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HISTÓRIA DA PSICOLOGIA

Por: psicólogo Geofilho Ferreira MOraes

CRP-12/10.011

Data: 14 de abril de 2011

O texto abaixo apresenta a história da psicologia em diferentes contextos por qual essa foi se
modificando, de uma disciplina para uma ciência.

Embora o texto seja sobre o estudo da história da psicologia, entendo que os diversos fatores
apresentados pelos autores como: o contexto em que se desenvolve a história, a economia,
distorções intencionais ou não por parte de historiadores que podem ter modificado o curso da
história e a compreensão que temos desta hoje, são fatores presentes em qualquer história.

Concordo com os autores, a história não é estática, está em mútua e constante transformação; a
história não pode ser compreendida como estando acabada.

Reflita você mesmo!:

SCHULTZ, Duane P., SCHULTZ, Sydney E. História da Psicologia Moderna. São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, 2005.

Capítulo 1

O Estudo da História da Psicologia

O Desenvolvimento da Psicologia Moderna Forças Contextuais na Psicologia

A Relevância do Passado para o presente: Concepções da História Científica: personalista e


Naturalista

Os Dados da História
As Escolas de Pensamento: Marcos do Desenvolvimento da Psicologia Moderna

Do mais antigo objeto produziremos a mais nova ciência.

Hernlann Ebbinghalb

On Memory

O Desenvolvimento da Psicologia Moderna

Começamos com um paradoxo, uma aparente contradição, ao observar que a psicologia é uma das
mais antigas disciplinas acadêmicas e, ao mesmo tempo, uma das mais novas. O interesse pela
psicologia remonta aos primeiros espíritos questionadores. Sempre tivemos fascínio pelo nosso
próprio comportamento, e especulações acerca da natureza e conduta humanas são os tópicos de
muitas obras filosóficas e teológicas. Já no século V A.C., Platão, Aristóteles e outros sábios gregos se
viam às voltas com muitos dos mesmos problemas que hoje ocupam os psicólogos: a memória, a
aprendizagem, a motivação, a percepção, a atividade onírica e o comportamento anormal. As
mesmas espécies de interrogações feitas atualmente sobre a natureza humana também o eram
séculos atrás, o que demonstra uma continuidade vital entre o passado e o presente em termos de
seu objeto de estudo.

Embora os precursores intelectuais da psicologia sejam tão remotos quanto os de qualquer


disciplina, a moderna abordagem psicológica teve início há pouco mais de cem anos. O centenário
de nascimento da psicologia moderna foi comemorado em 1979.

A distinção entre a psicologia moderna e seus antecedentes estão menos nos tipos de perguntas
feitas sobre a natureza humana do que métodos empregados na busca das respostas a essas
perguntas.O que distingue a disciplina mais antiga da filosofia da psicologia moderna são as
abordagens e as técnicas usadas, que denotam a emergência desta última como um campo de
estudo próprio, essencialmente científico.

Até o último quarto do século XIX, os filósofos estudavam a natureza humana mediante a
especulação, a intuição e a generalização baseadas em sua limitada experiência. Sucedeu uma
transformação no momento em que os filósofos começaram a aplicar os instrumentos e métodos
que já tinham se mostrado bem-sucedidos nas ciências físicas e biológicas a questões relativas à
natureza humana. Somente quando os pesquisadores passaram a se apoiar na observação e na
experimentação cuidadosamente controladas para estudar a mente humana é que a psicologia
começou a alcançar uma identidade que a distinguia de suas raízes filosóficas.

A nova disciplina da psicologia precisava desenvolver maneiras mais precisas e objetivas de tratar o
seu objeto de estudo. Boa parte da história da psicologia, depois de sua separação da filosofia, é a
história do contínuo aprimoramento de instrumental, técnicas e métodos de estudo voltados para
alcançar uma precisão e uma objetividade maiores tanto no âmbito das perguntas como no das
respostas.

Se temos a intenção de compreender os complexos tópicos que definem e circunscrevem a


psicologia de hoje, o ponto de partida adequado à perspectiva da história deste campo é o século
XIX, O momento em que a psicologia se tornou uma disciplina independente com métodos de
pesquisa e raciocínios teóricos característicos.

Não podemos negar que os primeiros filósofos e estudiosos especularam sobre problemas
referentes à natureza humana; eles por certo o fizeram. "Quando examinamos os tópicos que hoje
compõem a literatura da psicologia profissional" -escreveu Daniel Robinson, historiador de
psicologia da Universidade Georgetoum-, "temos muita dificuldade para encontrar um que não
tenha sido formulado, com freqüência de uma maneira a ser aperfeiçoada, [no] século XIX"
(Robinson, 1981, pp. 390-391). No entanto, é limitada a influência desses primeiros estudiosos no
desenvolvimento da psicologia como ciência distinta e essencialmente

experimental.

Somente há cerca de cem anos os psicólogos definiram o objeto de estudo da psicologia e


estabeleceram seus fundamentos, confirmando assim sua independência em relação à filosofia. Os
primeiros filósofos se preocuparam com problemas que ainda são de interesse geral, mas os
abordaram de modos vastamente distintos dos empregados pelos atuais psicólogos. Esses pioneiros
não eram psicólogos no sentido contemporâneo do termo, e discutiremos as suas idéias apenas
quando apresentarem uma relação direta com o estabelecimento da psicologia moderna.

A idéia de que os métodos das ciências físicas e biológicas poderiam ser aplicados ao estudo de
fenômenos mentais foi herdada do pensamento filosófico e das pesquisas fisiológicas dos séculos
XVII a XIX. Essa época fervilhante constitui o cenário imediato do qual surgiu a psicologia moderna.
Enquanto os filósofos do século passado preparavam o caminho para a abordagem experimental do
funcionamento da mente, os fisiologistas atacam independentemente dos mesmos problemas a
partir de outra direção, e davam largos passos rumo à compreensão dos mecanismos corporais que
estão na base dos processos mentais.

Seus métodos de estudo eram diferentes do procedimento filosófico, mas a eventual união dessas
disciplinas apartadas -a filosofia e a fisiologia -produziram um campo de estudo em que, ao menos
em seus anos de formação, se fez uma tentativa de preservar as tradições e crenças conflitantes de
cada uma delas.

Felizmente, a nova psicologia logo conseguiu alcançar identidade e estaturas próprias.

O primeiro indício de um campo distinto de pesquisa conhecido como psicologia manifestou-se no


último quarto do século XIX, quando o método científico foi adotado como um recurso para tentar
resolver os problemas & psicologia. No decorrer desse período, manifestaram-se várias indicações
formais de que essa disciplina começava a florescer. Em dezembro de 1879: em Leipzig, Alemanha,
Wilhelm Wundt implantou o primeiro laboratório de psicologia do mundo. Em 1881, fundou a
revista Phílosophische Studien (Estudos Filosóficos),considerada a primeira a revista de psicologia
dedicada primordialmente a relatos experimentais.
Em 1887, G. Stanley Hall fundou o American Journal of Psychology, a primeira revista psicológica
publicada nos Estados Unidos. E, em 1888, a Universidade

da Pensilvânia nomeou James McKeen Cattell, um americano que estudara com Wundt, professor de
psicologia, a primeira docência em psicologia do mundo. Até então, os psicólogos trabalhavam em
departamentos de filosofia. A posição de Cattell fez com que a psicologia fosse reconhecida nos
círculos acadêmicos como disciplina independente.

Entre 1880 e 1895, ocorreram dramáticas e profundas mudanças na psicologia americana. Durante
esse período, foram fundados vinte e seis laboratórios e três revistas de psicologia. A Associação
Psicológica Americana (APA), a primeira organização científica e profissional de psicólogos, foi
fundada em 1892.

A Associação comemorou seu centenário em 1992, com um número especial da revista American
PsychoJogist dedicado à história da psicologia.

O psicólogo britânico William McDougall definiu a psicologia, em 1908, como a “ciência do


comportamento, ao que parece pela primeira vez. Dessa forma por volta do começo do século vinte,
a psicologia americana conseguia sua independência em relação à filosofia, desenvolvia laboratórios
nos quais aplicar os métodos científicos, formava sua própria associação científica e definia-se
formalmente como ciência - a ciência do comportamento”.

Uma vez estabelecida, a nova disciplina se expandiu com rapidez, em especial nos Estados Unidos,
que assumiu e mantém uma posição de destaque no mundo psicológico.

Atualmente, mais da metade dos psicólogos do mundo trabalha nos Estados Unidos, e um grande
número de profissionais de outros países teve ao menos uma parte do seu treinamento em
instituições americanas. A maioria das populações psicológicas do mundo vem dos Estados Unidos. A
Associação Psicológica Americana, fundada com vinte e seis membros, já incluía mil e cem Psicólogos
em 1930. Em 1991, o número de associados passava de cem mil.

Essa explosão populacional de psicólogos tem convivido com a explosão paralela de informações
prestadas por relatórios de pesquisa, artigos teóricos e revisões da literatura, arquivos de dados
computadorizados, livros, filmes, fitas de vídeo e outras formas de publicação. Atualmente, o
psicólogo tem cada vez mais dificuldade para manter-se atualizado sobre o desenvolvimento de
outras áreas que não a de sua especialização.

A psicologia se expandiu não apenas em termos de seus clínicos, pesquisadores, acadêmicos e de


sua literatura publicada, mas também em termos do seu impacto na nossa vida cotidiana. Seja qual
for a sua idade, ocupação ou os seus interesses, a sua vida é influenciada de alguma maneira pelo
trabalho de psicólogos.
A Relevância do Passado para o Presente

É provável que você esteja cursando esta disciplina por ser obrigado, porque o seu departamento de
psicologia o exige para conceder-lhe um diploma. Se for assim, você com certeza não está sozinho. A
maioria dos departamentos de psicologia das faculdades americanas exige este curso, e pesquisas
periódicas

acerca da melhor preparação de estudantes de graduação e pós-graduação para uma carreira em


psicologia continuam a recomendar o estudo da história do campo

(ver Hilgard, Leary e McGuire, 1991; McGovem, 1990; Moses, 1991).

Dentre todas as ciências, a psicologia é peculiar nesse aspecto. A maioria dos departamentos
científicos não tem requisitos semelhantes; muitos não oferecem um curso que apresente a história
do seu campo. Por que os psicólogos têm tanto interesse no desenvolvimento histórico da sua área?
Uma das razões se

relaciona com o que afirmamos antes, o fato de que há séculos as questões e os problemas de que
se ocupa a psicologia vêm atraindo atenção e interesse.

Os estudiosos vêm tentando compreender o pensamento e o comportamento humanos desde os


primórdios da história registrada. Seus esforços têm produzido muitas descobertas e conclusões
respeitáveis, bem como imprecisões e mitos. Como dissemos, muitas das interrogações feitas
séculos atrás ainda são relevantes hoje, o que demonstra uma longa continuidade de problemas,
embora não de métodos, no âmbito da psicologia, uma continuidade que não está presente em
outras ciências. Isso significa que a psicologia tem uma ligação vital e tangível com o seu próprio
passado, um vínculo que muitos psicólogos consideram satisfatório e útil explorar.

O interesse dos psicólogos pela história do seu campo levou à sua formalização como área de
estudo. Da mesma maneira como há psicólogos que se especializam

em problemas sociais, questões psicofisiológicas, comportamento anormal ou desenvolvimento do


adolescente, há também os que se especializam na história da psicologia.

Em 1965, foi criada uma revista multidisciplinar, o Journal of the Hístory of the Behavioral Sciences,
cujo editor era um psicólogo. Nesse mesmo ano, foram fundados os Archives of the Hístory of
American Psychology, na Universidade de Akron, Ohio, para servir às necessidades dos
pesquisadores mediante a reunião e preservação de dados de pesquisa sobre a história da
psicologia. Em 1966, foi formada no âmbito da APA a Divisão de História da Psicologia (Divisão 26),

e, em 1969, foi fundada a International Society for the History of the Behavioral and Social Sciences
(a Oleiron Society). Organizações para o estudo da

história da psicologia têm sido estabeleci das no Canadá, na Grã-Bretanha, na Alemanha e em outros
países. Várias universidades oferecem pós-graduação em história da psicologia, e há um programa
de doutorado nessa área na Universidade de New Hampshire. O aumento do número de manuais,
monografias, biografias, artigos de revistas, encontros profissionais, obras traduzidas e fontes de
pesquisa em arquivo reflete a importância

que os psicólogos atribuem ao estudo da história da psicologia.

"Isso tem algum interesse", você pode estar pensando, "mas por que concluir que eu tenho de
estudar a história da psicologia?" Considere o que você aprendeu em outros cursos de psicologia:
não há uma única forma, abordagem ou definição particulares da psicologia moderna com que
concordem todos os psicólogos.

Em vez disso, vemos uma enorme diversidade, e até desacordo e fragmentação, tanto em termos de
especializações científicas e profissionais como em termos de objeto de estudo.

Alguns psicólogos concentram-se em processos cognitivos, outros estão voltados para forças
inconscientes, e há ainda os que trabalham com o comportamento observável ou com fatores
fisiológicos e bioquímicos. A psicologia contemporânea abrange muitas áreas que pouco parecem
ter em comum além de um interesse, expresso em termos amplos, pela natureza e pela conduta
humanas e de uma abordagem que tenta, de alguma maneira, ser científica.

O eixo de referência que vincula essas áreas e abordagens distintas é a história, a “evolução da
disciplina psicologia. Somente examinando suas origens e estudando o seu desenvolvimento ao
longo do tempo podemos ver com clareza, e no contexto, a diversidade da psicologia moderna. O
conhecimento da história pode trazer ordem à desordem e produzir sentido a partir do caos;
permite enxergar o passado com mais clareza e explicar o presente”.

Muitos psicólogos acreditam numa técnica que aceita a influência do passado na formação do
presente, e a praticam. Os psicólogos clínicos, por exemplo, tentam compreender o problema dos
seus pacientes mediante o exame do passado, das forças e eventos que podem tê-los levado a agir
ou a pensar de certas

maneiras. Compilando histórias de caso, os clínicos reconstroem a evolução da vida dos pacientes,
num processo que, com freqüência, permite explicações de comportamentos atuais. Os psicólogos
do comportamento também aceitam a influência do passado na formação do presente; de modo
geral, eles acreditam

que o comportamento é determinado por experiências precedentes de condicionamento e de


reforço, que o estado atual do organismo é explicado pela sua história.

O mesmo ocorre com a disciplina da psicologia. O conhecimento da sua história vai ajudá-lo a
integrar as áreas e problemáticas que constituem a psicologia moderna. Você pode reconhecer as
relações entre várias idéias; teorias e projetos de pesquisa, bem como compreender como
elementos distintos da psicologia (e, em alguns casos, aparentemente não relacionados entre si) se
tomam compatíveis diante do padrão do seu desenvolvimento histórico. Assim poderíamos
descrever a história da psicologia como uma história de caso, examinando os eventos e as
experiências antecedentes lhe deram a face que ela tem hoje.

Por fim: a história da psicologia é por si só uma narrativa fascinante, a qual não faltam o drama, a
tragédia e as idéias revolucionárias. As histórias desses homens e mulheres e de suas crenças
oferecem a possibilidade de se avaliar o substancial progresso alcançado em termos de
conhecimento e metodologia, no período relativamente curto transcorrido desde que a psicologia se
tornou uma disciplina independente. Houve falsos começos, erros e concepções equivocadas, mas,
de modo geral, há uma continuidade que moldou a psicologia contemporânea e que nos fornece
uma explicação da sua atual riqueza e diversidade.

Os Dados da História

Os dados da história -o material que os historiadores usam para reconstruir vidas, eventos e eras -
diferem em muito dos dados da ciência. A característica mais distintiva dos dados científicos é o
modo como são reunidos. Quando os psicólogos desejam descobrir, por exemplo, as condições nas
quais algumas pessoas ajudam outras que aparentemente sofrem, ou os modos pelos quais
diferentes programas de reforço influenciam o comportamento de animais de laboratório, ou ainda
se as crianças imitam ou não o comportamento agressivo que observam em outras pessoas,
costumam construir situações ou estabelecer condições a partir das quais sejam gerados dados. Eles
podem fazer um experimento de laboratório, observar sistematicamente o comportamento em
condições controladas no mundo real, aplicar um questionário, ou determinar a correlação entre
duas variáveis. Ao usar essas abordagens, os cientistas moldam as situações ou eventos que
desejam estudar; as situações e os eventos podem ser reconstruídos ou reproduzidos por outros
cientistas que trabalhem em outros lugares e momentos. Os dados da ciência da psicologia podem
ser verificados mediante o estabelecimento de condições semelhantes às do estudo original e a
repetição da observação.

Os dados da história, contrariamente, não podem ser reconstruídos nem reproduzidos. Cada evento
ou situação de interesse aconteceu em algum momento do passado –talvez há séculos-, e os
historiadores da época podem não ter registrado todos os detalhes do evento já tal como se
desenrolaram. Michael Wertheimer, historiador de psicologia da Universidade do Colorado,
escreveu que "a história é uma questão de tudo ou nada; algo aconteceu um dia e ponto final -você
não pode trazer os eventos passados até o presente para estudá-los, nem pode fazer isso à vontade
com os seus determinantes e efeitos, dando-lhes esta ou aquela forma, tal como se pode fazer no
laboratório com alguma afirmação científica" (Wertheimer, 1979, p. I).

O incidente histórico em si perdeu-se de vista. Como, então, podem os historiadores abordá-lo? Que
dados se podem usar para elaborar um relato a respeito dele? E como poderia alguém nos contar
tudo o que aconteceu? Não é porque os historiadores não podem reproduzir uma situação e gerar
dados pertinentes que os dados não existem. Os dados da história estão a nossa disposição na forma
de fragmentos de eventos passado, tais como descrições feitas por participantes ou testemunhas,
cartas e diários, ou relatos oficiais. É a partir desses fragmentos de dados que os historiadores
tentam recriar os eventos e as pessoas do passado.

A abordagem histórica da psicologia é semelhante à dos arqueólogos que trabalhando com


fragmentos de civilizações passadas – tais como ponta de flechas, vasos quebrados ou ossos
humanos – tentam descrever características dessas civilizações. Algumas escavações arqueológicas
geram dados mais completos (mais fragmentos) do que outras, permitindo reconstruções mais
precisas. Do mesmo modo, no caso das escavações históricas, a quantidade de dados pode ser
grande o bastante para deixar poucas dúvidas sobre a precisão da reconstrução.

As vezes contudo os dados históricos são incompletos.Eles podem ter se perdido, ter sido
deliberadamente suprimidos, distorcidos por um participante ou um pesquisador motivados por
interesse pessoais, ou traduzidos de maneira imprecisa. A história da psicologia contém muitos
exemplos incompletos ou, talvez, imprecisos de produção da verdade histórica.

Falemos antes de tudo, dos dados que se perderam. Ocorreu que por vezes de importantes
documentos pessoais terem ficado perdidos durante décadas antes de serem descobertos. Em
1984, uma extensa coleção de documentos de Hermann Ebbinghaus -que se destacou no estudo da
aprendizagem e da memória -foi descoberta,

cerca de setenta e cinco anos depois da sua morte. Em 1983, foram descobertas dez grandes caixas
contendo os diários manuscritos de Gustav Feclmer, o cientista que desenvolveu a psicofísica. Esses
diários referiam-se ao período de 1828 a 1879, época de grande significação na história inicial da
psicologia. Contudo, por mais de cem anos, os psicólogos não sabiam da existência desses diários.
Autores que não tiveram acesso a essas importantes coleções de documentos haviam escrito livros
sobre esses pesquisadores e sobre a sua obra. A descoberta desses novos fragmentos de história
representa a possibilidade de encaixar mais peças no quebra-cabeça.

Outros dados podem ser deliberadamente ocultados do público modificados de várias maneiras
para proteger a imagem ou a reputação da pessoa envolvida. O primeiro biógrafo de Sigmund
Freud, Ernest Jones, minimizou o uso de cocaína por Freud, comentando numa carta a uma colega:
“Temo que Freud tenha usado

mais cocaína do que deveria, embora eu não vá mencionar isso (na minha biografia)" (Isbister, 1985,
p. 35). Como veremos no Capítulo 13, dados revelados mais recentemente confirmam que Freud
usou cocaína em sua vida pessoal por um período superior ao que Jones estava disposto a admitir
publicamente por escrito.

Outro caso de supressão de dados foi descoberto no decorrer de uma investigação sobre o psicólogo
gestaltista Wolfgang Kõh1er e suas atividades durante a Primeira Guerra Mundial. "Com base na
amostra de documentos que li", relatou o pesquisador, "fiquei com a impressão de que tinham sido
cuidadosamente selecionados para apresentar um perfil favorável de K. Os documentos revelavam
as belas coisas que ele disse e as lisonjas que lhe foram dirigidas" (Ley, 1990, p. 197). &se caso
ilustra uma das dificuldades enfrentadas por um pesquisador que tenha de julgar a validade de
dados históricos: o documento é uma representação precisa da vida e da obra de um indivíduo ou
foi escolhido para promover uma imagem particular -positiva ou negativa?

Para um exemplo final de fragmentos de dados suprimidos, voltemos a Sigmund Freud. Ele morreu
em 1939 e, desde a sua morte, muitos dos seus documentos e cartas foram liberados para pesquisa
e publicados. Uma ampla coleção de documentos pessoais de Freud está guardada na Biblioteca do
Congresso em Washington, D.C.; a pedido do espólio de Freud, esses documentos só estarão
disponíveis bem depois do início do próximo século.A razão declarada para essa restrição é proteger
a privacidade dos pacientes de Freud e suas famílias, e talvez a do próprio Freud e de sua família. Os
psicólogos não têm idéia de como esses documentos vão afetar a nossa compreensão de Freud e
sua obra. Talvez eles alterem de modo fundamental as nossas percepções ou, quem sabe, em nada
mudem o nosso conhecimento. Mas, até que estejam disponível para estudo, a história de uma das
figuras fundamentais da psicologia vai permanecer incompleta e, possivelmente, imprecisa.

Outro problema que afeta os dados da história vincula-se às informações que chegam de forma
distorcida ao historiador nesses casos, os dados estão disponíveis, mas foram mudados de alguma
maneira, talvez devido a uma tradução errada ou a distorções introduzidas por um participante no
registro de suas próprias

atividades. .

Podemos recorrer de novo à vida e à obra de Freud para ver alguns exemplos dos efeitos enganosos
das traduções. Somente poucos psicólogos e estudantes americanos têm suficiente fluência em
alemão para ler Freud no original. A maioria de nós depende do que o tradutor escolhe como as
palavras e frases mais adequadas ou equivalentes, mas a correspondência entre a tradução e o
sentido pretendido pelo autor nem sempre é exata.

Três conceitos fundamentais da teoria freudiana sobre a estrutura da personalidade são o id, o ego e
o superego, termos que você conhece. Não obstante, eles não transmitem com precisão as idéias de
Freud. São os equivalentes latinos I das palavras usadas por Freud em alemão: ego para Ich (eu), id
para & (isso) e superego para Ober-Ich (sobre-eu).

Freud pretendia indicar algo bastante íntimo e pessoal ao usar Ich (eu) e distingui-lo claramente de
& (isso), que representa uma coisa diferente do "eu" ou estranha a ele. “A tradução dos pronomes
pessoais [a partir do alemão] pelos seus equivalentes latinos -o ‘ego’e o 'id' -, em vez dos
equivalentes em inglês, transformou-se em termos técnicos frios que não despertam quaisquer
associações pessoais" (Bettelheim, 1982, p. 53). A distinção entre "eu" e "mim", por um lado, e
"isso" por outro lado não tem, na tradução, a força do original. Na verdade, diz-se que Freud teria
falado que "não devia ter escrito Das Ich und das &, porque & não pode ser traduzido para o inglês
(paskauskas, 1988, p. 119). Consideremos a bem-conhecida expressão freudiana associação livre.
Aqui, a palavra associação implica um vínculo ou conexão consciente entre uma idéia ou
pensamento e outra, como se cada qual agisse como um estímulo para fazer surgir à próxima
palavra numa seqüência. Mas não era isso o que Freud achava. O termo que usou em alemão foi
Einfa/l, que não significa associação, mas intrusão ou invasão, e Freud usou a palavra para denotar
algo que vem do inconsciente e que se intromete de maneira incontrolável no pensamento
consciente ou o invade.

Essas diferenças de sentido são consideradas por alguns psicólogos pequenas e sutis, mas nem por
isso deixam de ser alterações. Os dados -as palavras exatas de Freud -não foram registrados pelos
historiadores tal como escritos, tendo passado por alguma distorção no processo de tradução.

Um provérbio italiano -"Traduzir é trair" -exprime essa idéia de modo sucinto (8aars, 1986, p. 735:
Historiadores que confiam em traduções podem estar manuseando fragmentos de dados
imprecisos ou distorcidos. Na década de 80, a Sociedade Psicanalítica Britânica recomendou que a
tradução standard das obras de Freud fosse radicalmente revista, por considerar que ela
apresentava uma visão distorcida de suas idéias (Holder, 1988). )
Os dados da história também podem ser afetados pelas ações dos participantes nos eventos
registrados. Consciente ou inconscientemente; eles podem conduzir seus relatos de uma maneira
que os proteja ou promova sua imagem pública. 8. F. Skinner, o destacado psicólogo
comportamentalista, descreveu na sua autobiografia a rigorosa autodisciplina de sua época de
estudante na Universidade Harvard no fina dos anos 20. O parágrafo a seguir é citado com
freqüência em biografias de Skinner:

Eu me levantava as seis, estudava até a hora do café, ia às aulas, aos laboratórios e às bibliotecas, e
não tinha mais de quinze minutos não programados durante o dia. Estudava até as nove da noite
em ponto e ia dormir. Eu não via filmes nem peças de teatro, raramente ia a concertos,
pouquíssimas vezes tinha encontros amorosos e não lia senão psicologia e fisiologia (Skinner, 1967,
p. 398).

Essa descrição parece ser um útil fragmento de dado por indicarem facetas do caráter de Skinner.
Doze anos depois da publicação dessas lembranças de sua rotina diária, e cinqüenta e cinco depois
do período descrito, Skinner negou que sua época de graduação tivesse sido tão espartana e difícil
quanto ele mesmo sugerira. Referindo-se à passagem citada, ele escreveu: "Eu estava me lembrando
de uma pose, e não da vida que de fato levava" (Skinner, 1979)

Embora os dias de escola de Skinner tenham pouca importância para a história da psicologia, as duas
versões publicadas, ambas escritas pelo participante, dão uma idéia da dificuldade enfrentada pelos
historiadores. Que conjunto de dados, que versão de um incidente é mais precisa? Que
caracterização está mais próxima da realidade? O que está viciado pelas divagações, ou pela
natureza seletiva e egoísta da memória? E como vamos saber?

Em alguns casos, é possível descobrir dados comprobatórios junto a colegas ou observadores. Se o


regime escolar de Skinner fosse muito significativo para os historiadores da psicologia, estes
tentariam localizar os colegas de Skinner, ou ao menos seus diários ou cartas, e comparar essas
lembranças do comportamento de Skinner em Harvard com as suas próprias. Algumas distorções na
história podem ser investigadas e resolvidas por meio de consultas a fontes adicionais.

Isso ocorreu com algumas inconsistências nas descrições de certos aspectos da vida e da obra de
Freud. Freud gostava de se apresentar como um mártir da causa psicanalítica, um visionário que
encontrava constantes oposições, desdém, rejeição e vilipêndios. Seu primeiro biógrafo, Ernest
Jones, fez eco a essas afinações. Dados descobertos mais tarde indicam que os dois estavam
errados. Longe de serem ignoradas, as idéias de Freud, por volta de 1906, tinham começado a
exercer uma imensa influência na geração mais jovem de intelectuais vienenses. O consultório
particular de Freud era bastante concorrido, podendo-se até descrevê-lo, em termos modernos,
como uma espécie de celebridade.

Durante anos acreditou-se que o importante livro de Freud A Interpretação dos Sonhos (1900)
tivesse sido quase totalmente desconsiderado e que, nas raras ocasiões em que merecia
comentário, fosse severamente criticado. Na realidade, o livro recebeu um amplo reconhecimento
em revistas profissionais de filosofia, psicologia, psiquiatria e medicina, bem como em revistas e
jornais populares de Viena, de Berlim e de outras importantes cidades européias. Muitos dos
comentários louvavam o livro (Ellenberger, 1970). O próprio Freud distorcera o registro, e as
distorções foram perpetuadas por inúmeros biógrafos. Essa falsa impressão encontra-se agora
corrigida; mas por décadas, até que novos fragmentos de dados tivessem sido desenterrados, esse
aspecto da compreensão que temos de Freud foi impreciso.

O que sugerem para o estudo da história da psicologia esses problemas com os dados históricos?
Eles revelam principalmente que a história, em vez de estática ou estagnada, é dinâmica, em
constante mutação e crescimento; que está sendo aprimorada ou aperfeiçoada sempre que novos
dados são descobertos e concepções

errôneas são corrigidas. A história nunca pode ser considerada acabada nem completa, pois está
sempre em andamento, sem final. A história contada pelo historiador só pode aproximar-se ou
arranhar a superfície da verdade, mas o fazem mais plenamente a cada ano que passa, a cada nova
descoberta e a cada aprimoramento dos fragmentos que constituem os seus dados.

Forças Contextuais na Psicologia

A psicologia não se desenvolveu no vácuo, sujeita apenas a influências interiores. Ela é parte da
cultura mais ampla em que funciona, estando portanto exposta a influências externas que moldam a
sua natureza e a sua direção de maneiras significativas. Uma compreensão adequada da história da
psicologia tem de considerar o contexto em que a disciplina surgiu e se desenvolveu -as forças
sociais, econômicas e políticas que caracterizam diferentes épocas e lugares

(ver Altman, 1987; Furumoto, 1989).

Veremos ao longo deste livro exemplos de como essas várias forças contextuais influenciaram o
passado da psicologia e continuam a afetar o seu presente.

Mencionemos brevemente aqui o impacto de três dessas forças: oportunidades econômicas, guerras
e discriminação.

Nos primeiros anos do século XX, a natureza da psicologia americana e o tipo de trabalho que muitos
psicólogos faziam sofreram uma drástica mudança, basicamente como resultado de oportunidades
econômicas. O foco da psicologia americana passou da pesquisa pura do laboratório universitário
para a aplicação do conhecimento e das técnicas psicológicas a problemas do mundo real. A
explicação essencial dessa mudança foi prática. Como disse um psicólogo, "tomei-me psicólogo
aplicado para ganhar a vida" (O'Donne", 1985, p. 225).

Embora o número de laboratórios de psicologia nos Estados Unidos estivesse crescendo


consistentemente perto do fInal do século XIX, aumentava também o número de psicólogos com
doutoramento (Ph.D.), competindo por empregos nesses laboratórios. Na virada do século, havia
três vezes mais psicólogos nos Estados
Unidos do que laboratórios de pesquisa em que eles pudessem encontrar colocação. Felizmente,
mais cargos docentes vinham se tomando disponíveis nas instituições estaduais criadas no Meio-
Oeste e no Oeste; mas, na maioria dessas universidades, a psicologia, na qualidade de ciência mais
nova, recebia a menor parcela dos recursos financeiros. Em comparação com outras disciplinas mais
antigas, a psicologia sempre ficava em último lugar nas alocações anuais; havia pouco dinheiro para
projetos de pesquisa, equipamentos de laboratório e salários de professores.

Os psicólogos logo perceberam que, se desejassem que um dia seus departamentos acadêmicos,
orçamentos e rendas crescessem, teriam de demonstrar aos administradores universitários e aos
legisladores que votavam as alocações de recursos a utilidade que a psicologia poderia ter na
solução de problemas sociais, educacionais e industriais. Desse modo, com o tempo, os
departamentos de psicologia passaram a ser julgado com base no seu valor prático.

Ao mesmo tempo, como decorrência do fato de uma nova e importante força social estar varrendo
os Estados Unidos, apresentou-se uma atraente oportunidade de aplicação da psicologia a um
problema prático. Devido ao influxo de imigrantes para os Estados Unidos perto da virada do século,
e à sua alta taxa de natalidade, a educação pública tomara-se uma indústria em crescimento. Entre
1890 e 1918, as matrículas em escolas públicas tiveram um aumento de 700%, sendo construídas
em todo o país novas escolas públicas à proporção de uma por dia. Gastou-se na época mais
dinheiro em educação do que nos programas militar e de bem-estar social juntos.

Muitos psicólogos aproveitaram essa situação e buscaram maneiras de aplicar o seu conhecimento e
os seus métodos de pesquisa à educação. Esse foi o começo de uma rápida mudança de ênfase na
psicologia americana -do experimentalismo do laboratório acadêmico para a aplicação da psicologia
à aprendizagem, ao ensino e a outras questões práticas de sala de aula.

As guerras foram outra força contextual que ajudou a moldar a psicologia. As experiências de
psicólogos que colaboraram com o esforço de guerra dos Estados Unidos na Primeira e na Segunda
Guerra Mundiais aceleraram o desenvolvimento da psicologia aplicada e estenderam a sua
influência a setores como a seleção de pessoal, os testes e a engenharia psicológica.Esse trabalho
demonstrou à comunidade psicológica, bem como ao público mais amplo, quão útil podia ser a
psicologia na resolução de problemas da vida cotidiana.

A Segunda Guerra Mundial também modificou a face e o destino da psicologia na Europa -


particularmente na Alemanha, onde nasceu a psicologia experimental,

e na Áustria, berço da psicanálise. Muitos psicólogos destacados fugiram da ameaça nazista nos anos
30, e a maioria deles foi para os Estados Unidos. O exílio e a emigração abruptos e forçados
marcaram a fase final da mudança do domínio da psicologia do Velho para o Novo Mundo.

A guerra influenciou as posições teóricas de psicólogos individuais. (Depois de testemunhar a


carnificina da Primeira Guerra Sigmund Freud foi levado a propor a agressão como uma força
motivadora tão importante para a vida humana quanto o sexo; o que representou uma enorme
mudança em seu sistema de psicanálise.

Erich Fromm atribuiu seu interesse pelo estudo do comportamento irracional e anormal ao fato de
ter observado o fanatismo que tomou), conta de sua Alemanha natal durante a Primeira Guerra.
Um terceiro fator contextual é a discriminação e o preconceito, que por muitos anos
determinaram quem podia tornar-se psicólogo e onde cada profissional poderia trabalhar.

Durante décadas, os afros americanos foram amplamente excluídos da Psicologia e da maioria dos
campos que exigiam estudo acadêmico avançados. Até a década de 40, apenas quatro Universidades
para negros dos Estados Unidos ofereciam graduação em psicologia, e poucas Universidades
admitiam homens e mulheres negros como alunos de pós-graduação. Entre 1920 e 1966, os dez
mais prestigiosos departamentos de psicologia americanos concederam somente oito títulos de
doutor a afro-americanos; nesses mesmos anos, quase quatro mil doutorados foram concedidos a
brancos (Guthrie, 1976).

Os judeus também foram vítimas de discriminação, especialmente na primeira metade da história da


psicologia. O final dos anos 1800 testemunhou a fundação da Universidade Johns Hopkins em
Baltimore, Maryland, e da Universidade Clark em Worcester, Massachusetts, importantes
instituições nos primórdios da história da psicologia. Sua política geral era excluir professores judeus
do corpo docente. E, mesmo na segunda metade do século XX, judeus e judias ainda enfrentavam
cotas de admissão na maioria das faculdades. Os que conseguiam o doutorado encontravam
dificuldades para obter empregos acadêmicos. Julian Rotter, hoje um importante teórico da
personalidade, disse que, quando recebeu seu Ph.D., em 1941, "fora alertado para o fato de que os
judeus simplesmente não podiam conseguir empregos acadêmicos, pouco importando as suas
credenciais" (Rotter, 1982, p. 346). Como muitos outros psicólogos judeus da época, Rotter começou
sua carreira profissional como empregado de um hospital público de doenças mentais, e não de uma
universidade.

Um extenso preconceito contra as mulheres tem se manifestado ao longo de quase toda a história
da psicologia. Veremos neste livro exemplos de mulheres que tiveram negado seu ingresso em
programas de pós-graduação ou foram excluídas de posições docentes. Mesmo quando conseguiam
esses cargos, as mulheres recebiam salários menores, e enfrentavam barreiras à promoção e a
cargos de chefia. Sandra Scarr, psicóloga do desenvolvimento e professora da Universidade da
Virgínia, relembra sua entrevista de admissão à Universidade Harvard em 1960. Ela ouviu de Gordon
Allport, um eminente psicólogo social, que "odiamos aceitar mulheres aqui”. Setenta e cinco por
cento de vocês se casam, têm filhos e nunca acabam o curso, e o resto, de qualquer maneira, nunca
consegue nada mesmo" (Scarr, 1987, p. 26).

Esses e outros exemplos citados adiante mostram o impacto de forças econômicas, políticas e sociais
sobre o desenvolvimento da psicologia moderna. A história da psicologia foi moldada não apenas
pelas idéias, teorias e pesquisas de seus grandes lideres, mas também por influências externas -
forças contextuais sobre as quais teve pouco controle.

Concepções da História Científica:

Personalista e Naturalista
Duas abordagens podem ser adotadas para explicar como a ciência psicológica se desenvolveu: a
teoria personalista e a teoria naturalista. A teoria personalista da história científica, concentra-senas
realizações contribuições monumentais de certos indivíduos. Nos termos dessa concepção, o
progresso e a mudança; são diretamente atribuíveis à vontade e à força de pessoas ímpares que
mapearam e modificaram o curso da história. Um Napoleão, um Hitler ou um Darwin foi, assim diz
essa teoria, forças motrizes e plasmadoras de grandes eventos. A teoria personalista afirma
implicitamente que eventos particulares não teriam ocorrido sem a participação dessas figuras
singulares. Ela diz, na verdade, que a pessoa faz a época.

A primeira vista, parece evidente que a ciência é de fato a obra de homens e mulheres criativos,
talentosos e inteligentes que determinaram a sua direção. Costumamos definir uma época pelo
nome da pessoa cujas descobertas, teorias ou outras contribuições marcaram o período. Falamos da
física "depois de Einstein", da escultura "depois de Michelangelo" e da psicologia "depois de
Watson". É óbvio, tanto na ciência como na cultura em gemi, que indivíduos produziram mudanças
dramáticas -e às vezes traumáticas -que alteraram o curso da história. Basta pensar em Sigmund
Freud para reconhecer a verdade disso.

Por conseguinte, a teoria personalista tem méritos, mas nem por isso é suficiente para explicar o
desenvolvimento de uma ciência ou de uma sociedade. A obra de cientistas, filósofos e eruditos é
muitas vezes ignorada ou negada num dado período de tempo, apenas para ser reconhecida bem
depois. Essas ocorrências implicam que a época determinava se uma idéia vai ser seguida ou
desdenhada, louvada ou esquecida. A história da ciência está repleta de exemplos de rejeição as
novas descobertas e percepções. Mesmo os maiores intelectos (talvez especialmente os maiores)
foram constrangidos por um fator contextual chamado Zeitgeist, o espírito ou clima intelectual de
uma época. A aceitação e aplicação de uma descoberta pode ser limitada pelo padrão dominante
de pensamento de uma cultura, de uma região ou de uma época, mas uma idéia demasiado nova
para ser aceita num período pode sê-lo prontamente uma geração ou um século depois. A mudança
lenta parece ser a regra do progresso científico.

Assim sendo,a noção de que pessoa faz a época não é inteiramente correta. Talvez como diária a
teoria naturalista da história científica, a época faça a pessoa, ao menos possibilite e
reconhecimento daquilo que uma pessoa tenha a dizer. A não ser que o Zeitgeist esteja pronto para
a idéia nova, o seu esteja pronto para a idéia nova, o seu proponente pode não ser ouvido; pode ser
alvo de zombaria ou mesmo de condenação à morte. Isso também depende do Zeitgeist.

A teoria naturalista sugere, por exemplo, que se Darwin tivesse morrido na juventude ainda assim
uma teoria da evolução teria sido formulada na metade do século dezenove. Alguma outra pessoa
teria proposto, porque o Zeitgeist estava pedindo uma nova maneira de considerar a origem da
espécie humana. (Veremos no Capítulo 6 que uma outra pessoa de fato propôs essa teoria.).

A capacidade inibidora ou retardadora do Zeitgeist opera não somente no nível da cultura, mas
também no âmbito da própria ciência, onde os seus efeitos podem ser ainda mais pronunciados.
Muitas descobertas científicas permaneceram adormecidas por um longo tempo, sendo então
redescobertas e acolhidas. O conceito da resposta condicionada foi sugerido por Robert Whytt, um
cientista escocês, em 1763, mas ninguém estava interessado nisso na época. Mais de um século
depois, quando os pesquisadores do campo da psicologia estavam adotando métodos mais objetivos
o fisiologista russo Ivan Pavlov reelaborou as observações de Whytt, e as ampliou tornando-as a
base de um novo sistema de psicologia. Uma descoberta tem freqüência de esperar a sua época.
"Não há muitas coisas novas neste mundo", observou um psicólogo, "e certamente não muita coisa
nova acerca da natureza psicológica dos seres humanos. O que passa atualmente por descoberta
tende a ser a redescoberta, por um dado cientista, de algum fenômeno já bem estabelecido"
(Gazzaniga, 1988, p. 231).

Exemplos descobertas simultâneas independentes também sustentam a teoria naturalista da


historia. Descobertas semelhantes têm sido feitas por pessoas que trabalham bem distantes em
termos geográficos, muitas vezes sem que uma conheça o trabalho da outra. Em 1900, três
pesquisadores que não se conheciam redescobriram coincidentemente o trabalho do botânico
austríaco Gregor Mendel, cujos escritos sobre a genética vinham sendo amplamente ignorados há
trinta e cinco anos.

Posições teóricas populares e correntes num campo científico costumam obstruir ou interditar a
consideração de novos pontos de vista. Uma teoria pode dominar uma disciplina a tal ponto que as
pesquisas de um novo método ou linha de investigação ficam impossibilitadas. Uma teoria
consagrada também pode determinar o modo pelos quais fenômenos ou dados são organizados e
examinados o que pode evitar que cientistas considerem os dados a partir de outras perspectivas; "É
a teoria", disse Albert Einstein, "que determina o que podemos observar" (Broad e Wade, 1982, p.
138).

Além disso, uma teoria dominante pode determinar o tipo de resultados de pesquisas que são
publicados nas revistas científicas. Descobertas que contradigam as visões prevalecentes ou se
oponham a elas podem ser rejeitadas pelos editores das revistas, que, inadvertida ou
deliberadamente, funcionam, nesses casos, como censores. Eles podem fazer prevalecer a
conformidade ao recusar ou trivializar uma idéia revolucionária ou uma interpretação incomum.

Um exemplo disso ocorreu na década de 70, quando o psicólogo John Garcia tentou publicar os
resultados de uma pesquisa que desafiava a teoria E-R (estímulo-resposta) da aprendizagem vigente
(Lubek e Apfelbaum, 1987). As revistas da corrente dominante se recusaram a aceitar os artigos de
Garcia, embora o trabalho fosse considerado bem feito e já tivesse recebido reconhecimento
profissional e prestigiosos prêmios. Ele terminou por publicar suas descobertas em revistas menos
conhecidas, de menor circulação, o que retardou a disseminação de suas idéias junto a um público
mais amplo.

O Zeitgeist no âmbito de uma ciência pode ter um efeito inibidor sobre os métodos de investigação,
as formulações teóricas e a definição do objeto de estudo da disciplina. Descreveremos nos
próximos capítulos a tendência vigente no início da psicologia científica de concentrar-se na
consciência e nos aspectos subjetivos da natureza humana. Mesmo quando os seus métodos se
tomaram mais objetivos e precisos, o foco de estudo da psicologia continuou a ser subjetivo.

A psicologia teria de esperar a década de 20 para finalmente mudar de direção. Contudo, meio
século mais tarde, sob o impacto de um Zeitgeist distinto, a psicologia começou a retomar a
consciência como foco de estudo, respondendo continuamente ao clima intelectual em mutação da
época.
É fácil compreender essa situação a partir de uma analogia com a evolução de uma espécie viva.
Tanto uma ciência como uma espécie viva muda ou evoluem em resposta às condições e exigências
do ambiente. O que acontece com uma espécie ao longo do tempo? Muito pouco, enquanto o seu
ambiente permanece essencialmente constante. Quando o ambiente muda, no entanto, a espécie
deve adaptar-se às novas condições ou enfrentar a possibilidade de extinção.

Suponha que o clima tenha ficado significativamente mais frio ou que as águas costeiras tenham
ficado estéreis. Para sobreviver, os animais das áreas afetadas têm de alterar suas formas. uma
espécie sem pêlos, por exemplo, precisará desenvolvê-los para enfrentar temperaturas mais frias;
uma espécie de pernas curtas precisará tomar-se uma espécie de pernas longas se o alimento antes
disponível em águas rasas só for encontrado em águas mais fundas. Algumas espécies não se
adaptaram às mudanças ambientais, e a ciência só conhece seus vestígios históricos. Outras
modificaram sua forma de alguma maneira, mantendo, porém características básicas; nesses casos,
as formas mais novas revelam claramente seu vínculo com as mais antigas. Outras ainda se
modificam tão radicalmente que se tornam novas espécies, e sua relação com os predecessores não
são tão evidentes. Por mais branda ou extrema que seja a alteração, o importante é que as espécies
vivas podem adaptar-se às exigências ambientais. Quanto mais o ambiente muda, tanto mais a
espécie deve transformar-se.

Consideremos o paralelo com a evolução de uma ciência. &ta última também existe no contexto de
um ambiente ao qual deve reagir. O ambiente de uma ciência, seu Zeitgeist, não é tanto físico
quanto intelectual. Mas, tal como o ambiente físico, o Zeitgeist está sujeito a mudanças. O clima
intelectual que caracteriza uma geração ou século pode ser totalmente diferente na seguinte. Isso
ocorreu, por exemplo, quando a crença em Deus e nos ensinamentos da Igreja estabelecida como
fonte de todo conhecimento humano foi substituída pela crença na razão e na ciência.

Esse processo evolutivo marca toda a história da psicologia. Quando o Zeitgeist favorecia a
especulação, a meditação e a intuição como caminhos para a verdade, a psicologia também dava
preferência a esses métodos. Quando o espírito da época ditava uma abordagem observacional e
experimental da verdade os métodos da psicologia seguiam essa direção. Quando uma forma de
psicologia se encontrava em dois climas intelectuais diferentes, ela se tornava duas espécies de
psicologia; quando a forma alemã inicial de psicologia emigrou para os Estados Unidos, foi
modificada para tomar-se uma psicologia peculiarmente americana, enquanto a psicologia que
permaneceu na Alemanha teve uma evolução distinta.

A nossa ênfase no Zeitgeist não nega a importância dos grandes homens e mulheres da história da
ciência; contudo, ela nos impõe considerá-los numa perspectiva diferente. Um Copérnico ou uma
Marie Curie não modifica sozinhos o curso da história pela pura força do seu gênio. O sujeito faz isso
apenas por que o caminho já está limpo. Veremos que isso seja aplicado a todas as grandes figuras
da história da psicologia.

Assim, parece claro que, embora a evolução da psicologia deva ser considerada em termos das
teorias personalista e naturalista da história, o Zeitgeist parece ter o papel mais importante. Por
mais valiosas que suas contribuições sejam consideradas hoje, se as figuras significativas da história
e da ciência tivessem tido idéias demasiado distantes do clima intelectual de sua época, suas
percepções teriam desaparecido na obscuridade. O trabalho criativo individual se parece mais com
um prisma que difunde, elabora e magnífica o espírito da época – do que com um farol, embora um
e outro lancem luz no caminho à frente.

As Escolas de Pensamento: Marcos do Desenvolvimento da Psicologia Moderna

Nos primeiros anos da evolução da psicologia como disciplina científica distinta, no último quarto do
século XIX, a direção da nova psicologia foi profundamente influenciada por Wilhelm Wundt, que
tinha idéias definidas sobre a forma que essa nova ciência -sua nova ciência -deveria tomar. Ele
determinou o objeto de estudo, o método de pesquisa, os tópicos a serem estudados e os objetivos
da nova ciência. Ele foi, é claro, afetado pelo espírito de sua época e pelo pensamento então vigente
na filosofia e na fisiologia. Não obstante, foi Wundt, em seu papel de agente de uma época, que
reuniu as várias linhas de pensamento.

Mediante a força de sua personalidade e de sua intensa atividade de escrita e pesquisa ele moldou a
nova psicologia. Por ser um influente promotor do inevitável, a psicologia foi por algum tempo feita
à sua imagem.

Mas a situação logo mudou. Instalou-se a controvérsia entre os cada vez mais numerosos psicólogos.
O Zeitgeist estava se modificando, e novas idéias eram formuladas em outras ciências e na cultura
em geral. Alguns psicólogos, refletindo essas novas correntes de pensamento, passaram a discordar
da versão de psicologia de Wundt e propuseram suas próprias concepções. Na virada do século,
coexistiam várias posições sistemáticas ou escolas de pensamento, que eram, essencialmente,
definições diferentes da natureza da psicologia.

O termo escola de pensamento refere-se a um grupo de psicólogos que se associam ideológica e, às


vezes, geograficamente ao líder de um movimento. Em geral, os membros de uma escola trabalham
em problemas comuns e compartilham uma orientação teórica ou sistemática. O surgimento de
escolas de pensamento diferentes, e por vezes simultâneas, e o seu subseqüente declínio e
substituição por outras são uma das características mais marcantes da história da psicologia.

O estágio do desenvolvimento de uma ciência em que ela ainda se acha dividida em escolas de
pensamento tem sido denominado estágio pré-paradigmático. (Um paradigma um modelo ou
padrão -tem sido descrito nesse contexto como um modo reconhecido de pensar, no âmbito de uma
disciplina científica, que fornece, por algum tempo, as perguntas e respostas essenciais aos
pesquisadores do campo em questão.) O estágio mais maduro ou avançado do desenvolvimento de
uma ciência é alcançado quando ela já não se caracteriza por escolas de pensamento, ou seja,
quando a maioria dos membros dessa disciplina chega a um consenso acerca de questões teóricas e
metodológicas. Nesse estágio, um paradigma ou modelo comum define todo o campo, e deixam de
haver facções concorrentes.

Na história da física, podemos ver paradigmas em ação. O conceito Galileu-newtoniano de


mecanismo foi aceito pelos físicos por cerca de trezentos anos; no decorrer desse período, quase
todos os trabalhos nesse campo foram realizados a partir desse referencial. Mas os paradigmas não
são invioláveis. Eles podem mudar, e de fato mudam, assim que a maioria dos membros da disciplina
aceita uma nova maneira de organizar o objeto de estudo ou de trabalhar com ele. Na física isso
ocorreu quando o modelo em questão foi substituído pelo modelo einsteiniano. O eminente
historiador da ciência Thomas Kuhn deu a esse processo de substituição de paradigmas o nome de
revolução científica (Kuhn, 1970).

A psicologia ainda não atingiu o estágio paradigmático. Durante os mais de cem anos de sua história,
ela tem buscado, acolhido e rejeitado diferentes definições, mas nenhum sistema ou ponto de vista
individual conseguiu unificar as várias posições. O psicólogo cognitivista George Miller comentou
que "nenhum método ou técnica-padrão integra o campo. Nem parece haver algum princípio
científico fundamental comparável às leis do movimento de Newton, ou à teoria da evolução de
Darwin" (Miller, 1985, p. 42). O campo permanece especializado, e cada grupo adere à sua própria
orientação teórica e metodológica, abordando o estudo da natureza humana a partir de diferentes
técnicas, e promovendo a si mesmo com jargões e revistas diferentes, e com todos os outros
adereços de uma escola de pensamento.

As primeiras escolas de pensamento no campo da psicologia foram movimentos de protesto, até


revolucionários, contra a posição sistemática prevalecente.

Cada escola assinalou o que considerava as limitações e falhas do sistema mais antigo e ofereceu
novas definições, conceitos e estratégias de pesquisa para corrigir as fraquezas percebidas. Quando
uma nova escola de pensamento atraía a atenção da comunidade científica, produzia-se a rejeição
do ponto de vista antes festejado. Esses conflitos intelectuais entre posições antigas e novas,
incompatíveis entre si, eram travados com ardorosa tenacidade por ambos os lados.

Muitas vezes, os líderes de uma escola anterior não se convertem por inteiro à nova escola de
pensamento. Em geral mais velhos esses psicólogos estão por demais comprometidos, intelectual e
emocionalmente, com a sua posição, para mudar. Muitos dos seguidores mais jovens e menos
comprometidos passam a apoiar a nova posição, deixando os outros apegados às suas tradições e
trabalhando num isolamento cada vez maior.

O físico Max Planck escreveu que' 'uma nova verdade científica não triunfa por convencer seus
opositores e fazê-los ver a luz, mas sim porque estes terminaram por morrer, e uma nova geração
vai crescendo familiarizada com ela “(planck, 1949, p. 33). "Como seria bom", escreveu Charles
Darwin a um amigo, "se todo homem de ciência morresse aos sessenta anos, já que, depois disso,
ele com certeza se opõe a todas as novas doutrinas" (Boorstin, 1983, p. 468).

No curso da história da psicologia, desenvolveram-se diferentes escolas de pensamento, sendo cada


qual um protesto efetivo contra o que a precedia. Toda nova escola usa um modelo mais antigo
como base contra a qual se opor e a partir da qual ganhar impulso. Cada posição proclama, em altos
brados, o que não é e como difere do teórico sistema antigo. À medida que se desenvolve e obtém
seguidores e influência, o novo sistema inspira oposição, e todo o processo de combate começa
outra vez. O que começa como uma revolução pioneira e agressiva se torna, com o sucesso, a
tradição estabeleceu da que então sucumbe diante da força vigorosa de um jovem e novo
movimento. O sucesso destrói o vigor. Um movimento alimenta-se da oposição. Quando esta é
derrotada, a paixão e o ardor do que foi um novo movimento morrem.
Embora tenha sido apenas temporário o domínio de ao menos algumas escolas de pensamento,
cada uma delas desempenhou um papel vital no desenvolvimento da ciência psicológica. A
influência das escolas ainda pode ser vista na psicologia contemporânea, mesmo que suas facções
tenham pouca semelhança com os sistemas precedentes, porque mais uma vez novas doutrinas
substituíram as antigas. Edna Heidbreder, uma destacada historiadora da psicologia, comparou a
função das escolas de pensamento na psicologia com a dos andaimes usados para levantar um
prédio alto (Heidbreder, 1933). Sem o andaime a partir do qual trabalhar, a estrutura não pode ser
construída, mas o andaime não permanece; quando já não é necessário, ele é retirado. Do mesmo
modo, a estrutura da psicologia

de hoje foi construída com o arcabouço e as diretrizes (os andaimes) estabelecidos pelas escolas
anteriores de pensamento.

Não podemos considerar nenhuma escola de pensamento como a versão completa do fato
científico. As escolas não são, em sentido algum, produtos acabados; em vez disso, elas oferecem o
instrumental, os métodos e os esquemas conceituais que a psicologia emprega para acumular e
organizar um corpo de fatos científicos.

Como observamos, a moderna ciência psicológica não atingiu a sua forma final. Novas escolas
tomaram o lugar das antigas, mas nada garante a sua permanência no processo evolutivo da
construção desta ciência. As escolas de pensamento são estágios temporários, embora necessários
ao desenvolvimento da psicologia.

A melhor perspectiva para a compreensão do estimulante avanço da psicologia é a do


desenvolvimento histórico de suas escolas de pensamento. Pessoas proeminentes

deram contribuições notáveis e fizeram pronunciamentos inspiradores, mas a importância da sua


obra é mais perceptível quando considerada no contexto das idéias que precederam as suas, e que
com freqüência serviram de base para as novas formulações, bem como no âmbito dos trabalhos
que as seguiram.

Descrevemos os primórdios da psicologia experimental nos Capítulos 2 e 3. Capítulos subseqüentes


discutem cada uma das principais escolas de pensamento em três níveis: (1) o desenvolvimento pré-
científico da posição, incluindo a obra de pesquisadores pioneiros que desenvolveram seu trabalho
sem usar o método experimental; (2) as primeiras tentativas de abordar problemas particulares
usando os métodos da ciência; e (3) o estabelecimento formal de cada escola e seus derivativos
contemporâneos.

A obra de Wilhelm Wundt e o seu fruto, as escolas de pensamento denominadas estruturalismo, se


desenvolveram a partir dos trabalhos iniciais no campo da filosofia e da fisiologia. Seguiu-se a isso o
funcionalismo, (comportamentalismo e a psicologia da Gestalt) que, ou evoluíram a partir do
estruturalismo, ou se revoltaram contra ele. Num curso de tempo mais ou menos paralelo, embora
sem analogia quanto ao objeto de estudo, aos métodos ou aos objetivos, a psicanálise (Capítulos 13
e 14) decorreu da reflexão filosófica sobre a natureza do inconsciente e das tentativas da psiquiatria
no sentido de tratar os doentes mentais.

Tanto a psicanálise como o comportamentalismo gerou algumas sub-escolas. Na década de 50,


desenvolveu-se o movimento da psicologia humanista como reação ao comportamentalismo e à
psicanálise, incorporando princípios da psicologia da Gestalt. Por volta de 1960, o movimento da
psicologia cognitivista desafiou com sucesso o comportamentalismo, e a definição da psicologia
mudou outra vez. O principal aspecto dessa modificação foi o retomo ao estudo da consciência e de
processos mentais ou cognitivos. A psicologia, que' 'perdera a cabeça “na revolução
comportamental, recupera-a nesse momento esses acontecimentos estão descritos. Você vai ver
que há uma progressão evidente no processo evolutivo que distingue a história da psicologia, um
processo que continua em nossos dias”.

Compeão de Xadrez Rende-se diante da Habilidade do Computador

Garry Kasparov não era só um grande jogador de xadrez: ele era o mestre dos grão-mestres. No con -
senso universal, ele era o maior jogador de xadrez da história. Na primavera de 1997, aos 34 anos de
idade, no auge do prolongado reconhecimento, vinha mantendo o título mundial por 12 anos.
Jamais perdera uma única vez em uma competição de várias partidas com um único oponente.
Jamais exibira outra coisa que não a absoluta confiança na sua genialidade no xadrez. Sua atitude
em relação a qualquer rival chegava ao limite do desprezo, traço exibido novamente ao vencer,
como havia previsto, a primeira das seis partidas da anunciada revanche, naquele mês de maio em
Nova York, contra o oponente que arrasara havia um ano.

Ao reinicio da partida, os especialistas em xadrez, reunidos para assistir ao grande campeão esmagar
seu adversário, testemunharam algo tão inesperado que ficaram mudos. Milhões de observadores
que acompanhavam intensamente a partida pela internet e pela transmissão em cadeia mundial de
televisão ficaram atônitos ao testemunhar Kasparov exibir sinais incomuns de perturbação. Primeiro,
demonstrando muita dúvida, em seguida, terror, desespero e perda de controle. Finalmente, parecia
sofrer de um colapso emocional, demonstrando estar aterrorizado.

O primeiro sinal de que o campeão estava à beira de um colapso nervoso surgiu durante a segunda
partida. Foi aí que Kasparov enfrentou algo inusitado na sua experiência. No passado, ele sempre
conseguiu explorar a fraqueza do oponente, aprendendo o padrão de pensamento adotado contra
ele. Mas, dessa vez, não conseguiu.

Essa segunda partida terminou empatada. Depois, outro empate. Em seguida, o oponente venceu
uma partida. Quando os enxadristas retomaram o confronto no sábado, a série estava empatada.
Kasparov iniciou de forma agressiva, brilhante; sabia que estava vencendo. O oponente respondeu
com uma série de movimentos inspirados, até brutais, deixando Kasparov visivelmente abalado.
Os grão-mestres estavam chocados ao verem o campeão, pela primeira vez, parecer insignificante.
Ele foi forçado a aceitar outro empate. Depois de um dia de folga na competição, o desfecho viria na
segunda-feira.

A atenção mundial se intensificou. As redes de televisão enviaram correspondentes para cobrir o


evento para transmissão em horário nobre. A imprensa escrita enviou não apenas os analistas de
xadrez, mas também os melhores jornalistas, e reservaram a primeira página para o resultado do
confronto. Eles, bem como milhares de telespectadores, testemunharam pela televisão e pela
internet o grande Garry Kasparov, o incontestável campeão cuja suprema confiança comparava-se
apenas à sua arrogância, dando lugar a um enxadrista nervoso, encurvado, com olheiras e com o ar
taciturno. Parecia derrotado mesmo antes de executar o primeiro movimento.

Kasparov ficava cada vez mais abatido, à medida que os movimentos rápidos e implacáveis do
oponente o deixavam encurralado. Em um momento captado pelas imagens da televisão e, mais
tarde, exibido nas capas dos jornais, depois de perder a rainha e com o rei perigosamente exposto
em uma posição de xeque-mate, o campeão curvou-se sobre o tabuleiro. Colocou as mãos sobre o
rosto, tapando os olhos, e baixou a cabeça, desanimado. Esse momento consolidou-se como o
retrato duradouro da expressão do desespero humano. Alguns momentos depois, Kasparov
levantou-se de repente. Anunciava a desistência da partida e da competição. Efetuara apenas 19
movimentos.

Os grão-mestres ficaram espantados com o modo abrupto como o campeão desmoronou. "Foi como
o impacto de uma tragédia grega", disse o presidente do comitê de xadrez, responsável pelo
reconhecimento da competição. Kasparov reagiu com mais simplicidade. "Perdi meu espírito de
luta", disse. "Não estava mesmo com vontade de jogar."

Minutos depois, em uma tumultuada entrevista coletiva, quando lhe perguntaram sobre o porquê,
respondeu: "Sou um ser humano. Quando vejo algo além da minha capacidade de compreensão,
sinto medo."

O que Kasparov efetivamente viu que estava além da sua capacidade de compreensão? O que o
espantara tanto a ponto de não conseguir mais jogar o jogo do qual era mestre? O que isso tem a
ver com a história da psicologia? Calma! Tudo será revelado mais adiante. Por enquanto, vamos
acompanhar a evolução da psicologia cognitiva pelo século XXI.
As Escolas de Pensamento em Perspectiva

Cada escola obteve êxito de modo particular e cada uma contribuiu substancialmente para a
evolução da psicologia. Esse fato se aplica até mesmo ao estruturalismo, embora esse movimento
tenha publicado pouco material relacionado à psicologia como a conhecemos atualmente. Não
existem mais estruturalistas como Titchener na psicologia moderna isso ocorre há décadas. Todavia,
o estruturalismo obteve enorme sucesso em promover a empreitada iniciada por Wundt,
estabelecendo uma ciência da psicologia independente e livre das limitações da filosofia. O fato de o
estruturalismo haver fracassado em dominar a psicologia, fazendo-o apenas por um curto período,
não desvaloriza a sua realização revolucionária como a primeira escola de pensamento da nova
ciência e a fonte vital de oposição para os sistemas seguintes.

Analisemos o sucesso do funcionalismo, que não conseguiu persistir como escola separada. Os
funcionalistas buscavam apenas impor uma atitude ou um ponto de vista e, nesse aspecto, o
funcionalismo obteve êxito em penetrar no pensamento psicológico estadunidense. Na medida em
que a psicologia estadunidense atual é vista mais como uma profissão científica e suas descobertas
são aplicadas praticamente em todos os aspectos da vida a atitude funcional e utilitária realmente
mudou a natureza da psicologia.

E o que dizer da psicologia da Gestalt? A escola da Gestalt, em uma escala mais modes ta, também
cumpriu sua missão. A oposição ao elementarismo, o apoio à abordagem da "totalidade" e o
interesse na consciência influenciaram os psicólogos da psicologia clínica, da aprendizagem, da
percepção, da psicologia social e do pensamento. Embora a escola da Gestalt não tenha
transformado a psicologia da forma como esperavam os fundadores, ela exerceu considerável
impacto e deve ser considerada um sucesso.

Mesmo que as realizações do estruturalismo, do funcionalismo e da psicologia da Gestalt mereçam o


devido destaque, esses movimentos ocupam o segundo lugar em com paração com o impacto
fenomenal do behaviorismo e da psicanálise. Os efeitos desses movimentos foram profundos,
mantendo identidades próprias e independentes como escolas únicas de pensamento.

Passada a época dos seus fundadores, Watson e Freud, tanto o behaviorismo como a psicanálise
dividiram-se internamente em várias posições. Nenhuma forma de behaviorismo ou de psicanálise
obteve adesão total dos membros de qualquer uma dessas escolas. O surgimento de subescolas
dividiu os sistemas em facções concorrentes, cada uma com o próprio mapa para o caminho da
verdade. Todavia, apesar dessa diversidade interna, tanto os behavioristas como os psicanalistas
mantêm-se firmes na oposição, uns contra os outros, em relação às suas visões sobre a psicologia.
Por exemplo, os behavioristas skinnerianos têm mais aspectos em comum com os sociobehavioristas
seguidores de Bandura e de Rotter do que com os adeptos da psicanálise de Jung e de Horney. A
vitalidade das duas escolas de pensamento é evidente na sua contínua evolução.

Assim como a psicologia individual de Adler em relação à psicanálise, a psicologia de Skinner não é o
último estágio na evolução do behaviorismo. A psicologia humanista, mesmo não conseguindo
provocar impacto como escola de pensamento independente, influenciou a psicologia
contemporânea, incentivando o crescimento do movimento da psicologia positiva.

Por volta das décadas de 1960 e 1970, dois outros movimentos surgiram na psicologia
estadunidense, cada um na tentativa de moldar uma nova definição para o campo - são eles a
psicologia cognitiva e a psicologia evolucionista.

O Movimento Cognitivo no Psicologia

Em 1913, no seu manifesto behaviorista, Watson insistia na eliminação da psicologia de qualquer


referência à mente, à consciência ou aos processos conscientes. E, realmente, os psicólogos
seguidores dos mandamentos de Watson eliminaram a menção desses conceitos e baniram toda a
terminologia mentalista. Durante décadas, os livros básicos de introdução à psicologia apresentavam
descrições sobre o funcionamento do cérebro mas não proporcionavam discussões acerca de
qualquer conceito relacionado à mente. As pessoas comentavam, em tom de piada, que a psicologia
perdeu a consciência" ou "perdeu a cabeça”, aparentemente para sempre.

No entanto, de repente (embora a tendência já estivesse se formando há algum tempo), a psicologia


resgatou a consciência. Palavras, antes consideradas politicamente incorretas, estavam sendo
pronunciadas em alto e bom tom nos encontros e utilizadas nos trabalhos escritos. Em 1979, a
publicação American Psychologist apresentou um artigo intitulado "Behaviorism and the mind: a
(limited) call for a return to introspection’’ ("O behaviorismo e a mente: um apelo (limitado) para a
retomada da introspecção") (Lieberman, 1979), resgatando não apenas a mente como também a
suspeita técnica de introspecção. Alguns meses antes, a revista publicara um artigo com um título
bem simples: "Consciousness’’. Seu autor escreveu: Depois de décadas de descaso proposital, a
consciência passa novamente a ser alvo da investigação científica, com discussões sobre o tópico
surgindo por toda parte na respeitada literatura da psicologia" (Natsoulas, 1978, p. 906).

Em 1976, em seu discurso no encontro anual da APA, o presidente falou ao público presente sobre
as mudanças que estavam ocorrendo na psicologia, afirmando que o novo conceito incluía a
retomada do enfoque na consciência. A imagem da psicologia a respeito da natureza humana estava
sendo "humanizada e não mecanizada" (McKeachie, 1976, p. 831). Quando um representante da
APA e uma publicação científica de prestígio discutem a consciência de forma tão aberta e otimista,
parece óbvio estar em andamento uma revolução, outro novo movimento. Em seguida, vieram as
revisões dos livros básicos de introdução à psicologia, redefinindo o campo como uma ciência do
comportamento e dos processos mentais e não apenas do comportamento, uma disciplina em busca
da explicação do comportamento manifesto, bem como das suas relações com os processos
mentais. Portanto, estava claro que a psicologia progredira muito além dos desejos e dos planos de
Watson e de Skinner. Uma nova escola de pensamento estava surgindo.

As Influências Anteriores na Psicologia Cognitiva

Assim como todos os movimentos revolucionários da psicologia, o movimento cognitivo não surgiu
de uma hora para outra. Muitas das características já haviam surgido antes.

O interesse na consciência era claro, no período inicial da psicologia, antes de a discipli na ser
considerada uma ciência formal. As obras dos filósofos gregos, Platão e Aristóteles mencionavam os
processos de pensamento, como também o faziam as teorias dos associacionistas e empiristas
britânicos.

Quando Wundt instituiu a psicologia como disciplina científica independente, seu trabalho
concentrou-se na consciência. Ele pode ser considerado o precursor da psicologia cognitiva
contemporânea pela ênfase do seu trabalho na atividade criativa da mente. As escolas de
pensamento estruturalista e funcionalista abordavam a consciência, estudando os seus elementos e
as suas funções. O behaviorismo, no entanto, alterou radicalmente essa visão, descartando a
consciência e ignorando-a por cerca de 50 anos.

A retomada da consciência e o início formal do movimento da psicologia cognitiva remontam à


década de 1950, embora já se observassem sinais aparentes na década de 1930. O behaviorista E. R.
Guthrie, ao final da sua carreira, criticava o modelo mecanicista e afirmava nem sempre ser possível
reduzir os estímulos a termos físicos. Ele sugeria que os psicólogos deviam descrever os estímulos
em termos cognitivos ou perceptuais, de modo que os tornassem significativos para o organismo
reagente (Guthrie, 1959). Por se tratar de um processo cognitivo ou mentalista, o conceito de
significado não pode ser descrito exclusivamente por questões behavioristas.
O behaviorismo intencional de E. C. Tolman foi outro precursor do movimento cognitivo. Sua forma
de behaviorismo reconhecia a importância das variáveis cognitivas e contribuiu para o declínio da
visão de estímulo-resposta. Tolman propôs o mapa cognitivo, atribuiu comportamento intencional
aos animais e enfatizou as variáveis intervenientes como uma forma de definir operacionalmente os
estados internos não-observáveis.

Rudolf Carnap, filósofo positivista, exigia o retorno da introspecção. Em 1956, Carnap afirmou: "a
consciência que o indivíduo tem do próprio estado de imaginação, sentimento etc. deve ser
reconhecida como um tipo de observação, em princípio, semelhante à observação externa e,
portanto, uma fonte legítima de conhecimento" (apud Koch, 1964, p. 22). Até mesmo Bridgman, o
físico que proporcionou ao behaviorismo a noção de definições operacionais, criticou o
behaviorismo e insistiu em que os relatos introspectivos fossem usados para dar significado às
análises operacionais.

A psicologia da Gestalt também influenciou a psicologia cognitiva por causa do enfoque na


organização, na estrutura, nas relações, no papel ativo do objeto e na participação importante da
percepção na aprendizagem e na memória" (Hearst, 1979, p. 32). A escola de pensamento da Gestalt
ajudou a manter vivo ao menos um pouco do interesse na consciência durante os anos em que o
behaviorismo dominava a psicologia estadunidense.

Outro precursor da psicologia cognitiva foi o psicólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), que escreveu
seu primeiro trabalho científico com 10 anos e viria, mais tarde, a estudar com Jung. Piaget também
trabalhou com Théodore Simon, que, juntamente com Alfred Binet, desenvolveu o primeiro teste
psicológico de habilidade mental. Piaget ajudava a aplicar os testes nas crianças. Posteriormente se
tornaria importante por seu trabalho sobre o desenvolvimento infantil não com base nos estágios
psicossexuais, conforme propunha Freud, mas em função dos estágios cognitivos. O método clínico
de Piaget de entrevistar crianças e sua insistência em anotar tudo detalhadamente durante as
entrevistas eram vistos como uma inspiração importante para o famoso estudo de Hawthorne sobre
os trabalhadores industriais na década de 1920.

As hipóteses iniciais de Piaget, publicadas entre 1920 e 1930, embora altamente influentes na
Europa, não foram muito bem-aceitas nos Estados Unidos por sua incompatibilidade com a posição
behaviorista. Os primeiros teóricos cognitivos, no entanto, receberam bem a ênfase de Piaget nos
fatores cognitivos. E, à medida que as ideias da psicologia cognitiva tomavam conta da psicologia
estadunidense, a importância dos conceitos de Piaget ficava ainda mais evidente. Em 1969, ele foi o
primeiro psicólogo europeu a receber o Prêmio de Destaque pela Contribuição Científica. O enfoque
do seu trabalho na criança ajudou a ampliar o campo de aplicação da psicologia cognitiva.
A Mudança do Zeitgeist na Física

Quando ocorre uma grande mudança na evolução de uma ciência, ela é entendida como um reflexo
das modificações já concretizadas no Zeitgeist intelectual. Sabemos que a ciência, como uma espécie
viva, adapta-se às condições e exigências do ambiente. Qual foi a atmosfera intelectual que
favoreceu o movimento cognitivo e amenizou as ideias behavioristas, readmitindo a consciência?
Mais uma vez, observa-se aqui o Zeitgeist da física, modelo para a psicologia há bastante tempo, e
que tem influenciado a área desde o seu início como ciência.

No início do século XX, surge uma nova visão desenvolvida pelos trabalhos de Albert Einstein, Neils
Bohr e Werner Heisenberg. Eles rejeitavam o modelo mecanicista do universo, originário da época
de Galileu e Newton e protótipo para a visão mecanicista, reducionista e determinista da natureza
humana adotada pelos psicólogos desde Wundt até Skinner. A nova perspectiva da física descartava
a necessidade de total objetividade e a completa separação entre o universo externo e o
observador.

Os físicos reconheciam a provável interferência de qualquer tipo de observação feita sobre o


universo natural. Seria necessário tentar estabelecer uma relação na lacuna artificial entre
observador e observado, entre o universo interior e o exterior e entre o mental e o material. Desse
modo, a investigação científica passou do universo independente identificável objetivamente para a
observação do universo pelo indivíduo. Os cientistas modernos não podem mais permanecer tão
distantes do foco da observação. Em certo sentido, devem se tornar "observadores participativos".

Consequentemente, o ideal da realidade totalmente objetiva agora era considerado inatingível. A


física passou a se caracterizar pela crença de que o conhecimento objetivo na verdade é subjetivo e
dependente do observador. Essa ideia de que todo conhecimento é pessoal parece muito
semelhante à proposta por Berkeley há 300 anos: que o conhecimento é subjetivo porque depende
da natureza do observador. Um escritor comentou que nossa visão de mundo, "bem longe de ser
uma verdadeira reprodução fotográfica da realidade que está 'lá fora', na verdade, [está] mais para
uma pintura: uma criação subjetiva da mente que reproduz uma imagem semelhante, jamais uma
réplica" (Matson, 1964, p. 137).

A rejeição dos físicos do objeto de estudo mecanicista e objetivo e, ao mesmo tempo, o


reconhecimento da subjetividade restabeleceram o papel vital da experiência consciente como uma
forma de obter informações acerca do mundo real. Essa revolução na física foi um argumento
efetivo para tornar novamente a consciência uma parte legítima do objeto de estudo da psicologia.
Embora o sistema psicológico científico tenha resisitido à nova física por meio século, atendo-se a
um modelo desatualizado e definindo-se insistentemente como uma ciência objetiva do
comportamento, a disciplina acabou reagindo ao Zeitgeist e modificando-se, de modo que readmita
os processos cognitivos.

A Fundação da Psicologia Cognitiva

Uma análise retrospectiva do movimento cognitivo deixa a impressão de uma rápida transição que
solapou as bases behavioristas da psicologia em alguns poucos anos. Ao mesmo tempo, é claro, essa
transição não foi totalmente evidente. A mudança, agora percebida como drástica, ocorreu gradual
e silenciosamente, sem alardes. Um psicólogo afirmou: "O termo revolução talvez não seja
adequado. Não houve acontecimentos cataclísmicos; a mudança ocorreu lentamente, nos diferentes
subcampos, ao longo de 10 a 15 anos; não houve nenhum momento e nenhum líder de destaque"
(Mandler, 2002a, p. 339). ’

Geralmente, o progresso histórico fica evidente somente depois do acontecimento. A fundação da


psicologia cognitiva não ocorreu da noite para o dia nem deve ser atribuída ao carisma de uma
pessoa que —como Watson - transformou a área praticamente sozinha. Assim como a psicologia
funcional, o movimento cognitivo não apresenta um fundador único, talvez porque nenhum dos
psicólogos atuantes na área ambicionasse a liderança do novo movimento. Seu interesse era
pragmático, apenas dar continuidade ao trabalho de redefinição da psicologia.

Em retrospecto, a história identifica dois pesquisadores que não foram fundadores, no sentido
formal da palavra, mas contribuíram com o trabalho inovador e influente na forma de um centro de
pesquisa e de livros considerados marcos no desenvolvimento da psicologia cognitiva. São eles
George Miller e Ulric Neisser. As suas histórias indicam alguns fatores pessoais envolvidos na
formação de novas escolas de pensamento.

George Miller (1920-)

George Miller formou-se em inglês na University of Alabama, onde completou o mestrado em fala,
em 1941. Durante esse período na universidade, demonstrou interesse pela psicologia e ganhou
uma bolsa de estudos para, em troca, trabalhar como uma espécie de professor assistente, dando 16
aulas de introdução à psicologia, sem jamais haver frequentado um curso na área. Dizia que depois
de lecionar sobre a mesma coisa 16 vezes por semana, começou a acreditar no que ensinava.

Miller foi para a Harvard University, onde trabalhou no laboratório de psicoacústica, lidando com
problemas de comunicação oral, obtendo o Ph.D. em 1946. Cinco anos depois, publicou um livro
sobre psicolinguística, considerado um marco divisório, Language and communication (1951). Miller
reconhecia a escola de pensamento behaviorista, afirmando não ter outra alternativa, já que os
behavioristas mantinham as posições de liderança nas principais universidades e associações
profissionais.

O poder, as honras, a autoridade, os livros, os lucros, tudo relacionado à psicologia estava nas mãos
da escola behaviorista (...) aqueles que desejassem ser psicólogos científicos não podiam opor-se ao
behaviorismo. Senão, ficariam desempregados. (Miller apud Baars, 1986, p. 203) Em meados da
década de 1950, após investigar a teoria estatística da aprendizagem, a teoria da informação e os
modelos de mente com base no computador, Miller chegou à conclusão de que o behaviorismo,
literalmente, não iria "funcionar". As semelhanças entre os computadores e o funcionamento da
mente humana o impressionaram e sua visão voltou-se mais para a orientação cognitiva. Ao mesmo
tempo, desenvolveu uma alergia grave a pelos e descamações de animais, não podendo mais fazer
pesquisas com ratos de laboratório, e trabalhar apenas com seres humanos era uma desvantagem
no universo dos behavioristas.

A mudança de Miller para a psicologia cognitiva também foi motivada por seu temperamento
rebelde, típico de muitos da sua geração de psicólogos. Estavam sempre dispostos a se revoltar
contra a psicologia ensinada e praticada no momento, prontos para oferecer sua nova abordagem,
seu enfoque no fator cognitivo em lugar do comportamental. Mas, como Miller escreveu cerca de 50
anos depois, "Na época em que estava acontecendo, não percebi que eu era, na realidade, um
revolucionário" (2003, p. 141).

Em 1956, Miller publicou um artigo que, desde então, tornou-se um clássico, intitulado “The magical
number seven, plus or minus two: some limits on our capacity for processing information ("O mágico
número sete, mais ou menos dois: alguns limites da nossa capa cidade de processamento de
informação"). Nesse trabalho, Miller demonstrou que a capa cidade consciente do indivíduo de
lembrar números por um curto prazo (ou, igualmente, palavras ou cores) limita-se a
aproximadamente sete "pedaços" de informação. Essa é a capacidade individual de processamento
em determinado momento. A importância, o impacto dessa descoberta reside no fato de lidar com a
experiência consciente ou cognitiva em uma época em que o behaviorismo ainda dominava o
pensamento psicológico.
Ademais, o uso que ele fez da frase "processamento de informações" indicava a influência do
modelo da mente humana baseado no computador.

O Centro de Estudos Cognitivos

Em parceria com Jerome Bruner (1915-), seu colega da Harvard, Miller criou um centro de pesquisa
para investigar a mente humana. Miller e Bruner pediram ao reitor da universi dade um espaço físico
e, em 1960, ofereceram-lhes a casa em que William James morara. Não havia lugar mais apropriado,
já que James abordou de modo tão requintado a natureza da vida mental no seu livro Principies. A
escolha do nome para o novo centro não foi uma tarefa comum. Em virtude do fato de estar
associado a Harvard, o centro tinha potencial para exercer grande influência na psicologia. Optaram
pela palavra "cognição", para denotar o objeto de estudo, e decidiram chamar o local de Centro de
Estudos Cognitivos.

Ao usarmos a palavra "cognição", estávamos nos colocando à parte do behaviorismo. Desejávamos


algo relacionado a mental, no entanto, "psicologia mental" parecia extremamente redundante.
"Psicologia do senso comum" podia dar a entender alguma espécie de investigação antropológica, e
"psicologia do povo", a psicologia social de Wundt. Que palavra usar para rotular esse conjunto de
conceitos? Optamos por cognição. (Miller apud Baars, 1986, p. 210)

Mais tarde, dois estudantes do centro lembraram-se de que, naquela época, ninguém conseguia lhes
explicar o significado do termo cognição ou as ideias supostamente promovidas ali. O centro "não
havia sido criado com um objetivo em particular; fora criado para se opor a algo. O importante não
era saber o que era e sim saber o que não era" (Norman e Levelt, 1988, p. 101).

Não era o behaviorismo, não era a autoridade vigente, o sistema predominante ou a psicologia do
presente. Ao definir o centro, os fundadores demonstravam quão diferentes eram dos behavioristas.
Todo novo movimento anuncia a sua posição ou atitude como diferente da escola de pensamento
corrente; esse é um estágio preliminar necessário para definir o objetivo e as alterações propostas.
Miller, no entanto, atribuiu o devido crédito ao Zeitgeist. "Nenhum de nós deve receber muitos
créditos pelo sucesso do Centro. Foi apenas uma ideia ocorrida no tempo certo" (Miller, 1989, p.
412).
Miller não considerava a psicologia cognitiva uma verdadeira revolução, apesar das diferenças em
relação ao behaviorismo. Chamava-a de "acréscimo", uma mudança mediante um lento crescimento
ou acúmulo. Enxergava o movimento como mais evolucionário que revolucionário e acreditava ser
um retorno à psicologia do senso comum, que reconhecia e ratificava a preocupação psicológica
com a vida mental e com o comportamento.

Os pesquisadores do centro investigavam ampla variedade de temas: linguagem, memória,


percepção, formação de conceito, pensamento e psicologia do desenvolvimento. A maioria dessas
áreas havia sido eliminada do vocabulário dos behavioristas. Mais tarde, Miller criou um programa
de ciências cognitivas na Princeton University.

Miller tornou-se presidente da APA em 1969 e recebeu o Prêmio de Destaque pela Contribuição
Científica e a Medalha de Ouro da Fundação Americana de Psicologia pelas Realizações na Aplicação
da Psicologia. Em 1991, recebeu a Medalha Nacional da Ciência. Em 2003, recebeu da APA o Prêmio
pela Extraordinária Contribuição à Psicologia. Outro reconhecimento do significado do seu trabalho
é a quantidade de laboratórios de psicologia cognitiva criados tendo o seu centro como modelo,
além do rápido desenvolvimento e a formalização da abordagem à qual ele se dedicara com afinco
para definir.

Ulric Neisser (1928-)

Nascido em Kiel, na Alemanha, Ulric Neisser foi para os Estados Unidos, com os pais, aos 3 anos.
Iniciou os estudos universitários na Harvard, formando-se em física. Impressionado com um jovem
professor de psicologia chamado George Miller, Neisser chegou à conclusão de que física não era
assim tão interessante. Mudou para a psicologia e frequentou, com menção honrosa, o curso de
Miller sobre a psicologia da comunicação e teoria da informação. Ele conta também que foi
influenciado pelo livro de Koffka, Principies of Gestalt psychology. Depois de obter a graduação
como bacharel em Harvard, em 1950, Neisser recebeu o título de mestrado na Swarthmore College,
estudando sob a orientação do psicólogo da Gestalt, Wolfgang Köhler. Retornou a Harvard para
obter o Ph.D., que completou em 1956.

Apesar do crescente interesse pela abordagem cognitiva da psicologia, Neisser não via como escapar
do behaviorismo, já que desejava seguir a carreira acadêmica. "Não havia outra opção. Estávamos
em uma era em que o fenômeno psicologia seria considerado real somente se demonstrado em um
rato de laboratório" (apud Baars, 1986, p. 275). No entanto, Neisser teve sorte, pois sua primeira
posição acadêmica foi na Brandeis University, onde o diretor do departamento de psicologia era
Abraham Maslow. Naquela época, Maslow estava se afastando da sua formação behaviorista para
desenvolver a abordagem humanista ao campo.
Maslow não conseguiu convencer Neisser a se tornar psicólogo humanista, ou em transformar a
psicologia humanista na terceira força da disciplina, mas proporcionou a Neisser a oportunidade de
perseguir seu interesse nas questões cognitivas (mais tarde, Neisser afirmou ser a psicologia
cognitiva e não a humanista a terceira força da psicologia).

Em 1967, Neisser publicou a obra Cognitive psychology e alegou ser esse um livro pessoal, uma
tentativa de definir a si próprio e o tipo de psicólogo que almejava ser. O trabalho também foi um
marco divisório na história da psicologia, uma tentativa de definir um novo tratamento para a
disciplina. A obra tornou-se extremamente conhecida, e Neisser sentia-se constrangido por ser
identificado como o "pai" da psicologia cognitiva. Embora não desejasse fundar nenhuma escola de
pensamento, seus trabalhos ajudaram a afastar a psicologia do behaviorismo, empurrando-a em
direção ao cognitivismo. Mesmo assim, Neisser enfatizava que o estudo das questões cognitivas
devia constituir apenas parte da psicologia e não caracterizar a disciplina toda.

Neisser definia a cognição como os processos pelos quais "a informação sensorial recebida é
transformada, reduzida, elaborada, armazenada, recuperada e usada. (...) cognição está envolvida
em tudo que o ser humano é capaz de realizar" (Neisser, 1967, p. 4). Assim, a psicologia cognitiva
está relacionada com a sensação, a percepção, a formação de imagens, a memória, a solução de
problemas, o pensamento e as demais atividades mentais relacionadas.

Apenas nove anos depois, Neisser publicou Cognition and reality (1976), expressando a insatisfação
com a restrição da posição cognitiva e a dependência da coleta de dados em laboratório e não no
mundo real. Insistia em afirmar que os resultados da pesquisa psicológica deviam ter validade em
termos ecológicos. Com isso, quis dizer que os resultados deviam ser generalizados para as situações
além dos limites do laboratório. Além disso, alegava que a psicologia cognitiva devia permitir a
aplicação das descobertas aos problemas práticos, ajudando as pessoas a lidarem com as questões
cotidianas particulares e profissionais. Assim, Neisser mostrava-se decepcionado, concluindo que o
movimento da psicologia cognitiva tinha pouco a contribuir com a psicologia, no sentido de
compreender como as pessoas lidam com as situações. Desse modo, a principal figura na fundação
da psicologia cognitiva tornara-se seu crítico audaz, desafiando o movimento, como fizera
anteriormente com o behaviorismo.

Depois de 17 anos na Cornell University, onde seu escritório ficava perto do local em que foi
guardado o cérebro conservado de Titchener, Neisser mudou-se para a Emory University, em
Atlanta, retornando a Cornell em 1996.

A Metáfora do Computador
Os relógios e os robôs foram as metáforas do século XVII para a visão mecânica do uni verso e, por
analogia, para a mente humana. Essas máquinas bem conhecidas eram modelos fáceis de entender
daquilo que se acreditava ser o funcionamento da mente. Hoje, o modelo do universo mecânico e a
psicologia behaviorista baseados nessas máquinas foram superados por outras visões - como a
aceitação da subjetividade na física e o movimento cognitivo da psicologia.

Como resultado, o relógio não é mais um exemplo útil para a visão moderna da mente. Uma
máquina do século XX, o computador, surgiu para servir de modelo, como uma nova metáfora para
o funcionamento da mente. Um historiador da ciência comentou: "O veículo responsável pela
reintrodução da mente e um agente vital da derrocada do behaviorismo foi a noção da mente
comparada ao computador. Essa afirmação transformou-se em senso comum na literatura histórica
da 'revolução cognitiva"' (Crowther-Heyck, 1999, p. 37 . Os psicólogos tomam como base as
operações do computador para explicar o fenômeno cognitivo. Dizem que os computadores exibem
uma inteligência artificial e normalmente são descritos "de forma humana". A capacidade de
armazenagem chama-se memória; os códigos de programação, linguagem, e as novas gerações de
computadores, evoluções.

O funcionamento dos programas de computador, basicamente formados de conjuntos de instruções


para o tratamento de símbolos, é semelhante ao da mente humana. Tanto o computador como a
mente recebem do ambiente e processam grande quantidade de informações (estímulos sensoriais
ou dados). Ambos compilam essas informações, manipulando, armazenando e recuperando os
dados, atuando de várias maneiras. Desse modo, a programação do computador foi sugerida como
base para a visão cognitiva humana do processamento de informações, do raciocínio e da solução de
problemas. É o programa (software) e não o computador em si (hardware) que serve como
explicação para as operações da mente.

Os psicólogos cognitivos estão interessados na sequência de manipulação dos símbolos envolvida


nos processos de pensamento humano. Em outras palavras, estão preocupados em descobrir como
a mente processa a informação. Eles têm como objetivo descobrir o programa que cada indivíduo
tem armazenado na memória, os padrões de pensamento que lhe permitem compreender e
articular as ideias, lembrar e resgatar os acontecimentos e os conceitos, e assimilar e resolver um
problema novo. Em quase 125 anos de história, a psicologia partiu do simples relógio até chegar aos
sofisticados computadores como modelos de objeto de estudo, mas é importante observar que
ambos são máquinas. Esse aspecto demonstra a continuidade histórica na evolução da psicologia,
desde as mais antigas escolas de pensamento, até as mais recentes. É possível observar também
uma continuidade histórica na própria evolução dos computadores.

O Desenvolvimento do Computador Moderno


Os trabalhos de Charles Babbage e Henry Hollerith visavam ao desenvolvimento de uma máquina
capaz de "pensar" como o homem. No entanto, um problema prático surgido durante os primeiros
dias da Segunda Guerra Mundial provocou o início da moderna era dos computadores. Em 1942, o
exército estadunidense precisava desesperadamente encontrar uma forma de realizar com mais
rapidez os cálculos necessários para disparar as peças de artilharia. A mira perfeita do canhão para o
projétil atingir o alvo envolvia (e até hoje envolve) um processo muito complicado, bem mais
complexo que o procedimento de o soldado mirar um rifle e apertar o gatilho. Por exemplo, "Para
mirar um canhão, o atirador tinha de efetuar diversos ajustes. Esse procedimento exigia o uso de
uma série de tabelas [matemáticas] para calcular todas as variáveis que afetam a trajetória do
projétil, como a direção e a velocidade do vento, a umidade do ar, a temperatura, a elevação e até
mesmo a temperatura da pólvora" (Keiger, 1999, p. 40).

O manual de ajustes para cada tipo de artilharia continha centenas, até milhares de tabelas de
cálculos. Esse trabalho era realizado pelas mulheres, recém-contratadas durante o período da
guerra, que usavam calculadores manuais (essas mulheres eram chamadas de "computadoras").
Todavia, um ano depois, elas foram superadas, pois não conseguiam acompanhar a demanda. A
situação era tão crítica que alguns canhões chegaram a ser abandonados em combate por falta de
tabelas com os cálculos para atirar.

Essa necessidade incentivou o desenvolvimento do primeiro computador de grande porte, o Eniac -


Electronic Numerical Integrator and Calculator. Concluída em 1943, a máquina em formato de
ferradura ocupava três paredes de uma sala enorme, com "braços de 24 metros de comprimento e
altura aproximada de 2,4 metros, pesando em torno de 30 toneladas. Continha cerca de 17.468
válvulas eletrônicas (...) além de 10 mil capacitores, 70 mil resistores, 1.500 relés e 6 mil chaves
manuais, uma quantidade tão grande de peças eletrônicas que exigia enormes ventiladores para
dissipar o calor produzido" (Waldrop, 2001, p. 45).

As máquinas com capacidade para realizar operações mentais percorreram um longo caminho desde
a época da calculadora de Babbage. Basta comparar o tamanho e a capacidade de um laptop ou
palmtop para perceber o quão primitivo era o Eniac. A evolução das máquinas para a realização de
funções mentais prossegue em um ritmo tão rápido que nos leva, inevitavelmente, a questionar se
elas realmente demonstram inteligência.

A Inteligência Artificial

Os psicólogos cognitivos aceitavam computadores como modelo para o funcionamento cognitivo


humano, afirmando que as máquinas exibiam inteligência artificial e processamento de informação
semelhantes aos do homem. É possível supor, então, que a inteligência do computador seja igual à
do homem? Será que o computador é capaz de pensar? No século XVII, os robôs simulavam a fala e
o movimento humanos. No século XXI, será que as novas gerações de computadores simularão o
pensamento humano?

No início, os cientistas da computação e os psicólogos cognitivos acolheram com grande entusiasmo


a noção da inteligência artificial. Já em 1949, quando os computadores ainda eram relativamente
primitivos, o autor de um livro intitulado Giant brains afirmou: "...a máquina manipula informações;
realiza cálculos, chega a conclusões e faz opções; a máquina faz uma quantidade razoável de
operações com os dados. A máquina, portanto, pensa” {apud Dyson, 1997, p. 108).

Em 1950, o gênio da computação Alan Turing (1912-1954) propôs uma maneira de veri ficar a
hipótese de que o computador seria capaz de pensar. Chamado de Teste de Turing, o processo
consistia em convencer um indivíduo de que o computador com o qual estava se comunicando era
realmente uma pessoa, e não uma máquina. Se o indivíduo não conseguisse distinguir entre as
respostas do computador e as humanas, a máquina estaria exibindo inteligência semelhante à do
homem. O Teste de Turing funciona da seguinte forma.

O entrevistador [um indivíduo] estabelece duas formas diferentes de "conversação" com o programa
interativo do computador. O entrevistador deve tentar descobrir qual das duas partes seria uma
pessoa usando o computador para se comunicar e qual seria a própria máquina respondendo. O
entrevistador formula qualquer tipo de pergunta. Entretanto, o computador tenta enganar o
entrevistador, ou seja, tenta fazê-lo acreditar ser uma pessoa, enquanto a pessoa de verdade tenta
mostrar que ela é humana. O computador é aprovado no Teste de Turing se o entrevistador não
conseguir fazer a distinção entre a máquina e o indivíduo. (Sternberg, 1996, p. 481-482)

Nem todos concordavam com a premissa do Teste de Turing. John Searle (1932-), um filósofo que
elaborou o problema da sala chinesa, foi quem apresentou as mais veementes objeções (Searle,
1980). Imagine-se sentado em uma cadeira, de frente para uma parede com duas aberturas.
Pedaços de papel contendo um conjunto de ideogramas chineses aparecem um de cada vez na
abertura da esquerda. A sua tarefa é combinar, de acordo com o formato, o conjunto de símbolos
com os de um livro. Quando você consegue encontrar o conjunto correto, deve copiar outro
conjunto de símbolos do livro em um pedaço de papel e passá-lo pela abertura da direita.

O que está acontecendo aqui? Você está sendo alimentado com as informações pela abertura da
esquerda e transmitindo dados pela da direita, obedecendo às instruções (programa) recebidas.
Assim como a maioria dos ocidentais, não se espera que você leia ou compreenda chinês. Você está
apenas seguindo as instruções de forma mecânica.
No entanto, se um psicólogo chinês estivesse observando a uma distância bem razoável da parede
com as aberturas, não conseguiria perceber que você não sabe chinês. As comunicações chegam a
você em chinês e, por sua vez, você responde corretamente em chinês, copiando-as do livro. Não
importa quantas mensagens você receba ou a quantas responda, ainda continua não sabendo
chinês. Você não está pensando, está apenas seguindo instruções. Não está demonstrando
inteligência, apenas obedecendo a ordens.

Searle afirmava que os programas de computador que parecem compreender os diferentes tipos de
dados recebidos e responder a essas informações de forma inteligente estariam funcionando como a
pessoa do problema da sala chinesa. O computador não entende as mensagens, tanto como você
não sabe chinês. Nesses exemplos, tanto você como o computador estão funcionando exatamente
de acordo com o conjunto de regras programadas.

Vários psicólogos cognitivos chegaram a concordar que o computador passa no Teste de Turing e
simula a inteligência sem realmente ser inteligente. Conclusão, o computador ainda não é capaz de
pensar. Mas seu desempenho parece simular o pensamento, e isso nos remete às partidas de xadrez
de 1997 que devastaram o campeão mundial Garry Kasparov. O que o deixara tão abatido, levando-
o a abandonar o jogo? O seu oponente era um computador.

Fabricado pela IBM, o computador se chamava Deep Blue. Pesava cerca de 3 toneladas, e cada uma
das suas duas torres media mais de l,80m de altura. Tinha uma capacidade de processamento de
200 milhões de posições por segundo; em três minutos conseguia processar 50 bilhões de
movimentos. Não foi à toa que até o maior mestre do xadrez rendeu-se, desesperado. Todavia, com
toda essa capacidade, o Deep Blue estava realmente pensando?

A conclusão geral foi de que a máquina não pensava, embora se “comportasse" como se estivesse
pensando. Um escritor científico britânico, interessado em máquinas de jogos de xadrez, concluiu:
"Apesar do incansável aperfeiçoamento do desempenho do computador, houve pouco progresso na
busca pela inteligência da máquina para aplicação geral. (...) O Deep Blue mostrou que a criação de
um computador capaz de jogar xadrez como qualquer ser humano revela muito pouco sobre a
inteligência em geral" (Standage, 2002, p. 241). O computador, apesar do fantástico desempenho
exibido, ainda precisa ser programado por um ser humano pensante. Em 2003, Kasparov voltou a
jogar, dessa vez contra o Deep Junior, uma nova geração de computador enxadrista. Antes da
partida ele disse: "Estou aqui representando a raça humana. Prometo fazer o melhor".

Mas Kasparov teve dificuldades para isso. Um observador para a revista Wired es creveu: enquanto
Kasparov está praticamente exausto, Deep Junior simplesmente continua jogando. Como um robô
assassino, o computador com certeza não vai parar, jamais. Garry ficou cada vez mais exausto. Ele
está tentando ficar calmo e concentrado para ver se consegue deixar a máquina aborrecida fazer
com que ela erre; [mas] ficar aborrecida não é uma opção. A máquina não se irrita,
(wired.com/news.7/6/2006) E quando Kasparov cedeu a um empate de 3 a 3, foi vaiado pela
multidão. No entanto, seu desempenho mostrou que a inteligência artificial não atingiu o nível de
complexidade da inteligência humana - pelo menos por enquanto.

A Natureza da Psicologia Cognitiva

A inclusão dos fatores cognitivos nas teorias da aprendizagem social de Albert Bandura e de Julian
Rotter alterou o behaviorismo estadunidense. Hoje, o impacto do movimento cognitivo é observado
não apenas na psicologia behaviorista. Os fatores cognitivos são observados por pesquisadores em
diversas áreas da disciplina: a teoria da atribuição da psicologia social, a teoria da dissonância
cognitiva, a motivação e a emoção, a personalidade, a aprendizagem, a memória, a percepção e o
processamento da informação na tomada de decisões ou solução de problemas. Nas áreas aplicadas,
como a psicologia clínica, comunitária, educacional e industrial-organizacional, também se observam
a ênfase nos fatores cognitivos.

A psicologia cognitiva é diferente do behaviorismo em vários aspectos. Primeiro, os psicólogos


cognitivos dedicam-se a estudar o processo de aquisição do conhecimento e não apenas a mera
resposta ao estímulo. Os principais fatores são os fatos e os processos mentais e não as conexões
estímulo-resposta; a ênfase é dada à mente e não ao comportamento, o que não quer dizer que os
psicólogos cognitivos ignorem o comportamento, mas que as reações comportamentais não
consistem no único enfoque da pesquisa. As respostas comportamentais constituem fontes de
dedução para se chegar à conclusão sobre os processos mentais associados a essas reações.

Segundo, os psicólogos cognitivos estão interessados em saber como a mente estrutura ou organiza
as experiências. Os psicólogos da Gestalt, assim como Piaget, argumentavam em favor da tendência
inata de organizar a experiência consciente (as sensações e as percepções) em unidades e padrões
de significado. A mente dá forma e coerência à experiência mental; esse processo é o objeto de
estudo da psicologia cognitiva. Os empiristas e associacionistas britânicos e a psicologia do século XX
derivada dessas teorias, o behaviorismo skinneriano, insistiam em que a mente não é dotada de
capacidade organizacional inata.

Terceiro, os psicólogos cognitivos acreditam na atuação ativa e criativa do indivíduo em organizar


estímulos recebidos do ambiente. O indivíduo é capaz de participar da aquisição e aplicação do
conhecimento, participando intencionalmente de alguns fatos e optando por associá-los à memória.
O indivíduo não é, como afirmavam os behavioristas, respondente passivo às forças externas ou
folhas em branco para o registro da experiência sensorial.

A Neurociência Cognitiva

As pesquisas sobre o mapeamento das funções cerebrais datam dos séculos XVIII e XIX e estão nos
trabalhos de Hall, Flourens e Broca. Empregando métodos como a extirpação e os choques elétricos,
os primeiros psicólogos tentaram determinar as partes específicas do cérebro controladoras das
várias funções cognitivas.

Essa investigação continua até hoje na disciplina chamada neurociência cognitiva, um híbrido da
psicologia cognitiva e da neurociência. Os objetivos desse campo são determinar "como as funções
cerebrais originam a atividade mental" e "correlacionar aspectos específicos do processamento de
informação com as regiões específicas do cérebro" (Sarter Bernston e Cacioppo, 1996, p. 13).

Os Pesquisadores da neurociência cognitiva obtiveram avanços extraordinários no mapeamento


cerebral, principalmente em virtude do desenvolvimento e da aplicação das sofisticadas técnicas de
utilização de imagens. Por exemplo, o eletroencefalograma (EEG - Electroencephalogram) registra as
variações na atividade elétrica de partes selecionadas do cérebro. A leitura da tomografia axial
computadorizada revela perfis detalhados do cérebro. O exame de ressonância magnética (MRI -
Magnetic Resonance Imagery) produz imagens tridimensionais do cérebro. Enquanto essas técnicas
produzem imagens estáticas, a varredura da tomografia por emissão de pósitron (PET - Positron
Emission Tomography) produz imagens ao vivo de várias atividades cognitivas. Essas e outras
técnicas de uso de imagens vêm oferecendo aos cientistas um grau de precisão e de detalhes
impossível de ser obtido até então.

Em 2006, os neurocientistas cognitivos demonstraram que o cérebro humano podia controlar um


computador. O pensamento podia ser traduzido em movimento só por impulsos elétricos. O objeto
de estudo era um homem de 25 anos de idade que estava totalmente paralisado havia três anos.
Censores eletrônicos, implantados no córtex motor de seu cérebro, interagindo com um
computador, permitindo controlar não somente o computador, mas também um aparelho de
televisão e um robô - tudo isso usando somente seus pensamentos. Em poucos minutos ele havia
aprendido a movimentar o cursor do computador, e abrir e-mails, movimentar objetos usando um
braço robótico, jogar video-game simples, e desenhar um círculo na tela. Ele praticou esse controle
pensando em tais movimentos, isto é, ao ter a intenção ou desejo de fazê-los. Naturalmente, ele não
conseguia mover o controle com suas mãos.

Essa aplicação da neurociência cognitiva, chamada de neuroprostética, dá esperança a pessoas com


esses tipos de deficiências, de que um dia serão capazes de interagir com objetos em seu ambiente,
e controlá-los (Hochberg ET AL., 2006; Pollack, 2006).

O Papel da Introspecção

A aceitação das experiências conscientes fez os psicólogos cognitivos reconsiderarem a primeira


abordagem de pesquisa da psicologia científica, o método introspectivo introduzido por Wundt há
mais de um século. Em uma declaração que podia ser de Wundt ou Titchener, um psicólogo fez uma
afirmação óbvia, no final do século XX, de que "... se vamos estudar a consciência, devemos adotar a
introspecção juntamente com os relatos introspectivos" (Farthing, 1992, p. 61).

Os psicólogos tentaram quantificar os relatos introspectivos a fim de permitir análises estatísticas


mais objetivas e manipuláveis. Uma das abordagens, a avaliação fenomenológica retrospectiva,
consiste em pedir ao indivíduo que avalie a intensidade das experiências subjetivas durante a
resposta a uma situação de estímulo anterior. Em outras palavras, o indivíduo avalia
retrospectivamente as experiências subjetivas ocorridas durante um período anterior, quando lhe
pediram para responder a um dado estímulo.

Um psicólogo cognitivo notou que não somente a introspecção podia ser amplamente utilizada,
como também que os estados conscientes revelados pela introspecção são "frequentemente bons
preditivos do comportamento da pessoa" (Wilson, 2003, p. 131).

Embora alguma forma de introspecção constitua o método de pesquisa mais frequentemente usado
na psicologia contemporânea, até mesmo os mais fervorosos adeptos reconhecem as limitações
para a sua validação. Por exemplo, alguns sujeitos podem fazer relatos introspectivos socialmente
desejáveis, falando aos pesquisadores aquilo que eles querem ouvir em um esforço para agradá-los.
Outro problema com a introspecção é que os sujeitos podem não ser capazes de avaliar alguns de
seus pensamentos ou sentimentos, pois eles residem muito profundamente no seu inconsciente, um
tópico ao qual os psicólogos estão dedicando atenção crescente.
A Cognição Inconsciente

O estudo do processo mental consciente motivou um renovado interesse nas atividades cognitivas
inconscientes. "Depois de cem anos de descaso, desconfiança e frustração, o processo inconsciente
voltou com firmeza na mente coletiva dos psicólogos" (Kihlstrom, Barnhardt e Tataryn, 1992, p. 788).
Cada vez mais, os psicólogos cognitivos concordam que o inconsciente é capaz de realizar muitas
funções que antes se acreditava precisarem de deliberação, intenção e conscientização deliberada.
As pesquisas sugerem que a maior parte de nosso pensamento e processamento de informações
ocorre no inconsciente, que pode operar mais rápida e eficientemente do que a mente consciente
(veja Hassin, Uleman e Margh, 2005; Wilson, 2002).

Entretanto, essa não é a mente inconsciente de que falava Freud, transbordando de lembranças e
desejos reprimidos trazidos ao consciente somente por meio da psicanálise. Esse novo inconsciente
é mais racional do que emocional, e está envolvido no primeiro estágio da cognição de resposta a
um estímulo. Desse modo, o processo inconsciente forma uma parte integrante da aprendizagem e
é passível de estudo experimental.

Para distinguir a versão moderna de inconsciente cognitivo da versão psicanalítica (e dos estados
físicos de inconsciência, sonolência ou comatoso), alguns psicólogos cognitivos preferem empregar o
termo "não-consciente". Em geral, os pesquisadores cognitivos concordam que a maioria dos
processos mentais do homem ocorre no nível não-consciente. "Hoje, acredita-se ser o estado
inconsciente mais 'alerta' do que se pensava, sendo capaz de processar informações visuais e verbais
complexas e até prever (e planejar) acontecimentos futuros. (...) Não mais um simples depositário
do ímpeto e do impulso, o inconsciente parece desempenhar importante papel na solução de
problemas, no teste de hipóteses e na criatividade" (Bornstein e Masling, 1998, p. xx).

Tanto nos experimentos laboratoriais quanto nos estudos baseados na observação do


comportamento do consumidor ao fazer compras, os pesquisadores verificaram que o pensamento
inconsciente (chamado aqui de "atenção sem deliberação") era mais criativo e diversificado e levava
a compras mais satisfatórias do que quando as respostas no laboratório e comportamento de
compra eram dirigidos pelo pensamento consciente (Kijksterhuis, Bos, Nordgren, e van Baaren,
2006; Dijksterhuis e Meurs, 2006).

Uma abordagem conhecida no estudo do processamento não-consciente envolve a percepção


subliminar (ou ativação subliminar), na qual estímulos são apresentados abaixo do nível de
consciência do indivíduo. Apesar da incapacidade do indivíduo de percebê-los, a estimulação ativa o
processo consciente e o comportamento da pessoa. Desse modo, esse tipo de pesquisa demonstra
que o indivíduo pode ser influenciado por um estímulo que não vê ou não ouve. Essas e outras
descobertas semelhantes convenceram os psicólogos cognitivos de que o processo de aquisição do
conhecimento (dentro ou fora do ambiente laboratorial) ocorre tanto no nível consciente como no
não-consciente, mas a maior parte do trabalho mental envolvido na aprendizagem ocorre no nível
não-consciente. A pesquisa também indica que o processamento da informação não-consciente
pode ser mais rápido, mais eficiente e mais sofisticado do que as atividades semelhantes do nível
consciente.

A Cognição Animal

O movimento cognitivo resgatou a consciência não apenas dos seres humanos, como também dos
animais. Realmente, a psicologia comparativa e a animal fecharam o círculo completo, desde as
observações da vida mental do animal relatadas por Romanes e Morgan nas décadas de 1880 e
1890, passando pelo estudo do condicionamento mecânico por estímulo-resposta dos behavioristas
skinnerianos nas décadas de 1950 e 1960, até a restauração contemporânea da consciência pelos
psicólogos cognitivos.

Desde a década de 1970, os estudiosos da psicologia animal tentam demonstrar como o animal
codifica, transforma, computa e manipula as representações simbólicas das texturas espacial,
temporal e causal do mundo real para adaptar e organizar o próprio comportamento" (Cook, 1993,
p. 174). Em outras palavras, o sistema de processamento de informações semelhante ao do
computador que se acredita operar nos humanos também está sendo estudado nos animais. As
primeiras pesquisas de cognição animal utilizavam estímulos simples como luzes coloridas, sons e
cliques. Esses estímulos talvez tenham sido básicos demais para permitir uma compreensão do
processo cognitivo animal, pois não permitiam aos animais exibirem a gama completa de
capacidades de processamento de informação. Pesquisas posteriores utilizavam estímulos mais
realistas e complexos, tais como fotos coloridas de objetos conhecidos. Esses estímulos fotográficos
revelaram capacidades conceituais até então não atribuídas aos animais.

Observou-se ainda uma memória animal complexa e flexível e pelo menos alguns processos
cognitivos operando de modo semelhante no animal e nos seres humanos. Os animais de
laboratório são capazes de aprender conceitos variados e sofisticados. Eles exibem processos
mentais tais como a codificação e organização de símbolos, a capacidade de formar abstrações
espaciais, temporais e numéricas e perceber as relações de causa e efeito. Além disso, o uso que
fazem de ferramentas e outros acessórios implica um sentido básico de raciocínio (Wynne, 2001).

Estudos feitos com animais, desde insetos até mamíferos (incluindo ratos, pombas, chimpanzés,
papagaios, golfinhos e corvos), sugerem que os animais conseguem desempenhar uma série de
funções cognitivas. Entre estas estão a formação de mapas cognitivos, percepção de motivos,
planejamento levando em consideração experiências passadas] compreensão de conceitos de
números e resolução de problemas pelo uso da razão (veja por exemplo, Emery e Clayton, 2005;
Pennisi, 2006).

No entanto, alguns estudiosos da psicologia animal afirmam que as pesquisas realizadas até hoje
não oferecem comprovações suficientes para generalizar a afirmação de que a cognição animal
funcione de modo semelhante à humana. A lacuna entre o funcionamento da mente animal e o da
mente humana proposta por Descartes no século XVII mantém o seu apelo.

Os psicólogos comportamentais ainda rejeitam a noção de consciência, tanto em animais como nos
seres humanos. Um behaviorista afirmou sobre os psicólogos cognitivos animais: "Eles são os George
Romaneses de hoje. Especular sobre memória, raciocínio e consciência dos animais não é menos
ridículo do que era há 100 anos" (Baum, 1994, p. 138). Um historiador famoso apresentou uma
opinião contraditória:

Será que os animais demonstram todos os aspectos observáveis da consciência? As evidências


biológicas apontam para uma clara resposta positiva. Teriam, então, também, o lado subjetivo?
Dada a longa e crescente lista de semelhanças, parece-me que o peso da evidência está
inexoravelmente tendendo para uma resposta afirmativa. (...) Sinto que a comunidade científica
agora inclinou-se a seu favor. Os fatos básicos acabaram retornando à origem. Não somos os únicos
seres conscientes do planeta. (Baars, 1997, p. 33)

Se os animais são seres conscientes e podem desempenhar funções cognitivas semelhantes às dos
seres humanos, é possível perguntar se também exibem características comuns de personalidade?
Um número crescente de psicólogos acredita que a resposta é afirmativa.

A Psicologia Animal

No início da década de 1990 dois psicólogos decidiram estudar 44 polvos vermelhos no aquário de
Seattle, Washington, onde cientistas e cuidadores haviam notado que os polvos tinham
personalidades diferentes entre si. De fato, eles haviam dado nomes que correspondiam às suas
naturezas. Uma fêmea mais tímida foi chamada de Emily Dickinson, em homenagem à poetisa. Uma
outra era tão agressiva e destrutiva que foi chamada de Lucrécia McEvil (Siebert, 2006).
Os psicólogos observaram o comportamento dos polvos em três situações experimentais e
verificaram que diferiam em três fatores: atividade, reação e fuga. A resposta à pergunta: "Os polvos
têm personalidade?" foi inexoravelmente afirmativa (Mather e Anderson, 1993).

Desde essa pesquisa, os estudos têm documentado características de personalidade em uma


variedade de animais, incluindo peixes, aranhas, animais de grande porte, hienas, chimpanzés e
cachorros. Por exemplo, algumas hienas foram observadas em um zoológico por seus cuidadores
que relataram que apresentam características semelhantes às dos humanos, como excitabilidade,
sociabilidade, curiosidade e positividade. Ratos exibiram um certo grau de empatia por outros ratos
com dor, assim como os chimpanzés, elefantes e golfinhos. Os orangotangos com grau elevado de
extroversão e amabilidade, e baixo grau de comportamento neurótico, também apresentam um alto
grau de bem-estar subjetivo. Além disso, os traços de personalidade exibidos por cachorros têm sido
medidos com a mesma exatidão que nos seres humanos (veja Gosling, Kwan e John, 2003; Miller,
2006; Siebert, 2006; Weiss, King e Perkins, 2006).

"Com os estudos da personalidade animal estamos obtendo uma apreciação ainda maior não só da
distinção dos pássaros e animais e seus comportamentos, mas também de suas semelhanças
profundas com nós mesmos e nossos comportamentos" (Siebert, 2006, p. 51). Se os animais são tão
semelhantes aos seres humanos em termos de processamento cognitivo, temperamento e
personalidade, isso significa confirmação adicional da importância da evolução em todas as criaturas
vivas? Como veremos, o campo relativamente novo da psicologia evolucionista dedica-se a
investigar justamente essa questão.

O Estágio Atual da Psicologia Cognitiva

Com o movimento cognitivo na psicologia experimental e a ênfase na consciência dentro da


psicologia humanista e da psicanálise pós-freudiana, é possível observar que a consciência estava
exigindo a posição central que ocupou quando do início formal da disciplina. Uma análise de 95
discursos presidenciais da APA mostra que a visão predominante do objeto de estudo da psicologia
oscilou dos fatos subjetivos para os objetivos, retornando aos subjetivos (Gibson, 1993). A retomada
da consciência ocorreu de forma vigorosa e substancial.

Como escola de pensamento, a psicologia cognitiva vangloria-se das aparências externas do sucesso.
Na década de 1970, o movimento obteve tantos adeptos que conseguiu sustentar as próprias
revistas especializadas: Cognitive Psychology (publicada primeiro em 1970), Cognition (1971),
Cognitive Science (1977), Cognitive Therapy and Research (1977), Journal of Mental Imagery (1977)
e Memory and Cognition (1983). A revista Consciousness and Cognition começou a ser publicada em
1992, e a Journal of Consciousness Studies, em 1994.
Em uma ocasião, Jerome Bruner descreveu a psicologia cognitiva como "uma revolução cujos limites
ainda não podem ser previstos" (Bruner, 1983, p. 274). O cientista Roger Sperry, ganhador do
prêmio Nobel, comentou que a revolução da consciência ou cognitiva, comparada às revoluções
psicanalítica e behaviorista na psicologia, é "a reviravolta mais radical; a mais revisionista e mais
transformadora" (Sperry, 1995, p. 35).

O impacto da psicologia cognitiva é sentido na maioria das áreas de interesse das comunidades de
psicologia estadunidense e europeia. Ademais, os psicólogos cognitivos têm tentado aprofundar e
consolidar o trabalho de diversas grandes disciplinas em um estudo unificado de aquisição do
conhecimento. Essa perspectiva, intitulada ciência cognitiva, é uma fusão de psicologia cognitiva,
linguística, antropologia, filosofia, ciência da computação, inteligência artificial e neurociência.
Embora George Miller questionasse em que se transformaria a união de campos de estudo tão
distintos (ciências cognitivas, ele sugeriu, em vez de ciência cognitiva), não há como negar o
crescimento da abordagem multidisciplinar. Vários laboratórios e institutos de ciência cognitiva
foram criados nas universidades dos Estados Unidos; alguns departamentos de psicologia passaram
a se chamar departamentos de ciência cognitiva. Qualquer que seja o nome, a abordagem cognitiva
para o estudo do fenômeno mental e dos processos mentais passou a dominar a psicologia e as
disciplinas aliadas.

Todavia, nenhuma revolução, mesmo bem-sucedida, escapa das críticas. Por exemplo, a maioria dos
psicólogos behavioristas posiciona-se contrária ao movimento cognitivo. Mesmo os que apoiam o
movimento apontam suas limitações e seus pontos fracos, observando que existem poucos
conceitos com os quais a maioria dos psicólogos cognitivos concorda, ou que considera importantes,
e ainda há muita confusão em torno da terminologia e das definições.

Outra crítica está relacionada à ênfase excessiva na cognição em detrimento das outras influências
sobre o pensamento e o comportamento, tais como a motivação e a emoção. A literatura
especializada em motivação e emoção diminuiu ao longo das últimas décadas, enquanto as
publicações relacionadas à cognição aumentaram. Ulric Neisser afirmou ser o resultado uma
abordagem limitada e improdutiva do campo. "O pensamento humano envolve paixão e emoção, as
pessoas atuam sob motivações complexas. O programa de computador, ao contrário, (...) não
trabalha por emoção e é monomaníaco na sua ingenuidade” (Neisser apud Goleman, 1983, p. 57).
Ele percebeu o risco da fixação excessiva da psicologia cognitiva nos processos de pensamento do
mesmo modo que o behaviorismo se concentrou excessivamente no comportamento manifesto.
Jerome Bruner alertou estar a ciência cognitiva restringindo-se a questões cada vez mais limitadas,
até mesmo triviais (Bruner, 1990). Uma crítica mais agressiva aponta o fracasso em unificar os
diversos campos relacionados ao funcionamento cognitivo. Um crítico observou que, até agora, "não
existe uma visão comum sobre a mente" (Erneling, 1997, p. 381).
Apesar dessas críticas, a primazia da posição cognitiva é amplamente aceita na psicologia. Esse
domínio foi confirmado em uma análise empírica englobando 19 anos de dissertações de doutorado
e artigos publicados e citados nas quatro publicações da psicologia geral: American Psychologist,
Annual Review of Psychology, Psychological Bulletin e Psychological Review (Robins, Gosling e Craik,
1999).

A psicologia cognitiva não está terminada. Está ainda em evolução, marcando o lugar na história em
andamento, portanto ainda é cedo demais para avaliar suas contribuições definitivas. A disciplina é
dotada de características de uma escola de pensamento: publicações próprias especializadas,
laboratórios, encontros, jargões e convicções, bem como o zelo dos adeptos. Podemos falar de
cognitivismo, assim como falamos do funcionalismo e do behaviorismo. A psicologia cognitiva já
atingiu o estágio alcançado pelas outras escolas de pensamento em cada época, ou seja, tornar-se
parte da psicologia geral. E essa situação é o progresso natural das revoluções bem-sucedidas.

A Psicologia Evolucionista

A abordagem mais recente da psicologia, a psicologia evolucionista, afirma que os indivíduos são
criaturas ligadas" ou programadas pela evolução para se comportarem, pensarem e aprenderem
segundo as formas que favoreceram a sobrevivência ao longo de várias gerações passadas. Essa
abordagem é baseada na afirmação de que as pessoas com certas tendências comportamentais e
cognitivas têm mais chances de sobreviver, perdurar e criar proles.

Conforme comentou um psicólogo evolucionista, "Os seres humanos que defenderam territórios,
alimentaram os filhos e lutaram pela dominação foram mais propensos a se reproduzir com êxito do
que os que não o fizeram; resultando que seus últimos descendentes - membros da atual geração -
normalmente demonstram todas as tendências comportamentais semelhantes" (Funder, 2001, p.
209). Os genes relacionados a esses comportamentos facilitadores da sobrevivência "passam de
geração a geração porque se adaptam, aperfeiçoando a forma de sobrevivência e o sucesso
reprodutivo, e acabam disseminados, tornando-se instrumento-padrão" (Goode, 2000, p. D9).
Assim, o ser humano é moldado em grande parte, se não na maioria, pelo meio biológico e não pela
aprendizagem. Sem negar que as forças sociais e culturais influenciam o comportamento humano
pela aprendizagem, os psicólogos evolucionistas afirmam que o indivíduo é predisposto, ao nascer,
a certas formas de comportamento moldadas pela evolução.

Todos os mecanismos psicológicos, em algum nível básico, originam-se de processos evolucionistas e


devem sua existência a eles.
As teorias de Darwin sobre a seleção natural e sexual são as mais importantes para os processos
evolucionistas responsáveis por criarem mecanismos psicológicos desenvolvidos.

Mecanismos psicológicos desenvolvidos podem ser descritos como instrumentos de processamento


de informações.

Mecanismos psicológicos desenvolvidos são funcionais; funcionam para resolver problemas


recorrentes de adaptação que confrontaram nossos antepassados, (entrevista de David Buss em
Barker, 2006, p. 69-70).

Psicologia evolucionista é uma ampla área que faz uso de resultados de pesquisas de outras
disciplinas, incluindo a de comportamento animal, biologia, genética, neuropsicologia e teoria
evolucionista. Ela aplica esses resultados em todas as áreas da psicologia. A psicologia atual está
fragmentada em abordagens diversas para seus problemas, e que não há um único tema que reúna
todas essas propostas em uma única psicologia. Os defensores da psicologia evolucionista afirmam
que sua definição pode unir essas áreas discrepantes.

Um dos fundadores da psicologia evolucionista, David Buss, escreveu que "ela representa uma
revolução verdadeiramente científica, uma mudança padrão profunda na área de psicologia" (2005,
p. xxiv). Em uma entrevista, no ano seguinte, ele chamou a psicologia evolucionista de "uma das
revoluções científicas mais importantes que já tivemos na história da psicologia" (apud Barker, 2006,
p. 73).

As Influências Anteriores na Psicologia Evolucionista

Claramente, qualquer movimento que se denomina psicologia evolucionista deve oferecer os


créditos a Charles Darwin, bem como a Herbert Spencer e sua noção a respeito da sobrevivência do
mais apto. A ideia de que somente aqueles dotados de algumas caraterísticas sobrevivem e
reproduzem uma espécie com as mesmas qualidades parece ser a base da psicologia evolucionista,
assim como fora para Darwin e Spencer.

Em 1890, 31 anos depois da publicação do monumental trabalho de Darwin a respeito da evolução,


William James utilizou o termo "psicologia evolucionista" em seu livro, The principies of psychology.
James previu que um dia a psicologia se basearia na teoria da evolução. Também propôs que a maior
parte do comportamento humano é programada no nascimento por predisposições genéticas
chamadas instinto. Esses comportamentos instintivos seriam passíveis de modificação por meio da
experiência ou da aprendizagem, mas são inicialmente formados independentemente das
experiências.

James acreditava ser instintiva uma ampla variedade de comportamentos, incluindo o medo de
objetos específicos como cobras, animais estranhos e de altura, todos envolvendo claramente o
valor de sobrevivência. Outros comportamentos instintivos, afirmava James, seriam moldados pelos
pais - o amor, a sociabilidade e a pugnacidade (a propensão à luta e à disputa). Afirmava que os
comportamentos instintivos eram uma evolução mediante a seleção natural e adaptações
destinadas a lidar com os problemas específicos de sobrevivência e de reprodução.

Durante o reinado do behaviorismo, de 1913 a cerca de 1960, a noção de determinação genética do


comportamento era vista como uma espécie de maldição. Todo comportamento era aprendido,
afirmavam os behavioristas, mas mesmo assim, durante esse período de supremacia e efetiva
dominação do behaviorismo na psicologia, surgiam trabalhos a respeito da precedência das
influências genéticas e das tendências herdadas sobre as respostas condicionadas.

Por exemplo, o trabalho dos alunos de Skinner, os Brelands, que treinavam animais para
apresentações em circos, propagandas de televisão e feiras comerciais.

Alguns desses animais demonstravam propensão à transferência instintiva. Os animais, às vezes,


substituíam o comportamento instintivo por outros, reforçados por alimento, mesmo quando o
instintivo interferia na obtenção de comida, uma violação clara do princípio básico behaviorista de
que o reforço seria predominante.

Há um trabalho conhecido do psicólogo Harry Harlow, que realizou uma pesquisa sobre o amor
materno dos macacos (Harlow, 1971). Harlow criou filhotes de macacos com mães artificiais de dois
tipos. Ambas eram construídas de armações de arame, mas uma era coberta de tecido de pelúcia
macio e aconchegante, enquanto a outra era descoberta e dura, mas com mamilos para fornecer
leite. Para os skinnerianos, era óbvia a associação do reforço apenas com a mãe que fornecia a
recompensa do leite. Entretanto, quando os macacos ficavam assustados, agarravam-se na mãe
coberta de pelúcia e não na que sempre lhes fornecera o reforço. Parecia haver outra força atuando,
impossível de ser explicada pelo condicionamento operante e pelo reforço.

Uma pesquisa realizada por Martin Seligman, o iniciador da psicologia positiva, demonstrou a
facilidade de condicionamento do indivíduo a temer cobras, insetos, cães, altura e túneis. No
entanto, percebeu-se que é mais difícil condicionar o indivíduo a temer objetos menos ameaçadores
e mais neutros como um automóvel ou uma chave de fendas (Seligman, 1971).
O medo de cobras sempre serviu para a sobrevivência e, consequentemente, para a evolução, e
assim, presume-se que o indivíduo já nasça com essa predisposição. Entretanto, o medo de objetos
neutros não teve valor para a sobrevivência ao longo de várias gerações, não sendo, portanto,
transmitido. Seligman chamou esse fenômeno de preparo biológico. Esse conceito sugere que "as
fobias realmente são aprendidas por meios clássicos de condicionamento, mas que certos medos,
que podem ter servido a algum propósito adaptador nos ambientes ancestrais, são mais facilmente
condicionáveis" (Siegert e Ward, 2002, p. 244).

Portanto, a psicologia evolucionista, além de se valer da revolução cognitiva, também expande sua
importância ao considerá-lo uma estrutura necessária para se compreender a natureza humana e a
animal. Concentra-se na importância do consciente que se desenvolveu com o tempo, e dá uma
grande ênfase à noção do computador como uma metáfora para todos os processos conscientes.
Dois psicólogos evolucionistas famosos escreveram:

Os programas que abrangem a mente humana foram desenvolvidos por seleção natural para
resolver problemas de adaptação regularmente encontrados por nossos ancestrais na caça e coleta -
problemas como encontrar um companheiro, cooperar com outros, caçar, coletar, proteger as
crianças, navegar, evitar predadores, evitar exploração, e assim por diante. A função desenvolvida
do cérebro é a de extrair informações do ambiente e usá-la para gerar comportamentos e regular a
fisiologia. Portanto, o cérebro não é só parecido com um computador. Ele é um computador - isto é,
um sistema físico planejado para processar informações. (Tooby e Cosmides, 2005, p. 5)

A Influência da Sociobiologia

Surgiu outro ímpeto mais contemporâneo da psicologia evolucionista, em 1975, quando o biólogo
Edward O. Wilson publicou um livro totalmente inovador, intitulado Sociobiology: a new synthesis
(Wilson, 1975), o qual tanto foi aclamado como veementemente criticado.

Dois anos depois, era capa da revista Time. Nesse mesmo ano, Wilson ganhou a Medalha Nacional
da Ciência e, durante a reunião anual da Associação Americana para o Progresso da Ciência,
sociedade não caracterizada pela violência física, ele recebeu um balde de água gelada na cabeça.

A tese simples e corajosa de Wilson era uma afronta para muitas pessoas porque o trabalho
desafiava a crença nutrida pela igualdade da criação humana, e da atuação das forças sociais e
ambientais motivando ou limitando o desenvolvimento humano. Wilson motivou a ira das pessoas
por parecer dar maior ênfase às influências genéticas que às culturais. Se todo comportamento for
geneticamente determinado, então, não há esperanças na mudança de atitude, mediante as práticas
de criação e educação da criança ou por outro método. No entanto, não era esse o ponto central de
Wilson, embora adotasse uma visão hereditária muito forte em uma época na qual esse tipo de
perspectiva era malvisto. Wilson escreveu:

O ser humano herda a propensão a adquirir estruturas sociais e comportamentais, tendência


compartilhada por uma quantidade suficiente de indivíduos para ser chamada de natureza humana.
Os traços determinantes incluem a divisão de tarefas entre os sexos, a ligação entre pais e filhos, o
grande altruísmo entre os semelhantes mais próximos, a rejeição do incesto, outras formas de
comportamento ético, a suspeita de estranhos, o tribalismo, as ordens dominantes entre os grupos,
o total domínio masculino e as agressões territoriais diante da limitação de recursos. Embora o
indivíduo seja dotado de livre-arbítrio e de escolha das decisões, os canais do desenvolvimento
psicológico são - embora muitos de nós desejássemos o contrário - mais determinados pelos genes
em algumas direções do que em outras. (Wilson, 1994, p. 332-333)

Como resultado do enorme protesto contra o livro de Wilson, a palavra sociobiologia acabou criando
uma conotação tão negativa que caiu em desuso. Em 1989, quando um grupo de cientistas
estadunidenses decidiu criar uma associação profissional para estudar o campo iniciado por Wilson,
deram o nome de Human Behavior and Evolution Society [Sociedade de Evolução e Comportamento
Humano] e procuravam evitar a palavra sociobiologia nos encontros.

O campo de estudo iniciado por Wilson foi incorporado às visões modificadas de vários psicólogos
estadunidenses que chamavam seus trabalhos de psicologia evolucionista. Com esse nome
aparentemente mais aceitável, o campo tornou-se imensamente popular.

O Estágio Atual da Psicologia Evolucionista

Apesar da sua popularidade, a psicologia evolucionista vem gerando muitas críticas. Como
mencionamos anteriormente, as pessoas que acreditam no ser humano exclusivamente, ou pelo
menos principalmente, como produto da aprendizagem que se opõem a qualquer discussão a
respeito de determinantes biológicas do comportamento. Se a natureza humana é determinada
apenas pelo dom natural genético, não há possibilidade de as forças culturais e sociais positivas
alterarem o comportamento para melhor, ou de as pessoas tentarem exercer o livre-arbítrio.
A resposta dos psicólogos evolucionistas para essa crítica é observar, como fez Wilson, que eles não
afirmam ser todo tipo de comportamento imutável e determinado pelos genes.

O comportamento humano é modificável; nós continuamos livres para escolher. As forças sociais e
culturais são influentes e, algumas vezes, superam ou alteram a programação herdada para
responder de determinada forma.

Os opositores argumentam que a amplitude do campo "dificulta a testagem convincente da teoria. A


capacidade da psicologia evolucionista de explicar praticamente tudo não é nenhuma virtude"
(Funder, 2001, p. 210). Os críticos também questionam como é possível identificar com clareza uma
história de adaptação em um comportamento específico, por várias gerações, até chegar aos povos
primitivos, quando o valor de sobrevivência possivelmente teria iniciado.

Comentários

Observamos em sua história que todas as abordagens da psicologia e as tentativas de definir o


campo receberam críticas e apresentaram pontos de aparente vulnerabilidade. Como no caso da
psicologia cognitiva, ainda é cedo demais para julgar se a psicologia evolucionista terá seu valor
legitimado. Também esse campo faz parte da história em andamento. Um defensor do movimento
da psicologia evolucionista resumiu o estágio atual da área nos seguintes termos: "Penso que ainda
não sabemos realmente como trabalhar com a psicologia evolucionista. Enfrentamos muitas
dificuldades para formular as hipóteses, e ainda mais obstáculos para descobrir como testar as
afirmações. No momento, temos um princípio poderoso que acabará fornecendo a base para uma
psicologia mais profunda e mais enriquecida. No entanto, ainda temos de trabalhar muito”
(Randolph Nesse apud Goode, 2000, p. D9).

Assim, a busca pela abordagem verdadeiramente final da psicologia, pela escola de pensamento
definitiva que venha a caracterizar o campo por mais de algumas décadas, continua. Será que a
psicologia evolucionista ou a psicologia cognitiva se tornará o juiz final e definirá a psicologia e o seu
objeto de estudo? Com base no que foi visto até aqui, provavelmente não.

A única afirmação possível fundamentada na história da psicologia estudada até aqui é que, quando
um movimento se formaliza em uma escola, ficará em evidência até que um novo movimento
apresente ideias que a superem com êxito. Quando isso ocorre, as artérias desobstruídas do até
então jovem e vigoroso movimento começam a endurecer. A flexibilidade transforma-se em rigidez,
a paixão revolucionária começa a ser protetora da sua posição e os olhos e a mente se fecham para
as novas ideias. É dessa maneira que nasce um novo sistema. Assim acontece no progresso de
qualquer ciência, uma construção evolucionista para níveis mais elevados de desenvolvimento. Não
há complementação nem final, apenas um processo interminável de crescimento, como as novas
espécies evoluem das antigas e tentam se adaptar a um ambiente eterno de mudanças.

Histórico

Em 1895, o cientista social francês Gustave Le Bon (1841-1931) apresentou, em seu pioneiro
trabalho sobre a Psicologia das Multidões, a proposição básica para o entendimento de uma
psicologia social: sejam quais forem os indivíduos que compõem um grupo, por semelhantes ou
dessemelhantes que sejam seus modos de vida, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o
fato de haverem sido transformados num grupo, coloca-os na posse de uma espécie de mente
coletiva que os fazem sentir, pensar e agir de maneira muito diferente daquela pela qual cada
membro dele, tomado individualmente, sentiria, pensaria e agiria, caso se encontrasse em estado de
isolamento [9: p. 18]. Essa proposição e os argumentos de Le Bon para justificá-la, serviu de
parâmetro para o estudo sobre Psicologia de Grupo publicado por Sigmund Freud em 1921.

A questão teórica de Le Bon, com quem Freud dialogou era "massa", não "grupo". Um problema de
tradução entre o alemão e o inglês fez com que surgisse o termo "grupo" em Freud, embora não
haja evidências de que o mesmo tenha se preocupado com esta questão. Contudo essa categoria de
explicação é retomada em diversos dissidentes da psicanálise como Carl Gustav Jung (1875-1961)
que introduziu o conceito inconsciente coletivo - o substrato ancestral e universal da psique
humana, e surpreendeu o mundo com sua célebre interpretação do fenômeno dos discos voadores
como um mito moderno e Wilhelm Reich com sua análise da anomia (Escutas a Zé Ninguém) e
governos totalitários (Psicologia das Massas e do Fascismo). A psicanálise dos governantes ou
relação entre a psique individual e a cultura ou civilização por sua vez é um tema frequente na obra
de Freud e outros psicanalistas (E. Eriksom, E. Fromm etc.) que estudam a relação dessa ciência com
a antropologia.

A relação entre a etnologia e psicologia é especialmente fecunda, inúmeros etnólogos investigaram


e tomaram como ponto de partida das suas pesquisas as teorias picanalíticas e psicológicas a
exemplo de Ruth Benedict Margaret Mead Malinowski Lévi-Strauss.

Por outro lado observa-se também que psicologia desenvolveu sua notoriedade como disciplina
científica ao afirma-se como uma ciência natural em oposição às ciências sociais ou humanas nos
finais do século XIX. Crente na impossibilidade teórica da mente voltar-se sobre- se mesmo como
sujeito objeto de pesquisa Wilhelm Wundt (1832-1920) propôs a psicologia como um novo domínio
da ciência em 1874 no seu livro Princípios de Psicologia Fisiológica e a criação de um laboratório de
psicologia experimental (1879) em Leipzig. Esse mesmo autor contudo suponha ser necessários
estudos complementares voltados ao estudo da mente em suas manifestações externas, a sua
Völkerpsychologie - Psicologia dos povos / social ou cultural (10 volumes) escritos entre 1900 e 1920
com análises detalhadas da língua e cultura. Três dos volumes são dedicados aos mitos e religião;
dois à linguagem (hoje seria considerados como psicologia lingüística); dois à sociedade e um à
cultura e história (a psicologia social de hoje); um a lei (hoje a psicologia forense ou jurídica) e um à
arte (um tópico que abrange as modernas concepções de inteligência e criatividade).

Tal aspecto de sua obra vem sendo recuperada por sua aplicação e semelhança com os modernos
estudos de psicologia cognitiva. Segundo Farr é possível perceber o desenvolvimento posterior das
ideias de Wundt na psicologia social de G. H Mead e Herbert Blumer, os criadores do interacionismo
simbólico na Universidade de Chicago e Vygotsky na Rússia.

O grupo como objeto de estudos ganhou densidade na psicologia social durante a segunda guerra
mundial, com Kurt Lewin (1890-1947), considerado por muitos autores como fundador da psicologia
social. Contemporâneo dos fundadores da psicologia da gestalt e integrante dessa teoria esse autor
radicou-se nos Estados Unidos a partir de 1933 onde chefiou no MIT Massachusetts Instituto de
Tecnologia o Centro de Pesquisa de Dinâmica de Grupo junto com uma série de autores que
desenvolveram a escola americana de psicologia social a exemplo de D. Cartwright que assumiu a
direção do instituto após a sua morte e Leon Festinger (1919-1979) que desenvolveu a teoria da
dissonância cognitiva explorando o desconforto da contradição dos conflitos e estado de
consistência interna ainda hoje referência para os estudos de valores éticos em psicologia social.

A Dinâmica de Grupo ou ciência dos pequenos grupos, é para alguns autores o objeto e método da
psicologia social, limita-se porém ao estudo empírico da interação dentro dos grupos. Sendo porém
relevantes as suas contribuições sobre a estrutura grupal, os estilos de liderança, os conflitos e
motivações, espaço vital ou o campo de forças que determinam a conduta humana possuem
diversas aplicações e entre elas a psicologia infantil e a modificação de comportamentos seja para
benefícios dietéticos (estudos de pesquisa – ação realizados com Margareth Mead) seja para melhor
a produtividade e desempenho nos ambientes de trabalho.

Na escola americana de psicologia social cabe ainda um destaque para William McDougall (1871-
1938). Esse autor, britânico que viveu 24 anos na América, foi um dos primeiros a utilizar o nome de
psicologia social (1908) e comportamento (behavior) e representa a tendência evolucionista
americana, pós efeito da teoria da evolução de Darwin que veio a reforçar a tendência aos estudos
de psicologia comparada e da abordagem comportamental apesar da diferença essencial entre as
proposições quanto utilização do conceito de “instinto” como categoria explicativa aproximando-se
portanto de um corrente representada por S. Freud e G. H. Mead.
George Hebert Mead (1863-1931) inserido no pragmatismo James (1842-1910) Peirce (1839-1931) e
Dewey (1859-1952) americano o criador da teoria do interacionismo simbólico em seu curso de
psicologia social da Universidade de Chicago do qual nos deixou o livro construído a partir de
anotações de sues alunos Mind Self and Society é bem melhor compreendido por sociólogos do que
por psicólogos. Essa relação com a sociologia não vem só do fato de seu curso e teoria ter sido
continuado por um sociólogo Herbert Blumer e sua rejeição no contexto do paradigma behaviorista
mas por que os conceitos de ato, ação e ator social são essencialmente úteis ao entendimento das
políticas públicas e intervenções sociais. Sua importância vem sendo reconhecida em nossos dias
pela influência da sua teoria nos estudos e proposições Erving Goffman autor de Prisões manicômios
e conventos, um livro fundamental no processo de transformação do tratamento psiquiátrico
(reforma psiquiátrica) e luta anti-manicomial em nossos dias.

A psicologia social rompe com a oposição entre o indivíduo e a sociedade, enquanto objectos
dicotómicos que se auto-excluem, procurando analisar as relações entre indivíduos (interacções), as
relações entre categorias ou grupos sociais (relações intergrupais) e as relações entre o simbólico e a
cognição (representações sociais).Assim, apresenta como objecto de estudo os indivíduos em
contexto, sendo que as explicações são efectuadas tendo em conta quatro níveis de análise: nível
intra-individual (o indivíduo), o nível inter-individual e situacional (interacções entre os indivíduos ou
contexto), o nível posicional (posição que o indivíduo ocupa na rede das relações sociais), e o nível
ideológico (crenças, valores e normas colectivas). Pepitone, A. (1981). Lessons from the history of
social psychology. American Psychologist, 36, 9, 972-985. Silva, A. & Pinto, J. (1986). Uma visão
global sobre as ciências sociais. In Silva, A. & Pinto, J. (Coords.), Metodologia das Ciências Sociais (pp.
9–27). Porto: Edições Afrontamento.

Psicologia Social no Brasil

A psicologia social no Brasil tem início nos estudos etnopsicológicos de Nina Rodrigues em 1900, O
animismo fetichista dos negros africanos e As coletividades anormais, ou melhor, como coloca
Laplantine (1998) nos estudos que revelam o confronto entre a etnografia e a psicologia. Materiais
etnográficos recolhidos a partir de observações muito precisas são interpretados no âmbito da
psicologia clínica da época. Nina Rodrigues considera os problemas da integração das populações
européias às advindas da diáspora africana que segundo ele constituem o principal obstáculo para o
progresso da sociedade global.

Muitos autores brasileiros seguiram essa linha de raciocínio que oscilava entre os pressupostos
biológicos racistas da degenerescência racial, uma interpretação psicológica (instabilidade do caráter
resultante do choque de duas culturas) até as modernas interpretações sociológicas iniciadas a partir
de 1923 com os estudos de Gilberto Freyre autor do reconhecido internacionalmente Casa grande e
senzala.
Com o título de Psicologia Social vamos encontrar o trabalho de Arthur Ramos (1903-1949) que foi o
professor convidado para ministrar o curso de psicologia social na recém criada Universidade do
Distrito Federal no Rio de Janeiro (1935) e logo desfeita pelo contexto político da época. Este não
fugiu à clássica abordagem do estudo simultâneo das inter-relações psicológicas dos indivíduos na
vida social e a influência dos grupos na personalidade mas face a sua experiências anteriores nos
serviços de medicina legal e médico de hospital psiquiátrico na Bahia tinha em mente os problemas
da inter-relação de culturas e saúde mental (com atenção especial aos aspectos místicos - primitivos
da psicose) retomando-os a partir das proposições da psicanálise e psicologia social americana
situando-se criticamente entre as tendências de uma sociologia psicológica e uma psicologia
cultural.

Nas últimas décadas a psicologia social brasileira, segundo Hiran Pinel (2005), foi marcada por dois
psicólogos bastante antagônicos: Aroldo Rodrigues (empirismo e que adotou uma abordagem mais
de experimental-cognitiva, por exemplo, de propagandas etc.) e, mais recentemente Silvia Lane
(marxista e sócio-histórica).

Silvia Tatiana Maurer Lane e Aniela Ginsberg foram professoras fundadoras do Programa de Estudos
Pós-Graduados em Psicologia Social da PUC-SP o primeiro curso de mestrado e doutorado da área a
funcionar no Brasil, entre 1972 e 1983. Onde psicologia social é uma disciplina (teórica/prática)
referendada em pesquisas empíricas sobre os problemas sociais brasileiros. Os textos desenvolvidos
por professores e autores escolhidos são adotados como bibliografia básica na maioria dos cursos de
Psicologia do Brasil e, também, em concursos públicos na área da saúde e educação. Receberam o
prêmio outorgado pela Sociedade Interamericana de Psicologia (SIP), em julho de 2001.

Lane fez seguidores famosos e muito estudados na atualidade: Antonio da Costa Ciampa (precursor
nos estudos sobre identidade em perspectiva materialista histórica, cuja referência de estudos
inscrevem eminentes trabalhos de pesquisas inovadoras em diferentes àreas do conhecimento,
favorecendo a amplitude da categoria de estudo identidade enquanto elementar para discussões
nas ciências humanas e da saúde de modo geral) Ana Bock e outros (mais ligados a Vigotski), como
Bader Sawaia (que descreve minuciosamente as artimanhas da Exclusão social e o quanto é falso e
hipócrita a inclusão, encarada como "maquiagem" que cala a voz do oprimido); Wanderley Codo
(que estuda grupos minoritários, sofrimentos e as questões de saúde dos professores e professoras);
Maria Elizabeth Barros de Barros e Alex Sandro C. Sant'Ana (que se associam as ideias de Foucault,
Deleuze, Guattari entre outros); Carlos Eduardo Ferraço (que se associa com Boaventura de Sousa
Santos e Michel de Certeau); Hiran Pinel (que resgata tanto o existencialismo quanto o marxismo de
Paulo Freire) etc.
O psicólogo bielorrusso Vygotsky - um fervoroso marxista sem perder a qualidade de psicólogo e
educador - foi resgatado por Alexander Luria em parceria com Jerome Bruner nos Estados Unidos,
país que marcou - e marca - a psicologia brasileira. Em 1962 é publicado nos EUA, e após a saída dos
militares do governo brasileiro, tornou-se inevitável sua publicação no Brasil.

Os psicólogos sociais sócio-históricos, produzem artigos criticando o Estado e o modo neo-liberal de


produção que tem um forte impacto na produção de subjetividades. As práticas são mais ativas e
menos desenvolvidas em consultórios, e a noção de psicopatologia mudou bastante, reconhecendo
como saudáveis as táticas e estratégias de enfrentamento da classe proletária.

Foi inaugurado em outubro de 2013, o IPA (Instituto de Psicologia Avançada), em Ribeirão Preto
(313 km de São Paulo). O instituto foi instalado num imóvel de dois andares, no bairro Alto da Boa
Vista. Foram investidos inicialmente R$ 700 mil, a capacidade de atendimento no centro é de 50
pessoas. O IPA teve uma presença ilustre no dia de sua inauguração, da ex-senadora Marina Silva
(PSB).2

Críticas à Psicologia Social

Hoje em dia, a teoria da psicologia social tem recebido inúmeras críticas. Apontamos agora as
principais:

a) Baseia-se num método descritivo, ou seja, um método que se propõe a descrever aquilo que é
observável, fatual. É uma psicologia que organiza e dá nome aos processos observáveis dos
encontros sociais.

b) Tem seu desenvolvimento comprometido com os objetivos da sociedade norte-americana do pós-


guerra, que precisava de conhecimentos e de instrumentos que possibilitassem a intervenção na
realidade, de forma a obter resultados imediatos, com a intenção de recuperar a nação, garantindo
o aumento da produtividade econômica. Não é para menos que os temas mais desenvolvidos foram
a comunicação persuasiva, a mudança de atitudes, a dinâmica grupal etc., voltados sempre para a
procura de "fórmulas de ajustamento e adequação de comportamentos individuais ao contexto
social".

c) Parte de uma noção estreita do social. Este é considerado apenas como a relação entre pessoas –
a interação pessoal -, e não como um conjunto de produções humanas capazes de, ao mesmo tempo
em que vão construindo a realidade social, construir também o indivíduo. Esta concepção será a
referência para a construção de uma nova psicologia social.

Uma nova Psicologia Social e Institucional

Com uma posição mais crítica em relação à realidade social e à contribuição da ciência para a
transformação da sociedade, vem sendo desenvolvida uma nova psicologia social, buscando a
superação das limitações apontadas anteriormente,

A psicologia social mantém-se aqui como uma área de conhecimento da psicologia, que procura
aprofundar o conhecimento da natureza social do fenômeno psíquico.

O que quer dizer isso?

A subjetividade humana, isto é, esse mundo interno que possuímos e suas expressões, são
construídas nas relações sociais, ou seja, surge do contato entre os homens e dos homens com a
Natureza.

Assim, a psicologia social, como área de conhecimento, passa a estudar o psiquismo humano, objeto
da psicologia, buscando compreender como se dá a construção deste mundo interno a partir das
relações sociais vividas pelo homem. O mundo objetivo passa a ser visto, não como fator de
influência para o desenvolvimento da subjetividade, mas como fator constitutivo.

Numa concepção como essa, o comportamento deixa de ser "o objeto de estudo", para ser uma das
expressões do mundo psíquico e fonte importante de dados para compreensão da subjetividade,
pois ele se encontra no nível do empírico e pode ser observado; no entanto, essa nova psicologia
social pretende ir além do que é observável, ou seja, além do comportamento, buscando
compreender o mundo invisível do homem.

Além disso, essa psicologia social abandona por completo a diferença entre comportamento em
situação de interação ou não interação. Aqui o homem é um ser social por natureza. Entende-se aqui
cada indivíduo aprende a ser um homem nas relações com os outros homens, quando se apropria da
realidade criada pelas gerações anteriores, apropriação essa que se dá pelo manuseio dos
instrumentos e aprendizado da cultura humana.
O homem como ser social, como um ser de relações sociais, está em permanente movimento.
Estamos sempre nos transformando, apesar de aparentemente nos mantermos iguais. Isso porque
nosso mundo interno se alimenta dos conteúdos que vêm do mundo externo e, como nossa relação
com esse mundo externo não cessa, estamos sempre como que fazendo a "digestão" desses
alimentos e, portanto, sempre em movimento, em processo de transformação.

Ora, se estamos em permanente movimento, não podemos ter um conjunto teórico onde os
conceitos paralisam nosso objeto de estudo. Se nos limitarmos a falar das atitudes, da percepção,
dos papéis sociais e acreditarmos que com isso compreendemos o homem, não estaremos
percebendo que, ao desempenhar esse papel, ao perceber o outro e ao desenvolver ou falar sobre
sua atitude, o homem estará em movimento, Por isso, nossa metodologia e nosso corpo teórico
devem ser capazes de captar esse homem em movimento e intervir nas políticas públicas que
organizam e re-organizam a vida social aumentando ou diminuindo os efeitos da desigualdade social
e miséria do mundo.

E, superando esse conceitual da antiga psicologia social, a nova irá propor, como conceitos básicos
de análise, a atividade, a consciência e a identidade, modo de vida que são as propriedades ou
características essenciais dos homens e expressam o movimento humano. Esses conceitos e
concepções foram e vêm sendo desenvolvidos por vários autores soviéticos que produziram até a
década de 1960.

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