moisés como o autor do Pentateuco
todo. No primeiro século da era cristã, Josefo atribui a Moisés a autoria do Pentateuco inteiro (An-
tiguidades Judaicas, IV, viii, 3-48; cf. Contra Apíon, I, 8). Também Filo, o filósofo Alexandrino, é
convencido que o Pentateuco inteiro é um trabalho de Moisés, e que o último escreveu uma nota
profética de sua morte sob a influência de uma inspiração divina especial (De vita Mosis, ll. II, III
em “Ópera”, Geneva, 1613, pp. 511, 538). O Talmude Babilônico, o Talmude de Jerusalém36, os
35. É o nome de um tratado da Mishná composto de máximas éticas dos rabinos do período mishnáico. Di-
vidido em cinco capítulos, os primeiros quatro capítulos contêm os ensinos dos sábios desde Simão, o
Justo (século III a.C.) até Judá haNasi (século III d.C.), redator da Mixná. Estes aforismos centralizam-se na
conduta ética e social, enfatizando a importância do estudo da Torá.
36. Do hebraico talmüd, de lãmad: acostumar-se; aprender - significava no hebraico posterior: estudo, ins-
trução, ciência, em particular a ciência da tõrãh e nomeadamente a explicação e o comentário dos textos
jurídicos. Conjunto de antigas leis e ensinamentos orais judaicos, além de comentários e interpretações
sobre a Torá. Também chamado “Torá oral”, em contraste com a Torá escrita.
32
A tradição Judaica concernente a autoria Mosaico do Pentateuco foi trazido à Igreja cris-
tã por Cristo e os apóstolos. Desde então ninguém nega a existência e prolongamento de tal
tradição no período patrístico; e no intervalo entre o tempo dos apóstolos e o começo do
século terceiro nós podemos apelar à “Epístola de Barnabé” a Clemente de Roma, a Justino,
a Irineu, a Hipólito de Roma, a Tertuliano de Cartago, a Origines de Alexandria, a Eustácio de
Antioquia. Todos esses escritores, e inumeráveis outros, corroboram com a tradição cristã de
que Moisés escreveu o Pentateuco.
O Talmude Babilônico (Gittin 60a), traz duas opiniões sobre a forma como a Torá foi
transmitida a Moisés. O Rabino Yochanan afirmou que a Torá foi dada em uma série de pe-
quenos pergaminhos. Isto significa que a Torá foi escrita gradualmente ao longo dos 40 anos
em que os israelitas estavam no deserto, quando foi ditada a Moisés que a escreveu inteira
em um único rolo. O Rabino Shimon ben Lakish sustenta que que toda a Torá foi escrita de
uma só vez, no final de 40 anos que os israelitas estavam no deserto e imediatamente antes
da morte de Moisés.
A Mishná (Talmude Sanhedrin 90a) inclui a crença na divindade da Torá, o que significa
que foi ditado por Deus. O Talmude (Sanhedrin 99a) diz que isso significa que, mesmo se uma
pessoa dissesse que um único verso em toda a Torá foi escrito por Moisés por conta própria, e
não ditada por Deus, não tem uma crença verdadeira. De acordo com esta passagem Moisés
é autor de cada verso da Torá/Pentateuco.
Clemente de Alexandria – Tito Flávio Clemente (150-215). Um antecessor de Orígenes
que utilizava o método alegórico de interpretação. O motivo que levou a Escola de Alexandria
a utilizar-se do método de interpretação alegórico, foi por que:
Entenderam a inspiração das Escrituras no sentido platônico de declarações feitas
num estado de possessão extática. Era natural, por isso, que palavras ditas desse
modo tivessem que ser interpretadas misticamente se o seu significado interior era
para ser trazido à luz. (FEE, 1997, p. 240).
37. Tradição, este termo pode designar, no estudo bíblico, um conteúdo oral ou escrito que se transmite de
uma geração à outra, de um grupo a outro grupo ou de uma pessoa a outra pessoa
38. Dentre os escritores judaicos mais recentes vários tem adotado os resultados dos críticos, abandonando
assim a tradição de seus antepassados.
33
Em suma o que os alexandrinos fizeram foi aplicar os métodos alegóricos que eram pra-
ticados pelos filósofos platônicos em suas leituras dos clássicos gregos e a leitura da Bíblia.
Na prática a alegorização39 em sua abordagem ao Antigo Testamento, priorizava a busca por
figuras de Cristo.
Tais extremos na interpretação do Antigo Testamento era uma característica
dos primeiros séculos da igreja cristã. Só uns poucos lugares, como a escola de
Antioquia (e mesmo ali apenas por curto tempo), viram algum esforço real por
interpretar o Antigo Testamento à luz de seu contexto histórico. (SMITH, 2001,
pp. 24-25).
Clemente acreditava que todo texto além de seu significado imediato continha um
ou mais significados. A abordagem alegórica era utilizada para fins apologéticos, e era
superior a literal no entendimento da época. Clemente também adotou um princípio que
cada texto deveria ser interpretado à luz de toda a Bíblia, observando palavras, nomes e
números. E o objetivo da interpretação era chegar a “verdadeira gnose”. Este método de
interpretação alegórica hoje, não mais é aplicado nos meios intelectuais devido a seus
exageros e erros.
Orígenes (185-254), nasceu no Egito, filho de Leônidas, asceta e mestre admirável, sábio
de imensa erudição se deparou com as críticas de Celso sobre a autoria e unidade do Penta-
teuco (Contra Celsum40 IV).41 Vivendo em Alexandria a capital intelectual do império romano
de cultura grega se tornou o maior estudioso bíblico entre os pais gregos. “Foi um comen-
tarista incansável dos livros da Bíblia: para essa tarefa ele devotou um domínio das técnicas
interpretativas da venerada escola de Alexandria.” (BRUCE, 2011, p. 66).
Orígenes deu início à formulação da Hexapla (termo grego para “sêxtupla”) em cerca
de 240-245 d.C., ou seja, dispôs o texto em seis colunas paralelas, intentando resolver as
diferenças do texto da Septuaginta e do texto hebraico. A primeira coluna continha o texto
hebraico em letras hebraicas, a segunda a transliteração do texto hebraico para o grego, a
terceira continha a tradução grega literal de Áquila42, a quarta a tradução grega idiomática
de Símaco43, a quinta uma revisão da Septuaginta feita por ele mesmo, e a sexta a tradu-
39. Para efeito prático, podemos chamar uma alegoria de uma história na qual não se tem a intenção de realçar
um ponto central de comparação; mas, na qual, em torno desse ponto, está tecida, de maneira intencional
e engenhosa, uma rede de detalhes comparativos nos dois processos colocados lado a lado.
40. Contra Celso, foi uma apologia para refutar a crítica de um filósofo pagão ao cristianismo.
41. Segundo Young a autoria mosaica do Pentateuco não foi negada por Celso. (YOUNG, 1964. p. 122).
42. Áquila viveu em cerca de 130 d.C., era natural do Ponto, era um pagão convertido ao judaísmo e foi aluno
do rabino Aqiba. Sua tradução do Tanak para o grego é excessivamente literal (sem levar em consideração
se isto fazia bom sentido no grego em cada contexto) conquistando a simpatia dos judeus e foi produzido
em torno de 130-150 d.C. Seu intuito era substituir a Septuaginta entre os judeus. Podemos comparar a
versão de Áquila aos textos interlineares modernos do Novo Testamento, quando fazem uma tradução
absolutamente literal do original.
43. Símaco viveu em cerca de 170 d.C. Provavelmente seguindo Orígenes foi um samaritano convertido ao
judaísmo, sua tradução produzida em torno de 200 d.C. procurou ser fiel ao hebraico e em bom grego,
buscando superar a Septuaginta, esforçando-se em evitar antropomorfismos. Muito provável que sua
tradução foi usada pelo grupo judaico cristão conhecido como ebionitas, pois o próprio Símaco era um
ebionita, segundo Jerônimo; mas Epifânio relata que era um samaritano convertido ao judaísmo. “Seu
compromisso com a elegância do estilo grego faz da sua versão a antítese completa da obra de Áquila,
embora haja evidências de que ocasionalmente fizera uso desta! Na sua atenuação dos antropomorfismos,
talvez possamos descobrir mais uma expressão do desejo de Símaco de apresentar o AT ao mundo grego da
forma mais favorável possível, embora seja possível também atribuir essa tendência a seu conhecimento e
respeito pelas ideias rabínicas sobre a questão.” (BRUCE, 2008, p. 25).
34
ção grega de Teodocião44 que é uma revisão da Septuaginta, de acordo com a tradução de
Áquila. A Hexapla constituía uma obra de considerável tamanho, cerca de 6.500 páginas.
“Usando os símbolos de Aristarco, Orígenes indicou acréscimos da Septuaginta ao
original hebraico e também o material interpolado com que ele corrigira as omissões da Sep-
tuaginta.” (BRUCE, 2008, p. 23). Para a estudiosa Karen Armstrong, Orígenes:
...não desconsiderava o sentido literal da Bíblia. Seu cuidadoso trabalho com a He-
xapla mostrou sua determinação de estabelecer um texto digno de confiança. Ele
aprendeu hebraico, consultou rabinos e ficou também fascinado pela geografia, a
flora e a fauna da Terra Santa (ARMSTRONG, 2007, p. 112).
Orígenes considerou boa parte do Antigo Testamento em seu sentido literal, e uma das
funções do sentido literal para ele era atrair as pessoas para estudar a Bíblia, e então buscarem
um significado mais profundo (alegórico). Todos os textos divinos possuíam um significado
alegórico, e a interpretação alegórica era destinada aos espiritualmente maduros. Como Cle-
mente, Orígenes entendia que era necessário interpretar passagens obscuras a luz de textos
mais claros.
Deste modo, o método de Orígenes se inspirava na forma exegética e metodológica dos
alexandrinos, que se empenhavam em descobrir um sentido alegórico nos textos do Anti-
go Testamento, ou seja, acreditavam que deveria haver um sentido mais profundo no texto.
Ao mesmo tempo Orígenes buscava combater as fantasias heterodoxas da exegese alegórica
dos gnósticos. Em síntese, seguindo a constituição tripla dos seres humanos seu método pos-
tulava haver três níveis de significado no texto, a saber: o primário ou literal, o psíquico ou
moral, e o intelectual ou espiritual. “Orígenes não negligenciou, contudo o método literal, ao
contrário forneceu material para este método a ‘Hexapla’, e estimulou o estudo filológico.”
(BALLARINI, 1968, p. 273-274 ).
Eusébio Sofrônio Jerônimo (347-420). Usualmente conhecido por apenas Jerônimo.
Nasceu em Stridon, na Dalmácia, seus pais eram cristãos e lhe ofereceram uma excelente
educação. Em sua adolescência foi para Roma aperfeiçoar seus estudos na literatura clássica
na escola de Donato, um dos mais célebres gramáticos de seu tempo. Com o tempo, tornou-se
mestre em literatura grega e latina. Por ter sofrido uma grave doença em Antioquia em 374,
resolveu dali em diante se dedicar somente à literatura bíblica, pois nessa ocasião ele teve
uma visão em que foi acusado de ser um seguidor de Cícero e não de Cristo (Epístola 22.30).
Entendia que uma tradução deveria basear-se no hebraico e não no grego, e sua opção
era por uma tradução sentido-por-sentido e não palavra-por-palavra, ou seja, seu intuito es-
tava voltado mais para a fidelidade do pensamento do que as palavras do original. Devido a
sua preferência pelo hebraico, ele aceitou o cânon45 hebraico do Antigo Testamento, pois para
44. Teodocião viveu em cerca de 150-160 d.C. Foi um judeu-helenista (prosélito de Éfeso), e sua tradução mais
idiomática que foi produzida em torno de 180 ou 190 d.C. procurou ser uma revisão da Septuaginta a partir
dos textos originais hebraicos. Acredita-se que a versão de Teodócio ou Teodocião não era realmente uma
tradução totalmente nova, mas a revisão de uma versão grega anterior seja da Septuaginta ou de alguma
outra. “A superioridade da versão de Teodócio do livro de Daniel foi tamanha que desalojou quase que
completamente a frágil versão da Septuaginta desse livro... A tradução de Teodócio está em algum lugar
entre o literalismo de Áquila e a elegância estilística de Símaco. Ele tinha uma tendência desconcertante
para a transliteração, especialmente de termos técnicos, e há mais de cem exemplos desse fenômeno nas
porções de sua obra que sobreviveram.” (BRUCE, 2008, p. 25).
45. Lista dos Escritos reconhecidos pela Igreja como documentos de revelação divina. Termo originário da
palavra hebraica qāneh “junco” de onde se originou a palavra em grego kanón “caniço, vara de medir, pa-
drão, regra, norma” (1 Rs 14.15; Jó 40.21). O processo pelo qual os escritos tornaram-se excepcionalmente
35
ele tudo que não estivesse no cânon hebraico era apócrifo, portanto, não canônico. Posterior-
mente, com relutância admitiu o uso de alguns livros considerados apócrifos para edificação,
mas não como inspirados. Conforme a estudiosa Karen Armstrong:
De início Jerônimo, que tinha grande respeito pelo que chamava de Hebrica veritas
(“a verdade em hebraico”), quis excluir os Apócrifos, livros que foram expurgados
do cânone pelos rabinos, mas que, a pedido de seu colega Agostinho, concordou em
traduzi-los46 (ARMSTRONG, 2007, p. 121).
Segundo Dillard (2006, p. 91) para Jerônimo o livro da lei encontrado no templo duran-
te o reinado de Josias era o livro de Deuteronômio. “Jerônimo não estava muito disposto a
comprometer-se completamente com a autoria mosaica.” (TENNEY, 2008, p. 893).
Jerônimo era um grande admirador de Orígenes e seu método alegórico, assim admitia
o uso do método alegórico, devido aos antropomorfismos47 e incongruências que aparente-
mente existiam na Bíblia. De início Jerônimo mostrou-se bastante simpatizante do método
alegórico, mas sob influência da escola de Antioquia e judaica, fez com que passasse a depre-
ciar o método alegórico. Desde então suas obras passaram a ter uma exegese mais histórica e
filológica.48 Esse abandono do método alegórico foi se dando pouco a pouco, e isso se deu na
medida em que Jerônimo se familiarizava com os textos bíblicos originais.
Foi Jerônimo quem traduziu direto do hebraico todo o Antigo Testamento para o latim
a pedido do papa Dâmaso do qual era secretário e ajudante geral, e esta versão passou a ser
chamada de Vulgata 49 “vernacular” (versão comum – em oposição ao texto hebraico que era
acessível somente aos eruditos).
No ano de 382, Jerônimo foi incumbido pelo papa Damaso para revisar a Itala em con-
fronto com a Septuaginta grega. Antes de iniciar o processo de tradução Jerônimo submeteu
o texto a uma revisão.
Os primeiros esforços de Jerônimo foram empenhados em estabelecer um texto
em latim que representasse fielmente a Septuaginta. Mas essa fase do seu trabalho
nunca foi concluída; quanto mais Jerônimo observava a Latina antiga (Vetus latina),
tanto mais ele se convencia de que a necessidade real era de uma tradução baseada
no original hebraico, a “verdade hebraica” (Hebraica veritas) como ele o chamou.
As discrepâncias entre o grego e o original hebraico dificilmente eram levadas em
conta, pois raramente alguém sabia hebraico. Jerônimo foi motivado, em parte, por
considerações apologéticas e missionárias, percebendo que o evangelismo entre os
judeus, em particular, estava fadado à ineficácia enquanto os cristãos usassem tra-
duções que fossem inaceitáveis para os seus oponentes. (BRUCE, 2008, p. 29).
autoritativos, denomina-se “canonização”. Se de fato, a voz de Deus se ouve na Bíblia como em nenhum
livro, o cânon é relevante para todos aqueles a quem a Palavra de Deus foi dirigida.
46. Os dois homens mantiveram correspondência amistosa entre si. Em sua carta enviada em 403, Agostinho
expressa seu forte desejo de que Jerônimo produzisse uma nova versão latina da Septuaginta, em vez de
usar o texto hebraico, pois se sua tradução baseada no hebraico fosse adotada pela Igreja de fala latina,
surgiriam discrepâncias entre seu uso e seu feito pelas igrejas de fala grega, nas quais a Septuaginta natu-
ralmente continuaria a ser lida. (BRUCE, 2011, p. 86).
47. Um antropomorfismo nunca é sem um núcleo de verdade importante, que só precisa ser traduzida em
uma linguagem mais teológica, quando possível, para enriquecer nosso conhecimento de Deus.
48. A “filologia” busca encontrar o significado das palavras e averiguar as formas e regras gramaticais.
49. Já existia desde o século II uma tradução da Bíblia em latim (Itala), mas seu estilo era pobre e de linguagem
coloquial, e se tratava de uma tradução do grego e não do hebraico.
36
50. Para maiores detalhes sobre o método de interpretação e exegese de Jerônimo, consultar: (DOCKERY, 2005,
pp. 124-131).
51. Bispo de Mopsuéstia (a moderna Misis) no sudeste da Cilícia. É conhecido como o mais ilustre expoente da
escola exegética de Antioquia.
52. Um monge beneditino que foi eleito papa.
37
Ibn Ezra mantinha a autoria mosaica do Pentateuco, mas acreditava que certos versícu-
los tivessem sido acrescentados posteriormente. Moisés “...não poderia ter escrito sua própria
morte53 e, como nunca entrou na Terra Prometida, como poderia ter escritos os versículos de
abertura do Deuteronômio, que posicionavam o local de suas palavras finais ‘do outro lado
do rio Jordão’” (ARMSTRONG, 2007, p. 143). Ibn Ezra questiona também o fato de que “os
escritos estarem na segunda pessoa do singular e na segunda pessoa do plural (tu e vós); mas
em Dt 31.9 as referências a Moisés estão na terceira pessoa. Se fosse o autor, empregaria a
primeira pessoa do singular”. (SOTELO, 2011, p. 29).
Ezequias ben Manoá (c. 1240). Em memória de seu pai, que perdeu sua mão direita
devido sua solidez na fé, Ezequias escreveu um comentário sobre o Pentateuco, sob o título
Hazzekuni. Ele foi impresso em Veneza em 1524. Outras edições apareceram em Cremona,
em Amsterdam, em Lemberg. Ezeqeuias observou que quem escreveu Gênesis 12.6, “naquela
época os cananeus habitavam essa terra.”, deve ter feito isso a partir da perspectiva de um
período de tempo posterior, que é a partir da perspectiva de alguém olhando para trás, para a
época em que os cananeus de fato habitavam na terra.
Maimônides (1138-1204). Foi um filósofo e interprete do judaísmo. Foi um dos maio-
res pensadores judeus. Sua grande popularidade lhe rendeu a frase elogiosa que diz: “De
Moshê (o Legislador) até Moshê (ben Maimon) não há outro como Moshê.” Maimônides
mantinha o artigo de fé tradicional dos judeus quanto a autoria do Pentateuco: “a lei que
possuímos nos foi dada por Moisés, o qual escreveu tudo o que foi ditado, tanto sobre a
história como sobre as leis.”54
Namânides (1194-1270). Foi um eminente talmudista e influente membro da comuni-
dade judaica em Castela, acreditava que a exegese racionalista de não fazia justiça a Torá.
“Ele escreveu um influente comentário ao Pentateuco, que elucidava com rigor seu sentido
manifesto, mas no curso de seu estudo havia encontrado uma camada de significado que
transcendia inteiramente o sentido literal” (ARMSTRONG, 2007, p. 143).
Joseph Tov Alem ben Samuel Bonfils (viveu em meados do século XI) foi um rabino
francês, talmudista, e comentarista da Bíblia. Bonfils, enquanto discutia os comentários de
Ibn Ezra, observou que, pareceria que Moisés não escreveu algumas palavras, mas Josué ou
algum outro profeta escreveu. Desde que se acredite na tradição profética, que diferença pode
fazer se Moisés escreveu, ou algum outro profeta fez, uma vez que as palavras de todos eles
são verdadeira e profética?55
Hugo de San Caro (1200-1263). Foi um Cardeal e monge dominicano e fez a primeira
divisão em capítulos da Bíblia em 1250 d.C., que dela se serviu para a sua concordância com a
Vulgata. Foi um dos primeiros a expressar a possibilidade pós mosaica do livro de Deuteronô-
mio e que Josué é seu autor, entre outras razões porque ele narra a morte de Moisés.
Neste primeiro momento pudemos constatar que vozes individuais surgiram procuran-
do tratar sobre a formação do Pentateuco, pouco afetando a comumente aceita formação do
Pentateuco com sua autoria mosaica. Porém no próximo ponto, diante das transformações
e descobertas que a sociedade sofreu, a religião e teologia naturalmente absorveu os novos
paradigmas e juntamente o campo das pesquisas bíblicas.
53. Vários outros haviam levantado questionamentos sobre o final de Deuteronômio 34, que narra a morte de
Moisés, entre estes: D. A. Bodenstein Karlstadt (1486-1541), André Maes (Antuérpia, 1516-1573), o filósofo
inglês Thomas Hobbes (1588-1679), o bispo de Ávila, Tostatus, B. Pereyra, Bonfrère e outros mais. O Talmu-
de defende que o registro foi feito por Josué, mas estes preferem atribuir a Esdras a quem eles atribuem a
redação final do Pentateuco.
54. The Jewish Encyclopedia, II, 150s.
55. Veja: Jacob Tam’s. Sefer ha-Yashar. ed. Rosenthal, p. 90, e ed. Viena, p. 74.
38
os exemplares modernos de nossas Bíblias, são o produto final de mais de três mil anos de um
processo literário.
Humanismo. A partir do humanismo renascentista e da reforma protestante do século
XVI, buscou-se uma nova forma de pensar teologicamente. Deve-se levar em consideração
a limitação ao se buscar historicamente a origem de um pensamento. O que temos são do-
cumentos textuais, e estes influenciados por uma história anterior ao seu momento. A Idade
Média que era caracterizada por seu pensamento centrado em Deus e suas questões filosófi-
cas, da mesma forma tendo como centro Deus, paulatinamente à medida que o humanismo
proliferava foi mudando de “teocentrismo”, para “antropocentrismo”.56 O humanismo teve
grande influencia literária, pois seus proponentes “desenvolveram uma vasta atividade de
pesquisa sobre o texto original e sobre as versões.” (SHREINER, 2004, p. 58). Este interesse
de se voltar às fontes originais ficou conhecido como ad fontes. Os humanistas reconhecem o
conteúdo “religioso” da Bíblia, mas interpretam as suas alegações e significados de maneira
contrária ao corpo doutrinário cristão e judeu.
Protágoras (480-410 a.C.) afirmava em sua obra Sobre a Verdade, que “o homem é a
medida de todas as coisas.”57 Durante a renascença, homens como Petrarca e Desiderius
Erasmo de Roterdã58 (1466-1536) retornaram as raízes gregas, e assim foi rejeitado, pelo
menos em parte, o modo de pensar que se herdara do escolasticismo59. Erasmo foi um
dos precursores do chamado humanismo cristão. Em 1 de março 1516 ele publicou em
Basiléia, baseado nos manuscritos gregos, a revisão e a tradução latina do Novo Testa-
mento, foi a primeira tradução do Novo Testamento impressa. Nesse período a forma de
interpretação textual foi consideravelmente afetada. “A redescoberta da Antiguidade clás-
sica, o Humanismo e o gosto pela filologia e pelas línguas orientais influenciaram muito a
maneira de se ler a Bíblia” (SKA, 2003, p.114). “Erasmo insistiu que o sentido literal e gra-
matical precisa ser obtido pelo uso das melhores técnicas linguísticas disponíveis, e que o
sentido espiritual precisa ser exposto em conexão próxima com esse sentido gramatical.”
(BRUCE, 2008, p. 101).
Resumidamente pode se dizer que: “O humanismo se fundamenta no homem. O
homem era o fim de tudo e não o meio. O humanismo foi de certa forma, a filosofia do Renas-
cimento” (COSTA, 2004, p.49). A concepção que se tinha da “necessidade” da razão para se
entender a Bíblia, foi substituída pela “suficiência” da razão. “Estavam preocupados também
56. Ponto de vista segundo o qual o homem é ou deve considerar-se o centro de toda a realidade.
57. Tal frase expressa bem o relativismo tanto dos Sofistas em geral quanto o relativismo do próprio Protá-
goras. Se o homem é a medida de todas as coisas, então coisa alguma pode ser medida para os homens,
ou seja, as leis, as regras, a cultura, tudo deve ser definido pelo conjunto de pessoas, e aquilo que vale em
determinado lugar não deve valer, necessariamente, em outro. Esta máxima (ou axioma) também significa
que as coisas são conhecidas de uma forma particular e muito pessoal por cada indivíduo, o que vai contra,
por exemplo, ao projeto de Sócrates de chegar ao conceito absoluto de cada coisa.
58. Foi um dos maiores especialistas e grego de toda Europa de sua época, publicou o texto grego do Novo
Testamento, que havia traduzido para um elegante latim ciceroniano muito diferente da Vulgata. Devido
posições teológicas controversas publicadas em seu livro Sobre o Livre Arbítrio, 1524, em especial sua con-
cepção de que o homem tem um livre arbítrio pleno, Lutero discordava amplamente de Erasmo e escreveu
seu famoso livro Sobre a Escravidão da Vontade, 1525. Erasmo ficou isolado no movimento da Reforma,
pois tanto os calvinistas como os luteranos o abandonaram.
59. O Escolasticismo se detinha em doutrinas teológico-filosóficas dominantes na Idade Média, dos séculos IX
ao XVII, caracterizadas, sobretudo pelo problema da relação entre a fé e a razão, problema que se resolve
pela dependência do pensamento filosófico, representado pela filosofia greco-romana, da teologia cristã.
Desenvolveu-se na escolástica inúmeros sistemas que se definem, do ponto de vista estritamente filosófi-
co, pela posição adotada quanto ao problema dos universais, e dos quais se destacam os sistemas de Santo
Anselmo, de São Tomás e de Guilherme de Ockham.
40
com os erros que haviam acumulado no texto ao longo dos séculos, e queriam libertar a Bíblia
dos acréscimos e da bagagem do passado.” (ARMSTRONG, 2007, p. 155-156).
Nicolau de Lira (1265-1349) apresentou a hermenêutica deste período numa quadra: A
letra ensina os fatos; A alegoria, aquilo em que se deve acreditar; A tropologia60, aquilo que se
deve fazer; e A anagogia61, o lugar a que se deve aspirar (DOCKERY, 2005, p. 153).
O que acontecia com o Antigo Testamento em meio a tudo isso? Foi redescoberto
como um dos ‘clássicos’. Alguns estudiosos judeus haviam mantido certa fami-
liaridade com a Bíblia Hebraica. Um judeu convertido, Nicolau de Lyra (cerca de
1340), defendia um novo método de interpretar as Escrituras. Lyra dizia que o
significado literal ou histórico era o único significado verdadeiro das Escrituras.
(SMITH, 2001, p. 26).
60. Os Tropos são figuras [de linguagem] pelas quais se faz com que uma palavra assuma uma significação
que não é precisamente a significação própria dessa palavra. [...]. Essas figuras são chamadas de tropos, do
grego tropé, conversio, cuja raiz é trépo, verto, eu viro. Elas são assim chamadas porque quando tomamos
uma palavra no sentido figurado, nós a torcemos a fim de fazê-la significar o que de modo algum signifi-
caria no sentido próprio (DU MARSAIS. Traité des tropes, pour servir d’introduction à la rhetorique et à la
logique. Leipsic: Veuve Gaspard Fritsch, 1757.).
61. Forma de hermenêutica dos textos sagrados que permite apreender o seu sentido místico.
62. Shlomo Ben Isaac, Rashi, uma das figuras mais famosas de exegese judaica, nasceu em Troyes, em 1040, e
lá faleceu, em 1105.
63. Os manuscritos eram feitos sobre papiros ou couro, e este couro era preparado e tratado para ter uma
durabilidade maior, ficando conhecido como pergaminho ou velino. Estes manuscritos tomavam a forma
de rolo, e podiam ter o tamanho de 6,70 m, passando disso prejudicava o manuseio. O papiro de Nash é
considerado o papiro mais antigo, escrito por volta de 100 a.C. e descoberto em 1902 no Egito, contêm
fragmentos do decálogo (Êx 20. 2-17) e o começo do Shemá (Dt 6.4). O nome “Nash” se refere ao nome de
seu dono W.L. Nash. “Nota-se que apenas os cristãos empregavam papiro para as suas Escrituras, enquanto
os judeus preferiam pergaminho ou couro.” (ARCHER, 2003, p. 463).
41
Assim a sujeição às falhas era muito grande, como é de costume em qualquer história
manuscrita. Despertou-se então a desconfiança sobre os textos antigos. Até que ponto as có-
pias seriam fidedignas?
Deu-se início a uma busca de uma melhor compreensão destes textos, surgindo as-
sim a ‘crítica textual’ aplicando os recursos da crítica histórica, a fim de chegar ao
sentido original do texto. Nesta busca, o documento ‘Doação de Constantino’, onde
o imperador autorizava o papa ter autoridade sobre o ocidente, foi declarado falso.
(GONZALES, 1999, p. 142).
Um dos primeiros livros impressos foi a Bíblia. “A primeira Bíblia completa impressa
(editio princeps) foi publicada em 1488 no norte da Itália, em Soncino, por R. Joshua” (YOFRE,
2000, p. 42). A Itália, especificamente Veneza teve uma grande atividade gráfica devido ao ho-
landês Daniel Bomberg, que publicou em 1516-1517 uma edição da Bíblia Hebraica editada
por Félix Pratensis, esta edição era a base de todas as edições modernas até 1929. Uma edição
mais extensa da Bíblia Hebraica foi editada pelo estudioso judeo-cristão Jacob bem Chayyim
que ficou conhecida como Textus Receptus (Texto Recebido), e posteriormente uma segunda
edição que acrescentou a masorah que esteve em uso até o surgimento em 1937 da Bíblia
Hebraica de Rudolph Kittel (BHK). Na terceira edição da BHK, preferiu-se o Códice64 de Le-
ningrado65 L/19a de bem Asher66, de 1008 d.C. que constitui a base até os dias de hoje da Bíblia
Hebraica Stuttgartensia67 (BHS) editado por K. Elliger e W. Rudolph.68
64. Prática de amarrar páginas soltas para formar um livro (códice) foi desenvolvida inicialmente por cristãos
nos séculos III e IV d.C.
65. Escrito por volta de (1008 d.C.) é o maior manuscrito do Antigo Testamento, o mais completo. Foi escrito
em velino, com três colunas de 21 linhas por página. Os sinais vocálicos e os acentos seguem o padrão ba-
bilônico, colocados acima da linha. Este ms. Fornece a base da Bíblia Hebraica de Kittel 3º edição (e todas
edições subsequentes).
66. Provindos de Tiberíades, às margens do lago de Genesaré. A escola de Bem Asher prevaleceu sobre a de
Bem Neftali. Bem Asher pertencia a uma célebre família massoreta, e são deles dois importantes códex, o
de Cairo (contém o livro dos profetas - O manuscrito Códice do Cairo ou Códice cairota (895 d.C.) talvez seja
o manuscrito massorético mais antigo dos profetas, e contém tanto os profetas antigos como os posterio-
res, mais recentes) e o de Alef (contém todo o Antigo Testamento, mas foi destruído parcialmente em um
incêndio em 1947).
67. A BHS substituiu a BHK desde o período de 1967-1977; constitui-se uma revisão da BHK no texto e no
aparato crítico.
68. Para um panorama geral das edições e traduções da Bíblia Hebraica, ver: (GOTTWALD, 1988, pp. 127-134).
42
como “período de grande ansiedade” (COSTA, 2004, p. 73). Neste clima surgiram vozes protes-
tando contra a Igreja, mas foram sempre abafadas pelas perseguições inquisitórias. Estas vozes
insatisfeitas não buscavam formar uma nova igreja, mas, sim, tornar a existente mais bíblica.
“A Reforma protestante, entretanto, ao afirmar a superioridade da Bíblia sobre a Igreja,
indiretamente incentivava a aplicação do método histórico-crítico secular ao texto bíblico.”
(GOTTWALD, 1988, p. 23).
A Reforma Protestante só foi possível dentre um dos fatores, devido ao renascimento,
o humanismo e suas ideias. O que tornou a reforma revolucionária foi ela ter se apartado e
superado o humanismo. A marca mais forte da Reforma foi seu apelo insistente em se voltar
as Escrituras e seu livre exame, contribuindo e impulsionando grandemente a educação tanto
secular, quanto cristã-religiosa.
Veremos um breve resumo dos principais expoentes que contribuíram através de suas
pesquisas teológicas, de alguma forma direta aos estudos do Antigo Testamento, mais espe-
cificamente ao Pentateuco.
Racionalismo. O racionalismo dominou a filosofia da Europa continental, especial-
mente a da Alemanha, até quase o fim do século XVIII. E até mesmo quando o racionalismo
foi finalmente abandonado, “houve muitos, até ao dia de hoje, que continuaram a tomar a
autoconsciência individual como seu ponto de partida e até mesmo como seu único ponto
de referência.” (BROWN, 1999, p. 40). Com a aplicação das teorias do racionalismo, levan-
taram-se dúvidas sobre as premissas fundamentais das doutrinas teológicas da fé cristã. O
racionalismo deu ênfase à produção humana das Escrituras, para muitos, a Bíblia passou a
ser apenas um documento humano. Levantaram dúvidas sobre as datas e os autores tradicio-
nais de vários livros do Antigo Testamento. O racionalismo, que teve origem no Século XVII,
afirmava que a crença em qualquer coisa, inclusive a Escritura, tinha de ser compreendida em
harmonia com a razão e ser expressada de acordo com os ditames da razão. Isto significava
a negação da dimensão espiritual da Escritura. O racionalismo produzira seu próprio fruto:
historicismo radical.69 O efeito de tudo isso foi tomar as dimensões teológicas da Escritura to-
talmente submissas às históricas. A história tornou-se o juiz e, em muitos aspectos, o ditador
sobre a interpretação teológica-exegética.
No curso da história moderna o racionalismo deu origem a uma abordagem crítica da
Escritura, o que provocou grande impacto na moderna exegese bíblica. Dentre seus expo-
sitores de maior influência temos: René Descartes (1596-1650), G. W. Leibniz (1646-1716),
Spinoza (1633-1677). “Graças a tais homens, o racionalismo veio a ser a ortodoxia filosófica
nas universidades alemãs no século XVIII.” (BROWN, 1999, p. 42).
Hoje, o racionalismo está desacreditado, seja do ponto de vista da filosofia, seja
do ponto de vista da teologia cristã. E, em última análise, pela mesma razão. Pois
é impossível construir mapas da realidade começando com meros conceitos e de-
finições a priori, sem ver se as teorias estão de acordo com a experiência. Na esfera
da filosofia, isto significa que os racionalistas estavam no caminho errado nos seus
esforços para fornecer uma compreensão metafísica da ordem natural. Mas teolo-
gicamente também, estavam no caminho errado. O deus dos racionalistas era uma
abstração hipotética, um deus ex machina, invocado para fazer funcionar o sistema,
mas não Aquele que era achado pessoalmente na história e na experiência presente.
(BROWN, 1999, p. 42).
69. Historicismo refere-se à absolutização da história. Toda realidade é encarada unilateralmente à luz do
tomar-se e desenvolver-se históricos, arguindo que todas as coisas são de caráter puramente histórico
43
Vale ressaltar que o bom raciocínio não sujeita Deus a mentes infinitas, mas, antes, su-
jeita as nossas mentes finitas à sua Mente infinita (2 Co 10.5; 1 Co 1.21). Assim, a razão é uma
forma de descobrir a verdade, ao passo que o racionalismo é uma tentativa de determinar a
verdade. Da mesma forma Young se manifesta sobre o racionalismo: “Considerar, entretanto,
a razão isolada do homem como autônoma e como a corte final de juízo é estabelecer o ho-
mem com juiz da revelação divina.” (YOUNG, 1964, p. 132).
Robert C. Dentan, ao comentar a obra de Georg Lorenz Bauer70 (1755-1806), “Teologia do
Antigo Testamento, 1796”, que estava alicerçada nos pressupostos do racionalismo, declara:
Deve-se rejeitar qualquer ideia de revelações divinas sobrenaturais por meio de teo-
fanias, milagres ou profecias, visco que tais coisas são contrárias ao raciocínio lógico
e facilmente encontram paralelo entre outros povos. Deste modo Bauer considerou
Moisés um homem corajoso e inteligente, bem instruído na sabedoria do Egito e
cujos elevados propósitos foram fortalecidos quando viu uma sarça que havia pe-
gado fogo devido a um raio durante uma tempestade. (apud HOUSE, 2005, p. 19).
A Igreja Católica Romana, por considerar que a Bíblia somente poderia ser entendida
pelo clero - a qual utilizava se do método alegórico para interpretá-la - acabou sujeitando
os textos bíblicos a suas doutrinas a sua vontade e conveniência. Em contrapartida os refor-
madores apregoaram que a Bíblia era compreensível a todos, através de uma interpretação
histórica e gramatical.
Lutero insistiu com as autoridades públicas no sentido de se criarem escolas com
vistas à educação secular e eclesiástica. Neste particular pode-se dizer que Melanch-
ton (1497-1560), o ‘preceptor da Germânia’, foi o Ministro da Educação de Lutero.
(COSTA, 2004, p. 85).
Lutero traduziu a Bíblia para o alemão. “Ele começou com o Novo Testamento, que tra-
duziu do texto grego de Erasmo (1522), e depois, trabalhando numa velocidade vertiginosa,
completou o Antigo Testamento em 1534.” (ARMSTRONG, 2007, p. 163). O propósito de Lute-
ro era tornar a Bíblia mais acessível ao povo na Igreja, nas casas e escolas.
João Calvino (1509-64). Calvino foi um grande humanista72, que ao contrário dos huma-
nistas seculares, colocava o homem como criatura de Deus. Cria na inspiração e inerrância
70. Foi um teólogo alemão luterano. Ele interpretou os milagres do Antigo Testamento como mitos. Foi o pri-
meiro a escrever uma teologia especifica do Antigo Testamento, intitulada: Teologia do Antigo Testamento
ou esboço dos conceitos religiosos dos antigos hebreus desde os tempos mais remotos até o começo da era
cristã, 1796. Gabler e Bauer essencialmente criaram a disciplina “Teologia do Antigo Testamento”.
71. “Foi a Reforma que trouxe o fim da exegese alegórica do Antigo Testamento. Essa exegese aparecera no
início do período pós-apostólico e mais tarde se tornara predominante em uma extensão considerável no
Ocidente graças a Agostinho. Mas a reforma conseguiu esse fim por meio do retorno ao sentido histórico
da Escritura.” (RAD, 2006, p. 792).
72. Refiro-me a Calvino como “humanista” entendendo o sentido próprio do termo, ou seja, “pessoas que estu-
davam as humanidades” - coisas humanas - pois se concentravam no estudo de línguas, literatura e história.
44
Calvino sustentava que o mesmo Espírito que inspirou o registro das Escrituras conven-
ce-nos da autoridade de Sua Palavra, concedendo-nos discernimento espiritual. “Aqueles que
pensam que os filósofos têm um sistema melhor de conduta, lhes pediria que nos mostrem
um plano mais excelente que obedecer e seguir a Cristo.” (COSTA, 2004, p. 162).
Com a concepção de superioridade da Bíblia sobre a Igreja como instituição, a refor-
ma propiciou o uso do método histórico-gramatical ao texto bíblico, e entre os protestantes
o mesmo teve acolhida mais rápido do que entre os católicos, que nos anos seguintes jun-
tamente com os judeus aceitaram a maioria das doutrinas produzidas pela intelectualidade
protestante.
73. O método histórico-gramatical busca compreender o texto bíblico não só em sua esfera gramatical, ou
seja, os textos bíblicos, mas também a época em que eles foram escritos. Este método nasceu como oposi-
ção dos reformadores ao método alegórico predominante na Idade Média e no Catolicismo Romano.
45
Neste período após a reforma, temos alguns pesquisadores que contribuíram de forma
direta nas pesquisas do Pentateuco, vejamos:
Andréas Bodenstein (1486-1541). No seio protestante temos Bodenstein74 cuja cidade
natal era Karlstadt. Em sua obra De canonicis scripturis Libellus, publicada em Wittenberg
em 1520, dizia que Moisés não era o autor do Pentateuco, mas sim Esdras, tendo em vista
a diversidade de estilo nos cinco livros,75 também devido o registro do obituário de Moisés
em Deuteronômio 34. Desta obra de Bodenstein resultaram observações importantes para
a crítica do Pentateuco. Partindo da diversidade de estilos que se encontra nos cinco livros,
indaga se as ações pertencem realmente a Moisés ou devem ser atribuídas a outros. Segundo
ele, existe um bom fundamento para pensar que o narrador nestes textos não seja o próprio
Moisés, o qual, entre outras coisas, não poderia ter narrado a própria morte. Bodenstein foi
um adversário ferrenho de Lutero na reforma.
Andréas Masius (1514-1573). Advogado católico romano e orientalista, que entendia ser
o Pentateuco contemporâneo à Esdras: “Masius, que sustentou que na forma atual o Penta-
teuco é dos dias de Esdras.” (KERR, 1956, p. 17). Masius, foi considerado por R. Simon um dos
mais doutos e judiciosos intérpretes dos últimos séculos.76 Esta pode ter sido a primeira voz a
falar em compilação, redação e uso de documentos para a formação do Pentateuco.
Benedict Pereira (1536-1610). Um espanhol, jesuíta, filósofo, teólogo e exegeta. Escre-
veu um comentário sobre o lvro de Gênesis: Commentariorum et disputationum em Genesim
tomi quattuor,1591-1599. Outros escritos publicados por Pereira foram cinco volumes de dis-
sertações exegéticas sobre Êxodo. Pereira, acreditava que editores trabalharam e expandiram
o material de Moisés.
Cornélio a Lapide (1567-1637). Foi um jesuíta e exegeta. É conhecido por seus comen-
táios a quase toda a Bíblia, suas obras influenciaram na pregação em anos posteriores. Cursou
seus estudos de filosofia nas Universidade de Maastrich e Colônia; começou teologia em
Douai e logo estudou quatro anos na Universidade de Lovaina. Para Cornélio, Moisés seria o
autor de diários, ordenados posteriormente por Josué e outros.77
Jacques Bonfrère (1573-1642). Foi um jesuíta e exímio comentarista do Antigo Testa-
mento, professor de filosofia, teologia e hebraico. Escreveu um comentário sobre o Pentateuco
em um volume intitulado: Pentateuchis Mosis commentario illustatis, praemissis praeloquiis
perutilibus, 1625. Bonfrère, também postulou que editores trabalharam e expandiram o texto
de Moisés.
Thomas Hobbes (1588-1679). Filósofo e deísta inglês, considerado o pai do materia-
lismo moderno. Hobbes atacou origens e datas de alguns dos livros do Antigo Testamento,
baseado em princípios semelhantes ao de Spinoza – anti-sobrenaturalismo. Através de seu
livro Leviatã (1651) obra de caráter político, onde no capítulo 33, nega a autoria mosaica do
Pentateuco. (SKA, 2003, p. 116). Neste capítulo ele alega que o tempo de origem dos livros
bíblicos deveria ser determinado através dos próprios livros, e não pela tradição religiosa. Foi
ele quem descartou por completo a autoria mosaica do Pentateuco, exceto as leis do Deute-
ronômio que atribui a Moisés. Neste mesmo livro Hobbes cunhou a frase que ficou famosa:
“Homem é o lobo do Homem”. No que ele chama de “Estado de Natureza”, os homens são
46
78. Para maiores informações sobre a cosmovisão deísta e o naturalista consultar: (SIRE, 2001, p. 67).
47
48
O iluminismo (também chamado de Era da Razão83) mesmo tendo suas raízes no racio-
nalismo, desvencilhou se do mesmo, pois suas ideias foram além.
A racionalidade do movimento filosófico conhecido como iluminismo estimulou um
modo de pensamento analítico: em vez de tentar ver as coisas inteiras, as pessoas
aprendiam a dissecar uma realidade complexa e estudar suas partes componentes.
Tudo isso teria profundo efeito na maneira como liam a Bíblia. (ARMSTRONG, 2007,
p. 180-181).
Comumente, supõe-se que a questão da correta compreensão teológica e da ade-
quada interpretação do Antigo Testamento – ou, em outras palavras, o problema da
hermenêutica veterotestamentária – seja uma consequência do iluminismo e de sua
crítica a esse respeito. (FOHRER, 2006, p. 19).
49
A nova visão crítica e histórica da Bíblia é em boa parte, o resultado do movimento racio-
nalista e iluminista, que fez surgir pela primeira vez um número surpreendente de problemas
que ainda não foram completamente resolvidos. Os maiores pensadores do iluminismo em
sua grande parte rejeitaram o cristianismo por completo ou o adaptaram a suas concepções
filosóficas, produzindo assim grandes heterodoxias no seio da Igreja.
Os exegetas do século XIX viveram num mundo intelectual marcado pela “filosofia das
luzes”, onde o ser humano era supervalorizado e a importância de Deus era medida pelo seu
valor na vida de cada indivíduo.
Entre as características do iluminismo e suas tendências se nota um anti-sobrenaturalis-
mo. Tendo como resultado o pluralismo religioso, e influenciando o deísmo, a crítica bíblica e
a rejeição da revelação divina. O que se obteve como fruto do iluminismo sobre a teologia foi
uma teologização filosófica, que resultou nas mais diversas formas de ataques a tudo aquilo
que a Bíblia dizia ser um evento sobrenatural.
A partir das luzes o iluminismo apaga progressivamente os modos de pensar do pas-
sado. “Essa secularização afetará cerca de um quinto dos pastores alemães, ingleses ou
escandinavos.” (SUFFERT, 2000, p. 420). Esta forma de racionalismo iluminista deu origem ao
Liberalismo na Igreja e provocou uma ruptura com a Bíblia e com a teologia dos Reformado-
87. Concepção idealística ligada ao neokantismo, e em que se afirma a singularidade absoluta dos fatos his-
tóricos e a subjetividade. Quando aplicado à história de Israel, á vida de Cristo e à história da igreja cristã
registrada no livro de Atos, todo o normativo, único ou sobrenatural é dissolvido.
88. Atitude segundo a qual a ciência dá a conhecer as coisas como são, resolve todos os reais problemas da
humanidade e é suficiente para satisfazer todas as necessidades legítimas da inteligência humana. Con-
cepção deformada da ciência que consiste em tomá-la como sistema fechado e definitivo e com solução
de todos os problemas. Sempre que a Bíblia se encontrar em contradições com nosso saber cientifico,
devemos ficar com a ciência, se expressa o Cientificismo.
89. Tendência a atribuir caráter subjetivo à realidade, à verdade e aos valores. A religião passou a ser considera-
da assunto de cada um, um assunto privado; a certeza tornou-se subjetiva, tendo como base a experiência
de cada homem individualmente. Não existe verdade absoluta.
90. No pensamento medieval o homem era predominantemente teocêntrico, o homem moderno se apresenta
centrado em si mesmo.
91. Considera a razão isolada do homem como autônoma e como a corte final de juízo.
92. Nesta concepção se busca o estudo comparado das demais religiões, sendo o cristianismo apenas mais
uma religião. Com isso nenhuma religião pode se declarar ser portadora totalmente da verdade. Esta con-
cepção leva para o Ecumenismo.
50
res. Segundo seus seguidores a teologia é apenas um construto humano, limitado, provisório,
subjetivo, que tem que ser feito por cada geração, pois não atende mais as necessidades da
próxima. Ou seja, a verdade é relativa.
Não podemos ignorar alguns pontos onde o iluminismo contribuiu para a interpretação
bíblica. “Os cristãos colocam a teologia em risco quando ignoram o Iluminismo.” (STANLEY,
2003, p. 13). Este período contribuiu para elaboração do princípio histórico-gramatical de in-
terpretação das Escrituras, e acabou por libertar as pesquisas bíblicas da “camisa de força”
imposta pela igreja. Mas, infelizmente foram ao extremo e colocaram a teologia bíblica debai-
xo do absolutismo e racionalismo.
Partindo das concepções iluministas chegou-se então ao Liberalismo Teológico. Foi
através de concepções iluministas que se deu uma nova hermenêutica com dois principais
pontos: 1) o método histórico-crítico; 2) submeteu a Bíblia à crítica literária radical, o que se
deve em grande parte a Witter e Astruc.
O iluminismo possuía uma tentativa de destruir velhos mitos que, segundo a ótica ilu-
minista, mantinham indivíduos e sociedades presos à opressão do passado. Os efeitos do
iluminismo não se restringem às décadas passadas, estende-se por todo o período moderno
até os dias atuais. Os desdobramentos do iluminismo levaram a razão a medir a teologia e isso
produziu reações variadas. Os dois caminhos opostos mais comuns que foram adotados pelos
teólogos foram: acomodação ou reação ferrenha. A acomodação gerou o chamado “Liberalis-
mo Teológico” e seus subprodutos. A reação ferrenha gerou o fundamentalismo,93 também
com seus desenvolvimentos e estágios intermediários.
Devemos também observar que este período do iluminismo foi fortemente dedicado
à descoberta do que era a verdade (pela razão) e do que era superstição ou embuste. Neste
aspecto, o ceticismo foi saudável. “Como muitos se vestiam com o manto da autoridade reli-
giosa para favorecer suas próprias invenções intelectuais, o ceticismo era uma defesa muito
poderosa contra esse abuso.” (LOWERY, 2010, p. xxxiv).
O início do século XIX, no entanto, foi marcado por uma mudança radical na compreensão
da história da composição do Pentateuco. Observando anacronismos do Pentateuco, inúmeras
contradições, histórias duplicadas, e grandes diferenças no estilo e vocabulário, isso se mostrou
apenas a ponta do iceberg em desvendar a história de composição complexa do Pentateuco.
Agora, todos os indicadores sugerem que o texto não poderia ter sido escrito por Moisés, e mui-
to menos um único autor, segundo alegações dos críticos dos séculosXVIII e XIX.
Somente com o iluminismo, a Igreja passou a ser vista como associação de pessoas, per-
dendo seu caráter a-histórico e imutável. A partir de então, foi possível estudar a Igreja como
objeto histórico e passível de crítica.
93. Fundamentalismo como um movimento surgiu nos Estados Unidos, começando entre os teólogos conser-
vadores Presbiterianos no Seminário Teológico de Princeton no final do século XIX. Isto logo se espalhou
entre conservadores Batistas e outras denominações por volta de 1910-1920. O propósito do movimento
era de reafirmar antigas crenças dos cristãos Protestantes que zelosamente a defendiam contra a teolo-
gia liberal, alto criticismo, Darwinismo, e outros movimentos que consideraram como ameaçadores ao
cristianismo. As primeiras formulações das crenças do fundamentalismo americano podem ser ligadas
à Conferência Bíblica de Niágara e, em 1910, à Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana cuja doutrina se
gerou o que ficou conhecido como os “cinco fundamentos”: A inspiração da Bíblia pelo Espírito Santo e a
inerrância das escrituras como resultado disto. O nascimento virginal de Cristo. A crença de que a morte
de Cristo foi a redenção para o pecado. A Ressurreição de Jesus. A realidade histórica dos milagres de Jesus.
FUNDAMENTALISMO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2012. Dispo-
nível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Fundamentalismo&oldid=29600772>. Acesso em:
07/06/2012.
51
Veremos a seguir um breve relato dos principais expoentes que contribuíram neste pe-
ríodo através de seus estudos para as pesquisas no Antigo Testamento, especificamente no
Pentateuco.
94. “Na obra Novum Organum (“Novo órgão”, no sentido de instrumento de pensamento), Bacon critica a ló-
gica aristotélica, opondo ao ideal dedutivista e eficiência da indução como método de descoberta... Bacon
reflete o novo espírito da Idade Moderna, que prestigia a técnica, a experiência, a observação dos fatos e
repudia a vocação medieval para os debates puramente formais e as estéreis demonstrações silogísticas.”
(ARANHA, 1993, pp. 85 e 106).
95. Para um comentário sobre cada um desses pontos consultar: (GEISLER, 2003, p. 374).
96. Sefarditas (em hebraico םידרפס, sefardi; no plural, sefardim) é o termo usado para referir aos descendentes
de judeus originários de Portugal e Espanha.
97. Foi escrito em 1665 e publicado somente em 1670.
98. Spinoza inaugura o método histórico-crítico de leitura da Bíblia. Expõe-o no capítulo VII e trata do Penta-
teuco no capítulo VIII (cf. Tratado teológico-político. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008).
52
rio, conforme registrado em Deuteronômio 34. Isso então, justificaria o texto segundo ele se
manter “confuso, cheio de repetições, inconstâncias e improbabilidades históricas” (GABEL,
1993, p. 87).
Até o século XVI raramente foi contestada a autoria de Moisés. Entretanto no século XVII:
Spinoza começou sua alta crítica com o Pentateuco. Em virtude de certos nomes,
localizações geográficas e referências na terceira pessoa a Moisés, ele concluiu que
alguém, posterior a Moisés, teria sido o autor dos primeiros cinco livros da Bíblia.
Portanto ‘dado que há muitas passagens no Pentateuco que não podem ser atribuí-
das a Moisés, segue-se que a crença de que Moisés teria sido o autor daqueles livros
é infundada e irracional’. Quem foi então seu autor? A mesma pessoa que escreveu o
restante do AT, ou seja, Esdras. (GEISLER, 2003, p. 381).
Devido essas conclusões de Spinoza, acarretou como descrito abaixo em sua expulsão
da sinagoga, e quase fez com que perdesse sua vida em um atentado. “Spinoza acabou expul-
so da sinagoga e suas obras foram postas no Índex, pela igreja católica”. (SKA, 2003, p. 116).
Devido está excomunhão e censura acabou tendo poucas obras publicadas em vida. Apesar
da censura seu livro acabou sendo um dos mais lidos no final do século XVII.
Spinoza também negou que Daniel teria escrito o livro que leva o seu nome, e nenhum
milagre registrado nas Escrituras teria acontecido de verdade. Segundo ele, milagres são cien-
tificamente e racionalmente impossíveis. Considerava o método ideal para a pesquisa do
Antigo Testamento a razão natural, patrimônio comum de todos os homens, e não, conse-
quentemente, uma iluminação sobrenatural nem uma autoridade externa.
Gunneweg (2003, p. 64) resumiu muito bem o posicionamento de Spinoza: “Spinoza
não se satisfaz com essa crítica literária e histórica, mas sua crítica filosófica também atinge o
conteúdo da própria religião vétero-testamentária.”
Tal como muitos filósofos seus contemporâneos, Spinoza interessou-se pelo mé-
todo, encontrando nele um guia que o pudesse conduzir à verdade. E essa busca o
levou a procurar uma hermenêutica suscetível de se aplicar eficazmente ao texto bí-
blico, separando os produtos da imaginação e enfabulação do que poderia ser aceito
como verdade.99
53
David Hume (1711-1776). Hume foi filho de uma família abastada e aos dois anos per-
deu o pai. Considerado um dos maiores filósofos da língua inglesa, Hume formou, junto
com George Berkeley e John Locke, o grupo de filósofos conhecidos como empiristas, para
101. Para maiores informações sobre os pontos apresentados, consultar: (GEISLER, 2003, pp. 377-382).
102. Linguagem de uma época posterior aplicada num texto sobre uma época anterior
103. A. LODS, Histoire de la litterature hébraique et juive: Des origines à la ruine de l’État juif (135 après J.-C.).
In.: http://blog.airtonjo.com/2012/08/espinosa-um-dos-pais-da-moderna-critica.html. Acessado em:
05/06/2013.
54
os quais o saber provém da experiência e as ideias têm sua fonte nos sentidos. O cientista
Charles Darwin considerou as ideias de Hume como centrais para a elaboração de suas
próprias teorias.
Hume teve uma formação clássica e desde cedo travou contato com as grandes obras
de filosofia. Foi um cético escocês que através de dois pressupostos filosóficos: o anti-so-
brenaturalismo e o empirismo radical solaparam as doutrinas bíblicas da inspiração e da
inerrância. Vejamos:
Examinaremos os milagres descritos nas Escrituras, restringindo-nos – devido à
extensão do assunto – aos contidos no Pentateuco; e os examinaremos, de acordo
com os princípios destes pretensos cristãos, não como a palavra ou o testemu-
nho de Deus mesmo, porém como realizações humanas de um simples escritor
ou historiador. Frisemos de início que o livro nos foi legado por um povo bárbaro
e ignorante, escrito numa época em que era ainda mais bárbaro e, segundo toda
probabilidade, redigido posteriormente aos fatos relatados, desprovidos assim de
qualquer testemunho concordante; assemelhando, ademais, aos relatos fabulosos
que cada nação faz de sua origem. As páginas deste livro estão repletas de prodí-
gios e milagres.104
Em sua obra Investigação sobre o entendimento humano, 1748, Hume trata um capítulo
inteiro a respeito do milagre, intitulado “Dos Milagres”, onde nega veementemente a possibi-
lidade que qualquer milagre.
Immanuel Kant (1724-1804). Kant entra em sena quando o século XVIII estava chegan-
do ao seu final, e juntamente com ele a era do iluminismo. Em 1784, Kant escreveu um artigo
como resposta à pergunta: “O que é Iluminismo?”. E, ele mesmo forneceu a resposta:
104. Versão eletrônica do livro: Investigação acerca do Entendimento Humano, David Hume, p. 86.
55
56
Em seu livro História Crítica do Velho Testamento, Simon (apud, STEINMANN, 1960,
p. 38) na primeira parte ao tratar sobre Texto hebraico desde Moisés até nosso tempo, nega a
autoria mosaica de parte Pentateuco:
Dir-se-á, por exemplo, que seja Moisés o autor do último capítulo do Deuteronômio,
em que são descritas a sua morte e sepultamento? Há uma infinidade de repetições
de um mesmo assunto no Pentateuco que não são, aparentemente, de Moisés...
Duvido que se possa atribuir a Moisés nem aos escritores públicos do seu tempo a
pouca ordem que se encontra em certos trechos do Pentateuco.
Simon entendia que poderia ser atribuído a Moisés o livro de Gênesis e as leis. E com Esdras
teria sido dada forma final ao Pentateuco. “Para Simon, vários escritores redigiram, desde Moisés
até Esdras, acerca dos acontecimentos sobre a vida do povo de Israel. Esses textos eram histórias,
106. A França se mostrou ser um terreno ideal para a exegese crítica, por prevalecer durante muito tempo dis-
putas teológicas em torno da interpretação bíblica entre Católicos e Protestantes.
107. Congregação de padres seculares, fundado pelo cardeal de Bérulle.
108. O siríaco, um dialeto do aramaico oriental, foi a língua do cristianismo da Mesopotâmia por muitos séculos
e ainda é falado em algumas regiões da Turquia Oriental e do norte do Iraque.
109. Outras duas obras que se destacam, são: Histoire critique du texte du Nouveau Testament (1689) e Histoire
critique des versions du Nouveau Testament (1690).
110. É o estudo da linguagem em fontes históricas escritas, é uma combinação de estudos literários, história e
linguística.1 É mais comumente definida como o estudo de textos literários e registros escritos, o estabele-
cimento de sua autenticidade e sua forma original, e a determinação do seu significado.
57
narrativas, lendas, leis que foram deixadas de geração a geração, até a compilação final efetuada
por Esdras.” (SOTELO, 2011, p. 30). Ainda que admita a autoria mosaica do Pentateuco, Simon
sugere que sua forma final é resultado de atividade constante de escribas e juristas dos tempos das
origens até Esdras, a quem considera o redator final do texto que chegou até nós.
Notemos que somente quando os conceitos documentários originais dos primeiros ca-
pítulos de Gênesis foram aplicados ao restante do Pentateuco é que surgiu o conflito quanto a
autoria mosaica. A afirmação de Simon que fontes foram utilizadas na composição das narra-
tivas do Pentateuco alimentou as pesquisas bíblicas do século seguinte.
Jean le Clerc (1642-1731) postula que o Pentateuco é compilação não de escritos pú-
blicos e oficiais, mas privados. Alguns são até anteriores a Moisés (cf. Nm 21.14). Esdras não
poderia ser o autor do Pentateuco, pois os samaritanos (século VIII-IV) conservaram um Pen-
tateuco praticamente idêntico ao dos judeus, antes dele.111
Le Clerc ensinou que o sacerdote de Samaria, mencionado em 2 Reis 17.27, escreveu o
Pentateuco. Ele ensinou que Cristo e os apóstolos simplesmente se acomodaram à ideia da
autoria mosaica.” (TENNEY, 2008, p. 893).
Henning Bernhard Witter (1683-1715). Witter foi pastor protestante em Hildesheim, e limi-
tou suas pesquisas aos textos relacionados à criação, e ressaltou em sua obra Jura Israelitarum in
Palestina, 1711, o uso de Elohim112 em Gênesis 1 e Yahweh em Gênesis 2. Com isso ele admitiu que
Moisés tivesse feito uso de diversas fontes para compor o Pentateuco. Contudo suas pesquisas
não se aprofundaram o suficiente, o que teria levado Witter ser o fundador da hipótese das fontes.
Suas pesquisas foram publicadas em 1711 e permaneceram no anonimato por quase dois séculos,
quanto por volta de 1924 sua obra passou a ser valorizada. Muitos atribuem a Witter ser o primeiro
pesquisador a utilizar-se do critério de distinguir nomes divinos diferentes em Gênesis, com isso é
considerado muitas vezes como o pai da Hipótese Documental. Deve ser mencionado que Witter
ainda estava trabalhando dentro do paradigma entregue a ele por críticos do século anterior, que
segundo eles Moisés usou fontes em sua composição de Gênesis.
Jean Astruc (1684-1766). Astruc foi natural de Sauve, na França e é considerado entre
muitos exegetas “o pai da hipótese documentaria”. (SKA, 2003, p. 117). Era Astruc, filho
de uma importante família judaica, posteriormente se filiou aos huguenotes113, e tempos
111. Este parecer pode ser questionado facilmente, pois o Pentateuco Samaritano é posterior ao texto editado
pelos judeus.
112. Quase sempre em nossas Bíblias Elohim é traduzido por “Deus” e “Yahweh” ou “Jeová” por “Senhor”. “A
derivação de Elohim é incerta. Ele pode vir de uma raiz semítica com o sentido básico de ‘temer, estar
perplexo, e, assim, buscar refúgio’. Desse significado, fica-se a um passo da noção de ‘pavor’, e isso poderia
ser aplicado a Deus como sendo ‘aquele a ser temido’, ou ‘aquele de quem alguém se aproxima em temor
e pavor’...Elohim é simplesmente um plural que expressa majestade, magnitude, plenitude, riqueza. Deus,
provavelmente, foi nomeado como Elohim, porque a plenitude de seu poder se estendia em todas as di-
reções.” (VOS, 2010, p. 87-88). Segundo Bright “o fato dele ser chamado Eloim (deus no plural) constitui
provavelmente uma indicação de que ele é a totalidade das manifestações da divindade.” (2003, p. 199).
Além disso, no entanto, o plural provavelmente tinha o propósito de indicar que todas as formas de poder
estavam unidas nele, em contraste com o ponto de vista comum de que os diversos poderes da natureza
eram entidades independentes, embora normalmente trabalhassem em cooperação umas com as outras.
Como o Deus Elohim, ele é o Deus de toda a terra e de todos os homens e se revela a todos por meio da
natureza e de seus atos poderosos. O israelita que falava com não israelitas normalmente usava Elohim, às
vezes com a qualificação “Deus do céu”.
113. Facção política protestante, com convicções típicas do protestantismo. Eram contra a forma de governo
monárquico. Huguenotes era o nome dado aos protestantes franceses durante as guerras religiosas na
França (segunda metade do século XVI). Cerca de 300.000 deles deixaram a França, após as dragonnades
(perseguições contra as comunidades protestantes, sob Luís XIV) e a revogação do Édito de Nantes, em 18
de outubro de 1685. Eram majoritariamente calvinistas e membros da Igreja Reformada.
58
depois foi convertido ao catolicismo (BALLARINI, 1975, p. 42). Astruc foi professor da Fa-
culdade Real de Paris.
Astruc chegou a ser professor de medicina114 em Montpellier – Tolosa, e posteriormente
no Collège de France, tendo o privilégio de ser médico particular de Luís XV rei da França, e bi-
blista amador. Segundo Canon Dyson Hague (apud TORREY, 2005, p. 17) “Astruc era um livre
pensador de caráter libertino”. O objetivo de Astruc era refutar Hobbes e Spinoza e defender
a autoria mosaica do Pentateuco. Para fazer isso, ele aplicou ao livro Gênesis as ferramentas
de análise literária que os estudiosos já estavam usando com textos clássicos como a Ilíada,
do poeta grego Homero, para peneirar tradições e variantes, e chegar ao texto mais autêntico.
Se o objetivo de Astruc era refutar os críticos da autoria mosaica do Gênesis ou de todos
os livros do Pentateuco, suas consequências não poderiam ter sido mais irônicas. As ferramen-
tas adaptadas por Astruc para a crítica das fontes bíblicas foram desenvolvidas por estudiosos
posteriores, a maioria deles alemães que negaram a autoria mosaica do Pentateuco.
Astruc aos 69 anos de idade em 1753 publicou na cidade de Bruxelas115 por conta própria
uma obra116 onde ele embora não negasse a autoria mosaica do Pentateuco117, notou que o texto
de Gênesis se compunha de dois documentos principais (Javista [A] e Eloísta [B]), e de pelo menos
outras nove ou dez fontes fragmentárias, estas últimas sendo (Gn 7.20-23; 14; 19.29-38; 22.20-24;
25.12-18; 26.34-35; 28.6-9; 34; 35.36 ao fim do capítulo 36). (RODRIGUES, 1921, p. 222). Os demais
textos que não se enquadram nos dois mencionados documentos A e B, Astruc reúne sobre a
denominação de documento “C”. Ainda segundo Astruc, “Moisés ordenou os dois documentos e
as outras fontes em quatro colunas paralelas, que copistas canhestros118 teriam confundido uma
única coluna, causando assim a desordem atual do Gênesis.” (BALLARINI, 1975, p. 43). Astruc
encontrou quatro documentos no Gênesis, que ele organizou em quatro colunas, declarando que
era assim que Moisés tinha originalmente escrito seu livro, na imagem dos quatro evangelhos do
Novo Testamento, e que um escritor, mais tarde, os tinha reunido em um único trabalho, criando
as repetições e inconsistências que Hobbes, Spinoza e outros haviam notado.
Sua tese partia da observação de que no primeiro capítulo Deus é denominado Elohim
e no segundo Deus recebe o nome de Yahweh, concluindo que Moisés se utiliza de dois docu-
mentos distintos, um em que o autor só conhecia Deus com o nome de Elohim e um segundo
documento em que o autor só conhecia Deus com o nome de Yahweh. Deste modo, para ele
Moisés não é o autor de Gênesis e sim um mero redator. Astruc não argumentou que Moisés
não era o autor do Pentateuco. Ele simplesmente queria investigar as fontes que Moisés po-
deria ter usado em sua composição. Não obstante, a principal marca da obra de Astruc (isto é,
atribuir passagens distintas a diferentes fontes através da utilização dos nomes de Deus como
critério) se tornou uma característica importante das teorias que se seguiram.
114. Escreveu o primeiro grande tratado sobre a sífilis e doenças sexualmente transmissíveis.
115. O título cautelosamente dá como local da publicação como sendo Bruxelas, de forma segura, fora do al-
cance das autoridades francesas. Esta salvaguarda era necessária devido a violenta “re-catolicização” que
ocorria em Languedoque, região onde Astruc vivia, ocasionada pela Contrarreforma. A Igreja Católica não
oferecia uma atmosfera tolerante para a crítica bíblica.
116. Conjecturas sobre as memórias originais que Moisés teria usado para compor o livro de Gênesis.
117. Astruc viu-se como fundamentalmente um defensor da ortodoxia; sua heterodoxia não estava em negar
a autoria de Moisés do Gênesis, mas na defesa dela. Os estudiosos do século anterior, tais como Thomas
Hobbes e Baruch Spinoza tinham elaborado longas listas de inconsistências, contradições e anacronismos
na Torá, e as utilizaram para argumentar que Moisés não poderia ter sido o autor de todos os cinco livros.
Astruc estava indignado com esta “doença do século passado”, e determinou a utilização do moderno co-
nhecimento do século XVIII para refutar aquele do século XVII.
118. Sem habilidade ou agilidade.
59
Usando métodos já bem estabelecidos no estudo dos Clássicos para filtrar e avaliar di-
ferentes manuscritos, ele elaborou colunas paralelas e versos atribuídos a cada um deles de
acordo com o que ele havia notado como as características definidoras do texto do Gêne-
sis: por exemplo, quando um versículo usava o tetragrama “YHWH” (Yahweh) ou o termo
“Elohim” (Deus) se referindo a Deus, e se ele tinha forma divergente (outra narração do mes-
mo incidente, como por exemplo, os dois relatos da criação do homem, e as duas citações de
Sara sendo tomada por um rei estrangeiro).
No seu entender Astruc julgava que os nomes divinos não estavam inseridos no texto
indiscriminadamente por acaso, pois certas cessões usavam sempre de um nome e outras
cessões de outro nome. “Ele raciocinou que, como não podia ter tido conhecimento pessoal
de todos os eventos que registrou nesses dois livros, Moisés deve ter dependido de fontes es-
critas geradas para ele pelas testemunhas oculares.” (GABEL, 1993, p. 87).
Astruc entendia que o método de análise dos nomes divinos não poderia ser usado
como critério para testar outras passagens do Pentateuco além do livro de Gênesis. Seu cam-
po de estudo restringiu-se ao livro de Gênesis e aos dois primeiros capítulos de Êxodo. Para
ele conforme o próprio título de sua obra indica Moisés era o autor do livro de Gênesis, mas
teria feito um ajuntamento de diversas fontes em quatro colunas paralelas, e posteriormente
um redator teria transformado essas colunas em um único relato contínuo. Para ele não era
necessário negar a autoria de Moisés do livro de Gênesis, pois Moisés fez uso de diversas fon-
tes (mémoires) e isso explica as diferenças de linguagens e duplicações.
Assim, Astruc era um médico apaixonado pela leitura da Bíblia, foi um legítimo sucessor
de Simon e destacou-se observando os diferentes nomes dados a Deus em Gênesis, o que
gerou um grande alvoroço no estudo do Pentateuco. Devido suas pesquisas a crítica literária
ganhou força, e se estruturou pelo menos nos dois séculos seguintes. Mas, a teoria de Astruc
recebeu pouco apoio de imediato.
Alexander Geddes (1737-1802). Geddes foi um padre católico escocês, que investigou
as mémoires de Astruc. Entre 1792-1800 desenvolveu a teoria fragmentária ou “hipótese dos
fragmentos”, pois segundo ele não era mais apropriado falar de “fontes” (o que considera-
va como fantasia) (YOUNG, 1964, p. 132), pois para isso era necessário admitir uma grande
quantidade de fontes complementares. Por isso, segundo Geddes era apropriado falar de
“fragmentos”. Em 1792 Geddes publicou uma tradução da Bíblia somente até o livro de Josué;
e em 1800 publicou o livro Critical Remarks onde dizia que o Pentateuco teria sido escrito
durante o reinado de Salomão, em Jerusalém (YOUNG, 1964, p. 132).
A Teoria Fragmentária da origem do Pentateuco foi proposta originalmente em 1792
Introduction to the Pentateuch and Joshua. Geddes afirmou que não existiam apenas dois do-
cumentos de que Jean Astruc falara; segundo ele existia uma grande massa de documentos
fragmentados, que teriam sido costurados uns aos outros por algum redator, cerca de 500
anos depois da morte de Moisés, sendo que este redator é alguém desconhecido. Com isso,
o Pentateuco seria composto de pequenos e grandes fragmentos muitas vezes contraditórios
entre si, combinados num só por um redator segundo as próprias concepções. Explica-se a
diversidade constante do nome divino nos dois grandes documentos J e E, supondo que os
fragmentos que os compõem já estariam divididos em duas séries, antes mesmo de entrarem
no Pentateuco. Com isso, Geddes o Pentateuco foi compilado por um redator desconhecido
a partir de numerosos fragmentos que tiveram sua origem em círculos diferentes, Eloísta e
Javista – daí o resultado da diversidade dos nomes divinos no Pentateuco.
A hipótese fragmentária já havia sido “proposta por Peyrer em 1655 e por Spinoza em
1670, sem alcançar aceitação.” (KERR, 1956, p. 18). “Para Alexander Geddes, o Pentateuco é uma
60
119. Die Composition des Hexateuchs und der historischen Bücher dês Alten Testaments (A composição do Hexa-
teuco e dos livros históricos do Antigo Testamento).
120. Das formgeschichtliche Problem des Hexateuch (O problema da história das formas do Hexateuco).
121. Canaã, nome mais antigo da Palestina, parece derivado do hurrita, significando ‘pertencente à terra da
púrpura vermelha’, aplicado aos mercadores do corante púrpura obtido das conchas de múrex da costa
fenícia. (UNGER, 2006, p. 26).
61
122. Através de sua “Introdução” o campo da exegese protestante tomou como modelo as próximas “Introduções”.
123. Entre os conservadores a primazia da primeira “introdução” é atribuída a Michael Walther (1636 d.C). O
termo “introdução” foi utilizado pela primeira vez pelo monge Adriano (440 d.C).
124. Einleitung in die Goettlichen Schriften des Neuen Bundes.
62
Ressalte-se que Witter, Astruc e Eichorn não estavam negando aautoria mosaica do Pen-
tateuco. Pelo contrário, a discussão crítica girou em torno das fontes potenciais que Moisés
utilizou na composição do Pentateuco.
Johann Philip Gabler (1757-1826), Teologia Bíblica versus Dogmática. Gabler teve
como mestre Eichhorn, através de sua obra,125 que veio a lume, dois anos antes da Revolução
Francesa, expôs a necessidade de uma teologia bíblia sistemática, oposta à dogmática.
Essa nova independência e liberdade, porém, embora ainda presas e, nesse senti-
do, limitadas a determinados preconceitos pela filosofia racionalista e iluminista,
não significam apenas uma distância crescente em relação à doutrina tradicional
da Igreja, mas também um distanciamento – que se supunha necessário por causa
da objetividade da pesquisa histórica – de questionamentos demasiado imediatos
e atuais, teológica, espiritual e existencial da historiografia bíblica e dos resultados
obtidos histórica e criticamente (GUNNEWEG, 2003, p. 70).
A partir de Gabler “o verdadeiro progresso consiste no fato de a teologia bíblica ser de-
finida aí como uma ciência histórica” (GUNNEWEG, 2003, p. 67). Com essa emancipação da
Igreja dos estudos bíblicos, acabou contribuindo para o “surgimento da exegese histórico-crí-
tica... esta voltada cada vez mais para os textos isolados...” (KNIERIM, 1990, p. 7). A intenção
de Gabler não era afetar a autoridade bíblica “mas que a crítica histórica criteriosa e a com-
paração com documentos históricos de outros povos beneficiem a autoridade corretamente
entendida da Bíblia” (GUNNEWEG, 2003, p. 67). O que vemos foi uma substituição do dogma
eclesiástico por premissas do pensamento filosófico-idealistas, as quais raramente são refleti-
das e verificadas prudentemente e profundamente.
Os primórdios da teologia bíblica126 são associados à apresentação, por Gabler, da
palestra Discurso sobre a devida distinção entre teologia bíblica e dogmática, e os objetivos es-
pecíficos de cada uma, em 30 de março de 1787 na Universidade de Altdorf. Antes disso a
teologia bíblica era incluída na teologia sistemática (dogmática).127 “Em termos de conteúdo,
essa teologia bíblica pressupõe que existe uma evolução gradativa do inferior ao superior. A
teologia dogmática precisa construir sobre a teologia bíblico-histórica.” (GUNNEWEG, 2005,
125. Oratio de justo discrimine theologiae biblicae et dogmaticae regundisque recte utriusque finibus, 1787 (Dis-
curso sobre a correta discriminação da teologia bíblica e dogmática, e sobre a correta definição das áreas
de ambas).
126. A Teologia Bíblica está preocupada em prestar atenção às afirmações dos autores bíblicos, de acordo
com seu tempo e lugar. Como os escritores bíblicos não viveram todos no mesmo lugar nem no mesmo
momento, está atenta às suas diferenças de opinião teológica. Será se um legislador pensa como um
profeta? Um salmista tem as mesmas concepções teológicas que um sábio? Não é difícil compreender
que um escritor do ano 1.200 a.C. que viva nos primeiros anos da formação do que então viria a se tornar
Israel, pense de forma diferente de outro escritor que viva cerca de 550 a.C., quando Israel já deixara de
ser uma nação livre. Se a levarmos a sério, chegaremos à conclusão de que a Teologia Bíblica não tem
apenas um discurso. Numa palavra: cada livro da Bíblia possui sua própria maneira de compreender
a vida, o mundo e Deus. Muitas vezes, por se tratarem de livros compostos por coleções de textos de
vários escritores, um mesmo livro da Bíblia pode conter perspectivas diferentes sobre a vida, o mundo e
Deus. Portanto, a Teologia Bíblica sempre prestará atenção àquele pronunciamento teológico específico
registrado naquele texto bíblico que o teólogo examina. Cada autor bíblico representa um fenômeno
histórico-social independente, muitas vezes relacionado a outros autores, a outros textos, a outros fenô-
menos histórico-sociais.
127. Historicamente, o dogma cristão tornou-se mais relevante do que as formulações teológicas dos autores
bíblicos. O sistema teológico cristão acabou tornando-se uma espécie de descrição da verdade, nos moldes
do sistema cultural greco-romano onde foi gerado. A Teologia Sistemática não deve ser encarada como o
conjunto das verdades de e sobre Deus, mas como esforço humano para pensar as expressões teológicas
cristãs elaboradas no curso de sua caminhada.
63
p. 33). O propósito da teologia bíblica é expor em que os escritores bíblicos realmente criam.
O alvo da teologia dogmática é perpetuar um ponto de vista preestabelecido.
Gabler acreditava que a teologia bíblica difere da sistemática/dogmática em sua origem
e propósito, vejamos:
Existe de fato uma teologia bíblica, com origens históricas, descrevendo o que os
escritores sagrados sentiam a respeito de assuntos espirituais; por outro lado,
existe uma teologia dogmática, de origem didática, ensinando o que cada teólogo
racionalmente filosofa sobre as coisas espirituais, de acordo com a medida de sua
capacidade ou com o período, a época, o local, a confissão religiosa, a escola e outros
fatores semelhantes. (apud HOUSE, 2005, p. 16-17).
Embora à frente de seu tempo, Gabler não deixava de ser também filho de sua época,
com seu racionalismo a-histórico. Na verdade, o rumo de autonomia que tomou a teolo-
gia bíblica, teve caráter polêmico. Um dos principais motivos emancipacionista visava à
libertação das amarras da tradição dogmática e eclesiástica. Segundo, Louis Berkhof, “a
exegese tornou-se a serva da dogmática e degenerou em mera pesquisa de textos-prova”.
(BERKHOF, p. 2004, 24). Em seu início a teologia bíblia, questionava a dogmática com a
Bíblia na mão, porém, aos poucos devido sua ênfase histórica, a própria natureza da Bíblia
passou a ser questionada.
Sendo naturalista, Gabler particularmente queria eliminar da teologia todas as
abordagens pré-condicionadas. Por trás da abordagem de Gabler achava-se um conceito
racionalista sobre a inspiração e a confiabilidade das Escrituras. A insistência de Gabler
no racionalismo e a consequente recusa em tratar do que esta além dos sentidos humanos
elimina da séria consideração teológica boa parte das Escrituras. Não sobra nenhum dos
milagres da Bíblia, e muito pouco da inspiração dos autores. Fica claro que Gabler possuía
uma ideologia que controlava suas ideias, exatamente como acontecia com os que ele
criticava. As conclusões de Gabler, abriram as portas para uma separação negativa das
teologias do Antigo Testamento e do Novo Testamento. Com isso, pouco proveito tem o
Antigo Testamento para a Igreja Cristã.
Se vermos os pressupostos da Reforma Protestante, veremos que o príncipio da teolo-
gia bíblica estava evidente. Afinal, esta já questionou radicalmente a autoridade da tradição
eclesiástica, na proporção em que ela contrariava, a Bíblia. Reagindo a ela, a própria teologia
da Reforma visava ser teologia bíblica; Sola scriptura (somente pela Escritura) caracteriza
sua intenção. “Evidentemente os próprios reformadores ainda não puderam se dar conta
de todo o significado que esse primado da Bíblia como norma normans (norma geradora de
normas) teve para a teologia, seu método e seu objeto. As consequências não poderiam ser
previstas, manifestando-se plenamente mais tarde.” (GUNNEWEG, 2005, p. 28).
Walter Kaiser Jr., apresenta os fatores que o Movimento de Teologia Bíblica, não con-
seguiu alcançar. Segundo ele este movimento é uma posição dividida entre modernismo e
Escrituras. Para Kaiser a teologia bíblica:
Não tem evitado completamente a esterilidade da crítica das fontes, nem o histori-
cismo da história das religiões, do outro lado. Nem sequer ocorreu em cada caso que
a força da teologia filosófica tem sido trocada por uma metodologia que se recusou a
colocar quaisquer regras “a priori” sobre o texto. (KAISER, 2007, p. 5).
Karl David Ilgen (1763-1834). Ilgen foi sucessor de Eichhorn em Jena, e baseado nas
pesquisas de Astruc e de Eichhorn limitou-se a analisar o livro de Gênesis. Foi o primeiro a
64
dizer que existem duas fontes Eloístas, conforme expôs em sua obra128 publicada em 1798.
Propôs nesta obra “o ponto de vista que Gênesis se compunha de dezessete documentos di-
ferentes, entre cujos autores existiam dois Eloístas e um Javista. Esta obra era um produto da
Escola Fragmentária, e não teve uma influência considerável ou duradoura.” (ARCHER, 2003,
p. 471). “Sua descoberta fundamental é que o documento Eloísta não era único mais duplo: E1
(será posteriormente P) e E2 (será simplesmente E).” (BALLARINI, 1975, p. 43).
Ilgen chegou à conclusão de que havia dois Eloístas, e atribui aos Eloístas algumas passa-
gens que Astruc considerava ser do Javista. Sua finalidade era ligar a história dos documentos
à história de Israel, propondo também inserir uma nova visão da história de Israel, mas sua
teoria acabou inicialmente tendo pouca aceitação. Para o Deuteronômio Ilgen reconhece a
existência de um documento particular. Sua obra foi valorizada somente quando Hupfeld em
1853 também escreveu uma obra sobre as fontes do livro de Gênesis.
Johann Severin Vater (1771-1826). Vater foi teólogo, filólogo, erudito bíblico e linguista
alemão. Estudou nas Universidades de Jena e de Halle e deu aulas de teologia na Universidade
de Königsberg. A hipótese fragmentária foi divuldada na Alemanha por Vater. Para Vater em
sua publicação Kommentar über den Pentateuch, 1802, dividiu em nada menos do que trinta
e nove fragmentos só o livro de Gênesis (o que naturalmente significou a divisão de E em di-
versos elementos). Enquanto alguns fragmentos seriam da época de Moisés, a combinação e
arranjo finais não se completaram até a época do Exílio na Babilônia (587-538 a.C.).
Foi com Vater que as pesquisas em torno do Pentateuco deixaram de se restringir ao
livro de Gênesis e avançaram até o livro de Deuteronômio. “A primeira coletânea (o Deutero-
nômio) já existia na época de Davi e Salomão. Quanto à data de redação num único escrito,
inclina-se Vater pelo final do reino de Judá.” (BALLARINI, 1975, p. 44).
O Pentateuco é o resultado de um lento crescimento de fontes legais e históricas. As leis
foram promulgadas segundo a necessidade e as circunstâncias históricas.
Wilhelm Martin Leberecht de Wette (1780-1849). De Wette foi o primeiro teólogo da
Bíblia a combinar a teologia bíblica com um sistema filosófico (HASEL, 1992, p. 19). Em
seu Lehrbuch der christlichen Dogmatik, 1831, (Manual de Dogmática cristã), de De Wette
tentou estabelecer uma ponte entre ortodoxia tradicional e o racionalismo. “De Wette
afirmou que na realidade os mitos são meios poéticos de expressar sentimentos acerca de
Deus e de todas as coisas sagradas.” (HOUSE, 2005, p. 22). Com isso, leitores que aceitem
literalmente relatos milagrosos não entendem a mensagem, pois se concentram na vera-
cidade do relato em vez de na expressão mais profunda do sentimento religioso trazido
pelo relato bíblico.
As concepções de De Wette efervesceram as opiniões sobre a formação do Pentateuco,
juntamente com o rumo das pesquisas da história da religião de Israel em geral. Tendo como
referencial suas teorias, muitos pesquisadores vieram a desenvolver outras teorias e hipóteses
sobre a formação do Pentateuco, através de sua obra129 publicada em Jena, em junho de 1805.
128. Die Urkunden des Jerusalemischen Tempelarchivs in ihrer Urgestalt als Beytrag zur Berichtigung der Ge-
schichte der Religion und Politik aus dem Hebräischen mit kritischen und erklärenden Anmerkungen, auch
mancherley dazugehörigen Abhandlungen. Theil 1: Die Urkunden des ersten Buchs von Moses (Os documen-
tos do arquivo do templo de Jerusalém como contribuição para corrigir a história da religião e política, a
partir do hebraico, com observações críticas e explicativas, além de diversas considerações pertinentes.
Vol. 1: Os textos originais do primeiro livro de Moisés).
129. Dissertatio critica exegetica qua, Deuteronimium a prioribus Pentatuchi libris diversum, alius cuiusdam re-
centioris auctoris opus esse monstratur (Dissertação exegética crítica na qual se mostra que o Deuteronômio
é uma obra diferente dos primeiros livros do Pentateuco, bem como escrito por autor distinto mais recente).
65
De Wette acreditava que nenhuma parte do Pentateuco vinha dum período anterior
à época de Davi. Aqui surgiu a teoria do documento “D” (ARCHER, 1974, p. 88). Este não
pertencia à Escola Documental, mas aos teoristas fragmentários, ou seja, daqueles que con-
sideravam que a Torá fora composta na época de Salomão, onde apenas alguns fragmentos
seriam de Moisés. Alexander Geddes, teólogo escocês, também partilhava desta visão, como
pudemos ver.
De Wette tentou dar sentido a análise histórica. A pesquisa histórica não acontece por
causa de si mesma, mas sim para ajudar a reproduzir os sentimentos e ideias da fé veterotes-
tamentária. A semelhança de seus predecessores, ele empregou uma metodologia histórica
baseada em princípios racionalistas. “Ele acreditava que partes do AT são meras noções hu-
manas, não sendo inspiradas pela vontade de Deus.” (HOUSE, 2005, p. 22). Seu conceito de
inspiração como meio-termo entre razão e sentimento ofereceu a muitos estudiosos com
ideias racionalistas sobre a história, uma maneira de manter contato com a piedade bíblica.
Até então os críticos pouco utilizavam a arqueologia e a filosofia em suas pesquisas, pois
preferiam se concentrar nos aspectos literários. Fica claro que De Wette aborda a teologia de
uma maneira fortemente filosófica. Seus estudos no Antigo Testamento tiveram como ponto
de partida pesquisas no livro de Crônicas, comparando-o com os demais livros históricos de
Samuel e Reis. Para ele o livro de Crônicas foi escrito no período persa ou helenista, e as alu-
sões a Moisés no livro foram inseridas para legitimar e dar valor ao livro. Assim, “o escritor de
Crônicas reescreveu a história para fazer com que ela parecesse conhecedora das leis de um
período anterior ao século 7º.” (TENNEY, 2008, p. 894).
“Estritamente falando, porém, De Wette não pertencia à Escola Documental, mas aos
teoristas fragmentários.” (ARCHER, 2003, p. 467). De Wette concordou com este tipo de aná-
lise fragmentária de fontes, alegando que os relatórios históricos de Juízes, Samuel e Reis não
demonstraram a existência da legislação pentateucal (sendo que as leis de Moisés eram con-
sistentemente ignoradas, como se não existissem). Não poderia, portanto, ter existido este
tipo de legislação até ao tempo da monarquia judaica posterior.
Com isso De Wette considera todo o Pentateuco como fruto de épocas posteriores e
não a história real do passado de Israel. E ainda o Pentateuco seria um resultado dum lento
crescimento de fontes legais e históricas. Para ele Moisés não passava de uma figura mítica.
(Wette, apud PURY, 1996, p. 20). “Wette rejeitava bem pronunciadamente o caráter histó-
rico da história mosaica e reputava o livro de Gênesis como uma espécie de poema épico.”
(YOUNG, 1964, p. 133).
No seu livro Dissertatio (1805) e seu Beitraege zur Einleitung (1806), expôs o ponto
de vista que nenhuma parte do Pentateuco vinha dum período anterior à época de
Davi. Mas quanto a Deuteronômio, trazia todos os sinais de ter sido o livro da Lei que
o sumo-sacerdote Hilquias achou no Templo de Jerusalém na época da reforma do
rei Josias, segundo 2 Reis cap. 22. (ARCHER, 2003, p. 467).
Para De Wette o Deuteronômio está relacionado à reforma do rei Josias em 622 a.C.,
após ter encontrado o “livro da lei” (2 Rs 22.3 – 23.25). O que o levou a postular esta hipótese
foi suas observações nas narrativas de 2 Rs 22-23 que segundo ele referem-se diretamente
as exigências de Deuteronômio. De Wette, sugeriu que poderia ter sido apenas o código
legalista em Deuteronômio 12-26 que Hilquias encontrou, e que ele poderia ter escrito por
conta própria, sozinho, ou em colaboração com Josias. De Wette acabou atribuindo a com-
posição de Deuteronômio nesta época, porém maioria dos críticos contesta esta conclusão.
Para eles Hilquias não achou o livro da Lei, o inventou; não era de Moisés, mas foi escrito
66
pelo próprio rei Hilquias ou por outro sacerdote. Ou seja, o rei Hilquias conscientemente
teria enganado o povo.
Se o Deuteronômio é de data tardia, não se questiona somente a autoria mosaica
dessa parte do Pentateuco – afinal, isso e outras coisas já haviam ocorrido antes -,
mas todas as partes ou camadas do Pentateuco que, em comparação com o Deute-
ronômio, são mais recentes devem agora ser datadas no período depois de 620 a.C.
(GUNNEWEG, 2003, p. 73).
Devemos observar que o livro da lei descoberto pelo sacerdote Hilquias nos dias de Jo-
sias deve ter incluído Deuteronômio, mas não há como provar que não incluía também outras
partes do Pentateuco.
Friedrich Bleek (1793-1859). Friederich Bleek em 1822 trouxe à lume uma extensão
da análise de fontes literárias ao livro de Josué, criando assim o termo Hexateuco (“Seis
Volumes”) como sendo a forma final na qual a tradição mosaica chegara à sua forma es-
crita, e não um simples Pentateuco em cinco volumes. Em 1822 Friedrich Bleek publicou
suas observações acerca do livro do Gênesis onde concedia que algumas passagens eram
genuinamente da autoria de Moisés. A primeira complementação adicionada ao material
produzido por Moisés, de acordo com Bleek, teria acontecido por volta dos dias da Mo-
narquia Unida, por volta do ano 1000 a. C. quando um compilador anônimo produziu um
material que reproduzia as tradições mais antigas contidas no livro do Gênesis. Uma segun-
da e também importante compilação teria acontecido por volta dos dias do rei Josias entre
630 e 620 a.C. Este novo redator teria compilado o livro do Deuteronômio bem como o livro
de Josué criando assim o Hexateuco.
Hermann Hupfeld (1796-1866). Hupfeld nasceu em Marburg, onde estudou filosofia e
teologia a partir de 1813 a 1817. Hupfeld foi professor em Halle e propôs uma nova teoria Do-
cumentária à comunidade cientifica de então, pois ele entendia que o Pentateuco foi formado
a partir de três documentos independentes e paralelos: um documento Eloísta de base130, um
segundo documento Eloísta, e um terceiro documento o Javista que não era um mero do-
cumento desconexo adicionado ao Eloísta, mas sim um documento contínuo (E1, E2 e J). O
segundo E era composto das passagens que não corresponderam quanto ao estilo de E ou J;
ou seja, elas pareciam combinar com ambos estilos.
Sua maior obra foi Die Quellen der Gênesis und die Art ihrer Zusammensetzung von
neuem untersucht, 1853, publicada em Berlim.
67
Com isso, Hupfeld chegou à conclusão de que a fonte E não é homogênea, mas compor-
ta duas fontes diferentes. Suas teorias foram o sustentáculo do que mais tarde se chamou o
código Sacerdotal (Priestercodex – P).
Hupfeld, estabeleceu novas bases para a Hipótese Documentária. Segue, um resumo de
suas posições:
O escrito primitivo ou documento elohista apresenta-se compacto e mostra inte-
resse principalmente nas leis; as perícopes Javistas não constituem simples enfeites
ou complementos, mas tem uma verdadeira unidade; o escritor do documento
Javista não tinha diante de si o elohista, e portanto não podia pretender completa-
lo; uma unidade literária autônoma é constituída também por algumas partes
do documento elohista, isto é, o elohista recente, de caráter sobretudo histórico-
profético, composto no período intermediário entre os dois precedentes; os três
documentos foram reunidos por um redator muito habilidoso, que tinham uma
concepção teológica própria, sistemática e independente. (BALLARINI, 1975, p. 46).
Hupfeld não só separou uns textos dos outros, mas analisou os vocábulos, os estilos, o
conteúdo. Chegou a conclusão de que os textos que empregam o nome Elohim não per-
tencem ao mesmo autor ou não fazem parte do mesmo documento. Ele deu um novo
passo e mostrou que o fato de existirem três fontes em uma só devia-se a um redator,
cujo trabalho foi ordenar e costurar os textos das três fontes. (SOTELO, 2011, p. 32).
Tanto para Hupfeld, como para seus predecessores, o documento “E” constitui a base
da Hipótese Documentária, pois contém o essencial da “Lei”, o Código Fundamental “G”
(Grundschrift) Eloísta. Com sua nova Hipótese Documentária a Hipótese Complementar pas-
sou a ser questionada de forma acentuada.
Sua contribuição ao debate resultou naquilo que tem sido chamado “A Revolução Coper-
niciana da história da Teoria Documental”. Em primeiro lugar, sujeitou o Documento E a um
reexame total, destacando nele duas fontes distintivas: uma delas, E2, era composta daquelas
porções’ do Eloísta que muito se assemelhavam a J no estilo, no vocabulário e na matéria con-
tida, e que ocasionalmente parecia conter alusões a matérias que também se achavam em J
(que era supostamente posterior). De fato, não fosse o nome divino (Elohim), seria difícil dis-
tinguir tais passagens de J. (Deve ser mencionado aqui que o reconhecimento da existência de
tais passagens é uma ameaça perigosa à segurança de se empregar os nomes divinos Elohim e
Jahweh como critérios da divisão de fontes). Hupfeld então segregou estas porções (começando
em Gênesis 20) do restante do corpo do Documento E, que considerou como sendo anterior,
chamando-o “Grundschrifth” ou “documento básico”, designando-lhe a cifra E1. Este Docu-
mento E1 coincide aproximadamente com aquilo que os críticos posteriores chamaram P, o
Código Sacerdotal. O E2 posterior (que depois ficou sendo chamado simplesmente E) era ainda
um pouco anterior a J (Javístico). D (a obra Deuteronomista) era naturalmente o documento
mais recente de todos (datando-se da época de Josias). A ordem correta dos “documentos ״pas-
sou a ser, para Hupfeld, a seguinte: PEJD. (ARCHER, 2003, p. 470-471).
68
Ewald admitia possuir o livro de Gênesis uma unidade notável e que era fruto de tem-
pos muito antigos, mas negava a autoria mosaica. “Ewald concluiu que não mais deveríamos
tentar descobrir diferentes narradores, onde existe a maior das harmonias, e que também não
deveríamos tentar dividir em pedaços separados aquilo que tão poderosamente está unifica-
do.” (YOUNG, 1964, p. 135).
Podemos descrever a teoria de Ewald, da seguinte forma:
Mas estas matérias mais antigas eram suplementadas por um Livro de Alianças,
composto por um judeu anônimo no período dos Juízes. Na época de Salomão sur-
giu um Livro de Origens, escrito por um Levita anônimo, contendo muita matéria
do Documento E. Uma terceira suplementação veio no nono século (a época de
Elias) na forma duma biografia de Moisés. Mais tarde ainda surgiu um historiador
69
profético, e finalmente um judeu da época de Uzias (no meio do oitavo século) que
introduziu o nome Yahweh em vários lugares, e trabalhou os documentos anterio-
res como redator final. Esta obra que Ewald escreveu em 1840 envolvia realmente
um abandono da Teoria Suplementária em favor da Teoria de Cristalização, uma
modificação daquela, que considerou que cada contribuição à matéria mosaica
incluía uma recomposição do todo, ao invés de ser um acréscimo de contribui-
ções isoladas. Assim, por sucessivas camadas de moléculas, construía-se um tipo
de “cristal” literário. (Outros defensores da Teoria de Cristalização eram August
Knobel, 1861, e Eberhard Schräder, 1869, que simplificaria algo deste processo de
crescimento nos seus tratados sobre o Pentateuco). (ARCHER, 2003, p. 468-469).
Em sua obra History of the People of Israel,1840, Ewald não mais sustentou a Hipótese
Complementar, e atribuiu a Moisés o decálogo (Êx 20) e algumas leis mais antigas. No lugar da
Hipótese Complementar Ewald defendeu uma hipótese onde ao invés de um documento que
sofreu complementos teria havido “cinco diferentes narradores, que teriam escrito diferentes
porções do Pentateuco em períodos diversos” (MCDOWELL, 1997, p. 79). “No Hexateuco a
unidade fundamental é fornecida por um único escrito – o Eloísta – cujo redator se havia ser-
vido de trechos mais antigos, como o Decálogo e o código da Aliança. Mais tarde um escrito
paralelo – o Javista – foi inserido, com outro material, no documento base (Grundschrift) ou
elohista.” (BALLARINI, 1975, p. 44). “O Deuteronômio, foi obra de um judeu do Egito da época
de Manassés (687-642), completada na Palestina, sob Josias (640-609), foi retocado pelo reda-
tor do Hexateuco.” (BALLARINI, 1975, p. 45).
Ewald jamais aceitou completamente que o vissem entre os adeptos da Hipótese
Complementar, da qual, se tornou o grande inspirador e considerados por muitos como
fundador.
Edward Reuss (1804-1891). Reuss, foi um francês natural de Estrasburgo, e imaginava
que as leis cultuais do Antigo Testamento pertenciam a uma época mais tardia da história
de Israel, e em algumas teses ele sustentou que a “fonte básica” ou “Eloísta básico” para nós
“P”, não estava no início, mas no final do processo literário. Mas quem conseguiu expor isso
foi seu discípulo Graf, demonstrando que nem o Deuteronômio, nem os Profetas, nem os li-
vros históricos conheciam as leis sacerdotais. Segundo Reuss, o Pentateuco seria formado por
cinco documentos principais J, E1, E2, D, P. Também foi o primeiro a sugerir o documento P
como sendo documento básico e também como sendo o último deles. Atribuiu ao tempo de
Esdras como data final da redação do Pentateuco.
Reuss entendia que o “Pentateuco foi compilado por Esdras por volta de 444.” (BALLA-
RINI, 1975, p. 46). Reuss distinguia o Pentateuco em três partes: a tradicional, a histórica, e
a legal. Esta última segundo ele deve ser estudada com muito cuidado, pois das suas datas e
instituições depende muito a história. (RODRIGUES, 1921, p. 226).
Johann Karl Wilhelm Vatke (1806-1882). Vatke imbuído do espírito da filosofia de He-
gel, teve suas opiniões divulgadas através de sua obra: Die Religion dês Alten Testaments nach
den kanonischen Büchern entwickelt, Berlim, 1835. (A teologia bíblica exposta de modo cien-
tífico. A religião do Antigo Testamento desenvolvida segundo os livros canônicos). Sua obra
exerceu influência duradoura. Baseado no modelo filosófico Vatke distingue três fases no de-
senvolvimento da religião de Israel: a pré-profética, a profética e a pós-profética. Todas essas
fases têm base no processo dialético e progressivo. “Vatke afirmou que, numa análise da reli-
gião do AT, era necessário incorporar e justapor aspectos tanto objetivos (históricos) quanto
subjetivos (ideias e crenças religiosas) das Escrituras.” (HOUSE, 2005, p. 23).
Segundo Gunneweg, para o hegeliano Vatke:
70
Na história de Israel, então, a síntese final foi a espécie de religião encontrada no tempo
de Esdras (c. 450-425 a.C.) e depois. Praticamente todas as referências históricas anteriores
aos profetas são escritos posteriores que projetam no passado ideias então vigentes.
Ele declarou que os quatro primeiros livros do Pentateuco não foram escritos por Moi-
sés, mas na verdade eram documentos produzidos por uma nação cuja religião havia
evoluído para uma etapa bem complexa. Além do mais, Deuteronômio foi escrito du-
rante a reforma de Josias ocorrida por volta de 622-621 a.C., e não por Moisés, uma
ideia que De Wette já expusera. Finalmente, deve-se ver os profetas como os fundado-
res da religião israelita estritamente monoteísta. (HOUSE, 2005, p. 23-24).
De acordo com Vatke: “A religião dos hebreus evoluiu (ao longo dos séculos) a partir de
primórdios comparativamente primitivos e anistóricos até a fé monoteísta que caracterizou
a religião do judaísmo.” (apud HOUSE, 2005, p. 24). Por estar comprometido com a interpre-
tação específica da teoria hegeliana da história, Vatke achou impossível aceitar que a religião
israelita tivesse começado com a aliança mosaica monoteísta. Deve ter havido um desenvol-
vimento evolucionário, começando com a religião da natureza e chegando ao monoteísmo.
As opiniões de Vatke levaram a metodologia histórica da teologia do Antigo Testamento
a um novo patamar. Os racionalistas descartavam a historicidade de certas partes do Antigo
Testamento. De Wette, acreditava que mesmo que os relatos não fossem históricos, ainda
expressavam sentimento religioso por meio do mito. Vatke por outro lado declarou que os
relatos não eram da época declarada no texto e que os eventos narrados na Bíblia, não acon-
teceram como estão descritos.
John William Colenzo (1814 -1883). Colenzo foi bispo da Igreja da Inglaterra, matemático,
teólogo, estudioso bíblico e ativista social. Também negou a historicidade de qualquer parte
do conteúdo histórico do documento principal do Pentateuco. Além disso, ele postulou que o
livro da Lei descoberto durante o reinado de Josias, foi o livro de Deuteronômio, e que os livros
de Crônicas foram compostos com o único propósito de promover os interesses sacerdotais e
levíticos. Suas conclusões foram publicadas em sua obra The Pentateuch and Book of Joshua
Critically Examined, 1862 (O Pentateuco e do Livro de Josué Examinados Criticamente).
Karl Heinrich Graf (1815-1869). Graf foi um francês alsaciano, discípulo de Reuss
na faculdade de Strassburg, expôs em sua obra Die geschichtlichen Bücher des Alten Tes-
taments,1866, que toda literatura encontrada nos livros de Êxodo, Levítico e Números não
pertencia ao período de Davi a Josias, mas sim ao tempo do cativeiro Babilônico (586 a.C.).
Segundo Graf:
Os documentos mais antigos do Pentateuco são J e E, depois vem D; foram reunidos,
durante a primeira metade do exílio, por um redator de espírito Sacerdotal; só depois
do exílio é que se redigiu o código Sacerdotal ou P, promulgado por Esdras e, mas tarde,
unido aos outros documentos. Das diversas camadas de P a mais antiga (Lev 17-26, lei
de santidade) é atribuída a Ezequiel, ao passo que o resto das leis não parece anterior ao
exílio. (BALLARINI, 1975, p. 46).
71
Assim, Graf estabeleceu a cronologia relativa das três fontes: J, E e P, ao invés da ordem
cronológica apresentada por Hupfeld, PEJD. “Para Graf, o marco narrativo foi fechado na época
exílica ou pós-exílica, e o documento E¹/P é mais recente e o J, mais antigo.” (SOTELO, 2011, p. 32).
Graf considerava que o código Sacerdotal no Pentateuco continha uma legislação que
era posterior, em origem, ao próprio Deuteronômio 621 a.C., explicando como o “D” não de-
monstrava nenhum conhecimento das porções legais do “P”. As porções históricas do “P”
eram, portanto, sem dúvida, muito antigas. (PFEIFFER, 1941, p. 92-93).
Com seu mestre; Eduard Reuss, Graf acreditava que este Código Sacerdotal no Pen-
tateuco continha legislação que era posterior em origem ao próprio Deuteronômio
(621 a.C.), dando como motivo a explicação que D não demonstra nenhum conheci-
mento das porções legais de P (o Código Sacerdotal), embora que reflita as leis de J e
de E. Devemos, portanto, considerar que a legislação de P pertence à época do Exílio
(587-539 a.C.). As porções históricas de P eram, porém, sem dúvida, muito antigas.
Assim, a ordem dos “documentos” acabou sendo, segundo Graf: P histórico, E, J, D,
P legal. Achou que E foi suplementado por J, e que depois, na época de Josias, EJ foi
revisto pelo autor de D. (ARCHER, 2003, p. 471).
131. Historisch-Kritisch Onderzoek naar het onstaan en de verzameling van de Boeken des Ouden Verbonds (3 vl,
1861-1865;. 2 ª ed, 1885-1893).
132. De Godsdienst tot den ondergang van den Joodschen staat.
72
paradas das porções legais. E já que Graf tinha comprovado a origem exílica ou
pós-exílica da legislação Sacerdotal, então, o documento P inteiro era forçosa-
mente mais recente. Isto significou que aquilo que Hupfeld tinha definido como
sendo a porção mais antiga do Pentateuco (“Grudschrift”) acabou sendo a parte
mais recente de tudo, recebendo sua forma final e definitiva quando Esdras reu-
niu o corpo literário do Pentateuco inteiro, em tempo para a cerimônia de leitura
pública mencionada em Neemias 8. A nova ordem dos “documentos” passou a
ser: J, E, D e P. J era o documento básico da Torá, e E foi incorporado nele pos-
teriormente. Depois, D foi acrescentado, na época de Josias, pouco antes do fim
da monarquia judia. No decurso do ministério de Ezequiel, no período exílico,
o Código de Santidade (H), consistindo em Levítico caps. 17-26, foi formulado
como sendo a porção mais antiga de P; o restante de P surgiu no fim do sexto
século e a primeira metade do quinto século – mil anos depois da morte de Moisés!
(ARCHER, 2003, p. 472).
133. Particularmente prefiro o título “Teologia Moderna” ao tratar sobre a teologia produzida no século XIX e
XX, pois o sentido da palavra “Contemporânea” indica algo que esta acontecendo em nosso tempo, e “Mo-
derna” nos remete a algo recente, não necessariamente atual.
134. Foi bispo de Hippo Regius (Hipona), no norte da África. É considerado como “o maior dentre os homens
que escreveram em latim”. Agostinho trouxe uma estabilidade muito necessária à interpretação bíblica
mediante o uso dos aspectos histórico-gramatical e teológico da exegese.
73
pouco mais de um século; Karl Barth apenas uns vinte e cinco anos; e pôr fim a demitização
de Rudolf Karl Bultmann (1884-1976), uns doze anos.135
A teologia alemã contribuiu muito para o pensamento teológico moderno. “A capital
do estudo está nas mãos dos alemães, e deles tem sido o empreendimento que o tem dirigido
pelos canais teológicos.” (MACKINTOSH, 2004, p. 13). É entre os alemães que se encontra
grande parte dos estudos exegéticos acerca do Pentateuco. Porém, hoje estamos vivendo
um período em que os estudos alemães não são mais considerados a vanguarda do Antigo
Testamento. “Não se deve concluir que devemos nos prostrar perante a teologia alemã. A
mentalidade anglo-saxônica tem, em geral, menor conhecimento. No entanto, muitas vezes
apresenta um juízo muito mais acertado.” (MACKINTOSH, 2004, p. 14).
É importante compreender que, na Alemanha, o sistema universitário é apoiado publi-
camente e acessível a todos, porque não há taxa de matrícula. Ele também tem uma tradição
muito forte de liberdade acadêmica que remonta a cerca de 500 anos. Essencialmente, a qual-
quer momento na história da Alemanha, mesmo durante a ditadura nazista, você pode fazer
quase qualquer coisa em nome da academia dentro da universidade, não importa quanto
herético ou ultrajante que pode ter sido. Como resultado, o sistema universitário alemão pro-
duziu muitos pensadores originais extraordinários, que têm contribuído poderosamente para
o conhecimento geral.
Mas as ervas daninhas crescem, bem como rosas em tal solo fértil. A Hipótese Docu-
menrtal provavelmente não poderia ter alcançado tal proeminência em qualquer outro lugar
do que na liberdade acadêmica do sistema universitário alemão, porque em qualquer outro
lugar teria sido recebida como muito escandalosa ou muito herética.
A Teologia Moderna foi formada por diversos teólogos com suas concepções sobre o
teologizar, dentre eles: Schleiermacher (Teologia do Sentimento); Hegel (Teologia do Ra-
cionalismo Especulativo); Albrecht Ritschl (Teologia dos Valores Morais); Ernst Troeltsch
(Teologia da História da Religião Científica); Sören Kierkegaard136 (Teologia do Paradoxo);
Karl Barth137 (Teologia da Palavra de Deus).
Mas, apesar das motivações iniciais dos modernistas, suas ideias representaram uma
grave ameaça à Ortodoxia138, como a história comprovou. O movimento modernista gerou en-
135. Para maiores detalhes sobre este declínio de vida que esta passando a Teologia e suas abordagens, consul-
tar: (ERICKSON, 1997, p. 27-37).
136. Kierkegaard (1813-1855), dizia que: Deus era o “totalmente outro” e “paradoxal” à razão humana (embora
não o fosse a si mesmo). Também, dizia que: a existência, precede a essência.
137. Barth nasceu em 1886 em Basiléia, na Suíça, e estudou sob a influência de teólogos liberais, como Harnack
e Hermann. Em 1911, ele começou seu pastorado de dez anos na vila suíça de Safenwill, onde ele escreveu
seu Comentário da Carta aos Romanos. Em 1921, tornou-se professor em Gottingen e em 1929 transferiu-
-se para Bonn. Barth observou com atenção ascensão política de Hitler e foi um dos fundadores da Igreja
Confessional, que resistiu a todas as tentativas dos “Cristãos da Alemanha” no sentido da união do cristia-
nismo com o nazismo.
Ele colaborou na elaboração da Declaração de Barmen, que, em verdadeiro desafio lançado ao totalita-
rismo de Hitler, afirmava que Deus é o único Führer (líder) da Igreja. Em 1935, por ter se recusado a jurar
fidelidade ao nazismo, ele teve de deixar o território da Alemanha. Aceitou, então, uma cátedra de teologia
na Universidade de Basiléia, da qual só veio a sair por aposentadoria, em 1962.
138. Chamar uma crença de “ortodoxa” é dizer que seu currículo histórico envolve ter sido aprovado nos
demais testes, sempre quando foi submetida a eles, de modo que agora se apresenta à igreja e ao mundo
dos dias atuais com credenciais totalmente críveis. (DYCK, 2001, p. 93). O fato da ortodoxia se apresen-
tar com “credenciais totalmente críveis” não significam dizer que se apresenta como infalível. Quando
necessário deve ser revisto os postulados “ortodoxos”, a fim de se chegar a um conhecimento que corres-
ponda à verdade.
74
sinamentos que dividiram quase todas as denominações históricas na primeira metade deste
século.139 Ao menosprezar a importância da doutrina, o modernismo abriu a porta para o Li-
beralismo Teológico, o relativismo moral e a incredulidade aberta. Atualmente, a maioria dos
evangélicos140 tende a compreender a palavra “modernismo” como uma negação completa da
fé. Por isso, com facilidade esquecemos que o objetivo dos primeiros modernistas era apenas
tornar a igreja mais “moderna”, mais unificada, mais relevante e mais aceitável a um novo
momento caracterizado pela modernidade. “Sem dúvida, a Bíblia acaba sendo desprendida
de seus ancoradouros e termina por ser lançada à deriva no mar da relatividade moderna.”
(OSBORNE, 2009, p. 272).
A Igreja europeia foi sacudida por essa conversa modernista, que lançou os fundamen-
tos da Europa pós-cristã de hoje. Teólogos como Karl Barth, Paul Tillich e Rudolf Bultmann
pregaram um “iluminismo” teológico que tiraria a Igreja da obscuridade medieval da ortodo-
xia reformada e a poriam a par dos novos tempos.
O efeito geral da abordagem ao AT característica da erudição liberal protestan-
te fundamentada nessas pressuposições foi bem resumida por T. W. Manson
como a colocação entre Deus e o homem de uma placa de vidro à prova de som.
(BRUCE, 2008, p. 104).
139. Essa ideologia apregoava que “o real é o que se apreende pela ciência.” (MCARTHUR, 2003, p.17). Então
a ressurreição de Jesus, por exemplo, deveria ser “reinterpretada” à luz da racionalidade moderna: a res-
surreição não seria um fato histórico objetivo, mas um arquétipo da “ética renovada” que Deus propõe
ao homem: cada vez que ofereço a outra face ao meu inimigo, Jesus ressuscita dentro de mim, isto é, os
valores divinos, outrora mortificados e esquecidos, agora ressurgem em meu coração para agradar a Deus.
Pecado? Ignorância falta de orientação. Novo nascimento? Reeducação, evolução! Tudo indica que essa
conjunção fé-racionalismo foi desastrosa para as igrejas que a adotaram.
140. Por “evangélico” pode se dizer à pessoa que reconhece a autoridade da Bíblia.
141. Modernidade líquida é a época atual em que vivemos. É o conjunto de relações e instituições, além de sua
lógica de operações, que se impõe e que dão base para a contemporaneidade. É uma época de liquidez, de
fluidez, de volatilidade, de incerteza e insegurança. É nesta época que toda a fixidez e todos os referenciais
morais da época anterior, denominada pelo autor como modernidade sólida, são retiradas de palco para
dar espaço à lógica do agora, do consumo, do gozo e da artificialidade. (BAUMAN, Zygmunt. Modernidade
Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001).
142. Que de forma direta ou indireta, contribuiu para o Antissemitismo.
75
76
mais complexa à medida que evoluía. O Antigo Testamento e o Novo Testamento, eram vistos
como estágios de uma linha evolutiva, do inferior para o superior.
Suas bases filosóficas contribuíram para novas aplicações críticas nos estudos do Antigo
Testamento. Mediante uma base evolutiva de uma religião simples para uma mais complexa,
Reuss e Vatke foram influenciados por esta perspectiva de Hegel.144
A ideia da história como um processo dinâmico desde inícios primitivos até está-
gios mais avançados veio a exercer grande influência sobre os estudos do AT. Hegel
conferiu uma reputação inédita à história dentro da filosofia e contribuiu com uma
noção que influenciaria alguns eruditos do AT (e, o que foi mais importante, alguns
do NT), que foi o princípio dialético segundo o qual uma tese faz surgir sua antítese,
e do choque inevitável entre as duas surge a síntese, que combina elementos da tese
e da antítese. A ideia da história como desenvolvimento foi grandemente fortalecida
pela ideia evolucionária que, começando como hipótese científica, veio a ser aplica-
da em muitos outros campos, incluindo o da história. A ciência moderna contribuiu
para a formação de um clima de opiniões que considerava difícil – se não impossível
– crer no relato bíblico da Criação, e diminuiu – se não negou – o aspecto miraculoso
e o sobrenatural. (BRUCE, 2008, p. 103).
No hegelianismo a ordem estabelecida não retrata mais um plano divino, mas a racio-
nalidade imanente da própria história. História que é palco de lutas entre contrários, fruto da
contradição, superando-se sempre (tese, antítese, síntese). Daí a grande novidade hegeliana:
a dialética.
Hegel é o representante máximo do idealismo alemão do século XVIII. A razão é, para
ele, uma deusa. A ideia é a totalidade. Tudo o que existe é a exteriorização da ideia. O real é o
racional e vice-versa! O idealismo hegeliano é ontológico.145 O mundo é a explicitação da ideia
que lhe é imanente.
Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher (1768-1834). Schleimacher foi um teólogo ale-
mão, filólogo muito carismático e comunicativo, e pode ser considerado o pai da Teologia
Moderna e do Liberalismo protestante. Foi filho de um capelão do exército na Silésia superior.
Seus dois avós eram pastores e seu pai, que tinha fortes tendências pietistas,146 mandou-o
para o seminário moraviano em Barby, na esperança de que estas tendências fossem acalen-
tadas no seu filho. “É bastante curioso que certa vez o aconselhasse a ler Kant como antídoto
ao liberalismo moderno. O jovem Schleiermacher leu Kant, mas reagiu de modo diferente.
Reagiu, também, contra sua criação pietista.” (BROWN, 1999, p. 78).
Sua influência no meio teológico não pode ser ignorada, e nem a contribuição para o
início da Teologia Liberal. Em sua exegese Bíblica, Schleiermacher adotava o método histó-
144. “As leis mais simples eram os Dez Mandamentos (Êx 20). O assim chamado Código da Aliança (Êx 21-23)
era mais complexo, e assim deveria ser o próximo a ser escrito. As leis de Deuteronômio foram ainda mais
complexas quanto aos detalhes, os quais surgiram na época de Josias (621 a.C.). Por fim, as leis mais com-
plexas foram as de P, escritas depois da época de Ezequiel.” (TENNEY, 2008, p. 895).
145. Ontologia (do grego ontos “ente” e logoi, “ciência do ser”) é a parte da metafísica que trata da natureza,
realidade e existência dos entes. A ontologia trata do ser enquanto ser, isto é, do ser concebido como tendo
uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres.
146. O movimento religioso conhecido como Pietismo desenvolveu suas próprias regras exegéticas durante o
século XVII. Enquanto alguns de seus protagonistas promoviam tendências místicas e outros insistiam na
necessidade de viver uma vida santa, muitos adotavam uma abordagem fortemente literalista da Escritura.
Essa abordagem incluía o método dos textos-prova para estabelecer a veracidade dessas doutrinas sele-
cionadas. Predominantemente, eles encaravam a Escritura como um depósito de injunções diretas sobre
exercícios místicos, vida santa, formulação de doutrina, e atenção escatológica.
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rico-crítico. Para ele a teologia era uma reflexão humana da experiência humana de Deus.
Assim a essência da religião era o sentimento (que muitas vezes chamava de “devoção” ou
“sentimento de dependência absoluta”). Com isso, ele negava a ortodoxia que segundo ele
gerava uma teologia autoritária “vinda do alto”, e negava o iluminismo com sua teologia na-
tural e estéril “vinda de baixo”. “Schleiermacher fundamentava seu conceito de religião no
sentimento de “absoluta dependência de Deus”. Como resultado, a revelação era concebida
não como comunicação de conhecimento, mas como o ‘surgimento de uma nova experiência
religiosa’” (BRUCE, 2008, p. 104).
Schleiermacher considerava o Antigo Testamento como “componente do paganismo,
em contraste com o Novo Testamento.” (FOHRER, 2006, p. 60). Colin Brown nos apresenta
a forma como Schleiermacher tornou a Bíblia relevante para o homem moderno, vejamos:
Schleiermacher sentia que já não podia tratar a Bíblia como narrativa de intervenções
divinas e como coletânea de pronunciamentos divinos. Era, no entanto, um registro
de experiência religiosa e a ideia da experiência religiosa era uma chave que Schleier-
macher agarrou com as duas mãos... Significava que já não precisava levar a Bíblia
a sério em todos os pormenores. Parecia que abria uma nova porta à apologética ao
levar tanto o crente quanto o descrente para o terreno das experiências que tiveram
em comum. Aquilo, portanto, que Schleiermacher se esforçou para fazer foi analisar
a experiência religiosa e extrair dela a essência da religião. Tendo feito isto. Poderia
então reinterpretar a fé cristã em termos aceitáveis ao homem moderno, esteja ele
dentro da igreja ou fora dela... Qualquer coisa que descobre no ensino cristão que não
se encaixa nele (seu método), ou é esticada, ou é podada. Desta forma, é impedido de
prestar devida atenção àquilo que o Novo Testamento realmente diz acerca de Deus,
de Cristo, do pecado e da salvação, pois seu método preconcebido exige que tudo seja
interpretado à luz de um princípio preconcebido. (BROWN, 1999, p. 79, 82).
Para Schleiermacher, “Algum dia, o Antigo Testamento poderia até ser relegado a um
apêndice.” (ARMSTRONG, 2007, p. 192). Enfim, a teologia bíblica de Schleiermacher deu
origem a um movimento cristão conhecido como Liberalismo, que procurava a mensagem
religiosa universal nos evangelhos, descartava o que parecia periférico e tentava expressar
essas verdades essenciais de maneira que interessasse a uma audiência moderna.
win,1859; Ensaios e Críticas, escrito por sete clérigos da Igreja Anglicana,1860; A Doutrina
Cristã da Justificação e Reconciliação, Albrecht Ritschl, 1874; O que é o Cristianismo? Adolfo
Harnack, 1900.
O método do Liberalismo segundo seus defensores busca modernizar a teologia cristã.
Buscam, então, repensar o cristianismo de modo que ele seja expresso em formas mentais
inteligíveis ao mundo de nossos dias. Os liberais procuram esquadrinhar o desconhecido,
possuídos que estão da profunda convicção de que qualquer verdade que surja será inevita-
velmente uma verdade divina. Animados desse espírito, os liberais aceitam cordialmente as
conclusões da Alta Crítica bíblica e a teoria da evolução.
Começou-se a crer que Deus não interfere na história, que as histórias bíblicas são
meros mitos e interpretações de um povo ignorante e pré-científico e que o miraculoso não
existe. O significado comum do termo “mito” na fala popular é o de “uma história fabulosa
e inverídica”. Com isso, criaram-se dois tipos de “história”, a do mundo e a salvífica – esta,
referente às “coisas sobre Deus”, não provada e não crível. Com isto, a Bíblia deixou de ser um
livro historicamente confiável, ela passa a ser um mero livro de teologia, ignorante historica-
mente. Passou-se a considerar a Bíblia como um livro cheio de contrições e de incoerências.
O teólogo William E. Hordern, comenta sobre a negação do Liberalismo acerca da reve-
lação de Deus:
Subjazendo ao liberalismo teológico tal como veio a proliferar nos primeiros vinte e
cinco anos deste século, encontra-se a influência da filosofia do Idealismo Absoluto, ori-
ginária de Hegel e de Lotze, mas reinterpretada na América do Norte por Josiah Royce...
O conceito básico da Bíblia, que consiste em demonstrar que Deus tem se revelado a si
mesmo através de certos acontecimentos pertinentes da história, foi considerado pelos
idealistas como noção ingênua e pré-filosófica. (HORDERN, 2004, p. 46).
Hordern explana sobre o nascimento virginal de Jesus, doutrina negada pelo Liberalismo:
O teólogo vê Deus operando em e através de tudo quanto aconteça e exista. Sendo
assim, o nascimento virginal de Jesus é uma convicção muitíssimo importante para o
fundamentalista, pois é uma prova de que, em Cristo, o sobrenatural se evidenciara.
No entender do liberal, porém, a noção do nascimento virginal de Jesus seria não só
desnecessária, mas ainda um verdadeiro entrave para a razão, uma vez que Deus está
presente por ocasião do nascimento de qualquer criança. (HORDERN, 2004, p. 47).
Ainda, o mesmo autor, apresenta uma parte da visão do Liberalismo a respeito da Bíblia:
Os liberais não só criam que a Bíblia não devia usar nenhuma desculpa para ter um
tratamento especial entre os demais livros com os quais os homens podem contar, mas, bem
mais do que isso, sentiam-se felizes por não terem mais de esforçar-se em qualquer apologia
em favor da Bíblia inteira, considerada como se fosse Palavra de Deus. Não era mais necessá-
rio defender um Deus que estabelecera ordens aos israelitas para que matassem os inimigos
junto com mulheres e crianças indefesas, nem um Deus que teria enviado ursos para devora-
rem meninos que tinham enchido a paciência do profeta.
Ao ser examinada à luz dos métodos da alta crítica, os liberais afirmam que a Bíblia
patenteia ter Deus feito revelação de si mesmo de modo evolucionário, exatamen-
te como teria criado o mundo. Tendo começado com ideias primitivas de instintos
sanguinários, a Bíblia evidência como os judeus paulatinamente teriam alcançado as
noções mais requintadas de um Deus justo que poderá ser servido tão-somente pelos
que praticam a justiça, amam a misericórdia e andam humildemente diante de Deus.
79
147. “A revelação progressiva não deve ser considerada como sendo um progresso do erro para a verdade, mas
como um progresso do parcial e obscuro para o completo e claro. Um evangélico consistente precisa sus-
tentar que todas as partes da Palavra de Deus são verdadeiras no sentido tencionado pelo autor original
sob a inspiração do Espírito Santo, mesmo quando expressas em linguagem que talvez tenha sido mais
compreensiva e relevante ao povo de Deus na época da sua composição do que em épocas posteriores.”
(ARCHER, 2003, p. 405). “Os escritores do Antigo Testamento dão testemunho, não de um corpo doutrinal
perfeito, senão de uma realidade divina que vai se revelando na história.” (EICHRODT, 2004, p. 10).
80
quando preferem ficar isolados uns dos outros. É um dos traços característicos do Liberalismo
levantar muitas críticas contra as igrejas no estado em que habitualmente existem. Os liberais
nunca deixaram de criticar, tanto as divisões que determinaram o surgimento de diferentes
igrejas, como também a incapacidade que sempre demonstraram de alcançarem a perfeita
observância dos ensinos de Jesus.
O Liberalismo, no exato momento em que sofreu graves ataques do Fundamentalismo,
começou a desintegrar-se. Já nos começos de 1934, Walter M. Horton, um teólogo liberal,
sentiu-se em condições de escrever assim: “O liberalismo, considerado como sistema de
teologia, chegou ao fim.” (apud HORDERN, 2004. p. 55). Horton chegou ao ponto de decla-
rar que, mesmo os liberais, quase nunca conseguiram falar nem escrever sem fazer alguma
sátira contra o Liberalismo. O Liberalismo tinha cumprido tão bem sua tarefa de ajustamen-
to aos tempos modernos que, uma vez tais tempos já decorridos, novas gerações estavam
fazendo exigências que, diante delas, o Liberalismo era difícil de compreender como fora o
Fundamentalismo com relação à geração anterior. Alguns liberais abandonaram comple-
tamente o Liberalismo e passaram a lançar as bases para o surgimento da neo-ortodoxia.
Outros liberais, entretanto, começaram a re-elaboração do Liberalismo e tornaram-se co-
nhecidos como neoliberais.
A Teologia Liberal afetou alguns pontos centrais da fé cristã. A Bíblia não era mais o
registro infalível e inspirado de Deus; todas as religiões são boas e Jesus Cristo foi somente
um exemplo perfeito de homem, e só era Deus no sentido de que tinha consciência perfeita e
plena de Deus. Mesmo quando os liberais admitiam crer na inspiração da Palavra de Deus, na
verdade empregavam um significado completamente novo ao conceito. Deve-se ter a cautela
de admitir que tanto os liberais, como os conservadores utilizam-se de metodologias críticas,
a diferença esta nos pressupostos que antecedem o juízo de cada um.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial148 grande parte dos ideais da Teologia Liberal
foram destruídos, e juntamente com a noção de progresso da raça humana (evolução), e o
surgimento de uma nova teologia a “neo-ortodoxia” – volta à teologia da Reforma com uma
forma moderna - marcaria de certa forma a condenação do Liberalismo como teologia válida.
A Europa não podia ter a mesma esperança, de modo que, no transcurso dos anos entre 1914
e 1918, o Liberalismo morreu naquele continente.
H. Richard Niebuhr (1894-1962), elaborou uma frase que é considerada como a conde-
nação clássica do Liberalismo: “Um Deus sem ira trouxe homens sem pecado a um reino sem
julgamento através das ministrações de um Cristo sem cruz.” (STANLEY, 2003, p. 71).
Os liberais acabaram sendo escravos de um universo intelectual socialmente construí-
do, posto hoje em descrédito por uma nova linha de pensamento, que arrasou com alguns
dos seus fundamentos, chamada de pós-modernidade149, caracterizado pelo relativismo, in-
clusivismo e pluralidade (não existe verdade absoluta, mas pluralidade de verdades que se
complementam).
Definitivamente as conclusões teológicas do Liberalismo são diferentes da teologia
cristã ortodoxa.
148. Muitas pessoas perceberam que não bastava estudar as Escrituras historicamente. A tarefa árdua dos
pastores era descobrir como tornar textos antigos relevantes para congregação que estavam a sofrer no
mundo moderno.
149. Termos como pluralismo, multiculturalismo e relativismo acomodam-se a toda e qualquer manifestação
social, cultural, filosófica e política pós-modernas. O pensamento pós-moderno, portanto, não se configu-
ra com um estilo uniforme seja na filosofia, na moral, na religião, na arte ou na arquitetura. Ao contrário, é
plural, e se compraz na diversidade, fragmentação e multiplicidade.
81
150. Karl Barth estava convencido que a teologia tem de voltar a ressaltar a revelação de Deus nas Escrituras
e deixar de lado preocupações com historicismo e noções como o progresso inevitável da raça humana.
Barth não defendeu a autoria mosaica do Pentateuco, nem defendeu outros pontos de vista conservadores,
mas de qualquer maneira ajudou a direcionar todos estudos teológicos novamente para as Escrituras, o
que não foi coisa pequena na sua época.
151. Brunner nasceu na Suíça no ano de 1889. Ele fez seus estudos em Zürich, Berlim e no Union Theological
Seminary, em Nova York. Depois de ter exercido um pastorado de oito anos, ele tornou-se professor de teo-
logia em Zürich em 1924. Em 1953 ele deixou Zürich, para ser professor na Universidade Cristã do Japão.
Durante o tempo em que esteve no Japão sua saúde se tornou precária; não obstante, depois de voltar para
a Suíça, pôde concluir o último volume de sua Dogmática, apesar de estar, impossibilitado de escrever. Ele
conseguiu desenvolver- se na arte de compor sua teologia mediante o emprego de um dictafone. No ano
de 1966, Brunner faleceu. Brunner se tornou conhecido no mundo de língua inglesa, inicialmente, como
expositor da teologia “dialética” ou “da crise”.
152. Bultmann considerava o Antigo Testamento como “história do fracasso”. Consultar para maiores informa-
ções: (FOHRER, 2006, p. 60).
153. Foi um teólogo americano, especialista em ética, intelectual público, comentador de política e assuntos
públicos, e professor no Seminário Teológico União por mais de 30 anos. O irmão de outro especialista em
ética teológica proeminente, H. Richard Niebuhr, ele também é conhecido por ser o autor da “oração da
serenidade” (adotada por grupos de ajuda de 12 passos) e recebeu a Medalha Presidencial da Liberdade em
1964. Atotou a neo-ortodoxia, teologia realista de 1930 e desenvolveu a perspectiva teo-filosófica conheci-
da como realismo cristão. Ele atacou utopismo como ineficaz para lidar com a realidade, escrevendo em
Os Filhos da Luz e os Filhos das Trevas (1944): “A capacidade do homem para a justiça torna a democracia
possível; mas a inclinação do homem para a injustiça torna a democracia necessária”.
154. Essa teologia é denominada de dialética, não porque se baseia na dialética de Hegel, mas porque todo falar
de Deus sempre expressa simultaneamente um sim e um não: Deus é o distante e, não obstante, também
o próximo.
155. BARTH, Karl. Kirchliche Dogmatik, vol. 1, tomo 1, p. 104.
82
156. O próprio autor conviveu com professores que defenderam pontos chaves do Liberalismo.
157. Um segmento da erudição católica romana tem tentado manter a posição tradicional da igreja e, ao mes-
mo tempo, interpretar o Antigo Testamento segundo os métodos críticos modernos.
158. Ocorrido entre 29 e 31 de maio de 1934, o Sínodo de Barmen foi um chamado à resistência contra as tenta-
tivas do governo nazista de dominar a Igreja na Alemanha, de expulsar os judeus da igreja e de valorizar o
ministério e a glorificação de Adolf Hitler como um novo profeta alemão. Com representantes das Igrejas
Reformadas, Luteranas e Unidas da Alemanha promulgaram uma confissão de fé preparada por Karl Barth
(membro da Igreja Reformada da Suíça) e Hans Asmussen (membro da Igreja Luterana da Suécia) que
reconheceram e confessaram a autoridade única de Jesus Cristo sobre a Igreja, rejeitando a autoridade
eclesiástica instalada pelo Reich de Hitler, para manipular a igreja.
83
se opunham ao nazismo dentro da igreja do estado, foi demitido de seu cargo e convidado a
voltar a sua cidade natal.159
Até o ano de 1919, quando o partido nazista alemão foi fundado, a Hipótese Dacumen-
tária foi amplamente aceita entre os teólogos alemães. Os nazistas utilizaram aspectos da
Hipótese Documentária para promover suas crenças de que as Escrituras Hebraicas (Antigo
Testamento) era uma coleção de lendas, mitos, histórias de heróis e material ficcional. Segun-
do o autor Ken Collins:
Os nazistas promoveram uma versão revista do cristianismo chamado Deutsches
Christentum (Cristãos Alemães), em que substituiu o Antigo Testamento com os mi-
tos e lendas germânicas. Deutsches Christentum nunca pegou com o público, mas
desde que sintetizava as crenças da liderança do partido nazista, contribuiu para o
martírio de uma série de famosos cristãos alemães.160
A opinião de Hitler sobre o Antigo Testamento era que: “O Velho Testamento continha o
modelo de ofensiva desfechada pelos judeus contra a raça superior e criadora, ofensiva que se
repetira sem cessar no decorrer da história.” (FEST, 2005, p. 232). E a respeito dos judeus de-
clarava: “Os judeus serão certamente uma raça, mas não são seres humanos. Não podem ser
seres humanos criados à imagem de Deus eterno. O judeu é a imagem do diabo e o judaísmo
é a tuberculose racial dos povos.” (FEST, 2005, p. 232).
O Liberalismo foi responsável de certa forma ao preconceito sobre a “teologia”. Devido
à ascensão do Iluminismo, Racionalismo e consequentemente da Teologia Liberal, predomi-
naram nos seminários e estudos teológicos uma postura que negava a fé expressa na Bíblia
tal como era sustentada pela igreja antiga e pelos cristãos evangélicos. Com isso o estudo da
teologia passou a ser visto com reservas na maioria das denominações, que passaram então
a desencorajar seus membros ao estudo da teologia, pois o referencial que tinham de “teo-
logia” passou a ser os referidos teólogos em atividade que eram na sua maioria liberais ou
progressistas. Podemos dizer, que o mesmo receio ainda existe em nossos dias no Brasil, onde
muitos seminários de denominações históricas ensinam direta e indiretamente pressupostos
do Liberalismo Teológico.
Fazendo uma axcelente avaliação do pensamento liberal dentro das teorias de Wellhau-
sen, Hordern comenta:
Não podemos dizer que a arqueologia e a crítica bíblica tenham conseguido apresen-
tar provas definitivas quanto à veracidade da ortodoxia, mas podemos afirmar que, nos anos
mais recentes, essas ciências têm proporcionado muito mais conforto aos ortodoxos do que
aos liberais.
Podemos mencionar alguns dos elementos que comprovam isso. Por exemplo, sa-
be-se que a interpretação liberal do Velho Testamento firmava-se nitidamente na
teoria de Wellhausen, erudito alemão do século dezenove. A teoria de Wellhausen
supunha que, mediante o expediente de redatarem-se os livros da Bíblia, se poderia
conseguir uma reconstituição da história de como as ideias contidas naqueles livros
se desenvolveram ao longo dos séculos. A luz dessa imaginada reconstituição, pre-
tendia-se encontrar na Bíblia uma verdadeira evolução, partindo-se do politeísmo
mais primitivo e passando-se por vários estágios, até chegar à fé num só Deus porta-
159. Para maiores informações sobre Barth e o nazismo consultar: (STANLEY, 2003. p. 80).
160. Ken Collins, “A Torá na ciência moderna”. Disponível: http://www.kencollins.com/bible/bible-p2.htm.
Acessado em: 05/04/2015.
84
dor de atributos morais. Esse ponto de vista foi exposto de modo muito acessível aos
leitores crentes em geral num livro muito divulgado de Fosdick, intitulado Guia para
a Compreensão da Bíblia. Entretanto, as tendências posteriores vieram a ser muito
diferentes, indicadas, por sinal, pelas palavras proferidas por certo erudito suíço,
que não sentiu nenhum constrangimento em dizer que o livro de Fosdick não pas-
saria de “um obituário da erudição bíblica do século passado”. Agora ninguém mais
deixa de perceber que Wellhausen nada mais procurou fazer do que reescrever a
história de Israel dentro dos conceitos da filosofia de Hegel, cuja característica prin-
cipal é exatamente a ênfase que dá ao desenvolvimento evolutivo. Enquanto isso, a
arqueologia nos proporciona elementos seguros para a crença de que o monoteísmo
de Israel vem de tempos bem remotos, pelo menos coincidindo com a época em que
Moisés viveu, o que está em total discordância com a maneira de entender exposta
por Wellhausen. (HORDERN, 2004, p. 57-58).
Albrecht Ritschl (1822-1889). Ritschl pode se dizer que foi o a figura chave para a Teo-
logia Liberal no final do século XIX, e ao contrário de Schleiermacher que fundou uma época,
Ritschl fundou uma escola, o ritschlianismo.
Dentre os seguidores desta escola se destaca Adolf Harnack (1851-1930), que foi o mais
brilhante e popular defensor da Teologia Liberal na virada do século. “Harnack, negava ao An-
tigo Testamento sua dignidade canônica, transferindo-o, desse modo, da teologia à simples
ciência das religiões.” (EICHRODT, 2004, p. 16). Outro seguidor desta escola que se destacou
foi Walter Rauschenbusch (1861-1918) com suas abordagens do “evangelho social”. Em sua
teologia, dizia que a metafísica deve ser rejeitada. Até mesmo a doutrina da trindade era inter-
pretada como fator metafísico sendo a mesma rejeitada, devido a isso, foi acusado de rejeitar
a deidade de Cristo. No semestre de inverno de 1899 e 1900, o último grande representante
da teologia liberal, Harnack, proferiu sua famosa série de dezesseis conferências sobre a “A
essência do cristianismo”, na Universidade de Berlim. Essas palestras foram recentemente
traduzidas para o português, pela editora Reflexão, sob o título “O que é cristianismo?”. Sem
dúvida, trata-se de um conjunto de documentos dos mais importantes e definidores do mo-
dus operandi do Liberalismo Teológico do final do século XIX.
John Gresham Machen (1881-1937). Machen foi um dos teólogos mais influentes e ar-
ticulados a defenderem o cristianismo ortodoxo contra as tendências liberais no início do
século 20. Influenciado por sua formação protestante reformada, ele recebeu o seu treinamen-
to teológico no Seminário de Princeton, nos Estados Unidos, bem como nas universidades de
Marburg e Göttingen, na Alemanha. Ao retornar ao seu país, ele iniciou sua carreira docente,
lecionando literatura e exegese do Novo Testamento no Seminário de Princeton, de 1906 a
1929. Devido ao crescente Liberalismo no Seminário de Princeton, Machen e alguns outros
professores deixaram aquela instituição para fundar o Seminário Teológico Westminster.
Na Alemanha, Machen estudou um semestre na Universidade de Marburg e outro na
Universidade de Göttingen, duas referências acadêmicas na época. Naqueles centros, ele
ficou diretamente exposto ao Liberalismo Teológico, quem mais o impactou e influenciou,
devido à sua personalidade atraente e entusiasmo na exposição da visão liberal do cris-
tianismo, foi Wilhelm Herrmann (um discípulo de Albrecht Ritschl), que era professor de
teologia sistemática em Marburg. O desafio enfrentado por Machen na Alemanha não foi
apenas de natureza experimental, questionando sua vida de piedade e sua devoção a Cris-
to, mas foi também um desafio intelectual. Machen entendeu que a proposta dos liberais
apelava profundamente à cosmovisão do homem moderno. Assim, ele lançou-se a uma in-
vestigação da consistência lógica do Liberalismo. Não havia possibilidade de se unir essas
85
A história de Machen e sua luta em defesa da fé cristã aponta para a necessidade de os es-
tudantes de teologia, especialmente pastores e seminaristas, ficarem atentos contra a sedução do
Liberalismo. Como foi visto, o Liberalismo Teológico muitas vezes se esconde debaixo de uma
auréola de intelectualismo superior ou de uma aparência de devoção. Outras vezes, porém, ele
se utiliza do apoio dos moderados que, sob uma conclamação à paz, minimizam a importância e
profundidade das divergências teológicas, e permitem o seu avanço. A história de Machen ainda
indica a importância de se fundar e manter instituições de ensino teológico comprometidas com
a defesa e a propagação do verdadeiro evangelho. A história do Seminário Teológico Westminster
e da Igreja Presbiteriana Ortodoxa parece ser ilustração viva dessa verdade.162
86
todoxo. Ele foi para Göttingen em 1862 para estudar teologia, e preparar-se para o pastorado
na denominação dos quais seu pai era membro. Atirou-se com entusiasmo em seus estudos
teológicos, mas em pouco tempo ele abandonou o cristianismo ortodoxo de sua juventude e,
simultaneamente, começou a experimentar um momento de grande desconforto intelectual.
No começo, ele não tinha interesse em estudos críticos, ele dedicou suas energias com estudo
da Igreja, corais e à leitura de sermões medievais. Em Göttingen, Wellhausen conheceu Al-
brecht Ritschl (1822-1889), com quem iniciou uma calorosa amizade.
Foi Ewald, estudioso do hebraico eminente orientalista, que mudou o desconforto in-
telectual de Wellhausen e criou um amor para estudar o modo como à história de Israel se
desenvolveu. A apresentação de Ewald da história de Israel fascinava Wellhausen, porque não
era um historiador seco, mas um professor que descreveu as relações históricas de Israel em
cores brilhantes. Na estimativa de Wellhausen, Ewald retrata o conteúdo religioso do Anti-
go Testamento como uma entidade, que tinha se desenvolvido durante a história. Foi este
procedimento que lhe despertou para realizar o projeto de escrever uma história do Antigo
Testamento como um processo histórico no qual a religião bíblica tinha crescido e amadu-
recido. Wellhausen em Prolegômenos para a História de Israel, 1882, se esforçou para fazer
exatamente isso.
Foi Wellhausen quem deu os toques finais a Hipótese Documentária ou Hipótese JEDP,
através de Wellhausen, a hipótese foi aprofundada, esclarecida e desenvolvida. Wellhausen
entendia que os documentos “J”, “E”, “D” e “P” não nos dão nenhum conhecimento verda-
deiro do pretendido tempo dos eventos descritos, mas apresentam meramente as crenças
dos tempos, quando os documentos particulares foram escritos.Sua formação se deu na me-
lhor erudição histórica alemã. Possuidor de uma personalidade forte e uma mente brilhante
influenciou permanentemente muitos estudiosos principalmente exegetas do Antigo Testa-
mento. Sua teoria, mesmo recebendo retoques nos decênios posteriores, foi aceita em suas
linhas gerais até 1975. Tão grande era a sua posição dominante que pela primeira metade do
século 20 a hipótese de Wellhausen havia se tornado sinônimo de Hipótese Documentária.
Algo que demonstra a natureza persuasiva dos argumentos de Wellhausen é o fato de que
pouco mais de uma década depois da publicação de seu livro em 1878, sua reconstrução da
história religiosa de Israel convenceu toda a erudição veterotestamentária da Inglaterra e do
restante da Europa.
Depois das obras de Hupfeld, Graf e Kuenen, o palco estava preparado para a formulação
definitiva da Teoria Documental por Julius Wellhausen, cujas contribuições mais importan-
tes foram Die Composition des Hexateuchs und der historischen Bücher des Alten Testaments
(A Composição do Hexateuco e dos livros históricos do Antigo Testamento), que apareceu
em 1876,163 e Prolegomena zur Geschichte Israels164 (Introdução à História de Israel) que foi
publicada em 1882165. Na dedicação deste livro lê-se: “Para o meu professor para nunca ser
esquecido Heinrich Ewald em agradecimento e honra”. (SURBURG, 1979, p. 79). No entanto,
anos depois veio uma separação nítida entre o caminho dos dois.
163. Inicialmente esta obra foi publicada sob a forma de quatro artigos entre 1876 e 1878 e posteriormente
reeditada em um volume” (PURY, 1996, p. 30).
164. Publicado pela primeira vez 1878 como Geschichte Israels (História de Israel).
165. Raramente se notou na história da igreja, um livro que tenho mudado o curso dos estudos das Escrituras.
Mas no caso da obra de Wellhausen foi exatamente isso que fez. Todas áreas dos estudos bíblicos foram
afetadas, até mesmo os estudos do Novo Testamento. Mesmo que as teorias de Wellhausen tenho perdido
força considerável, seus métodos ainda hoje influencias as pesquisas do Antigo Testamento. O livro foi
extremamente influente e é muitas vezes comparado por seu impacto em seu campo com Charles Darwin
e a Origem das Espécies.
87
No prefácio de sua obra Prolegomena ele menciona que foi influenciado principalmente
por De Wette, Vatke a este se deve a influência hegeliana, que posteriormente influenciou
Wellhausen, J. F. L. George166, Reuss e Graf. Em alguns pontos Wellhausen discorda do sistema
hegeliano, pois a evolução postulada por ele não culmina em uma apoteose, mas sim em uma
decadência.
Após a publicação de sua obra Prolegomena em inglês 1885, suas teorias rapidamente
dominaram toda Inglaterra, e por volta de 1900 os Estados Unidos passou a ser fortemente
influenciado por suas ideias.167 Neste livro ele analisa todos os principais avanços do século
anterior nas pesquisas sobre o Pentateuco, feitos por Johann Gottfried Eichhorn, Wilhelm de
Wette, Karl Heinrich Graf, Abraham Kuenen e Theodor Nöldeke, Colenso e outros. O livro
causou grande celeuma nos círculos ortodoxos e dentro de quatro anos fez com que ele re-
nunciasse seu cargo de professor na Universidade de Greifswald. Esta obra teve uma grande
influência sobre os estudos do Antigo Testamento e veio a ser considerada como uma das mais
importantes contribuições para o estudo do Antigo Testamento do século XIX. Neste livro
Wellhausen esforçou-se por mostrar que a legislação mosaica não era o ponto de partida das
instituições religiosas de Israel, mas que a legislação mosaica era um produto do pensamen-
to Sacerdotal originário na comunidade hebraica depois do exílio. Wellhausem abandonou
a interpretação teológica completamente, e adotou uma exegese crítica-liberal. Suas obras
marcaram uma forma completamente naturalista e secular de estudos do Antigo Testamento.
Hoje é evidente que esse juízo de valor diz-nos mais sobre Willhausen do que so-
bre o antigo Israel, além de estar claramente relacionado ao que costumava ser a
tendência comum para os cristãos (sobretudo protestantes) de entender a lei e os
textos ritualísticos como sendo menos significativos do que outros textos. (BRIGGS,
Richard S.; LOHR, Joel N., 2013, p. 29).
166. Georg teve suas opiniões divulgadas através de sua obra: Diealteren juedischen Feste mit einer Kritik der
Gesetzgebung des Pentateuchs, Berlim, 1835.
167. “Em 1879 C. H. Toy fora demitido de sua função docente no Seminário Teológico Batista do Sul (em Louis-
ville, Kentucky, EUA) por esposar ideias semelhantes à de Wellhausen.” (HOUSE, 2005, p. 31).
88
para fazê-lo. Os seguidores de Wellhausen têm, por quase um século, treinado ministros em
seminários teológicos em todo o mundo. Quão diferente seria a condição religiosa do mundo,
se os sucessores de Wellhausen tivessem mostrado a mesma honestidade e franqueza de seu
grande líder. Devido a isso, ele como professor de teologia escreve ao secretário de assuntos
culturais da Universidade de Greisdwald em 1882, pedindo transferência, se possível, para a
faculdade de filosofia, e assim, ele declarou:
Vossa excelência talvez lembre-se que eu lhe pedi na Páscoa de 1880 para me transfe-
rir, se possível, para a faculdade de filosofia e que eu tentei dar-lhe as minhas razões
naquele momento: eu me tornei um teólogo, porque eu estava interessado em tra-
balhos científicos com a Bíblia; apenas gradualmente percebi que um professor de
teologia tem o dever prático de preparar os alunos para o serviço na Igreja Evangélica,
e que eu não poderia atender a esse requisito, mas apesar da minha discrição e reserva
me sinto impróprio para o ministério. Desde daquela época, meu cargo de professor
teológico tem sido um fardo para minha consciência. (apud SURBURG, 1979, p. 93).
168. Biblische Theologie des Alten Testaments, 1905 (Teologia Bíblica do Antigo Testamento).
169. Biblische Theologie des Alten Testaments, 1911 (Teologia Bíblica do Antigo Testamento).
170. “Foi naquela época que a Origem das Espécies de Charles Darwin estava capturando a lealdade do mundo
científico e estudioso, e a teoria do desenvolvimento do animismo primitivo até o monoteísmo sofisticado,
conforme explanada por Wellhausen e seus seguidores, se harmonizou bem com o dialeticismo hegeliano
(escola de filosofia contemporânea que então dominava o ambiente) e o evolucionismo darwiniano.” (AR-
CHER, 2003, p. 472).
89
4. E a fonte Sacerdotal, composta em grande parte do código de Levítico, mas com liga-
ções a todos os outros livros, exceto Deuteronômio.
171. Foi um escocês orientalista, estudioso do Antigo Testamento, professor, e ministro da Igreja Livre da Es-
cócia. Ele foi editor da Encyclopædia Britannica e colaborador da Enciclopédia Biblica. Ele também é
conhecido por seu livro A religião dos semitas, 1889, que é considerado um texto fundamental no estudo
comparativo da religião.
172. Foi um estudioso do hebraico. Ele dedicou sua vida ao estudo, tanto textual como crítico do Antigo Testa-
mento. Ele era um membro da Comissão de Revisão do Antigo Testamento da Versão Revisada (1876-1884);
recebeu os diplomas de médico e literatura na Universidade de Dublin (1892), doutor em teologia da
Universidade de Glasgow (1901), doutor em literatura da Universidade de Cambridge (1905); e foi eleito
membro da Academia Britânica em 1902. Em junho de 1901, ele recebeu um honorário de doutorado da
divindade da Universidade de Glasgow.
173. Depois de estudar na Universidade de Tübingen (1876) e da Universidade de Leipzig (1878) e viajar no
Egito e na Síria, entrou para o ministério da Igreja Livre da Escócia e foi nomeado professor de Antigo Tes-
tamento em Glasgow em 1892. Em 1909 ele foi nomeado diretor da Universidade de Aberdeen cargo que
ocupou até sua aposentadoria em 1935. Ele foi eleito Fellow da Academia Britânica em 1916, e foi nomeado
cavaleiro no mesmo ano. Ele atuou como moderador da Assembléia Geral da Free Church of Scotland Uni-
ted em 1916-1917.
174. William Robertson Nicoll 1(851-1923) foi um escocês ministro da Free Church, jornalista e editor.
175. A assembéia Geral da Igreja Presbiteriana, em 1893, declarou Briggs, culpado de heresia.
90
of the Hexateuch – A Alta Crítica do Hexateuco, 1893, apoiado por seu habilidoso colaborador,
Henry Preserved Smith176 (1847-1927).177 Briggs foi o primeiro grande defensor da Alta Crítica
dentro da Igreja Presbiteriana, Briggs tinha estudado Alta Crítica na Alemanha, em 1866.
Briggs anunciou que a crítica bíblica agora definitivamente tinha provado que Moisés
não escreveu o Pentateuco; que Esdras não escreveu o livro de Esdras, Crônicas e Neemias;
Jeremias não escreveu os livros de Reis ou das Lamentações; Davi só escreveu alguns dos Sal-
mos; Salomão não escreveu o Cântico dos Cânticos ou Eclesiastes e apenas alguns Provérbios;
e Isaías escreveu apenas metade do livro que leva seu nome. O Antigo Testamento era mera-
mente um registro histórico.
Por volta de 1900, essas opiniões eram comumente aceitas pelos críticos bíblicos em
todo o mundo. W. Robertson Smith, na Escócia, S. R. Driver, na Inglaterra e Francis
Brown e Charles A. Briggs, na América, estavam entre os homens responsáveis pela
divulgação dessas opiniões em seus respectivos países. (TENNEY, 2008, p. 895).
Wellhausen encontrou em sua época alguns pilares sobre os quais pode construir sua
hipótese comopudemos ver, pois em sua época os resultados da crítica literária eram gran-
demente reconhecidos. Wellhausen forneceu ao estudo uma forma clássica e definitiva, pois
tinha uma mente brilhante, e em suas exposições transmitiam de forma clara seus ensinos.
Em seu período a Hipótese Documental é conhecida como “Hipótese Documental Clássica”.
Para Wellhausen a formação do Pentateuco se deu da seguinte maneira: uma fonte mais
antiga a Javista (J), juntou-se com a Eloísta (E), para formar a fonte Jeovista JE. Um terceiro
documento, o Deuteronômio (D), foi colocado como apêndice a JE por um segundo redator,
e, finalmente, o documento mais tardio (P178, Sacerdotal) foi combinado com JED por um ter-
ceiro redator, formando o Pentateuco atual - JEDP.
Vejamos outra forma de descrever a teoria de Wellhausen:
De acordo com Wellhausen, a fonte mais antiga do Pentateuco foi o documento J
(assim chamado de acordo com o seu autor, o Javista, que usava o nome Javé para
Deus) do século IX a.C. O documento E (do Eloísta, que empregou o termo Elohim
para Deus) veio do século VIII a.C., e as fontes J e E foram reunidas por um editor na
metade do século VII a.C. O livro de Deuteronômio (D), uma fonte separada datada
de 621 a.C., foi acrescentada ao material JE na metade do século VI a.C. A última das
fontes principais, a obra Sacerdotal (P, de priester, em alemão), foi escrita na primei-
ra metade do século V a.C. e composta com as fontes anteriores em torno de 400 a.C.
Assim, o Pentateuco como o conhecemos não veio a existir antes do final do século
V a.C. (CLINES, David J. A. In: BRUCE, 2008, p. 115).
176. Ele se formou em Amherst College em 1869 e estudou teologia em Berlim, e em Leipzig. Ele foi professor de
história da igreja, e professor de hebraico e exegese do Antigo Testamento no Seminário Teológico Lane.
177. Para detalhes da repercussão das teorias de Wellhausen, consultar (ARCHER, 2003, p. 472-473).
178. P, na concepção de Wellhausen seria a fonte Q, como abreviação de “Livro de quatro alianças” (quatuor).
Para Julius Wellhausen, toda a história sacerdotal estaria cravejada de alianças: na criação, depois do dilú-
vio em Noé, no limiar da história santa com Abraão, enfim no Sinai. Livro das Quatro Alianças podia muito
bem ser o nome do escrito sacerdotal, em sigla Q (quatuor)
91
tos. A fonte Javista foi identificada com um estilo de narrativa rica, a fonte Eloísta é um pouco
menos eloquente, a língua do P era áspera e legalista. Itens de vocabulário, como os nomes
de Deus, ou o uso do nome Horebe (E e D) ou Sinai (J e P) para a montanha de Deus, objetos
rituais, como a Arca da Aliança, que é frequentemente mencionada em J, mas nunca em E, o
estatuto dos juízes (que nunca é mencionado em P) e os Profetas (mencionados apenas em E
e D), o meio de comunicação entre Deus e a humanidade (O Deus da fonte Javista encontra-
-se em sua própria pessoa com Adão e Abraão, o Deus da fonte Eloísta se comunica através de
sonhos, e o deus da fonte Sacerdotal (ou P) apenas pode ser abordado através do sacerdócio
). Tudo isso e um pouco mais formaram o conjunto de ferramentas para discriminar entre as
fontes e localizar os versos atribuindo à cada uma delas.
Wellhausen aceitou a conclusão de Karl Heinrich Graf de que as fontes foram escritas na or-
dem JEDP. Isso era contrário à opinião geral dos estudiosos da época, que viam P como a primeira
das fontes, como o “guia oficial para o culto divino aprovado”, e o argumento sustentado por Wel-
lhausen para uma composição tardia de P foi a grande inovação do seu livro Prolegômenos.
As quatro fontes foram então combinadas por uma série de redatores (ou editores), pri-
meiro J com E para formar um JE combinado, em seguida, JE com D para formar um texto JED
e, finalmente, JED com P para formar JEDP, que é a Tora/Pentateuco final. Retomando uma
tradição acadêmica que remonta a Spinoza e Hobbes, Wellhausen considerou Esdras, o líder
do pós-exílio, que restabeleceu a comunidade judaica em Jerusalém a mando do imperador
persa Artaxerxes I em 458 a.C., como sendo o redator final.
Wellhausen foi um, “discípulo do protestantismo liberal, ele tenderá a identificar o Evange-
lho com uma religião natural, racional, humanista” (SKA, 2003, p. 124). Segundo ele nada teria sido
escrito por Moisés, “pois Wellhausen é o mais extremado de todos os críticos” (KERR, 1956, p. 21).
Wellhausen voltou sua atenção para a unidade interna do Antigo Testamento, espe-
cialmente para o Pentateuco onde aplicou uma análise Documentária, e aplicou também
métodos evolucionários no estudo da história de Israel, com isso o Antigo Testamento perdeu
seu caráter histórico. Wellhausen tem sido acusado de interpretar o Antigo Testamento com
os métodos europeus e lógica ocidental.
Segundo Geisler (2002, p. 881) Wellhausen, “aplicou a dialética hegeliana do de-
senvolvimento histórico ao desenvolvimento da religião de Israel. A partir dessa
plataforma, Wellhausen desenvolveu a hipótese Documentária.” Vejamos um exem-
plo que nos fornece Pury (1996, p. 32):
93
Suas conclusões acabaram por se tornar um padrão para críticos que o sucederam. O
Deuteronômio segundo ele, marcou o fim do período dos profetas e o início de uma reforma.
Segundo ele “as porções mais antigas do Hexateuco datam do fim do reino de Salomão e prin-
cípio do de Roboão, cerca do ano 930 a.C.” (KERR, 1956, p. 26).
Em sua obra Prolegômenos, Wellhausen compreende com base no Pentateuco que Israel não
poderia ter se iniciado legalista e ritualista, e através dos livros de Graf, aceitou que a lei era fruto
de um Israel tardio. Assim a lei não se encontra nos primórdios de Israel, mas sim em no judaísmo
exílico e pós-exílico. Wellhausen considerava o melhor momento da religião de Israel, o período da
monarquia unida. E foi somente no período pós-exílico que surgiu o judaísmo, como forma de uma
decomposição da verdadeira religião de Israel. A formação de todo o Antigo Testamento é atribuído
ao período pós-exílico, mas não se descarta a existência de unidades da tradição e fontes pré-exíli-
cas. A importância dada ao período monárquico segundo alguns pesquisadores, esta fortemente
relacionada ao momento político que passava a Alemanha antes da Primeira Guerra Mundial.
Desde o início os pesquisadores questionavam muitos pontos da Hipótese Documental
proposta por Wellhausen. Entre os questionamentos dominava o fator “data”, pois não havia
unanimidade sobre as datas propostas as fontes JEDP. O resultado da “descoberta” das fontes
por Wellhausen “reduziu o Pentateuco a um documento a ser dissecado, um documento não
apenas sem autoridade, mas, o que é mais importante, sem relevância, do qual nada se podia
esperar” (BRUEGGEMANN; WOLFF, 1984, p. 16).
O método do Wellhausen é claro e direto. Toda passagem que ajusta sua teoria é au-
têntica; todas as outras são falsificações. Sempre que possível, ele assinala gramática pobre,
vocabulário corrupto, e alega inconsistências internas para defender suas teorias.
179. A palavra indica propriamente um descuido de ordem cronológica, (chronos-tempo, e Ana-retro ou dife-
rente). Seria como narrar um fato ou coisas atuais como se tivessem acontecido em período remoto.
94
180. Lehrbuch der alttestamentlichen Religionsgeschichte, 1893 (Compêndio da história da religião veterotesta-
mentária).
181. Essencialmente, a religião em Canaã baseava-se no princípio de que as forças da natureza eram a expressão
da presença e atividade divina, e que o único meio pelo qual alguém poderia sobreviver e prosperar seria
identificar os deuses responsáveis por cada fenômeno e, mediante ritual próprio, encorajá-los a exercer os
poderes em seu favor. A religião cananéia era então grosseiramente sensual e perversa, porque requeria no
culto os serviços de homens e mulheres prostitutos.
182. “O pambabilonismo, que forçava a interpretar-se grande parte da história bíblica como descrição de Iases
lunares e de conjunções planetárias, também os Patriarcas viraram mitos lunares.” (ROLLA, 1961, p.85).
183. DELITZSCHE, Friedrich. Babel und Bibel, Leipzig, 1902. Esta obra em 1921 tinha publicado 63.000 exemplares.
95
Wellhausen usava a teoria da evolução religiosa de Israel como um dos meios para dis-
tinguir os supostos documentos JEDP que constituiriam o Pentateuco. Também a utilizou
para datar esses documentos. Por exemplo, se lhe parecia que determinado documento tinha
uma teologia mais abstrata do que outro, chegava à conclusão de que havia sido redigido
em data posterior, já que a religião cada vez mais se tornava desenvolvida. Por isto, datou o
Antigo Testamento segundo a medida de desenvolvimento da religião de Israel que ele conce-
bia. Wellhausen considerava as histórias bíblicas como tradições populares que funcionavam
como um espelho para transmitir eventos históricos posteriores. Por exemplo, a luta entre
Jacó e Esaú nada mais era do que um reflexo da inimizade entre as nações de Israel e Edom.
Segundos os preceitos e teorias de Wellhausen, a religião pré-mosaica é religião do de-
serto, isto é, de tribos árabes da península sinaítica e, em parte do território egípcio, do século
XIII a.C., religião que vai do animismo ao fetichismo, ao culto dos mortos, ao totemismo e ao
polidemonismo. A partir deste último estágio a forte personalidade de Moisés levou o antigo
Israel à monolatria, isto é, ao culto do Deus do monte Sinai, Yahweh, o protetor especial do
96
povo e chefe dos deuses. Esta escala evolutiva seria bem visível nos documentos: os primór-
dios sobretudo em J, os desenvolvimentos ulteriores em E e, em parte, em D, que contém já
elementos precursores do final, que se manifesta em P.
Em seu tempo, a palavra “evolução” (primitivo para o complexo) agia como chave má-
gica. Era suficiente mostrar que determinado fenômeno provinha de um processo lento e
prolongado, para que a grande maioria se satisfizesse e não indagasse sequer a origem deste.
Assim, para compreender a religião de Israel não seria mais necessário recorrer a milagres e
revelações narradas no texto bíblico. Com isso o leitor ao ler a Bíblia perdeu toda a segurança
que lhe fora garantida pela historicidade dos fatos ali narrados.
Sobre a questão histórica envolvida na crença evolutiva de Wellhausen sobre a história
de Israel, Albright184 (apud MCDOWELL, 1997, p. 112) comenta:
A história não é um registro sem sentido de acontecimentos ao acaso, nem mesmo mera
cadeia de ocorrências conjugadas; antes, é uma teia complexa de padrões entrelaçados,
cada qual com sua própria estrutura... Também pudemos frisar que essa natureza tipo
organismo da história faz com que seja inadequado o ‘historicismo’ unilateral como um
indício que nos permita entender as complexidades da história da religião. Por essa ra-
zão, o método hegeliano, usado por Wellhausen para explicar a história, é totalmente
impróprio para ser a chave-mestra com que os eruditos modernos possam adentrar o
santuário da religião israelita e assim obter dela uma compreensão satisfatória.
A escola de Wellhausen começou com a mera opinião que a religião de Israel era de origem
meramente humana como qualquer outra, e que precisava ser explicada como mero produto
da evolução. Não fazia diferença para eles que nenhuma outra religião conhecida (a não serem
aquelas que surgiram da fé dos hebreus) tem chegado ao monoteísmo genuíno; os israelitas tam-
bém devem ter começado com animismo e politeísmo cru, exatamente como as demais culturas
antigas. “O que se descrevia era como uma religião ia surgindo, partindo do momento em que
ainda estava ligada aos ‘elementos naturais’, quando em última análise tinha as suas raízes em
concepções primitivas de fetichismo e animismo, até chegar às concepções espirituais e éticas.”
(RAD, 2006, p. 837-838). Inicialmente divindade dos vulcões e das tempestades, Yahweh “foi se
tornando” o Deus personificado dos profetas, para acabar como o Deus do mundo.
A reconstrução Graf-Wellhausen da história da religião de Israel era, na verdade, uma afirma-
ção de que nas páginas do Antigo Testamento temos um exemplo perfeito da evolução da religião do
animismo em tempos patriarcais através do henoteísmo ao monoteísmo. O último foi alcançado na
sua forma pura durante os séculos sexto e quinto. Os patriarcas adoravam os espíritos nas árvores,
pedras, nascentes, montanhas, etc. O Deus de Israel pré-profético era uma divindade tribal, que li-
184. Willian Foxwell Albright (1891-1971) foi sem dúvida o pesquisador americano do Antigo Testamento mais
influente em seu tempo. Suas pesquisas foram fortemente marcadas pelos resultados arqueológicos e
filológicos, e suas interpretações deram importância ao período dos primórdios, dando ao material do
Pentateuco a data mais antiga que a evidência arqueológica podia permitir. Sua abordagem leva em consi-
deração a historicidade histórica do texto. Desde o princípio do século XX até sua morte, W. F. Albright foi o
decano dos arqueólogos e o pai mundial da Arqueologia bíblica. Seu aluno mais destacado, George Ernest
Wright, seguiu seus passos como líder do movimento arqueológico. Entre outros de seus alunos notáveis
se encontram Frank Moore Cross e David Noel Freedman, que chegaram a serem líderes internacionais
em estudo arqueológico dos lugares e eventos descritos na Bíblia e do antigo Oriente Próximo, incluindo
epigrafia, semítica e paleografia. Albright tem o crédito de ter dirigido uma boa parte dos seus esforços
eruditos no sentido de reabilitar a reputação do Antigo Testamento como registro do passado no qual se
pode confiar. Em numerosos livros e artigos, demonstrou, repetidas vezes, que a narrativa bíblica tem sido
vindicada contra seus críticos, pela descoberta arqueológica recente.
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mita o poder para a terra da Palestina. Sob a influência de baalismo,185 ele mesmo se tornou um deus
da fertilidade. Foram os profetas que foram os verdadeiros inovadores e que produziram a maioria,
se não todos, o que era verdadeiramente distinto em Israel em relação ao culto.
De forma direta Kuenen expõe suas concepções a favor do evolucionismo da religião de Israel:
A princípio, a religião de Israel era o politeísmo. Durante o século 8 a.C., a grande
maioria do povo continuava reconhecendo a existência de muitos deuses, e, mais
ainda, adoravam-nos. E poderíamos acrescentar que, no decorrer do século 7 a.C., e
daí até o começo do exílio babilônico (586 a.C) permaneceu inalterado esse estado
de coisas (KUENEN apud MCDOWELL, 1997, p. 98-99).
185. De acordo com muitos estudiosos, Baal era um epíteto do deus Hadad, filho de Dagan (Dagon), frequente-
mente mencionado nos textos de Mari e em outras fontes da alta Mesopotâmia. “Esses estudiosos propõe
que juntamente a migração dos amorreus para Canaã, ocorrida em 2200 a.C., entrou na terra o seu panteão
de deuses, inclusive o deus Hadad. A introdução de novos deuses em Canaã conduziria ou a uma rejeição
dos deuses nativos ou, mais provavelmente, a uma assimilação dos deuses novos. Assim, o que era Hadad
em Mari tornou-se Baal em Ugarit. Como apoio a esta interpretação tem-se o próprio mito de Baal, que apre-
senta esse deus em contenda com várias outras divindades, incluindo o próprio El. E forma geral o processo
é o desaparecimento de El e a ascendência gradual de Baal.” (MERRILL, 2002, p. 164). Depois de um grande
intervalo, alcançou a supremacia e dominou tanto panteão como o culto. Visto que Baal não era onipresente
em sentido estrito, cada centro de culto deveria ter o seu próprio Baal. Assim poderia ser Baal-Peor, Baal-Be-
rite, Baal-Zebube e outros. Isto também explica por que os deuses de Canaã eram chamados de Baalim (“os
Baals”) no Antigo Testamento. Teoricamente, havia apenas um Baal, embora fosse senhor de muitos lugares.
186. Joseph P. Free, “Archaeology and Biblical Criticism: Part III: Archaeology and Liberalism”, p. 334.
Disponível em: http://www.jashow.org/wiki/index.php?title=Biblical_Archaeology%97Silencing_the_Cri-
tics_-_Part_2. Acessado em: 08/04/2015.
187. “Em todo o antigo Oriente Próximo, foi reconhecido um caráter religioso a certas árvores. A árvore sagrada
é especialmente documentada pela iconografia mesopotâmica. Ela aparece como um símbolo da fecun-
didade ou como um atributo dos deuses da fecundidade, mas é duvidoso que a árvore tenha representado
esses deuses; ela é um acessório de seu culto, mas não há, a rigor, um culto da árvore. Na Fenícia, nossas
informações são tardias e misturadas com elementos gregos; deve-se, sobretudo reter a associação das
árvores com o culto das divindades femininas, como o cipreste era consagrado a Astarte.” (VAUX, 2003, p.
316). Os profetas condenam os israelitas que iam sacrificar sobre o cume das colinas à sombra das árvores
(Os 4.13-14), junto aos terebintos (Is 1.29; 57,5). O Deuteronômio e os textos que literariamente dependem
dele condenam os lugares de culto estabelecidos “sobre as colinas, debaixo de toda árvore verdejante” (Dt
12.2; 1 Rs 14.23; 2 Rs 16.4; 17.10, cf. Jr 2.20; 3.6; 17.2; Ez 6.13; 20.28) e também (Is 57.5). Para a fundação
do lugar de culto de Berseba, é dito que Abraão “plantou uma tamargueira” (Gn 21.33). Mas deve-se notar
ainda aqui que nenhum desses textos fala de um culto às árvores; elas marcam somente o lugar do culto.
Sem dúvida, não se deve atribuir esse caráter a todas as árvores que aparecem nos relatos da Bíblia.
188. Alguns topônimos bíblicos e o contexto em que são citados atestam a existência, pelo menos provável, de um
santuário perto de uma fonte ou de um poço: Cades, cujo nome designa como um lugar “santo” é chamado
também em (Gn 14.7), a Fonte do Julgamento ou do Oráculo, En-Mishpat. Havia, na rota de Jerusalém, a
Jericó, uma Fonte do Sol, En-Shemesh (Js 15.7; 18.17); em Jerusalém, uma Fonte do Dragão, En-há-Tannin
(Ne 2.13); uma aldeia do Neguebe se chamava Baalat-Beer, que pode significar “a Dama do Poço” (Js 19.8).
Todos esses nomes testemunham um culto. O poço de Lahai-Roi, “do Vivo que vê”, guardava a lembrança da
aparição divina a Hagar (Gn 16.13-14), e lsaque aí reside (Gn 24.62; 25.11). Segundo (1 Rs 1.33-40), Salomão é
sagrado na fonte de Giom em Jerusalém, e parece que havia aí um santuário, talvez o da arca, antes da cons-
trução do Templo. Devem ser lembrados, sobretudo os poços de Berseba, onde Abraão invoca Yahweh (Gn
21.31), onde Isaque levanta um altar para lahvé que lhe tinha aparecido (Gn 26.23-25).
189. As montanhas, que se aproximam do céu, eram consideradas como um espaço divino. A mitologia babi-
lônica situava o nascimento dos grandes deuses sobre a Montanha do Mundo. A leste desta imaginava-se
a Montanha do Leste onde o Sol se levantava e onde os deuses se reuniam no Dia de Ano Novo para fixar
os destinos do Universo. Na Epopéia de Gilgamesh, a Montanha dos Cedros é uma habitação dos deuses.
98
críticos olham para passagens como Gênesis 12.6, onde o Senhor apareceu a Abrão, no carva-
lho de Moré190 em Siquém, os carvalhos de Manre191, em Gênesis 13.18, onde Abrão construiu
um altar ao Senhor, ou a pedra criada em Ebenézer por Samuel em 1 Samuel 7.12. Além disso,
eles observam as numerosas referências a poços e nascentes de água em lugares como Gênesis
14.7, Números 21.17, e Josué 18.17. Aparentemente, a associação desses objetos com a ativida-
de divina foi suficiente para convencer os críticos que estas coisas em si mesmas eram vistas
pelos primeiros israelitas como tendo poder de afetar as vidas das pessoas, como se Deus exis-
tisse dentro destes objetos. Na verdade, quaisquer artefatos remanescentes da religião animista
encontrado durante este período devem ser visto como exceção, e não a regra. A religião do
período era muito mais sofisticada do que Wellhausen e seus seguidores imaginaram.
Além de revelar traços de animismo no Antigo Testamento, eles também “descobriram”
elementos do totemismo nos nomes de pessoas e lugares no Antigo Testamento, por exem-
plo, Raquel (ovelha), Calebe (cachorro), Eglá (bezerro). Entre outros exemplos de religião
primitiva atribuída a Israel, os críticos atribuíram o sacrifício humano (Gn 22; Êx 13.2, 11-22;
1 Sm 15.33; 2 Sm 21.1-14). A atribuição de nomes de animais ou objetos para as pessoas nada
mais são do que o reconhecimento de certas características em que a pessoa lembra o animal
ou objeto. A sugestão de que o sacrifício humano era aceitável como parte da adoração dos
israelitas é nada menos do que ridícula. As passagens citadas anteriormente não suportam
esta visão. A ordem para sacrificar Isaque, que foi emitida a Abraão era claramente um teste
de fé de Abraão. O ritual não foi concluído. Além disso, o Senhor providenciou um sacrifício
aceitável para Abraão para oferecer no lugar de seu filho. A morte de Agague não suporta as
Yahweh se apropria das montanhas consagradas aos antigos deuses. Ele faz saltar o Líbano e o Sirion (SI
29.6), foi ele que criou o Zafom, o Tabor e o Hermom exultam em seu nome (SI 89.13). Contudo, segundo
o ensinamento do Antigo Testamento, Yahweh só tem duas montanhas santas: o Sinai, onde ele se revelou,
e Sião, onde ele reside. No futuro, os povos irão à “montanha de Yahweh” (Is 2.2-3; Mq 4.1-2). “É sabido de
todos que os deuses dos mitos gregos tinham seus palácios no monte Olimpo... O mistério e a grandeza de
uma alta montanha no extremo norte pareciam aos povos antigos locais apropriados para a habitação de
seus deuses.” (Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 843).
190. O Carvalho de Moré, “Carvalho do Instrutor ou do Adivinho”, que é designado como o maqom, isto é, o lu-
gar santo, de Siquém em (Gn 12.6), e que deve ser o mesmo que o Carvalho dos Adivinhos perto de Siquém
(Jz 9.37). Era um santuário cananeu e o texto o reconhece e o explica acrescentando: “os cananeus estavam
então no país”. Mas Yahweh aparece aí a Abraão e promete o país a seus descendentes. Então Abraão lhe
constrói um altar. Esse é, esquematicamente, o tipo de relato sagrado da fundação de um santuário: teofa-
nia, comunicação divina, instauração do culto.
191. Perto de Hebrom, havia o Carvalho de Manre, onde Abraão levantou um altar (Gn 13.18), sob o qual re-
cebeu três visitantes misteriosos (Gn 18.4,8), e que foi venerado até a época bizantina. Manre aparece em
Gênesis não como um lugar de culto, mas como a residência de Abraão, de Isaque e de Jacó (Gn 14.13; 18.1;
35.27), e serve para localizar a caverna de Macpela “diante de Manre”, onde foram enterrados os patriarcas
e suas mulheres (Gn 23.17 e 19; 25.9; 49.30; 50.13). Contudo, é no Carvalho de Manre que Abraão recebe
os três visitantes misteriosos entre os quais se ocultava Yahweh (Gn 18), e é em Manre que se situa melhor,
segundo o contexto atual, a cena da aliança de Gênesis 15. São duas teofanias que, com o altar e a árvore,
indicam a existência de um santuário.
“Fora de Gênesis, a Bíblia nunca menciona Mambré, mas textos tardios testemunham uma permanência
do culto e um florescimento de lendas ao redor da árvore sagrada. Segundo Josefo, Bell. IV ix 7 e Ant. I x 4,
o Carvalho de Abraão existia desde a criação do mundo e se chamava Ogigues; na mitologia grega, Ogigues
foi o fundador de Elêusis e estava, assim, relacionado com os mistérios. Ora, a cena noturna de Gn 15 é ex-
plicitamente localizada em Mambré pelo Livro dos Jubileus, xiv 11, e outros livros apócrifos a interpretam
como uma revelação de mistérios: Abraão teria visto aí a Jerusalém futura e aprendido os segredos do fim
dos tempos. Nos primeiros séculos de nossa era, Mambré era um centro de peregrinação onde se venerava
a árvore de Abraão, onde cada ano acontecia uma procissão na qual, segundo a descrição de Sozomene,
Hist. EccL. II iv, judeus, cristãos e pagãos realizavam seus negócios e cumpriam suas devoções cada um
segundo sua crença. Este é o último capítulo de uma longa história: as ruínas romanas e bizantinas de
Mambré sobrevivem em Ramet el-Khalil, 3 quilômetros ao norte de Hebrom e, sob esses santuários poste-
riores, foram encontrados vestígios israelitas.” (VAUX, 2003, p. 330-331).
99
características de ritual religioso, mesmo que o texto diga que foi feito “perante o Senhor.” O
mesmo se aplica às outras passagens citadas. Quanto ao sacrifício da filha de Jefté, em cum-
primento da promessa que fez (Juízes 11.30-40), há dúvidas sobre se a sua filha foi morta ou
simplesmente oferecida para o serviço do Senhor para cumprir a promessa. E mesmo se ela
foi morta como um sacrifício, este incidente não se estabelece como uma regra na história
de Israel, um acontecimento isolado não estabelece bases para julgar o verdadeiro caráter da
religião de Israel. Os textos de Êxodo 20.2-5, 22-23, deixam clara a repugnância que Deus tinha
pelo sacrifício humano, principalmente de crianças.
O fato de o monoteísmo ter precedido o politeísmo é posto pelo Dr. Langdon professor de as-
siriologia em Oxford, em sua obra Semitic Mythology, vejamos:
Temo não convencer ninguém ao concluir que, tanto no que concerne a religião
sumeriana quanto à semítica, o monoteísmo precedeu o politeísmo e a crença nos
espíritos bons e maus. Estabeleci com o máximo cuidado a prova aduzida e as razões
apresentadas em favor de tal conclusão, tão contrárias as opiniões aceitas e espalha-
das por toda a parte, levando em consideração os argumentos da crítica contrária.
Afirmo, com a mais profunda sinceridade, ser minha conclusão fruto de estudo e
não resultado de hipótese temerária... todas as tribos semitas parecem ter começa-
do pela crença uma divindade única a quem consideravam como o Criador de seu
povo. (apud MARSTON, 1959, p. 32).
Wellhausen e sua escola insiste em que o primeiro mandamento “não terás outros deu-
ses diante de mim”, se refere a um culto exclusivo a Jeová (a monolatria), não tendo uma
afirmação direta de monoteísmo. Segundo esta abordagem não se exclui a existência de
outros deuses, o mandamento tem o papel de alertar a nação de Israel em ser fiel em sua
adoração exclusiva a seu Deus. As divindades dos outros povos entendem-se segundo a in-
terpretação judaico-cristã existe somente na imaginação dos outros povos. Conforme Archer:
Como refutação desta interpretação monólatra, basta a analogia do Salmo 96:4,5:
“Porque grande é o SENHOR e mui digno de ser louvado, temível mais que todos os
deuses” – certamente uma afirmação de monolatria conforme a interpretação tipo
Wellhausen; mas o autor continua, afirmando o puro monoteísmo: “Porque todos
os deuses dos povos não passam de ídolos (coisas de nada); o SENHOR, porém, fez
os céus”. Só esta passagem (e outras poderiam ser citadas) demonstra conclusiva-
mente que a menção de “deuses” no plural não implicava em nenhuma admissão da
existência real dos deuses pagãos no primeiro mandamento. (2003, p. 153).
As últimas fases da religião israelita, segundo a Wellhausen, são marcadas por, no mí-
nimo, um henoteísmo, onde o Senhor é considerado como o Deus preeminente acima de
outros deuses para Israel, uma espécie de deus tribal. Este acabou por dar caminho para o
100
monoteísmo ético dos profetas. Devido à afirmação de que a crença religiosa evolui ao longo
do tempo do simples ao complexo, a visão de que a Lei Mosaica, ou o Livro da Aliança como
preservado em Êxodo 20-23, foi composta no tempo de Moisés na metade do segundo milênio
simplesmente tinha que ser falsa. As ideias expressas nestes capítulos não eram de um grupo
religioso primitivo, mas um povo avançado eticamente. Além disso, uma parte da legislação
nestes capítulos (particularmente o capítulo 22, e também, até certo ponto, no capítulo 23)
parece refeletir uma situação agrícola. Isto melhor se encaixa no período da história de Israel,
quando eles já haviam se estabelecido em Canaã. À luz dessas observações, o Livro da Aliança
não pode ser original de Moisés, e deve datar em algum lugar do VIII ao século VII a.C., segun-
do a concepção de Wellhausem e muitos de seus seguidores.
Uma das principais razões para a datação da lei mosaica para o V, ou até mesmo IV sé-
culo a.C., é a teoria da evolução. Ou seja, a religião não era avançada o suficiente neste tempo
para dar conta dos elevados padrões morais e éticos expostos na Lei Mosaica. Mas, as recen-
tes descobertas arqueológicas deram suficientes razões para questionar a validade da teoria
evolutiva da religião. Há evidências de avançadas práticas religiosas na época de Moisés, e
mesmo antes de sua época. Quanto aos altos padrões da legislação mosaica, os padrões repre-
sentados pelos códigos legais dos babilônios, assírios e hititas efetivamente refuta a hipótese
que não existia códigos legais avançados na época de Moisés.
A visão evolucionária da religião depende da ideia de que a expressão religiosa como
um todo evoluiu através dos vários estágios, foi observado anteriormente, em vários pon-
tos da história. Segundo esta teoria, durante o tempo dos patriarcas, o animismo teria sido
proeminente. Certamente, de acordo com esta teoria, a ideia de que a religião patriarcal era
monoteísta (ou mesmo henoteísta) não podia ser verdade. No entanto, as recentes descober-
tas arqueológicas indicam que durante o tempo dos patriarcas, a religião do Antigo Oriente
Próximo estava longe de ser animista. Estátuas de divindades em uma tríade têm sido encon-
tradas no que foi descrito como uma estrutura de templo em uma escavação em Jericó. Estes
foram datados por volta do terceiro milênio a.C.192 Há também evidências de uma característi-
ca politeísta altamente desenvolvida das religiões do Egito e da Mesopotâmia193 neste mesmo
momento. Os mesopotâmios deste período já haviam aplicado categorias de personalidade
para as grandes potências cósmicas que dominavam seu panteão, e foram adorá-los em tem-
plos que foram considerados como a residência terrena das divindades.
George Ernest Wright194(1909-1974) questionou alguns princípios fundamentais do his-
toricismo evolucionista, vejamos:
192. Joseph P. Free, “Archaeology and Biblical Criticism: Part III: Archaeology and Liberalism”, p. 334.
Disponível em: http://www.jashow.org/wiki/index.php?title=Biblical_Archaeology%97Silencing_the_Cri-
tics_-_Part_2. Acessado em: 08/04/2015.
193. O arco oriental do Crescente Fértil era conhecido como Mesopotâmia, uma designação que foi adquirida
depois dos tempos de Alexandre, o Grande, e que, para os geógrafos dos impérios grego e romano, indica-
va, de um modo geral, a extensão de terra que ficava entre os sinuosos rios Tigre e Eufrates. Os hebreus se
referem à parte norte deste território como Mesopotâmia, que significa Entre-rios, ou “Síria entre os dois
rios” (Gn 24.10) ou ainda Arã-Naaraim, em hebraico - conforme nota da versão NVI. Ele incluía a maior
parte da expansão territorial do antigo império assírio. Para o sul de Arã-Naaraim, se estendiam as ricas
terras baixas aluviais, daquilo que mais tarde viria a ser conhecido como Babilônia.
194. Direcionou os estudos do Antigo Testamento, arqueologia bíblica e foi um especialista em arqueologia do
Oriente Próximo. Tornou-se conhecido como célebre por seus trabalhos de datação de cerâmicas. Estu-
dou junto com William Foxwell Albright na Johns Hopkins University, de onde recebeu seu PhD em 1937.
Ensinou historia do Antigo Testamento e teologia no seminário MacCormick entre 1939 a 1958. Uniu-se a
Faculdade de Harvard Divinity School em 1958 onde foi professor de arquitetura, assim como membro do
Museu Semítico de Harvard até sua morte em 1974.
101
Hoje em dia percebe-se cada vez mais que a tentativa de fazer do Antigo Testamento um
livro das origens contando a evolução da religião, desde conceitos bem primitivos até ex-
tremamente avançados, só tornou-se possível devido a um erro básico de interpretação
da literatura... Não podemos supor que a simples descrição de um processo evolutivo ofe-
reça a explicação para assuntos pertencentes à esfera da fé religiosa. (HOUSE, 2005, p. 41).
Wright assinala que algo tornou a fé de Israel radicalmente diferente das práticas religio-
sas de seus vizinhos. Ele concorda com Eichrodt que este “algo” é o ato redentivo de Deus que
tirou Israel do Egito e o estabelecimento da aliança sinaítica. A auto revelação de Deus e os
atos poderosos a favor de Israel levaram, então, Israel a rejeitar o politeísmo e abraçar o mo-
noteísmo. Foi à clara atividade de Deus na história que provocou essa crença, não a evolução
lenta e constante ao longo do tempo.
Como verificamos a crença em um único Deus segundo esta teoria foi um mero produto
da evolução, pois Israel teria evoluído de uma crença em espíritos (animismo), evoluindo por
diversos estágios, chegando ao politeísmo tribal, e passando para o henoteísmo195 que aceita-
va uma determinada divindade superior as demais196, e finalmente chegando a uma adoração
monoteísta.197 “E o monoteísmo só teria chegado a uma forma pura já nos séculos 6 ou 5 a.C.
(MCDOWELL, 1997, p. 93). “Esta nova escola harmonizava-se com a tendência intelectual da
época... de que os princípios da evolução eram a chave que destrancava todos os segredos da
História”. (HASEL, 1992, p. 23). Para Pfeiffer, (apud MCDOWELL, 1997, p. 98) “as raízes do
monoteísmo só foram plantadas nos tempos de Amós.” O que teria impulsionado o desenvol-
vimento do monoteísmo teria sido o exílio babilônico.
O teólogo bíblico Vos relara a forma em que se deu o desenvolvimento do monoteísmo
segundo o criticismo:
Na escola do criticismo predominante... o monoteísmo surgiu num ponto compara-
tivamente tardio da história de Israel, no período dos profetas, de 800 a 600 a.C. Isso
aconteceu da seguinte maneira: esses profetas começaram a perceber que Yahweh
era, de modo supremo, ético em seu caráter, cuja percepção foi o resultado do pros-
pecto de que a existência nacional e religiosa de Israel estava para ser sacrificada
ao princípio de justiça retributiva. Ao eliminar o elemento de favoritismo nacional
(graça) do conceito de Deus, e ao reter como seu conteúdo somente a ideia de justiça
estrita, eles foram levados a perceber, uma vez que esse é o cerne da divindade de
Yahweh, que os deuses dos pagãos, que não tinhas essas qualificações, não eram
verdadeiramente deuses. Tal percepção praticamente resulta em monoteísmo, ape-
sar de que se levou um tempo considerável para que essa ideia germinal assumisse
forma e amadurecesse. (VOS, 2010, p. 83).
195. Adoração exclusiva de uma deidade nacional tribal que não negava a realidade das divindades protetoras
dos outros povos. O termo acaba tornando-se sinônimo de monolatria.
196. O monoteísmo é um conceito controvertido entre teólogos e filósofos. Introduzido por filósofos do século
XVII e XVIII, o termo marcou profundamente a história da Europa moderna. O monoteísmo foi considera-
do a forma mais nobre da religião em contraposição ao politeísmo “primitivo” dos “pagãos”. Era tido como
a forma verdadeira e racional da religião. Esta maneira de pensar justificou, muitas vezes, a subjugação e o
massacre de povos politeístas, tidos como “primitivos” e religiosamente “subdesenvolvidos” e a destruição
de culturas autóctones por invasores europeus cristãos.
O termo “monoteísmo” foi cunhado pelo filósofo inglês Henry Moore, em 1660, mas foi desenvolvido espe-
cialmente pelos teóricos da teoria da evolução do século XVIII, como David Hume, Jean-Jacques Rousseau
e Charles de Brosse, e, no século XIX, por Auguste Comte, Herbert Spencer, entre outros.
197. Segundo Bright “os conhecimentos atuais das religiões antigas põem em dúvida que o henoteísmo no sen-
tido convencional tenha existido em algum tempo no antigo oriente... Assim, esta mais do que claro que o
henoteísmo constitui uma descrição insuficiente da religião do Israel primitivo.” (2003, p. 183-184).
102
198. O Antigo Testamento apresenta o elemento moral, por isso, é chamado de “monoteísmo ético”.
199. Estudiodo do Antigo Testamento e gramática hebraica, contribuiu para o desenvolvimento da crítica do
Pentateuco nos primeiros anos do século 20. Ele publicou seu comentário crítico sobre Deuteronômio,
em 1898, um trabalho que ele revisou em 1923. Em 1903 Steuernagel publicou a primeira edição de sua
gramática hebraica; que passou posteriormente por muitas edições.
103
da história da religião do Antigo Testamento, nas quais ela corre o risco de definhar comple-
tamente.” (apud GUNNEWEG, 2005, p. 41).
Tanto em termos de arqueologia e consistência interna, a teoria do desenvolvimento
evolucionário tem se mostrado insuficiente para iluminar o fundo das narrativas do Antigo
Testamento. A história da religião, se distancia conscientemente da pergunta pela verdade,
por estar alicerçada sobre bases relativistas e naturalistas.
A seguir, apresento um quadro comparativo entre a História das Religiões e a aborda-
gem tradicional da Teologia do Pentateuco, afim de clarear as diferenças:
104
106
207. A mnemotécnica é uma técnica de estimulação da memória. Seu nome vem da deusa grega da memória,
Mnemosyne.
107
considera suficiente para resolver as questões textuais. Ao contrário de Wellhausen que con-
siderava a monarquia unida como apogeu da religião israelita, Gunkel insistia em retornar até
o período dos juízes, e no tempo em que Israel era nômade.
Como praticante dos métodos da Religionsseschichtliche Schule (Escola das Religiões
Comparadas), Gunkel deu muita atenção aos fenômenos paralelos da religião e literatura
dos vizinhos pagãos de Israel, onde o desenvolvimento de Gattungen (gêneros literários) po-
diam ser melhor discernidos e ilustrados. Gunkel procurou demonstrar, que determinados
fenômenos religiosos da fé de Israel, não são exclusivos de Israel ou da fé bíblica; são antes
experiências comuns do homo religiosus em tempos e lugares diversos.
Gunkel ressaltava a história das religiões Religionsgeschichte208, buscando comparar
elementos semelhantes entre as inúmeras religiões e culturas antigas aos textos bíblicos que
utilizam gêneros literários idênticos. Foi ele quem deu um novo ímpeto aos estudos críticos
e declarava que:
Quem deseja entender um gênero literário antigo deve antes procurar onde estão
suas raízes na vida (Sitz im Leben – situação existencial). Três são as característi-
cas de um gênero literário: uma estrutura e uma série de fórmulas; uma atmosfera
(Stimmung) e um modo de pensar; e um Sitz im Leben. (SKA, 2003, p. 129).
Aceitando a estrutura Documentária, Gunkel deu novo ímpeto aos estudos críticos com
a apresentação da Formgeschichte ou Gattungsgeschichte. “Sem se preocupar em analisar o
texto por meio do agrupamento de unidades básicas em coleções ou fontes literárias maiores,
esse método isola as unidades literárias para lhes determinar o gênero”. (LASOR, 1999, p. 13).
Assim, para ele o importante é a busca pela “substância” textual através da análise literária.
Um ponto que põe em descrédito esse método é que nem sempre é certo afirmar que a forma
e o conteúdo do discurso estão sempre de acordo. Deve-se diferenciar o Sitz im Leben do Sitz
in der Rede (contexto do discurso). Mais que a ideia de cada autor em eparado, deve-se pro-
curar o pensamento de uma camada social, o seu desenvolvimento histórico e a psicologia
coletiva. Daí a necessidade de encontrar o Sitz im Leben.
“Ao passar dos documentos escritos para as tradições orais, Gunkel propunha uma forma
de estudo que era bastante subjetiva e que carecia necessariamente dos controles científicos
tão essenciais a Wellhausen.” (BRUEGGEMANN; WOLFF, 1984, p. 16). “Sua obra foi concebida
mais como um complemento da teoria Documentária do que uma alternativa a ela, pois não é
208. Atualmente conhecida como “Método Comparativo”. A abordagem no Antigo Testamento, pela História
das Religiões, predominou no século XIX. Não podemos ignorar que “a religião veterotestamentária é
o fruto de uma longa história por meio da qual se consolidou o tesouro que lhe é próprio, por meio de
um longo processo de assimilação e rejeição em seu contato com as diversas formas de religião pagã.”
(EICHRODT, 2004, p. 11). Aqui tem especial significado o dito de Harnack: “aquele que conhece a reli-
gião do Antigo Testamento conhece muitas religiões.” (Die Aufgabe der theologischen Fakuldäten und die
allgemeine Religionsgeschichte, 1901, p. 10). Harnack havia pronunciado estas palavras como replica a
tese de Max Müller: “aquele que conhece apenas uma religião não conhece nenhuma.” Em última ins-
tância, o estudo do Antigo Testamento, necessariamente é um estudo da história das religiões. A religião
veterotestamentária é o fruto de uma longa história por intermédio da qual se consolidou o tesouro que
lhe é próprio, por meio de um longo processo de assimilação e rejeição em seu contato com as diversas
formas de religião pagã. “Não é possível, pois, fazer uma exposição adequada da teologia do Antigo Tes-
tamento sem uma constante referência a suas conexões com o mundo religioso do Oriente Próximo.”
(EICHRODT, 2004, p. 11). Infelizmente a atitude despótica por parte do historicismo da história das re-
ligiões, proporcionou o abandonou a capacidade da fé veterotestamentária ser vista em sua unidade
estrutural, e de interpretá-la em seu sentido mais profundo, de um lado, o mundo religioso que a rodeia
e, por outro à sua relação essencial com o Novo Testamento.
108
suficiente determinar os estratos literários do texto bíblico. É necessário perguntar pelos relatos
que estão por trás das fontes identificadas pelos críticos.” (SOTELO, 2011, p. 34).
O texto sagrado para Gunkel deve ser enquadrado no ambiente da sociedade e das religiões
antigas da Ásia e do Egito. “A literatura veterotestamentária é vista no âmbito de toda a literatura
do Antigo Oriente, ao passo que se investigam as relações entre as duas.” (SELLIN, 1977, p. 8).
Para sabermos onde Gunkel buscou apoio para sua teoria é preciso entender que, na se-
gunda metade do século XIX, a sociologia209 começou a desenvolver-se como ciência, quando
as pesquisas se concentraram mais no grupo como unidade viva do que no indivíduo, e isso
naturalmente repercutiu na ciência bíblica, principalmente nos estudos sobre o Pentateuco.
Com isso se passou a buscar a realidade viva que se ocultava atrás dos textos, ou da qual o
texto era um reflexo. Também a arqueologia contribuiu com descobertas da literatura egípcia
e asiática, o que ocasionou uma mudança de paradigmas, onde não mais as palavras ou frases
isoladas era o objeto de pesquisa, mas sim as narrativas e estruturas do texto.
A partir daí as fontes se revelam, não como obras literárias de grandes personalida-
des e compostas segundo um plano bem determinado, mas como compilações de
elementos populares, transmitidos desde tempos imemoriais e recolhidas, não por
indivíduos mas por escolas. (SELLIN, 1977, p. 147).
Com isso, o Pentateuco é constituído por uma diversidade de lendas que tiveram sua
origem em um meio familiar, e que posteriormente foram retomadas por “profissionais” que
transmitiram os relatos, que acabaram formando ciclos de lendas. Em seu comentário sobre
o livro de Gênesis, segundo ele, os autores das fontes são antes de tudo editores ou coleciona-
dores de relatos populares, de ciclos de lendas - sagas e de tradições orais. Durante gerações
foram sendo reunidas pequenas histórias “sagas”210, de narrativas poéticas e populares que os
antigos israelitas contavam, até que foram registradas. Assim, o Pentateuco segundo Gunkel,
é uma compilação de diversas pequenas unidades (perícope), independentes entre si (Die
Sagen – As Sagas). “Aqui Gunkel se encontra com a teoria Documentária. O Javista e o Elohista
foram os primeiros recopiladores das lendas de Gênesis. As diferenças, as tensões ou as con-
tradições no texto não se devem às fontes, mas à heterogeneidade das lendas recopiladas.”
(SOTELO, 2011, p. 34). Assim, Gênesis seria realmente uma compilação de sagas, na sua maior
parte, e todas estas foram transmitidas numa forma oral mais ou menos fluida até serem re-
duzidas à forma escrita num período posterior.
Gunkel demonstrava uma rejeição ao sobrenatural. Ele via os onze primeiros capítulos de
Gênesis como mitos e lendas e as histórias dos patriarcas como lendas que fazem parte de uma
tradição oral ou como poemas épicos. Para ele mitos são: “histórias de deuses, ao contrário das
209. Tendo como referencial teórico, Karl Marx (1818-1883), Emile Durkheim (1858-1917) e Max Weber (1864-
1920), muitos críticos bíblicos das ciências sociais utilizaram-se destes teóricos em suas pesquisas.
210. Segundo adeptos do ponto de vista crítico, pode-se definir como segue uma saga: Narrativas imaginativas
curtas de enredo simples, colocadas num passado tradicional e que carecem de documentação, as quais
relatam os feitos de antepassados ou líderes ao superarem grandes dificuldades.
109
sagas, cujos protagonistas são seres humanos”. (Gunkel, apud SCHMIDT, 1994, p. 64). Assim, os
relatos bíblicos não são necessariamente verídicos, pois são na verdade contos populares. Pode-
-se dizer que Gunkel substituiu os conceitos de gêneros tais como: carta, texto legislativo, tratado,
lista, etc.; por lenda, fábula e mito. “Ele afirma que pelo fato de estarmos quase completamente na
ignorância sobre a data e a autoria de praticamente todas as partes literárias do Antigo Testamen-
to, uma história cronológica da literatura israelita é impossível”. (BENTZEN, 1968, p. 23).
Para ele a história da literatura se torna a história das formas de literatura. Segundo
Dillard e Tremper, termos como: lenda, fábula, etiologia, saga e mito “... são sem dúvida
prejudiciais à intencionalidade histórica do livro. Eles são, entretanto, motivados mais pela
relutância e inabilidade dos intérpretes modernos em aceitar a realidade do mundo do Gêne-
sis do que por uma compreensão clara da intenção do texto.” (DILLARD, 2006, p. 50).
Depois que Gunkel deu o pontapé inicial nas pesquisas pré-literárias, as pesquisas em
torno do Pentateuco giraram em torno não mais do Israel monárquico, mas do Israel pré-mo-
nárquico. A Hipótese Documentária após Gunkel e seus discípulos que levaram adiante sua
hipótese Hugo Gressmann (1877-1927), Hans Schmidt (1877-1953), Max Haller (1867-1935)
e Sigmund Mowinckel211 (1884-1965) entre outros, nunca mais obteve a mesma notorieda-
de. Noth, von Rad e Claus Westermann também foram influenciados pelo pensamento de
Gunkel. As pesquisas de Gunkel tiveram pouca repercussão de início na América do Norte,
“só mais tarde, principalmente graças aos esforços de James Muilenburg e Brevard Childs212
(1923-2007) e seus alunos, o estudo das formas ganhou aceitação na América” (BRUEGGE-
MANN; WOLFF, 1984, p. 19).
Observa-se que esta abordagem da Crítica da Forma lança a análise JEDP no descarte,
como sendo uma tentativa artificial e não-histórica de análise, feita por homens que sim-
plesmente nada entendiam de como se originava a literatura antiga tal qual a Torá. Medida
na qual demonstra a artificialidade da análise em fontes, da escola Wellhausen, a maneira de
Gunkel tratar o Pentateuco representa um certo ganho para o ponto de vista conservador.
Além disto, merece crédito por ter reconhecido a grande antiguidade duma grande parte da
matéria de tradição oral que subjaz o texto da Torá. (ARCHER, 2003, p. 482).
Albrecht Alt (1883-1956). Alt foi filho mais velho de um pastor luterano e estudou teolo-
gia na FriedrichAlexanderUniversidade em Erlangen ena Universidade de Leipzig. Em 1909,
ele escreveu Israel e Egito, como parte de seu doutorado na Universidade de Greifswald. Em
1912, ele tornou-se um professor extraordinário em Greifswald, e em 1914 foi nomeado por
Bernhard Duhm como professor na Universidade de Basel. Em 1921 ele foi nomeado profes-
sor na Universidade de Halle, e em 1923 na Universidade de Leipzig.
Alt concentrou suas pesquisas na época pré-monárquica e ficou conhecido pelos seus
estudos sobre o Antigo Testamento onde em uma de suas teses publicada em 1929213 dizia ele
211. “Sigmund Mowinckel, um estudioso norueguês, que ia contra a divisão em fontes JE. Em dois artigos pu-
blicados na Zeitschrifth für Altertumswissenschft (Revista Arqueológica) (1930), negou a independência
mútua entre as tradições J e E, e também negou que E se originasse no norte de Israel. Asseverou que E era
simplesmente uma adaptação religiosa de J, do ponto de vista duma escola judaística. Mowinckel concluiu
que E não era realmente um autor, era uma tradição oral que continuava o mesmo corpo de matéria que
já tinha sido registrada por escrito em J. E então significaria um processo protelado no decurso de longo
período, entre a época de J ter sido escrito e o tempo da inscrituração final da matéria E, depois da queda
da monarquia judaica.” (ARCHER, 2003, p. 480-481).
212. Professor e estudioso do Antigo Testamento na Universidade de Yale, de 1958 até 1999, é considerado um
dos mais influentes estudiosos da Bíblia do século 20.
213. Der Gott der Väter: Ein Beitrag zur Vorgeschichte der israelitischen Religião, Stuttgart: Kohlhammer, 1929.
Tradução do título: “O Deus dos pais. A contribuição para a pré-história da religião israelita”.
110
que o “Deus dos pais”214 pertence à religião dos nômades, pois a divindade não esta restrita
a um lugar, mas a uma pessoa (Gn 26.24; Gn 28.13; Gn 46.3; Êx 36). Este Deus não tem nome
próprio, se identifica a quem se fez conhecido. “O Deus de quem falam os relatos patriarcais
pertence, segundo sua tese, a um tipo de divindades veneradas em particular por clãs nôma-
des ou de origem nômade.” (PURY, 1996, p. 41).
Johannes Pedersen (1883-1977). Pedersen foi um pesquisador dinamarquês do Antigo
Testamento, também foi um filólogo semita. A partir de 1916-1922, Pedersen foi um profes-
sor de Antigo Testamento na Universidade de Copenhague. Tornou-se professor de filologia
semítica-oriental em 1922. Fez parte da escola escandinava, e abandonou a escola wellhau-
seniana em 1931. Trouxe ao lume uma crítica radical da Hipótese Documental, intitulada Die
Auffassung vom Alten Testament, 1931 (A Composição do Antigo Testamento). Nesta obra,
rejeitou a crítica de fontes wellhausianas, como sendo inadequada para explicar e descrever a
cultura dos antigos hebreus.
Pedersen acreditava que “o pensamento objetivo, ou seja, inativo, o pensamento desin-
teressado” não existe na maioria dos casos. Assim, ele estava comprometido com a suposição
de que o contexto social completo é necessário para compreender textos escritos.215
Pedersen considera o núcleo central do Pentateuco (Êx 1-15) como uma lenda cultual
da Páscoa, que foi assumida através dos séculos. “É ilusão querer ultrapassar a lenda e pre-
cisar os acontecimentos históricos.” (BALLARINI, 1975, p. 60). Para Pedersen J e E possuem,
muito material antigo, mas na sua forma atual são posteriores à queda de Jerusalém sobre
Nabucodonosor. P é muito tardio, encontram-se normas que não podem ter sido cunhadas
após a destruição do primeiro Templo. O Deuteronômio reflete uma série de leis, e contém
leis arbitrárias, como a de centralização do culto, leis que revelam uma sociedade fechada em
si mesma e em luta para se preservar de influências estrangeiras que a ameaçavam. Para Pe-
dersen as fontes “JEDP designam coleções que é impossível arranjar segundo a ordem exata
do esquema evolucionista: são antes coleções paralelas, imagem policrômica da variedade da
cultura israelita.” (BALLARINI, 1975, p. 60).
Pedersen defendia em geral que J e E não podem ser mantidos como narrativas sepa-
radas sem impor artificialmente um ponto de vista ocidental sobre as técnicas de narrativas
semíticas antigas e sem violentar a psicologia israelita. No Documento D é impossível perce-
ber uma nítida distinção (que é o que os adeptos da Hipótese Documental) entre elementos
mais antigos e mais recentes. Pelo contrário, a tendência anticananita que percorre Deutero-
nômio demonstra que o livro é o produto de condições pós-exílicas (pois só depois da volta
é que poderia ter surgido uma comunidade israelita tão unida e autossuficiente como aquela
descrita em D). Quanto ao Documento P, demonstra sua composição pós-exílica com bastan-
te clareza por causa do seu arranjo esquematizado e pelo seu estilo de dicção; mas, por outro
lado, contém muitas regulamentações legais que pressupõem condições pré-exílicas.
Em outras palavras, todas as “fontes” da Torá são ao mesmo tempo pré-exílicas e
pós-exílicas. Não há maneira de se descobrir o documento de 850 a.C. e o de 750 a.C.
que Wellhausen procurou isolar na matéria mosaica. Só podemos conjeturar que o
núcleo mais primitivo da Torá era a saga de Moisés e a lenda da Páscoa contida em
Êxodo caps. 1-15. (ARCHER, 2003, p. 484).
214. “A fragilidade fundamental da teoria do ‘Deus dos Pais’ reside no fato de que o material comparativo
utilizado por Alt provém de um período muito tardio. Sua teoria foi fragilizada pela evidência de que a
designação ‘Deus do meu pai’ também se encontrar em outras religiões do Antigo Oriente, não sendo, de
maneira alguma, uma característica especifica de uma religião nômade.” (RENDITORFF, 2001, p. 38).
215. Encyclopedia Britannica online: “Johannes Peder Ejler Pedersen”. Acessado em: 14/02/2015.
111
Segundo ele as incongruências do texto não se devem a narrativas paralelas postas lado
a lado, mas sim a acréscimos posteriores. Para ele “a crítica das fontes, válida para estabelecer
acontecimentos externos, é extremamente limitada quando se trata de fixar os desenvol-
vimentos da cultura dum povo, sendo de todo problemática a atribuição das camadas do
Pentateuco a diversos períodos históricos.” (BALLARINI, 1975, p. 60). Pedersen entendia ser o
núcleo do Pentateuco (Êx 1-15) como uma lenda cúltica da Páscoa que refletia a revivificação
anual dos eventos históricos. O material foi repassado de geração a geração. “De acordo com
Pedersen, a narrativa do Êxodo era uma glorificação cultual de Deus na festa pascal, uma ex-
posição dos eventos históricos que criaram a nação. A narrativa não era um relato dos eventos
históricos.” (TENNEY, 2008, p. 900).
Vale ressaltar que: “O criticismo moderno nega totalmente a origem histórica e come-
morativa da Páscoa. Sua ligação com o êxodo era uma reflexão posterior. Como as outras
festas, ela existia primeiramente como uma festa da natureza de significado nomádico ou
agricultural.” (VOS, 2010, p. 152).
Otto Eissfeldt (1887-1973). Estudou teologia e línguas orientais entre 1905-1912 na Uni-
versidade de Göttingen. Ele ganhou seu título em Berlim em 1913 com uma tese sobre Antigo
Testamento, e seu doutorado em Göttingen em 1916. De 1913 a 1922, ensinou em Berlim,
antes de ser nomeado em 1922 para a cadeira de Antigo Testamento na Universidade de Hal-
le-Wittenberg, onde permaneceu professor para o resto de sua vida, servindo também como
professor visitante na Universidade de Tübingen.
Eissfeldt, elaborou em célebre ensaio, intitulado: História da Religião Israelita-judaica
e teologia do Antigo Testamento, 1926. Eissfeldt elabora de forma extremamente aguçada, a
questão entre a Teologia do Antigo Testamento e Ciência da Religião, a tensão entre o abso-
luto e o relativo. Dedica amplo espaço a investigação do estágio pré-literário, sobretudo na
formação do Pentateuco, estudando as pequenas unidades orais e seu lugar na vida religiosa
da comunidade.
Eissfeldt defendeu que se deve manter separadas as análises histórica e teológica das
Escrituras.216 Afinal, disse ele:
O estudo histórico ou científico da religião requer que a religião do Antigo Testamen-
to seja investigada da mesma maneira como o estudo de história é feito em outras
áreas, ao passo que o estudo teológico revela-se somente para a fé, e isso é algo di-
ferente de reviver o passado; consiste, a saber, em ser dominado e humilhado numa
obediência íntima a quem se apoderou do que crê. (apud HOUSE, 2005, p. 35-36).
216. Estudiosos conservadores negam que os estudos teológicos sejam menos objetivos que análises históri-
cas. Mesma na pesquisa histórica há uma subjetividade na escolha do objeto de estudo, nos princípios
que o pesquisador emprega para escolher quais dados incluir e nos propósitos e conceitos norteadores
da obra. Por esse motivo não se pode defender, por razões qualitativas, a separação entre história e reli-
gião. Nem uma nem outra é inerentemte objetiva ou subjetiva. Historiadores e teólogos devem cooperar
na tarefa interpretativa.
112
217. Mais ou menos equivalente ao J¹ de Smend Die Erzählung des Hexateuchs auf ihre Quellen untersucht,
1912, (As Narrativas do Hexateuco Pesquisadas segundo suas Fontes).
218. Para uma anásile extensa sobre o Eneateuco, consultar: REIMER, Haroldo. Um eneateuco? Discussões his-
tórico-sociais sobre uma hipótese literária. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana/Ribla, 60,
Petrópolis: Vozes, p.145-157, 2008.
219. Os livros de Samuel e Reis foram divididos em duas obras, mas em hebraico, no cânon judaico sempre
permaneceram como obras únicas, ou seja, um só livro de Samuel e um só livro de Reis.
113
fundante (Sinai e Horebe), suas tradições de autonomia nacional (tribalismo e monarquia), che-
gando à crise geral na época do exílio. Em termos esquemáticos teríamos o seguinte esquema:
Gn + Êx + Lv + Nm + Dt + Js + Jz + Sm + Rs = ENEATEUCO
Tal obra extensa, porém, dificilmente poderia ser aceito como um “documento autori-
zado” pelo poder persa dentro dos parâmetros da sua chamada “política de tolerância”. Os
motivos são evidentes. O relato de uma conquista violenta de áreas geograficamente localiza-
das fora da província de Judá, como é descrito no livro de Josué, e a descrição ou a projeção
de um estado monárquico autônomo de Israel e de Judá (monarquia unida e dividida) indu-
bitavelmente seria interpretado como uma afronta direta ao próprio poder imperial persa.
Neste caso, far-se-ia necessário efetuar um corte ou uma subtração de material. Em termos
de conteúdo, tal corte deveria ou poderia acontecer da melhor forma no final do atual livro de
Deuteronômio. Com as devidas adequações, o conjunto de Gênesis a Deuteronômio poderia,
assim, servir como documento normativo, histórico, teológico do povo de Israel, podendo
receber a devida chancela do poder persa. Por este motivo a tradição judaica adotou o bloco
literário Pentateuco e não Eneateuco ou Exateuco.
Assim, por motivos de ordem histórico-sociais ter-se-ia o surgimento de um Pentateu-
co, basicamente na disposição do material como o temos hoje:
Gn + Êx + Lv + Nm + Dt = PENTATEUCO
Com a supressão do relato da conquista no livro de Josué e da ampla descrição da
existência de Israel como nação politicamente autônoma, evitar-se-ia qualquer conflito
com o poder imperial persa. Essa renúncia às projeções de ampliação territorial, porém,
veladamente continuam presentes na Torá sob a forma de promessas dadas por Deus aos
antepassados. Há, porém, uma diferença entre promessa e relato histórico de conquista
consumada!
Robert Henry Pfeiffer (1892-1958). Pfeiffer foi assiriologista, ensinou na Universidade
de Harvard desde 1922, depois de servir no ministério da Igreja Metodista entre 1916-1919. Ele
dirigiu as escavações da escola de Harvard em Bagdá-Nuzi, e no Iraque em 1928, e a partir de
1931 atuou como curador do Museu semita de Harvard.
Pfeiffer “aderiu lealmente ao Wellhausianismo clássico, apesar de Pfeiffer ter isolado um
novo documento, S, uma fonte pessimista edomita, e colocou a data dos Dez Mandamentos
depois de D, ao invés de fazerem parte de E.” (ARCHER, 2003, p. 474).
Pfeiffer escreveu uma obra intitulada Introduction to the Old Testament, 1941, (Intro-
dução ao Antigo Testamento) onde asseverou que encontrou uma quarta origem no livro de
Gênesis, a saber, “S” (Sul ou Seir – lugar provável de origem, o marco mais proeminente de
Edom). “Essa fonte “S”, no pensar de Pfeiffer, se divide em duas partes. É encontrada em Gê-
nesis 1-11, omitindo “P”, e também em porções de Gênesis 14-38.” (YOUNG, 1964, p. 159). A
descoberta de um Documento “S” que apareceu nas seções J e E de Gênesis 1-11 e também
nas porções J e E de Gênesis 14-38. Supostamente, surgiu no reinado de Salomão, mas adições
posteriores feitas entre 600 e 400 a.C. formavam um S². A fonte S reúne em Gênesis tudo o que
sobrou depois de ter separado o que pertence a JEP.
Acreditava que J teria sido composto sobre o reinado de Salomão (970-931 a.C.), ou
em todos os casos não depois de Josafá (870-848 a.C.); ao passo que E teria originado sobre
Jeroboão (931-910 a.C.). Quando D foi encontrado, em 621 a.C., continha apenas partes do
Deuteronômio. O documento P contém material muito antigo e material recente, desde a
criação até à conquista de Canaã. Por volta de 400 a.C., o Pentateuco atingiu sua forma atual,
com pequenas modificações posteriores.
114
Pfeiffer nega a revelação e milagres, segundo ele estas são coisas subjetivas, sem provas cien-
tíficas. E ainda, alegava que o Antigo Testamento não passava de aspirações religiosas dos judeus.
Artur Weiser (1893-1978). Weiser foi um estudioso alemão que teve uma de suas obras
Os Salmos: Grande Comentário Bíblico publicadas no Brasil pela editora Paulus no ano de
1994. Ele foi professor de 1930 a1962 na Universidade de Tübingen.
Weiser ressaltou a importância decisiva da tradição e a impossibilidade para nós de
distinguir, em todo texto, cada um dos documentos JEDP, afirma é preciso afastar-se de qual-
quer análise de crítica literária demasiada lógica e demasiado mecânica. Dada a amplitude
do material, sua longa transmissão oral, o influxo da tradição mesmo após a escrita, nenhum
método é suficiente para dar conta de todos os problemas.
Segundo Weiser:
Os diversos estratos designados com as siglas JEDP são escalões ou tipos de tradição
relativa à história da salvação, conservada como discurso sagrado na festa da alian-
ça, como patrimônio vivo da comunidade, mesmo após a divisão das tribos, até à
atual leitura sinagogal da lei. O crescimento da tradição, sua elaboração e contexto
no conjunto do Pentateuco, só podem ser compreendidos na perspectiva da confe-
deração sagrada de Israel. As quatro siglas designam como que quatro lecionários ou
fixações escritas dos discursos. (apud, BALLARINI, 1975, p. 65).
Para Weiser J é a mais antiga exposição completa da tradicional escola da salvação. Seu
autor deveria encontrar-se próximo do ambiente da corte. Sua narrativa possui uma relati-
va independência e unidade. Suas diferenças, pelas quais alguns críticos o subdividem (J¹ J²
J³ etc.), encontram em boa parte explicação na diversidade do material de que se serviu o
Javista, algumas vezes transformando-os, mas em geral transmitindo-os com grande fidelida-
de. Os traços Eloístas (E) correm paralelos, aos Javistas, tornando assim provável a suposição
de que estejam, também eles, ligados a uma tradição. Por outro lado, E tem muito material
independente. No Deuteronômio (D) destaca-se o caráter da unidade literária independen-
te. Certamente P serviu de base para a reforma de Esdras e Neemias, mas talvez já estivesse
unido ao resto do Pentateuco. Provavelmente foi elaborado na Babilônia por círculos judaico-
-sacerdotais, como programa de restauração. Pela forma e pela linha religiosa é uma unidade
autônoma, mas também o resultado duma tradição histórica com profundas raízes do passa-
do, em partes é herança de Moisés e dos profetas, atualizada para os tempos novos.
Weiser entendia que não se deveria falar em “escolas” mas sim em “autores” dos docu-
mentos JEDP.
Aage Bentzen (1894-1953). Foi um estudioso dinamarquês de Copenhagen. Em sua obra
Introduction to the Old Testament, 1948, (Introdução ao Antigo Testamento) editada no Brasil
em dois volumes pela editora ASTE, dedica amplo espaço a análise dos gêneros literários.
115
Segundo ele não se deve desprezar a Hipótese Documentária, pois a mesma ainda possui
pontos que devem ser levados em consideração. Pondera ser possível irmos além dos últimos
transmissores. Utiliza-se da nomenclatura “estratos” para se referir a JEDP, pois acredita ser
possível chegarmos além dos últimos transmissores.
Para Bentzen, não existem, razões suficientes para claras separações de versículos em
diversas fontes, meio versículos e palavras isoladas à maneira da Bíblia policrômica. Bentzen
considera a insistência na tradição oral de Pedersen e Engnell, excessiva.
Gerhard von Rad (1901-1971). Rad foi professor da Universidade de Heidelberg,
também foi pastor luterano, e teve influência em suas pesquisas por Albrecht Alt220 (1883-
1956), Otto Procksch221 (1874-1947) e de seu colega Martin Noth222(1902-1968), os quais
o guiaram em sua dissertação. Em suas pesquisas concentra-se principalmente no He-
xateuco, e na figura do Javista. “Enquanto Gunkel se preocupa com unidades literárias
individuais, Rad amplia a abordagem estética e os métodos da crítica da forma às unidades
maiores, a saber: as camadas (documentos) identificadas por Wellhausen.” (BRUEGGE-
MANN; WOLFF, 1984, p. 23-24). Sua obra em dois volumes Old Testament Theology,223
1957, 1960 (Teologia do Antigo Testamento) causou impacto significativo na teologia do
Antigo Testamento. Rad também escreveu do livro de Gênesis em 1973. Podemos dizer
que a Bíblia para von Rad, em última análise, não é nem história nem literatura, mas sim
as confissões de uma comunidade.
Rad, esforça-se por direcionar a teologia do Antigo Testamento num rumo totalmente
novo. Como Procksch e Wright, Rad cria firmemente que o Antigo Testamento narra repetidas
vezes os atos salvadores de Deus na história.
Rad estudou a teologia do Antigo Testamento de uma perspectiva totalmente diferen-
te de todos os seus predecessores. Ele viu uma relação muito próxima entre a teologia
do Antigo Testamento e a crítica do Antigo Testamento. (SMITH, 2001, p. 43).
Joseph W. Groves escreveu uma dissertação doutoral sobre o método de interpre-
tação de von Rad (e outros), intitulado “Actualization and interpretation in the Old
Testament”, em que declarou que ‘o alvo de uma base dentro da Bíblia para a in-
terpretação teológico-histórica (como a de von Rad) ainda está por ser atingido.
(SMITH, 2001, p. 43-44).
Com a experiência de duas guerras mundiais, o mundo de língua alemã começou a virar
“anti-Antigo Testamento”, e com isso o sentimento anti-semita cresceu. Perturbado por isso,
Rad voltou-se para o estudo do Antigo Testamento e, gradualmente, começou a trazer de volta
a sua mensagem. A Bíblia por von Rad, em última análise, não é nem a história nem literatura,
mas sim as confissões de uma comunidade.
116
No entanto no que se refere a história de Israel, ele assumiu uma postura muito mais
crítica do que Wright, afirmando ser impossível determinar os aspectos históricos básicos do
Hexateuco. Von Rad concluiu, dizendo que:
A ciência crítico-histórica construiu, nesses últimos cento e cinquenta anos, um quadro
imponente da história do povo de Israel. Com isso desmoronou a imagem que a Igreja
tinha desta história, extraída da confiança no Antigo Testamento. É um processo irrever-
sível e que ainda não está terminado. A crítica histórica considera impossível que todo
o Israel tenha estado ao pé do Sinai, tenha atravessado num só bloco o Mar Vermelho e
realizado assim a conquista da terra de Canaã. Não são históricas igualmente as imagens
de Moisés e do seu ministério na direção do povo no Êxodo e nas funções atribuídas aos
“árbitros” citados no livro Deuteronomista dos Juízes. (RAD, 2006, p. 108-109).
Como não temos bases históricas, como podemos fazer teologia? A resposta de Rad
é que os intérpretes devem considerar as confissões de Israel a respeito de Deus pregações
(kerygma), não especificamente história que tenha ocorrido de fato.
“Rad verificou que a pesquisa das várias fontes não levou a resultados interessantes,
sendo, pois, mais útil estudar a ‘forma final’ do Hexateuco.” (SKA, 2003, p. 132). Rad decla-
rava que “a junção de várias fontes não era um processo que permitiria alguma explicação
satisfatória” (Gesammelte Studien I, p. 81). (RENDTORFF, 2001, p. 237). A complexidade do
Hexateuco, deixa entrever que ele não pode ser obra redigida num só fôlego, mas deve ter
passado por etapas intermediárias.
Com o estudo da forma final do Hexateuco Rad esperava encontrar seu núcleo original. Rad
aplicou a “crítica das tradições” ou “história das tradições – Traditionsgeschichte” ao Pentateuco
e alistou cinco tradições, a saber: 1) história primitiva (die Urgeschichte); 2) história patriarcal (die
Vaetergeschichte); 3) tradição do êxodo e da conquista (die Auszugslandnah metradition); 4) tradi-
ção sinaítica (die Sinaitradition) 5) e tradição de ocupação – está última dando origem ao suposto
Hexateuco. O propósito das tradições não era registrar informações históricas. Estes temas da tra-
dição foram se desenvolvendo, formando pequenas unidades literárias e recebendo elaboração e
aprofundamento teológico. O Sitz im Leben destas tradições é o culto.
Os documentos da Hipótese Documental foram antes tradições do que documentos.
Tais tradições podem ter sido muito antigas, mas só em determinadas ocasiões foram as-
sentadas literariamente, apresentando entre si uma inegável semelhança e coerência, por
remontarem substancialmente ao tempo em que Israel se tomou um povo, isto é, ao tempo
de Moisés. É nesse sentido, portanto, que o Pentateuco pode ser chamado mosaico.
De acordo com Rad, o conteúdo do Hexateuco foi resumido em três “credos” históricos
que preservaram os elementos básicos da história de Israel até então: (1) Dt 26.5b-9, (2) Dt
6.20-24, e (3) Js 24.2b-13.224 Esses credos faziam parte de uma forma literária específica que foi
224. A segunda renovação da aliança em Siquém (Js 24), não se trata de duplicação de narrativa, ou de fontes
diferentes, tendo em vista a renovação da aliança em Siquém, descrita em Josué 8. “Era comum no an-
tigo Oriente Médio que cada nova geração de vassalos ouvisse e respondesse aos termos da aliança que
fora inicialmente firmada entre seus antepassados e o suserano.” (MERRILL, 2002, p. 140). Josué 24 é um
olhar retrospectivo para os fatos que compõem a história e não é uma criação literária autônoma. Moisés
havia inicialmente recebido a revelação da aliança com Yahweh no Sinai, escrevendo ele mesmo o texto
da aliança (essencialmente Êx 20-23). Aproximadamente quarenta anos depois, ele reiterou os termos da
aliança nas planícies de Moabe, desta vez com adornos e emendas apropriados para a nova geração, que
estava para sair do deserto e lançar-se à conquista e à vida sedentária. Josué reafirma a aliança no início da
conquista (Js 8.30-35); agora, vendo que uma nova geração havia nascido e enfrentado condições comple-
tamente novas, mais uma vez ele reuniu o povo para uma renovação da aliança.
117
utilizada nos cultos de Israel como “recitações solenes”. Para Rad, estes credos foram essen-
cialmente declarações de fé. (JONES, 2009).
Seu interesse está no elemento querigmático225 do texto, ou seja, pela afirmação de fé
que a comunidade expressou na preservação e transmissão de suas sagas. Para que chegasse
a essas conclusões “ele começa com a premissa de que Bíblia, em última análise, não é nem
história nem literatura, mas uma confissão de uma comunidade que aproveitava qualquer
oportunidade para confessar e reiterar sua fé.” (BRUEGGEMANN; WOLFF, 1984, p. 28).
Portanto para compreender sua teologia, é necessário estar ciente de suas conclusões
sobre a origem e transmissão da literatura do Antigo Testamento. Rad entendia que o Pen-
tateuco na forma como o temos hoje, é uma ampliação de um núcleo primitivo, o qual ele
denomina de “pequeno credo histórico”. Rad denominava a falta de unidade na formação do
Pentateuco como Unfoermlichkeit - “informidade”.
O trabalho de von Rad representa uma mudança básica na maneira pela qual a análise
do Pentateuco era feita anteriormente. Utilizando os resultados críticos dos séculos XIX e XX,
ele entendeu as narrativas do Pentateuco como expressões “contextualizadas” da fé de Israel.
Mas, ainda existem questões que precisam ser levantadas sobre a validade do método que-
rigmático de Rad como meio de ler e interpretar o Pentateuco. (JONES, 2009). Segundo Rad o
método da história das formas, que teve como um dos precursores Eichtodt, proporcionou as
bases para a análise querigmática, vejamos:
Foi uma consequência natural que o método da história das formas se tornasse a ma-
triz da “teologia do quérigma”, já que, na sua intencionalidade, o conteúdo do texto
estava, como uma confissão, por via de regra relacionado a Deus. O texto manifesta-
va esse relacionamento, colocando o ser humano na perspectiva de um determinado
discurso de Deus ou de uma determinada atuação de Deus. (RAD, 2006, p. 839).
Rad compreendia o Javista como uma personalidade, um autor e chegando até mesmo
a um teólogo, também lhe atribuiu o papel de grande compilador/redator das tradições – o
que teria dado origem ao Hexateuco atual. Rad denominou a época de Salomão como “ilumi-
nismo salomônico”, devido às condições favoráveis para a política, economia e religião. “Esse
redator (Javista) incorporou a tradição do Sinai às outras tradições, antepôs uma história das
origens (Gn 2-11) e acrescentou outras narrativas, sendo o verdadeiro autor do Hexateuco,
cabendo ao Elohista e ao Sacerdotal um papel menos relevante.” (SOTELO, 2011, p. 35).
Podemos também, observar que Rad:
trabalhou com as datas Documentárias tradicionais, mas percebeu nelas (especial-
mente em P) algo que era muito antigo e arcaico quanto a forma. Ele alegou que J
deu ao Pentateuco sua forma definitiva e que E e P não acrescentaram algo realmen-
te novo. (TENNEY, 2008, p. 900).
225. Para uma análise especifica sobre a abordagem de Rad do querygma do Pentateuco ver: JONES, Landon.
Gerhard von Rad e o Kerygma do Pentateuco. Revista Theos – Revista de Reflexão Teológica da Faculdade
Teológica Batista de Campinas. Campinas: 6ª Edição, V.5 - Nº2 – Dezembro de 2009.
118
Em seu livro The Problem of the Hexateuch and Other Essays,226 1966, Rad esclarece suas
concepções de que não se deve falar em Pentateuco e sim de Hexateuco, pois, a tradição sobre
as origens de Israel devia concluir com a narrativa da conquista que se encontra no livro de
Josué, ou seja, o sexto livro da Bíblia hebraica. No mesmo livro expõe que o Hexateuco tem
como ponto central à declaração de fé confessional encontrada em Deuteronômio 26.5b-9; e
declarações como essas são encontradas por todo o Antigo Testamento (Dt 6.20-24; Js 24.2-13;
1 Sm 12.7-8; Ne 9.6-37; Sl 77.12-20; 78; 105; 136). “Como o livro de Josué descreve o cumpri-
mento das promessas de terra aos patriarcas, e por causa de conexões de estilo com o livro
de Deuteronômio, Gerhard von Rad acrescentou o livro de Josué ao corpus do Pentateuco, e
chamou os seis livros de Hexateuco.” (BLOCK, 2010, p. 182).
Rad via na história de Israel uma “história da salvação”,227 onde cada geração de israe-
litas possuía necessidades teológicas especificas, o que acabava produzindo tradições de
tempos em tempos, que no acúmulo formavam-se grandes apanhados de tradições. Para
ele ao analisar o Pentateuco, estamos lidando com histórias que foram “remodeladas”. “Não
encontramos nem uma única saga que não tivesse recebido da fé sua marca e orientação de-
cisivas.” (BRUEGGEMANN; WOLFF, 1984, p. 26). Suas investigações estão interessadas na
forma como o material primitivo foi remodelado e unificado em uma afirmação de fé.
Vejamos uma apresentação de Rad a respeito da história da salvação:
O Antigo Testamento é um livro histórico; fala da história de Deus com Israel, com as
nações e com o mundo, da criação do mundo até as últimas coisas, isto é, até o dia
em que o reino sobre o mundo for entregue ao filho do ser humano (Dn 7.13s). Pode-
-se definir essa história como uma “história da salvação”, porque, na sua forma de
expô-la concebe a própria criação como obra divina de salvação e porque, segundo
as declarações dos profetas, a vontade salvífica de Deus atingirá o seu objetivo, ape-
sar dos muitos juízos a serem superados no período intermediário. Essa “história de
salvação” tem o seu início em Israel... A história se torna palavra e a palavra se torna
história... Não é possível tirar as manifestações históricas do Antigo Testamento do
seu contexto da história da salvação, como se cada uma delas fosse independente,
(RAD, 2006, p. 783-784, 797).
119
Pode-se dizer que Noth revisou a teoria das fontes de Wellhausen. Tendo como base
as anfictionias228 gregas e romanas Noth considerava que Israel possuía uma confederação
de doze tribos, as quais podiam deliberar assuntos religiosos e políticos, tendo como centro
Siquém. Esta hipótese hoje é pouco aceita.
Essa teoria anfictiônica, que muito fez para explicar a função da aliança e da lei den-
tro de uma forma fundamentalmente pré-estatal de organização social, foi criticada
tanto na sua reconstrução pormenorizada como também na sua suficiência para
explicar o alcance total da sociedade israelita. (GOTTWALD, 1988, p. 270).
Noth nega que as doze tribos de Israel estavam presentes no Sinai para participar da
aliança com Yahweh. Noth afirma que: “A tradição sinaítica era originalmente propriedade de
uma ou duas tribos, que então compartilharam seu entendimento acerca do passado com as
demais tribos, até que a herança de cada uma tornou-se herança de todas.” (apud MERRILL,
2002, p. 75). Porém, somente uma avaliação céptica do texto fundada em hipóteses críticas
improváveis podem afirmar algo que não seja a participação das doze tribos de Israel nesse
momento crucial sagrado de sua história.
Outro ponto importante de suas pesquisas é que segundo ele o Pentateuco foi formado
a partir de “cinco grandes temas”, os quais seriam: 1) a saída do Egito; 2) a entrada em Canaã;
3) as promessas feitas aos patriarcas; 4) à peregrinação pelo deserto; 5) e a revelação no Sinai.
A início estes temas eram independentes, mas foram pouco a pouco sendo transformados
em um texto contínuo. Dillard e Longman apresentam não cinco, mas seis “temas básicos”
do Pentateuco: “1. História primeva; 2 Histórias patriarcais; 3. Êxodo; 4. Sinai; 5. Peregrina-
ção no deserto; 6. Assentamento.” (DILLARD, 2006, p. 43). “De acordo com as análises de
Martin Noth, que ainda suplantam von Rad, o Pentateuco se constitui de complexos traditi-
228. O termo “anfictionia” é entendido geralmente como “habitantes de um distrito vizinho” ou “um santuário
comum”. O conceito de “anfictíones” reflete a membros do conselho de representantes dos antigos estados
gregos, que se reuniam para deliberar sobre negócios de interesse geral. “Anfictionia” em grego significa
“vizinhança” e Noth juntamente com outros pesquisadores atribuem a uma federação de doze tribos de
Israel pré-estatal. Essa hipótese hoje é pouco defendida. Na Grécia antiga, uma anfictionia era a associação
cultual sagrada de várias cidades vizinhas. Os limites desta teoria estão no fato de transplantar para o Israel
pré-monárquico uma prática sócio-religiosa helenista estranha à cultura semítica.
120
vos outrora independentes e originais.” (GUNNEWEG, 2003, p. 75). Com isso, a formação do
Pentateuco reflete uma orientação pan-israelita, o que quer dizer que a ênfase está na gene-
ralização da história de Israel. “Esses temas foram agrupados, enriquecidos e transformados,
com o acréscimo de outras tradições secundárias orais de tipo cultual e popular: as pragas do
Egito, a páscoa, episódios da conquista, Jacó em Siquém e a Transjordânia, Isaque e Abraão, a
montanha de Deus, os midianitas.” (SOTELO, 2011, p. 35).
Para Noth, diversas tradições geram várias fontes. As tradições orais, antes de serem
consignadas por escrito, tiveram uma longa história. O Pentateuco foi construído a partir de
tradições orais que foram re-agrupadas em torno de cinco grandes temas narrativos funda-
mentais, como já vistos.
Em seu livro Das Sistema der zwölf Stämme Israels, 1930, “O esquema das Doze Tribos
de Israel”, escrito quando ele tinha apenas 28 anos, Noth propôs a teoria de que a unidade
chamada Israel não existia antes da assembleia da aliança em Siquém, em Canaã (Josué 24),
onde, em sua opinião, as tribos, até então vagamente relacionadas com os costumes e tradi-
ções, aceitou a adoração e o pacto de Yahweh imposto por Josué.
Whybray (1923-1997) faz uma dura crítica às pesquisas de Noth: “grande parte da
reconstrução detalhada de Noth das tradições do Pentateuco foi obtida empilhando uma es-
peculação em cima de outra.” (WHYBRAY, 1987, p. 20).
As pesquisas oriundas de Alt, Noth e Rad dominaram até meados de 1970 o estudo do
Pentateuco.
Tetrateuco. Conforme colocado, Noth não aceitava um Pentateuco nem um Hexateu-
co, e sim um Tetrateuco, pois acreditava que os quatro primeiros livros apresentavam certas
características semelhantes, o que os torna uma obra completa. Segundo ele “o Pentateuco
se formou quando os dois blocos – Gn-Nm, de um lado, e Dt, com a história Deuteronomista,
de outro – foram agrupados numa única grande obra. Aí, Dt aparece como conclusão do Pen-
tateuco, sendo, pois necessário separa-lo de Js e do resto da história Deuteronomista.” (SKA,
2003, p. 19).
Pare ele (Noth) não existem textos deuteronômicos nesses quatro livros (Gn a Nm),
com exceção de alguns resquícios acrescentados sem muita importância. O autor afir-
ma que não há relação literária entre esses livros e o Dt. Nem as fontes do Pentateuco,
nem as narrações do Tetrateuco estão presentes no livro de Josué... Segundo essa re-
flexão o Pentateuco nasce da junção do Dt ao Tetrateuco, certamente justificada pela
reunião destes dois blocos – Tetrateuco e OHD, da qual, para o autor o Dt é uma intro-
dução, em uma grande obra denominada Eneateuco. O Dt se converte na conclusão
do Pentateuco e então separa Js do resto da OHD. (SOTELO, 2011, p. 24-25).
Outros defensores do Tetrateuco foram Hans Walter Wolff (1911-1993) e Henrik Samuel
Nyberg (1889-1974). Tanto Alt como Not, foram influenciados em suas concepções da história
de Israel por Max Weber.229 Mas, somente com Engnell um exegeta sueco, o Tetrateuco veio a
229. Para se ter maiores detalhes consultar: (SILVA, 2003, p. 397-413). Max Weber (1864-1920) é responsável pela
mais sofisticada análise sociológica em grande escala do antigo Israel do século XIX. Como muitos protes-
tantes liberais de seu tempo, Weber pode ser considerado como um protestante sem Igreja. Para Weber a
religião é importante pelo papel que desempenha na transformação social, principalmente no desenvol-
vimento do capitalismo ocidental. Weber concentrou a sua atenção nas religiões ditas mundiais, aquelas
que atraíram um grande número de crentes e que afetaram, em grande medida, o curso global da história.
Teve em atenção a relação entre a religião e as mudanças sociais, acreditava que os movimentos inspirados
na religião podiam produzir grandes transformações sociais, dando o exemplo do Protestantismo.
121
ser colocado como uma obra independente, mostrando serem independentes os quatro pri-
meiros livros da Lei do início da Obra Histórica Deuteronomista no Deuteronômio. Engnell
“segue a Noth ao determinar a extensão da Obra Deuteronomística (Dt-2Rs), separa Gn-Nm,
como o “Tetrateuco”, do resto dos livros e os encara como grandes compilações de materiais
tradicionais de diferentes tempos.” (BENTZEN, 1968, p. 28). Boa parte dos esforços de Alt e
Noth foi restabelecer a Lei a um período antigo da tradição israelita, pois a escola de Wellhau-
sen havia colocado a lei em um período tardio – monárquico.
Martin Noth propõe, pela primeira vez, que os livros de Josué, Juízes, Samuel e Reis for-
mam uma coletânea (Sammelwerk) de tradições, que deverá ser chamada de Obra Histórica
Deuteronomista - OHD. Nome que lhe é atribuído por sua grande semelhança com as leis e
os discursos exortativos do Deuteronômio. Livro este, que, por sua vez, em seus discursos
iniciais, cumpre a função de introdução à coletânea. Para Noth, a OHD - Obra Histórica Deu-
teronomista, teria sido redigida por um só autor, possivelmente na Palestina do século VI a.C.,
com o objetivo de explicar o fim do reino de Judá e o exílio babilônico então em curso como
fruto da apostasia do povo.230
Martin Noth questionava a historicidade dos relatos sobre a vida de Moisés. Segundo ele:
O relato do nascimento de Moisés é legendário; a maioria dos elementos do relato
é derivada de fontes extrabíblicas e o material escrito a respeito dele é de caráter
teleológico. Noth acredita que através de uma assimilação posterior Moisés foi in-
troduzido nos relatos dos grupos iniciais de pessoas que mais tarde formaram a
nação de Israel. O único lugar onde Moisés estaria realmente presente é no relato de
Israel começando a tomar posse da Terra Prometida. Noth, considera Moisés uma
figura histórica indistinta, dificilmente discemível nas brumas da história primitiva
dos israelitas. (apud GRONINGEN, 1995, p. 179).
Roland de Vaux (1903-1971). Vaux foi arqueólogo, padre dominicano e biblista francês,
ex-diretor da École Biblique de Jerusalém.231 Vaux liderou a equipe que trabalhou nas escava-
ções doa Manuscritos do Mar Morto.
Uma de suas maiores obras Instituições de Israel no Antigo Testamento foi publicada em
português pela editora Vida Nova no ano de 2004. Como crítico francês Vaux se destaca por ter
utilizado uma metodologia similar à americana, porém enfatizando o papel das tradições. Ao
contrário de Wellhausen, Vaux atribui às fontes a nomenclatura de “tradições”, e desde então
tem sido preferida por muitos críticos, pois denota que os relatos circularam durante um longo
período na tradição oral. Essas tradições são outras nomenclaturas utilizadas e são considera-
das vivas, pois a cada geração era iluminada com as experiências próprias “modo de pensar” e
“escolas”. Tais tradições podem ter sido muito antigas, mas só em determinadas ocasiões fo-
ram assentadas literalmente, apresentando entre si uma inegável semelhança e coerência, por
remontarem substancialmente ao tempo em que Israel se tornou um povo, i.é, ao tempo de
Moisés, é nesse sentido, que o Pentateuco pode ser chamado mosaico. (VIER, 1971, p. 1180).
As datas das últimas redações do Pentateuco são: o reinado de Salomão no sul para o Ja-
vista; pouco mais tarde no norte, para o Eloísta; enquanto o Deuteronomista, tem indubitável
relação com as reformas de Ezequias e de Josias, a Sacerdotal (hierosolimitana232) se constitui
230. Para maiores detalhes sobre o tema, veja: Contexto da Obra Histórica Deuteronomista, consultar: http://
blog.airtonjo.com/2005/12/ohdtr-em-estudos-biblicos.html. Acessado em: 24/03/2015.
231. Esta escola teve como fundador o renomado Pe. Lagrange.
232. Que tem origem em Jerusalém.
122
durante e após o exílio. O ambiente das tradições são os santuários e as relativas celebrações
de festas, em que se contavam e comentavam as prodigiosas intervenções divinas a favor de
seu povo e as cantigas que exaltavam os antepassados.
Ivan Engnell (1907-1964). Graças a Engnell a Escola Escandinava, também conhecida
como “Escola de Uppsala” passou a ter maior notoriedade nos estudos do Antigo Testamento.
Em 1945, surgiu uma obra escrita por Ivan Engnell chamada Gamla testamentet, en tradi-
tionhistorisk inledning (O Antigo Testamento, uma Introdução Tradicional-Histórica). Para
Engnell, todo o sistema da crítica literária se baseia num defeito de apreciação da importância
da tradição oral no Antigo Oriente e das reais condições em que se formou o texto bíblico,
julgado, anacronicamente, segundo categorias europeias modernas.
Engnell se utiliza da nomenclatura JEDP, não porque sejam documentos, mas porque
possuem características, que com reservas, apresenta aspectos que a crítica literária atribui
aos documentos. Engnell prefere o termo “compilações”. O extenso material tradicional exis-
tente pertence a duas diferentes compilações, uma denominada P (JEP considerados como
coleção do círculo P), que abrange o material de Gênesis-Números (Tetrateuco). A segunda
coletânea compreende o material de Deuteronômio-2Reis, ou seja, a obra histórica Deutero-
nomista, que se pode designar por D.
Baseado nos estudos feitos por J. Pedersen para o conhecimento da mentalidade israe-
lítica e ao mesmo tempo admitindo a hipótese de uma tradição oral que teria persistido até
depois do exílio, Engnell e outros consideram como inconsistente e mesmo impossível à dis-
tinção entre as fontes. Engnell corajosamente condenou a estrutura wellhausiana de crítica,
como sendo um ponto de vista moderno e anacrônico de literatura, uma interpretação pura-
mente artificial feita em categorias modernas que não se aplicam à matéria semítica antiga.
Asseverou que um tratamento adequado desta literatura hebraica exigiria um rompimento
radical com aquela abordagem no seu todo.
Podemos resumir os motivos a sua oposição a teoria Documentária como segue:
Em 1945, I. Engnell, da mesma escola escandinava, acusou a teoria Documentária de
interpretação artificial baseada na filosofia moderna, sem levar em consideração as
antigas técnicas literárias, opiniões e psicologia semíticas. Ele negou absolutamente
que houvesse qualquer documento contínuo fora do que foi escrito no Pentateuco.
(TENNEY, 2008, p. 900).
De acordo com as opiniões de Engnell e da Escola de Uppsala, muito pouco, talvez qua-
se nada do Pentateuco fosse escrito antes do tempo do exílio, e tudo veio à existência por meio
de seções que se desenvolveram gradualmente, procedentes de ideias puramente humanas,
através de transmissão oral até o período pós-exílico. “Só depois do exílio é que foram re-
digidas, em duas fases. Uma escola de inspiração Deuteronomista realizou um trabalho de
compilação, que corresponde, mais ou menos, ao Deuteronômio e à história Deuteronomista
de M. Noth (Js-2Rs).” (SKA, 2003, p. 138). Como vimos a ênfase era posta fortemente sobre
a tradição oral e o culto. Engnell decidiu que não havia quaisquer documentos, mas apenas
uma massa de tradições das quais diferentes materiais foram originados.233 A tradição oral de-
sempenhou um papel saliente em tudo isto até que foi reduzida, finalmente, à forma escrita.
Temos que tratar, portanto, não com fontes escritas e seus redatores, mas com unidades de
tradição oral, círculos de tradição, e escolas dentro destes círculos de tradições.
233. Para uma exposição detalhada dos principais pontos que Engnell se distancia da escola wellhausiana, veja:
ARCHER, 2003, p. 484-486).
123
Segundo Engnell as análises que Gunkel fez das histórias individuais e dos ciclos de
lendas merecem confiança. Originalmente eram lendas de culto vinculadas a diferentes san-
tuários. Sem dúvida, o livro da aliança (Êx 20.23-23.19) era uma coletânea deste tipo; Êxodo
34.17-26 (o assim-chamado Decálogo Ritual) era outra; e o Código de Santidade (Lv 17-26)
representa ainda outro complexo. P representa talvez uma tradição sulina, enquanto a obra
deuteronômica (Deuteronômio até 2 Reis) representa uma tradição nortista embora a forma
final que foi imposta sobre ela reflita o ponto de vista dos que queriam que o culto fosse cen-
tralizado em Jerusalém.
Engnell trabalha com o conceito de Tetrateuco ao invés de Pentateuco:
Engnell afirma a existência de um Tetrateuco de forma independente, constituído
de Gn, Êx, Lv e Nm, elaborado pela Obra Sacerdotal (P). Os escritos da Obra Sa-
cerdotal resultam de recolhimento e recopilação de antigas tradições orais. Como o
Tetrateuco Sacerdotal tinha a seu lado o Dt e a OHD, esse autor nunca apresentou
argumentos fortes para as suas hipóteses ou teoria, nem conseguiu demonstrar as
suas afirmações. (SOTELO, 2011, p. 25).
Hans Walter Wolff (1911-1993). Wolff foi natural da cidade de Barmen (Wuppertal), Ale-
manha e se especializou no estudo dos profetas veterotestamentários. Lecionou Exegese do
Antigo Testamento na Universidade de Heidelberg. Foi um dos primeiros a introduzir uma
análise antropológica nos estudos do Antigo Testamento. Em seus estudos pentateucais bus-
cou fazer uma análise teológica das fontes, onde estudou o querigma do Javista e do Eloísta.
Wolff considerava ao invés do Pentateuco ou Hexateuco um Tetrateuco assim como
Noth. “Devemos aceitar as propostas crítico literárias obrigatórias de Noth sobre o livro de
Josué; e daqui por diante, em vez de um Hexateuco, devemos falar em termos de um Tetra-
teuco como sendo o âmbito da obra Javista” (apud BRUEGGEMANN; WOLFF, 1984, p. 49).
Ambos, Wolff e Brueggemann buscaram relacionar a tradição de fé do povo de Israel com a
crise cultural.
Tendo como referencial o estudo dos credos de Rad, Wolff desenvolveu suas pesquisas
em torno do Pentateuco interessando-se na questão querigmática, diferentemente de Rad
que pesquisou em torno de todo o Antigo Testamento. “O fato de buscarmos um querigma no
texto supõe que temos em algum lugar, em algum texto, uma afirmação de fé normativa, feita
pela comunidade confessante” (BRUEGGEMANN; WOLFF, 1984, p. 34).
Tanto o interesse de Wolff como o de Brueggemann estava em buscar o querigma de to-
dos os escritores JEDP, enquanto Rad buscou somente o princípio unificador do pensamento
teológico do povo de Israel unicamente no Javista. (GUSSO, 2003, p. 93). Com isso desejavam
combinar uma análise histórico-crítica com um tipo de interpretação teológica. Diferente de
Wellhausen, Wolff e Rad por ter adotado uma metodologia hermenêutica querigmática, não
se interessaram pelas questões históricas, e da mesma forma diferentemente de Gunkel não
se detiveram no estágio pré-literário do texto e também não procuraram traçar relações entre
os textos do Antigo Oriente Próximo e os textos bíblicos como fez Albright.
Devido os pressupostos racionalistas e naturalistas das teorias de Wellhausen, em 1963,
Hans Wolff se queixou de que o “Velho Testamento era morto e já não era pregado no púl-
pito”. (SURBURG, 1979, p. 92). Em um contexto de Alemanha pré-segunda guerra mundial
Wolff buscou uma volta a Bíblia como Palavra de Deus. O interesse pelas questões de fé no
texto (ouvir a Palavra de Deus no texto) tão presente nos escritos de Rad e Wolff se deve ao
contexto da década de 1930, onde as igrejas alemãs estavam passando por grandes transfor-
mações. Nesse período Barth labutou contra o movimento nacional-socialista, que estava
124
arrebatando muitos pastores aos “ideais cristãos” de Hitler, devido ao repudio dessa união
entre igreja e nacional-socialismo formou-se a Igreja Confessante234 que buscou “avivar a fé”
de uma igreja apática. Tanto Barth como Wolff e von Rad faziam parte da Igreja Confessante
que foi duramente perseguida pelo regime nazista.
A concepção de Wolff e Brueggemann sobre as fontes JEDP pode ser considerada resu-
midamente da seguinte maneira:
O Pentateuco (e DtrH) contêm quatro empreendimentos literários principais (JEDP)
em três crises profundas. Cada resultado literário propõe um querigma – uma re-
formulação da fé e um apelo apropriado à sua crise. Para moderar a auto-elevação
e prosperidade da monarquia unificada, J relembrou-lhe que “Por ti serão benditos
todos os moradores da terra”. Para salvar Israel da areia movediça do sincretismo
cananeu, E incentivou-o: “Temei a Deus”. E para chamá-lo de volta do exílio, a DtrH
exortou-o: “Retornai”, enquanto P, para encoraja-lo, disse-lhe: “Sede fecundos,
multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a; dominai sobre”. (BRUEGGEMANN;
WOLFF 1984, p. 44).
234. Esse nome “Igreja Confessante” busca emitir a ideia de que a Igreja sempre manteve uma confissão que
protestava e questionava os valores culturais dominantes. Igreja Confessante surgira na Alemanha ainda
em 1933, quando cerca de 2.000 pastores protestantes se voltaram contra o ‘parágrafo ariano’, que exigia a
exclusão dos descendentes de judeus do seio da Evangélica. Na Declaração de Barmen foi rejeitada toda e
qualquer síntese de fé cristã e nacional-socialismo e proclamada à exclusividade da revelação, assim como
ela está contida na Bíblia.
235. A semiótica é a ciência geral dos símbolos e da semiose que estuda todos os fenômenos culturais como se
fossem sistemas sígnicos, isto é, sistemas de significação. Ambos os termos são derivados da palavra grega
~
σημεiον(semeion), que significa “signo”. Mais abrangente que a linguística, a qual se restringe ao estudo dos
signos linguísticos, ou seja, do sistema sígnico da linguagem verbal, esta ciência tem por objeto qualquer
sistema sígnico - Artes visuais, Música, Fotografia, Cinema, Culinária, Vestuário, Gestos, Religião, Ciência, etc.
236. O termo estruturalismo tem origem no livro Cours de linguistique générale (Curso de linguística geral) de
Ferdinand de Saussure (1916), que se propunha a abordar qualquer língua como um sistema no qual cada
um dos elementos só pode ser definido pelas relações de equivalência ou de oposição que mantém com os
demais elementos. Esse conjunto de relações forma a estrutura. O estruturalismo é uma abordagem que
veio a se tornar um dos métodos mais extensamente utilizados para analisar a língua, a cultura, a filosofia
125
seu início com o linguista suíço Ferdinand de Saussure237 (1857-1913). Seu interesse não é com
o sentido do texto, mas sim como ele funciona, ou produz o sentido.
Segundo João Paulo (2002, p. 57),
A semiótica pode ser utilizada para o estudo da Bíblia apenas quando este método de
análise é separado de certos pressupostos desenvolvidos na filosofia estruturalista, isto é, a
negação dos sujeitos e da referência extra-textual. A Bíblia é a Palavra sobre o real, que Deus
pronunciou em uma história e que ele nos dirige hoje por intermédio de autores humanos. A
abordagem semiótica deve ser aberta à história: primeiramente àquela dos atores dos textos,
em seguida àquela de seus autores e de seus leitores. O risco é grande, entre os utilizadores
da análise semiótica, de ficar em um estudo formal do conteúdo e de não liberar a mensagem
dos textos.
A semiótica repousa sobre três princípios ou pressupostos principais: Princípio de ima-
nência, Princípio de estrutura do sentido, Princípio da gramática do texto.
A semiótica estuda os sistemas de sentidos nos níveis narrativos, discursivos, lógico
e semântico. Preocupa-se com as estruturas profundas e com a gramática do relato,
com as categorias lógicas e essenciais do relato todo. Ela não se limita à análise das
palavras e frases, mas da relação que existe entre estas e a profundidade do sentido
completo dos textos. (SOTELO, 2011, p. 41).
da matemática e a sociedade na segunda metade do século XX. De um modo geral, o estruturalismo pro-
cura explorar as inter-relações as “estruturas” através das quais o significado é produzido dentro de uma
cultura. De acordo com a teoria estrutural, os significados dentro de uma cultura são produzidos e repro-
duzidos através de várias práticas, fenômenos e atividades que servem como sistemas de significação. Um
estruturalista estuda atividades tão diversas como rituais de preparação e do servir de alimentos, rituais
religiosos, jogos, textos (literários e não-literários) e outras formas de entretenimento para descobrir as
estruturas profundas pelas quais o significado é produzido e reproduzido em uma cultura.
237. Foi um linguista e filósofo suíço, cujas elaborações teóricas propiciaram o desenvolvimento da linguística
enquanto ciência autônoma. Seu pensamento exerceu grande influência sobre o campo da teoria da lite-
ratura e dos estudos culturais. Saussure entendia a linguística como um ramo da ciência mais geral dos
signos, que ele propôs fosse chamada de Semiologia. Graças aos seus estudos e ao trabalho de Leonard
Bloomfield, a linguística adquiriu autonomia, objeto e método próprios. Seus conceitos serviram de base
para o desenvolvimento do estruturalismo no século XX.
126
Infelizmente devido à falta de consenso no emprego dos termos técnicos os próprios es-
truturalistas têm dificuldade de se comunicarem entre si, e com isso, torna a crítica estrutural
pouco produtiva no campo de estudos bíblicos.
Conforme Gottwald:
Antes que o estruturalismo possa ser plenamente produtivo nos estudos bíblicos,
será necessário que haja mais progresso rumo a esclarecer e a padronizar termos e
conceitos, junto com o peneiramento das diversas formas e possibilidades do estru-
turalismo a fim de determinar qual delas oferece o melhor resultado ao analisar os
textos bíblicos. (1988, p. 37).
Rolf Rendtorff (1925-2014). Rendtorff serviu durante a Segunda Guerra Mundial na Ma-
rinha (1942-1945). Foi sucessor de Gerhard von Rad na Universidade de Heidelberg. Estudou
teologia entre 1945-1950 nas universidades de Kiel, Göttingen e Heidelberg. Ele realizou seus
estudos de doutorado sob orientação de Rad em 1950-53. Desde a década de 1960, Rendtorff
engajou-se ativamente em diálogos cristãos-judaicos.
Rendtorff publicou várias obras sobre o Antigo Testamento, mas é notável principal-
mente por seu livro de 1977, Das Problem des Überlieferungsgeschichtliche Pentateuch (O
problema histórico-traditivo do Pentateuco). Juntamente com os estudos de Schmid e Van
Seters, inaugurou uma acalorada discussão nos círculos acadêmicos contra a validade do
consenso então dominante sobre as origens do Pentateuco, a Hipótese Documental. Em data
mais recente o autor publicou duas obras importantes no âmbito acadêmico dos estudos
do Antigo Testamento. São elas: Der Text in seiner Endgestalt. Scritte auf dem Weg zur einer
Theologie des Alten Testaments (O texto na sua forma final. Passos para o caminho para uma
teologia do Antigo Testamento) em 2001. E a outra foi, Theologie des Alte Testaments. Ein ka-
nonischer Entwurf (Teologia do Antigo Testamento. Um esboço canônico) volume primeiro
em 1999 e o segundo em 2001.
Rendtorff observa que, apesar das alterações que Hermann Gunkel, Martin Noth, Von
Rad e outros propuseram para a teoria:
Em quase todos os países onde ocorre um estudo do Antigo Testamento a imensa
maioria dos estudiosos aceita, como ponto de partida para seu trabalho, a hipótese
Documentária como algo praticamente inconteste; e parece continuar inabalável
o interesse de tais pessoas em chegar a mais precisa compreensão da natureza e
propósitos teológicos de cada uma das fontes escritas. (apud HOUSE, 2005, p. 63).
Rendtorff examina certos critérios geralmente usados para dividir as fontes. “Ele des-
cobre que evidências linguísticas a favor das fontes J ou P “estão reduzidas a uma migalha
ínfima.” (apud HOUSE, 2005, p. 63). E também, segundo ele, de modo semelhante, a análise
cuidadosa do Pentateuco conduz a apenas uma explicação: “um ‘Yahwista’, que modelou e
passou adiante as histórias patriarcais e os complexos de tradição que as acompanha, não
existe.” (p. 63). E também, conclui: “esta claro que não se pode demonstrar a existência de
uma narrativa P coerente.” (p. 64). Rendtorff não acredita que a crítica das fontes faça per-
guntas ilegítimas, ele apenas não acredita que a crítica das fontes possa fornecer as respostas
127
129
David J. A. Clines (1938). Clines estudou línguas clássicas em Sydney e idiomas semitas em
Cambridge, seus estudos se concentraram em hebraico, lexicografia e abordagens contemporâ-
neas literárias da bíblia hebraica. Atualmente é Professor Emérito na Universidade de Sheffield.
Clines na Universidade de Sheffield a fez pioneira em leituras literárias da forma final do texto
bíblico. Os seguidores desta abordagem são por vezes conhecidos como a “escola de Sheffield”.242
Suas numerosas publicações incluem O tema do Pentateuco (1978). É um estudioso do
Antigo Testamento que questionou duas tendências que predominavam na crítica bíblica,
principalmente no que diz respeito ao Pentateuco. Primeiramente ele combateu aquilo que
ele chama de “atomismo”, que é uma tendência de dissecar o texto bíblico em busca de sig-
nificado. A segunda objeção foi contra aquilo que ele chamou de “geniticismo” que segundo
ele é a ênfase exagerada em se buscar as origens do texto, que acarretava em distanciar o
pesquisador da fase final do texto que segundo ele teria sido fixado no cativeiro babilônico.
Clines contribuiu com suas pesquisas principalmente por ter alertado os pesquisadores da
importância de tratar o Pentateuco como um todo na sua forma final.
Clines afirma que Moisés foi o autor de uma parte do Pentateuco:
relativamente pequena do seu conteúdo (Êx 24.4-8, referindo-se aos caps. 21-23, o
‘Livro da Aliança’; Nm 33.2, referindo-se ao cap. 33, o itinerário de Israel no deserto;
Dt 31-19-22, referindo-se ao cap. 32, o cântico de Moisés; e Dt 31.24ss, referindo-se
provavelmente aos Dez Mandamentos de 5.6-21). Isso não quer dizer que Moisés
não possa ter sido responsável por uma parte muito maior da composição dos cin-
co livros, mas simplesmente que nos faltam indícios conclusivos... a quantidade
de passagens atribuídas a Moisés deve permanecer como uma questão de opinião.
(CLINES, In: BRUCE, 2008, p. 114-115).
Quanto as citações no Novo Testamento que se referem a Moisés como autor do Penta-
teuco, Clines declara: “não necessariamente apoia o ponto de vista de que Moisés escreveu o
Pentateuco, visto que ‘Moisés’ tinha se tornado uma forma conveniente de se referir aos cinco
primeiros livros da Bíblia”. (CLINES, In: BRUCE, 2008, p. 114).
Hans Heinrich Schmid (1937-2014). Schmid foi um teólogo suíço protestante reformado,
professor emérito e ex-reitor da Universidade de Zurique, é um pesquisador relativamente re-
cente do Pentateuco. Publicou uma obra intitulada Der sogenannte Jahwist, 1976, (O chamado
Javista) que causou um grande impacto nas pesquisas sobre o Pentateuco, sobretudo na hipótese
das fontes. Schmid, “foi o primeiro a dirigir seu ataque ao consenso como um todo... com uma
argumentação e um senso agudo para fazer sobressair os pontos fracos do sistema aceito”. (PURY,
1996, p. 63). Sua proposta é demonstrar que o Javista não poderia ter existido na época salomôni-
ca, segunda a tese de G. von Rad, e pressupõe que os textos Javistas remontam ao profetismo do
século VIII e VII. Assim J deveria ser visto em estreita associação com a escola deuteronômica nos
últimos anos da monarquia ou na época do exílio. Assim, “admite a existência da fonte Javista,
mas a situa na época do exílio e não a considera obra de um historiador ou teólogo, mas coletânea
de diversos autores, como a obra Deuteronomista.” (SOTELO, 2011, p. 37).
Ainda que não tenha discutido a datação do J em relação a D, seu discípulo Martin Rose,
em 1981, chegou à conclusão de que o Deuteronômio e a Obra Histórica Deuteronomista
eram anteriores ao Javista.
242. A escola Sheffield é uma abordagem em estudos bíblicos que se engaja em leituras literárias da forma final
do texto bíblico. David J. A Clines e David M. Gunn foram os pioneiros na abordagem. A frase foi cunhada
por Tremper Longman em 1987.
130
Erhard Blum (1950). Blum depois de estudar teologia em Heidelberg e fazer seu dou-
torado em Jerusalém na Universidade Hebraica. Entre 1989-2000 foi professor de Teologia
Protestante e Teologia Bíblica na Universidade de Augsburg. Desde o ano 2000 Blum tem uma
das duas cadeiras de Antigo Testamento da Universidade de Tübingen. Blum foi aluno de
Rendtorff, mais tarde, aprova as intuições de seu mestre examinando as tradições patriarcais
de Gn 12-50. Ele recebeu seu doutorado em 1982 com uma tese sobre o título Komposition der
Vätergeschichtte (Composição da história patriarcal). Sua obra de maior envergadura foi em
1990 Studien zur Komposition des Pentateuch (Estudos sobre a composição do Pentateuco).
A obra de Blum contribui com o debate recente sobre o Pentateuco, numa direção se-
melhante à de Rolf Rendtorff, Hans Heinrich Schmid, John Van Seters e outros.
Blum contribuiu para a situação atual das pesquisas em torno da composição do Pen-
tateuco. Blum averigua sobre o processo de composição que conduz ao entrelaçamento das
grandes unidades literárias. Blum, no seu estudo, identifica duas composições sucessivas:
a) composição KD (K = komposition em alemão), que mantém certa familiaridade com a
teologia deuteronômica-Deuteronomista, sem, contudo, se reduzir a ela.
b) composição KP (P= SACERDOTAL), de época mais tardia e que tomou como ponto de
partida a composição KD, completando-a e modificando-a.
Esta teoria busca mostrar que a última fase da composição do Pentateuco é o resultado
do diálogo entre dois grupos principais – o Sacerdotal e o Deuteronomista (leigo).
Os pontos principais de Blum são:
a) o Pentateuco é o resultado da integração de uma obra D em uma mais abrangente
obra P
b) tanto D como P são pós-exílicos, embora tenham integrado textos escritos ante-
riores, que não são, em sua opinião, as clássicas fontes J e E
c) esta obra D, que se estende de Gn 12-50 através do Êxodo até Números, foi reto-
mada e expandida por um escritor sacerdotal
d) eventualmente esta obra D tem sua continuação na OHDtr, formando uma histó-
ria continua de Israel, desde Abraão até o exílio babilônico
e) Blum convida o leitor a se colocar no ponto de vista daqueles que se encontravam
no exílio babilônico ou que permaneceram na terra no século VI a.C. (BLUM, 1990).
Para Blum:
O Kerigma Deuteronomista começa com Abraão, em Gn 12ss, e pressupõe a Obra
Histórica Deuteronomista. Tanto essa obra quanto o Kerigma Deuteronomista par-
tem dos últimos capítulos de Dt. A datação do Kerigma Deuteronomista, para ele,
é da época da primeira leva dos exilados que retornaram da Babilônia. O Kerigma
Sacerdotal escreve dados antigos, mas foi reescrita no período Persa. O Pentateuco
é o resultado de um compromisso entre duas tendências refletidas na Kerigma Deu-
teronomista e no Kerigma Sacerdotal. (SOTELO, 2011, p. 37).
Martin Rose (1981). Rose assim como seu mestre Schmid, busca resolver a questão não so-
lucionada sobre a relação entre o Javista e a Obra Histórica Deuteronomista. Rose compara os
textos de Deuteronômio 1-3 e Josué com as passagens do Javista no Tetrateuco. Rose conclui que:
um texto esta relacionado com o outro e um depende do outro. O Javista é o autor
da composição do Tetrateuco, obra que nunca existiu independentemente, mas está
no prólogo da OHD. O Javista corrige a orientação teológica da OHD, pondo em re-
levo a benção divina. (apud SOTELO, 2011, p. 38).
Rose contestou as hipóteses de G. von Rad e de M. Noth no que diz respeito a redação
do pentateuco. Foi o primeiro a dirigir seu ataque ao consenso dos documentos como um
todo. Ele se aproxima de Rendtorff no conjunto das suas várias hipóteses, diferenciando-se a
propósito do seu trabalho de base.
Martin Rose, por exemplo, considera que o relato Javista é posterior ao relato de Deute-
ronômio 1-3. Por isto, situa o Javista em uma época mais tardia e não nos inícios da monarquia
unida com Davi. Logo, o Javista veio depois do Deuteronomista e compôs a sua historiografia
andando para trás. O Javista reconstrói a história, da criação à morte de Moisés com as tradi-
ções orais e escritas existentes (teoria dos complementos). O Javista atuou e escreveu depois
do Deuteronômio o que aconteceu antes dele, isto é, antes da conquista. Para Rose, o Javista
seria uma síntese e ele seria o “pai” da teologia da história do Pentateuco. Rose reconheceu
que o núcleo de D seria pré-exílico (Dt 12-26). Ele também contesta a datação salomônica
para o Javista e encontra que a tese tradicional JEDP é demasiada simplória para explicar a
formação do Pentateuco.
Para Rose, a questão da redação do Pentateuco sempre ficou por conta da determinação
quanto às fontes, fazendo com que os critérios do trabalho científico fossem obtidos a partir
das observações do livro do Gênesis. Com isso, grandes esforços foram feitos para seguir de
perto os “documentos” descobertos neste livro.
Rose contribuiu para a situação atual das pesquisas em torno da composição do Penta-
teuco em uma obra editada por Thomas B. Dozeman e Konrad Schmid243 em 2006.244
John Van Seters (1935). Van Seters foi um Canadense e professor de Literatura Bíblica na
Universidade da Carolina do Norte, Chapel Hill. Van Seters é o autor de uma obra que repre-
senta um marco na reviravolta dos estudos do Pentateuco Abraham in History and Tradition,
1975, (Abraão e a História da Tradição), e também publicou dois trabalhos sobre o Javista.245
Van Seters em seu estudo sobre as narrativas patriarcais, argumentou que essas his-
tórias se adaptam melhor a data de composição no período monárquico ou início do exílio.
Argumentou que o suposto paralelo aos textos de Nuzi e o ambiente social dos patriarcas
foram forçados e seletivos, enquanto muito melhores paralelos existem no primeiro milênio.
Conclusões semelhantes foram alcançados por Thomas L. Thompson em sua Historicidade
243. Konrad Schmid oferece diversos argumentos para a ideia de que Gênesis, originalmente, não fora escrito
para ter continuidade em Êxodo. Particularmente sobre a junção de Gênesis 50 com Êxodo 1, ele encontra
motivos para remover determinados versículos por serem acréscimos editoriais posteriores com o objetivo
de produzir ligação entre tradições. Genesis and the Moses Story, 2010.
244. Farewell to the Yahwist?: The Composition of the Pentateuch in Recent European Interpretation. Tradução:
Adeus ao Javista: A Composição do Pentateuco em Interpretação Europeia recente (Society of Biblical Lite-
rature Symposium Series, 34; 2006).
245. Prologue to History: The Yahwist as Historian in Genesis, Louisville, Kentucky, Westminster John Knox, 1992
e The Life of Moses: The Yahwist as Historian in Exodus-Numbers, Louisville, Kentucky, Westminster John
Knox, 1994.
132
das Narrativas dos Patriarcas (1974). Van Seters também argumentou que a análise do pro-
cesso de tradição oral é muito especulativa, já que só temos a forma escrita. Em vez disso, ele
sugeriu uma nova Hipótese Complementar ou Suplementar seguindo um modelo de historio-
grafia, em vez de teologia.
Em seu livro sobre a história dos patriarcas, argumentou que não existia evidência
convincente para apoiar a existência histórica de Abraão e outros patriarcas bíblicos ou a
confiabilidade histórica de suas origens na Mesopotâmia como descrito no livro de Gênesis.
O livro tentou minar tanto a escola de arqueologia bíblica de William F. Albright, que havia
argumentado ao longo dos últimos cinquenta anos que o registro arqueológico confirma a
verdade essencial da história contida em Gênesis, e a escola de Albrecht Alt e Martin Noth,
que argumenta que Gênesis continha um núcleo social da pré-história dos israelitas transmi-
tidos através da tradição oral antes da composição do livro.
Com base em seu estudo das duplicações do ciclo de Abraão, ele conclui que não se
trata de documentos paralelos combinados entre si por um redator posterior. Ele
propõe, em vez disso, que cada fonte sucessiva desenvolva ou complete a tradição
anterior. O Javista não é a fonte mais antiga, como sempre se afirmou, mas teria sido
precedido por fragmentos escritos mais antigos. Ele se refere, assim, a um primeiro,
e depois a um estágio pré-Javista. O Javista (J) retrabalhou esse material, ainda bem
limitado, completou-o e inseriu suas próprias concepções. Acrescentou, além disso,
muitos relatos de sua autoria. Depois disso, o autor Sacerdotal (P) acrescentou al-
guns fragmentos, e uma última adição é pós-Sacerdotal. (VOGELS, 2000, p. 18-19).
246. Para Winnet, os livros de Êxodo e Números contêm uma tradição continuada que teria surgido no norte de
Israel, sem a presença de outras fontes isoladas, e teria sofrido uma revisão antes do exílio (deuteronomis-
ta) e outra depois do exílio (P).
133
Para Van Seters o Javista deve ser datado em um período pós D, e a hipótese dos do-
cumentos deve ser revista por completo. Contrariamente à opinião bastante comum de que
o Javista dataria do século X a.C., da época de Davi e Salomão, Van Seters situa o Javista na
época do exílio, portanto na época que situava P. Para ele, P é pós-exílico.
A finalidade da obra do Javista é o de corrigir o nacionalismo e o ritualismo da Obra
Histórica Deuteronomista, da qual ela é uma espécie de introdução. Por isso, o Javista é pos-
terior ao Deuteronômio e à Obra Histórica Deuteronomista (Deuteronômio, Josué, Juízes, 1
e 2 Samuel e 1 e 2 Reis), sendo contemporâneo do Dêutero-Isaías e tendo afinidades com
Jeremias e com Ezequiel. Mas é anterior ao Sacerdotal (P), que, por sua vez, não é uma obra
independente, mas uma série de suplementos pós-exílicos ao D+J. O Eloísta (E) não se susten-
ta como documento independente e desaparece, “sendo apenas uma ficção, ou invenção dos
exegetas.” (SOTELO, 2011, p. 38).
Até agora, o conceito de Van Seters aparentemente poderia ser comparado com o de
Rad, porque há apenas uma figura central no desenvolvimento literário do Pentateuco. Mas
há uma diferença fundamental entre os dois. Enquanto Rad tomou a existência de outras fon-
tes, para Van Seters não existem quaisquer outras “fontes” no sentido tradicional da Hipótese
Documentária. De acordo com o seu conceito, não existem outros autores, mas apenas auto-
res de vários níveis de tradição. Considera o Javista meramente uma composição literária, e
não um redator ou escritor. Não é uma tradição oral, nem é fiel aos acontecimentos.
Posteriormente J. Van Seters e H. C. Schmitt a partir da Hipótese dos Complementos,
postulam que o Pentateuco é mais bem entendido se o vermos como fruto de um processo
permanente de reinterpretação.
Jacques Briend (1939-2011). Briend foi professor no Instituto Católico de Paris e na Es-
cola Bíblica de Jerusalém. Briend foi discípulo de De Vaux, a quem auxiliou nas escavações
arqueológicas, ele tornou-se um dos especialistas da história de Israel. No Brasil foi editado
um livro de sua autoria Uma Leitura do Pentateuco, 1997, e outro onde ele é co-autor Tratados
e Juramentos: no Antigo Oriente Próximo, 1998. A abordagem exegética proposta por Briend é
principalmente diacrônica.
Erich Zenger (1939-2010). Zenger foi um exegeta católico alemão, especialista em Anti-
go Testamento, que lecionava na universidade de Münster. É reconhecido pelos seus esforços
na diálogo cristão-judaico.
Zenger propõe uma teoria para a formação do Pentateuco, que é a combinação da Hi-
pótese Documentária com a Hipótese dos Fragmentos e dos Complementos. Uma de suas
grandes obras foi publicada no Brasil pela editora Loyola no ano de 2003, Introdução ao An-
tigo Testamento.
Em sua teoria, depois de 900 a.C., podem-se encontrar ciclos independentes de
narrativas bíblicas. Ele afirma que, como na teoria Documentária, as obras estu-
dadas nessa seção têm três fontes principais. Houve posteriormente um processo
redacional para cada uma das fontes e uma vasta e complexa obra realizada ao
longo de vários séculos. O Pentateuco, foi concluído em 400 a.C. Depois, houve
três conjuntos principais: a história jerusalemitana, ou a história dos Patriarcas e
do êxodo, uma obra pré-Sacerdotal, de 900 a.C., que parece ser a teoria das fontes
de Wellhausen; a obra Sacerdotal – estrato base, acréscimos a lei de Santidade; e o
Dt. O Pentateuco surgiu do compromisso dos grupos sacerdotais e leigos, compo-
nentes da comunidade pós-exílica. A obra foi autorizada pelos Persas, sob a chefia
de Esdras, para ser o documento oficial da comunidade judaíta no retorno da Ba-
bilônia. (SOTELO, 2011, p. 39).
134
Erich Zenger acredita que, inicialmente, várias tradições foram re-agrupadas no seio de
um único documento já no final do séc. VIII a.C., denominado Obra Jerusalimitana de História.
Escola Escandinava. Graças a Engnell a escola escandinava, também conhecida como
“Escola de Uppsala” passou a ter maior notoriedade nos estudos do Antigo Testamento.247 De
acordo com as opiniões de Engnell e da Escola de Uppsala, muito pouco, talvez quase nada
do Pentateuco foi escrito antes do tempo do exílio, e tudo veio à existência por meio de seções
que se desenvolveram gradualmente, procedentes de ideias puramente humanas, através de
transmissão oral.
A Eescola Escandinava busca enfatizar a validade e a importância da tradição oral, se-
gundo essa escola não devemos procurar “tradições escritas”, mas sim, grandes “tradições
orais”. Não consideram o processo de formação do Pentateuco como sendo estritamente lite-
rário. Sua contribuição tem pelo menos o efeito de estimular o interesse pela fase pré-literária,
da transmissão oral do texto. De forma geral a abordagem da tradição oral pode ser apresen-
tada da seguinte forma: “A moldagem e remodelagem oral e escrita das tradições considera-se
ser crisol no qual a literatura bíblica foi refinada, abreviando, ampliando, combinando e
elaborando unidades da tradição, frequentemente através de muitas etapas de desenvolvi-
mento, até que a etapa final da Bíblia Hebraica foi alcançada durante uma expansão da época
pré-exílica desde o século VI ao II a.C.” (GOTTWALD, 1988, p. 27).
Segundo Pury as três principais características da escola escandinava são:
1) As tradições veterotestamentárias têm uma origem cultual. 2) Antes do exílio, a es-
critura quase não influiu na transmissão das tradições. Todas as tradições foram
transmitidas por via oral. 3) A crítica literária tradicional, tentando depurar as fontes,
se mostra inútil, pelo menos no que diz respeito ao período pré-exílico. (1996, p. 51-52).
247. Uma das obras que representa esta escola é a Critical Essays on the Old Testament (Ensaios críticos sobre o
Antigo Testamento), editado por J.T Willis e H. Ringgren em 1970.
135
O espaço dedicado a esta primeira parte pode ser considerado, como um sustentáculo,
uma base, para se tratar de um assunto tão controverso como as pesquisas críticas e a for-
mação do Pentateuco. Constatamos que são inúmeras as variações na forma de se entender
a formação do Pentateuco, mas podemos condensar esta multiplicidade em quatro modelos
que expressam o essencial deixando de lado as inúmeras variações.
O empenho em discernir cada uma das partes que entram na composição do Pentateu-
co e em determinar a época em que apareceram, bem como o de saber sua finalidade, deu
origem a uma série de hipóteses, que funcionam como tentativas de solução.
Exegetas no assunto se dividem grosso modo, entre aqueles que aceitam a teoria sobre
a formação do Pentateuco baseados resumidamente nas hipóteses abaixo:
Tradições T1 T2 T3
(orais ou escritas)
Documentos
D1
(de épocas diferentes) D2
D3
Segundo Davis (1993, p. 446) a teoria dos documentos se baseia em quatro principais pontos:
1. O emprego alternado dos nomes de Deus e Jeová em sucessivos parágrafos ou seções;
2. A continuidade de cada um desses chamados documentos, quando tomados em separado;
3. A diversidade de estilo, de dicção e de ideias que se nota nos vários documentos;
4. As repetições, ou passagens paralelas muitas vezes contraditórias, indicando a exis-
tência de documentos distintos.
136
Ainda segundo Davis, “esta hipótese tomada em sua forma simples, sofre constantes
modificações, quando cuidadosamente criticada, a fim de remover as dificuldades que a cer-
cam.” (1993, p. 446).
TradiçÕes OU T1 T2 T3 T4
grupo de tradições
C1
composição(Ões) tardia(as)
A partir de tradições
C2
antigas e dos fragmentos
Texto Final
tente. Nos modelos suplementares (como por exemplo, o modelo do estudioso John Van Seters),
o Pentateuco foi composto por uma série de expansões autorais em torno de um documento ou
fonte original, normalmente identificado como J ou P, em grande parte durante o sétimo e sexto
séculos antes de Cristo, cuja forma final foi atingida aproximadamente em 450 a.C.
A abordagem suplementar é exemplificada no trabalho de John Van Seters, que coloca a
composição de J (que ele, ao contrário dos “fragmentistas”, vê como um documento comple-
to) no 6º século a.C. como uma introdução à história Deuteronomista (A história de Israel, que
ocupa a série de livros de Josué a Reis). Os escritores sacerdotais mais tarde acrescentaram os
seus suplementos a isso, e essas expansões continuaram até o final do 4º século a.C.
A Teoria Suplementaria, defendida por Ewald, Bleek, e Delitzsch, supunha que existia
um documento básico, ou corpo de tradições (E), que subjazia as demais matérias,
e que tinha a data de cerca de 1050-950 a.C. Este adquiriu adições e suplementos da
parte do autor de J, em época posterior, que deixou a matéria anterior (a de E) basica-
mente inalterada ao incorporá-la com sua própria matéria. (ARCHER, 2003, p. 468).
Hipótese semelhante à dos complementos é expressa por aqueles que consideram Moi-
sés ter escrito um documento base que sofreu adaptações redacionais ao longo do tempo.
Dentre os defensores temos Ellis254, que assim se expressa: “...o Pentateuco atual é a edição
248. Parágrafo adaptado e resumido de: (SKA, 2003, pp. 117-118) e (PURY, 1996, p. 23).
249. Biblical Introduction, 1813.
250. Recherches nouvelles sur histoire ancienne, 1814.
251. Die Religion des Ats nach den kanonischen Buechern entwickelt, Berlim, 1835.
252. De libri Geneseos origine atque índole historica observationes quaedam contra Bohlenum, Bonn, 1836.
253. Critical Investigations, 1843.
254. Ellis mantém a existência das fontes JEDP.
139
TradiçÕes T1 T2 T3 T4
Documento Antigo
D
C1
complementos C2
C3
Texto Final
140
A HIPÓTESE DOCUMENTÁRIA:
uma exposição em linhas gerais
acerca das supostas fontes JEDP
255. Venceu nas categorias de melhor filme, direção, montagem, ator (José Dumont), ator coadjuvante (Gero
Camilo), edição de som e atriz coadjuvante (Luci Pereira). Prêmio da crítica e o Prêmio Gilberto Freyre.
Festival do Rio 2003 Melhor ator (José Dumont). Festival Internacional de Friburgo 2003 (Suíça). Recebeu
o prêmio da crítica. 30º Festival Internacional do Filme Independente de Bruxelas (Bélgica). Dois prêmios,
nas categorias de melhor filme independente e de melhor roteiro. VII Festival Internacional de Cinema
de Punta del Este 2004. Venceu na categoria de melhor filme. 5º Festival de Cinema des 3 Ameriques 2004
(Quebec, Canadá). Venceu na categoria de melhor filme de ficção.
141
A trama do filme, claramente apresenta muitas semelhanças com toda discussão e hipó-
teses de formação do Pentateuco, como veremos com maiores detalhes.
Quando o termo “fontes” é lido ou ouvido em relação ao Pentateuco, ou a qualquer
parte dele, a ideia que vem à mente de imediato é a de fontes literárias. A autoria mosaica
do Pentateuco, entendida no seu sentido tradicional, dificilmente permite a aceitação de ter
havido diversas fontes literárias importantes257, como estudiosos críticos acreditam ter estado
disponíveis aos editores finais do Pentateuco.258 O estudo atual do Pentateuco reconhece, a
presença de três níveis de fontes: fontes orais, fontes escritas e fontes redatoriais ou editoriais.
De fato, não existe a possibilidade de se negar a existência destes três níveis de fontes. A obje-
ção, que o presente livro levanta, é a importância de cada um destes níveis de fontes exerceu
na redação do texto por parte dos autores.
Pode-se distinguir no Pentateuco segundo os críticos quatro grandes grupos ou família
de textos, denominadas de JEDP. Antes de serem reunidas no Pentateuco, segundo as inúme-
ras interpretações na história crítica, podem ser denominadas de documentos, tradições ou
estratos. O que tem sido demonstrado até o momento, e que ficará muito mais claro daqui em
142
diante, é que, os critérios que estabelecem as supostas fontes JEDP, são predominantemente
hipotéticos e subjetivos.
Enfatizando que o Pentateuco é fruto de quatro documentos principais (fontes), a Hipó-
tese Dovumental identifica no texto porções que podem ser divididas por assuntos; pelo uso
dos nomes de Deus Yahweh e Elohim, e pela duplicação de seu conteúdo. O Pentateuco é deri-
vado de fontes independentes, paralelas e narrativas completas, que foram subsequentemente
combinadas em sua forma corrente por uma série de redatores ou editores. A partir dessas in-
formações, busca identificar partes maiores de materiais que se destacam pelas semelhanças
de vocabulário, estilo e uniformidade de concepção teológica formando o acróstico “JEDP”
para representar as quatro fontes. Como resultado, diz-se que o Pentateuco, como conhecemos
atualmente, está composto de partes entrelaçadas desses documentos, de modo que lemos fre-
qüentemente uma seção de cada documento, seguida por uma seção de outro; depois talvez
um versículo ou dois do primeiro; então dois ou três versículos do segundo; em seguida, talvez,
a metade de um versículo do primeiro novamente; logo uma porção do terceiro; depois mais do
segundo, e assim por diante, num arranjo complicado de uma obra de retalhos.
Em português, a abreviação JEDP é identificada como JEDS devido à sigla correspon-
dente a fonte “S” de Sacerdotal em inglês, se escrever “priest”. De modo resumido JEDP são
abreviações das alegadas quatro fontes do Pentateuco. “J” seria uma abreviação de Javista; “E”
abreviação de Eloísta; “D” abreviação de Deuteronomista; e “P” abreviação de Sacerdotal.259
De forma simplificada a teoria conforme apresentada em seu primórdio pode ser resu-
mida como segue: a fonte J (por volta de 950-850 a.C.) juntamente com a fonte E (por volta de
750-850 a.C.) se uniram por volta de 650 a.C. pela intervenção de um redator, formando JE; o
Deuteronômio representado pela sigla D (por volta de 622 a.C.) teria sido acrescentado a JE em
torno de 550 a.C., já o código Sacerdotal (por volta de 400-500 a.C.) foi acrescentado por último
no conjunto JED, formando assim JEDP. Alguns pesquisadores dão ao que inicialmente foi de-
nominado “documentos” JEDP a nomenclatura de “tradições”, “camadas” ou “estratos”.
Sintetizada temos a Hipótese Documental, como segue:
• Fonte Javista (J): Escrita cerca de 950 a.C. no sul do reino de Judá.
• Fonte Eloísta (E): Escrita cerca de 850 a.C. no norte do reino de Israel.
• Fonte Deuteronomista (D): escrita cerca de 600 a.C. em Jerusalém, durante o período
de reforma religiosa.
• Fonte Sacerdotal (P): escrita em 500 a.C. pelos Kohanim (sacerdotes judeus), no exílio
babilônico.260
Os primeiros pesquisadores, tais como Wellhausen é o mais conhecido, referiam-se a “do-
cumentos”, logo textos escritos. Mas outros, como Gunkel, Noth e G von Rad, inclinam-se pela
hipótese do estado pré-literário desses documentos. Seu conteúdo deve ter circulado oralmente
na comunidade. A passagem para o texto escrito seria então o resultado de um longo processo
de tradição. Com isso, estes autores preferem falar em “tradições” em lugar de “documentos”.
Podemos ainda segundo Hill e Walton resumir as hipóteses da formação do Pentateuco
como: A hipótese de um autor; Hipótese de um autor e organizador(es) posterior(es); Hipó-
tese de autores múltiplos e organizador(es) posterior(es); Hipótese de tradição oral, autores
259. Quanto a uma lista dos supostos textos bíblicos atribuídos a cada fonte, veja: (SHREINER, 2004 pp. 481-490).
260. Desta opinião divergem sobretudo König, Orelli e Strack, entre outros, que consideram E como a fonte
mais antiga e admitem uma data mais recuada: E teria surgido por volta de 1200 a.C., J por volta de 1000
a.C., D por volta de 700-650 a.C., e P por volta de 500 a.C.; P Dillmann, Graf Baudissin propõem a sequência
E-J-P-D e também uma data um pouco mais antiga: E, 900-850 a.C.; J, 800-750 a.C.; P, 800-700 a.C., e D,
650-623 a.C.: e Kaufmann, com a tese segundo a qual P seria a fonte mais antiga.
143
Cada uma das quatro fontes segundo Wellhausen possuía um caráter próprio, com in-
teresses próprios, vocabulários distintos, teologias distintas e vocabulário próprio.262 Uma
comparação com os quatro evangelhos do Novo Testamento poderia ajudar a compreender
essa teoria dos quatro documentos. Cada um dos evangelistas tem seu vocabulário, seu estilo
e sua teologia, que o leitor um pouco habituado reconhece com facilidade. Houve uma época
em que se escreviam histórias de Jesus utilizando perícope emprestadas aos quatro evange-
lhos. O leitor atento, lendo tal obra, podia distinguir as passagens extraídas de Mateus, de
Marcos, de Lucas ou de João. O mesmo vale para o Pentateuco. Claro, que esta comparação
toma por base os pressupostos da Hipótese Documental.
Dentre estes quatro documentos, temos dois que tratam das sagas nacionais (J e E), e os
outros dois abordam os códigos sacerdotais, um do norte (D) e um do sul (P). É bom levar em
conta a caracterização habitual das quatro tradições, considerando-se que estas generaliza-
ções não são absolutas.
A formação textual como a temos:
nasce do processo de cristalização e estratificação das antigas tradições históricas e
Israel, confluídas em tradições literárias hoje decifráveis através da radiografia críti-
ca do texto e convencionalmente definidas pelos estudos com os nomes pelos quais
Deus é chamado. (RAVASI, 1985, p. 10).
Aceitando a teoria das fontes JEDS a estudiosa Karen Armstrong se posiciona da seguin-
te forma em relação às fontes:
Os estudiosos chamam em geral o épico sulista de “J”, porque os autores sempre
chamavam seu Deus de “Jeová”, ao passo que a saga do norte é conhecida como “E”,
porque esses historiadores preferiam o título mais formal “Eloim”. Mais tarde essas
duas histórias narrativas distintas foram combinadas por um editor para formar a
história única que constitui a espinha dorsal da Bíblia hebraica... J e E não escreviam
relatos históricos modernos. Como Homero e Heródoto,263 eles incluem lendas so-
bre personagens divinos e elementos mitológicos que tentam explicar o sentido do
261. Para detalhes de cada uma dessas hipóteses consultar: (HILL, 2006, pp. 644-652).
262. A afirmação de que cada documento se reconhece por suas características próprias de vocabulário, estilo
e teologia, e que estas constantes permitem reconhecer esses documentos com precisão, é muito criticada
e se torna cada vez mais, um forte argumento quanto a legitimidade desta teoria.
263. “O historiador grego Heródoto (ca. 480-425 a.C.) produziu um dos mais famosos livros da Grécia antiga:
História. Seu foco são as guerras entre a Pérsia e os gregos, que duraram de 490 a 479 a.C., aproximadamen-
te. Heródoto dedicou muita atenção ao contexto das guerras, proporcionando uma visão bastante extensa
do mundo mediterrâneo oriental dos séculos VI e V a.C. Ele é considerado o pai da história ocidental,
porque se limitou aos fatos humanos, evitando os mitos. Contudo, incluiu boatos, lendas e fofocas em seus
relatos e às vezes entendia mal suas fontes.” (Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 1283).
144
Vejamos um esboço da composição, propósito e possível análise de cada uma destas fontes:
264. “A forma “Jehovah” foi escrita pela primeira vez em 1518 por Pedro Gallatino, confessor do Papa Leão X.”
(AUSUBEL, 1964, p. 87).
265. Perícope (do grego περικοπη, “ação de cortar em volta”) é um trecho, pequeno ou longo, retirado de um
texto que tem sentido completo.
145
Esse material teria sido escrito no século X ou IX a.C., mais especificamente aceito entre
960-930 a.C., no reino do Sul, na época de Salomão, antes do reino dividido, por isso é tida
como a fonte mais antiga, e consequentemente a mais importante. Em 1938, Gerhard von
Rad colocou J na corte de Salomão 950 a.C., e argumentou que seu objetivo ao escrever era
fornecer uma justificativa teológica para o estado unificado criado pelo pai de Salomão, Davi.
No século X a.C., nos primeiros anos da Monarquia, algum desconhecido escreveu
essas histórias numa forma narrativa coerente para compor o documento. Foi um
empreendimento patriótico que refletia o sentimento de destino consumado que
Davi e Salomão inspiravam em seu povo. (GABEL, 1993, p. 94).
A paz e a prosperidade que caracterizaram o período eram bem adequadas para o de-
senvolvimento da sabedoria reflexiva e para a produção de obras literárias. Um estudo de
1976 por H. H Schmid entretanto, demonstrou que o Javista conhecia os livros proféticos do
oitavo e sétimo séculos a.C., enquanto que os profetas não conheciam as tradições da Torá,
ou seja, o Javista não poderia ser anterior ao século VII. Porém pesquisadores recentes têm
datado o Javista entre o século VI ou V, ou seja, período exílico ou pós-exílico. Atualmente
alguns até mesmo têm negado a existência do Javista. Uma série de teorias atuais dão lugar à
J no período exílico e/ou pós-exílico VI ao V séculos a.C.
Contrariando posturas recentes em buscar datar o Javista tardiamente Schmidt declara:
Ao contrário do que postula uma tendência mais recente (H. H. Schmid e outros), porém,
não é necessário datar o Javista numa época posterior, visto que não pressupõe nem o fim
do império davídico com o dualismo de Judá e Israel, nem a ameaça representada pelos
assírios ou a mensagem profética de juízo, muito menos ainda a reivindicação deuteronô-
mica da centralização do culto (reforma de Josias) ou até o exílio. (SCHMIDT, 1994, p. 77).
Wellhausen argumentou que J foi a primeira das quatro fontes, e as colocou na ordem
JEDP, mas não tentou datar J com mais precisão do que o período monárquico da história do
antigo Israel e Judá.
O Javista teria vivido na época de Davi ou de Salomão, seu interesse era preservar as
antigas tradições ao se relacionar com outras nações. Muitos pesquisadores alegam que esta
fonte foi composta durante o reinado de Salomão, e destacava o papel de Judá entre as tribos.
“Ao planejar seu trabalho, parece que J se utilizou de antigas confissões de fé ou credos acerca
daquilo que Deus fizera por seu povo” (MCDOWELL, 1997, p. 62). “Como não há nenhuma re-
ferência a Jerusalém e ao templo, poder-se-ia supor como fundo de sua obra os últimos anos
de Davi ou o começo do reinado de Salomão.” (SHREINER, 2004, p. 135). “W. Richter pensa
que J reflete condições e situações concretas dos reinados de Davi e Salomão – por exemplo, o
jardim do Éden lembraria o ‘jardim do rei’, a serpente teria em vista a serpente de bronze que
o rei Ezequias mandou destruir.” (TERRA, 2005, p. 37).
Concernente a identidade do Javista pouco se sabe, levanta-se hipóteses como a de que:
“Evidentemente foi alguém que contava com o apoio do governo – embora não serviço real do
governo – o qual fornecia uma espécie de ‘epopeia nacional’ para o jovem reino de Davi e Sa-
lomão.266 (GOTTWALD, 1988, p. 140). Procurando responder à pergunta: A que meio pertencia
este autor? Monloubou declara:
266. Muitos estudiosos e até mesmo alguns adeptos da Hipótese Documentária negam que tenha existido o
grande reino de Davi e Salomão, e alguns vão tão longe que chegam a teorizar que esses homens foram
figuras lendárias, não personagens históricos.
146
Não nos esqueçamos que ele não estava ligado a círculos levíticos próximos do
sacerdócio. Pelo fato de sua obra estar muito perto dos relatos que descrevem a su-
cessão de Davi (2 Sm 9-10 e 1 Rs 1-2), situam-no em ambiente palaciano. E porque o
trabalho também aborda com frequência, assuntos que interessam os Sábios, pode-
-se supor que o narrador J pertencia a tal círculo de escribas, numerosos na corte
salomônica, e cuja reflexão era definida como uma sabedoria. (1977, p. 46).
147
A narrativa Javista engloba um período aproximado que vai desde a criação do mundo
até a entrada de Israel em Canaã. Em sua forma primitiva a obra Jeovista não mais existe.
“Em sua redação literária, o autor jeovista comportou-se de maneira a dar prioridade à fonte
Javista, só se servindo da fonte Eloísta em certos trechos especiais e de teor complementar.”
(LÄPPLE, 1976, p. 42).
Com personalidade forte o Javista reuniu antigas tradições das tribos e dos santuários,
baseado em uma doutrina religiosa e nacional. “Foi o primeiro redator a recolher lendas,
mitos, poemas e mesmo crônicas bem conhecidas por outros povos, como os babilônios,
compilando assim uma grandiosa história do povo de Deus.” (McDOWELL, 1997, p. 62). Ain-
da, segundo Martin-Achard o Javista teria sido escrito no reino de Judá “e seria segundo uma
hipótese recente, o desenvolvimento de um antigo credo ritual lembrando as diversas etapas
da história do povo eleito (Dt 26.5-10; Js 24.2-13).” (MARTIN-ACHARD, 1970, p. 15).
É atribuído ao Javista o papel de principal fonte, e de conter o maior material teológico
do Pentateuco centralizado na criação nos patriarcas e no povo. Algumas vezes é caracteri-
zado por colocar ênfase no poder concedido por Javé àqueles menos favorecidos diante dos
homens, como nos casos onde o mais novo recebe as bênçãos no lugar do primogênito (Caim
e Abel, Ismael e Isaac, Esaú e Jacó, Lea e Raquel, José e seus irmãos, e de Zara e Farés) e textos
que evidenciam que o poder não pertence aos homens, mas a Javé.
Wolff apresenta algumas características do Javista peculiares:
Sua visão de Deus nos parece também arcaica. Iahweh anda “a brisa do dia”, chama
pelo homem atrás dos arbustos (Gn 2.8ss) e deixa que Abraão lhe sirva um lauto
banquete (Gn 18.6ss). Essa linguagem mítico-antropomórfica não embaraçou o Ja-
vista. O fato de Iahweh se aproximar do homem, tratar com ele, trabalhar com ele
como fabricante de vasos (Gn 2.7), jardineiro (Gn 2.8), alfaiate (Gn 3.21) e chamar o
homem de maneira a não poder deixar de ser ouvido, tudo isto, para o Javista, é mais
importante do que pensar metafisicamente. (1978, p. 30).
Michael D. Coogan269 sugere três temas recorrentes na tradição Javista: a relação entre os
seres humanos e o solo, a separação entre o homem e Deus e a corrupção humana progressiva.
Muitas são as teorias a respeito do Javista, o que havia de acordo, hoje se mostra como
um emaranhado de ideias, sem que nenhuma delas se aplique por completo. Se o Javista foi
composto antes, durante ou depois do exílio é um ponto que parece não haver um acordo.
Muitos pesquisadores entendem que os textos de J precisam ser datados mais tarde. Aliás, o
que vemos principalmente nas pesquisas antigas sobre as fontes, é que os exegetas quanto
mais às pesquisavam, mais viam suas hipóteses se juntarem as outras e com isso formarem
uma grande confusão que nem mesmo eles deram conta de solucionar.
Stanford, disse: “Para reduzir-se Homero a um mito ou a um simples comitê seria necessário um ácido muito
mais forte do que o que a escola Wolfiana tem sido capaz de fornecer”. Continua ele: “Um livro é uma obra
mestra, não um acidente”. E adverte mais adiante: “Nenhum processo de acréscimo poderia explicar a grande
unidade do tema, desenvolvimento, caráter, espírito e estilo que achamos em Homero. Podíamos igualmente
imaginar que o Panteão resulta do acaso de conglomeração de cabanas rústicas no curso dos séculos”. É di-
fícil ver, diante de tais fatos, como alguém poderia sentir-se, de modo muito diferente, a respeito do livro de
Gênesis... Meia dúzia de motocicletas não podem ser combinadas para fabricar um Rolls-Royce. (Allan A. Mac
Rae. O Assalta da Alta Crítica contra as Escrituras).
269. Michael D Coogan. A Brief Introduction to the Old Testament, (2009). Oxford University Press. É Professor
de Bíblia Hebraica e Antigo Testamento na Harvard Divinity School, Diretor de Publicações para o Harvard
semita Museum, Editor chefe do Oxford Biblical Studies on-line, e Professor Emérito de Estudos Religiosos
da Stonehill College. Coogan também participou e dirigiu as escavações arqueológicas em Israel, Jordânia,
Chipre e Egito.
148
Alguns eruditos posteriormente têm subdividido esta fonte em J¹, J², J³, devido à falta de
unidade, por exemplo: J¹ e J² defendida por Rudolph Smend270, Walther Eichrodt271, H. Holzin-
ger272, J. Meinhold273, J. Steinmann; e J¹, J² e J³ defendida por C. A. Simpson.274 Embora eruditos
mais recentes tendem a fragmentar J em fontes separadas (J¹ e J², etc.), a tendência tem sido
manter a divisão quaternária JEDP.
Esta tese foi aceita, embora com ligeiras modificações, entre outros por Eichrodt, Hol-
zinger, Meinhold, Eissfeldt, Simpson e Fohrer. Eissfeldt, por sua vez, substitui a designação J¹
pela de “L” (Laienquelle, “fonte leiga”), para indicar a diferença desta fonte em confronto com
o interesse Sacerdotal e cultual que se observa em P, ao passo que Fohrer prefere designá-la
com a sigla “N”, em vista do seu pronunciado sabor nômade. Independentemente de Smend,
Morgenstern admite a existência de uma fonte quenita “K”, de Keniter-Quelle, surgida por
volta de IX a.C., no sul da Palestina, e Pfeiffer, uma fonte mais antiga “S”, surgida em Seir ou
no sul da Palestina, no século X a.C. Em contraposição com estas teses, Hölscher pretendeu,
mais do que ninguém, demonstrar a unidade de J.
Interessante mencionar que o amplamente divulgado livro de Harold Bloom e David
Rosenberg, The Book of J, 1990, argumenta que o autor do documento J, a fonte literária prin-
cipal mais antiga do Pentateuco, era uma mulher da corte do rei Salomão.
270. Die Erzaehlung des Hexateuch auf ihre Quellen untersucht, 1912. E também Lehrbuch der alttestamentli-
chen Religionsgeschichte, 1893 (Compêndio da história da religião veterotestamentária).
271. Die Quellen der Gênesis, Giessen, 1916.
272. Einteilung in den Hexateuch, mit Tebellen uber dio Quellenscherdung.
273. Die jahwistische Berichte in Gn. 12-50, no ZAW, vol. 39, p. 42-57.
274. A lista de pesquisadores foi extraída de: (SHREINER. 2004. pp. 481-482).
149
Do mesmo modo Gottwald apresenta um minucioso quadro pelo qual teria ocorrido a
junção de JE com P:
A junção de JE associadas a P foi realizada, quer pelo escritor P, quer por um editor
independente. Os estudiosos que acentuam a escassez de narrativa em P sentem-se
propensos a ver P como tendo incorporado diretamente JE no decorrer da composi-
ção, de maneira que a escrita de P na forma final e a redação de JE+P constituíram-se
com efeito num único processo. Os estudiosos que acentuam a distância ritual entre
JE e P duvidam de que P pudesse ter aceito os materiais de JE ritualmente ‘frouxos’,
com o resultado de que eles se inclinam para um redator independente quanto a
JE+P... O efeito de juntar JE e P foi o de afirmar as antigas tendências políticas e
religiosas de JE, ao mesmo tempo, porém de subordiná-las às preocupações rituais
pretenciosas da composição da estrutura Sacerdotal. (1988, p. 143).
Exegetas posteriores em virtude das dificuldades apresentadas por esta teoria, propu-
seram uma hipótese que entendia haver um Javista primitivo que ganhou corpo através de
sucessivos acréscimos redacionais. Pesquisadores do Canadá e da Suíça, recentemente tem
ganhado força ao atribuir ao Javista não mais o posto de fonte mais antiga, e o colocam como
pós-Deuteronomista, ou seja, no período do exílio, consequentemente estes pesquisadores
atribuem a P uma época pós-exílica. Entre os exegetas canadenses de mais expressão temos J.
Van Seters, e entre os suíços e alemães H. H. Schmid.
Paul Volz e Wilhelm Rudolph cooperaram em 1933 na publicação dum estudo in-
titulado: Der Elohist als Erzähler: em Irrweg der Pentateuchkritik? (O Eloísta como
Narrador: Caminho Errado na Crítica do Pentateuco?). Depois de reexaminar cui-
dadosamente as passagens E, estes estudiosos chegaram à conclusão que realmente
não havia nenhum fundamento realmente válido para se distinguir uma fonte E,
separada e coerente. Estas passagens seriam realmente partes de J, ou suplementos
a J. Volz propôs a abolição do conceito de J e E como fontes separadas, voltando a
uma ideia semelhante à Hipótese Suplementária antiga. Em Gênesis temos um úni-
co narrador “J” e E não era nada mais do que um redator posterior desta obra J, que
talvez interpolou algumas seções dele mesmo. (ARCHER, 2003, p. 487).
A contribuição de Mowinckel pode ser classificada também aqui. Para ele, E não seria um
documento separado de J, mas simplesmente uma adaptação religiosa judaística da matéria jeo-
vística. E seria mais um processo do que um documento. Semelhantemente, a abordagem de
Pedersen (p. 104) envolvia uma negação total da existência separada de J e E. Ambas representam
matéria oral que remonta até as épocas mais antigas, e juntamente recebiam sua forma escrita
depois da volta do Exílio. Deste modo, o Javista se transforma de invariatus em Javista variatus.
Posteriormente tem se buscado atribuir aos autores das supostas fontes um papel teo-
lógico, que apresentaram uma mensagem a seus contemporâneos. “Assim, a obra do Javista
é considerada uma mensagem dirigida à época de Salomão, instando Israel a ser bênção para
as nações de acordo com a promessa de Gn 12”. (CLINES, David J. A. In: BRUCE, 2008, p.116).
275. Esse termo, traduzido simplesmente pelo nome “Deus”, é uma palavra hebraica genérica – Deus em portu-
guês, God em inglês, Dieu em francês e Gott em alemão.
150
O uso da palavra genérica para divindade “Elohim”, em vez do nome mais pessoal, Yah-
weh, antes de Êxodo 3, e descrições de Yahweh de natureza mais impessoal (por exemplo,
falando através de sonhos, profetas, anjos e ao invés de aparências pessoais), indicam a fonte
Eloísta, de acordo com a Hipótese Documentária. A narrativa do Eloísta não começa com
uma descrição da criação da humanidade por Yahweh, mas com o aviso divino a Abraão, o
antepassado de Israel. Pelo fato da fonte Javista e da fonte Eloísta usarem “Yahweh” para Deus
depois de Êxodo 3, é mais difícil de discernir o Eloísta do material de origem Javista a partir
desse ponto. A fonte E tem muitos paralelos com J, muitas vezes duplicando as narrativas. O
Eloísta compõe um terço do Gênesis e a metade do Êxodo, além de fragmentos de Números.
A fonte Eloísta descreve um Deus humano como inicialmente sendo chamado de Elohim, e
sendo chamado de Yahweh posteriormente ao incidente da sarça ardente, em que Elohim se
revela como sendo Yahweh. O Eloísta se concentra no reino de Israel e sobre o sacerdócio de
Siló,277 uma cidade no monte de Efraim e a capital religiosa de Israel no tempo dos Juízes, e
tem um estilo moderadamente eloquente.
A fonte Eloísta permanece um problema, pois é considerada uma fonte de tradições me-
ramente interpoladas e independentes, ou uma redação de J que nunca existiu em si mesma.
276. Atribuir à origem da fonte J a Judá, e E a Efraim, é apenas uma coincidência geográfica.
277. “Siló ficava 14 quilômetros ao norte de Betel. Essa espécie de ponto central da religião tribal (santuário)
tem numerosos paralelos em antigas culturas extrabíblicas. Cf. A anfictionia délfica, na Grécia, a antictio-
nia etrusca, na Itália, o templo do deus da lua, Sin, em Harã, e o santuário de Béltis-ekalli, em Qatna, além
dos templos de Nínive, Assur e Nipur. A destruição de Siló (c. 1050 a.C.) é confirmada pelas escavações
dinamarquesas no sítio (Cf. Jr 7.12-15; 26.6-7).” (UNGER, 2006, p. 150).
151
Ela tem sido associada às tradições do reino do norte e supostamente enfatiza a moralidade,
além de refletir a resposta apropriada de Israel: fé e temor ao Senhor.
A teologia da Eloísta se concentra em quatro elementos principais: 1) A Liderança Pro-
fética, 2) o temor de Deus, 3) A Aliança, e 4) a Teologia da História. A liderança profética é
enfatizada pela construção da narrativa nos quatro ancestrais (Abraão, Jacó, José e Moisés),
que se apresentam como profetas que recebem revelações de Deus em visões e sonhos. O
conceito de temor de Deus do Eloísta vai além do temor reverente, e é a raiz da obediência de
Abraão para a ordem de matar seu filho. A aliança é enfatizada pelo Eloísta em várias ocasiões,
nomeadamente na cerimônia de aliança de Êxodo 24, no estabelecimento da tenda da con-
gregação, e na rebelião de Israel no Sinai com a adoração do bezerro de ouro, que apresenta
a visão pessimista do Eloísta sobre a propensão de Israel de violar sua aliança com Deus. A
teologia Eloísta da história é focada sobre a nação de Israel, e é muito mais inclinada do que
a Javista para se concentrar nos aspectos especificamente religiosos de oração, sacrifício e
revelações proféticas. O objetivo da história de Israel é explicitamente religioso: ser “um reino
de sacerdotes e uma nação santa”.
O Eloísta, dava ênfase especial a Moisés e o tinha como personagem carismático e
salvador, e acreditava ter Deus revelado seu nome a Moisés. “Para ele, Deus é sublime e
majestoso, e não o concebe em termos antropomórficos (humanos), como o Javista, e pa-
rece ser um Deus mais inacessível ao homem.” (FRANCISCO, 1969, p. 28). Com o Eloísta
a transcendência de Deus é ressaltada, expressando as manifestações de Deus através de
visões, sonhos e falando do meio do fogo e das nuvens; juntamente com o temor a Deus.278
A fonte ou tradição Eloísta é identificada pela primeira vez somente em Gênesis 15, tendo
um estilo anedótico,279 e se estende até Números 32, embora se atribua a ela passagens em
Deuteronômio.
Esse documento contém textos muito aproximados de J. Neles também aparecem
múltiplos relatos vivos, animados por diálogos, mas considerados menos pitorescos.
Mais resumidos, são também mais simples... O Deus de E é menos humanizado do
que o de J; os antropomorfismos desapareceram. Não é tomando a figura humana que
Deus encontra os homens; ele lhes aparece de maneira mais indireta, mais sutil, de
maneira que melhor exprime a sua transcendência... o vocabulário de E é menos va-
riado do que o de J, mas sem a monotonia do léxico de P. (MONLOUBOU, 1977, p. 46).
O Eloísta possuía um interesse maior pelos círculos proféticos, e pelo antigo Israel com
sua aliança com Yahweh, ao contrário do J e E não mantinha uma perspectiva universal, mas
concentrava-se em Israel – o povo de Deus. As preocupações do Eloísta são principalmente
morais. O temor a Deus é uma característica forte em E, e esta tradição possui características
mais sóbrias e uniformes, do que a Javista. Assim, o tema notavelmente de interesse do Eloísta
é o “temor”, “o estremecimento sagrado diante da proximidade de Deus, é o sentimento fun-
damental da religião de E.” (MONLOUBOU, 1977, p. 47).
278. Pergunta-se, então, se o Sinai teria sido originalmente um vulcão. Esta visão é compartilhada por textos como
Êx 24.17, que menciona fogo no cume do monte, e Dt 4.11s; 5.23s; 9.15, que falam que o monte queima em
fogo e que há nuvens e escuridão. Também somos lembrados da “coluna de fogo” e da “coluna de nuvens”
que acompanham o povo através do deserto (Êx 13.21s; 14.19,24), seriam elas um reflexo de fenômenos
vulcânicos vinculados ao Sinai? Também a história da peregrinação de Elias ao Horebe (1 Rs 19) parece pres-
supor fenômenos vulcânicos: o monte se fendia, tremia e havia fogo nele. Em todos esses casos, no entanto,
Yahweh “desce” sobre o monte. Portanto, ele não reside no monte; somente se manifesta nele. Porém, a Pa-
lestina não conhece vulcões, mas conhece tempestades, que corresponde a descrição em (Êx 19.16-17).
279. Uma narrativa breve de um acontecimento engraçado ou picante.
152
Seus relatos têm início somente com Abraão, não dando assim atenção às origens, mas
da mesma forma que o Javista sua atuação se estende até Canaã e possivelmente sua conquis-
ta. Nota-se que o Eloísta considera a lei e a revelação primariamente sob um aspecto moral, e
secundariamente cultual. Foi mais objetivo do que J no seu estilo narrativo, e tinha menos cons-
ciência de reflexão ética e teológica. Sua tendência era deter-se em particularidades concretas.
Para Gottwald “O Eloísta colocou ênfase especial no primitivo Israel como uma comu-
nidade obrigada religiosa e eticamente pelo pacto (ou aliança) com Iahweh.” (1988, p. 141).
E continua: “Se as afinidades mais próximas de J estavam com os círculos da corte em Jeru-
salém, as conexões mais íntimas de E parece terem sido os círculos proféticos da espécie que
reverenciava Elias e Eliseu (p. 141)
Também já foi atribuído a esta fonte o papel de conter somente os textos que não po-
diam ser associados às outras fontes, principalmente J, e lhe cabia juntamente o papel de
solucionar passagens difíceis. Devido a isso esta fonte se preservou de forma muito incomple-
ta. Hoje, pouquíssimos estudiosos falam ainda de uma fonte E. (SKA, 2003, p. 146). Exegetas
tem preferido falar somente de J considerando E somente acréscimos de tradição Deuterono-
mista. “O documento elohista não possui a vivacidade dramática e pitoresca, a profundidade
e a delicadeza psicológica, nem a intensidade de nacionalismo profundamente religioso de J.”
(BALLARINI, 1975, p. 77). Muito do que se atribuía a E agora é atribuído a P, “e o que resta tem
tantas lacunas280 que alguns estudiosos negam atualmente que tenha existido tal documento
distinto de J.” (GABEL, 1993, p. 92).
Segundo Wolff, o Eloísta se utiliza de “uma teologia mais refletida, na qual Deus aparece
mais distante... Assim, o Eloísta mostra sua profunda preocupação com o fato de Deus se escon-
der.” (1978, p. 31). Posteriormente tem se buscado atribuir aos autores das supostas fontes um
papel teológico, que apresentaram uma mensagem a seus contemporâneos. “A obra do Eloísta
é um apelo ao Israel do século IX para viver no “temor” de Javé em contraste com os cultos es-
trangeiros que tanto fascínio exerciam sobre Israel”. (CLINES, David J. A. In: BRUCE, 2008, p.116).
Na sua obra, escrita em 1920, intitulada Deuteronomy and the Decalogue (“Deuteronô-
mio e o Decálogo) R. H. Kennett propôs o argumento que E era realmente o mais antigo dos
documentos escritos, e não J, e que E foi composto cerca de 650 a.C. para a população mis-
ta ou híbrida do Israel Setentrional (subsequentemente à deportação das dez tribos em 722
a.C.). Segundo Kennett, a ordem dos documentos seria EJHDP, com as respectivas datas, E
-650, J -615, H -570, D -500, P -450.
Otto Procksch (1874-1947) propôs uma divisão para E, supondo a existência de uma
fonte E¹, escrita no reino do Norte, e uma variante E², produto de ampliações e que teria sur-
gido em Judá, depois da ruína do reino setentrional. Mas nesta tese seria preferível falar em
ampliações no sentido da hipótese complementar. As Quellen (Fontes) de Hupfeld também
enfatizavam a continuidade dos supostos documentos E¹, E² e J.
280. Segue uma explicação do uso de lacunas nos textos bíblicos: Outra técnica importante é a das “lacunas”
na narração, e se refere a partes de informação deliberadamente omitidas pelo escritor para forçar o leitor
a se envolver no drama. O texto controla o processo de preenchimento das lacunas por meio das informa-
ções prévias, o desenvolvimento do enredo e de seus personagens, e as convenções culturais por trás da
história. Dessa maneira, a procura pelo significado é uma indagação e um processo a ser realizado pelos
leitores, que são forçados a mergulhar mais profundamente no mundo narrativo... Por meio das lacunas
na narrativa, a expectativa é ampliada, e o leitor sente as emoções do texto de um modo mais poderoso.
(OSBORNE, 2009, p. 268-269). Erich Auerbach em seu livro Mimesis, 1953, usa uma expressão interessante,
a história é “carregada de contexto”. Com isso, ele quer dizer que a história está subscrita de modo reduzi-
do, exigindo assim, que qualquer leitor que deseje entendê-la entre no processo de explorar suas “lacunas”
(brechas, obscuridades).
153
281. Ao lidar com fontes de pesquisa históricas, devemos tomar precauções apropriadas, vejamos: Na avaliação de
registros do antigo Oriente Médio que pretende ser históricos, o leitor deve também ter em mente que os fa-
tos podem, possivelmente, ter sido um pouco modificados, ou até mesmo falsificados, para satisfazer a algum
objetivo específico. Novamente, nos interesses de uma metodologia crítica apropriada, é necessário investigar
se o escritor original dependia de fontes primárias ou secundárias, e verificar, se possível, se o seu material era
autêntico, equivocado ou mesmo falsificado. Igualmente importante é a questão de o relato ser, verdadeira-
mente, tão objetivo como pretende ser, ou se, na verdade, foi governado por alguma consideração subjetiva
oculta. Neste último aspecto, no entanto, as pressuposições morais do escritor não precisam ter nenhuma in-
fluência particular sobre a objetividade da narrativa, uma vez que as distinções ou avaliações morais são uma
preocupação bastante legítima de uma disciplina como a história, que lida com acontecimentos nas vidas de
seres morais. (HARRISON, 2010, p. 30). E também, que, por toda a história antiga, as fontes sobreviventes são
necessariamente incompletas, e, em alguns casos, até mesmo exageradamente sucintas.
282. “Decalogue”. Dictionary of the Old Testament: Pentateuch. Ed. T. D. Alexander e D. W. Baker, p. 522-532.
Downers Grove, III.: InterVarsity Press, 2002.
154
A lei é para ser suprema sobre todas as outras fontes de autoridade, incluindo reis e fun-
cionários reais, e os profetas são os guardiões da lei: a profecia é a instrução na lei como dada
por meio de Moisés, a lei foi dada por meio de Moisés: é a completa e suficiente revelação da
vontade de Deus, e nada mais é necessário. Deuteronômio é uma iniciativa em favor da aliança à
qual a nação de Israel, às vésperas da conquista, poderia e deveria responder. Para documentar a
fidelidade de Deus a respeito de seu pacto, e o significado de Israel na história, Moisés muito pro-
vavelmente escreveu o livro de Gênesis e o restante do Pentateuco nesse período. Em sua maioria,
Deuteronômio é uma série de discursos feitos por Moisés que estão na linguagem do povo e são
dirigidos a todo o Israel. O propósito é lembrar os velhos e informar os jovens acerca do concerto
com o Senhor e das leis que o compõem. A história de Israel é escrita do ponto de vista deutero-
nômico e seus monarcas são pesados nas balanças deste livro. Foi plausivelmente lido na leitura
da lei quando da reforma efetuada por Esdras e Neemias depois do retorno do exílio, e é provável
que figurava com proeminência nos festivais culturais. Deuteronômio nos ensina que a lealdade a
Deus é a essência da verdadeira espiritualidade. Este princípio não permite acordo com nada que
seja contrário a Deus e exige separação de todas as relações e práticas ilegítimas.
Nota-se no livro de Deuteronômio que Moisés deu uma nova interpretação a Lei, no mo-
mento em que Israel saia de uma vida nômade do deserto para uma vida permanente em Canaã,
com isso Deuteronômio mostra a adaptação da velha lei às condições de vida posteriores.
Para o pesquisador McDowell:
O Deuteronômio pode ser descrito como a reformulação profética e a adaptação a
novas necessidades, partindo de uma legislação mais antiga. É altamente provável
que... a grande massa de preceitos contidos no Deuteronômio seja muito mais anti-
ga do que os dias do próprio autor. E ao arrumá-la conforme fez, combinou-a para
ser um manual de orientação ao povo, além de ter adicionado a isso introduções e
comentários históricos. (McDOWELL, 1997, p. 63).
Antes de ser o último livro do Pentateuco, o Deuteronômio era o primeiro livro da obra
historiográfica Deuteronomista. Desta forma não mais existia um Pentateuco e sim um Tetra-
teuco (Gn-Nm). Com isso, o Deuteronômio teria sido agrupado a Gn-Nm em um momento
tardio. Para Noth as fontes J, E, P não ultrapassam o livro de Números, e P teria falado da morte
de Moisés em Nm. O livro de Deuteronômio já foi de tal importância para os críticos “que che-
gou a ser chamado de Tendão de Aquiles do criticismo do Pentateuco.” (YOUNG, 1964, p. 156),
e “pedra fundamental de toda a hipótese Documentária do Pentateuco” (LASOR, 1999, p. 124).
A fonte Deuteronomista. Derivado da palavra Deuteronômio, D representa a escola que
teria produzido o livro de Deuteronômio juntamente com os profetas posteriores. Esta fonte
pressupõe um período de reforma social, política e religiosa centralizada no templo de Jerusa-
lém. O livro de Deuteronômio segundo alguns críticos teria sido escrito por volta do século VII
a.C. no contexto da reforma283 de Josias em 622 a.C.284 (2 Rs 23.1-3). Rad, se posiciona a favor da
composição josiânica do livro de Deuteronômio, vejamos: “o Israel a que Moisés se dirigia era
na realidade o Israel do fim da época da monarquia. Era o Israel de Josias.” (RAD, 2006, p. 688).
283. A reforma consistia em “purificar” a religião judaíta dos resquícios de cultos assírios e outros cultos “estran-
geiros”, resgatar a unidade do povo, estabelecendo o culto a um único Deus, o Deus nacional Yahweh, num
único lugar de culto, o templo oficial do Estado em Jerusalém. Dessa forma se acreditava poder restabele-
cer a autonomia política e religiosa.
284. Alega-se que as práticas pagãs proibidas no livro de Deuteronômio coincidem com a época de Josias por-
que seu predecessor, Manassés, nutriu este tipo de adoração para agradar seu senhor assírio. A reforma do
rei Josias se concentrava na reforma religiosa.
155
Este episódio desencadeou uma série de reformas que os estudiosos deste ponto de vista
declaram que foi baseada em Deuteronômio (2 Rs 22.8-23.25; 2 Cr 34.14-35.19). Ponto de des-
taque entre estas reformas foi a retirada dos altares idólatras e dos altares erigidos ao Senhor
nos lugares altos. Os reformadores também insistiram que os sacrifícios deviam ser oferecidos
somente no santuário central em Jerusalém. Estes estudiosos asseveram que a perspectiva de
Deuteronômio é semelhante ao livro de Jeremias, aos dois livros de Reis e a outras literaturas
proféticas de fins do século VIII a.C. a início do século VII a.C. Afirmam que a ideia de um
santuário central exclusivo era desconhecida a tais dignitários como Samuel e Elias. Estas são
algumas das principais razões apresentadas para imputar a autoria de Deuteronômio a um
profeta ou escola profética mais ou menos no começo do século VII a.C.
E. Robertson285 atribui a edição de Deuteronômio a Samuel. Por outro lado, Gustav Höls-
cher (1877-1955) imputa esta tarefa ao período pós-exílico. Desde que De Wette identificou
286
Deuteronômio como sendo o Livro da Lei que foi descoberto por Hilquias no templo287 e lido
a alta voz pelo secretário Safã perante o rei Josias em 621 a.C.,288 (2 Rs 22), a leitura desse li-
vro, cujas cópias haviam sido destruídas durante o reinado idólatra de Manassés, provocou
uma reação profunda no rei Josias, que “rasgou suas vestes” (2 Rs 22.11). O rei enviou uma
delegação a profetiza Hulda para pedir orientação de como proceder, pois, o conteúdo do
livro achado não estava sendo colocado em prática a muito tempo (2 Rs 22.11-20). O rei então
convocou todo o povo, para realizar uma Aliança diante de Yahweh, e como demonstração de
obediência a esta Aliança o povo celebrou a Páscoa, conforme o conteúdo do livro da Aliança
(2 Rs 23.21-23). Pelo conteúdo da reforma de Josias, deixa claro que o livro encontrado era ba-
sicamente o livro de Deuteronômio e, de forma semelhante ao restante do Pentateuco, já que
algumas das medidas adotadas por Josias são o reflexo dos ensinamentos de Moisés.
Quando o texto de 2 Reis 22.13 menciona “... os nossos antepassados não obedeceram às pa-
lavras deste livro, nem agiram de acordo com tudo o que nele esta escrito a nosso respeito”, implica
nitidamente a antiguidade do livro que acaba de ser achado. Da mesma forma ao ser identificado
prontamente como “livro da Lei” indica que já era conhecido antes de ter se perdido.
O rei Josias, da mesma forma ordena a destruição dos lugares de culto, e busca a centra-
lização do culto em Jerusalém (2 Rs 23.4-20). Josias encontrou apoio em textos antigos para
legitimas a destruição de santuários a outras divindades e de santuários ao Deus de Israel que
se tornaram sincretistas (Êx 34.13; 23.24; Dt 7.5; 12.2-3). Instruído pela ruína do reino do Nor-
te, Ezequias quis assegurar a força e a unidade da nação com um retorno as suas tradições, e
a concentração do culto em Jerusalém sob sua vigilância era um elemento dessa política. Mas
a obra de Ezequias não teve futuro e seu primeiro sucessor, Manassés, restabeleceu os lugares
altos, 2 Rs 21.3. O segundo esforço de centralização do culto exclusivamente em Jerusalém,
sob Josias, acontece igualmente no quadro de uma reforma religiosa, 2 Rs 23, historicamente
mais assegurada que a que o Cronista atribui a Ezequias. A conclusão da reforma foi marcada
pela festa da Páscoa que, em consequência da centralização do culto, foi celebrada por todos
em Jerusalém, 2 Rs 23.21-23. Mas essa reforma foi rapidamente comprometida pelos eventos:
156
Josias morreu em Megido em 609, o país recaiu sob domínio estrangeiro, o do Egito e depois
o da Babilônia, e voltou aos antigos costumes: sincretismo no Templo, cultos estrangeiros,
renascimento dos santuários no campo, conforme Jr 7.1-20; 13.27, e outros.
Dillard ao esclarecer os pressupostos da hipótese deuteronomista, declara:
O livro da lei que Josias descobrira no templo (621 a,C.) exigiu a centralização da
adoração de Israel (Dt 12) e, por isso, argumentou-se que na verdade o Deuteronô-
mio havia sido composto como um meio para legitimar a centralização do poder
político religioso de Josias em Jerusalém. Seguindo esse pressuposto, argumenta-se
então que um partidário das reformas de Josias, possivelmente alguém envolvido
na própria produção do Deuteronômio, compôs uma história que apresenta Josias
como o rei ideal (Dt 17.14-20), governando de acordo com o livro da lei e seguindo o
exemplo de Davi. (DILLARD, 2006, p. 146).
Contudo, essa renovação da ideia de guerra santa, transformada pela reflexão teológica,
se liga a uma situação concreta: sob o reinado de Josias, o renascimento do espírito nacional
e a rejeição do jugo assírio põem uma grande esperança no coração do povo e se pode pensar
que esses textos do Deuteronômio inspiraram o rei quando ele tentou se opor à marcha de
157
Neco, 2 Rs 23.29; 2 Cr 35,20s. Isto foi só um fogo de palha, extinto pelo desastre de Megido.
(VAUX, 2004, p. 304).
A data josiânica de D foi considerada a mais segura de todos os “resultados assegurados
das pesquisas modernas” pelos seguidores da escola wellhausiana.
Composto, possivelmente sob a direção do sumo sacerdote Hilquias, como programa
oficial do partido de reforma patrocinado pelo rei Josias no avivamento de 621 a.C.
Seu objetivo era compelir todos os súditos do Reino de Judá a abandonar todos os seus
santuários locais nos “lugares altos” e a trazer todos os seus sacrifícios e contribuições
religiosas ao templo em Jerusalém. Este documento foi profundamente influenciado
pelo movimento profético, especialmente o de Jeremias. Membros desta mesma es-
cola deuteronômica mais tarde fizeram uma obra de redação nas narrativas históricas
registradas em Josué, Juízes, Samuel e Reis. (ARCHER, 2013, p. 475).
Ainda, a fonte Deuteronomista foi escrita em meados do século 6 a.C., com o objetivo
de abordar os contemporâneos no exílio babilônico para mostrar-lhes que os seus sofrimen-
tos foram consequências de séculos de declínio da fidelidade de Israel à Yahweh. A lealdade
para com Yahweh era medida em termos de obediência ao código Deuteronomista. Desde
que Israel e Judá tinham deixado de seguir a lei, suas histórias terminaram em sua destruição
completa, de acordo com o juízo divino previsto em Deuteronômio:
Entretanto, se vocês não obedecerem ao Senhor, ao seu Deus, e não seguirem cuidadosa-
mente todos os seus mandamentos e decretos que hoje lhes dou, todas estas maldições cairão
sobre vocês e os atingirão. (28.15).
Muito se tem discutido a respeito de uma datação de Deuteronômio posterior a Moisés.
Temos também evidências em prol da data de Deuteronômio ser anterior à Divisão da Mo-
narquia. As principais argumentações para datar o Deuteronômio no período da monarquia
são apresentadas a seguir:
“Adam C. Welch e Theodor Oestreicher propuseram uma data do décimo século, entre
os reinados de Davi e Salomão, para a redação do Deuteronômio. A argumentação é que a
reforma de Josias (2 Rs 22-23) não tinha por alvo a centralização do culto em Jerusalém, mas
a purificação dos elementos pagãos assírios (cf. 2 Rs 23.4-20, 24). A reforma se preocupou,
portanto, com Kultreinheit (pureza de culto) e não com Kulteinheit (unidade de culto). Além
disso, ela fora iniciada alguns anos antes da descoberta do livro, não depois (2Cr 24.3). O “livro
da lei” apenas deu um novo ímpeto à reforma.
Afirma-se, também, que Deuteronômio 12.13ss. não faz apologia a um santuário central,
necessariamente, mas aos santuários autorizados de Yahweh. O texto, assim, é uma defesa
do Yahwismo contra o Baalismo, e a tradução do texto hebraico proposta por Oestreicher é:
“Guarda-te que não ofereças os teus holocaustos em todo lugar que vires, mas em qualquer
lugar que o Senhor escolher em qualquer das tuas tribos”. Deste modo, o texto expressava,
de forma diferente, a mesma verdade contida em Êxodo 20.24: “Façam-me um altar de terra
e nele sacrifiquem-me os seus holocaustos e as suas ofertas de comunhão, as suas ovelhas e
158
os seus bois. Onde quer que eu faça celebrar o meu nome, virei a você e o abençoarei”. Seria
absurda a exigência de que toda a população deveria subir a Jerusalém na época da colheita,
assim, portanto, o adorador iria ao santuário de Javé mais próximo.
Segundo Welch, várias leis de Deuteronômio são demasiadamente primitivas para a
monarquia judaica posterior, mas não para o início da monarquia, num momento de transi-
ção com o período de Juízes. Ele defendeu que as tradições contidas no Deuteronômio eram
produto do movimento religioso iniciado por Samuel, no norte de Israel, que alcançaram sua
forma escrita durante o período da monarquia unida. Assim, tanto a prescrição da lei de ho-
micídio cujo assassino fosse desconhecido, que orientava o exercício do julgamento por meio
de sacerdotes (Dt 21-9), quanto o regulamento sobre a proibição ou permissão de determi-
nados grupos estrangeiros participarem da assembleia do Senhor (Dt 23.1-8), encontrariam
sentido no período de transição “Juízes - Reino Unido”, mas não na época da monarquia do
século VII. (NETO, 2014.)
Em 1924 Adam C. Welch de Edinburgo escreveu The Code of Deuteronomy (O Código
do Deuteronômio), indicando que “a lei do santuário único” teria sido completamente im-
praticável no VII século a.C., pois não refletia as condições então prevalecentes. Além disso,
demonstrou que muitos dos regulamentos legais em D eram por demais primitivos em sua
natureza para se enquadrarem na monarquia judaica posterior. Longe de demonstrar uma
origem judaica, algumas das leis indicariam uma origem de Israel do Norte. Seria, portan-
to, muito mais justificável considerar a época de Salomão (décimo século a.C.) como sendo
aquela na qual o núcleo principal, no mínimo, da legislação deuteronômica foi registrado
por escrito. Só um trecho seria uma interpolação atribuível à época de Josias, e este era uma
passagem que exigia o uso do santuário central, e que Josias empregou como sanção do seu
programa de reforma: Deuteronômio 12:1-7.
Diante dos textos que alertam acerca da pureza israelita perante o paganismo canani-
ta, certamente parece ser uma ameaça futura a ser considerada, mais do que um elemento
de corrupção que já tem sobrevivido por séculos. Assim também, é de crucial significação a
maneira pela qual as tribos de Israel são referidas. Se Deuteronômio tivesse sido composto
depois da divisão de 931 a.C., é quase inconcebível que nenhuma referência ou alusão a este
rompimento tivesse achado guarida no texto, mas o fato é que quando se mencionam as tri-
bos, são representadas como sendo entidades separadas, mas todas incluídas na nação única
de Israel (cf. 1:13,15; 5:23; 12:5, 14; 29:10; 31:28). O autor destas passagens não revela a míni-
ma consciência de haver uma separação entre Judá e Efraim. (ARCHER, 2003, p. 179). Temos
ainda segundo alguns autores evidências de que o livro de Deuteronômio tenha sido escrito
no período exílico e pós exílico.
A fonte D no Pentateuco é restrita ao livro de Deuteronômio, embora continue nos livros
posteriores de Josué, Juízes e Reis. Ele toma a forma de uma série de sermões sobre a lei, bem
como recapitula a narrativa do Êxodo e Números. D é uma fonte/tradição muito clara, mas
sua existência no Pentateuco fora do Deuteronômio ainda é obscura. Ela insiste no temor/
amor a Deus em termos de obediência às ordens divinas e sob ameaça de punição. Seu es-
tilo exortativo e sua linguagem dão a ela um selo característico, de modo que é reconhecível
mesmo quando aparece fora do Pentateuco, como nas passagens típicas (Js 1,1-9; 23,3-16) na
OHD (sigla correspondente à Obra Histórica Deuteronomista, que abrange de Josué a 2 Reis e
mostra uma forte influência de D).
O conteúdo de D em parte retoma as leis apregoadas no deserto, e os discursos re-
memoram os principais acontecimentos do Êxodo. Seu conteúdo teria sido levado pelos
levitas para Jerusalém após a tomada de Samaria, em 721 a.C. “O código deuteronômico
159
parece representar, em seu fundo, os costumes do norte trazidos para Jerusalém pelos
levitas depois da queda do reino do norte.” (TERRA, 2005, p. 18).
Segundo os pressupostos críticos, a centralização do culto possui interesses escusos,
vejamos:
Tanto o rei como o sacerdote se uniram no propósito de abolir o culto e o sacrifício
a Jeová fora da cidade capital. A centralização do culto contribuiria ao estreita-
mento da unificação política em todas as partes do reino, e garantiria que todas as
contribuições financeiras dos piedosos viriam encher os cofres dos sacerdotes em
Jerusalém. Este livro, portanto, deve ter sido forjado para servir à campanha gover-
namental, e encenou-se sua descoberta no momento psicológico. Isto fixou a data
da composição em 621 a.C. (a data da reforma de Josias), ou um pouco antes. Assim
surgiu a teoria do Documento D (conforme veio a ser chamado), inteiramente sepa-
rado de J e E quanto à sua origem, composto de tal maneira que apoiaria a política
do governo através das suas referências. (ARCHER, 2003, p. 467).
160
289. Aceitação passiva de ideias, doutrinas ou princípios. Alt em The Origins of Israelite Law. In Essays in Old
Testament History and Religion. Garden City: Doubleday. 1967, foi quem primeiro estabeleceu os dois ti-
pos: as leis apodíticas com mandamentos absolutos que ordenam a “você” fazer algo, e as casuístas ou
condicionais que empregam a fórmula “se então”. Essa abordagem da crítica da forma é hoje aceita em
geral, entretanto seus rótulos são questionáveis e alguns os acham reducionistas e simplistas.
290. Evidente, incontestavelmente demonstrável.
291. “Hamurabi tinha um sério interesse pelo bem-estar do seu povo, e uma de suas primeiras tarefas foi estabe-
lecer um código de leis escrito, que seria uniforme para todo o seu reino. O movimento a favor de um código
legal tinha ficado aparente nos dias de Ur-Nammu e Shulgi, mas naquela época a lei civil era, por natureza,
estabelecida de maneira oral, e abrangia as decisões transmitidas em casos particulares que tinham compa-
recido perante os tribunais. Hamurabi coletou, classificou, e modificou estas decisões sumérias anteriores, e
estendeu o seu escopo para que abrangesse praticamente todos os aspectos da vida civil, social, moral e pro-
fissional. Embora sem dúvida ele incorporasse outros códigos de lei, do Antigo Período Babilônio (1830-1550
a.C.), como os de Eshnunna e Lipit-Ishtar, sua legislação continua sendo um monumento de jurisprudência
da antiguidade. ” (HARRISON, 2010, p. 56). Também temos informações, que no período de Hamurabi houve
um grande crescimento da compilação e edição de textos mágico-religiosos.
292. Chama a atenção que o Egito, onde tanto se escreveu e onde houve tantos processos, não nos tenha deixado
nenhum corpo de leis - o decreto de Horemheb é um texto administrativo - nem tenha conservado memória
de ter existido um rei legislador... Da Babilônia, pelo contrário, possuímos muitas coletâneas legislativas,
ligadas à iniciativa de algum rei ou postas sob seu patrocínio, muito antigas: os códigos de Ur-Nammú de Ur
por volta de 2050 a.C., de Lipit-Ishtar de Isin por volta de 1850, a lei da cidade de Eshnunna, promulgada por
um rei indeterminado muito antes de Hamurabi e talvez anterior a Lipit-Ishtar, finalmente, o Código de Ha-
murabi da Babilônia, por volta de 1700, o primeiro encontrado e o mais completo. Não se trata de “códigos”
propriamente ditos no sentido moderno da palavra, ou seja, corpos de leis obrigatórias aos quais o juiz apela
para pronunciar a sentença... A Coletânea de Leis Assírias, redigida por volta do ano 1100, mas usando ma-
terial mais antigo, foi reconhecida há muito tempo como um livro de direito, um manual de jurisprudência,
limitado a certos domínios, e não como um código que promulga a lei geral do Estado... As leis hititas foram
conservadas em cópias que datam provavelmente do século XIII a.C., mas sua compilação parece remontar
acerca do ano 1500. Opõem com frequência “o que se deve fazer” agora a “o que se fazia antes”. A mudança
representa quase sempre uma atenuação da pena. Elas se apoiam, pois, em um direito consuetudinário an-
terior. Não constituem propriamente um código; formam uma coleção de leis um pouco mais liberal que a
coleção assíria. Elas tratam preferentemente de casos muito particulares, supondo que os casos normais se
resolvam pelas regras simples e comumente admitidas... Essa unidade fundamental do direito oriental é mais
importante que as variantes que se podem investigar nas diversas regiões e épocas. É a expressão de uma
civilização comum, em que a aplicação dos mesmos princípios jurídicos impôs um direito consuetudinário
análogo. (VAUX, 2003, p. 178-179). “Os Textos Hititas. O termo hitita é usado para referir-se pelo menos a três
grupos distintos: (1) Os hatianos, habitantes originais da Ásia Menor central; (2) Os imigrantes indo-europeus
que se estabeleceram na Ásia Menor por volta de 2000 a.C.; e (3) os habitantes das cidades e cidades-estados
da Síria e Mesopotâmia setentrionais, que foram por certo tempo governados pelos hititas e que retiveram
muito de sua cultura. Os hititas não eram um grupo homogêneo, mas representavam a reunião de várias
nações... Esses documentos pactuais hititas são importantes para os estudos do Velho Testamento. Primeiro,
eles fornecem informações a respeito do ambiente histórico dos documentos pactuais do Velho Testamento,
tais como o pacto de Israel ao pé do monte Horebe (Êx 19 a 34), a renovação desse pacto perto de Canaã (Dt
5,16,29) e o pacto em Siquém (Js 24.1-28).” (GRONINGEN, 1995, p. 47-48).
161
está mais claramente expresso em Êxodo 21-23, mas aparece em Levítico também, como por
exemplo, nos capítulos 19,20 e, às vezes, em Deuteronômio.
Por “apodítico” entende-se um direito incondicional, formulado em séries rítmico-mé-
trica (Ex. Dt 20.12). O próprio Decálogo é a mais pura expressão de lei apodítica: “Você deve”,
“você não deve.” Essas expressões apodíticas não estão limitadas, porém, ao Decálogo. Elas
são encontradas em todo o Pentateuco, frequentemente misturadas com as leis de precedên-
cia. Elas estão mais aptas para expressar grandes princípios morais e, dessa forma, mostram a
importância do relacionamento entre a lei e a aliança no Israel antigo.
“...a formulação casuística serve sobretudo para o direito profano, a apodítica sobretudo
para o direito cultual. Contudo, devemos advertir que a diferença de estilos e de seu uso não é
tão clara como se costuma afirmar comumente.” (VAUX, 2003, p. 180).
O Deuteronomista além de colocar o culto exclusivo a Deus (Dt 6.4), centraliza o culto a
Deus em um só lugar (Dt 12.1ss). Com isso o interesse primordial do Deuteronomista é o culto
correto, no lugar correto. Segundo partidários desta teoria notam-se uma variação, pois em
Êx 20:24 parece permitir a ereção de um altar em qualquer lugar, memorável por alguma in-
tervenção divina, e aí imolar vítimas sagradas. Por outro lado, Lv 17:3-9 não admite nenhuma
matança de animal longe do altar, sobre o qual deve ser derramado o sangue, sendo este altar,
em união com o tabernáculo sagrado, o único para todos. Em Dt 12:1-28, segundo a inter-
pretação comum e óbvia, únicos são o templo e o altar, e fora deles não é permitido oferecer
sacrifícios a Deus. Uma razão para semelhante regulamento era impedir que os israelitas se
corrompessem com a adoração pagã dos cananeus.
A supradita escola crítica tira daqui as consequências que temos visto: o Deuteronômio,
o primeiro a ostentar a lei do altar único, foi composto no século VII a.C., pouco antes da
reforma de Josias. O Levítico, que já supõe essa lei, bem como todo o código Sacerdotal ao
qual pertence, é posterior a Josias e ao exílio, acrescentado pouco depois. Os dois escritos
narrativos, o Javista e o Eloísta, que já circulavam separadamente, o primeiro desde o século
IX na Judéia, o segundo desde o século VIII no reino de Israel, refletem a prática mais antiga.
Para Eissfeldt, a influência do Deuteronomista foi tão grande que “neutralizou os documentos
mais antigos, que ou seriam compreendidos num sentido distinto ou simplesmente ignora-
dos.” (GABEL, 1993, p. 93).
Uma série de artigos surgiu de Edward Robertson no Boletim da Biblioteca John Rylands,
em 1936, 1941, 1942 e 1944, defendendo a tese que na época da conquista os hebreus devem
ter entrado na Palestina como comunidade organizada, possuindo o núcleo duma lei, incluin-
do-se o Decálogo e o Livro da Aliança (Êxodo 20-23).
Em 1922 Gustav Hölscher produziu Komposition und Ursprung des Deuteronomiums (A
Composição e Origem de Deuteronômio). Nesta obra, Hölscher declara bem decisivamente
que D não poderia ter sido o Livro da Lei que Hilquias descobriu. A legislação característica de
Deuteronômio não se conforma de maneira alguma com as condições contemporâneas que
prevaleciam na época de Josias. Por exemplo, impor uma lei do santuário único teria sido um
idealismo completamente impraticável antes da tragédia da queda de Jerusalém e a restaura-
ção dos exilados da Babilônia.
Teólogos como R. K. Kennett e Gustav Hölscher propõem uma data para o livro no
período exílico e pós-exílico em círculos sacerdotais. O entendimento deste Sitz im
Leben se dá por questões como a impossibilidade de que um reformador da época
de Josias escrevesse leis como as que constam nos capítulos 13 e 17, quando a gran-
de maioria das cidades de Judá, inclusive Jerusalém, estavam contaminadas pela
idolatria conforme testificam os livros de Reis e Crônicas. Tais leis implicariam na
162
Algumas evidências apontam para um autor que estava fora de Canaã e consequente-
mente do período da monarquia, vejamos:
A perspectiva contrária à influência da religiosidade cananita que o autor de Deu-
teronômio apresenta é de um perigo futuro a ser enfrentado por Israel, não uma
realidade presente na qual o povo está envolvido, como se deu na reforma de Josias
(2 Rs 23.4-24). Isso pode se constatar pela exortação a uma lealdade exclusiva ao Se-
nhor, não servindo “deuses que não conhecestes” (Dt 11.28; cf. 13.2, 6, 13). Ainda, se
aqueles que defendem a autoria do livro no século VII dizem que o objetivo do grupo
reformador profético era abolir os “lugares altos”293 (bāmôṯ) e centralizar o culto
no templo em Jerusalém, por que eles nunca são mencionados? Não se menciona
nenhuma vez os “lugares altos”, e Jerusalém como local central de adoração não é
nem deixada subtendida. (NETO, 2014).
Ademais, se o livro foi escrito para corrigir a prática de adoração nos lugares altos, é sur-
preendente que tal costume não seja especificamente mencionado em Deuteronômio. É de se
esperar que um autor escrevendo em princípios do século VII a.C. fizesse alusão a Jerusalém
ser o santuário central, se um dos propósitos primários do autor (ou autores) fosse centralizar
todos os sacrifícios ali. A semelhança em perspectiva entre este livro e a literatura profética
pode ser explicada pela influência de Deuteronômio nos escritores proféticos.
Ainda demonstrando a incongruência de se afirmar uma datação do período monárqui-
co para o livro de Deuteronômio temos o seguinte parecer:
Em resposta a tais ideias, parece claro que se Deuteronômio foi uma “fraude piedosa”294
projetada para legitimar Jerusalém como santuário único, seu autor fez um péssimo
trabalho, pois a cidade jamais é mencionada no livro. Ao contrário, Deuteronômio
prescreve a construção de um altar no monte Ebal, na região de Samária, rival de Jeru-
salém, e a celebração da renovação da aliança ali! (PINTO, 2008, p. 160).
No entanto, se o livro fosse mesmo uma “fraude piedosa” escrita dutante o reinado de
Josias, seria difícil imaginar como chegou a ser considerado Escritura autorizada. Além disso,
293. Usava-se uma elevação natural, uma saliência de rochedo, mas parece que essa colina era geralmente arti-
ficial: assim podem ser explicados os textos que falam dos bamot que foram “construídos”, 1 Rs 11.7; 14.23;
2 Rs 17.9; 21.3; Jr 19.5, “derrubados” ou “destruídos”, 2 Rs 23.8; Ez 6.3. Esses lugares de culto não foram
inicialmente condenados pela religião de Israel. Samuel oferece um sacrifício no lugar alto de sua cidade, 1
Sm 9.12s, Gibeá tinha “o maior lugar alto”, onde Salomão sacrificou e foi favorecido por uma comunicação
divina, 1 Rs 3.4s. Esses santuários foram frequentados pelos israelitas até o fim da monarquia. Sem dúvida,
Ezequias quis destruí-los em um primeiro esforço de banir o culto a outros deuses, 2 Rs 18.4, mas Manas-
sés os restabeleceu, 2 Rs 21.3, e eles subsistiram até a reforma de Josias, 2 Rs 23. Era grande a tentação de
praticar neles um culto sincretista, de colocar neles, ao lado do altar de Yahweh, a estela de Baal e o poste
sagrado de Ashera, de introduzir neles as práticas imorais e os ritos fúnebres dos cananeus. Nos livros de
Josué a 1 Crônicas são mencionados pelo menos 20 santuários, altares ou lugares altos como locais de
adoração anteriores à época de Salomão, e pelo menos um terço deles aparece em 1 Samuel.
294. Outros acreditam que seja um trabalho que foi composto no estilo de Moisés, sem intenção de enganar.
163
o texto de 2 Reis 22 indica uma aceitação da existência do livro que acabara de ser encontrado,
e o reconhecimento de sua autoridade quando foi lido. Se este livro fosse uma invenção nova,
certamente não teria recebido tal aceitação, e não seria reconhecido como o livro da lei.
Segundo a alegação crítica a empresa literária, que reuniu num escrito as tradições dis-
persas do povo, aconteceu no início da monarquia, quando já se verificam sinais de crise em
certas práticas cultuais que coincidia, de certo modo, com o surgimento do desejo de maior
estabilidade estatal. São os indícios de amadurecimento dos tempos em que se dará a passa-
gem de um sistema tribal para o sistema monárquico.
A leitura feita pelos que defendem uma data na época da reforma josiânica, de que o
Deuteronomista apresenta um conceito posterior e transcendente de Deus, diferente de ou-
tras fontes encontradas no Pentateuco, como, por exemplo, a menção do templo não sendo
mais o lugar da habitação de Deus, mas do “nome de Deus”, cai por terra quando se examina
o texto cuidadosamente. O uso dos textos de Deuteronômio 12.11 e de 1 Reis 8.30, 39, 43, 49
para fundamentar sua perspectiva (textos, classicamente, atribuídos ao Deuteronomista) é
inconsistente com seu contexto próximo. No capítulo 12 de Deuteronômio, o santuário cen-
tral é apresentado como local da própria habitação e presença de Deus nos versos 5, 7 e 18. O
mesmo se dá em 1 Reis 8, nos versos 13, 63-65. A não ser que se divida o texto numa colcha de
retalhos,295 é impossível ver uma distinção entre os conceitos de “presença de Deus” e “nome
de Deus” nos escritos assim chamados Deuteronomistas.
Kaiser, nos ajuda entender a relação entre a “presença de Deus” e o “nome de Deus” na
leitura deuteronômica, vejamos:
O próprio von Rad notou, porém, que o “nome” já estava presente em Êxodo 20:24 e
Êxodo 31. O “nome” aqui, como na teologia antecedente, representava a totalidade do ser, do
caráter e da natureza, assim como foi empregada a palavra “nome” na proibição dada no Sinai
quanto a tomar o nome do Senhor Deus em vão.
Não existe nenhuma evidência no sentido de que Deuteronômio ou Moisés rejeitavam
de qualquer forma este assim-chamado [sic] conceito dialético da habitação divina. O céu não
é a moradia exclusiva de Deus – Ele pode “sentar-se” ou “estar entronizado” ali, mas Ele tam-
bém “tabernaculava” na terra. E Deuteronômio acrescentou à lista das Suas manifestações de
Si mesmo a Israel – o lugar onde faria Seu nome (Sua pessoa) habitar. Aquilo de que Deus já
era dono, Ele agora abertamente possuiu ao mandar “colocar” ou “chamar” Seu nome sobre
ele. (KAISER, 2007, p. 138).
295. O próprio Weinfeld reconhece o suposto “conflito” entre o verso 13 e os demais versículos do texto de 1 Reis
8. Sua explicação é que o deuteronomista reeditou essa oração salomônica, acrescentando a expressão
“nos céus” nos versos que se referiam ao lugar da habitação de Deus (v. 30, 39, 43, 49), a fim de combater
uma ideia antiga de que Deus habitava no templo.
164
Após a destruição de Israel (o reino do norte) pela Assíria em 721 a.C., refugiados chega-
ram ao sul de Judá, levando consigo as tradições, nomeadamente o conceito de Yahweh como o
único Deus, que deve ser servido. Entre aqueles que foram influenciados por essas novas ideias
estavam os aristocratas proprietários de terras (chamados de “povo da terra” na Bíblia), que
forneciam a elite administrativa em Jerusalém. Em 640 a.C. houve uma crise em Judá, quando
o rei Amom foi assassinado. Os aristocratas suprimiram a tentativa de golpe, condenaram os
líderes da revolta à morte e colocaram Josias, filho de Amom com oito anos de idade, no trono.
Judá neste momento era um vassalo da Assíria, mas a Assíria agora começou um declínio
rápido e inesperado no poder, levando a um ressurgimento do nacionalismo em Jerusalém.
Em 622 Josias lançou seu programa de reformas, com base em uma forma primitiva de Deu-
teronômio 5-26, enquadrado como uma aliança (tratado) entre Judá e Yahweh, em que o
Yahweh substituía o rei assírio.
Até o final do século VII a Assíria tinha sido substituída por um novo poder imperial, a
Babilônia. O trauma da destruição de Jerusalém pelos babilônios em 586 a.C., e o exílio que se
seguiu, levou a muita reflexão teológica sobre o significado da tragédia, e a história Deutero-
nomista foi escrita como uma explicação: Israel tinha sido infiel a Yahweh, e o exílio era uma
punição de Deus.
Por volta de 540 a.C, a Babilônia também estava em rápido declínio com a próxima po-
tência em ascensão, a Pérsia. Com o fim da opressão babilônica se tornando cada vez mais
provável, foi dado ao Deuteronômio uma nova introdução e ele foi anexado aos livros de his-
tória como uma introdução teológica geral. A etapa final foi a adição de algumas leis extras
após a queda da Babilônia para os persas em 539 a.C., e o retorno de alguns dos exilados (na
prática, apenas uma pequena fração) para Jerusalém.
296. O livro de M. Noth chama-se: Überlieferungsgeschichtliche Studien, 1943 (Estudos de história das tradições).
165
cursos exortativos do Deuteronômio. Livro este, que, por sua vez, em seus discursos iniciais,
cumpre a função de introdução à coletânea. Para Noth, a OHD (= Obra Histórica Deutero-
nomista) teria sido redigida por um só autor, possivelmente na Palestina do século VI a.C.,
com o objetivo de explicar o fim do reino de Judá e o exílio babilônico então em curso como
fruto da apostasia do povo. Hoje, mais de 60 anos após a “invenção” de Noth, dezenas de hi-
póteses sobre a OHD, espalhadas em milhares de estudos, são propostas pelos especialistas,
destacando-se, entre elas, duas correntes: a de Cross e a de Smend.
A Obra Histórica Deuteronomista implica na “história” escrita à luz da doutrina do Deu-
teronômio. O livro de Deuteronômio se tornou o critério de compreensão de toda a história
do povo de Israel. A historiografia Deuteronomista foi anteriormente apresentada por Noth
em Königsberg, “no dia 8 de julho de 1942, à douta sociedade de Königsberg e pouco depois
publicada.” (SHREINER, 2004, p. 263). Este período abrange cerca de 700 anos da história
israelita – da morte de Moisés até a destruição de Jerusalém juntamente como o cativeiro
babilônico. Ou seja, de Deuteronômio até Reis.297 “Esta divisão do cânon apresenta uma ava-
liação profética da história de Israel desde a conquista de Canaã até o exílio na Babilônia.”
(PRATT, 2004, p. 321).
Para Noth a historiografia Deuteronomista é “o monumento mais antigo da história
humana, que conhecemos, e o único, no Antigo Oriente, fruto de verdadeira historiografia.”
(SHREINER, 2004, p. 263). Noth entendia que:
O Deuteronomista não escreveu sua obra como entretenimento para horas de lazer
ou para a satisfação do seu interesse pela história nacional, mas para ensinar o senti-
do genuíno da história de Israel desde a ocupação da terra até a derrocada da antiga
situação. Para ele este sentido se abre no reconhecimento de que Deus agiu nesta
história de modo perceptível, ao responder à defecção progressiva com exortações
e castigos e, quando estes se mostraram infrutíferos, com a destruição total. (apud
SHREINER, 2004, p. 270).
Para Noth a perspectiva teológica comum nos livros da histórica Deuteronomista, é que
Israel havia transgredido as leis de Deuteronômio e com isso condenado ao exílio. Já para Rad
a perspectiva girava em torno da esperança messiânica, principalmente na continuação da
linhagem de Davi, pois apesar do pecado, a promessa de Davi não havia se perdido.298
O seguinte quadro, pode esclarecer o conjunto da OHD, vejamos:
{
Gênesis | Êxodo | Levítico | Números | Deuteronômio | Josué | Juízes | Samuel | Reis
{
Segundo os defensores desta teoria, o fundamento histórico da elaboração da OHD, ser-
viu aos propósitos de expansão territorial por parte do rei Josias, pois o império assírio estava
se desmantelando, e um livro como o de Josué, que apresenta a conquista da terra de Canaã
pelas tribos de Israel, num longínquo passado, daria uma motivação generalizada à política
de expansão territorial do rei Josias, fundamentando o direito à volta ao espaço geográfico
outrora pertencente às tribos israelitas.
297. Para Noth o livro de Rute não fazia parte da história deuteronomista.
298. Para maiores informações ver: (PRATT Jr., 2004, pp. 320-321).
166
Segundo Lohfink e Braulik (apud, KRAMER, 2006, p. 12) o Deuteronômio e a Obra Histó-
rica Deuteronomista “formaram-se a partir da junção de diversos blocos literários.... ‘modelo
dos blocos’, em alemão, Blockmodell”. Estes blocos seriam acréscimos que foram sendo inse-
ridos, do tempo pré-exílico, exílico e pós-exílico, com acréscimos no início do século IV a.C.,
“quando foi cortado da sequência de livros que vai de Deuteronômio até 2 Reis, que compõe a
Obra Histórica Deuteronomista, e foi acrescentado a um outro conjunto de livros de Gênesis
até Números, formando assim o Pentateuco.” (KRAMER, 2006, p. 37).
Ainda segundo estes autores, os próprios redatores Deuteronomistas, do tempo de
Josias e antes do exílio, elaboraram também a primeira edição da Obra Histórica Deuterono-
mista, fazendo uma descrição básica da história dos reis de Israel e de Judá até 2 Reis, dando
assim origem a primeira elaboração histórica de Moisés até o rei Josias. Lohfink pergunta
pelos critérios que permitem atribuir um texto a autores Deuteronomistas. A teologia Deu-
teronomista é específica de uma época limitada: durante e depois do exílio babilônico. Os
Deuteronomistas acrescentam alguns complementos ao núcleo antigo do Deuteronômio (Dt
12-26) e dão forma à historia Deuteronomista (Js a 2Rs). Na análise, é importante distinguir
entre literatura Deuteronomista propriamente dita (Dtr) e releituras tardias que pressupõem
semelhante literatura (releituras posteriores).
Os Deuteronomistas são vistos mais como uma escola ou movimento de um único au-
tor. É geralmente aceito que a OHD se originou independentemente de ambos os livros de
Gênesis, Êxodo, Números e Levítico, e a história dos livros de Crônicas. A maioria dos estu-
diosos traçam todas ou a maior parte dele para o exílio babilônico (século VI a.C.), e o associa
com a reformulação editorial do Tetrateuco e Jeremias.299
Descrevendo a extensão da OHD, Gottwald apresenta-nos sua circunscrição:
A narrativa contada pela História Deuteronomística começava por uma ‘resenha’ ou
‘segunda narração’ da Lei dada por Moisés além do Jordão, exatamente antes da sua
morte. Ela relatava depois a conquista de Canaã, bem como as histórias dos reinos
unidos e divididos, e terminava no meio do exílio, sendo o seu incidente registrado
por último datável até 561 a.C. (1988, p. 142).
299. Os sermões em prosa no livro de Jeremias estão escritos em um estilo e em uma perspectiva muito próxima
a história deuteronomista, mas ainda sim são diferentes. Estudiosos divergem sobre o quanto o livro é do
próprio Jeremias e quanto de discípulos mais tardios, mas o estudioso francês Thomas Romer identifi-
cou recentemente duas “redações” deuteronomistas (edições) do livro de Jeremias, algum tempo antes
do final do Exílio (539 a.C.), num processo que envolveu também os livros proféticos de Amós e Oséias. É
interessante notar, em referência aos “autores” das obras deuteronomistas que, como Jeremias, o profeta
usa escribas como Baruch para realizar seus fins. É também de salientar que a História nunca menciona
Jeremias, e alguns estudiosos acreditam que os deuteronomistas de “Jeremias” representam um partido
distinto dos deuteronomistas da “história”, com interesses opostos. Porém, estas opiniãos não fazem parte
da erudição evangélica conservadora.
167
Embora a tese de Noth tenha sido amplamente adotada e tenha se tornado o ponto
de partida para discussões posteriores, muitos estudiosos apontaram falhas em sua abor-
dagem. Os pesquisadores desde Noth na sua grande maioria têm aceitado os preceitos
de Noth quanto à existência de uma OHD. Muitos modificaram alguns pontos da teoria
de Noth, dentre o mais destacado se encontra Frank Moore Cross (1921). Segundo Cross,
existem “dois estratos redacionais primários na HD, um Dtr do tempo de Josias e um Dtr,
do tempo do exílio.” (DILLARD, 2006, p. 118). Esta abordagem ficou conhecida como “re-
dação dupla”.
Cross, assim entendia a OHD:
Cross... Identificou uma edição inicial da HD na época de Josias, escrita por um se-
guidor daquele rei para apoiar e legitimar as reformas de Josias, e que tinha um tom
pró-monárquico e otimista. A edição inicial foi então completada por um redator
exílico que acrescentou as narrativas dos demais reis até o exílio e editou o mate-
rial prévio; essa segunda edição enfatizou a condicionalidade da aliança davídica
e apresentava uma perspectiva mais negativa. Cross procurou dessa forma aliviar
a tensão entre a condicionalidade e a incondicionalidade das promessas de Deus a
Davi. (apud DILLARD, 2006, p. 135).
300. Editado originalmente em inglês: The Bible Unearthed. Archaeology’s New Vision of Ancient Israel and the
Origino f Its Texts, New York, The Free Press, 2001.
301. Disponível em: http://blog.airtonjo.com/2005/12/ohdtr-em-estudos-biblicos.html. Acessado em: 24/03/2015.
168
Thomas Römer tem pesquisado as questões mais relevantes da OHD. Após uma intro-
dução à temática e à história da pesquisa, o autor enfrenta o desafio de questões bastante
complexas, como: Por que e como o deuteronomismo surgiu como uma “escola” na época da
hegemonia assíria na Palestina? Os livros que compõem a OHD querem difundir ideias que
interessam a alguém ou a alguma instituição no momento em que a obra foi elaborada? Do
ponto de vista sociológico e ideológico o que acontece com esta obra durante o exílio babilô-
nico e a época persa? A OHD é uma literatura de crise? Qual a influência que ela exerce sobre
a identidade do período pós-exílico?
Thomas Römer tenta responder a tais questões com uma solução de compromisso entre
as mais difundidas hipóteses sobre a origem da OHD, notadamente as soluções de Harvard e
de Göttingen. Ele defende uma desenvolvimento da obra em três estágios, com uma primeira
edição anterior ao exílio (Harvard – F. M. Cross), uma segunda edição durante o exílio (a tese
de M. Noth) e uma edição final no pós-exílio (a edição DtrN de Göttingen – R. Smend).
Na pesquisa estima-se que a OHD tenha sofrido várias redações ao longo de seu processo
de formação. É também amplamente aceito que o mais tardar no final do exílio e certamente
na época do pós-exílio a obra está concluída e gozando de aceitação especial. Neste perío-
do, pode ter acontecido também a junção da OHD com outros textos proféticos, passando
a formar-se o núcleo ampliado da posterior segunda parte do cânon chamado de Profetas
(nebi’im). Assim, pode-se trabalhar com o postulado de que no final do exílio e na época persa
tenha existido já um material histórico e legislativo relativamente vasto, que procurava pres-
tar contas sobre as origens e a trajetória histórica do povo de Israel e especial dar respostas
em termos teológicos à pergunta pelas causas da perda da autonomia de Israel sobre a terra
prometida por Deus a este povo.
Concluindo, não há nada no livro de Deuteronômio, que aponte que o livro foi escrito
por um historiador anônimo da linha “Deuteronomista” que viveu por volta do sétimo século.
Tanto na forma como no conteúno, não há nada que conduza a tais conclusões. Os detalhes
e o estilo do livro estão de acordo com o que é conhecido da Era do Bronze Recente de Canaã,
é consistente com o restante do Pentateuco, e provê uma conclusão literária satisfatória pra
os escritos de Moisés.
302. A palavra estela provém do termo grego stela, que significa “pedra erguida” ou “alçada”. A palavra entrou no
uso comum da arquitetura e da arqueologia para designar objectos em pedra individuais, ou seja, monolí-
ticos, nos quais eram efectuadas esculturas em relevo ou textos.
169
O código de leis de Hamurabi não se originou dele mesmo, mas seguia um padrão já
existente na sociedade mesopotâmia. A legislação do Código de Hamurabi foi agrupada em
aproximadamente trezentas seções, das quais muitas refletiam um cenário social altamente
complexo. Este corpus baseou-se em material legislativo anterior dos sumérios,303 como os códi-
gos de Eshnunna e Lipit-Ishtar, e diversas cópias dele foram feitas sob a forma de stela, de modo
a divulgar o seu conteúdo ao público em geral. Embora a data precisa do Código de Hamurabi
ainda seja incerta, quanto à época em que foi escrito, não pode haver dúvida de que o código
refletia as condições sociais que havia no início do segundo milênio a.C., se não antes disto.
Fazem-se comparações entre a lei casuística da aliança mosaica e os códigos mais
antigos, como o Código de Hamurabi (c. 1700 a.C.), o Código de Lipit-Ishtar (c. 1875
a.C.) e o Código de Ur-Nammu (c. 2050 a.C.). Existem semelhanças suficientes para
confirmar a antiguidade da aliança mosaica – e diferenças ainda mais notáveis para
atestar sua singularidade como revelação divina. (UNGER, 2006, p. 84).
Alguns estudiosos já defenderam a teoria de que Hamurabi era o Anrafel bíblico, rei de Si-
near (Gn 14.1,9), porém poucos sustentam essa ideia hoje. Embora as leis de Hamurabi informem
que já existiam textos legais no início do II milênio a.C. (ao contrário dos que preferem datar os
livros bíblicos da Lei como posteriores ao I milênio – uma data tardia), não parece haver nenhuma
conexão direta entre Hamurabi e a Bíblia. (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 271).
“Os contatos estreitos e, frequentemente, a identidade de expressões encontradas entre
as leis israelitas e o Código de Hamurabi, a coleção assíria ou as leis hititas não se explicam
por empréstimos diretos, mas pela influência de um mesmo direito consuetudinário304 am-
plamente difundido. (VAUX, 2003, p. 179).”
303. “Eram conhecidos como sumérios, nome extraído da sua capital, Sumer, e introduziram a clássica idade
suméria, que iria exercer uma influência profunda sobre todo o desenvolvimento cultural subsequente. Os
sumérios eram uma raça mesclada semita, não indo-européia, que falavam uma língua aglutinativa. Na
aparência, eram escuros, com cabelos também escuros e ondulados, e barbas espessas que justificavam
amplamente a descrição que faziam de si mesmos como “os de cabeça preta”. Mas eram pessoas de capaci-
dade intelectual superior, e isto permitiu que obtivessem o domínio cultural no Oriente Médio desde uma
época muito antiga.” (HARRISON, 2010, p. 41).
304. Direito consuetudinário é o direito que surge dos costumes de uma certa sociedade, não passando por um
processo formal de criação de leis, onde um poder legislativo cria leis, emendas constitucionais, medidas
provisórias etc. No direito consuetudinário, as leis não precisam necessariamente estar num papel ou se-
rem sancionadas ou promulgadas. Os costumes transformam-se nas leis.
170
305. The Old Testament in its Context: 1 From the Origins to the Eve of the Exodus. Disponível em inglês no site:
http://www.biblicalstudies.org.uk. Acessado em 27/02/2015.
306. “O conteúdo da aliança do Sinai era a revelação da Torá, quer dizer, da eleição e da requisição de Israel
por Javé e pela sua vontade jurídica.” (RAD, 2006, p. 636). Aprecio a interpretação existencialista a res-
peito da aliança, que é apresentada por Buber, a aliança “não é um contrato, e sim uma elevação a uma
vida de relacionamento”. Se eles se recusassem a prometer obediência, não haveria história para contar.
O fato de a história ser contada pressupõe Israel como o povo de Yahweh. (BRIGGS, Richard S.; LOHR,
Joel N., 2013, p. 126).
307. Nos tempos históricos em que a Bíblia, ou pelo menos grande parte dela, foi escrita, um pacto se re-
vestia de algumas características específicas. Cinco desses aspectos uniformemente presentes eram os
seguintes: Primeiro, a autodesignação do soberano, um relato do que ele tinha feito, qual a área do seu
domínio, quem eram seus súditos ou vassalos, e qual a relação que se acreditava existir entre o senhor e
seus vassalos, eram os tópicos incluídos na primeira parte do tratado. Segundo, o ato de estabelecer ou
formalizar um pacto era iniciado e completamente controlado pelo senhor. Os vassalos deviam ouvir,
manifestar verbalmente sua aceitação e viver e servir de acordo com o que era estabelecido. Terceiro,
o senhor expressava por escrito, isto é, em forma permanente, a transação pactual toda. O documento
escrito nunca deveria ser alterado, no sentido de ser editado ou reescrito. Se adições ou explanações fos-
sem necessárias, eram acrescentadas ou um novo documento era escrito. Entretanto, ambos os registros
eram preservados: o segundo assumia a legitimidade do primeiro. Quarto, o pacto incluía estipulações
muito específicas que o senhor esperava que os vassalos cumprissem. Parte dessas estipulações eram
provisões para a continuidade do pacto e incluía a vontade expressa do senhor concernente à descen-
dência dos vassalos e sua instrução e preparação para o serviço. Finalmente, o pacto incluía promessas
e ameaças. As promessas eram para os que respondessem afirmativamente em palavras, vida e serviço.
As ameaças eram expressões das terríveis consequências que viriam sobre os que fossem infiéis e deso-
bedientes. (GRONINGEN, 1995, p. 60).
171
308. Tell El-Amarna é o nome árabe de uma localidade que funcionou como capital do Antigo Egito. Estas cartas
são 382 tabletes de barro com inscrições cuneiformes descobertas por uma mulher beduína de Amar-
na acidentalmente em 1887, e representam correspondências diplomáticas em acadiano entre a corte de
Aquenaton “o Esplendor de Aton” (Amenófis IV - 1364-1317 a.C.) e seu pai Amenófis III com os governa-
dores vassalos e príncipes na Síria – Palestina. As cartas são escritas em acádio (babilônio), a linguagem
internacional da época, não em hieróglifos egípcios, e cobre um período de cerca de 20 anos durante a
metade do século XIV a.C. As cartas fornecem informações detalhadas sobre a civilização do Oriente Pró-
ximo no segundo milênio a.C. “Tell” se refere a elevações, ou seja, colinas formadas através do tempo por
assentamentos humanos e depósitos.
309. “A escrita cuneiforme da Babilônia era a língua oficial para a correspondência internacional de todos os
tipos, e em Akhetaton havia estabelecimentos para o aprendizado da língua. Esses documentos esclare-
cem consideravelmente a maneira como os egípcios administravam suas possessões em Canaã... Estes
textos fornecem informações valiosas sobre as condições que existiam na Palestina algum tempo antes da
ocupação pelos hebreus, e mostram que a era de Amarna foi de deterioração política no império egípcio.”
(HARRISON, 2010, p. 113-114). “Na antiga Babilônia, o material de escrita mais usado era o tablete de
barro. Os mais antigos foram produzidos na cidade de Uruk durante o IV milênio a.C. O barro estava dis-
ponível em tal abundância e era tão fácil de ser moldado em tabletes para escrita que não havia obstáculos
para produzir tabletes em grande quantidade. Assim, mais de meio milhão de documentos nesse formato
foram descobertos, datando desde o antigo Oriente Médio. Por volta do III milênio foi inventado o cunei-
forme. Do latim ‘em forma de cunha’, é assim chamado por causa da marca feita por um estilete de cana,
triangular numa das pontas, que era pressionado no barro úmido para fazer linhas em forma de cunha.”
(Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 1108).
310. Os tabletes cuneiformes que foram encontrados em Boghazköy estavam escritos em acadiano, a lingua
diplomática das civilizações do antigo oriente médio. Boghazköy não era uma mera cidade, mas a capital
do reino dos hititas.
172
173
(cf. Dt 1.1-5; cap. 5 e 6). Segue-se uma síntese histórica (cf. 1.6-4.49) e logo depois as esti-
pulações relacionadas às obrigações militares e de extradição (cf. cap. 7-26). Nesse ponto, o
tratado de Supiluliuma evoca deuses e deusas como testemunhas e pronuncia maldições para
a desobediência e bênçãos para a obediência. Deuteronîmio 27-30 também pronuncia maldi-
ções e bênçãos, mas 30.19 evoca o céu e a terra, não os deuses menores, como testemunhas.
Isso posto, indica mais uma vez, que Deuteronômio é notavelmente semelhante, em forma e
conteúdo, aos tratados hititas do segundo milênio a.C., e nos ajudam compreender o contexto
literário do Deuterômio.314
Devido a estas insformações, fica evidente o fato de que os povos e os tempos do Anti-
go Testamento não podem, e não devem ser estudados de forma isolada do amplo cenário
do Oriente Médio. Qualquer informação que possa ser obtida, sobre a história, a religião, as
línguas, a literatura e as culturas dos antigos povos orientais, necessariamente terão uma im-
portante influência em aspectos comparáveis do Antigo Testamento.
Segue-se, uma breve comparação entre os tratados neo-assírios do século VII a.C., e os
tratados hititas do antigo Oriente Médio:
Os estudiosos que defendem uma data posterior apontam para a ordem das maldições em
Deuteronômio 27 e para as semelhanças com os tratados neo-assírios da época de Esar-Hadom.
Há em Deueteronîmio frases encontradas nos tratados neo-assírios, como “seguir”, “temer”
e “ouvir a voz de”.
Contudo, alguns dos historiadores que apoiam a data mais antiga apontam para os
tratados hititas, que incuíam um prólogo histórico, como existe em Deuteronômio, caracte-
rística ausente nos tratados neo-assírios.
Tanto Deuteronômio quanto os tratados hititas usam a palavra “amor” para indicar a fi-
delidade do vassalo para com o soberano, mas esse uso está ausente nos tratados neo-assírios
(nestes, o “amor” é exigido apenas do vassalo). Um idêntico uso dual da palavra “amor” apa-
rece nas Cartas de Amarna, datadas do século XIV a.C., a correspondência entre o Egito e seus
aliados vassalos do Siro-Palestina.
Fato ainda mais significativo é que a estrutura geral do Deuterômio segue mais de
perto a estrutura dos tratados hititas (séc. XIV a.C.) que dos tratados neo-assírios
(séc. VII a.C). (Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 259).
Kenneth Kitchen, ainda, observou que o uso da palavra hebraica berîṯ (aliança) junta-
mente com ’ālâ (juramento) numa construção literária de hendíade,315 conforme aparece em
Deuteronômio 29.12, 14 (NVI), é compartilhada apenas com os tratados hititas do segundo
milênio, não encontrando qualquer paralelo nos tratados do milênio posterior.316
A conexão mais próxima de Deuteronômio com os tratados antigos confirma que o
livro foi escrito durante o período mosaico, não no posterior período monárquico de
Israel (final do século VII a.C.), como afirmam muitos estudiosos. Além disso, a seme-
lhança entre Deuteronômio e esses antigos tratados é forte indicação de que o livro
deve ser considerado uma unidade literária essencial, não uma composição tardia
baseada em materiais de várias fontes. (Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 255).
314. Para maiores detalhes sobre as leis de Eshnunna, ver: Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 269.
315. Hendíade é uma figura de retórica que consiste na utilização de dois nomes ou substantivos coordenados
em vez de um substantivo e seu atributo. Por extensão, é o uso de duas palavras para expressar um só con-
ceito. Como exemplo temos: “bens e dinheiro” por “riqueza”.
316. KITCHEN, K.A. Ancient Orient and Old Testament. p. 98-99.
174
Em 1919, Martin Kegel produziu Die Kultusreformation des Josias (A Reforma do Culto
por Josias), dando seus motivos em considerar que a data 621 a.C. não era sustentável para D.
Além disto, a asseveração tão frequentemente repetida, que o propósito central da reforma
de Josias era impor o culto no santuário central (o templo em Jerusalém) não é sustentada
pela evidência de 2 Reis e 1 Crônicas; estes livros demonstram que seu propósito central era
purificar a adoração a Jeová da idolatria.
A fonte deuteronômica “D” possui um papel crucial dentro das pesquisas documentais,
pois é através da datação de alguns acontecimentos narrados do livro de Deuteronômio que de-
pende a datação das demais fontes. Comumente entre os críticos o livro que foi descoberto no
templo de Jerusalém, em 622 a.C, trata-se do Deuteronômio, e a discordância quanto à data em
que foi escrito, mas a maioria aponta um pequeno período antes de sua descoberta em 622. a.C.
Meredith G. Kline, em suas pesquisas sobre a natureza de antigos tratados do Oriente Próximo
entre reis e vassalos, enfatizou a unidade e a integridade estruturais de Deuteronômio. E declara:
Quando examinado como um todo o livro apresenta em grande escala a formulação
completa dos tratados do antigo Oriente Próximo. Como tal, não mais poderia ser
considerado o produto final de uma série de redações que atingiram sua forma final
no sétimo século AC... qualquer insistência persistente numa edição final do livro
por volta do sétimo século AC nada mais representa senão uma hipótese vestigial,
incapaz de assumir função significativa no campo da crítica do Velho Testamento.
(THOMPSON, 1991, p. 50-51).
Pesquisadores evangélicos tais como Kline e Kitchen “têm defendido de maneira enfáti-
ca que a estrutura literária de Deuteronômio é por demais semelhante aos tratados políticos
do segundo milênio a.C.” (HAMILTON, 2006, p. 430).317 Não podemos concordar com a da-
tação do Deuteronômio em 622 a.C., pois o período que coaduna com o seu conteúdo em
âmbito geral, é o período pré-profético. Para Kitchen (apud GRONINGEN, 2002, p. 472) “mui-
to do que é chamado deuteronômico é conceitualmente comum nas religiões e sociedade do
Oriente Próximo Bíblico”. Mendenhall e Kline observaram semelhanças estruturais entre a
aliança do Sinai e os tratados hititas de suserania. As correspondências atentam a autentici-
dade da revelação divina a Moisés no monte Sinai.
Verifica-se que o título mais característico referente a Deus empregado em Deu-
teronômio é “o SENHOR teu Deus”. Se o Livro tivesse sido composto no século sete, ou
posteriormente, teria naturalmente que refletir a terminologia teológica dos grandes profetas.
175
Uma obra da época de Josias deveria, no mínimo, refletir os títulos divinos mais empregados
durante o ministério de Jeremias, contemporâneo de Josias. Mas as estatísticas são bem dife-
rentes demonstrando que este título é pouco empregado nos profetas em comparação com
demais títulos divinos. Da mesma forma é verdade especialmente no que diz respeito ao título
“O SENHOR Deus dos seus pais”, que ocorre frequentemente em Deuteronômio mas que
nunca aparece nem nos profetas pré-exílicos nem nos pós-exílicos.
Ainda conforme Archer Jr.:
Além das objeções contra a data da época de Josias, levantadas pelos críticos men-
cionados no Cap. 7 (págs. 108-109), devemos observar como Deuteronômio 16:21,22
não condiz com as condições existentes durante o reinado de Josias. Temos aqui uma
lei que contempla a possibilidade de se fazer mais do que um altar ao Senhor, (pos-
sibilidade natural antes da construção do templo), e, portanto, como Deuteronômio
27:1-8 cria uma verdadeira dificuldade para os que acham que D foi composto com
a finalidade de promover a programação de Josias (isto é, que o único culto válido
seria realizado em Jerusalém, como o centro único). (2003, p. 178).
Embora seja possível que as reformas de Josias foram influenciadas em parte pelas
disposições de Deuteronômio, o propósito de Deuteronômio foi bem além das reformas de
Josias. Para definir a questão em perspectiva correta, só precisa ser observado que a reforma
de Josias, resultou em uma abolição da idolatria, e não no estabelecimento de um santuário
centralizado, tendo este último estabelecido desde os dias de Salomão. A sugestão de que o
propósito de Deuteronômio foi cumprido nas reformas de Josias certamente subestima o âm-
bito da legislação Deuteronômica, e superestima o âmbito das reformas de Josias.
Recentemente tem se buscado atribuir aos autores das supostas fontes um papel teoló-
gico, que apresentaram uma mensagem a seus contemporâneos. “A obra do Deuteronomista
é um programa de reforma nacional, destacando a unidade de Israel e chamando o povo à
adoração unificada de Javé”. (CLINES, David J. A. In: BRUCE, 2008, p.116).
318. Na sua obra Die Compositio des Hexateuchs (1893), J. Wellhausen qualifica a fonte Sacerdotal com a sigla Q
(Quattuor) em razão das quatro alianças existentes no código Sacerdotal: com Adão, Noé, Abraão e Moisés.
Em outra obra, Prolegomena to the history of Israel (1883), ele qualifica a fonte Sacerdotal de Priestercodex
com a letra P. O código sacerdotal, segundo ele pertence à época pós-exílica.
176
Em inglês a sigla correspondente a esta fonte é “P”, pois Sacerdotal em inglês é “priest”
e em alemão “priester”. “Foi, a princípio, denominado Eloísta porque emprega o nome divi-
no de Elohim. Depois, porém, deram-lhe a denominação de Sacerdotal.” (TERRA, 2005, p.
29). Alega-se o nome “Código Sacerdotal” (Priesterkodex) ou “Documento Sacerdotal” (Pries-
terschrift) devido esta fonte dar ênfase as cerimônias, os ritos e as funções sacerdotais da fé
judaica e genealogias. P salienta as regras e os rituais do culto, bem como o papel do sacerdo-
te, expandindo consideravelmente o papel de Arão. Ele contém ordenações muito antigas e
outras bastante recentes, recebendo sua forma definitiva na comunidade judaica que voltou
do Exílio.
Após o exílio do tempo de Esdras, as tradições que falavam das recordações de Israel,
haviam sido inseridas uma espécie de crivo que lhe comunicou certa coerência. Os
elementos textuais que formam este crivo estruturados pelos sacerdotes receberam
o nome de documento Sacerdotal... (MONLOUBOU, 1977, p. 55).
lei, projetar uma comunidade de Israel na qual Iahweh pudesse voltar a ‘tabernacular’ em sua
terra” (BROWN, 2007, p. 52).
Para P Deus é transcendente e majestoso, e todas as coisas acontecem por causa de seu
poder e vontade. Israel é seu povo escolhido e sua relação com eles é regida pelas alianças.
Israel deve preservar sua identidade evitando casamento mistos. Israel deve ser “um reino de
sacerdotes e uma nação santa” (Êx 19.6).319 A presença de Yahweh e de suas bênçãos são des-
critos na fonte Sacerdotal como sendo não sendo intermediados pelo rei, mas sim pelo sumo
sacerdote, mediando no lugar central de adoração.
A fonte Sacerdotal retrata uma estrutura formal em termos de espaço, tempo e estrutura
social. O centro espacial do universo é o santuário, que é modelado pela primeira vez no ta-
bernáculo, e mais tarde no templo modelado após o padrão revelado a Moisés. É neste local
específico que Yahweh quis fazer-se presente ao seu povo. Yahweh providenciou a ordem
temporal em torno de ordens progressivas de sábados: Sete dias, sete meses, sete anos, sete
vezes sete anos. Em termos de estrutura social, a fonte Sacerdotal retrata Yahweh como ga-
rantindo a sua presença para as pessoas particulares “que sabem o seu nome.” O sacerdócio,
o sistema ritual, e a lei representam a ordem cósmica em uma vestimenta Sacerdotal.
Relação entre P e o Pentateuco. P é responsável pela primeira das duas histórias da cria-
ção em Gênesis (Gn 1), pela genealogia de Adão, parte da história do dilúvio, a tabela das
nações, e a genealogia de Sem. A maioria do restante do Gênesis é do Javista, mas P fornece a
aliança com Abraão (Gn 17) e algumas outras histórias sobre Abraão, Isaque e Jacó.
O livro de Êxodo também é dividido entre o Javista e P, e o entendimento comum é que
os escritores sacerdotais foram somando-se à uma narrativa Javista já existente. Os capítulos
1-24 (da escravidão no Egito para aparições de Deus no Sinai) e os capítulos 32-34 (o incidente
do bezerro de ouro) são do Javista, e adições de P são relativamente menores, observando a
obediência de Israel para o comando a ser fecundo e a natureza ordenada de Israel, mesmo no
Egito. Ainda no livro de Êxodo, P foi responsável pelos capítulos 25-31 e 35-40, as instruções
para fazer o Tabernáculo e a história de sua fabricação.
Levítico 1-16 vê o mundo como dividido entre as massas profanas (ou seja, não santas)
e os sacerdotes santos. Qualquer pessoa que incorre em impureza deve ser separada dos sa-
cerdotes e do templo, até que a pureza seja restaurada através da lavagem, do sacrifício, e da
passagem do tempo. Levítico 17-26 é chamado o Código de Santidade, de sua repetida insis-
tência de que Israel deveria ser um povo santo; eruditos o aceitam como um conjunto discreto
dentro da fonte Sacerdotal maior, e traçaram escritos sobre santidade semelhante em outras
partes do Pentateuco. Geralmente quase todo o livro de Levítico é atribuído a P, e o restante
é atribuído a JE.
Em Números a fonte Sacerdotal contribui com os capítulos 1-10.28, 15-20, 25-31 e 33-36,
incluindo, entre outras coisas, dois censos, decisões sobre a posição de levitas e sacerdotes
(incluindo o fornecimento de cidades especiais para os levitas), e o alcance e proteção da ter-
ra prometida. Os temas sacerdotais em Números incluem o significado do sacerdócio para o
bem-estar de Israel (o ritual dos sacerdotes é necessário para tirar as impurezas), e prestação
de sacerdócio como meio de Deus pelo qual ele expressa sua fidelidade à aliança com Israel.
“Como um documento literário, P não pode ser comparado com as fontes mais antigas,
por causa da preocupação com detalhes laboriosos (por exemplo, as genealogias e descrições
319. Segundo muitos adeptos da Hipótese Documentária, Êxodo 19 pode ser “uma das passagens mais refor-
muladas da Bíblia”. (BRIGGS, Richard S.; LOHR, Joel N., 2013, p. 116).
178
Teria P sido uma fonte produzida no século V a.C., ou no século VI a.C.? Quanto à datação
de P é tida como obra exílica ou pós-exílica, tem se proposto atualmente uma data pós-exí-
lica, contrariando o consenso inicial que predominava por volta de 1875 de uma data exílica
formulada principalmente pela hipótese Reuss-Graf-Kuenen-Wellhausen (referindo-se aos
principais defensores da data exílica, mas ficou conhecida como ‘teoria de Wellhausen’).
Segundo alguns pesquisadores sua obra se assemelha a de Ezequiel, talvez e por ele ou
seus discípulos tivesse sido composta. Também se supôs que o Código Sacerdotal teria sido
composto por Esdras ou seus contemporâneos. Ao código Sacerdotal é atribuído por alguns
críticos à redação final do Pentateuco. “A obra Sacerdotal é dirigida aos exilados na Babilônia,
reiterando a autenticidade da religião de Israel e suas tradições cúlticas e renovando a pro-
messa divina da benção e da fartura na terra (Gn 1.26) a uma geração que tinha quase perdido
a esperança do futuro”. (CLINES, David J. A. In: BRUCE, 2008, p.116).
Conforme a estudiosa Karen Armstrong, “P reviu as narrativas JE e acrescentou os livros
dos Números e Levítico, recorrendo a documentos mais antigos – genealogias, leis e textos ri-
tuais -, alguns Escritos, outros oralmente transmitidos”. (ARMSTRONG, 2007, p. 30-31). Para P
o que caracterizava a fé da comunidade era a guarda do sábado e a circuncisão. Esta fonte re-
fletiria possivelmente os pontos de vista de sacerdotes ativistas descendentes de Sadoque que
teriam retornado da Babilônia em 458 a.C. Suas origens remontam a quando os “sacerdotes
exilados de Jerusalém preparam a redação de uma história santa, englobando um corpo ju-
rídico polarizado no culto e destinado a preparar à volta à Terra Santa”. (TERRA, 2005, p. 26).
P é considerado pelos críticos não menos compósito que os outros três documentos,
vejamos as siglas que designam as composições:
Po – Leis sobre os sacrifícios (O = Opfertôrôt), em particular Levítico 1-7.
Ph – Lei de santidade (H = Heiligkeitsgesetz), Levítico 17-26.
Pr – Lei de pureza (R = Reinheitsgesetz), Levítico 11-15.
Ps – O que se considera acréscimo ou suplemento (S = Supplement) às outras partes.
Apesar de P, ser o primeiro documento encontrado na fonte de Gênesis 1, ele teve que ser
colocado como o último documento composto, para que se pudesse justificar por que os auto-
res da história de Israel em Samuel-Reis, e os profetas pré-exílicos, não mencionam a legislação
ritual. Mas do que nunca a existência de P hoje é contestada. Alguns propõem que o escrito
básico Priester Grund PG tenha surgido no exílio, e que posteriormente tenha sido acrescentado
como “Suplemento” da obra Sacerdotal Priester Suplement PS na época pós-exílica.
179
De forma geral os exegetas oscilam entre o período anterior ao exílio; no fim do exílio
ou no começo da volta; ou no período posterior à reconstrução do segundo templo.320 Este
último ponto é aceito pela maioria. Assim temos a tese de que P surgiu por volta de 520 a.C.
na Babilônia ou em torno do século V a.C. em Jerusalém. E quanto a seu final temos a tese de
que P terminou em Dt 34.1a. 7-9; e também que terminou no Sinai (Lv 9.24), ou ainda que
terminou em Js 18.1; 19.51.
No período em que Israel esteve cativo na Babilônia, o povo correu o risco de assimilar
as doutrinas e crenças babilônicas, assim, P teve a necessidade de alterar e adicionar porções
as Escrituras para que se preservasse a religião e a história do povo de Israel. Esta fonte teria
sido o último compilador a trabalhar na formação do Antigo Testamento, dando ao mesmo
os toques finais, e se apresentando de maneira mais evoluída teologicamente. Geralmente se
atribui às outras fontes uma expressão da religião profética, e em P a da religião Sacerdotal.
Segundo Gerhard von Rad a fonte Sacerdotal é constituída de duas correntes paralelas
(PA e PB), a mais nova das quais apresenta caráter predominantemente cúltico e Sacerdotal e é
a que mais se estende em informações sobre pessoas e datas.
P não tem intenção alguma de dar qualquer interpretação envolvente. Concentra-se
essencialmente na codificação, seleção e classificação teológica do material... Com-
parado com o frescor das narrativas Javistas, houve já no passado quem perguntasse
se P deve ser ainda considerado uma exposição historiográfica ou, tendo em vista
a quantidade de leis cúlticas que contém, muito mais um código regulamentador
do culto... A frieza e a rigidez do modo de expor, tão indiferente a tudo que é huma-
no em geral, a qualquer tipo de psicologia, à poesia das situações, não é prova de
que, em relação à história, os temas não são autenticamente teológicos, ainda que
contrariem nosso gosto moderno. Trata-se apenas de temas de um gênero muito
diferente da exposição historiográfica jeovista. (RAD, 2006, p. 228).
P pode ter sido um sacerdote ou um grupo de sacerdotes que viveram durante o exí-
lio babilônico. Preocupava-se com os detalhes do culto “correto” e seu local “correto”, dos
sacrifícios, das leis, das genealogias, dos locais e datas específicos, descrições e medidas exa-
tas. Cultiva também uma perspectiva universal, tanto quanto o Javista. “Este escritor estava
interessado em completar as antigas tradições com materiais que iriam salientar a constitui-
ção institucional e ritual de Israel como comunidade religiosa excepcionalmente separada de
todos os outros povos”. (GOTTWALD, 1988, p. 142). A fonte Sacerdotal procura sempre apre-
sentar as obras de Deus como sendo boas. Devido seu forte interesse por datas e cronologias P
tece a moldura cronológica a qual se baseia o calendário judaico. P se utiliza da fórmula “essas
são as gerações” (Gn 5.1; 6.9; 10.1; 11.10; 11.27; 25.12; 25.19; 36.1, 9; 37.2; Nm 3.1), como meio
de dividir seu material.
320. Para uma discussão sobre a data do código Sacerdotal ver: (SKA, 2003, pp. 171-174).
180
O que podemos concluir é que “não existe unanimidade sobre a extensão e o conteúdo
do escrito Sacerdotal”. (RENDTORFF, 2001, p. 234). Até mesmo a existência da fonte Sacer-
dotal de forma independente tem sido negada, “Cross declarou que o estilo Sacerdotal nunca
existira como fonte independente, mas representava uma releitura das tradições mais antigas
(JE).” (RENDTORFF, 2001, p. 236).
O estudioso bíblico norte-americano Frank Moore Cross publicou um trabalho influente
chamado Canaanite Myth and Hebrew Epic, 1973 (Mito Cananeu e Épico Hebraico), no qual ar-
gumentava que P não era um documento independente (isto é, um texto escrito contando uma
história coerente com começo, meio e fim), mas uma expansão editorial do Javista/Eloista (JE).
Nos últimos anos, o exegeta belga Albert de Pury tem sugerido que o primeiro documen-
to do Pentateuco terá sido, provavelmente, o chamado documento Sacerdotal (=PG, de
Priest Grundschrift), acrescido posteriormente com textos não sacerdotais antigos (=
pré-P), novos textos sacerdotais (=PS) e de outras correntes do Judaísmo (= pós-P).321
321. A. de Pury, “Pg as Absolute Beginning”, in T. Römer-K. Schmid (eds.), Les Dernières Rédactions du Pentateu-
que, de L’Hexateuque et de L’Ennéateuque, Lovaina, Peeters, 2007, pp. 99-128.
322. H deriva da palavra alemã Heiligkeitsgesetz – lei de santidade.
181
Cabe ainda mencionar que a seção de Levítico 1-8 é denominada por alguns pesquisa-
dores de “tora sacrificial” e recebe a nomenclatura de PO (do alemão Opfer – sacrifício).
323. Victor P. Hamilton, The Book of Genesis, Chapters I-I 7, NICOT (Grand Rapids: Eerdmans, 1990), 11-12.
324. O resumo que se segue, se encontra em (ARCHER, 2013, p. 475).
325. A análise que se segue, se encontra em (ARCHER, 2013, p. 476).
182
Gerhard von Rad, apresenta a abrangência histórica que cada fonte contemplou da se-
guinte forma:
A obra Eloísta vai do tempo dos patriarcas até a conquista da terra. Mas o Javista
e o escrito Sacerdotal já começam na criação e terminam com a conquista. A obra
historiográfica Deuteronomista começa com Moisés, mas avança até o âmbito
histórico da época da monarquia, terminando com a catástrofe de 587. É a obra his-
toriográfica cronista que abrange o período mais longo, estendendo-se do primeiro
ser humano até a época pós-exílica. (RAD, 2006, p. 541).
326. Este exemplo engloba a teoria mais difundida, mas se admite outras formas.
183
Um determinado editor /redator (desses que os críticos estão sempre prontos a desco-
brir) primeiramente compilou os dois documentos, Javista e Eloísta, em aproximadamente
VIII a.C., posteriormente outro editor/redator na volta do exílio teria juntado ao Levítico de-
terminados códigos legislativos, e por fim um último editor/redator na época de Esdras em
aproximadamente IV a.C. concluiu o processo editorial/redacional do Pentateuco, fundindo
os documentos/tradições na maneira como os temos hoje.
Em última análise, o Javista, do século X a.C., foi o primeiro grande compilador das tra-
dições, e incluiu na sua obra as novas tendências. O Eloísta, que vem dois séculos depois, é
mais apegado às antigas tradições que o Javista, principalmente devido à atividade dos profe-
tas Elias e Eliseu. O Deuteronomista deve a sua forma literária singular ao culto. O Sacerdotal
não é uma simples obra narrativa, mas um complexo teológico que engloba diversas épocas
de atuação Sacerdotal. Posteriormente tem se buscado atribuir aos autores das supostas fon-
tes um papel teológico, que apresentaram uma mensagem a seus contemporâneos.
Segue abaixo quadros para que se possa entender melhor a formulação das Hipóteses
Documentárias:
P
c. 550 a.C.
J
c. 950 a.C.
Tradição oral do israel antigo
JEP
(Tetrateuco)
JE Gn-Nm
c. 700 a.C.
JEDP
F (Pentateuco)
c. 750 a.C. Gn-Dt
c. 500-400 a.C.
Dt
134
Tradições do Norte
D
(Dt 526;28)
c. 650 a.C. História Deuteronômica
Dt, Js, Jz, Sm, Rs,
c. 550 a.C.
184
P, J J, E, P P J, E, P D
Cap.
185
1100
Fonte
G (?)
1000
Fonte
J
900
Fonte
E
800
(Sagas)
Redação (Lendas)
700 JE (Genealogias)
(Regulamentos culturais)
Código de Santidade
500
Fonte
P
Redação
JEP – Gn-Nm
Redação JEDP
400 = Gn-Dt
300
Tora/Lei
Pentateuco
200
186
Tradições T1 T2 T3
(orais ou escritas)
Documentos D1 D2 D3
(de épocas diferentes)
922 a.C.
[J] [E]
722 a.C.
[JE]
[D] + + [P]
588 a.C.
[J E P D]
400 a.C.
187
Segue abaixo um quadro da visão histórica na nação de Israel, aceita por grande parte
dos adeptos da Hipótese Documentária:327
1400 a.C Código do Pacto (material em Êxodo 20-23)
1000 Reinado de Davi
960 O Templo de Salomão
950 O documento “J”
930 Divisão do Reino
850 O documento “E”
750 Amós – primeiro profeta escritor
750-550 Era áurea dos profetas
722 Fim do reino do norte (Israel)
622 Código Deuteronômio, ou “D”
586 Queda de Jerusalém; o exílio
575 Código de Santidade, ou “H” (Levítico 17-20)
550 O círculo deuteronômico edita Deuteronômio – 2 Reis
539 Restauração de Israel
450 O documento “P” é escrito com o propósito de instruir a Segunda Comunidade Judaica
O círculo Sacerdotal, ou “P”, compila o Tetrateuco (Gênesis – Números);
450 – 400
o Deuteronômio é posteriormente adicionado para formar o Pentateuco.
188
328. É um grande estudioso estadunidense sobre o Novo Testamento e crítica textual. Ele é professor e chefia o
departamento religioso da Universidade da Carolina do Norte. Era evangélico, mas posteriormente tornou-se
agnóstico. É presença constante em programas de televisão e rádio por ser uma das sumidades nos estudos
sobre o cristianismo e a vida de Jesus. É muito considerado pelas redes NBC, CNN e History Channel.
189
Essa última etapa ele chamava de “positiva”, querendo dizer com isso que a ciência alcançava
resultados “positivos” “puramente a partir dos fatos”. Segundo ele, o homem pertencente à
etapa positiva não podia acreditar em revelação, mas, mesmo assim, precisava de uma reli-
gião. Portanto, fundou a bizarra e ritualista Religião da Humanidade.
O conceito de que Deus revelou diretamente o que está escrito já está morto há muito tem-
po para boa parte dos críticos do Antigo Testamento. O registro do Antigo e do Novo Testamento
não é um registro do que Deus disse e fez. Que há, então, na Escritura? Teologia, e não história! A
Bíblia é uma coleção de escritos de compiladores, historiadores, intérpretes e autores e redatores
criativos. A Bíblia é uma teologia inspirada, não um relato inspirado de eventos históricos. Além
de fazer objeção à Bíblia como revelação divina, muitos adeptos da crítica histórica e literária ne-
gam que os eventos bíblicos realmente aconteceram na sequência em que estão registrados na
Bíblia. Se é verdade que os eventos referidos não aconteceram de todo, ou não aconteceram na
sequência em que estão narrados, então Moisés não se adapta ao quadro como autor do Penta-
teuco. Moisés está no texto porque foi introduzido, assimilado e adornado por “teólogos” que
apareceram em cena muito mais tarde. Para resumir: desde que não há revelação direta de Deus
e desde que quaisquer eventos que aconteceram não estão relatados em sua ordem histórica,
Moisés não podia ter servido como o porta-voz de Deus, como é dito pela própria Bíblia. Então,
torna-se óbvio: o relato bíblico relativo a Moisés tem de ser reinterpretado a fim de que ele apareça
como uma figura legendária, um herói nacional e um objeto de pensamento e de fé posteriores,
ou na melhor das hipóteses foi apenas um personagem da história antiga de Israel.
Muitos críticos têm verdadeira aversão ao sobrenatural. Mas se não pudermos aceitar
o sobrenatural, não podemos aceitar a revelação da divindade e muito menos a encarnação
de Jesus e sua ressurreição. Se o valor histórico das Escrituras é descartado e os milagres são
impossíveis nada fica na Bíblia que mereça crédito. Não podemos nos esquecer do papel de
Deus em conduzir a história para seus propósitos, “a história não é um movimento neutro
e cego de destinos imponderáveis, mas, ao contrário, é conduzida por uma vontade e uma
liberdade, as de Deus.” (RAVASI, 1985, p. 93).
Estamos longe da época em que se aceitava tudo como histórico a respeito da Bíblia.
Desde o século 17 e 18 que insurgem-se graves acusações quanto a autoridade e historicidade
dos relatos bíblicos. O que se evidência é que a rejeição do aspecto sobrenatural da Escritura
vicia toda a sua discussão, e compreensão. Para muitos críticos a simples presença de um
elemento sobrenatural329 no texto, serve de evidência suficiente para que ele rejeite a sua his-
toricidade. Não levam em conta os críticos que a ciência moderna não mais encara a natureza
como um sistema fechado, pelo que não se pode mais insistir em que os milagres são impossí-
veis cientificamente. A religião de Israel é uma religião histórica, e olhar para ela não levando
em consideração sua historicidade é um dolo ao povo de Israel. Quando estudiosos concluem
que milagres podem acontecer dentro da história humana, muitas de suas ideias sobre outros
detalhes da história bíblica, brotam naturalmente.
A escola de Wellhausen começou com a mera suposição que a religião de Israel era de origem
meramente humana como qualquer outra, e que precisava ser explicada como mero produto da
evolução. Não fazia diferença para eles que nenhuma outra religião conhecida (a não ser aquelas
que surgiram da fé dos hebreus) ter chegado ao monoteísmo genuíno; os israelitas também devem
ter começado com animismo e politeísmo cru, exatamente como as demais culturas antigas. Porém,
a evidência em contrário, aponta que desde o Gênesis até Malaquias, que a religião israelita era mo-
noteísta desde o começo até o fim.
190
Segundo a Hipótese Documental não pode existir aquilo que se chama religião sobrenatural-
mente revelada. Por este motivo, todas as narrativas simples e diretas em Gênesis e no restante do
Pentateuco que descrevem as experiências de Abraão, Isaque, Jacó e Moisés têm sido sujeitadas a
uma reanálise, procurando demonstrar que um retoque monoteístico foi aplicado àqueles antigos
destinatários politeístas pelos assim-chamados “Deuteronomistas” ou a escola Sacerdotal de épocas
posteriores. Porém o que torna a fé de Israel admirável é o fato de que souberam conservar sua fé
monoteísta em um ambiente politeísta. O fundamento do plano redentor de Deus está no Pentateu-
co, se esse fundamento não é fidedigno de forma revelacional, a credibilidade do restante do plano
redentor de Deus fica totalmente comprometido.
O teólogo Crabtree, aponta a dificuldade em se interpretar a história:
Há vários métodos de interpretar a história da civilização. Os sistemas filosóficos e
as interpretações da história variam de uma civilização para outra, e de um período
para outro, de acordo com a mudança dos ideais e características de culturas suces-
sivas. É por isso que poucos filósofos e historiadores em geral têm as qualificações
para pronunciar a última palavra sobre a verdade ou a falsidade das experiências
religiosas de Israel e o valor histórico do Velho Testamento. (CRABTREE, 1960, p. 21).
William Lane Craig, ao abordar a postura anti-sobrenaturalista por parte dos críticos, declara:
Eu acredito que as pressuposições filosóficas de uma pessoa serão um importante
guia ao fazer um trabalho histórico a respeito das narrativas do Novo Testamento,
porque estas narrativas apresentam abertamente um Jesus sobrenatural, um Jesus
que faz milagres, um Jesus que ressuscita os mortos. E se você vem a estas narrativas
com uma pressuposição de naturalismo científico, ou mesmo naturalismo metodo-
lógico que seja, dizer que como um historiador você não pode permitir que causas
sobrenaturais entrem no relato, então estes eventos serão excluídos da corte apres-
sadamente, a respeito das evidências... isso não é uma questão de argumento, não
é uma questão de evidência, é uma questão de definição. O sobrenatural é definido
como sendo da categoria mítica e não histórica... o grau até onde alguém estaria
pronto para confiar nesses documentos, depende mais de uma abertura para uma
visão de mundo sobrenatural do que da qualidade literária e histórica deles.
Resumidamente pode se dizer que dentro de uma história de cosmovisões, temos o teís-
mo que postula a existência de Deus e sua imanência dentro de um universo aberto; o deísmo
crendo em Deus, mas negando sua manifestação no universo; e enfim o naturalismo ateísta
negando acentuadamente a existência de Deus. O que é inegável, porém, é que a base da Hi-
pótese Documentária é fortemente influenciada pela filosofia humanista naturalista.
O naturalismo tem como base as seguintes premissas:
A matéria existe eternamente e é tudo o que existe. Deus não existe... O cosmo existe
como uma uniformidade de causa e efeito num sistema fechado... Os seres humanos
são máquinas complexas... A morte é a extinção da personalidade e da individualida-
de... A história caminha em linha reta, mas não tem nenhum objetivo predeterminado...
O próprio homem produz suas normas éticas. (SIRE, 2001, pp. 66-91).
os milagres inserções posteriores para “enfeitar” a passagem para que tivesse maior credibi-
lidade. Esse tipo de raciocínio apenas demonstra a repulsa por milagres. A estudiosa Karen
Armstrong faz a seguinte declaração quanto à historicidade do livro de Êxodo “O consenso en-
tre os estudiosos é que a narrativa do Êxodo não é histórica”. (ARMSTRONG, 2007, p. 21). Vale
ressaltar que sempre houve períodos na história onde se manifestaram milagres com mais
frequência, conforme o contexto e necessidade; e o momento que o povo de Israel passava era
um momento de crise em sua história, tendo a necessidade de uma maior intervenção divina.
O célebre arqueólogo W. E Albright diz que no Êxodo se encontram em forma corre-
ta tantos detalhes arcaicos que seria insustentável atribuí-los a invenções posteriores. (apud
HOFF, 2011, p. 22). De forma muito clara se expressa o erudito em Antigo Testamento H. H.
Rowley330 acerca da historicidade do êxodo de Israel do Egito:
É bem improvável que esse relato houvesse sido inventado pelos israelitas. Se o
tivessem inventado, seria de esperar que atribuíssem a sua libertação ao Deus a
quem até então haviam cultuado. Se a missão de Moisés fosse obra do seu próprio
coração e da sua simpatia para com os seus compatrícios maltratados e oprimidos,
de esperar seria que ele lhes apresentasse em nome do seu Deus. Em vez disso,
dirigiu-se a eles na confiante persuasão de que fora mandado por Iahweh... Povo
algum seria capaz de inventar, contra a verdade, uma história de que seus ante-
passados tinham sido escravos de uma nação estrangeira. Povo algum inventaria a
história de que havia sido libertado por um Deus que até então não havia adorado,
caso não tivesse sólidos motivos para crer que isso era verdade. E homem algum
complicaria desnecessariamente a sua tarefa de libertar um lote de escravos, com
uma estranha história de que havia sido enviado por um deus cujo nome eles jamais
reconheceriam como o nome de seu deus, a não ser que estivesse profundamen-
te convencido de que isso era verdade... Desconte-se qualquer dos aspectos desse
acontecimento, e a narrativa ficará mais inacreditável do que como está na Bíblia.
(ROWLEY, 2003, p. 59-61).
Da mesma forma Bright descreve o êxodo: “não se trata de nenhum tipo de tradições
que qualquer povo inventaria! Não há nele a época heroica das migrações, mas somente a
lembrança de uma vergonhosa servidão da qual só a mão de Deus ofereceu a libertação.”
(apud RAVASI, 1985, p. 16).
Paul Volz, publicou em 1907 a primeira edição de sua obra Mose, e nela duvidou que a
religião de Israel tivesse sido fundada em acontecimentos históricos. Contudo, na segunda
edição em 1932 ele retratou sua opinião:
A religião mosaica e com ela toda a religião veterotestamentária é uma religião histó-
rica, não uma religião natural. Foi fundada em um lugar determinado, numa época
determinada, por uma pessoa determinada em uma sociedade determinada. Apoia-
-se em fatos históricos. (apud ROWLEY, 2003, p. 59).
330. Uma outra obra importante de Rowley, foi: The relevance of the Bible, 1942 (A relevância da Bíblia).
192
devem ser entendidos como lendas,331 mitos332 e sagas. A principal razão, pela qual os natura-
listas não creem em milagres é porque a sua visão de mundo os impede de crer. “Além disso, as
narrativas de Gênesis demitologizam as mitologias pagãs.” (GREIDANUS, 2009, p. 43).
Wilhelm Möller diz:
Não acho que se pode tornar plausível que, em qualquer raça, as fábulas e os mitos
viessem, no decorrer do tempo, a serem aceitos cada vez mais como fatos reais, de
modo que devêssemos agora, quiçá, estar dispostos a aceitar como fatos históricos
as lendas do Poema dos Nibelungos ou do Chapeuzinho Vermelho. Mas isto, segun-
do os críticos, deve ter acontecido com Israel.333
331. “Uma lenda normalmente está ligada a um personagem importante e notável, ou a um acontecimento,
e se origina dele. É constantemente narrada e repetida. Se essas lendas possuem caráter religioso, enri-
quecem-se com os valores e as crenças daqueles que as transmitem, o que explica, então, a presença dos
anacronismos em tais relatos. O quanto de antigo se conserva e o quanto de novo é introduzido variam de
uma lenda para outra.” (VOGELS, 2000, p. 34-35).
332. Estes “mitos” segundo alguns críticos teriam sido herdados da Babilônia e em parte no exílio. Adão, Eva,
Noé, Abraão, Isaque, Jacó, José, Moisés, não seriam pessoas reais, mas simplesmente nomes que repre-
sentavam classes ou tribos pré-diluvianas, ou ainda personificações de deuses e deusas do sol e heróis e
heroínas lunares além de personificação de deuses locais. “O termo ‘mito’, pode ser entendido em termos
de sua definição ampla ou limitada. A definição ampla é uma forma de expressão universal e necessá-
ria dentro do estágio primitivo do desenvolvimento intelectual do homem, no qual eventos inexplicáveis
eram atribuídos diretamente à intervenção direta dos deuses. A definição limitada: Mitos são estórias so-
bre deuses, em distinção a sagas onde as pessoas ativas são humanas. Nenhuma das duas visões de mito é
compatível com o relato de Gênesis.” (GRONINGEN, 2002, p. 106).
333. The International Standard Bible Encyclopaedia (A Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional), editada por
J. Orr, 1960, Vol. II, p. 1209.
193
lógica rígida e clara, seleção equilibrada do material, citações textuais, e assim por diante. Mas
ocorre que os escritores bíblicos não tinham o objetivo de escrever um tratado de história;
mas o que observamos nos escritores bíblicos na maioria das vezes são propósitos e perspec-
tivas teológicas, o que vem justificar as discrepâncias com a historiografia moderna. (KAISER,
2002, p. 99-102). Não é responsabilidade ou trabalho do historiador dizer o que as fontes de-
veriam ter incuído, mas trabalhar com elas e tentar extrair o melhor entendimento possível.
Passou o tempo em que podíamos ingenuamente interpretar o pensamento histórico
veterotestmentário a partir do nosso pensamento moderno. O Antigo Testamento contrapõe
ao nosso pensamento histórico moderno, porque percebe os eventos em outra correlação. O
ponto de partida para quem procura compreender o Antigo Testamento é aceita-lo em seus
próprios termos. De fato, ele é um livro de história, mas ao mesmo tempo é a revelação pro-
gressiva da mente e dos propósitos do Deus. É desta forma que ele deve ser lido e interpretado.
Gerhard von Rad, questiona a tendência de interpretar a história-teológica do Antigo
Testamento nos moldes da ciência histórica moderna, vejamos:
O interesse desses historiadores modernos não era o que nas antigas obras vetero-
testamentárias constituía justamente o principal: a palavra sobre Deus e sobre a sua
atuação na história! E quantos elementos que, desse modo, foram transferidos para
o pensamento histórico moderno se descaracterizaram, tornando-se falsos no mes-
mo instante em que eram colocados no contexto de uma perspectiva objetivamente
imprópria! Sei´que não é hora de confessarmos que, apesar de toda a perfeição dos
nossos conhecimentos históricos, logramos perceber ainda muito pouco daquilo que
as antigas obras historiográficas queriam dizer, por termos precocemente arrancado
os assuntos do seu contexto especifico, em que precisam ser entendidos, e interpretado
a partir do nosso conceito de história? Entretanto, a regra de que o método deve ser
adaptado ao objeto continua valendo. Nós, porém, submetemos os objetos ao méto-
do, através da nossa moderna abordagem histórica. (RAD, 2006, p. 841).
A história de israel não pode ser construída seguindo-se linhas de estudos históricos
normais, pois baseia-se em documentos que não são tão somente históricos em seu caráter. O
Antigo Testamento é, acima de tudo, teológico, e não literatura meramente histórica. “Ao con-
trário do que afirmam muitos estudos contemporâneos, apenas porque o Antigo Testamento é
por definição ‘história sagrada’, não significa que lhe falte autenticidade histórica, como alguns
acreditam.” (MERRILL, 2002). A mensagem teológica, esta alicerçada na história genuína.
Assim dentro do propósito e alcance dos escritores bíblicos, eles apresentaram os dados
históricos da melhor maneira possível. “A preocupação do texto não é comprovar a história,
mas antes impressionar o leitor com a significação teológica desses atos. História e teologia
estão estreitamente conectadas no texto bíblico.” (DILLARD, 2006, p. 20). Sem dúvida a me-
todologia literária que determinado pesquisador adote, afetara a resposta que se dá à questão
histórica. A postura dos antissobrenaturalistas é como a tentativa do daltônico de julgar as
grandes obras-primas da pintura.
Quando os críticos negam a intervenção sobrenatural de Deus, eles negam baseados em
suas pressuposições filosóficas e não devido análise das evidências históricas dos textos bíbli-
cos. Para garantirmos a veracidade de um acontecimento precisamos investigar se realmente
ele aconteceu, e não simplesmente nega-los mediante especulações filosóficas. Suas conclu-
sões são determinadas por uma metafísica anti-sobrenatural. Todo o conteúdo da história de
Israel deve ser naturalizado segundo suas pressuposições. Para os críticos mais radicais toda
a história da origem de Israel está envolta em mitos e lendas, e personagens como Abraão e
Moisés são tidos como figuras não históricas. Alguns chegam à conclusão de que teria havido
194
um clã (mišpaha) com o nome de Moisés, e o mesmo passava de uma figura não histórica, tal
qual a dos patriarcas.
Segundo os pressupostos da Hipótese Documental e alguns críticos, seria mais fácil dizer
que, a história da travessia do mar vermelho (ou de juncos/bambuzal) pode ser interpretada
corretamente sem referência à sua verdade histórica. Ocorre que esta maneira de interpretar
esta passagem em questão, e outras semelhantes atrai muitas pessoas principalmente porque
possibilita aqueles que negam a crença no sobrenatural, mas desejam continuar sendo identi-
ficados como cristãos, e com isso, encontram uma solução para seu dilema. Ficam implícitas
que as razões pelas quais os críticos questionam a veracidade das histórias bíblicas são suas
pressuposições anti-sobrenaturais, pois acreditar nestas histórias bíblicas implica em aceitar
a intervenção sobrenatural de Deus, pois não se tratava de um vento qualquer, mas de um
vento soprado pelo poder de Deus no evento do mar vermelho. Não se pode descartar a hipó-
tese de que Deus utilizou-se de eventos naturais para conduzir seu povo ao outro lado do mar
vermelho. Mas mesmo admitindo esta hipótese, ela não deixa de ser “sobrenatural”, pois se
admite que foi Deus o agente da travessia.
A aceitação dos eventos sobrenaturais dependerá dos pressupostos que o intérpre-
te tenha, se ele vê a Bíblia como qualquer outra literatura em uma perspectiva humana, ele
evidentemente negará qualquer fator sobrenatural e considerará as Escrituras como uma “an-
tologia religiosa”, porém, se o intérprete admita a realidade de Deus, e que a Bíblia é a Palavra
de Deus inspirada, não terá a mínima dificuldade em aceitar o sobrenatural.
“É verdade que nenhum cristão que acredite que a Bíblia possa conter erros fará dela sua
única regra de fé e prática. Ele terá também de se apegar a alguma outra autoridade ou crité-
rio. Essa autoridade... é sua mente, sua habilidade pessoal de raciocinar.” (GEISLER, 2003, p.
135). Com isso vemos que o cânone da razão é imposto sobre o estudo das Escrituras. Defini-
tivamente o anti-sobrenaturalismo dos críticos não passa de uma tese filosófica naturalística.
No método da Hipótese Documentária, reina uma incerteza geral - como a pomba de-
pois do dilúvio, não encontramos chão firme onde pousar o pé. A teoria Documental tem sido
caracterizada por uma espécie sutil de raciocínio em círculos; tende a postular sua conclusão “a Bí-
blia não é uma revelação sobrenatural” como sua premissa básica “não pode existir algo chamado
revelação sobrenatural”. Esta premissa é claro, era um artigo de fé para toda a liderança intelectual na
época do iluminismo do século dezoito.
Para um teólogo afirmar que o conhecimento científico torna a crença em milagres
uma irresponsabilidade intelectual, equivale a dizer que o conhecimento científico
confere-nos o conhecimento de limites dentro dos quais opera sempre a vontade
divina. (MCDOWELL, 1997, p. 36).
Para o teólogo bíblico Geerhardus Vos, “O histórico pode ser sobrenatural, o sobrenatu-
ral pode entrar na História e, assim, tornar-se uma peça daquilo que é histórico em sua forma
mais elevada.” (VOS, 2010, p. 370). Ainda, segundo Canon Dyson Hague (apud TORREY, 2005,
p. 18) “A descrença antecedeu a crítica, não foi consequência dela”.
Samuel J. Schultz esclarece como devemos lidar com o Antigo Testamento ao relacio-
ná-lo com o natural e o sobrenatural: “O Antigo Testamento só pode ser entendido em seu
sentido mais amplo como história sagrada. Para que se tenha uma compreensão total de seu
conteúdo, é necessário reconhecer que os fatores naturais e os sobrenaturais são essenciais
em toda a Bíblia.” (SCHULTZ, 1995, p. 5).
Nenhum erudito pode ser considerado perito quando é visivelmente caracterizado
por ter um julgamento tendencioso, uma curiosa falta de conhecimento a respeito
195
dispostos a atribuir fraude e conspiração dos autores bíblicos, que buscavam aceitação de
seus escritos, que segundo eles foram compostos no período de Josias e em parte em Esdras e
Neemias, e depois distribuídos como sendo o trabalho de Moisés. Em resumo, o Pentateuco é
uma superposição fabulosa de diferentes autores, uma sobre a outra.
Para que a Hipótese Documental possa se sustentar ela precisa responder algumas
perguntas. Como pode os quatro documentos JEDP terem sidos reunidos de forma tão há-
bil e perfeita a ponto de ser necessário para destrinchá-los toda a perspicácia dos críticos?
Como? Quando? Por quem? E se o Pentateuco tal como o temos hoje é obra dos sacerdotes
do exílio, como explicar a ausência de alusões a Jerusalém e ao templo? Não seria mais
natural e prático os sacerdotes do exílio terem inventado uma história do templo, ao invés
de uma história do tabernáculo? Uma vez que os documentos são hipotéticos, a evidência
é traçada a partir dos textos das Escrituras que são raciocinados para representar cada do-
cumento, e esses textos são considerados à luz do seu estilo, a história da região, geografia
e teoria da evolução religiosa.
O sistema da Hipótese Documental, não leva em conta que a Bíblia é o livro da fé, que
a grande maioria de seus leitores a leem com espírito religioso e não à procura de erudição
infrutídera. A hipótese possui raízes amparadas no evolucionismo unilateral. Em virtude da
datação tardia dos documentos JEDP, atribuiu-lhes fraco valor histórico. Eles preferem dizer
que são documentos que foram passados de mão em mão através de uma série de editores e
redatores. As informações foram adicionadas, alterando o texto original. Por isso, é a afirma-
ção do estudioso liberal que o texto do Antigo Testamento não chegou até nós inalterado, mas
tem crescido ao longo de gerações de acordo com os acontecimentos das épocas.
Na história da pesquisa científica bíblica muitos deixaram para trás sua fé infantil –
aquela que nos incentiva a crer (Mc 10.15) sem ao menos ter recebido algo que a substituísse.
Para alguns a autenticidade mosaica do Pentateuco se restringe puramente a um ponto de
vista subjetivo, para outros se trata de uma questão teológica que se baseia nos textos bíblicos
e possui o respaldo da tradição cristã. Principalmente em sua fase inicial a crítica em torno do
Pentateuco recebeu duras críticas e sofreu sanções por parte da Igreja; as confusões e discus-
sões que surgiram foram vistas com maus olhos por parte do clero conservador e da sociedade
que passava ser mais cética à religião.
Apesar de ter sido usada de maneira muito superficial desde o século XV, a crítica das
fontes veio a ser usada de maneira mais consistente a partir do século 19, através da Hipótese
Documentária do Pentateuco. Um dos pontos de partida da crítica das fontes é a pressuposi-
ção de que a formação do Pentateuco se deu a partir de grandes unidades escritas, que eram
independentes e completas.
A teoria clássica das fontes JEDP, formulada por Hupfeld, Kuenen, Reuss, Graf e, prin-
cipalmente por Wellhausen, vem sendo abalada, e hoje muitos estudiosos consideram
insatisfatório, esse método para análise sobre o Pentateuco. As datas, as origens e as propos-
tas das tradições que formam o Pentateuco estão sendo revistas. “Embora a hipótese JEDP
tenha controlado o campo da crítica durante um século, recentemente ela perdeu força, e
uma prudente aceitação da unidade do Pentateuco e da autoria mosaica não está mais fora de
questão.” (OSBORNE, 2009, p.255).
Raros são hoje os pesquisadores que ainda pensam poder manter a Hipótese Documen-
tária de Wellhausen, na forma que nos foi transmitida por Gunkel, Noth e Rad. É necessário
considerar com ressalvas. Entre os exegetas recentes que procuram manter com poucas mo-
198
Assim o Antigo Testamento é nos apresentado como uma “colcha feita de retalhos mal
costurada”, coletados de um saco de farrapos de lendas esparsas. (HALLEY, 1994, p. 56). Nas
mãos dos defensores da Hipótese Documental, o texto do Pentateuco não só é dissecado,
como passa por uma verdadeira “cirurgia plástica”. Através de uma simples análise pode
se constatar que Moisés pode ter se utilizado de pessoas para trabalhar sob sua supervisão
como compiladores, isso, explicaria as diferenças de estilos no Pentateuco. Variações em vo-
cabulário e estilo podem ser devido a gêneros literários distintos, os quais, por definição, têm
diferentes estilos e demandam vocabulário distinto. Os textos ugaríticos de Ras Shamra nos
mostram que os escritores antigos empregavam diferentes estilos literários num mesmo texto.
Para termos uma ideia de como esta “colcha de retalhos” é na pratica atentemos para
esse exemplo da crítica ao aplicar um método hiperanalítico (dissecar o todo) ao texto:
334. KOHATA, F. Jahwist und Priesterschrift in Êx 3-14 (BZAW 166), Berlin 1986.
335. SEEBASS, H. Nm XI, XII und die Hypothese des Jahwisten, p. 1964.
336. RUPPERT, L. Die Aporie der gegenwärtigen Pentateuchforschung, VT, 1986.
199
337. Para se ter uma ideia da “bíblia policrômica” consultar “Gráfico em cores das fontes do Pentateuco” em:
(ELLIS, 1996. p. 62-77).
338. Não existe nenhum paralelo na literatura antiga que se utilize deste método.
200
A datação absoluta das fontes não é um tema de investigação seguro. Há pouco nas
próprias fontes, que permita qualquer datação absoluta. O que é possível é a datação relativa.
A relação de D para E e J deixa claro que D foi escrito depois dos outros dois documentos não-
-sacerdotais. No entanto, se J ou E veio primeiramente, ou como P se encaixa nesse quadro,
são perguntas para as quais os dados literários simplesmente não fornecem evidências segu-
ras, e isso é algo que os adeptos da Hipótese Documentária são obrigados a conviver.
A oposição à Hipótese Documentária foi exposta por Franz Delitzsch339 (1813-1890), que
rejeitou a hipótese completamente no seu comentário sobre Gênesis, e sustentou que o Pen-
tateuco teria sido escrito por Moisés.
No seu comentário de Gênesis, que apareceu em 1852, propôs a teoria que todas as
porções do Pentateuco que o próprio texto atribuía à autoria mosaica eram genuina-
mente de Moisés. As demais leis representavam uma tradição genuinamente mosaica,
mas não foram codificadas pelos sacerdotes até depois da conquista de Canaã. As partes
não-mosaicas do Documento E foram provavelmente compostas por Eleazar (terceiro
filho de Arão), que incorporou o livro da aliança (Êxodo 20:23-23:33). Um escritor poste-
rior suplementou esta obra, incluindo Deuteronômio com ela. Delitzsch produziu uma
série de excelentes comentários da maior parte dos livros do Antigo Testamento (alguns
deles em colaboração com Karl Friedrich Keil, um aluno de Hengstenberg). Na parte fi-
nal da sua carreira, 1880, Delitzsch mudou de posição, aceitando uma forma modificada
da Hipótese Documental que então imperava. (ARCHER, 2003, p. 469).
Em contrapartida seu filho Friedrich Delitzsch “era fortemente antissemita, e considerava o An-
tigo Testamento um livro muito perigoso para os cristãos e também ensinava que Jesus era gentio”
(SMITH, 2001, p. 38). Friedrich Delitzsch distinguiu-se particularmente no campo da Assiriologia. Além
de considerar o Antigo Testamento um livro não cristão, (HASEL, 1992, p. 88) por “ironia do destino”
Friedrich Delitzsch através de sua obra em dois volumes Die Grosse Täuschung escrita em 1920-22, ou
seja, praticamente uma década antes do início do Terceiro Reich com Adolf Hitler, em 1933, (que foi
marcado por uma das maiores carnificinas e posições nacionalistas da história) Delitzsch se escanda-
lizou com a carnificina descrita nos livros de Josué e com o nacionalismo dos profetas.
É motivo de dúvidas se a crítica injusta e imoderada de Friedrich Delitzsch ao Antigo
Testamento tenha ajudado a abrir o caminho para Adolf Hitler (SMITH, 2001, p. 344). Confor-
me Friedrich Delitzsch que palestrou sobre o tema “Babel e Bíblia”, em 1902, tudo no Antigo
Testamento estava marcado pelo espírito babilônico e dependente dele “panbabilonismo”.
Outros que admitiam esta opinião foram Hugo Winckler340 (1863-1913), Alfred Jeremias341
(1864-1935) e Peter Jensen342 (1861-1936).
339. Foi um alemão luterano e teólogo hebraísta. Nascido em Leipzig, ele ocupou o cargo de professor de teologia Na
Universidade de Rostock 1846-1850, na Universidade de Erlangen até 1867, e depois na Universidade de Leipzig
até sua morte. Delitzsch escreveu muitos comentários sobre livros da Bíblia, antiguidades judaicas, psicologia
bíblica, uma história da poesia judaica, e apologética cristã. O rabino Duncan disse que Delitzsch “permaneceu
firme na manutenção da autoridade divina e inspiração de todo o Antigo Testamento” em um momento em
que muitos “pareciam dispostos a se renderem”. “Franz Delitzsch propôs a teoria que todas as porções do Pen-
tateuco que o próprio texto atribuía à autoria mosaica eram genuinamente de Moisés.” (ARCHER, 1974, p. 90).
340. Foi um arqueólogo alemão e historiador que descobriu a capital do império heteu (Hattusa) em Bogazkale,
Turquia. Winckler era um estudioso das línguas do antigo Oriente Médio. Ele escreveu extensivamente sobre
assíria cuneiforme e Antigo Testamento, compilou uma história da Babilônia e Assíria, que foi publicada em
1891, e traduziu tanto o Código de Hamurabi como as cartas de Amarna. Em 1904, ele foi nomeado professor
de línguas orientais na Universidade de Berlim.
341 Foi um pastor alemão, assiriologista e especialista em religiões do antigo Oriente Próximo. Em 1891 ele
publicou a primeira tradução alemã do Épico de Gilgamesh. Ele foi um dos proeminentes defensores de
Panbabilonismo, explicando as origens da Bíblia Hebraica, em termos de mitologia babilônica.
342. Foi um alemão orientalista e professor da Universidade de Marburg. Ele negou a historicidade do Antigo
Testamento. Escreveu Hittiter und Armenier, 1898.
201
Outros pesquisadores que rejeitaram a teoria documental foram William Henry Green343
(1825-1900); James Orr344 (1844-1913), Edwin Cone Bissel,345 A. H. Sayce346 (1845-1933), Wilhelm
Möeller,347 Henri Édouard Naville348 (1844-1926), Robert Dick Wilson349 (1856-1930), Geerhar-
dus Vos350 (1862-1949), e outros como Ernest Wilhelm Hengstenberg351 (1802-1869), A. H. Ch
343. The Unity of the Book of Genesis, by Willian Henry Green, New York, 1895. Green foi professor de Litera-
tura Oriental e do Antigo Testamento, no Seminário Teológico de Princeton. Sem dúvida foi um dos mais
respeitáveis opositores do criticismo na época de Wellhausen e combateu fortemente em sua obra Higher
Criticism ofthe Pentateuch, 1896. Em sua época no final do século dezenove forneceu a refutação mais
completa da hipótese de Wellhausen nas suas obras Unity of the Book of Genesis, 1985 (Unidade do Livro
de Gênesis) e Higher Criticism of the Pentateuch, 1896 (Alta Crítica do Pentateuco). Com grande erudição
e capacidade, demonstrou como a hipótese era inadequada para explicar os verdadeiros dados do texto
bíblico, e como os critérios dependiam de bases ilógicas e autocontraditórias.
344. The Problem of the Old Testament, Glasgow e New York, 1906. Graduou-se pela Universidade de Glasgow, na
Escócia sua terra natal. Foi um dos primeiros e principais oponentes da teologia de Ritschl, que na época
dominava o pensamento protestante. Também se opôs a Wellhausen e a sua Hipótese Documentária do
Pentateuco, afirmando a autoridade Mosaica. Do mesmo modo enfrentou Harnack com a sua obra The
Progress of Dogma,1901, mostrando a lógica divina do desenvolvimento histórico da fé cristã.
345. The Pentateuch, Its Origin and Structure, an Examination of Recent Theories, 1885.
346. Sayce foi principalmente interessado em línguas e filologia, incluindo cuneiforme, babilônico, hitita, e he-
braico antigo. Foi professor de assiriologia em Oxford.
347. Wider den Bann der Quellenscheidung, Guetersloh, 1912 (Contra a Maldição da Divisão das Fontes). Em
1925 defendeu a autoria mosaica do livro de Deuteronômio em Rueckbeziehungen des 5 Buches Mosis auf
die vier ersten Buecher, Lutjenburg. E também em 1931 Möeller defendeu a autoria mosaica do Pentateuco
em Die Einheit und Echtheit der fuenf Buecher Mosis.
348. Foi um suíço egiptólogo e estudioso bíblico. Segundo Naville o Pentateuco teria sido escrito por Moisés
linguagem cuneiforme acadiana, e traduzido para o aramaico por Esdras sendo que para o hebraico foi
traduzido pouco antes da era cristã.
349. Ele se formou em Princeton com 20 anos de idade, depois recebeu um diploma de mestrado e doutora-
do antes de fazer pós-graduação na Alemanha na Universidade Humboldt de Berlim. Em 1883, Wilson
tornou-se professor de Antigo Testamento no Seminário Teológico Ocidental (mais tarde conhecido como
Pittsburgh Theological Seminary), onde ele havia feito alguns de seus estudos de pós-graduação. Em 1900,
ele retornou para Princeton como Professor de línguas semíticas e Crítica do Antigo Testamento. Ao longo
de sua carreira, ele se opôs à teoria da Alta Crítica, que sustentava que a Bíblia era imprecisa em muitos
pontos e não historicamente confiável. Foi um americano linguista e Presbiteriano estudioso que dedicou
sua vida para provar a confiabilidade da Bíblia hebraica. Em sua busca para determinar a precisão dos ma-
nuscritos originais, Wilson aprendeu 45 línguas, incluindo hebraico, aramaico e grego, assim como todas
as línguas em que as Escrituras haviam sido traduzidas até 600 d.C.
350. Foi um americano e teólogo calvinista e foi um dos representantes mais ilustres da Teologia de Princeton.
Ele é às vezes chamado de pai da Teologia Bíblica Reformada. Em 1892, mudou-se e se juntou ao corpo
docente do Seminário Teológico de Princeton, onde se tornou seu primeiro professor de Teologia Bíblica.
Em Princeton, ele ensinou ao lado de J. Gresham Machen e B.B Warfield, e suas obras mais famosas, foram:
Escatologia Paulina, 1930 e Teologia Bíblica: Antigo e Novo Testamento,1948.
351. Foi um acadêmico alemão do século XIX, professor de Teologia em Berlim, 1828-1869. Um Pietista orto-
doxo e foi um dos líderes da ala conservadora da Igreja Luterana. Para ele, a única fonte da verdade era
a Bíblia e qualquer desvio significava um passo em direção ao ateísmo. Foi o editor do jornal Evangelis-
chen Kirchen-Zeitung, no qual atacava teólogos liberais ou racionalistas. Afirmou, por exemplo, que David
Friedrich Strauss estava possuído pelo demônio. Foi líder da ala conservadora dos estudiosos bíblicos da
Alemanha. Era um defensor da autoria mosaica de todos os cinco livros de Moisés, e habilidosamente
refutava todos os argumentos padronizados pelas fontes diversas no Pentateuco, que tinham circulado
nos ambientes acadêmicos desde os dias de Astruc e Sichhorn. Sua obra altamente influenciável foi tradu-
zida para o inglês em 1847 com o título The Genuineness of the Pentateuch, e fez muita coisa para apoiar
a posição conservadora.” (ARCHER, 2003, p. 470). Através da obra Christologie des Alten Testaments und
Commentar über die messianischen Weissagungen, 1829 (Cristologia do Antigo Testamento e comentários
sobre as profecias messiânicas), Hengstenberg criticou duramente as concepções de Vatke e outros es-
tudiosos racionalistas, e com suas exposições das profecias messiânicas demonstrou a unidade entre o
Antigo Testamento e o Novo Testamento. Em seu outro livro, History of the kingdom of God in the Old
Testament (História do Reino de Deus no Antigo Testamento), criticou as conclusões históricas dos histo-
riadores liberais. Seu principal meio de ataque era defender a autoria mosaica do Pentateuco. Seu esquema
de promessa-cumprimento de desenvolve gradualmente ao longo do tempo, mas de um modo linear e não
evolucionário. Foi um dos primeiros a reagir contra as concepções liberais do Antigo Testamento.
202
Haevernick,352 Karl Friedrich Keil353 (1807-1888), Moritz Drechsler,354 Oswald Thompson Allis355
(1880-1973), Umberto Cassuto356 (1883-1951), Kenneth Anderson Kitchen357 (1932), John George
Wenham , David Zvi Hoffmann358 (1843-1921), Benno Jacob359 (1862-1945), Martin Kegel,360 Jo-
seph H. Hertz361 (1872-1946), MacDonald, G. C. Aalders,362 Edward J. Young363 (1907-1968), Levy,
P. J. Wiseman364 (1888-1948), E. B. Pusey365 (1800-1882), Robert Anderson366 (1841-1918).
F.F. Bruce, discorrendo sobre a situação que o criticismo de fonte do Pentateuco encon-
tra-se declarou:
203
Que há certo número de fontes nas quais esta baseado o Pentateuco, é ponto
geralmente concordado, mas quais sejam essas fontes, quais suas datas e qual
a relação mútua entre as mesmas, e de que maneira e quando foram utilizadas
na redação final do Pentateuco – essas são questões sobre as quais os eruditos
discordam, de fato muito mais hoje em dia do que no início de nosso século XX.
(apud DOUGLAS, 1995, p. 355).
A Pontifícia Comissão Bíblica declarou que os argumentos dos estudiosos não levam à
conclusão definitiva de que Moisés não foi o autor, mesmo que se totalmente ignorado as re-
ferências dentro do próprio Pentateuco, o testemunho dos outros livros da Bíblia, o consenso
do povo judeu, e da tradição da Igreja. Além disso, a Comissão afirmou que a autoria mosaica
não implica que ele escreveu tudo com suas próprias mãos ou que ditou palavra por pala-
vra; sim, pode-se afirmar que Moisés, como o principal autor e inspirado pelo Espírito Santo,
concebeu a obra, confiada composição desses livros, talvez em parte, para os outros que
escreveram de acordo com sua mente e, em seguida, aprovou o trabalho final. Moisés, nova-
mente sob inspiração divina, pode ter emprestado e adaptado tradições orais ou documentos
existentes e integrando-os no Pentateuco. Finalmente, a Comissão admitiu que o Pentateuco
pode ter sofrido algumas alterações ao longo dos séculos, como a inserção de explicações por
outro autor inspirado como Esdras ou a reformulação de frases ou palavras arcaicas. Ao todo,
a Comissão pretendia equilibrar a pesquisa tradicional com a nova pesquisa.
Após esta declaração de Leão XIII, os católicos preocuparam-se, geralmente em de-
fender a autenticidade mosaica. Os principais pesquisadores que procuraram desenvolver
204
367. Em 30 de setembro de 1943, por motivo do cinquentenário da encíclica Providentissimus Deus; Pio XII
publicou a encíclica Divino Afflante Spiritu.
368. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/pius-xii/pt/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_30091943_
divino-afflante-spiritu.html. Acessado em: 10/04/2015.
369. Para maiores detalhes sobre a postura Católica Romano acerca da formação do Pentateuco, consultar: Did
Moses write the Pentatech? In: http://catholicstraightanswers.com/did-moses-write-the-pentatech/. Aces-
sado em: 11/06/2015.
205
Deixemos Wilson falar por si mesmo. O que se segue são seleções feitas de uma palestra
proferida pelo mesmo sobre - O que é um especialista?
Por quarenta e cinco anos a fio, desde que sai da faculdade, tenho me devotado ao
extraordinário estudo do Antigo Testamento, em todas as suas línguas, em toda a
sua arqueologia, em todas as suas traduções, e até aonde for possível, em tudo que
diz respeito ao seu texto e história. Falo assim, para que possam ver porque tenho
permissão e posso falar como um especialista. Posso acrescentar que o resultado
desses quarenta e cinco anos de estudo da Bíblia tem me levado todo o tempo a uma
fé mais firme de que no Antigo Testamento temos um verdadeiro relato preciso da
história do povo de Israel; e tenho o direito de encomendar isto para alguns daqueles
homens e mulheres brilhantes que pensam que podem rir do cristão antigo e da sua
fé na Palavra de Deus.
Temos observado que os críticos da Bíblia vão até ela apenas para achar algum
erro, têm uma maneira muito peculiar de reivindicar para si todo o conhecimento e
virtude, e todo o amor pela verdade. Uma das suas frases favoritas é: “Todos os es-
206
Ao debruçarmos sobre as Escrituras temos que ter em mente algumas regras para inter-
pretarmos seu conteúdo. Devemos interpretar lexicamente, sintaticamente, contextualmente,
historicamente e principalmente interpretar tendo a Bíblia como sua própria interprete. O
próprio Wellhausen (apud MCDOWELL, 1997. p. 136) reconhece que seus fundamentos são
baseados em argumentos a priori.
Finalmente, por ocasião de uma visita casual a Göttingen, durante o verão de 1867,
fiquei sabendo, por parte de Ritschl, que Karl Heinrich Graf opinava que a Lei era de
origem mais recente do que os Profetas; e então, quase sem ter tomado conhecimen-
to das razões dele para tal hipótese, preparei-me para aceitar a ideia. E prontamente
reconheci, diante de mim mesmo, a possibilidade de podermos compreender as an-
tiguidades dos hebreus sem ter de utilizar o livro da Tora.
John D. Davis esclarece a respeito da existência das leis do Pentateuco nos escritos proféticos:
A existência das leis do Pentateuco e das instituições Mosaicas, aparecem em largos
traços nos escritos proféticos. Não faz muito tempo que se admitia a legitimidade des-
sas passagens, mas negava-se ao mesmo tempo que fossem tiradas do Deuteronômio
370. O incomparável Wilson – O homem que dominou quarenta e cinco línguas e dialetos. Disponível em: http://solas-
criptura-tt.org/PessoasNosSeculos/IncomparavelWilsonDefensorKJB-HWCoray.htm. Acesso em 24/02/2012.
207
ou dos documentos sacerdotais. Agora todos reconhecem que essas leis e instituições
vigoravam quando essas passagens foram escritas; porém o resultado lógico dessa
concessão, isto é, que a lei do Pentateuco e as instituições levíticas estavam em ple-
no vigor oito séculos antes de Cristo, nulifica-se, quando declaram que as referências
aludidas foram interpoladas nos escritos dos profetas. Mas não oferecem provas que
justifiquem as suas afirmações. A decisão deste assunto é magistral, proferida sem
apelo. Os que creem nas leis de Deuteronômio e nas ordenanças levíticas, como pro-
cedentes de Moisés, citam confiadamente essas passagens como parte integrante dos
escritos proféticos, em razão de suas relações com o contexto e de uma inseparável
conexão com o argumento original. (DAVIS, 1993, p. 466).
371. Editado no Brasil pelas Edições Vida Nova temos seu livro Levítico Introdução e Comentário de autoria de
Harrison.
208
Outra forte evidência a favor de uma data tardia para a redação do livro de Levítico, são
os paralelos do sistema sacrificial, com a cultura do período do antigo Oriente Médio, vejamos:
O sistema sacrificial de Israel contido em Levítico 1-7, encontra largo paralelo entre os
textos do antigo Oriente Médio, de forma alguma o sacrifício de animais (bem como
as ofertas e libações) era peculiar a Israel. Uma ampla variedade de termos técnicos
sacrificiais (alguns bem parecidos com os de Israel) é encontrada em textos das áreas
cananeias do Período do Bronze Tardio, e início da Idade do Ferro, incluindo Uga-
rite, Fenícia, Síria, Amon e Moabe. Demonstram que os vizinhos de Israel também
possuíam sistemas sacrificiais elaborados. Os grandes centros religiosos do Egito e da
Mesopotâmia também estipulavam práticas sacrificiais de forma ordenada e meticu-
losa. No entanto, a despeito de quaisquer atributos comuns, o sistema sacrificial de
Israel era único, em virtude da aliança. (Bíblia Arqueológica, 2013, p. 158).
Archer nos apresenta uma boa exposição acerca da atribuição do código Sacerdotal
como sendo posterior a Ezequiel:
A escola de Wellhausen atribui ao Profeta Ezequiel do sexto século, ter lançado os
alicerces para a obra da escola Sacerdotal. Atribuiu-se a ele, ou a seus discípulos ime-
diatos, o Código de Santidade (Lv 17-26) e os primeiros estágios duma nova doutrina
que o sacerdócio deve ser confinado aos descendentes de Arão e não permitido à tri-
bo de Levi como um todo. (Cf. Ez 44:7-16 que concede uma posição privilegiada à
família de Zadoque). Mas, segundo insistiam os que apoiavam esta escola, o Docu-
mento P não poderia ter existido antes da época de Ezequiel, senão não teria ousado
prescrever regulamentos que são notavelmente diferentes daqueles estipulados no
209
Código Sacerdotal.... É necessário dizer que a teoria duma origem pós-exílica para
o Código Sacerdotal não fornece nenhuma explicação real das divergências.372 É um
fato inegável que, as instruções em Ezequiel diferem tanto do Documento D, e até do
Documento H, como diferem de P. Por exemplo, Ezequiel nem sequer menciona os
dízimos e as ofertas que devem ser apresentados por um primogênito (conforme as
instruções em D e E), nem a Festa de Pentecostes com os regulamentos que lhe são
apropriados, nem certas instruções, como a que proíbe que se suba a um altar por
meio de degraus. Sendo que todos estes assuntos são incluídos em Deuteronômio, o
mesmo tipo de lógica que declara que Ezequiel é anterior a P nos compeliria a colocá-
-lo antes de D também. É digno de nota que Ezequiel pressupõe o mesmo sistema
geral de sacrifício que se descreve em P: holocaustos, ofertas pelo pecado e ofertas
pacíficas, e uma distinção clara entre aquilo que é ritualmente puro e impuro. Todas
estas regras se mencionam de maneira a dar a entender que o sistema sacrificial era
bem conhecido aos seus leitores, e que tinha sido praticado desde tempos da antigui-
dade. (ARCHER, 2003, p. 312-313).
372. Realmente, há divergências marcantes em três áreas gerais em relação ao que é descrito no Pentateuco: 1)
as dimensões do Templo, 2) os móveis do templo, 3) o ritual do culto sacrificial. Por este motivo, é claro,
algumas autoridades judaicas, especialmente as que pertenciam à escola de Shamai, levantavam dúvidas
quanto à canonicidade de Ezequiel – esquecendo-se que havia a possibilidade que os regulamentos do
templo descritos nos caps. 40-48, não visavam ser impostos durante o período da antiga aliança, mas sim,
no do reino final da época messiânica. Talvez a evidência mais notável neste assunto é que as dimensões
do templo, citadas na última parte de Ezequiel, diferem não somente do Código Sacerdotal como também
das do templo de Salomão conforme a descrição em II Reis 6 e 7. Se a divergência de Ezequiel indica que
ele escreveu primeiro, então uma aplicação consistente deste critério nos levaria a entender que Ezequiel é
anterior à construção do templo de Salomão! Mais uma vez, portanto, precisamos reconhecer que a totali-
dade dessa linha de raciocínio leva a resultados ridículos, e não pode ser seguida como critério praticável.
(ARCHER, 2003, p. 313-314).
373. Atual nome de “Ugarite”, foi uma antiga e cosmopolita cidade portuária, situada na costa mediterrânea
do norte da Síria, alguns quilômetros ao norte da cidade moderna de Latakia. Ugarit enviava tributo ao
Egito e mantinha vínculos diplomáticos e comerciais com o antigo Chipre (chamado então de Alashiya),
documentados nos arquivos recuperados do sítio arqueológico e corroborados pela cerâmica cipriota e
micênica descoberta ali. O apogeu da cidade ocorreu de cerca de 1450 a.C. até 1200 a.C. Ugarite tem revela-
do textos que contêm informações detalhadas sobre a religião, poesia e comércio do povo cananeu. “Estas
tabuinhas contêm muitas palavras e frases que são quase idênticas às palavras encontradas na Bíblia he-
braica. O dialeto ugarítico ilumina o desenvolvimento do antigo hebraico (ou paleo-hebraico). A estrutura
poética do idioma ugarítico está refletida em muitas passagens do Antigo Testamento, como no “Cântico
de Débora”, em Juízes 5. Os escribas de Ugarite escreveram numa escrita cuneiforme modificada que era
virtualmente alfabética; está escrita abriu caminho para o uso do sistema de escrita fenício mais simples.”
(VINE, 2003, p. 14).
210
A insistência por parte dos advogados da hipótese Documentária em alegar que di-
versas características da religião de Israel era demasiadamente avançada para a idade em
que viveram conforme o Pentateuco descreve, se mostra cada vez mais dissonante da rea-
lidade histórica e arqueológica. Segundo a Hipótese Documentária os israelitas não teriam
sofisticação suficiente para organizar celebrações tão elaboradas quanto as descritas no
Pentateuco. De acordo com esses estudiosos, as descrições dessas festas provêm de uma
fonte Sacerdotal desenvolvida no período pós-exílio. Porém, atualmente os arqueólogos es-
tão de posse de um trabalho literário da cidade síria de Emar que contradiz essa teoria. Um
grande tablete de Emar... descreve em detalhes o festival de Zukru374, celebrado naquela
cidade.” (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 130). Desse modo somos informados
de que os povos antigos já haviam adotado complicadas liturgias na Idade do Bronze Tardio
(1550-1200 a.C.). As instruções bíblicas a respeito das festas de Israel encaixam-se muito
bem nesse cenário.
Algumas cópias de textos hititas, que contém instruções para os sacerdotes e para o efe-
tivo do templo, datando de antes da época do rei hitita Supiluliuma I (ca.1350-1325 a.C.),
demosntram grande semelhança com os mandamentos bíblicos referentes aos sacerdotes e
aos levitas.
O fato de as instruções sacerdotais do tempo de Moisés, Eli e Samuel terem para-
lelos entre os hititas é importante, porque esses atributos comuns enfraquecem a
teoria amplamente aceita de que o código Sacerdotal bíblico é um trabalho tardio,
que não poderia ser oriundo da época de Moisés. (Bíblia de Estudos Arqueológica,
2013, p. 208).
374. Segue um trecho do Festival de Zukru: “Depois de comer e beber, eles devem esfregar todas as pedras com
óleo e sangue. Em frente ao portão da Batalha, farão a homenagem sacrificial a todos os deuses com uma
ovelha, dois pares de grossos pedaços de pão feitos de massa de cevada e um vaso do rei. A ovelha deve
ser queimada a todos os deuses. Os pães, as bebidas e a carne voltarão para a cidade.” (Bíblia de Estudo
Arqueológica NVI, 2013, p. 131).
211
Temos que ser cautelosos ao fazermos análises sobre questões complexas, distantes e
tão fragmentadas em materiais comprobatórios, como são os textos do Pentateuco. A Hipó-
tese Documentária, propondo-se como “Hipótese” deve ser considerada provisória, aberta
a mudanças e modificações à medida que se adquire mais evidências. “Naturalmente uma
hipótese não passa de um modelo teórico, de uma construção e proposição acadêmica, não
sendo uma prova conclusiva.” (KNIERIM, 1990, p. 11). Rolf P. Knierim admite que as hipó-
teses em determinadas circunstâncias são necessárias: “... desde que temos necessidade de
375. Posteriormente em 1912, defendeu a autoria mosaica do Pentateuco em Wider den Bann der Quellenschei-
dung, Guetersloh, 1912 (Contra a Maldição da Divisão das Fontes). Em 1925 defendeu a autoria mosaica
do livro de Deuteronômio em Rueckbeziehungen des fünften Buches Mosis auf die vier ersten Buecher (Re-
ferências feitas no Quinto Livro de Moisés aos Quatro Anteriores). E também em 1931 Möeller defendeu a
autoria mosaica do Pentateuco em Die Einheit und Echtheit der fuenf Buecher Mosis.
212
213
tradição que representa Moisés com precisão e reflete com fidelidade a aplicação por
ele dada às leis e aos estatutos da aliança de Javé de acordo com as necessidades dos
israelitas prestes a entrar em Canaã. (LASOR, 1999, p. 127).
214
Isto quer dizer que o mesmo corpo de evidência ao qual se apela para comprovar a teo-
ria, se rejeita quando entra em conflito com a teoria. Ou, em outras palavras, cada vez que a
teoria é desafiada pelos próprios dados que ela alega explicar, então o time capacitado para
eliminar dificuldades, Redator e Interpolador Ltda., recebe a chamada de socorro. Táticas ilu-
sórias como estas dificilmente poderiam justificar a confiança e integridade dos resultados.
Deve-se levar em consideração o fato de que a religião judaica se baseia nas normativas
contidas no Pentateuco, e em hipótese alguma permitiriam serem feitas falsificações no livro
que é considerado sagrado, e se houvesse sido falsificado, ou seja, inserido lendas, quando
teria se dado isso? Em todos os anos do judaísmo existiram pessoas que zelaram pelas leis, e
acreditaram serem elas observadas desde o princípio. Desde o início do processo de escrita,
houve preocupação em preservar e reconhecer ou não como Palavra de Deus ao seu povo.
Os críticos atribuem ao código Sacerdotal à passagem da construção do Tabernáculo
(Êx 25), e os mesmos datam este código entre um período que vai de Ezequiel a Esdras.
Porém devemos atentar para um detalhe de suma importância, que ao que tudo indica foi
ignorado pelos críticos. Em toda a narrativa da construção do tabernáculo somente a ma-
deira de “acácia” é utilizada e nenhuma outra madeira, isso esta em perfeita harmonia com
a região do Sinai onde predominava a acácia. No tempo que vai de Ezequiel a Esdras a ma-
deira que predominava na Palestina era o “cedro”, tomemos como exemplo a construção
do templo por Salomão onde se utilizou de cedro como matéria prima que é uma madeira
natural de seu país, e não a acácia que é de outra região e de outro país. Sendo assim, se a
narrativa do tabernáculo foi composta entre o período de Ezequiel a Esdras, por qual motivo
os supostos autores do código Sacerdotal teriam “imaginado” a construção dum tabernácu-
lo, onde fosse excluído o cedro, que lhes era tão familiar, por uma madeira – a acácia – que
era estranha a seu país?
É defendido por adeptos da Hipótese Documentária que o tabernáculo conforme des-
crito por P não passa de uma farsa, pois os hebreus não possuíam habilidades suficientes para
construir tamanha estrutura. Segundo Bentzen (1968, p. 44) “a descrição do santuário (Tenda)
é totalmente irreal... como um todo P antedata o culto para o tempo de Moisés”. O próprio
Wellhausen considera uma ficção a construção do tabernáculo, e que tal construção jamais
chegou a existir no período do deserto, porém ele considera que esta história foi formada no
período do exílio, usando o templo de Salomão como modelo (HAMILTON, 2006, p. 246).
Porém, descobertas arqueológicas no Egito têm demonstrado que naquela época já
existiam estruturas pré-fabricadas para fins religiosos. Segundo Kitchen (apud MCDOWELL,
1997, p. 173) “Os dados colhidos no Egito, aqui aduzidos, naturalmente não podem provar
diretamente que o tabernáculo de fato existiu na época de Moisés, mas criam uma fortíssima
presunção em favor do caráter razoável e da veracidade do franco relato bíblico”.
O documento P, de acordo com a Hipótese Documentária, contém detalhes tais como
as medidas do tabernáculo e a arca de Noé. Este documento recebe uma data tardia devido
a este estilo, que, aos olhos dos críticos, caracteriza-se por este tipo de atenção aos detalhes.
215
Ciro Gordon, observou que este documento ao receber uma data tardia com base no estilo é
sem base, e faz a seguinte observação:
...depois de um hiato de quatro anos na minha carreira acadêmica durante a Se-
gunda Guerra Mundial ... Eu ofereci um curso sobre o Épico de Gilgamesh. Eu não
poderia deixar de notar que o conto babilônico da construção da Arca contém espe-
cificações em detalhes muito parecidos com o hebraico da Arca de Noé. Ao mesmo
tempo, lembrei-me que a descrição do Gênesis é atribuída a P do Segundo Templo,
datado assim, porque os fatos e números como os relacionados com a Arca são ca-
racterísticos do autor hipotético Sacerdotal. O que me ocorreu foi que, se o relato de
Gênesis sobre a Arca pertence a P em tais razões, o conto de Gilgamesh e o épico da
Arca pertencia a P pelos mesmos motivos - o que é absurdo.376
Entre os críticos é unânime a opinião de que o Pentateuco teve sua redação entre os sé-
culos IX e V a.C., ou seja, nada teria sido composto antes do reinado de Davi, mas evidências
dentro do próprio do Pentateuco apontam para sua antiguidade, ou seja, ele foi escrito dentro
do período que o próprio texto alega. Dentre os fatores que indicam sua antiguidade temos
o emprego no texto de algumas claras influências egípcias tais como o uso que o autor faz
de termos geográficos, palavras típicas, nomes próprios, etc., que somente seriam possíveis
caso o autor vivesse no Egito ou tivesse vivido, e tivesse sido testemunha ocular dos eventos
narrados tais como o êxodo e a peregrinação pelo deserto. As vívidas descrições das pragas
do Egito, das trovoadas no monte Sinai e do maná no deserto requerem a presença de uma
testemunha. Os detalhes minuciosos relacionados com as fontes de água e as palmeiras em
Elim, as duas tábuas de pedra, a adoração do bezerro de ouro377 e muitos outros elementos
apontam uma testemunha ocular. Considerando que há pouca ou nenhuma evidência de
adições posteriores ao livro, presumimos com segurança que o escritor de Êxodo compôs o
material durante ou logo após as experiências registradas no livro. Tomando como certo que
um israelita contemporâneo aos fatos tenha escrito as narrativas em Êxodo, é fácil deduzir
que Moisés foi o autor. O autor não poderia ter sido um israelita comum; ele era altamente
talentoso, educado e culto. Quem estava mais bem preparado entre todos estes escravos que
Moisés? Jesus afirmou que a lei foi escrita por Moisés (Mc 1.44; Jo 7.19-22); seus discípulos
também atestaram este fato (Jo 1.45; At 26.22). Há evidências internas no próprio livro de que
Moisés escreveu certos trechos (17.14; 24.4).
Se a tese crítica está certa então Esdras e Neemias podem se equiparar aos maus pas-
tores que exploram seu rebanho. Segundo muitos críticos Esdras provavelmente foi uma
espécie de redator/compilador final que juntou os documentos JEDP. Se Esdras sabia que
estes documentos não tinham sido escritos por Moisés, mas sim em um período recente ao
seu, e por motivos nada corretos moralmente – haja visto o código Sacerdotal, segundo alguns
críticos, ter sido escrito a fim de favorecer os sacerdotes – ao ler diante do povo um documen-
to que ele sabia não ser a Lei de Deus dada a Moisés, e ler como se fosse, agiu falsamente e
enganou o seu próprio povo.
Se a lei conforme alegam os críticos foi “criada” por Esdras ou em seu período, por qual
motivo no momento em que foi apresentada ao povo (Ne 8) que acabara de sair do cativeiro babi-
376. Cyrus H. Gordon, Higher Critics and Forbidden Fruit, Christianity Today IV, No. 4 (1959): 132-133.
377. O Hino de Cairo a Amom-Rá louva o principal deus egípcio, às vezes chamado “ouro aprazível”, “touro de
Heliópolis” ou “touro de sua mãe”. Os dois olhos do touro eram o Sol e a Lua. As imagens bovina e solar
estavam incorporadas ao culto a Amom-Rá. Ele era adorado como o deus criador que gerou o céu e a terra,
a humanidade e os animais. (Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 911).
216
lônico foi aceita incondicionalmente. É de se esperar que um povo tão dividido como era naquele
momento questionasse o conteúdo da lei. Havia sacerdotes e levitas entre o povo e prontamente
questionariam, pois, o conteúdo da lei dizia respeito à origem e formação de suas classes. O fato de
todo o povo ouvir o conteúdo da lei e ter aceitado incondicionalmente prova que já a conheciam –
se não diretamente, indiretamente. Ou seja, a lei não era uma farsa literária criada pós-exílio, mas
um documento pré-exílico que continha a revelação de Deus dada a seu servo Moisés.378
Ao atribuir a composição do Pentateuco a data recente os críticos acabam negando o
desenvolvimento doutrinário que Israel teve gradativamente, conforme bem observou Davis:
No Pentateuco, as concepções aceitas e as doutrinas referentes ao estado futuro, à re-
tribuição divina, ao caráter espiritual da verdadeira adoração, aos anjos e ao Messias,
são todas rudimentares. Todas elas assumem formas mais desenvolvidas nos livros de
Jó, Salmos e nos profetas. Isto serve para provar que o escritor do Pentateuco viveu em
época remota e em meio intelectual muito diferente. (DAVIS, 1993, p. 466).
O Antigo Testamento por adotar um caráter teológico e histórico não era propicio para
a formação de mitos. O cenário histórico dos capítulos de Gênesis 1-11,380 por exemplo,
378. Em geral o termo servo refere-se a alguém que serve a, ou a favor de outro. Moisés serviu em favor de Deus
sobre toda a casa de Deus; foi-lhe confiada a Lei de Deus e ele provou-se digno de confiança cumprindo
seu dever.
379. Abraão é o segundo personagem mais citado no no Novo Testamento, é citado 63 vezes.
380. Gênesis 1-11 apresenta uma colisão caleidoscópica de uma sucessão desnorteante de eventos, unida em
grande parte pelos objetivos narrativos ou teológicos do texto. As narrativas patriarcais do restante de Gê-
nesis, no entanto, reduzem a intensidade consideravelmente e nos levam num longo passeio por uma
série de detalhes interconectados. Gênesis 1-11 é considerado como um “prólogo”, ou uma introdução, à
Escritura canônica.
217
(“estas são as origens dos”, 2.4; 5.1) e as genealogias (capítulos 4-5; 10-11) indicam que o
autor apresenta uma narrativa histórica, e não um mito literário. Embora os formatos da fé
de Israel tivessem muitos elementos em comum com seus vizinhos pagãos, a substância ou
a essência da adoração de Yahweh deveria ser drasticamente diferente. Ocorre que, os auto-
res veterotestamentários ocasionalmente podiam tomar emprestadas concepções míticas
de povos vizinhos adaptando-as a sua própria fé.
Tratando-se do gênero literário381 “narrativa” e “ficção” são necessárias algumas
considerações:
a) Existe afinidade entre as narrações bíblicas e a literatura da fiction pelo simples fato
de ambas fazerem parte do gênero literário narrativo.
b) As semelhanças são numerosas no âmbito das técnicas narrativas, a diferença é evi-
dente quando se comparam as respectivas finalidades.382
A Bíblia respeita a liberdade do leitor. Oferece luz suficiente para quem deseja ver, mas
contém dificuldades que oferecem uma desculpa para quem não quer crer. Ou, pelo menos,
um pretexto. Alega-se que a Bíblia tem que ser analisada como qualquer outro livro, mas, fo-
ram além, acrescentaram à análise literária e textual suas concepções da filosofia naturalista
às suas críticas. Porém o fato de a Bíblia ter que ser lida como qualquer outro livro, não exclui
sua singularidade. Assim, ela deve ser lida também como nenhum outro livro.
C.S. Lewis nos indica que: “aqueles que leem a Bíblia como literatura não leem a Bíblia...
A não ser que as reivindicações religiosas da Bíblia voltem a ser reconhecidas, suas reivindica-
ções literárias, penso eu, só serão honradas ‘de boca para fora’ e isto cada vez menos”. (apud,
DYCK, 2001, p. 210). Cada forma literária deve ser analisada à luz da forma a qual pertence.
Ainda C.S. Lewis aponta que: “aqueles que falam em ler a Bíblia ‘como literatura’ querem di-
zer lê-la sem se preocupar com a principal coisa de que ela trata; como ler Burke sem interesse
por política, ou ler a Eneida sem interesse por Roma.” (apud, VANHOOZER, 2005, p. 186). O
conceito teológico não deve ser perdido de foco ao buscar o processo de composição do texto.
A opção mais viável para a mente natural sem sombra de dúvidas é o método de Wellhausen.
Lewis comenta a perspectiva dos críticos quanto ao ler a Bíblia em busca de um significado
atrás das palavras, vejamos:
Em todas as tentativas de responderem a questões sobre o porquê de ele ter escri-
to algo, suas influências ou propósito de suas palavras, ou seja, áreas não tratadas
ou explicadas de modo direto pelo autor, eles invariavelmente erram. Ainda assim,
para um leitor desinformado, essas críticas podem parecer tão convincentes que são
aceitas como inteiramente verdadeiras. (Lewis apud, HAMILTON, 2006, p. 377).
381. Para uma lista de cinquenta e nove gêneros literários, consultar: (GOTTWALD, 1988, p. 107-109). E o mes-
mo autor na página 106 menciona que certo pesquisador alegou encontrar nos textos bíblicos mais de
duzentos gêneros literários.
382. Para maiores informações sobre narrativa e exegese bíblica, veja: (YOFRE, 2000, p. 123-129).
383. Para uma lista de exemplos, consultar: (KERR, , 1956. p. 55-58).
218
Novamente digo que se deve utilizar as ciências bíblicas para entendimento do tex-
to. O problema está nas suposições a priori, que causam mais problemas que resolvem,
e também manter essas suposições como se fossem verdades, antes mesmo de serem
comprovadas. Tenho notado por parte de alguns estudiosos que ao defenderem seus pres-
supostos, os mesmos tem se mostrado muito mais dogmáticos do que àqueles que acusam.
Isso contraria o que o termo “liberal” supõe “alguém que é menos preconceituoso do que os
chamados ‘conservadores’”.
W. H. Gren comentando sobre a aceitação da Hipótese Documentária em círculos eru-
ditos disse:
Essa teoria tem seus fascínios, o que explica de modo suficiente a sua popularidade.
A erudição, a habilidade e o labor paciente que têm sido adaptada aos fenômenos
do Pentateuco e do Antigo Testamento em geral, têm-lhe emprestado uma áurea de
grande plausibilidade. As novas linhas de inquirição que abre, tornam-na atrativa
para aqueles que são dotados de uma mente especulativa, que ali veem a oportu-
nidade de uma pesquisa original e frutífera, na reprodução de antigos documentos,
desde há séculos sepultos e insuspeitos no texto existente. A ousadia e o aparente
sucesso com que essa teoria tem sido desenvolvida, revolucionando opiniões tradi-
cionais e emprestando um novo respeito pela origem e história da religião do Antigo
Testamento, bem como a sua aliança com a doutrina da evolução, que tem achado
tão larga aplicação em outros campos de investigação, todos esses fatores têm con-
tribuído, em larga escala, para a sua popularidade. (apud MCDOWELL, 1997, p. 246).
E continuou:
Seu fracasso não se deve à falta de engenho ou erudição, nem à falta de esforço per-
severante, por parte de seus advogados, nem por não ter sido utilizado o mais amplo
leque de conjecturas, mas deve-se, simplesmente, à impossibilidade de essa teoria
atingir a finalidade proposta. (p. 246).
Seria como que o adepto da Hipótese Documentária gozasse de uma espécie de distin-
tivo de respeitabilidade acadêmica internacional. Respeitabilidade essa a custo de um alto
preço! A conclusão a que chegamos por hora, é a de que a Hipótese Documentária e suas
variantes não gozam de um sistema fundado sobre provas científicas muito menos bíblicas,
demonstram simplesmente serem teorias ou hipóteses, repousadas sobre premissas de or-
dem filosófica, naturalista e sociológica.
A maioria dominante de pessoas que aceitam a Hipótese Documentária, incluindo muitos
daqueles que a ensinam, procedem assim, devido à confiança nos estudiosos pelos quais ela
é promovida, mais do que sobre a base de uma investigação completa dos textos bíblicos. Os
interesses da verdade exigem que os fatos sejam examinados objetivamente e sem preconceito.
Quando isto é feito, torna-se claro que a teoria necessita de evidência real e base lógica sólida.
Deve se também considerar a ausência de evidências históricas, ou manuscritológicas,
de que estes supostos documentos JEDP tenham circulado em algum período soltos uns dos
outros. Caso Wellhausen e seus seguidores tivessem levado em consideração as evidências
arqueológicas que faziam parte de sua época e submetido suas premissas filosóficas que
da mesma forma surgiram no mesmo período, teria se evitado tanta controvérsia e enga-
no. Nenhum documento que nos veio dos tempos antigos contém qualquer menção desses
documentos JEDP como tendo existido. Não existe referência antiga a registro de qualquer
documento semelhante ou a tal processo de combiná-los como a teoria o pretende. Não há
evidência de que qualquer processo semelhante realmente tenha ocorrido em outras culturas.
219
Segundo Kaiser:
Ninguém jamais viu estes documentos, J, E, D ou P, ou qualquer referência a eles
em qualquer literatura antiga paralela... Desta forma, tais documentos hipotéticos
podem ser seguramente desconsiderados em favor de fontes reais que são con-
sistentemente referidas no texto ou são identificadas de epígrafes descobertas no
antigo Oriente Próximo. (KAISER, 2007, p. 17).
Não existe nenhuma evidência que em algum período da história, o Pentateuco tenha
circulado como “pedaços” (fontes JEDP), e que algum redator, ou redatores, tenha compilado
e dado sua formação final, como propõe a teoria Documentária. Temos centenas de cópias
manuscritas dos primeiros cinco livros da Bíblia, e todas elas os apresentam na forma em que
os temos hoje. Nem mesmo uma cópia antiga de J, E, D ou P, como uma unidade separada
e contínua, jamais foi achada. A Hipótese Documentária tem cometido uma falácia lógica,
intitulada “petição de princípio”, ou seja, aceitação de algo como se já estivesse provada. A
falta de evidências objetivas é um fato que não se deve deixar de levar em consideração. Até o
presente momento não há qualquer prova objetiva da existência dos documentos JEDP.
O processo para se buscar uma identificação ou distinção de fontes não é simples:
Para provar a existência de diferentes fontes é necessário comparar as coisas seme-
lhantes: leis litúrgicas com leis litúrgicas e narrativas com narrativas, e utilizar os
pontos mais minuciosos de morfologia e sintaxe para demonstrar diversidade ou
homogeneidade de autoria. (WENHAN, 1985, p. 22).
O simples método de contar palavras conforme em uso pela crítica das fontes não pode
por si só demonstrar diversidade de fontes (autores), o máximo que consegue é demonstrar
diversidade de material literário (estilo), mesmo assim utilizando-se de rótulos e generaliza-
ções impressionistas. Quando, por meio de manipulação engenhosa do texto, se produz uma
“discrepância” ao interpretar uma passagem fora do contexto, não se aceita nenhuma expli-
cação que reconciliaria a dificuldade, mas, pelo contrário, a suposta discrepância precisa ser
explorada para “comprovar” diversidade de fontes.384
Derek Kidner, em sua introdução e comentário sobre o livro de Gênesis diz que:
Uma vez que se firmou esse método de estudo, outros sinais distintivos foram regis-
trados em grande número, e na segunda metade do século dezenove o Pentateuco
estava tão rigorosamente dissecado que não era raro encontrar um versículo dividi-
do em parcelas atribuídas a duas ou mesmo três fontes, visto que se dizia que cada
uma delas tem vocabulário, caráter e teologia que lhe são próprios. (KIDNER, 2001,
p. 16-17).
Isso revela dois pontos importantes, primeiro a desenfreada busca pelo conhecimento
das fontes do Pentateuco, e segundo quão frágil tem se mostrado a Hipótese Documentária.
Deve se admitir que a localização das fontes, e o grande número de metodologias apli-
cadas, corroboram para conclusões controvertidas e precipitadas, no estudo da formação do
384. Conforme a discrepância que Pfeiffer imaginava ver (IOT 328) entre duas narrativas do assassínio de Sísera.
Segundo ele, Juízes 5.25-27 diz que Jael o matou com seu martelo e estaca de tenda enquanto bebia leite;
Juízes 4:21 diz que o fez enquanto Sísera dormia. Na realidade, 5.25-27 não, declara que estava bebendo no
momento do impacto, mas seria inútil dizer isto a Pfeiffer, pois já dividiu as “narrativas discrepantes” entre
J e E). (ARCHER, 2003, p. 495).
220
Pentateuco. Muitas vezes não passando de “tatear no escuro”. É certo até mesmo no próprio
meio, conforme Noth alega em seu comentário ao livro de Números que “as condições objetivas
do livro de Números por si próprias não levam exatamente a esses resultados” (apud ZENGER,
2003, p. 89), mostrando com isso que a identificação das fontes é mais fácil em Gênesis e no
início de Êxodo, pelo menos até o capítulo 18, e que a partir daí torna-se muito difícil qualquer
acerto. Isso apenas demonstra o quanto é inaplicável o modelo das fontes, pois não consegue
trabalhar com precisão nem a metade do material a que se propõe - Pentateuco.
Algumas questões que compõe internamente o livro de Números fazem paralelo a evi-
dências arqueológicas e históricas:
As listas de censos nos capítulos 1 e 26 mostram correspondência àquelas en-
contradas em textos do Egito, Mari, Ugarit e Alalakh do segundo milênio antes
de Cristo, e a organização dos acampamentos das tribos de Israel de uma ma-
neira retangular, ao redor do santuário central, é similar ao acampamento dos
exércitos de Ramessés II, do século XIII a.C., e várias outras correspondências
do segundo milênio entre os povos do antigo Oriente Médio. (Bíblia de estudo
Defesa da Fé, 2010, p. 226).
385. Um dos mais influentes revisores de textos do Antigo Testamento em seu tempo.
221
Comentando sobre o fato de não podermos ter respostas para todos os problemas apre-
sentados pelo texto bíblico, Cole esclarece comentando que:
A própria existência desses problemas em nossas mentes mostra apenas que somos
ocidentais com inclinações mentais muito científicas. Sem dúvida, num sentido, es-
tamos apenas transportando nossos problemas para as Escrituras e depois culpando
as Escrituras por não encontrarmos nelas a resposta. (COLE, 1980, p. 16).
Em seguida nos adverte, “não devemos nos culpar por sermos ‘homens científicos’, não
mais do que os hebreus são culpados por serem ‘pré-científicos’, mas devemos aprender a
não fazer às Escrituras perguntas que elas não foram escritas para responder” (COLE, 1980, p.
16). Torna-se sem sentido a insistência com que os adeptos da Hipótese Documentária pro-
222
curam adaptar o Pentateuco e sua forma literária a padrões vigentes, sendo que as regras da
crítica não estavam em uso na época em que os textos foram escritos.
Sobre o limite que a teoria das fontes possui, e sua validade como teoria Schmidt declara:
A separação das fontes avançou incessantemente, mas não goza mais de aprovação
geral. Isso não tem a ver apenas com as condições do texto, mas se deve a uma lei
universal que se aplica também à crítica literária: quanto mais sofisticada e compli-
cada for uma teoria, tanto mais improvável ela se torna. Inversamente uma teoria
se torna tanto mais provável, quanto mais simples for, isto é, quanto maior for o
número de fatos que ela explica com o menor número possível de suposições. Nesse
sentido, a teoria das três fontes (J, E, P) por certo representa um valor-limite que
dificilmente pode ser ultrapassado. (SCHMIDT, 1994, p. 57).
223
386. A chamada Epopéia de Atrahasis é um poema épico da Mitologia suméria, sobre a criação e o dilúvio uni-
versal. A sua cópia mais antiga data de 1600 a.C., quando a civilização suméria desaparece ante as invasões
dos Hititas, e acredita-se esteja liga às tradições próprias do templo da cidade-estado de Eridu, vizinha à
antiga foz do rio Eufrates. É um dos mitos de criação mais antigos da região do Médio Oriente, narrando a
trajetória de Atrahasis (o muito inteligente). Para uma discussão sobre a relação do dilúvio bíblico, com a
relato sumeriano, ver (HARRISON, 2010, p. 44-46). Atra-Hasis ou Atrahasis é o nome do herói da história,
uma espécie de Noé. As sememlhanças superficiais entre a Bíblia e os mitos do antigo Oriente Médio não
nos devem cegar para as profundas diferenças de perspectiva.
387. O nome “Sarai” ou “Sara” corresponde a Sharratu, e significa “a rainha”. O nome é uma tradução em língua
semítica do nome sumério Ningal, utilizado pela esposa do deus Sin, o deus lua. Outros nomes da família
patriarcal, como Terá, Milca e Labão, todos orientam para esse culto lunar, praticado em Ur.
388. El é conhecido pelos documentos do Oriente Próximo Antigo. Entre os cananeus, era o deus supremo, à
frente do panteão, o rei dos deuses, o pai dos deuses e dos homens, e o criador. A influência de El e a assi-
milação nas narrativas patriarcais é bem nítida, vejamos: El de Betel (Gn 31.13, El Elion (Gn 14.18-20), El
Roí (Gn 16.13), El Shaddai (Gn 17.1), El Olâm (Gn 21.33), El Berit (Jz 9.4). Também, os nomes dos patriarcas
revelavam a influência do Deus El. Abraão chama seu filho de Isma-El (Gn 16.16), Jacó passa se chamar
Isra-El (Gn32.28). A narrativa de Abraão menciona somente El, jamais se refere a Baal e Ashera, as divinda-
des cananeias da fertilidade, e também nenhum membro da família dos patriarcas tinha um nome próprio
formado por Baal.
“Mas El-Betel, El-‘O1am, El-Shaddai, El-Berit não eram pequenas divindades locais diferentes, elas eram
manifestações do deus supremo El do qual os textos de Ras Shamra nos têm feito conhecer melhor o as-
pecto elevado e universal. Para essa primeira etapa da revelação, basta que os ancestrais dos israelitas
reconheçam, nesses antigos santuários, El como seu Deus único e como o autor e a garantia das promessas
feitas a sua raça.” (VAUX, 2003, p. 332).
224
para o nome de Deus (por exemplo El Shaddai, Gn 17.1) em Gênesis contrasta com a sua au-
sência praticamente total nos textos do primeiro milênio a.C.
O que pudemos constatar das pesquisas em torno do Pentateuco tendo como ponto de
partida à Hipótese Documentária, é que a mesma colocou em evidência que seus argumentos
estão baseados em textos hipotéticos, que nenhum pesquisador pode comprovar se existiram
as alegadas fontes e cuja delimitação deixa os exegetas em discórdia. “... em poucas ocasiões
tantas pessoas trabalharam por tanto tempo e com tanto afinco, tendo seu esforço resultado
em tão pouca coisa.” (PRATT, 2004, p. 474).
À luz da falta de suporte para essa hipótese, Duane Garrett está certo ao dizer que “a
Hipótese Documentária deve ser abandonada.”389 Embora ela suscite inúmeras questões
que necessitam ser debatidas, as conclusões às quais a Hipótese Documentária chega não
são válidas.
Segundo Gleason Archer, os adeptos da Hipótese Documentária cometem uma “mani-
pulação engenhosa” em suas interpretações textuais, vejamos:
Quando, por meio de manipulação engenhosa do texto, se produz uma ‘discrepân-
cia’ ao interpretar uma passagem fora do contexto, não se aceita nenhuma explicação
que reconciliaria a dificuldade, mas, pelo contrário, a suposta discrepância precisa
ser explorada para ‘comprovar’ diversidade de fontes. (ARCHER, 2003, p. 495).
Um exemplo disso é como encaram os textos de Gn 12.6; 14.14; 36.31; Êx 11.3; Nm 12.3;
Dt 1.1; 34.5-12, alegando que tratam de anacronismos. Porém uma das possibilidades para
entendermos estes textos que aparentemente estão fora de ordem cronológica seria atribuir
interpolações explicativas de data posterior inseridas por algum copista. “Podia-se esperar
que histórias transmitidas através dos séculos fossem enfeitadas com toques modernos, com
o correr do tempo. Entretanto, o quadro total permanece autêntico.” (BRIGHT, 2003, p. 111).
Consideramos que a própria análise textual pode fornecer as respostas, vejamos:
Gn 12.6: “Abrão atravessou a terra até o lugar do carvalho de Moré, em Siquém. Naquela
época os cananeus390 habitavam essa terra.” O sentido que os críticos dão a esta passagem é
que os cananeus já não ocupavam a terra no tempo do autor. Mas o que o autor quis trans-
mitir, é que os cananeus habitavam a terra quando Abraão ali esteve e que a terra lhe estava
prometida. A expressão “naquela época” não é decisiva, “visto que ‘naquela época’ pode
significar ‘naquela época, como agora’ (cf. Js 14.11).” (KIDNER, 2001, p. 16). Isso abre a pos-
sibilidade para um escriba ou copista posterior ter inserido uma glosa.391 O mesmo se aplica
a Gênesis 13.7.
225
Gn 14.14: “Quando Abrão ouviu que seu parente fora levado prisioneiro, mandou con-
vocar os trezentos e dezoito homens treinados, nascidos em sua casa, e saiu em perseguição aos
inimigos até Dã.” Os críticos alegam que no tempo dos patriarcas esse lugar se chama Laís e
que o nome Dã só lhe foi dado no tempo dos juízes. É discutido ainda hoje se a Dã de Juízes
18.29 é a mesma de Gênesis 14.14. Cabe também à possibilidade de um copista ter substituído
o antigo nome de Laís pelo nome moderno e mais difundido nos dias dos juízes. Podemos
conjecturar que o copista ao ler “Laís”, pensou: “quem ainda lembra de Laís, ela se foi, está
esquecida,” então ele escreveu Dã.
A tribo de Dã não conseguiu ocupar o território que lhe foi designado, a oeste de Benja-
mim (Js 19.40-46; Jz 1.34). Os danitas preferiram migrar para Laís, cujo nome mudaram para
Dã. Isso ocorreu após a época de Débora, no século XIII a.C., no tempo da destruição de Siló,
por volta do ano 1100 a.C. (Jz 18.31). A incursão dos filisteus na planície costeira, por volta de
1177 a.C., pode ter precipitado a migração.
Gn 36.31: “Estes foram os reis que reinaram no território de Edom antes de haver rei entre
os israelitas.” Os críticos alegam que essa é uma demonstração que essa passagem foi escrita
no tempo da monarquia. Porém, já havia uma promessa que de Israel surgiriam reis (Gn 17.6,
16 e 35.11). Os descendentes de Esaú (Edomitas) já tinham reis (Gn 36.32), mas os filhos de
Israel ainda não, o que justifica o texto de Gênesis 36.31. Estes acréscimos pós-mosaicos não
alteram necessariamente a importância original das mensagens; procuram apenas torna-las
mais claras para Israel mais tarde, nos reinados de Davi e Salomão, quando as promessas de
Deus aos patriarcas se cumpriram mais plenamente.
Êx 11.3 e Nm 12.3: “O SENHOR tornou os egípcios favoráveis ao povo, e o próprio Moisés
era tido em alta estima no Egito pelos conselheiros do faraó e pelo povo.” “Ora, Moisés era um
homem muito paciente, mais do que qualquer outro que havia na terra.” O apóstolo Paulo é
forçado diante de acusações a enfatizar a excelência de seu caráter (2 Co 11.5; 12.11-12) estaria
Paulo se vangloriando? Uma das possibilidades é Moisés ter escrito a respeito de si mesmo
impulsionado pelo Espírito Santo. Como ele estava escrevendo a história “objetivamente”
falou de si mesmo como se falasse de qualquer pessoa. Outra possibilidade é um copista ou
profeta posterior ter adicionado este comentário a respeito de Moisés.
Os críticos levantam objeções contra este texto alegando que, caso Moisés fosse o au-
tor não estaria ele agindo orgulhosamente? E tiram à conclusão, que Moisés não pode ter
sido o autor. Se raciocinarmos desta maneira o próprio Jesus deve ser acusado de orgulhoso,
vejamos: “Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de
coração, e vocês encontraram descanso para as suas almas.” (Mt 11.29). Este texto nos mostra
que Jesus se auto intitulou “manso e humilde”, estaria sendo Jesus orgulhoso? De forma se-
melhante o apóstolo Paulo se refere a si mesmo (2 Co 11.5; 12.11,12). O fato de Moisés declarar
ser manso coaduna com o contexto deste texto onde queriam que Moisés se irasse pelo fato
de outras pessoas estarem profetizando. Basta analisar sua biografia nos textos bíblicos e ve-
remos que diante de situações complicadas Moisés demonstrou mansidão e paciência.
Assim, o que temos é apenas uma narração de fatos. A palavra “manso” é ‘anaw ( wn”[))
cuja tradução pode ser “pobre, humilde, aflito, fraco”.
O uso que Moisés faz da palavra para descrever-se a si próprio (Nm 12.3) não revela
arrogância, mas apenas relata sua posição: de absoluta dependência de Deus (cf. a
afirmação de Paulo em At 20.19). Dentre todos os homens Moisés era o que estava
relacionado com Deus da forma mais íntima... Os humildes consideram e experi-
mentam Deus como seu libertador (Sl 10.17; 76.9,10). (HARRIS, 1998, p. 1144-1145).
226
Não se pode descartar a hipótese deste versículo ter sido um acréscimo posterior por
parte de um redator ou revisor, que foi orientado pelo Espírito Santo. Ainda, alguns pes-
quisadores argumentam que este verículo foi um acréscimo posterior devido a injustiça de
acusação contra Moisés feita em Números12.1.
Devemos observar que, se Paulo pode escrever: “antes, trabalhei mais do que todos
eles” 1 Co 15.10; é completamente impossível que Moisés, que francamente relata sua pró-
pria indisposição em relação a obedecer o chamado de Deus (Êx 4.10), sua negligência de
circuncidar392 seu filho (Êx 4.24-26), seu assassinato de um egípcio (Êx 2) e o pecado que o
excluiu da terrapPrometida (Nm 20.12), deve referir-se com igual imparcialidade e em ne-
nhum espírito prepotente à mansidão exemplar apresentada por ele em circunstâncias de
provocação extraordinária.
A Bíblia não tem a pretenção de “camuflar” os erros de seus personagens. A narrativa bí-
blica está repleta de figuras realistas, vistas em toda a sua fragilidade humana. Os especialistas
em literatura há muito tempo observam a surpreendente transparência dos retratos bíblicos.
A carnalidade de Sansão, a luxúria de Davi, a transigência política e religiosa de Salomão ou
a covardia de Elias, ao fugir de Jezabel; tudo é apresentado com notável franqueza. Como
resultado, eles se tomam ainda mais atraentes e pertinentes para o leitor. Não há qualquer
tentativa de esconder a fragilidade humana dos heróis bíblicos. Isso permite que indivíduos
de todos os tempos se identifiquem com problemas análogos.
Dt 1.1: “Estas são as palavras ditas por Moisés a todo o Israel no deserto, a leste do Jor-
dão, na Arabá, defronte de Sufe, entre Parã e Tofel, Labã, Hazerote e Di-Zaabe.” Essa região
a qual o texto se refere “além do Jordão” conforme as traduções ARA, ARC, ECA, ACF, TEB;
“leste do Jordão” conforme a tradução NVI; e ainda “do outro lado do Jordão” conforme a
tradução BJ. Essa região era conhecida no período neotestamentário como “Peréia” (a terra
do outro lado), e atualmente a conhecemos como “Transjordânia”. Os críticos alegam que o
autor desta passagem se encontrava em Canaã. Insiste-se que se esta obra tivesse realmente
sido composta em Moabe, “além do Jordão” só poderia se referir à Canaã propriamente dita.
O fato que demonstravelmente se refere à região do leste, de Gileade, pertencendo a Ruben e
Gade, comprova, segundo a teoria, que o autor vivia em Judá, ou Israel, propriamente dito, e
que não teria vivido num período anterior a conquista de Canaã.
Tem sido reconhecido atualmente que este termo “além do Jordão” trata-se de um termo
técnico. Uma possível tradução a ele seria “na região do Jordão” (THOMPSON, 1982, p. 81).
392. O rito da circuncisão foi largamente praticado nas religiões primitivas. Entretanto, foi-lhe dado um signifi-
cado especificamente novo quando foi prescrito a Abraão como parte do pacto (Gn 17).
227
Conforme Archer:
Devemos tomar a expressão “além do Jordão” (’êber hayyardên) como sendo um
nome próprio, como “Transjordânia” – nome dado à terra na época dos patriarcas,
ou até antes, pelas populações palestinas, e adotado até pelos próprios habitantes
da região. Observa-se que durante o mandato britânico sobre a região (depois da
Primeira Guerra Mundial) a área foi chamada “Transjordânia” mesmo pelas pessoas
que ali habitavam, apesar de “Transjordânia” significar “No outro lado do Jordão”.
Na época do Novo Testamento, a parte mais baixa desta região (pelo menos) foi cha-
mada “Peréia” (“A Terra do Outro Lado”), até pelos próprios habitantes. É razoável
supor que o termo ’êber hayyardên tivesse se tomado o termo normativo para de-
signar o território ao leste de Jericó, sem levar em consideração a posição de quem
falava. Nos três casos, porém, onde a frase se refere à terra de Canaã ao oeste do Jor-
dão, devemos entender a expressão no seu sentido literal e óbvio, e não como nome
geográfico. (2003, p. 175.176).
Dt 34.5-12: “Moisés, o servo do SENHOR, morreu ali, em Moabe, como o SENHOR dis-
sera.” O relato da morte de Moisés em uma obra creditada ao próprio Moisés, não nos causa
estranheza, pois tal costume é natural até mesmo em grandes obras de nossa atualidade. Tan-
to Josefo como Fílon acreditavam ter Moisés ter escrito sua própria morte. No Talmude394 já
temos a opinião de que os oito últimos versículos de Deuteronômio forma escritos por Josué
(Dt 35.5-12).395 Apesar disso, Josefo e Filo de Alexandria acreditavam que Moisés escreveu esta
parte antes de sua morte.
Provavelmente o relato da morte de Moisés foi escrito por Josué, seu sucessor. O ca-
pítulo 34 de Deuteronômio trata-se de um obituário inserido na obra do grande líder que
foi Moisés; isso não implica que se deve rejeitar o restante da obra como não sendo de sua
autoria. Este obituário seria como uma conclusão à vida de Moisés; este costume se observa
393. É uma cadeia de montanhas, entre o Mar Morto e o planalto de Moabe. Em um de seus cimos, o Nebo,
morreu Moisés.
394. O judaísmo elaborou sua própria tradição interpretativa durante o período rabínico clássico, do século II
a.C. ao século VIII da nossa era. Primeiramente “Lei oral” ou “tradição dos antigos” (porque transmitida de
mestre a discípulo sem a mediação escrita), essa tradição foi codificada e posta por escrito na Misná (que,
com o seu comentário, a Guemará, forma o Talmude) e nas diversas coletâneas midráshicas.
“O Talmude (“instrução”, de limmẽd “ensinar”), desenvolveu-se entre 100 e 500 d.C.. Consiste em duas di-
visões principais. O Misná (“repetição” ou “ensinamento”) foi completado ca. de 200 d.C. Composto em
hebraico, era uma seleção harmonizada de todas as leis orais (as quais, segundo se supunha, tinham sido
comunicadas verbalmente por Moisés aos setenta anciãos), tradições e explicações das Escrituras... A se-
gunda divisão é a Guemará (‘matéria aprendida’ de gemar ‘completar’, ‘galgar’ ou ‘aprender’).” (ARCHER,
2003, p. 64). A Mishná passara a designar um livro, que teve por base a autoridade do Rabbi Yehudah
ha-Nasi, que é considerado seu editor ou responsável. A obra adquiriu imediatamente uma autoridade
canônica dentro do judaísmo, pois viu-se nela a formulação da Lei Oral que, na compreensão judaica da
revelação, acompanha a Lei Escrita.
395. Baba Bathra 14b.
228
em várias culturas, o que impede os críticos de enxergarem este fato, são suas pressuposições
pessoais mergulhadas em uma ânsia em negar a autoria mosaica do Pentateuco.
Segundo alegações críticas, pelo fato de Deuteronômio conter perspectivas sacerdotais,
proféticas e de sabedoria demonstra que não pode ser escrito no período de Moisés, mas para
Hamilton (2006, p. 432) “Moisés é a única pessoa na história de Israel que pode ter represen-
tado os três interesses”. Parece que os documentos JEDP existem somente na imaginação dos
eruditos, que preferem aceitar as especulações dos racionalistas.
Declarações contidas nos textos tais como: “além do Jordão”, “até este dia” e o relato da
morte de Moisés, são suficientes para os críticos alegarem ser o Deuteronômio uma redação
posterior a Moisés. Mas, conforme pudemos demonstrar anteriormente, estas expressões não
fornecem indício de redação tardia necessariamente, quando muito revelam o papel de um
redator (inspirado).
Apresento a seguir, doze pontos cruciais que Allan A. Mac Rae396 (1902-1997) elaborou
após mais de quarenta anos pesquisando a Hipótese Documentária, vejamos:
1. Temos centenas de cópias manuscritas dos primeiros cinco livros da Bíblia, e todas
elas os apresentam na forma em que os temos hoje. Nem mesmo uma cópia antiga de
“J”, “E”, “D” ou “P”, como uma unidade separada e contínua, jamais foi achada.
2. Nenhum documento que nos veio dos tempos antigos contém qualquer menção des-
ses documentos como tendo jamais existido. Não existe referência antiga a registro
de qualquer documento semelhante ou a tal processo de combiná-los como a teoria
o pretende. Não há evidência de que qualquer processo semelhante realmente tenha
ocorrido.
3. A teoria é talvez a única sobrevivente de um método de estudo literário do século de-
zenove, que, aliás, tem sido quase que completamente rejeitada, exceto no campo da
crítica bíblica. Há um século atrás era uma prática comum desenvolverem-se teorias
desse tipo, com respeito à quase todo documento antigo ou medieval. A maior parte
de tais teorias tem sido atualmente abandonadas e são consideradas como meras
curiosidades literárias. É somente no campo do estudo bíblico, que esta atitude do
século dezenove tem sido conservada.
4. Durante o século dezenove, vários eruditos alemães apresentaram teorias muito di-
ferentes a respeito da origem dos cinco primeiros livros da Bíblia. Nenhuma dessas
teorias conseguiu ascendência completa antes de 1878, quando uma teoria particu-
lar, surpreendentemente diversa da maioria das opiniões sustentadas, foi promovida
por Julius Wellhausen. Essa nova teoria foi publicada em todo o mundo de língua
inglesa por S.R. Driver e outros seguidores de Wellhausen. Embora tenha passado
aproximadamente um século, no curso do qual nenhuma nova evidência em favor
da teoria tenha sido descoberta, ela está sendo hoje amplamente ensinada, quase da
mesma forma em que foi então apresentada.
5. Uma grande parte do motivo para a aceitação da teoria multidocumentária, promo-
vida pelo professor Wellhausen, em 1878, foi o fato de que ele a baseou sobre sua
hábil apresentação de uma idéia particular do desenvolvimento da religião israelita.
Essa idéia, entretanto, atualmente tem sido quase que universalmente rejeitada. Pou-
396. Ele era um estudioso de escrita cuneiforme babilônica, hieróglifos egípcios, árabes, siríacos e outros idio-
mas semíticos. Ele foi instrutor em Crítica semita, Filologia e Antigo Testamento, Westminster, 1929-1930;
Professor Assistente de Antigo Testamento, 1930-1937; Presidente e Professor de Antigo Testamento, Semi-
nário Teológico Fé, 1937-1971; Presidente e Professor de Antigo Testamento, Seminário Teológico Bíblico,
1971-1983.
229
cos eruditos sustentam hoje a teoria do desenvolvimento religioso hebreu, que seja
mesmo aproximadamente similar àquele sobre o qual Wellhausen baseou a sua idéia
das fontes do Pentateuco e ainda o método de Wellhausen de dividir essas preten-
sas fontes e sua opinião a respeito da ordem da composição delas (embora baseadas
sobre uma teoria de desenvolvimento não mais sustentada), estão ainda sendo apre-
sentados como fato estabelecido.
6. Uma característica essencial da teoria, como foi ensinada pelo professor Wellhausen,
era a sua pretensão de que os vários documentos, - todos escritos de acordo com a
teoria, muito depois do tempo dos patriarcas - apresentam somente os padrões e
idéias de vários períodos, em que se pretende que foram escritos e não nos dizem
nada a respeito do tempo dos patriarcas. À luz das descobertas arqueológicas, reco-
nhece-se atualmente que esta atitude já não é mais sustentável. Portanto, a maioria
das recentes apresentações da teoria afirma que uma grande parte do material, em
cada um dos documentos, foi transmitida oralmente, durante muitos séculos, antes
de ser incorporada em forma escrita, e que mesmo o mais recente dos documentos
contém muito material que é realmente primitivo. Assim uma base importante da
idéia de Wellhausen foi realmente abandonada pelos seus atuais promotores.
7. Seus protagonistas afirmam que a teoria pode ser demonstrada pela indicação de
diferença de estilo entre os documentos. Entretanto, essas alegadas diferenças no
estilo se estabelecem, principalmente, pelo fato de que certas partes do Pentateu-
co são estatísticas ou enumerativas, enquanto outras partes têm mais de um estilo
narrativo corrente, e a maior parte do Livro de Deuteronômio consiste de exortação.
Não há razão por que o mesmo escritor não pudesse usar nenhum desses três esti-
los, dependendo da natureza do assunto em particular. Desse modo, temos um estilo
enumerativo em Gênesis um, onde a formação do universo material é apresentada
em estágios definidos. Para o assunto de Gênesis dois, que descreve mais minucio-
samente a criação do homem e a formação de um ambiente próprio para a sua vida,
o estilo narrativo é mais apropriado. Em mensagem de advertência e admoestação,
o estilo de exortação é natural. Exemplos similares do uso de estilos, pelo menos tão
diferentes como esses, podem ser encontrados em quase todas as obras de qualquer
grande escritor prolífico da atualidade.
8. Diz-se freqüentemente que os nomes dados a dois desses documentos são baseados
sobre a alegação de que o chamado documento “J” usa o nome “JHWH” (SENHOR
na versão King James), para a Deidade, enquanto que o chamado documento “E” se
diz que emprega o nome Elohim (Deus na RJV). Todavia cada uma dessas pretensas
fontes realmente usa ambos os nomes divinos no Pentateuco e em todas as fontes
alegadas o nome JHWH é em grande parte mais comum do que o nome Elohim. Em
explicações os defensores da teoria afirmam que, segundo os documentos E e P, o
nome JHWH não foi revelado antes dos primeiros capítulos do Êxodo. A teoria é, desse
modo, não que cada documento preferisse um certo nome, mas que cada documento
tinha uma teoria diferente, quanto ao tempo, quando o nome foi introduzido primei-
ramente, e evitou-o deliberadamente antes daquele ponto da narração. Visto que se
pretende que todos os documentos foram escritos muitos séculos depois do tempo
do Êxodo, um procedimento tal como a teoria assume seria artificial e um tanto im-
provável que tenha ocorrido assim. Ademais, a sua base em declarações bíblicas é
extremamente fraca. Além disso, o uso de nome diversos, em diferentes conexões,
não é de todo inusitado e pode ser facilmente explicado sobre outras bases que não a
da origem de uma colcha de retalhos.
230
231
um sinal da pessoa que o leva, uma designação que se refere a alguma característica na qual a
pessoa se revela e se toma conhecível. Há uma relação entre um nome e seu portador, e essa
relação, longe de ser arbitrária, está arraigada em seu possuidor.
O mesmo acontece com o nome de Deus. Há uma estreita relação entre Deus e seu
nome. De acordo com a Escritura, essa relação também não é acidental ou arbitrária, mas
elaborada pelo próprio Deus. Nós não damos nome a Deus, ele é que dá nome a si mesmo.
Em primeiro plano, está o nome como uma revelação da parte de Deus, em um sentido
ativo e objetivo, como nome revelado. Nesse caso, o nome de Deus é idêntico aos atributos
ou perfeições que ele exibe em e para o mundo: sua glória (SI 8.1; 72.19), honra (Lv 18.21;
SI 86.10,11; 102.16), seu poder redentor (Êx 15.3; Is 47.4), seu culto (Is 56.6; Jr 23.27), sua
santidade (l Cr 16.10; SI 105.3). O nome é o próprio Deus como ele se revela em um ou outro
relacionamento (Lv 24.11, 16; Dt 28.58). Esse nome, sendo uma revelação de Deus, é grande
(Ez 36.23), santo (Ez 36.20), tremendo (SI 111.9), um alto refúgio (SI 20.1), uma torre forte
(Pv 18.10). Por meio de nomes próprios, especialmente pelo nome Yahweh, Deus se fez co-
nhecido a Israel – Yahweh é o Deus que se revela. Ele se revelou a Israel por intermédio de
um anjo no qual o nome do Senhor estava presente (Êx 23.20). E colocou seu nome sobre os
filhos de Israel (Nm 6.27), fez que seu nome fosse lembrado (Êx 20.24), colocou seu nome
entre eles e o fez habitar ali (Dt 12.5; 14.23), especialmente no templo que foi construído
para seu nome (2 Sm 7.13).
O nome de Deus na Escritura não descreve Deus como ele existe em si mesmo, mas
Deus em sua revelação e em suas múltiplas relações com suas criaturas. Esse nome, porém,
não é arbitrário: Deus se revela dessa maneira porque ele é o que é. Resumido em seu nome,
portanto, está sua honra, sua fama, suas excelências, toda a sua revelação, seu próprio ser.
Aqueles aos quais o nome é revelado, portanto, o nome concede privilégios especiais e impõe
obrigações exclusivas. O nome de Deus implica que, tendo-se revelado nele, Deus espera ser
chamado por ele. O nome “divulgado” se toma o nome “invocado”. Na Escritura, “ser” e “ser
chamado” são dois lados de uma mesma coisa. Deus é aquilo de que ele se chama, e se chama
daquilo que é.
Desde o início a separação das fontes pelo emprego dos nomes divinos, gerou contes-
tações, e em 1903 Johannes Dahse já contestava esta validade.398 Aliás, a separação das fontes
sempre teve como carro chefe as duplicações de textos (parelhas literárias) e a alternância de
nomes divinos. Johannes Dahse em Textkritische Materialien zur Hexateuchfrage, Giessen,
1912, (Dúvidas texto-críticas contra o Ponto de Partida da Crítica do Pentateuco) fez um es-
tudo completo do uso dos nomes divinos na Septuaginta em contraste com o texto hebraico,
devido a suas pesquisas “o próprio Wellhausen teve de reconhecer que fora atingido o ponto
fraco de sua teoria.” (YOUNG, 1964, p. 153).
Um forte argumento contra a Hipótese Documentária e a separação das fontes tendo
como critério os nomes divinos foi dado por Dahse, vejamos:
Numa edição de 1903 de Archiv für Religionswissenschaft, (Arquivo para o Estudo
de Religião). Aqui demonstrou que a LXX tem um nome não correspondente (e.g.,
theos traduzindo Jahweh ou kyrios traduzindo Elohim) em nada menos do que 180
instâncias. Isto significa que o TM não é suficientemente infalível na transmissão
textual dos nomes (ou a LXX foi muito descuidada em traduzi-los) para servir como
base para uma divisão de fontes tão sutil e exata que os documentaristas tem procu-
rado fazer. (Este apelo à LXX era tanto mais danificante por causa do alto prestígio
gozado pela LXX comparada com o TM em assuntos de emendas textuais. Sendo que
os documentaristas tinham feito tanto uso da LXX para “corrigir” o texto hebraico
original, era muito embaraçoso para eles serem desmascarados como pessoas que
pressupuseram ingenuamente a infalibilidade da transmissão dos nomes divinos na
Torá hebraica). (ARCHER, 2003, p. 478-479).
398. Para maiores informações sobre diversas críticas que a teoria das fontes sofreu em sua época, consultar:
(PURY, 1996, p. 49-85).
399. WIENER, Harold M. Pentateuchal Studies. Oberlin, 1912.
233
Para Bentzen (1968, vl. II, p. 37) “devemos ter o direito de usar os nomes divinos a fim
de distinguir entre diferentes tradições”. Mas segundo Umberto Cassuto, erudito judeu que
foi professor da Universidade Hebraica o uso dos nomes divinos para defender o emprego
de autores ou tradições diferentes no texto Bíblico não possui fundamento, e nos mostra um
paralelo para que possamos entender o emprego dos nomes divinos, vejamos:
Uma certa cidade pode ser chamada de Jerusalém, ou meramente de cidade. O ape-
lativo cidade é comum a ela e a todas as demais cidades; mas o nome Jerusalém lhe
pertence com exclusividade. Quando os ancestrais do povo judeu perceberam que
existe somente um Deus e que, no dizer de 1 Reis 18.39, “o Senhor é Deus! o Senhor
é Deus” Yahweh é Elohim! Yahweh é Elohim!, então o substantivo comum, Elohim,
também adquiriu, para eles, o significado de um nome próprio, tornando-se um
sinônimo de Yahweh. Se Jerusalém fosse a única cidade do mundo daqueles que
falam o hebraico, então, naturalmente, a palavra cidade também ter-se-ia tornado
um nome próprio e sinônimo de Jerusalém (apud MCDOWELL, 1997, p. 183).
234
Sobre o nome “Amon-Rá”, era comum no Egito antigo uma divindade assumir um
nome múltiplo, principalmente ao tomar o nome e o caráter de outra mais importante. As-
sim, Amon-Rá é Amon no seu aspecto de Rá.400 Amon era o deus da cidade de Tebas401, e Rá402
o deus-sol universal. Essa identificação do deus Amon com o deus Rá se dá com o surgimento
da Décima Segunda Dinastia.403 “Amon, a divindade de Tebas, com cabeça de carneiro, por
algum tempo tinha sido associado com Rá em ritos, de modo que o deus sol passou a ser
conhecido como Amon-Rá, o pai dos deuses, o criador dos homens, o senhor de tudo o que
existe.” (HARRISON, 2010, p. 114).
Até o presente momento é desconhecido um pesquisador que ousou inventar fontes
“Amonristas” ou “Ráista”, simplesmente por escritos egípcios se referirem ora como Amon,
ora como Rá, ou Amon-Rá, a seus deuses. Isso mostra a falta de consistência e honestida-
de histórica do argumento da Hipótese Documentária. Assim o emprego de Yahweh Elohim
pode ser entendido simplesmente como Yahweh é Deus. Da mesma forma, deuses em Ugarit
possuem nomes compostos, tais como: Qadish-Amrar e Ibb-Nikkal.
Ainda podemos observar que:
As frequentes referências à divindade numa passagem sobre a criação tornariam um
único nome muito monótono.
Muitos dos nomes de Deus são títulos e adjetivos que descrevem as múltiplas
qualidades divinas. Um contexto reflete por vezes o atributo de Deus que o nome
usado sugere. Ao invés de indicar que documentos diferentes foram ajuntados, os
nomes podem simplesmente refletir um modo literário distinto. O modo onde um
deus pode ter muitos nomes ou mesmo receber um nome dual é abundantemente
evidente na literatura ugarítica, que data da metade do segundo milênio, a data tra-
dicional para Moisés. Por exemplo, Kothar wa-Khasis é o nome dual do deus artesão
ugarítico (ANET, pág. 134). (TENNEY, 2008, p. 893).
Da mesma forma, não se levanta dúvidas quanto à composição do Alcorão como sendo
de um único autor, mesmo contendo diversidade nos nomes ldivinos, vejamos:
O estudo de R.D. Wilson sobre os nomes divinos, nos textos do Alcorão (PTR,
XVII, 1919, págs. 644-650) trouxe a luz o fato que certos escritos preferem Allah...
enquanto que outros preferem Rab..., assim como certas seções de Gênesis usam
Elohim... enquanto que outras preferem Yahweh..., embora não existe apoio,
entre os eruditos, para um método de estudo por documentos nos escritos do Al-
400. Para maiores informações sobre Amon-Rá, ver: A Magia do Egito, Deuses e Mitos, Ed Escala, nº 05.
401. “Chamada Net pelos egípcios; Nô, na bíblia e Thebai pelos gregos. Foi a capital da poderosa XVIII dinás-
tia, talvez construída com o trabalho escravo dos israelitas. Amom (Amom-Rá) era o deus sol com um
poderoso sacerdócio centrado em Tebas, contra o qual rebelou-se Aquenaton quando construiu Amar-
na.” (UNGER, 2006, p. 74). “Amon-Rá era adorado em Tebas, e nos séculos posteriores tornou-se objeto de
veneração popular. Era considerado como possuindo uma unidade de espírito e matéria. E como alguns
de seus correspondentes da adoração egípcia, tinha tido, supostamente, uma geração espontânea. A sua
aparência não era tão religiosa como a de alguns dos outros membros do panteão, e posteriormente foi
honrado como uma divindade política, particularmente em Tebas.” (HARRISON, 2010, p. 104).
402. “Rá era o deus do Sol, considerado como originário das águas do mundo inferior, produto de geração
espontânea. Dele, surgiram outras divindades cósmicas, que, por sua vez, deram à luz a deuses notáveis
do panteão egípcio, como Ísis, Set, Osíris e Neftis. No final do período proto-dinástico, o culto a Rá tinha
crescido consideravelmente em influência, e dentro de pouco tempo as suas doutrinas proclamavam que o
faraó era filho desse deus, ou até mesmo a própria divindade do Sol.” (HARRISON, 2010, p. 100). “O Período
do Reino Médio foi também de consolidação religiosa e de subordi-nação das divindades locais ao todo-
-poderoso Rá.” (p. 107).
403. Para mais detalhes desse período ver: (BRIGHT, 2003. p. 76-81).
235
corão baseados nos nomes divinos. Reconhece-se que é obra de um único autor.
(DOUGLAS, 1995, p. 1261).
Como exemplo temos Rui Barbosa (1849-1923), escritor brasileiro, que escreveu pesquisas
literárias, atualidades, como Ensaio sobre Swift, reportagens vivas e cintilantes da atualidade da
época, como em Cartas da Inglaterra e até obra religiosa como O Papa e o Concílio. Caso Rui
Barbosa fosse um escritor dos tempos bíblicos, os adeptos da Hipótese Documentária, já teriam
mutilado seus textos em diversas fontes e atribuído-os a diversos autores; decerto suas obras já
teriam sido mutiladas, dentro da hipótese das fontes múltiplas, A, B e C!
A estrutura inteira da divisão das fontes empregada pela Hipótese Documentária foi
construída sobre pressuposições exclusivistas que não são demonstradas na literatura de ne-
nhuma outra nação e de nenhum outro período.
Embora as literaturas semíticas antigas demonstrem numerosas instâncias de repetição
e de duplicação pelo mesmo autor na sua técnica de narrativa, é somente a literatura hebraica
segundo os adeptos da Hipótese Documentária que não tem licença de empregar tais repeti-
ções ou reduplicações sem atrair para si uma autoria diversa. Vale informar que os textos das
cavernas de Cunrã, apresentam da mesma forma similaridades, e apresentam repetições com
o propósito de enfatizar. Basta comparar a placa I com a placa IV do Manual de Disciplina. “A
repetição é necessária para a memorização e que, por vezes, serve como poderosa ferramenta
de retórica para transmitir ideias-chave de maneira cuidadosa e enfática. Nesse caso, a repe-
tição não causa tédio; ela persuade.” (BRIGGS, Richard S.; LOHR, Joel N., 2013, p. 146-147).
236
Negar que os escritores bíblicos desfrutavam desse recurso literário é desmerecer suas
capacidades. A língua e o estilo não dependem unicamente do autor, mas também do assunto
e do gênero literário. “É curioso, de fato, crer que o autor que usou as palavras ‘criar’ e ‘ani-
mais da terra’ não pudesse também usar ‘formar’ e ‘animais do campo’.” (KERR, 1956, p. 38).
Todo grande escritor na atualidade possui uma diversidade de estilo, e um crítico literário ao
deparar-se com uma grande obra na atualidade e detectar nela uma variedade de estilo, de
imediato ele reconhece a genialidade do autor e não a multiplicidade de autores.
Archer, ao tratar do uso estilístico da literatura por parte dos autores bíblicos, nos
apresenta uma comparação com o uso estilístico literário por parte da cultura grega, que
demonstra a liberdade e adaptabilidade dos autores bíblicos do Antigo Testamento em em-
pregar diversos estilos literários, dependendo da ocasião e propósito, vejamos:
Parece óbvio que se trata aqui dum estilo convencional que pertence ao mesmo gê-
nero de literatura de Eclesiastes. Assim como na literatura acadiana, há grandes contrastes
de técnica e de estilo entre códigos legais e placas de contratos, e estes também, por sua
vez, diferem grandemente da prosa epistolar ou histórica do mesmo período, assim tam-
bém surgiu na cultura hebraica uma linguagem convencional e um estilo especialmente
apropriado para cada gênero literário. No caso da literatura grega, que nos fornece muito
mais dados do que o que obtemos da Palestina, descobrimos que, uma vez que um certo
gênero se desenvolve num certo ambiente, numa das cidades independentes, o dialeto e o
tipo de vocabulário do autor original que ergueu este gênero a uma situação clássica, pas-
saria a se impor em toda a matéria semelhante através da história da literatura grega (até
ao triunfo do Koiné no período helenístico ou romano). Por exemplo, sendo que Homero
foi o primeiro a desenvolver a poesia épica, desde sua época, toda a poesia épica tinha que
ser escrita dentro da linguagem do antigo dialeto iônio, que ele mesmo empregara, apesar
237
de os poetas mais recentes falarem dialetos totalmente diferentes, tais como Ático, Dórico
ou Aeólico. Correspondentemente, sendo que os dóricos foram os primeiros a desenvol-
ver poesia coral, a convenção exigia que quando os escritores de tragédias em língua ática
(tais como Sófocies e Ésquilo) introduziam uma passagem coral nas suas peças, os atores
tinham que mudar repentinamente do Grego ático para o Grego dórico (ou pelo menos
com um estilo dórico) com clichês e expressões que eram convencionais para aquele gê-
nero. (ARCHER, 2003, p. 441-442).
238
O fato de o autor empregar nomes diferentes ao se referir a Deus mostra apenas que
possuía um objetivo em mente diferente, o tratar do relacionamento do homem com Deus.
Também o autor usou o nome divino de acordo com o contexto, pois é o contexto que deter-
mina qual o nome mais apropriado para se usar. O “nome” é Deus em revelação.
Elohim é o nome mais geral da deidade; distingue Deus somente na plenitude de seu
poder, sem qualquer alusão à Sua personalidade ou às Suas qualidades morais... Por
esse motivo, nos casos em que Deus já havia testificado sobre Si mesmo e era verda-
deiramente conhecido, um outro nome era adicionado a Elohim, ou seja, Yahweh,
peculiar para aqueles que tivessem recebido Suas revelações e Sua aliança... O nome
Yahweh é o nome proprium (nome próprio) de Deus, sendo esse o nome que expri-
me o núcleo mais interior de Sua essência. (MCDOWELL, 1997, p. 183).
Deve-se ter em mente que os nomes divinos não pertencem a um único tipo. Elohim
era um substantivo comum, e Yahweh um substantivo próprio. Elohim originalmente era um
apelativo aplicado ao Deus único de Israel e também as divindades de outros povos. Yahweh
é o nome especifico do Deus de Israel, reconhecido como soberano, como um Deus, que os
escolheu como seu povo. Esta combinação dos nomes divinos demonstra que Yahweh é igual
à Elohim, ou seja, Yahweh é Deus. Pode-se então dizer com propriedade que os nomes Elohim
e Yahweh demonstram aspectos diferentes da atividade de Deus, e diferentes formas pelas
quais Ele se revela aos homens.
Ao observar que em todo capítulo de Gênesis 1 o autor se utiliza do termo Elohim para se
referir a Deus, e em Gênesis 2 predomina o termo Yahweh, críticos da Hipótese Documentária
alegam terem sido escritos os capítulos 1 e 2 por autores diferentes. Astruc, um dos pais da Hi-
pótese Documentária alegou que no capítulo primeiro o autor se utilizou de antigas mémoires
“cujos autores tinham dado diferentes nomes a Deus, um deles preferindo Elohim, e outro
Yahweh ou Yahweh Elohim” (apud MCDOWELL, 1997, p. 182). Assim, o primeiro capítulo
reflete a fonte E, e o segundo capítulo a fonte J.
O nome Elohim, não deve ser interpretado como um plural de majestade, que nunca
é usado na Escritura, nem como uma referência à Trindade, muitos, pois ele quase sempre
ocorre com um adjetivo ou verbo no singular. Além disso, como tem sido demonstrado pelas
investigações fora de Israel, a palavra ocorre como o nome de um só Deus. Portanto, é melhor
interpretá-la como um plural de abstração ou como um plural de quantidade, ou como um
plural intensivo que serve para expressar plenitude de poder. Umas poucas vezes Elohim é
construído com um adjetivo e/ou um verbo no plural. Todas essas construções plurais de-
notam Deus como a plenitude de vida e poder. O nome Elohim descreve o ser divino em sua
relação original e constante relação causal com o universo.
Sobre a diferente ordem da criação apresentada em Gênesis 1 e 2, onde no capítulo
primeiro Deus cria os animais primeiramente, e no segundo cria o homem primeiramente. Ge-
ralmente se entende que em Gênesis 1 temos a sequência da criação, e em Gênesis 2 temos os
detalhes, e maiores informações. Precisamos entender que a repetição é uma característica do
estilo hebraico que com frequência fazia uma declaração geral, sob forma introdutória, para então
239
ampliar essa declaração com alguns detalhes. Para Halley, “seu estilo fragmentário e cheio de
repetições, em partes, é exatamente o que se podia esperar de livros traduzidos de placas,404
cada uma das quais era um livro em si mesma.” (HALLEY, 1994, p. 56-57). “A repetição não é
marca de um autor ruim, pelo contrário, repetir pode ter um valor didático.” (VOGELS, 2000, p.
20). Deve-se entender que no capítulo 2 não especifica quando Deus criou os animais, apenas
menciona que os conduziu a presença de Adão para que este lhes desse nome.
As diferenças que encontramos se resumem como segue:
GÊNESIS 1 GÊNESIS 2
Ordem cronológica Ordem de tópicos
Visão Geral Detalhes
Criação dos animais Nomeação dos animais1
Um critério utilizado por alguns críticos consiste em atribuir a Elohim os versículos que
contenham o nome Yahweh, da mesma forma atribuem a Yahweh versículos que contenham
o nome divino Elohim, pois creem que algum redator modificou o texto. Isso, apenas mostra
a falta de honestidade ao trabalhar no texto, pois para que versículos e passagens inteiras se
enquadrem em suas teorias são capazes de mudar o nome de Deus que se encontra no texto.
Esta situação clama por uma abordagem mais flexível, de modo que não se admitam
apenas fontes possíveis, mas também a consciente e inconsciente escolha feita pelo
autor, entre o vocabulário mais pessoal, ‘Yahweh’ e o mais geral, ‘Elohim’, em certos
contextos, e o impulso estético, onde a escolha teológica é livre, para empregar uma
série de vezes uma expressão ou a outra, ou ainda alterar ambas livremente. (KID-
NER, 2001, p. 18-19).
Quando se aplica ao texto uma exegese e não uma eisegese405 percebe-se facilmente que
entre Gênesis 1 e Gênesis 2 não existem duas histórias da criação no mesmo sentido. O termo
“tAdôl.At - tôledôt – significa literalmente “procriações” “gerações”, ou, ’êlleh tôledõt, “estas
são as gerações” ou “este é o relato de”, geralmente é seguido por uma lista genealógica, ou
um desenvolvimento daquilo que já foi iniciado. Hamilton (2006, p. 18) tratando a respeito
do termo tôledôt diz: “o texto busca ressaltar essa noção de movimento, de um plano, de algo
que está em desenvolvimento, progredindo”. Assim a narrativa de Gênesis 2.4 começa pres-
supondo a existência da primeira narrativa da criação, vejamos: “Esta é a história das origens
dos céus e da terra, no tempo em que foram criados...”. Gênesis 1.1-2.3 é um relato geral da
criação, ao passo que 2.4-4.26 centraliza-se no começo da história da humanidade. O que
vemos no capítulo dois são apenas detalhes da criação do homem, não se encontra narrativa
sobre a criação dos céus e nem da terra. Assim, não são narrativas contraditórias, mas, com-
plementares. Essa estrutura literária capacita os leitores a captar o intento do escritor bíblico.
“As recorrentes fórmulas tôledôt que estruturam o livro também indicam nele uma pul-
são histórica... o autor histórico teve a pretensão de ser lido como um trabalho de história
que reporta os acontecimentos de um passado muito distante.” (DILLARD, 2006, p. 49). As 11
repetições ao longo do livro parecem criar a sensação de episódios literários que ocorrem em
uma narrativa cuidadosamente estruturada, isso pode ser chamado de “marcadores geracio-
404. Outras possibilidades de materiais onde foi escrito o Pentateuco são: rolos de pele, papiro ou placas de barro.
405. O termo “exegese” vem do grego ex, “fora”, e agein, “guiar” implica em extrair do texto seu significado, e o
termo “eisegese” deriva do grego eis “para dentro”, e egeesthai “explicar” o consiste em inserir no texto o que
ali não existe.
240
A estrutura tôledôt de Gênesis nos mostra que o autor fez o máximo esforço para unificar
a sua composição ao estruturar o todo como dez conjuntos de tôledôt. A intenção clara do au-
tor é ligar a nação de Israel, por meio dos patriarcas, ao começo da história. Derek Kidner diz
que essa expressão em Gênesis sempre visa o futuro, introduzindo um novo estágio do livro.
Contudo, P.J. Wiseman argumenta que é sempre uma conclusão.406
4. A partir de qual momento Deus passou a ser conhecido pelo nome “Yahweh”?
Devemos reconhecer que ninguém conhece em absoluto o significado do nome divino de
Deus. Devido ao texto de Êxodo 6.3 mencionar: “Apareci a Abraão, a Isaque e a Jacó como o Deus
todo-poderoso, mas pelo meu nome, o Senhor, não me revelei a eles.” Tem se alegado por parte
de alguns críticos adeptos da Hipótese Documentária, que esse versículo quer dizer que o nome
“Yahweh” era desconhecido antes de Moisés, ou seja, que Yahweh não era conhecido por Israel
até que Deus não se revelou a Moisés. Assim várias passagens em Gênesis e Êxodo que usam o
nome Yahweh devem ter sido escritas por outra pessoa, que então não teria escrito Êxodo 6.3.
Três fontes ou tradições do Pentateuco afirmam sobre os inícios a fé em Yahweh.
1. Gênesis 4.26 afirma que a adoração de Yahweh iniciou bem antes da existência de Is-
rael, a saber, entre os descendentes de Sete; da mesma forma o início da narrativa de
Abraão Gênesis 12.1 e até mesmo no paraíso do Éden Gênesis 2-3 (tradição Javista);
2. De acordo com Êxodo 3.1ss, a adoração de Yahweh iniciou na época de Moisés, no
monte Horebe407, onde Deus se manifesta a Moisés e lhe dá a conhecer o seu nome
(tradição Eloísta);408
3. Conforme Êxodo 6.2-8, a adoração a Javé iniciou com Moisés, no Egito (tradição Sa-
cerdotal).
Em Êxodo 6.3 lemos que a revelação do nome pertence ao período mosaico e é caracte-
rística dele. A comissão outorgada a Moisés estava vinculada à missão dos patriarcas. Nesse
caso, o aparecimento do nome Yahweh, nos relatos sobre os patriarcas, deveria ser visto como
inserções feitas por algum editor, em narrativas antigas, e não algo nativo a essas narrativas
segundo s adeptos da Hipótese Documentária. Para Adão, o nome de Deus era Elohim; para
Abraão, era Adonai; para Moisés, era Yahweh. Os eruditos conservadores opinam que o pró-
prio Moisés inseriu o nome Yahweh nos relatos anteriores. O texto sugere que há fases na
revelação de Deus para Israel, o que temos em pauta é uma revelação progressiva da natu-
reza de Deus. Ou seja, a revelação de Deus a Moisés e Israel é mais completa do que Abraão
recebeu e os patriarcas receberam. A ideia principal do texto de Exôdo 6.3, é afirmar a conti-
nuidade entre os diferentes períodos da história da revelação de Deus.
406. Para uma explanação aprofundada dos dez tôledôt, ver: (WALTKE, 2010, p. 15-20).
407. Em geral supõe-se que existem duas diferentes tradições de nome para a mesma montanha. Também se
supõe que o nome Sinai foi substituído pelo nome Horebe por causa de sua conexão original com Edom
(cf. Jz 5.4s; Dt 33.2) que durante algum tempo foi considerado o inimigo por excelência de Israel.
408. O restante do livro de Êxodo, e de fato, toda a história de Israel, flui a partir desta teofania.
241
Escrito na língua hebraica YHWH, não contêm vogais. Costuma-se referir-se a esse
nome como tetragrama, palavra derivada de um termo grego Tetragrammaton que signi-
fica “quatro letras”. E cada aspecto, sua pronuncia e significado original é amplamente
debatido, como veremos. No momento principal da autorrevelação divina em Êxodo
34.6-7, encontramos uma ocorrência única de repetição do nome em toda a Escritura –
“YHWH, YHWH”.
A pronúncia exata de YHWH é desconhecida, porém muitos preferem “Yahweh”. Ainda
que bem aceita, a pronuncia “Yahweh” parece incerta. Não se pode descartar a suposição de
que o nome Yahweh tenha tido uma existência pré-mosaica. A priori, a hipótese não pode ser
excluída de que em tempos mais remotos ele teve outras associações, como uma fonte extra
hebraica (muito pouco provável), egípcia, e principalmente semítica das terras do norte.
A hipótese mais em voga entre os wellhausianos é que Yahweh era um deus dos
kenitas, uma tribo no distrito do Sinai, dos quais o sogro de Moisés pertencia, o que
explicaria a associação de Yahweh com aquela montanha. Então, há ainda a hipóte-
se de que Yahweh é idêntico à forma Yahu, ou Yah, que ocorre nos nomes próprios
assírio-babilônicos. (VOS, 2010, p. 148).
Segundo Smith:
Por indícios bíblicos e extrabíblicos, é provável que o nome divino Javé existisse fora
de Israel antes de Moisés; mas ainda não temos prova conclusiva disso. Podemos
apenas concluir que a questão da origem do nome Javé ainda não tem resposta.
(SMITH, 2001, p. 114).
242
Vale ainda mencionar as explicações naturalistas sobre a etimologia do nome. Tem sido
relacionada com hawah, “cair”, ou seja, “aquele que se apressa, colide”, um deus da tempes-
tade, ou, ainda mais primitivamente, um meteoro caído do céu. Wellhausen dá a seguinte
etimologia: “ele cavalga pelo ar, ele sopra”. Kuenen tem uma derivação menos naturalística
“aquele que causa o ser”, ou o Criador, “aquele que faz que suas promessas venham a ser”, ou
seja, as cumpre. Porém, é importante observarmos algumas considerações sobre a etimologia:
Há muitos lugares no AT onde hoje se reconhece que a correspondência entre um
nome e seu significado não é necessariamente etimológico... Quanto ao significado
do nome, estaremos em terreno mais seguro se buscarmos o caráter de Deus em
suas obras e em suas descrições nas Escrituras em lugar de depender de etimologias
questionáveis do seu nome. (HARRIS, 1998, p. 346).
Outras possibilidades para o nome de Deus, segundo von Rad era que o significado básico
de Yahweh é “presença”, “estarei convosco”. (RAD, apud SMITH, 2011, p. 113). O propósito prin-
cipal é revelar o que Deus fará, e não a essência de seu ser. Deus não se revela em um substantivo,
mas em um verbo, isto é, em uma forma dinâmica e não estática e inerte como um ídolo. A frase
“Eu sou aquele que sou” pode ser interpretada como uma definição do ser divino. São diversas as
explicações apresentadas, muitos entenderam como sendo uma manifestação contra a idolatria,
sendo Deus “aquele que verdadeiramente é”, enquanto que os deuses são nada (1Co 10.9); outros
ainda pensaram ser “aquele que é sempre o mesmo”, isto é, fiel as suas promessas feitas a Israel. A
contrapartida humana a essa promessa é a fé (= confiança na promessa de Deus; cf. Gn 12.1-4; 15).
Essa fé implica um constante desalojar-se “Sai da tua terra...!” Gênesis 12.1.409
E esse reconhecimento do caráter de Deus foi necessário, pois, William Brownlee, espe-
cialista no material de Qumran, baseado no uso que o Manual de Disciplina faz de 1 Samuel 2.3
e em outros indícios acredita que o significado de Yahweh deva ser “aquele que faz acontecer”.
“Brownlle disse que esse nome combina com o anúncio de que Javé livraria os hebreus da es-
cravidão... O que eles precisavam era a garantia de que o Deus deles, Javé, podia fazer as coisas
acontecerem...” (SMITH, 2001, p. 113). E para complementar “Tanto Jacob como von Rad criam
que o significado básico de Javé é ‘presença’, ‘estarei convosco’.” (SMITH, 2001, p. 113).
Gerhard von Rad, explana a respeito da revelação do nome de Deus em linhas gerais de
maneira contundente da seguinte forma:
Também o formato da história da salvação, ao qual as fontes do Hexateuco seguem
e que já se tornou tradicional, toma conhecimento do fato de que Javé não era reve-
409. George Mendenhall concluiu que não havia razões culturais, políticas ou sociais para Abraão sair de Ur
dos Caldeus; havia apenas a razão espiritual. Ver: “Biblical History in Transition”, em The Bible and the
AndentNear East (New York: Doubleday, 1961), pp. 32-53.
243
lado aos seus eleitos desde o início, mas que a revelação do seu nome só se deu na
época de Moisés... Não há nada tão alheio à etimologia do nome de Javé quanto uma
pretensa definição da natureza de Javé, no sentido de uma afirmação filosófica sobre
o seu ser (LXX, ego eimi ho ôn), por exemplo, como uma referência à sua qualidade
absoluta, à sua aseidade, ou a algo semelhante. Esse seria um objetivo inteiramente
estranho ao Antigo Testamento. É que todo o contexto narrativo cria de antemão a
expectativa de que Javé irá fazer uma comunicação, não a respeito do que ele é, mas
sobre a forma como pretende dedicar-se a Israel. Sempre de novo houve quem in-
sistisse com razão sobre o fato de que hayah, pelo menos, em especial, na passagem
de que estamos tratando, devesse ser compreendido como “estar presente, estar ai”,
portanto, justamente não no sentido de um ser absoluto, mas no sentido de uma
presença relacional e atuante: “estarei aí para vocês”... Não se deve imaginar que
com ela o narrador tivesse tido a intenção de fornecer a Israel a definição teologica-
mente fundamental e normativa do nome de Javé... Segundo a concepção antiga, o
nome não constituía apenas som e fumaça, mas entre o seu portador e o nome sub-
sistia uma mútua relação que denotava a sua característica natural. No nome existe
o seu portador e, por conseguinte, o nome contém uma expressão da natureza do
seu portador ou, pelo menos, de algo do seu potencial inerente... A divindade precisa
primeiro instituir “uma memória do seu nome” (Êx 20.24) dentro do âmbito huma-
no, senão o ser humano nem poderia invocá-la. Sem o conhecimento do nome da
divindade, qualquer culto, isto é, qualquer relacionamento de comunhão entre o ser
humano e a divindade era impossível, pois lhe faltava a possibilidade de influenciar
a divindade.... Faz parte das coisas mais importantes, porém, que para Israel esse
nome nunca se tornou um mistério, a que só alguns iniciados tivessem acesso. Pelo
contrário, ele estava liberado para todos em Israel... Israel não estava em condições
de isolar o nome de Javé, para torna-lo objeto de aprofundada mitologia ou especu-
lação. O nome se mantinha restrito à experiência histórica. (RAD, 2006, p. 177-184).
Um Deus que faz as coisas acontecerem e está presente, era tudo o que Israel cativo no
Egito necessitava naquele momento. Isso justifica Deus ter dito que, “mas pelo meu nome,
o Senhor, não me revelei a eles”. Israel estava prestes a conhecer algo da parte de Deus que
jamais haviam experimentado antes.
Segundo Rendtorff:
Existem muitas tentativas de explicar o nome YHWH. O mais provável é sua deri-
vação da raiz hyh (aramaico hwh), “ser, chegar a ser, conhecer”. É incerto se e por
quanto tempo o nome ainda tinha um significado que podia ser derivado desta eti-
mologia. No Antigo Testamento, apenas em Êx 3.14 é oferecida uma “explicação”
em forma de um jogo de palavras. Não existe uma tradição sobre a pronuncia do
nome, e esta pode ser apenas conjeturada de forma aproximada na base de textos
extrabíblicos. (2001, p. 47).
Como vimos em Êxodo 3.14, Deus refere-se a si mesmo como “Eu Sou”; “Eu sou aquele
que serei”, ou “No futuro, serei para vós o que fui para vós até hoje”. A palavra hebraica origi-
nal apesenta “Sou” na terceira pessoa do verbo “ser”: ehyeh, que parece que soa semelhante
a YHWH. Muitos linguistas acreditam que o nome YHWH é derivado desse verbo. Partindo
dessa premissa, alguns estudiosos afirmam que YHWH significa “Ele é”, “Ele será” ou “Ele
faz ser”. “É pouco provável, entretanto, que Deus intencionasse criar uma etimologia nesses
versículos. Dificilmente um nome divino hebraico seria mera flexão de um verbo, como teria
de ser se esse argumento fosse verdadeiro.” (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 89).
Assim como em Jeremias 1.11-12 existe um jogo de palavras shaqed “amendoeira” e shoqed
244
“vigilante” que não sugerem que sejam termos correlatos. “Num ponto de vista semelhante, é
possível que a similaridade entre a palavra traduzida por ‘Eu Sou’ (tehyeh) e YHWH/Yahweh
represente um jogo de palavras deliberado, não com intenção de indicar a origem do nome
YHWH/Yahweh.” (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 89).
Diante destes apanhados peliminares, podemos constatar que, de forma abstrata é bem
possível que, originalmente, em sua derivação, o nome Yahweh significasse algo muito diferente
daquilo que se afirma em Êxodo 3. Êxodo 3 não dá a etimologia de uma palavra, mas a explica-
ção de um nome. Assim como, em sua revelação especial a Israel, Deus assumiu uma variedade
de práticas religiosas (circuncisão, Sabbath, sacrifício, sacerdócio, etc.), e deu a elas um signifi-
cado especial, assim também ele faz com esse nome. Independentemente de sua procedência
e significado original, o Senhor afirma em Êxodo 6 como e em que sentido ele é Yahweh, o “eu
serei o que serei”. Deste ponto em diante, o nome Yahweh é a descrição e a garantia do fato de
que Deus é e continua sendo o Deus de seu povo, imutável em sua graça e fidelidade. Isso é algo
que não podia ter sido revelado antes do tempo de Moisés. Um longo tempo tinha de se passar
para provar que Deus é imutável e fiel. A fidelidade de uma pessoa só pode ser provada com o
correr do tempo e especialmente em tempos de angústia. Assim também foi no caso de Israel.
Séculos tinham se passado desde o tempo dos patriarcas. Israel tinha sido oprimido e tinha
experimentado grande angústia. Agora Deus diz: “Eu sou o que sou, YHWH, o Imutável e Fiel, o
Deus dos patriarcas, seu Deus desde agora e para sempre”. Nesse ponto, Deus injeta um signi-
ficado totalmente novo em um nome velho, um significado que só agora poderia ser entendido
pelo povo. E, por essa razão, Yahweh é o Deus de Israel “desde a terra do Egito” (Os 12.9; 13.4).
Diante disso podemos propor que:
O verdadeiro Deus nega a revelar a sua incognoscível essência. Iahweh é, por isso, um
termo abreviado que alude ao grande encontro no Horeb e ao início da libertação. O
nome de Deus, e portanto a sua realidade pessoal, não pode ser instrumentalizado pelo
homem para fins e interesses humanos. Entretanto, o nome Iahweh é repleto de signifi-
cado porque evoca a intervenção de Deus na História nesse momento crucial. A Moisés,
que pergunta: Qual é o seu nome? Deus responde, mas sua resposta afirma que o ho-
mem não pode apropriar-se de Iahweh ou ter controle sobre ele. Deus estará presente
em Israel com a sua força salvífica, não porque Israel tenha conhecido o seu nome se-
creto ou as técnicas aptas para torna-lo servo, dependente, mas somente porque, na sua
misericórdia, Iahweh quis revelar a sua presença a Israel. (RAVASI, 1985, p. 43).
Como vimos o contexto de Êxodo 3 sugere que a etimologia não era a ênfase pretendida
por Deus. Os israelitas estavam inclinados a rebaixar Yahweh ao mesmo nível de outros deu-
ses, pois cada um possuía um nome distintivo. “Eu Sou quem eu sou” era uma afirmação de
que Yahweh era o único Deus verdadeiro, e não uma etimologia do nome de Deus.
Não restam dúvidas que o nome Yahweh aparece por diversas vezes no livro de Gênesis: “O
nome ‘Jeová’ aparece sozinho ou combinado a outras palavras 148 vezes em Gênesis, sendo que,
na maioria das vezes, no discurso do narrador (noventa e seis vezes)” (HAMILTON, 2006, p. 169).
No códice de Leningrado410 WTT, o nome “Yahweh” aparece 6007 vezes em 5195 versículos.
410. O Códice de Leningrado catalogado com a sigla, é um dos mais antigos e completos manuscritos do texto
massorético da Bíblia hebraica, escrito em pergaminho e datado de 1008 d.C, é considerado pela maioria dos
pesquisadores como a cópia completa mais antiga das Escrituras Hebraicas. Este manuscrito serve como tex-
to básico para modernas traduções da Bíblia, e encontra-se na famosa Biblioteca Pública de São Petersburgo
Leningrado, Rússia. Atualmente, o Códice de Leningrado, é o mais importante texto Hebraico reproduzido na
Rudolf Kittel’s Biblia Hebraica (BHK), (1937) e na Bíblia Hebraica Stuttgartensia (BHS), (1977).
245
Uma boa forma de entender a declaração de Êxodo 6.3, é entendermos que os patriarcas
não entenderam e experimentaram o caráter essencial de Deus, representado pelo nome Yah-
weh, o caráter e essência por trás do nome de Yahweh somente foi compreendido por Moisés
quando o Senhor lhe apareceu na sarça ardente (Êx 3.1-22). Assim, em 3.12-15 Deus se revelou
a Moisés de uma forma muito mais profunda, prometendo a Moisés: “Eu estarei com você”, e
revelando o significado de sua identidade da aliança como Yahweh “Senhor”. Aqui, e em 6.6-
8, Deus reafirma seu compromisso com o seu povo e sua identidade da aliança em repetidas
afirmações, dizendo três vezes que ele é o Senhor - isto é, ele é o Deus da aliança que atuará
de forma decisiva em favor de seu povo: “Eu vou trazê-lo para fora” (v. 6); “Eu os livrarei” (v.
6); “Eu os libertarei” (v. 6); “Eu os farei meu povo” (v. 7); “Eu serei o Deus de vocês” (v. 7); “Eu
os farei entrar na terra” (v. 8); e “Eu a darei a vocês como propriedade” (v. 8). O Senhor firmara
uma aliança no passado e agora havia chegado o momento de colocá-la em ação por meio da
libertação dos israelitas e, em seguida, levando-os para a terra de Canaã. El Shaddai aparece
associado aos aspectos da aliança que vão sendo assimilados pelos patriarcas ao longo dos
anos. Em contraste, Yahweh está ligado às promessas que demandavam longo prazo para
serem cumpridas, particularmente aquela relacionada a terra.
É importante notar que Yahweh não é uma nova revelação de um nome até então des-
conhecido. Esta é a identificação do Deus da aliança para o chamando de Moisés - o que seria
uma prova para o povo que o seu Deus o havia chamado. O título “El Shaddai”411 não é um
nome, mas um título. Nas contas patriarcais El Shaddai é usado seis vezes; em Jó é usado trin-
ta vezes. Muitos concluem que ele reflete a ideia de força ou poder. Além das seis referências
em Gênesis e das trinta e uma referências em Jó, o nome divino El Shaddai aparece em três
outros lugares no Pentateuco (Êx 6.3; Nm 24.4,16), quatro vezes nos Profetas (Is 13.6; J1 1.15;
Ez 1.24; 10.5), e nos Salmos (68.14; 91.1) e Rute (1.20-21). Conjuntamente, enquadram-se no
teor geral do nome e de seu emprego na era patriarcal; Deus é onipotente e grande Soberano
que pode agir, e o fará, em prol daqueles que ama e são chamados de acordo com seu propó-
sito e plano.
Em algumas dessas passagens que revelam Deus como El Shaddai, também foi usado o
nome Yahweh. Os patriarcas foram indivíduos que receberam as promessas, mas sem o cum-
primento. A realização só poderia vir depois que os israelitas se tornassem uma nação. Agora,
no Egito, eles estão prontos para tomar se tornarem-se a nação prometida. Os dois períodos
não foram distinguidos por não ter e por ter o nome Yahweh, mas por duas maneiras de Deus
revelar o significado do seu nome. Essa nova geração estava prestes a “conhecer” o nome que
os seus antepassados conheciam e usavam, mas nunca experimentaram com o cumprimento
das promessas.
411. A palavra “Shaddai” é formada de relativo sha e o adjetivo dai, ‘suficiente’, significando assim ‘aquele que é
suficiente’, seja para si mesmo ou para os outros. Ou talvez ela possa ser derivada do verbo shadad, signi-
ficando ‘subjugar’, ‘destruir’. Nesse caso, o nome significaria ‘aquele que subjuga’, ‘o destruidor’ ou ‘aquele
que é Todo-poderoso. Essa é a visão de alguns dos tradutores da Septuaginta. El Shaddai expressa como
Deus usa o natural para o sobrenatural. Outra concepção do nome se dá tendo Shaddai como “Deus do
Monte’ (nos LXX Pantokrator), verticalmente transcendente e separado da humanidade. Mas isso era um
nome genérico, usado até pelo deus mesopotâmico Enlil, que era invocado como Shadu Rabu, ‘a grande
montanha’”. (RAVASI, 1985, p. 43). Desta forma, El Shaddai reflete associações entre os hebreus e o seu
contexto cultural mesopotâmico ou cananeu. Sempre que o nome aparece, ele salienta a ideia de poder e
força invencíveis, e Isaías 13.6 o associa, em um jogo de palavras, com, “destruir” (cf. J1 1.15). Esse nome,
portanto, toma Deus conhecido como Aquele que possui todo o poder e pode, portanto, vencer toda re-
sistência e fazer que todas as coisas sejam subservientes à sua vontade. Enquanto “Elohim” é o Deus da
criação e da natureza, “El Shaddai” é o Deus que faz com que todos os poderes da natureza sejam sujeitos
e subservientes à obra da graça.
246
Importante notar que os textos de Gênesis mostram que o nome Yahweh apareceu aos
patriarcas (Gn 12. 1; 17. 1; 18. 1; 26. 2; 26.24; 26.12; 35. 1; 48. 3), e que ele falou com cada um
deles (Gn 12. 7; 15. 1; 26. 2; 28.13; 31. 3). O nome Yahweh ocorre 162 vezes em Gênesis. Yahweh
não é um dos nomes de Deus - é o seu único nome. Outros títulos, como El Shaddai, não são
estritamente nomes, mas meios de revelar Yahweh. Todas as revelações aos patriarcas não
se poderiam comparar a esta, porque Deus estava agora a lidar com a nação. Ele faria o seu
nome conhecido para eles através de suas obras (Ez 20.5). Então, agora eles vão “conhecer” o
“nome”. Não é simplesmente uma referência a um título, mas à maneira que Deus revelou-
-se. Deus dava sentido ao seu nome através de seus atos. Deus não está dizendo que ele não
tinha revelado um nome aos patriarcas. Em vez disso, ele está dizendo que os patriarcas não
experimentam o que o nome Yahweh, na verdade, queria dizer.
Uma outra maneira de compreendermos Êxodo 6.3, foi proposta por Eslinger, vejamos:
Êxodo 6 não diz que os patriarcas não invocavam o nome Yahweh. Ele argumenta
que a construção passiva “não fui conhecido como Yahweh” é uma variante da cons-
trução ativa “vocês saberão que eu sou Yahweh”. Esta fórmula de reconhecimento
se refere a manifestação do nome divino por meio de intervenções miraculosas, e
só é comum em Êxodo e Ezequiel (mais de cinquenta vezes). (WALTKE, 2010, p. 25).
Vale salientar que a passagem em questão não faz uma distinção entre Yahweh e Elohim,
mas entre El Shaddai e Yahweh. Para Motyer:
Quando Deus revelou-se ‘como’ El Shaddai (Todo-Poderoso), não fez visando dar
aos patriarcas um título mediante o qual poderia dirigir-se a Ele, e, sim, conferir-lhes
discernimento quanto ao Seu caráter, conforme o título dava aptamente a entender.
(apud MCDOWELL, p. 193).
Desta forma pode-se traduzir o presente texto de Exôdo 6.3 da seguinte maneira para
que ele expresse seu real sentido: “Apareci a Abraão, a Isaque e a Jacó no caráter de El Shad-
dai (Todo-Poderoso); mas não me fiz conhecido pelo meu nome Yahweh.” Outra possível
tradução seria: “Eu sou o Senhor. Eu apareci a Abraão, a Isaque e a Jacó como o Deus todo-
-poderoso, e meu nome é Senhor. Por acaso não me dei a conhecer a eles?” (Bíblia de Estudo
Arqueológica NVI, 2013, p. 15).
Conforme o texto nos diz Deus se revelou a Abraão, Isaque e Jacó como “El Shaddai”
(Todo-Poderoso), isto não implica que Deus quisesse dar aos patriarcas um título para que se
247
dirigissem a Ele, mas simplesmente mostrou-lhes seu caráter como Todo-Poderoso. O nome
de Yahweh substituía o próprio Deus, pois o mesmo testificava sua presença, tanto que os
judeus não ousavam invocar o nome de Yahweh em vão, e nem profaná-lo.
Segundo Hill e Walton (2006, p 85) as pesquisas recentes demonstram que:
É mais provável que os patriarcas tivessem identificado seu Deus por El, e tanto
Shaddai quanto Javé tenham servido de epítetos para descrever certos aspectos da
atividade de El. Nesse caso, Êxodo 6.3 seria a explicação de que El Shaddai era o
nome ligado de forma mais adequada à interação de Deus com os patriarcas – e o
que fez por eles. Eles não experimentaram, em primeira mão, o significado do epí-
teto Javé. Foi à geração de Moisés que conheceu (experimentou) Deus como Javé.
412. A hipótese “Quenita” é geralmente atribuída a Julius Morgenstern que expôs em sua obra (The Oldest Do-
cumento f the Hexateuch, Cincinnati, 1927 - O Documento mais antigo do Hexateuco), que havia uma
fonte além das JEDP, que seria a fonte “K” (Kenita). Postulou como sendo a base das reformas do rei Asa,
conforme se registra em 1 Reis 15.9-15.
248
dos sacerdotes. O sacerdote Jetro é, portanto, o anfitrião nessa celebração do monte Si-
nai; por isso, Yahweh já deve ter sido o Deus de Jetro antes dessa ocasião. De acordo com
Êxodo 3, Moisés é vocacionado “no monte de Deus”, que se localiza em território midia-
nita, enquanto pastoreava o rebanho de seu sogro Jetro. Também o obscuro texto Êxodo
4.24-26 pode ser entendido como indício de que Javé era, na origem, o Deus dos midiani-
tas. Quando Javé ataca Moisés, é Zípora, sua esposa midianita, que toma a iniciativa para
salvá-lo, certamente porque sabia como lidar com Yahweh, pois era o seu Deus. Moisés,
portanto, fez sua maior e significativa contribuição, ele identificou o Deus Yahweh mi-
dianita do deserto e das montanhas como o Deus responsável pela libertação do êxodo, e
como o Deus de seus ancestrais, o Deus que sempre havia estado com eles, mas que até
então não era conhecido por este nome. “Moisés, portanto, tornou-se um missionário de
Jeová.” (MERRILL, 2002, p. 125).
Muitos estudiosos são de opinião que Iahweh era conhecido entre os midianitas
(Quenitas), clãs da península do Sinai e que Moisés tomou conhecimento de Iah-
weh através do seu sogro, Jetro. Isto não é impossível... Entretanto, devemos dizer
que a passagem não requer necessariamente esta interpretação, e que muitos es-
tudiosos afirmam e argumentam que ela não deve ser interpretada deste modo.
(BRIGHT, 2003, p. 162).
Antes de fazer declarações precipitadas, temos que atentar ao fato de que o que nós
hoje entendemos por “conhecer” é diferente do que entendiam o povo de Israel no contexto
do texto bíblico. Hoje entendemos “conhecer” como algo analisado pela razão, ter conheci-
mento de causa ter experimentado analisar e buscar relações de causa e efeito, ou seja, não é
meramente um conhecimento intelectual.
Para o teólogo bíblico Geerhardus Vos, a palavra “conhecer” em Êxodo 6.3, pode ser
melhor entendida como:
...o conceito de ‘conhecimento’ aqui não deve ser entendido no sentido de pensa-
mento grego. Deve antes ser entendido no sentido semítico do termo. De acordo
com o primeiro, ‘conhecer’ significa reproduzir a realidade de uma coisa na cons-
ciência. A ideia bíblica e semítica é a de ter a realidade de alguma coisa interligada
com a experiência íntima de vida. Portanto, ‘conhecer’ pode significar ‘amar’, ‘sepa-
rar em amor’ no idioma bíblico. (VOS, 2010, p. 19-20).
249
Esta expressão “saber que eu sou Yahweh”, “conhecer o nome de Yahweh”, se emprega
cerca de 26 vezes em todo o Antigo Testamento, por exemplo, em Êxodo 6.7; 14.4. Archer,
sugere a seguinte forma de se entender o texto em questão:
Eu me apresentei perante Abraão, Isaque e Jacó como o Governador todo-poderoso
da criação e Soberano sobre toas as forças da natureza [i.e., como El Shaddai, Deus
todo-poderoso], mas não me apresentei a eles como o Deus que guarda a aliança,
de maneira miraculosa e redentora que estou prestes a demonstrar ao livrar toda a
nação de Israel do cativeiro egípcio. (1998, p. 72).
Assim, os israelitas não desfrutavam do relacionamento com Deus que o nome Yahweh
dá a entender. Conheciam a Deus pelo nome Yahweh, mas, não pelo caráter de Yahweh. Neste
momento a essência e significado do nome Yahweh passou a ser conhecido.
Não temos na narrativa do Êxodo a revelação de um nome novo, mas a explicação de
um nome já conhecido de Moisés e que, numa hora solene, se descobre que está repleto
de um conteúdo de cuja riqueza ele estava longe de suspeitar. (KIDNER, 2001, p. 19).
No Antigo Testamento se verifica que o “nome” não era uma simples referência à no-
menclatura, mas também aos atributos e caráter da pessoa. “Como entre os povos primitivos,
o nome em todo antigo Oriente define a essência de uma coisa: nomeá-la é conhecê-la e,
portanto, ter poder sobre ela”. (VAUX, 2004, p. 66). Assim Êxodo 6.3 nos informa que Faraó
conheceria o poder de Deus que libertaria seu povo. Temos como exemplo, o nome de Eva,
“vida”, ligava-a ao homem (Gn 2.18-23). Esaú disse que as ações de Jacó refletiam seu nome
(Gn 27.36). Nabal era como seu nome, “um tolo” (1 Sm 25.25).
Citando o teólogo bíblico Geerhardus Vos, o mesmo comenta quanto ao uso do “nome”
no contexto bíblico:
O uso bíblico quanto á palavra ‘nome’ difere consideravelmente do nosso. O nome na
Bíblia, é mais do que um sinal convencional. Ele expressa o caráter ou a História. Assim,
uma mudança em qualquer um dos dois dá lugar à mudança do nome. Isso se aplica,
igualmente, aos nomes de Deus. Isso explica porque certos nomes divinos pertencem
a certos períodos da revelação. Eles servem para sumariar a significância do período.
Eles, portanto, não são nomes que o homem dá a Deus, mas nomes que Deus atribui a
si mesmo... o nome de Deus se posiciona abstrata e compreensivamente para designar
tudo o que Deus tem revelado concernente a si mesmo. Esse é ‘o nome de Deus’. Nesse
sentido, ele é simplesmente o equivalente à Revelação. (VOS, 2010, p. 86-87).
250
Podemos apenas nos inclinar para a constatação de que o nome de Yahweh “é certeza
e obscuridade, é realização e expectativa, é revelação e mistério.” (RAVASI, 1985, p. 44). Sem
negar a face de um Deus que age e se revela, este mesmo Deus sempre continuará sendo o
“totalmente Outro”.413
Percebe-se uma recusa por parte dos críticos, em aplicar regras básicas de interpretação
de um texto sobre a passagem em pauta; aplicam uma interpretação literal, esquecendo do
contexto ou analogia de outros ensinamentos bíblicos. Se aplicassem uma forma de inter-
pretação que levasse em consideração o objetivo ou desígnio do livro e passagem em que
ocorrem as palavras ou expressões obscuras, chegaria à conclusão de que o “conhecer o
nome” implica conhecimento experimental dos atributos enfatizados pelo nome. “Afinal, a
revelação do nome não constitui mera comunicação de uma designação, mas é revelação da
essência no relacionamento pessoal Javé-Israel, Israel-Javé.” (GUNNEWEG, 2005, p. 52).
Os críticos querem que o texto diga que os israelitas passaram a conhecer o nome Yah-
weh, a partir daquele momento; mas ocorre que os israelitas tornariam testemunhas do poder
de Deus, conforme os atributos que este nome denota. Da mesma maneira Jeremias utilizou-
-se desta forma de entender: “Portanto eu lhe ensinarei; desta vez eu lhes ensinarei sobre o meu
poder e sobre a minha força. Então saberão que o meu nome é Yahweh.” (Jr 16.21). Da mesma
forma no livro de Ezequiel por cerca de sessenta vezes é dito “e saberão que eu sou o Yahweh/
Senhor”, dando a entender que a nação de Israel conheceria a ele através de suas manifesta-
ções de poder e cumprimento de suas promessas.
A palavra utilizada em Êxodo 6.3 para “conhecer” é yada. Conforme o Dicionário Inter-
nacional de Teologia do Antigo Testamento menciona:
Esta raiz, que ocorre 994 vezes, é usada em todas os graus e expressa uma variedade
de aspectos de conhecimento adquirido pelos sentidos. Seus sinônimos mais pró-
ximos são bîn, ‘discernir’, e nākar, ‘reconhecer’. A raiz é encontrada em acadiano,
ugarítico e nos textos de Qumran. (HARRIS, 1998, p. 597).
Como vemos, a palavra “conhecer” ([d:Þy” yada) implica em uma “variedade de aspectos
de conhecimento adquiridos pelos sentidos”, em primeiro lugar temos a informação de que a
palavra “conhecer” possui diversos significados que muda conforme o contexto (o significado
que os críticos querem dar somente se encaixa em seus próprios contextos particulares), e em
segundo lugar vemos que os sinônimos da palavra “conhecer” são “discernir”, e “reconhe-
cer”, isso foi justamente o que os israelitas passaram a ter a partir de Êxodo 6.3, discerniram
uma nova forma do caráter de Deus, e re-conheceram esta nova forma de seu caráter com o
413. O termo “totalmente outro” foi o termo usado pó Karl Barth, um dos maiores teólogos do século XX. Por si
mesmo o homem nada pode saber e dizer a respeito de Deus. Só podemos falar verdadeiramente de Deus
o que ele mesmo transmitiu. Somente o que Deus revelou de si mesmo pode ser conhecido e comunicado
pelo ser humano. A pessoa que pretende falar de Deus a partir de seus sentimentos e de seu raciocínio, está
na verdade falando de um ídolo. O verdadeiro Deus é “totalmente outro” em relação ao ser humano – em
tudo o que a pessoa pensa, sente, deseja, compreende e elabora.
251
Deus de seus pais. Nesse contexto de libertação do Egito, Javé é experimentado como o Deus
da libertação, uma outra característica de sua natureza e poder.
O verbo “conhecer” nunca é usado para introduzir um nome que nunca tinha sido co-
nhecido ou experimentado. O Niphal e Hiphil do verbo hebraico são utilizados apenas para
descrever o reconhecimento dos sobretons ou significado do nome (cf. Jr 16.21; Is. 52. 6; Sl
83.17; 1Rs 8.41). “O verbo hebraico traduzido por ‘conheci’ (yada) é um termo pertinente ao
concerto. Nos tratados do antigo Oriente Próximo, a palavra ‘conhecer’, quando usada acerca
de uma parte superior ‘conhecer’ uma inferior, significava que a primeira reconhecia que o
seu súdito tinha uma relação especial com ele.”414
Um problema similar ocorre em Apocalipse 19.11-16. No versículo 12 se diz que Jesus
possuía “um nome que só ele conhece, e ninguém mais”. No entanto, no versículo 11 é cha-
mado de “Fiel e Verdadeiro”, e no versículo. 13 seu nome é “Palavra de Deus”. Estes eram
nomes pelos quais Cristo já era conhecido em caráter ao menos em certa medida por seu povo
em seu ministério. No entanto, no versículo 16 João fala de Cristo como “Rei de reis e Senhor
de senhores”. Por fim 1 Timóteo 6. 15 nos mostra que este título era aplicado a Cristo já nos
tempos apostólicos. Obviamente, a declaração de João de que “um nome que só ele conhece,
e ninguém mais”, não se refere ao título em si, mais ao novo papel em que aparece Cristo,
como defensor de seu povo perseguido, para reger “com vara de ferro a todas as nações” (Ap
12. 5; cf. 19. 15).
Uma outra alegação por parte dos críticos, se dá no uso do nome Yahweh por parte de
Noé. Noé, não falando hebraico, desconhecia o nome pactual de Deus, que foi comunicado
mais tarde a Israel por meio de Moisés. Em resposta, deve ser notado que é verdade que Noé
não conhecia aquele nome. Mas, ele certamente sabia o que aquele nome, que seria enuncia-
do mais tarde, significava. Em outras palavras:
Noé conhecia o caráter de Deus, as promessas inquebráveis de Deus a seu povo e
a fidelidade da relação válida para sempre de Deus com seu povo. Assim, embora
Noé, ao dirigir-se a Deus, não soubesse o seu nome (e pode ter usado outro termo
para referir-se a Ele), Moisés, que conhecia o nome e que, pelo Espírito, compreen-
deu o que Noé estava proclamando e confessando, escreveu: “Bendito seja Yahwéh”.
(GRONINGEN, 1995, p.116)
Os críticos estão em contradição com suas próprias teorias, pois se creem que o
Pentateuco em sua forma final foi fruto do trabalho de redatores, estes redatores não com-
preendiam Êxodo 6.3, como os críticos compreendem. Os redatores não viram nenhum
problema no fato do livro de Gênesis conter diversas ocorrências do nome Yahweh, e em
Êxodo 6.3 dizer que Yahweh não era conhecido até então. Se tivessem visto algum problema
teriam alterado o versículo.
Devemos ter sempre o cuidado de interpretar passagens individuais dentro de um
contexto teológico total da Bíblia, afim de que possa se tornar claro a nós uma passagem indi-
vidual. Logicamente que quando nos achegamos a um texto bíblico, nossa interpretação pode
ser facilmente influenciada pelas nossas experiências e conhecimentos anteriores. Por isso, é
preciso que testemos o resultado de nossa interpretação com aquilo que as Escrituras dizem
como um todo. Também, quando uma passagem é de difícil interpretação temos que tomar o
máximo de cautela para não chegarmos a uma decisão interpretativa equivocada.
414. Herbert B. Huffmon, “The Treaty Background of Hebrew YADA”, in: Bulletin of the American Schools of
Oriental Research 181 (1966): pp. 31-37.
252
415. Redação é a formulação literária de uma tradição ou um conjunto de tradições. Um autor, ao receber uma
tradição oral ou escrita, a redige, caso seja oral, ou a reescreve, atualizando-a, antes de transmiti-la nova-
mente. Portanto, uma mesma tradição pode conhecer redações diferentes e sucessivas.
416. Segundo Eugene H. Merrill as Escrituras do Antigo Testamento, em qualquer época da história de Israel,
“não passavam de doze cópias no máximo.” (MERRILL, 2002, p. 472).
253
que o Pentateuco é um texto sagrado, o que dificultaria qualquer alteração ou acréscimo sem
um motivo sério.
Em virtude dos problemas criados por estas escolas de críticos, os mais recentes in-
vestigadores viram-se obrigados a procurar explicações para as suas conclusões e,
nesta conformidade, tiveram de multiplicar o número de autores e editores, isto é,
desejando explicar certas supostas diferenças de estilo e vocabulário, nos diversos
documentos, dada a semelhança de tais palavras e estilos nos mesmos documentos.
(FRANCISCO, 1996, p. 29).
Conforme Smith muito bem nos apresenta as alterações dos redatores/escribas tive-
ram limites:
Essas mudanças promovidas pelos escribas podem também responder por muitas
incoerências, duplicações, contradições e, em especial, diferenças de estilo e vo-
cabulário. A modernização dos textos feita pelos escribas garantia uma constante
transição de significado, por fim interrompida pela canonização. Nesse ponto a san-
tidade dos textos bloqueou o processo interpretativo dos escribas. Seu significado
foi fixado nos conceitos literários daquela época e lugar, muito distante da mente do
século XX. (SMITH, 2001, p. 110).
Ainda, podemos atentar para as seguintes observações a respeito das correções escribais:
As alterações do hebraico bíblico são identificadas pela tradição escribal como ti-
qqune sopherim (emenda dos escribas). A maioria das antigas emendas escribais foi
introduzida por motivos religiosos, no esforço de preservas a santidade e a dignida-
de do texto bíblico... O conjunto de evidências do hebraico bíblico demonstra que
essas emendas não foram conduzidas de forma sistemática. Também é importante
enfatizar que a maioria das emendas escribais estão devidamente identificadas por
notas marginais, que preservaram o texto da leitura original. (Bíblia de Estudo Ar-
queológica NVI, 2013, p. 448).
As palavras de Êxodo 16.35: “E comeram os filhos de Israel maná quarenta anos, até que
entraram em terra habitada; comeram maná até que chegaram aos termos da terra de Canaã”,
254
só poderiam ter sido escritas depois da morte de Moisés e do cruzamento do rio Jordão (Js
5.10-12), visto que o ato de comer o maná é narrado no tempo passado.
O texto de Números 21.14,15 faz citações do “livro das Guerras do SENHOR”.417 Este era
compreensivelmente um livro de poesia que descrevia os atos de Deus em prol do seu povo
durante os anos de peregrinação no deserto. Nada é conhecido fora desta alusão. Pode ter
sido um dos escritos do próprio Moisés.
O trecho de Números 32.34-42 descreve as cidades construídas pelas tribos de Rúben, Gade
e Manassés no território que receberam no lado oriental do rio Jordão. Eles não possuíram este
território senão depois da conquista de Canaã, na qual tiveram grande participação (Js 22.1-9).
Deuteronômio 2.10-12,20-23 são passagens parentéticas acrescentadas posteriormente
para explicar o significado de termos e condições que já não estavam em voga. O relato da
morte de Moisés em Deuteronômio 34.1-12 foi escrito aparentemente depois do surgimento
dos profetas (Dt 32.10), durante os dias de Samuel. Considerações como estas, em vez das
reavaliações da moderna crítica literária e histórica, levam os estudiosos conservadores às
precauções sensatas.
Nenhum pesquisador do Antigo Testamento pode negar que tenha sido feita edição nos
textos, mas a contribuição dos redatores no processo de escrita foi relativamente pequena.
Mas essa edição legítima difere da edição ilegítima que alguns críticos advogam ao texto. Ve-
jamos a tabela demonstrativa a seguir:
Edição legítima Edição ilegítima
Mudanças na forma Mudanças no conteúdo
Mudanças de escrita Mudanças substantivas
Mudanças no texto Mudanças na verdade2
417. Alusões a fontes literárias antigas que não sobreviveram à passagem dos séculos são vistas na menção ao
Livro do Reto [ou Livro dos justos (versão ARA), ou ainda Livro de Jasar, (versão TB)], feita nos livros de
Josué (10.13) e Samuel, enquanto que outro documento, conhecido como o Livro das Guerras do Senhor é
citado em Números. A objetividade e seletividade dos historiadores hebreus ficam evidentes pela maneira
controlada com que lidavam com as fontes que lhes estavam disponíveis, para a compilação de obras
como os livros de Reis e Crônicas. Uma tradição curiosa, e pouco provável a respeito da origem do Livro
de Jasar, é a seguinte: “Chiyya bar Aba, o estudioso rabínico do século III, pergunta no Talmud: ‘Que se
pretende com o Livro de Jashar?’ Responde de maneira didática: ‘É o livro de Abraão, Isaac e Jacob, que são
chamados os ‘justos’ (em hebraico: iesharim, cujo singular é iashar).” (apud AUSUBEL, 1964, p. 86).
255
Como pudemos demonstrar os redatores são o refúgio que os críticos utilizam quando
suas suposições não encaixam em determinadas situações, aja vista o uso que fazem dos re-
datores para justificar o emprego dos nomes divinos em textos onde é atribuído a uma fonte
e contém o nome divino de outra fonte; por exemplo, o emprego de Yahweh onde é atribuído
a fonte E (Elohim). Os redatores funcionam como uma muleta para os críticos, e quando uma
contradição não é a eles atribuída, justificam argumentando que o texto é corrompido.
Em Deuteronômio 12.32, Moisés disse para não adicionar as escrituras ou tirar nada delas.
Mas isso é o que o redator supostamente tem feito! Devemos acreditar que um israelita piedoso
desobedeceria a palavra de Deus e que a comunidade de Israel aceitou sem questionar?
Não negamos que tenha avido pequenas insersões redacionais no Pentateuco, Hoff es-
clarece este ponto de forma coerente, vejamos:
É notável haver alguns acréscimos e retoques de palavras arcaicas, feitos à obra original
de Moisés. É universalmente reconhecido que o relato da morte de Moisés (Deuteronômio
34) foi escrito por outra pessoa. Gênesis 36.31 indica que havia rei em Israel, algo que não
existia na época de Moisés. Em Gênesis 14.14 dá-se o nome de “Dã” à antiga cidade de Laís,
nome que lhe foi dado depois da conquista. Pode-se atribuir isto a notas esclarecedoras, ou a
mudanças de nomes geográficos arcaicos, introduzidas para tornar mais claro o relato. Prova-
velmente foram agregados pelos copistas das Escrituras, ou por algum personagem (como o
profeta Samuel). Não obstante, estes retoques não seriam de grande importância nem afeta-
riam a integridade do texto. (HOFF, 2011, p. 22-23).
418. “Se tal história foi conservada, e isso nos três relatos, é claro que não era (tão) chocante na época. O que nos
leva a perguntar se não existe um costume por trás desse comportamento que não mais compreendemos.”.
Abraão afirma que Sara é sua meia irmã (Gn 20.12), pode ter sido uma filha adotiva de Terá. No caso de Rebe-
ca, ela foi dada em casamento a Isaque por seu irmão Labão (Gn 24). Textos de Nuzi, menciona o costume dos
hurritas, em que uma mulher podia ter o estatuto duplo de esposa e irmã, com duplos privilégios e deveres,
do ponto de vista social e jurídico. Outro paralelo encontramos na cultura egípcia, onde a palavra “irmã” e
“irmão” não possuem o sentido restrito que possui hoje. Certos contratos de casamento chamam a esposa de
“irmã”, mesmo que esteja claro que ela não era parente do marido. Talvez, “quando Abraão diz: ‘Ela é minha
irmã’, joga, com o sentido restrito e o sentido amplo dessa palavra.” (VOGELS, 2000, p. 39).
419. Uma possível solução para a aparente duplicação ou parelha literária seria: “Uma fonte múltipla da história
do dilúvio pode ser vista também como imaginária. A narrativa de Gênesis 6 não pode ser contrária nem
separada do registro em Gênesis 7. O capítulo 6 descreve uma preparação para o dilúvio, e o capítulo 7
descreve sua vinda. Por exemplo, há uma suposta discrepância entre Gênesis 6.19, em que um par de cada
espécie é chamado para entrar na arca, e Gênesis 7.2, onde Noé deve levar sete pares de animais limpos. É
óbvio que 6.19 é uma generalização e 7.2 é uma exceção relacionada apenas aos animais limpos. (TENNEY,
2008, p. 897). Segundo muitos adeptos da Hipótese Documental, afirmam que: “o relato do dilúvio (Gn 6.5-
9.17) é uma combinação de J e P. O relato P estaria inteiramente conservado, mas o J estaria incompleto. O
relato tomado como base seria P, no qual os elementos J teriam sido inseridos. (VOGELS, 2000, p. 17).
420. A crítica entende que no dilúvio as narrativas foram “combinadas”, enquanto as da criação (Gn 1 e 2) foram
“juntadas”.
256
das codornizes no deserto (Êx 16 e Nm 11), a prova junto às águas de Meribá (Êx 17 e Nm 20).
O preceito das três solenidades anuais é repetido até cinco vezes (Êx 23.14-19, 34.23-26; Lv 23;
Nm 28; Dt 16). Segundo os adeptos desta teoria, o redator final que compilou esses diferentes
documentos não se preocupou com o problema, talvez nem tivesse consciência dele.
Podemos por outro lado, encarar os textos pentateucos como “uma composição unifica-
da que se mantém interligada por enredos repetitivos, leilmotiven,421 cenas típicas, elementos
estruturais como quiasmo e inclusão etc. Há uma unidade contínua de personagens, tema
e perspectiva.” (OSBORNE, 2009, p. 255-256). E acrescenta “Estudos narrativos mostraram
a viabilidade de ver Gênesis como um texto unificado, e as aporias ou passagens literárias
descoordenadas são perfeitamente entendidas, fazendo sentido como elas são.” (OSBORNE,
2009, p. 272). As supostas contradições do texto não eram assim consideradas pelos autores
antigos e nem para seus leitores diretos.
Seriam essas narrativas duplicações? Distinguimos duas espécies dos chamados du-
plicados: duas vezes ocorre um fato semelhante (duplicado real), ou duas vezes narra-se o
mesmo fato (duplicado literário); para a questão de unicidade ou pluralidade de autor, so-
mente a segunda espécie tem valor.
Não podemos negar a presença de duplicações e triplicações de determinados episó-
dios, isso gera conflitos e aparentes contradições nos livros do Pentateuco. A questão é como
devemos interpretar. Seriam de fato contradições? Nesse caso a exegese possuí um papel
fundamental. “Se à exegese for permitido permanecer no trono, a análise Documentária será
deitada ao mar.” (YOUNG, 1964, p. 161).
Bem da verdade que a grande parte das alegadas “contradições” encontradas no Pen-
tateuco são advindas do fato de os críticos alterarem a seu bel prazer à história de Israel, e
deslocarem o Pentateuco para o acomodarem às suas hipóteses. Alguns casos não passam de
relatos diferentes, com detalhes semelhantes e complementares.
A presença de narrativas duplas no texto bíblico tem sido considerada como argumento
para a duplicidade de autores, mas:
Pelo contrário, a repetição, dentro da prosa hebraica, pode ser ligada com o uso
hebraico (e de fato, semítico) característico da repetição para efeito de ênfase. As
ideias são compreendidas, na literatura hebraica, não pela conexão lógica com ou-
tras ideias, mas mediante uma espécie criativa de repetição que procura influenciar
a vontade do leitor. (DOUGLAS, 1995, p. 1262).
Fator importante a se considerar é de que duplas narrativas eram comuns nas teorias
antigas da criação, como se verifica na chamada epopeia babilônica de Atrahasis.
Segundo as regras do paralelismo semítico, não se trata de uma enfadonha repe-
tição, mas de uma retomada e de um aprofundamento dos vários aspectos da
realidade examinada... Com relação ao estilo repetitivo dos capítulos, sabe-se que
está presente em outros contextos semíticos – como em Ugarit – e serve para pôr em
destaque e dignidade tudo quanto se relata. (RAVASI, 1985, p. 158).
Pode se dizer que a repetição de narrativas nada mais é em alguns casos do que um
“recurso retórico”. Em muitos casos o autor usa a incidência de palavras ou expressões cur-
421. Leitmotiv (motivo condutor ou motivo de ligação) é termo composto, expressão idiomática naquele
originário vernáculo, para significar genericamente qualquer causa lógica conexiva entre dois ou mais
entes quaisquer.
257
tas; outro une ações, imagens, motivos, temas e ideias. (KAISER, 2002, p. 70). Também nos
deparamos com narrativas onde a repetição é resumida, sendo também um recurso pura-
mente retórico. Temos como exemplo o fato de que “Deuteronômio repete o Decálogo para
um propósito exortativo, o que o coloca em contato estreito com a situação momentânea de
Israel.” (VOS, 2010, p. 165).
Vale lembrar que a repetição era parte essencial das narrativas do Antigo Oriente Mé-
dio. Os contadores de histórias repetiam os relatos duas ou mais vezes (às vezes de
perspectivas diferentes ou diferindo os detalhes), e os narradores recontavam histó-
rias paralelas (cf. as três ocasiões em que um patriarca faz sua esposa passar por sua
irmã; Abraão nos cap. 12 e 20 e Isaque no cap. 26; para um exemplo bem posterior, ver
o relato da conversão de Paulo, em Atos 9.22 e cap. 26). Nas narrativas da Antiguidade,
a repetição era vista não como evidência de múltipla autoria, mas como confirmação
de um único autor. (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 15).
Além dos três relatos divergirem em detalhes e terem em comum apenas a mentira a
respeito da esposa, não existe razão por que Abraão não poderia repetir o mesmo recurso
que havia funcionado razoavelmente bem antes, e sem dúvida Isaque deve ter aprendido esta
falha com seu pai.
A declaração de que há duplicação constante de material nas várias fontes preten-
didas é grosseiramente exagerada. Algumas dessas chamadas duplicatas são realmente
eventos diferentes um tanto similares, porém, na realidade, nada mais são do que aquilo
que frequentemente ocorre na vida ordinária, como se pode demonstrar muito facilmente.
Em outros casos, uma alegada repetição é meramente um sumário dado no princípio ou
no fim de um relato, uma recapitulação proveitosa, ou expediente literário para fazer uma
narração mais vívida. Muitas das alegadas repetições ou duplicações, se examinadas sem
preconceito, podem mostrar-se como tendo um propósito natural no relato. Repetições é
muitas vezes utilizada por razões estilísticas, ou para dar ênfase, ou por efeito retórico ou
em paralelismo poético.
Não existe razão para que a história e a arte literária não possam existir lado a lado...
a repetição é muitas vezes utilizada para apresentar uma narrativa de mais de um
ponto de vista. Por exemplo, 2Samuel 18 descreve o lamento de Davi sobre Absalão
de três perspectivas: a do próprio Davi, a de Joabe e a de todo o povo, intensificando
assim a sua angústia. (OSBORNE, 2009, p. 268).
Uma pergunta deve ser feita aos críticos que aceitam o papel de um redator final nos
textos do Pentateuco: Por qual motivo uma pessoa como o redator final que necessariamente
devia ter uma capacitação excepcional, não foi capaz de notar as alegadas repetições e con-
tradições no texto? Parece nos bem provável que tal redator/redatores não tinha a mesma
concepção que os atuais críticos, ou seja, não viam contradição alguma nos textos que os
críticos apontam como contraditórios e contradizentes.
A arqueologia no exato momento não nos pode fornecer certeza histórica de tudo o que
descobriu, mas as probabilidades aumentaram consideravelmente. Ela tem nos fornecido,
em muitos pontos um testemunho indireto. Em outros ela tem apenas aumentado às pro-
babilidades. As primeiras descobertas arqueológicas causaram euforia e entusiasmo, hoje
nota-se um problema complexo e carente de novas reflexões. Esse campo de pesquisa oferece
“evidências circunstanciais” sobre o passado de Israel, mas para o pesquisador isso represen-
ta um avanço no “equilíbrio das probabilidades”.
Com o progresso da arqueologia e com a atitude mudada em relação ao estudo literário,
é mais fácil, sobre uma base científica objetiva mostrarmos que a Alta Crítica e a Hipótese Do-
cumentária estão equivocadas. Bem da verdade os estudos arqueológicos têm proporcionado
um equilíbrio entre os pesquisadores conservadores e críticos, funcionando como um ponto
de referência para que não avancem o “sinal vermelho”. Da mesma maneira conservadores
e críticos radicais nunca chegaram a um consenso sobre os resultados da arqueologia, pois
cada qual os interpreta mediante seus pressupostos. Willian Dever422 sugere que não mais
se use a nomenclatura “arqueologia bíblica”, mas sim, arqueologia siro-palestina, atribuindo
assim um papel mais neutro a arqueologia.
Um ponto que nenhum pesquisador deve rejeitar é que a arqueologia não comprova
que a Bíblia é a Palavra de Deus inspirada e revelada. Mas diante disso podemos afirmar que
a arqueologia comprova que muitas passagens bíblicas são históricas e confiáveis. Não pode-
mos negar que a arqueologia é uma disciplina subjetiva, pois ao levar em conta que os objetos
achados são “mudos” entre em cena o “intérprete” com seus pressupostos e princípios.
Não podemos ser ingênuos a ponto de ignorarmos os diversos processos que sofreram
os textos bíblicos para que chegassem até nós hoje. O texto bíblico é aglomerado de uma
grande variedade de literatura, histórias, leis, rituais, exortações, sermões e instruções. Infe-
lizmente os achados arqueológicos consistem em uma ínfima parcela daquilo que poderia ter
sido descoberto. “A arqueologia de hoje com muita frequência torna-se a nota de rodapé de
amanhã a respeito dos primeiros esforços equivocados.” (DILLARD, 2006, p. 109).
Pelo fato de os hebreus retratarem muito dos padrões culturais contemporâneos da vida
no Oriente Próximo, a história dos israelitas pode ser mais bem entendida comparando-se as
narrativas do Antigo Testamento com o conhecimento da cultura e da arqueologia do perío-
do. As escavações e as pesquisas arqueológicas do Egito e antigo Oriente Próximo trouxeram
uma inesperada quantidade de material, que trouxe luz ao mundo do ambiente bíblico, estas
descobertas se tornaram indispensáveis para a exegese e compreensão do mundo do Antigo
Testamento e sua história. Entre os textos jurídicos e sociais, os códigos babilônios e assírios,
as leis hititas, as tabuinhas de Nuzi, os textos de Ras Shamra e as leis, os usos, e os costumes
registrados nos diversos textos, notam-se afinidades impressionantes com o Pentateuco. Os
tratados de aliança característicos do Pentateuco podem-se hoje enquadrar, sobre o aspecto
literário, nos tratados hititas e outros achados da Síria.
422. William Dever, arqueólogo norte-americano professor de arqueologia do Oriente, contribuiu no artigo
“Arqueologia” no The Anchor Bible Dictionary. O mesmo reitera sua percepção dos efeitos negativos da
estreita relação que tem existido entre a arqueologia sírio-Palestina e a arqueologia bíblica da Terra Santa,
o que tem levado especialmente os arqueólogos estadunidenses que atuam neste campo, a se retirarem
frente à nova arqueologia processual, (dos anos 1970 e 80), antes que pudessem compreendê-la. “William
Dever descobriu que a arqueologia sírio-Palestina tem sido tratada nos institutos estadunidenses como
uma subdisciplina de estudos bíblicos. Esperava-se que os arqueólogos estadunidenses tratassem de “pro-
ver evidências históricas válidas dos episódios da tradição bíblica” nesta região. De acordo com Dever, “o
mais ingênuo (sobre a arqueologia sírio-palestina), é que a razão e o propósito desta, seria simplesmente a
de elucidar a Bíblia nas terras da Bíblia.” (Anchor Bible Dictionary, Archaeology, W. Dever, p. 358).
259
Parece, com base nas considerações anteriores, que deve ser tomado um grande cui-
dado na interpretação de dados arqueológicos, e a sua correlação com as narrativas bíblicas.
Embora as escavações arqueológicas frequentemente tenham um propósito útil, para esclare-
cer a história antiga e a vida social daquele tempo, também podem apresentar uma variedade
de problemas especiais, e a natureza subjetiva de algumas das conclusões às quais podemos
chegar, frequentemente provoca considerável diferença de opinião entre os especialistas.
Com as novas descobertas arqueológicas, se viram praticamente por terra os planos da exces-
sivamente engenhosa construção de Wellhausen. No mundo real da arqueologia, as fontes JEDP
não existem. Sua existência é puramente teórica. Preconceitos subjetivos se revelaram no tratamen-
to das Escrituras hebraicas como evidência arqueológica. Por demais frequentemente a tendência
tem sido considerar qualquer declaração bíblica como sendo suspeita e indigna de confiança.
No caso de qualquer discrepância, na comparação com uma fonte pagã, mesmo sendo
de data posterior, automaticamente a informação pagã tem a preferência como testemunha
histórica. Quando não há outras evidências disponíveis de fontes não israelitas ou de algum
tipo de descoberta arqueológica, então a declaração bíblica não é levada a sério a não ser que
possa ser encaixada com a teoria. O objetivo é evitar forçar o texto em determinado molde an-
tes de estuda-lo. Estudiosos de todas as crenças e convicções ideológicas têm cometido esse
erro, e até certo ponto esta falha é universal, tornando-se necessário ter cuidado. Não faz dife-
rença para eles o grande número de informações bíblicas que, rejeitadas como não históricas
pelos peritos do século dezenove, têm sido confirmadas pela evidência arqueológica recente.
O exame das Escrituras hebraicas contra o cenário cultural apropriado que a arqueologia
ajuda fornecer, irá servir a um propósito importante: estabelecer especificamente, na mente
do estudioso sobre a antiguidade do Oriente Médio, um sentido cronológico apropriado, em
relação à revelação divina. Isto, então, irá evitar que o intérprete das Escrituras aplique cate-
gorias inapropriadas de moralidade ou interpretação cristã a situações ou acontecimentos
que eram regidos por um ethos completamente diferente, e irá fundamentar as suas explica-
ções em uma sequência historicamente legítima.423
Os estudos linguísticos, arqueológicos, históricos e outros, terão uma participação fun-
damentalmente importante no enfoque metodológico, que terá como seu objetivo, o mais
completo conhecimento da vida e dos tempos dos quais vieram os textos do Antigo Testa-
mento. Embora ainda haja muitas lacunas no nosso conhecimento a respeito do antigo
Oriente Médio, também existe uma quantidade crescente de material que se torna disponível
para exame dos estudiosos, e uma parte deste material frequentemente esclarece, de modo
significativo os textos do Pentateuco.
A arqueologia nos explica a rica herança que os hebreus receberam das civilizações an-
tigas, e a influência desta cultura na produção da literatura do Antigo Testamento. A partir do
século XX a arqueologia teve um grande avanço. Descobertas no Oriente Próximo, em sítios
como Assur, Nuzi, Mari, Ugarit, Tell-el-Amarna e demais, nos proporcionaram inúmeras infor-
mações que os primeiros defensores da Hipótese Documental, não possuíam. Estas descobertas
trouxeram a luz informações importantes sobre os patriarcas. Destacam-se na américa três
grandes arqueólogos W. F. Albright, J. Bright e George Ernest Wright,424 e na França R. de Vaux.
423. Para uma boa avaliação do contexto soacial e cultura, nos tempos do Antigo Testamento, ver: HARRISON,
R.K. Tempos do Antigo Testamento, 2010, p. 9-31.
424. Algumas obras importantes de Wright, foram: The challenge of Israel´s Faith, 1944 (O desafio da fé de Is-
rael); The Old Testament against its environment, 1950 (O Antigo Testamento contra seu ambiente); God
who acts: biblical theology as recital, 1952 (O Deus que Age: teologia bíblica como narrativa).
260
No final dos anos de 1980 e começo de 1990, deu-se início a um novo movimento de
arqueólogos, que levantaram graves objeções a seus colegas que os precederam, estes novos
261
Em suma podemos dizer que sempre que um relato bíblico não apresente confirmação
arqueológica, os minimalistas concluem que tal relato nunca aconteceu. Kenneth Kitchen,
renomado e respeitado egiptólogo, é famoso por seu comentário: “A ausência de evidência
não é evidência de ausência”. (LOWERY, 2010, p. xxxv). Os esforços dos minimalistas, porém,
ao invés de serem destrutivos para a posição maximalista, têm cooperado com ela removendo
elementos inconsistentes ou desnecessários para o relato bíblico.426
Há limites para o que a arqueologia pode nos dizer a respeito de Israel e especificamen-
te do Pentateuco. De qualquer modo, as informações que essa disciplina produz devem ter
como contrapartida uma leitura cuidadosa do relato bíblico.
A arqueologia não é uma ciência exata, embora já seja atualmente um campo de
pesquisa contemporânea em rápido desenvolvimento que utiliza métodos de com-
paração e tipologia. Seus resultados, com exceção das evidências documentais,
talvez sejam subjetivos, sujeitos a interpretações variáveis ou limitadas pela falta de
material de comparação ou até pelos pontos de vista e métodos empregados pelo
escavador. (BRUCE, 2002, p. 54).
Diante do estudo dos textos antigos devemos manter uma postura de humildade. De-
vemos permitir que os autores antigos falem da maneira que desejavam. Temos que buscar
entende-los, e não simplesmente fazermos perguntas sobre eles e seus escritos que estão
fora de sua intenção original e de sua visão de mundo. Não temos todos os dados, não te-
mos todas as “provas”, não temos todo o entendimento para nossas perguntas. É possível
que nunca encontremos a prova irrefutável para muitas de nossas dúvidas, e para muitas
das críticas levantadas quanto a autoridade e historicidade de muitos acontecimentos do
425. Nasceu em 07 de janeiro de 1939 em Detroit, Michigan; é um biblista e teólogo. Foi professor de teologia
na Universidade de Copenhagen from 1993-2009, vive na Dinamarca e agora é um cidadão dinamarquês.
Thompson está intimamente associada com o movimento conhecido como A Escola de Copenhague, ape-
lidado minimalismo bíblico pelos detratores (outras figuras principais incluem Niels Peter Lemche , Keith
Whitelam, e Philip R. Davies), um grupo vagamente unido de estudiosos que sustentam que a versão da
Bíblia da história não é suportado por nenhuma evidência arqueológica até agora descoberta, pelo contrá-
rio as evidências são contra a historicidade da Bíblia, e que, portanto, ela não pode ser confiável.
426. Diante as pesquisas arqueológicas e históricas da história de Israel, temos duas correntes principais: maxi-
malista e minimalista. A posição maximalista defende que tudo nas fontes históricas e arqueológicas que
não podem ser provadas como falsas devem ser aceitas como históricas. A posição minimalista ao contrá-
rio defende que tudo que não tem apoio de evidências contemporâneas nas histórias bíblicas deve ser tido
como invenção literária.
262
Há limites para o que a arqueologia pode nos dizer a respeito de Israel e os tempos do
Antigo Testamento. De qualquer modo, as informações que essa disciplina produz devem
ter como contrapartida uma leitura cuidadosa do relato bíblico. As descobertas arqueológi-
cas dos últimos 100 anos, fizeram com que, o nosso conhecimento sobre o passado antigo
enrriquecesse, e isso, mostra que é lícito esperar que as futuras descobertas arqueológicas
esclareçam, cada vez mais, os aspectos históricos do Antigo Testamento, assim como os ele-
mentos sociais, políticos e religiosos da vida dos hebreus. No entanto, deve-se admitir que
não se possa, e não se deve esperar nem exigir que a arqueologia, por si só, prove a “verdade”
do Antigo Testamento. A verdadeira função das fontes arqueológicas é fornecer informações
sobre a vida e a estrutura da sociedade do antigo Oriente Médio que capacite os estudantes
das Escrituras, na atualidade, a verem o registro sagrado sob uma perspectiva cultural e his-
tórica adequadas.
O fato de não termos uma explicação satisfatória no momento, não significa que não a
teremos no futuro. Durante a tradição judaica os Sopherim427 (escribas, escritores) tinham o
papel de doutores copistas, guardiões e intérpretes da Lei, foram eles que precederam os mas-
soretas428 que desenvolveram o sistema de pontuação vocálica do texto hebraico, sucedendo
assim os Sopherim na guarda do texto bíblico. Foi necessário o acréscimo de vogais para fa-
cilitar a leitura devido ao fato de a língua hebraica cair em desuso, sendo usada praticamente
em ambientes religiosos; o que não era necessário anteriormente, pois o hebraico estava em
uso corrente e provinha de tradição oral. Com o acréscimo de vogais ao texto consonantal os
massoretas eram às vezes chamados de “pontuadores”.
Os escribas, normalmente, vinham de famílias de classe média e alta, e quando qua-
lificados, ocupavam um lugar importante na comunidade. A transmissão do material com
precisão era essencial para os ideais do ofício dos antigos escribas, como pode ser exempli-
ficado por um papiro funerário egípcio de aproximadamente 1400 a.C., cujo colofão incluía
a seguinte certificação: “A obra está completa, do início ao fim, tendo sido copiada, revisada,
comparada e verificada, símbolo por símbolo”. (HARRISON, 2010, p. 27).
A cópia precisa de textos era enfatizada constantemente na Mesopotâmia, especialmente
na Suméria, onde as epopéias antigas e outros materiais venerados eram copiados sem nenhu-
ma modificação significativa, por gerações de escribas. A edição ou a revisão, de qualquer tipo
era desencorajada na Suméria, de modo que os textos que eram copiados, passavam pelos sé-
culos, praticamente imutáveis. Por outro lado, os escribas egípcios revisavam regularmente a
literatura mais antiga, substituindo formas gramaticais e ortográficas contemporâneas por for-
mas mais arcaicas, atualizando nomes antigos, e introduzindo um vocabulário mais moderno
sem prejudicar, simultaneamente, a autenticidade ou a autoridade da composição original.
Da mesma maneira, os escribas israelitas tomavam o maior cuidado na transmissão
de seus textos sagrados, como agora fica evidente, pelas descobertas dos manuscri-
tos em Qumran. No entanto, eles não eram, de maneira alguma, tão conservadores
na sua ótica como os sumérios, e assim, com a finalidade de atualizar material anti-
go, sentiam-se à vontade para empregar técnicas tais como observações explicativas
e outras formas de revisão. A luz dos costumes dos escribas egípcios, portanto, seria
perfeitamente lícito que os escribas hebreus adotassem tais procedimentos, inserin-
do algum material em uma obra, como o Pentateuco, para revisá-la ou atualizá-la
sem alterar, ainda que fosse minimamente, a Mosaicidade do trabalho como um
todo. (HARRISON, 2010, p. 28).
427. Os Sopherim representavam aquela ordem de escribas (pois é este o significado do termo), que surgiu
primeiramente sob Esdras, o maior escriba de todos, que, na época de Jesus, formava a corporação dos
responsáveis pelo texto bíblico. Sua atividade se estendeu de 400 a.C. até 200 d.C., e sua grande obra era
padronizar um texto puro das Escrituras Hebraicas (tão puro como as fontes manuscritas permitiriam).
Supõe-se que tinham muita coisa que ver com o hipotético comitê de revisão e tomaram o cuidado de
exigir que todas as cópias das Escrituras produzidas por eles (e formavam a sociedade oficial para a publi-
cação das Escrituras naquela época) se conformassem ao texto padrão. Num período desconhecido (talvez
no primeiro século a.C.) desenvolveram o artifício de contar todos os versículos, as palavras, as letras em
cada livro do Antigo Testamento, acrescentando estas cifras no término de cada livro envolvido. Isto aju-
daria qualquer assistente de escriba a fazer exame da exatidão da cópia, pois se os versículos, as palavras e
as letras não perfizessem o total correto, saberia que havia um erro. Estas estatísticas dos Sopherim foram
incluídas nas Massora Finalis de cada livro da Bíblia Massorética. (ARCHER, 2003, p. 62-63).
428. Os Massoretas eram os estudiosos que deram ao texto do Antigo Testamento sua forma final, entre 500 e 950
d.C. Receberam este nome porque conservaram por escrito a tradição oral (ou “massora”) no que diz respeito
a vocalização e acentuação certa do texto, e o número de ocorrências de palavras raras e ortografias pouco
comuns. Receberam o texto consoantal sem vocalização, da parte dos Sopherim, e intercalaram os pontos
vocálicos que deram a cada palavra sua pronúncia e forma gramatical exatas. (ARCHER, 2003, p. 65).
264
429. Em latim “códice” significa “tronco de árvore”, e substituiu o papiro. Sua forma se assemelha a pequenas
folhas de pergaminho presas.
430. Este manuscrito encontra-se em bom estado no Bem-Zwi-Museum da Universidade de Jerusalém.
431. Alguns destes erros podem advir do fato que, muitos escribas eram utilizados para copiarem tanto os tex-
tos bíblicos, como os Targuns (tradução) que requeriam um esforço maior devido aos seus comentários
exegéticos do texto hebraico; e por isso ao copiarem os textos bíblicos encontravam-se cansados. “Assim
como o grego se tornou o idioma comum entre os judeus no Egito, o aramaico substituiu o hebraico entre
os judeus da Palestina e da Mesopotâmia. A tradição judaica data os Targuns do tempo de Esdras (cf. Ne
8.8), porém os mais antigos fragmentos, descobertos entre os Rolos do Mar Morto, datam da época de
Cristo, aproximadamente. A tradição dos Targuns culminou entre os séculos III e IV d.C., com a produção
dos Targuns rabínicos oficiais sobre a Torá (Targum de Ônquelos) e sobre os Profetas (Targum de Jônatas).
Os Targuns constituem uma tradução parafraseada, em geral acompanhada de comentários e explicações.
São, portanto traduzidos de forma livre e interpretativa e repletos de comentários, o que torna difícil seu
uso para confirmar o texto original.” (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 1492).
265
nenhum número aqui. Aparentemente, o número certo foi perdido numa época tão
recuada na história da transmissão deste trecho, que era irrecuperável antes do ter-
ceiro século a.C.;
k) Leitura errônea de letras vocálicas como sendo consoantes. As letras hebraicas a
H W Y
(alef), (he), (vav) e (yod) só eram consoantes verdadeiras nos primeiros estágios
da escrita hebraica. Paulatinamente vieram a ser usadas para indicar a presença de
aHW Y
certas vogais, e quando assim empregadas, as letras , , ou não se deviam pro-
nunciar, cada uma sendo apenas uma mater lectionis (“mãe de leitura”, i.é., uma letra
vocálica; o plural do termo é matres lectionis – “mães de leitura”). 432
Estes erros na transmissão dos textos são conhecidos como “variantes”, e existem cer-
tas regras necessárias para se julgar o valor de uma variante. Foi estabelecido certos critérios
pelos críticos textuais para poder se chegar a uma escolha inteligente entre duas ou mais va-
riações textuais competitivas. Os critérios a seguir são de grande importância ao se analisar
um texto:
a) A leitura mais antiga deve ser preferida. O manuscrito mais antigo não é necessaria-
mente aquele que foi melhor copiado;
b) Lectio difficilior praestat facilior: uma lição mais difícil prevalece sobre a mais fácil.
Isto porque o escriba tenderia mais a simplificar ou esclarecer as palavras do original,
do que tomá-las mais difíceis para o leitor entender;
c) Lectio brevior praestat longiori: prefere-se o texto mais breve ao mais longo. Isto
porque os copistas tinham mais tendências a acrescentar novas matérias do que omi-
tir qualquer coisa do texto sagrado que tinham na sua fonte;
d) Lectio difformis a loco parallelo praestat conformi: em textos paralelos deve se res-
peitar as divergências, do que modificar o texto;
e) Illa est genuína lectio, quae ceterarum originem explicat: Tendo se duas ou mais
formas de um texto, a lição que consegue explicar como nasceram as variantes tem
muito mais probabilidade de ser a original;
f) A leitura com o maior apoio geográfico deve ser preferida. Uma leitura favorecida
pela LXX, a Ítala e a Cóptica não será tão bem atestada como quando a Peshita433 e a
Samaritana concordam. Isto porque as versões Ítala e Cóptica são traduções da LXX
e pertencem à norma Alexandrina, enquanto a Peshita e a Samaritana são versões de
tradições textuais totalmente diferentes;
g) A leitura que mais se conforma ao estilo e à dicção do autor deve ser preferida.
Naturalmente, esta é apenas uma declaração de probabilidade. Mas quando duas va-
riações se apresentam, ambas igualmente possíveis no contexto, mas uma delas mais
conforme à maneira do autor expressar aquele tipo de pensamento, e a outra soan-
do diferentemente do estilo que usa noutros trechos, a primeira deve ser preferida.
Torna-se necessário acrescentar que os críticos da escola de recortar-e-picar empre-
garam este Cânone de maneira totalmente inadmissível, impondo sobre passagens
que não lhes convêm, julgamentos arbitrários quanto aquilo que o autor antigo po-
deria ou não poderia ter escrito;
432. Para maiores informações sobre os erros de transmissão, consultar: (ARCHER, 1998, p. 35-43).
433. “A Bíblia autorizada da igreja síria é a Peshita (que significa “simples” ou “direto”). Não há como determinar
se a origem da Peshita (AT) é cristã ou judaica. Em sua forma mais antiga, datando no máximo do século
IV d.C., a Peshita era uma tradução relativamente literal de um texto hebraico semelhante ao Texto Mas-
sorético. Contudo, no tempo apropriado, a tradução siríaca foi atualizada, e o texto foi polido. No entanto,
ainda há vestígios do original (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 1492).
266
h) A leitura que não reflete nenhuma tendenciosidade doutrinária deve ser preferida.434
Para que se possam evitar más interpretações advindas destes tipos de erros comuns no
texto hebraico, é necessário fazer um estudo comparativo entre manuscritos hebraicos. Pelo
fato de haverem variantes nos textos antigos, é necessário cautela ao se fazer julgamentos.
Traz grande luz ao texto, quando empregamos uma exegese saudável, que busca saber
o que o autor da antiguidade quis dizer com as palavras que usou. Não se podem ignorar as
dificuldades que algumas passagens bíblicas apresentam, mas partindo disso alegar erros,
seria uma conclusão precipitada. Assim, toda exegese não deve buscar harmonizar os ele-
mentos embaraçosos contidos no texto, pois com isso; alcançaria apenas superficialmente o
verdadeiro sentido do texto.
Não devemos esquecer que manuscritos que foram utilizados para que tivéssemos nossas
bíblias contêm falhas e variantes; ou a própria tradução está errada; e o que considero o mais
provável, que nós mesmos estejamos equivocados em nossas objeções. Infelizmente a tendên-
cia tem sido sempre culpar a Bíblia, caindo assim em alguns erros, como exemplificado abaixo:
a) Assumir que o que não foi explicado seja inexplicável;
b) Presumir que a Bíblia é culpada, até prova em contrário;
c) Confundir as nossas falíveis interpretações com a infalível revelação de Deus;
d) Falhar na compreensão do contexto da passagem;
e) Deixar de interpretar passagens difíceis à luz das que são claras;
f) Basear um ensino numa passagem obscura;
g) Esquecer-se de que a Bíblia é um livro humano, com características humanas;
h) Assumir que uma história parcial seja uma história falsa;
i) Exigir que as citações do Antigo Testamento feitas no Novo Testamento sejam sem-
pre exatas;
j) Assumir que diferentes narrações sejam falsas;
k) Esquecer-se de que a Bíblia faz uso de uma linguagem comum, não técnica;
l) Considerar que números arredondados sejam errados;435
m) Não observar que a Bíblia faz uso de diferentes recursos literários;
n) Esquecer-se de que somente o texto original é isento de erros, e não qualquer cópia
das Escrituras;
o) Confundir afirmações gerais com universais;
p) Esquecer-se de que uma revelação posterior sobrepõe-se a uma anterior.436
Em nossas pesquisas textuais temos que ter em mente que na maioria das vezes os
“problemas” ou “contradições” que encontramos no texto bíblico, são na verdade nossos
“problemas” e nossas “contradições” gerados por nossa incapacidade, limitação e algumas
vezes preguiça intelectual. O que não podemos fazer é dar uma importância demasiada a
estas “contradições”, a ponto de nos tornarmos céticos quanto à credibilidade da Bíblia, pois
com isso podemos nos esquecer da clareza contida na grande maioria dos textos bíblicos.
Segundo Archer (2003, p. 29-30) podemos lidar de duas maneiras com as dificuldades de
interpretação de algumas passagens bíblicas:
434. Consultar: (YOFRE, 2000, p. 64-65) e (ARCHER, 2003, p. 58-61) para detalhes sobre estas variantes.
435. Kirk Lowery, escreveu um excelente artigo intitulado: Números na Bíblia. O presente artigo pode ser lido na
Bíblia de Estudo Defesa da Fé. Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p. xxxvii.
436. Para maiores informações sobre cada ponto mencionado, consultar: GEISLER, Norman e HOWE, Thomas,
Enciclopédia, Manual Popular de Dúvidas Enigmas e “Contradições da Bíblia, Ed Mundo Cristão, 3º Edição,
1999. p. 18-31.
267
O método histórico crítico tem dado um tratamento ao decálogo438 que nega a autoria
mosaica do mesmo. O teólogo bíblico Geerhardus Vos, faz uma análise dos pressupostos crí-
ticos sobre esta questão,
437. As pessoas que se atêm a este segundo modo de agir talvez possam ser acusadas de subjetivismo ilógico,
por agirem na base de uma convicção a priori. Mas esta acusação não é bem fundamentada, pois não se
pode nem começar a estudar a Bíblia sem proceder fundamentado nalguma de duas suposições a priori.
Não há nenhum meio termo; não se pode ficar numa situação neutra de suspense, insistindo
438. Decálogo significa “dez palavras” em vez de “dez mandamentos”, e estabelece condições para a relação entre
Deus e Israel na aliança; seria melhor chamado de “os dez princípios de relacionamento da aliança”. O decá-
logo chega-se ao clímax do livro de Êxodo; o decálogo é o tema central e mais exaltado do livro de Êxodo.
268
8.3. Passagens como Êxodo 6.26,27 e 16.33-36, onde o autor se utiliza a terceira pessoa
do singular para se referir a Moisés, não indica terem sido escritas por alguém que
não fosse Moisés?
O pronome pessoal aWh “ele” na passagem em questão se encontra na terceira pessoa
do singular no caso reto, e o pronome pessoal ~he
“estes” está na terceira pessoa do plural. E
também o verbo rm,a “disse” está na terceira pessoa masculino do singular, da mesma for-
ma hW”ci“ordenado” está na terceira pessoa masculino do singular. A objeção levantada pelos
críticos se dá pela seguinte forma: Caso Moisés tenha sido o autor destas passagens, por que
não se referiu a si mesmo na primeira pessoa?
Críticos da Hipótese Documentária não se atentam que este tipo de redação é costume
de escritores antigos “tais como ‘Gallic War’ (Guerras Gaulesas) e ‘Civil Wars’ (Guerras Civis),
de Júlio César.” (GEISLER, 1999, p. 76). Deve-se mencionar também que o historiador judeu
Flávio Josefo do primeiro século, também escreveu na terceira pessoa em sua obra “Guerras
Judaicas – 3.7.193”. O profeta Isaías também escreveu na terceira pessoa em: Isaías 1.1; 2.1;
7.3; 13.1; 20.2. Se Isaías e Josefo poderia ter escrito na terceira pessoa, então por que rejeitar
a possibilidade de que Moisés, outro autor judeu, não poderia ter escrito na terceira pessoa?
Diversos reis do Egito registravam suas façanhas na terceira pessoa. Xenofonte, historiador
grego, em sua obra Anabasis, se refere a si mesmo na terceira pessoa. Mesmo os Dez Manda-
mentos, que começam na primeira pessoa: “Eu sou o SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra
do Egito, da casa da servidão”, contêm algumas mudanças ocasionais para a terceira pessoa
“porque o SENHOR não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão”. Não há, portanto,
a mínima possibilidade de ventilar-se o assunto do emprego da terceira pessoa como critério
para ser negada a identidade do autor.
A maioria das narrativas da Bíblia é em terceira pessoa. Uma narrativa em terceira pes-
soa permite ao narrador se manifestar de forma onisciente e onipresente. “A voz do narrador é
269
frequentemente o guia autorizado da história, produzindo seu ponto de vista. O narrador diri-
ge o leitor em sua análise e resposta aos eventos e personagens da narração.” (DILLARD, 2006,
p. 31). Esse recurso literário sem dúvida se encaixa no propósito das Escrituras em transmitir
sua mensagem com autoridade. A título de exemplo temos o texto de Ezequiel 24.24, onde o
profeta fala de si mesmo na terceira pessoa.
Moisés pode ter pensado nos futuros leitores de Êxodo, pois não compreenderiam de
quem se tratava o texto caso narrasse da seguinte maneira “Foi a Arão e a mim...” ou “Arão e
eu...” Quando um autor se utiliza, para referir a si mesmo na terceira pessoa do singular para
descrever suas próprias ações, é questão de conveniência literária. Moisés muito provavel-
mente não desejava trazer os holofotes para si mesmo.
Um famoso texto encontrato entre os Manuscritos do Mar Morto, chamado o “Rolo do
Templo” (11Q Temple) é o mais longo dos Rolos do Mar Morto. É intrigante o fato de o autor
havre alterado as palavras de Moisés ao povo da terceira pessoa para a primeira pessoa. (Bí-
blia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 1371).
8.4. O fato de Balaão fazer referência a Agague, não prova que Números foi escrito em
um período posterior a Moisés?
Assim se refere o texto em questão: “O seu rei será maior do que Agague; o seu reino será
exaltado.” (Nm 24.7). A alegação dos críticos consiste em dizer que não seria possível ter sido
feito uma previsão sobre Agague, que foi um rei amalequita do tempo do rei Saul, quatrocen-
tos anos após os acontecimentos narrados em Números. Ou seja, suas pressuposições de que
não pode haver milagres, e neste caso profecias, lhes dão o direito de dizer que este texto foi
um acréscimo a posterioi. Alguns estudiosos, contudo, pensam que temos aqui uma profecia
sobre a futura glória do rei Agague.
Uma das possibilidades para se entender este texto, é o fato de que o nome Agague pro-
vavelmente era um título real, assim, como Faraó para os egípcios e César para os romanos,
assim, seria normal os amalequitas seguirem os costumes de outros povos. O Agague do tem-
po de Saul teria então utilizado deste título. Talvez a alusão aqui seja aos amalequitas que
atacaram os israelitas quando estes saíram do Egito (Êx 17.8-13) e, quando se aproximaram
de Canaã pela primeira vez (Nm 14.45).
Mas muitos críticos, supõem que uma pequena mudança ocorreu aqui na palavra original,
e que em vez de meagag, “que Agague”, devemos ler miggog, “de Gogue”. Como Gogue na Escri-
tura parece significar os inimigos do povo de Deus, então a promessa aqui pode implicar que os
verdadeiros adoradores do Altíssimo, finalmente teriam domínio sobre todos os seus inimigos.
8.5. O fato de Deuteronômio se referir à “terra da sua possessão”, não demonstra que foi
escrito depois de Moisés?
Assim declara o texto de Deuteronômio 2.12: “Também em Seir antigamente habitavam
os horeus439. Mas os descendentes de Esaú os expulsaram e os exterminaram e se estabeleceram
439. “O início do segundo milênio a.C. testemunhou o surgimento de outro grupo étnico muito importante
no Crescente Fértil – os horeus – como são chamados no livro de Gênesis, e parecem ser originários das
regiões montanhosas localizadas ao nordeste da Mesopotâmia. Depois de cinco séculos, já tinham se es-
palhado ao longo da Ásia ocidental, e eram encontrados ao lado de assentamentos de amorreus, na Síria e
na Palestina. Até recentemente, os horeus eram conhecidos somente pelas referências bíblicas, mas desco-
bertas arqueológicas comprovaram que foi um povo poderoso que se tornou mais importante no reinado
Mitani (1470-1350 a.C,). No segundo milênio a.C., eles expandiram a cidade de Nuzu que se tornou um
centro provincial, e a cultura que estabeleceram ali, como revela a riqueza das tábuas de argila, teve impor-
tantes elos com o período patriarcal, conforme descrito no livro de Gênesis.” (HARRISON, 2010, p. 63).
270
no seu lugar, tal como Israel fez com a terra que o Senhor lhe deu.” Ou “terra da sua possessão”
conforme ARA.
Como Deuteronômio 34 declara que Moisés morreu antes de entrar na terra prometida,
e foi enterrado fora dela, alguns críticos entendem que esta passagem tenha sido acrescenta-
da por algum editor posterior.
A expressão “terra da sua possessão” pode muito bem se referir às tribos que já tinham
recebido a sua possessão ao leste do rio Jordão, antes de Moisés morrer (Dt 3.12-17). “Israel”
pode se referir a toda a nação ou parte dela.
Uma análise textual sadia não descarta a possibilidade de um editor posterior ter inseri-
do esta expressão em questão no texto, notas editorias não prejudicam em nada a inspiração
da Bíblia, pois a inspiração refere-se ao produto final, e não a maneira da escrita. Mas alguns
críticos se utilizam deste procedimento editorial normal para dizer que todo o Pentateuco não
foi escrito por Moisés, caindo então em erro metodológico.
271
Contraria a visão que Adão e Eva não seriam os primeiros seres humanos, temos o texto de
(Gn 1.27). A evidência bíblica cumulativa para um Adão e Eva literal é muito forte, vejamos: (1)
Em primeiro lugar, Gênesis apresenta Adão e Eva como pessoas reais e narra muitos eventos em
suas vidas (a sua criação, nomeação de animais, casamento, queda, e sua expulsão do Jardim).
(2) Adão é apresentado como um ser literal que veio “do pó” (Gn 2.7) e irá retornar “ao pó” (Gn
3.19). (3) Além disso, Adão e Eva deu à luz a crianças reais que também tiveram filhos reais (Gn
4-5) e teve “outros filhos e filhas” (Gn 5.4). (4) Eva é o nome da primeira mulher, e sofre sua ten-
tação pelo diabo (1 Tm 2.14; 2 Cor 11.3.). (5) Além disso, seus filhos Caim e Abel são listados com
outras pessoas históricas em (Hb 11.4). (6) Além disso, a frase “Esta é a história de” (Gn 2.4) é
usado para Adão (5.1) e pessoas históricas posteriores, como Ismael (25.12), Isaque (25.19) Esaú
(36.1), e Jacó (37.2). (7) Além disso, Paulo afirmou que “primeiro foi formado Adão, depois Eva”
(em 1 Tm. 2.13-14). (8) Além disso, o Antigo Testamento coloca Adão no início da genealogia
de pessoas reais (1 Cr 1.1). (9) Além disso, Oséias 6. 7 nomeia Adão como a primeira pessoa que
quebrou a aliança de Deus. (10) No Novo Testamento Adão está no princípio da genealogia de
pessoas reais como Jesus (Lc 3.38). (11) Com efeito, Jesus se refere a Adão e Eva como o primeiro
do sexo masculino e feminino literalmente unidos por Deus como a base para um casamento
literal (Mt 19.4-5). (12) Adão é chamado de “o primeiro homem, Adão, [que] se tornou um ser
vivo” (1 Co 15.45). (13) Paulo afirma que “primeiro foi formado Adão; depois Eva” (1 Tm 2.13 cf.
Gn 2.7, 22). (14) Cristo, que é chamado de “o último Adão”. (15) E o apóstolo Paulo declarou que
a morte literal veio sobre todos os homens por causa do pecado de Adão (Rm 5.12-14). (16) Adão
é comparado com a pessoa literal de Cristo (1 Co 15.22).
Paulo é claro ao declarar que a raça humana teve origem em Adão: De um só fez ele todos
os povos, para que povoassem toda a terra, tendo determinado os tempos anteriormente estabe-
lecidos e os lugares exatos em que deveriam habitar. (At 17:26).
Eva também era uma pessoa literal que, como Adão, foram progenitores físicos da raça
humana. “Adão nomeou sua esposa Eva, pois ela seria a mãe de todos os viventes” (Gn 3.20). A
“semente da mulher” (Gn 3.15) traria vida e salvação para o mundo através de sua “semente”
(descendentes). O apóstolo Paulo acrescenta: “a mulher foi feita a partir de homem” (1 Co
11.12). O Novo Testamento assume a historiddade dos relatos do Antigo Testamento. O Novo
Testamento aceita o relato como “fatos diretos”, não como “fatos traduzidos”. Ou seja, relatos
interpretados como “confissão religiosa”.
Pode-se apresentar seis argumentos significativos para um Adão histórico: 1. Ele explica
a pecaminosidade da humanidade; 2. Representa a presença do mal no mundo; 3. Esclarece
a posição bíblica sobre as relações de identidade e familiares sexuais; 4. Assegura-nos que
somos justificados diante de Deus; 5. Ele avança o trabalho missionário da igreja; 6. Ele pro-
tege a nossa esperança na ressurreição do corpo e na vida eterna. E ainda: “Nós não podemos
compreender o mundo de nossa fé sem, um Adão histórico real”.
Quase que por unanimidade alguns críticos consideram as narrativas contidas em Gêne-
sis, principalmente do capítulo 1-11 como mitos, lendas, ficções e superstições ou conforme os
neo-ortodoxos “supra-história”. Grande parte da crítica concebe o texto bíblico com credibili-
dade relativa que serviu apenas como veículo de transmissão das tradições antigas. Porém ao
fazerem isso inserem no Antigo Testamento gêneros que não lhe são próprios, mas trazidos de
fora. Isto inclui dizer que, Adão e Eva não existiram historicamente. Por vezes consideram que:
A preeminência da história no ensinamento religioso bem parece ser um precon-
ceito, tipicamente moderno e ocidental. Os antigos e sobretudo os Orientais maior
importância atribuíam ao alcance religioso de uma narração que à exatidão históri-
ca. (STEINMANN , 1960, p. 78).
272
Ao alegarem que Adão e Eva são mitos, não levam em conta os críticos, porém, que em
Israel os mitos não eram favoráveis, devido geralmente à mitologia estar associada ao politeís-
mo. O Antigo Testamento por adotar um caráter teológico e histórico não era propicio para
a formação de mitos, ocorre que, os autores veterotestamentários ocasionalmente podiam
tomar emprestado concepções míticas de povos vizinhos adaptando-as a sua própria e fé. O
cenário histórico dos capítulos 1-11 de Gênesis (por exemplo, “estas são as gerações dos”, 2.4;
5.1) e as genealogias (4-5; 10-11) indicam que o autor apresenta uma narrativa histórica, e não
um mito literário.
Além disso, ao contrário de outros povos, Israel quase não desenvolveu uma literatura
mítica - que tenta sistematizar e perenizar o saber teológico - por estar consciente de que seu
Deus se manifesta na história de pessoas e não através do mito. Os olhos da fé de Israel vêem
Deus no decurso da história. A fé de Israel fala a partir e para dentro de um contexto histórico.
Uma consequência disso são os muitos textos de cunho histórico no Antigo Testamento (Gn,
Êx, Nm, Js até 2 Rs, Cr, Ed-Ne); além disso, grande parte dos livros proféticos inicia com a am-
bientação histórica da atuação do profeta (Is 1.1; Jr 1.1-3, etc.). Quando os autores sagrados
escrevem uma história, eles não querem simplesmente fixar fatos curiosos ou interessantes
do passado, mas estão fazendo teologia (“teologia narrativa”), pois interpretam teologica-
mente os fatos, tornando-os relevantes, significativos e válidos para a atualidade do autor. Em
outras palavras: pretendem transmitir uma mensagem.
Devemos encarar como uma revelação divina ou como uma confissão de fé o texto de
Gênesis 1-4? A opinião dos eruditos do século XX está dividida sobre se Gênesis 1-4 deve ser
considerado revelação divina ou uma confissão de fé que surge de uma comunidade que crê.
Devemos perguntar: é esta uma alternativa válida? Minha convicção é que, com base num
estudo cuidadoso do texto da Escritura, não temos de fazer uma opção. Gênesis 1-4 não é uma
confissão originada em círculos sacerdotais. Não é um credo israelita primitivo sobre as ori-
gens. Também não é uma afirmação poética destinada a corroborar fé em Deus, que sempre
esteve, está e estará presente, exercendo domínio sobre todos os eventos e dando significado
às experiências de todos os que buscam segurança existencial no meio das exigências da vida.
O texto deve ser encarado como revelação divina apresentada por meio de Moisés. Temos
diante de nós revelação divina em palavras humanas escritas por Moisés.
Gn 1-4 foi escrito inicialmente para o Israel redimido, o Israel errante, o Israel espe-
rançoso. Esses quatro capítulos são a seção de abertura do Livro em que o Criador e
Senhor do pacto redentor registra suas promessas e seus feitos soberanos.
Gn 1-4 é revelação divina dada à humanidade por meio de palavras humanas es-
critas por Moisés. Deus revelou-se e comunicou-se por meio de Moisés, quando
revelou quem Ele era, o que disse e fez no tempo da criação, a queda de Adão e
Eva no pecado e sua reação diante dessa queda. Gn 1-4 deve ser considerado o que
pretende ser: o relato que Deus faz de si mesmo, de suas palavras, seus atos e suas
interações com Adão e Eva. (GRONINGUEN, 1995, p. 92).
273
Se alguém admite não existir nada fora o registro bíblico que o contradiga, e que a his-
tória bíblica é sui generis, ou seja, uma história especial e única, então não há um bom motivo
para se rejeitar as histórias de Adão e Eva. Uniformitarismo histórico não deve pôr uma cami-
sa de força nos fatos ou predeterminar o que aconteceu no passado.
Da mesma forma não levam em conta os críticos que a frase “são estas as gerações de”
em Gênesis 5.1, constitui um meio usual de se registrar dados históricos (Gn 6.9; 9.12; 10.1,32;
11.10,27; 17.7,9). Outro dado importante, desta vez contra a ênfase da Hipótese Documentária
no uso das tradições orais é que: “As ‘gerações’ ou toledots são uma característica de material
escrito do Antigo Oriente Médio”. (LOPES, 2004, p. 39). O uso estratégico dessa fórmula em
Gênesis certamente confirma a unidade do plano encontrado nesse livro.
E da mesma forma cronologias futuras colocam Adão como histórico (1 Cr 1.1). O Novo
Testamento se refere a Adão com um dos descendentes de Jesus (Lc 3.38). Jesus referiu-se a
Adão e Eva como pessoas reais (Mt 19.4). Paulo declara que a morte veio através de Adão (Rm
5.14). De forma geral os escritores do Novo Testamento, sempre demonstraram confiança
na autoridade dos relatos do Antigo Testamento. Em algumas passagens os autores do Novo
Testamento demonstravam sua crença da dupla autoria das Escrituras, ao se referiam aos
autores do Antigo Testamento pelo nome juntamente com uma autoria divina (Mt 1.22; Mc
12.36; At 1.16; Rm 9.25).
Quando Paulo faz um paralelo com Adão e Jesus, sobre o “primeiro Adão” e “segundo
Adão” em 1 Coríntios 15.45, demonstra que, assim como Jesus foi uma pessoa histórica, Adão
também o foi; em 1 Timóteo Paulo declara acreditar não somente no relato histórico de Gêne-
sis 1 e 2, mas também do capítulo 3. Assim, a Bíblia nos apresenta Adão e Eva como pessoas
reais, que tiveram filhos reais, de onde adveio o restante da raça humana. A historicidade
de Adão e Eva se implica em 1 Timóteo 2.13-14 – caso contrário o comentário de Paulo seria
totalmente irrelevante – o mesmo se aplica para 1 Coríntios 11.8-9. Semelhantemente temos
o caso de Jonas, que ficou três dias no estomago do grande peixe é absolutamente essencial,
se tem que servir como analogia verídica dos três dias que Cristo passou no túmulo (Mateus
12:40). “É impossível rejeitar a historicidade destes dois episódios cuja veracidade tem sido
frequentemente contestada, sem rejeitar a autoridade do Cristo dos Evangelhos e do Apóstolo
Paulo nas Epístolas.” (ARCHER, 2003, p. 23). O argumento teológico inteiro de Romanos 5.14-
19 depende da doutrina de ser Adão o pai da raça humana inteira.
Como vimos à teologia que é ensinada advinda de um texto, está diretamente ligada na
realidade dos acontecimentos e pessoas da forma como foram colocadas. Assim, se os acon-
tecimentos forem falsos ou não históricos, a teologia que se formulou a partir do texto em
análise consequentemente perde sua validade e caráter de verdade.
442. Para uma lista de cinquenta e nove gêneros literários, consultar: (GOTTWALD, 1988, p. 107-109). E o mes-
mo autor na página 106 menciona que certo pesquisador alegou encontrar nos textos bíblicos mais de
duzentos gêneros literários.
443. Para maiores informações sobre narrativa e exegese bíblica, veja: (YOFRE, 2000, p. 123-129).
274
Alega-se que o fato de a narrativa possuir uma serpente que fala (Gn 3.1,4, 5), mostra
que se trata de uma lenda. Mas, o contexto da passagem e também Apocalipse 20.2 “Ele segu-
rou o dragão, a antiga serpente, que é o diabo, Satanás, e o prendeu por mil anos”, demonstra
que a serpente trata-se de uma camuflagem ao qual Satanás utilizou-se para falar. Contudo,
“Em Gênesis 3.1, a serpente é comparada com os outros animais que Deus havia criado. Se
os outros eram reais, então a serpente também era. No versículo 14, a punição é expressa
em termos que requerem uma serpente real.” (VOS, 2010, p. 50-51). Semelhantemente Deus
utilizou-se de uma jumenta para falar a Balaão.
Se os críticos estiverem certos em suas suposições, então, Jesus, e os apóstolos estavam en-
ganados quanto à veracidade histórica de Adão e Eva. O que se verifica mediante afirmações de
alguns críticos, é que suas mentes estão adaptadas ao tipo de raciocínio onde a teoria da de Dar-
win pré-determinam suas conclusões. Admitir que Adão e Eva fossem pessoas reais, implica em
abandonar os conceitos evolutivos que diz ser o homem fruto de uma evolução dos macacos.
Na época em que vivemos passamos da era moderna, onde para o historiador encontra-
va o significado de um evento em seu contexto histórico, para uma era pós-moderna onde se
caracteriza pela “negação da fixidade do passado, da realidade do passado à parte do que o
historiador escolha dela fazer, e assim de qualquer verdade objetiva sobre o passado”444
A Bíblia respeita a liberdade do leitor. Oferece luz suficiente para quem deseja ver, mas contém
dificuldades que oferecem uma desculpa para quem não quer crer. Ou, pelo menos, um pretexto.
8.7. Quem era o Faraó citado no livro de Êxodo? Qual a data do Êxodo?
A questão é fundamental não apenas porque o êxodo ém si mesmo é um evento pri-
mordial, histórico e teológico, mas também porque nossa compreensão da história anterior e
posterior a este acontecimento será prontamente afetada pela data fixada. Apesar do fato de
que muitos estudiosos tentaram refutar a historicidade de uma permanência prolongada de
Israel no Egito, as condições históricas que existiam do século XIV a.C., no Oriente Médio e no
Egito estão de pleno acordo com a tradição bíblica a este respeito.
A cronologia do Êxodo apresenta problemas que sem dúvida estão entre os mais com-
plicados em toda a história do Antigo Testamento. Ela foi assunto de acalorado debate por
décadas, e as dificuldades, de maneira nenhuma, estão solucionadas no presente. As duas prin-
cipais interpretações quanto a data do êxodo conflitantes têm uma diferença de mais de um
século e meio, e ambas encontram sustentação, até certo ponto, pelas narrativas bíblicas. A
data mais antiga coloca o Êxodo no reinado de Amenhotep II da XVIII, ao passo que a data mais
recente considera o êxodo como tendo ocorrido na XIX, quando Ramsés II governava o Egito.
O ano em que os hebreus saíram do Egito está naturalmente ligado à história desse país.
A Bíblia não nos fornece os nomes dos dois faraós, o da opressão (Êx 1:8, 2:23) e o da saída (Êx
14:5). Opiniões diversas se equilibraram entre os doutos, com autoridade e número de defen-
sores quase iguais sobre o possível faraó445 do êxodo.
Existem também alguns documentos egípcios446 que podem nos remeter à época do êxodo.
Ainda que nenhum destes documentos possa ser considerado como prova definitiva da existência
275
dos personagens ou da ocorrência dos fatos narrados, esses nos fornecem dados importantes,
como nomes de lugares e narrativas de acontecimentos bastante similares ao relato da Bíblia.
A maioria dos pesquisadores acredita que o faraó da opressão e do êxodo tenha sido
Tutmés III447 (1479-1425 a.C.)448 – faraó da opressão - e o outro Amenotepe II (1427-1400
a.C.)449 – faraó do êxodo - da XVIII dinastia.450 Outros pesquisadores, no entanto, entendem
que, Ramsés II (1279-1213 a.C.) da XIX dinastia filho de Setos I, teria oprimido os hebreus, e
seu sucessor, Merneptah (1225-1215) teria sido o faraó do êxodo. A segunda opinião, que esta-
belece o século XIII a.C. para o Êxodo, parece-nos mais condizente com o texto de (Êx 1:11) e
mais coerente com outros dados da história bíblica e secular. A seguir veremos os argumentos
de ambas posições para a da dato do êxodo e conseguentemente seu respectivo faraó.
447. “Se, de fato, Moisés foi filho de criação de Hatchepsute, há probabilidade de haver ele sido uma forte amea-
ça ao jovem Tutmose III, visto que Hatchepsute não tinha filhos naturais. Isso significa que Moisés era um
candidato a ser faraó, tendo apenas como obstáculo sua origem semítica. Parece-nos que houve uma real
animosidade entre Moisés e o faraó.” (MERRILL, 2002, p. 54).
448. 1490-1436 a.C., conforme datado por Albright, Wright e Pritchard, ou 1504-1450 a.C., conforme datado pela
Cambridge Ancient History. Nesse caso, Amenotep II seria o faraó do êxodo. (DOCKERY, 2001, p. 178).
449. Outra possível data para Amenotepe II é (1450-1425).
450. Seguindo a trilha do historiador egípcio Maneton (século III a.C.), a história egípcia é dividida em 30 di-
nastias: de Menes, que teria sido o primeiro rei do Egito unificado (c. 3100 a.C.), à conquista de Alexandre
Magno, 332 a.C. “Ahmose (1552- 1527 a.C.), faraó da 18ª dinastia, vence os hicsos e captura a sua capital.
Começa o período do Novo Império Egípcio. Os reis da 18ª dinastia (1552- 1306 a.C.) viviam no Alto Egito
e reinavam de Memphis ou Tebas, negligenciando a região do Delta. Haremhab (1333- 1306 a.C.), o último
faraó dessa dinastia, renovou o templo do deus local Seth no delta oriental. Durante seu reinado, o 400º
aniversário da fundação da cidade foi comemorado. Seti I (1305-1290 a.C.), faraó da 19ª dinastia, sucessor
de Ramsés I, construiu, ao norte da antiga cidade de Avaris, de onde originava sua família, um palácio de
verão. Esse local foi transformado por Ramsés II (1290- 1224 a.C.), sucessor de Seti I, na grande cidade que
leva o seu nome, aparentemente para se afastar dos sacerdotes do deus Amon, de Tebas, já que seu deus
principal era Seth, e para facilitar suas campanhas em Canaã e na Síria. Devido à fama do monarca, a ci-
dade ficou conhecida apenas como Ramsés. A cidade de Pi-Ramsés continuou a ser o centro de domínio
faraônico no Delta oriental durante a 19ª e 20ª dinastias.” (HUBNER, 2010, p. 2).
451. Ultimamente muitos tem destacado um manuscrito grego que traz 440 anos em lugar de 480 ou o fato de
que 480 é um número redondo, implicando doze gerações de quarenta anos cada. A primeira variante é tão
insignificante que não vale a pena leva-la em consideração. O segundo argumento de números redondos
é fraco porque a linhagem sacerdotal em 1 Crônicas 6.33-37 na realidade apresenta dezoito gerações, não
as doze em números redondos, conforme muitos supõem. Além disso, os números registrados em Juízes
sustentam o total dado em Juízes 11.26. (DOCKERY, 2001, p. 178).
452. O ano 966 é a data que J. Barton Payne atribui ao começo da construção do Templo. Albright calcula 958
(BASOR, Dez. 1945, p. 17), E. R. Thiele 967 (Mysterious Numbers of the Hebrew Kings, 1951, p. 254-5), e
Begrich em 962. Unger pessoalmente prefere 961 (AOT 141), calculando o Êxodo em 1441. (In. ARCHER,
2003, p. 139).
453. Admitindo a data de 1446 a.C. para o êxodo, podemos determinar a data do nascimento de Moisés. O An-
tigo Testamento informa que Moisés tinha a idade de 80 anos pouco antes do êxodo (Êx 7.7), e 120 anos na
sua morte (Dt 34.7). Visto que sua morte ocorreu bem no fim do período do deserto, podemos data-la em
1406. Um simples cálculo então fornece o ano de 1526 aproximadamente para o seu nascimento.
454. A conquista israelita de Canaã pode ter começado com a destruição de Jericó cerca de 1405 (depois dos
quarenta anos no deserto). Esta data tem sido confirmada pelas escavações de John Garstang no sítio de
Jericó, Tell es-Sultan, entre 1930 e 1936. Por razões arqueológicas, datou a cidade do nível da Idade de Bron-
ze (“Cidade D”) em cerca de 1400. (ARCHER, 2003, p. 139-140). Sendo assim, Garstand sustentou a data de
276
governo do juiz Jefté, que geralmente é datado em 1100 a.C,455 o que nos daria o equivalente a
1100 + 300 = 1.400. Uma simples leitura deste acontecimento (Jz 11.15-27) deixa claro que Jefté
se referia ao período da história de Israel pouco antes da conquista, que ocorreu cerca de 40
anos após o êxodo. A vitória de Israel sobre os amonitas ocorreu, por volta de 1100 a.C., uma
data largamente reconhecida. Neste caso, Jefté se referia a acontecimentos que haviam ocorrido
perto de 1400 a.C.
Está claro que o número 300 não pode representar gerações ideais, com resultados sa-
tisfatórios (300 não é divisível or 40). Logo, os proponentes de uma data mais recente para o
êxodo são forçados a utilizar novos métodos de cálculo. Portanto, a menos que se desconside-
re a própria evidência interna, a data de 1446 para o êxodo permanece de pé.
Algumas referências bíblicas indicam que a data do êxodo tenha sido em 1446 a.C. (Jz
11.26; 1 Rs 6.1; At 13.19-20), assim, o Faraó do êxodo seria Tutmés III que reinou entre 1479-
1425 a.C. O clássico estudo cronológico feito por Edwin Thiele fixou a antiga data de 1447 a.C.
para o êxodo.
Alguns historiadores apontam Tutmés III como o faraó da opressão, porque é dito
que ele foi o primeiro faraó a construir cidades-celeiros no local conhecido mais
tarde como Ramessés. Se for assim, seu filho, Amenotepe II, pode mesmo ter sido o
faraó do Êxodo. (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 98).
Objeções têm sido levantadas contra a data de 1446 a.C., entre elas alega-se que a cidade
chamada Ramessés456 mencionada em Êxodo 1.11, é em homenagem a Ramsés II datado entre
1279-1213 a.C.457 Assim:
O nome Ramessés aparece em toda a história egípcia, e a cidade mencionada em Êxo-
do 1 pode ter honrado um nobre mais antigo com esse nome. Como Ramessés, o Grande, é
Ramessés II, deve ter existido um Ramessés I, sobre o qual não se sabe nada. (GEISLER, 2002,
p. 338-339).
A cidade recebeu esse nome por causa de Remesses II, que vivei entre 1279-1213 a.C.,
um longo tempo após a data aceita em geral para o Êxodo. É bem provável que a menção
dessa cidade na Bíblia tenha sido retroativa (talvez não fosse conhecida por esse nome quan-
do os israelitas moravam ali). Os escritores sagrados podem ter se referido a ela mais tarde
pelo nome de Ramessés, pois era assim que os seus leitores a conheciam. (Bíblia de Estudo
Arqueológica NVI, 2013, p. 86).
Observe que Gênesis 47.11 refere-se à região em que a família de Jacó se estabeleceu no
Egito como “terra de Ramessés”. Isso é com certeza um caso de atualização de termos.
“Uma vez que o relato bíblico usou o nome pelo qual a cidade foi conhecida so-
mente por um período de dois séculos (de aprox. 1300-1100 a.C.), é provável que a
tradição dos hebreus date desta época.” (HARRISON, 2010, p. 118).
aproximadamente 1400 a.C., para a conquista, e uma mais antiga correspondente para o êxodo. “Contu-
do, mais recentemente Kathleen Kenyon, respeitada arqueóloga britânica concluíu, que Garstand havia
interpretado as evidências errônemente, e que os escaravelhos de Amenotepe pertenciam a um depósito
posterior. Seu nível D, então, tinha de ser remarcado próximo a 1300.” (MERRILL, 2002, p. 109). Diante dis-
so, o melhor que se pode dizer, é que a evidência de Jericó é inconclusiva e que, neste ponto, é improdutiva
para estabelecer um esboço histórico ou cronológico.
455. Segundo se entende o período de Jefté, era anterior ao de Saul, cujo reinado deu início por volta de 1.050
a.C.
456. O nome Ramsés aparece na Bíblia Hebraica em Gn 47.11; Êx 1.11 e 12.37; e Nm 33.3, 5.
457. Alguns pesquisadores atribuem a Ramsés II a data de 1290-1224 a.C.
277
Opiniões contrárias contra a cidade de Ramessés ser uma homenagem a Ramsés II, é
expressa por K.A. Kitchen458 e T.C. Mitchell:
Antes de Setos I e de Ramsés II nenhum faraó tinha edificado uma capital no delta desde
o período dos hicsos459 (dias de José); a cidade Ramsés, assim sendo, é uma autêntica obra
desses dois reis, e não algo meramente re-nomeado ou apropriado por eles mas iniciado
por algum soberano anterior, como algumas vezes é sugerido. (DOUGLAS, 1995, p. 362).
458. Kenneth Kitchen, egiptólogo aposentado da Universidade de Liverpool, na Inglaterra. Seu domínio em
mais de 15 línguas do Antigo Oriente lhe permite falar como ninguém sobre o dia a dia das cortes, dos
templos e fortes militares durante a Idade do Bronze e do Ferro. Ele, inclusive, aprendeu português com a
única finalidade de publicar o texto dos monumentos (estelas) de Ramsés II que estão no Museu do Rio de
Janeiro, já que ele é uma respeitada autoridade no período Ramessida.
459. “Um grupo étnico de base semita, mas com maciços contingentes indo-europeus que, da Mesopotâmia se-
tentrional se instalou no Egito, corroendo totalmente o poder faraônico.” (RAVASI, 1985, p. 12). “Os hicsos,
cujo nome em egípcio significa “comandantes de terras estrangeiras” parecem ter se aproveitado do fato
de que na época da sua invasão era possível encontrar escravos semitas em todo o Egito até Tebas, ao sul.
Além de estabelecer a sua capital em Avaris, usurparam o reino do Egito em Ithet-Tawy, perto de Mênfis,
um centro que Amenemés I tinha construído especialmente com o propósito de administrar seu regime.
Os hicsos, a princípio, fizeram poucas modificações no padrão geral do serviço civil egípcio regular, prete-
rindo, em nome da estabilidade e continuidade, empregar os oficiais do regime anterior. A medida que o
tempo passava, no entanto, indicaram oficiais semitas naturalizados para os altos cargos administrativos
do país.” (HARRISON, 2010, p. 108).
“Qualquer tentativa de ligar os hicsos com a narrativa bíblica resultará em erro. O máximo que se conseguirá
é ligar de forma indireta alguns governantes hicsos à história de Israel – aliás, esse fato deu aos egípcios uma
boa razão para odiar e desconfiar de todos os semitas.” (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 98).
“Alguns insistem que José serviu na corte dos reis hicsos que estavam no poder no período de aproxima-
damente 1661 a 1570. Os proponentes desse ponto de vista apontam para o fato de que era muito mais
provável que um rei hicso (em vez de um egípcio nativo) estabelecesse em seu governo um homem de ori-
gem semita, como foi o caso de José. Toda a narrativa sugere que o rei era um governante egípcio, e não um
hicso... José foi vendido ao Egito já no final dos anos do reinado de Ammenemes II (1929-1895). Seu reinado
foi conhecido como um governo pacífico, caracterizado por alto desenvolvimento da agricultura e da si-
tuação econômica do país, e pelo incremento das relações internacionais que o aproximaram do ocidente
da Ásia. Nesse caso, José não seria mal recebido nessa corte, por causa de seus ancestrais étinicos.” (MER-
RILL, 2002, p. 41). Sob o reinado de Sesóstris II (1897-1878) o faraó do período que José esteve na prisão e
o faraó cujos sonhos José interpretou, teve em seu reinado “a construção de um canal cavado para ligar a
bacia de Fayyum ao rio Nilo, um canal cujas ruínas permanecem até hoje, e que foi chamado de Bahr Yusef
(Rio de José). Será que a sobrevivência desse nome não significa em testemunho da contrinuição que José
deu ao rei Sesóstris II nesses seus projetos públicos?” (p. 42). Esta bastante evidente que o fundo histórico
e cronológico da vida de José encontra-se totalmente enquadrado no período do Médio Império egípcio.
“Segundo a cronologia bíblica (supondo-se que a data de 1445 a. C. é correta para o Êxodo, e acrescentando
uma permanência de 430 anos no Egito), a data provável da migração de Jacó para o Egito durante a primazia de
José foi cerca de 1870 a.C. Isto representa entre 94 e 140 anos antes da ascensão dos Hicsos, e coloca José na 12.a
Dinastia. É óbvio que estes fatores excluem a possibilidade da integridade da tradição de Josefo. É perfeitamente
provável que um elo de simpatia tivesse existido entre os Hicsos e os hebreus por causa da sua língua cana-
nita e da sua origem asiática.” (ARCHER, 2003, p. 130).
“Embora seja tentador considerar o faraó da época de José como um antigo rei hicso – que sendo semita
tratava bem outro semita – e considerar o faraó que “não conheceu José” entre os soberanos do Império,
não há nenhuma prova disso.” (BRIGHT, 2003, p. 97).
“A décima oitava dinastia foi fundade por Amósis, o responsável pela expulsão dos hicsos. É bem provável
ter sido ele o que está descrito em Êxodo como o novo rei que não conhecia José (Êx 1.8). Isto não sugere
que ele não tenha conhecido José pessoalmente, mas apenas que sua benevolência não mais se estendia
aos descendentes de José – os hebreus.” (MERRILL, 2002, p. 50-51).
A narrativa de José indica claramente que a atmosfera cultural era egípcia e não dos hicsos. Concluindo, é
completamente evidente que José viveu no Egito e que serviu como um alto oficial da administração desse
país durante os anos de dominação egípcia, e não na época dos hicsos. Esses dados evitam uma peregrina-
ção de 215 anos de duração, e firmam a data do êxodo no tradicional ano de 1446.
278
Uma possível evidência, de que o faraó do êxodo tenha sido Amenotepe II, esta ba-
seada, no fato de que a maioria dos faraós da XVIII dinastia estabeleceram sua principal
residência em Tebas, bem ao sul dos israelitas no Delta, porém, Amenotepe morava em
Mênfis e, aparentemente, reinou daquele local por um bom tempo. Isso o colocava em
grande proximidade com a terra de Gósen, fazendo-o bastante acessível a Moisés e Arão.
A história de Moisés se adapta melhor às datas e circunstâncias da XVIII dinastia do Egito.
Se aceitarmos a data mais recente para o êxodo, a qual sempre esta associada a Ramsés II,
será preciso desconsiderar todo o testemunho bíblico. “Também se afirmou que o contato
diplomático entre Jericó e o Egito foi interrompido sob o governo de Amenhotep III (1413-
1377 a.C.), tornando Amenhotep II (1436-1422 a.C.) o faraó do Êxodo.” (HARRISON, 2010,
p. 122). As escavações de Garstang em Jerico possibilitaram maior fundamento a esta data,
quando se anunciou que Jerico tinha caído diante dos israelitas invasores antes de 1400
a.C.460 Circunstâncias da história egípcia também forneceram provas a favor de uma data
remota para o êxodo, tornando, desta maneira, Tutmés III, o grande edificador do império,
o faraó da opressão israelita.
Vejamos algumas evidências para uma datação remota ou “retroativa” do Êxodo:
a) Tutmés IV veio após Amenotepe II. Numa inscrição chamada “estela do Sonho”,
Tutmés IV relata que o primogênito de Amenotepe II morreu antes de ascender
ao trono. Alguns estudiosos acreditam que esse filho pode ter sido uma vítima da
décima praga.
b) Como está relatado em Juízes 11.26, Jefté (1100 a.C.) enviou uma mensagem ao
rei dos amonitas dizendo que Israel já estava na terra havia trezentos anos. Desse
modo, a conquista de Canaã teria ocorrido por volta de 1400 a.C. e o Êxodo, cerca
de 1446 a.C.
c) A “datação tardia/recente” exige um período de atividades de cento e setenta anos
dos juízes, enquanto a datação retroativa permite trezentos anos, tempo mais razoá-
vel à luz do número de juízes individuais apresentado no próprio livro de Juízes.
d) Atos 13.19-20 define em quatrocentos e cinquenta anos o período entre a conquista
de Canaã por Josué e a liderança de Samuel, tempo que não se encaixa na datação
tardia/recente.
279
Vejamos o texto da estela de Mernepta: “Canaã é perseguida por todos os males, Asque-
lom foi levada, Gezer capturada, Ianoam é como se não fosse, Israel está devastada, sua semente
não mais existe.”463
Os papiros Anastasi.464 Os registros dos oficiais de fronteira egípcios são de grande
importância. Eles revelam o controle rígido exercido pelas autoridades egípcias sobre sua
fronteira oriental nas últimas décadas do século XIII a.C, pois tanto estrangeiros quanto egíp-
cios necessitavam de uma permissão especial das autoridades para atravessar as fronteiras.
O papiro Anastasi III registra as travessias diárias de indivíduos devidamente autorizados
durante o reinado de Mernepta (final do XIII século a.C.). O papiro Anastasi VI registra a pas-
sagem de uma tribo proveniente de Edom para o Egito, durante uma seca. Este papiro relata
que, para alguns destes viajantes, a travessia para o Egito era necessária para mantê-los vivos,
a eles e a seus rebanhos. Os patriarcas Abraão e Jacó também foram ao Egito para escapar
de secas (Gn 12.10, 47.4). Se não houvesse esse rígido controle de fronteiras, pessoas, ou até
mesmo povos, poderiam atravessar do Nilo até o Sinai, ou mesmo até Canaã. Por isso, não é
estranho o fato de Moisés e Aarão terem ido ao faraó solicitar permissão de saída: “Envia meu
povo” (Êx 5.1; 7.16, 26; 8.16; 9.1, 13; 10.3). O papiro Anastasi V se refere à fuga de dois escravos
ou servos da residência real em Pi-Ramsés.465 Os fugitivos atravessaram a fronteira fortificada
461. Esse monumento é o mais antigo registro sobre Israel fora da Bíblia e contém a única mensão a Israel em
documentos egípcios. A referência a Israel na estela vitoriosa de Merneptá (c. 1230 a.C.) parece indicar que
os israelitas chegaram à Palestina nessa época, mas ainda não eram reconhecidos como uma comunidade
estabelecida ali. “Como é comum nos antigos registros, o texto exagera os feitos de Merneptá , porque ele
na realidade não aniquilou Israel, como se lê na estela. A menção a Israel na lista das cidades-Estado e na-
ções supostamente derrotadas pelo faraó atesta que Israel era uma nação importante nos dias de Merneptá
– presumindo-se que ele não teria objetivo nenhum em se vangloriar de ter abatido um povo desconhecido
e indefeso. A importância da estela de Merneptá, entretanto, não pode ser negada.” (Bíblia de Estudo Ar-
queológica NVI, 2013, p. 360).
462. Os pontos citados se encontram amparados na Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 106.
463. Obviamente é impossível que Israel, num espaço de menos de cinco anos, tivesse escapado do Egito, pa-
rado no monte Sinai, peregrinado no deserto, conquistado Seom e Ogue, entrado em Canaã e, finalmente,
por lá ter se estabelecido.
464. O texto completo se encontra disponível, em: http://archive.org/stream/egyptianhieratic00garduoft/
egyptianhieratic00garduoft_djvu.txt. Acessado em, 13/03/2015.
465. O nome Pi-Ramsés ou Per-Ramsés significa “a casa de Ramsés” em egípcio. Ramsés vem do egípcio Ra-
-meses, “nascido de Rá”, onde meses (“nascido de”) é também a raiz do nome Moisés. O nome Ramsés foi
usado por onze reis da 19ª e 20ª dinastias, por volta de 1290-1070 a.C. Nenhum desses reis fundou cidade
alguma relevante, exceto Ramsés II. Muitas localidades também receberam o nome de Ramsés. “A cidade
era adornada por estruturas monumentais, numerosos obeliscos, estátuas colossais, estábulos, palácios
e templos magníficos. Pi-Ramsés era comparável às maiores cidades antigas do Oriente Próximo, talvez a
maior e mais cara residência real já construída. A beleza e glória da cidade permaneceram até os dias de
hoje em poemas, que a descrevem como “cheia de alimentos e provisões”, “frutas abundantes”, “cebola,
alho, alface, romãs, maçãs e azeitonas, figos, vinho doce... ultrapassando o mel...”, “celeiros tão lotados de
cevada que chegam perto do céu”, “lindo distrito”, “cujo castelo é como o horizonte do paraíso”, “campos
280
em direção ao Sinai. O oficial que escreveu o papiro recebeu ordens de capturar os fugitivos
e trazê-los de volta. Essa história possui paralelos com a história do Êxodo: a fuga de escravos
da região de Ramsés, em busca de liberdade; uma força militar egípcia persegue os fugitivos
para trazê-los de volta; os fugitivos percorrem uma rota de fuga similar à rota dos israelitas.466
Segue abaixo, um quadro comparativo mostrando o paralelo do nome das cidades da
rota da Transjordânia baseado em mapas egípcios, e o paralelo dos nomes bíblicos:
Estrada Arabah - Planície de Moab
Nome Egípcio da Idade do Bronze Nome Bíblico Nome Moderno
(Yamm) ha-Melach Melach (“Sal”) Yam ha-Melach
lyyin lyyim Ay
Heres/Hareseth Heres/Hareseth Kerak
Aqrabat al-Aqraba
Dibon/Qarho Dibon Dhiban
Iktanu Tell Iktanu
Abel Abel-shittim Tell Hammam
Jordan Jordan Jordan River
cheios de tudo o que há de bom”, “represas repletas de peixes e lagos com pássaros”, “campos verdes de
pastagens”, “navios ancorando com suprimentos e alimentos todos os dias”. Até mesmo o livro de Gênesis
elogia a região: [...] No melhor da terra, faz ficar a teu pai e a teus irmãos; esteja na terra de Goshen... (Gn
47:5).” (HUBNER, 2010, p. 2). Porém sua glória, assim como de muitas outras cidades acabou: Pi-Ramsés
deixou de ser a residência real aproximadamente em 1130 a.C., quando o braço do Nilo junto a Ramsés
sofreu assoreamento, migrando para longe da cidade, que ficou sem suas veias de transporte, e forçou os
faraós da 21ª dinastia a construir uma nova capital. Tanis se tornou a nova capital, e nunca foi chamada de
Pi-Ramsés. Por volta de 1069 a.C., Pi-Ramsés foi abandonada, tornando-se uma cidade fantasma, e os fa-
raós mudaram-se para Memphis. Quando os faraós da 21ª dinastia precisaram de pedras para a construção
de novos templos em sua capital, Tanis, eles simplesmente saquearam as ruínas de Pi-Ramsés e levaram
muitas estátuas, estelas e outras peças ornamentais arquitetônicas para a cidade nova. Os faraós da 22ª
dinastia estabeleceram uma segunda capital no delta, em Bubastes, e também levaram para ali estátuas e
outras peças das ruínas de Ramsés.” (HUBNER, 2010, p. 4).
466. Krahmalkov encontrou, em antigos mapas egípcios, uma lista topográfica que apresenta os nomes das
cidades que se localizam ao longo de uma rota na Transjordânia, e esses nomes coincidem com os no-
mes bíblicos, como também com os nomes atuais das localidades. Segundo Kitchen, a rota utilizada pelos
israelitas para a invasão, descrita em Nm 33.45b-50 era, na verdade, uma rota egípcia oficial de grande cir-
culação. A narrativa bíblica da invasão da Transjordânia, ponto de partida para a conquista de toda Canaã,
possui um background historicamente comprovado. (HUBNER, 2011, p. 6).
281
467. Os céticos consideram as pragas como um relato bastante exagerado de fenômenos naturais perfeitamente
compreensíveis, ainda que incomuns. Porém, uma séria avaliação da narrativa não permite tão arrogante
descaso com as dimensões catastróficas das pragas. É preciso entender que elas eram, autênticos derrama-
mentos da ira de um soberano Deus que desejou mostrar para o Egito e também para o seu povo, que Ele
é Senhor de toda a terra e céu.
468. “Escritas em acádio, a língua diplomática da época, elas representam a correspondência oficial com a corte
de Akhenaten e seu pai Amenófis III. Embora na sua maior parte enviadas pelos vassalos do faraó na Pa-
lestina e na Fenícia, encontram-se também cartas das cortes de Mitanni e Babilônia.” (BRIGHT, 2003, p.
143). “Centralizado do outro lado do rio Eufrates, no vale de Khabur, ao norte da Mesopotâmia, o reino de
Mitani abarcava uma liga de estados indo-europeus hurritas. Tornou-se o mais poderoso reino da Meso-
potâmia e da Síria durante a maior parte do século XV até o século XIV a.C., a época provável do êxodo e da
conquista de Canaã pelos israelitas. Esse reino documentou costumes e condições sociais que fortalecem
a credibilidade dos relatos bíblicos correspondentes ao acontecimento deste período.” (Bíblia de Estudo
Arqueológica, 2013, p. 257).
282
dezesseis vezes os ‘apiru.469 Quando a existência dos ‘apiru foi pela primeira vez descoberta
nos textos de Amarna, muitos estudiosos da Bíblia imediatamente concluíram que, uma evi-
dência extra bíblica havia sido encontrada para confirmar a conquista de Canaã por Israel.
Isso se baseava na coincidência da data das cartas com a cronologia tradicional da conquista e
na admirável similaridade linguística entre ‘apiru (ou Habiru) e ‘ibri (hebreu). “Contudo, mui-
to tempo antes, referências aos ‘apiru já haviam sido confirmadas, oriundas do antigo mundo
do Oriente Médio, tão antigas quanto o antigo Período Acadiano (c. 2360-2180).” (MERRILL,
2002, p. 97). A coincidência entre os hebreus e os ‘apiru, era tal, que para os cananeus, os ‘api-
ru eram os hebreus e os hebreus eram os ‘apiru.
Segundo as tábuas de Nuzi, frequentemente obtinham segurança econômica
deixando-se contratar como escravos fossem para casas ricas ou autoridades do
governo. Em outras ocasiões, os habiru aparecem como grupos agressivos e mi-
gratórios, espreitando sobre comunidades desavisadas e fazendo emboscadas a
pequenas caravanas que viajassem por caminhos isolados. Alguns deles eram arte-
sãos e músicos, ao passo que outros gradualmente abandonaram sua vida nômade e
se instalaram em centros urbanos. (HARRISON, 2010, p. 63).
“Se aceitarmos a data primitiva do Êxodo (1446 a.C.) e concedermos 40 anos para a pe-
regrinação dos israelitas no deserto, eles teriam invadido Canaã em 1406 a.C. e teriam sido os
habiru.” (PACKER , 2001, p. 46). “O período de Amarna deve corresponder à época da peregri-
nação de Israel e conquista da Palestina”. (UNGER, 2006, p. 74).
O termo habiru era encontrado por toda a Ásia ocidental desde o fim do terceiro
milênio até o fim do segundo. O termo não era basicamente étnico ou político, mas
sociológico. Significava povo sem terra de quase qualquer espécie, em geral seminô-
mades. (PACKER, 2001, p. 90).
469. Vejamos uma destas referências: “ER-Heba de Jerusalém diz que toda a terra já tinha caído nas mãos dos
‘apiru. Além disso, todos os governadores já tinham desertado.” Para uma leitura de todas estas referências,
ver: MERRILL, 2002, p. 102-103.
283
A ocorrência de Habiru nas cartas de Mari (séc. 18 a.C.) e nos textos Capadócios mais
antigos (sec. 19 a.C.), bem como em textos nuzianos, hititas, ugaríticos e de Amarna
(séc. 15 e 14 a.C.), dão a entender que o termo não é uma designação étnica, mas
social, descrevendo “peregrinos” ou “os que passam de um lugar para outro”. Além
disso, a raiz verbal. ‘br (provavelmente ligada a “hebreu”) significa “cruzar”, também
sugerindo que os hebreus eram os que “cruzaram”, i.e., os que cruzaram o rio (ou o
Tigre-Eufrates ou, mais tarde o Jordão). (UNGER, 2006, p. 55).
Em muitas partes dos textos o nome aparece na forma logográfica SA.GAZ, a for-
ma preferida nas cartas de Amarna, com exceção das que vinham de Abdi-Hepa,
rei de Jerusalém. Etimologicamente SA.GAZ está ligado a um verbo sumeriano que
significa “assassinar; matar”, um SA.GAZ era um assassino. No acadiano essa for-
ma aparece como habbatu, “ladrão”, ou talvez “pessoa despejada”. A forma silábica
habiru/hapiru/ápiru é cronológica e geograficamente espalhada. A etimologia aca-
diana não é clara, embora William Albright tenha associado o termo eperu (“poeira”;
cf. Heb. ‘apar) e sugerido que os ‘apiru fossem caravaneiros, ou “homens do pó”.
Essa sugestão não tem achado apoio universal. (MERRILL, 2002, p. 97)
Esta claro que nenhum dos termos usados para descrever os ‘apiru têm qualquer signi-
ficação étnica. Os ‘apiru não eram uma nacionalidade, mas provavelmente uma classe social.
Eles são geralmente olhados com desprezo como viajantes sem raízes, mercenários que ven-
diam seus serviços a quem mais lhe oferecesse. Dificilmente os hábitos e costumes dos ‘apiru
se enquadrariam com o retrato bíblico dos hebreus. Os termos ‘apiru e ‘ibri (hebreu), embora
fonética e linguisticamente semelhantes, não parecem ter uma etimologia comum. “Talvez
isso explique por que no Antigo Testamento os israelitas raramente se referiam a si mesmos
como hebreus, pois se tratava de um epíteto usado normalmente pelos estrangeiros, na maio-
ria das vezes com sentido pejorativo.” (MERRILL, 2002, p. 98). Enquanto os israelitas faziam
clara distinção entre si e os ‘apiru, os escribas que compuseram a correspondência de Amarna
a tinham muito mal definida.
Embora ainda haja uma série de problemas não solucionados, relativos aos ‘apiru, apa-
rentemente estaria de acordo com a história tradicional do povo hebreu, associar suas origens
com um ou mais dos diversos grupos no Oriente Médio que eram conhecidos pelo nome de
‘apiru no segundo milênio a.C. “Abraão é o primeiro personagem bíblico a ser designado pelo
título de ‘hebreu’, e a sua família pode ter tido alguma conexão com o grupo de habiru que
existiu aproximadamente em 2000 a.C., em Larsa, há cerca de cinquenta quilômetros dali.
(HARRISON, 2010, p. 64).
Em estudos recentes alguns pesquisadores propuseram que os israelitas faziam parte
de um grupo de asiáticos identificados nos textos egípcios470 como “Shosu”, denominados de
“beduínos/nômades” e preferencialmente de “saqueadores”. “Os anais egípcios dos séculos
470. É quase impossível ter uma visão geral, e muito menos estudar seriamente, todos os textos egípcios
existentes. A diferença em abordagem e interpretação dos textos egípcios entre os eruditos aumenta a
dificuldade da compreensão desses antigos documentos. Ainda não se estudou adequadamente o modo
como a mente egípcia funcionava e se expressava. Os egípcios não traçavam distinções agudas entre a ideia
e sua forma, entre o ato e seu significado. Por exemplo: em sua exegese os egípcios têm sido acusados de
alegorizar, buscando estabelecer vários níveis de significado. Do ponto de vista grego, isso provavelmente
pode ser afirmado. Entretanto, nem os egípcios nem os semitas podem ser adequadamente julgados pela
mente grega e seus métodos de pensamento. Ao contrário, os egípcios parecem pensar e falar holistica-
mente. Por exemplo, quando traçam uma figura (hieróglifo) de um pássaro, expressam um grande número
de coisas de uma só vez: o pássaro individual, o tipo de pássaro, o conceito geral de pássaro, a vida animada
e finalmente a vida divinamente controlada. (GRONINGEN, 1995, p. 40).
284
XIV/XIII contêm referências ‘á terra dos Shosu Iahweh’, que parece ter estado na Síria cen-
tral.” (GOTTWALD, 1988, p. 191). Inscrições se referem a escravos no Egito como “apiru”, e
não podemos negar que entre estes não houvessem o povo de Israel. Frequentemente o nome
é precedido por um ideograma significando “guerreiro”. “Aparentemente, a etimologia do
nome ‘apiru indica o significado básico de “quem atravessa” ou “quem passa (pela terra)”, do
verbo ’ãbhar (“atravessar”).” (ARCHER, 2003, p. 188).471
Archer concluindo o papel e a identidade dos apiru no êxodo declara:
Um exame das referências egípcias em conjunto mostra facilmente que não se pode
tirar deduções em favor duma data recuada, nem duma data avançada, para o Êxodo.
Os, Apiru da época de Tutmose III podem muito bem ter sido os israelitas; os que são
mencionados por Ramsés II, Ramsés III e Ramsés IV podem ter sido hebreus que não
saíram durante o Êxodo, ou que foram capturados pelas incursões militares egípcias
durante a época dos Juízes. Quanto aos Apiru com os quais Amenotepe II lutou na
Palestina central, não podem ter sido os israelitas propriamente ditos (porque naquela
época ainda estavam no deserto de Sinai), mas seriam bandidos nômades que foram
chamados Habiru, no sentido mais amplo e geral do termo. (2003, p. 194).
Adeptos da data recente do êxodo, tem alegado que Josué não se refere aos ‘apiru, nem
ao comportamento deles, conforme descrito nos textos de Amarna, e que isso, torna imprová-
vel, a associação dos hebreus com os ‘apiru. Porém, a falta de referência aos ‘apiru não é uma
grande dificuldade, é característico da historiografia bíblica ser extremamente seletiva quanto
a detalhes, vejamos um exemplo:
Caso a presença dos ‘apiru tenha sido considerada pelo historiador bíblico como
pouco relevante para o propósito redentor da conquista, então eles seriam comple-
tamente esquecidos. Algumas grandes potências como os cassitas, os mitanitas e os
egípcios estavam no mínimo envolvidos indiretamente nos negócios de Canaã no
início do décimo quarto século, e mesmo assim nem um sequer desses envolvidos
foi muencionado no livro de Josué. (MERRILL, 2002, p. 101).
Uma possibilidade, é que o historiador tenha agrupado os ‘apiru (como ele também o faz
com outros povos) juntamente com os cananeus, hititas, amoritas ou outros. Após a conquista,
existe a possibilidade dos ‘apiru, terem se sentido ameaçados e mudaram para outras áreas,
seguindo o tradicional estilo de vida nômade. Ou, também podemos pensar, que eles perma-
neceram em Canaã e foram assimilados ou passaram a servir aos israelitas como mercenários.
471. Decorre daí que os Habiru eram “o povo do outro lado”, ou “migrantes”, e este nome pode ser aplicado
a pessoas de diferente origem nacional. Só nos registros hebraicos é que achamos o nome na sua forma
´Ibriy (ou “Hebreu”) empregado para uma única descendência racial, a saber, os descendentes de Abraão,
“o Hebreu”. Abraão, pois, pode ter sido chamado “o Habiru” pelos cananitas, por causa de seu estilo de vida
e por ser estrangeiro; depois, seus descendentes conservaram este nome em memória do seu antepassado,
até que o nome se transformasse em termo étnico. (ARCHER, 2003, p. 189).
285
textos bíblicos acerca da conquista da terra de Canaã. Argumentam que existe poucas evidências
da ocupação de Israel na terra de Canaã antes do século XII a.C.
Quatro argumentos costumam ser apresentados em apoio a essa teoria:
a) As duas cidades celeiros472 construídas pelos israelitas no Egito Pitom473 e Ramessés474
(Êx 1.11) foram erguidas logo antes do êxodo. Ramessés é identificado com Pi-Rames-
sé, construída pelo faraó Ramsés II, que governou de 1240 a 1224 a.C. Isso colocaria o
êxodo no século XIII.
b) Pensa-se que a Transjordânia, onde se diz que Israel enfrentou muitas nações, foi
habitada de 1800 a 1300 a.C.
c) Evidências arqueológicas mostram muitos níveis de destruição nas cidades de Canaã
a oeste do Jordão na segunda metade do século XIII. Apesar de as Escrituras registra-
rem que Israel queimou as cidades de Jerico e Ai475 (Js 6.24; 8.19-21), os arqueólogos
não conseguem confirmar que esses locais foram ocupados na Última Idade do Bron-
ze, a época da conquista.
d) O argumento final a favor da data recente observa que a capital do Egito foi transferi-
da para Pi-Ramesse na Dinastia XIX (século XIII). A Dinastia XVIII do século XV tinha
sua capital no sul, em Tebas.476
472. Essas cidades eram construídas para reeber o excesso de cereais em anos de fartura. Essas cidades também
estocavam mercadorias nacionais e importadas, bem como equipamentos militares para campanhas na Síria e
Palestina. “A construção da cidade necessitava de um suprimento gigantesco de tijolos. Em um episódio, parece
claro que os israelitas trabalhavam na produção destes tijolos, de acordo com cotas fixas diárias. Os egípcios
construíram estruturas de pedras monumentais, como as pirâmides, templos, monumentos funerários, dentre
outros. Mas o material mais comum para construções no delta era o barro. As principais residências e prédios
administrativos eram feitos de tijolos de barro. A enorme indústria de tijolos necessitava de uma organização
talvez sem precedentes. Para se ter uma ideia da imensa quantidade de tijolos usados, as pirâmides de Sesóstris
III em Dahshur foram construídas com aproximadamente 24,5 milhões de tijolos. Um artesão, utilizando as
mesmas técnicas para a construção de tijolos utilizadas no tempo do Egito antigo, é capaz de fabricar aproxi-
madamente três mil tijolos em um dia – sete a oito horas de trabalho. Essa cota, imposta aos escravos, poderia
ser um fardo intolerável. Textos egípcios antigos mostram que as cotas de produção eram raramente atingidas.
Um registro dos dias do faraó Tutmósis III (1490- 1436 a.C.) retrata, entre várias cenas de construções, asiáticos
construído tijolos.” (HUBNER, 2010, p. 3).
473. A primeira fica em Tell er-Retâbeh, a oeste do Lago Timsâh, no nordeste do Egito. A última não é senão
Avaris, antiga capital dos hicsos, reconstruída e novamente capital sob Setos I e Ramsés II e chamada por
este último “A casa de Ramsés”. Parece-nos completamente certo que a passagem do Êxodo que acabamos
de citar se refira a este fato. A autenticidade da tradição é fundamentada no fato de que a capital foi cha-
mada “casa de Ramsés” somente até o século onze, quando passou a chamar-se Tânis. (BRIGHT, 2003, p.
156). Outras possíveis localizações para Pitom, mas menos prováveis são: Tell el-Maskhuta, e a moderna
Heliópolis. Pitom, corresponde ao egípcio Pr-´tm, “casa do deus solar Aton”. “Em Avaris (Tell El-Dab’a),
escavações revelaram uma enorme cidade com uma cultura material quase idêntica à do Bronze Médio na
Palestina e na Síria. O templo era um edifício monumental retangular, com grossas paredes indicando uma
altura considerável, similar a outros templos da mesma época por todo o Levante. Escavações também
revelaram armas típicas da Palestina, jarros de armazenamento, usados para o transporte de vinho, azeite
e outros produtos agrícolas de Canaã para o Egito.” (HUBNER, 2010, p. 2).
474. A cidade recebeu esse nome por causa de Remesses II, que vivei entre 1279-1213 a.C., um longo tempo
após a data aceita em geral para o Êxodo. É bem provável que a menção dessa cidade na Bíblia tenha sido
retroativa (talvez não fosse conhecida por esse nome quando os israelitas moravam ali). Os escritores sa-
grados podem ter se referido a ela mais tarde pelo nome de Ramessés, pois era assim que os seus leitores a
conheciam. (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 86). Observe que Gênesis 47.11 refere-se à região
em que a família de Jacó se estabeleceu no Egito como “terra de Ramessés”. Isso é com certeza um caso de
atualização de termos. “Uma vez que o relato bíblico usou o nome pelo qual a cidade foi conhecida somen-
te por um período de dois séculos (de aprox. 1300-1100 a.C.), é provável que a tradição dos hebreus date
desta época.” (HARRISON, 2010, p. 118).
475. Visto que o nome Ai significa “ruina”, subentende-se que esta cidade passou a se chamar assim somente
após a conquista israelita do local sob Josué (Js 8.28).
476. Para uma refutação de cada um destes 4 argumentos consultar: (DOCKERY, 2001, p. 179).
286
Segundo Kitchen e Mitchell, a data provável para o Êxodo seria de 1290-1260 a.C, ou
uma data média entre 1280-1240 a.C. W. F. “Albright interpretou os 430 anos de Êx 12.40,41
como uma contagem segundo a ‘era de Tânis’ (c. 1720 a.C.) e por isso datou o êxodo em c.
1290 a.C., no reinado de Ramsés II. Outro exemplo de contagem de acordo com a ‘era de Tâ-
nis’ (Zoã) foi identificado em Nm 13.22.” (BRUCE, 2008, p. 123).
Velikovsky e Courville propuseram uma revisão na cronologia tradicional dos reina-
dos dos Faraós, onde acreditam que há 600 anos a mais na cronologia dos reis do Egito.
Se esta teoria estiver certa o Faraó no tempo dos hebreus era o rei Tom. Isso traz luz para
Êxodo 1.11, que relata que os israelitas estavam construindo uma cidade chamada Pitom
(residência de Tom).
Archer477 apresentando uma introdução à posição da data recente dá-nos algumas im-
portantes observações:
Mas apesar deste testemunho consistente da Escritura à data de 1445 (ou aproxima-
damente), o peso da opinião dos estudiosos de hoje favorece uma data consideravelmente
posterior, sendo que a favorita no momento é 1290 a.C., ou seja, uns dez anos depois do co-
meço do reinado de Ramsés II. Uma data posterior ainda, ca. de 1225, é favorecida por um
número sempre menor de peritos, (tal como H. H. Rowley), mas nas primeiras décadas do
século vinte recebeu o apoio até de conservadores como M. G. Kyle em ISBE (datando o quin-
to ano de Merneptá em 1.250 a.C.) e J. D. Davis (que colocou o quinto ano em 1320, no seu
Dicionário Bíblico, 4.a edição). (2003, p. 141).
Analisando a data de 480 anos desde o êxodo até o quarto ano do reinado do rei Salo-
mão, conforme 1 Reis 6.1, os pesquisadores que defendem a data recente ou “data tardia”:
Acreditam que o número 480 simboliza 12 gerações, cada uma tendo a variação de
quarenta anos. Substituindo-se quarenta por vinte e cinco anos478 – base bem mais
realista para representar uma geração -, o intervalo é reduzido de quatrocentos e oi-
tenta para cerca de trezentos anos. (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 106).
Contrariariamente ao ponto de vista dos defensores da data recente para o êxodo, Har-
rison declara:
Parte da dificuldade na interpretação correta da referência de 1 Reis 6.1, está no fato
de que os povos orientais frequentemente usavam números para indicar coisas além
de considerações puramente matemáticas... Quando a referência em 1 Reis 6.1 é exa-
minada deste ponto de vista, descobre-se que abrange uma questão de doze gerações,
de quarenta anos cada uma. Esse fato parece envolver um ciclo duplo, e pode se rela-
cionar, de algum modo, à ideia de gerações sucessivas, como aplicada às doze tribos.
477. Para uma excelente abordagem sobre a data do êxodo consultar, (ARCHER, 2003, p. 139-152).
478. Data aproximada do nascimento do pai ao nascimento do filho.
287
Eugene H. Merrill, tece algumas considerações sobre o sistema de datação por parte dos
defemsores da data recente, vejamos:
Se fosse possível comprovar que a antiga cronologia israelita (ou qualquer outra)
assim fazia os cálculos, e que 1 Reis 6.1 é um exemplo de aplicação de tal método, o
caso pareceria estar solucionado. Infelizmente não há provas. A inevitável conclusão
de 480 para 300 anos, a fim de satisfazer algumas conclusões subjetivas, torna-se um
exemplo de apelação indigno de qualquer historiador ou estudioso da Bíblia. Certa-
mente o ônus da prova recairá sobre os críticos que preferirem considerar os dados
dos historiadores bíblicos de forma não literal. (MERRILL, 2002, p. 60-61).
Se for aceito uma data recente para o êxodo, entra-se em contradição com o apóstolo
Paulo conforme registrado em Atos 13.19,20 “e, havendo destruído sete nações na terra de Canaã,
deu-lhes essa terra por herança, vencidos cerca de quatrocentos e cinquenta anos. Depois disto,
lhes deu juízes, até o profeta Samuel. ” O fato de Paulo mencionar 450 anos pode ser interpretado
como segue: “Parece melhor entende-lo como referência à permanência no Egito (400 anos), às
peregrinações no deserto (40 anos, v. 18), e à ocupação da terra (10 anos). ” (MARSHALL, 1999,
p. 213). Porém, temos uma outra possível interpretação para os 450 anos. Esta forma de calcular
os 450 anos, parece não se encaixar com a passagem de Êxodo 12.40, que declara que a estadia
de Israel no Egito durou 430 anos, e não apenas 400. “Uma solução melhor é a concepção de
que Paulo acrescentou alguns anos ao período de opressão, dos juízes e de paz descritos no livro
dos Juízes. Os 40 anos de Eli (1 Sm 4.18), o juiz que precedeu Samuel, deve também ser incluído,
perfazendo um total de 450 anos.” (MERRILL, 2002, p. 153-154).
A permanência dos israelitas no Egito só pode ser datada aproximadamente. A revelação
dada a Abraão, é que seus descendentes seriam peregrinos em uma terra estranha por 400
anos (Gn 15.13), veja também Atos 7.6; porém, em conformidade com Êxodo 12-40-41 e Gá-
latas 3.17, este número é arredondado, e a provável permanência de Israel no Egito foi de 430
anos. Levi tinha aproximadamente 44 anos quando desceu ao Egito com seu pai Jacó. Êxodo
6.16 registra que ele tinha 137 anos quando morreu; portanto, Levi viveu no Egito por apro-
ximadamente 93 anos. Seu filho Coate viveu toda sua vida (ou quase toda) no Egito e morreu
aos 133 anos. Anrão, que passou todos os seus dias no Egito, morreu aos 137 anos (Êx 6.20).
Moisés seu filho, deixou o Egito na idade de 80 anos. O tempo total destes quatro no Egito
(incluindo os anos de Moisés em Midiã) resulta em 433 anos, o que não excede muito a 430.479
As considerações bíblicas dão a entender cronologias mais longas antes e depois do
Êxodo. Nessa base é razoável considerar cerca de 1450 a.C como uma data para o
Êxodo, dando margem pra a migração de Jacó e seus filhos, na era quando os hicsos
mantinham supremacia sobre o Egito. (SCHULTZ, 1995, p. 48).
479. “Kenneth Kitchen sugeriu que a estrutura de Êxodo 6-16-20 não reflete gerações imediatamente sucessi-
vas, mas tribo (Levi), clã (Coate), família (Anrão) e indivíduo (Moisés)... a genealogia de Êxodo 6.16-20 é
seletiva, sendo a peregrinação, portanto, de longa duração... o fato é que não se pode usar s quatro gerações
da genealogia de Levi a Moisés como um argumento para uma curta peregrinação, uma vez que é pratica-
mente certo que a genealogia de Levi a Moisés seja representativa, e não completa.” (MERRILL, 2002, p. 72).
Outro fator que contraria a curta peregrinação no deserto, ou seja, 215 anos, como alguns críticos alegam,
esta baseada na dificuldade de se entender como os setenta (ou setenta e cinco) pessoas da família de Jacó,
que desceram ao Egito, multiplicaram-se em apenas 215 anos para seiscentos mil homens, sem contar as
mulheres e as crianças (Êx 12.37). Mesmo em 430 anos anos se mostram curtos em circunstânias naturais.
288
480. Nelson Glueck, Explorations in Earstern Palestine and the Negev. BASOR 55 (1934): 3-21; BASOR 86 (1942): 14-24.
481. Embora desqualificado para obter o título de faraó do êxodo, ele permanece contemporâneo por quase
sete décadas da história de Israel, durante a fase central do período dos juízes. Apesar disso, em nenhuma
ocasião seu nome é mencionado no livro dos Juízes, nem ele também faz qualquer referência a Israel em
seus anais, a não ser, uma possível referência feita aos “Asar”, um povo costeiro que tem sido identificado
pelos estudiosos como a tribo de Aser. A conclusão é que não houve interesse de ambas as partes. Tanto
sobre o reinado de Merneptá (1236-1223), como sobre o reinado de Ramsés III (1198-1166), as intervenções
militares e políticas, foram pouco significativas em relação a Canaã. Parece claro que Israel permaneceu
praticamente intocado diante da agitação internacional no período dos juízes. Vemos a providencial mão
de Deus em ação para incubar seu povo durante esse período crítico de seu desenvolvimento.
Para uma interessante abordagem da vida e grandeza do império de Ramsés II, assistir: “Egito Revelado:
Ramsés” – Discovery Channel (Brasil).
482. O decreto de Faraó que mandava matar todas as crianças hebréias do sexo masculino condenava à morte ime-
diata o pequeno Moisés; portanto, ao tempo de seu nascimento, ele estava sob sentença de morte (Êx 2.2.3).
289
483. A cidade de Jericó tem sofrido tanto a degeneração causada pelo tempo e as escavações feitas sem a dire-
ção científica apropriada, que os especialistas estão completamente divididos em relação à cronologia, um
fato que levam muitos a desconsiderarem o local como importante para a pesquisa em geral.
484. A localização de Ai ainda está em debate e, enquanto não for definida, a data de sua destruição continua-
rá sendo um ponto questionável. “David Livingston e outros estudiosos, faz opção pela cidade atual de
el-Bireh como o sítio de Betel e localiza a cidade de Ai num pequeno tel localizado nas imediações.” (MER-
RILL, 2002, p. 110). Muitos estudiosos localizam Ai com um local conhecido por et-Tel (monte de pedras),
a menos de quatro quilômetros a leste de Betel (Beitin), mas, esta visão não mais desfruta de consenso.
“Em conclusão, o sítio de et-Tell, identificado como Ai por Albright, é a mais provável localização da Ai do
início do período patriarcal. Por volta da época de Josué, porém, a fortaleza havia migrado para oeste – para
Khirbet el-Maqatir. O que isso significa? A tomada de Ai por Josué e seu exército é um fato histórico.” (Bíblia
de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 316).
485. “Quanto a Hazor, Ygael Yadin, escavador e principal autoridade no local, sugeriu a princípio que ela sofrera
um terrível incêndio por volta de 1400 – uma calamidade por ele associada à conquista –; porém, mais
tarde, ele modificou a data para o século XIII. Sem considerar o que o levou a reavaliar sua teoria, mui-
tos estudiosos ainda estão convencidos de que sua data original deve ser aceita.” (MERRILL, 2002, p. 67).
“John Bimson, em uma meticulosa análise dos dados arqueológicos oriundos de Hazor e das redondezas,
concluiu que o ajuste feito por Yadin não apenas foi desnecessário como também completamente injus-
tificado. A data inicialmente proposta por Yadin (1400) está de fato correta. Logo, o único local que pode
ser utilizado nesta discussão – Hazor – apoia inegavelmente uma data mais antiga para a conquista.” (p.
120). Hazor, provavelmente, foi a maior das cidades do norte e de toda Canaã e dominava as regiões altas
da Galiléia. Era tradicionalmente reconhecida por sua liderança na região (Js 11.10).
290
interpretação dada à conquista é defeituosa. Com isso, o problemas não esta na falta de evi-
dências arqueológicas, mas sim, na má compreensão exegética do texto bíblico.
A importância de compreendermos claramente o relato da conquista de Israel a terra de Ca-
naã, nos auxilia na datação do êxodo. Arqueólogos que defendem a conquista no século XIII, se
baseiam nas evidências arqueológicas que indicam uma devastação violenta das cidades neste pe-
ríodo. Devido à força deste argumento, tem-se negado a data tradicional da conquista no princípio
do século XIV. Consequentemente, a data mais antiga para o êxodo 1446 a.C., também é negada.
A devastação de várias cidades por toda a Canaã (ou Israel) no décimo terceiro século,
uma tragédia cuja realidade e quadro geral não podem ser negados, pode ser explica-
da como as batalhas de ocupação das cidades e vilarejos israelitas por seus inimigos,
durante o período dos juízes... a mais veemente razão para rejeitar a data da conquista
no décimo terceiro século é, ironicamente, a confirmação arqueológica de um grande
número de ruínas naquela época. Se a tese aqui adotada – de que Josué deliberada-
mente manteve uma política de preservação das estruturas urbanas – está correta, e o
registro bíblico consistentemente demonstra isto, conclui-se que a evidência de uma
destruição ocorrida no princípio do décimo quarto século se tornaria uma contradi-
ção embaraçosa com o testemunho bíblico. (MERRILL, 2002, p. 119).
486. Para detalhes da história extra bíblica e das principais potências mundiais deste período, consultar: (MER-
RILL, 2002, p. 154-162).
291
Fica evidente, com base nesta breve exposição da situação, que nenhuma sequência de
datação deixa de apresentar suas dificuldades. “A data do Êxodo é uma das questões mais pro-
blemáticas com que o arqueólogo bíblico se depara, mas não é demais esperar que isto seja
solucionado no futuro, por novas descobertas no Egito ou em Canaã.” (HARRISON, 2010, p. 127).
Em resuno, a posição da data remota e da data recente, pode ser visualizada a seguir:
Data Remota Data Recente
Faraó da opressão Tutmés III (1479-1425 a.C.) Ramsés II (1279-1213 a.C.)
Faráo do êxodo Amenotepe II (1427-1400 a.C.) Merneptah (1225-1215)
Data do êxodo 1446 a.C. 1270 a 1260 a.C.
Dinastia XVIII XIX
487. O “vento oriental” que a Bíblia menciona pode ter sido tanto o nordeste quanto o sudeste (no hebraico
antigo, não havia especificações para um e outro). (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 112).
488. “Não nos pode também causar surpresa que os relatos egípcios não mencionem este acontecimento. Não
somente os faraós não estavam acostumados a celebrar derrotas, mas também um fato que envolvia so-
mente uma parte de escravos fugitivos seria para eles da menor importância. Esperar a narração deste fato
nos anais do Egito seria o mesmo que esperar a descrição da paixão de Cristo nos anais de César. Para César
a paixão não tinha nenhuma importância.” (BRIGHT, 2003, p. 157).
489. “De fato, 99% de todos os papiros do Novo Império foram perdidos na lama da região do delta; os
poucos que restaram estavam nas areias secas de Saqqara e no Alto Egito, longe dos campos de barro
da região de Pi-Ramsés, de onde foram recuperados pouquíssimos documentos em potes quebrados.”
(HUBNER, 2011, p. 11).
292
Não seria difícil admitir que os israelitas atravessassem o mar vermelho em um perío-
do curto de 24 horas, se levarmos em consideração que possivelmente o acampamento se
estendeu por uma grande quantidade nas margens do mar. Assim, no instante que foram
atravessar o mar, se dirigiram como uma grande onda humana.
“Mar Vermelho” é uma tradução baseada na versão grega do Antigo Testamento, a Sep-
tuaginta (LXX). O texto hebraico de Êxodo simplesmente traz “mar de juncos” (heb. yam suph),
região também conhecida em textos egípcios do Reino Novo como pa tufy, como sugerido pelo
arqueólogo austriáco Manfed Bietak. Se reunirmos as coordenadas geográficas e os nomes dos
lugares (topografia) mencionados em Êxodo 12.37 e 14.1-9 e compararmos com a documenta-
ção egípcia obtida nas inscrições de Seti I, pai de Ramsés II, no Templo de Karnak, em Luxor,
podemos localizar com segurança o “mar vermelho”. Tradicionalmente pensa-se que este seria
o Golfo de Suez, entre o Egito e a Península do Sinai. Na verdade, trata-se dos lagos el-Ballah,
que não existem mais desde que o canal de Suez foi feito no século XIX. Estudos naquela região
em 1995 revelaram um porto no qual barcos ficavam estacionados. Ele tinha aproximadamente
15 km de extensão e uma profundidade de três metros. Seria perfeitamente possível comparar
tamanha quantidade de água com um muro à esquerda e à direita dos israelitas (Êx 14.22).490
Quanto à largura do mar vermelho,491 sua maior extensão atualmente chega a 65 quilô-
metros de largura. “Teria sido necessário caminhar a uma velocidade inferior a 3 quilômetros
por hora para cruzar aquela extensão de 65 quilômetros em 24 horas.” (GEISLER, 1999, p. 82).
O que seria absolutamente possível.
Alguns pesquisadores identificam o tipo de vento capaz de secar um mar como:
O siroco, vento quente do deserto árabe, podia deslocar grandes quantidades de
água e secar rapidamente a terra. A formação do muro de água em ambos os lados,
490 Ver o excelente artigo O Êxodo na mira da imprensa e do cinema, em: http://www.criacionismo.com.
br/2015/01/o-exodo-na-mira-da-imprensa-e-do-cinema.html. Acessado em: 05/06/2015.
491 “Como muitos dos lugares mencionados são de identificação difícil, é incerta também a localização exata do
Êxodo. Não é provável que Israel tenha atravessado a parte mais alta do Mar Vermelho (o Golfo de Suez).
Além disso o mar (yam süf) é propriamente o “Mar de Sargaço”, não o Mar Vermelho (o Mar Vermelho não
tem sargaço). Como os hebreus estavam estabelecidos na área de Avaris chamada Goshen, ou “A terra de
Ramsés” (Gn 47,11), ou a Planície de Zoan (SI 78,12.43), e como os outros lugares relacionados com o êxodo
podem plausivelmente ser localizados nessa área, é provável que o Mar do Sargaço fosse um volume de
água na parte leste de Avaris possivelmente um braço do Lago Menzalé – e que a travessia se realizou não
longe da atual El-Cantara no canal de Suez. Todavia não podemos ter certeza. E de certo modo, isto não
tem muita importância. A localização precisa do Êxodo tem importância tão pequena para a religião de
Israel como a localização do santo sepulcro para o cristianismo.” (BRIGHT, 2003, p. 157).
Outra possibilidade de vocalização para (yam süf) é (yam sof) “Mar do fim [da terra]”, que possivelmente
faria referência ao Mar Vermelho, especialmente no seu braço oriental (o golfo de Acaba ou Eilate). Ainda
existe a possibilidade de ter sido no Mar Sirbônico, uma laguna rasa na costa do Mar Mediterrâneo, ao leste
do delta do Nilo. “Muitos hoje acreditam que o candidato mais provável para o Mar Vermelho seja o lago
Timsa, ainda que outros lagos e a ponta norte do golfo de Suez também sejam possibilidades. Tais inter-
pretações, no entanto, esbarram com problemas significativos, e um ponto de vista alternativo situa o yam
suph no mesmo local citado em 1 Reis 9.26: o golfo de Ácaba...Entre os candidatos à possível localização do
mar Vermelho, apenas o golfo de Ácaba permite tal processo (abertura do mar pelo vento), uma vez que o
corpo de água precisa ser longo e estreito em relação ao seu comprimento, a fim de que o fenômeno possa
ocorrer.” (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p.111-112).
“O ponto exato onde Israel cruzou o mar de Juncos não pode ser determinado, mas certamente não era
o mar Vermelho, o que chamamos hoje de Golfo de Suez. Este local estava muito ao sul para se encaixar
no itinerário bíblico. Além disso, o termo hebraico para descrever a passagem pelas águas, yam sûp (mar
de juncos), é totalmente impróprio para o mar Vermelho. A tradução da palavra ‘mar Vermelho’, vista em
muitas versões inglesas (e portuguesas), está baseada na Septuaginta, que por certo assumiu ser o mar
de Juncos um nome antigo para mar Vermelho. O registro de Moisés declara que Israel estava em um lo-
cal próximo a Pi-Hairote (localização desconhecida), entre Migdol (também desconhecido) e o mar. Mais
especificamente, Israel encontrava-se ‘diante de Baal-Zefom’ (Êx 14.2), local hoje identificado como Tel
Dafanneh, ao ocidente do Lago Menzalé, uma bacia sudeste do mar Mediterrâneo. As evidências hoje su-
gerem que esse é o mar de Juncos pelo qual Israel passou.” (MERRILL, 2002, p. 58-59).
293
entretanto, foi obra da mão de Deus e não apenas da força do vento, visto que Israel
teria de marchar em meio à ventania (v. 22). (Bíblia de Estudo Vida, 1999, p. 105).
Buscando uma explicação científica para a abertura do mar, temos a “hipótese da desci-
da do vento”, que teria se dado nos moldes naturais como segue:
O físico Colin Humphreys acredita que o fenômeno conhecido como “descida do vento”
satisfaz a narrativa bíblica. Isso ocorre quando um vento forte e constante sopra sobre
um corpo de água relativamente longo, em comparação com a sua largura. O nível da
água cai de maneira significativa na parte em que sopra o vento, enquanto a água é em-
purrada pra os lados, Se o vento sopra constantemente ao longo do mar, forma-se um
vazio no meio, abrindo-se a ponto de expor o leito. Esse fenômeno é observado até hoje
em vários corpos de água ao redor do mundo, quando as condições do vento e a forma-
ção de águas contribuem. (Bíblia de Estudo Arqueológica, NVI, 2013, p. 112).
O ato sobrenatural se dá no momento em que Moisés estende sua mão: “Então, Moisés
estendeu a mão sobre o mar, e o SENHOR, por um forte vento oriental que soprou toda aquela
noite, fez retirar-se o mar, que se tornou terra seca, e as águas foram divididas” (Êx 14.21). No
livro de Salmos 77.16-20, vemos uma clara alusão ao evento do mar vermelho, e as expressões
“as águas te viram e temeram” e “os abismos se abalaram” podem ser expressões de eventos
naturais aos quais Deus utilizou-se de maneira sobrenatural para livrar seu povo.
Ficam implícitas que as razões pelas quais os críticos questionam a veracidade das
histórias bíblicas são suas pressuposições anti-sobrenaturais, pois acreditar nestas histórias
bíblicas implica em aceitar a intervenção sobrenatural de Deus, pois não se tratava de um
vento qualquer, mas de um vento soprado pelo poder de Deus. Não se pode descartar a hi-
pótese de que Deus utilizou-se de eventos naturais para conduzir seu povo ao outro lado do
mar vermelho. Mas mesmo admitindo esta hipótese, ela não deixa de ser “sobrenatural” pois
admite-se que foi Deus o agente da travessia. Deus se revela em fenômenos naturais, mas
não é identificado com nenhum deles. Os fenômenos são consequência de sua manifestação.
Algumas explicações naturais têm sido propostas por alguns críticos e teólogos liberais,
e alegam que pelo fato do êxodo ser cercado por eventos miraculosos acreditam ter sido os mi-
lagres inserções posteriores para “enfeitar” a passagem para que tivesse maior credibilidade.
Esse tipo de raciocínio apenas demonstra a repulsa por milagres. Sempre houve períodos na
história onde se manifestaram milagres com mais frequência, conforme o contexto e neces-
sidade; e o momento que o povo de Israel passava era um momento de crise em sua história,
tendo a necessidade de uma maior intervenção divina.
Após uma análise dos possíveis lugares para a travessia do mar pelo povo hebreu R.
K. Harrison, declara: “A descrição de Êxodo 14.21 mostra um milagre e não um fenômeno
natural que pode ocorrer periodicamente em diferentes partes do mundo. Assim podemos
entender que a travessia realmente se deu no mar Vermelho. (2010, p. 120).”
Se não existiu um milagre real nas proporções descritas no texto bíblico, todas as demais
referências ao êxodo como arquétipo do poder soberano e salvífico da graça de Deus tornam-
-se vazias e sem significação real. Se compartilhamos de uma visão de mundo onde Deus é
real e Ele é o Criador, eventos miraculosos não são um problema, afinal é Ele quem governa
toda a Sua criação.
8.9. Seria possível cerca de dois milhões de pessoas sobreviverem quarenta anos no deserto?
Conforme Deuteronômio 32.13-14 diz: “Ele o fez cavalgar sobre os altos da terra, comer as
messes do campo, chupar mel da rocha e azeite da dura pederneira, coalhada de vacas e leite de
294
ovelhas, com a gordura dos cordeiros, dos carneiros que pastam em Basã e dos bodes, com o mais
escolhido trigo; e bebeste o sangue das uvas, o mosto.” Isso nos mostra que o povo de Israel tinha
abundancia para eles e para seus rebanhos, tornando possível a sobrevivência no deserto.
Devemos considerar quer a palavra “deserto” não denota somente terreno árido e sem
vegetação. A palavra hebraica para deserto, “midbār” é usada para descrever três tipos de
terreno em geral: pastagens (Js 2.22; Sl 65.12[13]; Jr 23.10), terra não habitada (Dt 32.10; Jó
38.26; Pv 21.19; Jr 9.1) e áreas extensas em que oásis ou cidades e vilarejos existem aqui e ali.
(HARRIS, 1998, p. 297). Assim, o povo de Israel não estava em um lugar que por todo o seu
território não havia recursos para sobrevivência. Outro fator importante para entendermos é
o fato de que o Senhor lhes sustentou com maná por todos os quarenta anos (Êx 16.35), e com
água (Nm 21.11). Também possuíam animais, donde podiam extrair alimentos, e ouro e prata
que trouxeram do Egito para negociarem com nações vizinhas.
Ao contrário do que a Bíblia diz, com base em Israel ter permanecido por 40 anos no
deserto, e serem por volta de 600.000 homens e adultos (Êx 12.37) levando em consideração
mulheres e crianças que não eram contadas, temos no total aproximadamente 2 milhões de
pessoas; com isso, os críticos sustentam não ter sido possível um êxodo com tantas pessoas
por um período tão grande.
Algumas evidências parecem contradizer a possibilidade de ter existido 2 milhões de
pessoas no Egito, vejamos:
Há informações detalhadas sobre o exército egípico no período do Reino Novo. Era
um total de aproximadamente 25 mil soldados, de acordo com Anthony Spalinger,
uma das principais autoridades no assunto. A população egípcia era de aproximada-
mente dois a três milhões de pessoas. Se os israelistas fossem uma nação tão grande
assim, eles não precisariam de um Moisés ou de Deus para libertá-los. Eles pode-
riam sair a hora que bem entendessem!492
Em lugar de descartar a informação bíblica, seria bom tentar entendê-la melhor. O que
significa a palavra “mil” (‘eleph)? Ela pode significar unidade de mil pessoas, unidade militar
ou pelotão, líder de um grupo, clã e tribo. Em algumas passagens do Antigo Testamento em
que ela é utilizada, o significado “mil” não parece ser uma boa opção. Por exemplo, 2 Reis 13.7
menciona 50 cavalheiros, 10 carruagens e 100 mil soldados. Esse é um número discrepante,
comparado com os dois anteriores. Em 1 Reis 20.29-30, vinte e sete “mil” soldados foram mor-
tos porque uma parede caiu sobre eles Essa deveria ser uma parede enorme!
Seja qual for a maneira em que analisemos essas dificuldades, está claro que os antigos
israelitas tinham maneiras de tratar os números que nos deixam confusos. A Bíblia é
um livro antigo, proveniente de uma cultura antiga, e não podemos pressupor que
os dados nela contidos se alinhem aos métodos e indicadores estatísticos dos dias de
hoje. É importante compreender que o relato bíblico não é errôneo nem deliberada-
mente enganoso, apenas não sabemos como os israelitas registravam censos, fossem
militares, fossem levíticos. (Bíblia de Estudos Arqueológica, 2013, p. 197).
Kitchen, Hoffmeier e outros acadêmicos sugerem que ‘eleph, no contexto das passagens
do Êxodo, deve ser entendido como um “pelotão” ou “líder militar”; e de acordo com a cor-
respondência diplomática do faraó Akhenaten e reis de Canaã e Síria, as chamadas cartas de
492. Ver o excelente artigo O Êxodo na mira da imprensa e do cinema, em: http://www.criacionismo.com.
br/2015/01/o-exodo-na-mira-da-imprensa-e-do-cinema.html. Acessado em: 05/06/2015.
295
Amarna, um pelotão tinha nove soldados. Seiscentos líderes de pelotões ou unidades milita-
res com nove soldados cada um são 5.400 homens.
Atribuindo uma esposa e alguns filhos para cada um, temos aproximadamente 20 a 22
mil israelitas saindo do Egito. Sendo que a população de Canaã durante a Idade do Ferro
(cerca de 1150 a.C.) era de 50 a 70 mil, esse número de israelitas se encaixa muito bem com
o que se conhece por meio de estudos arqueológicos em Israel. Apenas a título de ilustração,
a maior cidade de Canaã naquela época (XIII século a.C.), Hazor, não era maior do que um
quilômetro quadrado. As outras cidades que os israelitas conquistaram eram bem menores
do que ela. Uma população de 2 milhões de israelitas certamente deixaria um rastro muito
claro e impossível de não ser notado em escavações feitas em Israel.
Note que não se trata de acreditar ou desacreditar o relato bíblico, mas, sim, de entendê-
-lo corretamente à luz de sua língua original e do seu contexto histórico.
O relato bíblico sugere que todo o processo – desde a saída do Egito até Canaã – foi uma
série de atos miraculosos de Deus, por meio dos quais ele redimiu, libertou e sustentou o seu
povo. Leitores modernistas podem ler o texto de diversas maneiras para negarem a realidade
histórica. Podem, inclusive, rejeitar categoricamente o registro bíblico afirmando que as pa-
lavras não passam de um embelezamento exagerado prodizidas por poetas que glorificavam
indevidamente seu modesto passado; ou podem aceita-lo como uma recitação de uma his-
toriografia. Tais julgamentos situam-se no campo da rejeição do sobrenatural por parte dos
críticos, e não nos estudos científicos históricos.
8.10. O fato de Moisés ter se auto elogiado, não demonstra que ele não seria o autor do
livro de Números?
O texto em questão diz o seguinte: “Era o varão Moisés mui manso, mais do que todos os ho-
mens que havia sobre a terra” (Nm 12.3). Os críticos levantam objeções contra este texto alegando
que, caso Moisés fosse o autor não estaria ele agindo orgulhosamente? E tiram a conclusão, que
Moisés não pode ter sido o autor. Outro argumento apresentado é o fato de que a passagem está na
terceira pessoa, mas, esta questão de o texto estar “na terceira pessoa” já discutimos anteriormente.
Se raciocinarmos desta maneira o próprio Jesus deve ser acusado de orgulhoso, veja-
mos: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração;
e achareis descanso para a vossa alma”. (Mt 1.29). Este texto nos mostra que Jesus se auto-in-
titulou “manso e humilde”, estaria sendo Jesus orgulhoso? De forma semelhante o apóstolo
Paulo se refere a si mesmo (2 Co 11.5; 12.11,12). O fato de Moisés declarar ser manso coaduna
com o contexto deste texto onde queriam que Moisés se irasse, pelo fato de outras pessoas
estarem profetizando. Basta analisar sua biografia nos textos bíblicos e veremos que diante de
situações complicadas Moisés demonstrou mansidão.
Assim, o que temos são apenas uma narração de fatos. A palavra “manso” é ‘anaw ( wn”[))
cuja tradução pode ser “pobre, humilde, aflito, fraco”.
O uso que Moisés faz da palavra para descrever-s a si próprio (Nm 12.3) não revela
arrogância, mas apenas relata sua posição: de absoluta dependência de Deus (cf. a
afirmação de Paulo em At 20.19). Dentre todos os homens Moisés era o que estava
relacionado com Deus da forma mais íntima... Os humildes consideram e experi-
mentam Deus como seu libertador (Sl 10.17; 76.9,10). (HARRIS, 1998, p. 1144-1145).
Não se pode descartar a hipótese deste versículo ter sido um acréscimo posterior por
parte de um redator ou revisor, que foi orientado pelo Espírito Santo.
8.11. Se Deuteronômio 34 descreve a morte de Moisés, não demonstra ter sido o livro
todo escrito por outra pessoa que não seja Moisés?
Erroneamente tanto Josefo como Filo acreditavam ter Moisés escrito sua própria morte.
No Talmude já temos a opinião de que os oito últimos versículos de Deuteronômio foram
escritos por Josué.
W. Gunther Plaut, The Torah: A Modern Commentary (Nova Iorque: Union of Ameri-
can Hebrew Congregations, 1981), p. 1580, comenta: “Opiniões tradicionaisvariam quanto
à autoria do capítulo 34 de Deuteronômio. Segundo um, toda a Torá foi escrita por Moisés,
incluindo todo o último capítulo; de acordo com outro, Josué escreveu os versículos 5-12; en-
quanto Ibn Ezra atribuiu todo o capítulo a Josué. Ele apresentou duas razões: o uso da terceira
pessoa no capítulo 34 e o silêncio do texto sobre o retorno final de Moisés ao monte.”
Filo, o filósofo Alexandrino, é convencido que o Pentateuco inteiro é um trabalho de
Moisés, e que o último escreveu uma nota profética de sua morte sob a influência de uma
inspiração divina especial (De vita Mosis, ll. II, III em “Ópera”, Geneva, 1613, pp. 511, 538).
Quanto a Moisés ter escrito o relato de sua morte, o Talmude em um parágrafo chamado Baba
Bathra 14b, declara que Moisés não escreveu o texto referente sua morte.
Embora esse tratado seja considerado “destituído de valor histórico, tardio na
época de composição e desacreditado pelo seu próprio conteúdo”, pode, no en-
tanto, refletir corretamente uma convicção mantida por muitos judeus na sua
época e provavelmente durante séculos anteriores a eles. Sem dúvida, ele influen-
ciou o pensamento de autores posteriores acerca da autoria dos livros e destaca o
critério de canonicidade já expresso por Josefo: somente os livros que podem le-
gitimamente reivindicar origem profética têm o direito de ser incluídos no cânon.
(BRUCE, 2008, p. 41).
493. “Números 33 identifica 42 lugares, 16 dos quais não aparecem em nenhum outro texto bíblico. Muitos
desses locais não podem ser mais identificados, talvez por serem paradas de caravanas não povoadas,
cuja importância estava baseada apenas na disponibilidade de água.” (Bíblia de Estudo Arqueológica,
2013, p. 237).
298
Da mesma forma sem muito esforço podemos responder a estas críticas; vejamos: 1)
Essa interpretação deve ser rejeitada, porque pressupõe que os números, em seu contexto,
não são confiáveis. 2) Essa interpretação somente seria aceitável se julgarmos que os leitores
originais compreendiam a natureza figurada dos números, o que o contexto não confirma. 3)
Neste caso, Números 1.20-43 enumeraria 598 clãs, abrangendo 5.550 homens. No entanto, a
soma de Números 1.46 (cf. Êx 38.26; Nm 2.32) lista não apenas 598, mas seiscentos ‘eleph e
três ‘elaphim (e quinhentos e cinquenta). Além disso no contexto de contagem, a palavra pa-
rece significar “mil”, especialmente no censo de Números 1-4, onde o número de milhares é
sempre seguido pelo número de centenas (com a exceção do valor de 22.000, em Nm 3.39).494
Alguns estudiosos buscam entender ’eleph no sentido de “complexo familiar” ou clã,
incrementando-se a contribuição de cada “família” a cinquenta e não apenas cinco. O que
aproxima um pouco mais a realidade do contingente militar necessário, em cerca de 30.150
para a guerra.
Enfim, qualquer solução proposta que reduza os números grandes apresenta outras
dificuldades. Um pequeno grupo israelita dificilmente teria obtido as imensas quantidades
de materiais preciosos (mais de 900 quilos de ouro!) para a construção do Tabernáculo (Êx
38.24-29). A arqueologia nos informa que o Faraó Merneptha encontrou Israel como um povo
significativo em aproximadamente 1230 a.C. O número de soldados necessários para invadir
Canaã certamente era superior a alguns poucos milhares. Além disso, a atribuição de meio
ciclo para cada guerreiro, em Êxodo 38.26, parece confirmar o número literal de 603.550.495
Seja qual for a maneira em que analisemos essas dificuldades, está claro que os antigos
israelitas tinham maneiras de tratar os números que nos deixam confusos. A Bíblia é um li-
vro antigo, proveniente de uma cultura antiga, e não podemos pressupor que os dados nela
contidos se alinhem aos métodos e indicadores estatísticos dos dias de hoje. É importante
compreender que o relato bíblico não é errôneo nem deliberadamente enganoso, apenas não
sabemos como os israelitas registravam censos, fossem militares, fossem levíticos. (Bíblia de
Estudos Arqueológica, 2013, p. 197).
494. Conforme Archer Jr comenta “os que apoiam este ponto de vista que ’eleph significa “contingente fami-
liar” supõem que estas passagens de Números tenham sido tiradas de registros antigos e fragmentários
dum recenseamento antigo (talvez da época de Davi ou até antes desta época), mal entendidos e refeitos
por tradicionalistas posteriores, ou pelos próprios redatores sacerdotais. Estas contribuições posteriores,
portanto, teriam acrescentado os números menores (centenas, dezenas e unidades) às numerações de
“famílias”. Mas mesmo esta hipótese improvável não é plausível à luz das circunstâncias. Supondo que o
total de 603.550 citado em Números 1.46 represente uma cifra original de 603 famílias, com uma média de
cinco homens cada, como é que tal população de 3.015 homens; pudesse ter amedrontado o rei do Egito
por causa do seu grande número?” (ARCHER, 2003, p. 165-166).
495. Este ponto foi amplamente extraído da Bíblia de estudo Defesa da Fé. Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p. 226-228.
299
CAPÍTULO 5
por outro lado, trouxeram novos conhecimentos e nova percepção, que levaram a uma refor-
mulação dos conceitos de “hipótese” e de “documento”.
O consenso que a Hipótese Documentária e suas variantes obtiveram, durou cerca de um
século (1880-1980). O consenso moderno acerca da formação do Pentateuco tem sido quebra-
do, contudo, não substituído. Algumas visões ainda permanecem como hipóteses de trabalho.
O século XX e XXI tem testemunhado uma reação vigorosa contra Wellhausen e a Hipótese
Documentária, e a confiança geral nela tem sido minada, mesmo em círculos liberais. Mesmo
assim, nenhum outro relatório sistemático da origem e do desenvolvimento do Pentateuco tem
sido formulado de maneira tão lúcida e convincente que pudesse comandar a aderência geral
do mundo estudioso. Por falta duma teoria melhor, portanto, a maioria das instituições não
conservadoras continuam a ensinar a teoria wellhausiana, pelo menos no seu arcabouço geral,
como se nada tivesse acontecido nas pesquisas vetero-testamentárias desde o ano 1880.
Gleason L. Archer, levanta uma importante pergunta: Como se pode caracterizar a ten-
dência dos estudiosos do século vinte, no seu trato da crítica do Pentateuco e da hipótese de
Wellhausen? E responde:
No mínimo, precisa ser considerado um período de reação contra a estrutura com-
pacta e bem fechada erigida pela Teoria Documental do século dezenove. Quase
todos os pilares que a apoiavam foram sacudidos e esmigalhados por uma geração
de estudiosos que foram criados dentro da teoria Graf-Wellhausen, e que acharam
que é insuficiente para esclarecer a data do Pentateuco. Ao mesmo tempo, precisa
ser reconhecido que, na sua maior parte, mesmo os estudiosos que rejeitaram Wel-
lhausen não demonstraram nenhuma tendência de abraçar um ponto de vista mais
conservador quanto à origem dos livros de Moisés. Minaram as defesas e derruba-
ram os baluartes que protegiam a Hipótese Documental, mas chegaram a gravitar
marcadamente na direção de posições ainda mais implausíveis do que as defendi-
das por seus predecessores. (ARCHER, 2003, p. 491).
Esta postura por parte dos pesquisadores, é ilustrada por H. H. Rowley em The Growth
of the Old Testament, 1950, p. 46, vejamos:
Que esta teoria (de Graf-Wellhausen) é rejeitada totalmente ou em parte pela grande
maioria, é indubitavelmente verdade, mas não há outro ponto de vista para substi-
tuí-la que não fosse tão enfaticamente rejeitado... O ponto de vista Graf-Wellhausen
não passa duma hipótese funcional, que pode ser prontamente abandonada quando
uma teoria que satisfaça de um modo melhor é descoberta; não haverá vantagem,
porém, em abandoná-la até então. (apud ARCHER, 2003, p. 473).
Na Inglaterra e nos Estados Unidos, porém, a regra de Wellhausen continua mais ou me-
nos suprema na maioria das escolas não conservadoras das antigas denominações. Por este
motivo, precisamos tratar a Hipótese Documental como um assunto em foco até aos dias de
hoje, apesar de que até os estudiosos liberais no continente da Europa já desferiram golpes qua-
se fatais a virtualmente todos os seus alicerces, como pudemos notar nos capítulos anteriores.
Dentre as funções do Pentateuco na comunidade pós-exílica destacavam-se, sua tarefa
de definir quem pertencia ou não a comunidade. E também regulamentar o funcionamento
dos órgãos de poder e a posição dos grupos sociais. (SKA, 2003, p. 242).
De maneira geral, a reconstrução “wellhausiana” ainda domina o território, embora
tenha passado por muitas transformações – algumas drásticas – e pode-se dizer que
sobrevive apenas por falta de uma alternativa abrangente e convincente – que não
seja a tradicional! (BRUCE, 2008, p. 106).
301
Em suma ainda que as abordagens modernas tenham recuado em suas alegações, per-
manece o núcleo de suas preposições:
Apesar de toda essa divergência de opinião, a abordagem crítica moderna do Pen-
tateuco em geral ainda prende-se à terminologia da antiga hipótese Documentária,
simplesmente por não haver nada que possa substituir, na crítica moderna, como
a explicação humanística, de como estes livros vieram à existência. Na verdade, ela
tomou-se uma “ortodoxia” entre os estudiosos do AT. Se estas doutrinas gerais fo-
rem aceitas, então o Pentateuco, em sua condição atual, não pode ser aceito como
um testemunho autêntico dos eventos espaciais e temporais ocorridos nos dias dos
patriarcas e de Moisés. (TENNEY, 2008, p. 901).
496. CHILDS, B. S. Introduction to the Old Testament as Scripture. Filadélfia: Fortress, 1979, pp. 202-225. Este
livro de Childs foi um dos mais pesquisados na década de 1980 segundo: Tremper Longman, Old Testament
Commentary Survey, 2nd ed. (Grand Rapids: Baker, 1999), p. 19. Childs foi professor na Universidade de
Yale, de 1958 até se aposentar em 1999. Childs teve uma influência positiva significativa na teologia bíblica,
insistindo que os intérpretes devem ser cristãos que veem o texto como Escritura e consideram a forma
final do cânone como norma de interpretação. No entanto, ele defendeu muitos pontos de vistas liberais
303
Polzin497 (análise estrutural). Tem se buscado também o método exegético da “leitura confli-
tual” que considera a ótica social, econômica, política e ideológica nos estudos do Pentateuco.
Rolf Rendtorff através de uma palestra em um congresso em Edimburgo, Escócia nos
dias 2 e 6 de julho de 2006 que teve como título498 “O que aconteceu com o ‘Javista’? Retoman-
do o tema trinta anos depois”, nessa palestra ele comenta que desde 1974 ele vem negando
a Hipótese Documentária, e desde então ele tem observado refinamentos nas pesquisas Ja-
vistas, e um intenso debate por parte dos pesquisadores em torno do pilar da hipótese que
é justamente o Javista. Ele observa que ainda existem pesquisadores como Richard Elliott
Friedman499 que sustentam a hipótese original das fontes, e outros que defendem uma hipó-
tese reduzida eliminando o Eloísta e concentrando as pesquisas no Javista deslocando-o para
uma época mais recente do Deuteronomista (exílio babilônico) como fazem John Van Seters
e Hans Heinrich Schmid. Por fim um grupo recente devido encontrar dificuldades em identi-
ficar o Javista tem começado a questionar quase tudo sobre sua existência. Assim, ele termina
seu artigo com as seguintes palavras “Novamente: O que aconteceu com o Javista? A resposta:
desapareceu e levou com ele o edifício no qual ele habitava, porque não há ali outros mora-
dores”. Enquanto o Sacerdotal e a teologia Deuteronomista são claramente identificáveis no
Pentateuco, quase tudo sobre o Javista começa a ser questionado: sua época e dimensão, sua
coerência interna, características teológicas, enfim, sua existência como tal.
Muitos estudiosos abandonaram a hipótese de uma fonte J ou E. A existência da fonte E
tem sido há muito questionada. Na primeira metade do século XX, a ausência de caracterís-
ticas distintivas da fonte E e as dificuldades em isolá-la de J já sugeriram, para alguns, que ela
deveria ser abandonada. O isolamento do material sacerdotal permanece sendo a hipótese
mais duradoura da Hipótese Documentária. No entanto, háconsiderável discordância sobre
a extensão do documento sacerdotal. O documento sacerdotal parece ter agregado cada vez
mais material ao longo do tempo
A investigação atual é marcada por um distanciamento da teoria Documentária e
por uma ruptura com a mesma. A tendência atual da investigação é a de retornar
aos antigos modelos representados pelas hipóteses fragmentária e complementa-
ria. Estão em alta especialmente os métodos sincrônicos de análise, baseados nas
sobre a Escritura, negando que Moisés escreveu o Pentateuco e vendo elementos da mitologia pagã na
Bíblia. “Childs deixa de lado a abordagem canônica a favor da crítica das fontes. Ele coloca seu material
sobre sacerdotes e o culto após os seguimentos proféticos em vez de po-lòs junto com a análise sobre a
Lei.” (HOUSE, 2005, p. 59). Dois livros de Childs que aborda sua metodologia canônica são: The new Testa-
ment as Canon: an introduction (O Novo Testamento como cânon: uma introdução), 1984; e Old Testament
theology in a canonical context (Teologia do Antigo Testamento no contexto canônico), 1985. O livro que
marcou o apogeu de Childs em mais de duas décadas de reflexão sobre a teologia bíblica foi: Biblical Theo-
logy of the Old and New Testaments: theological reflection on the Christian Bible (Teologia Bíblica do Antigo
e do Novo Testamento: reflexão teológica sobre a Bíblia cristã), 1992.
497. POLZIN, R. Moses and o Deuteronomist: A Literary Study of the Deuteronomic History. Nova York: Seabury,
1980, pp. 25-72.
498. What Happened to the “Yahwist”?: Reflections after Thirty Years. Disponível em: http://sbl-site.org/publica-
tions/article.aspx?articleId=553. Acesso em 13/03/2012.
499. Friedman é da opinião de que a fonte P foi composta durante o tempo de Ezequias. P, por exemplo “enfatiza
a centralização da religião: um centro, um altar, um tabernáculo, um lugar de sacrifício. Quem foi o rei que
começou a tal centralização? O rei Ezequias.” De acordo com Friedman, e outros que seguem as teorias de
Julius Wellhausen sobre a formação da religião de Israel, P é o trabalho do sacerdócio de Arão. Eles são os
sacerdotes em posição de autoridade no altar central - nem de Moisés, nem de Corá, nem quaisquer outros
levitas. Somente os descendentes de Arão podem ser sacerdotes. Friedman, em seguida, continua a dizer
“P sempre fala de dois grupos distintos, os sacerdotes e os levitas. Quem foi o rei que formalizou as divisões
entre os sacerdotes e levitas?: rei Ezequias. Crônicas relata explicitamente (2 Cr 31.2). Sua grande obra foi:
Who Wrote the Bible? (Harper San Francisco), 1987.
304
Com isso, dada a incerteza da exegese do Pentateuco, alguns comentários relatam com
brevidade e até mesmo evitam os resultados das pesquisas de crítica de fonte, alegando que tal
305
500. Depois de estudar em Tübingen, St Andrews, Marburg e Göttingen e ser vigário na Igreja Morávia foi as-
sistente de pesquisa em Göttingen em Levin Rudolf Smend (Jr.). Ele recebeu seu doutorado com uma tese
sobre a teologia do pacto. Sua tese de habilitação foi sobre o Javista. Desde 1998 é professor em Munique.
501. O que aconteceu com o Javista na atual pesquisa do Pentateuco? Ele desapareceu e levou consigo a
Hipótese Documentária, explica Rolf Rendtorff. Disponível em: http://www.airtonjo.com/blog/2006/08/o-
-que-aconteceu-com-o-Javista-na-atual.html. Acessado em 24/10/06.
502. Esta colocação pode se estender não só ao estudo do Pentateuco, mas de certa forma a toda a teologia. O
Liberalismo parece não ter sido satisfatório e principalmente não ter apresentado respostas sólidas.
306
que sustentavam a história das origens de Israel (anfictionia, aliança, santuário central, sistema
das doze tribos) estar desacreditadas. Segundo Bentzen, a forte insistência na importância da
tradição oral foi o que levou a desconfiança na Hipótese Documentária (1968, p. 71). Deve-se
atentar para o fato de que o valor da tradição oral é influenciado pela época e circunstância em
que está se desenvolveu, por isso, não se deve supervalorizar nem desprezar sua eficácia. Pode-
mos aceitar sem medo, que a capacidade de memorizar dos povos antigos que não possuíam
escrita, era muito superior à nossa, habituada a pôr tudo por escrito, e no computador.
Com respeito ao cuidado e expressão religiosa da transmissão da tradição oral, vale sa-
lientar que:
As tradições antigas, que datam do início dos tempos concernentes à criação do
mundo, à origem da vida, às atividades dos patriarcas antes do Dilúvio etc., foram
provavelmente transmitidas com santo cuidado de boca em boca e de geração em
geração, ao longo de centenas de anos, em circunstâncias e contextos geográficos
muito diversos. Essas tradições eram um tipo de cânon, pois as pessoas que as
passavam adiante – talvez sacerdotes – devem ter crido que elas tinham origem na
direta revelação de Deus. Por conseguinte, esses “sacerdotes” provavelmente insis-
tiam que todos os mínimos detalhes fossem memorizados e repetidos com grande
cuidado. (BRUCE, 2008, p. 42).
As teorias sobre tradição oral afirmam que povos sem escrita podem transmitir com
fidelidade, e por várias gerações, genealogias ou histórias de seu povo. Conseguem
fazê-lo utilizando meios mnemotécnicos503 e o fazem com objetivo didático. Que-
rem transmitir suas tradições a seus filhos. (VOGELS, 2000, p. 24).
Uma teoria sobre a formação do Pentateuco que recentemente tem tomado vulto, é a
formulada por P. Frei em 1985, e posteriormente foi aceita por Frank Crüsemann,504 Erhard
Blum (que em um excurso anulou o argumento primário da teoria das fontes, que seria o
emprego dos nomes divinos) e R. Albertz. Esta teoria recebeu o nome de “autorização im-
perial”, devido à pressuposição de que o Pentateuco constitui-se em um documento que foi
apresentado as autoridades persas pelos sacerdotes e anciãos tendo Esdras como “comissário
imperial”, a fim de que fosse transformada em uma lei persa para todos os judeus do império,
e com isso a religião judaica passaria a ter legitimidade jurídica diante do império. Com base
em Esdras 7.25 vemos que o direito israelita é valido igualmente como direito persa, com al-
cance a todos que vivem na satrapia da Síria.
A teoria da “autorização imperial” se tornou uma influente teoria que relaciona o sur-
gimento do Pentateuco à situação de Judá no século V a.C. sob o governo imperial persa.
A instituição central na província persa pós-exílico de Yehud (o nome persa para o antigo
reino de Judá) foi o segundo templo reconstruído, que funcionava tanto como o centro admi-
nistrativo da província como o meio através do qual Yehud pagava os impostos ao governo
central. O governo central estava disposto a conceder autonomia às comunidades locais por
todo o império, mas era primeiro necessário para a pretensa comunidade autônoma apresen-
tar as leis locais para a autorização imperial. Isso proporcionou um poderoso incentivo para
503. A mnemotécnica é uma técnica de estimulação da memória. Seu nome vem da deusa da memória, Mnemosyne.
504. Frank Crüsemann, doutor em Antigo Testamento, foi professor na Kirchliche Hochschule Bethel, Ale-
manha, coeditor da Revista de Teologia Evangélica e Biblical Interpretation, e da Bíblia em Linguagem
Inclusiva. No Brasil duas de suas obras foram publicadas: Preservação da Liberdade - O decálogo numa
perspectiva Histórico-Social. Sinodal. E também: A Torá: Teologia e História Social da Lei do Antigo Testa-
mento. Vozes, 2002.
307
os vários grupos que constituíam a comunidade judaica em Yehud para chegar a um acordo.
Os principais grupos foram as famílias que desembarcaram e que controlavam as principais
fontes de riqueza, e as famílias sacerdotais que controlavam o templo. Cada grupo teve a sua
própria história das origens que legitimaram suas prerrogativas. A tradição dos proprietários
foi baseada na velha tradição Deuteronomista, que já existia pelo menos desde o século VI
a.C., e teve suas raízes mais cedo, e para as famílias sacerdotais foi composta a composição
“correta” e “completa” dos proprietários de terras. No documento final Gênesis 1-11 estabe-
lece as bases, Gênesis 12-50 define o povo de Israel, e os livros de Moisés definem as leis da
comunidade e sua relação com Deus.
Acredita-se que este período de reconstrução de Jerusalém, foi propício para que os judeus
reconstruíssem sua memória religiosa, através de escritos e reescritos, reunião de documentos,
agrupando-os e separando-os em blocos. Diversas coleções de textos, tradições orais, narrativas
e leis são organizadas em um conjunto de obras literárias. O Pentateuco surge assim, no pós-
-exílio como resultado do esforço de redatores e coletores que fundiram os textos.
Para Ska o nascimento do Pentateuco se deu devido às exigências internas da comu-
nidade pós-exílica, e os motivos que levaram a redação do Pentateuco devem ser buscados
em Israel, principalmente na província da Judéia, quando das reformas de Esdras e Neemias.
(2003, p. 239). Segundo Ska, tomando o Pentateuco por inteiro é possível saber quais as con-
dições para fazer parte do povo de Deus, que são: laços de sangue (genealogia) e o contrato
social (aliança). Assim o Israel pós-exílio quis através do Pentateuco não só ordenar a vida de
uma província do império persa, mas em primeiro lugar buscou preservar sua identidade.
Outra teoria que surgiu em torno de 1970, tem como precursor J. P. Weinberg. Esta teo-
ria é denominada de Bürger-Tempel-Gemeinde (Comunidade dos cidadãos unidos em torno
do templo). Segundo ele a comunidade pós-exílica de Jerusalém se organizava em torno do
templo, que segundo ele tinha status de um banco nos dias de hoje. Assim, segundo essa teo-
ria deve-se buscar a origem do Pentateuco nesta comunidade pós-exílica reunida em torno
do templo. Esta é basicamente uma unidade social que surge da união do pessoal do templo
com os proprietários de terra, criando um sistema econômico autônomo. Esta Bürger-Tem-
pel-Gemeinde cria uma sociedade dentro da sociedade, um restrito grupo privilegiado não
co-extensivo com a sociedade mais ampla da província.
Uma outra teoria recente que tem colocado a formação do Pentateuco numa época
muito tardia é a de Roger Norman Whybray (1923-1997) que “afirmou que o Pentateuco é
uma composição unitária escrita no século IV a.C., inspirada talvez pela obra grega de Heró-
doto, Histories.” (BLOCK, 2010, p. 182). Em sua obra The Making of the Pentateuch, 1987, faz
uma crítica amplamente detalhada da Hipótese Documentária. Whybray exclui o Deuteronô-
mio de sua análise. Esta obra esta dividida em três partes: Parte 1 examina a metodologia e os
pressupostos da crítica das fontes e da Hipótese Documentária; Parte 2 examina a metodo-
logia da crítica da forma e histórica, e a crítica da tradição desenvolvida por Noth e outros; e
Parte 3 estabelece suas próprias sugestões relativas ao processo pelo qual o Pentateuco veio
ser composto. Sua proposta alternativa era que o Pentateuco era essencialmente o trabalho
de um único autor que se inspirou em várias fontes e desconsiderava, ou ignorava, noções
modernas de consistência literária e de estilo e linguagem. O livro permaneceu a crítica mais
completa do Hipótese Documentária por pelo menos uma década a partir de sua publicação.
Whybray mantém a Hipótese Fragmentária, e acredita que estes fragmentos são de ori-
gem bastante recente, e que não necessita colocá-lo como parte de qualquer tradição israelita
antiga. O autor/redator é tido como um historiador nacional, ciente da história grega, e o
Pentateuco teria sido escrito em imitação consciente dos modelos gregos. Apesar de Why-
308
bray não aceitar a autoria mosaica do Pentateuco, sua obra é uma poderosa crítica a Hipótese
Documentária. Posteriormente escreveu outra obra sobre o Pentateuco: Introduction to the
Pentateuch,1995.
Whybray argumentou que dos três modelos possíveis (Documentário, Suplemen-
tar e Fragmentário) o Documentário era o mais difícil de se demonstrar, e que os modelos
Complementares e Fragmentários que haviam sido propostos se baseavam em processos re-
lativamente simples, lógicos e poderiam explicar a irregularidade do texto final, o processo
previsto pela Hipotese Documentária é complexo e extremamente específico em suas supo-
sições sobre o antigo Israel e o desenvolvimento de sua religião. Whybray passou a afirmar
que estes pressupostos eram ilógicos e contraditórios, e não tinham poder de oferecer uma
explicação verdadeira. Por que, por exemplo, deveriam os autores das fontes distintas evitar a
duplicação, enquanto o redator final a aceitaria? Assim, a Hipótese Documentária só poderia
ser mantida na hipótese de que, enquanto a consistência era a marca registrada dos vários
fontes e documentos, inconsistência era a marca dos redatores.
A Hipótese Documentária ainda tem muitos adeptos, principalmente nos Estados Uni-
dos, onde William Henry Propp505 produziu a tradução de dois volumes e comentários sobre
Êxodo506 para a “Anchor Bible Series” a partir de um quadro da Hipótese Documentária, e
Antony F. Campbell507 e Mark A. O’Brien508 terem publicado o livro Sourses of the Pentateuch,
1992 (Fontes do Pentateuco), apresentando o Pentateuco classificado em fontes contínuas,
seguindo as divisões de Martin Noth. Os livros do estudioso Richard Elliott Friedman509 Who
Wrote the Bible, 1987 (Quem escreveu a Bíblia) e The Bible with Sources Revealed,510 2003 (As
fontes reveladas da Bíblia) são, em sua essência, uma resposta estendida para Whybray, ex-
plicando, em termos baseados na história do antigo Israel, como os redatores poderiam ter
tolerado a incoerência, a contradição e a repetição, se isso de fato tivesse forçadoeles pelo
contexto histórico em que trabalhavam. A clássica divisão de quatro fontes de Friedman se
diferencia da de Wellhausen ao aceitar a datação de Yehezkel Kaufmann de P para o reinado
de Ezequias. Isso em si não é uma pequena modificação de Wellhausen, para quem a da-
tação tardia da P foi essencial para o seu modelo histórico do desenvolvimento da religião
israelita. Friedman argumentou que J apareceu um pouco antes de 722 a.C., seguido por E,
e um combinado JE surgiu logo depois disso. P foi escrito como uma refutação da JE (cerca
de 715-687 a.C.), e D foi o último a aparecer, no tempo de Josias (cerca de 622 a.C.), antes do
Redator, a quem Friedman identifica como sendo Esdras, reuniu o Pentateuco final. Fried-
man é da opinião de que a fonte P da Bíblia foi composta durante o tempo de Ezequias. P
505. William H. C Propp é um professor de história e estudos judaicos da Universidade da Califórnia, em San
Diego. Ele tem escrito sobre a Bíblia hebraica para revistas acadêmicas respeitadas como o Catholic Bibli-
cal Quarterly, o Journal of Biblical Literature, Vetus Testamentum, e Bible Review.
506. Exodus 1-18 (The Anchor Yale Bible Commentaries), 1999.
507. Professor Emérito de Antigo Testamento na faculdade jesuita Theological College.
508. O’Brien é membro do Departamento de Estudos Bíblicos e palestras em estudos do Antigo Testamento. Ele
também é professor visitante na Yarra Theological Union (Box Hill), e Faculdade de Teologia (Parkville). Ele
é um sacerdote da Ordem dos Pregadores (conhecido como os dominicanos).
509. Obteve seu doutorado em Harvard em Bíblia Hebraica. Ele também recebeu o grau de Mestre em Teologia
na Universidade de Harvard, o grau de Mestre em Literatura Hebraica no Seminário Teológico Judaico,
eo grau de bacharel em Filosofia na Universidade de Miami. Ele foi Professor Visitante na Universidade
de Cambridge e Oxford, foi membro sênior das Escolas Americana de Pesquisa Oriental, em Jerusalém,
e professor visitante na Universidade de Haifa. Ele participou no projeto Cidade de David e escavações
arqueológicas de Jerusalém bíblica. Ele é agora Professor de Estudos Judaicos da Universidade da Georgia,
e é o Professor Katzin of Jewish Civilization emérito da Universidade da Califórnia, em San Diego.
510. Este livro é muito interessante, e traz o Pentateuco de forma fracionada, delimitando as fontes J, E, P e D
através de cores.
309
511. O método diacrônico faz um estudo do texto através (dia) do tempo (chronos) em busca do passado, vi-
sando entender o processo histórico da formação dos textos bíblicos, para a partir daí analisar o sentido
dos mesmos. Parte das pequenas partes, para formar o todo. Sua preocupação esta na origem do texto, sua
história e sua evolução. Tem como interesse o autor, pois é ele que fornece o sentido do texto. Este método
faz a seguinte pergunta ao texto: Como as partes se uniram para formar o todo? Este método faz distinção
entre o que é, de fato, histórico na literatura do Antigo Testamento e o que é querigma (confissão).
512. A abordagem sincrônica se concentra no texto final tal como o temos hoje. Essa abordagem possui um
cunho mais literário e menos histórico. Ela faz a seguinte pergunta ao texto: O que se pode discernir a par-
tir da forma final do texto? “Tal abordagem não nega que o texto atual tenha podido ter uma pré-história,
não propõe tampouco que o texto seria de um só autor, que tê-lo-ia escrito sem fontes anteriores. Afirma,
simplesmente, que o texto esta ai.” (VOGELS, 2010, p. 20).
310
ples, assim como a disposição de cânones críticos da exegese também não é pura e
simples... Assi, por exemplo, a exclusão das dimensões teológicas da investigação
interpretativa empobrecerá uma leitura historicamente orientada de um texto ao
limitar a conceituação do que está em jogo no contexto histórico. (BRIGGS, Richard
S.; LOHR, Joel N., 2013, p. 19, 25).
513. Em sua obra Biblical theology in crisis, 1970 (Teologia Bíblica em crise), Childs afirmou que chegou o tem-
po de caminhar rumo a novas direções. Ele propôs tornar o cânon a ordem hebraica dos livros, o contexto
para a teologia do Antigo Testamento. A partir destas Escrituras estabelecidas, autoritativas e reveladas é
possível achar os dados necessários para a Teologia Bíblica. Em sua obra Introduction to the Old Testament,
1980 (Introdução ao Antio Testamento), Childs se esforça em escrever uma teologia bíblica que levasse a
sério o pano de fundo histórico do Antigo Testamento e do Novo Testamento, e estabelece o ponto de par-
tida para a reflexão teológica, ou seja, a forma final do cânon.
311
análise das fontes, do comentário histórico ou de uma interpretação normativa. Esta forma
de interpretação sincrônica (análise literária, análise narrativa, crítica retórica - que captam o
texto como unidade literária coerente, ideológica e teologicamente unificada) foi duramente
condenada durante as pesquisas em torno do Pentateuco, que empregavam uma interpreta-
ção diacrônica (histórico - crítica) ao texto.
Todas hipóteses, seja a dos fragmentos, seja a dos complementos ou ainda a dos docu-
mentos, pertencem aos métodos histórico-críticos. Têm uma preocupação histórica. Quer se
busquem os fragmentos, as fontes, os documentos, as tradições, os níveis ou estágios do texto,
com suas datações correspondentes, está-se a procura da origem do texto, de sua história e
evolução. Estas são abordagens diacrônicas. Essa abordagem centra-se também sobre o au-
tor. Essa abordagem diacrônica, no entanto, negligencia o outro aspecto do texto, sua forma
final, a que ele apresenta hoje a seus leitores
Com a abordagem sincrônica, os pesquisadores têm se voltado cada vez mais para o
texto tal como o temos hoje, ou seja, seu estado final, ao invés de se aventurarem em uma
reconstrução das fontes, ou na história da composição do texto.
Conforme Dillard:
Os autores que seguem esse caminho estão mais interessados nas questões de orga-
nização, imagens e temas, caracterização, desenvolvimento de enredo, ideologia e
ponto de vista. Em vez de fragmentar o texto conforme ele se configure em conteú-
dos antigos e recentes, essas abordagens enfatizam o plano global, a coerência e a
habilidade autoral do texto lido como uma unidade. (DILLARD, 2006, p. 119).
Essa abordagem sincrônica vê o texto final como uma unidade, que o autor ao produzi-lo
utilizou-se de estratégia retórica e técnicas literárias já disponíveis em sua época. Com isso não
se nega que o texto contenha elementos diacrônicos, pois por muitas vezes os autores do Antigo
Testamento lançaram mão de fontes disponíveis em sua época. “Coletar, copiar e editar fontes
escritas e orais era uma dimensão do processo orgânico de inspiração.” (PRATT, 2004, p. 266).
Alexander expõe de forma muito clara os motivos que levaram a negligenciar o estudo
do Pentateuco e a importância de estudá-lo em sua forma final:
Relativamente pouco se diz sobre a forma final do Pentateuco. A maioria dos es-
tudos focaliza nas fontes subjacentes ao texto presente. É possível que três fatores
tenham contribuído para essa falta de interesse no Pentateuco como o recebemos:
a) No passado os estudos da crítica das fontes costumavam retratar os primeiros es-
tágios da composição do Pentateuco como os mais interessantes e importantes. Em
contraste acentuado com isso, a contribuição do editor final era considerada insig-
nificante. Em decorrência disso, havia pouco incentivo para o exame detalhado da
obra. Além disso, quando os estudiosos de fato a consideravam, era comum olharem
para o material designado especificamente a ele. Acreditava-se na inadequação ou
inutilidade de considerar o Pentateuco uma unidade a fim de estabelecer o entendi-
mento do redator final. b) Muitos estudiosos parecem pressupor que a explanação
detalhada da pré-história do Pentateuco revele a totalidade do que precisa ser co-
nhecido acerca do texto recebido... Precisamos reconhecer que o Pentateuco – como
o temos hoje – é muito mais que a soma das suas partes. c) Os estudiosos tendem a
considerar o estudo do Pentateuco na forma final algo menos exigente, e, por conse-
quência, de menor valor acadêmico, que a investigação das fontes hipotéticas. Essa
argumentação, no entanto, é enganosa. O valor da forma final do Pentateuco não
deveria ser julgado com base na facilidade ou em outra forma de estudá-lo. Antes,
esse estudo deveria ser realizado pela importância inerente do texto como o rece-
312
bemos. Enquanto alguns ainda não levam a sério o estudo do Pentateuco na forma
final, é alentador ver o crescente número de estudiosos que agora reconhece a im-
portância de fazê-lo. (ALEXANDER, 2010, p. 17-18).
Alexander enumera as razões pelas quais deve se buscar uma abordagem que dá proe-
minência a forma final do Pentateuco, de forma resumida apresento a seguir:
1. Esta é a forma em que o texto foi recebido. Não importa o processo de composição,
ele é agora uma obra literária unificada. O Pentateuco reflete a totalidade da perspec-
tiva do editor final.
2. O estudo do Pentateuco na sua forma final deve ter prioridade sobre a abordagem da
crítica das fontes e das formas.
3. Novas abordagens literárias ao estudo da narrativa hebraica fornecem percepções
renovadas do significado de muitos textos do Pentateuco.
4. A compreensão clara da forma final do Pentateuco é importante caso queiramos
apreciar sua influência sobre os autores posteriores. (ALEXANDER, 2010, p. 18).
Dentro da mesma perspectiva aponta Clines para uma abordagem do Pentateuco em
sua forma final:
Visto que as soluções para os problemas da origem do Pentateuco em grande par-
te continuam especulativas ou pelo menos hipotéticas, na ausência de quaisquer
documentos dos quais o Pentateuco possa ter sido compilado, muito da atividade
erudita nessa área tem sido mal direcionada. Assim, é mais importante, tanto do
ponto de vista religioso quanto do literário, tentar interpretar o Pentateuco assim
como o temos do que debater questões acerca de sua pré-história literária. Com isso,
não estamos negando que a origem do Pentateuco seja um legítimo campo de pes-
quisa, nem que hipóteses aceitáveis do processo de sua formação possam esclarecer
o texto na sua forma final. O ponto em questão é o das prioridades. (CLINES, David
J. A. In: BRUCE, 2008, p. 114).
questões pré-textuais, por mais valiosas que sejam para o entendimento do texto, são servas
do texto que vem influenciando leitores há séculos.
Outro estudioso de repercursão que apoiou o cânon final foi, Rolf Rendtorff, aluno de
Von Rad. Rendtorff questionou a crítica das fontes e empregou a análise canônica como novo
paradigma para a exegese e a reflexão teológica. Sua análise canônica se encontra em sua
obra Canon and Theology: overtures to na Old Testament theology, 1993, (Cânon e Teologia:
introdução a teologia do Antigo Testamento). Para ele, uma abordagem exegética deve levar
em conta o texto fival, vejamos: “O objetivo de qualquer interpretação tem que ser, em abso-
luto primeiro lugar, o texto recebido da Bíblia hebraica.” (apud HOUSE, 2005, p. 64). E destaca
que o ponto mais forte da abordagem canônica é que ela trata de “unidades maiores (do texto
recebido), como livros bíblicos e até mesmo o cânon como um todo.” (p. 64). Os esforços de
Childs e Rendtorff tornaram a anásile canônica convincente e importante para os fururos es-
tudos do Antigo Testamento.
Segundo Rendtorff:
A forma final dos livros do Antigo Testamento e as intenções teológicas nela ma-
nifestadas devem ser levadas a sério e de maneira totalmente diferente do que
aconteceu até agora na pesquisa do Antigo Testamento. Não obstante, em minha
opinião, isso não precisa levar a uma antítese fundamental em comparação a outras
aproximações metodológicas. (2001, p. 196).
Devido os resultados da abordagem literária (ex. Gênesis ter uma unidade literária que
exibe um brilhantismo artístico quando analisado de acordo com os cânones da própria cul-
tura semita) cada vez mais a crítica das fontes tem se tornado irrelevante. Durante alguns anos
ainda poderemos ver defensores buscando argumentos em prol da crítica das fontes, mas de-
vido os avanços nas pesquisas literárias e no cânon final, pouco veremos de avanço produtivo.
Definitivamente podemos apontar para breve a morte da crítica das fontes.
Para Alexander o estado atual das pesquisas em torno da formação do Pentateuco esta
no seguinte patamar:
As últimas três décadas testemunharam a rejeição firme dos resultados que durante
as gerações anteriores de estudiosos pareciam estabelecidos. Atualmente há muita
314
incerteza a respeito de como e quando o Pentateuco foi composto. Até se poderia per-
guntar, dado o conhecimento presente, se de fato é possível determinar com alguma
certeza o processo pelo qual o Pentateuco foi composto. (ALEXANDER, 2010, p. 17).
Clines, aponta que o futuro ainda nos reserva incertezas quando as pesquisas acerca da
formação do Pentateuco, vejamos:
Todos os sinais no momento apontam para o fato de que essa hipótese está sendo
lançada novamente no crisol e que atualmente ninguém pode predizer com certeza
o que vai ser a forma da crítica do Pentateuco nas próximas décadas. (CLINES, David
J. A. In: BRUCE, 2008, p. 116).
O estado atual das pesquisas em torno do Antigo Testamento, é de que, quase não há
qualquer acordo sbre a maneira de alcançar objetivos comuns. “A metologia a ser adotada
deve defender um tema único ou elementos distintivos bipolares? Deve-se examinar o AT
canonicamente ou de acordo com a história de Israel reconstruída?” (HOUSE, 2005, p. 66).
Ficou evidente, que temos diante das pesquisas pentateucas perguntas, que os pesquisa-
dores não conseguem encontrar respostas definitivas. É hora de abordar o texto propriamente
dito, tal como nos é apresentado. Fica um desafio para nossa geração e as que virão, respon-
der perguntas que se levantam no estudo do Pentateuco, perguntas estas que tem se buscado
responder como pudemos ver durante boa parte da história da Igreja, que geraram um verda-
deiro “cabo-de-guerra”. São elas: Qual a extensão das inserções pré-mosaica e pós-mosaica?
O que é pré-Moisés, Moisés e pós-Moisés?
315
CAPÍTULO 6
514. Devemos tomar como ponto de partida o seguinte lema: O olho externo para as coisas externas, o olho
interno para as coisas internas. Essa me parece ser uma regra natural a ser seguida.
515. Este jogo de palavras teve início com os britânicos na seguinte forma: O Pentateuco é mosaico, ou um
mosaico? J. Sidlow Baxter, Explore the Book (Grand Rapids: Zondervan, 1960), I, p. 22.
516. Segue uma boa explanação sobre a etimologia do nome “Moisés” para fundamentação da historicidade
do mesmo: “o nome de Moisés (“Filho das Águas” no egípcio, “Tirando fora” em hebraico). Quanto a esta
etimologia egípcia mw-s; ou ‘filho d’água”, é verdade que comumente a ideia do possessivo se exprime no
Egípcio “A de B”, ou, neste caso, seria “s; mw”. Mas no caso de nomes próprios, os egípcios ocasionalmente
invertiam a ordem, como na História de Sinué, onde Ensi, filho de Amu, é chamado “Amu-sa; Ensi”. Ou, ou-
tra vez, na História do Camponês Eloquente, (também uma obra do Reino Médio), Rensi o filho de Meru é
chamado “Meru-sa; Rensi”. Quanto à etimologia frequentemente sugerida para Moisés, “Mose” – uma for-
ma abreviada de Ra’mose (Ramsés) ou Tutmose (“Gerado por Tote”), seria uma alternativa perfeitamente
aceitável se não fosse a implicação de Êxodo 2.10 que o nome que a princesa deu ao menino tivesse algum
significado na língua egípcia, em referência ao fato de ser achado na beira do rio. Naturalmente ainda há
a possibilidade de que o sujeito da palavra “ela” em Êxodo 2.10 não fosse a princesa egípcia, mas a mãe
de Moisés, que tinha sido empregada como sua ama. Isto eliminaria toda a necessidade de se descobrir a
etimologia egípcia. Mas isto também seria uma pressuposição que a mãe não lhe tivesse dado um nome na
ocasião da sua circuncisão, fosse a mãe que tivesse tido o privilégio de lhe dar o nome, e não sua nova mãe
adotiva. Estas três suposições seriam difíceis de se manter em face das circunstâncias, e seria melhor ficar
com a etimologia egípcia sugerida acima.” (ARCHER, 2003, p. 137-138). Ainda outros dados importantes
acerca deste assunto se dão pelo fato de que Moisés foi filho de pais israelitas na escravidão egípcia, e tinha
nome egípcio, como tinha outros israelitas do mesmo período – Hofni, Finéias, Merari, etc. Os judeus têm
uma lenda segundo a qual a princesa egípcia era Bitia (Bityâ) “filha de Faraó” (cf. 1 Cr 4.17,18). Seu nome
pode significar “filha” (bot) “de Yahweh” (Yãh), ou “filha de Tfyâ” (uma das filhas reais egípcias).
Vale ressaltar uma importante descoberta nos arquivos assírios em Nínive, a Lenda de Sargão. Sargão,
estabeleceu seu império na Mesopotâmia por volta de 2300 a.C. Sargão II (721-705 a.C.), um rei Assírio
posterior, provavelmente autorizou os escritos desta lenda. A lenda de Sargão concorda com várias carac-
terísticas encontradas nas narrativas do nascimento de Moisés. Após seu nascimento secreto, Sargão teria
sido posto numa “cesta de juncos”, que fora “coberta de piche” e colocada num rio. “Aqui, um tirador de
água”, resgatou a criança, adotou-o e o criou para ser fazendeiro. Certo dia, ele achou graça aos olhos da
deusa Istar e foi coroado rei. “Embora o relacionamento entre as narrativas sargônica e mosaica ainda seja
objeto de debate, os detalhes sobre o nascimento de Moisés são inquestionáveis e apresentam seu papel
316
heroico no plano de Deus. É importante levar em consideração que o conto ficcional encomendado por
Sargão II foi escrito bem depois da narrativa factual e bíblica do início da vida de Moisés.” (Bíblia de Estu-
do Arqueológica NVI, 2013, p. 87). Uma versão dessa lenda assíria foi descoberta entre os tabletes deTell
El-Amarna (que datam do tempo do Faraó Akhenaton, cerca de 1370-1353 a.C.), o que evidencia que a
história também era conhecida no Egito. Há três possibilidades: (1) A família de Moisés conhecia a lenda
assíria e usou-a para salvar o menino Moisés; (2) o faraó ficou tão impressionado com Moisés que escreveu
sua própria versão dessa história; e (3) não há nenhuma conexão entre os dois relatos.
Sargão estabeleceu a cidade de Agade, que na forma Acade deu seu nome ao território ao seu redor, e aos
seus habitantes, que ficaram conhecidos como acadianos.
O nome de Moisés, dado de acordo com a tradição da corte real egípcia, acrescenta credibilidade ao relato
bíblico da criança de pais hebreus, encontrada num cesto no rio, tirada das águas, recebida na família real,
e assim preservada para obra divinamente designada de livrar do Egito o povo eleito de Deus.
517. Para um desenvolvimento destes argumentos, consultar: (GOTTWALD, 1988, p. 26).
518. O Código da Aliança, Êx 20.22-23.33, é uma coletânea composta na qual facilmente se distingue uma parte
central, Êx 21.1-22.16, que agrupa “sentenças” ou “juízos”, mishpatim de direito civil e criminal: é o direito
de uma sociedade de pastores e lavradores.
317
menos uma breve reafirmação da evidência sólida, tanto interna como externa, de que o Pen-
tateuco inteiro é obra autêntica de Moisés, sob a inspiração do Espírito Santo.
Vale a pena notar que o significado de autoria, nos tempos antigos, é muito amplo (a
exemplo do que ocorre também em nossos dias). Por exemplo, de acordo com Jeremias 36.4,
Jeremias ditou a seu escriba Baruque as palavras que o Senhor lhe falara, e Baruque foi aque-
le que, de falo, as escreveu. Então quem deveria ser considerado o autor: Deus, Jeremias ou
Baruque? Enquanto muitos corretamente consideram Jeremias como sendo o autor, deve-se
lembrar que a mensagem originou-se de Deus e que as palavras foram registradas por Baru-
que. Portanto, nesse caso, houve três partes envolvidas no processo de escritura. Ou seja, o
autor simplesmente recebeu visões e escreveu palavra por palavra consoante o que ouviu e
viu em seu êxtase? Usou ele fontes escritas? Chegou ele a incorporar fontes orais? Igualmente,
quem foi o autor de fato? Com efeito, são realmente importantes essas indagações? Por quê?
A seguir buscarei responder a seguinte indagação: Que sólida evidência existe da autoria
mosaica do Pentateuco?
519. Elias Auerbach, Moses, (Detroit: Wayne State University Press, 1957), p. 7.
520. Ele não devia ser considerado um profeta no sentido usual do termo, através de quem Deus faz sua vontade
conhecida por meio de “visões” (mar’â, de ra’â, ver) e “sonhos” (hâlôm). Ao contrário, ele era uma pessoa
especial a quem Deus falava “boca a boca” (peh ’el-peh) ou “face a face”. Essa apresentação de Moisés como
o profeta por excelência indicava que ele era único como profeta e, como tal, servia ao Senhor da maneira
como nenhum profeta o fizera (Dt 34.10). Deve-se compreender que, servindo como porta-voz de Deus
da maneira como o fez, Moisés foi um meio de revelação como nenhuma outra pessoa referida no Antigo
Testamento tinha sido ou havia de ser.
521. Deve-se compreender que Moisés não oscilava do papel de profeta para o de sacerdote. As duas funções
eram interrelacionadas quando ele atuava como servo de Deus para selar o pacto no Monte Sinai. Enquan-
to como profeta ele revelava os atos pactuais de Deus, servia simultaneamente como sacerdote no altar (Êx
24.3-4). A obra sacerdotal de Moisés é belamente destacada no relato da adoração do bezerro de ouro. Moi-
sés engaja-se em intercessão sacerdotal em favor do povo desobediente (Êx 32.11-13). Ele vai mesmo ao
ponto de oferecer-se como substituto para Israel (32.32). Seu oferecimento não foi aceito, mas sua oração
intercessória foi efetiva (v. 34). Yahweh não destruiu seu povo. Depois que sua oração foi ouvida, Moisés
chamou os que foram poupados à penitência e à submissão.
318
319
Lembrai-vos da Lei de Moisés, meu servo, a qual lhe prescrevi em Horebe para todo o
Israel, a saber, estatutos e juízos.522
Negar a autoria de Moisés significa que todos os versículos acima citados são infunda-
dos e indignos de aceitação. Josué 8.32-34 registra que a congregação de Israel estava reunida
fora da cidade de Siquém, no sopé do monte Ebal e do monte Gerizim, quando Josué leu em
voz alta a lei de Moisés, escrita em tábuas de pedra, e os trechos de Levítico e de Deuteronô-
mio referentes às bênçãos e às maldições, como Moisés havia feito anteriormente (Dt 27 e 28).
Se a hipótese documentária estiver correta, esse relato também deve ser rejeitado por se tratar
de mera invencionice.
Dos 27 capítulos de Levítico, 20 começam com a fórmula: “Falou mais o SENHOR a Moi-
sés, dizendo” ou semelhantes. Em sua maioria, o Senhor manda que Moisés transmita uma
mensagem a Israel (1.1-3.17; 4.1-5.19) ou a Arão e seus filhos (6.9,25; 8.1,2). Ocasionalmente,
o texto diz que Deus falou com Moisés e Arão (11.1; 13.1; 14.33; 15.1). Pelo menos uma vez
Deus fala somente com Arão (10.8). Warning argumenta que estes marcadores ou fórmulas e
os discursos divinos contidos neles devem ser utilizados para determinar a estrutura do livro.
Warning, então, sugere que Levítico é um livro unificado, escrito por um único autor. (apud
BRIGGS, Richard S.; LOHR, Joel N., 2013, p. 153).
Partes do Pentateuco afirmam ter sido escritas por Moisés: a promessa de Deus de ex-
terminar Amaleque (Êx 17.14); a lei da aliança de Êx 20-24; 34 (especialmente 24.4 e 34.27); os
relatos das viagens de Israel como registradas em Números (Nm 33.1,2); e se não todo o livro
de Deuteronômio, pelo menos os capítulos. 27.1; 31.9. Moisés escreveu leis, registro de Deus
pactuando com Israel, experiências no deserto e canções.
Importante observar, que não é declarado explicitamente que Moisés escreveu o
livro de Gênesis; mas o testemunho das Escrituras é de que Moisés deve ser con-
siderado o autor de Gênesis. Não existe motivo válido pra se negar esta posição
escriturística; razões para a negação, tais como dizer que o povo não era capaz de
escrever na época do êxodo, não são dignas de crédito. Arqueologistas puderam de-
terminar a antiguidade da escrita, ate, pelo menos, 2500 a.C. Existem, no entanto,
razões bíblico-teológicas sólidas para se sustentar a autoria mosaica do Pentateuco.
(GRONINGEN, 2002, p. 104).
Os textos nas referências citadas acima fazem diferença entre o que Moisés escreveu ou
falou e o que foi escrito sobre ele. Há também alguns elementos não-mosaicos que uma leitu-
ra atenta torna evidente. As palavras de Gênesis 14.14 contêm o nome “Dã” para referir-se ao
lugar até aonde Abraão perseguiu os cinco reis que tinham invadido Sodoma. Este nome foi
dado somente no tempo dos juízes (Jz 18.29), o que implica que este versículo foi escrito (ou
editado) depois do tempo de Moisés.
Na opinião da escola crítica, esses livros não são, como livros, derivados de homens cujos
nomes eles levam, mas são cristalizações posteriores em torno dos núcleos do material
original, autêntico. No longo processo de redação eles foram submetidos a muitos acrés-
cimos que se supõe terem vindo por meio do impulso escatológico. (VOS, 2010, p. 347).
320
parte dos críticos que sustentam essa versão acredita que os ditos livros de Moisés foram
escritos por diversos autores anônimos, tendo início no século IX a.C. e terminando com o
“Código Sacerdotal”, por volta de 445 a.C., a tempo de Esdras lê-lo em voz alta na Festa dos
Tabernáculos (Ne 8). Outros especialistas, de modo especial os da escola da Crítica da Forma,
acham que só pequeníssima parte do Pentateuco foi escrita até o tempo de Esdras, ainda que
algumas partes tenham existido antes sob a forma de tradição oral, durante séculos, talvez
remontando ao tempo do próprio Moisés.
Muitos trechos do Pentateuco contêm frases, nomes e costumes do Egito, indicativos
de que o autor tinha conhecimento pessoal de sua cultura e geografia, algo que dificilmente
teria um escritor em Canaã, vários séculos depois de Moisés. Por exemplo, consideremos os
nomes egípcios: Potifar, Zafnate-Paneá, Asenate e Om, antigo nome de Heliópolis (Gn 37.36;
41.45 e 50). Também, pelas referências feitas com relação a certos materiais do tabernáculo,
deduzimos que o autor conhecia a península do Sinai. Por exemplo, as peles de texugo se re-
ferem, segundo certos eruditos, às peles de um animal da região do mar vermelho; a ‘onicha’,
usada como ingrediente do incenso (Êx 30.34) era da concha de um caracol da mesma região.
Evidentemente, as passagens foram escritas por alguém que conhecia a rota da peregrinação
de Israel e não por um escritor no cativeiro babilônico, ou na restauração do exílio, séculos
depois. Do mesmo modo, os conservadores mostram que o Deuteronômio foi escrito no pe-
ríodo de Moisés. O ponto de referência do autor do livro é o de uma pessoa que ainda não
entrou em Canaã. A forma em que está escrito é a dos tratados entre os senhores e vassalos do
Oriente Médio no segundo milênio antes de Cristo. Por isso, como pudemos ver em capítulos
anteriores é altamente questionável que a Alta Crítica e as Hipóteses Documentárias tenham
dado como data destes livros setecentos ou mil anos depois da época de Moisés.
Cristo e os apóstolos igualmente deram testemunho inequívoco de que Moisés foi o au-
tor do Pentateuco. Em João 5.46-47, Jesus disse: “Se vocês cressem em Moisés, creriam em mim,
pois ele escreveu a meu respeito.Visto, porém, que não crêem no que ele escreveu, como crerão
no que eu digo?”. De maneira semelhante, em João 7.19, Jesus disse: “Moisés não lhes deu a lei?
No entanto, nenhum de vocês lhe obedece. Por que vocês procuram matar-me?”. Se a confirma-
ção de Cristo de que Moisés foi de fato o autor do Pentateuco é descartada - como de fato o faz
a teoria da crítica moderna -, segue-se indubitavelmente a negação da autoridade do próprio
Cristo. Pois, se o Senhor estava enganado a respeito de uma verdade histórica desse tipo, po-
deria enganar-se também a respeito de princípios e doutrinas que estivesse ensinando. Em
Atos 3.22, Pedro diz a seus compatriotas: “Pois disse Moisés: ‘O Senhor Deus lhes levantará
dentre seus irmãos um profeta como eu; ouçam-no em tudo o que ele lhes disser.” (cf. Dt 18.15).
Afirmou Paulo, em Romanos 10.5: “Moisés descreve desta forma a justiça que vem da lei: ‘O
homem que fizer estas coisas viverá por meio delas’”. Mas a teoria JEDP de Wellhausen, e a
crítica moderna racionalista negam que Moisés tenha escrito quaisquer dessas coisas. Isso
significa que Cristo e os apóstolos estavam totalmente enganados ao julgar que Moisés as te-
nha escrito de fato. Assim, vemos que analisar Moisés como escritor do Pentateuco é assunto
da maior importância para o cristão.
Além dos testemunhos diretamente oriundos dos trechos bíblicos mencionados acima,
temos o testemunho de alusões fortuitas a acontecimentos ou questões da época, a situações
sociais ou políticas ou a assuntos relacionados ao clima ou à geografia. Quando todos esses fa-
tores são pesados de modo imparcial e correto, chega-se à seguinte conclusão: o autor desses
livros e seus leitores devem ter vivido no Egito. Além disso, esses fatores revelam que tiveram
pouco ou nenhum conhecimento direto da Palestina, dela sabendo apenas por meio de tradi-
ções orais, vindas de seus antepassados.
321
523. Os pontos são extraídos da magna obra: ARCHER, Gleason L. Enciclopédia de Dificuldades Bíblicas. São
Paulo: Vida, 1998.
322
524. Berseba era o proverbial limite sul de Israel, citado na expressão “de Dã (ao norte) a Berseba. “As evidên-
cias arqueológicas nos dizem que Berseba não fora encontrada até bem depois do período Médio Bronze,
sendo bem provável que Abraão e sua família não tivessem ocupado a área de forma permanente, mas ape-
nas como um local para peregrinação religiosa ou como uma espécie de acampamento para as migrações
sazionais. De fato, não há nada nas narrativas bíblicas que explicitamente relacionem Berseba com um
centro urbano até a época da conquista. Este local foi uma importante estalagem para os patriarcas, mas
não era desenvolvido a ponto de produzir restos que pudessem ser arqueologicamente reconhecíveis.”
(MERRILL, 2002, p. 33). “Durante as escavações em Tel Dan (Tell el-Qadi), iniciadas em 1966, o arqueólogo
A. Brian descobriu um lugar sagrado que foi identificado como um dos lugares estabelecidos pelo rei Jero-
boão I, no século X a.C. O altar foi reformado e expandido durante o reinado de Acabe e de Jeroboão II, nos
séculos VIII e VII a.C., respectivamente.” (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 504).
325
durante a reforma religiosa empreendida por Ezequias e por Josias. Isso teria induzido
à destruição de todas as cidades e vilas, incluindo-se Jerusalém. Ninguém cria leis cuja
implementação seja totalmente impossível de ser executada, por causa das condições
reinantes. A única época em que tal legislação poderia ter sido posta em vigor era a dos
dias de Moisés e de Josué – e possivelmente nos dias de Davi. (Já nos dias de Salomão,
o culto às relíquias nos “lugares altos” estava sendo praticado.).
525. A arqueologia mostra que Siquém, Betel, Gerar, Dotã, Jerusalém (Salém) e Berseba existiam nos dias de
Abraão, bem como as pentápolis do Jordão: Sodoma, Gomorra, Admá, Zeboim e Zoar. A Palestina ainda era
pouco habitada, com cidades cananeias localizadas na planície costeira e Esdrelom, e no vale do Jordão e
no mar Morto. “Em 1900 Siquém desenvolveu-se num centro urbano, quase duzentos anos após a chegada
de Abrão em Canaã (aprox. 2100). Na narrativa não existe sequer uma pista que nos indique que ali existiu
uma cidade nos dias de Abraão. Pelo contrário, parece que ele construiu um altar no local desocupado, o
qual mais tarde se tornou a cidade de Siquém.” (MERRILL, 2002, p. 20). É duvidoso que esta cidade tenha
ganho este nome ainda nos dias de Jacó. Sem dúvida, o seu nome foi dado em homenagem ao filho de
Hamor (Gn 33.19), o maioral do clã que vivia naquela região, mas esse nome, com certeza, não poderia
ter sido dado enquanto Siquém vivia. Siquém foi eclipsada por Siló na época dos juízes, e por Betel depois
do cisma. Na época dos juízes, Siquém foi tomada por elementos anti-Javistas, que se apegaram aos seus
velhos deuses estabelecendo um centro de culto a Baal. “A cronologia e a história da cidade de Siquém da
Idade do Bronze Tardio estão longe de ser um assunto resolvido. A ideia de que os labyus dominavam a
região montanhoa de Siquém é especulativa. Também há incerteza acerca de quando a primeira cidade,
na Idade do Broze Tardio, foi realmente construída. Isso pode ter acontecido após a conquista. Pode-se
concluir pelo silêncio de Josué 8 e 24 que não havia nenhuma cidade cananeia importante naquela época.
Josué 24 menciona um lugar com esse nome, mas não faz alusão a um encontro com os cananeus que ha-
bitavam a cidade. É difícil harmonizar as evidências bíblicos e arqueológicas de Siquém com uma história
coerente, e esse dilema é agravado por outras questões que cercam a data da conquista. Como sempre, os
pesquisadores têm sido sensatos ao evitar conclusões precipitadas.” (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI,
2013, p. 340).
526. Como o hebraico se tomou uma língua oficial, ele se desenvolveu das várias nuanças semíticas do no-
roeste. O Pentateuco contém arcaísmos que refletem uma forma linguística muito primitiva, até mesmo
pré-mosaica. Esta forma é preservada normalmente pela poesia, como na bênção de Jacó (Gn 49). Um
pouco da presente uniformidade do texto provém da modernização feita no período pós-mosaico. (TEN-
NEY, 2008, p. 905).
326
do Pentateuco, os críticos logo argumentam que eles apenas demonstram que Moisés os es-
creveu especificamente, mas não todo o Pentateuco, ou atribuem o papel de algum redator ou
copista. Mas ao usar textos tais como Gênesis 12.6; 14.14; 36.31; Deuteronômio 1.1; 34.5-12;
Êxodo 11.3; Números 12.3, etc., para justificar suas conclusões de que Moisés não é o autor do
Pentateuco não aplicam o mesmo critério, pois se assim fizessem teriam que admitir que tais
passagens não passam de interpolações explicativas de uma época posterior quando muito.
O livro de Deuteronômio nos oferecem referências a ocasiões que devem ter suscitado
os sentimentos de Moisés e que aparecem de forma inesperada no texto, favorecendo sua
autoria, como exemplo temos: a “casa da servidão” (Dt 5.6; 7.8; 8.14), a lembrança do ataque
amalequita (Dt 25.17ss), do peso em julgar o povo (Dt 1.9-12) e das murmurações da nação
(Dt 9.22-24). Ainda mais, as recordações de detalhes como a irrigação artificial das plantas no
Egito (Dt 11.10) e o horário da partida do Egito (Dt 16.6), além da menção da intercessão de
Moisés em favor de Arão depois da quebra da aliança (Dt 9.20ss), cujo incidente não é referido
no relato de Êxodo, combinam muito bem com um autor que experimentou tais situações,
mas não fariam qualquer sentido caso viessem da lavra de alguém que desejasse promover
uma reforma religiosa no século VII a.C.
O Novo Testamento também testifica a autoria mosaica. Além das numerosas referências
ao Pentateuco pelo nome “Moisés”, selecionamos as seguintes citações que enfatizam a perso-
nalidade do Moisés histórico: Mt 8.4; 19.7; Mc 12.26; Lc 16.31; 24.44; 25.27; Jo 1.17; 1.45; 5.46-47;
8.5; 9.29; At 3.22; 6.14; 13.39; 15.1,21; 26.22; 28.23; Rm 10.5; 1Co 9.9; 2Co 3.15; Hb 9.19; Ap 15.3.
Destas citações quero destacar a de João 5.46-47:
“Se vocês cressem em Moisés, creriam em mim, pois ele escreveu a meu respeito.
Visto, porém, que não creem no que ele escreveu, como crerão no que eu digo?”
É difícil compreender como alguém pode aceitar a Hipótese Documentária (que Moisés
não escreveu uma palavra sequer da Lei) sem atribuir ou falsidade ou erro tanto a Cristo como
aos Apóstolos. Diante destes textos seria possível alegar que Moisés não teria escrito o Penta-
teuco, ou porções consideráveis? Estariam Cristo e os apóstolos equivocados?
No entanto Clines e Thompson negam que as referências neotestamentária façam refe-
rência imediata e direta a autoria mosaica do Pentateuco, vejamos:
O costume, presente na época do NT e dos escritos rabínicos, de se referir a todo
o Pentateuco como palavras de Moisés (e.g., Mt 8.4; Lc 20.37; At 3.22) não neces-
sariamente apoia o ponto de vista de que Moisés escreveu o Pentateuco, visto que
“Moisés” tinha se tornado uma forma conveniente de se referir aos cinco primeiros
livros da Bíblia (cf. Lc 24.27; 2Co 3.15). No entanto, parece ceticismo desnecessário
negar que a obra e o ensino de Moisés tenham sido o estímulo inicial para a com-
posição do Pentateuco e que uma boa parte do seu conteúdo, além das passagens
explicitamente atribuídas a ele, seja de fato da autoria de Moisés; quanto do Pen-
tateuco é representado por isso deve permanecer como uma questão de opinião.
(CLINES, David J. A. In: BRUCE, 2008, p. 114-115).
A dificuldade com todas estas referências é que o sentido exato do termo Moisés
não é claro. O Pentateuco como um único rolo era conhecido como Moisés, as-
sim como os livros do Velho Testamento de Josué a Reis mais todos os profetas à
exceção de Daniel eram conhecidos como os Profetas, ao passo que os livros res-
tantes eram agrupados sob o título Escritos527. Daí o uso do termo Moisés não ser
527. “Salmos” parece uma referência abreviada aos Escritos, como seu primeiro livro (ver Lc 24.44).
327
528. Kenosis, devirá do verbo grego ekenosen (ele esvaziou-se), essa doutrina se refere ao auto esvaziamento de
Cristo na encarnação.
328
O teólogo bíblico Geerhardus Vos, nos apresenta uma importante colocação a respeito
da atitude de Jesus em relação às Escrituras do Antigo Testamento,
Jesus, além de derivar material abundante do Antigo Testamento, e além de estar
ciente de que todo seu ensinamento estava em estrita conformidade com o Antigo
Testamento... O que queremos dizer é que Jesus considerava todo o movimento do
Antigo Testamento divinamente orientado e inspirado, tendo atingido seu alvo nele,
de modo que se ele em sua aparência e obra histórica fosse tirado, o Antigo Testa-
mento perderia seu propósito e importância. Nenhum outro podia dizer isso. Ele era
a confirmação e consumação do Antigo Testamento em sua pessoa, e isso concedia
um substrato de sua interpretação de si mesmo no mundo da religião... Ao mesmo
tempo, contudo, o Antigo Testamento era para ele uma expressão orgânica da ver-
dade e da vontade de Deus. (VOS, 2010, p. 430-432).
Fica evidente conforme mencionado acima que o Pentateuco contém indicações da ati-
vidade literária de Moisés, o que se deve analisar com cautela é onde começa e onde termina
os textos produzidos pelas mãos de Moisés, e o que foi acrescentado por redatores posteriores.
Moisés escreveu o Pentateuco para seu povo - Israel, e se preocupou em registrar as
obras que Yahweh realizou no meio de se povo, além de perpetuar quem era Yahweh e qual
seria o papel de Israel como povo escolhido. Como observa Stanley A. Ellisen “rejeitar a auto-
ria de Moisés é rejeitar o testemunho universal dos escritores bíblicos e solapar a credibilidade
do Pentateuco e do resto da Bíblia.” (ELLISEN, 1993, p. 13).
Rejeitar a autoria de Moisés em relação ao Pentateuco é incorrer em algumas conse-
quências, desagradáveis como abaixo mencionadas:
A primeira consequência seria a rejeição de toda a evidência positiva, bíblica e extra
bíblica, sobre a autoria do Pentateuco. Isto implica também que o testemunho do Novo
Testamento e o próprio testemunho do Senhor Jesus Cristo torna-se um engodo e estaria
aberta a porta da possibilidade de que Ele houvesse se enganado sobre outros assuntos. E
isto seria feito não na autoridade de se haver encontrado provas mais antigas ou melhores,
mas unicamente no interesse de uma teoria – Hipótese Documentária, que nunca foi coe-
rentemente demonstrada.
Uma segunda consequência seria a admissão de que o período temporal-histórico de
Moisés é fundamentalmente errôneo. Moisés é uma figura proeminente. Ele é mencionado
mais de 500 vezes do Êxodo ao Deuteronômio. Mas se todos os códigos legais do Pentateu-
co datam de um período cronológico totalmente desvinculado de Moisés e se a história ali
narrada é recente e incerta, como afirmam estes teóricos, então ele se torna uma figura deci-
didamente enganosa, e fica difícil se não impossível corresponder ao papel proeminente para
o qual foi nomeado. A reputação dele é vasta, mas as ações que servem como a base para isto
não são consideradas como suas. Deste modo, ele se torna um tipo de ficção legal.
Uma terceira consequência de se aceitar a hipótese de que Moisés não escreveu nada do
Pentateuco, é atribuir um critério inferior da autoridade e credibilidade da Bíblia. Trazendo as
Escrituras ao mesmo nível das demais obras literárias, do passado ou do presente.
330
as leis que Deus havia concedido, a fim de que o povo guiasse pelo caminho da justi-
ça, da piedade e do culto. Ao longo de um período de quarenta anos de peregrinação
no deserto, Moisés teve todo o tempo e oportunidade de que precisava para esboçar
o sistema integral de leis religiosas e civis que Deus lhe havia revelado, as quais servi-
riam de constituição para a nova comunidade teocrática.
Portanto, Moisés tinha todos os incentivos e todas as qualificações para compor essa
obra magnífica.
Nos dias de Moisés o Egito era a maior civilização do mundo, tanto em domínio, cons-
truções e conhecimento. Moisés teve a oportunidade de ter sido educado na corte real egípcia,
recebendo a instrução de disciplinas acadêmicas que no Egito já eram muito desenvolvidas.
Incluindo a arte da escrita, que há muito tempo era usada, de comum uso dos egípcios, inclu-
sive entre os próprios escravos. A educação de Moisés como um oficial inserido na corte do
Faraó lhe teria dado também educação de primeira mão nos códigos de lei do antigo Oriente
Próximo, é que confirma a semelhança dos códigos legais do Pentateuco, com os códigos do
antigo Oriente Próximo e tratados hititas de suserania do tempo de Moisés. Como qualquer
historiador, Moisés usou fontes. “De forma semelhante, os narradores do antigo Oriente Pró-
ximo comumente usavam fontes para comporem suas obras.” (WALTKE, 2010, p. 24).
O método mais objetivo de datar a composição de qualquer documento escrito é exami-
nar as evidências internas. Isto quer dizer que, anotando-se alusões incidentais ou casuais aos
eventos históricos contemporâneos, a assuntos em pauta na época, às condições geográficas
e climáticas, à flora e fauna (a vida vegetal e animal)532 então prevalecentes, às indicações de
participação do autor como testemunha ocular, é possível chegar-se a uma estimativa acura-
díssima do lugar e da data de composição.
“Moisés foi instruído em toda a ciência dos egípcios, e era poderoso de palavras e obras” (At
7.22), com isso Moisés teve um conhecimento bi cultural, como egípcio e como israelita. Ele re-
cebeu treinamento no conhecimento, habilidade e sabedoria do Egito (At 7.22; cf. Hb 11.25,26),
que era privilégio especial dos membros da família real. Que ele foi reconhecido como príncipe
e juiz no Egito é atestado indiretamente pelas palavras de um escravo hebreu que resistiu à ten-
tativa de Moisés de parar uma briga entre ele e outro escravo hebreu (Êx 2.14).
As narrativas que tratam da primeira parte da vida de Moisés são bastante conhe-
cidas. Sua educação provavelmente se deu no círculo Sacerdotal de Heliópolis,
onde complexos temas do culto a Rá formariam os antecedentes de sua instrução.
Há pouca dúvida de que ele tivesse se familiarizado com as crenças e práticas reli-
giosas da Canaã antiga, que já exerciam considerável influência sobre a adoração
no Oriente Médio. Ele também estaria em contato com os dialetos de Canaã, assim
532. “A flora e fauna que se mencionam são egípcias ou sinaíticas, nunca distintivamente palestinianas. Assim,
a sitim ou acácia é originária do Egito e da Península do Sinai mas nunca da Palestina (exceto na praia infe-
rior do Mar Morto); é uma árvore distintiva do deserto. Desta árvore, fazia-se a madeira para os móveis do
Tabernáculo. As peles a serem empregadas como cobertura exterior do tabernáculo teriam que ser peles de
tahash (Êxodo 25:5; 36:19), estes “animais marinhos” como texugos que se acham nos mares adjacentes ao
Egito e ao Sinai, mas que são desconhecidos na Palestina. As listas de aves e animais puros e impuros em
Levítico cap. 11 e Deuteronômio cap. 14 incluem alguns que são específicos do Sinai (tais como o dishõn –
“pigargo” de Dt 14:5 e a avestruz de Lv 11:16), mas nenhum dos quais é exclusivo de Canaã. O boi selvagem
ou antílope (hb te’õ) de Deuteronômio 14:5 é nativo do Egito do norte e da Arábia, mas não da Palestina.
(Tem havido registros da sua aparência na Síria, segundo Westminster Dictionary of the Bible, p. 30a.)
Neste assunto, o arganaz (hb shãphãn) de Levítico 11:5 tem sido citado como sendo específico de Sinai e
Arábia. Mas isto tem sido disputado por H. B. Tristram, que diz tê-los achado mais ao norte, até a Galiléia
do Norte e a Fenícia.” (ARCHER, 2003, p. 503-504). Deve-se ter precaução quanto estes argumentos, pois
com a passagem do tempo, a distribuição de animais sofre variações.
331
como a escrita cuneiforme da Babilônia, que era o veículo normal para a comuni-
cação diplomática. Provavelmente Moisés estava familiarizado com as máximas de
renomados sábios egípcios como Ptah Hotep, a instituição do monoteísmo solar por
Akhenaton e a sua queda sob Tutancâmon, e a ampla variedade de obras sacerdotais
que estariam incluídas na educação de alguém pertencente à casa real. (HARRISON,
2010, p. 119-120).
Moisés possuía a educação e um passado apropriados para esta obra, sendo que recebera
dos seus antepassados aquela riqueza da lei oral que teve sua origem nas culturas mesopotâ-
micas na época, bastante recuada de Abraão (daí algumas semelhanças marcantes ao Código
de Hamurabi, do século XVIII a.C.); e dos seus tutores na corte egípcia recebia treinamento na-
queles ramos de sabedoria nos quais o Egito da XVII dinastia superava o restante do mundo
antigo. Teria bastante incentivo à composição desta obra monumental, sendo que era fundador
da Comunidade de Israel, e que estes seriam os alicerces morais e religiosos nos quais sua nação
haveria de cumprir seu destino.533 Não faltou a Moisés motivação para escrever o Pentateuco,
pois ele sabia do seu papel diante da nação de Israel e era consciente do seu chamado. A origi-
nalidade não é requisito de inspiração. Toda a verdade pertence a Deus e Ele tem o direito de
inspirar seu profeta a fazer uso dela, mesmo se derivada de outra fonte, quer oral ou escrita.
Não há nada particularmente incomum na ideia de um semita sendo criado nos cír-
culos da corte no Egito antigo. Durante o período do Novo Reino, os faraós tinham diversas
residências na região do Delta, e os filhos das concubinas eram educados nos harims reais
para liderança no estado. Existem claras evidências de que, pelo menos a partir da época de
Ramsés II, os asiáticos eram criados nos harems do faraó, almejando assumir vários cargos.
John D. Davis expõe as qualificações, motivações e matérias que Moisés escolheu para
compor o Pentateuco:
Moisés, era um estadista, e diretor espiritual, privando intimamente com Jeová, di-
rigido e guiado por Ele, escolheu os materiais que melhor servissem de veículos às
manifestações da vontade de Deus para animar, dirigir, disciplinar e guiar a consciên-
cia moral e religiosa de Israel e dar-lhe amostra dessas grandes verdades a respeito de
Deus e do modo de representa-lo perante o mundo pagão. (DAVIS, 1993, p. 467).
As qualificações para que Moisés pudesse escrever o Pentateuco, também ficam eviden-
tes ao analisarmos textos como (At 7.22).
Estevão segue a tradição, atestada em Filo, de que Moisés naturalmente receberia
uma educação totalmente egípcia. A declaração de era poderoso em palavras e obras
(cf. Lc 24.19, dito de Jesus), talvez pareça conflitante com Êxodo 4.10, mas não de-
vemos atribuir muita exatidão literal às observações de auto depreciação feitas por
Moisés, que pouco mais eram do que um pretexto para evitar uma tarefa que não
quis enfrentar. (MARSHALL, 1982, p. 135).
Na época em que Moisés produziu seus textos, teve a sua disposição grande quantidade
de técnicas de escrita e alfabetos:
Na época em que os hebreus entraram na Palestina, o cuneiforme babilônico, o
hierático e os hieróglifos egípcios, o alfabeto linear cananeu (ancestral do alfabe-
533. Isso pode ser constatado no próprio texto do Pentateuco, e esses conhecimentos não seriam possíveis se
tivessem sido escritos pós alguém que não viveu os eventos narrados.
332
534. “Embora não localizada na própria Canaã, Ugarite (a moderna Ras Shamra) manteve laços culturais muito
próximos com os cananeus. O sistema religioso e o idioma daquela e destes são similares.” (Bíblia de Estu-
do Arqueológica NVI, 2013, p. 304).
535. O hebraico antigo é essencialmente uma variação dos dialetos relacionados à língua cananéia, enquanto o
hebraico bíblico padrão provavelmente está relacionado com a forma literária de Canaã.
333
536. Roland de Vaux, atribui o êxodo e a marcha israelita pelo deserto como uma idealização posterior dos acon-
tecimentos, vejamos: “A imagem de um povo em armas saindo do Egito, Êx 12.37; 14.19-20, marchando e
acampando no deserto em formação ordenada, Nm 1.3, 20, 22...; 2.1-31; 10.11-28, é o reflexo idealizado de
uma época posterior, onde o povo unificado era chamado às armas em caso de perigo nacional.” (VAUX,
2003, p. 252).
537. James K. Hoffmeier, egiptólogo formado pela Universidade de Toronto, no Canadá. Dois dos seus livros
lidam diretamente sobre o assunto: Israel in Egypt (1996) e Ancient Israel in Sinai (2005), ambos publicados
pela Oxford University Press. Além de professor de Antigo Testamento, Hoffmeier leciona Egípcio Antigo há
mais de 30 anos, o que lhe permite falar naturalmente sobre condições políticas, econômicas e militares do
período do Reino Novo do Egito (Dinastias XVIII-XX), a época em que a Bíblia situa o êxodo.
538. “Um projeto tão arrojado necessitava de muitos trabalhadores, um grau elevado de organização, e grandes
suprimentos de matérias-primas. Para esta empreitada, o faraó preferiu recrutar estrangeiros, conforme
relatado pelo historiador greco-romano Diodorus Siculus, do século I a.C. A escravidão dos israelitas se en-
caixa neste contexto: não era uma escravidão doméstica, onde um indivíduo se torna um bem, pertencente
a um dono, e vive em sua propriedade, o que ocorria com frequência até mesmo no Egito antigo; tratava-se
de uma escravidão estatal, a imposição organizada de trabalho forçado à população masculina, em condi-
ções brutais e degradantes, sem recompensa pelo trabalho executado e sem direitos civis. Trabalhavam na
manutenção dos diques e canais de irrigação, na agricultura e na construção. E moravam exatamente na
área onde foi construída a cidade. Os escravos israelitas viviam em famílias, em suas residências próximas
às dos egípcios, e mantinham relações sociais com estes.” (HUBNER, 2010, p. 2).
334
Muitos dos nomes de indivíduos da geração do êxodo e das gerações seguintes possuíam
nomes egípcios, como Moisés, que significa “nascido”, um nome cuja raiz, segundo, é um ele-
mento muito comum em nomes egípcios, como Amenmose, Tutmés, Ahmose, Ramsés, entre
outros. O conhecimento de nomes, localidades e termos egípcios por parte do redator da Bí-
blia Hebraica está de acordo com a possibilidade de que os israelitas realmente teriam estado
no Egito. Dentre os nomes egípcios conhecidos, temos: On, Pitom, Potífera, Azenate, Moisés
e o título concedido a Josué, Zafenate-Panéia.539 Uma das mais ambiciosas obras modernas
que discute o pano de fundo egípcio da porção do Pentateuco que trata de José e Moisés no
Egito é de Abraão S. Yahuda, The Language of the Pentateuch in its Relationship to Egyptian,
1933 (A Linguagem do Pentateuco na sua Relação ao Egípcio). Não se confinando meramente
a citar palavras emprestadas, Yahuda debate um grande número de expressões idiomáticas
e características de linguagem que são tipicamente egípcias na sua origem, apesar de terem
sido traduzidas para o hebraico. Yahuda declara:
Uma estreita intimidade entre os hebreus e os egípcios não existia em qualquer ou-
tro período a não ser durante a permanência dos israelitas no Egito; somente na
época egípcia de Israel é que o Hebraico teria se desenvolvido em língua literária, até
atingir a perfeição que encontramos no Pentateuco. (apud ARCHER, 2003, p. 502).
Outro escritor, Garrow Duncan em New Light on Hebrew Origins, 1936 (Nova Luz nas
Origens dos Hebreus), dedica as págs. 73-179 a uma demonstração da exatidão minuciosa e
da autenticidade dos aspectos locais reveladas pelo autor da Torá. Garrow observa:
Não podemos deixar de reconhecer que o escritor destas duas narrativas (i.é., de
José e do Êxodo) ... estava totalmente a par da língua, dos costumes, das crenças, da
vida na corte, da etiqueta e dos oficiais dos egípcios; não só isto, mas também seus
leitores originais devem ter tido esta mesma familiaridade com assuntos egípcios.
(apud ARCHER, 2003, p. 502).
Moisés herdou de seus antepassados a “tradição oral” acerca dos fatos anteriores a
ele, tradição esta que era transmitida de família para família. A tradição oral prevaleceu du-
rante muito tempo como meio de transmissão de informações para a humanidade, e para
abandoná-la a humanidade teve que superar algumas dificuldades, tais como: o alto custo da
escrita (material para escrever e instrumentos para escrita); tendência natural de conservar e
transmitir histórias de seu povo; e também o fato de alguns gêneros literários se adaptarem
melhor a forma narrativa que escrita. O processo de escrita do Antigo Testamento foi prece-
dido por um período profundo de amadurecimento das tradições orais, processo esse variado
e de amadurecimento. Segundo Rad, “É necessário considerar que no oriente antigo não se
escrevia por prazer ou porque se tinha vontade, mas a fixação por escrito sempre servia a um
objetivo preciso e concreto.” (RAD, 2006, p. 492).
539. “Devemos evitar duas falhas comuns, nas quais alguns escritores têm caído ao debater palavras empres-
tadas do Egípcio na Torá. Em primeiro lugar, têm incluído palavras genuinamente egípcias, mas que não
ocorreram até o surgimento dos Livros pós-mosaicos do Antigo Testamento. Em segundo lugar, têm in-
cluído palavras egípcias que, por sua vez, foram tomadas dos dialetos semíticos pelos egípcios (mormente
durante o período dos Hicsos e depois). Além disto, têm citado palavras que pertencem tanto ao Egípcio
como ao Hebraico, mas que entraram na língua desde tempos pré-históricos, não incluindo qualquer em-
préstimo entre estas duas línguas (e.g. o Egípcio hsb - “calcular”, Hebraico hasab - “calcular, pensar”, que
existe também em Árabe, Etiópico e Aramaico). Uma lista quase completa de todas as palavras hebraicas
que têm conexões com o Egípcio em qualquer uma destas categorias pode ser achada em Eiman e Grapow:
Wörterbuch der Aegyptischen Sprache, Vol. 6, págs. 243, 244.” (ARCHER, 2003, p. 500).
335
Hoje já se admite que tradições orais e versões escritas existissem lado a lado no Anti-
go Oriente. A tradição oral era transmitida localmente dentro de uma tradição familiar, já a
tradição escrita era uma espécie de documento oficial. Alguns fatores foram decisivos para
o início da escrita entre o povo de Israel, dentre eles destaca-se a mudança do estilo de vida
nômade para um estilo sedentário, o que favoreceu o processo de escrita. “Não existe motivos
para supor que a cultura de Israel fosse essencialmente ágrafa.” (RENDITORFF, 2001, p. 127).
Encontramos evidências literárias da unidade do Pentateuco através de seu enredo,
tema, personagem central e interconexões literárias. Há uma unidade de arranjo bem mar-
cante, que subjaz o Pentateuco como um todo, vinculando todas as partes para produzir uma
totalidade progressiva, embora os estágios sucessivos da revelação (no decurso das quatro
décadas da carreira de Moisés como escritor) resultem num pouco de justaposição e repeti-
ção. Claramente Moisés fez uso de fontes (Nm 21.14). Segundo Wiseman (apud GRONINGEN,
2002, p. 106) “o termo tôldôt (geração) se referia a fontes separadas disponíveis a Moisés”.
Apesar de esta teoria ter tido pouca aceitação, não pode ser descartada.
Embora possa haver alguma evidência de que Moisés utilizou alguns documentos para
compor o livro de Gênesis – as chamadas tôldôt – a existência desses documentos é sem com-
provação. Com isso estende-se a possibilidade que Moisés dependeu da tradição oral, ou
recebeu as informações por revelação direta. O Oriente Próximo testifica abundantemente
acerca do uso de tradições orais. É inteiramente possível que o próprio Moisés poderia ter
usado fontes anteriores. Lucas faz isso em seu Evangelho e em Atos.
Podemos concluir que Moisés, usando os registros familiares que haviam sido passadas
para ele, compilou o livro de Gênesis. A história judaica mostra que os registros da família
foram mantidos e transmitidos às gerações posteriores. Moisés poderia ter copiado o seu ma-
terial de tais registros assim como os homens de Ezequias copiados a partir dos escritos de
Salomão para completar o livro dos Provérbios.
Menachem Mendel Kasher (1895-1983), aponta para certas tradições da Torá oral, que
mostram Moisés citando Gênesis antes da epifania no Sinai; com base em uma série de ver-
sículos do Pentateuco e declarações rabínicas, ele sugere que Moisés fez uso de documentos
criados pelos Patriarcas quando escreveu.540
Harrison, comenta sobre as fontes escritas pré e pós diluvianas, que provavelmente po-
deriam estar à disposição de Moisés, vejamos:
E provável que muitos dos registros da vida pré e pós-diluviana, no livro de Gênesis,
eram de natureza contemporânea, ou pelo menos aproximadamente, e parecem ter
sido trazidos da Mesopotâmia (onde, tudo indica que podem ter sido originados, ao
menos, em sua maior parte) para Canaã, como resultado das migrações dos patriar-
cas. (HARRISON, 2010, p. 24).
Block apresenta algumas informações úteis acerca da forma escrita que Moisés utilizou:
A forma da escrita cananeia cursiva que Moisés provavelmente usou estava ainda
em sua infância, e foi substituída pela escrita aramaica reta no período posterior ao
exílio, e as vogais foram acrescentadas mil anos depois. As qualidades arcaicas dos
poemas (como Gn 49; Êx 15), em contraste com a narrativa a sua volta, sugerem que
essa última pode ter sido atualizada periodicamente conforme a evolução do idioma
hebraico. Isso pode explicar porque a gramática e a sintaxe de Deuteronômio na sua
forma atual são tão semelhantes ás dos livros de Jeremias, que viveu muito depois
540. Sefer Torah Sheleimah (1927-1991), é uma obra enciclopédica sobre a Torá, e já possui 45 volumes.
336
541. Sistema de escrita de natureza icônica, baseada em representações bastante simplificadas dos objetos da
realidade. As figuras representam objetos equivalentes.
542. Os símbolos passam a representar ideias.
543. “Os antigos egípcios eram camitas (Gn 10.6), predominantemente semitas, deixaram marcas na língua e
na cultura. A primeira escrita era pictográfica (hieróglifos), incluindo representações de objetos comuns
e símbolos geométricos. Com os séculos isso ao pouco foi mudando, dando lugar, no séc. 8º a.C., a uma
escrita cursiva popular ou “demótica”. Em 1799 foi descoberta a Pedra de Roseta, escrita em egípicio
antigo (hieróglifo), demótico e grego. A decifração dessa pedra pelo francês François Champollion (1822)
forneceu a chave para a língua e a base para a egiptologia moderna.” (UNGER, 2006, p. 72).
544. O que torna muito provável com a descoberta dos tabletes de Tell el Amarna, em 1886 no Egito.
545. Os sumérios desenvolveram conceitos religiosos e espirituais juntamente com um panteão admiravelmen-
te bem integrado que influenciou profundamente todos os povos do Oriente Médio. A literatura consiste
de épicos e mitos, hinos e lamentações, provérbios e composições de sabedoria.
337
Nos dias de Moisés, 1526-406 a.C. (cronologia antiga), a escrita alfabética havia se
difundido, conforme atesta a literatura religiosa encontrada em Ras Shamra (antiga
Ugarite). O diáleto ugarítico (c. 1440 a.C.) é muito próximo do hebraico, de modo
que Moisés pode ter escrito o Pentateuco em hebraico antigo. Outros paralelos com
o hebraico antigo encontram-se nos documentos eblaítas546 encontrados em Tell
Mardikh, no norte da Síria. Esses datam de 900 a 2300 a.C.!
Uma vez que Moisés foi educado no Egito, ele também podia ter escrito em hieróglifos
egípcios. A Pedra de Roseta, descoberta em 1799 em Rashid (Roseta), na desemboca-
dura mais ocidental do Nilo, foi a chave para a decifração da escrita sagrada antiga
do Egito chamada hieroglífica. Uma vez que Moisés ganhou proeminência no Egi-
to, ele também podia ter escrito o Pentateuco em cuneiforme acadiano. Esse fato é
comprovado pela descoberta dos tabletes de Tell-el-Amarna, em 1886, em Amar-
na, Egito, a meio caminho entre Cairo e Luxor. Escritos em cuneiforme acadiano, a
linguagem diplomática internacional da época, os tabletes de Amarna pertencem
a c. 1380-1360 a.C., logo depois da morte de Moisés. A descoberta de uma grande
biblioteca cuneiforme em Bogazkale (1906), no centro hitita, mostra que a escrita e a
literatura babilônica estavam amplamente difundidas em todo o mundo em c. 1400
a.C. O Código de Hamurabi é datado de três séculos antes. (UNGER, 2006, p. 17).
546. Ebla, tratava-se de uma capital pouco conhecida de um estado semítico no que hoje é o Norte da Síria. As
tabuinhas de Ebla são bilíngues, escritos em sumério e eblaíta. Os arqueólogos italianos que escavaram
Ebla relataram que estas tabuinhas contêm vários nomes de pessoas e lugares mencionados no Livro de
Gênesis. Algumas das tabuinhas foram datadas já do ano de 2400 a.C. Visto que o hebraico também era
uma língua semítica ocidental, a publicação dos textos de Ebla pode lançar nova luz sobre muitas palavras
e frases hebraicas mais antigas. (VINE, 2003, p. 14). O nome destes dois arqueólogos italianos são: Paolo
Matthiae e Giovanni Pettinato. “Alguns eruditos pensavam ter visto nos tabletes de Ebla referências aos
patriarcas (Abraão, Isaque e Jacó/Israel), mas isso também se provou uma pista falsa... A importância dos
documentos der Ebla para os estudos bíblicos não está, como se pensava, no fato de conterem paralelos
bíblicos, mas talvez em poderem nos contar, em termos gerais, como era a vida na Siro-Palestina do III
milênio a.C.” (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 19).
338
2010, p. 24). A palavra falada/tradição oral tinha para o homem antigo muito mais significado
do que para os homens de hoje em dia; tinha uma dinâmica própria. Foi pela palavra falada,
que a maioria dos homens antigos aprenderam a história da fé e as afirmações nelas baseadas.
Quando as fontes orais começaram a ser reunidas e reduzidas à forma escrita, o re-
sultado não foi livros bíblicos inteiros, como os conhecemos, mas, sim, o que agora
são passagens ou livretes dentro de nossos livros maiores. Ao lado dessas coleções
escritas, de fontes originalmente orais, havia, mui provavelmente, blocos de ma-
terial composto inicialmente por escrito, alguns inspirado por material oral mais
antigo e alguns sem nenhum estágio pré-literário. Há boas razões para se crer que
parte desse material escrito era de fato muito antigo, antedatando até algumas das
fontes orais. E então, com o tempo, essas coleções escritas se tornaram as fontes que
vieram a constituir os livros de nosso Velho Testamento. (CLIFTON, 1987, p. 136).
A tradição oral, não cessou quando iniciou o processo de escrita, mas permaneceu sobre
outra categoria:
As histórias familiares e emocionantes dos pais e de sua fé, os hinos e poesias devo-
cionais, a pungente sabedoria dos sábios, as declarações pessoais de dependência
de um Deus presente e ativo, os discursos de políticos, os oráculos e julgamentos
de sacerdotes e até os sermões dos profetas, pronunciados para serem lembrados e
repetidos, foram lembrados e repetidos. (CLIFTON, 1987, p. 135).
Moisés dispôs de pelo menos cento e vinte anos de experiência para escrever o Pen-
tateuco. Quarenta anos passou no Egito (At 7.23), quarenta em Midiã na obscuridade (At
7.29-30), e os outros quarenta anos errantes pelo deserto (Nm 14.6; Êx 16.35; Dt 2.7, 8.2,4;
Js 5.6). Além disso, Êxodo-Deuteronômio revela que seu autor obtinha um conhecimento
invejável de geografia, práticas agrícolas e fauna das regiões neles descritas, além das inti-
midades e emoções descritas no texto, condições estas que somente um autor que esteve
presente nos acontecimentos do século XV a.C e viveu de perto, pode descrever com tanta
naturalidade. A narrativa do caminho do Êxodo está repleta de referências locais autênticas
que foram verificadas pela arqueologia moderna. Em Êxodo 14 fica claro que o autor conhe-
cia detalhadamente a geografia do deserto, e as práticas e costumes do povo descrito em
Êxodo. Isso dificilmente seria possível caso o autor fosse pós-exílico. Estas evidências foram
analisadas anteriormente com detalhes.
Gleason Archer, apresenta um dado importante, que situa a redação do texto de Gênesis
por um autor familiarizado com a geografia egípcia e não com a geografia da Palestina, vejamos:
Mesmo em Gênesis cap. 13, quando o autor quer transmitir aos seus leitores alguma
impressão da verdura luxuriante da planície do Jordão, compara-a à “terra do Egito
como quem vai para Zoar” (v. 10). Semelhantemente, numa passagem atribuída a P
(Gn 23:2), Hebrom547 recebe seu nome anterior à época dos israelitas, Kiriate-Arba, e
a data da sua fundação é explicada aos leitores de Números 13:22 em termos da data
547. “Sabemos que a referência a Hebrom, por parte de Moisés, não passa de anotações explicativas feitas por
ele, já que, de acordo com Números 13.22, a cidade não havia sido ainda construída até sete anos antes da
construção de Zoan, a cidade mais importante construída pelos hicsos bem ao oriente do Delta do Egito.
Esses dados colocariam a fundação da cidade de Hebrom a cerca de 1727, ou seja, trezentos anos depois de
Abraão... Zoan é identificada com Avaris ou (mais provavelmente) com a Tanis dos hicsos, situada a cerca
de 32 quilômetros de Avaris. Alguns estudiosos identificam Zoan e Tanis com a Per-Ramesse. Se Zoan é
Avaris ou Tanis, em nada irá afetar a cronologia em questão, já que os sítios onde os hicsos viveram foram
construídos por volta do mesmo período.” (MERRILL, 2002, p. 25).
339
Várias civilizações surgiram no Oriente Próximo Antigo, séculos antes da origem dos
hebreus, deixando elementos permanentes da sua cultura na vida dos povos subsequentes.
Os antigos sumerianos, acadianos e egípcios desenvolveram as suas civilizações, e as suas
literaturas, que exerceram influencias culturais nos povos sucessivos dessas terras. Em todas
as épocas da sua história o povo de Israel participou da cultura dos seus vizinhos.
Cyrus Gordon, ex-professor do Oriente Próximo e Médio, e diretor do Departamento
de Estudos Mediterrâneos da Universidade Brandeis, e grande autoridade sobre os tabletes
descobertos em Ugarite, conclui:
As escavações feitas em Ugarite revelaram uma elevada cultura material e literá-
ria em Canaã, antes do surgimento dos hebreus... Os primórdios de Israel estavam
arraigados em uma Canaã altamente culta, onde as contribuições de vários povos
talentosos (incluindo mesopotâmicos, egípcios e ramos indo-europeus) se tinham
convergido e mesclado. É completamente falsa a noção de que a religião e a socieda-
de israelitas eram primitivas. (apud MCDOWELL, 1997, p. 115).
340
É fato que a mais antiga inscrição israelita encontrada até agora, é um exercício escolar
de um menino, chamado de “Calendário de Gezer”550 (925 a.C), ou seja, no tempo do reinado
de Davi e Salomão. O acadiano uma antiga língua semítica já estava em uso desde o século
XV a.C, em forma de linguagem diplomática segundo as cartas de Tell El-Amarna. Mesmo os
mineiros semíticos, classe sem privilégios, estavam rabiscando suas inscrições alfabéticas nas
minas de turquesa na Península do Sinai, já em 1500 a.C., ou talvez antes. Exige uma credu-
lidade excessiva, acreditar que somente os hebreus estavam tão atrasados que não sabiam
registrar por escrito suas instituições legais e religiosas mais importantes, na época de Moisés,
e viriam a registrar somente no período monárquico ou pós-monárquico.
548. Para entendermos a gravidade do pecado de se produzir uma imagem no antigo Israel, se faz necessário
entendermos a forma como a antiga mente idólatra considerava e usava a imagem que ela possuía. Pode-
mos colocar a idolatria sob a categoria da magia. “Magia é a reversão pagã do processo de religião, na qual
o homem, em vez de se deixar ser usado por Deus para o propósito divino, reduz seu deus ao nível de uma
ferramenta, a qual ele usa para o próprio propósito egoísta...Assim, a imagem, manipulada magicamente,
tenderá inevitavelmente a se tornar um segundo deus ao lado do original, e tenderá até mesmo a superar
o último em poder e utilidade. A imagem não é o símbolo; ela se comporta como o rival e o substituto de
deus.” (VOS, 2010, p. 171). Israel aceitou combater os deuses e as imagens e o fez com uma intolerância
veemente, preservando assim a sua consciência do Deus vivo. Israel teve que ocupar-se com a luta por
desvencilhar-se da tentação do culto a deuses e magens.
549. A língua que Moisés falava era um hebraico que foi oficializado como dialeto semítico do noroeste num período
posterior à entrada de Abraão em Canaã com seu cenário mesopotâmico, possivelmente até mesmo arameu.
De acordo com Gênesis 22.20-24, os arameus eram descendentes do irmão de Abraão chamado Nahor.
550. Apresenta uma lista das estações e de atividades agrícolas com elas relacionadas. O calendário de Gezer
(que recebeu o nome da cidade em cujas proximidades foi encontrado) está escrito em um alfabeto semí-
tico antigo, aparentado ao fenício, o qual, passando pelos gregos e pelos etruscos, deu origem ao alfabeto
latino usado hoje em quase todas as línguas europeias. O calendário de Gezer é escrito sem nenhuma
vogal, e não usa consoantes substitutas de vogais mesmo nos lugares onde uma soletração mais moderna
o requer. O texto provou ser um instrumento importante para o estudo da antiga ortografia hebraica e tam-
bém do desenvolvimento do formato das letras. O calendário foi descoberto em 1908 por RAS Macalister
do Fundo de Exploração da Palestina durante a escavação da antiga Canaã cidade de Gezer, 20 quilômetros
a oeste de Jerusalém. O calendário de Gezer foi levado para Istambul, onde ele é exibido no Museu do
Antigo Oriente, um museu de arqueologia da Turquia, junto com a inscrição de Siloé e outros artefatos
arqueológicos descobertos antes da Primeira Guerra Mundial.
341
A alegação de que nos tempos de Moisés não havia escrita em Israel se torna cada vez
mais sem sentido para não dizer nula, pois, as descobertas arqueológicas como a de 1887 dos
tijolos de barro de Tell El-Amarna, no alto Egito entre o Cairo e Luxor, que contém cartas do
rei da Ásia Menor e príncipes sírios e palestinos em caracteres cuneiformes enviadas por prín-
cipes cananeus ao faraó do Egito, nos mostra que os vizinhos de Israel mantinham registros
escritos de suas histórias e religiões desde antes de Moisés.551
É problemático aceitar que nos tempos de Moisés os hebreus eram menos eruditos e civi-
lizados que seus vizinhos, e que não se importavam em registrar seus feitos e histórias. William
Foxwell Albright com base em inscrições alfabéticas de Serabit el-Khadim na região do Sinai,
publicou em The proto-Sinaitic inscriptions and their decipherment, pela Cambridge, Harvard
Univ., 1966, o que se segue: “Já nos séculos XVII e XVI a.C., até mesmo as pessoas das camadas
sociais mais baixas da população Cananéia, os escravos das minas que trabalhavam sob feitores
egípcios, sabiam ler e escrever em sua própria língua”. (apud ARCHER, 1998, p. 57).
Outra descoberta arqueológica que corrobora com a escrita em Israel no tempo de Moi-
sés, é a de Deir el-Bahari (Templo de Hatchepsut), que é o nome de uma aldeia, onde viviam
os operários que construíram os grandes túmulos do Vale dos Reis do Egito, e é datado em
cerca de 1580-1340 a.C. “Os operários de Deir el-Bahari rabiscaram notas acerca de seus feitos
diários sobre pedaços de cerâmica.” (PACKER, 2001, p. 17).
Os provérbios de Ptah-hotep552, a primeira composição registrada no Egito é datada em
3580-3586 a.C., “e afirma o livre comércio da escrita entre os habitantes sumerianos da Babilônia
tão antigos como 4.000 a.C. Os estatutos de Hamurábi, rei da Babilônia, comparam-se por exten-
são aos de Levítico, embora datem do tempo de Abraão, 2200 a.C.” (STRONG, 2002, p. 255).
Por qual motivo? Deve o adepto de a hipótese Documentária responder, que Israel
vivendo cercado por povos e nações que se utilizavam naturalmente da escrita, e se relacio-
nando comercialmente com povos que utilizavam a escrita em seus tratados comerciais, não
teria usado da mesma forma a arte de escrever. De todos os povos do antigo Oriente Próximo,
porque somente os hebreus não se interessaram em registrar sua história e religião, senão cer-
ca de mil anos mais tarde? Creio que a resposta esteja nas concepções filosóficas dos críticos,
que os impedem de ver aquilo que suas mentes controladas pelo naturalismo e anti-sobrena-
turalismo rejeitam, pois estão condicionadas a negar tudo o que contrarie seus pressupostos.
Devido as descobertas arqueológicas a maioria dos pesquisadores hoje reconhece que no
tempo de Moisés a escrita já estava desenvolvida entre o povo de Israel.
Estas mentes naturalmente negam o fato de Moisés ter previsto o cativeiro Babilônico e
em seguida a restauração na nação de Israel, em Levítico 26 e Deuteronômio 28. Pois para tais
mentes é inconcebível que um mero mortal que viveu por volta do século XV possa prever o
que vai acontecer em cerca de 587 a.C. Para que os textos se “encaixem” em suas estórias, sem
pestanejar negam a revelação de Deus a Moisés, e atribuem o texto ao século V a.C.
Geralmente se alega que Moisés não poderia ter escrito o livro de Gênesis, devido ao fato
de que o mesmo não havia sequer nascido quando os acontecimentos ocorreram, impossibi-
litando-o de ter sido testemunha ocular. Geralmente se esquecem que havia uma testemunha
ocular. Deus! Certamente Deus através de uma revelação especial poderia ter relatado a Moi-
sés os acontecimentos contidos em Gênesis. Também não se pode descartar o fato de que
Moisés utilizou-se de tradições orais oriundas de seus antepassados, como já analisamos an-
551. Para uma melhor compreensão e apuração deste parágrafo, consultar: (McDOWELL, 1997, p. 113-116).
552. O Ensinamento de Ptah-hotep é um texto do Antigo Egito cujo autoria é atribuída a Ptah-hotep, vizir do rei
Djedkaré Isesi da V dinastia.
342
teriormente. O que dificulta a aceitar esta explicação como descrevi acima são mentes que
não aceitam explicações sobrenaturais e alternativas, só aceitam explicações naturais onde o
texto demonstra claramente ocorrência do sobrenatural.
Não se pode descartar a possibilidade de Moisés ter recorrido a “documentos escritos
já existentes, e de diferentes genealogias, como a que vai de Adão a Noé: ‘Este é o livro das
gerações de Adão’ (Gn 5.1). O uso da palavra ‘livro’ implica, sem dúvida, que esta genealogia
deve ter sido extraída dum documento escrito, cujo título podia ser aquele e que passou a ser
introduzido no Gênesis.” (DAVIDSON, 1985, p. 36).
Os israelitas tinham pelo menos três escritas alfabéticas. “A primeira, conhecida como
hebraico sinaítico; a segunda, como hebraico fenício e, por último, após o cativeiro na Babilô-
nia, a que é conhecida como hebraico assírio.” (BAXTER, 1992, p. 24).
Outra alegação dos críticos é a de que o fato de Deuteronômio conter no capítulo 34 o
obituário de Moisés ele não poderia ter escrito todo o livro. Para que se possa adaptar o Pen-
tateuco a seus pressupostos se esquecem que é costume alguém acrescer um obituário no fim
de uma obra de um grande homem, no caso Josué pode ter sido quem efetuou o obituário,
pois era discípulo de Moisés, e foi seu sucessor.
Champlin, ao comentar sobre Moisés e a autoria do livro de Êxodo declara:
Há boas razões para crermos na historicidade substancial do relato; a força de suas
tradições; a sua congruidade com datas e circunstâncias da história egípcia; o nome
e as conexões egípcias de Moisés; e, acima de tudo, a distintiva religião profética
de Israel, que reflete a notável personalidade e obra de uma figura fundadora de
religião. Moisés não é lembrado nem como guerreiro nem como legislador, por seus
próprios méritos, mas, como profeta, ele foi comissionado a falar em favor de seu
povo e ao seu povo... O movimento profético clássico dos séculos VIII e VII A.C., foi,
conscientemente, uma renovação do profetismo mosaico, tornando-se inexplicável,
como seu antecedente. (CHAMPLIN, 2002, Vl 4, p. 333).
553. Apesar de ser uma prática comum no mundo grego-romano, a pseudepígrafia não era um costume comum
da época do Antigo Testamento.
343
3. Ponto de equilíbrio
De forma substancial e essencial podemos afirmar que o Pentateuco é obra de Moisés.
Obviamente que Moisés tinha a sua disposição diversas tradições orais acerca do Gênesis e
outros acontecimentos que vinham sendo transmitidos de geração em geração (ex. Nm 21.14).
No caso do livro de Gênesis, Moisés teve a sua disposição tradições orais e fontes escritas para
que pudesse realizar o papel de organizador, neste livro seu papel se deteve muito mais em
organizar e editar do que o em produzir de forma objetiva o texto. A formação do Pentateuco
obviamente se deu dentro de um processo histórico, e faz referência a acontecimentos his-
tóricos. Moisés possivelmente utilizou-se de fontes orais, pode ter feito uso de pessoas que o
auxiliaram no processo de escrita ficando com Moisés além do papel de escritor/autor prin-
cipal o papel de supervisor, o que justifica a obra levar seu nome. Acréscimos e modificações
posteriores são da mesma forma prováveis, sem que se comprometa à integridade e autenti-
cidade do texto – tais procedimentos sempre estiveram presentes em grandes obras.
O Pentateuco afirma que Moisés escreveu apenas o que o Deus lhe revelou de forma
direta ou através das tradições orais e até mesmo escritas. Ele não registrou o mero produto
de uma previsão. Daí não haver nenhuma dificuldade lógica em supor que Moisés pudesse
ter previsto, sob inspiração divina, acontecimentos que ainda estavam num futuro longínquo.
Em nenhum lugar nos primeiros cinco livros do Antigo Testamento se diz explicitamen-
te que Moisés foi o autor do todo; mas ele foi o arquiteto responsável por reunir e preservar em
forma escrita as tradições antigas de Gênesis junto com as novas leis da aliança de Deus com
Israel. Muitas vezes ocorrem expressões do tipo “o Senhor disse a Moisés” nos livros de Êxodo
a Deuteronômio, mas, embora elas sejam um argumento a favor da inspiração do Pentateuco,
não nos dizem claramente que Moisés escreveu tudo que o Senhor dissera a ele.
Não recebemos ajuda alguma acerca da composição final do Pentateuco dos períodos
posteriores da história do povo hebreu. É certo que são mencionadas e se recorre com fre-
quência às leis de Moisés, até mesmo às leis escritas de Moisés, como a um corpo de literatura
normativo e marcado pela autoridade: Josué (8.34), Juízes (3.4), Reis (1Rs 2.3; 8.9; 2Rs 14.6;
18.4-6), Crônicas (2Cr 25.4), Neemias (9.14; 13.1,2) etc. O aspecto sagrado das leis de Moisés
era inquestionável (2Rs 8.9), obedecer a elas era obedecer a Deus. Mesmo assim, esses autores
posteriores pouco nos contam da composição do Pentateuco como um todo. Quase todo livro
do Antigo Testamento retrata Moisés como “a fonte da lei de Israel”, e os profetas advertiram
o povo acerca do que aconteceria se negligenciassem a Lei, mas nenhum deles atribui expli-
citamente a Moisés mais do que o “coração” do Pentateuco, a lei da aliança. Em pelo menos
duas ocasiões, Israel prometeu obedecer a esse livro da Lei que Deus lhes tinha dado por meio
de Moisés, uma foi durante o reinado de Josias (2Rs 23.2ss; 2Cr 34.30ss) e outra sob Esdras e
Neemias (Ed 7.6,14; Ne 8.1ss); tudo isso implica que essa Lei era considerada Escritura canô-
344
nica. Mas em que consistia esse livro da Lei ninguém sabe, certamente parte do Pentateuco,
mas provavelmente não todo ele.554
De fato, o Pentateuco em si não declara explicitamente que Moisés escreveu “todo” o
Pentateuco, mas é inegável que ele tenha sido o receptor da revelação e testemunha dos feitos
de Deus. Esboçando em linhas gerais aquilo que foi dito anteriormente Bruce nos apresenta
um resumo do ponto de vista conservador que expõe e impõe sobre Moisés os créditos auto-
rais do Pentateuco, vejamos:
Há razões para acreditar que Moisés, do ponto de vista humano, foi o gênio que
esteve por trás desse esforço integrativo, mesmo que não tenha dado ao Pentateuco
sua forma final: a) ele pode ter aprendido as histórias das antigas tradições das ori-
gens e dos patriarcas com sua família, pois o início de sua educação ocorreu em casa
(Êx 2.9); b) ele tornou-se o “filho” da filha do faraó555 (Êx 2.10) e como tal pode ter
aprendido a ler e escrever e ter se tornado versado nas artes e nas ciências do mundo
antigo, com oportunidades de investigar o passado distante e descobrir ideias bem
difundidas acerca das origens primitivas; c) ele foi o legislador por excelência, e é
lembrado sempre como o homem por meio de quem Deus escolheu mediar a lei da
sua aliança ao seu povo; o seu nome está há muito tempo associado aos primeiros
cinco livros do AT; d) a Lei em geral e o livro de Deuteronômio em particular datam
de um período antigo na história dos hebreus – um período certamente tão antigo
quanto o de Moisés. A fórmula de “maldição”, por exemplo, invocada sobre a cabeça
de qualquer pessoa que ousasse acrescentar ou subtrair algo de um código norma-
tivo escrito e divinamente mediado (Dt 4.2; 12.32), também pode ser encontrada no
código de leis do rei babilônico Hamurabi, cujo reino pode ter existido já em 1792-
1750 a.C. (v. J. B. Pritchard, ed„ Ancient Near Eastem Texts, 1950, p. 178-9). Por isso,
“visto que não há uma única passagem em todo o Pentateuco que pode ser seria-
mente considerada ter sofrido influência pós-exílica [ou tardia] nem em forma nem
em conteúdo” (Albright, From Stone Age to Christianity, p. 345), não é arrogância
nem ingenuidade concordar com o ponto de vista tradicional segundo o qual o pró-
prio Moisés produziu e reuniu muito do que hoje conhecemos como o Pentateuco.
(BRUCE, 2008, p. 43).
O Pentateuco sem dúvida é uma herança viva deixada por Moisés que continuou ama-
durecendo por alguns séculos após sua morte. Por “vivo” quero dizer que houve assimilações
de outros elementos textuais por editores/redatores, mas de forma geral o núcleo do Penta-
teuco permaneceu o mesmo que brotou das mãos de Moisés, com pequenas acomodações
posteriores. Diante disso, se conclui que, é muito provável que os editores fossem responsá-
veis pela inclusão e o arranjo final. Admitir que Deus pudesse ter usado editores no processo
de produzir o Pentateuco, não representa, um menosprezo ao papel fundamental que Moisés
desempenhou na produção desses livros.
Pode-se colocar o encerramento de atividade literária na formação do Pentateuco no
período de Josué (Js 24.31). Também é admitido entre os conservadores o final da atividade
literária do Pentateuco no período de Samuel. Deve-se ter o devido cuidado para não associar
345
à idade do documento a idade do material escrito nele. É muito provável que o texto hebraico
sofreu revisões dos escribas da corte real de Davi e Salomão, que atualizaram a forma es-
crita e revisaram expressões dúbias. E posteriormente no tempo do rei Josias, depois que o
livro foi descoberto (2Rs 22-27) em 621 a.C., o texto foi novamente revisado. E ainda na época
do retorno do cativeiro babilônico, quando os judeus começaram a reconstruir Jerusalém,
provavelmente o texto sofreu mais uma revisão. Certamente Josué acrescentou materiais pós-
-mosaico no Pentateuco sob a direção e inspiração do Espírito Santo. Em Josué 24.26 lemos:
“Josué registrou estas coisas no Livro da Lei de Deus.”, ou seja no Pentateuco.556
A autoria mosaica do Pentateuco garante seu valor como um relato histórico da origem
e desenvolvimento da nação de Israel, e uma teoria onde o Pentateuco teve sua origem pós-
-exílica retira a credibilidade histórica e também o alcance teológico e espiritual, pois para
se chegar a estas conclusões como pudemos ver seus defensores descartam a intervenção
de Deus de forma sobrenatural no mundo criado, e isso nos inclui. Adeptos da Hipótese
Documentária, calçados com pressupostos movidos pela razão pura, e também liberais e
neo-ortodoxos negam a autoria Mosaica do Pentateuco abertamente como pudemos ver de-
masiadamente.
Tenney apresenta uma forma equilibrada e sensata da formação do Pentateuco,
O Pentateuco, então, foi composto pelo grande homem Moisés sob a influência da
inspiração divina, com a assistência de homens fiéis que registraram as palavras de
Moisés e ajudaram-no a colocar em forma escrita as grandes partes da composição
literária que constituem hoje o Pentateuco. Deve-se admitir alguma modernização
posterior do texto, de acordo com a tradição judaica, da qual a maioria data da época
de Esdras, e explica alguns anacronismos e comentários existentes no texto. Elas não
são tão numerosas como alguns pensam. (TENNEY, 2008, p. 904).
Apesar de a pessoa de Moisés sempre ter estado ligada a lei, certamente hoje, nenhum
estudioso sério alegaria ter Moisés escrito o Pentateuco tal como o temos hoje, em toda a sua
extensão. No presente momento mesmo entre os conservadores se entende que existe certa
quantidade de material pós-mosaico. A questão não esta na “quantidade” – Moisés escreveu
a maior parte do Pentateuco – mas na “qualidade” – Moisés escreveu o essencial – sendo o
processo literário posterior a Moisés continuado e desenvolvido segundo seu espírito e auto-
ridade. Mesmo entre conservadores se admite “que Moisés é autor de parte, boa parte ou da
maior parte do texto. Tais escritores incluem eruditos protestantes conservadores, como P. C.
Craigie, R. K. Harrison, K. A. Kitchen, M. Kline, G. T. Manley, S. J. Schultz e J. A. Thompson”
(HAMILTON, 2006, p. 424).
Entre os Católicos Romanos, no dia 27 de junho de 1906, a Pontifícia Comissão Bíblica,
criada havia quatro anos, baixou um decreto do qual extraímos as seguintes palavras:
556. G. C. H. Aalders, A Short Introduction to the Pentateuch (Londres: Tyndale Press, 1949), p. 108, opinou:
“Quanto a estes materiais pós-mosaicos e a-masaicos, alguns escritores têm recorrido a suposição que
todos eles podem ser explicados como adições editoriais de uma mão posterior. Teoricamente esta possi-
bilidade não pode ser negada. Mas a suposição assume que certa liberdade foi tomada com o texto escrito
finalizado, o que é objetável, e difícil de acreditar. Se tivermos em mente quão amplo era o uso da escrita
cuneiforme no antigo mundo oriental, e como o material das tabuletas de argila era inapropriado a mu-
danças, ... não é fácil acreditar na remodelação de documentos antigos em qualquer grau.” A expressão em
Josué 24.26, “o Livro da Lei de Deus” ocorre tão frequentemente em todo o Antigo Testamento em referên-
cia ao Pentateuco como escrito por Moisés, que devemos considerar como sendo o mesmo aqui. De fato, as
palavras que Josué usou em Josué 24.23 são exatamente as palavras que Jacó tinha empregado em Gênesis
35.2. (KAISER, 2007, p. 218).
346
Como pudemos ver, hoje não mais é possível falar de Moisés como sendo o autor do
Pentateuco como se falava num momento pré-crítico. O que podemos admitir é que o Pen-
tateuco em termos gerais é de “autoria essencial, fundamental e substancial” de Moisés. As
inserções no texto, possivelmente feitas em edições posteriores, tiveram como objetivo atua-
lizar ou esclarecer pontos geográficos, históricos e religiosos. Com isso asseveramos Moisés
como autor do Pentateuco, embora admitamos o uso de fontes e possíveis adições canônicas
posteriores por parte de prováveis “redatores”, o que por sinal esclarece muitos pontos.
347
CONCLUSÃO
557. Encontramos aqui um paradoxo, pois estes mesmos críticos que alegam não existir verdades absolutas, ao
defenderem a negação da verdade absoluta, imediatamente criam uma “verdade absoluta”, ou seja, a de
que não existe verdades absolutas.
348
558. Grande parte desta subjetividade no processo hermenêutica dos críticos se deve a Martin Heidegger (1889-
1976) e a Hans Georg Gadamer (1900-2002). Não se deve negar que nossas pressuposições influenciam
nossa hermenêutica, mas devemos estar constantemente alertas quanto a isso, a fim de que não venhamos
cometer uma eisegese.
349
grande maioria de suas conclusões refletem a tendência racionalista da época em que foram
originadas, e não resultados de aplicação dos métodos aos quais afirmam utilizar.
Desta forma, se demonstrou que Moisés obviamente não escreveu cem por cento do
Pentateuco, ou seja, sua forma final como temos hoje. Em contrapartida, levando em conta
a história de sua morte e algumas glosas juntamente com passagens onde se pode demons-
trar nitidamente ser acréscimos posteriores, não há base suficiente para por em descrédito
a autoria mosaica.
Dentre as opções para interpretarmos o Pentateuco, temos o testemunho religioso, o
testemunho histórico, o mundo literário e o mundo social. Cada um destes entendidos iso-
ladamente e sem a cautela necessária pode acarretar em dogmatismo. As contribuições que
forneceram juntamente com as pré-suposições excludentes, proporcionaram o cenário que
temos hoje nas pesquisas em torno do Pentateuco. Dentre as opções para interpretarmos o
Pentateuco o testemunho religioso deve ficar com o posto principal, pois toda a Bíblia Hebraica
destaca o contexto e texto religioso e juntamente com o âmago da história bíblica encontra-se
na religião de Israel. As demais opções devem vir sempre submissas ao testemunho religioso.
A interpretação religiosa/teológica não anula a interpretação literária e crítica.559 Se inverter-
mos a ordem certamente estaremos nos desencontrando com o objetivo principal da Bíblia,
que é apresentar a história do povo judeu e sua fé, juntamente com a intervenção de Deus em
favor de seu povo, culminando na vinda do messias e sua morte.
Devemos interpretar a Bíblia, dentro da perspectiva em que foi escrita. Podemos utili-
zar todas as ferramentas possíveis para interpretarmos um texto, mas se negligenciarmos a
experiência essencial dos escritores bíblicos, a saber, sua fé, nunca compreenderemos o real sig-
nificado do texto. “Um texto não pode significar o que ele nunca significou”. (FEE, 1997, p. 26).
Infelizmente hoje não se pode discordar do ponto de vista da Teologia Liberal alemã,
da Hipótese Documentária e escolas afins sem ser taxado de “desatualizado” e “fundamen-
talista”. Isto porque a escola de Wellhausen e seus seguidores atuais têm propagado seus
ensinamentos em diversos seminários brasileiros, tanto protestantes como católicos dissemi-
nando seus ensinos. Esta atitude para com os conservadores os torna tão “fundamentalistas”
quanto os que acusam de ser. Assim, nota-se um preconceito subjetivo por parte de alguns
estudiosos. À luz de todos os argumentos refutados da Hipótese Documentária em contraste
com a posição conservadora, qual dessas posições se parece com um mito, conto de fadas,
mero desejo, projeção subjetiva e invenção humana? Espero ter levado o presente leitor a
concluir que a Hipótese Documentária se enquadra nos requisitos acima.
É impressionante a atitude preconceituosa e de algumas universidades no Brasil que ao
adotarem uma postura moderna quanto às pesquisas teológicas e juntamente no estudo das
ciências da religião,560 proíbem seus alunos de utilizarem em seus trabalhos “acadêmicos” livros
que pertençam a determinadas editoras tidas como conservadoras, pois segundo os doutores
destas universidades os livros publicados por estas editoras seriam menos “acadêmicos” ou
desprovidos de um “conteúdo profundo”. Isso apenas demonstra como os resultados exegé-
ticos podem ser pré-determinados, pois a partir do momento em que o pesquisador restringe
559. Para uma boa discussão a respeito da interpretação teológica do pentateuco, consultar: BRIGGS, Richard
S.; LOHR, Joel N. Introdução teológica ao Pentateuco – Uma nálise da Torá como Escritura Sagrada. Rio de
Janeiro: Central Gospel, 2013.
560. Tem se desenvolvido projetos de estudos religiosos conhecidos como Scriptural Reasoning, em que pes-
quisadores cristãos, judeus, mulçumanos e adeptos de outras crenças se reúnem em torno de textos das
Escrituras. É bem provável que isso se torne uma ênfase crescente em meio às realidades religiosas e polí-
ticas no mundo do s´culo XXI.
350
seu material a apenas àqueles que corroboram com suas concepções ele deixa de fazer exegese
e passa a fazer eisegese.
Como pudemos constatar a grande complexidade do tema que envonve a formação do Pen-
tateuco, fica evidente que nenhum trabalho isolado pode ter a pretençã de resolver todas questões
envolvidas. Mas podemos progredir a medida que nos afastamos das tendências recentes que ain-
da insistem em manter as bases das teorias de Wellhausen, e passemos a nos aproximar do texto
bíblico em sua forma final e canônica. Devemos buscar apresentar o Antigo Testamento de forma
que ressalte a natureza, pessoa, e ações divinas, com isso retornaremos a uma verdadeira Teologia
do Antigo Testamento e bíblica. Somente desta forma teremos algo de valor a presentar e dizer à
Igreja. “Na tarefa de explicar e compreender o Antigo Testamento, devemos entender e explicar
o que o próprio Antigo Testamento ensina e explica, não o que sistemas históricos ou teológicos
préconcebidos impõe sobre o material bíblico.” (HOUSE, 2005, p. 66-67).
Concluindo o presente trabalho gostaria de lançar uma reflexão: Qual o motivo que tem
levado muitos críticos a viverem um paradoxo entre as conclusões de suas pesquisas “segu-
ras” e a aplicabilidade dos resultados em suas comunidades? O que se verifica, é que, através
de seus discursos eles pouco tem posto em prática os resultados “seguros”, transparecendo
que na verdade suas conclusões “seguras” não servem para serem postas em prática no dia
a dia da comunidade. Isso então levanta outra questão: Não seria um contrassenso acreditar
em uma determinada verdade que veio a luz como fruto de pesquisas “seguras” e no momen-
to de ensinar a comunidade deixa-se de apresentar o resultado “seguro” destas pesquisas e
continua a ensinar conforme a velha escola, ou seja, conforme o cristianismo tem ensinado
durante séculos? “A ideia que surge é que ‘verdade’ é aprendida na biblioteca e apresentada
na sala de aula, mas a igreja ensina seus membros preconceitos de uma geração a outra. Esta
divisão entre igreja e mundo acadêmico ocorre demasiada vezes.” (HOUSE, 2005, p. 19).
Crer em fatos sobrenaturais, passagens históricas, na relação entre o Antigo testamento
e o Novo Testamento, ver nas figuras do Antigo Testamento prefigurações de Jesus Cristo, são
interpretações que encontramos baseadas na fé e respaldadas pela exegese, história e teolo-
gia. Ancorado em uma compreensão cristã do Antigo Testamento, deve-se levar toda pesquisa
diante daquele que veio cumprir a Lei e os profetas (Mt 5.17) Jesus Cristo.
Como cristãos temos o dever de não nos deixar ser “enfeitiçados” por argumentos ditos
“científicos” e averiguar os fatos, temos que desenvolver em nossas Igrejas e Comunidades
um senso de análise crítica daquilo que ouvimos e lemos para que se aflore uma compreensão
bíblica relevante. Devemos levar todo argumento aos pés da cruz, à obediência de Cristo (2 Co
10.4-5), pois a palavra do Senhor é a verdade (Jo 17.17). Sabendo que, uma fé esclarecida nada
tem a temer de uma crítica verdadeira e sadia. Minhas objeções à Hipótese Documentária e
algumas escolas críticas não se devem a meu posicionamento doutrinário/teológico, mas sim,
devido suas pressuposições filosóficas e naturalistas e os resultados infrutíferos apresentados.
Ser cristão significa não negociar o inegociável. O que procurei demonstrar e espero ter
obtido êxito é que os “resultados evidentes” da crítica que giram em torno da formação do
Pentateuco carecem decididamente de precisão. Não julguei necessário galgar uma refutação
sistemática dos argumentos da crítica pentateuca, mas puramente demonstrar o caráter au-
todestruidor de suas bases filosóficas e naturalistas.
351
APÊNDICE 1
A palavra “crítica” vem da raiz grega, Krino “cortar”, em sua forma adjetiva kritikos “apto
para julgar”. Segundo o Dicionário Aurélio, “crítica” seria: “Arte ou faculdade de examinar e/
ou julgar as obras do espírito, em particular as de caráter literário ou artístico.” Com isso em
seu sentido etimológico vemos que a crítica tem o sentido de juízo, julgamento e avaliação.
“Crítica é a ciência ou arte de avaliação das qualidades de uma produção qualquer, literá-
ria ou artística.” (KERR, 1956, p.11). Outra possível definição seria: crítica é discernir o que é
bom e mau, claro e confuso, em uma determinada coisa, e também saber ponderá-la no seu
conjunto. Assim, quando se aplica a crítica a uma obra de forma digna, tem por finalidade
352
mostrar o valor desta obra. Podemos dizer que o significado real do adjetivo “critica” não é
condenatório, mas analítico. Os vários ramos do método crítico, embora usados às vezes de
maneira negativa ou destrutiva, podem proporcionar novos discernimentos da mensagem de
Deus para nós hoje.
A crítica bíblica emergiu graças ao racionalismo dos séculos XVII e XVIII. No século XIX
ela se dividiu entre a “alta crítica”, isto é, o estudo da composição e história dos textos bíbli-
cos, e a “baixa crítica”, a análise crítica dos textos visando estabelecer sua leitura correta ou
original. Esses termos são praticamente deixados de lado atualmente, e a crítica contempo-
rânea assistiu à emergência de novas perspectivas que se baseiam em abordagens literárias e
sociológicas na busca do significado dos textos.
O desenvolvimento da crítica bíblica se deu segundo parece, pela língua francesa, so-
bretudo a partir do século XVII, para designar a arte de emitir uma opinião qualificada sobre
obras literárias. Segundo La Bruyère a crítica:
Muitas vezes, não é uma ciência, escreve ele. É uma função em que mais saúde que
espírito se torna necessária, mais trabalho que capacidade, hábito mais que gênero.
Se proceder de um homem que possua menos discernimento que leitura e que por
certos capítulos se exerça, corrompe os leitores e o escritor. (STEINMANN, 1960, p. 7).
Conforme Alfredo Loisy (1857-1940) crítico francês do século XIX, “a crítica é antes uma
arte que ciência, supondo não somente conhecimentos suficientes do assunto a que se apli-
ca, mas também a experiência das coisas que se trata de julgar.” (STEINMANN, 1960, p. 53).
Apesar desta boa definição do que vem a ser a crítica, Loisy teve muitos de seus pontos de vis-
ta condenados pela igreja católica e acabou sendo excomungado. Ele interpretava a religião
em termos de sociologia e humanismo, influenciado por Augusto Comte (1798-1857) e Émile
Durkheim (1858-1917).
A crítica bíblica é uma atividade necessária para aprofundamento de nosso conheci-
mento bíblico. Não podemos ter á bíblia como livro de respostas fáceis e simples, o que na
maioria das vezes não corresponde a nossa realidade cotidiana. Deve-se reconhecer o lado
humano da Bíblia e procurar analisar a partir deste fato suas realidades humanas ou seja limi-
tada. Mas, antes de tudo a Bíblia é também divina, e assim, deve ser tratada. As afirmações do
texto bíblico são basicamente teológicas, devido a isso é impraticável ousar fazer uma análise
exegética crítica sem levar em consideração o conteúdo teológico do texto.
Não devemos nos esquecer de que não pode haver uma boa teologia sem “crítica”, e
nem uma boa “crítica” sem teologia. “Sem a teologia, o reconhecimento da verdade e valor
da Bíblia como um todo não tem fundamento para nós, hoje.” (KNIERIM, 1990, p. 15). Muitas
questões que a crítica levanta são legítimas e não podemos desprezá-las quando feitas em
reverencia a autoridade da Palavra de Deus e no intuito de encontrar a verdade.
Temos que ser cautelosos, pois “... alguns críticos partem da intenção de destruir a fé,
por causa de alguma distorção psicológica que os leva a destruir em vez de edificar. Alguns de-
les parecem indignados diante da Igreja cristã e seus ensinos. Outros sentem-se insatisfeitos
com o próprio cristianismo.” (CHAMPLIN, 2002, p. 994).
Em contrapartida alguns conservadores fazem parecer importante para a fé àquilo que,
não tem importância. É necessário, pois um equilíbrio ao se fazer uma crítica no campo bí-
blico e teológico. A verdadeira crítica não parte do pressuposto de destruir a autoridade e
ensinamento das Escrituras. Tanto os críticos radicais quanto os críticos conservadores pre-
cisam evitar cuidadosamente preconceitos. Segundo E. J. Young (1964, p. 12): “... a chamada
moderna escola crítica se baseia sobre certas pressuposições filosóficas que do ponto de vista
353
Cristão são negativas em seu caráter e revelam um conceito inteiramente inadequado sobre
Deus e a revelação.”
O conceito de ciência (conhecimento) que temos hoje não coaduna com a forma que o
povo hebreu entendia a ciência, pois o método-científico (i.e., positivismo científico e empi-
rismo) e a metodologia de pesquisa moderna não existiam na época em que os textos bíblicos
foram escritos. No final do século XIX, o positivismo representava uma concepção científica
quase hegemônica na Alemanha. Criou-se o “mito do progresso”. Nas diversas disciplinas,
predominava o seguinte lema: “Fatos empíricos, nada de especulação e conceitos vazios”. A
perspectiva positivista dos “fatos” exigia a eliminação de toda especulação que presumisse o
conhecimento das verdadeiras causas dos fenômenos, como é o caso da “teologia clássica”, por
exemplo, em detrimento da pesquisa dos fenômenos e de suas relações com as leis naturais.
A Bíblia definitivamente não é um livro de ciência, antes suas preocupações e enfoques
são teológicos. Sua preocupação não está no “como” e “quando”, mas no “quem” e “porque”.
Consequentemente qualquer interprete que se aproxime das Escrituras não pode ignorar esse
“fundamento” em seu processo interpretativo.
Segundo Geisler (2002, p.116) segue abaixo um quadro comparativo entre a Crítica po-
sitiva (conservadora), e a Crítica destrutiva (liberal):
Crítica positiva Crítica negativa
(construtiva) (destrutiva)
Base Sobrenaturalista Naturalista
Regra O texto é “inocente até que prove ser O texto é “culpado até que prove ser
culpado”. inocente”.
Resultado A Bíblia é completamente verdadeira A Bíblia é parcialmente verdadeira
Autoridade final Palavra de Deus Mente do homem
Papel da razão Descobrir a verdade (racionalidade) Determinar a verdade (racionalismo)
No século dezenove a crítica bíblica teve maior aceitação e difusão, devido a vários
fatores entre eles o “espírito da época”. E nesta mesma época o Liberalismo Teológico se pro-
pagou, tendo como seu território a prática da crítica bíblica. Simultaneamente ao se aplicar
a Bíblia à crítica literária, o Pentateuco como parte da Bíblia sofre duras críticas, assim, para
analisar as interpretações que o Pentateuco sofreu é necessário analisar juntamente a Crítica
Bíblica e suas escolas.
No Antigo Testamento
A crítica bíblica moderna começa no século XVII com filósofos e teólogos (Thomas Hob-
bes, Benedito Spinoza, Richard Simon e outros) que começaram a se perguntar quais seriam
as origens do texto bíblico, especialmente do Pentateuco. Eles questionaram especificamente
quem teria escrito esses livros: de acordo com a tradição, o autor teria sido Moisés, mas esses
críticos encontraram contradições e inconsistências no texto que, de acordo com eles, tornavam
354
a autoria mosaica improvável. No século XVIII, Jean Astruc (1684-1766), um médico francês,
tentou refutar essas críticas. De acordo com ele, as contradições e inconsistências presentes
no texto bíblico eram resultado de adições posteriores ao texto, que teriam se mesclado às es-
crituras originais de Moisés. Ironicamente, o método de Astruc foi empregado por estudiosos
alemães como Gottfried Eichhorn (1752-1827) e Wihelm Martin Leberecht de Wette (1780-1849)
num movimento que ficou conhecido como Alta Crítica, culminando com o desenvolvimento
de teorias explicativas para o Pentateuco como um documento humano multifacetado. Essa
escola encontrou seu apogeu com a síntese impactante de Julius Wellhausen (1844-1918) na
década de 1870, quando pareceu a muitos que a Bíblia havia sido plenamente decifrada como
documento humano.561
No Novo Testamento
A figura mais importante da crítica ao Novo Testamento foi Hermann Samuel Reimarus
(1694-1768), que aplicou a ele a metodologia dos estudos textuais do Grego e do Latim e se
convenceu de que muito pouco do que era dito poderia ser aceito como verdade incontro-
versa. As conclusões de Reimarus apelaram ao racionalismo dos intelectuais do século XVIII,
e foram profundamente turbulentas para os crentes contemporâneos. No século XIX traba-
lhos importantes foram realizados por David Strauss, Ernest Renan, Johannes Weiss, Albert
Schweitzer e outros, todos tendo investigado o “Jesus Histórico” a partir das narrativas dos
evangelhos. Num campo diferente, o trabalho de H. J. Holtzmann foi significativo: ele estabe-
leceu uma cronologia para a composição dos vários livros do Novo Testamento que formaram
a base para a pesquisa futura no assunto, e estabeleceu a hipótese das duas fontes (a hipótese
de que os evangelhos de Mateus e Lucas são derivados do evangelho de Marcos e um outro
documento hipotético chamado de “Fonte Q”).
Pela primeira metade do século XX uma nova geração de estudiosos, incluindo Karl
Barth e Rudolph Bultmann, na Alemanha, Roy Harrisville e outros na América do Norte, de-
cidiram que a busca do Jesus Histórico havia atingido um beco sem saída. Barth e Bultmann
aceitaram que pouco poderia ser dito com certeza sobre o Jesus histórico, e concentraram
suas atenções na mensagem do Novo Testamento de forma geral. As questões que eles colo-
caram foram: Qual foi a mensagem principal de Jesus? Como essa mensagem se relaciona ao
Judaísmo? Por acaso essa mensagem fala à realidade de hoje? A descoberta dos Manuscritos
do Mar Morto em 1948 revitalizou interesses na possível contribuição que a arqueologia po-
deria fornecer para ajudar a compreender o Antigo Testamento e Novo Testamento. Joachim
Jeremias e C. H. Dodd produziram estudos linguísticos que tentaram sistematicamente iden-
tificar camadas nos evangelhos que pudessem ser atribuídas a Jesus, aos autores, e à Igreja
Primitiva; Burton Mack e John Dominic Crossan expuseram o meio social da Judéia do século
I; e os estudiosos de Seminário Jesus procuraram verificar o que poderia ser considerado his-
tórico nos evangelhos.
Hoje as atenções dos críticos estão voltadas particularmente para as raízes “judaicas”
do Jesus histórico, e sua formação nas tendências políticas e religiosas do primeiro século na
Palestina (Bruce Chilton, Geza Vermes, Marcus Borg, etc.).562
561. CRÍTICA BÍBLICA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2015. Disponí-
vel em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Cr%C3%ADtica_b%C3%ADblica&oldid=42504018>.
Acessado em 18/03/2012.
562. CRÍTICA BÍBLICA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2015. Disponí-
vel em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Cr%C3%ADtica_b%C3%ADblica&oldid=42504018>.
Acessado em 18/03/2012.
355
O papel da análise literária é estudar o texto como literatura. Para isso, o primeiro passo
é examinar as traduções numa tentativa de aproximação do texto original. O passo seguinte
é identificar a estrutura do texto, o estilo ou gênero literário, pesquisar o significado das pa-
lavras, das expressões e verificar o seu movimento interno. Este trabalho vai trazer à tona as
tradições usadas pelos redatores e apontar o seu objetivo.
A crítica literária tornou-se um método de análise bíblica que tem alterado o modo de se
entender a Bíblia. E não podemos esquecer que a crítica literária, até mesmo em seu apogeu,
apesar de suas contribuições nunca chegou a um consenso verdadeiro, haja vista a crítica das
fontes que proporcionaram resultados incertos e demasiadamente limitados.
Esse campo tem estado sujeito a toda sorte de especulações. A viabilidade de algo
objetivo dentro dele é realmente pequena, e deveríamos ter isso sempre em mente.
A tremenda importância que tem sido dada à Crítica Literária, principalmente por
parte da teologia alemã, possivelmente é uma falta de visão do que realmente chega
a ser importante. (FEE, 1997, p. 256-257).
Dentre as escolas que mais foram influenciadas pelo relativismo extremo se encontra a
crítica literária, influenciada pelo desconstrutivismo, a crítica literária entende os textos como
desprovidos de qualquer sentido objetivo pretendido pelos seus autores ou intrínseco ao tex-
to. A crítica literária quando levada a seus extremos por alguns, acaba negando a historicidade
dos eventos por trás dos textos. Sobre isso, segue uma ponderação prudente:
Realmente é uma pena que os entusiastas da abordagem “literária” à Bíblia devam pre-
gar doutrinas anti-históricas, cujo período curto de apogeu passou há muito tempo e que
nunca foram muito literalmente consideradas, muito menos praticadas, sequer pelos Novos
Críticos que lhes deram origem. (Stemberg, apud OSBORNE, 2009, p. 273).
563. Conforme Yofre (2000, p. 94), ‘“Forma’ significa para nós, em oposição ao ‘conteúdo’, todos os aspectos de
um texto que ‘conformam’ ou configuram sua peculiar personalidade. A ‘forma’ é a carteira de identidade
de cada texto.”
564. Por gênero literário entendemos uma expressão que de a possibilidade de designar as unidades literárias
do texto ou das obras que têm uma forma comum.
358
deu origem a um gênero literário particular, ou que motivou sua utilização.” (MAINVILLE,
1999, p. 92). A crítica da forma também é conhecida como “história da forma” (Formgeschich-
te), pesquisa “histórico-morfológica” e ainda “história do gênero” (Gattungsgeschichte).
Sobre o Sitz im Leben:
Não é exato afirmar que a forma e o conteúdo do discurso estão sempre de acordo.
Como prova deste asserto, baste-nos recordar que os profetas usaram a lamenta-
ção fúnebre como ameaça ou como ameaça sarcástica. Por conseguinte, é preciso
distinguir entre o modo de falar e sua função, entre o Sitz im Leben (contexto exis-
tencial) original e o Sitz in der Rede (contexto no discurso). (YOFRE, 2000, p. 94).
Essa escola teve como um de seus fundadores Hermann Gunkel, que acreditava haver
existido no início “pequenas unidades, ou formas literárias”. As pesquisas de Gunkel foram
seguidas e aprofundadas por Hugo Gressmann, Leonhard Rost, Albrecht Alt, Martin Noth,
Gerhard von Rad, e mais recentemente, Claus Westermann, B. W. Anderson, e Walter Beyer-
lin. O objetivo principal de Gunkel foi identificar as formas literárias dos documentos bíblicos
359
Através da história das formas pode-se alegar que a literatura bíblica é ligada a certas
formas de literatura dos povos antigos; o que evidência as raízes desta escola no seu uso dos
resultados das pesquisas dos antigos povos orientais, no século XIX. A crítica das formas, não
substitui a crítica literária, mas a toma como ponto de partida desenvolvendo-a, e a modifica
até a tradição oral, e cabe a ela identificar os gêneros literários, desde as menores unidades
ainda em seu estágio pré-literário. E é justamente nas unidades literárias menores que está o
valor deste método.
Para a escola da história das formas, a comparação entre as narrações bíblicas e
extrabíblicas não se esgota na busca de analogias ou fenômenos paralelos, mas pre-
tende apreender-lhe o significado originário, para descobrir as relações entre o AT e
as religiões do ambiente próximo. (BALLARINI, 1975, p. 54).
A pesquisa sobre a história das formas, praticada em larga escala primeiramente por
Gunkel e Gressmann, modificou até certo ponto a conceituação referente aos “documentos”.
A atenção se voltou do aspecto qualitativo e específico das fontes para as narrações e para
os materiais em particular, a fim de captar a fase pré-literária, o nascimento e o desenvol-
ver da tradição oral, sua situação histórico-vital (Sitz im Leben) e a natureza da religião do
povo. A partir daí as fontes se revelam, não como obras literárias de grandes personalida-
des e compostas segundo um plano bem determinado, mas como compilações de elementos
populares, transmitidos desde tempos imemoriais e recolhidas, não por indivíduos, mas por
escolas. Daí resulta claramente que todas as fontes, mesmo as mais recentes, contém material
antigo e constituem, por isso mesmo, conjuntos de natureza muito mais complexa do que se
supunha antigamente. Isso é tanto mais válido a partir do momento em que se redescobre,
em proporção cada vez maior, a tradição do Antigo Oriente em seus aspectos comparativos. A
pesquisa, principalmente a pesquisa das condições legais e da arte de narrar, conduziu a re-
sultados notáveis, ainda que não indiscutíveis, e haverá de trazer ainda novos conhecimentos.
Ao contrário da crítica literária que parte de partes maiores para as partes menores do
texto, a crítica da forma faz o processo inverso, ou seja, do menor para o maior. Dentre seus
360
objetivos o mais importante é buscar conhecer o quadro cultural do qual provem o texto, para
com isso buscar compreender o sentido e propósito do texto.
Segundo Alt (apud SCHMIDT, 1994, pp. 61-62) a crítica da forma ou história das formas
se baseia:
Na percepção de que em cada gênero literário, enquanto este tiver vida própria,
determinados conteúdos se vinculam estreitamente a determinadas formas de ex-
pressão e na percepção de que estes vínculos característicos não foram sobrepostos
ao material posteriormente e de modo arbitrário por autores; pelo contrário eles
constituíam uma unidade essencial desde sempre, portanto também já no período
de formação e transmissão oral popular, antes que se tornassem literatura, visto que
correspondiam aos eventos e necessidades vitais recorrentes a partir dos quais cada
um dos gêneros literários se desenvolveu.
565. A leitura existencialista da Bíblia via as revelações históricas da Bíblia como modelos ou paradigmas da
situação humana enfrentada com crise, a qual oferece possibilidade sempre emergente de novos começos
através da auto compreensão e da auto renovação. (GOTTWALD, 1988, p. 31).
361
Gerard von Groningen, alerta para o perigo de se perder o sentido unificado da mensa-
gem bíblica, ao se enfatizar exageradamente as formas textuais, vejamos:
De fato, não é um exagero dizer que muitos eruditos têm dado mais atenção aos aspec-
tos formais do que ao conteúdo material da mensagem. Além disso, muitos estudantes
da Bíblia têm permitido que seu interesse no aspecto formal controle sua abordagem,
seu estudo e sua avaliação da mensagem. Como resultado, a mensagem tem sido parti-
da em segmentos não-relacionados, ou pouco relacionados, ou somente formalmente
relacionados entre si. Alguns eruditos falam enfaticamente de uma série de mensagens
e, portanto, minimizam a mensagem única. (GRONINGEN, 1995, p. 58).
Vale reconhecer os pontos positivos que a crítica da forma contribuiu para a hermenêu-
tica bíblica. “A definição de declarações de sabedoria, declarações apocalípticas, provérbios,
narrativas de pronunciamento, parábolas, narrativas de milagre, narrativas de exemplo,
monólogos etc. tem valor inestimável no estabelecimento de critérios formais para se inter-
pretar cada tipo.” (OSBORNE, 2009, p. 256). E ainda: “(1) que ela nos capacita a ver o Velho
Testamento em sua forma mais básica, embrionária e (2) que ela, muitas vezes, faz jorrar
abundante luz sobre passagens em particular, ajudando-nos a vê-las em comparação com
o padrão literário mais amplo, tanto dentro quanto fora do Velho Testamento, de que eles
fazem parte.” (CLIFTON, 1987, p. 137).
Identificar os tipos de formas literárias do Pentateuco é importante para uma compreen-
são genuína do significado do texto, porém os pressupostos sobrepostos ao texto bíblico por
adeptos dessa escola crítica têm se mostrado danosos a historicidade das narrativas bíblicas.
566. CRÍTICA BÍBLICA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2015. Disponí-
vel em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Cr%C3%ADtica_b%C3%ADblica&oldid=42504018>.
Acessado em 18/03/2012.
362
A crítica da redação atua como uma extensão da crítica das fontes, pois o estudo da reda-
ção pressupõe a existência das fontes. “Geralmente, o crítico redacional trabalha com as fontes
identificadas pelo crítico das fontes... o sucesso do método depende da integridade do trabalho
com as fontes.” (HILL, 2006, p. 640). A crítica da redação busca fazer uma análise do uso e da al-
teração das fontes pelos redatores que editaram os documentos do Antigo Testamento em suas
formas finais. A crítica da tradição valoriza a forma final do texto, e o redator passa a ter função
de autor e teólogo. Também é função da crítica da redação descobrir a teologia dos redatores.
Cabe a crítica da redação ainda analisar o texto desde sua forma inicial até sua forma final, ob-
servando cada etapa do desenvolvimento textual. Para Sellin (1977, p. 265) “O Pentateuco como
um todo não tem uma história das formas, mas uma história das redações”.
O estudo da redação dá uma especial ênfase à elaboração final do texto, buscando
descobrir como os redatores receberam as diferentes tradições e a forma como as redigiram
em resposta à realidade histórico-social e religiosa do momento. Em outras palavras, os
textos bíblicos trazem as marcas de sua história. Segundo Odette Mainville, os princípios
que cercam a atividade redacional de um autor são os seguintes: a) Correções estilísticas,
gramaticais ou linguísticas. b) Acréscimos e omissões. c) Precisões ou ajustes de diferentes
ordens. d) Inversão ou transposição de elementos da fonte. e) Remanejamento de sequên-
cias tradicionais. f) Interpolação de outro material tradicional dentro da fonte. g) Articulação
de materiais tradicionais, mas isolados na origem. h) Utilização de palavras-chave. i) Indi-
cações geográficas ou temporais.”568
A princípio a crítica da redação foi aplicada ao estudo do Novo Testamento, e hoje se
encontra amplamente praticada por estudiosos do Antigo Testamento. É em von Rad que a
história da redação encontra seu maior representante no estudo do Antigo Testamento,
ele entendia o Pentateuco como um Hexateuco, tendo como núcleo os “credos históricos” de
Deuteronômio 6.20-24; 26.5-9.
567. A grande maioria dos estudiosos da Hipótese Documentária, e intérpretes que desvaloriza o conceito de
“historicidade” dos textos bíblicos preferem usar o termo “relato” ao invés de “história”, sugerindo com isso
que o texto bíblico não se trata de uma “história”, mas que é apenas “como história”.
568. Para detalhes de cada um desses pontos consultar: (MAINVILLE, 1999. p. 112).
363
364
Este método crítico tem seu maior interesse na pré-história do texto, que possivelmente
estava na forma oral, até o momento em que foi registrado em forma escrita. Quando deixa
de se interessar pelas formas mais primitivas do texto, e passa para o texto final, este método
atua como a “história da redação”. Dentre suas contribuições para a crítica, demonstrou a
antiguidade e importância das tradições da fé em Israel.
O tema e a história dos hebreus são importantes por causa da tendência da crítica mo-
derna de enfatizar a “história da salvação” às custas da história real – eventos reais no espaço
e no tempo. A “história da salvação”, ou “história da tradição,” é definida como uma glorifi-
cação cúltica dos eventos históricos na mente da comunidade. Esta é a forma que os adeptos
dessa teoria explicam a “história” de Israel. Estes críticos concluem que o processo se de-
senvolveu nas festas anuais; que apenas um núcleo da história real pode ser encontrado na
maioria das histórias do Pentateuco, uma vez que elas são interpretações cúlticas dos eventos.
Segundo Mainville (1999, p. 112) uma possível definição de “tradição” seria: “uma infor-
mação, ou uma narrativa ou um relato, mais ou menos lendária, ou um costume transmitido
de geração em geração.” Essa transmissão da tradição se dá através de histórias, ditados,
canções, poemas, códigos jurídicos, etc. E segundo a mesma autora, a história da tradição
pretende “acerca-se da origem de uma tradição, descrever a sua evolução e explicar as trans-
formações que sofreu no curso de sua transmissão.” (MAINVILLE, 1999, p. 113). O interesse da
crítica da tradição se inicia na fase oral e termina na fixação do texto por escrito.
Observa-se, no entanto, como na pesquisa da história das formas, uma tendência ao
unilateralismo e à absolutização, qual seja a de colocar a pesquisa das tradições como
único critério e de considerar todas as manifestações do AT como dependentes de
umas poucas tradições, as quais, segundo esta perspectiva, percorrem toda a história,
depois de haverem passado por diferentes transformações. (SELLIN, 1977, p. 11).
Com Gerhard von Rad, e sua Teologia do Antigo Testamento, 1957-1960, a história da
tradição, “se transforma sorrateiramemte em teologia” (GUNNEWEG, 2005, p. 49). A pró-
pria história da tradição teria descoberto, que os materiais da tradição, desde as mais antigas
lendas até os grandes projetos das fontes escritas JEDP, não visam oferecer simplesmente
narrativas de fato, mas que neles sempre levam a eventos, que precisamente são sub specie
Dei (de natureza divina).
569. Para uma explanação destes argumentos, ver: GOTTWALD, 1988, p. 35.
365
3. A Baixa Crítica
Também chamada de crítica textual ou crítica inferior, denomina-se “baixa” para se
contrastar com a “alta” e não por ser inferior em sua importância e relevância. Enquadra-se
na crítica que visa à natureza verbal e histórica sobre os vocábulos do texto. Devido os termos
“alta” e “baixa” ou “inferior” e “superior” emitirem subjetivamente juízo ou mérito de valor,
estes termos estão cainda cada vez mais em desuso. Com isso a baixa crítica busca restaurar
o texto original comparando-o com os textos existentes. Seu foco principal é com os manus-
critos e com a transmissão textual, tendo como objetivo recuperar a redação original do texto,
localizando todas as variantes possíveis. O texto, depois de analisado sob os critérios da crítica
textual, denomina-se “texto crítico”. O seu objetivo é abordar tão de perto quanto possível a
forma mais pura e mais original do texto bíblico. “Critica” aqui não significa “encontrar fa-
lhas”, mas “avaliar” as cópias existentes do texto.
Quando o julgamento dos estudiosos se aplica à confiabilidade do texto bíblico, ela é
classificada como baixa crítica ou crítica textual. A baixa crítica aplica-se à forma ou ao texto
da Bíblia, numa tentativa de restaurar o texto original. Não deve ser confundida com a alta
crítica, visto que a baixa crítica, ou crítica textual, estuda a forma das palavras de um docu-
mento, e não seu valor documental. Muitos exemplos de baixa crítica podem ser encontrados
na história da transmissão do texto bíblico. Alguns desses exemplos foram produzidos por
leais defensores do cristianismo ortodoxo, mas outros provieram de seus mais veementes
opositores. Os estudiosos que se interessam por obter o original de um texto, mediante a apli-
cação de certos critérios ou padrões de qualidade, são críticos textuais. Em geral, o trabalho
desses homens é construtivo, e sua atitude básica, positiva.
Os manuscritos bíblicos se encontram principalmente em bibliotecas famosas, e estão
somente disponíveis ao público em geral através de fotografias e microfilmes. Nas Bíblias he-
braicas em uso, o texto usado é o Textus Receptus. Manuscritos importantes provindos do
século V e IV depois de Cristo, e que eram escritos em unciais570 sem pontuação, são o Sinaiti-
cus, o Alexandrinus, Vaticanus e o Codex Ephraemi Rescriptus.
570. Manuscritos escritos em letras maiúsculas. Os manuscritos unciais (escritos em koine maiúsculo) desta-
cam-se em relação aos manuscritos na escrita cursiva (escritos em minúsculas) devido principalmente
ao fato de serem mais antigos e, portanto, mais próximos dos originais “autógrafos”. Suas letras eram bem
juntas umas das outras a fim de economizar espaço no pergaminho. Há pelo menos 170 porções de unciais
no Novo Testamento, sendo 44 delas escritas em folhas de pergaminho e não em rolos de papiro.
366
O papel inicial da crítica quando aplicada corretamente é restaurar o texto original que
proveio das mãos do autor. A crítica confronta o conteúdo analisado com os dados gerais da
história, da geografia, da etnologia571 e da arqueologia. Também possui o objetivo de desco-
brir o que o autor queria dizer ao escrever sua obra e o valor a ser dado aos seus julgamentos.
A morfologia e sintaxe das palavras devem ser observadas. Da mesma forma que as pa-
lavras que compõem um texto precisam ser conhecidas tão plenamente quanto possível por
si mesmas, a maneira como elas são arranjadas em frases e sentenças também precisa ser
estudada e compreendida.
A primeira intenção, portanto, tende a restabelecer em toda a sua pureza um texto, tal
como saiu das mãos do autor, despojando-os dos erros de copistas (ou falhas de impressão), de
adições indevidas, glosas, notas marginais que foram inseridas no texto ou correções tenden-
ciosas, visando atenuar ou torcer o sentido de uma frase, modificar o estilo e transformar os
pensamentos de um autor. É muito comum que erros característicos aconteçam na transcrição
de qualquer documento escrito. Ocorria também, de o copista substituir uma palavra com som
semelhante, pela palavra que constava no original (“seu” no lugar de “céu”, “vício” no lugar
de “viço”); da mesma forma escrevia a mesma palavra duas vezes (“céus céus”); ou trocava a
ordem das letras de uma determinada palavra (“caner” no lugar de “carne”). Restaurar o texto
na sua forma original, que foi corrompido em sua transmissão é tarefa da baixa crítica.
O papel tanto da “baixa” quanto da “alta” crítica é fazer perguntas, questionar. O que
diferencia de uma para a outra principalmente esta no tipo de pergunta que é feita ao texto, e
qual a intenção ao se perguntar.
O que pudemos ver, é um esboço resumido do que caracteriza a crítica bíblica do Antigo
Testamento. A crítica exige longa preparação e a disciplina de uma mente dedicada. Requer
trabalho árduo e “cansativo”, trabalho que, muitas vezes, se refere aos menores detalhes, até
mesmos às próprias letras do texto. Porém, não se pode esquecer que estas minúcias, até es-
sas letras, fazem parte da palavra viva de Deus. Não se pode esquecer que, neste texto, desde à
época de sua composição, Deus não cessou de falar. A tentativa perpétua é ouvir Deus falando
cada vez mais claramente.
4. A Alta Crítica
Durante os séculos XVIII e XIX, nas universidades alemãs, foram aplicados à Bíblia méto-
dos de investigação e de análise que os historiadores haviam desenvolvido para reconstruir o
367
passado e as literaturas clássicas. Procuraram descobrir a data de cada livro, seu autor, seu pro-
pósito e as características do estilo e da linguagem. Questionaram: Quais são as fontes originais
dos documentos bíblicos? São dignas de confiança? Qual é o significado e o fundo histórico de
cada um deles? A esse movimento deu-se o nome de alta crítica. (HOFF, 2011, p. 277).
Não nos é suficiente dizer hoje que a Alta Crítica está errada. Devemos conhecer as
evidências. Devemos conhecer a situação. Com o progresso da arqueologia e com a atitude
mudada em relação ao estudo literário, é mais fácil do que nunca, sobre uma base científica
objetiva mostrarmos que a Alta Crítica está errada. Mas a Alta Crítica está sendo amplamente
ensinada, mais do que nunca, e encontrando expressão nos novos credos que estão sendo
adotados por grandes denominações e destruindo a fé em estudantes para o ministério em
todo o mundo.
A crítica histórica , também conhecida como o método histórico-crítico ou alta crítica, é
um ramo da crítica literária que investiga as origens do texto antigo, a fim de compreender “o
mundo por trás do texto”. A frase “alta crítica” tornou-se popular na Europa a partir de mea-
dos do século 18 até o início do século 20, para descrever o trabalho de estudiosos como Jean
Astruc (meados do século 18), Johann Salomo Semler (1725-1791), Johann Gottfried Eichhorn
(1752-1827), Ferdinand Christian Baur (1792-1860), e Julius Wellhausen (1844-1918).
Dentre os críticos do século XVIII temos Johann Salomo Semler (1725-1791), teólogo,
alemão luterano da Universidade de Hale, que foi um dos fundadores do criticismo histórico
da Bíblia. Ele apregoava que:
A Palavra de Deus e as Sagradas Escrituras não eram a mesma coisa, sugerindo que
nem toda a Bíblia é resultado da inspiração, sendo apenas um documento histórico,
que devia ser examinado, como qualquer outro documento congênere, ou seja, atra-
vés de método histórico-crítico. (apud COSTA, 2004, p. 304).
Esta concepção de Semler é tratada em sua obra, Abhaundlung von freier Untersuchung
des Cânon, 1771-75 (Tratado sobre a livre investigação do cânone). O próprio título é mui-
to eloquente: o cânon deve ser livremente analisado, assim como qualquer outra literatura.
Semler declara: “Não podemos ver, nas letras e palavras, bem como na interconexão delas
em um escrito, nada de divino, em contraposição a um escrito humano... É preciso distinguir
muito bem entre Escritura Sagrada e palavra de Deus, porque conhecemos a diferença.”
(apud GUNNEWEG, 2005, p. 31). Segundo ele, somente pode valer como divino aquilo que
“aperfeiçoa moralmente”. Ou seja, o critério para verdadeiro ou não-verdadeiro, divino ou
não-divino é uma moral racionalista. Semler, Reimarus e Lessing, partiram do pressuposto de
que não existe o sobrenatural, e tudo que entre em oposição a isso é racionalizado.
Outro crítico do século XVIII foi Hermann Samuel Reimarus (1694-1768), em sua famosa
obra Apologie oder Schutzschrift für die vernünftigen Verehrer Gottes, 1735 (Apologia ou defesa
para os veneradores racionais de Deus) postulava ser as evidências históricas insuficientes
para a fé; Jesus teria sido um “Messias Político Judaico”; não havia o sobrenatural nos evange-
lhos, os milagres foram invenções dos apóstolos; e Jesus não ressuscitou. Acreditava também
que a travessia do mar Vermelho foi uma grande mentira da parte de Moisés. Com isso Reima-
rus postulava a religião natural e rejeitava a religião revelada.
Ainda, Gotthold Efraim Lessing (1729-1781), apregoava que todas as religiões conciliam
o homem com Deus; a revelação era uma etapa ultrapassada, e o seu conteúdo podia ser
transformado em verdade racional; o que importa não é ter certeza, mas a busca da certeza.
Entre 1829 e 1850, o Princeton Review, a revista teológica sobre a direção de Charles
Hodge publicou 70 artigos contra a Alta crítica, e o número aumentou nos anos posteriores
368
a 1850. O primeiro grande defensor da Alta crítica dentro da Igreja Presbiteriana foi Charles
Briggs, que tinha estudado Alta crítica na Alemanha em 1866.
Quando se aplica o julgamento dos estudiosos à autenticidade do texto bíblico, esse jul-
gamento se chama alta crítica,também conhecida pelos seguintes títulos: criticismo literário,
ortodoxia crítica, crítica superior, e ainda crítica histórica. O assunto desse tipo de julgamento
dos especialistas diz respeito à data do texto, seu estilo literário, sua estrutura, sua historicida-
de e sua autoria. Os resultados dos estudos da alta crítica, feitos pelos herdeiros deste escola
interpretativa dos fins do século XVIII, não passam de um tipo de fruto altamente destruti-
vo. Os críticos, sob a influência do racionalismo daquele tempo, chegaram a conclusões que,
comprovadas, poderiam destruir toda a confiança na integridade das Escrituras.
A alta crítica dedica se com o que está fora do texto, como autoria, data, origem, desti-
no, integridade, pano de fundo histórico, propósito, problemas linguísticos e unidade. A alta
crítica, levanta principalmente, as seguintes perguntas: Quem compôs originalmente o texto
e quando? Em que formas, e estilo foi ele composto, e como chegou à forma em que o re-
cebemos? Também, podemos descrever a alta crítica em três categorias: estudo das fontes
da literatura do Antigo Testamento; estudo das formas da literatura do Antigo Testamento; e
estudo da história da literatura do Antigo Testamento.
Segundo Canon Dyson Hague (1857-1935) (apud TORREY, 2005, p. 16-17) podemos dis-
cernir três estágios no desenvolvimento da alta crítica: (1) o franco-holandês; (2) o alemão; e
(3) o anglo-americano. O franco-holandês teve como representantes Spinoza e Jean Astruc;
entre os alemães teve Eichhorn, Vater, Hartmann, De Wette, Vatke, Bleek, Ewald, Hupfeld,
Graf, Kuenen e Wellhausen; e entre os anglo-americanos Davidson, Robertson Smith,572 G. A.
Smith, S. R. Driver, T. K. Cheyne573 e Briggs.
J.G. Eichhorn, um racionalista germânico dos fins do século XVIII foi o primeiro a aplicar
o termo alta crítica ao estudo da Bíblia, no prefácio de sua obra Old Testament Introduction
(1787).574 Devido a isto ele tem sido chamado de “o pai da Crítica do Antigo Testamento”.
Karen Armstrong relata o motivo que tornou a alta crítica acessível ao leitor comum:
Houve um clamor muito grande quando sete clérigos anglicanos publicaram Essays
and Reviews (1860) que tornava a Crítica Superior acessível ao leitor comum. O pú-
blico foi agora informado de que Moisés não havia escrito o Pentateuco, nem Davi
escrito os Salmos. Os milagres bíblicos eram simplesmente tropos literários e não
deviam ser compreendidos literalmente, e, em sua maior parte, os eventos descritos
na Bíblia claramente não eram históricos. (ARMSTRONG, 2007, p. 192-193).
A ascensão da alta crítica foi parte de um movimento divulgado que começou, não pelo
estudo da Bíblia, mas pelo estudo das grandes obras da antiguidade clássica. O seu primei-
ro protagonista proeminente foi Friedrich August Wolf (1759-1824) que na sua Prolegomena
ad Homero (1795), apresentou a ideia de que a Ilíada e a Odisseia tinham sido formadas por
572. “Na Escócia, W. Robertson Smith, professor de hebraico e crítica do AT no Free Church College de Aberdeen,
um homem que Vidler descreveu como “um evangélico sincero que aceitava as doutrinas calvinistas da
Confissão de Westminster” (op. cit., p. 171), promoveu pontos de vista avançados acerca de questões do AT
que conduziram a um processo bastante longo por heresia que serviu para tornar amplamente conhecidos
esses pontos de vista e despertar simpatia por ele. (Mais tarde, Robertson Smith ainda faria uma contri-
buição importante aos estudos do AT por meio da sua aplicação de teorias antropológicas ao estudo da
religião hebraica primitiva, como na sua obra Religion of the Semites, 1889.)” (BRUCE, 2008, p. 105).
573. S. R. Driver e T. K. Cheyne enunciaram ideias novas com alguma moderação e aparência de fé evangélica.
574. Para maiores informações sobre esta citação consultar: (DOUGLAS, 1995, p. 354).
369
uma combinação de várias fontes diferentes. O famoso poeta alemão Goethe, foi a princípio,
grandemente atraído pelas ideias de Wolf. O famoso poeta alemão, Goethe, foi, a princí-
pio, grandemente atraído pela idéias de Wolf. Entretanto, conforme Goethe relia a Ilíada e
a Odisséia, cada vez mais se convencia de que a sua grandeza não podia ser explicada como
o resultado de uma mera colcha de retalhos, e eventualmente publicou uma retratação do
apoio que havia antecipadamente dado às teorias de Wolf. As ideias de Wolf foram elaboradas
mais pormenorizadamente por Lachmann, que as estendeu à famosa Épica Alemã, e Nibe-
lungenlied. Mullenhoff, um aluno de Lachmann, aplicou o mesmo método ao anglo-saxão
Beowulf. Como pudemos ver, durante o século XIX tais métodos foram comumente aplicados
aos escritos mais antigos ou medievais. Não era senão “natural” estendê-los à Bíblia.
A aplicação contínua desses métodos à Bíblia, não obstante o seu quase completo
abandono em outros campos de estudo literário, é ainda mais estranho, visto que o material
comprobatório encontra-se mais à mão do que nunca. Este é o resultado das investigações
da arqueologia. Durante os cem anos passados, um novo mundo completo se levantou do
pó, através da obra de escavadores no Egito, Mesopotâmia, Palestina e em outras partes do
Oriente Próximo. Ponto após ponto, onde afirmações bíblicas têm sido consideradas pelos
críticos como sendo puramente imaginários objetos materiais ou escritos enterrados por
muito tempo têm vindo à luz, os quais concordam exatamente com as declarações bíblicas,
como são estabelecidas, e não concordam com a história reconstruída pela Alta Crítica. Al-
guns defensores do método de Wellhausen fecham os olhos resolutamente a estes assuntos
e sustentam que muito do conteúdo bíblico representa acontecimentos míticos ou produtos
da imaginação humana. Muitos, entretanto, procuram ajustar-se às descobertas arqueológi-
cas. Entre aqueles teóricos das fontes documentárias que aceitam a evidência arqueológica
nos pontos particulares, onde claramente ela se aplica, e aqueles que procuram eliminá-las,
desenvolvem-se graves tensões. Observem-se, por exemplo, argumentos fortes que se tem
desenvolvido entre as escolas de Albright, Bright e Wright, e a de Alt. North e Von Rad. A ar-
queologia tem apresentado a evidência que pode exterminar as teorias documentárias, se
aplicada apropriadamente; porém muitos recusam aplicá-la.575
A história de Israel tem se tornado cada vez mais tendenciosa, a ser descrita a partir da
arqueologia crítica e dos testemunhos escritos extra bíblicos. Diante desta tendência ocorre
uma situação controversa: se textos extra bíblicos são autoridade para se estudar a história de
Israel, onde está a autoridade dos textos bíblicos, que ao longo de séculos sofreram diversas
alegações contrarias a sua confiabilidade e mesmo assim se mostraram uma fonte confiável.
Isso parece indicar uma concepção pré-concebida ao se tratar sobre a história de Israel. Nas
últimas décadas têm sido publicados livros que desafiam a confiabilidade histórica da história
de Israel da forma como apresentada nos textos bíblicos. Em 1992, Philip R. Davies, publicou
um livro contestando a história de Israel como vemos na Bíblia In Search of ‘Ancient Israel
(Em busca do Israel Antigo). Suas conclusões apontam que o historiador deve investigar a
história real independente do conceito bíblico. Segundo o autor as histórias foram inventadas
e depois organizadas na sequência atual. A literatura bíblica foi inventada nas épocas persa
e grega. A Bíblia, como uma criação literária e histórica é um conceito asmoneu. Como apre-
sentado, vimos que é função da crítica bíblica buscar a todo tempo mover “céus e terra” em
busca de seus resultados. Em décadas recentes inúmeros livros que tratam sobre a história
de Israel tem sido baseado nos preceitos da alta crírica e nos prussupostos do minimalismo
arqueológico.
370
Os deístas estavam entre os pioneiros da crítica bíblica radical. Em The Scheme of Li-
teral Prophecy (1727) Anthony Collins (1676-1729) argumentou que o livro de Daniel
deve ter uma data avançada... alegara que profecias do Antigo Testamento não se
adaptam realmente a Cristo, e que a interpretação delas, dada no Novo Testamento,
é forçada... Um tipo de sequela à obra de Collins foi escrita por Thomas Woolston
(1670-1733) Muitos dos eventos da vida de Jesus são patentemente absurdos se fo-
rem interpretados literalmente. O inferno, Satanás e o diabo são realmente estados
mentais. Quinze milagres dos evangelhos são invalidados por meio de explicação.
Mas o clímax vem no discurso final, onde a ressurreição de Jesus é retratada com um
gigantesco ato de fraude, cometido pelos discípulos que, na realidade, furtaram o
corpo de Jesus. (BROWN, 1999, p. 54).
Esta forma de crítica e seus resultados não prestam benefícios ao estudo bíblico, mas a
alta crítica em sua forma como descrita acima, além de ser comparada a alguém que destrói
uma boneca por uma “cirurgia crítica” para obter a serragem que está dentro dela, pode-se
dizer também que ela deixa a boneca toda aberta não voltando a fechá-la. Assim, este papel de
“desentranhar” o texto bíblico de forma crítica deve ter suas precauções.
James Orr (1844-1913) (apud TORREY, 2005, p. 39) nos orienta acerca da crítica bíblica:
Se uma ciência reverente tem luz a lançar sobre a composição ou autoridade ou
época desses livros [bíblicos] que sua voz seja ouvida. Por outro lado, não temos de
aceitar toda teoria crítica ardorosa que qualquer crítico deseje apresentar como a
palavra final sobre essa questão... Hoje, essa é minha queixa contra muitas das cor-
rentes críticas da Bíblia... não por ser crítica, mas por partir de bases equivocadas,
por proceder de métodos arbitrários, crítica essa que chega a resultados, conforme
creio, que são visivelmente falsos.
Podemos distinguir mediante a colocação acima entre “Alta Crítica Destrutiva”, e “Alta
Crítica Construtiva”, ou ainda “uma crítica da dúvida que destrói” (duvidalismo) e “uma
crítica da fé que constrói.” A crítica negativa pode ser descrita por negar grande parte da au-
tenticidade do texto bíblico, e por possuir pressuposições anti-sobrenaturais. E também por
colocar o texto Bíblico como “culpado até que se prove inocente”, esta postura pode ser defi-
nida como “hermenêutica da dúvida”. O fato de a alta crítica se preocupar com autoria, data,
origem, destino, integridade, pano de fundo histórico, propósito, problemas linguísticos,
unidade etc., não a caracteriza como “negativa”, este termo pejorativo se deve a suas pressu-
posições “negativas” ao tratar sobre cada um destes assuntos.
371
Sobre o nome “Alta crítica” e seu uso por parte dos conservadores Champlin comenta:
Essa expressão tem assumido um certo sentido negativo por causa dos abusos que
têm estado associados a esse tipo de atividade. Porém, os estudiosos mais conserva-
dores, que defendem a autoria mosaica do Pentateuco, praticam a alta crítica tanto
quanto aquele que faz julgamentos negativos. (CHAMPLIN, 2002, Vl 1, p. 990).
James Orr (apud TORREY, 2005, p. 43) se posicionou da seguinte forma concernente a
alta crítica: “Não estou rejeitando esse tipo de teoria crítica porque ela vai contra meus pre-
ceitos e tradições; rejeito-a simplesmente porque me parece que a evidência não a sustenta, e
que a evidência mais forte é contra ela.”
Ao se aplicar à alta crítica ao Antigo Testamento, o que temos visto é o mesmo se tornar
essencialmente não histórico, e a religião de Israel ser encarada como totalmente natural, sem
origem e desenvolvimentos sobrenaturais, e sua história e religião se tornarem em essência
fraudulentas. Quando um escrito de povos antigos discorda das narrativas bíblicas, alegar
simplesmente que o autor hebreu é quem está errado é grosseira tendência unilateral por
parte dos críticos.
Geisler apresenta uma avaliação sensata da alta crítica, vejamos:
Teoricamente, a alta crítica não precisa ser negativa. Seu propósito confesso é a
descrição objetiva. A crítica fica desvirtuada – isto é, ‘enviesada’ e deixa de ver um
objeto valioso como ele realmente é – só quando é vinculada a pressupostos que lhe
roubam a imparcialidade e o propósito. Surge então a pergunta: o que caracteriza
esse tipo de pressuposto? O liberalismo e a igreja oferecem respostas diametralmen-
te opostas; estas, por sua vez, determinam o julgamento que cada um deles faz da
Escritura. (GEISLER, 2003, p. 110).
Quando o estudioso aplica a alta crítica aos textos bíblicos vinculada a seus pressupos-
tos é como se dissesse: Sou o juiz supremo daquilo em que crerei ou não. Smith esclarece este
pondo paradoxal entre fé e crítica bíblica:
Quem crê não chega às narrativas bíblicas para validar a qualidade das verdades
nelas contidas. As narrativas já se provaram verdadeiras para a vida de fé muito an-
tes que ele aprendesse a levantar o problema histórico. A questão histórica torna-se
“um meio de reforçar a fé ou de validar a doutrina da pessoa”. (SMITH, 2001, p. 110).
C.S Lewis sem dúvida o apologista cristão mais influente do século XX, em seu artigo A
Teologia Moderna e a Crítica da Bíblia tece alguns comentários que transcrevo a seguir:
Em primeiro lugar, o que quer que esses homens possam ser como críticos da Bíblia,
desconfio deles como críticos. Se tal homem chega e diz que alguma coisa, em um
372
dos evangelhos, é lendária ou romântica, então quero saber quantas lendas e roman-
ces ele já leu, o quanto está desenvolvido o seu gosto literário para poder detectar
lendas e romances, e não quantos anos ele já passou estudando aquele evangelho.
Esses homens pedem-me que eu acredite que eles podem ler entre as linhas dos
textos antigos; mas todas as evidências levam-me a notar a óbvia incapacidade deles
de lerem (em qualquer sentido digno de discussão) as próprias linhas. Eles afirmam
poder ver coisinhas minúsculas, mas não podem ver um elefante a dez metros de
distância, em plena luz do dia. (apud McDOWELL, 1997, p. 522).
Digno de nota lembrar que “em 1888, a romancista britânica Mrs. Humphry Ward publi-
cou Robert Elsmere, a história de um jovem clérigo cuja fé foi destruída pela Crítica Superior.”
(ARMSTRONG, 2007, p. 193). E também vale ressaltar que “em 1886, o pregador revivalista
Dwight Moody (1837-99) fundou o Moody Bible Institute em Chicago para combater a Crítica
Superior.” (ARMSTRONG, 2007, p. 194).
A questão mais importante não é se a crítica é alta ou baixa, mas se é sadia e ortodoxa,
trata-se de assunto de evidências e de argumentações, não de pressuposições apriorísticas.
Se verifica amplamente, um preconceito subjetivo da alta crítica ao abordar o texto bíblico.
5. O Método Histórico-Crítico
Quando se fala de “método histórico-crítico” ou “historicismo”, vale salientar que não
se trata de um método, más de vários métodos de análises textuais. Este método de análise de
texto surgiu em função do desenvolvimento da ciência e cultura da época, e buscou tornar os
estudos bíblicos ajustados com o campo acadêmico em vigor, buscando explicar personagens
e acontecimentos dos quais não temos uma correspondência direta. Para isso, utiliza-se das
ferramentas da história, literatura, arqueologia, religião e teologia. Ao surgir juntamente com
o iluminismo adotou pressupostos racionalistas, que culminou no abandono do aspecto divi-
no e sobrenatural das Escrituras. A tendência dos críticos é absolutizar a história e, em estreita
correlação com isto, colocar ênfase indevida no texto. Como resultado, não se dá a devida
consideração ao conteúdo teológico.
Podemos encontrar raízes do método histórico-crítico no final do século XVII, seu
desenvolvimento se deu no iluminismo e no deísmo no século XVIII e XIX, e perdeu suas
forças no final do século XX. Isso não significa que ele foi extinto. Porém, “uma boa parte dos
supostos resultados ‘infalíveis’ desse método continua ainda hoje a influenciar os estudos
acadêmicos da Bíblia, como fatos provados, em vez do que são na realidade: mera hipóteses.”
(LOPES, 2004, p. 189). Essa crítica surge com as obras de Hermann Reimarus (1694 - 1768) e
tem sua expressão mais contundente na alta crítica exegética alemã do século XX (Bultmann,
Käsemann, Borkhamm, Fuschs, Vielhauer, etc.), embora também existam exegetas do mé-
todo histórico-crítico que estabelecem um saudável diálogo com a tradição no sentido de se
preservar a autenticidade e inspiração do texto bíblico (Oscar Culmann, Martin Bengel, Joa-
quim Jeremias e J. A. T. Robinson).
Este método que teve seu apogeu no século XX se mostrou ser insuficiente a partir do
momento em que se recusa a fornecer o significado do texto. Kaiser (2002, p. 30) teceu consi-
derações a esse respeito:
Este modelo enfatiza sua lealdade mais a teorias contemporâneas sobre a formação
de textos e a supostas fontes orientais e clássicas que estão por trás delas do que a
uma consideração daquilo que o texto, tanto em suas partes quanto em sua totali-
dade, tinha a dizer.
373
Devemos ter a precaução de não jogar a “água da bacia com a criança junta”, pois a crí-
tica, aplicada de maneira consciente orienta o estudioso a obter uma compreensão mais exata
da Bíblia, e o auxilia a encontrar o sentido literal dos textos. Embora muitas vezes o método
histórico-crítico, alegue ser o único método capaz de interpretar a Bíblia corretamente, ele
acaba caindo no mesmo erro de dogmatismo hermenêutico o qual ele censura. O pesquisador
deve ter sempre em mente que este método deve ser empregado como um meio, e não como
um fim em si mesmo.
Mas em virtude de suas opiniões inconcludentes sobre os mesmos temas, ele foi sendo
depreciada por muitos exegetas. Assim, devemos nos precaver dos resultados que este méto-
do tem causado, conforme Gerhard Maier (apud, FEE, 1997, p. 262) expôs em sua obra “O Fim
do Método Histórico-Crítico”:
Não importa quão certo seja para o método histórico continuar sendo a melhor
maneira de aprender realidades históricas... Não obstante, não deveríamos tentar
ocultar as consequências negativas da crítica radical protestante no que refere à Bí-
blia, e encobrir este fato ou fazê-lo parecer inofensivo... A crítica bíblica, por 200
anos tem provado ser um fardo intolerável às congregações, e não só na Alemanha...
Hoje como no passado ela continua jogando um balde de água fria no entusiasmo
missionário dos jovens estudantes de teologia.
576. A História Comparada das Religiões denomina-se também de Método Comparativo, que tem a intenção
de estabelecer paralelos de textos extra bíblicos antigos com os textos bíblicos, onde o gênero literário se
concilia. Geralmente tem sido acusada de atribuir partes do material bíblico a fontes pagãs.
374
O método histórico-crítico tem sido usado pela teologia alemã de forma que se enfatize
mais o lado “crítico” do que o “histórico”, e por isso tem gerado resultados extremos, princi-
palmente nos primeiros cinquenta anos do método; em contra partida os lugares onde tem se
valorizado mais o “histórico” do que o “crítico” tem proporcionado resultados equilibrados e
proveitosos. Este método não deve deixar de ser crítico para com os seus próprios instrumentos.
Comentando sobre algumas contribuições que os métodos histórico-críticos têm apre-
sentado (estas contribuições são do poento de vista do método histórico-crítico) Yofre relata:
Com efeito, se hoje não precisamos torturar nossa inteligência nem violentar nossa
honestidade intelectual para defender como proximum fidei a criação do mundo do
nada em sete dias, e como histórias (no sentido habitual da palavra) a construção da
arca de Noé, a composição do Pentateuco por Moisés e tantas outras coisas, não de-
vemos isso nem a narratologia, nem à crítica retórica,577 nem à hermenêutica, nem à
pragmática, nem aos Padres da Igreja, nem ao estruturalismo, mas simplesmente aos
métodos histórico-críticos, não obstante todas as suas falhas. (YOFRE, 2000, p. 73).
E conclui: “A fé decai agora numa espécie de filosofia da vida que cada um, segundo
suas idiossincrasias, tenta destilar da Bíblia”. (YOFRE, 2000, p. 19). Conforme se expressou
H Braun:
O homem, que passou a analisar criticamente a revelação na tentativa de des-
cobrir por si mesmo os parâmetros do que deveria ser considerado normativo,
descobriu, no final da caminhada, que era ele próprio o referencial que buscava.
(apud GEISLER, 2003, p. 132).
577. Foi James Muilenburg quem deu início ao criticismo retórico com seu discurso à Sociedade de Literatura
Bíblica em 1968. “Em vez de concentrarem-se no desenvolvimento de um texto, os críticos retóricos olha-
vam para as passagens como obras de arte completas criadas para persuadir leitores.” (PRATT Jr., 2004. p.
128). A crítica retórica considera a unidade da forma e do conteúdo. Quando determinada característica
contribui para a arte literária do autor ela é analisada. A retórica é a arte de compor discursos persuasivos.
“Isso contribui para a análise e definição das unidades, para melhor conhecimento da estrutura e para a
precisão da configuração de seus componentes.” (SOTELO, 2011, p. 40). Também vista como um produto
secundário da crítica da forma, a crítica retórica busca estabelecer a individualidade literária de textos,
analisando as suas ordenações de palavras, frases e imagens que estruturam princípios e fins firmes, se-
quencias de ação e argumentação, repetições, ponto de focalização e ênfase como também interligações
dinâmicas entre as partes. (GOTTWALD, 1988, p. 34-35).
375
Constata-se que a fé não faz parte do método histórico-crítico, pois o método busca ave-
riguar simplesmente o histórico e humano do texto, e demonstrar como a “ideia de Deus” foi
introduzida na narrativa. Assim, este método se limita ao histórico e humano. Muito se ques-
tiona a necessidade da fé na exegese, alguns argumentam não ser necessária à fé, pois se trata
de uma metodologia exegética. Conforme postula Gunneweg: “Quem crê não entende nada
melhor, tampouco acerca das Escrituras, e não é a fé que faz o exegeta, e sim o entendimento,
a habilidade, a experiência, o método e, sobretudo, muito trabalho.” (GUNNEWEG, 2003, p.
85). Outros, porém, argumentam que é importante uma pré-compreensão da fé adaptada a
exegese, pois os textos bíblicos são expressões da fé de uma comunidade. Pois se constata
que os textos bíblicos foram escritos numa perspectiva de fé, e para entendê-los melhor é
necessário crer.
O que pudemos constatar é que quando analisada as atividades do campo de crítica do
Antigo Testamento no decurso de sua história revelou um caos de tendências em conflito,
produzindo resultados contraditórios, criando-se uma impressão da ineficácia deste tipo de
pesquisa. Parece inevitável a conclusão que a alta crítica já há muito passou do tempo de
realização construtiva. Da mesma forma, as designações dos documentos JEDP são pura e
exclusivamente mercê do estudioso interpretar os textos. A natureza subjetiva dessas deno-
minações é indiscutível.
O método histórico-crítico, como todo “método” tem seus limites, vejamos:
a) Dificuldade de estabelecer relação objetiva entre o método histórico-crítico e outros
resultados válidos obtidos por outras interpretações;
b) Sua incapacidade de nos fazer atingir certas verdades teológicas ou de fé, verdades de
salvação que a Escritura nos quer transmitir;
c) Incapacidade de o método histórico-crítico abrir-se a uma interpretação atual do tex-
to, superando assim à distância entre o texto e leitor. 578
Gottwald (1988, p. 33) ao escrever sobre os limites do método histórico-crítico, compa-
rou-o com os métodos confessionais, vejamos:
Exatamente como a aproximação religiosa confessional mais antiga perdeu poder
explicativo quando deu respostas dogmáticas a perguntas históricas, assim o méto-
do histórico-crítico revelou seus limites quando pôde só responder adequadamente
a algumas perguntas históricas e quando se percebeu que novas perguntas a respei-
to da forma literária da Bíblia e do ambiente social do antigo Israel se achavam além
da sua competência.
Childs579 (apud, HASEL, 1992, p. 97) considera o método histórico-crítico impróprio para
se estudar a Bíblia, vejamos:
O método histórico-crítico é impróprio para se estudar a Bíblia como as Escrituras
da Igreja, porque não parte do contexto exigido... Quando encaradas no contexto do
cânon, as questões de que o texto denotava e o que denota ficam inseparavelmente
578. Para detalhes sobre cada um desses pontos, consultar: (YOFRE, 2000, p. 75-76).
579. Crítico moderado.
376
377
com frequência deixada de lado, sendo substituída pelo título “a história da religião
israelita”. Mesmo quando os estudiosos ainda se apegavam à velha designação, não
tinham o desejo nem eram capazes de oferecer qualquer outra coisa além de uma
exposição de processos históricos. (apud HOUSE, 2005, p. 31).
582. Geralmente se entende por “saga” um texto que possui um núcleo historio, mas com inserções não his-
tóricas. “A ‘saga’, um termo escandinavo, tem sido definido como ‘uma longa narrativa tradicional em
prosa, de estrutura episódica, desenvolvida em torno de temas ou objetos estereotipados... A principal
questão não resolvida com a saga é se ela é histórica e quanto dela é histórico... apesar disso o termo
pode ser usado proveitosamente para denotar um tipo de literatura que é diferente na forma, no con-
teúdo e no propósito de escrever história, é tão diferente que deve ser pregada de maneira distintiva.
(GREIDANUS, 2009, p. 43-44).
378
A HISTORICIDADE DAS
NARRATIVAS PATRIARCAIS:
lendas vivas ou vidas lendárias?
583. Geralmente se entende por “saga” um texto que possui um núcleo historio, mas com inserções não históri-
cas. “A ‘saga’, um termo escandinavo, tem sido definido como ‘uma longa narrativa tradicional em prosa, de
estrutura episódica, desenvolvida em torno de temas ou objetos estereotipados... A principal questão não
resolvida com a saga é se ela é histórica e quanto dela é histórico... apesar disso o termo pode ser usado
proveitosamente para denotar um tipo de literatura que é diferente na forma, no conteúdo e no propósito de
escrever história, é tão diferente que deve ser pregada de maneira distintiva. (GREIDANUS, 2009, p. 43-44).
584. A mais extensa composição literária proveniente da Mesopotânia. Gilgamesh foi rei de Ereque (Gn 10.10)
por volta de 2600 a.C. A epopéia é datada em cerca de 1600 a.C. Ereque, atual Warka, a 56 km do Tell Obeid,
acima do vale do Eufrates. “Os textos mesopotâmicos, entretanto, embora formalmente similares, são radi-
calmente diferentes do Velho Testamento em conteúdo, significado e relevância. As similaridades formais
nem sempre são óbvias à primeira leitura. Há uma boa razão para isso. Primeiro, a concepção cosmogônica
e cosmológica de ambos é radicalmente diferente. Segundo, a concepção da deidade é totalmente desse-
melhante. Terceiro, o lugar e o papel do homem no mundo e sua relação com as deidades é totalmente
distinto. Quarto, a concepção do mal, do pecado, do castigo, da morte e da imortalidade são tão diferentes
que é difícil usar os mesmos termos para referir-se a tais ideias... Dizer que há certas similaridades formais
entre a Bíblia e os textos mesopotâmicos é possível, porque os homens participam da mesma natureza,
dos mesmos temores, das mesmas esperanças e metas gerais. O relato bíblico é original e universalmente
aplicável. Os outros são, como a Bíblia indica, produtos da mente e do coração humano, em completo
alheamento de Deus, mas, não obstante, procurando lidar com a realidade da vida, mas em termos do
homem e da projeção de sua vida, imaginação e desejos” (GRONINGEN, 1995, p. 47-48).
379
ma maneira que Enuma Elish,585 a Epopéia de Gilgamesh se baseia em antigos ciclos e tradições
mitológicas sumérios, mas como obra literária é muito superior a seus antecedentes nas coletâ-
neas litúrgicas da Suméria.
A respeito da Epopéia de Gilgamesh, Harrisson esclarece, que não pode haver ligação
com o relato bíblico da criação, vejamos:
Este relato do Dilúvio, que tem inúmeras características em comum com a narrativa
do Dilúvio do livro de Gênesis, é uma forma mais completamente desenvolvida da
tradição que tinha existido na Suméria, em um período anterior. O nome Utnapush-
tim, ou “dia da vida” é o equivalente, na Babilônia, à forma suméria Ziusudra, e há
muitas outras indicações de que esta narrativa tenha se fundamentado em outras
fontes litúrgicas sumérias anteriores. (HARRISON, 2010, 61-62).
585. A mais famosa história da criação acádia intitula-se Enuma Elish, um poema de quase 1.100 linhas. “Entre
1848-1876, foram encontrados os primeiros tabletes do épico babilônico chamado Enuma elish. Escri-
tos em caracteres cuneiformes, os sete cantos do épico foram escritos em sete tabletes e recuperados da
biblioteca do imperador assírio Assurbanipal (669-626 a.C.) em sua capital, Nínive. Essa versão, embora
tardia, retorna, quanto aos aspectos políticos, aos dias de Hamurabi, o Grande, (1792-1750 a.C.) e além
dele aos dias dos sumérios, os primeiros habitantes da baixa Babilônia.” (UNGER, 2008, p. 41). Hamurabi
estava ansioso para estimular a adoração da divindade patrona da Babilônia em todo o império, e com este
objetivo introduziu modificações nas tradições religiosas anteriores de Acade, para dar maior importância
a Marduque, que foi tornado o herói de uma grande epopéia da criação. Esta obra, algumas vezes chamada
de Enuma Elish, por causa das suas palavras iniciais. “Embora as tábuas existentes sejam, obviamente, có-
pias das anteriores, a presente forma da epopéia remonta à época de Hamurabi e, como se poderia esperar
é fundamentada por originais sumérios ainda mais antigos.” (HARRISON, 2010, p. 59). “Muitos estudiosos
já acreditaram que a história babilônia da criação serviu de fonte para a sua contrapartida bíblica, porém
hoje poucos sustentam essa teoria. Na verdade, as diferenças entre os relatos babilônia e bíblico são mais
significativos que as semelhanças.” (Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 888).
380
evento, as diferenças entre os dois são ainda mais importantes do que as semelhanças,
o que torna a narrativa bíblica vastamente superior à versão semita babilônia. (HAR-
RISON, 2010, p. 61).
Moisés e provavelmente muitos outros israelitas conheciam estes épicos e mitos anti-
gos. O povo de Israel passou quatrocentos anos no Egito, ficaram exposto a religião e cultura
egípcia. As evidências bíblicas nos mostram que não somente conheciam, mas estavam en-
volvidos em várias atividades religiosas relacionadas a estes mitos (Êx 32.4; Am 5.26-27).
Ainda, o fato de Israel ter sua origem patriarcal no vale mesopotâmico, Israel sabia muito
sobre deuses pagãos.
Moisés estava ciente dos mitos pagãos, mas não os usou como fontes. Ele escre-
veu com um propósito definido em mente; a saber, remover das mentes e corações
dos israelitas os conceitos totalmente inferiores de deidade, das cosmogonias e cos-
mologias nas quais estas deidades estavam envolvidas, da natureza do cosmos e da
natureza e papel da humanidade no cosmos. (GRONINGEN, 2002, p. 107).
Roland de Vaux, descreve a instituição do culto israelita, e sua relação com a mitologia
da Mesopotâmia, vejamos:
O culto israelita não é a atualização de mitos das origens, como na Mesopotâmia,
ou de mitos da natureza, como em Canaã. Ele comemora, reforça ou restabelece a
Aliança que Iahvé concluiu com seu povo em um momento da história. Essa substi-
tuição de mitos extratemporais por uma história da salvação é uma originalidade de
Israel, que não pode ser diminuída por ecos de antigos mitos que se percebem em
algumas passagens do Antigo Testamento. Essas ligações históricas e não míticas
do culto israelita devem ser afirmadas contra uma corrente recente de opinião que
considera que, mesmo em Israel, o ritual é a expressão do mito. (VAUX, 2003, p. 310).
(p. 125). Para muitos estudiosos modernos, todo o evolucionismo e logicismo são considera-
dos uma invenção moderna imposta sobre o Antigo Testamento.
Abraão não surgiu num vácuo não-histórico. Nem lhe foi dada uma posição proemi-
nente na Escritura porque Israel como nação, ansiando por um progenitor nacional, criou
Abraão como uma figura lendária. O texto bíblico registra os fatos históricos reais referentes
aos ancestrais de Abraão e inclui um rápido sumário do desenvolvimento da raça humana à
qual Abraão foi chamado a servir. Prontamente muitos críticos alegam que os patriarcas fo-
ram figuras não históricas, ou seja, figuras lendárias, sobre isso Bright declara:
As tentativas antigas de não achar nos patriarcas mais que a criação livre da len-
da, antepassados epônimos de clãs, ou figuras atenuadas de deuses, já foram
abandonadas e de tal forma que não merecem hoje a mínima discussão. O sabor
de autenticidade das histórias nos impede que consideremos os patriarcas como
lendários, e a descrição deles, que nos é apresentada, não tem nada de mitológico.
(BRIGHT, 2003, p. 124).
fazem uma leitura não histórica das narrativas patriarcais.586 Segundo muitos críticos as tra-
dições orais dos patriarcas, foram contadas por diversos clãs, que buscavam transmitir as
histórias de seus pais e fundadores. Vejamos a declaração de Noth: “Abraão é menos um indi-
víduo do que um símbolo ou personificação dos clãs israelitas.”587
Bruce K. Waltke, faz uma preciosa análise que, demonstra que se a intenção do autor de
Gênesis fosse “inventar” as narrativas patriarcais, este autor, teria acomodado as narrativas
patriarcais ao conteúdo do restante do Pentateuco, como as narrativas patriarcais divergem
em alguns pontos do restante do Pentateuco, isso demonstra que, o autor narrou aconteci-
mentos históricos e reais. Vejamos:
As práticas religiosas dos patriarcas tanto concordam notavelmente quanto, ao
mesmo tempo, discordam consideravelmente das práticas religiosas que Moisés or-
dena. Por exemplo, de um lado Noé, sem explicação, distingue entre animais limpos
e imundos (presumivelmente o mesmo como especificado na lei) antes que a lei
fosse dada (6.19-7.13). Por outro lado, os patriarcas cultuam a Deus sob diferentes
nomes, tais como El Olam (“o Deus Eterno”, 21.33) e El Shaddai (17.1), que nun-
ca se repetem na Torá, excetuando Êxodo 6.3. Além disso, contrário a lei mosaica,
e sem censura do narrador, Jacó erige uma coluna de pedras (massebâ, Gn 28.18-
22), Abraão se casa com sua meio-irmã (Gn 20.12) e Jacó, simultaneamente, se casa
com irmãs (Gn 29.15-30; cf. Dt 16.21,22; Lv 18.9,18, respectivamente). Se as histórias
fossem simuladas, se esperaria que o autor do Pentateuco baseasse sua lei na or-
dem criada ou nas tradições antigas e, pelo menos, não citasse dados que pudessem
possivelmente denegrir seu ensino. Essas tradições religiosas são antigas, não tendo
sido nem adulteradas nem inventadas. (WALTKE, 2010, p. 30-31).
Tais relatos segundo a Hipótese Documentária, seriam textos míticos, nos quais os
patriarcas representariam divindades; ou textos étnicos, nos quais os patriarcas não seriam
indivíduos, mas tribos; ou textos folclóricos, que se referem a heróis populares lendários; ou
586. Ler um texto nunca é um procedimento neutro. Cada leitor aborda o texto a partir de atributos próprios:
perspectiva, educação, cultura, experiência preocupações, esperanças e decepções. Uma mulher e um ho-
mem tem diferentes sensibilidades. Dessa forma, o mesmo texto é lido por diferentes leitores de maneiras
diferentes. Constata-se inclusive que alguém que relê um mesmo texto em outra ocasião encontrará outra
coisa. (VOGELS, 2000, p. 13).
587. History of Israel, 2ª. Ed. (New York: Harper, 1960), pp. 121-126.
383
ainda a textos etiológicos, escritos para explicar certos fenômenos. Com isso todo relado do
relacionamento de Deus com os patriarcas, se torna fictício, este “Deus” apresentado, não
passa do deus do autor que “inventou” a narrativa patriarcal. “Parece forçado sugerir que Is-
rael, com a sua predileção por fundamentos históricos, procurasse basear a sua história com
Deus e a sua reivindicação à terra de Canaã em meras lendas.” (GREIDANUS, 2009, p. 43).
De acordo com muitos que sustentam a Hipótese Documentária, os patriarcas não eram
figuras históricas, mas, ou eram personificações dos vários clãs que levam seus nomes, ou
eles eram obras de ficção. Eles apontam que muitas das genealogias são dadas por tribos ou
nomes de clã, mas não de acordo com os nomes dos indivíduos. Por exemplo, a chamada
“tabela das nações”, em Gênesis 10 refere-se constantemente, quer por “gerações” de certas
pessoas, ou por “filhos de” certas pessoas. Isto está em contraste com, digamos, a linhagem
de Jesus como apresentado em Mateus 1.1-17 e Lucas 3.23-38, onde a genealogia é dada de
pessoa para pessoa.
Muito tem sido escrito a respeito da real natureza do relato sobre José na Escritura. Crí-
ticos avançados não têm estado em acordo sobre essa natureza. Hermann Gunkel considera
o relato como um dos textos legendários em Israel, que tratam não de ocorrências históricas,
mas de coisas que fascinam as pessoas. G. W. Coat encara a história de José como uma novela
destinada a entreter, o que é apenas uma adaptação do ponto de vista de Gunkel. Donald
Redford, concorda que a história de José é uma criação artística, polida literatura hebraica,
escrita para entretenimento. Robert Graves e Raphael Patai falam do relato como um mito
hebraico. Bruce Vawter optou pela abordagem Documentária, vendo duas tradições originais
distintas, J e E, que o redator combinou. A posição de Vawter não difere essencialmente da
de Martin Noth. Gerhard von Rad fala da história de José como uma narrativa originalmente
conectada, isto é, não uma compilação de muitas tradições previamente independentes.588
Recentemente, tem sido dada atenção à interpretação dos relatos do Gênesis, incluindo a
narrativa sobre José, por estudiosos que empregam o método de análise e exegese estrutural.
Exegetas estruturalistas querem lidar diretamente com o texto como apresentado, mais do
que com sua origem. James Muilenburg, em Form Criticism and Beyond, 1969, requer uma
consideração dos aspectos literários formais antes que a origem de um texto seja discutida. Os
estruturalistas vão além: eles buscam as várias partes, materiais integrais e temas, antes que
o todo seja explicado.
Martin Not, devido seu apreço pelas tradições orais, que teriam preservado a certo modo
o valor histórico das narrativas patriarcais, declara:
Eles (os patriarcas) eram homens de verdade, que viveram num momento dado
como personagens históricos... não dispomos de nenhuma prova, além do que já foi
dito, que nos permita propor algumas afirmações históricas definitivas no que con-
cerne ao tempo, ao lugar, aos pressupostos e às circunstancias da vida dos patriarcas
como seres humanos. (apud VOGELS, 2000, p. 24).
O influente arqueológico A. Parrot589 (1901-1980): “A vida, tal como aparece nos relatos
de Gênesis que lhe são consagrados, encaixa-se perfeitamente com o que hoje sabemos, por
outras vias, sobre o início do segundo milênio, mas imperfeitamente com um período mais re-
cente.” (apud VOGELS, 2000, p. 27). Temos muitas razões para acreditarmos na historicidade
588. Para uma discussão detalhada deste assunto, ver: GRONINGEN, 1995, p. 139-140.
589. Especializado no antigo Oriente Próximo. Ele liderou as escavações no Líbano, Iraque e Síria, e é mais co-
nhecido por seu trabalho em Mari, na Síria, onde liderou importantes escavações de 1933 a 1975.
384
Não devemos nos precipitar achando que o paralelo histórico dos nomes por si só, seja
suficiente para a historicidade dos patriarcas, mas os mesmos nos fornecem um paralelo
590. Mais de vinte mil tábuas de argila em várias salas do palácio. Tais tábuas incluíam correspondência entre
Hamurabi e Zimri-Lím, o último rei de Mari, além de uma imensa coletânea de documentos de negócios,
cuidadosamente inseridos nos arquivos reais. Outras tábuas estavam escritas no idioma babilônio antigo,
ao passo que algumas continham rituais relacionados com a adoração a Ishtar. Embora fossem de uma
natureza indeterminada, algumas tábuas continham referências aos habiru. Este período da história dos
amorreus é de grande importância, porque abrange a era patriarcal, e esclarece, de forma considerável, as
narrativas do livro de Gênesis que descrevem as vidas e os tempos de Abraão, Isaque e Jacó, progenitores
dos israelitas.
591. Escavações em Nuzi foram iniciadas em 1925, sob a direção de Edward Chiera, e as tábuas que ali foram
encontradas, revelaram terem sido escritas em babilônio, com a inclusão de algumas palavras empresta-
das dos horeus. Vale observar que os documentos que dispomos proveem de povos sedentários, e que os
patriarcas eram, ao contrário, nômades ou seminômades. Nem um nem outro desses dois grupos vivia
em completo isolamento, mas tinham contatos regulares. Deviam seguir certos costumes comuns para
regulamentar situações que diziam respeito a ambos. Esses documentos, consistem primariamente de re-
gistros de importantes famílias hurianas que viveram por volta de 1500 a.C., tendo habitado em Nuzi (a
moderna Yorghan Tepe). Os documentos se referem a assuntos tais como herança familiar, e direitos de
propriedade, escravidão, adoção e coisas semelhantes. Os documentos de Nuzi tratam acerca de assuntos
sociais e familiares como reminiscências das histórias patriarcais. Eles foram então utilizados para explicar
alguns costumes bíblicos que até o momento não tinham praticamente nenhuma significação para nós. Os
patriarcas têm sido classificados pela cronologia bíblica tradicional anteriores ao texto de Nuzi em aproxi-
madamente quatrocentos ou quinhentos anos. As tabuinhas de Nuzi refletem costumes que não tiveram
início em aproximadamente 1500 a.C., mas que já vinham sendo praticados há séculos. Embora uma gran-
de quantidade das tábuas que foram desenterradas ainda necessite ser divulgada e estudada, as partes que
já foram interpretadas mostraram o substancial valor histórico das narrativas patriarcais, indicando, de
uma maneira indireta, a maneira como estas narrativas estão em consonância com o cenário do período,
conforme representado em tábuas e inscrições cuneiformes.
385
histórico importante, pois estes documentos extrabíblicos nos permitem afirmar que os pa-
triarcas trazem o nome de personagens históricos do segundo século a.C.
Em comum com outros povos orientais, os amorreus do período de Mari consideravam
a matança de um jumento, como está escrito nas tábuas, como uma característica essencial
no estabelecimento de uma aliança entre indivíduos ou povos. Esta carta indica que o jura-
mento de aliança era acompanhado pelo sacrifício de um jumento, que ratificava o acordo. A
frase, “matar um jumento”, registrada nas tábuas, é completamente semita, e o fato de estas
palavras aparecerem nesta conexão em hebraico, traz uma interessante informação comple-
mentar sobre os costumes que existiam entre os nômades que peregrinavam sobre jumentos
nos tempos patriarcais e posteriores. Os siquemitas eram conhecidos como “Bene Hamor”,
ou “Filhos do jumento” (Js 24.32).
O caso de Eliezer de Damasco, a quem Abraão descreve como sendo “um servo nascido
em minha casa” (Gn 15.3), afirmando que Eliezer era um filho adotivo, temos as tabuinhas de
Nuzi que parecem se referir a mesma situação: um escravo poderia se tornar herdeiro de um
casal que não tivesse filhos caso fosse por eles adotado.
As tábuas de Nuzi indicam que a instituição do casamento era considerada como um
meio de procriação, e não um artifício para o companheirismo humano. O contrato de ca-
samento dispunha que, se a esposa não tivesse filhos, por qualquer razão, era obrigada a dar
uma criada a seu esposo, de modo que pudessem nascer crianças no círculo familiar. Em
conformidade com este costume, Sara deu Agar, uma escrava egípcia, a Abraão (Gn 16.2), e,
duas gerações mais tarde, Raquel deu Bila a Jacó (Gn 30.3-4). Segundo a lei de Nuzi, qualquer
criança que resultasse de tal união deveria permanecer na família e a sua expulsão era estri-
tamente proibida. Este fator explica a apreensão que Abraão sentiu (Gn 21.11), quando Sara
decidiu expulsar Agar e Ismael, depois que este tinha zombado de Isaque, o filho pequeno de
Abraão e Sara, no dia de seu desmame.
De acordo com os costumes em Nuzi, o “direito de primogenitura”, ou título à posição
de primogênito, era negociável entre os membros da família. Uma vez que estas transações
eram bastante comuns em Nuzi, não haveria nada particularmente incomum no fato de que
Jacó se aproveitasse de seu irmão faminto para obter seu direito de primogenitura (Gn 25.31).
Onde era necessário que a herança fosse dividida, a lei de Nuzi reconhecia como líder da
família, aquele que tivesse possessão dos ídolos da casa. Estes ídolos eram, evidentemente,
as imagens, ou “terafins” que Raquel roubou (Gn 31.19), e uma boa quantidade de estátuas
similares foram recuperadas em Nuzi.
Apesar de descobertas notáveis em Ur, especialmente nos túmulos reais, não há pro-
vas diretas de que Abraão ali residiu. Indícios, porém, da peregrinação patriarcal viram
à luz em torno de Harã. Os tabletes de Mari, séc. 18 a.C., descobertos em 1935, mencio-
nam Naor (Til-Nahiri, “outeiro de Naor”), terra de Rebeca (Gn 24.10). Entre as cidades
perto de Harã estão Serugue (Serrugi, em assírio. Gn 11.20) e Til-Turakhi, “outeiro de
Tera”. Pelegue lembra mais tarde Paligu, no Eufrates. Padã-Arã (Gn 25.20) é paddana,
em aramaico, “campo” ou “planície” de Arã. Reú (Gn 11.20) também corresponde a
nomes de cidades posteriores no vale do médio Eufrates. (UNGER, 2006, p. 60).
Nos anos de sua estada em Arã - que na época era um centro comercial e de negócios
habitado principalmente por uma raça conhecida pelos sumerianos por MAR.TU
e pelos acadianos por Amurru (os amoritas bíblicos), Abrão sem dúvida tornou-se
fluente no dialeto semítico amorita que lá era falado e adquiriu um estilo de vida nô-
made, com o qual ele viria mais tarde familiarizar em Canaã. (MERRILL, 2002, p. 16).
386
O teólogo Geerhardus Vos, comenta sobre o ponto de vista dos críticos “o máximo de
historicidade que se concede nesse ponto de vista é que, por exemplo, Abraão possa ter sido
o líder de uma tribo que levava o seu nome.” (VOS, 2010, p. 89). Entre os críticos temos Stade,
e de acordo com ele, Abraão, Isaque e Jacó... eram tidos como semideuses cananeus, consi-
derados pelas tribos canaanitas como seus ancestrais, e adorados como tais em diferentes
lugares. Ainda existe outra interpretação dos patriarcas que alega que o nome dos mesmos
tem antecedentes babilônicos.
Segundo a maioria dos críticos, a história de Jacó e seus filhos foi uma lenda que servia
apenas para firmar uma origem comum e um conjunto de tradições para as doze tribos que
perfaziam o contingente e a confederação daqueles que haviam conquistado a terra, conhe-
cidos agora como Israel.593
Indo na contramão das hipóteses críticas concernentes aos nomes dos patriarcas, temos
os seguintes dados:
592. Individualmente: Abraão (Gn 28.13), Isaque (Gn 31.42; 32.9) e Jacó (cf. Dt 6.10); e os três patriarcas juntos:
Abraão, Isaque e Jacó (Êx 3.6,15,16; 45; cf. Dt 6.10; 1 Cr 29.18 na oração de Davi).
593. Ver: NOTH, Martin. The History of Israel. 2ª edição, New York: Harper and Row, 1960, p. 121-127.
387
Os nomes dos parentes mais próximos de Abrão, como seu bisavô Serugue, seu avô
Naor e seu pai Terá594 (e o próprio nome de Abrão). Pesquisadores confirmaram
que estes nomes aparecem em antigos textos assírios e babilônios e aqueles textos
neo-assírios e correspondem aos lugares na região Eufrates-Habur da Siro-Meso-
potâmia). Além disso, se tentarmos colocar os nomes dos patriarcas num ambiente
cultural, descobriremos que eles são mais proeminentes no grupo linguístico semita
do noroeste da população amorita do início do segundo milênio a.C. (como Mari), e
exemplos do terceiro milênio também têm sido atestados em Ebla. Nomes com um
prefixo i/y, como Yitzchak (“Isaque”), Ya’akov (“Jacó), Yoseph (José) e Yshmael (“Is-
mael”), pertencem a este tipo de nome, e a frequência com que aparecem diminui
significativamente no primeiro milênio e daí em diante. Assim, o tempo durante o
qual os homens com este nome teriam vivido seria o período pré-israelita - um fato
que está de acordo com o texto bíblico. (PRICE, 2006, p. 87).
594. Alguns estudiosos identificam o nome Terá como sendo uma forma da palavra hebraica yareah “lua”, o que
pode sugerir que o seu nome revelava qual era sua orientação religiosa. Quando Terá e sua família deixa-
ram a cidade de Ur, reestabeleceram-se em Arã, um outro importante centro de adoração ao deus Sin.
388
Alguns críticos alegam que a religião dos patriarcas é um reflexo da fé de Israel recente,
do período da monarquia. Sobre isso Willian P. Brown comenta: “o fato de a religião dos
patriarcas ser tratada, em Gênesis, como totalmente distinta da fé de Moisés exclui a possi-
bilidade de que ela seja simplesmente uma retroprojeção da crença israelita mais recente”.
(Brown In. BRIGHT, 2003, p. 23). Em linguagem popular, esta conclusão crítica se dá atra-
vés da seguinte ilustração: conduzir retrospectivamente todo o aparato crítico cultual do
templo de Jerusalém, é semelhante ao desenvolvimento de um rio que tem sua explicação
a partir da fonte distante. Com isso, muito do material referente às crenças religiosas, aos
valores morais, às leis, e à visão social encontrados no Pentateuco, representa uma projeção
superposta sobre o passado remoto e santificado, de seus próprios pontos de vista mais
avançados tal como os expunham os redatores, cronistas, moralistas e legistas das Escritu-
ras, que viveram no século V a.C.
No campo dos estudos da história de Israel, novas luzes foram sendo lançadas sobre os
patriarcas através das descobertas arqueológicas, assim se pronuncia Bright:
A medida que os fragmentos de material e das inscrições iam aparecendo e sendo
analisados, a idade patriarcal ia iluminando-se de uma maneira incrível. E, à medida
que o começo da Idade do Bronze médio vinha emergindo para a luz do dia, tornou-
-se claro que as narrativas patriarcais, longe de refletirem as circunstâncias de dias
posteriores, enquadram-se precisamente na idade da qual elas se propõem falar.
(BRIGHT, 2003, p. 97).
389
Da mesma forma Bright demonstra que os costumes patriarcais apontam para o contex-
to de segundo milênio:
Numerosos incidentes das narrativas do Gênesis encontram explicação à luz dos
costumes vigentes no segundo milênio...Por si mesmos eles não provam que as tra-
dições patriarcais alcançam o segundo milênio, menos ainda nos permitem fixar os
patriarcas em nenhum século específico...Mesmo que estes paralelos fossem acei-
tos como válidos, eles não comprovam a antiguidade das tradições patriarcais e de
maneira nenhuma contradizem as tradições, mas quando tomada com outras evi-
dências, a tendência é apoiá-las. (BRIGHT, 2003, p. 107-110).
595. Fontes cuneiformes confirmam a existência de Harã nos séculos XIX e XVIII a.C. A cidade é mencionada
em documentos assírios como Harranu (caminho), porque ficava na grande rota comercial, entre, Nínive,
Damasco e Carquemis. “O termo deriva do acadiano paddanu (estrada) + Aram, ou seja ‘a estrada de Aram’.
Vsto que este local é identificado como o Arã-Naharaim (Aram dos dois rios) em Gênesis 24.10 (cf. 28.2) e,
mais tarde, com o Aram em 27.43 e 28.10, pode até ser que o nome signifique nada mais que Aram.” (MER-
RILL, 2002, p. 35). Embora a incerteza sobre o nome permaneça, os estudiosos estão convencidos de que o
nome Padã-Arã se refere à região ao redor de Arã ou à própria Arã.
390
Devemos compartilhar uma preocupação sobre esta visão crítica, porque, no Novo Tes-
tamento, Abraão é chamado “pai de todos nós” (Rm 4.16), e crentes em Cristo são considerados
391
seus “filhos” e “descendência, herdeiros segundo a promessa” (G1 3.7,29). Além disso, a his-
toricidade dos patriarcas é aceita por Jesus e pelos autores do Novo Testamento (Mt 1.1,2;
3.9; 8.11; Lc 13.28; 16.22-30; 20.37,38; Jo 8.39-58; At 3.13,25; 7.16,17,32; Hb 2.16; 7.1-9; 1 Pe
3.6) e usada como testemunha por eles da garantia de Deus quanto ao cumprimento de sua
Palavra (Rm 4.1-25; G1 3.6-29; Hb 6.13; Tg 2.21-23). Para o crédito dos patriarcas, o autor de
Hebreus devotou mais da metade daqueles vinte e nove versículos - quinze, para ser exato - ao
detalhamento das maneiras pelas quais os patriarcas e suas esposas provaram ser homens e
mulheres de fé. Qual seria a realidade destes exemplos de fé, se não tivessem sido persona-
gens históricos, reais?
Levanta-se uma dúvida, quais foram as fontes que Moisés teria utilizado para compor
a história dos patriarcas. Onde foi que ele conseguiu tal informação? Allen Ross sugere que:
“Além das tradições e genealogias primitivas trazidas do Oriente, as tradições familiares dos
patriarcas teriam sido passadas de geração a geração. José, e depois Moisés, teriam tido to-
dos os recursos para registrar e preservar as tradições que os ancestrais portavam.” (apud
GREIDANUS, 2009, p. 49). Os adeptos da crítica estão prontos a admitir que as alusões a lei
nos profetas do século VIII são interpolações recentes, porém uma análise textual em seu
contexto facilmente demonstra a inseparabilidade dos textos do seu contexto e do próprio
argumento dos profetas. Os críticos atribuem o monoteísmo ético aos profetas da época de
Amós e Oséias e de Elias e Eliseu em diante. A argumentação base seria a de que:
O elemento ético deve ter vindo entre os dias de Elias e Eliseu, por um lado, e a época
de Amós e Oséias por outro. Antes dos tempos de Elias e Eliseu, Yahweh era somente
o Deus nacional de Israel. Ele não era nem um ser particularmente ético, nem um
único verdadeiro Deus. Algumas de suas características eram até mesmo repugnan-
tes. Os profetas como Elias e Eliseu tomaram o partido de Yahweh simplesmente
porque eles eram comprovadamente mais patriotas e nacionalistas do que o restan-
te. (VOS, 2010, p. 253).
Expondo a forma de raciocínio vicioso adotado por parte de alguns críticos sobre Gêne-
sis 14, Julio Andrade Ferreira declara:
Contra o caráter histórico desta narrativa (a expedição de quatro reis contra cinco
em Gn 14), temos a asserção de Wellhausen e outro críticos de nossos tempos (só
quatro mil anos depois da suposta expedição!) que tal expedição era ‘simplesmen-
te impossível’, e que é provável que o relato tenha sido fabricado (ou forjado) por
alguma pessoa desconhecida, em algum tempo desconhecido, de algum modo des-
conhecido, e aceito como uma história por algumas pessoas desconhecidas, nalgum
tempo desconhecido, por razões desconhecidas. Nenhum item de evidência quanto
ao tempo, lugar, lógica, psicologia, linguagem, costume, se tem produzido contra
a veracidade do documento... Mas um professor alemão diz: ‘é simplesmente im-
possível’, seguidores ingleses em eco proclamam: ‘simplesmente impossível’. E esta
asserção do ‘simplesmente impossível’ é chamada ‘resultado seguro do criticismo
científico’ (FERREIRA, 2003, p. 74).
A historicidade e a antiguidade desse capítulo são confirmadas por lugares antigos como
Asterote e Carnaim, em Basã, bem como Hã (Gn 14.5). É bem possível que alguns dos luga-
res e, talvez, até os reis sejam mencionados nos documentos de Ebla. As inscrições em Ebla
mencionam com certeza as cidades de Sodoma e Gomorra. A rota através do que mais tarde
seria designado por Estrada do Rei é perfeita de acordo com o conhecimento dessa região do
leste de Gileade e Moabe, em que a cidade de Ader, do início da idade Média do Bronze, foi
descoberta e m1924.
A presença de Abraão na Palestina em uma data mais antiga parece ser indicada pela
evidência relacionada à destruição de Sodoma (Gn 19.2.4). Esta cidade, provavelmente locali-
zada, próxima à extremidade sul do vale de Sidim, uma faixa de terra que agora está submersa
ao sul da península do mar Morto, lugar conhecido como el-Lisan (“a Língua’’). Com base
na descrição de Gênesis 19.24, que menciona uma pesada cortina de fumaça escura, parece
que a catástrofe ocorreu, em parte, pela ignição de gases dos depósitos de asfalto e petróleo,
próximos a Hebel Usdum (“Monte de Sodoma”), uma grande montanha de sal cristalino, com
mais de duzentos metros de altura e oito quilômetros de extensão, que está situada junto à
extremidade sul do lado oeste do mar Morto.
Pode-se estimar a data aproximada desta catástrofe a partir das evidências forneci-
das pela cerâmica escavada em Bab edh-Dhra‘. Este local, aparentemente, era usado
no final do terceiro milênio a.C., pelas pessoas que viviam nas “cidades do vale”,
como um centro de celebrações, sendo ocupado com este objetivo entre aproxima-
damente 2300 e 1900 a.C. Como as visitas de peregrinos e outras pessoas a este lugar
cessaram aproximadamente em 1900 a.C., pode ser que o término do interesse pelo
lugar com propósitos religiosos e outros tenha coincidido com a destruição de So-
doma e as demais “cidades do vale”. Se esta data para a destruição de Sodoma e
Gomorra estiver correta, indicaria que Abraão estava vivo no fina) do século XX a.C,,
e estava na Palestina por volta de 1900 a.C. (HARRISON, 2010, p. 80).
muito familiares no período do Bronze Médio. Não há nada no relato bíblico que tenha sido
reprovado pelas novas descobertas literárias, e nem existe qualquer incongruência com o am-
biente histórico onde tais narrativas tiveram lugar.
A estes indicadores de historicidade ligados ao tempo, podemos acrescentar: 1) a exa-
tidão da rota de invasão tomada pelos reis do Leste, 2) o uso de um termo hebraico para
“criados” no versículo 14, que é atestado fora desta passagem apenas no século XIX a.C. Um
texto egípcio e uma carta do século XV a.C. de Taanak e 3) a descrição de Melquisedeque,
que acuradamente descreve o ambiente do segundo milênio. Estes detalhes em Gênesis 14,
atestados em documentos extrabíblicos de tempo, podiam não ter sido inventados e correta-
mente atribuídos às suas respectivas nações e ambientes geográficos por um escritor hebreu
vivendo num período posterior. Assim, a antiguidade deste relato, dentro do contexto mais
amplo das narrativas patriarcais, indica que existe razão substancial para considerar o todo
como historicamente acurado.
É evidente que o autor de Gênesis não pretendia dar a Israel uma informação exata
acerca do passado distante, e as narrativas não deviam ser entendidas assim. “Ele é impuden-
temente seletivo. ‘Somente aquilo que contribui para a história de Deus – i. é, para a intenção
teológica do texto - merece ser comentado.” (GREIDANUS, 2009, p. 46). E ainda, “as narra-
tivas de Gênesis podem ser descritas como sermões dirigidos ao antigo Israel, cuja intenção
é comunicar a Israel a mensagem relevante de Deus.” (p. 47). Ou seja, não é prudente fazer
perguntas ao texto, que o autor não pretendia responder.
As narrativas de Gênesis não são, obviamente, historiografia moderna. Ao menos
por uma razão: não são relatos de testemunhas oculares. Se, como afirma a tradição,
Moisés foi o seu autor original, ele viveu no mínimo seis séculos depois de Abraão...
Podemos descrever o texto histórico de Gênesis como historiografia querigmática
antiga. (GREIDANUS, 2009, p. 46).
Isto aponta fortemente para uma autoria única do livro de Gênesis, este tratamento
sistemático não aponta para uma autoria de diversas fontes independentes postulada pelos
adeptos da Hipótese Documentária.
Tendo isso em mente, as etapas que foram necessárias para a composição de Gênesis
perdem um pouco sua importância, pois não tratam se de tradições rivais disputando por
autoridade, e o próprio autor não chama atenção para as fontes da sua informação.
394
Descobriu-se que os códigos legais dos heteus continham decretos que são correspon-
dentes a leis seculares nos códigos de Hamurabi e de Moisés, As indicações gerais são de que
os mesmos conceitos de justiça, lei e ordem prevaleceram em todo o Oriente Médio durante o
segundo milênio a.C. A lei dos heteus reconhecia a natureza inviolável dos juramentos, alian-
ças e tratados, e uma característica animadora do seu sistema legal, em comparação com o de
outros países orientais, era o notável respeito que havia pela condição das mulheres.
A história de Isaque e Rebeca nos apresenta uma situação inusitada, tendo em vista
o costume patriarcal, onde a mulher conta muito pouco. A família de Rebeca lhe pergunta:
“Você quer ir com esse homem?” (Gn 24.58). A narrativa nos mostra que quem toma a frente,
intermediando a proposta é Labão, o irmão de Rebeca, e dá o primeiro consentimento do ca-
samento (v.51). Depois disso, Labão e a mãe buscam a opinião de Rebeca (vv.57-59). Rebeca
aceita imediatamente. Os textos de Nuzi permitem compreender esse comportamento. Ali te-
596. As negociações ocorrem na porta da cidade (Gn 23.17-18). Vários contratos de venda de propriedade de
Nuzi terminam com a fórmula: “A tabuleta foi escrita após a proclamação da porta”. “Certos pesquisadores
acreditam encontrar também no texto traços do direito hitita. Segundo esse direito, um proprietário devia
pagar as taxas do terreno enquanto permanecesse proprietário de uma parte dele. Compreende-se desse
modo, a proposta de Abraão de comprar apenas a caverna que se entra na extremidade do campo (v.9).
Efron compreende a astúcia, e com toda diplomacia e a polidez orientais propõe ‘dar’ não só a gruta, mas
todo o campo (v.11). Um pouco adiante, cita o preço dessa ‘dádiva’: quatrocentos ciclos de prata (v.15), o
que não é exatamente um presente, se compararmos com o preço de venda de outros terrenos... Abraão
não tem escolha, é obrigado a pagar, um morto não pode esperar (v.16). (VOGELS, 2000, p. 43-44). Alguns
pesquisadores questionam a importância dos paralelos hititas, pois documentos de vendas neobabilôni-
cos apresentam paralelos semelhantes.
395
mos a declaração de uma filha diante de testemunhas: “Com meu consentimento, meu irmão
me deu como mulher a....”. (VOGELS, 2000, p. 44).
Devemos admitir algumas dificuldades em situar os patriarcas no início do segundo
milênio, alguns textos bíblicos carecem de atenção. A bíblia relaciona os patriarcas, com os
arameus: “O meu pai era um arameu errante” (Dt 26.5; cf. Gn 25.20; 28.5; 31.20.24). Os tex-
tos encontrados se referem aos arameus, bem mais tardiamente. A primeira menção está
em um documento assírio datado de cerca de 1110 a.C. “Sugere-se como solução que existe
uma continuidade racial entre os amoritas da época dos patriarcas (Ez 16.3) e os arameus
dos séculos XI e X a.C. Poder-se-ia dizer que eram proto-arameus.” (VOGELS, 2000, p. 28).
Outra dificuldade se encontra no texto de (Gn 21.34), que diz: “E morou Abraão na terra
dos filisteus por longo tempo”, mas a história nos mostra que os filisteus, se instalaram
em Canaã somente depois de 1200 a.C. E ainda, o nome da cidade que partiu Terá597 e sua
família, “Ur dos caldeus” aponta pra o apogeu dos caldeus, ou seja, os babilônicos, que só
ocorre no final do século VII a.C. Os caldeus só surgem nos textos assírios no século IX a.C.
No início do segundo milênio, talvez se dissesse “Ur dos sumérios”. “Tais dificuldades, se
explicam por meio de anacronismos que não afetariam o fundo verdadeiramente histórico
dos textos. Os autores dos relatos dos patriarcas substituíram os nomes antigos pelos no-
mes em uso na época em que escreviam”. (VOGELSN, 2000, p. 28). “A frase identificadora
‘dos Caldeus’ é sem dúvida uma glosa explicativa surgida tempos depois, já que os caldeus
e os kaldu (i.e. caldea) não eram conhecidos até o século nove a.C. O propósito, é claro,
era distinguir a Ur que se localizava no sul daquelas outras cidades que tinham o mesmo
nome.” (MERRILL, 2002, p. 13).
Embora tenham existido diversas cidades chamadas Ur na antiguidade, a cidade
citada na Bíblia é sempre chamada “Ur dos caldeus”, provavelmente para distingui-
-la de alguma cidade famosa de mesmo nome. A descrição “caldeu” começou a ser
aplicada à região sul da Mesopotâmia só depois de 1000 a.C., muito depois do tempo
de Abraão. Antes disso, os caldeus viviam no norte da Mesopotâmia. As influências
culturais (costumes, leis, etc.) observadas nas narrativas patriarcais, seguem mais os
modelos das cidades do norte da Mesopotâmia, como Nuzi e Mari. (Bíblia de Estudo
Arqueológica NVI, 2013, p. 705).
O texto bíblico relata que Yahaweh disse a Abrão para deixar seu país (na ocasião Arã),
indo para um lugar que ele progressivamente lhe revelaria. É bem provável que Abrão tenha
se movido daquele lugar participando das grandes migrações de amoritas598 que estavam em
voga naqueles dias.
Esses amoritas, que foram equivocadamente caracterizados em certa ocasião como
sendo de origem puramente nômade, eram na verdade seminômades em sua maio-
ria, e geralmente urbanizados. As pesquisas arqueológicas realizadas em numerosos
sítios na Síria e em Canaã tem revelado, segundo o ponto de vista de alguns estudio-
sos, que as populações indígenas dessas regiões foram dominadas na última parte
da Baixa Era do Bronze (2200-2000) por povos geralmente descritos como amoritas.
(MERRILL, 2002, p. 17).
396
É verdade que Abraão nunca é mencionado na Bíblia como sendo de origem amorita,
embora a designação “Abraão, o Hebreu” possa indicar que ele era tido como alguém que
estava associado a certos povos migradores.
O mesmo se dá com o costume dos patriarcas de se servirem de camelos (Gn 12.16).
Aceita-se em geral que a domesticação de camelos, ocorreu somente no Oriente Próximo an-
tigo depois de 1200 a.C. Para os críticos, tais anacronismos poderiam provar que a Bíblia teria
sido escrita ou editada muito tempo depois do que se acredita ou suas passagens não são
sempre confiáveis. O estudioso da Bíblia judia e professor de cultura hebraica na Universi-
dade de Tel Aviv, Noam Mizrahi, afirma que o transporte de pessoas em camelos naquele
período é equivalente a falar que “as pessoas usavam trailers para transportar coisas durante
a Idade Média”.599
“Embora os camelos só fossem usados em grande escala muito mais tarde (v., e.g., Jz
6.5), a arqueologia tem confirmado sua domesticação esporádica já no período patriarcal”.
(Bíblia de Estudo NVI, 2003, p. 27). Outra opção para entendermos o uso de camelos pelos
patriarcas, é entender a palavra “camelo” como anacronismo, entendendo que o texto de
início se referia a “jumento”, substituído posteriormente por camelos. Embora os camelos
fossem conhecidos de longa data, desde os tempos mais primitivos, e os casos isolados de sua
domesticação poderia, portanto, ter ocorrido em qualquer período (é provável que os nôma-
des tenham mantido rebanhos de camelos em estado semi-selvagem, para lhes dar o leite, o
couro e as peles), parece que a domesticação real do animal, como animal de carga e meio de
transporte, se deu entre o décimo quinto século e o décimo terceiro, no interior da Arábia.600
Embora exista, na realidade, pouca dúvida de que os jumentos foram domesticados
antes que os camelos; seria incorreto achar que os últimos não eram usados nas
caravanas de comércio orientais em um período muito antigo. Quando Parrot es-
tava escavando Mari, descobriu restos de ossos de camelos nas ruínas de uma casa
que pertencia ao período pré-sargônico (2400 a.C.). Selos cilíndricos recentemen-
te descobertos no norte da Mesopotâmia, que podem ser datados do período dos
patriarcas hebreus, retratam cavaleiros sobre camelos. Um relevo encontrado em
Biblos, na Fenícia, atribuído pelos arqueólogos ao século XVIII a.C., mostrava, na
verdade, um camelo ajoelhado, indicando seu uso como animai de carga naquele
período. Outro testemunho da domesticação do camelo, também do século XVIII
a.C., desta vez de Alalakh, no norte da Síria, consistia de uma tábua cuneiforme, con-
tendo uma lista de animais domésticos que mencionava especificamente o camelo,
sob a designação GAM MAL. Escavações arqueológicas no norte da índia também
599. Para os arqueólogos Erez Bem-Yosef e Lidar Sapir-Hen, autores da pesquisa da Universidade de Tel Aviv,
o possível anacronismo motivou as escavações de ossos de camelo no Vale de Aravah, em Israel, e em
Wadi Finan, na Jordânia. Eles usaram radiocarbono para datar os ossos dos animais e constatar quando
os camelos começaram a ser domesticados na região - e chegaram à conclusão de que teria sido somente
séculos depois dos patriarcas da Bíblia e décadas depois do Rei Davi. Os cientistas identificaram animais
domesticados por sinais nos ossos das pernas que provam que carregaram cargas pesadas – e que a domes-
ticação de camelos começou na Península Arábica. Antes disso, as pessoas usavam mulas e burros para se
locomover e transportar cargas. O professor Mizrahi não faz parte da equipe responsável por esta pesquisa,
mas disse que as conclusões dos arqueólogos não podem negar o valor histórico das histórias bíblicas.
600. Há um crescente corpo de estudiosos que acreditam que a domesticação do camelo deve ter ocorrido
antes do século XII a.C. e que as narrativas patriarcais refletem exatamente isso (ver, por exemplo, O. Bo-
rowski, Every Living Thing: DailyUse of Animals in Ancient Israel [Walnut Creek, Califórnia: Altamira, 1998],
112-18). Da mesma forma, R.W. Younker, que coletou dados sobre a domesticação antiga de camelos por
anos, recentemente descobertos e publicados um breve estudo de alguns petroglifos de camelo localizados
no Nasib Wadi, para o qual ele propõe uma data de cerca de 1500 a.C. (“Late Bronze Age CamelPetroglyphs
no Wadi Nasib, Sinai, “NEASB 42 [1997]: 47-54).
397
mostraram que o camelo tinha sido domesticado no início do segundo milênio a.C.
(HARRISON, 2010, p. 76).
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