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ISBN 978-85-387-6586-8

59194 9 788538 765868


Psicologia geral e do
desenvolvimento

Priscila Mossato Rodrigues Barbosa

IESDE BRASIL
2020
© 2020 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do
detentor dos direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Sylverarts Vectors/SofiaV/Shutterstock

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
B381p

Barbosa, Priscila Mossato Rodrigues


Psicologia geral e do desenvolvimento / Priscila Mossato Rodrigues
Barbosa. - 1. ed. - Curitiba [PR] : Iesde, 2020.
98 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6586-8

1. Psicologia. 2. Psicologia - História. 3. Behaviorismo (Psicologia). 4.


Gestalt (Psicologia). 5. Psicanálise. 6. Psicologia do desenvolvimento. I. Título.
CDD: 150
20-66074
CDU: 159.9

Todos os direitos reservados.

IESDE BRASIL S/A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Priscila Mossato Mestre em Educação pela Universidade Federal do
Paraná (UFPR). Especialista em Psicologia Clínica –
Rodrigues Barbosa Abordagem Psicanalítica Psicologia do Desenvolvimento
pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)
e graduada em Psicologia pela mesma instituição.
Professora do ensino superior, ministrando as
disciplinas Psicologia da Educação e Psicologia do
Desenvolvimento e da Aprendizagem. Atua também
como psicóloga clínica.
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SUMÁRIO
1 Psicologia Geral 9
1.1 Breve histórico da Psicologia 9
1.2 Psicologia como campo de estudo 12
1.3 Principais escolas psicológicas 16

2 Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 26


2.1 O que é desenvolvimento? 26
2.2 Métodos de pesquisa em Psicologia do Desenvolvimento 34
2.3 Teorias do Desenvolvimento Humano 35

3 O desenvolvimento do pré-natal à primeira infância 45


3.1 Desenvolvimento embrionário 45
3.2 Desenvolvimento do bebê 48
3.3 Desenvolvimento na primeira infância 55

4 O desenvolvimento da infância à adolescência 62


4.1 O desenvolvimento na segunda infância 62
4.2 O desenvolvimento na terceira infância 67
4.3 O desenvolvimento na adolescência 71

5 O desenvolvimento do adulto à velhice 79


5.1 Adultez jovem 79
5.2 Adultez madura 84
5.3 A velhice 87

Gabarito 94
Vídeo
APRESENTAÇÃO
O estudo da psicologia tem ganhado cada vez mais força na
sociedade, na medida que as demais áreas do conhecimento
usufruem dos seus conceitos, suas teorias e de suas aplicações. A
psicologia está presente em nosso cotidiano e, portanto, o prazer
de compreendê-la está associado ao prazer de entendermos a
nós mesmos, nossas relações com as outras pessoas e com o
mundo.
Esta obra apresenta conteúdos acerca da Psicologia
Geral e do Desenvolvimento. No primeiro capítulo, é possível
acompanhar a história da psicologia e o processo por meio do
qual ela se instituiu como uma ciência independente da filosofia,
que é sua área de origem. Evidencia-se quais são os seus objetos
de estudo, seus métodos científicos e principais escolas teóricas.
No segundo capítulo há uma introdução à Psicologia do
Desenvolvimento, na qual se conceitua o desenvolvimento
humano propriamente dito, as principais correntes filosóficas
que embasaram o seu estudo, assim como sua perspectiva
histórica, seus métodos de pesquisa. Além disso, discute-se as
principais teorias sobre o desenvolvimento humano, as quais
foram concebidas pelos expoentes da psicologia que mais
contribuíram para área: Sigmund Freud, Henri Wallon, Jean Piaget
e Lev Vygostsky.
O estudo do desenvolvimento humano entende o ser humano
como ser biopsicossocial, ou seja, ao estudar o ciclo de vida, busca
a articulação entre as instâncias biológica, psicológica e social,
pois elas compõem o ser integral de maneira interdependente.
Assim, esse estudo compreende desde o primeiro momento de
vida, a concepção, até a morte.
Nesse sentido, e para abordar a temática de modo mais
didático, o terceiro capítulo trata do desenvolvimento que
antecede o nascimento até a primeira infância, descrevendo
cada fase e suas conquistas físicas, psíquicas e sociais. Já o
desenvolvimento da segunda infância, da terceira infância e da
adolescência é abordado no quarto capítulo. Por fim, o quinto
capítulo versa sobre o desenvolvimento na vida adulta, identificando suas três
principais fases de desenvolvimento: adultez jovem, adultez madura e velhice.
A proposta desta obra é favorecer a aquisição de conhecimento teórico
da Psicologia Geral e do Desenvolvimento que seja capaz de sustentar uma
perspectiva crítica, livre de estereótipos, ética e humana, para uma prática
comprometida com o bem-estar das pessoas.
Uma excelente leitura, bons estudos e produtivas reflexões!

8 Psicologia geral e do desenvolvimento


1
Psicologia Geral
Neste capítulo, apresentaremos inicialmente o percurso da
Psicologia Geral a partir de um breve histórico que a contextualiza
como campo de estudo científico. Na sequência, identificaremos
seus objetos e principais métodos.
Você também conhecerá as principais teorias da psicologia mo-
derna e alguns dos conceitos básicos que compõem o panorama
da Psicologia Geral e preparam para compreensão de suas áreas
específicas, seja como ciência ou como profissão.

1.1 Breve histórico da Psicologia


Vídeo O interesse em compreender as questões da mente é anterior à
constituição da Psicologia como uma ciência. A filosofia grega já se ocu-
pava dessas questões, sinalizando a origem da Psicologia. Essa origem
é evidenciada inclusive na etimologia da palavra, que resulta da junção
das palavras gregas psiché (alma ou mente) e logos (razão ou estudo),
ou seja, estudo da mente.

Dessa forma, o início do pensamento da Psicologia se deu a partir da


Filosofia, até que emergiu como uma ciência independente. Segundo a
autora Linda Davidoff (2004), é possível compreender a mente/alma
como o princípio subjacente dos fenômenos da vida mental e espiritual
do ser humano. Ou seja, no início, as questões que se apresentavam
sobre o ser humano e sua mente tinham implicitamente relações com
o que se acreditava ser a alma e também abarcavam o que poderia ser
considerado espiritual. Quando a Psicologia se instituiu como ciência,
as questões referentes à espiritualidade foram abandonadas.

Duane Schultz e Sydney Schultz (1998) ponderam que até o último


quarto do século XIX (aproximadamente entre os anos 1850 a 1900) a
natureza humana era estudada pelos filósofos, mas esses estudos aca-

Psicologia Geral 9
bavam sendo baseados em especulações, intuições e generalizações
limitadas às suas experiências. Somente quando os filósofos passaram
a aplicar instrumentos e métodos – já utilizados no estudo das ciên-
cias físicas e biológicas – na busca do entendimento sobre a natureza
humana, a Psicologia passou a criar uma representação própria e se
distinguiu da Filosofia.

O filósofo e físico Gustav Fechner (1801-1887) foi muito importante


nesse processo por demonstrar que os métodos científicos poderiam
ser empregados no avanço de pesquisas e estudos dos processos men-
tais. Em 1860, ele escreveu seu trabalho mais importante, Elementos
de Psicofísica, no qual se utilizou de procedimentos experimentais e
matemáticos para estudar a mente humana (DAVIDOFF, 2004). Sendo
assim, o que sinaliza a distinção entre a psicologia antiga – pertencente
à filosofia – e a psicologia moderna – que nasceu há aproximadamente
140 anos – é a abordagem, bem como suas técnicas, que instituem a
Psicologia como um campo de estudo próprio e independente da Filo-
sofia e, sobretudo, científico.

O marco do estabelecimento da Psicologia como ciência aconte-


ceu quando o psicólogo alemão Wilhelm Wundt (1832-1920) criou
o primeiro Laboratório de Psicologia Experimental em Leipzig (Ale-
manha) no ano de 1879, que foi precursor de vários outros, funda-
dos em vários lugares da Europa e dos Estados Unidos da América.
Segundo Davidoff (2004), Wundt ansiava pelo estabelecimento da
Psicologia como uma identidade independente e considerava muito
importante que se estudasse as operações mentais de atenção, de
intenções e de metas. Então, nesse momento, houve a consolidação
dos estudos da Psicologia sob os critérios científicos de observação
e com métodos provenientes da Fisiologia.

Wundt dedicava-se principalmente às pesquisas sobre reações de


comportamento aos estímulos de maneira controlada e com muito
rigor científico, o que limitava a Psicologia de certa forma. Seu méto-
do de pesquisa e produção de conhecimento se caracterizava como
estruturalista, visto que buscava compreender processos estrutu-
rais do psiquismo. Por esse motivo, acreditava-se que a consciência
era separada da mente.

Como estava predominantemente ligada à Fisiologia, a Psicologia


distanciava-se das ideias abstratas e espirituais, que não poderiam se

10 Psicologia geral e do desenvolvimento


vincular à ciência. Para que a Psicologia se fortalecesse e se estabele-
cesse como ciência própria, era importante vincular-se a princípios e
métodos científicos reconhecidos.

William James (1845-1910), influente psicólogo americano, criticava


o estruturalismo ao considerá-lo limitado, inexato e artificial. Ele privile-
giava a observação e a busca pela compreensão sobre o funcionamento
dos processos mentais, caracterizando a corrente do funcionalismo,
que mais tarde foi substituída pelo movimento americano denominado
behaviorismo.

Como você já deve ter percebido, para entendermos a história da


Psicologia é preciso ter em mente a premissa de que ela, como tudo,
sempre esteve submetida à cultura e aos contextos histórico e econô-
mico de cada época. Schultz e Schultz (1998) sublinham que as três
principais forças contextuais que impactaram a Psicologia nos primei-
ros anos do século XX são: as oportunidades econômicas, as guerras e
a discriminação.

Em relação às oportunidades econômicas, destacamos que a psico-


logia americana, inicialmente concentrada nos laboratórios de pesquisa,
passou a ampliar seu campo para uma ciência aplicada fora dos laborató-
rios. Isso só foi possível pelo excesso de psicólogos com mestrado e dou-
torado trabalhando em laboratórios, o que gerava disputa por empregos.

Nesse contexto, os psicólogos sentiram necessidade de sustentar


uma prática que se convertesse em benefícios para sociedade. Para
que se mantivesse investimento em pesquisas, a Psicologia precisou
lançar-se de maneira aplicada com vistas à solução de problemas so-
ciais, educacionais e industriais, buscando uma valorização por meio
prático e teórico (SCHULTZ; SCHULTZ, 1998). Assim, cresceu o interesse
da psicologia americana na direção da educação: psicologia da apren-
dizagem, métodos de ensino e demais questões envolvidas na área.

Outra força contextual significativa no desenvolvimento da Psicolo-


gia foram as guerras. Sabemos que tanto a Primeira quanto a Segunda
Guerra Mundial mobilizaram o desenvolvimento de várias áreas, desde
a tecnologia até a Psicologia. As experiências na Psicologia se voltaram
para os esforços de guerra, especialmente nos Estados Unidos, e hou-
ve, portanto, um crescimento da Psicologia aplicada nos testes psicoló-
gicos e na seleção de pessoas baseada em seus perfis de personalidade
e comportamento.

Psicologia Geral 11
Livro O desenvolvimento da Psicologia na Europa também foi influencia-
do pelas guerras, uma vez que os horrores promovidos por elas motiva-
ram a análise e o desdobramento de conceitos que pudessem elucidar,
por exemplo, a agressividade, na teoria de Sigmund Freud (1856-1939),
e o fanatismo, na teoria de Erich Fromm (1900-1980).

A terceira força contextual influente no percurso histórico da Psico-


logia é nomeada discriminação e preconceito. Ao revisitar a história
da Psicologia, Schultz e Schultz (1998) identificam nos Estados Unidos
No livro História da
Psicologia é apresentada uma predominante discriminação em relação às mulheres, aos negros
uma breve biografia dos e aos judeus no acesso à formação acadêmica na área da Psicologia,
psicólogos mais influen-
tes, de modo a situar as que só parece ter cessado após os anos 1960.
descobertas e teoriza-
ções em seu percurso
Diante desse cenário, podemos concluir que, no desenvolvimento
como ciência. de seu percurso, a Psicologia se ampliou para além da sua relação com
HOTHERSALL, D. Porto Alegre: a fisiologia, de modo que hoje pode ser considerada nas dimensões
AMGH, 2019.
fisiológica, psíquica e social. A psicologia contemporânea é uma ciência
que tem investido em um contínuo aprimoramento dos seus métodos
de estudo e pesquisa. Desse modo, hoje ela abrange muitas áreas, con-
forme veremos nas próximas seções.

1.2 Psicologia como campo de estudo


Vídeo Na construção do conhecimento em Psicologia, é necessário que,
além dos métodos científicos (observação, experimentação, descrição
etc.), os estudiosos sirvam-se da introspecção, visto que o encanto pela
Psicologia é decorrência do fato de que, por meio dela, podemos des-
vendar a nós mesmos.

Com o intuito de entender nosso funcionamento com base em nos-


sa constituição como seres humanos, no que diz respeito aos aspectos
físicos, psíquicos e sociais, a Psicologia tem como objeto de estudo os
fenômenos psíquicos, que abarcam muitos conceitos, como: desen-
volvimento, aprendizagem, percepção, atenção, inteligência, cogni-
ção, memória, pensamento, emoção, sentimentos, comportamentos,
motivação, agressividade, relação interpessoal, comportamento so-
cial, linguagem, personalidade, consciente e inconsciente, resiliência,
psicopatologias, entre outros. Logo, fica claro que, para produzir co-
nhecimento em Psicologia, é necessário que se tenha também conhe-
cimentos de várias áreas (como biologia, anatomofisiologia, filosofia,

12 Psicologia geral e do desenvolvimento


antropologia e sociologia), pois é impossível dissociar o ser humano de
tudo o que o determina psicologicamente.

Consequentemente, a multiplicidade e a complexidade dos objetos


de estudo também se refletem na diversidade das abordagens (tam-
bém chamadas linhas) de pesquisa que a Psicologia possui. Seria im-
possível que uma única teoria desse conta de aprofundar o estudo em
todos os objetos, teorizar sobre eles e ainda desenvolver formas de
intervenções aplicáveis.

Assim, não é possível nos referirmos à teoria da Psicologia como


única, pois as abordagens são muitas e cada uma delas pode privilegiar
certos fenômenos e ter sua própria metodologia. Também não deve-
mos considerar que uma abordagem possa ser superior a outra, já que
todas são reconhecidas e contribuem para a construção do conheci-
mento científico da Psicologia.

Outra questão que é preciso ter em mente a respeito da multiplici-


dade e diversidade na Psicologia é que, apesar das diferenças, todas as
abordagens têm em comum a consideração pela subjetividade. Para
ilustrar esse raciocínio, vejamos a afirmação de Bock et al. (2001, p. 23):
nossa matéria-prima [...] é o homem em todas as suas expres-
sões, as visíveis (nosso comportamento) e as invisíveis (nossos
sentimentos), as singulares (porque somos o que somos) e as
genéricas (porque somos assim) – é o homem-corpo, homem-
-pensamento, homem-afeto, homem-ação e tudo isso está sinte-
tizado no termo subjetividade.

Sendo o ser humano a matéria-prima da Psicologia, sua subjetivi-


dade é premissa fundamental dessa ciência. Por isso, vamos abordá-la
brevemente para contextualizar a complexidade da Psicologia em sua
sustentação como ciência, já que ela não lida apenas com fenômenos
universais e objetivos.

Inicialmente, a subjetividade está relacionada à incursão do ser hu-


mano no mundo simbólico da linguagem, pois é assim que a criança se
situa em determinada cultura e adquire sua identidade particular.

Somente o fato de sermos filhos de seres humanos não garante


nossa humanização. Para que ela aconteça, são necessárias histórias
e memórias, representadas pela linguagem, que constituem um reper-
tório de experiências que angariamos em nosso percurso de vida. As
variáveis da formação de nossa subjetividade não dependem apenas

Psicologia Geral 13
1
1 de nós mesmos e de nossos dotes inatos da infância. A subjetividade
consiste, portanto, em um processo complexo de enlaces subjetivos
Como dotes inatos podemos
tomar como exemplos nossos e simbólicos, os quais instituem bases e recursos para o desenvolvi-
instintos biológicos e nossa mento de novos processos interpessoais. Esses processos, por sua vez,
herança genética.
atualizam-se e ampliam-se pelo resto da vida em todos os grupos e
experiências sociais.

Desse modo, a subjetividade pode ser entendida como a forma par-


ticular de o sujeito se relacionar com o mundo. O ser humano subjetiva
suas experiências e é essa capacidade de subjetivar que nos humaniza,
que faz com que tenhamos um aparato simbólico internalizado de sig-
nificação sobre o mundo. Como consequência, é a subjetividade que
nos insere e nos adapta ao mundo.

Ela se constrói por meio de diferentes elementos, como a história de


vida e as experiências, e pela maneira como nos apropriamos destes e
os representamos psiquicamente. À vista disso, a subjetividade pode
ser representada como um mundo interno criado pela interação entre
o sujeito e o mundo externo, e é articulada pela nossa forma própria de
interpretar, registrar e simbolizar.

O processamento singular do que se apreende no meio e na cultu-


ra e a maneira como ele se inscreve subjetivamente caracteriza nossa
forma de interagir com os aspectos da vida. Os sentimentos, a afetivi-
dade, os pensamentos, as ideias, as representações, os desejos e as
significações são componentes psíquicos (emocionais e cognitivos) que
pertencem à nossa subjetividade e que estão submetidos a contextos
históricos, culturais e sociais. Assim, não é possível pensar no sujeito
e em sua subjetividade sem considerar os contextos nos quais ele se
encontra.

O estudo da subjetividade, portanto, possibilita conhecer o ser hu-


mano em suas expressões comportamentais, sentimentais, singulares
e genéricas, pois ela é a síntese singular e individual que cada ser hu-
mano constrói durante seu desenvolvimento e suas vivências sociais
e culturais. Posto isso, esse estudo atravessa e participa de todas as
abordagens da Psicologia.

Até agora, dissertamos sobre a Psicologia voltada para a compreen-


são dos fenômenos psíquicos no ser humano, mas, a título de conheci-
mento geral, é pertinente relatar que existem investigações psicológicas

14 Psicologia geral e do desenvolvimento


importantes sobre o comportamento dos animais. Esses estudos contri-
buem para o entendimento de aspectos do próprio ser humano.

Davidoff (2004) explica que certos experimentos não seriam viáveis


em seres humanos devido à questão ética. Além disso, alguns proces-
sos básicos comportamentais e mentais podem ser mais fáceis de se-
rem detectados em criaturas simples do que em criaturas complexas,
de maneira que determinadas descobertas sobre organismos mais
simples podem ser generalizadas para os seres humanos.

Evidentemente, depois de tudo que foi desenvolvido sobre a subje-


tividade humana, os estudos experimentais com animais não são ca-
pazes de analisar o raciocínio abstrato, a linguagem, a personalidade,
o comportamento social e outros funcionamentos complexos do ser
humano. Entretanto, algumas reações orgânicas, as características he-
reditárias, os comportamentos condicionados, o estresse, entre outros
funcionamentos podem ser apreendidos por meio de experimentos
controlados com animais.

Como podemos constatar até aqui, a Psicologia, conforme Davidoff


(2004, p. 5), “não é um corpo de conhecimento nem unificado e nem
completo”. Logo, não podemos contar com uma abordagem que seja
absoluta em sua capacidade de explicar determinado fenômeno. Ao
mesmo tempo em que isso a torna uma ciência difícil, a Psicologia é
muito rica e se sustenta também em sua prática eficaz.

Para tanto, precisamos nos questionar sobre como a ciência da


Psicologia e suas teorias podem beneficiar a realidade em que vive-
mos. Conforme mencionado anteriormente, para dar conta da nos-
sa complexidade, existem muitas áreas de atuação, cada qual com
suas especificidades e aplicações. As práticas aprovadas pelo Con-
selho Federal de Psicologia (CFP)
2
são: psicologia escolar/educacio- 2
nal; psicologia organizacional e do trabalho; psicologia de trânsito; O Conselho Federal de Psico-
logia, órgão responsável pela
psicologia jurídica; psicomotricidade; psicologia do esporte; psicolo-
regulamentação da Psicologia
gia clínica; psicologia hospitalar; psicopedagogia; psicologia social; e como profissão, descreve cada
neuropsicologia. uma dessas áreas na Resolução
CFP 03/2007.
Podemos mencionar ainda outras áreas que usufruem das teorias
e técnicas aplicadas da Psicologia, como o Marketing, que tem em seus
fundamentos a psicologia do consumidor e as pesquisas de mercado e
tendências que buscam compreender os contextos sociais para que as

Psicologia Geral 15
marcas e ofertas de serviço atendam as demandas e sejam bem-suce-
didas no estímulo do consumo.

Os conhecimentos acerca da percepção construídos na Psicolo-


gia beneficiam até mesmo a escolha da disposição dos produtos em
um supermercado, como os produtos que atraem as crianças, os
quais são expostos em prateleiras baixas para que fiquem visíveis e
acessíveis a elas, levando em conta, portanto, a percepção dos con-
sumidores. As campanhas publicitárias também recorrem aos co-
nhecimentos da Psicologia por meio das sensações que provocam
para alcançar aceitação e eficácia na promoção de um produto e de
sua marca. Por essa razão, a Psicologia pode se associar a muitos
campos do conhecimento, como as Ciências Sociais (Antropologia,
Livro
Sociologia e Ciência Política), as Ciências Humanas, as Ciências Bio-
lógicas e da Saúde, entre outros.

Com base nesses exemplos, é possível entender o crescimento


da Psicologia ao longo de seu percurso, desde seu estabelecimento
como ciência até os dias atuais. Esse desenvolvimento é eviden-
ciado pela presença cada vez maior da Psicologia como disciplina
obrigatória em outras graduações, como Administração, Direito,
Pedagogia, Licenciaturas, Gestão de Recursos Humanos, Nutrição
No livro Introdução à e Medicina, deixando claro que conhecê-la enriquece a formação
Psicologia, o autor disser- de vários profissionais. Diante disso, os múltiplos objetos de estu-
ta de maneira bastante
completa a abordagem do abarcados pelos fenômenos psíquicos, além das várias aborda-
científica da Psicologia. gens, efetivam-se em muitas áreas. A Psicologia, portanto, é muito
FELDMAN, R. S. Porto Alegre: expressiva socialmente, tanto na condição de ciência quanto na
AMGH, 2015.
condição de profissão.

1.3 Principais escolas psicológicas


Vídeo Conforme visto anteriormente, a Psicologia não pode ser tomada
como uma ciência unificada, seja por questões históricas ou seja por
fundamentos (múltiplos objetos e metodologias). Por essa razão, al-
guns autores sugerem que talvez fosse mais adequado a nomearmos
no plural (as psicologias) ou como Ciências Psicológicas (BOCK et al.,
2001; DAVIDOFF, 2004; JAPIASSU, 1983).

16 Psicologia geral e do desenvolvimento


Seguindo essa ideia sobre a Psicologia e seus diferentes sistemas
teóricos e metodológicos, faz-se necessário conhecermos as principais
escolas psicológicas: behaviorismo, gestalt e psicanálise.

1.3.1. Behaviorismo
O behaviorismo (do inglês behavior = comportamento) , também cha-
mado de comportamentalismo ou psicologia comportamental, como o pró-
prio nome sinaliza, privilegia o comportamento como objeto de estudo.

Segundo Davidoff (2004), o psicólogo americano John Watson (1878-


1958), considerado o fundador do behaviorismo, esforçou-se para que a
Psicologia se tornasse uma ciência respeitável, equiparável às Ciências Fí-
sicas. Ele entendia que, para tanto, a Psicologia deveria se ocupar do com-
portamento observável e investigá-lo de modo objetivo, dispensando e se
opondo ao recurso da introspecção.

O psicólogo era plenamente convencido de que os processos mentais


não deveriam ser estudados pela Psicologia, porque considerava não ser
possível estudá-los por meio de métodos científicos, enquanto o compor-
tamento, sim.

Watson foi bastante influenciado pelos trabalhos do fisiologista e psi-


cólogo russo Ivan Petrovitch Pavlov (1849-1936), que contribuiu significa-
tivamente com a psicologia contemporânea por meio dos seus estudos
acerca do comportamento animal, nos quais buscava distinguir o compor-
tamento inato do comportamento adquirido. Pavlov também desvelou
os reflexos condicionados, que são respostas musculares ou glandulares
aprendidas pelo organismo.

Um experimento muito famoso realizado pelo fisiologista, ca-


paz de explicar o reflexo condicionado, foi feito com cães a par-
tir da observação de seu reflexo em salivar diante da presença
do alimento (Figura 1). Para tanto, uma campainha soava todas
as vezes em que o animal recebia alimento, assim, havia dois es-
tímulos simultâneos: o som e o alimento. Por meio de repetições,
foi possível observar que os cães passaram a salivar só com o es-
tímulo do som da campainha, mesmo na ausência do alimento
(FALCÃO, 1984).

Psicologia Geral 17
Figura 1
Experimento de Pavlov

1. Antes do condicionamento 2. Antes do condicionamento

desdemona72/Shutterstock
salivação sem salivação
estímulo
resposta estímulo resposta não
incondicionado
incondicionada neutro condicionada

3. Durante o condicionamento 4. Após o condicionamento

salivação salivação
resposta estímulo
resposta
incondicionada condicionado
condicionada

Essas foram as bases nas quais Watson desenvolveu sua própria


teoria, que visava um valor prático. Ele trabalhou para que a Psicologia
fosse além dos laboratórios e alcançasse a realidade em muitas áreas
(SCHULTZ; SCHULTZ, 1998).

Como teoria, o behaviorismo de Watson, influenciado pelos es-


tudos de Pavlov, reduzia todo comportamento a dois elementos:
estímulo, vindo do ambiente (E), e resposta, vinda do organismo
(R); representados por E – R. Para ele, tanto o comportamento hu-
mano quanto o comportamento animal podem ser descritos e en-
tendidos com base nesses elementos. Assim, seria possível prever
qual é a resposta resultante de certo estímulo e determinar o estí-
mulo que causou dada resposta. Desse modo, “o comportamento
humano e animal pode ser eficazmente previsto, e controlado, pela
sua redução ao nível de estímulo e resposta” (SCHULTZ; SCHULTZ,
1998, p. 248).

O behaviorismo de Watson foi mais tarde nomeado como beha-


viorismo metodológico devido às suas características de privilegiar o
método científico objetivo de uma forma tão rígida que desconside-
rava a subjetividade, a qual pode ser considerada uma premissa da
Psicologia.

Resumidamente, além do comportamento, os objetos de estudo


do behaviorismo são os estímulos e as respostas observáveis, e seus
métodos de pesquisa são objetivos e dirigidos a pessoas e animais,
visando alcançar um conhecimento aplicável.

18 Psicologia geral e do desenvolvimento


Apesar de o behaviorismo ser bastante criticado, além de Watson, Livro
houve vários outros psicólogos que se ocuparam em prosseguir com
sua teoria e, sem dúvida, o estudioso que mais contribuiu com essa
escola foi Burrhus Frederick Skinner (1904-1990).

O behaviorismo de Skinner, também chamado de behaviorismo radi-


cal, passou a ser uma das escolas mais influentes da Psicologia a partir
de 1950. Seu avanço se deu pela ampliação teórica que incidiu de for-
ma especial na aprendizagem, tomada como a base na formação da
maioria dos hábitos.
Para ampliar seus conhe-
Nessa teoria, consideramos que a aprendizagem é efetiva quando cimentos sobre outros
conceitos da teoria e da
são promovidas mudanças no comportamento do aprendiz. Isto é, prática behavioristas, su-
aprender é o processo no qual novos comportamentos são apresen- gerimos a leitura da obra
Sobre o behaviorismo, do
tados e o repertório comportamental, que é o conjunto de comporta- psicólogo estudado nes-
mentos que uma pessoa é capaz de produzir, é aumentado. ta seção, B. F. Skinner.
Nela é possível concluir
Skinner tomou como pressuposto que os comportamentos apre- que, de fato, é inegável
que o behaviorismo evo-
sentados pelos organismos (pessoas e animais) se constituem com luiu e muito contribuiu
base nas interações que estabelecem com o meio no qual estão inse- para a compreensão
de certos aspectos do
ridos. Por conta de seus estudos, ele publicou muitas obras sobre os comportamento.
processos comportamentais.
SKINNER, B. F. São Paulo: Cultrix, 2011.
Sobre os conceitos desenvolvidos por Skinner, vejamos a Figura 2.

Figura 2
Conceitos de Skinner

Condicionamento operante Condicionamento


Ammus/Shutterstock

Consiste na promoção de respondente


comportamentos específicos Envolve hábitos que praticamos
conforme os estímulos rotineiramente, sem uma
propositalmente apresentados autocrítica, como códigos que
no ambiente. Requer punição nos são passados para uma
quando a atuação manifestada boa educação. A etiqueta é
não é a desejada, e reforço um exemplo: a forma como
(premiação) quando o esperado manipulamos os talheres,
se torna evidente. É trabalhado cumprimentamos as pessoas etc.
na educação de pessoas e no
adestramento de animais.

Fonte: Elaborada pela autora com base em Regato, 2005, p. 40.

Skinner ampliou a teorização sobre o comportamento humano,


trazendo minucias conceituais de maneira mais complexa do que
Watson pôde fazer ao propor o behaviorismo, visto que sua teoria era
muito reducionista.

Psicologia Geral 19
1.3.2 Gestalt
A escola psicológica da gestalt originou-se na Alemanha, em 1870,
e seu movimento formal se estabeleceu com base em uma pesquisa
realizada pelo psicólogo checo Max Wertheimer (1880-1943), publicada
3
em 1912.
O estroboscópio, inventado
pelo físico Joseph Plateau, foi o Durante as férias, enquanto viajava de trem, Wertheimer teve
precursor da câmera de cinema. a ideia de fazer um experimento sobre a visão do movimento
Ele projetava rapidamente uma quando nenhum movimento real tinha ocorrido. Abandonan-
série de quadros diferentes no do prontamente seus alunos de férias, ele desceu do trem em
olho, produzindo movimento 3
Frankfurt, comprou um estroboscópio de brinquedo, e verifi-
aparente.
cou a ideia que lhe ocorrera, de modo preliminar, num quarto
Glossário de hotel. Mais tarde, fez pesquisas mais formais na Universidade
taquistoscópio: instrumento de Frankfurt, que lhe forneceu um taquistoscópio. (SCHULTZ;
que exibe uma imagem por um SCHULTZ, 1998, p. 298)
tempo específico.
O problema de pesquisa envolvia a percepção do movimento apa-
rente, uma “impressão de movimento”. Assim, o psicólogo projetou luz
por duas ranhuras de maneira que a percepção da visão a registrava
mesmo quando ela não estava sendo projetada. Ele nomeou esse fe-
nômeno como fenômeno phi: o todo (movimento aparente da linha) era
diferente da soma de suas partes (as duas linhas estacionárias). Seu
artigo publicado com os resultados dessa pesquisa marcaram o início
da escola da psicologia gestalt.

Considera-se que não é possível traduzir a palavra alemã gestalt


para o português de modo que se expresse todo seu significado. To-
davia, o sentido mais aceito e que talvez mais se aproxime refere-se ao
processo de dar forma, de configurar o que é exposto ao olhar, visto
que a palavra é usada no alemão para designar forma, padrão ou es-
trutura e é associada com a convicção de que as experiências se carac-
terizam por uma totalidade, ou seja, mais do que a soma de suas partes
(DAVIDOFF, 2004).

Tendo isso em vista, a gestalt se baseou nos fenômenos da percep-


ção humana para desenvolver seus princípios. Schultz e Schultz (1998,
p. 296) enfatizam que “os psicólogos gestaltistas acreditam que há mais
coisas na percepção do que veem os nossos olhos, que a nossa percep-
ção vai além dos elementos sensoriais, dos dados físicos básicos forne-
cidos pelos órgãos dos sentidos”. Os elementos sensoriais, portanto,
quando combinados, formam novo padrão e configuração.

20 Psicologia geral e do desenvolvimento


Nesse sentido, a grande máxima da gestalt é que o todo é mais
do que a soma de suas partes (SCHULTZ; SCHULTZ, 1998; DAVIDOFF,
2004.). A experiência subjetiva parte da relação dos processos que se
dão na interação dos elementos que a compõe. Um exemplo bem fá-
cil para entender isso de maneira metafórica é imaginar que todas as
peças de um carro empilhadas não são um carro. O todo (carro) só se
constitui como tal porque ele é mais do que a soma de suas peças; ele
só se efetiva como carro na relação de montagem das peças. Nesse
movimento, há uma declarada oposição à objetividade da psicologia
experimental e behaviorista. Dessa maneira, os gestaltistas buscaram
compreender a percepção, a solução de problemas e o pensamento.

Além de Werteimer, os estudiosos Kurt Koffka (1886-1941) e


Wolfgang Köhler (1887-1967) se destacaram e contribuíram para teoria
da gestalt estabelecendo os princípios da organização da percepção,
os quais representam leis que regem a maneira como o ser humano
organiza seu mundo perceptivo.

Nesse aporte teórico, o processo cerebral primordial na percepção


visual é tomado como um sistema dinâmico, no qual todos os elemen-
tos interagem entre si, produzindo fenômenos que só são possíveis por
meio dessa interação, isto é, que não existiriam se os elementos agis-
sem separadamente. Assim, o cérebro percebe, interpreta e incorpora
uma imagem ou uma ideia por meio do todo e não dos elementos que
compõe determinada coisa individualmente.

Em suma, a lógica dessa escola sempre é a seguinte: para se com-


preender algo, é necessário ir além da investigação de seus elementos
separadamente, pois o todo é o que se dá na junção desses elementos,
como na metáfora anterior do carro: analisar uma peça de modo isola-
do não nos dá a ideia sobre ele. Um exemplo do que não deve ser feito,
de acordo com a psicologia gestaltiana, seria tentar estudar o conscien-
te do sujeito de modo separado do inconsciente, porque a mente é a
interação entre essas duas instâncias.

Com seu desenvolvimento teórico, a gestalt transformou-se em uma


sólida linha filosófica e influenciou de maneira significativa a psicologia
alemã e, na sequência, a norte-americana. Ela contribuiu para as áreas
da Psicologia Infantil, Psiquiatria, Educação, Antropologia e Sociologia,
e também foi aplicada no trabalho clínico que recebe o mesmo nome,
terapia criada por Frederick Perls (1893-1970).

Psicologia Geral 21
Livro O seu objeto de estudo é a experiência subjetiva humana global,
a sua ênfase é na percepção, no pensamento e na resolução de pro-
blemas, e o seu principal objetivo é o conhecimento dessa experiência
subjetiva global. Seus métodos de pesquisa pautam-se na introspec-
ção informal, além dos métodos objetivos, aplicados principalmente
em pessoas, apesar de já terem ocorrido investigações com chipanzés
(DAVIDOFF, 2004).

Schultz e Schultz (1998) ponderam que a psicologia americana tem


Para saber mais sobre considerado, em geral, os princípios teóricos da gestalt como acrésci-
essa escola psicológica, mos interessantes e potencialmente úteis a outros sistemas teóricos,
sugerimos a leitura do
livro Isto é gestalt, que se mas não os toma como um sistema próprio, apenas os considera pro-
trata de uma coletâ- veitosos na explicação de alguns processos psicológicos. Apesar disso,
nea de artigos com os
principais conceitos e a a gestalt continua estimulando pesquisas para aprimorar seus concei-
descrição de todas as leis tos, especialmente no estudo da percepção, do pensamento, da apren-
da gestalt.
dizagem, da personalidade, das psicologias social e da motivação. De
STEVENS, J. São Paulo: Summus
Editorial, 1997.
maneira aplicada à psicologia organizacional, Chiavenato (2011) aponta
que uma estrutura é mais do que a soma de seus dispositivos e com-
ponentes, pois, por mais importante que um componente de uma es-
trutura seja para determinada organização, os aspectos da estrutura é
que se sobressaem.

Com seus princípios e na condição de escola, a gestalt marcou a


história da psicologia moderna, uma vez que se contrapôs ao redu-
cionismo da psicologia experimental e do behaviorismo, trazendo à
luz aspectos importantes sobre o processamento perceptivo e cog-
nitivo. Além disso, a gestalt contribuiu com outras áreas do conhe-
cimento e forneceu bases que influenciaram, mais recentemente, o
desenvolvimento da psicologia cognitiva, especialmente no que se
refere à percepção, aprendizagem e memória.

1.3.3 Psicanálise
A psicanálise teve, desde seu início até hoje, grande impacto na psi-
cologia moderna, na história e em muitos aspectos da cultura ociden-
tal. Em termos cronológicos, foi contemporânea das outras principais
escolas da Psicologia. Sigmund Freud, pai da psicanálise, publicou seu
primeiro livro em 1895, sendo considerado uma das pessoas que alcan-
çou maior destaque na humanidade.

22 Psicologia geral e do desenvolvimento


O conceito mais importante da teoria da psicanálise freudiana é o
inconsciente. Além de ter sido a primeira teoria a estudar o incons-
ciente humano, sem dúvida, foi a que o sistematizou com maior pro-
fundidade. Esse conceito rompeu com a ideia de que o ser humano
opera exclusivamente de modo racional e consciente. Segundo Shaffer
(2005), Freud desafiou as noções predominantes sobre a natureza hu-
mana ao propor que o ser humano é movido por conflitos e motivos
inconscientes, e que nossa personalidade resulta das primeiras expe-
riências da vida.

Davidoff (2004) aponta que a psicanálise se diferencia das outras


escolas da Psicologia por não ter pretensão de influenciar a psicologia
acadêmica como as demais; inclusive, ela nasceu com o tratamento dos
sofrimentos psíquicos, ou seja, da prática clínica. Com isso, a investi-
gação psicanalítica alcançou uma vasta teorização sobre o desenvolvi-
mento infantil, a personalidade e as psicopatologias.

O maior objetivo da psicanálise é terapêutico, no sentido de preten-


der melhorar a qualidade de vida e aumentar o bem-estar das pessoas
que a buscam. Contudo, o sistema teórico desenvolvido por ela é tão
significativo que os psicanalistas, ao longo do tempo, foram ampliando a
atuação da psicanálise para além dos consultórios, o que proporcionou
uma articulação entre a psicanálise e todas as outras áreas do conhe-
Livro
cimento que se ocupam, de alguma forma, do ser humano. Educação,
Administração, Medicina, Psiquiatria, História, Filosofia, Antropologia,
Sociologia, Arte, entre outras, são áreas que dialogam com a Psicanálise.

Com relação ao ensino, Morgado (2000), na sua obra sobre as contri-


buições de Freud para a educação, afirma que a relação travada pelo alu-
no com o saber elaborado é precedida da sua relação com o professor e
isso envolve, necessariamente, além da dimensão cognitiva, a dimensão
emocional e afetiva do processo pedagógico. Então, quando pensamos
nas contribuições da psicanálise para a educação, certamente a maior Uma obra interessante
e muito acessível sobre
delas é considerar que os processos inconscientes subjetivos também os principais conceitos
participam e interferem nos processos do trabalho pedagógico. da Psicanálise freudiana
é Freud: para entender
Os psicanalistas acreditam que o relacionamento da criança com de uma vez. Nela você
encontrará explicações
seus pais é muito importante, porque essa relação primordial marca a
didáticas e simplificadas,
origem de todas as outras relações que o sujeito vai ter na vida, logo, favorecendo a construção
de uma ideia acerca da
há um grande investimento afetivo. A transferência é o conceito que
psicanálise.
se refere à operação psicológica inconsciente por meio da qual os refe-
CARVALHO, A. São Paulo: Abril, 2017.
ridos afetos da relação original são trazidos para relação atual.

Psicologia Geral 23
A psicanálise desenvolveu uma ampla gama de conceitos (como
identificação, pulsões, narcisismo) que explicam os fenômenos psíqui-
cos (sintomas, ansiedade, atos falhos, sonhos, chistes, mecanismos
de defesa psíquica, agressividade etc.) de modo a propiciar uma com-
preensão sobre os sentimentos, os pensamentos, os comportamentos,
as relações interpessoais e os fenômenos de grupo, contribuindo para
a leitura do humano como um ser singular, mas também social. Essa
escola integra as forças biológicas às psíquicas e sociais de maneira
complexa, embora seja muito popular. Nessa perspectiva, talvez por-
que as pessoas se reconheçam na sua teoria, ela seja tão elucidativa.

De modo geral, a teoria freudiana se mantém como campo de estu-


do e de atuação e, ao longo do seu percurso, também se tornou base
para desenvolvimento de outras linhas terapêuticas dentro da Psicolo-
gia. Isso posto, de acordo com Schultz e Schultz (1998), concluímos que
a admissão do inconsciente na Psicologia é um legado incontestável da
obra de Freud.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, pudemos conhecer um pouco a trajetória da Psicologia
e como ela se instituiu como ciência. Vimos que o ser humano sempre se
sentiu intrigado e buscou compreender a vida psíquica. Então, é muito co-
mum que as pessoas busquem essa compreensão, ainda que, por vezes,
não percorram os caminhos da psicologia científica e encontrem explica-
ções no senso comum sobre sua personalidade, além de aconselhamen-
tos nas mais variadas fontes disponíveis, como o misticismo, a religião e
a astrologia.
A Psicologia como ciência teve seu processo de construção cientí-
fica e já conseguiu descobrir muito sobre o ser humano e seu psiquis-
mo. Para tanto, muitos estudiosos levantaram hipóteses e, por meio de
métodos científicos, puderam criar teorias que se sustentam e benefi-
ciam a sociedade.
Como vimos, a Psicologia teve muitos avanços e muitas áreas emer-
giram desde seu início, ocupando-se do estudo do ser humano como
ser biopsicossocial. Nesse sentido, é fundamental entendermos que
tentar fragmentar o sujeito é um grande erro, bem como buscar com-
preendê-lo sem considerar a trama que o humaniza. Portanto é pre-
ciso sempre termos em mente que o homem é um ser biológico, mas
também relacional, social e histórico.

24 Psicologia geral e do desenvolvimento


A Psicologia não é única, pois apresenta uma multiplicidade de objetos
de estudo e, ao longo de sua história, produziu alguns sistemas teóricos
importantes, sendo o behaviorismo, a gestalt e a psicanálise as suas três
principais escolas. Cada uma possui suas especificidades e todas fizeram
contribuições relevantes, de modo que hoje a Psicologia é uma das disci-
plinas mais importantes das Ciências Humanas, pois dialoga com muitas
áreas do conhecimento, tanto de maneira teórica quanto aplicada.

ATIVIDADES
1. Descreva as origens da psicologia clínica e da psicologia científica.

2. Discorra sobre o objeto de estudo da Psicologia e suas implicações.

3. Quais são as três principais escolas da Psicologia e qual é a contribuição


de cada uma delas?

REFERÊNCIAS
BOCK, A. M.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de
Psicologia. São Paulo: Cortez, 2001.
CHIAVENATO, I. Introdução à teoria geral da administração. 8. ed. São Paulo: Campus, 2011.
DAVIDOFF, L. Introdução à Psicologia. São Paulo: Pearson, 2004.
FALCÃO, G. M. Psicologia da aprendizagem. São Paulo: Ática, 1984.
JAPIASSU, H. A Psicologia dos psicólogos. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1983.
MORGADO, M. A. Contribuições de Freud para a educação. In: PLACCO, V. N. de. S.
Psicologia & Educação: revendo contribuições. São Paulo: Educ, 2000.
REGATO, V. C. Psicologia nas organizações. Rio de Janeiro: Rio, 2005.
SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da psicologia moderna. São Paulo: Cultrix, 1998.
SHAFFER, D. Psicologia do desenvolvimento: infância e adolescência. São Paulo: Pioneira
Thompson Learning, 2005.

Psicologia Geral 25
2
Psicologia do Desenvolvimento:
teorias e métodos
Neste capítulo, estudaremos a Psicologia do Desenvolvimento,
suas principais teorias e seus métodos científicos. Partiremos da
questão: o que é desenvolvimento? Pois entendemos que é fun-
damental ter clareza sobre o conceito de desenvolvimento para,
assim, avançarmos na compreensão das correntes filosóficas que
foram importantes para o percurso desse campo de estudo.
Vamos, então, realizar uma incursão sobre o tema do desenvolvi-
mento humano na perspectiva da história e, desse modo, adentrar-
mos nas principais teorias sobre o tema, descobrindo a importância
e as contribuições de cada uma delas para as concepções que nor-
teiam a área da Psicologia do Desenvolvimento atualmente.
As principais teorias que contribuíram para a Psicologia do
Desenvolvimento que vamos conhecer neste capítulo são: a Teoria
de Freud, a Teoria de Wallon, a Teoria de Piaget e a Teoria de
Vygotsky.

2.1 O que é desenvolvimento?


Vídeo O desenvolvimento como fenômeno é objeto de estudo de várias
áreas do conhecimento: Biologia, Sociologia, Antropologia, Educação,
Medicina, História, entre outras, por isso a ciência do desenvolvimento
pode ser considerada multidisciplinar, ainda que a Psicologia do De-
senvolvimento seja a disciplina que mais amplamente se ocupou em
desvelar o desenvolvimento humano.

O desenvolvimento pode ser tomado como o processo que conduz


o ciclo de vida, desde a concepção biológica (fecundação) até a morte;
o qual, enquanto processo, refere-se às continuidades sistemáticas e

26 Psicologia geral e do desenvolvimento


mudanças no indivíduo que ocorrem durante todo período da sua vida
(SHAFFER, 2005).

Quando assinalamos as mudanças como sistemáticas, estamos


esclarecendo que se tratam de mudanças ordenadas, sequenciais, pa-
dronizadas e que implicam uma continuidade, ou seja, uma evolução.
Essa concepção de desenvolvimento inclui, além da dimensão biológi-
ca, a dimensão psicológica e a dimensão social do ser humano, em uma
perspectiva integral dele.

É importante entender que, nessa perspectiva da Psicologia do


Desenvolvimento, há uma interdependência indissociável entre o
orgânico, o psíquico e o social. O sujeito se constitui como um ser
biopsicossocial, de maneira articulada, entre a maturação, o crescimen-
to, o desenvolvimento, a subjetividade e a aprendizagem.

A Psicologia do Desenvolvimento estuda e produz conhecimento


articulando o ciclo biológico do ser humano – desenvolvimento em-
brionário, feto, nascimento, crescimento, reprodução, envelhecimento
e morte – com o desenvolvimento psicológico e socioambiental. O de-
senvolvimento ocorre com a articulação de todas essas dimensões da
existência humana. Sua separação para estudo é meramente didática,
uma vez que essas dimensões incidem sobre o sujeito de maneira si-
multânea e interligada.

Embora alguns pesquisadores se ocupem com tópicos particulares


do desenvolvimento humano, por exemplo, o desenvolvimento físico,
cognitivo ou moral, o desenvolvimento não pode ser fragmentado em
virtude de suas características. Shaffer (2005) afirma que os seres hu-
manos são, ao mesmo tempo, criaturas físicas, cognitivas, sociais e emo-
cionais; cada um desses componentes do “eu” depende parcialmente
das mudanças que ocorrem em outras áreas do desenvolvimento.

Com base nessa premissa, podemos apresentar os elementos des-


tacados por Mariotto (2018), os quais, além de serem interdependentes,
são diferentes entre si, pois compreendem características específicas.
Os conceitos de desenvolvimento e aprendizagem acompanharão to-
dos esses elementos.

O primeiro elemento versa sobre a noção de maturação, ligada à


fisiologia e ao avanço das estruturas nervosas. Essa evolução possibili-
ta que haja instalação de funções e aquisição de habilidades, contudo é

Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 27


importante entendermos que a maturação por si só não garante essas
aquisições. Um exemplo disso é a fala, pois, para desenvolver a habili-
dade de falar, os seres humanos necessitam de um aparato fisiológico
fonador. Entretanto, a presença desse aparato não garante que o ser
humano fale por si só, ele precisa, também, de condições relacionais e
ambientais, ou seja, é necessário que alguém fale com ele. Enquanto
o aparelho fonador não está maduro, a criança ainda não pode falar,
embora se fale muito com ela. Desse modo, a maturação oferece con-
dições para que haja o desenvolvimento e a aprendizagem.

O segundo elemento compreende a noção de crescimento. O cres-


cimento, assim como a maturação, diz respeito à dimensão fisiológica
e à evolução corporal no sentido das medidas e proporções. Além dis-
so, essa noção está relacionada às aquisições funcionais característi-
cas de cada idade, por exemplo, as funções sexuais e reprodutivas.

O terceiro elemento é o desenvolvimento, que representa a ca-


pacidade adaptativa. Essa expressão adaptativa ao meio e ao mundo
social se apoia nos recursos conquistados na maturação. Isso só é pos-
sível em função das conquistas das habilidades físicas e mentais. O de-
senvolvimento engloba os processos da personalidade e a aptidão para
dar significação às experiências e às interpretações sobre seu entorno.

O quarto elemento é a subjetividade. A formação da subjetividade


está relacionada à incursão do ser humano no mundo simbólico da lin-
guagem, pois é nesse momento que a criança se situa em determinada
cultura e em uma identidade particular.

Uma reflexão que nos ajuda na compreensão desse processo é o fato


de antes de nascermos já sermos inseridos socialmente. Pense na se-
guinte afirmativa: quando um bebê nasce, ele é imediatamente inserido
em uma ordem simbólica da humanidade. Desde o nosso nascimento
e por todo percurso de nossa vida, nos relacionamos socialmente com
pessoas, grupos, bem como com contextos históricos e culturais.

Segundo Barbosa (2009, p. 47):


o contexto simbólico (social, histórico e cultural), portanto, é
o que insere a existência de um ser na humanidade. É repre-
sentado pela língua materna, pelo nome que é escolhido para
designá-lo e pela a história sobre sua origem (data e lugar de nas-
cimento, filiação), os quais são referências essenciais para que

28 Psicologia geral e do desenvolvimento


se desenvolva o sentimento de pertença e segurança, a partir de
algo que se torna sempre familiar, sua identidade.

A maturação, o crescimento e, particularmente, o desenvolvimento


dependem dos processos de formação da vida psíquica e são profun-
damente sensíveis a eles. É importante ressaltar que todos esses pro-
cessos estão condicionados pelos adultos que interagem com a criança,
inicialmente por meio da relação entre mãe e filho. À figura materna
pode ser aqui considerada uma função: sempre que nos referirmos a
ela, estamos nomeando uma função que pode ser exercida pela mãe
ou por outra pessoa que realize os cuidados próprios da maternagem.
A constituição do sujeito ocorre na troca relacional e primitiva com
a função da maternagem; ela ocorre por meio de identificações e pela
transmissão de significações afetivas, morais, entre outras.

O fato de sermos filhos de seres humanos não garante nossa huma-


Livro
nização. Precisamos ter uma história e memórias que constituem um
repertório de experiências que angariamos em nosso percurso de vida.
Nesse sentido, as variáveis da formação de nossa subjetividade não
dependem somente de nós mesmos e de nossos dotes inatos quando
crianças. Elas dependem especialmente de um humano adulto, com
quem nos relacionamos e que cuida de nós em um processo complexo
de enlaces subjetivos e simbólicos, que institui bases e recursos para
o desenvolvimento de novos processos interpessoais. Esses processos
O livro A criança em
se atualizam e se ampliam pelo resto da vida em todos os grupos e
desenvolvimento é uma
experiências sociais. obra importante para
compreensão dos
Para compreendermos as dimensões do sujeito, vale reforçar o que processos maturacionais
e de desenvolvimento.
Sève (1979) citado por Jacques (1998) expõe: o ser humano em todas
Organizado de maneira
as suas dimensões se forma a partir de um suporte biológico que lhe didática, o livro facilita a
visualização das sequên-
viabiliza possibilidades (próprias da espécie Homo Sapiens Sapiens) ao
cias do desenvolvimento
mesmo tempo que sustenta condições particulares de realidade (pró- pelo leitor por meio
de gráficos e sobre a
prias de sua carga genética).
perspectiva de diversos
Existem propriedades na forma do ser humano se relacionar que aspectos que integram o
processo de aquisições e
foram desenvolvidas ao longo da história da humanidade. Essas pro- etapas pelas quais o ser
priedades aparecem objetivadas nas relações sociais porque ajuda- humano passa.

ram a adaptar o ser humano e deixá-lo apto a viver e isso inclui o BEE, H.; BOYD, D. Porto Alegre:
Artmed, 2011.
laço com o outro.

Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 29


2.1.1 Correntes filosóficas do desenvolvimento
Agora que já sabemos o que é desenvolvimento, como ele é estu-
dado e quais são as premissas fundamentais para sua compreensão,
abordaremos as três principais correntes filosóficas: a corrente inatis-
ta, a corrente ambientalista e a corrente sócio-histórica.

Para iniciar, lançaremos uma questão: o que você acha que deter-
mina as características de uma pessoa, a determinação de sua genética
ou a determinação do seu meio?

Muitos filósofos também se perguntaram sobre essa questão e ten-


taram respondê-la por meio de suas teorias, que configuraram tais cor-
rentes do pensamento.

Essas correntes filosóficas são anteriores ao estabelecimento da


Psicologia como ciência independente da filosofia e elas basearam o
conhecimento sobre o desenvolvimento. A importância em conhecê-las
está na conscientização de que, mesmo com todo o desdobramento da
ciência ao longo de séculos, é possível localizar cada uma delas, seja
como influenciadora de teorias mais contemporâneas, seja no senso
comum.

As correntes filosóficas do desenvolvimento podem ser com-


preendidas como um conjunto de concepções que sustentou deter-
minada forma de interpretar como o desenvolvimento se efetiva no
ser humano.

A corrente inatista ou nativista caracteriza-se por privilegiar a


dimensão biológica, ou seja, a herança genética na determinação das
características e capacidades humanas. Essa ideia se desenvolve da
seguinte forma: o ser humano, segundo essa concepção, nasce com
todas as características definidas por meio de sua carga genética. Elas
estariam presentes, desde sempre, como potência e se manifestariam
naturalmente quando o ser humano adquire a maturidade própria de
cada fase.

As habilidades que cada ser humano viria a desenvolver seriam uma


consequência da referida disposição genética e não sofreriam interfe-
rências do meio, das experiências e nem mesmo da cultura na qual ele
está inserido. Isso porque o desenvolvimento é entendido como um
processo interno.

30 Psicologia geral e do desenvolvimento


Os principais filósofos que representam essa abordagem são: René
Descartes (1596-1650), Baruch Espinoza (1632-1677) e Immanuel Kant
(1724-1804). São filósofos racionalistas, ou seja, consideram a razão e
desconsideram a experiência.

A corrente ambientalista caracteriza-se por privilegiar a dimensão


ambiental, ou seja, as características e capacidades humanas seriam
determinadas pelas experiências que se estabelecem no meio, sendo
que, para essa abordagem, a herança genética não teria influência nes-
se processo.

Todo desenvolvimento de habilidades dependeria dos estímulos,


oportunidades e relações com o meio. O entorno da pessoa seria res-
ponsável por propiciar o desenvolvimento.

Os filósofos Francis Bacon (1561-1626), John Locke (1632-1704) e


Auguste Comte (1798-1857) foram os principais pensadores que sus-
tentaram essa abordagem, que é fundamentada nas ideias empiristas
e positivistas, teorias que valorizam a construção de conhecimento por
meio da experiência.

Por sua vez, a corrente sócio-histórica caracteriza-se por eleger a


dimensão sócio-histórica como principal determinante no processo de
desenvolvimento humano, ou seja, as características e habilidades se
estabeleceriam a partir de uma transformação mútua entre o sujeito e
o seu meio.

Essa corrente de pensamento não desconsidera a determinação


biológica, nem a determinação do meio, mas acredita que o ser huma-
no se desenvolve nessa interação entre ambas as dimensões e entende
a importância da bagagem histórica e social em todo o processo.

Os filósofos Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) e Karl Marx


(1818-1883) são representantes dessa corrente filosófica que se baseia
nos princípios da dialética hegeliana e do materialismo dialético, prin-
cípios que têm como alicerce a ideia de que o organismo interage de
modo inter-relacional com o ambiente.

Depois de termos apresentado as três correntes filosóficas que


influenciaram e ainda influenciam as concepções acerca do desen-
volvimento humano, podemos retomar a questão proposta no início
desta seção e para respondê-la nos apoiaremos em Davidoff (2001,
p. 51): “há séculos os cientistas vêm debatendo se a mais poderosa

Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 31


Livro influência sobre o desenvolvimento das características específicas
A obra Pontos de psicologia é a hereditariedade ou o ambiente”, e o que podemos entender até
do desenvolvimento é uma
leitura leve, que além de ex- hoje sobre essa questão é que as dimensões biológicas e as dimen-
plicar conceitos acerca do sões ambientais e sociais são igualmente importantes e determinam
desenvolvimento, aborda
questões sobre hereditarie- o desenvolvimento humano.
dade versus ambiente nos
processos de desenvolvi-
Desde que chegou a solução de considerar a hereditariedade e o
mento. Essa leitura é muito meio como influentes no desenvolvimento humano, os estudos pude-
interessante por abordar a
maturação na sua relação
ram se voltar para a busca da compreensão sobre como se dá a intera-
com a aprendizagem, além ção entre essas duas instâncias.
de apontar reflexões em
termos de estimulação Nesse sentido, o interacionismo ganha espaço e sustenta que o
ambiental.
desenvolvimento humano não pode ser explicado tomando por base
BARROS, C. S. G. São Paulo: Ática,
fatores genéticos ou fatores ambientais de maneira isolada.
2000.

2.1.2 Desenvolvimento humano na perspectiva


histórica
A perspectiva histórica sobre uma disciplina é sempre interessante,
pois é por meio da história que podemos entendê-la melhor. É per-
Livro
tinente, por exemplo, saber que a Psicologia do Desenvolvimento se
Nem sempre a infância
e a adolescência foram
institui em um contexto histórico no qual a infância e a adolescência
instituídas da forma como passaram a ser vistas como momentos especiais da vida do ser huma-
as conhecemos, como
demonstra Philippe Ariés
no, valorização relativamente recente.
na sua obra História Social
da Criança e da Família,
Foi somente a partir dos séculos XVII e XVIII que pareceu haver o
cuja leitura é recomendada início de uma preocupação com as crianças e sua educação, e isso tem
para quem deseja saber
mais sobre o processo
relação com o percurso do pensamento da filosofia social em relação
cultural que favoreceu o às questões sobre o desenvolvimento.
percurso da Psicologia do
Desenvolvimento. Essa obra Shaffer (2005) explica que, dos debates teóricos que se estabelece-
é uma grande referência e
ram, podemos destacar três doutrinas:
demonstra como a infância

1
e a adolescência não se
limitam às questões bio- Doutrina do pecado original, de Thomas Hobbes (1588-
lógicas, mas têm um lugar 1679): doutrina baseada na ideia de que a natureza das crianças
social construído. Alcançar é egoísta, por isso precisam ser contidas socialmente, além de
tal entendimento nos ajuda ensinadas a endereçar seus interesses egoístas para finalidades
a contextualizar os fatores socialmente mais adequadas.
que se inter-relacionam,

2
pois é impossível com-
preender o ser humano
Doutrina da pureza inata, de Jean-Jacques Rousseau
sem o considerar como
(1712-1778): nessa doutrina, o fundamento é de que as crianças
sujeito histórico.
são essencialmente boas, que elas têm um senso intuitivo sobre
ARIÉS, P. Rio de Janeiro: LTC, 2018. o certo e errado, porém são corrompidas pela sociedade.

(Continua)

32 Psicologia geral e do desenvolvimento


3
Doutrina da tábula rasa, de John Locke: os princípios
dessa doutrina são de que a criança é como uma “tábula rasa”,
uma “lousa em branco”, ou seja, que todas as características,
habilidades, conhecimentos, motivações e comportamentos
das crianças, são aquisições resultantes das experiências.
Assim, não seriam naturalmente nem boas, nem más.

É importante refletir sobre essas doutrinas porque elas localizam


historicamente o início das considerações sobre a importância da edu-
cação, além da noção de desenvolvimento, já que a preocupação com
as crianças tem a ver com o adulto que elas viriam a se tornar.

É possível perceber também que as teorias filosóficas eram fruto da


observação, dedução, interpretação e construção de uma lógica, mas
que não tinham base científica. Enquanto a Psicologia do Desenvolvi-
mento propriamente dita nasce de estudos sistematizados e que aten-
dem a critérios científicos apenas no final do século XIX.

O americano Granville Stanley Hall (1846-1924) é considerado o


fundador da Psicologia do Desenvolvimento por ter sido o primeiro
pesquisador que realizou uma investigação científica em grande escala
sobre o desenvolvimento (SHAFFER, 2005).

A partir daí, a Psicologia do Desenvolvimento passou a produzir pes-


quisas, estudos e teorias que resultaram em várias contribuições que
ampliaram a compreensão sobre os processos implicados no desen-
volvimento. Podemos destacar o neurologista austríaco Sigmund Freud
que revolucionou o pensamento sobre a criança e a infância, como de-
talharemos ainda neste capítulo.

Já no século XX, em meados da década de 1960, a Psicologia do De-


senvolvimento é influenciada pelo Behaviorismo e ainda temos a teo-
rização do francês Jean Piaget (1896-1980) sobre o desenvolvimento
do pensamento infantil (BIAGGIO; MONTEIRO, 1998). Ela se ampliou de
modo que não tem mais como objeto de estudo apenas a infância e a
adolescência, mas todo o ciclo de vida desde o início intrauterino até
a morte. A disciplina se ampliou também no sentido interdisciplinar, o
que favoreceu considerar em seu estudo o sujeito de uma forma in-
tegral, como ser biopsicossocial, o que implica articular a fisiologia, a
afetividade, a cognição, a personalidade, a dimensão histórica e social
do ser humano.

Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 33


2.2 Métodos de pesquisa em Psicologia
Vídeo do Desenvolvimento
Vimos que a Psicologia do Desenvolvimento se instituiu e passou a
empregar o método científico. Então, os estudiosos passaram a usar
dados, na sua maioria objetivos, para determinar a factibilidade das
teorias que produzem, pois, para ser considerada, a pesquisa precisa
atender a critérios de validade e confiabilidade. Para isso, seu método
precisa chegar a resultados sólidos, replicáveis e que reflitam com pre-
cisão o que se pretendia medir.

De acordo com Shaffer (2005), entre os métodos de coleta de da-


dos utilizados pelos pesquisadores do desenvolvimento humano,
estão as metodologias observacionais, no caso de crianças e de ado-
Livro lescentes, os autorrelatos, os estudos de caso, a etnografia e os mé-
todos psicofisiológicos.
•• Metodologias observacionais: são realizadas de duas formas:
observações entrevistas semiestruturadas naturalistas (no am-
biente natural das crianças e adolescentes) e observações estru-
turadas (em laboratórios).
•• Autorrelatos: englobam entrevistas estruturadas, as entrevistas
semiestruturadas, questionários estruturados e o método clínico.
No livro Introdução à •• Estudos de caso: são realizados por meio de entrevistas, obser-
prática do método clínico: vações, testes e informações de fontes confiáveis, como pais e
descobrindo o pensamento
das crianças, o autor Juan professores.
Delval fundamenta sua
•• Etnografia: é quando o investigador se torna um observador
produção na teoria piage-
tiana. Além disso, encon- participante, que se insere no contexto dos observados, faz re-
tramos nessa obra a des-
gistros, realiza conversas e constrói um panorama a respeito dos
crição do método clínico,
de forma a favorecer a dados.
compreensão de como se
realiza uma investigação
•• Métodos psicofisiológicos: investigam a relação entre as res-
sobre o desenvolvimento postas fisiológicas e os comportamentos. Geralmente revelam
humano com crianças
as bases fisiológicas do comportamento (percepção, cognição e
de maneira respeitosa,
ética e extremamente emoção).
eficaz na compreensão
sobre os processos de Nesses estudos há duas considerações importantes a serem des-
pensamento.
tacadas: a primeira diz respeito à relativização cultural, ou seja, há de
DELVAL, J. Porto Alegre: Artmed,
se considerar as diferenças culturais, pois a comparação intercultural
2004.
promove a identificação dos fenômenos universais que independem

34 Psicologia geral e do desenvolvimento


da cultura e, ao mesmo tempo, identifica aspectos ligados ao contexto
cultural. Outra consideração referente ao cuidado ético das pesquisas,
que deve respeitar o consentimento livre esclarecido sobre a partici-
pação das pessoas, além de se preocupar com a confidencialidade e a
proteção, para que ninguém seja submetido a riscos.

2.3 Teorias do Desenvolvimento Humano


Vídeo A Psicologia do Desenvolvimento Humano produziu muitas teorias
em seu percurso, cujo objetivo é compreender o ciclo da vida, suas eta-
pas e suas características.

Seu legado inclui a localização dos aspectos universais, que invaria-


velmente se manifestam em todos os seres da mesma espécie, além
dos aspectos particulares e da influência das interações.

Passemos agora as principais teorias, cujas contribuições promove-


ram avanços importantes na ciência em questão e forneceram conhe-
cimentos úteis para a prática da psicologia, da educação e intervenções
preventivas para o desenvolvimento saudável.

2.3.1 Teoria de Freud


O impacto da teoria freudiana na história é unânime, isso porque
Sigmund Freud criou uma nova forma de compreender o ser humano
ao estabelecer que o sujeito opera também por meio da instância psí-
quica do inconsciente, além da racionalidade consciente reconhecida
por todos. Ou seja, há motivações e conflitos ativos no ser humano,
manifestos na forma de se comportar e até mesmo pensar, que perma-
necem inconscientes no seu psiquismo.

A teoria que Freud construiu a partir da existência do inconsciente,


chamada psicanálise, é extensa e complexa. Por isso, nesse momento,
focaremos a parte da teoria psicanalítica que se relaciona com a Psico-
logia do Desenvolvimento.

Ao teorizar sobre várias questões referentes à vida psíquica, Freud


descobriu que as experiências infantis dos primeiros anos de vida são
fundamentais na construção da personalidade. Assim, definiu as etapas
do desenvolvimento psicossexual da criança e, antes de explicarmos
cada uma dessas etapas, é importante considerar alguns pressupostos
importantes para justa compreensão.

Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 35


Por vezes, os termos utilizados pela psicanálise são tomados de
maneira equivocada. Quando Freud utiliza o termo sexualidade, não se
refere a atos sexuais, pois atos sexuais só são instituídos, tais como na
vida adulta, quando já ocorreu toda maturação física e psíquica do su-
jeito. A sexualidade infantil é de outra ordem e passa por um percurso
de desenvolvimento até alcançar a sexualidade adulta, essa sim, ligada
às funções de reprodução e prazer.

Outro pressuposto é entender que as etapas do desenvolvimento


psicossexual de Freud possuem relação com a fisiologia, ou seja, elas
se dão de forma inter-relacionada, assim como são as primeiras formas
de estabelecer relações com o mundo. Vejamos:

Etapas do desenvolvimento psicossexual

• Fase oral (nascimento a 1 ano): relaciona-se fisiologicamente com


a necessidade de alimentação, mas, para além dela, o bebê busca
relacionar-se com o mundo por meio da boca, explora os objetos e
até experiências com o próprio corpo. É a famosa fase que os bebês
colocam tudo na boca e há um grande prazer em sugar, mastigar e
morder. A atividade oral se institui nessa fase e se atualiza por toda a
vida, no falar, no comer, fumar etc.

• Fase anal (1 a 3 anos): relaciona-se fisiologicamente com o controle


esfincteriano, ou seja, é o momento da retirada das fraldas, um momento
em que a criança e a pessoa que encarna a função materna estão voltadas
para as atividades de micção e evacuação. O treino para o controle e
a realização da evacuação no vaso ou no penico é algo socialmente
valorizado, logo as fezes ganham estatuto de “produção”, de “presente”
esperado pela função materna. A atividade anal se institui nessa fase e se
atualiza por toda a vida, no produzir, nas trocas com as outras pessoas, na
maneira de gastar ou economizar o dinheiro etc.
Livro
• Fase fálica (3 a 6 anos): coincide com a descoberta por parte da criança
Para saber mais sobre as
das áreas genitais e da distinção anatômica entre os sexos. A curiosidade e
teorias freudianas indica-
mos o texto do próprio
o interesse sobre as áreas genitais causam sua exploração e consequente
Freud, Três ensaios sobre excitação. Nesse momento, inicia-se o estabelecimento das identificações
a teoria da sexualidade. a um sexo, a ideia sobre os papéis sexuais e padrões morais.
É uma oportunidade de
• Fase de latência (6 a 11 anos): a sexualidade fica latente e sua energia
conhecer um pouco mais
sobre o desenvolvimento
é transformada em interesse intelectual, desejo de aprender, jogos e
psicossexual segundo socialização. É quando surgem sentimentos sociais de pudor, vergonha,
Freud e “beber na fonte” nojo e repugnância.
ou seja, através do pró-
• Fase genital (12 anos em diante): passada a fase de latência, a
prio autor.
puberdade reativa as pulsões sexuais, e a identificação de gênero já está
FREUD, S. Edição standart brasileira concluída, de modo que se inicia o interesse em namorar e manifestações
das obras completas. Rio de Janeiro: socialmente aceitas da sexualidade.
Imago, 2019.

36 Psicologia geral e do desenvolvimento


É importante entendermos os princípios dessa teoria, nos quais
uma parte do corpo é inicialmente ligada a uma necessidade, cum-
pre uma função, e, na relação com o mundo, passa a apoiar o de-
senvolvimento de outra função psíquica, que, em consequência,
transforma-se em social.

2.3.2 Teoria de Wallon


Vamos conhecer um pouco mais sobre a teoria de Henri Wallon cuja
posição é notadamente interacionista, ou seja, considera que o desen-
volvimento se dá também em função das interações do sujeito com o
meio, sem desconsiderar a fisiologia.

A ideia principal da teoria psicogenética de Wallon é a dimensão


afetiva tanto na construção da pessoa quanto do conhecimento. As pri-
meiras manifestações afetivas são consideradas por essa teoria como
sendo primariamente fisiológicas, mas é com base nelas que se desen-
volve o psiquismo.

Ou seja, a afetividade não é apenas um elemento, mas é o que funda


o bebê psiquicamente, pois é ela que marca a entrada na subjetividade.
A inteligência e a afetividade estão ligadas e no início a afetividade é
predominante.

A evolução se dá de modo interdependente entre a afetividade e a


inteligência, as dimensões incorporam conquistas uma da outra. Um
exemplo disso é a linguagem que deriva da construção simbólica rea-
lizada pela inteligência, e que passa a ser ponte de relação, portanto, a
vinculação afetiva.

Além da interligação entre inteligência e afetividade, a teoria de


Wallon valoriza a interligação entre o individual e o social. Separar o
homem da sociedade, ou seja, opor, como é frequente, o indivíduo
à sociedade, é absurdo porque a sociedade é para o homem uma
necessidade, uma realidade orgânica. Não que a sociedade já esteja
organizada em seu organismo, mas o inverso é da sociedade que o
indivíduo recebe suas determinações que são um complemento ne-
cessário, por isso o sujeito tende para a vida social como para seu
estado de equilíbrio (WALLON, 1995).

Segundo Abigail Mahoney (2000), que é uma grande estudiosa da


teoria de Wallon, um ponto muito importante da sua teoria é que ela

Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 37


apreendeu, descreveu e explicou a relação natural, necessária, vital en-
tre a criança e seu meio. Essa é uma relação evolutiva, que vai mudan-
do com a idade conforme as necessidades da criança, reveladas em
suas atividades, interesses e conforme os recursos que encontra ao
seu alcance para satisfazê-la.

Nessa teoria, as etapas da maturação biológica são fixadas de


maneira relativamente estável, e as variáveis são os recursos que
dependem das condições do entorno da criança e diante dos quais
a criança reage.

Estágios do desenvolvimento descritos por Wallon:


1. Estágio impulsivo-emocional (nascimento a 1 ano de vida):
caracteriza-se por ser um momento cuja predominância é afetiva,
e as emoções podem ser consideradas como recursos de interação
com o meio. A motricidade ainda não se desenvolveu, então os
movimentos das crianças são inicialmente descoordenados e
sem intenções específicas e é justamente as respostas do meio
a esses movimentos que vão organizando a desordem gestual
inicial de modo que a criança passe então às emoções distintas.
2. Estágio sensório-motor (1 a 3 anos): caracteriza-se por ser um
momento cuja predominância é a inteligência, e o mundo externo
influi de modo privilegiado sob os fenômenos cognitivos. A
inteligência, nesse fase, pode ser alcançada por meio da interação
do corpo com os objetos (inteligência prática) e por meio da
imitação e da apropriação da linguagem (inteligência discursiva).
Assim, há uma relação entre os atos motores e o pensamento, ou
seja, os movimentos são efeito do pensamento.
3. Estágio do personalismo (3 a 6 anos): nesse momento, a criança
está dividida entre um desejo intenso de autonomia e seu vínculo
profundo com a família. Assim, ao participar da escola de uma
comunidade com outras crianças, há certo abrandamento
do vínculo com a família, o que favorece alguns ensaios de
autonomia. Por exemplo, fazer escolhas de livros, de amigos, de
jogos, brincadeiras, da forma de realizar atividades, discordar do
colega, fazer recusas etc.
4. Estágio categorial (dos 6 aos 11 anos): o desejo, nessa fase,
é de satisfazer a curiosidade de conhecer e explorar o mundo.
Podemos identificar que é uma fase de muitas perguntas, muita
vontade de manusear os objetos, desmembrá-los, reconstruí-los,

38 Psicologia geral e do desenvolvimento


há um interesse pelos livros e por discuti-los. Os vínculos com as
pessoas significativas continuam muito importantes.
5. Estágio puberdade e adolescência (dos 12 aos 14 anos): o
conflito maior é em relação a como manter o vínculo afetivo
com as pessoas significativas enquanto explora o mundo real
por meio de suas próprias experiências, vivenciando atitudes Leitura
e comportamentos, tendo muitos sentimentos ambivalentes. Para saber mais sobre a
teoria de Wallon, indica-
Seu movimento é na direção do novo, seja real ou imaginário. mos o texto A afetividade e
Para satisfazer seu desejo de aventura, busca apoio de seus a Construção do Sujeito na
Psicogenética de Wallon.
pares, dos amigos do grupo. Precisa elaborar e quer entender Nele, é possível entender
sua sexualidade, suas inquietações e suas aspirações. É preciso como Wallon interpre-
tou o desenvolvimento
interpretar esses comportamentos como indicadores de uma
de forma centrada na
identidade própria, diferenciada, e de abertura de caminhos afetividade.
possíveis para a vida adulta (MAHONEY, 2000). DANTAS, H. In: DE LA TAILLE, Y.;
OLIVEIRA, M. K. de.; DANTAS, H.
Concluímos que a teoria de Wallon é construída de modo a tomar o Piaget, Vygotsky, Wallon, Teorias
ser humano em desenvolvimento de maneira integral e tem a afetivida- Psicogenéticas em Discussão. São
Paulo: Summus, 1992.
de como principal elemento.

2.3.3 Teoria de Piaget


Jean Piaget pode ser considerado o teórico que mais contribuiu para
o entendimento do pensamento infantil. Influenciado por sua forma-
ção em biologia, Piaget (1996) definiu a inteligência como sendo um
processo básico da vida que auxilia o organismo em sua adaptação ao
ambiente.

Segundo sua teorização, ao amadurecer, as crianças adquirem es-


truturas cognitivas mais complexas, fundamentais para sua adaptação
no próprio ambiente. Assim, são as experiências físicas e as condições
sociais que determinarão o acabamento daquilo que a maturação tor-
na apenas possível, porque é o conhecimento das coisas que permite
a adaptação, e esse conhecimento é construído pelo homem à medida
que age sobre as coisas.

Uma estrutura cognitiva que também foi denominada por Piaget


como esquema é um padrão organizado de pensamentos ou ações
usado para lidar com ou explicar algum aspecto da experiência. A assi-
milação é o processo em que a criança interpreta novas experiências
pela incorporação delas a seus esquemas já existentes. Desequilíbrios

Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 39


são desigualdades ou contradições entre os processos do pensamento
e eventos ambientais.

Em contraste, equilíbrio significa uma relação harmoniosa e balan-


ceada entre as estruturas cognitivas e o ambiente de um indivíduo.
Então, depois da experiência de não confirmação do seu esquema, a
criança precisa se acomodar, o que significa alterar o esquema exis-
tente de maneira a obter uma explicação, esse processo é a acomo-
dação, no qual a criança modifica seus esquemas existentes de modo
a incorporar ou adaptar novas experiências. Desse modo, as crianças
curiosas, ativas e que interagem mais com o mundo externo certamen-
te estão sempre formando novos esquemas e reorganizando o próprio
conhecimento, ou seja, progredindo (SHAFFER, 2005).

Piaget propôs quatro grandes estágios do desenvolvimento cogniti-


vo (PELANGANA, 2001; SHAFFER, 2005):

Período sensório-motor (nascimento a 2 anos):

1
Leitura os bebês se utilizam de suas capacidades motoras para
explorar o ambiente. Entre as aquisições dessa fase está
Sobre os processos de o início da distinção entre “eu” e o “outro”, a produção de
aprendizagem de Piaget imagens e esquemas mentais.
indicamos a leitura do
texto Implicações da
epistemologia genética de
Piaget para a educação.
Por meio desse texto, Período pré-operacional (2 a 7 anos):

2
é possível entender as é através de simbolismos que as crianças
contribuições ativas e representam e entendem o ambiente. É também
práticas que a teoria a fase do egocentrismo e apresenta certa
piagetiana realizou para inflexibilidade no pensamento.
a prática pedagógica.
Interessante pensar que
Piaget, ao descrever e
teorizar sobre como o Período operacional concreto (7 a 11 ou 12 anos):

3
pensamento da criança
já é possível o uso de operações cognitivas lógicas.
se efetiva, não pretendeu
Há uma maior socialização, a criança já consegue
criar uma metodologia
pedagógica ou algo
entender o pensamento dos outros e é capaz de
assim, mas evidenciar co- apresentar o seu.
nhecimentos norteadores
de princípios que podem
melhorar as práticas
pedagógicas. Período das operações formais (11, 12 anos

4
em diante): cognitivamente os pensamentos
MORO, M. L. F. In: PLACCO, V. M.
podem ser mais dedutivos, mais abstratos, a
N. S. (org.). Psicologia & Educação:
criança passa a ser capaz de construir hipóteses,
revendo contribuições. São Paulo:
Educ, 2000. logo, há maior capacidade cognitiva.

40 Psicologia geral e do desenvolvimento


A teoria de Piaget prioriza o desenvolvimento cognitivo, mas isso
não significa que desconsidera as dimensões afetiva e social, apenas
não foi o maior interesse do autor. Sua teoria é muito importante para
entender os processos de aprendizagem.

2.3.4 Teoria de Vygotsky


A teoria sociocultural de Lev Vygotsky (1896-1934) também contri-
buiu para o entendimento do desenvolvimento cognitivo. Segundo ela,
a criança se desenvolve de modo a adquirir valores por meio da intera-
ção com outras pessoas que possuem mais conhecimento. É por meio
dessas interações que a criança alcança e estabelece estratégias para
resolução de problemas.

Podemos perceber como a teoria sociocultural é interacionista, pois


considera que o desenvolvimento acontece nas interações sociocul-
turais. Essa ideia se evidencia com a valorização entre as interações
interpessoais, do diálogo e das contextualizações sócio-históricas por
meio das quais as interações se dão. O que nos remete à importância
da linguagem, que só é possível por ter um suporte fisiológico, mas que
também é um produto da cultura e da história sociais.

Outra coisa interessante é que Vygotsky tinha como propósito su-


perar, por meio da investigação da influência dos processos culturais
no desenvolvimento dos processos psicológicos, a cisão entre corpo
e alma, que pairava como herança influente para a Psicologia do iní-
cio do século XX (PALANGANA, 2001). Vygotsky propôs que devería-
mos analisar o desenvolvimento humano desde quatro perspectivas
que são inter-relacionadas: microgenética, ontogenética, filogenética e
sócio-histórica.

O desenvolvimento ontogenético é relativo ao desenvolvimento


que acontece no percurso de toda a vida do ser humano. O desen-
volvimento microgenético, por sua vez, refere-se às transformações
em percursos curtos. O desenvolvimento filogenético diz respeito às
transformações no percurso da humanidade no período de milhares
de anos. Vemos como, aqui, Vygotsky tenta elucidar o desenvolvimen-
to infantil em uma articulação com a história da espécie. Por fim, o
desenvolvimento sócio-histórico é aquele relativo às transformações
de cada cultura (valores, normas e tecnologias).

Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 41


A perspectiva sócio-histórica é a mais enfatizada hoje pelos pesqui-
sadores. Em especial, a ideia de que a cognição humana, mesmo quan-
do isolada, é herdada socioculturalmente e afetada por suas crenças,
valores e ferramentas de adaptação intelectual, transmitidas aos indi-
víduos por meio da cultura.

Outro conceito importante para teoria de Vygotsky é o de ferra-


mentas de adaptação intelectual, que diz respeito ao que as crianças
internalizam sobre os métodos de pensamento e de resolução de
problemas, frutos das interações com os outros que contam com
mais conhecimento do que elas. Nesse sentido, Vygostky propõe
que as crianças nascem com algumas funções mentais elementares,
como a atenção, a sensação, a percepção e a memória que acabam
sendo transformadas pela cultura em funções mentais maiores,
mais sofisticadas.

Como exemplo, vejamos a memória. A de crianças pequenas é limi-


tada às imagens e às impressões que são capazes de produzir, essa é
uma restrição biológica; mas nas interações com o meio e com a cultura
podem haver formas de estimulação da memória no incentivo de rea-
lizar anotações, por exemplo. Em sociedades pré-literárias, o estímulo
da memória se dá por meio de outras formas de memorização. Ou seja,
cada cultura interage com as ferramentas de adaptação intelectual que
lhe são próprias e permite a ela o uso de suas funções mentais básicas
de maneira mais adaptativa. É assim que são transmitidas crenças e
valores específicos, ensinando às crianças o conteúdo a ser pensado.

Além das ferramentas de adaptação, Vygotsky considera a lingua-


gem como fundamental para o desenvolvimento, pois ela é uma das
ferramentas mais importantes para a pessoa interagir com o mundo.
A linguagem é responsável pela leitura do mundo e isso evidencia a
natureza social do desenvolvimento humano. O processo de apropria-
ção da linguagem capacita a criança na distinção dos aspectos impor-
tantes do mundo e a agir de maneira diferenciada em relação a eles
(VYGOTSKY, 2007).

Pelangana (2001) explica que a apropriação da linguagem tem re-


lação com o pensamento, porque por meio dela é possível organizar
os processos mentais da criança, dando forma ao pensamento. As
palavras nomeiam as coisas do mundo, e, ao nomeá-las, as identifi-
ca, as especifica, as generaliza, as diferencia e as categoriza, portanto

42 Psicologia geral e do desenvolvimento


a linguagem sistematiza a experiência direta da criança e serve para Livro
orientar seu comportamento, propiciando-lhe condições de ser tanto
sujeito quanto objeto desse comportamento. Perceba que o papel da
linguagem vai além da possibilidade de representar o mundo, porque
tem implicações diversas nas atividades da criança, ação e fala se rela-
cionam em um mesmo processo.

Outro conceito importante na teoria de Vygotsky é o de zona


proximal de desenvolvimento. Vygotsky percebeu que as crianças
conseguem se superar, adquirir novas habilidades quando recebem
Para saber mais sobre
orientação e incentivo de crianças mais velhas ou adultos. Ou seja,
a teoria de Vygotsky
existe um nível de desenvolvimento real, que consiste naquilo que a indicamos a obra do
próprio autor Pensamen-
pessoa consegue fazer por si mesma, e existe um outro nível que seria
to e linguagem. São Paulo:
o potencial, relativo à capacidade de aprender com o outro ou com Martins Fontes, 2008.
Nela, o leitor encontra
algum instrumento de apoio. Entre esses dois níveis existe a zona de
um aprofundamento da
desenvolvimento proximal, na qual quem ensina deve operar, porque teoria no que ela entende
como o desenvolvimento
essa é a zona em que cabem instruções, diálogos, colaborações, incen-
do ser humano relativo as
tivos para um novo crescimento cognitivo. relações entre a lingua-
gem e o pensamento.
O mais fundamental na teoria de Vigotsky é que o desenvolvimento
VYGOTSKY, L. São Paulo: Martins
é entendido como um processo histórico. O psiquismo é de natureza Fontes, 2008.
cultural, e o indivíduo um ser ativo em sua história. Além disso, o saber
tem a ver com descobrir a significação que as coisas têm para o homem
e é assim que se constitui na criança. O saber é uma produção social
e tem a ver com a linguagem. Ele é, portanto, palavra e ação, ou seja,
deve estar ligado também ao fazer, ou seja, ao agir sobre o mundo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de desenvolvimento refere-se às conquistas evolutivas que
ocorrem durante o ciclo de vida. O desenvolvimento é complexo porque
envolve as dimensões biológicas, psíquicas e sociais de forma interdepen-
dente e simultânea. Considera-se que a hereditariedade e o meio são fa-
tores igualmente influentes no desenvolvimento que resulta da interação
entre eles.
A Psicologia do Desenvolvimento realiza pesquisas científicas que se-
guem rigor científico em seus métodos, foi assim que ela se instituiu e, ao
longo do tempo, ampliou seu objeto de estudo, que inicialmente abarcava
apenas o estudo do nascimento até a adolescência. Hoje, a Psicologia do

Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos 43


Desenvolvimento considera desde a vida intrauterina até a morte, porque
entende que o desenvolvimento é um processo contínuo durante todo
ciclo de vida.

ATIVIDADES
1. Defina o que é desenvolvimento.

2. Entre as três correntes filosóficas do desenvolvimento, corrente


inatista, corrente ambientalista e corrente sócio-histórica, indique qual
é a mais aceita atualmente.

3. Quais são as principais teorias que contribuíram para a compreensão


da Psicologia do Desenvolvimento Humano?

REFERÊNCIAS
BAGGIO, A.; MONTEIRO, J. A psicologia do desenvolvimento no Brasil e no mundo. In:
MOURA, M. L. S.; CORREA, J.; SPINILLO, A. (org.). Pesquisas brasileiras em psicologia do
desenvolvimento. Rio de Janeiro: Eduerj, 1998.
BARBOSA, P. M. R. Representações de crianças sobre a relação afetiva com seus professores:
uma contribuição para compreensão do desejo de aprender. 2009. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
DAVIDOFF, L. Introdução à psicologia. 3. ed. São Paulo: Pearson Makron, 2001.
MAHONEY, A. A. Contribuições de H. Wallon para a reflexão sobre questões educacionais. In:
PLACCO, V. M. N. de. S. Psicologia & Educação: revendo contribuições. São Paulo: Educ, 2000.
MARIOTTO, R. M. M. et al. O IRDI: indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento
infantil. Apostila para capacitação. Não publicado, 2018 (versão revisada).
PALANGANA, I. C. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vygotsky: a relevância do
social. 4. ed. São Paulo: Summus, 2001.
PIAGET, J. Biologia e conhecimento. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1996.
SHAFFER, D. R. Psicologia do desenvolvimento: infância e adolescência. São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, 2005.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos
superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
WALLON, H. As origens do caráter da criança. São Paulo: Nova Alexandria, 1995.

44 Psicologia geral e do desenvolvimento


3
O desenvolvimento do
pré-natal à primeira infância
Como sabemos, o desenvolvimento pode ser entendido como
o processo que conduz o ciclo de vida, desde a concepção biológi-
ca (fecundação) até a morte. Esse processo é constituído de etapas
que sinalizam aquisições de ordem cognitiva, física, sensorial, mo-
tora, psíquica e social, que conduzem a uma evolução sistemática
e contínua por todo o percurso de vida.
Neste capítulo, vamos estudar o desenvolvimento humano
do percurso do pré-natal até a primeira infância – período entre
o nascimento até os 2 anos de idade. É importante entendermos
que o período do pré-natal se refere a todo o processo que ante-
cede o nascimento, ou seja, desde o momento da concepção até o
nascimento propriamente dito. Aprenderemos também acerca do
desenvolvimento do bebê e da primeira infância que versa sobre
os dois primeiros anos de vida.
Nosso estudo implicará compreender cada uma das fases do
desenvolvimento humano, sendo considerados os aspectos físicos,
psíquicos e sociais; este é um princípio que deve ser conservado
para qualquer ciência que pretenda se ocupar do ser humano.

3.1 Desenvolvimento embrionário


Vídeo Houve um tempo que o estudo do desenvolvimento humano era
inaugurado com o nascimento, contudo, esse estudo hoje conside-
ra que “a vida do ser humano começa antes do seu nascimento […]”
(ROSA,1993, p. 9). Na concepção há o início do processo de desenvolvi-
mento, que será contínuo por toda a vida do ser humano.

A concepção se refere ao exato momento em que um esperma-


tozoide (gameta masculino) encontra o óvulo (gameta feminino) e o

O desenvolvimento do pré-natal à primeira infância 45


adentra, produzindo o que chamamos de zigoto, que se implanta na
parede uterina, caracterizando o período germinal.
1 1
A mitose, ou divisão mitótica , ocorre ainda no período germinal
Processo em que uma célula dá de maneira simultânea ao percurso que o zigoto realiza da trompa de
origem a outras duas células ge- Falópio até a cavidade uterina. Essa divisão faz com que o zigoto se
neticamente iguais a ela, e assim transforme em mórula que, ao chegar no tecido do endométrio, já é
sucessivamente (CERNACH,
2008). um blastocisto e completa sua implantação, que de acordo com Shaffer
(2005), é um desenvolvimento em si mesma. Essa afirmação é com-
preensível, visto que somente metade dos óvulos fecundados conse-
gue se implantar e esse processo da concepção até a implantação leva
de 10 a 14 dias, aproximadamente.
O blastocisto sofrerá mais uma modificação em suas paredes externas
que formam uma membrana chamada córion, que age como tecido acessó-
rio e é responsável pela proteção e nutrição. Depois há uma evolução e a
placenta passa a fazer essas funções, além da respiração e da eliminação
de suas excreções (SHAFFER, 2005; SADLER, 2016; ROSA, 1993). Acontece
também o desenvolvimento do cordão umbilical, que se constitui como um
tubo que liga o embrião à placenta. O chamado saco amniótico participa
desse sistema que atua assim até o momento do nascimento.
Essa fase do desenvolvimento que compreende a terceira semana
de vida até oitava semana desde a concepção é chamada de período
embrionário (SHAFFER, 2005). Podemos afirmar que se trata de um mo-
mento que as mudanças ocorrem de modo acelerado, considerando
todo o processo de desenvolvimento humano; esse é o período em que
o desenvolvimento é proporcionalmente mais rápido, e isso pode ser
constatado até mesmo na aparência do embrião, que passa a apresen-
tar formas mais próximas das que terá ao nascer.

Figura 1
Estágios do desenvolvimento BlueRingMedia/Shutterstock

Óvulo fertilizado Estágio de Estágio de Estágio de Estágio de Blastocisto


2 células 4 células 8 células 16 células

Feto Feto Feto Feto


(5 semanas) (10 semanas) (20 semanas) (40 semanas)

46 Psicologia geral e do desenvolvimento


Esse aceleramento do desenvolvimento assinala também a forma-
ção do sistema nervoso. O coração que se forma começa a bater em
torno do décimo oitavo dia desde a concepção, mas somente mais tar-
de, a partir de três semanas e meia de vida intrauterina, passa a pulsar
(ROSA, 1993).

Formam-se os folhetos embrionários:

Ectoderma: formação da pele, dos cabelos, das unhas, das


glândulas epidérmicas e sensoriais e do tecido nervoso.

Mesoderma: formação dos ossos, dos músculos, do


aparelho circulatório e parte dos órgãos excretórios.

Endoderma: formação do aparelho digestivo, do fígado,


dos pulmões e de algumas glândulas endócrinas.

Assim, ao término da quarta semana, os olhos, os ouvidos, o nariz e a


boca já começaram a se formar, além dos membros, já havendo também
um cérebro rudimentar e uma espinha dorsal primitiva. Os demais ór-
gãos começam a se distinguir e a se definir (SHAFFER, 2005; ROSA, 1993).

O sistema nervoso é fundamental para o desenvolvimento, uma vez


que é ele quem o coordena. O período embrionário, como explicamos,
é um dos momentos mais importantes no desenvolvimento e é con-
siderado um momento crítico, pois qualquer alteração durante esse
processo terá efeitos decisivos e irreversíveis na vida que se forma.
Também é alto o risco, sendo relativamente comum que haja abortos
espontâneos, pelas mais variadas causas.

O denominado período fetal abrange da oitava ou nona semana,


considerando a concepção, até o nascimento. A principal característica
desse momento é o crescimento do volume das estruturas já formadas
nos períodos anteriores, além do refinamento dos sistemas orgânicos.

Shaffer (2005) descreve que há uma interconexão entre os sistemas


orgânicos (estrutura do sistema nervoso e o sistema muscular), o que
favorece o movimento dos membros do feto, por exemplo. Nesse mo-
mento, devido ao crescimento, seu movimento já pode ser sentido pela
mãe. Além disso, o feto é capaz de reagir a estímulos externos, como
barulhos altos e até mesmo a uma luz forte. O autor descreve ainda

O desenvolvimento dopré-natal à primeira infância 47


que entre a 25ª e 38ª semana, ou seja, no terceiro trimestre da gesta-
ção, o feto tem o crescimento e o amadurecimento dos sistemas orgâ-
nicos para que ele esteja preparado para o nascimento. Interessante
que esse preparo inclui uma regularidade nos ciclos de sono e vigília,
além dos momentos de atividade.

O pré-natal é um momento delicado no desenvolvimento, se consi-


derarmos os fatores que podem implicar riscos para o feto. Entre es-
Leitura ses fatores, devemos considerar os hereditários e a saúde da mãe (a
questão nutricional, o uso de substâncias tóxicas, entre outros). Além
Para saber mais sobre o
desenvolvimento no pe- disso, sabe-se que há uma influência materna também por via hormo-
ríodo germinal e embrio-
nal, no caso de uma forte tenção emocional, poderá ocorrer alterações
nário, no que diz respeito
ao desenvolvimento do hormonais que através da placenta provocam mudanças no equilíbrio
sistema nervoso central e
psicofisiológico do feto (QUAYLE, 2008). Se tudo ocorrer de maneira
do cérebro, indicamos o
texto Embriologia: a gênese desejável, o embrião alcança o desenvolvimento e se torna um feto
da mente. Essa leitura
saudável e que nasce a termo, ou seja, nasce na idade gestacional ade-
esclarece detalhes que
ajudam o leitor na cons- quada, sem ser prematuro ou sem que haja um aborto espontâneo.
trução do conhecimento,
por desvelar as instâncias Nas últimas décadas, segundo Quayle (2008), com a sofisticação tec-
biológicas da mente.
nocientífica, os pesquisadores puderam investigar o comportamento
CERNACH, M. C. S. P. In: PINTO, fetal e concluíram haver uma relação maior do que se imaginava entre a
G. C. (coord.) A mente do bebê: o
fascinante processo de formação vida intra e pós-uterina. Podemos afirmar também que o estudo sobre
do cérebro e da personalidade. São o desenvolvimento embrionário e fetal aponta para integração entre
Paulo: Duetto Editorial, 2008.
os fatores biológicos, emocionais, assim como entre o feto e sua mãe.

3.2 Desenvolvimento do bebê


Vídeo Após o nascimento, é ideal que o bebê seja colocado em contato
com a mãe logo após o parto. A importância desse ato está relacionada
com a vivência de continuidade entre a gestação e o nascimento. Mãe
e bebê têm uma ligação intensa e a separação após o parto se mos-
trou um dificultador no processo de vinculação desse novo momento,
no qual a mãe vivencia uma perda da condição gestante. Ela precisa
reestruturar sua relação com o corpo e com o bebê fora dele e, nesse
processo, poder “tocar, segurar, ouvir e olhar seu filho para aprender
a conhecê-lo e a responder às suas necessidades” (WENDLAND, 2008,
p. 74) favorece a adaptação de ambos.

Por isso, cada vez mais tem-se abandonado a prática de separar o


recém-nascido da sua mãe e fazê-lo permanecer no chamado berçário:

48 Psicologia geral e do desenvolvimento


Alojar o recém-nascido ao lado da mãe logo após o parto é hoje
prática amplamente difundida nas maternidades do mundo
todo, conquista decorrente de seus comprovados benefícios
tanto para saúde e o desenvolvimento cognitivo do bebê como
para o vínculo afetivo. (WENDLAND, 2008, p. 74)

Além do que foi mencionado, o alojamento conjunto facilita o alei-


tamento, pois a presença do bebê estimula os hormônios responsáveis
pela produção do leite materno, que além de ter a função de alimento,
fornece a imunização para o bebê, de modo que a prática de alojamento
2
conjunto reduz a incidência de infecções hospitalares, bem como de pro-
2 Icterícia é o excesso de bilirru-
blemas como a icterícia , que é prevenido pelo aleitamento frequente.
bina produzida pelo fígado, que
O alojamento conjunto favorece também o contato e a vinculação deixa a criança com pigmento
amarelado e traz riscos ao
com o pai, que passa a ter mais acesso ao bebê e, consequentemente, desenvolvimento do bebê.
participa da construção que se dá como família. Interessante também
que a presença frequente do bebê faz com que se evidencie eventuais
problemas que possam ocorrer, como depressão materna pós-parto,
ou qualquer outra dificuldade por parte da mãe ou do bebê, de modo a
favorecer a intervenção precoce e ajuda dos profissionais.

O recém-nascido é dotado de reações reflexas que correspondem


a respostas automáticas a certos estímulos; essas respostas têm como
função o favorecimento da adaptação à vida. Há, portanto, um re-
pertório de reflexos que não dependem da aprendizagem, ou seja, já
nascem com o bebê. São chamados reflexos de sobrevivência: respirató-
rio, sucção, deglutição, rotação (na busca do seio materno), palpebral
(piscar os olhos para protegê-los).

É bastante interessante assinalar que esses reflexos têm uma fun-


ção biológica, mas que esta também é indissociável da função relacio-
nal fundamental para sobrevivência humana. Em outras palavras, os
reflexos inicialmente colaboram para a satisfação das necessidades do
bebê e causam certo efeito positivo naquele que ocupa a função mater-
na, ou seja, de cuidar e suprir às necessidades do bebê.

Bowlby (2020) evidencia que esses reflexos de sobrevivência parti-


cipam do enlace entre o bebê e os adultos do seu entorno. Podemos
entender isso considerando a dependência que existe no bebê ao nas-
cer, que coloca a conexão com seu cuidador no nível da necessidade
para sobrevivência. Inicialmente reflexas, as reações do bebê em di-
reção à pessoa que realiza a função materna são lidas, interpretadas

O desenvolvimento dopré-natal à primeira infância 49


como uma demanda a ser satisfeita e que, muitas vezes, promove certo
prazer naquele que o satisfaz.

Ao nascer, o bebê apresenta também outros reflexos que desa-


parecem pouco a pouco no decorrer do primeiro ano de vida, são os
chamados reflexos primitivos. Conforme Shaffer (2005), possivelmente,
estes são reflexos remanescentes da história evolutiva do ser huma-
no e, por isso, já não têm mais uma função tão útil, porém, a ausência,
ou a permanência tardia deles, pode indicar algum problema no de-
senvolvimento ou no sistema nervoso central; isso significa que a pre-
sença desses reflexos, assim como o desaparecimento progressivo
deles, indicam que o sistema nervoso central está se desenvolvendo
de maneira desejável.

Os denominados estados do bebê se referem aos ritmos de sono


e de vigília próprios dos recém-nascidos, que seguem certo padrão
diário, revelando o funcionamento e a organização dos mecanis-
mos internos reguladores, além de singularidades do próprio bebê
(SHAFFER, 2005; THOMAN; WHITNEY,1989). Segundo Ganhito (2008), o
ciclo vigília-sono é um indicador sutil das primeiras fases do desenvol-
vimento, expressando parcialmente o funcionamento mental do bebê
e a qualidade da relação dele com os pais.

O choro é uma reação provocada por um desconforto, inicialmente


físico, como fome, sono, frio, dor, fralda molhada, barulhos, alteração na
luz etc. Acredita-se que o choro pode ter sido uma estratégia adaptativa
da espécie (WALTER, 2008). Quando se destaca que inicialmente é pro-
vocado por uma motivação física, é porque o bebê não pode ser pensa-
do nesse momento como independente da pessoa que ocupa a função
materna, bem como porque o choro tem o propósito de alertar o outro a
respeito de uma necessidade. Com o passar do tempo, esse alerta evolui
e se transforma em uma forma de comunicação, visto que, ao atrair a
atenção por meio do choro, o bebê encontra uma forma de ser atendido
para além do desconforto físico, existe um conforto emocional efetivado
pela presença, pela voz, pelo colo, entre outras formas de interação.

Aí já é possível localizar a influência das interações no desenvolvi-


mento do bebê, ou seja, a instância biológica é evidentemente articula-
da com a instância psíquica e social. A forma como o bebê é atendido
devido ao seu choro tem grande influência sobre a agitação e a cal-
ma dele. Lewis e Ramsay (1999 apud SHAFFER, 2005, p. 139) acredi-

50 Psicologia geral e do desenvolvimento


tam que cuidados sensíveis e responsivos podem colaborar para que
o bebê seja mais calmo, enquanto bebês que são pouco atendidos po-
dem se tornar mais angustiados e agitados. Cabe um comentário de
um equívoco por vezes sustentado no senso comum, de que a criança
muito atendida se tornaria mimada e mal-acostumada; esse é um mito
bastante nocivo, pois estudos mostram a importância dessa relação na
construção da segurança do bebê, de modo que é totalmente indese-
jado que ele seja pouco atendido, segurado no colo e acalmado, sob o
pretexto de educá-lo.

O choro pode ser também sinal de algum problema de saúde, de


modo que se deve prestar atenção, seja como forma diagnóstica, seja
como forma de comunicação e estabelecimento relacional. É impor-
tante destacar que afagar, embalar, falar com o bebê, cantar para ele,
oferecer uma experiencia tátil com o cobertor etc. são estimulações
importantes que propiciam uma rítmica suave e extremamente impor-
tante para o sistema nervoso central, que parece responder com rela-
xamento muscular, respiratório e cardíaco (CAMPOS, 1989; RICK et al.,
1999; KORNER, 1972 apud SHAFFER, 2005). Essas estimulações também
são fundamentais para o desenvolvimento saudável do bebê e da sua
capacidade de se vincular emocionalmente e se sentir seguro. Inúme-
ros são os estudos que enfatizam a importância de que os cuidados ao
bebê sejam impregnados de afetividade.

Inicialmente, o bebê vive uma indiferenciação entre si mesmo e a


pessoa que encarna a função materna, ou seja, ele não é capaz de per-
ceber-se separado dela. Essa conclusão se dá pela via da inferência,
dada dificuldade de se precisar cientificamente qual é a percepção no
bebê nessa fase, em que o único recurso do pesquisador é a observa-
ção, por se tratar de uma fase pré-verbal. Parece que a percepção pre-
cisa ser adquirida, aprendida e depende da maturação (SPITZ, 2013).

Nesse sentido, a cavidade oral (língua, lábios, face, nasofaringe


etc.) é responsável pelas primeiras percepções e explorações táteis
no bebê. Isso é perceptível ao observar como ele busca o contato com
o mundo externo por meio oral, como gosta de colocar os brinquedos,
os dedos, a mão e o cobertor na boca, enfim, há uma predominância
oral na percepção de contato.

A percepção visual é bastante importante, visto que o bebê


estabelece contato visual com a mãe durante a mamada.

O desenvolvimento dopré-natal à primeira infância 51


Nesse momento, o bebê visualiza o rosto da mãe e suas
microexpressões. Esse processo é fundamental para o desenvolvimen-
to das relações interpessoais, porque ao repetir essa visualização o
bebê apreende as reações do rosto, desenvolvendo a capacidade de in-
terpretar emoções dos demais seres humanos e de expressar emoções.

Sabemos que, inicialmente, a visão do bebê não está totalmente ma-


dura e que a distância de aproximadamente 20 cm, exatamente a que
ele fica do rosto da mãe durante a mamada, é a distância na qual ele
consegue enxergar bem. Ainda durante a mamada, os movimentos das
mãos do bebê, aparentemente aleatórios, vão se organizando de modo
3
a estabelecer um ritmo relacionado ao ritmo da sucção.
Sempre que mencionarmos a
palavra mãe, estaremos nos Considere que o bebê se desenvolve de maneira interativa com
referindo à pessoa que encarna a 3
a mãe , ou seja, todo o momento em que ele é dependente e tem
função materna.
sua necessidade física satisfeita acontecem, indissociavelmente,
trocas relacionais que são fundamentais para seu desenvolvimen-
4
to humano:
Satisfação da fome, da necessi-
a experiência de amamentação, a situação da amamentação,
dade de alimentação. 4
não é simplesmente uma experiência de satisfação . Ela inicia
a transição da percepção exclusivamente por contato para per-
5 cepção à distância. Essa experiência ativa o sistema perceptual
5
Sinal gráfico capaz de mudar a diacrítico , que gradualmente substitui a organização cinesté-
pronúncia; por exemplo, acento, sica original e primitiva. (SPITZ, 2013, p. 57)
nessa frase, tem valor meta-
fórico que sinaliza a mudança Quando destacamos o valor das interações nos cuidados com o
e incremento da percepção de bebê, consideramos inclusive que os intervalos entre o desconforto e
cinestésica e de contato para
a satisfação da sua necessidade e as alternâncias entre presença e au-
uma percepção mais complexa.
sência da mãe instituem o desenvolvimento adaptativo, inclusive por
meio da inscrição de traços mnemônicos em um sistema de memória,
Glossário utilizados para lidar com a frustração.

traços mnemônicos: são marcas A família é determinante no desenvolvimento emocional do bebê.


psíquicas das experiências, anterio- Ele forma laços emocionais com as pessoas mais próximas em seu pri-
res à capacidade de representação,
ou seja, traços que formam uma
meiro ano de vida. Esses laços se manifestam por meio do apego e
memória mais arcaica. podem ser considerados laços recíprocos, pois as pessoas do entorno
do bebê, especialmente os pais, também demonstram apego a ele.

A relação entre o bebê, seus pais e a função materna que o acolhe é


uma via de mão dupla, visto que o apego e o fortalecimento do vínculo
ocorrem na adaptação do comportamento aos sinais sociais do bebê.
Há o estabelecimento de rotinas com interações que se tornam agradá-

52 Psicologia geral e do desenvolvimento


veis e prazerosas para ambos – pais e bebê. Em torno da idade de 7 me- 6
ses, o apego fica bem instituído e entre seus efeitos há a identificação Donald W. Winnicott
(1896-1971) foi um pediatra e
de objetos de apego, que podem ser chamados de objetos transicionais,
6
psicanalista inglês que desenvol-
segundo a teoria winnicottiana . veu teorias importantes sobre os
bebês e as crianças.
Os objetos transicionais têm a função de trazer certo conforto emo-
cional para o bebê, uma vez que são facilitadores do sono, costumam
acalmar e representar uma ponte entre o bebê e a mãe. É muito fácil
identificá-los, são as naninhas, os “cheirinhos”, as pelúcias, entre outros
objetos, que são eleitos naturalmente pelo próprio bebê para serem
seus “companheiros”. O estabelecimento desses objetos é importante
para o bebê, pois colabora para o seu desenvolvimento emocional, por
isso, os educadores devem acolher e respeitar esse movimento.

Os bebês que conseguem estabelecer seus apegos são mais


predispostos a se tornarem crianças curiosas, usando seus objetos de
apego como base segura para explorar o ambiente (SHAFFER, 2005).

A percepção (tato, paladar, olfato, visão e audição) é função essen-


cial no desenvolvimento e se inicia por meio da cavidade oral, ligada à
necessidade de alimentação e que vai se organizando progressivamen-
te, de maneira articulada entre a maturidade fisiológica, os estímulos e
a relação com a mãe. Segundo Spitz (2013), o afeto, portanto, abre ca-
minho para o desenvolvimento da percepção e das demais funções. O
que nos leva a reforçar a ideia de que o ser humano é um ser relacional.

Entre 2 e 3 meses, o bebê consegue reagir com sorriso inato ao


reconhecer o rosto humano. Esse reconhecimento ocorre diante dos
olhos (posição frontal) e do movimento do rosto, o que forma o chama-
7
do gestalt sinal . A criança não reage a um rosto ou a uma pessoa em 7
especial, mas ao estímulo que essa configuração humana e parcial pro- Consiste na testa, nos olhos e
no nariz.
voca. Esse momento do desenvolvimento também evidencia a predis-
posição social do bebê – com o reconhecimento da face humana, reage
involuntariamente com um sorriso, que por sua vez provoca reações,
possivelmente afetivas, no outro ser humano.

Com o curso do desenvolvimento, essa reação de sorriso se perde,


pois os bebês passam a distinguir os rostos conhecidos dos demais, e
nessa fase é comum escutarmos da mãe que o bebê passa a “estra-
nhar” os outros. Isso se dá porque a percepção dele se desenvolve e
tem a função de defesa na busca por segurança.

O desenvolvimento dopré-natal à primeira infância 53


Isso também acontece em razão do desenvolvimento do apego,
visto que os bebês ao se apegarem a pessoas e objetos próximos e
conhecidos passam a demonstrar certa ansiedade diante de estranhos
e, por vezes, certa angústia de separação. Shaffer (2005) explica que o
medo vem do receio infantil com relação a situações estranhas e de sua
incapacidade para explicar quem são esses estranhos e onde estarão
os seus companheiros ausentes. Nesse caso, os objetos transicionais
ajudam o bebê a lidar emocionalmente com as breves separações que
ocorrem no cotidiano.

O papel das relações e da comunicação entre mãe e bebê marca a


compreensão progressiva por parte deste quanto às palavras, aos có-
digos societários e às apreensões sobre o ambiente.
As trocas afetivas estabelecidas entre pais e filhos nas primei-
ras fases da vida são cruciais para a formação do sentimento
de segurança que acompanhará a criança durante sua exis-
tência e sedimentarão as bases de seu futuro bem-estar físico
e emocional. (FERRARIS, 2008, p. 52)

É fundamental que o adulto fale bastante com o bebê, pois ouvir


a língua falada promove um estímulo fundamental para o desenvol-
Livro
vimento cerebral mais complexo. Além da importância neurofisioló-
gica, há a questão afetiva estimulada por meio da prosódia materna
que, assim como o olhar, é crucial para o desenvolvimento psíquico
saudável do bebê.

O desenvolvimento físico acontece simultaneamente ao desen-


volvimento cognitivo e psíquico. O crescimento do bebê aconte-
ce de maneira bastante rápida durante o primeiro ano de vida, os
ossos menores e mais flexíveis gradualmente passam pelo processo
O livro Bebês e suas mães relativamente irregular de desenvolvimento, acompanhados pelo
é uma obra clássica que
desenvolvimento muscular, fundamental para as aquisições do en-
apresenta um estudo
bastante significativo a gatinhar e caminhar.
respeito do desenvol-
vimento do bebê e da Cognitivamente, podemos destacar a plasticidade – capacidade
relação com a função
de que um estado de desenvolvimento possa se alterar com base
materna, destacando sua
importância para toda em experiências (SHAFFER, 2008). Assim, é possível concluir que a
a vida.
cognição se desenvolve na relação entre a maturação neurológica
WINNICOTT, D. W. São Paulo: e as experiências de vida, o que reforça a importância dessa fase
Ubu, 2020.
na vida do ser humano.

54 Psicologia geral e do desenvolvimento


3.3 Desenvolvimento na primeira infância
Vídeo O período da primeira infância abarca o desenvolvimento até mais
ou menos os 2 anos de existência. A divisão entre as fases é didática, ou
seja, é realizada com o objetivo de favorecer o estudo e, nesse sentido,
pode ser considerada arbitrária e sem unanimidade. O que queremos
deixar evidente é que nem todos os teóricos utilizam a mesma subdivi-
são em seu estudo e muitas vezes a teoria apresenta sua própria forma
de sistematizar o conhecimento sobre o desenvolvimento.

A primeira infância é marcada por significativas mudanças no de-


senvolvimento do ser humano. Essa fase impõe uma intensa adapta-
ção fisiológica e relacional do ser humano com seu entorno, que se
evidenciam nas muitas conquistas; estas envolvem fatores maturacio-
nais, fisiológicos, assim como fatores psicológicos e sociais, no sentido
de que para uma conquista acontecer, o meio deve propiciar os estí-
mulos adequados.

Um exemplo é o andar, que ocorre entre 9 e 15 meses, além da ma-


turação. Inicialmente, é necessário um apoio para que a criança dê os
primeiros passos, treine sua estabilidade e noção espacial, para, então,
conquistar a autonomia.

Rosa (1993) destaca outras conquistas, como o ato de aprender a se


alimentar de alimentos sólidos, que pode também ser entendido pela
via do desmame. Dolto (2015) articula o desmame com outra aquisição:
a do falar. A autora teoriza que o prazer de mamar é substituído pelo
prazer de falar e que quando a castração simbolígena do desmame
ocorre, abre a possibilidade para que a criança se ocupe da linguagem,
ou seja, a cada “perda” que se dá, há um ganho no desenvolvimento.

Aprender a ter o controle esfincteriano também é uma conquista da


primeira infância e está ligado à aprendizagem do certo e do errado.
No processo de deixar o uso das fraldas, a criança passa ao “treino” de
urinar e defecar no penico ou no vaso sanitário, de modo que os pais
participam, ensinam e sinalizam sua expectativa. Acontece, portanto,
uma espécie de troca relacional, na qual o excremento da criança ga-
nha status de produção “ofertado” para os pais, já que o acerto parece
sustentar uma satisfação em seus educadores.

O desenvolvimento dopré-natal à primeira infância 55


A percepção sobre a inter-relação dos processos de desenvolvimen-
to implicados fisicamente, psiquicamente e socialmente é possível. A
evolução que o ser humano conquista progressivamente também o
insere na cultura que interfere no processo. Cognitivamente, já na pri-
meira infância a criança tem alguma compreensão acerca da realidade
e aprende a se relacionar com ela.

Por isso, o desenvolvimento psicossocial é tão importante quan-


to o desenvolvimento físico. Precisamos entender que o processo
de desenvolvimento implica uma humanização, que só ocorre em
contextos que significam a realidade, por meio da relação com ou-
tros humanos.

O contexto cultural, o idioma e os códigos societários antecedem


a existência da criança e sua inserção se inicia antes mesmo do nasci-
mento, pois a espera de um filho cria um lugar simbólico na humanida-
de. A socialização se dá desde o primeiro momento e é por meio dela
que a personalidade se constituí. A linguagem pode ser considerada
fator privilegiado, uma vez que, além de sua função de comunicação,
ela tem estreita relação com o pensamento e com a subjetivação. A lin-
guagem torna possível a transmissão da cultura e situa o ser humano
como ser histórico, e ela só se efetiva na relação com os outros que, ao
falarem com a criança, possibilitam sua aquisição.
A linguagem permeia todas as relações humanas e as transforma
de maneira radical. Está presente desde muito cedo em nossa
vida: de forma afetiva nas falas e vocalizações que envolvem a
relação entre a mãe e bebê e de forma lúdica nas etapas iniciais
da comunicação social. (LESSMÖLLMAN, 2008, p. 35)

A afetividade tem especial importância em todos os sentidos do


desenvolvimento. A capacidade de se apegar e se vincular ao outro
é determinante na construção de sentimento de pertença, segu-
rança e demais pilares subjetivos ao desenvolvimento. Sabemos
que a falta de afetividade é capaz de ocasionar danos em todas as
instâncias do desenvolvimento.

A adaptação do ser humano é indispensável para a sobrevivência


e depende do processo emocional e social. As emoções comportam
níveis fisiológicos, psicológicos e sociais. No nível fisiológico, ela pode
ser identificada por meio das reações que provoca no sistema nervo-
so central, nas glândulas viscerais e resulta em atividade motora re-
lacionada ao estado emocional (ROSA, 1993). No nível psicológico, as

56 Psicologia geral e do desenvolvimento


emoções participam das inscrições afetivas, que são fundamentais no Livro
desenvolvimento da personalidade. Com relação ao nível social, a de- Sobre a importância da
afetividade e do contato
monstração das emoções promove impacto nos outros seres humanos, físico para o desen-
consequentemente, nas respostas dos outros, cujas trocas relacionais volvimento psíquico,
recomendamos a leitura
instituem laços que são fundamentais para o ser humano. do livro O primeiro ano
de vida, que descreve
Na fase da primeira infância, a criança expressa suas emoções de estudos que revelaram
maneira espontânea e livre, por não ter ainda aprendido a reprimi-las. que a falta de contato
físico produz prejuízos no
Nesse momento do desenvolvimento, as emoções aparecem ligadas desenvolvimento físico
às necessidades básicas orgânicas e são mais simples, somente mais e cognitivo, além de que
as crianças apresentam
tarde se tornarão complexas. A maneira como a criança é atendida em maior predisposição a
seus estados emocionais também influencia a forma como ela lidará adoecerem.

com suas emoções futuras, quando seu repertório for ampliado. SPITZ, R. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2013.
A afetividade também é expressa por meio do contato físico,
que é vital para o desenvolvimento emocional do ser humano. A
privação prolongada do contato físico causa distúrbios emocionais
de graves consequências.

Os padrões subjetivos e de comportamentos da mãe, da pessoa


que desempenha a função materna, assim como da família têm papel
fundamental no desenvolvimento psicossocial da criança, da constitui-
ção de sua personalidade e, mais tarde, da aquisição do senso moral.

O senso moral é fruto da internalização dos valores que são trans-


mitidos por meio da aprendizagem social. A criança nessa fase ainda
não tem a abstração e o conceito de bom ou mau, ela reage de acordo
com seus impulsos, suas emoções e por imitação daqueles com quem
convive; ainda não tem meios cognitivos de entender as consequências
dos seus atos nem tem sentimento de culpa. É o retorno que os adultos
dão a ela que inscreve noções sobre os comportamentos adequados,
ou seja, há uma autorregulação emocional com base na modelagem
favorecida pelos pais.

De acordo com Shaffer (2005), entre o oitavo e o décimo mês de vida,


as crianças já são capazes de seguir referências sociais e suas habilida-
des em identificar e interpretar as emoções dos outros se ampliam após
o primeiro ano de vida. A habilidade infantil para reconhecer e interpre-
tar as emoções alheias é fundamental para seu relacionamento, pois
as emoções desempenham ao menos dois papéis importantes
na vida da criança. As demonstrações emocionais infantis pro-
movem o contato social com os seus cuidadores, auxiliando-os

O desenvolvimento dopré-natal à primeira infância 57


a ajustar seus comportamentos às necessidades e aos desejos da
criança. A habilidade infantil para reconhecer e interpretar as emo-
ções alheias serve como uma importante função de conhecimento
ao ajudar a criança a inferir sobre como deve se sentir, pensar ou se
comportar em situações incertas. (SHAFFER, 2005, p. 414)

Essa habilidade progride durante a infância, sendo o desenvolvi-


mento cognitivo importante para esse processo, assim como os diálo-
gos familiares acerca das emoções da criança e dos outros colaboram
para sua compreensão. Podemos pensar a importância de uma educa-
ção na qual haja investimento em conversar desde muito cedo com a
criança sobre o que ela sente, de modo a nomear as emoções.

As histórias infantis contadas às crianças desde muito cedo também


trazem representações das emoções. Além disso, “em suas conversas
com o bebê, seja sob a forma de canções, poemas, contos, sejam sim-
plesmente relatos do dia a dia, articula um saber transmitido de gera-
ção a geração” (TEIXEIRA, 2008, p. 98). A história, seja da família, seja
fictícia, traz marcas da humanização e da simbolização, porque veicula
as experiências em forma de palavras.

Mais tarde, a habilidade de reconhecer suas emoções e as das ou-


tras pessoas refletirá nas relações interpessoais que o ser humano terá
por toda sua vida, tornando-se um recurso relacional extremamente
valoroso na adaptação do sujeito, sob a perspectiva da inserção social.

Outra questão é o desenvolvimento da personalidade, que é um


processo complexo, contínuo e que depende de todos os outros as-
pectos que funcionam como elementos de base para a personalidade.
Fatores hereditários e fatores ambientais se articulam em um arranjo
único para cada ser humano. Por mais que a psicologia busque pa-
drões de comportamentos observáveis, é impossível objetivar a per-
sonalidade, pois ela é impregnada pela experiência, história, cultura e
a forma como cada um as subjetiva. Desse modo, considera-se que as
ocorrências na primeira infância são decisivas para as demais fases da
vida do ser humano.

Por vezes, há uma confusão entre personalidade e temperamento.


De acordo com Shaffer (2005), o temperamento se refere às tendên-
cias de respostas previsíveis por parte da criança aos eventos ambien-
tais. O temperamento sofre influências genéticas, mas sem dúvida, o
ambiente influi tanto quanto a genética. O temperamento é percebi-

58 Psicologia geral e do desenvolvimento


do como os níveis de atividade, irritabilidade, sociabilidade e inibição Livro
comportamental. Essas características do comportamento são relati-
vamente estáveis no decorrer da vida e podem antecipar sua forma de
manifestação na vida adulta. O temperamento é fator importante nos
processos de adaptação da criança e, por isso, pode ser um fator que
compõe o desenvolvimento na primeira infância. Para melhor adapta-
ção, é desejável que haja um “encaixe” entre as características tempe-
ramentais dos pais e da criança.

Retomando a teoria do apego, é interessante saber que em geral


Para saber mais sobre
a angústia de separação tende a diminuir a partir do segundo ano de a primeira infância, indi-
camos o livro Psicanálise
vida. Isso acontece por conta do amadurecimento intelectual das crian-
e ações de prevenção na
ças, além de já terem capacidade subjetiva para certas elaborações primeira infância, que versa
sobre o desenvolvimento
simbólicas, ou seja, as crianças já entendem o afastamento e têm se-
infantil sob a perspectiva
gurança de seu reencontro com as pessoas e os objetos aos quais se da prevenção, dos sinais
precoces de risco psíquico
vinculou afetivamente.
e da possibilidade de inter-
Nesse período, a criança já anda e já fala, essas aquisições garan- venções que favoreçam à
saúde mental.
tem para as crianças condições para que se aventurem na exploração
KUPFER, M. C. M.; BERNARDINO, L.
dos ambientes e das novidades, o que coincide, portanto, com uma M. F.; MARIOTTO, R. M. M. (org.).
maior abertura socializadora. Assim, é desejável que nesse tempo do São Paulo: Escuta, 2012.

desenvolvimento as crianças sejam incentivadas no convívio com ou-


tras crianças, pois já podem ampliar suas relações sociais para além da
família e, por isso, aos 2 anos, muitas passam a frequentar a pré-escola,
sendo esse um momento enriquecedor na aprendizagem e no desen-
volvimento integral como ser biopsicossocial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento humano tem como objeto de estudo os processos
que se iniciam desde a concepção até a morte. Com a concepção, na vida
intrauterina, há um intenso desenvolvimento que abarca o período germi-
nal, o período embrionário e o período fetal. Durante o pré-natal, embora
haja uma primazia biológica, sabemos que os estados emocionais da mãe
produzem interferências que geram efeitos no ser em formação.
O nascimento inaugura uma fase em que a relação entre mãe e bebê
é crucial para o desenvolvimento saudável. O ser humano é marcado pela
dependência do outro, que ao dispender cuidados básicos e suprir suas
necessidades básicas de desenvolvimento, o humaniza e o insere na ordem
simbólica da cultura. Nesse processo, destaca-se a importância da afetivida-
de, da linguagem e das histórias, pois o cuidado também é humanizador. O

O desenvolvimento dopré-natal à primeira infância 59


ser humano é, portanto, essencialmente relacional e seu desenvolvimento
saudável vai depender da qualidade relacional a qual está exposto.
O desenvolvimento, na sua complexidade, é fruto do singular arranjo
entre as dimensões biológicas, psíquicas e sociais, que se inter-relacionam.
O desenvolvimento físico, por sua vez, acontece de modo interdependen-
te e simultâneo ao desenvolvimento emocional e social.
A partir da concepção e os sucessivos processos biológicos da vida
intrauterina, o nascimento e o desenvolvimento do bebê até a primeira
infância constituem a base de todo o desenvolvimento que o ser humano
terá na vida. É incrível como há alguns equívocos no senso comum, que
consideram que essas fases têm importância menor na vida, porque su-
põem que a compreensão por parte da criança é menor, que sua capaci-
dade de memorização é ineficiente, a criança “não lembra e não entende”,
terrível engano! O desenvolvimento na primeira infância e suas experiên-
cias são determinantes e representam o alicerce sobre o qual as fases
posteriores se apoiarão e se desenvolverão.

ATIVIDADES
1. Quais as fases do desenvolvimento do ser humano que correspondem
à vida intrauterina?

2. Descreva brevemente os tipos de reflexos presentes no recém-nascido.

3. Por que a fase do desenvolvimento correspondente à primeira infância


é tão importante?

REFERÊNCIAS
BOWLBY, J. Cuidados maternos e saúde mental. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2020.
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60 Psicologia geral e do desenvolvimento


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SADLER, T. W. Embriologia médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016.
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Thomson Learning, 2005.
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o fascinante processo de formação do cérebro e da personalidade. São Paulo: Duetto
Editorial, 2008.

O desenvolvimento dopré-natal à primeira infância 61


4
O desenvolvimento da
infância à adolescência
O desenvolvimento humano passa por um longo processo que
inclui o crescimento físico, a maturação e a aprendizagem, sendo
que esses três fatores incluem características genéticas, experiên-
cias e características do ambiente, além das instâncias culturais e
sociais que contextualizam a vida do ser humano.
Neste capítulo, abordaremos as fases da infância até a ado-
lescência, sob a perspectiva da Psicologia do Desenvolvimento.
Serão definidas as principais características do desenvolvimento
físico, cognitivo, psíquico e social do ser humano em cada uma
dessas fases.

4.1 O desenvolvimento na segunda infância


Vídeo As fases do desenvolvimento no estudo da Psicologia do Desenvol-
vimento Humano podem ser divididas e designadas da seguinte forma:
•• primeira infância, que abarca o período desde o nascimento até
os 2 anos de idade;
•• segunda infância, que abarca o período pré-escolar, dos 2 aos 6
anos de idade;
•• terceira infância, que abarca o período escolar e a também cha-
mada meninice, indo dos 6 aos 11 anos;
•• adolescência, que abarca a consolidação da puberdade e cujo pe-
ríodo cronológico é dos 12 aos 20 anos.

Vamos conhecer as características da segunda infância, a qual é um


momento da vida em que o desenvolvimento é muito intenso e, por
isso, trata-se de um período bastante investigado pelos estudiosos da

62 Psicologia geral e do desenvolvimento


Psicologia do Desenvolvimento Humano, o que frutificou e consolidou
muitas teorias.

Iniciemos pelo entendimento do que se passa na instância física, em


relação ao desenvolvimento nessa fase, sem nunca perder de vista que
todo e qualquer desenvolvimento, ainda que predominantemente se
dê em uma instância específica, é sempre interdependente das demais
instâncias (física, cognitiva, psíquica e social).

Com relação ao crescimento, Shaffer (2005) destaca que o desenvol-


vimento do corpo, além de se manifestar de modo irregular, apresenta
variações de indivíduo a indivíduo. As variações ocorrem também, se-
gundo o autor, de cultura para cultura, e isso se explica tanto em razão
dos fatores hereditários quanto em razão dos fatores ambientais, entre
eles alimentação e doenças, e até mesmo dos fatores emocionais, que
produzem diferenças significativas na velocidade do crescimento e na
estatura média alcançada.

Com relação ao desenvolvimento motor, as habilidades motoras


implicam no movimento coordenado dos músculos, e esse processo
depende de certa maturação cerebral. Apesar das variações, é possível
definir que aos 2 anos de idade a criança anda bem, consegue subir e
descer da mobília, corre, sobe e desce escadas sozinha usando os dois
pés por degrau; entre 3 e 4 anos de idade, a criança já é capaz de subir
e descer escadas alternando os pés; entre 4 e 5 anos, ela conquista a
habilidade de saltar (PLATT, 2007).

As habilidades motoras finas, que envolvem coordenação dos mús-


culos dos braços e das mãos, assim como a coordenação mão-olho e a
coordenação espacial, vão progressivamente aumentando e se conso-
lidando durante a segunda infância.

O desenvolvimento sensorial é muito importante, pois a percepção


é fundamental para todas as instâncias do desenvolvimento humano.
Afinal, é por meio das habilidades sensoriais que a criança processa
informações, organiza e compreende as experiências e interage com o
ambiente do seu entorno.

Segundo Platt (2007), aos 2 anos de idade a criança examina aten-


tamente ilustrações de livros, reconhece-se em um retrato, abre caixas
para descobrir o que há dentro delas, é atenta às conversas e dança
espontaneamente ao ouvir música. Aos 3 anos de idade, ela sabe a
diferença entre um objeto grande e um pequeno, pode separar obje-

O desenvolvimento da infância à adolescência 63


tos de acordo com a forma e a cor deles, responde a perguntas e se
entusiasma com as histórias. Já aos 4 anos de idade, pode conhecer e
nomear as cores, é capaz de sentir prazer com rimas e fonemas, con-
segue lembrar partes de histórias e tem sua concentração ampliada.
Aos 5 anos de idade, já é possível a ela acompanhar e participar das
conversas dos adultos; geralmente é atenta e consegue se manter con-
centrada por mais tempo.

Dos 2 aos 6 anos de idade, período que abrange a segunda infância,


há um grande desenvolvimento no que se refere ao uso da linguagem.
Se aos 2 anos a criança é capaz de nomear objetos familiares e ini-
ciar a formação de breves frases – pois seu vocabulário conta com o
número aproximado de 200 palavras –, entre 3 e 4 anos de idade há
uma ampliação incrível. A criança passa a usar mais de mil palavras
e, segundo Platt (2007), já compreende muito mais. É nesse momento
que as frases produzidas passam a ser mais longas, com muitos verbos
e adjetivos.

O mesmo autor ressalta ainda que entre 3 e 5 anos de idade o


desenvolvimento da comunicação é simultâneo à inclusão de ou-
tras pessoas no mundo da criança, sobretudo outras crianças, com
as quais interage e faz vínculos de amizade. Nessa fase, a linguagem
corporal também vai ficando mais complexa, pois a criança combi-
na gestos convencionados com gestos individuais e cria significados
na sua forma de se expressar.

É possível observar que entre 4 e 5 anos há ganhos importan-


tes, pois, além de ampliar o vocabulário, que pode chegar a mais
de 1.500 palavras, a criança já é capaz de expressar sentimentos
e ideias. Isso nos leva a pensar na importância do meio, ou seja,
na forma como os adultos lidam com a criança, no sentido de pro-
mover espaço e diálogo que sustentem esse desenvolvimento tão
relevante na constituição psíquica.

Aproximadamente a partir dos 3 anos de idade, a criança apresen-


ta muita curiosidade e faz muitas perguntas; é a conhecida fase dos
por quês, que marca de maneira interessante esse período. Sobre essa
fase, Freud (1996, p. 86) teoriza que a criança “manifesta no prazer in-
cansável que sentem em fazer perguntas” uma questão sobre sua ori-
gem, “de onde vêm os bebês?”, e que a fase dos por quês é uma forma

64 Psicologia geral e do desenvolvimento


substitutiva da curiosidade original que, mais tarde ainda, transforma-
-se em interesse intelectual, ou seja, em desejo de aprender.

Voltolini (2006) destaca a ideia de que certa insatisfação com as


explicações dos adultos em relação às suas indagações lança a crian-
ça a um exercício importantíssimo de teorização. Esse autor lembra,
ainda, que esse enigma sobre a “origem de sua vida” persistirá sendo
uma questão eterna para o ser humano. De certa forma, nunca aban-
donamos a fase dos por quês, talvez porque mais uma vez devêsse-
mos considerar que não se trata de uma fase – portanto, com um fim
determinado –, mas de um elemento da estrutura da razão humana
(VOLTOLINI, 2006). É ideal que os adultos não se incomodem com as
interrogações infantis e possam suportá-las. Não se pode ignorar que a
maneira como os adultos do entorno da criança acolhem ou reprimem
sua curiosidade tem papel importante na futura relação dessa criança
com seu desejo de saber e sua aprendizagem.

Consideremos que aos 6 anos de idade a criança já adquiriu uma


boa gama de habilidades de linguagem e está muito mais proficiente
em fazer relatos. Por essa rezão, é importante que os adultos conver-
sem com ela e a escutem, pois nessa fase ela já sente os benefícios
emocionais de contar suas percepções, pensamentos e experiências,
sendo esse um momento muito rico para o exercício das trocas e orien-
tações que favorecem a qualidade do vínculo e da educação que resul-
ta dele.

Na nossa cultura, o momento da segunda infância coincide com a


vivência na pré-escola, o que favorece o desenvolvimento global da
criança, que passa a ter atividades sistemáticas que estimulam seu de-
senvolvimento de maneira geral. A experiência pré-escolar tem se mos-
trado muito importante fisicamente, cognitivamente, psicologicamente
e socialmente para a criança.

Conforme a teoria piagetiana, a segunda infância corresponde ao


período pré-operacional do desenvolvimento cognitivo, caracterizado
pelo fato de que as operações mentais da criança se limitam aos signi-
ficados imediatos do mundo infantil (ROSA,1993a). Nessa fase também
podemos localizar o chamado egocentrismo, que se trata, como o pró-
prio nome revela, de uma forma subjetiva de se posicionar, na qual a
criança tende a tomar-se como centro, tendo dificuldade em se colocar
no lugar do outro, aceitar pontos de vista diferentes do seu e mesmo

O desenvolvimento da infância à adolescência 65


abrir mão do seu desejo, dividir brinquedos etc. Seu mundo cogniti-
vo constitui o chamado pensamento intuitivo, que pode ser entendido
como o ato de captar o aspecto aparente da realidade (FALCÃO, 1999).

Progressivamente, a criança alcança uma ampliação na forma de


pensar, atingindo o domínio do simbolismo, em que um objeto ou ges-
to pode representar algo distinto do que é percebido. É o domínio do
simbolismo que capacita a criança para a linguagem matemática e a
linguagem verbal. Rosa (1993a) explica que a criança entende as coisas
por meio das propriedades ativas que elas possuem, que o mundo é
representado para criança de modo icônico – ou seja, de modo visual
Livro
perceptivo – e que o processo de descentralização possibilita a percep-
ção de mais de um aspecto, dado ou objeto de uma só vez.

Quanto ao desenvolvimento psicossocial da criança desde o início


da segunda infância, podemos destacar a formação de um conceito de
eu que tem como facilitadora a própria linguagem, ou seja, a capacida-
de de nomear o mundo faz com que a criança possa nomear a si mes-
ma. É ainda nesse processo de constituição de ideias sobre si mesma
que a criança incorpora sua identidade sexual e se adapta à cultura da
O livro O brincar e a sociedade na qual está inserida.
realidade promove
reflexões acerca do de-
Há o desenvolvimento da consciência moral que implica em uma
senvolvimento e aponta internalização sobre o certo e o errado, o que anteriormente era sus-
as origens da criatividade
e a importância da brin-
tentado de maneira externa, com base na aprovação ou repreensão
cadeira e do relaciona- dos outros, ou na imitação de comportamentos, passa a agir como
mento com as crianças.
O autor é um dos
uma consciência, sendo comum momentos de angústia e sentimento
psicanalistas de maior de culpa. Mais uma vez, destacamos a importância das interações da
destaque na produção
teórica sobre a infância.
família nesse processo para que a criança tenha um desenvolvimento
Sua teoria contribuiu com psicossocial saudável, saindo do egocentrismo e desenvolvendo empa-
conceitos fundamentais
para a compreensão da
tia e recursos emocionais para lidar com seus sentimentos.
psicologia do desenvolvi-
A agressividade, por exemplo, faz parte da vida humana, sendo in-
mento, esclarecendo as
dinâmicas das relações clusive uma parte muito importante do psiquismo, porém, a civilida-
fundamentais da criança
de impõe que as crianças aprendam a manifestar sua agressividade
consigo mesma, com os
objetos e com os outros dentro de padrões socialmente aceitos. Assim, o desenvolvimento da
humanos.
linguagem associado ao desenvolvimento subjetivo e às interações na
WINNICOTT, D. W. São
família e na escola é que institui parâmetros que organizam o modo
Paulo: Ubu, 2019.
como a criança manifesta sua agressividade.

66 Psicologia geral e do desenvolvimento


Como pudemos constatar, a segunda infância é uma fase de intenso
desenvolvimento em todos os sentidos, sendo um período fundamen-
tal e determinante para o ser humano em todas as outras fases do seu
desenvolvimento.

4.2 O desenvolvimento na terceira infância


Vídeo É considerada terceira infância o período dos 6 aos 11 anos de idade,
também chamada de meninice ou fase escolar. Esse período é caracteri-
zado por um crescimento relativamente menos intenso se comparado
às fases anteriores, mas representa um grande desenvolvimento em
termos psíquicos e sociais.

É a fase em que as mudanças psicológicas são significativas e a


criança adquire determinadas habilidades essenciais à sobrevivência
do organismo como ser social, por exemplo, a habilidade de se ex-
pressar. O desenvolvimento da personalidade nessa fase, segundo a
psicanálise freudiana, implica no desenvolvimento de mecanismos de
defesa inconscientes no psiquismo. Esses mecanismos de defesa estão
a serviço da manutenção do eu; isso significa, de modo simplificado,
que há uma tentativa por parte do psiquismo de constituir e manter
uma ideia consciente sobre si mesmo e a imagem que os outros têm a
respeito de nós.

Nesse sentido, a vivência social é importantíssima para o desenvolvi-


mento desses processos, pois, com base nela, criam-se condições de al-
teridade, tão essenciais nas identificações e na construção da identidade.
Com relação à identidade, é importante considerar que o social participa
da consolidação da identidade sexual nessa fase de desenvolvimento.

Rosa (1993a) destaca que, segundo a teoria de Erick Erikson


(1902-1994), a crise psicossocial da idade escolar se encontra nos polos
produtividade versus inferioridade e que, dependendo do resultado da
solução dessa crise evolutiva, a criança pode emergir como ser capaz e
produtivo ou como alguém com um profundo e persistente sentimento
de incompetência e de inferioridade, o que nos leva a pensar na impor-
tância desse momento em que a criança apresenta suas produções,
especialmente na escola, que representa um ambiente coletivo.

O desenvolvimento da infância à adolescência 67


Com relação à vivência coletiva, cabe destacar que a escola represen-
ta uma instituição regida por regras e leis que reproduzem a organização
da sociedade, na qual todos estão submetidos aos limites e às regras.
A adaptação, no bom sentido, implica no desenvolvimento da capacida-
de da criança de preservar sua individualidade, ao mesmo tempo em
que compartilha da mesma posição que seus semelhantes, e, ainda, de-
senvolver tolerância com as diferenças. Esses desafios psicossociais, por-
tanto, encontram na escola seu melhor lugar, visto que a escola encarna
o “outro social”, de maneira instituída e fora do sistema familiar.

Kupfer (2007) amplia a função da educação formal quando diz que


a escola não é somente um lugar para se aprender os conteúdos, pois
nela, por meio das leis que regem as relações humanas e do ofere-
cimento de lugares sociais veiculados pelos discursos, a criança sub-
jetiva-se. Nesse sentido, a escola é uma instituição de grande poder,
na medida em que oferece ao sujeito o sentimento de identidade,
de pertença, de inserção social. “A educação deve produzir um efeito
organizador ajudando a criança a construir um simbólico onde possa
viver” (SPELLER, 2004, p. 91).

Speller (2004) enfoca a importância, para qualquer ser humano,


de encontrar um lugar onde possa se inscrever subjetivamente; ou
seja, a educação deve possibilitar à criança encontrar um lugar no seu
meio social. Na mesma direção, Almeida (2001) enfatiza a função da
educação como a de promover o encontro da criança com a alteridade
e com a cultura, implicando na filiação e, portanto, no reconhecimento
do lugar de cada sujeito na cadeia de transmissão.

Esse contexto corrobora com a perspectiva do desenvolvimento


cognitivo, pois segundo a teoria de Piaget, a terceira infância se localiza
no estágio das operações concretas, em que o pensamento da criança
lhe permite a interpretação de eventos, mas ainda com apego à concre-
tude real e bastante voltada para o ajustamento psicossocial. Ou seja,
a teoria piagetiana também aponta a importância dos grupos entre se-
melhantes e o estabelecimento de parcerias como forma de exercícios
sociais realizados pelas crianças, pois as habilidades interpessoais são
estimuladas por meio das atividades, sejam elas lúdicas ou organizado-
ras de produções das crianças.

Cabe mencionar que na teoria de Henri Wallon (1879-1962) há


uma classificação que se refere ao estágio categorial que corresponde
à mesma faixa etária da terceira infância (entre 6 e 11 anos de idade

68 Psicologia geral e do desenvolvimento


aproximadamente). Esse estágio é descrito como um período de acen-
tuada predominância da inteligência sobre as emoções, no qual cog-
nitivamente operam a memória e a atenção voluntária, além de ser
esse o estágio em que a criança passa a ser capaz de formar conceitos
abstratos que abarcam vários conceitos concretos.

O poder de abstração mental da criança é ampliado de maneira


importante e, assim, o raciocínio simbólico se torna uma ferramen-
ta cognitiva e se consolida como tal. Pode-se dizer que a criança se
apega a certa racionalidade a respeito da significação das coisas
do mundo e a aprendizagem acontece no encontro com conhe-
cimentos novos, os quais inicialmente causam desconforto pela
experiência de desconhecimento, mas esse desconforto depois é
substituído pela satisfação da aquisição e do desenvolvimento de
mais conhecimento, que a médio e longo prazo colabora para a
formação de valores e princípios.

A aquisição de conhecimento – ou a aprendizagem, de modo


geral –, assim como a vivência escolar, ocupa um lugar privilegiado
entre os interesses da criança nessa fase. A escola, portanto, repre-
senta um conjunto de elementos bastante investidos pela criança,
sendo uma fase importante para o exercício do desejo de aprender,
na qual a criança deve ser incentivada a ler, pesquisar e produzir.

Fica claro como a escola possui papel relevante para o desenvol-


vimento do ser humano, especialmente na terceira infância, pois
ela oferta modelos à criança além daqueles aos quais ela tem aces-
so na convivência familiar, ampliando assim suas noções sobre os
diferentes papéis sociais, as relações com a autoridade e com as
regras que favorecem a autoavaliação e o autoconceito com base
no lugar que ocupa.

O desenvolvimento do juízo moral é também teorizado por


Piaget, que o distingue em fases, e a fase que corresponde à ter-
ceira infância é a heteronomia, caracterizada por uma certa rigidez
às regras; como já explicado, apenas no final da segunda infância a
criança adquire uma internalização moral.

A agressividade já alcançou certa modulação com base nos pa-


râmetros de civilidade e aparece de maneira inadequada quando
a criança é agredida em seu meio, ou quando não adquiriu recur-
sos simbólicos suficientes para lidar com ela. Em ambos os casos,

O desenvolvimento da infância à adolescência 69


Glossário os fatores que influenciam os padrões de comportamento agres-
menarca: nome dado à sivo podem ser identificados pelo meio e pela forma com que os
primeira menstruação da mulher
outros se relacionam com a criança, bem como pela cultura predo-
e é uma das últimas fases da
puberdade. O primeiro ciclo minante na qual ela está inserida.
tende a acontecer entre os 10 e
Desse modo, podemos afirmar que o sentimento de pertença, a
15 anos.
emissões noturnas: espécie segurança, experiências de cooperação etc. são fatores que equi-
de excitação nos órgãos sexuais libram emocionalmente a criança. Castigos físicos, violência psico-
durante o sono, podendo ser lógica, sentimento de rejeição, rivalidades excessivas em grupo,
com ou sem ereção e causar
orgasmo e/ou ejaculação. baixa autoestima, entre outras situações, podem causar dificulda-
des psicossociais nas crianças.

Nessa faixa etária, aproximadamente a partir dos 10 anos,


Livro as crianças iniciam o processo da puberdade, que, apesar de ser
uma fase passageira, é muito marcante e fundamental no desen-
volvimento humano. Na puberdade ocorrem importantes mudan-
ças físicas, psíquicas e sociais.

Por meio do estudo da idade óssea, que consiste na análise de


radiografias dos punhos e das mãos, é possível identificar o poten-
cial de crescimento que a criança ainda tem e sua relação com a
puberdade. O tamanho e a forma do corpo começam a se transfor-
mar em virtude da ação dos hormônios. Há o início do aparecimen-
Para saber mais,
indicamos a leitura do to de pelos nas axilas e na região do púbis. Nas meninas, o corpo
livro Etapas decisivas da fica mais acinturado e há o início do desenvolvimento das mamas.
infância, de Françoise
Dolto. A autora é uma O processo de puberdade finaliza com a menarca nas meninas e
pediatra e psicanalista as emissões noturnas nos meninos, que marcam o início da fase
francesa cujo estudo e
teorização trazem um da adolescência.
olhar muito interessante
a respeito do desenvol-
Entre as mudanças em termos psicológicos e sociais, podemos
vimento. No livro, o leitor destacar a labilidade emocional, alterações bruscas de humor e
encontrará referência aos
momentos importantes
momentos de angústia que podem estar associados às questões
e decisivos pelos quais a de identidade, perda do corpo infantil e ressignificação do seu lu-
criança passa no percur-
so do seu desenvolvimen-
gar subjetivo. Não é mais tão criança, mas também ainda não é ma-
to. A autora enriquece dura, alternando momentos em que deseja se autoafirmar como
os temas abordados
com relatos verídicos e
independente e outros em que se coloca como dependente.
exemplos cotidianos que
É necessário ter compreensão, afeto e muito diálogo, além de
favorecem a compreen-
são e trazem concretude regras que ajudem o pré-adolescente a se organizar internamente
simbólica para a teoria.
e atravessar essa fase de maneira saudável. A família, especialmen-
DOLTO, F. 2. ed. São Paulo: Martins
te os pais, por vezes, deve elaborar certo luto em relação às repre-
Fontes, 2007.
sentações mais infantis, pois é como uma despedida da infância,

70 Psicologia geral e do desenvolvimento


na qual o ser humano causa certo estranhamento em relação ao
seu entorno e àqueles que com ele convive por apresentar com-
portamentos, gostos e reações diferentes dos que todos estavam
habituados e reconheciam.

4.3 O desenvolvimento na adolescência


Vídeo Antes da entrada na fase da adolescência propriamente dita, esta-
belece-se a pré-adolescência. É em torno dos 10 anos para as meninas
e de 13 anos de idade para os meninos que a puberdade se inicia. Con-
solidada a puberdade, começa a adolescência.

Com relação ao crescimento, na adolescência há significativo desen-


volvimento, não somente em altura e peso, mas também na aparência,
pois o adolescente passa a ser mais próximo de como ficará quando
atingir a idade adulta.

É possível identificar que as meninas que passaram pela puberdade


tiveram o aumento das mamas e o aparecimento dos pelos, além do
alargamento da estrutura dos quadris como resultado do desenvolvi-
mento do osso pélvico que é acompanhado do aumento dos ovários,
do útero e da vagina. Após a menarca, o crescimento em altura fica um
pouco mais lento do que vinha acontecendo por meio do chamado es-
tirão de crescimento, que acontece durante o início da puberdade.

Nos meninos, acontece o desenvolvimento dos testículos, o pênis


aumenta de tamanho e há o surgimento dos pelos pubianos, além do
surgimento de pelos nas axilas e de barba. O menino passa a ser capaz
de ejacular e é possível identificar alteração na voz, que passa a oscilar
entre uma voz mais grossa e uma mais infantil, até que finalmente se
estabiliza e se torna mais grossa.

Fatores genéticos, culturais, nutricionais e emocionais interferem


nas variações temporais em relação ao momento em que esse desen-
volvimento ocorre, sendo a cronologia um critério convencionado pela
média aproximada em relação às transformações, embora essas trans-
formações sigam uma sequência padrão.

Rosa (1993b) aponta que o rápido crescimento nessa fase exige


um investimento de energia e causa certo grau de fadiga, entre outros
sintomas desfavoráveis. O autor considera ainda que, ironicamente,
a fadiga e a falta de disposição para as atividades físicas ocorrem exa-

O desenvolvimento da infância à adolescência 71


tamente no período em que a sociedade faz uma série de exigências ao
adolescente, as quais demandariam dele considerável energia durante
a puberdade.

Fisiologicamente, podem ocorrer perturbações gástricas, alte-


rações de apetite causadas pelas transformações glandulares e pe-
las mudanças quanto ao tamanho e à posição dos órgãos internos,
de modo que essas mudanças podem atrapalhar as funções digestivas
(ROSA, 1993b).

Outra observação é que as adolescentes, principalmente durante


os primeiros períodos menstruais, frequentemente sofrem com dores
de cabeça, dores nas costas, câimbras, cólicas abdominais, irritações
na pele e inchaço das pernas e dos tornozelos (ROSA, 1993b). Esse con-
junto de mal-estares colabora para que as adolescentes apresentem
maior irritação no período que antecede e que compreende a mens-
truação. Na maioria dos casos, esses sintomas tendem a diminuir à
medida que os ciclos e os hormônios regularizam. Porém, parte das
adolescentes continuam tendo certo mal-estar físico e emocional por
toda a vida durante seus períodos menstruais.

Na adolescência, em função do processo de desenvolvimento hor-


monal e corporal, podemos afirmar que o ser humano atinge a maturi-
dade sexual a nível fisiológico. Porém, psicologicamente, considera-se
que a maturidade plena para reprodução se dá apenas na idade adulta,
sendo a gravidez na adolescência um problema social, o qual as esco-
las e as políticas públicas de saúde procuram trabalhar no sentido da
prevenção.

A sexualidade é uma questão importante na vida do ser humano, e essa


fase traz suas peculiaridades tanto no sentido dos impulsos sexuais que
surgem de modo intenso na adolescência – quando geralmente ocorrem
as primeiras experiências de atração e de contato sexual – quanto na im-
portância da sexualidade no que se refere à identidade sexual.

Na adolescência, a autoimagem corporal e subjetiva se relaciona


à identidade. As experiências do adolescente em seu seio familiar e
a qualidade das vivências nos grupos de semelhantes, assim como o
lugar que ocupa socialmente, têm impacto sobre os movimentos de
autoafirmação e por vezes de inibição.

72 Psicologia geral e do desenvolvimento


Assim, a adolescência é um período no qual pode haver certo estra-
nhamento, visto que, muitas vezes, o adolescente passa a não se envol-
ver mais em atividades que anteriormente apreciava. Às vezes, deseja
passar seu tempo sozinho, concentrado em devaneios, projeções imagi-
nárias que lhe são prazerosas, além de comumente se entregar aos jo-
gos eletrônicos, às redes sociais e aos demais atrativos eletrônicos, o que
tem sido objeto de preocupação para os pais, educadores e psicólogos.

Pode haver também temporário desinteresse em relação aos estu-


dos e às atividades escolares, como se sua energia estivesse tão vol-
tada para seu próprio desenvolvimento físico, psíquico e social, além
de seus conflitos, que não restasse energia disponível para investir no
conhecimento formal. Frequentemente, o adolescente é invadido pelo
sentimento de tédio e incompreensão, por julgar que os adultos não o
entendem. Esse contexto somado à tendência hostil e a um aumento
do olhar crítico do adolescente pode resultar em muitos conflitos com
os pais e os adultos que encarnam certa autoridade.

Intimamente, o adolescente vive certa insegurança, aumento da


ansiedade e elevado receio de falhar socialmente e frustrar as ex-
pectativas dos outros. Desse modo, podemos interpretar que seu
comportamento configura uma forma defensiva de reagir a esse
momento tão complexo.

O desconforto físico, um certo desajeitamento motor causado pelo


rápido crescimento, o desenvolvimento de questões subjetivas sobre
si mesmo, seus interesses e sua personalidade somados às exigências
sociais podem culminar em hostilidade para com os outros.

Uma leitura psicológica sobre esse momento é que, para realizar


essa transição entre a infância e a adultez, o adolescente sente necessi-
dade de desautorizar os pais, os professores e demais adultos que, até
então, eram modelos para ele como forma inconsciente de autorizar
a si mesmo, assumindo uma posição diferente daqueles que outrora
representaram possuir mais saberes e virtudes.

Geralmente, esse processo é difícil para os pais, que precisam


se reposicionar de modo a não cristalizar rivalidade e, ao mesmo
tempo, acolher o adolescente em suas peculiaridades e diferenças,
sem recuar da sustentação dos limites que funcionam como orga-

O desenvolvimento da infância à adolescência 73


nizadores fundamentais para que o adolescente se desenvolva psi-
quicamente saudável.

Rosa (1993b) aponta que na adolescência há uma crescente cons-


cientização das expectativas da cultura da qual se pertence, ou seja,
há uma elaboração sobre o que o adolescente compreende do que os
outros esperam dele. Ao mesmo tempo, nessa fase ele é capaz de se
autoavaliar e definir o conceito de sua importância pessoal e de seu
status aos olhos dos outros, o que também favorece certa insegurança
em relação à imagem que sustenta socialmente.

Mesmo a forma com a qual o adolescente lidará com suas mudanças


corporais está relacionada ao sentimento de segurança. Esse conjunto
que compreende as representações psíquicas sobre si mesmo inter-
fere na compreensão de suas limitações e capacidades, assim como a
suportabilidade das frustrações inerentes à vida do ser humano.

Segundo a teoria walloniana, além das transformações físicas e psi-


cológicas, o adolescente vivencia vários conflitos internos e externos,
o que o leva à aquisição de recursos dialéticos na perspectiva da cogni-
ção e da aprendizagem, pois, ao fazer certas oposições, o adolescente
aprofunda o pensamento, desenvolve ideias e lida com as diferenças e
com as identificações.

Nesse sentido, o adolescente entra em contato com seus sentimen-


tos, estabelece seus próprios valores e busca responder à questão so-
bre quem é. Esse exercício cognitivo e subjetivo cria condições para
pensamentos mais abstratos e complexos.

A teoria piagetiana classifica a adolescência no estágio operacional


formal que se caracteriza pelo predomínio das representações por
meio da linguagem, sem necessidade da concretude como antes. Há,
nesse estágio, a aquisição do raciocínio hipotético-dedutivo que exige
capacidade de abstração, no qual o ser humano é capaz de criar hipó-
teses e alcançar o conhecimento das ciências filosóficas.

Aliás, existe particular interesse nos pensamentos por parte do ado-


lescente, já que ao alcançar esse nível cognitivo, ele amplia seu desen-
volvimento intelectual e passa a fazer leituras próprias, muitas vezes
críticas, a respeito de sua família e seu sistema social, de modo a pro-
duzir teorias sobre política, sociedade, religião etc., ou seja, sobre o que
está estabelecido e apresenta problemas.

74 Psicologia geral e do desenvolvimento


É um momento em que geralmente o adolescente se torna mais
propenso a protestar e se mobilizar em relação a causas mais amplas
da humanidade. É curioso e interessante pensar que, exatamente no
momento em que seu desenvolvimento exige construções particula-
res, ele se interesse de maneira intensa pelas causas coletivas. Uma
das hipóteses é a de que, justamente por estar sendo difícil e angus-
tiante trabalhar psiquicamente com suas próprias mudanças internas,
o adolescente se projeta para o externo como forma de defesa psíquica
diante também de sua capacidade cognitiva e seu pensamento crítico,
o que faz com que pleiteie mudar o mundo.

A teoria piagetiana reconhece que a adolescência é um momento


fértil em relação à construção de teorias políticas e sociais e à manifes-
tação do desejo de transformar o mundo com base em sua forma de
interpretá-lo. A introspecção e a teorização sobre as perturbações da
vida coletiva surgem também por meio da busca por leituras e da espe-
culação filosófica apaixonada, fazendo com que a adolescência seja a
idade metafísica por excelência (ROSA, 1993b).

A adolescência deve ser entendida como um fenômeno psicológico,


pois ela não pode ser considerada somente como um fenômeno bio-
lógico, uma vez que é definida também culturalmente. Em outros ter-
mos, esse período da vida humana é configurado por diversos fatores
simultâneos, como as mudanças físicas, emocionais e cognitivas, cuja
repercussão forma um arranjo instituído culturalmente e socialmente.

O desenvolvimento humano de maneira geral aponta essa relação


entre os seres humanos e seu meio. Como é possível compreendermos
na teoria piagetiana, as experiências concretas do sujeito são a base
para o movimento de manter o equilíbrio do cognitivo em relação ao
meio. Os processos que levam ao amadurecimento biológico e à aqui-
sição cognitiva das operações formais representam juntos o ápice do
desenvolvimento, e para que esse desenvolvimento ocorra, ele depen-
de das condições do meio e das interações possíveis, inclusive no que
se refere ao ajustamento e à inserção do adolescente na sociedade.

Nesse sentido é que os grupos sociais ganham especial importância


na vida dos adolescentes. O grupo familiar, o grupo de amigos e o gru-
po escolar, por colaborarem nas definições de identidade e personali-

O desenvolvimento da infância à adolescência 75


dade, sustentarem o sentimento de pertença e produzirem retornos
sobre o adolescente, contribuem com a construção do autoconceito.

Os grupos favorecem os exercícios morais, pois é nas relações


que situações impõem certos posicionamentos éticos, o que coloca a
capacidade de fazer escolhas à prova. Além das escolhas cotidianas,
o adolescente realiza escolhas com motivações inconscientes, como as
ligações afetivas de amizade e de namoro.

A família, nesse momento, deve favorecer a conquista de certa au-


tonomia por parte dos adolescentes, além de sustentar referências que
os preparem para a vida em sociedade e para as escolhas que terão
que fazer.

A escola também tem a função de colaborar com o preparo inte-


lectual e estimular o senso crítico, os debates de ideias, os diálogos e
demais situações que participam da formação do adolescente como
ser integral.
Livro
Não podemos deixar de considerar que é ainda na adolescência
que o sujeito inicia seu processo de escolha profissional, que tam-
bém repercute nas identificações que o adolescente constrói. A esco-
lha da profissão se dá de maneira complexa, já que abarca os gostos
e as habilidades específicas do sujeito em relação a fatores sociais e
econômicos.

É necessário que o sujeito tenha certo percurso subjetivo de auto-


conhecimento para identificar suas vocações, suas limitações, seus de-
Para saber mais sobre sejos e suas preferências. Esse é um momento em que o adolescente
a fase da adolescência,
tem que se apropriar de suas referências para que sua escolha seja
indicamos o livro A família
e o desenvolvimento bem-sucedida, e isso exige que ele alcance certa maturidade emocional
individual, obra em que o
para se desalienar de conceitos por demais idealizados sobre as profis-
autor Donald Winnicott
aborda o desenvolvi- sões, o status etc.
mento emocional do
adolescente, incluindo Conclui-se que o processo do desenvolvimento na adolescência
em sua perspectiva as se inicia com as transformações corporais da puberdade, passa pela
relações familiares e
sua importância e os consolidação da identidade e personalidade decorrente de seus con-
fatores de integração no flitos e culmina nas escolhas que se apresentam e inserem o ado-
processo que culminará
em um indivíduo com sua lescente socialmente, que seriam as escolhas sexuais e profissionais;
própria identidade. sem perder de vista que quando nos referimos às escolhas, elas são
WINNICOTT, D. São Paulo: Martins entendidas como efeito de motivações racionais e de motivações
Fontes, 2011.
inconscientes.

76 Psicologia geral e do desenvolvimento


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para estudar o desenvolvimento do ser humano, as teorias estabelece-
ram fases, as quais reúnem características que nos ajudam a entender o pro-
cesso como um todo, envolvendo o crescimento físico, o desenvolvimento de
habilidades e a cognição, assim como o psiquismo e a sociabilidade.
Nas considerações finais deste texto, após fazermos o percurso teó-
rico acerca do desenvolvimento humano, propomos algumas conclusões
sobre cada fase abordada.
Sobre a segunda infância (2 aos 6 anos de idade), podemos concluir
que é um período em que ocorrem muitas mudanças. O crescimento é
significativo, assim como o desenvolvimento motor e sensorial. A percep-
ção tem papel fundamental para as interações entre o ser humano, os
outros, os objetos e o ambiente do seu entorno. Outra grande conquista
nessa fase diz respeito à linguagem, que tem forte relação com o pensa-
mento; logo, tanto do ponto de vista relacional e social quanto do ponto
de vista cognitivo, ela pode ser considerada como um elemento-chave.
Nessa fase também se estabelece a pulsão do saber, manifesta nas
inúmeras perguntas que a criança passa a fazer. É a famosa fase dos por
quês, a qual se transformará em desejo de aprender.
O desejo de aprender se consolida na terceira infância (entre 6 e 12 anos
de idade), momento em que as vivências da escola são foco importante do
interesse infantil. A escola, na condição de instituição, assim como a família,
é muito importante para formação e o desenvolvimento das crianças.
Ainda na terceira infância, aproximadamente a partir dos 10 anos de
idade, a criança se torna pré-adolescente e, na maioria das vezes, as trans-
formações biológicas da puberdade têm início. Disso, concluímos que es-
sas mudanças repercutem nas demais instâncias da vida da criança, ou
seja, emocionalmente, na forma de se relacionar, nas variações de humor,
no desenvolvimento de gostos diferentes dos apresentados até então.
Esse fenômeno se estende até a entrada na fase da adolescência (en-
tre 12 e 20 anos de idade). A adolescência é esse momento de transição
entre a infância e a vida adulta, marcado por muitos conflitos, tanto inter-
nos quanto externos, já que além de vivenciar angústias, o adolescente
tende a ser muito crítico com os outros.
Intelectualmente, trata-se de um momento produtivo, pois o adoles-
cente é capaz de pensar de modo sensível nas questões sociais, ideológi-
cas e políticas. Paradoxalmente, esse momento pode ser de desinteresse
escolar, uma vez que o adolescente parece estar por demais tomado com

O desenvolvimento da infância à adolescência 77


suas questões físicas, amorosas e de amizade, bem como com as constru-
ções subjetivas sobre si mesmo.
A adolescência impõe algumas definições, o encontro com a sexualidade,
a identidade sexual, a escolha profissional, entre outras responsabilidades,
o que exige também habilidade por parte de seus educadores, tanto na fa-
mília quanto na escola – habilidade essa no sentido de acolher as questões
do adolescente e lhe confiar certa autonomia, mas sem desampará-lo, pois
ele ainda precisa de apoio, orientações e limites sustentados pelos adultos.
Fechamos este capítulo, após o estudo das características, com a ideia
de que é importante tomar a Psicologia do Desenvolvimento como refe-
rência, sem que se perca o olhar singular sobre cada sujeito. Trata-se de
um erro reduzir o ser humano às fases pelas quais passa. Isso significa dar
voz às crianças e adolescentes, estabelecendo diálogos produtivos que
revelem sua própria visão sobre si mesmos e sobre o mundo.

ATIVIDADES
1. Explique por que o desenvolvimento sensorial é tão importante na
segunda infância.

2. Qual é o papel psicossocial da escola na terceira infância?

3. Por que a adolescência é considerada uma fase de muitos conflitos


psicológicos?

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, S. F. C. Psicanálise e educação: revendo algumas observações e hipóteses a
respeito de uma (im)possível conexão. In: 3o COLÓQUIO DO LEPSI IP/FE-USP. Anais [...] São
Paulo: USP, 2001. Disponível em: http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=MSC0000000032001000300011&Ing=pt&nrm=abn. Acesso em: 12 nov. 2020.
FALCÃO, G. M. F. Psicologia da aprendizagem. São Paulo: Ática, 1999.
FREUD, S. Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância. In: FREUD, S. Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. XI.
KUPFER, M. C. M. Educação para o futuro: psicanálise e educação. 3. ed. São Paulo:
Escuta, 2007.
PLATT, M. W. Os incríveis primeiros anos: o livro indispensável do desenvolvimento da
criança até os 5 anos. São Paulo: Publifolha, 2007.
ROSA, M. Psicologia evolutiva 2: psicologia da infância. Petrópolis: Vozes, 1993a.
ROSA, M. Psicologia evolutiva 3: psicologia da adolescência. Petrópolis: Vozes, 1993b.
SHAFFER, D. R. Psicologia do Desenvolvimento: infância e adolescência. São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, 2005.
SPELLER, M. A. R. Psicanálise e educação: caminhos cruzáveis. Brasília, DF: Plano, 2004.
VOLTOLINI, R. Pensar é desejar. Revista Educação: biblioteca do professor, São Paulo, n. 1,
p. 36-45, 2006. Edição especial.

78 Psicologia geral e do desenvolvimento


5
O desenvolvimento do
adulto à velhice
Partindo da noção de que a Psicologia do Desenvolvimento
investiga o ser humano desde a sua concepção até a morte,
este capítulo se dedica ao estudo e à identificação das principais
características das três fases do desenvolvimento humano que
correspondem à vida adulta. São elas:
•• adultez jovem: entre os 20 e os 40 anos de idade,
aproximadamente;
•• adultez madura: entre os 40 e os 60 anos de idade,
aproximadamente;
•• velhice: a partir dos 60 anos em diante.

As definições às quais chagamos por meio do conhecimento


do ser humano são fundamentais para refletir e intervir no sentido
da preservação da saúde e do bem-estar do sujeito, ao atravessar
pelas fases da vida, por seus desafios e suas conquistas.
Cada período da vida é marcado por características fisiológicas,
psicológicas e sociais relacionadas e interdependentes. Os ajusta-
mentos a cada momento de desenvolvimento agregam sabedoria
ao sujeito, para que ele realize as melhores escolhas e encontre a
alegria de viver.

5.1 Adultez jovem


O período da vida humana nomeado adultez jovem abarca a idade
Vídeo
entre os 20 e os 40 anos. A principal característica relacionada a essa fase
do desenvolvimento é que ela geralmente corresponde ao momento em
que o sujeito se insere efetivamente na sociedade e nela desempenha
funções consideradas produtivas. Significa que é nessa fase, consideran-
do a cultura ocidental, que definimos o percurso profissional.

O desenvolvimento do adulto à velhice 79


Livro Dessa forma, é possível destacarmos como a vida humana é re-
lacionada às construções sociais, de modo que é arbitrário definir o
desenvolvimento considerando apenas a idade cronológica, pois ele
é resultado de uma relação/interação entre a cronologia, a posição
subjetiva e o lugar que o sujeito ocupa no mundo.

O fato de a profissão, o casamento e a formação de uma família se-


rem comumente estabelecidos nesse período da vida reforça a impor-
tância dessa fase também para as que a ela se sucederão, pois essas
Para complementar o escolhas definem parcialmente o futuro da pessoa.
seu conhecimento da
adultez jovem, sugerimos
Isso nos leva ao entendimento de que nessa fase o sujeito come-
a leitura do livro Cultura ça a assumir plenamente as funções que a sociedade espera do ser
e psicologia: questões
do desenvolvimento do
adulto, portanto, uma fase caracterizada de uma série de mudanças na
adulto. Por meio de vida, assim como de uma sequência de ajustamentos pessoais e sociais
subtemas, a obra aborda
questões que tocam o
significativos (ROSA, 1996).
adulto, articulando-as
Fisiologicamente, poderíamos afirmar que essa é a fase repro-
com os aspectos teóricos
da Psicologia do Desen- dutiva do ser humano. Porém, devemos considerar que ter ou não
volvimento Humano,
filhos é algo que também depende das demais condições (sociais,
destacando as interações
entre elementos indivi- econômicas, culturais e psicológicas) além da fisiológica, ou seja,
duais e cultura.
uma questão que demanda um arranjo de todos os contextos que
OLIVEIRA, M. K. de. São Paulo:
tocam o sujeito.
Hucitec, 2009.
Ainda com relação ao desenvolvimento físico, o adulto jo-
vem vivencia uma espécie de auge, pois é o momento em que o
crescimento já está completo e ainda conta com o vigor físico,
a agilidade, o tônus muscular e a força, características próprias
da juventude (ROSA, 1996; SHAFFER, 2005).

No entanto, de maneira sutil, o processo de envelhecimento tem


aproximadamente seu início a partir dos 25 anos de idade. Há uma
mudança na capacidade auditiva, que diminui, assim como na mas-
sa muscular, que passa a ser progressivamente substituída por te-
cido gorduroso, fazendo com que haja uma tendência ao aumento
do peso. A agilidade nas reações tem seu auge entre a adolescên-
cia e os 25 anos, e a partir desta idade também passa a diminuir.
Em contrapartida, a concentração aumenta com o avanço da idade
(ROSA, 1996).

Para Rosa (1996), esse período do desenvolvimento humano é tam-


bém a fase criativa por excelência. Credita-se isso à certa libertação das
restrições que anteriormente faziam parte da vida, devido à dependên-

80 Psicologia geral e do desenvolvimento


cia e à falta de autonomia em relação aos pais e ao próprio sistema
educacional. A hipótese é de que nesse período da vida já é possível
pensar e agir por si mesmo, de maneira mais autônoma, podendo dar
vazão às potencialidades criativas. Essa característica corrobora a bus-
ca de uma estabilidade financeira e um desejo de produção, o qual
estimula a procura da expressão das suas habilidades.

Davidoff (2000) define que ao longo do seu desenvolvimento o ser


humano passa por um processo chamado de ajustamento, que seria
uma forma de atender às exigências do eu e do ambiente. Ele se dá
por meio dos ciclos de vida e implica a maneira como cada um respon-
de aos desapontamentos, às frustrações, às pressões, aos conflitos, ao
estresse, às preocupações etc., que são próprios da vida e exigem que
o sujeito se posicione.

O interessante dessa abordagem trazida pelo autor é articulá-la


com o que vínhamos entendendo a respeito desse período do de-
senvolvimento, tanto no sentido das implicações geradas pelas es-
colhas, que são muito determinantes, quanto no sentido de que
estas sofrem influências do ambiente, diante do qual o ser humano
busca certo ajustamento.

Podemos estabelecer o desenvolvimento cognitivo alcançado nessa


fase da vida como responsável, juntamente com o desenvolvimento
subjetivo, pela produção das próprias ideias. Segundo a teoria de Piaget,
se a partir da adolescência o ser humano adquire a capacidade abstrata,
na adultez há uma produção de conhecimento da vida influenciada pela
personalidade, pelas experiências e pela cultura do sujeito.

Outro aspecto importante a ser levantado a respeito da adultez


jovem se refere à socialização. Se na fase da adolescência os grupos
exerciam uma função muito importante para o sujeito, durante a fase
da adultez jovem os grupos de amigos, assim como os encontros socia-
lizadores, em geral, diminuem em frequência e importância.

É possível pensarmos que isso se dê devido a certo amadurecimen-


to, o qual faz com que o número de amigos seja menor, porém a pro-
fundidade do vínculo e a intimidade sejam maiores. Outra consideração
possível é a de que comumente essa fase submete o sujeito ao contexto
do trabalho assim como às vidas conjugal e familiar em muitos casos,
que ocupam um espaço razoável, restando menos disposição para a
vida social em comparação à fase anterior, da adolescência.

O desenvolvimento do adulto à velhice 81


A maturidade traz consigo uma dimensão de valores que torna o
ser humano mais seletivo nessa fase, prezando mais as afinidades ver-
dadeiras do que as superficiais. O sujeito passa a ter maior clareza de
seus interesses, hobbies, entre outras preferências. É importante en-
tendermos que as preferências são o resultado de um conhecer-se, e a
busca do que realmente nos alegra é uma conquista dessa etapa.

A Psicologia do Desenvolvimento buscou definir quais são as ta-


refas evolutivas exigidas do adulto jovem e elencou-as de acordo
com as demandas sociais mais comuns: escolher uma profissão;
estabelecer-se profissionalmente; escolher um parceiro amoroso;
e formar uma família. Ainda que essas tarefas evolutivas possam
fazer muito sentido na maioria das culturas, precisamos ter clareza
de que, além da cronologia, elas variam de acordo com o momen-
to sócio-histórico e cultural em que o sujeito está inserido. E o que
prevalece em comum, como principal característica de adultez, é a
tarefa de conquista da autonomia.

É importante não perdermos de vista que qualquer tentativa de


padronização a respeito dos contextos de vida do ser humano adulto
é arbitrária, considerando que é também um momento em que o su-
jeito se autoafirma na sua singularidade, como pessoa única. O que
podemos, sem correr o risco de assumirmos uma postura reducionis-
ta, é mencionar as tendências presentes na nossa cultura, ou seja, na
cultura brasileira, ocidental, e ainda assim advertidos de que não é
correto generalizar.

A autonomia é responsável pela tomada das decisões que sus-


tentam a busca dos objetivos do indivíduo. Nessa fase o ser humano
parece mais seguro, independente e livre do que na fase anterior do
desenvolvimento, a adolescência.

Para Rosa (1996), a partir dos 20 anos de idade o jovem adulto toma
decisões básicas; já em torno dos 30 anos as decisões são mais funda-
mentais e ele pode se aprofundar em sua experiência pessoal. O autor
menciona que é comum que a essa altura de seu percurso profissional
o indivíduo já tenha angariado alguma promoção, enaltecendo o mo-
mento em relação às produções.

Ao mesmo tempo, talvez, o adulto jovem seja mais preocupado,


pois, além dos ajustes profissionais, vivencia os ajustes sexuais e até
sociais. Assim, a independência pode ser analisada em pelo menos três

82 Psicologia geral e do desenvolvimento


instâncias: financeira, emocional e social. É importante destacarmos
que mesmo quando a independência é alcançada o sujeito é capaz de
manter os laços familiares, especialmente com os pais. Ou seja, a ma-
turidade representa exatamente a possibilidade de se preservar laços,
imprimindo outra forma de relação, diferente da dependência.

O ser humano pode ser considerado emocionalmente maduro


quando é capaz de amar de uma forma genuína e independente, ou
seja, quando recebe e compartilha investimento afetivo, mas sem que
o vínculo afetivo implique submissão ou outras formas de relaciona-
mento marcadas pela dependência emocional.

A independência social inicia já na adolescência, mas é na adultez


jovem que se consolida. Ela se relaciona com a capacidade de se co-
locar responsável diante do lugar que ocupa socialmente. Significa
que ao ocupar um lugar social o sujeito é capaz de se responsabilizar
diante das suas obrigações como cidadão, assim como na realização
de atividades e como membro de determinado grupo e da sociedade.
Conquistar essa independência social é consequência da construção
do sentimento de pertença, além da consciência de si e do desenvolvi-
mento da sua personalidade.

Já a independência financeira é a consequência da sustentação da


independência social, uma vez que se dá por meio do posicionamento
do sujeito com relação a produções profissionais que gerem renda e
que o possibilitem assumir suas responsabilidades financeiras e aten-
der às suas necessidades sem depender de seus pais.

A escolha profissional e o percurso no qual se insere são questões


psicossociais bastante importantes nessa fase do desenvolvimento. A
profissão ocupa um lugar de muita importância e faz parte do senti-
mento de identidade, pois nos apresenta e nos identifica socialmente.
As realizações pessoais ligadas ao trabalho, assim como a remunera-
ção adequada e mesmo a maneira como o sujeito investe seu tempo
nele, são elementos balizadores para o ser humano e que compõem a
forma de sua relação com a sociedade.

O casamento é outro fator importante na vida do sujeito,


comumente acontecendo na adultez jovem. Novamente é im-
portante considerarmos os fatores culturais, conforme afirma
Davidoff (2000, p. 575): “o casamento é variadamente definido por
diferentes culturas e subculturas em determinadas épocas”. A nos-

O desenvolvimento do adulto à velhice 83


sa cultura tem apresentado novas significações para os relaciona-
mentos amorosos, mas o casamento ainda continua sendo a forma
predominante de relacionamento amoroso e a base da construção
familiar para a maioria dos adultos jovens. Além dos fatores sociais
e culturais, existem fatores individuais subjetivos e complexos impli-
cados na maneira como o ser humano se relacionará amorosamente
com alguém.

O casamento convoca o sujeito a colocar à prova suas conquistas


emocionais, na medida que representa um compartilhamento íntimo
de espaço físico, dinheiro, projetos, decisões, responsabilidades, tare-
fas etc. É um encontro próximo com as diferenças de personalidade,
de educação e de culturas familiares e padrões de comportamento,
caracterizando um desafio equilibrar a individualidade, a privacidade,
o espaço pessoal e o espaço comum, sendo o diálogo um dos maiores
aliados desse desafio.

Rosa (1996) destaca como principais ajustes necessários ao casa-


mento: ajustamento com relação ao reconhecimento e à aceitação
das diferenças do parceiro; ajustamento sexual; ajustamento financei-
ro; ajustamento com relação às famílias de origem; e ajustamento da
parentalidade, quando esse for o caso.

A manutenção do prazer, do respeito, da admiração, da intimidade


e da cumplicidade na parceria amorosa é fator importante para que o
relacionamento seja satisfatório e bem-sucedido. O término de uma
relação pode ser de grande abalo na vida do sujeito, assim como um
relacionamento que não é saudável pode trazer prejuízos significativos.

5.2 Adultez madura


Vídeo A adultez madura refere-se ao período do desenvolvimento huma-
no dos 40 aos 60 anos de idade, aproximadamente, e pode ser cha-
mado de meia idade. Caracteriza-se de muitas mudanças físicas, assim
como psicológicas, podendo haver uma ressignificação com relação às
ideias do indivíduo a respeito da vida.

É possível inferirmos que nessa fase o ser humano já adquiriu algu-


ma experiência de vida, o que pode caracterizar um aumento do seu
repertório e de recursos para lidar com as situações, e que, especial-
mente no campo das ideias, já não tem um olhar inflado pelas ideali-

84 Psicologia geral e do desenvolvimento


zações. Suas expectativas, por assim dizer, são mais realistas, tanto a Livro
respeito de si mesmo quanto da sociedade em geral.

Nesse sentido, a maturidade traz uma relação diferente com o


tempo. O sujeito geralmente não sente mais como se tivesse “todo
o tempo do mundo”, ao contrário, já internalizou a experiência da
passagem do tempo, de modo a compreendê-lo como finito. Para
alguns, essa vivência pode ser angustiante caso o indivíduo se sinta
muito frustrado com as suas realizações e/ou não aceite bem o seu
envelhecimento físico. Sobre a adultez madura,
indicamos a leitura da
As mudanças físicas podem afetar psicologicamente a sua autoestima obra O desenvolvimento
e a sua autoimagem. É fato que o envelhecimento causa um aumento de humano. Nela as autoras
sistematizam todo o tema
peso, por vezes uma mudança no próprio formato do corpo, além da di- utilizando as referências
minuição do volume do cabelo, o embranquecimento dos fios e a calvície. cronológicas, além de
ilustrações, o que torna o
Nos homens, os pelos do nariz, das orelhas e das sobrancelhas se tornam conhecimento acessível,
mais aramados. Ainda há uma diminuição da elasticidade da pele, o sur- didático e interessante,
ao mesmo tempo que
gimento de rugas e manchas, a diminuição da massa muscular, a diminui- muito completo. Na sua
ção das acuidades visual e auditiva e a diminuição da potência e da força. última edição foram
acrescentados temas
Internamenteo organismo também sofre com o envelhecimento. As contemporâneos com
o objetivo de mantê-la
artérias envelhecem, o que torna a circulação sanguínea menos eficaz,
atualizada e útil.
por isso há uma tendência ao aumento da pressão arterial. O sistema
PAPALIA, D. E.; FELDEMAN, R. D.
digestório trabalha de modo mais lento, e isso acaba por produzir dis- 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.
túrbios gástricos. As dores musculares, a fadiga, entre outros descon-
fortos são mais frequentes. Claro que fatores hereditários, assim como
os hábitos e a história do sujeito, fazem com que o envelhecimento seja
mais ou menos intenso.

Com a evolução do conhecimento a respeito desses processos, cria-


mos uma cultura de cuidados, como a prática de exercícios físicos, a
reposição de vitaminas, o uso de cosméticos que suavizam os efeitos
do envelhecimento etc.

A relação com o envelhecimento também tem a ver com as


características da cultura, pois a excessiva valorização da juventude e
dos padrões de beleza gera um sentimento de perda aos que envelhe-
cem, além de por vezes haver uma obsessiva tentativa de se manter com
a aparência jovial por meio de cirurgias plásticas e tratamentos estéticos.

Nessa fase o climatério, período hormonal que marca o fim da capaci-


dade reprodutiva da mulher, é um processo gradual, em que a produção
hormonal vai diminuindo até que culmine na menopausa (interrupção na-

O desenvolvimento do adulto à velhice 85


tural dos ciclos menstruais). A falta do hormônio estrogênio causa aumen-
to dos pelos na face, mudanças na voz (que tende a ficar mais grave), e as
curvas do corpo ficam menos evidentes. Na maioria das vezes, é um pro-
cesso caracterizado por desconfortos físicos, como alterações repentinas
na temperatura corporal, enxaqueca e irritação acompanhadas de reper-
cussão no comportamento, sendo por vezes causa de tensões, inseguran-
ças, queda da libido, depressão, entre outras instabilidades emocionais.

Portanto, esse período do desenvolvimento humano convoca os su-


jeitos a se ajustar à sua nova condição física, que na maioria das vezes
coincide inclusive com mudanças na atividade produtiva, como a apo-
sentadoria. Ao final desse processo, a fisiologia tende a se reequilibrar,
mas algumas mulheres podem não superar emocionalmente esse mo-
mento e apresentar dificuldade de construir uma nova imagem.

Na fase anterior do desenvolvimento, que se refere à adultez jovem,


o trabalho é de grande importância para o adulto jovem. Já para o adulto
maduro, aposentar-se pode ser entendido como um desafio para o indi-
víduo que ocupou grande parte do seu tempo, por muitos anos, com o
trabalho. A aposentadoria precisa de uma preparação e um planejamen-
to para que seja bem-sucedida do ponto de vista do bem-estar.

Nessa fase, o contexto das relações familiares comumente assinala


a necessidade de amparo aos filhos (adolescentes e jovens) que es-
tão passando por seus ajustamentos e desafios de desenvolvimento,
ao mesmo tempo em que os pais estão em pleno processo de enve-
lhecimento e demandam atenção e amparo. Para responder a esse
contexto, é ideal que o sujeito se encontre estável em relação às suas
próprias questões psicológicas e sociais, pois, segundo Rosa (1996), o
indivíduo maduro é aquele que já desenvolveu uma série de estraté-
gias que lhe permitem lidar com o estresse e responder a ele com deci-
sões responsáveis. O autor ainda destaca que o sujeito adulto maduro
se caracteriza por ter um senso de competência e autoconfiança.

O adulto maduro pode viver um contentamento por se sentir rea-


lizado com algumas conquistas profissionais, pessoais e familiares.
Pode já ter alcançado uma estabilidade econômica e o reconhecimen-
to almejado. Por outro lado, essa fase da vida também é comparada à
adolescência em relação ao seu aspecto de transição.

A adolescência é um período de transição entre a infância e a adul-


tez, assim como a adultez madura se encontra intermediária entre

86 Psicologia geral e do desenvolvimento


a juventude e a velhice. Os períodos de transição entre fases do de-
senvolvimento humano geralmente são caracterizados por algumas
crises. Especificamente, a adultez madura impõe questionamentos
sobre a satisfação, as realizações e as escolhas feitas, uma vez que o
sujeito se dá mais conta da finitude da vida, e em alguns casos aconte-
cem crises no casamento, descuido físico, excesso de trabalho, o que
também pode acarretar problemas de saúde.

Fica claro que a maneira como o sujeito é capaz de elaborar as mu-


danças nesse período da vida vai determinar seu sucesso nas conquistas
do desenvolvimento próprias dessa fase. Muitos sujeitos dispõem de re-
cursos psíquicos para acolher as mudanças e se reposicionar com rela-
ção ao seu desejo, afinal, chegar à meia idade pode levá-los a refletir de
que forma desejam levar a outra metade da vida que lhes resta.

Segundo Rosa (1996), parece haver uma tendência à preservação do


autoconceito do sujeito entre as fases do adulto jovem e do adulto ma-
duro, porém estereótipos presentes na sociedade podem afetar o in-
divíduo. É claro que esses recursos psicológicos são interdependentes
dos contextos social e cultural. A forma como conseguem se adaptar a
essa nova fase e a apropriação da identidade têm efeito nas relações
interpessoais que o ser humano sustenta.

5.3 A velhice
Vídeo Do ponto de vista do desenvolvimento humano, a partir dos 60 anos
de idade o ser humano entra na fase da velhice e passa a ser conside-
rado idoso. E parece que esse significante, a velhice, tem um grande
peso, devido tanto aos desconfortos físicos que acompanham a chega-
da dessa fase quanto ao significado sociocultural, aos estereótipos e
ainda à real proximidade da morte.

Mais uma vez o bem-estar da pessoa está condicionado à pre-


servação de sua identidade, ao seu percurso de vida e às conquistas
alcançadas em seu desenvolvimento até então. Muitas vezes o en-
velhecimento pode ser acolhido como algo muito negativo, e isso é
psicologicamente muito prejudicial.

As perdas físicas e intelectuais podem ser amenizadas dependen-


do da forma como o sujeito se posiciona subjetiva e objetivamente,
realizando boas escolhas, sejam elas saudáveis, como atividade física,

O desenvolvimento do adulto à velhice 87


Livro boa nutrição, sejam elas intelectuais, mantendo-se produtivo, criativo e
aberto a novas aprendizagens.

A autocensura e a autocrítica severa podem inibir o sujeito de seus


desejos, demonstrando receio de parecer ridículo diante do olhar dos
outros. As crenças autolimitantes de que não é mais capaz também
são prejudiciais, por causarem privações e às vezes certo isolamento
de participar de atividades e eventos sociais. Embora haja um esforço
da sociedade para manter o idoso integrado socialmente, é necessário
Recomendamos a leitura que ele próprio acredite nesse processo e se permita participar.
da obra Velhice: uma
nova paisagem. A autora,
A própria produção de conhecimento dessa fase da vida é uma das formas
psicóloga dedicada ao de oferecer formação adequada aos profissionais médicos, fisioterapeutas,
tema, faz um percurso
interessante ao nomear
terapeutas ocupacionais, educadores físicos, psicólogos etc., para que de
questões pertinen- maneira interdisciplinar possam intervir favoravelmente para o bem-estar
tes à fase da velhice,
provocando-nos a pensar
do idoso. A velhice hoje, portanto, é estudada de modo interdisciplinar, na
o lugar que o idoso ocupa perspectiva do ser humano integral, do ser biopsicossocial.
na nossa sociedade,
questionando os estereó- O envelhecimento também se dá nas três dimensões do sujeito:
tipos e estigmas, abrindo
biológica, psicológica e social. Rosa (1996) destaca que ele não é regu-
novas perspectivas a
respeito da realidade e lar, podendo acontecer de maneira mais acelerada para determinado
considerando o aumento
sujeito e ainda em determinada área. Logicamente o envelhecer de-
da expectativa de vida do
idoso no Brasil. pende da interação entre essas três dimensões. Há certa singularidade
ABREU, M. C. de. São Paulo: quanto a isso, mas existem eventos comuns a todos os seres humanos.
Ágora, 2017.
Isto é, existem variações individuais condicionadas a fatores biológicos
(herança genética) em interação com fatores psicológicos (personalida-
de, identidade etc.) e fatores sociais (ambiente, condições econômicas
e culturais) que juntas determinam as condições para que o sujeito se
mantenha ativo e integrado.

Farfel (2009, p. 19) aponta que há uma distinção entre o proces-


so natural de envelhecimento, chamado de senescência, e o processo
patológico de envelhecimento, denominado senilidade. O autor explica
que:
a senescência é um fenômeno biológico, universal e inexorá-
vel. Comfort (1979) foi quem melhor definiu o processo de en-
velhecimento, caracterizando-o como a redução da capacidade
de manutenção da homeostasia, em condições de sobrecarga
funcional. A senescência é, portanto, o conjunto de modificações
orgânicas decorrentes do Processo Natural de Envelhecimento.
Implica em perda progressiva da capacidade de adaptação do
organismo frente à sobrecarga, porém, sem acarretar qualquer

88 Psicologia geral e do desenvolvimento


prejuízo à autonomia e à independência do indivíduo.

Lembrando que os processos dependem da integração de diversos


fatores, e entendendo a senescência, podemos avançar na definição
da senilidade:
A senilidade, por sua vez, é o conjunto de alterações decorrentes
de situações de doença, que podem acompanhar um indivíduo
ao longo do seu processo de envelhecimento. A sobrecarga
decorrente do processo de doença, somada à perda da capaci-
dade de manutenção da homeostase, decorrente do Processo
Natural de Envelhecimento, desencadeia o surgimento de sin-
tomas e determina prejuízo à autonomia e independência do
sujeito. (FARFEL, 2009, p. 19)

O período do desenvolvimento que abrange a velhice deve ser en-


tendido sob a perspectiva da senescência e da senilidade, pois elas
são como bússola norteadora quanto ao normal e ao patológico do
envelhecer e consequentemente indicam como cada situação deve ser
enfrentada e encaminhada. A senilidade, ao contrário da senescência,
não é um fenômeno puramente fisiológico, as instâncias psicológica e
social são muito importantes nesse processo, pois a lucidez sofre inter-
ferência dos fatores emocionais.

Há evidências de que os sujeitos que não mantêm certo interesse


constante por alguma atividade pós-aposentadoria têm seu envelhe-
cimento acelerado (ROSA, 1996). É preciso, portanto, que o indivíduo
tenha propriedade e esteja preparado para a redução das funções
sociais. Estar preparado significa ter um planejamento de futuro, com
metas que o mantenham motivado, engajado e comprometido com
algo, para não se entregar ao sentimento de inutilidade, que é muito
nocivo e pode colaborar para o desenvolvimento da senilidade.

A aceitação com alguma naturalidade das mudanças decorrentes


do envelhecimento, assim como das mudanças decorrentes desse
novo momento da vida, é determinante para o sucesso do ajustamento
que se faz necessário, sendo esse o grande desafio do sujeito diante do
desenvolvimento humano na velhice.

Entre as mudanças físicas podemos citar a diminuição de acuidade


sensorial. Há certa perda do tato causada pela mudança na textura da
pele, que se torna mais seca e endurecida. A audição, que inicia seu
declínio de maneira sutil a partir da adolescência, torna-se limitada a
partir dos 65 anos de idade. A visão também sofre perdas, pois há uma

O desenvolvimento do adulto à velhice 89


deterioração da estrutura ocular (córnea, lente, retina, nervo óptico),
uma diminuição da percepção das cores e efeitos da perda gradual do
tecido adiposo da órbita, que fazem com que os olhos da pessoa idosa
fiquem mais fundos e com as pálpebras mais soltas devido à deficiên-
cia do tônus muscular (ROSA, 1996). O olfato e o paladar sofrem perdas
de sensibilidade pela diminuição dos corpúsculos gustativos, responsá-
veis pela captação dos sabores.

Outra mudança sentida no corpo é na voz, que em razão do en-


rijecimento das pregas vocais se torna mais fina e muda seu ritmo e
sua fluência, fazendo com que seja mais lenta e pausada. Os ossos
do corpo passam por mudanças químicas, podendo desenvolver a
osteoporose, que é uma fragilidade causada pelo aumento da poro-
sidade dos ossos, o que eleva a probabilidade de fraturas. Doenças
que acometem as articulações são mais frequentes com o avanço da
idade e podem causar limitações nos movimentos, além de dores.
Até o formato do rosto modifica em função das perdas ósseas e das
alterações nos dentes.

De maneira geral, há uma diminuição no tônus devido à perda de


massa muscular e à queda consequente da resistência física. A capaci-
dade metabólica também sofre alterações, já que o sistema endocri-
nológico e o digestório passam por um declínio funcional. Há redução
do fluxo salivar e do suco gástrico, dificultando o processo digestivo,
que é sensível aos abalos emocionais, como ansiedade, preocupações
e depressão.

O sistema circulatório torna-se menos eficiente, o coração mais fi-


broso, e as artérias têm sua capacidade diminuída. O envelhecimento
reduz ainda as capacidades renal, pulmonar e do pâncreas. O sistema
nervoso, o cérebro e até a cicatrização são prejudicados. Embora todas
essas descrições referentes à fisiologia possam parecer desanimado-
ras e até pessimistas, com todos os recursos da medicina e do próprio
lugar social que os idosos vêm ocupando, é possível envelhecer com
saúde e bem-estar, exercendo atividades interessantes e criativas.

Abordamos, enfim, as mudanças intelectuais e cognitivas. A ma-


nutenção da aprendizagem é um dos fatores mais importante do
investimento intelectual para prevenção da senilidade. É necessário
destacarmos que a aprendizagem acompanha todo o desenvolvi-
mento humano, ou seja, todo o ciclo da vida até seu término. Logo,

90 Psicologia geral e do desenvolvimento


é ideal que o idoso não se prive de se expor a situações de apren-
dizagem e permita-se tal desafio, sem receios de errar, respeitando
seu próprio ritmo.

Cada vez mais há acesso a programas de bem-estar destinados


aos idosos. Além das atividades físicas, algumas instituições oferecem
cursos com as mais variadas temáticas: arte, desenho, pintura, co-
nhecimentos gerais, práticos ou teóricos, informática (o que favorece
a inclusão digital, tão presente atualmente em nosso cotidiano) etc. A
ideia é que se tenha qualidade do tempo, que o sujeito possa realizar
aquilo que não pôde realizar em outras fases da vida, ter tempo para
ler, assistir a filmes, ter lazer, viajar, entre outros. Claro que essas rea-
lizações dependem da realidade financeira de cada um, mas existem,
por exemplo, programas sustentados pelas prefeituras e parcerias com
as universidades, porque há uma preocupação com as pessoas da tam-
bém chamada terceira idade, que inclusive estão mais longevas do que
em outros períodos históricos.

As questões psicológicas da fase da velhice são muito importan-


tes para o sucesso das denominadas tarefas evolutivas, impostas por
essa fase da vida. Estas podem ser entendidas como conquistas e
adaptações à realidade do momento. Entre elas podemos destacar a
adaptação à condição física, a aposentadoria, a viuvez (quando esse for
o caso) e as relações sociais.

Witter (2006) explica que a viuvez pode causar dificuldades


associadas ao aspecto afetivo e exemplifica que residir sozinho após
a morte do parceiro só é possível quando o sujeito tem condições
físicas e psicológicas para isso. Caso não seja possível viver sozinho
em seu lar, o sujeito pode ter que se mudar, provavelmente para mo-
rar com algum parente (filhos, irmãos ou outros). A mudança implica
mais uma perda, a do seu espaço, além de demandar a integração em
outro meio de convivência, exigência essa que ocorre justamente no
momento de abalo emocional, em que o indivíduo está envolvido com
o trabalho psíquico do luto.

O luto provoca tristeza e caracteriza-se como um período em que


há pouca energia psíquica disponível para ser investida em situações
novas. Considerando isso, as pessoas do entorno do idoso precisam
ter condições de manejar as dificuldades para ajudá-lo nessa tarefa.
Witter (2006) enfatiza que são mudanças muito grandes que ocorrem

O desenvolvimento do adulto à velhice 91


na vida do sujeito viúvo e que raramente as pessoas estão preparadas
ou estabeleceram planos para essa situação, de modo que ela passa
a ser mais difícil e penosa. Não é incomum o idoso falecer em curto
espaço de tempo após se tornar viúvo, sendo esse momento, portanto,
bastante decisivo na vida. A autora sugere que a manutenção da aten-
ção e o envolvimento em atividades podem ser importantes para evitar
depressão e isolamento, sem perder de vista as necessidades básicas
de moradia e sobrevivência financeira.

Da perspectiva psicossocial, como vimos, o desafio do idoso é


desenvolver alguma atividade que lhe traga prazer. A proximidade
da morte pode ser fator de bastante angústia, e a atividade acaba
positivando a vida, como se deseja levar o tempo que lhe resta da
melhor maneira possível. Para Erikson (2000), há duas possibilida-
des típicas de o sujeito se posicionar com relação à proximidade do
final da vida: a integridade ou o desespero. No caso da primeira, há
uma ideia tranquila, na qual a própria morte pode ser tomada com
serenidade, por haver um sentimento de realização sobre seu per-
curso de vida. Já a segunda traz o medo da morte, muitas vezes um
sentimento de ressentimento, no qual o sujeito toma seu percurso
de vida como insuficiente.

Entendemos que todas as fases do desenvolvimento humano são


decisivas para os recursos de que o sujeito dispõe na velhice. A vida do
idoso é de certa forma consequência das escolhas, das tarefas e das
conquistas que realizou em todas as instâncias do desenvolvimento.
Nesse sentido, é desejável que o indivíduo tenha biologicamente sus-
tentado boa saúde física; psicologicamente sustentado sua subjetivi-
dade e sua saúde mental; e socialmente sustentado certa autonomia,
lugar ativo e laços sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cada período do desenvolvimento humano representa nova etapa
de desafios e conquistas que, para serem alcançados, dependem de um
arranjo único entre as instâncias biológicas, psicológicas e sociais, cuja in-
teração é determinante da postura subjetiva refletida nas escolhas e nas
atitudes objetivas da vida.
Em seu percurso de vida, o ser humano deve desenvolver recursos
emocionais para investir em seu bem-estar. Ou seja, cuidar da saúde físi-

92 Psicologia geral e do desenvolvimento


ca, apropriar-se de sua identidade pessoal, sustentar um lugar produtivo
na sociedade, criar laços efetivos e sociais. A disposição à aprendizagem
é fundamental em todos os períodos do desenvolvimento dos indivíduos.
A conquista da autonomia e da independência para alcançar realizações
é a chave para acolher o envelhecimento com naturalidade e serenidade.

ATIVIDADES
1. Quais as principais conquistas e os desafios do período do
desenvolvimento humano correspondente à adultez jovem?

2. Descreva brevemente o climatério e seus efeitos para a mulher na fase


da adultez madura.

3. Identifique uma maneira de prevenção da perda cognitiva do idoso.

REFERÊNCIAS
DAVIDOFF, L. L. Introdução à psicologia. 3. ed. São Paulo: Pearson Universidades, 2000.
ERIKSON, E. H. O ciclo de vida completo. Porto Alegre: Artmed, 2000.
FARFEL, J. M. Fatores relacionados à senescência e à senilidade cerebral em indivíduos muito
idosos: um estudo de correlação clinicopatológica. 2009. Tese (Doutorado em Ciências) –
Faculdade de Medicina, USP, São Paulo. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/
disponiveis/5/5144/tde-15042009-165458/pt-br.php. Acesso em: 14 dez. 2020.
ROSA, M. Psicologia evolutiva: psicologia da idade adulta. Petrópolis: Vozes, 1996.
SHAFFER, D. R. Psicologia do desenvolvimento: infância e adolescência. São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, 2005.
WITTER, G. P. Tarefas de desenvolvimento do adulto idoso. Estudos de Psicologia, Campinas,
v. 23, n. 1, p. 13-18, jan./mar. 2006. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-
166X2006000100002. Acesso em: 14 dez. 2020.

O desenvolvimento do adulto à velhice 93


Gabarito
1 Psicologia Geral
1. O interesse em compreender as questões da mente é anterior à
constituição da psicologia como uma ciência. A filosofia grega já se
ocupava dessas questões e essa origem é evidenciada inclusive na
etimologia da palavra, que resulta da junção das palavras gregas:
psiché (alma ou mente) e logos (razão ou estudo), isto é, estudo da
mente. O filósofo e físico Gustav Fechner (1801-1887) foi muito
importante nesse processo por demonstrar que os métodos científicos
poderiam ser empregados no avanço de pesquisas e estudos dos
processos mentais. O marco do estabelecimento da psicologia como
ciência aconteceu quando Wilhem Wundt criou o primeiro Laboratório
de Psicologia Experimental em Leipzig (Alemanha), no ano de 1879.
Nesse momento, houve a consolidação dos estudos da psicologia sob
os critérios científicos de observação e com métodos provenientes da
fisiologia. Mais tarde, no desenvolvimento de seu percurso, a psicologia
se ampliou para além da sua relação com a Fisiologia, de modo que
hoje pode ser considerada nas dimensões fisiológica, psíquica e social.

2. A psicologia tem como objeto de estudo os fenômenos psíquicos, os


quais abarcam muitos conceitos: desenvolvimento, aprendizagem,
percepção, atenção, inteligência, cognição, memória, pensamento,
emoção, sentimentos, comportamentos, motivação, agressividade,
relação interpessoal, comportamento social, linguagem, personalidade,
consciente e inconsciente, resiliência, psicopatologias, entre outros.
A multiplicidade de objetos de estudo implica a diversidade das
abordagens de pesquisa, visto que seria impossível que houvesse uma
única teoria que desse conta de aprofundar o estudo em todos os
objetos, teorizar sobre eles e ainda desenvolver formas de intervenções
aplicáveis.

3. O behaviorismo teorizou que o condicionamento operante explica


alguns aspectos do comportamento e da aprendizagem humana e
animal.
A principal contribuição da gestalt foi estudar o sistema perceptivo
humano, que elucida processos cognitivos (memória, sensações,
pensamento, aprendizagem etc.).

A psicanálise contribuiu com os estudos do inconsciente, o qual


desvenda diversos fenômenos psíquicos.

94 Psicologia geral e do desenvolvimento


2 Psicologia do Desenvolvimento: teorias e métodos
1. O desenvolvimento é o processo evolutivo através do qual o ser humano
adquire capacidades por meio de mudanças sistemáticas e contínuas,
desde sua concepção até a morte. Envolve as dimensões: biológica
(crescimento, maturação) psicológica (subjetividade, afetividade) e
social (socialização, cultura).

2. A corrente filosófica acerca do desenvolvimento que é, atualmente,


mais aceita é a socio-histórica porque ela tem princípios interacionistas,
ou seja, considera a interação entre os fatores hereditários e os fatores
ambientais na determinação das características e capacidades do ser
humano.

3. As principais teorias que contribuíram para compreensão acerca da


Psicologia do Desenvolvimento Humano são: a teoria de Freud, a
teoria de Wallon, a teoria de Piaget e a teoria de Vygotsky.

3 O desenvolvimento do pré-natal à primeira


infância
1. A partir da concepção há formação do zigoto, do período germinal,
seguido do período embrionário e do período fetal.

2. O recém-nascido é dotado de reações reflexas que correspondem


a respostas automáticas a certos estímulos; essas respostas têm
como função o favorecimento da adaptação à vida. Há um repertório
de reflexos que não dependem da aprendizagem, são os chamados
reflexos de sobrevivência: respiratório, sucção, deglutição, rotação (na
busca do seio materno), palpebral (piscar os olhos para protegê-los).
O bebê apresenta também outros reflexos que desaparecem pouco a
pouco no decorrer do primeiro ano de vida, os denominados reflexos
primitivos, que são reflexos remanescentes da história evolutiva do ser
humano e já não têm mais uma função tão útil; porém, a ausência
ou a permanência tardia deles pode indicar algum problema no
desenvolvimento ou no sistema nervoso central.

3. A primeira infância é considerada o alicerce sobre o qual todas as


demais fases do desenvolvimento se apoiarão, porque é nela que o
ser humano inicia a subjetivação, adquire a linguagem e se estabelece
como ser relacional, ou seja, estabelece além do seu desenvolvimento
físico, seu desenvolvimento psíquico e social, inserindo-se na cultura e
se humanizando.

Gabarito 95
4 O Desenvolvimento da Infância à Adolescência
1. A importância do desenvolvimento sensorial tem relação com a
função da percepção, pois a percepção é fundamental para todas
as instâncias do desenvolvimento do ser humano. É por meio das
habilidades sensoriais que a criança processa informações, organiza
e compreende as experiências e interage com o ambiente do seu
entorno.

2. A escola representa uma instituição regida por regras e leis que


reproduzem a organização da sociedade, na qual todos estão
submetidos aos limites e às regras. A escola, portanto, oportuniza que
a criança se torne capaz de preservar sua individualidade ao mesmo
tempo em que compartilha da mesma posição que seus semelhantes,
desenvolvendo, assim, a tolerância com as diferenças, pois é o
encontro com elas que reforça sua própria identidade. Esses desafios
psicossociais, portanto, encontram na escola seu melhor lugar, visto
que a escola encarna o “outro social”, de maneira instituída e fora do
sistema familiar. Para além das transmissões de conteúdos, a escola
tem a função de sustentar as leis que regem as relações humanas
e oferecer lugares sociais veiculados pelos discursos, os quais são
importantes para subjetivação da criança.

3. A adolescência é uma fase de conflitos psíquicos devido às diversas


mudanças biológicas, cognitivas, psicológicas e sociais que ocorrem. A
nível biológico, a passagem da puberdade faz com que o adolescente
precise simbolizar seu corpo, ressignificá-lo e construir sua autoimagem.
Cognitivamente, o adolescente passa a dominar melhor a capacidade
de abstração, de modo que também ressignifica as representações do
mundo, tornando-se crítico e questionador. Psicologicamente, é um
momento importante na construção da identidade e da personalidade.
O adolescente vivencia, portanto, conflitos internos e externos.

5 O desenvolvimento do adulto à velhice


1. É desejável que nessa fase da vida o sujeito conquiste autonomia e
independências financeira, emocional e social. Portanto, que seja
capaz de começar a assumir plenamente as funções que a sociedade
espera do ser adulto.

2. O climatério é o processo gradual do fim da capacidade reprodutiva da


mulher. Entre os efeitos físicos estão: a falta do hormônio estrogênio,
o aumento dos pelos na face, a alteração na voz, que fica mais grave,

96 Psicologia geral e do desenvolvimento


as mudanças nas curvas do corpo, que ficam menos evidentes.
Há alterações repentinas na temperatura corporal, enxaqueca e
irritação acompanhadas de repercussão no comportamento. Pode
causar tensões, inseguranças, queda da libido, depressão, entre
outras instabilidades emocionais. A fisiologia tende a se reequilibrar
ao fim do processo, mas algumas mulheres podem não superar
emocionalmente esse momento e apresentar dificuldade de construir
uma nova imagem.

3. A melhor forma de prevenção é a manutenção de atividades e de


situações de aprendizagem. A aprendizagem acompanha todo o
desenvolvimento humano, ou seja, todo o ciclo da vida até seu
término. Logo, é ideal que o sujeito idoso não se prive de se expor às
situações de aprendizagem e permita-se tal desafio, sem receios de
errar, respeitando seu próprio ritmo.

Gabarito 97
Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-6586-8

59194 9 788538 765868

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