Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DA
GRAZIELLA ROLLEMBERG
GRAZIELLA ROLLEMBERG
I0 0 0 5 1 0 9 786558 211143
Antropologia e
Sociologia da
Educação
Graziella Rollemberg
IESDE BRASIL
2022
© 2022 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do
detentor dos direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: askproject/envato elements
Rollemberg, Graziella
Antropologia e sociologia da educação / Graziella Rollemberg. - 1. ed.
- Curitiba [PR] : IESDE, 2022.
150 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5821-114-3
4 Introdução à sociologia 71
4.1 A sociologia: surgimento, objetos e métodos 71
4.2 Indivíduo, vida social e categorias sociológicas 75
4.3 Componentes da vida social 85
1.1
Vídeo
Natureza e cultura
Para iniciar a discussão sobre as categorias de natureza e de cul-
tura e sua importância para a consolidação do pensamento antro-
pológico, vamos analisar uma situação histórica. Imagine esta cena
(que ocorreu de verdade): no século XVI, o rei da França na época,
Carlos IX, acompanhado de parte de sua corte, em Rouen, teve um
Objetivo de aprendizagem encontro com um chefe Tupinambá e dois guerreiros dessa tribo,
Entender as especifici- levados do Brasil para a Europa para que seus “hábitos estranhos”
dades da antropologia
enquanto ciência humana
fossem conhecidos pela realeza.
por meio da oposição
natureza x cultura.
svic/Shutterstock
A libertação da natureza é a con-
dição essencial da formação da visão
moderna de indivíduo, que enfatiza
as faculdades racionais do ser hu-
mano como meio de superar o mun-
do natural, “selvagem” ou limitado,
e alcançar o patamar da cultura, da
sociedade civilizada, do desenvolvi-
mento e do “progresso”. O debate
natureza x cultura foi materializado
utterstock
ajudá-lo ou confortá- Empatia Alteridade
lo de algum modo.
kii/Sh
tc
ovi
as
Kr
rew
An d
Wikimedia/Commons
Indígenas Tupinambás em um ritual. Observados por Hans Staden durante sua viagem ao Brasil
em 1552. Gravura de Theodore de Bry, 1631.
1º 2º 3º
aShatilov/Shutterstock
“Todo e qualquer “Percepção de que as “Relativismo cultural
elemento de uma cultura culturas são relativas, isto remete à ideia de que as
é relativo aos elementos é, não há cultura – nem culturas são equivalentes
que compõem aquela elemento dela – que e, logo, não se pode
cultura e só tem sentido tenha caráter absoluto, criar uma escala em
em função do conjunto, perfeito. Não existe, que a cada cultura seja
sendo sua validade portanto, um padrão atribuída uma ‘nota’, de
dependente do contexto único para julgar de acordo com o critério de
em que está inserido, antemão o certo e o ‘mais ou menos perfeita’.”
de sua posição em errado entre as culturas,
meio a outros níveis e pois cada uma traz em si
elementos da cultura da seu padrão de medida.”
qual faz parte.”
ck
tudo: o que nós, brancos, entendemos como sendo vida e delas que violam os direitos
ersto
utt
humano é diferente da percepção dos índios. Um bebê in- humanos e, por isso,
h
ii
/S
ks
Ole
precisariam Tel
nov
dígena, quando nasce, não é considerado uma pessoa – ele ser confrontadas?
vai adquirindo pessoalidade ao longo da vida e das relações
sociais que estabelece” (ESTUDO CONTESTA..., 2009).
Os mitos que regem essas ações são muito presentes na cultura des-
ses grupos indígenas e trazem a crença de que, por exemplo, crianças de-
ficientes significam maldição ou castigo àquela tribo. Além disso, há ainda
os motivos práticos, relacionados à necessidade de que as crianças se tor-
nem adultos úteis ao grupo, capazes de caçar, pescar etc.
Wikimedia/Commons
mando a sociedade europeia como o auge da evolução
humana, a “civilização”, e as sociedades aborígines e
indígenas como etapas “primitivas” do ser humano.
Artigo
https://www.16snhct.sbhc.org.br/resources/anais/8/1534354260_ARQUIVO_AndersonRicardoCarlos_
trabalhocompleto.pdf
Figura 3
Linha do tempo sobre o desenvolvimento da antropologia
1950
Graf Vishenka/Shutterstock
UNESCO
produz uma
declaração
1930
antirracista.
Franz Boas 1939-1945
desmonta a tese Segunda Guerra
1929
das diferenças Mundial é um
Primeiro
1922 biológicas entre marco em
Congresso
Método povos primitivos e relação à reflexão
Brasileiro
etnográfico, civilizados. intelectual sobre
de Eugenia:
de Bronisław intelectuais o determinismo
Malinowski brasileiros, como biológico/racial.
Gilberto Freyre,
confrontam as
teorias raciais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante muito tempo a antropologia se voltou para os povos que eram
chamados de primitivos, estudando o que era distante ou “exótico”, mas
atualmente esse campo se dedica a estudar as mais diferentes culturas
e experiências de alteridade, incluindo inúmeros grupos integrantes das
sociedades complexas – que possuem suas próprias culturas – e os mais
diferentes fenômenos sociais, como sociabilidades urbanas, relações in-
terétnicas, dinâmicas entre comunidades e meio ambiente, gênero e se-
xualidade, globalização e consumo, processos educativos, entre muitos
outros objetos.
A aplicação de conceitos e métodos da antropologia aos processos
educativos pode contribuir tanto para o ensino de conteúdos específicos
relacionados às ciências humanas quanto para a abordagem de temas
transversais e saberes e práticas ligadas à formação do cidadão, com o
desenvolvimento de conceitos como cultura, etnocentrismo, alteridade e
relativismo cultural.
ATIVIDADES
Atividade 1
O que os casos das crianças selvagens nos revelam sobre o peso
das culturas humanas e das relações sociais na construção do
que chamamos de indivíduo?
Atividade 2
Partindo do pressuposto de que os valores se originam das con-
cepções de mundo e essas concepções variam conforme cada
cultura, como se poderia estabelecer valores universais?
REFERÊNCIAS
AMARAL, S. P.; MIRANDA, C. O pensamento selvagem de Lèvi-Strauss. Superinteressante, 31
ago. 2003. Disponível em: https://super.abril.com.br/historia/o-pensamento-selvagem-de-
levi-strauss/. Acesso em: 21 out. 2021.
CASTRO, C. (org.). Evolucionismo cultural/textos de Morgan, Tylor e Frazer. Rio de Janeiro:
Zahar, 2005. p. 223-224.
DURAN, M. R. C.; DURAN, M. R. C. Dividir o pão: a cultura entre a História e a Antropologia.
Revista Relegens Thréskeia, UFPR, v. 9, n. 1, p. 34, 2020.
ESTUDO CONTESTA criminalização do infanticídio indígena. UnB Ciência, 2009. Disponível
em: https://unbciencia.unb.br/humanidades/50-antropologia/340-estudo-contesta-
criminalizacao-do-infanticidio-indigena. Acesso em: 26 nov. 2021.
HOLANDA, M. A. F. Quem são os humanos dos direitos? Sobre a criminalização do infanticídio
indígena. 2008. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Instituto de Ciências Sociais;
Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília. Disponível em: https://www.
repositorio.unb.br/handle/10482/5515. Acesso em: 8 nov. 2021.
MENESES, P. Etnocentrismo e relativismo cultural: algumas reflexões. Revista Gestão e
Políticas Públicas, v. 10, n. 1, p. 1-10, 2020. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/
rgpp/article/view/183491/170496. Acesso em: 8 nov. 2021.
SAMESHIMA, M. C. A. As cartas da França Antártica. Revista Intellectus, v. 2, p. 1-8, 2004.
Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/5860312.pdf. Acesso em: 26
nov. 2021.
Fireofheart/Shutterstock
Figura 1
Cultura na perspectiva
antropológica
Costumes Crenças
Cultura
Valores Tradições
Lightspring/Shutterstock
com uma separação e especialização relativas ao
indivíduo que ensina e ao indivíduo que aprende,
não é universal. A noção própria de indivíduo é
também uma noção moderna, construída histó-
rica e socialmente ao longo da modernidade, na
qual o ser humano adquiriu centralidade na visão
de mundo predominante. Influenciadas pelo
movimento iluminista, as sociedades ociden-
tais passaram por profundas transforma-
ções, que modificaram também as relações
que as pessoas mantinham entre si.
aShatilov/Shutterstock
davooda/
Shutterstock
mspoint/
Shutterstock
Antropologia São vistos frequentemente sob a perspectiva da oposição entre natureza e cultura.
Teorias Teorias
aShatilov/Shutterstock
deterministas dialéticas
A socialização é um A socialização é um
processo de coerção processo dinâmico de
da sociedade sobre o “mão dupla”, em que a
indivíduo para modelá-lo sociedade age sobre o
conforme os valores e indivíduo e este também
costumes sociais. se apropria do universo
social, produzindo assim
a sociedade.
Essa visão, no entanto, está longe de ser a única nas ciências so-
ciais, como a antropologia e a sociologia, ou mesmo na educação.
Para vários autores, como Max Weber e Clifford Geertz, a sociedade
não é apenas algo exterior, como propõe Durkheim, mas está tam-
bém no interior dos indivíduos, fazendo parte deles.
sk
a/
lov
Mas
n a
ia
Tet
ck
sto
crianças aprendem observando e imitando – muitas
te r
ut
Sh
vezes inconscientemente – os comportamentos dos ov
e/
l
oin
Ya
pais, dos familiares, como quando a criança brinca de
“casinha” ou de boneca, imitando os comportamentos coti-
dianos dos pais em seu meio social.
ki
y/
i ns
a desempenhá-los em sociedade. Kish
ton
An
Andrew Krasovitckii/Shutterstock
A necessidade
de expressar sua
subjetividade, escolhendo
múltiplos papéis.
ck
ersto
hutt
igic/S
ck
Z
zen
rsto
Dra
uttesh
zzul/
so li
ama
A conformidade em
tom
relação aos padrões do
grupo, necessária para
que ele seja reconhecido
como pertencente à
comunidade.
Socialização primária
liz
Socialização secundária
liz
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As abordagens antropológicas podem contribuir significativamente
para analisar os universos culturais que integram tanto a instituição es-
colar quanto seus contextos informais de educação e podem apoiar a
investigação das relações entre indivíduo, cultura e sociedade, sobretudo
no que tange aos processos de socialização de crianças e jovens, dos con-
textos e dos processos de ensino e aprendizagem. A análise e a reflexão
sobre os processos de socialização e aquisição cultural desenvolvidos por
meio da Educação são ferramentas importantes para os educadores.
Atividade 2
Com base em sua experiência no contexto escolar, qual visão
– determinista ou dialética – você considera predominante nos
processos educativos?
Atividade 3
De que modo a emergência de novas práticas e instâncias sociali-
zadoras pode afetar a educação formal no contexto escolar?
REFERÊNCIAS
BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Petrópolis: Editora Vozes,
2014.
DURKHEIM, E. Education et Sociologie. Paris: PUF, 1958.
HALL, S. A identidade cultural da pós-modernidade. São Paulo: DP&A, 2006.
KUPER, A. Cultura: a visão dos antropólogos. Bauru: EDUSC, 2002.
LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970.
MEAD, M. Moeurs et sexualité en Océanie. Paris: Plon/Pocket, 2004.
SETTON, M. G. J. A particularidade do processo de socialização contemporâneo. Tempo
Social, v. 17, n. 2, p. 335-350, 2005. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-
20702005000200015. Acesso em: 10 nov. 2021.
uma pedagogia crítica, fundamentada em paradigmas mais recentes WULF, C. (Coleção Educação em
debate). Campinas: Editora Alínea,
das Ciências Humanas e Sociais, como as abordagens culturais e his- 2005.
tóricas das diferenças entre os grupos humanos, que podem contri-
Antropologia
Fenomenológica Antropologia
Educacional
Educacional
Filosófica Histórico-
Integrativa Histórica
-Cultural
Ele afirma que todo ator social da educação, seja educador ou ou-
tro membro da comunidade escolar, tem suas ações de algum modo
condicionadas por saberes antropológicos, conscientes ou não, e que a
antropologia da educação deve analisar, organizar, reavaliar e produzir
saber por meio das ciências da educação, garantindo a desconstrução
dos conceitos da educação sob perspectiva antropológica.
Artigo
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/proposic/article/view/8643455
3.2
Vídeo
A educação como prática simbólica
Aspectos fundamentais para se pensar os processos educativos e o
trabalho docente sob perspectiva antropológica são as práticas simbó-
licas das comunidades escolares, as culturas escolares e as construções
identitárias que atravessam os processos de aprendizagem e de so-
cialização desenvolvidos na escola, bem como perpassam as relações
Objetivo de aprendizagem
que os docentes estabelecem com as instituições nas quais atuam, com
Entender as dimensões
simbólicas das práticas
seus pares, com os alunos e suas famílias, com seu próprio conheci-
educativas. mento e com os saberes e práticas culturais locais.
Figura 2
Reunião escolar
Figura 3
Bronisław Malinowski
ChickSR/Wikimedia Commons
Everett Coleciona/Shutterstock
na faixa etária.
Felix Lipov/Schutterstock
ESB Professional/Shutterstock
Gorodenkoff/Shutterstock
As escolas têm culturas diversas, a depender do seu contexto local e dos grupos que nela convivem.
nimito/Shutterstock
Rawpixel.com/Shutterstock
reconhecendo e compreendendo também a própria cultura, que se en-
riquece por meio do diálogo com outras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No cenário das transformações na sociedade contemporânea e da re-
levância do tema da diversidade cultural, a análise antropológica tem se
tornado cada vez mais importante, contribuindo para os debates sobre a
função social da escola, que, por um lado, sofre as exigências de uma so-
ciedade orientada pelas demandas do sistema capitalista ligadas à forma-
ção das novas gerações para o mercado de trabalho, e, por outro, precisa
assumir a função de formação crítica dos estudantes para sua inserção na
vida social de modo a contribuir para a transformação da realidade social,
perpassada por desigualdades.
Apesar da falta de acesso a condições dignas de vida, trabalho e edu-
cação a que tantos brasileiros estão sujeitos, acompanhamos na história
recente uma gradativa ampliação do acesso à educação que levou ao in-
gresso, na escola, de novos grupos culturais, antes sem acesso à educação
formal, impulsionando a diversidade étnica, cultural, religiosa, de orien-
tação sexual, socioeconômica etc. no cotidiano escolar. Isso demanda o
ATIVIDADES
Atividade 1
Vídeo Segundo Gusmão, quais são as contribuições da antropologia para
os estudos da área educacional?
Atividade 2
Vídeo De que modo as práticas simbólicas na escola se relacionam à
construção das identidades docentes e discentes?
Atividade 3
Vídeo Explique o que é etnografia e pesquisa etnográfica na educação.
REFERÊNCIAS
ANDRÉ, M. E. D. A. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 1995.
BORGES, L. P. C.; CASTRO, P. A. A etnografia da escola: entrelaçando vozes, culturas,
sujeitos, conhecimentos e culturas. Periferia, v. 11, n. 2, p. 404-423, 2019. Disponível em:
https://www.redalyc.org/journal/5521/552159358002/html/. Acesso em: 15 dez. 2021.
BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2015.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares
nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro101.pdf. Acesso em: 15 dez. 2021.
CHAVES, I. M. B. Tradição e rituais numa escola de formação de professor: práticas
simbólicas organizadoras do espaço-tempo dos grupos. In: 11º EDUCERE – CONGRESSO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Anais [...] Curitiba: PUCPR, set. 2013. Disponível em: https://
educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2013/8796_5933.pdf. Acesso em: 13 dez. 2021.
Marzolino/Shutterstock
Ilustração da produção de ferro na fundição de La Houilles, França: linha de laminadores movida
por roda hidráulica. Autor não identificado, publicado em Magasin Pittoresque, Paris, 1850.
Introdução à sociologia 73
do trabalho e colonialismo; revolução e contrarrevolução. [...] É
claro que se podem reconhecer antecedentes ou prenúncios da
sociologia em ideias, filosofias e correntes de pensamento de ou-
tras épocas. [...] se constata que os antecessores realmente es-
tavam buscando compreender as manifestações iniciais, menos
desenvolvidas, mas já assinaladas, do Mundo Moderno. É possí-
vel dizer que a sociologia é uma espécie de fruto muito peculiar
desse Mundo. (IANNI, 1989, p. 7-8)
Introdução à sociologia 75
Figura 2
Fotografia de Durkheim
M. Armando/Wikimedia Commons
Para o autor, a sociologia é o estudo dos “fatos sociais”. Mas o que
são fatos sociais? Durkheim elaborou o conceito de fatos sociais com
base nas sociedades: são todas as ações coletivas instituídas social-
mente e consolidadas em normas regulares na sociedade. Para o so-
ciólogo, os fatos sociais são exteriores ao indivíduo, independem da
sua vontade; são eles que formam a consciência moral que se traduz
em hábitos, condutas, modos de agir e de pensar que compõem o com-
portamento e as ações dos indivíduos em sociedade. Para Durkheim,
os indivíduos surgem da sociedade, e não o contrário.
Quadro 1
Tipos de solidariedade social segundo Durkheim
Tipo de
Período histórico Características
solidariedade
Sociedades antigas e medie- Baseada na relação de seme-
Mecânica
vais lhança entre os indivíduos
Baseada nas diferenças e de-
Sociedades modernas e
Orgânica sigualdades complementares
contemporâneas
entre os indivíduos
Introdução à sociologia 77
Para Durkheim, nas sociedades modernas, os vínculos entre os in-
divíduos passaram gradativamente a se transformar em consequência
da crescente divisão social do trabalho, que segmentava cada vez mais
a sociedade em diferentes grupos. O autor considerava que, com a con-
solidação do sistema capitalista e a complexificação cada vez maior da
divisão do trabalho, os laços de solidariedade social foram se afrouxan-
do, as funções de cada indivíduo ou grupo passaram a ser deixadas de
lado, as sociedades tornaram-se mais individualistas e menos ordena-
das, o sentimento de coletividade se enfraqueceu, gerando a desinte-
gração do sistema, que ele chama de estado de “anomia”.
Introdução à sociologia 79
O autor deixa claro na obra que, antes da promulgação da lei fabril
de 1844, eram bastante comuns os certificados de frequência escolar,
cuja mediação era feita pelos industriais de modo a comprovar o “cum-
primento” da nova legislação, serem assinados com um “X” pelo profes-
sor, pois estes eram analfabetos.
M. Armando/Wikimedia Commons
ações, ou seja, entender as razões que levam as pessoas a tomar de-
terminadas decisões ou agir de determinadas formas na sociedade..
Para Weber, a sociedade não está acima dos indivíduos, como pro-
pôs Durkheim, mas é constituída pelo conjunto de ações dos indivíduos
que se relacionam entre si. Sua perspectiva de análise sociológica é
chamada de sociologia compreensiva, pois não aceita a ideia de que o
mundo social seja determinado por sua estrutura econômica – como
propunha Marx – e nem crê que os comportamentos dos indivíduos
sejam determinados por fatores externos (como Durkheim afirmava).
Introdução à sociologia 81
Weber classificou as ações sociais dos indivíduos em quatro tipos:
ação tradicional, ação efetiva, ação racional com relação a valores e ação
racional com relação a fins. Esses são “tipos ideais”, apenas para fins de
análise, pois não aparecem de modo isolado no comportamento das
pessoas, que acabam reunindo mais de um desses tipos em suas ações.
Quadro 2
Ações sociais segundo Weber
Introdução à sociologia 83
Rvector/Shutterstock
O status que o A sua a riqueza: O seu poder na
indivíduo tem na sociedade:
sociedade: Renda, posses,
propriedades. Influência que ele
A honra, o prestígio exerce sobre outros
que ele carrega indivíduos e grupos da
sociedade.
4.3
Vídeo
Componentes da vida social
Os componentes da vida social, assim como os conceitos e as ca-
tegorias sociológicas, não são os mesmos para todas as vertentes da
sociologia, e dependem de qual linha teórico-metodológica e de quais
autores estão sendo considerados.
Objetivo de aprendizagem
Compreender, sob dife-
rentes visões, componen-
4.3.1 Socialização, grupos sociais
tes da vida social, como
socialização, instituições
e instituições sociais
sociais, estrutura social,
estratificação social,
A socialização, na qualidade de importante componente da vida so-
desigualdades sociais e cial, é abordada na sociologia de modos diferentes, conforme a linha
mobilidade social.
teórica adotada. Sob uma perspectiva weberiana, é um conjunto dinâ-
mico de processos por meio do qual o indivíduo internaliza a dimensão
coletiva, social, ou seja, é por meio desses processos que os indivíduos
aprendem práticas, valores, noções, crenças, costumes e normas culti-
vados por uma sociedade e adaptam-se a ela.
Introdução à sociologia 85
Por outro lado, para Durkheim, a socialização é um processo coer-
citivo, imposto pelo coletivo ao indivíduo, e ao qual todos os indivíduos
são submetidos, mas é preciso destacar que, para ele, isso não tem
conotação negativa. O processo de socialização, na visão do autor, ini-
cia-se com a educação. Ele afirma que os processos educativos transfor-
mam o ser humano em ser social, introduzindo nele as características
que permitem que ele viva em sociedade.
Introdução à sociologia 87
Já estrutura social é um conceito sociológico referente às formas
de organização das sociedades e suas instituições sociais, assim como
aos tipos de relações estabelecidas entre os grupos sociais em uma
sociedade. A estrutura social varia historicamente, sob a influência de
aspectos econômicos, políticos e culturais, e é internalizada pelos in-
divíduos por meio da socialização e das relações sociais que mantêm
durante a vida na sociedade, como as de trabalho.
Arthimesde/Shutterstock
rais, de gênero, políticos, de status social, entre
outros. Marx e Weber produziram teorias socio-
lógicas clássicas sobre estratificação social.
Introdução à sociologia 89
de estratificação característico do capitalismo que a luta se intensifi-
cou, opondo burguesia e proletariado.
Segundo Weber, a estratificação social é reflexo essencialmente
das relações de poder entre os grupos sociais. Para ele, a distribui-
ção do poder dentro de uma comunidade é representada pela divi-
são em classes. Ele destacava que existem diferentes tipos de poder,
não apenas econômico ou político, que contribuem para as classifi-
cações dos grupos sociais.
Nas sociedades capitalistas, predominariam os conflitos econômicos
entre os grupos sociais. Weber considera a divisão social com base no con-
ceito de “situações de classes”, de posições dos indivíduos na hierarquia
social, que são definidas pela competição entre eles pelo acesso aos bens
materiais e pela aquisição de renda. De acordo com ele, os elementos
principais para a formação dos grupos sociais são os econômicos, rela-
cionados às oportunidades que os indivíduos têm de acesso ao consumo.
O critério principal para definir a situação de classe do indivíduo é o
poder aquisitivo e suas fontes – o que combina perfeitamente com a me-
todologia de análise social do autor que, como já vimos, é centrada no
indivíduo, não incluindo necessariamente uma ação de classe, já que os in-
teresses individuais dos que estão na mesma “situação de classe” podem
ser diferentes, não resultando em nenhuma ação coletiva, “de classe”.
Para Weber, os estamentos não são grupos sociais ligados a um tipo de
sociedade do passado, mas sim uma divisão que ocorre no plano social,
baseada na diferenciação dos indivíduos entre si segundo a forma de con-
sumo de bens, em estilos e modos de vida, assim como as classes corres-
ponderiam às formas de produção e aquisição de bens pelos indivíduos.
A diferença entre sociedades estamentais e de classes não estaria,
então, no tempo histórico, mas no que estrutura as relações de po-
der em cada uma delas, nas disputas por “honra social” – que o autor
considera que trazem menos mobilidade social – ou nas disputas de
mercado, o que não quer dizer que isso não significa que a mudança
de classe social seja facilitada, já que as regras de mercado são rígidas.
Na visão weberiana, os indivíduos competem entre si por bens
materiais e simbólicos (culturais, religiosos etc.), e a capacidade de
consumo desses bens é que determina os diferentes estilos de vida
característicos de cada estamento.
Desse modo, hierarquização ou estratificação social é resultado de
diferentes “estilizações da vida”, que conduzem determinados compor-
Artigo
https://revistas.pucsp.br/index.php/aurora/article/view/33734
O artigo Ensaio sobre a teoria das classes sociais em Marx, Weber e Bourdieu, de
Rogerio Tineu e escrito para a Revista Aurora, apresenta um debate sobre as
concepções dos três autores sobre a categoria classe social na Sociologia.
Introdução à sociologia 91
4.3.1 Reprodução das desigualdades na escola
Na sociologia contemporânea, Bourdieu é um dos que mais aplicou
pressupostos do materialismo histórico – nome da vertente teórica fun-
dada por Marx – para compreender os processos educacionais e o papel
das instituições escolares. O autor, junto a outro sociólogo francês, Jean-
-Claude Passeron (1930-), produziu o que podemos chamar de sociologia
da educação, que mostra como a escola reproduz as desigualdades de
classe por meio do currículo e das normas e convenções escolares.
Leia o trecho a seguir, que aborda quais foram os antecedentes so-
ciais das formulações de Bourdieu, que confrontam pela primeira vez
a visão otimista – inspirada nas teorias de Durkheim – que se tinha da
escola como formadora das gerações futuras:
(Continua)
aShatilov/Shutterstock
1° 2°
Introdução à sociologia 93
Vídeo Bourdieu destacava, na época, que a decepção dessa “geração en-
Para compreender a ganada” produziu não só uma forte crítica ao sistema educacional,
complexidade desses
movimentos de 1968, como desencadeou o movimento contestatório que eclodiu em maio
cujo centro se deu na de 1965 na França.
França, mas que atingiu
grande parte do Ocidente, Com base nesse cenário, Nogueira e Nogueira (2002, p. 17-18) des-
e reuniu estudantes e
trabalhadores em torno tacam que:
da transformação social
Bourdieu oferece-nos um novo modo de interpretação da es-
e educacional, assista ao
vídeo Maio de 68 | O início cola e da educação que, pelo menos num primeiro momento,
dos movimentos universitá- pareceu ser capaz de explicar tudo o que a perspectiva anterior
rios, do canal Jornalismo não conseguia. Os dados que apontavam a forte relação entre
TV Cultura.
desempenho escolar e origem social e que, em última instância,
Disponível em: https://youtu. negavam o paradigma funcionalista transformam-se nos ele-
be/PNZRlpeMfFo. Acesso em: 27
dez. 2021. mentos de sustentação da nova teoria. [...] Onde se via igualdade
de oportunidades, meritocracia, justiça social, Bourdieu passa a
ver reprodução e legitimação das desigualdades sociais. A educa-
ção, na teoria de Bourdieu, perde o papel que lhe fora atribuído
de instância transformadora e democratizadora das sociedades
e passa a ser vista como uma das principais instituições por meio
da qual se mantêm e se legitimam os privilégios sociais. Trata-se,
portanto, de uma inversão total de perspectiva. Bourdieu ofere-
ce um novo quadro teórico para a análise da educação [...].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As diferentes visões teóricas, conceitos e categorias sociológicas con-
tribuem para que possamos analisar mais a fundo e explicar melhor as
dinâmicas, as relações e o funcionamento da sociedade em que vivemos,
compreendendo as classificações e as desigualdades de ordem social,
ATIVIDADES
Atividade 1
Quais são as principais diferenças entre as visões teóricas de
Durkheim, Marx e Weber sobre a sociedade?
Atividade 2
Segundo Durkheim, qual é o papel das instituições sociais nos
processos de socialização?
Atividade 3
Explique as diferenças entre estrutura social e estratificação social.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Lisboa: DIFEL, 1989.
DURKHEIM, E. O ensino moral na escola primária. Novos Estudos, v. 1,
n. 78, p. 59-75, jul. 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/j/nec/a/
CJCZJJLWZbP4JKdHBWC9LVd/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 23 dez. 2021.
GONZALEZ, W. R. C. Educação e desencantamento do mundo: contribuições de Max
Weber para a Sociologia da Educação. 2000. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade
de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000. Disponível em:
https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/6633. Acesso em: 23 dez. 2021.
Introdução à sociologia 95
GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. Tradução de Carlos Nelson
Coutinnho. 9. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
IANNI, O. A sociologia e o mundo moderno. Tempo Social, v. 1, n. 1, p. 7-27, 1989. Disponível
em: https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/83315. Acesso em: 23 dez. 2021.
MARX, K. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 1984. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2547757/mod_resource/content/1/MARX%2C%20
Karl.%20O%20Capital.%20vol%20I.%20Boitempo..pdf. Acesso em: 23 dez. 2021.
NOGUEIRA, C. M. M.; NOGUEIRA, M. A. A sociologia da educação de Pierre Bourdieu: limites
e contribuições. Educação & Sociedade, v. 23, n. 78, p. 15-35, 2002. Disponível em: https://
www.scielo.br/j/es/a/wVTm9chcTXY5y7mFRqRJX7m/abstract/?lang=pt#ModalArticles.
Acesso em: 23 dez. 2021.
WEBER, M. Conceitos básicos da Sociologia. São Paulo: Centauro, 2002.
Educação formal
Institucionalizadas e desenvolvi-
das com base em regras e con- Ensino de conteúdos historica-
sumberarto/Shutterstock
Educação informal
5W Studio/Shutterstock
Fonte: Elaborado pela autora com base em Salles; Ferreira, 2009; Gohn, 2006.
Figura 3
Escola do século XIX
Fonte: RODRIGUES, J. W. Pateo do colégio. 1858. Óleo sobre tela. 100 x 66 cm. Museu Paulista, São Paulo.
Na linha do tempo a seguir você pode conhecer melhor os processos pelos quais o sistema
educacional brasileiro passou ao longo da história.
1549 1808
Fundação da primeira escola primária no Brasil, em Com a vinda da família real, as primeiras instituições
Salvador, pelo Padre jesuíta Manoel da Nóbrega, para de Ensino Técnico e Superior foram criadas, voltadas
catequização de indígenas. para a educação da elite local.
David Bukach/Shutterstock
Syda Productions/Shutterstock
Passeron (2010), o capital cultural da elite,
o entendimento trazido de casa sobre o fun-
cionamento do sistema escolar e do que nele
é valorizado – que se liga ao capital cultural e à
presença da família na educação escolar –, o prestígio
Um exemplo de reprodução das
social herdado da família e, por fim, as posses materiais e o poder desigualdades na escola são os
de compra definem decisivamente não só a avaliação dos estudantes, processos de avaliação escolar,
que muitas vezes não levam
mas também sua trajetória escolar como um todo. em conta os contextos sociais
de aprendizagem dos alunos.
As pesquisas desenvolvidas por Bourdieu e Passeron desvelam, por-
tanto, as dinâmicas de reprodução escolar das desigualdades sociais,
mostrando o quanto o conceito de meritocracia nos contextos educa-
cional e social pode ser enganador e apontando como o fator de heran-
ça familiar, de modo amplo, é essencial para analisar o desempenho
escolar dos estudantes e suas chances de ascensão social e inserção Para refletir
na sociedade e no mundo do trabalho. Pesquisas recentes no contexto O fracasso e o sucesso
escolar dependem exclu-
brasileiro têm comprovado que as teorias de Bourdieu sobre o caráter
sivamente do estudante?
determinante do capital cultural familiar sobre o desempenho escolar Qual é o peso dos fatores
socioculturais nesses fe-
continuam bastante úteis para a análise da educação escolar.
nômenos? De que modo
esses fatores são incor-
A pesquisa publicada por Campos (2020) na revista científica do Instituto de porados aos processos
avaliativos da escola?
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério da Economia, que
investigou em que medida o capital cultural familiar é importante para o de-
senvolvimento do estudante, revela que as diferenças de desempenho escolar
continuam sendo favoráveis aos alunos detentores de uma situação positiva
de capital cultural familiar e recomenda que as políticas públicas considerem a
relevância desses achados na formulação de seus programas.
Vê a escola como
Pedagogia nova
Reformas educacionais
Educação é uma fer- equalizadora social e
realizadas após o Movi-
ramenta de supera- privilegia o “aprender a Tendências liberais
mento da Escola Nova
ção das desigualda- aprender”, os métodos progressistas.
no Brasil, entre as déca-
des sociais. e as técnicas, em vez
das de 1930 e 1960.
dos conteúdos.
Políticas educacionais
implantadas no perío-
Pedagogia tecnicista
Nos anos 1930 e 1940, os educadores da escola nova defendiam a intensa participação dos
alunos nas atividades escolares, por meio do método de projetos e centro de interesses e do
trabalho em grupo, como retratado na construção do “cineminha”.
Fonte: CRE Mario Covas, 2022.
Atividade 2
Quais são os reais motivos das reformas curriculares implemen-
tadas após os acordos MEC-USAID?
Atividade 3
Quais são as principais diferenças entre as teorias educacionais
crítico-reprodutivistas e a pedagogia histórico-crítica?
REFERÊNCIAS
BOOM, A. M. De la escuela expansiva a la escuela competitiva: dos modos de modernización
en América Latina. Barcelona: Anthropos Editorial; Bogotá: Convenio Andrés Bello, 2004.
BOURDIEU, P. Sociologia. São Paulo: Ática, 1983.
BOURDIEU, P.; PASSERON, J. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de
ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2010.
CAMPOS, L. H. R. de. et al. A influência do capital cultural familiar sobre o desempenho
escolar. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 50, n. 2, p. 57-86, ago. 2020. Disponível em:
https://ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/article/viewFile/2096/1304. Acesso em: 12 jan.
2022.
CHARLOT, B. A pesquisa educacional entre conhecimentos, políticas e práticas:
especificidades e desafios de uma área de saber. Revista Brasileira de Educação, v.
11, n. 31, p. 7-195, jan./abr. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/
WM3zS7XkRpgwKWQpNZCZY8d/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 12 jan. 2022.
CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa.
Teoria & Educação, v. 2, p. 177-229, 1990. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/
pluginfile.php/3986904/mod_folder/content/0/Chervel.pdf?forcedownload=1. Acesso em:
12 jan. 2022.
CRE MARIO COVAS. A escola pública e o saber. Rolo cineminha. Cre Mario Covas, 2022.
Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/obj_a.php?t=0o3. Acesso em: 21 jan.
2021.
GOHN, M. da. G. Educação não formal, participação da sociedade civil e estruturas
colegiadas nas escolas. Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação, v.
14, n. 50, p. 27-38, mar. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ensaio/a/
s5xg9Zy7sWHxV5H54GYydfQ/?lang=pt. Acesso em: 12 jan. 2022.
Triff/Shutterstock
SlaSla/Shutterstock
Na atualidade, a educação escolar é vista, em geral, como tendo Para refletir
o papel de socialização dos indivíduos, de formação de cidadãos so-
Quais seriam, então, as
cialmente úteis. Esse papel, entretanto, é compartilhado com outras especificidades da esco-
la e da educação escolar?
instituições e instâncias sociais que atuam na educação informal e não
O que diferencia a escola
formal, o que nos leva a refletir sobre o que diferencia a escola na qua- das outras instâncias edu-
cativas da sociedade?
lidade de instituição social.
Figura 1
Dia Internacional da Cidade Educadora 2021
Gadotti (2006) esclarece ainda o que seria educar pela e para a cida-
dania, princípio que ele defende como fundamental ao papel não só da
escola, mas também da cidade como lócus de convivência educativa.
Para isso, primeiro o autor aponta as bases do conceito de cidadania
como consciência de direitos e deveres e exercício da democracia: “di-
reitos civis, como segurança e locomoção; direitos sociais, como tra-
balho, salário justo, saúde, educação, habitação etc.; direitos políticos,
como liberdade de expressão, de voto, de participação em partidos po-
líticos e sindicatos etc.” (GADOTTI, 2006, p. 134).
Quadro 1
Saberes docentes
Fonte: Elaborado pela autora com base em Tardif; Raymond, 2000, p. 215.
os jovens e a violência;
O cenário delineado até aqui pode ser sintetizado pelo termo recen-
temente cunhado era da pós-verdade, escolhido como palavra do ano
em 2016 pelo Dicionário Oxford, em virtude do aumento de seu uso em
2.000% nesse ano. Para Santaella (2018, p. 1),
desde que a internet se tornou um ingrediente onipresente em
nossas vidas, interação e conexão passaram a assumir o papel
principal em todas as cenas [...] Entretanto, tudo isso cobra seu
preço [...] No momento, os desafios têm se concentrado nas
questões relativas às notícias falsas (fake news), que circulam
abusivamente pela internet, e suas relações com as bolhas, tam-
bém chamadas de câmaras de eco, ou seja, o ecossistema indi-
vidual e coletivo de informação viciada na repetição de crenças
inamovíveis. Essas condições acabaram por redundar naquilo
que vem sendo chamado de “era da pós-verdade”.
As lógicas do hiper link, das janelas que se abrem para outros con-
teúdos quando estamos lendo algo na internet, o modo ao mesmo
tempo objetivo e cheio de referências a fatos atuais, aos “memes”, o
impulso de “compartilhar” imediatamente informações, impressões
e opiniões, entre outros traços constituintes da cultura digital con-
temporânea, atravessam, como uma nova gramática social, as telas
de computadores e celulares e se instalam nas relações presenciais
que temos com o saber, com a recepção de informações, com a co-
municação, com as relações e as práticas sociais.
Robert Kneschke/Shutterstock
posta de gestão democrática do
conhecimento e uma reflexão so-
bre os modos como a educação
está incorporando as Tecnologias
Digitais de Informação e Comunica-
ção (TDIC), demandando alterações nas
crenças e concepções do que é a escola (SIBILIA, 2019) e remode-
lando a maneira como a difusão do conhecimento tradicionalmente
acontece no espaço escolar, sob uma perspectiva de construção de
autonomia e emancipação dos estudantes com relação à construção
dos conhecimentos (BONILLA; OLIVEIRA, 2011).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos da Sociologia da Educação sobre a construção social
da escola e do sistema escolar, sobre a ampliação do papel social da
escola na contemporaneidade, assim como os estudos voltados para
a construção social do professor, de seus saberes e suas práticas do-
centes, e os voltados para a construção social da infância e da juventu-
de e questões relativas a esses grupos na sociedade contemporânea,
incluindo as pesquisas sobre as novas sociabilidades e novas relações
com o saber e com a aprendizagem escolar geradas pela cultura di-
gital, podem contribuir muito para a formação docente, promovendo
a reflexão sobre sua prática e seu papel social de promoção de uma
educação para a cidadania plena.
ATIVIDADES
Atividade 1
Como seria possível viabilizar o controle social sobre as escolas
para reduzir seu caráter de reprodução das desigualdades sociais?
Atividade 2
De que modo o conceito de Cidade Educadora amplia o papel
social da escola?
REFERÊNCIAS
AICE. EdCities, 2021. Dia Internacional da Cidade Educadora. Disponível em: https://www.
edcities.org/pt/dia-internacional-da-cidade-educadora/. Acesso em: 1 fev. 2022.
BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Vozes: Petrópolis, 2014.
BEETH, M. Teaching for conceptual change: Using status as a metacognitive tool. Science
Education, n. 82, v. 3, 343-354, 1998.
BÉVORT, E., BELLONI, M. L. Mídia-educação: conceitos, história e perspectivas. Educ. Soc.,
Campinas, v. 30, n. 109, p. 1081-1102, set./dez. 2009.
BONILLA, M. H. S. Educação e Inclusão digital. GEC – Grupo de Pesquisa, Educação,
comunicação e Tecnologias, 2004. Disponível em: http://www.twiki.ufba.br/twiki/bin/view/
GEC/MariaHelenaBonilla. Acesso em: 18 fev. 2022.
CHARLOT, B. Educação ou Barbárie: uma escolha para a sociedade contemporânea. São
Paulo: Cortez, 2000.
CORTINA, A. Ciudadanos del mundo: hacia una téoria de la ciudadanía. Madrid: Alianza, 1997.
CLÍMACO, M. C. Os indicadores de desempenho de escola na gestão e avaliação da
qualidade educativa. Revista Inovação, v. 4, n. 2-3, p. 87-125, 1991.
CRAWFORD, B. Embracing the essence of inquiry: new roles for science teachers. Journal of
Research in Science Teaching, n. 37, p. 916-937, 2000.
FREIRE, P. Política e educação: ensaios/Paulo Freire. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
GADOTTI, M. A escola na cidade que educa. Cadernos Cenpec, v. 1, n. 1, p. 133-139, 2006.
Disponível em: http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/
view/160/189. Acesso em: 1 fev. 2022.
GASCÓN, J. Á. Autonomous thinkers, irrational thinkers. Disputatio Philosophical Research
Bulletin, v. 9, n. 13, 2020. Disponível em: https://disputatio.eu/vols/vol-9-no-13/gascon-
thinkers/. Acesso em: 18 fev. 2022.
GUARESCHI, P. A.; BIZ, O. Mídia, Educação e Cidadania: tudo o que você deve saber sobre
mídia. Petrópolis: Vozes, 2005.
IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 6. ed.
São Paulo: Cortez, 2006.
KALALI, F. L’enseignement des sciences expérimentales, ou le débat récurrent du culturel
versus utilitaire: quels problèmes? Spirale. Revue de recherches en éducation, n. 42,
p. 183-194, 2008. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/spira_0994-3722_2008_
num_42_1_1218. Acesso em: 18 fev. 2022.
LIMA, H. Discursos negacionistas disseminados em rede. Revista da Abralin, v. 19, n. 3,
p. 389-408, 17 dez. 2020.
MIALARET, G.; VIAL, J. História mundial da educação. v. 1. Porto: Rés, 1986.
PAULO, F. dos S.; TROMBETTA, S. Educar é sempre um ato político: desafios contemporâneos.
Ideação. Revista do Centro de Educação, Letras e Saúde, v. 23, n. 2, p. 7-30, 2021. Disponível
em: https://e-revista.unioeste.br/index.php/ideacao/article/view/25553/17497. Acesso
em: 1 fev. 2022.
DA
GRAZIELLA ROLLEMBERG
GRAZIELLA ROLLEMBERG
I0 0 0 5 1 0 9 786558 211143