Você está na página 1de 13

Educação e teorias da resistência

Mariano F. Enguita . • • • • . . . • . • • . . • • • • • • . . . . • • . . . . • • • . • • . • • • . • . 3

Trabalho-educação e tecnologia:' treinamento polivalente ou formação politécnica?


Gaudêncio Frigotto . • . . . . . • • • • • . . • • . • . • • • . • . • . • • • • . • • . • . . . • . . • 17

Currículo e democracia: lições de uma crítica à "nova sociologia da educação"


Michael Young • • • . • . • . • . . • • • . . • • . . . . • • . . . • . • • • . • . • • . . . • • . • . • • 29

Educação e democracia num país semiperiférico (no contexto europeu)


Stephen R. Stoer e Helena Costa Araújo . . . . . . • . . . • • . . . . . • . • . • . . . • . .. 41

Poder, conocimiento y sistemas educacionales: un modelo de análisis y cinco proposiciones


para un programa de investigaci6n sobre transmisi6n cultural e escolar en Chile
Cristián Cox . • . . • • . • • . . • • • . . • • • • • . • • . . . . • • • • • • • • • • . • • • • . • . . . 55

Alternativas para a compreensão do analfabetismo na região


Emília Ferreiro • . . • • • • • • • • • . • . • • . . • . • . • . . . • • . • . . . • • • . . • . . • . • • 70

E se não houvesse "estudos sociais" nas séries iniciais?


Antônio Carlos Castrogiovanni e Beatriz T .D. Fischer. . • . . . . . • • • • . . . . . . . • 81

Composição: Artexto - Serviços Gráficos e Edito­


riais Ltda.- Rua 13 de maio, 468 -
Fone: (054)222 .622 3- Caxias do Sul- RS

Capa: Kundry Lyra Klippel

V. 14, n� 1,janeiro/junho de 1989 Assinaturas e números avulsos: Pedidos de assi­


naturas devem ser enviados ao seguinte endereço,
Educação & Realidllde é uma publicação semestral juntamente com cheque cruzado em nome de Edu­
da Faculdade de Educação da Universidade Federal cação e Realidade:
do Rio Grande do Sul.
Educação e Realidade
Editores: Rovilio Costa e Tomaz Tadeu da Silva Faculdade de Educação
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Çonselho Editorial: Alceu R. Ferrari (presidente), Av. Paulo da Gama, sln�, 8� andar
Angela M. B. Biaggio, Laetus M. Veit, Margot B. 90.040- Porto Alegre - RS- Fone:(05l2)25.1067
Ott, Maria Beatriz M. Luce, Renita L. AlIgayer, Brasil
Rovilio Costa e Tomaz Tadeu da Silva

Secretária: Jacy Busato

Projeto Gráfico: Abnel de Sousa Lima Filho


(Central de Produções - FACED/UFRGS) ISSN 0100-3143
1. As disciplinas acadêmicas e o es­ quanto isto tem ocorrido quase sem ne­
tudo da educação nhuma reflexão ou debate sério é preo­
cupante. Esta falta de debate é particu­

rm
larmente surpreendente quando se traça
ma das con s e qü ências da
um paralelo com o crescimento de cur­
recente política governamen­
sos pré-vocacionais não-acadêmicos pa­
tal inglesa a respeito da For­
ra estudantes adolescentes. Da mesma
mação Profissi onal de
forma que no estudo da educação os
Professores tem sido que aquelas disci­
vínculos com as disciplinas acadêmicas
plinas que são com freqüência chama­
estão sendo enfraquecidos, assim tam­
das de disciplinas de "fundamentos" da
bém nos últimos anos do ensino secun­
educação (reftro-me aqui particular­
dário os cursos "pré-vocacionais" têm
mente à ftlosofta, sociologia, psicolo­
deixado de lado as disciplinas escolares
gia) perderam sua posição dominante
tradicionais e seus critérios de conhe­
anterior(l). Isto está intimamente rela­
cimento. Isto sugere que estamos pre­
cionado à drástica redução nas possibi­
senciando algo mais fundamental que
lidades de os professores estagiarem em
uma ameaça à segurança de uns poucos
tempo integral, como auxiliares, pelo
soci610gos e ftl6sofos.
período de um ano, um tipo de f6rmula
que está sendo crescentemente substi­ Os que trabalham com essas dis­
tuída por uma variedade de programas ciplinas parecem, a julgar por seu silên­
mais curtos destinados a ajudar os pro­ cio, estar em ret ira da, e mostram
fessores a lidar com problemas práticos poucos sinais de outra atitude que não a
específtcos que são identiftcados pelas de uma aceitação resignada de seu
Autoridades Educacionais Locais. Em­ decrescente papel. O que se necessita
bora estes desenvolvimentos reflitam urgentemente é de: (a) uma avaliação
um esforço há muito devido por parte das forças mais profundas que podem
das instituições de ensino superior para estar por detrás das mudanças a que me
desenvolver cursos que tenham maior referi, e (b) um exame crítico de onde
relevância e aplicabilidade, há o perigo essas disciplinas nos levaram, tanto em
de que um dos resultados disso seja que relação umas às outras quanto em
a pesquisa e o estudo sistemático ba­ relação à sua capacidade de analisar as
seados nas disciplinas "fundamentais" mudanças dramáticas e de amplas con­
tornem-se crescentemente marginaliza­ seqüências que estão presentemente sen­
dos. Em resposta à demanda por flexi­ do enfrentadas tanto pelos responsáveis
bilidade, estão sendo desenvolvidos pela política e ducacional quanto pelos
cursos modulares, assim como novas que trabalham nas escolas. Neste artigo
áreas inteiras de estudo, mas é provável não poderei mais do que apenas tocar
que essas incluirão somente uma pe­ nas questões envolvidas.
quena quantidade de trabalho baseado Este artigo é uma contribuição ao
nas disciplinas "tradicionais" . O exame crítico das disciplinas usando a

EDUCAÇÃO E REALIDADE, Porto Alegre, 14(1): 29-40, janljun. 1989 29


sociologia da educação como um exem­ muito mais amplas que as limitadas
plo_ Ele examina uma pequena ini­ preocupações deste artigo. Elas tocam
ciativa, a ascenção (e a queda) da "nova nas questões da base social do trabalho
socioJogia da educação" na década de intelectual e do papel dos soci610gos (e
70, a .qual foi, à época, objeto de uma de outros) como intelectuais. Elas tam­
considerável controvérsia profissional e bém se relacionam às formas que o
politica em vários países. Apesar de seus conhecimento sistematicamente or­
pontos fracos a "nova sociologia da ganizado pode assumir, às quais me
educação" tirou vantagem do clima referi em conexão com as disciplinas es­
mais geral de radicalismo cultural e colares. Quais são as implicações do
politico da época para colocar questões declinio das disciplinas acadêmicas nos
sobre a forma e o conteúdo do currículo estudos educacionais? Pode isto levar
acadêmico na pauta do debate edu­ tão somente a uma espécie de prag­
cacional. No artigo que se segue eu matismo sem direção, quando apenas as
desenvolvo uma série de temas dos quais questões superficiais são tratadas?
dois menciono brevemente aqui. Oferece esse declinio novas possibili­
Primeiro: eu argumento que em sua dades de encontrar novas bases para o
preocupação por demonstrar o exclu­ trabalho teórico que não esteja limitado
sivismo do conhecimento acadêmico, a pelas disciplinas tradicionais e suas
nova sociologia da educação (NSE) rivalidades inter-profissionais? O que
substituiu o conhecimento das discipli­ significaria assegurar que as disciplinas
nas acadêmicas pela consciência popu­ acadêmicas reformadas ou suas possíveis
lar ou pelo senso comum como um fun­ alternativas possam ser transformadas
damento para o currículo, mas isto de pela experiencia dos que com elas
uma forma igualmente acrítica. Se há trabalham ao invés de lhes ser imposta?
uma lição a ser aprendida desde a pers­ De que forma a teoria social poderia
pectiva da década de 80, esta é a de auxiliar essas pessoas e outras a se
quão prontamente a consciência popu­ darem conta das mudanças sociais e
lar, ajudada por uma certa imprensa, foi econonucas mais amplas dentro das
levada a formas totalmente estranhas quais a educação está inevitavelmente
aos objetivos radicais adotados pela so­ imersa?
ciologia da educação da década de 70.
Alguns pesquisadores estão co­
Um dos objetivos deste artigo é o de meçando a argumentar que as presentes
argumentar que o retorno regressivo a transformações do capitalismo global
um curriculo acadêmico a-histórico e estão minando inteiramente a base e a
rigido, tal como o sugerido pelas novas credibilidade das disciplinas acadêmicas
diretrizes do Currículo Nacional, não é a (tanto as ciências naturais quanto as ar­
única alternativa possível. As disciplinas tes e as ciências sociais) como as prin­
escolares são uma forma histórica par­ cipais instituições para a produção de
ticular de sistematizar conhecimento e conhecimento. Wexler (1988), pOI
de ir além do senso e da experiência exem plo, sugere que nos Estados
comuns. Elas têm uma história na Unidos, o capitalismo das grandes cor­
emergência das primeiras formas de es­ porações, com suas exigências de efi­
colarização de massa no século 19. ciência técnica e de solução dos pro­
quando os principais parâmetros de blem as práticos imediatos, tem se
nosso atual currículo acadêmico foram desencantado com a típica organização
traçados e receberam sua base insti­ do conhecimento, baseada na univer­
tucional. A escolarização de massa do sidade. Dentro dessa prospectiva, novos
século 19 não era uma escola comum tipos de instituições de pesquisa estão
para todos, mas uma escola dividida e emergindo, não vinculadas ao conser­
as disciplinas escolares emergiram como vadorismo das culturas acadêmicas, e
parte daquela estrutura dividida. O que que atraem uma proporção crescente
necessitamos é de uma exploração das dos fundos privados que costumavam ir
diferentes formas de organizar co­ para as Universidades. Há um certo
nhecimento que possam ser parte de paralelo com a emergência de think ta­
uma escola genuinamente comum. nks politicamente direcionados neste
O segundo objetivo deste artigo, es­ país, embora numa escala muito menor.
treitamente relacionado ao primeiro, é o Pode ser que estejamos entrando
de sugerir que a "nova sociologia da num periodo em que os valores e os in­
educação" (NSE) adotou uma visão al­ teresses até mesmo dos que estão envol­
tamente irrefletida do papel das dis­ vidos na pesquisa mais esotérica estão se
ciplinas acadêmicas nos estudos edu­ tomando cada vez mais visíveis e contes­
cacionais. As questões envolvidas são tados. Se é assim, então será necessário

30
reavaliar formas de trabalho intelectual para um vasto público inglês o trabalho
tais como as disciplinas acadêmicas e do sociolingüista americano, William
perguntar se suas suposições sobre Labov.
autonomia e objetividade são ainda Foi em 1973 que o termo "nova
apropriadas. Este artigo argumenta que sociologia da educação" foi cunhado,
o trabalho acadêmico na educação está num . artigo em um periódico inglês
inescapavelmente envolvido nas forças e dirigido à educação de professores
movimentos mais amplos de mudança (Gorbutt, 1973), no qual pela primeira
social e que portanto não há como es­ vez 'se fez a conexão entre a análise que
capar de uma compreensão mais clara e a NSE fazia do currículo e o papel dos
explícita de seus propósitos políticos. O professores e dos educadores de profes­
resultado positivo pode ser o de que esta sores como agentes de mudança radical.
clareza de direção política poderia, por Knowledge and Control (KC) era menos
um lado, tornar as contribuições das explícito sobre seus objetivos políticos
disci p linas ac a dêmicas aos estudos (mais adiante retornarei a este tema).
aplicados mais óbvias e, por outro, Ao invés, seu objetivo era o de tmçar
poderia fornecer uma direção e um sen­ um novo curso para a sociologia da

so de objetivo ao trabalho baseado nas educação como um campo intelectual,


disciplinas, os quais estão agora ausen­ ou mais corretamente, como um campo
tes. Volto-me agora para o tópico es­ acadêmico. Ele buscava definir o campo
pecífico deste artigo, a "nova sociológia de investigação de formas a distingui-lo
da educação" e suas origens no início da de seu vínculo com a pesquisa de es­
década de 70. tmtificação social e afirmar que seus
t6picos principais de estudo deveriam
ser os processos especificamente educa­
cionais do currículo e da pedagogia. Ao
2. Origens da "nova sociologia da
fazer isto colocou-se à parte do trabalho
educação"
anterior na área tanto nos Estados
Unidos quanto na Inglaterra, os quais
O subtítulo que dei a este artigo(2)
haviam se concentrado em modelos tipo
foi: "Algumas lições de uma crítica à
input/output e prestado muito pouca
nova sociologia da educação (NSE)"(3).
atenção aos processos educacionais. Era
Como o próprio termo possibilita várias
esta tentativa de definir o campo in­
interpretações e às vezes confunde-se
telectual da sociologia da educação em
com os termos sociologia "radical"
torno do problema do conhecimento es­
(Moore, 1988) e "crítica" (Young, 1986,
colar, sua defini.;ao e transmissão, que
1987) da educação, eu gostaria de unia o conjunto de artigos extremamen­
começar por localizar com tanta pre­
te diversos e, em alguns casos, teori­
cisão quanto possível o conjunto de
camente contraditórios reunidos no livro
trabalhos que estou chamando de NSE.
KC.
Ele é usualmente associado a uma série
Quase imediatamente as diferenças
de eventos editoriais estreitamente
teóricas no interior dessa tentativa para
relacionados:
definir o campo tornaram-se explícitas.
(I) O aparecimento em 1971 do livro
De um lado havia as análises estruturais
Knowledge anti Control (Young,
durkheiminianas de Bernstein e B(\llf­
1971) que tinha o subtítulo "new di­
dieu, e Oe outro, a abordagem anti­
rectionsfor the SOE'
positivista de sociologia do conhecimen­
(lI) O lançamento do primeiro curso
to bastante influenciada pelos notáveis
de Open University de Sociologia da
tmbalhos prévios de C. Wright Mil.Is
Educação Escolar e Sociedade, para o
(1939, 1940) e representada em KC
qual Knowledge and Control em um
pelos artigos de Geoff Esland, Nell
livro de leitura. Isto significava não
Keddie e o meu próprio. Naturalmente,
somente que vários milhares de profes­
esta distinção é um tanto simplificada,
sores inscritos no curso estavam o­
mas para os objetivos deste artigo ela é
brigados a comprar o livro, mas também
útil, assim como aquela tradição anti­
que este estava disponível a um preço
positivista (com seu foco particular no
que era, mesmo então, notavelmente
currículo) e as tentativas posteriores
baixo. Ambos os eventos exerceram
para reconceptualizá-Ia, que eu iden­
papéis importantes na disseminação de
tificarei como "nova sociologia da
suas idéias.
educação". A tradição durkheiminiana,
(III) Menos de dois anos mais tarde
à qual a NSE inicialmente devia muito,
as edições Penguin publicaram uma
e que foi criada na Inglaterra por Basil
pequena antologia organizada por NelI
Bernstein desenvolveu-se de forma bas-
Keddie (Keddie, 1973), que apresentava

31
tante separada, embora recentemente tar uma análise mais sistemática. A
tenham-se feito algumas conexões in­ minha recordação mais forte das reações
teressantes entre elas (Moore, 1988). a KC no inicio da década de setenta está
A NSE como uma tradição intelec­ relacionada ao uiveI de raiva e anta­
tual e como um grupo de pesquisadores gonismo gerado entre agrupamentos
e professores teve vida curta, em parte politicos que provavelmente seriam in­
por causa de suas pr6prias limitações, capazes de concordar sobre qualquer
algumas das quais eu discutirei mais outra coisa. Em primeiro lugar havia a
adiaflte, e em parte por causa das "direita politica", então, diferentemen­
mudanças nas circunstâncias econô­ te, de hoje, um grupo bastante marginal
micas e políticas mais amplas, nas quais na Inglaterra, particularmente e m
o foco nos professores como agentes de educação. O melhor exemplo é a pu­
mudança tornou-se crescentemente blicação, em 1977, por uma organiza­
irrealista. As simplificações de algumas ção chamada Instituto de Estudos do
de suas formulações e popularizações Conflito, de um panfleto intitulado A
anteriores e particularmente sua re­ Penetração Marxista e Radical: O Ata­
jeição dogmática do conceito de "es­ que à Educação Superior. Falava de
trutura social" receberam sua crítica professores chegando às escolas com
mais sistemática de Geoff Whitty "Knowledge and Control em sua�
(1974). Seu trabalho levou aos nossos veias" prontos para "preparar a juven­
esforços conjuntos de reconceptuali­ tude britânica para o assalto Trotskys­
zação nas duas antologias que co­ ta". Menos politicamente carregada,
editamos e mais tarde no seu próprio mas não menos ansiosa foi a reação de
livro Sociology and School Knowledge fil6sofos educacionais, e mesmo de al­
(Whitty, 1986). As duas antologias Ex­ guns soci610gos. Esses escreveram arti­
plorations in the Politics of School gos em jornais e revistas com títulos
Knowledge (Whitty e Young, 1976) e tais como "o caos do relativismo"
Society and Schooling (Young e Whit­ (Martin, 1978) e "Knowledge out of
ty, 1977) representaram o fIm da NSE Control" (pring, 1973). Eles advertiam
como uma tradição distinta na Ingla­ sobre os perigos envolvidos em trans­
terra, embora algumas de suas idéias portar as inebriantes idéias da sociolo­
possam ser encontradas no trabalho gia do conhecimento de seu asséptico e
mais recente em sociologia do currículo seguro lugar para a arena prática da
(p .ex., Hammersley e Hargreaves, tomada de decisão sobre currículo.
1983). Ela foi marginalizada numa in­
Conhecem-se naturalmente muitas
fluente antologia anglo-americana de
tentativas semelhantes de restringir a
sociologia da educação (Karabel e Hal­
sey), mas foi retomada e desenvolvida uma elite idéias vistas como potencial­
na área de teoria do currículo nos Esta­ mente subversivas: nisso estão envol­
dos Unidos, mais notavelmente nos vidos Igrejas e politicos, assim como
primeiros trabalhos de Michael Apple. educadores. Por exemplo, na Iglaterra
E interessante observar que tem havido do século XIX, lideres religiosos foram
uma onda repentina de comentários e bastante bem sucedidos em manter a
revisões por pesquisadores canadenses geologia fora do curriculo escolar com
e franceses na metade desta década base no argumento de que ela poderia
(Forquin, 1983, 1985; Trottier, 1987 a, destruir a fé dos jovens em Deus. En­
b). tretanto, naquela faixa da década de
Por que então devemos nos preo­ setenta não era a fé em Deus I mas na
cupar com a NSE? Por que devemos Civilização Ocidental que parecia estar
supor que há importantes lições a serem em questão. Ao sugerir que o currículo
aprendidas desse breve florescer de acadêmico não era uma seleção benigna
radicalismo intelectual que talvez se de­ do que havia de melhor na cultura, mas
veu mais a uma ingenuidade política uma seleção particular de conhecimento
nascida das aspirações da década de por parte de uma elite, geralmente no
sessenta que à teoria e à pesquisa sis­ interesse de preservar sua p rópria
temáticas? posição, a NSE era vista como uma
ameaça a algo quase sagrado. Talvez o
estranho, em retrospecto, seja a sur­
presa que essas reações suscitaram.
3. Primeiras reações Duvido que os que se identificavam com
a NSE tenham constituído o único grupo
Eu gostaria de descrever brevemente intelectual radical na história que tenha
uma série de reações bastante diversas à querido não somente subverter as ins­
NSE na década de setenta antes de ten- tituições estabelecidas, mas também que

32
o tenham querido fazê-lo sem reações. tramos tanto a crítica quanto as alter­
Isto naturalmente levanta q uestões nativas, represent adas na política
muito mais amplas sobre a posição con­ educacional inglesa, mas em contextos
traditória dos radicais de classe média bastante diferentes daqueles esperados
em instituições de prestígio como as da NSE ou desejados por ela. Desde
Universidades. 1976 o currículo acadêmico inglês tem
A reação de setores da esquerda, sido criticado como uma das causas do
particularmente da esquerda tradicional declínio industrial da Inglaterra. Para
do Partido Comunista, foi bastante essas críticas ele desv.ia estudantes bem
semelhante. Para eles o currí culo sucedidos de seu devido futur'O nas em­
acadêmico era algo pelo qual eles ti­ presas de alta tecnologia e nega aos mal
nham lutado com o objetivo de garantir sucedidos a possibilidade de quaisquer
o acesso aos seus filhos e filhas. Numa habilidades ou competências (Barnett,
época em que se presenciava pelo menos 1980; Weiner, 1982). Por outro lado,
um crescimento da oportunidade encontramos os elementos da pedagogia
educacional, um questionamento como não-hierárquica (expressados na idéia
o proposto pela NSE era visto como uma do "currículo negociado") fazendo parte
ameaça à base inteira de uma política de programas para os estudantes de
educacional de esquerda que estava baixo rendimento e para a juventude
comprometida <:om um trabalho junto desempregada. Esses cursos são um tan­
ao establis hment educacional para ex­ to eufemisticamente chamados de pré­
pandir o acesso. Uma série de artigos vocacionais) mas todos eles podem muito
apareceu em periódicos com ampla cir­ bem estar excluindo aqueles que neles se
culação entre os professores (p. ex., inscrevem de progredir seja para cursos
Simon, 1975), atacando a NSE pelo mais propriamente vocacionais seja para
fato de sugerir que o currículo acadê­ estudos acadêmicos (Randon, 1984;
mico tinha uma base social de classe e Green, 1984; Spours, 1988).
poderia não ser a base para u m a É portantõ esta combinação con­
educação verdadeiramente igualitária e traditória de indignação da esquerda e
democrática. Eles argumentavam que a da direita, de ansiedade dos acadêmicos
NSE, ao conceder uma espécie de le­ liberais, de senso de emancipação de al­
gitimidade à exclusão acadêmica das guns professores que sugerem que um
crianças da classe trabalhadora, estava exame maiS crítico de algumas das
"encorajando o apartheid educacional" suposições da NSE é válido. O fato de
e numa frase da qual me recordo muito que algumas de suas alternativas im­
bem, preparando-as para serem um plícitas estão sendo incorporadas em
pouco mais que ilotas. programas que são potencialmente cau­
Outras reações, menos formais e sadores de mais desigualdade toma essa
menos documentadas, vinham de tarefa mais urgente. Eu argumen­
professores e educadores individuais, os tarei que embora tenha havido, sem
quais observavam (citando um deles) dúvida, algo emancipatório nas cone­
que "KC deu-me a confiança para pen­ xões que a NSE fez entre poder e co­
sar aquilo que eu sempre havia sentido nhecimento no currículo, seus críticos
intuitivamente mas não tinha tido a estavam, em alguns pontos importantes,
confiança para expressar". corretos.
Desejo, portanto, voltar-me para
dois temas chaves da NSE: (1) sua es­
pecífica pretensão de estar oferecendo
4. Resultados práticos uma nova abordagem, distinta de tradi­
ções anteriores na área, e, (2) sua espe­
cífica abordagem do currículo escolar.
Gostaria de relacionar essas obser­
vações com uma questão final a respeito
das reações. A NSE estava associada
tanto com uma crítica do currículo 5. O que havia de novo?
acadêmico como uma forma de do­
minação quanto com o apoio a formas Em relação à sua pretensão de estar
de pedagogia não-hierárquicas, com oferecendo "novas direções", discutirei
aprendizagem centrada no estudante, três aspectos da NSE:
em oposição à aprendizagem centrada (a) sua relação com a questão das de­
na disciplina, e com a eliminação das sigualdades educacionais;
barreiras entre o conhecimento escolar e (b) sua escolha do currículo como um
não-escolar. No próprio clima político tópico prioritário da sociologia da
diferente da década de oitenta, encon- educação;

33
(c) sua ênfase nos professores e edu­ questões de gênero e raça (Acker, 1981),
cadores de professores como agentes de não é surpreendente que tanto a "nova"
mudança progressista. quanto a "velha" sociologia da educação
tenham falhado em tratar adequada­
(a) O que não foi reconhecido na época mente as desigualdades educacionais.
mas que é surpreendente em retrospec­
to, foi a extensão da semelhança entre (b) A contribuição mais marcante e para
as preocupações políticas daqueles iden­ mim ainda a mais importante da NSE
tificados com a NSE e as daqueles cujo foi a de fazer dos processos de seleção e
trabalho ela criticava, como por exem­ exclusão do conhecimento feitos por
plo, Halsey, Floud, JWB Douglas e professores em sua prática de sala de
Glass. Para ambos os grupos a questão aula o tópico central da sociologia da
política principal na educação inglesa educação. O l\rgumento de que se
era a persistência das desigualdades poderia demonstrar que esses processos
educacionais. Ademais, na medida em corporificavam relações de poder tanto
que o trabalho da NSE era explícito dentro da escola como na sociedade
sobre o significado da classe social, ela mais ampla foi tanto importante quanto
retomava a ampla distinção entre novo na época. Entretanto, havia tam­
ocupações manuais, e não-manuais que bém uma tendência para tratar esses
era usada pelos sociólogos anteriores, processos como se eles fossem as únicas
não prestando atenção a outras formas preocupações legíticas da NSE e portan­
de divisão social. A NSE minimizou a to para descartar a preocupação dos
importância das semelhanças políticas pesquisadores anteriores com os proces­
entre os sociólogos e deu uma ênfase sos mais amplos de seleção que envol­
maior às questões teóricas e metodo­ viam o acesso dos estudantes. A
lógicas que os dividiam. Ela estava análise sociológica do currículo teria
fazendo portanto, algumas suposições sido sem dúvida fortalecida se se tivesse
definidas, embora não explícitas na feito pesquisas para relacionar esses dois
época, sobre a natureza do trabalho conjuntos de processos.
acadêmico em educaç ão que, no
mínimo, ne cessitavam de algu ma (c) A distinção final entre as assim
avaliação. chamadas velhas e NSE estava nas suas
É minha opinião que havia elemen­ visões do público. O trabalho anterior
tos de rivalidade inter-profissional na via a si mesmo dentro da tradição
posição da NSE que a levaram a en­ fabiana de pesquisa orientada para a
fatizar diferenças teóricas no 'interior da formulação de políticas públicas. Eles
disciplina ao invés de enfatizar seme­ supunham que os políticos e adminis­
lhanças políticas. Na medida em que os tradores eram pessoas razoavelmente
governos, na Europa Ocidental, usam racionais que agiriam sobre a base de
uma variedade de estratégias, desde a resultados cuidadosamente pesquisados
persuasão até a corrupção para alinhar e que todos eles partilhavam uma
seus acadêmicos, a perspectiva adotada preocupação com a eliminação das
pela NSE, que tratava o trabalho desigualdades. Este aspecto está bem
acadêmico como uma fonte autônoma exemplificado num trabalho mais recen­
de mudança educacional, parece, cres­ te dentro daquela tradição (Halsey,
centemente inviável. Se a NSE tivesse Heath e Ridge, 1980). A NSE impli­
enfatizado suas prioridades políticas citamente desconfiava dessas pessoas
para acabar com as desigualdades como "parte do estab/ishment", e
educacionais ao invés de enfatizar suas dirigiu sua atenção em direção a outros
diferenças teóricas, ela teria buscado acadêmicos, particularmente educadores
alianças com os pesquisadores tradi­ de professores e para os próprios pro­
cionais da sociologia da educação, que fessores. Portanto um público ou agên­
lhe eram politicamente empáticos, ao cia de mudança foi substituído por ou­
invés de vê-los como uma espécie de tro. Não se fez nenhuma tentativa para
"velha guarda" ou de oposição profis­ analisar o tipo de Estado do qual o sis­
sional. Há também uma questão mais tema de educação inglês era parte, nem
profunda que eu não posso tratar como para descobrir se os professores eram de
deveria aqui. Pode ser argumentado que fato receptivos às idéias da NSE e em
a NSE tentou substituir uma política que medida, em termos práticos, eles
reformista centrada em desigualdades poderiam se tornar agentes de mudança
de classe social por uma política cultural independentemente dos, ou mesmo em
radical, conquanto pouco desenvolvida. oposição aos, ádministradores.
Entretanto como ambas negligenciaram

34
Nesta seção eu usei três exemplos da do currículo para ser o que eu chamaria
NSE para ilustrar os problemas que sur­ de uma espécie de "descrição contes­
gem quando o trabalho acadêmico com tatória" de como o currículo realmente
propósitos progressistas dá prioridade às era. Esse desvio da análise para a des­
preocupações teóricas dentro da dis­ crição produzia o efeito de tratar o
ciplina em prejuízo de uma análise de currículo acadêmico como se ele tivesse
sua posição no equilibrio mais amplo de somente poder ideológico; em outras
forças politicas. palavras, o foco estava restrito a como
ele sustentava a existente distribuição
desigual de recursos. Isto significava que
o poder cultural do currículo como uma
6. A NSE e o curriculo escolar fonte de compreensões reais que, a des­
peito de sua ideologia, dava pelo menos
Volto-me agora para a ênfase que a a alguns estudantes mais controle no
NSE deu ao curriculo. Como a carac­ mundo no qual eles iam ter que viver,
terística mais marcante da NSE, ela era descurado.
também foi responsável pela maior an­ A análise que a NSE fazia do cur­
siedade de seus criticos,como mencionei rículo como um poder ideológico
antes. Ela surgiu diretamente da busca deixava como alternativa nenhum
por u ma explicação alternativa da currículo (uma espécie de desescola­
desigualdade e baixo rendimento da lização!) ou alguma noção de um cur­
classe trabalhadora em relação ao con­ rículo baseado na experiência, uma
ceito de educabilidade que havia sido noção muito bem criticada por HaU
formulado n a tradição anterior da (1983). Essa idéia tem sido retomada,
sociologia da educação (Young, 1986). como mencionei antes, dentro dos
O persistente baixo rendimento das programas pré-vocacionais COIr. conse'­
crianças da classe trabalhadora vinha qüências que potencialmente conduzem
sendo explicado em termos de deficiên­ a mais desigualdade, particularmente
cia em background cultural assim como para estudantes de baixo rendimel).to
em termos de desigualdades sociais mais (usualmente da classe trabalhadora)
amplas. Em suas formas mais simplistas (Green, 1986). Vários sociólogos no
ela oferecia soluções para (a) a expan­ final da década de setenta e na década
são educacional e (b) a compensação da de oitenta tentaram resolver este
desvantagem, como se a forma cultural problema, explorando a idéia de um
do fornecimento de educação não exer­ currículo de classe trabalhadora (Cohen,
cesse nenhum papel nesse fornecimento. 1985; Whitty, 1986), baseados num
Em direta oposição a essa abordagem, a "conhecimento realmente útil", uma
NSE centrou se na estrutura do cur­
-
idéia Chartista do início do século XIX
rículo acadêmico como a principal fon­ (Johnson, 1980). A idéia de que pode­
te da distribuição desigual de educação. ria haver um conhecimento que estaria
Suas disciplinas individuais separadas, localizado nas circunstâncias de uma
suas hierarquias de conhecimento válido classe social particular, fazia sentido
e sua exclusão do conhecimento não­ naquela experiência Chartista espe­
escolar eram analisados como instru­ c ífica e efêmera, quando artesões
mentos de exclusão de classe social. O qualificados detinham os meios, embora
poder ideológico do currículo acadêmico não as relações,de produção. Entretanto
era identificado pelo sucesso com o qual é bastante menos claro se se pode dar
ele era capaz de convencer as pessoas de um novo significado ao conceito de
que ele era a única forma de organizar "conhecimento verdadeiramente útil"
conhecimento que dava poder intelectu­ nas circunstâncias muito diferentes da
al real aos estudantes. Ele portanto dava década de oitenta, como nota o próprio
legitimidade à visão de que os que não Johnson (Johnson, 1983). As decisões
eram bem sucedidos em seus termos sobre o local de trabalho são crescen­
eram, para todos os propósitos práticos, temente removidas dos centros de
ineducáveis. produção para os centros de pesquisa e
Como um quadro teórico, a _�ritica planejamento, os quais em muitos casos
da NSE fez surgir uma série de estudos sequer estão no mesmo país.
empíricos de lutas por legitimidade Gostaria agora de resumir as fra­
curricular que davam suportei:l seus ar­ quezas que eu vejo como tendo con­
gumentos (p.ex., Young, 1971; Vu­ tribuído para o fracasso da NSE em
lliamy, 1976). Suas fraquezas estavam cumprir as aspirações que alguns de
na forma com que se desviava de uma nós tínhamos (ou, na verdade, o temor
perspectiva analitica sobre a prática de outras).

35
(O Ela carecia de uma análise po­ parte da sociologia da educaçlo de ins­
titica do trabalho acadêmico em edu­ piraçlo marxista do final da década de
caçIo e enfatizava demasiadamente as setenta e da década de oitenta que lhe
disputas dentro da disciplina, fracas· seguiu.
sando assim em criar vinculos com
outras pessoas dentro da sociologia da
educaçlo ou fora dela.
(11) Ao enfatizar a exclusão aca­ 7. Um poII"_. plIIO adiante'
demica atrav�s do currículo em detri­
mento de formas externas de seleção Na última seçlo deste artigo quero
social na perpetuação de desigualdades, fazer uma análise muito breve das im­
ela atnbuia uma autonomia enganadora plicações dos meus argumentos para as
aos professores como agentes de mudan­ circunstâncias muito diferentes em que
ça curricular e descurava uma análise nos encontramos agora, ao menos na
das conexões entre o caráter de classe do Inglaterra, quando nosso terceiro gover­
conhecimento curricular e o caráter de no Conservador coloca suas próprias
classe da seleçio educacional. prioridades de reforma educacional em
(I1I) Ao deixar de fazer uma distin­ um local privilegiado de sua pauta
ção entre o poder ideológico e o poder política.
cultural dos currículos, ela ficava sem Quero referir-me primeiro ao con­
nenhum crit�rio para desenvolver e texto político do trabalho acadêmico que
avaliar alternativas curriculares. mencionei no início do artigo e depois à
questão do currículo escolar. As con­
g minha opinião que ao buscar dições que sustentavam as universidades
questionar a objetividade a a autonomia como uma base de trabalho acadêmico
do currículo acadêmico e ao demonstrar autônomo e permitiam debates como
sua natureza social, a NSE estava aqueles da década de setenta entre as
atacando o problema correto. Entretan­ diferentes sociologias da educação estão
to, ela fracassou em ser específica e na rapidamente desaparecendo. Eu iden­
forma como conceptualizava o social. As tificaria essas condições como o domínio
décadas de sessenta e setenta foram um (i) da avaliação dos fundos de pesquisa
período de expansão educacional con­ por grupos de colegas e (ü) das disci­
siderável em todos os países ocidentais e plinas acadêmicas como base dos es­
os objetivos de maior igualdade na tudos educacionais.
educação eram amplamente partilhados Há agora muito pouco dinheiro dis­
ao longo do espectro político. Este foi o ponível para pesquisa através dos
contexto no qual a NSE levantou ques­ procedimentos tradicionais de avaliação
tões fundamentais sobre se esta maior por grupos de colegas do Economic and
igualdade poderia ser alcançada sem Social Research Council, o qual não
uma transformação substancial da or­ tem mais seus comitês especificos para
ganização do conhecimento nos cur­ disciplinas como sociologia. Os fundos
rículos. As reações politicas a que me de pesquisa vêm agora de grandes or­
referi no início deste artigo eram uma in­ ganismos nacionais e da comunidade
dicação do tipo de interesses ameaçados econômica européia, os quais avaliam
pelo mero ato de se demonstrar que es­ os projetos de pesquisa de acordo com
sas mudanças eram concebíveis. As suas prioridades. A autonomia do ensi­
propostas da NSE para o currículo, na no universitário na área de educação
medida em que tentavam inverter o dependia de o Governo central cobrir a
equilibrio de poder, deslocando-o dos maior parte dos custos de substituição
experts para a comunidade, eram, em de professores nesses cursos, deixando
teoria, tanto progressistas quanto po­ para as universidades as decisões sobre
pulares. Entretanto, elas careciam de seu conteúdo e organização. Esta era a
apoio popular, em parte por causa de base para as assim chamadas "disci­
sua linguagem desnecessariamente obs­ plinas de fundamentos" da educação
cura, mas também porque lhes fal­ (tais como a sociologia e a filosofia)
tavam tanto uma estratégia quanto al­ serem a forma dominante de estudo de
ternativas praticáveis. É somente quan­ pós-graduação na década de setenta. A
do o trabalho acadêmico critico é am­ situação é agora tal que, ao invés de
pliado para propor alternativas reais financiar quaisquer cursos das univer­
que ele pode ganhar apoio popular e ser sidades para os quais os estudantes se
a base para a mudança democrática. inscrevem, o governo central fornece
Este é um comentário válido não somen­ bolsas para as autoridades locais e às
te para a NSE mas também para boa vezes para escolas individuais para que

36
escolham, dentro de certas diretrizes Em particular, é importante mostrar
nacionais, quais cursos os professores como a questão de vincular o crescimen­
deverão fazer. Essas escolhas inevitavel­ to da especialização com a maior par­
mente refletem necessidades percebidas ticipação não pode ser resolvida em ter­
pelas autoridades e escolas locais, as mos de escolha por parte de um preten­
quais raramente se expressam em ter­ so consumidor mas por novos tipos de
mos das disciplinas acadêmicas. Nessas relações entre especialistas e não­
circunstâncias, torna-se crucial para os especialistas e novas formas de co­
sociólogos da educação tentar com­ nhecimento e como ele é organizado.
preender as mudanças históricas mais Essas mudanças têm portanto o poten­
profundas que estão envolvidas e quais cial de criar uma maior participaçãC'
as opções tanto para os professores democrática, desde que se possa de­
quanto para o trabalho acadêmico na monstrar que no processo de moderni­
educação. zação as novas formas de desigualdade
Ê minha opinião que estamos assis­ que estamos atualmente vivendo não
tindo agora a algo mais que o simples são a única opção.
filistinismo vingativo contra as ciências O currículo está também passando
sociais por parte de um governo conser­ por uma "modernização" em uma outra
vador de extrema direita. Isto faz parte forma contraditória. Tecnologia
do processo de modernização que es­ obrigatória ao longo de todo o currículo
tamos vivendo nos serviços de saúde, de até 16 anos e algumas forma de ex­
habitação e na re-est rut uração da periência para todos depois dos 14, são
economia assim como na educação. Na dois exemplos dentre muitos. As re­
Inglaterra a modernização está tomando lações de poder que a NSE identificava
uma forma particularmente regressiva e como estando corporificadas no cur­
reforçadora das desigualdades sociais, rículo acadêmico têm mudado. Elas es­
permitida por uma ampla maioria tão agora localizadas na divisão entre
parlamentar e por uma ideologia que um currículo acadêmico modernizado
equaciona prestação de contas demo­ que pode ser encontrado crescentemente
crática com escolha por parte do con­ no setor particular e provavelmente no
sumidor. Entretanto, isto não significa novo setor público privilegiado dos City
que a modernização é alguma espécie de Technology Colleges (Chitty, 1987) e na
processo histórico inevitável, mas ao in­ diversidade crescente dos programas
vés que ela tem possibilidades bastante pré -v ocacionais e v ocacionais que
contraditórias. podem ser encontrados nas faculdades e
Por modernização entendo o cres­ escolas secundárias estatais.
cimento da especialização ao longo de Minha crítica da NSE sugere que
toda a divisão do trabalho, a extensão nem o currículo acadêmico modernizado
paralela do uso da tecnologia e a ten­ nem os novos programas vocacionais
tativa para aumentar o nível de acesso à oferecem uma base adequada para
educação sem aumentar os recursos. Is­ minimizar as divisões sociais. Uma al­
to significca que mais pessoas têm mais ternativa democrática de currículo que
tipos de conhecimento especializado mas leve a reduzir em vez de fortalecer as
que os problemas de vincular os es­ desigualdades sociais é uma alternativa
pecialismos e a prestação de contas dos que aproveite ao invés de rejeitar as ten­
especialistas aos não-especialistas são dências modernizantes a fim de criar
maiores que nunca. O atual governo um sistema educacional mais unificado.
Conservador está encorajando esta ten­ Em um tal sistema as disciplinas
dência à maior especialização mas com acadêmicas reformadas constituiriam
base numa versão moderna da ideologia um núcleo que seria ele próprio orien­
do consumidor "na qual indivíduos tado para o estudo e a transformação do
isolados racionais escolhem entre alter­ trabalho e da tecnologia. Este currículo
nativas" (Sassoon, 1987) para resolver teria que tornar explícitas duas fontes
os problemas do vínculo e da conexão. da atual tensão que os modelos existen­
O papel crucial da sociologia (e de tes tendem a evitar. Primeiro, há a ten­
outros estudos críticos) na educação está são entre as solicitações intelectuais das
nessa contradição entre a especialização disciplinas escolares e as solicitações
e a participação. Isto não significa práticas e também intelectuais do mun­
rejeitar a tendência à maior especia­ do do trabalho (Spours e Young, 1988).
lização mas em tornar explícita sua Em segundo lugar, há a tensão entre o
dinâmica. A especialização não é ne­ "mundo do t ra balho" enquanto
nhum processo. neutro, mas um processo equacionado com empreilO e o trabalho
que envolve políticas alternativas reais. não remunerado da vida de família.

37
Se a NSE pretende recuperar sua COHEN, P. (1984) The New Vocationalism in Bates
credibilidade e o potencial radical que se I. et. ai (Ed) Schooling for the Dole (Macmil­
pretendia para a NSE na década de lan)
FORQUlM, J. C. (1983) La (l<JUvelle soci% gie d'e­
setenta, ela deve tornar explicito que,
ducation en Grand Bretagne: orientations, ap­
contrariamente às idéias atualmente na
ports theoriques, evolution (1970-1980) Rev.
moda de que as desigualdades sociais Fr. de Pedagogiq�e AvrilJuin 1983
sãó inevitáveis, a realização de uma FORQUlM, J. C. (1985) L'approche soci% gique
sociedade crescentemente democrática é des contenus et progranvnes d' enseignment
uma opção politica realista para a qual Perspectives Documentaires en Scienses de
as tendências modernizantes que eu I'Education No.5
mencionei podem fornecer as condições. GORBUTT, D. (1972) The 'new sociology of educa­
As cambiantes circunstâncias do tra­ tion' Education for Teaching 89

balho acadêmico a que me referi no HALL, S. Education in crisis in Donald and Wolpe
inicio deste artigo criam a possibilidade (1983)
de que mais soci6logos e outros aca­ GREEN, A. (1983) /ilucation aúd training: under
dêmicos estarão preparados para tra­ new masters in Donald J and Wolpe A. M.
(1983) (Ed) Is anyone here from education
balhar através desses principios em con­
(Pluto)
junto com as pessoas que est�o envol­ HALSEY, Ridge. & HEATH (1980) Origins anti
vidas com o trabalho educac10nal em Destinations (Clarendon)
contextos particulares, e como disse An­ JOHNSON, R. (1979) Really Useful Knowledge in
ne Sassoon, "para realizar uma ativi· Clarke. J et ai (Ed) Working Class Culture
dàde cultural sob uma forma apropriada (Hutchinson)
ao capitalismo avançado" (Sassoon, JOHNSON, R. (1983) Educational Politics; the old
1987). and the new in Donald and Wolpe (1983)
KARABEL, J. and HALSEY, A. H. (1977) Power
and Ideology and Education Oxford University
Press
KEDDIE, N. (1973) Tinker... Tailor; the myth of
cultural deprivation (Penguin)
NOTAS MARTIN, B. (1980) The Abyss of Relativism Times
Educational Supplement
1. Tem havido uma discussão permanente sobre MOORE, R. (1988) The correspondence principie
quais disciplinas seriam verdadeiramente consi­
and the radical soci% gy of education in Cole.
deradas "fundamentais" e recentemente tem sido
M. (Ed), Bowles and Gintis revisited (Falmer
proposta uma série de candidatos (por ex., lin­
Press)
güística). Estou mais preocupado com as amea­
PRING, R. (1972) Knowledge out of Control Edu­
ças à idéia da pr6pria existência de disciplinas
cation for Teaching
acadêmicas que sejam fundamentos para estudos
RANSON, S. (1984) Towards a New Tertiary Tri­
aplicados em educação, sejam elas quais forem, e
partism in Selection, Certification and Control
com as possíveis alternativas a esta idéia.
(Ed) P. Broadfoot (Falmer Press)
2. Uma versão anterior deste artigo foi apresentada
,SASSOON, A. (1987) Gramsci's Politics (Croon
no Encontro Anual da American Educational
Helm)
Research Association (Divisão G) em New Or­
SIMON, J. (1974) New direction socio/ogy and
leans em Abril de 1988. Desde então tenho me
Comprehensive schooling (Forum (17: 1)
beneficiado de uma série de comentários. Gosta­
SPOURS, K. (1988) The Politics of Progression: A
ria de agradecer particularmente a L ynne Chi­
discussion of barriers to student movement and
sholm e Ken Spours assim como Michael Apple
continuity of learning in the 14-19 curriculum
que foi o debatedor formal quando o artigo foi
(Working Paper No 2(new series), Centre for
inicialmente apresentado.
Vocational Studies, Institute of Education
3. Tratei o contexto político e intelectual da socio­
University of London)
logia da educação na década de sessenta com
SPOURS, K. and YOUNG, M. (1988) Beyond Vo­
mais detalhes em Young, 1987.
cationalism; A new perspective on the rela­
tionship between work and education (Working
Paper No 4, Centre for Vocational Studies,
Institute of Education University of London)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS TROTTIER, C. (1987a) La "nouvelle" soci% gie de
l'education en Grande-Brettagne: Un mouve­
ACKER, S. (1981) No-woman's land; British socio­
ment de pensee en voie de dissolution? Rev. Fr.
logy of education 1960-1979, Sociological
de Pedagogie No. 78. 1987
Review Vo1 29, N� 1. VULLIAMY, G. (1976) What counts as school mu­
BARNETT, C. (1986) The Audit of War (Macmil­
sic? in Whitty and Young (1976)
lan)
WEINER, M. (1981) English culture and the decline
BOWLES, S. and GINTIS. H (1976) Schooling in of the Industtrial Spirit, 1850-1980 (Cambridge
Capitalist America (Routledge and Kegan Paul)
University Press)
CHITTY, C. (1986) (Ed) Aspects of Vocationalism
WEXLER, P. (1988) unpublished paper presented
Occasional Paper No.2, Centre for Vocational at AERA Annual Meeting, New Orleans April
Studies lIistitute of Education University of 1988
London.

38
WHI1TY, G. (1974) Sociology and the problem of YOUNG, M. (1972) On the politics of educational
radical educational clu:mge in Flude. M. and knowledge Econorny and Society 1.
Ahier. J. Educability, Schools and ldeology YOUNG, M. (1986) A Propósito de uma sociologia
(CroomHelm) crftica de educação Rev. Bras. de Estud. Pe­
WHITTY, G. (1986) Sociology and School know dag6gicos vol. 67, 157
ledge (Methuen) YOUNG, M. (1987) Education in P. Worsley (Ed)
WHITTY, G. and YOUNG, M. (1976) Explorations The new introducing sociology Penguin
in the politics of school knowledge (Nafferton YOUNG, M. and WHITTY, G. (1977) Society State
Books) and Schooling (Falmer Press)
YOUNG, M. (1971) (Ed) Knowledge and Control;
new directions for the sociology of education
(Collier Macrnillan)

***

Este artigo foi traduzido de Occasional Paper n. 5. Centre for Vocational Studies,lnstitute ofEdu­
cation, University of London, June1988, por especial gentileza do autor. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva.

***

MICHAEL YOUNG é professor do Institute of Education, University of London, 20 Bedford


Way, London WC1H OAL, Londres, Inglaterra.

39

Você também pode gostar