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Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

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Amilton Benedito Peletti
Luiz Fernando Reis
Roberto Antonio Deitos
(Organizadores)
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

Volume 2

Editora CRV
Curitiba – Brasil
2022
Copyright © dos autores
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Imagem da capa: golib.tolibov | DepositPhotos
Revisão: Os Autores

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


CATALOGAÇÃO NA FONTE
Bibliotecária responsável: Luzenira Alves dos Santos CRB9/1506

E79

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Estado e políticas educacionais – volume 2 / Amilton Benedito Peletti, Luiz Fernando Reis,
Roberto Antonio Deitos (organizadores) – Curitiba : CRV, 2022.
222 p.

Bibliografia.
ISBN Digital 978-65-251-3997-5
ISBN Físico 978-65-251-3996-8
DOI 10.24824/978652513996.8

1. Educação 2. Políticas educacionais 3. Estado – educação I. Peletti, Amilton Benedito,


org. II. Reis, Luiz Fernando, org. III. Deitos, Roberto Antonio, org. IV. Título V. Série.

2022-28097 CDD 370


CDU 37
Índice para catálogo sistemático
1. Educação - 370

2022
Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
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Carmen Tereza Velanga (UNIR) de Três de Febrero – Argentina)
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Eduardo Fernandes Barbosa (UFMG) Fauston Negreiros (UFPI)
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Lídia de Oliveira Xavier (UNIEURO) Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UFOPA)
Lourdes Helena da Silva (UFV) Míghian Danae Ferreira Nunes (UNILAB)
Luciano Rodrigues Costa (UFV) Mohammed Elhajji (UFRJ)
Marcelo Paixão (UFRJ e UTexas – US) Mônica Pereira dos Santos (UFRJ)
Maria Cristina dos Santos Bezerra (UFSCar) Najela Tavares Ujiie (UNESPAR)
Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNOESC) Nilson José Machado (USP)
Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UFOPA) Sérgio Nunes de Jesus (IFRO)
Paulo Romualdo Hernandes (UNIFAL-MG) Silvia Regina Canan (URI)
Renato Francisco dos Santos Paula (UFG) Sonia Maria Ferreira Koehler (UNISAL)
Rodrigo Pratte-Santos (UFES) Suzana dos Santos Gomes (UFMG)
Sérgio Nunes de Jesus (IFRO) Vânia Alves Martins Chaigar (FURG)
Simone Rodrigues Pinto (UNB) Vera Lucia Gaspar (UDESC)
Solange Helena Ximenes-Rocha (UFOPA)
Sydione Santos (UEPG)
Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA)
Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)

Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ............................................................................................ 9
Amilton Benedito Peletti
Luiz Fernando Reis
Roberto Antonio Deitos

A INTERNACIONALIZAÇÃO NA AVALIAÇÃO DA PÓS-GRADUAÇÃO


NO BRASIL: o papel da área de educação .................................................... 13
Fabiano Antonio dos Santos
Isaura Monica Zanardini
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Celso Hotz

EDUCAÇÃO BÁSICA EM CONTEXTOS ASSIMÉTRICOS NO


BRASIL DE 2010 A 2020: política e gestão como objeto de pesquisa
da pós-graduação............................................................................................ 43
Maria Alice de Miranda Aranda
Giselle Cristina Martins Real
Fabio Perboni

O ESTADO LIBERAL E A POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA:


elementos para análise ................................................................................... 65
Amilton Benedito Peletti
Isaura Monica Souza Zanardini

O PNE 2001-2010 E O PNE 2014-2024: comparativo sobre as


categorias apresentadas nas metas para Educação Infantil e
Ensino Fundamental........................................................................................ 83
Marinês Limberger Micoanski
Ireni Marilene Zago Figueiredo

DOS TESTES PSICOMÉTRICOS ÀS AVALIAÇÕES EM LARGA


ESCALA: instrumentos diferenciados com ontologia em comum .................. 97
João Batista Zanardini

O PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO: dos documentos que orientam sua


implantação e implementação à sua prática em escolas de Cascavel – PR .... 115
Altevir Rossi Carneiro
Isaura Monica Souza Zanardini
João Batista Zanardini
AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA E SEUS DESDOBRAMENTOS NA
GESTÃO ESCOLAR: considerações a partir de escolas da rede pública
municipal de Cascavel – PR.......................................................................... 137
Jaqueline Bonfim de Souza Lima
Simone Sandri
Isaura Monica Souza Zanardini

O IMPACTO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL OFERTADA, POR


MEIO DO PROGRAMA PRONATEC, PARA A OCUPAÇÃO DE VAGAS
DE POSTOS FORMAIS DE TRABALHO, ENTRE 2011 E 2015 ............... 163
Joanna Adelia Biavatti
Roberto Antonio Deitos

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O FINANCIAMENTO EXTERNO DA POLÍTICA EDUCACIONAL NO
PARANÁ (2011-2017) ................................................................................... 177
Keren Paula da Silva Camargo
Roberto Antonio Deitos

DISPUTA PELO FUNDO PÚBLICO: dívida pública e o financiamento das


universidades federais e da ciência e tecnologia no Brasil (2013-2021) ......... 197
Luiz Fernando Reis

ÍNDICE REMISSIVO ................................................................................... 213

SOBRE OS AUTORES ................................................................................ 217


APRESENTAÇÃO
A coletânea Estado e Políticas Educacionais – Volume 2 – é a segunda
de um conjunto de três volumes que iniciam as publicações comemorativas
do aniversário de 15 anos do GEPPES – GRUPO DE ESTUDOS E PES-
QUISAS EM POLÍTICA EDUCACIONAL E SOCIAL da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste. A coletânea reúne um conjunto
de artigos de pesquisadores do GEPPES e de outras instituições e universi-
dades que nesses 15 anos estiveram refletindo sobre questões que envolvem
o Estado, a política social e, em especial, a política educacional brasileira,
sempre com firme e radical intencionalidade teórica, política e ideológica
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trilhando o caminho do estudo como rotina habitual e o debate acadêmico e


teórico como fundamento crítico da necessidade de pensar questões socioe-
conômicas e educacionais em âmbito nacional e internacional.
Este segundo volume congrega um conjunto de artigos com o foco prin-
cipal nas relações, mediações e contradições que tratam do Estado e das polí-
ticas educacionais, com destaque para as políticas educacionais empreendidas
no Brasil.
O primeiro artigo, A internacionalização na avaliação da pós-gradua-
ção no Brasil: o papel da área de educação, de autoria de Fabiano Antonio
dos Santos, Isaura Monica Zanardini e Celso Hotz, busca compreender e
problematizar como o conceito de internacionalização foi delineado nos Planos
Nacionais de Pós-Graduação (PNPG) no Brasil e como a Área de Educação
comportou-se a partir da elaboração dos Documentos de Área.
O segundo artigo, Educação básica em contextos assimétricos no
Brasil de 2010 a 2020: política e gestão como objeto de pesquisa da pós-
-graduação, de autoria de Maria Alice de Miranda Aranda, Giselle Cristina
Martins Real e Fabio Perboni, trata da relação entre a educação básica e a
pós-graduação em educação, em virtude da prospecção comum em contribuir
com a melhoria da educação básica e, ainda, por ser pouco referenciada. Tem
como objetivo revelar os temas que se constituem como objeto de estudo da
pós-graduação em educação ao tratar das políticas e da gestão para a educação
básica em período recente, especificamente entre 2010 e 2020.
O terceiro artigo, O estado liberal e a política educacional brasileira:
elementos para análise, de autoria de Amilton Benedito Peletti e Isaura
Monica Souza Zanardini, apresenta alguns elementos para análise da relação
entre o modelo de Estado liberal e as políticas educacionais implementadas no
Brasil a partir dos anos 1990, tratando do Estado numa perspectiva que leva em
consideração seu papel na sociedade de classes com a finalidade de recuperar
elementos para a análise da política educacional implementada no período.
10

O quarto artigo, O PNE 2001-2010 e o PNE 2014-2024: comparativo


sobre as categorias apresentadas nas metas para Educação Infantil e
Ensino Fundamental, de autoria de Marinês Limberger Micoanski e Ireni
Marilene Zago Figueiredo, tem o propósito de apresentar as categorias que
se mantiveram e/ou foram modificadas para sustentar os conceitos/argumen-
tos sobre as metas da Educação Infantil e do Ensino Fundamental no Plano
Nacional de Educação (PNE) de 2014-2024 em relação ao PNE de 2001-2010.
O quinto artigo, Dos testes psicométricos às avaliações em larga
escala: instrumentos diferenciados com ontologia em comum, de autoria
de João Batista Zanardini, retoma brevemente a história dos testes de medição
de capacidades humanas tendo em vista evidenciar a ontologia que embasa
seu objetivo de justificar desigualdades sociais por supostas diferenças inte-

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lectuais inatas.
O sexto artigo, O Programa Mais Educação: dos documentos que
orientam sua implantação e implementação à sua prática em escolas
de Cascavel – PR, de autoria de Altevir Rossi Carneiro, Isaura Monica
Souza Zanardini e João Batista Zanardini, apresenta uma investigação sobre
a implantação e implementação do Programa Mais Educação como política
social nas escolas da zona urbana do Município de Cascavel – PR.
O sétimo artigo, Avaliação em larga escala e seus desdobramentos na
gestão escolar: considerações a partir de escolas da rede pública muni-
cipal de Cascavel-Paraná, de autoria de Jaqueline Bonfim de Souza Lima,
Simone Sandri e Isaura Monica Souza Zanardini, analisa a relação entre a
avaliação em larga escala e a gestão escolar em algumas escolas da Rede
Pública Municipal de Ensino de Cascavel/Paraná.
O oitavo artigo, O impacto da formação profissional ofertada, por
meio do programa PRONATEC, para a ocupação de vagas de postos
formais de trabalho, entre 2011 e 2015, de autoria de Joanna Adelia Bia-
vatti e Roberto Antonio Deitos, apresenta o resultado de uma pesquisa que se
propôs à análise da oferta dos cursos do Pronatec, no período de 2011 a 2015,
considerando o argumento (a justificativa) de existente deficiência de mão
de obra qualificada para atender aos requerimentos dos setores produtivos/
econômicos, em especial, no município de Cascavel/Paraná.
O nono artigo, O financiamento externo da política educacional no
Paraná (2011-2017), de autoria de Keren Paula da Silva Camargo e Roberto
Antonio Deitos, examina as condicionalidades políticas, ideológicas, financei-
ras e educacionais para o financiamento da política educacional, apresentadas
pelo Banco Mundial nos documentos e nos contratos do Projeto Multissetorial
para o Desenvolvimento do Paraná implementado no estado, no período dos
governos de Carlos Alberto Richa (2011–2017).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 11

O décimo artigo, Disputa pelo fundo público: dívida pública e o finan-


ciamento das universidades federais e da ciência e tecnologia no Brasil
(2013-2021), de autoria de Luiz Fernando Reis, analisa os recursos destinados
pelo governo federal ao pagamento da dívida pública e à Ciência e Tecno-
logia no período de 2013 a 2021 e apresenta os recursos destinados, ano a
ano, à dívida pública, à função Ciência e Tecnologia e aos órgãos de apoio
e fomento à pesquisa, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (FNDCT).

Em Cascavel, PR, agosto de 2022.


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Amilton Benedito Peletti


Luiz Fernando Reis
Roberto Antonio Deitos
(Organizadores)
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A INTERNACIONALIZAÇÃO NA
AVALIAÇÃO DA PÓS-GRADUAÇÃO
NO BRASIL: o papel da área de educação
Fabiano Antonio dos Santos
Isaura Monica Zanardini
Celso Hotz

Introdução
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Neste artigo1, buscamos compreender e problematizar como o conceito


de internacionalização foi delineado nos Planos Nacionais de Pós-Graduação
(PNPG) no Brasil e como a Área de Educação comportou-se a partir da ela-
boração dos Documentos de Área. Realizamos a análise por meio de pesquisa
bibliográfica e documental, que tomou como fontes primárias os cinco PNPG
disponíveis: 1975-1979; 1982-1985; 1986-1989; 2005-2010; e 2011-2020,
bem como os sete documentos da Área de Educação localizados na internet:
1998-2000; 2001-2003; 2004-2006; 2007-2009; 2010-2012; 2013-2016; e
2017-2020. Os documentos foram analisados em uma perspectiva histórica
e demonstraram que a internacionalização dos Programas aparece, ainda que
difusamente, já nos primeiros PNPG analisados, tornando-se mais frequente e
articulada ao contexto social e econômico com o passar dos anos. O aumento
de sua importância está relacionado à busca por construir uma Pós-Graduação
com características internacionais, aos moldes das Universidades de Classe
Mundial. A pesquisa demonstra, ainda, que a Área de Educação, por vezes,
vai tomando ações contraditórias, aproximando-se da concepção de interna-
cionalização difundida hegemonicamente e, ao mesmo tempo, apresentando
proposições que revelam preocupação com a produção da ciência, indicando
alternativas à mercadorização da Pós-Graduação.
A avaliação da pós-graduação tem sido, ao longo dos anos, um dos pontos
de maior discussão quando se trata de considerar a qualidade desse nível de
formação no Brasil, sobretudo diante da expansão que sofreu em sua história.
Trata-se, portanto, de um longo debate, marcado por importantes dissensos
entre resguardar os aspectos qualitativos da Pós-Graduação ou exacerbar o
aspecto quantitativo, expresso, por exemplo, pela sanha da produtividade.

1 Artigo publicado originalmente na Revista Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, v. 30, n. 36, 15 mar.
2022. AAPE/EPAA, Arizona State University.
14

A elaboração dos Planos Nacionais de Pós-Graduação e os Documentos


da Área de Educação tem evidenciado como o tema é contraditório, pois esses
documentos revelam importantes disputas entre um determinado modelo de
universidade e pós-graduação baseado na lógica mercadológica e outro preo-
cupado com a qualidade das produções científicas e as possíveis contribuições
para o desenvolvimento pleno da sociedade.
No bojo dessas contradições, a internacionalização tem se revelado cen-
tral para a avaliação da pós-graduação, pois associa, na maior parte das vezes,
a qualidade à utilidade em nome da mercadorização do conhecimento cientí-
fico. A internacionalização se tornou, a partir das últimas décadas do século
XX, o objetivo da maior parte das universidades estrangeiras e brasileiras, as

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quais cumprem papel periférico neste processo, vinculando-se aos modelos
hegemônicos e consagrados mundialmente. Ainda sobre o uso do conceito
de internacionalização no Brasil, os documentos analisados vão mostrar que
sua importância se vinculou à definição de Programas de Pós-Graduação
reconhecidos como de excelência. Isso dá a essa categoria, no âmbito da ava-
liação da pós-graduação, um peso grande, pois define, dentre outros fatores,
o incremento nos recursos financeiros.
Por se tornar central, a análise da internacionalização tem sido ampla-
mente realizada por diversos pesquisadores (GOUVEIA; AZEVEDO; MEN-
DES, 2017; MARRARA, 2007; RAMOS, 2018; SILVA JÚNIOR; KATO,
2018) que apontam seu uso sob a lógica empresarial, tornando as universidades
verdadeiros espaços comerciais para recebimento de alunos estrangeiros.
As universidades que se dobram à lógica empresarial, chamadas de classes
mundiais (SILVA JÚNIOR, 2017), acabam transformando suas práticas em
oportunidades de lucratividade. No caso brasileiro, ainda que em menor grau,
temos visto o crescimento desta lógica, em particular nas grandes universi-
dades do país que buscam construir suas práticas tomando como modelo de
sucesso as universidades estrangeiras. Sobre este aspecto, ver, dentre outros:
Azevedo (2016), Carvalho e Silva Júnior (2017), Cruz e Bonissoni (2017);
Espindola e Petry (2016); e Ramos (2018).
Diante de tais reflexões, o presente artigo tem o objetivo de compreender
e problematizar como o conceito de internacionalização vai sendo delineado
nos Planos Nacionais de Pós-Graduação (PNPG) do Brasil e como a Educa-
ção se comporta a partir da elaboração dos Documentos de Área. Trata-se,
portanto, de uma pesquisa bibliográfica e documental, que toma como fontes
primárias os cinco PNPG disponíveis: 1975-1979; 1982-1985; 1986-1989;
2005-2010; e 2011-2020, bem como os sete documentos da Área de Educa-
ção localizados na internet: 1998-2000; 2001-2003; 2004-2006; 2007-2009;
2010-2012; 2013-2016; e 2017-2020.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 15

A análise desses documentos foi realizada em uma perspectiva histórica.


Consideramos que os documentos trazem as marcas de seu tempo de produção
e de sua história, e são resultados de múltiplas determinações (EVANGE-
LISTA, 2012). Tomamos como referencial para análise das fontes elencadas
acima a produção de pesquisadores que têm se debruçado sobre o estudo da
categoria internacionalização como parte da pós-graduação no Brasil.
Os resultados das análises demonstraram que o objetivo de internacio-
nalização dos Programas de Pós-Graduação brasileiros aparece, ainda que
difuso, já nos primeiros PNPG analisados e vai se tornando mais frequente,
com maior importância e articulação, com o passar dos anos. Estas análises
demonstraram, ainda, que somente no último PNPG (2011-2020) a internacio-
nalização deixou de ser constituída por ações pouco articuladas, tornando-se
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um conceito que estrutura a avaliação da pós-graduação, apresenta prioridades


e funciona como definidor dos Programas considerados de excelência. Há a
inserção no PNPG (2011-2020) de um item (14.8) que trata especificamente
da internacionalização e cooperação internacional:

Na ampliação dos cursos e atividades da pós-graduação deve ser levada em


consideração a busca da excelência e de conhecimentos novos e deve ser
evitada a endogenia. Uma forma para atingir tais objetivos é a interação
mais intensa entre instituições brasileiras e internacionais. Essa intera-
ção, além de promover o crescimento da ciência, aumentará o protago-
nismo do país no cenário internacional (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,
2010b, p. 303).

O documento, na sequência, indica sugestões de práticas de internaciona-


lização que demonstram maior diversidade de ações, reforçando a importância
indutora que a avaliação assume neste novo PNPG.
Sugere-se então:

• o envio de mais estudantes ao exterior para fazerem doutorado,


em vista da dinamização do sistema e da captação do conheci-
mento novo;
• o estímulo à atração de mais alunos e pesquisadores visitan-
tes estrangeiros;
• o aumento do número de publicações com instituições estrangeiras
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2011, p. 303).

Observamos que o processo de centralidade da internacionalização,


a partir do último PNPG, é fruto da reorganização mundial da Educação
Superior, com a formação das superuniversidades e a busca por estabelecer
padrões internacionais a todas as outras. O aumento de sua importância está
16

relacionado com a busca por construir uma pós-graduação com característi-


cas internacionais, tendo em vista alcançar uma determinada concepção de
qualidade, a qual está relacionada à situação de dependência do capitalismo
brasileiro, como nos ensinara Florestan Fernandes (1920-1995).
Outro dado significativo que a pesquisa apresentou foi que a Educa-
ção estabelece críticas sobre determinados aspectos da internacionalização,
mas que isso não tem sido o discurso presente em todos os Documentos de
Área analisados.
Este artigo está dividido em três seções. Na primeira, abordamos a mun-
dialização do capital e as implicações para a avaliação da pós-graduação e
para a categoria internacionalização. Na segunda, apresentamos as indicações

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presentes nos cinco Planos Nacionais de Pós-Graduação divulgados no Brasil
para a internacionalização da pós-graduação e, na terceira seção, à luz das
discussões anteriores, analisamos os documentos específicos para a Educação
e apresentamos possíveis avanços e retrocessos em relação à internacionali-
zação como expressão da mercadorização da pós-graduação.

Mundialização do capital e a mercadorização da pós-graduação

Compreender os rumos da pós-graduação no cenário nacional e interna-


cional exige, sob a perspectiva de análise que nos acompanha, relacioná-los ao
processo de ampliação sem limites do capital. Às custas da exploração da força
de trabalho e do empobrecimento, cada vez maior, dos trabalhadores, cria-se
um abismo crescente entre uma pequena parcela da população mais rica e a
grande maioria mais pobre. Segundo dados da organização não governamental
britânica Oxford Committee for Famine Relief (Comitê de Oxford de Combate
à Fome, OXFAM)2 , as pessoas mais ricas do mundo fazem parte de 1% da
população, e detêm metade da fortuna do restante da população mundial (mais
precisamente, possuem duas vezes mais fortuna que 6.9 bilhões de pessoas).
Nesta perspectiva, a lógica da lucratividade acima da vida, com patamares
cada vez mais elevados de extração de valor, transforma tudo em mercadoria.
Na educação, o conhecimento produzido pela ciência, não é diferente.
O conhecimento mercadoria vincula-se a uma lógica que delega às Uni-
versidades a função de verdadeiras captadoras de recursos privados. Auxilia
na produção do conhecimento mercadoria o movimento de transformação das
demandas do capital em conhecimento, formação e inovação que, aparente-
mente, seriam de interesse comum e, portanto, necessário para o desenvolvi-
mento social e econômico da população em geral.

2 Dados extraídos de https://www.oxfam.org/en/press-releases/richest-1-will-own-more-all-rest-2016.


ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 17

Ao mesmo tempo, por se destacarem no cenário mundial como Univer-


sidades de Classe Mundial (World Class University), essas instituições são
responsáveis pela produção dos conhecimentos mais complexos e relevantes
do ponto de vista científico, tecnológico e, por certo, econômico. Como se
fossem demandas de toda a sociedade, a produção de conhecimentos aplicados
para o desenvolvimento econômico materializa-se na disseminação de novas
ideias, na mobilização de cientistas importantes que produzem um discurso
capaz de formar a opinião pública ou, usando termos gramscianos, capaz de
construir uma nova hegemonia.
Carvalho e Silva Júnior (2017) confirmam a importância que as Uni-
versidades vão adquirindo na etapa de financeirização da economia mundial,
indicando que, entre meados dos anos de 1980 e início dos anos 1990, o
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investimento financeiro sobre as Universidades cresceu consideravelmente


no Brasil. Para ilustrar o crescimento, os autores destacam o aumento de
bolsas de estudos para formação e qualificação desde os anos 1960 até os
anos 2000, demonstrando, em sua compreensão, que a preocupação com a
formação da força de trabalho mais qualificada é resultado das demandas
do capital por conhecimento-mercadoria. O objetivo é claro: aumentar
a produtividade brasileira em um contexto de financeirização da econo-
mia mundial.
Esse é, portanto, um importante contexto no qual a produção de pes-
quisas é realizada em todo o mundo e merece, por isso, maior atenção,
pois explica a lógica pela qual as prioridades e estruturas históricas das
Universidades em todo o mundo vão se reestruturando, especialmente as
universidades públicas que vão se aproximando da iniciativa privada e,
por isso, mudam sua perspectiva de produzir conhecimento, de realizar a
formação humana.
Denominado genericamente por “globalização3”, o processo de mun-
dialização do capital elege a financeirização como sua mais nova etapa de
desenvolvimento. Segundo Chesnais (1995, p. 5),

Em vez de usar o termo “globalização” e, portanto, de fazer referência à


“economia” de modo vago e impreciso, parece então desde já preferível
falar em “globalização do capital”, sob a forma tanto do capital produtivo

3 Para Chesnais (1996), o termo globalização surge nos anos 1980 nas grandes escolas americanas de
administração de empresas como Harvard e Stanford sendo usado como forma de camuflar o verdadeiro
sentido da ampliação da dominação do capital em sua nova forma de organização, a financeira. Segundo o
autor, o termo globalização foi amplamente popularizado pelo discurso neoliberal, a uma grande velocidade.
O autor manifesta-se contrário a esta ideia pouco explicativa de uma suposta sociedade global, cujas opor-
tunidades estariam garantidas na medida em que a economia capitalista fosse internacionalizada. Trata-se,
portanto, de um fenômeno crescente e linear associado ao desenvolvimento do mercado capitalista mundial,
negando as contradições inerentes ao movimento de mundialização da economia capitalista.
18

aplicado na indústria e nos serviços quanto do capital concentrado que se


valoriza conservando a forma dinheiro.

Ocorre que esse novo processo tem importantes implicações para a mate-
rialidade da economia, justamente por sua imaterialidade do ponto de vista
produtivo. Cabe mencionar que a mais importante forma de acumulação de
capital econômico, na atualidade, adota caráter predominantemente rentista,
implicando mudanças nas relações entre o Estado e o capital.
Baseada em fundamentos mais técnicos e complexos que o regime de
acumulação fordista, a financeirização é um regime acumulativo de capital que
se valoriza conservando a forma dinheiro, por meio dos mercados financei-

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ros, moldando novas estruturas de produção e intercâmbios de bens culturais
em âmbito local, regional, nacional e internacional. Em outras palavras, o
processo de mundialização (ou financeirização) do capital econômico está
centrado na valorização de grandes massas de dinheiro, conservando verda-
deiros mercados financeiros.
Entretanto, ao contrário do que se possa pensar, a indústria não deixa
de ter grande importância nessa nova fase de acumulação capitalista, pois as
instituições financeiras investem grande quantidade de seus ativos financeiros
em ações, ditando a política econômica e as estratégias de investimento do
setor industrial. A transferência de riqueza do setor produtivo para o mercado
financeiro ocorre pela compra de títulos de propriedade que dão, ao seu pos-
suidor, direitos sobre parte da extração de mais-valia realizada na produção de
mercadorias, na forma de dividendos. Se essas instituições financeiras ditam as
formas de investimento e organização do setor industrial, podemos imaginar o
grau de suas influências sobre a formação profissional na Educação Superior.
Como temos mostrado neste artigo, as universidades têm desenvolvido
inúmeras pesquisas, assumindo o protagonismo na produção de conhecimentos
não somente no Brasil, como em todo o mundo. Exemplo da importância das
Universidades na produção de novos conhecimentos é a luta mundial contra a
pandemia de covid-19. No Brasil, as Universidades, especialmente as públicas,
têm assumido papel de destaque na produção de pesquisas sobre a covid-194.
Na lógica de mundialização da economia, as Universidades passam por
intensas mudanças, tais como a insistência da internacionalização como um
discurso necessário e positivo. Assumem esse discurso para dar a impressão
de modernidade, de serem responsáveis por grande impacto social, abrindo,

4 No início da pandemia, em maio de 2020, o país já registrava 823 estudos em andamento, segundo dados
de uma pesquisa realizada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino
Superior (Andifes) e publicada em sua página web.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 19

portanto, suas portas para a lógica rentista. Na lógica rentista de capital como
portador de juros, o mundo financeiro atinge as grandes corporações educa-
cionais, lançadas ao mercado para quem quiser investir em suas ações.
As World Class University são mais que super-universidades, são empre-
sas responsáveis por implementar novas práticas, reestruturar a forma de
trabalho destas instituições que, sob a lógica mercantil, instituem uma pro-
funda divisão do trabalho universitário, estabelecendo hierarquização entre
Áreas de Conhecimento (sendo aquelas com maior possibilidade de reverter
seus estudos para o desenvolvimento imediato do capitalismo preteridas em
relação àquelas que, também contribuem para o desenvolvimento econômico,
mas o fazem de forma mais paulatina, menos imediata). O modelo instituído
por estas novas universidades cria distinções entre as universidades de um
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mesmo país, hierarquizando, a partir do modelo das World Class University,


aquelas que se aproximam e se distanciam deste modelo.
Ocorre que em países periféricos e dependentes como o Brasil, mesmo as
melhores universidades nos rankings internacionais possuem dificuldades de
se aproximar das práticas das universidades de classe mundial. Um exemplo
desta dificuldade pode ser observado quando comparamos a universidade
que ocupa o primeiro lugar no ranking divulgado, em 2021, pela The World
University Rankings, a Universidade de Oxford, que possui 41% de alunos
estrangeiros (um dos critérios para a elaboração do ranking) e a melhor uni-
versidade brasileira, a Universidade de São Paulo (USP), que ocupa o posto
235 com apenas 4% de alunos estrangeiros (The World University Rankings).
Tendo como fundo a divisão internacional do trabalho, as universidades
periféricas representam uma espécie de segunda divisão das super-universi-
dades. Isso não quer dizer que elas realizem pesquisas de segunda linha, ao
contrário, com os recursos disponíveis, ocupando o lugar secundário que a
mundialização do capital confere a elas, fazem muito para o desenvolvimento
da ciência. Mesmo não atingindo os patamares de internacionalização das uni-
versidades consideradas como referência, as universidades periféricas buscam
seguir o modelo de “excelência” estabelecido pelas World Class University e
fazem isso dando grande relevância para a pós-graduação.
Sobre isso, Silva Júnior e Kato (2018, p. 20) indicam que suas hipóteses,
baseadas no PNPG (2011-2020) e na política de internacionalização elaborada
pela Capes, a partir do Programa de Internacionalização de Instituições de
Ensino Superior e de Institutos de Pesquisa do Brasil (Capes/Print), são as
de que há um caminho claro que

[...] buscará alinhar as políticas públicas brasileiras de condução da pós-


-graduação em direção à World Class University com clara indução às
parcerias público-privado e atratividade de pesquisadores e estudantes
20

estrangeiros para atividades e missões no país e a perda crescente da auto-


nomia universitária em direção a produção do conhecimento matéria-prima
(SILVA JÚNIOR; KATO, 2018, p. 20).

Os autores afirmam que a pós-graduação tem sido, nas últimas décadas,


o “pólo propulsor” (SILVA JÚNIOR; KATO, 2018) para a criação das World
Class University e que esse modelo teria sua origem nas recomendações do
Banco Mundial. Ainda para os autores, as mudanças na cultura das universi-
dades estariam ocorrendo pelas pressões sofridas para o autofinanciamento,
o crescimento das atividades empresariais ocorridas no interior dessas ins-
tituições, além da inclusão da Educação Superior como bem de serviço.
Essas exigências/condições, têm levado essas universidades, por meio

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de seus cursos de pós-graduação, a mercadorizar seus conhecimentos para
sobreviverem, para manter prestígios, para se estabelecerem na luta massa-
crante que se transformou a busca por “excelência” na produção de ciência.
Suas mudanças, induzidas por seguidas avaliações que pretendem estabelecer
uma nova cultura organizacional, acabam por não estabelecer mais os limites
entre o público e o privado, conferindo aos conhecimentos uma nova natureza,
não mais com o objetivo primeiro de desenvolvimento social, mas de se tornar
produto comerciável, gerador de valor no mundo financeiro.
Os conhecimentos produzidos nessa lógica devem transformar-se em
tecnologias capazes de auxiliar no desenvolvimento econômico e na geração
de lucro imediato. As parcerias entre os laboratórios de pesquisa das univer-
sidades e as empresas geram produtos que, na maioria das vezes, são paten-
teados pela indústria, restando à universidade apenas os créditos de produção
(isso quando o crédito é conferido).
É possível afirmar, a partir da exposição do contexto de mercantilização e
financeirização da economia em escala mundial, que a pós-graduação reflete,
a partir do discurso da internacionalização, a indução à um modelo “globa-
lizado”, cuja materialidade apresentada aqui é o processo de financeirização
da economia mundial.
De acordo com Cruz e Bonissoni (2017, p. 362), a internacionalização
iniciou-se, no Brasil, no final da década de 1990, como ação conjunta entre
o Ministério da Educação e Cultura (MEC), representado pela CAPES, e o
Ministério de Ciência e Tecnologia, representado pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Como categoria indutora de novas práticas, a internacionalização é dis-
cutida no Brasil, com maior frequência, a partir dos anos 2000, coincidindo
com a relevância que passa a ganhar nos documentos que orientam a pós-
-graduação no país. Uma grande quantidade de investigação busca delimi-
tar melhor seu significado, apresentar suas funcionalidades em contextos
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 21

diversos e demonstrar quais ferramentas são mais utilizadas para garantir


sua aplicabilidade.
O debate teórico sobre o conceito de internacionalização marca posicio-
namentos mais críticos, apontando ser um aspecto decorrente dos arranjos
econômicos capitalistas para inserir as universidades na lógica de mercado,
mas também marca posicionamentos que compreendem esse processo como
ampliação das fronteiras institucionais e, por isso, como prática positiva para
o estabelecimento de universidades com perspectiva internacional.
Ao considerarmos pesquisas como as de Silva e Kato (2018), Ramos
(2018), Cruz e Bonissoni (2017), Espíndola e Petry (2016), Marrara (2007),
e Knigth (2020) podemos perceber a complexidade que envolve o conceito
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de internacionalização, da mesma forma que ela pode atender a vários fins


e objetivos. Neste trabalho, considera-se a internacionalização no âmbito da
produção e reprodução da divisão internacional do trabalho, feita segundo
uma visão de centro e periferia da produção do capital.
Reforça-se a ideia de que nos países localizados na periferia do capita-
lismo, como é o caso do Brasil, a internacionalização ganha contornos distintos
dos países centrais. Por esses lados, sua defesa tem o objetivo de estabelecer
parâmetros de qualidade para a produção de conhecimento matéria-prima
através da formação qualificada da força de trabalho.
Transvestida como necessária para a produção da inovação, ciência e
tecnologia, a internacionalização é perseguida pelas instituições de pós-gra-
duação na corrida por se posicionarem melhor nas avaliações e rankings
internacionais, mesmo que isso custe a mercadorização da Educação.
A internacionalização instaura nas Universidades a lógica produtivista,
que ocupa principalmente os Programas de Pós-Graduação, transformando
a produção do conhecimento em uma espécie de linha de produção fordista.
Vai se consolidando, com o produtivismo acadêmico:

[...] a redução do tempo de pesquisa, a obrigatoriedade de publicação


média anual de artigos científicos em periódicos de renome, bem como,
... [a realização de] aulas na pós-graduação e graduação, [...] [e] pesquisas
financiadas por agências de fomento de prestígio acadêmico, ... [além
da] prestação de assessorias e consultorias científicas e ... [produção de]
patentes e licenciamento, além de buscar internacionalizar suas atividades
de trabalho (SILVA JÚNIOR, 2017, p. 224).

De acordo com Silva, Neto e Schetinger (2018, p. 347),

Quando o tema internacionalização foi proposto às Instituições de Ensino


Superior (IESs), na década de 90, a Capes deliberou que os Programas de
22

Pós-Graduação stricto sensu, em funcionamento no SNPG, deveriam se


adequar aos padrões internacionais, para fins de avaliação das atividades
de pesquisa e de Pós-Graduação desenvolvidas nas IESs.

Mesmo que a internacionalização ganhe mais espaço no cenário nacional


a partir deste século, foi se estruturando nos anos 1990 como ferramenta de
distinção entre os Programas considerados de excelência para com os demais.
Para fazer a distinção, muitos critérios foram criados ao longo dessas décadas,
como mobilidade acadêmica entre docentes e discentes, produção científica
em periódicos e livros estrangeiros, acordos de cooperação internacional entre
instituições são alguns dos mais frequentes. Sobre isso, Espindola e Petry
(2016, p. 2) afirmam que

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A internacionalização tornou-se nova exigência nos processos de ava-
liação, reconhecimento e credenciamento dos Programas de Pós-Gra-
duação no Brasil. Porém, a internacionalização não deve ser entendida
a partir de uma visão isomórfica à perspectiva da globalização, mas no
sentido e fim da humanização e solidariedade, contrariando o sentido e
fim da mercantilização.

Como exemplo desses critérios de internacionalização, um dos Pro-


gramas com maior impacto na recente história da internacionalização da
Pós-Graduação brasileira foi o Ciências sem Fronteiras (CsF), lançado em
26 de julho de 2011, e extinto para a graduação em 2017 pelo governo
federal, mantendo ainda em 2017 cinco mil bolsas para a pós-graduação,
segundo nota oficial do Ministério da Educação (MEC). De acordo com
Ramos (2018, p. 3)

[...] tratava-se de um ambicioso programa de internacionalização da pes-


quisa e desenvolvimento (P&D) brasileira, tendo como mecanismo central
a mobilidade de estudantes, docentes e profissionais de nível superior para
treinamento avançado no exterior.

Percebe-se, assim, que a internacionalização da pós-graduação vai se


tornando a principal estratégia da ciência brasileira para inserir-se no mundo
“globalizado”. Contudo, como afirma Silva Júnior (2017, p. 17), “[...] todo o pro-
cesso em curso de internacionalização da universidade brasileira, buscado com
tanto empenho, tem como resultado alocar o país em posição de subserviência
tanto na produção econômica como na pesquisa científica”, caracterizando-se,
desta forma, em um movimento de mundialização da educação superior orga-
nicamente articulada à mundialização do capital.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 23

Incursões sobre o conceito de internacionalização: o que os


documentos revelam?

O primeiro Plano Nacional de Pós-Graduação foi elaborado durante o


governo do Presidente Ernesto Geisel (1907-1996) para o período corres-
pondente a 1975-1979, com a finalidade de estabelecer as primeiras políticas
para a Pós-Graduação no país em consonância com o II Plano Nacional de
Desenvolvimento. O Plano faz menção à internacionalização de forma bastante
sucinta, indicando que a capacitação dos docentes poderia ser realizada em
instituições estrangeiras quando não fosse possível o atendimento em âmbito
nacional, por meio de convênios e intercâmbios com essas instituições. De
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acordo com o I Plano Nacional de Pós-Graduação (1975-1979),

[...] a capacitação dos docentes das instituições brasileiras deve ser pro-
gramada em função das capacidades de atendimento dos cursos aqui
localizados; nos casos específicos de impossibilidade de atendimento em
âmbito nacional, devem ser programados convênios e intercâmbios com
instituições estrangeiras (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1975, p. 120).

O segundo PNPG foi elaborado durante o governo do General João Bap-


tista Figueiredo (1918-1999) para o período de 1982 a 1985 em consonância
com o III Plano Nacional de Desenvolvimento. Nesse Plano, os Programas
estrangeiros são apresentados como referência de tecnologia avançada e há
menção aos intercâmbios, mas entre as universidades brasileiras, não tratando
diretamente de esforços internacionais na Pós-Graduação:

É dos centros de pós-graduação que procede hoje a maior parte do conhe-


cimento produzido no País e uma contribuição significativa em algumas
áreas de tecnologia avançada, equiparáveis ao que é produzido nas melho-
res universidades e centros de pesquisa estrangeiros (MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO, 1982, p. 179).

O documento para o período de 1986-1989, foi elaborado durante o


governo do Presidente José Sarney, o primeiro governo que caracterizou a
“retomada” da democracia no Brasil após a ditadura militar (1964-1985), e
indica a preocupação com o fato de que “o país não possui um quantitativo
de cientistas para alcançar um alto nível de capacitação científica e tecnoló-
gica” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1986, p. 193). Segundo esse Plano,
considera-se importante a independência econômica, científica e tecnológica
do Brasil e aponta-se para a necessidade de tornar o país internacionalmente
competitivo. Menciona-se, ainda, como uma das contribuições e dependendo
24

da especificidade de cada área, a capacitação de docentes no exterior. Esse


documento é o primeiro a falar em cooperação técnica internacional. De
acordo com o documento, é importante

[...] a continuidade e o reforço aos programas de cooperação técnica inter-


nacional que se destinem a viabilizar o intercâmbio de docentes e pesqui-
sadores com os seus pares de instituições do exterior, com o objetivo de
desenvolvimento de projetos comuns de ensino e pesquisa (MINISTÉRIO
DA EDUCAÇÃO, 1989, p. 206).

No processo de levantamento das fontes documentais, notamos um


grande intervalo entre a publicação do PNPG 1986-1989 e a divulgação de

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um novo Plano. De acordo com Hostins (2006), no ano de 1996 a diretoria
executiva da CAPES iniciou o processo de discussão para a elaboração do
IV Plano Nacional de Educação, entretanto a elaboração de um documento
final não aconteceu.
Apesar da falta de um documento oficial, é preciso considerar que,
durante o período em que estava à frente da Presidência da República, Fer-
nando Henrique Cardoso (FHC) acirrou a implementação dos ajustes estru-
turais de caráter neoliberal recomendados pelos Organismos Internacionais
e traduzidos pelo Consenso de Washington, atendendo aos interesses da cha-
mada mundialização do capital, da qual já tratamos aqui.
Esse aspecto, bem como a maior centralidade que a categoria interna-
cionalização vai adquirindo para o campo da Educação, em que pese ainda
ser pouco desenvolvida nos PNPG disponíveis até aquele momento, esbarra
na falta de uma orientação nacional sobre o tema, revelando uma possível
incorporação desse conceito como princípio da pós-graduação para a Área de
Educação, seguindo o movimento internacional. Cabe destacar que, no período
em questão, dentre as categorias que orientavam o conjunto das reformas
implementadas, estavam eficiência, eficácia e produtividade, logo a valori-
zação do controle dos resultados e do desempenho. Essas características per-
tencem ao fenômeno da mercadorização da pós-graduação do qual tratamos
nas seções anteriores. Tais categorias, ao lado da necessidade de indicação
das melhores práticas que deveriam ser seguidas, seria um dos elementos
definidores da concepção de internacionalização presente nos documentos
analisados. Essa preocupação com a indicação das melhores práticas é tratada
por Azevedo (2016) como benchmarking, uma prática usada nas empresas
privadas valorizada pelo Novo Gerencialismo Público promovido a partir da
Reforma do Estado Brasileiro desencadeada no Governo FHC e que segue em
diferentes medidas, até os dias atuais. De acordo com Azevedo (2016, p. 1-2):
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 25

Sumariamente, benchmarking refere-se a um método de comparação de


desempenho e de performance fundado em indicadores e nas chamadas
“boas-práticas”. Este tipo de processo de avaliação, via de regra, é gera-
dor de rankings e classificações e vem se tornando um instrumento de
meta-regulação, influenciando as relações no Campo da Educação (em
escala nacional, estadual, regional e global) e a formatação de políticas
públicas educacionais.

De acordo com nossa análise, o PNPG 2005-2010, elaborado durante


a gestão do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como resultado de uma
comissão constituída em 2004, dá continuidade às reformas neoliberais e,
portanto, ao paradigma da mundialização e a correspondente valorização
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de um padrão internacional de pesquisa e de ciência que caracterizam nossa


condição de país dependente.
Esse Plano chama atenção para a integração com a comunidade científica
internacional e refere-se também à necessidade de cooperação internacio-
nal para o aprimoramento do sistema de Pós-Graduação. Consta no PNPG
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004, p. 8):

O desempenho da pós-graduação encontra-se intimamente ligado a uma


mobilização permanente da comunidade acadêmica nacional, bem como
a um processo contínuo de integração com a comunidade científica inter-
nacional, orquestrado e apoiado pela CAPES e CNPq.

Correspondendo a esse cenário econômico, político, cultural e social, o


PNPG menciona o sistema educacional como fator estratégico no processo de
desenvolvimento socioeconômico e cultural da sociedade brasileira. Destaca,
ainda, o papel da pós-graduação na modernização do país, a qual será favo-
recida pela integração com a comunidade científica nacional e internacional
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004).
O Plano 2005-2010 menciona, também, a implementação de políticas
para o aprimoramento do Sistema Nacional de Pós-Graduação por meio da
institucionalização do intercâmbio entre alunos e professores, que possam
permitir inclusive “a apresentação de projetos de captação de recursos junto
às agências de fomento internacionais” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,
2004, p. 61-62). São sugeridas, no Plano, as seguintes modalidades de coo-
peração internacional:

Ampliação do atual modelo de parceria institucional, dentro de uma rela-


ção de reciprocidade e simetria entre instituições nacionais e estrangeiras.
Tais parcerias envolveriam intercâmbio recíproco de alunos e professores
em projetos de pesquisa específicos, bolsas-sanduíche para os alunos,
estágios de curto prazo para professores e estágios para recém doutores;
26

Intensificação dos programas de intercâmbio, visando ao compartilha-


mento na orientação de doutorandos com pesquisadores atuando no exte-
rior em áreas de interesse estratégico para o país;
Apoio a estágio de pós-doutoramento para jovens doutores, tendo como
base a qualidade do projeto a ser desenvolvido;
Ampliação do intercâmbio institucional de estudantes de graduação
visando a seu futuro ingresso na pós-graduação;
Estímulo a parcerias e formação de redes de pesquisa na cooperação
Sul-Sul, como suporte à formação de recursos humanos em áreas prio-
ritárias e de interesse comum (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004,
p. 61-62).

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As considerações finais desse PNPG retomam a importância da coope-
ração internacional para o aprimoramento do sistema e chamam atenção para
a necessidade de que a avaliação esteja pautada na qualidade e excelência
dos resultados: “Reafirma-se que a avaliação deve ser baseada na qualidade
e excelência dos resultados, na especificidade das áreas de conhecimento e
no impacto desses resultados na comunidade acadêmica e empresarial e na
sociedade” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004, p. 89). Essa indicação
para os resultados reforça o aspecto que chamamos atenção acima, a respeito
das categorias eficiência, produtividade, desempenho e benchmarking pauta-
rem a concepção de internacionalização em tela.
Ao analisar os Planos Nacionais para a Pós-Graduação, observamos
que a palavra “internacionalização” aparece pela primeira vez apenas no
PNE 2011-2020:

[...] a busca da Internacionalização continuará sendo uma das metas


maiores do sistema. Harvard, MIT, Stanford, Oxford, Cambridge e outras
grandes universidades do mundo contam em seus quadros com 20% de
estudantes estrangeiros. No conjunto das universidades brasileiras, segundo
dados da Polícia Federal, entre 2006 e 2010, o número alunos estrangeiros
saltou de 934 a 2.278, ou seja, cresceu 144%; mas esse número ainda é
insignificante se comparado com o universo dos estudantes. Nas estaduais
paulistas, onde a concentração é maior, os estrangeiros não passam de
2%. O SNPG tem, atualmente, porte e estrutura que permitem absorver
um número maior de estudantes estrangeiros (MINISTÉRIO DA EDU-
CAÇÃO, 2010b, p. 21).

Nos planos anteriores, como já indicamos aqui, a referência era feita à


cooperação internacional, padrão de excelência internacional, intercâmbios
internacionais, padrão de produção internacional, inserção internacional.
A busca pela internacionalização é assim incentivada no PNPG:
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 27

Na próxima década o SNPG, com a participação mais efetiva de todas as


agências, deverá priorizar duas ações, em sentidos opostos mas comple-
mentares: 1 – atrair em diferentes Programas mais estudantes e docentes do
estrangeiro; 2 – enviar mais estudantes e pós doutores ao estrangeiro para
fazer formação no exterior, em vista da dinamização do sistema e da capta-
ção do conhecimento novo (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2010a, p. 21).

Esse documento contempla a discussão sobre internacionalização em


seção separada, intitulada “Internacionalização da Pós-Graduação e a Coopera-
ção Internacional”, demonstrando sua centralidade no documento, diferente do
que os documentos anteriores demonstraram. Nessa seção, o documento apre-
senta o conceito de formação de pesquisadores no exterior, a recomendação
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para a presença de estudantes estrangeiros em Programas de Pós-Graduação


do Brasil, a participação de docentes em atividades no exterior e a publicação
de artigos em periódicos de circulação internacional indexados, como medi-
das da presença internacional da ciência brasileira no exterior (seguindo as
práticas adotadas pelas Universidades de Classe Mundial).
O Plano apresenta, nessa seção, um balanço da produção científica e da
participação do Brasil na ciência mundial e chama atenção para a necessi-
dade de aumentar essa participação. Na direção de reforçar um modelo de
universidade, compara a inserção de estudantes estrangeiros em universida-
des consideradas de prestígio com a inserção de estudantes estrangeiros no
país, “O SNPG tem, atualmente, porte e estrutura que permitem absorver um
número maior de estudantes estrangeiros” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,
2010b, p. 22).
A segunda parte do Plano Nacional de Pós-Graduação 2011-2020 apre-
senta um conjunto de propostas no que diz respeito à internacionalização, que
devem ser instauradas até o final da vigência do Plano:

Programa de Doutorado pleno no exterior contemplando alunos de desem-


penho excelente;
Mudança das regras que regem os currículos nas universidades públicas
para aumentar o recrutamento de professores estrangeiros;
Reestruturação e ampliação dos programas de professor visitante;
Incentivo de recrutamento de professores estrangeiros;
Programa de apoio e incentivo ao duplo-diploma e a projetos cola-
borativos de larga duração (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2010c,
p. 17-18).

O que observamos ao longo da análise dos PNPGs a respeito da intensi-


ficação da categoria internacionalização como requisito da avaliação da exce-
lência: no PNPG atual a internacionalização é exacerbada, havendo destaque
28

para a perspectiva da Universidade de Classe Mundial, destacada na seção


anterior e, com ela, a mercadorização da educação e a valorização da produ-
tividade, eficiência, desempenho e boas práticas.

Os rumos da avaliação da Pós-Graduação em Educação no Brasil


sob a ótica da internacionalização: entre avanços e retrocessos

O tema da internacionalização para todas as áreas de avaliação da CAPES


representa, como já anunciamos, importantes possibilidades de aporte finan-
ceiro aos Programas considerados de excelência, que atingem as notas máxi-
mas na avaliação. Ao longo das avaliações realizadas, o modelo lançado para

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acompanhar o biênio 1996-1997 acabou se consolidando como referência para
os que o sucederam (HORTA; MORAES, 2005). De forma velada, está em
jogo a disputa pelo privilégio de tornarem-se – ou manterem-se como – áreas
reconhecidamente científicas, o que significa, na lógica de mundialização do
capital, produção de conhecimento matéria-prima de forma mais imediata.
Nesse sentido, algumas áreas têm sido visivelmente privilegiadas ao
concentrar a maior quantidade de Programas com notas 6 e 7 ao serem endos-
sadas pelo PNPG 2011-2020, que destaca a internacionalização e a produção
de conhecimento voltadas para as necessidades da economia. São citadas, por
exemplo, Áreas como Física, Ecologia e Matemática como aquelas com maior
impacto na divulgação da produção científica em periódicos internacionais,
se aproximando das médias internacionais. Mencionam, ainda, Áreas como
Ciências Agrícolas, Farmacologia, Bioquímica e Biologia como exemplo de
esforços para se inserir no grupo de áreas que possuem produções de alto
impacto no cenário mundial e que, portanto, estariam produzindo conheci-
mentos relevantes para a economia do país (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,
2010b, p. 224-225).
O PNPG 2011-2020 caracteriza, como já apontamos, a internacionaliza-
ção como ferramenta estratégica para colocar o país em lugar de destaque no
cenário mundial capitalista, incentivando parcerias entre instituições públicas
e privadas para os que acreditam ser a chave para aumentar a competitividade
da ciência no país em relação aos demais países do mundo. Essa caracterização
resulta, como já apresentamos, de uma política nacional de pós-graduação
que tem se consolidado desde os anos 1970 no país e que cada vez mais se
estrutura em um modelo mundializado de produzir ciência.
Neste item do artigo temos interesse em mostrar, por meio dos docu-
mentos da Área, como a Educação reage frente às constatações apresentadas
acima sobre a definição das prioridades para a produção científica no país, a
partir da mundialização do capital.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 29

Os Documentos de Área podem revelar as relações entre o que reco-


mendam os PNPGs e a forma pela qual as áreas se organizam (recebem,
se manifestam, produzem discursos e promovem práticas a partir das reco-
mendações). A exposição dos documentos seguirá uma ordem cronológica,
com o objetivo de lançar luzes sobre a linha histórica traçada, evidenciando
momentos de maiores e menores críticas à concepção de internacionalização.
Será possível observar, também, a complexificação dos documentos, que
deixam de ser um apanhado de informações sobre o cenário da pós-graduação
para apresentar determinadas posições, tanto sobre a pós-graduação e seu
papel quanto a compreensão e importância da internacionalização.
O Documento da Área de Educação 1998-2000 é bastante sucinto e
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adquire um tom mais descritivo do cenário em que a educação se encon-


trava naquele período. Apresenta o panorama da avaliação anterior e cita a
internacionalização como “padrões internacionais” para se referir aos Pro-
gramas nota 7.

O Programa de nível 7 apresenta um corpo docente altamente qualificado,


uma produção docente e discente de excelência para os padrões interna-
cionais, exerce papel de liderança acadêmica na área, demonstra competi-
tividade em nível internacional (indicada, por exemplo, por intercâmbios,
convênios, programas de cooperação acadêmica e científica, publicações,
participação em eventos de relevância na área, exercício de funções edi-
toriais, posições institucionais e reconhecimento por parte das sociedades
científicas), bem como um desempenho diferenciado quanto à produção
científica, oferecendo cursos de mestrado e doutorado. Este Programa
deverá ser comparável a Programas de muito bom nível de outros países
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1998, p. 1).

Interessante notar que os mesmos responsáveis por esse relatório produ-


ziram um texto posterior no qual apontam os problemas que aquela avaliação
produziu, em especial o desrespeito às decisões que a Área de Educação tomou
sobre a distribuição das notas do PPG, desconsideradas pelo Conselho Técnico
Científico (CTC) da Capes que passou a ter, a partir daquela avaliação, um
papel muito mais ativo na apreciação dos resultados apresentados pelas áreas
de avaliação. Isso provocou, naquela avaliação, um grande desconforto para
a Área de Educação, pois, segundo Horta e Moraes (2005, p. 96),

Verificou-se, com nitidez, o que possivelmente já podia se antever em


decisões anteriores do CTC: os níveis 6 e 7 foram definidos exclusiva-
mente a partir de um único parâmetro, qual seja, o da produção científica
internacional e, basicamente, em periódicos estrangeiros.
30

Ainda que o relatório não apresente qualquer menção crítica a este


tema, vale destacar que a compreensão da Capes parecia ser distinta da
comissão que avaliou os Programas de Educação, pois a concepção dos
Programas de notas 6 e 7 não deveria se reduzir à produção científica inter-
nacional (concepção essa que vai acompanhar quase todos os Documentos
de Área seguintes):

Tais ajustes permearam o embate travado pela área de educação e as


demais áreas de ciências humanas, notadamente a de geografia, para terem
assegurados os conceitos 6 e 7 atribuídos a seus programas. Aquele foi
um momento particular de luta por hegemonia no interior do CTC – a
de alcançar o mainstream epistemológico que asseguraria mais verbas

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e prestígio – e, nesse esforço, lançou-se mão de forte desqualificação
epistemológica das áreas de ciências humanas e recorreu-se a ásperos
enfrentamentos (HORTA; MORAES, 2005, p. 96).

O resultado dessa disputa por hegemonia no interior do CTC foi a perda


de três dos seis Programas avaliados pela Área de Educação como nota 6
naquele período e de todos os Programas avaliados com a nota 7. Nos dete-
mos mais nesse acontecimento pois é, certamente, um divisor de águas nas
avaliações que ocorreriam posteriormente, tanto pela interferência do CTC
nas decisões das áreas como pela definição de uma concepção de internacio-
nalização (responsável pela definição de Programas notas 6 e 7) pautada nas
produções acadêmicas e na mobilidade docente e discente.
O documento de área 2001-2003 mantém a internacionalização como
requisito para os Programas de notas 6 e 7 (ainda que a Área de Educação
continuasse, nesse triênio, sem contar com os de nota 7). Destaca a necessi-
dade de o quadro docente ter trânsito internacional e ter reconhecido prestígio
fora do país. Define, ainda, três critérios para estabelecer os Programas com
notas 6 e 7: publicações (entre elas, artigos em periódicos internacionais,
livros integrais publicados no exterior, trabalhos completos publicados em
eventos no exterior e organização de coletâneas no exterior); inserção coletiva
do Programa (dentre os quais destacam-se os intercâmbios internacionais,
mobilidade de docentes e discentes, recebimento de professores estrangeiros
e produção discente internacional); Inserção Internacional dos docentes per-
manentes (tendo destaque a participação em comissões e consultorias inter-
nacionais, captação de financiamentos internacionais, realização de estágios
e missões docentes no exterior, realização de pós-doutorado no exterior são
alguns dos exemplos).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 31

Documento de índices para a avaliação trienal de 2004, produzido pela


Grande Área de Ciências Humanas em 22 e 23 de junho de 2004, que pro-
põe que os Programas recomendados aos conceitos 6 e 7 sejam avaliados
segundo o grupo de indicadores abaixo:
1. Publicações.
2. Inserção internacional coletiva do programa.
3. Inserção internacional individual dos docentes do NRD6
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2001, p. 4-5).

Não há, no documento, qualquer referência crítica ao modelo de inter-


nacionalização que vinha se construindo naquele momento. Ao final, há reco-
mendação para que a Capes repense a estratificação da avaliação, concordando
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que as faixas 6 e 7 seriam destinadas aos Programas de inserção internacional,


indicando certa resignação.
O Documento de Área 2004-2006 mantém a perspectiva de diferenciação
dos Programas de notas 6 e 7 a partir das atividades de internacionalização.
Entretanto, a Educação continuou sem Programas pertencentes ao estrato
7, revelando as dificuldades de adequação aos padrões de internacionaliza-
ção estipulados.

O número de programas 6 na Área aumentou de três no triênio 1998-


2000 para quatro no triênio 2001-2003 e para os cinco recomendados
no presente triênio. Entretanto, a Área ainda não apresenta um programa
7 e o percentual dos classificados com nível 6 (6,4%) é relativamente
baixo quando comparado à maioria das outras áreas avaliadas pela CAPES
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004, p. 27).

Destaca-se, nesse documento, o nível de detalhamento em que os dados


são apresentados, ainda que não haja claros posicionamentos sobre a política
de avaliação adotada, em particular sobre a perspectiva de internacionali-
zação que, mais uma vez, fica completamente destinada aos Programas de
notas 6 e 7.
Ao analisar os resultados das avaliações dos Programas avaliados com
notas 6 e 7, podemos observar dois posicionamentos importantes: reforçar
que, mesmo com a melhoria dos indicadores gerais dos Programas da Área de
Educação candidatos a nota 7, nenhum atingiu tal estrato e; segundo, afirmar
que a inclusão de dimensões como liderança, solidariedade e visibilidade
poderiam ajudar aos Programas a atingir notas mais altas, pois, seguramente,
muitos deles já tinham tais características consolidadas em suas práticas.
Ao que nos interessa neste artigo, percebe-se que a área em pesquisa não
faz críticas diretas à perspectiva de internacionalização, mas indiretamente
destaca a importância de não ser o único critério para definir os Programas
32

de excelência. Por fim, o documento recomenda para a Capes que sejam


respeitadas as especificidades de cada área, dando maiores possibilidades de
criação de critérios e indicadores próprios.
Muito mais econômico que o anterior, o Documento de Área 2007-2009
não traz novidades sobre a internacionalização. Ao contrário, faz menção em
poucas oportunidades e, quase sempre, vinculando-a aos critérios avaliativos
daquele período. Diferentemente dos documentos anteriores, nesse não houve
detalhamento sobre as estratificações e, assim, a perspectiva de internaciona-
lização como categoria principal para destacar os Programas de excelência
não foi tratada.

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A avaliação da Pós-Graduação não pretende atender todos os aspectos
passíveis de avaliação em um curso de pós-graduação. A avaliação pro-
posta atende a priorização de aspectos definidos por toda a comunidade
científica brasileira representada junto à CAPES. Assim, tanto os aspectos
relevantes a serem avaliados quanto a metodologia de como fazê-lo não é
uma decisão de uma área ou de um coordenador de Área, mas resultado
da concepção de avaliação, de pós-graduação, de pesquisa, de formação
e, sobretudo, de processos de produção de conhecimento construídos pela
comunidade científica nacional e internacional (MINISTÉRIO DA EDU-
CAÇÃO, 2007, p. 1).

O Documento de Área 2010-2012 é o primeiro a ser produzido após o


lançamento do PNPG 2011-2020. Ou seja, foi construído no bojo da inter-
nacionalização atrelada à formação das World Class University e a produção
do conhecimento matéria-prima como prioridade. Em que pese tal concepção
tornar-se hegemônica, ocupando destaque em todas as áreas de avaliação, a
Educação parece ter estabelecido um diálogo mais crítico com essa perspec-
tiva, ainda que isso não seja claramente apresentado no documento.
Na contramão da visão pragmática que a internacionalização conferiu
aos conhecimentos científicos e a relação com o mundo produtivo, a Área de
Educação reforça a importância do trabalho com a Educação Básica, defen-
dendo uma perspectiva de formação voltada para o desenvolvimento social
em primeiro lugar:

A relação da Área com a Educação Básica é direta e consequente. Direta


porque a Educação Básica, enquanto política dos sistemas de ensino,
processos educacionais, desempenho dos estudantes, formação dos pro-
fessores, é objeto direto do campo educacional (MINISTÉRIO DA EDU-
CAÇÃO, 2013, p. 7).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 33

Seguindo o exemplo do PNPG 2011-2020, o Documento de Área 2010-


2012, pela primeira vez, abre um espaço dedicado à internacionalização, mas
não avança em críticas diretas, limitando-se a apresentar eixos que represen-
tariam supostos avanços: publicações em livros e periódicos internacionais;
pesquisas em rede envolvendo instituições e pesquisadores estrangeiros; atua-
ção de professores brasileiros em Programas estrangeiros como convidados
ou visitantes e de professores estrangeiros nos Programas Brasileiros; ações
de cooperação internacional pautadas na mobilidade discente e docente. Essa
parte do documento é concluída com a indicação de que o tema da interna-
cionalização é determinante para discriminar os Programas de notas 6 e 7
como de excelência. “Evidentemente não é esperado que todos os Programas
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atuem em todos os eixos de internacionalização. A avaliação realizará a análise


da qualificação dos Programas quanto nível e tipo de internacionalização”
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 35).
O documento que se refere ao triênio 2013-2016 recomenda que a pro-
posta dos Programas apresente, em seu planejamento, as necessidades regio-
nais, nacionais e internacionais. “Adequação da proposta do Programa às
necessidades regionais, nacionais e internacionais; descrição dos meios e
estratégias que o programa pretende adotar para enfrentar os desafios da área
e atingir seus objetivos atuais e futuros” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,
2013, p. 10).
Recomenda, também, para os programas notas 6 e 7, uma série de ações
indutivas, que podem ser observadas abaixo: a presença de literatura interna-
cional no plano de ensino das disciplinas, a participação de docentes estrangei-
ros nas disciplinas ofertadas, o aprimoramento do corpo docente no exterior,
a realização de convênios e projetos de pesquisa em rede, intercâmbios e,
por fim, garantir que o site do Programa esteja, também, em outros idiomas
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2013, p. 10).
Programas assim como o documento anterior que, além de trazer essas
recomendações ao longo da ficha de avaliação como critérios que devem ser
observados pelos coordenadores ao redigir o texto da Proposta do Programa,
aborda essas recomendações em uma seção específica ao final do documento.
Por fim, o Documento de Área 2017-2020 é, sem dúvidas, o que apre-
senta mais elementos críticos e propositivos sobre a internacionalização. São
apresentados diagnósticos já tratados em outras oportunidades, mas com
comentários críticos relevantes, como as assimetrias entre os Programas.
Preocupando-se com as assimetrias entre os programas considerados de exce-
lência para os demais, a área identifica que os programas notas 6 e 7 estão
concentrados na região sul e sudeste do país e que mesmo havendo redução das
diferenças, as ações empenhadas não foram suficientes para garantir equidade.
34

Entretanto, a referida redução não tem sido suficiente para atenuar adequa-
damente o problema, algo destacado pela distribuição regional de notas,
porque além de certas regiões terem menos cursos e programas, suas
notas são inferiores à média, evidenciado pelo fato de que todas as notas
6 e 7 estão nas regiões Sul e Sudeste (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,
2019, s. p.).

Assim como o documento anterior (2013-2016), a discussão sobre


interdisciplinaridade teve destaque e foi debatida como forma alternativa
e inovadora de produzir os conhecimentos. Em nossa compreensão, a Área
de Educação está, nesse momento, demarcando que a produção do conheci-
mento não tem o objetivo, exclusivamente, de produzir resultados imediatos e

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pragmáticos, justamente por sua natureza. É preciso destacar que a avaliação
ocorrida nesse quadriênio (2017-2020) experimentou mudanças importantes,
reduzindo de 5 para 3 os quesitos e itens avaliados e dividindo atenções entre
a formação discente, a proposta do Programa e o impacto na sociedade. Logo,
a internacionalização, na contramão do que apresentava o PNPG em vigor,
seria tratada ao lado da inserção social dos Programas.
Os Programas de Pós-Graduação passaram a ser cobrados não mais
somente por sua internacionalização para ser considerado um Programa de
excelência. Para isso, é preciso mostrar que sua “vocação” também se vin-
culava às ações de impacto social.
A Área de Educação utiliza essa abertura para demarcar importantes
posicionamentos: “O quesito ‘Impacto na Sociedade’, por sua vez, deve pro-
mover e valorizar o impacto cultural, social e econômico do conhecimento
produzido, focando em desafios estratégicos, regionais, nacionais e interna-
cionais” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2019, s. p.).
Enfatizando o planejamento futuro, a Área de Educação parece dar mais
autonomia para os Programas decidirem sobre qual “vocação” seu perfil se
aproxima mais: se para atuações regionais, locais ou internacionais. De acordo
com o documento:

É evidente que alguns dos PPG da Área possuem mais possibilidades


para implementar atividades voltadas para a internacionalização do que
outros. Assim, é necessário assegurar uma participação internacional mais
expressiva da Área de Educação, sem deixar de levar em conta que certos
PPGs atuam de modo mais impactante no seu contexto imediato, seja ele,
local ou regional (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2019, s. p.).

Apesar da autonomia que esse entendimento pode dar aos Programas, é


preciso ter cautela, porque pode significar, também, a manutenção da lógica de
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 35

que os Programas podem obter desempenhos desiguais e que essa é uma condi-
ção natural, atribuída às diferentes características e esforços de cada Programa.
Outra mudança muito significativa foi a implementação da autoavaliação
como ferramenta fundamental de análise da qualidade dos Programas:

A Área de Educação entende ser necessário ampliar o foco do processo


avaliativo, reconhecendo que a autoavaliação, hoje muito utilizada nas
experiências internacionais, pode trazer mais subsídios para o desenvol-
vimento de programas de pós-graduação com qualidade (MINISTÉRIO
DA EDUCAÇÃO, 2019, s. p.).

A autoavaliação, segue afirmando o documento, proporciona maiores


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aproximações entre avaliador e avaliado, oferecendo mais autonomia aos


programas para definirem “sua missão e seus objetivos, incluindo aqueles
relativos à sua inserção no contexto social/internacional e a suas escolhas
científicas específicas” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2019, s. p.).

O documento reforça a característica ampla de formação da Educação


envolvendo diferentes bases epistemológicas, estruturas organizacionais e
políticas para a Educação Formal e Não Formal. Com isso, reafirmam o
compromisso, já assumido no documento anterior, dos Programas de Pós-
-Graduação com a formação e colaboração com a Educação Básica.
Quando aborda, especificamente, a internacionalização, o documento
reconhece a importância de estimular a participação brasileira na produção
científica mundial, garantindo acesso e domínio da produção global da ciência.
Mas o que diferencia claramente esse documento dos demais é o posiciona-
mento sobre a relativização da internacionalização:
Por outro lado, é importante notar que a internacionalização da Área
deve vir acompanhada de uma discussão a respeito dos objetivos específicos
dos PPG, de modo a não ser apenas uma prioridade e sim algo pertinente e
produtivo para cada programa. É evidente que alguns dos PPG da Área pos-
suem mais possibilidades para implementar atividades voltadas para a inter-
nacionalização do que outros. Assim, é necessário assegurar uma participação
internacional mais expressiva da Área de Educação, sem deixar de levar em
conta que certos PPG atuam de modo mais impactante no seu contexto ime-
diato, seja ele local ou regional (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2019, s. p.).
Reconhecendo que a Área de Educação estaria bastante inferiorizada –
em comparação com as demais que compõem o quadro de avaliação da Capes
–, o documento reforça a necessidade de investimento na internacionalização,
mas não apenas para aqueles Programas considerados de excelência. Essa
postura nos parece um importante avanço, pois confere, ao mesmo tempo,
possibilidades de definição sobre os caminhos que cada Programa pode trilhar
36

e coloca a internacionalização como prática fundamental para todos os Pro-


gramas, não apenas aqueles considerados de excelência.

Considerações finais

Buscamos, neste artigo, compreender e problematizar como o conceito de


internacionalização foi se delineando nos Planos Nacionais de Pós-Graduação
(PNPG) e nos documentos da Área de Educação. Por meio da exposição de
autores que tratam da mundialização e da mercadorização da Educação, foi
possível observar que a internacionalização está inserida em um contexto
amplo, envolvendo os fenômenos políticos e econômicos. Defendemos, assim

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como Cruz e Bonissoni (2017), que ocorra uma inversão da lógica de inter-
nacionalização passiva para uma ativa e, em certa medida, foi essa mesma
defesa que pudemos perceber na atuação da Área de Educação através dos
Documentos de Área analisados, em especial aquele elaborado para o qua-
driênio 2017-2020.
A concepção de internacionalização que tem se construído na Pós-Gra-
duação brasileira, possível de ser observada nos documentos analisados, está
relacionada à uma visão isomórfica (Espindola & Petry, 2016) do que poderia
potencialmente se tornar: estratégia solidária de desenvolvimento e dissemi-
nação do conhecimento, fugindo da lógica mercantil da globalização.
Procuramos demonstrar que a internacionalização da Educação Superior,
em geral, e da Pós-Graduação, em específico, tem mantido uma lógica que
privilegia a formação de conhecimentos úteis ao desenvolvimento capita-
lista, o chamado conhecimento-mercadoria. As World Class University vão
se tornando modelos de internacionalização e, por isso, perfis desejados para
universidades mundo afora, inclusive em países periféricos, como o Brasil.
Por mais que a defesa de uma perspectiva globalizada de Educação
Superior possa parecer sedutora, a pesquisa nos mostrou que nem todas as
instituições possuem condições reais de fazer com que tal projeto se realize
aos moldes internacionais. Foi se criando, assim, uma internacionalização
baseada em ações pontuais, amplamente disseminadas entre os Programas de
Pós-Graduação, por meio dos Planos Nacionais de Pós-Graduação. Mobili-
dade acadêmica, produção científica internacional, recebimento de visitantes
estrangeiros, missões de curta e longa duração no estrangeiro e a formação
continuada (Pós-Doutorado) no exterior tornaram-se as ações mais recomen-
dadas nos PNPGs e disseminadas nos Documentos de Área da Educação.
Ao analisarmos o papel da Área de Educação sobre as recomendações
de internacionalização presentes nos Planos Nacionais de Pós-Graduação,
percebemos um misto entre posições mais “neutras” sobre o tema, indicando
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 37

preocupações mais relacionadas à efetividade das ações de internacionaliza-


ção, e outros posicionamentos mais críticos, que indicam as deficiências de
um modelo de avaliação que se pauta na internacionalização para discriminar
programas de excelência dos demais.
O resultado dessa política de segregação é a criação de uma espécie de
elite na Pós-Graduação que recebe mais recursos e, por isso, tem maiores e
melhores condições de trabalhar numa perspectiva de internacionalização
próxima a realizada nas World Class University.
O Documento de Área do quadriênio 2017-2020 foi, em nossa percepção,
aquele que se posicionou mais claramente contra a ideia de padronização
nas ações de internacionalização, dando aos Programas a oportunidade de
decidirem por sua “vocação” mais regional, local, nacional ou internacional.
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Inclusive, nesse documento, é explícita a argumentação de que nem todos os


Programas teriam condições materiais de conduzir a internacionalização nos
moldes que hoje estão colocados, sem qualquer visão de conjunto, de apoio
mútuo e ajuda solidária.
Ficou, portanto, evidente, através das análises realizadas, que, na medida
em que o conceito de internacionalização se tornou mais presente nos PNPG,
os Documentos de Área se estruturaram procurando garantir as exigências
avaliativas, mas, também, indicando meios alternativos. A Educação se coloca
na disputa por uma ciência que, atualmente, desconsidera sua importância,
relegando-a a uma área de segunda ordem, justamente porque não gera os
conhecimentos matéria-prima tão caros à mundialização do capital econômico.
38

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ASSIMÉTRICOS NO BRASIL DE
2010 A 2020: política e gestão como
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Maria Alice de Miranda Aranda
Giselle Cristina Martins Real
Fabio Perboni
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

Introdução

O artigo1 aprofunda a relação entre a educação básica e a pós-graduação


em educação, em virtude da prospecção comum em contribuir com a melhoria
da educação básica e, ainda, por ser pouco referenciada. Tem como objetivo
revelar os temas que se constituem como objeto de estudo da pós-graduação
em educação ao tratar das políticas e da gestão para a educação básica em
período recente, especificamente entre 2010 e 2020. Esta última década foi
marcada por intensos debates e disputas em torno das políticas educacionais.
Destacam-se as discussões em torno do Plano Nacional de Educação
e as múltiplas questões que envolvem sua efetivação. O levantamento e a
análise da produção científica permitem captar alguns desses movimentos,
permitindo situar a produção de um programa de pós-graduação no contexto
mais amplo da área da política e gestão da educação. Para tanto, elege-se o
PPPGEdu/UFGD como um estudo de caso, representativo das políticas cons-
tituidoras da focalização educação básica-pós-graduação. Foram levantadas
65 produções, sendo 60 Dissertações de Mestrado e 5 Teses de Doutorado
na Linha de Pesquisa “Políticas e Gestão da Educação Básica”. Foi possível
constatar um conjunto de desafios para a pesquisa educacional, na perspectiva
da política e da gestão, no internacional, nacional e local, com a notificação
das problemáticas, ainda, presentes na educação básica, foco das pesquisas
educacionais nesses espaços de síntese assimétrica, podendo iluminar os pro-
cessos de decisão para a melhoria, ainda necessária, da educação básica para
todas as regiões brasileiras.
A educação básica ocupa a pauta da agenda do Estado brasileiro de forma
centralizada, sobretudo a partir de 1988, quando é aprovada a Constituição
Federal, constituída como um marco jurídico-normativo para a educação.

1 Artigo publicado originalmente na Revista Exitus, Santarém, PA, v. 11, p. 1-25, e020176, 2021.
44

O delineamento dessa centralidade é construído a partir de sua configu-


ração como um direito social, obrigatório para o Estado e a família, em que
são definidas as bases de sua categorização como direito público subjetivo,
mecanismo garantidor de sua efetivação (DUARTE, 2007).
Já no início dos anos de 1990, observa-se medidas públicas de expansão
e de qualificação da educação básica, quando se instaura implementação de
sistema de avaliação que foi a síntese do Estado-Educador no Brasil, também,
interpretado como Estado Avaliador (FREITAS, 2007).
As medidas voltadas para a educação básica impactaram na demanda
por educação para os níveis subsequentes, que chegam à educação superior
(OLIVEIRA, 2009), e consequentemente à pós-graduação.

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Importa, portanto, neste momento, aprofundar a relação entre a edu-
cação básica e a pós-graduação em educação, em virtude da prospecção
comum em contribuir com a melhoria da educação básica e, ainda, por ser
pouco referenciada.
O recorte ao período de 2010 a 2020 tem em vista trazer elementos para
se analisar efeitos das políticas voltadas para educação, implementadas no
pós-Constituição Federal, que trazem imbricados objetivos e proposições
públicas de expansão e de qualificação da educação.
A formação de quadros para a educação básica e para a educação superior
qualificadora de professores para a educação básica inserem-se como ponto
da interseção entre esses níveis da educação, objeto desse artigo.
Para essa análise toma-se como referência empírica o papel do Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Grande Dourados
(PPGEdu/UFGD) por se situar no centro das políticas públicas voltadas para
a ampliação do acesso à educação qualificada.
O PPGEdu/FAED está inserido em cidade do interior, entendida como
contraponto às capitais das unidades federadas, espaço em que a presença
de educação superior e, especificamente, de cursos de pós-graduação stricto
sensu, demanda a interferência de políticas públicas para se estabilizar. Ainda,
o PPGEdu é situado fora do eixo sul-sudeste, onde se concentra a oferta
verticalizada da educação superior e, especialmente, onde os indicadores de
qualidade que aferem a educação básica são mais promissores (SOUSA; OLI-
VEIRA; ALARVARSE, 2011), o que implica em mais uma medida pública
voltada para correção de mais essa assimetria na organização estruturada,
historicamente, junto ao sistema educacional do país.
Portanto, o PPGEdu configura-se como um ponto equidistante da reta
linear que delineia a pós-graduação brasileira, constituindo-se como objeto
de necessária análise qualitativa, que pode contribuir com reflexões acerca da
compreensão dos nexos entre educação básica e pós-graduação em educação,
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 45

uma vez que possibilita a articulação da relação de caso particular para o


contexto mais geral dos significados de interveniência recíproca destes dois
níveis da educação.
O objetivo deste artigo, neste cenário, é revelar os temas que se cons-
tituem como objeto de estudo da pós-graduação em educação ao tratar das
políticas e da gestão da educação básica em período recente, especificamente
entre 2010 e 2020, quando se decorrem pelo menos 22 (vinte e dois) anos da
publicação da Constituição Federal e suas prerrogativas de políticas centra-
lizadoras do direito à educação.
Acredita-se que essa análise contribuirá para as políticas educacionais
com a notificação das problemáticas, ainda, presentes na educação básica, foco
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das pesquisas educacionais nesses espaços de síntese assimétrica, podendo


iluminar os processos de decisão para a melhoria, ainda necessária, da edu-
cação básica para todas as regiões brasileiras.
Para tanto, elege-se o Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal da Grande Dourados (PPPGEdu/UFGD) como um
estudo de caso, representativo das políticas constituidoras da focalização
educação básica-pós-graduação.
O presente artigo está dividido em três seções, além das considerações
finais. A primeira seção versa sobre o PPGEdu e sua caracterização como fruto
de política de Estado no contexto da qualificação da educação. A segunda
seção indica os embates em torno da educação básica a partir da perspectiva
construída historicamente da política e da gestão educacional. A terceira seção
evidencia os objetos de pesquisa do PPGEdu acerca da educação básica, de
forma a revelar suas preocupações e temáticas, no período de 2010 a 2020,
evidenciando a ênfase nas problemáticas da política e da gestão educacional.
Por fim, apresentam-se considerações finais que explicitam as relações entre
educação básica e pós-graduação, apontando as temáticas que ocupam a preo-
cupação de pesquisadores do campo educacional, especificamente inseridos
em contexto em que se conjugam as assimetrias regionais nas dimensões da
geografia brasileira.

PPGEdu/UFGD como política de Estado: a qualificação da


educação em contexto assimétrico

O Programa de Pós-Graduação em Educação da UFGD inicia suas ati-


vidades a partir de janeiro de 2008 (SANTOS; SARAT, 2020) com a oferta
de curso de mestrado em educação, e, partir de 2014 intensifica a forma-
ção de pesquisador/professor da educação básica e superior com a oferta de
doutorado. As primeiras defesas de dissertações ocorrem a partir de 2010,
46

marco inicial do recorte temporal aqui definido. Trata-se, portanto, de um


programa recente.
Sua implementação ocorre na vigência do 5º Plano Nacional de Pós-
-Graduação (PNPD), que abarcou planejamento para o período de 2005-2010,
que teve como uma de suas premissas o combate às assimetrias regionais e a
ênfase na formação de docentes para todos os níveis de ensino, principalmente
da educação básica (BRASIL, 2010; 2020).
Essas premissas estavam presentes em PNPD anteriores.

Na década de 80, período de redemocratização do país, o foco do PNPG


1982-1985 continua na expansão do sistema; existe, entretanto, a preocu-
pação de que a expansão ocorra de forma equânime, atenuando possíveis

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assimetrias na distribuição dos programas. Essa preocupação aparecerá
em todos os planos posteriores e direcionará a formação e a fixação de
recursos humanos em regiões específicas do país (BRASIL, 2020).

Portanto, fundem-se, nessas perspectivas, história e missão do PPGEdu.


Expressamente definida:

A formação de altos quadros de profissionais para a área da educação,


de forma a contribuir com a melhoria da qualidade da educação básica
e superior, particularmente da região da Grande Dourados e do estado
de Mato Grosso do Sul, a partir da articulação entre ensino, pesquisa e
extensão (PPGEdu, 2021).

A própria UFGD, locus de inserção do PPGEdu, é criada em 2005, por


desmembramento da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Era um de
seus cinco campi localizados no interior do estado. O processo se consolidou
por meio de programa governamental voltado para a expansão institucional e
interiorização da educação superior, identificado como “Programa Expandir
para ficar do tamanho do Brasil” (MAGALHÃES, 2019).
O PPGEdu é planejado no início de implementação da UFGD, em 2006,
quando é criada a sua Faculdade de Educação, que, por sua vez, abriga o
grupo de professores novos que chegaram, somando-se ao quadro existente,
proporcionando o atendimento aos requisitos da Capes de qualificação e de
experiência em pós-graduação e pesquisa em educação. Ainda, considera-se a
inserção integrativa dos docentes com as redes de educação básica na região.
Portanto, constituir e qualificar a pós-graduação em educação no âmbito
da UFGD contribui para minorar as assimetrias regionais, já apontadas nos
Planos Nacionais de Pós-Graduação (PNPG) e referendada na estratégia 14.6
no PNE (2014-2024):
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 47

14.6) ampliar a oferta de programas de pós-graduação stricto sensu, espe-


cialmente os de doutorado, nos campi novos abertos em decorrência dos
programas de expansão e interiorização das instituições superiores públicas
(BRASIL, 2014).

O Relatório da Avaliação Quadrienal de 2017, produzido pela área de


Educação da Capes, indica pela permanência de assimetria regional, no que
se refere aos programas na área de educação. A assimetria se revela tanto na
concentração geográfica quanto na qualificação dos programas. Particular-
mente, estas assimetrias são observáveis de forma mais evidente, quando se
leva em conta três fatores: i) a verticalização dos programas; ii) a localização
geográfica concentrada nas regiões sul e sudeste, inclusive na relação interior/
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capital; e iii) os resultados das Avaliações, conforme se pode notar pelos dados
constantes no Quadro 1 extraído deste Relatório, transcrito a seguir.

Quadro 1 – Número de programas acadêmicos e profissionais


nas Regiões brasileiras no início do processo avaliativo
Estrato Região Nº de programas acadêmicos Nº de programas profissionais Total
Norte 7 1 8
Nordeste 7 5 12
3 Sudeste 8 7 15
Sul 4 3 7
Centro-Oeste 6 1 7
Norte 2 - 2
Nordeste 8 6 14
4 Sudeste 18 11 29
Sul 15 4 19
Centro-Oeste 1 1 2
Norte 1 - 1
Nordeste 5 1 6
5 Sudeste 20 2 22
Sul 11 - 11
Centro-Oeste 7 - 7
Norte - - -
Nordeste - - -
6 Sudeste 2 - 2
Sul 2 - 2
Centro-Oeste - - -
continua...
48

continuação
Estrato Região Nº de programas acadêmicos Nº de programas profissionais Total
Norte - - -
Nordeste - - -
7 Sudeste 2 - 2
Sul 2 - 2
Centro-Oeste - - -

Fonte: Relatório de Avaliação da Área de Educação da Capes (CAPES, 2017, p. 64).

É notável a concentração dos programas de pós-graduação mais qualificados


nas regiões sul e sudeste, espaços que também apresentam os melhores resultados

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das avaliações da educação básica (SOUSA; OLIVEIRA; ALAVARSE, 2011).
Quando se observa o contexto da região Centro-Oeste e do estado de
Mato Grosso do Sul, evidencia-se a relevância do PPGEdu, que compõe o
seleto grupo dos 32,73% dos programas que possuem conceito igual ou supe-
rior a 5 (cinco). Ainda, porque em toda a região Centro-Oeste, o PPGEdu é o
único programa em educação, sediado fora de capital, que possui conceito 5
(cinco) na avaliação da Capes. Como consta no Quadro 2 abaixo:

Quadro 2 – Programas de pós-graduação em educação na região Centro-Oeste,


considerando o estado de origem, a forma de organização administrativa,
localização, nível de oferta e o conceito obtido na avaliação Quadrienal 2017
Organização
Nº Instituição UF Localização Nível Conceito
administrativa
01 UnB GO Federal capital Mest/Dou 5
02 UnB-profis GO Federal capital Mest 3
03 UFG-Goiânia GO Federal capital Mest/Dou 5
04 UFG-Catalão GO Federal interior Mest 3
05 UFG-Jataí GO Federal interior Mest 3
Privada/
06 Católica de Goiás GO capital Mest/Dou 5
Confessional
07 UEG GO Estadual interior Mest A
Faculdade de
08 GO Privada interior Mest A
Inhumas

09 UFMT-Cuiabá MT Federal capital Mest/Dou 5

10 UFMT-Rondonópolis MT Federal interior Mest 3

11 UNEMAT-Cáceres MT Estadual interior Mest 3


continua...
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 49

continuação
Organização
Nº Instituição UF Localização Nível Conceito
administrativa
12 UFMS-CG MS Federal capital Mest/Dou 5

13 UFMS-CEPAN MS Federal interior Mest 3

14 UFMS-CPTL MS Federal interior Mest A


Privada/
15 UCDB-CG MS capital Mest/Dou 5
Confessional

16 UFGD-Dourados MS Federal interior Mest/Dou 5

17 UEMS-Paranaíba MS Estadual interior Mest 3


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18 UEMS-CG(profis) MS Estadual capital Mest 4

Nota: CG – Campo Grande; CPAN – Campus Pantanal; CPTL – Campus


Três Lagoas. Fonte: Construção própria a partir do Relatório da Avaliação
Quadrienal da Área de Educação da Capes (CAPES, 2017).

Assim, destaca-se que a relação pós-graduação-educação básica deve


ser avaliada e monitorada de forma que políticas possam ser alimentadas
com informações que contribuam para a efetivação da missão e história da
pós-graduação com a educação básica, especialmente em contextos de assi-
metrias regionais, que por sua vez produzem outras assimetrias.
Portanto, diante da missão do PPGEdu em contribuir com o nivelamento
dessas assimetrias, ao intentar a melhoria da qualidade da educação básica e da
educação superior que qualifica professores para a educação básica, toma-se
como referência a análise dos objetos de pesquisa focalizados neste contexto
como forma de explicitar problemáticas que demandam o desenvolvimento
de políticas educacionais.
Destaca-se que no período de 2010 a 2020 o PPGEdu formou 204 mes-
tres e 30 doutores, quando a população de Dourados, para 2020, tem como
estimativa 225.495 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geo-
grafia e Estatística (IBGE, 2021). Este número pode ser considerado relevante
na medida em que indica a presença de um mestre/doutor em educação para
cada 1.037 habitantes.
Além desses resultados quantitativos o PPGEdu explicita sua atuação
significativa junto à educação básica, constituindo em ponto empírico rele-
vante para análises das problemáticas educacionais em contextos assimétricos.
50

A Educação Básica na perspectiva da política e da gestão


educacional

No tempo presente, a política e a gestão educacional no Brasil têm como


balizas os normativos instituídos no processo de redemocratização da década
de 1980 e as disputas que se seguem após a década de 1990. Depreende-se,
portanto, que a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional de 1996 e os Planos Nacionais de Educação (BRASIL,
2001, 2014) se constituem até o presente como marco jurídico-normativo
para a educação nacional.
Em vigência, esses normativos, caracterizam-se em contexto de intensas

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disputas. De um lado, por alterações na própria lei e, de outro, pelas disputas
na implementação de suas determinações. Importante considerar que por sua
estrutura federativa, os normativos nacionais que regulamentam a Educação
Básica, em sua maioria, são colocados em prática pelos sistemas estaduais e
municipais de educação, que se caracterizam pela diversidade no atendimento
da educação Infantil, do ensino fundamental e do ensino médio.
Cury (2016) destaca que analisar a Educação Básica no Brasil é um
processo complexo, inicialmente por estar sujeita a múltiplos condicionantes,
como o desenvolvimento econômico nacional e a desigualdade socioeconô-
mica que caracteriza nosso país.
Soma-se a esses dois fatores o fato de que o próprio conceito de educação
básica ser algo novo, introduzido em nosso campo normativo legal “fruto de
muita luta e de muito esforço por parte de educadores que se esmeraram para
que determinados anseios se formalizassem em lei” (CURY, 2016, p. 170).
A LDB define que a Educação Básica tem por finalidade “desenvolver o
educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício
da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos
posteriores” (BRASIL, 1996). São objetivos amplos que abrangem as três
etapas que compõe a Educação Básica, a educação infantil, o ensino funda-
mental e o ensino médio.
Desse conceito depreende-se o dever do Estado em garantir essa for-
mação compreendida como um “serviço público (e não uma mercadoria) da
cidadania, a nossa Constituição reconhece a educação como direito social e
dever do Estado” (CURY, 2016, p. 171). O estudo das políticas e da gestão
educacional no âmbito geral da Educação Básica, tem amplo espectro e muitas
formas de abordagens.
Souza (2016) apresenta os principais temas abordados nas pesquisas
sobre políticas educacionais, sintetizando que estas se caracterizam em sua
maioria como
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 51

[...] pesquisas sobre programas específicos de governo, assim como a


agenda da política educacional, bem como os processos de tomada de
decisão, planejamento, implementação, acompanhamento, controle da
ação, portanto a gestão, somados à avaliação, são elementos que cen-
tralizam o Estado como espaço ou ente investigado. O financiamento da
educação e a legislação educacional, ambas dominantemente estudadas
em perspectiva oficial, isto é, de análise da ação do Estado nesses campos,
também se somam aos primeiros objetos que centralizam a ação estatal.

Destaca-se ênfase na ação Estatal como elemento característico da pes-


quisa do campo das políticas educacionais. Os temas abordados, ao cen-
trarem-se em programas específicos de governo se caracterizam por uma
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inconstância, temática, uma vez que acabam pautados pelas ações dos pró-
prios governos.
Diante da multiplicidade de temas possíveis destaca-se alguns que per-
passam por várias políticas educacionais e foram nos últimos anos objeto de
disputa no âmbito das políticas educacional, como por exemplo a gestão edu-
cacional e o financiamento da educação, temas muito presentes nas discussões
do Plano Nacional de Educação e seus desdobramentos. Nesta seção, almeja-se
destacar alguns pontos que características a política e a gestão educacional no
cenário da última década, condicionada por esse cenário pós-redemocratização
das últimas três décadas.
A política e a gestão educacional são em grande medida condicionadas
por embates que marcam o final do século XX e início do século XXI. Esses
se caracterizam por uma percepção de que o “[...] universo dos educadores,
educandos, administradores de aparelhos educacionais, políticos e gestores
públicos está dividido e polarizado em duas visões opostas a respeito dos
fins da educação e de como atingi-los” (SINGER, 1996, p. 5). A primeira,
visão denominada de civil democrática, não vê contradição entre a formação
do cidadão e a preparação para o mercado de trabalho, pois o preparo para a
vida adulta envolve as dimensões profissional, familiar, esportiva, artística
dentre outras.
A segunda visão, denominada por Singer de produtivista, concebe a
educação como “preparação dos indivíduos para o ingresso, da melhor forma
possível, na divisão social do trabalho”, enfatizando a importância que os
economistas chamam de ‘acumulação de capital humano’. Neste sentido,
educar seria instruir e desenvolver no indivíduo faculdades que habilitem o
educando a integrar o mercado de trabalho (SINGER, 1996, p. 5-6).
Perboni e Oliveira (2021, p. 16) destacam que diferentes concepções
teóricas concebem diversos papéis para o Estado, com destaque para uma dis-
puta entre “correntes de pensamento que defendiam um Estado provedor, com
52

maior atuação no provimento de políticas sociais” em oposição aos defensores


de uma redução da atuação do Estado que deveria concentrar-se em ações de
“fiscalização, normatização e avaliação das atividades desempenhadas por
diferentes segmentos da sociedade civil e pelas forças do mercado”.
Neste segundo grupo, encontram-se o que convencionou-se denominar
de Nova Gestão Pública (NGP), como expressão no campo da gestão das
concepções neoliberais. Verger e Normand (2015), destacam que vários paí-
ses têm ampliado essas medidas no setor educativo, adaptando seus marcos
regulatórios e programas educativos de acordo com esses novos princípios.
Destacam ainda que a NGP não implica a saída do Estado do âmbito dos
serviços públicos, mas um replanejamento das funções governamentais na

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gestão desses serviços.
No campo normativo os planos decenais de educação, de certa forma,
sintetizam esses embates, ao propor metas e estratégias em uma perspec-
tiva geral da educação nacional. O atual Plano Nacional de Educação (Lei
nº 13.005/2014), por exemplo, ao apresentar 20 metas para a educação brasi-
leira, abrangendo o período de 2014 a 2024, tem presente em seus dispositivos
esse tensionamento entre uma perspectiva democrática da gestão educacional
e uma perspectiva gerencial, entre uma ação majoritária do Estado como
provedor dos serviços educacionais e uma ação pautada na parceria com o
setor privado.
Esses tensionamentos, entre outros, são captados pelas pesquisas no
campo educacional, em especial aquelas que se debruçam sobre a política e
a gestão. Uma vez que os planos se constituem como uma política de Estado
e devem se o epicentro das políticas educacionais (DOURADOS, 2017).
Em contraposição às determinações contidas na Constituição Federal de
1988 são inseridos no campo normativo uma ampliação do caráter privado da
educação. Conforme destaca Sander (2007), as reformas educacionais que se
referenciaram no movimento neoliberal trouxeram para a educação conceitos
e práticas do gerencialismo empresarial privado

[...] enfatizando a eficiência e a produtividade, o planejamento estraté-


gico, a racionalização administrativa e a flexibilização laboral associada
à contratação por resultados e à avaliação estandartizada de desempenho,
a descentralização, a privatização e a adoção maciça da tecnologia da
informação. Nasce assim, a pedagogia corporativa, que lança mão dos
princípios e métodos da qualidade total na gestão escolar, em que os
professores são prestadores de serviço, as empresas se transformam em
clientes da escola e, como tal, recebem dela os alunos que passaram pelo
processo massivo de produção educacional (SANDER, 2007, p. 69-70).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 53

Na impossibilidade de aprofundar a análise sobre todas as 20 metas do


PNE 2014-2024, apresenta-se um exemplo paradigmático dessa dinâmica de
disputa de concepções que reside na normatização sobre a gestão democrática
da educação pública. Presente como princípio na Constituição Federal de 1988
e também em diversos dispositivos da legislação infraconstitucional, como
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (Lei nº 9.394/1996) ao ser
aprovada na meta 19 do atual Plano Nacional de Educação 2014-2024 (Lei
nº 13.005/2014), este associa a consulta da comunidade à “critérios técnicos
de mérito e desempenho”, como forma de efetivar a gestão democrática nos
sistemas de ensino. Critérios técnicos e de mérito são elementos estranhos
ao debate específico da gestão democrática que remonta ao processo de rede-
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mocratização da década de 1980, porém está muito presente nas orientações


da NGP, que tem em sua gênese uma perspectiva diversa sobre a democracia
e a participação.
Parece claro que o modelo atual de escola não corresponde às novas
necessidades e, ao não dar conta das novas exigências educacionais, a escola
tende a ver somente suas patologias. Sobre a falta de um padrão cultural colo-
cado externamente a priori, caberia aos agentes educativos esta definição, em
articulação com questões mais gerais (DI GIORGI, 2001).
Cabe pensar na atualidade qual é o real papel da escola, considerando
que para esta definição não existe uma posição neutra. Neste ponto reside a
importância em aprofundar o entendimento dos posicionamentos atuais pre-
sentes nas escolas para melhor situar os caminhos a serem seguidos dentro
de uma visão de totalidade.

A produção científica da Linha de Pesquisa Política e Gestão da


Educação Básica no PPGEdu (2010 a 2020)

A Linha de Pesquisa Políticas e Gestão da Educação é uma das Linhas


pertencente a área de concentração do PPGEdu/UFGD denominada “História,
Política e Gestão”. Cabe destacar que esta Linha contempla tanto a Educação
Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), quanto para
a Educação Superior (Graduação e Pós-Graduação).
Tendo como categorias de base a política educacional e a gestão educa-
cional e escolar, realiza estudos, pesquisas, ensino e extensão sobre o Estado
no contexto contemporâneo e sua atuação na área da educação, contem-
plando instituições, organizações, atores, processos, mecanismos, estratégias
e instrumentos
Nesses termos, no decênio em foco, a Linha de Pesquisa Políticas e
Gestão chegou a 78 produções, sendo 70 Dissertações de Mestrado e 8 Teses
54

de Doutorado. Cabe destacar que apenas no ano de 2020 a Linha atingiu ao


número de 6 professores, oscilando nos 10 anos, primeiro com 3, depois 4,
indo para 5, voltando para 4, sempre contando com a colaboração de profes-
sores sêniores, visitantes etc.
Para o objetivo deste estudo, considerando tema maior onde o mesmo
se insere, a Educação Básica, esta Linha destaca 65 produções (83,3%),
sendo 60 Dissertações de Mestrado e 5 Teses de Doutorado, observando que
13 pesquisas (16,7%), sendo 10 Dissertações de Mestrado e 3 Teses de Dou-
torado, estão voltadas para o Ensino Superior, numa demonstração d cujos
títulos compõem o quadro 3.
Considerando que os objetos se retratam nos títulos e demostram suas
especificidades em torno do tema maior, no caso “Educação Básica”, optou-se

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por listá-los, levando em conta o ano de início, denominado de entrada e o
ano da defesa.

Quadro 3 – Dissertações e Teses decorrentes do tema Educação Básica na Linha


de Pesquisa Políticas e Gestão da Educação no PPGEdu/UFGD (2010 a 2020)
Ano de entrada
Títulos das Dissertações de Mestrado (M) e Teses de Doutorado (D) M/D
e defesa
Fortalecimento de conselhos escolares: propostas e práticas em municípios
M
sul-mato-grossenses
Ensino fundamental de nove anos: implementação e organização escolar em Dourados/
M
MS
Organização e gestão da formação continuada dos professores de língua portuguesa no
2008-2010 M
âmbito municipal: impasses e possibilidades
A concepção de formação continuada nos programas da união e repercussões no âmbito
M
municipal
A expansão da educação superior pela estratégia da interiorização: nexos com os bons
M
resultados do ideb em Mato Grosso do Sul
A política educacional em municípios com bons resultados no IDEB – mapeamento de
M
2009-2011 características
A avaliação na política educacional de municípios sul-mato-grossenses M
A qualidade da educação básica no PDE: uma análise a partir do Plano de Ações
M
Articuladas
A articulação escola-família em escolas destaques no IDEB M
A política de formação continuada de professores e a sua relação com os tópicos da
2010-2012 M
avaliação de desempenho – Prova Brasil
Gestão do processo de reorientação curricular na rede municipal de ensino de Dourados
M
(2001 a 2008)
Indicadores de qualidade de ensino: estudo em escola destaque no IDEB M
continua...
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 55

continuação
Ano de entrada
Títulos das Dissertações de Mestrado (M) e Teses de Doutorado (D) M/D
e defesa
A reorganização do ensino fundamental de nove anos a partir do Projeto Político
M
Pedagógico das escolas
Monitoramento e gestão do ensino fundamental: práticas escolares em face de políticas
M
indutoras
A Conae 2010 e os apontamentos para a política de valorização docente M
Desafios à gestão escolar em contextos adversos M
O delineamento da política de alfabetização no município de Dourados/MS: considerações
M
sobre o bloco inicial de alfabetização
Avaliação e gestão da alfabetização: usos da provinha brasil no município de
M
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2011-2013 Dourados-MS
Políticas para a alfabetização: a implementação em escolas com baixos índices
M
educacionais (campo grande, 2009-2011)
Concepção de currículo e de participação nas políticas curriculares para o município de
M
Dourados (1997-2004): avanços e fragilidades
Políticas de formação continuada de professores alfabetizadores no município de
M
Dourados – MS
A garantia do direito à educação de crianças e adolescentes pela via judicial: análise das
M
2012-2014 decisões judiciais do supremo tribunal federal (2003-2012)
Acesso à educação superior pelo ENEM/SISU: uma análise da implementação nas
M
universidades sul-mato-grossenses
As ressignificações de cidadania nas escolas do município de Dourados (MS) M
O Plano de Ações Articuladas na gestão educacional: desafios à implementação das
M
políticas educacionais em municípios de Mato Grosso do Sul
A formação continuada de professores no Plano de Ações Articuladas de municípios
M
2013-2015 sul-mato-grossenses
Valorização docente em municípios de Mato Grosso do Sul: análise a partir do Plano de
M
Ações Articuladas (PAR)
Escola de tempo integral: análise do processo de implementação em Campo Grande M
A implementação das cotas raciais e sociais na UFGD e sua contribuição para a política
M
de ações afirmativas (2012-2014)
A implementação do programa mais educação no município de Dourados-MS:
M
concepções e práticas
2014-2016
Política e gestão do processo alfabetizador na relação PAR/PNAIC em Dourados, MS:
M
qual qualidade?
O Plano de Ações Articuladas (PAR) na rede municipal de ensino de Dourados, MS: a
M
qualidade materializada nas práticas pedagógicas do ensino público fundamental
O papel do Fórum Estadual de Educação no planejamento educacional
2014-2018 T
sul-mato-grossense
continua...
56

continuação
Ano de entrada
Títulos das Dissertações de Mestrado (M) e Teses de Doutorado (D) M/D
e defesa
A participação dos conselhos municipais de educação na elaboração dos Panos
M
Municipais de Educação no estado do MS
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) na UFGD/MS:
M
recorrências e solicitações da realidade
Implementação da avaliação nacional da alfabetização na gestão do processo
2015-2017 M
alfabetizador em Dourados-MS
Do Plano Nacional aos Planos Municipais de Educação: estudo do município de Naviraí
M
– MS
Condicionantes da política: a formulação do sistema de avaliação da educação da rede
M
pública de Mato Grosso do Sul – SAEMS

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A efetividade das políticas de valorização docente pela via judicial T
2015-2019 O mercado da formação continuada de professores no Brasil: a presença do
T
empresariamento social privado
Arranjos e estratégias para o cumprimento da Emenda Constitucional 59/2009: estudo do
M
município de Campo Grande – MS
A função do coordenador pedagógico na implementação do Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa em Escolas Da Rede Municipal de Dourados/MS M
(2012-2017)
2016-2018 A formulação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e concepções em disputa
M
sobre o processo alfabetizador da criança (2015-2017)
Política de formação continuada para diretores escolares: a relação entre as necessidades
M
formativas e a oferta no estado de Mato Grosso do Sul
A valorização docente na formulação do Plano Municipal de Educação de Dourados-MS
M
(2015-2025)
2016-2020 A efetivação do acesso à pré-escola via privatização: desafios ao direito à educação T
Atuação do Conselho Municipal de Educação de Dourados-MS na garantia do direito à
M
educação infantil
A implementação da política nacional de formação de professores na Universidade
M
Federal da Grande Dourados (UFGD)
Avaliação e monitoramento dos Planos Municipais de Educação na região cone sul/MS
2017-2019 M
(2015-2017)
O Plano Municipal de Educação de Dourados, MS/2015-2025: desafios e perspectivas à
M
implementação da gestão democrática da educação
A tramitação/aprovação do Plano Municipal de Educação de Dourados-MS (2015-2025):
M
desdobramentos decorrentes da atuação do poder legislativo
continua...
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 57

continuação
Ano de entrada
Títulos das Dissertações de Mestrado (M) e Teses de Doutorado (D) M/D
e defesa
A gestão democrática em cena: uma análise da Rede Municipal de Nova Andradina (MS) M
O Projeto Escola da Autoria como política de educação em tempo integral: o caso da
M
Escola Estadual de Taquarussu – MS
Feitos e desfeitos: percepções das docentes sobre o estágio curricular supervisionado
M
2018-2020 obrigatório na pedagogia da UFMS/CPNV
Processo de formação continuada do coordenador pedagógico na Rede Municipal de
M
Ensino de Dourados-MS (1988-2018): caminhos, descaminhos e desafios
Do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) ao Programa Mais
M
Alfabetização (PMALFA): o novo ou tudo de novo?
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Gestão do coordenador pedagógico na formação continuada de professores dos anos


M
iniciais do ensino fundamental na Rede Municipal de Ensino de Dourados-MS (1996-2020)
A configuração do direito à educação aos privados de liberdade: a legislação brasileira e
M
italiana em questão
Processo de provimento ao cargo de diretores escolares: interseção da Rede Estadual de
M
Ensino de Mato Grosso do Sul com a Rede Municipal de Ensino de Dourados/MS
A concepção de gestão da educação básica na formulação da política de planejamento
M
educacional do Brasil e do Paraguai
2019-2021
A garantia da educação infantil no Plano Municipal de Educação de Dourados/MS M
AS influências das avaliações externas e em larga escala sobre as práticas docentes:
percepções de professoras dos anos iniciais do ensino fundamental da Rede Estadual de M
Dourados-MS
Reforma do ensino médio na Rede Estadual de Mato Grosso do Sul: materialização da Lei
M
nº 13.415/17 nas escolas-piloto de Dourados
O lugar do estágio curricular supervisionado obrigatório em educação não escolar nos
M
cursos de pedagogia da UFMS

Fonte: Organizado pelos autores com base no repositório portal da UFGD (disponível em: https://
portal.ufgd.edu.br/pos-graduacao/mestrado-doutorado-educacao/dissertacoes-defendidas).

A base das produções apresentadas no quadro 3 está assentada em Pro-


jetos de Pesquisas em Rede, tanto nacionais quanto locais apresentados por
Aranda e Perboni (2020), no primeiro capítulo do livro Diálogos universidade-
-escola: contribuições para a prática da gestão escolar (REAL; SANTOS
JÚNIOR, 2020).
Dito isto, passa-se a sintetizar os objetos que conduziram as produções
listadas, ciente da analisa Souza (2014, p. 356) quando alerta que “parece
não haver um consenso pleno sobre o que é/são o/s objeto/s de investigação
neste campo [...]. Contudo, [...] há uma linha agregadora nesta diversidade”.
Assim, considerando a diversidade de temas na unidade da Linha em
questão, cuja opção foi denominá-los “objetos”,
58

[...] é preciso saber, nesta hora, que o objeto ‘bruto’ [...] pode ser objeto
de muitos, que vivem numa determinada época, episteme, formação dis-
cursiva, sociedade etc. [...] logo, logo, virá o ‘segundo objeto’. [...] Há,
então, dois objetos de pesquisa: 1) o “bruto”, que é o de todos. Que todos,
ou muitos, podem escolher para investigar, estudar, discutir, analisar; e
2) o ‘nosso objeto de pesquisa’, que, afinal, é aquele que questionamos e
desfiguramos [...] (CORRAZA, 2016, p. 95).

Tabela 1 – Objetos de pesquisa da Linha de Políticas e Gestão da


Educação articulados à educação básica no decênio 2010 a 2020
Objetos de pesquisa Nº %
Planejamento Educacional (Plano de Ações Articuladas (PAR) no MS e Elaboração,

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12 18,5
monitoramento e avaliação do Plano Municipal de Educação)
Gestão democrática da educação (gestçao dos sistemas e das escolas, Fóruns de Educação
conselhos escolares, conselhos de educação, eleição de diretores Conselhos Escolares no 10 15,4
MS, cidadania, participação)
Gestão do processo alfabetizador da criança (contextos adversos, PNAIC, PMALFA, ANA,
9 13,8
BNCC)
Políticas de Avaliação da Educação Básica (IDEB, SAEMS, SAEB, Prova Brasil, Provinha
9 13,8
Brasil, Avaliação Nacional da Alfabetização – ANA)
Políticas de formação continuada para docentes, diretores, coordenadores (a presença do
6 9,2
empresariamento social privado)
Políticas para o ensino médio (ENEM, Escola de Autoria, Novo ensino médio) 4 6,2
Políticas Curriculares em Dourados – MS 3 4,6
Políticas de Valorização Docente 3 4,6
Estágio curricular supervisionado obrigatório em educação e não escolar 2 3,1
Ensino fundamental de nove anos 2 3,1
Políticas de tempo integral 2 3,1
Direito à Educação aos privados de liberdade (EJA) 1 1,5
As faces da privatização e o direito na educação pré-escolar 1 1,5
Programa Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF) 1 1,5
Total 65 100,0

Fonte: Os autores.

Analisando a Tabela 1 percebe-se que os objetos (“brutos?”) foram clas-


sificados por quantitativos de Dissertações e Teses que os elegeram.
O objeto “Planejamento Educacional (Plano de Ações Articuladas (PAR)
no MS e Elaboração, monitoramento e avaliação do Plano Municipal de Edu-
cação”, aparece em maior quantitativo nas produções com 18,5%, está entre
os temas mais presentes nas investigações do PPGEdu que se debruça sobre
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 59

as questões do planejamento educacional, decorrente da importância dessa


temática para as políticas educacionais desta década, marcada pelas confe-
rencias nacionais de educação com participação e incidência sobre os planos
decenais de educação. Conforme aponta Dourado (2017, p. 26), a discussão
e materialização do Plano Nacional de Educação

[...] expressam uma tessitura sociopolítica que demarca questões mais


abrangentes e complexas, envolvendo as agendas transnacionais, o Estado
Nacional, a relação entre os entes federados, as especificidades do sistema
educacional brasileiro, a estão, a avaliação, o financiamento, a qualidade
e as concepções político pedagógicas nordeadoras, entre outros.
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As pesquisas sobre o planejamento educacional abrangem, portanto,


um amplo leque de discussões que em última instancia investigam a ação do
Estado em relação às políticas educacionais.
Na sequência da tabela, com o percentual de 15,4%, está o objeto aqui
denominado de “Gestão democrática da educação (gestão dos sistemas e das
escolas, Fóruns de Educação conselhos escolares, conselhos de educação,
eleição de diretores Conselhos Escolares no MS, cidadania, participação).”
Ao lado da gestão democrática da educação, pelo teor teórico que mani-
festa está o objeto “Políticas de Avaliação da Educação Básica” (13,8%) vez
que as pesquisas produzidas estão relacionadas a uma exitosa gestão de esco-
las, decorrentes da pesquisa “Bons resultados no Ideb: Estudo exploratório
de fatores explicativos”, desenvolvida a partir de 2009 por pesquisadores da
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), Universidade
Estadual do Ceará (UECE) e UFGD, com o propósito identificar iniciativas
de políticas educacionais de municípios que contribuíram para alterar positi-
vamente o Ideb, entre os anos de 2005 e 2007. Outros trabalhos seguiram na
investigação das avaliações externas analisando diferentes iniciativas como o
SAEMS, o SAEB, a Prova Brasil, a Provinha Brasil, e a Avaliação Nacional
da Alfabetização – ANA.
Com um percentual de 13,8% tem-se a “Gestão do processo alfabetizador
da criança (contextos adversos, PNAIC, PMALFA, ANA, BNCC)”, cujas
constatações demonstram que a alfabetização da criança, do nacional ao local,
continua sendo um desafio para a nação, questionamentos sobre alfabetizar
até os 8 anos (PNAIC) ou até os 7 anos (proposta da BNCC), se distanciam
do verdadeiro sentido que o tama exige, numa demostração que nada se tem
de novo, é sempre o “tudo de novo”.
Atrelado ao colocado e, mais agravante ainda, é a tentativa, por meio das
propostas de formação decorrentes do objeto “Políticas de formação conti-
nuada para docentes, diretores, coordenadores (a presença do empresariamento
60

social privado)”, com 9,2%, que pode se articular também com o objeto “As
faces da privatização e o direito na educação pré-escolar (1,5%), demostrando
que o direito da criança da educação infantil pública não está sendo respeitado,
não a Instituições para todas, entretanto há muito o que ser indagado sobre a
essência presente na aparência de convênios feitos com escolas particulares
para dar conta da demanda.
Não diferente, os objetos “Ensino fundamental de nove anos” e “Políticas
de tempo integral, ambos com destaque de 3,1% , bem como produções no
ensino médio representado no objeto “Políticas para o ensino médio (Escola
de Autoria, Novo ensino médio)”, com 6,2% mostram que o processo de
reformas que assola a Educação Básica nos dias atuais, nada mais são que
procedimentos escolhidos pelos governos que buscam alternativas para driblar

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a crise ao longo do processo histórico, definidas por Mészáros (2006, p. 88)
como “reformas de acomodação”.
Do mesmo modo, faz-se destaque para os objetos “Direito à Educação
aos privados de liberdade (EJA)” e o “Programa Escolas Interculturais de
Fronteira (PEIF), os dois com 1,5%. Articulados a temas mais amplos tra-
tam de singularidades que clamam pela inclusão de parcela da população, o
primeiro, numa demonstração que o Estado deixa a desejar, com relação a
outros espaços internacionais, de dar o atendimento necessário. Excetuando
a modalidade EJA, oferecida de forma elementar aos privados de liberdade
(penitenciários), no que tange também a sua população de ensino fundamental
na fronteira a problemática urge por resoluções.
“Estágio curricular supervisionado obrigatório em educação, o escolar e
o não escolar” (3,1%) e a “Valorização Docente” (4,6%), foram e são objetos
de destaque, há a constatação de que ambos precisam ser percebidos de modo
a fazer jus a efetivação da qualidade da educação socialmente referenciada.
Como se vê no geral, há um predomínio dos temas da Linha de Pesquisa,
quais sejam, Políticas Educacionais e Gestão da Educação, vez que somando
os 3 primeiros objetos têm-se 47,7%, sendo que os demais temas correlatos
aparecem, mas em menor percentual.
Corroborando as análises mais gerais sobre as pesquisas sobre política
e gestão da educação, percebe-se também nesse levantamento que em geral
as análises centram-se na ação do Estado, compreendida em sentido amplo
em suas mais diferentes esferas.

Considerações finais

Com o propósito maior de compor discussões sobre as “Vicissitudes de


uma década” que influenciaram as políticas educacionais no Brasil, bem como
sua gestão, ameaçando direitos conquistados, muitas vezes os aligeirando, o
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 61

presente artigo procurou colocar em relevo a relação entre a educação básica


e a pós-graduação em educação, em virtude da prospecção comum em contri-
buir com a melhoria da educação básica e, ainda, por ser pouco referenciada.
Assim, como o objetivo revelar os temas que se constituem como objeto
de estudo da pós-graduação em educação ao tratar das políticas e da gestão
para a educação básica em período recente, especificamente entre 2010 e 2020,
década marcada por intensos debates e disputas, fez-se destaque uma produ-
ção científica que, acredita-se, permitiu captar alguns desses movimentos, ao
situar a produção de um programa de pós-graduação no contexto mais amplo
da área da política e gestão da educação, o PPPGEdu/UFGD.
Foram levantadas 65 produções, sendo 60 Dissertações de Mestrado e
5 Teses de Doutorado na Linha de Pesquisa “Políticas e Gestão da Educação
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Básica”, estando em relevo seus objetos no decênio, objetos brutos, talvez,


mas não foi este o caso.
Foi possível constatar um conjunto de desafios para a pesquisa edu-
cacional, na perspectiva da política e da gestão, no internacional, nacional
e local, com a notificação das problemáticas, ainda, presentes na educação
básica, foco das pesquisas educacionais nesses espaços de síntese assimétrica,
podendo iluminar os processos de decisão para a melhoria, ainda necessária,
da educação básica para todas as regiões brasileiras.
62

REFERÊNCIAS
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-escola: contribuições do Grupo de Estudos e Pesquisas “Estado, Política e
Gestão da Educação – GEPGE”. In: REAL, Giselle C. M.; SANTOS JÚNIOR,
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gestão escolar. Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2020. (Coletânea Colóquios sobre
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Educação – PNE e dá outras providências. Brasília: Palácio do Planalto, 2014.
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BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de


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BRASIL. Plano Nacional de Pós-Graduação – PNPG 2011-2020. Brasília:


Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes), 2010. Disponível em:
https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/livros-pnpg-volume-i-
-mont-pdf. Acesso em: 19 jul. 2021.

CAPES. Relatório da Avaliação Quadrienal 2017: Educação. Brasília: Capes,


2017. Disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/
20122017-educacao-relatorio-de-avaliacao-quadrienal-2017-final-pdf. Acesso
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CORRAZA, Sandra Mara. Manual infame... Mas útil, para escrever uma boa
proposta de tese ou dissertação. Em tese, Belo Horizonte, v. 22, n. 1, 2016,
p. 95-105. Disponível em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/
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p. 599-622, jul./set. 2015.
O ESTADO LIBERAL E A POLÍTICA
EDUCACIONAL BRASILEIRA:
elementos para análise
Amilton Benedito Peletti
Isaura Monica Souza Zanardini

Introdução
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Este texto1 tem, como objetivo, apresentar alguns elementos para aná-
lise da relação entre o modelo de Estado liberal e as políticas educacionais
implementadas no Brasil a partir dos anos 1990. Nosso ponto de partida é
a apresentação da consideração do Estado numa perspectiva que leve em
consideração seu papel na sociedade de classes.
Partindo dessa compreensão, apresentamos algumas reflexões sobre o
papel do Estado liberal com a finalidade de recuperar elementos que jul-
gamos relevantes para a análise da política educacional implementada no
período em tela.
Em relação às políticas educacionais, dados os limites do texto, abor-
damos, além de alguns autores que tratam do assunto, dois documentos que
consideramos entre os principais norteadores da política educacional da década
de 1990, quais sejam: Declaração mundial sobre educação para todos e Plano
de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem (1990) e
Educação: um tesouro a descobrir organizado por Jacques Delors para a
UNESCO (1996).

Considerações sobre o papel do Estado em uma sociedade de


classes

Para compreender o papel do Estado em uma sociedade de classes e


entender como este, em última instancia, propõe e implanta as políticas edu-
cacionais como componentes de sua ação, tomamos como pressuposto, con-
forme Lênin (1978, p. 9), que o Estado é o “produto e a manifestação do
antagonismo inconciliável das classes. O Estado aparece onde e na medida
em que os antagonismos de classe não podem objetivamente ser conciliados”.
Sendo assim, podemos dizer que o Estado é entendido como:
1 Artigo publicado originalmente na Rev. Eletrônica Pesquiseduca, Santos, v. 5, n. 9, p. 7-26, jan./jul. 2013.
66

[...] um órgão de dominação de classe, um órgão de submissão de uma


classe por outra; é a criação de uma “ordem” que legalize e consolide
essa submissão, amortecendo a colisão de classe. [...] Essa democracia
pequeno-burguesa é incapaz de compreender que o Estado seja o órgão
de dominação de uma determinada classe que não pode conciliar-se com
sua antípoda (a classe adversa) (LÊNIN, 1978, p. 10).

Não podemos tomar o Estado, em suas diversas formas históricas, como


algo natural ou que sempre tenha existido; é preciso entender o processo
histórico que culminou no ‘aparecimento’ deste como produto das relações
sociais, ou dito de outra forma:

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O Estado não é, pois, de modo algum, um poder que se impôs à socie-
dade de fora para dentro; tampouco é a ‘realidade da ideia moral’, nem ‘a
imagem e a realidade da razão’, como afirma Hegel. É antes um produto
da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvi-
mento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável
contradição com ela própria e está dividida por antagonismos irreconci-
liáveis que não consegue conjurar. Mas, para que esses antagonismos,
essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e
não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder
colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o
choque e mantê-lo dentro dos limites da ‘ordem’. Este poder, nascido da
sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado
(ENGELS, 1984, p. 135-136).

Podemos dizer ainda que o Estado burguês é um Estado de direito, onde:

O ‘direito igual’, diz Marx, [...] é ainda o ‘direito burguês’, o qual, como
todo direito, pressupõe uma desigualdade. Todo direito consiste na apli-
cação de uma regra única a diferentes pessoas, a pessoas que, de fato, não
são nem idênticas nem iguais. Por consequência, o ‘direito igual’ equivale
a uma violação da igualdade e da justiça (LÊNIN, 1978, p. 114-115).

Para assegurar esse caráter de classe, o Estado, assim como o capita-


lismo, passa a reorganizar-se a partir da década de 1970, tendo como princi-
pal objetivo a manutenção do modo de produção capitalista, ou seja, agem
no sentido de rearticular forças necessárias para a manutenção do sistema
vigente, assumindo, principalmente a partir da década de 1990, o que vem
sendo chamado de neoliberalismo.
Para entender as políticas educacionais implementadas pelo Estado brasi-
leiro, entendemos como necessário, mesmo que em linhas gerais, compreender
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 67

o movimento de transformações que vem se realizando na sociedade capitalista


desde a década de 1970, já que a produção de tais políticas está articulada a
questões econômicas, políticas, ideológicas e sociais.
Na análise de David Harvey (2009), as transformações da sociedade
nas últimas décadas estão relacionadas à necessidade de superação de uma
crise de superprodução localizada nos anos de 1970 que seriam marcadas,
sobretudo, pela passagem do fordismo à acumulação flexível. Essa mudança
no paradigma de produção seria acompanhada, segundo Harvey (2009), por
uma nova relação entre as categorias tempo e espaço e por mudanças nas
práticas culturais, políticas e econômicas. No entanto, essas transformações,
segundo o autor (2009, s. p.) “quando confrontadas com as regras básicas de
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acumulação capitalista, mostram-se mais como transformações da aparência


superficial do que como sinais de surgimento de alguma sociedade pós-capi-
talista ou mesmo pós-industrial inteiramente nova”.
Diante dessa argumentação, apontamos para o fato de que as transforma-
ções que ocorreram têm, como objetivo, a reprodução da ordem capitalista,
ou seja, agem no sentido de rearticular forças necessárias para a manutenção
do sistema vigente.
Harvey (2009), ao empreender a análise sobre as transformações ocorri-
das desde a década de 1970, afirma, portanto, que devido às crises que ocorrem
no sistema de acumulação capitalista, este necessita constantemente encontrar
mecanismos para continuar se reproduzindo. Assim, o modelo de acumulação,
até então baseado no fordismo-keynesianismo, “entrou em crise”, exigindo
que, para se manter “vivo”, o capitalismo buscasse novas alternativas. A esse
conjunto de transformações o autor ora citado denomina-as de acumulação
flexível, que se baseia, sobretudo, na produção em pequenos lotes e com alta
produtividade, no controle a partir da qualidade total e na flexibilidade dos
processos de trabalho, dos mercados de trabalho e dos produtos e padrões
de consumo.
Esse conjunto de transformações tem, como objetivo, a superação da crise
do sistema caracterizado como fordista-keynesiano que predominou de 1945
(pós-Segunda Guerra Mundial) até meados da década de 1970, expressando,
de acordo com Leher (1998), dentre outros, a ideologia desenvolvimentista
que tinha, como objetivo principal, a manutenção da exploração capitalista.
Além das transformações provocadas no mercado de trabalho e na forma
de organização e controle do trabalho, nesse contexto de superação do modelo
fordista, há também mudanças no modo de vida das pessoas, na maneira
como pensam e se relacionam, na forma como produzem e consomem. Essa
abrangência de transformações justifica-se pelo caráter dinâmico e totalizador
do capital. Sobre esse caráter, Harvey (2009, p. 307) afirma que:
68

O capital é um processo, e não uma coisa. É um processo de reprodução da


vida social por meio da produção de mercadorias em que todas as pessoas
do mundo capitalista avançado estão profundamente implicadas. Suas
regras internalizadas de operação são concebidas de maneira a garantir
que ele seja um modo dinâmico e revolucionário de organização social que
transforma incansável e incessantemente a sociedade em que está inserido.
O processo mascara e fetichiza, alcança crescimento mediante a destruição
criativa, cria novos desejos e necessidades, explora a capacidade do tra-
balho e do desejo humanos, transforma espaços e acelera o ritmo de vida.

Esse processo de reorganização das forças produtivas exige um “novo”


Estado e uma “nova” educação, já que seriam necessárias “novas instituições”

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e “novos homens”. Podemos afirmar que, em âmbito mundial, tanto a reforma
do Estado como a reforma da Educação Básica foram justificadas

[...] ideologicamente pelos liberais por uma suposta crise nas instituições
estatais e educacionais. Essa crise consistia, segundo o argumento neoli-
beral, na inadequação dessas instituições às demandas das novas formas
de produção capitalista” (HOTZ, 2010, p. 50).

Considerações sobre a reforma do Estado e da Educação Básica

Pautando-se nas orientações de organismos internacionais, é proposta


no Brasil uma nova organização do Estado, dada a condição estratégica da
mesma, pois, segundo Deitos (2010, p. 2), “para o Banco Mundial, o Estado
é compreendido como um agente estratégico e fundamental para o processo
social e econômico nacional e internacional”. Dessa forma, “O Estado aqui
entendido não pode ser compreendido fora do contexto econômico-social e
ideológico como processo de sua própria constituição contraditória e perma-
nente” (DEITOS, 2010, p. 2).
Desse modo, conforme afirmado anteriormente, é a crise do modelo
fordista-keynesiano baseado na ideologia do desenvolvimentismo, ocorrido
desde a década de 1970 que dá origem ao paradigma baseado na ideologia
da globalização que exigirá um novo modelo de instituições que lhe deem
suporte. Esse paradigma ideológico sustenta a reforma do Estado e das insti-
tuições a ele relacionadas, pautado na afirmação de que este estaria em crise.
Os argumentos de Luiz Carlos Bresser Pereira, ex-ministro do MARE,
(Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado), criado no
governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995), referindo-se à
crise da década de 1980, indicam que esta crise seria consequência do funcio-
namento irregular do Estado, de sua falta de efetividade, de seu crescimento
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 69

distorcido, de seus altos custos operacionais, de seu endividamento e de sua


incapacidade de adequação ao processo de globalização, ou seja, de reorga-
nização do capital.
Para a sustentação desse “novo” modelo ideológico, é necessário que se
realizem algumas “mudanças” institucionais que, de acordo com Figueiredo
(2007), estão pautadas e/ou “sustentadas” pela ideologia da globalização, pois
“na década de 1980, e principalmente na de 1990, a globalização é a noção
mais insistentemente evocada para justificar a inevitabilidade das reformas”.
É neste contexto que

[...] a educação, em particular, é considerada fundamental, na medida


em que é acompanhada, pelo Banco Mundial, como uma das principais
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variáveis para impulsionar os países em desenvolvimento em direção à


sociedade globalizada (FIGUEIREDO, 2007, p. 57-58).

Essas medidas justificar-se-iam pela necessidade de modernização do


Estado e estariam inscritas no processo de ajuste econômico, pautadas na
redefinição de suas atribuições, com a elaboração de uma nova política, na
qual os investimentos nos serviços públicos seriam reduzidos.
Essas reformas institucionais sustentam as transformações ideológicas
implementadas no período que, por sua vez, coadunam-se com a lógica do
capital, pois é por meio dessas “metamorfoses” que o modo de produção
capitalista supera as crises e mantém-se vivo. Assim, os defensores do neoli-
beralismo de acordo com Leher (1998, p. 95, grifos nossos)

[...] se afirmam como os portadores da ‘verdadeira doutrina’ capitalista e


empreendem reformas neste modo de produção em crise estrutural;
reformas estas que configuram, conforme alegam, uma nova Era, a
da globalização.

Outro fator importante a ressaltar, é que, tendo em vista a constituição


desta “nova era”, propõe-se um modelo de Estado não mais interventor, mas
gerencial. Com esta finalidade, no estágio atual do capitalismo, as reformas do
Estado têm como tendência desmontar o Estado interventor tanto no que se
refere às questões econômicas como nas questões que dizem respeito às políticas
sociais. Assim, o Estado propiciaria a expansão do mercado e de sua lógica, dada
a universalização do capitalismo, introjetando, dessa maneira, a racionalidade
mercantil na esfera pública. Isso evidencia que, na transição do fordismo para
a nova fase histórica do capitalismo mundial, o Estado gestor “assume” o lugar
do Estado de Bem-estar Social, carregando em si a racionalidade empresarial
de corporações internacionais, garantindo a reprodução do capital.
70

O documento “O Estado num Mundo em Transformação”, do Banco


Mundial, afirma que os mercados não devem ser substituídos pelo Estado,
mas complementados por este, pois

[...] reconhece-se cada vez mais que um Estado efetivo – e não um estado
mínimo – é essencial para o desenvolvimento econômico e social, porém,
como um parceiro e facilitador do que como diretor (BANCO MUNDIAL,
1997, p. 18, grifos nossos).

Os Estados devem, portanto, complementar os mercados, e não substi-


tuí-los. Diante disso, no que diz respeito ao Estado

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[...] é preciso, no contexto da crise estrutural do capital, reformá-lo, assim
como a todas as práticas e instituições relacionadas a ele, incluindo suas
formas de organização (ZANARDINI, 2006, p. 69).

No documento base da reforma do Estado no Brasil, o chamado Plano


Diretor (BRASIL, 1995), tem-se também a definição de que a crise do Estado
resulta de uma crise fiscal, do esgotamento da estratégia estatizante de inter-
venção do Estado e da necessidade de superação da forma de administrá-lo,
isto é, a superação da administração pública burocrática.
É no conjunto dessa argumentação que se justifica, portanto, a necessi-
dade de remodelação do Estado e não de suprimi-lo, já que o Estado burguês
é essencial para a manutenção do capitalismo (MÉSZÁROS, 2005).
O que se evidencia, por meio das justificativas e da própria implemen-
tação desse novo modelo de Estado, no qual se propõe a divisão do apare-
lho Estatal em quatro setores: “núcleo estratégico”, “atividades exclusivas”,
“serviços não-exclusivos” e “produção de bens e serviços para o mercado”
(BRASIL, 1995, p. 52-53), é a possibilidade de reduzir seu papel no que diz
respeito à execução e prestação direta de serviços, acompanhando a tendência
de facilitador e parceiro, como sugere o Banco Mundial.
Neste mesmo sentido, ou seja, na perspectiva de que é necessário refor-
mar o Estado e as instituições que o compõem para atender as demandas
exigidas a partir das transformações pelas quais a sociedade vem passando no
final do século XX, é proposta a reforma da Educação Básica, com o objetivo
de formar um novo homem capaz de se adaptar à sociedade que se configura
a partir dessas “mudanças”.
É possível, portanto, dizer que, assim como a reforma do Estado, a
reforma da Educação está intimamente ligada à crise que o sistema capita-
lista enfrenta desde a década de 1970, com o esgotamento do modelo desen-
volvimentista baseado no fordismo e no keynesianismo e, assim como no
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 71

desenvolvimentismo, a educação assume importância como formadora de


uma dada mentalidade.
O que se evidencia é que, com a superação do modelo keynesiano e, por
consequência, a afirmação do neoliberalismo como paradigma dominante,
são apresentadas mudanças tomadas como significativas para a Educação,
exigindo-se novos arranjos institucionais. Nesse quadro, a educação ocupa
lugar na agenda dos “homens de negócio”, mantendo o caráter ideológico que
a acompanhou em outros momentos da história, contribuindo, desse modo,
com a reprodução do capital.
É nesse contexto, de acordo com Leher (1998, p. 9), que “O Banco Mun-
dial inscreve a educação nas políticas de aliviamento da pobreza como ideo-
logia capaz de evitar a ‘explosão’ dos países e regiões periféricas e de prover
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o neoliberalismo de um porvir em que exista a possibilidade de algum tipo


de inclusão social [...]”, pois a possibilidade de se empregar seria disputada
por aqueles que estivessem qualificados, ou seja, estariam não empregados,
mas em condições de empregabilidade. Para Moraes (2003, p. 86), é nesse
contexto que

[...] à educação foi acrescida a tarefa de formar para a empregabilidade,


tendo em vista mitigar a exclusão social”, ou seja, uma educação onde o
professor seja capaz de “transformar o aluno em cidadão mutante, proa-
tivo, aspirante ao trabalho e tolerante nos momentos em que se encontre
sem emprego.

Para Shiroma, Moraes e Evangelista (2007, p. 92, grifos nossos),

Essa construção ideológica de que é preciso reformar, mudar, atualizar


para acompanhar as mudanças que ocorrem na sociedade como um todo
‘revela uma concepção de progresso em que o tempo ‘bom’ está sempre
no futuro. Nessa perspectiva, a reforma é apresentada como equiva-
lente ao progresso. A ela atribui-se a qualidade de portadora da semente
do aperfeiçoamento da realidade, das ações sociais e dos seres humanos,
passos imperativos para o aprimoramento da sociedade. Justificativas para
um fundamentalismo pedagógico são elaboradas e, mescladas ao senso
comum, emergem como inovadoras. De fato, opera-se uma bricolagem.
Aos interesses do capitalismo vigente juntam-se princípios e ideários de
outras épocas, porém, ressignificados. Essa estratégia abre passagem ao
programa governamental e conquista adeptos.

Neste sentido, a Educação Básica adquire um status de centralidade. No


entanto essa centralidade configura-se como uma política que demonstra o deslo-
camento do papel atribuído à educação no processo de reorganização do capital.
72

O principal documento que dá base à Reforma da Educação Básica no


Brasil, assim como em outros países da América Latina é resultado da Con-
ferência Mundial sobre Educação para todos, realizada em Jomtien, Tailân-
dia, em 1990, intitulado “Declaração Mundial sobre Educação para Todos e
Plano de Ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem”. Tal
Conferência foi “organizada” pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF), Organização das Nações Unidas para a Educação (UNESCO) e
o Banco Mundial.
Este documento expressa a “centralidade na educação básica” que viria
a dar a tônica das políticas educacionais implantadas na década de 1990
e demonstra também o esforço dos organizadores em fazer com que tais
medidas não tivessem um tom de imposição, mas de consenso. Esse aspecto

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está evidenciado no próprio documento, no prefácio, nas palavras de Wadi
D. Haddad, Secretário Executivo da Comissão Interinstitucional da referida
Conferência, ao afirmar a existência de um consenso mundial sobre uma visão
abrangente de educação básica, e a ratificação do compromisso para garan-
tia das necessidades básicas de aprendizagem de crianças, jovens e adultos
(UNICEF, 1990).
Para Figueiredo (2005, p. 21) a “[...] centralidade da Educação Básica é
reflexo das contradições que emergem entre capital e trabalho, mediante novas
relações entre os interesses internacionais, nacionais e estaduais que se impõem
para dar continuidade ao processo de reprodução, ampliação e concentração do
capital em âmbito nacional e internacional”, contribuindo a educação, dessa
forma, para a articulação e rearticulação dos interesses capitalistas.
Outro ponto relevante do documento que resultou da Conferência Mun-
dial diz respeito ao papel redentor atribuído à educação, uma vez que esta é
vista como responsável pelo desenvolvimento social, pela redução da pobreza
e como uma arma poderosa contra a violência e a intolerância. A educação, no
bojo da reforma, é valorizada como possibilidade de: “[...] contribuir para con-
quistar um mundo mais seguro, mais sadio, mais próspero e ambientalmente
mais puro, e que, ao mesmo tempo, favoreça o progresso social, econômico
e cultural, a tolerância e a cooperação internacional” (UNICEF, 1990, p. 2).
Constata-se, portanto, que a centralidade atribuída à Educação Básica
coaduna com o princípio liberal de igualdade, sendo que a única igualdade
defendida tanto pelos liberais quanto pelos neoliberais diz respeito às condi-
ções iniciais, ou como nos aponta Fiori (1997, p. 202),

[...] o tema da igualdade social apareceu no discurso dos liberais, assim


como dos neoliberais, apenas enquanto igualação de oportunidades ou
condições iniciais igualizadas para todos. O liberalismo, no século XVIII,
como no século XIX e neste final de século XX, sempre foi radicalmente
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 73

contrário à busca de um maior grau de igualdade entre os indivíduos e


grupos sociais, pela via de uma intervenção pública orientada pelo prin-
cípio da universalidade ou da igualação dos resultados.

Constatamos que o que se pretende, por meio dessas políticas, é justifi-


car a necessidade que o Estado liberal tem de atenuar as lutas e conflitos que
buscam a transformação social. Neste sentido, segundo Barbosa (2000, p. 33),

A ênfase na questão educacional, de forma sistemática, como meio de pro-


mover o ‘ajuste social’, surgiu com a necessidade de atualizar a ideologia
liberal para a perpetuação do sistema capitalista, frente às exigências da
classe trabalhadora em expansão. Quando dizemos que a ideia de ‘ajuste
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social’ encontra-se na própria raiz do pensamento liberal, entendemos que,


nessa ‘teoria’, as mudanças são sempre externas ao homem, ao desenvol-
vimento tecnológico, concebido de forma autônoma. E não poderia ser de
outro modo; reconhecer que os homens não precisariam adaptar-se, e sim
assumir a condução do processo histórico, seria negar qualquer virtude do
mercado em gerar eficiência, justiça e riqueza.

Por meio deste discurso de “ajuste social”, tanto a educação quanto a


necessidade de reformá-la assumem um importante papel ideológico e estão
intimamente ligadas às questões políticas e econômicas da sociedade, pois,
de acordo com Figueiredo (2007, p. 59), “[...] a política educacional está
consubstanciada numa dinâmica de reformas que visam, ao mesmo tempo,
viabilizar a satisfação e dissimular os interesses econômicos, a necessidade de
manutenção do mito liberal da escola”, servindo, portanto, como mecanismo
de promoção do desenvolvimento econômico-social do país, justificando-se
justamente no discurso de que a escola está defasada em relação ao processo
produtivo. Assim,

longe de ser uma questão marginal, a educação encontra-se no cerne das


proposições do Banco Mundial, como um requisito para a inexorável
globalização, cumprindo a importante função ideológica de operar as
contradições advindas da exclusão estrutural dos países periféricos que
se aprofunda de modo inédito (LEHER, 1998, p. 9).

Cabe aqui reiterar a compreensão de que a Educação que se quer “para


todos”, de acordo com o documento resultante da Conferência de Jomtien, é
apenas a Educação Básica, ou seja, somente a “satisfação das necessidades
básicas de aprendizagem” e não o amplo acesso a todos os níveis de ensino,
pois seria a satisfação destas necessidades básicas por meio de um consenso
mundial que possibilitaria a manutenção da ordem vigente, na medida em
74

que, de acordo com a perspectiva expressa pela UNICEF (1990, p. 8), “Só
um ambiente estável e pacífico pode criar condições para que todos os seres
humanos, crianças e adultos, venham a beneficiar-se das propostas desta decla-
ração”, ou ainda:

A satisfação dessas necessidades confere aos membros de uma sociedade


a possibilidade e, ao mesmo tempo, a responsabilidade de respeitar e
desenvolver a sua herança cultural, linguística e espiritual, de promover
a educação de outros, de defender a causa da justiça social, de proteger
o meio-ambiente e de ser tolerante com sistemas sociais, políticos e reli-
giosos que difiram dos seus, assegurando respeito aos valores humanistas
e aos direitos humanos comumente aceitos, bem como de trabalhar pela

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paz e pela solidariedade internacionais em um mundo interdependente
(UNICEF, 1990, p. 3).

É esse mesmo documento que vai indicar a necessidade de que este com-
promisso assumido em relação à educação básica seja confirmado e validado
por meio de reformas educacionais: “A educação básica para todos depende de
um compromisso político e de uma vontade política, respaldados por medidas
fiscais adequadas e ratificadas por reformas na política educacional e pelo
fortalecimento institucional” (UNICEF, 1990, p. 7, grifos nossos). De acordo
com Shiroma, Moraes e Evangelista (2007, p. 49),

Inicialmente, a Carta de Jomtien não atribui a educação básica apenas


à educação escolar, posto que, para a satisfação das NEBAS, deveriam
concorrer outras instâncias educativas como a família, a comunidade e
os meios de comunicação.

Evidencia-se, portanto, que a educação não é um dever apenas do Estado,


mas de toda a sociedade – família, empresas privadas, organizações não gover-
namentais e instituições. Estes formariam um grande consenso em prol da
educação, no que diz respeito à mobilização de recursos, pois de acordo com
o Plano de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem

Se, mais uma vez, a educação básica for considerada como responsabili-
dade de toda sociedade, muitos parceiros deverão unir-se às autoridades
educacionais, aos educadores e a outros trabalhadores da área educacional,
para o seu desenvolvimento (UNICEF, 1990, p. 4).

Para Neves (2010, p. 19), é nesse contexto que o capitalismo de cará-


ter neoliberal tanto no mundo como no Brasil, especialmente a partir da
década de 1990,
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 75

segue um programa político específico – o programa da Terceira Via –,


difundido a partir de uma nova pedagogia da hegemonia: uma educação
para o consenso em torno de ideias, ideais e práticas adequadas aos inte-
resses privados do grande capital nacional e internacional.

Desse modo, essa nova pedagogia da hegemonia expressa, por meio de


processos educativos, a reprodução do capitalismo e, consequentemente, a
dominação de classe, justificando-se ao menos em parte pela fundamentação
teórica que, conforme explicita Neves (2010, p. 24),

legitima iniciativas políticas de organizações e pessoas baseadas na com-


preensão de que o aparelho do Estado não pode estar presente em todo
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o espaço e que é necessário que a sociedade civil e que cada cidadão se


tornem responsáveis pela mudança da política e pela definição de formas
alternativas de ação social.

Isso, de acordo com Martins (2008, p. 2) permite o “[...] surgimento de


uma direita para o social, ou seja, um amplo agrupamento de empresários
que passa a atuar na ampliação dos horizontes de luta política por meio de
intervenções sistemáticas nas ‘questões sociais’”.
Esse movimento, que no Brasil recebe o nome TODOS PELA EDUCA-
ÇÃO, teria como missão “Contribuir para a efetivação do direito de todas as
crianças e jovens à Educação Básica de qualidade até 2022” e defende que um
novo projeto de país, mais justo e mais desenvolvido deve ter como base uma
educação de qualidade, pois é por meio desta que o país se tornaria competi-
tivo e ofereceria oportunidades iguais aos seus cidadãos, promovendo, dessa
forma, desenvolvimento com justiça e equidade (MARTINS, 2008, p. 7), o
que se constitui como uma:

[...] articulada estratégia de hegemonia no campo educacional, abrangendo,


pelo menos, duas linhas centrais: (1º) orientar uma percepção social de que
a sociedade civil se transformou numa instância harmoniosa em que os
antagonismos não fazem mais sentido, transformando-se numa instância
em que a ‘coesão cívica’, ‘nova cidadania’ e a ‘colaboração’ devem pre-
dominar acima de qualquer coisa; (2º) legitimar uma determinada leitura
da realidade educacional e também uma determinada perspectiva para a
Educação Básica (MARTINS, 2008, p. 7).

Nessa crescente mercantilização da educação Shiroma, Moraes e Evan-


gelista (2007, p. 99) apontam que “[...] a marginalização é dissimulada, um
verdadeiro ‘apartheid educacional’, na arguta expressão de Roberto Leher
– apartheid que, operando uma seleção ‘nada natural’, define quem pode ou
não cruzar o portal do shopping educacional”.
76

A partir do que preconiza o Plano de Ação para satisfazer as necessida-


des básicas de aprendizagem é que serão elaborados os planos nacionais e
estaduais de desenvolvimento da educação. De acordo com esse documento,

objetivos intermediários podem ser formulados como metas específicas


dentro dos planos nacionais e estaduais de desenvolvimento da educa-
ção [...]. Cada país poderá estabelecer suas próprias metas para a década
de 1990, em consonância às dimensões propostas a seguir (UNICEF,
1990, p. 2).

É justamente a conformação com esta realidade de desigualdade social


que é buscada por meio dos documentos que norteiam a Reforma da Educação

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no Brasil. Isso pode ser verificado também em outro documento relevante,
organizado por Jacques Delors e intitulado “Educação: um tesouro a desco-
brir”, onde é ressaltado o papel da educação, não no sentido da transformação
social, mas da adaptação “É, antes, necessário estar à altura de aproveitar e
explorar, do começo ao fim da vida, todas as ocasiões de atualizar, aprofundar
e enriquecer estes primeiros conhecimentos, e de se adaptar a um mundo
em mudança” (DELORS, 2003, p. 89, grifos nossos).
No relatório de Delors (2003), reitera-se também a relevância de uma
educação que corrobore para a manutenção da ordem vigente. Neste docu-
mento ressalta-se, ou melhor, atribui-se maior ênfase ao aprender a aprender
do que à apropriação de conhecimentos, na medida em que apresenta quatro
aprendizagens fundamentais que deveriam ser perseguidas ao longo de toda a
vida. Esses pilares são descritos da seguinte forma por Delors (2003, p. 101-
102, grifos do autor):

• Aprender a conhecer, combinando uma cultura geral, suficientemente


vasta, com a possibilidade de trabalhar em profundidade um pequeno
número de matérias. O que também significa: aprender a aprender,
para beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela educação ao
longo de toda vida.
• Aprender a fazer, a fim de adquirir, não somente uma qualificação
profissional, mas, de uma maneira mais ampla, competências que
tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar
em equipe. Mas também aprender a fazer, no âmbito das diversas
experiências sociais ou de trabalho que se oferecem aos jovens e ado-
lescentes, quer espontaneamente, fruto do contexto local ou nacional,
quer formalmente, graças ao desenvolvimento do ensino alternado
com o trabalho.
• Aprender a viver juntos desenvolvendo a compreensão do outro
e a percepção das interdependências – realizar projetos comuns e
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 77

preparar-se para gerir conflitos – no respeito pelos valores do plura-


lismo, da compreensão mútua e da paz.
• Aprender a ser, para melhor desenvolver a sua personalidade e estar
à altura de agir com cada vez maior capacidade de autonomia, de
discernimento e de responsabilidade pessoal. Para isso, não negli-
genciar na educação nenhuma das potencialidades de cada indivíduo:
memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão
para comunicar-se.

Podemos dizer que, em termos ideológicos expressos nestas “aprendiza-


gens”, a educação é vista como ferramenta essencial para melhorar o quadro
“irreversível” e “definitivo” da globalização, coadunando com os princípios
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da pós-modernidade, por meio de uma prática fundamentada na solidariedade,


na compreensão e no respeito à diversidade, e que possibilite a “inclusão”
de diferentes indivíduos e países, garantindo, deste modo, uma convivência
harmoniosa, pacífica.
Para Shiroma, Moraes e Evangelista (2007, p. 59) o “Relatório Delors
articula recomendações práticas a um forte viés moralista”, objetivando com
isso “uma concepção bastante nítida de educação, de seu papel e possibilidades
para garantir a sobrevivência dos valores consensuais na sociedade”, atuando
no sentido da manutenção do modo de produção capitalista.
Na prática, segundo Barbosa (2000, p. 1), a partir deste conjunto de
orientações, a educação deveria formar sujeitos que pudessem se inserir na
nova realidade econômica, valorizando atitudes democráticas no que diz res-
peito ao pluralismo, tolerância, solidariedade na busca de soluções pacíficas
perante os conflitos e diferenças existentes entre os povos, grupos sociais ou
indivíduos, sendo, portanto, necessário que “[...] as necessidades básicas de
aprendizagem fossem satisfeitas” (BARBOSA, 2000, p. 1-2).
Ainda segundo Barbosa (2000, p. 19), “a ênfase na questão da educação
como meio de promover o ‘ajuste social’, ou seja, o consenso, a estabilidade,
atinge o seu clímax no final do século XX, demonstrando o seu conteúdo
fortemente ideológico em tempos de reinado neoliberal”. A educação, nesta
perspectiva, teria o papel de ajuste social, ou seja, de adaptação a uma reali-
dade, realizando, portanto, a função de integração e coesão para a manutenção
da ordem vigente, corroborando, portanto, com a ideologia liberal.
De acordo com Zanardini (2007), essa relação demonstra o “caráter polí-
tico e ideológico de adequação à lógica do capital”, expressa por exemplo, na
seguinte afirmação de Guiomar Namo de Mello (2002, p. 36):

Espera-se da escola, portanto, que contribua para a qualificação da cida-


dania, que vai além da reivindicação da igualdade formal, para exercer de
78

forma responsável a defesa de seus interesses. [...]. Aquisição de conhe-


cimentos, compreensão de ideias e valores, formação de hábitos de con-
vivência num mundo cambiante e plural, são entendidas como condições
para que essa forma de exercício da cidadania contribua para tornar a
sociedade mais justa, solidária e integrada.

Esse tipo de discurso revela o papel atribuído à educação, a qual seria


capaz de desenvolver a capacidade de resolver conflitos e, ao mesmo tempo,
adequando-se de maneira flexível às mudanças que ocorrem na sociedade,
contribuindo desta forma para a reprodução do capital.

Considerações finais

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Para aprofundarmos a análise do processo de reforma do Estado e das
instituições que estão a ele relacionadas, é necessário termos clareza de que a
função do Estado, embora sob configurações diferentes, preserva a dominação
de uma classe sobre outra, favorecendo a produção das condições necessárias
para a expansão e acumulação do capital. Neste sentido, reformar o Estado
sob o capital significa assegurar a produção e reprodução dos interesses do
mercado e, deste modo, do liberalismo.
Evidencia-se, portanto, diante do que foi exposto, que é sugerido que a
educação escolar, como componente da ação do Estado, assuma um impor-
tante papel ideológico para a manutenção do status quo do modo de produção
capitalista, sendo que a mesma é vista como fundamental para a naturalização
das desigualdades, contribuindo desta forma para a “política de aliviamento
da pobreza”, pensada e imposta pelos organismos internacionais com o con-
sentimento das autoridades nacionais, por meio de um “consenso”.
Esse consenso, pelo que pudemos apreender, ao valorizar a educação
básica em sua possibilidade de contribuir com a formação de um “novo
homem” tolerante, flexível e solidário, tem indicado para a necessidade de
um redimensionamento no campo do conhecimento transmitido pela escola.
Podemos dizer, com base nos autores estudados, que é nesse contexto
que “surgem” as chamadas, pedagogias “novidadeiras”, ecléticas ou também
chamadas de pedagogias do “aprender a aprender” que segundo Duarte (2007,
p. 217) “[...] têm produzido o esvaziamento da escola, a descaracterização
total do papel da educação escolar na formação das novas gerações”.
Em síntese, entendemos ser extremamente importante o debate sobre
a relação existente entre o Estado e as políticas educacionais implementa-
das, haja vista que, para a suposição de uma educação para além dos inte-
resses ideológicos do capital, necessitamos compreender como se dá essa
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 79

indissociabilidade dos mesmos, bem como buscar elementos que permitam


entender que, na sociedade atual, a educação escolar é um dos principais
instrumentos ideológicos utilizados pelo capitalismo para justificar e manter
a exploração por meio da constante reprodução do capital.
Nessa direção, a transformação radical na sociedade passa inexoravel-
mente pela luta no sentido da superação do atual modo de produção. Para
tanto não podemos atribuir à educação o papel de redentora da sociedade,
mas também não podemos negar o papel coadjuvante que esta pode vir a
desempenhar, pois:

A construção de uma pedagogia marxista deve ser vista como parte de um


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processo de luta pela superação radical do capitalismo. Não é possível


superar plenamente os problemas e as limitações da educação oferecida
pela sociedade capitalista, sem a superação dessa sociedade. Da mesma
forma, não é possível superar, do ponto de vista teórico, de forma plena, as
pedagogias de cunho liberal burguês, sem a superação da realidade social
contraditória da qual nasceram essas pedagogias (DUARTE, 2008, p. 205).

Isso significa que a educação, mesmo sendo determinada pela sociedade


na qual está inserida, pode também interferir nesta sociedade no sentido da
sua superação, evidenciando, portanto, o papel político da educação pública
como instrumento na construção de uma nova sociedade.
80

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O PNE 2001-2010 E O PNE 2014-2024:
comparativo sobre as categorias
apresentadas nas metas para Educação
Infantil e Ensino Fundamental
Marinês Limberger Micoanski
Ireni Marilene Zago Figueiredo

Introdução
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Este artigo1 tem o propósito de apresentar as categorias que se mantive-


ram e/ou foram modificadas para sustentar os conceitos/argumentos sobre as
metas da Educação Infantil e do Ensino Fundamental no Plano Nacional de
Educação (PNE) de 2014-2024 em relação ao PNE de 2001-2010. A partir
da concepção de linguagem bakhtiniana as categorias são concebidas como
produtos histórico-sociais traduzidas por enunciados decorrentes da interação
entre sujeitos socialmente organizados e com propósitos ideológicos exter-
nos ao seu significado imediato. A expressão do que significa o processo de
produção de Políticas Educacionais, particularmente em relação aos PNE
2014-2024 e 2001-2010, constituem o resultado possível, dinâmico e contra-
ditório, de relações que só tem significado/sentido quando analisadas a partir
do contexto econômico-social e político-ideológico que as constituíram. Por
isso, muito mais do que o registro quantitativo do aumento/redução e/ou do
surgimento de novas categorias no PNE de 2014-2024 em relação ao PNE
de 2001-2010 para Educação Infantil e Ensino Fundamental pontua-se como
a linguagem, enquanto signo, expressa sentidos/significados que contribuem
para a materialização do processo de afirmação/negação de determinados
conhecimentos, normas e valores para o processo de reprodução e construção
social da existência humana. O que se pode apreender das categorias con-
tidas nas metas, artigos e/ou diretrizes em relação a Educação Infantil e ao
Ensino Fundamental, dessa forma, é que expressam uma transformação dos
discursos nos documentos de Política Educacional, os quais acompanharam
a guinada do viés economicista para humanitário, a partir da década de 1990,
vinculando-se, portanto, a um projeto de sociedade e de educação pautados
nas seguintes categorias: preconceito; violência; discriminação; erradicação
1 Artigo publicado originalmente em Cadernos de Pesquisa em Educação – PPGE/UFES, Vitória, ES, ano
15, v. 20, n. 48, p. 107–127, jul./dez. 2018.
84

de todas as formas de discriminação; vulnerabilidade social; desigualdade


étnico-racial; direitos humanos; proteção à infância, adolescência e juventude;
qualidade da educação; e avaliação.
A década de 1990, na história da educação brasileira, foi marcada por
amplas alterações educacionais contracenando com um cenário de desigual-
dades econômicas e sociais e que contribuiu para a construção de um discurso
em prol da defesa de educação para todos como uma das formas de administrar
a pobreza.
Nesse sentido, a década de 1990 não se explica por si mesma e, muito
menos, pelo que nela se fez “[...] mas pela natureza desse fazer e das forças
sociais que o materializam para além das intenções e do discurso”, sobretudo

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tendo o discernimento de que “[...] não é o tempo cronológico que define uma
conjuntura, mas a natureza dos acontecimentos e dos fatos, e as forças sociais
que os produzem” (FRIGOTTO, 2011, p. 237).
Por isso, é preciso considerar que o processo de avanço do capitalismo,
em suas relações em âmbito internacional, contribuiu para a elaboração das
Políticas Educacionais na década de 1990, com uma nova “linguagem da
reforma educacional” contida nos documentos de Organismos Internacio-
nais e nos documentos nacionais. Todavia, é preciso considerar que a década
de 1980 foi marcada, dentre outras questões, por um período caracterizado
por um movimento de oposição a Ditadura Militar, com reivindicações que
pautaram a necessidade de um ensino de qualidade, por meio do acesso e da
permanência da criança na escola pública.
Assim, a década de 1990 representa, em parte, uma resposta ao processo
de transição democrática, sustentada por um discurso, internacional e nacional,
de que a Educação seria uma das variáveis fundamentais para administrar a
pobreza, resultado do processo de implementação das políticas neoliberais
de ajuste econômico, a partir da referida década, no Brasil.
A defesa da urgência de realização das reformas, dentre elas, a do Estado
e da Educação, vinculadas as demandas da nova ordem do capital e das deman-
das por uma efetiva democratização do acesso e da permanência da criança
na escola é resultado do final da década de 1980. Assim sendo, a normali-
dade constitucional foi gerada pela Constituinte de 1986 e a promulgação da
Constituição de 1988, somada ao processo eleitoral, em 1989, consagrou as
mediações/condições políticas ao país para supostamente viver uma nova era:
o liberalismo econômico com democracia representativa (DEITOS, 2005).
Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 representou uma impor-
tante conquista dos movimentos sociais (MOREIRA; LARA, 2012). Muitas
das reivindicações presentes nas pautas dos movimentos sociais, que emer-
giram com a derrocada da Ditadura Militar foram incorporadas no texto final
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 85

da Constituição Federal de 1988 como, por exemplo, o capítulo II, Artigo 6º,
que trata dos direitos sociais, tais como “[...] a educação, a saúde, o trabalho, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância,
a assistência aos desamparados” (BRASIL, 1988, s. p.).
Isso significa considerar, na tarefa de investigação de documentos de
Política Educacional a identificação de quais “[...] conceitos e argumentos são
privilegiados e quais os intencionalmente ‘desprezados’” para nos aproximar
“[...] da lógica ou racionalidade que sustenta os documentos” e “para ler o que
dizem, mas também para captar o que ‘não dizem’” (SHIROMA; CAMPOS;
GARCIA, 2005, p. 439).
Concebemos, nessa perspectiva, que os conceitos/argumentos presentes
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nos documentos de Política Educacional, documentos oficiais, dados estatís-


ticos, leis

[...] são produtos de informações selecionadas, de avaliações, de análises,


de tendências, de recomendações, de proposições. Expressam e resultam
de uma combinação de intencionalidades, valores e discursos; são consti-
tuídos pelo e constituintes do momento histórico (EVANGELISTA, s. d.,
p. 9, grifos da autora).

Portanto, parte-se do pressuposto de que um dos teóricos que contribuem


para apreender a linguagem conceitual correspondente nas Metas da Educa-
ção Infantil e do Ensino Fundamental, do PNE de 2014-2024 em relação ao
PNE de 2001-2010 é Mikhail Bakhtin e seu Círculo2. No caso, o conceito de

2 Em relação aos estudos sobre Bakhtin e seu Círculo indicamos, dentre outros teóricos: FARACO, Carlos
Alberto. Linguagem & Diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. Curitiba, PR: Criar Edições, 2006;
SOUZA, Geraldo Tadeu. Introdução à teoria do enunciado concreto do círculo Bakhtin/Volochinov/Medvedev.
São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1999; TEZZA, Cristovão. Entre a poesia e a prosa: Bakhtin e o formalismo.
Rio de Janeiro: Rocco, 2003; VASILEV, N. L. A história da questão sobre a autoria dos ‘textos disputados’
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A questão do valor na linguagem para (o círculo de) Bakhtin. Dissertação (Mestrado em) – Universidade
Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, 2010; BAKHTIN, Mikhail (VOLOCHINOV). Problemas da poética de
Dostoiévsky. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981; BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de
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Educação em debate, v. 1, n. 39, p. 70-76, 2000.
86

palavra, componente da linguagem, cumpre uma função de signo, e constituiu


a expressão humana, ou seja, a “[...] palavra é o modo mais puro e sensível
de relação social” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2004, p. 36).
A linguagem, enquanto signo, expressa sentidos/significados, sentimen-
tos/emoções em que nas condições econômico-sociais e políticas vigentes,
contribuem para a materialização do processo de afirmação/negação de deter-
minados conhecimentos, normas e valores para o processo de reprodução e
construção social da própria espécie humana.
Ao tratar a linguagem enquanto uma atividade social, em que os indi-
víduos são constituídos nas múltiplas relações sociais, de forma dialética,
Bakhtin/Volochínov (2004) considera que:

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Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto
pelo fato de que procede de alguém e se dirige para alguém. Ela cons-
titui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda
palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra,
defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à
coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os
outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se
sobre meu interlocutor. A palavra é território comum do locutor e inter-
locutor (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2004, p. 117, grifos dos autores).

De acordo com Bakthin/Volochínov (2004) a alteração da linguagem,


conforme o contexto em que ocorre, possui caráter flexível e dinâmico devido
ao seu caráter sócio-histórico, produto da interação entre sujeitos socialmente
organizados. É preciso considerar o contexto social em que se efetivam as
enunciações, pois

Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas ver-


dades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis
ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo
ou um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as
palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias
ideológicas ou concernentes à vida (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2004,
p. 98-99).

A significação do signo, por constituir um fragmento material da rea-


lidade, pode ser reconhecida considerando as suas diversas interpretações
conforme as respectivas situações de produção. Isso significa ponderar que
cada signo ideológico deve ser compreendido pela via das relações entre
consciência, ideologia e linguagem. O signo ideológico, para Bakthin/Volo-
chínov (2004),
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 87

[...] é não apenas um reflexo, uma sombra, mas também um fragmento


material dessa realidade. Todo fenômeno que funciona como signo ideo-
lógico tem uma encarnação material, seja como som, como massa física,
como cor ou como outra coisa qualquer. Nesse sentido, a realidade do signo
é totalmente objetiva e, portanto, passível de um estudo metodologica-
mente unitário e objetivo. Um signo é um fenômeno do mundo exterior.
O próprio signo e todos os seus efeitos (todas as ações, reações e novos
signos que ele gera no meio social circundante) aparecem na experiência
exterior. Este é um ponto de suma importância. No entanto, por mais ele-
mentar e evidente que ele possa parecer, o estudo das ideologias ainda não
tirou as consequências que dele decorrem. [...]. Todo signo, resulta de um
consenso entre indivíduos socialmente organizados no decorrer de um pro-
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cesso de interação. Razão pela qual as formas do signo são condicionadas


tanto pela organização social de tais indivíduos como pelas condições em
que a interação acontece (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2004, p. 32-33-45).

Um signo, dessa forma, “[...] não existe apenas como parte de uma reali-
dade; ele também reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade,
ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico, etc.” (BAKHTIN/
VOLOCHÍNOV, 2004, p. 32). A esse respeito Freitas (1999) argumenta:

A partir do momento que se assume que o signo é um fenômeno material


e social, amplia-se a importância da interação verbal como atividade cons-
titutiva de consciências, ideologias e sujeitos. É devido à materialidade
do signo verbal ideológico, em sua função de palavra, que os sentidos são
constituídos no decorrer da interação verbal, e no processo das enunciações
concretas, das quais resultam como produtos os enunciados (FREITAS,
1999, p. 3-13).

Sendo os signos uma formação criada a partir da convenção entre os


indivíduos de um grupo, carrega em si a representação de valores e juízos culti-
vados pelo grupo social que os constituem. Expressam, nesse caso, o resultado
de um processo dinâmico e contraditório de relações que não se explicam por
si mesmas, mas só tem significado/sentido quando constituintes da consciên-
cia. Como mencionado, nesse processo de reprodução e construção social da
própria espécie humana “[...] produzir conhecimento é produzir consciências”
(EVANGELISTA, s. d., p. 5), o que pressupõe que a consciência refere-se
tanto ao conhecimento mais elaborado, quanto ao conhecimento do senso
comum3 e que “[...] toda práxis pressupõe uma relação entre o espontâneo e o
3 Pontua-se que “[...] a consciência comum da práxis não está esvaziada, completamente, de certa bagagem
teórica, ainda que [...] as teorias se encontrem degradadas” (SANCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p. 32).
88

reflexivo, e dois níveis dela, de acordo com o predomínio de um ou do outro


elemento” (SANCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p. 307).

[...] é justamente o grau de consciência da práxis que permite mostrar


dois níveis do processo prático: o da práxis reflexiva (com uma elevada
consciência da práxis) e o da práxis espontânea (com uma baixa ou ínfima
consciência dela). No entanto, as relações entre o espontâneo e o reflexivo
não podem se estabelecer de um modo absoluto, já que nem sempre se
apresentam no mesmo plano. Seria simplista, por exemplo, ver na espon-
taneidade a presença de uma negação radical da consciência (SANCHEZ
VÁZQUEZ, 2007, p. 306).

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Nas Metas da Educação Infantil e do Ensino Fundamental no PNE de
2014-2024 em relação ao PNE de 2001-2010 a investigação de quais con-
ceitos/argumentos foram “[...] construídos, ressignificados, modificados ou
substituídos por outros mais convenientes” (MORAES, 2003, p. 158), está
sustentada na concepção de que “todo documento é história”, não sendo “pos-
sível qualquer investigação que passe ao largo dos projetos históricos que
expressa” (EVANGELISTA, s. d., p. 3).
Por isso, a década de 1990 e a relação com as Políticas Educacionais de
Educação Infantil e Ensino Fundamental responde a necessidade de considerar
o processo histórico que, no caso, sobre a referida década, Moraes (2003);
Shiroma; Campos e Garcia (2005) nos alertaram, em relação a perspectiva
da transformação dos discursos nos documentos de Política Educacional, que
teve uma “guinada do viés explicitamente economicista para uma face mais
humanitária”, respectivamente:

No início dos anos de 1990, predominaram os argumentos em prol da


qualidade, competitividade, produtividade, eficiência, e eficácia; ao final
da década percebe-se uma guinada do viés explicitamente economicista
para uma face mais humanitária na política educacional, sugerida pela
crescente ênfase nos conceitos de justiça, equidade, coesão social, inclu-
são, empowerment, oportunidade e segurança (SHIROMA; CAMPOS;
GARCIA, 2005, p. 428).

A partir da perspectiva bakhtiniana, na sua concepção de linguagem,


entende-se que os signos não podem ser reduzidos a um sistema linguístico,
pois a linguagem, uma produção sócio-histórica, traduz os enunciados decor-
rentes da interação entre sujeitos socialmente organizados e com propósitos
ideológicos para além de si, externos ao seu significado imediato, como men-
cionado anteriormente.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 89

Dessa forma, tendo como referência o conceito de linguagem na perspec-


tiva bakhtiniana, na análise do PNE de 2001-2010 e do PNE de 2014-2024,
as palavras selecionadas foram concebidas como signo ideológico: “[...] toda
palavra, como signo ideológico, assume diferentes propósitos e nuances dis-
tintas; repercute socialmente nas esferas em que circula, engendra relações e
pode provocar alterações nessas relações” (BROTTO, 2008, p. 21).
Isso pressupõe entender, no mesmo sentido que Bakhtin/Volochínov
(2004) compreendem a palavra, que os enunciados dos documentos de Política
Educacional, no caso, os conceitos/argumentos presentes nas metas da Edu-
cação Infantil e do Ensino Fundamental no PNE de 2014-2024 em relação ao
PNE de 2001-2010, refletem e refratam a realidade heterogênea, em constante
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transformação, onde vivem os sujeitos.

O signo é descodificado; só o sinal é identificado. O sinal é uma entidade


de conteúdo imutável; ele não pode substituir, nem refletir, nem refratar
nada; constitui apenas um instrumento técnico para designar este ou aquele
objeto (preciso e imutável) ou este ou aquele acontecimento (igualmente
preciso e imutável). O sinal não pertence ao mundo da ideologia [...]. Signo
é sempre variável e flexível. O que importa não é o aspecto da forma lin-
güística que, em qualquer caso em que esta é utilizada permanece sempre
idêntica [sinal]. Não; para o locutor o que importa é aquilo que permite
que a forma lingüística figure num dado contexto, aquilo que a torna um
signo adequado às condições de uma situação concreta dada (BAKHTIN/
VOLOCHÍNOV, 2004, p. 92-93).

As palavras interpenetram as relações sociais humanas, “[...] são tecidas


a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as
relações sociais em todos os domínios [...]” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV,
2004, p. 41). Assim, compreendemos a fundamental importância que adquire
a linguagem, quando transmite muito mais do que aquilo que está verbali-
zado, mas reflete a consciência do indivíduo que a pronuncia, permeada pelas
ideologias constituídas na relação com o contexto social. Nesse processo, a
palavra emerge carregada de valores construídos no meio social, exercendo
a função de elo entre os interlocutores.
As palavras traduzem/reproduzem intencionalidades que, no caso das
categorias que compõem os conceitos/argumentos das metas dos PNE 2001-
2010 e 2014-2024, tendem a expressar diferentes significados/sentidos con-
siderando as intencionalidades proclamadas como resultado do contexto de
produção/interação entre sujeitos em relação ao projeto educacional susten-
tado. Assim “[...] geram atribuições de sentidos diferentes à linguagem assim
como possibilidades diferentes de elaboração de compreensões do mundo”
90

(EVANGELISTA, s. d., p. 2), considerando as circunstâncias históricas em


que os sujeitos se encontram/estão inseridos.
A visão geral sobre as categorias nas metas para a Educação Infantil e o
Ensino Fundamental no PNE de 2014-2024 em relação ao PNE de 2001-2010
estão descritas nos Quadros 1, 2, 3 e 4.
No Quadro 1 o critério utilizado priorizou as categorias que permane-
ceram nas metas, artigos e/ou diretrizes do PNE 2014-2024 em relação ao
PNE 2001-2010.

Quadro 1 – Categorias que permanecem nas metas, artigos e/ou


diretrizes do PNE 2014-2024 em relação ao PNE 2001-2010

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PNE 2001-2010 PNE 2014-2024
Categorias
Quantidades Quantidades
Qualidade 76 64
Trabalho 67 19
Assistência social/sociais 26 21
População 60 24
Ampliação/ampliar 59 55
Participação 32 23
Universalização 23 18
Sociedade civil/cidadania 34 21
Pobre 18 3
Desigualdade regional/educacional 13 5
Evasão 7 2
Exclusão social/educacional 7 2
Equidade 6 5
Diversidade sociocultural 10 10
Recursos humanos 4 4
Igualdade 3 3

Fonte: Plano Nacional de Educação 2001-2010, Lei nº 10.172/2001; Plano Nacional


de Educação 2014-2024, Lei nº 13.005/2014. Elaboração da autora.

O Quadro 2 apresenta as categorias contidas no PNE 2001-2010 e que


foram suprimidas no PNE 2014-2024 em relação as suas metas, artigos
e/ou diretrizes.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 91

Quadro 2 – Categorias contidas no PNE 2001-2010 e que foram suprimidas


no PNE 2014-2024, em relação as metas, artigos e/ou diretrizes
PNE 2001-2010 PNE 2014-2024
Categorias
Quantidades Quantidades
Clientela 17 0
Repetência 10 0
Cidadão 8 0
Pobreza 9 0
Desenvolvimento humano 5 0
Desigualdade: social, econômica 4 0
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Proteção social, contra o desemprego e aos índios 4 0


Erradicação da pobreza 2 0

Fonte: Plano Nacional de Educação 2001-2010, Lei nº 10.172/2001; Plano Nacional


de Educação 2014-2024, Lei nº 13.005/2014. Elaboração da autora.

O Quadro 3 apresenta as categorias presentes no PNE 2001-2010 e


que tiveram um aumento no PNE 2014-2024 em relação as metas, artigos
e/ou diretrizes.

Quadro 3 – Categorias presentes no PNE 2001-2010 e que aumentaram


no PNE 2014-2024 em relação as metas, artigos e/ou diretrizes
PNE 2001-2010 PNE 2014-2024
Categorias
Quantidades Quantidades
Avaliação 58 73
Colaboração 41 44
Investimento: educação 11 27
Estudantes 7 31
Sustentabilidade socioambiental 2 4
Expandir 2 13
Gestão democrática 3 10
Preconceito 1 4
Violência 1 5
Discriminação 1 7

Fontes: Plano Nacional de Educação 2001-2010, Lei nº 10.172/2001; Plano


Nacional de Educação 2014-2024, Lei nº 13.005/2014. Elaboração da autora.
92

O Quadro 4 apresenta as novas categorias encontradas no PNE 2014-


2024 em relação as suas metas, artigos e/ou diretrizes.

Quadro 4 – Novas categorias encontradas no PNE 2014-


2024 em relação as metas, artigos e/ou diretrizes
PNE 2001-2010 PNE 2014-2024
Categorias
Quantidades Quantidades
Vulnerabilidade social 0 2
Desigualdade étnico-racial 0 3
Direitos humanos 0 3

Erradicação de todas as formas de discriminação 0 3

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Proteção à infância, adolescência e juventude 0 9

Fomentar 0 22

Fonte: Plano Nacional de Educação 2001-2010, Lei nº 10.172/2001; Plano Nacional


de Educação 2014-2024, Lei nº 13.005/2014. Elaboração da autora.

O que se pode apreender das categorias contidas nas metas, artigos e/ou
diretrizes em relação a Educação Infantil e ao Ensino Fundamental é que
muito mais do que a sistematização do aumento, da redução e do surgimento
de novas, considerando o PNE 2014-2024 em relação ao PNE 2001- 2010, é
que expressam uma transformação nos discursos dos documentos de Política
Educacional, confirmando a “guinada do viés explicitamente economicista
para uma face mais humanitária” (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005,
p. 428) em relação ao início e final da década de 1990, respectivamente,
conforme já mencionado.
Nesse sentido, a análise do documento de Política Educacional carrega
em si a possibilidade de materialização das metas, artigos e/ou diretrizes anun-
ciados e que compõem um arcabouço teórico-metodológico que respondem
ao movimento internacional e nacional de que a educação é uma das variáveis
para inserção do País na “nova” ordem econômica internacional.
Nesse processo, a centralidade dos estudos tem subjacente diferentes
sentidos e significados que se materializam em determinada realidade eco-
nômico-social. Os Planos Nacionais de Educação 2001-2010 e 2014-2024
configuram uma determinada compreensão de mundo. Nessa direção, as cate-
gorias ainda que didaticamente organizadas nos quadros 1, 2, 3 e 4, não se
explicam por si mesmas, como destacado, ao contrário, estão relacionadas ao
movimento internacional e nacional em que a Educação é concebida como
uma das variáveis fundamentais para administrar a pobreza.
A educação, nesse sentido, perpassada pelos limites e possibilidades da
dinâmica econômica, social, cultural, política, ideológica e pedagógica, de
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 93

determinado contexto histórico e que, no caso da análise das metas da Edu-


cação Infantil e do Ensino Fundamental no PNE de 2014-2024 em relação ao
PNE de 2001-2010, refletiu e refratou uma realidade heterogênea em que as
categorias que se mantiveram e/ou foram modificadas, sustentaram conceitos/
argumentos que visaram/visam construir um consenso para um determinado
projeto de sociedade e de educação.
Contudo, os direitos proclamados nas metas da Educação Infantil e do
Ensino Fundamental, por exemplo, tornaram-se possibilidades de reivin-
dicação dos grupos socialmente excluídos, através da correlação de forças
com o Estado, ao exigirem os direitos anunciados em lei. É dessa forma,
que transparece nas leis uma das dimensões de luta: “[...] luta por inscrições
mais democráticas, por efetivações mais realistas, contra descaracterizações
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mutiladoras, por sonhos de justiça” (CURY, 2002, p. 247).


Nesta correlação de forças com o Estado, entre o atendimento da
demanda e a oferta, as políticas educacionais, de acordo com Oliveira (2014,
p. 236), passam a considerar a diversidade, ampliar as formas de ingresso
e preocupar-se com dispositivos que também garantam a permanência do
cidadão que apresenta maior dificuldade de inclusão e adaptação ao modelo
de sociedade vigente.
Como já mencionado, na política educacional brasileira, no início da
década de 1990, ficou explicito um viés economicista, sustentado por con-
ceitos de qualidade, competitividade, produtividade, eficiência e eficácia.
No final da década de 1990, o viés economicista cedeu espaço para uma face
mais humanitária com conceitos de justiça, equidade, coesão social, inclusão,
empowerment etc.
Essa guinada do viés economicista para o humanitário pode ser cons-
tatada por meio das categorias do PNE 2001-2010 e com projeção no PNE
2014-2024, quais sejam: preconceito; violência; discriminação; erradicação de
todas as formas de discriminação; vulnerabilidade social; desigualdade étni-
co-racial; direitos humanos; e proteção à infância, adolescência e juventude.
As categorias acima mencionadas, em consonância com o que preconi-
zam as reformas realizadas a partir da década de 1990, respondem não somente
as proposições dos Organismos Internacionais, mas também aos diferentes
projetos nacionais que traduzem as diferentes tendências educacionais, como
foi o caso de toda tramitação que ocorreu no Congresso Nacional Brasileiro4
para instituição do Plano Nacional de Educação 2014-2024.

4 É preciso considerar, no concerne ao Congresso Nacional “[…] o movimento da política educacional. Com
efeito, as estratégias de sustentação política dominantes no país envolvem o Congresso Nacional e não
deixam de influenciar (ou mesmo determinar) os rumos da questão educacional quando esta é objeto de
regulamentação jurídico-política” (SAVIANI, 2006, p. 3).
94

Pode-se dizer que o movimento de construção de um novo vocabulário


ressignificou os conceitos por meio das categorias e termos incorporados ao
texto do PNE 2014-2024, dentre eles, a categoria clientela que foi suprimida,
bem como as categorias de repetência; cidadão; pobreza; desenvolvimento
humano; desigualdade social e econômica; proteção social contra o desem-
prego; proteção social para os índios e erradicação da pobreza.
Dessa forma, para escola, a partir da década de 1990, é atribuída a res-
ponsabilidade de se adaptar ao conjunto de reformas que visam aos objetivos
econômicos e políticos-ideológicos para demarcar a possibilidade de sobrevi-
vência no mercado de trabalho, ou seja, de potencialmente inserir o indivíduo
na vida produtiva.
A responsabilidade da escola de elevar os vulneráveis à condição de

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cidadãos, categoria recorrente nos documentos de política educacional bra-
sileira, constitui um requisito indispensável ao sucesso profissional e pessoal
do cidadão socialmente ativo, voluntário e responsável, uma vez que

Os destinos da educação parecem articular-se diretamente às demandas


deste mercado insaciável e aos paradigmas propostos para a sociedade dos
‘aprendentes’. Não surpreende, dessa forma, que os sistemas educacionais
dos vários países sofram pressões para operar adequadamente em uma
economia sofisticada e seletiva, para gerar cidadãos capazes de manipular
ou operar as tecnologias de informação e comunicação, e dispostos a se
atualizar ao longo da vida (MORAES, 2003, p. 152).

A educação ao responder às demandas crescentes de maior integração


social das populações vulneráveis, às demandas dos novos processos pro-
dutivos, também contribui para a construção de Políticas Sociais, ou seja, o
princípio do direito enunciado que, no caso, pode constituir, ao mesmo tempo,
a expressão do ordenamento normativo e que, na dinâmica das relações sociais
de exploração e dominação capitalistas, regulamenta as relações fundamentais
para a convivência e sobrevivência humana e um “[...] instrumento, através
do qual as forças políticas, que têm nas mãos o poder dominante em uma
determinada sociedade, exercem o próprio domínio” (BOBBIO, 2000, p. 349).
Na análise dos documentos de Política Educacional, portanto, é impres-
cindível ponderar sobre o tencionamento do direito à educação que vai além
da descrição do que foi modificado e/ou permaneceu nas legislações vigentes
e, ao mesmo tempo, de suas intencionalidades enquanto projeto de sociedade.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 95

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DOS TESTES PSICOMÉTRICOS
ÀS AVALIAÇÕES EM LARGA
ESCALA: instrumentos diferenciados
com ontologia em comum
João Batista Zanardini

Introdução
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Neste artigo1, retomamos brevemente a história dos testes de medição de


capacidades humanas tendo em vista evidenciar a ontologia que embasa seu
objetivo de justificar desigualdades sociais por supostas diferenças intelectuais
inatas. Mostramos que a burguesia, para a manutenção da sociedade construída
sobre a desigualdade, lança mão de argumentos “válidos”, “científicos”, que
justificam tal ordem social. Os testes de aptidão e de capacidade de outrora,
bem como os testes de avaliação em larga escala hodiernos, se mostram fer-
ramentas imprescindíveis ao projeto hegemônico burguês, arriscamos afirmar
que esse aspecto ontológico demarca tanto os testes psicométricos do passado,
quanto os testes de avaliação em larga escala dos dias atuais.
Ao refletirmos sobre a avaliação educacional, somos remetidos ao pro-
cesso de consolidação hegemônica da burguesia e à temática da escolaridade
pública e obrigatória, que compõe o conjunto de propostas educacionais bur-
guesas desde o século XVIII e início do século XIX, principalmente na França,
que desponta como referência para entendermos a avaliação educacional.
As implicações educacionais que compunham a doutrina liberal bur-
guesa ultrapassavam o âmbito das exigências do desenvolvimento técnico
e científico, servindo como sustentáculo da própria legitimidade das novas
instituições econômicas e sociais. Como afirma Lopes (1981, p. 109), “com-
preender o que significa a publicização da instrução, no século XVII na França,
significa colocá-la referida ao contexto histórico que lhe informa, ou seja, à
totalidade da qual faz parte e à qual retorna”. Assim, de forma articulada, ao
manifestarem a totalidade, as propostas de instrução pública, trabalham essa
totalidade, no sentido de produzirem essa totalidade.
Com a consolidação da burguesia no poder, o “amálgama” que compunha
o denominado Terceiro Estado, formado pelos setores oprimidos no feuda-
lismo e que lutaram “lado a lado” sob as bandeiras da liberdade, igualdade

1 Artigo publicado originalmente na Rev. Teoria e Prática da Educação, v. 15, n. 3, p. 65-74, 2012.
98

e justiça vai sendo dissolvido deixando à mostra o dualismo de classe que


marcaria a nova lógica de produção material e social da vida. Esse é o solo da
totalidade, esse processo de lutas, no interior desse “amálgama” denominado
de Terceiro Estado que leva a burguesia a reforçar seu posicionamento de
classe dominadora. Segundo Noronha (2002, p. 61),

Cria-se uma nova concepção formal, jurídica e política de igualdade, de


liberdade e de justiça, mediada pelo papel do Estado, visando substituir
a igualdade real. O Estado burguês, neste processo, toma a si a tarefa de
instruir o povo como forma de se legitimar no poder. A gênese da instrução
pública está intimamente ligada a este fato. Era preciso tornar a sociedade
coesa, difundindo uma concepção única de mundo, produzir certo tipo

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de senso comum articulando os interesses das camadas subalternas aos
interesses que se organizavam como dominantes.

No processo de consolidação da burguesia, reconhecendo a desigualdade


e a impossibilidade de atacá-la, a igualdade se constitui como algo cada vez
mais abstrato, descolado das relações sociais desiguais. Ao indivíduo é dele-
gada a responsabilidade pelo seu sucesso ou principalmente pelo seu fracasso.
De forma que o insucesso ou o fracasso na ordem societal burguesa deriva de
atributo individual e não de classe.
A burguesia se vê forçada, no bojo desses acontecimentos e tendo em
vista a manutenção da sociedade desigual, a encontrar argumentos “válidos”
que justificassem tal ordem social. Nesse momento, de afirmação hegemônica
os testes de aptidão e de capacidade se mostram como ferramentas imprescin-
díveis ao projeto hegemônico burguês. Para Noronha (2002, p. 65),

A ênfase nas características individuais como elemento definidor do projeto


de democracia liberal vai ter na escola única sua condição de realização.
No interior desta proposta se articulam alguns pedagogos preocupados
em descobrir, a partir da perspectiva da psicobiologia, as leis do desen-
volvimento natural do homem, de acordo com os pressupostos do orga-
nicismo e do evolucionismo, inspirados nas descobertas científicas de
Spencer e Darwin.

Deste modo, a classe detentora do poder lança mão de um sistema de


crenças em nome do qual procura justificar as desigualdades sociais, sistema
que reforçará o desenvolvimento das ciências biológicas, pois, segundo Bis-
seret (1979, p. 43), “os trabalhos de Darwin tiveram, nesse sentido, enorme
repercussão, visto que a idéia de uma concorrência vital levando a uma seleção
natural e à sobrevivência dos mais aptos afinava-se com a ideologia da distri-
buição das funções sociais ligadas à espontaneidade”. Essa teoria representava
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 99

os interesses burgueses, pois assim “as desigualdades sociais não se mostram


relativas a uma ordem social criada pelos homens, mas dependem de uma
nova ordem transcendental, de natureza biológica, irredutível e determinante”
(BISSERET, 1979, p. 43).
A preocupação expressa nos testes de inteligência é encontrar um instru-
mento de predição, ou seja, quanto mais os prognósticos contidos nos testes
são confirmados mais comprovam a realidade substancial que “medem”, pois
somente aptidões desiguais permitem explicar a diferenciação e a hierarqui-
zação dos indivíduos e das classes sociais. A recorrência à noção de aptidão
permite justificar as desigualdades de acesso ao ensino e, consequentemente,
as desigualdades sociais, pois na escola é oferecida a todos a oportunidade de
desenvolver e provar suas aptidões. Eis aí a ontologia dos testes de medição
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das habilidades intelectuais.


A ontologia dos testes de mensuração de inteligência ou de aptidões se
encontra incrustada na ontologia da classe que lança mão de tais mecanismos
como forma de garantir sua manutenção no poder político e econômico. A
ideologia das desigualdades naturais tornou-se pouco a pouco verdade cien-
tífica emprestando de forma recorrente, da craniometria, da antropometria, da
biologia, da genética, da psicologia, da sociologia e da estatística – que se mos-
traram por vezes como guias de sua prática científica –, os elementos que lhe
permitiriam fundamentar, com segurança, suas asserções de cunho classista.
Inferimos que a ontologia dos testes, em que a diferenciação escolar
por eles proporcionada e pelos mecanismos de avaliação, se constitui numa
necessidade do capitalismo. Logo, podemos afirmar que há nos testes, siste-
mas de avaliação, de orientação vocacional e educacional e todo o caudal de
certificações uma intencionalidade, para esses mecanismos de seleção e de
controle social com vistas à manutenção da sociedade capitalista.

Breve histórico dos testes

A avaliação é inseparável do ser e do constituir-se homem do homem,


no seu processo de firmação como ser social, o que significa dizer que os
homens como sujeitos históricos ao se constituírem via o trabalho avaliam.
Subjacente a todo processo de avaliação, se encontra um modelo de mundo,
um objetivo de vida social, ou seja, um projeto social a executar ou a refutar,
e isso caracteriza a ontologia do processo avaliativo. A avaliação como prática
social está inscrita e é matizada pelos diversos modos de produzir e reproduzir
a existência social, o que significa dizer que historicamente sofreu mudanças
de forma e de conteúdo, mas sempre ligadas a um projeto social.
Conquanto reconheçamos a dificuldade de se reconstruir o processo
histórico de produção de ações avaliativas, importa realçar que o modo
100

capitalista de produzir e reproduzir a existência humana exige a medição das


capacidades humanas, sob o pretexto de alocar os homens tomando por base
suas aptidões e habilidades para um desempenho ótimo frente às atribuições
sociais deles requeridas. Entretanto, alguns elementos de sua história foram
recuperados tendo em vista favorecer a compreensão da função da avaliação
em nossa sociedade.
A criação e a implantação dos testes de medição de capacidades huma-
nas não inauguram a avaliação no seu aspecto social mais amplo. Sua histó-
ria sugere que acompanham a humanidade desde há muito tempo. Segundo
entendimento de Sellier (1977), nas lendas acerca da Antiguidade evidencia-se
em pelo menos dois mitos, o que viriam a ser os testes mentais. Reporta-se
ao enigma proposto pela Esfinge a Édipo2 e ao labirinto em que Teseu teve

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que adentrar para realizar seus feitos. O autor recorre a esses exemplos para
caracterizar essencialmente as provas ou testes de inteligência.
Anastasi (1977, p. 5) alega que a origem dos testes se perde na Antigui-
dade, citando o sistema de exames para o serviço civil em vigor no Império
chinês durante três mil anos:

Os testes eram utilizados para auferir o domínio de habilidades tanto físicas


como de inteligência. O método Socrático de ensino, com ensinamentos
e testes entremeados, tem muito em comum com a aprendizagem progra-
mada atual. Desde seu princípio, na Idade Média, as universidades euro-
péias utilizavam-se de exames formais para conferir títulos ou honrarias.

Tais informações são importantes, mas foi no século XIX que se desen-
volveram os principais processos que culminaram nos testes contemporâneos.
As primeiras discussões e pesquisas organizadas sistematicamente sobre ava-
liação via testes foram realizadas no campo da Psicologia da Educação em sua
vertente psicométrica. Os testes e as pesquisas eram realizados nos laboratórios
de Psicologia Experimental, período em que a psicologia começava a atingir
status de ciência e as técnicas psicométricas e projetivas davam o tom a tais
pesquisas. Baquero (1979) identifica W. Wundt (1832-1920), alemão, consi-
derado o pai da Psicologia Experimental, como o primeiro a trabalhar sobre
as diferenças individuais. Cita também o inglês Francis Galton (1822-1911)
que, em 1883, no laboratório antropométrico de Londres, foi considerado um
dos marcos desse ramo da psicometria por ter realizado “tanto testes revela-
dores das diferenças dos indivíduos como métodos estatísticos para analisar
dados que os testes lhe proporcionavam” (BAQUERO, 1979, p. 10). Galton

2 O enigma é descrito pelo autor da seguinte forma: “Qual é o animal que caminha sobre quatro patas de
manhã, sobre duas patas ao meio-dia, sobre três patas à noite?” (SELLIER, 1977, p. 29). A resposta desse
enigma é o homem.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 101

levara em conta a curva de probabilidades e criara um método para relacionar


variáveis denominadas “índice de correlação”.
Um dos trabalhos pioneiros da Psicologia Experimental é reputado ao
francês Alfred Binet (1857-1911) considerado verdadeiro fundador dos testes
de inteligência. Segundo Baquero (1979, p. 78),

Foi ele quem introduziu nos testes já usados, elementos que avaliassem
as funções psicológicas complexas e superiores. Por sua vez, relacionou
os resultados dos testes com a idade, surgindo assim a primeira escala
de inteligência. [...]. A escala de Binet foi revisada pelo norte-americano
Terman na Universidade Stanford, em 1916. Generalizou-se assim o uso
do Quociente Intelectual, que não é outra coisa senão o quociente entre
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a Idade Mental (I.M.) e a Idade Cronológica (I.C.). Sua fórmula será QI


= I.M./I.C.

Por ocasião da Primeira Guerra Mundial, em 1917, começa a ser realizado


nos Estados Unidos um novo tipo de teste – as provas coletivas de inteligência
– que visava classificar de maneira rápida os melhores soldados para determi-
nados postos de combate. Dessa forma, surgiram os testes Alfa e Beta, sendo
o primeiro para os que sabiam inglês e não eram analfabetos e o segundo para
os estrangeiros e analfabetos. Segundo Anastasi (1977, p. 253), os testes Alfa
e Beta repercutiram nos que eram aplicados no sistema educacional.
Anastasi (1977, p. 14), afirma que, apesar dos testes de inteligência para
medir Q.I. serem planejados com o intuito de examinar uma grande variedade
de funções e, assim, indicar um quadro do nível intelectual geral do indivíduo,
logo seu limite foi constatado:

Nem todas as funções importantes estavam representadas neles. Na rea-


lidade, quase todos os testes de inteligência eram, fundamentalmente,
medidas de habilidade verbal e, em menor grau, de habilidade para lidar
com relações numéricas, assim como com outras relações abstratas e sim-
bólicas. Aos poucos, os psicólogos chegaram a reconhecer que o termo
“teste de inteligência” era inadequado, pois tais testes mediam apenas
alguns aspectos da inteligência.

Antes da primeira guerra mundial, alguns psicólogos, como o inglês


Charles Spearman (1904-1927), reconheceram a necessidade de testes de
“aptidões especiais” para suplementar os testes de inteligência global. Os
desenvolvimentos metodológicos baseados nos trabalhos desses psicólogos e
nos estudos estatísticos sobre a natureza da inteligência humana tornaram-se
conhecidos como “análise fatorial” (BAQUERO, 1983).
102

Anastasi (1977, p. 4) assinala que, com base nos “ensaios” durante a


primeira guerra mundial, a amplitude e a variedade dos testes psicológicos
empregados em situações militares aumentaram consideravelmente durante
a segunda guerra mundial. Depois disso a pesquisa sobre testes tem sido con-
tinuada em larga escala em todos os ramos dos serviços militares. O apogeu
dos testes, como referido, se deu numa época em que a Psicologia começava
a conquistar a condição de ciência. Para Franco (1997, p. 15), isso

[...] foi possível graças ao repentino desenvolvimento da ciência e ao


surgimento das áreas de especialização que proporcionaram condições
favoráveis para a emergência de uma psicologia “científica” que durante
muito tempo havia permanecido fundida na filosofia. A distinção entre

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ambas deu-se baseada nos critérios de cientificidade aplicáveis às ciências
naturais, em que a observação, verificação e a experimentação são tidas
como condições indispensáveis para a criação de princípios, leis e teorias.

A autora esclarece que ocorreu uma transposição mecânica dos métodos


científicos para as ciências sociais. Tal transposição encontrou sustentáculo
nos postulados teóricos da matriz positivista, edificados com base em três
princípios fundamentais, a saber:

• a sociedade pode ser epistemologicamente assimilada à natureza;


portanto, na vida social, à semelhança da natureza, reina uma har-
monia natural (sem ambigüidades);
• em conseqüência, toda ruptura dessa harmonia passa a ser indicativa
de desequilíbrio e desadaptação;
• a sociedade é regida por leis naturais, quer dizer, leis invariáveis
independentes da vontade e ação humanas (ANASTASI, 1977, p. 16).

A consequência mais contundente desses princípios refere-se ao trata-


mento dispensado ao fato social que para receber a chancela da ciência deve
ser isolado do sujeito que pesquisa. Ou seja, “no contexto dessa conceituação,
para fazer ciência é necessário lidar com fatos ‘objetivos’ e ‘objetivo’ passa
a ser somente aquilo que pode ser observado, medido, palpado.” (FRANCO,
1997, p. 16). Segundo Sousa (1998), “a racionalidade” hegemônica na ciência
moderna, que se estende, no século XIX, das ciências naturais para as ciências
humanas, postula uma lógica objetivista e quantitativista. Segundo essa lógica,
as ciências são encaradas num “escalonamento” de conhecimentos que devem
obedecer a um rumo previamente definido pela matemática, pela física e pela
química que gozam do status de ciências propriamente ditas.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 103

Os testes psicométricos no Brasil

No Brasil, na década de 1920, a obra de Lourenço Filho é considerada


um dos primeiros estudos e aplicação da teoria dos testes. Em 1921, o autor
publica “Estudo da atenção escolar”, na Revista Educação de Piracicaba, onde
constam os primeiros ensaios brasileiros de psicologia aplicada à educação
mediante aplicação de testes de medidas (HILSDORF, 1998).
Monarcha (2001) indica que, nos anos subsequentes a 1925, simultanea-
mente à regência das aulas, Lourenço Filho atua na reativação do Laboratório
de Psicologia Experimental da Escola Normal de São Paulo, onde passa a
trabalhar recolhendo fatos e técnicas operativas com vistas a explicar pela
via da psicologia os fatos sociais e individuais. Sobre o grupo de trabalho
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que com Lourenço Filho difundiu as ideias de mensurar qualidades humanas,


Monarcha (2001, p. 14) afirma que

Esse grupo ativo e sintonizado com os debates e controvérsias daquela


época, passou a se dedicar à pesquisa e divulgação técnica de experiências
comunicáveis, fundamentados, sobretudo, em fontes da psicologia franco-
-genebrina: Claparède, Pieron, Walther, Binet, Simon e outros, envolvidos,
diretamente ou não, com o Instituto Jean-Jacques Rousseau, sediado em
Genebra, Suíça, dirigido por Claparède.

Entre 1920 e 1930, no Brasil, o movimento de organização científica e


institucionalização acadêmica da psicologia objetiva, ramo da psicologia que
intentava mensurar qualidades e capacidades individuais e sociais, ganhou
maior densidade teórica e expressão pública, mesmo que heterogêneo e mar-
cado por disputas entre as escolas de psicologia. A psicologia aplicada à
educação foi impulsionada, inserindo-se de forma expressiva na escola, em
boa parte devido ao fortalecimento do denominado “movimento dos testes”
desencadeado por algumas Diretorias Gerais da Instrução Pública e de várias
Escolas Normais. Monarcha (2001, p. 14) destaca como centros irradiadores
dessa nova cultura “os estados de São Paulo, Pernambuco e Minas Gerais e
no então Distrito Federal (Rio de Janeiro), o ‘movimento dos testes’ adquiriu
prestígio e difusão, reforçando as expectativas acerca da psicologia objetiva,
aplicada à educação e ao trabalho”.
O livro de Lourenço Filho Testes ABC: para a verificação da maturidade
necessária à aprendizagem da leitura e escrita, foi amplamente difundido
nas décadas seguintes, adentrando no terreno da organização da psicologia
aplicada ao trabalho, na época denominada de psicotécnica, englobando a
“aplicação da teoria psicológica na solução dos problemas práticos de todas
as esferas de atividade humana, particularmente da criança que estuda e do
homem que trabalha” (MONARCHA, 2001, p. 19).
104

A difusão da psicotécnica no Brasil deixa transparecer sua ontologia, pois


visava favorecer a seleção, orientação e formação profissional do trabalha-
dor brasileiro, não como possibilidade de rompimento das condições sociais
desiguais, mas sim, como otimização das relações sociais e produtivas como
um ajuste dentro da ordem. Patto (1996, p. 42), afirma que:

[...] acabaram [...] fortalecendo a crença na possibilidade de oportunidades


iguais que tentavam viabilizar através de dois recursos: o uso de instru-
mentos que queriam infalíveis na mensuração das verdadeiras disposições
naturais e a expansão e aprimoramento do sistema escolar.

Mais adiante em nota de pé de página prossegue a autora: “O que preo-

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cupava sociólogos, psicólogos e pedagogos irmanados nesta luta não era a
estrutura social de classes, mas a reversão de disfunções de que esta estru-
tura padecia”.
A difusão e a aplicação dos testes tinham em vista a otimização e a
organização racional do trabalho, fatores julgados imprescindíveis para a
industrialização e modernização da sociedade brasileira. Seu campo principal
de aplicação era a escola onde se dava a mensura e organização das classes
escolares baseando-se na “maturidade” e capacidade obtidas e diagnosticadas
pelo rendimento dos escolares.
Esse expressivo movimento de mensura e classificação intelectual que
vicejou nas décadas de 1920, 1930, perdurou por boa parte da década de 1940,
como “rotina quantificadora” (PATTO, 1996).

Influência norte-americana na avaliação educacional do Brasil

Não podemos afirmar que o desenvolvimento da avaliação no Brasil seja


reflexo direto de apenas uma escola avaliativa, como pudemos depreender
pelas diferentes influências teóricas e metodológicas que se fizeram presen-
tes no ideário precursor dos testes avaliativos no Brasil. Contudo, podemos
afirmar que os novos sistemas de avaliação denominados de sistemas de
nova geração, mesmo que “circunscritos numa tendência internacional de
intensificação e fortalecimento de mecanismos de controle da qualidade da
educação por meio da avaliação de desempenho escolar” (SOUSA, 1997), se
desenvolveram principalmente nos Estados Unidos da América. Durante as
duas primeiras décadas do século XX, com Edward Thorndike, os testes de
medidas educacionais, enfatizando a importância na medida e quantificação do
comportamento humano, ganham projeção desembocando no desenvolvimento
de testes padronizados para mensurar aptidões e habilidades dos estudantes.
Segundo Vianna (2005, p. 146),
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 105

O grande passo na evolução da avaliação educacional foi dado por E. L.


Thorndike, nos princípios do século XX, ao desenvolver toda uma fun-
damentação teórica sobre a possibilidade de medir mudanças nos seres
humanos, escrevendo importante livro – Mental and Social Measurement
(1904), editado pela Universidade de Colúmbia, na qual era professor. A
partir desse momento, todo um aparato tecnológico é desenvolvido para
a medida de capacidades humanas e a avaliação; em conseqüência, passa
a ter o significado de medida, concepção que ainda prevalece em amplos
setores educacionais, inclusive fora dos Estados Unidos, como no Brasil.

Considerando os acontecimentos políticos e econômicos, que de certa


forma refletiram no movimento avaliativo norte-americano, somos remeti-
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dos aos problemas advindos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Os


problemas econômicos da retomada da produção no pósguerra demandavam
rigoroso controle de eficiência. Vianna (2005) assinala que, apesar da crise
socioeconômica do período que se estende desde meados da década de 1940
até fins da década de 1960, importantes transformações ocorreram na educa-
ção americana, como o aumento da preocupação com os testes de mensura de
habilidades e conhecimentos. Esse período coincide com o desenvolvimento
da teoria clássica dos testes e com o surgimento de novas abordagens sobre
avaliação educacional. Vianna (2005) indica que esse movimento ocorreu em
contraposição ao modelo avaliativo proposto por Tyler. O autor afirma que

É importante destacar, nesse momento, o aparecimento de uma instituição


atuante até os dias fluentes e que, mais tarde, serviria de modelo para a
criação de outros órgãos semelhantes – o Educational Testing Service
(ETS) – (1947), por inspiração de vários educadores, entre os quais se
destacaram E. F. Lindquist e Ralph W. Tyler. O ETS, a partir de sua
criação, passaria a ter influencia decisiva no desenvolvimento de testes
(padronizados) e em amplos programas de avaliação, como o National
Assessment of Educational Progress (NAEP) e o International Assessment
of Educational Progress (IAEP) (VIANNA, 2005, p. 149).

Esses acontecimentos incidiram na educação que se praticava e nas for-


mas de otimização de seu alcance em prol de um melhor desenvolvimento
econômico e social. Ressalte-se que na década de 60 do século XX, compondo
o ethos avaliativo, se fortalece o emprego do termo accountability que acom-
panhará as discussões acerca das avaliações de larga escala, servindo como
respaldo ao discurso em prol da “educação compensatória” das desigualdades
sociais, como evidencia Vianna (2005, p. 150) na passagem que segue:

O contexto político, inicialmente decorrente da administração John Ken-


nedy e, a seguir, após 1963, da gestão Lyndon Johnson, em que houve uma
106

grande preocupação com os reflexos das desigualdades sociais na dife-


renciação das oportunidades educacionais, passa a determinar um grande
esforço a fim de criar novas condições na área educacional, surgindo, por
influência de Robert Kennedy, o conceito de responsabilidade em educa-
ção (accountability), a fim de evitar possíveis desperdícios dos recursos
financeiros concedidos a programas curriculares e a suas avaliações, na
área da educação compensatória. A avaliação, nesse novo quadro, deixou
de ser apenas um trabalho teórico de alguns educadores, transformando-se
numa prática constante, que, em muitos casos, assumiu um caráter quase
obsessivo na cultura educacional norte-americana.

Saul (2006, p. 29) afirma que, a avaliação da aprendizagem no Brasil

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trilhou o caminho da produção americana da década de 1960 com uma defa-
sagem de uma década. Com grande influência dos trabalhos de Ralph Tyler, a
avaliação educacional brasileira era pensada como uma “dimensão de controle
do planejamento curricular”. Logo, o desenvolvimento da avaliação educa-
cional brasileira da época se confunde com o desenvolvimento dos manuais
de currículo (SAUL, 2006).
Para compreendermos a ontologia da avaliação educacional brasileira das
décadas de 1960 e 1970, necessariamente temos que nos voltar à conjuntura
política e econômica fortemente marcada pelo viés do desenvolvimentismo
desde os anos 1950. Daí, podemos depreender que a escola eficiente deveria
valorizar o domínio da terminologia, dos conteúdos e da escrita lastreada nas
técnicas de planejamento, gerência e supervisão, o domínio de planejar, admi-
nistrar e executar atividades profissionais por etapas, tudo isso se conformava
com o modelo de homem que deveria ser perseguido pela escola, o homem que
resolve, com disciplina, com método de trabalho sistemático, os seus problemas
(NAGEL, 1996). Por refletir esse movimento, e ter que responder a essas prerro-
gativas, a avaliação educacional da época aparece atrelada com o planejamento
e o desenvolvimento de currículos. Domingues (1985) ao trabalhar a trajetória
dos manuais de currículo no Brasil, que de certa forma se confunde com a
trajetória da avaliação educacional, destaca que a aplicabilidade do modelo de
Tyler ultrapassa a década de 1970 pelas traduções e aplicações de sua obra, com
relevância aos Princípios Básicos de currículo e ensino, que segundo o autor no
período de 1974 a 1984 chegou a nove edições. Afirma, ainda, que Hilda Taba
teve seu livro Elaboración del currículo, difundido no Brasil em língua espa-
nhola em 1974. James Popham, Eva Baker e Robert Mager tiveram suas obras
traduzidas para o português e divulgadas no Brasil a partir do início da década
de 1970. Saul (2006, p. 30) afirma que, “com as propostas de Mager, Popham e
Baker, a tecnologia da avaliação é exacerbada. A necessidade de construir itens
de testes apropriados e de testá-los é altamente valorizada”.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 107

Segundo Lima (2001, p. 69),

Diversos “sistemas” avaliativos desenvolvem-se sob este enfoque, onde


o controle do currículo e do planejamento é o principal objetivo, e o que
busca é a medida, uma manipulação matemática de dados. Quando Saul
faz referência a uma invasão destas ideias no pensamento educacional
brasileiro, na década de 70, reporta-se ao ideário pragmático behaviorista
americano, que subordina a avaliação a uma série de quesitos compor-
tamentais que se desdobram em tecnologias diversas, entre as quais a
“instrução programada” e a “prova objetiva”.

Proliferam na época os materiais pedagógicos para o aluno, e os manuais


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instrucionais para os professores. Os manuais de construção de instrumentos


de avaliação crescem em preponderância na formação dos professores.
Segundo Saul (2006, p. 32),

A influência do pensamento positivista no tocante à avaliação da apren-


dizagem impregnou o ambiente acadêmico brasileiro, tendo se projetado
e difundido através dos autores mencionados, cujas obras foram adotadas
nos cursos de formação de educadores (à guisa de exemplo, podem ser
indicados os planos da disciplina Currículo e Programas dos cursos de
pedagogia da Universidade de São Paulo, PUC de São Paulo, Universidade
Federal Fluminense e Universidade Federal de Goiás) e figuram inclusive
na bibliografia de vários concursos para provimento de cargos na área
educacional. Esta influência, no entanto, extrapolou o âmbito acadêmico,
tendo subsidiado toda uma legislação sobre avaliação, tanto a nível federal
como estadual, e traduzindo-se em leis, decretos e pareceres que orienta-
ram as práticas de avaliação em escolas de 1º e 2º graus. (Lei nº 5.692, de
11 de agosto de 1971; Resolução SE/SP nº 134/76, Art 1º.). Em que pese
o questionamento levantado quanto aos pressupostos dessa proposta de
avaliação, o fato é que ela constitui o “superego” de administradores e
professores que, mau ou bem, a utilizam.

Esse modelo de avaliação educacional que acompanha o desenvolvimento


da teoria do currículo de viés positivista, que Saul (2006) denomina de quan-
titativista, irá perpassar toda a década de 1970 avançando até os anos de 1980.
A partir de meados de 1980 começam a ganhar força no Brasil, novamente
por influência norte-americana (SCHWARTZMAN, 2005), as discussões em
torno dos testes avaliativos em larga escala, que perduram até os dias atuais
materializados no SAEB, ENEM e ENC.
Supondo possível o estabelecimento de um marco dessa nova “frente
avaliativa”, este seria imputado ao Coleman Report, de 1966, que segundo
108

Schwartzman (2005) se constituía em um grande estudo envolvendo 600 mil


crianças em quatro mil escolas, realizado por solicitação do governo norte-a-
mericano para entender o que estava ocorrendo de errado na área educacional.
O autor declara que

O relatório Coleman deu origem a muitos estudos e pesquisa sobre a


questão educacional e, em 1969, por decisão do Congresso Americano, foi
criado o National Assessment of Educational Progress – Naep (Avaliação
Nacional do Progresso em Educação), que serviu de modelo para o Sistema
de Avaliação da Educação Básica (SAEB) no Brasil. O Naep é também
conhecido como o Boletim Escolar da Nação e acompanha a evolução da
qualidade da educação norte-americana nas diferentes regiões e Estados

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(SCHWARTZMAN, 2005, p. 20).

Ainda tendo em vista a consecução da qualidade da educação norte-a-


mericana, foi lançado em 1981 um novo documento de grande repercussão,
trata-se do A Nation at Risk, “baseado em um grande número de estudos
especialmente encomendados por uma comissão de alto nível, e que culmi-
nava em uma série de recomendações para melhorar a educação do país”
(SCHWARTZMAN, 2005, p. 21). A exemplo do ocorrido no século XIX
com relação aos testes psicométricos, requereu-se o apoio da ciência como
forma de referendar a prática avaliativa, tendo em vista atribuir-lhe validade
inquestionável. Para Schwartzman (2005, p. 21),

As metodologias adotadas são muito distintas das anteriores, que eram


baseadas na busca do consenso entre professores sobre conteúdos e crité-
rios de avaliação. Agora, as opiniões e avaliações dos especialistas conti-
nuam sendo tomadas em conta, mas são processadas e interpretadas com a
ajuda de procedimentos estatísticos complexos, manejados por estatísticos,
psicometristas e sociólogos que não trabalham necessariamente em insti-
tuições educacionais, e sim para órgãos de governo, institutos de pesquisa
e para as novas agências de avaliação.

Este é o legado que décadas depois terá no Brasil considerável influência


na determinação endógena de um sistema nacional de avaliação da Educação
Básica materializado na constituição do SAEB a partir do fim da década de
1980 do século XX.

Sistema nacional de avaliação educacional

Na década de 1980 foi criada pelo MEC uma comissão ministerial


para analisar as ações na área. Segundo Maria Inês Pestana (1997), diretora
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 109

responsável em 1997 pela avaliação básica do INEP e do SAEB, “[...] havia


muita avaliação institucional, de programas e projetos e pouca avaliação de
política [...]” (apud PERONI, 2003, p. 110)3 e, ainda,

[...] o projeto sempre tem características especiais, ou ele tem uma


abrangência geográfica específica, ou uma área específica de atuação,
portanto, as avaliações que estes projetos levavam a cabo não permitiam
uma extrapolação, uma articulação com as outras áreas... (apud PERONI,
2003, p. 110).

Logo, a ausência de um programa de avaliação que comportasse de


forma geral a estrutura do sistema de ensino e a ausência de um programa
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de avaliação articulado que contemplasse os projetos com diagnósticos e


variáveis voltados para áreas especificas são apontados como ponto de partida
para a criação de um sistema nacional de avaliação. Num primeiro momento,
no início da década de 1990, a Fundação Carlos Chagas a pedido do MEC
elaborou provas de conhecimentos com base nas propostas curriculares dos
Estados. Pilati (1995, p. 20), afirma que

[...] numa segunda aferição (1993-94), foram abordados novamente os três


aspectos de 1990: gestão escolar, situação e competência do professor e
rendimento do aluno, tendo sido observadas as mesmas séries e discipli-
nas, com o objetivo de consolidar o sistema de avaliação e aperfeiçoar
as técnicas.

Com base nestas aferições, e levando-se em conta as propostas curricula-


res dos Estados, foi construída uma matriz com o que havia de comum entre
as propostas. Essa matriz foi novamente analisada pelos Estados, legitiman-
do-se. Em 1995, numa terceira etapa, o MEC assinou acordo de cooperação
técnica com a Fundação Carlos Chagas e com a Fundação Cesgranrio. Afirma
Peroni (2003, p. 112) que

Os recursos financeiros dessa terceira etapa foram oriundos do Projeto


Nordeste – Componente Nacional e, segundo o documento estão consig-
nados em convênio firmado entre o INEP e o Fundo Nacional de Desen-
volvimento da Educação (FNDE). O convênio é executado por meio do
projeto BRA92/002 junto ao Programa das Nações Unidas para o Desen-
volvimento da Educação (PNUD), que estabelece os procedimentos de
contratação de serviços e de pessoal.

3 Maria Inês Pestana foi entrevistada por Vera Peroni (2003) em abril de 1997, em Brasília, quando era diretora
responsável pela avaliação básica do INEP e também pelo SAEB.
110

Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96, de


20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), a avaliação torna-se obrigatória.
O Título IX Das Disposições Transitórias, art. 87, reza:

É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publi-


cação desta Lei. [...] § 3º. Cada município e, supletivamente, o Estado e
a União, deverá: [...] IV – Integrar todos os estabelecimentos de ensino
fundamental do seu território ao sistema nacional de avaliação do rendi-
mento escolar (BRASIL, 1996).

É assim que, no transcorrer dos anos de 1990, o tema da qualidade do


ensino ganha centralidade como objeto de regulação federal. Para uma melhor

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viabilidade deste sistema legal começa a ser exigido o aporte de um sistema
de informações educacionais conjugado a um sistema nacional de avaliação,
ambos considerados elementos estratégicos da boa governança educacional
e, consequentemente, dos componentes da estabilidade política e social pre-
tendidas. Na década de 1990, o MEC realiza um investimento significativo
em avaliação da educação: cria o Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica – SAEB; o Exame Nacional de Cursos – o Provão para a educação
superior; o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM; o Exame Nacional
de Certificação de Competências de Jovens e Adultos – ENCCEJA.
A instância federal teve sua ação avaliativa ampliada no interior de pro-
gramas como o do livro didático – PNLD – Programa Nacional do Livro
Didático e também como o Fundo de Fortalecimento da Escola – FUNDES-
COLA, pelo FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério, atualmente FUNDEB – Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação. Este conjunto de medidas, somado a outras formas
de avaliação da educação pelo poder público, visou consolidar a ideia de que
somente por meio da avaliação da educação pública e privada, bem como da
publicização dos resultados, seria possível atingir a tão necessária qualidade
de produtos e resultados do processo educacional, condição sine qua non para
promover a proclamada mobilidade social e, deste modo, o alívio da pobreza.

Considerações finais

Os problemas educacionais, ou o baixo rendimento dos alunos em testes


avaliativos de larga escala servem muitas vezes de justificativa para os proble-
mas sociais, como por exemplo, a pobreza e condições de miserabilidade de
várias formas que figuram como marca indelével da sociabilidade regida pelo
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 111

capital. Desse modo, a educação que se propaga como a ideal, se mostra como
uma imprescindível forma de ajuste das desigualdades sociais. Trata-se da
educação eficiente, capaz não só de reverter os baixos escores dos estudantes
nos testes avaliativos, dotando-os de habilidades e competências requeridas
pela sociabilidade assentada no lucro, bem como acenar como possibilidade
de saída de uma condição econômica desfavorável, a pobreza, por meio do
empoderamento dos mais pobres, tornando-os assim, pobres eficientes. Enfim,
podemos constatar que a eficiência dita o tom das ações do Estado capitalista,
que se mostra eficiente na avaliação e no controle social impondo como norma
que para a educação transpor o escrutínio da eficiência, que essa deva ser
constantemente avaliada e rotulada pelos seus resultados. Para tanto, muitos
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aspectos que interferem no aprendizado por parte dos estudantes, são des-
considerados, recebendo atenção maior o rendimento dos alunos em testes
ou provas que intentam mensurar seus conhecimentos.
112

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VIANNA, Heraldo Marelim. Fundamentos de um programa de avaliação


educacional. Brasília: Líber Livro Editora, 2005.
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O PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO:
dos documentos que orientam sua
implantação e implementação à sua
prática em escolas de Cascavel – PR
Altevir Rossi Carneiro
Isaura Monica Souza Zanardini
João Batista Zanardini
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Introdução

Apresentamos neste artigo1 uma investigação sobre a implantação e


implementação do Programa Mais Educação como política social nas esco-
las da zona urbana do Município de Cascavel – PR. Buscamos responder
à seguinte problemática: Pode a “educação integral e em tempo integral”
efetivamente melhorar a educação, contribuindo para a garantia da educação
pública, democrática, inclusiva e de qualidade social para todos? A pesquisa
foi realizada por meio de pesquisa bibliográfica e documental. Os dados
obtidos permitem compreender que o Programa apresenta como princípio a
ampliação do tempo de permanência do aluno na escola, a partir da reinvenção
do tempo e do espaço escolar, preferencialmente em escolas de baixo IDEB
e localizadas em bairros pobres e de periferia, atendendo preferencialmente
alunos em situação social vulnerável.

Os documentos que orientam o Programa Mais Educação

O Programa Mais Educação é regulamentado pela Portaria Interminis-


terial nº 17/2007. Este documento nos permite compreender os objetivos e a
forma de implantação e implementação do Programa.
A Portaria Interministerial nº 17/2007, apresenta, em seu artigo 1º, que
o objetivo do Programa Mais Educação é de

[...] O programa será implementado por meio do apoio à realização, em


escolas e outros espaços socioculturais, de ações socioeducativas no contra
turno escolar, incluindo os campos da educação, artes, cultura, esporte,
lazer, mobilizando-os para a melhoria do desempenho educacional, ao
cultivo de relações entre professores, alunos e suas comunidades, à garantia

1 Artigo publicado originalmente na Rev. Teoria e Prática da Educação, v. 21, n. 2, p. 101-113, 2018.
116

da proteção social da assistência social e à formação para a cidadania,


incluindo perspectivas temáticas dos direitos humanos, consciência
ambiental, novas tecnologias, comunicação social, saúde e consciência
corporal, segurança alimentar e nutricional, convivência e democracia,
compartilhamento comunitário e dinâmicas de redes (BRASIL, 2007a).

O artigo primeiro trata ainda da alteração do ambiente escolar. Essa


alteração não diz respeito a mais investimentos na melhoria ou ampliação do
espaço escolar, mas sim de uma alteração propriamente dita, levando a ideia
de ambiente escolar para fora da escola, nos outros espaços da comunidade
ao redor da escola. Ao expor o objetivo do Programa, a lei trata do cultivo das
relações entre professores, alunos e suas comunidades. Destaca-se também a

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intenção de utilizar um programa educacional para resolver problemas sociais,
o que está exposto ao tratar da mobilização dos sujeitos para a garantia da
proteção e da assistência social.
Considerando o objetivo exposto no artigo primeiro, podemos analisar
outros itens da Portaria, buscando identificar avanços e limites do Programa
Mais Educação.
Um item a ser destacado é a finalidade do Programa, descrita no artigo
2º, inciso I, da portaria como sendo a de

Apoiar a ampliação do tempo e do espaço educativo e a extensão do


ambiente escolar nas redes públicas de educação básica de Estados, Dis-
trito Federal e municípios, mediante a realização de atividades no contra
turno escolar, articulando ações desenvolvidas pelos Ministérios integran-
tes do Programa (BRASIL, 2007a).

No artigo 2º não encontramos clareza sobre quais são as atividades a


serem desenvolvidas durante o período estendido de permanência dos alu-
nos na escola, e nem tampouco sobre quais seriam os espaços contemplados
naquilo que a portaria definiu como extensão do ambiente escolar. Porém, o
parágrafo único do artigo 1º da portaria afirma que

O programa será implementado por meio do apoio à realização, em escolas


e outros espaços socioculturais, de ações socioeducativas no contra turno
escolar, incluindo os campos da educação, artes, cultura, esporte, lazer,
mobilizando-os para a melhoria do desempenho educacional, ao cultivo de
relações entre professores, alunos e suas comunidades, à garantia da pro-
teção social da assistência social e à formação para a cidadania, incluindo
perspectivas temáticas dos direitos humanos, consciência ambiental, novas
tecnologias, comunicação social, saúde e consciência corporal, segurança
alimentar e nutricional, convivência e democracia, compartilhamento
comunitário e dinâmicas de redes (BRASIL, 2007a).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 117

A partir desta compreensão, a ampliação do tempo educativo pode ser


apreendida, como cita o inciso II do artigo 2º, como uma forma de “contribuir
para a redução da evasão, da reprovação, da distorção idade/série, mediante
a implementação de ações pedagógicas para melhoria de condições para o
rendimento e o aproveitamento escolar” (BRASIL, 2007a).
O capítulo IV da Portaria apresenta as atribuições dos integrantes do
Programa Mais Educação, trazendo no artigo 7º as competências dos Minis-
térios e Secretarias federais. Entre estas competências, destacamos os incisos

II – prestar assistência técnica e conceitual na gestão e implementação


dos projetos;
III – capacitar gestores e profissionais que atuarão no Programa;
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IV – estimular parcerias nos setores público e privado visando à ampliação


e ao aprimoramento do Programa (BRASIL, 2007a).

Se, por um lado o Estado mantém o controle do Programa, por meio


da “assistência técnica e conceitual na gestão e implementação de projetos”
(BRASIL, 2007a, por outro, propõe capacitar os gestores e profissionais que
devem buscar recursos para a manutenção do programa, e estimula parcerias
com os setores público e privado. Essa capacitação para a busca de recursos
e o estímulo às parcerias retira do Estado a responsabilidade pela manutenção
do Programa e atribui aos gestores essa responsabilidade.
Outro item que destacamos a partir da Portaria que instituiu o Programa
Mais Educação é a articulação entre quatro Ministérios que o integram, elen-
cados no artigo 4º da referida Portaria, a saber: Ministério da Educação,
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério da
Cultura e Ministério do Esporte.
Este precedente aberto a partir da proposta de um Programa interminis-
terial, além de permitir que outros Ministérios atuem diretamente no campo
educacional, abre outras possibilidades de “empobrecimento” da educação.
Nossa observação é feita a partir do fato de que a exigência de profissio-
nais formados para atuar na Educação é feita apenas para as ações propostas
pelo Ministério da Educação e da Cultura. As ações propostas por outros
Ministérios ou quaisquer outros parceiros na execução do Programa podem
ser desenvolvidas por estagiários, monitores e até voluntários. Consta das
intenções professadas no Programa, o desenvolvimento de metodologias de
planejamento das ações, que permitam a focalização da ação do Poder Público
em regiões mais vulneráveis (BRASIL, 2007a).
Após a Portaria Interministerial nº 17/2007, o Ministério da Educação,
por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversi-
dade – SECAD, que posteriormente foi alterada para Secretaria de Educação
118

Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI, lançou a Série


Mais Educação.
De acordo com Silva (2013, p. 152), estes cadernos fornecem elementos
que nos ajudam a compreender o locus do Programa Mais Educação no con-
texto atual da educação brasileira, não obstante o fato de serem simbólicos
em relação aos princípios do Programa. Neles encontramos a apresentação do
marco legal do Programa Mais Educação, as concepções de Educação Integral
e, especialmente, as ideias da gestão intersetorial, assim como a estrutura de
funcionamento do Programa, dos projetos interministeriais que o compõem
e sugestões para a gestão intersetorial.
Afirma-se no documento:

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[...] o Programa MAIS EDUCAÇÃO traz a intersetorialidade em sua
gênese, uma conquista da intervenção pública no campo educativo. tra-
ta-se de uma articulação entre os Ministérios da Educação, da Cultura,
do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, do Esporte, da Ciência e
Tecnologia, do Meio-Ambiente, da Secretaria Nacional da Juventude da
Presidência da República com o objetivo de efetivar a educação integral
de crianças, adolescentes e jovens. A concepção de educação que sustenta
o Programa afirma o potencial educativo de amplo espectro das políticas
públicas setoriais: Assistência Social, Ciência e Tecnologia, Cultura, Edu-
cação, Esporte, Meio Ambiente (BRASIL, 2009a, p. 24, grifo do autor).

Além dessa articulação entre Ministérios e Secretarias, trata também da


intersetorialidade das ações desenvolvidas para a Educação Integral pelos
estados, municípios, distritos, organizações não governamentais e a sociedade
civil de forma geral.
O documento enfatiza também, do ponto de vista dos direitos das crian-
ças e adolescentes, que “as políticas setoriais se alinham – pela Constituição
Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – no compromisso que
têm com a garantia da proteção e desenvolvimento integral destes cidadãos.
Estes direitos fazem parte da chamada agenda dos novos direitos sociais”
(BRASIL, 2009a, p. 24). Ao apresentar tal alinhamento, o documento imputa à
escola de Educação Integral a corresponsabilidade sobre a garantia dos direitos
constitucionais e aqueles previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Outro fato que merece atenção, é a orientação das parcerias para a
implementação do Programa Mais Educação, entre a escola e a comuni-
dade local, alegando que, ao mesmo tempo em que demonstra interesse pela
diversidade cultural, também amplia o espaço de aprendizagem para além
do espaço escolar.
De acordo com a análise da gestão intersetorial do território, proposta no
primeiro caderno da trilogia Mais Educação, observamos que esse Programa
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 119

tem o objetivo de atribuir a responsabilidade pela garantia dos direitos das


crianças e adolescentes à escola e à comunidade, oferecendo atendimento em
tempo integral, mas propondo que isso seja feito por meio de articulações
no território onde se encontra a escola. Tal proposição desonera o Estado de
suas responsabilidades, ao mesmo tempo em que responsabiliza a escola e a
comunidade pelo sucesso (ou fracasso) do Programa.
Com relação ao segundo caderno intitulado Educação Integral:

[...] O texto foi produzido pelo Grupo de Trabalho composto por gestores
e educadores municipais, estaduais, e federais, representantes da União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME, do Con-
selho Nacional dos Secretários de Educação – CONSED, da Confedera-
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ção Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE, da Associação


Nacional pela Formação de Profissionais da Educação – ANFOPE, de
universidades e de Organizações não Governamentais comprometidas
com a educação. O Grupo de Trabalho foi convocado pelo Ministério da
Educação, sob coordenação da SECAD (BRASIL, 2009, p. 6).

Analisar este caderno é fundamental para compreender a concepção de


educação integral presente no Programa Mais Educação. O texto apresenta o
resultado das discussões realizadas por diversos setores da sociedade, sobre
o tema da educação integral, no contexto do pós-lançamento do Programa,
considerando as características históricas, conceituais e legais. O documento
se divide em três partes, sendo que na primeira encontramos as justificativas
para a necessidade da educação integral. Na segunda apresentam-se as carac-
terísticas históricas e legais da educação integral. E, na terceira, o resultado
das discussões sobre a proposta de educação integral a partir do lançamento
do Programa Mais Educação.
A discussão sobre a necessidade da educação integral parte do princípio
que, no nosso entendimento, mais do que justificar, vai depositar na educa-
ção integral a “esperança” da solução de problemas sociais que vão além do
contexto da educação e das escolas. Em destaque, o documento apresenta
que “o direito à educação de qualidade é um elemento fundamental para a
ampliação e para a garantia dos demais direitos humanos e sociais, e condi-
ção para a própria democracia, e a escola pública universal materializa esse
direito” (BRASIL, 2009b, p. 13), e explicita que, a partir da complexidade e
da urgência das demandas sociais, o desafio posto para a educação integral “é
o da articulação dos processos escolares com outras políticas sociais, outros
profissionais e equipamentos públicos, na perspectiva de garantir o sucesso
escolar” (BRASIL, 2009b, p. 13).
Para Pio (2014, p. 87), a citada ampliação e garantia de direitos humanos
e sociais supostamente se materializa ao se propor a educação integral “como
120

uma alternativa de redução da vulnerabilidade e do risco social, os quais podem


ser fatores influentes do baixo rendimento escolar, da evasão e da repetência”,
mazelas essas abordadas na primeira parte do documento em análise.
A segunda parte do caderno apresenta como o tema educação integral foi
sendo discutido e praticado no Brasil desde o século XX, partindo do movi-
mento integralista da década de 1930, se estendendo até as experiências dos
Centros Educacionais Unificados, vivida na cidade de São Paulo (2000-2004).
O que nos parece presente nessa parte do documento é a ênfase em atribuir
à escola, e mais especificamente à proposta de educação integral, a responsa-
bilidade de cuidar de problemas sociais que não são originalmente questões
a serem resolvidas pela escola. Assim, a proposta da Educação Integral e em
tempo integral é diluidora, ou dilui o sentido da educação escolar. Ao trazer

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para a escola várias outras tarefas e responsabilidades, se perde a ação central da
escola. Sobre o conceito de educação integral, Silva (2013, p. 163) afirma que

[...] o conceito que se difunde em torno da educação integral, inclusive


como política e orientação do Estado brasileiro, repousa na vontade
‘mínima’ no tratamento das questões referentes a escola pública, sempre
pensada de acordo com outros interesses que não os universais.

Ainda na segunda parte, o documento apresenta o percurso da educação


integral, do ponto de vista legal, desde a Constituição Federal de 1988 até a
Portaria Interministerial nº 17/2007. Nessa parte, o texto retoma a proposta
da implementação do Programa Mais Educação como o aumento do tempo
escolar, por meio de ações desenvolvidas em parceria com a cultura, o esporte
e a assistência social, características que já discutimos na abordagem do pri-
meiro caderno da trilogia.
Também destacamos, nesse “compromisso coletivo”, como aponta Pio
(2014, p. 88), que o incentivo à participação da sociedade na elaboração e
encaminhamento das propostas sociais é uma forma de constituir consensos
nas decisões e garantir a governança.
Sobre a questão de o Programa estar associado à ideia de atenção integral
como proteção social, Silva (2013) afirma que

Na verdade, esse esquema adotado pelo Caderno apresenta uma inovação


importante: o deslocamento do direito a educação (primeiro dos direitos
constitucionais) para o campo da assistência social. Nesse caso, o sentido
principal da ação está, não na efetividade do direito a educação de forma
integral (acesso, permanência e conclusão do período básico de escolari-
zação com qualidade), mas sim em princípios assistencialistas, medidas
compensatórias que, em última instância, procuram (apenas) fórmulas de
correção da desigualdade social, mantendo-a, portanto, em níveis toleráveis.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 121

Ao tratar da relação entre escola e comunidade, o segundo caderno indica


que para desenvolver o projeto da educação integral, “a escola e demais ins-
tituições sociais podem ser orientadas a se constituir como uma ‘comunidade
de aprendizagem’” (BRASIL, 2009b, p. 30). Essa ampliação é tratada a partir
da ideia do uso dos espaços comunitários do entorno da escola (BRASIL,
2009b, p. 34).
Desse modo, a ampliação dos espaços não acontece no ambiente escolar,
mas sim é concebida a partir da comunidade, por meio de espaços públicos ou
privados já existentes no entorno da escola. O segundo caderno aborda também
a formação de “educadores” na perspectiva da educação integral. Aqui, pode-
mos destacar a substituição do temo “professor” por “educador” num contexto
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de ampliação de tarefas dos professores e valorização de outros profissionais


pelo Estado. Isso demonstra a ausência do Estado no plano de perpetuação
das relações capitalistas e mostra a alteração do papel da escola, que numa
perspectiva social deveria garantir, por exemplo, conteúdos e bons professores.
O terceiro caderno da trilogia, intitulado Rede de Saberes Mais Educa-
ção, sugere

[...] caminhos para a elaboração de propostas pedagógicas de Educação


Integral por meio do diálogo entre saberes escolares e comunitários. Esses
caminhos são representados na forma de Mandalas de Saberes para incor-
porar as diversas realidades territoriais brasileiras (BRASIL, 2009a, p. 6).

Este caderno apresenta uma proposta para a elaboração dos projetos


pedagógicos do Programa Mais Educação fundamentada nas concepções da
interculturalidade, posição assumida no documento, ao afirmar que

[...] propomos uma educação intercultural. Ela surge no âmbito da luta


contra os processos de exclusão social por meio dos diversos movimentos
sociais que reconhecem o sentido e a identidade cultural de cada grupo
e, ao mesmo tempo, busca constituir-se através do espaço de diálogo/
conflito/negociação que possuem como desafio. A educação intercultural
desenvolve-se na busca por espaços de interação de grupos diferenciados
e enriquece-se neste processo (BRASIL, 2009c, p. 15).

Ao explicar a adoção da “mandala” para o Programa Mais Educação, o


documento afirma que ela

[...] funciona como ferramenta de auxílio à construção de estratégias peda-


gógicas para educação integral capaz de promover condições de troca entre
saberes diferenciados. A educação intercultural pode ser comparada a um
122

sistema dinâmico, imprevisível, um árduo trabalho de liberdade, de devir


histórico, um esforço incessante de nos reconhecer em constante mutação.
A educação pode ser vista, assim, como um laboratório de experiências
culturais, sociais e históricas em que a realidade e o conhecimento adqui-
rem sucessivamente novas formas (BRASIL, 2009c, p. 23).

Estabelecendo uma comparação com a obra de Umberto Eco, o docu-


mento esclarece que

[...] a Mandala de Saberes atua como obra que não encerra em si suas
possibilidades, mas se abre para que diferentes sujeitos possam escolher
suas condições, sequências, formas... transformando a prática educacio-

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nal em espaço de diálogo e negociação, ou talvez em espaço de criação
(BRASIL, 2009c, p. 28).

Em sua conclusão, o terceiro caderno destaca que

A educação integral desafia-nos a construir e ampliar nossas trocas e diá-


logos entre escolas e comunidades. Para isto é necessário reconhecermos
as distâncias que ainda marcam essas relações. Este desafio aumenta se
pensarmos que cada escola e cada comunidade, mesmo que com aportes de
programas de governo, são responsáveis pela superação de seus próprios
limites vividos, porque são elas que os conhecem e que podem reinventá-
-los. O desafio do programa, portanto, é estruturar-se sob uma base capaz
de permitir que os diversos projetos de educação integral sejam territoria-
lizados e nasçam em resposta a cada realidade (BRASIL, 2009c, p. 89).

Nessa direção, apresentar a educação integral como uma possibilidade


de solução para os problemas da escola, ou ainda de problemas sociais, como
vimos que os documentos tentam induzir, significa, no nosso entendimento,
delegar à educação a tarefa de resolver problemas que tem origem na questão
econômica, e não na questão educacional. Trata-se mais de uma estratégia de
uso da escola pública para atenuar mazelas sociais do que uma forma viável
de melhora na qualidade da educação ofertada no país. Quando tratam da
melhora da qualidade da educação, os documentos se referem aos padrões de
qualidade e eficiência do Estado reformado na perspectiva gerencial e, nessa
lógica, é preciso se livrar do social.
Feita a análise dos três cadernos que fundamentam teoricamente a Edu-
cação Integral, passamos para a análise de como ocorre a adesão e a opera-
cionalização do Programa Mais Educação. Para tanto, fizemos o estudo do
Manual Operacional de Educação Integral (BRASIL, 2014b).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 123

Esse documento foi instituído pelo MEC, Secretaria de Educação Básica


– SEB e pela Diretoria de Currículos e Educação Integral – DCEI. Essas
atividades estão organizadas em sete macrocampos: 1. Acompanhamento
pedagógico; 2. Comunicação, uso de mídias e cultura digital e tecnológica;
3. Cultura, artes e educação patrimonial; 4. Educação ambiental, desenvolvi-
mento sustentável e economia solidária e criativa/educação econômica (educa-
ção financeira e fiscal); 5. Esporte e lazer; 6. Educação em direitos humanos;
e 7. Promoção da saúde.
O próprio documento sugere essa ampliação do território, ao declarar que

Os planos de atendimento deverão ser definidos de acordo com o projeto


político pedagógico das unidades escolares e desenvolvidos, por meio de
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atividades, dentro e fora do ambiente escolar, ampliando tempo, espaço e


oportunidades educativas, na perspectiva da educação integral do estudante
(BRASIL, 2007b, p. 18).

Outro item que destacamos na análise do Manual é o item 5 que apresenta


as orientações e critérios para a adesão ao Programa Mais Educação, à saber:

O Programa Mais Educação estabeleceu os seguintes critérios para sele-


ção das unidades escolares urbanas em 2014: Escolas contempladas com
PDDE/Educação Integral nos anos anteriores; Escolas estaduais, muni-
cipais e/ou distrital que foram contempladas com o PDE/Escola e que
possuam o IDEB abaixo ou igual a 3,5 nos anos iniciais e/ou finais, IDEB
anos iniciais < 4.6 e IDEB anos finais < 3.9, totalizando 23.833 novas
escolas; Escolas localizadas em todos os municípios do País; Escolas com
índices igual ou superior a 50% de estudantes participantes do Programa
Bolsa Família. O Programa Mais Educação estabeleceu os seguintes cri-
térios para seleção das unidades escolares do campo em 2014: Municí-
pios com 15% ou mais da população “não alfabetizados”; Municípios
que apresentam 25% ou mais de pobreza rural; Municípios com 30%
da população “rural”; Municípios com assentamento de 100 famílias ou
mais; Municípios com escolas quilombolas e indígenas (BRASIL, 2014b,
p. 17, grifos nossos).

Destacamos o critério que condiciona a adesão ao Programa Mais Educa-


ção aos resultados do IDEB, que apresenta na forma de indicador, o resultado
do fluxo escolar e as médias de desempenho nas avaliações, e o critério do
percentual de alunos participantes do Programa Bolsa Família. Esses critérios
apontam para uma associação da política educacional com as políticas de dis-
tribuição de renda e alívio à pobreza, como aponta Silva (2013). Sobre essa
124

associação estabelecida nos critérios de adesão ao Programa Mais Educação,


esse autor afirma que

Nossa análise nos conduziu a pensar que esse programa do governo federal
[...] traz em sua formulação um tipo de “interesse” em relação as funções
desempenhadas pela escola pública na atualidade. Nos últimos anos, tem-
-se imputado a essa instituição um sentimento salvacionista frente aos
problemas gerados pela desigualdade social e isso não é uma opinião
despropositada, pelo contrário, está de acordo com um entendimento que,
pelo menos no Brasil, é hegemônico, e vem sendo difundido, principal-
mente, pela iniciativa privada através de seus “braços” (aparelhos privados
de hegemonia) no âmbito daquilo que costumeiramente chamamos de

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sociedade civil organizada.
Tal entendimento procura difundir que cabe a esta instituição não mais
estar só preocupada com o que lhe é peculiar, isto é, a escolarização de
crianças e jovens – o aprendizado de habilidades tidas como básicas – para
a inserção na sociedade. Enquanto instituição socializadora, à escola é
atribuída uma função bem mais ampla e que está diretamente relacionada
com uma ideia de compensação, ou, pelo menos, do cumprimento de
outros tipos de função que não só o fornecimento das habilidades básicas,
tais como: saúde, esportes, cultura, lazer, direitos humanos, assistência
social (SILVA, 2013, p. 112).

Assim, no pensamento do autor, encontramos mais uma demonstração


de como se constrói a ideologia de que a escola é a solução para os proble-
mas sociais.
Para além do fato que já apontamos, de que o Programa Mais Educação
não está proposto para todas as escolas, encontramos no Manual a indicação
de que o Programa não tem a intenção de atender a todos os alunos, ou pelo
menos não sugere isso. De acordo com o Manual, para participar do Programa,
os estudantes devem ser selecionados, com preferência para

Estudantes que apresentam defasagem idade/ano; Estudantes das séries


finais da 1ª fase do ensino fundamental (4º e/ou 5º anos), onde existe maior
saída espontânea de estudantes na transição para a 2ª fase; Estudantes
das séries finais da 2ª fase do ensino fundamental (8º e/ou 9º anos), onde
existe um alto índice de abandono após a conclusão; Estudantes de anos/
séries onde são detectados índices de evasão e/ou repetência; Estudantes
beneficiários do Programa Bolsa Família (BRASIL, 2014b, p. 18).

No item 6, o Manual descreve a forma de financiamento do Programa


Mais Educação. De acordo com o documento, “o montante de recursos
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 125

destinados a cada escola será repassado por intermédio do Programa Dinheiro


Direto na Escola – PDDE/Educação Integral” (BRASIL, 2014b, p. 19). Esses
recursos, de acordo com o Manual, dividem-se na forma de custeio ou capital.
No custeio enquadram-se o Ressarcimento com as despesas de transporte e
alimentação dos monitores responsáveis pelo desenvolvimento das atividades,
a aquisição dos materiais pedagógicos necessários às atividades e aquisição
de outros materiais de consumo e/ou contratação de serviços necessários ao
desenvolvimento das atividades de educação Integral.
Outro ponto que nos chamou atenção no Manual Operacional de Edu-
cação Integral apresenta-se no item 8, que propõe e incentiva a adesão das
escolas à ação chamada Relação Escola-Comunidade, onde ações que ocor-
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reriam nos finais de semana seriam

[...] realizadas por pessoas e/ou instituições que atuam de forma voluntária,
escolhidas de acordo com a demanda da comunidade, preferencialmente, por
aquelas que valorizem os saberes e fazeres da localidade e organizadas por
uma equipe local formada por integrantes da escola e da comunidade, com a
orientação da secretaria de educação. Baseia-se na solidariedade e no diálogo,
no respeito às diferenças e no voluntariado (BRASIL, 2014b, p. 28-29).

Mais uma vez destacamos aqui as características que já apontamos, do


envolvimento e consequente responsabilização da comunidade e o uso da
educação como instrumento para a solução de outros problemas sociais.
Feita a análise dos documentos que orientam a Educação Integral e em
Tempo Integral na esfera Federal, apresentamos as orientações do Estado do
Paraná com relação ao mesmo tema.

O programa mais educação no paraná

Analisamos aqui a Orientação nº 022/2015 – DEB/SEED, do Departa-


mento de Educação Básica da Secretaria de Estado da Educação – SEED,
Superintendência de Estado da Educação – SUED (PARANÁ, 2015), que trata
dos procedimentos para a organização e desenvolvimento dos programas que
compõem a Educação Integral em Turno Complementar a serem ofertados
nas instituições de ensino da Educação Básica da rede estadual do Paraná.
De acordo com o documento, a política de Educação Integral em jornada
ampliada no Estado do Paraná

[...] está consolidada por meio de duas propostas de ampliação de jornada


escolar – Educação Integral em Tempo Integral – Turno Único (ETI) e
126

Educação Integral em Turno Complementar – que têm como objetivo


ampliar tempos, os espaços escolares e as oportunidades de aprendiza-
gem, com vista ao desenvolvimento integral das crianças, adolescentes
e jovens matriculados nas instituições de ensino públicas estaduais do
Paraná (PARANÁ, 2015, p. 1).

Dessa afirmação depreende-se o fato de que, no Estado do Paraná, a Edu-


cação Integral não é contemplada apenas pela adesão das escolas ao Programa
Mais Educação, existindo outras atividades contempladas nas duas propostas.
Em nossa análise, ao contrário do que possa parecer, essa existência de outras
atividades não é positiva, pois não existe a integração das atividades em um
único programa, o que faz com que, de certa forma, exista uma competição

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entre as atividades de educação integral propostas no estado do Paraná. Essa
espécie de competição pulveriza as práticas de Educação Integral e não for-
talece o Programa Mais Educação.
O item 2.7 da Orientação afirma que “para a participação nas atividades
dos programas, a escola deverá priorizar os estudantes que se encontram em
situação de vulnerabilidade social.” Essa afirmação demonstra mais uma vez
que a proposta de Educação Integral no Estado do Paraná segue as mesmas
orientações da proposta na esfera Federal.
Para atuar nessa atividade, os professores deverão participar da forma-
ção continuada ofertada pelo SEBRAE, onde o Estado do Paraná assume as
mesmas concepções propostas nos documentos que analisamos do Governo
Federal, mais especificamente no segundo caderno da trilogia Mais Educa-
ção, intitulado Educação Integral. Ao propor essa modalidade, o Estado do
Paraná permite que o conteúdo acadêmico seja “ditado” ou escolhido pela
classe empresarial, a partir de propostas e pacotes fechados, que visam atender
exclusivamente os interesses das classes detentoras do capital, em relação à
uma massa de trabalho que seja capaz de realizar as tarefas necessárias para
o sucesso do seu negócio, aumentando assim os seus lucros por meio da
exploração do trabalho.
Na sequência, a próxima possibilidade de atividade que pode ser ofer-
tada na ampliação do tempo escolar são as Aulas Especializadas de Trei-
namento Esportivo – AETE, cujos objetivos são propiciar aos estudantes
da rede estadual de ensino o acesso à prática esportiva em diversas moda-
lidades com vistas ao pleno desenvolvimento das habilidades específicas,
levando em consideração a idade cronológica dos estudantes, promover a
descoberta e o desenvolvimento de talentos esportivos no âmbito da ins-
tituição de ensino da rede pública estadual e possibilitar a formação de
equipes esportivas para a participação nos Jogos Escolares do Paraná e
outros eventos similares.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 127

O programa mais educação nas escolas da rede estadual de ensino


da zona urbana do Município de Cascavel – PR

Os dados referentes ao Programa Mais Educação na Rede Estadual de


Ensino, na região urbana do Município de Cascavel, foram obtidos junto ao
Núcleo Regional de Educação de Cascavel – NRE e à Secretaria Estadual de
Educação do Estado do Paraná – SEED.
Cascavel é um Município situado na região oeste do Estado do Paraná e
em 2010, segundo dados divulgados pelo Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento – PNUD, Cascavel apresentava o 4º melhor Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal – IDH-M do Estado do Paraná: 0,7822,
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colocando o Município em destaque no cenário estadual.


Antes da apresentação e análise dos dados obtidos, consideramos impor-
tante fazer uma caracterização quantitativa3 das Escolas Estaduais atendidas
pelo NRE de Cascavel, pois isso tem impacto na demanda de trabalho do setor
responsável pelas atividades de tempo integral desse órgão.
O NRE de Cascavel atende um total de 113 Escolas Estaduais, distribuí-
das em 18 municípios, conforme a Tabela 1, apresentada a seguir.

Tabela 1 – Municípios e quantidade de escolas atendidas pelo NRE de Cascavel


Município Número de escolas
Anahy 2
Boa Vista da Aparecida 5
Braganey 4
Cafelândia 4
Campo Bonito 3
Capitão Leônidas Marques 6
Cascavel 45
Catanduvas 6
Céu Azul 4
Corbélia 5
Guaraniaçu 7
Ibema 2
Iguatu 1
Lindoeste 5
continua...

2 Dados disponíveis em: http://www.cascavel.pr.gov.br/cascavel-4-melhoridh.php. Acesso em: fev. 2017.


3 A caracterização foi feita a partir dos dados disponíveis no site do NRE de Cascavel. Disponível em: http://
www.nre.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteu do.php?conteudo=537. Acesso em: maio 2016.
128
continuação

Município Número de escolas


Santa Lúcia 2
Santa Tereza do Oeste 4
Três Barras do Paraná 5
Vera Cruz do Oeste 3
Total 113

Fonte: NRE de Cascavel, 2016 (disponível em: www.nre.seed.pr.gov.br).

Destacamos que 40% das Escolas da Rede Estadual estão no Município


de Cascavel, e os 60% restantes referem-se às escolas que se encontram dis-

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tribuídas nos demais 17 municípios. Das 45 escolas do Município de Cascavel
atendidas pelo NRE, 10 estão localizadas na zona rural ou em distritos, e 35
estão na área urbana do Município. Essas 35 trinta e cinco escolas constituem
o universo de nossa pesquisa, de acordo com o recorte geográfico feito para
a análise da implantação e implementação do Programa Mais Educação nas
escolas da Rede Estadual do Município de Cascavel.
A maior parte das escolas atendidas pelo NRE no Município de Cascavel
estão localizadas na zona urbana, onde encontramos 78% das escolas, sendo
os 22% restantes correspondentes às escolas que se encontram na zona rural
ou em distritos do Município.
O Programa Mais Educação só teve início nas Escolas Estaduais do
Município de Cascavel no ano de 2011. Naquele ano, três escolas aderiram4
ao Programa: o Colégio Estadual Jardim Interlagos, o Colégio Estadual Padre
Canísio Henz, e o Colégio Estadual Jardim Santa Cruz. Cada colégio ofertou
100 vagas para o Programa.
Não encontramos dado algum sobre o Programa no ano de 2012, mas
concluímos que, nesse período entre 2011 e 2012, a única escola que se
manteve no Programa Mais Educação foi o Colégio Estadual Jardim Inter-
lagos, uma vez que as outras duas não aparecem mais no Programa a partir
do ano de 2013.
No ano de 2013, de acordo com relatório fornecido pelo Núcleo Regional
de Educação, apenas duas escolas aderiram ao Programa: o Colégio Estadual
Cataratas e o Colégio Estadual Jardim Interlagos. Não encontramos informa-
ções sobre o número de alunos atendidos naquele ano. Do relatório supraci-
tado, foi possível obter a informação sobre as atividades ofertadas por essas

4 De acordo com dados obtidos no portal do MEC. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.


php?option=com_docma n&view=download&alias=8220-escolas-mais-educacao070611-pdf&category_
slug=junho-2011pdf&Itemid=30192. Acesso em: maio 2016.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 129

duas escolas: o Colégio Estadual Cataratas ofertou atividades de tecnologias


educacionais, como acompanhamento pedagógico, e, como esporte e lazer,
atividades de xadrez, futsal e tênis de mesa. Já o Colégio Estadual Jardim
Interlagos ofertou atividades de matemática, como acompanhamento peda-
gógico, e, como esporte e lazer, atividades de taekwondo e xadrez.
Cabe, nesse momento, destacar que, de acordo com relato dos respon-
sáveis pelo Programa no NRE, até o ano de 2013, o Programa dependia de
voluntários, sendo afetado negativamente pela falta de pessoal para man-
ter as atividades e também pela falta de estrutura nas escolas. Os recursos
disponibilizados pelo Governo Federal serviam para a compra de materiais
necessários e para uma ajuda de custo destinada aos monitores voluntários.
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Essas dificuldades explicam, naquele momento, as desistências e a baixa


adesão ao Programa.
A partir de 2014 o Estado do Paraná incluiu a participação dos profes-
sores no Programa, custeando o salário desses professores. EM 2014 houve
o aumento do número de escolas que aderiram ao Programa, passando das
duas do ano anterior para cinco, conforme dados apresentados na tabela II.
Ressaltamos que esse aumento no número de escolas que aderiram ao Pro-
grama perde relativamente seu significado quando lembramos que existem 35
escolas na zona urbana do Município de Cascavel, e apenas 5 participavam
do Programa naquele ano.
Sobre esse ano de 2014, não obtivemos informações sobre as atividades
desenvolvidas em cada escola.

Tabela 2 – Escolas no Programa Mais Educação adesão 2013/ execução 2014


Nº de alunos Nº de alunos
Escola
atendidos – SEED atendidos – NRE5
C.E. Cataratas 150 146 – 141
C.E. Itagiba Fortunato 30 33 – 32
C.E. Jardim Interlagos 100 104 – 103
C.E. Jardim Santa Felicidade 100 99 – 96
C.E. Olinda T. de Carvalho 100 104 – 103

Fonte: SEED/NRE de Cascavel.

No ano de 2015, mais três escolas aderiram ao Programa, de acordo com


os dados fornecidos pelo NRE.

5 As quantidades apresentadas referem-se ao número inicial e final de alunos atendidos pelo Programa Mais
Educação no ano de 2014, nas respectivas escolas.
130

A Tabela 3 apresenta os dados referentes ao número de alunos atendidos


no ano de 2015.

Tabela 3 – Escolas no Programa Mais Educação adesão 2014/execução 2015


Nº de alunos Nº de alunos
Escola
atendidos – SEED atendidos – NRE
C.E. Cataratas 150 116
C.E. Itagiba Fortunato 30 30
C.E. Jardim Interlagos 100 105
C.E. Jardim Santa Felicidade 100 100
C.E. Olinda T. de Carvalho 100 97

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C.E. Prof. Francisco Lima - 33
C.E. Brasmadeira - 80
C.E. XIV de Novembro - 31

Fonte: SEED/NRE de Cascavel.

No ano de 2015, as escolas ofereceram, no período de contra turno do


tempo integral, atividades de Acompanhamento Pedagógico (como Orientação
de Estudos e Leitura), Cultura, Artes e Educação Patrimonial (como Iniciação
Musical, Danças, Desenho, Hip Hop, Percussão, Artesanato Popular, Pin-
tura, Canto, Coral e Educação Patrimonial), Esporte e Lazer (como Xadrez,
Taekwondo, Tênis de Mesa, Basquete, Futebol, Futsal, Handebol, Voleibol e
Atletismo), Educação Ambiental (como Horta e Jardinagem com Conservação
do Solo e Compostagem), e Comunicação, Uso de Mídias e Cultura Digital e
Tecnológica (como Jornal Escolar e Ambiente de Redes Sociais).
Podemos observar que não foi apenas o número de escolas participantes
do Programa que aumentou, percebemos o aumento considerável na diversi-
dade de atividades ofertadas para os alunos da Educação em Tempo Integral.
Daí, é quase imediata a questão: se existe toda essa diversidade de atividades,
quais os motivos que impedem a adesão de mais escolas e a participação de
mais alunos no Programa Mais Educação?
Parte desses motivos aparecem no próprio relatório fornecido pelo NRE,
onde encontramos outras atividades que são ofertadas para o período do con-
traturno, pelas escolas da Rede Estadual. São elas a AETE – Aulas Especia-
lizadas de Treinamento Esportivo e a ACCC – Atividades Complementares
Curriculares em Contraturno, ofertadas pelo Governo Estadual, e o PROEMI
– Programa Ensino Médio Inovador, ofertado pelo Governo Federal. Essas
outras atividades, de certa forma, competem com o Programa Mais Educa-
ção, pois podem ser ofertadas sem a necessidade de integração com o PME,
possuem maior flexibilidade para sua aplicação e menor burocratização para
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 131

a obtenção dos recursos financeiros necessários para sua realização. Por isso,
são adotadas pela maioria das escolas, em detrimento da adesão ao Programa
Mais Educação.
O Gráfico 1, apresentado abaixo, nos permite comparar o número de
alunos atendidos por escola no Programa Mais Educação, nos anos de 2014
até 2016. Destacamos a queda ocorrida no ano de 2016.

Gráfico 1 – Número de Alunos atendidos pelo PNE


160
140
120
100
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80
60
40
20
0
s

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C.

E.

C.
Ja

E.

C.
E.

C.
C.

2014 2015 2016

Fonte: SEED/NRE de Cascavel.

O Gráfico 2, a seguir, apresenta o número total de alunos atendidos pelo


Programa Mais Educação nas escolas urbanas do Município de Cascavel – PR.

Gráfico 2 – Total de Alunos Atendidos pelo PME nas Escolas


da Zona Urbana do Município de Cascavel-PR
700
592
600
486
500
400
280
300
200
100
0
2014 2015 2016

Fonte: SEED NRE de Cascavel.


132

Podemos perceber que esse número de alunos caiu para menos que a
metade, de 2015 para 2016. Além disso, é importante destacar que o número
de alunos atendidos pela Educação em Tempo Integral é muito pequeno diante
do total de alunos matriculados. De acordo com os dados do Censo Escolar
20156, havia mais de 25 mil alunos matriculados nos segmentos do Ensino
Fundamental – Séries Finais e no Ensino Médio, no Ensino Regular, depen-
dência administrativa estadual urbana. Assim, seriam mais de 25 mil alunos
“candidatos” a estar contemplados pelo Programa Mais Educação. Porém,
em 2015, o Programa contemplou menos de 600 alunos.
Destacamos duas observações importantes para nossa análise. A primeira
é o número pequeno de escolas que aderiram ao Programa, em relação ao
número total de escolas estaduais da zona urbana do Município, que é de

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35 escolas. A segunda é a queda nesse número de escolas que aderiram ao
Programa, ocorrida no ano de 2016.
A implantação e a implementação do Programa Mais Educação no Muni-
cípio de Cascavel – PR segue na direção daquilo que viemos apontando,
colocando-se como uma das formas intentadas pelo estado para diminuir
as tensões e atender os reclames da classe trabalhadora, atenuando assim os
conflitos de classes inevitáveis no sistema do capital.
Do relato informal das pessoas responsáveis pelo Programa no NRE de
Cascavel, destacamos que existe uma aparente luta para que o Programa seja
adotado pelas Escolas, e para que aquelas Escolas que aderiram não desistam.
Esse relato aponta para o fato de que o Programa não é naturalmente atrativo,
que as Escolas não “enxergam” no Mais Educação um Programa viável para
sua realidade ou como uma possibilidade de melhorar a qualidade da Educação
e das aprendizagens dos alunos.
Segundo os responsáveis pelo PME, as escolas relatam a dificuldade
de conseguir alunos que queiram estar na Escola em Tempo Integral. Além
da questão de recursos humanos envolvidos no Programa, outra dificuldade
apontada está na prestação de contas dos recursos. É “mais fácil” para os
Programas Estaduais de ampliação do Tempo Escolar do que a prestação de
contas dos recursos do PME. Isso se torna fator de decisão na hora da Escola
aderir a esse ou aquele Programa.

Considerações finais

Pretendeu-se investigar a implantação das proposições do Programa Mais


Educação como política social orientada pelos pressupostos do neoliberalismo
por meio da análise dos documentos que orientam o Programa Mais Educação,

6 Dados disponíveis em: http://portal.inep.gov.br/basicacenso. Acesso em: jun. 2016.


ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 133

tanto na esfera federal quanto na estadual, e também investigar a implantação


e implementação do Programa Mais Educação nas escolas da zona urbana do
Município de Cascavel, Paraná.
Do estudo realizado sobre o Programa Mais Educação, percebemos
que esse Programa, como instrumento do Governo Federal para a indução
da Educação Integral e em Tempo Integral, apesar de ser frequentemente
apresentado como uma possível solução para o problema de se ter uma
educação de qualidade que possibilite problematizar, refletir e apontar
novos caminhos ao campo da educação, na verdade, desde sua proposição
pautada nos documentos, até a sua prática, encontrada nos dados que ana-
lisamos, não tem esse objetivo. O que percebemos é que, ao invés de uma
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preocupação com melhorar a qualidade da educação com vistas a resolver


problemas impostos pela relação capital e trabalho, como a pobreza e as
diferenças sociais, o que encontramos é uma “mistura” da Educação com
o assistencialismo, imputando à escola a responsabilidade por resolver
problemas sociais.
Ao pensarmos na redução de custos, consideramos importante outra
questão a ser abordada em nossas considerações, que é a questão do inves-
timento em profissionais da educação e nas estruturas físicas das escolas. O
caminho proposto nos documentos é o caminho das “parcerias”, buscando
que, ao invés da contratação ou ampliação de carga horária dos profissio-
nais da educação, o trabalho seja desenvolvido por monitores e voluntá-
rios, e que o problema do espaço físico seja resolvido com a ampliação do
espaço escolar para o uso dos espaços públicos e privados disponíveis na
comunidade onde se localiza a escola. Os dados apresentados mostram a
dificuldade de resolver na prática essas questões, colocadas no plano dos
documentos, enquanto propostas, e esquecidas no plano material, enquanto
realidade que dificulta a ampliação do tempo escolar. Cabe aqui ainda uma
breve questão: se a escola onde mais existe a necessidade da ampliação do
tempo escolar está localizada em uma região pobre, como se espera que
dessa região, onde as pessoas possuem menos recursos intelectuais e mate-
riais, a execução de um Programa proposto da forma como encontramos
tenha sucesso e seja capaz de mudar a realidade social dos indivíduos dessa
região? Entendemos que a resposta para essa questão passa pela questão
de rever os investimentos na Educação Integral, mas culmina mesmo na
questão da distribuição de renda.
Constatamos que a implantação e a implementação do Programa Mais
Educação têm se apresentado apenas como uma ampliação do tempo de per-
manência de alguns alunos na escola. Esse risco se potencializa quando não se
134

investe em recursos físicos e em profissionais da educação para a realização


do Programa.
Consideramos relevante lembrar aqui que a Educação Integral é meta
proposta pelo Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005), porém, enten-
demos que o Programa Mais Educação, posto como está, não objetiva
contribuir com a melhoria efetiva da educação, e se materializa em mais
uma ação de política educacional da qual o Estado lança mão para aten-
der a uma parcela da população e, assim, atenuar as tensões próprias do
sistema capitalista.

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ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 135

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 13.005 de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de
Educação – PNE e dá outras providências. 2014a. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato20112014/2014/Lei/L13005.htm. Acesso
em: jul. 2015.

BRASIL. Ministério da Educação. Portaria Normativa nº 27 de 21 de junho


de 2007. Institui o Plano de Desenvolvimento da Escola – PDE-Escola. 2007b.
(Publicada no DOU em 22 jun. 2007). Disponível em: http://pesquisa.in.gov.
br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=21&data=22/06/2007.
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Acesso em: jul. 2015.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria


de Currículos e Educação Integral. Manual Operacional de Educação Inte-
gral. 2014b. Disponível em: http://educacaointegral.mec.gov.br/documentos.
Acesso em: ago. 2015.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria


de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Gestão Intersetorial
no Território. 2009a. (Série Mais Educação). Disponível em http://portal.
mec.gov.br/dmdocuments/cader_maiseducacao.pdf. Acesso em: ago. 2015.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfa-


betização e Diversidade. Educação Integral. Texto referência para o debate
nacional. 2009b. (Série Mais Educação). Disponível em: http://portal.mec.
gov.br/dmdocuments/cadfinal_educ_integral.pdf. Acesso em: ago. 2015.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfa-


betização e Diversidade. Rede de Saberes Mais Educação. Pressupostos para
Projetos Pedagógicos de Educação Integral. 2009c. (Série Mais Educação).
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/cad_mais_educacao_2.
pdf. Acesso em: ago. 2015.

BRASIL. Portaria Normativa Interministerial nº 17 de 24 de abril de 2007.


Institui o Programa Mais Educação, que visa fomentar a educação integral
de crianças, adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades socioe-
ducativas no contra turno escolar. 2007a. Disponível em: http://portal.mec.
gov.br/dmdocuments/passoapasso_maiseducacao.pdf. Acesso em: jul. 2015.
136

BRASIL. Rede de saberes mais educação: pressupostos para projetos peda-


gógicos de educação integral: caderno para professores e diretores de escolas.
1. ed. Brasília: Ministério da Educação, 2009. Disponível em: http://portal.
mec.gov.br/dmdocuments/cad_mais_educacao_2.pdf. Acesso em: ago. 2015.

PARANÁ. Orientação nº 022/2015 – DEB/SEED de 17 de dezembro de 2015.


Procedimentos para a organização e desenvolvimento dos programas que
compõem a Educação Integral em Turno Complementar a serem ofertados
nas instituições de ensino da Educação Básica da rede estadual do Paraná,
mantidas pelo Governo do Estado do Paraná. 2015. (Disponibilizada pelo
NRE de Cascavel).

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PIO, Camila Aparecida. A política pública brasileira de educação integral
implementada pelos governos Lula (2003/2010): o Programa Mais Educação.
2014. 124 p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual
de Londrina, Londrina, 2014.

SILVA, Bruno Adriano Rodrigues da. Interesses, Dilemas e a Implementação


do Programa Mais Educação no município de Maricá (RJ). 2013. 274 p.
Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA E
SEUS DESDOBRAMENTOS NA GESTÃO
ESCOLAR: considerações a partir de escolas
da rede pública municipal de Cascavel – PR
Jaqueline Bonfim de Souza Lima
Simone Sandri
Isaura Monica Souza Zanardini
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Introdução

O principal objetivo deste artigo1 é analisar a relação entre a avaliação


em larga escala e a gestão escolar em algumas escolas da Rede Pública Muni-
cipal de Ensino de Cascavel/Paraná. A metodologia é qualitativa e as fontes
primárias, são as seguintes: Projeto Político Pedagógico das Escolas, Plano de
Gestão Escolar e Projetos de Contraturno Escolar; entrevistas com diretores e
coordenadores pedagógicos. Como fontes secundárias, utilizamos referências
como: Afonso (2000), Luckesi (2008), Sandri (2016), Souza (2006), Zanardini
e Xavier (2015) e Zanardini (2008), entre outros. Uma das tendências iden-
tificadas na pesquisa, é a busca das escolas em atingir, manter e ampliar os
resultados anunciados pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica,
sob a ótica da perspectiva gerencial, sem deixar de anunciar nos seus docu-
mentos suas intenções pela gestão democrática e avaliação diagnóstica.
A avaliação em larga escala consiste em procedimentos de avaliação dos
estudantes por meio de instrumentos de coleta de dados que possibilitam a
sistematização de indicadores comparativos de desempenho acadêmico. Os
resultados das avaliações em larga escala para o Ensino Fundamental (Avalia-
ção Nacional de Alfabetização – ANA e Prova Brasil), fazem parte do Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).
Segundo o Ministério da Educação (MEC)2, essas avaliações e o IDEB,
pretendem verificar a qualidade do ensino. O resultado desse processo avalia-
tivo tem contribuído para classificação das escolas entre “IDEB baixo”, “IDEB
médio” e “IDEB alto”. Pressupomos que tais classificações têm servido de
base para as tomadas de decisões, por parte das escolas, nos âmbitos admi-
nistrativo e pedagógico, com isso tais avaliações interferem na organização
do trabalho pedagógico e na gestão escolar.

1 Artigo publicado originalmente na Revista Teoria e Prática da Educação, v. 23, n. 1, 2020.


2 Disponível em: http://portal.inep.gov.br/ideb. Acesso em: 13 jun. 2020.
138

Com base nesse pressuposto, levantamos o seguinte problema de pes-


quisa que pretendemos desenvolver neste artigo: em que medida a política
de avaliação influencia nas características e em encaminhamentos da gestão
escolar em escolas da Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel/Paraná?
Para investigar essa questão, desenvolvemos uma pesquisa3 qualitativa
que envolveu coleta de dados em campo, análise de documentos e de biblio-
grafias que tratam dessa temática. Para a pesquisa de campo, desenvolvida
em 2017, selecionamos uma amostra de quatro escolas das 62 escolas que
pertencem a Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel (REPMEC). Por-
tanto, os dados levantados e analisados na pesquisa apenas indicam tendências
encontradas sobre a relação avaliação em larga escala e gestão escolar, desta

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forma não caracterizam a realidade de toda a rede municipal.
As escolas foram escolhidas de acordo com as suas classificações no
IDEB. Pois, observamos que as escolas, em especial, a gestão da escola, tra-
balha e se mobiliza em torno dos resultados desse Índice, por isso, o conside-
ramos como uma referência para selecionar as instituições campo de pesquisa.
Para os índices do município, em 2017, uma das escolas pesquisadas é
considerada de IDEB elevado, se comparada às duas escolas de IDEB médio
e uma escola de IDEB baixo. Nesse texto, as escolas participantes serão
denominadas A, B, C e D, respectivamente.
A pesquisa de campo teve como finalidade o levantamento de indicativos
em torno do objeto de estudo, a relação entre política de avaliação e gestão
escolar. Nesse sentido Marconi e Lakatos (2003, p. 186) descrevem que

Pesquisa de campo é aquela utilizada com o objetivo de conseguir infor-


mações e/ou conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura
uma resposta, ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou, ainda,
descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles.

A primeira etapa da coleta de dados, partiu de entrevistas semiestrutu-


radas realizadas com diretores e coordenadores pedagógicos, considerando a
perspectiva de uma interação entre pesquisador e entrevistado, pois segundo
Marconi e Lakatos (2003, p. 195) “a entrevista é um encontro entre pessoas, a
fim de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto,
mediante uma conversação de natureza profissional”. Assim, no processo de
coleta de dados, partimos de questões preestabelecidas, mas que possibilitaram
abertura para inferências do entrevistado, não perdendo de vista as questões
levantadas no início da investigação.

3 A pesquisa intitulada “A relação entre avaliação em Larga Escala e Gestão Escolar”, avaliada pelo Comitê
de Ética da Unioeste, sob o registro CAAE: 69065517.5.0000.0107.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 139

A segunda etapa da coleta de dados focou no levantamento e análise de


documentos que foram disponibilizados pelas escolas, pois como esclare-
cem Marconi e Lakatos (2003, p. 186) “a documentação direta constitui-se
em geral, no levantamento de dados no próprio local onde os fenômenos
ocorrem”. No entanto, a coleta de dados não foi uniforme nos quatro campos
investigados, pois não tivemos acesso ao Projeto Político Pedagógico (PPP)
de uma das escolas campo de pesquisa e também não foi possível realizar duas
entrevistas devido a agenda dos profissionais, sujeitos da pesquisa.
As entrevistas, juntamente, com os documentos das escolas, compuse-
ram a empiria da pesquisa. Os documentos analisados foram os seguintes:
Projeto Político Pedagógico das escolas, Plano de Gestão Escolar e Projetos
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de Contraturno Escolar.
O estudo de bibliografias, fontes secundárias, se fundamentou nos seguin-
tes autores: Afonso (2000), Cotta (2010), Frigotto (2011), Hypolito (2010),
Luckesi (2008), Peixoto (2014), Ribeiro (2016), Sandri (2016), Souza (2006),
Zanardini (2008) e Zanardini e Xavier (2015).
Alguns resultados da nossa pesquisa estão sistematizados nesse artigo
que está organizado em três seções: Na primeira seção, apresentaremos a
relação entre a reforma do Estado brasileiro, anos de 1990 e a relação com o
atual Sistema de Avaliação, assim como indicaremos diferentes concepções
de avaliação. Na segunda seção do artigo, faremos uma contextualização das
escolas da Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel e apresentaremos
a relação entre política de avaliação e gestão escolar a partir dos dados iden-
tificados nos campos da pesquisa. Por fim, indicaremos alguns resultados
do nosso estudo, como tendências da relação política de avaliação e gestão
escolar, pois a apropriação mais complexa dessa relação demandaria uma
investigação mais profunda e que abrangesse um universo maior do contexto
da Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel.

Considerações sobre concepções de Estado e de avaliação

A política de avaliação para a Educação Básica está em debate e é estu-


dada, no Brasil, especialmente a partir do final dos anos 1980. Alguns estudos
que apresentamos nesse trabalho, indicam que elas são marcadas por políti-
cas de regulação, controle e de descentralização de responsabilidades pelo
Estado neoliberal.
O neoliberalismo foi desenvolvido por economistas a partir da década de
1970, com o objetivo de defender a absoluta liberdade de mercado e uma res-
trição à intervenção do Estado sobre a economia. Entretanto, a implementação
140

dos princípios neoliberais no aparelho do Estado, demonstram a sua inter-


venção na economia e uma determinada interferência mínima nas políticas
sociais, resultado na diminuição de sua oferta.
Para Anderson (1995, p. 11), o ideário neoliberal se fortaleceu como uma
alternativa à crise do capitalismo4, e para tal era necessário ser comedido,
visando “manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder
dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais
e nas intervenções econômicas”.
As políticas neoliberais trouxeram uma série de recomendações, espe-
cialmente dedicadas aos países pobres, as quais sugeriam a redução de gas-
tos governamentais, a diminuição dos impostos, a abertura econômica para

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importações, a liberação para entrada do capital estrangeiro, a privatização das
empresas estatais e desregulamentação da economia. No Brasil, o neolibera-
lismo passou a ser implementado abertamente a partir dos dois governos con-
secutivos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) (BATISTA,
1994), embora políticas de caráter neoliberal já tenham sido implementadas
no governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992).
De modo geral, entendemos que,

O neoliberalismo compreende a liberação crescente e generalizada das


atividades econômicas, englobando produção, distribuição, troca e con-
sumo. Funda-se no reconhecimento da primazia das liberdades relativas às
atividades econômicas como pré-requisito e fundamento da organização e
funcionamento das mais diversas formas de sociabilidade, compreendendo
não só as empresas, corporações e conglomerados, mas também as mais
diferentes instituições sociais (IANNI, 1998, p. 28).

O neoliberalismo, portanto, é caracterizado pelas políticas de regulação


que ocorrem por meio do financiamento, avaliação, gestão de resultados, e por
meio das políticas de descentralização. Tais elementos têm norteado, desde
os anos de 1990, no Brasil, as políticas de avaliação e gestão escolar, sendo
que as escolas são consideradas as maiores responsáveis pela obtenção de
resultados nos serviços prestados, tais como no desempenho acadêmico dos
estudantes nas avaliações em larga escala.

4 Anderson (1995, p. 10) destaca que o desencadeamento da crise econômica pós-guerra, em 1973, ocorreu
“quando todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela primeira
vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação [...] As raízes da crise, afirmavam Hayek e
seus companheiros, estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais
geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões
reivindicativas sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez
mais os gastos sociais.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 141

No caso do Brasil, a reforma do aparelho do Estado, implementada pelo


Ministério da Reforma do Aparelho do Estado (MARE), foi iniciada sob o
comando do ex-ministro Bresser Pereira durante o governo Fernando Henrique
Cardoso. Em 1995, tal ministério elaborou um documento intitulado “Plano
Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”.
Esse Plano se coaduna com a perspectiva neoliberal e apresenta uma
concepção de Estado gerencial. Segundo o Plano Diretor, o Estado gerencial
surgiu como forma de responder a necessidade de reduzir custos e aumen-
tar a qualidade dos serviços, sendo marcado “pelos valores da eficiência e
qualidade na prestação de serviços públicos e no desenvolvimento de uma
cultura gerencial nas organizações” (BRASIL, 1995, p. 16), com a finalidade
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de reduzir custos, sob o discurso de aumentar a qualidade dos serviços, tendo


o cidadão como cliente dessa administração pública.
Essa concepção de atuação do Estado fundamentou a criação de um
sistema de avaliação para a educação, com valores que vinculam eficácia,
eficiência e qualidade.
O Estado gerencial, portanto, dá ênfase ao controle de resultados, moni-
torando a relação do Estado/mercado, com isso atende, predominantemente,
os interesses mercadológicos. No discurso apresentado no Plano Diretor, o
Estado gerencial se inspira na forma com que as empresas são administradas
para transpor esse modelo para a administração do Estado e seus setores.
De acordo com Peixoto (2014, p. 8),

[...] podemos inferir que a partir da década de 1980 é possível notar um


interesse crescente em relação à avaliação, principalmente por parte dos
governos neoconservadores e neoliberais, podendo isso ser representado
pela expressão “Estado avaliador”. Tal concepção está relacionada a uma
figura intervencionista do Estado, ao aumento de interferência e controle
por meio da avaliação sistêmica.

Essa concepção de atuação do Estado fundamentou a criação de um sistema


de avaliação para a educação, com valores que vinculam eficácia, eficiência e
qualidade. Na direção de implementação do “Estado avaliador”, a avaliação
educacional em larga escala se fortaleceu no Brasil, nos anos 1990, com a
criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), sob a
responsabilidade do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP), órgão do governo federal que é responsável pelo desen-
volvimento e a aplicação dos testes em larga escala para a Educação Básica.
A avaliação em larga escala é uma avaliação externa à escola, que
segundo o INEP/MEC, visa coletar dados para alcançar uma educação de
142

qualidade por meio da avaliação do desempenho dos alunos e pelo monito-


ramento das políticas públicas direcionadas à educação brasileira. Segundo
conteúdo disponível no site do INEP (2017),

O levantamento produz informações que subsidiam a formulação, refor-


mulação e o monitoramento das políticas públicas nas esferas municipal,
estadual e federal, visando a contribuir para a melhoria da qualidade,
equidade e eficiência do ensino. Além disso, procura também oferecer
dados e indicadores sobre fatores de influência do desempenho dos alunos
nas áreas e anos avaliados5.

No ano da nossa pesquisa, 2017, a estrutura do SAEB era composta

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por três avaliações externas em larga escala: ANEB (Avaliação Nacional da
Educação Básica), ANRESC (Avaliação Nacional do Rendimento Escolar),
também conhecida como Prova Brasil, e ANA (Avaliação Nacional da Alfa-
betização). Esta, no momento da pesquisa, estava temporariamente suspensa.
A ANEB utiliza os mesmos instrumentos da Prova Brasil/Anresc. Essa
avaliação amostral, mantém as características, os objetivos e os procedimentos
da avaliação da educação básica efetuada até 2003 pelo SAEB, que, segundo
o INEP (2017), tem como foco avaliar a qualidade, a equidade e a eficiência
da educação básica brasileira.
Ainda, como conceitua o INEP6 (BRASIL, 2020b), a avaliação da ANEB
diferencia-se por abranger, de forma amostral, escolas e alunos das redes
públicas e privadas do país que não atendem aos critérios de participação da
ANRESC/Prova Brasil, e que pertencem às etapas finais dos três últimos ciclos
da Educação Básica: em áreas urbanas e rurais 5º ano (4ª série) e 9º ano (8ª
série) do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio regular.
De acordo com o INEP (BRASIL, 2020b), a ANRESC/Prova Brasil é
uma avaliação censitária bianual envolvendo os alunos do 5º ano e 9º ano
do Ensino Fundamental das escolas públicas que possuem, no mínimo, 20
alunos matriculados nos anos avaliados. Segundo o INEP (2017), os dados
apresentados são subsídios para diagnóstico, reflexão e planejamento do tra-
balho pedagógico da escola, bem como para a formulação de ações e políticas
públicas com vistas à melhoria da qualidade da educação básica.
De acordo com o documento básico da ANA, publicado pelo INEP, em
2013, esta avaliação foi incorporada ao SAEB, com o objetivo de melhorar
o aferimento dos níveis de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa
(leitura e escrita) e Matemática. Como descrito pelo documento, a ANA é

5 Disponível em: http://portal.inep.gov.br/educacao-basica/saeb.


6 Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/educacao-basica/saeb. Acesso em: 13 jun. 2020b.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 143

direcionada para unidades escolares e estudantes matriculados no 3º ano do


ensino fundamental7, considerando que esta é a fase final do Ciclo de Alfabeti-
zação, prevista no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC)8.
Do conjunto de referências sobre avaliação em larga escala, que apre-
sentamos nesse artigo, observamos que muitos estudos têm problematizado
a atual política de avaliação. Para Zanardini (2008, p. 7), por exemplo,

[...] a temática da avaliação educacional ganhou terreno nos debates


políticos e pedagógicos, impregnando os discursos e as práticas políticas
educacionais, tanto em nível nacional quanto internacional. À escola, a
exemplo das demais políticas sociais, foi imposta uma mudança em vários
aspectos, inclusive no que tange à sua gestão. Recrudesceu a relevância dos
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instrumentos avaliativos, particularmente os em larga escala, como pilares


da gestão da Educação Básica calcada na lógica da eficiência gerencial
e da busca de escores que atestassem, quantitativamente, a qualidade da
educação pública oferecida.

Diante do exposto pelo autor, compreendemos que a escola vem pas-


sando por vários processos de transformação em sua estrutura organizacional,
principalmente, na área da gestão escolar e dos processos de ensino, a partir
das diretrizes dadas pela política de avaliação em larga escala.
Numa perspectiva contrária a anunciada pela política de avaliação, com-
preendemos que a educação ocorre em diversos espaços, não se restringido
somente à sala de aula, pois a educação está relacionada com questões econômi-
cas, políticas e culturais. Se tratando da educação escolar, portanto, o processo
avaliativo da aprendizagem dos estudantes, também deveria considerar que

[...] avaliar é, por definição, comparar a situação real com a situação ideal,
o que só pode ser feito se houver um padrão mínimo de desempenho con-
siderado desejável. Segundo a literatura especializada, uma boa avaliação
deve ter critérios relevantes, apresentar evidências adequadas e produzir
conclusões confiáveis e claras (COTTA, 2010, p. 103).

No entanto, quando a avaliação é considerada um instrumento de punição


e classificação, ela tende a influenciar na definição de outros objetivos para
a aprendizagem, para o trabalho pedagógico e para a gestão escolar, como a

7 Em 2017, com a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino Fundamental, o
ciclo de alfabetização de três anos, previsto pelo documento do Pacto, passou para dois anos a partir da
implementação dessa orientação curricular.
8 Esse Pacto foi instituído pela Portaria nº 867, de 4 de julho de 2012. O Pacto constitui um compromisso
formal assumido pelos governos Federal, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios de assegurar
que todas as crianças estejam alfabetizadas até a conclusão do Ciclo de Alfabetização.
144

classificação, valorização e premiação dos melhores resultados em detrimento


da exclusão daqueles que não atingirem “bons desempenhos” nas avaliações.
Consideramos que existe a possibilidade de as avaliações em larga escala
interferirem na finalidade da escola, resumindo-as aos campos de disputas
por melhores classificações no ranking entre escolas, portanto, modificando
a sua finalidade maior, isto é, a socialização do conhecimento historicamente
produzido. Segundo Cária e Oliveira (2015, p. 29),

Atualmente, as avaliações ocupam grande parte do tempo escolar das ins-


tituições de ensino, muitas vezes, se sobrepondo ao próprio trabalho com
os conteúdos que compõem o currículo da escola, os quais são relegados
para dar prioridade aos treinamentos de questões de provas anteriores.

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Esta prática, que não é recente, tem mudado a rotina das escolas, mas
não são raras as pesquisas que questionam se ela mudou a qualidade do
ensino e da aprendizagem.

Compreendemos que as práticas escolares que envolvem o ensino


aprendizagem não deveriam ser influenciadas pelo ranking entre estudantes
e escolas; pois segundo Cária e Oliveira (2015, p. 36) “a avaliação não deve
ser concebida como um fim, mas como um meio, uma instância que possa
conduzir à melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem dos alunos”.
Quando a avaliação é realizada com a finalidade de coletar dados para
subsidiar o trabalho pedagógico, o professor dentro de sala de aula consegue
diagnosticar novas demandas para o ensino e necessidades relacionadas à
aprendizagem dos alunos. Porém, o contrário ocorre, pois

Os sistemas de avaliação, são sustentados pela ideia de políticas baseadas


em evidências, surgem com a solução para uma prestação de contas à
sociedade, com base em exames, aferições, índices e indicadores capazes
de diagnosticar os problemas e fazer com que o nível de qualidade se eleve
(HYPOLITO, 2010, p. 1353).

Segundo o site do INEP9 (BRASIL, 2020a), as avaliações em larga escala


têm como objetivo identificar os problemas e as diferenças regionais do ensino
buscando assegurar a qualidade da Educação, mas notamos que os dados
obtidos também são usados para alimentar rankings entre as escolas, trazendo
uma bonificação como valorização do trabalho do professor, priorizado uma
gestão de resultados. Zanardini (2008, p. 22) menciona que,

O modo de produção capitalista, em seu atual estágio de desenvolvimento,


exige e implementa processos e mecanismos de avaliação tendo em vista

9 Disponível em: http://portal.inep.gov.br/ideb. Acesso em: 13 jun. 2020a.


ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 145

avaliar e controlar o sucesso ou o fracasso das proposições educacionais


que implementa.

Por meio das avaliações em larga escala, o Estado avaliador10 obtém


dados para o processo regulação dos investimentos em educação, enaltecendo
a importância da coleta de dados para regular não só os investimentos, mas
também o controle social. Segundo Zanardini (2008, p. 23),

A avaliação educacional meritocrática ganha proeminência compondo o


discurso ideológico do Banco Mundial que, por via do controle mediante
avaliação, alcançaria a maximização do impacto da educação no cresci-
mento econômico e na redução da pobreza.
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Sobre o caráter controlador das avaliações, destacamos, também, o posi-


cionamento de Frigotto (2011), ao fazer referência a uma “pedagogia dos
resultados”, pois ao aprofundar os instrumentos de avaliação, sob a perspectiva
do controle, o Estado força, assim, a produção de um produto, a fim de que o
processo educacional se ajuste a demanda do mercado econômico.
Para Afonso (2000, p. 18), o modelo de avaliação em vigor tem o objetivo
de regulação social e é expresso nas políticas educativas que dão prioridade
ao mercado, acentuando o individualismo, a competição, a discriminação
social, a avaliação meritocrática e seletiva, e consequentemente o abandono
da construção da escola democrática e a igualdade de oportunidades.
O autor demonstra a relação entre a concepção de escola e avaliação, por
meio da análise da lógica meritocrática que se distancia de uma perspectiva
democrática de educação e, consequentemente, da gestão escolar democrática,
conforme analisaremos na próxima seção desse trabalho.
Entendemos que a avaliação contribui para a reflexão de onde estamos
e onde pretendemos chegar com o processo de aprendizagem do aluno,
visto que, para que o aluno “saia do estágio defasado em que se encontra
e possa avançar em termos dos conhecimentos necessários”(LUCKESI,
2008, p. 81), o processo de planejamento do trabalho pedagógico e da
avaliação devem ser ações intencionais, que visam atingir finalidades peda-
gógicas relacionadas ao ensino e aprendizagem dos conteúdos escolares,
sem o objetivo final de responsabilizar e/ou premiar os sujeitos do pro-
cesso pedagógico.
Luckesi (2008) argumenta/afirma que o planejamento nos permite decidir
o que queremos construir, e que a avaliação é o que subsidia a verificação de
como estamos construindo este projeto. A avaliação, portanto,

10 Sobre o Estado avaliador, consultar Afonso (2000).


146

[...] atravessa o ato de planejar e de executar: por isso, contribui em todo


o percurso da ação planificada. A avaliação se faz presente não só na
identificação da perspectiva político-social, como também na seleção de
meios alternativos e na execução do projeto, tendo em vista a sua cons-
trução. Ou seja, a avaliação, como crítica de percurso, é uma ferramenta
necessária ao ser humano no processo de construção dos resultados que
planificou produzir, assim como o é no redirecionamento da direção de
ação. A avaliação é uma ferramenta da qual o ser humano não se livra.
Ela faz parte de seu modo de agir e, por isso, é necessário que seja usada
da melhor forma possível (LUCKESI, 2008, p. 118).

No entanto, compreendemos que a avaliação em larga escala é marcada,

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historicamente, pelo caráter meritocrático e classificatório, e esse caráter por
sua vez contribui para o aumento das desigualdades educacionais e sociais
daqueles que não atingem um “bom desempenho” nas avaliações escolares.
Luckesi (2008, p. 81) considera que

[...] a atual prática de avaliação escolar não viabiliza um processo de


democratização do ensino. Ao contrário possibilita um processo cada vez
menos democrático no que se refere tanto à expansão do ensino quanto
à sua qualidade.

O autor ressalta que para a avaliação contribuir com a democratização


do ensino, é preciso modificar a sua utilização de caráter classificatório para
diagnóstica. Assim, concebemos que a avaliação diagnóstica nos permite
identificar as possíveis causas das dificuldades na assimilação do conheci-
mento, sejam elas relacionadas à aprendizagem e desenvolvimento do aluno
e/ou ao trabalho pedagógico.
Segundo Luckesi (2008, p. 33), a avaliação educacional é um processo
de ajuizamento, que considera ou não determinados valores e que impõe uma
determinada tomada de posição no sentido de transformá-la ou mantê-la.
Sendo assim, não podemos considerar a avaliação como uma mera consta-
tação e verificação de dados, pois a avaliação deve possibilitar a retomada
dos planos de ensino, das avaliações de ensino/aprendizagem do aluno e da
prática docente e do projeto político pedagógico da escola.
Os dados coletados, por meio da avaliação diagnóstica referente à apren-
dizagem, auxiliam no processo de tomada de decisões. Porém, as reflexões
e decisões precisam ser realizadas dentro da escola, juntamente com toda a
comunidade escolar para contribuir com a democratização do ensino (LUC-
KESI, 2008, p. 81). Em contrapartida, compreendemos que,
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 147

O que caracteriza a função social dos processos avaliativos em larga


escala é a mera verificação com ênfase na cobrança e culpabilização, dos
envolvidos com as unidades escolares, sejam eles gestores, professores,
funcionários, pais, alunos ou comunidade, em relação à qualidade e efi-
ciência da educação escolar. Nessa perspectiva de avaliação, o controle
dos processos baseado na supervisão direta é substituído por estratégias
que não ultrapassam a aferição e a comparação de resultados, o qual não
contempla outros elementos determinantes que incidem nos resultados
escolares (ZANARDINI, 2008, p. 42).

Dessa forma, entendemos que a maneira com que as políticas avaliati-


vas estão organizadas promovem o controle do financiamento das escolas,
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rotulando e culpabilizando os sujeitos, pois as avaliações têm se mostrado


como uma forma eficaz de garantir o controle do sistema educacional, bem
como o controle social.
Com base nas concepções aqui apresentadas e na ideia de que a avalia-
ção não se resume à mera verificação, a seguir analisaremos a relação entre
avaliação em larga escala e gestão escolar no contexto de quatro escolas da
Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel.

Algumas tendências entre avaliação em larga escala e a gestão


escolar no contexto da Rede Pública Municipal de Ensino de
Cascavel

O município de Cascavel conta com um Sistema de Educação Municipal


de Educação, portanto, além da presença do Conselho Municipal de Educa-
ção, possui um currículo escolar próprio, que se encontra organizado em três
volumes, sendo o volume I para a Educação Infantil, Volume II para os Anos
Iniciais do Ensino Fundamental e o Volume III para a Educação de Jovens e
Adultos. De acordo com o texto presente no documento curricular do Ensino
Fundamental, a elaboração do Currículo para a Rede Pública justificou-se:
[...] pela necessidade de sistematizar um arcabouço teórico-metodológico que
confira a direção e a consequente apropriação dos métodos deste conhecimento
(CASCAVEL, 2008, p. 5).
O currículo aponta uma concepção de homem a ser formado, assim
como orienta um caminho de construção social. Para tanto, o currículo de
Cascavel tem como fundamentação teórica o materialismo histórico-dialético,
Pedagogia Histórico-Crítica e a Psicologia Histórico-cultural. O documento
curricular (2008, p. 11) expõe que,
148

A opção pelo método materialista histórico-dialético se justifica por


expressar o projeto de educação, sociedade e homem que queremos. Um
projeto que compreende o desenvolvimento histórico dos homens a par-
tir de um processo conflituoso, impulsionado pela luta de classes, num
cenário amplamente marcado pela contradição entre o desenvolvimento
das forças produtivas e as relações sociais de produção. Ainda, um projeto
que compreende a escola como situada no âmbito destas contradições e
responsável pela transmissão dos conhecimentos científicos. A função da
escola e, consequentemente, dos professores é ensinar, avaliar e possibi-
litar que o processo ensino-aprendizagem ocorra com qualidade para a
classe trabalhadora.

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De acordo com Mészáros (2005, p. 76), para que a educação ocorra para
além do capital “a nossa tarefa educacional é, simultaneamente, a tarefa de
uma transformação social, ampla e emancipadora”.
A pedagogia histórico-crítica11 também é apontada, pelo currículo da
REPMEC, como linha teórica referência, a qual defende que a função da escola
seria levar o aluno a adquirir o saber elaborado/ciência (CASCAVEL, 2008,
p. 253). Com base nessa perspectiva pedagógica, o documento afirma que:

A escola tem um papel político essencial, que é o de lutar pela socializa-


ção do conhecimento cientifico, lutar para que ele não esteja ao alcance
somente da classe dominante, mas sim que a educação possa cada vez
mais possibilitar o enriquecimento intelectual por parte do indivíduo. A
finalidade da escola é, portanto, garantir que os conhecimentos ultrapassem
o pragmatismo da vida cotidiana e aproximar os indivíduos da produ-
ção cultural mais elevada já produzida pela humanidade (CASCAVEL,
2008, p. 13).

Outra teoria que norteia o currículo da REPMEC é a psicologia históri-


co-cultural12 pois considera que as características fundamentais do desenvol-
vimento psíquico estão centradas na atividade social resultante do processo de
interação do sujeito com o mundo, sendo mediado por instrumentos e signos
produzidos socialmente (CASCAVEL, 2008, p. 105).
Segundo dados coletados, no ano de 2017, no site da Secretaria Municipal
de Educação de Cascavel – (SEMED)13, e no site do Sindicato dos Profis-
sionais da Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel (SIPROVEL)14, a

11 Sobre a Pedagogia histórico-crítica consultar, Saviani (1991).


12 Sobre a Psicologia histórico-cultural consultar, Vigotski (1997).
13 Disponível em: http://www.cascavel.pr.gov.br/arquivos/13032017_estatistica_censo_maio_2016_.pdf. Acesso
em: 13 jun 2020.
14 Disponível em: https://siprovel.com.br/sobre/sindicato/. Acesso em: 13 jun. 2020
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 149

REPMEC é formada por 62 escolas, que juntas atendem aproximadamente


23.134 alunos, contando em média com 2.000 professores na rede pública
municipal de ensino.
Sobre as escolas pesquisadas, organizamos um quadro com o objetivo
de apresentar alguns dados de referência. De acordo com a descrição meto-
dológica que apresentamos na introdução, as escolas são identificadas, nesse
texto, como escolas A, B, C e D.
Das escolas relacionadas no quadro abaixo, três delas atingiram, em
2015, a meta do IDEB estipulada para 2017. Apenas uma das escolas ainda
está abaixo da meta.
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Quadro 1 – Dados de referências das escolas municipais de Cascavel*


Total de alunos Alunos inclusos Número de Meta IDEB estipulado IDEB
Escolas
matriculados Ano 2016 professores para 2017 2015
A 545 18 40 ± 6.2 6.7
B 572 7 48 ± 5.5 6.4
C 302 1 18 ± 6.0 7.4
D 594 4 41 ± 6.3 5.5

Fonte disponível em: http://www.cascavel.pr.gov.br/arquivos/13032017_estatistica_


censo_maio_2016_.pdf. Acesso em: 2 set. 2017. *Quadro organizado pelas autoras.

No quadro acima, também é possível visualizar dados sobre alunos inclu-


sos, pois essa informação é alvo de questionamento das escolas B e D. A
diretora da escola B, faz a seguinte comparação:

Vamos dizer que a nossa escola tem cem alunos do quinto ano, e outra
escola ela tem cinquenta, e aí na outra escola não tem nenhum aluno com
deficiência mental, paralisia cerebral, autismo, qualquer outro tipo de
deficiência [...].

A diretora se refere aos casos de alunos com deficiências para destacar


que as provas não consideram as especificidades e necessidades deles. A
diretora complementa que outros elementos interferem nos resultados das
provas, tais como: a rotatividade de alunos e professores, estrutura física, a
falta de profissionais para sala de aula, para realizar apoio às crianças com
deficiência e para a oferta de reforço escolar.
A diretora e a coordenadora da Escola B, também citaram que as avalia-
ções não consideram as especificidades dos alunos inclusos. Neste sentido a
diretora da Escola B menciona que
150

[...] embora eles liguem para a escola, eles perguntam se tem alunos espe-
ciais, se tem algum aluno deficiente, eles mandam um aplicador diferen-
ciado para essa criança, porém eles não percebem a condição da criança.

Para a diretora da Escola B, o sistema de avaliação faz

[...] uma prova só, como se todo conhecimento fosse pareô, igual, e aplica
para todo mundo, então não respeita a individualidade de cada aluno, isso
eu acho que é um ponto gravíssimo. Nesse ano foi um ano [2015] que a
gente teve bastante dificuldade, porque a gente tinha muitos alunos inclu-
sos na sala, e não foi respeitada a condição dessas crianças. Elas estavam
ali por conta de algumas leis, que dizem que eles têm que estar ali, mas

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o conhecimento deles era muito diferente, eles precisavam de uma prova
adaptada para eles. Até para a criança com deficiência visual, que foi um
caso da prova ANA, que nós tínhamos um caso de uma criança com DV
[Deficiência Visual] e que precisava de uma prova ampliada, e não veio,
embora tenha sido pedido e nós tínhamos comunicado, não veio a prova
ampliada, não podia ler para a criança, e a criança fez do jeito que ela
achou que dava para fazer (DIRETORA ESCOLA B).

Outro ponto negativo, destacado pelas entrevistadas da Escola B, é o


fato de as avaliações em larga escala não levarem em consideração as espe-
cificidades de cada região.
Em âmbito geral, as escolas pesquisadas concebem as avaliações edu-
cacionais como uma prática pedagógica intrínseca ao processo de ensino
e aprendizagem, com a função de diagnosticar o nível de apropriação do
conhecimento pelo aluno. A Escola A, por exemplo, apresenta como meta do
seu plano de gestão, “avaliar o desempenho do aluno continuamente tendo
como base seu desempenho qualitativo e não-quantitativo”. Porém, a referida
escola busca aumentar o IDEB e se preocupa com as questões quantitativas
oriundas das avaliações em larga escala, o que nos indica contradições entre
o que a Escola A almeja para a avaliação de seus estudantes e as demandas
das avaliações externas.
Nas entrevistas semiestruturadas realizadas com as diretoras e coordena-
doras, sobre questão relacionada à visualização de pontos positivos e/ou nega-
tivos nas avaliações em larga escala, dentre os pontos positivos, as diretoras
das Escolas B e C, e, também a coordenadora da Escola C, consideram que
por meio dessas avaliações, as escolas conseguem realizar uma autoavaliação
do trabalho docente. Como ponto positivo, a diretora da Escola B, mencionou
que a escola recebe livros de literatura infantil por conta da realização da
avaliação ANA.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 151

A diretora e a coordenadora da Escola D e a coordenadora da Escola B não


visualizam pontos positivos nas avaliações em larga escala. As diretoras das
Escolas B e C e a coordenadora da Escola B consideram como um ponto nega-
tivo a cobrança existente em torno da elevação e/ou manutenção dos índices.
Nas entrevistas coletadas, exceto da Escola A que não tivemos oportu-
nidade de conversar com a diretora e coordenadora pedagógica, as diretoras
e coordenadoras relataram outros pontos negativos das avaliações em larga
escala, conforme síntese apresentada no quadro abaixo:

Quadro 2 – Pontos negativos das avaliações em larga escala


Escolas Diretora Coordenadora
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A — —
- Falta de subsídios; - Afeta o psicológico das crianças;
- Não valoriza o conhecimento da criança; - Os alunos ficam cansados devido a prova ser
B
- Os índices afetam negativamente a autoestima extensa;
da comunidade escolar. -Falta de subsídios.
- Demora na divulgação dos resultados; - As avaliações não se encaixam dentro da
C
- Prova muito objetiva. proposta da escola.
- Preocupa-se apenas com índices, médias, sem
D - Os índices obtidos denigrem a imagem da escola. uma real preocupação com a aprendizagem do
aluno.

Fonte: Quadro elaborado pelas autoras, com base nas respostas das entrevistas (realizadas
em 2017) com diretores e coordenadores pedagógicos das escolas campo de pesquisa.

Com base na síntese apresentada no quadro, notamos que os pontos nega-


tivos das avaliações em larga escala, variam desde as questões pedagógicas
referentes à aprendizagem até as questões psicológicas de cunho emocional
dos envolvidos nesse processo de avaliação externa.
De acordo com o que mencionamos na primeira seção desse artigo, alguns
autores, como Luckesi (2008), Zanardini (2008) e Frigotto (2011), criticam
as avaliações em larga escala, pois estas não consideram as especificidades
das escolas, seu impacto na didática, autonomia docente, desigualdade social,
rankings educacionais e a questão da subjetividade e das especificidades das
escolas e respectivamente dos alunos. De acordo com Luckesi (2008, p. 58),

A avaliação da aprendizagem deveria servir de suporte para a qualificação


daquilo que acontece com o educando, diante dos objetivos que se têm,
de tal modo que se pudesse verificar como agir para ajudá-lo a alcançar
o que procura.

Consideramos, também, que o ensino e a aprendizagem dos conteúdos


escolares são objetivos centrais do processo educativo da escola.
152

De acordo com o que mencionamos no início desse texto, a pesquisa


teve a pretensão de verificar em que medida os resultados das avaliações em
larga escala influenciam o trabalho pedagógico e a gestão escolar. Assim é
necessário levar em consideração que,

Sempre que os dados do Ideb são divulgados pela grande mídia nacional,
polêmicas e discussões ácidas a respeito de sua credibilidade para medir a
educação brasileira começam a pulular não só no âmbito acadêmico, mas
da sociedade de modo geral. Governos se apropriam dos índices como lhes
convém, discussões aligeiradas começam a dar o tom nas redes sociais e
nas mídias de maior circulação, em muitos casos, sem a devida atenção e
especialização (RIBEIRO, 2016, p. 100).

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Em nossas primeiras aproximações com as escolas campo da pesquisa,
percebemos que há indicativos de que existe uma responsabilização voltada
ao diretor e à coordenação pedagógica das escolas mediante aos resultados
obtidos nestas avaliações. Nessa direção, as entrevistadas relatam que esses
profissionais se sentem pressionados, assim como os alunos que são cobrados
e preparados para as avaliações. Os profissionais entrevistados nas Escolas
B, C e D relatam que fazem simulados para deixarem os alunos cientes do
formato e da maneira como é aplicada a avaliação.
Na Escola C, a diretora nos diz que a instituição

[...] tem uma parceria com a justiça federal, eles incentivam para a nota,
dão premiação para os melhores alunos, a gente aplica simulados sema-
nalmente para eles, eu (diretora) trabalho com os alunos com dificuldade,
mando atividades, dou um reforço para esses alunos com dificuldade,
todos os dias eu mando atividades para eles, e depois pego um por um e
trabalho em cima daquela dificuldade, para ajudar a professora (DIRE-
TORA ESCOLA C).

Além das premiações aos melhores colocados nos simulados, a diretora


expõe que,

Aqui na escola, a gente já tem uma nota boa, então a gente acaba cobrando
mais, muitas vezes até ensinando de certa forma um pouco mais, no sen-
tido de ensinar macetes que eles vão usar depois no vestibular, ou em
outra prova.

Com base no relato dessa diretora, percebemos, também, que a relação


entre avaliação em larga escola e gestão escolar, nessa situação, não ocorre
diretamente sobre as especificidades da gestão da escola, mas no sentido de
a diretora adaptar suas atividades para atender as demandas da aprendizagem
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 153

referentes à preparação para as avaliações externas. Para atingir metas, Ribeiro


(2016, p. 108) expressa que

A gestão escolar, em meio a todos esses fatores, torna-se refém do Ideb.


Ao invés de problematizá-lo, ou pressionar políticas públicas que dimi-
nuam sua importância, acaba legitimando tal “corrida por resultados”,
transformando-se em importante mecanismo de legitimação deste tipo de
política avaliatória. Como foi possível observar nas pesquisas analisadas,
são fartos os exemplos de gestores operando na escola pública com a lógica
tipicamente privada capitalista de “meta, produtividade e resultados”.

No relato da diretora da Escola C, notamos que há uma preocupação


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com a manutenção do índice da escola e também com a reorganização do


seu trabalho, uma vez que ela atua diretamente com os alunos no sentido de
ajudá-los nas dificuldades com relação ao conteúdo escolar.
A diretora e as coordenadoras das Escolas B, C e D esclarecem que
os simulados também são formas de diagnosticar questões que demandam
intervenções no trabalho docente, incluindo projetos que auxiliem os alunos
a melhorar o seu desempenho e sanar os conteúdos em defasagem. Neste
sentido, a diretora da Escola D relata que sente dificuldades na realização do
seu trabalho, pois existem problemas referentes as

[...] questões que o diretor não consegue resolver, devido a problemas


diversos como: a inclusão de alunos com deficiências diversas sendo ava-
liados igualmente, estrutura intelectual e profissional dos educadores,
entre outras.

Se o diretor sofre pressões no sentido de direcionar a escola para obter


maiores resultados nas avaliações em larga escala e no IDEB, as diretoras
entrevistadas também relatam questões que extrapolam a sua condição de
atuação, conforme expressa a fala acima da Diretora da Escola D. Ribeiro
(2016, p. 110) pontua que

O Ideb, em nosso país, tornou-se o principal diagnóstico técnico-quan-


titativo da educação básica, no quesito qualidade. Porém, ele é frágil e
ainda não é capaz de contar tudo. Não é capaz de contar as condições de
trabalho, de ensino e aprendizagem que os professores e gestores operam,
nem é capaz de compreender de fato a qualidade do ensino da instituição,
dadas as suas limitações.

De forma geral, os PPP das escolas A, B, C mencionam que ao buscar


a qualidade em educação, as unidades escolares organizam o trabalho peda-
gógico baseando-se nos princípios norteadores de uma gestão democrática,
154

buscando envolver toda a comunidade escolar, direcionando a tomada de


decisão conjunta no planejamento, execução, acompanhamento e avaliação
das questões administrativas, pedagógicas e financeiras.
Nos limites da gestão democrática, na sociedade capitalista, consi-
deramos que

A escola, ao tomar a gestão democrática como referência, como ponto


de partida (princípio) e como caminho a ser perseguido, potencializa as
condições de ser uma escola para todos, diferentemente do que ocorre se a
escola tomar como princípios e método a gestão gerencial, pois desenvol-
verá processos classificatório e excludente diante da comunidade escolar
(SANDRI, 2016, p. 114).

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As escolas participantes da pesquisa, afirmam por meio dos seus PPPs,
que seguem a gestão democrática como princípio, mas considerando os relatos
das entrevistadas, percebemos que há uma aproximação da gestão escolar de
cunho gerencial, pois as avaliações em larga escola, de certa forma, exercem
influências no sentido de provocar uma gestão por resultados (obtenção de
índices de desempenho), meritocrática e classificatória, inclusive estimula a
competição entre escolas.
Sobre as reformas que ocorreram na administração escolar no sentido de
implementação dos princípios da gestão gerencial, consideramos que

A reforma da gestão escolar pautada em critérios de eficiência e qualidade


é assim sugerida e enfatizada pela alegação de que são problemas técnicos
ou fatores internos que impedem o desenvolvimento eficaz dos sistemas e
unidades escolares, pelo argumento de que a reforma da educação básica
não obteria êxito se não houvessem mecanismos eficientes de gerencia-
mento das ações implementadas e dos resultados obtidos (ZANARDINI,
XAVIER, 2015, p. 273).

Diante do exposto, visualizamos contradições nas políticas educacionais


que nos fazem refletir sobre o processo de exclusão e classificação de alunos
e escolas, pois dentro da concepção neoliberal, “o indivíduo não mais está
referido à sociedade, mas ao mercado. A educação não mais é direito social e
subjetivo, mas um serviço mercantil” (FRIGOTTO, 2011, p. 240).
A pesquisa aponta, portanto, as contradições entre o que as escolas per-
correm e descrevem nos seus PPPs e as demandas das políticas de avaliação,
isto é, entre a gestão democrática como princípio da administração esco-
lar e a concepção de avaliação diagnóstica e as influências da perspectiva
gerencial e de avaliação como verificação de desempenho acadêmico dos
alunos, provocando, com isso, um embate entre o projetado pela escola e o
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 155

cobrado pelo sistema de avaliação. Tais contradições também são analisadas


por Souza (2006, p. 144) ao apresentar os movimentos que as escolas fazem
na direção de que

[...] as pessoas que atuam na/sobre a escola identificam problemas, dis-


cutem, deliberam e planejam, encaminham, acompanham, controlam e
avaliam o conjunto das ações voltadas ao desenvolvimento da própria
escola na busca da solução daqueles problemas. Esse processo, sustentado
no diálogo, na alteridade e no reconhecimento às especificidades técnicas
das diversas funções presentes na escola tem como base a participação
efetiva de todos os segmentos da comunidade escolar o respeito às normas
coletivamente construídas para os processos de tomada de decisões e a
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garantia de amplo acesso às informações aos sujeitos da escola (SOUZA,


2006, p. 144).

Notamos, por meio dos dados levantados, o exercício das escolas em rea-
lizar ações, como as descritas pelo autor acima, tanto no sentido de percorrer
princípios da gestão democrática e de uma concepção de avaliação diagnós-
tica, conforme apresentam nos seus PPPs, como de atender as demandas das
avaliações em larga escala, demandas estas que exercem tensão na gestão
escolar no sentido de alinhá-la à lógica gerencial. Por exemplo, nas escolas
em que a diretora e a coordenadora discordam das avaliações em larga escala,
independentemente do posicionamento pessoal/profissional delas, a escola
sofre a cobrança por melhores resultados e/ou índices. Tais cobranças tendem
a modificar as ações dos profissionais envolvidos no processo administra-
tivo e pedagógico. Com isso, percebemos que a opção entre gestão escolar
democrática e/ou gerencial, não se limita a uma questão meramente pessoal/
profissional dos sujeitos envolvidos no processo pedagógico-escolar, mas está
relacionada com o potencial/força de efetivação da política de avaliação no
trabalho e organização da escola.
Assim, a diretora da Escola B considera importante esclarecer que a
escola realiza simulados para que os alunos realizem a prova ANA, mas que
ela orienta os professores da seguinte forma:

[...] olha vocês não vão preparar aluno para fazer a prova ANA, muito
menos para a Prova Brasil, a gente não vai preparar eles para um concurso,
a gente vai preparar eles para viver na vida, porque ele vai ser um cidadão
no mundo, ele precisa saber ler em todas as situações, e não somente para
fazer uma prova. Ele tem que saber viver, esse é o cidadão que a gente
quer formar, e é para isso que a gente vai trabalhar com eles, preparando
eles para todas as situações.
156

Mészáros (2005) nos esclarece que o acesso à escola é condição neces-


sária, mas não é suficiente para retirar as pessoas do quadro de exclusão edu-
cacional, como enuncia o autor, a educação é uma contraposição à alienação,
e não deve ser encarada como um negócio onde se prepara o aluno com vistas
ao mercado, a educação deve servir para qualificar para a vida.
Consideramos que a educação é uma prática social que se apresenta em
diversos espaços; em diferentes momentos da vida social dos indivíduos. São
diversas as finalidades e os princípios educativos que orientam o processo de
ensino e aprendizagem, visto que:

A educação é, por definição, um fenômeno social influenciado por múl-


tiplos fatores, internos ou externos à escola e ao sistema educacional [...]

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este fato torna a interpretação dos resultados de avaliações como o Saeb
um exercício analítico complexo, dado que não há uma explicação única
para as estimativas e as tendências de evolução do desempenho (COTTA,
2010, p. 106).

O nosso estudo também apontou que, segundo as observações dos sujei-


tos entrevistados, a educação não se resume à preparação para as avaliações
externas, apesar de a escola se reorganizar para atender as demandas des-
sas avaliações.
No PPP da escola B, percebemos as intenções da escola em ir para além
da preparação para as avaliações, pois o documento menciona que a gestão
democrática é organizada com vistas à socialização da educação, propiciando
desta forma a participação coletiva, a reciprocidade e a superação da desi-
gualdade, procurando romper a dicotomia entre a concepção e a execução,
entre o pensar e fazer, entre teoria e prática. Nessa direção, tal argumento
apresentado no PPP da Escola B se articula com os discursos expostos na
entrevista com a diretora dessa escola. Em relação às avaliações em larga
escala, a diretora expõe que

A repercussão que isso tem, se fala como a coisa mais importante, e não
é, o mais importante é o aprendizado da criança, mas se coloca...Nossa
a prova Brasil! Daí as crianças ficam nervosas e ansiosas, as professoras
ficam nervosas, como se fosse resultado de um ano só de trabalho, o
professor do 5º ano, como se fosse resultado de um ano só de trabalho. O
professor do quinto ano acaba tendo uma ansiedade muito grande, porque
é o ano da provinha Brasil. Como se não tivesse que trabalhar todos os
outros anos. Que trabalha igual, só que parece que aquele ano, se a turma
dele, não for bem, se a escola não for bem, ele assume como se fosse
culpa dele, e não é, é o resultado de um trabalho que começa lá desde a
pré-escola. Lá começou o trabalho, que vai dar resultado lá na frente, mas
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 157

a ansiedade toma conta, e por mais que a gente tente passar isso para os
professores e para os alunos, eles escutam, compreendem, mas a ansiedade
permanece (DIRETORA DA ESCOLA B).

Sobre as atividades “extracurriculares” realizadas pelas quatro escolas


pesquisadas, destacamos que todas realizam reforço escolar, com o objetivo
de sanar dificuldades dos alunos. A diretora da Escola B expõe em sua fala que
a escola realiza alguns simulados com as crianças “com o intuito de que eles
compreendam que eles sabem o conteúdo”, pois, segundo a entrevistada, os
simulados tranquilizam as crianças “para que no dia da prova eles não fiquem
nervosos ao chegar pessoas estranhas de fora aplicar a avaliação”.
Além de oferecer reforço escolar em contraturno, as Escolas A e D são
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integrantes do Projeto SESC. O projeto Serviço Social do Comércio (SESC)


foi criado por meio do acordo com o Governo Federal, através do decreto
nº 6.632, de 5 de novembro de 2008, sendo que o SESC Paraná se compro-
meteu a investir até 33% de sua receita compulsória em ações gratuitas de
caráter educativo com o formato de projeto social.
O projeto SESC não apresenta uma concepção explicita de avaliação,
entretanto, o objetivo do projeto “Futuro Integral 2017” é oferecer ações de
complementação curricular para alunos da rede pública de educação básica,
por intermédio de ações sistemáticas para alunos das escolas atendidas, como
o atendimento em letramento e raciocínio lógico. Nesse projeto, é explicitado
que “Acompanhando o quadro educacional do Estado do Paraná, o SESC
Paraná entende que o seu papel é o de apoiador para a melhoria da qualidade
da educação púbica” (PROJETO SESC CASCAVEL, 2017, p. 4). A Equipe
de trabalho do projeto SESC é formada por três duplas de orientadores, sendo
que cada escola recebe uma dupla que é formada por um orientador de letra-
mento e um orientador de raciocínio lógico.
O desenvolvimento desse projeto em duas das escolas investigadas,
apesar de não fazer menção direta à avaliação em larga escala, trabalha com
uma “espécie de reforço escolar”, justamente nas duas áreas solicitadas nas
avaliações externas, Matemática e Língua Portuguesa.
Percebemos, contudo, que as avaliações em larga escala exercem deter-
minadas influências na organização do trabalho pedagógico e na gestão esco-
lar. Na gestão escolar, identificamos que nos planos de gestão do período de
2017/2018, elaborados pelos diretores das escolas pesquisadas, esse docu-
mento está organizado a partir de metas e objetivos que devem ser cumpridos
a curto, médio e longo prazo pelos diretores municipais. Os Planos de gestão
partem da concepção de gestão democrática e os documentos expõem como
meta principal promover ações que assegurem ao aluno a apropriação dos
conhecimentos científicos, e a autonomia necessária para a vida em sociedade.
158

Assim como todos os planos analisados estipulam como meta a elevação dos
índices de qualidade.
O Plano de Gestão da Escola B, acrescenta que a meta é garantir uma
educação emancipatória, pois a educação é fator primordial e que “dada a sua
importância para a formação do cidadão a educação e inspirada nos princí-
pios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, [a educação] tem por
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercí-
cio da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (PLANO DE GESTÃO
ESCOLA B, 2017/2018).
Um dado que se apresenta no plano da escola A, é que a diretora tem
como objetivo “promover atuação conjunta dos profissionais da escola a fim
de evitar a repetência e a evasão escolar”, assim como “desenvolver ações

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coletivas no sentido de superação de problemas de aprendizagem, manter ou
elevar o nível do IDEB”. Seguindo essa mesma lógica, no Plano de gestão da
Escola C, a diretora expõe como objetivo “traçar metas em conjunto com os
professores, demais funcionários e com a participação da comunidade escolar
para não deixarmos nossa meta do IDEB baixar”.
Em seus apontamentos, Ribeiro (2016) discorre que, na educação, não há
como negar a importância de se avaliar. Mas, critica o excesso de importância
que um índice externo acaba impondo as ações escolares, e que

A grande questão, portanto, passa a ser: em que pese os resultados até


razoáveis se olharmos dentro de um processo mais amplo comparativo, é
preciso se questionar às custas de que se tem conseguido tais índices? Eles
de fato refletem mais consistência, mais qualidade de ensino nas escolas
públicas? Ou paralelo a isto, significa também um aumento da lógica
de “preparatório para o IDEB” que acaba por reduzir o espaço público
escolar à preocupação excessiva com índices e rankings [...] o que, em
tese, serviria para estímulo, serve para aprisionar a instituição à frieza dos
números, que, sozinhos, não dizem do todo (RIBEIRO, 2016, p. 103).

De modo geral, os diretores já assumiram como meta para a gestão da


escola, o cumprimento dos índices estipulados, conforme apontamos no qua-
dro 1; para tanto, definem estratégias que envolvem parcerias no sentido de
atingir, manter ou elevar os índices em algumas escolas analisadas. Nos casos
analisados, tais parcerias foram estipuladas entre escolas e Polícia Federal
para concessão de prêmios aos “melhores alunos” e com o SESC para desen-
volvimento do projeto de “reforço escolar” nas áreas avaliadas pelo SAEB.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 159

Considerações finais

Considerando os conteúdos analisados nas entrevistas, nos documentos


e nas bibliografias estudadas, foi possível identificarmos tendências de que
a equipes administrativas e pedagógicas das escolas, modificam a organiza-
ção do seu trabalho mediante as metas e/ou os resultados das avaliações em
larga escala.
Na busca em atender as metas estabelecidas pelas políticas de avaliação,
o trabalho docente acaba sendo intensificado, pois o que identificamos com
base nas entrevistas, é que o professor se sente culpabilizado pelo sucesso
ou fracasso dos alunos.
Nas escolas participantes da pesquisa, notamos também que as próprias
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escolas se fiscalizam na busca por melhores escores. Ao se preocuparem em


atender as demandas das avaliações em larga escala, consequentemente, a
organização do trabalho pedagógico e a gestão escolar, assim como a for-
mação do aluno, apresentam uma tendência para o ensino de competências e
habilidades exigidas pelas matrizes/descritores das avaliações em larga escala.
Na análise da amostra selecionada por nós, por um lado, evidenciamos
que existem preocupações por parte das escolas, em relação aos resultados
a serem obtidos nas avaliações em larga escala, portanto, as escolas buscam
atingir as metas, manter e ampliar os índices anunciados pelo IDEB. Por outro
lado, notamos nas entrevistas, nos PPPs e nos Planos de Gestão que as escolas
têm como princípios e finalidade a gestão escolar democrática.
A gestão democrática, por sua vez, sofre tensão da perspectiva gerencial
advinda das políticas de avaliação em larga escala. Tal movimento entre a
perspectiva anunciada e percorrida pelas escolas, a gestão democrática, e a
efetivação de elementos da gestão gerencial, gestão por resultado, indicam
aspectos das contradições presentes nas escolas, portanto, nos indicam também
algumas das condições da gestão escolar e da organização do trabalho peda-
gógico num contexto em que a política nacional de avaliação por resultados,
tende a predominar sobre os demais elementos pedagógicos da escola.
160

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O IMPACTO DA FORMAÇÃO
PROFISSIONAL OFERTADA, POR
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PARA A OCUPAÇÃO DE VAGAS
DE POSTOS FORMAIS DE
TRABALHO, ENTRE 2011 E 2015
Joanna Adelia Biavatti
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Roberto Antonio Deitos

Introdução

Entre os anos de 2011 e 2015, o Pronatec mobilizou cerca de 9,4 milhões


de matrículas e mais de 13 bilhões de reais, o que caracterizou o programa
como a Política Pública de Educação Profissional de maior grandiosidade,
considerando, além dos números citados, os subprogramas por ele abarca-
dos e os ministérios e secretarias mobilizados. Entretanto, embora seu saldo
apresente números vultosos, pouco foi o impacto da formação profissional
ofertada, por meio do Pronatec, para a ocupação de vagas de postos formais
de trabalho no mesmo período. O estudo analisou as vagas disponíveis na
Agência do Trabalhador, no município de Cascavel, estado do Paraná, e as
entrelaçou com as ofertas dos cursos do Pronatec na mesma região. Essa
análise constatou que, embora mais de sete mil profissionais tenham sido
capacitados no referido município, não houve queda no número de vagas em
aberto na Agência do Trabalhador. Criado por meio da Lei nº 12.513, de 26
de outubro de 2011, o Pronatec – Programa Nacional de Acesso ao Ensino
Técnico e Emprego foi concebido para ofertar cursos profissionalizantes gra-
tuitos, promovendo a expansão, interiorização e democratização da oferta
de educação profissional e tecnológica no país, fomentando a ampliação das
oportunidades de educação e de formação profissional de um público carente
destas ofertas (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO [MEC], 2016).
Entretanto, poucas análises foram realizadas no sentido de entrelaçar
os vultosos números relativos ao investimento no programa com o efetivo
impacto da formação profissional ofertada para a ocupação de vagas de postos
formais de trabalho no mesmo período.
Temos presente que a implementação deste programa atua no sentido
de materializar ações que atendam aos ‘anseios’ presentes nos discursos
164

governamentais e dos representantes dos setores econômicos, nos quais se


apontam a relação entre a escassez de mão de obra qualificada no Brasil e as
implicações negativas desta carência para o desenvolvimento econômico e
tecnológico do país.
Neste contexto, o presente estudo1 é resultado de uma pesquisa que se
propôs à análise da oferta dos cursos do Pronatec, no período de 2011 a 2015,
considerando o argumento (a justificativa) de existente deficiência de mão
de obra qualificada para atender aos requerimentos dos setores produtivos
econômicos, em especial, no município de Cascavel, estado do Paraná.
Para subsidiar esta reflexão, realizou-se o entrelaçamento dos dados
referentes aos cursos ofertados e as necessidades sinalizadas pelos setores
econômico e demandantes, expressos pelos dados do MTE, CAGED, IBGE,

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IPARDS, RAIS, CNI, FIEP, SEED e Agência do Trabalhador. Tal análise
alicerçou a construção de um panorama da oferta da Educação Profissional,
em que se construiu a representação da demanda de oferta de cursos Pronatec
e dos postos de trabalho ofertados. Nesse panorama, foi possível constatar se
os cursos atendem aos requerimentos dos setores produtivos e, ainda, se houve
significativo aumento nas taxas de ocupação dos postos formais de trabalho
por meio dos encaminhamentos realizados pela Agência do Trabalhador no
município de Cascavel, estado do Paraná.
Embora tenha sido lançado em 2011, o Pronatec é uma política pública
resultante de uma série de ações iniciadas na década anterior, na ocasião do
lançamento do Plano Nacional de Educação – PNE, relativo ao período 2001-
2010. Tais ações encaminham-se para as ‘tratativas’ referentes ao discurso de
escassez de mão de obra qualificada no Brasil, proferido pelos representantes
dos setores econômicos e, endossados pelos governantes, que, historicamente,
sinalizam essa condição como um dos principais entraves do desenvolvimento
econômico do país.
Feres (2015) considera que o PNE almejava a consolidação de uma
visão sistêmica da educação, verificada no tracejar de metas e rumos para
as políticas públicas da área de educação que convergiam para o vínculo da
educação profissional ao Sistema de Educação Nacional, em contrariedade à
fragmentação observada nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996.
Já em 2007, o Governo Federal apresentou o Plano de Metas Compro-
misso Todos pela Educação, no qual foram vinculadas ações de assistência
técnica e financeira da União para Estados e Municípios que cumprissem as
metas de qualidade estipuladas no Plano de Ações Articuladas – PAR.
Sequencialmente, em 2008, obteve-se a aprovação da Lei que criou
os Institutos Federais de Educação Tecnológica – IFETS, possibilitando a

1 Artigo publicado originalmente na Revista Acta Sci. Educ., v. 41, e37765, 2019.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 165

formação de uma rede que compreende, além dos Institutos Federais, outras
instituições que oferecem educação profissional em todos os níveis. Isso sub-
sidiou a criação do Programa Brasil Profissionalizado; da Rede e-Tec Brasil,
de ensino a distância; do Acordo de Gratuidade com o Sistema S; e a criação
do Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnoló-
gica – Sistec.
Na análise de Feres (2015), enquanto o Brasil Profissionalizado almejou
a estruturação e ampliação da estrutura física das redes estaduais de educa-
ção profissional e tecnológica, a Rede e-Tec buscou fortalecer a oferta da
educação profissional a distância. No tocante ao Acordo de Gratuidade, o
Sistema S assumiu o compromisso de aplicar, a partir de 2014, dois terços
dos recursos provenientes do compulsório para oferta de cursos técnico de
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nível médio, qualificação profissional ou formação inicial continuada, ao


público de baixa renda.
Essa foi a estruturação que precedeu o lançamento do Pronatec, que por
meio de iniciativas próprias ou interligando-se a outros programas, abarca uma
série de subprogramas, projetos e ações de assistências técnica e financeira.
A Bolsa Formação2 apresenta-se como a iniciativa de maior impacto do
programa ao promover o pagamento de bolsas de estudo para as escolas ofer-
tantes, tanto públicas quanto privadas, para que estas custeassem as despesas
com os cursos (pagamento de professores, insumos, material didático e kit
escolar), e a assistência estudantil aos alunos (alimentação e vale transporte).
Além do aporte financeiro, sua amplitude refere-se também ao rol de parcei-
ros ofertantes – Institutos Federais, Universidade Federais e Estaduais, redes
estaduais e distritais de educação profissional, Sistema S e fundações públicas
mantenedoras de escolas que ofertam cursos técnicos, e demandantes – cerca
de 15 Ministérios e todas as Secretaria Estaduais e Distritais de Educação,
mobilizadoras de Centros de Referência em Assistência Social (Cras), Secre-
tarias Municipais de Turismo, Cultura, Emprego, entre outras.
Os cursos ofertados por esta rede de ensino atendeu, prioritariamente aos/
às: estudantes do Ensino Médio e da Educação de Jovens e Adultos da rede
pública; trabalhadores; beneficiários, titulares e dependentes dos programas
federais de transferência de renda; pessoas com deficiência; comunidades
étnicas; adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas;
egressos do ensino médio da rede pública ou de instituições privadas, desde
que tenha estudado na condição de bolsista integral.
Entre 2011 e 2014, o programa registrou mais de 6 milhões de matrículas
no país (Tabela 1). A análise dos dados do Secretaria de Educação Profissional

2 Regulamentada pela Portaria MEC 185, de 2012 e, posteriormente, substituída pela portaria MEC nº 168,
de 2013 (Portaria nº 168, 2013).
166

e Tecnológica do Ministério da Educação – SETEC/MEC (2013), relativos


às matrículas realizadas em cada uma das iniciativas agrupadas pelo Pro-
natec, demonstram a expressividade dos números presentes na modalidade
de Formação Inicial Continuada, componente do Bolsa Formação, ofertada
pelos Sistema S.
Enquanto as Redes Estaduais registraram 5% de matrículas e a Rede
Federal 15%, a iniciativa do Acordo do Sistema S permaneceu com 80%,
divididos em 43% SENAI, 30% SENAC, 4% SENAT e 3% SENAR. O público
mais beneficiado com o programa foi o encaminhado pelo Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, com 40,9% das matrí-
culas, seguido pela Secretaria de Educação e Cultura – SEDUC, com 20,2%.
As inscrições on-line, sem demandante específico, representaram 23,6% das

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matrículas; o Ministério do Trabalho e Emprego – MTE 5,1%; e a soma de
outros demandantes pontuaram 10,6% de matrículas no período (SETEC/
MEC, 2013).
Ainda em julho de 2014, a então Presidente Dilma Rousseff lançou o
Pronatec 2.0 com a promessa de oferecer 12 milhões de vagas em 220 cursos
técnicos e em 646 cursos de qualificação a partir de 2015 (Brasil Sorridente e
Pronatec, 2014). Entretanto, mesmo com o anúncio da efetivação do Pronatec
como Programa de Estado, em 2015, os cortes no orçamento do governo – 9,5
bilhões somente no Ministério da Educação ocasionaram uma brusca queda
no número de vagas anunciadas. De três milhões, a previsão passou a um
milhão, com efetivação de apenas de 288.000, ou seja, uma redução de mais
de 60% das vagas. Mesmo assim, na totalidade, os números de matrículas e
de investimentos mostram-se expressivos, conforme demonstrado na Tabela 2.

Tabela 1 – Matrículas Pronatec, entre os anos 2011


e 2014, por iniciativas do programa
Cursos técnicos 2011 2012 2013 2014* Total
Previsto 9415 99.149 151.313 151.313 411.190
Bolsa Formação
Executado 0 101.541 304.966 28.823 435.330

Brasil Previsto 33.295 90.563 172.321 233.781 529.960


Profissionalizado Executado 82.823 79.770 70.355 0 232.948
Previsto 74.000 150.000 200.000 250.000 674.000
E-TEC
Executado 75.364 134.341 137.012 0 346.717

Acordo com o Previsto 56.416 76.119 110.545 161.389 404.469


Sistema S Executado 85.357 102.807 132.289 0 320.453
Previsto 72.000 79.560 90.360 101.160 343.080
Rede Federal EPCT
Executado 117.621 119.274 121.958 7.788 366.641
continua...
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 167

continuação
Cursos técnicos 2011 2012 2013 2014* Total
Cursos FIC 2011 2012 2013 2014 Total
Previsto 226.421 590.397 743.717 1.013.027 2.574.102
Bolsa Formação
Executado 22.876 531.101 1.243.047 356.746 2.153.770

Acordo como o Previsto 421.723 570.020 821.965 1.194.266 3.007.974


Sistema S Executado 582.931 733.223 844.561 2.160.735 4.321.450
Total Geral Fic + Técnicos 967.772 1.802.057 2.854.208 393.357 6.016.594

* Até 3/3/2014. Fonte: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos


[CGEE] (2015a), e SETEC/MEC (2013).
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Tabela 2 – Demonstrativo de Investimentos no Pronatec,


entre 2011 e 2015, por iniciativa no Brasil
Iniciativa Investimento no período
Bolsa Formação 8.284.725.453,81
Expansão e reestruturação da Rede Federal 5.199.892.371,84
Rede e-Tec Brasil 556.567.615,83
Brasil Profissionalizado 1.049.931.687,80
Total 15.091.117.129,28

Fonte: CGEE (2015a) Siafi Gerencial. Elaborado pela Setec/MEC (2013).

Em suma, entre os anos de 2011 e 2015, o Governo Federal materializou,


através do Pronatec, uma série de ações voltadas à ‘ampliação’ da oferta de
educação profissional para ‘sanar a escassez de mão de obra qualificada’,
investindo mais de 15 bilhões no Programa, que suscitaram cerca de 6.304.594
de matrículas.
Entretanto, tais investimentos tiveram relativo impacto na ocupação dos
postos de trabalho formais, que, conforme os discursos dos setores econômi-
cos, não são preenchidos por falta de mão de obra qualificada? Como é feito
o acompanhamento dos egressos destes cursos para mapear sua inserção no
mercado de trabalho?
Embora não existam dados oficiais ou não oficiais de que a oferta do Pro-
natec, na amplitude de suas articulações, proporcionou ou não o ingresso do
público por ele atendido no mercado formal de trabalho, aumentando a empre-
gabilidade e proporcionando melhoria de qualidade de vida, em atendimento
aos objetivos primeiros do programa, algumas medidas foram deflagradas,
em 2013, pelo MEC. Entre essas medidas estavam previstas a elaboração do
Mapa da Educação Profissional, elaborado pelo Centro de Gestão e Estudos
Estratégicos (CGEE); o desenvolvimento de um sistema de avaliação dos
168

cursos técnicos elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas


Anísio Teixeira – INPE; e outro sistema, para avaliação de egressos dos cursos
técnicos e FIC, elaborado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
– IPEA. Em 2015, o CGEE apresentou o Mapa da Educação Profissional e
Tecnológica do Brasil, expondo dados para subsídios da oferta da EPT no
país, porém, as propostas dos sistemas de avaliações, até o momento, não se
concretizaram (SETEC/MEC, 2013).
No Relatório Final do Mapa desenvolvido pela CGEE (2015b), a
expansão da educação profissional oportunizada pelo Pronatec aconteceu
na proporção de 29% de vagas para cursos técnicos e 71% para cursos FIC,
evidenciando uma política de educação profissional que privilegia cursos de
curta duração. O estudo considera que este é um ponto de atenção, pois essa

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oferta se volta, prioritariamente, para uma população de baixa escolaridade,
com dificuldade de retorno aos bancos escolares, relegando, a segundo plano,
a formação profissional de nível médio.
Com o intuito de verificar em que medida o Pronatec contribuiu como
política pública para ampliação da oferta de educação profissional, e, se essa
oferta tem atendido aos requerimentos dos setores econômicos, é necessária
uma leitura sobre o mercado de trabalho e as perspectivas de vagas ofertadas
nas diversas áreas profissionalizantes, em curto e médio prazo, conforme
apontado por Feres (2015).
Para esta análise, foi realizado o entrelaçamento dos dados relativos à
oferta de postos de trabalho em Cascavel – PR, coletado em indicadores do
CAGED, IPARDS, IBGE e MTE, versus os cursos ofertados pelo Pronatec.
A relação entre a oferta de formação profissional com as vagas ofertadas pela
Agência do Trabalhador no município demonstra se há coerência nesse pro-
cesso, ou seja, se a oferta de cursos é condizente com a demanda sinalizada.
Os dados da Agência do Trabalhador foram tidos como ponto de partida
desta análise por considerar que, além de serem demandantes dos cursos do
Pronatec, mobilizando e encaminhando os beneficiários do programa, também
administram os serviços de recrutamento, seleção e colocação de trabalha-
dores no mercado de trabalho sob a égide da Divisão de Intermediação de
Mão de Obra – DIM. Os serviços ofertados pelas Agências do Trabalhador
são gratuitos e objetivam informar e orientar trabalhadores e empregadores,
fazendo a intermediação entre ambos (Secretaria da Justiça, Trabalho e Direi-
tos Humanos [SEJU], 2015).
Para o estudo, foi analisado o perfil de vagas descrito nos anúncios da
Agência do Trabalhador em Cascavel, com o perfil dos candidatos inscritos e
colocados. Os dados são relativos ao ano de 2011 e foram extraídos do portal
eletrônico da Secretaria da Justiça, Trabalho e Direitos humanos – SEJU,
contemplando os segmentos de intermediação por atividade econômica, perfil
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 169

combinado dos colocados, perfil combinado dos candidatos e perfil combinado


de exigência de vagas.
A estratificação da evolução de encaminhamentos para postos de traba-
lho realizados pela Agência, entre 2011 e 2015, demonstra uma oscilação na
oferta de vagas, com quedas expressivas que acompanharam o movimento
nacional no mesmo período (Tabela 3).
Os dados demonstram que a maior demanda de vagas ofertadas está
concentrada nos setores de comércio, reparação de veículos automotores e
motocicletas, indústria de transformação, construção, atividades administra-
tivas, alojamento/alimentação, transportes e armazenagem (Tabela 4).
O maior ponto de atenção é que o número de colocados é sempre aquém
às ofertas de vagas e, ainda mais discrepante se considerarmos os encami-
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nhamentos para o preenchimento das ocupações, conforme evidenciado na


Tabela 5. Essa permanência de vagas em aberto, mesmo havendo um grande
número de pessoas encaminhadas para as ofertas, é percebido, também, nos
dados nacionais.

Tabela 3 – Evolução de encaminhamentos para postos de trabalho –


Agência do Trabalhador de Cascavel, entre os anos de 2011 e 2015
Ano Inscritos Vagas Encaminhados Colocados Taxa de ocupação das vagas %
2010 24.310 10.775 33.251 3.351 31,10 %
2011 22.199 11.154 35.695 3.537 31,71 %
2012 15.605 8.888 34.497 4.617 51,95 %
2013 13.330 10.148 29.194 3.689 36,35 %
2014 13.061 12.567 32.463 3.598 28,63 %
2015 10.878 9.693 33.399 3.290 33,94 %
Total 99.383 63.225 198.499 22.082 35%

Fonte: Base GAP – Prestação de Contas, Secretaria do Trabalho e


Desenvolvimento Social (2015). Tabela elaborada pela autora.

Tabela 4 – Comparativo de Intermediação por atividade econômica, realizada


pela Agência do Trabalhador em Cascavel, no período de 1º/1/2011 a 31/1/2011
Atividade econômica Vagas Encaminhados Colocados
Comércio; reparação de veículos Automotores e Motocicletas 2940 9640 995
Indústrias de transformação 1667 4243 446
Construção 853 1166 155
Atividades administrativas e serviços Complementares 579 1817 183
Alojamento e alimentação 447 1749 86
continua...
170
continuação
Atividade econômica Vagas Encaminhados Colocados
Transporte, armazenagem e correio 438 1340 109
Atividades profissionais, científicas e técnicas 324 1115 189
Não definido/não cadastrado 258 579 68
Agricultura, pecuária, produção Florestal, Pesca e Aquicultura 203 473 104
Informação e comunicação 194 373 31
Artes, cultura, esporte e recreação 130 487 45
Atividades financeiras, de seguros e serviços 112 286 26
Saúde humana e serviços sociais 68 243 24
Atividades imobiliárias 41 67 5

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Água, esgoto, atividades de gestão de resíduos e descontaminação 24 63 8
Eletricidade e gás 8 15 0
Indústrias extrativas 4 1 0
Administração pública, defesa e seguridade social 1 2 0
Totais 8291 23659 2474

Fonte: Base SIMO Internet (SEJU, 2015). Tabela elaborada pela autora.

Tabela 5 – Dado sobre atendimento pela rede SINE – Total Brasil,


de intermediação de mão de obra no Brasil, de 2000 até 2015*
Trabalhadores
Trabalhadores Vagas captadas
Encaminhamentos colocados no % de Vagas
Ano Inscritos para junto a
para entrevistas mercado de preenchidas
Intermediação empregadores
trabalho
2000 4.805.733 1.281.220 2.559.597 581.618 45,40%
2001 4.687.001 1.435.173 2.884.805 742.880 51,76%
2002 5.118.563 1.648.542 3.445.531 869.585 52,75%
2003 5.443.121 1.560.502 3.428.546 844.572 54,12%
2004 4.872.769 1.670.751 3.553.823 886.483 53,06%
2005 4.977.550 3.869.769 1.718.736 893.728 23,10%
2006 5.148.720 4.031.713 1.772.282 878.394 21,79%
2007 5.428.622 4.866.693 2.060.917 980.997 20,16%
2008 5.990.907 5.781.814 2.526.628 1.068.114 18,47%
2009 5.894.722 6.019.575 2.538.081 1.018.807 16,92%
2010 5.497.650 3.660.711 7.729.292 1.246.201 34,04%
2011 4.708.101 2.569.720 5.883.262 933.613 36,33%
2012 6.144.893 2.642.970 5.490.055 658.862 24,93%
continua...
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 171
continuação
Trabalhadores
Trabalhadores Vagas captadas
Encaminhamentos colocados no % de Vagas
Ano Inscritos para junto a
para entrevistas mercado de preenchidas
Intermediação empregadores
trabalho
2013 5.802.948 2.901.446 6.192.575 749.115 25,82%
2014 5.185.085 2.600.860 5.571.657 676.032 25,99%
2015 2.885.405 1.143.410 3.060.051 324.412 28,37%
Total 81.902.250 47.441.551 59.735.744 13.271.159 27,97%

*Dados até 11/8/2015. Fonte: Base de Gestão da Intermediação


de Mão de Obra BGIMO (MTE, 2016).
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As causas para a não ocupação dessas vagas permanecem obscuras, uma


vez que a relação entre o perfil requerido para a ocupação da vaga e o perfil
dos candidatos encaminhados, em sua grande maioria, são compatíveis em
níveis de escolaridade. A experiência profissional também não seria o fator
dominante, pois, conforme dados do SEJU (2015), 74,79% das vagas não
requeriam comprovação de experiência em carteira de trabalho (Tabela 6).
É inquietante que vagas de trabalho permaneçam ociosas, mesmo com
uma parcela significativa de candidatos apresentando os requisitos mínimos
para preenchimento. Cabe refletir, ainda, que, se quase 80% das empresas não
apontam necessidade de experiência profissional registrada em carteira, o que
caracteriza a mão de obra qualificada tão escassa no mercado de trabalho?
Se existe a necessidade de formação profissional, possivelmente, os cursos
de rápida formação, foco de investimento do Pronatec, podem não atender
às expectativas de formação profissional desejado pelos setores produtivos.
Porém, é preciso ressaltar que cursos de 160 horas formam um profissional
apto a iniciar as atividades no ofício. Caberia, às empresas, assumir parte
da formação destes trabalhadores, uma vez que a espera pelo profissional
‘pronto’, com o pacote de competências completo, parece não existir.
Araujo e Borges (2000) analisam que as dificuldades estruturais do mer-
cado de trabalho são mascaradas pela imposição da qualificação como condi-
ção de empregabilidade. Esse conceito exime o governo da responsabilidade
quanto ao desenvolvimento e adoção de políticas públicas para esse fim,
isenta as empresas da responsabilidade na formação do trabalhador e relega
ao indivíduo todo e qualquer ônus por sua inserção no mercado de trabalho.
Esse viés político de atuação na esfera educacional está em consonân-
cia com os ditames dos organismos internacionais. Na percepção do Banco
Mundial (2010), a educação atua de modo compensatório sobre a situação
de pobreza causada pelos ajustes econômicos. Ela também é apontada como
um mecanismo fundamental na promoção de um novo padrão de acúmulo
de capital, considerando que, conforme os discursos oficiais, é pela educação
172

que se promove o desenvolvimento social, o aumento da coesão social e de


melhores oportunidades para a população que, apta, pode usufruir de políticas
‘corretas’ (DEITOS; LARA, 2016).
A oferta de qualificação no escopo do Pronatec, mesmo sem considerar
as necessidades estruturais do mercado de trabalho, é muito elogiada pelo
Banco Mundial. No documento Achieving World Class Education in Brazil:
The Next Agenda (Alcançando uma Educação de Classe Mundial no Brasil: A
Próxima Agenda), publicado em 2010, a entidade discorre elogios às políticas
e reformas educacionais implantadas pelos governos dos últimos 15 anos, entre
elas, o Pronatec, e continua ditando as perspectivas e os caminhos das políticas
educacionais de seu modelo hegemônico de educação, sociedade e Estado.
Esse discurso neoliberal do Banco Mundial, na perspectiva de Cruz

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(2003), recupera e reformula a Teoria do Capital Humano3 ao apontar uma
suposta relação de dependência entre educação e desenvolvimento econômico
e social, em que se supervaloriza o desempenho individual como determinante
da condição de cada um na sociedade. Nesta ótica, transpõe a lógica do mer-
cado para a educação, e elege a livre concorrência como fundamental para
a garantia da eficiência e da qualidade dos serviços educacionais prestados.

Tabela 6 – Comparativo entre escolaridade requerida e


média salarial ofertada nas intermediações realizadas pela
Agência do Trabalhador de Cascavel no ano de 2011
Perfil do Perfil dos Média salarial com
Escolaridade Perfil da vaga
candidato colocados maior % de oferta
Analfabeto 4,49% 0,22% 0,11% <1 até 3
Alfabetizado 9,18% 0,28% 0,08% <1 até 3
Primário incompleto 6,56% 2,78% 0,64% <1 até 3
Primário completo 14,92% 6,0% 3,21% <1 até 3
Primeiro grau Incompleto 10,87% 13,73% 11,82% <3 até 5
Primeiro grau completo 9,89% 9,9% 8,08% <3 até 5
Segundo grau incompleto 7,80% 16,13% 15,60% <3 até 5
Segundo grau completo 21,93% 35% 43,01% <3 até 5
Superior incompleto 0,69% 9,0% 9,18% <3 até 5
Superior completo 2,78% 7,06% 7,3% <3 até 5
Indiferente 9,75% - - -

Fonte: Base SIMO Internet, SEJU (2015). Tabela elaborada pela autora.

3 A ideia do Capital Humano é uma quantidade ou um grau de educação e de qualificação, tomado como
indicativo a um determinado volume de conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridas, que funcionam
como potencializadoras da capacidade de trabalho e produção.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 173

Mota Junior e Maués (2014) trazem à tona a perspectiva economicista


de educação nesta perspectiva ao considerar que o sistema educacional deve
desempenhar três papéis primordiais, sendo: o desenvolvimento de habilidades
da força de trabalho para sustentar o crescimento econômico; a contribuição
para a redução da pobreza e desigualdade, buscando a oferta de oportunidade
educacional para todos; e voltar-se à transformação de gastos na educação
em resultados educacionais. Essa concepção está impregnada da Teoria do
Capital Humano ao defender que as pesquisas internacionais demonstram
que o Capital Humano, ao ser considerado como a média de escolaridade da
força de trabalho, atua como elemento crítico para o crescimento econômico.
Frigotto (2009) alerta para o caráter falso do legado do economicismo,
quando situa a educação como um capital (humano) motor do desenvolvi-
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mento e da superação da desigualdade entre nações e entre classes ou grupos


sociais, sem, contudo, modificar as relações de poder e de classe (as circuns-
tâncias) que produzem a desigualdade.
Percebe-se não se tratar de uma política para a educação para todos, mas
sim, de uma política social voltada à formação imediata de mão de obra na
perspectiva da empregabilidade4, sem discutir a questão do emprego, enfati-
zando as práticas neoliberais embasadas no Estado não interventor, incentivo
à individualidade e discurso da igualdade de oportunidades.
Lima (2012) nos adverte de que o lançamento do Pronatec promoveu
a continuidade da política de precarização e adaptação da formação técnica
secundária aos interesses do capital, pois, conforme analisa,

PRONATEC é muito mais do que a adaptação do PROUNI (Programa


Universidade Para Todos, que transfere recursos públicos para instituições
privadas, através de Bolsas) para o ensino técnico. A Lei 12.513/2011 alte-
rou configurações do FAT (fundo de Amparo ao Trabalhador), do seguro
desemprego, do FIES (Fundo de Financiamento do Estudante de Ensino
Superior) e dos programas de transferências de renda. O Pronatec é a
materialização das recomendações da UNESCO de que os governos da
América Latina deveriam utilizar o modelo do Sistema ‘S’ para a formação
profissional (LIMA, 2012, p. 10).

Um dos objetivos da educação profissional, em todos os seus níveis,


refere-se ao desenvolvimento de uma habilidade profissional para que o indi-
víduo atue como cidadão dentro de um contexto socioeconômico, com gera-
ção de ganhos. Porém, mesmo após qualificado, depara-se com um mercado
de trabalho seletivo, que exige cada vez mais e mais saberes, habilidades e

4 Aqui entendida conforme conceito de Alberto (2005), como o dequalificar, requalificar, atualizar e reprofis-
sionalizar, de modo a estar sempre ‘pronto’ às novas demandas de produção.
174

competências, que agregue ganhos de produtividade para a empresa, sem


refletir, necessariamente, em melhores salários aos trabalhadores.
O salto tecnológico, com uma nova etapa de desenvolvimento industrial
vislumbrado para o Brasil, somente será possível com a mudança do atual
modelo enraizado em trabalho pouco qualificado que gera altos lucros para as
empresas. Seria mais pertinente um projeto que vislumbrasse a importância do
investimento no trabalho qualificado, com lucros menos gananciosos e mais
distribuídos, possibilitando a equidade e a inserção social, sem necessidade
de políticas compensatórias de quase nenhum retorno (CGEE, 2015b).

Considerações finais

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Os dados analisados demonstram que a oferta de educação profissional,
na esfera do Pronatec, não teve impacto no suprimento dos postos de trabalho
formais ofertados. No período de análise, as vagas permaneceram em aberto
mesmo com uma grande demanda de candidatos (qualificados) encaminhados.
No Brasil, foram 9,4 milhões de matrículas. Em Cascavel, somente
entre 2011 e 2015 foram capacitadas sete mil pessoas. No mesmo período,
foram ofertadas, pela Agência do Trabalhador, de 8 a 12 mil vagas, e apenas
uma média de 3.680 dessas foram efetivamente ocupadas. Ou seja, mais de
50% permaneceram em aberto, embora 74% delas não exigissem experiên-
cia profissional.
Isso nos conduz ao entendimento de que o Programa se caracteriza como
uma política social para a empregabilidade, com formação imediata de mão de
obra, sem discutir a questão do emprego, fortalecendo os preceitos neoliberais
que incentivam a individualidade e o discurso da igualdade de oportunidades.
Embora seja anunciado como um grande investimento na Educação
Profissional, tida como alavanca do desenvolvimento econômico e social
do país, a maior parte dos recursos foram investidos em cursos de formação
inicial e continuada, que atende aos setores de produção de produtos de baixa
qualidade, baixo conteúdo tecnológico, e baixos salários, indo na contramão
dos modelos de produção emergentes no cenário mundial, contribuindo para
o desemprego a longo prazo.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 175

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O FINANCIAMENTO EXTERNO
DA POLÍTICA EDUCACIONAL
NO PARANÁ (2011-2017)
Keren Paula da Silva Camargo
Roberto Antonio Deitos

Introdução
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O presente artigo1 busca examinar as condicionalidades políticas, ideo-


lógicas, financeiras e educacionais para o financiamento da política educa-
cional, apresentadas pelo Banco Mundial nos documentos e nos contratos
do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná implementado
no estado, no período dos governos de Carlos Alberto Richa (2011–2017).
Para o desenvolvimento desta pesquisa, realizou-se uma busca no Banco de
Teses e Dissertações da Capes e na página da Secretaria de Planejamento e
Coordenação Geral do Governo do Paraná, em que foi encontrada a versão
em português dos contratos e manuais necessários. Entre os documentos usa-
dos para analisar a parte do financiamento do Projeto Multissetorial para o
Desenvolvimento do Paraná estão: o contrato de empréstimo número 8201-
BR; os relatórios periódicos e o Manual operativo do Projeto nos volumes
1 e 4. Compreendemos que os organismos internacionais, especialmente o
Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná e o Banco Mundial,
têm ditado como deve ser a educação do estado. Notamos, assim, que poucos
recursos são destinados à área educacional, caso comparada a outros setores.
Percebemos, ademais, que os documentos do Projeto têm dado ênfase na
eficácia e na qualidade do sistema educacional.
No sistema capitalista, a educação básica é vista como prioritária, pois
se considera que a oferta de oportunidades “iguais” diminuiria as desigual-
dades na disputa por uma vaga no mercado de trabalho. Essa prioridade vai
ao encontro dos princípios do Banco Mundial, que reafirma a lógica perversa
de equidade social (OLIVEIRA, 2016).
Neste trabalho, abordamos as condicionalidades financeiras, educacio-
nais, políticas e ideológicas do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento
do Paraná, financiado pelo Banco Mundial.
O Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná foi aprovado
em 6 de novembro de 2012. Inicialmente, a previsão de investimento total
nesse projeto era de US$ 714,11 milhões, sendo que o Banco Mundial ficaria
1 Artigo publicado originalmente na Revista Educação, Santa Maria, UFSM, v. 45, 2020.
178

responsável por financiar US$ 350 milhões e o restante seria a contrapartida


do Estado (PARANÁ, 2014a). A data de encerramento do Projeto é 30 de
novembro de 2019 (BANCO MUNDIAL, 2016).
O financiamento do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do
Paraná foi aprovado junto ao Banco Mundial em 12 de dezembro de 2013
e se efetivou em 13 de janeiro de 2014. Esse “constitui um tipo de financia-
mento inédito até o momento no Estado, em que há o comprometimento com
investimentos estratégicos em setores que promovam o desenvolvimento
econômico e social” (PARANÁ, 2014b, p. 7).
O projeto custou US$ 713,24 milhões e foi destinado em 25% ao setor
de administração pública geral, 22% setor de agricultura, pesca e silvicultura,
19% administração do Governo subnacional, 12% setor de educação em geral,

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e os outros 22% em saúde (BANCO MUNDIAL, 2016).

Condicionalidades financeiras e educacionais


Para o setor educacional, foram propostos financiamento para
três programas:

(a) Sistema de Avaliação de Aprendizagem. Implementação do sistema


de avaliação da aprendizagem dos alunos da SEED e realização de
testes e de atividades de divulgação.
(b) Programa de Formação de Professores. Melhoria das qualificações
e habilitações dos professores na rede de escolas do Mutuário (Rede
Pública Estadual), por meio de treinamento em universidades para
professores em serviço.
(c) Melhoria das Instalações Escolares do Estado (Renova Escola). Rea-
bilitação, reparação e em alguns casos, a ampliação das escolas esta-
duais existentes do Mutuário, por exemplo: laboratórios de ciências,
bibliotecas, laboratórios de informática, mobiliário escolar e alguns
equipamentos (PARANÁ, 2016b, p. 8-9).

Em relação aos custos do Sistema de Avaliação de Aprendizagem, a pre-


visão inicial era de R$ 25.325.600 (PARANÁ, 2017), em que são incluídos
serviços técnicos profissionais para o desenvolvimento do sistema, aplicação
das avaliações e divulgação dos resultados e equipamentos e materiais per-
manentes (PARANÁ, 2014c). No Programa de Formação de Professores, o
custo total “previsto por componente do Programa Formação em Ação” era
de R$ 119.860.013 (PARANÁ, 2017) e, em relação ao Programa Renova
Escola, R$ 322.045.310 (PARANÁ, 2017).
As tabelas abaixo apresentam os valores destinados tanto às políticas
sociais quanto à área da educação pelo Projeto Multissetorial de Desenvol-
vimento do Paraná.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 179

Tabela 1 – Valores destinados aos setores contemplados pelo Projeto


Multissetorial de Desenvolvimento do Paraná em US$
Previsão de Setor de Setor de agricultura, Administração Setor de
valor total administração pesca e silvicultura do governo educação Saúde
do projeto pública geral em geral subnacional em geral
100% 25% 22% 19% 12% 22%
713,24 178,31 156,9128 135,5156 85,5888 156,9128

Fonte: Dados do Banco Mundial (2016). Elaborada pelos autores (2019).

Podemos verificar que a educação é a que menos recebe financiamento


em relação aos outros setores, tendo em vista que recebeu 12% do valor total
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previsto, enquanto o setor de administração pública geral, 25%.


Na Tabela 2 consta quanto cada programa contemplado pelo Projeto
Multissetorial de desenvolvimento do Paraná deveria receber, vale lembrar
que mostramos a previsão, já que não podemos apresentar resultados conclu-
sivos, considerando que o Projeto ainda está em vigência. O valor total dos
três programas é R$ 467.230.9232.

Tabela 2 – Valores destinados a programas educacionais contemplados


pelo projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná
Previsão para programa de Previsão para melhoria
Previsão para sistema
Valor total formação de professores em das instalações escolares
de avaliação de
do projeto universidades para professores do estado (renova escola)
aprendizagem
em serviço por componente por componente
US$ 713,24 R$ 25.325.600 R$ 119.860.013 R$ 322.045.310

Fonte: Dados do Banco Mundial (2016). Elaborada pelos autores (2019).

Já a Tabela 3 mostra os valores executados pelo Projeto Multissetorial


de desenvolvimento do Paraná no período de 2012 a 2017:

Tabela 3 – Valores executados de dez/2012 a jun/2017 no setor educação


pelo Projeto Multissetorial de desenvolvimento do Paraná
Executado e acumulado
Programas Executado até jun/2017
dez/2012 a dez/2016
Sistema de avaliação da aprendizagem R$ 9.738.048 0
Formação de professores R$ 9.656.592 R$ 6.776.48
Renova escola R$ 155.527.651 R$ 11.709.479

Fonte: Paraná (2017).

2 Conversão de US$ para R$ realizada por Banco Mundial (2016).


180

Sendo assim, no primeiro semestre de 2017, o único programa que não


executou nenhum valor foi o Sistema de Avaliação da Aprendizagem. Com
base nesses valores, consideramos, a partir desse momento, discutir sobre os
aspectos educacionais dos três programas.
O Programa Sistema de Avaliação de Aprendizagem, no período de
2012-2013, realizou três avaliações, sendo aplicados testes de português e
matemática. A primeira em novembro de 2012, a segunda em abril de 2013
e a terceira em outubro de 2013. Já em 2014, houve o atendimento de 850
escolas, executando-se ações na perspectiva de melhorar o desempenho dos
alunos (PARANÁ, 2014b).
No ano de 2015 não foi realizada a avaliação como estava prevista,
sendo que o relatório de Monitoramento do segundo semestre de 2015 previa

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a necessidade de ver uma reprogramação das avaliações para 2016 e 2017,
devendo ocorrer uma no final de 2016 e uma em 2017 (PARANÁ, 2015a).
Em relação ao primeiro semestre de 2016, há a justificativa de que, em
decorrência de greves por parte dos professores e restrições orçamentárias,
em 2015 e, no primeiro semestre de 2016, não foram realizadas avaliações
(PARANÁ 2016a).
O relatório do Segundo Semestre de 2016 dispõe que, em 2017, ficou
acordado com o Banco Mundial a realização de duas avaliações, uma a ser
realizada nos anos iniciais do Ensino Fundamental e médio ao se iniciar o
ano letivo, e outra para os anos, ao final do ano letivo. Ficou acordado, ainda,
a inclusão da EJA nas avaliações (Ensino Fundamental e Médio). Quanto
aos alunos indígenas, a prova deveria ser nas línguas guarani e kaingang
(PARANÁ, 2016c).
Em relação ao primeiro semestre de 2017, alega-se a não realização das
avaliações por conta da abertura de licitação para contratação da empresa que
realizaria as provas. Nenhuma atendeu ao edital, ficando a contratação a ser
realizada no segundo semestre (PARANÁ, 2017).
Sobre o Programa Formação em Ação, em 2013 foram realizadas ofi-
cinas, porém, no primeiro relatório de 2014, só consta apenas que neste ano
foram realizados textos e também roteiros relacionados às disciplinas da edu-
cação básica que estão no currículo (PARANÁ, 2015b).
As metas do PDE3 no ano de 2014 foram comprometidas considerando
que houve interrupção da parceria com as Instituições de ensino superior
temporariamente. O relatório coloca que: “[...] para revisão de meio termo,

3 Programa de desenvolvimento Educacional. Sua implementação ocorreu pelo Decreto nº 4.482 de 2005.
O programa foi instituído pela Lei Complementar nº 103 de 15 de março de 2004 e regulamentado pela Lei
Complementar 130 de 14 de julho de 2010, com alterações subordinadas ao projeto financiado pelo Banco
Mundial. Considerando que muitos profissionais atuantes no Ensino Médio não tinham a possibilidade de
ascensão na carreira, o programa tornou-se efetivo a partir de 2007 (PARANÁ, 2014c).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 181

os valores das metas e a linha de base para o cálculo do indicador relacio-


nado aos concluintes do PDE deverão ser ajustados à realidade da execução”
(PARANÁ, 2014b, p. 29).
O Relatório do segundo semestre de 2015 (PARANÁ, 2015a) dispõe que
a meta das oficinas no ano foi atingida mesmo com a greve dos professores que
ocorreu de 9 de fevereiro e 9 de março, e de 26 de abril a 9 de junho de 2015.
Sobre o PDE, ressalta que a turma de 2015 iniciou suas atividades em
fevereiro de 2016, ingressando, nesse ano, 1.874 professores. Assim,

A SEED apresentou dados de materiais produzidos até o final de 2015.


Destacam-se: a) 7.847 artigos científicos publicados; e b) 5.180 materiais
didático-pedagógicos publicados. Esses dados sofrerão pequenos ajustes
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após a finalização da revisão documental da turma que concluiu o Pro-


grama em 2015 (PARANÁ, 2015a, p. 32).

Em 2016, houve superação da meta prevista. No primeiro semestre desse


ano foram realizadas 3.428 oficinas capacitando 29.909 técnicos e 77.606
professores. Em relação ao PDE, 2000 vagas foram abertas além das já exis-
tentes (PARANÁ, 2016b). O relatório do Segundo Semestre de 2016 coloca
que a meta prevista para o ano foi superada, sendo realizadas ao todo 6.789
oficinas, capacitando 27.878 técnicos e 74.742 professores (PARANÁ, 2016c).
O relatório de monitoramento do primeiro semestre de 2017 afirma que
as oficinas foram ofertadas, sendo 26 delas focadas na avaliação externa e
interna. Dos 28 conteúdos diferentes trabalhados, dois eram sobre os agentes
educacionais e sua importância na escola. Há continuidade do PDE pela turma
2016 (PARANÁ, 2017).
De acordo com o relatório, em relação ao programa Renova Escola,
as metas do período 2012-14 foram atendidas, sendo que, em 2014, foram
entregues 216 estabelecimentos com melhorias nas condições de uso e reali-
zaram-se obras de ampliações e reformas, sendo o investimento total de R$
32.996.759,00 (PARANÁ, 2014b).
Em relação a equipamentos e mobiliários, o relatório destacou que 338
escolas foram atendidas no segundo semestre de 2014, priorizando-se escolas
“em situação crítica”, as quais receberam alguns itens:

[...] forno, fogão industrial, freezer, refrigerador industrial, mesa para


biblioteca, arquivo de aço, estante de dupla face, cadeiras para biblioteca,
estante em aço, tampo e assento para carteira, carteira especial, banquetas
para laboratório, mesa para refeitório e mesa para reunião, utensílios de
cozinha e refeitório (PARANÁ, 2014b, p. 29).
182

Ao todo, no final de exercício de 2014, destacou o relatório que foram


atendidas 719 escolas que receberam equipamentos e mobiliários (PARANÁ,
2014b). Em 2015, houve poucos avanços e algumas medidas foram tomadas
em relação à execução de obras, uma delas referente à contratação de reparos
descentralizados, sendo que não mais ocorre por carta-serviço, mas sim por
pregão eletrônico (PARANÁ, 2015a). Relata, ainda, que, no ano de 2015,
houve o atendimento de 36 escolas, 34 no programa de reparos e 2 com obras
de ampliação.
O relatório de prestação de contas destacou, ainda, que, em relação à
distribuição de mobiliários-equipamentos, 86 escolas saíram da situação crí-
tica. Deu-se início a 8 construções de escolas indígenas e foi prevista, nessas
escolas, a construção de 14 quadras, não sendo cumprido esse objetivo pelo

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fato de que não ocorreu liberação de recursos federais (PARANÁ, 2015a).
Devido às recomendações do Tribunal de Contas e também do Banco
Mundial, realizou-se um trabalho em que 13 obras foram retiradas da con-
tagem numérica das escolas reformadas e/ou ampliadas. Totalizando-se 328
obras realizadas até o presente relatório (PARANÁ, 2016b, p. 38). Já o relató-
rio do segundo semestre coloca que foram realizadas, nesse semestre, 12 obras
(PARANÁ, 2016c). Em 2017, a SEED pretendia concluir “[...] o levantamento
da elegibilidade e regularidade de mais 19 obras que estavam em andamento
em 2014 [...]” (PARANÁ, 2016b, p. 38).
Ainda no primeiro semestre de 2017, eles colocam que 94 escolas recebe-
ram equipamentos e mobiliários. A obra de reforma e ampliação de 19 escolas
estaduais foi concluída nesse semestre (PARANÁ, 2017).
A Tabela 4 apresenta os valores dos saldos a serem executados até a
conclusão do Projeto:

Tabela 4 – Valores a serem executados até o final do Projeto


Multissetorial de desenvolvimento do Paraná
Programas Saldo total para execução
Sistema de avaliação da aprendizagem R$ 15.587.552
Formação de professores R$ 63.426.934
Renova escola R$ 154.808.180

Fonte: Paraná (2017).

Podemos constatar, nesse tópico, que a educação de qualidade que muitos


profissionais do setor almejam está longe de acontecer diante dos recursos
destinados a ele.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 183

Condicionalidades políticas e ideológicas

Percebemos que os objetivos propostos no uso dos recursos vêm ao


encontro da proposta de uma educação que forme para o capital, proposta esta
que vem sendo reafirmada há alguns anos pelos organismos internacionais.
O programa Sistema de Avaliação da Aprendizagem atua nas Escolas
Estaduais da Rede pública do Paraná, na aplicação de avaliações com os alunos
dos 6º e 9º anos do Ensino Fundamental e 1º e 3º anos do Ensino Médio, nas
disciplinas de português e matemática (PARANÁ, 2014c).

Ele é proposto com vistas: “[...] a uma melhor definição da identidade,


autonomia, missão e objetivos institucionais, a partir de princípios demo-
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cráticos e participativos, baseados no envolvimento da comunidade escolar


para a melhoria da instituição de ensino” (PARANÁ, 2016b, p. 13).

Sendo assim, o governo do Paraná objetiva a instalação de um programa


de avaliação que, construído “coletivamente”, melhore a eficiência e a equi-
dade e interfira “positivamente” na escola. Nesse sentido, os documentos do
projeto contrapõem-se à ideia de que os programas que realizam avaliações
externas são burocráticos e centralizadores e afirma, ainda, que estabelecer
que programas de avaliação em larga escala corresponde a uma exigência
imposta pela sociedade democrática (PARANÁ, 2014a).
Conforme expresso no documento, Paraná (2014a), a melhora na quali-
dade de ensino só é possível na medida em que o Estado possui meios e capaci-
dade para realizar a medição dos efeitos da aprendizagem e, ainda, divulgar os
resultados das avaliações padronizadas de forma a implementar as chamadas
“[...] intervenções pedagógicas corretivas” (PARANÁ, 2014a, p. 19).
Para o Banco Mundial, “ao invés de buscar recursos adicionais para a
educação, a ênfase política deveria estar em aumentar a qualidade do ensino
buscando melhorar a eficiência do setor educacional’’ (BANCO MUNDIAL,
2003, p. 20), pois as avaliações em larga escala são o:

[…] momento da construção coletiva de um processo avaliativo que, além


de auxiliar cada instituição escolar com informações necessárias aos novos
rumos pedagógicos, subsidiará a reflexão de suas ações de ensinar, apren-
der e avaliar, promovendo novas políticas públicas voltadas à promoção
da qualidade da educação (PARANÁ, 2014a, p. 19).

Portanto, entende-se que a avaliação está ligada à qualidade da educação,


ideologia também visível na proposta do Programa Formação em Ação. Esse
programa visa à formação dos professores, alegando-se que a formação ofertada
184

nas universidades, muitas vezes, não dá conta de atender a todas as exigências


da prática docente e quando os profissionais formados chegam à escola, depa-
ram-se com situações que exigem uma formação complementar de professores.
O Banco Mundial (2012) coloca a necessidade do melhoramento da
eficácia dos professores em sala, afirmando que:

Ter melhores professores requer, entre outras coisas: (i) prepará-los ade-
quadamente para o ensino através da pré-formação contínua de professores
de boa qualidade; (ii) proporcionar aos professores acesso ao desenvolvi-
mento profissional através de programas de treinamento em serviço; (iii)
fornecer apoio regular através de parcerias e consultorias pedagógicas;
e (iv) ter um sistema de avaliação do desempenho dos professores que

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recompense bons desempenhos e ofereça incentivos atraentes por meio
de um sistema eficiente de gestão de carreira (BANCO MUNDIAL, 2012,
p. 42-43).

De acordo com o Banco Mundial (2012), muitos professores da rede


estadual têm a renovação de contratos anuais, o que gera uma precariedade
de trabalho. Assim, há uma dificuldade para as escolas elaborarem plano para
melhora no ambiente escolar, já que se tem uma instabilidade no quadro de
professores. Há, ainda, o caso de professores que precisam trabalhar em dois
empregos, o que gera uma dificuldade em ofertar, para esses profissionais,
um “bom desenvolvimento profissional” (BANCO MUNDIAL, 2012, p. 43).
Em relação ao programa de Formação de professores são contemplados
dois componentes. Sendo contemplados por eles “[...] atividades de formação,
como reuniões técnicas, simpósios, seminários, congressos, web conferências,
cursos em EAD, entre outras (PARANÁ, 2014c, p. 39)”, oficinas e o PDE.
As oficinas são organizadas por coordenadores e técnicos pedagó-
gicos dos núcleos regionais de educação de cada região. Os técnicos dos
núcleos devem se capacitar para usar a ferramenta Sistema de Capacitação
dos Profissionais da Educação (SICAPE) em oficinas de instrumentalização
(PARANÁ, 2014c).
Nas “Oficinas de Capacitação, Aperfeiçoamento e qualificação dos pro-
fissionais da educação”, visam à possibilidade de haver troca de experiências
dos professores e também dos técnicos, de subsidiar metodologicamente a
prática docente em sala de aula, bem como o processo de ensino aprendizagem
(PARANÁ, 2014c).
Elas abordam conteúdos trabalhados nas disciplinas, a organização do
trabalho pedagógico, a parte administrativa da escola e, ainda, consideram
a realidade da região e do local onde estão sendo ofertados, o número dos
profissionais que participam e os municípios, as oficinas anteriores e seus
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 185

resultados e as sugestões dos técnicos e dos professores em relação aos con-


teúdos. Elas devem ser realizadas duas vezes por ano e inseridas no calendário
escolar. As oficinas são projetadas pelos técnicos dos núcleos regionais de
educação (PARANÁ, 2014c).
O PDE é incorporado no Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento
do Paraná. O Programa de Desenvolvimento Educacional:

Foi idealizado durante a elaboração do Plano de Carreira do Magistério


(Lei Complementar n.º 103/04) e implementado pelo Decreto n.º 4.482,
de 14 de março de 2005. Destaca-se que o Programa foi discutido a par-
tir das reuniões conjuntas entre os gestores da SEED e da Secretaria de
Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná (SETI) e
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os representantes do Sindicato dos Professores e Funcionários Públicos


Estaduais (PARANÁ, 2014c, p. 51).

Sendo este uma política educacional, é apresentado como um importante


fator de avanço na carreira dos professores. O público-alvo é “Professores do
quadro próprio do magistério, Nível II, Classe 8 a 11, em pleno exercício”
(PARANÁ, 2014c, p. 52), os profissionais precisam se submeter a um pro-
cesso seletivo para ingresso no programa, sendo classificados pela pontuação
adquirida de acordo com a formação e o tempo de carreira.
Durante a realização do PDE, o profissional é responsável pela elaboração
de um projeto que deve ser implementado no seu retorno à escola. Assim,

O PDE é estruturado a partir de uma matriz curricular, organizada em


quatro períodos semestrais, atendendo às especificidades pedagógicas do
Programa. Sendo assim, vale ressaltar que a partir do terceiro período, o
professor/educando retornará à sua escola de origem para implementação
do projeto desenvolvido por ele (PARANÁ, 2014c, p. 54).

De forma a avaliar quantitativa e qualitativamente o programa, em 2011


elaborou-se um plano de avaliação, em que os técnicos da SEED identifica-
ram “[...] cinco dimensões de potencial impacto desta política pública sobre
diferentes atores [...]” (PARANÁ, 2014a, p. 56).
São elas (PARANÁ, 2014c):

• Objetiva-se a melhora na qualidade do ensino, essa qualidade deve


ser comparada por meio da realização de exames padronizados;
• Estimula os professores a dar continuidade na sua formação;
• Os efeitos do PDE podem ser também percebidos no ambiente esco-
lar, “[...] em aspectos como violência na escola e relacionamento
entre os atores” (PARANÁ, 2014c, p. 56);
186

• Espera-se que o PDE, e seus mecanismos de seleção, induzam os


profissionais a buscar formação, a manter a assiduidade e a reduzir
os afastamentos;
• “Melhora da produção científica e acadêmica das IES parceiras’’
(PARANÁ, 2014c, p. 57).

Já com o Programa Renova Escola, busca-se a melhoria no planejamento


e na execução de investimentos do Estado em relação à infraestrutura das
escolas. Afirma-se que:

A combinação da falta de investimento e da manutenção precária criou


riscos à segurança dos alunos e funcionários da escola, tais como incêndios

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e desmoronamento das construções. A qualidade da educação também é
afetada negativamente com a superlotação em alguns casos, e a impos-
sibilidade de criar laboratórios de informática por conta de instalações
elétricas inadequadas (PARANÁ, 2014a, p. 21).

Esse programa vem, portanto, buscando melhorar a qualidade da edu-


cação via reformas nas escolas em situações de riscos ou com superlotações.
Assim, objetiva-se a: “Restauração, conserto e, em alguns casos, expansão
das escolas estaduais existentes, dos laboratórios de ciências, das bibliotecas,
dos laboratórios de informática, dos móveis e equipamentos escolares, entre
outros” (BANCO MUNDIAL, 2012, p. 44).
A proposta principal desse programa é a melhoria no espaço físico
(infraestrutura). Sendo assim, três componentes formam a estrutura do pro-
grama. São eles: 1) ampliar e adequar os ambientes escolares; 2) recuperar
e reparar prédios escolares; e 3) adquirir equipamentos e ainda mobiliários
escolares. Logo,

O ambiente físico escolar adequado, representado pelo conjunto das insta-


lações físicas e recursos materiais necessários ao bom funcionamento da
escola, é um facilitador para o processo de aprendizagem e um indicador
de qualidade em educação. Em contraposição, uma escola sem estrutura
física adequada pode criar no educando um quadro de desvalorização da
educação e insatisfação com a aprendizagem (PARANÁ, 2014c, p. 76).

Considera-se que a manutenção das escolas da rede pública estadual é um


desafio, portanto, a SEED pretende o seu enfrentamento via descentralização
na contração das obras e serviços de engenharia. Sendo assim, as direções das
escolas ficam autorizadas a realizarem procedimentos para contratação de tais
serviços, sendo esses procedimentos realizados na modalidade convite. Afir-
ma-se, portanto, que descentralizar resulta em possibilidade de participações
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 187

de pequenas empresas locais, contribuindo, assim, não somente para elas, mas
também para o município dessas escolas (PARANÁ, 2014a).
No componente 1, para atendimento por parte do programa, são esta-
belecidos alguns critérios que determinam a prioridade para determinadas
escolas. São esses: situação física do prédio escolar; dados e indicadores
populacionais e socioeconômicos.
No componente 2 considera-se que:

Para os atendimentos deve-se, obrigatoriamente, caracterizar a substi-


tuição, recuperação ou reparação de partes danificadas do prédio. Por
exemplo: troca de telhas quebradas da parte danificada, da fechadura que
emperrou, da fiação elétrica, do vaso sanitário, do disjuntor que estragou,
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entre outras situações (PARANÁ, 2014a, p. 84).

Para realização do trabalho serão contratadas empresas ou pela gestão


descentralizada ou por contratação centralizada. Assim, para a execução dos
serviços são contratadas empresas que realizam serviços e obras de engenha-
ria. A comunidade escolar e os núcleos regionais de educação acompanham
a execução das ações que foram previstas (PARANÁ, 2014c).
Em relação a obras consideradas pequenas, a SEED deve descentra-
lizá-las e os núcleos regionais devem liderar atividades de manutenção
(PARANÁ, 2014c).
No componente 3,

Todos os estabelecimentos de ensino podem ser eleitos, todavia serão


analisados os seguintes aspectos para a priorização do atendimento:
- Total de materiais/equipamentos já recebidos, data e quantidade do
último envio;
- Prazo de durabilidade, estado de conservação do bem, de acordo
com atualização patrimonial – SEAP;
- Total de turmas e número de turmas no maior turno; total de alunos e
número de alunos no maior turno; e demanda de professores, equipe
pedagógica e administrativa por turno (PARANÁ, 2014c, p. 90).

Nesse componente, a comunidade escolar é chamada para ter uma partici-


pação efetiva na escola, no sentido de manter e de conservar os equipamentos/
mobiliários, o que nos chama a atenção para a necessidade de discutir qual
finalidade há por detrás desse convite.
Em análise atenta para os três programas, podemos perceber que o sis-
tema de avaliação é o sistema dorsal da política educacional. A avaliação
organizada pelos Organismos Internacionais não passa de um mecanismo de
mera verificação, pois a busca por avaliar não caminha no sentido de melhoria
188

na qualidade da educação para ruptura do sistema, mas sim na conservação


(LUCKESI, 1995).
Nesse sentido, o sistema de avaliação apresenta dados e resultados que
sustentam o discurso de uma escola que precisa estar em constantes mudanças
para manutenção/conservação do tipo de educação que se espera na sociedade
de classes. Sob esse viés, consideramos que a escola desejada pelas elites
para a classe trabalhadora não é uma escola formadora de sujeitos pensantes.
Assim, avaliar para se ter qualidade significa fazer o sujeito internalizar as
relações de dominação visível no discurso de que as condições iniciais dadas
são iguais, basta o sujeito saber se destacar.
Freitas (2016a) aborda que são as elites que definem o que deve ser

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ensinado nas escolas. Assim, estabelecer exames para medir resultados sig-
nifica estabelecer controle sob o professor e as escolas. Além de não melho-
rar a qualidade da educação, essas avaliações contribuem ainda mais para a
segregação escolar. Ele ressalta, ainda, que muitas escolas passam a focar
apenas nessas avaliações, deixando de lado outros conteúdos que deveriam
ser ensinados aos alunos.
Freitas (2016a), assim como Chirinéa e Barreiro (2009), afirma que se
caminha, portanto, para obter uma educação comparada ao mercado em que
a competição é incentivada. Promover disputas entre escolas, premiando
os ganhadores e punindo os perdedores não contribui para a melhoria da
verdadeira qualidade da educação. Essas avaliações querem promover
uma auditoria nas escolas, pressionando-as para exigirem mais de si mes-
mos, culpabilizando-os.
É sob esses aspectos que a lógica da privatização da educação se encaixa.
Quando as escolas passam a não atender as metas estipuladas, logo, essas
deveriam ser privatizadas, pois uma escola que não pode oferecer uma edu-
cação de qualidade para as crianças, por meio de um ensino público, precisa
ser privatizada. Afinal, se as escolas privadas atingem altos índices, apenas
as melhores escolas devem ser mantidas (FREITAS, 2016b).
As reformas na educação que, a partir dos anos 1980, foram sendo imple-
mentadas, trouxe princípios de formação de trabalhadores para o mercado
de trabalho.

Essas reformas apresentam um objetivo político bem definido, que envolve


a estrutura administrativa e pedagógica da escola, a formação de pro-
fessores, os conteúdos a serem ensinados, os aportes teóricos a serem
adotados, enfim tudo o que possa estar relacionado com o processo de
ensino-aprendizagem (MAUÉS, 2003, p. 94).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 189

Essas servem, portanto, tanto como um meio de ajuste ao sistema social


como também um mecanismo de controle. Esse controle ocorre na medida em
que a regulação social passa a ocorrer de cima para baixo, ou seja, as reformas
são direcionadas pelos organismos governamentais (MAUÉS, 2003).
Nessas reformas, encontramos a formação de professores tida como
necessárias, pois, se a educação básica é considerada prioritária para os orga-
nismos internacionais, logo, afirma-se que os professores precisam de forma-
ção adequada para atender a esse tipo de educação (MAUÉS, 2003). Nesse
sentido, “os elementos constitutivos desse novo receituário da formação são a
“universitarização”/profissionalização, a ênfase na formação prática/validação
das experiências, a formação continuada, a educação a distância e a pedagogia
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das competências” (MAUÉS, 2003, p. 99).


Sendo assim, a ideia de ineficácia na educação é reafirmada pelos orga-
nismos multilaterais, especialmente o Banco Mundial, pois, segundo tais
organismos, isso justificaria a desigualdade social gerada pelo capital. Dessa
forma, os problemas sociais são, muitas vezes, apresentados como conse-
quência dos problemas educacionais e a educação aparece sempre atrelada à
condição de pobreza e de miserabilidade social (ZANARDINI, 2011).
Para o Banco Mundial, não há problemas nas instituições, mas sim ine-
ficiências e debilidades que precisam ser corrigidas. Para tanto, alega-se a
necessidade de preparação dos representantes dessas instituições para que
essas funcionem livremente e dentro da ética do capital. Assim, as instituições
são ineficientes quando esses representantes passam a atuar de uma forma
que fira a ética capitalista.
Em relação à eficácia de recursos, o Banco Mundial (2011) afirma:

Melhorar os sistemas de educação significa ir além de fornecer simples-


mente recursos. Não se duvida que proporcionar níveis adequados de
recursos escolares – quer se trate de instalações escolares, professores
qualificados ou livros escolares – é muito importante para o progresso
educacional de um país. Na verdade, o aumento de recursos dos anos
recentes tornou possível matricular milhões adicionais de crianças; este
esforço deve continuar sempre que os recursos sejam ainda inadequados.
Mas melhorar os sistemas exige também garantir que os recursos serão
utilizados de forma mais eficaz, para acelerar a aprendizagem (BANCO
MUNDIAL, 2011, p. 5).

O Banco Mundial estabelece investimentos para que a formação de pro-


fessores possa receber uma atenção, tendo em vista que se considera que a
melhoria na formação desses profissionais deve possibilitar que os professo-
res tenham domínio dos conteúdos das disciplinas ministrados por eles nas
190

escolas. Alega-se que conhecer os conteúdos dessas é importante quando o


quesito é rendimento dos alunos. Para além disso, fica visível que o Banco
tem focado em formações continuadas na modalidade a distância, já que isso
significa redução de custos (SANTOS, 2000).
Defende-se que um profissional que atua na escola, ao ser eficiente, geral-
mente será eficaz, embora isso não seja uma regra, pois aquele que faz suas
tarefas de forma correta, ao realizá-las de forma eficiente, provavelmente será
também um profissional. Essas características atendem as exigências para se
ter uma escola eficaz. Aparece nesses pontos termos como produtividade, soli-
dariedade, igualdade, que vêm ao encontro das Pedagogias Contemporâneas
que tomaram espaço nas escolas a partir dos anos 1990 (ALMEIDA, 2009).
Ao estabelecer uma parceria entre a Educação Básica e as Universidades

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(Ensino Superior), o PDE objetivava estabelecer uma relação de “paridade”
entre os profissionais da Rede Estadual com os mestres e doutores das uni-
versidades. Sendo assim, esse Programa buscava a superação da ideia da
formação do professor reflexivo (SILVA, 2009). Essa dimensão vem sendo
suplantada e o programa sendo esvaziado.
Ao ser incorporado ao Projeto Multissetorial de Desenvolvimento do
Paraná, fica claro que a intencionalidade é outra, ou seja, os resultados das
avaliações externas. Busca-se, com o PDE, evitar conflitos, trazer harmonia
para o ambiente escolar, reduzir afastamentos e outros. Essas intenções se
articulam também às ideias de punição ou premiação em função das notas
obtidas nas avaliações externas. Isso vem ao encontro da nova função exi-
gida da escola, a de atender as demandas do mercado. Para que isso ocorra,
é preciso que haja harmonia no ambiente escolar. Coloca-se que:

Mas a modificação profunda dos quadros tradicionais da existência


humana, coloca-nos perante o dever de compreender melhor o outro, de
compreender melhor o mundo. Exigências de compreensão mútua, de
entreajuda pacífica e, por que não, de harmonia são, precisamente, os
valores de que o mundo mais carece (DELORS, 1997, p. 19).

Percebemos que Dellors (1997) defende uma harmonia voltada para a


aceitação pacífica das relações de dominação. Nesse sentido, a educação se
apresenta como primordial para a adequação dos sujeitos à sociedade, devendo
adequar todos à vida coletiva. A escola deve ser um ambiente harmônico em
que os professores devem ter meios para evitar conflitos. O que se esquece,
aqui, é que muitas das violências que ocorrem na sociedade não podem ser
resolvidas na escola, pois são consequências do sistema capitalista.
É preciso formar o cidadão participativo, solidário, produtivo, e a escola
é a instituição escolhida para esse fim. Assim, verifica-se, também, que a
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 191

mesma eficiência requerida das instituições é exigida da escola, que precisa


se submeter a processos avaliativos que determina qual é a melhor e que
“merece” uma bonificação. Dessa forma, no sistema capitalista sobrevivem
apenas os “mais competentes”, afinal, a escola deve desenvolver uma educação
eficiente, em especial no aspecto quantitativo, pois a educação considerada
eficiente é meritocrática, que tem os seus resultados publicamente expostos. A
educação deve, portanto, ser a justificadora e conformadora das desigualdades
(ZANARDINI, 2012).
Percebemos, ainda, que embora a infraestrutura seja um fator muito
importante na escola, há um grande descaso em relação à melhoria dos espa-
ços escolares. Os recursos disponíveis geralmente não são suficientes para o
atendimento de todas as necessidades, o que faz com que apenas escolas em
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situações precárias, com riscos eminentes para quem estuda ou trabalha no


espaço, recebam atenção. E quem acaba fazendo as reformas é a comunidade.
Consideramos que a infraestrutura das escolas é um fator muito impor-
tante para determinar, em grande medida, a qualidade do ensino e o seu
funcionamento. Porém, isso não é uma regra, já que uma escola com boa
estrutura pode não ter um bom funcionamento e vice-versa. O que não pode-
mos ignorar, porém, é se os profissionais que trabalham em escolas com uma
boa infraestrutura dispõem de melhores condições de exercer seu trabalho. Se
isso é ignorado por parte daqueles que deveriam fornecer um espaço adequado
para o desenvolvimento das atividades de uma escola, esses ficam de mãos
atadas para realizar plenamente suas funções (SILVA et al., s. d.).
Ter uma boa estrutura pode facilitar a aprendizagem por parte dos alunos.
Uma má infraestrutura pode tornar-se para o aluno um motivo para afasta-
mento da escola ou ainda desinteresse. É preciso envolver pessoas com dife-
rentes qualificações para se ter uma educação de qualidade (SILVA et al., s. d.).
O que precisamos nos ater é que, em relação a essa participação,

É preciso, pensar em envolvimento participativo, não somente em recursos


financeiros, onde se limita à participação das instâncias colegiadas, mas
abrir espaço para a participação no campo pedagógico, cabendo, claro, aos
educadores o ensino-aprendizagem, mas colocando a comunidade a par do
que acontece dentro do ambiente pedagógico (CATTANEO, 2008, p. 4).

Dessa forma, falar em participação da comunidade, como aparece nos


documentos do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná,
deveria ser falar em participação da comunidade para melhoria na educação
por meio de diálogos produtivos. Um chamamento apenas para apresentar
resultados das avaliações externas, como uma culpabilização à escola que
não está dando conta de formar os alunos, é no mínimo desrespeitoso para
com a escola.
192

Considerações finais

Nesse trabalho, abordamos as condicionalidades políticas e ideológicas


propostas pelos documentos do Projeto Multissetorial de Desenvolvimento
do Paraná. Os três programas contemplados pelo projeto trazem em si a ideia
de uma educação eficiente e eficaz. Eficiente no sentido de buscar uma for-
mação para os professores que os torne produtivos para o capital, logo, esses
formarão alunos conformados com o sistema e eficazes na gestão de recursos.
Nesse aspecto, ofertar uma formação para os professores como o PDE,
por exemplo, significa investir nesses profissionais para aumento do ren-
dimento desses na escola. Da mesma forma, as oficinas, quando ofertadas,
resumem-se a uma formação prática. Verificamos, também, que o investimento

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em infraestrutura é pequeno em face das reais necessidades de reformas e
melhoramentos das escolas paranaenses. Quando as escolas apresentam uma
boa infraestrutura, logo são culpabilizadas quando suas notas em programas
de avaliações não cumprem o idealizado para elas.
Já os programas de avaliações vêm no sentido de apontar quais escolas
estão no caminho certo e quais não estão sob o ponto de vista dos organismos
internacionais. Escolas com maiores IDEB são vistas como escolas que têm
cumprido sua meta e realizado seu papel de forma “louvável”, enquanto as
que não atingem são culpabilizadas e tidas como fracassadas.
Nessa visão, desconsidera-se que não são apenas as disciplinas de por-
tuguês e matemática que formam o ser humano como um indivíduo capaz
de refletir, mas sim toda uma formação que valorize o ser humano como his-
tórico. Concluímos, portanto, propondo uma formação que leve os alunos à
compreensão das relações de desigualdade em que estamos inseridos e aponte
as possibilidades de uma luta em prol da transformação dessa sociedade.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 193

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DISPUTA PELO FUNDO PÚBLICO:
dívida pública e o financiamento das
universidades federais e da ciência e
tecnologia no Brasil (2013-2021)
Luiz Fernando Reis

Introdução
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Este trabalho1 tem como objetivo analisar os recursos destinados pelo


governo federal ao pagamento da dívida pública, à Ciência e Tecnologia no
período de 2013 a 2021. Para efeito comparativo, apresentamos os recursos
destinados, ano a ano, à dívida pública, à função Ciência e Tecnologia e aos
órgãos de apoio e fomento à pesquisa, o Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao Fundo Nacional de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico (FNDCT).
A destinação de parcela significativa do orçamento da União para viabi-
lizar a rentabilidade do capital na esfera financeira, por meio do pagamento
da dívida pública, sem a realização da auditoria prevista no Art. 26 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, representa
um importante obstáculo à ampliação dos recursos destinados ao financia-
mento das políticas sociais, da educação e da Ciência e Tecnologia no Brasil.
As transformações no capitalismo contemporâneo, a partir do final dos
anos de 1960, resultaram em um novo padrão de acumulação mundial centrado
no poder das Instituições Financeiras. Tal padrão de acumulação tem como
protagonistas os bancos, os fundos de pensão, os fundos de investimentos,
as seguradoras e outras empresas financeiras especializadas. Para Chesnais
(2005, p. 37), o processo de acumulação financeira caracteriza-se pela “cen-
tralização em instituições especializadas de lucros industriais não reinvestidos
e de rendas não consumidas, que têm por encargo valorizá-los sob a forma de
aplicação em ativos financeiros – divisas, obrigações e ações – mantendo-os
fora da produção de bens e serviços”.

1 Este texto é uma versão ampliada do trabalho “Disputa pelo Fundo Público: dívida pública e o financiamento
das universidades federais e da ciência e tecnologia no Brasil (2013-2021)” que será apresentado no X Encon-
tro da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação – FINEDUCA, que se realizará na
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), nos dias 30 de novembro e 1 e 2 de dezembro de 2022.
198

A valorização na esfera financeira, de acordo com Nakatani e Gomes


(2014, p. 74), “tem como característica fundamental seu comportamento
especulativo e como objetivo a obtenção de renda sem produção de riqueza
material, o que a caracteriza como parasitária”. Porém, o processo de acumu-
lação financeira se nutre do processo produtivo, dada a impossibilidade de o
“dinheiro fazer dinheiro” sem, em última instância, a exploração da força de
trabalho na esfera produtiva. Tal padrão de acumulação, além de modificar a
relação entre capital produtivo e capital rentista, exigiu que os Estados nacio-
nais passassem a cumprir um novo papel e estabelecessem novas prioridades
em relação à destinação dos recursos do fundo público, que é composto, em
grande medida, por tributos. A origem dos tributos é a riqueza criada na pro-
dução, pelo trabalho vivo. Através do sistema tributário drena-se uma parte

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da riqueza, criada na esfera produtiva, para o Estado que repassa uma parcela
de tal riqueza para determinadas frações do capital.
A dívida pública, por meio da transferência de recursos públicos para
o capital rentista, converteu-se num dos mecanismos por meio dos quais os
Estados nacionais, especialmente nos países periféricos, procuram contribuir
para a superação da crise de acumulação do capital, que se manifestou no
final dos anos 1960 e voltou a recrudescer nos anos de 2007/2008 nos países
capitalistas centrais e a partir de 2014 no Brasil.
Em decorrência da crise estrutural do sistema do capital, parte significa-
tiva do fundo público tem sido utilizada para garantir a acumulação do capital,
sobretudo para viabilizar a rentabilidade do capital rentista, o chamado capital
fictício de acordo com Marx (2017). A sangria de recursos do Estado para os
detentores dos títulos da dívida pública persiste, desde os anos de 1990, como
um dos esteios do padrão de acumulação de capital no Brasil, inclusive no
período dos governos Lula e Dilma.
No governo de Fernando Henrique (1995-2002), foram adotadas medi-
das com vistas a uma inserção do país no capitalismo financeirizado. De
acordo com Freitas e Prates (2001), esse processo teve dois eixos centrais:
a flexibilização da entrada de investidores estrangeiros e a adequação do
marco regulatório doméstico ao novo modelo de financiamento internacional
ancorado na emissão de securities (títulos de renda fixa e ações). A partir de
então, de acordo com Paulani (2008, p. 102-103), o Brasil transformou-se em
“plataforma internacional de valorização financeira”, um mercado no qual se
tornaram possíveis “substantivos ganhos reais em moeda forte, em detrimento
de nossa capacidade de aumentar o estoque de riqueza, de crescer e de conter
o aumento da miséria e da barbárie social”. Os governos Lula e Dilma, apesar
de adotarem uma política que procurava conciliar os interesses do capital e
trabalho, não romperam com o processo de financeirização da economia.
Paulani (2008, p. 143), ao analisar o primeiro governo Lula, concluiu que o
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 199

modelo econômico adotado tinha como objetivo “fazer o país desempenhar,


na configuração armada pela nova divisão internacional do trabalho, o papel
[...] de plataforma de valorização financeira internacional.” O governo Dilma
deu sequência ao modelo adotado pelo governo Lula.
Com o recrudescimento da crise do capital, desde 2014 (governo Dilma),
o subfinanciamento da Ciência e Tecnologia tem se aprofundado. A partir de
2016, com o afastamento ilegal da presidente Dilma tem sido colocado em
prática, de acordo com Cislaghi (2020), um ultraneoliberalismo em substi-
tuição ao “neoliberalismo ‘progressista’ ou de cooptação” vigente no período
de 2003-2016. Na esteira do ultraneoliberalismo, nos governos Temer e Bol-
sonaro, foram adotadas medidas que aprofundam a política de austeridade
fiscal e resultam na restrição dos recursos destinados às políticas sociais e,
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particularmente, à educação e à ciência e tecnologia.


Na análise da evolução dos recursos destinados pelo governo federal ao
pagamento da dívida pública e ao financiamento das universidades federais
e da ciência e tecnologia, apresentada a seguir, consideramos as despesas
liquidadas. As informações relativas aos anos de 2013 a 2021 foram coletadas
nos demonstrativos da execução orçamentária da União, disponibilizados pelo
Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Ministério da Economia
(BRASIL/SIOP, 2022). Os valores de todos os anos estão ajustados moneta-
riamente para janeiro de 2022 (IPCA/IBGE).

Destinação efetiva dos recursos da União para o capital rentista,


para as universidades federais e para a ciência e tecnologia (2013-
2021)

O padrão neoliberal de acumulação de capital passa por uma crise impor-


tante em escala mundial, a partir de 2007/2008, e no Brasil, em particular, a
partir de 2014. Para Reis e Macário (2022) o parasitismo do fundo público pelo
sistema da dívida em favor dos financistas, os déficits fiscais e a orientação
ultraliberal são três características da crise de acumulação que o sistema do
capital vem enfrentando no Brasil. Tais características, “em conjunto com
outras determinantes – como as inflexões recessivas na economia e o for-
talecimento de forças políticas de extrema direita – [...] têm implicado no
agravamento do subfinanciamento histórico porque passam as universidades
federais e o complexo público de C&T.” (REIS; MACÁRIO, 2022, p. 13).
Na presente seção, apresentamos os recursos destinados pelo governo
federal ao pagamento da dívida pública e ao financiamento das universidades
federais e da ciência e tecnologia, onde se comprovam as teses apresentadas
acima por Reis e Macário (2022) e demonstram que a sangria de recursos do
200

fundo público para os detentores dos títulos da dívida pública persiste como
um dos esteios do padrão de acumulação de capital no Brasil
No período de 2013 a 2021, foram destinados, cumulativamente, R$
10,288 trilhões para o total das despesas com a dívida pública (incluído o
refinanciamento). Tal montante de recursos representou, em média, 41,62% do
total dos recursos orçamentários da União. Nesse período, as despesas com a
dívida pública apresentaram um crescimento de 74,12%: de R$ 1,189 trilhão
em 2013 para R$ 2,070 trilhões em 2021, conforme apresentado nas Tabela 1.

Tabela 1 – Despesas da União com juros, encargos, amortização


e refinanciamento da dívida pública, no período de 2013 a 2021.
Valores (R$ 1,00), a preços de janeiro de 2022 (IPCA)

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Despesa total
Ano Juros e encargos Amortização Refinanciamento
(dívida pública)
2013 234.501.148.071 194.804.352.043 759.705.475.685 1.189.010.975.799
2014 265.151.082.017 296.906.491.254 960.079.226.497 1.522.136.799.767
2015 297.456.835.947 259.779.631.863 816.437.040.552 1.373.673.508.362
2016 268.993.768.536 356.268.689.855 858.476.269.941 1.483.738.728.331
2017 257.770.313.470 401.067.186.948 592.665.690.016 1.251.503.190.434
2018 342.024.000.041 411.546.160.000 551.156.795.641 1.304.726.955.683
2019 336.467.767.146 325.382.977.614 562.688.639.012 1.224.539.383.772
2020 396.423.263.857 356.227.110.806 827.099.834.667 1.579.750.209.330
2021 270.516.533.217 322.017.617.872 1.477.745.363.687 2.070.279.514.776
∆ 2013-2021 15,36% 65,30% 94,52% 74,12%
Total
2.669.304.712.301 2.924.000.218.255 7.406.054.335.698 10.287.933.446.569
2015-2021

Fonte: BRASIL/SIOP, 2022. Elaboração deste estudo.

Se considerarmos apenas as despesas com juros, encargos e amortização


(excluído o refinanciamento), no período de 2013 a 2021, foram destinados,
cumulativamente, R$ 5,593 trilhões para as despesas com a dívida pública.
Tal montante de recursos representou, em média, 18,07% das despesas da
União, o equivalente a 7,20% do PIB (Tabela 2).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 201

Tabela 2 – Recursos destinados às despesas com juros, encargos


e amortização da dívida pública (excluído o refinanciamento)
como percentual do PIB e das despesas da União (2013-2021).
Valores (R$ 1,00), a preços de janeiro de 2022 (IPCA)
Juros, encargos e amortização
PIB Despesas da União excluído o refinanciamento
Ano da dívida pública
(a) (b)
R$ (C) % C/A % C/B
2013 8.823.898.637.998 2.993.017.004.892 429.305.500.113 4,87 14,34
2014 8.994.957.924.093 3.420.636.046.788 562.057.573.270 6,25 16,43
2015 8.559.535.271.399 3.289.521.023.155 557.236.467.810 6,51 16,94
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2016 8.230.737.759.642 3.399.648.272.715 625.262.458.390 7,60 18,39


2017 8.357.766.929.495 3.179.877.142.394 658.837.500.418 7,88 20,72
2018 8.574.842.810.302 3.276.411.825.988 753.570.160.042 8,79 23,00
2019 8.720.629.084.129 3.267.147.018.553 661.850.744.760 7,59 20,26
2020 8.539.008.249.174 4.115.947.243.056 752.650.374.663 8,81 18,29
2021 9.163.983.620.859 4.145.940.349.368 592.534.151.089 6,47 14,29
∆ 2015-2021 3,85% 38,52% 38,02%
2015-2021
7,20 18,07
(% médio)

Fonte: BRASIL/BANCO CENTRAL, 2022; BRASIL/SIOP, 2022. Elaboração deste estudo.

As universidades públicas, além da formação de pessoal qualificado em


nível superior, são responsáveis por 95% da produção científica no Brasil
(MOURA, 2019). As universidades, de acordo com o art. 207 da Constituição
Federal, deverão desenvolver de forma indissociável, o ensino, a pesquisa e
a extensão. As universidades federais são, portanto, instituições de pesquisa.
O financiamento das universidades federais contribui para a realização
de parte da pesquisa científica realizada no Brasil, para a formação de novas
gerações de pesquisadores. A seguir apresentamos a evolução dos recursos
destinados às universidades federais.
202

Tabela 3 – Recursos destinados às universidades federais (incluídos os


Hospitais Universitários) como percentual do PIB e das despesas da União
(2013-2021). Valores (R$ 1,00), a preços de janeiro de 2022 (IPCA)
Universidades federais, incluídos
PIB Despesas da União os hospitais universitários
Ano
(a) (b)
R$ (C) % C/A % C/B
2013 8.823.898.637.998 2.993.017.004.892 58.410.243.678 0,66 1,95
2014 8.994.957.924.093 3.420.636.046.788 62.514.816.399 0,69 1,83
2015 8.559.535.271.399 3.289.521.023.155 61.023.495.031 0,71 1,86
2016 8.230.737.759.642 3.399.648.272.715 61.130.340.027 0,74 1,80
2017 8.357.766.929.495 3.179.877.142.394 64.390.863.399 0,77 2,02

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2018 8.574.842.810.302 3.276.411.825.988 64.434.720.109 0,75 1,97
2019 8.720.629.084.129 3.267.147.018.553 63.481.857.447 0,73 1,94
2020 8.539.008.249.174 4.115.947.243.056 62.591.892.900 0,73 1,52
2021 9.163.983.620.859 4.145.940.349.368 58.250.628.310 0,64 1,41
∆ 2015-2021 3,85% 38,52% -0,27%
2015-2021
0,71 1,81
(% médio)

Fonte: BRASIL/BANCO CENTRAL, 2022; BRASIL/SIOP, 2022. Elaboração deste estudo.

O total de recursos recebidos pelas universidades federais (Orçamento


Global), apresentou uma queda de 0,27%: de R$ 58,410 bilhões em 2013 para
R$ 58,251 bilhões em 2021. O total de recursos destinados às universidades
federais representou, em média, 1,81% do total das despesas da União, o
equivalente a 0,71 do PIB (Tabela 3).
Gráfico 1 – Recursos da União destinados às
universidades federais (Orçamento Global).
66,000 64,435

64,000
61,023
62,000
58,410
60,000
58,000
Bilhões

56,000 58,251

54,000
52,000
50,000
48,000
46,000
2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021

Fonte: Tabela 3.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 203

No período de 2013 a 2015 (governo Dilma) o orçamento global das


universidades apresentou um crescimento de 4,47%. No período de 2015 a
2018 o crescimento foi de 5,59% e de 2018 a 2021 ocorreu uma queda de
9,60% (Gráfico 1).
Ao discriminarmos os recursos destinados às universidades federais por
Grupo da Natureza da Despesa (GND), observamos que a partir de 2015, os
recursos destinados ao custeio (Outras Despesas Correntes) e aos investimen-
tos nas universidades federais foram drasticamente reduzidos. Em 2013, as
universidades receberam para o custeio de suas atividades R$ 9,711 bilhões
e, em 2021, receberam R$ 6,654 bilhões, uma redução de 31,48%. Quanto
aos recursos para investimentos, a restrição financeira foi de 78,79%: de R$
1,255 bilhão em 2013 para R$ 266,208 milhões em 2021.
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Gráfico 2 – Recursos da União destinados às universidades federais:


Outras Despesas Correntes (custeio) e Investimentos.

12,000
9,711
9,154
10,000

8,000
Bilhões R$

6,000
6,654
4,000
1,225 0,997
2,000
0,266
0,000
2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021

Custeio Inves�mento

Fonte: BRASIL/SIOP, 2022.

O Gráfico 2 demonstra que no período de 2013 a 2015 (governo Dilma)


os recursos de custeio das universidades apresentaram uma queda de 5,74%
e nos governos Temer e Bolsonaro, uma redução de 27,31%, se compararmos
2021 a 2015. Quanto aos recursos para investimentos, no período de 2013
a 2015 (governo Dilma) tais recursos apresentaram uma queda de 18,61%
e nos governos Temer e Bolsonaro, uma redução de 73,32% (2015 a 2021).
Tais números revelam que as universidades federais têm enfrentado sérias
dificuldades para garantir o desenvolvimento regular de suas atividades.
No caso das despesas da União com a função Ciência e Tecnologia,
ocorreu queda dos recursos destinados à área: de R$ 14,253 bilhões em 2013
para R$ 5,320 bilhões em 2021, um decréscimo de 62,67%. O total de recursos
204

destinados à ciência e tecnologia representou, em média, 0,26% do total das


despesas da União, o equivalente a 0,10 do PIB (Tabela 4).

Tabela 4 – Recursos destinados à função Ciência e Tecnologia


como percentual do PIB e das despesas da União (2013-2021).
Valores (R$ 1,00), a preços de janeiro de 2022 (IPCA)
PIB Despesas da União Ciência e Tecnologia
ANO
(A) (B) R$ (C) % C/A % C/B
2013 8.823.898.637.998 2.993.017.004.892 14.252.926.309 0,16 0,48
2014 8.994.957.924.093 3.420.636.046.788 9.983.898.816 0,11 0,29
2015 8.559.535.271.399 3.289.521.023.155 9.358.956.147 0,11 0,28

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2016 8.230.737.759.642 3.399.648.272.715 8.167.933.653 0,10 0,24
2017 8.357.766.929.495 3.179.877.142.394 7.916.715.560 0,09 0,25
2018 8.574.842.810.302 3.276.411.825.988 8.007.649.632 0,09 0,24
2019 8.720.629.084.129 3.267.147.018.553 7.757.147.173 0,09 0,24
2020 8.539.008.249.174 4.115.947.243.056 7.312.844.745 0,09 0,18
2021 9.163.983.620.859 4.145.940.349.368 5.320.308.331 0,06 0,13
∆ 2015-2021 3,85% 38,52% -62,67%
2015-2021
0,10 0,26
(% médio)

Fonte: BRASIL/BANCO CENTRAL, 2022; BRASIL/SIOP, 2022. Elaboração deste estudo.

No governo Dilma (2013-2015) as despesas com Ciência e Tecnologia


apresentaram uma queda de 34,34% e, nos governos Temer e Bolsonaro, uma
redução de 43,16%, se compararmos 2021 a 2015 (Gráfico 3).

Gráfico 3 – Recursos da União destinados à função Ciência e Tecnologia

16,000 14,253
14,000
12,000 9,359
Bilhões R$

10,000
8,000 5,320
6,000
4,000
2,000
0,000
2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021

Fonte: Tabela 4.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 205

Parte dos recursos da função ciência e tecnologia é destinada ao Conselho


Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao Fundo
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
O CNPq é uma fundação pública, vinculada ao Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação, cujo objetivo é financiar projetos de pesquisa em todo
o Brasil. Tem papel importante no fomento às atividades desenvolvidas por
grupos de pesquisa nas universidades públicas brasileiras.
Quanto aos recursos destinados pelo governo federal ao CNPq, verifica-
mos queda de 62,67% no total de recursos destinados ao órgão: de R$ 3,167
bilhões em 2013 para R$ 1,111 bilhão em 2021, um decréscimo de 64,92%.
O total de recursos destinados ao CNPq representou, em média, 0,66% do
total das despesas da União, o equivalente a 0,02 do PIB (Tabela 5).
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Tabela 5 – Recursos destinados ao CNPq como percentual do PIB e das despesas


da União (2013-2021). Valores (R$ 1,00), a preços de janeiro de 2022 (IPCA)
PIB Despesas da União CNPq
Ano
(A) (B) R$ (C) % C/A % C/B
2013 8.823.898.637.998 2.993.017.004.892 3.167.026.423 0,04 0,11
2014 8.994.957.924.093 3.420.636.046.788 2.925.255.911 0,03 0,09
2015 8.559.535.271.399 3.289.521.023.155 2.289.832.081 0,03 0,07
2016 8.230.737.759.642 3.399.648.272.715 1.700.127.613 0,02 0,05
2017 8.357.766.929.495 3.179.877.142.394 1.645.338.559 0,02 0,05
2018 8.574.842.810.302 3.276.411.825.988 1.549.096.679 0,02 0,05
2019 8.720.629.084.129 3.267.147.018.553 1.664.304.918 0,02 0,05
2020 8.539.008.249.174 4.115.947.243.056 1.389.656.552 0,02 0,03
2021 9.163.983.620.859 4.145.940.349.368 1.111.129.625 0,01 0,03
∆ 2015-2021 3,85% 38,52% -64,92%
2015-2021
0,02 0,06
(% médio)

Fonte: BRASIL/BANCO CENTRAL, 2022; BRASIL/SIOP, 2022. Elaboração deste estudo.

No governo Dilma (2013-2015) o total de recursos destinado ao CNPq


apresentou uma queda de 27,69% e, nos governos Temer e Bolsonaro, uma
redução de 51,48%, se compararmos 2021 a 2015 (Gráfico 4).
206

Gráfico 4 – Recursos da União destinados ao CNPq


3,167
3,500

3,000

2,500
Bilhões R$

2,290
2,000
1,111
1,500

1,000

0,500
2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021

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Fonte: Tabela 5.

Apresentamos a seguir os recursos destinados ao Fundo Nacional de


Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Tal Fundo, de acordo
com a Financiadora de Estudos Projetos (Finep2), é um “fundo de natureza
contábil que tem como objetivo financiar a inovação e o desenvolvimento
científico e tecnológico, com vistas a promover o desenvolvimento econô-
mico e social do País” (BRASIL/FINEP, 2021). Os recursos do Fundo são
fundamentais para o financiamento das atividades de pesquisa desenvolvidas
em todo o Brasil.
Em relação aos recursos destinados pelo governo federal ao FNDCT,
observamos uma queda de 73,18%: de R$ 3,061 bilhões em 2013 para R$
820,826 milhões em 2021. O total de recursos destinados ao FNDCT repre-
sentou, em média, 0,04% do total das despesas da União, o equivalente a 0,02
do PIB (Tabela 6).

2 A Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) é uma empresa pública federal, vinculada ao Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação. A Finep exerce a função de secretaria-executiva do FNDCT, e responsabiliza-
-se por todas as atividades de natureza administrativa, orçamentária, financeira e contábil relacionadas ao
Fundo que financia projetos desenvolvidos por empresas, universidades, institutos tecnológicos e outras
instituições públicas e privadas.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 207

Tabela 6 – Recursos destinados ao FNDCT como percentual do PIB e das despesas


da União (2013-2021). Valores (R$ 1,00), a preços de janeiro de 2022 (IPCA)
PIB Despesas da União FNDCT
Ano
(A) (B) R$ (C) % C/A % C/B
2013 8.823.898.637.998 2.993.017.004.892 3.060.792.456 0,03% 0,10%
2014 8.994.957.924.093 3.420.636.046.788 2.756.226.989 0,03% 0,08%
2015 8.559.535.271.399 3.289.521.023.155 1.790.779.478 0,02% 0,05%
2016 8.230.737.759.642 3.399.648.272.715 1.070.968.851 0,01% 0,03%
2017 8.357.766.929.495 3.179.877.142.394 1.035.289.843 0,01% 0,03%
2018 8.574.842.810.302 3.276.411.825.988 917.407.065 0,01% 0,03%
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2019 8.720.629.084.129 3.267.147.018.553 783.496.600 0,01% 0,02%


2020 8.539.008.249.174 4.115.947.243.056 874.899.045 0,01% 0,02%
2021 9.163.983.620.859 4.145.940.349.368 820.825.711 0,01% 0,02%
∆ 2015-2021 3,85% 38,52% -73,18%
2015-2021
0,02 0,04
(% médio)

Fonte: BRASIL/BANCO CENTRAL, 2022; BRASIL/SIOP, 2022. Elaboração deste estudo.

No governo Dilma (2013-2015) o total de recursos destinado ao FNDCT


apresentou uma queda de 41,49% e, nos governos Temer e Bolsonaro, uma
redução de 54,16%, se compararmos 2021 a 2015 (Gráfico 5).
Gráfico 5 – Recursos da União destinados ao FNDCT
3,500
3,061
3,000

2,500
Bilhões R$

2,000
1,791
1,500
0,821
1,000

0,500
2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021

Fonte: Tabela 6.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),


fundação vinculada ao Ministério da Educação, tem como um de seus objetivos
fomentar a formação de recursos humanos de alto nível no país e no exterior
por meio da concessão de bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado.
Deveria cumprir importante papel na formação de futuros pesquisadores.
208

No período de 2013 a 2021, a queda no total de recursos destinados à


Capes foi de 53,21%: de R$ 7,088 bilhões em 2013 para R$ 3,317 bilhões em
2021. O total de recursos destinados à Capes representou, em média, 0,18%
do total das despesas da União, o equivalente a 0,07 do PIB (Tabela 7).

Tabela 7 – Recursos destinados à Capes como percentual do PIB e das despesas


da União (2013-2021). Valores (R$ 1,00), a preços de janeiro de 2022 (IPCA)
PIB Despesas da União Capes
Ano
(A) (B) R$ (C) % C/A % C/B
2013 8.823.898.637.998 2.993.017.004.892 7.087.968.033 0,08 0,24
2014 8.994.957.924.093 3.420.636.046.788 8.435.175.186 0,09 0,25

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2015 8.559.535.271.399 3.289.521.023.155 10.928.435.334 0,13 0,33
2016 8.230.737.759.642 3.399.648.272.715 6.648.075.780 0,08 0,20
2017 8.357.766.929.495 3.179.877.142.394 4.999.271.620 0,06 0,16
2018 8.574.842.810.302 3.276.411.825.988 4.095.524.427 0,05 0,13
2019 8.720.629.084.129 3.267.147.018.553 4.513.733.624 0,05 0,14
2020 8.539.008.249.174 4.115.947.243.056 3.472.771.067 0,04 0,08
2021 9.163.983.620.859 4.145.940.349.368 3.316.516.935 0,04 0,08
∆ 2015-2021 3,85% 38,52% -53,21%
2015-2021
0,07 0,18
(% médio)

Fonte: BRASIL/BANCO CENTRAL, 2022; BRASIL/SIOP, 2022. Elaboração deste estudo.

No governo Dilma (2013-2015) o total de recursos destinado à Capes


apresentou um crescimento de 54,18% e, nos governos Temer e Bolsonaro,
uma queda de 69,65%, se compararmos 2021 a 2015 (Gráfico 6).

Gráfico 6 – Recursos da União destinados à Capes


12,000 10,928
10,000

7,088
Bilhões R$

8,000

6,000

4,000 3,317

2,000
2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021

Fonte: Tabela 7.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 209

Considerações finais

No período de 2013 a 2021 a sangria de recursos do fundo público para


os rentistas persistiu como um dos esteios do padrão de acumulação de capi-
tal no Brasil. O total de recursos destinados cumulativamente, no período
de 2013 a 2021, somente ao pagamento de juros, encargos e amortização da
dívida pública (R$ 5,593 trilhões), representou 4,4 vezes mais que os recursos
destinados à saúde (R$ 1,279 trilhão), 5,2 vezes mais que os recursos recebi-
dos pela área de educação (1,073 trilhão) e 71,6 vezes mais que os recursos
investidos em ciência e tecnologia (R$ 78,078 bilhões). Em 2020 e 2021, o
governo federal destinou R$ 755,770 bilhões para diversas ações de combate
à pandemia da covid-19, pouco mais da metade (56,19%) dos recursos des-
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tinados às despesas com a dívida pública (1,345 trilhão).


A crise de subfinanciamento das universidades federais e da Ciência e
Tecnologia no Brasil aprofunda a dependência científica do país em relação
aos países capitalistas centrais. O enfrentamento consequente de tal crise
exige a ampliação da pauta de reivindicações, dos movimentos da comunidade
científica, para além dos muros das universidades e do calendário eleitoral. É
necessário construir um amplo movimento social que altere a atual correlação
de forças e que permita impor ao governo a revogação da EC nº 95/2016, a
Auditoria da Dívida Pública e uma reforma tributária progressiva que amplie
o fundo público, desonere os pobres e sobretaxe os super ricos com a apro-
vação, dentre outras medidas, do Imposto sobre Grandes Fortunas. É neces-
sário, acima de tudo, construir outro projeto de desenvolvimento nacional,
que contemple os interesses imediatos e históricos daqueles que vivem de
seu próprio trabalho.
210

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ÍNDICE REMISSIVO
A
Área de educação 9, 13, 14, 24, 29, 30, 31, 32, 34, 35, 36, 39, 40, 47, 48,
49, 164, 209, 219
Avaliação educacional 97, 104, 105, 106, 107, 108, 112, 113, 115, 141, 143,
145, 146, 160, 161
Avaliações em larga escala 10, 97, 137, 138, 141, 142, 143, 144, 145, 146,
147, 150, 151, 152, 153, 155, 156, 157, 159, 160, 161, 183, 219, 220
Avanços 16, 28, 33, 35, 55, 84, 116, 182, 185
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C
Capes 11, 19, 20, 21, 24, 25, 28, 29, 30, 31, 32, 35, 39, 40, 41, 46, 47, 48,
49, 62, 177, 197, 207, 208, 209, 220
Capital rentista 198, 199
Cascavel (PR) 10, 11, 80, 81, 115, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 136,
137, 138, 139, 147, 148, 149, 157, 161, 163, 164, 168, 169, 170, 173, 174,
176, 217, 218, 219, 220
Ciência e tecnologia 11, 20, 21, 118, 197, 199, 200, 204, 205, 209, 211
Concepções de avaliação 32, 139, 154, 155
Concepções de Estado 139, 141
Condicionalidades financeiras 177, 178
Condicionalidades políticas 10, 177, 183, 192
Contextos assimétricos 9, 43, 45, 50

D
Desenvolvimento científico e tecnológico 11, 20, 197, 205, 206, 210
Desenvolvimento do Paraná 10, 177, 178, 179, 180, 183, 185, 190, 191,
192, 194, 195
Dívida pública 11, 197, 198, 199, 200, 201, 209, 211, 219
Documentos de política educacional 38, 83, 85, 88, 89, 92, 94, 95

E
Educação básica 9, 32, 35, 43, 44, 45, 46, 48, 49, 50, 53, 54, 57, 58, 59, 60,
61, 62, 63, 68, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 78, 80, 108, 110, 113, 116, 123, 125,
214

135, 136, 137, 139, 141, 142, 143, 153, 154, 157, 161, 163, 177, 180, 189,
190, 195, 220
Educação infantil 10, 50, 53, 56, 57, 60, 83, 85, 88, 89, 90, 92, 93, 96, 147
Educação integral 115, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 125, 126, 133, 134,
135, 136
Ensino fundamental 10, 50, 53, 54, 55, 57, 58, 60, 64, 83, 85, 88, 89, 90, 92,
93, 110, 124, 132, 137, 142, 143, 147, 161, 180, 183
Estado liberal 9, 65, 73

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Financiamento das universidades 11, 197, 199, 200, 202
Financiamento externo 10, 177, 219
Formação profissional 10, 18, 104, 163, 168, 171, 173
Fundo público 11, 197, 198, 199, 200, 209, 210, 211

G
Gestão 9, 10, 25, 43, 45, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 64,
82, 91, 106, 109, 113, 117, 118, 119, 135, 137, 138, 139, 140, 143, 144, 145,
147, 150, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 167, 168,
170, 171, 175, 176, 184, 187, 192, 193, 217, 219, 220
Gestão escolar 10, 52, 55, 57, 62, 64, 109, 137, 138, 139, 140, 143, 144, 145,
147, 152, 153, 154, 155, 157, 159, 160, 161, 162, 193, 219

I
Influência norte-americana 104, 107
Internacionalização 9, 13, 14, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 26, 27, 28,
29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 41, 217
IPCA 199, 200, 201, 202, 204, 206, 207, 208

M
Mão de obra qualificada 10, 164, 167, 171
Mercado de trabalho 51, 67, 94, 167, 168, 170, 171, 172, 174, 175, 177, 188
Mercadorização 13, 14, 16, 21, 24, 28, 36
Mercadorização da pós-graduação 13, 16, 24
Metas da educação infantil 10, 83, 85, 88, 89, 93
Mundialização 16, 17, 18, 19, 22, 24, 25, 28, 36, 37, 38
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 215

Mundialização do capital 16, 17, 19, 22, 24, 28, 37, 38

O
Objetos de pesquisa 9, 43, 45, 49, 58

P
Papel do Estado 65, 98, 113
Plano Nacional de Educação 10, 24, 43, 51, 52, 53, 59, 62, 63, 83, 90, 91,
92, 94, 95, 134, 135, 164
Política 9, 10, 16, 18, 19, 28, 31, 32, 37, 38, 41, 43, 45, 50, 51, 52, 53, 54,
55, 56, 57, 60, 61, 62, 64, 65, 69, 72, 73, 74, 75, 78, 80, 81, 82, 83, 85, 88,
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89, 92, 93, 94, 95, 96, 98, 106, 109, 110, 113, 115, 120, 124, 125, 133, 135,
136, 138, 139, 143, 153, 155, 160, 162, 163, 164, 168, 173, 174, 175, 177,
183, 185, 188, 193, 194, 199, 210, 211, 217, 218, 219, 220
Política de Estado 45, 52
Política educacional 9, 10, 38, 51, 53, 54, 64, 65, 73, 74, 80, 81, 83, 85, 88, 89,
92, 93, 94, 95, 96, 113, 124, 135, 175, 177, 185, 188, 194, 217, 218, 219, 220
Pós-graduação em educação 9, 28, 38, 43, 44, 45, 46, 48, 61, 64, 218, 219, 220
Pós-graduação stricto sensu 22, 38, 41, 44, 47, 63
Postos formais de trabalho 10, 163, 164
PPGEdu/UFGD 44, 45, 53, 54
Produção científica 22, 27, 28, 29, 30, 35, 36, 43, 53, 61, 186, 201, 211
Programa Mais Educação 10, 55, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 123, 124,
125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 137
Pronatec 10, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 171, 172, 173, 174, 175, 176,
177, 219

R
Recursos da União 199, 203, 205, 206, 207, 209
Recursos destinados 11, 125, 183, 197, 199, 200, 201, 202, 203, 204, 205,
206, 207, 208, 209
Rede pública 10, 56, 127, 137, 138, 139, 147, 149, 157, 161, 165, 178, 183,
186, 217, 220
Rede pública municipal 10, 137, 138, 139, 147, 149, 161, 217
Reforma do Estado 24, 68, 70, 78, 80, 82, 139, 160
Resultados das avaliações 31, 47, 48, 137, 152, 159, 183, 190, 192
216

Retrocessos 16, 28

S
Sistema nacional de avaliação educacional 108
Sociedade de classes 9, 65, 188

T
Testes psicométricos 10, 97, 103, 108, 112

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Universidades federais 11, 44, 45, 46, 56, 63, 64, 85, 95, 96, 107, 162, 163,
195, 197, 199, 200, 201, 202, 203, 209, 211, 218, 219, 220

Z
Zona urbana 10, 115, 127, 128, 129, 132, 133
SOBRE OS AUTORES

Altevir Rossi Carneiro


Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, licen-
ciado em Matemática pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (1996) e
especialista em Ensino da Matemática pela Universidade Paranaense (1998), foi
diretor educacional do Colégio Marista de Cascavel, trabalhando com a gestão
pedagógica e educacional de fevereiro/2010 até abril/2015. Tem experiência na
área de Matemática, com ênfase no Ensino Médio. Nos cursos de graduação,
tem experiência com as disciplinas de Probabilidade e Estatística, Cálculo
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Diferencial e Integral, Matemática Financeira, Álgebra e Lógica. Atuando


na área de Concursos Públicos, foi Coordenador Pedagógico e Professor da
empresa Focus Concursos, de abril/2015 até setembro/2018. Atualmente é
Coordenador da sede de Cascavel – PR do Fleming Medicina, curso prepa-
ratório para vestibulares de Medicina e para o Enem, cargo que exerce desde
outubro/2018. Também no curso Fleming, atua como Professor de Matemática
nas sedes de Cascavel – PR e de Chapecó – SC. E-mail: altevirrc@gmail.com

Amilton Benedito Peletti


Doutorando em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná
– UNIOESTE, Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Oeste
do Paraná – UNIOESTE, Especialista em Fundamentos da Educação pela
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Especialista em
História do Brasil pela Universidade Paranaense – UNIPAR, Graduado em
História pela Universidade Paranaense – UNIPAR, Professor da Rede Pública
Municipal de Ensino de Cascavel – PR, atuando também na Formação de
Professores nas áreas de Fundamentos da Educação e História, Membro do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social – GEPPES
(UNIOESTE). E-mail: a.peletti@hotmail.com

Celso Hotz
Professor do Magistério Superior da Universidade Tecnológica Federal do
Paraná (UTFPR), câmpus Francisco Beltrão. Licenciado em Pedagogia pela
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Pós-graduado em
História da Educação Brasileira. Mestre em Educação pela Unioeste. Dou-
torando em Educação pela UNIOESTE. Atualmente desenvolve atividades
relacionadas a: Internacionalização da Educação Superior; Políticas Educa-
cionais; Formação de professores; História da educação brasileira. E-mail:
hotzcel@gmail.com
218

Fabiano Antonio dos Santos


Mestre em educação pela UFPR, Doutor em Educação pela UFSC. Professor
da Faculdade de educação/UFMS-Campo Grande e do Programa de Pós-
-Graduação em Educação no campus do Pantanal. Líder do Grupo de Estu-
dos e Pesquisas em Políticas Educacionais, Formação Docente e Educação
(GEPEFE). E-mail: fabiano.santos@ufms.br

Fabio Perboni
Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho (UNESP), e Pós-Doutor pela Universidade Católica Dom Bosco –
UCDB. Professor da UFGD, atuando junto ao Programa de Pós-Graduação
em Educação. Líder do GEPGE. E-mail: fabioperboni@ufgd.edu.br.

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Giselle Cristina Martins Real
Doutora e Pós-Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP).
Professora na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Grande
Dourados (UFGD), atuando junto ao Programa de Pós-Graduação em Educa-
ção, LÍíder do Grupo “PAES. Bolsista em Produtividade 2 do CNPq. E-mail:
gisellereal@ufgd.edu.br.

Ireni Marilene Zago Figueiredo


Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Curso de Peda-
gogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) – Campus de
Cascavel. Pesquisadora no Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educa-
cional e Social (GEPPES). E-mail: ireni.figueiredo@unioeste.br

Isaura Monica Souza Zanardini


Doutora em Educação pela UNICAMP. Docente do Colegiado de Pedagogia e do
Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIOESTE – Campus de Casca-
vel. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIOESTE
– Campus de Cascavel. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Polí-
tica Educacional e Social – GEPPES. E-mail: monicazan@uol.com.br

Jaqueline Bonfim de Souza Lima


Doutoranda em Educação na Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
Unioeste, Campus de Cascavel. Mestre em Educação – nível de Mestrado/
PPGE com Área de Concentração em Sociedade, Estado e Educação, da
Unioeste – Cascavel (2021). Graduada em Pedagogia pela Universidade Esta-
dual do Oeste do Paraná – Unioeste – Campus de Cascavel (2018). Pesqui-
sadora no Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 2 219

(GEPPES). Tem experiência na área de Educação e atua principalmente nos


temas: Educação, Política Educacional, Políticas de avaliação em larga escala,
e Gestão educacional. E-mail: jakelinepaulo@hotmail.com

Joanna Adelia Biavatti


Pedagoga. Mestre em Educação pela Unioeste – Universidade Estadual do
Oeste do Paraná, Campus Cascavel. Especialista em Gestão Escolar. Atual-
mente é Coordenadora de Cursos Técnicos na Unicesumar. Experiência como
coordenadora de Segmentos do Ensino Médio. Atuou por sete anos como
orientadora pedagógica no SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial, Unidade Cascavel, desenvolvendo ações de orientação profissio-
nal, apoio pedagógico à professores e alunos das habilitações técnicas e de
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nível superior, implantação de metodologias de ensino, capacitação docente,


gestão de equipes, organização escolar e interlocução do Programa PRONA-
TEC. Ministra disciplina de Metodologia do Ensino Superior em cursos de
Pós-Graduação. E-mail: joannabiavatti@hotmail.com

João Batista Zanardini


Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE – Curso
de Pedagogia. É Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa
Catarina (2008), Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá
(2004). Especialista em Fundamentos da Educação pela Universidade Estadual
do Oeste do Paraná (2003). Possui graduação em Matemática (licenciatura
plena) pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (1998). É membro do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais e Sociais – GEPPES
– UNIOESTE. É membro da RELIEVA – Red Latinoamericana de Investi-
gación en Evaluación. E-mail: j,zanardini@uol.com.br

Keren Paula da Silva Camargo


Possui graduação em Pegagogia pela Universidade Estadual do Oeste do
Paraná. Mestre em educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
Pesquisa (Dissertação de Mestrado) concluída “Dívida pública, Banco Mun-
dial e políticas sociais: O financiamento externo da política educacional no
Paraná (2011-2017)”. Professora da Rede Municipal de Ensino de Cascavel.
E-mail: keren-paula@hotmail.com

Luiz Fernando Reis


Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor do curso de graduação em Enfer-
magem e do Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado e Douto-
rado) da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus de
220

Cascavel. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional


e Social (Geppes Unioeste/CNPq) e da Rede de Pesquisas Universitas/Br.
E-mai: reisluizfernando@gmail.com

Maria Alice de Miranda Aranda


Doutora em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS) e Pós-Doutora pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU),
pelo PNPD/CAPES. Professora da Universidade Federal da Grande Doura-
dos (UFGD) e atuando junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação.
Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisa “Estado, Política e Gestão da
Educação – GEPGE”. E-mail: mariaaranda@ufgd.edu.br

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Marinês Limberger Micoanski
Graduação em Pedagogia (2005) e Especialização em História da Educação
Brasileira (2008) pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE
– Campus de Cascavel – PR. Mestra em Educação em 2018 na Área de Con-
centração: Sociedade, Estado e Educação do Programa de Pós-Graduação em
Educação da UNIOESTE. Atualmente é professora na rede pública de ensino
da Prefeitura Municipal de Cascavel. E-mail: marilimprof@gmail.com

Roberto Antonio Deitos


Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná
– UNIOESTE (1992), Mestrado (2000) e Doutorado (2005) em Educação
pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Pós-Doutorado em
Educação (2012) pela Universidade Estadual de Maringá – UEM – Paraná.
Professor Associado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus
de Cascavel, Centro de Educação, Comunicação e Artes, Colegiado do Curso
de Pedagogia. Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política
Educacional e Social – GEPPES. E-mail: rdeitos@uol.com.br

Simone Sandri
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste do
Paraná (UNIOESTE); Mestrado e Doutorado em Educação pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR). Docente do curso de Pedagogia e do Programa de
Pós-Graduação em Educação (PPGE), da UNIOESTE, campus de Cascavel.
Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacional e Social
(GEPPES), da UNIOESTE. Pesquisadora da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS). Atua no campo de pesquisa de Políticas Educacionais
com ênfase em Políticas Curriculares para a Educação Básica: Política Curri-
cular e Gestão Educacional/Escolar; Política Curricular e Avaliação em Larga
Escala; Público-Privado na Educação. E-mail: simone.sandri@unioeste.br
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SOBRE O LIVRO
Tiragem não comercializada
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 10,5/11,5/13/16/18
Arial 8/8,5
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal Supremo 250 g (capa)

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