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Tempo do Advento
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5, sobre o Advento, 1). Para esta vinda de Cristo, que poderíamos chamar
“encarnação espiritual”, o arquétipo é sempre Maria. Como a Virgem Maria
conservou no seu coração o Verbo que se fez carne, assim cada alma e toda a
Igreja são chamadas, na sua peregrinação terrena, a esperar Cristo que vem e
a acolhê-lo com fé e amor sempre renovados. Assim, a liturgia do Advento
evidencia o facto de que a Igreja dá voz à expectativa de Deus, profundamente
inscrita na história da humanidade; infelizmente, trata-se de uma expectativa
sufocada ou desviada para falsas direções. Como Corpo misticamente unido a
Cristo Cabeça, a Igreja é sacramento, ou seja, sinal e instrumento eficaz também
desta expectativa de Deus. De uma forma que somente Ele conhece, a
comunidade cristã pode apressar a sua vinda final, ajudando a humanidade a ir
ao encontro do Senhor que vem. E fá-lo antes de tudo, mas não só, mediante a
oração. Além disso, as “boas obras” são essenciais e inseparáveis da oração,
como recorda a prece deste primeiro Domingo do Advento, com que pedimos ao
Pai celeste que suscite em nós “a vontade de ir com boas obras ao encontro” de
Jesus que vem. Nesta perspectiva, o Advento é mais adequado a ser um tempo
vivido em comunhão com todos aqueles e graças a Deus são numerosos que
esperam num mundo mais justo e mais fraterno. Neste compromisso pela justiça
podem encontrar-se juntos, de certa maneira, homens de todas as
nacionalidades e culturas, crentes e não-crentes. Efetivamente, todos são
animados por uma aspiração comum, embora diferente pelas suas motivações,
em vista de um futuro de justiça e de paz. A paz é a meta à qual toda a
humanidade aspira! Para os que creem, a “paz” é um dos mais bonitos nomes
de Deus, que deseja a compreensão de todos os seus filhos, como pude recordar
também na peregrinação dos dias passados na Turquia. Um cântico de paz
ressoou nos céus, quando Deus se fez homem e nasceu de uma mulher, na
plenitude dos tempos (cf. Gl 4, 4). Portanto, comecemos este novo Advento um
período que nos é concedido pelo Senhor do tempo despertando nos nossos
corações a expectativa de Deus-que-vem e a esperança de que o seu Nome
seja santificado, que venha a nós o seu Reino de justiça e de paz, que seja feita
a sua Vontade assim na terra como no céu. Nesta expectativa, deixemo-nos
orientar pela Virgem Maria, Mãe de Deus-que-vem, Mãe da Esperança. Ela, que
daqui a poucos dias celebraremos como Imaculada, nos conceda que sejamos
encontrados santos e puros no amor, quando vier nosso Senhor Jesus Cristo, a
quem, com o Pai e com o Espírito Santo, sejam dados louvor e glória por todos
os séculos. Amém.
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no Evangelho de hoje. Por conseguinte, podemos afirmar que Jesus Cristo não
diz respeito só aos cristãos ou só aos crentes, mas a todos os homens, porque
Ele, que é o centro da fé, também é o fundamento da esperança. E de esperança
todos os seres humanos têm necessidade constantemente. Queridos irmãos e
irmãs, a Virgem Maria encarna plenamente a humanidade que vive na esperança
baseada na fé no Deus vivo. Ela é a Virgem do Advento: está enraizada no
presente, no “hoje” da salvação; recebe no seu coração todas as promessas
passadas; e está orientada para o cumprimento do futuro. Coloquemo-nos na
sua escola, para entrar verdadeiramente neste tempo de graça e acolher, com
alegria e responsabilidade, a vinda de Deus na nossa história pessoal e social.
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“hoje” da nossa vida e da história. A alegria que a liturgia desperta nos corações
dos cristãos, não está reservada só a nós; é um anúncio profético destinado à
humanidade inteira, de modo particular aos mais pobres, neste caso aos mais
pobres de alegria! Pensemos nos nossos irmãos e irmãs que, especialmente no
Médio Oriente, em algumas zonas da África e noutras partes do mundo vivem o
drama da guerra: que alegria podem viver? Como será o Natal deles? Pensemos
em tantos doentes e pessoas sozinhas que, além de serem provadas no físico,
também o são no ânimo, porque com frequência se sentem abandonadas: como
partilhar com eles a alegria sem faltar de respeito ao seu sofrimento? Mas
pensemos também nos que especialmente jovens perderam o sentido da
verdadeira alegria, e a procuram em vão aonde é impossível encontrá-la: na
corrida exasperada para a autoafirmação e o sucesso, nos falsos divertimentos,
no consumismo, nos momentos de êxtase, nos paraísos artificiais da droga e de
qualquer forma de alienação. Não podemos não confrontar a liturgia de hoje e o
seu “Alegrai-vos!” com estas dramáticas realidades. Como nos tempos do
profeta Sofonias, é precisamente a quem está na prova, aos “feridos da vida e
órfãos da alegria” que se dirige de modo privilegiado a Palavra do Senhor. O
convite à alegria não é uma mensagem alienante, nem um paliativo estéril, mas,
ao contrário, é profecia de salvação, apelo a um resgate que parte da renovação
interior. Para transformar o mundo, Deus escolheu uma humilde jovem de uma
aldeia da Galileia, Maria de Nazaré, e interpelou-a com esta saudação: “Alegra-
te, ó cheia de graça, o Senhor está contigo”. Encontra-se naquelas palavras o
segredo autêntico do Natal. Deus repete-as à Igreja, a cada um de nós: Alegra-
te, o Senhor está próximo! Com a ajuda de Maria, ofereçamo-nos, com
humildade e coragem, para que o mundo acolha Cristo, que é a nascente da
verdadeira alegria.
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mais em prática a mensagem do Filho de Deus, que por amor a nós se despojou
de tudo e se fez pequeno menino. A Bênção dos “Bambinelli” – como se diz em
Roma – recorda-nos que o presépio é uma escola de vida, da qual podemos
aprender o segredo da verdadeira alegria. Ela não consiste em ter muitas coisas,
mas em sentir-se amado pelo Senhor, em fazer-se dom para os outros e em
querer-se bem. Olhemos para o presépio: Nossa Senhora e São José não
parecem ser uma família coroada de êxito; tiveram o seu primogénito entre
grandes indigências; contudo estão repletos de alegria interior, porque se amam,
se ajudam e sobretudo porque estão certos de que na sua história é Deus quem
age, o Qual se fez presente no pequenino Jesus. E os pastores? Que motivo
teriam para se alegrar? Aquele recém-nascido não mudará certamente a sua
condição de pobreza nem de marginalização. Mas a fé ajuda-os a reconhecer no
“menino envolvido em panos, e colocado numa manjedoura” o “sinal” do cumprir-
se das promessas de Deus para todos os homens "que Ele ama" (cf. Lc 2, 12-
14), também para eles! Eis, queridos amigos, em que consiste a verdadeira
alegria: é o sentir que a nossa existência pessoal e comunitária é visitada e
colmada por um grande mistério, o mistério do amor de Deus. Para rejubilar
precisamos não só de coisas, mas de amor e de verdade: precisamos de um
Deus próximo, que conforta o nosso coração, e responde às nossas profundas
expectativas. Este Deus manifestou-se em Jesus, nascido da Virgem Maria. Por
isso aquele Menino, que colocamos na cabana ou na gruta, é o centro de tudo,
é o coração do mundo. Rezemos para que cada homem, como a Virgem Maria,
possa acolher como centro da própria vida o Deus que se fez Menino, fonte da
verdadeira alegria.
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está no meio de ti” (Sf 3, 15.17); literalmente, seria “está no teu ventre”, com uma
clara referência à permanência de Deus na Arca da Aliança, colocada sempre
no meio do povo de Israel. O profeta quer dizer-nos que já não há qualquer
motivo de desconfiança, de desânimo e de tristeza, independentemente da
situação que devemos enfrentar, porque estamos certos da presença do Senhor,
a única que é suficiente para tranquilizar e rejubilar os corações. Além disso, o
profeta Sofonias deixa entender que esta alegria é recíproca: somos convidados
a alegrar-nos, mas também o Senhor se rejubila pela sua relação conosco; com
efeito, o profeta escreve: “Ele rejubila-se por causa de ti, e renova-te o seu amor.
Exulta de alegria por ti” (v. 17). A alegria que é prometida neste texto profético
encontra o seu cumprimento em Jesus, que se encontra no seio de Maria, a
“Filha de Sião”, e assim estabelece a sua morada no meio de nós (cf. Jo 1, 14).
Com efeito, vindo ao mundo Ele doa-nos a sua alegria, como Ele mesmo confia
aos seus discípulos: “Disse-vos essas coisas para que a minha alegria esteja em
vós, e a vossa alegria seja completa” (Jo 15, 11). Jesus traz aos homens a
salvação, uma nova relação com Deus que vence o mal e a morte, e traz a
verdadeira alegria mediante esta presença do Senhor que vem iluminar o nosso
caminho, que muitas vezes é oprimido pelas trevas e pelo egoísmo. E podemos
ponderar se realmente estamos conscientes da presença do Senhor no meio de
nós, que não é um Deus distante, mas um Deus conosco, um Deus no meio de
nós, que está conosco aqui na Sagrada Eucaristia, que está conosco na Igreja
viva. E nós temos que ser portadores desta presença de Deus. E assim Deus
alegra-se por nós e também nós podemos rejubilar: Deus existe, Deus é bom,
Deus está próximo. Na segunda Leitura, que há pouco ouvimos, São Paulo
convida os cristãos de Filipos a alegrar-se no Senhor. Podemos alegrar-nos? E
por que motivo é necessário rejubilar? A resposta de são Paulo é: porque “o
Senhor está próximo!” (Fl 4, 5). Daqui a poucos dias celebraremos o Natal, a
festividade da vinda de Deus, que se fez menino e nosso irmão para permanecer
conosco e compartilhar a nossa condição humana. Devemos alegrar-nos por
esta sua proximidade, por esta sua presença, procurando compreender cada vez
mais que realmente Ele está próximo, e para assim sermos penetrados pela
realidade da bondade de Deus, da alegria que Cristo está conosco. O apóstolo
Paulo diz com força, numa outra sua Carta, que nada pode separar-nos do amor
de Deus, que se manifestou em Cristo. Unicamente o pecado nos afasta dele,
mas este é um facto de separação que nós mesmos introduzimos na nossa
relação com o Senhor. Porém, mesmo quando nos afastamos, Ele não deixa de
nos amar e continua a permanecer próximo de nós com a sua misericórdia, com
a sua disponibilidade a perdoar e a acolher-nos no seu amor. Por isso, assim
continua são Paulo, nunca devemos angustiar-nos, pois podemos expor sempre
ao Senhor os nossos pedidos, as nossas necessidades e as nossas
preocupações “com orações e súplicas” (v. 6). E este é já um grande motivo de
alegria: saber que é sempre possível pedir ao Senhor, e que Ele, o Senhor, nos
atende, que Deus não está distante, mas ouve realmente, que Ele nos conhece,
e saber que nunca rejeita as nossas preces, embora não responda sempre do
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modo como nós desejamos, mas responde. E o apóstolo acrescenta: orai “com
ações de graças” (Ibidem). O júbilo que o Senhor nos comunica deve encontrar
em nós o amor reconhecido. Efetivamente, a alegria só é completa quando
reconhecemos a sua misericórdia, quando nos tornamos atentos aos sinais da
sua bondade, se realmente sentirmos que esta bondade de Deus está conosco,
e se lhe agradecermos aquilo que recebemos dele todos os dias. Quem acolhe
os dons de Deus de modo egoísta não encontra a verdadeira alegria: ao
contrário, aqueles que encontram nas dádivas recebidas de Deus ocasiões para
o amar com gratidão sincera e para transmitir aos demais o seu amor, têm o
coração verdadeiramente repleto de alegria. Recordemo-lo! Depois das duas
Cartas, analisemos o Evangelho. O Evangelho hodierno diz-nos que para
acolher o Senhor que vem devemos preparar-nos, prestando muita atenção à
nossa conduta de vida. Às várias pessoas que lhe perguntam o que devem fazer
a fim de estar prontas para a vinda do Messias (cf. Lc 3, 10.12.14), João Baptista
responde que Deus não exige nada de extraordinário, mas que cada um viva em
conformidade com critérios de solidariedade e de justiça; sem elas não é possível
preparar-se para o encontro com o Senhor. Por conseguinte, perguntemos
também nós ao Senhor o que espera e o que deseja que façamos, e comecemos
a compreender que Ele não exige gestos extraordinários, mas que levemos uma
vida comum em retidão e bondade. Finalmente, João Baptista indica quem
devemos seguir com fidelidade e coragem. Antes de tudo, nega que ele mesmo
é o Messias, e depois proclama com determinação: “Eu batizo-vos com a água,
mas eis que virá Outro, mais poderoso do que eu, a quem não sou digno de lhe
desatar a correia das sandálias” (v. 16). Aqui observamos a grande humildade
de João, ao reconhecer que a sua missão consiste em preparar o caminho para
Jesus. Afirmando “Eu batizo-vos com a água”, quer dar a entender que a sua
unção é simbólica. Com efeito, ele não pode eliminar nem perdoar os pecados:
batizando com a água, ele só pode indicar que é necessário mudar de vida. Ao
mesmo tempo, João anuncia a vinda do “mais poderoso”, que “vos batizará no
Espírito Santo e no fogo” (Ibidem). E, como ouvimos, este grande profeta recorre
a imagens vigorosas para convidar à conversão, e não o faz com a finalidade de
incutir temor, mas fá-lo sobretudo para estimular a receber bem o Amor de Deus,
o Único que pode purificar verdadeiramente a vida. Deus faz-se homem como
nós, para nos outorgar uma esperança que é certeza: se o seguirmos, se
vivermos com coerência a nossa existência cristã, Ele atrair-nos-á a si, levar-
nos-á à comunhão consigo; e, no nosso coração, haverá a alegria verdadeira e
a paz autêntica, inclusive no meio das dificuldades, também nos momentos de
fragilidade. Estimados amigos! Estou feliz por rezar convosco ao Senhor, que se
torna presente na Eucaristia para permanecer sempre conosco. Saúdo
cordialmente o Cardeal Vigário, o Bispo Auxiliar do Setor, o vosso Pároco, Pe.
Fabio Fasciani, a quem agradeço as amáveis palavras com as quais me explicou
a situação da paróquia, a riqueza espiritual da vida paroquial, e saúdo ainda
todos os Sacerdotes aqui presentes. Saúdo quantos trabalham no âmbito da
paróquia: os catequistas, os membros do coro e dos vários grupos paroquiais,
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com o Pai e o Espírito Santo criou todas as coisas e que “se fez carne” para nos
revelar aquele Deus que ninguém pode ver (cf. Jo 1, 2-3.14.18). Prezados
amigos, um professor cristão, ou um jovem estudante cristão, traz dentro de si o
amor apaixonado por esta Sabedoria! Lê tudo à sua luz; captura os seus
vestígios nas partículas elementares e nos versos dos poetas; nos códigos
jurídicos e nos acontecimentos da história; nas obras artísticas e nas expressões
matemáticas. Sem Ela nada se fez daquilo que existe (cf. Jo 1, 3) e por
conseguinte em toda a realidade criada é possível entrever um reflexo,
evidentemente segundo diferentes graus e modalidades. Tudo o que é
compreendido pela inteligência humana pode sê-lo porque, de alguma forma e
em certa medida, participa da Sabedoria criadora. Aqui, em última análise, está
também a própria possibilidade do estudo, da investigação, do diálogo científico
em cada campo do saber. Nesta altura não posso evitar uma reflexão talvez um
pouco incómoda, mas útil para nós que estamos aqui e que pertencemos
sobretudo ao ambiente académico. Perguntemo-nos: quem estava na noite de
Natal na gruta de Belém? Quem acolheu a Sabedoria, quando nasceu? Quem
acorreu para a ver, quem foi que a reconheceu e adorou? Não doutores da lei,
escribas ou sábios. Estavam lá Maria e José, e depois os pastores. Que significa
isto? Um dia, Jesus dirá: “Sim, ó Pai, porque isto foi do teu agrado” (Mt 11, 26):
revelaste o teu mistério aos pequeninos (cf. Mt 11, 25). Mas então não é útil
estudar? Ou até é nocivo, contraproducente para conhecer a verdade? A história
de dois mil anos de cristianismo exclui esta última hipótese e sugere-nos a justa:
trata-se de estudar, de aprofundar os conhecimentos, conservando um espírito
de “pequeninos”, um espírito humilde e simples, como o de Maria, “Sede da
Sabedoria”. Quantas vezes tivemos medo de nos aproximarmos da Gruta de
Belém, porque nos preocupávamos que isto viesse a impedir a nossa
capacidade crítica e a nossa “modernidade”! Pelo contrário, naquela Gruta cada
um de nós pode descobrir a verdade sobre Deus e a verdade sobre o homem.
Elas encontraram-se naquele Menino, nascido da Virgem: o anseio do homem
pela vida eterna enterneceu o Coração de Deus, que não se envergonhou de
adquirir a condição humana. Estimados amigos, ajudar os outros a descobrir o
verdadeiro rosto de Deus é a primeira forma de caridade, que para vós assume
a qualificação de caridade intelectual. Foi com prazer que tomei conhecimento
de que o caminho deste ano da pastoral universitária diocesana terá como tema:
“Eucaristia e caridade intelectual”. Uma escolha exigente, mas apropriada. Com
efeito, em cada celebração eucarística Deus vem à história em Jesus Cristo, à
sua Palavra e ao seu Corpo, oferecendo-nos aquela caridade que nos permite
servir o homem na sua existência concreta. Além disso, o projeto “Uma cultura
para a cidade” oferece uma proposta promissora de presença cristã no âmbito
cultural. Enquanto formulo votos porque este vosso itinerário seja fecundo, não
posso deixar de convidar todos os Ateneus a serem lugares de formação de
autênticos agentes da caridade intelectual. É deles que depende em ampla
medida o futuro da sociedade, principalmente na elaboração de uma nova
síntese humanística e de uma renovada capacidade de projeção (cf. Carta
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Aliança, confiemos o nosso coração, para que o torne digno de acolher a visita
de Deus no mistério do seu Natal.
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alegria. Imitemo-lo! Amemos a Deus e, por Ele, também ao homem, para depois
redescobrir a Deus, a partir dos homens, de um novo modo! Surge, enfim, ainda
um terceiro significado da afirmação sobre a Palavra feita “breve” e
“pequena”. Aos pastores foi dito que teriam encontrado o menino numa
manjedoura para animais, que eram os verdadeiros habitantes do estábulo.
Lendo Isaías (1,3) os Padres deduziram que junto à manjedoura de Belém
estavam um boi e um asno. Interpretaram assim o texto no sentido de que
haveria um símbolo dos judeus e dos pagãos - portanto, de toda a humanidade
- que, uns e outros, necessitam, ao seu modo, de um salvador: daquele Deus
que se fez menino. O homem, para viver, precisa de pão, do fruto da terra e do
seu trabalho. Mas não vive só de pão. Precisa de alimento para a sua alma:
precisa de um sentido que encha a sua vida. Por isto, segundo os Padres, a
manjedoura dos animais veio a ser o símbolo do altar, sobre o qual jaz o Pão
que é o mesmo Cristo: o verdadeiro alimento para os nossos corações. Uma vez
mais vemos como Ele se fez pequeno: na humilde aparência da hóstia, de um
pedacinho de pão, Ele se nos doa si próprio. De tudo isto nos diz o sinal que foi
dado aos pastores e que nos vem dado: o menino nos foi dado; o menino no
qual Deus se fez pequeno por nós. Rezemos ao Senhor para que nos dê a graça
de ver nesta noite o presépio com a simplicidade dos pastores, para receber
assim a alegria com a qual eles voltam para casa (cf. Lc 2,20). Peçamos que nos
dê a humildade e a fé com a qual São José contemplou o menino que Maria tinha
concebido pelo Espírito Santo. Peçamos que nos ajude a vê-Lo com aquele amor
com que Maria o contemplava. E, assim, peçamos porque a luz que viram os
pastores, também nos ilumine e que se cumpra em todo o mundo aquilo que os
anjos cantaram naquela noite: “Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na
terra aos homens por Ele amados”. Amém.
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diretamente o Evangelho. Os pastores dizem uns aos outros o motivo por que
se põem a caminho: “Vamos ver o que dizem ter sucedido”. Literalmente o texto
grego diz: “Vejamos esta Palavra, que lá aconteceu”. Sim, aqui está a novidade
desta noite: a Palavra pode ser vista, porque Se fez carne. Aquele Deus de quem
não se deve fazer qualquer imagem, porque toda a imagem poderia apenas
reduzi-Lo, antes desvirtuá-Lo, aquele Deus tornou-Se, Ele mesmo, visível
n’Aquele que é a sua verdadeira imagem, como diz Paulo (cf. 2 Cor 4, 4; Col 1,
15). Na figura de Jesus Cristo, em todo o seu viver e operar, no seu morrer e
ressuscitar, podemos ver a Palavra de Deus e, consequentemente, o próprio
mistério do Deus vivo. Deus é assim. O Anjo dissera aos pastores: “Isto vos
servirá de sinal: achareis um Menino envolto em panos e deitado numa
manjedoura” (Lc 2, 12; cf. 16). O sinal de Deus, o sinal que é dado aos pastores
e a nós não é um milagre impressionante. O sinal de Deus é a sua humildade. O
sinal de Deus é que Ele Se faz pequeno; torna-Se menino; deixa-Se tocar e pede
o nosso amor. Quanto desejaríamos nós, homens, um sinal diverso, imponente,
irrefutável do poder de Deus e da sua grandeza! Mas o seu sinal convida-nos à
fé e ao amor e assim nos dá esperança: assim é Deus. Ele possui o poder e é a
Bondade. Convida a tornarmo-nos semelhantes a Ele. Sim, tornamo-nos
semelhantes a Deus, se nos deixarmos plasmar por este sinal; se aprendermos,
nós mesmos, a humildade e deste modo a verdadeira grandeza; se
renunciarmos à violência e usarmos apenas as armas da verdade e do amor.
Orígenes, na linha de uma palavra de João Baptista, viu expressa a essência do
paganismo no símbolo das pedras: paganismo é falta de sensibilidade, significa
um coração de pedra, que é incapaz de amar e de perceber o amor de Deus.
Orígenes diz a respeito dos pagãos: “Desprovidos de sentimento e de razão,
transformam-se em pedras e madeira” (In Lc 22, 9). Mas Cristo quer dar-nos um
coração de carne. Quando O vemos a Ele, ao Deus que Se tornou um menino,
abre-se-nos o coração. Na Liturgia da Noite Santa, Deus vem até nós como
homem, para nos tornarmos verdadeiramente humanos. Escutemos uma vez
mais Orígenes: “Com efeito, de que te aproveitaria Cristo ter vindo uma vez na
carne, se Ele não chegasse até à tua alma? Oremos para que venha diariamente
a nós e possamos dizer: vivo, contundo já não sou eu que vivo, mas é Cristo que
vive em mim (Gal 2, 20)” (In Lc 22, 3). Sim, por isto queremos rezar nesta Noite
Santa. Senhor Jesus Cristo, Vós que nascestes em Belém, vinde a nós! Entrai
em mim, na minha alma. Transformai-me. Renovai-me. Fazei que eu e todos
nós, de pedra e madeira que somos, nos tornemos pessoas vivas, nas quais se
torna presente o vosso amor e o mundo é transformado.
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dia vai alto; a luz que provém da gruta de Belém resplandece sobre nós. Todavia
a Bíblia e a Liturgia não nos falam da luz natural, mas de uma luz diversa,
especial, de algum modo apontada e orientada para um “nós”, o mesmo “nós”
para quem o Menino de Belém “nasceu”. Este “nós” é a Igreja, a grande família
universal dos que acreditam em Cristo, que aguardaram com esperança o novo
nascimento do Salvador e hoje celebram no mistério a perene atualidade deste
acontecimento. Ao princípio, ao redor da manjedoura de Belém, aquele “nós” era
quase invisível aos olhos dos homens. Como nos diz o Evangelho de São Lucas,
englobava, para além de Maria e José, poucos e humildes pastores que
acorreram à gruta avisados pelos Anjos. A luz do primeiro Natal foi como um
fogo aceso na noite. À volta tudo estava escuro, enquanto na gruta resplandecia
a luz verdadeira «que ilumina todo o homem» (Jo 1, 9). E, no entanto, tudo
acontece na simplicidade e ocultamente, segundo o estilo com que Deus atua
em toda a história da salvação. Deus gosta de acender luzes circunscritas, para
iluminarem depois ao longe e ao largo. A Verdade e também o Amor, que são o
seu conteúdo, acendem-se onde a luz é acolhida, difundindo-se depois em
círculos concêntricos, quase por contacto, nos corações e mentes de quantos,
abrindo-se livremente ao seu esplendor, se tornam por sua vez fontes de luz. É
a história da Igreja que inicia o seu caminho na pobre gruta de Belém e, através
dos séculos, se torna Povo e fonte de luz para a humanidade. Também hoje, por
meio daqueles que vão ao encontro do Menino, Deus ainda acende fogueiras na
noite do mundo para convidar os homens a reconhecerem em Jesus o “sinal” da
sua presença salvífica e libertadora e estender o “nós” dos crentes em Cristo à
humanidade inteira. Onde quer que haja um “nós” que acolhe o amor de Deus,
aí resplandece a luz de Cristo, mesmo nas situações mais difíceis. A Igreja, como
a Virgem Maria, oferece ao mundo Jesus, o Filho, que Ela própria recebeu em
dom e que veio para libertar o homem da escravidão do pecado. Como Maria, a
Igreja não tem medo, porque aquele Menino é a sua força. Mas, não O guarda
para si: oferece-O a quantos O procuram de coração sincero, aos humildes da
terra e aos aflitos, às vítimas da violência, a quantos suspiram pelo bem da paz.
Também hoje, à família humana profundamente marcada por uma grave crise,
certamente econômica mas antes ainda moral, e por dolorosas feridas de
guerras e conflitos, a Igreja, com o estilo da partilha e da fidelidade ao homem,
repete com os pastores: “Vamos até Belém” (Lc 2, 15), lá encontraremos a nossa
esperança. O “nós” da Igreja vive no território onde Jesus nasceu, na Terra
Santa, para convidar os seus habitantes a abandonarem toda a lógica de
violência e represália e a comprometerem-se com renovado vigor e
generosidade no caminho para uma convivência pacífica. O “nós” da Igreja está
presente nos outros países do Médio Oriente. Como não pensar na atribulada
situação do Iraque e no “pequenino rebanho” de cristãos que vive na região? Às
vezes sofre violências e injustiças, mas está sempre disposto a oferecer a sua
própria contribuição para a edificação da convivência civil contrária à lógica do
conflito e rejeição do vizinho. O “nós” da Igreja atua no Sri Lanka, na Península
Coreana e nas Filipinas, e ainda noutras terras asiáticas, como fermento de
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poderão promover utilmente esta prática antiga, de maneira que ela se torne uma
parte essencial da pastoral ordinária. A Palavra acreditada, anunciada e vivida
impele-nos a comportamentos de solidariedade e de partilha. Ao louvar o Senhor
pela ajuda que as comunidades cristãs souberam oferecer com generosidade a
quantos bateram às suas portas, desejo encorajar todos a dar continuidade ao
compromisso de aliviar as dificuldades em que se encontram hoje numerosas
famílias provadas pela crise económica e pelo desemprego. O Natal do Senhor,
que nos recorda a gratuidade com que Deus veio para nos salvar, assumindo a
nossa humanidade e doando-nos a sua vida divina, possa ajudar todos os
homens de boa vontade a compreender que o agir humano muda, transforma-
se, tornando-se fermento de um futuro melhor para todos unicamente abrindo-
se ao amor de Deus. Caros irmãos e irmãs, Roma tem necessidade de
sacerdotes que sejam anunciadores corajosos do Evangelho e, ao mesmo
tempo, revelem o rosto misericordioso do Pai. Convido os jovens a não ter medo
de responder com o dom completo da sua existência à chamada que o Senhor
lhes dirige a segui-lo no caminho do sacerdócio ou da vida consagrada. Desejo
desde já que o encontro do próximo dia 25 de Março, 25º aniversário da
instituição da Jornada Mundial da Juventude e 10º aniversário daquela
inesquecível que foi celebrada em Tor Vergata, constitua para todas as
comunidades paroquiais e religiosas, para os movimentos e as associações, um
importante momento de reflexão e de invocação para obter do Senhor o dom de
numerosas vocações ao sacerdócio e à vida consagrada. Enquanto nos
despedimos do ano que termina, e nos encaminhamos rumo ao novo, a liturgia
hodierna introduz-nos na Solenidade de Maria Santíssima, Mãe de Deus. A
Virgem Santa é Mãe da Igreja e Mãe de cada um dos seus membros, ou seja,
Mãe de cada um de nós, em Cristo. Peçamos-lhe que nos acompanhe com a
sua salvaguarda atenciosa, hoje e sempre, a fim de que um dia Cristo nos acolha
na sua glória, na assembleia dos Santos: Aeterna fac cum sanctis tuis in gloria
numerari. Aleluia! Amém.
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UM CAMINHO DE FÉ ANTIGO E SEMPRE NOVO
os Seus não O acolheram” (Jo 1, 11). Deste modo, a grande questão moral sobre
o modo como nos comportamos com os prófugos, os refugiados, os imigrantes,
ganha um sentido ainda mais fundamental: Temos verdadeiramente lugar para
Deus, quando Ele tenta entrar em nós? Temos tempo e espaço para Ele?
Porventura não é ao próprio Deus que rejeitamos? Isto começa pelo facto de não
termos tempo para Deus. Quanto mais rapidamente nos podemos mover, quanto
mais eficazes se tornam os meios que nos fazem poupar tempo, tanto menos
tempo temos disponível. E Deus? O que diz respeito a Ele nunca parece uma
questão urgente. O nosso tempo já está completamente preenchido. Mas
vejamos o caso ainda mais em profundidade. Deus tem verdadeiramente um
lugar no nosso pensamento? A metodologia do nosso pensamento está
configurada de modo que, no fundo, Ele não deva existir. Mesmo quando parece
bater à porta do nosso pensamento, temos de arranjar qualquer raciocínio para
O afastar; o pensamento, para ser considerado «sério», deve ser configurado de
modo que a «hipótese Deus» se torne supérflua. E também nos nossos
sentimentos e vontade não há espaço para Ele. Queremo-nos a nós mesmos,
queremos as coisas que se conseguem tocar, a felicidade que se pode
experimentar, o sucesso dos nossos projetos pessoais e das nossas intenções.
Estamos completamente “cheios” de nós mesmos, de tal modo que não resta
qualquer espaço para Deus. E por isso não há espaço sequer para os outros,
para as crianças, para os pobres, para os estrangeiros. A partir duma frase
simples como esta sobre o lugar inexistente na hospedaria, podemos dar-nos
conta da grande necessidade que há desta exortação de São Paulo:
“Transformai-vos pela renovação da vossa mente” (Rm 12, 2). Paulo fala da
renovação, da abertura do nosso intelecto (nous); fala, em geral, do modo como
vemos o mundo e a nós mesmos. A conversão, de que temos necessidade, deve
chegar verdadeiramente até às profundezas da nossa relação com a realidade.
Peçamos ao Senhor para que nos tornemos vigilantes quanto à sua presença,
para que ouçamos como Ele bate, de modo suave, mas insistente, à porta do
nosso ser e da nossa vontade. Peçamos para que se crie, no nosso íntimo, um
espaço para Ele e possamos, deste modo, reconhecê-Lo também naqueles sob
cujas vestes vem ter conosco: nas crianças, nos doentes e abandonados, nos
marginalizados e pobres deste mundo. Na narração do Natal, há ainda outro
ponto que gostava de refletir juntamente convosco: o hino de louvor que os anjos
entoam depois de anunciar o Salvador recém-nascido: “Glória a Deus nas
alturas, e paz na terra aos homens do seu agrado”. Deus é glorioso. Deus é pura
luz, esplendor da verdade e do amor. Ele é bom. É o verdadeiro bem, o bem por
excelência. Os anjos que O rodeiam transmitem, primeiro, a pura e simples
alegria pela percepção da glória de Deus. O seu canto é uma irradiação da
alegria que os inunda. Nas suas palavras, sentimos, por assim dizer, algo dos
sons melodiosos do céu. No canto, não está subjacente qualquer pergunta sobre
a finalidade; há simplesmente o facto de transbordarem da felicidade que deriva
da percepção do puro esplendor da verdade e do amor de Deus. Queremos
deixar-nos tocar por esta alegria: existe a verdade; existe a pura bondade; existe
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a luz pura. Deus é bom; Ele é o poder supremo que está acima de todos os
poderes. Nesta noite, deveremos simplesmente alegrar-nos por este facto,
juntamente com os anjos e os pastores. E, com a glória de Deus nas alturas,
está relacionada a paz na terra entre os homens. Onde não se dá glória a Deus,
onde Ele é esquecido ou até mesmo negado, também não há paz. Hoje, porém,
há correntes generalizadas de pensamento que afirmam o contrário: as religiões,
mormente o monoteísmo, seriam a causa da violência e das guerras no mundo;
primeiro seria preciso libertar a humanidade das religiões, para se criar então a
paz; o monoteísmo, a fé no único Deus, seria prepotência, causa de intolerância,
porque pretenderia, fundamentado na sua própria natureza, impor-se a todos
com a pretensão da verdade única. É verdade que, na história, o monoteísmo
serviu de pretexto para a intolerância e a violência. É verdade que uma religião
pode adoecer e chegar a contrapor-se à sua natureza mais profunda, quando o
homem pensa que deve ele mesmo deitar mão à causa de Deus, fazendo assim
de Deus uma sua propriedade privada. Contra estas deturpações do sagrado,
devemos estar vigilantes. Se é incontestável algum mau uso da religião na
história, não é verdade que o “não” a Deus restabeleceria a paz. Se a luz de
Deus se apaga, apaga-se também a dignidade divina do homem. Então, este
deixa de ser a imagem de Deus, que devemos honrar em todos e cada um, no
fraco, no estrangeiro, no pobre. Então deixamos de ser, todos, irmãos e irmãs,
filhos do único Pai que, a partir do Pai, se encontram interligados uns aos outros.
Os tipos de violência arrogante que aparecem então com o homem a desprezar
e a esmagar o homem, vimo-los, em toda a sua crueldade, no século passado.
Só quando a luz de Deus brilha sobre o homem e no homem, só quando cada
homem é querido, conhecido e amado por Deus, só então, por mais miserável
que seja a sua situação, a sua dignidade é inviolável. Na Noite Santa, o próprio
Deus Se fez homem, como anunciara o profeta Isaías: o menino nascido aqui é
“Emmanuel – Deus-conosco” (cf. Is 7, 14). E verdadeiramente, no decurso de
todos estes séculos, não houve apenas casos de mau uso da religião; mas, da
fé no Deus que Se fez homem, nunca cessou de brotar forças de reconciliação
e magnanimidade. Na escuridão do pecado e da violência, esta fé fez entrar um
raio luminoso de paz e bondade que continua a brilhar. Assim, Cristo é a nossa
paz e anunciou a paz àqueles que estavam longe e àqueles que estavam perto
(cf. Ef 2, 14.17). Quanto não deveremos nós suplicar-Lhe nesta hora! Sim,
Senhor, anunciai a paz também hoje a nós, tanto aos que estão longe como aos
que estão perto. Fazei que também hoje das espadas se forjem foices (cf. Is 2,
4), que, em vez dos armamentos para a guerra, apareçam ajudas para os
enfermos. Iluminai a quantos acreditam que devem praticar violência em vosso
nome, para que aprendam a compreender o absurdo da violência e a reconhecer
o vosso verdadeiro rosto. Ajudai a tornarmo-nos homens “do vosso agrado”:
homens segundo a vossa imagem e, por conseguinte, homens de paz. Logo que
os anjos se afastaram, os pastores disseram uns para os outros: Coragem!
Vamos até lá, a Belém, e vejamos esta palavra que nos foi mandada (cf. Lc 2,
15). Os pastores puseram-se apressadamente a caminho para Belém – diz-nos
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no respeito de cada uma delas, de modo que as mesmas possam contribuir para
a construção duma sociedade solidária, para benefício daquele nobre povo e do
mundo inteiro. Amados irmãos e irmãs! Amor e verdade, justiça e paz
encontraram-se, encarnaram no homem nascido de Maria, em Belém. Aquele
homem é o Filho de Deus, é Deus que apareceu na história. O seu nascimento
é um rebento de vida nova para toda a humanidade. Possa cada terra tornar-se
uma terra boa, que acolhe e faz germinar o amor, a verdade, a justiça e a paz.
Bom Natal para todos!
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cristãos, que não são os amigos ou os donos da vida dos seus filhos, mas os
guardiães deste dom incomparável de Deus. O silêncio de José, homem justo
(cf. Mt 1, 19), e o exemplo de Maria, que ponderava todas as coisas no seu
coração (cf. Lc 2, 51), nos façam entrar no mistério cheio de fé e humanidade da
Sagrada Família. Desejo a todas as famílias cristãs que vivam na presença de
Deus, com o mesmo amor e a mesma alegria da família de Jesus, Maria e José.
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desígnio de Deus, mas das escolhas erradas do homem, porque sabe que a
força da fé pode mover as montanhas (cf. Mt 17, 20): o Senhor pode iluminar até
as trevas mais densas. O Ano da fé, que a Igreja está a viver, quer suscitar no
coração de cada crente uma maior consciência de que o encontro com Cristo é
a nascente da vida verdadeira e de uma esperança sólida. A fé em Jesus permite
uma renovação constante no bem e a capacidade de sair das areias movediças
do pecado e de começar de novo. Na Palavra que se fez carne é possível,
sempre novamente, encontrar a identidade autêntica do homem, que se
descobre destinatário do amor infinito de Deus e chamado à comunhão pessoal
com Ele. Esta verdade, que Jesus Cristo veio revelar, é a certeza que nos impele
a olhar com confiança para o ano que estamos prestes a começar. A Igreja, que
recebeu do seu Senhor a missão de evangelizar, sabe bem que o Evangelho
está destinado a todos os homens, de modo particular às novas gerações, para
saciar aquela sede de verdade que cada um traz no coração e que muitas vezes
é ofuscada pelas numerosas ocupações da vida. Este compromisso apostólico
é tanto mais necessário quando a fé corre o risco de ser obscurecida em
contextos culturais que impedem a sua radicação pessoal e a sua presença
social. Também Roma é uma cidade onde a fé cristã deve ser anunciada sempre
de novo e testemunhada de maneira credível. Por um lado, o número crescente
de fiéis de outras religiões, a dificuldade que as comunidades paroquiais
enfrentam para se aproximar dos jovens e a difusão de estilos de vida
caracterizados pelo individualismo e pelo relativismo ético; por outro lado, a
busca da parte de muitas pessoas de um sentido para a sua existência e de uma
esperança que não desiluda, não podem deixar-nos indiferentes. Como o
apóstolo Paulo (cf. Rm 1, 14-15), cada fiel desta cidade há-de sentir-se devedor
do Evangelho a todos os demais habitantes! Precisamente por isso, já há vários
anos, a nossa Diocese está comprometida em acentuar a dimensão missionária
da pastoral ordinária, a fim de que os crentes, sustentados especialmente pela
Eucaristia dominical, possam tornar-se discípulos e testemunhas coerentes de
Jesus Cristo. A esta coerência de vida são chamados de modo totalmente
particular os pais cristãos, que são para os seus filhos os primeiros educadores
da fé. A complexidade da vida numa cidade grande como Roma e uma cultura
que parece muitas vezes indiferente em relação a Deus, exigem que os pais e
as mães não sejam deixados sozinhos nesta tarefa tão decisiva, aliás, que sejam
ajudados e acompanhados na sua vida espiritual. A este propósito, encorajo
quantos trabalham na pastoral familiar a pôr em prática as orientações pastorais
evidenciadas durante o último Congresso diocesano, dedicado à pastoral
baptismal e pós-baptismal. É necessário um compromisso generoso para
desenvolver os itinerários de formação espiritual que depois do Baptismo das
crianças acompanhem os pais a manter acesa a chama da fé, oferecendo-lhes
sugestões concretas a fim de que, desde a idade mais terna, lhes seja anunciado
o Evangelho de Jesus. A criação de grupos de famílias, nos quais se ouça a
Palavra de Deus e se compartilhem experiências de vida cristã, ajuda a fortalecer
o sentido de pertença à comunidade eclesial e a crescer na amizade com o
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meio de Maria. Recorda o nome dado ao Messias, e ouve-o pronunciar com terna
doçura pela sua Mãe. Invoca a paz para o mundo, a paz de Cristo, e fá-lo através
de Maria, mediadora e cooperadora de Cristo (cf. Lumen gentium, 60-61).
Começamos um novo ano solar, que é um ulterior período de tempo que nos é
oferecido pela Providência divina no contexto da salvação inaugurada por Cristo.
Mas não entrou o Verbo eterno no tempo próprio por meio de Maria? Recorda-o
o apóstolo Paulo na segunda Leitura, que escutámos há pouco, afirmando que
Jesus nasceu “de uma mulher” (cf. Gl 4, 4). Na liturgia de hoje sobressai a figura
de Maria, verdadeira Mãe de Jesus, Homem-Deus. Portanto, a solenidade não
celebra uma ideia abstrata, mas um mistério e um acontecimento
histórico: Jesus Cristo, pessoa divina, nasceu da Virgem Maria, a qual é, no
sentido mais verdadeiro, sua mãe. Além da maternidade hoje é posta em
evidência também a virgindade de Maria. Trata-se de duas prerrogativas que são
sempre proclamadas juntas e de maneira inseparável, porque se integram e se
qualificam reciprocamente. Maria é mãe, mas mãe virgem; Maria é virgem, mas
virgem mãe. Se omitirmos um dos dois aspectos não se compreende plenamente
o mistério de Maria, como os Evangelhos no-lo apresentam. Mãe de Cristo, Maria
é também Mãe da Igreja, como o meu venerado predecessor, o Servo de Deus
Paulo VI quis proclamar a 21 de Novembro de 1964, durante o Concílio Vaticano
II. Por fim, Maria é Mãe espiritual de toda a humanidade, porque Jesus derramou
o seu sangue na cruz por todos, e a todos confiou da cruz à sua solicitude
materna. Olhando para Maria, iniciemos, portanto, este novo ano, que
recebemos das mãos de Deus como um “talento” precioso para fazermos
frutificar, como uma ocasião providencial para contribuir para a realização do
Reino de Deus. Por ocasião do Dia Mundial da Paz, dirigi aos Governantes e aos
Responsáveis das Nações, assim como a todos os homens e mulheres de boa
vontade, a habitual Mensagem, que este ano tem como tema: “A pessoa
humana, coração da paz”. Estou profundamente convicto de que “respeitando a
pessoa se promove a paz e, construindo a paz, assentam-se as premissas para
um autêntico humanismo integral” (Mensagem, 1). Trata-se de um compromisso
que compete de maneira peculiar ao cristianismo, chamado “a ser incansável
promotor de paz e acérrimo defensor da dignidade da pessoa humana e dos
seus direitos inalienáveis” (Ibid., 16). Precisamente porque criado à imagem e
semelhança de Deus (cf. Gn 1, 27), cada indivíduo humano, sem distinção de
raça, cultura nem religião, está revestido da mesma dignidade de pessoa. Por
isso, deve ser respeitado, e jamais razão alguma pode justificar que se disponha
dele a seu bel-prazer, como se fosse um objeto. Face às ameaças à paz,
infelizmente sempre presentes, diante das situações de injustiça e de violência,
que continuam a persistir em diversas regiões da terra, face ao prevalecer de
conflitos armados, com frequência esquecidos pela vasta opinião pública, e ao
perigo do terrorismo que perturba a serenidade dos povos, torna-se como nunca
necessário comprometer-se juntos pela paz. Esta, recordei na Mensagem, é
“simultaneamente um dom e uma missão” (n. 3): dom que devemos invocar com
a oração, tarefa que devemos realizar com coragem sem nunca nos cansarmos.
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A narração evangélica que ouvimos mostra o cenário dos pastores de Belém que
se dirigem à gruta para adorar o Menino, depois de ter recebido o anúncio do
Anjo (cf. Lc 2, 16). Como não dirigir o olhar mais uma vez para a dramática
situação que caracteriza precisamente aquela Terra onde nasceu Jesus? Como
não implorar com oração insistente que também naquela região chegue o mais
depressa possível o dia da paz, o dia no qual se resolva definitivamente o conflito
em ato que perdura há demasiado tempo? Um acordo de paz, para ser
duradouro, deve basear-se sobre o respeito da dignidade e dos direitos de cada
pessoa. Os votos que formulo diante dos representantes das Nações aqui
presentes são porque a Comunidade internacional una os próprios esforços,
para que em nome de Deus se construa um mundo no qual os direitos
fundamentais do homem sejam respeitados por todos. Mas para que isto se
realize é necessário que o fundamento destes direitos seja reconhecido não em
simples acordos humanos, mas “na mesma natureza do homem e na sua
inalienável dignidade de pessoa criada por Deus” (Mensagem, 13). De facto, se
os elementos constitutivos da dignidade humana são confiados às variáveis
opiniões humanas, também os seus direitos, mesmo se proclamados
solenemente, acabam por se tornar frágeis e com diversas interpretações. “É,
portanto, importante que os Organismos internacionais não percam de vista o
fundamento natural dos direitos do homem. Isto preservá-los-á do risco,
infelizmente sempre latente, de resvalar para uma interpretação meramente
positivista” (Ibid.). “O Senhor te abençoe e te guarde!... O Senhor volte para ti a
sua face e te dê paz!” (Nm 6, 24.26). É esta a fórmula de bênção que ouvimos
na primeira Leitura. É tirada do livro dos Números: nela é repetida três vezes o
nome do Senhor. Isto significa a intensidade e a força da bênção, cuja última
palavra é “paz”. A palavra bíblica shalom, que traduzimos por “paz”, indica aquele
conjunto de bens em que consiste “a salvação” que trouxe Cristo, o Messias
anunciado pelos profetas. Por isso, nós cristãos reconhecemos n'Ele o Príncipe
da paz. Ele fez-se homem e nasceu numa gruta em Belém para trazer a sua paz
aos homens de boa vontade, aos que o acolhem com fé e amor. A paz é assim
verdadeiramente o dom e o compromisso do Natal: o dom, que deve ser
acolhido com humilde docilidade e invocado constantemente com orante
confiança; o compromisso, que faz de cada pessoa de boa vontade um “canal
de paz”. Pedimos a Maria, Mãe de Deus, que nos ajude a acolher o Filho e, n'Ele,
a verdadeira paz. Peçamos-lhe que ilumine os nossos olhos, para que saibamos
reconhecer o Rosto de Cristo no rosto de cada pessoa humana, coração da paz!
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da cor da sua pele, da sua nacionalidade, da sua língua e da sua religião. Mas
quem, senão Deus, pode garantir, por assim dizer, a “profundidade” do rosto do
homem? Na realidade, só se tivermos Deus no coração, somos capazes de ver
no rosto do outro um irmão em humanidade, não um meio, mas um fim, não um
rival nem um inimigo, mas outro eu, uma multiplicação do mistério infinito do ser
humano. A nossa percepção do mundo e, em particular, dos nossos
semelhantes, depende essencialmente da presença em nós do Espírito de Deus.
É uma espécie de “ressonância”: quem tem o coração vazio, vê unicamente
imagens banais, desprovidas de relevo. Por outro lado, quanto mais somos
habitados por Deus, tanto mais sensíveis nos tornamos à sua presença naquilo
que nos circunda: em todas as criaturas e especialmente nos outros homens,
embora às vezes precisamente o rosto humano, marcado pela dureza da vida e
do mal, possa ser difícil de apreciar e de aceitar como epifania de Deus. Com
maior razão, portanto, para nos reconhecermos e respeitarmos como realmente
somos, ou seja, como irmãos, temos necessidade de nos referirmos ao rosto de
um Pai comum, que nos ama a todos, apesar dos nossos limites e dos nossos
erros. Desde criança, é importante ser educado no respeito pelo próximo, mesmo
quando é diferente de nós. Hoje é cada vez mais comum a experiência de
classes escolares compostas por crianças de várias nacionalidades, mas
também quando isto não se verifica, os seus rostos constituem uma profecia da
humanidade que somos chamados a formar: uma família de famílias e de povos.
Quanto menores são estas crianças, tanto mais suscitam em nós a ternura e a
alegria por uma inocência e uma fraternidade que nos parecem evidentes:
apesar das suas diferenças, elas choram e riem do mesmo modo, têm as
mesmas necessidades, comunicam espontaneamente, brincam juntas... Os
rostos das crianças são como um reflexo da visão de Deus sobre o mundo.
Então, por que apagar os seus sorrisos? Por que envenenar os seus corações?
Infelizmente, o ícone da Mãe de Deus da ternura encontra o seu trágico oposto
nas imagens dolorosas de numerosas crianças e das suas mães à mercê de
guerras e violências: prófugos, refugiados e migrantes forçados. Rostos
marcados pela fome e pelas enfermidades, rostos desfigurados pelo sofrimento
e pelo desespero. Os rostos dos pequenos inocentes constituem um apelo
silencioso à nossa responsabilidade: diante da sua condição inerme, esvaecem
todas as falsas justificações da guerra e da violência. Devemos simplesmente
converter-nos a projetos de paz, abandonar as armas de todos os tipos e
comprometer-nos todos juntos na construção de um mundo mais digno do
homem. A minha Mensagem para este 43º Dia Mundial da Paz: “Se quiseres
cultivar a paz, preserva a criação”, insere-se no interior da perspectiva do rosto
de Deus e dos rostos humanos. Com efeito, podemos afirmar que o homem é
capaz de respeitar as criaturas, na medida em que tiver no seu espírito um
sentido pleno da vida; caso contrário, será levado a desprezar-se a si mesmo e
àquilo que o circunda, a não ter respeito pelo ambiente em que vive, pela criação.
Quem sabe reconhecer no cosmos os reflexos do rosto invisível do Criador, é
levado a ter maior amor pelas criaturas, maior sensibilidade pelo seu valor
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de Jesus (cf. Lc 2, 21). É nesse nome que nós estamos aqui reunidos. Saúdo
cordialmente todos os presentes, a começar pelos ilustres Embaixadores do
Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé. Saúdo com afeto o Cardeal
Bertone, meu Secretário de Estado e ao Cardeal Turkson, com todos os
membros do Conselho Pontifício Justiça e Paz; sou-lhes particularmente grato
por seus esforços na difusão da Mensagem para o Dia Mundial da Paz, que este
ano tem como tema “Bem-aventurados os obreiros da paz”. Embora o mundo,
infelizmente, ainda esteja marcado com “focos de tensão e conflito causados por
crescentes desigualdades entre ricos e pobres, pelo predomínio duma
mentalidade egoísta e individualista que se exprime inclusivamente por um
capitalismo financeiro desregrado”, além de diversas formas de terrorismo e
criminalidade, estou convencido de que as inúmeras obras de paz, de que é rico
o mundo, testemunham a vocação natural da humanidade à paz. Em cada
pessoa, o desejo de paz é uma aspiração essencial e coincide, de certo modo,
com o anelo por uma vida humana plena, feliz e bem-sucedida. Por outras
palavras, o desejo de paz corresponde a um princípio moral fundamental, ou
seja, ao dever-direito de um desenvolvimento integral, social, comunitário, e isto
faz parte dos desígnios que Deus tem para o homem. Na verdade, o homem é
feito para a paz, que é dom de Deus. Tudo isso me sugeriu buscar inspiração,
para esta Mensagem, às palavras de Jesus Cristo: “Bem-aventurados os
obreiros da paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5, 9) (Mensagem,
1). Esta bem-aventurança “diz que a paz é, simultaneamente, dom messiânico e
obra humana.... é paz com Deus, vivendo conforme à sua vontade; é paz interior
consigo mesmo, e paz exterior com o próximo e com toda a criação” (Ibid., 2 e
3). Sim, a paz é bem por excelência que deve ser invocado como um dom de
Deus e, ao mesmo tempo, que deve ser construído com todo o esforço. Podemos
perguntar-nos: qual é o fundamento, a origem, a raiz dessa paz? Como podemos
sentir em nós a paz, apesar dos problemas, da escuridão e das angústias? A
resposta nos é dada pelas leituras da liturgia de hoje. Os textos bíblicos, a
começar pelo Evangelho de Lucas, há pouco proclamado, nos propõe a
contemplação da paz interior de Maria, a Mãe de Jesus. Durante os dias em que
“deu à luz o seu filho primogênito” (Lc 2,7), Maria deve de afrontar muitos
acontecimentos imprevistos: não só o nascimento do Filho, mas antes a árdua
viagem de Nazaré à Belém; não encontrar um lugar no alojamento; a procura de
um abrigo improvisado no meio da noite; e depois o cântico dos anjos, a visita
inesperada dos pastores. Maria, no entanto, não se perturba com todos estes
fatos, não se agita, não se abala com acontecimentos que lhe superam; Ela
simplesmente considera, em silêncio, tudo quanto acontece, guardando na sua
memória e no seu coração, refletindo com calma e serenidade. É esta é a paz
interior que queremos ter em meio aos acontecimentos às vezes tumultuosos e
confusos da história, acontecimentos cujo sentido muitas vezes não
conseguimos compreender e que nos deixam abalados. A passagem do
Evangelho termina com uma menção à circuncisão de Jesus. Conforme a Lei de
Moisés, oito dias após o nascimento, o menino devia ser circuncidado, e nesse
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momento lhe era dado o nome. O próprio Deus, através de seu mensageiro,
dissera a Maria - e também a José – que o nome a ser dado para a criança era
“Jesus” (cf. Mt 1, 21; Lc 1, 31), e assim aconteceu. Aquele nome que Deus já
tinha estabelecido antes mesmo que o Menino fosse concebido, lhe é dado
oficialmente no momento da circuncisão. E isto marca definitivamente a
identidade de Maria: ela é “a mãe de Jesus”, ou seja, a mãe do Salvador, do
Cristo, do Senhor. Jesus não é um homem como qualquer outro, mas é o Verbo
de Deus, uma das Pessoas divinas, o Filho de Deus: por isso a Igreja deu a
Maria o título de Theotókos, ou seja, “Mãe de Deus”. A primeira leitura nos
recorda que a paz é um dom de Deus e está ligada ao esplendor da face de
Deus, de acordo com o texto do Livro dos Números, que transmite a bênção
usada pelos sacerdotes do povo de Israel nas assembleias litúrgicas. Uma
bênção que por três vezes repete o santo Nome de Deus, o nome
impronunciável, ligando a cada repetição o santo Nome a dois verbos que
indicam uma ação em favor do homem: “O Senhor te abençoe e te guarde. O
Senhor faça brilhar sobre ti a sua face, e se compadeça de ti. O Senhor volte
para ti o seu rosto e te dê a paz” (6, 24-26). A paz é, portanto, o ponto culminante
dessas seis ações de Deus em nosso favor, em que Ele nos dirige o esplendor
da sua face. Para a Sagrada Escritura, a contemplar a face de Deus é a felicidade
suprema: “o cobristes de alegria em vossa face”, diz o salmista (Sl 21, 7). Da
contemplação da face de Deus nascem alegria, paz e segurança. Mas o que
significa concretamente contemplar a face do Senhor, tal como se entende no
Novo Testamento? Significa conhecê-Lo diretamente, tanto quanto é possível
nesta vida, através de Jesus Cristo, no qual Deus se revelou. Deleitar-se com o
esplendor da face de Deus significa penetrar no mistério de seu Nome
manifestado a nós por Jesus, compreender algo da sua vida íntima e da sua
vontade, para que possamos viver de acordo com seu desígnio de amor para a
humanidade. O apóstolo Paulo expressa justamente isso na segunda leitura, da
Carta aos Gálatas (4, 4-7), afirmando que do Espírito, que no íntimo dos nossos
corações, clama: “Abá! Ó Pai”. É o clamor que brota da contemplação da
verdadeira face de Deus, da revelação do mistério do Nome. Jesus diz:
“Manifestei o teu nome aos homens” (Jo 17, 6). O Filho de Deus feito carne nos
deu a conhecer o Pai, nos fez perceber no seu rosto humano visível a face
invisível do Pai; através do dom do Espírito Santo derramado em nossos
corações, nos fez conhecer que n’Ele nós também somos filhos de Deus, como
diz São Paulo na passagem que escutamos: “Porque sois filhos, Deus enviou
aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abá! Ó Pai” (Gal 4, 6).
Queridos irmãos e irmãs, eis o fundamento da nossa paz: a certeza de
contemplar em Jesus Cristo o esplendor da face de Deus, de ser filhos no Filho
e ter, assim, na estrada da vida, a mesma segurança que a criança sente nos
braços de um Pai bom e onipotente. O esplendor da face do Senhor sobre nós,
que nos dá a paz, é a manifestação da sua paternidade; o Senhor dirige sobre
nós a sua face, se mostra como Pai e nos dá a paz. Aqui está o princípio daquela
paz profunda – “paz com Deus” - que está intimamente ligada à fé e à graça,
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como escreve São Paulo aos cristãos de Roma (Rm 5, 2). Nada pode tirar
daqueles que creem esta paz, nem mesmo as dificuldades e os sofrimentos da
vida. De fato, os sofrimentos, as provações e a escuridão não corroem, mas
aumentam a nossa esperança, uma esperança que não decepciona, porque “o
amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos
foi dado” (Rm 5, 5). Que a Virgem Maria, que hoje veneramos com o título de
Mãe de Deus, nos ajude a contemplar a face de Jesus, Príncipe da Paz. Que Ela
nos ajude e nos acompanhe neste novo ano; que Ela obtenha para nós e para o
mundo inteiro o dom da paz. Amém!
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Angelus do ano novo, peçamos a Maria Santíssima, Mãe de Deus, que nos
abençoe, como a mãe abençoa os seus filhos que devem partir para uma
viagem. Um ano novo é como uma viagem: com a luz e a graça de Deus, possa
ser um caminho de paz para cada homem e para cada família, para cada país e
para o mundo inteiro.
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diante do ícone da adoração dos Magos. Ele contém uma mensagem exigente
e sempre atual. Exigente e sempre atual antes de tudo para a Igreja que,
espelhando-se em Maria, está chamada a mostrar Jesus aos homens, nada mais
do que Jesus. De facto, Ele é o Tudo e a Igreja existe unicamente para
permanecer unida a Ele e dá-Lo a conhecer ao mundo. Ajude-nos a Mãe do
Verbo encarnado a sermos discípulos dóceis do seu Filho, Luz das nações. O
exemplo dos Magos de então é um convite também para os Magos de hoje a
abrir as mentes e os corações e a oferecer-lhe os dons da sua busca. A eles, a
todos os homens do nosso tempo, gostaria de repetir hoje: não tenhais medo da
luz de Cristo! A sua luz é o esplendor da verdade. Deixai-vos iluminar por Ele,
povos da terra; deixai-vos arrebatar pelo seu amor e encontrareis o caminho da
paz. Assim seja.
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que encontram o caminho e chegam até Ele. Todas vivem, cada uma à sua
maneira, a mesma experiência dos Magos. Eles levaram ouro, incenso e mirra.
Sem dúvida, não são dons que correspondem às necessidades primárias ou
quotidianas. Naquele momento, a Sagrada Família certamente teria tido mais
necessidade de algo diferente do incenso e da mirra, e nem sequer o ouro podia
ser-lhe imediatamente útil. Mas estes dons têm um profundo significado: são um
ato de justiça. Com efeito, segundo a mentalidade em vigor nessa época no
Oriente, representam o reconhecimento de uma pessoa como Deus e Rei: ou
seja, são um ato de submissão. Querem dizer que a partir daquele momento os
doadores pertencem ao soberano e reconhecem a sua autoridade. A
consequência a que isto dá origem é imediata. Os Magos já não podem continuar
pelo seu caminho, já não podem regressar para junto de Herodes, já não podem
ser aliados com aquele soberano poderoso e cruel. Foram conduzidos para
sempre pela senda do Menino, aquela que lhes fará ignorar os grandes e os
poderosos deste mundo e que os conduzirá para Aquele que nos espera no meio
dos pobres, o único caminho do amor que pode transformar o mundo. Portanto,
os Magos não só se puseram a caminho, mas a partir daquele seu gesto teve
início algo de novo, foi traçado um novo caminho, desceu sobre o mundo uma
nova luz que não se apagou. Realiza-se a visão do profeta: aquela luz não pode
mais ser ignorada no mundo: os homens caminharão rumo àquele Menino e
serão iluminados pela alegria que só Ele sabe doar. A luz de Belém continua a
resplandecer no mundo inteiro. A quantos a acolheram, Santo Agostinho
recorda: “Também nós, reconhecendo Cristo, nosso rei e sacerdote morto por
nós, O honramos como se tivéssemos oferecido ouro, incenso e mirra; só nos
falta dar testemunho dele, percorrendo um caminho diferente daquele pelo qual
viemos” (Sermo 202. In Epiphania Domini, 3, 4). Por conseguinte, se lemos
juntos a promessa do profeta Isaías e o seu cumprimento no Evangelho de
Mateus, no grande contexto de toda a história, parece evidente que o que nos é
dito e que no presépio procuramos reproduzir, não é um sonho, nem sequer um
inútil jogo de sensações e de emoções, desprovidas de vigor e de realidade, mas
é a Verdade que se irradia no mundo, mesmo que Herodes pareça ser sempre
mais forte e aquele Menino pareça poder ser incluído entre aqueles que não têm
importância, ou até espezinhado. Mas somente naquele Menino se manifesta a
força de Deus, que reúne os homens de todos os séculos, para que sob o seu
senhorio percorram o caminho do amor, que transfigura o mundo. Todavia,
embora os poucos de Belém se tenham tornado muitos, os crentes em Jesus
Cristo parecem ser sempre poucos. Muitos viram a estrela, mas só poucos
compreenderam a sua mensagem. Os estudiosos da Escritura do tempo de
Jesus conheciam perfeitamente a palavra de Deus. Eram capazes de dizer sem
qualquer dificuldade o que se podia encontrar nela a respeito do lugar onde o
Messias teria nascido, mas, como Santo Agostinho diz: “Aconteceu com eles
como com as pedras miliárias (que indicam o caminho): enquanto davam
indicações aos romeiros a caminho, eles permaneciam inertes e imóveis” (Sermo
199. In Epiphania Domini, 1, 2). Então, podemos perguntar-nos: qual é a razão
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pela qual alguns veem e encontram, e outros não? O que abre os olhos e o
coração? O que falta àqueles que permanecem indiferentes, aos que indicam o
caminho, mas não se movem? Podemos responder: a demasiada segurança em
si mesmos, a pretensão de conhecer perfeitamente a realidade, a presunção de
já ter formulado um juízo definitivo sobre as coisas tornam os seus corações
fechados e insensíveis à novidade de Deus. Sentem-se seguros da ideia do
mundo que formularam para si mesmos e não se deixam abalar no seu íntimo
pela aventura de um Deus que deseja encontrá-los. Depositam a sua confiança
mais em si próprios do que nele e não julgam possível que Deus seja tão grande
a ponto de se poder tornar pequeno, de se poder aproximar verdadeiramente de
nós. No final, o que falta é a humildade autêntica, que sabe submeter-se ao que
é maior, mas também a coragem genuína, que leva a crer naquilo que é
verdadeiramente grande, mesmo que se manifeste num Menino inerme. Falta a
capacidade evangélica de ser criança no coração, de se admirar e de sair de si
mesmo para seguir o caminho indicado pela estrela, o caminho de Deus. Porém,
o Senhor tem o poder de nos tornar capazes de ver e de nos salvarmos. Então,
queremos pedir-lhe que nos dê um coração sábio e inocente, que nos permita
ver a estrela da sua misericórdia e seguir o seu caminho, para O encontrar e ser
inundados pela grande luz e pela verdadeira alegria que Ele trouxe a este
mundo. Amém!
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itinerário de busca foi quando se encontraram diante “do menino com Maria sua
mãe” (Mt 2, 11). Diz o Evangelho que “se prostraram e o adoraram”. Teriam
podido ficar desiludidos, aliás, escandalizados. Mas não! Como verdadeiros
sábios, estão abertos ao mistério que se manifesta de modo surpreendente; e
com os seus dons simbólicos demonstram reconhecer em Jesus o Rei e o Filho
de Deus. Precisamente com aquele gesto cumprem-se os oráculos messiânicos
que anunciam a homenagem das nações ao Deus de Israel. Um último pormenor
confirma, nos Magos, a unidade entre inteligência e fé: é o facto de que,
“avisados em sonho a não voltarem para junto de Herodes, regressaram à sua
terra por outro caminho” (Mt 2, 12). Teria sido natural voltar a Jerusalém, ao
palácio de Herodes e ao Templo, para dar realce à sua descoberta. Ao contrário,
os Magos, que escolheram como seu soberano o Menino, guardaram-na no
escondimento, segundo o estilo de Maria, ou melhor, do próprio Deus e, assim
como tinham surgido, desapareceram no silêncio, satisfeitos, mas também
transformados pelo encontro com a Verdade. Tinham descoberto um novo rosto
de Deus, uma nova realeza: a do amor. Ajude-nos a Virgem Maria, modelo de
verdadeira sabedoria, a ser autênticos pesquisadores da verdade sobre Deus,
capazes de viver sempre a profunda sintonia que existe entre razão e fé, ciência
e revelação.
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peregrinação dos povos para Jesus Cristo é evidente. O Bispo tem a missão não
apenas de se incorporar nesta peregrinação juntamente com os demais, mas de
ir à frente e indicar a estrada. Nesta liturgia, porém, queria refletir convosco sobre
uma questão ainda mais concreta. Com base na história narrada por Mateus,
podemos certamente fazer uma ideia aproximada do tipo de homens que,
seguindo o sinal da estrela, se puseram a caminho para encontrar aquele Rei
que teria fundado uma nova espécie de realeza, e não só para Israel, mas para
a humanidade inteira. Que tipo de homens seriam então eles? E perguntemo-
nos também se a partir deles, não obstante a diferença dos tempos e das
funções, seja possível vislumbrar algo do que é o Bispo e de como deve ele
cumprir a sua missão. Os homens que então partiram rumo ao desconhecido
eram, em definitiva, pessoas de coração inquieto; homens inquietos movidos
pela busca de Deus e da salvação do mundo; homens à espera, que não se
contentavam com seus rendimentos assegurados e com uma posição social
provavelmente considerável, mas andavam à procura da realidade maior. Talvez
fossem homens eruditos, que tinham grande conhecimento dos astros e,
provavelmente, dispunham também duma formação filosófica; mas não era
apenas saber muitas coisas que queriam; queriam sobretudo saber o essencial,
queriam saber como se consegue ser pessoa humana. E, por isso, queriam
saber se Deus existe, onde está e como é; se Se preocupa conosco e como
podemos encontrá-Lo. Queriam não apenas saber; queriam conhecer a verdade
acerca de nós mesmos, de Deus e do mundo. A sua peregrinação exterior era
expressão deste estar interiormente a caminho, da peregrinação interior do seu
coração. Eram homens que buscavam a Deus e, em última instância,
caminhavam para Ele; eram indagadores de Deus. Chegamos assim à questão:
Como deve ser um homem a quem se impõem as mãos para a Ordenação
episcopal na Igreja de Jesus Cristo? Podemos dizer: deve ser sobretudo um
homem cujo interesse se dirige para Deus, porque só então é que ele se
interessa verdadeiramente também pelos homens. E, vice-versa, podemos dizer:
um Bispo deve ser um homem que tem a peito os outros homens, que se deixa
tocar pelas vicissitudes humanas. Deve ser um homem para os outros; mas só
poderá sê-lo realmente, se for um homem conquistado por Deus: se, para ele, a
inquietação por Deus se tornou uma inquietação pela sua criatura, o homem.
Como os Magos do Oriente, também um Bispo não deve ser alguém que se
limita a exercer o seu ofício, sem se importar com mais nada; mas deve deixar-
se absorver pela inquietação de Deus com os homens. Deve, por assim dizer,
pensar e sentir em sintonia com Deus. Não é apenas o homem que tem em si a
inquietação constitutiva por Deus, mas esta inquietação é uma participação na
inquietação de Deus por nós. Foi por estar inquieto conosco que Deus veio atrás
de nós até à manjedoura; mais: até à cruz. “A buscar-me Vos cansastes, pela
Cruz me resgatastes: tanta dor não seja em vão!”: reza a Igreja no Dies irae. A
inquietação do homem por Deus e, a partir dela, a inquietação de Deus pelo
homem não devem dar tréguas ao Bispo. É isto que queremos dizer, ao afirmar
que o Bispo deve ser sobretudo um homem de fé; porque a fé nada mais é do
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que ser interiormente tocado por Deus, condição esta que nos leva pelo caminho
da vida. A fé atrai-nos para dentro de um estado em que somos arrebatados pela
inquietação de Deus e faz de nós peregrinos que estão interiormente a caminho
para o verdadeiro Rei do mundo e para a sua promessa de justiça, de verdade
e de amor. Nesta peregrinação, o Bispo deve ir à frente, deve ser aquele que
indica aos homens a estrada para a fé, a esperança e o amor. A peregrinação
interior da fé para Deus realiza-se sobretudo na oração. Santo Agostinho disse
certa vez que a oração, em última análise, nada mais seria do que a atualização
e a radicalização do nosso desejo de Deus. No lugar da palavra “desejo”,
poderíamos colocar também a palavra “inquietação” e dizer que a oração quer
arrancar-nos da nossa falsa comodidade, da nossa clausura nas realidades
materiais, visíveis, para nos transmitir a inquietação por Deus, tornando-nos
assim abertos e inquietos uns para com os outros. O Bispo, como peregrino de
Deus, deve ser sobretudo um homem que reza, deve estar em permanente
contacto interior com Deus; a sua alma deve estar aberta de par em par a Deus.
As dificuldades suas e dos outros bem como as suas alegrias e as dos demais
deve levá-las a Deus e assim, a seu modo, estabelecer o contacto entre Deus e
o mundo na comunhão com Cristo, para que a luz de Cristo brilhe no mundo.
Voltemos aos Magos do Oriente. Eles eram também e sobretudo homens que
tinham coragem; tinham a coragem e a humildade da fé. Era preciso coragem a
fim de acolher o sinal da estrela como uma ordem para partir, para sair rumo ao
desconhecido, ao incerto, por caminhos onde havia inúmeros perigos à espreita.
Podemos imaginar que a decisão destes homens tenha provocado sarcasmo: o
sarcasmo dos ditos realistas que podiam apenas zombar das fantasias destes
homens. Quem partia baseado em promessas tão incertas, arriscando tudo, só
podia aparecer como ridículo. Mas, para estes homens tocados interiormente por
Deus, era mais importante o caminho segundo as indicações divinas do que a
opinião alheia. Para eles, a busca da verdade era mais importante que a
zombaria do mundo, aparentemente inteligente. Vendo tal situação, como não
pensar na missão do Bispo neste nosso tempo? A humildade da fé, do crer
juntamente com a fé da Igreja de todos os tempos, há-de encontrar-se, vezes
sem conta, em conflito com a inteligência dominante daqueles que se atêm
àquilo que aparentemente é seguro. Quem vive e anuncia a fé da Igreja
encontra-se em desacordo também em muitos aspectos, com as opiniões
dominantes precisamente no nosso tempo. O agnosticismo, hoje largamente
imperante, tem os seus dogmas e é extremamente intolerante com tudo o que o
põe em questão, ou põe em questão os seus critérios. Por isso, a coragem de
contradizer as orientações dominantes é hoje particularmente premente para um
Bispo. Ele tem de ser valoroso; e esta valentia ou fortaleza não consiste em ferir
com violência, na agressividade, mas em deixar-se ferir e fazer frente aos
critérios das opiniões dominantes. A coragem de permanecer firme na verdade
é inevitavelmente exigida àqueles que o Senhor envia como cordeiros para o
meio de lobos. “Aquele que teme o Senhor nada temerá”, diz Ben Sirac (34, 14).
O temor de Deus liberta do medo dos homens; faz-nos livres! Neste contexto,
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recordo um episódio dos primórdios do cristianismo que São Lucas narra nos
Atos dos Apóstolos. Depois do discurso de Gamaliel, que desaconselha a
violência contra a comunidade nascente dos crentes em Jesus, o Sinédrio
convocou os Apóstolos e fê-los flagelar. Depois proibiu-os de pregar em nome
de Jesus e pô-los em liberdade. São Lucas continua: Os Apóstolos “saíram da
sala do Sinédrio cheios de alegria por terem sido considerados dignos de sofrer
vexames por causa do Nome de Jesus. E todos os dias (...) não cessavam de
ensinar e de anunciar a Boa-Nova de Jesus, o Messias” (Act 5, 41-42). Também
os sucessores dos Apóstolos devem esperar ser, repetidamente e de forma
moderna, flagelados, se não cessam de anunciar alto e bom som a Boa-Nova de
Jesus Cristo; hão-de então alegrar-se por terem sido considerados dignos de
sofrer ultrajes por Ele. Naturalmente queremos, como os Apóstolos, convencer
as pessoas e, neste sentido, obter a sua aprovação; naturalmente não
provocamos, antes, pelo contrário, convidamos todos a entrarem na alegria da
verdade que indica a estrada. Contudo o critério ao qual nos submetemos não é
a aprovação das opiniões dominantes; o critério é o próprio Senhor. Se
defendemos a sua causa, conquistaremos incessantemente, pela graça de
Deus, pessoas para o caminho do Evangelho; mas inevitavelmente também
seremos flagelados por aqueles cujas vidas estão em contraste com o
Evangelho, e então poderemos ficar agradecidos por sermos considerados
dignos de participar na Paixão de Cristo. Os Magos seguiram a estrela e assim
chegaram a Jesus, à grande Luz que, vindo ao mundo, ilumina todo o homem
(cf. Jo 1, 9). Como peregrinos da fé, os Magos tornaram-se eles mesmos estrelas
que brilham no céu da história e nos indicam a estrada. Os santos são as
verdadeiras constelações de Deus, que iluminam as noites deste mundo e nos
guiam. São Paulo, na Carta aos Filipenses, disse aos seus fiéis que devem
brilhar como astros no mundo (cf. 2, 15). Queridos amigos, isto diz respeito
também a nós. Isto diz respeito sobretudo a vós que ides agora ser ordenados
Bispos da Igreja de Jesus Cristo. Se viverdes com Cristo, ligados a Ele
novamente no Sacramento, então também vós vos tornareis sábios; então
tornar-vos-eis astros que vão à frente dos homens e indicam-lhes o caminho
certo da vida. Neste momento, todos nós aqui rezamos por vós, pedindo que o
Senhor vos encha com a luz da fé e do amor, que a inquietação de Deus pelo
homem vos toque, que todos possam experimentar a sua proximidade e receber
o dom da sua alegria. Rezamos por vós, para que o Senhor sempre vos dê a
coragem e a humildade da fé. Rezamos a Maria, que mostrou aos Magos o novo
Rei do mundo (cf. Mt 2, 11), para que, como Mãe amorosa, mostre Jesus Cristo
também a vós e vos ajude a serdes indicadores da estrada que leva a Ele.
Amém.
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(Antífona ao Benedictus, Ofício das Laudes). Existe uma estreita relação entre o
Batismo de Cristo e o nosso Batismo. No Jordão os céus abriram-se (cf. Lc 3,
21) para indicar que o Salvador nos descerrou o caminho da salvação e nós
podemos percorrê-lo precisamente graças ao novo nascimento “da água e do
Espírito” (Jo 3, 5) que se realiza no Batismo. Nele nós somos inseridos no Corpo
místico de Cristo, que é a Igreja, morremos e ressuscitamos com Ele e
revestimo-nos dele, como o Apóstolo Paulo salienta várias vezes (cf. 1 Cor 12,
13; Rm 6, 3-5; Gl 3, 27). Por conseguinte, o compromisso que brota do Batismo
consiste em “ouvir” Jesus: ou seja, em acreditar nele e em segui-lo docilmente,
cumprindo a sua vontade. É deste modo que cada um pode tender para a
santidade, uma meta que, como recorda o Concílio Vaticano II, constitui a
vocação de todos os batizados. Ajude-nos Maria, a Mãe do Filho predileto de
Deus, a ser sempre fiéis ao nosso Batismo.
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de esperança. Pensemos no que escreve São Paulo aos Gálatas: “Deus enviou
o Seu Filho, nascido de mulher, nascido sujeito à Lei, para resgatar os que se
encontravam sob o jugo da Lei e para que recebêssemos a adopção de filhos”
(Gl 4, 4-5); ou ainda São João no Prólogo do seu Evangelho: “Mas a todos os
que O receberam, aos que crêem n'Ele, deu-lhes o poder de se tornarem filhos
de Deus” (Jo 1, 12). Este maravilhoso mistério que é o nosso “segundo
nascimento” – o renascimento de um ser humano do “alto”, de Deus (cf. Jo 3, 1-
8) – realiza-se e resume-se no sinal sacramental do Batismo. Com este
sacramento o homem torna-se realmente filho, filho de Deus. Desde então, o fim
da sua existência consiste em alcançar de modo livre e consciente o que, desde
o início, era e é o destino do homem. “Torna-te aquilo que és” – representa o
princípio educativo de base da pessoa humana remida pela graça. Este princípio
tem muitas analogias com o crescimento humano, no qual a relação dos pais
com os filhos passa, através de separações e crises, da dependência total à
consciência de ser filhos, ao reconhecimento pelo dom da vida recebida e à
maturidade e capacidade de doar a vida. Gerado pelo Baptismo para a vida nova,
também o cristão começa o seu caminho de crescimento na fé que o levará a
invocar conscientemente Deus como “Abbá – Pai”, a dirigir-se a Ele com gratidão
e a viver a alegria de ser seu filho. Do Baptismo deriva também um modelo de
sociedade: a dos irmãos. A fraternidade não se pode estabelecer mediante uma
ideologia, muito menos por decreto de um qualquer poder constituído.
Reconhecemo-nos irmãos a partir da humilde, mas profunda consciência do
próprio ser filhos do único Pai celeste. Como cristãos, graças ao Espírito Santo
recebido no Baptismo, temos como destino o dom e o compromisso de viver
como filhos de Deus e como irmãos, para ser como “fermento” de uma
humanidade nova, solidária e rica de paz e de esperança. Nisto ajuda-nos a
consciência de ter, além de um Pai nos céus, também uma mãe, a Igreja, da qual
a Virgem Maria é o modelo perene. Confiamos a ela as crianças recém-batizadas
e as suas famílias, e pedimos para todos a alegria de renascer todos os dias “do
alto”, do amor de Deus, que nos torna seus filhos e irmãos entre nós.
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pedem a Deus o dom da conversão, isto é, a graça de voltar para Ele com todo
o coração, para ser totalmente seus. Jesus quer pôr-se da parte dos pecadores,
tornando-se solidários para com eles, manifestando a proximidade de Deus.
Jesus mostra-se solidário conosco, com a nossa dificuldade de nos
convertermos, de abandonarmos os nossos egoísmos, de nos separarmos dos
nossos pecados, para nos dizer que se O aceitarmos na nossa vida, Ele é capaz
de nos elevar e de nos conduzir à altura de Deus Pai. E esta solidariedade de
Jesus não é, por assim dizer, um simples exercício da mente e da vontade. Jesus
imergiu-se realmente na nossa condição humana, viveu-a até ao fundo, exceto
no pecado, e é capaz de compreender a sua debilidade e fragilidade. Por isso,
Ele compadece-se, escolhe «padecer com» os homens, fazer-se penitente
juntamente conosco. Esta é a obra de Deus, que Jesus deseja realizar: a missão
divina de curar quem está ferido e medicar quantos estão doentes, de assumir
sobre si mesmo os pecados do mundo. O que acontece, no momento em que
Jesus se faz batizar por João? Diante deste gesto de amor humilde por parte do
Filho de Deus, abrem-se os Céus e manifesta-se visivelmente o Espírito Santo
sob a forma de uma pomba, enquanto uma voz do alto exprime a complacência
do Pai, que reconhece o seu Filho unigênito, o Amado. Trata-se de uma
verdadeira manifestação da Santíssima Trindade, que dá testemunho da
divindade de Jesus, do seu ser o Messias prometido, Aquele que Deus enviou
para libertar o seu povo, a fim de que seja salvo (cf. Is 40, 2). Realiza-se assim
a profecia de Isaías, que ouvimos na primeira Leitura: o Senhor Deus vem
poderosamente para destruir as obras do pecado, e o seu braço exerce o
domínio para desarmar o Maligno; todavia, tenhamos presente que este braço
está estendido na cruz e que o poder de Cristo é a força daquele que sofre por
nós: trata-se do poder de Deus, diferente do poder do mundo; assim Deus vem
com o poder para destruir o pecado. Verdadeiramente, Jesus age como o Bom
Pastor que apascenta a grei e a reúne, a fim de que não se perca (cf. Is 40, 10-
11), e oferece a sua própria vida para que ela tenha vida. É através da sua morte
redentora que o homem é libertado do domínio do pecado e reconciliado com o
Pai; é pela sua ressurreição que o homem é salvo da morte eterna, tornando-se
vitorioso sobre o Maligno. Caros irmãos e irmãs, o que acontece no Baptismo
que daqui a pouco administrarei aos vossos filhos? Acontece precisamente isto:
serão unidos de modo profundo e para sempre com Jesus, imersos no mistério
desta sua força, deste seu poder, ou seja, no mistério da sua morte, que é fonte
de vida, para participar na sua ressurreição, para renascer para uma vida nova.
Eis o prodígio que hoje se repete também para os vossos filhos: recebendo o
Baptismo, eles renascem como filhos de Deus, partícipes da relação filial que
Jesus tem com o seu Pai, capazes de se dirigir a Deus chamando-lhe com plena
confidência e confiança: “Abbá, Pai!”. O Céu abriu-se também sobre os vossos
filhos, e Deus diz: estes são os meus filhos, filhos do meu agrado. Inseridos nesta
relação e livres do pecado original, eles passam a ser membros vivos do único
corpo que é a Igreja e tornam-se capazes de viver em plenitude a sua vocação
à santidade, de modo a poder herdar a vida eterna, que nos foi alcançada pela
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filhos. E a semente das virtudes teologais infundidas por Deus, a fé, a esperança
e a caridade, semente que hoje é lançada no seu coração pelo poder do Espírito
Santo, deverá ser alimentada sempre pela Palavra de Deus e pelos
Sacramentos, de maneira que estas virtudes do 3 cristão possam crescer e
alcançar a plena maturidade, a ponto de fazer de cada um deles uma verdadeira
testemunha do Senhor. Enquanto invocamos sobre estas crianças a efusão do
Espírito Santo, confiemo-las à salvaguarda da Virgem Santa; que Ela as
conserve sempre com a sua presença materna e as acompanhe em cada
momento da sua vida. Amém!
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Sumário
Tempo do Advento ................................................................................................................... 1
CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS VÉSPERAS DO 1º DOMINGO DO ADVENTO - Sábado, 2 de
Dezembro de 2006 .................................................................................................................... 1
ANGELUS - 1º DOMINGO DE ADVENTO - 3 de dezembro de 2006 ........................................... 2
CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS VÉSPERAS DO 1º DOMINGO DO ADVENTO - Sábado, 28 de
Novembro de 2009.................................................................................................................... 3
ANGELUS - 1º DOMINGO DE ADVENTO - 29 de novembro de 2009 ........................................ 5
CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS VÉSPERAS DO 1º DOMINGO DO ADVENTO - Sábado, 1º de
Dezembro de 2012 .................................................................................................................... 6
ANGELUS - 1º DOMINGO DE ADVENTO - 2 de dezembro de 2012 ........................................... 8
ANGELUS – 2º DOMINGO DO ADVENTO - 10 de Dezembro de 2006 ....................................... 9
ANGELUS – 2º DOMINGO DO ADVENTO - 06 de Dezembro de 2009 ....................................... 9
ANGELUS – 2º DOMINGO DO ADVENTO - 09 de Dezembro de 2012 ..................................... 10
ANGELUS - 3º DOMINGO DE ADVENTO - 17 de dezembro de 2006 ....................................... 11
ANGELUS - 3º DOMINGO DE ADVENTO - 13 de dezembro de 2009 ....................................... 12
HOMILIA – 3º DOMINGO DE ADVENTO - 16 de Dezembro de 2012....................................... 13
ANGELUS - 3º DOMINGO DE ADVENTO - 16 de dezembro de 2012 ....................................... 16
ANGELUS - 4º DOMINGO DE ADVENTO - 24 de dezembro de 2006 ....................................... 17
HOMILIA DA MISSA - 17 de Dezembro de 2009...................................................................... 18
CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS - 17 de Dezembro de 2009 ....................................................... 19
ANGELUS - 4º DOMINGO DE ADVENTO - 20 de dezembro de 2009 ....................................... 21
ANGELUS - 4º DOMINGO DE ADVENTO - 23 de dezembro de 2012 ....................................... 22
Tempo do Natal ...................................................................................................................... 23
SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR – 24 de dezembro de 2006.......................................... 23
MENSAGEM URBI ET ORBI – 25 de Dezembro de 2006 .......................................................... 25
ANGELUS - Festa da Sagrada Família de Nazaré - 31 de Dezembro de 2006.......................... 27
CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS VÉSPERAS – SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS -
31 de Dezembro de 2006 ........................................................................................................ 28
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