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E
círculos anglo-saxônicos de So tudes são desenvolvidos em conjun
ciologia dn Educação, Paul Wil ção precisa com exigências reais e são
lis é praticamente desconhecido produzidos e reproduzidos em cada
no Brasil. Ligado ao importante Centre for geração por suas próprias boas ra
Contemporary Cultural Studies, da Universi zões. Padrões de desenvolvimento de
dade de Binninghan, Inglaterra, Pilul Willis força de trabalho para um tipo espe
tornou-se bastante conhecido a partir dn pu cífico de aplicação à indústria deve
blicação do livro Learning to Labour - How em cada geração ser obtido, desen
Working Class Kids Get Working Class Jobs volvido e trabalhado através de luta e
(Farnborough, Saxon House, 1977). Nesse contestação. Se certas características
livro Willis descreve e discute os resultados desta reprodução contínua e deste ar
de uma etnografia realizadn com rapazes de ranjo sempre renovadamente bata
clnsse trabalhadora, alunos de uma escola lhado mostram um grau de continui
secundária inglesa, na S/Ul passagem para o dade visível ao longo do tempo, isto
mundo do trabalho. A etnografia é então não nos deve levar a construir leis e
analisada, usando o conceito tie Produção dinâmicas férreas de socialização a
Cultural, elaborado por Willis, em contrapo partir desta mera sucessão de coisas.
sição aos de Reprodução Cultural e Social. Learning to labuor (p . 183)
No artigo que agora publicamos, Willis dis
cute esse e outros conceitos. Introdução e esboço dos temas principais
Teoricamente, Willis filia-se à linha dos
estudos culturais, de origem britânica e re Learning to labour tem sido tomado ou
presentadn por autores como Richard Hog como um mero livro empírico ou como um
gart, E.P. Thompson e Raymond Williams. exemplo de um enfoque Neo-Marxista da
Os teóricos filiados a essa corrente procuram educação a explicar a estabilidade e a exten
desenvolver a análise do papel da esfera são das sociedades capitalistas através cie
cultural, a partir de um ponto-de-vista mar uma noção geral de Reprodução. Ambas as
xista (ver: Johnson. R, What is Cultural Stu visões são, em aspectos importantes, equivo
dies Anyway? CCCS, 1983, e também: cadas. Este artigo é uma tentativa de recu
CCCS. Da Ideologia, Rio, Zahar, 1980). perar o projeto intelectual do livro - o reco
Este artigo foi traduzido de INTER nhecimento de formas de Produção Cultural
CHANGE, 12(2/3), 1981: 48-67. Agradece - e de traçar sua contribuição específica para
mos a gentileza dos editores desse periódico, a teoria educacional, talvez mais adequada
que prontamente nos concederam a permis mente agora, através de uma revisão crítica
são para publicá-lo no Brasil. Traduzido por de noções supostamente similares de Repro
Tomaz Tadeu da Silva. dução.1
8
EDUCAÇÃO & REALIDADE, Porto Alegre, 11(2): 3 - 18, juVdez. 1986
produção original de poder é mítica e, fi capital real assim como capital simbólico que
nalmente, uma suposição que permite a pare pode ser aproveitada por todos. Mas isto não
de de espelhos da cultura erigir-se e refletir a impede que os dominados resistam ao capital
teoria da Reprodução. Temos uma estrutura cultural. Naturalmente existe uma explicação
afIrmada de poder, pré-fornecida, que é en parcial, talvez, no fato de o capital cultural
tão reproduzida culturalmente. O que é feito legitimar a si mesmo através da certificação
daformação daquela estrutura de poder, va assim como no direito dos segmentos educa
mos dizer assim, "para começar"? O que cionais da burguesia em administrar para o
será do sujeito nesta teoria da Reprodução benefício de todos uma justificação tecno
quando a questão do poder tiver sido resol crática - mas isto não é compatível com a
vida. antes que comecemos? definição fortemente literária/artística/hu
Eu argumento que é somente numa no manística de cultura em Bourdieu. Estamos
ção material de Produção Cultural e Repro ainda em falta de alguma explicação do por
duçã(J Cultural entre os "poderosos", ope quê os "destituídos de poder" aceitam, na
rando através das contradições de Produção sua maior parte, seus destinos de desigualda
Cultural e Reprodução Cultural dos "desti de. Grosseiramente, embora possa ser uma
tuídos de poder" que nós podemos chegar à das condições, a aceitação dos dominados de
noção de relações sociais de poder estrutura sua inferioridade cultural não poderia nunca
das e duráveis. Apesar de toda a riqueza do constituir uma base adequada para sua sub
sistema de Bourdieu, uma vez mais, a ação missão geral à exploração. Talvez nenhum
humana, a luta e a variedade foram banidas grupo revolucionário de massa tenha julgado
da história. O capital, mesmo para os pode a si mesmo culturalmente superior ao grupo
rosos, torna-se uma posse inerte - uma de dominante - especialmente em termos do
terminada quantidade de poder formal, di grupo dominado. O que isto significaria?
nheiro e riqueza simbólica - ao invés de uma Mas como os "destituídos de poder" enten
relação social global contestada, realizada dem e aceitam sua posição? Qual é seu papel
através de um modo de produção global. na Reprodução?
A essência da teoria educacional de Infelizmente, o domínio do cultural de
Bourdieu diz respeito, naturalmente, à cul Bourdieu não funciona da mesma forma ex
tura burguesa, e há, como eu disse, avanços planatória para os dominados. Eles se tor
reais aqui. Mas mesmo aqui, no seu ponto nam, de fato, os despossuídos. Aparente
mais forte o sistema sofre de uma falta de mente "cultura" realmente significa cultura
qualquer noção de Produção Cultural no Burguesa. Os dominados não têm nenhuma
meu sentido. O problema da variedade e das cultura. Sua "cultura", aparentemente, é so
resistências entre as crianças burguesas não mente o meio de transmissão reversa de suas
pode ser tratado sob o peso massivo da vio chances "objetivas" na vida. Eles se desqua
lência simbólica homogênea e da arbitrarie lificam a si mesmos porque eles nunca tive
dade cultural. Nem são os estágios de "acul ram uma chance. O ,que é feito da autonomia
turação", seus motivos característicos e as aqui? Não constitui nenhum ob�táculo à au
contradições internas e subjetivas tratadas na tonomia da produção cultural burguesa - no
noção geral de "habitus". Apesar de todos os seU próprio nível - que o burguês tivesse to
avanços importantes aqui em relação a uma da a chance na vida! Sua Majestade a Eco
noção simples de ideologia nós ficamos fi nomia entrou aqui outra vez com uma vin
nalmente com um modelo tradicional de so gança, e a cultura do oprimido é a mesma
cialização - a burguesia transmite, de forma coisa que sua localização estrutural na soci
bastante não problemática, sua cultura à sua dade. Porque nem a produção e transmissão
prole. cultural dominante nem as subordinadas fo
Estas difIculdades e inadequações tor ram enn.ízadas num modo de produção, luta
nam-se muito mais claras quando olhamos de classe, e contestação, e uma vez que não
para o esquema de Bourdieu, não em busca existe nenhum .Ítem de s�so comum à mão
da transmissão e reprodução dominantes, mas em volta dos quais possam exprimir-se a si
em busca da transmissão e reprodução subor mesmos através da estética como cultura
dinadas. Os argumentos sobre a legitimação para a classe dominada, então os dominados
cultural da cultura dominante talvez se não têm nenhuma consciência e cultura rela
jam sufIcientemente claros. Mas mesmo que tivamente independentes. Eles somente reco
os dominados aceitem que eles não têm ne nhecem suas chances. Pode ser teatro para a
nhum direito ao privilégio cultural, este não é burguesia, mas é como apostar numa corrida
um argumento completo para sua aceitação fraudulenta de cavalo para o proletariado
da exploração e do desprivilegiamento so - e, além disso, eles são os cavalos! A vida
ciais. Por que deveriam eles aceitar a domi econômica tem de representar todas as partes
nação do capital real? Poder-se-ia dizer, na cultura proletária. Com esta lacuna de
também, que eles não têm nenhum capital uma produção cultural relativamente inde
real, ou que existe uma ideologia disponível a pendente e especifIcamente cultural em rela
respeito da possibilidade livre para acumular ção à vida material e ao trabalho para o pro-
entre os oprimidos. Mais formalmente, en cional para o Estado e para a acumulação de
tretanto, no caso perante nós, da cultura capital, é, na verdade, atualmente um de seus
masculina contra-escolar, as coisas são tais problemas. Se o capital pudesse "armazenar"
que a Produção Cultural e a Reprodução ou "congelar" os jovens entre 1 3 e 20 anos,
Cultural ajudam a prover algumas das condi ele tentaria, sem dúvida, fazê-lo, ao invés de
ções sociais para a relação capitalista global. permitir a continuação de processos sociais e
Mas é, na verdade, um m�todo altamente ine culturais que ele mal compreende, de qual
ficiente e dificilmente intencional de "obter" quer forma,
esses objetivos mesmo quando considerado De forma relacionada, esta ênfase na
na sua melhor forma abstrata, "pura", bas Produção Cultural ajuda a enfrentar a crítica
'
tante à parte do deslocamento social e do de que Learning to Labour trata a educação
desconforto que produzem. O espaço, a es como um monolito e de que sugere que as
cola, no qual isto ocorre é [manciado por im escolas não fazem diferença alguma e que é,
postos, alguns dos quais provêm do salário portanto, irrelevante. Ora, embora eu esteja
proletário. Este pagamento é supostamente tentando descrever processos somente em
feito para que algo aconteça - embora ma parte baseados na escola, e que continuarão,
nifestamente, com freqüência, nada aconte dada a estrutura geral de uma sociedade de
ça. Isto pode levar, como estamos tragica classe capitalista, a ter resultados aproxima
mente vendo, a que todas as classes estejam damente similares, eu estou também descre
desconfiadas e ressentidas com a educação: o vendo processos que têm sua raiz na produ
que está sendo dado de volta, na defesa pu ção, não na reprodução. Na medida em que a
blica que se faz dessas coisas, em troca de to escola é um dos campos e insumos materiais
do esse dinheiro? Mais tecnicamente, pode disso, as escolas fazem, então, diferença.
mos dizer que a quantidade massiva de esco Elas são produtivas tanto quanto reproduti
larização "adicional" fornecida, principal vas, têm efeitos específicos, e não podem ser
mente para que uma boa proporção da classe reduzidas a qualquer outra coisa - e além
não possa fazer nada (isto é, além do ponto em disto, como vimos, elas operam tanto através
que habilidades básicas numéricas e de alfa de suas diferenças de outras regiões quanto
betização são adquiridas) é, de fato, um através de suas similaridades. Organizações
"presente" (na medida em que os impostos escolares diferentes podem muito bem ter
não provenham de salário) para a classe tra efeitos diferentes - especialmente em seus
balhadora. Naturalmente, o argumento técni gra�s de repressão, separação entre Produ
co diz que tal escolarização "adicional" con ção e Reprodução Cultural dominante e su
tribui para um valor acrescido de força de bordinada e isolamento de formas culturais.
trabalho. Mas uma vez que o conteúdo deste Mas o que nós vemos parcialmente no campo
"valor" é ambíguo (do ponto de vista da va da escola" (e certamente parcialmente consti
lorização), para dizer o mínimo, e uma vez tuído por ela, variavelmente, em diferentes
que pelas cifras mais recentes da Comissão formas) é, não, obstante, uma produção mais
culação das diferenças de oposição e formas ções abundam - não em menor grau entre al
culturais, que é vital desenvolver se a resis gumas das implicações de uma busca simultâ
tência deve ser fmalmente mais que um mo nea de estratégias derivadas das perpectivas
mento formal na dominação dialética do ca da Produção Cultural e Reprodução Cul
pital e de outras estruturas. Isto é difIcil de tural dominantes e subordinadas. Além disso,
saber e devem ser as áreas onde a teoria uma tendência marcante da cultura contra
realmente encontra a prática, na coragem escolar é provavelmente a rejeição dos pro
para experimentar e cometer erros. Algumas fessores em geral. Mas não há nenhuma ra
coisas devem ser, entretanto, observadas da zão pela qual os professores devam escapar à
perspectiva da Produção Cultural e Repro contradição! Sua sensibilidade a isso e a al
dução Cultural subordinadas. A ação da guns dos enfoques discutidos deveria, de
Produção Cultural e Reprodução Cultural qualquer forma, sensibilizá-los à variedade
dominantes é, com freqüência, nó sentido de de situações possíveis que eles poderiam en
quebrar e fragmentar a Produção Cultural frentar e à importância de alianças em certas
subordinada. O grupo dominante reivindica escolas que não apresentem individualmente
para seu pr6prio discurso a proVÚlcia do pú as massivas e im6veis culturas fragmentadas.
blico, o longo prazo, o legítimo, o exp1ícito e Mesmo o anti-mentalismo dos grupos de re
o racionalmente 16gico - podemos dizer, a sistência pode ser ultrapassado onde os cor
pr6pria história. A Produção Cul�ral su tes financeiros ameaçem, por exemplo, as
bordinada é profundamente privada, infor aulas práticas, os jogos e os clubes nas quais
mal e articulada no imediato, no prático, no suas pr6prias culturas florescem mais ale
demonstrado, no narrativo - na 16gica imp1í gremente que nas classes mais estritamente
cita que dificilmente sobrevive, mesmo além acadêmicas. É uma questão de ligar princí
de suas corporiflCações transit6rias, menos pios gerais a uma prática flexível.
ainda para a hist6ria. O princípio contra-he Em particular, entretanto, os professo
gemônico deve, portanto, preocupar-se com res deveriam olhar para as formas pelas quais
a formação e a identidade variada da pr6pria seu pr6prio processo de trabalho e as mu
classe do que é a comunalidade dos grupos danças que nele ocorrem podem estar impH
oprimidos antes de se preocupar com a luta citos na Produção Cultural e na Reprodu
diretamente - mantendo a unidade e o esco ção Cultural dominantes ou subordinadas.
po da Produção Cultural que as formas do Certamente o desenvolvimento de hierar
minantes procuram quebrar. Deve também quias e de sistemas gerenciais transforma
trabalhar sobre a noção de Produção Cultu a Produção Cultural subordinada em
ral subordinada de formas que ouse o públi "problemas sociais", problemas de "contro
co, ouse a hist6ria, ouse enunciar sua 16gica le" e "patologia". Mesmo essas definições
em oposição à dominação e sua pr6pria sub- são freqüentemente suprimidas nos degraus
acontecer parciaImente, através de uma mento de que as palavras finais de Joey no Apên
dice - "A única coisa em que eu estou interessa
aceitação voluntária de alguma coisa da pro
do é em foder tantas mulheres quanto eu puder,
dução simbólica e material real da Produção se você realmente quer saber" (depois de mostrar
Cultural e também através da mcorpora minha "gentil sondagem sobre seU futuro") -
ção menos voluntária de aspectos do senso tenderiam a que a brutalidade da cultura em rela
comum popular (e com ele, algum "bom ção às mulheres poderia estar correta. Mas isto
significa passar por cima da natureza da troca
senso") num padrão estável de consenti
r'eal, e das razões peJas quais isto foi incluído. Eu
mento e acordo. Aqueles elementos incor não estava gentilmente "sondando" mas, como o
porados no campo "inimigo", valorizados no texto mostra, perguntando a Joey por que ele não
momento em beneffcio do bloco dominante pensava em voltar seus pensamentos para a uni
de interesse, poderiam ser, por assim dizer,
versidade, em direção ao trabalho mental, e isto
foi logo depois que nós estiyemos explorando a
detonados e os itens explodidos, revaloriza masculinidade em sua forma manualista como
dos, através da organização e da'ação basea uma forma de resistência de classe . O comentário
das numa compreensão contra-hegemônica está' realmente expressando sua atitude para com
propriamente sincronizada da Reprodução o trabalho mental em relação á masculinidade -
embora, naturalmente, (como é o caso em todo o
Cultural subordinada.
livro), esta expressão é contextua1izada e combi
Assim os tigres são tanto reais quanto nada com muitas outras, o que torna sua redução
de papel. O fato de que a força através das à simples explicação, problemática.
garras não é tudo no tigre, não faz a ferida Além disto, se falhei em, devidamente, reconhe
menos profunda. Mas não podemos decom cer e condenar o sexismo dos "rapazes", Angela
por o poder, simplesmente desejando e
McRobbie ex�gera a evidência. Isso não diminui,
naturalmente a relevância de seus argumentos
odiando - nem mesmo combatendo a vulne básicos - veja Angela McRobbie, "Setting ac
rável carne. counts with Sub-cultures", Screen Education, n�
Isto toma-se pretensioso. O argumento 34, Primavera 1980, Londres.
é realmente um argumento formal e o princi
pal deste artigo. Uma noção de Reprodução
Social que opere através da Produção
Cultural é bastante aberta, não fechada e
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
pessimista como outras teorias da Reprodu
ção são (corretamente) consideradas. Ela tem ALTHUSSER, L. Ide% gy antI ide% gical state
elementos de desafio, transformação, nela apparatuses. In B. Cosin (Ed). Education:
incorporados - não hermeticamente encap Structure and society. Penguin, 1972
sulados. O problema não é o de como elabo BERNSTEIN, B. Class, codes antI control, VoI. 3.
rar teoria mas o de como alcançar esta possi Toward a theory of educational transmis ·
bilidade teórica na prática. E se a teoria dev� sion. 2! Edição. Routledge & Kegan Paul,
prestar atenção à prática, assim também a 1977.
prática deve prestar atenção à teoria. A visão BOURDIEU, P. Outline of a theory of practice.
de libertação em questão deveria talvez ser Cambridge University Press, 1977.
menos extensa, livre, e ideal: mais condicio BOURDIEU, P. & PASSERON, J. Reproduction in
nal, histórica, e cercada com ironias poten education, society and culture. Sage, 1 977.
ciais. Se nosso objetivo é superar o infindá BOWLES, S. & GINTIS, H. SCMoling in capita/ist
vel ricochete entre hberdade e compulsão, America. Basic Books, 1 976.
voluntarismo e estrutura, então a prática de MARX. K. The Eighteenth Brumaire of Louis Bo
ve assumir uma responsabilidade também. napllf!e. In Selected Works-. Lawrence & Wi
NOTAS shart, 1972.
PAUL W{LLIS trabalha no CENTRE FOR
L Eu entro em "teoria" e "clarificação teórica" CONTEMPORARY CULTURAL STU-
com algum receio. Parte deste receio advém do DIESIBIRMINGHAM UNIVERSITY.
18 EDUCAÇÃO & REALIDADE, Porto Alegre, 1 1(2): 3 1 8. julldez. 1986
-
este momento solene e grave De quem somos herdeiros
N
em que nós nos sentimos
c i d a dã o s -e d u c a d o r e s e Nós, educadores de todos os cantos
e ducadores-solidários ao do Brasil, não somos absolutamente
mesmo tempo de causas consensuais e originais nesta tarefa de exigir do Esta do
dissensuais, cumpre penSár nossa relação que ele seja, de fato, púhlico, ou, quem
com o Estado. Se a Constituição do s a b e , d u a s v e z e s púb l i c o , i s t o é
Estado Republicano impõe como regra republicano. Somos herdeiros de uma
máxima que "todo poder emana do povo longa tradição de luta ascendente onde:
e em seu nome será exercido", então é
forçoso recuperarmo-nos como fonte de "é possível assinalar a participação
poder do qual a Autoridade do Estado é dos educadores na elaboração da
uma delegação. Por isso, às expectativas p olítica educacional do Estado,
que temos em relação ao Estado no que configurando um movimento de
lhe compete investir em Educação, é baixo para cima e da periferia para o
preciso antes antepor as práticas político núcleo. As conferências de educação
educativas existentes no conjunto da (ou de e d u c a d o r es) foram os
Sociedade Civil. mecanismos que propiciaram essa
Estas práticas podem não só redefinir participação" (CUNHA, 1981).
as políticas públicas e seu significado
como também podem alterar seu "modus A g r a tu i d a d e , a l a i c i d a d e , a
faciendi". E, sobretudo, estas práticas obrigatoriedade, via de regra, não vieram
nos levam às raízes do poder constituído: como favor, como concessão ou outorga,
nós, enquanto cidadãos, tornamo-nos embora até possam ser representadas
sujeitos da História. Estas práticas como tal. E não se manterão pela força da
alicerçam-se na consciência cada vez. inércia. Certo estou de que esta IV CBE
mais larga de que a cidadania é também não fará traição a esta tradição de
fruto de combates e conquistas, avanços e coragem republicana e democrática.
recuos. O poder emana do povo, porque Contudo, e o real é contraditório,
ele pode criar poder como meio de se também somos devedores de padrões
chegar a uma Rep ública plu ral e verticalistas, centralistas e clientelísticos
democrática, isto é, como meio de emanados de projetos educacionais
"educar o educador". nascidos na esfera do Estado. Dentro dos
E
que nasceu da prática. Mais que pedagógicas e que exerceu grande influência
prática pedagógica, prática de no ambiente educacional gaúcho.
vida - vida de mulher. Segundo a orientação teórica que ado
Das aulas de História da Educação no tamos, o trabalho examinaria esta realidade
Curso de Pedagogia da UFRGS nasceu a institucional específica tanto sob uma pers
preocupação com o tema: educação feminina. pectiva externa como interna, ou melhor Qi
Numa atividade em que predominavam e to, visava a escola articulada ao todo social,
predominam as mulheres, discutíamos (mi atravessada pelas contradições sociais e tam
nhas alunas e eu) o papel da escola na forma bém síntese de múltiplas determinações so
ção feminina, e constatávamos a ausência do ciais; ma� também iria observar a escola a
tema na historiografia. partir de dentro, ou seja, pela perspectiva das
Destas discussões emergiu a questão pessoas que lá viveram, identificando as rela
básica para pesquisa: o que representou para ções de poder aí existentes, seus rituais e
as mulheres a passagem pela escola - um usos próprios, seu "clima", enfim o que ela
treinamento para a submissão ou um instru pretendia valorizar e o que efetivamente
mento de libertação? transmitia para alunos e professores.
De uma crônica de Luis Fernando Ve Mas antes de nos aproximarmos desta
rusimo veio então a sugestão para o título: escola parece ser necessário fazer algumas
Prendas e Antiprendas. Ali ele dizia que "a colocações sobre a dominação homem/mu
prenda é", para o gaúcho, "a idealização da lher.
fêmea que não se mete". Em oposição, anti
prenda seria a mulher "metida", aquela que Esta é uma contradição que aparece em
participa, tem voz própria, decide, trabalha. nossa sociedade mesclada com a contradição
A pesquisa pretendia portanto determinar o de classe, mas que tem ela mesma caracterís
papel da escola na formação destes dois pó ticas específicas e uma história própria.
los femininos. Desde épocas mais antigas foi se estru
Na necessidade de delimitar um objeto turando a relação de dominação do sexo
de pesquisa, escolhemos uma escola cente masculino sobre o feminino, tranforman
nária do Rio Grande do Sul - o Instituto de do-se ao longo da história, conforme se al
Educação de Porto Alegre, fundado como teravam os modos de produção social e as
"Escola Normal da Província de São Pedro construções ideológicas.
do Rio Grande", em 1869. Uma instituição Para alguns estudiosos do problema esta
pública, oficial, localizada na capital, fre opressão é tão presente em diferentes socie
qüentada majoritariamente por mulheres das dades e diferentes momentos que eles che
camadas médias. Uma instituição que foi por gam a levantar a hipótese de sua universali
muitos anos a única escola de formação de dade; outros no entanto buscam determinar
professores do Estado e que serviu de mo suas origens, ainda que reconheçam raízes
delo para organização das demais, pioneira históricas distantes no tempo.
"Tais reflexões nos ocorrem a pro " . . . Nunca se notou assim no com
pósito da disseminação de conheci portamento dos professores alguma
mentos gerais históricos, sociais, fi discordância com a direção, mas a
losóficos que passam a ser outras gente sentia um clima estranho. Essa
tantas norm� s de ação, mercê de uma direção durou pouco tempo. Foi só
formação defeituosa do caráter do este ano ( ... ) no ano seguinte assumiu
educando, que passa a ter tantas reli direção a dona Olga Acauan Gayer,
giões quantas conhece pela leitura que foi durante grande parte de mi
apressada, tantas filosofias quantas nha vida escolar a diretora que eu
conhece por um estudo superficial, conheci. ( . . . ) Então justamente
tantas idéias sociais quantas lê aqui, olhando a escola hoje, o próprio pro
ali, acolá, colhendo de cada discipli cesso sucessório, a escolha dos direto
na farta sementeira de desordem re res, o movimento que é feito na es
ligiosa, moral, intelectual, e que, por cola, me parece que naquele período
força de extroversão irá irradiar no ( ...) a escola era para mim urna coisa
círculo social a que pertence, contri muito estável. ( ... ) Cada ano que se
buindo, assim, para conturbar ainda voltava à escola não havia assim
mais a vida" 17. muitas modificações, a escola me pa
recia assim uma coisa muito estável,
J-Iá, portanto, um claro receio de que se mesmo, muito eterna, na minha vi
perca o controle, a unidade (ou uniformida são de criança" (D) .
de) de pensamento e de princípios. O livre
acesso às diferentes fontes fIlosóficas pode A permanência do corpo docente e de
ria representar o questionamento e até a re funcionários possivelmente é um elemento
jeição das idéias dominantes - daí então a para transmitir esta idéia de estabilidade. Isso
justificativa que mais do que nunca "os ru também ajudava a criar algumas figuras es
mos da educação se devem impor com mais peciais (às vezes até carismáticasf na história
energia". do colégio. A recordação das pessoas que
Fala ainda a diretora na necessidade de passaram pelo IE está sempre entremeada
se ter "a coragem da reação", mesmo sendo destas personagens, quase com um folclore
chamados de "reacionários", e em "reagir rodeando a vida de algumas delas.
contra a corrupção". Isso para concluir que o Como o Instituto de Educação se colo
mestre tem uma missão mais importante do cava no topo da carreira, as professoras para
que ministrar conhecimentos intelectuais, ali nomeadas geralmente ficavam na escola
qual seja, a de ser um verdadeiro exemplo até a sua aposentadoria. Isso talvez explique
por suas ações, constituindo-se num "educa o contato de várias gerações com as mesmas
dor na verdadeira acepção do termo". pessoas. Por outro lado, sendo uma escola
Parece-nos possível afirmar que muitos que valorizava a tradição, não estimulava
elementos deste relatório (que é escrito na ousadias no comportamento. Assim suas
segunda metade de 48) têm tons conserva professoras de modo geral trajavam e agiam
dores e autoritários e revelam uma preocu dentro dos padrões mais clássicos, ou seja,
pação de manter a escola ajustada ao estado, aqueles que se supunha ser os mais conve
longe de qualquer semente de subversão, de nientes e dignos. Havia mesmo um certo de
contestação ou mesmq crítica. O Instituto ti sestÚllulo a seguir a moda - no vestir e no
nha neste momento uma "reputação" e um comportamento - sendo o cigarro inadmissí
" prestígio" (conforme sua direção) que pre vel em público - até mesmo na década de 60
cisavam ser zelados. quando o hábito já era então largamente di
Acreditamos encontrar neste documento fundido entre as mulheres. Esse padrão de
uma continuação do autoritarismo do Estado comportamento era por conseguinte um mo
�ovo que findara, como se não houvesse delo que se pretendia que influísse nas jovens
ainda se desvestido um modelo de ação e fi estudantes.
casse difícil adotar um comportamento mais Provavelmente influía, mas não apenas
democrático. levando à cópia do modelo, talvez muitas ve
No entanto, seria necessário indicar que zes o que provocasse fosse a desmistificação
a direção que assina o relat�rio atua num e a contraposição ao modelo. Diz uma ex
curto período na escola ( 1 946-47 o menor
- aluna:
mandato que registramos) e, segundo o de
poimento de uma aluna da época, a escola " ... Relerr'brando o tipo de professo
passava por um momento de divergências ra que a gente tinha no ginásio, às
internas, ainda que houvesse um esforço para vezes eu me apavoro . . . como é que
aparentar uma unidade ideológica. No relato aquelas pessoas não influíram nega
desta ex-aluna fica bem salientada esta preo- tivamente na adolescência da gente?
com duas instituições às quais as alunas ade Como linha de atuação pedagógica, o IE
riam voluntariamente e que tinham maior não acentuava o questionamento da conjun
abertura para a comunidade: o TIPIE (fea tura social e política, ou da estrutura econô
tro Infantil Permanente do Instituto de Edu mica. A história ensinada era muito pouco
cação) e o Orfeão Artístico. crítica, pelo menos no que se referia ao B ra
O TIPIE, que se iniciou oficialmente em sil contemporâneo, como lembram algumas
1956, criado e liderado por Olga Reverbel, ex-alunas. Sabiam muito dos antigos, roma
era mantido pelas normalistas, que encena nos e gregos, era aguda a análise de sua arte
vam e dirigiam peças infantis, além de pre e civilização, mas o "aqui" e "agora" era
parar cenários, guarda-roupas, etc ... Acabou visto de modo oficial.
se constituindo numa atividade sistemática, No entanto a crítica penetrava na escola.
apresentando espetáculos semanais, muitas As injustiças sociais, as diferenças de classe e
vezes fora do IE, em praças, escolas da pe a dominação de sexos acabavam sendo per
riferia e cidades do interior. Foi uma ativida cebidas. Talvez as alunas que tivessem me
de que causou polêmica quando de sua im lhores oportunidades destes debates fossem
plantação, provocando a discordância de al as envolvidas nos órgãos estudantis.
guns que temiam que as alunas se transfor Duas entidades haviam sido criadas já
massem em atrizes. desde a década de 40: o Grêmio de Alunas e
O Orfeão Artístico, regido por Dinah o Conselho de Alunas, mas elas parecem ad
Néry Pereira, sempre teve caráter de ativi quirir maior expressão apenas por volta de
dade opcional, e pela qualidade do trabalho 1955.
desenvolvido acabou alcançando grande Pela forma de criação do Conselho, e
prestígio na comunidade, sendo solicitado também por sua história, parece-nos que este
para os eventos mais importantes, recepções órgão nasceu e se desenvolveu mais vincula
que o governo gaúcho promovia e festivais do à administração da escola. O Grêmio de
de música. O "Artístico" (como era chamdo Alunas parecia contudo ter uma autonomia
para distinguir-se do Orfeão Geral, obriga um pouco maior. Diz uma depoente:
tório) conseguia uma adesão muito especial
das alunas, e sua participação também se es "a minha participação no Grêmio da
tendia além das fronteiras da escola. escola foi muito i mportante, porque
Mas além destas atividades que coloca o Grêmio do Instituto - embora fosse
vam as jovens em contato exterior, havia um uma entidade muito bem comporta
outro tipo de interferência não programada e da (especialmente a julgar pelos pa
talvez até mesmo não desejada pelo IE. Esta drões de hoje) - era uma entidade
interferência podia ser notada especialmente que mantinha dentro da escola uma
através dos órgãos estudantis e da JEC. autonomia muito grande. E tinha
Lembra uma ex-aluna: um contato externo, porque era fi
liado a UGES (União Gaúcha de
"... quando eu cursava o Instituto, Estudantes Secundários) (.. .) De
eu entrei num movimento chamado certa forma as pessoas, as alunas que
JEC (Juventude Estudantil Católica) participavam do Grêmio, tinham um
e depois me prolonguei na JUC, par contato mais intenso com a realidade
ticipei na AP e outras coisas mais. fora da escola. ( . . . ) Havia no Insti
( ... ) A JEC funcionava dentro do tuto um espírito de fazer as coisas o
Instituto num clima de muito boa melhor possível ( ... ) mas o Instituto
ca profissão admitida para elas. Este é um desigualdades cai-se "de novo no idealismo,
dado que parece apontar para um dos esp-a segundo o qual as ideologias são apoiadas e
ç<lS de libertação que a escola oportunizava mantidas unicamente com ideologias e não
ao elemento feminino. Então se a escola lhes com a materialidade dos fatos da existência
dava instrumentos para inserção no mundo coletiva"3 9.
produtivo, tomava-se também um veículo Talvez seja necessário fazer alguns co
para mudança de sua imagem diante de si e mentários à fala de Snyders - proposital
dos homens: mente incisiva devido à sua polêmica com os
Mas não podemos esquecer que desde os reprodutivistas.
primeiros tempos a escolarização feminina Historicamente a escola tem sido mais
sempre foi cercada de cuidados, buscando o conservadora, e portanto reprodutora das
encaminhamento das mulheres para ocupa desigualdades sociais. Assim, à medida
ções condizentes com seus papéis tradicio que as transformações da sociedade permi
nais. Esta é a primeira justificativa para que a tiram e exigiram a escolarização das mulhe
função de professora primária seja destinada res, esta instância, como vimos, foi também
a elas: mulheres sabem melhor lidar com utilizada para manter sob formas novas a
criança e o próprio manejo de classe, a disci dominação sexista. E ainda assim as mulheres
plina, é mais um serviço de mulher3? Além que tiveram acesso à escola foram por muito
disso, sempre é possível combinar esta tarefa tempo exclusivamente aquelas pertencentes
(de tempo parcial) com as lides domésticas às camadas médias e burguesas da sociedade.
o que lembra a idéia de que o trabalho fora Deste modo, a escola foi reforçadora da
do lar para a mulher deve ser preferente submissão feminina.
mente transitório. Mas o que manteve a submissão intrin
Assim, a própria história da profissão de secamente não foi a escola e sim a marginali
professora primária se desenvolveu carrega zação da mulher do mundo produtivo. Esta
da da ideologia de ser uma profissão femini marginalização se deu tanto pela exploração
na, onde amor e dedicação maternal eram das proletárias e por sua exclusão no usu
componentes tão ou mais valorizados do que fruto dos bens, como pelo alijamento das
conhecimento e competência técnica.GuiOOlar mulheres burguesas nas decisões e na produ
N. de Mello analisa muito bem estes aspectos ção.
em seu livro "Magistério de lÇ? Grau". Não
vamos repetir aqui suas conclusões, ou de É em conseqüência destas condições
outros estudos3 8, mas deles nos fica saliente materiais e históricas que os homens (bur
o quanto a vocação - expressão vaga e inde gueses) têm ficado com a capacidade de de
finida - foi usada para manter a profissão do cisão e com o pleno uso dos bens do capital;
magistério como carreira feminina, para ligá e o� proletários, mesmo explorados por seus
Ia com um ideal de sacerdócio e em conse patrões, exercitam a opressão sobre suas
qüência com a aceitação de baixa remunera mulheres, enquanto provedores da família, já
ção. que detêm, no restrito âmbito doméstico, um
No período que examinamos, ainda que poder econômico, ainda que escasso.
mudanças importantes ocorressem na socie A diferença e a oposição masculino- fe
dade brasileira globalmente e se refletissem minina, que é biológica e natural, encontra,
na escola, o discurso do amor e doação da portanto, sua forma opressiva na desigualda
professora foi sempre mantido. E aqui pro de de posse e de acesso aos bens materiais,
vavelmente está uma das pontas onde tam na desigualdade no manejo dos meios produ
bém se amarra a formação religiosa da nor tivos e de gozo dos resultados da produção
maIista. A religião ajudava a compor este social. Em conseqüência disso, a desigualda
quadro de entrega e doação às crianças. O de se manifesta também de modo expresso
relacionamento afetivo, que sem dúvida é in ou implfcito nos campos jurídico, educacio
dispensável na interação professor-aluno, nal, cultural, religioso, etc.
ganhava um intenso realce, e, se numa escola A manutenção das mulheres dentro do
como o Instituto não chegava a substituir ambiente doméstico facilita este desequilíbrio
a formação técnica, era de qualquer forma e a desvantagem feminina. Sob este ângulo, o
supervalorizado. acesso à escola é desde seus primeiros tem-
EDUC AÇÃO & REALIDADE, Porto Alegre, 11(2): 57 68, juUdez. 1986
- 59
são cegas. E as possíveis respostas são história. Essas teorias devem ser contra
trabalhadas na frente do grupo. De o reducionismo econômico e contra a
forma que mesmo as respostas a teus redução à classe. Agora mesmo, por
exames, antes que tu possas continuar exemplo, nos Estados Unidos e em
com tua dissertação, são trabalhadas outros países capitalistas avançados, a
coletivamente. maioria das posições na classe operária
Agora, o que é muito importante são preenchidas por mulheres, cujo
sobre isto é que existe uma gama de trabalho tem sido proletarizado e
posições políticas no grupo. Há pessoas desqualificado e tem sido empobrecido.
que estão bem na extrema esquerda, há Assim, mes m o que v o c ê s e j a um
pessoas que são democratas-sociais, reducionista de classe, mesmo que você
todos estão na esquerda. Há também tenha uma posição de redução à classe na
pessoas de vários países. Um estudante de economia, você não pode ter uma teoria
Barbados, por exemplo, que acredita completamente articulada das relações
muito fortemente que a política racial é de classe sem uma teoria da di visão
a mais importante. Assim, as pessoas sexual do trabalho e de suas mudanças ao
estão muito conscientes a respeito de longo do tempo, sem uma teoria das
diferentes formas de análise e elas estão relações patriarcais. É simplesmente não
muito abertas a elas. A chave, eu acho, é Marxista ignorar a experiência das
esta combinação de lermos juntos,estu mulheres. E eu penso que Marx seria o
darmos juntos e também de sermos primeiro a admitir isto.
muito conscientes de que as diferenças Agora, uma vez que eu entendo o
políticas não nos devem impedir de nos M a r x i s mo c o m o u m a t e o r i a d e
ajudarmos mutuamente. Na maioria das materialismo histórico, isto significa que
u n i v er s i d a de s a q u e l a s d i f e r e n ç a s a teoria também deve mudar com as
políticas podem dividir os professores e relações sociais que mudam ao longo do
os estudantes, e eu venho de uma tempo. Isto significa que para entender o
instituição . .. quando eu fiz minha pós trabalho de ensinar nós devemos tomar
graduação n a Universidade de esta teoria de forma séria. Nos Estados
Columbia, isto era muito violento. Eu Unidos, como na maioria dos países, o
penso, outra vez, que nós devemos t r a b a l h o de e n s i n a r n a s e s c o l a s
refletir o tipo de sociedade em que elementares tem sido, amplamente, um
acreditamos, em nossa pedagogia e trabalho de mulheres. E isto se articula,
especialmente em nosso trabalho com os .ao longo do tempo, com mudanças nas
estudantes de pós-graduação. relações patriarcais e com mudanças na
Tomaz - Eu queria que tu falasses um estrutura de classe. E o trabalho de
pouco sobre o teu trabalho mais recente: ensinar tem sido historicamente uma
o ensino como um trabalho feminino, extensão do trabalho doméstico. E isto
que tu já mencionastes anteriormente. significa que nós não podemos entender a
Mas eu gostaria que tu te estendesses um forma com que o trabalho de ensinar é
pouco mais sobre isto. controlado e a forma com que o s
Michael -Deixe-me dar primeiro as currículos s ã o planejados s e m que,
pré-condições conceptuais e políticas primeiro, levantemos a questão "quem
sobre isto. Eu nunca me satisfiz com a está fazendo o trabalho de ensinar"?
teoria econômico-reducionista Marxista. Assim o que eu tenho tentado fazer é
Eu não pertenço a uma Igreja e não estou tomar esta questão seriamente, isto é,
preocupado com heresias. Nossas teorias quem domima no ensino primário e
devem ser desenvolvidas a partir de elementar? Como isto difere do ensino na
nossas práticas políticas correntes. De escola secundária? Quais as formas pelas
forma que eu não quero reduzir tudo à quais controlamos o trabalho de ensinar?
economia, no último momento. Eu acho Quais são os mecanismos ideológicos
que este último momento nunca chega, às pelos quais o Estado, a economia e as
vezes, e freqüentemente este último formas culturais formam o ato de ensinar
momento foi há mil anos atrás, o que e formam o ato de construção do
aponta para à importância de conhecer a currículo? Assim, na maior parte do
EDUC AÇÃO & REALID ADE, Porto Alegre, 11(2): 57 - 62. iuUdez. 1986 61
e s t r u t u r a i s e t e o r i a s c ul t u r a i s . separar. Agora, por causa disto haverá
D iferentemente de alguns d e meus debates que estão surgindo entre Carnoy
colegas, de Giroux, por exemplo, que é e eu, ele é um economista e eu ... eu acho
um grande amigo meu, nós concordamos que esta é uma metade da posição. Mas
em discordar sobre uma série de coisas ... estes são debates muito especiais, porque
eu acho que você não pode ignorar as nós temos bastante cuidado na esquerda
relações sociais capitalistas. E nos Estados Unidos em não nos ferir uns
e n quanto eu sou u m Marxista aos outros, porque· a comunidade
culturalista o u u m novo Marxista, esquerdista é muito dividida e muito
dependendo do lado da cama em que �u pequena. Os Estados Unidos é o único
l e vanto d e manhã, e u penso q u e país no mundo capitalista que não tem
realmente temos d e argumenta,· em favor um movimento socialista de grande
daquelas posições. Eu acho que devemos escala. Existe um movimento em certos
ent�nder como as forças econômicas sindicatos progressistas, no movimento
operam. Elas não são leis, mas são negro, em alguns dos movimentos
tendências, e a cultura tanto cria relações feministas socialistas. Não é visível como
econômicas como é criada por elas, é uma uma grande força política. Existem dois
posição muito dialética. Agora, por partidos: o republicano e o democrata.
causa disto eu tendo a querer tomar uma Por causa disto nós somos muito
p osição i ntermediár ia entre o cautelosos em não deixar que este debate
estruturalismo e o culturalismo porque saia para fora. E isto é muito sensato
eu acho que há bons insights em ambas. porque os Estados Unidos também tem
Isto significa que meu trabalho tende a uma história em que, na esquerda, as
s e r a c e it o p o r M a r x i s t a s m a i s pessoas se matam umas as outras. Elas
economicistas mesmo quando eu rejeito não precisam da direita para isto. A
uma grande porção daquela posição. E é esquerda se encarrega, como t e m
aceita por pessoas que são fundamental acontecido em outros países no passado.
mente culturalistas porque eu quero Assim, o meu trabalho ... Eu penso que
combinar as duas. E é aceita pelos por causa da minha tendência que é estar
estruturalistas tanto quanto por pessoas entre grupos, e também em estar ligado
que vêem a ação humana como muito de perto a sindicatos onde eu faço
importante. Assim o meu caminho tem muito trabalho político, e a grupos de
sido sempre o de tomar o que é bom em professores (as) onde eu faço muito
ambas e desenvolver a política num trabalho feminista e político de classe, eu
enfoque muito mais integrado. estou ligado mais diretamente a
Mas existem grandes diferenças. Um sindicatos e a organizações nacionais de
bom exemplo seria este: por causa das professores, de forma que eu sou capaz de
crises e c on ô m i c a s no capitalismo trabalhar estas coisas de formas que
ocidental há um movimento de retorno à outros, talvez, não possam.
posição de Bowles ·e Gintis nos Estados
Unidos e na Inglaterra, um movimento Agora, sobre o assunto do Terceiro
de retorno à economia como um fator Mundo e do reducionismo de classe. Esta
p ri m á r i o . E u a ch o que isto é é uma questão difícil, porque eu não
fundamentalmente incorreto em algumas penso ... Eu não gosto da linguagem:
formas muito importantes. Porque, de desenvolvido, subdesenvolvido ... Em
alguma forma, supõe que existe alguma certo sentido, ela diz que existe um
coisa lá fora chamada "a economia". E modelo lá fora, chamado Estados
que de alguma forma passa atravé� de Unidos, que tudo seria melhor se todos os
outras coisas. Eu acho que esta é uma países se parecessem com os Estados
distinção tola e somente analítica entre Unidos. A razão porque os Estados
relações econômicas e culturais. Todas as U nidos é como é, é por que n ó s
relações econômicas são culturais e todas exploramos o resto do mundo.É isto ... eu
as relaç ões c u ltur,ais são r e l a ç õ e s não gosto da linguagem. Eu penso que
econômicas. D e forma que e u não quero classe não seja a categoria primária, mas
forçar. Eu quero combinar, eu não quero t a m b é m p e n s o q u e é a um d o s
passo. O (a) leitor (a) ou o (a) professor importante. Deixe-me começar fora da
(a) tem que fazer todo o trabalho de universidade e então voltar para dentro
compreensão e eu penso que isto é uma da universidade. Muito da m in h a
política errada de nossa parte. Nossa politização é formada não somente pela
política deve ser a de também contribuir universidade mas pelo meu trabalho com
com metade do esforço. Porque se nossas sindicatos. Eu sou treinado não somente
análises estão corretas então elas devem em sociologia ou filosofia, mas como um
fazer sentido para as pessoas e nós trabalhador de curr ículo. Eu tenho
devemos lutar para isto. habilidades práticas. Eu trabalho com
Uma última coisa, eu acho que não um grupo de membros esquerdistas de
devemos romantizar, entretanto, o que um sindicato e uma grande fábrica de
nós podemos fazer com os (as) automóveis e eles querem criar material
pro,fe:ssores (ás) e o que nós, como de educação política para seus membros.
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Eu tenho habilidades na construção de tudo está bem, nenhuma disciplina é
currículo e na redação de materiais para exigida, e se compra a felicidade, é uma
propósitos educacionais, que é parte do ideologia de individualismo possessivo.
meu treino. Assim eu tenho trabalhado Eu acho que é preciso disciplina da parte
nos últimos dez anos com eles, para dos professores e dos estudantes para
ajudá-los a desenvolver as habilidades aprender, e é trabalho árduo. Mas deve
para construir materiais que façam ser feito em um forma que o torne
diferença, que analisem suas próprias relevante às necessidades dos estudantes
situações no local de trabalho, na fábrica. e deve estar aberto à crítica. Assim nas
Agora minha tarefa lá é tornar-me disciplinas que eu ensino, às vezes há
d e s n e c e s s á r i o . I s t o é, d a r - l h e s aulas expositivas porque freqüentemente
habilidades de forma que e u me torne é m�lhor dar análises bem organizadas,
apenas um membro do sindicato. porque economiza tempo e porque é o
Assim, isto tem influência na forma m e u traba lho. e u sou pago para
em que eu penso meu trabalho na organizar coisas para as pessoas, ensinar
universidade. Porque eu não acho que a envolve dizer, às vezes. Mas no meio de
política universitária seja suficiente. Mas toda aula expositiva eu páro e digo: é isto
eu acho que a universidade é um campo o que vocês queriam? E o que eu preciso
no qual uma luta política real tem lugar e fazer agora antes de continuar? Não
é muito importante. Então eu penso que somente perguntar, mas também o que
uma influencia a outra. Com freqüência falta fazer. Isto está indo de encontro às
o que tento argumentar é que ao invés de necessidades de vocês? E no final há uma
dizer que a luta está lá fora na economia, sessão de críticas. De forma que a idéia é
em algum lugar, e que esperemos para honestamente estabelecer uma forma na
aquela luta mudar o que acontece nas qual as pessoas confiem umas nas outras.
escolas, nós devemos lembrar que nós E isto é muito difícil de f.azer. Não é uma
também somos a economia, nós temos coisa que se constrói facilmente porque
relações salariais e de trabalho onde nós há relações sociais na universidade que
trabalhamos. Nós temos relações de são muito competitivas, em que tudo o
classe, sexo e raça aqui mesmo na que importa aos estudantes é a nota,
universidade. E antes de dize( que a luta porque o mercado de trabalho é muito
está na fábrica ou em lugares onde c o m p e t it i v o .· É d i f í c i l p a r a e l e s
e xiste produção, nós estamos aprenderem estes estilos também. É
produzindo estudantes, nós estamos muito difícil para eles criticarem uns aos
produzindo em nossos atos cotidianos outros e a mim. Porque eles sentem que
opressão de classe, de sexo e de raça para eu posso lhes dar uma nota baixa por
a democracia. Por isto eu acho que causa disto.
existem muitas, muitas coisas que Assim o que eu faço é prometer que se
acontecem na universidade, porque eu eu sou criticado de forma que seja
sou Gramsciano. Eu acho que nós c o o p e r a tiva não haverá nenhuma
devemos cercar o Estado com relações influência na nota. No fim de cada aula
sociais p r é - f o rmativas em nossos q ue eu dou, de cada disciplina, a
contextos locais. disciplina é reconstruída. Assim a última
Deixe-me então começar com certas aula é uma reconstrução de outra
coisa:. sobre avaliação e ensino então ir disciplina. O que estava bom, o que
para as relações na universidade. Eu acho estava errado? Como deve ser mudada
que não devemos jamais nos sentir para o grupo seguinte de estudantes? De
culpados sobre as coisas tais como aulas forma que este tipo de crítica é feito de
expositivas. Eu acho que há, de fato, forma que eu possa me tornar um melhor
muita aula expositiva e a maioria delas é professor. Muito do que é feito nas
horrorosa. Mas há razões pelas quais os disciplinas de currículo que eu ensino
estudantes escolheram deixar suas envolve habilidades que as pessoas
famílias e seus empregos, freqüentemen possuem, que são partilhadas. E então eu
te, para estudar. E eu acho que aquilo que hajo como um crítico e também como
é uma doença americana, "o hedonismo": alguém que faéilita a discussão. Assim, a
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luta cultural e política ali mesmo. ver o que realmente acontece, para ver
Devemos democratizar o lugar do qual como ele é reapropriado por professores
estamos próximos. (as) e estudantes em uma forma que é
Tomaz - Eu sei que tu tens estado algumas vezes emancipatória tanto
tra b a l hando no que tu chamas "a quanto opressiva. E então, como isto
economia política da publicação do livro forma uma base para a ação?
didático". Podes dar mais alguns detalhes O q ue eu comecei a fazer,
sobre isto? principalmente, não é somente um
Michael - Sim. Eu acho que a forma trabalho econômico, onde a economia
com que nós, nos Estados Unidos, das editoras é quem decide o que entra.
d i z e m o s i s t o, é: n o s s a p a l a v r a s Como os grupos dominantes funcionam
adquiriram asàs. Nós não temos mais realmente e como as frações de classe nas
nenhum referente para nossas teorias. E classes médias e na pequena burguesia
eu objeto às teorias em educação que não agem para patrocinar seu pr óprio
sejam relacionadas ao currículo e ao conhecimento, que algumas v e z e s
ensino reais. Do contrário, elas são contradiz o conhecimento d e grupos de
abstrações refletidas. Se lemos Marx, elite? Então nós começamos a ver o que é,
mesmo nos seus trabalhos mais teóricos, eu a c h o , uma f o rma mu ito m a i s
ele está ligado à economia política do detalhada de como o conhecimento é
Estado naquela época. E está cheio de realmente produzido, o conhecimento de
referência empírica. Agora, eu não sou quem é introduzido e à ver, neste circuito
um positivista, eu não acho que o de prod ução, onde nós realmente
empirismo seja a solução, mas penso que podemos fazer alguma coisa além de
nós devemos tentar usar os instrumentos somente teorizar sobre isto. Assim, este é
que nós desenvolvemos. Refiná-los em o meu trabalho sobre isto.
situações políticas reais. Penso que se Tomaz - Nós terminamos com os
não compreendemos as relações entre a comentários finais de Michael.
cultura, a economia e o Estado em Michael - Deixe-me falar um pouco
educação ... nós aplicamos aqueles sobre a importância deste encontro paa
conceitos se eles realmente funcionam. O mim. Porque eu penso que a maior parte
livro didático é a melhor constelação de do tempo as pessoas tendem a pensar
todas essas forças juntas.É tanto uma sobre quanto eu teria contribuído para o
mercadoria econômica como uma forma desenvolvimento do pensamento e do
na qual a cultura é tornada mercadoria, é trabalho e da análise nos lugares onde eu
tornada disponível ou não. E na maioria vou. Nos Estados Unidos, como um país
dos países tem relações muito estreitas que é economicamente e culturalmente
com o Estado. É através de Ministérios imperialista em algumas importantes
da Educação, nos 'Estados U nidos formas, isto tem um efeito sobre nós, isto
através de Comitês do Livro Didático, nos torna ignorantes das reais condições
que realmente as relações entre a cultura, de vida e de luta no Terceiro Mundo e em
a economia e o Estado se combinam, outros lugares. Assim uma das coisas que
numa forma que nós podemos ver como eu .nais gostei sobre este encontro foi a
isto opera. Usando os conceitos para habilidade para ver que certos tipos de
explorar como o que conta como análises e lutas e movimentos políticos
conhecimento legítimo é produzido, são de fato internacionais. E permitiu
como é distribuído e como é apropriado conexões que são muito, muito
por professores (as) e estudantes, nós importantes.
podemos ver o circuito da produção E também me proporcionou uma
cultural e podemos também intervir em f o r m a de ver quão importante é
cada nível. Assim a tentativa em relação compreender o contexto internacional
ao livro didático é a de tomar os conceitos dos Estados Unidos. Isto é crucial, eu
que têm sido desenvolvidos para aplicá acho, quando eu voltar para os Estados
los a um campo específico da produção Unidos. Porque não é somente o fato de
de conhecimento legítimo que é, com que eu vim influenciar as pessoas aqui,
freqüência, conhecimento de elite, para mas meu papel também é voltar e ter
EDUC AÇÃO & RE ALID ADE, Porto Alegre, 11(2): 57 - 68,julldez. 1986 67
sofrido a influência disto. Nós dizemos fornecer um contexto melhor para o tipo
nos Estados Unidos: não existe um de educação e trabalho político que se
problema das mulheres, o que existe é um passa aqui. E isto torna- �e muito, muito
problema dos homens. Não existe um importante, eu acho. E aquilô com que eu
problema dos negros, o que existe é um saio daqui é com este real reconhecimen
problema dos brancos. Não existe ... um to.
problema brasileiro, bem existe um
problema brasileiro, mas não existe um
real problema brasileiro, tanto quanto
* * *
existe um problema dos Estados Unidos.
E nossa tarefa é voltar e fazer uma
*MICHAEL APPLE é professor da Universidade
d i f e r e nç a , a p a r t i r d o q u e n ó s
de Wisconsin, nos Estados Unidos.
aprendemos, l á onde nós estamos.
Porque existem lutas políticas que estão A Entrevista, dada em inglês, foi traduzida pelo
localizadas n ecessariamente l á para Tomaz Tadeu da Silva
prof.
cia. Cortez e Autores Associados, 1983. Li São Paulo, Cortez e Autores Associados, 1984.
bãneo, J.c. Redenwcratização da Escola PÚ
blica. São Paulo, Loyola, 1985. Cury, C.J 9. DULLES, J.F. Anarquistas e Comunistas no
Educação e Contradição. São Paulo, Cortez e Brasü. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1973.
Autores Associados, 1981. Na mesma linha 10. DULLES , J.F. O Comunismo no Brosü. Rio de
desses autores, ver: Ribeiro, M. L.S. A For Janeiro, Nova Fronteira, 1985.
mação Política do Professor de jq e 2q Grtlus.
São Paulo, Cortez e Autores Associados, 11. FAORO, R. Os Donos do Poder. Porto Alegre,
1 984. E ainda: Ghiraldelli Jr., P. Trabalho do Globo, 1979.
Magistério, Pedagogia Dominante e Pedago 12. FERNANDES, F. Educação e Sociedade no
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(mim.) (a sair na Revista da ANDE) .
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ção Brasileira, 1 984. Barbosa. São Paulo, Melhoramentos, 1954.
31. Sobre a articulação de uma pedagogia Jigada 17. MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDU
aos interesses das camadas populares, ver: CAÇÃO NOVA. Revista Brasüeira de Estudos
Ghiralrlelli Jr., P. Educação Popular e Mo Pedag6gicos. Brasília 65 (150):407-425,
vimento, Operário na Primeira República, maio/ago. 1984.
EDUCAÇÃO & REALIDADE, Porto Alegre, 1 1 (2): 69 - 79, julldez. 1 986 7<,)
Fatores
mulher vem sendo subjugada mente em casa, quando seu pai tem sempre a
A
intelectualmente e criativamen última palavra e é visto como todo-poderoso.
te, na sociedade ocidental e na O menino aprende a superioridade paterna
oriental. Esta opressão sobre a como uma rivalidade, enquanto que à menina
mulher vem do cultivo de padrões culturais, é transmitida a submissão (Beauvoir, 1949).
impostos pela sociedade, que lhe são trans
mitidos desde a infância. A submissão ao homem é transmitida à
menina sob diferentes formas: a religião, li
Na infância, já se pode observar clara vros de hist6rias, livros escolares e anúncios
diferenciação na educação dos dois sexos. de televisão. A mensagem dada é sempre a
Para a menina, é ensinado um comporta mesma, através de diferentes maneiras: à
mento de passividade, enquanto que para o mulher cabe a tarefa de cuidar para que a sua
menino é reforçado um comportamento mais casa seja bonita, que cheire bem, que tenha
agressivo. É dada mais proteção à menina, uma comida saborosa, para que o marido e os
mais indulgência com as lágrimas, tentan filhos se sintam confortáveis, não se esque
do ampará-la contra a angústia e a soli cendo nunca de ser uma boneca fisica
dão. Ao contrário, para o menino, existe to mente bem atrativa. O modelo de Cinderela
do um ensinamento voltado para que ele se que espera que um homem tome as decisões
tome independente, livre, que ele seja forte e por ela, é ensinado à mulher a todo momento
não chore, principalmente, pois corre o risco (Dowling, 1981).
de virar mulher (Beauvoir, 1949).
Durante a sua vida escolar e juventude,
Desde cedo, o brinquedo preferencial novamente a mulher sentirá a pouca ênfase
mente dado à menina será a boneca, transmi que � dada à sua intelectualização pela socie
tindo-lhe assim que a sua função será a de dade. A mensagem, geralmente dirigida à
ser bonita como uma boneca, e a de tomar adolescente mulher, é de que os estudos
conta de alguém, como um ftlho, que a sua existem apenas para preencher o tempo ne
boneca representa. Outro brinquedo a ser cessário para encontrar seu companheiro Ou
ensinado à menina será o de fazer comidinha futuro marido. Para o adolescente homem, a
ou de bordar, imitando assim o papel da mãe mensagem é bem diferente: os estudos são
em casa, e inculcando-lhe o valor pela vida vistos como algo muito importante para que
doméstica. Por outro lado, nos brinquedos ele se tome um bom profissional, ganhe um
dados ao menino, existe uma ênfase maior no bom salário e possa sustentar uma mulher.
desenvolvimento intelectual e motor, como Desta maneira, à mulher nada mais resta do
quebra-cabeças, jogos de armas, pequenos que esperar um outro alguém que possa cui
laborat6rios, etc. dar dela, passando assim dos braços dos pais
de quem dependia para os braços de outra
No desenrolar de sua infância, a menina pessoa, de quem continuará a depender.
cada vez mais se defronta com a superiorida
de masculina. Esta se manifesta principal- A vivência sexual é também dirigida de
conflitos", revela uma pessoa que busca se.r Curiosidade 0,0926 0,0045
diferente o original nas suas ações, porém, Assertividade/Conflito 0,0969 0,0043
bastante intranqüila nestes seus comporta Realização através do outro 0,0983 0,0014
mentos. Conformismo/Medo do novo 0,1007 0,0024
Passividade/Conflito 0,1009 0,0002
Fator 12 -chamado de "conformismo e
medo do novo", mostra uma pessoa passiva
frente ao homem, obediente aos pais e pro Nas tabelas de 1 a 3 estão apresentados
fessores, convencional nos seus comporta os fatores que deram maiores contribuições à
mentos, com muito medo de arriscar. predição das realizações criativas, à predição
Os 12 fatores acima relacionados foram da criatividade verbal e da criatividade figu
então usados na análise de regressão para a ralo
predição das variáveis: realizações criativas Na variável de realizações criativas, os
(reconhecidas publicamente), criatividade fatores encontrados como melhores predi
verbal e criatividade figural. Estas duas últi tores, em ordem decrescente de importância,
mas variáveis se referem à criatividade em foram: passividade com conflito, originalida
potencial, não necessariamente já reconheci de e conflito, autoritarismo, rigidez e con
das publicamente. trole, identificação com a mãe e conflito,
submissão ao papel feminino, realização
através do outro, conformismo e medo do
Tabela I novo, intelectualização, curiosidade, e, por
último, realização pessoal.
ANÁLISE DA REGRESSÃO DOS FATORES Na variável de criatividade verbal, os
COM AS REALIZAÇÕES CRIATIVAS
fatores de preditores, em ordem decrescente,
Descrição do Fator Mudança R2 foram: passividade com conflito, curiosidade,
originalidade e conflito, assertividade com
Passividade/Conflito 0,2687 0,2687 conflito, intelectualização, rigidez e controle,
Originalidade/Conflito 0,4218 0,1531
identificação com a mãe e conflito, confor
Autoritarismo 0,4543 0,0325
Rigidez e Controle 0,4929 0,0386 mismo e medo do novo, realização através do
Identificação com a mãe e outro, submissão ao papel feminino, e, por
Conflito 0,5031 0,0102 último lugar, realização pessoal.
Submissão ao papel feminino 0,5102 0,0071 A variável "criatividade figuraI" apre
Realização através do outro 0,5124 0,0022
sentou como melhores preditores os seguin
Conformismo/Medo do novo 0,5158 0,0034
Intelectualização 0,5163 0,0005 tes fatores, em ordem decrescente de im
Curiosidade 0,5170 0',0007 portância: intelectualização, identificação
Realização Pessoal 0,5171 0,0001 com a mãe e conflito, originalidade e confli-
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"
* SOLANGE WECHSLER é Professora do Departa
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do IIEllCOdtrG'de
deEd�
C
de "Educação e Informação de uma revista.
Educacional" realizado em Flo Constatou-se, ainda, que embora muitos
rian.6polis em outubro de 1985, destes problemas sejam comuns a todas as
promovido pela Revista Perspectiva da Revistas, há diferenças segundo o vínculo de
UFSC e, fmanciado pelo CNPq, realizou-se origem.
em Campinas, em maio de 1986, o 11 En As Revistas ligadas às Universidades,
contro de Revistas Brasileiras de Educação. que divulgam sobretudo trabalhos produzi
O evento foi organizado pelas revistas Edu dos por seus pesquisadores, acabam muitas
cação e Socidade (CEDES), Cadernos de vezes fechando-se em si próprias não dando
Pesquisa (Fundação Carlos Chagas) e ANDE conta das inovações ocorridas no campo da
(Associação Nacional de Educação), e finan Educação. Além disso, os entraves burocrá
ciado peloCNPq, INEP e CAPES. Contou ticos, a falta de apoio financeiro e o pouco
com a participação de 28 Revistas - editadas valor atribuído aos períodos acadêmicos
em vários estados do Brasil, por diferentes científicos por partI! da Universidade, aca
associações, entidades e universidades - e bam prejudicando a sua produção gráfica e
representantes das agências fmanciadoras periodicidade. Conseqüentemente, a distri
que propõem políticas de apoio a edições do buição é precária e, com freqüência, lm:al.
campo educacional. Contou, ainda, com a As Revistas produzidas por associações,
presença de representantes da FAE e da Se centros de estudos e pesquisa e por funda
cretaria de Planejamento do Ministério de ções, destinadas, em sua maioria, a um pú
Educação. blico mais diversificado e de âmbito nacional,
O tema central do Encontro "A busca encontram muitas vezes problemas para ob
(:e profissionalização das Revistas de Educa tenção de artigos de acordo com a sua linha
ção como questão de sobrevivência" orien editorial. Isto compromete a qualidade, já
tou os debates em torno de quatro questões: que nem sempre a colaboração espontânea é
1) a produção das matérias para publicação; de boa qualidade e há falta de recursos para
2) a editoração; 3) a distribuição e divulga pagamento de artigos encomendados. O re
ção; e 4) as políticas de apoio das agências sultado é que também estas Revistas acabam,
financiadoras às Revistas de Educação. por usa vez, não refletindo as tendências
O quadro apresentado pelas Revistas, no mais significativas do pensamento educacio
que se refere aos seus problemas específicos, nal brasileiro. A falta de recursos materiais
mostrou, de forma contundente, as inúmeras compromete a periodicidade e, em decorrên
dificuldades que enfrentam. De um lado, as cia, a credibilidade das mesmas face aos assi
dificuldades vão desde a obtenção de artigos nantes e a todo o sistema de distribuição.
de qualidade, até de infra-estrutura material Estas são apenas algumas das inúmeras
e de recursos humanos para a sua publicação. dificuldades levantadas pelas Revistas. Ten
De outro, a distribuição precária acaba pre t"n00 int",rferir ne�se (jllllnro, no sentido de
judicando a socialização do conhecimento e transfornlá-Io para fazer frente às demandas
Impressão e acabamento:
Gráfica da UCS