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A Evolução da Psicologia enquanto Ciência e Profissão

A Psicologia enquanto ciência e profissão pode ser considerada uma das mais
respeitadas áreas do conhecimento na atualidade. Isso deve-se à crescente
atenção e preocupação em assuntos de saúde mental, em especial após a
pandemia. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde(OMS), em 2019
quase 1 bilhão de pessoas no mundo teriam algum transtorno mental. Desses, 14%
eram adolescentes. Apenas no primeiro ano da pandemia, 129 milhões de pessoas
desenvolveram algum transtorno depressivo ou transtorno de ansiedade. Esses
dados mostram a importância da psicologia como ciência, como profissão e na
promoção de qualidade de vida e saúde mental.

Porém, houve um longo caminho para o desenvolvimento da Psicologia científica,


iniciando-se no período da filosofia pré-socrática, com as chamadas ideias
psicológicas, passando por Sócrates, Platão e Aristóteles, ainda na Idade Antiga,
até Descartes e Kant, na Idade Moderna, até chegar, finalmente, no advento da
Psicologia científica, com a criação do primeiro laboratório de psicologia, em
Leipzig, por Wundt, no final do século XIX. Contudo, mesmo com a fundação da
psicologia moderna, ainda há algumas considerações que precisam ser realizadas
para que a psicologia seja, de fato, definida como uma ciência, mas que se
diferencia em diversos aspectos de outros campos de estudo, como a física, a
química, a biologia, e das ciências humanas, como a sociologia e a antropologia.

A primeira consideração que deve ser feita é acerca do próprio desenvolvimento


científico. O desenvolvimento científico, por definição efetuada por Ernest
Nagel(1961, apud CASTANON, 2009), deve apresentar seis características:

(...) forma sistêmica da organização do conjunto de leis, definição de métodos de


investigação, redução de fenômenos a um nível ontologicamente mais básico,
objetividade (no sentido de ser controlável, reproduzível e intersubjetivamente
observável), claridade das leis e teorias estabelecidas em linguagem formalmente
impecável e semanticamente unívoca e, por fim, incompletude e falibilidade do
conhecimento produzido.

Ou seja, um conjunto de conhecimentos pode ser denominado como científico


quando tem objeto específico, metodologia específica e adequada e objetividade. A
Psicologia não tem, entretanto, um objeto propriamente específico, pois essa estuda
o homem. Esse é o primeiro desafio na inclusão da Psicologia como ciência, já que
também se difere da antropologia e sociologia no estudo do homem. Por conta da
subjetividade do homem enquanto objeto estudado, cada abordagem dentro da
psicologia tratará como objeto principal da psicologia características distintas do ser
humano. Com isso, o objeto de estudo da Psicologia pode ser o comportamento, o
subconsciente, a consciência humana, ou ainda, a personalidade.
Outro problema que surge acerca da caracterização da Psicologia enquanto ciência
é a relação entre sujeito e objeto. Para empiristas como Francis Bacon(1988, apud
BATISTA; MOCROSKY e MONDINI, 2017), o sujeito deve separar-se do objeto,
abandonando seus pressupostos para deixar o objeto imaculado do sujeito. Como
na Psicologia o estudo é o homem, a separação entre objeto e sujeito pode ser dita
como impossível. Essa separação também é vista no racionalismo, como no método
cartesiano, onde a razão deve conduzir o pensamento, e esse pensamento, assim,
estaria separado do objeto (BATISTA; MOCROSKY e MONDINI, 2017).

Há, porém, críticas contundentes acerca da impossibilidade de sujeito e objeto


estarem separados. De acordo com o filósofo holandês Herman Dooyeweerd(1958),
o pensamento filosófico e científico não podem ser separados dos pressupostos do
sujeito, sendo isso uma falácia. Logo, na produção do saber científico da Psicologia,
não há obrigatoriedade em tratar sujeito e objeto como uma dicotomia,
completamente separada para validar a produção científica. O que deve ser
buscado é uma metodologia científica adequada para que os pressupostos do
sujeito não se sobressaiam em relação à observação e estudo do objeto.

Considerando esses dois pontos, a Psicologia científica pode ser definida como uma
ciência que estuda a subjetividade humana, buscando entender o ser humano em
sua totalidade, e não em partes. Essa subjetividade é o que mais pode caracterizar
o ser humano, pois esse é moldado pelos seus contextos ambientais e sociais, não
somente por características biológicas e genéticas, além de ser automoldável. Por
isso, o homem é ator e autor de sua própria história.

Isso faz com que essa ciência se diferencie das outras ciências humanas, das
ciências naturais e também do senso comum e misticismo. Esses dois últimos têm
suas próprias concepções acerca da mente e alma, e por mais que sejam obtidos a
partir da observação, normalmente tais conceitos estão parcial ou completamente
errôneos. Por isso a Psicologia deve ser vista como ciência consolidada e baseada
em metodologia apropriada, para garantir que, enquanto profissão, ela também seja
respeitada e auxiliadora na promoção de saúde e em melhorias na sociedade.

Após o surgimento e consolidação dessa ciência, que a profissionalização se tornou


possível. No Brasil, esse processo passou por algumas fases para, então, haver a
regularização do profissional de psicologia. É curioso observar nesse processo a
colaboração de outras duas grandes áreas do conhecimento, e também das
profissões: a educação e a medicina. Pode se dizer, em relação à medicina, que
essa não contribuiu somente com a profissionalização da psicologia, mas também
com o surgimento dessa ciência. A fisiologia foi a principal área, não só da
medicina, como da biologia em si, que contribuiu para o estudo do cérebro humano.
Tal ciência contribuiu intimamente com a criação dos primeiros laboratórios de
psicologia no mundo. No Brasil, em especial, os primeiros profissionais a
trabalharem com a psicologia foram médicos, ainda no século XIX, nas faculdades
de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro. Após esse período, a área de educação
tornou-se fundamental para a futura consolidação da profissão de psicólogo. A
inclusão da disciplina de Psicologia na formação de professores e a criação do
primeiro laboratório experimental em educação contribuíram muito para isso. Com o
passar do tempo, a Psicologia foi se tornando cada vez mais importante, sendo
englobada como disciplina obrigatória em diversos outros cursos, como filosofia,
medicina, educação física e pedagogia. Isso contribuiu para que, mais tarde,
houvesse a regularização da profissão, em 1946. Logo, essa área já não era mais
dependente de outras, mas separada e única. E foi a partir de 1975 que de fato
pode-se estabelecer essa profissão como consolidada, única, e que pode progredir
muito para fora da área clínica, como esportes, jurídica, hospitalar e outras.

Dessa forma, observa-se o longo caminho que a Psicologia percorreu no


desenvolvimento enquanto ciência e enquanto profissão, com a colaboração de
diversos filósofos, cientistas, fisiologistas e órgãos institucionais para que essa se
mantivesse firme. É importante observar todos esses contribuintes para analisar
como se deu a evolução dessa área, e onde essa ainda deve evoluir, para que a
Psicologia possa progredir na medida que a sociedade cresce e se desenvolve, de
forma que as mudanças que vêm ocorrendo no processo mental humano possam
ser acompanhadas e estudadas, para que Psicologia continue renovando suas
abordagens terapêuticas e promover o cuidado mental.

Bibliografia

CASTANON, Gustavo Arja. Psicologia como ciência moderna: vetos históricos e


status atual. Temas psicol., Ribeirão Preto , v. 17, n. 1, p. 21-36, 2009 .
Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X200900010
0004&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 03 abr. 2023.

BATISTA, J. O. MOCROSKY, L. F.; MONDINI, F. Sujeito e objeto na produção do


conhecimento científico. ACTIO, Curitiba, v. 2, n. 3, p. 44-59, out./dez. 2017.
Disponível em: . Acesso em: 03 abr. 2023.

ARAÚJO, C. M. DE .; OLIVEIRA, M. C. S. L. DE .; ROSSATO, M.. O Sujeito na


Pesquisa Qualitativa: Desafios da Investigação dos Processos de Desenvolvimento.
Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 33, n. Psic.: Teor. e Pesq., 2017 33, 2017.

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