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TEXTO DE APOIO DA DISCIPLINA DE PSICOLINGUÍSTICA

UNIDADE TEMÁTICA I: História do surgimento da Psicolinguística

I. Introdução
Abordaremos neste capítulo a origem e o desenvolvimento da Psicolinguística, uma
disciplina científica que nasceu da interdisciplinaridade entre duas outras ciências: a Psicologia
e a Linguística.
Conheceremos alguns antecedentes históricos que estiveram na origem da sua
emancipação enquanto ciência autónoma. Como acontece com toda ciência, verificaremos que
ela também passou e ainda passa por diversas mudanças e que ora foi influenciada por uma, ou
por outras reflexões epistemológicas conforme os avanços das pesquisas, dos modelos e
teorias. Isso ocorre pelo facto de as ciências naturais e humanas estarem sujeitas às
transformações que os achados acrescentam gradativa e substancialmente, bem como às
evoluções sociais e históricas. Como bem salienta Scliar-Cabral (1991: 8)

Um exame retrospectivo sobre os antecedentes, o surgimento e o


desenvolvimento da psicolingüística tem a utilidade de servir como exemplo
das inter-relações entre as ciências humanas e mesmo físicas e naturais no
último século, da busca fáustica, porém mais uma vez destronada de uma
explicação mais unitária sobre os processos envolvidos na recepção e produção
de mensagens e do movimento pendular que enfatiza ora uma, ora outra as
indagações, acionado pelas teorias epistemológicas que lhe subjazem e pelo
cenário histórico e cultural que lhe serve de pano de fundo.

Assim, percorreremos um breve percurso desde as pesquisas que antecederam seu


nascimento que denominamos de período embrionário. Passaremos pelo seu nascimento,
quando, finalmente, ela foi batizada e registada e, por fim, como foi seu desenvolvimento desde
seu nascimento até a fase actual com vistas a uma perspectiva futura.
Identificaremos outras linhas de pesquisa que, certamente, influenciam e contribuem
muito para o seu desenvolvimento maturacional. Essa metáfora é proveitosa no sentido de que,
assim como o desenvolvimento físico e cognitivo do homem, as ciências não nascem prontas.
Elas se desenvolvem a partir de insumos do conhecimento que se somam ou mesmo se
dissociam para dar lugar a novas descobertas.
Por isso, sejam bem-vindos a nossa viagem, que antes de ser uma exploração minuciosa,
é uma apresentação do que chamamos hoje por Psicolinguística.
1.1. Antecedentes filosóficos e históricos
Antes de iniciarmos a abordagem sobre as duas disciplinas que geraram a
psicolinguística, precisamos trazer à baila alguns conceitos básicos que nos ajudarão entender
as idéias que subjazem o desenvolvimento filosófico e mesmo iniciaram as discussões sobre
pensamento e linguagem [verbal].
Trata-se de visões dialécticas que se erigiram em Platão e Aristóteles e, até hoje,
influenciam muitas vertentes nas ciências humanas. Elas podem ser divididas em duas visões:
A visão empiricista e a visão racionalista.
A visão empiricista acredita que adquirimos o conhecimento por meio da observação e
da experiência. Essa visão origina em Aristóteles que acreditava que “a realidade situa-se
somente no mundo concreto de objectos que nossos organismos percebem” (Sternberg,
2000:23).
Já a visão racionalista utiliza o método introspectivo lógico para compreender o mundo
e as relações das pessoas com ele. Essa visão é adotada por Platão que acreditava que a
realidade reside nas formas abstractas que os objectos representam em nossas mentes. “Os
racionalistas, portanto, tendem geralmente a deduzir exemplos específicos de um fenómeno,
baseados em princípios gerais” (op. cit, p. 23).
Outra dualidade que repercute até os nossos dias, concerne à origem das idéias. Para
Platão as idéias são inactas e, por meio da introspecção pode chegar-se à verdade sobre a mente.
Para Aristóteles as idéias são adquiridas a partir da experiência.
Essas duas concepções influenciam, até hoje, algumas vertentes das ciências modernas.
Na verdade, a bifurcação dialéctica desses antecedentes gregos pode ser aproximada nos
estudos das ciências modernas, resultando de uma síntese entre fatores inatos e adquiridos.
A visão aristotélica influenciou alguns filósofos como Locke, originando sua concepção
de tabula rasa (quadro em branco) que acredita que os homens nascem sem conhecimento.
Em oposição, Descartes, após muitas reflexões, chegou à conclusão de que as idéias são
inatas e que os sentidos são enganosos e incertos e não favorecem uma via segura para acessar
o conhecimento através das informações que os perpassam.
Numa síntese dessas duas vias: a empirista e a racionalista, no século XVIII, Kant
iniciou uma convergência dialéctica entre as questões inactas e adquiridas. Para ele ambas
devem andar juntas, na busca pela verdade.
E hoje, como essas idéias são aceitas? É o que aprenderemos a seguir.

1.1.1. O período Embrionário


Neste tópico entenderemos como essas correntes filosóficas, acima descritas,
influenciaram o desenvolvimento dos estudos psicolinguísticos.
A fase que antecede a concepção da psicolinguística como disciplina científica,
circunscreve-se num momento em que Psicologia e Linguística, sem ainda estarem firmadas
como disciplinas autónomas, abordavam a questão central sobre a relação pensamento e
linguagem, denominada Psicologia de Linguagem.
Vamos entender melhor quais os princípios que eram fecundados no seio de cada uma
dessas disciplinas.

1.1.1.1. Os genes da Psicologia


Segundo Sternberg (2000), a Psicologia moderna começou de uma fusão entre a
filosofia e a fisiologia (medicina). A filosofia vista como introspecção e a fisiologia como
empirismo. Ele diz que:

À medida que a psicologia se tornou crescentemente uma disciplina científica


focalizada na mente e no comportamento, ela divergiu gradualmente da
filosofia e da medicina. Actualmente, embora a psicologia, a filosofia e a
medicina estejam essencialmente separadas, não o estão de forma tão completa,
pois muitas questões psicológicas permanecem arraigadas em temas tanto
filosóficos quanto fisiológicos, com relação a vários aspectos da cognição
(Sternberg, 2000:25)
O duplo foco: mente e comportamento gerou uma bifurcação entre duas perspectivas:
 A primeira visa compreender a mente humana pelo estudo de suas estruturas

(configuração dos elementos) como fazemos ao estudar as estruturas anatómicas do


corpo;
 A segunda estuda as funções de cada organismo, ou seja, o processo como é realizado

no estudo da fisiologia.
Dessas duas perspectivas foram derivadas três correntes de pensamento: o
estruturalismo, o funcionalismo e o associacionismo.
O Estruturalismo, como o nome sugere, busca entender “a estrutura da mente e suas
percepções, analisando tais percepções em seus factores constituintes” (op. cit., p. 25).
Um dos principais precursores dessa corrente foi o psicólogo alemão Wundt (1832-
1920)1 que se interessou “pelos fenómenos da linguagem procurando neles a chave da psique
humana” (Titone, 1983:18).
O Funcionalismo focaliza os processos de pensamento e não seu conteúdo, ou seja,
como a mente funciona.
Pelo facto de os funcionalistas utilizarem uma série de métodos com o objetivo de
chegar às respostas desejadas, originou-se a visão pragmática, sendo William James (1842-
1910)2 um dos primeiros seguidores dessa orientação.
Os pragmáticos se interessam em saber o que as pessoas fazem e como esse
conhecimento pode ser aplicado às questões práticas, como por exemplo, o desempenho escolar
das crianças (Sternberg, 2000:27)
O Associacionismo acredita na síntese integradora entre os factos ou as idéias e sua
associação na mente que resultam numa forma de aprendizagem. Um dos associacionistas,
Hermann Ebbinghaus (1850-1909)3, no final de 1800, aplicou sistematicamente esse princípio
estudando seus próprios processos mentais através de técnicas experimentais rigorosas.
Outro associacionista, Edward Lee Thorndike (1874-1949)4 acreditava que “um
organismo aprende a responder em uma determinada maneira (o efeito), em uma dada situação,
se for repetidamente recompensado por fazer isso (a satisfação, que serve como um estímulo
para as futuras acções)” (op. cit, p. 28).
Uma versão extrema do associacionismo é o behaviorismo que focaliza a associação
entre um estímulo observado a uma resposta também observada. Skinner (1904-1990)5 foi um
dos teóricos mais radicais, sugerindo que todo comportamento humano poderia ser explicado
pelas relações estímulo-resposta, sendo essas verificáveis por meio da observação do

1
Wilhelm Maximilian Wundt foi um médico, filósofo e psicólogo alemão. É considerado um dos
fundadores da moderna psicologia experimental.
2
Filósofo e psicólogo norte americano, considerado, ao lado de Charles Sanders Peirce um dos fundadores
do pragmatismo. Ele escreveu livros influentes sobre a jovem ciência da psicologia, as variedades da experiência
religiosa e do misticismo e a filosofia do pragmatismo.
3
Psicólogo alemão e primeiro autor na psicologia a desenvolver testes de inteligência.
4
Psicólogo americano que esteve na origem do condicionamento operante, sustentado mais tarde por
Skinner.
5
Burrhus Frederic Skinner foi um autor e psicólogo estadunidense. Ele conduziu trabalhos pioneiros em
psicologia experimental e foi o propositor do Behaviorismo Radical, abordagem que busca entender o
comportamento em função das interrelações entre história filogenética e ambiental do indivíduo.
comportamento animal. Assim, rejeitando mecanismos mentais, ele aplicou genericamente
esse modelo à aprendizagem, à aquisição de linguagem e ao comportamento social humano.

1.1.1.2 Os genes da Linguística


Da mesma forma que a psicologia, a linguística foi influenciada por antecedentes
históricos que remontam a filosofia platónica. Nascia, nessa fase, duas visões opostas sobre
linguagem: a linguagem como fonte de conhecimento ou como simples meio de comunicação
(Weedwood, 2002:24).
A linguística histórica passou por várias transformações desde os gramáticos gregos e
romanos até o século XIX quando se firmou como ciência autónoma. De uma disciplina
normativa que visava regras para distinguir as formas corretas e incorretas, transformou-se em
instrumento de fixação, interpretação e comentário de textos; dessa fase passou para o período
da filologia comparativa, na tentativa de se buscar uma língua mãe da qual todas as outras
teriam derivado. Weedwood (2002:103) assim define esse último período, denominando-o de
“a linguística no século XIX”:

(...) a mais extraordinária façanha dos estudos linguísticos do século XIX foi o
desenvolvimento do método comparativo, que resultou num conjunto de
princípios pelos quais as línguas poderiam ser sistematicamente comparadas no
tocante a seus sistemas fonéticos, estrutura gramatical e vocabulário, de modo
a demonstrar que eram ‘genealogicamente’ aparentadas.

Até aqui a língua era vista como produto, mas Humboldt (1767-1835)6 começou a ver
a língua de uma perspectiva diferente: a) a de que ela teria duas formas: uma externa - os sons
- e uma interna - sua estrutura, sua gramática e seu significado (Weedwood, 2002:108) e b) a
de que ela é um processo dinâmico, uma actividade (energeia), definida como a capacidade do
espírito humano de usar sons articulados para expressar um número infinito de frases (Scliar-
Cabral, 1991:10). As idéias de Humboldt foram absorvidas pelo psicólogo Wundt e se
estenderam para o estruturalismo linguístico e para as gramáticas gerativas.

6
Friedrich Wilhelm Christian Karl Ferdinand, Barão von Humboldt, funcionário do governo, diplomata,
filósofo, fundador da Universidade de Berlim (hoje, Humboldt-Universität). É principalmente conhecido como
um lingüista alemão que fez importantes contribuições à filosofia da linguagem, à teoria e prática pedagógicas e
influenciou o desenvolvimento da filologia comparativa.
Na disciplina “introdução aos estudos linguísticos”, ministrada no primeiro semestre
do primeiro ano, foram descritas as contribuições de dois linguistas muito importantes que
absorveram as idéias de Humboldt. Saussure e Chomsky partem de algumas concepções
humboldianas para criar suas dicotomias sobre seu objecto de estudo.
A partir de agora recordaremos alguns dos conceitos de Saussure que muito contribuiu
para o desenvolvimento da ciência linguística.
Como foi visto na disciplina acima citada, Saussure é considerado o pai da linguística
e que, a partir de suas concepções sobre língua e linguagem, a corrente estruturalista foi
instaurada, delimitando o objecto e método da linguística enquanto ciência autónoma. Como
bem salienta Viotti (2008):

É no contexto desses estudos histórico-comparativos que Saussure lança suas


idéias sobre a língua e sobre a linguagem. A partir desse momento, os estudos
linguísticos começam a adquirir um carácter mais profundo e abstracto. Eles
deixam de se concentrar na comparação de manifestações externas de várias
línguas, e passam a se interessar pela língua como um sistema de valores
estruturado e autónomo, que é subjacente a toda e qualquer produção
linguística, seja ela feita em Português, em Inglês, em Francês ou em qualquer
outra língua. Aí a linguística passa a ser concebida como uma ciência: ela não
só descreve factos linguísticos, mas busca uma explicação coerente para sua
ocorrência.

Como podemos verificar a corrente estruturalista, vista anteriormente na Psicologia de


Wundt, repercutiu também nos estudos linguísticos. Saussure tenta, assim, compreender a
língua estudando as partes internas do fenómeno linguístico, isolando, pois a estrutura (langue)
de sua matéria (parole). Segundo Peterfalvi (1970:22)

O signo é, para Saussure, uma entidade bifacial psicológica, que compreende


um significante e um significado. Para a linguagem vocal humana, o
significante é uma “imagem acústica” e o significado um “conceito”. No
domínio extralingüístico, há um referente que corresponde ao conceito (por
exemplo, a árvore é um objeto, oposta ao conceito “árvore”) e por outro lado
ao significante corresponde a realidade material de sua realização (o
significante é, por exemplo, a imagem genérica do som b interiorizada pelo
sujeito, que cumpre distinguir a realidade acústica desse som efetivamente
emitido). Referente e realidade material do significante não fazem parte,
portanto, do signo propriamente dito.

Para Saussure, o conceito suscita no cérebro um fenômeno inteiramente psíquico e isso


é possível porque a língua é antes de tudo um sistema representado no cérebro dos
interlocutores. Embora afirme a existência do fenômeno material, a propriedade psicológica é
que será considerada em sua teoria.
A corrente estruturalista também teve seus representantes nos Estados Unidos: Edward
Sapir (1884-1939)7 e Leonard Bloomfield (1887-1949)8. Este último recebeu influência da
psicologia da linguagem de Wundt, no entanto, numa abordagem completamente contraditória,
em 1933, ele publicou um segundo livro com cunho totalmente behaviorista (Scliar-Cabral,
1991).
Assim se definiam as duas ciências que originaram a nova disciplina cientifica, mas,
embora houvesse psicólogos que se baseavam nas teorias linguísticas e linguistas que adotavam
os princípios teóricos da psicologia, o diálogo entre as duas não se efectivava. Segundo Baliero
Jr. (2003:173):

Na Psicologia, os estudos buscavam estabelecer as relações entre a organização


do sistema linguístico e a organização do pensamento, por meio do recurso à
teoria e à pesquisa linguística (...) Na Linguística, por outro lado, já havia uma
busca anterior pela teoria psicológica, especialmente por meio dos introdutores
do método histórico em Linguística, entre os quais Hermann Paul, que tentaram
apoiar no associacionismo psicológico suas explicações para as mudanças
linguísticas.
A solidificação das duas áreas, enquanto ciências que se interessavam pelos aspectos
da linguagem verbal, induzia à busca de uma linguagem comum entre ambas, mas isso não se
efetivou de forma consistente em parte pela ascensão do comportamentalismo em Psicologia e
o conseqüente abandono dos métodos instrospectivos e, por outro lado pelo fato de
estruturalistas como Bloomfield (1933) eliminarem a semântica do escopo da pesquisa
lingüística (Scliar-Cabral, 1991; Baliero Jr., 2003).

7
Edward Sapir foi um antropólogo e linguista alemão de origem judaica.
8
Leonard Bloomfield é considerado o fundador da lingüística estrutural norte-americana.
No próximo capítulo vamos entender como, finalmente, as duas áreas somaram seus
esforços num momento histórico-geográfico específico que lhes serve como pano de fundo e
como mola propulsora ao desenvolvimento de novas reflexões sobre a linguagem verbal.

1.2. O nascimento da Psicolinguística


Como vimos a concepção avant la lettre da nova disciplina se originou no seio das duas
ciências que lhes deu origem. Como o momento histórico exigia o desenvolvimento de novos
mecanismos de comunicação e, portanto, de novas abordagens sobre a linguagem verbal,
psicólogos e linguistas resolveram dialogar e iniciar uma cooperação. Podemos dividir esse
desenvolvimento histórico em dois momentos que veremos neste capítulo.

1.2.1. O registo
Para contextualizar um pouco sobre os factos históricos e as mudanças que sofria a
sociedade naquela época, podemos citar o facto de que após a Segunda Guerra Mundial havia
uma necessidade premente de desenvolver o conhecimento sobre os sistemas da informação.
Assim, a denominada “teoria da informação” que desenvolvia mecanismos de transmissão
mecânica de mensagens contribuiu para a mudança do quadro dos estudos da comunicação.
Elaborada por Shanon e Weaver, em 1949, essa teoria consistia em resolver problemas
levantados pelas telecomunicações (Peterfalvi, 1970:25).
Os termos ‘transmissor’, ‘codificação’, ‘canal’, ‘receptor’ e ‘descodificação’, dentro
dessa teoria, eram transformações das vibrações do ar provocadas por sinais sonoros em sinais
elétricos (codificação) que passavam por um canal e eram reconvertidas em vibrações passíveis
de serem percebidas por um receptor (descodificação). Assim, adotando os termos e o esquema
idealizado pelos técnicos da informação, Osgood e seus colaboradores propuseram um novo
esquema aplicado à comunicação humana em que haveria um input ou estímulo auditivo ao
qual o indivíduo é exposto, um receptor que se trata do sistema perceptivo que “decodifica” o
estímulo, uma destinação e uma fonte que correspondem ao componente cognitivo do sujeito.
Por fim, o transmissor “codifica” aquilo que quer dizer em forma de comportamentos motores
que resultam no output do sistema, ou seja, sua resposta (ibidem, p. 26-7).
Nesse contexto, a colaboração interdisciplinar entre psicólogos e linguistas foi
principalmente motivada pelo aumento do acervo de pesquisas e teorias que viabilizaram a
tentativa de união das duas áreas que, nesse momento, recebiam forte influência da Teoria da
Informação. Devido essa interdisciplinaridade, a Psicolinguística é, simultaneamente,
psicologia e linguística e trata-se de uma disciplina científica relativamente nova que se
consubstanciou em dois importantes seminários, onde se reuniram alguns representantes da
psicologia, da linguística e da antropologia.
Foi uma longa gestação até o marco que aconteceu num seminário de verão da
Universidade de Cornell em 18 de junho a 10 de agosto de 1951. Nesse encontro, alguns
especialistas concluíram que ela estava pronta para vir à luz do mundo científico. Assim, seu
registo como ciência autónoma se firmou em outro encontro de verão na Universidade de
Indiana em 1953.
Os estudiosos responsáveis pelo seu nascimento foram Psicólogos como C.E Osgood,
J. B. Caroll, G. A. Miller e linguistas como T.E. Sebeok, F.G. Lounsbury. Dessa colaboração
originou-se um livro: Psycholinguistics, o qual lançou as bases programáticas e a tentativa de
síntese das teorias multidisciplinares que as embasaram.
Dadas essas noções, a psicolinguística, tomando como base a historicidade que é
pertinente ao seu aparecimento, justifica sua importância por vir de encontro às tendências e
necessidades que se manifestaram nas ciências humanas da década de 50.

1.2.1.2. A concepção Chomskyana


Há um consenso que caracteriza o linguista Noam Chomsky como um dos promotores
de uma revolução na Linguística e que, evidentemente, refletiu na Psicolinguística (Slama-
Cazacu, 1979; Scliar-Cabral, 1991; Kess, 1992).
Para entendermos a importância das concepções chomskyanas, precisamos situar qual
era o contexto das pesquisas em psicologia comportamental da época em que o behaviorismo
era uma vertente dominante da psicologia e que vigorou por muitas décadas.
Em 1957, Chomsky publica Syntact Structures, lançando os fundamentos da sua
Gramática Gerativa Transformacional, em seguida, com uma publicação crítica à obra Verbal
Behavior de Skinner, em 1959, Chomsky abala os fundamentos comportamentalistas e
promove uma grande mudança no campo da Psicolinguística. Com isso, ocorre uma guinada
do enfoque empiricista para o enfoque racionalista que usa o método introspectivo lógico para
formular hipóteses empiricamente testáveis sobre o conhecimento lingüístico (Scliar-Cabral,
1991:20). Segundo Viotti,

Para Chomsky, a língua é um sistema de princípios radicados na mente


humana. É esse sistema de princípios mentais que é o objecto de estudo da
Gramática Gerativa. Por isso, dizemos que a Gramática Gerativa é uma teoria
mentalista. Ela não se interessa pela análise das expressões linguísticas
consideradas em si mesmas, separadas das propriedades mentais que estão
envolvidas em sua produção e compreensão. Ela também não se interessa pelo
aspecto social que a língua apresenta. Seu foco está no aspecto mental da
língua.
É via Chomsky que a idéia de energeia de Humboldt ressurge, pois considera a língua
enquanto actividade dinâmica. Ele não empresta nenhuma importância à teoria do signo e
confere à língua as propriedades da recursividade e da criatividade. No âmbito de sua gramática
gerativa, o homem é dotado de uma faculdade de linguagem, uma dotação genética, cujo
desenvolvimento resultará em certa competência linguística.
Segundo Chomsky, os métodos indutivos não podem explicar quais os conhecimentos
linguísticos que os indivíduos possuem de sua língua. Sendo assim, ele sugere que um modelo
linguístico deve utilizar o método hipotético-dedutivo e que possa fornecer hipóteses
empiricamente testáveis desse conhecimento armazenado.
Devido à convergência para a teoria com base racionalista, Chomsky promove a
adopção de uma nova corrente em psicolinguística denominada cognitivista. Com isso, criou-
se uma subdivisão da psicolinguística: a cognitivista e a experimental.
De acordo com Chomsky, a linguística é uma parte da psicologia cognitiva teórica que
dá conta do conhecimento que um falante tem da sua língua – a sua competência. No entanto,
ele acredita que ela não deva explicar como a língua é usada. Ela descreve somente o
conhecimento relativamente estático armazenado na sua faculdade mental. Para ele, a
explicação do uso linguístico é de responsabilidade da psicolinguística que descreve o acesso
e a utilização desse conhecimento armazenado na faculdade de linguagem.
Com relação aos processos subjacentes da linguagem verbal, devemos esclarecer aqui
o conceito de gramática que é uma das importantes contribuições do teórico para a
psicolinguística.
Iniciada em 1950 e 1960, Chomsky produziu uma série de pesquisas empíricas sobre
os modelos de gramática. Ele mesmo modificou essa noção ao longo das evoluções de seus
modelos. Primeiramente era um conjunto de regras organizadas na mente e se confundia muito
com a noção de conhecimento. Em seguida, ao invés de regras há princípios – os chamados
universais linguísticos que são propriedades comuns a todas as línguas.
Apesar de todas as alterações que Chomsky aplicou ao seu modelo de 1957,
experiências conduzidas com o intuito de comprovar a sustentabilidade de sua teoria, das quais
podemos citar os seguintes trabalhos:
1.2.1.2.1. Sobre as unidades sintáticas
Tendo como base as gramáticas generativas e transformacionais, alguns trabalhos
buscavam compreender a realidade psicológica das frases nucleares.
- Em 1962, Miller busca provar a realidade psicológica das frases nucleares, pedindo que
sujeitos emparelhassem listas de frases activas, passivas e negativas, medindo o tempo de
resposta para cada uma. Segundo sua hipótese, a complexidade exigiria um número maior de
transformações e, consequentemente, um tempo maior de processamento e resposta;
- Em 1963, Miller e Isard tentaram mostrar a importância das estruturas sintáticas na
compreensão de frases submetendo seus sujeitos a listarem o maior número possível de
palavras que tivessem ouvido em enunciados de extensões semelhantes, sob condições de
silêncio e com ruído.
Experimentos desse tipo foram contestados pelo facto de não levarem em consideração
outras variáveis de ordem semântica ou pragmática, o que comprometeu a validação das
hipóteses.
A maior parte dos experimentos das décadas de 50 e 60 se aplicava à validação
da teoria Chomskyana, basicamente no nível das estruturas sintáticas. As suas concepções
sobre o inatismo e sobre a criatividade linguística foram usadas como referencial teórico nas
pesquisas em aquisição de linguagem. Isso gerou uma subordinação da psicolinguística ao
modelo generativo, o que acarretou uma reação a esse modelo dominante. Com isso, algumas
propostas se descentraram um pouco da análise sintática para abarcar outros fenômenos, dos
quais temos alguns exemplos abaixo.

1.2.1.2.2. Sobre as unidades perceptuais


As propostas sobre as unidades perceptuais, inicialmente, foram uma tentativa de
conciliar os modelos da segunda geração de psicolinguísticas à teoria chomskyana. Com isso,
novas hipóteses foram formuladas a fim de mostrar a correspondência das unidades perceptuais
às estruturas de superfície.
- Em 1965 e 1966, Gough pediu para que os sujeitos julgassem verdadeiro ou falso algumas
figuras emparelhadas com frases passivas e activas. As experiências comprovaram que o
tempo de resposta para as frases passivas era maior.
- As experiências consistiam na utilização de cliques e foram usadas em 1965 por Fodor e
Bever e retomadas em 1966 por Garrett, Bever e Fodor.
- Em 1967, Mehler, Bever e Carey demonstram que as fixações oculares durante a leitura é
uma estratégia que depende de todos os níveis da estrutura sintagmática de superfície das frases
(em Scliar-Cabral, 1991).
Apesar dos esforços de validação do modelo, uma crise surgiu no seio da teoria
generativa transformacional, trazendo à tona os dilemas da psicologia experimental. Com isso,
alguns dos pesquisadores dessa segunda geração começaram a expandir seus modelos como o
fizeram Fodor e Garett (1967) e Fodor, Garrett e Bever (1968) que apresentaram novos
modelos de estratégia de processamento. E mais marcadamente autónomo, tanto da linguística
como dos modelos chomskyanos, o modelo de Bever (1970), cuja preocupação era demonstrar
as relações entre os mecanismos perceptuais e as estruturas conceituais.

1.3. Objecto de estudo da Psicolinguística


No prefácio de seu livro Introdução à Psicolinguistica, Slobin (1980) declara que “o
estudo da língua permeia cada aspecto do estudo do pensamento, sentimento, comportamento
e desenvolvimento humano”. Diante dessa evidência, a colaboração entre psicologia e
linguística se fazia necessária, considerando o facto de que elas se interessavam por um mesmo
objecto de estudo multifacetado e passível de vários recortes: a linguagem verbal.
Se por um lado a linguística investiga o sistema geral do código e a organização
paradigmática e sintagmática dos seus elementos, a psicologia estuda a organização dos
processos de emissão e recepção, de codificação e de decodificação da linguagem verbal com
base em fenómenos psíquicos. Os psicólogos querem saber como as estruturas linguísticas são
adquiridas pelas crianças e como são empregadas nos processos da fala/sinalização, da
compreensão e lembrança. A psicologia provê a linguística com metodologias para
investigação dos processos cognitivos de aquisição, compreensão e produção.
Assim, a psicolinguística tem interesse em saber “como a estrutura linguística está
ligada ao uso da linguagem [verbal]. Ela quer entender e explicar a estrutura mental e os
processos envolvidos no uso de uma língua.” (Scliar-Cabral, 1991:9). Os psicolinguistas
interessam-se pelo conhecimento e capacidades subjacentes que a pessoa deve ter para usar
uma língua e para aprender a usá-la na infância ou na aquisição de novas línguas.
A tarefa do psicolinguista é de construir modelos de processos que fazem uso, a todo
instante do conhecimento armazenado. A psicolinguística representa uma tentativa empírica,
no sentido de caracterizar aquilo que se deve saber a respeito de uma língua, para usá-la.
Como já abordamos, as primeiras obras de Chomsky foram, sobretudo, críticas às
concepções mecanicistas de Skinner. Assim, Verbal Behavior marca o esgotamento da primeira
fase da psicolingüística, abrindo o cenário para uma fase que sofre um grande impacto sob o
ponto de vista epistemológico e metodológico (Scliar-Cabral, 1991:20).
Além disso, uma nova abordagem sobre a linguagem verbal estava sendo difundida
naquele momento. Vamos saber um pouco sobre seus fundamentos.

A abordagem funcionalista
Com a delimitação do escopo de análise do seu objecto, a psicolinguística precisou ir
além dos exemplos idealizados por teoristas como Chomsky e Saussure, pois ambos
descartaram o uso efectivo de uma dada língua para compreender os processos heteróclitos
envolvidos na sua produção e recepção, além dos aspectos funcionais.
No âmbito do funcionalismo da linguagem verbal, uma escola se dedicou aos aspectos
pragmáticos da língua:
Foi no seio da Escola de Praga que o funcionalismo, combinado com estruturalismo,
ganhou força. Havia ali muitos pesquisadores importantes, dentre eles Karl Buhler (1879-
1963)9 que reconheceu três tipos gerais de funções da linguagem: a) função cognitiva, que se
refere à transmissão de informação factual; b) função expressiva, que indica a disposição de
ânimo ou atitude do locutor ou escritor e c) função conotativa que serve para influenciar a
pessoa com quem se está falando, ou para provocar algum efeito prático.
Outro nome de destaque dessa escola é Jakobson (1896-1982)10 que ampliou a tríade
de Buhler, definindo os actores e contexto das mensagens e introduzindo mais três tipos de
funções da linguagem:
- Função referencial ou denotativa (corresponde à função cognitiva) está centrada no referente;
- Função emotiva ou expressiva, centrada no destinador (ou emissor) da mensagem;
- Função conotativa, que se orienta para o destinatário;
Essa escola também desenvolveu vários trabalhos em fonologia associados aos nomes
de Jakobson e Trubetzkoy (1890 -1938)11 que desenvolveram a noção de feixes de traços

9
Karl Bühler foi um psicólogo e psiquiatra alemão. Membro da escola de Wurzburg, estudou os
mecanismos do pensamento e da vontade e dedicou-se à psicologia da forma.
10
Roman Osipovich Jakobson foi um pensador russo que se tornou num dos maiores linguistas do
século XX e pioneiro da análise estrutural da linguagem, poesia e arte.
11
Nikolay Sergeyevich Trubetzkoy foi um linguista russo cujos preceitos formaram o núcleo do Círculo
de Praga de lingüística estrutural. Ele é amplamente considerado o fundador da morfofonologia.
distintivos aos fonemas, ou seja, cada fonema é composto por um número de características
articulatórias, o que o distingue de outros fonemas.
Aliás, segundo Scliar-Cabral (1991), Jakobson trouxe grandes contribuições para
tópicos da Psicolinguística, tais como a aquisição de linguagem e temas sobre a afasia (1971,
1972).
A abordagem ao funcionalismo foi aqui brevemente introduzida pelo facto de que suas
contribuições dirigem um novo olhar ao objecto da linguística sob a perspectiva dinâmica e
funcional da língua.
A seguir apresentamos outras funções da linguagem:

Função fática  centrada no contacto (físico ou psicológico); manifesta o desejo e a


necessidade de comunicar;

Função poética  que se centra na própria mensagem. É um suplemento de sentido para


a mensagem que é acrescida de mudanças estruturais, tonalidades, ritmos e sonoridade;

Função metalinguística  centrada no código. É acrescida à mensagem com o objectivo


de explicar ou precisar o código utilizado pelo destinador. É a linguagem que fala da
própria linguagem.

1.4. Campos de actuação da Psicolinguística


1.3.1. Neurofisiologia da linguagem
Ao se estudar a neurofisiologia da linguagem, basicamente, busca-se compreender a
estrutura, o funcionamento e o desenvolvimento das áreas do sistema nervoso central. Busca-
se, principalmente, fundamentar hipóteses sobre as capacidades que estão biologicamente
envolvidas na recepção e produção da linguagem verbal, sobretudo na fase da aquisição de
linguagem ou entre os afásicos. Constatações advindas desses estudos comprovaram que o
hemisfério esquerdo é especializado para funções sequenciais e lógicas como as linguísticas e
que o hemisfério direito processa informações holísticas como as empregadas para o
reconhecimento de faces, das vozes conhecidas, das imagens, entre outros.
Segundo Bellugi et al (1989), o hemisfério direito também é responsável pelo
processamento visual-espacial da linguagem. Esses estudos são muito importantes no que
concerne à confirmação ou refutação de teorias sobre aquisição de linguagem. Actualmente,
elas fornecem uma imensa contribuição, pois ajudam a esclarecer as especificidades
linguísticas da modalidade cinésico-visual12 das línguas sinalizadas.
Esse estudo é desenvolvido também pela neurolinguística, da qual trataremos mais
adiante.

1.3.2. Neurolinguística ou neuropsicologia


Sabemos que a Psicolinguística contribuiu, através de seus métodos experimentais,
explicar como o ouvinte transforma o sinal acústico da fala, ou seja, como se desenvolve o
processo de entrada de sinais (via nível sensorial) que passam por transformações até chegar a
um determinado nível cognitivo (processo bottom up); e como, ao falar, o processo é contrário
e se realiza quando as representações resultantes das transformações percorrem da cognição
até os movimentos articulatórios (processo top down).
Hoje, graças aos avanços da eletroencefalografia, é possível demonstrar empiricamente
como esse percurso é realizado e quais as áreas cerebrais são activadas. Com isso, é possível
esclarecer melhor o processamento linguístico, seja oral, sinalizado ou escrito. Assim, podemos
definir a neurolinguistica segundo as autoras Zimmer et al, (2007:2) como:

(...) a ciência que estuda os mecanismos cerebrais subjacentes à compreensão,


produção e conhecimento abstrato da linguagem – falada, sinalizada ou escrita.
Em outras palavras, investiga as relações entre a estrutura do cérebro humano
e a capacidade linguística, com um foco especial na aquisição da linguagem e
nos distúrbios de linguagem, especialmente naqueles originados por lesões
cerebrais. Trata-se de um campo interdisciplinar, o qual articula conhecimentos
provenientes da Linguística, das Ciências Cognitivas, da Neurobiologia e das
Ciências da Computação, entre outras. Dentre uma miríade de investigações
psico e neurolingüísticas potencialmente possíveis – processamento da frase,
do texto, produção de fala, aquisição da língua materna, entre outras – vêm se
destacando os estudos sobre a linguagem em bilíngues e multilíngües.

12
Escolhemos o termo cinésico-visual pelo fato de acreditarmos que ele define melhor os processos de
percepção e produção das línguas de sinais. A cinésica é uma ciência que estuda os movimentos com valor
simbólico produzidos pelo corpo humano.
Sob uma concepção biogenética, é possível asseverar que o bebê nasce
biopsicologicamente programado para os processos maturacionais como caminhar, adquirir
uma língua, etc.
Mas o que é a maturação?
No bebê, o prolongamento dos neurônios não está constituído, há um tempo para que
isso seja desenvolvido através de sinapses (ligações que se estabelecem nas várias áreas do
sistema nervoso central). Esse é o processo chamado de maturação e, através desse processo,
o bebê consegue atingir etapas como desenvolver habilidades motoras como: andar, sentar,
pegar objectos; habilidades linguísticas que se manifestam pelo aparato vocal ou pelas
articulações cinésicas; habilidades cognitivas, tais como a lógica, a matemática, a memória,
etc.
Como bem salientam Ellis, (1998 apud Rossa e Rossa)

“(...) acredita-se que o processo de aquisição da linguagem – substrato


neurológico inato associado às modificações e crescimento sináptico
pelos estímulos do meio e próprios – vai permitindo à criança
desempenhar a comunicação conforme um padrão lingüístico cultural
adquirido, ou seja, a criança parece abstrair os padrões que organizam
determinada língua à qual está exposta.

Resumo
Como vimos, Platão e Aristóteles possuíam uma dialéctica divergente sobre a origem
das idéias e como o homem adquire o conhecimento. A linguística e a psicologia, ao se
complementarem e se associarem para entender as múltiplas operações mentais que a
linguagem verbal enseja, abriram espaço para o nascimento da psicolingüística. À medida que
os achados evoluem, a metodologia deve também acompanhar essa evolução, por isso o
cientista deve estar sempre à procura de lidar com as diversas variáveis que podem interferir
nos resultados.
O grande debate que se inicia em Platão e Aristóteles sobre nativismo e ambientalismo,
são actualmente dialéticas convergentes no sentido de que a cognição é um fenómeno situado
neurofisiologicamente e o processamento cognitivo precisa ser social, cultural e historicamente
situado.
As mudanças são positivas no sentido de que elas nos dirigem a respostas menos
deterministas e fechadas sobre os factores físicos, sociais e experienciais aos quais o indivíduo
está exposto e que determinam a configuração que irá diferenciá-lo de outros indivíduos por
meio de seus próprios conceitos e conhecimentos individuais. E isso não é diferente para com
os fenómenos lingüísticos, cuja compreensão nos leva a aprender mais, inclusive, sobre o
funcionamento fisiológico e psíquico do ser humano.

Bibliografia

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UNIDADE TEMÁTICA II: Produção e Compreensão da linguagem.

A produção e compreensão da linguagem são actividades de comunicação complexas


que envolvem recursos linguísticos e cognitivos comuns, mas com funcionamentos distintos.
A especificidade de cada tarefa comunicativa começa em aspectos neurobiológicos
reconhecidos.
Se a sede cerebral da linguagem está (maioritariamente) localizada no hemisfério
esquerdo, os seus usos, em termos de compreensão ou de produção possuem também eles
próprios localizações determinadas. Assim, a região cerebral activada durante a compreensão
situa-se na parte posterior do hemisfério esquerdo, área de Wernicke, enquanto que actividades
de produção activam a área de Broca, na parte anterior do mesmo hemisfério.
Através da observação do comportamento verbal de sujeitos afásicos, isto é, com
problemas de uso da linguagem, é possível associar défices linguísticos a lesões previamente
identificadas.
Na afasia de Wernicke, são as capacidades de compreensão as mais prejudicadas,
havendo uma produção que só aparentemente é aceitável porque, na verdade, o discurso
produzido, embora fluente, é muitas vezes pobre ou vazio de conteúdo; neste caso, são obretudo
as capacidades de ouvir e de ler que são fortemente afectadas.
Na afasia de Broca, há perturbações da produção, visíveis numa articulação esforçada
e num discurso telegráfico e agramatical; a fala e a escrita são as capacidades mais afectadas.
Modernamente, existem técnicas sofisticadas de investigação que captam imagens do cérebro
em actividade durante o processamento da informação verbal e que permitem visualizar áreas
cerebrais responsáveis por certas actividades linguísticas específicas (como a leitura e audição
de frases ambíguas ou agramaticais, ou o reconhecimento de palavras e de pseudo-palavras).
As intenções comunicativas que presidem aos actos de compreender ou de produzir
desencadeiam operações de processamento da linguagem que lidam com o mesmo tipo de
material verbal e com as mesmas unidades: os sons, a palavra ou partes dela, grupos de
palavras, enunciados ou frases. No entanto, na compreensão, temos processos de
descodificação da informação verbal, enquanto que na produção temos o processo inverso de
codificação. Também numa e noutra modalidade, os processos cognitivos relativos à
percepção, selecção e integração da informação, apoiados na memória e na atenção, estão
sujeitos a constrangimentos distintos.
Se os processos neurofisiológicos e cognitivos implicados na compreensão e na
produção apresentam propriedades específicas, também o modo físico escolhido para
comunicar, o acústico ou o visual, cria restrições no interior de cada modalidade de
processamento: ouvir é diferente de ler, falar é diferente de escrever.
Compreender implica operações de descodificação de um sinal verbal auditivo ou
visual através da actuação de sistemas de percepção neurofisiologicamente distintos. O
primeiro desafio colocado ao sistema de processamento na compreensão começa na própria
natureza acústica do sinal de fala ou visual, no sistema de escrita. Na audição ou na leitura,
nunca há toda a informação necessária para um reconhecimento imediato das unidades básicas
de processamento. Por exemplo, só há boa compreensão se for possível um reconhecimento da
palavra em tempo muito curto para que não haja sobrecarga da memória de trabalho com custos
cognitivos que vão prejudicar a compreensão. A optimização do tempo de processamento não
se compadece com um reconhecimento da totalidade do material lexical (fonológico ou
grafémico) que constitui a palavra. Pelo contrário, requer-se que, a partir de uma informação
parcelar se faça o reconhecimento de toda a palavra e se aceda ao seu significado. No oral, isso
implica que haja altos níveis de acuidade auditiva que permitam identificar sons que, por
questões de articulação individual, de coarticulação ou de velocidade de fala, são extremamente
variáveis; implica também que se reconheçam as sílabas que constituem as palavras e, ainda,
que se consiga predizer toda a palavra antes de se descodificarem todas as letras ou sons que a
compõem.
Estes processos, que permitem reconhecer visual ou auditivamente as palavras,
dependem crucialmente do conhecimento fonológico e lexical e apoiam-se na requência de
padrões de sequências de sons ou de letras. Se, por vezes, na compreensão da Língua Materna,
há problemas de descodificação da fala com origem em problemas de percepção auditiva, esses
problemas tornam-se muito mais evidentes quando se procura compreender numa Língua não-
materna. Neste caso, o reduzido conhecimento fonológico, as limitações do léxico, a
dificuldade de predizer ou antecipar uma palavra na base de pistas morfológicas mínimas,
obrigam a uma maior atenção e esforço de memória e a uma consequente redução dos níveis
de compreensão.
Se compararmos o que acontece na compreensão oral e na compreensão escrita,
verificamos que, na primeira, pode haver mais dificuldade no processamento porque há menos
pistas linguísticas que ajudem à identificação de palavras: estas surgem encaixadas num
continuum sonoro e não separadamente como ocorrem na escrita. Além disso, em consequência
da coarticulação, surgem problemas de ligação entre palavras que têm de ser resolvidos. Por
exemplo, na produção das sequências campo pequeno vs. campo grande vs. lago pequeno, o
formato fonético das palavras campo e pequeno varia em função do contexto e, em
consequência, o sistema de percepção auditiva percebe formas diferentes para uma mesma
palavra.
O reconhecimento das palavras é uma etapa fundamental, mas não suficiente para
compreender. É ainda necessário organizar o material lexical em unidades sintácticas, grupos
de palavras ou frases, e, para isso, há menos pistas na escrita do que no oral.
No oral, o modo como usamos a entoação, como segmentamos a fala através de pausas,
é uma ajuda preciosa para o ouvinte que tenta perceber o que é dito; são as pistas prosódicas
(entoação, pausas, duração dos sons...) que marcam fronteiras (ou limites) entre grupos de
palavras organizando-os sintacticamente e que, simultaneamente, preparam o sinal de fala em
unidades adequadas à capacidade de armazenamento da memória de trabalho.
Na escrita, tais pistas não estão disponíveis, havendo apenas a pontuação que assinala
algumas fronteiras sintácticas. Frequentemente, o leitor confronta-se com longas sequências
que tem de organizar em constituintes de modo a conseguir uma estrutura gramatical que possa
ser integrada e interpretada (veja-se a dificuldade que muitos leitores experimentam ao ler
certos autores que fazem um uso escasso, ou inesperado, da pontuação). Organizado o material
lexical em estruturas sintácticas, há que interpretá-lo, atribuir-lhe um significado coerente.
A interpretação do material verbal ouvido ou lido vai mobilizar um conhecimento
semântico que interage com outros tipos de conhecimento linguístico e não linguístico. Se se
ouve ou lê: Deco chutou a bola para Figo ou Chutou Deco a bola para Figo ou A bola chutou
Deco para Figo, apesar de a ordem de palavras variar, há uma estrutura semântica em torno do
verbo que define quem chuta, o que é chutado e quem é o beneficiário do chuto. Uma
interpretação plausível atribui papéis na cena descrita que fazem com que o constituinte a bola,
apesar dos vários lugares que pode ocupar seja sempre o Objecto que é manipulado na acção e
que Deco seja sempre o Agente do chuto. Também é importante, na compreensão, que o sujeito,
ouvinte ou leitor, faça uso do seu conhecimento do mundo, da sua experiência de vida e da sua
cultura, para melhor interpretar e avaliar a informação compreendida, integrá-la na que já
possui, e assim alterar quadros conceptuais próprios que saem enriquecidos.
Para compreender, é assim mobilizado um considerável conhecimento linguístico
apoiado pelas capacidades perceptivas de reconhecimento rápido do sinal verbal, de
capacidades de atenção e de memória que permitem identificar, seleccionar e integrar a
informação relevante para a interpretação final.
Compreender oralmente ou por escrito coloca ainda a questão de a percepção se fazer
no tempo e no espaço e de isso ter consequências no controlo que temos, ou não, do ritmo a
que tratamos o sinal verbal. Assim, quando se quer compreender o discurso de outrem, a
informação chega-nos a um ritmo que nos é imposto pelo falante; não podemos alterá-lo, temos
é de adaptar as nossas capacidades perceptivas e de integração à velocidade a que nos chegam
as palavras proferidas; também não podemos manipular o fluxo da informação, voltando atrás.
Já na situação de leitura, cabe-nos gerir inteiramente as condicionantes da tarefa: podemos
voltar atrás, ler repetidamente a mesma informação, avaliar a interpretação que estamos a fazer
e reformulá-la se acharmos necessário
Produzir um discurso oral ou um texto escrito obriga a um processo de tratamento
da informação inverso àquele que acontece durante a compreensão. A partir da intenção
comunicativa de produção de uma mensagem em particular, começa-se pela evocação de
informação relacionada com os tópicos que se pretendem desenvolver e, então, faz-se a
codificação das ideias a transmitir num formato verbal convencional, compreensível para os
outros que partilham a mesma língua. O processo inicia-se assim com material não verbal,
organizado idiossincraticamente na memória semântica, a partir do qual se produzirão
discursos ou textos com propriedades que os tornem interpretáveis. Para que tal aconteça, há
uma multiplicidade de processos cognitivos e linguísticos que vão desde o planeamento até à
produção, que se realizam sequencialmente ou em simultâneo, conforme as abordagens teóricas
que os explicam.
Na observação da fala espontânea temos evidências dos processos linguísticos que
intervêm na sua produção. Apesar de os erros cometidos durante a produção de fala serem uma
parte ínfima relativamente a tudo o que produzimos com correcção, certos erros produzidos,
como as trocas de sons ou de sílabas, os lapsos que por vezes resultam em trocas com alguma
graça (cara malenta por câmara lenta; leraxar, por relaxar), as hesitações em encontrar certas
palavras (a palavra debaixo da língua que se recusa a aparecer), são pistas que permitem
identificar os processos subjacentes à produção. Na produção, o léxico mental tem um papel
essencial, mas agora, contrariamente ao que se passa na compreensão, ele não se impõe para
ser descodificado, pelo contrário, trata-se de encontrar palavras para nelas codificar as ideias.
Para isso, há um primeiro acesso ao léxico onde são seleccionadas formas que epresentam
conceitos e que vão dar lugar à elaboração de unidades de sentido. Com apoio no conhecimento
sintáctico, e através das propriedades contextuais das palavras activadas, estas são integradas
em sequências frásicas obedecendo a certos padrões de ordem, criando-se relações de
dependência estrutural que determinam relações gramaticais; para isso, é preciso ainda que
actuem processos morfológicos que assinalem as relações entre palavras tais como os processos
de concordância.
Por exemplo, nas duas frases possíveis Os alunos e o professor encontraram-se /* Os
alunos e o professor encontrou-se no bar da escola, há duas entidades que são referidas por
dois nomes, sendo que o primeiro é plural e o segundo singular; na estruturação da frase, os
dois nomes passam a constituir um só grupo (sintagma nominal coordenado) que vai determinar
a concordância plural com o verbo (por isso a frase com verbo no singular é agramatical). Para
além da correcta estruturação da frase, esta tem de ser convertida num formato fonológico que
funciona como informação de entrada para o sistema articulatório que se encarrega de actuar
produzindo uma sequência fonética econhecível. Todos estes processos ocorrem na produção
da linguagem, embora a opção pelo modo oral ou escrito tenha consequências evidentes.
Na produção do oral em tempo real, como já foi dito, tudo acontece (quase) em
simultâneo. A grande diferença na escrita é que, aí, há mais tempo para controlar o processo
de produção. Pode dizer-se que a produção ocorre sob controlo metacognitivo: ao ritmo
próprio, o sujeito selecciona tópicos, escolhe palavras, produz frases, e verifica se a sequência
escrita faz sentido ou não, se está bem formada ou não; reescreve o texto no sentido da
correcção ou da variação estilística, procedendo a substituições, apura o conteúdo e a forma até
lhe parecer que tem um formato aceitável para exposição pública. Na produção oral, ficam à
vista vestígios dos processos de elaboração do discurso, enquanto que, no escrito, esses
processos são menos visíveis, porque raramente expomos aos outros versões intermédias dos
nosso textos, apenas a versão final é exibida.
Compreensão e produção distinguem-se ainda por aspectos associados ao
conhecimento não-linguístico. Enquanto que na compreensão o sujeito tem de descodificar a
linguagem e criar um modelo mental de tal modo que a informação processada faça sentido,
na produção, factores de ordem pragmática determinam a escolha de um estilo discursivo
próprio. A particularidade do discurso produzido individualmente depende das escolhas
lexicais e do uso de certas construções, depende também do uso de estratégias de marcação da
informação que assinalamos como nova ou já partilhada com o nosso interlocutor. O sucesso
da comunicação na produção é assegurado pelo falante ou escritor, e isso depende do
conhecimento linguístico mas também de conhecimento extralinguístico fruto de formas de
comunicação marcadas culturalmente que fomos aprendendo ao longo da nossa experiência de
comunicadores.
Compreender e produzir com proficiência implica um bom conhecimento linguístico
das várias componentes da gramática da língua, uma gestão adequada dos recursos cognitivos
que suportam o processamento da informação e um conhecimento cultural que regula os usos
da língua.
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UNIDADE TEMÁTICA III: A aquisição da L1/L2 e língua estrangeira

3.1. Introdução
Apresentamos a seguir, as principais teorias de aquisição da L1/L2 e língua estrangeira,
formuladas por estudiosos do processo de aprendizagem de línguas como Almeida Filho
(2002), Chomsky (2002), Krashen (2004), Skinner (1957), Swain (2005) e Vygotsky (1987),
que fazem preposições sobre circunstâncias de aprendizagem.

3.2. Objectivos
Esta secção analisa alguns conceitos presentes nas teorias de aquisição de línguas, verificando,
desta maneira, de que forma o professor de língua pode se beneficiar das hipóteses
estabelecidas em contextos de ensino e aprendizagem.

3.3. Aquisição de linguagem


O campo do estudo em aquisição de linguagem ampliou-se de tal forma que podemos
considerá-lo uma subárea autónoma da psicolinguística. Nesse sentido, esses estudos
solidificaram algumas regularidades encontradas pela comparação das diversas línguas. Vamos
ver como isso acontece.
A aquisição de linguagem é um processo complexo, mas embora as línguas naturais
sejam muito diversas, todas as crianças seguem as mesmas etapas no curso de aquisição de
uma língua materna, sejam elas ouvintes que adquirem uma língua oral ou sinalizada ou surdas
que adquirem uma língua de sinais.
As metodologias empregadas em psicolinguística devem ser instrumentos de
investigação confiáveis para a observação e generalização de um determinado fenómeno.
Seguindo as concepções da teoria inatista Chomskiana, Scarpa (2003), descreve algumas
investigações sobre a aquisição de fenómenos particulares em português brasileiro e língua de
sinais, tais como: os elementos interrogativos e o parámetro de sujeito nulo. Essas pesquisas
são importantes pelo facto de utilizarem produções linguísticas reais como dados de análise.
Em aquisição de linguagem, pesquisadores como Tiedemann, Preyer, Stern e Stern,
Piaget e Vygotsky são os primeiros a considerar a aquisição de linguagem verbal como uma
parte geral do desenvolvimento cognitivo e social da criança (Cutler, 2005:4). Com isso, uma
nova perspectiva é considerada: a de que, além dos factores genéticos, os fatores epigenéticos
são de suma importância. Lembram-se do input de que fala Chomsky? Pois é, os dados
linguísticos que a criança começa a discriminar e regularizar estão fora dela, no ambiente
externo à sua “faculdade de linguagem”, ou seja, os dados aos quais a criança é exposta são
socialmente partilhados.

3.4. Relação entre pensamento e linguagem


Muitos pesquisadores investigaram a relação entre pensamento e linguagem. Vygotsky
e Piaget foram dois desses pesquisadores que dedicaram parte de seus estudos nesse
entendimento. As contribuições que ambos aportaram para a Psicologia não podem ser
ignoradas no seio dos estudos psicolinguísticos, no entanto, pela extensão e influência de suas
concepções, principalmente no âmbito da educação, não podemos revisá-las num pequeno
tópico como este.
Sucinta e superficialmente podemos dizer que ambos trouxeram grandes contribuições
sobre as questões básicas da teoria do conhecimento infantil, em outras palavras, a existência
de uma estrutura inicial que se desenvolve através da acomodação e assimilação sucessivas de
novas estruturas pela experiência da criança sobre o objecto do conhecimento. Nesse contacto
activo de informações culturalmente partilhadas, novas informações serão registadas
cognitivamente na mente da criança.
Diante dessas contribuições, hoje em dia não há mais espaço para posições extremadas
como as inatistas e as comportamentalistas. Já há um consenso de que, na aquisição de
linguagem, três factores são de extrema importância:

 Factores inatos: estrutura inicial geneticamente determinada;


 Factores maturacionais: processos de ordem psico-fisiológicos que serão
desenvolvidos em diferentes estágios;
 Factores ambientais ou epigenéticos: o meio exterior no qual a criança é inserida
e exposta aos inputs (dados externos) partilhados socialmente.

Segundo a concepção sócio-construtivista de Vygostsky, a língua é um instrumento de


mediação na aquisição dos conceitos da criança e a introduz no curso de seu desenvolvimento
sócio-histórico. A linguagem verbal cumpre um papel crucial no desenvolvimento cognitivo
da criança. Por meio da língua, a criança desenvolve o pensamento verbal que é construído
sócio-historicamente. No entanto, factores de ordem maturacional restringem esse
desenvolvimento, por isso a criança precisa estar em condições específicas de acordo com o
estágio de seu desenvolvimento para adquirir as diversas competências.
3.5. A aquisição da L1/L2 e língua estrangeira
Apesar de muitos estudos terem comprovado a ineficiência do ensino behaviorista, no
qual o conhecimento prévio de uma língua é considerado como impedimento para a aquisição
de uma segunda língua, ainda hoje muitas escolas persistem na idéia de que o estudo através
da imitação e repetição de um modelo seja a forma mais plausível de ajudar os alunos a
adquirirem a L2.
Essa crença leva as escolas a adotarem um paradigma de exclusão, no qual não se leva
em conta os aspectos sociolinguísticos e culturais da comunidade na qual a criança está
inserida, concebendo a L1 como uma interferência linguística negativa na construção da L2,
fato que não é verdadeiro.
Segundo Braggio (1992, p. 61) a educação deve começar onde os aprendizes estão,
portanto o conhecimento de mundo da criança não pode ser desconsiderado durante o processo
de aquisição da escrita, e esse percurso não é diferente com as crianças indígenas, que também
necessitam ter sua cultura e seus conhecimentos respeitados pela escola, visto que educação se
constrói através dos conhecimentos já existentes.
Sendo assim, a criança indígena em processo de aquisição do português escrito como
L2, necessita ter liberdade de criar, expressar suas idéias, apoiando-se em sua língua nativa, ou
seja, na L1, buscando função e significado no que ela está fazendo, sem se preocupar, nesse
momento, com a forma, e sim dando vazão ao seu conteúdo de maneira prazerosa, expressando
toda a sua singularidade que será uma marca linguística evidenciada na sua escrita.
Braggio (2000) afirma que a criança indígena passa por um processo de aquisição do
português escrito diferentemente da criança não-indígena, pois a primeira será bilíngue ou
multilíngue e a sua língua nativa (L1) refletirá na construção do português escrito como L2.
Portanto, é primordial que o professor não desconsidere que essa criança necessita se apoiar na
estrutura de sua língua nativa para adquirir o português escrito como segunda língua, pois a
L1 será um referente linguístico para a aquisição da L2.
Segundo Grosjean (1994), a criança bilíngue percorre os extremos de um continuum
situacional monolingue e bilíngue. Nesse percurso ocorrem fenômenos que são visivelmente
decorrentes do contacto entre línguas e de condicionantes sociais e pragmáticos que o
acompanham.
Sobre esses extremos, o autor aponta a hipótese da interferência residual, na qual se
considera a relação entre um léxico e o outro, ou seja, os dois léxicos são interdependentes,
unificados. É nesse processo que o indivíduo bilíngue apresenta um continuum no qual ele usa
as duas línguas isolada ou alternadamente.
Nesse continuum surgem as interferências fonológicas, sintáticas ou morfológicas.
Essas são as interferências residuais onde surgem os codeswitchings, os empréstimos, as
adaptações, que se integram à língua base, e são vistas como influências positivas para o
bilíngue construir a L2. Cada indivíduo tem um modo de vida que vai refletir esse uso.
Assim, é notório que o bilíngue não é a soma de dois monolingues em uma pessoa, mas um
único falante-ouvinte usando competências que se completam, através de uma língua ou outra
ou as duas juntas, dependendo do interlocutor, da situação, do tópico, do domínio, entre outros
fatores de uso.
Logo, as proficiências não são necessariamente iguais, pois se completam no domínio
do uso. Portanto, há uma relação de complementaridade e não de concorrência entre as línguas.
Dessa maneira, a questão do bilinguismo não é só linguística, mas também social.
Mello (2002) ressalta a importância da L1 na construção da L2 e afirma que esse
percurso é natural e necessário para o bilíngue, pois a língua nativa (L1) poderá ser o elo
facilitador entre os códigos e os conhecimentos, auxiliando a criança bilíngue, nesse caso a
indígena, a adquirir o português escrito de forma menos conflituosa. Segundo a autora,
considerando que as nossas experiências anteriores fornecem as bases para a compreensão das
novas informações, a L1 pode promover a aquisição da L2 de maneira mais activa e eficiente,
pois os conhecimentos linguísticos e conceituais transferem-se de uma língua para a outra,
sendo então relevante haver uma maior preocupação por parte da escola em buscar apoio na
L1 no percurso da aquisição da L2.
De acordo com Cummins (1996, p. 110), há duas concepções sobre a proficiência do
bilíngue: a proficiência subjacente separada – Separate Underlying Proficiency- na qual a
competência linguística da L1 não interfere na construção da L2; e a proficiência subjacente
comum - Common Underlying Proficiency – na qual há uma inter-relação positiva entre a L1
e a L2.
Segundo Mello (2002, p. 57), a concepção da proficiência subjacente comum, na qual
a proficiência da L1 não é separada da proficiência da L2, reflete melhor a realidade do
bilíngue, pois “evidências empíricas refutam o modelo de proficiência subjacente separada”
visto que há uma óbvia e significativa inter-relação entre a L1 e a L2 durante o processo de
construção da escrita pela criança, promovendo assim, a aquisição da segunda língua de forma
mais espontânea. A autora ressalta que “embora os aspectos linguísticos superficiais da L1 e
da L2 sejam distintos, há uma proficiência subjacente que é comum às duas línguas”, portanto
as competências desenvolvidas durante a aquisição da L1 serão um grande suporte para a
construção da L2.
Grosjean (1994), afirma que ambas as competências da L1 e da L2 são relevantes e se
completam no processo de aquisição de línguas, portanto essa multicompetência evidencia que
na construção da L2, a L1 não pode ser desconsiderada, visto que a estrutura da L1 será um
apoio para a aquisição da L2.
Ao considerar que há uma competência comum subjacente que promove o
desenvolvimento da proficiência nas duas línguas, Mello (2002) afirma que também é relevante
haver condições que motivem a interação da L1 com a L2. É notório que essa inter-relação
necessita ser através de um processo dialógico, utilizando textos significativos para a criança,
proporcionando-lhe a construção da escrita da L2 de forma menos conflituosa.
Durante esse processo de interacção das competências linguísticas, uma língua será
refletida na outra, trazendo traços dessa língua que não podem ser vistos como “erros” e, sim,
como percurso natural de aquisição da L2. Através desses traços é possível observar como a
estrutura linguística da L1 está apoiando a construção da L2, e pode-se então criar condições
mais favoráveis para que a criança, nesse caso a indígena, processe a estrutura da L2 de forma
mais significativa e menos artificial, utilizando-a como um instrumento de apoio para uma
melhor compreensão da sociedade não-indígena majoritária que a rodeia. Dessa forma, a escola
estará proporcionando à criança uma relação entre sujeito e linguagem, criando uma motivação
maior para a sua escrita, trazendo esse código para a realidade da criança, tornando-o funcional
em sua vida.
No decorrer do processo de construção da escrita da L2, a criança elabora hipóteses e
experimenta a língua apoiando-se na estrutura da L1. Sendo assim, essas elaborações a ajudam
a perceber quais construções são possíveis de acontecer na língua, e quais não são, pois somente
através do uso da L2 é que a criança internalizará as possibilidades de construções existentes
nessa nova língua, e com o passar do tempo, as interferências da L1 sobre a L2 tendem a
desaparecer, visto que a segunda língua já estará internalizada.
Apesar do processo da aquisição da língua escrita do ponto de vista cognitivo ser o
mesmo (BRAGGIO, 2001), é relevante observar que cada sujeito apresentará a sua
singularidade na construção dessa aprendizagem. Portanto, a elaboração da escrita reflete a
vivência de cada criança, suas marcas linguísticas, e sua individualidade, sendo uma grande
falha do professor não compreender os processos pelos quais o aluno passa nesse momento,
homogeneizando um grupo que é totalmente heterogêneo, não aceitando as influências da L1
sobre a L2, que são perfeitamente naturais no caminhar da aquisição do português escrito como
L2.
Existem diferenças culturais que também são refletidas na língua, logo, durante o
percurso da construção do português como L2 pela criança indígena, é primordial que a escola
valorize os seus conhecimentos, a sua cultura, ou seja, respeite o seu universo cultural na
tentativa de diminuir os conflitos que aparecerão nesse processo, proporcionando um ambiente
mais dialógico e colaborativo para a aquisição da L2.
O professor como mediador do conhecimento deve motivar a criança a conceber a
escrita da L2 como um processo contínuo de enriquecimento, criando situações de desafio que
contribuam para o crescimento escolar do seu aluno. Assim, no percurso da aquisição do
português escrito como L2, é relevante o professor demonstrar para a criança indígena a
importância da valorização de sua língua. O português escrito deverá ser para ela um
instrumento de luta por seus direitos, sem deslocar a sua língua nativa, visto que essa representa
o seu povo, a sua identidade cultural e fortalece as suas tradições.
A criança indígena bilíngue necessita construir a escrita da L2 não para decodificar a
língua, mas para descodificá-la, entrando nas entrelinhas, lendo o mundo que a rodeia e se
inserindo nele para questionar, refletir, argumentar, inferir e posicionar-se criticamente diante
dos fatos. Somente assim ela será o sujeito da sua escrita. Portanto, a criança não pode receber
a L2 pronta, ela necessita construí-la através da elaboração das hipóteses, trabalhando as
possibilidades dessa nova estrutura linguística na mente.
Garret et al (1994) em um estudo sobre os efeitos do uso da língua materna no estágio
preparatório de escrita em segunda língua, observaram que as crianças que fizeram uso da L1
apresentaram uma performance superior àquelas que usaram apenas a L2. Esse estudo reforça
a visão da importância da L1 na construção da L2. Segundo os autores, a capacidade
metalinguística do bilíngue é mais ampla do que a do monolingue, pois ele tem que fazer mais
hipóteses do uso das línguas, interagindo as competências em L1 e em L2. Então, deve-se
proporcionar a criança indígena bilíngue o direito de ser sujeito e construtor da sua escrita e da
sua história.
Portanto, é relevante que a criança indígena utilize sua língua nativa (L1) durante a
aquisição do português escrito como L2, e construa a sua escrita utilizando toda a sua
diversidade linguística, tornando esse percurso menos conflituoso.

3.6. As Teorias de Aquisição de Segunda Língua


A linguagem é o meio de comunicação utilizado pelo homem para interagir com o
mundo em que habita. De acordo com sua significação, a língua é a sistematização de
linguagem em códigos reconhecidos em uma comunidade específica, em um tempo e modo
característicos, fundamental para que o ser humano possa relacionar-se de modo organizado
com as pessoas que daquele grupo fazem parte.
Actualmente, as pessoas estão conscientizando-se da importância do aprendizado de
um segundo idioma, o que, consequentemente, desperta em cientistas da linguagem o interesse
em compreender esse processo por meio de estudos e pesquisas que almejam analisar como
ocorre a aquisição de uma nova língua e quais métodos são mais eficientes.
Logo, o objectivo desta subsecção é analisar as principais teorias existentes e buscar soluções
para o ensino e aprendizagem, com sugestões para que aconteça o desenvolvimento de novas
práticas pedagógicas que sejam capazes de tornar este processo mais atraente e produtivo.
O aprender de determinado idioma estrangeiro é uma construção sobre vários alicerces.
Na escola, o mais importante deles é o professor. O docente de um idioma estrangeiro precisa
ter conhecimentos diversos, não só da língua que está em estudo, mas, principalmente,
compreensão dos diversos fatores que interferem na aprendizagem da língua meta. Somente
desta maneira que se faz possível o aprendizado da língua estrangeira, onde se desenvolve
plenamente nos educandos as habilidades linguísticas: ler, escrever, falar e ouvir na língua
meta.
Ensinar uma língua estrangeira alude um espectro conciso e repetidamente conflitante
de homem, da linguagem, da formação do ser humano, de ensinar e de aprender um outro
idioma; espectro este circundado por afetividades específicas do professor com relação ao
ensino, aos alunos, à língua meta, aos materiais, à profissão e à cultura alvo.
A aquisição de uma língua estrangeira resulta de vários fatores, dentre eles o interesse
do estudante, o material utilizado, o ambiente e a metodologia do professor. Miguel A. Martín
Sánchez (2010) sustenta que o professor de LE (Língua Estrangeira) é uma figura chave para
o processo de ensino/aprendizagem da língua.
Na concepção vygotskiana (2001), o desenvolvimento humano ocorre por meio de uma
interação dialética entre o indivíduo e o meio, mundo físico e social, e suas dimensões cultural
e interpessoal, do qual faz parte desde o seu nascimento.
Nesse processo, o indivíduo, ao mesmo tempo em que internaliza as formas culturais, as
transforma e intervém em seu meio. É, portanto, “na relação dialética com o mundo que o
sujeito se constitui e se liberta.” (REGO, 1997, p. 94)
Ao longo de décadas, pesquisadores têm tentado construir teorias que possam descrever
o processo de aquisição de língua materna, ou L1 (Língua 1). É incontestável a importância
dessas tentativas de teorização uma vez que a linguagem é ferramenta simbólica comum a todos
os seres humanos nas diversas sociedades. Por outro lado, tais modelos teóricos também têm
sido tomados como ponto de partida para muitas pesquisas na área de aquisição de segunda
língua (L2). (BEZERRA, 2003, p. 1).
De acordo com Mitchell & Myles (1998), a necessidade de se entender melhor o
processo de aquisição de segunda língua deve-se a duas razões básicas:
a) o aumento de conhecimento nessa área é interessante por si, além de permitir que se
compreendam melhor questões ligadas à natureza da linguagem, da aprendizagem
humana e mesmo em relação à comunicação;
b) tal conhecimento será útil, pois, se pudermos explicar melhor o processo de
aprendizagem, melhor poderemos dar conta do porquê de sucessos e insucessos
observados em aprendizes de L2. (p. 2)
Doughty & Long (2003) afirmam que o escopo do campo de conhecimento denominado
“aquisição de segunda língua” é amplo e abarca:
1. Conhecimento básico e aplicado sobre a aquisição e perda de segunda, terceira, quarta, etc.,
línguas e dialetos tanto por adultos quanto por crianças que se encontram em ambientes naturais
ou instrucionais (ou seja, na escola), como indivíduos ou como grupos em contextos de língua
estrangeira, segunda língua, e língua franca;
2. Uma variedade de métodos de coleta e análise de dados que incluem a observação nos
contextos de aquisição (naturais ou instrucionais), o uso de designs experimentais com um alto
nível de controle de variáveis de pesquisa, o desempenho de tarefas em laboratório, a simulação
computacional, o tratamento qualitativo e/ou quantitativo dos dados;
3. Um grupo grande de pesquisadores afiliados a uma variedade de campos de conhecimento,
tais como a linguística, a linguística aplicada, a psicologia cognitiva, a comunicação, a
psicologia educacional, a educação e a antropologia. (p. 3-4)
Inúmeras teorias têm tentado explicar como se aprende uma língua adicional. Segundo
Larsen-Freeman & Long (1991, p. 227), há pelo menos quarenta teorias de aquisição de
segunda língua (ASL). Uma coisa em comum entre estas teorias é que nenhuma delas investiga
o fenômeno do ponto de vista do aprendiz. Aqui serão apresentadas oito destas teorias, dada
suas relevâncias e aceitação quanto à suas contribuições teóricas referentes ao aprendizado de
língua estrangeira.
Estas teorias serão divididas em dois grandes grupos. O primeiro privilegia o ambiente,
e o outro, os mecanismos cognitivos. No primeiro grupo incluem-se as seguintes teorias:
behaviorismo, aculturação, output, interação e sociocultural. No segundo, a hipótese da
gramática universal, a hipótese da compreensão e o conexionismo.
Assim, o Behaviorismo (Skinner, 1957), vê qualquer aprendizagem, incluindo o
fenômeno da linguagem, como comportamento adquirido por meio de estímulos do ambiente
e respostas do aprendiz, ignorando a existência de qualquer mecanismo interno de aquisição
de linguagem.
De acordo com o quadro geral do behaviorismo radical, pode-se dizer que a
aprendizagem é fruto do condicionamento operante. É, portanto, um comportamento
observável, descrito em termos da contingência de reforço. Enquadrada nestes termos, a
aprendizagem da linguagem seria, por assim dizer, fator de exposição ao meio, e decorrente de
mecanismos comportamentais. Ou seja, aprender uma língua não seria diferente, em essência,
da aquisição de outras habilidades e comportamentos, já que se trata de acúmulos de
“comportamentos verbais”. (Cf. BANDINI; DE ROSE, 2007, p. 18-28).
Um ponto importante a ser destacado nesse modelo pedagógico de ensino da linguagem
é o de que “a aprendizagem do comportamento de falante teria como condição necessária a
aprendizagem prévia do comportamento de ouvinte.” (ARRUDA JÚNIOR, 2015, p. 121).
A teoria behaviorista da linguagem parte do pressuposto de que o processo de
aprendizagem consiste numa cadeia de estímulo-resposta-reforço. “O ambiente fornece os
estímulos - neste caso, estímulos linguísticos - e a criança fornece as respostas - tanto pela
compreensão como pela produção linguística.” (ARRUDA JÚNIOR, 2015, p. 120). A criança,
por esta teoria, durante o processo de aquisição linguística, é recompensada ou reforçada na
sua produção pelos adultos que a rodeiam.
A aprendizagem, tanto da língua materna como de outra língua, se daria por meio de
repetições, resultando na formação de hábitos automáticos e observáveis. No entanto, Larsen-
Freeman & Long (1991, p. 266), consideram que estímulos e respostas não são suficientes para
explicar a língua adicional, apesar de o behaviorismo ser uma explicação adequada para a
aquisição da pronúncia e a memorização mecânica de fórmulas.
Outra teoria, a da aculturação, foi proposta por Schumann (1978) com base em um
estudo que observou seis aprendizes; duas crianças, dois adolescentes e dois adultos. Ele
coletou informações por meio de questionários e acompanhou estes aprendizes em situação de
conversa espontânea durante dez meses. Schumann concluiu que a aquisição de segunda língua
resultaria da aculturação, que é definida pelo autor como “a integração social e psicológica do
aprendiz com a língua alvo do seu grupo” (p. 29). O modelo da aculturação argumenta que os
aprendizes serão mais bem-sucedidos na ASL se as circunstâncias sociais e psicológicas entre
eles e os falantes da língua forem menores.
A teoria da aculturação pode ajudar a explicar, nem que seja parcialmente, a aquisição
de outra língua ou o fracasso da tentativa de aprendizagem.
Já a hipótese do output ou da lingualização, foi formulada por Swain (1985). Ela postula
que não basta o input compreensível e afirma que, para adquirir uma língua, precisa-se também
do output compreensível. Ela ressignifica o conceito de output, até então entendido com o
resultado ou o produto da faculdade da linguagem, passando a defendê-lo como parte do
processo de aprendizagem. Swain (2005) explica que “há uma mudança no significado de
output como substantivo, uma coisa ou um produto para output como verbo, uma ação ou um
processo”. (p. 471)
São três as funções do output: observação, testagem de hipótese e reflexão sobre a
linguagem.
Swain (1995) acredita que, ao usar a língua, os aprendizes “podem observar a lacuna
entre o que querem e o que conseguem dizer, reconhecendo o que não sabem, ou apenas sabem
parcialmente”. (p. 1266). Essa capacidade de observar as falhas na produção da linguagem é
essencial para a ASL, pois o aprendiz pode direcionar sua atenção para o que precisa aprender
e, possivelmente, atentar para inputs relevantes.
A produção dá ao aprendiz a oportunidade de testar hipóteses, refletir sobre a língua e
modificar o output. Swain (2005) explica que os aprendizes testam se o que estão produzindo
funciona e, quando negociam sentido, refletem sobre a língua produzida pelo outro e pelo
próprio aprendiz.
Em 2006, a autora propôs a substituição do termo output por lingualização. Swain
define lingualização como “um processo sem fim e dinâmico de uso da língua para produção
de sentido”. (p. 2). Para ela, lingualização implica qualquer uso da língua, na forma oral ou
escrita, e até a fala consigo mesmo.
Na hipótese de interacção, o radicalismo de Krashen sofreu um contraponto nos
trabalhos de Hatch (1978) e de Long (1981, 1996) que apostaram na hipótese da interação para
explicar a ASL (Aquisição de Segunda Língua). Eles consideram que o input, sozinho, não
pode ser responsável pela ASL. Hatch (1978) discorda da hipótese de que o aprendiz primeiro
processa input para depois interagir. Segundo ela, aprende-se primeiro a conversar para então
interagir verbalmente e, as estruturas linguísticas seriam adquiridas nesse processo.
Apesar de não desconsiderar o papel do input modificado, Long (1996) afirma que a
negociação de sentido é essencial ao processo de aquisição. Essa negociação se dá na forma de
0uma indicação de entendimento ou não entendimento da fala do outro, bem como na ajuda ao
outro para que ele expresse suas ideias e correções. Neste processo de negociação, auxiliado
por um falante mais competente, o aprendiz faz ajustes e impulsiona sua aquisição da L2.
Outra reação à posição radical de Krashen (1997) na defesa da primazia do input está
presente na teoria desenvolvida por Swain (1985), que defende a hipótese do output, ou seja,
da produção.
Por outro lado, a teoria Sociocultural (TSC), baseada no trabalho do psicólogo russo
Vygotsky, tem como fundamento a ontologia do indivíduo social (Gass & Selinker, 2008).
Nessa teoria, a aquisição de segunda língua é um processo situado contextualmente e é a partir
dessa perspectiva que a teoria explica os processos cognitivos relacionados à aprendizagem.
Assim, de acordo com Lantof & Thorne (2007), a linguagem, enquanto ferramenta
simbólica mais importante, permite ao ser humano organizar e controlar processos mentais -
memória, atenção voluntária, aprendizagem, etc.
Os processos de desenvolvimento cognitivo são implementados através da participação
do indivíduo em contextos com estrutura cultural, linguística e histórica. Exemplos de tais
contextos são a vida em família, a interação entre colegas e contextos institucionais tais como
a escola, as atividades esportivas organizadas e o local de trabalho (p. 47).
A Teoria Sociocultural reconhece que a neurocognição é importante para explicar
nossos processos mentais de ordem mais elevada (como a memória, por exemplo), mas as
atividades cognitivas mais importantes se desenvolvem através da interação social.
Vygotsky (1987) abordou a interação social como um componente essencial no
desenvolvimento do conhecimento. Ele acreditou que existem processos mentais entre as
pessoas em ambientes de aprendizagem social e que nesses ambientes, o estudante desenvolve
ideias para seu próprio mundo psicológico. Essa transferência das ideias externas ao indivíduo
– compartilhadas no ambiente social – para aquelas que são constructos pessoais internos
Vygotsky chamou internalização. A internalização só ocorre dentro da zona de
desenvolvimento proximal (ZDP) de cada estudante. “A ZDP não é um espaço físico, mas um
espaço simbólico criado pela interação dos estudantes com outros mais instruídos e com a
cultura que os precede.” (GOOS, 2004, p. 262).
A partir dessas ideias, Meira & Lerman (2010) propõem que investigações empíricas
sobre a ZDP, em salas de aula, incidam o foco não apenas nas interações sociais caracterizadas
pela assistência aos alunos, por parte do professor, mas, sobretudo, nas trocas semióticas
emergentes nessas interacções.
Na formulação da hipótese da gramática universal, Chomsky (2002) define língua
como “um conjunto (finito ou infinito) de frases, cada uma finita no seu tamanho e construída
a partir de um conjunto finito de elementos”. (p. 13)
O interesse de Chomsky sempre foi a natureza do fenômeno da linguagem, e não uma
língua específica. Suas obras foram muito influentes nesta área, principalmente pela crítica que
ele faz ao behaviorismo. (Chomsky, 1959).
De acordo com os estudos chomskianos, os seres humanos são biologicamente dotados
de uma faculdade de linguagem, que é responsável pelo estágio inicial do desenvolvimento da
linguagem. É essa faculdade que ele denomina Gramática Universal (GU).
A hipótese da GU postula que o ambiente é insuficiente para que se adquira uma língua
e que as pessoas são capazes de produzir enunciados que nunca ouviram.
Um grupo de pesquisadores defende que a segunda língua (L2) não se comporta como uma
língua natural e, portanto, não sofre interferência da GU. Os membros deste grupo consideram
a aquisição de L2 bem diferente de língua materna. Eles acreditam que existe um período crítico
para essa aquisição durante o desenvolvimento infantil, mas que na aprendizagem de adultos
haveria outros mecanismos envolvidos.
Um segundo grupo de pesquisadores entende que não há diferença entre os dois
processos e que os aprendizes continuariam utilizando os princípios e parâmetros disponíveis
na GU.
Finalmente, um terceiro grupo acredita que a GU é parcialmente responsável pela
aquisição da L2. Segundo este grupo, os parâmetros já configurados para a primeira língua
serviriam de base para a segunda, mas sofreriam alterações para o desenvolvimento da L2.
A maior crítica feita à hipótese da GU, de acordo com Mitchel & Myles (2004, p. 24),
é o fato de os estudos realizados com base na hipótese da existência de uma gramática universal
se interessar “apenas pelo aprendiz como um processador da mente que contém linguagem”, e
não como um ser social.
A facilidade ou propensão que algumas pessoas alegam ter pode ser uma evidência
dessa capacidade inata, ou GU, defendida pela teoria chomskiana. Mas, os grupos afirmam que
isso não é suficiente. Deve haver explicações também no ambiente, como na teoria de
aculturação.
A hipótese da compreensão, último nome dado por Stephen Krashen à sua teoria sobre
a aquisição de uma segunda língua, foi fortemente influenciada pelos pressupostos teóricos
chomskianos.
A proposta de Krashen foi primeira intitulada hipótese monitor (Krashen, 1985), depois
hipótese do input (Krashen, 1997) e, mais recentemente, hipótese da compreensão (Krashen,
2004). Suas principais hipóteses podem ser resumidas assim:
a. Aquisição e aprendizagem não são sinónimos. A aquisição se dá de forma
inconsciente, por meio da exposição do idioma, e a aprendizagem ocorre de forma consciente
e monitorada.

b. A aquisição é fruto de processos mentais que transformam o input compreensível em


estruturas gramaticais inconscientes, em uma ordem previsível.

c. A aprendizagem consciente funciona como um monitor, ou seja, como um editor da


produção linguística.

d. A alta ansiedade, que Krashen denomina filtro afetivo, impede que o input alcance
as partes do cérebro responsáveis pela aquisição.
O modelo de Krashen vê a aquisição em uma perspectiva linear, pois, além de
estabelecer uma relação de causa e efeito entre o input (o que o aprendiz ouve e lê) e o que se
adquire, prevê que essa aquisição se dá em uma ordem previsível. No entanto, torna-se
importante a exposição do idioma nas mais diversas formas de input.
A insistência radical de Krashen em afirmar que a imposição de uma língua era
explicada, única e exclusivamente, pelo input, motivou muitos pesquisadores a apresentar
propostas alternativas.
A teoria do conexionismo, segundo Del Rio (1996), é uma teoria que considera a
aquisição de um hábito como uma tentativa de ensaio e erro. O autor propôs três leis que
caracterizam a aprendizagem.
1. Lei da prontidão - satisfação/aborrecimento;

2. Lei do exercício - prática, repetição;

3. Lei do efeito - fortalecida/enfraquecida, recompensa/punição.


Nesta teoria, a aprendizagem é vista como “um processo mecânico, como uma
associação de estímulos, de resposta e reforço”. (Sacristán, 2000).
Ainda de acordo com Del Rio (1996), a aprendizagem é um processo e, em suas
unidades mais primárias ou básicas, ocorre quando a pessoa, em virtude de determinadas
experiências, que incluem necessariamente inter-relações com o contexto, produz novas
respostas, modifica as existentes (...) ou quando o indivíduo estabelece novas relações entre
sua atividade e o ambiente do qual faz parte. (p. 32)
Essa teoria rejeita que a linguagem seja uma faculdade inata; ela defende, assim como
behaviorismo, que a aprendizagem é fruto de associação entre as informações.
Com relação as teorias de aquisição de segunda língua, a teoria vygotskyana atribui
muita importância ao papel do mediador – professor – como agente impulsionador do
desenvolvimento psíquico humano. (COUTINHO; OLIVEIRA, 2011).
Sem dúvida, o professor além de ser educador e transmissor de conhecimento, deve
atuar, ao mesmo tempo, como mediador. Ou seja, o professor deve se colocar como ponte entre
o estudante e o conhecimento para que, dessa forma, o aluno aprenda a “pensar” e a questionar
por si mesmo e não mais receba passivamente as informações como se fosse um depósito do
educador. (BULGRAEN, 2010, p. 31).
A certeza de que o bom professor é aquele que tem consciência da necessidade de estar
em constante processo de aprendizagem, que se vê como um eterno aprendiz, e jamais como
um detentor do saber.

Bibliografia
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SLOBIN, D.I. EMMOREY, Karen (2003) Perspective on Classifier Constructions in Sign


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UNIDADE TEMÁTICA IV: Leitura e escrita

4.1. Introdução
A leitura e a produção da linguagem escrita são actividades cognitivas bastante
complexas e só é apropriado mais tardiamente. A Psicolinguística tenta responder quais são os
comportamentos e os processos mentais de um leitor maduro e de um escritor eficiente.
E qual é a diferença entre fala/sinais e escrita?
A escrita se difere da fala pela sua natureza de estímulo, pela sua diferença formal e
funcional. Em contrapartida, a escrita em língua de sinais utiliza o mesmo canal visual de
recepção, mas também se difere com relação ao estímulo, um fixo, outro dinâmico e pela sua
diferença formal e funcional (Kato, 1986).
Segundo Morais, Kolinsky e Grimm-Cabral (2004:54), “no plano teórico, a idéia
subjacente da concepção psicolinguística da leitura e da escrita é que essas habilidades
dependem especificamente da linguagem”, ou seja, a aquisição e apropriação desses
conhecimentos implicam, fundamentalmente, processos e representações da fonologia natural.
Nesse sentido, o desenvolvimento da consciência fonêmica por meio da leitura atribui a cada
fone/cine articulado na fala/sinais uma representação gráfica e com isso a descoberta da relação
entre fonema/cinema e grafema se estabelece.
Diante dessa constatação, surge uma nova e desafiante questão sobre a aprendizagem
de leitura e escrita da criança surda. Como se estabeleceria a relação fonema-grafema de uma
língua oral nesse indivíduo? Encontraremos no tópico abaixo algumas orientações a respeito
desse assunto, já que a aprendizagem de uma língua oral não é uma tarefa simples para o surdo
pelo fato de ele não ter acesso ao som e, consequentemente, não pode desenvolver uma
consciência fonológica nessa língua.

4.1. Modelos teóricos de processamento cognitivo em leitura


Segundo revisão realizada por Johnston (1984), as pesquisas a respeito dos processos
de leitura datam de meados do século XIX, tendo sido conduzidas por meio da investigação
de aspectos concretamente observáveis, como o movimento dos olhos, por exemplo.
Contudo, conforme descrevem Graesser e Britton (1996), somente a partir de estudos
realizados no âmbito das últimas quatro décadas, em um notável esforço nas tentativas de
compreensão dos processos mentais de leitura, surgiram modelos teóricos de descrição,
considerando desde a fase de recepção e percepção do estímulo visual até as etapas de
construção e reconstrução de sentido.
Para muitos estudiosos, há três grandes principais modelos de leitura, que analisam seu
processamento de modo diverso, quais sejam: ascendente, descendente e interativo (para uma
revisão, cf. PRESSLEY; AFFLERBACH, 1995; BRITTON; GRAESSER, 1996; DAVIES,
1995; KLEIMAN, 1989; LEFFA, 1996; SOLÉ, 1998; SOUZA, 2000; 2004, entre outros).
As bases dialéticas sobre as quais estes modelos se desenvolvem permitem identificar
dois extremos teóricos, nos quais se priorizam, em via de mão única, o texto (teoria ascendente)
ou o leitor (teoria descendente). A partir da síntese destes dois modelos, foi desenvolvido um
grande número de enfoques teóricos (modelos interativos) em cujos centros surgem tanto o
texto quanto o leitor como figuras essenciais ao processo de leitura.
De acordo com o modelo ascendente, a leitura é um processo linear, que vai
progressivamente das menores unidades presentes no texto até o sentido (GOUGH, 1972). O
processo ocorre, espacialmente, a partir do texto em direção à mente do leitor, cuja função é
dissecar o texto em busca das informações contidas em cada um dos seus elementos. Sob esta
ótica, compreender corresponderia a extrair do texto o sentido já codificado. Nesta abordagem,
a compreensão seria o resultado da leitura, tratando-se de um processo exato, em que não há
aproximações.
Conforme sugere a literatura da área, os modelos teóricos ascendentes são úteis e
eficazes à descrição de processos iniciais no desenvolvimento da competência leitora. Estas
fases elementares podem vincular-se tanto à alfabetização quanto ao enfrentamento de textos
que representam desafios ao indivíduo-leitor, implicando processamento passo a passo até a
construção do sentido.
A decodificação, actividade específica à leitura (cf. CAPOVILLA; CAPOVILLA,
2000; McGUINNESS, 1999, 2006; MORAIS, 1996; SCLIAR-CABRAL, 1998, 2003),
envolve maior dispêndio de tempo e utiliza grande parte dos recursos de processamento de
curto prazo, restringindo os processos de construção de sentido, uma vez que o sistema de
memória de trabalho humano3 possui fortes limitações em sua capacidade de armazenamento,
processamento e manipulação temporários da informação (JUST; CARPENTER, 1992;
GRIMM-CABRAL, 2000).
Felizmente, com a experiência e o desenvolvimento da competência em leitura,
os processos iniciais de decodificação são automatizados, permitindo a distribuição dos
recursos de processamento a atividades de construção do sentido textual, conforme os
objetivos previamente traçados pelo próprio leitor.
A memória de trabalho constitui um dos sistemas da memória humana. Sendo uma
memória de curto prazo, sua função reside em processar, manipular e reter informações por
um curto período de tempo, entre a percepção do estímulo e sua integração a estímulos
anteriores ou seu completo esvanecimento (JUST; CARPENTER, 1992).
Seguindo o desenvolvimento do nível de letramento em leitura, apresenta-se uma
concepção de processamento antagônica à anterior. Nesta perspectiva, a leitura é vista como
um processo descendente, em que há atribuição de sentido ao texto (GOODMAN, 1970;
SMITH, 1971). Assim, tomando direção inversa, o processo de leitura parte da mente do leitor,
dos seus conhecimentos prévios, para o texto e suas unidades menores. Sob este prisma, o leitor
faria predições acerca do sentido do texto, sem alocar muita atenção às sinalizações textuais,
quais sejam: letras, palavras e freses.
Na perspectiva descendente, Goodman (1970) define a leitura como um "jogo
psicolinguístico de adivinhações", que implica o constante procedimento de levantamento e
checagem de hipóteses. Logo, a compreensão não seria o resultado da leitura, mas um processo
que se desenvolve à medida que a leitura é realizada.
Aebersold e Field (1997: 18) claramente caracterizam este modelo teórico, afirmando
que, para a teoria descendente, os leitores “encaixam o texto” no conhecimento previamente
adquirido e checam o sentido no texto “somente quando” surge nova ou inesperada informação.
Apesar da relevância das duas propostas teóricas anteriormente descritas, dada a complexidade
do processo de leitura, não é adequado que a ênfase recaia em apenas um dos pólos: texto ou
leitor. Nas palavras de Leffa (1996: 17), "para compreender o acto da leitura temos que
considerar (a) o papel do leitor, (b) o papel do texto e (c) o processo de interação entre o leitor
e o texto".
Conforme defende Kleiman (1989), a leitura envolve tanto os conhecimentos prévios
do leitor quanto os sentidos por ele construídos por meio do texto, em uma atividade cognitiva
fundamentalmente construtiva. Daí a concepção segundo a qual ler é interagir com o texto.
Neste processo de construção do sentido textual, cabe ao leitor relacionar os dados
textuais com o conhecimento já construído. Assim, os leitores acionariam o conhecimento
prévio a partir de pistas fornecidas pelo texto escrito, as quais permitiriam fazer predições sobre
um evento, sem que todas as suas variáveis fossem conhecidas.
Anderson e Pearson (1984) e Kintsch (1998) argumentam que a devida compreensão
depende de o leitor encontrar um espaço mental para acomodar as informações provenientes
do texto, de sorte que elas possam ser assimiladas pelos esquemas mentais relevantes.
De acordo com o modelo de Kintsch (1998), o sistema mental humano é caótico e toma
por base a percepção e a experiência. Desse modo, vêem-se os estágios iniciais de compreensão
como processos ascendentes, não controlados e fortemente sensíveis ao contexto, que, de modo
suficientemente flexível, se adaptam às mudanças exigidas pelo ambiente. Embora a
compreensão não seja inicialmente ordenada e estruturada, à medida que se entra em ciclos de
processamento mais avançados, ocorre um processo de exigência de satisfação na forma de um
mecanismo de ativação contagiante, que gera a coerência e a ordem que vivenciamos. Neste
modelo, como se pode observar, há ciclos de processamento implicados na actividade de
compreensão textual. Sempre que um elemento significativo é processado e que se acrescenta
uma nova proposição à representação textual, ela passa a ser integrada imediatamente a esta
representação textual. Acontece integração a cada vez que umnovo elemento é adicionado à
rede em construção. Na perspectiva deste pesquisador, a leitura não é senão uma atividade de
representação de uma realidade textualmente construída por outrem ou pelo próprio leitor, em
tempo e espaço distintos ao da leitura.
Como se trata de um acto complexo e não linear, múltiplos processos cognitivos e
metacognitivos constituem a atividade de construção do sentido do texto escrito (BAKER,
1996). De acordo com Kato (1999), o processo cognitivo determina o comportamento
inconsciente e automático do leitor, e o metacognitivo implica a desautomatização do processo
cognitivo, envolvendo monitoração durante a leitura.
A capacidade metacognitiva em leitura implica a avaliação da qualidade e do
processo da própria compreensão, abarcando habilidades de monitoração e tomada de
medidas adequadas quando há falhas na compreensão.
Souza (2004: 39-40), com base na proposta de Brown (1980) e Baker e Brown
(1984), identifica algumas das principais actividades implicadas no monitoramento cognitivo
em processos de leitura competente:
1) definição dos objectivos da leitura;
2) alteração das estratégias de leitura provocada por mudança de objectivo;
3) identificação dos segmentos textuais importantes, conforme os propósitos da
leitura;
4) distribuição da atenção, focalizando os segmentos essenciais ao alcance dos
objetivos;
5) reconhecimento da estrutura textual;
6) acionamento e recuperação de conhecimentos prévios na construção de
sentido de novas informações;
7) sensibilização às restrições contextuais;
8) avaliação da qualidade da própria compreensão;
9) avaliação do texto quanto a aspectos de clareza, consistência e completude;
10) tomada de medidas corretivas quando há falhas na compreensão;
11) recuperação da atenção nos casos de distração e digressão.

Segundo Baker e Brown (1984: 41-2), nos casos em que o leitor monitora a sua leitura
em curso, uma das mais simples estratégias empregadas, quando há problemas de
compreensão, é a releitura do segmento prévio do texto, na busca de entendimento.
Uma segunda estratégia observada é o prosseguimento da leitura, tentando construir
compreensão por meio das seções textuais seguintes. E uma terceira estratégia, também
bastante freqüente, é o uso das pistas textuais para fazer inferências.
Segundo advogam Pressley e Afflerbach (1995), é fundamental considerar que o emprego de
estratégias de leitura está vinculado a aspectos de cognição, letramento, intenção, gênero
discursivo e situação de leitura. Acresce-se a estes fatores a autonomia.
A adopção de posicionamento estratégico diante do texto relaciona-se à competência e
autonomia em leitura (FERREIRA; DIAS, 2002).
É importante ressaltar que a leitura é um processo flexível e ativo (MILLS et. al., 1995:
80), que muda de acordo com o propósito do leitor em relação à leitura de um texto específico,
com o gênero discursivo, com a informação veiculada, com o interesse e as condições
emocionais do leitor, assim como com a ampla situação de leitura.
Sobremaneira, a leitura é um processo afetivo e atencional. Evidentemente, é possível
realizar leitura com pouca atenção, quando se dominam os mecanismos e dependendo dos
objetivos da atividade. Todavia, para aprender e ser capaz de recuperar as informações, a
atenção se torna fundamental e, para que os processos atencionais sejam ativados, é necessário
que haja motivação e interesse do estudante. Atividades de leitura para estudo requerem maior
atenção, enquanto atividades de leitura como lazer podem ser satisfatoriamente realizadas com
pouco esforço atencional.
Sob este prisma, defende-se, neste trabalho, que o ato da leitura requer, além de
competências fundamentais, a intenção de ler. Logo, em atividades de ensino, é preciso
que se considerem o conhecimento linguístico, as habilidades de leitura e o conhecimento
prévio do leitor, bem como o propósito da leitura e as condições afectivas dos estudantes em
relação à atividade proposta.
Um trabalho efectivo, que contemple estes fatores, pode ser desenvolvido somente ao
se permitir que o estudante construa seus conhecimentos e aprimore suas competências com o
próprio trabalho, que deve ganhar cada vez mais independência em relação à acção docente.
Aqui se apresenta um dos aspectos centrais à aprendizagem que parece não estar sendo
contemplado nas atividades escolares: o desenvolvimento da autonomia do estudante sobre sua
própria aprendizagem, considerando sempre – parece-nos evidente - que a autonomia se
caracteriza como relativa e instável, uma vez que sofre interferência de um grande número de
fatores externos ao aprendiz e, inclusive, ao próprio processo de ensino/aprendizagem.

4.2. A leitura sob o enfoque da Neurolinguística


Com os avanços da ressonância magnética cerebral, capaz de revelar os circuitos
corticais no momento da leitura, uma nova fusão interdisciplinar é necessária: entre as
neurociências e a psicologia. A primeira apresenta a forma, as especializações do cérebro e a
outra disseca esses mecanismos aplicando-os ao entendimento do funcionamento cerebral
durante a leitura.
Dehaene (2007) explora uma abordagem da leitura apresentada sob a perspectiva
biológica através das imagens ligadas às bases culturais, sendo esse, um dos pontos importantes
da neurociência contemporânea.
O acto de leitura implica complexas operações cerebrais ao contrário do que as
pesquisas cognitivas ingenuamente concebiam. Graças aos estudos e reflexões das
neurociências, hoje podemos visualizar, de maneira mais clara e menos seqüencial, quais os
circuitos cerebrais estão envolvidos nesse ato. Dado que a atividade da escrita alfabética tenha
sido inventada há aproximadamente 3.800 anos, os neuropsicólogos partem do pressuposto de
que o genoma não disporia de tempo suficiente para se modificar e desenvolver esses circuitos
próprios à leitura. Assim, Dehaene apresenta um modelo ao que denomina de “reciclagem
neuronial” em que hipotetiza que “a arquitetura de nosso cérebro é estreitamente enquadrada
por fortes limites genéticos. Contudo, os circuitos do córtex visual dos primatas possuem uma
certa margem de adaptação ao ambiente na medida em que a evolução os dotou de uma
plasticidade e de regras de aprendizagem” (2007, p. 27). Ou seja, o cérebro, longe de ser uma
tabula rasa, é um órgão estruturado que possibilita a operação de novas competências,
convertendo os circuitos já existentes e predispondo outros circuitos a pequenas mudanças,
num processo de reciclagem.
A evolução da escrita apresenta uma organização cerebral imposta pelas variações
culturais ao longo da história. Desde sua invenção, ela tem sofrido mudanças na medida em
que as competências humanas se desenvolvem.
Esses estudos são importantes, pois ao reconhecermos tanto fracasso no ensino da
leitura e escrita no Brasil, por falta de métodos adequados à realidade psicofisiológica e social
dos aprendizes. Muito mais grave é o fato de tentar alfabetizar um surdo em uma língua
estrangeira da qual ele não possui acesso fonológico e, portanto, não lhe é possível ter
consciência fonológica, através da sistematização de ensino de um código oral.
Considerando duas vias de leitura, Dehaene diz que: “todos os sistemas de escrita
oscilam entre a escrita dos sentidos e a dos fonemas (...) nossa leitura passa por uma via
fonológica que decodifica os grafemas e deduz uma pronúncia possível e depois tenta acessar
a significação”. O percurso inverso e direto se realiza com palavras freqüentes e irregulares.
Para o surdo não há relações sinápticas entre a fala e a audição que ele não possui. Por
mais que aprenda a oralizar, essa relação entre as articulações com os sons não é possível.
Refletindo sobre essa informação, comparando-a ao que Dehaene defende, evidenciamos que
uma tal generalização é imprecisa com relação ao indivíduo surdo, pois não sabemos ainda
como é realizado o circuito mental de um leitor surdo profundo, seja em leitura de língua falada
ou sinalizada. Que vias estariam implicadas em casos como desses indivíduos que não
possuem um acesso fonológico das línguas orais? De outro modo, como se daria o acesso
cinesiológico numa escrita de língua de sinais e qual sistema, o signwriting ou ELiS seria
melhor processado no cérebro do indivíduo surdo? Somente um estudo neurocientífico poderá
nos esclarecer essas questões.

4.3. A perspetiva da psicolinguística genética no atinente ao processamento verbal


Numa perspetiva psicolinguística, epíteto muito na linha da Escola de Piaget, porventura uma
psicolinguística mais conhecida por desenvolvimentista, é útil reter o que a criança consegue
ou não em matéria de desenvolvimento operatório, motivo pelo qual se torna relevante tudo o
que foi mencionado, para poder explicar o desempenho verbal que ela manifesta quando lhe é
proposta uma dada tarefa. Terá de se ter bem presente que um estudo psicolinguístico visa
sempre explicar os resultados a que se chegou com base no desenho de estudo gizado. E essa
explicação terá de contar com as bases psicológicas que estão envolvidas no processamento
verbal em análise (SLAMA-CAZACU,2007). Não podem restar dúvidas em quem trabalha na
área que a criança reage às tarefas que lhe são apresentadas também em função do seu
desenvolvimento operatório.
Radica exatamente aí o interesse da pesquisa psicolinguística, ou melhor, não basta mostrar o
que a criança já adquiriu ou ainda não adquiriu no plano da linguagem. Espera-se também uma
explicação para o desempenho observado .
4.4. A fala e a escrita: a forma de se materializarem no tempo e no espaço
De regresso à cadeia falada e à escrita, pode dizer-se que tanto uma como outra comportam
sequências consubstanciadas por meio de sonoridades na cadeia da fala e por sinais gráicos na
escrita. Todavia, essas sequências, não obstante terem de obedecer à linha do tempo, podem ou
não seguir direções similares em virtude de cada uma delas oferecer materializações distintas.
Tocou-se numa característica universal da linguagem: a linearidade, que advém de a linguagem
se desenrolar no tempo, o que determina, entre outros, a expressão “cadeia falada” (SOKHIN,
1988, p. 380). Recorrendo ao termo “primitivos”, muito usado por Piaget e que testemunha
bem que o desenvolvimento do ser humano apresenta em estádios iniciais prenúncios do que
se veriicará depois conceptualmente (GINSBURG, OPPER, 1979), é possível ver nas silabadas
proferidas reiteradamente pela criança nos primeiros tempos da sua existência um primitivo da
linearidade da linguagem. Ao serviço da repetição de sílabas está a inevitável assimilação
funcional, dependente por sua vez, para o seu aprimoramento, da acomodação particularizante.
Relativamente à aquisição da língua, o particular a que se alude tem a ver com a língua a que
a criança está exposta, essencialmente por via auditiva e que lhe serve de modelo. São passos
como estes que comprovam que a língua também é um objeto de conquista pelacriança. Um
objeto muito complexo, conforme previne Hermine Sinclair (1974), visto que não se destina
apenas a ser conquistado por via indutiva para chegar às regras que o governam; ele concorre
igualmente, mediante a simbolização que consubstancia, para a conquista dos outros objetos e
inclusive para a sua autorreferência.
Não se pode concordar mais com Elkonin (1988) quando este autor escreve: “he development
of oral language in the child is a complex and lenghty task that still has not been suiciently
studied” (p. 399). Na verdade, a aquisição da linguagem pela criança, enquanto conquista de
um objeto sobretudo auditivo e especialmente fugidio, não deixa de ser uma tarefa fascinante
e árdua quando comparada com a conquista de qualquer outro objeto da vida real que seja
permanente e que se preste a uma aproximação multissensorial (visual, tátil, auditiva, olfativa
ou gustativa).
No que se reporta à cadeia falada, que o mesmo é dizer à fala, o seu encadeamento não se opera
num sentido único como na escrita. De resto, não será nos bancos da escola primária que se
aprende que, quando se fala, se originam ondas de partículas de ar que chegarão aos ouvidos
de quem estiver por perto seguindo um percurso não previamente deinido e, porventura, só
visível em ambiente laboratorial. No entanto, é imersa em cadeias faladas, audíveis por
natureza, e não visíveis ou manipuláveis, distintamente do que se passa com grande parte dos
objetos que a circundam, que a criança adquire, num acto de conquista feito de reconstituições
continuadas, a língua a que está exposta, mediante exercícios de combinação precedidos dos
de extração/categorização das unidades que compõem essas cadeias.

4.5. A importância para a criança da exposição a inputs verbais


Uma criança que, desde a mais tenra idade, esteja perante inputs verbais numa quantidade e
numa qualidade razoáveis e conviva assiduamente com a leitura, designadamente a indireta
(PINTO, 1998), numa atitude de faz de conta que lê ao repetir o que alguém leu por ela
previamente respeitando grupos de sentido, poderá experienciar uma relação mais estreita entre
o oral e a escrita do que uma outra criança que coabite com um input verbal escasso e pobre –
quantas vezes também mascarado por ruídos de toda a ordem – e cuja rotina diária não inclua
nem a leitura, nem o manuseio de material escrito.
Comenta Sinclair (1974) que a aquisição da linguagem, se bem que comparável à aquisição de
estruturas cognitivas lógico-matemáticas ou do conhecimento físico, denota uma desigualdade
basilar, já que demanda a exposição a um modelo.
Assinala a autora que a aquisição de línguas requer modelos objetivos e rigorosos. Para que a
criança adquira a linguagem, prossegue Sinclair (1974), esta terá de estar obrigatoriamente
exposta a inputs da língua que virá a falar. E falará tanto melhor essa língua, quanto mais rico,
variado e elaborado for o input verbal que dela se lhe oferecer.

Bibliografia
LÖRSCHER, M. P. (1991) Translation performance, translation process, and translation
strategies. A psycholinguistics investigation. Tübingen: Gunter Narr.
MORAIS, J.; KOLINSKY, R.; GRIMM-CABRAL, L.(2004) A aprendizagem da leitura
segundo a psicolingüística cognitiva. Em: RODRIGUES, C.; TOMITCH, L. M. B. [et
al]. Linguagem e cérebro humano: contribuições muldisciplinares. Porto alegre:
Artmed, 2004. pp 53-70.
PINTO, Maria da Graça Castro. (2019). Aprendizagem da leitura e da escrita à luz da
psicolinguística genética. Florianópolis.
Beira, 14 de Fevereiro de 2021
O tutor
Henrique Mateus

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