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Homilias, Discursos, Ângelus de Bento XVI

UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE


NOVO

Ano C – São Lucas


UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

Tempo do Advento

CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS VÉSPERAS DO 1º DOMINGO DO ADVENTO -


Sábado, 2 de Dezembro de 2006
Estimados irmãos e irmãs, a primeira antífona desta celebração vespertina
apresenta-se como abertura do tempo do Advento e ressoa como antífona de
todo o ano litúrgico. Ouçamo-la novamente: “Transmiti aos povos este anúncio:
eis que vem Deus, o nosso Salvador”. No início de um novo ciclo anual, a liturgia
convida a Igreja a renovar o seu anúncio a todos os povos e resume-o com duas
palavras: “Deus vem”. Esta expressão tão sintética contém em si uma força de
sugestão sempre nova. Paremos um momento para refletir: não se usa o
passado Deus veio nem o futuro Deus virá, mas sim o presente: “Deus vem”.
Trata-se, em última análise, de um presente contínuo, ou seja, de uma ação
sempre em ato: aconteceu, acontece agora e voltará a acontecer. Em qualquer
momento, “Deus vem”. O verbo “vir” aparecer aqui como um verbo “teológico” e
mesmo “teologal”, porque diz algo que se refere à própria natureza de Deus. Por
conseguinte, anunciar que “Deus vem” equivale simplesmente a anunciar o
próprio Deus, através de uma sua característica essencial e qualificadora: o seu
ser o Deus-que-vem. O Advento exorta os fiéis a tomarem consciência desta
verdade e de agirem consequentemente. Ressoa como um apelo saudável, na
repetição dos dias, das semanas e dos meses: Acorda! Recorda que Deus vem!
Não ontem, não amanhã, mas hoje, agora! O único Deus verdadeiro, “o Deus de
Abraão, de Isaac e de Jacob”, não é um Deus que está no céu, desinteressando-
se por nós e pela nossa história, mas é o Deus-que-vem. É um Pai que nunca
cessa de pensar em nós e, no respeito extremo pela nossa liberdade, deseja
encontrar-nos e visitar-nos; quer vir, habitar no meio de nós, permanecer
conosco. O seu “vir” é impelido pela vontade de nos libertar do mal e da morte,
de tudo o que impede a nossa verdadeira felicidade. Deus vem para nos salvar.
Os Padres da Igreja observam que o “vir” de Deus contínuo e, por assim dizer,
conatural ao seu próprio ser concentra-se nas duas vindas principais de Cristo:
a da sua Encarnação e a do seu retorno glorioso no fim da história (cf. Cirilo de
Jerusalém, Catequese 15, 1: PG 33, 870). O tempo do Advento é vivido
inteiramente segundo esta polaridade. Nos primeiros dias, dá-se relevo à última
vinda do Senhor, como demonstram também os textos da hodierna celebração
vespertina. Depois, aproximando-se o Natal, prevalecerá ao contrário a memória
do acontecimento de Belém, para reconhecer nele a “plenitude do tempo”. Entre
estas duas vindas “manifestas”, pode-se reconhecer uma terceira, que São
Bernardo chama “intermédia” e “oculta”, que tem lugar na alma dos fiéis e lança
como que uma “ponte” entre a primeira e a última. “Na primeira”, escreve São
Bernardo, “Cristo foi a nossa redenção; na última, manifestar-se-á como a nossa
vida: é nela que se encontram o nosso descanso e a nossa consolação” (Disc.

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

5, sobre o Advento, 1). Para esta vinda de Cristo, que poderíamos chamar
“encarnação espiritual”, o arquétipo é sempre Maria. Como a Virgem Maria
conservou no seu coração o Verbo que se fez carne, assim cada alma e toda a
Igreja são chamadas, na sua peregrinação terrena, a esperar Cristo que vem e
a acolhê-lo com fé e amor sempre renovados. Assim, a liturgia do Advento
evidencia o facto de que a Igreja dá voz à expectativa de Deus, profundamente
inscrita na história da humanidade; infelizmente, trata-se de uma expectativa
sufocada ou desviada para falsas direções. Como Corpo misticamente unido a
Cristo Cabeça, a Igreja é sacramento, ou seja, sinal e instrumento eficaz também
desta expectativa de Deus. De uma forma que somente Ele conhece, a
comunidade cristã pode apressar a sua vinda final, ajudando a humanidade a ir
ao encontro do Senhor que vem. E fá-lo antes de tudo, mas não só, mediante a
oração. Além disso, as “boas obras” são essenciais e inseparáveis da oração,
como recorda a prece deste primeiro Domingo do Advento, com que pedimos ao
Pai celeste que suscite em nós “a vontade de ir com boas obras ao encontro” de
Jesus que vem. Nesta perspectiva, o Advento é mais adequado a ser um tempo
vivido em comunhão com todos aqueles e graças a Deus são numerosos que
esperam num mundo mais justo e mais fraterno. Neste compromisso pela justiça
podem encontrar-se juntos, de certa maneira, homens de todas as
nacionalidades e culturas, crentes e não-crentes. Efetivamente, todos são
animados por uma aspiração comum, embora diferente pelas suas motivações,
em vista de um futuro de justiça e de paz. A paz é a meta à qual toda a
humanidade aspira! Para os que creem, a “paz” é um dos mais bonitos nomes
de Deus, que deseja a compreensão de todos os seus filhos, como pude recordar
também na peregrinação dos dias passados na Turquia. Um cântico de paz
ressoou nos céus, quando Deus se fez homem e nasceu de uma mulher, na
plenitude dos tempos (cf. Gl 4, 4). Portanto, comecemos este novo Advento um
período que nos é concedido pelo Senhor do tempo despertando nos nossos
corações a expectativa de Deus-que-vem e a esperança de que o seu Nome
seja santificado, que venha a nós o seu Reino de justiça e de paz, que seja feita
a sua Vontade assim na terra como no céu. Nesta expectativa, deixemo-nos
orientar pela Virgem Maria, Mãe de Deus-que-vem, Mãe da Esperança. Ela, que
daqui a poucos dias celebraremos como Imaculada, nos conceda que sejamos
encontrados santos e puros no amor, quando vier nosso Senhor Jesus Cristo, a
quem, com o Pai e com o Espírito Santo, sejam dados louvor e glória por todos
os séculos. Amém.

ANGELUS - 1º DOMINGO DE ADVENTO - 3 de dezembro de 2006


Amados irmãos e irmãs, no Advento a liturgia repete-nos com frequência e
garante-nos, quase que a vencer a nossa natural desconfiança, que Deus “vem”:
vem para estar conosco, em qualquer situação; vem para habitar no meio de
nós, para viver conosco e em nós; vem preencher as distâncias que nos dividem
e nos separam; vem para nos reconciliar com Ele e entre nós. Vem à história da
humanidade, bater à porta de cada homem e mulher de boa vontade, para dar

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

aos indivíduos, às famílias e aos povos o dom da fraternidade, da concórdia e


da paz. Por isso, o Advento é por excelência o tempo da esperança, no qual os
crentes em Cristo são convidados a permanecer em expectativa vigilante e
laboriosa, alimentada pela oração e pelo compromisso efetivo do amor. Que o
aproximar-se do Natal de Cristo encha os corações de todos os cristãos de
alegria, de serenidade e de paz! Para viver de maneira mais autêntica e frutuosa
este período de Advento, a liturgia exorta-nos a olhar para Maria Santíssima, e
a encaminharmo-nos idealmente com ela para a Gruta de Belém. Quando Deus
bateu à porta da sua jovem vida, ela recebeu-o com fé e com amor. Daqui a
alguns dias contemplá-la-emos no mistério luminoso da sua Imaculada
Conceição. Deixemo-nos atrair pela sua beleza, reflexo da glória divina, para que
“o Deus que há-de vir” encontre em todos um coração bondoso e aberto, que Ele
possa encher com os seus dons.

CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS VÉSPERAS DO 1º DOMINGO DO ADVENTO -


Sábado, 28 de Novembro de 2009
Caros irmãos e irmãs, com esta celebração vespertina, entramos no tempo
litúrgico do Advento. Na leitura bíblica que há pouco ouvimos, tirada da Primeira
Carta aos Tessalonicenses, o Apóstolo Paulo convida-nos a preparar a “vinda
de nosso Senhor Jesus Cristo” (5, 23), conservando-nos irrepreensíveis com a
graça de Deus. Paulo recorre precisamente à palavra “vinda”, em latim,
adventus, do qual deriva o termo Advento. Reflitamos brevemente sobre o
significado desta palavra, que pode traduzir-se com “presença”, “chegada” e
“vinda”. Na linguagem do mundo antigo, era um termo técnico utilizado para
indicar a chegada de um funcionário, a visita do rei ou do imperador a uma
província. No entanto, podia indicar também a vinda da divindade, que sai do
seu escondimento para se manifestar com poder, ou que é celebrada presente
no culto. Os cristãos adoptaram a palavra “advento” para expressar a sua relação
com Jesus Cristo: Jesus é o Rei, que entrou nesta pobre “província” denominada
terra para visitar todos; na festa do seu advento faz participar quantos nele
creem, aqueles que acreditam na sua presença na assembleia litúrgica.
Substancialmente, com a palavra adventus desejava-se dizer: Deus está aqui,
não se retirou do mundo, não nos deixou sozinhos. Embora não O possamos ver
nem tocar, como acontece com as realidades sensíveis, Ele está aqui e vem
visitar-nos de múltiplos modos. Portanto, o significado da expressão “advento”
inclui também o de visitatio que, simples e propriamente, quer dizer "visita"; neste
caso, trata-se de uma visita de Deus: Ele entra na minha vida e quer dirigir-se a
mim. Na existência quotidiana, todos nós vivemos a experiência de ter pouco
tempo para o Senhor e pouco tempo também para nós. Terminamos por ser
absorvidos pelo “fazer”. Não é porventura verdade que com frequência é
precisamente a atividade que nos possui, a sociedade com os seus múltiplos
interesses que monopoliza a nossa atenção? Não é talvez verdade que
dedicamos muito tempo à diversão e a distrações de vários tipos? Às vezes, a
realidade “arrebata-nos”. O Advento, este tempo litúrgico forte que estamos a

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

começar, convida-nos a refletir silenciosamente para compreender uma


presença. Trata-se de um convite a compreender que cada um dos
acontecimentos do dia é um sinal que Deus nos faz, um vestígio da atenção que
Ele tem por cada um de nós. Quantas vezes Deus nos faz sentir algo do seu
amor! Manter, por assim dizer, um “diário interior” deste amor seria uma tarefa
bonita e saudável para a nossa vida! O Advento convida-nos e estimula-nos a
contemplar o Senhor que está presente. Não deveria porventura a certeza da
sua presença ajudar-nos a ver o mundo com olhos diferentes? Não deveria
acaso ajudar-nos a considerar toda a nossa existência como uma “visita”, um
modo como Ele pode vir ter conosco e estar ao nosso lado em cada situação?
Outro elemento fundamental do Advento é a espera, expectativa que é ao
mesmo tempo esperança. O Advento leva-nos a compreender o sentido do
tempo e da história como “kairós”, como ocasião favorável para a nossa
salvação. Jesus explicou esta realidade misteriosa mediante muitas parábolas:
na narração dos servos convidados a esperar o retorno do dono; na parábola
das virgens que esperam o esposo; ou naquelas da sementeira e da colheita. Na
sua vida, o homem está constantemente à espera: quando é menino, deseja
crescer; quando é adulto, tende para a realização e o sucesso; na idade
avançada, aspira ao merecido descanso. Mas chega a hora em que ele descobre
que esperou demasiado pouco se, para além da profissão ou da posição social,
nada mais lhe resta para esperar. A esperança marca o caminho da humanidade,
mas para os cristãos ela é animada por uma certeza: o Senhor está presente no
fluxo da nossa vida, acompanha-nos, e um dia enxugará também as nossas
lágrimas. Um dia, não distante, tudo encontrará o seu cumprimento no Reino de
Deus, Reino de justiça e de paz. No entanto, existem modos muito diferentes de
esperar. Se o tempo não foi preenchido por um presente dotado de sentido, a
espera corre o risco de se tornar insuportável; se se espera algo, mas neste
momento não há nada, ou seja, se o presente permanece vazio, cada instante
que passa parece exageradamente longo, e a expectativa transforma-se num
peso demasiado grave, porque o futuro permanece totalmente incerto. Ao
contrário, quando o tempo é dotado de sentido, e em cada instante
compreendemos algo de específico e de válido, então a alegria da espera torna
o presente mais precioso. Queridos irmãos e irmãs, vivamos intensamente o
presente, em que já nos são concedidos os dons do Senhor, vivamo-lo
projetados para o futuro, um porvir repleto de esperança. Deste modo, o Advento
cristão torna-se ocasião para despertar em nós o autêntico sentido da espera,
voltando ao coração da nossa fé que é o mistério de Cristo, o Messias esperado
durante longos séculos e nascido na pobreza de Belém. Quando veio ao meio
de nós, trouxe-nos e continua a oferecer-nos o dom do seu amor e da sua
salvação. Presente entre nós, fala-nos de muitas maneiras: na Sagrada
Escritura, no ano litúrgico, nos santos, nos acontecimentos da vida quotidiana e
em toda a criação, que muda de aspecto se Ele se encontra por detrás dela, ou
se a mesma está ofuscada pela neblina de uma origem incerta ou de um futuro
inseguro. Por nossa vez, podemos dirigir-lhe a palavra, apresentar-lhe os

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

sofrimentos que nos afligem, a impaciência e as interrogações que brotam do


nosso coração. Estamos persuadidos de que nos ouve sempre! E se Jesus está
presente, já não existe tempo algum sem sentido e vazio. Se Ele está presente,
podemos continuar a esperar mesmo quando os outros já não conseguem
garantir-nos qualquer apoio, até quando o presente se torna cansativo. Queridos
amigos, o Advento é o tempo da presença e da espera eterna. Precisamente por
esta razão é, de modo particular, o tempo da alegria, de um júbilo interiorizado,
que nenhum sofrimento pode anular. A alegria pelo fato de que Deus se fez
Menino. Esta alegria, invisivelmente presente em nós, encoraja-nos a caminhar
com confiança. Modelo e ajuda deste íntimo júbilo é a Virgem Maria, por meio da
qual nos foi oferecido o Menino Jesus. Que Ela, discípula fiel do seu Filho, nos
conceda a graça de viver este tempo litúrgico vigilantes e diligentes na
esperança. Amém!

ANGELUS - 1º DOMINGO DE ADVENTO - 29 de novembro de 2009


Queridos irmãos e irmãs! Pela graça de Deus, iniciamos neste domingo um novo
Ano litúrgico, que se abre naturalmente com o Advento, tempo de preparação
para o Natal do Senhor. O Concílio Vaticano II, na Constituição sobre a Liturgia,
afirma que a Igreja “no ciclo anual apresenta todo o mistério de Cristo, da
Encarnação e Nascimento à Ascensão, ao Pentecostes, à expectativa da feliz
esperança e da vinda do Senhor”. Deste modo, “com esta recordação dos
mistérios da Redenção, a Igreja oferece aos fiéis as riquezas das obras e
merecimentos do seu Senhor, a ponto de os tornar como que presentes em todo
o tempo, para que os fiéis, em contacto com eles, se encham de graça”
(Sacrosanctum Concilium, 102). O Concílio insiste sobre o facto de que Cristo é
o centro da liturgia, como o sol em volta do qual giram, semelhante aos planetas,
a Bem-Aventurada Virgem Maria – a mais próxima – todos os mártires e os
outros santos que “no céu cantam o louvor perfeito e intercedem por nós” (ibid.,
104). É esta a realidade do Ano litúrgico vista, por assim dizer, “da parte de
Deus”. E da parte – digamos –do homem, da história e da sociedade? Que
relevância pode ter? É exatamente o caminho do Advento, que hoje iniciamos,
que nos sugere a resposta. O mundo contemporâneo precisa sobretudo de
esperança: têm necessidade dela os povos em vias de desenvolvimento, mas
também os economicamente evoluídos. Cada vez mais nos damos conta de que
nos encontramos numa única barca e devemos salvar-nos em conjunto.
Percebemos, principalmente quando vemos desmoronar tantas certezas falsas,
que necessitamos de uma esperança fiável, que só se pode encontrar em Cristo,
o qual, como diz a Carta aos Hebreus “é o mesmo ontem, hoje e para sempre”
(13, 8). O Senhor Jesus veio no passado, vem no presente e virá no futuro. Ele
abraça todas as dimensões do tempo, porque morreu e ressuscitou, é o “Vivente”
e, enquanto partilha a nossa precariedade humana, permanece para sempre e
oferece-nos a própria estabilidade de Deus. É “carne” como nós e “rocha” como
Deus. Quem deseja a liberdade, a justiça e a paz pode encorajar-se e levantar a
cabeça, porque em Cristo a libertação está próxima (cf. Lc 21, 28) – como lemos

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

no Evangelho de hoje. Por conseguinte, podemos afirmar que Jesus Cristo não
diz respeito só aos cristãos ou só aos crentes, mas a todos os homens, porque
Ele, que é o centro da fé, também é o fundamento da esperança. E de esperança
todos os seres humanos têm necessidade constantemente. Queridos irmãos e
irmãs, a Virgem Maria encarna plenamente a humanidade que vive na esperança
baseada na fé no Deus vivo. Ela é a Virgem do Advento: está enraizada no
presente, no “hoje” da salvação; recebe no seu coração todas as promessas
passadas; e está orientada para o cumprimento do futuro. Coloquemo-nos na
sua escola, para entrar verdadeiramente neste tempo de graça e acolher, com
alegria e responsabilidade, a vinda de Deus na nossa história pessoal e social.

CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS VÉSPERAS DO 1º DOMINGO DO ADVENTO -


Sábado, 1º de Dezembro de 2012
“Aquele que vos chama é fiel” (1 Ts 5, 24). Queridos amigos universitários! As
palavras do Apóstolo levam-nos a captar o verdadeiro significado do Ano
litúrgico, que esta tarde começamos juntos com a recitação das Primeiras
Vésperas de Advento. Todo o caminho do ano da Igreja se orienta para a
descoberta e a vivência da fidelidade do Deus de Jesus Cristo que na gruta de
Belém se apresentará a nós, mais uma vez, no rosto de um menino. Toda a
história da salvação é um percurso de amor, de misericórdia e de benevolência:
da criação à libertação do povo de Israel da escravidão do Egito, do dom da Lei
no Sinai ao regresso à pátria da escravidão babilónica. O Deus de Abraão, de
Isaac e de Jacó foi sempre o Deus próximo, que nunca abandonou o seu povo.
Várias vezes suportou a sua infidelidade e esperou com paciência a vinda,
sempre na liberdade de um amor que precede e ampara o amado, atento à sua
dignidade e às suas expectativas mais profundas. Deus não se fechou no seu
céu, mas inclinou-se sobre as vicissitudes do homem: um mistério grande que
chega a superar qualquer expectativa possível. Deus entra no tempo do homem
do modo mais impensado: fazendo-se menino e percorrendo as etapas da vida
humana, para que toda a nossa existência, espírito, alma e corpo — como nos
recordou são Paulo — possa conservar-se irrepreensível e ser elevada às alturas
de Deus. E faz tudo isto pelo seu amor fiel pela humanidade. Quando é
verdadeiro o amor tende por sua natureza para o bem do próximo, para o maior
bem possível, e não se limita a respeitar simplesmente os compromissos de
amizade assumidos, mas vai além, sem cálculos nem medidas. Foi precisamente
isto que realizou o Deus vivo e verdadeiro, cujo mistério profundo nos é revelado
nas palavras de são João: “Deus é amor” (1 Jo 4, 8.16). Este Deus em Jesus de
Nazaré assume em si toda a humanidade, toda a história humana, e confere-lhe
uma mudança nova, decisiva, rumo a um novo ser pessoa humana,
caracterizado pelo ser gerado por Deus e por tender para Ele (cf. A infância de
Jesus, p. 19). O ano litúrgico que iniciámos com estas Vésperas será também
para vós o caminho no qual mais uma vez reviver o mistério desta fidelidade de
Deus, sobre a qual estais chamados a fundar a vossa vida como sobre uma
rocha firme. Celebrando e vivendo com toda a Igreja este itinerário de fé,

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

experimentareis que Jesus Cristo é o único Senhor do cosmos e da história, sem


o qual qualquer construção humana corre o risco de se tornar vã. A liturgia, vivida
no seu verdadeiro espírito, é sempre a escola fundamental para viver a fé cristã,
uma fé “teologal”, que vos envolve em todo o vosso ser — espírito, alma e corpo
— para que vos torneis pedras vivas na construção da Igreja e colaboradores da
nova evangelização. De modo particular, na Eucaristia, o Deus vivo torna-se tão
próximo, que se faz alimento que ampara o caminho, presença que transforma
com o fogo do seu amor. Queridos amigos, vivemos num contexto no qual com
frequência encontramos a indiferença em relação a Deus. Mas penso que no
fundo de quantos — também entre os vossos coetâneos — vivem a distância de
Deus, há uma profunda nostalgia de infinito, de transcendência. A vós compete
testemunhar nas salas universitárias o Deus próximo, que se manifesta também
na busca da verdade, alma de cada compromisso intelectual. A este propósito
expresso a minha satisfação e encorajamento pelo programa de pastoral
universitária com o título: “O Pai viu-o de longe. O hoje do homem, o hoje de
Deus”, proposto pela Repartição de pastoral universitária do Vicariato de Roma.
A fé é a porta que Deus abre na vossa vida para vos conduzir ao encontro com
Cristo, no qual o hoje do homem se encontra com o hoje de Deus. A fé cristã não
é adesão a um deus genérico e indefinido, mas ao Deus vivo que em Jesus
Cristo, Verbo feito homem, entrou na nossa história e se revelou como o
Redentor do homem. Crer significa confiar a própria vida Àquele que é o único
que lhe pode dar plenitude no tempo e abri-la a uma esperança além do tempo.
Refletir sobre a fé, neste Ano da fé, é o convite que desejo dirigir a toda a
comunidade académica de Roma. O diálogo contínuo entre as Universidades
estatais ou particulares e as pontifícias deixa esperar numa presença cada vez
mais significativa da Igreja no âmbito da cultura não só romana, mas italiana e
internacional. As Semanas culturais e o Simpósio internacional dos professores
que terá lugar em Junho próximo, serão um exemplo desta experiência, que
espero se possa realizar em todas as cidades universitárias nas quais estão
presentes ateneus estatais, particulares e pontifícios. Queridos amigos, “aquele
que vos chama é fiel e fará tudo isto” (1 Ts 5, 24); fará de vós anunciadores da
sua presença. Na oração desta tarde encaminhemo-nos idealmente para a gruta
de Belém a fim de saborear a verdadeira alegria do Natal: a alegria de acolher
no centro da nossa vida, a exemplo da Virgem Maria e de São José, aquele
Menino que nos recorda que os olhos de Deus estão abertos para o mundo e
para cada homem (cf. Zc 12, 4). Os olhos de Deus estão abertos para nós porque
Ele é fiel ao seu amor! Só esta certeza pode guiar a humanidade para metas de
paz e de prosperidade, neste momento histórico, delicado e complexo. Também
a próxima Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro será para vós jovens
universitários uma grande ocasião para manifestar a fecundidade histórica da
fidelidade de Deus, oferecendo o vosso testemunho e o vosso compromisso pela
renovação moral e social do mundo. A entrega do Ícone de Maria Sedes
Sapientiae à delegação universitária brasileira por parte da Capelania
universitária de Roma Tre, que este ano celebra o seu vigésimo aniversário, é

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

um sinal deste vosso compromisso comum, jovens universitários de Roma. A


Maria, Sede da Sabedoria, confio todos vós e os vossos queridos; o estudo, o
ensino, a vida dos Ateneus; especialmente o itinerário de formação e de
testemunho neste Ano da fé. As lâmpadas que levareis às vossas capelanias
sejam sempre alimentadas pela vossa fé humilde, mas cheia de adoração, para
que cada um de vós seja uma luz de esperança e de paz no ambiente
universitário. Amém!

ANGELUS - 1º DOMINGO DE ADVENTO - 2 de dezembro de 2012


Queridos irmãos e irmãs! Hoje a Igreja inicia um novo Ano litúrgico, um caminho
que é ulteriormente enriquecido pelo Ano da fé, cinquenta anos após a abertura
do Concílio Ecuménico Vaticano II. O primeiro tempo deste itinerário é o Advento,
formado, no Rito Romano, pelas quatro semanas que precedem o Natal do
Senhor, ou seja, o mistério da Encarnação. A palavra “advento” significa
“presença”. No mundo antigo indicava a visita do rei ou do imperador a uma
província; na linguagem cristã refere-se à vinda de Deus, à sua presença no
mundo; um mistério que envolve totalmente o cosmos e a história, mas que
conhece dois momentos culminantes: a primeira e a segunda vinda gloriosa no
fim dos tempos. Estes dois momentos, que cronologicamente são distantes — e
não nos é dado saber quanto — tocam-se em profundidade, porque com a sua
morte e ressurreição Jesus já realizou aquela transformação do homem e do
cosmos que é a meta final da criação. Mas antes do final, é necessário que o
Evangelho seja proclamado a todas as nações, diz Jesus no Evangelho de
Marcos (cf. 13, 10). A vinda do Senhor continua, o mundo deve ser imbuído da
sua presença. E esta vinda permanente do Senhor no anúncio do Evangelho
exige continuamente a nossa colaboração; e a Igreja, que é como a Noiva, a
Esposa prometida ao Cordeiro de Deus crucificado e ressuscitado (cf. Ap 21, 9),
em comunhão com o seu Senhor colabora nesta vinda do Senhor, na qual já
começa a sua vinda gloriosa. A isto nos chama hoje a Palavra de Deus, traçando
a linha de conduta que se deve seguir para estar prontos para a vinda do Senhor.
No Evangelho de Lucas, Jesus diz aos discípulos: “Que os vossos corações não
se tornem pesados com a devassidão, a embriaguez e as preocupações da
vida... Velai, pois, orando continuamente” (Lc 21, 34.36). Portanto, sobriedade e
oração. E o apóstolo Paulo acrescenta o convite a “aumentar e abundar em
caridade” entre nós e para com todos, para tornar firmes os nossos corações e
irrepreensíveis na santidade (cf. 1 Tes 3, 12-13). No meio das perturbações do
mundo, ou dos desertos da indiferença e do materialismo, os cristãos acolhem
de Deus a salvação e testemunham-na com um modo de viver diverso, como
uma cidade situada sobre um monte. “Naqueles dias — anuncia o profeta
Jeremias — Jerusalém será tranquilizada, e será chamada Senhor-nossa-
justiça” (33, 16). A comunidade dos crentes é sinal do amor de Deus, da sua
justiça que já está presente e ativa na nossa história, mas que ainda não está
plenamente realizada, e, portanto, deve ser sempre esperada, invocada e
procurada com paciência e coragem. A Virgem Maria encarna perfeitamente o

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

espírito do Advento, feito de escuta de Deus, de desejo profundo de fazer a sua


vontade, de serviço jubiloso ao próximo. Deixemo-nos guiar por ela, para que o
Deus que vem não nos encontre fechados ou distraídos, mas possa, em cada
um de nós, expandir um pouco o seu reino de amor, de justiça e de paz.

ANGELUS – 2º DOMINGO DO ADVENTO - 10 de Dezembro de 2006


Queridos irmãos e irmãs! Nestes dias a liturgia recorda-nos que “Deus vem”
visitar o seu povo, para permanecer no meio dos homens e formar com eles uma
comunhão de amor e de vida, isto é uma família. O Evangelho de João expressa
assim o mistério da Encarnação: “E o Verbo fez-se homem e veio habitar
conosco”: literalmente: “armou a sua tenda entre nós” (Jo 1, 14). Não recorda
porventura, este grande dom e mistério, a construção de uma igreja entre as
casas de um país ou de um bairro de uma cidade? A igreja-edifício é sinal
concreto da Igreja-comunidade, formada pelas “pedras vivas” que são os
crentes, imagem tão querida aos Apóstolos. São Pedro (1 Pd 2, 4-5) e São Paulo
(Ef 2, 20-22) põem em relevo como a “pedra angular” deste templo espiritual seja
Cristo que, estreitados a ele e bem compactos, também nós somos chamados a
participar na edificação deste templo vivo. Portanto, se é Deus que toma a
iniciativa de vir habitar entre os homens, e se é sempre Ele o artífice principal
deste projeto, é verdade também que Ele não quer realizá-lo sem a nossa
colaboração cativa. Por conseguinte, preparar-se para o Natal significa
comprometer-se a construir a “casa de Deus com os homens”. Ninguém está
excluído; cada um pode e deve contribuir para fazer com que esta casa da
comunhão seja mais espaçosa e bela. No final dos tempos, ela será completa e
será a “Jerusalém celeste”: “Vi, então, um novo céu e uma nova terra E vi descer
do céu, de junto de Deus, a cidade santa, a nova Jerusalém, já preparada, qual
noiva adornada para o seu esposo... Esta é a morada de Deus entre os homens”
(Ap 21, 1-3). O Advento convida-nos a dirigir o olhar para a “Jerusalém celeste”,
que é o fim último da nossa peregrinação terrena. Ao mesmo tempo, exorta-nos
a comprometer-nos com a oração, com a conversão e com as boas obras, a
acolher Jesus na nossa vida, para construir juntamente com Ele este edifício
espiritual do qual cada um de nós as nossas famílias e as nossas comunidades
é pedra preciosa. Entre todas as pedras que formam a Jerusalém celeste,
certamente a mais maravilhosa e preciosa, porque entre todas é a mais próxima
de Cristo, pedra angular, é Maria Santíssima. Por sua intercessão, rezemos a
fim de que este Advento seja para toda a Igreja um tempo de edificação espiritual
e assim se apresse a vinda do Reino de Deus.

ANGELUS – 2º DOMINGO DO ADVENTO - 06 de Dezembro de 2009


Caros irmãos e irmãs, neste segundo domingo do Advento, a liturgia propõe o
trecho evangélico em que São Lucas, por assim dizer, prepara a cena sobre a
qual Jesus está para aparecer e dar início à sua missão pública (cf. Lc 3, 1-6). O
Evangelista chama a atenção para João Batista, que foi o precursor do Messias,
e traça com grande exatidão as coordenadas espaço-temporais da sua
pregação. Lucas escreve: “No décimo quinto ano do reinado do imperador
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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

Tibério, sendo Pôncio Pilatos governador da Judeia, Herodes tetrarca da


Galileia, seu irmão Filipe tetrarca da Itureia e da Traconítide, e Lisânias tetrarca
da Abilena; sob o pontificado de Anás e Caifás, a palavra de Deus foi dirigida a
João, filho de Zacarias, no deserto” (Lc 3, 1-2). Dois elementos chamam a nossa
atenção. O primeiro é a abundância de referências a todas as autoridades
políticas e religiosas da Palestina no ano 27/28 d.C. Evidentemente, o
Evangelista quer recordar a quem lê ou ouve, que o Evangelho não é uma lenda,
mas a narração de uma história verdadeira, e que Jesus de Nazaré é uma
personagem histórica inserida naquele contexto específico. O segundo elemento
digno de nota é o facto de que, depois desta ampla introdução histórica, o sujeito
torna-se “a palavra de Deus”, apresentada como uma força que desce do alto e
se põe sobre João Baptista. Amanhã celebrar-se-á a memória litúrgica de Santo
Ambrósio, grande Bispo de Milão. Tiro dele um comentário deste texto
evangélico: “O Filho de Deus – escreve ele – antes de reunir a Igreja, age
principalmente no seu servo humilde. Por isso, São Lucas diz bem que a palavra
de Deus desceu sobre João, filho de Zacarias, no deserto, porque a Igreja não
teve início a partir dos homens, mas da Palavra” (Exposição do Evangelho de
Lucas 2, 67). Por conseguinte, eis o significado: a Palavra de Deus é o sujeito
que move a história, inspira os profetas, prepara o caminho do Messias e
convoca a Igreja. O próprio Jesus é a Palavra divina que se fez carne no seio
virginal de Maria: nele, Deus revelou-se plenamente, disse-nos e deu-nos tudo,
abrindo-nos os tesouros da sua verdade e da sua misericórdia. Santo Ambrósio
dá continuidade ao seu comentário: “Portanto a Palavra desceu, a fim de que a
terra, que antes era um deserto, produzisse os seus frutos para nós” (ibidem).
Estimados amigos, a flor mais linda que nasceu da Palavra de Deus é a Virgem
Maria. Ela é a primícia da Igreja, jardim de Deus na terra. No entanto, enquanto
Maria é a Imaculada – assim iremos celebrá-la depois de amanhã – a Igreja tem
necessidade contínua de se purificar, porque o pecado ameaça todos os seus
membros. Na Igreja está sempre em ato uma luta entre o deserto e o jardim,
entre o pecado que torna a terra árida e a graça que a irriga a fim de que venha
a produzir frutos abundantes de santidade. Portanto, oremos à Mãe do Senhor
a fim de que nos ajude, neste tempo do Advento, a “endireitar” as nossas
veredas, deixando-nos orientar pela Palavra de Deus.

ANGELUS – 2º DOMINGO DO ADVENTO - 09 de Dezembro de 2012


Prezados irmãos e irmãs, no Tempo de Advento, a liturgia põe em evidência, de
modo particular, duas figuras que preparam a vinda do Messias: a Virgem Maria
e João Batista. Hoje, são Lucas apresenta-nos este último, e fá-lo com
características diversas dos outros evangelistas. “Os quatro Evangelhos inserem
no início da atividade de Jesus a figura de João Batista, apresentando-o como o
seu precursor. São Lucas antecipou a ligação entre as duas figuras e as suas
respectivas missões... Já na concepção e no nascimento, Jesus e João são
postos em relação entre si” (A infância de Jesus, 23). Este delineamento ajuda
a compreender que João, enquanto filho de Zacarias e Isabel, ambos de famílias

10
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

sacerdotais, não é só o último dos profetas, mas representa também todo o


sacerdócio da Aliança Antiga e, por isso, prepara os homens para o culto
espiritual da Nova Aliança, inaugurado por Jesus (cf. ibid., 27-28). Além disso,
Lucas desmistifica toda a leitura mítica, que muitas vezes se faz dos Evangelhos,
e situa historicamente a vida de João Baptista, escrevendo: “No ano décimo
quinto do reinado do imperador Tibério, sendo Pôncio Pilatos governador... eram
sumos sacerdotes Anás e Caifás” (Lc 3, 1-2). É no interior deste contexto
histórico que se insere o autêntico e grandioso acontecimento, a Natividade de
Cristo, que os contemporâneos nem sequer notarão. Para Deus, os grandes da
história servem de moldura para os pequenos! João Baptista define-se como
uma “voz que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai as
suas veredas” (Lc 3, 4). Esta voz proclama a palavra, mas em tal caso a Palavra
de Deus precede, enquanto é ela mesma que desce sobre João, filho de
Zacarias, no deserto (cf. Lc 3, 2). Portanto, ele tem um grande papel a
desempenhar, mas sempre em função de Cristo. Santo Agostinho comenta:
“João é a voz. Do Senhor, ao contrário, afirma-se: “No princípio era o Verbo” (Jo
1, 1). João é a voz que passa, Cristo é a Palavra eterna que era no princípio. Se
à voz tirarmos a palavra, o que permanece? Um som vago. A voz sem palavra
atinge o ouvido, mas não edifica o coração” (Discurso 293, 3: pl 38, 1328).
Quanto a nós, hoje temos a tarefa de ouvir aquela voz para conceder a Jesus,
Palavra que nos salva, espaço e acolhimento no coração. Neste Tempo de
Advento, preparemo-nos para ver, com os olhos da fé, na Gruta humilde de
Belém, a salvação de Deus (cf. Lc 3, 6). Na sociedade consumista, na qual
somos tentados a procurar a alegria nas coisas, João Batista ensina-nos a viver
de maneira essencial, a fim de que o Natal seja vivido não só como uma festa
exterior, mas como a festa do Filho de Deus que veio trazer aos homens a paz,
a vida e a alegria verdadeira. À intercessão materna de Maria, Virgem do
Advento, confiemos o nosso caminho ao encontro do Senhor que vem,
permanecendo prontos para o receber no coração e na vida inteira, o Emanuel,
o Deus-conosco.

ANGELUS - 3º DOMINGO DE ADVENTO - 17 de dezembro de 2006


Queridos irmãos e irmãs! Neste terceiro Domingo de Advento a liturgia convida-
nos à alegria do espírito. Fá-lo com a célebre antífona que retoma uma exortação
do apóstolo Paulo: "Gaudete in Domino", "Alegrai-vos sempre no Senhor... o
Senhor está próximo" (cf. Fl 4, 4.5). Também a primeira Leitura bíblica da Missa
é um convite à alegria. O profeta Sofonias, no final do século VII a.C., dirige-se
à cidade de Jerusalém e à sua população com estas palavras: “Rejubila, filha de
Sião, solta gritos de alegria, povo de Israel! / ... O Senhor, teu Deus, está no meio
de ti como poderoso Salvador!” (Sf 3, 14.17). O próprio Deus é representado com
sentimentos análogos. Diz o Profeta: “Ele exulta de alegria por tua causa, pelo
seu amor te renovará. / Ele dança e grita de alegria por tua causa, como nos dias
de festa” (Sf 3, 17-18a). Esta promessa realizou-se plenamente no mistério do
Natal, que celebraremos daqui a uma semana, e que pede para ser renovado no

11
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

“hoje” da nossa vida e da história. A alegria que a liturgia desperta nos corações
dos cristãos, não está reservada só a nós; é um anúncio profético destinado à
humanidade inteira, de modo particular aos mais pobres, neste caso aos mais
pobres de alegria! Pensemos nos nossos irmãos e irmãs que, especialmente no
Médio Oriente, em algumas zonas da África e noutras partes do mundo vivem o
drama da guerra: que alegria podem viver? Como será o Natal deles? Pensemos
em tantos doentes e pessoas sozinhas que, além de serem provadas no físico,
também o são no ânimo, porque com frequência se sentem abandonadas: como
partilhar com eles a alegria sem faltar de respeito ao seu sofrimento? Mas
pensemos também nos que especialmente jovens perderam o sentido da
verdadeira alegria, e a procuram em vão aonde é impossível encontrá-la: na
corrida exasperada para a autoafirmação e o sucesso, nos falsos divertimentos,
no consumismo, nos momentos de êxtase, nos paraísos artificiais da droga e de
qualquer forma de alienação. Não podemos não confrontar a liturgia de hoje e o
seu “Alegrai-vos!” com estas dramáticas realidades. Como nos tempos do
profeta Sofonias, é precisamente a quem está na prova, aos “feridos da vida e
órfãos da alegria” que se dirige de modo privilegiado a Palavra do Senhor. O
convite à alegria não é uma mensagem alienante, nem um paliativo estéril, mas,
ao contrário, é profecia de salvação, apelo a um resgate que parte da renovação
interior. Para transformar o mundo, Deus escolheu uma humilde jovem de uma
aldeia da Galileia, Maria de Nazaré, e interpelou-a com esta saudação: “Alegra-
te, ó cheia de graça, o Senhor está contigo”. Encontra-se naquelas palavras o
segredo autêntico do Natal. Deus repete-as à Igreja, a cada um de nós: Alegra-
te, o Senhor está próximo! Com a ajuda de Maria, ofereçamo-nos, com
humildade e coragem, para que o mundo acolha Cristo, que é a nascente da
verdadeira alegria.

ANGELUS - 3º DOMINGO DE ADVENTO - 13 de dezembro de 2009


Queridos irmãos e irmãs! Já estamos no terceiro domingo do Advento. Hoje na
liturgia ressoa o convite do apóstolo Paulo: "Alegrai-vos sempre no Senhor,
repito, alegrai-vos... O Senhor está perto" (Fl 4, 4-5). A mãe Igreja, enquanto nos
acompanha rumo ao Santo Natal, ajuda-nos a redescobrir o sentido e o gosto da
alegria cristã, tão diversa da alegria do mundo. Neste domingo, segundo uma
bonita tradição, as crianças de Roma vêm para fazer benzer pelo Papa as
imagens do Menino Jesus, que colocarão nos seus presépios. E, de fato, vejo
aqui na Praça de São Pedro muitas meninas e meninos, juntamente com os seus
pais sede bem-vindos, que alegria professores e catequistas. Caríssimos,
saúdo-vos a todos com grande afeto e agradeço-vos por terdes vindo. É para
mim motivo de alegria saber que nas vossas famílias se conserva o hábito de
fazer o presépio. Mas não é suficiente repetir um gesto tradicional, embora seja
importante. É preciso procurar viver na realidade de todos os dias aquilo que o
presépio representa, isto é, o amor de Cristo, a sua humildade, a sua pobreza.
Foi quanto fez São Francisco em Greccio: representou ao vivo o cenário da
Natividade, para a poder contemplar e adorar, mas sobretudo para saber pôr

12
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

mais em prática a mensagem do Filho de Deus, que por amor a nós se despojou
de tudo e se fez pequeno menino. A Bênção dos “Bambinelli” – como se diz em
Roma – recorda-nos que o presépio é uma escola de vida, da qual podemos
aprender o segredo da verdadeira alegria. Ela não consiste em ter muitas coisas,
mas em sentir-se amado pelo Senhor, em fazer-se dom para os outros e em
querer-se bem. Olhemos para o presépio: Nossa Senhora e São José não
parecem ser uma família coroada de êxito; tiveram o seu primogénito entre
grandes indigências; contudo estão repletos de alegria interior, porque se amam,
se ajudam e sobretudo porque estão certos de que na sua história é Deus quem
age, o Qual se fez presente no pequenino Jesus. E os pastores? Que motivo
teriam para se alegrar? Aquele recém-nascido não mudará certamente a sua
condição de pobreza nem de marginalização. Mas a fé ajuda-os a reconhecer no
“menino envolvido em panos, e colocado numa manjedoura” o “sinal” do cumprir-
se das promessas de Deus para todos os homens "que Ele ama" (cf. Lc 2, 12-
14), também para eles! Eis, queridos amigos, em que consiste a verdadeira
alegria: é o sentir que a nossa existência pessoal e comunitária é visitada e
colmada por um grande mistério, o mistério do amor de Deus. Para rejubilar
precisamos não só de coisas, mas de amor e de verdade: precisamos de um
Deus próximo, que conforta o nosso coração, e responde às nossas profundas
expectativas. Este Deus manifestou-se em Jesus, nascido da Virgem Maria. Por
isso aquele Menino, que colocamos na cabana ou na gruta, é o centro de tudo,
é o coração do mundo. Rezemos para que cada homem, como a Virgem Maria,
possa acolher como centro da própria vida o Deus que se fez Menino, fonte da
verdadeira alegria.

HOMILIA – 3º DOMINGO DE ADVENTO - 16 de Dezembro de 2012


Amados irmãos e irmãs da Paróquia de São Patrício, estou muito feliz por me
encontrar no meio de vós e por celebrar a Sagrada Eucaristia convosco e para
vós. Antes de tudo, gostaria de vos transmitir alguns pensamentos, à luz da
Palavra de Deus que há pouco ouvimos. Neste terceiro Domingo de Advento,
chamado Domingo “Gaudete”, a Liturgia convida-nos à alegria. O Advento é um
tempo de compromisso e de conversão, para preparar a vinda do Senhor, mas
hoje a Igreja faz-nos antegozar o júbilo do Natal já próximo. Com efeito, o
Advento é também tempo de alegria, porque desperta nos corações dos fiéis a
expectativa do Salvador, e esperar a vinda de uma pessoa amada é sempre
motivo de alegria. Este aspecto jubiloso está presente nas primeiras Leituras
bíblicas deste Domingo. O Evangelho, ao contrário, corresponde a uma outra
dimensão característica do Advento: a da conversão em vista da manifestação
do Salvador, anunciado por João Baptista. A primeira Leitura, que há pouco
ouvimos, constitui um convite insistente à alegria. O trecho começa com esta
expressão: “Alegra-te, filha de Sião! ... Exulta e rejubila-te com todo o teu
coração, filha de Jerusalém!” (Sf 3, 14), que é semelhante à do anúncio do anjo
a Maria: “Ave, cheia de graça!” (Lc 1, 26). O motivo essencial pelo qual a filha de
Sião pode exultar é expresso na afirmação que há pouco ouvimos: “O Senhor,

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

está no meio de ti” (Sf 3, 15.17); literalmente, seria “está no teu ventre”, com uma
clara referência à permanência de Deus na Arca da Aliança, colocada sempre
no meio do povo de Israel. O profeta quer dizer-nos que já não há qualquer
motivo de desconfiança, de desânimo e de tristeza, independentemente da
situação que devemos enfrentar, porque estamos certos da presença do Senhor,
a única que é suficiente para tranquilizar e rejubilar os corações. Além disso, o
profeta Sofonias deixa entender que esta alegria é recíproca: somos convidados
a alegrar-nos, mas também o Senhor se rejubila pela sua relação conosco; com
efeito, o profeta escreve: “Ele rejubila-se por causa de ti, e renova-te o seu amor.
Exulta de alegria por ti” (v. 17). A alegria que é prometida neste texto profético
encontra o seu cumprimento em Jesus, que se encontra no seio de Maria, a
“Filha de Sião”, e assim estabelece a sua morada no meio de nós (cf. Jo 1, 14).
Com efeito, vindo ao mundo Ele doa-nos a sua alegria, como Ele mesmo confia
aos seus discípulos: “Disse-vos essas coisas para que a minha alegria esteja em
vós, e a vossa alegria seja completa” (Jo 15, 11). Jesus traz aos homens a
salvação, uma nova relação com Deus que vence o mal e a morte, e traz a
verdadeira alegria mediante esta presença do Senhor que vem iluminar o nosso
caminho, que muitas vezes é oprimido pelas trevas e pelo egoísmo. E podemos
ponderar se realmente estamos conscientes da presença do Senhor no meio de
nós, que não é um Deus distante, mas um Deus conosco, um Deus no meio de
nós, que está conosco aqui na Sagrada Eucaristia, que está conosco na Igreja
viva. E nós temos que ser portadores desta presença de Deus. E assim Deus
alegra-se por nós e também nós podemos rejubilar: Deus existe, Deus é bom,
Deus está próximo. Na segunda Leitura, que há pouco ouvimos, São Paulo
convida os cristãos de Filipos a alegrar-se no Senhor. Podemos alegrar-nos? E
por que motivo é necessário rejubilar? A resposta de são Paulo é: porque “o
Senhor está próximo!” (Fl 4, 5). Daqui a poucos dias celebraremos o Natal, a
festividade da vinda de Deus, que se fez menino e nosso irmão para permanecer
conosco e compartilhar a nossa condição humana. Devemos alegrar-nos por
esta sua proximidade, por esta sua presença, procurando compreender cada vez
mais que realmente Ele está próximo, e para assim sermos penetrados pela
realidade da bondade de Deus, da alegria que Cristo está conosco. O apóstolo
Paulo diz com força, numa outra sua Carta, que nada pode separar-nos do amor
de Deus, que se manifestou em Cristo. Unicamente o pecado nos afasta dele,
mas este é um facto de separação que nós mesmos introduzimos na nossa
relação com o Senhor. Porém, mesmo quando nos afastamos, Ele não deixa de
nos amar e continua a permanecer próximo de nós com a sua misericórdia, com
a sua disponibilidade a perdoar e a acolher-nos no seu amor. Por isso, assim
continua são Paulo, nunca devemos angustiar-nos, pois podemos expor sempre
ao Senhor os nossos pedidos, as nossas necessidades e as nossas
preocupações “com orações e súplicas” (v. 6). E este é já um grande motivo de
alegria: saber que é sempre possível pedir ao Senhor, e que Ele, o Senhor, nos
atende, que Deus não está distante, mas ouve realmente, que Ele nos conhece,
e saber que nunca rejeita as nossas preces, embora não responda sempre do

14
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

modo como nós desejamos, mas responde. E o apóstolo acrescenta: orai “com
ações de graças” (Ibidem). O júbilo que o Senhor nos comunica deve encontrar
em nós o amor reconhecido. Efetivamente, a alegria só é completa quando
reconhecemos a sua misericórdia, quando nos tornamos atentos aos sinais da
sua bondade, se realmente sentirmos que esta bondade de Deus está conosco,
e se lhe agradecermos aquilo que recebemos dele todos os dias. Quem acolhe
os dons de Deus de modo egoísta não encontra a verdadeira alegria: ao
contrário, aqueles que encontram nas dádivas recebidas de Deus ocasiões para
o amar com gratidão sincera e para transmitir aos demais o seu amor, têm o
coração verdadeiramente repleto de alegria. Recordemo-lo! Depois das duas
Cartas, analisemos o Evangelho. O Evangelho hodierno diz-nos que para
acolher o Senhor que vem devemos preparar-nos, prestando muita atenção à
nossa conduta de vida. Às várias pessoas que lhe perguntam o que devem fazer
a fim de estar prontas para a vinda do Messias (cf. Lc 3, 10.12.14), João Baptista
responde que Deus não exige nada de extraordinário, mas que cada um viva em
conformidade com critérios de solidariedade e de justiça; sem elas não é possível
preparar-se para o encontro com o Senhor. Por conseguinte, perguntemos
também nós ao Senhor o que espera e o que deseja que façamos, e comecemos
a compreender que Ele não exige gestos extraordinários, mas que levemos uma
vida comum em retidão e bondade. Finalmente, João Baptista indica quem
devemos seguir com fidelidade e coragem. Antes de tudo, nega que ele mesmo
é o Messias, e depois proclama com determinação: “Eu batizo-vos com a água,
mas eis que virá Outro, mais poderoso do que eu, a quem não sou digno de lhe
desatar a correia das sandálias” (v. 16). Aqui observamos a grande humildade
de João, ao reconhecer que a sua missão consiste em preparar o caminho para
Jesus. Afirmando “Eu batizo-vos com a água”, quer dar a entender que a sua
unção é simbólica. Com efeito, ele não pode eliminar nem perdoar os pecados:
batizando com a água, ele só pode indicar que é necessário mudar de vida. Ao
mesmo tempo, João anuncia a vinda do “mais poderoso”, que “vos batizará no
Espírito Santo e no fogo” (Ibidem). E, como ouvimos, este grande profeta recorre
a imagens vigorosas para convidar à conversão, e não o faz com a finalidade de
incutir temor, mas fá-lo sobretudo para estimular a receber bem o Amor de Deus,
o Único que pode purificar verdadeiramente a vida. Deus faz-se homem como
nós, para nos outorgar uma esperança que é certeza: se o seguirmos, se
vivermos com coerência a nossa existência cristã, Ele atrair-nos-á a si, levar-
nos-á à comunhão consigo; e, no nosso coração, haverá a alegria verdadeira e
a paz autêntica, inclusive no meio das dificuldades, também nos momentos de
fragilidade. Estimados amigos! Estou feliz por rezar convosco ao Senhor, que se
torna presente na Eucaristia para permanecer sempre conosco. Saúdo
cordialmente o Cardeal Vigário, o Bispo Auxiliar do Setor, o vosso Pároco, Pe.
Fabio Fasciani, a quem agradeço as amáveis palavras com as quais me explicou
a situação da paróquia, a riqueza espiritual da vida paroquial, e saúdo ainda
todos os Sacerdotes aqui presentes. Saúdo quantos trabalham no âmbito da
paróquia: os catequistas, os membros do coro e dos vários grupos paroquiais,

15
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

assim como os seguidores do Caminho Neocatecumenal, aqui comprometidos


no campo da missão. Vejo com alegria muitas crianças que seguem a palavra
de Deus a diversos níveis, preparando-se para a Comunhão, para a Crisma e
para o pós-Crisma, para a vida. Bem-vindos! Estou feliz por ver aqui uma Igreja
viva! Dirijo o meu pensamento às Oblatas de Nossa Senhora do Rosário,
presentes no território da paróquia, bem como a todos os habitantes do bairro,
especialmente aos idosos, aos doentes e às pessoas em dificuldades. Caros
irmãos e irmãs, como já dissemos no início desta celebração, a liturgia deste dia
exorta-nos à alegria e à conversão. Abramos o nosso espírito a este convite;
corramos ao encontro do Senhor que vem, invocando e imitando são Patrício,
grande evangelizador, e a Virgem Maria que, silenciosa e orante, esperou e
preparou a Natividade do Redentor. Amém!

ANGELUS - 3º DOMINGO DE ADVENTO - 16 de dezembro de 2012


Prezados irmãos e irmãs! O Evangelho deste Domingo de Advento apresenta
novamente a figura de João Batista, e descreve-o enquanto fala às pessoas que
vão à sua procura no rio Jordão, para se fazerem batizar. Dado que João, com
palavras severas, exorta todos a prepararem-se para a vinda do Messias, alguns
perguntam-lhe: “Que devemos fazer?” (Lc 3, 10.12.14). Estes diálogos são muito
interessantes e revelam-se de grande atualidade. A primeira resposta é dirigida
à multidão em geral. João Baptista diz: “Quem tem duas túnicas, dê uma a quem
não tem; e quem tem o que comer, faça o mesmo” (v. 11). Aqui podemos ver um
critério de justiça, animado pela caridade. A justiça exige que se supere o
desequilíbrio entre quem tem o supérfluo e quem carece do necessário; a
caridade impele-nos a prestar atenção ao próximo e ir ao encontro das suas
necessidades, em vez de encontrar justificações para defender os próprios
interesses. Justiça e caridade não se opõem, mas ambas são necessárias e
completam-se reciprocamente. “O amor será sempre necessário, mesmo na
sociedade mais justa”, porque “existirão sempre também situações de
necessidade material, para as quais é indispensável uma ajuda na linha de um
amor concreto ao próximo” (Encíclica Deus caritas est, 28). E depois vemos a
segunda resposta, que é dirigida a alguns “publicanos”, ou seja, cobradores de
impostos em nome dos Romanos. Só por isso, os publicanos já eram
desprezados, mas também porque muitas vezes se aproveitavam da sua
posição para roubar. A eles, João Batista não pede que mudem de profissão,
mas que não exijam mais do que foi estabelecido (cf. v. 13). Em nome de Deus,
o profeta não pede gestos extraordinários, mas antes de tudo o cumprimento
honesto do próprio dever. O primeiro passo rumo à vida eterna é sempre a
observância dos mandamentos; neste caso, o sétimo: “Não roubarás” (cf. Êx 20,
15). A terceira resposta diz respeito aos soldados, outra categoria dotada de um
certo poder e, portanto, tentada a abusar. Aos soldados, João diz: “Não
pratiqueis violência nem defraudeis a ninguém, e contentai-vos com o vosso
soldo” (v. 14). Também neste caso, a conversão começa pela honestidade e pelo
respeito em relação ao próximo: uma indicação que é válida para todos,

16
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

especialmente para quantos têm maiores responsabilidades. Considerando


estes diálogos nos seu conjunto, surpreende a grande firmeza das palavras de
João: dado que Deus nos julgará em conformidade com as nossas obras, é nos
comportamentos que devemos demonstrar que seguimos a sua vontade. E
precisamente por isso, as indicações de João Baptista são sempre atuais:
inclusive no nosso mundo tão complexo, tudo seria muito melhor se cada um
observasse estas regras de conduta. Então oremos ao Senhor, por intercessão
de Maria Santíssima, a fim de que nos ajude a preparar-nos para o Natal dando
bons frutos de conversão (cf. Lc 3, 8).

ANGELUS - 4º DOMINGO DE ADVENTO - 24 de dezembro de 2006


Queridos irmãos e irmãs! A celebração do Santo Natal já é iminente. A vigília de
hoje prepara-nos para viver intensamente o mistério que esta Noite a liturgia nos
convidará a contemplar com os olhos da fé. No recém-nascido divino, que
colocaremos no presépio, torna-se evidente a nossa salvação. No Deus que se
faz homem por nós, sentimo-nos todos amados e acolhidos, descobrimos que
somos preciosos e únicos aos olhos do Criador. O Natal de Cristo ajuda-nos a
tomar consciência do valor da vida humana, a vida de cada ser humano, desde
o seu primeiro instante até ao seu fim natural. A quem abre o coração a este
“menino envolvido em panos” e colocado “numa manjedoura” (cf. Lc 2, 12), ele
oferece a possibilidade de olhar com olhos novos as realidades de todos os dias.
Poderá saborear o poder do fascínio interior do amos de Deus, que consegue
transformar em alegria também o sofrimento. Queridos amigos, preparemo-nos
para encontrar Jesus, o Emanuel, Deus conosco. Nascendo na pobreza de
Belém, Ele deseja fazer-se companheiro de viagem de todos. Neste mundo,
desde quando Ele mesmo quis armar aqui a sua “tenda”, ninguém é estrangeiro.
É verdade, todos estamos de passagem, mas é precisamente Jesus quem nos
faz sentir em casa nesta terra santificada pela sua presença. Mas Ele pede-nos
que a tornemos uma casa acolhedora para todos. O dom surpreendente do Natal
é precisamente este: Jesus veio para cada um de nós e nele tornou-nos irmãos.
O compromisso correspondente é o de superar cada vez mais os erros e os
preconceitos, abater as barreiras e eliminar os contrastes que dividem, ou pior,
que contrapõem os indivíduos e os povos, para construir juntos um mundo de
justiça e de paz. Com estes sentimentos, queridos irmãos e irmãs, vivemos as
últimas horas que nos separam do Natal, preparando-nos espiritualmente para
receber o Menino Jesus. No coração da Noite Ele vem para nós. É seu desejo
vir também em nós, isto é, habitar no coração de cada um de nós. Para que isto
aconteça, é indispensável que estejamos disponíveis e nos preparemos para o
receber, prontos a dar-lhe espaço dentro de nós, nas nossas famílias, nas
nossas cidades. Que o seu nascimento não nos encontre impreparados para
festejar o Natal, esquecendo que o protagonista da fé é precisamente Ele!
Ajude-nos Maria a manter o recolhimento interior indispensável para viver a
profunda alegria que o nascimento do Redentor traz. Dirijamo-nos agora a ela
com a nossa oração, pensado sobretudo em quantos se preparam para

17
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

transcorrer o Natal na tristeza e na solidão, na doença e no sofrimento: a todos


a Virgem dê conforto e consolo.

HOMILIA DA MISSA - 17 de Dezembro de 2009


Estimados amigos, com a Liturgia da hoje, entramos no último trecho do caminho
do Advento, que exorta a intensificar a nossa preparação, para celebrar com fé
e com alegria o Natal do Senhor, acolhendo com íntimo enlevo o Deus que se
faz próximo do homem, de cada um de nós. A primeira leitura apresenta-nos o
idoso Jacob que congrega os seus filhos para a bênção: trata-se de um
acontecimento de grande intensidade e emoção. Esta bênção é como que uma
corroboração da fidelidade à aliança com Deus, mas é também uma visão
profética, que olha em frente e indica uma missão. Jacob é o pai que, através
dos caminhos nem sempre lineares da sua história, chega à alegria de reunir os
seus filhos ao seu redor e de traçar o futuro de cada um e da sua descendência.
Em particular, hoje ouvimos a referência à tribo de Judá, da qual se exalta a força
régia representada pelo leão, assim como à monarquia de Davi, representada
pelo cetro, pelo bastão do comando, que alude à vinda do Messias. Assim, nesta
imagem dúplice, transparece o futuro mistério do leão que se faz cordeiro, do rei
cujo bastão de comando é a Cruz, sinal da verdadeira realeza.
Progressivamente, Jacob adquiriu consciência da primazia de Deus,
compreendeu que o seu caminho é guiado e sustentado pela fidelidade do
Senhor e não pode deixar de responder com adesão integral à aliança e ao
desígnio de salvação de Deus, tornando-se por sua vez, juntamente com a sua
descendência, elo do projeto divino. O trecho do Evangelho de Mateus
apresenta-nos a “genealogia de Jesus Cristo filho de David, filho de Abraão” (Mt
1, 1), sublinhando e tornando mais explícita a fidelidade de Deus à promessa
que Ele cumpre não apenas mediante os homens, mas com eles e, como no
caso de Jacob, às vezes através de caminhos sinuosos e imprevistos. O Messias
esperado, objeto da promessa, é verdadeiro Deus, mas também verdadeiro
homem; Filho de Deus, mas inclusive Filho nascido da Virgem, Maria de Nazaré,
carne santa de Abraão, em cuja semente serão abençoados todos os povos da
terra (cf. Gn 22, 18). Nesta genealogia, além de Maria são recordadas quatro
mulheres. Elas não são Sara, Rebeca, Lia nem Raquel, ou seja, as grandes
figuras da história de Israel. Ao contrário, paradoxalmente são quatro mulheres
pagãs: Raab, Rute, Betsabeia e Tamar, que aparentemente “mancham” a pureza
de uma genealogia. Mas nestas mulheres pagãs, que aparecem em pontos
determinantes da história da salvação, transparece o mistério da igreja dos
pagãos, a universalidade da salvação. São mulheres pagãs nas quais aparece
o futuro, a universalidade da salvação. São também mulheres pecadoras e assim
manifesta-se nelas também o mistério da graça: não são as nossas obras que
redimem o mundo, mas é o Senhor que nos confere a vida verdadeira. Sim, são
mulheres pecadoras, nas quais se manifesta a grandeza da graça da qual todos
nós temos necessidade. No entanto, estas mulheres revelam uma resposta
exemplar à fidelidade de Deus, mostrando a fé no Deus de Israel. E assim vemos

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

transparecer a igreja dos pagãos, mistério da graça, a fé como dádiva e como


caminho rumo à comunhão com Deus. Por conseguinte, a genealogia de Mateus
não é simplesmente o elenco das gerações: é a história realizada principalmente
por Deus, mas com a resposta da humanidade. Trata-se de uma genealogia da
graça e da fé: é precisamente sobre a fidelidade absoluta de Deus e a fé sólida
destas mulheres que se alicerça a continuação da promessa feita a Israel.
Enquanto dou continuidade à Celebração dos Mistérios sagrados, confio cada
um à salvaguarda maternal da Mãe do Redentor, invocando da Palavra divina,
que assumiu a nossa carne, a luz e a paz anunciadas pelos Anjos em Belém.
Amém!

CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS - 17 de Dezembro de 2009


Queridos irmãos e irmãs, que sabedoria nasce em Belém? Gostaria de formular
esta pergunta a mim mesmo e a vós neste tradicional encontro pré-natalício com
o mundo universitário romano. Hoje, em vez da Santa Missa, celebramos as
Vésperas, e a feliz coincidência com o início da novena de Natal far-nos-á entoar
daqui a pouco a primeira das Antífonas chamadas Maiores: “Ó Sapiência, que
saís da boca do Altíssimo, estendeis-vos até aos confins do mundo, e tudo
disponde com suavidade e com força: vinde, ensinai-nos o caminho da
sabedoria!” (Liturgia das Horas, Vésperas de 17 de Dezembro). Esta invocação
maravilhosa é dirigida à “Sapiência”, figura central nos livros dos Provérbios, da
Sabedoria e do Sirácide, que por ela são chamados precisamente “sapienciais”
e nos quais a tradição cristã vislumbra uma prefiguração de Cristo. Esta
invocação torna-se verdadeiramente estimulante, e aliás provocante, quando
nos colocamos diante do Presépio, ou seja, do paradoxo de uma Sabedoria que
tendo saído “da boca do Altíssimo”, jaz envolvida em panos numa manjedoura
(cf. Lc 2, 7.12.16). Já podemos antecipar a resposta ao pedido inicial: aquela que
nasce em Belém é a Sabedoria de Deus. Escrevendo aos Coríntios, São Paulo
recorre a esta expressão: “Sabedoria de Deus, envolvida em mistério” (1 Cor 2,
7), ou seja, num desígnio divino, que permaneceu escondido durante muito
tempo e que o próprio Deus revelou na história da salvação. Na plenitude dos
tempos, esta Sabedoria adquiriu um rosto humano, o rosto de Jesus que – como
recita o Símbolo apostólico – “foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da
Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado,
desceu à mansão dos mortos e ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus e está
sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso de onde há-de vir para julgar os
vivos e os mortos”. O paradoxo cristão consiste precisamente na identificação
da Sabedoria divina, ou seja, no Logos eterno, com o homem Jesus de Nazaré
e com a sua história. Não existe uma solução para este paradoxo, a não ser na
palavra “Amor”, que neste caso naturalmente deve ser escrita com “A”
maiúscula, tratando-se de um Amor que ultrapassa infinitamente as dimensões
humanas e históricas. Portanto, a Sabedoria que invocamos esta tarde é o Filho
de Deus, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade; é o Verbo que, como lemos
no Prólogo de João, “no princípio Ele estava com Deus”, aliás, “era Deus” que

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

com o Pai e o Espírito Santo criou todas as coisas e que “se fez carne” para nos
revelar aquele Deus que ninguém pode ver (cf. Jo 1, 2-3.14.18). Prezados
amigos, um professor cristão, ou um jovem estudante cristão, traz dentro de si o
amor apaixonado por esta Sabedoria! Lê tudo à sua luz; captura os seus
vestígios nas partículas elementares e nos versos dos poetas; nos códigos
jurídicos e nos acontecimentos da história; nas obras artísticas e nas expressões
matemáticas. Sem Ela nada se fez daquilo que existe (cf. Jo 1, 3) e por
conseguinte em toda a realidade criada é possível entrever um reflexo,
evidentemente segundo diferentes graus e modalidades. Tudo o que é
compreendido pela inteligência humana pode sê-lo porque, de alguma forma e
em certa medida, participa da Sabedoria criadora. Aqui, em última análise, está
também a própria possibilidade do estudo, da investigação, do diálogo científico
em cada campo do saber. Nesta altura não posso evitar uma reflexão talvez um
pouco incómoda, mas útil para nós que estamos aqui e que pertencemos
sobretudo ao ambiente académico. Perguntemo-nos: quem estava na noite de
Natal na gruta de Belém? Quem acolheu a Sabedoria, quando nasceu? Quem
acorreu para a ver, quem foi que a reconheceu e adorou? Não doutores da lei,
escribas ou sábios. Estavam lá Maria e José, e depois os pastores. Que significa
isto? Um dia, Jesus dirá: “Sim, ó Pai, porque isto foi do teu agrado” (Mt 11, 26):
revelaste o teu mistério aos pequeninos (cf. Mt 11, 25). Mas então não é útil
estudar? Ou até é nocivo, contraproducente para conhecer a verdade? A história
de dois mil anos de cristianismo exclui esta última hipótese e sugere-nos a justa:
trata-se de estudar, de aprofundar os conhecimentos, conservando um espírito
de “pequeninos”, um espírito humilde e simples, como o de Maria, “Sede da
Sabedoria”. Quantas vezes tivemos medo de nos aproximarmos da Gruta de
Belém, porque nos preocupávamos que isto viesse a impedir a nossa
capacidade crítica e a nossa “modernidade”! Pelo contrário, naquela Gruta cada
um de nós pode descobrir a verdade sobre Deus e a verdade sobre o homem.
Elas encontraram-se naquele Menino, nascido da Virgem: o anseio do homem
pela vida eterna enterneceu o Coração de Deus, que não se envergonhou de
adquirir a condição humana. Estimados amigos, ajudar os outros a descobrir o
verdadeiro rosto de Deus é a primeira forma de caridade, que para vós assume
a qualificação de caridade intelectual. Foi com prazer que tomei conhecimento
de que o caminho deste ano da pastoral universitária diocesana terá como tema:
“Eucaristia e caridade intelectual”. Uma escolha exigente, mas apropriada. Com
efeito, em cada celebração eucarística Deus vem à história em Jesus Cristo, à
sua Palavra e ao seu Corpo, oferecendo-nos aquela caridade que nos permite
servir o homem na sua existência concreta. Além disso, o projeto “Uma cultura
para a cidade” oferece uma proposta promissora de presença cristã no âmbito
cultural. Enquanto formulo votos porque este vosso itinerário seja fecundo, não
posso deixar de convidar todos os Ateneus a serem lugares de formação de
autênticos agentes da caridade intelectual. É deles que depende em ampla
medida o futuro da sociedade, principalmente na elaboração de uma nova
síntese humanística e de uma renovada capacidade de projeção (cf. Carta

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

Encíclica Caritas in veritate, 21). Encorajo todos os responsáveis das instituições


académicas a continuar em conjunto, colaborando para a construção de
comunidades em que todos os jovens possam formar-se para ser homens
maduros e responsáveis para realizar a “civilização do amor”. Queridos amigos,
possa o próximo Natal infundir alegria e esperança em vós, nas vossas famílias
e em todo o ambiente universitário, em Roma e no mundo inteiro.

ANGELUS - 4º DOMINGO DE ADVENTO - 20 de dezembro de 2009


Queridos irmãos e irmãs! Com o 4º Domingo do Advento, o Natal do Senhor já
está diante de nós. A liturgia, com as palavras do profeta Miqueias, convida a
olhar para Belém, a pequena cidade da Judeia testemunha do grande
acontecimento: “Mas tu, Bet-Ephrata, tão pequena entre as famílias de Judá, / é
de ti que me há-de sair / aquele que governará em Israel. / As suas origens
remontam aos tempos antigos, / aos dias do longínquo passado” (Mq 5, 1). Mil
anos antes de Cristo, Belém tinha visto nascer o grande rei David, que as
Escrituras concordam em apresentar como antepassado do Messias. O
Evangelho de Lucas narra que Jesus nasceu em Belém porque José, o esposo
de Maria, sendo da “casa de David”, teve que ir àquela cidade para o
recenseamento, e precisamente nesses dias Maria deu à luz Jesus (cf. Lc 2, 1-
7). De fato, a mesma profecia de Miqueias prossegue mencionando
precisamente um nascimento misterioso: “Deus abandonará o seu povo diz até
ao tempo em que der à luz aquela que há-de dar à luz, / e em que o resto dos
seus irmãos voltará / para junto dos filhos de Israel” (Mq 5, 2). Há, portanto, um
desígnio divino que inclui e explica os tempos e os lugares da vinda do Filho de
Deus ao mundo. É um desígnio de paz, como anuncia ainda o profeta, falando
do Messias: “Ele permanecerá firme e apascentará o rebanho com a força do
Senhor, / e com a majestade do nome do Senhor, seu Deus. / Haverá segurança
porque ele será grande / até aos confins da terra. / Ele próprio será a paz” (Mq
5, 3-4). Precisamente este último aspecto da profecia, o da paz messiânica, nos
leva naturalmente a ressaltar que Belém é também uma cidade símbolo da paz,
na Terra Santa e no mundo inteiro. Infelizmente, nos nossos dias, ela não
representa uma paz alcançada e estável, mas uma paz cansativamente
procurada e esperada. Mas Deus nunca se resigna a esta situação, e por isso
também este ano, em Belém e no mundo inteiro, renovar-se-á na Igreja o
mistério do Natal, profecia de paz para cada homem, que compromete os
cristãos a entrarem nos fechamentos, nos dramas, muitas vezes desconhecidos
e escondidos, e nos conflitos do contexto no qual se vive, com os sentimentos
de Jesus, para se tornarem em toda a parte instrumentos e mensageiros de paz,
para levar amor onde há ódio, perdão onde há ofensa, alegria onde há tristeza e
verdade onde há erro, segundo as bonitas expressões de uma conhecida oração
franciscana. Hoje, como nos tempos de Jesus, o Natal não é uma fábula para
crianças, mas a resposta de Deus ao drama da humanidade em busca da
verdadeira paz. “Ele próprio será a paz!” diz o profeta referindo-se ao Messias.
Compete a nós abrir, de par em par, as portas para o receber. Aprendamos de

21
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

Maria e de José: ponhamo-nos com fé ao serviço do desígnio de Deus. Mesmo


se não o compreendemos plenamente, confiemo-nos à sua sabedoria e
bondade. Procuremos antes de tudo o Reino de Deus, e a Providência ajudar-
nos-á. Bom Natal a todos!

ANGELUS - 4º DOMINGO DE ADVENTO - 23 de dezembro de 2012


Queridos irmãos e irmãs! Neste 4º domingo de Advento, que precede de pouco
o Natal do Senhor, o Evangelho narra a visita de Maria à sua prima Isabel. Este
episódio não é um simples gesto de gentileza, mas representa com grande
simplicidade o encontro do Antigo Testamento com o Novo. As duas mulheres,
ambas grávidas, encarnam de fato a expectativa e o Esperado. A idosa Isabel
simboliza Israel que espera o Messias, enquanto que a jovem Maria traz em si o
cumprimento desta expectativa, em benefício de toda a humanidade. Nas duas
mulheres encontram-se e reconhecem-se antes de tudo os frutos do seio de
ambas, João e Cristo. Comenta o poeta cristão Prudêncio: “O menino contido no
seio senil saúda, pelos lábios de sua mãe, o Senhor filho da Virgem” (Apotheosis,
590: pl 59, 970). A exultação de João no seio de Isabel é o sinal do cumprimento
da expectativa: Deus está para visitar o seu povo. Na Anunciação o arcanjo
Gabriel tinha falado a Maria da gravidez de Isabel (cf. Lc 1, 36) como prova do
poder de Deus: a esterilidade, não obstante ela fosse idosa, tinha-se
transformado em fertilidade. Isabel, acolhendo Maria, reconhece que se está a
realizar a promessa de Deus à humanidade e exclama: “Bendita és tu entre as
mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. E donde me é dado que venha ter
comigo a mãe do meu Senhor?” (Lc 1, 42-43). A expressão “bendita és tu entre
as mulheres” refere-se no Antigo Testamento a Jael (Jz 5, 24) e a Judite (Jd 13,
18), duas mulheres guerreiras que se preocupam por salvar Israel. Agora, ao
contrário, dirige-se a Maria, jovenzinha pacífica que está para gerar o Salvador
do mundo. Assim também o salto de alegria de João (cf. Lc 1, 44) evoca a dança
que o rei David fez quando acompanhou a entrada em Jerusalém da Arca da
Aliança (cf. 1 Cor 15, 29). A Arca, que continha as tábuas da Lei, o maná e o
ceptro de Aarão (cf. Hb 9, 4) era o sinal da presença de Deus no meio do seu
povo. O nascituro João exulta de alegria diante de Maria, Arca da nova Aliança,
que traz no seio Jesus, o Filho de Deus feito homem. A cena da Visitação
expressa também a beleza do acolhimento: onde há acolhimento recíproco e
escuta, onde se dá espaço ao outro, ali estão Deus e a alegria que vem d’Ele.
Imitemos Maria no tempo de Natal, visitando quantos vivem em dificuldade, em
particular os doentes, os presos, os idosos e as crianças. E imitemos também
Isabel que acolhe o hóspede como o próprio Deus: sem o desejar nunca
conheceremos o Senhor, sem o esperar não o encontraremos, sem o procurar
não o descobriremos. Com a mesma alegria de Maria que vai à pressa ter com
Isabel (cf. Lc 1, 39), vamos também nós ao encontro do Senhor que vem.
Rezemos para que todos os homens procurem Deus, descobrindo que é o
próprio Deus que nos vem visitar primeiro. A Maria, Arca da Nova e Eterna

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

Aliança, confiemos o nosso coração, para que o torne digno de acolher a visita
de Deus no mistério do seu Natal.

Tempo do Natal

SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR – 24 de dezembro de 2006


Amados irmãos e irmãs! Acabamos de ouvir no Evangelho a palavra que os
Anjos, na Noite santa, disseram aos pastores e que agora a Igreja grita para nós:
“Nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é o Messias Senhor.
Isto vos servirá de sinal: achareis um Menino envolto em panos e deitado numa
manjedoura” (Lc 2,11ss). Nada de maravilhoso, nada de extraordinário, nada de
magnífico é dado como sinal aos pastores. Verão só um menino envolto em
panos que, como todos os meninos, precisa dos cuidados maternos; um menino
que nasceu num estábulo e, por isso, não está deitado num berço, mas numa
manjedoura. O sinal de Deus é o menino carente de ajuda e pobre. Os pastores,
somente com o coração, poderão ver que neste menino tornou-se realidade a
promessa do profeta Isaías, que escutamos na primeira leitura: “Um Menino
nasceu para nós, um filho nos foi concedido. Tem o poder sobre os ombros” (Is
9,5). A nós também não e nos dado um sinal distinto. O anjo de Deus, mediante
a mensagem do Evangelho, nos convida também a encaminhar-nos com o
coração para ver o menino que jaz na manjedoura. O sinal de Deus é a
simplicidade. O sinal de Deus é o menino. O sinal de Deus é que Ele faz-se
pequeno por nós. Este é o seu modo de reinar. Ele não vem com poder e
grandiosidades externas. Ele vem como menino - inerme e necessitado da nossa
ajuda. Não nos quer dominar com a força. Tira-nos o medo da sua grandeza. Ele
pede o nosso amor: por isto faz-se menino. Nada mais quer de nós senão o
nosso amor, mediante o qual aprendemos espontaneamente a entrar nos seus
sentimentos, no seu pensamento e na sua vontade - aprendemos a viver com
Ele e a praticar com Ele a humildade da renúncia que faz parte da essência do
amor. Deus fez-se pequeno a fim de que nós pudéssemos compreendê-Lo,
acolhê-Lo, amá-Lo. Os Padres da Igreja, na sua tradução grega do Antigo
Testamento, encontravam uma palavra do profeta Isaías que Paulo também cita
para mostrar como os novos caminhos de Deus já fossem anunciados no Antigo
Testamento. Assim se lia: “Deus tornou breve a sua Palavra, Ele abreviou-a” (Is
10,23; Rom 9,28). Os Padres interpretavam num duplo sentido. O mesmo Filho
é a Palavra, o Logos; a Palavra eterna fez-se pequena - tão pequena a ponto de
caber numa manjedoura. Fez-se menino, para que a Palavra possa ser
compreendida por nós. Assim, Deus nos ensina a amar os pequeninos. Assim
nos ensina a amar os frágeis. Deste modo, nos ensina a respeitar as crianças.
O menino de Belém dirige o nosso olhar a todas as crianças que sofrem e são
abusadas no mundo, os nascidos como não nascidos. Dirige-o a crianças que,
como soldados, são introduzidas num mundo de violência; a crianças que são

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

obrigadas a mendigar; a crianças que sofrem a miséria e a fome; a crianças que


não experimentam sequer amor. Nelas todas é o menino de Belém que nos
interpela; interpela-nos o Deus que se fez pequeno. Rezemos nesta noite, para
que o esplendor do amor de Deus acaricie todos estas crianças, e peçamos-lhe
que nos ajude a fazer o que podamos para que seja respeitada a dignidade das
crianças; para que desponte a luz do amor da qual mais precisa o homem, e não
das coisas materiais necessárias para viver. Com isto chegamos ao segundo
significado que os Padres encontraram na frase: “Ele abreviou-a”. A Palavra que
Deus nos comunica nos livros da Sagrada Escritura, ao longo dos tempos,
tornou-se extensa. Extensa e complicada não só para as pessoas simples e
analfabetas, mas inclusive muito mais para os entendidos de Sagrada Escritura,
para os doutos que, claramente, perdiam-se nas particularidades e nos
respectivos problemas, sem quase conseguir mais encontrar uma visão de
conjunto. Jesus «abreviou» a Palavra - fez-nos rever a sua mais profunda
simplicidade e unidade. Tudo aquilo que nos ensina a Lei e os profetas está
resumido - Ele diz - na palavra: “Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu
coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente [...] Amarás a teu próximo
como a ti mesmo” (Mt 22,37-40). Está tudo aí - toda a fé se resolve neste único
ato de amor que abraça Deus e os homens. Logo a seguir, porém, surgem as
perguntas: como podemos amar Deus com toda a nossa mente, se nos custa
encontrá-lo com a nossa capacidade metal? Como amá-Lo com todo o nosso
coração e a nossa alma, se este coração consegue entrevê-Lo só de longe e
contempla tantas coisas contraditórias no mundo que velam o seu rosto diante
de nós? Neste ponto se encontram os dois modos com os quais Deus «abreviou»
a sua Palavra. Ele não está mais longe. Não é mais desconhecido. Não é
inalcançável para o nosso coração. Fez-se menino por nós e, com isto, dissolveu
toda ambiguidade. Fez-se o nosso próximo, restabelecendo também deste modo
a imagem do homem que, com frequência, se nos revela tão pouco amável.
Deus, por nós, fez-se dom. Doou-se a si próprio. Perde tempo conosco. Ele, o
Eterno que supera o tempo, assumiu o tempo, atraiu a si próprio para o alto o
nosso tempo. O Natal veio a ser a festa dos dons para imitar Deus que por nós
doou-se a si próprio. Deixemos que o nosso coração, a nossa alma e a nossa
mente fiquem tocados por este fato! Entre os inúmeros dons que compramos e
recebemos não esqueçamos o verdadeiro dom: de doarmo-nos mutuamente
algo de nós próprios! De doarmo-nos mutuamente o nosso tempo. De abrir o
nosso tempo para Deus. Assim desvanece-se a agitação. Deste modo brota a
alegria, assim se cria a festa. E lembremos nos banquetes festivos destes dias
a palavra do Senhor: «Quando deres um banquete, não convides os que, por
sua vez, vão retribuir-te, mas convida os que não são convidados por ninguém
e não poderão convidar-te» (cf. Lc 14,12-14). Isto também significa
precisamente: Quando deres um presente de Natal não o faças só aos que, por
sua vez, te fazem presentes, mas fá-lo aos que não o recebem de ninguém e
que nada podem retribuir-te. Assim mesmo fez o Senhor: Ele nos convida ao seu
banquete de bodas que não podemos retribuir, que só podemos receber com

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

alegria. Imitemo-lo! Amemos a Deus e, por Ele, também ao homem, para depois
redescobrir a Deus, a partir dos homens, de um novo modo! Surge, enfim, ainda
um terceiro significado da afirmação sobre a Palavra feita “breve” e
“pequena”. Aos pastores foi dito que teriam encontrado o menino numa
manjedoura para animais, que eram os verdadeiros habitantes do estábulo.
Lendo Isaías (1,3) os Padres deduziram que junto à manjedoura de Belém
estavam um boi e um asno. Interpretaram assim o texto no sentido de que
haveria um símbolo dos judeus e dos pagãos - portanto, de toda a humanidade
- que, uns e outros, necessitam, ao seu modo, de um salvador: daquele Deus
que se fez menino. O homem, para viver, precisa de pão, do fruto da terra e do
seu trabalho. Mas não vive só de pão. Precisa de alimento para a sua alma:
precisa de um sentido que encha a sua vida. Por isto, segundo os Padres, a
manjedoura dos animais veio a ser o símbolo do altar, sobre o qual jaz o Pão
que é o mesmo Cristo: o verdadeiro alimento para os nossos corações. Uma vez
mais vemos como Ele se fez pequeno: na humilde aparência da hóstia, de um
pedacinho de pão, Ele se nos doa si próprio. De tudo isto nos diz o sinal que foi
dado aos pastores e que nos vem dado: o menino nos foi dado; o menino no
qual Deus se fez pequeno por nós. Rezemos ao Senhor para que nos dê a graça
de ver nesta noite o presépio com a simplicidade dos pastores, para receber
assim a alegria com a qual eles voltam para casa (cf. Lc 2,20). Peçamos que nos
dê a humildade e a fé com a qual São José contemplou o menino que Maria tinha
concebido pelo Espírito Santo. Peçamos que nos ajude a vê-Lo com aquele amor
com que Maria o contemplava. E, assim, peçamos porque a luz que viram os
pastores, também nos ilumine e que se cumpra em todo o mundo aquilo que os
anjos cantaram naquela noite: “Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na
terra aos homens por Ele amados”. Amém.

MENSAGEM URBI ET ORBI – 25 de Dezembro de 2006


“Salvator noster natus est in mundo” (Missal Romano)
“Hoje nasceu o nosso Salvador”!
Esta noite, uma vez mais, escutámos em nossas Igrejas este anúncio que,
apesar do transcurso dos séculos, mantém inalterado o seu fulgor. É anúncio
celestial que convida a não temer porque se manifestou “uma grande alegria que
será para todo o povo” (Lc 2,10). É anúncio de esperança porque dá a conhecer
que, naquela noite de mais de dois mil anos, “na cidade de David, nasceu-vos
um Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2,11). Então, aos pastores acampados
sobre as colinas de Belém e, hoje a nós, habitantes de todo este nosso mundo,
o Anjo do Natal repete: “Nasceu-vos hoje o Salvador; nasceu para vós! Vinde,
vinde para adorá-Lo!”. Mas, tem ainda algum valor e significado um “Salvador”
para o homem do terceiro milênio? Será ainda necessário um “Salvador” para o
homem que alcançou a Lua e Marte, e se dispõe a conquistar o universo; para o
homem que investiga indefinidamente os segredos da natureza e chega até
decifrar os códigos maravilhosos do genoma humano? Necessita de um
Salvador o homem que inventou a comunicação interativa, que navega no

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

oceano virtual da Internet e, graças às mais modernas tecnologias dos meios de


comunicação, já fez da Terra, esta grande casa comum, uma pequena aldeia
global? Apresenta-se confiante e autossuficiente artífice do próprio destino,
fabricante entusiasta de indiscutíveis sucessos este homem do vigésimo
primeiro século. Parece, mas não é assim. Nesta época de abundância e de
consumo desenfreado, ainda se morre de fome e de sede, de doença e de
pobreza. Ainda existe quem é servo, explorado e ofendido na sua dignidade;
quem é vítima do ódio racial e religioso, e é impedido, por intolerâncias e
discriminações, por intromissões políticas e coerções físicas e morais, de
professar livremente a própria fé. Há quem vê o próprio corpo e dos seus seres
queridos, especialmente crianças, destroçado pelo uso das armas, pelo
terrorismo e por todo o tipo de violência numa época em que se invoca e
proclama o progresso, a solidariedade e a paz para todos. Ou mais, que dizer
daquele que, privado de esperança, é obrigado a deixar a própria casa e a pátria
para encontrar noutra parte condições de vida dignas para o homem? Que fazer
para ajudar quem é enganado pelos falsos profetas de felicidade, quem é frágil
nas relações e incapaz de assumir responsabilidades estáveis para o próprio
presente e para o futuro, encontra-se percorrendo o túnel da solidão e, com
frequência, termina escravo do álcool e da droga? Que pensar de quem escolhe
a morte pensando de exaltar a vida? Como não pensar que, mesmo do fundo
desta humanidade satisfeita e desesperada, levanta-se um clamor aflitivo de
ajuda? É Natal: hoje entra no mundo “a luz verdadeira, que todo o homem
ilumina” (Jo 1,9). “O Verbo fez-Se carne e habitou entre nós” (Ib. 1,14), proclama
João evangelista. Hoje, precisamente hoje, Cristo vem novamente “entre os
Seus” e a quem o recebe dá “o poder de se tornar filho de Deus”; ou seja, oferece
a possibilidade de ver a glória divina e de compartilhar a alegria do Amor, que
em Belém fez-se carne por nós. Hoje mesmo, “o nosso Salvador nasceu no
mundo”, porque sabe que precisamos d’Ele. Não obstante as numerosas formas
de progresso, o ser humano permaneceu igual ao de sempre: uma liberdade
dividida entre bem e mal, entre vida e morte. É precisamente ali, no seu íntimo,
naquilo que a Bíblia chama de “coração”, donde ele tem sempre necessidade de
ser “salvo”. E, talvez, na época atual pós-moderna, tem ainda mais necessidade
de um Salvador, porque a sociedade em que vive tornou-se ainda mais
complexa, e mais enganosas tornaram-se as ameaças para a sua integridade
pessoal e moral. Quem pode defendê-lo senão Aquele que o ama, a ponto de
sacrificar na cruz o seu Filho unigênito como Salvador do mundo? “Salvator
noster”, Cristo é o Salvador, também do homem de hoje. Quem fará ressoar em
cada canto da Terra, de modo credível, esta mensagem de esperança? Quem
se empenhará a fim de que seja reconhecido, tutelado e promovido o bem
integral da pessoa humana, como condição da paz, respeitando cada homem e
cada mulher na própria dignidade? Quem ajudará a compreender que com boa
vontade, sensatez e moderação é possível evitar que os contenciosos se
agravem e, assim, levá-los a soluções justas? Conceda o divino Menino, Príncipe
da Paz, que se extingam aqueles focos de tensão que tornam incerto o futuro de

26
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

outras partes do mundo, tanto na Europa como na América Latina. “Salvator


noster”: esta é a nossa esperança; este é o anúncio que a Igreja faz ressoar
também neste Natal. Com a Encarnação, lembra o Concílio Vaticano II, o Filho
de Deus uniu-se de certa forma a cada homem (cf. Gaudium et Spes, 22). O
Natal é, pois, também o Natal do corpo, como observava o Pontífice São Leão
Magno. Em Belém nasceu o povo cristão, corpo místico de Cristo no qual cada
membro está unido intimamente ao outro por uma total solidariedade. O nosso
Salvador nasceu para todos. Devemos proclamá-lo não somente com palavras,
mas também com toda a nossa vida, dando ao mundo o testemunho de
comunidades unidas e abertas, nas quais reina a fraternidade e o perdão, a
acolhida e o serviço recíproco, a verdade, a justiça e o amor. Comunidade
salvada por Cristo. Esta é a verdadeira natureza da Igreja, que se nutre da sua
Palavra e do seu Corpo eucarístico. Só redescobrindo o dom recebido a Igreja
pode testemunhar a todos o Cristo Salvador; fá-lo-á com entusiasmo e ardor, no
pleno respeito de toda tradição cultural e religiosa; fá-lo-á com alegria sabendo
que Aquele que anuncia nada priva daquilo que é autenticamente humano, mas
leva-o ao seu completamento. Na verdade, Cristo vem somente para destruir o
mal: o pecado. O resto, todo o resto Ele eleva e aperfeiçoa. Cristo não nos salva
da nossa humanidade, mas através dela; não nos salva do mundo, mas veio no
mundo para que o mundo seja salvo por meio d’Ele (cf. Jo 3,17). Caros irmãos
e irmãs, onde quer que estejam, chegue a vós esta mensagem de alegria e de
esperança: Deus se fez homem em Jesus Cristo, nasceu da Virgem Maria e
renasce hoje na Igreja. É Ele quem traz para todos o amor do Pai celestial. É Ele
o Salvador do mundo! Não temam, abri vosso coração, acolhei-O, para que o
seu Reino de amor e de paz se torne herança comum de todos. Feliz Natal!

ANGELUS - Festa da Sagrada Família de Nazaré - 31 de Dezembro de 2006


Estimados irmãos e irmãs, neste último domingo do ano celebramos a festa da
Sagrada Família de Nazaré. É com alegria que dirijo uma saudação a todas as
famílias do mundo, desejando-lhes a paz e o amor que Jesus nos concedeu ao
vir no meio de nós no Natal. No Evangelho não encontramos discursos sobre a
família, mas uma admoestação que vale mais do que toda a palavra: Deus quis
nascer e crescer numa família humana. Deste modo consagrou-a como caminho
primário e efetivo do seu encontro com a humanidade. Na vida transcorrida em
Nazaré, Jesus honrou a Virgem Maria e o justo José, permanecendo submetido
à sua autoridade por todo o tempo da sua infância e adolescência (cf. Lc 2, 51-
52). Deste modo, lançou luz sobre o valor primordial da família na educação da
pessoa. De Maria e José, Jesus foi introduzido na comunidade religiosa,
frequentando a sinagoga de Nazaré. Com eles, aprendeu a fazer a peregrinação
a Jerusalém, como narra o trecho evangélico que a liturgia hodierna propõe à
nossa meditação. Quando tinha doze anos, permaneceu no Templo, e os seus
pais empregaram três dias para o encontrar. Com aquele gesto, fez-lhes
compreender que Ele se tinha de “ocupar das coisas do seu Pai”, ou seja, da
missão que o Pai lhe confiara (cf. Lc 2, 41-52). Este episódio evangélico revela

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

a mais autêntica e profunda vocação da família: isto é, a de acompanhar cada


um dos seus componentes pelo caminho da descoberta de Deus e do desígnio
que Ele lhe predispôs. Maria e José educaram Jesus, em primeiro lugar, com o
seu exemplo: nos seus pais, Ele conheceu toda a beleza da fé, do amor a Deus
e à sua Lei, assim como as exigências da justiça, que encontra o seu pleno
cumprimento no amor (cf. Rm 13, 10). Deles aprendeu que antes de tudo é
necessário realizar a vontade de Deus, e que o laço espiritual vale mais que o
vínculo do sangue. A Sagrada Família de Nazaré é verdadeiramente o “protótipo”
de cada família cristã que, unida no Sacramento do matrimónio e alimentada
pela Palavra e pela Eucaristia, é chamada a realizar a maravilhosa vocação e
missão de ser célula viva não apenas da sociedade, mas da Igreja, sinal e
instrumento de unidade para todo o género humano. Invoquemos agora,
juntamente com a proteção de Maria Santíssima e de São José para cada
família, de modo especial para as que estão em dificuldade. Que eles as
sustentem, a fim de que saibam resistir aos impulsos desagregadores de uma
certa cultura contemporânea, que debilita as próprias bases da instituição
familiar. Ajudem as famílias cristãs a serem, em todas as partes do mundo,
imagem viva do amor de Deus.

CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS VÉSPERAS – SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE


DE DEUS - 31 de Dezembro de 2006
Estimados irmãos e irmãs, estamos reunidos na Basílica do Vaticano para dar
graças ao Senhor no final do ano, e para entoar em conjunto o Te Deum.
Agradeço de coração a todos vós que quisestes unir-vos a mim numa
circunstância tão significativa. Saúdo em primeiro lugar os Senhores Cardeais,
os venerados Irmãos no Episcopado e no Presbiterado, os religiosos e as
religiosas, as pessoas consagradas e os numerosos fiéis leigos que representam
toda a comunidade eclesial de Roma. Nesta tarde de 31 de Dezembro
entrelaçam-se duas perspectivas diferentes: uma está vinculada ao fim do ano
civil, a outra à solenidade litúrgica de Maria Santíssima Mãe de Deus, que conclui
a oitava do Santo Natal. O primeiro evento é comum a todos, enquanto o
segundo é próprio dos fiéis. O seu entrelaçamento confere a esta celebração
vespertina uma índole singular, num particular clima espiritual que nos convida
à reflexão. O primeiro tema, muito sugestivo, está ligado à dimensão do tempo.
Nas últimas horas de cada ano solar assistimos à repetição de certos “ritos”
mundanos que, no contexto contemporâneo, se caracterizam
predominantemente pela diversão, vivida muitas vezes como evasão da
realidade, como que para exorcizar os seus aspectos negativos e para propiciar
uma sorte improvável. Como deve ser diferente a atitude da Comunidade cristã!
A Igreja é chamada a viver estas horas, tornando seus os sentimentos da Virgem
Maria. Juntamente com Ela, é convidada a conservar o seu olhar fixo no Menino
Jesus, novo Sol que surgiu no horizonte da humanidade e, confortada pela sua
luz, a ter o cuidado de lhe apresentar “as alegrias e as esperanças, as tristezas
e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

que sofrem” (Concílio Vaticano II, Constituição Gaudium et spes,1). Por


conseguinte, confrontam-se duas avaliações diferentes da dimensão do “tempo”,
uma quantitativa e outra qualitativa. Por um lado, o ciclo solar com os seus
ritmos; por outro, aquela que São Paulo denomina como "plenitude dos tempos"
(Gl 4, 4), ou seja, o momento culminante da história do universo e do género
humano, quando o Filho de Deus nasceu no mundo. O tempo das promessas
cumpriu-se e, quando a gravidez de Maria chegou ao seu fim, “a terra como
afirma um Salmo deu os seus frutos” (Sl 66, 7). A vinda do Messias, prenunciada
pelos Profetas, é o acontecimento qualitativamente mais importante de toda a
história, à qual confere o seu sentido último e completo. Não são as coordenadas
histórico-políticas que condicionam as opções de Deus, mas, ao contrário, é o
acontecimento da Encarnação que “preenche” a história de valor e de
significado. Nós, que vivemos dois mil anos depois de tal acontecimento,
podemos afirmá-lo, por assim dizer, também a posteriori, depois de
conhecermos toda a vicissitude de Jesus, até à sua morte e ressurreição. Nós
somos testemunhas da sua glória e, contemporaneamente, da sua humildade,
do valor imenso da sua vinda e do respeito infinito de Deus por nós homens e
pela nossa história. Ele não preencheu o tempo, inserindo-se nele do alto, mas
“a partir de dentro”, tornando-se pequenina semente para conduzir a
humanidade à sua plena maturidade. Este estilo de Deus fez com que se
tornasse necessário um longo período de preparação para chegar de Abraão a
Jesus Cristo, e que depois da vinda do Messias a história não terminasse, mas
continuasse o seu percurso, aparentemente igual, mas na realidade já visitada
por Deus e orientada rumo à segunda e definitiva vinda do Senhor, no final dos
tempos. De tudo isto é símbolo concreto, poderíamos dizer sacramento, a
maternidade de Maria, que um evento humano e, ao mesmo tempo, também
divino. No trecho da Carta aos Gálatas, que acabamos de ouvir, São Paulo
afirma: “Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher” (Gl 4, 4). Orígenes
comenta: “Observa bem, que não disse: nascido através de uma mulher, mas
sim: nascido de uma mulher” (Comentário à Carta aos Gálatas, PG 14, 1298).
Esta observação perspicaz do grande exegeta e escritor eclesiástico é
importante: com efeito, se o Filho de Deus tivesse nascido somente “através” de
uma mulher, na realidade não teria assumido a nossa humanidade, o que,
contudo, fez, tomando a carne “de” Maria. Portanto, a maternidade de Maria é
verdadeira e plenamente humana. Na expressão “Deus enviou o seu Filho,
nascido de mulher” encontra-se resumida a verdade fundamental sobre Jesus
como Pessoa divina, que assumiu completamente a nossa natureza humana.
Ele é o Filho de Deus, é gerado por Ele e, ao mesmo tempo, é Filho de uma
mulher, Maria. Ele provém dela. É de Deus e de Maria. Por isso, a Mãe de Jesus
pode e deve chamar-se Mãe de Deus. Este título, que em grego se diz
Theotókos, aparece talvez pela primeira vez precisamente na área de Alexandria
do Egito onde, na primeira metade do século III viveu o próprio Orígenes.
Contudo, ele foi definido dogmaticamente só dois séculos mais tarde, em 431,
pelo Concílio de Éfeso, cidade onde tive a alegria de ir em peregrinação há um

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

mês, durante a viagem apostólica à Turquia. Voltando a pensar exatamente


nesta visita inesquecível, como posso deixar de expressar toda a minha gratidão
filial à Santa Mãe de Deus, pela particular salvaguarda que me concedeu
naqueles dias de graça? Theotókos, Mãe de Deus: cada vez que recitamos a
Ave-Maria dirigimo-nos à Virgem com este título: suplicando-lhe que ore “por
nós, pecadores”. No final de um ano, sentimos a necessidade de invocar de
modo inteiramente especial a intercessão materna de Maria Santíssima pela
cidade de Roma, pela Itália, pela Europa e pelo mundo inteiro. A Ela, que é a
Mãe da Misericórdia encarnada, confiemos sobretudo as situações em que
somente a graça do Senhor pode trazer a paz, o alívio e a justiça. “Para Deus,
nada é impossível” (Lc 1, 37), disse à Virgem o Anjo que lhe anunciava a sua
maternidade divina. Maria acreditou e por isso é bem-aventurada (cf. Lc 1, 45).
O que é impossível para o homem, torna-se possível para aquele que crê (cf. Mt
9, 23). Portanto, enquanto se encerra o ano de 2006 e já se entrevê a aurora de
2007, peçamos à Mãe de Deus que nos obtenha o dom de uma fé amadurecida:
gostaríamos que esta fé se assemelhasse na medida do possível à sua, uma fé
límpida, genuína, humilde e ao mesmo tempo corajosa, impregnada de
esperança e de entusiasmo pelo Reino de Deus, uma fé separada de todo o
fatalismo e totalmente orientada para cooperar em plena e jubilosa obediência à
vontade divina, certeza absoluta de que Deus só deseja amor e vida, sempre e
para todos. Obtém-nos, ó Maria, uma fé autêntica e pura. Que Tu sejas sempre
agradecida e abençoada, Santa Mãe de Deus. Amém!

SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR – 24 de dezembro de 2009


Amados irmãos e irmãs, “Um Menino nasceu para nós, um filho nos foi
concedido” (Is 9, 5). Aquilo que Isaías, olhando de longe para o futuro, diz a Israel
como consolação nas suas angústias e obscuridade, o Anjo, de quem emana
uma nuvem de luz, anuncia-o aos pastores como presente: “Nasceu-vos hoje,
na cidade de David, um Salvador, que é o Messias Senhor” (Lc 2, 11). O Senhor
está presente. Desde então, Deus é verdadeiramente um “Deus conosco”. Já
não é o Deus distante, que, através da criação e por meio da consciência, se
pode de algum modo intuir de longe. Ele entrou no mundo. É o Vizinho. Disse-o
Cristo ressuscitado aos Seus, a nós: “Eu estou sempre convosco, até ao fim dos
tempos” (Mt 28, 20). Nasceu para vós o Salvador: aquilo que o Anjo anunciou
aos pastores, Deus no-lo recorda agora por meio do Evangelho e dos seus
mensageiros. Trata-se de uma notícia que não nos pode deixar indiferentes. Se
é verdadeira, mudou tudo. Se é verdadeira, diz respeito a mim também. Então,
como os pastores, devo dizer também eu: Levantemo-nos, quero ir a Belém e
ver a Palavra que aconteceu lá. Não é sem intuito que o Evangelho nos narra a
história dos pastores. Estes mostram-nos o modo justo como responder àquela
mensagem que nos é dirigida também a nós. Que nos dizem então estas
primeiras testemunhas da encarnação de Deus? A respeito dos pastores, diz-se
em primeiro lugar que eram pessoas vigilantes e que a mensagem pôde chegar
até eles precisamente porque estavam acordados. Nós temos de despertar, para

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

que a mensagem chegue até nós. Devemos tornar-nos pessoas


verdadeiramente vigilantes. Que significa isto? A diferença entre um que sonha
e outro que está acordado consiste, antes de mais nada, no facto de aquele que
sonha se encontrar num mundo particular. Ele está, com o seu eu, fechado neste
mundo do sonho que é apenas dele e não o relaciona com os outros. Acordar
significa sair desse mundo particular do eu e entrar na realidade comum, na
única verdade que a todos une. O conflito no mondo, a recíproca
inconciliabilidade derivam do facto de estarmos fechados nos nossos próprios
interesses e opiniões pessoais, no nosso próprio e minúsculo mundo privado. O
egoísmo, tanto do grupo como do indivíduo, mantém-nos prisioneiros dos nossos
interesses e desejos, que contrastam com a verdade e dividem-nos uns dos
outros. Acordai: diz-nos o Evangelho. Vinde para fora, a fim de entrar na grande
verdade comum, na comunhão do único Deus. Acordar significa, portanto,
desenvolver a sensibilidade para com Deus, para com os sinais silenciosos pelos
quais Ele quer guiar-nos, para com os múltiplos indícios da sua presença. Há
pessoas que se dizem “religiosamente desprovidas de ouvido musical”. A
capacidade de perceber Deus parece quase uma qualidade que é recusada a
alguns. E, realmente, a nossa maneira de pensar e agir, a mentalidade do mundo
atual, a gama das nossas diversas experiências parecem talhadas para reduzir
a nossa sensibilidade a Deus, para nos tornar «desprovidos de ouvido musical»
a respeito d’Ele. E, todavia, em cada alma está presente de maneira velada ou
patente a expectativa de Deus, a capacidade de O encontrar. A fim de obter esta
vigilância, este despertar para o essencial, queremos rezar, por nós mesmos e
pelos outros, por quantos parecem ser “desprovidos deste ouvido musical” e,
contudo, neles está vivo o desejo de que Deus Se manifeste. O grande teólogo
Orígenes disse: “Se eu tivesse a graça de ver como viu Paulo, poderia agora
(durante a Liturgia) contemplar um falange imensa de Anjos” (cf. In Lc 23, 9). De
facto, na Liturgia sagrada, rodeiam-nos os Anjos de Deus e os Santos. O próprio
Senhor está presente no meio de nós. Senhor, abri os olhos dos nossos
corações, para nos tornarmos vigilantes e videntes e assim podermos estender
a vossa proximidade também aos outros! Voltemos ao Evangelho de Natal. Aí
se narra que os pastores, depois de ter ouvido a mensagem do Anjo, disseram
uns para os outros: “Vamos até Belém” (…). Partiram então a toda a pressa” (Lc
2, 15s). “Apressaram-se”: diz, literalmente, o texto grego. O que lhes fora
anunciado era tão importante que deviam ir imediatamente. Com efeito, o que
lhes fora dito ultrapassava totalmente aquilo a que estavam habituados. Mudava
o mundo. Nasceu o Salvador. O esperado Filho de Davi veio ao mundo na sua
cidade. Que podia haver de mais importante? Impelia-os certamente a
curiosidade, mas sobretudo o alvoroço pela realidade imensa que fora
comunicada precisamente a eles, os pequenos e homens aparentemente
irrelevantes. Apressaram-se… sem demora. Na nossa vida ordinária, as coisas
não acontecem assim. A maioria dos homens não considera prioritárias as coisas
de Deus. Estas não nos premem de forma imediata. E assim nós, na grande
maioria, estamos prontos a adiá-las. Antes de tudo faz-se aquilo que se

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

apresenta como urgente aqui e agora. No elenco das prioridades, Deus


encontra-Se frequentemente quase no último lugar. Isto – pensa-se – poder-se-
á realizar sempre. O Evangelho diz-nos: Deus tem a máxima prioridade. Se
alguma coisa na nossa vida merece a nossa pressa sem demora, isso só pode
ser a causa de Deus. Diz uma máxima da Regra de São Bento: “Nada antepor à
obra de Deus (isto é, ao ofício divino)”. Para os monges, a Liturgia é a primeira
prioridade; tudo o mais vem depois. Mas, no seu núcleo, esta frase vale para
todo o homem. Deus é importante, a realidade absolutamente mais importante
da nossa vida. É precisamente esta prioridade que nos ensinam os pastores.
Deles queremos aprender a não nos deixar esmagar por todas as coisas
urgentes da vida de cada dia. Deles queremos aprender a liberdade interior de
colocar em segundo plano outras ocupações – por mais importantes que sejam
– a fim de nos encaminharmos para Deus, a fim de O deixarmos entrar na nossa
vida e no nosso tempo. O tempo empregue para Deus e, a partir d’Ele, para o
próximo nunca é tempo perdido. É o tempo em que vivemos de verdade, em que
vivemos o ser próprio de pessoas humanas. Alguns comentadores observam
como os primeiros que vieram ao pé de Jesus na manjedoura e puderam
encontrar o Redentor do mundo foram os pastores, as almas simples. Os sábios
vindos do Oriente, os representantes daqueles que possuem nível e nome
chegaram muito mais tarde. E os comentadores acrescentam: O motivo é
totalmente óbvio. De facto, os pastores habitavam perto. Não tinham de fazer
mais nada senão “atravessar” (cf. Lc 2, 15), como se atravessa um breve espaço
para ir ter com os vizinhos. Ao contrário, os sábios habitavam longe. Tinham de
percorrer um caminho longo e difícil para chegar a Belém. E precisavam de guia
e de orientação. Pois bem, hoje também existem almas simples e humildes que
habitam muito perto do Senhor. São, por assim dizer, os seus vizinhos e podem
facilmente ir ter com Ele. Mas a maior parte de nós, homens modernos, vive
longe de Jesus Cristo, d’Aquele que Se fez homem, de Deus que veio para o
nosso meio. Vivemos em filosofias, em negócios e ocupações que nos enchem
totalmente e a partir dos quais o caminho para a manjedoura é muito longo. De
variados modos e repetidamente, Deus tem de nos impelir e dar uma mão para
podermos sair da enrodilhada dos nossos pensamentos e ocupações e
encontrar o caminho para Ele. Mas há um caminho para todos. Para todos, o
Senhor estabelece sinais adequados a cada um. Chama-nos a todos, para que
nos seja possível também dizer: Levantemo-nos, «atravessemos», vamos a
Belém, até junto d’Aquele Deus que veio ao nosso encontro. Sim, Deus
encaminhou-Se para nós. Sozinhos, não poderíamos chegar até Ele. O caminho
supera as nossas forças. Mas Deus desceu. Vem ao nosso encontro. Percorreu
a parte mais longa do caminho. Agora pede-nos: Vinde e vede quanto vos amo.
Vinde e vede que Eu estou aqui. Transeamus usque Bethleem: diz a Bíblia latina.
Atravessemos para o outro lado! Ultrapassemo-nos a nós mesmos! Façamo-nos
viandantes rumo a Deus dos mais variados modos: sentindo-nos interiormente a
caminho para Ele; mas também em caminhos muito concretos, como na Liturgia
da Igreja, no serviço do próximo onde Cristo me espera. Ouçamos uma vez mais

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

diretamente o Evangelho. Os pastores dizem uns aos outros o motivo por que
se põem a caminho: “Vamos ver o que dizem ter sucedido”. Literalmente o texto
grego diz: “Vejamos esta Palavra, que lá aconteceu”. Sim, aqui está a novidade
desta noite: a Palavra pode ser vista, porque Se fez carne. Aquele Deus de quem
não se deve fazer qualquer imagem, porque toda a imagem poderia apenas
reduzi-Lo, antes desvirtuá-Lo, aquele Deus tornou-Se, Ele mesmo, visível
n’Aquele que é a sua verdadeira imagem, como diz Paulo (cf. 2 Cor 4, 4; Col 1,
15). Na figura de Jesus Cristo, em todo o seu viver e operar, no seu morrer e
ressuscitar, podemos ver a Palavra de Deus e, consequentemente, o próprio
mistério do Deus vivo. Deus é assim. O Anjo dissera aos pastores: “Isto vos
servirá de sinal: achareis um Menino envolto em panos e deitado numa
manjedoura” (Lc 2, 12; cf. 16). O sinal de Deus, o sinal que é dado aos pastores
e a nós não é um milagre impressionante. O sinal de Deus é a sua humildade. O
sinal de Deus é que Ele Se faz pequeno; torna-Se menino; deixa-Se tocar e pede
o nosso amor. Quanto desejaríamos nós, homens, um sinal diverso, imponente,
irrefutável do poder de Deus e da sua grandeza! Mas o seu sinal convida-nos à
fé e ao amor e assim nos dá esperança: assim é Deus. Ele possui o poder e é a
Bondade. Convida a tornarmo-nos semelhantes a Ele. Sim, tornamo-nos
semelhantes a Deus, se nos deixarmos plasmar por este sinal; se aprendermos,
nós mesmos, a humildade e deste modo a verdadeira grandeza; se
renunciarmos à violência e usarmos apenas as armas da verdade e do amor.
Orígenes, na linha de uma palavra de João Baptista, viu expressa a essência do
paganismo no símbolo das pedras: paganismo é falta de sensibilidade, significa
um coração de pedra, que é incapaz de amar e de perceber o amor de Deus.
Orígenes diz a respeito dos pagãos: “Desprovidos de sentimento e de razão,
transformam-se em pedras e madeira” (In Lc 22, 9). Mas Cristo quer dar-nos um
coração de carne. Quando O vemos a Ele, ao Deus que Se tornou um menino,
abre-se-nos o coração. Na Liturgia da Noite Santa, Deus vem até nós como
homem, para nos tornarmos verdadeiramente humanos. Escutemos uma vez
mais Orígenes: “Com efeito, de que te aproveitaria Cristo ter vindo uma vez na
carne, se Ele não chegasse até à tua alma? Oremos para que venha diariamente
a nós e possamos dizer: vivo, contundo já não sou eu que vivo, mas é Cristo que
vive em mim (Gal 2, 20)” (In Lc 22, 3). Sim, por isto queremos rezar nesta Noite
Santa. Senhor Jesus Cristo, Vós que nascestes em Belém, vinde a nós! Entrai
em mim, na minha alma. Transformai-me. Renovai-me. Fazei que eu e todos
nós, de pedra e madeira que somos, nos tornemos pessoas vivas, nas quais se
torna presente o vosso amor e o mundo é transformado.

MENSAGEM URBI ET ORBI – 25 de Dezembro de 2009


Queridos irmãos e irmãs de Roma e do mundo inteiro, e vós todos, homens e
mulheres amados pelo Senhor! “Lux fulgebit hodie super nos, quia natus est
nobis Dominus. - Hoje sobre nós resplandecerá uma luz porque nasceu para nós
o Senhor” (Missal Romano: Antífona de Entrada, da Missa da Aurora no Natal
do Senhor). A liturgia da Missa da Aurora lembrou-nos que a noite já passou, o

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

dia vai alto; a luz que provém da gruta de Belém resplandece sobre nós. Todavia
a Bíblia e a Liturgia não nos falam da luz natural, mas de uma luz diversa,
especial, de algum modo apontada e orientada para um “nós”, o mesmo “nós”
para quem o Menino de Belém “nasceu”. Este “nós” é a Igreja, a grande família
universal dos que acreditam em Cristo, que aguardaram com esperança o novo
nascimento do Salvador e hoje celebram no mistério a perene atualidade deste
acontecimento. Ao princípio, ao redor da manjedoura de Belém, aquele “nós” era
quase invisível aos olhos dos homens. Como nos diz o Evangelho de São Lucas,
englobava, para além de Maria e José, poucos e humildes pastores que
acorreram à gruta avisados pelos Anjos. A luz do primeiro Natal foi como um
fogo aceso na noite. À volta tudo estava escuro, enquanto na gruta resplandecia
a luz verdadeira «que ilumina todo o homem» (Jo 1, 9). E, no entanto, tudo
acontece na simplicidade e ocultamente, segundo o estilo com que Deus atua
em toda a história da salvação. Deus gosta de acender luzes circunscritas, para
iluminarem depois ao longe e ao largo. A Verdade e também o Amor, que são o
seu conteúdo, acendem-se onde a luz é acolhida, difundindo-se depois em
círculos concêntricos, quase por contacto, nos corações e mentes de quantos,
abrindo-se livremente ao seu esplendor, se tornam por sua vez fontes de luz. É
a história da Igreja que inicia o seu caminho na pobre gruta de Belém e, através
dos séculos, se torna Povo e fonte de luz para a humanidade. Também hoje, por
meio daqueles que vão ao encontro do Menino, Deus ainda acende fogueiras na
noite do mundo para convidar os homens a reconhecerem em Jesus o “sinal” da
sua presença salvífica e libertadora e estender o “nós” dos crentes em Cristo à
humanidade inteira. Onde quer que haja um “nós” que acolhe o amor de Deus,
aí resplandece a luz de Cristo, mesmo nas situações mais difíceis. A Igreja, como
a Virgem Maria, oferece ao mundo Jesus, o Filho, que Ela própria recebeu em
dom e que veio para libertar o homem da escravidão do pecado. Como Maria, a
Igreja não tem medo, porque aquele Menino é a sua força. Mas, não O guarda
para si: oferece-O a quantos O procuram de coração sincero, aos humildes da
terra e aos aflitos, às vítimas da violência, a quantos suspiram pelo bem da paz.
Também hoje, à família humana profundamente marcada por uma grave crise,
certamente econômica mas antes ainda moral, e por dolorosas feridas de
guerras e conflitos, a Igreja, com o estilo da partilha e da fidelidade ao homem,
repete com os pastores: “Vamos até Belém” (Lc 2, 15), lá encontraremos a nossa
esperança. O “nós” da Igreja vive no território onde Jesus nasceu, na Terra
Santa, para convidar os seus habitantes a abandonarem toda a lógica de
violência e represália e a comprometerem-se com renovado vigor e
generosidade no caminho para uma convivência pacífica. O “nós” da Igreja está
presente nos outros países do Médio Oriente. Como não pensar na atribulada
situação do Iraque e no “pequenino rebanho” de cristãos que vive na região? Às
vezes sofre violências e injustiças, mas está sempre disposto a oferecer a sua
própria contribuição para a edificação da convivência civil contrária à lógica do
conflito e rejeição do vizinho. O “nós” da Igreja atua no Sri Lanka, na Península
Coreana e nas Filipinas, e ainda noutras terras asiáticas, como fermento de

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

reconciliação e de paz. No continente africano, não cessa de erguer a voz até


Deus para implorar o fim de toda a prepotência na República Democrática do
Congo; convida os cidadãos da Guiné e do Níger ao respeito dos direitos de
cada pessoa e ao diálogo; aos de Madagáscar pede para superarem as divisões
internas e acolherem-se reciprocamente; a todos lembra que são chamados à
esperança, não obstante os dramas, provações e dificuldades que continuam a
afligi-los. Na Europa e na América do Norte, o “nós” da Igreja incita a superar a
mentalidade egoísta e tecnicista, a promover o bem comum e a respeitar as
pessoas mais débeis, a começar daquelas ainda por nascer. Nas Honduras,
ajuda a retomar o caminho institucional; em toda a América Latina, o “nós” da
Igreja é fator de identidade, plenitude de verdade e caridade que nenhuma
ideologia pode substituir, apelo ao respeito dos direitos inalienáveis de cada
pessoa e ao seu desenvolvimento integral, anúncio de justiça e fraternidade,
fonte de unidade. Fiel ao mandato do seu Fundador, a Igreja é solidária com
aqueles que são atingidos pelas calamidades naturais e pela pobreza, mesmo
nas sociedades opulentas. Frente ao êxodo de quantos emigram da sua terra e
são arremessados para longe pela fome, a intolerância ou a degradação
ambiental, a Igreja é uma presença que chama ao acolhimento. Numa palavra,
a Igreja anuncia por toda a parte o Evangelho de Cristo, apesar das
perseguições, as discriminações, os ataques e a indiferença, por vezes hostil,
mas que lhe consentem de partilhar a sorte do seu Mestre e Senhor. Queridos
irmãos e irmãs, que grande dom é fazer parte de uma comunhão que é para
todos! É a comunhão da Santíssima Trindade, de cujo seio desceu ao mundo o
Emanuel, Jesus, Deus-conosco. Como os pastores de Belém, contemplamos
cheios de maravilha e gratidão este mistério de amor e de luz! Boas-festas de
Natal para todos!

ANGELUS - Festa da Sagrada Família de Nazaré - 27 de Dezembro de 2009


Queridos irmãos e irmãs! Celebra-se hoje o domingo da Sagrada Família.
Podemos ainda identificar-nos com os pastores de Belém que, logo que
receberam o anúncio do anjo, acorreram apressadamente à gruta e encontraram
“Maria e José, e o Menino deitado na manjedoura” (Lc 2, 16). Detenhamo-nos
também nós a contemplar este cenário, e reflitamos sobre o seu significado. As
primeiras testemunhas do nascimento de Cristo, os pastores, encontraram-se
diante não só do Menino Jesus, mas de uma pequena família: mãe, pai e filho
recém-nascido. Deus quis revelar-se nascendo numa família humana, e por isso
a família humana tornou-se ícone de Deus! Deus é Trindade, é comunhão de
amor, e a família é, com toda a diferença que existe entre o Mistério de Deus e
a sua criatura humana, uma expressão que reflete o Mistério insondável do Deus
amor. O homem e a mulher, criados à imagem de Deus, tornam-se no
matrimónio “uma única carne” (Gn 2, 24), isto é, uma comunhão de amor que
gera vida nova. A família humana, num certo sentido, é ícone da Trindade pelo
amor interpessoal e pela fecundidade do amor. A liturgia de hoje propõe o
célebre episódio evangélico de Jesus aos 12 anos que permanece no Templo,

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

em Jerusalém, sem que os seus pais o soubessem, os quais, admirados e


preocupados, ali o encontram depois de três dias que discute com os doutores.
Quando a mãe lhe pede explicações, Jesus responde que deve “estar na
propriedade”, na casa do seu Pai, isto é, de Deus (cf. Lc 2, 49). Neste episódio
o jovem Jesus demonstra-se cheio de zelo por Deus e pelo Templo.
Perguntemos: de quem tinha aprendido Jesus o amor pelas “coisas” de seu Pai?
Certamente como filho teve um conhecimento íntimo do seu Pai, de Deus, uma
profunda relação pessoal e permanente com Ele, mas, na sua cultura concreta,
aprendeu com certeza dos seus pais as orações, o amor pelo Templo e pelas
Instituições de Israel. Portanto, podemos afirmar que a decisão de Jesus de
permanecer no Templo era sobretudo fruto da sua relação íntima com o Pai, mas
também fruto da educação recebida de Maria e de José. Podemos entrever nisto
o sentido autêntico da educação cristã: ela é o fruto de uma colaboração que se
deve procurar sempre entre os educadores e Deus. A família cristã está
consciente de que os filhos são dom e projeto de Deus. Portanto, não os
podemos considerar como posse pessoal, mas, servindo neles o desígnio de
Deus, é chamada a educá-los na maior liberdade, que é precisamente a de dizer
“sim” a Deus para fazer a sua vontade. A Virgem Maria é deste “sim” o exemplo
perfeito. A ela confiamos todas as famílias, rezando sobretudo pela sua preciosa
missão educativa. E dirijo-me agora, em espanhol, a quantos participam na festa
da Sagrada Família em Madrid. Saúdo cordialmente os pastores e fiéis reunidos
em Madrid para celebrar com alegria a Sagrada Família e Nazaré. Como não
recordar o verdadeiro significado desta festa? Deus, que veio ao mundo no seio
de uma família, manifesta que esta instituição é caminho certo para o encontrar
e conhecer, assim como uma chamada permanente para trabalhar pela unidade
de todos em redor do amor. Portanto, um dos maiores serviços que nós, cristãos,
podemos prestar aos nossos semelhantes é oferecer-lhes o nosso testemunho
sereno e firme da família fundada no matrimónio entre um homem e uma mulher,
salvaguardando-a e promovendo-a, porque ela é de máxima importância para o
presente e para o futuro da humanidade. De facto, a família é a melhor escola
na qual se aprende a viver aqueles valores que dignificam a pessoa e tornam
grandes os povos. Nela também se partilham os sofrimentos e as alegrias,
sentindo-se todos protegidos pelo carinho que reina em casa pelo simples facto
de ser membros da mesma família. Peço a Deus que nos vossos lares se respire
sempre este amor de entrega e fidelidade total que Jesus trouxe ao mundo com
o seu nascimento, alimentando-o e fortalecendo-o com a oração quotidiana, a
prática constante das virtudes, a compreensão recíproca e o respeito mútuo.
Portanto, estimulo-vos a que vos dediqueis incansavelmente a esta bonita
missão que o Senhor vos recomendou, confiando na materna intercessão de
Maria Santíssima, Rainha das Famílias, e na poderosa proteção de São José,
seu esposo. Contai também com a minha proximidade e afeto, e peço-vos que
leveis uma saudação especial do Papa aos vossos queridos mais necessitados
ou que se encontrem em dificuldade. Abençoo-vos a todos de coração.

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS VÉSPERAS – SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE


DE DEUS - 31 de Dezembro de 2009
Caros irmãos e irmãs, no final de um ano rico de acontecimentos para a Igreja e
para o mundo, encontramo-nos esta tarde na Basílica Vaticana para celebrar as
primeiras Vésperas da Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus e para
elevar um hino de ação de graças ao Senhor do tempo e da história. São antes
de tudo as palavras do Apóstolo Paulo, que acabamos de ouvir, que lançam uma
luz particular sobre a conclusão do ano: “Quando chegou a plenitude dos
tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher... para que recebêssemos
a adoção de filhos” (Gl 4, 4-5). O denso trecho paulino fala-nos da “plenitude dos
tempos” e ilumina-nos sobre o conteúdo de tal expressão. Na história da família
humana, Deus quis introduzir o seu Verbo eterno, fazendo-o assumir uma
humanidade como a nossa. Mediante a encarnação do Filho de Deus, a
eternidade entrou no tempo e a história do homem abriu-se ao cumprimento no
absoluto de Deus. O tempo foi – por assim dizer – “tocado” por Cristo, o Filho de
Deus e de Maria, e dele recebeu significados novos surpreendentes: tornou-se
tempo de salvação e de graça. Precisamente nesta perspectiva temos que
considerar o tempo do ano que termina e daquele que começa, para colocar as
mais diferenciadas vicissitudes da nossa vida – importantes ou pequenas,
simples ou indecifráveis, jubilosas ou tristes – sob o sinal da salvação e
responder à chamada que Deus nos dirige para nos levar rumo a uma meta que
se encontra para além do próprio tempo: a eternidade. O texto paulino quer
sublinhar também o mistério da proximidade de Deus à humanidade inteira. É
proximidade própria do mistério do Natal: Deus faz-se homem, e ao homem é
oferecida a possibilidade inaudita de ser filho de Deus. Tudo isto nos enche de
grande alegria e nos leva a elevar o louvor a Deus. Somos chamados a dizer
com a voz, o coração e a vida o nosso “obrigado” a Deus pelo dom do Filho,
fonte e cumprimento de todas as outras dádivas com que o amor divino cumula
a existência de cada um de nós, das famílias, das comunidades, da Igreja e do
mundo. O canto do Te Deum, que hoje ressoa nas Igrejas de todas as regiões
da terra, quer ser um sinal da jubilosa ação de graças que dirigimos a Deus por
tudo aquilo que nos ofereceu em Cristo. Verdadeiramente, “é da sua plenitude
que todos nós recebemos graça sobre graça” (Jo 1, 16). Seguindo uma feliz
tradição, esta tarde juntamente convosco gostaria de agradecer ao Senhor, em
particular, as graças superabundantes concedidas à nossa comunidade
diocesana de Roma ao longo do ano que está a chegar ao fim. Só contemplando
o mistério do Verbo encarnado, o homem pode encontrar a resposta às grandes
interrogações da existência humana e descobrir assim a verdade sobre a sua
própria identidade. Por isso a Igreja, no mundo inteiro e também aqui na Urbe,
está comprometida em promover o desenvolvimento integral da pessoa humana.
Para ser testemunha autorizada da verdade sobre o homem é necessária uma
escuta orante da Palavra de Deus. A este propósito, desejo sobretudo
recomendar a antiga tradição da lectio divina. As paróquias e as diferentes
realidades eclesiais, também graças ao subsídio preparado pelo Vicariato,
37
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

poderão promover utilmente esta prática antiga, de maneira que ela se torne uma
parte essencial da pastoral ordinária. A Palavra acreditada, anunciada e vivida
impele-nos a comportamentos de solidariedade e de partilha. Ao louvar o Senhor
pela ajuda que as comunidades cristãs souberam oferecer com generosidade a
quantos bateram às suas portas, desejo encorajar todos a dar continuidade ao
compromisso de aliviar as dificuldades em que se encontram hoje numerosas
famílias provadas pela crise económica e pelo desemprego. O Natal do Senhor,
que nos recorda a gratuidade com que Deus veio para nos salvar, assumindo a
nossa humanidade e doando-nos a sua vida divina, possa ajudar todos os
homens de boa vontade a compreender que o agir humano muda, transforma-
se, tornando-se fermento de um futuro melhor para todos unicamente abrindo-
se ao amor de Deus. Caros irmãos e irmãs, Roma tem necessidade de
sacerdotes que sejam anunciadores corajosos do Evangelho e, ao mesmo
tempo, revelem o rosto misericordioso do Pai. Convido os jovens a não ter medo
de responder com o dom completo da sua existência à chamada que o Senhor
lhes dirige a segui-lo no caminho do sacerdócio ou da vida consagrada. Desejo
desde já que o encontro do próximo dia 25 de Março, 25º aniversário da
instituição da Jornada Mundial da Juventude e 10º aniversário daquela
inesquecível que foi celebrada em Tor Vergata, constitua para todas as
comunidades paroquiais e religiosas, para os movimentos e as associações, um
importante momento de reflexão e de invocação para obter do Senhor o dom de
numerosas vocações ao sacerdócio e à vida consagrada. Enquanto nos
despedimos do ano que termina, e nos encaminhamos rumo ao novo, a liturgia
hodierna introduz-nos na Solenidade de Maria Santíssima, Mãe de Deus. A
Virgem Santa é Mãe da Igreja e Mãe de cada um dos seus membros, ou seja,
Mãe de cada um de nós, em Cristo. Peçamos-lhe que nos acompanhe com a
sua salvaguarda atenciosa, hoje e sempre, a fim de que um dia Cristo nos acolha
na sua glória, na assembleia dos Santos: Aeterna fac cum sanctis tuis in gloria
numerari. Aleluia! Amém.

SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR – 24 de dezembro de 2012


Amados irmãos e irmãs! A beleza deste Evangelho não cessa de tocar o nosso
coração: uma beleza que é esplendor da verdade. Não cessa de nos comover o
facto de Deus Se ter feito menino, para que nós pudéssemos amá-Lo, para que
ousássemos amá-Lo, e, como menino, Se coloca confiadamente nas nossas
mãos. Como se dissesse: Sei que o meu esplendor te assusta, que à vista da
minha grandeza procuras impor-te a ti mesmo. Por isso venho a ti como menino,
para que Me possas acolher e amar. Sempre de novo me toca também a palavra
do evangelista, dita quase de fugida, segundo a qual não havia lugar para eles
na hospedaria. Inevitavelmente se põe a questão de saber como reagiria eu, se
Maria e José batessem à minha porta. Haveria lugar para eles? E recordamos
então que esta notícia, aparentemente casual, da falta de lugar na hospedaria
que obriga a Sagrada Família a ir para o estábulo, foi aprofundada e referida na
sua essência pelo evangelista João nestes termos: “Veio para o que era Seu, e

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

os Seus não O acolheram” (Jo 1, 11). Deste modo, a grande questão moral sobre
o modo como nos comportamos com os prófugos, os refugiados, os imigrantes,
ganha um sentido ainda mais fundamental: Temos verdadeiramente lugar para
Deus, quando Ele tenta entrar em nós? Temos tempo e espaço para Ele?
Porventura não é ao próprio Deus que rejeitamos? Isto começa pelo facto de não
termos tempo para Deus. Quanto mais rapidamente nos podemos mover, quanto
mais eficazes se tornam os meios que nos fazem poupar tempo, tanto menos
tempo temos disponível. E Deus? O que diz respeito a Ele nunca parece uma
questão urgente. O nosso tempo já está completamente preenchido. Mas
vejamos o caso ainda mais em profundidade. Deus tem verdadeiramente um
lugar no nosso pensamento? A metodologia do nosso pensamento está
configurada de modo que, no fundo, Ele não deva existir. Mesmo quando parece
bater à porta do nosso pensamento, temos de arranjar qualquer raciocínio para
O afastar; o pensamento, para ser considerado «sério», deve ser configurado de
modo que a «hipótese Deus» se torne supérflua. E também nos nossos
sentimentos e vontade não há espaço para Ele. Queremo-nos a nós mesmos,
queremos as coisas que se conseguem tocar, a felicidade que se pode
experimentar, o sucesso dos nossos projetos pessoais e das nossas intenções.
Estamos completamente “cheios” de nós mesmos, de tal modo que não resta
qualquer espaço para Deus. E por isso não há espaço sequer para os outros,
para as crianças, para os pobres, para os estrangeiros. A partir duma frase
simples como esta sobre o lugar inexistente na hospedaria, podemos dar-nos
conta da grande necessidade que há desta exortação de São Paulo:
“Transformai-vos pela renovação da vossa mente” (Rm 12, 2). Paulo fala da
renovação, da abertura do nosso intelecto (nous); fala, em geral, do modo como
vemos o mundo e a nós mesmos. A conversão, de que temos necessidade, deve
chegar verdadeiramente até às profundezas da nossa relação com a realidade.
Peçamos ao Senhor para que nos tornemos vigilantes quanto à sua presença,
para que ouçamos como Ele bate, de modo suave, mas insistente, à porta do
nosso ser e da nossa vontade. Peçamos para que se crie, no nosso íntimo, um
espaço para Ele e possamos, deste modo, reconhecê-Lo também naqueles sob
cujas vestes vem ter conosco: nas crianças, nos doentes e abandonados, nos
marginalizados e pobres deste mundo. Na narração do Natal, há ainda outro
ponto que gostava de refletir juntamente convosco: o hino de louvor que os anjos
entoam depois de anunciar o Salvador recém-nascido: “Glória a Deus nas
alturas, e paz na terra aos homens do seu agrado”. Deus é glorioso. Deus é pura
luz, esplendor da verdade e do amor. Ele é bom. É o verdadeiro bem, o bem por
excelência. Os anjos que O rodeiam transmitem, primeiro, a pura e simples
alegria pela percepção da glória de Deus. O seu canto é uma irradiação da
alegria que os inunda. Nas suas palavras, sentimos, por assim dizer, algo dos
sons melodiosos do céu. No canto, não está subjacente qualquer pergunta sobre
a finalidade; há simplesmente o facto de transbordarem da felicidade que deriva
da percepção do puro esplendor da verdade e do amor de Deus. Queremos
deixar-nos tocar por esta alegria: existe a verdade; existe a pura bondade; existe

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

a luz pura. Deus é bom; Ele é o poder supremo que está acima de todos os
poderes. Nesta noite, deveremos simplesmente alegrar-nos por este facto,
juntamente com os anjos e os pastores. E, com a glória de Deus nas alturas,
está relacionada a paz na terra entre os homens. Onde não se dá glória a Deus,
onde Ele é esquecido ou até mesmo negado, também não há paz. Hoje, porém,
há correntes generalizadas de pensamento que afirmam o contrário: as religiões,
mormente o monoteísmo, seriam a causa da violência e das guerras no mundo;
primeiro seria preciso libertar a humanidade das religiões, para se criar então a
paz; o monoteísmo, a fé no único Deus, seria prepotência, causa de intolerância,
porque pretenderia, fundamentado na sua própria natureza, impor-se a todos
com a pretensão da verdade única. É verdade que, na história, o monoteísmo
serviu de pretexto para a intolerância e a violência. É verdade que uma religião
pode adoecer e chegar a contrapor-se à sua natureza mais profunda, quando o
homem pensa que deve ele mesmo deitar mão à causa de Deus, fazendo assim
de Deus uma sua propriedade privada. Contra estas deturpações do sagrado,
devemos estar vigilantes. Se é incontestável algum mau uso da religião na
história, não é verdade que o “não” a Deus restabeleceria a paz. Se a luz de
Deus se apaga, apaga-se também a dignidade divina do homem. Então, este
deixa de ser a imagem de Deus, que devemos honrar em todos e cada um, no
fraco, no estrangeiro, no pobre. Então deixamos de ser, todos, irmãos e irmãs,
filhos do único Pai que, a partir do Pai, se encontram interligados uns aos outros.
Os tipos de violência arrogante que aparecem então com o homem a desprezar
e a esmagar o homem, vimo-los, em toda a sua crueldade, no século passado.
Só quando a luz de Deus brilha sobre o homem e no homem, só quando cada
homem é querido, conhecido e amado por Deus, só então, por mais miserável
que seja a sua situação, a sua dignidade é inviolável. Na Noite Santa, o próprio
Deus Se fez homem, como anunciara o profeta Isaías: o menino nascido aqui é
“Emmanuel – Deus-conosco” (cf. Is 7, 14). E verdadeiramente, no decurso de
todos estes séculos, não houve apenas casos de mau uso da religião; mas, da
fé no Deus que Se fez homem, nunca cessou de brotar forças de reconciliação
e magnanimidade. Na escuridão do pecado e da violência, esta fé fez entrar um
raio luminoso de paz e bondade que continua a brilhar. Assim, Cristo é a nossa
paz e anunciou a paz àqueles que estavam longe e àqueles que estavam perto
(cf. Ef 2, 14.17). Quanto não deveremos nós suplicar-Lhe nesta hora! Sim,
Senhor, anunciai a paz também hoje a nós, tanto aos que estão longe como aos
que estão perto. Fazei que também hoje das espadas se forjem foices (cf. Is 2,
4), que, em vez dos armamentos para a guerra, apareçam ajudas para os
enfermos. Iluminai a quantos acreditam que devem praticar violência em vosso
nome, para que aprendam a compreender o absurdo da violência e a reconhecer
o vosso verdadeiro rosto. Ajudai a tornarmo-nos homens “do vosso agrado”:
homens segundo a vossa imagem e, por conseguinte, homens de paz. Logo que
os anjos se afastaram, os pastores disseram uns para os outros: Coragem!
Vamos até lá, a Belém, e vejamos esta palavra que nos foi mandada (cf. Lc 2,
15). Os pastores puseram-se apressadamente a caminho para Belém – diz-nos

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

o evangelista (cf. 2, 16). Uma curiosidade santa os impelia, desejosos de verem


numa manjedoura este menino, de quem o anjo tinha dito que era o Salvador, o
Messias, o Senhor. A grande alegria, de que o anjo falara, apoderara-se dos
seus corações e dava-lhes asas. Vamos até lá, a Belém: diz-nos hoje a liturgia
da Igreja. Trans-eamus – lê-se na Bíblia latina – “atravessar”, ir até lá, ousar o
passo que vai mais além, que faz a “travessia”, saindo dos nossos hábitos de
pensamento e de vida e ultrapassando o mundo meramente material para
chegarmos ao essencial, ao além, rumo àquele Deus que, por sua vez, viera ao
lado de cá, para nós. Queremos pedir ao Senhor que nos dê a capacidade de
ultrapassar os nossos limites, o nosso mundo; que nos ajude a encontrá-Lo,
sobretudo no momento em que Ele mesmo, na Santa Eucaristia, Se coloca nas
nossas mãos e no nosso coração. Vamos até lá, a Belém! Ao dizermos estas
palavras uns aos outros, como fizeram os pastores, não devemos pensar apenas
na grande travessia até junto do Deus vivo, mas também na cidade concreta de
Belém, em todos os lugares onde o Senhor viveu, trabalhou e sofreu. Rezemos
nesta hora pelas pessoas que atualmente vivem e sofrem lá. Rezemos para que
lá haja paz. Rezemos para que Israelitas e Palestinianos possam conduzir a sua
vida na paz do único Deus e na liberdade. Peçamos também pelos países
vizinhos – o Líbano, a Síria, o Iraque, etc. – para que lá se consolide a paz. Que
os cristãos possam conservar a sua casa naqueles países onde teve origem a
nossa fé; que cristãos e muçulmanos construam, juntos, os seus países na paz
de Deus. Os pastores apressaram-se… Uma curiosidade santa e uma santa
alegria os impelia. No nosso caso, talvez aconteça muito raramente que nos
apressemos pelas coisas de Deus. Hoje, Deus não faz parte das realidades
urgentes. As coisas de Deus – assim o pensamos e dizemos – podem esperar.
E, todavia, Ele é a realidade mais importante, o Único que, em última análise, é
verdadeiramente importante. Por que motivo não deveríamos também nós ser
tomados pela curiosidade de ver mais de perto e conhecer o que Deus nos
disse? Supliquemos-Lhe para que a curiosidade santa e a santa alegria dos
pastores nos toquem nesta hora também a nós e assim vamos com alegria até
lá, a Belém, para o Senhor que hoje vem de novo para nós. Amém.

MENSAGEM URBI ET ORBI – 25 de Dezembro de 2012


“Veritas de terra orta est! – A verdade germinou da terra” (Sal 85, 12). Amados
irmãos e irmãs de Roma e do mundo inteiro, boas-festas de Natal para todos vós
e vossas famílias! Os meus votos de Natal, neste Ano da Fé, exprimo-os com as
palavras seguintes, tiradas de um Salmo: “A verdade germinou da terra”.
Realmente, no texto do Salmo, a frase está no futuro: “A verdade germinará da
terra”: é um anúncio, uma promessa, acompanhada por outras expressões que,
juntas, ecoam assim: “O amor e a verdade vão encontrar-se. / Vão beijar-se a
justiça e a paz. / A verdade germinará da terra / e a justiça descerá do céu. / O
próprio Senhor nos dará os seus bens / e a nossa terra produzirá os seus frutos.
/ A justiça caminhará diante dele / e a paz, no rasto dos seus pés” (Sal 85, 11-
14). Hoje cumpriu-se esta palavra profética! Em Jesus, nascido da Virgem Maria

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

em Belém, encontram-se realmente o amor e a verdade, beijaram-se a justiça e


a paz; a verdade germinou da terra e a justiça desceu do céu. Com feliz concisão,
explica Santo Agostinho: “Que é a verdade? O Filho de Deus. Que é a terra? A
carne. Interroga-te donde nasceu Cristo, e vê por que a verdade germinou da
terra; (...) a verdade nasceu da Virgem Maria” (En. in Ps. 84, 13). E, num sermão
do Natal, afirma: “Assim, com esta festa que acontece cada ano, celebramos o
dia em que se cumpriu a profecia: ‘A verdade germinou da terra e a justiça
desceu do céu’. A Verdade, que está no seio do Pai, germinou da terra, para
estar também no seio de uma mãe. A Verdade que segura o mundo inteiro
germinou da terra, para ser segurado pelas mãos de uma mulher. (...) A Verdade,
que o céu não consegue conter, germinou da terra, para se reclinar numa
manjedoura. Para benefício de quem Se fez assim humilde um Deus tão
sublime? Certamente sem nenhum benefício para Ele mesmo, mas com grande
proveito para nós, se acreditarmos” (Sermones 185, 1). “Se acreditarmos…”.
Que grande poder tem a fé! Deus fez tudo, fez o impossível: fez-Se carne. A sua
amorosa omnipotência realizou algo que ultrapassa a compreensão humana: o
Infinito tornou-se menino, entrou na humanidade. E, no entanto, este mesmo
Deus não pode entrar no meu coração, se não abro eu a porta. Porta fidei! A
porta da fé! Poderíamos ficar assustados com a possibilidade desta nossa
omnipotência invertida; este poder que o homem tem de se fechar a Deus, pode
meter-nos medo. Mas, eis a realidade que afugenta este pensamento tenebroso,
a esperança que vence o medo: a verdade germinou! Deus nasceu! “A terra
produziu o seu fruto” (Sal 67, 7). Sim! Há uma terra boa, uma terra saudável,
livre de todo o egoísmo e entrincheiramento. Há, no mundo, uma terra que Deus
preparou para vir habitar no meio de nós; uma morada, para a sua presença no
mundo. Esta terra existe; e também hoje, no ano de 2012, desta terra germinou
a verdade! Por isso, há esperança no mundo, uma esperança fidedigna, mesmo
nos momentos e situações mais difíceis. A verdade germinou, trazendo amor,
justiça e paz. Sim, que a paz germine para o povo da Síria, profundamente ferido
e dividido por um conflito que não poupa sequer os inermes, ceifando vítimas
inocentes. Uma vez mais faço apelo para que cesse o derramamento de sangue,
se facilite o socorro aos prófugos e deslocados e se procure, através do diálogo,
uma solução para o conflito. A paz germine na Terra onde nasceu o Redentor;
que Ele dê aos Israelitas e Palestinianos a coragem de por termo a tantos,
demasiados, anos de lutas e divisões e empreender, com decisão, o caminho
das negociações. Nos países do norte de África, em profunda transição à procura
de um novo futuro – nomeadamente o Egito, terra amada e abençoada pela
infância de Jesus –, que os cidadãos construam, juntos, sociedades baseadas
na justiça, no respeito da liberdade e da dignidade de cada pessoa. A paz
germine no vasto continente asiático. Jesus Menino olhe com benevolência para
os numerosos povos que habitam naquelas terras e, de modo especial, para
quantos creem n’Ele. Que o Rei da Paz pouse o seu olhar também sobre os
novos dirigentes da República Popular da China pela alta tarefa que os aguarda.
Espero que, no desempenho da mesma, se valorize o contributo das religiões,

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

no respeito de cada uma delas, de modo que as mesmas possam contribuir para
a construção duma sociedade solidária, para benefício daquele nobre povo e do
mundo inteiro. Amados irmãos e irmãs! Amor e verdade, justiça e paz
encontraram-se, encarnaram no homem nascido de Maria, em Belém. Aquele
homem é o Filho de Deus, é Deus que apareceu na história. O seu nascimento
é um rebento de vida nova para toda a humanidade. Possa cada terra tornar-se
uma terra boa, que acolhe e faz germinar o amor, a verdade, a justiça e a paz.
Bom Natal para todos!

ANGELUS - Festa da Sagrada Família de Nazaré - 30 de Dezembro de 2012


Queridos irmãos e irmãs! Hoje é a festa da Sagrada Família de Nazaré. Na
liturgia o trecho do Evangelho de Lucas apresenta-nos a Virgem Maria e são
José que, fiéis à tradição, vão a Jerusalém para a Páscoa juntamente com Jesus,
quando Ele tinha doze anos. A primeira vez que Jesus entrou no Templo do
Senhor tinha sido quarenta dias depois do seu nascimento, quando os seus pais
ofereceram por ele “um par de rolas ou duas pombinhas” (Lc 2, 24), isto é, o
sacrifício dos pobres. “Lucas, cujo inteiro Evangelho está impregnado de uma
teologia dos pobres e da pobreza, faz compreender... que a família de Jesus
estava incluída entre os pobres de Israel; faz-nos entender que precisamente
entre eles podia amadurecer o cumprimento da promessa” (A Infância de Jesus,
96). Hoje Jesus está de novo no Templo, mas desta vez desempenha um papel
diferente, que o envolve em primeira pessoa. Ele realiza, juntamente com Maria
e José, a peregrinação a Jerusalém segundo quanto prescreve a Lei (cf. Êx 23,
17; 34, 23 ss.), mesmo se não tinha completado o décimo terceiro ano de idade:
um sinal da profunda religiosidade da Sagrada Família. Contudo, quando os seus
pais regressam a Nazaré, acontece algo inesperado: Ele, sem dizer nada,
permanece na Cidade. Por três dias Maria e José procuram-no e encontram-no
no Templo, em diálogo com os doutores da Lei (cf. Lc 2, 46-47); e quando lhe
pedem explicações, Jesus responde que não devem admirar-se porque aquele
é o seu lugar, aquela é a sua casa, junto do Pai, que é Deus (cf. A Infância de
Jesus, 143). “Ele — escreve Orígenes — professa que está no templo do seu
Pai, o Pai que revelou a nós e do qual disse que é Filho” (Homilias sobre o
Evangelho de Lucas, 18, 5). A preocupação de Maria e José por Jesus é a
mesma de todos os pais que educam um filho, que o introduzem na vida e na
compreensão da realidade. Portanto, hoje é indispensável dirigir uma oração
especial ao Senhor por todas as famílias do mundo. Imitando a Sagrada Família
de Nazaré, os pais se preocupem seriamente pelo crescimento e pela educação
dos próprios filhos, a fim de que amadureçam como homens responsáveis e
cidadãos honestos, sem nunca esquecer que a fé é um dom precioso que deve
ser alimentado nos próprios filhos, inclusive com o exemplo pessoal. Ao mesmo
tempo, rezemos para que cada criança seja recebida como dom de Deus,
apoiada pelo amor do pai e da mãe, para poder crescer como o Senhor Jesus,
“em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2, 52). O amor,
a fidelidade e a dedicação de Maria e José sejam exemplo para todos os esposos

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

cristãos, que não são os amigos ou os donos da vida dos seus filhos, mas os
guardiães deste dom incomparável de Deus. O silêncio de José, homem justo
(cf. Mt 1, 19), e o exemplo de Maria, que ponderava todas as coisas no seu
coração (cf. Lc 2, 51), nos façam entrar no mistério cheio de fé e humanidade da
Sagrada Família. Desejo a todas as famílias cristãs que vivam na presença de
Deus, com o mesmo amor e a mesma alegria da família de Jesus, Maria e José.

CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS VÉSPERAS – SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE


DE DEUS - 31 de Dezembro de 2012
Amados irmãos e irmãs, estou grato a todos vós que quisestes participar nesta
liturgia da última hora do ano do Senhor de 2012. Esta “hora” traz consigo uma
intensidade particular e torna-se, de certa maneira, uma síntese de todas as
horas do ano que está prestes a findar. Saúdo cordialmente os Senhores
Cardeais, os Bispos, os Presbíteros, as pessoas consagradas e os fiéis leigos,
especialmente quantos representam a comunidade eclesial de Roma. De modo
particular, saúdo as Autoridades presentes, a começar pelo Presidente da
Câmara Municipal da Cidade, e agradeço-lhes terem desejado compartilhar
conosco este momento de oração e de ação de graças a Deus. O Te Deum que
elevamos ao Senhor esta tarde, no final de um ano solar, é um hino de ação de
graças que inicia com o louvor — “Nós vos louvamos, ó Deus, nós vos
proclamamos Senhor” — termina com uma profissão de fé — “Vós sois a nossa
esperança, não seremos eternamente confusos”. Qualquer que tenha sido o
andamento do ano, fácil ou difícil, estéril ou rico de frutos, nós damos graças a
Deus. Com efeito, no Te Deum está contida uma sabedoria profunda, aquela
sabedoria que nos leva a dizer que, apesar de tudo, existe o bem no mundo, e
este bem está destinado a vencer graças a Deus, o Deus de Jesus Cristo
encarnado, morto e ressuscitado. Sem dúvida, às vezes é difícil compreender
esta realidade profunda, uma vez que o mal faz mais ruído do que o bem; um
homicídio atroz, violências difundidas e graves injustiças fazem notícia; ao
contrário, os gestos de amor e de serviço, o cansaço quotidiano suportado com
fidelidade e paciência permanecem muitas vezes na sombra, não sobressaem.
Também por este motivo, não podemos deter-nos apenas nas notícias, se
quisermos compreender o mundo e a vida; devemos ser capazes de parar no
silêncio, na meditação, na reflexão calma e prolongada; devemos saber parar
para pensar. Deste modo, a nossa alma pode encontrar a cura para as
inevitáveis feridas da vida diária, pode penetrar profundamente nos
acontecimentos que se verificam na nossa vida e no mundo, e chegar àquela
sabedoria que permite avaliar as coisas com um novo olhar. Sobretudo no
recolhimento da consciência, onde Deus nos fala, aprendemos a considerar
verdadeiramente as nossas próprias ações e também o mal presente em nós e
ao nosso redor, para empreender um caminho de conversão que nos torne mais
sábios e melhores, mais capazes de gerar solidariedade e comunhão, de vencer
o mal com o bem. O cristão é um homem de esperança, também e sobretudo
diante da escuridão que muitas vezes existe no mundo e que não depende do

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

desígnio de Deus, mas das escolhas erradas do homem, porque sabe que a
força da fé pode mover as montanhas (cf. Mt 17, 20): o Senhor pode iluminar até
as trevas mais densas. O Ano da fé, que a Igreja está a viver, quer suscitar no
coração de cada crente uma maior consciência de que o encontro com Cristo é
a nascente da vida verdadeira e de uma esperança sólida. A fé em Jesus permite
uma renovação constante no bem e a capacidade de sair das areias movediças
do pecado e de começar de novo. Na Palavra que se fez carne é possível,
sempre novamente, encontrar a identidade autêntica do homem, que se
descobre destinatário do amor infinito de Deus e chamado à comunhão pessoal
com Ele. Esta verdade, que Jesus Cristo veio revelar, é a certeza que nos impele
a olhar com confiança para o ano que estamos prestes a começar. A Igreja, que
recebeu do seu Senhor a missão de evangelizar, sabe bem que o Evangelho
está destinado a todos os homens, de modo particular às novas gerações, para
saciar aquela sede de verdade que cada um traz no coração e que muitas vezes
é ofuscada pelas numerosas ocupações da vida. Este compromisso apostólico
é tanto mais necessário quando a fé corre o risco de ser obscurecida em
contextos culturais que impedem a sua radicação pessoal e a sua presença
social. Também Roma é uma cidade onde a fé cristã deve ser anunciada sempre
de novo e testemunhada de maneira credível. Por um lado, o número crescente
de fiéis de outras religiões, a dificuldade que as comunidades paroquiais
enfrentam para se aproximar dos jovens e a difusão de estilos de vida
caracterizados pelo individualismo e pelo relativismo ético; por outro lado, a
busca da parte de muitas pessoas de um sentido para a sua existência e de uma
esperança que não desiluda, não podem deixar-nos indiferentes. Como o
apóstolo Paulo (cf. Rm 1, 14-15), cada fiel desta cidade há-de sentir-se devedor
do Evangelho a todos os demais habitantes! Precisamente por isso, já há vários
anos, a nossa Diocese está comprometida em acentuar a dimensão missionária
da pastoral ordinária, a fim de que os crentes, sustentados especialmente pela
Eucaristia dominical, possam tornar-se discípulos e testemunhas coerentes de
Jesus Cristo. A esta coerência de vida são chamados de modo totalmente
particular os pais cristãos, que são para os seus filhos os primeiros educadores
da fé. A complexidade da vida numa cidade grande como Roma e uma cultura
que parece muitas vezes indiferente em relação a Deus, exigem que os pais e
as mães não sejam deixados sozinhos nesta tarefa tão decisiva, aliás, que sejam
ajudados e acompanhados na sua vida espiritual. A este propósito, encorajo
quantos trabalham na pastoral familiar a pôr em prática as orientações pastorais
evidenciadas durante o último Congresso diocesano, dedicado à pastoral
baptismal e pós-baptismal. É necessário um compromisso generoso para
desenvolver os itinerários de formação espiritual que depois do Baptismo das
crianças acompanhem os pais a manter acesa a chama da fé, oferecendo-lhes
sugestões concretas a fim de que, desde a idade mais terna, lhes seja anunciado
o Evangelho de Jesus. A criação de grupos de famílias, nos quais se ouça a
Palavra de Deus e se compartilhem experiências de vida cristã, ajuda a fortalecer
o sentido de pertença à comunidade eclesial e a crescer na amizade com o

45
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

Senhor. É igualmente importante construir uma relação de amizade cordial


também com os fiéis que, depois de ter batizado o próprio filho, distraídos pelas
incumbências da vida diária, não demonstram grande interesse em viver esta
experiência: assim, eles poderão experimentar o afeto da Igreja que, como uma
mãe atenciosa, se põe ao seu lado para favorecer a sua vida espiritual. Para
poder anunciar o Evangelho e permitir a quantos ainda não conhecem Jesus, ou
que o abandonaram, de ultrapassar novamente a porta da fé e viver a comunhão
com Deus, é indispensável conhecer de maneira aprofundada o significado das
verdades contidas na Profissão de fé. Então, o compromisso em prol de uma
formação sistemática dos agentes no campo da pastoral, que já há vários anos
se verifica nas diversas Prefeituras da Diocese de Roma, é um caminho precioso
que deve ser seguido com empenhamento também no futuro, para formar leigos
que saibam fazer-se eco do Evangelho em cada lar e ambiente, inclusive através
dos centros de escuta que produziram muitos frutos na época da Missão da
Cidade. A este respeito, os “Diálogos na Catedral”, que desde há vários anos se
realizam na Basílica de São João de Latrão, constituem uma experiência muito
oportuna para encontrar a Cidade e dialogar com quantos, à procura de Deus e
da verdade, se questionam sobre as grandes interrogações da existência
humana. Como já nos séculos passados, também hoje a Igreja de Roma está
chamada a anunciar e testemunhar incansavelmente a riqueza do Evangelho de
Cristo, também ajudando aqueles que vivem situações de pobreza e de
marginalização, assim como as famílias em dificuldade, de modo especial
quando devem assistir pessoas enfermas e deficientes. Espero profundamente
que as instituições nos vários níveis não deixem faltar a sua obra, a fim de que
todos os cidadãos tenham acesso ao que lhes é essencial para viver
dignamente. Caros amigos, na última tarde deste ano que já está a findar e
diante do limiar do novo ano, louvemos o Senhor! Manifestemos “Àquele que é,
que era e que há-de vir” (Ap 1, 8) o arrependimento e o pedido de perdão pelas
faltas cometidas, assim como a ação de graças sinceras pelos inúmeros
benefícios concedidos pela Bondade divina. De modo particular, demos graças
pelo benefício e pela verdade que chegaram até nós através de Jesus Cristo.
Nele está depositada a plenitude de todos os tempos humanos. Nele está
conservado o futuro de cada homem. Nele realiza-se o cumprimento das
esperanças da Igreja e do mundo. Amém!

HOMILIA - SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS - 01 de janeiro de 2007


Queridos irmãos e irmãs! A liturgia de hoje contempla, como num mosaico,
diversos factos e realidades messiânicas, mas a atenção concentra-se
particularmente sobre Maria, Mãe de Deus. Oito dias depois do nascimento de
Jesus, recordamos a Mãe, a Theotókos, aquela que “deu à luz o Rei que governa
o céu e a terra pelos séculos dos séculos” (Antífona de entrada; cf. Sedúlio). A
liturgia medita hoje sobre o Verbo feito homem, e repete que nasceu da Virgem.
Reflete sobre a circuncisão de Jesus como rito de agregação à comunidade, e
contempla Deus que deu o seu Filho Unigénito como chefe do “novo povo” por

46
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

meio de Maria. Recorda o nome dado ao Messias, e ouve-o pronunciar com terna
doçura pela sua Mãe. Invoca a paz para o mundo, a paz de Cristo, e fá-lo através
de Maria, mediadora e cooperadora de Cristo (cf. Lumen gentium, 60-61).
Começamos um novo ano solar, que é um ulterior período de tempo que nos é
oferecido pela Providência divina no contexto da salvação inaugurada por Cristo.
Mas não entrou o Verbo eterno no tempo próprio por meio de Maria? Recorda-o
o apóstolo Paulo na segunda Leitura, que escutámos há pouco, afirmando que
Jesus nasceu “de uma mulher” (cf. Gl 4, 4). Na liturgia de hoje sobressai a figura
de Maria, verdadeira Mãe de Jesus, Homem-Deus. Portanto, a solenidade não
celebra uma ideia abstrata, mas um mistério e um acontecimento
histórico: Jesus Cristo, pessoa divina, nasceu da Virgem Maria, a qual é, no
sentido mais verdadeiro, sua mãe. Além da maternidade hoje é posta em
evidência também a virgindade de Maria. Trata-se de duas prerrogativas que são
sempre proclamadas juntas e de maneira inseparável, porque se integram e se
qualificam reciprocamente. Maria é mãe, mas mãe virgem; Maria é virgem, mas
virgem mãe. Se omitirmos um dos dois aspectos não se compreende plenamente
o mistério de Maria, como os Evangelhos no-lo apresentam. Mãe de Cristo, Maria
é também Mãe da Igreja, como o meu venerado predecessor, o Servo de Deus
Paulo VI quis proclamar a 21 de Novembro de 1964, durante o Concílio Vaticano
II. Por fim, Maria é Mãe espiritual de toda a humanidade, porque Jesus derramou
o seu sangue na cruz por todos, e a todos confiou da cruz à sua solicitude
materna. Olhando para Maria, iniciemos, portanto, este novo ano, que
recebemos das mãos de Deus como um “talento” precioso para fazermos
frutificar, como uma ocasião providencial para contribuir para a realização do
Reino de Deus. Por ocasião do Dia Mundial da Paz, dirigi aos Governantes e aos
Responsáveis das Nações, assim como a todos os homens e mulheres de boa
vontade, a habitual Mensagem, que este ano tem como tema: “A pessoa
humana, coração da paz”. Estou profundamente convicto de que “respeitando a
pessoa se promove a paz e, construindo a paz, assentam-se as premissas para
um autêntico humanismo integral” (Mensagem, 1). Trata-se de um compromisso
que compete de maneira peculiar ao cristianismo, chamado “a ser incansável
promotor de paz e acérrimo defensor da dignidade da pessoa humana e dos
seus direitos inalienáveis” (Ibid., 16). Precisamente porque criado à imagem e
semelhança de Deus (cf. Gn 1, 27), cada indivíduo humano, sem distinção de
raça, cultura nem religião, está revestido da mesma dignidade de pessoa. Por
isso, deve ser respeitado, e jamais razão alguma pode justificar que se disponha
dele a seu bel-prazer, como se fosse um objeto. Face às ameaças à paz,
infelizmente sempre presentes, diante das situações de injustiça e de violência,
que continuam a persistir em diversas regiões da terra, face ao prevalecer de
conflitos armados, com frequência esquecidos pela vasta opinião pública, e ao
perigo do terrorismo que perturba a serenidade dos povos, torna-se como nunca
necessário comprometer-se juntos pela paz. Esta, recordei na Mensagem, é
“simultaneamente um dom e uma missão” (n. 3): dom que devemos invocar com
a oração, tarefa que devemos realizar com coragem sem nunca nos cansarmos.

47
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

A narração evangélica que ouvimos mostra o cenário dos pastores de Belém que
se dirigem à gruta para adorar o Menino, depois de ter recebido o anúncio do
Anjo (cf. Lc 2, 16). Como não dirigir o olhar mais uma vez para a dramática
situação que caracteriza precisamente aquela Terra onde nasceu Jesus? Como
não implorar com oração insistente que também naquela região chegue o mais
depressa possível o dia da paz, o dia no qual se resolva definitivamente o conflito
em ato que perdura há demasiado tempo? Um acordo de paz, para ser
duradouro, deve basear-se sobre o respeito da dignidade e dos direitos de cada
pessoa. Os votos que formulo diante dos representantes das Nações aqui
presentes são porque a Comunidade internacional una os próprios esforços,
para que em nome de Deus se construa um mundo no qual os direitos
fundamentais do homem sejam respeitados por todos. Mas para que isto se
realize é necessário que o fundamento destes direitos seja reconhecido não em
simples acordos humanos, mas “na mesma natureza do homem e na sua
inalienável dignidade de pessoa criada por Deus” (Mensagem, 13). De facto, se
os elementos constitutivos da dignidade humana são confiados às variáveis
opiniões humanas, também os seus direitos, mesmo se proclamados
solenemente, acabam por se tornar frágeis e com diversas interpretações. “É,
portanto, importante que os Organismos internacionais não percam de vista o
fundamento natural dos direitos do homem. Isto preservá-los-á do risco,
infelizmente sempre latente, de resvalar para uma interpretação meramente
positivista” (Ibid.). “O Senhor te abençoe e te guarde!... O Senhor volte para ti a
sua face e te dê paz!” (Nm 6, 24.26). É esta a fórmula de bênção que ouvimos
na primeira Leitura. É tirada do livro dos Números: nela é repetida três vezes o
nome do Senhor. Isto significa a intensidade e a força da bênção, cuja última
palavra é “paz”. A palavra bíblica shalom, que traduzimos por “paz”, indica aquele
conjunto de bens em que consiste “a salvação” que trouxe Cristo, o Messias
anunciado pelos profetas. Por isso, nós cristãos reconhecemos n'Ele o Príncipe
da paz. Ele fez-se homem e nasceu numa gruta em Belém para trazer a sua paz
aos homens de boa vontade, aos que o acolhem com fé e amor. A paz é assim
verdadeiramente o dom e o compromisso do Natal: o dom, que deve ser
acolhido com humilde docilidade e invocado constantemente com orante
confiança; o compromisso, que faz de cada pessoa de boa vontade um “canal
de paz”. Pedimos a Maria, Mãe de Deus, que nos ajude a acolher o Filho e, n'Ele,
a verdadeira paz. Peçamos-lhe que ilumine os nossos olhos, para que saibamos
reconhecer o Rosto de Cristo no rosto de cada pessoa humana, coração da paz!

ÂNGELUS – SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS - 01 de janeiro de


2007
Queridos irmãos e irmãs! No início do novo ano sinto-me feliz por dirigir a todos
vós, presentes na Praça de São Pedro, e a quantos estão sintonizados conosco
através da rádio e da televisão, os votos mais cordiais de paz e de bem! Bom
Ano a todos vós: paz e bem! A luz de Cristo, Sol que surgiu no horizonte da
humanidade, ilumine o vosso caminho e vos acompanhe durante todo o ano de

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

2007! Com providencial intuição, o meu venerado Predecessor, o Servo de Deus


Paulo VI, quis que o ano iniciasse sob a proteção de Maria Santíssima, venerada
como Mãe de Deus. A Comunidade cristã, que nestes dias permaneceu em
adoração orante diante do presépio, olha hoje com particular amor para a Virgem
Mãe. Identifica-se com ela enquanto contempla o Menino que acabou de nascer,
envolvido em faixas e colocado na manjedoura. Como Maria, também a Igreja
permanece em silêncio, para colher e conservar as ressonâncias interiores do
Verbo que se fez carne e não dissolver o calor divino-humano que emana da sua
presença. Ele é a Bênção de Deus! A Igreja, como a Virgem, mais não fez do
que mostrar a todos Jesus, o Salvador, e reflete sobre cada um a luz do seu
Rosto, esplendor de bondade e de verdade. Contemplamos hoje Jesus, nascido
da Virgem Maria, na sua prerrogativa de verdadeiro “Príncipe da Paz” (Is 9, 5).
Ele “é a nossa paz”, que veio abater o “muro de separação” que divide os homens
e os povos, isto é “a inimizade” (Ef 2, 14). Por isso, sempre Paulo VI, de venerada
memória, quis que o dia 1 de Janeiro se tornasse também Dia Mundial da Paz:
para que cada novo ano comece na luz de Cristo, o grande pacificador da
humanidade. Renovo hoje os meus auspícios de paz aos Governantes e aos
Responsáveis das Nações e das Organizações internacionais e a todos os
homens e mulheres de boa vontade. Faço-o particularmente com a Mensagem
especial que preparei com os meus colaboradores do Pontifício Conselho
“Justiça e Paz”, e que este ano tem por tema: “A pessoa humana, coração da
paz”. Ela toca um ponto essencial, o valor da pessoa humana, que é coluna
central de todo o grande edifício da paz. Agora fala-se muito de direitos
humanos, mas com frequência esquecemos que eles precisam de um
fundamento estável, não relativo, não aviltado. E ele só pode ser a dignidade da
pessoa. O respeito por esta dignidade começa pelo reconhecimento e pela tutela
do seu direito a viver e a professar livremente a própria religião. Dirijamos com
confiança a nossa oração à Santa Mãe de Deus, para que se desenvolvam nas
consciências o respeito sagrado por cada pessoa humana e a firme rejeição da
guerra e da violência. Ajuda-nos, Maria, tu que deste Jesus ao mundo, a aceitar
d'Ele o dom da paz e a ser sinceros e corajosos construtores de paz.

HOMILIA - SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS - 01 de janeiro de 2010


Queridos irmãos e irmãs! No primeiro dia do ano novo, temos a alegria e a graça
de celebrar a Santíssima Mãe de Deus e, ao mesmo tempo, o Dia Mundial da
Paz. Em ambas as comemorações celebramos Cristo, Filho de Deus que nasceu
de Maria, Virgem e nossa verdadeira paz! A todos vós, que estais aqui
congregados, Representantes dos povos do mundo, da Igreja romana e
universal, sacerdotes e fiéis; e a quantos estão unidos através da rádio e da
televisão, repito as palavras da antiga bênção: o Senhor dirija o seu rosto para
vós e vos conceda a paz (cf. Nm 6, 26). É precisamente o tema do Rosto e dos
rostos que gostaria de desenvolver hoje, à luz da Palavra de Deus – Rosto de
Deus e rostos dos homens – um tema que nos oferece também uma chave de
leitura do problema da paz no mundo. Ouvimos, quer na primeira leitura – tirada

49
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

do Livro dos Números – quer no Salmo responsorial, algumas expressões que


contêm a metáfora do rosto referida a Deus: “O Senhor faça resplandecer a sua
face sobre ti / e te seja benevolente” (Nm 6, 25); “Deus tenha piedade de nós e
nos abençoe / e faça resplandecer sobre nós a luz da sua face / para que se
conheçam na terra os vossos caminhos / e entre as nações a vossa obra
salvadora” (Sl 67 [66], 2-3). O rosto é a expressão por excelência da pessoa, que
a torna reconhecível e do qual transparecem sentimentos, pensamentos e
intenções do coração. Por sua natureza Deus é invisível, mas a Bíblia aplica esta
imagem também a Ele. Mostrar o rosto é expressão da sua benevolência,
enquanto escondê-lo indica a sua ira e a sua indignação. O Livro do Êxodo afirma
que “o Senhor falava com Moisés, frente a frente, como um homem fala com o
seu amigo” (Êx 33, 11), e ainda a Moisés o Senhor promete a sua proximidade
com uma fórmula muito singular: “A minha face irá diante de ti, e dar-te-ei
descanso” (Êx 33, 14). Os Salmos mostram-nos os fiéis como aqueles que se
põem em busca do rosto de Deus (cf. Sl 27 [26], 8; 105 [104], 4), que no culto
aspiram a vê-lo (cf. Sl 42, 3), e dizem-nos que “os homens retos” hão-de
“contemplá-lo” (Sl 11 [10], 7). Toda a narração bíblica pode ser lida como uma
progressiva revelação do rosto de Deus, até chegar à sua plena manifestação
em Jesus Cristo. “Quando chegou a plenitude dos tempos – recordou-nos
também hoje o Apóstolo Paulo – Deus enviou o seu Filho” (Gl 4, 4),
acrescentando imediatamente: “nascido de mulher, nascido sujeito à lei”. O rosto
de Deus adquiriu um aspecto humano, deixando-se ver e reconhecer no filho da
Virgem Maria, que por isso veneramos com o título elevadíssimo de “Mãe de
Deus”. Ela, que conservou no seu coração o segredo da maternidade divina, foi
a primeira a ver o rosto de Deus que se fez homem no pequeno fruto do seu
seio. A mãe tem uma relação totalmente especial, única e de certa forma
exclusiva com o filho recém-nascido. O primeiro rosto que a criança vê é o da
mãe, e este olhar é decisivo para o seu relacionamento com a vida, consigo
mesma, com os outros e com Deus; é determinante também para que ela se
possa tornar um “filho da paz” (Lc 10, 6). Entre as numerosas tipologias de
ícones da Virgem Maria na tradição bizantina, existe uma chamada “da ternura”,
que representa o Menino Jesus com o rosto apoiado – face a face – ao da Mãe.
O Menino olha para a Mãe e Ela olha para nós, quase como refletindo, para
quem observa e reza, a ternura de Deus, descida do Céu sobre Ela e encarnada
naquele Filho de homem que Ela tem ao colo. Neste ícone mariano podemos
contemplar algo do próprio Deus: um sinal do amor inefável que o impeliu a
“oferecer o seu único Filho” (Jo 3, 16). No entanto, aquele mesmo ícone mostra-
nos também, em Maria, o rosto da Igreja, que reflete a luz de Cristo sobre nós e
sobre o mundo inteiro, a Igreja mediante a qual a boa notícia chega a todo o
homem: “Já não és servo, mas filho” (Gl 4, 7), como lemos novamente em São
Paulo. Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, Senhores Embaixadores e
prezados amigos! Meditar sobre o mistério do rosto de Deus e do homem é uma
vereda privilegiada que leva à paz. Com efeito, ela começa a partir de um olhar
respeitador, que reconhece no rosto do outro uma pessoa, independentemente

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

da cor da sua pele, da sua nacionalidade, da sua língua e da sua religião. Mas
quem, senão Deus, pode garantir, por assim dizer, a “profundidade” do rosto do
homem? Na realidade, só se tivermos Deus no coração, somos capazes de ver
no rosto do outro um irmão em humanidade, não um meio, mas um fim, não um
rival nem um inimigo, mas outro eu, uma multiplicação do mistério infinito do ser
humano. A nossa percepção do mundo e, em particular, dos nossos
semelhantes, depende essencialmente da presença em nós do Espírito de Deus.
É uma espécie de “ressonância”: quem tem o coração vazio, vê unicamente
imagens banais, desprovidas de relevo. Por outro lado, quanto mais somos
habitados por Deus, tanto mais sensíveis nos tornamos à sua presença naquilo
que nos circunda: em todas as criaturas e especialmente nos outros homens,
embora às vezes precisamente o rosto humano, marcado pela dureza da vida e
do mal, possa ser difícil de apreciar e de aceitar como epifania de Deus. Com
maior razão, portanto, para nos reconhecermos e respeitarmos como realmente
somos, ou seja, como irmãos, temos necessidade de nos referirmos ao rosto de
um Pai comum, que nos ama a todos, apesar dos nossos limites e dos nossos
erros. Desde criança, é importante ser educado no respeito pelo próximo, mesmo
quando é diferente de nós. Hoje é cada vez mais comum a experiência de
classes escolares compostas por crianças de várias nacionalidades, mas
também quando isto não se verifica, os seus rostos constituem uma profecia da
humanidade que somos chamados a formar: uma família de famílias e de povos.
Quanto menores são estas crianças, tanto mais suscitam em nós a ternura e a
alegria por uma inocência e uma fraternidade que nos parecem evidentes:
apesar das suas diferenças, elas choram e riem do mesmo modo, têm as
mesmas necessidades, comunicam espontaneamente, brincam juntas... Os
rostos das crianças são como um reflexo da visão de Deus sobre o mundo.
Então, por que apagar os seus sorrisos? Por que envenenar os seus corações?
Infelizmente, o ícone da Mãe de Deus da ternura encontra o seu trágico oposto
nas imagens dolorosas de numerosas crianças e das suas mães à mercê de
guerras e violências: prófugos, refugiados e migrantes forçados. Rostos
marcados pela fome e pelas enfermidades, rostos desfigurados pelo sofrimento
e pelo desespero. Os rostos dos pequenos inocentes constituem um apelo
silencioso à nossa responsabilidade: diante da sua condição inerme, esvaecem
todas as falsas justificações da guerra e da violência. Devemos simplesmente
converter-nos a projetos de paz, abandonar as armas de todos os tipos e
comprometer-nos todos juntos na construção de um mundo mais digno do
homem. A minha Mensagem para este 43º Dia Mundial da Paz: “Se quiseres
cultivar a paz, preserva a criação”, insere-se no interior da perspectiva do rosto
de Deus e dos rostos humanos. Com efeito, podemos afirmar que o homem é
capaz de respeitar as criaturas, na medida em que tiver no seu espírito um
sentido pleno da vida; caso contrário, será levado a desprezar-se a si mesmo e
àquilo que o circunda, a não ter respeito pelo ambiente em que vive, pela criação.
Quem sabe reconhecer no cosmos os reflexos do rosto invisível do Criador, é
levado a ter maior amor pelas criaturas, maior sensibilidade pelo seu valor

51
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

simbólico. Especialmente o Livro dos Salmos é rico de testemunhos deste modo


propriamente humano de se relacionar com a natureza: com o céu, o mar, os
montes, as colinas, os rios, os animais... “Senhor, quão numerosas são as
vossas obras –exclama o Salmista – / todas elas são fruto da vossa sabedoria! /
A terra está cheia das vossas criaturas” (Sl 104 [103], 24). De modo particular, a
perspectiva do “rosto” convida a refletir sobre aquela à qual, também nesta
Mensagem, chamei “ecologia humana”. Com efeito, existe um nexo
profundamente estreito entre o respeito pelo homem e a salvaguarda da criação.
“Os deveres em relação ao meio ambiente derivam dos deveres para com a
pessoa considerada em si mesma e em relação aos outros” (ibid., n. 12). Se o
homem se desvirtua, degrada-se o ambiente no qual vive; se a cultura tender
para um niilismo, se não teórico, prático, a natureza não deixará de pagar as
suas consequências. Efetivamente, pode-se constatar uma influência recíproca
entre o rosto do homem e o “rosto” do meio ambiente: “Quando a ecologia
humana é respeitada no seio da sociedade, também a ecologia ambiental recebe
benefícios” (ibidem; cf. Encíclica Caritas in veritate, 51). Portanto, renovo o meu
apelo a investir na educação, propondo-se como finalidade, para além da
transmissão necessária de noções técnico-científicas, uma “responsabilidade
ecológica” mais ampla e aprofundada, alicerçada no respeito pelo homem e
pelos seus direitos e deveres fundamentais. Só assim o compromisso a favor do
meio ambiente pode tornar-se verdadeiramente educação para a paz e
construção da paz. Estimados irmãos e irmãs, no Tempo de Natal recita-se um
Salmo que, de resto, contém inclusive um exemplo maravilhoso do modo como
a vinda de Deus transfigura a criação e provoca uma espécie de festa cósmica.
Este hino começa com um convite universal ao louvor: “Cantai ao Senhor um
cântico novo / cantai ao Senhor terra inteira! / Cantai ao Senhor, bendizei o seu
nome” (Sl 96 [95], 1-2). Todavia, numa certa altura este apelo à exultação
estende-se a toda a criação: “Alegrem-se os céus, exulte a terra! / Ressoem o
mar e quanto nele existe! / Sorriam os campos e todos os seus frutos / exultem
também todas as árvores dos bosques” (vv. 11-12). A festa da fé torna-se uma
festa do homem e da criação: aquela festa que no Natal se exprime também
mediante as decorações postas nas árvores, ao longo das ruas e nas casas.
Tudo volta a florescer, porque Deus se manifestou no meio de nós. A Virgem
Mãe mostra o Menino Jesus aos pastores de Belém, que rejubilam e louvam o
Senhor (cf. Lc 2, 20); a Igreja renova o mistério para os homens de todas as
gerações, mostrando-lhes o rosto de Deus a fim de que, com a sua bênção, eles
possam percorrer o caminho da paz.

ÂNGELUS – SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS - 01 de janeiro de


2010
Queridos irmãos e irmãs! Hoje o Senhor concede-nos iniciar um novo ano no seu
Nome e sob o olhar de Maria Santíssima, da qual celebramos a Solenidade da
Maternidade Divina. Sinto-me feliz por vos encontrar para este primeiro Angelus
de 2010. Dirijo-me a vós, que vos reunistes numerosos na Praça de São Pedro,

52
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

e também a quantos se unem à nossa oração mediante a rádio e a televisão: a


todos desejo que o ano que há pouco iniciou seja um tempo no qual, com a ajuda
do Senhor, possamos ir ao encontro de Cristo, à vontade de Deus e assim
também melhorar este nosso mundo. Um objetivo partilhável por todos, condição
indispensável para a paz, é o de administrar com justiça e sabedoria os recursos
naturais da Terra. “Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação”: dediquei a
este tema, de grande atualidade a minha Mensagem para o XLIII Dia Mundial da
Paz. Quando a Mensagem foi publicada os Chefes de Estado e de Governo
estavam reunidos em Copenhaga para a cimeira sobre o clima, na qual
sobressaiu mais uma vez a urgência de orientações concordes a nível global.
Contudo, neste momento, gostaria de ressaltar a importância que, na tutela do
meio ambiente, têm também as opções dos indivíduos, das famílias e das
administrações locais. “Torna-se indispensável uma real mudança de
mentalidade que induza todos a adoptarem novos estilos de vida” (cf.
Mensagem, 11). De facto, todos somos responsáveis pela proteção e
preservação da criação. Por isso, também neste campo, é fundamental a
educação: para aprender a respeitar a natureza; orientar-se cada vez mais para
“construir a paz a partir de opções clarividentes a nível pessoal, familiar,
comunitário e político” (ibid.). Se nos devemos ocupar das criaturas que nos
circundam, que consideração deveríamos ter pelas pessoas, nossos irmãos e
irmãs! Que respeito pela vida humana! No primeiro dia do ano, gostaria de dirigir
um apelo às consciências de quantos pertencem a grupos armados de qualquer
tipo. A todos e a cada um digo: parai, refletir e abandonai o caminho da violência!
No momento, este passo poderá parecer-vos impossível, mas se tiverdes a
coragem de o dar, Deus ajudar-vos-á, e sentireis voltar aos vossos corações a
alegria da paz, que talvez esquecestes há muito tempo. Confio este apelo à
intercessão da Santíssima Mãe de Deus, Maria. Hoje, a liturgia recorda-nos que
oito dias depois do nascimento do Menino Ela, juntamente com o seu esposo
José, o fizeram circuncidar, segundo a lei de Moisés, dando-lhe o nome de
Jesus, como tinha sido chamado pelo anjo (cf. Lc 2, 21). Este nome, que significa
“Deus salva”, é o cumprimento da revelação de Deus. Jesus é o rosto de Deus,
é a bênção para cada homem e para todos os povos, é a paz para o mundo.
Obrigado, Mãe Santa, que destes à luz o Salvador, o Príncipe da paz!

HOMILIA - SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS - 01 de janeiro de 2013


Queridos irmãos e irmãs! “Que Deus nos dê a sua graça e a sua bênção, e sua
face resplandeça sobre nós”. Assim aclamamos com as palavras do Salmo 66,
depois de termos escutado, na primeira leitura a antiga bênção sacerdotal sobre
o povo da aliança. É particularmente significativo que, no início de cada ano novo
Deus projete sobre nós, seu povo, o brilho do seu santo Nome, o Nome que é
pronunciado três vezes na fórmula solene da bênção bíblica. Não menos
significativo é o fato de que seja dado ao Verbo de Deus - que “se fez carne e
habitou entre nós”, como “a luz de verdade que ilumina todo ser humano” (Jo 1,
9.14) -, oito dias depois seu natal - como nos narra o Evangelho de hoje - o nome

53
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

de Jesus (cf. Lc 2, 21). É nesse nome que nós estamos aqui reunidos. Saúdo
cordialmente todos os presentes, a começar pelos ilustres Embaixadores do
Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé. Saúdo com afeto o Cardeal
Bertone, meu Secretário de Estado e ao Cardeal Turkson, com todos os
membros do Conselho Pontifício Justiça e Paz; sou-lhes particularmente grato
por seus esforços na difusão da Mensagem para o Dia Mundial da Paz, que este
ano tem como tema “Bem-aventurados os obreiros da paz”. Embora o mundo,
infelizmente, ainda esteja marcado com “focos de tensão e conflito causados por
crescentes desigualdades entre ricos e pobres, pelo predomínio duma
mentalidade egoísta e individualista que se exprime inclusivamente por um
capitalismo financeiro desregrado”, além de diversas formas de terrorismo e
criminalidade, estou convencido de que as inúmeras obras de paz, de que é rico
o mundo, testemunham a vocação natural da humanidade à paz. Em cada
pessoa, o desejo de paz é uma aspiração essencial e coincide, de certo modo,
com o anelo por uma vida humana plena, feliz e bem-sucedida. Por outras
palavras, o desejo de paz corresponde a um princípio moral fundamental, ou
seja, ao dever-direito de um desenvolvimento integral, social, comunitário, e isto
faz parte dos desígnios que Deus tem para o homem. Na verdade, o homem é
feito para a paz, que é dom de Deus. Tudo isso me sugeriu buscar inspiração,
para esta Mensagem, às palavras de Jesus Cristo: “Bem-aventurados os
obreiros da paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5, 9) (Mensagem,
1). Esta bem-aventurança “diz que a paz é, simultaneamente, dom messiânico e
obra humana.... é paz com Deus, vivendo conforme à sua vontade; é paz interior
consigo mesmo, e paz exterior com o próximo e com toda a criação” (Ibid., 2 e
3). Sim, a paz é bem por excelência que deve ser invocado como um dom de
Deus e, ao mesmo tempo, que deve ser construído com todo o esforço. Podemos
perguntar-nos: qual é o fundamento, a origem, a raiz dessa paz? Como podemos
sentir em nós a paz, apesar dos problemas, da escuridão e das angústias? A
resposta nos é dada pelas leituras da liturgia de hoje. Os textos bíblicos, a
começar pelo Evangelho de Lucas, há pouco proclamado, nos propõe a
contemplação da paz interior de Maria, a Mãe de Jesus. Durante os dias em que
“deu à luz o seu filho primogênito” (Lc 2,7), Maria deve de afrontar muitos
acontecimentos imprevistos: não só o nascimento do Filho, mas antes a árdua
viagem de Nazaré à Belém; não encontrar um lugar no alojamento; a procura de
um abrigo improvisado no meio da noite; e depois o cântico dos anjos, a visita
inesperada dos pastores. Maria, no entanto, não se perturba com todos estes
fatos, não se agita, não se abala com acontecimentos que lhe superam; Ela
simplesmente considera, em silêncio, tudo quanto acontece, guardando na sua
memória e no seu coração, refletindo com calma e serenidade. É esta é a paz
interior que queremos ter em meio aos acontecimentos às vezes tumultuosos e
confusos da história, acontecimentos cujo sentido muitas vezes não
conseguimos compreender e que nos deixam abalados. A passagem do
Evangelho termina com uma menção à circuncisão de Jesus. Conforme a Lei de
Moisés, oito dias após o nascimento, o menino devia ser circuncidado, e nesse

54
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

momento lhe era dado o nome. O próprio Deus, através de seu mensageiro,
dissera a Maria - e também a José – que o nome a ser dado para a criança era
“Jesus” (cf. Mt 1, 21; Lc 1, 31), e assim aconteceu. Aquele nome que Deus já
tinha estabelecido antes mesmo que o Menino fosse concebido, lhe é dado
oficialmente no momento da circuncisão. E isto marca definitivamente a
identidade de Maria: ela é “a mãe de Jesus”, ou seja, a mãe do Salvador, do
Cristo, do Senhor. Jesus não é um homem como qualquer outro, mas é o Verbo
de Deus, uma das Pessoas divinas, o Filho de Deus: por isso a Igreja deu a
Maria o título de Theotókos, ou seja, “Mãe de Deus”. A primeira leitura nos
recorda que a paz é um dom de Deus e está ligada ao esplendor da face de
Deus, de acordo com o texto do Livro dos Números, que transmite a bênção
usada pelos sacerdotes do povo de Israel nas assembleias litúrgicas. Uma
bênção que por três vezes repete o santo Nome de Deus, o nome
impronunciável, ligando a cada repetição o santo Nome a dois verbos que
indicam uma ação em favor do homem: “O Senhor te abençoe e te guarde. O
Senhor faça brilhar sobre ti a sua face, e se compadeça de ti. O Senhor volte
para ti o seu rosto e te dê a paz” (6, 24-26). A paz é, portanto, o ponto culminante
dessas seis ações de Deus em nosso favor, em que Ele nos dirige o esplendor
da sua face. Para a Sagrada Escritura, a contemplar a face de Deus é a felicidade
suprema: “o cobristes de alegria em vossa face”, diz o salmista (Sl 21, 7). Da
contemplação da face de Deus nascem alegria, paz e segurança. Mas o que
significa concretamente contemplar a face do Senhor, tal como se entende no
Novo Testamento? Significa conhecê-Lo diretamente, tanto quanto é possível
nesta vida, através de Jesus Cristo, no qual Deus se revelou. Deleitar-se com o
esplendor da face de Deus significa penetrar no mistério de seu Nome
manifestado a nós por Jesus, compreender algo da sua vida íntima e da sua
vontade, para que possamos viver de acordo com seu desígnio de amor para a
humanidade. O apóstolo Paulo expressa justamente isso na segunda leitura, da
Carta aos Gálatas (4, 4-7), afirmando que do Espírito, que no íntimo dos nossos
corações, clama: “Abá! Ó Pai”. É o clamor que brota da contemplação da
verdadeira face de Deus, da revelação do mistério do Nome. Jesus diz:
“Manifestei o teu nome aos homens” (Jo 17, 6). O Filho de Deus feito carne nos
deu a conhecer o Pai, nos fez perceber no seu rosto humano visível a face
invisível do Pai; através do dom do Espírito Santo derramado em nossos
corações, nos fez conhecer que n’Ele nós também somos filhos de Deus, como
diz São Paulo na passagem que escutamos: “Porque sois filhos, Deus enviou
aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abá! Ó Pai” (Gal 4, 6).
Queridos irmãos e irmãs, eis o fundamento da nossa paz: a certeza de
contemplar em Jesus Cristo o esplendor da face de Deus, de ser filhos no Filho
e ter, assim, na estrada da vida, a mesma segurança que a criança sente nos
braços de um Pai bom e onipotente. O esplendor da face do Senhor sobre nós,
que nos dá a paz, é a manifestação da sua paternidade; o Senhor dirige sobre
nós a sua face, se mostra como Pai e nos dá a paz. Aqui está o princípio daquela
paz profunda – “paz com Deus” - que está intimamente ligada à fé e à graça,

55
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

como escreve São Paulo aos cristãos de Roma (Rm 5, 2). Nada pode tirar
daqueles que creem esta paz, nem mesmo as dificuldades e os sofrimentos da
vida. De fato, os sofrimentos, as provações e a escuridão não corroem, mas
aumentam a nossa esperança, uma esperança que não decepciona, porque “o
amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos
foi dado” (Rm 5, 5). Que a Virgem Maria, que hoje veneramos com o título de
Mãe de Deus, nos ajude a contemplar a face de Jesus, Príncipe da Paz. Que Ela
nos ajude e nos acompanhe neste novo ano; que Ela obtenha para nós e para o
mundo inteiro o dom da paz. Amém!

ÂNGELUS – SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS - 01 de janeiro de


2013
Prezados irmãos e irmãs, bom ano a todos! Neste primeiro dia de 2013, gostaria
de transmitir a bênção de Deus a cada homem e a cada mulher do mundo. Faço-
o com a antiga fórmula contida na Sagrada Escritura: “Que o Senhor te abençoe
e te guarde! O Senhor te mostre a sua face e te conceda a sua graça! O Senhor
dirija o seu rosto para ti e te conceda a sua paz!” (Nm 6, 24-26). Assim como a
luz e o calor do sol são uma bênção para a terra, também a luz de Deus o é para
a humanidade, quando Ele faz resplandecer o seu rosto sobre ela. Foi isto que
aconteceu com o nascimento de Jesus Cristo! Deus fez resplandecer o seu rosto
para nós: no início, de modo humilde, escondido — em Belém, somente Maria,
José e alguns pastores foram testemunhas desta revelação; mas pouco a pouco,
como o sol que da aurora chega ao meio-dia, a luz de Cristo aumentou e
propagou-se em toda a parte. Já no breve tempo da sua vida terrena, Jesus de
Nazaré fez resplandecer o rosto de Deus na Terra Santa; e depois, mediante a
Igreja animada pelo seu Espírito, estendeu o Evangelho da paz a todos os povos.
“Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens do seu agrado”
(Lc 2, 14). Este é o cântico dos anjos no Natal, e é também o canto dos cristãos
debaixo de todos os céus; um cântico que dos corações e dos lábios passa para
os gestos concretos, nas obras do amor que constroem o diálogo, a
compreensão e a reconciliação. Por isso, oito dias depois do Natal, quando a
Igreja, como a Virgem Mãe Maria, mostra ao mundo o recém-nascido Jesus,
Príncipe da Paz, nós celebramos o Dia Mundial da Paz. Sim, aquele Menino, que
é a Palavra de Deus que se fez carne, veio trazer aos homens uma paz que o
mundo não pode dar (cf. Jo 14, 27). A sua missão consiste em abater o “muro
da inimizade” (cf. Ef 2, 14). E quando, à margem do lago da Galileia, Ele
proclama as suas “Bem-Aventuranças”, entre elas há também: “Bem-
aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5, 9).
Quem são os pacificadores? São todos aqueles que, no dia a dia, procuram
derrotar o mal com o bem, com a força da verdade, com as armas da oração e
do perdão, com o trabalho honesto e bem-feito, com a investigação científica ao
serviço da vida, com as obras de misericórdia corporal e espiritual. Os
pacificadores são numerosos, mas não fazem ruído. Como o fermento na massa,
eles fazem crescer a humanidade, segundo o desígnio de Deus. Neste primeiro

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

Angelus do ano novo, peçamos a Maria Santíssima, Mãe de Deus, que nos
abençoe, como a mãe abençoa os seus filhos que devem partir para uma
viagem. Um ano novo é como uma viagem: com a luz e a graça de Deus, possa
ser um caminho de paz para cada homem e para cada família, para cada país e
para o mundo inteiro.

HOMILIA - SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR - 06 de janeiro de 2007


Queridos irmãos e irmãs! Celebramos com alegria a solenidade da Epifania,
"manifestação" de Cristo às Nações, que são representadas pelos Magos,
personagens misteriosas que vieram do Oriente. Celebramos Cristo, meta da
peregrinação dos povos em busca da salvação. Na primeira Carta ouvimos o
profeta, inspirado por Deus, contemplar Jerusalém como um farol de luz, que, no
meio das trevas e entre as neblinas da terra, orienta o caminho de todos os
povos. A glória do Senhor resplandece sobre a Cidade santa e atrai antes de
tudo os seus filhos deportados e dispersos, mas ao mesmo tempo também as
nações pagãs, que de todas as partes vêm a Sião como uma prática comum,
enriquecendo-a com os seus bens (cf. Is 60, 1-6). Na segunda Leitura foi-nos
reproposto o que o apóstolo Paulo escreveu aos Efésios, isto é, que
precisamente o convergir de Judeus e Gentios, por iniciativa amorosa de Deus,
na única Igreja de Cristo era "o mistério" manifestado na plenitude do tempo, a
"graça" de que Deus o tinha constituído ministro (cf. Ef 3, 2-3a.5-6). Daqui a
pouco no Prefácio cantaremos: "Hoje em Cristo luz do mundo / Tu revelaste aos
povos o mistério da salvação". Transcorreram vinte séculos desde quando este
mistério foi revelado e realizado em Cristo, mas ele ainda não chegou ao seu
cumprimento. O amado Predecessor João Paulo II, ao iniciar a sua Encíclica
sobre a missão da Igreja, escreveu que "no final do segundo milénio, uma visão
de conjunto da humanidade mostra que tal missão está ainda no começo" (cf.
Redemptoris missio, 1). Surgem então espontâneas algumas perguntas: em que
sentido, hoje, Cristo ainda é Lumen gentium, luz das nações? A que ponto
chegou se assim se pode dizer este itinerário universal dos povos em direção a
Ele? Está numa fase de progresso ou de regresso? E ainda: quem são hoje os
Magos? Como podemos interpretar, pensando no mundo atual, estas
misteriosas figuras evangélicas? Para responder a estas perguntas, gostaria de
voltar a quanto disseram em relação a isto os Padres do Concílio Vaticano II. E
apraz-me acrescentar que, logo após o Concílio, o servo de Deus Paulo VI, há
precisamente quarenta anos, a 26 de Março de 1967, dedicou ao
desenvolvimento dos povos a Encíclica Populorum progressio. Na verdade, todo
o Concílio Vaticano II foi movido pelo anseio de anunciar à humanidade
contemporânea Cristo, luz do mundo. No coração da Igreja, a partir do vértice da
sua hierarquia, sobressaiu impelente, suscitado pelo Espírito Santo, o desejo de
uma nova epifania de Cristo para o mundo, um mundo que a época moderna
tinha transformado profundamente e que pela primeira vez na história se
encontrava a fazer frente ao desafio de uma civilização global, onde o centro já
não podia continuar a ser a Europa e nem sequer aqueles a que chamamos o

57
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

Ocidente e o Norte do mundo. Sobressaía a exigência de elaborar uma nova


ordem mundial política e económica, mas ao mesmo tempo e sobretudo,
espiritual e cultural, isto é, um renovado humanismo. Esta constatação impunha-
se com evidência crescente, uma nova ordem mundial económica e política não
funciona se não há uma renovação espiritual, se não nos podemos aproximar de
novo de Deus e encontrar Deus entre nós. Já antes do Concílio Vaticano II
consciências iluminadas de pensadores cristãos tinham intuído e enfrentado este
desafio epocal. Pois bem, no início do terceiro milénio encontramo-nos no âmago
desta fase da história humana, que já está tematizada na palavra "globalização".
Por outro lado, hoje damo-nos conta de como é fácil perder de vista os termos
deste mesmo desafio, precisamente porque estamos envolvidos nele: um risco
grandemente fortalecido pela mídia, que, se por um lado multiplica
indefinidamente as informações, por outro parecem enfraquecer as nossas
capacidades de uma síntese crítica. A solenidade de hoje pode oferecer-nos esta
perspectiva, a partir da manifestação de um Deus que se revelou na história
como luz do mundo, para guiar e introduzir finalmente a humanidade na terra
prometida, onde reinarão liberdade, justiça e paz. E vemos cada vez mais que
não podemos promover sozinhos a justiça e a paz, se não se nos manifesta a
luz de um Deus que nos mostra o seu rosto, que se nos apresenta na manjedoura
de Belém, que nos aparece na Cruz. Quem são, portanto, os "Magos" de hoje, e
a que ponto está a sua e a nossa "viagem?". Queridos irmãos e irmãs, voltemos
àquele momento de especial graça que foi a conclusão do Concílio Vaticano II,
a 8 de Dezembro de 1965, quando os Padres conciliares dirigiram à humanidade
inteira algumas "Mensagens". A primeira destinava-se "Aos Governantes", a
segunda "Aos homens de pensamento e de ciência". São duas categorias de
pessoas que de certa forma podemos ver representadas nas figuras evangélicas
dos Magos. Gostaria de acrescentar a terceira, à qual o Concílio não dirigiu
mensagem alguma, mas que esteve muito presente na sua atenção na
Declaração conciliar Nostra aetate. Refiro-me às guias espirituais das grandes
religiões não cristãs. À distância de dois mil anos, podemos, portanto,
reconhecer nas figuras dos Magos uma espécie de prefiguração destas três
dimensões constitutivas do humanismo moderno: a dimensão política, a
científica e a religiosa. A Epifania no-lo mostra em estado de "peregrinação", isto
é, num movimento de pesquisa, muitas vezes um pouco confundida que,
definitivamente, tem o seu ponto de chegada em Cristo, mesmo se algumas
vezes a estrela se esconde. Ao mesmo tempo, mostra-nos Deus que por sua vez
está em peregrinação em direção ao homem. Não há só a peregrinação do
homem para Deus; o próprio Deus se pôs a caminho em direção a nós: quem é
de facto Jesus, a não ser Deus que saiu, por assim dizer, de si mesmo para vir
ao encontro da humanidade? Ele, por amor, fez-se história na nossa história; por
amor veio trazer-nos o germe da vida nova (cf. Jo 3, 3-6) e lançá-la nos sulcos
da nossa terra, para que germine, floresça e dê fruto. Gostaria hoje de fazer
minhas aquelas Mensagens conciliares, que nada perderam da sua atualidade.
Como por exemplo onde, na Mensagem dirigida aos Governantes, se lê:

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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

“Compete a vós, ser na terra, os promotores da ordem e da paz entre os homens.


Mas não vos esqueçais: é Deus, o Deus vivo e verdadeiro, que é o Pai dos
homens. E é Cristo, seu Filho eterno, que veio para nos dizer e fazer
compreender que todos somos irmãos. É Ele, o grande artífice da ordem e da
paz na terra, porque é Ele que conduz a história humana e que, pode induzir os
corações a renunciar às paixões pervertidas que geram a guerra e o sofrimento”.
Como não reconhecer nestas palavras dos Padres conciliares o vestígio
luminoso de um caminho, o único, que pode transformar a história das Nações
e do mundo? E ainda, na “Mensagem aos homens de pensamento e de ciência”,
lemos: “Continuai a pesquisar, sem nunca renunciar, sem jamais desesperar da
verdade” é este de fato o grande perigo: perder o interesse pela verdade e
procurar apenas o agir, a eficiência, o pragmatismo! “Recordai-vos, continuam
os Padres conciliares, das palavras de um vosso grande amigo, Santo
Agostinho: ‘Procuremos com o desejo de encontrar, e encontremos com o desejo
de procurar ainda’. Felizes os que, possuindo a verdade, a continuam a procurar,
para a renovar, aprofundar e doar aos outros. Felizes os que, não a tendo
encontrado, caminham rumo a ela de coração sincero: que eles procurem a luz
futura com a razão de hoje, até à plenitude da luz!”. Isto foi dito nas duas
Mensagens conciliares. Os Chefes dos povos, os pesquisadores e os cientistas,
hoje mais do que nunca, devem apoiar-se com os representantes das grandes
tradições não cristãs, convidando-os a confrontar-se com a luz de Cristo, que
veio não para abolir, mas para levar a cumprimento o que a mão de Deus
escreveu na história religiosa das civilizações, sobretudo nas “grandes almas”,
que contribuíram para edificar a humanidade com a sua sabedoria e com os seus
exemplos de virtudes. Cristo é luz, e a luz não pode obscurecer, mas apenas
iluminar, esclarecer, revelar. Portanto, ninguém tenha receio de Cristo e da sua
mensagem! E se ao longo da história os cristãos, sendo homens limitados e
pecadores, por vezes o traíram com os seus comportamentos, isto faz sobressair
ainda mais que a luz é Cristo e que a Igreja a reflete unicamente permanecendo
unida a Ele. “Vimos a sua estrela no oriente e viemos para adorar o Senhor”
(Aclamação ao Evangelho, cf. Mt 3 2, 2). O que nos surpreende sempre, ao ouvir
estas palavras dos Magos, é que eles se prostaram em adoração diante de um
simples menino nos braços da sua mãe, não no quadro de um palácio real, mas
na pobreza de uma cabana em Belém (cf. Mt 2, 11). Como foi possível? Que
convenceu os Magos que aquele menino era “o rei dos Judeus” e o rei dos
povos? Certamente persuadiu-os o sinal da estrela, que eles tinham visto “surgir”
e que tinha parado precisamente ali onde se encontrava o Menino (cf. Mt 2, 9).
Mas também a estrela não teria sido suficiente, se os Magos não fossem
pessoas intimamente abertas à verdade. Ao contrário do rei Herodes, tomado
pelos seus interesses de poder e de riquezas, os Magos propendiam para a meta
da sua busca, e quando a encontraram, mesmo sendo homens cultos,
comportaram-se como os pastores de Belém: reconheceram o sinal e adoraram
o Menino, oferecendo-lhe os dons preciosos e simbólicos que tinham levado
consigo. Queridos irmãos e irmãs, detenhamo-nos também nós idealmente

59
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

diante do ícone da adoração dos Magos. Ele contém uma mensagem exigente
e sempre atual. Exigente e sempre atual antes de tudo para a Igreja que,
espelhando-se em Maria, está chamada a mostrar Jesus aos homens, nada mais
do que Jesus. De facto, Ele é o Tudo e a Igreja existe unicamente para
permanecer unida a Ele e dá-Lo a conhecer ao mundo. Ajude-nos a Mãe do
Verbo encarnado a sermos discípulos dóceis do seu Filho, Luz das nações. O
exemplo dos Magos de então é um convite também para os Magos de hoje a
abrir as mentes e os corações e a oferecer-lhe os dons da sua busca. A eles, a
todos os homens do nosso tempo, gostaria de repetir hoje: não tenhais medo da
luz de Cristo! A sua luz é o esplendor da verdade. Deixai-vos iluminar por Ele,
povos da terra; deixai-vos arrebatar pelo seu amor e encontrareis o caminho da
paz. Assim seja.

ANGELUS - SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR - 06 de janeiro de 2007


A hodierna solenidade da Epifania celebra a manifestação de Cristo aos Magos,
acontecimento a que Mateus dá grande relevo (cf. Mt 2, 1-12). Narra no seu
Evangelho que alguns "Magos" provavelmente chefes religiosos persas
chegaram a Jerusalém guiados por uma "estrela", um fenômeno luminoso
celeste por eles interpretado como sinal do nascimento de um novo rei dos
Judeus. Na cidade ninguém estava ao corrente, aliás, o rei reinante, Herodes,
permaneceu muito perturbado com a notícia e concebeu o trágico desígnio do
“massacre dos inocentes”, para eliminar o rival acabado de nascer. Os Magos,
ao contrário, confiaram nas Sagradas Escrituras, sobretudo na Profecia de
Miqueias segundo a qual o Messias teria nascido em Belém, a cidade de David,
situada a cerca de dez quilômetros ao sul de Jerusalém (cf. Mq 5, 1). Tendo
partido naquela direção, viram de novo a estrela e, cheios de alegria, seguiram-
na até quando ela parou sobre uma cabana. Entraram e encontraram o Menino
com Maria; prostaram-se diante d'Ele e, como homenagem à sua dignidade real,
ofereceram-lhe ouro, incenso e mirra. Por que é tão importante este
acontecimento? Porque nele se começou a realizar a adesão dos povos pagãos
à fé em Cristo, segundo a promessa feita por Deus a Abraão, sobre a qual refere
o Livro do Gênesis: “Todas as famílias da Terra serão em ti abençoadas” (Gn 12,
3). Portanto, se Maria, José e os pastores de Belém representam o povo de Israel
que acolheu o Senhor, os Magos são ao contrário as primícias das Nações,
chamadas também elas a fazer parte da Igreja, novo povo de Deus, baseado
não já na homogeneidade étnica, linguística ou cultural, mas unicamente na fé
comum em Jesus, Filho de Deus. Portanto, a Epifania de Cristo é ao mesmo
tempo epifania da Igreja, isto é, manifestação da sua vocação e missão
universal. Dirijamo-nos agora à Virgem Maria, Estrela da evangelização: por sua
intercessão, possam os cristãos de todas as partes da terra viver como filhos da
luz e conduzir os homens a Cristo, verdadeira luz do mundo.

HOMILIA - SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR - 06 de janeiro de 2010


Caros irmãos e irmãs, hoje, Solenidade da Epifania, a grande luz que irradia da
Gruta de Belém, através dos Magos provenientes do Oriente, inunda a
60
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

humanidade inteira. A primeira leitura, tirada do Livro do profeta Isaías, e o trecho


do Evangelho de Mateus, que acabamos de ouvir, colocam um ao lado do outro
a promessa e o seu cumprimento, naquela particular tensão que se encontra
quando se leem em sequência trechos do Antigo e do Novo Testamento. Eis que
aparece diante de nós a maravilhosa visão do profeta Isaías que, depois das
humilhações padecidas pelo povo de Israel por parte das potências deste
mundo, vê o momento em que a grande luz de Deus, aparentemente sem poder
e incapaz de proteger o seu povo, surgirá sobre toda a terra, de maneira que os
reis das nações se inclinarão diante dele, virão de todos os confins da terra e
depositarão aos seus pés os seus tesouros mais preciosos. Então, o coração do
povo trepidará de alegria. Em comparação com esta visão, aquela que nos
apresenta o evangelista Mateus parece pobre e modesta: parece-nos impossível
reconhecer nela o cumprimento das palavras do profeta Isaías. Com efeito, a
Belém não chegam os poderosos nem os reis da terra, mas alguns Magos,
personagens desconhecidas, talvez vistas com suspeita, de qualquer maneira
não dignos de atenção particular. Os habitantes de Jerusalém estão informados
sobre aquilo que aconteceu, mas não consideram necessário preocupar-se, nem
sequer parece haver em Belém alguém que se interesse pelo nascimento deste
Menino, chamado pelos Magos Rei dos Judeus, ou por estes homens vindos do
Oriente que O vão visitar. Com efeito, pouco depois, quando o rei Herodes faz
compreender quem é que efetivamente detém o poder, obrigando a Sagrada
Família a fugir para o Egito e oferecendo uma prova da sua crueldade com o
massacre dos inocentes (cf. Mt 2, 13- 18), o episódio dos Magos parece ser
eliminado e esquecido. Portanto, é compreensível que o coração e a alma dos
crentes de todos os séculos se sintam mais atraídos pela visão do profeta do
que pela sóbria narração do evangelista, como testemunham também as
representações desta visita aos nossos presépios, onde aparecem os camelos,
os dromedários e os reis poderosos deste mundo que se ajoelham diante do
Menino e depositam aos seus pés os seus dons em caixas preciosas. Todavia,
é necessário prestar maior atenção àquilo que os dois textos nos comunicam.
Na realidade, que viu Isaías com o seu olhar profético? Num só momento, ele
vislumbra uma realidade destinada a marcar toda a história. Mas também o
acontecimento que Mateus nos narra não é um breve episódio insignificante, que
se conclui com o regresso apressado dos Magos às suas terras. Ao contrário, é
um início. Aquelas personagens provenientes do Oriente não são as últimas,
mas as primeiras da grande procissão daqueles que, através de todas as épocas
da história, sabem reconhecer a mensagem da estrela, sabem caminhar pelas
veredas indicadas pela Sagrada Escritura e, assim, sabem encontrar Aquele que
é aparentemente fraco e frágil, mas que, ao contrário, tem o poder de conferir a
maior e mais profunda alegria ao coração do homem. Com efeito, nele manifesta-
se a realidade maravilhosa que Deus nos conhece e está próximo de nós, que a
sua grandeza e poder não se manifestam na lógica do mundo, mas na lógica de
um Menino inerme, cuja força é unicamente a do amor que se confia a nós. No
caminho da história, há sempre pessoas que são iluminadas pela luz da estrela,

61
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

que encontram o caminho e chegam até Ele. Todas vivem, cada uma à sua
maneira, a mesma experiência dos Magos. Eles levaram ouro, incenso e mirra.
Sem dúvida, não são dons que correspondem às necessidades primárias ou
quotidianas. Naquele momento, a Sagrada Família certamente teria tido mais
necessidade de algo diferente do incenso e da mirra, e nem sequer o ouro podia
ser-lhe imediatamente útil. Mas estes dons têm um profundo significado: são um
ato de justiça. Com efeito, segundo a mentalidade em vigor nessa época no
Oriente, representam o reconhecimento de uma pessoa como Deus e Rei: ou
seja, são um ato de submissão. Querem dizer que a partir daquele momento os
doadores pertencem ao soberano e reconhecem a sua autoridade. A
consequência a que isto dá origem é imediata. Os Magos já não podem continuar
pelo seu caminho, já não podem regressar para junto de Herodes, já não podem
ser aliados com aquele soberano poderoso e cruel. Foram conduzidos para
sempre pela senda do Menino, aquela que lhes fará ignorar os grandes e os
poderosos deste mundo e que os conduzirá para Aquele que nos espera no meio
dos pobres, o único caminho do amor que pode transformar o mundo. Portanto,
os Magos não só se puseram a caminho, mas a partir daquele seu gesto teve
início algo de novo, foi traçado um novo caminho, desceu sobre o mundo uma
nova luz que não se apagou. Realiza-se a visão do profeta: aquela luz não pode
mais ser ignorada no mundo: os homens caminharão rumo àquele Menino e
serão iluminados pela alegria que só Ele sabe doar. A luz de Belém continua a
resplandecer no mundo inteiro. A quantos a acolheram, Santo Agostinho
recorda: “Também nós, reconhecendo Cristo, nosso rei e sacerdote morto por
nós, O honramos como se tivéssemos oferecido ouro, incenso e mirra; só nos
falta dar testemunho dele, percorrendo um caminho diferente daquele pelo qual
viemos” (Sermo 202. In Epiphania Domini, 3, 4). Por conseguinte, se lemos
juntos a promessa do profeta Isaías e o seu cumprimento no Evangelho de
Mateus, no grande contexto de toda a história, parece evidente que o que nos é
dito e que no presépio procuramos reproduzir, não é um sonho, nem sequer um
inútil jogo de sensações e de emoções, desprovidas de vigor e de realidade, mas
é a Verdade que se irradia no mundo, mesmo que Herodes pareça ser sempre
mais forte e aquele Menino pareça poder ser incluído entre aqueles que não têm
importância, ou até espezinhado. Mas somente naquele Menino se manifesta a
força de Deus, que reúne os homens de todos os séculos, para que sob o seu
senhorio percorram o caminho do amor, que transfigura o mundo. Todavia,
embora os poucos de Belém se tenham tornado muitos, os crentes em Jesus
Cristo parecem ser sempre poucos. Muitos viram a estrela, mas só poucos
compreenderam a sua mensagem. Os estudiosos da Escritura do tempo de
Jesus conheciam perfeitamente a palavra de Deus. Eram capazes de dizer sem
qualquer dificuldade o que se podia encontrar nela a respeito do lugar onde o
Messias teria nascido, mas, como Santo Agostinho diz: “Aconteceu com eles
como com as pedras miliárias (que indicam o caminho): enquanto davam
indicações aos romeiros a caminho, eles permaneciam inertes e imóveis” (Sermo
199. In Epiphania Domini, 1, 2). Então, podemos perguntar-nos: qual é a razão

62
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

pela qual alguns veem e encontram, e outros não? O que abre os olhos e o
coração? O que falta àqueles que permanecem indiferentes, aos que indicam o
caminho, mas não se movem? Podemos responder: a demasiada segurança em
si mesmos, a pretensão de conhecer perfeitamente a realidade, a presunção de
já ter formulado um juízo definitivo sobre as coisas tornam os seus corações
fechados e insensíveis à novidade de Deus. Sentem-se seguros da ideia do
mundo que formularam para si mesmos e não se deixam abalar no seu íntimo
pela aventura de um Deus que deseja encontrá-los. Depositam a sua confiança
mais em si próprios do que nele e não julgam possível que Deus seja tão grande
a ponto de se poder tornar pequeno, de se poder aproximar verdadeiramente de
nós. No final, o que falta é a humildade autêntica, que sabe submeter-se ao que
é maior, mas também a coragem genuína, que leva a crer naquilo que é
verdadeiramente grande, mesmo que se manifeste num Menino inerme. Falta a
capacidade evangélica de ser criança no coração, de se admirar e de sair de si
mesmo para seguir o caminho indicado pela estrela, o caminho de Deus. Porém,
o Senhor tem o poder de nos tornar capazes de ver e de nos salvarmos. Então,
queremos pedir-lhe que nos dê um coração sábio e inocente, que nos permita
ver a estrela da sua misericórdia e seguir o seu caminho, para O encontrar e ser
inundados pela grande luz e pela verdadeira alegria que Ele trouxe a este
mundo. Amém!

ANGELUS - SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR - 06 de janeiro de 2010


Queridos irmãos e irmãs! Celebramos hoje a grande festa da Epifania, o mistério
da Manifestação do Senhor a todas as nações, representadas pelos Magos, que
vieram do Oriente para adorar o Rei dos Judeus (cf. Mt 2, 1-2). São Mateus, que
narra o acontecimento, ressalta como eles chegaram a Jerusalém seguindo uma
estrela, vista surgir e interpretada como sinal do nascimento do Rei anunciado
pelos profetas, isto é, o Messias. Mas, tendo chegado a Jerusalém, os Magos
precisaram das indicações dos sacerdotes e dos escribas para conhecer
exatamente o lugar aonde ir, isto é, Belém, a cidade de David (cf. Mt 2, 5-6; Mq
5, 1). A estrela e as Sagradas Escrituras foram as duas luzes que guiaram o
caminho dos Magos, os quais são para nós modelos dos autênticos
pesquisadores da verdade. Eles eram sábios, que perscrutavam os astros e
conheciam a história dos povos. Eram homens de ciência num sentido amplo,
que observavam o cosmos considerando-o quase como um grande livro cheio
de sinais e de mensagens divinas para o homem. Por conseguinte, o seu saber,
longe de ser considerado autossuficiente, era aberto a ulteriores revelações e
apelos divinos. Teriam podido dizer: fazemos sozinhos, não precisamos de
ninguém, evitando, segundo a nossa mentalidade de hoje, qualquer
“contaminação” entre a ciência e a Palavra de Deus. Ao contrário, os Magos
ouviram as profecias e acolheram-nas; e, logo que se puseram a caminho rumo
a Belém, viram novamente a estrela, quase como confirmação de uma perfeita
harmonia entre a busca humana e a Verdade divina, uma harmonia que encheu
de alegria os seus corações de sábios autênticos (cf. Mt 2, 10). O ápice do seu

63
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

itinerário de busca foi quando se encontraram diante “do menino com Maria sua
mãe” (Mt 2, 11). Diz o Evangelho que “se prostraram e o adoraram”. Teriam
podido ficar desiludidos, aliás, escandalizados. Mas não! Como verdadeiros
sábios, estão abertos ao mistério que se manifesta de modo surpreendente; e
com os seus dons simbólicos demonstram reconhecer em Jesus o Rei e o Filho
de Deus. Precisamente com aquele gesto cumprem-se os oráculos messiânicos
que anunciam a homenagem das nações ao Deus de Israel. Um último pormenor
confirma, nos Magos, a unidade entre inteligência e fé: é o facto de que,
“avisados em sonho a não voltarem para junto de Herodes, regressaram à sua
terra por outro caminho” (Mt 2, 12). Teria sido natural voltar a Jerusalém, ao
palácio de Herodes e ao Templo, para dar realce à sua descoberta. Ao contrário,
os Magos, que escolheram como seu soberano o Menino, guardaram-na no
escondimento, segundo o estilo de Maria, ou melhor, do próprio Deus e, assim
como tinham surgido, desapareceram no silêncio, satisfeitos, mas também
transformados pelo encontro com a Verdade. Tinham descoberto um novo rosto
de Deus, uma nova realeza: a do amor. Ajude-nos a Virgem Maria, modelo de
verdadeira sabedoria, a ser autênticos pesquisadores da verdade sobre Deus,
capazes de viver sempre a profunda sintonia que existe entre razão e fé, ciência
e revelação.

HOMILIA - SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR - 06 de janeiro de 2013


Amados irmãos e irmãs! Para a Igreja crente e orante, os Magos do Oriente, que,
guiados pela estrela, encontraram o caminho para o presépio de Belém, são
apenas o princípio duma grande procissão que permeia a história. Por isso, a
liturgia lê o Evangelho que fala do caminho dos Magos juntamente com as
estupendas visões proféticas de Isaías 60 e do Salmo 72 que ilustram, com
imagens ousadas, a peregrinação dos povos para Jerusalém. Assim como os
pastores – os primeiros convidados para irem até junto do Menino recém-nascido
deitado na manjedoura – personificam os pobres de Israel e, em geral, as almas
simples que interiormente vivem muito perto de Jesus, assim também os homens
vindos do Oriente personificam o mundo dos povos, a Igreja dos gentios: os
homens que, ao longo de todos os séculos, se encaminham para o Menino de
Belém, n’Ele honram o Filho de Deus e se prostram diante d’Ele. A Igreja chama
a esta festa “Epifania” – a manifestação do Divino. Se considerarmos o facto de
que desde então homens de todas as proveniências, de todos os continentes,
das mais diversas culturas e das diferentes formas de pensamento e de vida se
puseram, e estão, a caminho de Cristo, podemos verdadeiramente dizer que esta
peregrinação e este encontro com Deus na figura do Menino é uma Epifania da
bondade de Deus e do seu amor pelos homens (cf. Tt 3, 4). Seguindo uma
tradição iniciada pelo Beato Papa João Paulo II, celebramos a festa da Epifania
também como dia da Ordenação episcopal de quatro sacerdotes que daqui em
diante irão colaborar, em diferentes funções, com o Ministério do Papa em prol
da unidade da única Igreja de Jesus Cristo na pluralidade das Igrejas
particulares. A conexão entre esta Ordenação episcopal e o tema da

64
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

peregrinação dos povos para Jesus Cristo é evidente. O Bispo tem a missão não
apenas de se incorporar nesta peregrinação juntamente com os demais, mas de
ir à frente e indicar a estrada. Nesta liturgia, porém, queria refletir convosco sobre
uma questão ainda mais concreta. Com base na história narrada por Mateus,
podemos certamente fazer uma ideia aproximada do tipo de homens que,
seguindo o sinal da estrela, se puseram a caminho para encontrar aquele Rei
que teria fundado uma nova espécie de realeza, e não só para Israel, mas para
a humanidade inteira. Que tipo de homens seriam então eles? E perguntemo-
nos também se a partir deles, não obstante a diferença dos tempos e das
funções, seja possível vislumbrar algo do que é o Bispo e de como deve ele
cumprir a sua missão. Os homens que então partiram rumo ao desconhecido
eram, em definitiva, pessoas de coração inquieto; homens inquietos movidos
pela busca de Deus e da salvação do mundo; homens à espera, que não se
contentavam com seus rendimentos assegurados e com uma posição social
provavelmente considerável, mas andavam à procura da realidade maior. Talvez
fossem homens eruditos, que tinham grande conhecimento dos astros e,
provavelmente, dispunham também duma formação filosófica; mas não era
apenas saber muitas coisas que queriam; queriam sobretudo saber o essencial,
queriam saber como se consegue ser pessoa humana. E, por isso, queriam
saber se Deus existe, onde está e como é; se Se preocupa conosco e como
podemos encontrá-Lo. Queriam não apenas saber; queriam conhecer a verdade
acerca de nós mesmos, de Deus e do mundo. A sua peregrinação exterior era
expressão deste estar interiormente a caminho, da peregrinação interior do seu
coração. Eram homens que buscavam a Deus e, em última instância,
caminhavam para Ele; eram indagadores de Deus. Chegamos assim à questão:
Como deve ser um homem a quem se impõem as mãos para a Ordenação
episcopal na Igreja de Jesus Cristo? Podemos dizer: deve ser sobretudo um
homem cujo interesse se dirige para Deus, porque só então é que ele se
interessa verdadeiramente também pelos homens. E, vice-versa, podemos dizer:
um Bispo deve ser um homem que tem a peito os outros homens, que se deixa
tocar pelas vicissitudes humanas. Deve ser um homem para os outros; mas só
poderá sê-lo realmente, se for um homem conquistado por Deus: se, para ele, a
inquietação por Deus se tornou uma inquietação pela sua criatura, o homem.
Como os Magos do Oriente, também um Bispo não deve ser alguém que se
limita a exercer o seu ofício, sem se importar com mais nada; mas deve deixar-
se absorver pela inquietação de Deus com os homens. Deve, por assim dizer,
pensar e sentir em sintonia com Deus. Não é apenas o homem que tem em si a
inquietação constitutiva por Deus, mas esta inquietação é uma participação na
inquietação de Deus por nós. Foi por estar inquieto conosco que Deus veio atrás
de nós até à manjedoura; mais: até à cruz. “A buscar-me Vos cansastes, pela
Cruz me resgatastes: tanta dor não seja em vão!”: reza a Igreja no Dies irae. A
inquietação do homem por Deus e, a partir dela, a inquietação de Deus pelo
homem não devem dar tréguas ao Bispo. É isto que queremos dizer, ao afirmar
que o Bispo deve ser sobretudo um homem de fé; porque a fé nada mais é do

65
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

que ser interiormente tocado por Deus, condição esta que nos leva pelo caminho
da vida. A fé atrai-nos para dentro de um estado em que somos arrebatados pela
inquietação de Deus e faz de nós peregrinos que estão interiormente a caminho
para o verdadeiro Rei do mundo e para a sua promessa de justiça, de verdade
e de amor. Nesta peregrinação, o Bispo deve ir à frente, deve ser aquele que
indica aos homens a estrada para a fé, a esperança e o amor. A peregrinação
interior da fé para Deus realiza-se sobretudo na oração. Santo Agostinho disse
certa vez que a oração, em última análise, nada mais seria do que a atualização
e a radicalização do nosso desejo de Deus. No lugar da palavra “desejo”,
poderíamos colocar também a palavra “inquietação” e dizer que a oração quer
arrancar-nos da nossa falsa comodidade, da nossa clausura nas realidades
materiais, visíveis, para nos transmitir a inquietação por Deus, tornando-nos
assim abertos e inquietos uns para com os outros. O Bispo, como peregrino de
Deus, deve ser sobretudo um homem que reza, deve estar em permanente
contacto interior com Deus; a sua alma deve estar aberta de par em par a Deus.
As dificuldades suas e dos outros bem como as suas alegrias e as dos demais
deve levá-las a Deus e assim, a seu modo, estabelecer o contacto entre Deus e
o mundo na comunhão com Cristo, para que a luz de Cristo brilhe no mundo.
Voltemos aos Magos do Oriente. Eles eram também e sobretudo homens que
tinham coragem; tinham a coragem e a humildade da fé. Era preciso coragem a
fim de acolher o sinal da estrela como uma ordem para partir, para sair rumo ao
desconhecido, ao incerto, por caminhos onde havia inúmeros perigos à espreita.
Podemos imaginar que a decisão destes homens tenha provocado sarcasmo: o
sarcasmo dos ditos realistas que podiam apenas zombar das fantasias destes
homens. Quem partia baseado em promessas tão incertas, arriscando tudo, só
podia aparecer como ridículo. Mas, para estes homens tocados interiormente por
Deus, era mais importante o caminho segundo as indicações divinas do que a
opinião alheia. Para eles, a busca da verdade era mais importante que a
zombaria do mundo, aparentemente inteligente. Vendo tal situação, como não
pensar na missão do Bispo neste nosso tempo? A humildade da fé, do crer
juntamente com a fé da Igreja de todos os tempos, há-de encontrar-se, vezes
sem conta, em conflito com a inteligência dominante daqueles que se atêm
àquilo que aparentemente é seguro. Quem vive e anuncia a fé da Igreja
encontra-se em desacordo também em muitos aspectos, com as opiniões
dominantes precisamente no nosso tempo. O agnosticismo, hoje largamente
imperante, tem os seus dogmas e é extremamente intolerante com tudo o que o
põe em questão, ou põe em questão os seus critérios. Por isso, a coragem de
contradizer as orientações dominantes é hoje particularmente premente para um
Bispo. Ele tem de ser valoroso; e esta valentia ou fortaleza não consiste em ferir
com violência, na agressividade, mas em deixar-se ferir e fazer frente aos
critérios das opiniões dominantes. A coragem de permanecer firme na verdade
é inevitavelmente exigida àqueles que o Senhor envia como cordeiros para o
meio de lobos. “Aquele que teme o Senhor nada temerá”, diz Ben Sirac (34, 14).
O temor de Deus liberta do medo dos homens; faz-nos livres! Neste contexto,

66
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

recordo um episódio dos primórdios do cristianismo que São Lucas narra nos
Atos dos Apóstolos. Depois do discurso de Gamaliel, que desaconselha a
violência contra a comunidade nascente dos crentes em Jesus, o Sinédrio
convocou os Apóstolos e fê-los flagelar. Depois proibiu-os de pregar em nome
de Jesus e pô-los em liberdade. São Lucas continua: Os Apóstolos “saíram da
sala do Sinédrio cheios de alegria por terem sido considerados dignos de sofrer
vexames por causa do Nome de Jesus. E todos os dias (...) não cessavam de
ensinar e de anunciar a Boa-Nova de Jesus, o Messias” (Act 5, 41-42). Também
os sucessores dos Apóstolos devem esperar ser, repetidamente e de forma
moderna, flagelados, se não cessam de anunciar alto e bom som a Boa-Nova de
Jesus Cristo; hão-de então alegrar-se por terem sido considerados dignos de
sofrer ultrajes por Ele. Naturalmente queremos, como os Apóstolos, convencer
as pessoas e, neste sentido, obter a sua aprovação; naturalmente não
provocamos, antes, pelo contrário, convidamos todos a entrarem na alegria da
verdade que indica a estrada. Contudo o critério ao qual nos submetemos não é
a aprovação das opiniões dominantes; o critério é o próprio Senhor. Se
defendemos a sua causa, conquistaremos incessantemente, pela graça de
Deus, pessoas para o caminho do Evangelho; mas inevitavelmente também
seremos flagelados por aqueles cujas vidas estão em contraste com o
Evangelho, e então poderemos ficar agradecidos por sermos considerados
dignos de participar na Paixão de Cristo. Os Magos seguiram a estrela e assim
chegaram a Jesus, à grande Luz que, vindo ao mundo, ilumina todo o homem
(cf. Jo 1, 9). Como peregrinos da fé, os Magos tornaram-se eles mesmos estrelas
que brilham no céu da história e nos indicam a estrada. Os santos são as
verdadeiras constelações de Deus, que iluminam as noites deste mundo e nos
guiam. São Paulo, na Carta aos Filipenses, disse aos seus fiéis que devem
brilhar como astros no mundo (cf. 2, 15). Queridos amigos, isto diz respeito
também a nós. Isto diz respeito sobretudo a vós que ides agora ser ordenados
Bispos da Igreja de Jesus Cristo. Se viverdes com Cristo, ligados a Ele
novamente no Sacramento, então também vós vos tornareis sábios; então
tornar-vos-eis astros que vão à frente dos homens e indicam-lhes o caminho
certo da vida. Neste momento, todos nós aqui rezamos por vós, pedindo que o
Senhor vos encha com a luz da fé e do amor, que a inquietação de Deus pelo
homem vos toque, que todos possam experimentar a sua proximidade e receber
o dom da sua alegria. Rezamos por vós, para que o Senhor sempre vos dê a
coragem e a humildade da fé. Rezamos a Maria, que mostrou aos Magos o novo
Rei do mundo (cf. Mt 2, 11), para que, como Mãe amorosa, mostre Jesus Cristo
também a vós e vos ajude a serdes indicadores da estrada que leva a Ele.
Amém.

ANGELUS - SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR - 06 de janeiro de 2013


Prezados irmãos e irmãs; perdoai-me o atraso. Ordenei quatro novos Bispos na
Basílica de São Pedro e o rito durou um pouco mais. Mas hoje celebramos
sobretudo a Epifania do Senhor, a sua manifestação aos povos, enquanto

67
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

numerosas Igrejas Orientais, segundo o calendário juliano, festejam o Natal.


Esta pequena diferença, que faz sobrepor os dois momentos, põe em evidência
que aquele Menino, que nasceu na humildade da gruta de Belém, é a luz do
mundo, que orienta o caminho de todos os povos. Trata-se de uma combinação
que faz meditar também sob o ponto de vista da fé: por um lado no Natal, diante
de Jesus, vemos a fé de Maria, de José e dos pastores; hoje, na Epifania, a fé
dos três Magos vindos do Oriente para adorar o rei dos judeus. A Virgem Maria,
juntamente com o seu esposo, representam a “estirpe” de Israel, o “resto”
prenunciado pelos profetas, do qual devia provir o Messias. Os Magos, ao
contrário, representam os povos, e podemos dizer também as civilizações, as
culturas, as religiões que estão, por assim dizer, a caminho rumo a Deus, em
busca do seu reino de paz, de justiça, de verdade e de liberdade. Em primeiro
lugar existe um núcleo, personalizado sobretudo por Maria, a “filha de Sião”: um
núcleo de Israel, o povo que conhece e tem fé naquele Deus que se revelou aos
Patriarcas e no caminho da história. Esta fé alcança o seu cumprimento em
Maria, na plenitude dos tempos; nela, “bem-aventurada porque acreditou”, o
Verbo fez-se carne, Deus “apareceu” no mundo. A fé de Maria torna-se primícias
e o modelo da fé da Igreja, Povo da Nova Aliança. Mas este povo é desde o
início universal, como podemos ver hoje nas figuras dos Magos, que chegam a
Belém seguindo a luz de uma estrela e as indicações das Sagradas Escrituras.
São Leão Magno afirma: “Outrora foi prometida a Abraão uma descendência
inumerável, que seria gerada não segundo a carne, mas na fecundidade da fé”
(Discurso 3 para a Epifania, 1: pl 54, 240). A fé de Maria pode ser comparada
com a de Abraão: é o novo início da mesma promessa, do mesmo desígnio
imutável de Deus, que agora encontra o seu pleno cumprimento em Jesus Cristo.
E a luz de Cristo é tão límpida e vigorosa, que torna inteligível tanto a linguagem
do cosmos como a das Escrituras, de tal forma que todos aqueles que, como os
Magos, estão abertos à verdade, podem reconhecê-la e chegar a contemplar o
Salvador do mundo. Diz ainda são Leão: “Entra, entra, portanto, na família dos
patriarcas a grande massa dos povos... Todos os povos... adorem o Criador do
universo, e Deus seja conhecido não apenas na Judeia, mas na terra inteira”
(Ibidem). Nesta perspectiva podemos ver também as Ordenações episcopais,
que tive a alegria de conferir hoje de manhã na Basílica de São Pedro: dois dos
novos Bispos permanecerão ao serviço da Santa Sé, e os outros dois partirão
para ser Representantes pontifícios em duas Nações. Oremos por cada um
deles, pelo seu ministério e a fim de que a luz de Cristo resplandeça no mundo
inteiro.

HOMILIA – FESTA DO BATISMO DO SENHOR – 07 de janeiro de 2007


Estimados irmãos e irmãs, encontramo-nos novamente este ano para uma
celebração muito familiar, o Batismo de treze crianças, nesta maravilhosa
Capela Sistina, onde a criatividade de Michelangelo e de outros artistas insignes
soube realizar obras-primas que ilustram os prodígios da história da salvação. E
gostaria de saudar em primeiro lugar todos vós que estais aqui presentes: os

68
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

pais, os padrinhos e as madrinhas, os parentes e os amigos que acompanham


estes recém-nascidos num momento tão importante para a sua vida e para a
Igreja. Cada criança que nasce traz-nos o sorriso de Deus e convida-nos a
reconhecer que a vida é uma sua dádiva, um dom a acolher com amor e a
conservar com cuidado, sempre e em cada momento. O tempo de Natal, que
termina precisamente hoje, fez-nos contemplar o Menino Jesus na pobre gruta
de Belém, amorosamente cuidado por Maria e José. Cada filho que nasce, Deus
confia-o aos seus pais: então, como é importante a família fundada no
matrimónio, berço da vida e do amor! A casa de Nazaré, onde vive a Sagrada
Família, é modelo e escola de simplicidade, de paciência e de harmonia para
todas as famílias cristãs. Rezo ao Senhor para que também as vossas famílias
sejam lugares hospitaleiros, onde estes pequeninos possam crescer não apenas
em boa saúde, mas inclusive na fé e no amor a Deus que hoje, mediante o
Baptismo, os torna seus filhos. O rito do Baptismo destas crianças realiza-se no
dia em que celebramos a festa do Baptismo do Senhor, celebração que, como
eu dizia, encerra o tempo de Natal. Há pouco ouvimos a narração do Evangelista
Lucas, que apresenta Jesus confundido no meio do povo, enquanto vai ter com
João Baptista para ser batizado. Tendo também Ele recebido o Baptismo,
“estava diz-nos São Lucas em oração” (3, 21). Jesus fala com o seu Pai. E
estamos convictos de que Ele falou não só por si mesmo, mas também de nós
e por nós; falou inclusive de mim, de cada um de nós e por cada um de nós.
Além disso, o Evangelista diz-nos que o céu se abriu acima do Senhor em
oração. Jesus entra em contacto com o Pai e o céu abre-se sobre Ele. Neste
momento podemos pensar que o céu está aberto também aqui, sobre estas
nossas crianças que, através do sacramento do Baptismo, entram em contacto
com Jesus. O céu abre-se sobre nós no Sacramento. Quanto mais vivemos em
contacto com Jesus na realidade do nosso Baptismo, tanto mais o céu se abre
sobre nós. E do céu voltemos ao Evangelho naquele dia desceu uma voz que
disse a Jesus: “Tu és o meu Filho muito amado” (Lc 3, 22). No Batismo, o Pai
celeste repete estas palavras também a cada uma destas crianças. Ele diz: "Tu
és o meu filho". O Baptismo é adopção e assunção na família de Deus, na
comunhão com a Santíssima Trindade, na comunhão com o Pai, com o Filho e
com o Espírito Santo. Exatamente por isso o Baptismo deve ser administrado em
nome da Santíssima Trindade. Estas palavras não são apenas uma fórmula, mas
uma realidade. Assinalam o momento em que os vossos filhos renascem como
filhos de Deus. De filhos de pais humanos que são, passam a ser também filhos
de Deus no Filho de Deus vivo. Mas agora devemos meditar sobre as palavras
da segunda leitura desta liturgia, em que São Paulo nos diz: somos salvos “em
virtude da misericórdia de Deus, mediante um novo nascimento e renovação no
Espírito Santo” (Tt 3, 5). Um novo nascimento. O Batismo não é somente uma
palavra; não é apenas algo espiritual, mas implica inclusive a matéria. Toda a
realidade da terra é interpelada. O Batismo não diz respeito exclusivamente à
alma. A espiritualidade do homem investe o homem na sua totalidade, corpo e
alma. A ação de Deus em Jesus Cristo tem uma eficácia universal. Cristo adquire

69
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

a carne e isto continua nos sacramentos, em que a matéria é adquirida e começa


a fazer parte da ação divina. Agora podemos perguntar por que motivo
precisamente a água é o sinal desta totalidade. A água é o elemento da
fecundidade. Sem água não há vida. E assim, em todas as grandes religiões a
água é vista como símbolo da maternidade, da fecundidade. Para os Padres da
Igreja, a água torna-se o símbolo do seio materno da Igreja. Num escritor
eclesiástico dos séculos II-III, Tertuliano, encontra-se uma palavra
surpreendente. Ele afirma: “Cristo nunca existe sem água”. Com estas palavras,
Tertuliano queria dizer que Cristo jamais existe sem a Igreja. No Batismo somos
adoptados pelo Pai celeste, mas nesta família que Ele constitui para si há
também uma Mãe, a Igreja-Mãe. O homem não poderá ter Deus como Pai, já
diziam os antigos escritores cristãos, se não tiver também a Igreja como Mãe.
Assim vemos novamente que o cristianismo não é uma realidade somente
espiritual, individual, uma simples decisão subjetiva que eu tomo, mas que é algo
concreto, poderíamos dizer mesmo algo material. A família de Deus constrói-se
na realidade concreta da Igreja. A adopção como filhos de Deus, do Deus
trinitário, é assunção na família da Igreja e, contemporaneamente, inserção
como irmãos e irmãs na grande família dos cristãos. E somente se, enquanto
filhos de Deus, nos inserimos como irmãos e irmãs na realidade da Igreja,
podemos recitar o “Pai-Nosso” ao nosso Pai celestial. Esta prece supõe sempre
o “nós” da família de Deus. Mas agora temos que voltar ao Evangelho, onde
João Batista diz: "Eu batizo-vos em água, mas vai chegar alguém mais forte do
que eu... Ele há-de batizar-vos no Espírito Santo e no fogo" (Lc 3, 16). Vimos a
água; agora, porém, impõe-se a pergunta: em que consiste o fogo a que São
João Baptista se refere? Para ver esta realidade do fogo, presente no Baptismo
com a água, devemos observar que o Batismo de João era um gesto humano,
um ato de penitência, um orientar-se do homem para Deus, com a finalidade de
pedir perdão pelos pecados e a possibilidade de começar uma nova existência.
Era somente um desejo humano, um caminhar para Deus com as próprias
forças. Pois bem, isto não é suficiente. A distância seria demasiado grande. Em
Jesus Cristo vemos que Deus vem ao nosso encontro. No Batismo cristão,
instituído por Cristo, não agimos sozinhos com o desejo de sermos purificados,
com a oração para alcançar o perdão. No Batismo é o próprio Deus que age, é
Jesus que age através do Espírito Santo. No Batismo cristão está presente o
fogo do Espírito Santo. É Deus que age, e não apenas nós. Deus está presente
aqui e hoje. Ele assume e torna os seus filhos vossos filhos. Naturalmente, Deus
não age de modo mágico. Ele age somente com a nossa liberdade. Não
podemos renunciar à nossa liberdade. Deus interpela a nossa liberdade,
convida-nos a cooperar com o fogo do Espírito Santo. Estas duas coisas devem
caminhar juntas. O Baptismo permanecerá durante toda a vida um dom de Deus,
que imprimiu o seu selo nas nossas almas. Mas depois será a nossa cooperação,
a disponibilidade da nossa liberdade a dizer o “sim” que há-de tornar eficaz a
ação divina. Estes vossos filhos, que agora batizaremos, são ainda incapazes
de colaborar, de manifestar a sua fé. Por isso, adquire valor e significado

70
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

particulares a vossa presença, queridos pais e mães, e a vossa, padrinhos e


madrinhas. Vigiai sempre sobre estes vossos pequeninos para que, crescendo,
aprendam a conhecer Deus, a amá-lo com todas as forças e a servi-lo fielmente.
Sede os seus primeiros educadores na fé, oferecendo juntamente com os
ensinamentos também os exemplos de uma vida cristã coerente. Ensinai-os a
rezar e a sentir-se membros ativos da família de Deus concreta, da comunidade
eclesial. Podereis receber uma contribuição importante do estudo atento do
Catecismo da Igreja Católica ou do Compêndio deste mesmo Catecismo. Ele
contém os elementos essenciais da nossa fé e poderá ser instrumento mais útil
e imediato do que nunca para crescerdes, vós mesmos, no conhecimento da fé
católica e para a poder transmitir integral e fielmente aos vossos filhos.
Sobretudo, não esqueçais que é o vosso testemunho, o vosso exemplo, que
incide em maior medida sobre o amadurecimento humano e espiritual da
liberdade dos vossos filhos. Embora tomados pelas atividades quotidianas
muitas vezes frenéticas, não deixeis de cultivar, pessoalmente e em família, a
oração que constitui o segredo da perseverança cristã. À Virgem Mãe de Deus,
nosso Salvador, apresentado na hodierna liturgia como o Filho predileto de Deus,
confiemos estas crianças e as suas famílias: que vele Maria sobre elas e as
acompanhe sempre, a fim de que possam realizar até ao fim o projeto de
salvação que Deus tem para cada um. Amém!

ANGELUS – FESTA DO BATISMO DO SENHOR – 07 de janeiro de 2007


Prezados irmãos e irmãs, hoje celebra-se a festa do Baptismo do Senhor, que
encerra o tempo do Natal. A liturgia propõe-nos a narração do Batismo de Jesus
no Jordão, no texto de Lucas (cf. 3, 15-16.21-22). O evangelista narra que,
enquanto Jesus estava a rezar, depois de ter recebido o Baptismo no meio de
muitas pessoas que eram atraídas pela pregação do Precursor, abriu-se o céu
e, sob a forma de uma pomba, o Espírito Santo desceu sobre Ele. Naquele
momento, das alturas ouviu-se uma voz: “Tu és o meu Filho muito amado, em ti
pus todo o meu agrado” (Lc 3, 22). Embora de modo diverso, o Batismo de Jesus
no Jordão é recordado e posto em evidência por todos os Evangelistas. Com
efeito, fazia parte da pregação apostólica, uma vez que constituía o ponto de
partida de toda a série dos acontecimentos e das palavras de que os Apóstolos
deviam dar testemunho (cf. Act 1, 21-22; 10, 37-41). A comunidade apostólica
considerava-o muito importante, não somente porque naquela circunstância,
pela primeira vez na história, houve a manifestação do mistério trinitário de
maneira clara e completa, mas também porque a partir daquele acontecimento
teve início o ministério público de Jesus pelos caminhos da Palestina. O
Baptismo de Jesus no Jordão constitui a antecipação do seu baptismo de sangue
na Cruz, e é também o símbolo de toda a atividade sacramental com que o
Redentor realizará a salvação da humanidade. Eis por que motivo a tradição
patrística dedicou muito interesse por esta festa, que é a mais antiga depois da
Páscoa. “No Batismo de Cristo canta a liturgia hodierna o mundo é santificado e
os pecados são perdoados; na água e no Espírito tornamo-nos novas criaturas”

71
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

(Antífona ao Benedictus, Ofício das Laudes). Existe uma estreita relação entre o
Batismo de Cristo e o nosso Batismo. No Jordão os céus abriram-se (cf. Lc 3,
21) para indicar que o Salvador nos descerrou o caminho da salvação e nós
podemos percorrê-lo precisamente graças ao novo nascimento “da água e do
Espírito” (Jo 3, 5) que se realiza no Batismo. Nele nós somos inseridos no Corpo
místico de Cristo, que é a Igreja, morremos e ressuscitamos com Ele e
revestimo-nos dele, como o Apóstolo Paulo salienta várias vezes (cf. 1 Cor 12,
13; Rm 6, 3-5; Gl 3, 27). Por conseguinte, o compromisso que brota do Batismo
consiste em “ouvir” Jesus: ou seja, em acreditar nele e em segui-lo docilmente,
cumprindo a sua vontade. É deste modo que cada um pode tender para a
santidade, uma meta que, como recorda o Concílio Vaticano II, constitui a
vocação de todos os batizados. Ajude-nos Maria, a Mãe do Filho predileto de
Deus, a ser sempre fiéis ao nosso Batismo.

HOMILIA – FESTA DO BATISMO DO SENHOR – 10 de janeiro de 2010


Queridos irmãos e irmãs! Com a festa do Batismo de Jesus continua o ciclo das
manifestações do Senhor, que começou no Natal com o nascimento do Verbo
encarnado em Belém, contemplado por Maria, José e os pastores na humildade
do presépio, e que teve uma etapa importante na Epifania, quando o Messias,
através dos Magos, se manifestou a todas as nações. Hoje Jesus revela-se, nas
margens do Jordão, a João e ao povo de Israel. É a primeira ocasião em que
ele, como homem maduro, entra no cenário público, depois de ter deixado
Nazaré. Encontramo-lo junto do Batista, que é procurado por um grande número
de pessoas, num cenário insólito. No trecho evangélico, há pouco proclamado,
São Lucas observa antes de tudo que o povo “esperava” (3, 15). Assim, ele
ressalta a expectativa de Israel, capta, naquelas pessoas que tinham deixado as
suas casas e os compromissos habituais, o desejo profundo de um mundo
diverso e de palavras novas, que parecem encontrar uma resposta precisamente
nas palavras severas, empenhativas, mas cheias de esperança do Precursor. O
seu é um baptismo de penitência, um sinal que convida à conversão, a mudar
de vida, porque aproxima Aquele que “batizará no Espírito Santo e no fogo” (3,
16). De facto, não se pode aspirar por um mundo novo permanecendo imersos
no egoísmo e nos costumes ligados ao pecado. Também Jesus abandona a casa
e as ocupações habituais para alcançar o Jordão. Chega ao meio da multidão
que está a ouvir o Batista e põe-se na fila como todos, à espera de ser batizado.
João, logo que o vê aproximar-se, intui que naquele Homem há algo único, que
é o misterioso Outro que esperava e para o qual estava orientada toda a sua
vida. Compreende que se encontra diante de Alguém maior que ele e que não é
digno nem sequer de lhe desatar a correia das sandálias. Junto do Jordão, Jesus
manifesta-se com uma extraordinária humildade, que recorda a pobreza e a
simplicidade do Menino colocado na manjedoura, e antecipa os sentimentos com
os quais, no final dos seus dias terrenos, chegará a lavar os pés dos discípulos
e sofrerá a humilhação terrível da cruz. O Filho de Deus, Aquele que é sem
pecado, coloca-se entre os pecadores, mostra a proximidade de Deus ao

72
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

caminho de conversão do homem. Jesus carrega sobre os seus ombros o peso


da culpa da humanidade inteira, inicia a sua missão pondo-se no nosso lugar, no
lugar dos pecadores, na perspectiva da cruz. Recolhido em oração, depois do
baptismo, enquanto sai da água, abrem-se os céus. É o momento esperado por
multidões de profetas. “Se rasgásseis os céus e descêsseis!”, tinha invocado
Isaías (64, 1). Neste momento, parecia sugerir São Lucas, este pedido é
satisfeito. De fato, “o céu abriu-se e o Espírito Santo desceu” (3, 21-22); ouviram-
se palavras nunca antes pronunciadas: “Tu és o Meu Filho muito amado; em Ti
pus todo o Meu enlevo” (v. 22). Jesus, saindo das águas, como afirma São
Gregório de Nazianzo, “vê o céu abrir-se e separar-se, aquele céu que Adão
tinha fechado para si e para toda a sua descendência” (Discurso 39 para o
Baptismo do Senhor, pg 36). O Pai, o Filho e o Espírito Santo descem entre os
homens e revelam-nos o seu amor que salva. Se são os anjos que levam aos
pastores o anúncio do nascimento do Salvador, e as estrelas aos Magos vindos
do Oriente, agora é a própria voz do Pai que indica aos homens a presença no
mundo do seu Filho e que convida a olhar para a ressurreição, para a vitória de
Cristo sobre o pecado e sobre a morte. O feliz anúncio do Evangelho é o eco
desta voz que desce do alto. Por isso, justamente Paulo, como ouvimos na
segunda leitura, escreve a Tito: “Porque a graça de Deus, fonte de salvação,
manifestou-se a todos os homens” (2, 11). De fato, o Evangelho é para nós graça
que dá alegria e sentido à vida. Ela, prossegue o Apóstolo, “ensina-nos a
renunciar à impiedade e aos desejos mundanos, a fim de que vivamos no século
presente com toda a sobriedade, justiça e piedade” (v. 12); isto é, conduz-nos
para uma vida mais feliz, mais bela, mais solidária, para uma vida segundo Deus.
Podemos dizer que também para estas crianças hoje se abrem os céus. Elas
receberão o dom da graça do Batismo e o Espírito Santo habitará neles num
templo, transformando em profundidade o seu coração. A partir deste momento,
a voz do Pai chamará também a eles para serem seus filhos em Cristo e, na sua
família que é a Igreja, concederá a cada um o dom sublime da fé. Este dom,
agora que não têm a possibilidade de compreender plenamente, será colocado
no seu coração como uma semente cheia de vida, que espera desenvolver-se e
dar fruto. Hoje são batizados na fé da Igreja, professada pelos pais, pelos
padrinhos e pelas madrinhas e pelos cristãos presentes, que depois os
conduzirão pela mão no seguimento de Cristo. O rito do Batismo traz à memória
com insistência o tema da fé já no início, quando o Celebrante recorda aos pais
que pedindo o baptismo para os próprios filhos, assumem o compromisso de os
“educar na fé”. Esta tarefa é recordada de modo ainda mais forte aos pais e
padrinhos na terceira parte da celebração, que começa com as palavras que lhe
são dirigidas: “Compete a vós educá-los na fé para que a vida divina que
recebem em dom seja preservada do pecado e cresça dia após dia. Portanto, se
em virtude da vossa fé, estais prontos a assumir este compromisso... fazei a
vossa profissão em Cristo Jesus. É na fé da Igreja que os vossos filhos são
batizados”. Estas palavras do rito sugerem que, de qualquer forma, a profissão
de fé e a renúncia ao pecado por parte dos pais, dos padrinhos e madrinhas

73
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

representam a premissa necessária para que a Igreja confira o Baptismo aos


seus filhos. Imediatamente antes da infusão da água sobre a cabeça do recém-
nascido há depois mais uma chamada à fé. O celebrante faz uma última
pergunta: “Quereis que vosso filho receba o Batismo na fé da Igreja, que todos
juntos professamos?”. E só após a sua resposta afirmativa é administrado o
Sacramento. Também nos ritos explicativos – unção com o crisma, entrega da
veste branca e do círio aceso, gesto do “effeta” – a fé representa o tema central.
“Preocupai-vos – diz a fórmula que acompanha a entrega do círio – por que os
vossos filhos... vivam sempre como filhos da luz; e perseverando na fé, vão ao
encontro do Senhor que vem”; “O Senhor Jesus – afirma ainda o Celebrante no
rito do "effeta" – te conceda ouvir depressa a sua palavra, e professar a tua fé,
para louvor e glória de Deus Pai”. Depois, tudo é coroado pela bênção final que
recorda ainda aos pais o seu compromisso de serem para os filhos “as primeiras
testemunhas da fé”. Queridos amigos, hoje para estas crianças é um dia
grandioso. Com o Batismo, elas, tendo-se tornado partícipes da morte e
ressurreição de Cristo, iniciam com ele a aventura jubilosa e exaltante do
discípulo. A liturgia apresenta-a como uma experiência de luz. De facto,
entregando a cada um a vela acesa no círio pascal, a Igreja afirma: “Recebei a
luz de Cristo!”. É o Batismo que ilumina com a luz de Cristo, que abre os olhos
ao seu esplendor e introduz no mistério de Deus através da luz divina da fé. Sob
esta luz deverão caminhar por toda a vida as crianças que estão para serem
batizadas, ajudadas pelas palavras e pelo exemplo dos pais, dos padrinhos e
das madrinhas. Eles deverão comprometer-se a alimentar com as palavras e
com o testemunho da sua vida as chamas da fé das crianças, para que possa
resplandecer neste mundo, que com frequência anda errante nas trevas da
dúvida, e levar a luz do Evangelho que é vida e esperança. Só assim, quando
forem adultos, poderão pronunciar com plena consciência a fórmula colocada no
final da profissão de fé. Esta é a fé da Igreja. E nós alegramo-nos por professá-
la em nosso Senhor Jesus Cristo. Também nos nossos dias a fé é um dom que
se deve redescobrir, cultivar e testemunhar. Com esta celebração do Batismo, o
Senhor conceda a cada um de nós viver a beleza e a alegria de sermos cristãos,
para que possamos introduzir as crianças batizadas na plenitude da adesão a
Cristo. Amém.

ANGELUS – FESTA DO BATISMO DO SENHOR – 10 de janeiro de 2010


Queridos irmãos e irmãs! Esta manhã, durante a santa Missa celebrada na
Capela Sistina, administrei o sacramento do Batismo a alguns recém-nascidos.
Este costume está ligado à festa do Batismo do Senhor, com a qual se conclui o
tempo litúrgico do Natal. O Batismo sugere muito bem o sentido global das
Festas do Natal, nas quais o tema do tornar-se filhos de Deus graças à vinda do
Filho unigênito à nossa humanidade constitui um elemento dominante. Ele fez-
se homem para que nós possamos tornar-nos filhos de Deus. Deus nasceu para
que nós possamos renascer. Estes conceitos repetem-se continuamente nos
textos litúrgicos natalícios e constituem um entusiasmante motivo de reflexão e

74
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

de esperança. Pensemos no que escreve São Paulo aos Gálatas: “Deus enviou
o Seu Filho, nascido de mulher, nascido sujeito à Lei, para resgatar os que se
encontravam sob o jugo da Lei e para que recebêssemos a adopção de filhos”
(Gl 4, 4-5); ou ainda São João no Prólogo do seu Evangelho: “Mas a todos os
que O receberam, aos que crêem n'Ele, deu-lhes o poder de se tornarem filhos
de Deus” (Jo 1, 12). Este maravilhoso mistério que é o nosso “segundo
nascimento” – o renascimento de um ser humano do “alto”, de Deus (cf. Jo 3, 1-
8) – realiza-se e resume-se no sinal sacramental do Batismo. Com este
sacramento o homem torna-se realmente filho, filho de Deus. Desde então, o fim
da sua existência consiste em alcançar de modo livre e consciente o que, desde
o início, era e é o destino do homem. “Torna-te aquilo que és” – representa o
princípio educativo de base da pessoa humana remida pela graça. Este princípio
tem muitas analogias com o crescimento humano, no qual a relação dos pais
com os filhos passa, através de separações e crises, da dependência total à
consciência de ser filhos, ao reconhecimento pelo dom da vida recebida e à
maturidade e capacidade de doar a vida. Gerado pelo Baptismo para a vida nova,
também o cristão começa o seu caminho de crescimento na fé que o levará a
invocar conscientemente Deus como “Abbá – Pai”, a dirigir-se a Ele com gratidão
e a viver a alegria de ser seu filho. Do Baptismo deriva também um modelo de
sociedade: a dos irmãos. A fraternidade não se pode estabelecer mediante uma
ideologia, muito menos por decreto de um qualquer poder constituído.
Reconhecemo-nos irmãos a partir da humilde, mas profunda consciência do
próprio ser filhos do único Pai celeste. Como cristãos, graças ao Espírito Santo
recebido no Baptismo, temos como destino o dom e o compromisso de viver
como filhos de Deus e como irmãos, para ser como “fermento” de uma
humanidade nova, solidária e rica de paz e de esperança. Nisto ajuda-nos a
consciência de ter, além de um Pai nos céus, também uma mãe, a Igreja, da qual
a Virgem Maria é o modelo perene. Confiamos a ela as crianças recém-batizadas
e as suas famílias, e pedimos para todos a alegria de renascer todos os dias “do
alto”, do amor de Deus, que nos torna seus filhos e irmãos entre nós.

HOMILIA – FESTA DO BATISMO DO SENHOR – 13 de janeiro de 2013


Estimados irmãos e irmãs, a alegria brotada da celebração do Santo Natal
encontra hoje o seu cumprimento na festa do Batismo do Senhor. A narração
evangélica do batismo de Jesus, que hoje ouvimos segundo o evangelho de São
Lucas, indica o caminho de abaixamento e de humildade, que o Filho de Deus
escolheu livremente para aderir ao desígnio do Pai, para ser obediente à sua
vontade de amor ao homem em tudo, até ao sacrifício na cruz. Já adulto, Jesus
dá início ao seu ministério público, indo ao rio Jordão para receber de João um
baptismo de penitência e de conversão. Acontece aquilo que aos nossos olhos
parece paradoxal. Tem Jesus necessidade de penitência e de conversão? Com
certeza que não! E, no entanto, precisamente Aquele que é sem pecado põe-se
entre os pecadores para se fazer batizar, para cumprir este gesto de penitência;
o Santo de Deus une-se a quantos se reconhecem necessitados de perdão e

75
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

pedem a Deus o dom da conversão, isto é, a graça de voltar para Ele com todo
o coração, para ser totalmente seus. Jesus quer pôr-se da parte dos pecadores,
tornando-se solidários para com eles, manifestando a proximidade de Deus.
Jesus mostra-se solidário conosco, com a nossa dificuldade de nos
convertermos, de abandonarmos os nossos egoísmos, de nos separarmos dos
nossos pecados, para nos dizer que se O aceitarmos na nossa vida, Ele é capaz
de nos elevar e de nos conduzir à altura de Deus Pai. E esta solidariedade de
Jesus não é, por assim dizer, um simples exercício da mente e da vontade. Jesus
imergiu-se realmente na nossa condição humana, viveu-a até ao fundo, exceto
no pecado, e é capaz de compreender a sua debilidade e fragilidade. Por isso,
Ele compadece-se, escolhe «padecer com» os homens, fazer-se penitente
juntamente conosco. Esta é a obra de Deus, que Jesus deseja realizar: a missão
divina de curar quem está ferido e medicar quantos estão doentes, de assumir
sobre si mesmo os pecados do mundo. O que acontece, no momento em que
Jesus se faz batizar por João? Diante deste gesto de amor humilde por parte do
Filho de Deus, abrem-se os Céus e manifesta-se visivelmente o Espírito Santo
sob a forma de uma pomba, enquanto uma voz do alto exprime a complacência
do Pai, que reconhece o seu Filho unigênito, o Amado. Trata-se de uma
verdadeira manifestação da Santíssima Trindade, que dá testemunho da
divindade de Jesus, do seu ser o Messias prometido, Aquele que Deus enviou
para libertar o seu povo, a fim de que seja salvo (cf. Is 40, 2). Realiza-se assim
a profecia de Isaías, que ouvimos na primeira Leitura: o Senhor Deus vem
poderosamente para destruir as obras do pecado, e o seu braço exerce o
domínio para desarmar o Maligno; todavia, tenhamos presente que este braço
está estendido na cruz e que o poder de Cristo é a força daquele que sofre por
nós: trata-se do poder de Deus, diferente do poder do mundo; assim Deus vem
com o poder para destruir o pecado. Verdadeiramente, Jesus age como o Bom
Pastor que apascenta a grei e a reúne, a fim de que não se perca (cf. Is 40, 10-
11), e oferece a sua própria vida para que ela tenha vida. É através da sua morte
redentora que o homem é libertado do domínio do pecado e reconciliado com o
Pai; é pela sua ressurreição que o homem é salvo da morte eterna, tornando-se
vitorioso sobre o Maligno. Caros irmãos e irmãs, o que acontece no Baptismo
que daqui a pouco administrarei aos vossos filhos? Acontece precisamente isto:
serão unidos de modo profundo e para sempre com Jesus, imersos no mistério
desta sua força, deste seu poder, ou seja, no mistério da sua morte, que é fonte
de vida, para participar na sua ressurreição, para renascer para uma vida nova.
Eis o prodígio que hoje se repete também para os vossos filhos: recebendo o
Baptismo, eles renascem como filhos de Deus, partícipes da relação filial que
Jesus tem com o seu Pai, capazes de se dirigir a Deus chamando-lhe com plena
confidência e confiança: “Abbá, Pai!”. O Céu abriu-se também sobre os vossos
filhos, e Deus diz: estes são os meus filhos, filhos do meu agrado. Inseridos nesta
relação e livres do pecado original, eles passam a ser membros vivos do único
corpo que é a Igreja e tornam-se capazes de viver em plenitude a sua vocação
à santidade, de modo a poder herdar a vida eterna, que nos foi alcançada pela

76
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

ressurreição de Jesus. Queridos pais, quando pedis o Batismo para os vossos


filhos, vós manifestais e testemunhais a vossa fé, a alegria de ser cristãos e de
pertencer à Igreja. É a alegria que brota da consciência de ter recebido um
grandioso dom de Deus, precisamente a fé, uma dádiva que ninguém de nós
pôde merecer, mas que nos foi concedida gratuitamente, e à qual nós
respondemos com o nosso “sim”. Trata-se da alegria de nos reconhecermos
como filhos de Deus, de nos descobrirmos confiados às suas mãos, de nos
sentirmos acolhidos num abraço de amor, do mesmo modo como uma mãe
sustém e abraça o seu filho. Esta alegria, que guia o caminho de cada cristão,
fundamenta-se numa relação pessoal com Jesus, uma relação que orienta toda
a existência humana. Com efeito, é Ele que confere sentido à nossa vida, Aquele
em quem vale a pena manter fixo o nosso olhar, para sermos iluminados pela
sua Verdade e para podermos viver em plenitude. Por isso, o caminho da fé que
hoje tem início para estas crianças funda-se numa certeza, na experiência de
que nada existe de maior do que conhecer Cristo e comunicar aos outros a
amizade com Ele; somente nesta amizade se descerram realmente as grandes
potencialidades da condição humana e podemos experimentar o que é belo, o
que liberta (cf. Homilia na Santa Messa para o início do Pontificado, 24 de Abril
de 2005). Quem fez esta experiência não está disposto a renunciar à própria fé
por nada deste mundo. E vós, diletos padrinhos e madrinhas, tendes a
importante tarefa de sustentar e contribuir para a obra educativa dos pais,
acompanhando-os na transmissão das verdades da fé e no testemunho dos
valores do Evangelho, para fazer crescer estas crianças numa amizade cada vez
mais profunda com o Senhor. Sabei oferecer-lhes sempre o vosso bom exemplo,
através do exercício das virtudes cristãs. Não é fácil manifestar abertamente e
sem comprometimentos aquilo em que acreditamos, de modo especial no
contexto em que vivemos, perante uma sociedade que considera muitas vezes
fora de moda e fora do tempo quantos vivem da fé em Jesus. Na onda desta
mentalidade, pode haver inclusive entre os cristãos o risco de entender a relação
com Jesus como limitadora, como algo que mortifica a própria realização
pessoal; “Deus é visto como o limite da nossa liberdade, um limite a ser
eliminado, a fim de que o homem possa ser totalmente ele mesmo” (A infância
de Jesus, 101). Mas não é assim! Esta visão demonstra que nada entendeu da
relação com Deus, pois é precisamente na medida em que se procede pelo
caminho da fé, que se compreende como Jesus exerce sobre nós a ação
libertadora do amor de Deus, que nos faz sair do nosso egoísmo, do facto de
permanecermos fechados em nós mesmos, para nos levar a uma vida plena, em
comunhão com Deus e aberta aos outros. “’Deus é amor, e quem permanece no
amor permanece em Deus e Deus nele’ (1 Jo 4, 16). Estas palavras da primeira
Carta de João exprimem, com clareza singular, o centro da fé cristã: a imagem
cristã de Deus e também a consequente imagem do homem e do seu caminho”
(Encíclica Deus caritas est, 1). A água, com a qual estas crianças serão
assinaladas em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, mergulhá-las-á
naquela “fonte” de vida que é o próprio Deus e que as tornará seus verdadeiros

77
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

filhos. E a semente das virtudes teologais infundidas por Deus, a fé, a esperança
e a caridade, semente que hoje é lançada no seu coração pelo poder do Espírito
Santo, deverá ser alimentada sempre pela Palavra de Deus e pelos
Sacramentos, de maneira que estas virtudes do 3 cristão possam crescer e
alcançar a plena maturidade, a ponto de fazer de cada um deles uma verdadeira
testemunha do Senhor. Enquanto invocamos sobre estas crianças a efusão do
Espírito Santo, confiemo-las à salvaguarda da Virgem Santa; que Ela as
conserve sempre com a sua presença materna e as acompanhe em cada
momento da sua vida. Amém!

ANGELUS – FESTA DO BATISMO DO SENHOR – 13 de janeiro de 2013


Prezados irmãos e irmãs, com este domingo depois da Epifania termina o Tempo
litúrgico do Natal: tempo de luz, a luz de Cristo que, como novo sol que
despontou no horizonte da humanidade, dissipa as trevas do mal e da
ignorância. Hoje celebramos a festa do Batismo de Jesus: aquele Menino, filho
da Virgem, que contemplamos no mistério do seu nascimento, vemo-lo hoje
adulto, mergulhar nas águas do rio Jordão e assim santificar todas as águas e o
cosmos inteiro — como põe em evidência a tradição oriental. Mas por que motivo
Jesus, em quem não havia sombra de pecado, desejou ser batizado por João?
Por que quis realizar aquele gesto de penitência e conversão, juntamente com
numerosas pessoas que deste modo queriam preparar-se para a vinda do
Messias? Aquele gesto — que marca o início da vida pública de Cristo, como
testemunham todos os evangelistas — coloca-se na mesma linha da
Encarnação, da descida de Deus do mais alto dos céus, até ao abismo da
mansão dos mortos. O sentido deste movimento de humilhação divina resume-
se com uma única palavra: Amor, que é o nome do próprio Deus. O apóstolo
João escreve: “Nisto se manifestou o amor de Deus para conosco: em nos ter
enviado ao mundo o seu Filho único, para que vivamos por ele”, e enviou-o “para
expiar os nossos pecados” (1 Jo 4, 9-10). Eis porque o primeiro gesto público de
Jesus consistiu em receber o batismo de João que, ao vê-lo chegar, disse: “Eis
o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29). O evangelista Lucas
narra que enquanto Jesus, depois de ter recebido o batismo, “estando ainda a
orar, o Céu abriu-se e o Espírito Santo desceu sobre Ele em forma corpórea,
como uma pomba; e do Céu veio uma voz: ‘Tu és o meu Filho muito amado; em
ti pus todo o meu enlevo’” (3, 21-22). Este Jesus é o Filho de Deus, totalmente
imerso na vontade de amor do Pai. Este Jesus é Aquele que morrerá na cruz e
ressuscitará pelo poder do mesmo Espírito que agora desce sobre Ele e O
consagra. Este Jesus é o homem novo que quer viver como Filho de Deus, ou
seja, no amor; o homem que, diante do mal do mundo, escolhe o caminho da
humildade e da responsabilidade, não prefere salvar-se a si mesmo, mas
oferecer a própria vida pela verdade e pela justiça. Ser cristão significa viver
assim, mas este género de vida comporta um renascimento: renascer do alto, de
Deus, da Graça. Este renascimento é o Baptismo, que Cristo concedeu à Igreja
a fim de regenerar os homens para uma vida nova. Afirma um antigo texto

78
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

atribuído a santo Hipólito: “Quem desce com fé neste lavacro de regeneração,


renuncia ao demônio e põe-se ao lado de Cristo, renega o inimigo e reconhece
que Cristo é Deus, despoja-se da escravidão e reveste-se da adopção filial”
(Discurso sobre a Epifania, 10: pg 10, 862). Neste momento, gostaria de
estender a minha oração e a minha bênção a todos os recém-nascidos; mas
sobretudo de convidar todos a fazer memória do nosso próprio Batismo, daquele
renascimento espiritual que nos abriu o caminho da vida eterna. Possa cada
cristão, neste Ano da fé, redescobrir a beleza de ter renascido do alto, do amor
de Deus, e viver como verdadeiro filho de Deus.

Sumário
Tempo do Advento ................................................................................................................... 1
CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS VÉSPERAS DO 1º DOMINGO DO ADVENTO - Sábado, 2 de
Dezembro de 2006 .................................................................................................................... 1
ANGELUS - 1º DOMINGO DE ADVENTO - 3 de dezembro de 2006 ........................................... 2
CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS VÉSPERAS DO 1º DOMINGO DO ADVENTO - Sábado, 28 de
Novembro de 2009.................................................................................................................... 3
ANGELUS - 1º DOMINGO DE ADVENTO - 29 de novembro de 2009 ........................................ 5
CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS VÉSPERAS DO 1º DOMINGO DO ADVENTO - Sábado, 1º de
Dezembro de 2012 .................................................................................................................... 6
ANGELUS - 1º DOMINGO DE ADVENTO - 2 de dezembro de 2012 ........................................... 8
ANGELUS – 2º DOMINGO DO ADVENTO - 10 de Dezembro de 2006 ....................................... 9
ANGELUS – 2º DOMINGO DO ADVENTO - 06 de Dezembro de 2009 ....................................... 9
ANGELUS – 2º DOMINGO DO ADVENTO - 09 de Dezembro de 2012 ..................................... 10
ANGELUS - 3º DOMINGO DE ADVENTO - 17 de dezembro de 2006 ....................................... 11
ANGELUS - 3º DOMINGO DE ADVENTO - 13 de dezembro de 2009 ....................................... 12
HOMILIA – 3º DOMINGO DE ADVENTO - 16 de Dezembro de 2012....................................... 13
ANGELUS - 3º DOMINGO DE ADVENTO - 16 de dezembro de 2012 ....................................... 16
ANGELUS - 4º DOMINGO DE ADVENTO - 24 de dezembro de 2006 ....................................... 17
HOMILIA DA MISSA - 17 de Dezembro de 2009...................................................................... 18
CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS - 17 de Dezembro de 2009 ....................................................... 19
ANGELUS - 4º DOMINGO DE ADVENTO - 20 de dezembro de 2009 ....................................... 21
ANGELUS - 4º DOMINGO DE ADVENTO - 23 de dezembro de 2012 ....................................... 22
Tempo do Natal ...................................................................................................................... 23
SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR – 24 de dezembro de 2006.......................................... 23
MENSAGEM URBI ET ORBI – 25 de Dezembro de 2006 .......................................................... 25
ANGELUS - Festa da Sagrada Família de Nazaré - 31 de Dezembro de 2006.......................... 27
CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS VÉSPERAS – SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS -
31 de Dezembro de 2006 ........................................................................................................ 28

79
UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO

SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR – 24 de dezembro de 2009.......................................... 30


MENSAGEM URBI ET ORBI – 25 de Dezembro de 2009 .......................................................... 33
ANGELUS - Festa da Sagrada Família de Nazaré - 27 de Dezembro de 2009.......................... 35
CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS VÉSPERAS – SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS -
31 de Dezembro de 2009 ........................................................................................................ 37
SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR – 24 de dezembro de 2012.......................................... 38
MENSAGEM URBI ET ORBI – 25 de Dezembro de 2012 .......................................................... 41
ANGELUS - Festa da Sagrada Família de Nazaré - 30 de Dezembro de 2012.......................... 43
CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS VÉSPERAS – SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS -
31 de Dezembro de 2012 ........................................................................................................ 44
HOMILIA - SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS - 01 de janeiro de 2007 .............. 46
ÂNGELUS – SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS - 01 de janeiro de 2007 ............. 48
HOMILIA - SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS - 01 de janeiro de 2010 .............. 49
ÂNGELUS – SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS - 01 de janeiro de 2010 ............. 52
HOMILIA - SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS - 01 de janeiro de 2013 .............. 53
ÂNGELUS – SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS - 01 de janeiro de 2013 ............. 56
HOMILIA - SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR - 06 de janeiro de 2007 .......................... 57
ANGELUS - SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR - 06 de janeiro de 2007 ......................... 60
HOMILIA - SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR - 06 de janeiro de 2010 .......................... 60
ANGELUS - SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR - 06 de janeiro de 2010 ......................... 63
HOMILIA - SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR - 06 de janeiro de 2013 .......................... 64
ANGELUS - SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR - 06 de janeiro de 2013 ......................... 67
HOMILIA – FESTA DO BATISMO DO SENHOR – 07 de janeiro de 2007 ................................... 68
ANGELUS – FESTA DO BATISMO DO SENHOR – 07 de janeiro de 2007 .................................. 71
HOMILIA – FESTA DO BATISMO DO SENHOR – 10 de janeiro de 2010 ................................... 72
ANGELUS – FESTA DO BATISMO DO SENHOR – 10 de janeiro de 2010 .................................. 74
HOMILIA – FESTA DO BATISMO DO SENHOR – 13 de janeiro de 2013 ................................... 75
ANGELUS – FESTA DO BATISMO DO SENHOR – 13 de janeiro de 2013 .................................. 78

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