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2a edição | Nead - UPE 2011

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

Azevedo, Luciano Taveira de

A994s Letras: Semântica e Pragmática/ Luciano Taveira de Azevedo. - Recife:


UPE/
NEAD, 2011.

60 p. il.

ISBN - 978-85-7856-059-1

1. Semântica 2. Sintaxe 3. Pragmática 4. Educação à Distância I.


Universidade de Pernambuco, Núcleo de Educação à Distância II. Título

CDU 415
Universidade de Pernambuco - UPE
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.
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Edição 2011
Impresso no Brasil - Tiragem 150 exemplares
Av. Agamenon Magalhães, s/n - Santo Amaro
Recife - Pernambuco - CEP: 50103-010
Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664
5

Semântica e
Pragmática
Prof. Luciano Taveira de Azevedo
Carga Horária | 60 horas

Ementa
Semântica da palavra, do texto e do discurso. Campos semânticos. Sinonímia,
antonímia e polissemia. A semântica do enunciado e da enunciação. As semânti-
cas estrutural e cognitiva. Sentido e referência. Enunciado e Enunciação. Semân-
tica e pragmática. Enfoque epistemológico dos conteúdos. Planejamento do en-
sino. Metodologia e recursos didático-pedagógicos. Avaliação de competências.

Objetivo Geral
Contribuir com a formação do aluno de Letras no que diz respeito à reflexão acer-
ca dos processos semânticos e pragmáticos envolvidos na construção do sentido.

Apresentação da Disciplina
Estimado(a) estudante,

Neste livro, apresentamos a você as definições, os conceitos centrais e um conjun-


to de fatos a que as disciplinas Semântica e Pragmática se aplicam. Não obstante
a pluralidade de definições a que a Semântica se presta, podemos defini-la, gene-
ricamente, como a ciência que estuda a significação. Sabemos que essa definição
é controversa e não dá conta dos fatos relativos ao sentido estudados dentro do
campo da Semântica. Como o objetivo do livro não é resolver as divergências e
controvérsias existentes no campo, mas dar uma noção geral dos conceitos basila-
res que orientam os estudos sobre o significado, preferimos abandonar essa ques-
tão e lançar mão da definição mais genérica. No que diz respeito à Pragmática
não é diferente, e poderíamos nos antecipar dizendo que a Pragmática é o estudo
da língua relativa aos usuários, ou seja, os falantes que se engajam em eventos
comunicativos concretos e colocam a língua em funcionamento. Trocando em
miúdos, podemos concluir dizendo que tanto a Semântica quanto a Pragmática
estão interessadas nos processos de significação, mas os investigam mobilizando
diferentes perspectivas teóricas.
Capítulo 1
Capítulo 1 7

Semântica:
Perspectivas Teóricas
Prof. Luciano Taveira de Azevedo
Carga Horária | 15 horas

Objetivos Específicos
• Apresentar ao aluno os conceitos basilares da semântica e da pragmática
linguística;

• Refletir acerca dos processos de construção do sentido a partir das perspecti-


vas teóricas concernentes aos campos teóricos da semântica e da pragmática;

• Possibilitar o conhecimento dos diversos recursos linguísticos agenciados na


produção de sentido.

Introdução
Caríssimo(a) estudante,

Durante este capítulo, apresentaremos os desenvolvimentos históricos e princi-


pais correntes teóricas da Semântica, campo da Ciência Linguística relacionado
ao estudo do significado. De início, faremos uma breve reflexão acerca da impor-
tância do estudo da Semântica, uma vez que a questão do sentido tem ganhado
centralidade em diferentes campos do saber, como a Psicologia, Psicanálise, So-
ciologia, Filosofia, entre outros. Em seguida, apresentaremos um pequeno excur-
so histórico da disciplina Semântica, a fim de darmos um panorama do caminho
percorrido pela disciplina até atingir o estatuto de ciência. Por fim, destrinchare-
mos as três linhas teóricas que se destacam nesse campo dos estudos sobre o sig-
nificado que são: a Semântica Formal, a Semântica Argumentativa e a Semântica
Cognitiva. Assim, esperamos possibilitar a você, estimado(a) estudante do Curso
de Letras, a compreensão do objeto da Semântica a partir da vertente teórica em
que está inserido. Bom estudo,

Profº Luciano Azevedo


8 Capítulo 1

1. Por Que Estudar Semântica?


Começamos com essa pergunta porque a questão VOCÊ SABIA?
do sentido é tão evidente para os usuários da lín- icado remonta à
O interesse pelo signif
e já podemos en-
gua portuguesa que o fato de transformá-lo em épocas muito antigas
., entre os estói-
objeto de estudo parece não se justificar. Desse contrar no século I a.C
da relação entre
modo, decidimos iniciar nossa conversa sobre cos, reflexões acerca
e co isa . Embora essa
signo, significado
a Semântica apresentando algumas motivações to parte das preo-
relação já tivesse fei
para seu estudo. Fazendo isso, não temos a pre- de Platão e Aris-
cupações filosóficas
est óicos que deram
tensão de convencê-los acerca da importância do tóteles, foram os
is sistemática ao
ensino-aprendizagem de uma disciplina cujo ob- uma configuração ma
e sua relação com
jeto de estudo é o sentido: objeto evidente nas problema da língua
ão do significado
o mundo. A quest
trocas mais cotidianas da produção de linguagem. reflexões de Santo
também ocupará as
) que desenvolve-
Antes disso, nossa pretensão caminha na direção Agostinho (354-430
bastante acurado
de motivá-los a partir do objetivo que lastreia a rá um pensamento
ão en tre sinal- significa-
própria Semântica e é compartilhado entre os se- acerca da relaç
do-referente.
manticistas. Esse objetivo não é outro senão ex-
plicitar os mecanismos envolvidos no processo de
produção do sentido.
Isso nos faz concluir que é a partir da escolha te-
Ilari e Geraldi (1990) afirmam que a semântica órica feita pelo semanticista que determinados as-
constitui um domínio de investigação de limites pectos dos processos de significação, e não outros,
movediços, de modo que a abordagem do sentido serão explicitados. Nós veremos como isso aconte-
é determinada pelo lugar teórico-metodológico no ce nos tópicos subsequentes.
qual o estudioso pisa. Assim sendo, o processo de
produção de sentido receberá explicações diferen- Partindo do que foi desenvolvido até aqui, pode-
tes porque diversos são os lugares de onde parte o mos refletir melhor acerca da importância dos es-
olhar do pesquisador. Nessa direção, tudos semânticos para a interpretação das diversas
linguagens. Um dos aspectos que prevalece acerca
as posições sobre o que é significado são inúmeras e ex- da importância dos estudos semânticos é oferecer
tremamente matizadas e vão desde o realismo dos que
ao falante ferramentas que possibilitem uma leitu-
acreditam que a língua se superpõe como uma nomencla-
ra mais acurada dos textos com os quais se depara.
tura a um mundo em que as coisas existem objetivamente,
até formas de relativismo extremado, segundo as quais é
Uma vez que os sentidos não estão dados nem há
a estrutura da língua que determina nossa capacidade de uma relação direta entre língua e mundo, a se-
perceber o mundo; desde a crença de que a significação de mântica nos auxilia na compreensão dos processos
uma expressão fica cabalmente caracterizada pela tradução envolvidos na construção dos sentidos produzidos
em outra expressão, até a crença de que qualquer tradução nas diversas práticas de interação verbal. Oliveira
é impossível e para compreender a significação de uma pa- (2001:11) justifica a relevância dos estudos em se-
lavra ou frase se exige a participação direta em atividades mântica formal dizendo que
de um determinado tipo (Ilari;Geraldi, 1990:6).
“a reflexão formal sobre o significado tem importância por-
Essa fala dos autores nos dá uma noção da di- que auxilia a formação do cidadão, independentemente de
versidade de definições que são atribuídas ao ele estar diretamente interessado na descrição de línguas
significado e de como essas definições pendu- naturais.”
lam entre uma visão que afirma que a língua
é uma etiqueta posta sobre as coisas do mun- Essa formação do cidadão a qual a autora se re-
do a outra que vê o significado como resul- fere encontra-se estreitamente ligada à interpreta-
tante de um processo que implica o engaja- ção dos textos, sejam eles verbais ou não-verbais,
mento do falante em atividades específicas. enquanto artefatos simbólicos que circulam social-
mente. Oferecendo um amplo repertório teórico
ao estudo do sentido, a semântica contribui efeti-
vamente para a construção de um cidadão crítico e
engajado no processo de construção social.
Capítulo 1 9

2.1. A Perspectiva Evolucionista


SAIBA MAIS!
As publicações fundadoras que lançam as bases
o esse traba-
“Vejamos um exemplo de com desse período incipiente da semântica são: As leis
sab emos intuiti-
lho de explicitar o que já
apli cad o em nosso coti- intelectuais da linguagem, escrito por M. Bréal em
vamente pode ser
diano: 1883. Essa publicação é considerada a “pedra fun-
damental” da disciplina semântica, uma vez que foi
30 anos de
(1) Aposentadoria: 65 anos e M. Bréal a usar pela primeira vez o termo semântica
serviço. como ciência do significado. A segunda publicação
no congres- também lança os alicerces para o desenvolvimento
Imagine que a lei aprovada
em (1). Nes sa situação: de um campo científico que tem como objeto o sig-
so seja a descrita
que vai se apo sen tar? Se você tem
quem é nificado: Der Deutsche Wortschatz im Sinnberzirk
iço, vai ter que
60 anos de idade e 40 de serv der Verstandes. Die Geschichte eines sprachlichen
o ano s par a se aposen-
trabalhar mais cinc
a o seu caso , a sen tenç a em (1) Feldes (O vocabulário alemão no campo semân-
tar. Logo, par
s de idad ee5
é falsa. (...)Se você tem 75 ano ar
tico do entendimento. A história de um campo
diga mos , par a torn
de serviço (registrado, linguístico). Escrito por J. Trier em 1931, a citada
l a situ açã o), entã o vai ter que
mais plausíve publicação trata dos campos semânticos.
se aposentar.
esperar o seu centenário para
s de idad e e de 30
Com menos de 65 ano
tam bém não se aposenta. A perspectiva evolucionista nasce da ruptura que
de trabalho, você
a pos sibi lida de de apo senta-
Logo, sua únic
ee
M. Bréal opera entre “a noção retórico-lógica de
ano s de idad
doria é ter, no mínimo, 65 ” mudança de sentido ao novo conceito de evolução
de 30 ano s de serv iço.
também um mínimo – elaborado por H. Spencer e C. Darwin por volta
Oliveira (200 1:13 -14 )
dos anos 1857-1859” (Tamba-Mecz, 2006:17). Ba-
seado nos pressupostos teórico-metodológicos das
ciências-piloto da época, a doutrina compartilhada
entre os semanticistas dessa época assentar-se-á so-
2. Caminhos da Semântica bre três pontos: i) A semântica tem por objeto o
estudo da “evolução” das significações nas línguas;
Entender os desdobramentos históricos de uma ii) essa evolução é comandada por “leis” gerais; iii)
disciplina – neste caso, a semântica – possibilita essas leis, próprias dos “fenômenos” semânticos,
situar os interesses dessa disciplina em relação ao devem ser extraídas da “observação” dos “fatos” de
passado, a fim de entendermos o seu estatuto atu- sentido (TAMBA-MECZ, 2006).
al e as perspectivas que abre para o futuro. Nesse
sentido, podemos circunscrever para a semântica Assim, interessa aos semanticistas ligados a essa
três correntes teóricas que nos dão um panorama corrente as leis intelectuais gerais que presidem as
bastante amplo dos objetos construídos dentro dos significações.
campos que se desenvolveram em torno da questão
do significado. São elas: 2.2. A Perspectiva Estrutural
1. a corrente da lingüística comparada de cunho
Ainda conservando aspectos do período anterior,
historicizante e evolucionista;
mas agora sob a influência da onda estruturalista
2. a corrente da linguística estrutural;
que se iniciou com a publicação do Curso de Lin-
3. a corrente da modelização das línguas.
guística Geral de Ferdinand de Saussure em 1916,
a semântica tem seus princípios revistos e coloca-
Conhecer esses movimentos e seus respectivos
dos sob um outro ponto de vista que é o da língua
quadros teóricos é compreender como a questão
como sistema que só conhece sua ordem própria
do significado foi tratado em determinada época e
(CLG, 2004). Esse deslocamento promove uma vi-
por correntes específicas; pensando esse caminho
rada na concepção de significado, pois
em seus momentos de confluência e ruptura em
relação às definições de significado e às formas de
em vez de considerar que a significação é uma propriedade
descrevê-lo. inerente às palavras e a seus ajuntamentos, mas cuja origem
e finalidade se encontram na atividade intelectual dos ho-
10 Capítulo 1

mens, identificou-se o sentido das relações internas a um siste- semântica que liga as palavras às coisas é a de ‘de-
ma que liga os diferentes elementos (Tamba-Mecz, 2006:27) nominar’” (Lyons, 1979:429). Daí surge a seguinte
(Grifos da autora). questão:

Nessa abordagem, o sentido resulta das relações es- a relação entre “palavra” e “coisa”
tabelecidas entre os signos no sistema da língua em denominada, ou melhor, entre “nomes”
seu estado sincrônico. Segundo Araújo (2004:35): e “coisas” é de origem natural ou convencional?
“os signos designam, isto é, querem dizer algo, significam,
Ainda segundo Lyons (1979), no desenvolvimento
porém não referem” (Grifo da autora).
da gramática tradicional tornou-se hábito distin-
guir entre o significado da palavra e a “coisa” ou
Ou seja, nessa perspectiva, a significação não pro- “as coisas” por ela “denominadas.” Nesse sentido,
vém de uma relação direta entre a palavra e a “coi- os estudos semânticos desenvolvidos pelos filóso-
sa” no mundo, mas decorre das relações opositivas fos gregos e que se encontram na base da gramá-
estabelecidas entre os signos linguísticos no inte- tica tradicional referem-se à relação entre “nome”
rior do sistema. ou “palavra” e “coisa” denominada. De acordo
com essa perspectiva de estudos semânticos, a pa-
2.3. O Período das Teorias Linguísticas lavra não refere, apenas nomeia, denomina. Há
uma relação direta, ou seja, termo a termo entre
Os três campos de trabalho que se encontram nes- “palavra” e “coisa.”
se período da história dos estudos semânticos se-
rão desenvolvidos mais detidamente nos próximos Se dermos um salto histórico e também episte-
sub-títulos e, por isso, optamos por uma apresenta- mológico, veremos que os formalistas Saussure e
ção breve desse período. Chomsky passam a questão significado/realidade
para os filósofos e afirmam que cabe à filosofia
O primeiro deles é denominado Semântica Formal e resolver as questões que envolvem a relação entre
seus princípios teórico-metodológicos estruturam- língua e mundo, “uma vez que a linguística de veio
-se entre 1963 e 1982 sob a influência da gramá- estruturalista ocupa-se com a designação (...) e não
tica gerativa desenvolvida pelo linguista america- com denotação” (Araújo, 2004, 57).
no Noam Chomsky. O segundo campo reúne os
trabalhos do linguista francês Oswald Ducrot e é Assentada na lógica aristotélica, ou seja, aquela de-
denominado Semântica Argumentativa. A terceira senvolvida pelo filósofo grego Aristóteles, a Semân-
orientação de estudos faz parte desse período e, tica Formal “descreve o problema do significado a
denominada de Semântica da Cognição, procura ex- partir do postulado de que as sentenças se estrutu-
plicar a questão do sentido por meio de processos ram logicamente” (Oliveira, 2006:19). De acordo
cognitivos. Esse segmento teve seu marco inaugu- com esse postulado de base aristotélica, algumas
ral com a publicação, em 1980, de Methaphors we relações de significado entre sentenças são autôno-
live by de George Lakoff e Mark Johnson. mas e se dão independentemente dos conteúdos
das sentenças. Veja o exemplo:
ATIVIDADE |
Leia o capítulo 2 (A significação linguística:
lugar e características dos sentidos na língua) Relação entre as proposições
do livro A semântica de Irène Tamba-Mecz (ver Premissa Todo homem é Todo o A é B
referência bibliográfica). Após a leitura atenta, maior mortal.
faça um breve resumo dos sub-títulos procu- Premissa Sócrates é homem. Todo o C é A
rando ater-se aos conceitos e ideias centrais. menor
Conclusão Logo, Sócrates é Todo o C é B
mortal.
2.3.1. A Semântica Formal

Como já dissemos em outro lugar, questões rela- Se considerarmos apenas as relações lógicas exis-
cionadas ao significado foram tratadas pelos filóso- tentes entre as premissas, chegaremos à conclusão
fos gregos do tempo de Sócrates e, posteriormente, independente do significado de homem ou mortal
Platão, entre outros. Para esses filósofos, “a relação e é por isso que essas relações são lógicas “ou for-
Capítulo 1 11

mais, porque podemos representá-las por letras va- A diferença entre as sentenças (A) e (B) só pode
zias de conteúdo, mas que descrevem as relações de ser explicada se distinguimos sentido de referência,
sentido” (Oliveira, 2006:20). pois, se por um lado, essas sentenças se referem ao
mesmo objeto, por outro lado, veiculam sentidos
Tomando como escopo as relações lógicas estabe- diferentes. Desse modo,
lecidas entre as sentenças, o lógico alemão Gottlob
Frege (1848-1925) abre caminho dentro do campo se o sentido é o caminho que nos permite alcançar a re-
da semântica para a reflexão sobre a distinção en- ferência, quando descobrimos que dois caminhos levam
tre sentido e referência (OLIVEIRA, 2001). à mesma referência, aprendemos algo sobre esse objeto,
sobre o mundo (Oliveira, 2006:21).
Essa distinção entre as noções de sentido e referên-
cia será indispensável para dar conta do problema Nessa direção, dizer sentido é dizer referência, pois
seguinte: aquele só nos permite conhecer algo se correspon-
de a uma referência, ou seja, o sentido possibilita
A. A estrela da manhã é a estrela da manhã. alcançarmos um objeto no mundo, mas é só a par-
B. A estrela da manhã é a estrela da tarde. tir da verificação das condições em que uma sen-
tença pode ser verdadeira que podemos avaliar se
De saída, queremos esclarecer que a referência de essa sentença é verdadeira ou falsa.
uma sentença tem a ver com seu valor de verdade,
ou seja, o verdadeiro ou o falso. Assim, acerca da
referência de uma sentença, Oliveira (2001:92) sa- SAIBA MAIS!
lienta que r a questão sentido/
Para entender melho
teórico fregeano, re-
referência no quadro :
a dos seguintes textos
comendamos a leitur
“dar significado a uma sentença é estipular em que condi-
ções ela é verdadeira.” F.;
ntica. In: MUSSALIN,
OLIVEIRA, R. P. Semâ ísti ca : do mí nio s
à Lingü
Voltemos ao problema colocado acima. Vamos BENTES. Introdução o Pa ulo : Co rte z,
ed . Sã
e fronteiras. vol. 2. 5.
pensar o seguinte: se o conceito de significado tem
2006.
a ver com o de referência, então as sentenças (A) -
ntica Formal: uma bre
e (B) são idênticas, pois se referem a um valor de OLIVEIRA, R. B. Semâ do de
inas: SP: Merca
verdade. Em (A), temos uma verdade óbvia, uma ve introdução. Camp
vez que o verbo ser estabelece que um objeto é Letras, 2001.
xto:
idêntico a si mesmo. Isso será sempre verdadeiro. Significação e conte
MOURA, H. M. M. ân tica e
estões de sem
No caso de (A), não há necessidade de verificar sua uma introdução a qu ula r, 20 06 .
polis: Ins
veracidade em relação ao mundo, pois aquilo que pragmática. Florianó
afirma independe dos fatos do mundo (Oliveira, ia.
sentido e a referênc
FREGE, G. Sobre o . Sã o Pa ulo :
2006:21). No entanto, em (B) temos uma senten- linguag em
Lógica e filosofia da
ça em que o verbo ser estabelece uma relação de Cultrix, 1978.
igualdade, de modo que a veracidade daquilo que
afirma deve ser verificada no mundo. Para Oliveira
(2001:94),

“essa sentença pode ou não ser verdadeira porque seu valor


de verdade (...) depende das circunstâncias e do mundo em ATIVIDADE |
que é proferida.” Para exercitar os conceitos de sentido e referên-
cia, proponho que diga qual a referência de: a
Se, após verificarmos, concluímos que a estrela da capital da Inglaterra, Londres, Londres é a capital
manhã denomina o mesmo objeto que denomina- da Inglaterra. Em seguida, descreva a cidade de
mos estrela da tarde, então aprendemos que a estrela Recife por meio de diferentes sentidos.
da manhã é a estrela da tarde e, assim, nosso conhe-
cimento sobre o mundo aumentou, pois agora po-
demos nos referir ao mesmo objeto – nesse caso, o
planeta Vênus - de duas maneiras diferentes.
12 Capítulo 1

2.3.2. A Semântica Argumentativa no mundo, a Semântica Argumentativa entenderá


que sentido e referência são construídos no pró-
O lingüista francês Oswald Ducrot, influenciado prio funcionamento da linguagem, de modo que
pelos estudos de Émile Benveniste1 no que diz res- não são objetos que se encontram fora dela, mas
peito à filosofia analítica e à vinculação do estudo ilusões criadas pelo próprio jogo da linguagem.
da linguagem ao quadro saussuriano e à enuncia-
ção, desenvolve uma reflexão sobre língua, enun- A partir dessa ruptura com o quadro teórico da
ciação e os processos semânticos envolvidos nos Semântica Formal, Ducrot assume outro ponto de
processos enunciativos. Assim, o linguista francês vista acerca do fenômeno da significação. Para ele,
afasta-se da abordagem dada pela Semântica For- a linguagem é um jogo de argumentação emara-
mal à questão do sentido, pois acredita que “usa- nhado em si mesmo, de modo que não falamos
mos a linguagem não para falar algo sobre o mun- sobre o mundo, conforme os princípios da Semân-
do, mas para convencermos nosso interlocutor a tica Formal, mas para construir um mundo e, a
entrar no nosso jogo argumentativo” (Oliveira, partir dele, tentar convencer nosso interlocutor da
2001:26). Embora Ducrot volte-se para os fenôme- nossa verdade (OLIVEIRA, 2006). Essa verdade é
nos relacionados à enunciação, sua abordagem é construída e legitimada pela própria cena produzi-
“fundamentalmente estrutural à medida que con- da por/em nossas interlocuções.
sidera que a língua é passível de uma análise lógica
diferente daquela que a reduz a operações de verda- Em O dizer e o dito (1987), Ducrot apresenta vários
de e falsidade” (Flores, 2008:63). conceitos cujo objetivo é fundamentar a ideia de
que é possível identificar diferentes representações
do enunciador no sentido do enunciado. Para che-
SAIBA MAIS! gar a essa ideia, ele começa diferenciando frase de
eito de enunciado enunciado. A frase seria do nível gramatical e de
Para entender o conc
crot, recomendo as domínio do gramático, enquanto que o enuncia-
e enunciação em Du
leituras: do seria a realização histórica da frase. A cada um
corresponderia um valor semântico determinado.
e o dito. Campinas:
DUCROT, O. O dizer Assim, o primeiro, denominado significação é atri-
Pontes, 1987. buído à frase; o segundo, chamado de sentido é atri-
IRA, M. Introdução buído ao enunciado e pertencente ao domínio dos
FLORES, V. N; TEIXE
ciação. São Paulo:
à Linguística da Enun acontecimentos (FLORES, 2008).
-71.
Contexto, 2008, p. 63
Nesse sentido, as representações dos enunciado-
res aparecem nos enunciados que são históricos e
Para Ducrot, a abordagem dada pela Semântica efetivamente realizados nas trocas comunicativas.
Formal ao estudo do significado é inadequada por- Esse aspecto da enunciação leva Ducrot a lançar
que situa a referência, ou seja, o conceito de verda- mão do conceito de polifonia, pois, de acordo com
de, fora da linguagem, pois o autor, um enunciado pode encerrar várias vozes.
O conceito de polifonia levará a outro, também
na Semântica Formal, a linguagem é um meio para alcan- basilar na Semântica Argumentativa, que é o da
çarmos uma verdade que está fora da linguagem, o que nos pressuposição. Sobre esse aspecto do sentido de um
permite falar objetivamente sobre o mundo e, consequen- enunciado, Ducrot argumenta que se a referência é
temente, adquirir um conceito seguro sobre ele (Oliveira, uma construção interna à linguagem, então a pres-
2006:27). suposição não remete a algo externo à linguagem,
mas é também construída no próprio jogo discur-
Afastando-se dessa perspectiva teórica que vê o sen- sivo relativo à encenação que a linguagem constrói.
tido como caminho para alcançarmos uma verdade

1
Lingüista e gramático, Émile Benveniste (1902-1976) desenvolveu, dentro da corrente estruturalista, a noção de enunciação e a definiu como a
apropriação da língua pelo locutor que a coloca em funcionamento. Pensando esse processo enquanto um aparelho formal de enunciação, reflete
sobre a função dos dêiticos pessoais (eu-tu) e dêiticos espaço-temporais (esse, este, aqui, amanhã etc) enquanto conjunto de marcas que envolvem
uma situação de enunciação. Segundo ele, esses parâmetros que estão implicados no processo enunciativo e que são descritos como o locutor, o
interlocutor, o lugar e o momento são construídos no interior da frase e sua natureza é estritamente lingüística.
Capítulo 1 13

“É porque falamos de algo que esse algo passa a ter sua 2.3.3. Semântica Cognitiva
existência no quadro criado pelo próprio discurso”, diz
Oliveira (2006:28). George Lakoff e Mark Johnson são os teóricos que
lançaram, em 1980, os alicerces conceituais da Se-
mântica Cognitiva a partir da publicação de Meta-
VOCÊ SABIA? phors we live by. Esse campo dos estudos semânticos
resenta as primeiras
re- postula que o significado é que é central nos tra-
Em 1969, Ducrot ap pre ssu po siç ão . balhos sobre a linguagem. Essa afirmação vai de
nceito de
flexões acerca do co zid o
o enunciado produ encontro à abordagem gerativa que elege a sintaxe
De acordo com ele,
po de ser desdobrado em dois
por um locutor como central nos estudos linguísticos. Embora re-
asserção (posto) e ato
atos ilocutórios: ato de r- cente, a Semântica Cognitiva conta hoje com vá-
essuposto). O posto co
de pressuposição (pr cia do , de rios pesquisadores que investigam vários níveis de
á dito no enun
responde ao que est a-
mp etê nc ia do locutor que, atr análise da linguagem. Além da centralidade dada
exclusiva co o do dis cu rso :
rea liza çã
vés dele, garante a e o faz ao estudo do significado, os pesquisadores desse
s se encadeiam
as novas informaçõe lo- campo asseveram que a forma é proveniente do
o pre ssu posto possibilita ao
progredir. Já o, rec orr en do significado e não o contrário, como pensam os for-
mente alg
cutor dizer implicita ret are mo
jun tos , int erp malistas. Essa mudança estabelecida pelos seman-
ao interlocutor para,
1999). ticistas cognitivos inscreve a Semântica Cognitiva
que foi dito (GUERRA,
na perspectiva de estudos linguísticos denominada
funcionalismo.
Antes de finalizar este tópico, reiteramos o fato de
que um enunciado se constitui de vários enuncia- Se, para a Semântica Cognitiva, os significados
dores que, por sua vez, constroem o quadro que emergem da nossa relação sensório-corpórea com
institui o espaço discursivo onde o(s) sentido(s) se o mundo, então pensar, dentro desse quadro te-
constitui(em). Assim, ao enunciarmos, colocamos órico, em uma relação de correspondência direta
em cena vários enunciadores, cujas vozes dialogam entre linguagem e mundo torna-se inviável. Desse
no sentido de levar o ouvinte a aceitar essas vozes modo, a Semântica Cognitiva afasta-se de uma vi-
que se encontram pressupostas no enunciado, de são de significado que se baseia na referência e na
modo que possamos convencê-lo da nossa verdade. verdade. Nessa perspectiva, “a significação lingüís-
Vejamos como isso acontece: tica emerge de nossas significações corpóreas, do
movimento dos nossos corpos em interação com o
Maria parou de fumar. meio que nos circunda” (Oliveira, 2006:34).
E¹: Maria fumava.
E²: Maria não fuma mais2.
VOCÊ SABIA?
Essa enunciação põe em jogo dois enunciadores: o
s ditas formalistas vã
um que diz que Maria fumava e refere-se àquilo que Formalismo: as teoria ob jet o de in-
ística como
se encontra pressuposto no enunciado e outro que eleger a forma lingu
em de trim ento da função. Nessa
vestigação s
diz que Maria não fuma mais e tem a ver com o pos- ntram-se os trabalho
vertente teórica, enco Ch om sky .
to. Desse jogo discursivo, estabelece-se o quadro sure e Noam
de Ferdinand de Saus
enunciativo que sustenta o(s) sentido(s) possível(is) m-
nte teórica que co
para um enunciado. Funcionalismo: verte qu e, sem
s de linguistas
preende os trabalho
ns ide rar a forma em suas in-
deixar de co da
ATIVIDADE | prioridade à função
vestigações, deram o. Ins -
concretas de us
Pesquise e elabore um quadro com os concei- língua em situações ric os co mo
rspectiva, teó
tos centrais da teoria da Semântica da Argu- crevem- se nessa pe
Ha llid ay e Ro man Jakobson.
mentação: Locutor, Enunciado, Enunciador, Michael
Polifonia, Pressuposição e Argumentação.

2
Exemplo extraído do livro Introdução à lingüística: domínios e fronteiras organizado pelas professoras Fernanda Mussalim e Anna Christina Bentes.
14 Capítulo 1

Agora vamos entender melhor como trabalha a Viajei de Recife a Surubim.


Semântica Cognitiva. Segundo essa vertente dos
estudos semânticos, os significados estão ancora- De acordo com a proposta teórica de Lakoff, o
dos nas experiências sensório-motoras que fazemos que dá sentido a essa sentença não é sua relação
do mundo. Por exemplo, a criança, no período de direta com o mundo, mas o esquema imagético
aquisição, assimila esquemas relacionados à noção CAMINHO. É essa memória - que tem a ver com
de espaço ao se movimentar em direção a determi- o movimento - que sustenta o sentido da referida
nados alvos. Esse esquema, sentença. O significado nem é uma questão da re-
lação da língua com o mundo nem dos enuncia-
que surge diretamente de nossa experiência corpórea com dos entre si, mas de cognição. Logo, o que dá sen-
o mundo, ancora o significado de nossas expressões lin- tido às nossas palavras são os esquemas cognitivos
guísticas sobre o espaço. Assim sendo, o significado linguís- que se estruturam na relação que estabelecemos
tico não é arbitrário, porque deriva de esquemas sensório-
com o mundo.
-motores. São, portanto, as nossas ações no mundo que
nos permitem apreender diretamente esquemas imagéticos
espaciais e são esses esquemas que dão significado às nos- ATIVIDADE |
sas expressões linguísticas (Oliveira, 2006:34). Pesquise sobre os esquemas RECIPIENTE
e BALANÇO dentro do quadro teórico de
A esse esquema relacionado a deslocamentos espa- Lakoff e entenda melhor sua proposta teórica
ciais, os semanticistas cognitivos nomearão CAMI- acerca do sentido.
NHO. Daí a produção de sentidos em sentenças
como:

RESUMO
Nesse primeiro capítulo, nossa intenção foi apresentar a você, querido estudante, os percur-
sos históricos envolvidos na construção de um objeto de estudos: o significado. Com essa
finalidade em mente, desenvolvemos um roteiro de estudo que permitisse, dentro do espaço
reservado a este capítulo, a apropriação das bases históricas que precederam o desenvol-
vimento dos estudos sobre o significado numa perspectiva das teorias linguísticas que se
destacam no cenário dos estudos sobre a língua(gem). Assim, passamos do conhecimento
histórico da disciplina Semântica aos campos epistemológicos que definiram diferentes pon-
tos de vista para dar conta do fenômeno da significação e daí podemos apresentar as três
abordagens teóricas (Semântica Formal, Semântica Argumentativa e Semântica Cognitiva)
que se destacam no campo dos estudos do significado. No próximo capítulo, analisaremos
diferentes fenômenos relacionados ao sentido das sentenças, de modo que passaremos de
um conhecimento teórico à aplicabilidade desse conhecimento em análises de sentenças
variadas. Assim procedendo, acreditamos estar em consonância com aquilo que o curso
propõe: criar situações de aprendizagem das noções gerais relativas à Semântica.

REFERÊNCIAS GUERRA, V. M. L. A pressuposição no jogo po-


lifônico e argumentativo do discurso político.
ARAÚJO, I. L. Do signo ao discurso: introdução Disponível em: http://rle.ucpel.tche.br/php/
à filosofia da linguagem. São Paulo: Parábola edicoes/v2n2/C_guerra.pdf
Editorial, 2004.
ILARI, R.; GERALDI, J. W. Semântica. 4. ed. São
FLORES, V. N; TEIXEIRA, M. Introdução à Lin- Paulo: Editora Ática, 1990.
guística da Enunciação. São Paulo: Contexto,
2008. LYONS, J. Introdução à linguística teórica. São
Capítulo 1 15

Paulo: Ed. Nacional: Ed. da Universidade de


São Paulo, 1979.

OLIVEIRA, R. P. Semântica. In: MUSSALIN, F.;


BENTES. Introdução à Lingüística: domínios
e fronteiras. vol. 2. 5. ed.São Paulo: Cortez,
2006.

OLIVEIRA, R. B. Semântica Formal: uma breve


introdução. Campinas: SP: Mercado de Letras,
2001.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística


Geral. 26. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.

TAMBA-MECZ, I. Semântica. São Paulo: Pará-


bola Editorial, 2006.
2
Capítulo 2 17

Semântica:
Conceitos Fundamentais
Prof. Luciano Taveira de Azevedo
Carga Horária | 15 horas

Ementa
Semântica da palavra, do texto e do discurso. Campos semânticos. Sinonímia,
antonímia e polissemia. A semântica do enunciado e da enunciação. As semânti-
cas estrutural e cognitiva. Sentido e referência. Enunciado e Enunciação. Semân-
tica e Pragmática. Enfoque epistemológico dos conteúdos. Planejamento do en-
sino. Metodologia e recursos didático-pedagógicos. Avaliação de competências.

Objetivos Específicos
• Apresentar ao aluno os conceitos basilares da semântica e da pragmática
linguística;

• Refletir acerca dos processos de construção do sentido a com base nas perspec-
tivas teóricas, concernentes aos campos teóricos da semântica e da pragmática;

• Possibilitar o conhecimento dos diversos recursos linguísticos agenciados na


produção de sentido.

Introdução
Caro(a) estudante,

Num primeiro momento dos nossos estudos de Semântica, privilegiamos o co-


nhecimento acerca do percurso histórico que definiu um objeto de investigação
para a Semântica e os desdobramentos teóricos que a disciplina sofreu após a
delimitação do seu objeto: a significação. Neste segundo capítulo, procuraremos
abordar alguns fatos que envolvem reflexões e problemáticas acerca da significa-
ção. Desse modo, não nos preocuparemos em eleger uma teoria, entre outras,
para tratar esses fatos, mas traremos contribuições de diferentes teorias que não
serão especificadas ao longo do trabalho, de modo que o tratamento das questões
que envolvem o sentido receberá contribuições de teorias que se encontrarão di-
luídas na abordagem dessas questões. Além disso, este capítulo tem a pretensão
de trazer reflexões que ajudem na construção de um estudante capaz de repensar
os modelos semânticos estabelecidos pela Gramática Normativa, a fim de proble-
18 Capítulo 2

matizar modelos de apresentação dos fatos semân- (admitamos, por enquanto, a legitimidade destas) num
ticos. Desse modo, esse estudo passa pela forma dado contexto concreto. Para ele, o centro de gravidade
linguística e usos dessas formas em contextos es- da língua não reside na conformidade à norma da forma
utilizada, mas na nova significação que essa forma adquire
pecíficos que determinam os processos comunica-
no contexto.
tivos e seus respectivos efeitos de sentido. Assim
procedendo, o estudante interessado nos processos
A reflexão bakhtiniana sobre a linguagem e a reali-
de significação abrirá caminhos que não se aterão
zação dela partem desse lugar que traz na esteira da
apenas à forma linguística descontextualizada e
sua formulação o contexto e os sujeitos envolvidos
sem vínculo com a situação concreta de uso da lín-
na situação enunciativa. É no fluxo da comunica-
gua, mas percorrerá aqueles caminhos que tomam
ção discursiva que a língua se realiza sob a forma de
a língua em seus aspectos formais e enunciativos.
enunciados concretos e os sentidos se atualizam.
É com esse propósito que abrimos o segundo ca-
pítulo deste livro, de modo que convidamos você,
Embora a Semântica se ocupe da análise linguísti-
caro estudante, a caminhar conosco, imbuído de
ca, referida aos processos de produção de sentidos,
um espírito reflexivo e disposto a debruçar-se sobre
procuramos antecipar reflexões que incluam a si-
as questões que envolvem a produção de sentidos.
tuação de comunicação que envolve e determina
esses processos.
Prof.º Luciano Azevedo

1. Sinonímia e Paráfrase SAIBA MAIS!


nsamento do filósofo
Para conhecer o pe
-1975), indico a lei-
O repertório lexical que determinadas línguas natu- Mikhail Bakhtin (1895
rais dispõem permite que o falante utilize palavras tura dos livros:
ou expressões no lugar de outras sem que o sentido ética da criação ver-
BAKHTIN, Mikhail. Est .
: Martins Fontes, 2006
sofra alterações. Entretanto, nenhuma língua utili- bal. 4. ed. São Paulo
za duas palavras ou expressões para dizer a mesmís- LOSHINOV, V. Marxi
s-
sima coisa. Isso representaria um desperdício, uma BAKHTIN, M. M.; VO : pro ble ma s
guagem
mo e filosofia da lin cio lóg ico na
vez que teríamos à disposição palavras e expressões tod o so
fundamentais do mé
. 10. ed. São Paulo:
que teriam sempre o mesmo sentido em qual- ciência da linguagem
quer contexto de realização (FERRAREZI, 2008). Hucitec, 2002.
agem e diálogo: as
FARACO, C. A. Lingu
Desse modo, palavras sinônimas são aquelas que Círculo de Bakhtin.
ideias linguísticas do
podem ser substituídas por outras, de maneira que Editorial, 2009.
São Paulo: Parábola
o sentido permaneça basicamente o mesmo, ou :
e o Círculo. São Paulo
seja, palavras que mantêm semelhança de sentido. BETH, Brait. Bakhtin
Isso não significa dizer que as palavras sinônimas Contexto, 2009.
têm o mesmo sentido em todo e qualquer contex-
to comunicativo, mas que mantêm entre si uma
relação de sentido que não é determinada apenas
pela forma linguística, uma vez que o contexto é A descrição das relações de sentido estabelecidas
imprescindível quando consideramos processos de pela substituição de uma palavra por outra deve
significação. Assim, a relação de sentido não deve considerar as relações que se estabelecem no ní-
ser referida apenas à forma linguística estruturada vel da forma/estrutura e da função/enunciação
em frases ou orações, mas ao contexto comunicati- de uma língua dada. Com base nisso, podemos
vo que determina os sentidos possíveis de uma pa- reconhecer relações de sentido entre construções
lavra em processos enunciativos concretos. O pen- gramaticais e efeitos de sentido originados em con-
sador russo Mikhail Bakhtin (2006:271) declara: textos enunciativos (ILARI; GERALDI, 1990).

Na realidade, o locutor serve-se da língua para suas neces-


sidades enunciativas concretas (para o locutor, a constru-
ção da língua está orientada no sentido da enunciação da
fala). Trata-se, para ele, de utilizar as formas normativas
Capítulo 2 19

VOCÊ SABIA?
“sinonímia imos quando
mos são ditos sinôn
du as ac ep çõ es dif erentes: ou dois ter do iso lad o (para uma
A sinonímia pode ter ao ou tro num único enuncia os
de se substitu íre m um mos são ditos sinônim
têm a possibilidade im os é en tão im po rtante), ou os dois ter tão , nã o exi ste m
de sinôn contextos. En
palavra dada, a lista sã o int erc am biáveis em todos os em po rtu gu ês, em
qu an do r exemp lo,
(sinonímia absoluta) línguas funcionais (po mplos
rda de iro s sin ôn im os senão entre duas ura po pu lar ofe recem numerosos exe
ve fic a e a no me nc lat do e só se em-
ura cientí mesmo referi
zoologia, a nomenclat dis so , du as un idades podem ter o ag ua rde nte , ma s
a). Alé m dúvida, um copo de
de sinonímia absolut de pin ga é, sem un ida de s
diferentes: o copo s restrições que há
poucas oport
pregar em contextos tro de pe nd e de tai ltu ral . É ma is
ou de ou sociocu
o aparecimento de um os em conta o contexto
em fac ilm en te int ercambiáveis se tiverm tor na r-s e-á , as sim , simplesmente a
de eles ser on ím ia; ela
que se pode falar de sin em substituíveis umas
em termos de graus de ter em o me sm o significado e de ser
des do léxico a ou não, total ou nã
o. [...]
tendência das unida de, então, ser complet
s. A sin on ím ia po
pelas outra tido (hiponímia,
ma is qu e as outras relações de sen oo
e do contexto, mu ito ito bem exprimir tud
A sinonímia depend , ind isp en sá ve l à língua. Poder-se-ia mu
é, contudo 56)
antonímia). Ela não ois et alii, 2006:555-5
tem qu e diz er sem sinônimos. [...]” (Dub
que se

Para entender melhor a sinonímia, vejamos um exemplo:


Leia o e-mail abaixo:

Fonte: Cereja W.; Magalhães T. Gramática Reflexiva: texto, reflexão e uso. São Paulo: Atual, 2004
20 Capítulo 2

Esse e-mail apresenta palavras ao longo do texto A relação de semelhança entre os sentidos dessas
que substituem Mirella, destinatária da mensagem. palavras é clara, mas isso só é possível dentro do
São elas: menina, garota, criança, jovem e mulher. Em- contexto específico do poema. Certamente em
bora algumas palavras denotem aspectos distintos outro contexto comunicativo, não seria possível
do referente (p. ex., jovem e mulher aproximam-se fazer a substituição da palavra menino por pulga,
mais da figura adulta, enquanto menina, garota Hércules, Sansão vencedor e peito de aço, de maneira
e criança da figura infantil), essas palavras têm o que a substituição de menino por todas essas pala-
mesmo referente, ou seja, Mirella. Podemos, então, vras e expressões sem que haja prejuízo de sentido
concluir que essas palavras (menina, garota, criança, só é possível considerando o contexto construído
jovem e mulher) são sinônimas, uma vez que substi- pelo próprio poema. Apenas fazendo referência
tuem Mirella sem prejuízo de sentido. Esse é um e mobilizando os conhecimentos relacionados às
caso típico de sinonímia lexical. Esse tipo de sinoní- situações e comportamentos vivenciados por uma
mia ocorre no nível do léxico e pode ser verificada criança é possível aproximar sentidos como os de
entre pares de palavras cujos significados são seme- menino e mosca. A sinonímia, nesse poema de Pe-
lhantes. É o que acontece entre as palavras secar e dro Bandeira, também se dá no nível do léxico,
enxugar, por exemplo. Vamos analisar outro texto. mas, para estabelecermos as relações de sentido
entre as palavras sinônimas, é imprescindível mo-
Identidade bilizarmos uma série de elementos contextuais que
tornam possíveis essas relações.
Às vezes nem eu mesmo
Sei quem sou. A paráfrase é uma relação de semelhança de sen-
Às vezes sou tido entre frases, de modo que “certas expressões
“o meu queridinho”, possam ser substituídas por outras, comprometen-
Às vezes sou
do um pouco mais o sentido geral do texto, mas
“moleque malcriado”.
Para mim sem alterar a coisa representada (...), ou seja, o refe-
Tem vezes que eu sou rei, rente” (Ferrarezi, 2008:157).
Herói voador,
Caubói lutador, Palavras sinônimas podem servir de base para o
Jogador campeão. estabelecimento das relações parafrásticas. Essas
Às vezes sou pulga, relações, como a sinonímia, devem ser analisadas
Sou mosca também, levando em consideração a forma da expressão e
Que voa e se esconde o contexto de uso em que são realizadas. Ainda
De medo e vergonha. segundo Ferrarezi (2008:160),
Às vezes eu sou Hércules,
Sansão vencedor,
embora, quando usamos paráfrases, se mantenha o mesmo
Peito de aço,
referente representado, uma das peculiaridades desse tipo
Goleador!
de substituição é a de que novos aspectos desse referente
Mas o que importa
passam a ser enfocados e isso pode alterar bastante o sen-
O que pensam de mim?
tido geral do texto. Inclusive, algumas vezes, pode-se usar
Eu sou quem sou,
desse expediente, de propósito, para ressaltar característi-
Eu sou eu,
cas positivas ou negativas de algo ou alguém que está sendo
Sou assim,
representado.
Sou menino.
(Pedro Bandeira. Cavalgando o arco-íris. São Paulo.
São Paulo: Moderna, 1993.) As relações de paráfrase vão bem além do exemplo
apresentado abaixo, uma vez que dizemos e produ-
O eu-lírico do poema de Pedro Bandeira pode zimos sentidos valendo-se de dizeres anteriormente
ser identificado como uma criança, um menino. produzidos, ou seja, com base no já-dito. Assim sen-
Esse eu-lírico, ao longo do poema, descreve as ma- do, não podemos falar em textos e em sentidos des-
neiras como é visto pelos outros de acordo com providos de relação com outros textos e sentidos
o comportamento que apresenta. Desse modo, “o historicamente produzidos. A relação parafrástica
meu queridinho”, “moleque malcriado”, heroi voador, é constitutiva da linguagem e os textos que produ-
cauboi lutador, jogador campeão, entre outras quali- zimos sempre encontram outros textos nos quais se
ficações, possuem o mesmo referente: o menino. assentam. Vamos ao exemplo.
Capítulo 2 21

A Cidade de Garanhuns 2. Hipônimo e Acarretamento


A Suíça pernambucana. Observe este conjunto de sentenças:
A cidade cercada por sete colinas.
A terra de Simôa Gomes. a. Colhi flores ao longo do caminho.
A cidade onde o Nordeste garoa. b. Colhi orquídeas ao longo do caminho.

Nesse exemplo, em todas as sentenças, estamos A relação de sentido entre as sentenças é resultado
falando do mesmo referente: a cidade de Gara- da relação de acarretamento ou consequência que
nhuns. Isso estabelece entre essas sentenças uma se estabelece por meio das palavras flores e orquí-
relação de paráfrase, uma vez que o referente per- deas. Assim, o falante que afirma a não terá pro-
manece o mesmo em todas elas. Nessas sentenças, blemas em aceitar a verdade apresentada em b. Ele
foram ressaltados aspectos positivos dessa cidade e a aceita necessariamente. Em Moura (2006:15),
apresentadas novas informações acerca do referen- lemos:
te. Embora o referente seja o mesmo em todas as
sentenças, as novas informações alteram o sentido “a definição de acarretamento é a seguinte: se uma propo-
das frases, mas não o referente. É isso que, a prin- sição a implica uma proposição b, isso significa que se a é
cípio, determina uma relação parafrástica. verdadeira, então b é necessariamente verdadeira.”

ATIVIDADE | No exemplo acima, essa relação é possível porque


Atente para o par secar/enxugar. Esse par é flores e orquídeas encontram-se inseridas num
normalmente usado como sinônimo, de modo mesmo campo de significados.
que nas frases “Eu sequei a louça.” e “Eu en-
xuguei a louça.” não há dúvida quanto à seme- Essa relação de sentido entre as palavras flores e or-
lhança de significado existente entre esse par, quídeas é denominado de hiponímia. A Semântica
de modo que uma pode ser usada pela outra entende por palavras hipônimas aquelas que per-
sem prejuízo de sentido. Agora vejamos o se- tencem ao mesmo campo semântico, por exemplo:
guinte: na frase “Após revisão, enxuguei o tex-
to.” a palavra enxugar deixa de estabelecer uma A Florista
relação de sinonímia com a palavra secar, de
maneira que você não poderia dizer “Eu sequei Na loja de flores
o texto.” e esperar que o ouvinte atribua o mes- orquídeas, margaridas,
mo sentido a essas palavras. cravos, rosas e camélias.
Azuis, vermelhas e amarelas,
varrem para longe
Disso, podemos concluir que a sinonímia é um
o tédio da tarde.
fenômeno que não deve ser analisado levando
em consideração apenas a forma das palavras. É o campo que invade
É imprescindível relacionar a forma linguística esse pequeno espaço
ao contexto de uso, a fim de decidirmos pela com suas aquarelas.
semelhança ou não de sentidos existentes en-
tre as palavras. Para a florista
as flores são como beijos
Pensando nisso, formule frases (com base na são como filhas,
lista abaixo) em que essas palavras funcionem são como fadas disfarçadas.
como sinônimas e frases em que elas não fun- (Roseana Murray, 1990:38)
cionem como sinônimas.
O eu-lírico, nesse poema, expressa a alegria trazi-
a. firme/sólido da pelas flores que representam um pedacinho do
b. dar/oferecer campo a expulsar o tédio característico do espaço
c. cão/cachorro urbano. Na primeira estrofe do poema, o eu-lírico
d. feliz/contente utiliza-se de uma forma mais geral, flores e, em se-
e. difícil/complicado guida, emprega formas específicas, como orquídeas,
f. belo/bonito margaridas, cravos, rosas e camélias. As relações de
22 Capítulo 2

sentido entre as formas específicas e a forma geral


são dadas pela pertença dessas palavras ao mesmo
campo semântico, qual seja, o das flores. Isso faz SAIBA MAIS!
erência, referenciação
das orquídeas, margaridas, cravos, rosas e camélias hi- Os termos coesão, co ma
são empregados nu
pônimas de flores. Estabelecer essas relações de sen- e progressão textual ud o do tex to e
ra o est
tido quando processamos a leitura de um texto é disciplina voltada pa ísti ca : a
bárea da Língu
que constitui uma su ess es ter mo s,
fundamental para sua compreensão, uma vez que rofunde
Linguística Textual. Ap -
formas hiperônimas (flores) podem ser retomadas mo ou tro s im po rtantes para o enten
bem co a pro -
s que envolvem
ao longo do texto por formas hipônimas (orquíde- dimento dos processo ca pít ulo s:
os seguintes
as, margaridas, cravos, rosas, camélias), de modo a dução textual, lendo
conferir coesão e coerência ao texto. ando os segredos do
KOCH, I. V. Desvend 1-
: Cortez, 2006, p. 12
texto. 5 ed. São Paulo
132.
VOCÊ SABIA? dução textual, análise
MARCUSCHI, L. A. Pro
nsão. São Paulo: Pará-
mo cuja significação de gêneros e compree
“Hiperônimo é o ter p. 93-139.
inclui o sentido (ou os
sentidos) de um ou bola Editorial, 2008,
mos chamados hi-
de diversos outros ter
do nome da parte de
pônimos. O sentido
do sentido do todo
um todo é hipônimo
nimo. Assim, animal
que é o seu hiperô ATIVIDADE |
cã o, gato, burro etc.”
é o hiperônimo de Levando em consideração o que foi exposto
:323).
(Dubois et alii, 2006
acerca de palavras hipônimas e hiperônimas,
construa pequenos textos com bases nas pala-
vras hiperônimas elencadas na relação abaixo.
O texto jornalístico abaixo exemplifica o uso de hi- Lembre-se de que os hipônimos cumprem um
pônimos e hiperônimos na construção do texto e papel importante na construção dos textos,
suas implicações para o processo de compreensão. pois conferem coesão a eles, garantindo seu
O jogo que o autor realiza ao usar palavras per- encadeamento lógico e evitando repetições.
tencentes ao mesmo campo de sentido permite a
retomada de referentes, de modo a evitar repetição a. festa
de palavras e garantir a coesão textual. Além disso, b. dinheiro
o autor especifica a variedade de plantas (caxeta, c. falta de dinheiro
guapuruvu, palmito juçara) e animais (papagaio-de-
-cara-roxa, guará, macacos burgio e mono-carvoei-
ro, onça-pintada, mero, tartaruga-marinha-verde) 3. Sentidos Implícitos:
presente na região do Lagamar e torna o texto mais
interessante, dinâmico e digno da credibilidade do
Pressuposto e Implicatura
leitor. Essas retomadas ao longo do texto permitem
Os sentidos produzidos em situações de comunica-
acessar o mesmo referente por meio de diferentes
ção verbal pelos falantes de uma língua dada não
sentidos. O uso adequado desse mecanismo é fun-
se esgotam na organização estrutural dessa língua,
damental para a construção da progressão textual.
ou seja, nem tudo que dizemos encontra-se explíci-
to nas palavras da língua. Se assim fosse, se a cada
Lagamar tem espécies raras e ameaçadas
interação verbal tivéssemos que explicitar para nos-
so interlocutor tudo o que não está dito em nossas
Graças à variedade de plantas já registradas na re-
palavras, o investimento linguístico num processo
gião (cerca de 1.200, incluindo espécies caracterís-
de comunicação verbal seria desgastante, prolixo
ticas como a caxeta, o guapuvuru e o palmito juçara),
e, talvez, impossível. Dito isso, podemos afirmar
o Lagamar é uma das regiões de maior diversidade
que nem tudo está dito nas sequências verbais que
de aves do planeta. Abriga também animais raros e
produzimos em nossas interações, de modo que o
ameaçados como papagaio-de-cara-roxa, guará, maca-
sentido dos textos que produzimos em toda e qual-
cos burgio e mono-carvoeiro (maior primata das Amé-
quer situação de comunicação dependem daquilo
ricas), onça-pintada, mero, tartaruga-marinha-verde,
que está implícito em nossas palavras e que podem
entre outras.[...]
Capítulo 2 23

ser acessados por meio do conhecimento de mun- Nessas duas sentenças, a análise passa por dois
do, do contexto, da situação de comunicação etc. níveis: o primeiro diz respeito ao posto, ou seja,
Ferrarezi (2008:174) diz que àquilo que está explícito no enunciado e aponta
para o sentido literal das palavras que o compõem.
compreender integralmente os sentidos possíveis em uma Desse modo, em a somos informados de que João
língua engloba, também, ser capaz de compreender o sen- parou de fumar e em b de que Maria quebrou o
tidos implícitos, aqueles que vão além do que foi aberta- vaso. Num segundo nível, a enunciação de a e b im-
mente dito e também como somos capazes de suscitar esses
plicam a consideração de outras informações que
implícitos usando uma língua natural.
não estão ditas literalmente nos enunciados, mas
podem ser inferidas valendo-se dessas sentenças.
Atualmente esse princípio da implicitude que de- Nesse sentido, inferimos de a que Pedro fumava
termina os sentidos representa um consenso entre antes e de b que o vaso está quebrado.
os estudiosos da linguagem e parece não haver dis-
cordâncias em relação a esse aspecto constitutivo Assim, denominamos, de acordo com Ducrot
dos processos de significação. É comum encontrar- (1987), de conteúdo posto a informação literal das pa-
mos nos manuais de linguística que tratam do as- lavras de uma sentença, e de conteúdo pressuposto ou
sunto: nem tudo está dito no dito. O que, à primeira pressuposição as informações a serem inferidas com
vista, parece uma tautologia representa uma ideia base na própria sentença. Dito isso, podemos con-
compartilhada e consensual entre os estudiosos da cluir que o conteúdo posto depende do conteúdo
linguagem. Assim, algumas informações podem pressuposto, ou seja, aceitar a verdade do posto im-
ser inferidas valendo-se da sentença por meio de plica aceitar a verdade contida no pressuposto. A fim
um raciocínio baseado na própria sentença ou por de esclarecer melhor, citamos Ferrarezi (2008:174):
meio de um trabalho orientado pela situação co-
municativa. Só para ilustrar, imaginemos a seguin- Quando eu digo “O carro da sua mãe quebrou.”, além de
te situação: minha afirmação sobre a quebra do carro, eu estou “dizen-
do” mais algumas coisas que são necessárias para a com-
Um casal de namorados encontra-se num restaurante preensão da frase ou que dela decorrem. Algumas delas
para comemorar o noivado. Enquanto o garçom serve parecem bem claras:
a mesa, a moça o chama e diz: 1. “Você tem mãe”;
- Tem uma mosca no meu prato. 2. “Sua mãe possui um carro”;
3. “Carros são do tipo de coisas que quebram.”
O garçom retira o prato e leva para a gerência avaliar
a situação.
Se o pressuposto é inferido valendo-se do sentido
Atente para o fato de que a moça não precisou literal das palavras, a implicatura é “um tipo de
dizer tudo ao garçom, pois o contexto permitiu inferência pragmática, baseada não no sentido
que ele fizesse uma “leitura” daquilo que não es- literal das palavras, mas naquilo que o locutor
tava dito no enunciado da moça. De acordo com pretendeu transmitir ao interlocutor” (Moura,
o conhecimento que temos desse tipo de situação, 2006:13). Para entender a implicatura, pensemos
sabemos que, quando chamamos a atenção do gar- na seguinte situação:
çom de um restaurante para uma mosca caída no
prato, na verdade, não queremos apenas mostrar
Fonte: http://sallinos.blogspot.com/2009/08/angeli.html

que há uma mosca em nosso prato, mas pedir pro-


vidências. É a situação que permite esses outros
sentidos serem “ouvidos” pelos interlocutores in-
seridos num processo comunicativo.

Na esteira dos fenômenos ligados aos implícitos,


encontramos o pressuposto e a implicatura. Vamos
começar refletindo acerca do pressuposto toman-
do-se por base as sentenças abaixo:

a. João parou de fumar.


b. Maria quebrou o vaso.
24 Capítulo 2

Na charge acima, o enunciador não produz o texto com a intenção de que o entendamos literalmente. Se
assim o fosse, a charge perderia sua função social que é promover uma reflexão acerca de uma situação
social, política, econômica etc, com base nos sentidos implícitos ao texto. Quando o enunciador põe em
cena pai e filho conversando sobre um morro que está prestes a desabar e vivendo em condições subu-
manas, ele não pretende afirmar a crença de que extraterrestres são seres detentores de uma inteligência
superior a dos humanos. Não é essa a sua intenção. Nesse texto, a linguagem verbal e não-verbal dialogam
e constroem o sentido do texto que traz implicado uma crítica aos poderosos, governos e instituições que
relegam uma parcela significativa da sociedade à miséria. E isso é prova de pouca ou nenhuma inteligência.

Assim, quando enunciamos uma sentença em que aquilo que é dito não tem aparentemente nada a ver
com o que deve ser entendido, temos um caso de implicatura.

Embora pressuposto e implicação constituam sentidos inferidos valendo-se do posto, ou seja, do enuncia-
do efetivamente realizado, compreendem fenômenos distintos e não devem ser tomados um pelo outro
indistintamente1.

VOCÊ SABIA? necessário escla-


lon go do tex to, de modo que julgamos
ção apareceram ao i (2006):
Enunciado e enuncia ística de Dubois et ali
es ter mo s seg un do o Dicionário de Lingu
recer melhor ess
a emitida por um
Enunciado ia ac ab ad a de palavras de uma língu antes
designa toda seq uê nc período de silêncio
A palavra enunciado nto do en un cia do é assegurado por um un cia do po de ser
fechame tes. Um en
ou vários falantes. O lav ras , silê nc ios realizados pelos falan tica l ou ag ram ati cal,
ia de pa ciado grama
e depois da sequênc de-se falar de enun fique o tipo
ma do de um a ou de várias frases; po en un cia do um adjetivo que quali
for -se ac res cen tar ao cia do s constitui
semântico ou assem
ântico. Pode njunto de enun
rár io, po lêm ico , didático etc). Um co da , est a im plicará os
do lite do a teoria utiliza
de discurso (enuncia ísti ca ; seg un as
(corpus) da análise
lin gu às regras que regem
os dados empíricos á os en un cia do s possíveis em relação
os ou predir
enunciados produzid
frases desse co rpu s.
nérale
livro Linguistique gé
Enunciação ia foi su bli nh ad a por CH. Bally em seu a en un cia do , no
A enunciação, cuja
importânc ção opõe-se
é um a no çã o mu ita s vezes vaga. Enuncia ric ad o. A en un ciação
e, objetivo fab
et linguistique français fabricação se opõe a ato, é o ato
tid o ma is co rre nte dessa palavra, como to en un cia do é o resultado desse
sen da lín gu a, en qu an s e do s atos que
utilização nto dos fatore
é o ato individual de , a en un cia çã o é constituída pelo conju
Assim
de criação do falante.
vo ca m a pro du çã o de um enunciado.
pro

ATIVIDADE |
Os enunciados produzidos em anúncios publi-
citários representam um verdadeiro celeiro de
SAIBA MAIS! sentidos implícitos. Uma vez que a intenção da
-
undar seus conheci
Não deixe de aprof ac arr eta me n- propaganda é convencer o interlocutor a com-
posto e
mentos sobre pressu prar o produto que anuncia, a produção de im-
m a lei tur a do liv ro:
to co
plícitos nos anúncios faz parte das estratégias
-
à semântica: brincan de convencimento. De acordo com isso, leia as
ILARI, R. Introdução ulo : Co ntexto ,
. Sã o Pa
do com a gramática frases de efeito retiradas de anúncios publica-
2001, p. 85. dos na revista Veja de 17 de março de 2010 e
aponte o que há de implícito nestes enunciados:

1
Sobre essa questão, recomendo a leitura do tópico Pressuposto e Acarretamento que se encontra em MOURA, M. M. H. Significação e contexto: uma
introdução a questões de Semântica e Pragmática. Florianópolis: Insular, 2006, p. 15-17.
Capítulo 2 25

a. Pratique EcoSport 2011. admite sentidos diferentes do literal, de modo que


b. Audi S3. Nossos engenheiros contam cava- em a significa habilidade para fazer algo; em b par-
los antes de dormir. E sofrem de insônia. ticipação em um trabalho e em d assume o sentido
c. Suzuki SX4. Tão moderno que é o primeiro de roubo. No exemplo abaixo, analisaremos o em-
carro lançado no twitter. prego da polissemia na construção do texto:

4. Polissemia e Ambiguidade
As palavras de uma língua não possuem apenas
um sentido literal e fixo, mas podem assumir dife-
rentes sentidos que lhes são atribuídos conforme o
contexto em que figura. Desse modo, o sentido li-
teral é apenas uma possibilidade de sentido, entre
outras, que uma palavra abriga em seu horizonte

Fonte: http://baudodino.com.br
enunciativo. A significação resulta de um processo
determinado por fatores extralinguísticos, como os
interlocutores, a situação de comunicação, o con-
texto mediato e imediato, as representações que
os falantes constroem de si e do outro etc. Assim
sendo, o sentido de uma palavra possui margens
pontilhadas por outros sentidos que são potencia-
lizados pelo contexto de uso. Ainda acerca da Po-
lissemia, é importante destacar que Nesse anúncio publicitário, o autor lança mão da
polissemia implicada nas palavras broto e mina e
essa multiplicidade de sentidos de um sinal é um recur- promove um deslocamento do sentido literal des-
so importante de economia para as línguas naturais, pois sas palavras – rebento e jazida, respectivamente –
permite multiplicar os textos com o uso de um mesmo e para sentidos que estão ligados a movimentos cul-
menor conjunto de sinais do que seria necessário se cada turais e momentos históricos de uso da língua. Vale
sinal tivesse um e apenas um sentido (Ferrarezi, 2008). lembrar que o anúncio publicitário chama a aten-
ção do leitor para o relançamento de sucessos do
A polissemia constitui um recurso fundamental movimento musical que ficou conhecido no Brasil
para a construção textual, uma vez que possibilita como Jovem Guarda. Iniciado na década de 60, a
ao produtor de textos mover-se por processos de Jovem Guarda não apenas implicou um estilo musi-
significação que extrapolam os limites do sentido cal, mas também um estilo de vida e linguístico, de
fixo, tal como apresentados pelo dicionário. No modo que algumas palavras e sentidos tiveram esse
que diz respeito à leitura, conhecer os possíveis movimento como berço. Assim, a palavra broto, ge-
sentidos que uma palavra pode assumir, quando ralmente usada para se referir às mulheres, assume
mobilizada em determinados contextos, é impres- no contexto da Jovem Guarda dos anos 60 o sentido
cindível para a construção de um processo maior de mulher bonita, atraente. O mesmo deslizamento
que envolve a interpretação e a compreensão textu- de sentido é compartilhado pela palavra mina que
al. Exemplifiquemos: tem o seu sentido deslocado e representa uma gíria
bastante usada pelos jovens das últimas décadas.
a. Paula tem uma mão para cozinhar que dá inveja!
b. Vamos! Coloque logo a mão na massa! A ambiguidade ocorre quando uma sentença ad-
c. As crianças estão com as mãos sujas. mite interpretações alternativas. Isso pode ser veri-
d. Passaram a mão na minha bolsa e nem percebi. ficado na frase abaixo:

Nas sentenças acima, a palavra mão assume senti- a. A secretária disse ao patrão que comprou seu
dos diferentes em relação ao contexto comunica- almoço.
tivo em que é usada. Em c, mão foi usada em seu
sentido literal e apresenta a significação atribuída No caso de a, a alternativa é de que a secretária
pelos dicionaristas. Já em a, b e d, a palavra mão pode ter comprado o almoço dela ou do patrão.
26 Capítulo 2

Nessa sentença, a origem da ambiguidade encon- - Estava perfeito e você...


tra-se no pronome possessivo seu que permite a re- - Desculpe.
tomada de dois antecedentes (secretária e patrão), - Você se descontrolou e perdeu o...
de modo a produzir a ambiguidade da sentença. - Eu já pedi desculpa!
- Está bem. Vamos tentar outra vez. Agora.
- Assim?
Sobre a ambiguidade, Ilari e Geraldi (1990:57) as- - Um pouco mais pra cima.
severam que - Aqui?
- Quase. Está quase.
a ambiguidade nada tem a ver com palavras de duplo sen- - Me diga como você quer. Oh, querido...
tido: cada uma das expressões que a compõem é unívoca, - Um pouco mais pra baixo.
isto é, dotada de um sentido único; o que cria uma dupla - Sim.
possibilidade de interpretação é a estrutura sintática. - Agora para o lado. Rápido!
- Amor, eu...
Essa observação dos linguistas é bastante perti- - Para cima! Um pouquinho...
nente, uma vez que o dito “duplo sentido” atri- - Assim?
buído às expressões ambíguas pode ser resolvido - Ai! Ai!
quando operamos alterações na organização sin- - Está bom?
- Sim. Oh, sim. Oh yes, sim.
tática da sentença. Assim, poderíamos eliminar a
- Pronto.
ambiguidade presente em a por meio da seguinte - Não. Continue.
alteração: A secretária disse ao patrão que comprou o - Puxa, mas você...
almoço dela. Observe que as interpretações alterna- - Olha aí. Agora você...
tivas produzidas pelo uso do pronome seu não são - Deixa ver...
consequências do “duplo sentido” atribuído a esse - Não, não. Mais pra cima.
pronome, mas da estrutura sintática em que o pro- - Aqui?
nome é inserido. - Mais. Agora para o lado.
- Assim? Para a esquerda. O lado esquerdo!
A ambiguidade pode gerar problemas de interpre- - Aqui?
- Isso! Agora coça.
tação e deve ser evitada sempre que possível, uma
(O rei do rock. Porto Alegre:RBS/Globo,1978.)
vez que sentenças potencialmente ambíguas po-
dem resultar em interpretações indesejadas (FER-
Esse pequeno conto de Luis Fernando Veríssimo
RAREZI, 2008).
exemplifica o uso da ambiguidade como recurso
de construção a fim de produzir determinados efei-
Se por um lado, a ambiguidade pode gerar pro-
tos de sentido no interlocutor. Nesse caso, a ambi-
blemas relacionados à interpretação da sentença,
guidade não representa um problema que compro-
por outro lado, produz efeitos de sentido que, de
mete o sentido global do texto, mas um recurso
acordo com o contexto em que circula e a finali-
imprescindível para produzir os efeitos de sentido
dade pretendida, não representa problemas para o
pretendidos pelo autor.
processamento textual nem a compreensão do sen-
tido. Isso pode ser constatado no exemplo abaixo:
O título do conto (Conto erótico nº 1) já direciona
a interpretação e o leitor inicia a leitura esperando
Conto Erótico Nº 1
encontrar no texto a representação de uma cena
- Assim? tórrida de amor. O diálogo que estrutura a nar-
- É. Assim. rativa apresenta marcas que constroem no leitor
- Mais depressa? a expectativa de uma relação erótica. Ao final do
- Não. Assim está bem. Um pouco mais par... texto, essa expectativa é quebrada quando é revela-
- Assim? do para o leitor que as marcas textuais que apon-
- Não, espere. tavam para uma relação sexual, na verdade, eram
- Você disse que... indicativas da ação de coçar o outro. É comum en-
- Para o lado. Para o lado! contrarmos esse tipo de ambiguidade em piadas e
- Querido...
anúncios publicitários. Nesses casos, a ambiguida-
- Estava bem mas você...
de representa um recurso de expressão que atende
- Eu sei. Vamos recomeçar. Diga quando estiver
bem. às intenções do autor, de modo que pode ser usada
amplamente.
Capítulo 2 27

5. A Negação
VOCÊ SABIA? A negação nas línguas naturais ocorre quando ex-
o
baixar gratuitamente cluímos uma possibilidade. Essa exclusão pode ser
Você sabia que pode nc an do co m
mântica : bri verificada no uso de palavras, expressões, prefixos
livro Introdução à Se Le-
má tica do Pro fº Rodolfo Ilari no site etc que carregam um sentido negativo ou são reves-
a gra site :
É só acessar o
tras USP Download? tidos desse sentido em situações específicas de uso.
load.wordpress.com
/ Para Ilari (2001:123),
http://letrasuspdown k htt p:/ /
ri/ e clicar no lin
category/rodolfo-ila “diante de uma frase negativa, não é sempre fácil determi-
lix.in/-853a36
nar de maneira exata o que se pretende negar. A negação
udos!
Aproveite e bons est interage com outras operações, determinando diferentes
possibilidades de interpretação.”

Desse modo, a negação não se restringe ao uso do


advérbio não, uma vez que existem formas de ne-
SAIBA MAIS! gar quase imperceptíveis ou até mesmo grosseiras.
-
ta casos em que a am Essas formas são determinadas pela situação social
Ilari (2001) apresen de seg me n-
o da falta em que se usa a língua.
biguidade é resultad
fal a. Va le a pena ler o capítulo
tação na ro
mentação em seu liv
Ambiguidades de seg do co m a O conceito de negação apresentado pela gramá-
ca: brincan
Introdução à Semânti lio grá fic a), a tica tradicional transmite a ideia de que a nega-
ncia bib
gramática (ver referê co nh eci me n-
ert óri o de ção é uma função exclusiva do advérbio não. Ilari
fim de ampliar o rep
ordado neste tópico. (2001:122) elenca algumas possibilidades de nega-
to sobre o assunto ab
ção que vão além daquela apresentada pela gramá-
tica tradicional:

ATIVIDADE | a negação pode ser expressa, entre outros meios:


A ambiguidade que ocorre nas anáforas e nas
catáforas é resultado da propriedade que cer- • Pelo “não” e por outros advérbios que combi-
nam uma ideia de tempo, como jamais e nunca;
tos pronomes têm de retomar ou adiantar ele-

mentos textuais. É o que acontece com os pro-
• Pelos indefinidos negativos: nenhum, nada, ninguém;
nomes possessivos de terceira pessoa (seu, sua,
seus, suas) que podem retomar ou adiantar • Por operadores antepostos à sentença como “é falso
elementos presentes no texto que foram colo- que...”, “não é verdade que...”
cados antes ou depois desses pronomes. Iden-
tifique, nas sentenças abaixo, a ambiguidade • Por conjunções como nem, inclusive na construção
presente e proponha soluções para eliminá-la. correlativa “nem... nem...”

a. A menina disse ao colega que não concorda- • Por prefixos como não- ou sem-: os não-alinhados, os
sem-terra;
va com sua reprovação.

b. Tudo o que eu queria era que João entregas-
• Por verbos auxiliares como deixar de etc.
se logo para José o rádio dele.
c. O professor comentou com o aluno as defi- Esse quadro apresentado por Ilari dá uma noção
ciências dele. das diversas possibilidades de negação que são
d. O pai pediu à filha seus livros. agenciadas em contextos determinados, a fim de
e. Encontrei meu cliente quando saía do produzir diferentes efeitos de sentido. Conhe-
escritório. cer e apropriar-se dessas diferentes possibilidades
f. A demissão do ministro causou impacto. de negar proporciona ao falante desenvolver sua
habilidade expressiva e dispor de novos recursos
linguísticos que poderão ser utilizados em diversas
situações de comunicação.
28 Capítulo 2

VOCÊ SABIA?
foi um dos grandes

fivetogo.blogspot.
fra nc ês Os wa ld Ducrot (Paris, 1930) teórica
O linguista ntro da perspectiva
tra tam ento da negação de Ma rion

rot.html
exp oe nte s no Em co-au tor ia co m
entação e polifonia. icas
da enunciação, argum crot escreve As pro pri ed ad es lin gu íst
bé m lin gu ista , Du cu rso s pa-
Carel, tam idade dos dis

duc
. Ess e art igo apresenta a especific un do mo -

Fonte: http://onedown
do pa rad oxo momentos. No seg

ald-
se dividido em dois o.
radoxais e encontra- ades for ma is da ne ga çã

osw
discutem as propried
mento, Ducrot e Carel

12/
Segue a referência:

08/
paradoxo: pa-
ades lingüísticas do

com/20
As pro pri ed
Carel; Ducrot (19 99 b). Oliveira. Línguas e
ga çã o. Tra du çã o de Sheila Elias de 01b.
radoxo e ne s, nº 8, p. 33-50, 20
tru me nto s lin gu ísti cos. Campinas: Ponte
ins

ATIVIDADE |
SAIBA MAIS! Há na lingua portuguesa prefixos que servem
aixo e conheça para negar, como a-, i-, des- etc.
Acesse os artigos ab
o:
mais sobre a negaçã
Verifique as formas de negação das palavras
.br /e stu do sli n-
htt p: //w ww.ge l.o rg abaixo:
8/EL_V38N1_26.
guisticos/volumes/3
pdf
a. moral
br/paginas/ensi-
http://www3.unisul. b. necessário
101/04.htm
no/pos/linguagem/0
l.o rg .b r/E nc on -
ht tp :// ww w. ce lsu
negacao.pdf
tros/08/estudos_da_

RESUMO
Chegamos ao fim de mais um capítulo. Durante esse percurso, pudemos entrar em contato
com várias questões que envolvem a produção de sentido. Vimos que o significado de uma
sentença resulta das relações que as palavras entretêm na estrutura da língua e das relações
estabelecidas entre essa estrutura e o contexto em que o processo comunicativo encontra-se
inserido.

Tomando-se por base esse olhar lançado sobre os fenômenos linguísticos, trouxemos al-
guns casos que envolvem os processos de significação: sinonímia e paráfrase, hipônimo
e acarretamento, pressuposto e implicatura, polissemia e ambiguidade e negação. Assim,
apresentamos um panorama dos principais casos abordados pela Semântica, a fim de per-
mitir a você, estudante do Curso de Letras a Distância, o contato com as noções básicas que
configuram esse campo do saber.

Introduzimos, sempre que possível, reflexões que permitissem ao estudante de Letras pensar
os fenômenos abordados neste capítulo de maneira crítica. Desse modo, acreditamos ter
contribuído com uma reflexão sobre a língua que vai além daquela apresentada pela Gra-
mática Normativa.
Capítulo 2 29

Embora a Semântica aporte suas reflexões sobre o sentido, considerando a forma linguís-
tica, ou seja, a palavra ou a sentença, decidimos oferecer uma reflexão que passasse pela
situação de comunicação em que essa palavra/sentença é realizada. Assim, pudemos an-
tecipar uma preocupação que cabe à Pragmática – disciplina que estudaremos no próximo
capítulo – e possibilitar ao estudante uma maneira de entender esses processos dentro de
uma perspectiva relacional, interativa e contextual. No próximo capítulo, dedicado à Prag-
mática, aprofundaremos aspectos do contexto que determinam a produção de sentido.

REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal.
4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

BANDEIRA, P. Cavalgando o arco-íris. São Pau-


lo: Moderna, 1993.

FERRAREZI, Celso Jr. Semântica para a edu-


cação básica. São Paulo: Parábola editorial,
2008.

DUBOIS, J. et alii. Dicionário de linguística. São


Paulo: Cultrix, 2006.

MURRAY, R. Artes e ofícios. São Paulo: FTD,


1990: 38.

MELO, M. M. H. Significação e contexto: uma


introdução a questões de semântica e pragmá-
tica. Florianópolis: Editora Insular, 2006.

VERÍSSIMO, L. F. O rei do rock. Porto Alegre:


RBS/Globo, 1978.
3
Capítulo 3 31

Pragmática:
Perspectivas Teóricas
Prof. Luciano Taveira de Azevedo
Carga Horária | 15 horas

Ementa
Semântica da palavra, do texto e do discurso. Campos semânticos. Sinonímia,
antonímia e polissemia. A semântica do enunciado e da enunciação. A semân-
tica estrutural e a cognitiva. Sentido e referência. Enunciado e Enunciação. Se-
mântica e Pragmática. Enfoque epistemológico dos conteúdos. Planejamento do
ensino. Metodologia e recursos didático-pedagógicos. Avaliação de competências.

Objetivos Específicos
• Apresentar ao aluno os conceitos basilares da semântica e da pragmática
linguística;

• Refletir acerca dos processos de construção do sentido com base nas perspec-
tivas teóricas concernentes aos campos teóricos da semântica e da pragmática;

• Possibilitar o conhecimento dos diversos recursos linguísticos agenciados na


produção de sentido.

Introdução
Caro estudante,

Iniciamos este terceiro capítulo com a apresentação dos princípios teóricos que
norteiam o campo da Pragmática. Durante nossa trajetória, não será difícil per-
ceber que os campos da Semântica e da Pragmática não são dicotômicos nem
excludentes, mas se encontram em permanente diálogo. Assim, contribuições
oriundas da Semântica deram à Pragmática um amplo repertório de questões
sobre as quais pôde definir seu campo de estudo. Esse diálogo com a Semântica
tanto se encaminha no sentido de fazer convergir, bem como de negar determina-
dos pressupostos teórico-metodológicos dessa disciplina. Em relação à Semânti-
32 Capítulo 3

ca, a Pragmática incluirá definitivamente aspectos De que modo elementos extralinguísticos


que foram deixados de fora de uma abordagem legitimam o dizer?
do sentido estritamente formal, como o sujeito e
a situação de produção dos enunciados. Isso não Essas são apenas algumas das questões que os prag-
significa que a Pragmática resolveu, de uma vez por maticistas levantaram no início das investigações
todas, o problema da inclusão do sujeito e do con- que se desenvolveram sob a etiqueta de pragmática.
texto no processo de comunicação. Embora tenha
produzido uma ruptura em relação às abordagens De saída encontramos, no início das investigações
que excluíram aspectos discursivos no trato da pragmáticas, aqueles filósofos que excluem o con-
língua(gem), a Pragmática ainda repensa conceitos texto, os interlocutores e a situação mais imediata
e métodos e faz avançar o campo. Esse capítulo visa na consideração do sentido produzido por uma
apresentar a disciplina em sua configuração histó- sentença. Esses são chamados de filósofos lógicos:
rica e teórico-metodológica e, sempre que possível, Frege, Russell, Carnap, Bar-Hillel e Quine. Em
relacionar os estudos pragmáticos às reflexões de- seus trabalhos, identificamos uma tentativa notó-
senvolvidas no âmbito da Semântica. Assim, convi- ria em reduzir a análise do significado de uma sen-
do você, querido estudante, a percorrer um trajeto tença a suas condições de verdade, de modo que
que fascina porque desvela sentidos ancorados no uma sentença só é verdadeira quando encontra no
uso que os falantes fazem da língua(gem). mundo sua referência. Ainda sobre esses filósofos,
Armengoud (2006:10) afirma que

1. Introdução ao Campo da Eles abordam a dimensão pragmática, isto é, a considera-


ção dos falantes e do contexto, como algo que é preciso
Pragmática dominar, seja para dizer que a língua canônica da ciência
deve se afastar dela (Frege, Carnap), seja para dizer que é
Os estudos que receberam o nome de pragmática preciso reassimilá-la por eliminação ou cooptação (Russel,
receberam contribuições de diferentes vertentes Quine), seja para dizer que, às vezes, é para tratá-la com a
teóricas oriundas da Linguística e da Filosofia, de astúcia de um jodoca (Montague, Gochet).
modo que, reuni-los sob a mesma etiqueta, é pra-
ticamente impossível. Assumindo concepções e ar- Na outra ponta do iceberg, aparecem aqueles que
cabouço teórico-metodológico diversos, esses estu- vão relacionar os fatos da língua aos fatos sociais,
dos encaminharam-se por diferentes abordagens e históricos, ou seja, discursivos. As reflexões desses
trouxeram para o âmbito da Linguística aquilo que autores se aproximam da abordagem pragmática
havia ficado de fora dos estudos estritamente for- quando incluem aquilo que foi excluído de uma
mais da língua, ou seja, a fala. Em Pinto (2006:47), abordagem estritamente formal do sentido: os in-
temos que “a Pragmática pode ser apontada como terlocutores e as condições de produção dos dis-
a ciência do uso linguístico. As pessoas que a estu- cursos. Só para citar alguns: Ducrot, Austin, Sear-
dam esperam explicar antes a linguagem do que le, Bakhtin, Bourdieu, entre outros. Além desses,
a língua.” Essa análise da língua em uso, conside- há aqueles que vinculam o sentido de um enuncia-
rando aspectos extralinguísticos que determinam do ao uso que se faz desse enunciado em contextos
a forma e o sentido dos enunciados, assentou-se específicos de uso: Wittgenstein, Strawson. Desse
em diferentes aportes teóricos que orientaram a modo, a pragmática passa a ser central em diversas
reflexão acerca daquilo que os falantes fazem com abordagens e interessa tanto à Linguística como à
a língua(gem) quando a atualizam em enunciações Filosofia, seja para estabelecer filiações em torno
específicas. do conhecimento que o campo produz, seja para se
posicionar contra as diferentes perspectivas teóri-
Assim, a Pragmática busca, em suas primeiras in- cas que passam a ter na Pragmática uma referência.
vestigações responder a perguntas do tipo:
Embora tenhamos introduzido este capítulo com
Que fazemos quando falamos?, ou seja, a definição do termo pragmática, nem sempre essa
Que ação realizamos quando usamos a definição foi livre de oscilações. Longe de manter-
língua(gem)?; -se imutável, a definição do termo passou por re-
Quem fala e para quem?; visões as mais diversas e assumiu, ao longo da his-
De que modo a situação determina o tória, significados estreitamente ligados à vertente
sentido do que é dito?;
Capítulo 3 33

a que estava atrelada. Mas que significados foram


atribuídos à disciplina que responde pelo nome de
Pragmática?
SAIBA MAIS!
C. Levinson apre-
O linguista Stephen
o interessante no
senta uma discussã
do seu livro, cujo tí-
capítulo primeiro
VOCÊ SABIA? tulo é Pragmática. Va
le a pena percor-
erentes definições
rer em miúdos as dif
Langshaw miu ao longo do

es.
John su
que a pragmática as
bibliográficas.

Fonte: http://www.philosophypag
Austin nasceu em tempo. Ver referê nc ias
Lancaster, no dia 26
de março de 1911 e
faleceu em Oxford,
no dia 8 de fevereiro

com/vy/aust1.jpg
de 1960. Ligado ao
movimento que fi-
2. Definições da Pragmática
cou conhecido como
Filosofia Analítica Ao longo da história da constituição do seu campo
ou Filo sofi a da Lin- de estudos, foram atribuídos à Pragmática diferen-
dos grandes
guagem Ordinária, Austin é um tes definições que emergiam de perspectivas distin-
mov ime nto que “concebe a
expoentes desse
e construída tas. Enfatizando aspectos diversos dos elementos
linguagem como uma atividad
(...) – a linguagem
pelos/as interlocutores/as constituidores do uso linguístico, essas definições
ão do mun do, mas ação”
não é, assim, descriç que se diversificam apontam para a tentativa de
(Pinto, 200 6:57 ).
organização de um campo de estudos que buscam
uma concisão teórico-metodológica e um objeto
John Rogers Sear-
m-

le nasceu em 31 de delimitado.
Fonte: http://opovodemaxial.foru

julho de 1932, em
Denver, no Colo-
-livre.com/t53-john-searle

O termo pragmática apareceu pela primeira vez


rado. Professor de nos trabalhos desenvolvidos no fim do século XIX
filosofia da Univer-
sidade da Califórnia
pelo filósofo Charles Peirce. É precisamente no ar-
(Berkeley), Searle é tigo How to make our ideas clear que encontramos a
célebre por sua con- palavra pragmatics. Mais tarde, um dos seguidores
tribuição à filosofia de Peirce, o filósófo Charles Morris (1938), dará
da linguagem, filo-
al. Searle refor- ao termo o uso que atualmente se faz dele e que
sofia da mente e filosofia soci
atos de fala e pode ser assim entendido: pragmática é o estudo
mulou a teoria austiniana dos
Ling uíst ica. Em Speech
firmou-a no âmbito da da relação dos signos com os intérpretes, ou seja,
Sea rle pro duz um “ac abamento
acts, de 1969, os usuários dos signos. Essa relação foi verificada
Austin efetiva
nas inúmeras reviravoltas que por Morris em estudos que levaram à reflexão de
ling uag em” (Pinto,
em sua reflexão sobre a
2006: 59-60).
que expressões como Bom dia!, Oh! e Venha aqui!
só têm o seu sentido explicitado quando referidas
Ludwig Wittgenstein aos usuários da língua. Isso leva Morris a investigar
k.
Fonte: http://wittgenstein.gorodo

(1889 -1951) foi as regras pragmáticas que definem os usos linguís-


um filósofo que in-
ticos. Questões como essas ainda seriam tratadas
tegrou o Círculo de
net/pictures/ludwig09.jpg

Viena e contribuiu dentro da pragmática linguística, mas Morris foi


com os estudos so- além e expandiu o alcance da análise pragmáti-
bre lógica matemá- ca segundo sua teoria específica da semiótica, de
tica na década de cunho behaviourista (LEVINSON, 2007). Essa ex-
1920. Considerado
um dos pais da Filo- pansão vai resultar numa definição bastante ampla
sofia Analítica, suas do termo pragmática, de modo que Morris deta-
enciaram o
ideias sobre a linguagem influ lha seu conceito afirmando que esse campo deve
de Aus tin, de mod o que o traba-
pensamento abranger os fenômenos psicológicos, biológicos e
ofo, na seg unda
lho desenvolvido por esse filós o
se enc ontr ará vinc ulad sociológicos que ocorrem no funcionamento dos
metade do século XX, odo
uíst ica pro mov ida pelo mét signos. Esse uso amplo do termo permitiu que a
à guinada ling
stein.
de análise elaborado por Wittgen pragmática figurasse em produções científicas tão
díspares, como publicações que tratam da psicopa-
tologia da comunicação.
34 Capítulo 3

dessa segunda perspectiva, são formuladas regras


de boa formação das frases e das regras de trans-
VOCÊ SABIA? formação das frases em outras frases. A exclusão

gmatism.org/
William
de questões concernentes ao sentido e aos aspec-
Charles
Mo rri s (1901- tos extralinguísticos em ambas faz surgir no campo
1979), filósofo es- dos estudos linguísticos uma terceira abordagem
tadunidense, cuja

Fonte: http://www.pra
que se ocupará desses aspectos deixados de fora
obra, Fundamen-

jpg
por uma abordagem estritamente formal da lín-

rris.
tos da teoria do
gua: a pragmática.
signo (1938), é o

/mo
primeiro projeto

ges
completo de uma

ima
A mobilização de conceitos que marcaram essa
semiótica. Conhe- á- mudança do ponto de vista teórico acerca da
fo positivista e pragm
cido como um filóso mi óti ca
âmbito da Se língua(gem) foi determinante para a implantação
tico, seu trabalho no las ide ias de
nciado pe de um campo que permitisse ver a língua em seus
foi fortemente influe
Sa nd ers Pe irc e. usos concretos. De saída, apresentaremos, em li-
Charles
nhas gerais, alguns dos conceitos fundamentais
para a inauguração e o desenvolvimento do campo
como o lugar da análise daquilo que o falante faz
Outra definição aparece nos textos de Anne-Ma- quando usa a língua.
rie Diller e François Récanati. Eles afirmam que
a pragmática estuda a utilização da linguagem no O primeiro desses conceitos é o de ato de fala, que
discurso, de modo que essa disciplina deveria ocu- se entende-se por ações realizadas quando falamos.
par-se do sentido das formas linguísticas em uso. Desse modo, falar não é simplesmente produzir
uma sequência delimitada de fones, mas agir. A
Em Francis Jacques, encontramos uma definição linguagem não é um artefato que serve tão somen-
que procura integrar diferentes aspectos pragmá- te para representar o mundo. Ela o constitui e o
ticos determinantes da língua(gem). Para ela, a molda. Na apresentação desse conceito, Armen-
pragmática aborda a linguagem como fenômeno gaud (2006:12) diz que “falar é agir. Em um sen-
a um só tempo discursivo, comunicativo e social. tido óbvio: é, por exemplo, agir sobre outrem. Em
Armengaud (2006:11) diz que, para Jacques, “a lin- um sentido menos aparente, mas absolutamente
guagem é concebida como um conjunto intersub- real: é instaurar um sentido e é, de todo modo,
jetivo de signos cujo uso é determinado por regras fazer ‘ato de fala’.”
compartilhadas.” Tais regras compartilhadas pelos
falantes constroem as condições de possibilidade O segundo conceito tem a ver com o contexto. Nas
do discurso. primeiras investigações pragmáticas, o contexto refe-
ria-se à situação imediata em que se davam os atos
de fala. Essa situação envolvia os interlocutores, o
3. O Surgimento do Ponto de lugar e o tempo em que o processo comunicativo
Vista Pragmático se realizava e respondia às perguntas:

Os estudos pragmáticos aparecem no cenário das Quem fala?


investigações linguísticas em resposta às duas ten- Para quem se fala?
dências predominantes no âmbito linguístico: a Qual o lugar de enunciação?
semântica de cunho formal e lógico e a abordagem Quando acontece o processo enunciativo?
sintática de expressão estruturalista/gerativista.
Em relação à primeira, temos uma análise das rela- Esses aspectos do contexto criam as condições para
ções entre as palavras/frases e o estado das coisas. que um ato de fala seja legitimado, posto que possi-
Nessa perspectiva de análise semântica, o sentido é bilitam a avaliação do que é dito.
aquilo que nos permite chegar a uma referência no
mundo. No que diz respeito à segunda abordagem, O desempenho é o terceiro conceito basilar que se
encontramos estudos voltados para o sentido de encontra na base do campo pragmático. Nas pala-
promover análises que abordam as relações entre vras de Armengaud, desempenho é
os signos organizados num sistema; ainda dentro
Capítulo 3 35

a realização do ato em contexto, seja atualizando a competência dos falantes, isto é, seu saber e seu domínio das regras, seja
integrando o exercício linguístico a uma noção mais compreensiva, como a de competência comunicativa.

Esses conceitos inicialmente permitem ao pragmaticista abordar os fenômenos que envolvem as diferen-
tes realizações linguísticas, ou seja, os atos de fala em situações específicas de enunciação. É importante
destacar que esses conceitos foram cunhados na interface entre Linguística e Filosofia, de modo que seu
aparecimento resulta da preocupação de filósofos em responder acerca da relação entre representação e
linguagem. Em Pinto (2006:49), lemos que

explicar a linguagem em uso e não descartar nenhum elemento não-convencional: esses dois pontos comuns aos estudos
pragmáticos formam uma linha derivada da história da preocupação com o uso linguístico. No final do século XIX, a Filoso-
fia iniciou um redirecionamento na forma de responder a suas perguntas. Desde Kant, os estudos filosóficos passaram a ser
entendidos como um conjunto de critérios para avaliar a maneira pela qual a mente é capaz de construir representações. Mais
tarde, então, no final do século XIX, os estudos filosóficos cunharam sua variante da filosofia kantiana, defendendo principal-
mente que representação é antes linguística do que mental, e que se deve refletir antes em filosofia da linguagem que em crítica
transcendental. Assim, objetivos filosóficos de discutir e descrever nossa representação do mundo respaldaram um movimento
em direção às usuárias e usuários da linguagem, acarretando uma tendência análoga no âmbito da Linguística. A pragmática é
fruto desse movimento em direção aos problemas relativos ao uso da linguagem, por isso, ao estudarmos a constituição dessa
área, devemos acompanhar também um pouco da história dos grupos filosóficos que a influenciaram.

É precisamente isso que faremos agora: (I) entender como o campo da Pragmática diferenciou-se em
correntes teóricas; (II) que aspecto do uso linguístico foi recortado por cada corrente; (III) que contribui-
ção cada corrente deu aos estudos pragmáticos. Percorrer esse trajeto teórico-metodológico permite ao
estudante vislumbrar um panorama mais amplo dos estudos pragmáticos, a fim de entender como cada
corrente constrói seu objeto de estudo e enriquece o campo com novas abordagens e propostas.

SAIBA MAIS!
Caro estudante, erca da
ar o conhecimento ac
ão en tre Fil os ofi a e Pragmática e ampli ca mp os de co nheci-
a relaç s nos respectivos
a fim de aprofundar de sen vo lvi do -
os e das metodolo gia s filosofia conte orâmp
trajetória dos conceit ro Re vir av olt a lin gu ístico-pragmática na ntr ará alg un s
leitura do liv la. Você enco
mento, recomendo a aú jo de Ol ive ira e publicado pela Loyo
edo Ar
nea escrito por Manfr
liv ro no Go ogle Acadêmico. São Paulo:
capít ulo s do ntemporânea. 2. ed.
a lin gu ísti co -pr ag mática na filosofia co
avolt
OLIVEIRA, M. A. Revir
20 01 . no Brasil do
Loyo la, nhos da Pragmática
da Pra gm áti ca , ind ico o artigo Os cami ap lica da : De lta. O artigo
Ainda sobre o percu
rso
na rev ista de lin gu ística teórica e
opalan publicado de ser encontrado em
:
Profº Kanavillil Rajag mp o em nosso país e po
lvi me nto do ca
foca o desenvo 0300013&script=sci_
arttext
o.b r/s cie lo. ph p? pid =S0102-4450199900
http://www.sciel

4. Pragmatismo Americano estabelecimento da tríade pragmática que envolve


o signo, o objeto e o interpretante. Pinto (2006:51)
Com a fundação da Semiótica, por Charles elucida a tríade pragmática nos seguintes termos:
Peirce, inaugura-se outro ponto de vista sobre a
língua(gem). Em seu artigo How to make our ideas o que Peirce procurou destacar ao postular essa tríade foi a
clear, de 1878, Peirce desenvolve um ponto de vista necessidade de se teorizar a linguagem levando-se em conta
que passa por aspectos pragmáticos e, assim, inclui o que sempre foi lembrado na Linguística, ou seja, o sinal,
mas também aquilo a que este sinal remete e, principalmente,
nos estudos linguísticos aquilo que havia sido deixa-
a quem ele significa1.
do de fora: o interlocutor. Ele faz isso com base no

1
Grifos da autora.
36 Capítulo 3

De acordo com Peirce, o homem pensa por signos Outros deslocamentos que o pensamento peirce-
e o pensamento só existe nos signos. Ele próprio ano produzirá no âmbito da língua(gem) são os
– o pensamento – é signo. O filósofo ainda acres- seguintes:
centa que uma das propriedades fundamentais do
signo é remeter a outro signo. Se assim o é, então o I. o signo não é marca ou etiqueta de um objeto,
pensamento, que é um signo, remete a outro pen- de modo que não serve apenas para designar
samento, que é seu intepretante (ARMENGAUD, ou nomear esse objeto;
2006). Disso, temos a relação triádica que constitui
a semiose, ou seja, o processo pelo qual os signos se II. o uso de signos implica interpretação;
constituem e são intepretados.
III. a linguagem não é um mero código que serve
para codificar mensagens a serem decodificadas;
VOCÊ SABIA?
omunicacao.blogspot.
San- IV. a linguagem é o lugar de onde emergem as sig-
Charles
ders Peirce nas- nificações;
ceu em dia 10
de setembro de V. sem linguagem não há pensamento sem lin-
Fonte: http://antrodec tml

1839, em Cam- guagem;


com/2011/04/semiotica.h

bridge, Estados
Unidos e faleceu
em 19 de abril VI. linguagem e pensamento são constitutivos da
de 1914, em realidade.
Milford (EUA).
Fil ho de pa i ma-
Essas ideias lançaram as bases para uma aborda-
temático, físico e
astrônomo, for- ica
gem pragmática dos processos de significação. Ao
de de Havard em Fís
mou- se na Universida ím ica pe la sair dos limites impostos pela estrutura da língua
rou-se em Qu
e Matemática e douto ou Fil os ofi a em como estabelecido pelo estruturalismo saussurea-
. Ensin
mesma universidade .
rd e na Un ive rsi dade Johns Hopkins no, Peirce possibilita pensar a linguagem em rela-
Harva , Fil olo gia
em Linguística ção aos sujeitos que a produzem.
Interessado também ci-
fun do u o Pragmatismo e a
e História, ele de Se mi óti ca .
ad os
ência dos signos cham Destacamos que as ideias de Peirce são complexas
e não se esgotam nas linhas aqui apresentadas.
Ele fez um trabalho minucioso e extenso e buscou
Foi com base nessas contribuições que a filosofia explicitar em detalhes sua teoria do signo na ten-
da linguagem, a lógica e a semiótica experimenta- tativa de explorar ao máximo sua capacidade in-
ram um novo impulso inovador. Essa relação ter- terpretativa e seu alcance teórico (PINTO, 2006).
nária é assim expressa em Bougnoux apud Araújo Por ora, importa conhecer, mesmo que de maneira
(2004:46): breve, seu trabalho e a repercussão para as ideias
que se desenvolverão.
Peirce partiu de um esquema triangular muito diferente do
de Saussure (a quem, aliás, não conheceu): a relação de se-
Seguidores de Peirce, William James e Charles W.
miose designa uma ação, ou uma influência, que é, ou que
Morris, difundiram suas ideias e apresentaram
supõe, a cooperação de três sujeitos, que são o signo, seu
objeto e seu interpretante. Esta relação ternária de influ-
interpretações para sua obra. Em contato com as
ência não pode, em nenhum caso, reduzir-se a ação entre pesquisas desenvolvidas pelo Círculo de Viena,
pares. Significar supõe aqui três termos, não somente dois. Morris conhece a proposta de Rudolf Carnap em
dividir as pesquisas acerca da linguagem em três
Essa concepção de signo inaugura uma nova con- esferas:
cepção de sujeito, de modo que o sujeito deixa de
ser o centro da atividade linguística, ou seja, não há I. a sintaxe, que se ocuparia das relações lógicas
para Peirce o sujeito com sua mente como se fosse estabelecidas entre os elementos da sentença;
uma substância plena de representações (ARAÚ-
JO, 2004). Nessa perspectiva, a intersubjetividade II. a semântica, que se voltaria para os estudos so-
constitui-se na atividade linguística, de maneira bre o significado;
que não há um sujeito anterior a essa atividade.
Capítulo 3 37

III. por fim, a pragmática, que abordaria a linguagem em uso.

Essa tríplice relação entre a sintaxe, o significado e os usos que os locutores fazem da língua(gem), em situ-
ações específicas, lembra a tríade fundada por Peirce: signo-significado-interpretante. Morris entusiasma-se
com a proximidade entre os dois pensamentos – Peirce e Carnap -, e

em 1938, Morris atesta, com Foundations of the theory of signs, a doutrina pragmática de Peirce, defende a interdependência,
combatendo a hierarquização dos três campos. Assim, Morris mostra-se fortemente influenciado pelo grupo de empiricistas de
Viena, mas, ao mesmo tempo, busca minimizar a força da separação entre os três campos de estudo, o que, consequentemente,
afastaria, na prática da pesquisa linguística, os três elementos da tríade pragmática. Entretanto, ainda que esse gesto de Morris
seja bastante apropriado ao pensamento de Peirce, é forte a ascendência do empirismo lógico em seu pensamento [...] (Pinto,
2006:52-53).

Assim, desde 1938, Morris dá sinais de que sua pesquisa assumirá rumo distinto daquele proposto por
Peirce, embora mantenha pontos em comum com as ideias iniciais desse pensador.

O deslocamento promovido nas pesquisas em semiótica da primeira metade do século XX evidencia-se na


busca por uma especialização que recairá sobre a sintaxe, a semântica ou o terreno mais amplo da pragmá-
tica. Nesse segmento de pesquisas, os campos ganham independência e são estudados distintamente no
âmbito da Semiótica. Morris propõe um caminho contrário, ou seja, aquele que busca a interdependência
entre os campos. Para Morris, “nenhuma das três disciplinas basta para definir seus próprios conceitos
nem para se definir a si mesma em seu projeto” (Armengaud, 2006:55). Valendo-se desse pensamento,
Morris propõe a inter-relação entre as disciplinas uma vez que os três pontos de vista – sintático, semântico
e pragmático – são necessários à análise semiótica. Ao fazer isso, Morris amplia o alcance da sua proposta
teórica, de modo a extrapolar o campo da linguística e atingir uma amplitude que alcança todos os fenô-
menos da vida. Esses aspectos da análise semiótica defendidos por Morris encontram-se em consonância
com as ideias desenvolvidas por Peirce, mas é notória a presença do empirismo lógico em seu pensamento.
Essa escolha teórico-metodológica direciona suas pesquisas por um caminho diferente daquele proposto
por Peirce.

SAIBA MAIS!
do responsável
me ira s dé ca das do século XX, sen
surgiu nas du as pri ico. Esse movimento
“O Círculo de Viena ns am en to int itulada positivismo lóg s uni-
pela criação de uma
corrente de pe iva que prevalecia na
rea çã o à filo so fia idealista e especulat filó so fos au str íacos
surgiu na Áustria, co
mo
ira dé ca da do séc ulo, um grupo de fun da-
partir da prime a buscar nas ciências
a base de
versidades alemãs. A iga çã o qu e ten tav
to de invest
iniciou um movimen
o de co nh eci mentos verdadeiros.
mentaçã
rdade por causa
e o co nh eci me nto possui valor de ve que
Nesse sentido, tal gru
po constat ou qu deiro na medida em
, isto é, o co nh eci me nto científico é verda co mp ree nd iam
da sua vinculação em
pírica es filósofos
a dim en sã o, à exp eriência. Contudo, ess qu e est as ob tiv era m
um ca, com o avanço
se relaciona, em alg ica e a ma tem áti mi na çã o
andonar a lóg e a deter
que não se pode ab xil iam de ma ne ira determinante a busca qu e pro cu ra
; ambas au pensamen to,
na virada do século cessa. Assim, a esse
nd içõ es em qu e o conhecimento se pro po siç õe s, au xiliado pelas regras
da
das co últ im o de su as pro pir ism o
lor de verdade ico, ou em
na experiência o va tem áti co s, de no mi nou- se positivismo lóg 82 -19 45 ) e
lógica e dos proced
imentos ma Otto Neurath (18
ma do po r Ph ilip p Frank (1884-1966), lf Ca rna p, qu e log o
lógico. A este grupo
, for
da de vin te, Mo ritz Schilick e Rudo ura th
ram-se, na déca Em 1929, Carnap, Ha
hn e Ne
Hans Hahn, incorpora s ma is ativos membros. cu lo de Viena.
nd içã o de seu Mu nd o: o Cír
passaram à co itu lad o A Co nc ep ção Científica do o grupo cien-
esto int fos, compunha m
publicaram um manif mo vim en to. Além desses filóso
do ess e
Estava, assim, forma
juristas.
tistas, economistas e
38 Capítulo 3

nsamen-
lo de Viena são: o pe
nc ias rec eb ida s pe los filósofos do Círcu he ad , Pe an o e Frege,
As principais influê 38 -19 16 ), a lóg ica de Russell, White sco bertas
to do positivista Ern
st Mach (18 almente as de
igm as da fís ica co ntemporânea, especi de seu Tra ctatus
bem como os novos
parad A leitura
foi , ain da , a filo sofia de Wittgenstein. fic o a co mp ree nsão
na nte ximo alcance filo só
de Einstein. Determi gru po lev ar ao má do s fun-
permitiu ao ão empírica
Logico-Phylosophicus o, as sim , inc orp orá -la a uma interpretaç
bilitand
da nova lógica, possi
nto s do co nh eci me nto.
dame .
o de verificabilidade
es do Cír cu lo de Viena reside na noçã ion ad o à su a
contribuiçõ ão está intrinsecamen
te relac
Uma das principais
ree nd e qu e o sen tido de uma proposiç da sen ten ça só possui significado
Esta co mp dizer: determi na
rifi ca çã o. Iss o qu er ten ça seria verdadei-
possibilidade de ve r em qu e condições tal sen s
para aqueles que sã
o capazes de ind ica ontar as possibilidade
sa . Ind ica r tai s co ndições equivale a ap De sse mo do , as
ra e em quais ela ser
ia fal questão.
ade da sentença em
pír ica s de ve rifi ca r a verdade ou falsid ali jad as da s pro posições que contribu
em
em me taf ísic a sã o a” , da da s
fia idealista ou “ser” e “nad
afirmações da filoso nto ; seu s ter mo s centrais, tais como na as sen ten -
nheci me ção, o que tor
para a questão do co ad e, nã o sã o passíveis de verifica a co nc ep çã o,
am big uid os, segun do ess
sua generalidade e enunciados metafísic trinta, o
sem significado. Os partir da década de
ças dessas filosofias so s; an tes , ca rec em de sen tid o. A
ra os Estados
não são verdadeiros
nem fal e de outros pa
dis pe rsa r. Co m a mudança de Carnap su a co esã o inicial.”
a se o Círculo perdeu
movimento começou Sch ilic k e Ne ura th,
rtes de Hahn,
Unidos e aliada às mo
de-viena.html
.al go so bre .co m. br/ sociofilosofia/circulo-
/www
Disponível em: http:/

Além de Peirce e Morris, contribuíram com a cor- 5. A Teoria dos Atos de Fala
rente americana de estudos pragmáticos:
A Teoria dos Atos de Fala nasceu da preocupação de
• William James: desenvolveu uma reflexão so- alguns filósofos, entre eles, John Austin, Peter Fre-
bre os sinais e seus significados com base nas derick Strawson e Gilbert Ryle, em voltar-se para a
formulações de Peirce; linguagem ordinária a fim de resolver problemas
filosóficos. Esse movimento ficou conhecido como
• Willard V. Quine: tomando Peirce e James Filosofia Analítica e teve uma repercussão determi-
como base do seu pensamento, esse autor nante no rumo que os estudos da linguagem toma-
empenhou-se em dar prosseguimento às ideias riam nos anos seguintes. A principal contribuição
pragmatistas. Inicialmente filia-se ao empiris- dessa guinada nos estudos filosóficos no campo da
mo lógico, mas abandona em seguida a termi- Linguística foi a teoria dos atos de fala.
nologia logicista. Com isso, estreita vínculos
com as ideias de Peirce e dar uma nova roupa- Essa teoria foi exposta na conferência How to do
gem a essas ideias numa proposta que chamou things with words ministrada por Austin em 1962.
de pragmatismo radical. Nesse texto, Austin explica que a linguagem é uma
atividade construída pelos interlocutores, de modo
• Donald Davidson e Richard Rorty: tributários que “é impossível discutir linguagem sem conside-
das ideias de James Dewey e Wittgenstein, Da- rar o ato de linguagem, o ato de estar falando em
vidson e Rorty deram aos estudos pragmáticos si – a linguagem não é assim descrição do mundo,
americanos uma perspectiva historicista e de- mas ação” (Pinto, 2006:57).
fenderam o ponto de vista de que é a coerên-
cia interna e não a verdade que apoia qualquer Assim, a Escola Analítica Inglesa – que conta com
sistema interpretativo. a contribuição de Strawson e Austin – volta-se para
a linguagem usada no cotidiano pelos falantes que
Ancorado em perspectivas teóricas que ora se apro- mobilizam os enunciados em situações concretas
ximavam, ora se afastavam, o pragmatismo ameri- de enunciação. Ou seja, esses autores, inclusive
cano procurou, em suas investigações, relacionar Wittgenstein e Searle (este último, americano) de-
signo e falante e, com esse gesto, entender os pro- monstram particular interesse nos atos de fala que
cessos de significação. compreendem os interlocutores e a situação em
que realizam a atividade linguística.
Capítulo 3 39

Ao propor uma abordagem diferente dos atos de e desdobrou os atos performativos e constativos em
discurso, Austin “pretende com sua análise resol- três: atos locucionários, atos ilocucionários e atos perlo-
ver ou pelo menos esclarecer os problemas filo- cucionários. Assim,
sóficos” (Araújo, 2004:128). É nesse sentido que
podemos dizer que Austin intenciona colocar a ele propôs chamar atos locucionários aqueles que dizem
problemática filosófica num outro lugar e, nesse alguma coisa; atos ilocucionários, aqueles que refletem a
deslocamento, resolver alguns dos problemas com posição do(a) locutor(a) em relação ao que ele(a) diz; e atos
perlocucionários, aqueles que produzem certos efeitos e con-
os quais a filosofia vinha se deparando.
sequências sobre os/as alocutários/as, sobre o/a próprio/a
locutor ou sobre outras pessoas. Esses três níveis atuam
Apoiado no pressuposto que afirma que a unidade
simultaneamente sobre o enunciado (Pinto, 2006:58)
mínima da comunicação é o ato de fala, Austin lis-
ta alguns manifestando essa unidade, entre outros,
Para entender melhor essa reformulação da teoria
podemos citar atos como descrever, prometer, cri-
austiniana, segue o exemplo:
ticar, sugerir, afirmar, ordenar, perguntar, acusar,
agradecer.
c. Por favor, sirva-se de mais uma caldeirada!
A primeira diferenciação que Austin apresenta
Nesse exemplo, temos a realização dos três atos
em sua teoria é a de enunciados performativos e
concomitantemente:
enunciados constativos. Por enunciados perfor-
mativos entende-se aqueles que realizam uma ação
I. o ato locucionário seria o conjunto de sons
pelo fato de terem sidos ditos e por enunciados
que estão organizados a fim de realizar um sig-
constativos aqueles que realizam uma afirmação,
nificado;
declaram algo sobre alguma coisa. Vejamos um
exemplo:
II. o ato ilocucionário é a ação que o enunciado
produz. No caso de c, trata-se de uma ordem
a. Ordeno que você saia.
que é dada com polidez;
O enunciado acima é performativo, uma vez que
III. o ato perlocucionário é o efeito produzido no
“realiza” uma ação enquanto é enunciado. Ao
falante que ouve o enunciado, que pode ser
pronunciar Ordeno..., o falante realiza a ação de or-
de coação a fazer algo não disposto ou não do
denar. É isso que caracteriza a performatividade.
agrado.
Assim sendo, o ato não pode ser confundido com
a expressão ou a frase em que se realizou, pois para
Considerando que os atos de fala geralmente
que o ato seja eficaz é necessário que alguns aspec-
podem apresentar ambiguidade em sua interpre-
tos do contexto estejam presentes. No enunciado
tação, os falantes costumam levar em conta a si-
acima, a pessoa que ordena deve estar em condi-
tuação em que são proferidos e, assim, “podemos
ções de realizar esse ato. Essas condições vão desde
dizer que os atos de um enunciado ocorrem simul-
a posição (social, hierárquica etc) de quem produz
taneamente, são relativos ao contexto de fala e às
até a situação de enunciação.
pessoas que falam, e são interpretáveis com uma
amplitude muitas vezes difícil de ser descrita nos li-
Mas Austin não se ocupou apenas dos atos per-
mites de uma análise linguística” (Pinto, 2006:59).
formativos. Ele debruçou-se também sobre os atos
constativos, ou seja, aqueles que apenas afirmam
John Searle, por meio da teoria dos atos de fala,
algo sobre alguma coisa. Por exemplo:
entrou definitivamente na agenda programática
da Linguística. Com a publicação de Speech acts,
b. O livro está rasgado.
de 1969, Searle organiza e dá um acabamento às
ideias desenvolvidas por Austin. Isso pode ser com-
Nesse caso, não ocorre uma ação enquanto o
provado na organização de um quadro taxonômico
enunciado é proferido. Apenas faz-se uma afirma-
dos atos de fala. Esse empreendimento foi iniciado
ção acerca da condição material do livro.
por Austin, que logo o abandonou ao convencer-se
de que havia uma falta de nitidez para esse tipo de
Austin prosseguiu na construção de conceitos que
classificação.
dessem conta dos fenômenos investigados à época
40 Capítulo 3

As repercussões da teoria dos atos de fala para os que estão presentes em todo processo de comuni-
estudos linguísticos são evidenciadas na quanti- cação bem sucedido. Essa visão do processo comu-
dade de pesquisas científicas que buscam apoio nicativo recebeu de Jacob L. Mey severas críticas,
teórico nos conceitos cunhados por Austin e estu- uma vez que, na leitura desse autor, a noção de
diosos, que apresentaram uma releitura dos seus cooperação implica e sustenta a ideia de parceria
trabalhos e propostas. Atualmente ainda é possível social, que tem como equivalente a ideia da lingua-
encontrar trabalhos científicos que ancoram suas gem isenta de conflitos e desigualdades sociais.
investigações na teoria dos atos de fala, e, nas diver-
sas sub-áreas da Linguística (Análise do Discurso, Seguindo a linha crítica de Mey, os estudos prag-
Linguística Textual, Análise da Conversação, Se- máticos desenvolvidos atualmente descartam a
mântica etc), há trabalhos que trazem contribuição ideia de língua neutra e de comunicação como
dessa teoria para montar seu arcabouço teórico- ferramenta de transmissão do pensamento. A co-
-metodológico. municação é vista, nessa perspectiva, como a base
material sobre a qual se desenvolvem processos so-
ciais. Segundo Pinto (2006:62),
6. A Comunicação:
“atuais pragmatistas apostam em comunicação como traba-
Estudos Híbridos lho social, realizado com todos os conflitos consequentes
das relações na sociedade.”
Os estudos da comunicação caracterizam-se por
receber contribuição da Teoria dos Atos de Fala e Ou seja, a linguagem é constitutiva da realidade.
do Pragmatismo americano. Valendo-se de releitu- Ela constrói e reconstrói realidades, bem como é
ras dos métodos e das propostas apresentadas por afetada pelas contradições sociais que se deixam
tais teorias, os autores ligados a essa corrente inau- evidenciar nos enunciados realizados em situações
guram um novo viés pelo qual a língua(gem) será de comunicação.
abordada. A essas releituras, acrescentam a pers-
pectiva filosófica historicista. Nesse momento dos estudos pragmáticos, o que
vemos é uma tentativa de abertura do campo a fim
A difusão dos estudos marxistas pela Europa le- de incluir em sua margem de interesses objetos
vou ao aparecimento de novas questões sobre a que ainda não receberam a devida atenção da Lin-
língua(gem). Essa mudança epistemológica resul- guística. Essa ampliação dos interesses da Pragmá-
tou na inclusão de aspectos extralingüísticos, como tica pode oferecer uma contribuição consistente e
a diferença de classes, nos estudos da comunica- relevante aos estudos da comunicação humana.
ção. Pinto (2006:61) assevera que

“muitos autores e autoras se perguntavam o que significa-


ria a diferença de classe social para a comunicação entre VOCÊ SABIA?
pessoas.”
G. P. Grice
Fonte: http://scottthornbgrice.jpg
ury.files.

Assumindo outro direcionamento, mas sem aban- (1913-1988)


filósofo da lin-
donar questões fundamentais para os pesquisado-
wordpress.com/2010/03/

guagem que
res dessa corrente, um grupo de estudiosos da co- se encontra
municação optou por verificar que enfoque estava entre os fun-
sendo dado às questões relativas à comunicação dadores dos
no âmbito da Filosofia, da Etnologia e das ciências estudos prag-
máticos mo-
sociais. derno s, é lem -
brado por sua
udos que relacionam
Nessa reavaliação dos estudos da comunicação, contribuição aos est -
linguístico. Grice postu
o conceito de cooperação elaborado por Herbert falante e significado op era tiv o
princípio co
lou a existência de um
Paul Grice foi alvo de críticas. Para Grice, a comu- nv ers aç ão . Ess e princípio foi des-
geral na co má-
nicação é orientada por princípios de cooperação as co ersacionais:
nv
dobrado em máxim ali da de,
máxima da qu
– que foram sistematizados naquilo que chamou xima da quantidade, a do mo do .
e máxim
de implicaturas conversacionais – e atende a regras máxima da relevância
Capítulo 3 41

ATIVIDADE |
Leia atentamente a tira da Mafalda, analise-a e aponte os
VOCÊ SABIA?
atos de fala realizados nessa situação de comunicação.

Fonte: http://arts.hkbu .html


.edu.
hk/~eng/1%20Seminar

Fonte: http://fernandaisobe.blogspot.com/2010_03_01_archive.html
) é pro-
Jacob L. Mey (1926
tituto de
fessor emérito do Ins
Co mu nicação
Linguagem e
da de do Sul da
da Universi
arc a, lec ion a lin guís-
Dinam
za çã o em
tica com especiali -
Em 19 77 , fun
pragmática.
Jor na l de Pra gm áti ca
dou o
cs), que
(Journal of Pragmati
div ulg aç ão das
permitiu a
es, pe sq uis as e fun-
discussõ
áti .
ca
damentos da Pragm

RESUMO
A Pragmática – como campo de estudo dos usos que os falantes fazem da língua(gem) –
longe está de formar um conjunto homogêneo, seja em relação à teoria e à metodologia
utilizadas em seu âmbito, seja em relação ao objeto de pesquisa do qual se ocupa. As-
sumindo diferentes pontos de vista que partem de lugares teóricos distintos, a Pragmática
ainda coloca questões acerca do alcance teórico-metodológico das suas propostas, bem
como repensa o objeto das suas investigações. Ao longo do percurso que fizemos, resu-
mimos três pontos de vista nos quais a Pragmática se ancora, a fim de constituir-se como
disciplina científica que dispõe de um corpo teórico suficientemente organizado e aplicável
a diferentes fenômenos. Assim, as correntes teóricas que aqui apresentamos têm apenas a
finalidade de fazer vislumbrar um panorama alargado pela inclusão de novos interesses e
pela reelaboração dos métodos de pesquisa que visa dar conta da novidade que é a lin-
guagem humana.

REFERÊNCIAS LEVINSON, S. C. Pragmática. São Paulo: Mar-


tins Fontes, 2007.
ARMENGAUD, F. A pragmática. São Paulo: Pa-
rábola Editorial, 2006. OLIVEIRA, R. P. Pragmática. In: MUSSALIN, F.;
BENTES. Introdução à Linguística: domínios
ARAÚJO, I. L. Do signo ao discurso: introdução e fronteiras. Vol. 2. 5. Ed. São Paulo: Cortez,
à filosofia da linguagem. São Paulo: Parábola 2006.
Editorial, 2004.
4
Capítulo 4 43

Pragmática:
Conceitos Teóricos
Prof. Luciano Taveira de Azevedo
Carga Horária | 15 horas

Ementa
Semântica da palavra, do texto e do discurso. Campos semânticos. Sinonímia, an-
tonímia e polissemia. A semântica do enunciado e da enunciação. As semânticas
estrutural e cognitiva. Sentido e referência. Enunciado e Enunciação. Semântica
e Pragmática. Enfoque epistemológico dos conteúdos. Planejamento do ensino.
Metodologia e recursos didático-pedagógicos. Avaliação de competências.

Objetivos Específicos
• Apresentar ao aluno os conceitos basilares da semântica e da pragmática
linguística.

• Refletir acerca dos processos de construção do sentido a partir das perspecti-


vas teóricas concernentes aos campos teóricos da semântica e da pragmática.

• Possibilitar o conhecimento dos diversos recursos linguísticos agenciados na


produção de sentido.

Introdução
Querido(a) aluno (a),

Chegamos ao último capítulo do nosso curso. Temos por certo que percorremos,
ao longo desses quatro capítulos, o caminho dos estudos que têm o sentido como
o foco da sua abordagem e interesse científico. Neste último, aprofundaremos
alguns conceitos fundamentais da Pragmática a partir da análise de sentenças
e/ou textos. Assim, conceitos, como os de dêixis, implicatura conversacional,
pressuposição, atos de fala, entre outros, ganharão uma reflexão pormenorizada,
a fim de entendermos como os conceitos pragmáticos são operacionalizados no
campo da Pragmática.
44 Capítulo 4

1. Enunciado e Contexto reduz-se a um processo que envolve um emissor


que codifica uma mensagem que é enviada a um
Como vimos em outro capítulo, a questão do receptor que a decodifica. De acordo com esse es-
sentido ocupou o interesse de filósofos, filólogos quema, cada enunciado carrega um sentido estável
e estudiosos da linguagem que se depararam com que foi dado pelo emissor e não se encontra sujei-
problemas que diziam respeito à relação entre lín- to a ambiguidades, equívocos, deslizes de sentido.
gua e mundo. Em algumas correntes dos estudos Esse sentido estável é decifrado pelo receptor que
linguísticos, como o estruturalismo e o gerativis- compartilha o mesmo código linguístico com o
mo, o sentido não se constituiu como o centro emissor. Segundo Maingueneau (2005:19),
de preocupação dos linguistas fundadores dessas
correntes. Embora não tenham ignorado esse as- nessa concepção da atividade linguística, o sentido estaria,
pecto do fenômeno linguístico, elegeram a língua de alguma forma, inscrito no enunciado, e sua compreen-
como objeto de estudo por excelência e afirmaram são dependeria, essencialmente, de um conhecimento do
léxico e da gramática da língua; o contexto desempenharia
que o sentido seria objeto de investigação de ou-
papel periférico, fornecendo os dados que permitem desfa-
tra disciplina, a saber: a semiologia e a semântica.
zer as eventuais ambiguidades dos enunciados.
Essa postura em relação ao sentido assumida por
correntes de base dos estudos linguísticos resultou
Veja que, nesse entendimento do processo de co-
no interesse de filósofos e linguistas pelos proces-
municação, as palavras e os seus significados man-
sos de significação que haviam sido negados nos
têm uma relação termo-a-termo, de modo que di-
estudos formais da língua. Essa preocupação em
zer isso equivale a um sentido único conferido pelo
incluir a questão do sentido leva ao aparecimento
locutor. No que diz respeito ao contexto, conside-
de diferentes abordagens que dão centralidade ao
ra-se que dizer, por exemplo, O cachorro late ou Ela
significado das sentenças. Essas abordagens compre-
está acesa, a contextualização será feita apenas para
endem desde uma concepção formal do sentido
determinar se a palavra cachorro refere-se a um cão
(Semântica Formal) até abordagens que entendem
particular ou a classe dos cães; a quem o pronome
que o sentido de uma sentença não se esgota em
Ela faz referência e se acesa refere-se a um estado
seus aspectos formais ou nas condições de verdade
(a lâmpada está acesa) ou a um comportamento (a
que a legitimam.
criança está acesa) (MAINGUENEAU, 2005). As-
sim, o contexto serve apenas como um acessório
Na esteira de estudos que incluem aspectos do
do qual se lança mão para se desfazerem possíveis
contexto de enunciação na análise dos enuncia-
ambiguidades e se garantir o sentido literal.
dos, encontra-se a Pragmática. Filósofos e linguis-
tas ligados a essa linha de estudos da linguagem
Na história dos estudos linguísticos, a língua, ob-
entenderam que considerar apenas as relações
jeto de sistematização e de especulações científicas
formais entre os elementos do sistema linguístico
de cunho positivista, sofre um deslocamento na-
não era suficiente para dar conta da questão do
quilo que diz respeito à sua concepção enquanto
sentido. Entenderam mais ainda: entender o sen-
“produto social da faculdade de linguagem e um
tido apenas como um caminho para chegar a um
conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo
referencial no mundo reduz a análise e compreen-
corpo social para permitir o exercício dessa facul-
são do fenômeno semântico à verificação de verda-
dade nos indivíduos” (SAUSSURE, 2004:17) e
de ou falsidade. Esses limites identificados nesses
passa a figurar em contextos epistemológicos que
campos teóricos impulsionaram o aparecimento
a veem “como uma forma de atividade entre dois
de novos olhares sobre o fenômeno semântico, de
protagonistas” (POSSENTI, 1988:48).
modo que aspectos extralinguísticos foram defini-
tivamente incluídos nos estudos que deram prio-
Esse deslocamento aparece nos trabalhos de Ben-
ridade aos usos da língua feitos pelos falantes em
veniste (1989;1991), Ducrot (1988) e Austin (1990)
situações comunicativas.
que, a partir do viés específico postulado por cada
teórico, traz para os estudos linguísticos elementos
Com isso, o contexto de enunciação passou a
que haviam sido deixados de fora de uma análise
ser considerado nesses estudos que estavam mais
linguística de cunho estruturalista. Assim, esses
preocupados com a fala e não, com a língua como
trabalhos ampliam as perspectivas de abordagem
sistema de formas idênticas a si mesmas. De acor-
que, agora, não mais se atêm à forma linguística,
do com uma linguística da forma, a comunicação
Capítulo 4 45

mas se ocupam dos usos feitos pelos falantes, ou seja, da enunciação em situações efetivas de comunicação.
Possenti (1988:47) assevera que

“passaria a fazer parte do objeto da lingüística o estudo dos mecanismos pelos quais o falante, apropriando-se da língua, transforma-
-a em discurso. Nessa visão, o que transforma a língua em discurso é, portanto, a enunciação, de um locutor a um alocutário (...).”

A uma linguística da forma que tem como objetivo de trabalho a análise das relações internas à estrutura,
soma-se uma linguística da enunciação que relaciona essa estrutura às suas condições reais de produção e
a vê como indissociável da atividade social dos sujeitos em interação.

A teoria da enunciação, que então se desenvolve no cenário das investigações linguísticas, reclama a inser-
ção “de outros elementos, que poderíamos por enquanto chamar de discursivos e que são todos aqueles
que não obrigam o locutor a ser absolutamente explícito (pressuposições, implicaturas, consideração de
hábitos regulares, etc)” (POSSENTI, 1988:51). Embora a teoria da enunciação, em suas primeiras produ-
ções, estivesse ainda bastante atrelada à estrutura linguística, já é possível vislumbrar um deslocamento no
sentido de relacionar essa estrutura aos seus contextos possíveis de realização. É com Austin (1990) e sua
teoria dos Atos de Fala que ocorre uma virada determinante no sentido de incluir definitivamente o sujeito
e a situação de fala na agenda programática dos estudos linguísticos. Em oposição à dicotomia saussure-
ana língua/fala que privilegia a língua como objeto por excelência dos estudos linguísticos, a Pragmática
se ocupará prioritariamente da linguagem em suas múltiplas realizações sociais. Os estudos pragmáticos
voltam-se, assim, para a análise da língua em contextos enunciativos reais.

Assim, a partir dos estudos enunciativos e pragmáticos da linguagem, a reflexão sobre os processos de pro-
dução e compreensão dos enunciados teve seus horizontes ampliados e o contexto passou a figurar nessas
reflexões como constitutivo dos processos de significação e não ficou restrito à condição de acessório,
como se estivesse ao redor do enunciado.

Dentro desses novos parâmetros, emissor/locutor e destinatário/alocutário não representam duas instân-
cias em que um (emissor) é a fonte do sentido, e o outro (destinatário), receptáculo desse sentido determi-
nado e único. Embora, no âmbito da pragmática, o locutor tenha uma intenção ao produzir o enunciado,
essa intenção – que o caracteriza como fonte do sentido – é determinada pelo lugar social que ocupa.
Esse fator pragmático responde a pergunta Quem fala? Do outro lado, temos o alocutário que se engaja no
processo comunicativo, de modo que “a pessoa que interpreta o enunciado reconstrói seu sentido a partir
de indicações presentes no enunciado produzido, mas nada garante que o que ela reconstrói coincida
com as representações do enunciador” (Mainguenau, 2005:20). É nesse sentido que podemos dizer que a
interpretação de um enunciado implica um processo em que saberes, hipóteses e raciocínios são mobili-
zados. Dessa maneira, entendemos que o contexto em que os enunciados são produzidos não se refere a
algo preestabelecido, mas, a um processo em que a construção e reconstrução da situação de enunciação
pontilha a interação verbal entre interlocutores sócio-historicamente situados.

Vejamos um exemplo sobre o que foi dito até agora, a fim de entendermos melhor essa concepção de
língua(gem) e processo comunicativo numa perspectiva pragmática:

Fonte: http://juniorcba.wordpress.com/2007/08/26/nada-a-ver-tiras-da-mafalda/
46 Capítulo 4

Nessa tirinha, temos uma situação em que Mafal- Maingueneau (2005:20) diz que
da, menina sempre preocupada em compreender
o mundo, dialoga com a mãe sobre o porquê esta- “fora de contexto, não podemos falar realmente do sentido
mos no mundo. A compreensão dos enunciados de um enunciado”,
produzidos nessa situação de comunicação é deter-
minada por fatores pragmáticos que devem ser con- de maneira que falar em enunciado é falar em
siderados dentro desse processo. O primeiro fator enunciação, ou seja, o processo que provê de signi-
que podemos citar é o estatuto dos enunciadores: ficado a sequência de signos produzida por sujeitos
em situações específicas.
I. Mafalda reconhece-se como filha e, por conse-
guinte, mais jovem que sua mãe. Por ter vivido O próximo exemplo aparece no livro Análise de
bem menos que sua mãe, entende-se inexpe- textos de comunicação de Dominique Maingueneau.
riente, ignorante das coisas do mundo; Estamos trazendo para o nosso porque julgamos o
exemplo esclarecedor dos vários aspectos pragmáti-
II. a mãe encontra-se em outra posição em rela- cos mobilizados no momento da interpretação de
ção à filha e, pelo fato de ser mãe, é tida pela um enunciado. Desse modo, atribuímos ao referi-
filha como alguém que acumulou experiências do professor a análise sem deixar de acrescentar o
e, por isso, capaz de responder e desfazer as ponto de vista que nos concerne.
dúvidas que carrega.

Fonte: http://buededicas.blogspot.com/2009/07/proibido-
Além disso, a mãe reconhece o papel social assumi-
do por Mafalda na interlocução: ela é filha, mais
jovem, e, com efeito, não conhece muito sobre o
mundo. Essas representações das posições sociais
referentes à filha e à mãe são mobilizadas durante
o processo de compreensão dos enunciados.

Outro fator determinante para a compreensão dos

-fumar-no-club.html
enunciados é a condição material em que os enun-
ciados são produzidos: trata-se de uma conversa in-
formal, provavelmente em casa, entre mãe e filha.
Não se trata de um debate nem de uma conferência
sobre o sentido do mundo. Essa situação imediata
em que os enunciados são produzidos oferece pis- O enunciado Proibido fumar colocado numa pare-
tas que orientam o reconhecimento da intenção de de um escritório ou consultório médico parece
dos interlocutores inseridos nesse processo. simples e seu sentido, evidente. Assim nos pare-
ce, porque desconhecemos todas as instâncias que
Desse modo, podemos concluir que não basta o mobilizamos a fim de interpretar esse enunciado.
reconhecimento da sequência de signos produzida Na verdade, a interpretação do enunciado encon-
pelos interlocutores. Sem considerar esses fatores tra-se submetido a uma série de dispositivos que
pragmáticos que constroem o contexto do processo são acionados no momento que o processo de
comunicativo, a compreensão seria praticamente compreensão é desencadeado. Dentre esses dispo-
impossível. É por que levam em consideração ele- sitivos, temos o reconhecimento da sequência de
mentos extratextuais que constituem os sentidos signos, ou seja, de uma sequência verbal que confi-
produzidos nessa situação comunicativa que a mãe gura um enunciado. Ao tomarmos consciência de
de Mafalda entende sua pergunta e responde pron- que se trata de um enunciado, passamos à instân-
tamente. Por sua vez, Mafalda – lançando mão de cia seguinte que é atribuir uma fonte enunciativa
sua postura crítica e considerando o contexto mais a esse enunciado, ou seja, um sujeito responsável
amplo em que vivemos – entende a resposta da por sua formulação. Esse sujeito, ao formular esse
mãe como uma tentativa de fazer humor. É nesse enunciado, teria uma certa intenção, um certo sen-
sentido que podemos dizer que a reconstrução do tido a produzir. Mas não consideramos apenas o
enunciado feita pelo alocutário pode não coinci- enunciado e o sujeito que o produziu, levamos em
dir com a representação construída pelo locutor. consideração também as condições materiais de
Capítulo 4 47

apresentação – no dizer de Maingueneau (2005) O texto foi produzido para funcionar como
– para que o enunciado produza os efeitos que se capa do filme O Menino do Pijama Listrado.
pretende. Maingueneau (2005) afirma que, se em No enredo, temos a história de amizade entre
vez da sóbria placa com letras maiúsculas pretas, duas crianças (um é judeu e o outro alemão)
tivéssemos uma placa toda colorida, protegida por durante a Segunda Gerra Mundial. Levando
um vidro, assinada no canto, certamente, as pes- em consideração que apenas a consideração
soas que se encontram na sala pensariam tratar-se dos aspectos linguísticos não é suficiente para
de uma obra de arte e não, de um aviso proibitivo. atribuir sentido ao enunciado acima e compre-
endê-lo, levante hipóteses acerca dos elemen-
Se assim o fosse, se a proibição de fumar tivesse tos extralinguísticos (pragmáticos) que preci-
sido apresentada sob a forma de um objeto deco- sam ser mobilizados quando da leitura desse
rativo (uma obra de arte, p. ex.), as pessoas não enunciado.
se sentiriam intimidadas por ela nem proibidas de
fumar. Por outro lado, ao verem uma placa criada
sob um certo padrão e colocada num lugar de des-
taque, pensam que se trata de um enunciado sério
e importante. SAIBA MAIS!
o acerca da relação
Aprofunde a discussã tu-
Além disso, o enunciado deve reunir os aspectos ntexto a partir da lei
entre enunciado e co
:
necessários e instituidores de uma proibição, uma ra das seguintes obras
vez que “não se trata simplesmente de um enun- de
minique. Análise
ciado verbal: ele possui aqui um certo valor prag- MAINGUENEAU, Do ed . Sã o Paulo:
aç ão . 4.
textos de comunic
mático, isto é, pretende instituir uma certa relação
Cortez, 2005.
com o seu destinatário” (Maingueneau, 2005:21). os
svendando os segred
Ou seja, o enunciado deve “mostrar” aos seus in- KOCH, Ingedore. De 20 06 a.
ulo: Cortez,
terlocutores por meio de marcas linguísticas e pis- do texto. 5. ed. São Pa
no
tas materiais que a fonte que o produziu é séria, o mais detidamente
O assunto é abordad e ca pí-
de modo a realizar o ato que pretende: proibir Maingueneau
capítulo 1 do livro de
um determinado comportamento. Nisso consiste do liv ro de Koch. Boa leitura!
tulos 1 e 2
o valor pragmático de um enunciado. Ao interpre-
tarmos um enunciado, mobilizamos uma série de
dispositivos que não são apenas linguísticos, mas
também, pragmáticos. 2. A Dêixis
ATIVIDADE | Enunciar é pôr o sistema linguístico em funcio-
namento, de modo que numa situação de enun-
Fonte: http://www.omelete.com.br/cinema/o-menino-do-pijama-listrado/

ciação ancoramos o enunciado nessa situação e


indicamos, por meio de marcas linguísticas, os in-
terlocutores, o lugar e o tempo envolvidos no pro-
cesso enunciativo. Levinson (2007:65) afirma que

“se há um modo pelo qual a relação entre língua e contexto


se reflete nas estruturas das próprias línguas de maneira
mais evidente, esse fenômeno é a dêixis.”

O enunciado é produzido num determinado mo-


mento, lugar e por um enunciador que o assume e
dirige a um co-enunciador. Esses elementos extra-
linguísticos são codificados pelas línguas mediante
o uso dos pronomes, tempos verbais, demonstra-
tivos, advérbios de tempo e lugar e muitas outras
marcas linguísticas que apontam para a situação
enunciativa.
48 Capítulo 4

Dêixis, para Levinson (2007:65),

“diz respeito às maneiras pelas quais as línguas codificam ou gramaticalizam traços do contexto da enunciação ou do evento da
fala e, portanto, também diz respeito a maneiras pelas quais a interpretação das enunciações depende da análise desse contexto
de enunciação.

Vejamos um exemplo:

Fonte: O irmãozinho de Mafalda. São paulo: Martins Fontes, 1999. p. 13.

Essa tira da Mafalda ilustra bem o que acabamos “a linguagem humana tem como característica o fato de
de apresentar. Susanita encontra Mafalda e de- que os enunciados tomam como ponto de referência o pró-
sencadeiam um processo comunicativo baseado prio ato enunciativo do qual são o produto.”
em enunciados verbais e não-verbais. No diálogo
do segundo quadrinho entre Mafalda e Susanita, Isso aponta para o fato de que as línguas naturais
aparecem alguns elementos dêiticos que referem à não são “indiferentes” à situação em que o proces-
situação de enunciação. Vamos ver quais são eles: so de interação verbal acontece.

- O que aconteceu, Mafalda? 2.1. Dêixis de Pessoa


- É que este ano não vou poder sair nas férias com meus
pais, porque temos que esperar a chegada do meu futuro Aos elementos que marcam no enunciado a catego-
irmãozinho. ria de pessoa, ou seja, apresentam os interlocutores
implicados no processo comunicativo, chamamos
Na fala de Susanita, identificamos o substantivo de dêiticos de pessoa. São eles:
Mafalda que remete ao interlocutor, ou seja, aquele
a quem ela dirige o enunciado. Em Mafalda, te-
mos uma referência a um elemento extratextual, • Os pronomes pessoais de primeira e segunda
situado fora da sequência linguística. Em seguida, pessoas: eu, tu/você(s), nós vós;
na resposta de Mafalda, podemos identificar como
elementos dêiticos o pronome demonstrativo este • Os determinantes meu/teu, nosso/vosso, seu e
e a forma verbal temos que se encontra no presente suas formas femininas e plurais;
do indicativo. Assim, o demonstrativo este ancora
ano no momento da enunciação, ou seja, no tem- • Os pronomes o meu/o teu, o nosso/o vosso, o seu
po em que o processo enunciativo se desenvolve: e suas formas no feminino e plural;
o ano presente. A forma verbal temos também re-
mete ao tempo presente e refere-se ao ano em que Através desses elementos, o enunciado revela a
a enunciação se realiza. presença do sujeito enunciador que o produziu.
Assim, os enunciados possuem dispositivos indica-
O exemplo acima fundamenta também aquilo que dores ou marcadores da enunciação. É através da
Maingueneau (2005:105) assevera acerca da dêixis: dêixis que se estabelece a relação entre a língua e o
contexto. Consideremos o exemplo:
Capítulo 4 49

Nessa tira, Mafalda questiona a


mãe acerca do porquê estamos
no mundo. Diante da resposta
da mãe, considerada pela menina
como clichê, ela diz: - Sua dana-
da! Você nunca disse que tinha tanto
senso de humor! O pronome você,
presente no enunciado do último
quadrinho, aponta para a segunda

Fonte: http://www.sempretops.com/diversao/tirinhas-da-mafalda/
pessoa do discurso, ou seja, a mãe
de Mafalda. Temos, nesse exemplo,
um elemento dêitico (você) que re-
mete ao co-enunciador presente na
situação de comunicação. Outro
elemento que podemos citar como
exemplo de dêitico de pessoa é a
expressão a gente usada por Mafal-
da no primeiro quadrinho. Essa
expressão corresponde à primeira
pessoa do plural e poderia ser subs-
tituída por nós, sem ter o sentido
comprometido.

2.2. Dêixis de Tempo

As marcas dêiticas de tempo têm o momento da enunciação como referência. É por meio do uso dos
dêiticos temporais que podemos localizar um acontecimento presente, passado ou futuro em relação ao
momento em que se fala.

Os dêiticos de tempo são apresentados pelos seguintes elementos:

• marcas de presente, passado e futuro acrescentadas aos radicais dos verbos, como: ando, andei, andarei;

• palavras ou expressões com valor temporal, como: ontem, daqui a um ano, hoje, amanhã, dentro de
um ano etc. que têm como ponto de referência o momento da enunciação. Assim, dentro de um ano
designa uma duração de um ano a partir do momento em que se fala; o advérbio ontem designa o dia
anterior; hoje designa o próprio dia da enunciação (MAINGUENEAU, 2005:108).

Analisemos a tirinha:

Fonte: http://clubedamafalda.blogspot.com/
50 Capítulo 4

No primeiro quadrinho, Mafalda conversa com Nessa situação comunicativa, Mafalda levanta uma
Susanita sobre o fato de ter deixado o tinteiro questão que poderíamos denominar de filosófica ao
cair em cima do caderno. No momento em que perguntar a Miguelito:
fala, utiliza o advérbio ontem que refere ao dia an-
terior ao momento da enunciação. Através desse - Alguma vez você já se perguntou para que a gente está
expediente, o enunciado é ancorado na situação neste mundo?
de enunciação que é anterior ao momento da sua
produção. A unidade dêitica ontem é uma entidade O demonstrativo neste, que aparece no primeiro
do sistema da língua que tem uma ligação imediata quadrinho, localiza o espaço onde Mafalda, Migue-
com a situação enunciativa, de modo que permite lito e toda a humanidade se encontram. A referên-
organizar as coordenadas do processo comunicati- cia ao lugar mais amplo, o planeta Terra, é feita por
vo. É a partir desse sistema de coordenadas que se meio do demonstrativo neste que aponta para um
realizam as operações de referenciação que tornam lugar próximo dos interlocutores implicados no
possível a significação. processo enunciativo. É nesse sentido que Levin-
son (2007:97) assevera que
2.3. Dêixis de Lugar
“a dêixis de lugar ou espaço diz respeito à especificação
O lugar onde a enunciação acontece é marcado de localizações relativamente aos pontos de ancoragem no
no enunciado por elementos que especificam a acontecimento discursivo.”
localização de pessoas e objetos relativamente ao
ponto de referência constituído pelo espaço onde Assim, elementos que se localizam fora da língua
se dá a enunciação. Esses elementos não são mui- são codificados pela língua e apresentados aos in-
tos e estão restritos alguns advérbios e pronomes terlocutores dentro de um processo que envolve
demonstrativos: enunciado e enunciação, ou seja, sequência de sig-
nos linguísticos e contexto de produção.
• aqui designa o espaço onde falam os interlocu-
tores; Por fim, a dêixis está relacionada com o gesto de
apontar. Esse gesto é de caráter verbal e realiza-se
• lá designa um lugar distante em relação aos in- em enunciados concretos, cujo significado encon-
terlocutores; tra-se acorado na língua e nos fatores pragmáticos
que os constituem.
• este/esta/isto; esse/essa/isso e aquele/aquela/
aquilo fazem referência a objetos e pessoas lo-
calizados no processo enunciativo. SAIBA MAIS!
,
iticos apresentados
Vamos ver como isso acontece analisando o exem- Além dos casos dê ne au (20 05 )
Maing ue
plo abaixo: Levinson (2007) e ou de tex to.
dis cu rso
falam da dêixis de
respeito às referen-
Esse tipo de dêixis diz
no interior do texto
ciações que são feitas -
ntos ou parte do pró
para retomar eleme ) va i fa-
ueneau (2005
prio discurso. Maing
nc ia pe lo enunciado e exem-
lar de referê
do seguinte:
plifica com o enuncia
-
15 de maio. Na véspe
Paulo chegou no dia rat on a.
uma ma
ra, ele tinha corrido
Fonte: http://clubedamafalda.blogspot.com/

-
nesse exemplo a pa
O autor afirma que erê nc ia 15 de
mo ref
lavra véspera tem co e
io, ou sej a, um elemento do texto
ma O me s-
enunciação.
não, o momento da
ser dit o do pro nome ele que re-
mo pode
e é um elemento do
toma o termo Paulo qu
situ aç ão de enunciação.
cotexto e não, da
Capítulo 4 51

VOCÊ SABIA?

Fonte: http://neurasdeneuza.blogspot.com/p/prosa-e-desverso.html
Fonte: http://revistaep -15228,00.html
Dominique

oca.globo.com/
Maingueneau
ensina ciên-
cias da lin-

846
guagem na

MI8
Un ive rsi da de

/0,,E
Paris XII-Val-
de-Marne. In-

oca
teressa- se por

/Ep
fenônemos da

Revista
enunciação e
do discurso.
ras e, entre as que fo-
Publicou diversas ob s
o português, citamo
ram traduzidas para An áli-
Tendências em
as principais: Novas de Tex tos de
), Análise
se do Discurso (1993
aç ão (20 05 ), Cenas da Enuncia-
Comunic
do s Discursos (2008).
ção (2008) e Gênese
Agora conclua: como esses fatores pragmáti-
cos, ou seja, relacionados à situação de enun-
ciação, constroem o sentido de um enunciado?

3. A Implicatura Conversacional
ATIVIDADE |
Identifique, nas tiras, os elementos dêiticos e, A teoria da implicatura conversacional introduzida
em seguida, aponte os elementos da situação por H. P. Grice nos estudos pragmáticos provocou
de enunciação aos quais se referem. um impacto bastante significativo nesses estudos.
Os primeiros textos de Grice que receberam noto-
riedade no meio acadêmico foram produzidos en-
tre os anos 1956-1957. Meaning, escrito em 1957,
tornou conhecida a sua teoria da comunicação que
trazia os conceitos de significação natural e não-na-
tural. Mas foi com Logic and conversation (publica-
do em 1975), texto que apareceu nas conferências
proferidas na Universidade de Harvard durante
um evento em homenagem a William James, que
Grice apresenta sua maior contribuição teórica
aos estudos da significação. Em seus textos, Grice
Fonte: http://clubedamafalda.blogspot.com/

construiu um aparato teórico que permitisse en-


tender os efeitos de sentido que vão além do que é
dito. Ou seja, como um enunciado pode significar
algo além daquilo que foi literalmente expresso. A
fim de entender esse fenômeno, Grice pensou na
existência de regras que permitisse a um falante (A)
transmitir algo além da frase e a um falante (B)
entender essa informação que extrapola o que está
explícito no dito.

A fim de responder a essa inquietação intelectual,


Grice propõe o conceito de implicatura conversacio-
nal. Em Levinson (2007:126), lemos que
52 Capítulo 4

a segunda teoria de Grice, na qual ele desenvolve o concei- B. Democrático demais1.


to de implicatura, é essencialmente uma teoria a respeito
de como as pessoas usam a língua. A sugestão de Grice Nesse diálogo, há quebra da máxima da qualidade
é que existe um conjunto de suposições mais amplas que
por não ser dada uma resposta necessariamente
guiam a conduta da conversação. Elas surgem, ao que pa-
rece, de considerações racionais básicas e podem ser for-
verdadeira. No exemplo, a ironia comanda a impli-
muladas como diretrizes para o uso eficiente e eficaz da catura por sugerir justamente o oposto do que foi
língua na conversação para fins cooperativos adicionais. dito e não obedecer à máxima da verdade. (A) e (B)
Grice identifica como diretrizes deste tipo quatro máximas dispõem da informação de que a grande acusação
básicas da conversação ou princípios gerais subjacentes ao que pesa sobre os militares durante a ditadura mili-
uso cooperativo da língua, que, juntos, expressam um prin- tar é de que esses não são eleitos pelo povo e criam
cípio cooperativo geral. obstáculos às eleições diretas. Desse modo, a res-
posta de (B) é irônica, uma vez que afirma algo que
Trocando a citação acima em miúdos, podemos ele não acredita para implicar que, ao contrário do
dizer que para Grice, quando dois interlocutores que diz, o governo militar é antidemocrático.
estão dialogando, há leis implícitas que governam
o processo comunicativo. Desse modo, os interlo- 3.2. Máxima da Quantidade
cutores trabalham a mensagem de acordo com cer-
tas normas comuns que configuram o sistema coo- Essa máxima está relacionada à quantidade de in-
perativo entre eles. Grice vai chamar esse conjunto formação fornecida numa mensagem. A esse prin-
de regras implícitas ao processo comunicativo de cípio, correspondem duas máximas:
princípio de cooperação. Para ele, é impossível que
o processo comunicativo ocorra sem a presença I. Faça com que sua mensagem seja tão informa-
dessas regras. Algumas dessas regras conheceremos tiva quanto necessária para a conversação;
agora:
II. Não dê mais informações que o necessário.
3.1 Máxima da Qualidade
A máxima da quantidade determina que o enun-
A máxima da qualidade tem a ver, a princípio, com ciador deve dar a informação máxima, levan-
a supermáxima: Procure afirmar coisas verdadeiras e, do em consideração a situação. Maingueneau
em seguida, com máximas específicas: (2005:36) disponibiliza dois exemplos bastante
elucidativos:
I. não diga o que acredita ser falso;
quando se lê em um artigo de jornal “Sete reféns foram
II. não afirme algo para o qual você não possa ofe- libertados na embaixada do Japão”, supõe-se que o enun-
recer evidência adequada. ciado deu a informação máxima, isto é, que sete reféns ao
todo foram libertados. (...) Da mesma maneira, se, num
guia turístico do Brasil, lê-se “O Rio está localizado a uma
De acordo com essa máxima, para afirmar algo,
certa distância da Bahia”, sem maiores precisões, pode-se
deve-se estar em condições de garantir a verdade considerar que a lei de informatividade foi transgredida,
do que se diz; para dar uma ordem, deve-se querer relativamente ao contrato imposto a esse tipo de livro, que
que a ordem seja obedecida, não ordenar alguma visa fornecer informações práticas.
coisa impossível ou já realizada (MAINGUENE-
AU, 2005). Se o enunciador diz algo que não quer Essa máxima conversacional especifica que se-
ver realizado ou se enuncia algo que saber ser falso, jam fornecidas informações completas, de modo
a máxima da qualidade não será respeitada. Anali- que seu efeito é acrescentar uma inferência prag-
semos o exemplo seguinte: mática de tal maneira que o enunciado proferi-
do seja o mais informativo numa determinada
A. O que você acha do governo militar? situação.

1
Exemplo extraído do artigo A Teoria Inferencial das Implicaturas: descrição do modelo clássico de Grice escrito por Jorge Campos da Costa – PUCRS.
Capítulo 4 53

3.3 Máxima da Relevância comunicativo. Com essa pretensão em mente, pro-


pôs os princípios cooperativos que são acionados
Essa máxima determina que o enunciador faça no momento da interlocução. Esses princípios
com que sua contribuição seja relevante e traduz-se guiam-se por máximas que estão atreladas aos fato-
no imperativo Seja relevante. Vejamos um exemplo: res pragmáticos que jogam no processo enunciati-
vo. Se a máxima é violada, o sentido do enunciado
Marido e mulher estão conversando e temos o se- pode ser outro, diferente daquele atrelado às pala-
guinte diálogo: vras da frase e que poderíamos chamar de literal.
Trilhando esse caminho, Grice explicava aquilo
A. Você vai me dar um Renault? que o inquietava quando elaborou as ideias que
B. Poxa! Como estou cansado hoje. por ora apresentamos, ou seja, o sentido outro, de-
corrente da situação de enunciação.
Nesse diálogo, o marido (B) quebra a máxima da
relevância para implicar que não quer considerar
a perguntar da mulher (A). Grice deu o seguinte SAIBA MAIS!
i-
exemplo para esclarecer essa máxima: ção pensado por Gr
O princípio de coopera Ma ing ue ne au
hado por
ce é assim destrinc
A. Eu realmente acho que a sra. Jenkins é uma tagare- (2005:31 -32 ):
re-
la, você não acha? construir uma interp
“Como vimos, para po r qu e o pro -
B. Hã, para março até que o tempo está ótimo, não? de ve su
tação, o destinatário “re gra s
respeita certas
dutor do enunciado en un cia do é
lo, que o
Entre outras possibilidades, a pergunta de (B) pode do jogo”: por exemp de
qu e foi pro du zido com a intenção
implicar, em determinadas circunstâncias, “cuida- “sério”, pe ito àq ueles a
e diz res
comunicar algo qu te-
do, pois o filho dela está bem atrás de você”. Assim, o identemente, a carac
quem é dirigido. Ev á no en un cia do ,
não est
enunciado de (B) é irrelevante, mas não inviabiliza rística de ser sério ret a-
o para uma interp
a comunicação que pode ser garantida pelo princí- mas é uma condiçã
pro va em contrário, se vejo
pio de cooperação. ção correta: até a
ibição de fumar em um
uma placa com a pro r qu e o av iso é
pre su mi
sala de espera, vou tór ia de s-
3.4. Máxima Modo retraçar a his
do para valer. Não posso
ra ter cer tez a: o simples fato de
sa placa pa l
de comunicação verba
Essa máxima encontra-se ligada à supermáxima entrar num processo do jog o.
item as regras
implica que se respe a-
Seja claro e às submáximas apresentadas abaixo: po r int ermédio de um contr
Isso não se faz o tác ito , ins e-
um ac ord
to explícito, mas por En tra em ação
e ve rba l.
I. Evite obscuridade de expressão; parável da atividad um
nte conhecido: cada
II. Evite ambiguidade; um saber mutuame eit a as reg ras e
iro ac
III. Seja breve (evite prolixidade desnecessária); postula que seu parce ite . Ess as reg ras
as res pe
espera que o outro as
IV. Seja ordenado. e inconscientes como
não são obrigatórias sã o co nv en çõ es
logia,
da sintaxe e da morfo int rod uz ida na
tica foi
Para esclarecer essa máxima, citamos o exemplo tácitas. Essa problemá ,
ca da de 60 po r um filósofo da linguagem
seguinte: dé no me de “m á-
ice, com o
o americano Paul Gr
co nv ers ac ion ais ”, que na França se
ximas is’
s do discurso. Tais ‘le
A. Sua secretária parecer ser eficiente. prefere denominar lei co ns ide ráv el
um papel
B. Sem dúvida, é uma mulher muito boa. que desempenham cia do s sã o um
s en un
na interpretação do
nto de no rm as qu e cabe aos interlocu-
conju ato
Nesse diálogo, a máxima do modo é quebrada pela do participam de um
tores respeitar, quan ice co loc a ess as
produção da ambiguidade provocada pelo uso da rbal. Gr
de comunicação ve lei su pe rio r, que
de um a
palavra boa que, no contexto da cultura brasileira e leis na dependência ]
o de cooperação. [...
quando referido às mulheres, veicula o sentido de ele chama de princípi
de-
ncípio, os parceiros
mulher sensual ou com determinadas atribuições Em virtude desse pri e co lab o-
certo quadro
físicas. vem compartilhar um vid ad e co mu m
dessa ati
rar para o sucesso e ca da um rec o-
em qu
que é a troca verbal, sim
Em sua formulação teórica, Grice pretendia fazer direitos e deveres, as
nhece seus próprios
vir à tona os mecanismos que jogam no processo como os do outro.”
54 Capítulo 4

ATIVIDADE | É nesse sentido que uma sentença como a) aposto


Em cada grupo de enunciado abaixo, indique cinquenta reais com você que o Sport vencerá no próximo
a máxima violada e a implicação obtida: jogo não é utilizada apenas para declarar alguma
coisa, mas para realizar uma ação, ou seja, fazer
1) alguma coisa. Como já foi mostrado no capítulo
A) O que você pensa dos judeus? 3, Austin dividiu inicialmente os atos performativos
B) Um judeu é um judeu. dos constatativos. Designou os atos constatativos
como aqueles que apenas declaram alguma coisa
2) e os atos performativos como aqueles que realizam
A) João foi internado numa clínica psiquiátrica. uma ação.
B) É, ele andava um pouco nervoso.
Em se tratando dos atos performativos, Austin afir-
3) ma que para que o ato implicado no enunciado
A) Eu perguntei se você vai me dar a aliança? performativo seja feliz, ou seja, realize-se com êxito,
B) Em compensação, acho que finalmente vai é necessário que algumas condições pragmáticas
chover. sejam atendidas. Por exemplo, para que o padre
realize o ato implicado no enunciado (b) Eu te ba-
4) tizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo é
A) – Paulo, por que você me pediu para esperá- necessário que tenha autoridade reconhecida para
-lo no quarto? isso, faça uso dos gestos e instrumentos recomen-
B) – (Na frente da mulher e do filho pequeno). dados pela instituição e cumpra o ritual conforme
Bem, eu tinha um assunto muito importante prescreve a doutrina. Esses são alguns aspectos da
para tratar com você, um assunto particular, situação que legitimam esse ato.
você me entende, não?
Pode um ato falhar ou dar errado? Segundo Austin,
sim. Quando as condições de realização desse ato
4. Atos de Fala não são atendidas, há riscos de que falhe. Como
exemplo, podemos citar o enunciado (c) Declaro-vos
A teoria dos atos de fala nasceu da preocupação2 marido e mulher! pronunciado por um adolescente
de alguns filósofos em introduzir na reflexão filo- de 15 anos e dirigido a um casal. Esse enunciado
sófica considerações sobre a linguagem corrente. não produzirá efeitos porque não atende às condi-
Assim, filósofos como Austin, definem o ato de ções necessárias para que se realize.
fala como a unidade mínima da comunicação.
Para Austin, quando usamos a língua, não transmi- Após revisões da teoria, Austin desdobrará os atos
timos o conteúdo do pensamento nem trocamos contatativos e performativos em atos locucionários, ilo-
informações apenas, mas realizamos uma ação. cucionários e perlocucionários.

Ao propor a análise da comunicação ordinária por 4.1. Os Atos Locucionários


meio da verificação dos atos que realizamos quan-
do nos comunicamos, Austin pretendia descons- Os atos lucionários correspondem ao “conjunto de
truir “a visão de linguagem que colocava as condi- sons que se organizam para efetivar um significado
ções de verdade como centrais para a compreensão referencial e predicativo, quer dizer, para efetivar
da linguagem” (Levinson, 2007:289). Com isso, uma proposição que diz alguma coisa sobre ‘eu’.”
Austin provoca uma ruptura entre o entendimen- (Pinto, 2006:58). Trata-se da dimensão linguística
to que a Semântica Formal carrega acerca do sig- propriamente dita.
nificado e inaugura outro que se encaminha pe-
los usos efetivos que os falantes fazem da língua
quando se encontram em situações concretas de
comunicação.

2
No capítulo 3, expusemos o trajeto histórico da teoria dos atos de fala e tecemos comentários acerca das motivações que levaram ao aparecimento
dessa teoria.
Capítulo 4 55

Nesse exemplo, um político – provavelmente um

Fonte: http://www.fa7.edu.br/recursos/imagens/File/publicidade/monografia/2011/
daqueles ficha suja – discursa durante um comício
e enuncia: Prometo mais segurança. O verbo prometer
enunciado nessas circunstâncias realiza uma ação e
não se restringe a declarar apenas. Para que o ato
realizado pelo verbo produza efeito, há toda uma
conjuntura extralinguística, ou seja, um procedi-
mento tido como convencional que apoia e permi-
te que a ação seja efetivada. No caso dessa charge,
temos a figura do político discursando num comí-
cio para uma multidão de eleitores. Essa situação
constrói as condições de realização do ato expres-
so pelo enunciado. É nesse sentido que Levinson
(2007:301) afirma que

“o ato ilocucionário se realiza diretamente pela força con-


mono_luana.pdf
vencional associada à emissão de certo tipo de enunciado em
conformidade com um procedimento convencional (...).”

4.3. Atos Perlocucionários


Nesse anúncio publicitário da Brastemp, temos
uma declaração Nova Brastemp Twist, a lavadora que Austin denominou atos perlocucionários aqueles
é igual a você: bonita e moderna. De acordo com a te- que produzem certos efeitos e consequências sobre
oria de Austin, o ato locucionário nesse enunciado os alocutários pelo fato de terem sido enunciados,
corresponde à sua organização gramatical dotada de “sendo tais efeitos contingentes às circunstâncias
sentido e referência. Esse conjunto de sons grama- da enunciação” (Levinson, 2007:300). Esse tipo
ticalmente organizados efetiva uma proposição que de ato é específico da situação de enunciação,
diz alguma coisa sobre a nova lavadora Brastemp. de modo que não se orienta por uma convenção
como os atos ilocucionários, mas inclui todos os
4.2. Atos Ilocucionários efeitos que se encontram em sua margem de possi-
bilidade: emocionar, irritar, intimidar etc. Analise-
Atos ilocucionários são aqueles que realizam algu- mos um exemplo:
ma coisa ao serem ditos, ou seja, produzem uma
ação que pode ser de promessa, oferta, declaração
etc. Esses atos “refletem a posição do(a) locutor(a) 2006/06/garoto-o-puro-prazer-do-chocolate.html
Fonte: http://mundodasmarcas.blogspot.com/

em relação ao que ele(a) diz” (Pinto, 2006:58).


Alguns atos definem-se pelas próprias regras da
língua(gem) enquanto outros dependem do con-
texto para realizarem o ato implicado no enuncia-
do linguístico. Vejamos um exemplo:
Fonte: http://www. papodepm.com/2010/09/prometo-

O anúncio publicitário do chocolate Baton da Ga-


-mais-seguranca-charge.html

roto realiza o ato de ordenar através do enunciado


Cooompre baton e o efeito perlocucionário de persu-
adir o consumidor a comprar o produto anuncia-
do. Esses efeitos produzidos pelos perlocucionários
são indeterminados e encontram-se estreitamente
atrelados à situação de enunciação.
56 Capítulo 4

ATIVIDADE |
SAIBA MAIS! Nos enunciados abaixo, aponte o ato realizado
os percursos teórico- e o efeito produzido sobre o interlocutor:
Aprenda mais sobre
gmática lendo o li-
-metodológicos da Pra
: fases e feições de
vro Nova Pragmática a) Protesto contra o aumento da tarifa de ônibus.
pelo linguista apli-
um fazer organizado b) Ordeno que venha aqui!
opalan. A introdução
cado Kanavillil Rajag c) Desculpo todos os meus amigos.
contrada no site:
do livro pode ser en
d) Juro falar a verdade.
-
editorial.com.br/dia e) Suplico seu perdão.
http://www.parabola
gfeicoes.pdf

5. Análise da Conversação
VOCÊ SABIA? A conversação, entendida como interação face a
s
uma classificação do face entre interlocutores por meio da língua(gem),
Austin (1962) propôs ele , ess a cla s-
atos ilocucionários. Se
gund o é a forma primeira de exposição ao fenômeno lin-
çã o de ve ria ser tom ada como material guístico. Por isso, a conversação contribui efetiva-
sifica
como algo definitivo:
para discussão e não, mente para o entendimento dos fatos pragmáticos
s consistem em pro- que regulam a produção da linguagem em contex-
“ – os ‘veridctivos’: ele -
nto (veredicto) funda tos específicos.
nunciar um julgame raz õe s, ac er-
em boas
do na evidência ou
um va lor ou de um fato. Exemplos: Entende-se por conversação “aquele tipo conheci-
ca de
, calcular, descrever,
desculpar, considerar - do e predominante de fala em que dois ou mais par-
ssificar, avaliar, carac
analisar, estimar, cla ticipantes se alternam livremente e que geralmente
terizar.
ocorre fora de contextos institucionais específicos,
-
s consistem em formu
- os ‘exercitivos’: ele no sen tid o de como serviços religiosos, tribunais, salas de aula e
favor ou
lar uma decisão em semelhantes” (Levinson, 2007:361). A disciplina,
seq uê nc ia de aç ões. Exemplos: orde-
uma dentro da grande área da Linguística, que se ocupa
der, suplicar, reco-
nar, comandar, defen :
onselhar assim como dos fenômenos relacionados à conversação é deno-
mendar, implorar, ac o ab ert a, fe-
a ses sã minada Análise da Conversação. Aqui não nos ocu-
nomear, declarar um
a, ad ve rtir, pro cla mar. paremos em expor os pressupostos teórico-metodo-
ch ad
s comprometem o lei
- lógicos da Análise da Conversação, de modo que nos
- os ‘comissivos’: ele nc ia de aç ões. restringiremos a expor alguns aspectos pragmáti-
seq uê
tor com determinada
fazer voto de, compro- cos que se encontram implicados na conversação.
Exemplos: prometer,
, garantir, jurar, ado-
meter-se por contrato
aderir a um partido.
tar uma convenção, 5.1. Algumas Características
s são utilizados para Organizacionais da Conversação
- os ‘expositivos’: ele
conduzir uma argu-
compor concepções, la-
r a utilização de pa
mentação, esclarece . Exe mp los : A conversação caracteriza-se, a princípio, por ser a
referências
vras, assegurar as ob jet ar, co nc e- primeira forma de linguagem a que somos expos-
nd er,
afirmar, negar, respo
r, exe mp lifi ca r, pa rafrasear, relacionar tos. Um exemplo típico desse modo de exposição é
de
metas.
a conversa que a mãe tem com o bebê ou a conversa
entre familiares que visitam o recém-nascido. Con-
s’ (behabitives): trata-
- os ‘comportamentai - cordamos com Marcuschi (1991:15) quando afirma
mportamento dos ou
-se de reações ao co e lhe s diz em haver cinco características básicas da conversação:
entos qu
tros, aos acontecim
ito ; sã o exp res sõ es de atitudes acerca
respe
to ou de seu destino. a. Interação entre, pelo menos, dois falantes;
de seu comportamen ici-
r-se, agradecer, fel
Exemplos: desculpa tica r, exp rim ir b. ocorrência de, pelo menos, uma troca de falantes;
ndas , cri
tar, desejar boas-vi ar, fa- c. presença de uma sequência de ações coorde-
çoar, amaldiço
condolências, aben :
e, be be r à saúde de. E ainda nadas;
zer um brind (Ar me ng au d,
desafia r” d. execução numa identidade temporal;
protestar, provocar,
20 05 :10 3-1 04 ). e. envolvimento numa interação centrada.
Capítulo 4 57

Essas características que constituem a conversação O exemplo acima ilustra duas situações muito co-
apontam para fatores pragmáticos que determi- muns ao processo conversacional: a alternância
nam o processo conversacional. Esses fatores estão de turno e a tomada de turno quando há fala si-
ancorados naquilo que é central na conversação: multâneas por meio de mecanismos reparadores.
a interação verbal centrada. Essa interação desen- Tomando como base a situação social específica
volve-se durante “o tempo em que dois ou mais em que se encontram, professora e alunos iniciam
interlocutores voltam sua atenção visual e cogniti- uma conversa sobre o tema da aula. Orientados pe-
va para uma tarefa comum” (Marcuschi, 1991:15). las normas inerentes a essa situação de interação,
a professora inicia o turno que é tomado por A1.
Levando em consideração que a conversação ocor- Logo após expor sua resposta, A1 devolve o turno
re num determinado tempo e lugar, vale ressaltar à professora que alterna com a turma que começa
o papel dos interlocutores que mobilizam certos a falar ao mesmo tempo. Em seguida, a professora
conhecimentos partilhados, como o conhecimen- procura retomar o turno e reparar a situação invo-
to linguístico, cultural e da situação social em que cando normas que regem a conversação.
estão inseridos.
Uma vez que a conversação se trata de um fenô-
5.2. Turnos meno empírico em que os falantes realizam a
língua(gem) numa situação real de interação, suas
Uma das características básicas da conversação é o normas são ditadas por essa situação. Assim sendo,
turno que pode ser definido – grosso modo – na fatores pragmáticos entram em jogo e são conside-
frase: “fala um de cada vez”. Marcuschi (1999:18) rados pelos falantes que intencionam o sucesso da
esmiuça dizendo que “o turno pode ser tido como comunicação em curso. O exemplo acima ilustra
aquilo que um falante faz ou diz enquanto tem a bem esse aspecto da comunicação. A todo mo-
palavra, incluindo, aí, a possibilidade do silêncio.” mento, os falantes deixam-se guiar pelas normas
pragmáticas que orientam e constituem o processo
Durante a conversação, nem todos falam ao mes- conversacional.
mo tempo, ou seja, um espera o outro concluir
para tomar a palavra nem um só fala o tempo 5.3. Pares Conversacionais
todo. Essa distribuição de turnos faz do processo
conversacional uma ação disciplinada. Há normas Os turnos alternados são uma característica básica
tácitas, ou seja, aceitas por todos, que disciplinam da conversação. Esses turnos, por sua vez, são con-
a conversação e permitem que todos se entendam duzidos por normas pragmáticas que orientam a re-
durante o processo. Passemos a um exemplo: alização das sequências linguísticas realizadas pelos
falantes de maneira coordenada e cooperativa em
Kazue – Recife – 1984 – III situações de fala. Algumas dessas sequências são al-
(contexto: a professora realiza exercícios de soma e tamente padronizadas no que diz respeito à sua es-
divisão com os alunos na aula de Matemática.) truturação. Schegloff (1972) deu a essas sequências
... o nome de pares adjacentes devido à contiguidade
P : e agora como é que vou terminar isso”
entre elas e ao tipo de relações que estabelecem.
A1 : cinco sexto
P : como cinco sexto Marcuschi (1999) apresenta os seguintes tipos de
A2 : [[quinze dividido por pares adjacentes (ou pares conversacionais):
As : [[(incompreensível) ((muitos falando ao mesmo
tempo)) a. pergunta-resposta
P : olha/ peraí peraí não fala todos ao mesmo tem-
po ninguém consegue entender/ um de cada vez/ b. ordem-execução
não é possível’
/.../3 (Kazue apud Marcuschi, 1999:23-24) c. convite-aceitação/recusa

3
Códigos usados na transcrição: [[: usados para indicar que dois falantes iniciaram ao mesmo tempo um turno; (+): para pausas e silêncios; ( ):
usado para marcar trechos incompreensíveis da fala; /: usado para indicar quando um falante corta uma unidade e provoca um truncamento brusco.
58 Capítulo 4

d. cumprimento-cumprimento

e. xingamento-defesa/revide SAIBA MAIS!


nversação do
f. acusação-defesa/justificativa Leia Análise da Co
An tôn io Marcuschi
linguista Luiz
conhecimentos
e aprofunde seus
chamada Aná-
g. pedido de desculpa-perdão acerca da disciplina
aç ão . O livro pode
lise da Convers
O par conversacional mais comum nas interações ser baixado no link:
cotidianas é o par pergunta-resposta (P-R). A pergun- d. co m/ ge t/
ht tp :// ww w. 4s ha re
ta pode aparecer sob a forma direta ou indireta, /Lu iz_ An ton io_Marcus-
OxBq Qd J0
como no exemplo: chi-Anlise_.html

- queria saber por que minha aposentadoria não saiu

A resposta também pode variar quanto à sua estru-


tura e pode vir sob a forma de uma pergunta:
VOCÊ SABIA?
A. ficou satisfeita”
ersação (AC) ini-
“A Análise da Conv
B. que acha” ((num largo sorriso)) 4 60, na linha da
ciou- se na década de
da Antropologia
Etnometodologia e
ou-se, até meados
A partir dos exemplos acima, concluímos que não Cognitiva e preocup
tud o, com a descri-
é apenas o fator linguístico que vai determinar a dos anos 70 sobre
da conversação e
ção das estruturas
estrutura e os efeitos de sentido produzidos pelos anizadores. Nor-
seus mecanismos org
falantes em interações verbais situadas. Mais que o bá sic o de que todos
teou-a o princípio
e interação social
fator linguístico, fatores pragmáticos determinam os aspectos da ação
nados e descritos
a estrutura e os sentidos construídos nessas inte- poderiam ser exami
ização estrutural
em termos de organ
rações. Apenas considerando fatores pragmáticos institucionaliza-
convencionalizada ou
– como o largo sorriso – implicados na situação dominância dos
da. Isso explica a pre
nte organizacio-
de enunciação de B, é que podemos compreender estudos eminenteme
aç ão .
seu sentido e entendê-lo como uma pergunta que nais da convers
responde a indagação de A. servar outros as-
Hoje, tende-se a ob
s na atividade con-
pectos envolvido
o J.J. Gumperz
Como não temos a pretensão de aprofundar os versacional. Segund
preocupar- se, so-
casos que interessam à Análise da Conversação (1982), a AC deve
eci ficação dos co-
neste livro, apresentamos esses fenômenos para bretudo, com a esp
cos, paralinguís-
nhecimentos linguísti
elucidar acerca do interesse que a Pragmática s que devem ser
ticos e socioculturai
tem sobre os resultados advindos desse campo e a interação seja
partilhados para qu
Ess a pe rspectiva ultra-
de pesquisa. Esse interesse justifica-se pelo fato bem- sucedida.
ruturas e atinge
de que a Análise da Conversação trabalha com passa a análise de est
tivos presentes na
material empírico e coletado no momento em os processos coopera
ac ion al: o problema
atividade convers
que a interação verbal acontece. Lembro que o para a interpre-
passa da organizaçã
99:6).
a Pragmática está interessada nos fenômenos tação” (Marcuschi, 19
relacionados à língua em uso, de maneira que
a Análise da Conversação pode oferecer farta
contribuição aos estudos que envolvem os falan-
tes e os usos que fazem da língua.

4
Extraído de Marcuschi (1999:37).
Capítulo 4 59

ATIVIDADE |

Fonte: http://vintum.wordpress.com/2008/08/

Durante o processo de interação verbal, os in-


terlocutores levam em consideração alguns ele-
mentos pragmáticos que determinam a estru-
tura dos enunciados e os sentidos atribuídos a
esses mesmos enunciados. Leia atentamente a
tirinha acima e aponte os aspectos pragmáticos
que entram em jogo nessa conversa entre Ma-
falda e sua mãe.

RESUMO
A Pragmática interessa-se pela língua em uso, ou seja, debruça-se sobre fenômenos da
linguagem e analisa a relação entre a situação de enunciação e as estruturas linguísticas.
Assim, entende que o sentido de um enunciado não se encontra ligado ao enunciado, mas
é resultado da relação entre a língua e o mundo em que é realizada. Nesse sentido, pro-
curamos apresentar neste capítulo alguns pressupostos teóricos que orientam os trabalhos
realizados no campo da Pragmática. Foi com esse intuito que trouxemos conceitos centrais
nesse campo, como dêixis, implicatura conversacional, teoria dos atos de fala e análise da
conversação. Acreditamos que o conhecimento desses conceitos dá uma ideia da perspecti-
va e alcance da Pragmática. Em todos eles, fatores pragmáticos são mobilizados no sentido
de explicar os processos de significação em sua relação constitutiva com o contexto.
60 Capítulo 4

REFERÊNCIAS
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rábola Editorial, 2006.

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