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BITTENCOURT, Circe.

Ensino de História da América: reflexões sobre problemas de


identidades. Revista Eletrônica da Anphlac, nº4, 2013, pp.5-15.

Apresenta o percurso do ensino de História da América no ensino básico brasileiro desde o


século XIX até o início dos anos 1990, destacando os projetos políticos subjacentes às propostas
de sua incorporação nos currículos de ensino, os problemas e as perspectivas apresentadas, ou,
concretamente as razões desta incorporação e os conteúdos apresentados.
Mesmo que de forma irregular, destaca que o ensino de História da América Latina e dos
Estados Unidos foi incorporado aos planos de ensino no Brasil desde o século XIX. Entre o
século XIX até os primeiros anos da República, o ensino de História da América segue a
proposta de formação de uma identidade nacional no Brasil veiculada pelo IHGB, e que busca
uma genealogia de suas formações históricas na civilização europeia, mais concretamente, na
proposta de uma História Universal. [Circe Bittencourt não aprofunda essa questão, mas essa
proposta se relaciona com uma visão monárquica, que buscava idealizar o Brasil Monárquico
como “a” civilização dos trópicos, portanto, distinta e diferenciada de seus vizinhos
republicanos na América Latina, caracterizados como desorganizados]. No plano de ensino
básico do Colégio Pedro II, cujo modelo de currículo serviu de base e referência no Brasil, a
História da América era incluída como parte do programa de ensino da História Universal
(posteriormente designada por História das Civilizações) (p.6). A proposta estava centrada em
explicar como as Colônias haviam se transformado em Estados Nacionais, dando-se particular
ênfase na História dos Estados Unidos (p.7).
Em fins do século XIX, com o advento do período republicano, e a necessidade de forjar uma
identidade nacional em outros moldes, surgem propostas de aproximação e fortalecimento dos
planos de ensino de História da América no currículo do ensino básico. Um dos expoentes desse
movimento foi Manuel Bonfim, Diretor de Instrução Pública no RJ, e que fomentou um
concurso para redação do primeiro manual didático de História da América. O autor vencedor
foi Rocha Pombo, que teve o livro lançado em 1900. Nele, a História da América Latina passa a
ser abordada como um espaço alternativo para a construção de uma identidade nacional. Na
nova República que desejava se afastar de um passado escravista, a tônica é colocada no
irreversível massacre dos indígenas e na valorização da mestiçagem como portadora de um
novo tipo de civilização. Ao mesmo tempo, Bonfim e Pombo buscaram questionar a suposta
superioridade civilizacional dos europeus em relação aos povos indígenas (p.8). Assim, a
proposta do livro de Rocha Pombo dividia-se em 4 partes: 1º) a apresentação da fauna
americana e dos povos originários do México e do Peru; 2º) a Resistência à colonização e a luta
entre os próprios conquistadores espanhóis; 3º) Os processos de independência e 4º) a
Integração das nacionalidades latino-americanas. Em essência, o livro buscava pensar a América
“de dentro”, porém, valorizando um enfoque nacionalista.
Apesar dos esforços, a proposta não se consolidou de forma plena nos repertórios curriculares.
A reforma empreendida por Francisco de Campos em 1931, torna a valorizar a identidade
nacional em sua identificação com a civilização europeia, da qual a América seria um mero
apêndice, e dentro do qual a mestiçagem seria uma das principais causas do
subdesenvolvimento latino-americano, quando comparado ao progresso Estadunidense,
empreendedor e predominantemente ariano (p.7).
Em 1951, um novo programa oficial do governo tornou obrigatório o ensino de História da
América na 2ª série ginasial, centrada em 4 pontos: 1) nos maias, astecas e incas, e o processo
de sua destruição e apagamento depois da conquista; 2) na colonização como processo
civilizatório do continente; 3) nas independências; 4) na formação das atuais repúblicas,
designadamente os Estados Unidos, maior potência mundial no período, cuja ascensão
pretendia-se explicar. O fato de ser dado no 2º ano do Ginásio, isolava a disciplina de América
em relação à História do Brasil, e dificultava a compreensão dos estudantes em relação às
interligações e influências comuns entre ambas.
Com o regime militar, a disciplina de História ficou suprimida dentro das chamadas “Ciências
Sociais”, e com ela o conteúdo programático de História da América. Esta só reapareceria em
fins dos anos 1970 e durante os anos 1980 com um sentido muito específico: explicar o
subdesenvolvimento do Brasil e dos países da América Latina em detrimento do
desenvolvimento e do imperialismo dos países do primeiro mundo, designadamente os Estados
Unidos. Foi nesse momento em que as Teorias da Dependência adentraram mais profundamente
nos planos de ensino e nos livros didáticos [muito através de obras de divulgação como Eduardo
Galeano, como mostram Luiz Estevam Fernandes e Marcus Vinícius de Morais]. Aqui, constrói-
se uma uniformização generalizante e de enfoque estrutural, que anulava completamente as
diferenças e as identidades regionais.
Com os anos 1990 e o advento de uma proposta de ensino voltada à construção de uma História
Integrada, especialmente preocupada com a valorização de identidades, rompe-se com a
separação entre História Geral, História do Brasil e História da América. A apresentação dos
conteúdos começa a permitir maiores cruzamentos e análises mais sincrônicas. Em princípio, o
objetivo do ensino de História da América passa a ser o de contribuir para a construção de
múltiplas identidades. Isso, porém, acarreta dois novos problemas: o da seleção de conteúdos e
o rompimento com uma matriz de explicação eurocêntrica da história do continente. Essa
preocupação tem pautado os debates em torno da formação dos currículos escolares até hoje.
Bittencourt destaca duas contribuições valiosas nesse sentido: a da Organização dos Estados
Ibero-Americanos (1993) que discute a necessidade de se enxergar e valorizar uma história
compartilhada dos povos ibero-americanos que integre Portugal, Espanha e os países da
América Latina que destaque os processos comuns que perpassam a história desses territórios
(p.12). E a segunda é do Comitê Educativo do Mercosul (1997) que também enfatiza a busca de
uma agenda que valorize temas comuns na história da América Latina (p.13).

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