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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UERJ

CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS


FACULDADE DE EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO E AVALIAÇÃO
PROGRMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLITICAS PÚBLICAS E FORMAÇÃO HUMANA

SOCIABILIDADE DO CAPITALISMO DEPENDENTE NO BRASIL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS


DE FORMAÇÃO, EMPREGO E RENDA: A JUVENTUDE “COM VIDA PROVISÓRIA EM
SUSPENSO

RELATÓRIO FINAL

Pesquisa desenvolvida com apoio do CNPq e da FAPERJ

Gaudêncio Frigotto/ UERJ


Pesquisador 1A CNPq

Rio de Janeiro, abril de 20 11


Equipe de Trabalho

Coordenador

Prof. Dr.Gaudêncio Frigotto - UERJ

Consultores:

Prof. Drª Maria Ciavatta - UFF/UERJ


Prof. Dr. Ramon Peña Castro - UFSCAr/FIOCRUZ
Prof. Dr. Roberto Leher - UFRJ

Pesquisadores Associados:

Prof. Drª. Eveline Algebaile /UERJ/SG


Prof. Dr. Jailson Alves dos Santos - UFRJ
Profª. Drª Laura Fonseca - UFRGS
Profª Drª Marise N. Ramos - UERJ/FIOCRUZ
Profª Drª Vera Maria de Almeida Corrêa - UERJ
Prof. Dr. Zacarias Gama - UERJ

Pesquisadores Pós-doutorandos Supervisionados

Profª. Drª Vânia Cardoso da Motta- Bolsa Recém Doutor/FAPERJ


Profª. Dra. Adriana Maria C. Duarte – FAE/DAE/UFMG
Porfª. Dr.ª Marlene Ribeiro – UFRGS
Prof. Dr. Justino de Souza Júnior – UFMG
Prof.ª Dr.ª Carmen Lúcia Bezerra machada. UFRGS

Doutorandos

Elisabeth Orletti - UFES


Hélder Molinha – Assessor Sindical.
Guares de Andrade – SMEd
Júlio César França Lima - FIOCRUZ
Lauriana Gonçalves de Paiva SMEd
Lorene Figueiredo -UFF
Maria Emília Pereira da Silva - SED
Paulo Cresciulo - UFF
Roberto Faria - SMEd
Sônia Maria Ferreira - JB
Wilson Carlos Rangel Coutinho - UFR/RJ

Mestrandos

Dorcelina Aires Rosa

2
Jacqueline Aline Botelho Lima
Michele Pinto Paranhos
Laura Carvalho
Ana Paula Blengini

Bolsista de Apoio Técnico - CNPq

Jonas Manuel Pinto Magalhães

Bolsista IC

Eliude Gonçalves Batista

Orientandos de Monografia

Bruno Miranda Neves


Cláudia Regina P. Machado
Eliude Gonçalves Batista
Elvando de Souza Silva
Gabrielle Cunha
Lidiane Barros
Liliane Sant´Ana Mathias
Maisa Manhães
Pedro Ivo Rodrigues da Silva Freitas
Pedro Suares dos S. Neto
Simone M. Silva

3
SUMÁRIO

Pg
Introdução 5
PRIMEIRA PARTE
TRABALHO, CLASSES SOCIAIS, CAPITALISMO DEPENDENTE E 20
FORMAÇÃO HUMANA
1.1. Trabalho e classes sociais visões heurística e histórica. 20
1.2. A crescente opacidade das relações de classe e da ampliação de sua 56
violência
1.3 A política educacional para a formação dos trabalhadores e a especificidade 80
do projeto de capitalismo dependente
1.4 Novos fetiches mercantis da pseudo teoria do capital humano no contexto 110
do capitalismo tardio.
SEGUNDA PARTE
POLÍTICAS PÚBLICAS DE FORMAÇÃO, EMPREGO E RENDA: A 125
JUVENTUDE “COM VIDA PROVISÓRIA EM SUSPENSO

2.1. Educação e capital social: orientações dos organismos internacionais 125


para as políticas públicas de educação como mecanismo de alívio à pobreza 125
2.2. Inclusão e empregabilidade: ou o discurso ideológico das políticas focais para 139
Jovens da classe trabalhadora.
2.3. Políticas públicas de formação, emprego e renda: um balanço do, PNPE, 153
ESCOLA DE FÁBRICA, PROUNI, PROEJA e PROJOVEM.
Referências Bibliográficas 268
ANEXOS
1. Quem somos e para onde vamos? Clássicos e contemporâneos do pensamento 280
social crítico brasileiro ( DVDs)
2. Juventude com vida provisória e em suspenso. ( DVD) 280
3. Os circuitos da história e o balanço da educação no Brasil na primeira década do
século XXI 281

4
Introdução.

Um dos temas mais misteriosos do teatro grego é a


predestinação dos filhos para pagar as culpas dos pais.
(...) a nossa culpa de pais consistiria no seguinte: crer
que a história não seja ou não possa ser senão a
história da burguesia (grifos do autor). Pasolini
(1990:28 e34)

O presente relatório reúne as análises efetivadas ao longo de três anos do projeto de


pesquisa - Sociabilidade do capitalismo dependente no Brasil e as políticas de formação,
emprego e renda: juventude com vida provisória e em suspenso. Trata-se de uma pesquisa
que buscou ampliar um conjunto de trabalho e estudos que articulam a construção e
reconstrução teórica1 com a pesquisa empírica das relações entre trabalho, relações sociais e a
formação humana que se dão nos processos educativos formais na escola ou mais amplamente
em diferentes espaços institucionais e nos movimentos sociais.
Com efeito, no âmbito da reconstrução teórica, um retrospecto de alguns dos trabalhos
produzidos a partir do fim da década de 1970 até o presente, mostra a persistência, em conjunturas
específicas, de elaborar uma base teórica que permitisse apreender, de forma histórica, as relações
complexas, contraditórias e mediadas entre os processos da produção da vida material pelo trabalho
– relações sociais de produção – e os processos educativos ou formativos e de conhecimento.
O sentido para recorrer, nessa introdução, a um retrospecto desse processo de
investigação que se estende por mais de três décadas se torna necessário para evidenciar como
a problemática em análise, em suas dimensões estruturais, não se altera substantivamente ao
longo do tempo. Essa perspectiva decorre do fato de que, como analisamos no ancho três,
qualquer que seja o objeto de análise no campo das ciências humanas e sociais que se queira
tratar no plano da historicidade, vale dizer, no campo das contradições, mediações e
determinações que o constituem, implica necessariamente tomá-lo na relação inseparável
entre o estrutural e o conjuntural.

1
. Partimos, aqui, da concepção de que as teorias não se somam, mas disputam sentidos e significados da
realidade. Por outro lado as teorias ou as formulações ideológicas buscam expressar, de forma histórica ou de
forma invertida, a realidade ou fatos que tentam explicar ou dissimular. Vale dizer, as teorias e ideologias são
históricas e, portanto, sua reconstrução é demandada pela mudança da materialidade das relações sociais. Isto,
como veremos adiante, nada tem que ver com as teses de fim de determinadas teorias ou de que estamos num
outro paradigma.
5
Por outra parte, implica tomar o objeto de análise não como um fator, mas como parte
de uma totalidade histórica que o constitui, na qual se estabelecem as mediações entre o
campo da particularidade e sua relação com uma determinada universalidade. Disto decorre
que o período que analisamos não se interpreta nela mesma e, tampouco, pelo que nela se fez,
mas pela natureza deste fazer e das forças sociais que o materializam para além das intenções
e do discurso.
As sínteses sobre pesquisas que relacionam trabalho e educação e formação profissional
para jovens da classe trabalhadora, com diferentes recordes empíricos, nos permitem entender o
porque as políticas públicas de educação, formação profissional, emprego e renda para jovens da
classe trabalhadora, por se darem numa estrutura social opaca e violenta, até mesmo num governo
dirigido por um trabalhador altera pouco a perspectiva de futuro desses jovens.
Assim, o texto que sintetiza a dissertação de mestrado – Fazendo pelas mãos a cabeça do
trabalhador (Frigotto, 1981) busca apreender a formação de jovens filhos de operários dentro do
SENAI (Serviço Nacional da Indústria) no plano de seu preparo técnico-profissional e de
conformação ideológica. Trata-se de uma formação, numa instituição organizada e gerida pela
fração industrial da classe burguesa brasileira, num contexto do início do economicismo na
educação e dentro do regime autoritário instaurado pelo golpe civil litar de 1964. O título do texto
que sintetiza aquela pesquisa expressa a relação entre as demandas da base material de uma
sociedade que acelera seu processo de industrialização na perspectiva de modernização e de
capitalismo dependente e a conformação técnica e ideológica da força de trabalho de uma
sociedade, como assinala Oliveira (2003), que produz, de forma intensa, a desigualdade e se
alimenta dela.
O aprofundamento teórico e histórico mais geral do tipo de conformação técnica e
ideológica da força-de-trabalho às relações de produção a partir da década de 1970 no Brasil
implicava analisar a teoria neoclássica ou a noção ideológica do capital humano. Formulação feita
por Teodoro Schultz (1962 e 1973) e que lhe valeu o Prêmio Nobel de Economia em 1978. Este
aprofundamento está publicado sob o título: A produtividade da escola improdutiva - Um re-exame
das relações entre educação e estrutura econômico-social capitalista (Frigotto, 1984 1ª edição e
2010, 9ª edição).
As formulações teóricas e ideológicas que relacionam educação com desenvolvimento,
emprego e renda, baseadas no pensamento econômico e social liberal clássico ou neoclássico
tiveram deslocamentos ou metamorfoses significativas, na década de 1980 a partir de dois
processos concomitantes. Primeiramente a derrota do socialismo realmente existente,

6
simbolicamente datada com a queda do Muro de Berlin (1989) e, por outro, com a afirmação de
uma nova base científico-tecnológica, de natureza digital molecular, que altera profundamente a
base técnica e organizacional do processo de produção com consequências profundas na
intensidade e produtividade do trabalho, vale dizer, na elevação da exploração, aceleração da
precarização do trabalho e do desemprego estrutural.
É neste contexto de retomada de taxas de lucro maximizadas, mormente sob a hegemonia
do capital financeiro, que a teoria econômica clássica e neo clássica abandonam a tradição
histórica, desde o surgimento do modo de produção capitalista, de tentar explicar o conflito entre
indivíduo e sociedade é formulou, de forma explícita, uma doutrina - a doutrina neoliberal.
No âmbito educacional e formativo, sob esta base doutrinária, por um lado e, por outro pelo
determinismo e fetiche tecnológico muda-se a perspectiva da educação básica e educação técnico-
profissional de uma perspectiva integradora (emprego e mobilidade social) para uma visão ultra
individualista e desintegradora. A noção de capital humano que tem sua base na teoria econômica
neoclássica e no contexto de crise do fordismo, não desaparece, mas é redefinida ou recauchutada
pelas noções de competências2 e empregabilidade. Estas noções materializam a referência ultra
individualista da formação humana como demanda de um mercado desregulamentado e flexível e
que não mais reconhece ou tenta destruir as lutas coletivas e contratos coletivos dos trabalhadores.
A mensagem clara é que não há mais lugar para todos, mas apenas para aqueles que se
adequarem ao conjunto de competência técnicas, científicas, culturais e afetivas que o mercado
reconhece como desejáveis do "novo" cidadão produtivo. Somente este tem escrito no rosto a
condição de empregável. Não mais, todavia no horizonte de longo prazo, mas de acordo com a
ideologia da empregabilidade, até que as partes assim desejarem
Dois livros buscam captar essas mudanças no plano das relações sociais e do campo
científico técnico e educacional. Educação e crise do capitalismo real (Frigotto, (1995) e Teoria e
educação no Labirinto do Capital (Frigotto e Ciavatta, orgs., 2002). No primeiro busca-se
apreende as formas mediante as quais a sociabilidade capitalista 3 vai introduzindo estratégias e
mudanças tópicas para enfrentar suas contradições e crises tanto sistêmicas quanto particularizadas
no âmbito das relações intra e entre classes e frações de classes sociais. Por outra parte analisam-se
as mudanças no conteúdo e relações de trabalho, a dilatação do desemprego estrutural e
precarização do trabalho em termos planetários e com particularidades mais destrutivas nos países
2
. Ramos (2002) efetiva uma análise crítica da pedagogia das competências introduzida no ideário pedagógico
da década de 1990.
3
. Por sociabilidade capitalistas entendemos o movimento e metabolismo histórico do "sistema capital" (
Mészáros, 2002) .Uma análise de como Marx expõe esta sociabilidade e como a mesma se atualiza, mas
aprofundado cada vez mais as contradições, a encontramos em Gianotti (1983) e em Oliveira (1998)
7
de capitalismo dependente e os ajustes nos processos educativos em sua organização, conteúdo e
métodos. Não por acaso os grandes protagonistas que entram em cena nas reformas educativas são
os organismos internacionais, mormente o Banco Mundial e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento.
Paradoxalmente, a década de 1980, a sociedade brasileira estava saído do longo período de
duas décadas de ditadura civil militar, com uma sociedade civil revigorada e com organizações
sociais e políticas vinculadas a lutas históricas da classe trabalhadora. Isso explica, por um lado, um
processo constituinte rico de embates e uma constituição, promulgada em 1988, com um texto da
ordem econômica e social que assegurava a incorporação de direitos sociais e subjetivos
historicamente negados. Por outro, isto mostra que estávamos na contramão do movimento mais
amplo do sistema capital, agora sem o antagonismo do socialismo real e, do mesmo modo, em
descompasso com a doutrina neoliberal que já estava amplamente disseminada.
Todavia, não passou um ano de promulgação da Constituição que a classe burguesa
brasileira buscou pôr-se em sintonia com a doutrina neoliberal mediante tese do ajuste à nova
realidade do mundo "globalizado". A eleição de Collor de Mello representou esse divisor de águas
impedindo, naquele contexto, por meios lícitos e ilícitos, a eleição de Luiz Inácio da Silva. O
impeachment resultou de um duplo movimento: luta dos movimentos sociais e, principalmente,
adesão das forças que o haviam elegido, pois estavam convencidas de sua incapacidade de levar
adiante seu projeto. Como mostram diferentes análises quem vai efetivar esse ajuste são os dois
mandatos do Fernando Henrique Cardoso
O segundo livro - Tória e educação no labirinto do capital - (Frigotto e Ciavatta, orgs,
2001), busca entender a crise das ciências sociais para apreender as mudanças nas relações sociais
de produção e nas relações culturais, mais amplamente. O eixo central das análises é uma
contraposição às teses, tanto do viés ultraconservadora da sociedade pós-industrial e pós-classista e
morte do materialismo histórico, quanto, pela via do pós-modernismo do fim das macro teorias.
O que se sustenta é que todos os referenciais estão em crise pela incapacidade das
categorias com que operam dar conta da natureza das mudanças em curso nas relações sociais de
produção, mundo da cultura e do comportamento humano. Daí derivam outros dois pressupostos
sustentados na coletânea: de que crise não significa fim e que apenas os referenciais fundados numa
compreensão da historicidade da realidade podem e avançar, sem mistificações e, portanto, de
forma radical (que vaia à raiz) das determinações e mediações que configuram nosso tempo
histórico.

8
Estes dois livros fecham o movimento do que denominamos o primeiro eixo - construção e
reconstrução teórica que se articula com o eixo da pesquisa histórico empírica ligada mais à
particularidade da realidade brasileira.
Ao longo destas três últimas décadas vários trabalhos de pesquisa aprenderam aspectos
particulares da relação trabalho, educação, conhecimento e a problemática do desenvolvimento,
emprego e renda. Destacamos os últimos quatro projetos apoiados pelo CNPq, sendo três
concluídos, e o quarto que está sendo concluído até fevereiro de 2008 e dentro do qual, em boa
medida, nasceram as inquietudes e desafios para a construção deste projeto.
O primeiro - Conhecimento e qualificação do trabalhador: desafios face à nova base
técnica do processo produtivo" (Frigotto, 1994-1997), cujo escopo foi de apreender, de forma
crítica, a natureza da formação técnica e ideológica dentro da formulação de denominada
reestruturação produtiva. O deslocamento ou a metamorfose da “teoria” do capital humana para as
noções de qualidade total, sociedade do conhecimento, educação por competência, acima
assinaladas, se expressaram nas reformas da década de 1990. A nova base técnica – digital
molecular - dos processos produtivos e organizacionais permite uma produção jus in time, poupa
mão-de-obra e demanda trabalhadores ajustados a responderem às exigências da “qualidade total”.
Trata-se da qualidade total das mercadorias e serviços cujos indicadores básicos são: produzir em
menor tempo, menor custo e realizar, no menor também, a maximização do lucro.
As contradições entre este ideário e o rumo do capitalismo real, mormente nos países de
capitalismo dependente, nos conduziram ao projeto seguinte: Educação básica, formação técnico-
profissional, empregabilidade e requalificação face aos limites do desenvolvimento e crise do
trabalho assalariado (Frigotto, 1998-2000).
Nesta pesquisa desvela-se que o tipo de desenvolvimento em curso destrói as bases da vida
pela degradação do meio ambiente, aumenta o desemprego estrutural e precarização do trabalho e
aniquila direitos históricos da classe trabalhadora.
O projeto seguinte - A formação do "cidadão produtivo". Da política de expansão do
ensino médio técnico nos anos 80 à fragmentação da educação profissional nos anos 90: entre
discurso e imagens -. (Frigotto e Ciavatta, 2001-2004) evidenciou o significado, no plano
organizacional e de concepções, das reformas educacionais implantadas na década de 1990. As
lutas da década de 1980, centradas na educação básica omnilateral e politécnica, ou tecnológica,
condições para o desenvolvimento de sujeitos emancipados, são revertidas pela visão do “cidadão

9
produtivo” subordinado á lógica mercantil4. Trata-se, como lembra Carlos Paris, acima referido, de
formar um indivíduo que faça bem feito o que se lhes pede e que acredite que não lhe compete
meter-se nas questões políticas já que estas são prerrogativas de especialistas.
As indicações ao longo da pesquisa acima e suas conclusões evidenciaram aspectos que
demandavam aprofundamento e busca de uma compreensão mais ampla em relação às demandas
dos processos produtivos no contexto das atuais relações sociais capitalistas em relação á educação.
Primeiramente, a utilização cada vez mais intensa de tecnologia (capital morto) de natureza digital
molecular nos processos de produção e de organização e gestão da mesma, ao mesmo tempo,
amplia a crise estrutural do emprego e redefine a natureza destes processos. É neste contexto que a
educação que se demanda não é qualquer educação. Trata-se de uma educação de "qualidade total".
Vale dizer, aquela que se enquadra na lógica do "cidadão produtivo" - o que produz em tempo
mínimo, qualidade máxima e cuja mercadoria ou serviço se realiza no mercado imediatamente.
Já sob este primeiro aspecto surge a indicação de que para um contingente cada vez maior
excluídos diretamente (mas não mediatamente) do processo produtivo formal a escolaridade e tipo
de qualidade de educação pode ser diferenciado, com menos tempo, menos conteúdo, mais restrito
e mais barato. A escola dual recebe, neste contexto, novas determinações na sua diversificação.
O segundo aspecto, não separado do primeiro, é de que o denominado processo de
globalização, como demonstram vários autores, entre eles Chasnais (1996), Jameson (1996),
Cardoso (1999), Matoso & Pochmann (1997), têm sido, na verdade, uma mundilização do capital,
mormente o capital financeiro. Ao contrário do que sugere o termo global, o mundo fragmentou-se
e a riqueza polarizou-se, ampliando a desigualdade inter e intra regiões nações.
Para o caso brasileiro, como nos permitem apreender Oliveira (2003),e e Ianni (1991), o
embate teórico, político e ideológico que atravessou o século XX sobre a natureza de projeto de
desenvolvimento na sociedade brasileira (monetarista e financista, nacionalismo conservador e
nacional popular), definiu-se claramente na década de 1990. O pêndulo, valando-nos da metáfora
de Ianni, definiu-se para uma economia de capitalismo dependente e associado, marcado pelo
desenvolvimento desigual e combinado.
Ainda que desenvolvendo-se de maneira desigual, combinada e contraditória, o capitalismo
expande-se pelas mais diferentes nações e nacionalidades, bem como culturas e civilizações,
dinamizado pelos processos de concentração e centralização, concretizando a sua globalização
(Ianni, 2001:178)

4
. Os resultados desta pesquisa foram publicados pelo INEP na Coletânea Frigotto e Ciavatta (orgs) (2006)
10
A pesquisa que antecedeu a que estamos concluindo - Educação Tecnológica e o ensino
médio: Concepções, sujeitos e a relação quantidade/qualidade (Frigotto, G. 2004-2007) - buscou
analisar, dentro dos dois aspectos acima assinalados, em que medida as críticas de empresários e os
intelectuais que os representam, bem como as justificativas dos governantes para as reformas e
políticas educacionais de ensino médio a partir da década de 1990, tem sustentação histórico
empírica. Também buscou caracterizar quem são os diferentes sujeitos do ensino médio e quais as
concepções de qualidade de educação estão em disputa e quais as bazes materiais que a viabiliza no
e qual ensino médio.
Da análise efetivada podemos depreender e sustentar que para classe burguesa brasileira, de
cultura e mentalidade escravocrata e colonizadora e historicamente associada e subordinada à
classe burguesa dos centros hegemônicos do capitalismo, impediu, por diferentes mecanismos, a
universalização da educação escolar básica (fundamental e média), pública, laica, universal,
unitária e tecnológica Mais que isto, nunca se colocou de fato, até mesmo, uma escolaridade e
formação técnico-profissional para a maioria dos trabalhadores para prepara-los para o trabalho
complexo que a tornasse, enquanto classe detentora do capital, em condições de concorrer com o
capitalismo central.
Se a vigência do modo de regulação fordista, tanto no plano tecnológico quanto no plano
social, foi parcial e precária e, do mesmo modo, nos situamos de forma ainda mais parcial e
precária na mudança científico técnica de natureza digital molecular, os nexos entre ciência,
produção, trabalho e vida e as demandas de educação e de formação técnico-profissional tende ser,
também, parciais e precários.
O Brasil é os pais econômicos e politicamente mais importante da América Latina e o único
em que o ensino médio não é obrigatório. Ele se constitui numa ausência socialmente construída,
na sua quantidade e qualidade e o indicador mais claro da opção da formação para o trabalho
simples e da não preocupação com as bases da ampliação da produção científica, técnica e
tecnológica. Aproximadamente 50% dos jovens tem acesso ao ensino médio, sendo que
aproximadamente 60% destes o fazem no turno noturno e, grande parte, na modalidade de
PROEJA. No campo apenas 12% frequentam o ensino médio na idade/série correspondente.
Os indicadores da área educacional são sintomas e sinais particulares das condições sociais
mais amplas. Como apontava Neves (2000), a natureza das políticas educacionais em jogo na
década de 1990 dependiam: a)das repercussões econômicas e políticos sociais do desenvolvimento
do novo paradigma produtivo no espaço nacional; b) dos requisitos técnicos e ético-políticos do
novo conteúdo do trabalho industrial e, c) dos desdobramentos da luta entre a consolidação da

11
hegemonia neoliberal e a construção de uma contra-hegemonia democrática de massa. (Neves,
2000, p.180-181)
O pêndulo não se movimentou na direção das forças que lutam por um projeto nacional
popular e democrático de massa de desenvolvimento e as consequentes reformas estruturais, o que
implicaria um projeto de educação escolar e de formação técnico-profissional dos trabalhadores
para o trabalho complexo, condição para uma inserção ampla na forma que assume o processo de
produção industrial moderno com base científica digital molecular.
Assim chegamos ao Brasil de 2007 reproduzindo, de forma ampliada, o monstrengo social
configurado pela metáfora do ornitorrinco e traduzido por uma pirâmide social onde, como
mostram os estudos de Pochmann (2004) se configura um empobrecimento e esvaziamento da
classe média a polarização de lados opostos da pirâmide social com a elevação da concentração de
renda e de capital e a ampliação dos inseridos precariamente na base da pirâmide. Como mostra
Paulani (2006), na mesma direção, o resultado de uma economia financista e rentista, redunda em
empregos pobres de baixo valor agregado.
A conclusão mais geral a que chegamos nesta pesquisa reforça e amplia as conclusões da
pesquisa anterior e revela que para o tipo de opção econômica e natureza de empregos que oferece
é falso o discurso corrente de empresários e seus intelectuais da falta de trabalhadores qualificados
e, portanto, da necessidade do ponto de vista econômico da universalização da escola básica,
especialmente média, de qualidade técnico e científica.
O primeiro aspecto da não real necessidade de uma escola básica universalizada e de
qualidade é o baixo investimento em educação de nossa sociedade comparativamente com os países
do capitalismo central. Isso se reflete no caráter precário das condições objetivas da oferta de um
ensino médio de qualidade para todos os jovens brasileiros. O que se configura é que nem a metade
dos 50,5 milhões de jovens entre 15 e 24 anos concluíram o ensino médio e desta, a maioria um
ensino noturno e precário.
Mas, mesmo dentro deste quadro, ao contrário do discurso corrente de falta de pessoas
qualificadas, dados recentes de pesquisa sobre juventude brasileira e emprego de Márcio Pochmann
do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) da UNICAMP mostram que
no Brasil há uma crise crônica na transição do sistema educacional para o universo do emprego
(Pochmann, 2007, apud Manir, M. 2007. p. 1)
Essa dificuldade, motivada pela opção econômica que de acordo com este autor perfila um
pífio crescimento econômico há duas décadas e meia, traduz o paradoxo de que nosso país está se
transformando em grande exportador de mão de obra juvenil qualificada (op. cit. p. 2). A cifra

12
alarmante apresentada é de que perdemos, por ano, 160 mil jovens para o olho gordo do mundo. É
biscoito fino, mão- de- obra qualificada que busca futuro fora do país. (Manir, M. 2007, p. 1)

Um dos aspectos reiterativos em nossa história, especialmente após a década de 1930, é de


que em ciclos de aceleração do crescimento econômico, como é o caso do período que versa o
relatório desta pesquisa, é que especialmente os setores da classe dominante ligados ao setor
produtivo e seus intelectuais, alardeia a falta de pessoal qualificado. O alarde vem com metáforas
como é do apagão educacional. Daí decorrem políticas apressadas e de busca de enfrentar as
consequências e não as determinações mais estruturais.

Nesse relatório preocupamo-nos em expor a síntese dos dois eixos que buscam aprofundar a
análise teórica e histórica de nossa particularidade de sociedade de capitalismo dependente que se
afirma de modo profundo na década de 19905 e a natureza e alcance das políticas públicas de
emprego, renda e formação técnico-profissional para os jovens da classe trabalhadora.

Por tratar-se de um projeto integrado que dialoga com outros projetos de pesquisadores e
que tem o fim formativo de novos pesquisadores, estão incorporados como coautores a participação
de pós graduandos e bolsita de apoio técnico. Entendendo, também, que a pesquisa busca subsidiar
tanto os aspectos formativos quanto de dar subsídios para a análise e direcionamento das políticas
de emprego, renda e formação técnico-profissional, buscamos ao longo do seu desenvolvimento
publicar em periódicos ou capítulos de livros e em divulgação digital em DVDs aspectos das
análises que agora apresentamos num conjunto estruturado.

A primeira parte – Trabalho, classes sociais, capitalismo dependente e formação humana -


esturra-se em quatro textos e um anexo em DVD. O primeiro texto busca expor o debate em trono
da polissemia sobre a categoria trabalho e classe trabalhadora na sua interface com a educação
politécnica. Trata-se de um debate no interior do pensamento crítico na literatura brasileira. Numa
mesma perspectiva, num plano mais geral, efetivamos uma breve revisão de literatura sobre,
especialmente, as correntes marxistas sobre classes sociais e indicações de sua especificidade na
sociedade brasileira. Um retomada, ainda que breve, desse debate o julgamos central no momento
que se busca, com as noções de capital humano, sociedade do conhecimento, empreendedorismo,
empregabilidade, capital social dar a ideia de que já não faz sentido falar-se em classes sociais,
conflito e antagonismo.

5
. No anexo três desenvolvemos essa aspecto mostrando que é na década de 1990 que sob o governo Fernando
Henrique Cardoso criam-se as condições, mediante as privatizações, fusões de grandes conglomerados
empresariais e financeiros e a restruturação do Estado, de solidificar a opção do Brasil como sociedade de
capitalismo dependente.
13
O que nesta pesquisa sustentamos é o oposto. Por serem as classes sociais do modo de
produção capitalista construções históricas somente podem desaparecer com a sua superação. O
que se observa, como apontam as análises de Mészáros (2002 e 2007) é uma profunda regressão
social e uma hipertrofia na violência de classe.
Mas se de fato o capitalismo, como forma estrutural de relações sociais tornou-se
dominante de sociedade desde o século XXVIII, o processo de sua constituição guarda
particularidades em sociedades específicas. O Brasil tem uma dupla marca no processo de sua
constituição que limita, até mesmo o alcance dos interesses de sua classe dominante. O que
observamos acima em relação ao apagão educacional exemplifica o que estamos assinalando.
Um longo processo de colonização e de escravidão a constituiu como uma classe de
mentalidade mimética, violente e racista. Uma classe, portante, afeita à cópia das ideias e
teorias de seus colonizadores e incorporadora dos preconceitos e métodos de violência dos
mesmos. A segunda marca, decorrente desta, é que conformou uma classe dominante anti
nacional e que foi definindo um projeto societário de capitalismo dependente. Projeto este,
como mostra Florestan Fernandes, onde a burguesia se alia, de forma subordinada, às
burguesias do capital mundial na consecução de seus objetivos de lucro. Um projeto que no
Brasil foi mantido por ditaduras e golpes institucionais ao longo de nossa história passada e
recente. O terceiro texto dessa primeira parte ocupa-se do entendimento da política
educacional para a formação dos trabalhadores e a especificidade do projeto de capitalismo
dependente.
Ao longo da pesquisa desenvolvemos, juntamente com Vânia Motta um curso para
mestrandos e doutorandos do Programa de Pós-graduação em Políticas Púbicas e Formação
humana baseado em autores brasileiros do pensamento social crítico para entender o que
somos, que nos trouxe até o presente e quais as perspectivas de futuro. Os autores estudados
foram: Caio Prado Junior, Celso Furtado, Florestan Fernandes, Otávio Ianni e Milton Santos.
Para cada um destes autores convidamos um especialista para expor a síntese de suas obras
com o objetivo de entender cala especificidade de nossa estrutura social. Carlos Nelson
Coutinho, ao final, expôs uma análise do atual momento do Brasil, os projetos societários em
disputa e os problemas do governo Luiz Inácio Lula da Silva no enfrentamento dos embates
de projetos societários historicamente em disputa no Brasil. As Integra das exposições foram
publicadas em seis DVDs e constituem-se em denso material para entender a especificidade
de nosso processo histórico e das classes sociais.

14
A disseminação da ideologia do fim das classes sociais dá-se tanto na instituição
escola como, atualmente, de forma reiterada nos meios de comunicação social potentes
aparelhos de hegemonia da classe dominante. Tanto mais regressiva e violentas as relações de
classe tanto mais se torna necessário a sua dissimulação mediante noções que centralizem o
foco na responsabilidade do indivíduo por seu fracasso e sucesso. O texto que conclui a
primeira parte deste relatório busca mostrar como a noção ideológica de capital humano,
produzida na década de 1950 no contexto que se buscava explicar a desigualdade econômica
entre regiões e países e entre grupos sociais ou indivíduos, se desdobra em noções que
ampliam o fetiche daquela noção. Trata-se de noções que por sua difusão reiterada e intensa
se tornam um senso comum que acaba legitimando políticas públicas voltadas para jovens,
especialmente de famílias de baixa renda, que são de inserção precária tanto ao direito à
escolaridade básica ou superior, quanto a empregos ou trabalhos de baixa remuneração.
A segunda parte do relatório – Políticas públicas de formação, emprega e renda: a
juventude com vida provisória e em suspenso – tem como foco central, a partir do inventário de
análises de teces e dissertações de alguns dos programas para jovens de baixa renda, apreender a
natureza e possível alcance destas políticas. Na proposta original do projeto o objetivo era efetivar
um estado da arte das políticas através dos diferentes programas.
No curso da pesquisa, quer pela dificuldade de dispor do universo de teses e dissertações,
quer pelo fato de alguns trabalhos efetivaram em parte este objetivo, nos ativemos ao material que
alcançamos trabalhar e ampliamos a análise tanto no aspecto de desmistificar as noções centrais
que embasam estas políticas quanto de evidenciar como elas são parte da estratégia dos organismos
internacionais para fazer face a contingentes cada vez maiores de jovens, especialmente, mas não
só, nos países de capitalismo dependente, que estão postergando o acesso ao emprego ou acesso a
empregos ou trabalhos precários. Uma situação que deixa gerações sem poderem vislumbrar e
planejar o longo prazo de suas vidas e em eterna provisoriedade e vida em suspenso 6. Umaspecto
preocupante aos gestores do sistema capital face ao potencial de rebeldia dos jovens. E, por isso, a
busca de políticas de inclusão precária como controle social.
Os dois primeiros textos buscam, no plano teórico e histórico explicitar, três categorias
centrais que são utilizadas pelos organismos internacionais para as políticas púbicas de educação e
de formação profissional como mecanismos de alívio à pobreza – capital social, inclusão e
empregabilidade. A noção de capital social, como mostra Vânia Motta surge num contexto onde
que os organismos internacionais orientam as políticas públicas a buscarem estratégias que

6
Uma densa análise sobre os efeitos desta situação nas pessoas é feita por Richard Sennett (1999).
15
induzam as populações pobres a desenvolverem “autonomia produtiva” levando-as a uma
“inclusão forçada” nas esferas da produção e do consumo . Frente ao desemprego estrutural tal
estratégia cumpre tanto o papel ideológico de “conformação da vontade”, quanto de alívio à
pobreza. Ampliando esta compreensão busco mostra, no texto seguinte que as noções de inclusão
e empregabilidade, seguem um percurso de crescente dissimulação nas mudanças metabólicas das
relações sociais capitalistas. Dissimulação que evade e mascara a regressão das condições reais de
vida e o sentido precário das políticas públicas de formação, educação, trabalho e renda da classe
trabalhadora e, em especial, dos jovens e adultos pouco escolarizados.
O terceiro e último texto da segunda parte do relatório condensa o inventário de alguns dos
principais programas que compõem as políticas públicas de educação, formação profissional
emprego e renda para os de jovens das camadas sociais mais pobres. Trabalhamos textos e,
especialmente, teses e dissertações que analisam o Programa Nacional de estímulo ao primeiro
Emprego (PNEP), Escola de Fábrica, Programa Universidade para Todos (PROUNI), Porgram de
Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) e Programa Nacional de Inclusão do Jovem
(PROJOVEM) Este último condensando um conjunto de projetos e ações voltadas para jovens de
baixa renda.
Ao longo do desenvolvimento da pesquisa foi se evidenciando que o tema juventude tomou
a agenda das preocupações políticas dos organismos internacionais que zelam pelo sistema capital
no seu conjunto. Tais organismos, ONU, Banco Mundial, UNESCO, CEPAL, apoiam conferências
mundiais e regionais sobre o tema juventude e orientam políticas que são assumidas em diferentes
países, especialmente sociedade de capitalismo dependente construídas em projetos de
desenvolvimento que combinam, alta concentração de capital e riqueza e miséria de grandes
massas. Para elucidar esta questão abrimos este último capítulo com uma introdução onde se
destaca o sentido ideológico e político da disputa da juventude, em especial os jovens de baixa
renda e a cidadania restrita que tais orientações e programas oferecem a juventude face o discurso
sobre juventude e um panorama do desemprego jovem no Brasil que justifica as preocupações
externas e internas.
O que indicamos como anexo dois - Juventude com vida provisória e em suspenso – trata-se
de um DVD de 52 minutos produzido ao longo da pesquisa ouvindo jovens de baixa renda, mas
que expressam particularidades de milhares de jovens Um jovem que tem 18 anos e que ainda não
concluiu a quinta série. Sua trajetória desde a infância representa milhares de jovens que desde a
infância são impelidos ao trabalho precoce, alternando trabalho na rua, ingresso na escola,
reprovações, volta à escola trabalhando. Num ciclo viçoso de precariedade. Um segundo jovem

16
expressa os jovens do Movimento dos Trabalhadores sem Terra. Também representa milhares de
jovens mutilados em seus direitos, juntamente com seus país. O diferencial é que se trata de uma
juventude organizada num movimento e que pauta uma agenda de luta por direito à escola, à terra,
á cultura, ao lazer, etc. Um grupo de jovens que cursam o PROEJA e que trabalha, a maioria em
empregos precários ou por conta própria. Finalmente um grupo heterogêneo de jovens que
concluíram o ensino médio , alguns ingressaram na universidade e interromperam o estudo porque
perderam o emprego que lhe permitia pagar a mensalidade e outros concluíram a o curso superior,
mas estão á espera de emprego.
Destes jovens buscamos saber qual o grau de informação que os mesmos têm sobre os
programas direcionadas para a juventude, qual sua trajetória de estudo e de trabalho, quais a s
visões sobre a sociedade, a política e quais as perspectivas de futuro. Relacionamos os seus
depoimentos com a análise da antropóloga Regina Novais que durante vários anos dirigiu a
Secretaria de Juventude no governo de Luís Inácio Lula da Silva. Trata-se de um produto da
pesquise que tem tido grande procura para debate com profissionais que atuam nos diferentes
programas para jovens e com grupos de jovens.
O terceiro anexo - Os circuitos da história e o balanço da educação no Brasil na
primeira década do século XXI – o incluímos por duas razões que se reforçam. Primeiro
porque a pesquisa abrange dominantemente os anos de governo Luiz Inácio Lula da Silva do
qual, como assinala Francisco de Oliveira, se esperava: uma espécie de quarta refundação da
história nacional, isto é, um marco de não retorno a partir do qual impõem-se novos
desdobramentos. (...). É tarefa das classes dominadas civilizar a dominação, o que as elites
brasileiras foram incapazes de fazer. Oliveira, 2003a, p.3). Segundo porque as razões da não
concretização do marco de não retorno, analisadas no texto, permitem entender a natureza, e o
pequeno alcance, em termos de mudanças estruturais da política econômica, social,
educacional e cultural. Mais que isso, assinala os desafios para aqueles que querem mais que
mero alívio à pobreza, sem negar a necessidade de políticas compensatórias e distributivas no
processo de travessia para mudanças estruturais. A epígrafe do texto, confrontada com a
análise que empreendemos ao longo da pesquisa, indica que para a classe trabalhadora os
circuitos da história continuam fechados. Mas, certamente. como sublinha Florestan
Fernandes, não para sempre. O intuito é de que o processo formativo ao longo da pesquisa e o
conjunto de reflexões que ela oferece, ajude a alterar pela raiz as estruturas que produzem
uma sociedade de profundamente injusta e desigual.

17
Destacamos, por fim, que no desenvolvimento deste projeto, de forma sistemática
manteve-se um debate fecundo como os pesquisadores e estudantes de doutorado, mestrado e
graduação nomeados na equipe de trabalho. Trata-se de inserções diferenciadas em termos de
tempo e de formação cujo fazer da pesquisa tem como uma de suas finalidades, a formação de
novos quadros de pesquisadores e docentes. Buscamos, desta forma, dar autoria de algumas
partes do relatório aos estudantes que participaram de todo o percurso da pesquisa. Essa
opção, ligada à preocupação de, ao longo da pesquisa, ir publicando algumas análises que
subsidiasse o debate em torno do tema das políticas públicas de emprego, renda e elevação de
escolaridade, faz com que em algumas partes do relatório haja reiterações e mesmo algumas
repetições. Isto deriva do fato de que, diferente de outros relatórios que deles resultam uma
publicação em forma de livro ou coletânea neste, como pode se perceber, parte relatório foi
publicado ou está no prelo de periódicos ou coletâneas. ]
Esta opção metodológica e política também determinou que ao final das duas partes do
relatório não efetivássemos uma conclusão geral. Isto pelo fato de que as conclusões estão
presentes nas diversas partes do relatório.
Os três anexos que compõe o relatório em formas de DVD e uma análise mais ampla das
políticas educacionais na primeira década do século XXI reúnem, ao nosso ver, a síntese teórica e
histórico empírica do objeto central da pesquisa. Trata-se de produtos da pesquisa que têm
alcançado grandes públicos e excelentes debates
O DVD - Quem somos e para onde vamos? Clássicos e contemporâneos do pensamento
social crítico brasileiro – explicita pela análise das obras de seis dos mais importantes pensadores
sociais críticos do século XXI entender por que continuamos uma sociedade que produz a miséria
e se alimenta dela. Trata-se do debate sobre obras de Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado
Junior, Celso Furtado, Florestan Fernandes, Otávio IANNI e Milton Santos.
O anexo 3 - Os circuitos da história e o balanço da educação no Brasil na primeira
década do século XXI, explicita que a dívida histórica no campo da educação ganha
compreensão e se constitui numa opção das forças que definiram e definem o projeto
societário como o desvelam aqueles pensadores.
O resultado da relação orgânica entre o projeto societário e de educação se explicita
neste relatório de pesquisa e encontra a síntese emblemática, narrada pelos próprios sujeitos
jovens no DVD – Juventude com vida provisória e em suspenso - para os quais se dirigem as
políticas de emprego, renda, elevação de escolaridade e formação técnico profissional. As
políticas públicas de formação, emprego, renda e elevação de escolaridade para jovens,

18
mormente da classe popular, são marcadas pela precariedade, provisoriedade e fragmentação.
Quando bem-sucedidas garantem apenas uma inclusão forçada e marcada pela precariedade e
provisoriedade. Estas políticas são necessárias, mas seu efeito se não vincadas em mudanças
estruturais, acabam tendo um papel de culpabilização das vítimas e um forte ingrediente de
conservadorismo político. No caso brasileiro, alimentando o clientelismo político e renovadas
formas de populismo.

19
PARTE 1 -TRABALHO, CLASSES SOCIAIS, CAPITALISMO DEPENDENTE E
FORMAÇÃO HUMANA

1.1. Trabalho e classes sociais visões heurística e histórica 7

Até os nossos dias, a história de toda a sociedade


tem sido a história das lutas de classe (Marx e
Engels, 1998)

Diz-se que um termo é polissêmico quando é utilizado com várias significações. Por
exemplo, ao examinar as relações sociais de produção na especificidade da sociedade
capitalista, Marx mostra que produtivo é o trabalho que produz mais-valia. Este, todavia, não
é o sentido dado pelo pensamento liberal nem pelo senso comum. No pensamento econômico
liberal, é uma relação entre os insumos aplicados e o resultado da produção. No sentido
dicionarizado, usualmente trabalho produtivo é aquele que rende mais, que produz mais ou é
mais eficaz.

Neste texto, que visa estimular o debate sobre a relação trabalho, classe social e
educação não vou ater-me particularmente à dimensão semântica do trabalho para evidenciar
as mudanças de sentido sofridas do mesmo no tempo e no espaço. Primeiro por não ser este
meu campo de formação e, muito menos, de estudos e pesquisa. Segundo, e
fundamentalmente, porque no exemplo acima o cerne da questão não é uma disputa semântica
abstraída das relações sociais. Na sociedade capitalista é uma disputa de classe que somente
pode ser apreendida em sua historicidade dentro de uma concepção dialética e no campo das
contradições e não das antinomias.
A opção do encaminhamento que darei ao texto busca no legado de Marx a
compreensão de que não é a consciência, a teoria e a linguagem que criam a realidade, mas
elas são produzidas dentro e a partir de uma realidade histórica, sendo e tornando-se, porém,
elas mesmas parte dessa realidade. Daí que, para Marx e Engels, nenhuma ideia, preconceito,

7
. Gaudêncio Frigotto. UERJ. Programa de Políticas Públicas e Formação Humana
20
ideologia ou teoria deve deixar de ser examinada, já que todas elas se constituem em
elementos constitutivos da realidade e parte de determinadas práxis (alienadas ou críticas).
A produção das ideias, de representações da consciência, está de início diretamente
entrelaçada à atividade material e ao intercâmbio material; (...) os homens são produtores de
suas representações, de suas ideias etc., mas os homens reais e ativos (...). A consciência
jamais pode ser outra do que o ser consciente e o ser dos homens é seu processo de vida real
(Marx & Engels, 1986, p. 36-37, grifo meu).
Esta compreensão conduz-me ao pressuposto de que os sentidos e significados do
trabalho resultam e constituem-se como parte das relações sociais em diferentes épocas
históricas e um ponto central da batalha das ideias na luta contra-hegemônica à ideologia e à
cultura burguesas Esse pressuposto, como consequência, leva-me ao mesmo tempo a
compreender e tratar as relações de produção e de reprodução sociais, a linguagem, o
pensamento e a cultura de forma histórico dialética e, para não cairmos numa discussão
abstrata, atemporal ou – nos termos de Marx – escolástica, que o sentido do trabalho, expresso
pela linguagem e pelo pensamento, só pode ser efetivamente real no campo contraditório da
práxis e num determinado tempo e contextos históricos.
A questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é uma
questão teórica, mas prática. É na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto é, a
realidade e o poder, o caráter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não
realidade do pensamento isolado da práxis - é uma questão puramente escolástica (Marx,
1986, p. 12).
Se por um lado, então, é crucial voltar aos textos de Marx e Engels e de outros
pensadores marxistas buscando seu sentido imanente e o rigor semântico como exercício de
não nos afastarmos dos fundamentos da concepção materialista-histórica da realidade humana
ou social e do método dialético de construção de sua compreensão, o grande desafio, todavia,
em nosso tempo, como adverte Francisco de Oliveira, é “não alcançar-se a saturação histórica
do concreto, isto é, não saber apanhar a multiplicidade de determinações que fazem o
concreto" (Oliveira, 1987a). Vale dizer, seguir o legado de Marx e de Engels, que é
“compreender toda a realidade em seu movimento, nas suas ‘tendências’ – portanto, na
‘unidade’ dos seus diferentes aspectos e ‘contradições’” (Lefebvre, 1981, p. 295-296).
Ao abordar a concepção materialista de história, Engels, em carta a C. Schmidt,
adverte sobre o risco de seu uso apenas como rótulo.
Sobretudo a palavra “materialista” serve, na Alemanha, a muitos escritores jovens
como uma simples frase com que se rotula todo e qualquer estudo, ou seja, coloca-se o rótulo
e crê-se ter encerrado então o assunto (...). Toda a história precisa ser reestudada, as
condições de existência das diversas formações sociais precisam ser examinadas em detalhe,

21
antes de induzir delas as correspondentes concepções políticas, jurídicas, estéticas,
filosóficas, religiosas etc. (Engels, 1983, p. 456).
Por certo, no plano mais geral, Edward Thompson, Raymond Williams, Eric
Hobsbawm, Antonio Gramsci e, no Brasil, Francisco de Oliveira e Florestan Fernandes,
Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho, entre outros, são intelectuais pesquisadores que
pensam com Marx para além de Marx8. Ou seja, pensadores que, pela pesquisa e análise
sistemática, buscam não se afastar dos fundamentos e saturar as categorias e conceitos
(trabalho, classes sociais, Estado, cultura, democracia, luta de classe etc.), no movimento mais
universal do sistema do capital e na especificidade de diferentes formações históricas
capitalistas.
A construção da categoria capitalismo dependente, em Florestan Fernandes (1975 e
1981) e Rui Mauro Marini (2000); a crítica da razão dualista atualizada, trinta anos depois,
com um texto sob a metáfora do ornitorrinco, em Francisco de Oliveira (2003); e a análise da
questão da democracia e da relação Estado e sociedade civil, em Carlos Coutinho (2002), são
abordagens que explicitam a especificidade do capitalismo no Brasil dentro do movimento do
sistema do capital. No âmbito mais geral, Francisco de Oliveira (1998), em Surgimento do
anti-valor, traz à luz a forma mediante a qual o capital se reproduz e amplia cada vez mais
dependendo do fundo público e as consequências s para a luta de classes da disputa por seu
controle e manejo9. Konder (1992 e 2001) dialoga sobre o pensamento de Marx no século
XXI, o futuro da filosofia da práxis e a leitura crítica da história.
Estas demarcações introdutórias objetivam explicitar a direção dentro da qual gostaria
de abordar dois pontos inter-relacionados.
No primeiro, busco sinalizar que a polissemia da categoria trabalho resulta de uma
construção social e, em nossa sociedade, com o sentido de dominação de classe. O grande
desafio é apreender, no tecido social do senso comum, das religiões e das ideias do

8
Tomo esta formulação de Wolfgang Leo Maar (2006) em um texto no qual aborda a Teoria crítica da
sociedade brasileira de Francisco de Oliveira. Trata-se de uma expressão precisa que sintetiza a forma mais
radical de ser fiel ao pensamento de Marx: trabalhar o presente na relação entre o estrutural e o conjuntural
dentro de sua concepção materialista histórica da realidade e o método materialista histórico de compreendê-la,
que implica, em cada formação histórica, identificar e analisar as mediações e contradições que produzem a
realidade humano social em sua particularidade, singularidade e universalidade.
9
Por uma destas raras coincidências, exatamente no dia 29 de setembro de 2008, declarado o pior da história das
bolsas ou da jogatina do capital fictício onde o fundo público americano anunciava que injetaria US$ 700 bilhões
para socorrer a hecatombe do livre mercado e o mesmo rumo foi seguido para segurar a quebradeira na Europa,
Francisco de Oliveira encerrou, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com o debate sobre o sentido atual
do Manifesto Comunista, um curso livre sobre obras de Marx. Não só pôde reiterar que “tudo o que é sólido se
desmancha no ar” como sentir que o que anunciou exatamente uma década atrás, em seu livro Surgimento do
anti valor, assume agora uma evidência histórica contundente e para o sistema capital em conjunto.

22
pensamento e da ciência positivista e pragmática dominante, qual o mosaico de sentidos que
assume o trabalho.
No segundo, que tem origem e está vinculado ao primeiro, ocupo-me de dois aspectos
também imbricados. Em recente livro, SergioLessa (2007) aborda a perda da precisão
semântica do vocábulo trabalho e as consequências s para definição de quem é, hoje, o
proletariado, a distinção entre proletários e trabalhadores e o que é hoje a classe
revolucionária. Partindo da análise da compreensão ontológica de trabalho numa perspectiva
imanente e dentro da ortodoxia e centrado particularmente no Livro I de O Capital,
justificando sua prioridade exegética, salienta que, em Marx, por trabalho se entende o
intercâmbio orgânico do ser humano com a natureza e a atividade que transforma a matéria
natural. Compreensão esta que, para Lessa, permite definir quem é hoje o proletariado e a
classe revolucionária.
Sobre esta base, analisa parte da obra de três autores brasileiros: Ricardo Antunes,
Marilda Villela Iamamoto e Dermeval Saviani, e sustenta que estes, por perda dessa precisão,
dão o adeus ao trabalho no Brasil10 e à identificação de quem pertence ou não ao proletariado
e à classe revolucionária. Ao abordar a obra de Saviani e referindo-se a alguns dos mais
significativos pedagogos de esquerda, destaca que essa incompreensão semântica “tornou aos
educadores mais complicada e difícil a percepção da essência das transformações em curso: a
passagem de um patamar mais elevado de extração de mais-valia, uma intensificação dos
processos alienantes oriundos do capital” (Lessa, 2007, p. 121). Para ele, isso decorre de
ilusões de Saviani e desses pedagogos da possibilidade, sob o sistema capitalista, da
existência de alguma positividade do desenvolvimento científico e tecnológico, dos avanços
das forças produtivas ou de que as transformações que possam ser disputadas e capturadas
pelas forças comprometidas pela emancipação humana. Da mesma forma, decorrem as ilusões
sobre a possibilidade de construir uma educação geral, omnilateral ou politécnica dentro do
sistema capitalista.

Na mesma direção de análise imanente de textos de Marx feita por Tumolo (2003),
procuro analisar as implicações, no plano teórico, político e prático, da defesa que ele busca
sustentar de que o trabalho, sob o sistema do capital, não pode ser entendido e pensado como

10
Lessa refere-se às teses do fim do trabalho desenvolvendo, em seu livro, três capítulos. No primeiro, o adeus
ao trabalho dado por S. Malett e André Gorz; no segundo, o adeus ao trabalho de M. Sabel a J. Lojkine e
Adamn Shaff; e, finalmente, no terceiro capitulo dedica-se ao adeus ao trabalho no Brasil dado pelos autores
mencionados.
23
principio educativo, isto porque é cada vez mais alienante. Ou seja, o trabalho, neste caso,
seria pura negatividade e por isso impensável como principio educativo.
Registro de imediato que as objeções que explicito nesta discussão não se referem à
pertinência de efetivar análises imanentes dos textos de Marx ou outros pensadores clássicos.
Portanto, o intuito não é desclassificar ou menosprezar sua produção. Pelo contrário, entendo
essas análises como um trabalho intelectual fundamental, com o qual compartilho. Da mesma
forma, compartilho da crítica relativa à forma cada vez mais destrutiva e violenta do sistema
do capital e de sua natureza não reformável.
O ponto crucial a ser debatido é a passagem da compreensão imanente do trabalho, da
classe proletária e do sujeito revolucionário, para a análise ou julgamento de trabalhos que se
centram, há décadas, em desenvolver pesquisa histórico empírica e que pensam com Marx
para além de Marx.
O que procurarei mostrar é que as análises de Lessa e Tumolo, na especificidade e
natureza diversa dos dois trabalhos a que me refiro neste artigo, podem estar incorrendo nessa
impropriedade. Isso pode ter como consequência, ainda que não intencional, em nome da
imanência e da ortodoxia, por um lado, congelar a saturação histórica das categorias e
conceitos e, com isso, o legado fundamental de Marx de perquirir a relação do estrutural e
conjuntural no tempo e no espaço, nas mediações e contradições singulares, particulares e
universais da realidade que queremos compreender; e, por outro, conduzir ao imobilismo no
plano da práxis, ponto nodal da luta de classes para a superação das relações sociais
capitalistas.

1.1.1 -As mediações histórico sociais da polissemia da categoria trabalho e a batalha das
ideias

A proposta do tema polissemia do trabalho, de início, trouxe-me desconforto. De um


lado, por não ter acompanhado a natureza do debate ou a controvérsia que gerou; de outro,
pelo receio de que o tema pudesse conduzir a discussões muito descoladas das questões que
emergem da vida real dos trabalhadores: dos diretamente super explorados ou pela extração
da mais-valia (trabalho produtivo, em termos de Marx) ou super explorados em atividades,
serviços no campo da educação, cultura, saúde etc., nas diferentes esferas do Estado (trabalho
improdutivo) ou jogados na vala comum da precariedade da grande maioria dos que atuam na

24
informalidade ou diretamente não necessários à produção11. Aí a disputa dos sentidos do
trabalho poderia estar isolada da práxis e tornar-se uma discussão puramente escolástica.
Esse desconforto foi se desfazendo e fui percebendo a pertinência e a necessidade
deste debate, na direção apontada, especialmente pelas consequência s que podem advir de
um encaminhamento das questões postas se perdermos de vista que o objetivo fundamental é
a crítica das relações sociais e dos processos formativos e educativos que reproduzem o
sistema do capital e todas as suas formas de alienação. Mas, concomitantemente, na luta
contra-hegemônica e no terreno contraditório que a realidade histórica (realidade rebelde, na
expressão de Gramsci) nos coloca para a travessia, onde a disputa cultural e do sentido da
ciência, tecnologia e dos processos educativos na sociedade e na escola se constituem em
mediações cruciais na possibilidade de superação do sistema do capital
Todavia, o entendimento da pertinência do tema carregou consigo uma enorme
perplexidade pela natureza complexa da tarefa; neste artigo, o que posso alcançar é apenas a
problematização e uma abordagem introdutória. Como efeito, quando escrevemos nossos
textos supondo que os leitores – alunos de graduação e de pós-graduação, professores que
atuam nas redes de ensino público e privado ou lideranças de movimentos sociais e sindicatos
etc. – apreendam os sentidos e distinções que foram sendo construídas sobre trabalho na sua
dimensão ontológica, princípio educativo ou trabalho alienado por sua subordinação ou
subsunção real; trabalho concreto e abstrato, produtivo e improdutivo, trabalho material e
imaterial e mundo da necessidade e da liberdade etc., por certo, estamos ignorando lições
que a literatura marxista engendra.
O fato de crescente contingente da população que tem experiência concreta de classe
trabalhadora brasileira sem que, como indica Edward P. Thompson12, tenha consciência de
classe acredite, ao seguir a Igreja Universal ou congêneres, que presencia milagres,
exorcismos e prosperidade não é uma quimera. É um dado real existencial que tem de ser,

11
A categoria de trabalho informal, por diferentes razões, no desmanche e precarização do trabalho, não dá conta
de nos ajudar a aprender os “mundos do trabalho” (Hobsbawm, 1987) daqueles que não são incorporados
diretamente no emprego formal. Ver Tavares (2004). Uma realidade que advém, como Marx indicava nos
Manuscritos econômicos, da forma que se desenvolve, sob o capitalismo, a atividade humana. “Substitui o
trabalho por máquina, mas lança parte dos trabalhadores de volta a um trabalho bárbaro e faz da outra parte
máquinas” (Marx, 2004, p. 82).
12
A obra do pensador marxista Edward P. Thompson tem a particularidade de ser produzida pela pesquisa
histórica e a intensa vivência como educador popular. Por isso, sua produção sobre a formação da classe operária
inglesa ou, como ele mesmo expressa, o fazer-se classe operária envolve tanto as dimensões econômicas e
políticas quanto as culturais mediadas por experiências, tradições, sistema de valores e vivências concretas. Ver
Thompson (1987a, 1987b, 1987c e 1981).
25
primeiramente, entendido como indica Marx ao discutir a religião na Introdução à crítica da
filosofia do direito em Hegel e na Questão judaica.
É este o fundamento da crítica irreligiosa: o homem faz a religião, a religião não faz
o homem. [...] Mas o homem não é um ser abstrato, ancorado fora do mundo. [...] a miséria
religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria
real (Marx, 2006, p. 145).
A razão fundamental, então, da necessidade de compreender a polissemia da categoria
trabalho não é apenas e, sobretudo, semântica, teórica e epistemológica, ainda que mediada
por essas dimensões, mas de natureza histórico social, ontológica e ético-política.
Por certo o mais comum é que a grande massa dos que pertencem e têm experiência
real de classe trabalhadora e que não necessariamente têm consciência de classe tome trabalho
e emprego como sinônimos, assim como o de classe como um contínuo de estratificações, um
senso comum imposto pelo pensamento sociológico, econômico e político e sedimentado dia
a dia pela mídia: classe A, B, C, D, E...
Do mesmo modo, é difícil que a grande maioria dos professores, mesmo com níveis de
escolaridade elevados, compreenda por que, se de manhã eles trabalham numa escola privada
(na qual são explorados) e pela tarde trabalham numa escola do Estado desmantelada (na qual
também são explorados), pela manhã seu trabalho é produtivo e pela tarde é improdutivo, ou
por que, pelo fato de serem professores, não são proletários ainda que trabalhadores
expropriados. Por outro lado, é comum que, em pesquisas com mulheres que fazem trabalho
doméstico, embora tenham jornada tripla de trabalho, afirmem que não trabalham. Todas
essas situações expressam uma determinada filosofia, popular ou científica, certa prática
econômica e hegemonia política.
Por isso, num terreno mais profundo da construção dos sentidos de trabalho que
coexistem na sociedade brasileira hoje, a indicação de Gramsci sobre concepção de mundo é
de extrema pertinência.
Quando a concepção de mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e
desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homens massa, nossa
própria personalidade é composta de uma maneira bizarra: nela se encontram elementos dos
homens das cavernas e princípios da ciência mais moderna e progressista; preconceitos de
todas as fases históricas passadas, grosseiramente localistas e intuições de uma futura
filosofia que será própria do gênero humano mundialmente unificado (Gramsci, 1978, p. 13).

Isto indica que captar os sentidos e significados do trabalho na experiência social e


cultural das massas de trabalhadores é tarefa complexa e implica analisar como se produz a
sociedade nos âmbitos da economia, da cultura, da política, da arte e da educação. Na

26
perspectiva de Florestan Fernandes, implica [...] repor o intelectual no circuito das relações e
conflito de classe [...]. Mas de nada adiantaria uma retórica ultrarradical de condenação e
de expiação: o intelectual não cria o mundo no qual vive. Ele já faz muito quando consegue
ajudar a compreendê-lo e explicá-lo, como ponto de partida para sua alteração real”
(Fernandes, 1980, p. 231.)

Posta a compreensão da polissemia da categoria trabalho nesta perspectiva, percebo


que em parte ela está em curso, mas que a tarefa é imensa e demanda o esforço de pesquisa de
um amplo coletivo. No escopo deste texto, é possível apenas sinalizar o que está sendo
produzido no debate da polissemia da categoria trabalho e delinear, no campo marxista, onde
percebo as fontes teóricas que pensam com Marx e que vão além de Marx para avançar neste
terreno.
Este segundo aspecto permite encaminhar a direção do debate dos pontos seguintes da
importância de ir-se aos fundamentos do pensamento de Marx, Engels etc., mas que,
concomitantemente a esses fundamentos, eles têm de ser historicizados na linha da
advertência de Engels, de que formações sociais precisam ser examinadas em detalhe antes
de induzir delas as correspondentes concepções políticas, jurídicas, estéticas, filosóficas,
religiosas. Para Engels, “analisando as tendências de seu tempo sem esse cuidado o fraseado
do materialismo histórico somente serve para que os jovens construam às pressas, a partir de
seus conhecimentos históricos escassos [...] todo um sistema e aparecem, então para si
próprios como colossais” (Engels, 1983, p. 457).

1.1.2 - Indicações sobre a polissemia da categoria trabalho, emprego e classe social

Um breve inventário evidencia que, tanto dentro da perspectiva marxista quanto


dentro de outras perspectivas, há pesquisas que se ocuparam primeiramente de discutir
diferentes qualificações que recebe o termo trabalho. Num nível mais simples, mas
importante, encontramos verbetes, com algum detalhe, sobre as várias qualificações. Uma
segunda dimensão, mais complexa, é buscar apreender o sentido delas em sua historicidade e
como são apreendidas na vida real da classe trabalhadora.

Sobre o primeiro aspecto, em relação ao trabalho, apenas para exemplificar, no


Dicionário do pensamento marxista de Tom Bottomore (1988) encontramos especificações
sobre trabalho abstrato, trabalho doméstico, divisão do trabalho, trabalho e força de trabalho e
27
a natureza do trabalho na transição para o socialismo. Na literatura brasileira, dois textos
recentes têm clara preocupação de abordar as várias dimensões em que o trabalho é tratado
com fins pedagógicos. Recentemente, a Escola Politécnica Joaquim Venâncio (2006)
publicou o Dicionário da educação profissional em saúde, no qual diferentes autores abordam
os verbetes sobre trabalho, trabalho abstrato, trabalho concreto, trabalho simples e complexo,
trabalho real e trabalho prescrito, divisão social do trabalho e divisão técnica do trabalho.
Com o mesmo propósito, Catani (2002), organizou um dicionário sobre trabalho e tecnologia
focando, sobretudo, as formas de organização do trabalho.

Estas produções ajudam para uma primeira e importante aproximação das diferentes
dimensões do significado e dos sentidos em que o trabalho, dentro de uma perspectiva
marxista, é abordado e indicam as fontes nas quais os leitores podem aprofundar tal
compreensão e situar-se no debate. Algumas dessas dimensões renderam vários trabalhos,
como a questão do trabalho produtivo e improdutivo em Marx13.

Num horizonte de dimensão mais complexa, porque implica captar as múltiplas


mediações constitutivas da polissemia do trabalho social e historicamente produzidas,
encontramos a contribuição de diferentes trabalhos no debate marxista ou não. Um pequeno
texto de Nosella (1989) foi, sem dúvida, o primeiro dentro do GT Trabalho e Educação a
sinalizar os sentidos que assume a categoria trabalho na Antiguidade, na sociedade moderna
burguesa e como se anuncia dentro da utopia de uma sociedade sem classes. Um texto que
demarca, pois, a historicidade dos sentidos e significados que assume o trabalho.

Uma coletânea organizada por Danile Mercure e Jean Spurk, publicada na França em
2003 e traduzida pela Editora Vozes em 2005, dentro de uma abordagem não especificamente
marxista, propõe uma ampla compreensão da noção de trabalho no pensamento ocidental
desde o mundo grego até a moderna sociedade burguesa.

Outros estudos buscam explicitar como surgiu e se desenvolveu o sentido que temos
hoje de trabalho reduzido a emprego como quantidade de tempo pago por uma determinada
atividade. Naredo (2006) efetiva uma análise na qual examina os valores, concepções e modos
de vida que predominaram antes que se tivesse a ideia atual de trabalho. Em seguida, mostra a
gênese da visão produtivista de trabalho ao longo do século XVIII, quando o modo de

13
Ver a esse respeito, entre outros autores que efetivam esse debate: Rosdolsky (2001), Mandel (1998), Robin
(1980) e Napoleoni (1981) e Singer (1981).
28
produção capitalista torna-se dominante e se desenvolve a ideia de riqueza, produção e de
sistema econômico. Por fim, analisa as determinações que estão provocando a crise da função
produtivista e social que se atribuía ao trabalho em nossas sociedades. A relevância de sua
análise, concorde-se ou não com ela, situa-se em mostrar as conexões entre ciência, ideologia
e sociedade e entre linguagem e pensamento.

No campo da batalha das ideias como espaço de luta de classe, tem sido importante
o desenvolvimento de textos, partindo especialmente da obra de Lukács (1976 e 2004) sobre a
ontologia do ser social em Marx, que tratam o trabalho na sua dimensão ontocriativa, em
contraposição às formas históricas que assume, mormente o trabalho sob os modos de
produção escravocrata ou servil e capitalista.

Na sua dimensão ontocriativa, explicita-se que, diferente do animal, que é regulado e


programado por sua natureza, por isso não projeta sua existência, não a modifica, mas adapta-
se e responde instintivamente ao meio, os seres humanos criam e recriam, pela ação
consciente do trabalho, sua própria existência.

Antes, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o


homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza.
Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em
movimento as forças naturais pertencentes à sua corporeidade, braços, pernas, cabeça e
mãos, a fim de se apropriar da matéria natural numa forma útil à própria vida. Ao atuar, por
meio desse movimento, sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao
mesmo tempo, sua própria natureza (Marx, 1983, p. 149).
Sob essa compreensão, o trabalho, como nos mostra Kosik (1968), é um processo que
permeia todo o ser do homem e constitui a sua especificidade. Por isso ele não se reduz à
atividade laborativa ou emprego. Mészáros (1981) traz uma distinção importante entre
trabalho como mediação de primeira ordem, em Marx processo antediluviano entre o homem
e a natureza, para designar sua compreensão ontológica de trabalho, e mediação de segunda
ordem, para designar as formas históricas que ele assume. Dos autores brasileiros,
destacaram-se nessa tarefa especialmente Leandro Konder, Carlos Nelson Coutinho, José
Paulo Neto, Ricardo Antunes. No esforço de compreender o trabalho, “os mundos do
trabalho” no movimento histórico social, destaco os trabalhos de Antunes (1999, 2006). Não
cabe aqui retomar esse debate por serem as obras desses autores amplamente difundidas.
No que concerne aos aspectos que busco ressaltar sobre a historicidade dos sentidos
do trabalho, emprego e classe social a análise mais fecunda e densa a encontramos na

29
tradição marxista anglo-saxônica, especialmente em Eric Hobsbawm, Raymond Willians e
Eduard Thompson. No Brasil, na mesma direção, destacam-se as análises de Francisco de
Oliveira e Florestan Fernandes. Neste item tomo apenas um aspecto que ao meu juízo
permite uma ponte para o diálogo sobre os fundamentos do pensamento de Marx e a
necessidade de, a partir dos mesmos, buscar compreender o presente14.
Raymond Williams, ao tratar a teoria da cultura construindo o que denominou
materialismo cultural, indica a tarefa por fazer para entender como as categorias trabalho,
emprego e classe social vão assumindo diferentes significados. Trata-se do esforço de saturar
as categorias de historicidade. Com base em seu materialismo cultural, vai tratar de um
vocabulário de cultura e sociedade (Williams, 2007). Entre outras palavras ou categorias,
mostra os diferentes sentidos que vão assumir trabalho, emprego e classe social.
O materialismo cultural, nos termos colocados por Williams é entendido
[...] como um processo produtivo (material e social) e das práticas específicas, as
“artes”, como usos sociais de meios materiais de produção (da linguagem como consciência
prática às tecnologias específicas da escrita e de formas da escrita, passando pelos sistemas
eletrônicos e mecânicos de comunicação) (Cevasco, apud Williams, 2007, p.17-18).
Tomando a ênfase de Gramsci sobre a questão da hegemonia, Williams, num texto
provocativo – Você é um marxista, é você marxista?15 –, explicita como se efetiva a
dominação de classe na relação poder, propriedade privada e cultura.

Podemos então afirmar que a dominação essencial de determinada classe na


sociedade mantém-se não somente, ainda que certamente se for necessário, pelo poder, e não
apenas, ainda que sempre pela propriedade. Ela se mantém também inevitavelmente pela
cultura do vivido: aquela saturação do hábito, da experiência, dos modos de ver, que é
continuamente renovada em todas as etapas da vida, desde a infância, sob pressões definidas
e no interior de significados definidos... (Williams, 2007, p. 14).
É dentro dessa perspectiva que Williams dá pistas de como as palavras e as categorias
vão construindo, no tecido social e cultural, os diferentes sentidos, estando estes atravessados
pela dominação de classe. Assim, trabalho no sentido de fazer algo ou a algo feito tem uma
ampla gama de aplicações. Mostra Williams a forte relação entre trabalho e labor (labour) em
seu sentido medieval de faina e de dor. Já no século XIII, “os trabalhadores manuais
receberam a designação de laboures (trabalhadores, operários), e a oferta desse tipo de
trabalho generalizou-se como mão de obra (labour) desde o século XVII. Trabalho adquiriu
então um sentido mais geral de atividade” (idem, ibidem, p. 396).

14
. Parece-me, neste particular, pertinente a análise que Perry Anderson (1985) nos oferece sobre o marxismo
ocidental. Indica-nos Anderson que quando a tradição marxista francesa enveredou na análise do discurso
perdeu a batalha das ideias já que neste terreno o estruturalismo é imbatível. Ao contrário, a tradição anglo-
saxônica manteve-se fiel a Marx e Engels na pesquisa histórica, terreno onde se pode superar o estruturalismo. (
Anderson, 1985).
15
Ver Raymond Williams, “You`re a Marxist, Aren`t You? (Williams, 2007, p. 14). Para um aprofudanamento
do seu pensamento, ver, também, Willians, 1969 e 1979.
30
É com o desenvolvimento das relações sociais produtivas capitalistas que o trabalho
assume o sentido de emprego remunerado e trabalhador para designar a classe trabalhadora.
Estar empregado (to be in work) ou desempregado (to be out of work) era estabelecer
uma relação definida com pessoa que controlava os meios do esforço produtivo. Então
trabalho deslocou-se, em parte, do próprio esforço produtivo para a relação social
dominante. É somente neste sentido que se pode dizer que uma mulher que cuida da casa e
cria os filhos não trabalha (idem, ibidem, p. 397,).

A redução do trabalho de atividade vital do ser humano para produzir seus meios de
vida a emprego vincula-se, pois, a uma dupla determinação: o desenvolvimento concomitante
da palavra trabalho, do termo emprego e das relações sociais dominantes. Assim Williams
mostra que o termo emprego tem origem obscura e bastante coloquial no sentido de lump
(massa informe, monte) ou de piece (pedaço, parte). É no século XVII que assume o sentido
de quantidade limitada de trabalho. Assim, “jobbing (trabalho de empreitada) e jobber
(trabalhador de empreitada), em sentido ainda vigentes, passaram a significar a execução de
pequenos trabalhos ocasionais” (idem, ibidem, p. 398). De seu sentido restrito e, por vezes,
pejorativo, como jobbery (traficância, negociata), passou a ter uso mais universal e comum
para designar ocupação regular e paga.
Os termos trabalho e emprego, mostra-nos Williams, interagiram tanto no seu
desenvolvimento interno quanto em sua inter-relação. Com efeito, com o desenvolvimento do
modo de produção capitalista, o trabalho, na sua dimensão ontológica, forma específica da
criação do ser social, é reduzido a emprego – uma quantidade de tempo vendida ou trocada
por alguma forma de pagamento. Dessa redução ideológica resulta que, no senso comum, a
grande maioria das pessoas entenda como não trabalho o cuidar da casa, cuidar dos filhos etc.
Quando relacionamos o trabalho e o trabalhador ao sentido de classe e classe social,
eles ganham novas determinações, também histórica e socialmente construídas. Por isso, é
crucial, ainda que de forma breve, que se faça, com Williams, o mesmo percurso de trabalho e
emprego com o termo classe social16.

De imediato Williams assinala que o termo classe é duplamente complexo. Primeiro,


pela amplitude dos sentidos que assume; segundo, na complexidade dos significados que ela
assume na divisão social. Na sua origem tinha um sentido restrito relacionado à propriedade.

16
Isso é particularmente importante para, na próxima seção, mostrar alguns aspectos no mínimo problemáticos
das posições de Lessa e Tumolo nas críticas que efetivam a produções de pesquisadores no campo social e
educacional.
31
Classis se referia a uma divisão de acordo com a propriedade que possuíam
os romanos.[...] logo o uso se ampliou, primeiro como termo de organização
eclesiástica (as assembleias ou classes ou sínodos) e, mais tarde, um termo
geral para divisão ou grupo (classe das plantas). (idem, ibidem, p. 85).

A historicidade da construção e do desenvolvimento de classe no seu sentido moderno


para designar classes sociais específicas é enfatizado por Williams ao mostrar que o mesmo se
define entre os anos 1770 e 1840, justamente o período da Revolução Industrial e da
reorganização decisiva da sociedade. “A história da introdução de classe como uma palavra
que substituiria designações mais antigas para as divisões sociais tem relação cada vez maior
de que a posição social é construída e não simplesmente herdada” (idem, ibidem, p. 87). A
perspectiva política do sentido de classe social se afirma e se impõe com as revoluções
americana e francesa, mas não sem dificuldades, tanto pela resistência dos pensadores
conservadores quanto pela superposição de sentidos. É nesse contexto que surge a
categorização de classe baixa, média e alta.
Segundo Williams, nos embates sobre direitos políticos, sociais e econômicos, a partir
de 1790, um novo sentido contrapõe:
[...] as classes produtoras ou úteis (trabalhadores, artesãos, comerciantes e toda a
profissão útil à sociedade) à classe privilegiada (sacerdotes, cortesãos, contadores públicos,
comandantes de tropas, em resumo os agentes civis e militares ou religiosos do governo)17.
Ou seja, uma contraposição que caracteriza as classes trabalhadoras como classes úteis ou
produtivas para distinguir-se e opor-se aos privilegiados ou ociosos. Esse uso, que se
combina de modo peculiar com o modelo de mais baixa, média e mais alta, conservou-se
importante e ao mesmo tempo confuso (idem, ibidem, p. 89)

De acordo com Williams, Owen, em 1818, foi quem empregou por primeiro a
denominação classes trabalhadoras “no contexto específico e inconfundível das relações entre
‘trabalhadores’ e ‘seus empregadores’” (idem, ibidem, p. 90). A partir de 1840, a expressão
classe trabalhadora, no singular, foi sendo usada nas análises socialistas; no plural, nas
descrições conservadoras.
Ao mesmo tempo que o sentido e o significado de classe social vão se consolidando,
mostra-nos Williams que eles carregam ambiguidades que se mantêm até hoje, tanto no
terreno não marxista quanto no marxista. A ambiguidade, ainda em 1844, dava-se entre
trabalhador e operário. Para Cockburn, os únicos trabalhadores eram aqueles que trabalhavam

17
Essa distinção é apresentada por Williams pór meio de uma citação do livro de Volnei, publicado em 1795:
The Ruins of de Revolutions of Empires. Ver Williams, 2007, p. 89.
32
com as mãos, embora tanto para trabalhador como para operário houvesse a referência a
trabalho manual.
Uma lei de 1875 estabeleceu uma definição jurídica para essa situação: a expressão
trabalhador (...) refere-se a qualquer pessoa que, sendo operário, criado doméstico,
jornaleiro, artífice, artesão ou que se dedique a qualquer trabalho manual (...), foi
contratada ou trabalha para um empregador (idem, ibidem, p. 91).

Do mesmo modo se anota a divisão binária ou tripartite de classe, tanto indicando


ordens ou posições sociais (alta, média e baixa) ou agrupamentos econômicos (empregadores
e empregados), ou ainda, nas categorizações de John Stuart Mill (proprietários da terra,
capitalistas e trabalhadores) e em Marx no volume III de O Capital (trabalhadores
assalariados, capitalistas e proprietários de terra) (idem, ibidem, p. 94). Com o
desenvolvimento capitalista, na linguagem marxista prevaleceu a divisão binária entre
burguesia e proletariado.
Williams e Thompson trazem indicações importantes para o desenvolvimento do
próximo item sobre as tensões no âmbito marxista e mesmo em Marx ao mostrar a distinção
da classe em termos de relações econômicas, que pode ser uma categoria como de
assalariados, e a classe enquanto formação social no plano histórico. Para Williams, Marx usa
os dois sentidos, sendo que a descrição de classe mais freqüente utilizada por ele é de classe
como formação, exemplificando com um texto da Ideologia Alemã e outro de O Dezoito
Brumário.
Os indivíduos singulares formam uma classe somente na medida em que têm de
promover uma luta contra outra classe; de resto, eles mesmos se posicionam uns contra os
outros, como inimigos na concorrência (ideologia Alemã. (Marx, apud Willians, op. cit. p.
94).
Em seguida, todavia, indica Williams, a classe em Marx aparece como categoria
econômica, incluindo todos os que estão objetivamente naquela situação econômica e como
formação.
Na medida em que milhões de famílias camponesas vivem em condições econômicas
que as separam umas das outras, e opõem seu modo de vida, seus interesses e sua cultura aos
de outras classes da sociedade, esses milhões formam uma classe. Mas na medida em que
existe entre os pequenos camponeses apenas uma ligação local, em que a similitude de seus
interesses não cria entre eles comunidade alguma, ligação nacional alguma, nem

33
organização política, nesta exata medida não constituem uma classe 18 (O Dezoito Brumário
de Luiz Bonaparte, (Marx, apud Willians, op. cit. p. 95.

Essa dificuldade, para Williams, evidencia-se também no debate entre consciência de


classe e classe objetivamente medida: É evidente que consciência de classe só pode pertencer
a uma formação. Luta de classe, conflito de classes, guerras de classes, legislação classista,
preconceito de classe dependem da existência de formações, embora isso possa ser muito
desigual ou parcial no interior das classes e entre elas (idem, ibidem, p. 95).

Um exemplo emblemático do tema a que se refere Williams é o debate entre Edward


P. Thompson e Perry Anderson. Para este, a análise do primeiro, ao centrar-se sobre
experiência de classe, elide a classe como estrutura objetiva, tese da qual Ellen M. Wood não
compartilha, evidenciando que Thompson não nega a existência de uma estrutura objetiva de
classe, mas indica o fato de que a grande maioria dos que estruturalmente pertencem à classe
trabalhadora e vivem objetivamente a experiência dessa classe não tem consciência de
classe19.
Thompson, na mesma direção, dá uma indicação ainda mais clara sobre distintas
formas de abordar a questão da classe.
Ao tomarmos a classe como categoria historiográfica, poderemos ver historiadores
dispondo do conceito com dois significados diferentes: a) com referência ao conteúdo
histórico correspondente, empiricamente verificável; e b) como categoria heurística ou
analítica, recurso para organizar uma evidência histórica cuja evidência direta é muito mais
escassa. No meu modo de ver, tal conceito pode ser adotado com propriedade em ambos os
sentidos. Todavia, confusões geralmente surgem quando nos deslocamos de uma acepção
para outra (Thompson, 2008, p. 1, grifos meus)20. .

Do exposto até aqui fica claro que trabalho, emprego e classe social estão, em seu
desenvolvimento, imbricados e os sentidos e significados que assumem têm determinações
histórico sociais. Para o que o GT Trabalho e Educação tem como horizonte básico, desde sua
origem, de um trabalho teórico que ajude a entender as relações entre trabalho, relações

18
Nesta passagem de análise histórica concreta fica evidente quando Marx se refere às classes fundamentais que
definem a estrutura específica do modo de produção capitalista – proprietários privados dos meios e
instrumentos de produção e trabalhadores que vendem sua força de trabalho – de outras classes que se articulam
às mesmas.
19
Ver, a esse respeito, Wood (2003).
20
De um texto publicado pela revista eletrônica Marxismo Revolucionário Atual. 2008. (www.mra.org.br) e
extraído da coletânea As peculiaridades dos ingleses e outros artigos (Negro e Silva, 2007).
34
sociais capitalistas e educação numa perspectiva de luta de classes, parece-nos crucial o que é,
para Williams, em nossos dias, uma crítica militante.
[...] sei que há um trabalho fundamental a ser feito em relação à hegemonia cultural.
Acredito que o sistema de significados e valores que a sociedade capitalista gera tem de ser
derrotado no geral e no detalhe por meio de um trabalho intelectual e educacional contínuo.
(...) temos de aprender e ensinar uns aos outros as conexões que existem entre formação
política e econômica e, talvez, mais difícil, formação educacional e formação de sentimentos e
de relações, que são os nossos recursos em qualquer forma de luta (Cevasco apud Williams,
2007, p. 15).

Essa advertência, do aprender e ensinar uns aos outros, é também repleta de indicações e
lições para a natureza do debate do ponto a seguir se nosso objetivo comum é fortalecer as
lutas que buscam não simplesmente reformar o capitalismo, mas sua superação.

1.1.3 -A compreensão imanente e a historicidade dos fundamentos do pensamento de


Marx

A breve análise até aqui desenvolvida revela que os termos ou categorias ou conceitos
discutidos têm suas variações de sentido marcadas pelo desenvolvimento histórico-cultural,
por valores, tradições, por concepções ideológicas e disputas sociais. Marx e Engels
desenvolveram suas análises no contexto onde os mesmos se consolidam dentro da definição
do modo de produção capitalista como forma dominante de relações sociais. O que Marx e
Engels fizeram foi, mediante pesquisa meticulosa, dar-lhes rigor científico dentro da
concepção histórica de realidade social e do método do materialismo histórico-dialético21.
Assim mesmo, como destaca acima Williams, suas análises não ficaram livres de
ambiguidades que rendem polêmicas até o presente.
Nesta seção busco discutir o posicionamento sobre a análise imanente ou dentro da
ortodoxia (Lessa, 2007) de parte da obra de Marx e suas implicações teóricas no plano da
ação política, especialmente, ainda que não só, no campo educacional.
O esforço de análises dentro de uma perspectiva imanente e heurística, como foi
assinalado na introdução e sublinhado por Thompson, não só é pertinente como de crucial
importância para afirmar os fundamentos das contribuições de Marx e Engels e de outros
marxistas que seguiram seu legado. Assim, o esforço dos trabalhos de Sérgio Lessa e sua

21
Num texto produzido na década de 1980, analiso a dialética materialista histórica como uma postura ou
concepção de realidade histórica, um método e uma práxis para caracterizar aspectos inseparáveis da análise de
Marx e Engels (Frigotto, 1989).
35
contribuição na explicitação da ontologia do ser social de Marx e concepção ontológica de
trabalho são de enorme relevância.
As ponderações que coloco a seguir referem-se a seu livro Trabalho e proletariado no
capitalismo contemporâneo (2007), no qual, a partir de uma compreensão imanente do
trabalho em Marx, centrado sobretudo no livro I de O capital, efetiva críticas a diferentes
autores do campo social e educacional nos aspectos destacados na introdução deste texto,
cujas análises se esforçam para entender o trabalho, as classes sociais, a ciência e tecnologia e
os processos educativos no seu desdobramento e desenvolvimento históricos.
Mesmo que Lessa chame atenção para a questão histórica e para as mediações, de
forma insistente, por diferentes razões a ênfase de sua análise parece fixar-se no plano da
categorização, referido por Williams, e de um procedimento heurístico nos termos colocados
por Thompson, que enfatiza ser a classe no seu sentido heurístico inseparável da luta de
classes:
Em meu juízo foi dada excessiva atenção, frequentemente de maneira a-histórica, à
“classe” e muito pouca, ao contrário, à luta de classe. Na verdade, na medida que é mais
universal, luta de classes me parece ser o conceito prioritário. Talvez diga isso porque luta
de classes é evidentemente um conceito histórico, pois implica um processo, e portanto seja o
filósofo, o sociólogo ou o criador de teorias, todos têm dificuldades em utilizá-lo. Para dizê-
lo com todas as letras: as classes não existem como entidades separadas que olham ao redor,
acham um inimigo de classe e partem para a batalha [...]. Classe e consciência de classe são
sempre o último e não o primeiro degrau de um processo histórico (Thompson, op.cit. p. 2).

Na minha leitura, o foco na imanência e numa compreensão heurística do trabalho, do


proletariado e do sujeito revolucionário é que conduz Lessa no texto aqui referido, ao
trabalhar mais com antinomias do que com a contradição, e portanto com excessiva atenção
ao que é trabalho, proletariado e classe, em detrimento ao movimento histórico de como se
produz o trabalho, o proletariado e a luta de classes como processos históricos. Daí, penso,
advêm as dificuldades de reconhecer o caráter contraditório, como veremos, da ciência,
tecnologia, do avanço das forças produtivas, do papel da escola e dos processos educativos no
interior das relações sociais capitalistas. Na mesma perspectiva, e pelas mesmas razões,
parecem situar-se as análises de Tumolo, no que concerne à questão do trabalho como
princípio educativo.
Nesse sentido, caberia explicar melhor alguns aspectos, para enfatizar o que estou
destacando das análises em discussão.

36
Uma primeira observação reside na defesa de Lessa da ortodoxia como metodologia
na análise imanente do texto de Marx para evitar o ecletismo. Mesmo considerando o cuidado
que Lessa tem de contrapô-la ao dogmatismo, o sentido corrente de ortodoxia relaciona-se à
doutrina e às posturas rígidas ou dogmáticas. Esse sentido, na análise de Lessa, reforça-se pela
recorrência do argumento de autoridade como critério da maior veracidade da interpretação
imanente. No mesmo plano metodológico, talvez a perspectiva de Karel Kosik (1986) de
monismo materialista para distinguir as análises entre estrutura econômica (marxismo) e fator
econômico (sociologismo) seja mais adequada para contrapor-se ao pluralismo e ao ecletismo
metodológicos22.
Um segundo aspecto, na mesma ordem de questões, diz respeito às tensões internas da
compreensão imanente do trabalho e classe social e a questão da historicidade. Sob as tensões
internas, José Paulo Netto, ao caracterizar o sentido ontológico de trabalho como constitutivo
do ser social, observa que o ser social não se reduz e esgota no trabalho, ainda que permaneça
como objetivação fundante.
Quanto mais se desenvolve o ser social, mais as suas objetivações transcendem o
espaço ligado diretamente ao trabalho. No ser social desenvolvido, verificamos a existência
de esferas de objetivação que se autonomizaram das exigências imediatas do trabalho – a
ciência, a filosofia, a arte etc. (...) O trabalho, porém, não só permanece como objetivação
fundante e necessária do ser social – permanece ainda como o quase poderia chamar de
modelo das objetivações do ser social (Netto, 2006, p. 43).

Isto fica, a meu ver, ainda mais claro na abordagem de Kosik, tanto do ponto de vista
das tensões internas quanto da historicidade, no seu esforço para superar uma visão semântica
e antinômica entre o trabalho (mundo da necessidade) a as atividades humanas como livre
criação (mundo da liberdade). A possibilidade de dilatação da liberdade do ser humano é
indissociável da satisfação, no grau historicamente possível, do mundo da necessidade.
Do mesmo modo, dentro de uma compreensão dialética, o que distingue trabalho de
outras atividades humanas não é algo eterno. É o processo histórico real que vai definir como
uma mesma ação humana pode ser considerada trabalho ou não trabalho.
O trabalho é um agir humano que se move na esfera da necessidade. O homem
trabalha enquanto seu agir é suscitado e determinado pela pressão da necessidade exterior

22
“O monismo materialista que concebe a realidade como um complexo constituído e formado pela estrutura
econômica e, portanto, por um conjunto de relações sociais que os homens estabelecem na produção e no
relacionamento com os meios de produção pode constituir a base de uma coerente teoria das classes e ser o
critério para a distinção entre mutações estruturais – que mudam o caráter da ordem social – e mudanças
derivadas, secundárias, que modificam a ordem social, sem porém mudar essencialmente seu caráter” (op.cit. p.
105).
37
cuja consecução se chama necessidade natural ou social. Uma atividade é ou não trabalho,
dependendo de que seja ou não exercida como uma necessidade natural, isto é, como um
pressuposto necessário à existência. Aristóteles não trabalhava. Um professor de filosofia e
interpretações metafísicas de Aristóteles são um emprego, isto é, uma necessidade,
socialmente condicionada, de procurar os meios materiais de sustento e de existência (op. cit.
p. 187, grifo meu)

Por isso, para ele a divisão do agir humano entre trabalho, esfera da necessidade e
esfera da liberdade capta a problemática do trabalho e não trabalho apenas
aproximadamente e apenas sob certos aspectos. [...] Nessa distinção fica oculta uma ulterior
característica essencial da especificidade do trabalho como um agir humano que não
abandona a esfera da necessidade, mas ao mesmo tempo a supera e cria nela os reais
pressupostos de liberdade humana. [...] A relação entre necessidade e liberdade é uma
relação historicamente condicionada e historicamente variável (idem, ibidem, p. 188, grifo
meu).

Os aspectos anteriores conduzem-me, finalmente, a uma terceira ordem de


dificuldades dos pressupostos da análise imanente sobre trabalho, proletariado e classe
trabalhadora. A justificativa bastante exaustiva e eloquente para eleger o Livro I de O Capital
como o ponto mais alto para uma leitura imanente da problemática do trabalho e os corolários
consequentes para definir o proletariado e trabalhadores certamente sustenta-se como uma
decisão que dá segurança metodológica e coerência de argumento. Todavia, resta saber se
essa delimitação, mesmo que amplamente argumentada, não limita o alcance de sua análise e,
por consequência, fragiliza as críticas a pesquisadores que, sem desprezar a análise imanente,
arriscam o terreno mais complexo, mediado, contraditório da pesquisa histórica.
Com efeito, parece-me bastante contraditório eleger, por mais relevante, uma parte da
obra de Marx cujo pensamento, como assinala Lefbreve referindo-se a ele e a Engels, “não foi
apenas um pensamento em luta e em ação – criando-se no decorrer de suas lutas –, mas um
pensamento em movimento. (...) Um pensamento em movimento não pode estudar-se nem
compreender-se senão acompanhando o seu movimento” (Lefebvre, 1981)23.
Esse movimento é evidenciado por Ruy Mauro Marini (2000), ao mostrar que o
conceito de trabalho produtivo, ainda que posto claramente no capítulo I de O Capital,
somente se equaciona no capítulo XVIII do livro III, ao serem estudados os operários
assalariados mercantis. Do mesmo modo que o trabalho não retribuído ao operário cria
diretamente mais-valia para o capital produtivo, o trabalho não retribuído dos operários

23
Lefebvre busca demonstrar que as obras filosóficas de Marx ou de Marx e Engels se integram à ciência
histórica, à economia e à política. Por isso rejeita tanto a leitura de um jovem Marx (humanista) e de um Marx
maduro (cientista) quanto que as obras de juventude substituam o Marx da maturidade.
38
assalariados comerciais cria para o capital comercial uma participação naquela mais-valia
(Marx, O Capital, cap. III, p. 287, apud Marini, 2000, p. 249).
Para Marini, o mesmo vale para os demais operários da circulação naquelas atividades
indispensáveis para que esta tenha curso (banco, publicidade etc.) pelo que conclui: “é
possível sustentar que restringir a classe operária aos trabalhadores assalariados que produzem
a riqueza material, isto é, o valor de uso sobre o qual repousa o conceito de valor corresponde
a perder de vista o processo global de reprodução capitalista” (idem, p. 250).
Por outro lado, Hobsbawm (o historiador vivo que talvez mais se tenha ocupado da
obra de Marx), numa entrevista sobre sua mais recente publicação, sobre os Manuscritos
econômicos 150 anos depois, destaca duas razões de seu impacto internacional e de sua
importância atual. Primeiro porque permitiu, no campo marxista, no contexto do dogmatizado
corpus do marxismo ortodoxo no mundo do socialismo soviético, ampliar a análise com um
texto que não podia ser considerado herético. Segundo, porque trata de um conjunto de
reflexões sobre assuntos importantes que não foram considerados em O Capital ou
desenvolvidos por Marx em nenhum outro lugar (Hobsbawm, 2008).
Também seguindo a argumentação de Wolfgang Leo Maar, que ao comentar o
pensamento de Francisco de Oliveira realça o vigor que emerge da perspectiva de sua análise
que se concentra no âmbito da produção da sociedade, privilegiar o livro I de O Capital para
discutir trabalho, classe proletária e trabalhadores, traz o risco de fixar-se no trabalhador
coletivo, na perspectiva da acumulação e num estreitamento do espaço da luta de classes e de
seus sujeitos.
O trabalho é intrinsecamente social. Neste sentido, a sociedade pode ser vista como
um grande trabalhador coletivo que pode, na profundidade em que cabe pensar na produção
da sociedade, ser formulado em duas determinações sociais. Um trabalhador coletivo pela
perspectiva da acumulação e, neste sentido, nós pensaríamos um trabalhador coletivo em que
haja uma universalização do trabalho abstrato tal qual a conhecemos hoje. Mas nós
precisamos pensar também no trabalhador coletivo numa outra determinação social, que é a
perspectiva do trabalho que produz a sociedade (Maar, 2006, p. 44).

É justamente dentro dessa perspectiva que Francisco de Oliveira percebe que


atualmente a disputa pelo controle e manejo do fundo público constitui-se numa arena da luta
hegemônica, da luta de classes e, portanto, das formas sociais do futuro.
Por fim, nesta terceira ordem de questões, um ulterior aspecto me parece central e, de
certa forma, reporta ao conjunto de ponderações até aqui apresentadas. Se, por um lado, as
análises imanentes são necessárias e importantes, elas necessitam estar atentas ao processo

39
histórico real. Isso pela razão fundamental de que pelo menos os pensadores marxistas que
pensam com Marx para além de Marx aqui referidos enfatizam como legado fundamental de
Marx a concepção materialista de história e o método histórico dialético de apreensão da
realidade.
Até onde percebo os autores que privilegiam a análise histórica, os argumentos de
Lessa para concluir que, em suas obras, Ricardo Antunes, Marilda V. Iamamoto e Dermeval
Saviani – cada um com suas particularidades e com sua relevância – dão O adeus ao trabalho
no Brasil são, no mínimo, lacunosos de mediações históricas. Ou, talvez, dito de outra forma,
ele comete o equívoco apontado por Thompson de passar de uma perspectiva heurística da
historiografia para avaliar pesquisas que buscam, no plano histórico real, perquirir, num
terreno menos seguro e cheio de dificuldades e sujeito a equívocos de diferentes ordens, o
imbricado, contraditório e complexo desenvolvimento do processo de trabalho, do
proletariado e das classes sociais e dos processos educativos ao longo do século XX.
Não vou ater-me aqui a maiores desdobramentos desse debate, apenas destacar
brevemente elementos para chegar a uma conclusão oposta à de Lessa sobre os três autores
criticados e as implicações para os aspectos mais diretamente imbricados com o debate no
âmbito educacional, tanto de Lessa quanto de Tumolo.
Tomo um primeiro elemento de um pequeno e clássico texto de Francisco de Oliveira:
O elo perdido; classe e identidade de classe, na introdução do qual fala do método no estudo
das classes. Para Oliveira, [...] a opacidade da divisão e das relações entre as classes é de tal
densidade que o trabalho teórico de dar-lhes transparência caminha no sentido inverso do
movimento da história do capitalismo contemporâneo. [...] Isto é, torna-se mais complexo e
difícil reconhecer, em fim, o perfil das classes sociais. [...] As classes não se constituem em si
e nem mesmo para si, mas para as outras (Oliveira, 1987a, p.10-11).
Ao analisar os mundos do trabalho e a formação da classe operária, Hobsbawm
também demarca o caráter histórico e processual da constituição das classes:
A história operária é parte da história da sociedade, ou melhor, de certas sociedades
que possuem características em comum. Relações de classe, qualquer que seja a natureza de
classe, são relações entre classes ou camadas de classes que não podem ser adequadamente
descritas se analisadas isoladamente ou apenas em termos de suas divisões ou estratificações
internas. Isso implica um modelo do que são as sociedades e de como funcionam (Hobsbawm,
1987, p. 29).

Ao justificar o título – O fazer-se da classe operária – de um capítulo do livro Mundos


do Trabalho, adverte que não quer sugerir que as classes tenham início, meio e fim, como a
40
construção de uma casa. “As classes nunca estão prontas no sentido de acabadas ou de terem
adquirido sua feição definitiva. Elas continuam a mudar” (Hobsbawm, 1987, p. 273).
Uma das mudanças profundas para a classe trabalhadora situa-se no fato de que cada
vez mais a ciência e a tecnologia se tornam forças produtivas do capital e se voltam contra a
classe trabalhadora. Marx, nos Grundrisse, já indicava claramente essa tendência, mostrando
que a criação da riqueza dependia cada vez menos do tempo e do quantum de trabalho
utilizado e mais do estado geral da ciência e de sua utilização na produção, e que, sob o
domínio do capital, isso se voltava contra o trabalhador e sua classe.
A máquina, triunfo do ser humano sobre as forças naturais, converte-se, nas mãos dos
capitalistas, em instrumento de servidão de seres humanos a estas mesmas forças [...]; a
máquina, meio infalível para encurtar o trabalho cotidiano, prolonga-o, nas mãos do
capitalista [...]; a máquina, varinha de condão para aumentar a riqueza do produtor,
empobrece-o em mãos do capitalista (Marx apud Paris, 2002, p. 235).

A magnitude do desemprego estrutural e da indigência do trabalho certamente é mais


evidente hoje que na época de Marx. Nos últimos vinte anos, foram profundas as mudanças
no mundo e no Brasil. Os profissionais empregados com carteira assinada e os direitos
advindos de um contrato de trabalho pelas lutas históricas da classe trabalhadora são cada vez
em menor número. Os maiores sindicatos de trabalhadores assalariados não são mais dos
metalúrgicos nem dos bancários, mas da área de serviços como educação e saúde.24
Essa realidade faz com que a definição de quem é o proletário, quantos são os
proletários, onde estão e quem constitui o sujeito revolucionário hoje se torne mais complexa
e que, certamente, se essa fosse a realidade do tempo de Marx, ele a tomaria como um
problema a decifrar.
Por isso parece-me que o desafio é muito menos tentar classificar quem é ou não é
proletário na precisão semântica e imanente e mais na direção que nos aponta Carlos Nelson
Coutinho. Apoiado na herança, sobretudo de Marx e Gramsci, ele sinaliza que o grande
desafio para a classe trabalhadora é “construir uma intersubjetividade revolucionária, ou seja,
um conjunto de sujeitos que são plurais, mas que convergem e se unificam na luta contra o
capital” (Coutinho, 2002, p. 38, grifo meu). Vale dizer, uma convergência na luta de classes.

24
Poder-se-ia afirmar com segurança que os metalúrgicos e bancários brasileiros, que, a partir da década de
1970, pela magnitude e organização de seus sindicatos, produziram duas lideranças que respectivamente se
tornaram presidente da República (Luiz Inácio Lula da Silva) e governador do Rio Grande do Sul (Olívio Dutra),
não terão mais essa capacidade pelo simples fato de que robôs e máquinas digitais ocuparam seus postos,
ampliando o desemprego estrutural, o trabalho precário e “informal”.
41
Dentro do que expus até aqui, parece-me que a conclusão de Lessa, de que as análises
de Antunes, Iamamoto e Saviani dão adeus ao trabalho no Brasil, incorre em dois equívocos.
Primeiro os filia, de forma lógica mas não histórica, às abordagens de S. Malett e André Gorz
e M. Sabel a J. Lojkine e Adam Shaff. Isso porque – e ai está o segundo equívoco – é
exatamente ao contrário. No âmbito especifico das mudanças do mundo do trabalho 25,
Antunes (1999), Iamamoto (2007) e Saviani (1994 -), na relação com a educação, não dão
adeus ao trabalho, mas estão empenhados em compreender o processo histórico do trabalho e
das classes sociais e buscam perceber como se constitui, diferentemente dos séculos XVIII e
XIX, o sujeito revolucionário. O sentido semântico dos termos é importante, mas, como
vimos, histórica e socialmente construído. Nesse aspecto, ganha precedência a historicidade
nos termos da tese II de Feuerbach e do que explicitam sobretudo Williams e Thompson.
Outro aspecto da crítica de Lessa baseado na análise imanente do trabalho e do
proletariado como sujeito revolucionário refere-se a algumas publicações de Dermeval
Saviani (1994) e a um livro de Frigotto (1995) para caracterizar como ilusões o caráter
contraditório da ciência como força produtiva e do desenvolvimento do capitalismo e das
perspectivas da escola unitária, omnilateral e integral. A leitura que Lessa extrai é de que estes
educadores estariam passando a ideia de que do “próprio desenvolvimento capitalista,
passaríamos ao comunismo, à ‘sociedade regulada’ de Gramsci ou ao ‘reino da liberdade’,
famosa expressão de Marx” (Lessa, 2007, p. 121).
Como base desta afirmação, Lessa retira de Saviani um trecho em que analisa o caráter
contraditório dos processos produtivos sob nova base científica e tecnológica e em que a ideia
de escola unitária e da formação omnilateral
[...] estaria deixando o terreno da utopia e da mera aspiração ideológica, moral e
romântica para se converter numa exigência posta pelo próprio desenvolvimento do processo
produtivo. Indícios desta tendência estão aparecendo cada vez mais fortemente [...] inclusive
entre os empresários, de que o que importa, de fato, é uma formação geral sólida, a
capacidade de manejar conceitos, o desenvolvimento do pensamento abstrato (Saviani, 1999,
p. 164-165, apud Lessa, 2007, p. 120-121, grifo meu)26.

25
Em diferentes passagens Lessa assinala a expressão mundos do trabalho – “esta sim quase misteriosa” (Lessa,
2007, p. 9) como a evidência de imprecisão semântica do trabalho. Preocupação que tem validade se o contexto
da análise do trabalho estiver no campo do imanente e do heurístico, mas não é pertinente se se está tentando
entender como o trabalho se apresenta num determinado contexto e desenvolvimento histórico. O historiador
marxista Hobsbawm (1987), não por acaso, intitulou uma obra clássica sua Mundos do trabalho.
26
Lessa não inclui nas referências bibliográficas esta obra de 1999. Todavia, o trecho se refere à obra
mencionada anteriormente (Lessa, 2007, p. 90), que é de Saviani (1994).

42
E, ao assinalar que Saviani não esteve sozinho ao alimentar tais ilusões acerca do
capitalismo contemporâneo, remete a uma nota na qual afirma: “Frigotto, por exemplo,
enxerga na transformação em curso uma positividade que pode ser politicamente capturada
com as forças comprometidas com a efetiva emancipação humana” (Frigotto, 1995, p. 7, apud
Lessa, 2007, p. 121).27
E, para mostrar a ilusão sobre a busca e a luta concreta para construir espaços
educacionais na perspectiva da escola unitária, remete a Francisca Maurilene do Carmo. Entre
alguns educadores perdeu-se de vista que é “impossível, na lógica deste sistema, a realização
de uma educação geral e politécnica, configurando desta forma como utopias educacionais
as propostas que anuncia dentro do capital como capazes de formar o indivíduo omnilateral
(Carmo, 2003, p. 121).

Como corolário de suas críticas às ilusões de Saviani, conclui que:


O fato de alguns dos mais significativos pedagogos de esquerda terem aderido a essas
teses tornou aos educadores mais complicada e difícil a percepção da essência da
transformação em curso: a passagem de um patamar mais elevado de extração de mais-valia,
uma intensificação dos processos alienantes oriundos do capital (Lessa, 2007, p. 121).

Da leitura que faço das obras de Saviani e naquilo que exponho no livro citado, não
encontro a possibilidade de uma visão linear da ciência e tecnologia e do avanço das forças
produtivas pela qual se estaria indicando a passagem mecânica do desenvolvimento capitalista
para, na afirmação de Lessa, o comunismo, a sociedade regulada de Gramsci ou o reino da
liberdade, famosa expressão de Marx. Por outro lado, também não consigo ver de onde deduz
de que na obra de Saviani e das análises que faço não esteja explícita a compreensão de que se
exacerba no capitalismo atual a super exploração com a intensificação da mais-valia relativa
e, para os que são empregados, a ampliação da mais-valia absoluta e, portanto dos processos
mais violentos alienantes do sistema capital.
Do mesmo modo, não poderia deduzir que está se afirmando que dentro do sistema
capitalista é possível desenvolver, nas condições próprias de uma sociedade sem classes, cuja
travessia supõe o socialismo, uma educação unitária, integral, omnilateral, politécnica ou
tecnológica. O que percebo na obra de Saviani é o que está claro na citação analisada, dentro

27
Coincidentemente, não se encontra na página 7 do livro referido (Educação e crise do capitalismo real,
Frigotto, 1995) o pedaço de frase pinçado e citado; ali começa o sumário do livro, em boa parte do qual, como
veremos a seguir, é tratado o caráter contraditório e os limites da ciência e do sistema capitalista. Também trata
das teses do fim da sociedade do trabalho e da não centralidade do trabalho em Claus Off, Adman Schaf e Robert
Kurtz.
43
da compreensão de que não só o capitalismo é uma contradição em processo e, como insistia
Marx, cada vez mais profunda e insanável, como também existe antagonismo e luta contra-
hegemônica. Ao dizer “indícios desta tendência”, no que alcanço ler, ele não está afirmando
nem que mecanicamente as mudanças científicas e técnicas na base produtiva levem ao
comunismo e ao reino da liberdade nem que dentro do sistema capitalista a escola unitária e
omnilateral sejam possíveis. Apenas está apreendendo uma contradição e, com isso, a
possibilidade de disputar no conteúdo, no método e na forma a direção política na luta pela
superação do capitalismo.
A obra citada, Educação e crise do capitalismo real, foi produzida num contexto de
pós-derrota (mas não fracasso) do socialismo realmente existente (Hobsbawm), da tese do fim
da história de Fukuyama e de um crescente pessimismo da esquerda, dando a impressão de
que o capitalismo tem eternamente a chave para superar suas crises e a ciência burguesa, as
soluções eternas.
Isso redundaria na aceitação tácita da tese de Fukuyama de que estaria provado que o
capitalismo é a sociedade de tipo natural e, portanto, uma ilusão lutar por sua superação.
Busquei, com base em Marx e pensadores marxistas que produziram o pensamento social
crítico brasileiro, vários deles já referidos, trabalhar o aprofundamento das contradições cada
vez mais “profundas e insanáveis” do modo de pensar burguês e da sociedade capitalista.
No plano das ideias, é só seguirmos o caminho percorrido ao longo de quatro décadas
por Frederic Hayek, pai do neoliberalismo, para ver que sua condição de intelectual da classe
capitalista não lhe permitiu jamais, dentro da concepção da economia clássica e neoclássica,
entender o conflito insolúvel entre indivíduo e sociedade nas relações sociais capitalistas 28. E
isso, não fundamentalmente, por uma premeditação maquiavélica. É algo mais radical, como
mostra Marx. “São os limites de uma época – de uma classe –, mais que um ‘egoísmo’
deliberado ou uma ‘mentira de classe’ que explicam os limites das ideias...” (Marx, Carta a
Weidemever, 1852). Por essa razão, assinala Marx: “Presos às representações capitalistas [os
economistas burgueses] veem como se produz dentro da relação capitalista, mas não como se
produz a própria relação” (Marx, apud Frigotto, 2006, p. 35) \.
Por isso, dialogando com Francisco de Oliveira, especialmente com a Crítica da razão
dualista (Oliveira, 1987b) e a tese do surgimento do antivalor (Oliveira, 1988), o livro busca

28
Ver a esse respeito a análise de Paulani (2005).
44
pensar o tempo presente29. Tratava-se não só de ver as contradições, mas também de entender
como dentro delas pode se dar a luta contra-hegemônica. A disputa das concepções, teorias e
práticas educativas e de ciência e tecnologia situam-se nesse terreno.
O que Lessa não explica é a questão relativa ao processo de superação do modo de
produção capitalista. A ultrapassagem do capitalismo implica enfrentar, no plano da práxis, o
pântano contraditório da dialética do velho e de novo. Como ensina Gramsci, velho que não
quer morrer e novo que necessita nascer. Ou se começa a luta pela utopia do socialismo e da
educação omnilateral, unitária e politécnica no embate contraditório da realidade rebelde
historicamente existente ou teremos, como assinala Jameson, que esperar deterioração total
da terra e da natureza; ou remeter a um imaginário futuro, na análise de Kosik (1969), a
superação do sistema capitalista.
Sem dúvida, a análise de Lessa explicita o fetiche do determinismo da ciência, da
técnica e da tecnologia e dos processos educativos sob o sistema do capital tomados como
forças autônomas das relações sociais de produção, de poder e de classe. A forma mais
apologética desse fetiche aparece atualmente sob as noções de sociedade pós-industrial e
sociedade do conhecimento, que expressam a tese de que a ciência, a técnica e as novas
tecnologias nos conduziram ao fim do proletariado e à emergência do cognitariado e,
consequentemente, à superação da sociedade de classes sem acabar com o sistema do capital.
Todavia, o fato de não perceber nenhuma positividade da ciência e tecnologia no
avanço das forças produtivas e da possibilidade de disputa das concepções, teorias e práticas
educativas na perspectiva de uma educação omnilateral e politécnica no interior do sistema

29
Para Roberto Schwarz, em várias ocasiões Chico acertou na análise quase sozinho, sustentando posições e
argumentos contrários à voz corrente da esquerda (Schwarz, Prefácio, apud Oliveira (2003, p. 22). Na ampliação
do texto de 1988 sobre o anti-valor (Oliveira, 1998), evidencia hoje, mais uma vez que acertou numa tese que lhe
rendeu muitas críticas. Há dez anos afirmava: “O processo invisível por excelência é o capital fictício, que viaja
em tempo real-digital – de um para outro lugar do mundo: e viaja em moléculas, que é o próprio dinheiro, não
necessitando fixar-se em unidades físicas. Mesmo quando se fixa em unidades industriais, o que preside a ordem
desta fixação é o caráter fictício do capital dinheiro, ao contrário da sociedade do conflito, em que o capital-
dinheiro só existe depois de construir a força de trabalho vivo. A sociedade da ordem jurídico-política é fundada
na propriedade tangível, enquanto na sociedade molecular-digital a regra é o intangível, o invisível (...). Na
ordem jurídico-política em destruição, uma ordem de proprietários, de sujeitos, constituem-se fóruns em que as
partes do contrato podem cobrar-se, mutuamente, pelos prejuízos ou agravos produzidos por um autor que se
pode conhecer. Na ordem-desordem molecular-digital, tal procedimento é impensável”. O episódio da falência
do Barings Bank da Inglaterra, motivada por um jovem especulador da Malásia, é emblemático nesse sentido.
“Detonou um processo que liquidou uma duplamente centenária instituição bancária. Evidentemente, mesmo que
se estabeleça a ação desse operador como sendo o momento inicial do Big Bang, sua punição individual não
repara uma perda em bilhões de dólares” (Oliveira, 1998, p. 8-9). Agora, a cada dia que passa fica evidente que
não se trata de um banco, mas de uma crise que desnuda o sistema imundo da jogatina do capital fictício. O
cinismo mistura salvação pelo fundo público e zombaria e ironia com os que pagam a conta. Um exemplo dessa
zombaria foi a “indecência de diretores do grupo financeiro belga Fortis que fizeram um banquete para
comemorar a salvação do grupo pelo fundo público num jantar para 50 corretores ao preço módico de US$ 200
por pessoa (Jornal Valor Econômico, 13 de outubro de 2008).
45
capitalista decorre do fato de não considerar, como analisa Jameson, que a contradição,
diferente da antinomia, como explicita a citação, tem que ver com forças, contexto ou com o
estado das coisas.30 Isso, para esse autor, conduz mais a uma dedução lógica que histórica e à
falta de imaginação.
Mesmo depois do “fim da história”, ainda parece persistir uma certa curiosidade
histórica em geral mais sistêmica do que meramente anedótica: não saber somente o que vai
acontecer depois, mas também uma ansiedade mais geral sobre a sorte ou o destino do nosso
próprio sistema ou modo de produção (...). Parece que hoje é mais fácil imaginar a
deterioração total da terra e da natureza do que o colapso do capitalismo tardio; e talvez isso
possa ser atribuído à debilidade de nossa imaginação. (Jameson, 1997, p. 10-11)

A interpretação dessa falta de imaginação para Jameson resulta de uma dominância de


nosso tempo das análises antinômicas, campo mais seguro da linguagem que nos permite
saber onde se está pisando. No campo da contradição, por lidar com a historicidade, tal
segurança desaparece.
Na antinomia você sabe onde está pisando. Ela afirma duas proposições que
efetivamente são radical e absolutamente incompatíveis, é pegar ou largar. Enquanto a
contradição é uma questão de parcialidades e aspectos; apenas uma parte dela é
incompatível com a proposição que a acompanha; na verdade ela pode ter mais a ver com
forças, ou com o estado das coisas do que com palavras e implicações lógicas [...]. Enquanto
a antinomia é, clara e inequivocamente duas coisas separadas: y ou x, e isso de forma tal que
faz a questão da situação ou do contexto desaparecer por completo. Nossa época é bem mais
propícia ao terreno da antinomia do que da contradição. Mesmo no próprio marxismo, terra
natal desta última, tendências mais avançadas reclamam da questão da contradição e se
aborrecem com ela, como se ela fosse um remanescente do idealismo, capaz de reinfestar o
sistema de forma fatalmente antiquada (como os miasmas ou a febre cerebral. (idem, ibidem,
p. 17-18)
Por isso, parece-me que as afirmações sobre as ilusões de Saviani e dos pedagogos de
esquerda, com todas as imprecisões que possam ter de ordem semântica e de análise histórica

30
Das análises de Marx, sobre este aspecto, fica explicito, por um lado, a contradição entre a capacidade
exponencial da classe detentora do capital desenvolver as forças produtivas e a sua incapacidade de socializar o
resultado do trabalho. Por outro lado, também está mais que explícito em Marx que a ultrapassagem desse
sistema não se dará pela perspectiva do quanto pior melhor, mas do aguçamento daquela contradição e da
existência da consciência, de uma vontade coletiva ou de uma força intersubjetiva revolucionária que entenda
que é imprescindível a ruptura e que existe correlação de forças para tal.. Gramsci, em Maquiavel, Política e
Estado, dá os diferentes níveis de correlações de força e as exigências para que uma tarefa revolucionária se
torne viável. Dentro dessa compreensão, e Gramsci (1976) entendeu isso já na década de 1930, nas condições
nas quais se deu a Revolução Russa dificilmente ela poderia manter-se sem que houvesse um movimento de
ruptura mais amplo nos centros mais desenvolvidos do sistema capitalista. Nessa direção de análise, pode-se
afirmar que, do ponto de vista das condições objetivas – avanço científico e tecnológico – há muitíssimo mais
condições de construção da sociedade socialista hoje do que em 1917. O que falta são as condições subjetivas
ou a força intersubjetiva revolucionária. A nova sociedade não começaria da pedra lascada, mas se apropriando e
redefinindo os rumos da ciência e da tecnologia. De mutiladora dos direitos fundamentais do ser humano e de
destruição das bases da vida em extensão de membros e sentidos humanos dilatando um efetivo tempo livre e de
liberdade.
46
sobre o trabalho, proletariado, trabalhadores e classe social, é uma expressão mais retórica e
de caráter pejorativo, cujo efeito pode ser contrário ao que Lessa certamente quer: reforçar: as
teses da desecolarização da sociedade, do pragmatismo e economicismo, as perspectivas do
laissez-faire, ampliadas hoje pelas teses do pós-modernismo e o desmantelamento do que
define a profissão docente pelas políticas neoliberais. 31
Por outro lado, se sairmos do campo da antinomia, ciência e tecnologia ou pura
negatividade ou pura positividade e lidarmos com o plano das contradições no seio do
capitalismo realmente existente e, portanto, com situações concretas e forças em disputa, não
me parece que se trate de uma ilusão a possibilidade de os educadores disputarem, dentro da
perspectiva da escola unitária e educação omnilateral, as novas bases de conhecimento
demandados pelo processo produtivo.
O fato de a fração brasileira da burguesia internacional e seus intelectuais terem
recentemente cunhado a expressão apagão educacional para reclamar que há falta de
trabalhadores qualificados para os setores que necessitam que eles dominem bases de
conhecimentos para o trabalho complexo indica, ao mesmo tempo, o limite de ideias dessa
burguesia, já que ela é a maior responsável por essa situação, e uma real necessidade de elevar
o patamar de escolaridade, certamente não para todos 32. Com isso, não se está sugerindo que
se esteja “no mundo da liberdade” nem que estamos na porta da sociedade socialista. O que se
está dizendo que há contradições e que, numa perspectiva de luta de classe, na superação do
sistema capitalista, esta é uma questão da práxis. “A escola, como o movimento operário,
implica um equívoco: só conseguirá interpretar plenamente seu papel numa sociedade
renovada e, ao mesmo tempo, compete-lhe, dia após dia, desempenhar um papel.” (Snyders,
1981, p. 392)33

31
Dermeval Saviani, tendo presente o esvaziamento da função de organização, sistematização e produção do
conhecimento dos docentes (em todos os níveis de ensino, mas especialmente na educação básica) numa recente
entrevista, reclama: “Ao professor deve ser devolvida a sua função: ensinar” (Revista Rubra, n. 3, Lisboa, out.
2008). Reitera aquilo que expõe no pequeno livro Escola e democracia (Saviani, 1986) com 40 edições, sobre
especificidade da função política da escola e da educação escolar, que se dá pela mediação das concepções,
metodo dialético-histórico na apreensão dos conteúdos e dos fundamentos científicos, na expressão de Gramsci,
da sociedade dos homens e das coisas. Idéias cuja base pode ser buscada em Marx, nas Instruções aos Delegados
do I Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores e na Crítica ao Programa de Ghota e O
Capital.
32
Uma análise atual e importante sobre demanda e trabalho complexo no Brasil é efetivada por Lúcia Maria
Vanderlei Neves e Marcela Alejandra Pronko (2008). Em pesquisa que concluí recentemente (Frigotto, 2008), no
último capítulo discuto a relação quantidade e qualidade na educação tecnológica de ensino médio e evidencio o
espaço contraditório no qual se dão disputas no campo da educação e uma análise do apagão educacional.
33
Lênin, como um dos mais importantes teóricos do marxismo do século XX e líder revolucionário, tinha clareza
sobre o papel contraditório da escola burguesa. Ao se dirigir aos jovens, após a Revolução de 1917, criticou a
tendência de se ver tudo que se fez na velha escola como inútil e argumentava que a teoria revolucionária,
47
Finalmente, uma breve análise do texto de Paulo Sérgio Tumolo – O significado do
trabalho no capitalismo e o trabalho como princípio educativo: ensaio de análise crítica
(Tumolo, 2003), que, mediante uma leitura imanente de parte de O Capital de Marx sobre
trabalho concreto, trabalho abstrato e trabalho produtivo, conclui que sob o capitalismo o
trabalho não pode ser considerado princípio educativo. Situo o conteúdo básico do texto nos
termos apresentados pelo próprio autor.
O texto tem como finalidade analisar criticamente a concepção do trabalho como
princípio educativo, que tem sido utilizada para fundamentar propostas de educação dos
mais importantes movimentos sociais brasileiros, tais como o MST e a CUT. À luz da
contribuição teórica oferecida por Marx, sobretudo em O Capital, discute o significado das
três categorias fundantes de trabalho - trabalho concreto, trabalho abstrato e trabalho
produtivo (Tumolo, 2003, p. 1).

Tumolo justifica que, dado o número de educadores que se ocupam do tema, seleciona
apenas um trecho de um deles (Saviani, 1986ª), afirmando que o mesmo sintetiza a concepção
presente no conjunto de seus estudiosos e serve de base, em grande medida, para as
propostas educativas dos referidos movimentos sociais (grifos meus). Numa nota, a título de
exemplo, nomeia treze educadores e 23 obras dos mesmos, inclusive quatro de Dermeval
Saviani. O trecho citado refere-se a uma entrevista de Saviani publicada pela revista Bimestre,
do MEC/INEP/Cenafor, uma das quatro referências.
Na verdade, todo sistema educacional se estrutura a partir da questão do trabalho,
pois o trabalho é a base da existência humana, e os homens se caracterizam como tais na
medida em que produzem sua própria existência, a partir de suas necessidades. Trabalhar é
agir sobre a natureza, agir sobre a realidade, transformando-a em função dos objetivos, das
necessidades humanas. A sociedade se estrutura em função da maneira pela qual se organiza
o processo de produção da existência humana, o processo de trabalho. (Saviani, 1986 a, p. 14,
apud Tumolo, 2003, p. 2)

Com base no pressuposto de que esse fragmento da entrevista de Saviani representa


sua obra sobre o tema e mais as 23 obras referidas, apenas como exemplo, de treze
pesquisadores e que a concepção do trabalho como princípio educativo trata apenas de um
lema, que carece de precisão e consistência teóricas, faz uma discussão sobre as categorias
enunciadas de acordo com Marx para ao final explicitar sua conclusão.
Dado o conjunto de razões expostas, o trabalho não pode ser considerado como
princípio educativo de uma estratégia político educativa que tenha como horizonte a
transformação revolucionária da ordem do capital. O trabalho só poderia ser concebido

contraditoriamente, também resultou dela. “O marxismo é um exemplo de como o comunismo resultou da soma
de conhecimentos adquiridos pela humanidade” (Lênin, apud Frigotto, 2006, p. 190).
48
como princípio balizador de uma proposta de educação que tenha uma perspectiva de
emancipação humana numa sociedade baseada na propriedade social, vale dizer, na não
propriedade dos meios de produção, que, dessa forma, teria superado a divisão e a luta de
classes e, por conseguinte, qualquer forma de exploração social, bem como o trabalho
produtivo de capital e o trabalho abstrato, porque teriam sido eliminados o capital e o
mercado. (Tumolo, 2003, p. 10)

Tiradas as premissas sobre trabalho como princípio educativo e a forma de encaminhá-


las e sua conclusão, o texto expressa uma interpretação das categorias trabalho concreto,
trabalho abstrato e trabalho produtivo em Marx. Trata-se de uma análise que também se pauta
pela visão imanente e heurística do texto de Marx que tem sua pertinência, como reiterei ao
longo deste texto. Mas a forma de articular essa interpretação de Marx com o que apresenta
sobre trabalho como principio educativo expressa, além de um raciocínio silogístico,
equívocos de conteúdo, método e de forma.
Mesmo que o autor assuma tratar-se de um texto introdutório, não pode cometer a
impropriedade de pinçar uma citação de uma entrevista numa revista, sendo que na
bibliografia cita mais três obras de Saviani, nem partir da suposição de que os demais doze
autores e suas 19 obras referidas estejam contemplados em tal citação. O mais estranho e
paradoxal é que a citação não trata diretamente do trabalho como princípio educativo, mas da
relação da estruturação do sistema educacional e o trabalho como produção da existência
humana. Do mesmo modo, a maior parte das obras referidas não trata do trabalho como
princípio educativo.
Também afirmar, particularmente em relação ao MST, que a concepção do trabalho
como princípio educativo é tomada apenas como um lema que carece de precisão e
consistência teóricas, sem considerar e debater minimamente a produção sobre educação feita
por intelectuais do MST como Roseli Caldart (2000) e o diálogo e a produção de educadores
como a que fazem com Miguel Arroyo, um dos treze pesquisadores referidos, é uma
generalidade e uma impropriedade. Um exame mais cuidadoso do debate teórico e da
proposta pedagógica do MST, por ser um movimento que coloca a educação como mediação
da luta de classes, revela que aí se efetiva um esforço sistemático de compreender tanto o
trabalho como principio educativo quanto algo distinto como indico a seguir, como principio
pedagógico, aqui se valendo das contribuições de Pistrak e Paulo Freire, entre outros
educadores34.

34
Não se está dizendo que o MST não tenha conflitos e contradições internas e imensos limites nas suas lutas,
impostos pela classe dominante brasileira e pelas condições em que os seus militantes produzem sua existência.
49
Todavia, é no plano da vida concreta no acampamento e na escola que se pode
observar o esforço de superar as marcas de uma personalidade bizarra com resquícios do
homem da caverna (Gramsci, 1978, p. 12) conformados na condição de colonos que os
adultos e crianças se exercitam no trabalho como princípio educativo. Assim, quando as
crianças participam de pequenas tarefas do dia a dia e têm seu tempo lúdico e de escola
garantidos, nada tem a ver com exploração do trabalho infantil. Explorados, não por vontade
dos pais mas por condição de vida, eram na condição de colonos ou quando trabalhavam
como meeiros ou assalariados35.
A exposição de Tumolo, nesse texto, é um exemplo da discussão antinômica, posto
por Jameson, e das implicações da passagem de um estudo imanente e heurístico para uma
análise histórico concreta. Nos termos do autor:O trabalho só poderia ser concebido como
princípio balizador de uma proposta de educação que tenha uma perspectiva de emancipação
humana numa sociedade baseada na propriedade social, vale dizer, na não propriedade dos
meios de produção (Tumolo, 2003, p.10)

Dada a premissa, o autor passa a analisar em Marx as categorias de trabalho concreto,


trabalho abstrato e trabalho produtivo e de forma correta demonstra que sob o capital o
trabalho avilta, degrada, aliena cada vez mais o trabalhador. E conclui que, em sendo isso, o
trabalho não pode ser tomado como princípio educativo.
Do ponto de vista da lógica, a argumentação interna é de um silogismo sem contradição em
seus termos. A questão é outra. A premissa é que tem de ser discutida. Posto o trabalho
humano no plano histórico em que negatividade e positividade coexistem e se definem no
campo de luta de forças, a leitura que podemos fazer dessa questão em Marx e Gramsci me
parece outra.
Da leitura que faço do trabalho como princípio educativo em Marx, ele não está ligado
diretamente a método pedagógico nem à escola, mas a um processo de socialização e de
internalização de caráter e personalidade solidários, fundamental no processo de superação do
sistema do capital e da ideologia das sociedades de classe que cindem o gênero humano. Não
se trata de uma solidariedade psicologizante ou moralizante. Ao contrário, ela se fundamenta

Este é um tema sobre o qual são doutores, e nos ensinam muito. Também não se está dizendo que esses
conceitos estão resolvidos na teoria e na prática.
35
Outra, ainda que possa ter dimensões positivas, é a visão da Organização Internacional do Trabalho quando,
por pressão da concorrência intercapitalista, produz leis contra o trabalho infantil. Soa uma lei cínica, quando
não oferece às crianças e aos jovens que trabalham precocemente uma alternativa de produção digna de sua
existência.
50
no fato de que todo ser humano, como ser da natureza, tem o imperativo de, pelo trabalho,
buscar os meios de sua reprodução – primeiramente biológica, e na base desse imperativo da
necessidade criar e dilatar o mundo efetivamente livre. Socializar ou educar-se de que o
trabalho que produz valores de uso é tarefa de todos, é uma perspectiva constituinte da
sociedade sem classes.
Por ser o trabalho (mediação de primeira ordem) o que possibilita que o ser humano
produza-se e reproduza-se, e por isso, na metáfora de Marx, antediluviano, e não o trabalho
escravo, servil e o trabalho alienado sob o capital (mediações de segunda ordem), a
internalização, desde a infância, do princípio do trabalho produtor de valores de uso é
fundamental. É dentro desse contexto que entendo a expressão “mamíferos de luxo”, de
Gramsci, para significar formação e socialização que aliena a possibilidade de perceber que
tudo que é produzido para o ser humano produzir a si mesmo como ser da natureza vem do
trabalho36.
É dessa perspectiva que Marx entende, na minha leitura, a união de trabalho e ensino
desde a infância e, ao mesmo tempo, a luta contra a exploração do trabalho infantil. A
conclusão de Tumolo sobre a impossibilidade de considerar o trabalho como princípio
educativo sob o capitalismo decorre não só por não trabalhar neste texto o caráter
contraditório das relações sociais, mas de uma inversão histórica: o capital se torna a categoria
antediluviana. Tomado o trabalho como processo que cria e recria o ser humano, ele não é
redutível às formas históricas, sob as sociedades de classe que cindem o gênero humano, ao
trabalho escravo, servil e capitalista. Por isso, até mesmo o trabalho escravo não é pura
negatividade. Este parece ser um dos sentidos da dialética do senhor e do escravo. Do mesmo
modo, não é estranho em Marx reconhecer o caráter civilizatório da revolução burguesa, no
plano do pensamento e no plano das relações de produção.
Na introdução da Crítica da filosofia do Direito em Hegel, Marx (2006) reconhece que a
burguesia acertou contas com as concepções metafísicas e que agora a tarefa é o acerto de

36
Por isso que também as teses de que o movimento social, a greve, as lutas são educativos – e o são –, mas não
fazem como “princípio educativo” da mesma natureza do trabalho produtor de valores de uso. Aqui reside a
necessária distinção entre trabalho e práxis, já que o trabalho não esgota a construção do ser social, mas ele é
também fundamento da práxis. As greves, as lutas dos movimentos sociais tendem desaparecer numa sociedade
cujo fim é a emancipação humana. O trabalho produtor de valores de uso continuará sendo uma necessidade
antediluviana para todos os seres humanos pelo simples fato de que esse ser da natureza e com necessidades de
elementos da natureza ou de produtos desenvolvidos pela criação humana continuará existindo. Manacorda
mostra uma ênfase específica de Gramsci, com base em Marx, ao colocar “o conceito e o fato” do trabalho como
“principio imanente da escola elementar”. Marx, salienta Manacorda, refere-se sobretudo à concepção de
trabalho como uma relação imediatamente instituída entre a sociedade e a natureza para transformar a natureza e
socializá-la, uma concepção que sintetiza todos os termos marxianos da história da indústria como relação entre
homem e natureza e como processo de humanização da natureza (Manacorda, 1991, p. 136).
51
contas mediante a crítica ao Direito, à política etc., da visão de mundo e de conhecimento. Do
mesmo modo, no Manifesto Comunista Marx e Engels explicitam o caráter revolucionário da
burguesia.
Historicamente, a burguesia desempenhou um papel revolucionário. Onde quer que
tenha sumido o poder, a burguesia pôs fim a todas as relações feudais, patriarcais e idílicas.
Destruiu impiedosamente os vários laços feudais que ligavam o homem aos seus “superiores
naturais”, deixando como única forma a relação de homem a homem laço do frio interesse, o
insensível “pagamento à vista” (Marx e Engels apud Laski, 1982, p. 96).

Explicitam ao mesmo tempo, no plano das contradições históricas, a positividade e


negatividade desse processo. A positividade, pela destruição de velhas relações feudais e
trabalho escravo; a negatividade da burguesia ao não abolir as classes e constituir-se na classe
do frio interesse.
Na recente conferência sobre o sentido e a atualidade do Manifesto Comunista,
Francisco de Oliveira sublinhou que a encomenda da Liga dos Justos era um manifesto contra
as injustiças. Marx e Engels fazem um manifesto que explicita que a propriedade privada dos
meios e instrumentos de produção é a fonte de todas as injustiças e que, portanto, a luta é para
suprimir a propriedade privada e a sociedade de classes. Por outro lado, destaca Oliveira, o
Manifesto não indica que a direção da história seja rodar a roda para trás ou, do autor em
outras análises, a tese do quanto pior melhor. Por isso, ao ser instado a avaliar o caráter
alienante da Rede Globo, reconhecendo e criticando seu poder alienador, adverte que o
problema não é a sua destruição, mas como se apropriar desse potencial noutra direção. Num
plano mais geral, essa é a mesma conclusão de Hobsbawm (2008) quando afirma que o
problema não é a globalização ou a internacionalização, mas esta forma de
internacionalização. A tese do internacionalismo, destaca, é uma tese cara a Marx.

A título de conclusão

Pela natureza e finalidade deste texto, não cabe propriamente uma conclusão. O que
trago é a demarcação de alguns aspectos dele que, julgo, possam facilitar o debate.
Creio que seu sentido maior é sintetizado pelo que nos interpela Williams sobre a
tarefa da crítica militante na luta pela hegemonia cultural, que é aprender e ensinar uns aos
outros as conexões que existem entre formação política e econômica e, talvez, mais difícil,

52
formação educacional e formação de sentimentos e de relações, que são os nossos recursos
em qualquer forma de luta.
E por tratar-se de um espaço formativo de uma associação científica com a presença
dominante de jovens pesquisadores, professores, lideranças sociais, outro aspecto central
emana da observação de Engels: o risco de deduções que encerram o assunto a partir do termo
materialista. Toda a história precisa ser reestudada, as condições de existência das diversas
formações sociais precisam ser examinadas em detalhe antes de induzir delas as
correspondentes concepções políticas, jurídicas, estéticas, filosóficas, religiosas.

Do primeiro eixo do texto, explicita-se que a polissemia do trabalho resulta de um


complexo processo que se desenvolve historicamente nas relações sociais e se vincula à
produção material e na cultura, mediante valores, símbolos, tradições e costumes. O sentido
que vai assumir, tanto na linguagem do senso comum quanto nos âmbitos das ciências, na
sociedade de classes, resulta de relações de poder e dominação.
O percurso feito, sobretudo com Williams, sobre trabalho, emprego e classe social dá
conta primeiramente do processo da constituição do seu significado e sentidos no plano social
e cultural e, ao mesmo tempo, de que os três vocábulos passam a ter um vínculo inseparável
no processo de definição do modo de produção capitalista. Marx e Engels vivem esse
contexto e se esmeram, particularmente Marx, em desmascarar os sentidos da ciência
burguesa e em lhes dar rigor e concepção históricos. Nem Marx nem Engels ficaram imunes
às ambiguidades, como se destacou. Não só por isso, mas também por isso, o permanente
debate no campo marxista.
O debate em relação ao tema das classes sociais, da classe proletária e o próprio
sentido de classe como estrutura, categoria ou como processo e formação histórica trazidos
neste texto é emblemático. Penso que ajuda muito a nos situarmos neste debate as distinções
que faz Raymond Williams à abordagem da classe como categoria ou como formação; num
mesmo sentido, Edward P. Thompson distingue na historiografia uma abordagem de classe
como categoria heurística ou analítica e como conteúdo histórico. Para Thompson, a classe só
pode ser considerada uma categoria no sentido heurístico. No sentido histórico, classe é uma
relação de forças. Classe e consciência de classe são sempre o último – e não o primeiro –
degrau de um processo histórico real.
Encontramos a mesma compreensão em autores que tratam a classe em seu sentido
histórico real. Para Williams, consciência de classe e luta de classe dizem respeito a
formações históricas concretas. Hobsbawm fala do fazer-se classe e que elas nunca estão
53
prontas. Oliveira, que as classes não se constituem em si e nem mesmo para si, mas para as
outras.
O segundo eixo do texto tem como centro o sentido do trabalho e das classes na sua
relação com o campo educativo. Ele se põe como uma exigência da área na medida em que as
abordagens de Lessa e Tumolo discutidas aqui, com abrangências e graus de aprofundamento
distintos, interpelam o campo educativo e, sobretudo, a produção oriunda do GT Trabalho e
Educação da ANPEd. Para Lessa, a confusão semântica em relação a trabalho, classe
proletária, sujeito revolucionário conduz os mais destacados pedagogos de esquerda a ilusões
em relação a ciência, tecnologia e educação integral e omnilateral. Para Tumolo, o não
entendimento do trabalho concreto, abstrato e produtivo em Marx no sistema do capital
conduz educadores e movimentos sociais a entender o trabalho como princípio educativo –
um lema sem consistência teórica.
O que se buscou evidenciar é que Lessa e Tumolo fazem suas análises dentro da
perspectiva imanente e heurística dos textos de Marx, tomando sobretudo o Livro I de O
Capital. Uma abordagem não só sustentável como importante na compreensão dos
fundamentos do pensamento de Marx e de outros pensadores clássicos. Trata-se de
abordagem tão importante quanto a abordagem que analisa as formações históricas. Como
adverte Thompson, confusões geralmente surgem quando nos deslocamos de uma acepção
para outra.
Nos textos de Lessa e Tumolo aqui analisados, o que busquei evidenciar é que esse
deslocamento se efetivou. Dar um tratamento imanente e heurístico a trabalhos de natureza
histórica os conduziu a não tratar a contradição no sentido da materialidade do processo
histórico em que negatividade e positividade são indissociáveis.
Disso decorre, na minha compreensão, a dificuldade de Lessa perceber que Antunes,
Iamamoto e Saviani, com recortes diversos, estão empenhados em entender o trabalho no
processo histórico e, como tal, situam suas análises no sentido oposto das abordagens do
adeus ao trabalho. Do mesmo modo, entende-se sua dificuldade de ver a possibilidade de
positividade da ciência, da técnica e avanços das forças produtivas dentro do sistema
capitalista ou ter uma perspectiva de educação escolar omnilateral ou politécnica.

No mesmo sentido e de forma mais intensa, Tumolo efetiva esse deslocamento e é


conduzido à percepção de que é impossível pensar o trabalho como princípio educativo sob o

54
capitalismo. Neste, o trabalho se efetiva de forma puramente negativa. Paradoxalmente, na
forma com que conduz a análise, acaba dando ao capital o caráter antediluviano.
Do que foi exposto, para concluir, parece-me importante, na linha apontada por
Florestan Fernandes, de que o intelectual não cria o mundo em que vive, mas faz muito
quando consegue ajudar a compreendê-lo para transformá-lo, assinalar dois riscos possíveis
do deslocamento das análises imanentes e heurísticas para análises históricas como as que
acabamos de discutir.
O primeiro é de conduzir a um imobilismo e a um beco sem saída, colocando para o
futuro a tarefa de superação do trabalho, da ciência e da técnica e da educação alienadores. No
plano da história e da práxis, a questão que nos interpela é: quem constrói e como se constrói
a travessia? Por certo nessa travessia, se entrarmos no pântano e de terno branco e sairmos de
terno branco, como lembra João Cabral de Melo Neto, a poesia perde a graça.
O outro risco, este específico para o campo da educação, é de que, ao tratar as análises
dos pesquisadores criticados, mesmo com as ressalvas feitas, de ilusões ou lemas sem
consistência teórica, acabe-se reforçando as posturas conservadoras e neoconservadoras ou
pós-modernas já hegemônicas nestes tempos de capitalismo tardio. Por isso, o cuidado, em
nossas análises, lembrando o Marx do Dezoito Brumário de Luís Bonaparte, é para que a
frase não vá além do conteúdo.

55
1. 2 -A crescente opacidade das relações de classe e da ampliação de sua
violência37

Ao que parece, uma crescente flexibilidade tecnológica e


econômica corresponde uma forte rigidez ideológica e política,
o que explica por que as condições externas de existência
suscitam um clima de pânico intelectual e de inibição ou
distorção de todas as formas de pensamento crítico (do
conhecimento de senso ao conhecimento filosófico ou ao
conhecimento histórico-sociológico). (Frendes, Florestan,
2009, p.42

Neste segundo item desta primeira parte da pesquisa, retomamos a discussão das
classes sociais por duas razões centrais. Primeiramente pelo fato de que o discurso ideológico
sobre o fim das classes tem sido intenso, mormente após o colapso do socialismo realmente
existente e pelo fetiche da sociedade do conhecimento veiculado pelos dos intelectuais do
capital. Em segundo lugar pelas perspectivas conflitantes que o debate das classes sociais
assume no interior do marxismo e suas consequências no plano da práxis.
Como discutimos no texto acima, a origem da categoria e do conceito de classe social
tem um longo percurso histórico até firmar-se no campo das ciências sociais nos sentidos que
o mesmo mantem até o presente.
A visão mais corrente de classe no campo das ciências sociais e humanas é de caráter
positivista e funcionalista, bases do pensamento liberal ou neoliberal. Tal perspectiva ancora-
se na ideia de classificação dentro de um contínuo linear como sinônimo de estratos sociais,
mormente ligados ao consumo. Nesta abordagem tem importância o entendimento das
hierarquias, das oportunidades, das diferenças de rendas e das disparidades. São comuns as
denominações classe alta, média e baixa ou classes produtoras, classes eruditas ou cultas em
contraposição às classes populares. No discurso econômico, nesta perspectiva, assume

37
. Prof. Bruno Miranda Neves. Mestrando em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas
Populares - PPGEduc/UFRRJ. Bolsista da Capes. Graduado em Pedagogia pela UERJ. Professor em
Nova Iguaçu/
Prof.ª Michelle Paranhos. Mestre em Políticas Públicas e Formação Humana – PPFH/UERJ. Graduada
em Pedagogia pela Uerj. Professor em Nova Iguaçu/RJ.
Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto. Doutor em Ciências Humanas. Professor da Faculdade de Educação e do
Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da UERJ.

56
centralidade a categorização por níveis de consumo. Este é, por exemplo, o debate atual no
Brasil sobre o surgimento de “uma nova classe média” fortemente veiculado pela mídia.
É dentro desta perspectiva que opera, mormente a partir do fim da década de 1970, o
discurso do fim das classes e das hierarquias pela emergência de uma sociedade do
conhecimento, pós industrial, pós política e pós-moderna. Nesta ótica se embasa, também, a
ideologia do fim da histórica, tese elaborada por Francis Fukuyama. Trata-se de afirmar a
sociedade capitalista, do livre mercado, como a sociedade natural e, portanto, inerente ao ser
humano. Tanto no liberalismo nascente, de corte conservador, quanto no liberalismo s0cial
democrata, quanto especialmente o ultra conservadorismo que se instaura ao final do século
XX com a denominação de neoliberalismo, não se concebe as classes sociais, portanto, como
ralações de força e uma produção histórica marcada pelo conflito e antagonismo de interesses.
A compreensão das classes sociais como um produto histórico e o conflito e
antagonismo de interesses entre as mesmas e sua configuração concreta nos diferentes modos
sociais de produção aparece de forma científica nos estudos de Marx e Engels. Marx apressa-
se em sublinhar que não estava inventando as classes sociais, mas sim explicitando a sua
natureza e seu significado na cisão do gênero humano e suas formas de violência e exploração
de uns seres humanos sobre os outros.

1.2.1. O debate no interior do marxismo sobre classes sociais

O referencial sobre o qual nos apoiamos nesta pesquisa apoia-se no legado das
análises de Marx e Engels e de autores marxistas clássicos e contemporâneos, o que nos
impele a uma breve incursão no debate interno deste legado. De imediato há que se
reconhecer de que o tema das classes sociais e sua apreensão no movimento histórico é
complexo e marcado por controvérsias no âmbito do marxismo. Tais controvérsias derivam,
ao nosso ver, de um lado da complexidade da abordagem de Marx sobre o tema das classes
sociais e, de outro, das ênfases de sua interpretação.
Com efeito, como assinalamos no item um, Raymond Williams assinala de que Marx
apresenta dois sentidos de classe. Um primeiro e mais usual de classe como formação e
processo que se constitui nas relações sociais confrontando interesses conflitantes e
antagônicas. Ou seja, uma classe se constitui no confronto de outra classe. Um segundo
sentido de classe é de categoria econômica que inclui a todos os que pertencem a uma

57
determinada situação na estrutura econômica que “ opõe o modo de vida, seus interesses e sua
cultura aos de outras classes na sociedade” (Marx, apud Willians, op. cit. p. 95)

No marxismo clássico o foco está na relação social estabelecida entre produtores


diretos e capitalistas, nas contradições e antagonismos que explicam os processos históricos e
sociais. Em Marx e Engels, o conceito de classe surgiu como centro da análise das sociedades
capitalistas, sendo utilizado fundamentalmente para definir as transformações que
caracterizaram a decadência do modo de produção feudal e a consolidação do modo de
produção capitalista, estando relacionado ao processo de divisão social do trabalho, no qual a
burguesia opera transformações e se torna classe fundamental.
Nesta breve síntese destacaremos dois aspectos importantes no debate sobre as
classes sociais no interior do marxismo. O primeiro entre a ênfase da compreensão da classe
social como estrutura e a segunda como relação e processo. E vinculado a este aspecto o
debate entre pertencer a uma determinada classe e consciência de classe.
Iasi (2007) identifica na literatura as seguintes ênfases na caracterização das classes
sociais: 1. classe seria definida, num determinado sentido, pela posição diante da
propriedade, ou não propriedade, dos meios de produção; 2. pela posição no interior de
certas relações sociais de produção (conceito que foi quase generalizado como único); 3.
pela consciência que se associa ou distância de uma posição de classe; 4. pela ação dessa
classe nas lutas concretas no interior de uma formação social” (Iasi, 2007, p. 107).
A perspectiva que assumimos em nossa análise seque a posição de Wood (2003), para
quem teoricamente existem apenas duas maneiras de pensar em classes: a primeira remete a
ideia de classe como um “local estrutural” e a segunda remete a classe como uma relação
social. A primeira perspectiva abarca um amplo leque de vertentes teóricas metodológicas,
indo da sociologia clássica a algumas variedades de marxismo.

Assim por exemplo, classe definida como uma “relação com os meios de produção”
pode assumir uma forma não muito diferente da diferenciação e renda da teoria convencional
de estratificação; e algumas das teorias de classe mais influentes e recentes, elaboradas sob
a rubrica do “marxismo da escolha racional” mudaram deliberadamente o foco de classe
das relações sociais da extração de mais-valia para a distribuição de “ativos” e “rendas”.
Neste caso, assim como nas teorias de estratificação, o princípio operacional é a vantagem
relativa, ou desigualdade, não as relações sociais diretas entre apropriadores e produtores,
mas as relações indiretas de comparação entre pessoas diferentemente situadas numa
hierarquia estrutural. (Wood, 2003, p. 73)

Numa outra perspectiva, a classe como relação e processo enfatiza o próprio processo
histórico de constituição das classes sociais, as formas de conflito, embora, como assinala
Wood abaixo, mesmo quando não expressem uma clara consciência de classe.
58
O conceito de classe como relação e processo enfatiza que relações objetivas com os
meios de produção são significativas porque estabelecem antagonismos e geram conflitos e
lutas; que esses conflitos e lutas formam a experiência social em “formas de classes”, mesmo
quando não se expressam como consciência de classe ou em formações claramente visíveis; e
que ao longo do tempo discernimos como essas relações impõem sua lógica e seu padrão
sobre os processos sociais. Concepções de classe puramente “estruturais” não exigem que
procuremos as formas em que a classe realmente impõe a sua lógica, pois as classes, por
definição, simplesmente existem (Wood, 2003, p.78).

Ao longo do século XX, diversos autores marxistas buscaram compreender a dinâmica


das relações entre as classes sociais. Dentre estes, começamos por destacar a elaboração de
Lênin sobre o tema, considerando que sua definição “corresponde de fato a uma preocupação
tanto com a dimensão ampliada da reprodução global do capital [...] como a perspectiva
relacional inerente ao uso marxiano de classe” (Mattos, 2007, p. 39). Ao iniciarmos por
Lenin poderemos estabelecer com mais nitidez as polêmicas que envolveram aqueles
pensadores que invocaram o marxismo-leninismo como referência para compreensão da
História.
Para Lênin (s/d) As classes são grandes grupos de homens que se diferenciam entre si
pelo lugar que ocupam em um sistema de produção social historicamente determinado, pelas
relações em que se encontram com respeito aos meios de produção (relações que as leis
referendam e formulam em sua maior parte), pelo papel que desempenham na organização
social do trabalho, e, consequentemente, pelo modo e proporção em que recebem a parte da
riqueza social de que dispõem. As classes são grupos humanos, um dos quais pode apropriar-
se do trabalho de outro por ocupar postos diferentes em um regime determinado de economia
social. (Lênin (s/d, p. 504 apud Mattos, 2007, p. 39):

Entretanto, o legado leninista que coerentemente trilhou o caminho da tradição crítica


do materialismo histórico, não foi hegemônico dentro do debate no qual confrontou-se com o
que Mattos (2007) chama de “doutrina marxista-leninista”, ou seja, uma doutrina que mesmo
ao invocar a autoridade teórica e política do marxismo gerou um “parâmetro de análise de
classe completamente preso ao determinismo econômico tecnológico” (op. kit., p. 39-40).
Mediante uma análise na qual a atenção volta-se para o determinismo econômico, a
simplificação das relações de classe foi propagandeada desde a ascensão de Stálin,
continuando vigente mesmo após sua morte, comprovando de um lado a força do stalinismo e
de outro a hipertrofia da visão do determinismo tecnológico, em que “as classes ficam
59
reduzidas a um sub fenômeno do modo de produção” (op. cit., p. 40). O modelo do
“quatropartismo” de interpretação das classes apresentava-se com ares de precisão.
Vejamos uma passagem de um manual de metodologia sob a rubrica de lições do
marxismo-leninismo editado na União Soviética na década de 1970:
É oportuno notar que cada modo de produção se caracteriza pela sua divisão
específica da sociedade em classes e o aparecimento das classes fundamentais e não
fundamentais, das camadas e grupos sociais. Ao falar do segundo indício das classes (a
relação com os meios de produção), (...) na sociedade antagônica ele reflete os lugares
diametralmente opostos ocupados pelas classes no sistema de produção. Isto, por sua vez,
engendra diferentes contradições antagônicas entre as classes. Da relação das classes com
os meios de produção depende diretamente o seu papel na organização social do trabalho.
(...) A relação com os meios de produção determina também o quarto indício das classes: o
modo de obtenção e as dimensões da apropriação das riquezas sociais. (Ibid., Idem).

Assumidas estas premissas, as relações internas e externas as classes passam a ser


coisificadas e simplificadas, dentro de um esquema que se não nega a luta de classes, a
restringe a um reflexo mecânico das determinações objetivas de cada etapa do modo de
produção estudado. Dando a falsa impressão de que a revolução social que pode vir a ser
conduzida pelas classes trabalhadoras seria um evento inexorável e natural a partir do
acirramento das contradições inerentes a cada modo de produção social. É o que se pode
apreender de texto redigido por Stálin:
Se o desenvolvimento procede através da revelação das contradições internas, através
de colisões entre forças opostas na base dessas contradições e da mesma forma que supera
essas contradições, então está claro que a luta de classes do proletariado é um fenômeno
absolutamente natural e inevitável. [...] se a passagem das lentas mudanças quantitativas
para as rápidas e abruptas mudanças qualitativas é uma lei do desenvolvimento, então está
claro que as revoluções feitas pelas classes oprimidas são fenômenos absolutamente naturais
e inevitáveis. (Stálin, 1938 apud Mattos, 2007, p. 41)

Ora, a tarefa de Stálin e de seus seguidores, não foi de todo criativa, considerando-se
que ainda no último decênio do século XIX, Plekhanov já havia oferecido uma abordagem
mecanicista do fenômeno classe social em que as “forças produtivas à disposição dos homens
determinam todas as suas relações sociais” (Plekhanov, 1891 apud Matos, 2007, p. 41).
Percebe-se desta maneira que a difusão do materialismo histórico foi em muito confundida
com a propagação do economicismo histórico38.

38
Nos termos postos por Gramsci no terceiro volume dos Cadernos do Cárcere (GRAMSCI, 2007). Os
interessados também podem consultar: Mattos (2007) e Wood (2003) – especialmente a passagem que vai da
página 99 a 129.
60
Destaque-se que de outra parte, a tradição do materialismo histórico também
apresentou contribuições ao debate como se pode observar nas análises de Antonio Gramsci
sobre as relações de força entre as classes e a dominação hegemônica que precisa ser
estabelecida entre as classes em luta.
Gramsci destaca a necessidade de distinguir três momentos na avaliação das relações
de força numa determinada sociedade39. O primeiro momento de avaliação é o da estrutura
social objetiva (ou realidade rebelde), composta por diferentes grupos, classes, estrutura de
propriedade, etc. que se apresentam independentemente de nossa vontade e onde temos que
nos mover e agir. O segundo momento é denominado o das relações de forças políticas.
Trata-se de avaliar o grau de homogeneidade, de autoconsciência e de organização
alcançados pelos diferentes grupos. E, finalmente, a avaliação das forças militares.
No âmbito das relações de forças políticas, vai distinguir três graus de
homogeneidade, autoconsciência e de organização.
O primeiro denomina de econômico corporativo – um nível elementar que possui dois
sentidos: o da função própria do sindicato que é defender o interesse dos grupos profissionais
que representa: trabalhadores em educação, metalúrgicos, bancários etc. e o sentido do ponto
de vista de mudança mais ampla nas relações entre trabalho e capital.
Um segundo nível ou grau de autoconsciência e de organização é o que atinge o
interesse entre todos os membros de um grupo social, mas ainda no campo meramente
econômico. Aqui, sinaliza Gramsci, já se coloca a questão do Estado e de reformas político
jurídicas, mas nos marcos do quadro existente. Seriam, por exemplo, as conquistas por
direitos de caráter universal; para além dos interesses imediatos econômico corporativos de
um determinado grupo ou categoria de trabalhadores, porém nas condições dadas.
Finalmente, o terceiro nível é o da autoconsciência e de organização política na defesa
dos interesses de classe na perspectiva de superação das estruturas sociais vigentes – o
momento ético-político.
Na análise de Gramsci das classes sociais realça-se um dos aspectos que será central
em Edward P. Thompson, qual seja o papel dos sujeitos e a ênfase menor na classe em si a
busca de compreender os processos reais e complexos da construção da consciência de classe
ou a classe para si. Não nos deteremos aqui sobre os aspectos que se reforçam em Gramsci e

39
Ver Antônio Gramsci. Maquiavel – Notas sobre Estado e Política. Cadernos do Cárcere. Volume 3. Edição
Carlos Nelson Coutinho com Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. 2007, p. 41-46.
61
Thompson sobre esta perspectiva. Uma visão geral desta relação pode ser aprendida no texto
de Vieira e De Oliveira, (2010).
Um dos debates mais fecundos sobre o tema das classes sociais de Thompson se
origina de sua obra a Miséria da Teoria (1981) cujo foco central é uma crítica a penetração da
perspectiva estruturalista de Althusser nas análises marxistas. Salientamos aqui especialmente
os questionamentos levantados por Perry Anderson. Trata-se de um debate fecundo porquanto
não cai no simplismo de desclassificar o interlocutor.
De imediato Anderson40 reconhece na obra de Thompson um valor político central
para o pensamento socialista. O foco de questionamentos de Anderson situa-se no fato de que
a ênfase na dimensão da experiência de classe e na dimensão processual de constituição das
classes sociais acaba negando o fato histórico da constituição de uma determinada estrutura de
classe. Por essa via, para Anderson, Thompson negaria ou relativizaria a questão da histórica
como ciência. Da mesma forma a crítica ao conceito de modo de produção em Thompson
decorreria dele não considerar o do princípio central do materialismo histórico: a tese de que a
contradição entre as forças produtivas e as relações de produção é a base mais profunda de ma
transformação a longo prazo. Para Anderson as análises de Thompson centram-se na questão
da experiência e cultura e menos no poder.
Ellen M. Wood, em sua obra Democracia contra o capitalismo, acima citada efetiva
uma longa análise sobre os questionamentos de Anderson e vai enfatizar que não percebe em
Thompson a negação da classe como estrutura historicamente construída. Pelo contrário, o
fato de Thompson explicitar a distinção entre experiência de classe, e consciência e
pertencimento de classe, põe em relevo de que a classe em si não só está constituída, mas é
extraordinariamente maior que os que tem consciência de classe ou classe para si
Assim as análises de Wood nos conduzem a apreender que dentro da concepção de
classe como uma relação social, a desigualdade social não representa por si só um elemento
capaz de explicar a existência das classes, não apresentando valor teórico como medida
simples de comparação, já que a classe só se constitui em oposição aos interesses de outra (s)
classe (s). Não obstante, mesmo sendo uma condição necessária para a definição de classes, a
identificação dos antagonismos de classe não é suficiente para explicarmos o fenômeno em
sua complexidade.
O desafio para compreender a classe como relação remete, dentre outros problemas, ao
fato de que “as pessoas que se reúnem numa classe não são todas reunidas diretamente pelo

40
. Para um aprofundamento deste debate feito por este autor ver: Anderson (1985)
62
próprio processo de produção nem pelo processo de apropriação” (Wood, 2003, p.88). Tem-
se portanto, que as relações de classe especificamente capitalista se dão a partir da
expropriação do trabalho realizado pela classe trabalhadora. Para o estabelecimento desta
relação de maneira menos instável, a “sujeição formal” foi preponderante para estabelecer
uma “experiência” comum entre os membros da classe nascente, “experiência” relacionada as
“determinações objetivas, as relações de produção e de exploração de classe” (WOOD,
2003, p. 85).
Conforme nos mostra Wood (2003), a classe como relação gera duas relações
diferentes e intimamente ligadas: a relação que existe entre as classes e a relação que existe
entre os membros de uma mesma classe. Desta forma, para a autora, nem mesmo a relação
com os meios de produção seria suficiente para demarcar essas fronteiras, já que as relações
de classe não são redutíveis às relações de produção, a “classe implica uma ligação que se
estende além do processo imediato de produção e do nexo imediato de extração, uma ligação
que engloba todas as unidades particulares de produção e de apropriação” (Wood, 2003,
p.89).
A partir da dinâmica do processo histórico de formação das classes sociais, essa dupla
relação - entre classes e entre os membros de uma classe - define a classe como relação social,
constitui na concepção marxiana, o ponto de partida para projeto político de transformação
social. A consciência de classe, ou seja, a relação interna entre membros de uma classe e a sua
relação com outra (s) classe (s), só pode ser apreendida pela introdução do conceito mediador
de experiência, que assume relevância como sublinhamos acima, a partir da obra de Edward
P. Thompson.
Para ele a experiência de classe é determinada, em grande medida, pelas relações de
produção em que os homens nasceram – ou entraram involuntariamente. A consciência de
classe é a forma como essas experiências são tratadas em termos culturais: encarnadas em
tradições sistemas de valores, ideias e formas institucionais. Se a experiência aparece como
determinada o mesmo não ocorre com a experiência de classe (Thompson, apud Mattos,
2007, p.45).

A experiência é um “termo intermediário necessário entre o ser social e a consciência


social”, o meio em que o ser social determina a consciência: “é por meio da experiência que
o modo de produção exerce uma pressão determinante sobre outras atividades”. Nesse
sentido, experiência é precisamente “a experiência da determinação” do modo de produção
social da existência humana num momento dado de nossa história (Willians, 1977 apud

63
Wood, 2003, p. 90). Sendo necessário o estudo dos condicionantes estruturais e das relações
empíricas estabelecidas entre as pessoas e as classes sociais envolvidas nestes processos.
A noção de classe como “processo estruturado”, por sua vez, reconhece que, apesar
de a base estrutural da formação de classe ser encontrada nas relações antagonistas de
produção, as formas particulares em que realmente operam as pressões estruturais exercidas
por essas relações na formação de classes é ainda uma questão aberta a ser resolvida
empiricamente pela análise histórica e sociológica (Wood, 2003, p. 91).

A experiência vivida por trabalhadores numa dada relação de produção pode


ser a base da percepção desta mesma experiência, dentre outros elementos na distribuição e
organização do trabalho (e do também do lazer), em suas consequências para a disciplina e a
intensificação do trabalho (por exemplo, com a extensão das horas de trabalho, a
especialização, a quebra da economia familiar, etc). Thompson identificava a experiência
vivida enquanto elemento objetivo e a experiência percebida enquanto elaboração teórica e
política desta vivência. Deste ponto de vista “classe social” corresponde simultaneamente a
um processo ativo e a uma relação histórica em que é preciso capturar as formas pelas quais
as classes trabalhadoras resistem a apropriação de seu trabalho e dos bens sociais por ele
gerado.
A implicação desta perspectiva, para Iasi, é que devemos analisar “mais que as
simples relações de propriedade, mas as relações sociais que se estabelecem, uma vez que a
classe é um conceito que não pode ser definido pela análise abstraída de um grupo social; ao
contrário, só se revela na relação com outras classes” (Iasi, 2007, p. 107-108). A experiência
de classe é determinada, em grande medida, pelas relações de produção em que os homens
nasceram – ou entraram involuntariamente. A consciência de classe é a forma como essas
experiências são tratadas em termos culturais: encarnadas em tradições, sistemas de valores,
ideias e formas institucionais. Se a experiência aparece como determinada, o mesmo não
ocorre com a consciência de classe (Mattos, 2007).
Segundo Wood (2003), na concepção de classe social formulada por Thompson a
descoberta de expressões autênticas de classe na consciência e na cultura populares
representam um esforço para “viver as contradições e opções sob pressão (...) em vez de
denunciá-las ou negá-las”. Sua insistência numa avaliação histórica sociológica do
“reformismo” da classe operária, por exemplo, em vez da excomunhão ritual que a denúncia,
de um ponto de vista fora da história, como a “falsa consciência” de “Ela” da classe

64
operária, implica que devemos entender as “habilidades existentes” para “desviá-la para
outra direção (Wood, 2003, p 98).

Neste sentido, Thompson fez a defesa da classe trabalhadora contra os


cientistas sociais e historiadores que negam sua existência, suas tradições, suas culturas e a
própria ação humana, incluindo aí, a atividade própria da classe trabalhadora no
desenvolvimento da história e essa “proposição implica ser a classe operária o único grupo
social a possuir não apenas um interesse imediato em resistir à exploração capitalista, mas
também o poder coletivo adequado para destruí-la” (Wood, 2003, p.95). Thompson advoga a
capacidade de resistência das classes trabalhadoras entendendo a hegemonia como luta
política e cultural.
Ou seja, como sublinha Wood, para Thompson, hegemonia não quer dizer dominação
por uma classe e submissão por outra. Ao contrário, ela incorpora a luta de classes e traz a
marca das classes subordinadas, sua atividade e sua resistência. Sua teoria de classe, com
ênfase no processo de formação de classe, pretende permitir o reconhecimento de formas
“imperfeitas” ou “parciais” de consciência popular como expressões autênticas de classe de
luta de classes, válidas nas suas circunstâncias históricas ainda que “erradas da perspectiva
de desenvolvimentos posteriores ou ideais (Wood, 2003, p. 96-97).
Os breves apontamentos acima não tem a intenção se quer de uma síntese do debate
no interior do marxismo. Busca, ao contrário, mais situar a necessidade do debate e do
aprofundamento. Entendemos que as ênfases apontadas por Wood, mormente em relação à
contribuição das análises de Thompson, são centrais para o enfrentamento da ideologia do fim
das classes sociais, bem como as análises que no campo marxista ou não negam a
compreensão da centralidade do trabalho no processo histórico atual e na luta de classes.
Pelo contrário, buscaremos sublinhar no próximo tópico que para desvelar a opacidade
crescentes das classes sociais e a potenciação da violência da classe detentora do capital, tanto
a compreensão do trabalho em sua dimensão ontocriativa, quanto na sua forma de trabalho
alienado ou compra e venda de força de trabalho, são centrais.

1.2.2 - A crescente opacidade das classes sociais e sua violência.

Um olhar sobre a constituição histórica das classes sociais e da violência e


exploração da classe dominante sobre as demais classes ou grupos sociais nos evidencia de

65
imediato, como o demonstram Marx (1977) em Formações econômicas pré capitalistas, que a
constituição e a relações sociais de classe até o capitalismo se apresentam de forma muito
distinta da forme que assumem as classes e relações de classe sob o capitalismo. Enquanto
nos modos de produção pré capitalista a relação de exploração é explícita onde os escravos,
por exemplo, são considerados meios de produção, sob o capitalismo esta relação fica velada
por dar-se no próprio processo de produção e mascarada pela igualdade formal sob o direito
positivo ou o direito construído pela classe detentora do capital e pela ideologia liberal sobre a
igualdade entre os seres humanos calcada numa concepção a-histórica de natureza humana.
Tomando-se a relação das classes sociais sob o capitalismo como relações de força
cujo âmago dá-se na relação entre os detentores de capital e da propriedade privada dos meios
e instrumentos de produção e classe trabalhadora destituída destes meios e instrumentos e que
se obriga vender sua força de trabalho, podemos sustentar que tanto mais opaca e invisível é a
classe dominante maior é seu grau de violência e expropriação.
Para aprender esta violência crescente basta tomar como se efetiva o processo de
trabalho sob o desenvolvimento das relações sociais capitalistas. O primeiro e fundamental
poder do capital sobre a exploração do trabalho dá-se, como o demonstra Marx, na passagem
do processo de subordinação formal á subordinação real do trabalho ao capital. Trata-se do
momento em que se efetivou um determinado avanço das forças produtivas explicitado pela
criação da maquinaria. A apropriação privada do desenvolvimento da ciência e tecnologia
permite ao capital submeter a classe trabalhadora aos seus métodos científicos de exploração.
Na ideologia Alemã, Marx e Engels assinalam a tendência histórica do capital de, sob
a apropriação privada da ciência e da tecnologia, aumentar sua violência de super exploração
da c lasse trabalhadora.
No desenvolvimento das forças produtivas atinge-se um estádio no qual se produzem
forças de produção e meios de intercâmbio que, sob as relações de produção vigentes, só
causam desgraça, que já não são forças de produção, mas forças de destruição [...] Sob a
propriedade privada, estas forças produtivas recebam um desenvolvimento apenas unilateral,
tornam-se forças destrutivas. (Marx e Engels, 1982, p. 305).
O economista Joseph A. Schumpeter em sua obra Capitalismo, Socialismo e
democracia (1961) denomina a essa dinâmica destrutiva apontada por Marx como um
processo de destruição criadora essencial ao capitalismo e como a qualidade maior do
empresário inovador.
Dois séculos de capitalismo a síntese a que chegam dois dos mais importantes
pensadores marxistas do século XX nos ajudam a entender o que estamos aqui sublinhando ao

66
indicar que quanto mais opaca e intransparente ou dissimulada é ação da classe detentora do
capital, maior é sua violência e destruição.
Istvan Mészáros, em sua obra magna Para Além do Capital (2000) e inúmeras outras
publicações, mostra que para além das consequências que advém para a super exploração do
trabalho a dinâmica da destruição produtiva ou criativa o sistema capital se desenvolve hoje
mediante uma produção destrutiva. Isto tem como efeito que o capitalismo perdeu sua parca
função civilizatória e para continuar se afirma cada vez mais no desperdício, obsolescência
planejada, no consumismo e na indústria da guerra, com efeitos catastróficos para os recursos
naturais e o meio ambiente, destruindo as bases da vida. De igual modo radicaliza-se o
desemprego estrutural em massa, a precarização do trabalho e um processo vertiginoso de
anular todos os direitos conquistados duramente pela classe trabalhador.
Esta lógica de destruição produtiva e de produção destrutiva produz, para o
Historiador Eric Hobsbawm, a questão central para o futuro humano do século XXI. Uma
espécie de esfinge de nosso tempo: decifra-me ou seremos devorados.
Se pensarmos em termos de como “os homens fazem a própria história”, a grande
questão é a seguinte: historicamente comunidades e sistemas sociais buscam a estabilização
e a reprodução criando mecanismos contra saltos perturbadores no desconhecido. Como,
então, humanos e sociedades estruturados para resistir a transformações dinâmicas se
adaptam a um modo de produção cuja essência é o desenvolvimento dinâmico interminável e
imprevisível? (Hobsbawm, 2010, p, 4-6)
Várias obras, sob diferentes ângulos, em seus títulos e em seu conteúdo captam
deferentes facetas do caráter violento e destrutivo do trabalho e da classe trabalhadora,
mormente a partir das últimas três décadas do século XX. Como exemplificação destacamos:
O desafio e fardo do tempo histórico de Istvan Mészáros (2007); A desmedida do Capital de
Danielle Linhart (2007); O horror econômico de Viviane Forrester (1999); A corrosão do
Caráter de Richard Sennett (1999) e A banalização da injustiça social, de Christophe Dejours
(2000).
O centro destas análises incide, sobretudo, sobre a apropriação privada dos saltos
tecnológicos que permitem a intensificação do trabalho e novas formas de gestão e
organização dos processos produtivos dilacerando a vida dos trabalhadores.
Por isso, buscaremos a seguir, ainda quede forma esquemática, evidenciar esse
percurso dos modos alternativos de gestão da força de trabalho que se desenvolveram e
consolidaram após o desmonte da organização sindical e o desemprego estrutural.
O quadro mais amplo de mudanças econômicas, sociais e políticas que
desencadearam importantes mudanças nas relações políticas entre as classes fundamentais e

67
nas relações entre Estado e sociedade a partir das crises da década de 1970 foram: o aumento
do custo da energia; a instabilidade financeira; a crise de superprodução geradora de um
excedente de capital constante inutilizável; a “impossibilidade” de manutenção do Estado de
Bem-Estar Social.
O processo de trabalho taylorista/fordista possibilitou a organização da força de
trabalho dentro dos marcos do regime keynesiano. Então a divisão “científica” do trabalho
formou gerações de trabalhadores aptos a produzir e, em certa medida, a consumir uma
grande quantidade de mercadorias. É preciso ressaltar o fato de que, esta forma de
organização do trabalho preciso assegurar certo grau de consentimento da classe trabalhadora
organizada e da ação racionalizadora do aparelho estatal para gerar o “pleno” emprego, a
demanda efetiva e a elevação dos padrões de vida e de consumo da população. Pois será
justamente a crise dessa suposta democracia econômica – na década de 1970 - e a emergência
de novas formas de organização do trabalho e acumulação de capitais que trarão novamente à
tona a discussão sobre as formas pelas quais o trabalho está se desenvolvendo na
contemporaneidade e as relações estabelecidas entre a base científica e técnica de produção,
renovada pelo uso da informática, pela descoberta de novos materiais e a invenção de outros.
Foi justamente o salto tecnológico da junção da informática com a micro eletrônica
que permitiu ao sistema capital instaurar processos produtivos digital moleculares,
hipertrofiando o sistema produtivo de capital morto, dando-lhe flexibilidade no tempo e no
espaço e potenciando a mundialização dos mercados e do capital produtivo e fictício.
O que a literatura denomina de produção e gestão flexível, sintetiza-se na estratégia
inicialmente empregada na empresa Toyota, rapidamente generaliza-se. Assim, não é que
desapareça o teylorismo/fordismo, mas a tendência crescente será a do toyotismo.

O toyotismo apresenta-se tanto como uma reestruturação em direção ao trabalho


flexível e autônomo – mais ideologia que realidade – quanto como uma estratégia de des-
identidade, ou de redefinição das identidades no mundo operário. Para resumir uma longa
literatura, é uma opção ideológica no sentido de operar a transferência da identidade da
classe e do sindicato para a empresa. A reengenharia é simultaneamente, pois, a nova forma
técnica e a nova forma ideológica (Oliveira, 2000, p. 11, grifos nossos).

O toyotismo visa novas formas de controle e racionalização da força de trabalho, a


partir do que a literatura chama de “reestruturação produtiva”, processo em que as inovações
tecnológicas colocadas a serviço do capital excluem um número cada vez maior de pessoas do

68
mercado de trabalho formal e vão desenvolvendo a automação, a invenção de novos produtos,
as dispersões e fusões de empresas e a aceleração do tempo de giro das mercadorias.
A expansão do toyotismo é contemporânea do incremento da mundialização
financeira, sendo válido lembrar que a“esfera financeira alimenta-se da riqueza criada pelo
investimento e pela mobilização de uma força de trabalho de múltiplas qualificações”
(Chesnais, 1995, p. 309) e a indicação de que os investimentos tendem ao “alinhamento nas
condições mais desfavoráveis aos assalariados” (op.cit., p.40). A combinação desse novo
regime de produção com a financeirização econômica configuram a acumulação flexível
assim caracterizada por Harvey:
Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho,
dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção
inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados
e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e
organizacional [gerando] níveis relativamente altos de desemprego “estrutural” (em
oposição ao “friccional”), rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos modestos
(quando há) de salários reais [...] e o retrocesso do poder sindical (Harvey, 2001, p. 140-1).

A acumulação flexível é possível apenas nos marcos de uma luta encarniçada contra as
relações de trabalho vigentes sob o regime de produção fordista keynesiano em que
preconizavam-se a contratualidade social e o poder de barganha das entidades de
trabalhadores a partir de parâmetros estabelecidos e assegurados pela sociedade política. O
resultado deste confronto foi a vitória do grande capital – em especial de sua fração financeira
– através da combinação de três processos: 1) Desestabilização dos trabalhadores estáveis.
Essa desestabilização dá-se pela intensidade na exploração e pela permanente ameaça de
perda do emprego; 2) Instalação da precariedade do emprego mediante a flexibilização do
trabalho, trabalho temporário, terceirização, etc.; e 3) Aumento crescente dos sobrantes.
Trata-se de contingentes não integrados e não integráveis ao mundo da produção (Frigotto,
1999). Gerando, segundo Roberto Castel, a seguinte configuração do mercado de trabalho: 1)
Núcleo estratégico: agregando uma pequena força de trabalho; 2) Semi periferia:
trabalhadores alvos de política de “empregabilidade”; 3) Periferia: trabalhadores alvo de
políticas de assistência e; 4) informais sobrantes: aqueles que não têm condições de se tornar
empregáveis (Frigotto, 2005, p. 69 a 72).
Ricardo Antunes sugere uma lista com distinções entre organização do trabalho sob o
taylorismo/fordismo e o toyotismo:
1) é uma produção muito vinculada à demanda [...] Por isso sua produção é variada
e bastante heterogênea, ao contrário da homogeneidade fordista;
69
2) fundamenta-se no trabalho operário em equipe, com multivariedade de funções,
rompendo com o caráter parcelar típico do fordismo;
3) a produção se estrutura num processo produtivo flexível, que possibilita ao
operário operar simultaneamente várias máquinas (na Toyota, em média até 5 máquinas),
alterando-se a relação homem/máquina na qual se baseava o taylorismo/fordismo;
4) tem como princípio o just in time, o melhor aproveitamento possível do tempo de
produção;
5) funciona segundo o sistema kanban, placas ou senhas de comando para reposição
de peças e de estoque. No toytismo, os estoques são mínimos quando comparados ao
fordismo;
6) as empresas do complexo produtivo toyotista, inclusive as terceirizadas, têm uma
estrutura horizontalizada [...] Essa horizontalização estende-se às subcontratadas, às formas
“terceirizadas”, acarretando a expansão dos métodos e procedimentos para toda a rede de
fornecedores. Desse modo, flexibilização terceirização, subcontratação, CCQ, controle de
qualidade total, kanban, just in time, kaizen, team work, eliminação do desperdício,
“gerência participativa”, sindicalismo de empresa, entre tantos outros pontos, são levados
para um espaço ampliado do processo produtivo;
7) organiza os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), constituindo grupos de
trabalhadores que são instigados pelo capital a discutir seu trabalho e desempenho, com
vistas a melhorar a produtividade das empresas, convertendo-se num importante instrumento
para o capital apropriar-se do savoir faire intelectual e cognitivo do trabalho, que o fordismo
desprezava... (Antunes, 2001, p. 54-55).

O aumento do uso de trabalho morto (trabalho humano coisificado, transformado em


máquinas)41 não corresponde a uma liberação do homem para outras áreas de sua existência
pois “na sociedade capitalista a maquinaria é destinada simplesmente a aumentar a
produtividade do trabalho e, portanto, constitui a força propulsora da produção da mais-valia
relativa” (Bottomore, 2001, p. 233). Na prática, os trabalhadores têm que conviver cada vez
mais com precárias condições de trabalho, com o achatamento salarial, com o subemprego e o
desemprego.
A automação do processo produtivo e a exigência de novos conhecimentos também
não redundam numa elevação geral dos níveis de qualificação e das habilidades cognitivas
(pelo contrário, assistimos ao enorme crescimento do trabalho semi qualificado de escritório e
de outros empregos do setor de serviços).
Harvey descreve o novo mercado de trabalho tendo no centro os trabalhadores
estáveis, com contratos de trabalho, altos ganhos. Existindo também uma periferia, na qual
num primeiro nível encontraríamos trabalhadores para tarefas de tempo integral em que existe

41
“Essa inversão da relação entre trabalho já objetificado nos meios de produção, ou trabalho morto, e força de
trabalho em movimento, ou trabalho vivo, é característica do modo capitalista de produção e reflete-se na
IDEOLOGIA burguesa como uma confusão entre o valor dos meios de produção, por um lado, e a propriedade
que estes possuem de, como capital, se valorizarem, por outro lado. Os meios de produção são vistos, então,
como produtivos, quando, na verdade, apenas trabalho é capaz de produzir coisas” (Bottomore, 2001, p.300)
70
farta mão de obra e alta rotatividade, num segundo nível, encontraríamos postos de trabalho
com alta flexibilidade e rotatividade, empregados temporários e em tempo parcial,
subcontratados e desempregados treinados pelo Estado (Harvey, 2001, p. 143-144). O que faz
crescer também o estímulo ao empreendimentismo como valor fundante de “um
individualismo muito mais competitivo” (op.cit., p. 161) 42.
Uma sociologia do trabalho que atente para as relações sociais de produção marcadas
pela exclusão crescente, cujo resultado é não apenas o aumento do desemprego estrutural e
subemprego mas também de uma crescente concentração de capital nas mãos de poucos,
deveria mostrar que, nesta circunstancia, perversamente, o trabalhador luta para ser
mercadoria, já que o fato de ser empregado (mesmo sob a forma de mercadoria, é menos
dramático que o desemprego ou subemprego).
E segundo Harvey, a acumulação flexível parece enquadrar-se como uma
recombinação simples das duas estratégias de procura de lucro (mais-valia) definidas por
Marx. A primeira, chamada de mais-valia absoluta, apoia-se na extensão da jornada de
trabalho com relação ao salário necessário para garantir a reprodução da classe
trabalhadora num dado padrão de vida. A passagem para mais horas de trabalho associadas
com uma redução geral do padrão de vida através da erosão do salário real ou da
transferência do capital corporativo de regiões de altos salários para regiões de baixos
salários representa uma faceta da acumulação flexível de capital [...] Nos termos da segunda
estratégia, denominada mais-valia relativa, a mudança organizacional e tecnológica é posta
em ação para gerar lucros temporários para firmas inovadoras e lucros mais generalizados
com a redução dos custos dos bens que definem o padrão de vida do trabalho (HARVEY,
2001, p. 174).

Uma questão de extrema relevância para o debate contemporâneo diz respeito ao uso
interessado das ciências e os saltos tecnológicos alcançados pela centralização de capitais e de
pesquisas nas mãos de conglomerados produtivos financeiros. Este uso tecnológico das
ciências tem alcançado avanços significativos permitindo utilização de outras fontes de
energia, a flexibilidade de máquinas, a criação de materiais sintéticos a partir de um intenso
processamento dos dados relativos tanto às pesquisas quanto aos processos diretamente
produtivos.
Nota-se também aumento no número de mulheres que participam do mercado de
trabalho (embora sua inserção seja feita de forma a baratear a força de trabalho de ambos os

42
O cinema registra bem esta nova ética, basta vermos o filme “A procura da felicidade”, título em português de
uma produção da Columbia Pictures, no qual Chris, protagonista da trama investe todas as suas economias na
compra de máquinas para vender de “porta-em-porta”, o empreendimento falha, mas em compensação o
“esforçado” vendedor, consegue um emprego no mercado de fundos de investimentos e mais tarde, torna-se
proprietário de seu próprio mutual funds.

71
sexos) e uma guinada espetacular do contingente de pessoas ocupadas na agricultura e na
indústria rumo ao setor de serviços – segundo a Organização Internacional do Trabalho em
2006, pela primeira vez na história da humanidade houve mais pessoas ocupadas no terceiro
setor econômico que na agricultura.
Enquanto isso, as empresas deram um salto no processo de fusões e aquisições,
plasmando uma concorrência com traços cada vez mais oligopólicos. Estas novas
companhias, beneficiadas pelas tecnologias informacionais, conseguem espalhar plantas
produtivas por todo o globo terrestre, sem perda de lucro e de produtividade, na prática,
procuram os países que lhe oferecem melhores condições de “investimento”, isto é, menos
proteção social e trabalhista.
A flexibilização dos processos produtivos, da força de trabalho e da tecnologia é
seguida de perto pela desestruturação do mercado de trabalho. As tendências de redução do
porte das empresas e redução do quadro fixo de empregados sem diminuir a produtividade
resultam na diminuição de postos de trabalho. Independentemente do crescimento
econômico, a natureza excludente do modo de produção capitalista em nome da lucratividade
e competitividade reduz e precariza o trabalho, aumenta generalizadamente os processos de
terceirização e da informalidade nos contratos de trabalho, gerando a destruição dos
vínculos empregatícios, o que permite ao capital controlar ainda mais as relações sociais
(Neves, Paranhos & Silva, 2007).

De acordo com Antunes, para entendermos a heterogeneidade da classe trabalhadora


hoje, é necessário compreender “este conjunto de seres sociais que vivem da venda da sua
força de trabalho, que são assalariados e são desprovidos dos meios de produção... uma
classe mais heterogênea, mais complexificada e mais fragmentada” (Antunes, 2000, p.99).
Para isto o autor define cinco tendências que nos ajudam nessa compreensão: 1ª) vem
ocorrendo no mundo do trabalho hoje em escala mundial é uma redução do operariado
manual, fabril, estável, típico da fase taylorista e fordista, ainda que de maneira diferenciada
em função da inserção de cada país na divisão internacional do trabalho; 2ª) é aquela marcada
pelo enorme aumento do assalariamento e do proletariado precarizado, já que paralelamente à
redução dos empregos estáveis, aumentou em escala explosiva o número de trabalhadores em
regime de tempo parcial, e em trabalhos assalariados temporários; 3ª) o aumento expressivo
do trabalho feminino no mundo do trabalho, na indústria e, especialmente no setor de serviços
e nas áreas de maior intensidade de trabalho nas quais é ainda maior a exploração do trabalho
manual; 4ª) há uma enorme expansão dos assalariados médios, no setor bancário, turismo,
supermercados, os chamados setores de serviço em geral, são os novos proletários, no sentido
de presenciarem um assalariamento e uma degradação intensificada do trabalho; 5ª) há uma

72
exclusão enorme dos jovens e dos velhos43, no sentido dado pelo capital destrutivo (Ibid, p.
100-101).
O mascaramento ideológico que dificulta perceber a violência, o conflito e o
antagonismo de classe, dá-se mediante o fetiche da revolução tecnológica, da sociedade do
conhecimento, pós moderna. No plano formativa, como veremos nos itens 1.4 e 2.1 e 2.2, este
mascaramento dá-se pelas noções de capital humano, qualidade total, pedagogia das
competências, empregabilidade, empreendedorismo e capital social.
Soma-se a esta tarefa de mascaramento a literatura que faz a apologia da sociedade do
ócio ou do ócio criativo como o denomina um dos seus mais lidos propagandistas, Domenico
De Masi44.
Na mesma direção e num caminho que mais dificulta que ajuda a entender a violência
sobre o emprego, o trabalho e o trabalhador, a partir dos anos 80 aparecem análises que face
ao desemprego em massa defendem a tese de que o trabalho já não faz parte das preocupações
vitais do trabalhador.
Segundo Offe (1989) a organização “pós-industrial” do trabalho cria uma
heterogeneidade que não mais permite o entendimento da vida humana desde uma apreensão
do trabalho, invalidando inclusive a identidade dos trabalhadores assalariados. Uma vez que,
as esferas do trabalho e da produção perderam sua centralidade analítica a vida em sociedade
estaria se organizando em formas comunitárias diversas marcadas pela interação social.
Habermas (1987 e 1989), um dos mais destacados filósofos do século XX cuja
proposta de seu edifício filosófico é de reconstruir o materialismo histórico, constrói a
estrutura dinâmica das sociedades modernas não como um antagonismo auto enraizado na
esfera da produção, e nas relações de trabalho mas como a colisão entre os ‘subsistemas da
ação objetivamente racional’, mediatizados pelo dinheiro e pelo poder, e um ‘espaço vital
(lebenswelt) autodeterminado (eigensinni)’ pelo outro lado.
Esta compreensão leva Habermas a buscar uma explicação externa ao trabalho, mais
precisamente negando as contradições inerentes ao trabalho, as categorias analíticas derivadas
da Teoria da Ação Comunicativa seriam: o “espaço vital”, o “modo de vida” e o “cotidiano”.
Apesar disto, sugere a luta pelo “salário trabalho” e pelo trabalho cooperativo como formas
alternativas de organização social.

43
Os jovens são aqueles que terminam seus estudos, médios e superiores, e não têm espaço no mercado de
trabalho e os trabalhadores de 40 anos ou mais, considerados “velhos” pelo capital, uma vez desempregado, não
voltam mais para o mercado de trabalho, irão realizar trabalhos informais, trabalhos parciais, part time, etc.
44
. Ver MASI Domenico de ( 2000)
73
Para outro autor que esteve filiado na tradição marxista, o advento da “Segunda
Revolução Industrial” e o incremento do uso de autômatos estariam agindo positivamente
sobre a sociedade, ao eliminar a necessidade do trabalho abstrato e ao dilatar as “capacidades
intelectuais do homem”, possibilitando o aparecimento do homo ludens.
É pois um fato que o trabalho, no sentido tradicional da palavra, desaparecerá
paulatinamente e com ele o homem trabalhador, e, portanto, a classe trabalhadora. (...)
Como dissemos, pode ser que ocorram mudanças de caráter socialista. Estas poriam fim à
propriedade privada dos meios de produção e dos serviços em larga escala e,
consequentemente, também à classe capitalista, o que corresponderia a uma modificação
radical da estrutural social (Schaff, 1990, p.43, grifos nossos).

Ao mesmo tempo em que as novas tecnologias ampliam o desemprego estrutural, faz


desaparecer também o homo laborans - e com ele a classe trabalhadora - causando o problema
de “’poluição’ do tempo livre”. A saída para este problema seria o estímulo à consciência
social e o controle democrático da “economia coletivista”, na qual o planejamento concorrerá
para o desenvolvimento de atividades que deem sentido a vida, a partir do fato de que o
mundo da necessidade está em vias de nos levar ao mundo da liberdade.
Para outro autor que se apoia em Marx, Robert Kurz, o conjunto de relações sociais
oriundos das sociedades produtoras de mercadoria (capitalistas e socialistas de “caserna”)
entraram em colapso com o avanço das forças produtivas. Para ele a “concorrência trabalha
sem saber e sem querer” para solucionar as contradições fundamentais do capital
direcionando-se [...] inevitavelmente, mediante o desenvolvimento ininterrupto das forças
produtivas, o pondo de uma ‘abolição do trabalho’, isto é, do trabalho de produção abstrato,
repetitivo, somente destinado a criar valores; com isso, no entanto, suprime também sua
razão de ser, fazendo obsoleta a si mesma (Kurz, 1992, p. 80-1).

Daí, para este autor, a emergência da possibilidade de uma razão sensível dentro do
quadro de uma nova sociedade construída por um “consciente movimento social” uma vez
que “a contradição maximizada entre o avanço das forças produtivas e o engessamento das
relações sociais, implodiria tanto a burguesia quanto o proletariado” (Frigotto, 2003, p.
129). Esta abordagem relaciona mecanicamente as virtualidades da nova base técnico
cientifica, por si mesma, com a possibilidade da superação das relações sociais do capital.
O que fica cada dia mais patente é que a crise do emprego, do trabalho abstrato,
principalmente se considerarmos a queda dos níveis de emprego formal com todas as
repercussões sobre os respectivos direitos trabalhistas e previdenciários, não ameaça a

74
existência da forma abstrata do trabalho, mas sim o degradam cada vez mais de diferentes
formas.
Então o que se vê não é o fim do trabalho, mas é a retomada de níveis explosivos de
exploração do trabalho, de intensificação da jornada de trabalho. Vale lembrar que a
jornada pode até reduzir-se, enquanto o ritmo se intensifica. E é exatamente isso que vem
ocorrendo em praticamente todas as partes: uma maior intensidade, uma maior exploração
da força humana que trabalha (op.cit., p. 102).

Na mesma direção Mattos sublinha que o que podemos perceber é que não há uma
crise do trabalho concreto “Por isso recorremos à afirmação da dimensão ampliada da
reprodução do capital, que gera um desenho das classes sociais e de seus conflitos muito
mais amplo do que simplesmente o originado nos locais de trabalho...” (Mattos,2007, p. 53).
Para Mattos o que houve na verdade foi: a) internacionalização da capital presidida pela
financeirização da economia; b) encolhimento industrial nos países de industrialização
avançada, “embora em paralelo tenha se dado a industrialização acelerada de outras áreas
do globo”; c) “introdução com inédita rapidez e generalização, de novas tecnologias
poupadoras do tempo de trabalho necessário”; d) mudanças técnicas na organização do
trabalho, “com incentivo à polivalência do operário” e as “novas formas de colaboração
entre capital e trabalho”. (ibid).
A heterogeneidade da classe trabalhadora tem relação direta com a precarização do
trabalho cujas características mais evidentes são:
Relacionando as classes sociais ao processo de divisão social do trabalho, Marx e
Engels procuravam esclarecer os fundamentos da estrutura social no capitalismo.
Demonstrando que a classe, como fenômeno social, só se constituía em oposição aos
interesses de outra(s) classe(s) e, portanto, tomando consciência de seu lugar social – o que
podia ser o ponto de partida para um projeto político de transformação -, buscavam
estabelecer as bases de uma teoria da dinâmica social, afirmando claramente o papel central
da luta de classes (Mattos, 2007, p.35)

1.2.3. A especificidade da violência de classe no Brasil e em sociedades de


capitalismo dependente.

O sistema capital em sua anatomia básica é igual em todo o mundo, todavia a forma
que assume em formações sociais especificas não é a mesma. Com efeito, o que discutimos
até aqui se apresenta de forma ampliada em sociedades como a brasileira onde predominou
por quase quatro séculos a escravidão. Assim a classe dominante brasileira vai constituir-se
com particularidades que alia a violência da cultura escravocrata á violência de uma forma

75
específica de operar o sistema capital. Esta violência mascara-se pro um tipo de cultura que
Sérgio Buarque de Holanda a caracteriza na figura do homem cordial45
O projeto societário que se afirma ao longo de nossa história vai definindo três
características estruturantes destacadas por Caio Prado Júnior (1966), primeiro intelectual que
se valeu do método materialista histórico para analisar a formação social, econômica e
cultural do Brasil. A primeira é o mimetismo que se caracteriza por uma colonização
intelectual onde prevalece a cópia das teorias e ideias dos centros hegemônicos, hoje, das
teses dos organismos internacionais e de seus intelectuais e técnicos, também da ideia de que
não precisamos produzir ciência e tecnologia e podemos importá-la. A segunda é opção pelo
crescente endividamento externo e a forma de efetivá-lo pelas frações dominantes da
burguesia brasileira. E, por fim, a última, a abismal assimetria entre o poder e ganhos do
capital e do trabalho configurando uma das forças de trabalho de maior nível de exploração do
mundo.
Furtado (1966, 1982 e 1992) o pesquisador e autor que mais publicou sobre a
formação econômico-social brasileira e sobre a especificidade do nosso desenvolvimento.
Uma de suas conclusões originais e base para análises de outros pensadores críticos que nos
dão o inventário do que nos conduziu até o presente é de que o subdesenvolvimento não é uma
etapa do desenvolvimento, mas uma forma específica de construção de nossa sociedade. Ao
longo de sua obra, situa a sociedade brasileira dentro do seguinte dilema: a construção de uma
sociedade ou de uma nação onde os seres humanos possam, produzir dignamente a sua
existência ou a permanência num projeto de sociedade que aprofunda sua dependência
subordinada aos grandes interesses dos centros hegemônicos do capitalismo mundial. É neste
horizonte que Furtado faz a crítica ao "modelo brasileiro" de capitalismo modernizador e
dependente, uma constante do passado e do presente.
Corroboram a tese de Furtado, aprofundando-a e contrariando o pensamento
conservador dominante e de grande parte do pensamento da esquerda, Florestam Fernandes e
Francisco de Oliveira rechaçam a tese da estrutura dual da sociedade brasileira que atribui
nossos impasses para nos desenvolvermos a existência de um país cindido entre o tradicional,
o atrasado, o subdesenvolvido e o moderno e desenvolvido, sendo as características primeiras
impeditivas do avanço da segunda. Pelo contrário, mostram-nos estes autores a relação

45
. Para uma compreensão das raízes culturais da classe dominante brasileira e suas estratégias de poder e
dominação ver: Holanda, Sérgio Buarque ( 1995)
76
dialética entre o arcaico, atrasado, tradicional, subdesenvolvido, e o moderno e o
desenvolvido na especificidade ou particularidade de nossa formação social capitalista.
O que se reitera para Fernandes (1968) no plano estrutural é que as crises entre as
frações da classe dominante acabam sendo superadas mediante processos de rearticulação do
poder da classe burguesa numa estratégia de conciliação de interesses entre o arcaico e o
moderno. Trata-se, para Fernandes, de um processo de “modernização do arcaico”.
Dentro da mesma perspectiva Francisco de Oliveira (987, 2000 e 2003) nos mostra
que é a imbricação do atraso, do tradicional e do arcaico com o moderno e desenvolvido que
potencializa a nossa forma específica de sociedade capitalista dependente e de nossa inserção
subalterna na divisão internacional do trabalho. Mais incisivamente, os setores denominados
de atrasado, improdutivo e informal, se constituem em condição essencial do núcleo integrado
ao capitalismo orgânico mundial. Assim, a persistência da economia de sobrevivência nas
cidades, uma ampliação ou inchaço do setor terciário ou da "altíssima informalidade" com
alta exploração de mão de obra de baixo custo são funcionais à elevada acumulação
capitalista, ao patrimonialismo e à concentração de propriedade e de renda.
Ao atualizar, quatro décadas depois, a sua obra Crítica à razão dualista, Oliveira
(2003) nos revela que o que se tornou hegemônico foi a permanência de um projeto de
sociedade que aprofunda sua dependência subordinada aos grandes interesses dos centros
hegemônicos do capitalismo mundial. Esta opção hegemônica, em termos de consequências
societárias, a expressa recorrendo à metáfora do ornitorrinco.
Para Oliveira, a imagem do ornitorrinco faz a síntese emblemática das mediações do
tecido estrutural de nosso subdesenvolvimento e a associação subordinada da classe burguesa
brasileira aos centros hegemônicos do capitalismo e os impasses a que fomos sendo
conduzidos no presente. Uma particularidade estrutural de nossa formação econômica, social,
política e cultural, que nos transforma num monstrengo social.
As relações de poder e de classe que foram sendo construídas no Brasil, observa
Oliveira, permitiram apenas parcial e precariamente a vigência do modo de regulação fordista
tanto no plano tecnológico quanto no plano social. Da mesma ocorre no presente na atual
mudança científico técnica de natureza digital molecular, que imprime uma grande velocidade
à competição e à obsolescência dos conhecimentos. Isto destaca Oliveira, torna nossa tradição
da cópia ainda mais inútil. Uma sociedade, portanto, que na divisão internacional do trabalho
dominam as atividades ligadas ao trabalho simples de baixo valor agregado.

77
O conceito de capitalismo dependente que combina elevada concentração de riqueza
e capital e de desigualdade (desenvolvimento desigual e combinado) elaborado por Florestan
Fernandes (1968 e 1973) e Ruy Mauro Marini (1992 e 2000) define o caráter de nossa
especificidade histórica na sua raiz mais profunda 46.
Trata-se de uma categoria ou um conceito que nos permite explicitar o caráter
ideológico da “teoria” da modernização e os limites da teoria da dependência com as
abordagens centro periferia e o confronto entre nações, ao situar o núcleo explicativo na
relação de classes e no conflito de classe no sistema capitalista. Capitalismo dependente
expressa que não se trata de dualidade e, também, não é um confronto entre nações, mas a
aliança e associação subordinadas da fração brasileira da burguesia com as burguesias dos
centros hegemônicos do sistema capital na consecução de seus interesses.
Esta mesma categoria permite compreender, de forma mais precisa, um processo
histórico de desenvolvimento desigual e combinado. A aliança dependente e subordinada da
burguesia brasileira com os centros hegemônicos do capital tem como resultado a combinação
de nichos de alta tecnologia, elevadíssimos ganhos do capital, concentração abismal de capital
e de renda e super exploração do trabalhador e uma concentração de miséria e de mutilação
dos direitos elementares a grande maioria.
A contribuição destes e outros intelectuais ligados à tradição marxista permite
apreender de que a burguesia brasileira se constituiu dentro de uma relação subordinada e
associada às burguesias dos centros hegemônicos do sistema capital. Uma burguesia que
nunca foi, enquanto classe, artífice de um projeto que completasse entre nós, como analisa
Florestan Fernandes, a revolução burguesa. As lutas populares e da classe trabalhadora que ao
longo do século XX alterar a ordem social e econômica de uma das sociedades mais desiguais
do mundo, a despeito de suas riquezas, forma barradas por ditaduras e golpes institucionais.
Fiori (2000) num sucinto texto, descreve três projetos societários que conviveram e
lutaram entre si durante todo o século XX. O liberalismo econômico centrado na política
monetarista ortodoxa e na defesa intransigente do equilíbrio fiscal. Este projeto sempre se
contrapôs ao que Fiori denomina de nacional desenvolvimentismo ou desenvolvimentismo
conservador, presente na Constituinte de 1891 e nos anos 30, e, mais enfaticamente, opunha-
se ao projeto de desenvolvimento econômico nacional e popular. Esta terceira alternativa, de
forma passageira, teve presente no Governo João Goulart com a política desenhada pelo
ministro do Planejamento Celso Furtado, interrompido pelo golpe civil militar de 1964.

46
. No item 1.3, a seguir, retomaremos esse conceito nestas autores para um aprofundamento.
78
Destaca, todavia, que este projeto teve enorme presença no campo da luta ideológico cultural
e das mobilizações democráticas.
As forças reunidas em torno deste projeto (liberais sociais, socialistas, comunistas)
representadas em partidos políticos, movimentos sociais, sindicatos foram as que lutaram pela
derrota da ditadura de 1964. O balanço das últimas décadas é de que o pêndulo, ao longo do
mandato de Fernando Henrique Cardoso, afirmou o projeto monetarista fiscal e de sociedade
de capitalismo dependente de desenvolvimento desigual e combinado. Isso através, sobretudo,
da privatizando o patrimônio público e sedimentando o Brasil como plataforma do capital
especulativo e afirmação das forças atrasadas, sustentáculos do latifúndio e do agro negócio
na mão de grandes grupos e empresas internacionais.
Oito anos no poder da Presidência da República do ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula
da Silva, eleito por uma base social herdeira do projeto nacional popular, pode-se afirmar que
não alteraram na sua estrutura o projeto dominante da classe burguesas brasileira. A opção
que vem se solidificando é do nacional desenvolvimentismo conservador e que, ao contrário
de ruptura com classe dominante e seu projeto societário e governa condicionado por ela
Oliveira (2004, 2007 e 2009, ao examinar o percurso do governo Lula da Silva o
define como um tempo de hegemonia às avessas para salientar que em vez de socializar da
política fez o avesso alimentando sua indeterminação A conclusão a que chega traz elementos
para a análise da natureza das políticas públicas que nos ocupamos nesta pesquisa. Mas, mais
que isso, elementos de uma agenda de reflexão para aqueles que lutam por um projeto
societário e educacional contra-hegemônico no Brasil. Para Oliveira o governo de Fernando
H. Cardoso desestruturou o Estado para implementar o projeto privatista e o governo Lula
desestrutura a sociedade fragmentando o acúmulo de mais de meio século das forças de
esquerda.

79
1.3 A política educacional para a formação dos trabalhadores e a
especificidade do projeto de capitalismo dependente47

Uma visão histórica geral da educação escolar no Brasil revela as dimensões da


profunda desigualdade manifesta numa dívida quantitativa e qualitativa que atinge
perversamente os segmentos mais pobres da população brasileira.
Para se ter uma ideia, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE (200748 o Brasil
ocupa a nona posição no ranking de países com maior taxa de analfabetismo da América
Latina e do Caribe49, com uma taxa equivalente a 10,5% da população maior de 15 anos (14,4
milhões); além disso, o nível de analfabetismo funcional (pessoas com menos de quatro anos
de estudo) corresponde a 23,6% da população com 10 anos ou mais, ou seja, 36,9 milhões de
brasileiros, dos quais 16,4% são brancos, 27,25% negros e 28,6% são pardos. No que tange ao
ensino médio, apenas 47,1% dos estudantes entre 15 e 17 anos frequentam este nível de
ensino no Brasil, e em alguns estados das regiões Norte e Nordeste do país este percentual não
alcança 30%50. Mais da metade dos estudantes que cursam o ensino superior público pertence
às famílias situadas no segmento populacional dos 20% mais ricos, e chama atenção também
a frequência das matrículas nas instituições particulares em relação à rede pública: enquanto
nos níveis fundamental e médio a frequência dos estudantes em 2006 corresponde,
respectivamente, a 88,3% e 85,4% na rede pública e 11,7% e 14,6% nas escolas privadas, no
ensino superior esta situação se inverte, 76,4% dos estudantes ensino superior frequentam
instituições particulares enquanto 23,6% frequentam instituições públicas.
Por ser a educação uma prática social complexa e contraditória que se desenvolve em
meio a relações sociais determinadas historicamente, a dualidade estrutural do modelo

47 
Profª. Michelle Pinto Paranhos .Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e
Formação Humana (PPFH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
48
BRASIL. IBGE. Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população
brasileira 2007. Rio de Janeiro, IBGE. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sintesein
dicsociais2007/indic_sociais2007.pdf> Acesso em: 10/08/2009.
49
O Brasil perde para Haiti, Nicarágua, Guatemala, Honduras, El Salvador, República
Dominicana, Bolívia e Jamaica. IBGE. Objetivos de desenvolvimento do milênio:
relatório nacional de acompanhamento. Coord.: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e
Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos; Supervisão: Grupo Técnico para o
acompanhamento dos ODM. Brasília: Ipea: MP, SPI, 2007.
50
Como é o caso dos estados do Pará e Alagoas, com apenas 28,4% e 25,4%, respectivamente, dos
adolescentes de 15 a 17 anos frequentando o Ensino Médio. IBGE (2007) op. cit.

80
educacional brasileiro ganha melhor compreensão quando apreendida a partir da relação entre
elementos estruturais e conjunturais da realidade, abarcando a relação entre o capitalismo em
seu escopo mais amplo e as especificidades do capitalismo dependente que foi sendo
desenvolvido no Brasil, tendo em vista as transformações que se processam nos planos
econômico, social, político e cultural nas últimas décadas.
Tais transformações produzem novas contradições para a/na relação trabalho e
educação. No mundo do trabalho, as mudanças organizacionais e tecnológicas proporcionadas
pela revolução molecular digital em combinação com a consolidação do processo de
mundialização do capital representaram um salto qualitativo na produção e ocasionaram
mudanças profundas nas concepções de educação e qualificação dos trabalhadores,
proporcionando um movimento generalizado de reformulação dos sistemas educacionais em
diversos países no intuito de formar um novo tipo de trabalhador adequado à nova base
técnica do trabalho.
O reordenamento das relações educativas vem se realizando através de noções como
competências, capital social, qualidade total, empregabilidade, empreendorismo, participação,
autonomia, etc., que sob a suposta valorização do trabalhador buscam traduzir o impacto das
mudanças nas relações de produção e das relações sociais e amortecer as contradições geradas
pela crescente precarização do trabalho e pela regressão dos direitos sociais sob o
neoliberalismo.
A política de educação profissional brasileira está profundamente relacionada ao modo
como o Brasil vem se inserindo na economia mundial e está situada mediante o processo
histórico e ideológico de desenvolvimento capitalista, enquanto parte fundamental de um
conjunto mais amplo de metas de ajuste estrutural e superestrutural direcionadas a adequar os
chamados “países em desenvolvimento” ao processo de financeirização mundializada da
produção.
Nesse sentido, autores como Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Francisco de
Oliveira, dentre outros, superam as análises constituídas nos marcos da ideologia do
desenvolvimento e da teoria da dependência e nos ajudam a compreender as particularidades
das relações de poder e de classe que foram sendo constituídas no Brasil, tendo em vista o seu
papel na divisão internacional do trabalho mediante a associação das frações burguesas locais
com as frações internacionais dominantes.
Este artigo tem como finalidade situar o debate em torno das concepções, noções e
ideologias que ordenam as relações produtivas e as relações educativas no âmbito das recentes

81
mudanças na política educacional brasileira para a formação dos trabalhadores, no intuito de
captar a contradição entre as demandas sociais, políticas e econômicas da ampliação da
escolaridade e da função da escola e as tendências da (des)qualificação do trabalho e dos
trabalhadores e do desemprego estrutural.
Num primeiro momento retomamos a crítica à teoria do capital humano enquanto
especificidade da ideologia do desenvolvimento, que ganha força no bojo dos mecanismos de
recomposição do capitalismo após a Segunda Guerra Mundial. Num segundo momento,
analisamos as noções e ideias que surgem a partir da reestruturação política e ideológica do
capitalismo mediante o avanço do neoliberalismo, da mundialização do capital e da
acumulação flexível. Num terceiro momento buscamos apreender a relação entre a opção pelo
projeto de sociedade de capitalismo dependente e associado aos centros hegemônicos do
capital e a desigualdade da educação brasileira.

1.3.1. A ideologia do desenvolvimento e a teoria do capital humano: a perspectiva de


sociedade integradora

A ideologia do desenvolvimentismo ganhou força no bojo dos mecanismos de


recomposição da economia capitalista, após a Segunda Guerra Mundial, quando uma nova
configuração hegemônica se desenvolveu. Após 1945, derrotado o fascismo, desfez-se a
aliança capitalista comunista entre EUA e URSS e a Guerra Fria dominou o cenário
internacional.
O termo totalitarismo, antes empregado para designar os Estados fascistas, foi
prontamente identificado ao comunismo:
No Ocidente, a Guerra Fria foi apresentada como uma batalha entre a Democracia e o
Totalitarismo. O bloco ocidental não utilizava o termo “capitalismo” para referir-se a si
mesmo, já que este era considerado basicamente um termo referente ao inimigo, uma arma
contra o sistema, em lugar de uma definição do mesmo. O Ocidente se expressava em termos
de “Mundo Livre”, e não de “Mundo Capitalista” (Anderson, 2004. pp.37-38).

A preocupação com a expansão da influência socialista fez com que todos os esforços
da diplomacia ocidental, tendo à frente os Estados Unidos, fossem voltados inicialmente para
a recuperação das áreas devastadas pela guerra e, posteriormente, para o fortalecimento das
economias atrasadas. A estratégia adotada visava a defender o sistema (capitalista) como um
todo, instituindo uma nova forma de entender a segurança nacional, concebida como a

82
segurança do modo de viver ocidental, tendo como principal questão a defesa da democracia,
da propriedade privada e do livre mercado.
Diante da ameaça do socialismo como alternativa sistêmica, “os contingentes de
proletários, pobres, desempregados, não integrados, passaram a ser encarados como um
problema social, uma gangrena e ameaça à estabilidade social” (Frigotto, 1999). Regiões
nas quais as condições de vida mostraram-se precárias constituíram-se, a partir da visão
desenvolvimentista, em terrenos férteis para a penetração de “ideologias antidemocráticas”.
Neste sentido, as medidas que visavam à melhoria das condições de vida da população eram
entendidas como problemas de segurança, como forma de contenção da subversão e das
agitações sociais. O capital passou, então, atender parcial e provisoriamente aos apelos dos
países pobres e às reivindicações dos trabalhadores, direcionando os organismos multilaterais
(ONU, UNESCO, BID, BIRD, FMI, OIT, OTAN, etc.) para a regulação dos mercados
nacionais e internacionais e implementando a construção de políticas de pleno emprego e de
direitos sociais na perspectiva de integração dos trabalhadores.
As longas jornadas de trabalho rotinizado e as políticas de gerência e controle
compatíveis com a base técnica taylorista fordista, que até então haviam encontrado
dificuldades de consolidação em decorrência das fortes resistências, aliaram-se aos
pressupostos keynesianos a fim de favorecer as condições de estabilidade do sistema
capitalista. No intuito de conciliar os interesses de classe, a noção de Estado tomou novas
proporções e os governos capitalistas adotaram abertamente o intervencionismo econômico
como forma de arcar com os custos humanos da corrida pelo lucro, assumindo uma série de
obrigações voltadas para a integração entre produção de massa e consumo de massa.
A ampliação dos direitos por trabalho, saúde, educação, moradia, alimentação,
transporte, lazer e cultura, mesmo com profundas desigualdades entre as nações, foi
convertida em estratégia da burguesia para obter a adesão espontânea da classe trabalhadora
ao seu projeto de sociedade. Para assegurar seu poder político, as frações burguesas
dominantes fizeram concessões de ordem econômico corporativa, transformando os direitos
sociais e trabalhistas decorrentes da luta dos trabalhadores em estratégias para controlar a
força de trabalho e aumentar a sua produtividade51.

51
A partir das reflexões de Gramsci (2007), tais sacrifícios econômicos das classes dominantes têm
como objetivo restringir a consciência e a organização da classe trabalhadora ao momento
econômico-corporativo da correlação de forças. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere.
Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. v. 3.

83
Nesta perspectiva, o crescimento econômico, tendo como via de acesso a
industrialização, constituiu-se em principal meio de acesso à riqueza e a melhores condições
de vida para as populações, estabelecendo-se, consequentemente, como principal objetivo das
nações.
O subdesenvolvimento, identificado à situação de pobreza, era compreendido como
uma crise de transição, um estado instável de equilíbrio do qual as nações deveriam sair
através da adoção de procedimentos corretos voltados para o crescimento rápido, contínuo e
harmonioso. A política econômica desenvolvimentista tinha como objetivo fornecer o
instrumental capaz de propiciar a eliminação do mal nas origens do seu nascimento, ou seja,
permitir a obtenção e a mobilização dos recursos necessários para a eliminação da pobreza e,
consequentemente, para a superação do estado de atraso a partir de mecanismos como o
aumento e a diversificação da produção e da pauta de exportação, o fortalecimento do
mercado interno, o investimento em infraestrutura (energia elétrica, petróleo, transportes e
comunicação) e nos setores industriais de base.
Como explica Frigotto:
Para um país sair do estágio tradicional ou pré-capitalista necessita de crescentes
taxas de acumulação conseguidas a médio prazo, pelo aumento necessário da desigualdade
(famosa teoria do bolo, tão amplamente difundida entre nós). Ao longo prazo, com o
fortalecimento da economia, haveria naturalmente uma redistribuição. O crescimento
atingido determinaria níveis mínimos de desemprego, a produtividade aumentaria e haveria
uma crescente transferência dos níveis de baixa renda do setor tradicional para os setores
modernos, produzindo salários mais elevados (Frigotto, 2006, p.39)

No entanto, tal esforço se encontrava além das possibilidades de investimento dos


países pobres, que não podiam dispor do capital necessário para empreender o processo de
industrialização e as obras de infraestrutura. Ainda que o esforço inicial para romper a
estagnação fosse bem-sucedido, os países subdesenvolvidos deveriam exportar rapidamente e
muito para renovar as técnicas e tecnologias utilizadas na produção, evitando a obsolescência
do parque industrial do país. O desenvolvimento encontrava-se, portanto, subordinado à
cooperação internacional.
A ajuda econômica prestada aos países subdesenvolvidos, seja por meio de
financiamentos, empréstimos ou investimentos diretos, justificava-se tanto do ponto de vista
do país que a recebe quanto das suas relações com o exterior, em ambos os casos pelas
necessidades do próprio sistema. O fortalecimento das economias atrasadas traria inúmeros
benefícios: no plano econômico, destacava-se a abertura de novos mercados e as
possibilidades de rentabilidade do capital investido pelas grandes potências ocidentais; no
84
plano político e ideológico representaria a contenção das ideologias opostas ao capitalismo e
contribuiria para a estratégia de segurança coletiva. Partindo desta perspectiva, a não
intervenção no sentido de proporcionar desenvolvimento e eliminar as fontes de insatisfação
contra a ordem significaria ampliação das condições negativas do Ocidente. Todos deveriam,
assim, colaborar para que a segurança não fosse ameaçada (Cardoso, 1978)
Sob aparente rigor científico, buscava-se estabelecer “fórmulas” e “teorias” para o
desenvolvimento do capitalismo, cujo aspecto central concentrava-se na relação direta entre
trabalho e crescimento econômico.
O trabalho aparece como sendo capaz de criar riqueza indistintamente. De acordo com
o desenvolvimentismo, as diferenças existentes entre países de capitalismo avançado e países
pobres, no que tange aos processos de acumulação e à qualidade de vida, bem como as
diferenças de renda e salário entre indivíduos, poderiam ser facilmente superadas através do
trabalho e do esforço coletivos. O desenvolvimento era entendido, portanto, como resultado
de uma opção. A imagem difundida era a da sociedade aberta, que aceitaria em seus níveis
mais elevados nações e indivíduos que se destacassem e se mostrassem capazes de aproveitar
as oportunidades que ela oferecesse.
É como se estivéssemos diante de um sistema de estratificação internacional
construído analogicamente aos sistemas de estratificação social. O desenvolvimento nacional
de certa forma equivaleria à mobilidade vertical ascendente de um indivíduo que, começando
nas posições sociais mais baixas, conseguisse afirmar-se nos estratos médios ou até mais
altos da sociedade [...] a imagem da possibilidade de progredir basicamente pelo trabalho
fica bem clara (Cardoso, 1978, p.112 -11.).

Na década de 1960, os vínculos entre trabalho e educação foram sistematicamente


elaborados, afirmando a noção de capital humano como especificidade da ideologia do
desenvolvimento no campo educacional. Com a generalização da organização científica do
trabalho e a disseminação de valores e práticas característicos da vida urbano industrial, a
escola assumiu cada vez mais as funções de formação técnica e conformação ético-política da
classe trabalhadora, tornando-se local específico de formação para o trabalho. Tendo em vista
o desenvolvimento das forças produtivas e a inserção de cada nação na divisão internacional
do trabalho no que remete à produção de ciência de tecnologia, alteraram-se os requisitos
mínimos de escolarização para o trabalho simples.
A partir da constatação empírica de que os investimentos em capital físico e
infraestrutura não eram suficientes por si sós para promover o desenvolvimento, o conceito de
capital humano surgiu para complementar os fatores explicativos dos diferentes níveis de

85
crescimento econômico entre países desenvolvidos e não desenvolvidos e os diferenciais de
renda entre os indivíduos.
O conceito de capital humano – ou, mais extensivamente, de recursos humanos –
busca traduzir o montante de investimento que uma nação faz ou os indivíduos fazem, na
expectativa de retornos adicionais futuros. Do ponto de vista macroeconômico, o
investimento no “fator humano” passa a significar um dos determinantes básicos para o
aumento da produtividade e elemento de superação do atraso econômico. Do ponto de vista
microeconômico, constitui-se no fator explicativo das diferenças individuais de produtividade
e de renda, e, consequentemente, de mobilidade social (Frigotto, 2006, p.41).

Com o surgimento da disciplina Economia da Educação, nos Estados Unidos,


Theodore W. Schultz, professor do departamento de economia da Universidade de Chicago à
época, tornou-se o principal formulador dessa disciplina e da ideia de capital humano. O fator
H (capital humano), introduzido da equação neoclássica52, passou a explicar os diferenciais de
desenvolvimento dos países e dos indivíduos, transformando o investimento em educação na
chave para a ascensão social de nações e indivíduos.
O investimento em capital humano ganhou centralidade na agenda dos organismos
internacionais e dos governos, adquirindo a mesma importância do capital físico como fator
capaz de aumentar a produtividade do trabalho e promover o desenvolvimento de maneira
equânime. Estes investimentos compreendem uma função de saúde, conhecimentos,
treinamento, comportamentos, hábitos, disciplina, etc., aspectos que segundo os pressupostos
da teoria econômica neoclássica potencializariam o trabalho.
Por fundamentar-se sobre um método de análise da realidade de viés positivista e
empirista, a teoria do capital humano busca comprovação nas relações microeconômicas,
assimilando-se ao senso comum e construindo a imagem da educação como elemento capaz
de promover a igualdade dentro dos marcos do capitalismo. Quanto maior o investimento
econômico efetuado em educação, maior a produtividade do trabalhador, que estará apto a
inserir-se no mercado de trabalho de forma competitiva, vislumbrando a possibilidade de
ocupar melhores colocações na escala salarial.
Nesta acepção, a posse do conhecimento é equivalente à propriedade privada dos
meios e instrumentos de produção e estabelece a igualdade de oportunidades: através dos
próprios méritos, talentos, preferências, esforços e sorte os indivíduos acreditam produzir um

52
A função neoclássica de produção mais utilizada, sob a fórmula de Cobb-Douglas, explica o
crescimento econômico pela equação X = AKaL1-s, onde: X = volume de produtos; A = nível de
tecnologia; K = insumos de capital; L = insumos de mão de obra; a = uma constante; e 1- s =
unidade para dar rendimentos constantes de escala. Frigotto, Gaudêncio. (2006) op. cit., p. 42.

86
aumento da sua capacidade de trabalho, recompensada através da ascensão social e pelo
acesso aos bens.

O mérito é definido em termos de talentos individuais e motivações para suportar as


privações iniciais, como longos anos de escolaridade, antes de galgar os postos de elite. O
modelo de concorrência perfeita não admite direitos adquiridos, dominação, pois se supõe
que o somatório das decisões feitas, fruto das aspirações pessoais, resultará num equitativo
equilíbrio do poder. (Frigotto 2006, p.61).

A noção de capital humano reitera, portanto, o deslocamento dos problemas de


inserção social, emprego e desempenho profissional para o âmbito individual, afirmando a
educação como “valor econômico”, numa equação que iguala capital e trabalho como se
fossem ambos igualmente meros “fatores de produção”.
Voltada para as práticas e concepções educacionais, a ideia de capital humano gerou
uma visão tecnicista sobre o ensino e a organização da educação, o que acabou por mistificar
seus reais objetivos. Sob a predominância desta visão tecnicista, passou-se a disseminar a
ideia de que ao educar-se o indivíduo estaria “valorizando” a si próprio, na mesma lógica em
que se valoriza o capital.
Os sistemas educacionais direcionaram-se para a formação dos recursos humanos
necessários ao desenvolvimento. As transformações educacionais daquela época decorreram,
portanto, das exigências da modernização, realizando-se em todos os níveis de escolaridade.
A finalidade de preparação para o mercado de trabalho passou a ser elemento básico de
referência para a formação escolar, fosse nos níveis mais elementares da escolarização,
responsáveis pela formação dos indivíduos de aptidões comuns destinados à execução das
tarefas simples, fosse na educação superior. A generalização da escolarização cumpriu o
duplo objetivo de elevar a qualificação da força de trabalho e atender às demandas da
população por educação e possibilidades de ingressar no mundo do trabalho.
As exigências educacionais impostas pelas inovações tecnológicas mediadas pelo
poder dos capitalistas e pelas necessidades de ampliação da produtividade são elevadas ao
plano da consciência individual a partir de um método de análise da realidade que produz a
ideia de que os interesses da classe proprietária e os interesses da classe trabalhadora
caminham juntos. A sinergia entre os interesses das grandes potências industriais e dos países
não desenvolvidos demonstra a perspectiva altamente integradora da ideologia do
desenvolvimento e da teoria do capital humano.

87
Nos rumos nitidamente fixados pelo capital, a mobilização política fundamentava-se
na afirmação da possibilidade de integração dos indivíduos aos benefícios produzidos pela
civilização contemporânea através da elevação da qualidade de vida e dos padrões de
consumo. Tais ideias vinculavam projetos de vida individuais, projetos de nação
(desenvolvidas e não desenvolvidas) e o projeto de sociabilidade do grande capital sob a
mesma bandeira: a promessa de prosperidade e melhorias futuras para toda a sociedade
trazidas por meio do advento industrial.

1.3.2. O ideário educacional em função das tendências de (des)qualificação do trabalho e


dos trabalhadores

As mudanças na conjuntura econômica, política e ideológica apresentadas no cenário


internacional a partir de meados da década de 1970 marcaram o encerramento do período de
expansão e crescimento econômico evidenciado nos países do capitalismo central durante os
chamados “anos dourados do capitalismo”. Com a inflexão das taxas de juros nos Estados
Unidos, a aceleração dos processos inflacionários e as duas crises do petróleo, a economia
mundial entrou numa profunda recessão.
Como vimos, a crise que acometeu o capitalismo no período entre guerras foi sanada,
de um modo geral, a partir da adoção das medidas keynesianas de controle do movimento do
capital internacional e regulamentação do mercado monetário, do atendimento (parcial) à
reivindicação dos trabalhadores pela ampliação dos direitos sociais e trabalhistas e da “ajuda”
das nações desenvolvidas e dos organismos internacionais voltada para a superação do atraso
e a eliminação da pobreza nos países subdesenvolvidos. Tais medidas possibilitaram ao
capital, mesmo que provisoriamente, a manutenção do consenso em torno do projeto
societário burguês, permitindo a estabilidade do sistema capitalista.
No entanto, o modelo de intervenção e regulação fordista keynesiano tornou-se
insustentável frente à integração cada vez maior das economias nacionais, às novas exigências
de produtividade e à volatilidade do capital financeiro e especulativo.
Como nos mostra Francisco de Oliveira (2001, o Estado de Bem-Estar Social e a
política econômica desenvolvimentista permitiram um forte impulso de crescimento
econômico e investimento pesado em tecnologia que se deveu, em parte, à utilização do fundo
público para o financiamento do processo de acumulação e para a reprodução da força de

88
trabalho. As transformações tecnológicas proporcionaram um impulso qualitativamente novo
do capital, instaurando e recriando novas e antigas contradições.
A criação de novos materiais, instrumentos e fontes de energia, a partir do
desenvolvimento da microeletrônica e da informática, conduziu à substituição da tecnologia
rígida, típica do modelo de produção taylorista/fordista, por tecnologias flexíveis, acarretando
mudanças em relação ao conteúdo, à forma, à organização e à divisão do trabalho e,
consequentemente, em relação à qualificação e à educação dos trabalhadores. Tais mudanças
intensificaram a incorporação do capital morto e a diminuição da participação do capital vivo
no processo produtivo, o que permitiu que as empresas pudessem manter ou elevar a
produtividade e os lucros reduzindo os custos relativos à força de trabalho.
Estabeleceu-se uma nova conjuntura, na qual as prerrogativas do Estado de Bem-Estar
Social, do pleno emprego e das políticas sociais deixaram de se encaixar. As estruturas que
forneciam as bases políticas e econômicas para a regulação fordista e asseguravam o acesso
das massas aos bens produzidos em grande escala se deterioraram frente às pressões pela
liberalização dos movimentos de capitais e pela desregulamentação dos sistemas financeiros
nacionais. E o neoliberalismo, que já vinha se formando desde a primeira metade do século
XX, tendo como protagonistas Friedrich Hayek e os demais intelectuais que compunham a
Sociedade do Mont Pèlerin, ganhou expressão como alternativa teórica, econômica,
ideológica e política congruente com a nova etapa capitalista, condenando qualquer limitação
ou regulação dos mecanismos de mercado pelo Estado e propondo um novo formato de
Estado.
A ideia força balizadora do ideário neoliberal é a de que o setor público (o Estado) é
responsável pela crise, pela ineficiência, pelo privilégio, e que o mercado e o privado são
sinônimo de eficiência, qualidade e equidade. Desta ideia chave advém a tese do Estado
mínimo e da necessidade de zerar todas as conquistas sociais, como o direito a estabilidade
de emprego, o direito à saúde, educação, transportes públicos, etc. Tudo isso passa a ser
regido pela férrea lógica das leis de mercado. Na realidade, a ideia de Estado mínimo
significa o Estado suficiente e necessário unicamente para os interesses da reprodução do
capital (Frigotto, 1997, p.83)

Na imagem forjada pelos neoliberais a respeito da crise, as atribuições do Estado de


Bem-Estar e o “poder excessivo e nefasto dos sindicatos” foram apontados como “processos
que destruíram os lucros das empresas e desencadearam processos inflacionários que não
poderiam deixar de terminar numa crise generalizada das economias mundiais” (Anderson,
1995, p.10). Nesta mesma perspectiva, somente um capitalismo duro e livre de regras seria
capaz de proporcionar a vitalidade da concorrência e, consequentemente, a retomada do

89
crescimento econômico. As medidas de contenção dos gastos sociais do Estado implicariam a
redução dos impostos e encargos sobre rendas e rendimentos altos; a supressão das garantias
de emprego e a privatização das empresas estatais garantiriam a restauração das taxas naturais
de desemprego, reduzindo o poder das classes trabalhadoras para reivindicar melhorias
salariais e gastos sociais, permitindo a dinamização da economia.
Desta maneira, a reestruturação produtiva e os ajustes de cunho neoliberal evoluíram
lado a lado com a desestruturação do mercado de trabalho. O desemprego deixou de ser um
fenômeno característico dos períodos de crise e as melhorias econômicas já não têm qualquer
relação com a restauração do mercado de trabalho, ao contrário, a racionalização e a
modernização dos processos produtivos implicam justamente tornar o trabalho flexível,
permitindo que as empresas possam desfazer-se dos trabalhadores de acordo com as
oportunidades de lucratividade e competitividade.
Por meio da desregulamentação dos direitos trabalhistas, as empresas buscam não
apenas ampliar as taxas de mais-valia absoluta e relativa, mas também tornar o adiantamento
de capital referente ao pagamento da força de trabalho (capital variável) diretamente
dependente da realização do valor das mercadorias ou do lucro. Disso decorre o crescente
processo de extinção dos direitos e dos vínculos entre trabalhador e empresa, levando à
proliferação de diversas formas de contratação (terceirização, informalidade, contrato por
tempo parcial, subcontratos, trabalho voluntário, etc.) que simbolizam a liberdade de escolha
irrestrita do capital e a subsunção da classe trabalhadora aos objetivos de valorização. O
trabalho precário torna-se a forma predominante da atual etapa do capitalismo.
A consolidação do processo de globalização dos mercados ampliou os espaços de
poder do capital através da expansão das multinacionais e das transnacionais. A atual divisão
internacional, fundada na produção e na distribuição da ciência e da tecnologia molecular
digital, caracteriza-se pela possibilidade de concentrar diferentes fases do processo produtivo
em diferentes países de acordo com as vantagens relativas aos custos da produção e da mão de
obra, à flexibilidade dos salários e dos contratos de trabalho, o grau de submissão dos
indivíduos e dos governos – aspectos que dependem do processo histórico e das correlações
de força específicas de cada sociedade. Neste sentido, as empresas tendem a concentrar nos
países pobres os empregos simples e mal remunerados, enquanto as funções de comando e
planejamento, que lidam diretamente com pesquisa e produção de tecnologia, permanecem
alocadas nos países de origem, nos países do capitalismo avançado.

90
Os países de capitalismo dependente, em troca de recursos para promover o
crescimento econômico e atrair investimentos privados, seguem as determinações dos
organismos internacionais que, através de pressões econômicas, especificam e cobram um
conjunto de medidas de ajuste cuja ênfase recai sobre “a melhoria da gestão econômica e
liberação das forças do mercado” (Banco Mundial, 2000, p.6). O resultado deste processo é
um movimento consistente de “privatização, comodificação e mercantilização dos direitos
sociais” 53 e anulação da soberania nacional dos Estados tanto na economia quanto na política
e no campo ideológico. Em consonância com as frações hegemônicas da burguesia que
conduzem as políticas destes organismos internacionais, as frações burguesas locais buscam
remover os obstáculos jurídicos de nível nacional por meio de reformas constitucionais.
Nos anos 1980, as políticas de ajuste estrutural foram reafirmadas com maior
veemência, culminando na formulação do Consenso de Washington, cujas medidas “básicas”
a serem executadas pelos “países em desenvolvimento” preconizavam disciplina fiscal,
redução dos gastos públicos, reforma tributária, juros de mercado, câmbio de mercado,
abertura comercial, investimento estrangeiro direto (com eliminação de restrições),
privatização das estatais, desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e
trabalhistas) e direito à propriedade.
A expansão do desemprego estrutural e do emprego precário, principal estratégia do
capital para subordinação da classe trabalhadora, o aumento da desigualdade e da pobreza não
apenas nos países de capitalismo dependente, além do agravamento dos problemas
relacionados aos recursos naturais e ao meio ambiente, obrigaram o capital a redefinir suas
estratégias de hegemonia econômica, política e cultural.
Já que o neoliberalismo ortodoxo e a defesa do Estado mínimo não permitiam
estratégias de consenso, nos anos 1990, a partir da ideia de um capitalismo “humanizado”, os
organismos internacionais retomaram a ideia de desenvolvimento, abandonada durante a onda
neoliberal, a fim de “harmonizar” a economia de mercado e os “objetivos de igualdade”
(UNESCO, 2005, p.56), apartando-se, entretanto, das explicações macroeconômicas para
“ressaltar os fundamentos micro de questões de desenvolvimento” (BANCO MUNDIAL,
2004, p.6). A redução da pobreza e a questão da segurança voltaram a figurar nas

53
Comodificação é o “processo pelo qual o domínio e as instituições sociais, cujo propósito não seja a
produção de mercadorias no sentido econômico restrito de artigos para a venda, vêm não obstante a
ser organizados e definidos em termos de produção, distribuição e consumo de mercadorias”
(FAIRCLOUGH. Apud. LEHER, Roberto. Estratégias de mercantilização da educação e tempos
desiguais dos tratados de livre comércio. Rio de Janeiro, [s.d.] p. 6. Mimeo.

91
preocupações dos organismos internacionais. Sob uma nova perspectiva, a pobreza deixou de
limitar-se apenas à carência econômica e ganhou um enfoque multidimensional relacionado à
privação dos serviços básicos como educação, saúde, saneamento básico, energia elétrica e à
falta de capacitação e habilidades por parte dos indivíduos para fazerem escolhas. “O governo
e as instituições passaram a ocupar o centro do debate, ao lado das questões de
vulnerabilidade local e nacional” ( ibid) sob a prerrogativa da participação e da coloboração
entre Estado, mercados, sociedade civil para a promoção do crescimento econômico e da
equidade, assumindo, no final dos anos 1990, o programa econômico e político do
neoliberalismo de Terceira Via54 como um discurso intermediário entre o neoliberalismo e a
social democracia. E a educação reassumiu o lugar de prioridade, recebendo destaque em
2000, nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas (ODM) 55 e através
da implementação da Década da Educação das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Sustentável, em 2005.
Em meio às incertezas decorrentes das constantes mudanças proporcionadas pela
adoção dos sistemas de produção flexíveis e automatizados e do desmonte da sociedade
salarial, as relações de trabalho e as relações educativas foram reordenadas a partir da suposta
complexificação dos postos de trabalho e da centralidade do conhecimento e da educação
como “fatores” constitutivos de um novo paradigma, de uma sociedade do conhecimento,
pós-industrial, pós-capitalista, pós-classista, etc. Sob a ótica da perda da centralidade do

54
Neoliberalismo de Terceira Via é um termo proposto pelo Coletivo de Estudos de Política
Educacional, grupo de pesquisa CNPQ/Fiocruz, para demarcar a diferença entre o
neoliberalismo ortodoxo e a sua redefinição proposta como uma Terceira Via (GIDDENS,
Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-
democracia. Rio de Janeiro: Record, 1999) diante das consequências sociais negativas da
adoção das políticas neoliberais e da insuficiência da social-democracia frente às
necessidades de desregulamentação, liberalização e flexibilização impostas na atual fase do
capitalismo. Ver NEVES, Lúcia Maria Wanderley. A nova pedagogia da hegemonia:
estratégias da burguesia brasileira para educar o consenso na atualidade. São Paulo: Xamã,
2005.
55
A Declaração do Milênio, pacto internacional firmado entre 191 países, em setembro de 2000, com
o objetivo de combater a pobreza, delineado a partir de oito objetivos a serem cumpridos até 2015:
1) erradicar a extrema pobreza e a fome; 2) universalisar a educação primária; 3) promover a
igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4) reduzir a mortalidade na infância; 5)
melhorar a saúde materna; 6) combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças; 7) garantir a
sustentabilidade ambiental; 8) estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento (UNESCO
(2005) op. cit.; IBGE (2007) op. cit.)

92
trabalho56 e da crise do emprego, a escola deixou de ter como função principal a preparação
para a integração dos indivíduos ao mercado produtivo e a educação assume a função de
prepará-los para a vida, através da difusão de hábitos e comportamentos que os tornem
capazes de adaptar-se às incertezas e transformações do mundo contemporâneo, administrar
riscos e assumir a responsabilidade pelo seu próprio futuro.
O trabalhador parcelar, desqualificado ou semi qualificado característico do paradigma
de produção taylorista/fordista é, supostamente, substituído pelo trabalhador polivalente
altamente qualificado, com alta capacidade de abstração, responsável por diversos pontos do
processo de produção e capaz de incorporar ao mesmo tempo tarefas de fabricação,
manutenção, controle de qualidade e gestão da produção. Embora estes requisitos
profissionais representem as exigências de um núcleo de ocupações superiores e estáveis que
decai progressivamente, o avanço tecnológico não implica necessariamente a maior
complexidade dos postos de trabalho, pelo contrário, para a imensa maioria dos empregos
criados nas últimas décadas a qualificação não se coloca como problema. Contudo, as
empresas elevam cada vez mais os critérios de seleção para a contratação mesmo para o
desempenho de atividades simples e rotineiras, tornando o padrão de acumulação flexível a
base da demanda pela elevação da escolaridade e da qualificação dos trabalhadores.
Deste ponto de vista, a carência de mão de obra qualificada para o trabalho complexo
aparece muito mais como uma construção social e ideológica, como estratégia de
conformação e adaptação dos indivíduos à sociabilidade neoliberal do que como uma
necessidade real da produção.

56
A fim de sofismar a perversa e incorrigível realidade produzida pelo capitalismo, esconder a
desvalorização econômica do trabalho e os sintomas da crise estrutural do capital e a sua
vulnerabilidade, intelectuais conservadores e da pós-modernidade apoiam-se nas crescentes
tendências de substituição do capital vivo pelo capital morto e nas transformações tecnológicas e
organizacionais dos processos de trabalho para afirmar a perda da centralidade do trabalho como
fundamento estruturante da sociedade, o desaparecimento do proletariado e a emergência do
cognitariado, o fim do trabalho abstrato e das classes sociais, como elementos de uma nova
sociedade e uma nova cultura. Numa perspectiva contrária a esses autores, entendemos que, apesar
das transformações na aparência, no conteúdo e na forma dos processos de trabalho, os
fundamentos que integram e caracterizam as relações sociais especificamente capitalistas nos
diferentes momentos históricos, tais como a propriedade privada dos meios de produção e a
extração da mais-valia, são modernizados, incluindo e redefinindo as formas de exploração e
subalternização da classe trabalhadora, que se torna mais heterogênea, mais complexificada e mais
fragmentada. A esse respeito ver Antunes, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as
metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 1995; e Frigotto,
Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo: Cortez, 2003.

93
O ajuste neoliberal manifesta-se no plano educacional pelo rejuvenescimento da teoria
do capital humano que adquire uma feição mais “humanizada” ao enfatizar as competências
individuais dos trabalhadores e incorporar elementos da “teoria do capital social”. Tomando
como premissa a defesa da valorização do indivíduo, busca-se dessa forma amortecer as
contradições geradas pela crise do emprego e dissimular a regressão das condições de vida e o
sentido precário das políticas públicas de formação, educação e renda, assegurando a
“colaboração” dos mais afetados direta e negativamente pela ofensiva neoliberal.
Os ajustes elaborados na teoria do capital humano têm como finalidade ampliar o seu
alcance aos trabalhadores considerados “excluídos” do mercado de trabalho, mas que, no
entanto, ainda apresentam condições produtivas, por meio do desenvolvimento do espírito
empreendedor, da autoconfiança, da iniciativa da cidadania participativa e da autoestima
cultural, capacidades que os tornam aptos a aproveitar as oportunidades econômicas e
melhorar seus meios de sustento.
Percebe-se, então, que a noção de capital humano não desaparece do ideário econômico,
político e pedagógico, mas é redefinida e ressignificada [...] Na verdade, uma promessa que
encobre o agravamento das desigualdades no capitalismo contemporâneo, deslocando a
produção dessa desigualdade da forma que assumem as relações sociais de produção para o
plano do fracasso do indivíduo (Frigotto, 2009, p.71).

A associação direta entre escolarização (confundida com qualificação), produtividade,


eficiência, desenvolvimento e riqueza e o investimento econômico em educação como meio
de superar o subdesenvolvimento ou obter retornos ou posição mais elevada na escala salarial,
elemento fundante da ideologia do desenvolvimento e da teoria do capital humano, torna-se
frágil.
Os indivíduos devem reconhecer, assim como afirma Hayek : que a ordem de mercado
não resulta numa correspondência estreita entre o mérito subjetivo e as necessidades
individuais de um lado e as recompensas no outro lado. Ela funciona segundo o princípio de
um jogo misto de habilidade e sorte, no qual os resultados para cada indivíduo tanto poderão
ser determinados por circunstâncias inteiramente fora de seu controle quanto por sua
habilidade ou esforço (Hayek, 1981, p. 58).

Os países de capitalismo dependente optam pela cópia e pela transferência de


tecnologia, abandonando o projeto nacional desenvolvimentista e aderindo aos programas de
ajuste estrutural impostos como condição para a concessão de empréstimos pelos organismos
internacionais. A preparação para um mercado de trabalho em constante decadência deixa de

94
ter apelo ideológico, gerando a necessidade de um discurso que tenha o indivíduo como
categoria central.
No bojo do processo de redefinição hegemônica do capital, a reconfiguração do
ideário e das práticas educacionais apoia-se num conjunto de importantes estratégias retóricas,
cujos objetivos voltam-se para a restrição da consciência política e da luta dos trabalhadores
aos marcos da ordem capitalista. A primeira estratégia consiste na transposição do eixo de
análise das causas da pobreza e da desigualdade das relações sociais de classe para o âmbito
individual e para a ineficiência da gestão dos recursos. A pobreza e a miséria aparecem como
resultado de escolhas e decisões equivocadas, da falta de talento e esforço por parte dos
pobres. A segunda estratégia remete à naturalização das condições sociais e à sua
inevitabilidade, como se a realidade existente fosse a única possível, reprimindo as raízes
históricas das lutas e das conquistas dos trabalhadores. A terceira estratégia está relacionada à
demonização do público e à santificação do privado, tomando o mercado e o privado como
modelos de eficiência e eficácia e justificando o esvaziamento das funções sociais do Estado.
Por último, a refuncionalização dos espaços de luta e dos ideais das classes trabalhadoras e a
ressignificação do vocabulário presente nas suas reivindicações.
Novas categorias, noções e conceitos são criados e, ao mesmo tempo, as antigas
categorias linguísticas têm seu significado transformado ou são deslocadas por outras,
constituindo elementos estruturantes dos discursos científico, político e social do capital que
têm como finalidade a adequação psicofísica e técnica dos trabalhadores. Noções como
empregabilidade, empreendedorismo, competências, qualidade total, capital humano, capital
social, flexibilidade, apreender a aprender, inclusão e exclusão social reordenam as relações
entre trabalho e educação, assumindo centralidade no estatuto científico, incorporando-se ao
senso comum e tornando-se princípios orientadores das ações políticas, conforme observamos
através da análise dos documentos dos organismos internacionais (Banco Mundial, UNESCO,
OIT) e regionais (CEPAL, BID), seus principais mentores e veiculadores, e dos documentos
que organizam e regulamentam o funcionamento dos sistemas educacionais nacionais.
O conceito de qualificação em torno do qual, até então, haviam se organizado os
padrões de formação, emprego, carreira e remuneração é tensionado pela noção de
competência que representa “uma nova mediação” ou “uma mediação renovada pela
acumulação flexível do capital” (Ramos, 2006, p.24).
Sob os propósitos de institucionalizar novas formas de educação/formação que
atendam à demanda das empresas e desviar o foco dos empregos, ocupações e tarefas para o

95
trabalhador, a competência destaca os atributos individuais dos trabalhadores e a sua relação
subjetiva com o trabalho, sob a forma de capacidades cognitivas, sócio afetivas e
psicomotoras. Nesse sentido, ao passo que a qualificação constitui-se por códigos
consolidados, duradouros e rígidos e constitui um atributo dos postos de trabalho, a
competência torna-se um código privilegiado, já que se funda nos conteúdos reais do trabalho,
dinâmicos, flexíveis e mutáveis. Os saberes formais ligados aos postos de trabalho, cuja posse
era geralmente atestada pelos diplomas, perdem relevância diante do reconhecimento do saber
prático, ou seja, diretamente ligados às experiências pessoais do trabalhador.
A competência é realmente a competência de um indivíduo (e não a qualificação de
um emprego) e se manifesta e é avaliada quando de sua utilização em situação profissional
(a relação prática do indivíduo, logo, a maneira como ele enfrenta essa situação está no
âmago da competência) [...] que só se revela nas ações em que ela tem o comando destas
últimas [...] Em outras palavras, a competência só se manifesta na atividade prática, é dessa
atividade que poderá decorrer a avaliação das competências nela utilizadas (Zarifian apud
Batista, 2006, p., 96)

Para Ramos à medida que o conceito de qualificação vem se desgastando enquanto


ordenador da relação trabalho e educação a competência não o supera nem o substitui, mas o
desloca num movimento simultâneo de negação e afirmação de suas dimensões 57. Enquanto
as dimensões social e conceitual da qualificação são enfraquecidas, a dimensão experimental
assume maior relevância.
O caráter individual da competência faz com que os elementos que atuam na
configuração da divisão social do trabalho, relacionados às relações sociais estabelecidas
entre trabalhadores e capital ou representantes do capital, sejam desvalorizados pela
individualização das reivindicações e negociações, levando a um movimento de
despolitização dessas relações que cada vez menos se pautam por critérios coletivos e
políticos. Sendo assim, “questões relacionadas às oportunidades educativas, ao emprego, à
precarização das relações de trabalho, às perdas salariais, entre outras, assumem caráter
estritamente técnico” (Ramos, 2002, p. 406).

57
“Schwartz (1995) equaciona essas abordagens propondo que a qualificação tem três dimensões:
conceitual, social e experimental. A primeira define-a como função do registro de conceitos teóricos
e formalizados, associando-a aos títulos e diplomas. A segunda coloca a qualificação no âmbito das
relações sociais que se estabelecem entre conteúdos das atividades e classificações hierárquicas,
bem como ao conjunto de regras e direitos relativos ao exercício profissional construídos
coletivamente. Por fim, a terceira dimensão está relacionada ao conteúdo real do trabalho, em que se
inscrevem não somente os conceitos, mas o conjunto de saberes postos em jogo quando da
realização do trabalho” RAMOS, Marise. (2006) op. cit., p.401- 402.

96
A ênfase nas aquisições cognitivas e sociais, habilidades, valores e traços de
personalidade dos indivíduos adquiridos através da educação formal ou de outras experiências
(empregos, estágios, atividades lúdicas, atividades familiares, etc.) libera a classificação e a
progressão dos indivíduos da classificação dos empregos centrada no domínio de uma
profissão e desliga, até certo ponto, a evolução e as trajetórias profissionais dos saberes
formais, dos certificados escolares e diplomas.
Profundamente ligadas à pedagogia das competências, as noções de empregabilidade e
empreendedorismo justificam e legitimam a desresponsabilização do capital e do Estado pela
desvalorização e precarização dos postos de trabalho, infligindo aos indivíduos a
responsabilidade de empreender estratégias eficientes e criativas para manter suas
competências em dia, assegurando sua própria inserção e permanência no mercado de
trabalho.
Enquanto o capital humano, a empregabilidade e as competências mantêm o foco na
capacitação profissional e na preparação do indivíduo seja para a vida ou para o emprego, a
ideologia do capital social engloba também a ideia de coletividade e comunidade, ou seja,
“está contido na estrutura de relações entre as pessoas e nas pessoas” (Stein, 2003, p. 177).
O capital social pode ser entendido como “a capacidade que pessoas e grupos sociais têm de
pautar-se por normas coletivas, construir e preservar redes e laços de confiança, reforçar a
ação coletiva e assentar bases de reciprocidade no tratamento que se estendem
progressivamente ao conjunto da sociedade” (CEPAL, 2007, p. 24)
O novo ideário educacional retoma e higieniza muitos dos termos e dos valores
presentes nas lutas dos trabalhadores e dos movimentos sociais, ressifignificando-os de
acordo com as necessidades de manutenção do consenso e da coesão social. Embora o capital
social mantenha o estigma do capital e seja um termo cunhado e disseminado como orientador
de políticas públicas pelas frações burguesas dominantes, ancora-se em categorias como
solidariedade, respeito, relações sociais duráveis, participação política, cidadania e igualdade
que, aliadas aos interesses de estabilidade política e reconstrução do Estado, buscam a criação
um cenário livre de conflitos para o funcionamento do mercado.
O objetivo é fazer com que todos os membros da sociedade se sintam parte ativa dela,
como colaboradores e beneficiários (CEPAL, 2007, p. 74), mesmo aqueles que estejam
permanentemente às suas margens. O desemprego estrutural e a predominância do emprego
precário produzem não mais um exército industrial de reserva de mão de obra, ou seja,
trabalhadores temporariamente sem emprego por motivos de saúde, enfermidade ou

97
dificuldades econômicas aptos a serem reintegrados ao mercado de trabalho em qualquer
momento. O risco atual é a constituição de populações desnecessárias, até mesmo para a
regulação do capitalismo.
No entanto, ainda que não absorvidas plenamente pelo assalariamento, essas
populações encontram-se capturadas pelas relações sociais capitalistas, já que dependem do
mercado para o acesso aos meios de subsistência e reprodução social.58 A base material da
ideologia capitalista encontra-se (hoje, talvez mais do que em qualquer outro momento
histórico) na primazia do consumo de bens e serviços mercantilizados. Diferentemente da
dimensão integradora prefigurada pelo Estado de Bem-Estar Social e pelo keynesianismo nos
anos dourados do capitalismo, as recentes políticas de “inclusão social” distanciam-se do
plano dos direitos sociais à educação, à saúde, à moradia, ao transporte e do direito ao
trabalho assegurado pelo Estado, voltando-se essencialmente para a construção de redes de
proteção social sustentadas pela parceria Estado, mercado e sociedade civil em níveis local,
nacional, regional e global, tendo como base o assistencialismo e o voluntariado.

1.3.3. A especificidade do projeto capitalista brasileiro e a política educacional para a


formação dos trabalhadores

A implantação dos elementos embrionários e fundamentais das relações sociais


especificamente capitalistas – acumulação primitiva, expropriação dos meios de produção dos
produtores diretos e assalariamento da força de trabalho, urbanização, modernização
constante das forças produtivas, generalização do acesso mercadológico aos meios de
existência e reprodução social – ocorreu de modos distintos em cada formação social
específica.
A teoria da dependência surgiu na década de 1960 como um esforço para explicar as
diferenças entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento como resultado histórico de

58
É neste sentido que Virgínia Fontes (2005) critica a utilização exacerbada do binômio exclusão-
inclusão. A autora considera que a expropriação dos trabalhadores diretos dos meios de produção
da existência, condição histórica de constituição e perpetuação do capitalismo, já constitui por si só
uma exclusão. Porém, constitui igualmente uma inclusão, já que essa mão de obra destituída da
capacidade de sobrevivência deverá entrar no mercado de trabalho para obter o salário como forma
de acesso às mercadorias, sendo-lhe impossível escapar ao processo de mercantilização da vida
social. Partindo desse ponto de vista, Fontes propõe a categoria inclusão forçada, visto que
ninguém pode ser excluído das relações de mercado, mesmo aqueles que não estão inseridos no
mercado produtivo. Fontes, Virgínia. Reflexões im-pertinentes: história e capitalismo
contemporâneo. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2005.

98
processos distintos, entendendo que o desenvolvimento capitalista da periferia é circunscrito e
limitado pelo desenvolvimento dos países centrais.
Sob o contexto internacional de crise dos primeiros anos do século XX, os países da
América Latina direcionaram seus esforços para a substituição das importações por uma
produção nacional, dando início ao processo de industrialização e modernização das
economias. No entanto, após o término da Segunda Guerra Mundial o cenário global para a
continuidade desse processo, mediante a maior integração das economias e a generalização da
base científico-tecnológica fordista, impôs novas condições para a superação do
subdesenvolvimento. A fim de obter investimentos para o acesso às inovações, sob o impulso
desenvolvimentista, a burguesia industrial dos países periféricos articulou-se ao movimento
de expansão do capital internacional, permitindo a ampliação da influência do fator externo na
economia e, consequentemente, na sociedade política desses países.
Nesta perspectiva, Ruy Mauro Marini desenvolve sua concepção sobre o capitalismo
periférico, articulando o processo de inserção dos países da América Latina no capitalismo
mundial e a exploração da força de trabalho. Para o autor, o tipo de capitalismo desenvolvido
no Brasil, “por sua estrutura global e seu funcionamento, não poderá nunca se desenvolver
da mesma forma como se desenvolveram as economias capitalistas consideradas avançadas
(2000ª)
Marini entende a dependência como: uma relação de subordinação entre nações
formalmente independentes, em cujo âmbito as relações de produção das nações
subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da
dependência. O fruto da dependência só pode assim significar mais dependência, e sua
liquidação supõe necessariamente a supressão das relações de produção que ela supõe
(Marini, 2000, p.106)

O menor grau de desenvolvimento das forças produtivas, aliado à inserção tardia na


economia mundial, deixa as formações sociais periféricas em condições de inferioridade para
competir economicamente, o que leva as burguesias desses países a buscarem compensações
por meio da intensificação da exploração da força de trabalho.
Enquanto os países centrais do capitalismo se consolidaram na divisão internacional
do trabalho como produtores industriais, a América Latina adquiriu a função de produzir
alimentos e matérias-primas destinadas a alimentar este processo de industrialização,
contribuindo para que a acumulação nos países industrializados deslocasse seu eixo da mais-

99
valia absoluta (simples exploração do trabalho) para a mais-valia relativa (capacidade
produtiva do trabalho), mantendo, no entanto, a sua própria produção baseada na mais-valia
absoluta. A produção dos países dependentes proporcionou, desta maneira, a redução do valor
real da força de trabalho e, por conseguinte, a redução do valor das mercadorias e o aumento
das taxas de lucro nos países industrializados através de mecanismos de transferência de valor
operados internacionalmente. Nesta contradição está a essência da dependência latino-
americana para Marini.
A América Latina não só alimentou a expansão quantitativa da produção nos países
industriais como contribuiu para a superação dos obstáculos que a contradição inerente à
acumulação capitalista criou para essa expansão mediante procedimentos que se orientaram
no sentido de incrementar a mais-valia e corrigir o desequilíbrio entre os preços e o valor da
força de trabalho, consagrando a sua subordinação. Com o objetivo de compensar a perda da
renda gerada pelo comércio internacional, a América Latina configurou “um modo de
produção fundado exclusivamente na maior exploração do trabalhador e não no
desenvolvimento da sua capacidade produtiva” (Marini, 2000ª, p. 109)
Segundo Marini (2000a, p.125) um ponto chave para a compreensão do caráter da
economia latino-americana constitui-se a partir da separação dos dois momentos
fundamentais do ciclo do capital: a circulação e a produção. Como a circulação é efetuada
basicamente no âmbito do mercado externo, o consumo individual do trabalhador, embora
determine a mais-valia, não interfere na realização das mercadorias produzidas, apresentando
como tendência natural do sistema a exploração máxima do trabalho sem preocupação com as
condições básicas de produção e reprodução da força de trabalho. Configura-se uma forma
específica das relações de exploração na qual as contradições próprias do modo de produção
capitalista são acentuadas até o limite. E foi sob os efeitos destas contradições que a América
Latina ingressou na etapa de industrialização.
Nas economias clássicas, a separação entre produtos e meios de produção resultou não
apenas na criação do trabalhador assalariado, mas na criação de um consumidor, que deixou
de produzir os bens necessários a sua subsistência e passou a ter acesso a estes através do
mercado. Sendo assim, a produção industrial neste tipo de economia centra-se basicamente
nos bens de consumo popular que incidem diretamente no valor da força de trabalho, ou seja,
incorporam-se ao capital como elemento do capital variável, o que as leva a orientar-se na
direção do aumento da produtividade do trabalho.

100
Em contrapartida, a compressão permanente exercida sob o consumo da classe
trabalhadora nos países de economia de exportação irá permitir apenas o desenvolvimento de
uma atividade industrial fraca, subordinada à produção e à exportação de bens primários,
como centro vital da acumulação. E apenas quando fatores externos impedem as importações
o eixo da acumulação se desloca para a indústria e o capitalismo dependente, aparentemente,
orienta-se no mesmo sentido dos países industriais clássicos, todavia operando no “âmbito de
uma estrutura de mercado previamente dada, cujo nível de preços atuava no sentido de
impedir o acesso do consumo popular, e a indústria não tinha razões para aspirar a uma
situação distinta” (Marini, 2000ª, p.125). A estes capitalistas apenas coloca-se como
problema o atendimento de um mercado já existente e que, por situações adversas, não pode
ser atendido pelos países avançados.
As análises e interpretações de Florestan Fernandes sobre a formação e o
desenvolvimento da sociedade brasileira, que assim como Ruy Mauro Marini partem das
concepções marxianas e marxistas, superam tanto as análises pautadas nos bloqueios de
ordem estrutural que produzem o subdesenvolvimento quanto as teses que postulam a
existência de estágios definidos e hierarquizados do desenvolvimento capitalista, nas quais o
“moderno” se opõe ao “arcaico”. Florestan Fernandes nega o dualismo estrutural e a
superação do subdesenvolvimento através da aceleração do crescimento econômico, partindo
da tese do desenvolvimento desigual e combinado para compreender a especificidade do
capitalismo que se configura no Brasil, precisada no seu conceito de capitalismo dependente.
É importante destacar que Florestan Fernandes não constrói uma teoria da
dependência, a maior de suas contribuições se situa no fato de que o autor busca explicar o
subdesenvolvimento capitalista a partir dos mesmos fundamentos do desenvolvimento
capitalista, ou seja, “como as classes se organizam e cooperam ou lutam entre si para
preservar, fortalecer e aperfeiçoar, ou extinguir, aquele regime social de produção
econômica” (Fernandes, 1968, p.28). As relações e os conflitos de classe aparecem, portanto,
como categorias chave na sua teoria.
Florestan não considera a dependência como um fenômeno decorrente propriamente
das relações entre nações e da dominação externa. As pressões externas das estruturas e do
dinamismo do capitalismo mundial são inegavelmente consideráveis, mas não se fortalecem
sem ou contra as forças internas.
O modelo concreto de capitalismo que irrompeu e vingou na América Latina reproduz
as formas de apropriação e expropriação inerentes ao capitalismo moderno com um
componente adicional específico e típico: a acumulação de capital institucionaliza-se para
101
promover a expansão concomitante dos núcleos hegemônicos externos e internos (ou seja, as
economias centrais e os setores sociais dominantes). Em termos abstratos, as aparências são
de que estes setores sofrem a espoliação que se monta de fora para dentro, vendo-se
compelidos a dividir o excedente econômico com os agentes que operam a partir das
economias centrais. De fato, a economia capitalista dependente está sujeita, como um todo, a
uma depleção permanente de suas riquezas (existentes ou potencialmente acumuláveis), o que
exclui a monopolização do excedente econômico por seus agentes privilegiados. Na
realidade, porém, a depleção de riquezas se processa à custa dos setores assalariados e
destituídos da população, submetidos a mecanismos permanentes de sobreapropriação e
sobreexpropriação capitalistas. (Fernandes apud Limoeiro Cardoso, 2008, p. 24.

A consolidação conservadora da dominação burguesa no Brasil” se deu diante do seu


comprometimento com vantagens que decorriam tanto do “atraso” quanto do
“adiantamento” das populações, os impulsos de modernização que vinham de fora se
ajustaram aos múltiplos interesses e adaptações ambíguas, caracterizando a opção por uma
“mudança gradual e a composição a uma modernização impetuosa, intransigente e
avassaladora. (Fernandes, 2006, p. 41).

Deste ponto de vista, “a dominação burguesa se associava a procedimentos


autocráticos, herdados do passado ou improvisados no presente, e era quase neutra para a
formação e difusão de procedimentos democráticos alternativos que deveriam ser instituídos”
(FERNANDES, 2006, p.243). Ainda que os trabalhadores venham a obter algumas conquistas
visíveis constitucionalmente, “estas conquistas perdem seu caráter proletário socialista e
sequer ganham o sentido de reformas estruturais burguesas, propriamente ditas, pois
resultam sempre do acordo, da conciliação, se a burguesia cede alguma coisa, ela também
neutraliza riscos candentes e obtém ganhos compensadores” (Fernandes, 1989)59.
Segundo Ianni (1986), a revolução burguesa na América Latina encontrou razoável ou
pleno sucesso enquanto revolução econômica ao realizar avanços no que remete aos
desenvolvimentos econômicos que interessavam às classes dominantes; em contrapartida,
efetivou-se como contrarrevolução em termos políticos, no sentido de que não abriu espaços
para a institucionalização de direitos democráticos. “Em uma perspectiva histórica ampla,
superam-se o escravismo, colonialismo e latifundismo, herdados da época colonial, sem que
se apague maiormente alguns de seus traços. (Ianni, 1986, p.18).
As sociedades nacionais tornam-se espaços determinados pelas exigências de
reprodução ampliada do capital, em meio ao qual o Estado assume a função de manutenção
do “princípio da ordem, segurança, estabilidade, paz social, harmonia entre o trabalho e o

59
Florestan Fernandes: Constituinte e revolução. Entrevista a: CHASIN. J. ANTUNES, Ricardo;
BARSOTTI, Paulo D.; PRADES, Maria D. Revista Ensaio, São Paulo, Ed. Ensaio, n. 17/18,
p.127-128, 1989.

102
capital, progresso, crescimento, desenvolvimento, modernização” (Ianni, 1986, p.52). Frente
às lutas populares, os governos autoritários recorrem à repressão e ao golpe como medidas de
contenção dos protestos. O Estado não absorve e não interpreta os movimentos da sociedade,
levando as burguesias locais a aliarem-se ao capital estrangeiro para derrubar não apenas as
restrições econômicas, mas também as barreiras de ordem política produzidas pelas tensões
entre Estado e sociedade civil.
O que está em causa, por dentro e por fora desse novo surto de mundialização do
capital, é o desenvolvimento das classes sociais, também em escala mundial. As relações
entre os Estados nacionais, altamente determinadas pelos processos de concentração e
centralização do capital, implicam o desenvolvimento das classes e antagonismos de classes.
Ou frequentemente invadem as fronteiras internas da nação (Ianni, 1986, p.49).

Na mesma direção das análises de Florestan Fernandes e Octávio Ianni, Francisco de


Oliveira entende a especificidade da inserção subordinada do Brasil na divisão internacional
do trabalho a partir da imbricação entre o atrasado e o moderno. O recente salto das forças
produtivas proporcionado pela revolução molecular digital irá consolidar a transformação do
Brasil num monstrengo social, que se torna o “novo modo de produção da periferia
capitalista”.
Capital financeiro na cabeça, informatização em todos os meios de produção e de
consumo, dívida externa que representa um adiantamento de não menos que 40% sobre o PIB
e porcentagem mais alta para a dívida interna, setor financeiro com 9% do PIB, proporção
que nem os EUA e o UK, principais centros financeiros do capitalismo globalizado,
alcançam, altíssima informalidade que beira os 60% do PEA, pobreza na qual vegetam 70
milhões – 41% da população – abaixo da linha dos US$2 per capita/dia (em 1998, segundo o
PNUD) e que é concomitantemente provocada pela digitalização molecularização do capital.
Isto é, mamífero com bico e patas de pato, semiaquático, cujas mamas são pelos e... que se
reproduz oviparamente, modo barroco de dizer: bota ovo (Oliveira, 2003ª, p. 11).

Para Oliveira, não se trata mais do subdesenvolvimento, enquanto forma singular


histórica do desenvolvimento das ex-colônias, nem da produção da dependência pela
conjunção de lugar na divisão internacional do trabalho e articulação dos interesses internos,
na qual se encontrava uma possibilidade de mudança advinda da luta interna de classes. Agora
se trata de uma economia industrial voltando-se, no entanto, à mesma situação de
subordinação financeira marcada pela “quase completa ausência de horizonte de superação”.
Diferentemente do subdesenvolvimento, o Ornitorrinco contém todos os elementos do
“original desenvolvido”, nele já não há espaços pré capitalistas ou fronteiras de expansão do
capital.
Hoje, o ornitorrinco perdeu sua capacidade de escolha, de “seleção”, e por isso é
uma evolução truncada [...] Enquanto o progresso técnico da Segunda Revolução Industrial
103
permitia saltar à frente, operando por rupturas sem prévia acumulação técnico-científica,
por se tratar de conhecimento difuso e universal, o novo conhecimento técnico-científico está
trancado em patentes (Oliveira, 2003, p. 318).

A mudança técnico-científica de natureza molecular digital imprime “uma espécie de


eterna corrida contra o relógio”(ibid, p 319), ocasionada pela grande velocidade da
obsolescência do conhecimento. A acumulação de capital nos países periféricos passa a
realizar-se, então, a partir da cópia do conhecimento técnico-científico descartável, o que
ainda assim exige um esforço de investimento que não está ao alcance das forças internas
destes países, reiterando a dependência financeira externa e fortalecendo o poder do grande
capital.
As políticas de educação, emprego, cultura e tecnologia estão profundamente
relacionadas à forma específica do desenvolvimento do capitalismo no Brasil e ao modo como
o país vem se inserindo atualmente na economia mundial, refletindo a opção da burguesia por
um projeto de sociedade de capitalismo dependente e associado às burguesias hegemônicas
dos países centrais. Configura-se assim um processo de desenvolvimento e industrialização
parcial e truncado, “com a modernização seletiva e contida das grandes empresas
internacionalizadas – na ponta da cadeia produtiva – e o retraimento, fechamento e
desnacionalização de outras” (Pochmann, 2006, p.21) e predomínio da formação da maior
parte da força de trabalho para o trabalho simples sobre a pequena parcela de postos de
trabalho que demandam domínio da ciência e da tecnologia de natureza digital molecular,
contrariando as ideologias que postulam a inexistência de mão de obra qualificada para os
empregos existentes.
Oliveira (2003) enfatiza que o fenômeno que preside tudo é a enorme produtividade do
trabalho, que permite a mudança radical na relação entre capital e trabalho ao incidir sobre a
relação salarial, não apenas nos países de capitalismo dependente, mas também no núcleo
desenvolvido do capital. A correlação de forças leva à desregulamentação e à destituição dos
poucos direitos conquistados pelos trabalhadores nas décadas anteriores.
Pochmann (2008) analisa que mediante a abertura comercial e a desregulamentação
econômica e financeira dos anos 1990 a dinâmica do mercado de trabalho brasileiro, que até o
final dos anos 1980 demonstrara sinais de estruturação com forte expansão das ocupações e o
fortalecimento do emprego assalariado formal, assume uma tendência oposta de desaceleração
do assalariamento e a proliferação de diversas formas de contratação. Para se ter uma ideia, o
grupo de trabalhadores desempregados durante o período 1975-1989 era de 2,9% da

104
população economicamente ativa, passando a 30,3% no período 1990-2003; o percentual de
trabalhadores empregados com carteira assinada passou, no mesmo período, de 53,5% para
31,6% (Pochmann, 2008, p. 26).
O desemprego muda radicalmente a sua natureza, deixando de concentrar-se nos
segmentos considerados vulneráveis da população ativa (jovens, mulheres, negros – todos
geralmente com reduzida escolaridade), para atingir também a população economicamente
ativa com maior escolaridade.
Em 2004, 60,2% dos desempregados (8,3 milhões de pessoas) possuíam o ensino
básico completo, enquanto em 1995 apenas 37,7% do total dos desempregados (4,5 milhões)
tinham até oito anos de estudo [...]. Já o número de desempregados com nível universitário
quase triplicou no mesmo período: de 98 mil desempregados em 1995 passou-se a 247 mil em
2004 (Pochmann, 2008, pp. 39-41).

Em meio aos ajustes estruturais e superestruturais de cunho neoliberal da década de


1990, a aprovação do projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394, em
20 de dezembro de 199660, constitui um marco no campo educacional brasileiro,
representando o embate entre o neoliberalismo e os ideais de redemocratização dos anos 1980
e a regressão das várias conquistas dos educadores e dos movimentos sociais consagradas na
constituição de 1988 na direção da educação pública de qualidade. Enquanto a Constituição
colocava a qualificação para o trabalho como uma das finalidades da educação escolar, a LDB
estabeleceu um vínculo linear entre produção e escola.
Como destaca Ramos (2005) a LDB representou pelo menos três avanços importantes
para a estrutura da educação brasileira: o alargamento do significado da educação; uma
concepção mais ampliada de educação básica, que incluiu o ensino médio; e a sua
caracterização como etapa final da educação básica, responsável por consolidar e aprofundar
os conhecimentos, possibilitando a inserção no mundo do trabalho e o exercício da cidadania.
Todavia, os “pontos obscuros” e as “imprecisões” da LDB deixaram espaços para
regulamentações posteriores.
A desigualdade sob a qual se dá a expansão quantitativa do ensino fundamental, assim
como o tratamento que tem sido dado ao ensino médio pelos governos neoliberais, aprofunda
a segmentação e o dualismo, sinaliza a opção pela formação para o trabalho simples e a falta

60
BRASIL. Leis, Decretos. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União,
Brasília, v. 134, n. 248, p. 27833-27841, 23 dez. 1996. Seção I. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Texto integral da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

105
de preocupação com a produção de ciência e tecnologia e com o direito à cidadania (Frigotto,
2010)
O ensino médio revela com mais evidência a contradição entre capital e trabalho, a
partir da separação histórica entre a educação das classes dirigentes e a preparação para o
trabalho. O Decreto nº 2.208/9761 representou um símbolo da fragmentação e do dualismo
educacional, instituído durante o segundo mandato do Presidente FHC. O decreto estabeleceu
as bases da reforma educacional, proibiu a integração entre ensino médio e ensino técnico e
regulamentou a fragmentação, a flexibilização e o aligeiramento da educação profissional de
nível médio62.
Tal como destacam Neves e Pronko (2008) as mudanças abrangentes realizadas no
sistema educacional durante os dois governos FHC alteraram substancialmente o conteúdo da
formação para o trabalho simples e para o trabalho complexo, valendo-se tanto da coerção
como de estratégias de educação do consenso. De um modo geral, as medidas educacionais
dos governos FHC direcionaram-se para “a estruturação de uma nova educação básica”, “um
novo sistema nacional de formação técnico-profissional” e para “o desmonte progressivo do
aparato político jurídico da formação para o trabalho complexo” (Neves e Pronko, 2008,
57).
Em 2004, dois anos após a sua eleição, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva cumpriu
o compromisso feito junto aos educadores durante a campanha e o Decreto nº 2.208/97 foi
revogado com a promulgação do Decreto nº 5.154/0463, pelo qual buscava-se resgatar a
perspectiva do ensino médio integrado que articulasse ciência, cultura e trabalho, contrapondo
a profissionalização adestradora através dos princípios da concepção de educação politécnica
ou tecnológica. Essa proposta não obteve avanços concretos; ao mesmo tempo em que
recuperou a educação tecnológica de nível médio, ela flexibilizou as possibilidades de
relacionamento entre ensino médio e educação profissional (integrada, concomitante e

61
. BRASIL. Leis, Decretos. Decreto no 2.208, de 17 de abril de 1997. Diário Oficial da União,
Brasília, v. 135, n.o 74, p. 7760-7761, 18 abr. 1997. Regulamenta o parágrafo 2 do art. 36 e os arts.
30 a 42 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional.
62
. A partir desse instrumento legal, o ensino médio retomou o caráter propedêutico, enquanto os
cursos técnicos poderiam ser cursados concomitante ou subsequentemente ao ensino médio.
63
BRASIL. Leis, Decretos. Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004. In: BRASIL. Ministério
da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Educação profissional e
tecnológica : legislação básica. 6. ed. 2005. p. 5-7. Disponível:
<https://www.planalto.gov.br//ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5154.htm>

106
subsequente). A mudança discursiva aparentemente progressista do ensino médio acomodou
os interesses em disputa e aprofundou a dualidade e a diferenciação. De um lado, os
convênios com universidades federais ou transferência de recursos para as instituições
privadas, os Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets) e o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (Senai) garantem a formação para o trabalho complexo e a
integração de um reduzido número de trabalhadores no mercado formal. Enquanto isso, no
outro patamar do sistema programas como o Programa Nacional de Inclusão de Jovens
(Projovem), o Programa Escola de Fábrica e Programa de Educação para Jovens e Adultos
(Proeja) articulam escolarização e qualificação profissional com o intuito de formar mão de
obra para inserção parcial e precária de segmentos significativos da classe trabalhadora,
contribuindo para o arrefecimento das lutas sociais através da assimilação das demandas
populares aos objetivos do projeto societário hegemônico.

Considerações finais

As dimensões da imensa desigualdade e da dualidade estrutural do modelo


educacional brasileiro ganham maior compreensão quando apreendidas a partir do olhar
atento sobre as relações de classe e a constituição da nossa formação social, política e
econômica. Neste sentido os autores clássicos do pensamento social brasileiro nos ajudam na
tentativa de desvendar “o que somos e para onde vamos”, possibilitando vislumbrar as
alternativas de transformação.
As sucessivas reformas e políticas públicas implantadas nas últimas décadas pelos
governos neoliberais realizam-se na direção da adequação do sistema educacional à lógica da
acumulação flexível, tendendo apenas a remover os obstáculos à expansão capitalista sem, no
entanto, representar real perspectiva de transformação na direção de uma educação centrada
nas necessidades humanas. As mudanças promovidas buscam amortecer as contradições
através do atendimento parcial e precário das demandas populares por educação através da
assistência focal e da inclusão social dentro dos limites do sistema do capital.
Para se tornarem hegemônicas, as frações de classe dominantes devem assegurar que
suas ideias e valores sejam assimilados e partilhados pelas classes trabalhadoras. Sendo assim,
as teorias, categorias e noções sustentam a dimensão pedagógica do projeto de sociedade
dominante, articulando as necessidades da classe trabalhadora e as exigências de conformação
impostas pelas transformações do processo de trabalho e pela nova sociabilidade capitalista.
De um modo geral, as recentes políticas que visam ao aumento qualitativo e quantitativo da
107
educação nos países de capitalismo dependente são subsidiadas pela teoria do capital humano
(Frigotto, 2006) pela pedagogia das competências (Ramos, 2006) e pela teoria do capital
social (Motta, 2007) todas constituídas nos centros hegemônicos do capital e difundidas pelos
organismos multilaterais.
A relação trabalho e educação é reordenada tendo como base a suposta
complexificação dos empregos em decorrência da mudança da base científico-tecnológica da
produção e a necessidade de formação e qualificação dos trabalhadores para essas tarefas. Em
contrapartida, a análise empírica dos mercados de trabalho permite perceber que as ocupações
que demandam maiores qualificações, além de estarem concentradas nos países de
capitalismo central, também se encontram em decadência.
A linearidade entre escolarização, produtividade e emprego torna-se frágil diante das
tendências de precarização do trabalho, flexibilização da produção, reestruturação das
ocupações, aumento do desemprego estrutural e valorização crescente do trabalhador múlti
adaptável e polivalente, levando à redefinição do ideário educacional em função de um novo
tipo de trabalhador capaz de empreender formas criativas para adaptar-se às incertezas e
administrar riscos.
A reformulação da educação brasileira, em curso desde os anos 1990, avança em meio
à regressão dos reduzidos direitos sociais conquistados pela classe trabalhadora,
caracterizando-se pelo aprofundamento da fragmentação e diversificação dos níveis e
modalidades educacionais, pela descentralização das responsabilidades pela manutenção
escolar e pelo forte apelo às parcerias entre iniciativa privada, organizações não
governamentais, Estado e comunidade mais próxima para cooperação em torno da melhoria
da qualidade das escolas, pela via do voluntarismo e do assistencialismo, retirando o foco da
escola pública de qualidade, unitária, universal, gratuita, laica e politécnica enquanto direito
garantido pelo Estado, que assim como a produção de ciência, de técnica e tecnologia nunca
se colocou como um problema ou uma necessidade das classes dominantes em nosso país.
A superação da educação escolar dualista, fragmentária e adestradora implica o resgate
de uma educação que tenha o trabalho como princípio educativo (Gramsci, 2006 no sentido de
conferir, através do desenvolvimento das potencialidades humanas, a participação legítima de
cada indivíduo no processo de produção da existência e na apropriação dos benefícios
produzidos socialmente. Neste sentido, a concepção de formação omnilateral, unitária,
politécnica ou tecnológica, fundamentada nas reflexões de Marx e Gramsci, nos permite
pensar políticas públicas voltadas para a educação escolar integrada ao trabalho, à ciência e à

108
cultura que desenvolva as bases científicas, técnicas e tecnológicas necessárias à produção da
existência e a consciência dos direitos políticos, sociais e culturais e a capacidade de atingi-
los.

109
1.4 -Novos fetiches mercantis da pseudo teoria do capital humano no contexto do
capitalismo tardio64.

Como profissionais do campo educativo somos testemunhos ou estudamos ao longo de


nossa formação as frequentes reformas de ensino em nosso país. Estas reformas buscam dar
respostas a problemas ou supostos problemas no campo educativo e se materializam em
concepções educacionais, mudanças na organização curricular no conteúdo, na forma de
organização e nos métodos pedagógicos. Cada reforma tem implicações diretas sobre a vida
escolar, o trabalho docente e, sobretudo, no tipo de formação humana – colonizadora e
alienadora ou emancipadora.
Esse pequeno texto não pretende discutir as reformas educativas que se deram ao longo
de nossa história e as mudanças que engendraram. O que nos interessa é entender o tempo
presente que nos afeta e quais as concepções de educação que foram dominantes nas duas
últimas reformas educativas que tem como base a noção de capital humano. Todavia, o
presente tem elos com o passado, imediato ou mediato. Desta forma irei inicialmente
sinalizar o contexto no qual surge o que se denominou “teoria do capital humano” e que
influenciou a perspectiva da educação básica à pós-graduação no período da ditadura civil-
militar que durou por duas décadas. Em seguida discutir porque esta pseudo teoria, num
outro contexto histórico, amplia as mistificações com as noções de sociedade do
conhecimento, qualidade total, pedagogia das competências e empregabilidade e
empreendedorismo no contexto doque a literatura denomina de capitalismo tardio65. Por fim

64
. Gaudêncio Frigotto. Professor do Programa de Políticas Públicas e Formação Humana da UERJ. Esse texto
fará parte da edição do livro “As Políticas Educacionais para o Ensino Fundamental no Brasil
contemporâneo: projetos em disputa”. Juiz de Fora, Editora da UFJF, 2011, no prelo.
65
. O capitalismo tardio é entendido na literatura em dois sentidos muito diversos. O primeiro faz referencia a
nações, como o Brasil, que tiveram longos períodos de colonização e de regime escravocrata e que só
tardiamente completaram, ainda que parcialmente, a revolução burguesa. Ver a esse respeito a obra de João
Manuel Cardoso de Mello (1982). O segundo sentido é dado originariamente Por Ernest Mandel (1972) dentro
de uma visão marxista de economia e das crises do sistema capitalista. Designa a fase atual do sistema capital,
que tem como como carcaterísticas a expansão das grandes corporações multinacionais, a globalização dos
mercados e intensificação dos fluxos internacionais do capital. Para Mandel, trata-se mais propriamente de uma
crise de reprodução do capital do que um estágio de desenvolvimento, uma vez que o crescimento do consumo (e
portanto, da produção) tornar-se-ia insustentável pela exaustão dos recursos naturais. Trata-se, como expõe
Istvan Mèszàros (2000) em sua obra Para Além do Capital, de uma fase em que este sistema esgotou sua parca
capacidade civilizatória e, para continuar, tem que ser eeminentemente destrutivo de direitos do trabalahdor e das
bases da vida com a agreção e desmantelamento do meio ambiente. Neste texto estamos nos referindo a essa
segunda concepção do capitalismo tardio.

110
assinalar as consequências desta ampliação na educação, no chão da escola pública e no
trabalho e organização docente66.

1.4.1. A noção de capital humano: a regressão da educação escolar de direito social a um


serviço mercantil.

As noções ou pseudo conceitos como os de capital humano, sociedade do conhecimento,


qualidade total, pedagogia das competências, empregabilidade, empreendedorismos
aparecem no ideário pedagógico muito recentemente. A noção de capital humano aparece na
década de 1950 e os demais a partir do final da década de 1970. O que explica que a partir
desse período a educação escolar seja colada ao mundo econômico e ao mercado? Mais que
isso, que a educação passasse a ser vista como “causa do desenvolvimento econômico, tábua
de salvação para os países subdesenvolvidos e para mobilidade social dos populações
pobres? O que nos importa é desvelar o que escondem estas noções e que, no final, acabam
culpando as vítimas de um sistema social montado sobre a desigualdade e a exploração dos
trabalhadores.
Por milhares, de anos os seres humanos se educaram de geração para geração
aprendendo uns com os outros, dando respostas aos desafios e problemas no processo de
produção de suas vidas. A experiencia do adulto constituía-se na fonte primordial do
aprendizado dos mais jovens. A escola, tal como a conhecemos, como a sociedade que a
constitui, não são fatos naturais, mas resultantes de processos históricos. A gênese histórica
da escola se dá, especialmente, ao longo do século XVIII, dentro do mesmo processo de
emergência da ciência moderna e da ascensão da burguesia como classe social hegemônica e
como necessidade da crescente divisão do trabalho e do conhecimento vinculado na base dos
processos produtivos.
Como classe revolucionária a burguesia representa a escola, no plano discursivo
ideológico, como uma instituição pública, gratuita, universal e laica que tem, ao mesmo
tempo, a função de desenvolver uma nova cultura, integrar as novas gerações na sociedade
moderna e de socializar, de forma sistemática, o conhecimento cientifico. Trata-se de uma
instituição que tinha uma clara dupla função: contrapor-se ao pensamento metafísico

66
. O conteúdo básico deste texto, em grande parte, o leitor pode encontrá-lo em vários trabalhos já publicados,
especialmente em A produtividade da escola improdutiva (Frígotto, 1984) e Educação e crise do capitalismo
real, (Frígotto, 1995). Sua reiteração e atualização cumprem um duplo objetivo: dar base para as questões
levantadas e socializá-las, enquanto síntese e numa linguagem mais direta, a um maior número de interlocutores,
especialmente os professores e especialistas que atuam no chão da escola básica.

111
dominante na sociedade feudal, dominado pela igreja, daí a defesa da laicidade, e reproduzir
os conhecimentos, valores, atitudes necessárias à construção do sistema capitalista.
Todavia, a escola burguesa, desde sua origem, não podia cumprir sua promessa para
todos e de igual modo. Isso pela simples razão que a burguesia destruía uma sociedade de
classes não para abolir as classes sociais, mas para implantar outra estrutura de classe: os
detentores de capital e os trabalhadores que detém apenas sua força física e intelectual para
ser vendida.67 Assim que a escola burguesa foi organizada, sobretudo, para aqueles que não
precisam vender sua força de trabalho e que têm tempo de viver a infância e adolescência
fruindo o ócio. Mesmo em sociedades que atingiram elevado grau de democratização da
escolaridade desenvolveu-se a dualidade. Uma escola mais complexa, rica e que desenvolve
conhecimentos, valores e atitudes para dirigir, organizar, comandar, etc., e uma escola mais
prática, restrita, adestradora para os que se destinam ao trabalho manual ou de execução 68.
Mesmo sob essa dualidade, a escola foi concebida como um ambiente de reprodução
e produção de conhecimentos, valores, atitudes, e símbolos. É sob a égide desta função
clássica, de instituição cultural e social e de profunda aposta na ciência e na formação
científica que se estruturam os mais sólidos sistemas educacionais nos países de capitalismo
central. Em sociedades de capitalismo dependente69, como a brasileira, porém, até hoje não
se tem um sistema nacional de educação efetivo e chegamos ao final do século XX sem
conseguirmos a universalização da escola elementar. A dualidade, em nosso caso, se expande
em todos os níveis de ensino, inclusive na pós-graduação.
Em que contexto começa a se construir uma relação linear entre educação, economia e
emprego? Duas determinações básicas podem ser destacadas, a partir da década de 1950,
para se efetivar esta mudança. Primeiramente, a luta crescente da classe trabalhadora e a
expansão do socialismo. Por outro lado e, principalmente, pelo acirramento da crise do

67
. É importante sublinhar dois aspectos em relação às classes sociais. Primeiro que a classe social se define por
grupos que se constituem historicamente e que têm força e poder desigual. Assim a nobreza e o clero tinham um
poder de dominação sobre os escravos, servos e súditos. No capitalismo os detentores de propriedade privada
com o objetivo de gerar capital, lucro, detém um poder de dominação sobre os trabalhadores. Isso é diferente da
propriedade como valor de uso. Exemplos: um apartamento para morar, um carro para uso pessoal ou mesmo
uma mercearia ou um pedaço de terra onde pelo trabalho seu proprietário e família tiram a sua subsistência sem
explorar outrem. O segundo aspecto é que a classe detentora do capital e os trabalhadores que vendem sua força
de trabalho constituem as classes fundamentais. Isso significa que são as que caracterizam a especificidade desta
sociedade, mas não são as únicas classes ou grupos.
68
. Ver, a esse respeito, Baudelot e Establet (1979)
69
Diferente da perspectiva da modernização, que concebe o desenvolvimento econômico e sociocultural de
forma linear e, mesmo, das análises da teoria da dependência, que apresentam a assimetria de poder entre países,
o conceito de capitalismo dependente explicita a compreensão da aliança, ainda que subordinada, das classes
detentoras do capital dos países periféricos com as classes detentoras do capital dos centros hegemônicos. Ver, a
esse respeito, Fernandes (1975) e Oliveira (2003)
112
sistema capitalista e o aumento da desigualdade entre nações, regiões e entre grupos sociais e
a radicalização do desemprego estrutural.
Uma questão central ocupava os dirigentes e intelectuais do sistema capitalista após a
Segunda Guerra Mundial e a ampliação geopolítica do socialismo: qual seria a chave para
diminuir a desigualdade entre nações e entre indivíduos? O medo que rondava era de que
socialismo pudesse se alastrar em regiões pobres. Na América Latina o temor era de que a
Revolução Cubana se torna-se um caminho para outros países.
Foi a equipe de Theodoro Schultz, nos Estados Unidos, que, ao longo da década de
1950, buscou responder essa questão e construiu a noção de capital humano. Este entendido
como o estoque de conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e níveis de saúde que
potenciam a força de trabalho das diferentes nações. Estas pesquisas lhe valeram o Prêmio
Nobel de Economia de 1978. Trata-se de uma noção que falseia o sentido real do capital, pois
este não se traduz numa coisa, mas é uma relação social e historicamente construída. Uma
relação cujo fundamento é a exploração e expropriação, pela classe detentora privada dos
meios e instrumentos de produção, dos que necessitam vender para sobreviver sua força de
trabalho física e intelectual, a classe trabalhadora.
A tese básica sustentada por Schultz (1973), e que se tornou senso comum, foi de que
aqueles países, ou famílias e indivíduos, que investissem em educação acabariam tendo um
retorno igual ou maior que outros investimentos produtivos. Por essa via se teria a chave para
diminuir a desigualdade entre nações, grupos sociais e indivíduos. Trata-se de uma
perspectiva integradora da educação escolar ao mundo do emprego e de uma estratégia para
evitar a penetração do ideário socialista, bem como o risco de sua expansão.
É sob a égide da teoria do capital humano que se traçam planos, diretrizes e estratégias
educacionais, especialmente para os países de capitalismo dependente, e se afirma a ideia de
que a ascensão e mobilidade social têm um caminho garantido via escolaridade, mediante
empregos bem remunerados. Vale ressaltar que não se trata de um truque ou armadilha dos
intelectuais orgânicos da classe capitalista contra os trabalhadores. Pelo contrário, trata-se de
moldar os sistemas educacionais de acordo com seus interesses de classe. Entretanto, como
veremos adiante, por pensarem as disfunções produzidas pelas relações sociais desiguais,
mas não o que produz a desigualdade, as receitas dos intelectuais burgueses de tempos em
tempos evidenciam sua fraqueza e fracasso. Daí a busca de novas receitas, ainda que cada
vez com sabor mais amargo ou ampliando o veneno da desigualdade.

113
O ciclos de reformas, da pré escola á Pós-graduação, ao longo da ditadura civil militar
no Brasil, deu-se incorporando a doutrina do capital humano. A Lei de Diretrizes e Bases
5992/71 é toda inspirada nesta noção. Por esta razão previa a profissionalização compulsória
na educação básica. Não cabe aqui expor porque essa reforma fracassou em seu intento, ainda
que tenha lesado milhões de jovens no seu direito á educação básica. A razão básica, todavia,
é de que a dualidade escolar é uma exigência estrutural da sociedade de classes. No caso do
Brasil, uma acrescia-se uma outra forte determinação histórica. Trata-se de uma classe
dominante forja na cultura colonizadora e de estigma escravocrata e que desenvolve profundo
preconceito com o trabalho manual e técnico.
Por certo que a defesa e a luta ao direito á educação básica, unitária 70 e que
desenvolva todas as dimensões da vida humana e que seja, portanto, pública, gratuita, laica e
universal é algo fundamental e para a qual devemos nos empenhar prementemente. Por que,
então, a noção de capital humano orienta processos educativos antagônicos ao direito a
educação básica unitária e não se constituiu em efetiva força para diminuir as desigualdades
entre países, e regiões e entre os grupos sociais?
A noção de capital humano orienta processos educativos antagônicos à visão da
educação básica unitária pelo fato da mesma se orientar por uma concepção de sociedade na
qual ignora as relações desiguais de poder, uma concepção de ser humano reduzida ao
indivíduo racional que só depende dele as escolhas que faz independente do da classe ou
grupo social a que pertence e, uma redução da concepção de educação e conhecimento pelo
fato dos mesmos não estarem referidos ao desenvolvimento de todas as dimensões da vida
humana e vinculados às necessidades humanas, mas à esfera unidimensional das
necessidades do mercado e do lucro.
As políticas educativas, no conteúdo, método e forma, não se constituíram na “galinha
dos ovos de ouro” para diminuir a desigualdade entre países e entre grupos, exatamente
porque a educação e as escolhas nesta não depende apenas do querer, mas das condições
objetivas das relações de poder entre países, classes sociais e grupos sociais.
A tese do capital humano fica desnudada quando buscamos responder a seguinte
questão: os países pobres, subdesenvolvidos e os indivíduos pobres assim o são porque
“escolheram” a não ter escolaridade, pouca escolaridade ou uma precária escolaridade ou
porque os países colonizados e de capitalismo dependente e os filhos da classe trabalhadora

70
. A escola unitária significa o acesso universal a todas as crianças e jovens do patrimônio de conhecimentos,
de todas as áreas, produzidos pela humanidade e que lhes são fundamentais para entender como funciona a
matéria, a natureza e vida e as relações sociais.
114
não alcançam os níveis mais elevados de escolaridade e em escolas de melhor qualidade
porque são mantidos na pobreza por relações de dominação e exploração pelas classes
detentoras do capital?
Uma elementar constatação no Brasil e ao nosso redor da realidade dos
trabalhadores que vivem amontoados nas periferias das grandes e médias cidades e dos que
vivem de pequena propriedade ou dos milhões de trabalhadores com trabalho precário ou
desempregados nos tira a dúvida. Seus filhos frequentam poucos anos de escolaridade e em
escolas destroçadas, porque são pobres.
Essa perspectiva integradora da escola, paradoxalmente, nascia num contexto onde o
sistema capitalista começava esboçar sua face de capitalismo tardio com concentração de
capital, hegemonia do capital financeiro, monopólio privado da ciência e da técnica, aumento
do desemprego estrutural e ampliação do trabalho precário. Isto, ao mesmo tempo em que se
produzia a derrocada do socialismo realmente existente71.

1.4.2. As novas mistificações do pseudo conceito de capital humano: o velho


travestido de novo.

As noções, categorias ou conceitos são instrumentos de linguagem que servem tanto


para nos ajudar entender como a realidade social e humana se produz, quanto podem servir
para mascarar o sentido real desta realidade. Acabamos de explicitar isto com o aparecimento
da noção de capital humano. O que explicaria, então, que a partir da década de 1970
aparecessem com força no vocabulário social e pedagógico as noções de sociedade do
conhecimento, qualidade total, pedagogia das competências, empregabilidade e
empreendedorismo, capital social72?
Este conjunto de noções que vem na esteira do ideário economicista do capital humano, ao
mesmo tempo, o mantém e o redefinem num contexto onde o capital move-se sem controles
externos aos seus interesses. Com efeito, sem a ameaça do socialismo e apropriando-se de um
salto qualitativo desenvolvimento científico e tecnológico que lhes permite alterar as formas
de produzir e a organização da produção e romper as fronteiras nacionais, a globalização ou
mundialização do capital pode vingar-se contra o trabalhador.

71
. Sobre o colapso do socialismo realmente existente a análise de Eric Hobsbawm (1992) no texto: Adeus a tudo
aquilo. Mas, nesta mesma obra, Hobsbawm (1992) no texto Renascendo das cinzas convida-nos a perceber de
que o socialismo não está fora da agenda porque os seres humanos não foram feitos para o sistema capitalista.
72
. A noção de capital social é objeto de um capítulo desta coletânea desenvolvido por Vânia Motta e, como o
leitor verá, se relaciona com este rejuvenescimento no campo da educação, mas num sentido bem mais amplo
115
Mais de cento e cinquenta anos depois da caracterização de Marx e Engels sobre a
natureza específica do modo de produção capitalista, no qual a burguesia não pode existir
sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, portanto, as relações sociais
de produção, e, por conseguinte todas as relações sociais” e que “(...) tudo o que é sólido se
desmancha no ar” (Marx e Engels, 2008, p. 13e-14), a mesma não só guarda atualidade, mas
se explicita de forma candente.
Também guardam atualidade as análises de Marx no prefácio da “Contribuição à
crítica à economia Política” (Marx, 1980) e na “Introdução à crítica da Filosofia do Direito
em Hegel” (Marx, 2006), onde nos indica, respectivamente, que não é a consciência dos
homens que determina seu ser, mas que a consciência se produz dentro de determinadas
relações sociais e, por outra parte, não é a religião que faz o homem, mas o ser humano em
determinadas relações e situações sociais que faz uma determinada religião.
Cada uma destas novas noções resulta da forma como os organismos internacionais e seus
intelectuais representam as mudanças nas relações de produção e nas relações sociais neste
novo contexto do capitalismo tardio.
No plano dos instrumentos de produção e relações de produção, mecânica, a energia
elétrica, petróleo e química fina, etc. que são a base da “revolução taylorista-fordista da
organização do processo produtivo, nas relações de produção e nas relações sociais numa
perspectiva do pleno emprego (ainda que inviável som o capitalismo) dão lugar de forma
dominante á “revolução” digital molecular. Trata-se de um salto tecnológico qualitativo que
associa mico eletrônica e informação e que tem em sua base novas fontes de energia e do
desenvolvimento das ciências da informação e ciências da natureza.
Sob esta nova base apropriada privadamente, modificam-se os instrumentos de
trabalho – máquinas “inteligentes”, autômatos, sistemas e redes interligadas. Uma tecnologia
flexível que permita organizar o sistema produtivo e as relações de produção de forma
radicalmente diversa. Abre-se, sem fronteira o mercado mundial ao fluxo de capitais e á
exploração da força de trabalho. A forma de apropriação privada do conhecimento humano
produzido socialmente, volta-se sobretudo contra os direitos do trabalho, dentro de relações
sociais cada vez mais violentas e de super exploração e expropriação do trabalhador.
Os intelectuais ultraconservadores, cujo maior expoente é Friedrich Hayek73, Prêmio
Nobel de economia em 1972, por suas teses contra o socialismo, as teses keynesianas de

73
. Duas obras deste autor são a bíblia do neoliberalismo. Liberdade de escolher (1980) e O caminho da
servidão (1987)
116
planejamento da economia e as políticas do Estado de bem-estar social, neste contexto
ressurgiram com força e suas teses deram base ao que se denominou de cartilha do Consenso
de Washington. Trata-se é um conjunto de medidas formulado em novembro de 1989 por
economistas de instituições financeiras baseadas em Washington D.C., como o Fundo
Monetário Internacional (FMI) o Banco Mundial (BM) que passou a ser "receitado" para o
ajuste das economias, especialmente dos países endiviodados. Trata-se de um receituário de
um escopo de ideis mais amplo que se denominou de neoliberalismo.
O livre movimento do capital, especialmente especulativo, e das mercadorias, a
subordinação dos Estados nacionais como garantia da reprodução ampliada do capital e o uso
te tecnologias no processo de produção que podem, ao mesmo tempo, dispensar trabalhadores
em massa e intensificar a exploração dos que trabalham, permite um golpe nos trabalhadores e
nas organizações sindicais e políticas que lutam pro seus direitos.
A tese de Margaret Teatcher, conhecida como a dama de ferro por sua política ultra
conservadora, de que não via a sociedade mas apenas os indivíduos, expressava a natureza
deste novo tempo do capitalismo tardio. O capital já não necessita de todos diretamente e,
portanto, não há lugar para a estabilidade do trabalhador. Há apenas lugar para os mais
“competentes”, ou que desenvolvem ao longo de sua vida aquelas qualidades técnicas e
psicossociais que interessam ao mercado. Cada indivíduo tem que isoladamente negociar o
seu lugar e moldar-se com a flexibilidade que o mercado necessita e pelo tempo que necessita.
Como se pode perceber já não é a sociedade, a integração a um conjunto de direitos
sociais como o emprego, saúde e educação, moradia, transporte, a cultura, etc., que são a
referência, mas a luta do indivíduo sem proteção. É destas tessitura de relações de produção e
de relações sociais que emergem as noções de sociedade do conhecimento, qualidade total,
pedagogia das competências, empregabilidade e empreendedorismo e capital social.
Sociedade do conhecimento deriva do fetiche da tecnologia. Trata-se de fazer
acreditar que a tecnologia por si supera as desigualdades e a sociedade de classes, mascarando
a realidade de que a tecnologia é cada vez mais propriedade do capital contra o trabalho. Um
exemplo desta fetichização da tecnologia é a tese de Daniel Bell (1973) que postula o advento
da sociedade pós-industrial que, pelo conhecimento, faria desaparecer o proletariado e, em seu
lugar, teríamos o cognitariado.
A qualidade total, deriva da nova base científico técnica da produção e da
organização e gerência do trabalho e se refere a um trabalhador que produz em menor tempo,

117
dentro das prescrições, uma mercadoria ou um serviço e ao custo menor possível e que,
portanto, chegue ao mercado com vantagens competitivas.
Empregabilidade, uma noção que busca apagar da memória o direito ao emprego,
já que este está dentro de um sistema de regulação social que garante um conjunto de direitos
ao trabalhador defendidos pro suas organizações. No plano da mistificação, a ideia que se
difunde é a de que o fim do emprego é algo positivo para a competitividade e de que, em
realidade, com isso todos ganham. Nada mais explícito e cínico do que o texto abaixo de
Morais.
A empregabilidade é um conceito mais rico do que a simples busca ou mesmo a
certeza de emprego. Ela é o conjunto de competências que você comprovadamente possui ou
pode desenvolver - dentro ou fora da empresa. É a condição de se sentir vivo, capaz,
produtivo. Ela diz respeito a você como indivíduo e não mais a situação, boa ou ruim da
empresa - ou do país. É o oposto ao antigo sonho da relação vitalícia com a empresa. Hoje a
única relação vitalícia deve ser com o conteúdo do que você sabe e pode fazer. O melhor que
uma empresa pode propor é o seguinte: vamos fazer este trabalho juntos e que ele seja bom
para os dois enquanto dure; o rompimento pode se dar por motivos alheios à nossa vontade.
( ...) ( empregabilidade) é como a segurança agora se chama (Grifos meus). Morais (1998,
p.56)

Na realidade dá-se, como mostra Viviane Forrester (1996), tudo ao contrário. A


empregabilidade é, como nos mostra, prima da flexibilidade e cujo escopo é a intensificação e
precarização do trabalho.
Competência e pedagogia das competências. Cabe de imediato distinguir o termo
competência no seu sentido dicionarizado, do significado que assume na pedagogia das
competências no contexto do capitalismo tardio. No primeiro caso e de forma abstrata, trata-
se de executar uma tarefa, serviço ou atividade e cujo resultado seja o desejado e previsível.
Nada pois, a opor, a lago feito de forma competente. Todavia, a pedagogia das competências
deriva de relações sociais concretas de ultra individualismo, de desmonte dos direitos sociais
e coletivos e de políticas universais. Não se refere à educação integral e unitária e nem ao
direito ao trabalho, mesmo que seja sob a forma de trabalho explorado, emprego. Vincula-se a
uma visão mercantil e ao trabalho flexível, instável e precário. Trata-se do trabalhador buscar
as competências que o mercado exige e adaptar-se a elas a qualquer preço ou, então, deixar o
lugar para outrem e sem ou ao menor custos para o empregador. Daí que para o sucesso desta
pedagogia implica, também, desmantelar a organização sindical e postular a negociação direta
do trabalhador com o empregador. A pedagogia das competências, como analisa Ramos

118
(2002) constitui-se por processos pedagógicos pragmáticos, fragmentados e de adaptação aos
processos de intensificação e exploração do trabalho.
Empreendedorismo. Por fim, ainda que não esgote o conjunto de noções que
rejuvenescem a ideologia do capital humano a ênfase ao empreendedorismo, a ser dono do
próprio negócio, etc., desloca a responsabilidade para a grande massa de trabalhadores que
pro diferentes razões não são necessários ou não se enquadram nas exigências do mercado,
para que busquem a sobrevivência pro conta própria. Para a grande maioria trata-se de um
convite ao trabalho informal e precário, totalmente desprotegido dos direitos sociais.
Do que acabamos de sucintamente expor não é difícil deduzir que se trata de novos
fetiches mercantis da ideologia do capital humano e que explicitam um contexto de regressão
da regressão nas relações sociais e educacionais. Isto é, se a noção de capital humano que
expressava um reducionismo de sociedade, ser humano, e educação subordinando-os ao
mercado, mas que ainda tinha a sociedade e integração ao emprego como horizonte, as novas
noções expressam uma perspectiva desintegradora, jogando no indivíduo isolado e desprovido
de proteção social e da organização sindical, a responsabilidade por sue destino.
Não é por acaso que a partir do final da década de 1970 os organismos internacionais
acima referidos, guardiães da reprodução e segurança do capital, passam educar intelectuais
para difundirem estas novas noções e estimularem reformas educativas para ajustar os
sistemas educacionais à nova (des)ordem mundial. O Brasil tem vários representantes
formados nestes organismos e que se constituíram âncoras e ideólogos das reformas
educativas da década de 1990. Paulo Renato de Souza, Ministro a educação por oito anos no
Governo Fernando Henrique Cardoso, constitui-se num desses proeminentes quadros. João
Batista de Oliveira, Maria Helena Guimarães, Cláudia Costin e Guiomar Namo de Mello,
entre outros, constituem-se em expoentes desta vulgata. Namo de Mello, conhecedora do
pensamento crítico, constitui-se em hábil adaptadora de noções para o ideário pedagógico
brasileiro. Um dos exemplos e a tradução de empregabilidade por trabalhabilidade ou
laborabilidade.
Parte desses quadros têm seus escritórios, institutos ou ONGs privados e vendem
seus serviços, apostilas, métodos a sistemas privados e públicos de educação. Outros são
contratados para gerirem Secretarias Educação, como é o caso exemplar da Cláudia Costin, no
município do Rio de Janeiro e Paulo Renato de Souza, no Estado de São Paulo. Não por acaso
se constituem nos exemplos mais competentes na implantação deste ideário, no conteúdo
escolar, nos métodos e nas formas de avaliação e controle do trabalho docente. As

119
consequências, especialmente para a classe trabalhadora e para os docentes que atuam no
sistema público de educação são, como veremos a seguir, perversas.

1.4.3. A título de conclusão: consequências sociais e no chão da escola pública e


no trabalho e organização docentes

A necessidade que a burguesia tem de revolucionar constantemente os instrumentos de


trabalho, como demonstraram Marx e Engels, o faz com que o sistema capitalista seja
conduzido a destruir precocemente tecnologias que ainda seriam úteis à sociedade. Carros,
computadores, celulares, geladeiras, TVs, lâmpadas, liquidificadores, máquinas de lavar,
impressoras, relógios, etc., tem um tempo estrategicamente programado de vida útil cada vez
menor. A este processo o economista Schumpeter (1961) denominou, paradoxalmente, de
destruição produtiva, pelo fato que impulsiona a criar novas tecnologias e de processos
técnicos que dinamizam o mercado a produzir mais e com novidades. O descartável vira lixo
ou um mercado de sucatas entre os pobres.
Todo este processo, cujo foco é o lucro e não as necessidades humanas e a vida, acaba
voltando-se contra o trabalhador. Em vez de liberar tempo livre, libera a desgraça do
desemprego, subemprego e trabalho precário. No capitalismo tardio, como brevemente o
caracterizamos, esse processo assume o que Istvan Mèszàros (2000) denomina produção
destrutiva. Destruição de direitos e das bases da vida com a degradação do meio ambiente.
Um exemplo emblemático, em todo o mundo, é de que diante da crise que eclodiu em
setembro de 2008 com a falência de grandes seguradoras e, em cascata de empresas,
especialmente do setor automobilístico, ao mesmo tempo que se discutia a necessidade de
diminuir a poluição do meio ambiente, se dava incentivos á compra de automóveis. As
vendas, não só no Brasil, mas também em outros países, bateram recordes. No momento que
escrevo este texto os noticiários propalam que a cidade de São Paulo chegou ao limite de
poluição. Esta motivada fundamentalmente pelo excesso de carros circulando.
Em recente entrevista o historiador marxista Eric Hobsbawm 74 situa como o problema
mais grave do século XXI essa lógica de produção sem fim em nome do lucro e seus efeitos
destrutivos para o futuro da espécie humana.

74
. Ver entrevista: Historiador Eric Hobsbawm aponta questões cruciais do século XXI. São Paulo. Folha
Online. www.folha.com.br. Originariamente publicada na New Left Review , Jan/fev. de 2010.

120
As reformas educativas, desde a década de 1970, protagonizadas pelos intelectuais das
burguesias locais, especialmente nos países de capitalismo dependente, tem como base
dominante a ideologia do capital humano e, atualmente, as noções que a redefinem e
rejuvenesce e tem como horizonte ajustar os sistemas educativos, da educação infantil à pós-
graduação a essa lógica destrutiva produtivista. Os critérios mercantis estão cada vez mais
arraigados na organização da escola, nos conteúdos, nos métodos pedagógicos e nos
processos de controle e de avaliação.
Os efeitos, do que Neves (2005 denominou a nova pedagogia da hegemonia para
educar o consenso, da cartilha da década de 1990 penetraram fundo nos vários níveis e
âmbitos da educação pública no Brasil. O indicador mais emblemático é de que, a partir da
segunda metade do ano de 2010 quem presidirá a Câmara de Educação Básica no Conselho
Nacional de Educação é um histórico representante do Sistema S 75 gerido pelos órgãos de
classe dos empresários. O ideário de ensinar o que serve ao mercado ou fazendo pelas mãos a
cabeça do trabalhador (Frigotto, 1982) antes restrito ao adestramento profissional do Sistema
S, tende a impor-se para à educação básica no seu conjunto. Três mecanismos se articulam
neste processo de mercantilização do conhecimento e das relações pedagógicas no âmbito da
educação básica pública.
O trabalho docente, por suas características, tem sido historicamente um dos espaços
que dificulta a aplicação dos critérios e métodos de gerência mercantil da força de trabalho.
Trata-se de separar quem planeja e controla a produção de quem a executa. O primeiro
mecanismo diz respeito às estratégias orientadas pelos organismos Internacionais,
especialmente o Banco Mundial, que estão sendo utilizadas para adequar a escola a estes
critérios.
Este primeiro mecanismo chega ao chão da escola calcado na ideia de que a esfera
pública é ineficiente e que, portanto, há que se estabelecer parcerias público e privado ou
mediante o disfarce do privado, pela pirataria semântica, com o eufemismo de organizações
sociais ou terceiro setor. A estes institutos privados ou ONGs 76 cabe selecionar o
conhecimento, condensá-lo em apostilas ou manuais, orientar a forma de ensinar e definir os

75
. Uma observação de duas ordens se faz necessária. Primeiro que não se trata aqui de uma referência pessoal
ao conselheiro, mas de representação de classe. A segunda, sempre ter-se presente que os milhares de
trabalhadores que atuam neste sistema vendem a sua força de trabalho como qualquer outro trabalhador.
76
. Referimo-nos aqui ao Instituto Ayrton Sena, Instituto de Qualidade na Educação (IQE), Positivo, Pitágoras,
Fundação Roberto Marinho, Fundação Bradesco e congêneres que assumem a direção pedagógica de muitas
Secretarias Estaduais e, especialmente, municipais, em nome do ensinar eficiente.

121
critérios de avaliação métodos de ensino e processos de avaliação e controle dos alunos e dos
professores.
Em termos concretos significa não só desautorizar a formação docente, mas liquidar com
aquilo que a define: qualificar-se dentro de uma área de conhecimento para individual e
coletivamente selecionar e organizar os conteúdos e definir os métodos e estratégias do
processo de ensino, tendo em conta sujeitos concretos com suas particularidades sociais,
culturais, etc.

O segundo mecanismo, decorrente deste é justamente atacar a natureza da formação


docente em Universidades, especialmente as públicas, com o argumento que os cursos de
pedagogia e licenciatura ocupam-se muito com a teoria e com análises econômicas e sociais
inúteis e não ensinam o professor as técnicas do “bem ensinar”. O Estado de São Paulo, o
mais rico e importante da Federação, há oito anos tendo como Secretárias de Educação
intelectuais orgânicos ligados aos organismos internacionais que protagonizaram as reformas
educativas, lidera esta escalada. A ideia central é que a formação docente tem que se fixar no
adestramento em técnicas do bem ensinar dentro da sala de aula.
Os órgãos de imprensa que são aparelhos desta pedagogia do mercado educacional
esmeram-se em promover os novos magos, de preferências dos países dos centros
hegemônico do capital, e os divulga mediados pelo reforço dos intelectuais locais que
protagonizam as reformas educativas.
Um exemplo emblemático é a matéria da Revista época de 26 de abril de 2010. Numa
reportagem de dez páginas (110-120) tem como tema: Os segredos dos bons professores. Os
mestres que transformam nossas crianças em alunos de sucesso. (e o que todos temos que
aprender). Os livros tomados como referência para este adestramento docente são: Ensinar
como um líder: o guia do professor supereficiente para diminuir o déficit de aprendizagem de
Stiven Farr; e, Ensine como um campeão: 49 técnicas que colocam os estudantes no rumo da
universidade, de Doug Lemov.
Uma das receitas destes manuais, destacadas pela revista em letras maiores e destaques
em negrito é de que Avaliar o desempenho individual dos professores permitiria não só
premiá-los de forma mais justa, mas também fazer algo mais importante: entender como eles
trabalham. Esta receita é a pedra de toque tanto para o controle externo do professor para ver
se ensina o que está prescrito e como ensina, quanto para instaurar o terceiro mecanismo de

122
desmantelamento da profissão docente: instaurar a competitividade entre professores e entre
alunos.
Para que os dois primeiros mecanismos tenham sucesso há que se aplicar o ideário de
que não há sociedade, o que existe são indivíduos. Trata-se de desmontar a carreira e
organização docentes mediante políticas de prêmio às escolas que alcançam melhor
desempenho e que os professores sejam remunerados de acordo com sua produtividade em
termos de alunos aprovados. Os institutos ou organizações privadas para assessorar ou atuar
diretamente nas escolas têm a incumbência de avaliar a professores e alunos de acordo com os
conteúdos, métodos e processos prescritos. O que se busca, para uma concepção mercantil de
educação utilizar na escola os métodos do mercado.
Dois aspectos aprecem de imediato para vislumbrar que o receituário educacional do
capitalismo tardio engendra claras contradições e, por outra parte, forças que resistem. No
plano das contradições os recentes dados do IDEB mostram, por ironia, que das escolas que
tiveram melhor desempenho dois aspectos se destacam: escolas onde os professores tinham o
estavam cursando ensino superior e onde os professores estavam coletivamente empenhados
no processo pedagógico. A resistência tem-se evidenciado, ao longo dos últimos anos,
sobretudo nos estados e municípios onde o receitário da escola mercantil tem avançado mais.

No plano mais geral e permanente o caminho a pautar por aqueles que a educação e escola
pública são um direito social e subjetivo é aquele das lutas do Fórum Nacional em defesa da
educação pública, gratuita, laica, unitária e universal, que mobilizou mais de trinta
organizações sindicais e científica, tendo como concepção pedagógica a perspectiva da
formação politécnica77. Ou seja, uma formação que desenvolva no educando as bases
científicas de todos os campos do conhecimento e desenvolva no educando a autonomia e a
capacidade de análise da sociedade em que vive lutando por sues direitos coletivamente.
Trata-se de uma concepção de qualidade de educação antagônica à concepção mercantil
fragmentária e pragmática da qualidade total, da pedagogia das competências e
empregabilidade. Dai a luta por condições objetivas para que a mesma se efetive no chão da
escola. Luta que implica que a organização dos educadores se junte às demais organizações da
classe trabalhadora que lutam por alterar radicalmente nossa ordem econômica, social, cultural
das mais desiguais e injustas do mundo. Só assim se poderá alcançar que cada docente atue
numa só escola, que tenha não mais que 50% do seu tempo em sala de aula, tenha uma carreira

77
. Para uma compreensão de concepção de educação politécnica, ver Saviani, 2003.
123
docente, piso salarial que dignifique sua profissão, dobrando o atual piso, e atue em escolas com
laboratórios, bibliotecas, espaços de lazer e de cultura para as crianças e jovens.

O que se põe como fundamental para a grande massa dos profissionais da educação na
construção deste caminho é, ao mesmo tempo, aprofundamento de sua formação teórica numa
perspectiva histórica (dialética), ampliação e solidificação de suas organizações científicas,
sindicais, políticas e culturais e a construção de uma subjetividade com determinação para
altear a atual ordem social que dilacera a vida da grande maioria dos brasileiros e lhes nega os
direitos elementares e, por consequência, os mutila no direito á educação.
Por isso, que o esforço de organização e divulgação de coletâneas como esta, que
buscam desvelar o sentido anacrônico e de alienação da incorporação do ideário mercantil nos
sistemas educativos, constitui-se uma efetiva luta contra hegemônica. Uma tarefa que é, sem
dúvida, de natureza científica, mas além disso e sobretudo de caráter ético-político.

124
SEGUNDA PARTE

POLÍTICAS PÚBLICAS DE FORMAÇÃO, EMPREGO E RENDA: A JUVENTUDE “COM


VIDA PROVISÓRIA EM SUSPENSO

2.1 - Educação e o capital social: orientações dos organismos internacionais para as


políticas públicas de educação como mecanismo de alívio à pobreza78

...as ideologias não são de modo algum arbitrárias; são fatos históricos reais, que
devem ser combatidos e revelados em sua natureza de instrumentos de domínio,
não por razões de moralidade, etc., mas precisamente por razões de luta política:
para tornar os governados intelectualmente independentes dos governantes, para
destruir uma hegemonia e criar outra, como momento necessário à subversão da
práxis (Antonio Gramsci)

A concepção de ideologia em Gramsci enfatiza a força material que esta adquire no


decorrer do desenvolvimento do modo de produção e civilizatório capitalista com o
fortalecimento dos trabalhadores no cenário político. Nesse processo, a educação escolar se
revestiu de caráter político e, situada na esfera do poder, passou a ser disputada pelas classes
fundamentais e frações de classes. Com isso, ao longo da história da educação brasileira
identificamos ajustes e reformas educacionais como resultado dos embates entre concepções
diferenciadas e até antagônicas de educação conforme conjuntura política.
Fundamentalmente, duas concepções de educação estão em disputa: a que atribui à educação
uma função econômica na perspectiva da expansão da acumulação do capital e do estreito
marco das necessidades imediatas do mercado de trabalho, compreendendo o processo
educativo como capital – capital humano e capital social – e a que defende o processo
educativo como formação humana, integral, que desenvolva em cada um a capacidade do
domínio das ciências da natureza e a compreensão das relações sociais, voltada para a
emancipação do homem, nos termos da politecnia marxiana e da escola unitária gramsciana.
Entretanto, historicamente, a concepção hegemônica, predominante no senso comum (escolar
e da população em geral), é a função econômica, variando em seus procedimentos
estratégicos, pedagógicos e curriculares, conforme momento conjuntural e especificidades de
cada formação social.

78
Vânia Motta. Professora da Faculdade de Educação da UFRJ. Esse texto fará parte da edição do livro “As
Políticas Educacionais para o Ensino Fundamental no Brasil contemporâneo: projetos em disputa”. Juiz
de Fora, Editora da UFJF, 2011, no prelo.
125
Nosso objetivo neste artigo é indicar o movimento conservador do pensamento
econômico educacional a partir dos anos 1960, considerando: as especificidades da formação
social brasileira situada na dinâmica da expansão do capitalismo mundial como variante do
tipo “capitalismo dependente", que se desenvolve subordinado à dinâmica do mercado
mundial, de forma heterônoma, desigual, combinando setores produtivos modernos com
setores atrasados e arcaicos79; a influência dos organismos internacionais na difusão da “teoria
do capital humano”, bem como, na produção e difusão de ajustes ideológicos realizados para
legitimar as novas políticas e estratégias econômicas neoliberais e administrar seus efeitos
perniciosos; as atuais configurações desse pensamento relacionadas à busca de atribuir uma
“face mais humana ao capital” 80
, incorporando elementos da “teoria do capital social” de
Robert Putnam (2002).
Na primeira parte, discorreremos sobre a função econômica da educação nos contextos
nacional-desenvolvimentista e neoliberal dos anos 1990 - da superação do atraso à
competitividade no mercado mundial. E na segunda, sobre um terceiro momento de ajuste,
voltado para educar o conformismo pela via da inclusão forçada, articulando o investimento
do capital humano com o do capital social como forma de alívio da pobreza, inserção das
comunidades e indivíduos mais “vulneráveis” às dinâmicas do mercado nas esferas da
produção e do consumo, de contenção de tensões sociais e políticas e de “conformação da
vontade”.

2.1.1. Função econômica da educação: da superação do atraso à competitividade

Foi com a “teoria do capital humano”, amplamente difundida nos anos 1950-60, que a
função econômica da educação penetrou no tecido social das sociedades capitalistas e,
efetivamente, introduzida no Brasil com as reformas da educação básica e universitária
expressas nas Leis 5.540/68 e 5692/71.
A ideia fundamental da “teoria” é que o trabalho, mais do que um fator de produção, é
um tipo de capital – capital humano. Esse capital é tão mais produtivo quanto maior for sua
qualidade que é atribuída pela intensidade de qualificação científico-tecnológico e gerencial
que cada trabalhador adquire ao longo de sua vida. Nessa concepção, a qualidade do capital

79 Com base nas análises de Florestan Fernandes.


80 Expressão de Bernardo Kliksberg em seu livro “Por uma Economia com Face mais Humana”. Brasília: Unesco, 2003.
126
humano não apenas melhora o desempenho individual do trabalhador – tornando-o mais
produtivo – mas, também, é um fator decisivo para gerar riqueza e crescimento econômico no
país.
No caso específico das sociedades de capitalismo dependente e no contexto da
ideologia do nacional-desenvolvimentista, a “teoria do capital humano” foi incorporada,
ainda, como fator de superação do atraso econômico e um instrumento de distribuição de
renda e de mobilidade social. Nessa abordagem, o investimento no capital humano,
principalmente das camadas mais pobres da população, levaria ao aumento da produtividade
e, consequentemente, da renda, trazendo bem-estar social para todos. E passou a ser um fator
explicativo das diferenças individuais de produtividade e de renda e das desigualdades sociais.
No contexto nacional-desenvolvimentista, o investimento na educação era visto como
fator de progresso, modernização dos setores produtivos, de desenvolvimento econômico e
social e de integração dos indivíduos à vida produtiva; fator fundamental para elevar o Brasil
ao patamar de país desenvolvido. A “teoria do capital humano” compôs as bases ideológicas
do desenvolvimentismo calcado num modelo de desenvolvimento amplamente concentrador e
associado ao capital internacional e serviu para justificar e legitimar políticas do Estado
(período da ditadura militar), na medida em que estas estariam situadas na ideia de
democratização das oportunidades educacionais como forma de distribuição de renda e de
desenvolvimento social.
É importante destacar o papel que, pelo menos, dois organismos internacionais
tiveram nesse contexto81: a Cepal, como o organismo regional que assumiu a produção e
difusão da ideologia do desenvolvimento, e que teve grande influência nas definições de
políticas econômicas de vários governos brasileiros; e o Banco Mundial, como financiador do
investimento na infraestrutura voltada para a superação-modernização dos setores produtivos
atrasados e como assessor técnico-financeiro das reformas educacionais em apoio ao convênio
MEC-USAID.82

81
Os limites do recorte desse artigo não nos permitem trazer a discussão sobre a natureza desses organismos no
contexto de consolidação da hegemonia dos Estados Unidos e da Guerra Fria. Sobre o “mito” ou a “ideologia do
desenvolvimento” indicamos, entre outros, as obras de Florestan Fernandes, Octávio Ianni e Miriam Limoeiro
Cardoso. Em relação ao papel do Banco Mundial nesse período, mais precisamente na gestão de McNamara
(1971-1980) e com relação às orientações de políticas social e educacional, sugerimos Leher (1998) e Fonseca
(1996).
82
Convênio realizado, no final dos anos 1960, entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a United States
Agency for International Development (USAID) para a realização de reformas em todos os níveis do ensino
brasileiro. O foco na educação básica tinha em vista o aumento da capacidade produtiva da população mais
pobre como fator de segurança internacional, isto é, para conter o avanço do comunismo. Para McNamara,
gestor do Banco Mundial nesse período, ajudar aos governos pobres a superarem as necessidades humanas
127
Na conformação para o mundo dos mercados “livres” e mundializados, a ideologia
desenvolvimentista que legitimava o modelo de substituição de importações sai de cena,
esgotam-se suas estratégias com a crise dos anos 1970-8083, e entra a ideologia da
globalização.84 A partir de então, os encaminhamentos de políticas econômicas nos governos
brasileiros seguem as medidas de ajustes fiscais (contas públicas em patamares baixos,
principalmente no tocante aos investimentos em políticas sociais) e reestruturação produtiva
(liberalização dos mercados, flexibilização da legislação e da privatização dos setores [mais
lucrativos] do Estado) como alternativa à superação da “crise do Estado”, de ingresso no
competitivo mercado mundial e garantia do pagamento da dívida externa.85 Tais medidas
resultaram no aprofundamento do processo de financeirização da economia,86 na centralização
de capitais87 e na introdução da “prática generalizada da terceirização” 88
que implicou,
segundo Filgueiras (2006), na articulação orgânica entre as frações do capital, “tornando-as
aliadas e sócias no processo de precarização das condições de trabalho e de flexibilização do
mercado de trabalho” (p. 191; grifo nosso). No âmbito da divisão internacional do trabalho,
tais políticas aprofundaram a relação de dependência típica do capitalismo dependente e a
manutenção da posição subordinada de exportador de produtos primários (commodities). O
projeto neoliberal intensificou a polarização entre países e entre classes, o que derivou na
ampliação do poder político do capital internacional e dos grandes grupos econômico-
financeiros nacionais, no caso brasileiro, inclusive o agronegócio em razão de sua importância
estratégica nas exportações.

básicas, “que são sempre críticas”, não é “questão de filantropia”, mas de “prudência”. E apontava como uma
“péssima economia” aquela que permite cultivar e difundir a pobreza “a tal ponto que comece a infectar e erodir
todo o tecido social. A pobreza (...) é como um vírus que contagia a amargura, o cinismo, a frustração e o
desespero” (Leher, 1998. Apud, Motta, 2007, p. 197).
83 No caso brasileiro, a crise da dívida de 1980/81 foi a mais emblemática.
84 Faço referência à tese de Roberto Leher (1998): “Da ideologia do desenvolvimento à ideologia da globalização”.
85 Carcanholo (2009) esclarece que o projeto neoliberal e suas respectivas políticas e estratégias econômicas não foram

introduzidas no Brasil como um pacote fechado para ser executado. Embora estivesse condicionado aos empréstimos do FMI
e ao receituário do Consenso de Washington, o neoliberalismo à brasileira, além de tardiamente, vai apresentar
especificidades e expressões próprias das correlações de forças internas.
86 “No sentido de predominância da lógica financeira no interior de seus procedimentos de decisões” e do capital financeiro

em relação ao capital produtivo (Figueiras, 2006, p.190).


87 Através de aquisições, incorporações e fusões de empresas, “concomitantemente a uma maior desnacionalização e

internacionalização da economia brasileira” – atingindo os setores da indústria, comércio e serviços. Segundo Filgueiras
(2006), baseado em dados de 2001, “entre os 100 maiores grupos econômicos privados do Brasil, 19 eram de origem
financeira e 11 de outros setores, mas tendo algum tipo de instituição financeira pertencente ao grupo” e, “pelo menos 19
grupos estavam associados ao processo de privatização [...] da aquisição de empresas públicas” (p.190). E, ainda, entre esses
100 maiores grupos econômicos privados, “pelo menos 50% eram estrangeiros” (idem).
88 Com novas formas de articulação entre os grandes, médios e pequenos capitais e mesmo segmentos de trabalhadores

autônomos, através da constituição de redes de subcontratação (Figueiras, 2006, p.191).


128
Se tais políticas foram introduzidas paulatinamente no Brasil, a partir do final dos anos
1980, condicionadas à garantia do pagamento da dívida externa, foi com a orientação do
Banco Mundial que as políticas sociais passaram a ter caráter focalizado e compensatório,
como forma de administrar e aliviar a pobreza decorrente dessas medidas. Conforme observou
Leher (1998), o Banco Mundial estava ciente de que as políticas econômicas e reformas
estruturais (im)postas como alternativa à “crise fiscal” do Estado implicariam em medidas
austeras que resultariam em desemprego estrutural, aumento da pobreza e da desigualdade,
ainda mais exacerbados nos países de capitalismo dependente.
Legitimando a precarização das condições de trabalho e a flexibilização dos direitos
trabalhistas processou-se, no âmbito ideológico educacional, uma alteração no “corpus
teórico” da “teoria do capital humano” conduzindo a “uma radicalização das premissas
individualistas e meritocráticas que sustentam a teoria [...] e à perda definitiva do seu
substrato liberal-democrático” (Gentili, 1998, p.48). Rompeu-se o vínculo que se estabelecia
entre o desenvolvimento do capital humano e do capital social. 89 Não se tratava mais da
falácia desenvolvimentista de um esforço conjunto para o país-Nação galgar etapas superiores
de desenvolvimento ou de que se vivia no contexto do “pleno emprego” ou do “milagre
econômico”, mas a da paciência de aguardar os bons frutos que viriam com os benefícios do
mercado “livre” e globalizado.
Foram introduzidos nas reformas da educação dos anos 1990 90 os arsenais ideológicos
da competitividade como fator de inserção do país no mercado mundial e da empregabilidade,
justificando o investimento no capital humano através da aquisição de competências e
habilidades necessárias a nova configuração produtiva de base tecnológico-científica e de
serviços e que cada indivíduo deveria adquirir no mercado educacional para atingir melhores
condições de disputa e melhor posição no mercado de trabalho.91 Para Gentili (1998): “A
garantia do emprego como direito social (...) desmanchou-se diante da nova promessa de
empregabilidade como capacidade individual para disputar as limitadas possibilidades de
inserção que o mercado oferece” (p.89).
O processo de reforma intelectual e moral desencadeado sobre as bases ideológica e
cultural neoliberais se pautou na necessária formação do trabalhador de novo tipo, adaptado à

89 O termo capital social, aqui, se refere à infraestrutura social relacionada ao investimento e modernização dos setores
produtivos e de reprodução do capital – educação, saúde, seguridade, assistência social – de um determinado país.
90
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei nº 9394/97.
91 Para o aprofundamento do tema, ver Marise Ramos: “Os Limites da Noção de Competência sob a Perspectiva da Formação

Humana”, In: Movimento, nº4, 2001, pp. 47-64; “Trabalho, Cultura e Competências na contemporaneidade: do conhecer ao
saber-ser”. In: TEIAS: Rio de Janeiro, ano 5, nº 9-10, jan/dez 2004.

129
“nova sociedade do conhecimento” e num conjunto de noções que compôs a cultura “pós-
moderna”, as ideias do “fim das metanarrativas”, do “fim da história”, de que “não tem outra
alternativa” e do “fim da sociedade do trabalho”, entre outras. Esse conjunto de mudanças nas
esferas econômica, política, ideológica e cultural colaborou com o declínio de formas de ação
política tradicional do trabalhador (sindicato; partidos) e a fragmentação das forças políticas
da classe trabalhadora nas formas de enfrentamento das expressões da “questão social”,
conciliando interesses “privados”, refilantropia e gerenciamento eficaz e de resultados.

2.1.2. Função econômica da educação: educar o conformismo pela via da inclusão forçada

Contudo, num tempo muito curto, já em meados dos anos 1990, em meio à série de
crises econômicas e políticas que se estenderam em todo o mundo, ou melhor, do
esgotamento da capacidade civilizatória da sociabilidade capitalista, da crise do “sistema
capital”92, “a promessa dos benefícios globais” (Stiglitz, 2003)93 e as ideologias das
competências e empregabilidade já não mais se sustentavam diante dos fatos da realidade. Foi
crescente a onda antiglobalização em todos os países capitalistas. Diferentes setores, políticos
e intelectuais conservadores e organismos multilaterais apontaram para uma ameaça à ruptura
da coesão social e indicaram a necessidade de introduzir outros mecanismos que reduzissem
os efeitos das políticas neoliberais, criando um novo rearranjo econômico, social e político de
forma a atribuir uma “face mais humana” ao capitalismo.
O Banco Mundial assume as falhas de suas orientações e a razão maior do fracasso:
excessivo foco no investimento em capital humano em contextos constituídos de fracas
instituições. No Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2000/2001: Luta contra a
Pobreza (2000), o Banco Mundial reconhece que embora as condições humanas tenham
melhorado nos últimos 100 anos, “a riqueza global, as conexões mundiais e a capacidade
tecnológica nunca foram maiores, [...] a distribuição desses ganhos globais é
extraordinariamente desigual [...], uma diferença que duplicou nos últimos 40 anos” (p.3). E
que, com todo o empenho do organismo na “luta contra pobreza” nos anos 1990, no “início de
um novo século, a pobreza continua sendo um problema global de enormes proporções”

92
Explica Frigotto (2004) que a expressão “sistema capital” amplia a noção de que o que está em crise não é o modo de
produção capitalista em si, mas a relação social capitalista como um todo, de acordo com Mészáros.
93 Joseph Stiglitz (2003), economista chefe do Banco Mundial nos anos 1980, discorre sobre essa tensão no mundo, alerta

sobre a possibilidade de ruptura da coesão social e propõe alterações no encaminhamento de políticas econômicas e sociais
para os países mais pobres.
130
(p.19). O que se deve atentar, continua, é que “pobreza em meio à abundância é o maior
desafio que o mundo enfrenta” (Idem).94
O Banco identifica que as bases de orientação de políticas sociais voltadas para aliviar
a pobreza nos anos 1980-90 pautavam-se no investimento em capital humano como forma de
inserção no mercado de trabalho e em políticas focadas e compensatórias para aqueles que
não eram munidos desse tipo de capital. Naquela concepção, segundo o Banco, os indivíduos
não munidos de capital humano (os pobres) seriam incapazes de atuar no mercado de forma
autônoma e competitiva. Com isso: “o Estado deve(ria) preocupar-se, compensando-os com
suas políticas sociais focalizadas de aumento do capital humano” (BIRD, 2000, p.59; grifos
nossos).
Ainda constata que o investimento no “capital humano” dos pobres e a promoção do
uso intensivo da força de trabalho [barata e] abundante, porém desqualificada, não foram
fatores nem de crescimento econômico, nem de redução da pobreza como se previa nos anos
1990. E avalia como uma das causas do “fracasso” nas políticas de redução da pobreza
daquele período o excessivo otimismo “em relação às realidades institucionais, sociais e
políticas da ação pública” (p.61).
Conforme expresso no Relatório de 2000:
É certo que as reformas de mercado podem promover o crescimento e ajudar os
pobres, mas também podem ser uma fonte de desajuste. Os efeitos das reformas de mercado
são complexos e guardam uma profunda relação com as instituições e estruturas sociais. A
experiência com a transição, especialmente nos países da ex União Soviética, é um vivo
exemplo de que, na ausência de instituições internas eficientes, é possível que as reformas de
mercado não consigam gerar crescimento e redução da pobreza (p.32; grifos nossos).

Em relação às políticas de investimento no capital humano das camadas mais pobres, o


Banco Mundial (2000) faz a seguinte avaliação:
(...) evidencia-se que a mudança tecnológica da última década favoreceu em escala
crescente a especialização. Portanto, ao contrário do que era preciso e esperado, o padrão
de crescimento nos países em desenvolvimento não consiste necessariamente em fazer uso
intensivo de mão de obra não qualificada (p.32).

Ao que parece, o entendimento do Banco é que a “vantagem” de viver num país


atraente para as grandes empresas transnacionais pela abundante força de trabalho barata – o
que seria um fator de empregabilidade –, não resultou em benefícios para os pobres. O

94 Fukuyama, em seu livro “Construção de Estados: governo e organização no século XXI” (editado pela Rocco), pós 11 de
setembro, vai dizer que a pobreza passa a ser um fator de segurança mundial. Novamente a pobreza ganha o status de ameaça
internacional como o fora nos tempos da Guerra Fria, durante a gestão de McNamara no Banco Mundial.
131
“atraso” na modernização tornou-se um fardo para os trabalhadores sem qualificação de
ponta, que ficaram “de fora” da expansão do capital e mais empobrecidos.95
Frente à intensificação da condição de pobreza de uma grande massa de
“subproletariados descartáveis” (Fontes, 2005) e aos riscos de ruptura da coesão social que tal
situação potencializava, a ONU e suas unidades UNESCO e CEPAL elaboraram, em 2000,
consensual e articuladamente com o Banco Mundial e o BID, as “políticas de
desenvolvimento do milênio”96.
Compreendemos tais políticas como novos mecanismos de ajustes nas bases da
reforma intelectual e moral neoliberais, afinados com a abordagem neoinstitucionalista97,
voltadas para o fortalecimento das instituições e para a “boa governança” como meios de
aliviar e administrar a pobreza e as tensões sociais. Esta abordagem confere às instituições da
sociedade civil e ao Estado a força política para assegurar um ambiente estável, solidário,
harmonioso para o enfrentamento das expressões da “questão social”. Busca-se construir uma
aparente concepção de mundo coesa e unitária, através da consolidação da sociedade civil
solidária e da construção de Estados “sem inimigos”98, conferindo uma “face mais humana”
ao capital com mais oportunidades para os pobres e trabalhadores “condenados do sistema”
(Florestan Fernandes). Retoma-se a ideologia do desenvolvimentismo, porém enfatizando o
desenvolvimento local e sustentável.99
Na perspectiva de que a pobreza frente à riqueza global e à capacidade tecnológica é
um problema de segurança internacional, o Banco Mundial recomenda criar oportunidades

95
Castel (2003), ao analisar “as metamorfoses da questão social” na França dos anos 1980 com base na centralidade do
trabalho, identifica que a elevação do nível de qualificação dos trabalhadores pelas empresas afetou diretamente os jovens,
pois “desmonetariza uma força de trabalho antes mesmo que tenha começado a servir” (p.519). Ainda hoje, são os jovens
trabalhadores, de todo o mundo, que mais sofrem esse processo. Conforme constata Andrade (2009), no Brasil, entre o grupo
de desempregados os jovens, entre 16 e 24 anos, são em maioria (46%), especialmente os jovens com maior nível de
escolaridade.
96 As “políticas de desenvolvimento do milênio” surgem da Declaração do Milênio das Nações Unidas elaborada em

setembro de 2000, em Nova York, no encontro denominado de Cúpula do Milênio. Esta Declaração, acordada e adotada
pelos 191 Estados membros, compõe uma série de compromissos e um conjunto de metas com prazos pré-fixados sobre a
erradicação da pobreza no planeta, desenvolvimento social, meio-ambiente, saúde, etc.
97 Viés teórico da Ciência Política que foca suas análises nas instituições e propõe o fortalecimento das mesmas como forma

de assegurar a democracia liberal.


98 A expressão “Estado sem inimigo” compõe o conjunto de propostas da “terceira via” de Giddens (ver GIDDENS,

Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da socialdemocracia. 5ª ed. Rio de Janeiro:
Record, 2005). Na mesma linha, o Banco Mundial propõe a formação de “Estados ativos” e Fukuyama (2005), Estados
fortes.
99 O modelo de “desenvolvimento do milênio” tem como base a retomada do Estado na coordenação (e não intervenção) das

políticas macroeconômicas calcadas nas “vantagens comparativas” - que seriam as commodities (exportação de produtos
primários), força de trabalho barata e abundante e mercado potencial de consumo popular; manutenção da poupança externa,
como forma de investimento nas estruturas produtivas e dinamização do mercado interno; financeira e ambientalmente
sustentáveis. Tais políticas, que vem sendo redesenhadas mais claramente a partir do segundo mandato do governo Lula, vêm
sendo difundidas com a nomenclatura “novo-desenvolvimentismo” [ver: Sicsu, Paula & Michel (Orgs). Novo-
desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com equidade social. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer,
2005; para uma análise crítica, CASTELO (2010)].
132
aos pobres através de políticas que facilitem sua autonomia, em relação aos serviços estatais,
e dê mais segurança, diante das intempéries do mercado (BIRD, 2000).

Para facilitar a autonomia dos pobres, sugere promover a descentralização e o


desenvolvimento comunitário, pois a descentralização pode aproximar as instituições estatais
das comunidades pobres melhorando sua capacidade de resposta e sensibilidade em relação à
condição socioeconômica dessa população, e pode fortalecer a participação da comunidade
nos processos políticos e decisórios locais o que acarretaria no seu desenvolvimento. Nesse
sentido, continua, “é importante colaborar com os grupos que representam os pobres e
aumentar seu potencial, vinculando-os com organizações intermediárias, mercados mais
amplos e instituições públicas” (BIRD, 2000, p.9).
Em relação aos mecanismos para melhorar a segurança das comunidades pobres são
sugeridos mecanismos de geração de empregos através da expansão dos mercados
internacionais, de forma “bem planejada” (BIRD, 2000, p.8); de investimentos privados
eficazes, reduzindo os riscos para os investidores, mediante políticas fiscais e monetárias
estáveis, sistemas financeiros sólidos e um contexto empresarial claro e transparente,
assegurando “o império da lei” (BIRD, 2000, p.8); investir nas pequenas e médias empresas,
pois estas são as principais fontes de geração de empregos nos países em desenvolvimento, 100
facilitando o acesso ao crédito e reduzindo os custos de transação e aliviando o “grande peso”
da regulamentação. Como também introduzindo mecanismos de geração de renda, com
reformas no nível microeconômico, através de apoio institucional à criação e formalização de
microempresas101 e acesso ao microfinanciamentos102. Ainda, criar um “patrimônio para os
pobres”, concentrando os gastos públicos nos pobres e assegurando a prestação de serviços de

100
Pochmann, numa entrevista à revista Caros Amigos, em setembro de 2009, observa que no Brasil 95% do mercado são
constituídos de médias e pequenas empresas.
101 No Brasil, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) tem sido o principal agente de

capacitação e diagnóstico da vocação produtiva das comunidades mais pobres e de formalização de seus empreendimentos.
Este ano, a partir da promulgação da Lei Complementar nº 128 de 19 de dezembro de 2008 que regulamenta as pequenas e
micros empresas, o SEBRAE vem desenvolvendo vários projetos voltados para o Empreendedorismo Social que visa a, entre
outras ações, formalizar a situação de diversos profissionais autônomos e empresas “de fundo de quintal” legalizando
empreendimentos individuais e respectivos empregados.
102 Na Índia, o banqueiro Muhammad Yunus, Prêmio Nobel de Economia 2006, criou um Banco – Banco Grameen -, em

1970, em Bangladesh, para emprestar dinheiro aos pobres, preferencialmente às mulheres. Ele editou sua autobiografia na
obra “Muhammad Yunus com Alan Jolis. O Banqueiro dos Pobres: a revolução do microcrédito que ajudou os pobres de
dezenas de países”. São Paulo/SP:Ática, 2000. Sua experiência tem servido de modelo para diversos países, inclusive o
Brasil. A Caixa Econômica Federal, em convênio com o Banco do Povo, assinou em novembro de 2006, o primeiro contrato
de Microcrédito Orientado do Brasil. A previsão de investimento em operações de microcrédito será em torno de R$2
milhões, que será viabilizado aos “empreendedores populares”, de acordo com as regras do Programa Nacional de
Microcrédito Produtivo Orientado (JB online, 28 de novembro de 2006, reportagem da Gazeta Mercantil). O microcrédito
facilita a formação de cooperativas e arranjos produtivos como forma de gerar oportunidade de trabalho e renda aos pobres,
partindo da “vocação produtiva da comunidade”. Uma medida inovadora e de solução alternativa na concepção do Banco
Mundial.
133
“boa qualidade” – “o que pode implicar reforma dos serviços públicos ou uma privatização
que assegure a expansão dos serviços aos pobres” (idem) e a participação das comunidades e
das famílias pobres “na escolha e implantação dos serviços e sua monitoração para que os
provedores assumam sua responsabilidade” (Ibidem) – base do argumento da criação das
Organizações Sociais (OS) como gerenciador privado das verbas e serviços públicos. 103 E,
entre outras medidas, criar sistemas nacionais de controle do risco social que sejam pró-
crescimento, com programas que não prejudiquem a competitividade, previnam os conflitos
civis, pois estes são “devastadores para os pobres” (p.10), o que insere fortalecer as relações
entre doadores e organizações da sociedade civil, pois elas são um “canal eficaz de
cooperação” (Idem).
Esses mecanismos, segundo o Banco, levariam a “fortalecer a capacidade local” e a
“reforçar o capital social dos pobres, pois as normas e redes sociais são formas importantes de
capital que as pessoas podem usar para sair da pobreza” (BIRD, 2000, p.11).
A incorporação de elementos da “teoria do capital social” de Robert Putnam (2002) foi
um dos aspectos inovadores das estratégias de alívio à pobreza nas políticas sociais de
orientação dos organismos internacionais para o “desenvolvimento do milênio”. 104 A partir de
então, realiza-se um consenso na defesa de que a capacidade de uma sociedade estabelecer
laços de confiança interpessoal e de criar redes de cooperação com vistas à produção de bens
coletivos é fundamental para fortalecer um círculo virtuoso democrático e, consequentemente,
o bem-estar econômico e social. Para Putnam (2002): “A confiança mútua é talvez o preceito
moral que mais necessita ser difundido entre as pessoas, caso se pretenda manter a sociedade
republicana” (p.103).
Conforme observaram os especialistas da Cepal105 (Apud. Motta, 2007):
Los esfuerzos de reducción de la pobreza ejercen una influencia positiva en el capital social
de un país, porque disminuyen la segregación. Además, las iniciativas de inversión en capital
social, que conectan a personas anteriormente desvinculadas, tienden a aminorar la
desigualdad de ingresos y la pobreza que contribuyen a esa segregación (p.238).

103 Na “reforma gerencial do Estado” promovida em 1998 pelo, então, Ministro Bresser Pereira, foram definidas e
estabelecidas em lei as primeiras organizações sociais destinadas a executar no “setor público não-estatal” atividades sociais
e científicas, definidas como “serviços não exclusivos do Estado”, que o Estado “desejava financiar”, mas não executar (Leis
nº 9637/98 e Lei nº 9.790/99). Tendência crescente e efetiva não só no governo federal, mas também nos governos estaduais
e municipais nas áreas da saúde, cultura e educação. No âmbito da educação, são as escolas charts, em Nova York, o modelo
inspirador.
104
A concepção de capital social, em Putnam (2002), foi amplamente difundida nos relatórios dos principais
organismos internacionais e regionais a partir de meados dos anos 1990 e ecoou em várias áreas acadêmicas no mundo.
Também foi incorporada na proposta da “terceira via” de Giddens e nas análises de Francis Fukuyama, pós “fim da história”.
105 Carcanholo (2010) passa a denominar a Cepal nessa fase do neoliberalismo de “nova-Cepal”, tendo em vista a mudança

da abordagem no modelo de desenvolvimento.


134
Os simulacros da “autonomia” e da “segurança” expressam a implementação de
programas de capacitação das camadas “vulneráveis” na autoadministração da superação de
sua precária condição econômica e social, empreendendo esforços conjuntos, formando e
fortalecendo redes solidárias, sem depender da ‘caridade pública’, isto é, construindo sua
“autonomia produtiva” esvaziada de sentido e da efetivação dos direitos ao trabalho, à
educação, saúde, segurança, cultura. Com isso, às camadas mais pobres, não munidas de
capital humano, só lhes restam investir no capital social.
Assim, na perspectiva da ‘teoria do capital social’ a educação passa a exercer a
dupla função de aprimorar o capital humano para aumentar a competitividade e a
produtividade do indivíduo e de construir uma ‘cultura cívica’ como mecanismo de formação
de uma sociedade solidária, harmônica, confiável, ‘da paz’, necessária para aliviar a
pobreza. Alarga-se o papel da educação e restringe sua função política (Motta, 2009, p. 561).

Nesses ajustes realizados nos encaminhamentos de políticas frente à crise da


hegemonia neoliberal e como alternativa de retomada do desenvolvimento dos países de
capitalismo dependente, 106 a precarização do trabalho é naturalizada: assalariado ou não, na
formalidade ou na informalidade, o sujeito (coletivo ou individual) portador de capacidade
produtiva (qualificada ou não; com ou sem capital humano), pode se inserir no mercado e
realizar qualquer atividade que lhe dê alguma renda, ocupando seu espaço na cadeia produtiva
e de consumo dentro das opções abertas ou que lhes foram oportunizadas. Sua “inclusão
forçada” não tem o sentido de satisfazer as necessidades elementares, mas criar necessidades
ampliadas de consumo; num movimento incessante e insaciável de valorização do capital. 107
Mesmo o ínfimo recurso público destinado aos segmentos mais “vulneráveis” da população,
como o Bolsa Família, é considerado investimento. Segundo a Secretária Nacional de Renda
de Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Lucia Modesto, 108
o Bolsa Família gera retornos para toda a sociedade ao inserir este grupo no mercado de
consumo impulsionando a economia, particularmente no âmbito local.

106 Em referência às Políticas de Desenvolvimento do Milênio da ONU.


107 Para o presidente do Bradesco, “quando os pobres se transformam em consumidores, você passa a ter uma revolução
silenciosa. O pobre sem consumo estrangula a expectativa de vida, a esperança, o desejo de progresso. E essa pobreza que
vira consumidora [...] é o que faz com que os shoppings centers de classe mais elevada estejam repletos de consumidores ao
mesmo tempo em que uma José Paulino e uma 25 de Março (ruas de comércio popular) estão pulsando no comércio de baixa
renda”. In: Folha de São Paulo. “Bancos vão ganhar com a inclusão social no Brasil”. Caderno Dinheiro, sábado, 21 de
novembro de 2009.
108 Jornal do Brasil, “Quem paga, quem recebe e para quê”. terça-feira, 20 de outubro de 2009.

135
Trata-se da retomada do processo de inclusão forçada (Fontes, 2005) da extensa
população de pobres como consumidores e dinamizadores do mercado interno109, porém
destituídos de seus direitos, sobrevivendo à sua sorte as intempéries do mercado.
A leitura que se faz é que os pobres, vítimas de programas de ajustes mal
implementados, de políticas sociais ineficazes, de instituições fracas e corruptas, de
discriminações, etc. devem investir na sua “autonomia” (produtiva) e por conta própria, sem
depender das benesses do Estado, “agarrar” as “oportunidades” oferecidas pelo mercado.
Conforme expõe Mestrum (2003): “A melhor política em favor dos pobres não é a que os
protege do mercado, mas a que os incita a dele participar. Sair da pobreza é uma
responsabilidade dos próprios pobres” (p.249).
Assim, estão postas as tarefas dos governos nos países de capitalismo dependente:
“tornar os mercados mais favoráveis aos pobres” (BIRD, 2004, p.61), pois os “mercados são
importantes para os pobres” (idem) porque geram crescimento e oportunidades; gerar capital
social como forma de conter possíveis conflitos e tensões sociais. A ideologia do capital
humano rejuvenescido com elementos da ideologia do capital social não vai tratar somente de
“educar para a sobrevivência”, como fora nos anos 1990, mas “educar para o conformismo”.
Amplia-se o caráter economicista ou produtivista da educação inserindo elementos
pretensamente humanizantes, éticos e moralmente voltados para a conformação da
vontade.110
Tudo isso reforça o processo de “privatização” tanto no sentido arendtiano, posto por
Oliveira (2007): “os indivíduos são jogados aos seus espaços privados, à solidão, à
insegurança, que decorre exatamente da ‘privação’ do espaço público e da alteridade” (p.29),
como no sentido de hegemonia gramsciano, ao favorecer a penetração da lógica empresarial
nas mentes e no coração dos sujeitos situados nos mais longínquos e precários recantos e nos
vários segmentos da sociedade – o que implica na formulação de uma nova função da
educação, a função econômica da inclusão forçada.

109 O relatório do Banco Mundial “Os Próximos Quatro Bilhões” de 2007 revelou que “no mundo todo existem quatro
bilhões de pessoas que ganham menos de US$3 mil por ano, formando um vigoroso mercado de US$5 trilhões”. Em relação
ao Brasil, o relatório com base nos dados do IBGE afirma que os 70,7% mais pobres representam um mercado de US$181
bilhões. A renda média dos brasileiros situados na base da pirâmide econômica é de US$3,35 por dia, à frente da China
(US$2,11) e da Índia (US$1,56). No Jornal Monitor Econômico, esta notícia foi veiculada com o título: “O PIB dos Pobres”
(Motta, 2007, p.25-26).
110 No governo Lula, tais ajustes não chegam a operar uma “reforma educacional”, no sentido de elaborar uma legislação ou

um plano nacional de educação específicos. Mas é possível identificar, principalmente no segundo mandato do governo Lula,
a ênfase e a articulação entre políticas sociais e educacionais, ambas de caráter focado e compensatório, a exemplo do Bolsa
Família, do Programa Universidade para Todos, dos fragmentados programas para jovens, entre outros que integram
educação, geração de renda e desenvolvimento comunitário, nos moldes da ideologia do capital social e, ainda, calcados na
“ideologia ‘novo-desenvolvimentista’”.
136
2.1.3. Considerações finais

Desvelar o caráter solidário que se põe como alternativa ao enfrentamento das


expressões da “questão social” na perspectiva da ideologia do capital social torna-se
fundamental, uma vez que implica num processo de hegemonia pela função educadora que se
apresenta alargada em sua extensão, ao buscar envolver os vários aparelhos privados de
hegemonia que compõem a sociedade civil: escola, igreja, sindicatos, empresas, organizações
não governamentais, entre outros, e ampliada em suas funções, ao se voltar para a formação
do homem de novo tipo – solidário e conformado – e de um tipo de sociedade - colaboradora
e não conflitiva – como caminho possível para gerar crescimento econômico e social e,
“naturalmente”, suscitar o bem-estar social “para todos”.
A ideologia do capital social ao suscitar o esforço conjunto, solidário e coeso para
“combater” as mazelas sociais, disseminar a necessidade de se criar um clima ameno, sem
confrontos, no enfrentamento da “questão social”, promove a despolitização da sociedade
civil enfraquecendo os embates em seu interior, esvaziando seu caráter de espaço de disputas
entre classes e frações de classes e gerando a “vontade de conformismo”.
Trata-se de um tipo de educação para o “conformismo” que encontra terreno fértil na
atual conjuntura de retração e fragmentação das forças políticas dos trabalhadores. Para a
classe subalterna, refém dessa barbárie, o engajamento voluntário nesse processo de “inclusão
forçada” significa sua própria sobrevivência e a única forma de usufruir os “benefícios”
sociais, mesmo que na sua forma precarizada. Por outro lado, na perspectiva da reprodução
(cada vez mais) ampliada do capital (Mattos, 2009) e mesmo do capital social que estimula o
associativismo como forma de empreender ações conjuntas para resolver problemas
estruturais de forma imediata e restrita ao âmbito local, não nos autoriza a dizer que tais
mecanismos conservadores resistam ao movimento do real.
É importante destacar que a ampliação da participação política e a questão do Estado
como espaço de direito – de “obtenção de uma igualdade político jurídica com os grupos
dominantes” (Gramsci, 2000, pp.40-41) – podem ser identificadas como avanços e conquistas
da classe trabalhadora, “já que se reivindica o direito de participar da legislação e da
administração e mesmo de modificá-las, [e] reformá-las [...]” (idem). Entretanto, deve-se ter
clareza de seus limites uma vez que são realizações “nos quadros fundamentais existentes”
(Ibidem). Com isso, conforme indica Gramsci (2000), é preciso ainda avançar para outro

137
momento de consciência política coletiva, “estritamente político” ou ético-político, no sentido
de formar uma força social “cada vez mais homogênea, compacta e consciente de si” (p.46),
que assinale a passagem das conquistas econômico-corporativas de uma determinada fração
da classe trabalhadora “rumo à unificação concreta e objetivamente universal” (Gramsci,
1999, p. 134) pela superação da ordem vigente. Nessa perspectiva, a tarefa essencial consiste
em dedicar-se de modo sistemático e paciente a formar e desenvolver essa força homogênea,
compacta e consciente de si, o que perpassa pela batalha das ideias e pela superação das
“ideologias parciais e falazes” (idem).
No campo da educação, a batalha a ser travada é pela escola que interessa à classe
trabalhadora e a seus filhos, a escola unitária.

138
2.2 Educação para a “inclusão” e a “empregabilidade”: promessas que
obscurecem a realidade111

Na sociedade burguesa, as relações sociais tendem a configurar-se em ideias,


conceitos, doutrinas ou teorias que evadem seus fundamentos. (Otávio Ianni, 1965)

O que busco assinalar neste breve texto, é que a profusão de noções que vêm
surgindo, dentre elas as de inclusão e empregabilidade, seguem um percurso de crescente
dissimulação nas mudanças metabólicas das relações sociais capitalistas. Dissimulação que
evade e mascara a regressão das condições reais de vida e o sentido precário das políticas
públicas de formação, educação, trabalho e renda da classe trabalhadora e, em especial, dos
jovens e adultos pouco escolarizados.

2.2.1. Mudanças das relações sociais capitalistas e dissimulação de seus


fundamentos

Mais de cento e cinquenta anos depois da caracterização de Marx e Engels sobre a


natureza específica do modo de produção capitalista, no qual “a burguesia não pode existir
sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, portanto, as relações sociais
de produção, e, por conseguinte todas as relações sociais” e que “(...) tudo o que é sólido se
desmancha no ar” (Marx e Engels, 2008, p. 13e 14), a mesma não só guarda atualidade, mas
se explicita de forma candente.
Também guardam atualidade as análises de Marx no prefácio da “Contribuição à
crítica à economia Política” (Marx, 2008) e na “Introdução à crítica da Filosofia do Direito
em Hegel” (Marx, 2006), onde nos indica, respectivamente, que não é a consciência dos
homens que determina seu ser, mas que a consciência se produz dentro de determinadas
relações sociais e, por outra parte, não é a religião que faz o homem, mas o ser humano em
determinadas relações e situações sociais que faz a religião.
Propor entender a gênese e o desenvolvimento do sistema capitalista de produção da
existência, sua impulsiva necessidade de revolucionar as forças produtivas e as relações de
produção, seu estatuto científico e as noções, categorias, ideias, conceitos e o sistema de

. Frigotto Gaudêncio. Programa de Pós graduação em Políticas Públicas e Formação Humana


111

(UERJ). Texto publicado numa coletânea resultado de intercâmbio internacional com a Universidade
de Lisboa no projeto CAPES/GRICE sobre ovimentos Sociais e Políticas para Jovens e Adultos
Pouco Pscolarizaods In:Canário, Rui e Rummert, Sônia Maria. Mundos do trabalho e aprendizagem.
Lisboa, Ed. Educa Formação, 2009, p. 69-71.
139
valores com os quais opera, implica dispor-se a assumir um referencial de análise cujo escopo
não busque apenas compreender e descrever o seu funcionamento, mas que seja capaz de
apreender como este sistema se produz, como se desenvolve e que tipo de relações sociais
sedimenta. O materialismo histórico constitui-se, enquanto concepção de realidade e método
para compreendê-la, no legado fundamental de Marx e Engels desta possibilidade 112. Como
nos lembra Jameson (1994), este método não é o único que faz a crítica às relações sociais
capitalistas, mas é o “único que permite uma crítica radical e sem celebrações ao
capitalismo”12.
É por este método que podemos compreender que a ciência social, que se desenvolve
tendo como base o pensamento liberal e o método positivista/funcionalista, busca naturalizar a
forma capitalista das relações sociais e ocultar seu caráter histórico e de classe 113. Como
indica Ianni, na epígrafe, estas relações sociais se configuram em ideias, conceitos, doutrinas
e teorias que evadem seus fundamentos. A visão particular de classe de sociedade, ser
humano, trabalho e educação, é posta como sendo de validade universal.
Também é por esse método que se evidencia que se trata de uma sociedade que, por
sua dupla natureza de explorar o trabalho alheio e pela competição intercapitalista, hipertrofia
o desenvolvimento das forças produtivas e produz contradições cada vez mais profundas. A
contradição fundamental se expressa, justamente, pelo exponencial desenvolvimento destas
forças e pelo crescente aumento da exploração dos trabalhadores, e, ao mesmo tempo, pelo
aumento da desigualdade, miséria, degradação humana e violência social.
Uma sociedade em que a crise lhe é inerente e, paradoxalmente, se torna mais aguda
quando existem mais mercadorias e serviços para serem oferecidos no mercado, leva o
sistema à uma tendência à diminuição de sua taxa de lucro. Por isso, o sistema prefere,
literalmente, queimar estoques, dar incentivos para não produzir ou reduzir a produção do que
baixar os preços. O mesmo acontece com a competição que o leva a buscar novas tecnologias
determinando a obsolescência precoce da base técnica anterior. Schumpeter (1984)
denominou essa tendência de destruição criativa ou produtiva.

112
Ver Marx (1969, 1977, 1983 e 2005), Marx e Engels (1979) e Kosik (1986).
12
Note-se que o sentido dado por Jameson não é de que o método materialista histórico não seja o único que faz
críticas às relações sociais capitalistas, mas que o faz de modo radical. Ou seja, que vai à raiz das determinações.
Esta ênfase é dada por Jameson justamente ao discutir as posturas pós-modernas que também fazem críticas ao
capitalismo mas negam as análises marxistas, pelo fato de entenderem que são metanarrativas.
113
Uma análise documentada e densa que desmascara o pensamento e as políticas liberais nos é dada por
Losurdo (2006).
140
István Mészáros (2002), em sua obra “Para Além do Capital”, argumenta que o
sistema capital enfrenta sua crise mais profunda em uma escala não mais local, mas
planetária. Uma crise de natureza qualitativa, diversa das demais, a qual evidencia o
esgotamento do sistema de sua capacidade civilizatória. Por isso, na atual fase, para manter-se
o mesmo, além da destruição produtiva, instaura uma produção destrutiva. Esta manifesta-se
pela super exploração do trabalho, desemprego estrutural, eliminação dos direitos da classe
trabalhadora, duramente conquistados ao longo dos últimos séculos, e a destruição das bases
da vida acelerada pela degradação do meio ambiente.
Ao longo de dois séculos, como modo de produção social dominante, o capitalismo,
por seu contraditório dinamismo e, como consequência, por suas crises cíclicas, necessitou de
mudanças para reequilibrar-se. Trata-se de mudanças reais e, por vezes, bruscas, mas que vêm
para conservar o seu fundamento estrutural de sociedade de classe. Sob estas mudanças,
surgem também novas representações, ideias, categorias, conceitos e “teorias” que, por sua
origem de classe, obscurecem e mascaram a realidade econômica, social, cultural e
educacional.
Dois caminhos dominantes têm ocupado as análises das mudanças bruscas do
capitalismo hoje existente: o retorno ao neoconservadorismo liberal, paradoxalmente
denominado de neoliberalismo, e o pós-modernismo. Ambos se assentam sobre a tese de que
estamos diante de um novo paradigma de conhecimento. No primeiro caso, um paradigma
pós-classista, pós-industrial, sociedade do conhecimento, e, no segundo, uma sociedade sem
centros de poder e sem teorias que desvelem, além das particularidades e singularidades, a
construção e compreensão da realidade histórica. Uma sociedade, portanto, construída e
demarcada pela alteridade e pela diferença e destituída de um âmbito de universalidade
historicamente construída114. Disto deduz-se que chegou-se ao fim dos paradigmas da
modernidade e suas metanarrativas.
No horizonte teórico do qual parto, não há sentido falar do fim dos paradigmas da
modernidade capitalista se a materialidade que a constitui não chegou ao fim. Ou seja, se não
se erradicou a propriedade privada dos meios e instrumentos de produção e a estrutura de
classes. O que se pode afirmar é que todos os referenciais estão em crise, inclusive o
materialismo histórico115.

114
Perry Anderson (1995 e 1999), em duas sínteses, mostra-nos a gênese e desenvolvimento do pensamento
neoliberal e pós-moderno e seus principais protagonistas.
115
Uma discussão mais ampla e detalhada destas questões a desenvolvo no texto “Investigación en el campo
social y contexto histórico: dimensiones teóricas, económicas y ético-políticas” (Frigotto, 2009).
141
No que concerne ao neoliberalismo, o mesmo resulta da incapacidade, ao longo da
história do capitalismo, da teoria social em explicar e resolver o conflito insanável entre o
indivíduo, suposta e formalmente livre e em igualdade de condições, e a assimetria de poder
entre as classes e frações de classes sociais. A saída neoliberal foi a criação de um decálogo
de princípios doutrinários orientando a reestruturação do sistema, mediante a supressão de
direitos, a privatização do patrimônio público, o retorno às teses da soberania do mercado
livre de qualquer controle e a afirmação do individualismo. A máxima de Margareth Thatcher
de que não via a sociedade, mas indivíduos, e sobre a qual busca quebrar a espinha dorsal da
organização dos trabalhadores e de seus direitos, deu o sinal de largada das políticas do ajuste
neoliberal.
Em relação ao pós-modernismo e à crise das abordagens filiadas ao materialismo
histórico, Fredric Jameson (1994, 1996 e 1997) nos ajuda perceber a sua natureza e suas
consequências O pós-modernismo, para este autor, expressa a cultura do capitalismo tardio,
legitimando a profunda fragmentação e individualismo num contexto societário de profunda
alienação social. O centro da questão, para este autor, não é uma atitude de negação ou de
aceitação das teses do pós-modernismo. O desafio é entender que processo histórico afirma
esta compreensão da realidade.
E quais os problemas que enfrentam as abordagens da tradição marxista do método
histórico de compreensão e abordagem da realidade social? Certamente, entre os vieses mais
comuns da tradição marxista ocidental, encontramos, por um lado, o determinismo
economicista e, por outro, as abordagens estruturalistas, que elidem as mediações que
relacionam particularidades e singularidades dos processos sociais com determinações mais
universais116.
A explicitação, todavia, de perda da capacidade de desvelar a historicidade das atuais
relações sociais, no plano econômico-social, cultural e educacional, reside, para Jameson, no
fato de que grande parte dos marxistas abandonou o caminho da busca de entender a
materialidade contraditória do tempo histórico que vivemos e segue o caminho das
abordagens antinômicas.
Na antinomia você sabe onde está pisando. Ela afirma duas proposições que
efetivamente são radical e absolutamente incompatíveis, é pegar ou largar. Enquanto a
contradição é uma questão de parcialidades e aspectos; apenas uma parte dela é
incompatível com a proposição que a acompanha; na verdade ela pode ter mais a ver com
forças, ou com o estado das coisas do que com palavras e implicações lógicas. (...). Nossa

116
A síntese mais direta deste viés a encontramos em Anderson (1985 e 1992).
142
época é bem mais propícia ao terreno da antinomia do que da contradição. Mesmo no
próprio marxismo, terra natal desta última, tendências mais avançadas reclamam da questão
da contradição e se aborrecem com ela... (Jameson, 1997, p. 17-18)
Dentro da tradição marxista, vários pensadores clássicos – Gramsci, Thompson,
Kosik, Williams, Hobsbawm – nos dão, em suas análises, elementos para superar os desvios
acima e perceber a assertiva de Jemeson de que esta tradição não é a única que faz crítica às
relações sociais capitalistas, mas é a que o faz pela raiz, sem celebrações, e numa perspectiva
não de reformar o capitalismo, mas de superá-lo.
A justeza do “IV Seminário Luso-brasileiro” ter entre seus temas a busca de desvelar
as noções inclusão e empregabilidade como uma tarefa teórica e militante é, sobretudo,
acertada, por nos convidar a avançarmos na superação dos determinismos, das abordagens
estruturalistas e de leitura antinômica da realidade. Esta justeza, penso, é sublinhada pelas
abordagens de Gramsci e Williams sobre a importância da cultura e da linguagem na tarefa
da luta contra-hegemônica.
Podemos então afirmar que a dominação essencial de determinada classe na
sociedade mantém-se não somente, ainda que certamente, se for necessário, pelo poder, e não
apenas, ainda que sempre, pela propriedade. Ela se mantém também, inevitavelmente, pela
cultura do vivido: aquela saturação do hábito, da experiência, dos modos de ver, que é
continuamente renovada em todas as etapas da vida, desde a infância, sob pressões definidas
e no interior de significados definidos. (Wlllians, 2007, p. 14).

Esta compreensão Williams debita a Gramsci, para o qual, na luta contra-hegemônica


dentro de uma realidade historicamente construída na desigualdade, no plano das ideias e do
conhecimento, impõem-se duas tarefas concomitantes: Criar uma nova cultura não significa
apenas fazer individualmente grande descobertas “originais”; significa também, e, sobretudo
difundir criticamente verdades já descobertas, “socializá-las” por assim dizer; transformá-
las, portanto, em bases vitais, em elemento e coordenação de ordem moral e intelectual.
(Gramsci, 1978, p. 13)
Todavia, para que haja a possibilidade efetiva de mudanças, o desafio é de desenvolver
processos formativos e pedagógicos que transformem cada trabalhador, jovem ou adulto, do
campo e da cidade, em sujeitos não somente pertencentes à classe, mas com consciência de
classe. A tarefa concomitante à primeira é, pois:
Trabalhar incessantemente para elevar intelectualmente as camadas populares cada vez mais vastas,
isto é, para dar personalidade ao amorfo elemento de massa, o que significa trabalhar na criação de elites de
intelectuais de novo tipo, que surjam diretamente da massa e que permaneçam em contato com ela para
tornarem-se os seus sustentáculos.

143
Esta segunda necessidade, quando satisfeita, é o que realmente modifica o panorama ideológico de
uma época. (ibid, p.27)
Não por acaso, um dos líderes da mais ampla revolução socialista do século XX e seu
teórico mais importante, Lenine, nos alerta que sem teoria revolucionária não há possibilidade
de revolução.

2.2.2- Inclusão e empregabilidade: noções que evadem a violência da atual crise do


sistema capitalista

As breves considerações teórico-metodológicas acima assinaladas nos indicam que, no


trabalho intelectual contra-hegemônico, a tarefa de revelar o sentido alienador das relações
sociais capitalistas, de seus processos pedagógicos e das noções, ideias ou “conceitos” que
efetivam sua dissimulação, não é uma tarefa menor. Pelo contrário, trata-se de um trabalho
necessário e imprescindível da atividade crítica, e precondição para a práxis de superação
destas relações sociais e dos processos pedagógicos.
Bourdieu e Wacquant (2001), num texto síntese e de embate, oferecem pistas fecundas
para entender porque as noções de inclusão e empregabilidade, em particular para jovens e
adultos pouco escolarizados, são promessas que obscurecem a realidade. Eles se referem a um
conjunto mais amplo de noções que fazem parte de um vocabulário corrente e que constitui
uma espécie de estranha “novlange”, aparentemente sem origem.
Em todos os países avançados, patrões, altos funcionários internacionais, intelectuais
de projeção na mídia e jornalistas de primeiro escalão se puseram de acordo em falar uma
estranha novlangue, cujo vocabulário, aparentemente sem origem, está em todas as bocas:
“globalização”, “flexibilidade”, “governabilidade”, “empregabilidade”, “underclass” e
“exclusão”; “nova economia” e “tolerância zero”, ”comunitarismo”, “multiculturalismo” e
seus primos pós-modernos, “etnicidade”, “identidade”, “fragmentação”, etc. (Bourdieu e
Wacquant, 2000, p.1)
A esse conjunto de noções pode-se acrescentar a de inclusão, sociedade do
conhecimento, sociedade tecnológica, qualidade total, competências, empreendedorismo,
capital humano, equidade, capital social117, etc. Trata-se, como sublinham estes autores, de
um vocabulário apenas aparentemente sem origem. Na realidade, eles não só tem uma origem,
como possuem um papel central na reprodução das relações sociais capitalistas em seu estágio
atual.

117
A noção de capital social engendra uma amplitude que desloca as soluções do aguçamento da violência de
classe para o plano individual, articulado a redes, para que “solidariamente” encontre as saídas na “comunidade”
ou na esfera do local. O papel desta articulação cabe à profusão de ONGs ou, mais amplamente, ao denominado
“terceiro setor”. Para uma análise crítica da noção de capital social, ver Motta (2007).
144
As noções de inclusão e de empregabilidade condensam o sentido desta novlangue
aparentemente sem origem e o que a mesma dissimula na reprodução das relações sociais do
sistema capital, em sua fase atual. A hipótese orientadora das pesquisas que tenho efetivado
nas duas últimas décadas, sobre a relação entre conhecimento, tecnologia, educação,
qualificação profissional e trabalho, é de que a profusão de noções aparentemente diversas
apenas obscurece a radicalização da violência de classe e a regressão social 118. Trata-se de
noções que cumprem um papel fundamental na nova hegemonia do capital. 119
Um olhar histórico sobre o contexto em que os processos educativos e de qualificação
profissional são inseridos, numa relação linear com o desenvolvimento econômico e social e
com a inserção no mercado de trabalho e, mais recentemente, com as políticas de “inclusão” e
“formação de competências para a empregabilidade”, nos revela as formas mediante as quais
o pensamento dominante representa o caminho do enfrentamento das crises cíclicas e cada
vez mais profundas do sistema capitalista. Neste particular, mais grave do que uma suposta
estratégia maquiavélica dos detentores do capital é, na perspectiva de Marx, um
condicionamento de classe. Isso nos indica que as saídas para a crise não são para uma efetiva
superação. Ao contrário, cada crise traz novos elementos que as tornam mais violentas e
destrutivas.
Ainda assim, de forma esquemática, pode-se situar o surgimento do ideário de
inclusão e empregabilidade no contexto da atual crise do sistema capital, cujo início,
paradoxalmente, se apresenta com a derrocada do socialismo realmente existente do leste
europeu; o esgotamento das políticas do Estado de Bem Estar; a afirmação de uma nova base
técnico-científica que associa microeletrônica e informação ao processo de produção e, no
plano superestrutural, a doutrina neoconservadora ou neoliberal.
Trata-se de noções que redefinem ou metamorfoseiam outras noções que as
precederam, as quais buscavam dar conta da crise do sistema fordista de produção e de
regulação social. Duas noções, marcadamente ideológicas, encamparam, especialmente para
os países de capitalismo periférico e dependente, o ideário do pós Segunda Guerra Mundial:
modernização e capital humano. Estas, por sua vez, eram entendidas, numa visão linear ou
estrutural-funcionalista, como “variáveis” independentes, capazes de alterar os processos de
desenvolvimento (noção igualmente ideológica), entendidos como variáveis dependentes.

118
Ver Frigotto (1983,1984, 1995, 2003) e Frigotto e Ciavatta (2006).
119
Ver, a esse respeito, Neves (2005).
145
A noção de modernização trazia a marca da natureza psicossocial assentada nos
binômios antinômicos: moderno e atrasado, formal e informal, alto consumo, baixo consumo,
escolarizado e pouco escolarizado, etc. Sair do subdesenvolvimento para em desenvolvimento
e, finalmente, desenvolvido, era uma questão de alterar os valores dos países e populações
imiscuídas no atraso. Capital humano, com um requinte analítico de matriz da economia
neoclássica, é um desdobramento da “teoria” da modernização.
Para Theodoro Schultz, criador, na década de 1950, da denominada “teoria do capital
humano”, que lhe valeu o Prêmio Nobel de Economia em 1978, o investimento em educação
e em saúde do trabalhador representa, para os países ou para os indivíduos, um retorno igual
ou superior ao investimento em outras formas de propriedade privada 120. A base
epistemológica das pesquisas que sustentaram suas formulações são as do empirismo e
funcionalismo, já que o suposto dado para Schultz e a economia política capitalista é o de que
vivemos numa sociedade de tipo natural.
A receita do capital humano, para os países de capitalismo periférico dependente, se
constituiria numa espécie de “galinha dos ovos de ouro” para tirar do atraso e do
subdesenvolvimento, promover a mobilidade social dos indivíduos e num antídoto poderoso
face ao risco do socialismo, que no pós-guerra se ampliou. Não por acaso, particularmente
para a América Latina, esse foi um tema central da Aliança Para o Progresso e dos
organismos regionais vinculados ao Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, etc.
O que vale registrar é que, muito embora a receita revelasse, três décadas depois, que
não surtiu o efeito esperado – ao contrário, concentrou-se mais riqueza, capital e ampliou-se a
pobreza – o ideário do capital humano está inserido na crença da possibilidade do pleno
emprego e, portanto, de uma perspectiva de integração social dentro de uma sociedade
contratual. Emprego este que é mais que ter um trabalho, pois os sindicatos organizados e um
avanço na legislação garantem ao trabalhador a possibilidade de programar, ainda que
explorado, seu futuro.
Mas a receita não poderia surtir efeito porque se apoiava numa compreensão
circular da realidade econômico-social, desconsiderando o processo histórico do
desenvolvimento metabólico da sociabilidade do capital, cada vez mais concentrador e
desigualitário. Isto fica explícito quando se pergunta: mas como os países pobres e as
populações pobres podem adquirir este capital humano? Ou, os países pobres e os pobres

120
Dois livros de Schultz sintetizam sua “teoria”: O valor econômico da educação (1962) e O capital humano
(1973).
146
assim o são porque têm pouca escolaridade ou têm pouca escolaridade porque são pobres? A
resposta, quando miramos a realidade, é inequívoca. Sem capital não se geral capital e,
portanto, para investir em educação, tanto os países quanto os indivíduos necessitam de
capital. O que se elide, uma vez mais, são as relações de poder assimétricas porque são
relações, na origem, de classe.
As noções de inclusão e empregabilidade expressam, como assinalamos acima, um
outro contexto da sociabilidade do capital e obscurecem o que produz a crise mais profunda e
universal do sistema capitalista: a hipertrofia do capital especulativo, o desemprego estrutural
e a precarização crescente das condições de trabalho. A apropriação privada da nova base
científica – principal força produtiva – permitiu ao capital vingar-se do trabalhador e de suas
conquistas ao longo do século XX. Trata-se de uma tecnologia flexível que redefine o espaço
e o tempo das mercadorias e serviços e hipertrofia o capital morto, possibilitando não só a
ampliação do exército de reserva, mas a não necessidade de amplos contingentes de
trabalhadores que constituem um excedente. Por certo, os jovens e adultos pouco
escolarizados são os mais descartáveis. Mas, também descartam-se jovens e adultos
escolarizados como, por exemplo, evidenciam as pesquisas de Alves (2008) na realidade
social de Portugal.
A noção de inclusão engendra um duplo sentido de regressão social. Ela não é a
mesma coisa sob a perspectiva de uma sociedade que explora, já que a exploração está
inserida na legalidade do contrato de trabalho, mas que integra e permite planejar o médio e o
longo prazo. Por esta razão, as políticas de inclusão, já na origem, nascem marcadas pela
precariedade e pela sina do provisório. São políticas não universais e que atingem grupos
específicos, vítimas das relações sociais de produção. O Estado, como guardião da
“governabilidade” e segurança do capital, e pela violência institucionalizada, elimina,
sobretudo, contingentes de trabalhadores jovens. O número de jovens mortos pelo aparato
armado do Estado, na cidade e no campo, e pela luta entre grupos e facções nos grandes
centros urbanos do Brasil e da América Latina, desenha uma guerra permanente e, agora, não
tão silenciosa.
O abandono de políticas universais de garantia de direitos sociais como emprego,
renda digna, educação, moradia, transporte, cultura e lazer resulta de relações sociais que

147
deslocam esses direitos para o plano individual. Um capitalismo tardio 121, ultra fragmentado e
que exacerba o individualismo e processos pedagógicos que o afirmam e o aprofundam.
A empregabilidade é uma noção que aparece no vocabulário da novlange como
expressão do novo capitalismo ou capitalismo flexível (Harvey, 1996) e cuja função
ideológica é apagar a memória do direito ao emprego e o conjunto de direitos a ele
vinculados. Já não é necessário dissimular. Como indicam Bourdieu e Wacquant, “patrões,
altos funcionários internacionais, intelectuais de projeção na mídia e jornalistas de primeiro
escalão” (op. cit. p. 1) proclamam as belezas do novo tempo, não mais do emprego – ligado
ao passado rígido, pouco competitivo – mas da empregabilidade.

A empregabilidade é um conceito mais rico do que a simples busca ou mesmo a


certeza de emprego. Ela é o conjunto de competências que você comprovadamente possui ou
pode desenvolver - dentro ou fora da empresa. É a condição de se sentir vivo, capaz,
produtivo. Ela diz respeito a você como indivíduo e não mais a situação, boa ou ruim da
empresa - ou do país. É o oposto ao antigo sonho da relação vitalícia com a empresa. Hoje, a
única relação vitalícia deve ser com o conteúdo do que você sabe e pode fazer. O melhor que
uma empresa pode propor é o seguinte: vamos fazer este trabalho juntos e que ele seja bom
para os dois enquanto dure; o rompimento pode se dar por motivos alheios à nossa vontade.
(...) (empregabilidade) é como a segurança agora se chama. (Moraes, 1998, p.53)

A promessa da empregabilidade, todavia, quando confrontada com a realidade do


desemprego estrutural e da perda dos direitos sociais, não só evidencia seu caráter
mistificador mas, sobretudo, revela também um elevado grau de cinismo.

(...) uma bela palavra soa nova e parece prometida a um belo futuro:
“empregabilidade”, que se revela como um parente muito próximo da flexibilidade, e até
como uma de suas formas. Trata-se, para o assalariado, de estar disponível para todas as
mudanças, todos os caprichos do destino, no caso dos empregadores. Ele deverá estar pronto
para trocar constantemente de trabalho (como se troca de camisa, diria a ama Beppa).
(Frorrester, 1997, p. 118)

Percebe-se, então, que a noção de capital humano não desaparece do ideário


econômico, político e pedagógico, mas é redefinida e resignificada pelas noções de sociedade
do conhecimento, sociedade tecnológica, qualidade total, trabalho flexível, direitos flexíveis,

121
A literatura nos traz um duplo sentido de capitalismo tardio. Em nações como o Brasil, que mantiveram a
escravidão por quase quatro séculos e, portanto, completam tardiamente as bases materiais e ideológicas da
forma específica de relação social capitalista. O outro sentido, aqui usado, é como o analisam, entre outros
marxistas, István Mészáros (2002) e Fredric Jameson (1996): um capitalismo que esgotou sua parca capacidade
civilizatória, que destrói um a um os direitos da classe trabalhadora e degrada as bases da vida pela destruição do
meio ambiente. Relações sociais que geram nos indivíduos uma corrosão do caráter, como diz Sennett (1999).
148
competência e pedagogia das competências. Na verdade, uma promessa que encobre o
agravamento das desigualdades no capitalismo contemporâneo, deslocando a produção desta
desigualdade da forma que assumem as relações sociais de produção para o plano do fracasso
do indivíduo: “estou desempregado, não arranjo emprego”. Assim, fica mais fácil atribuir ao
indivíduo a responsabilidade por suas desgraças e por sua derrota.

No plano pedagógico escolar e da formação profissional, a adequação reprodutora das


relações sociais do capitalismo tardio dá-se pelo deslocamento da luta por uma educação
básica e unitária (síntese do diverso), pública e universal, para a concepção e prática
pedagógica centrada na noção de competência, oriunda de um neo pragmatismo e reificadora
do individualismo. Do mesmo modo, a formação profissional por competências para a
empregabilidade, desloca e tira da memória social o direito à qualificação, vinculado ao
direito ao emprego.

A lógica das competências incorpora traços relevantes da “teoria do capital humano”,


redimensionados com base na “nova” sociabilidade capitalista. Apoia-se na tese do velho
capitalismo desregulamentado, dois séculos mais tarde, agora com base em extraordinários
saltos tecnológicos que permitem ao capital regular e dominar os corpos, as mentes e até a
afetividade dos trabalhadores. O que se diz ao trabalhador, sem rodeios, é que o aumento da
produtividade marginal de cada um é considerado em função do adequado desenvolvimento e
utilização das suas competências, e que o investimento individual no desenvolvimento das
competências exigidas pelo mercado é tanto resultado quanto pressuposto da adaptação à
instabilidade da vida. Aos moldes neoliberais, apregoa-se que isso redundará no bem-estar de
todos os indivíduos, na medida em que cada um tem autonomia e liberdade para realizar as
suas escolhas de acordo com suas competências122.
A conclusão de Bourdieu e Wacquant sobre o sentido dessa novlange constitui uma
síntese sem reparos do que as promessas da inclusão e da empregabilidade, e suas noções
irmãs ou primas, encobrem no capitalismo hoje e o seu poder de violência simbólica.
A difusão dessa nova vulgata planetária – da qual estão notavelmente ausentes capitalismo, classe,
exploração, dominação, desigualdade, e tanto vocábulos decisivamente revogados sob o pretexto de
obsolescência ou de presumida impertinência – é produto de um imperialismo apropriadamente simbólico: seus
efeitos são tão mais poderosos e perniciosos porque ele é veiculado não apenas pelos partidários da revolução
neoliberal, que, sob a capa da “modernização”, entende reconstruir o mundo fazendo tábula rasa das
conquistas sociais e econômicas resultantes de cem anos de lutas sociais, descritas, a partir dos novos tempos,
como arcaísmos e obstáculos à nova ordem nascente, porém também por produtores culturais (pesquisadores,

122
Ver, a esse respeito, Ramos (2001)
149
escritores, artistas) e militantes de esquerda que, em sua maioria, ainda se consideram progressistas. (Bourdieu
e Wacquant, op. cit. p.1)

Se o esforço de análise aqui empreendido cumpre com seu objetivo central,


pode-se afirmar que estas noções, só na aparência, não têm origem. Pelo contrário, elas têm
clara origem nas atuais relações sociais de produção e se constituem, elas mesmas, numa
materialidade ideológica e simbólica sustentadoras da violência destas relações.

2.2.3 - A título de conclusão

A breve análise assinalada nos dois itens acima permite extrair algumas
conclusões em relação ao embate teórico sobre noções, ideias e teorias que obscurecem o
sentido real das atuais mudanças das relações sociais de produção e seus efeitos humanos e
sociais numa realidade, definida por Linhart (2007), de desmedida do capital. Do mesmo
modo, permite apontar o sentido regressivo das concepções e práticas pedagógicas, na escola
e nos programas de formação profissional, e o papel de pífio alcance das políticas públicas de
emprego e renda para jovens e adultos pouco escolarizados.
A força com que ressurgem as análises com base no pensamento liberal
conservador, por um lado, e o caminho desviante e de apelo narcisista das abordagens
centradas no pós-modernismo, por outro, assinalam um tempo de profunda indigência teórica.
Indigência que apresenta as relações sociais de classe, de uma virulência destrutiva sem
precedentes, de forma invertida. Este cenário ganha hegemonia na medida em que muitas das
análises que se fundamentam no materialismo histórico, cada vez mais reduzidas, abandonam
o trabalho histórico empírico prenhe de contradições e deslizam para análises doutrinárias ou
antinômicas.
Esta impotência teórica atinge não o pensamento conservador ou pós-moderno, mas,
como observam Bourdieu e Wacquant, amplos setores da esquerda, os impedindo de
distinguir as políticas que produzem mudanças que conservam e afirmam a velha (des)ordem
do sistema capital, daquelas que o enfraquecem e geram acúmulo de força para sua superação.
A naturalização das noções de inclusão, competência, empregabilidade, qualidade
total, empreendedorismo, equidade, capital social, etc., tem um potente papel na
sedimentação da atual estratégia de construção da hegemonia do sistema capital e de
orientação de políticas não universais, de inclusão forçada, fragmentária e descontínua.

150
Um olhar atento sobre as políticas e programas de retorno à escola e de
qualificação profissional, no Brasil, com o intuito de inserção no mercado de trabalho e
geração de renda, nos revela que os mesmos se constituem numa promessa precária que ataca
as consequências, e não suas causas, e que pouco alteram as perspectivas de futuro dos grupos
para os quais se destinam.
Isto vale, sobretudo, em relação às políticas públicas para jovens e adultos pouco
escolarizados, pois estes têm seu futuro interditado ou em suspenso por sua condição de classe
nas atuais relações sociais de produção. Não há como repor, mas apenas remediar a
escolarização negada ou interrompida, pois ela resulta de uma mutilação maior determinada
pela posição que estes contingentes ocupam como fração da classe. Posição que os impele,
imperativamente, a vender sua força de trabalho. Se a escolaridade não define, por si, o acesso
ao emprego ou a efetiva mobilidade social, quanto menos uma escolarização tardia e precária.
Por isso, e certamente, se tratam de políticas e programas que têm o sentido
de alívio da pobreza e da indigência e amplo efeito de controle social. Isto é o que vêm
indicando as análises de uma pesquisa que desenvolvo sobre as políticas públicas de
educação, emprego e renda para jovens no Brasil 123. Este controle social se amplia pela
despolitização e crescente alienação política mormente dos jovens e pela extremada
fragmentação e dissenso do campo das forças de esquerda, historicamente empenhadas na luta
contra-hegemônica.
Na década de 90, sob os auspícios da doutrina neoliberal, mediante as
reformas de Estado, reestruturação produtiva e privatização do patrimônio público, o governo
Fernando Henrique Cardoso aprofundou e definiu o Brasil como uma sociedade de
capitalismo dependente, plataforma da valorização do capital errático, conformada ao trabalho
dominantemente simples e de baixo valor agregado. Com contrapartida filantrópica e sob a
liderança de sua mulher, a antropóloga Ruth Cardoso, criou o programa Comunidade
Solidária para cuidar da pobreza extrema.

O discurso de posse, em 2002, do atual governo do ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da


Silva, eleito por uma base social herdeira das lutas contra-hegemônicas, se pautou pela ênfase
na erradicação da pobreza absoluta de quarenta milhões de brasileiros, dando-lhes o direito de

123
Trata-se da pesquisa sobre “Sociabilidade do capitalismo dependente no Brasil e as políticas de formação, emprego
e renda - Juventude com vida provisória em suspenso”, Rio de Janeiro, UERJ-CNPq, 2008-2011. O documentário
“Juventude com vida provisória e em suspenso” (Frigotto, 2009), a partir de entrevistas com jovens alvo destes
programas ou de escolaridade precária, revela de forma emblemática o alcance limitado destas políticas.

151
animal da natureza de comer três refeições por dia. O programa de forte impacto midiático e
de apelo internacional denominou-se Fome Zero.

Ao longo do primeiro governo, este e outros programas com este intuito, para dar-lhe
maior racionalidade e controle, se condensaram no Programa Bolsa Família. No âmbito dos
jovens da classe trabalhadora, criou-se uma Secretaria com status de Ministério para articular,
sob o Projovem, mais de cinco dezenas de programas, projetos e ações espalhadas pelos
diferentes ministérios e destinadas a estes jovens.

Passados quase sete anos de governo, pode-se afirmar que tais políticas e programas
atingiram seu objetivo de enfrentar a miséria absoluta, mas se converteram num ovo de
serpente, porque não houve mudança estrutural do projeto dominante da classe burguesa
brasileira. A opção que vem se solidificando é a do nacional desenvolvimentismo conservador
que, ao contrário de ruptura com a classe dominante e seu projeto societário, governa
condicionado por ela124. O efetivo avanço nas políticas assistenciais e, em parte,
redistributivas, sem mudanças estruturais, podem, contraditoriamente e uma vez mais, reiterar
políticas personalistas e patrimonialistas que alimentam um dos projetos societários mais
desiguais e violentos do mundo.

No horizonte contra-hegemônico, por certo, a direção não é a tese do quanto pior


melhor ou do retorno às forças que venderam o país sob o governo Fernando Henrique
Cardoso. Mas, também, não se pode referendar projetos de poder de cunho personalista e que
não tenham na força popular organizada sua referência. Os ensinamentos de Gramsci, neste
particular, nos indicam que a trincheira fundamental de luta situa-se no plano de organização
das forças e movimentos sociais que não buscam diluir ou mascarar os conflitos e
antagonismos de classe, mas confrontá-los.
A luta teórica ou das ideias não tem o menor significado se não for para que
os trabalhadores, jovens e adultos, transitem de seu pertencimento de classe para a
consciência de classe. Este é o sentido da ideia de Marx, na qual a teoria, quando histórica, se
torna força material e revolucionária. Ou, nos termos de Gramsci, quanto isto se efetiva numa
grande massa de trabalhadores é que se dão as condições de modificar o panorama ideológico
de uma época.

124
O que se sinaliza aqui não é que no contexto que assumiu o governo Lula se pudesse efetivar uma mudança
brusca de natureza socialista. O que se indica é que existia base social para – a exemplo de Evo Morales, da
Bolívia, Rafael Corrêa, do Equador e Hugo Chaves – realizar mudanças para confrontar as estruturas que
produzem uma “sociedade desigualitária sem remissão”.
152
Esta é uma das trincheiras importantes dos educadores militantes que
atuam, ainda que em condições adversas, com os jovens e adultos pouco escolarizados. A
escolarização pura e simples, dependendo de sua concepção e prática, não só pode não alterar
a situação dos jovens e adultos como piorá-la ao transformá-los em culpados por não se
inserirem no mercado de trabalho ou por terem uma inclusão precária.

153
2.3 - Políticas públicas de formação, emprego e renda: um balanço do, PNPE,
ESCOLA DE FÁBRICA, PROUNI, PROEJA e PROJOVEM.

Introdução125

Nas últimas décadas, o desemprego tem se constituído como um dos mais graves
problemas resultantes da nova fase de acumulação do capital. Sob a égide da doutrina
neoliberal e com o intenso processo de reestruturação produtiva iniciado em meados da
década de 70, vêm se formando contingentes cada vez maiores de desempregados e de
trabalhadores em situação de trabalho precário em todo mundo. Neste cenário a juventude tem
sido atingida de forma cada vez mais dramática e intensa. No Brasil, estudos de Pochmann
(2000, 2002), demonstram que o desemprego juvenil aumentou na década de 90 numa
proporção duas vezes maior que o desemprego total. Nesse período, 62,2% do montante
global dos que perderam emprego assalariado estavam entre a população jovem. Assim, o
desemprego, consolidado como um problema estrutural já na década de 80, se intensificou na
década de 90 e adentrou o século XXI atingindo de maneira ainda mais significativa a
população de 18 a 24 anos:
Em pleno limiar do século 21, a participação relativa do segmento etário de 15 a 24
anos no total da População Economicamente Ativa é de 25%, embora o jovem responda por
50% do desemprego nacional. Enquanto a taxa de desemprego aberto dos jovens gira em
torno dos 18%, a taxa média nacional esteve em 9,4% do total da força de trabalho, segundo
o IBGE (PNAD) no ano de 2001. (Pochmann, 2002)

Dados apresentados pela Organização Internacional do Trabalho em 2009, confirmam


que as taxas de desemprego juvenil continuaram em ascensão até 2006, subindo de 11,9% em
1992 para 18,0 % em 2006, o que representa uma elevação de 51%. Embora o desemprego
também tenha crescido na faixa adulta (5,6%) ele é de fato, 3,2 vezes maior na população
mais jovem (17,8%).
De acordo com o relatório da OIT, entre os jovens, os mais afetados pelo desemprego
são os negros e as mulheres (e particularmente a sobreposição formada por esses dois grupos),

125
. Texto elaborado pelo Bolsista de Apoio Técnico – CNPQ – Prof. Jonas Emanuel Pinto
Magalhães (PPFH/UERJ)

154
principalmente aqueles que vivem em áreas urbanas, em e especial nas regiões
metropolitanas.
Entretanto, a partir de um recorte de classe, podemos entender que esses grupos
compõem apenas uma parcela da população e que a sua maior vulnerabilidade está
sobredeterminada por sua condição de classe mais do que por questões de gênero e de raça,
como deixam entrever esses dados:
Enquanto para os homens de 19 a 24 anos a taxa de desemprego no quintil de
renda domiciliar per capita mais elevado era de 7,9% em 2006, essa taxa crescia para 20,5%
para o quintil de renda mais baixo. A mesma comparação entre as mulheres jovens para a
mesma faixa etária apontava resultado similar: um patamar de desocupação mais elevado
para o quintil mais baixo de renda (20% mais pobres), 34,4%, em comparação com o quintil
mais alto de renda (20% mais ricos), que era de 11,3%. (OIT, 2009)

Se estendermos para a faixa de 15 a 29 anos a população brasileira de jovens, tal como


tem sido considerada pela Política Nacional de Juventude teremos segundos dados do PNAD
(2007) apud IPEA (2009) cerca de 49,8 milhões de jovens, o que corresponde a 26,54% da
população total. Destes, 29,8%, cujas famílias vivem com renda familiar per capita de até
meio salário mínimo, podem ser considerados pobres.
Além da falta de oportunidade no mercado de trabalho, não menos problemática é a
situação educacional desses jovens. Apesar de ter havido um aumento considerável na
escolaridade média da população em geral constata-se que persistem problemas como a
elevada distorção idade-série. No ensino médio, por exemplo, apenas 47,9% dos jovens de 15
à 17 anos cursavam o ensino médio, considerado o nível de ensino adequado a esta faixa
etária. A situação é ainda pior na área rural, onde este número não ultrapassava 30,6% (IPEA,
2009). Para esses jovens parece haver um momento em que a necessidade de se buscar
trabalho se impõe como condição de sobrevivência, o que certamente tem impactos negativos
na sua trajetória escolar, seja pela elevada jornada de trabalho que o impede de cursar o
ensino médio de maneira adequada ou mesmo o obriga a abandonar os estudos, seja pelas
condições precárias de trabalho que também impactam no seu desempenho escolar, elevam os
índices de evasão e contribuem para que tenhamos hoje 18,4 milhões de jovens fora da escola,
ou o correspondente a 53,1% da população de 18 a 24 anos de idade (OIT,2009). Pode-se
supor, que muitos desses jovens voltarão à escola em algum momento da vida, mas
certamente o farão construindo itinerários formativos descontínuos, fragmentados e em
condições desfavoráveis, motivados por razões de ordem econômica e social.
No caso das pessoas jovens e adultas que não traçaram sua vida escolar com
esta mesma linearidade, a relação entre educação e mundo do trabalho ocorre de forma
155
muito mais imediata e contraditória. Para elas, o sentido do conhecimento não está em
proporcionar, primeiro, a compreensão geral da vida social e, depois, instrumentalizar-se
para o exercício profissional. Na realidade, muitas vezes, o acesso ou o retorno à vida
escolar ocorre motivado pelas dificuldades enfrentadas no mundo do trabalho, pela
necessidade de nele se inserir e permanecer (Ramos, 2010, p. 76).

Num cenário em que os jovens são excluídos do mercado de trabalho; pela falta de
oportunidade e pela escola; pela falta de condições de nela se manter, vem crescendo a
preocupação de organismos internacionais e dos governos com o grupo de jovens que não
estudam nem trabalham, o que os colocam em condições de elevado risco social, ou seja,
situações em que a pobreza se associa a desigualdade e passa a gerar violência, dependência
química, gravidez precoce, etc.. Os dados mais recentes apontam que existem hoje 18,8% de
jovens nessa situação, excluídos da escola e do trabalho. Mas segundo a OIT (2009), o
número de jovens em situação de vulnerabilidade social pode ser ainda maior se incluirmos
nesse grupo os jovens desempregados na informalidade. Cabe destacar o expressivo aumento
da taxa de informalidade verificado no final da década de 90, e que compõe com o
desemprego um agravante quadro de exclusão do mercado formal de trabalho.
Dos 22 milhões de jovens economicamente ativos em 2006, aproximadamente 3,9
milhões estavam desempregados e 11 milhões estavam inseridos em ocupações informais.
Isto significa que 15 milhões de jovens brasileiros economicamente ativos estava excluídos de
um emprego formal devido ao desemprego ou à informalidade. (OIT, 2009, p. 48)

Assim, eliminando-se a sobreposição entre desempregados na informalidade e


desempregados que não estudam tínhamos em 2006, de acordo como o Índice de
Vulnerabilidade Juvenil, 55% ou 19,3 milhões de jovens de 18 a 24 anos, em situação de
vulnerabilidade social. Considerando o aumento da faixa etária compreendida para definição
de juventude para 29 anos, que projetou para 2010 a composição de 51,3 milhões, podemos
ter hoje mais de 28 milhões de jovens em situação de vulnerabilidade.
É para esses jovens que tem se voltado, prioritariamente, os programas de políticas
públicas da juventude no Brasil. Entretanto, no Governo Lula realiza-se uma mudança
paradigmática que desloca para os programas de qualificação, geração de trabalho e renda, o
foco das ações que visam reduzir a vulnerabilidade dos jovens em situação de risco social.
Com essa mudança, a Política Nacional de Juventude afina-se com as principais
orientações dos Organismos Nacionais, particularmente a UNESCO, adotando como principal
linha de ação, programas compensatórios que buscam integrar os jovens a sociabilidade do
capital através da elevação do nível de escolaridade e da qualificação para o trabalho simples,
buscando minimizar os déficits sociais determinados pelos processos de exclusão promovidos
156
pelo capital, cujo principal subproduto têm sido o desemprego. Assim, se até a década de 90,
os programas para juventude se voltavam quase que exclusivamente para o controle do tempo
livre, e nesse sentido, estavam sob risco social apenas os jovens “desocupados”, o que se
observa hoje, segundo Pochmann (2000) é a constatação de que a ampliação da crise social
juvenil está relacionada aos processos de integração à vida adulta, particularmente, a
passagem da escola ao mercado de trabalho. Essa passagem, que não se processa mais de
forma tão linear, confere a noção de juventude uma condição de provisoriedade, como uma
etapa inconclusa que vai se postergando na medida em que se afunila o gargalo do mercado
de carreiras estáveis. Não por acaso, a atual Política Nacional de Juventude ampliou para até
29 anos, a faixa de atendimento de alguns programas para jovens. Não se trata obviamente de
uma revisão epistemológica do conceito de juventude, mas de uma medida pragmática que
reconhece não a postergação da condição da juventude, mas da crise compreendida pelos
problemas de integração à vida adulta, particularmente a inserção no mercado formal.
É a partir desse panorama que analisaremos a seguir os principais programas dirigidos
aos jovens, nos oito anos de governo Lula, procurando compreendê-los não apenas sob o
prisma ideológico, mas também do ponto de vista de sua efetividade social.
Neste estudo, tivemos a pretensão de analisar as políticas públicas para jovens que
relacionam emprego e renda, políticas de formação técnico-profissional e elevação de
escolaridade, tendo como recorte principal os oito anos do governo Lula. O foco central foi
buscar aprender a natureza destas políticas e sua abrangência em termos de integração social
e, portanto, de alcance emancipatório ou meramente políticas de inserção precária e de alívio
à pobreza, marcadas pela provisoriedade e "vida futura em suspenso". O recorte adotado se
justifica pelo fato de terem as políticas direcionadas à juventude no Brasil, particularmente as
que articulam formação, trabalho e renda histórico bastante recente, estando praticamente
ausentes na década de 90 e nos oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso. No
governo Lula, vimos despontar políticas dessa natureza, que vão ganhando contornos
diferentes na medida em que novos (e velhos) atores passam a protagonizar o debate e a
disputa em torno de projetos para a juventude brasileira.
Para realizar este exame realizamos uma extensa pesquisa documental que incluiu
documentos oficiais, decretos, documentos bases dos programas implementados,
levantamentos, pesquisas e estatísticas oficiais, documentos resultantes de fóruns e seminários
que serviram de base para a elaboração das diretrizes da política nacional de juventude, além
de importantes relatórios produzidos por instituições de pesquisa (IPEA, Ibase e Dieese) e

157
organismos internacionais (UNESCO e OIT). O levantamento bibliográfico abrangeu
também teses e dissertações sobre os programas Escola de Fábrica, programa nacional do
primeiro emprego (PNPE), programa universidade para todos (PROUNI), Programa Nacional
de Inclusão de Jovens (PROJOVEM) e Programa Nacional de Integração da Educação
Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos
(PROEJA), além de artigos produzidos por autores reconhecidos do campo trabalho e
educação no período de 2002-2010.
A análise dos programas está centrada na pesquisa das teses e dissertações sobre o
tema e foi realizada em duas etapas: a primeira, através dos sites da Biblioteca Digital de
Teses e Dissertações Brasileiras e do banco de teses da Capes. Por julgarmos insuficiente o
número de teses e dissertações encontradas, optamos por realizar uma segunda busca a partir
dos currículos lattes de alguns autores de relevância, que pudessem ter orientado ou
participado de bancas em defesas de teses e dissertações relacionadas ao tema pesquisado.
Este levantamento foi realizado durante todo o ano de 2009 e, portanto, não estão incluídas
aqui teses e dissertações concluídas no ano de 2010.
Terminada esta primeira etapa, partimos então para a análise das teses e dissertações
encontradas, procurando examinar em blocos, todo o material relativo a algum programa
específico. Os programas com maior número de trabalhos foram: o PNPE (11), PROUNI (9),
PROEJA (8) e PROJOVEM (11). Outros programas também foram contemplados em teses e
dissertações, porém foram encontrados em número significativamente menor. Esse é caso do
programa “Escola de Fábrica” para o qual foram encontradas apenas duas dissertações de
mestrado.
Elegemos os programas PNPE, Escola de Fábrica e Projovem como aqueles que
representam de forma mais significativa a orientação da política de Juventude, mas incluímos
também os programas PROEJA e PROUNI, pois embora não tenham como público exclusivo
os jovens, os contemplam dentro dos mesmos princípios do PROJOVEM, incluindo a
subvenção através de bolsas e o foco na elevação da escolaridade e na profissionalização.
Cabe ressaltar que nem todas as teses e dissertações puderam ser analisadas posto que,
não tivemos acesso a todo o material, pois nem todos estavam disponível nos sítios
eletrônicos das Universidades e no site da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações. Contudo, julgamos que tal ocorrido não prejudicou a análise final tendo em
vista amplitude e a riqueza do material com o qual pudemos dialogar. Assim, este
levantamento se caracteriza mais como um inventário dos trabalhos acadêmicos, documentos

158
e relatórios sobre programas de políticas públicas para juventude no Governo Lula do que
como o “estado da arte” propriamente dito.
Esperamos com este estudo, fornecer subsídios, tanto no sentido de referenciais
críticos quanto de sugestões para as políticas públicas de juventude que articulam emprego,
renda, elevação de escolaridade e formação técnico-profissional, de ensino médio, enquanto
um direito dos jovens em sua formação básica, com a perspectiva de articular conhecimento
(ciência), trabalho e cultura.

2.3.1 – Programa Escola de Fábrica126

O programa Escola de Fábrica é desenvolvido pela Secretaria de Educação


Profissional e Tecnológica (Setec/MEC) e foi instituído pela lei 11.180 de 23 de setembro de
2005 tendo como principal objetivo prover formação profissional inicial e continuada a jovens
de baixa renda, inserindo-os no mercado de trabalho através de cursos de iniciação
profissional em unidades formadoras no próprio ambiente das empresas, no intuito de gerar
renda e incluí-los socialmente. Também são objetivos do programa: fortificar a
descentralização da execução de políticas públicas entre atores sociais público-privados;
apoiar ações dos setores produtivos referentes à responsabilidade social; propiciar o
entrosamento da iniciação profissional com as diretrizes de um desenvolvimento sustentável;
buscar a empregabilidade dos egressos; superar a marca dos 50% de aproveitamento da força
de trabalho formada no Projeto, em torno de seis meses após a conclusão do curso. Os jovens
selecionados têm como benefícios alimentação, uniforme, transporte, material didático e
seguro de vida fornecido pela empresa formadora, além de uma bolsa no valor de R$ 150,00
pagos pelo MEC; em contrapartida, o aluno deverá freqüentar, no mínimo, 85% das aulas,
para ter o direito à bolsa-auxílio.

a) Análise das dissertações e teses

AIRES. Paulo Renato Manetzeder. Formação Profissional e Emprego: Um Estudo Sobre o


Programa Escola de Fábrica no Município de Três de Maio/RS. 2007. Brasília.

126
. Texto elaborado pelo Bolsista de Apoio Técnico – CNPQ - Jonas Emanuel Pinto Magalhães
(PPFH/UERJ)

159
Dissertação concluída no ano de 2007 procurou investigar a relação entre os cursos de
formação profissional promovidos pela unidade gestora SETREM, no município de Três de
Maio/RS, e o ingresso ou a permanência dos jovens participantes do projeto Escola de Fábrica
nos respectivos setores produtivos. Sendo este o objetivo geral, têm-se como objetivos
específicos relacionados pelo autor:

• Identificar as competências desenvolvidas nos cursos;


• Identificar quais são os requisitos de acesso ao emprego na empresa;
• Comparar as exigências requeridas pelas empresas com as desenvolvidas nos cursos;
• Identificar, entre os participantes do projeto, aqueles que ingressaram ou
permaneceram no mercado de trabalho;

• Contribuir, com a unidade gestora SETREM, apresentando os resultados da pesquisa


com vistas a uma melhor compreensão da articulação entre as necessidades educativas
e produtivas.

O estudo procurou identificar as características sócias econômicas e o perfil


profissional dos envolvidos, o significado do Projeto para o Município, o trabalho dos
professores no Projeto, as condições para permanência no Projeto, as competências
desenvolvidas - percepção dos professores e estudantes - e os requisitos de acesso ao emprego
na empresa. Além disso, realizou-se análise comparativa entre as competências desenvolvidas
e as requeridas. A pesquisa realizada é caracterizada como pesquisa qualitativa, tendo sido
utilizadas algumas técnicas da pesquisa quantitativa. Entre as entrevistas realizadas e os
questionários aplicados obteve-se um total de onze professores, oitenta e um estudantes e
vinte empresas. Para a análise dos resultados, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo.
Em seu primeiro capítulo a autor discorre sobre a política neoliberal e suas
implicações na economia, na política e na sociedade remetendo-se particularmente ao período
do governo de Fernando Henrique Cardoso. Refere-se ainda as mudanças tecnológicas
ocorridas na base produtivas que afetam as antigas formas de organização da indústria e que
contribuem para diminuição dos postos de trabalho e aumento das taxas de desemprego. Este,
afeta de forma desigual os diferentes segmentos etários e tem de acordo com Pochmam
(2002) causas conjunturais e estruturais. No que se tange ao problema do desemprego juvenil
o autor apresenta dados do IBGE (2001) que indicam que a taxa de desemprego juvenil

160
correspondia à 18% enquanto a taxa média nacional estava em 9,4%. Também os dados
apresentados por Pochmam mostram que a maioria dos jovens que não estudavam estava
trabalhando, enquanto 13,6% não trabalhavam, não estudavam nem procuravam emprego.
Efetuando-se um corte de classe fica mais nítido o processo de exclusão a que estão sujeitos
os jovens de classes mais empobrecidas: o desemprego atinge 26,2% dos jovens de baixa
renda e 11,6% dos jovens de renda elevada. Acrescenta-se a isso fato de termos 80% dos
jovens ricos inativos estudando enquanto apenas 38,1% dos jovens pobres encontram-se na
mesma situação.
Contraditoriamente tem havido um crescimento maior da taxa de desemprego entre os
jovens com maior escolaridade. Assim: “Para os segmentos com 14 anos de estudo, a
desocupação cresceu 76,9 %, 3 vezes a mais que o ritmo de crescimento do desemprego para
os segmentos educacionais com até 3 anos de estudo.” (Aires, 2007 apud Pochmann.:
Educação e Sociedade volume 25, número 87, p. 387)
O aumento da elevação da escolaridade não vem acompanhado da necessária
ampliação de vagas no mercado de trabalho o que, no caso brasileiro, acaba por produzir nos
jovens sentimentos de vergonha, incapacidade e de transferência de responsabilidade para si
pelo próprio fracasso num fenômeno que Pochmann chama de “culpabilização da vítima”. De
problema social o desemprego passa então a problema individual cabendo a cada um buscar
qualificação e competências que permitam a esses indivíduos se tornarem ao menos
“empregáveis”. A corrida e a busca incessante por qualificação geram outro fenômeno
designado por Manfredi e outros de superqualificação e super educação que longe de garantir
a inserção do mercado no trabalho criar um contingente de trabalhadores super qualificados
que vão compor o exército de reserva de que o mercado poderá se servir inclusive por meio de
exigências de escolaridade cada vez maior. Correspondendo a 50% dos desempregados, os
jovens são os mais atingidos por essa nova lógica imposta pelo mercado que tem como
conseqüência o prolongamento do período de estudos e saída cada vez mais tardia da situação
de dependência dos pais. O autor conclui assim o 2° capítulo, insistindo que o problema do
desemprego, longe de ser de caráter individual é cada vez mais um problema coletivo.
Tratando especificamente do projeto escola de fábrica o autor procura avaliar o
impacto desse programa no município de Três de Maio/RS. O programa é uma ação do
governo federal realizado através da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica e tem
como principal objetivo “possibilitar a inclusão social de jovens de baixa renda, por meio da
formação profissional, em unidade formadora do próprio ambiente das empresas,

161
aproximando o setor produtivo dos processos educativos e promovendo a responsabilidade
social” (Aires, 2007, p. 20)
Assim, o autor procura explicitar no 3° capítulo, a metodologia e os critérios adotados
para avaliação dessa experiência.
Tomando como referência os critérios de eficiência, eficácia e efetividade elencados
por Belloni (2000) o autor procura fazer presentes em sua avaliação “características distintas e
com possibilidades de compreender todas as dimensões e implicações da atividade, fatos ou
coisa avaliada.”
Do ponto de vista metodológico, embora tenham sido utilizadas algumas estratégias da
pesquisa quantitativa situa-se a pesquisa como predominantemente qualitativa.
Como o universo não era muito amplo a pesquisa abrangeu a totalidade da população
de cem alunos e 20 professores além das empresas que atuaram como unidade formadora. Foi
realizada pesquisa documental, aplicação de questionários, entrevista por pauta e por fim, para
análise dos dados foi utilizada a técnica de análise de conteúdo.
No capítulo 4, o autor apresentará os resultados empíricos e as análises
correspondentes.
Apresenta então as características sócio-econômicas dos alunos e o perfil e a
qualificação profissional dos professores. No que tange o primeiro grupo, verifica que este se
compõe majoritariamente por estudantes de 16 a 18 anos (79%), com ensino médio
incompleto (52%), que ainda estão na escola (82,3%). Apenas 22% afirmavam estar
trabalhando e destes 75% demonstraram ter conseguido emprego através de indicação. A
renda familiar da maioria dos estudantes situa-se entre 1 e 3 salários mínimos. Entre os
desistentes, a média da renda familiar situa-se entre 1 e 2 salários sendo este um dos fatores
associados ao abandono do curso.
Em relação aos professores, constatou-se que aproximadamente 50% atuavam como
professor há no máximo 1 ano e 31% possuíam experiência por mais de 6 anos.
Somente 21% dos professores não possuíam ensino superior e 31,5% possuíam pós-
graduação. Quando questionados sobre o projeto político pedagógico apenas 12,5%
afirmaram ter lido e estudado o documento e 50% afirmaram desconhecer a existência do
PPP. Posteriormente o autor verificou que muitos professores associaram o PPP ao plano
curricular. Ainda sim, quando questionados sobre este documento 26% também afirmaram
desconhecê-lo, enquanto 31% desconheciam também o plano de trabalho. Na avaliação do
autor, apesar de haver um grande quantitativo de professores com pouca experiência, os dados

162
revelam que “o conhecimento tácito dos mesmos é visivelmente significativo, pois o
entendimento que o grupo revelou ter sobre as questões da problemática do trabalho no
Brasil, sobre o papel da escola na sociedade, dentre outros, aponta nesta direção.” (Ibdem,
p. 109)
Na aplicação dos questionários para os professores também foram feitas perguntas
sobre o papel da escola e para esta questão, 78% respondeu que é que o papel da escola é
“formar cidadãos comprometidos com uma sociedade baseada em laços de solidariedade e
capacitados para enfrentar as novas exigências do mundo do trabalho”. Apenas 21%
responderam que cabe a escola “formar cidadãos para transformar a realidade”.
Nota-se também nos discursos do prefeito da cidade e do diretor geral da unidade
gestora do projeto “Escola de Fábrica” em três de maio, a valorização da formação para
empregabilidade através da qualificação profissional e da elevação da escolaridade entendida
como elemento essencial na construção de “um país melhor”. Na fala dos alunos estes
elementos estão presentes de forma difusa e sem a perspectiva de educação como direito.

Assim, elementos como a esperança de se construir um país melhor, oportunizada


pela aprendizagem adquirida durante os cursos, foram revelados por parte dos alunos.
Também fica evidente a percepção, por parte destes, que a educação é elemento
indispensável para a mobilidade social e, conforme já dito, para a construção de um país
melhor. Entretanto, esta não aparece como um bem público ou um direito, mas sim como
algo que alguém concede, nos dá. Na fala destes, também se percebe o uso de palavras como
“sorte”, “grande chance” e “oferecer” ao referirem-se ao fato de estarem realizando um
curso de iniciação profissional. O estudante 4 chega a dizer que “a princípio todos nós
duvidávamos que isso realmente fosse verdade, principalmente porque, além de estudarmos
gratuitamente, ainda receberíamos uma ajuda financeira, proporcionando um meio
facilitador de minimizar dificuldades. (Ibdem, p. 113)

Os cursos têm sua matriz curricular divididas em três momentos; o nivelamento, com
os seguintes componentes curriculares; Comunicação e expressão, Matemática básico e
diagnóstico socioeconômico regional; formação para a vida, na qual os componentes
curriculares trabalhados eram: cidadania, relações humanas e imagem pessoal, legislação
trabalhista, ética profissional, diversidades culturais, étnicas e necessidades especiais e por
fim, formação profissional constituída pelos conteúdos específicos para cada habilitação.
O autor descreve experiências relatadas pelos professores nas quais identifica a
preocupação com a formação cidadã e o desenvolvimento do pensamento crítico. Temas do
cotidiano dos alunos eram abordados em diferentes fases do curso, assim como aqueles de
forte conteúdo social como o direito a greve, a alta taxa de juros cobrados pelos bancos, e a
justiça social.
163
Entretanto, também foram identificadas grandes dificuldades em torno de aspectos
didáticos e pedagógicos. A ausência de articulação entre os elaboradores do curso e os
professores, de reuniões pedagógicas (inclusive com relatos de professores que disseram não
ter tido acesso ao projeto político pedagógico e ao plano de curso) e de curso de formação
para professores com pouco ou nenhuma experiência foram alguns dos fatores apontados
pelos professores como de maior impacto negativo em sua prática atribuindo-se esses
equívocos, em parte, ao ineditismo programa. Também foram relatados como dificuldades
enfrentadas pelos professores, o pouco comprometimento dos alunos, a indisciplina (inclusive
com relatos de alcoolismo) e a insatisfação de alguns alunos com o atraso no pagamento da
bolsa. Corroboram com este último item as entrevistas e os questionários dos alunos que além
de confirmaram atrasos no pagamento do auxílio, revelam problemas com o pagamento de
auxílio transporte, fornecimento de alimentação no local e uniformes em quantidade
adequada.

No decorrer do capítulo, o autor procura identificar a percepção de professores e


alunos sobre as competências desenvolvidas para em seguida compará-las com aquelas
valorizadas e requeridas pelas empresas. Os dados colhidos apontam então para uma forte
aproximação entre aquilo que foi desenvolvido nos cursos e o esperado pelas empresas.
Na percepção dos professores e estudantes, as competências mais desenvolvidas
foram: planejar, analisar, decidir, organizar, comparar, correlacionar e acompanhar. Já as
competências acompanhar, planejar, decidir, correlacionar, organizar e classificar foram
as mais destacadas pelas empresas. Em relação aos aspectos comportamentais, dado
revelador é que, para os professores e estudantes, dos cinco itens considerados como os mais
desenvolvidos quatro destes foram igualmente apontados pelas empresas como os que mais
deveriam ser desenvolvidos. São eles: iniciativa, participação, envolvimento e postura.
(ibdem, p. 151)

Apesar da existência dessa forte correlação, o autor conclui que ela não foi suficiente
para garantir o “ingresso e a permanência no mercado de trabalho” de 60% dos jovens
egressos do Projeto, que continuam buscando sua colocação ou recolocação. A situação não é
muito melhor para os 38% que estão empregados já que destes poucos mais de 1/3 possuem
carteira assinada pelo respectivo empregador. Esse caráter seletivo e excludente fica ainda
mais patente quando se constata que a empresa participante do projeto Escola de Fábrica
aproveitou apenas 16% desses trabalhadores o que representa 4 de um total de 76 concluintes.

164
DUARTE, Bárbara Regina Gonçalves Vaz. Reestruturação produtiva, formação e identidade:
O Projeto Escola de Fábrica e a construção identitária de jovens trabalhadores. Pelotas.
2008

Trata-se de uma dissertação defendida no curso de Pós-Graduação em Educação da


Universidade Federal de Pelotas, que teve como principal objetivo “analisar como o Projeto
Escola de Fábrica, em suas concepções e práticas curriculares, contribui para a
Construção das identidades dos jovens trabalhadores em formação, discutindo a produção
identitária e a incorporação dos discursos hegemônicos no contexto da reestruturação
produtiva.” (DUARTE, 2008, pp. 28)
A autora se propõe a realizar um estudo de caso, tempo como objeto a implantação e
o desenvolvimento do projeto na região sul do Rio Grande do Sul, tendo como unidade
gestora a Empresa Estatal CGTEE – Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica,
como instituição certificador-formadora o CEFET/RS – Centro Federal de Educação
Tecnológica do Rio Grande do Sul, e mais algumas unidades formadoras representadas, em
sua maioria, pelas prefeituras dos municípios envolvidos no Projeto.
A pesquisa de campo, com observações e grupos de discussão, girou mais em torno
das aulas do curso de Eletricista Montador, composto por 20 (vinte) alunos (as) com idades
entre 17 e 24 anos. As questões envolvidas discussões nas discussões foram: a visão de futuro
que cada estudante tinha em relação ao mercado de trabalho e à própria vida e sobre a
formação profissional que estavam recebendo no curso de que eram participantes. Além
destas, destaca-se outras atividades realizadas na pesquisa de campo: 50 (cinqüenta) aulas
foram assistidas; 08 (oito) professores foram observados em sua prática e entrevistados; foi
realizada entrevista com o gestor responsável pelo projeto por parte da instituição formador-
certificadora; foram realizadas 11 (onze) entrevistas com estudantes do curso de Eletricista
Montador e 07 (sete) entrevistas com estudantes do curso de Mecânico Montador.
As falas dos alunos evidenciam sua condição de jovens cujas expectativas em relação
à inserção no mercado do trabalho estariam diretamente relacionadas com o incremento de
sua formação profissional, não só em termos qualitativos, mas também em termos
quantitativos. A percepção que eles têm a respeito do mercado de trabalho é a de que quanto
mais qualificações possuir, maiores serão as chances de se estar empregados. A busca
incessante por diplomas seria então a forma encontrada para se adequarem as exigências do
mercado de trabalho pautado pela imprevisibilidade e pela flexibilidade. Não havendo
garantia de emprego para todos, a qualificação e a requalificação aparecem nos discursos

165
como condição indispensável para se tornar empregável e reafirma a idéia do consumo dos
diplomas/certificação, visando sua própria inserção no mercado de trabalho.

Nas entrevistas e nas discussões em grupo realizadas com os alunos, fica claro o quão
forte é o discurso que serve como elemento potencializador da empregabilidade. Ao ser
questionado porque havia ingressado no curso de eletricista montador, um dos alunos
respondeu:[...] quanto mais cursos a gente tiver, mais fácil será conseguir um emprego. Eu já
terminei o médio, já fiz informática, agora vou tentar este aqui. (Ibdem, p. 75)

A formação profissional é vista então como uma forma de “largar na frente”


antecipando-se às exigências do mercado. Visto, assim como um problema individual, parece
haver então uma competição educacional, mas nas condições objetivas em que se encontram
os jovens da classe trabalhadora essa competição tem seu foco não em uma formação sólida
com itinerário de um horizonte profissional bem definido, mas pelo contrário, em percursos
formativos acidentados sujeitos a flutuações de toda ordem na qual prevalecem os critérios de
possibilidade, oportunidade e de adequação ao mercado.

[...] tudo que é oportunidade que aparece eu aproveito, pode até não ser aquilo que
eu goste, nesse curso mesmo eu não sabia nem o que era, mas eu sei que tudo que eu
aprender vai me ajudar a chegar nos meus objetivos que eu quero, para o meu futuro, vai me
ajudar bastante; [...] quanto mais a gente se prepara, mais fácil fica de conseguir um
emprego em alguma coisa, e com o curso eu também vi a possibilidade de conseguir alguma
coisa com a carteira assinada. (Estudante L – em entrevista). ( ibdem, p. 99)

Para Ramos (2001), há uma tendência à configuração de novo profissionalismo de tipo


liberal com as seguintes características: adaptabilidade individual às mudanças do
capitalismo; a identidade profissional é produto das estratégias individuais como resposta aos
desafios externos; e necessidade de estar preparado para a mobilidade permanente entre
diferentes ocupações numa mesma empresa, entre diferentes empresas, para o subemprego ou
para o trabalho autônomo. Emerge então a noção de empregabilidade vinculada de forma
estreita a noção de competências que o indivíduo deve adquirir para tornar-se empregável.
Dentre as competências mais valorizadas está aquela relacionada à polivalência e a
flexibilidade, como capacidade de se aprender a aprender. A flexibilidade de que tratamos é
encarada pelos jovens como atributo que possibilitaria sua inserção de acordo com as
demandas produzidas em diferentes contextos pelo mercado. Ampliar as competências
múltiplas seria então uma forma de minimizar a sua exclusão.

Em relação às poucas vagas que restam no mercado do trabalho assalariado, não há


dúvidas que flexibilidade tornou-se sinônimo de empregabilidade e sucesso no mercado de
166
trabalho emergente; ser inflexível é quase sinônimo de ser excluído/a. O problema é que a
forma como estes cursos de qualificação/requalificação profissional vêm sendo divulgados e
trabalhados sugerem que a formação profissional pode gerar emprego. Na verdade, o que ela
gera é o que realmente promete: empregabilidade? (Del Pino, 2001, p. 80)

Para a autora, os indícios que se têm, é que esses profissionais capacitados não serão
aproveitados para um nível de atuação, o qual não será preenchido por egressos do ensino
médio e profissional; o que vem reforçar a idéia de que um profissional flexível, o que
significa estar preparado para qualquer tipo de contratação, a qual também poderá ser flexível,
assim como a idéia de um exército de reserva.
Nas entrevistas realizadas com alunos também ficou demonstrado a insuficiência do
curso realizado para sua inserção profissional. A exigência de experiência anterior registrada
em carteira foi um dos principais entraves apontados pelos alunos na busca pelo primeiro
emprego. A frustração das expectativas, metas e resultados esperados pelos jovens traz a tona
um processo de autoresponsabilização transferindo um problema social para o plano
individual, com sérias conseqüências para construção de identidades. Esse processo, no qual o
discurso da empregabilidade desempenha papel central, irá realimentar no indivíduo a
permanente busca por qualificação e requalificação no sentido daquelas competências e
habilidades que ainda lhe faltam já que está implícita a idéia de que a não adequação é um
problema individual.
As entrevistas com professores e gestores permitem avaliar que a percepção que estes
atores têm sobre o processo formativo em curso está relacionado com a idéia de
assistencialismo prestado pelo Estado aos mais “necessitados”, excluídos do sistema
educacional e que pedagogicamente se aproxima de um caráter de aperfeiçoamento ou
reciclagem.

[...] eu acredito no Projeto como iniciativa, mas não acredito que ele realmente vai
dar emprego para esses jovens em tão pouco tempo. Acho que a grande maioria está aqui
pelos benefícios que estão recebendo, [...] não acredito que estejam preparados para o
mercado de trabalho em tão pouco tempo e muito menos que serão inseridos nesse mercado
competitivo de hoje. (Professor P) (Duarte, 2008, p. 98)

(...) o projeto visa formar o caráter dos jovens, tentar entusiasmá-los a estudar,
ensiná-los o algo mais, a serem homens, a se comportarem... nossa pretensão nunca foi
formar profissionais espetaculares, grandes eletricistas, mas dar o básico para que esses
jovens continuem estudando e pelo menos tenham uma chance de tentar entrar no mercado
de trabalho. (Gestor C) (Ibdem , p. 85)

167
Para a autora, o programa Escola de Fábrica retoma as origens da educação
profissional do início do século passado e consagra a histórica dicotomia entre Educação
Básica e a Educação Profissional fortalecendo a idéia expressa por Frigotto (1987) de que a
criação de instituições escolares e/ou programas diferenciados para acolher diferentes
interesses não se dá por acaso, mas sim pelo imperativo do capitalismo, expresso na exigência
de uma educação que pretende delimitar, através da escola, o que é ensinado aos que se
destinam a pensar e o que é ensinado aos que se destinam a fazer.
Para a autora, o setor formal e produtivo da economia tem sido o ponto de referência
dos cursos de formação profissional nas suas formas mais tradicionais permanecendo como
questão não resolvida no sistema educacional brasileiro a articulação entre educação e
trabalho. Segundo Duarte, o decreto nº 5.154/2004 não conseguiu concretizar e orientar ações
e programas que promovessem a articulação entre ensino básico e profissional ficando essa
integração apenas no plano dos discursos. Aponta o programa Escola de Fábrica como
exemplo desta contradição:
Essa desarticulação se evidencia nas contradições do discurso dos responsáveis pela
elaboração e implementação do programa, ao defenderem os princípios nos quais o Projeto
se pautou, tais como a integração de componentes curriculares e a interdisciplinaridade;
como isto não se observa nas práticas de sala de aula, resta claro que o discurso não
consegue atingir seus objetivos. Por tudo isso, é possível afirmar que, embora as políticas
educacionais voltadas à formação para o trabalho, particularmente para os jovens
trabalhadores, tenham sofrido duras críticas nos últimos anos, as políticas mais recentemente
implantadas, tais como o Projeto Escola de Fábrica, só vieram reiterar a permanência da
dicotomia histórica entre a educação geral e a específica, não conseguindo ultrapassar os
impasses historicamente colocados por essa delicada relação entre a educação básica e a
formação técnico-profissional. (Ibdem, p. 115)

O currículo do projeto Escola de Fábrica embora tenha como princípio a discussão das
necessidades e dos conteúdos pelas unidades gestoras e formadoras ficou reduzido, no caso
analisado, ao cumprimento das diretrizes curriculares ditadas pelo MEC e a demanda das
empresas parceiras. Os professores, apesar da crença em uma relativa autonomia, ficaram
limitados por uma política curricular definida pelo governo em consonância com as
exigências de setores produtivos e particularmente das unidades formadoras.
Apesar dos documentos oficiais que instituíram o Projeto Escola de Fábrica
mencionarem que o Projeto Pedagógico dos cursos deve ser elaborado em conjunto com as
unidades Gestoras e as unidades Formadoras, isso não acontece. Os cursos ministrados pelo
CEFET-RS foram estabelecidos a partir de exigência por parte da CGTEE, que demandava
um contingente local de mão-de-obra barata e capacitada para determinados cargos que,
supostamente, seriam contratados temporariamente para as obras de construção da Fase C

168
da Usina Presidente Médici em Candiota, cabendo ao CEFET-RS somente a aceitação de tais
exigências (ibdem, p. 103)

A autora conclui o trabalho ressaltando que apensar de havida uma tentativa por parte
do governo federal de articular, nos programas de formação para o trabalho, a formação
básica de modo articulado na prática tal integração não aconteceu. As diretrizes curriculares
para o ensino médio e o ensino profissional ao tomarem o setor produtivo como referência
reafirma a noção de competência como norteadora do currículo e muitos professores acabam
por incorporar essa referência na sua prática, é o que se observa na fala de um dos professores
entrevistados.

O aluno deverá aprender a tomar decisões rápidas e bem pensadas, montar


estratégias, assim como na vida o aluno deve ser competitivo e saber jogar, pois os jogadores
medíocres não têm vez no mercado, somente o jogador competente consegue uma boa
posição? (Professor P) (Ibdem, p. 75)

Os discursos propalados pelas políticas educacionais relacionam escolaridade mais


elevada e maior acesso ao mercado de trabalho. Entretanto, o que se observa é que a
existência de um exército de reserva oferece ao mercado mão de obra barata e descartada
induz os jovens a buscarem constantemente no “mercado educacional” certificados e
diplomas que não garantem sua inserção, mas no máximo a empregabilidade. Neste sentido a
construção das identidades dos jovens vem sendo marcado pela culpabilização pelo
desemprego entendido como problema individual a ser resolvido nesse plano.

b) Conclusões

Os dois trabalhos analisados apresentam conclusões semelhantes quanto à natureza da


relação entre os processos formativos promovidos pelo programa Escola de Fábrica e a
problemática mais geral do desemprego juvenil. É possível afirmar que ambos os autores por
caminhos diferentes encontram na noção de competência o princípio orientador dos currículos
do programa referido. Por uma apropriação acrítica das orientações curriculares ou por
ausência de espaços de discussão pedagógica, os professores reproduzem em seus discursos e
em suas práticas uma pedagogia voltada para a adequação da força de trabalho às novas
formas de organização do trabalho no contexto da reestruturação produtiva. A formação para
a cidadania, embora apareça nos discursos é secundarizada, em detrimento de aquisição de
competências que possibilitem aos estudantes tornarem-se empregáveis. Essa perspectiva
pode ser apreendida pelas falas dos gestores, na qual a noção de cidadania também aparece

169
impregnada de valores como a reconstrução e desenvolvimento nacional, enquanto,
contraditoriamente, as políticas públicas são vistas como forma de assistencialismo,
dissociados da noção de direito, e com o foco específico na população menos favorecida –
política pobres para pobres.
Esta visão é incorporada pelos jovens que vêem o programa Escola de Fábrica, como
uma dádiva, oportunidade, ou benefício concedido a poucos privilegiados. Nessa condição,
depositam na formação recebida grandes expectativas em relação à sua inserção no mercado
de trabalho. Entretanto, as pesquisas indicaram que poucos foram aqueles que após a
conclusão do curso conseguiram uma inserção satisfatória seja na forma de emprego formal
ou informal. Cabe ressaltar aqui que, embora o programa tenha claro que um dos seus
objetivos é o aproveitamento de pelo menos 50% por cento dos jovens formados pela empresa
formadora, e que essa seria uma via de acesso para esses jovens ao primeiro emprego, não se
verificou nada próximo desse índice, o que significa uma desvirtuação de uma das premissas
fundamentais do programa escola de Fábrica. Na busca pelo emprego, as condições adversas
frustram as expectativas dos jovens e produz um fenômeno de culpabilização da vítima que
realimenta no indivíduo a procura por novas e diferentes formas de qualificação. Entretanto,
dadas as condições em que se encontram a maioria desses jovens suas escolhas acabam sendo
restringidas por questões de ordem sócio-econômica. Assim, a procurar por cursos de
formação aligeirados seguindo o critério de adquirir o maior número possível de certificados
no menor tempo possível de que dispõe acabam produzindo um fenômeno da
desespecialização. No caso dos jovens de classe média, a aquisição cumulativa de certificados
e diplomas produz um fenômeno diferente, mas não menos perverso: a superqualificação.
Tanto num caso como no outro não há garantias de emprego, mas apenas de empregabilidade,
pois pela lógica da responsabilização individual este é um problema que cabe aos indivíduos
resolver, por diferentes estratégias e de acordo com suas oportunidades.

2.3.2 Programa Universidade Para Todos (Prouni)127

Inicialmente foram encontradas 6 dissertações e 1 tese que tratavam direta ou


indiretamente do PROUNI. Excluímos uma das dissertações após constatar que sua temática,

127
. Texto elaborado pelo Bolsista de Apoio Técnico Jonas Emanuel Pinto Magalhães (PPFH/UERJ)

170
relacionada a finalidade extra fiscal da norma tributária como instrumento de implementação
de políticas públicas, afastava-se do escopo da problemática da pesquisa.
Restaram então, 5 dissertações e 1 tese. Dessas, localizamos 5 (4 teses e 1 dissertação),
em formato digital e assim excluímos da análise mais uma dissertação que havia sido pré-
selecionada.
Do material analisado, procuramos captar críticas ou apreciações sobre o Prouni que
estivessem fundamentadas, ainda que de forma implícita, já que a maioria das teses analisadas
não teve como objetivo específico medir ou discutir o impacto desta política pública na
formação e geração de renda para o jovem. Assim, procuramos examinar o material, tendo o
cuidado de destacar aqueles aspectos que embora não tenham sido objeto de uma análise
aprofundada apareçam de forma recorrente em mais de uma dissertação ou tese, ou que
apresente questões de relevância para nosso estudo. Destacamos a tese de Alcivam Paulo De
Oliveira, “A Relação Entre O Público E O Privado Na Educação Superior No Brasil E O
Programa Universidade Para Todos (Prouni)” que de todos os materiais analisados
apresentou-se como o estudo mais abrangente e pormenorizado, seja em termos de análise
crítica, de levantamento de dados e de contextualização com o quadro político e econômico.
Ainda sim, observamos algumas inconsistências teóricas que serão discutidas mais a frente.
De um modo geral, as teses e dissertações centram-se em 2 principais temas:
1) A democratização do acesso a universidade pública via políticas de inclusão. Nesse caso
tendo como objeto de análise, as políticas de cotas e o PROUNI.
2) A análise do papel e da orientação do Governo Lula na elaboração de políticas públicas
para a Ensino Superior e a relação público- privado no contexto educacional.”.

Passamos agora a uma rápida caracterização das teses e dissertações, destacando o


universo dos trabalhos e a natureza da pesquisa, para em seguida analisarmos mais
detidamente as questões diretamente relacionadas ao Prouni.

LAMBERTUCCI, Glória Maria. Um Olhar Sobre o Percurso Acadêmico de Bolsistas Do


PROUNI da Puc Minas, na Perspectiva da Relação com o Saber. Belo Horizonte, 2007.
Dissertação de Mestrado em Educação - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Pesquisa desenvolvida a partir de questionários e entrevistas com 28 alunos bolsistas


do ProUni da PUC de Minas. Os questionários continham perguntas sobre os hábitos dos
alunos e sua trajetória escolar. A entrevista semi-estruturada foi realizada com dois grandes
grupos.
171
LIMA, Francisco José Sousa. Identidade Étnico-Racial no Contexto das Políticas de Ação
Afirmativa. São Leopoldo, 2007. Dissertação de Mestrado em Teologia - Escola Superior de
Teologia.

A pesquisa aconteceu com os estudantes do Centro Universitário Metodista através de


observações das atividades acadêmicas e, principalmente, de entrevistas individuais tendo
como objetivo apreender a sua percepção sobre o “ser negro” daqueles que assim se auto-
declararam para ter acesso ao ensino superior como beneficiários de políticas de ação
afirmativa no Programa Universidade para Todos – PROUNI.

BISPO, Fabiana Carvalho da Silva. A Democratização do Acesso ao Ensino Superior- Um


Estudo sobre o Programa Universidade para Todos e sobre o Sistema de Reserva de Vagas
Étnico-Raciais. Rio de Janeiro, 2007. Dissertação de Mestrado em Administração Pública –
Fundação Getúlio Vargas.

A fundamentação teórica foi construída a partir do levantamento bibliográfico livros,


artigos, revistas, teses, dissertações e periódicos publicados sobre os assuntos relativos à
política educacional, democratização de acesso, ações afirmativas no ensino superior, reforma
universitária, desenvolvimento, desigualdades sócio-econômicas e papel do Estado. Também
foram consultados documentos oficiais tais como diretrizes do Programa Universidade para
Todos (ProUni) e do Sistema de Cotas, por meio dos Decretos, Leis, Portarias e outros
documentos oficiais publicados pelo Ministério da Educação (MEC) e dados fornecidos pelas
Instituições de Ensino Superior que adotaram o sistema de reserva de vagas étnico-raciais. As
seguintes universidades foram alvo da pesquisa Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UERJ); Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES); Universidade Federal da
Bahia (UFBA); Universidade Estadual da Bahia (UNEB); Universidade Federal de Alagoas
(UFAL); Universidade de Brasília (UnB); Universidade Estadual de Mato Grosso
(UNEMAT); Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); e Universidade Estadual de
Londrina (UEL), ou seja, 9 das 26 universidades que naquele momento mantinham sistema de
cotas. Além disso, foram coletados de dados estatísticos para analisar a efetividade do ProUni
e do Sistema de Cotas, do período de janeiro de 2000 à dezembro de 2006, quanto à
democratização do acesso e redução das desigualdades regionais.

OLIVEIRA, Alcivam Paulo. A Relação Entre o Público e o Privado na Educação Superior


no Brasil e o Programa Universidade Para Todos (Prouni). Recife, 2007. Tese de Doutorado
em Educação – Universidade Federal de Pernambuco.

172
O pesquisador construiu as categorias a partir de pesquisa bibliográfica que indicasse o
estado da arte. Em seguida, deu-se a exploração empírica do objeto, através da exploração da
produção acadêmica, análise de discursos, de textos oficiais, de textos jornalísticos e de dados
quantitativos acerca da realidade social e econômica. Segundo o autor, a técnica utilizada foi a
de análise de conteúdo, embora não de forma exclusiva.

BASTOS, Alexandre Fleming Vasques. A reforma (neoliberal) da Universidade no Brasil:


um discurso (re)velador. Alagoas, 2007. Dissertação de Mestrado em Educação -
Universidade Federal de Alagoas

O autor aplicou a técnica de análise do discurso a recortes extraídos de material


impresso publicado pelo Ministério da Educação, de texto do ex-ministro Cristovam Buarque
e da medida provisória que institui o PROUNI.

Dos trabalhos analisados, dois se pautaram em entrevistas, observações empíricas ou


questionários, três valeram-se de levantamento bibliográfico e/ou coleta de dados estatísticos,
sendo que destes, 1 utilizou a técnica de análise de discurso (BASTOS) e 1 a análise de
conteúdo (OLIVEIRA). Bispo, embora não faça referência a nenhuma técnica parece ter
optado também pela análise de conteúdo. Todos os trabalhados foram concluídos no ano de
2007.

b) Eixo 1: A democratização do acesso a universidade pública via políticas de


inclusão aproximações e divergências.

Apresentaremos a seguir as principais questões discutidas nas dissertações de


LAMBERTUCCI, LIMA e BISPO, e os possíveis pontos de discordância e de aproximação, a
partir das conclusões e das hipóteses levantadas pelas dissertações. Optamos por analisar
essas três dissertações em conjunto pela proximidade dos temas nelas discutidos. Como
destacamos antes, identificamos no material analisado dois grandes temas. As três
dissertações que serão analisadas neste momento se relacionam ao tema “A democratização
do acesso a universidade pública via políticas públicas de inclusão”. Dessa forma, ganharam
destaque as questões relativas à inserção dos jovens negros, cotistas ou beneficiários do
PROUNI, sua percepção em relação a este processo e a análise dos autores sobre a efetividade
das políticas voltadas para o ensino superior, particularmente no que se refere à inclusão
desses jovens.

173
Os autores das dissertações aqui analisadas concordam com a idéia de que o
desenvolvimento econômico do país depende de um maior nível de qualificação da população
e, que, portanto, a democratização do acesso a universidade é essencial não apenas para o
desenvolvimento do país, mas também para reduzir a desigualdade social já que ela também é
fruto de diferentes oportunidades educacionais.

Dessa forma, foi observado que a educação é considerada um importante instrumento


para reduzir a desigualdade e a pobreza. Argumentou-se que o investimento público em
educação aumentaria a produtividade do trabalho dos mais pobres, ampliando sua renda, ao
mesmo tempo em que reduziria o diferencial de rendimento do trabalho pelo efeito da
expansão da oferta de trabalho qualificado.Por essas e outras razões, foi considerado que a
educação é uma das melhores iniciativas para diminuir as desigualdades, ao trazer
oportunidades de melhor qualificação do conjunto da população.(Silva, Fabiana. 2007.
P156)

Encontramos também de forma recorrente a constatação de que alunos negros,


cotistas, ou beneficiários do PROUNI vêm sofrendo preconceito dentro do ambiente
universitário. Os autores demonstram que esse fenômeno emerge como um discurso que opõe
assistencialismo e meritocracia. Nas falas dos alunos, nota-se que esses em alguns momentos
são tratados como pessoas que conseguiram entrar na universidade pelo “caminho mais fácil”.

Disse um bolsista: “Fomos chamados de ‘filhos do Lula’”. Esses fatos, tais como
passeatas dos colegas reivindicando suas bolsas de volta, comentários maliciosos sobre
aqueles que haviam obtido as bolsas sem vestibular, levou-os a uma situação tal que muitos
deles, por bom tempo omitiram aos seus colegas e professores, sua condição de bolsistas.
(Lambertucci, Glória. 2007. p. 54)

Em relação aos negros, além do preconceito vem à tona a própria representação de si,
como sujeito estranho aquele ambiente, representação esta reforçada por estereótipos, dentro
da família e da própria sociedade.

A narrativa de Iansã, confirmando o que o seu pai com mais experiência de vida lhe
dizia sobre o negro não gostar de estudar, é uma manifestação de como se reproduzem na
realidade social, de geração para geração, as representações sociais que servem para
“explicar” o que nos parece estranho, ordenando a vida social. É assim que a ausência
secular do negro nas escolas e nas instituições de ensino superior brasileira arranja uma
forma de ser explicada. A explicação remete ao próprio negro a responsabilidade por não
melhorar a sua condição educacional. Os vários séculos de trabalho escravo reforçam a
noção de que o negro é naturalmente apto para trabalhos braçais e não para reflexões
intelectuais. (LIMA, Francisco. 2007. P.114)

Os alunos se mostram conscientes das dificuldades que enfrentarão no seu percurso


acadêmico. Dificuldades essas não só relacionadas à manutenção financeira, mas também
174
aquelas relativas à adaptação, tempo para se dedicar aos estudos (já que a maioria é
constituída por jovens trabalhadores) e defasagem em relação aos conteúdos do ensino médio.
Contudo, os trabalhos demonstram que esses alunos depositam no ensino superior esperanças
de melhores empregos, salários e status social. Embora, oriundos de famílias pobres, cujos
pais muitas das vezes não possuem sequer o ensino médio, esse alunos parecem orientados
desde cedo no sentido de buscarem através do esforço pessoal e da educação a sua inserção
efetiva no mercado de trabalho, sendo a universidade a representação de um conquista
importante nesse processo. Assim, os alunos beneficiados pelos programas de Cota e pelo
Prouni, percebem essas políticas como formas justas de inclusão, que valorizam seus esforços,
não enxergando nelas nenhuma forma de aproveitamento pessoal. Entretanto:

A motivação para a adesão dos entrevistados desta pesquisa ao Programa


Universidade Para Todos – PROUNI é declaradamente individual e não tem vinculação nem
compromisso com grupos ou movimentos ligados a causas étnico-raciais. O interesse é pela
viabilização da formação no ensino superior direcionada para o mundo do trabalho, que
poderá possibilitar uma inserção mais significativa na estrutura social brasileira. Assim o
PROUNI é naturalizado como estratégia para a efetivação de projetos pessoais. (LIMA,
Francisco. 2007. p127).

Duas questões emergem como bastante significativas nas análises aqui apresentadas.
A primeira está relacionada à condição dos jovens enquanto trabalhadores e a dificuldade para
compatibilizarem o emprego com o estudo. A manutenção desses alunos no ensino superior se
apresenta como principal entrave para efetivação destes projetos pessoais e de um maior
alcance dessas políticas. A grande maioria dos beneficiados com bolsas integrais do PROUNI
são trabalhadores que optaram por realizarem o curso a noite para tentar torná-los compatíveis
com o emprego. Esses alunos não podem optar por abandonarem seus empregos, já que isso
lhe custaria o sustento de suas famílias e mesmo aqueles que não dependem exclusivamente
dele para prover suas necessidades básicas, não podem arcar com os custos de transporte,
livros, Xerox e outros que adquiriram no momento que optaram pelo curso superior. Assim,
cria-se um dilema: o aluno precisa terminar o curso para buscar uma melhor inserção no
mercado de trabalho, mas ao mesmo tempo, sua atual inserção no mercado do trabalho não
permite que o curso seja realizado de uma forma mais proveitosa. As bolsas concedidas aos
alunos do PROUNI, além do valor irrisório (R$ 300,00) só contemplam os cursos de horário
integral, o que acaba condenando a aluno a buscar alternativas para a se manter na
universidade. Essa questão é reiterada pelos 3 autores:

175
As dificuldades para a aquisição do material didático, representado pelo dispendioso
xérox, o único meio disponível à maioria de acesso aos livros que deveriam adquirir, somado
ao custo do sustento de suas necessidades mais essenciais, tais como o lanche e o transporte,
significam um desafio, que para alguns, se transformam no final de seu sonho de fazer o
ensino superior.Todos os aspectos acima citados me parecem relevantes para colocar em
questão a política que lhes dá a vaga na universidade sem levar em conta as condições
mínimas para que possam nela permanecer. Além dos livros, me parecem igualmente
importantes, o acesso a outras formas de saber e que são suplementares na construção do
saber acadêmico tais como: revistas, teatro, cinema, galerias de arte, museus, shows, que
estão ainda mais distantes de suas possibilidades, sem mencionar os limites que têm para
investir em sua formação, como participar de congressos, conferências, ou qualquer outra
forma atividade acadêmica. (Lambertucci, Glória. 2007. p 61).

Numa avaliação do primeiro ano da implantação do Programa detectou-se que a


permanência de parte dos estudantes que haviam ingressado pelo PROUNI estava
comprometida porque eles não tinham os recursos financeiros mínimos para o seu
deslocamento até as instituições onde estudavam como também não tinham dinheiro para
comprar livros, fazer cópias e se alimentar. (Lima, Francisco. 2007. p. 61)

Dessa forma, conclui-se que o ProUni e o Sistema de Cotas são medidas parciais e não
a solução do problema das desigualdades regionais. Eles democratizam o acesso ao ensino
superior, porém necessitam ser combinados à outras políticas institucionais e estatais que
fomentem programas de socialização e de apoio financeiro ao aluno, propiciando a oferta de
bolsa-auxílio e moradia, dentre outros programas voltados para a melhoria da qualidade de
vida nas regiões. (Silva, Fabiana. 2007, p.163)

A segunda questão refere-se a distribuição de vagas do PROUNI que será mais


acentuada nas regiões que concentram maior número de Instituições de Ensino Superior.
Segundo dados apresentados por Silva (2007), a região Sudeste concentra 49% das IES do
país enquanto a região norte concentra apenas 5% desse percentual. Assim, tal distribuição
aumenta o abismo entre as regiões menos e mais desenvolvidas do país, na medida em que
regiões mais desenvolvidas terão mais alunos matriculados no ensino superior.
Conforme foi exposto, o número de IES privadas diferem consideravelmente de uma
região para a outra. A Região Sudeste possui 953 IES privadas, contra 328 do Nordeste, 331
no Sul, 216 no Centro- Oeste e apenas 106 na Região Norte. Assim, as regiões com maior
número de instituições, têm maiores chances de receberem uma maior quantidade de bolsas.
Por sua vez, serão as regiões mais beneficiadas pelo programa com um maior número de
estudantes no ensino superior que, supostamente, trarão mais benefícios para o crescimento
da região. (Silvia, Fabiana. 2007. P.158)

Por fim, cabe destacar que nos 3 trabalhos analisados até aqui há pouco espaço
reservado a discussão sobre a política educacional. As críticas ao PROUNI são apontadas
como falhas do programa que precisam ser corrigidas para que seus objetivos sejam
alcançados. Contudo, a política para ampliação do acesso a universidade pelos jovens não é
176
posta em questão e os autores parecem concordar que tanto o PROUNI quanto o sistema de
cotas são políticas que, bem conduzidas, democratizam o acesso a universidade. Estão
ausentes na análise dos 3 autores, debates sobre a qualidade do ensino oferecido nas
universidades privadas, a ampliação de vagas nas universidades públicas e a influência dos
organismos internacionais na orientação das políticas educacionais.

c) Eixo 2: A análise do papel e da orientação do Governo Lula na elaboração de


políticas públicas para a Ensino Superior e a relação público- privado no contexto
educacional.

Estas questões serão alvo de estudo de dois trabalhados que analisaremos e que se
relacionam ao segundo tema que utilizamos para agrupar os trabalhos: “A análise do papel e
da orientação do Estado, mais especificamente do governo Lula, na elaboração de políticas
públicas para a universidade e a relação público- privado no contexto das reforma
universitária e da política econômica adotada pelo governo Lula.” Passamos agora a discutir
dois trabalhos de natureza distinta, uma tese em que o método de análise foi
predominantemente o de análise de conteúdo e uma dissertação que valeu-se da análise de
discurso para examinar textos institucionais sobre a reforma universitária e o PROUNI.
Diferentemente do que fizemos com os três primeiros trabalhos, faremos uma análise
individualizada e não de conjunto, para em seguida discutir possíveis divergências ou
similaridades. Essa escolha se deve ao fato de termos em mãos dois trabalhos que, embora
agrupados no mesmo tema, são analisados de forma bastante diferente não só em termos de
metodologia mas também em sua abrangência e profundidade.
Alcivam Oliveira aborda a relação entre o público e o privado, no contexto do ensino
superior, mas especificamente no que se refere ao programa Prouni, constatando a “existência
de ambigüidades das referidas políticas públicas no que se refere ao privilégio dado ao
Público e ao Privado”. Nas palavras do autor:

No contexto da relação entre o Estado, a sociedade e o mercado, por exemplo, a


pesquisa mostrou a existência de contradição dialética na formulação e na implementação de
Políticas para a educação superior em geral e, em especial, no caso do Programa
Universidade para Todos. Com efeito, os resultados do Programa traduzem tanto conquistas
sociais, enfatizando sua dimensão pública, quanto ganhos para o mercado, enfatizando sua
dimensão privada. (Oliveira, Alcivam. 2007)

Abordaremos agora outras questões, hipóteses e conclusões levantadas pelo autor.

177
No capítulo 4 o autor dá destaque para as propostas para educação superior contidas
no programa de governo de Lula, enfatizando sua maior aproximação com caráter público da
educação e indicando um ruptura com a política do governo de Fernando Henrique Cardoso.
A partir daí procurará verificar se na prática, houve, de fato, mudança de orientação.
Dialogando com Carvalho o autor discute a pertinência de seus argumentos em relação
à vinculação das políticas de ensino superior do Governo Lula com as orientações do Banco
Mundial. Para referida autora o Programa Universidade Para Todos surge num contexto de
esgotamento da expansão das matrículas das instituições privadas, no qual a sustentação
financeira dos estabelecimentos surge como resposta do governo à pressão das associações
representativas dos interesses do segmento particular.
Embora concorde com o argumento de que o PROUNI responda a essa pressão, o
autor vê com reservas a influência das políticas de incentivo ao setor privado recomendadas
pelo BIRD.
Em sua análise, Carvalho (2006) afirma a existência de um pacto anterior a qualquer
medida, no sentido de favorecimento do setor privado, algo como “se não podemos favorecer
ajudando a ampliação de vagas, vamos fazê-lo de outra forma”. É preciso ter dados
empíricos para fazer uma afirmação destas, dados que sejam anteriores ou simultâneos às
decisões e corroborem essa intenção. Ora, o que vemos é outra coisa. Efetivamente, o que
temos é uma postura de controle e de redefinição do caráter da educação como “bem público
e função social” apresentada no Projeto de Reforma Universitária e intensamente criticada
por todos os segmentos do setor privado. (Oliveira, Alcivam. 2007. p.178)

Tratando especificamente do PROUNI, o autor cita alguns pontos do documento “As


propostas de Luiz Inácio Lula da Silva para o Ensino Superior brasileiro” para então concluir
que;
Entre as propostas e o que, efetivamente, foi realizado há diferenças, contudo não
podemos desconhecer o objetivo central, já presente, no Programa de Governo, relativo à
ampliação de vagas na educação superior por meio de bolsas (portanto, não se refere à
ampliação de vagas na rede estatal) e o uso de verbas não vinculadas constitucionalmente à
educação. Assim, podemos afirmar que o PROUNI tem suas origens presente no grupo que
elaborou o programa de governo, tratando-se de uma decisão anterior a qualquer conjuntura
pós eleição. (Oliveira, Alcivam. 2007. p. 203)

Para o autor, o processo de formulação do PROUNI foi marcado pela autonomia em


relação aos interesses do capital; autonomia essa identificada nas origens e motivações do
programa, que correspondem à própria iniciativa de candidatura e não a uma reivindicação de
um grupo particular.

178
Assim, é possível identificarmos as motivações do PROUNI como sendo, prioritária e
fundamentalmente, de interesse pelo público, traduzida pelo objetivo ulterior de democratizar
o acesso à educação superior para as camadas empobrecidas da sociedade, sem prejuízos
para o orçamento vinculado, constitucionalmente, à educação. (Oliveira, Alcivam. 2007. p.
204)

Nesse ponto, parece haver uma contradição com o que foi dito anteriormente, quando
o autor concordou parcialmente com a crítica a Carvalho, de que o PROUNI seria uma
resposta à pressão do setor privado. Faltou talvez discutir se o fato dessa proposta estar
contida no programa de Governo, em sua forma embrionária, a levou a ser executada apenas
ou “prioritariamente” por iniciativa unilateral do Governo.
Além da autonomia em relação ao capital, destacada pelo autor, outro ponto relevante
da elaboração do PROUNI diz respeito a participação de setores da sociedade civil nas
discussões em torno da proposta.

Por sua vez, o Estado como espaço de discussão e confronto de interesses pode ser
encontrado nos relatos sobe as negociações entre o MEC e a ABMES128, o MEC e a
ABRUC129, e MEC e deputados e senadores, ou ainda pelas posições diversas em relação ao
projeto, a exemplo da manifestação do ANDES-SN.
Nessa perspectiva, o processo tem a marca da negociação em detrimento da
imposição. Ainda que haja pertinência na crítica sobre o peso de cada interlocutor, ou que a
edição de uma MP tenha possibilitado acusações de postura antidemocrática do Executivo,
as diversas formas que o programa foi tomando, as idas e vindas de determinados
dispositivos, a alteração nas taxas percentuais e a inclusão de novos aspectos a cada passo
que vai se dando, é uma prova inconteste de que o PROUNI não nasceu pronto e que não é
fruto apenas de uma fonte, mas que foi incorporando elementos diversos, fruto de
negociações. (Oliveira, Alcivam. 2007. p. 235)

Nesses dois parágrafos encontramos elementos que nos permitem questionar se de


fato, a elaboração do PROUNI se deu sem incorporar alguns dos interesses do capital
representados pelas associações representativas das universidades privadas. Determinar qual o
peso que cada um dos atores exerceu nas negociações nos ajudaria a entender melhor o jogo
de forças envolvido na implantação dessa política e de que forma ele contribui para que o
programa tivesse um caráter menos ou mais público. Por fim, o autor acaba concluindo que
por ser alvo de distintos interesses O PROUNI, enquanto política pública direcionada ao
ensino superior resulta mesmo da conjunção e do confronto das forças, não podendo ser

128
Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior
129
Associação Brasileira das Universidades Comunitárias

179
creditada a um só agente, sendo assim a sua tendência é ser ambígua e contraditória no que
diz respeito à relação entre o público e o privado:
Ambígua porque se revela como tendendo a privilegiar o interesse público e o
interesse privado ao mesmo tempo, assumindo tanto o critério da justiça distributiva, quanto
a cessão de privilégios ao setor empresarial da educação; contraditória porque traz em sua
constituição elementos que se negam mutuamente, mas que não conseguem existir
separadamente, no caso, a dimensão econômica revelada justamente no eixo tributário da
proposta, e a dimensão social, revelada no sentido ulterior do Programa, compreendida
como a democratização do acesso ao ensino superior. (Oliveira, Alcivam. 2007. p. 236)

Em sua avaliação, o autor identifica um equilíbrio qualitativo no que se refere aos


interesses sociais e públicos e os interesses mercantis e privados e do ponto vista quantitativo
a predominância dos interesses mercantis e privados. Do ponto de vista qualitativo o autor da
destaque ao critério de justiça distributiva que leva o Estado desigualmente aqueles que
apresentam menos oportunidades para a realização da vida. Também faz referência ao
tratamento igual dado a todos cursos, afim de se evitar que determinadas carreiras sejam mais
privilegiadas. O interesse privado emerge na fragmentação das modalidades e nos percentuais
disponibilizados em bolsa, o mesmo se pode dizer em relação às brandas penalidades
aplicáveis em caso de quebra de acordo ou má fé, por exemplo.

Analisando o que estava posto nas origens da proposta e do que efetivamente se


conseguiu, acreditamos que houve maior avanço dos interesses privados que dos interesses
públicos: o quantitativo de bolsas do primeiro ano reduziu-se de 180 mil para 112 mil, a
alíquota de desconta caiu, no caso das IES com fins lucrativos, de 25% para 10,7%, a
questão da qualidade ficou comprometida, mesmo na última versão da lei n° 11.509, afinal
duas avaliações consecutivas podem significar até duas turmas completas sendo formadas em
IES de baixa qualidade, enquanto o direito do beneficiário de se transferir do curso avaliado
como insuficiente não pode ser considerado exceção, mas regra. Enfim a enumeração dos
ganhos da ABMES já citadas, relaciona bem esses ganhos do interesse privado. (Oliveira,
Alcivam. 2007. p.238)

Apontaremos agora as algumas conclusões e as principais críticas dirigidas pelo autor


ao processo de execução do PROUNI.
A primeira crítica é dirigida a apresentação do programa no site, que segundo ele,
carece de uma perspectiva mais cidadã prevalecendo o tom de programa assistencialista.
O autor demonstra através de dados estatísticos que a adesão ao ENEM foi alavancada
pelo PROUNI, graças à vinculação que se deu através dos critérios de seleção do PROUNI.
Também fica demonstrado o bom desempenho dos alunos do PROUNI, com destaque para o
fato de:

180
O desempenho dos alunos com bolsas integrais ser, em todas as áreas, melhor que o
desempenho dos alunos com bolsas parciais. À primeira vista, podemos interpretar este dado
como sendo reflexo da dedicação uma vez que aqueles com bolsas parciais teriam que
trabalhar, já que o FIES não cobre todas as demandas. Contudo, é preciso considerarmos,
também, que este é o grupo de menor renda, numa diferença que, no extremo, é de dois
salários mínimos per capita (bolsa integral = renda de 1,5 salários mínimo e bolsa parcial =
renda até 3,5 salários mínimos). Ou seja, os dados falam de um desempenho, inversamente,
proporcional à renda. (Oliveira, Alcivam. 2007. p.247)

O autor chama a atenção para o elevando percentual de bolsas remanescentes (não


ocupadas) que em média atinge 40 %, alegando que as razões parecem ser múltiplas e que
seriam necessários dados mais consistentes e abrangentes para se chegar a uma conclusão
mais segura. A maior concentração de vaga está em cursos que não envolvem as áreas de
tecnologia e saúde, devendo esse fato a própria característica das IES privadas que não
privilegiam este tipo de curso. Assim, apesar de não haver concentração de vagas em cursos
de baixa concorrência, o setor privado tende restringe a possibilidade de formação de
profissionais de uma determinada área, como a tecnológica.
Os dados apresentados pelo autor indicam uma evasão 23,82%, dos alunos do
PROUNI, percentual inferior aos 27,5% das IES estatais e aos 46% das IES privadas.
Entretanto, se consideramos apenas a evasão dos estudantes com bolsas parciais esse
percentual sobe para 40,35% contra 13,73% dos estudantes com bolsas integrais. Isso
significa que dos alunos com bolsas parciais é três vezes maior do que a dos alunos com
bolsas integrais, atingindo quase o mesmo percentual dos alunos matriculados nas IES
privadas. Esses números reforçam a tese de que as dificuldades financeiras impedem os
alunos do PROUNI de se manterem enquanto estão fazendo o curso. Outro dado importante
se refere ao percentual de bolsas efetivamente ocupadas em cada uma das modalidades
“Como podemos observar são três bolsas integrais para uma parcial ou pouco menos que isso
(26,60% de bolsas parciais). Isso é metade do que prevê a Lei n° 11.096 (uma integral para
duas parciais de 50% e 10% dessas transformadas em parciais de 25%).”
Os números também indicam uma maior concentração de alunos nos cursos noturnos,
o que pode ser relacionado inclusão desses no mercado de trabalho e uma maior presença de
estudantes negros, quando comparados com as IES públicas.
A distribuição das bolsas permanência concentra-se nos cursos de medicina, o que
segundo o autor parece um exagero, pois outros cursos apresentam necessidades semelhantes
de dedicação integral e alto custo com livros e material.

181
Na verdade, essa distribuição não segue, ao que parece, critérios estratégicos, isto é,
poderia ser uma distribuição que servisse de estímulo para alguns cursos cujos profissionais
são necessários ao cenário nacional. É o caso das licenciaturas nas áreas de ciências
naturais, física, biologia e química, principalmente. É praticamente de domínio público que
existe carência de profissionais nessas áreas. (Oliveira, Alcivam. 2007. p. 257)

No que se refere à renúncia fiscal, o autor dialoga com autores que vêem nela uma
política de incentivo à expansão das IFES privadas e redução dos investimentos na educação
pública. Discordamos dos argumentos dos autores, apresenta dados que segundo ele,
demonstram que a expansão das IFES privadas na década de 90 se deu num momento em que
houve redução da isenção fiscal e que portanto, a expansão encontra razões na própria lógica
do capital, ou seja, aumento de demanda.
Tomando como referência o ano de 2005, o autor calcula o percentual de receita
renunciada que poderia ir para as IFES em 0,02% do equivalente ao orçamento das IFES em
2006 e argumenta:

Mesmo que nossos cálculos tragam erros e que essa estimativa seja muitas vezes
maior, é preciso considerarmos a forma de distribuição dessas vagas que seriam criadas nas
IFES. Qual a possibilidade delas atenderem aos alunos oriundos da rede estatal de educação
básica na mesma proporção que o PROUNI atendeu? Qual a possibilidade de incluir o
mesmo percentual de cotas étnicas? Ou seja, a autora – e no mesmo sentido vão os autores
dos outros textos citados – deixa transparecer que reverter a renúncia fiscal para vagas nas
IFES seria como apenas mudar o fluxo de capital. E não é bem assim. A questão é mais
complexa e em nenhum cenário poderia ser compreendida como tendo caráter tão-somente
aritmético. (Oliveira, Alcivam. 2007. p.261)

O autor também diverge daqueles que apontam o PROUNI como uma política
assistencialista, enxergando-o como ação de promoção da cidadania, embora concorde com a
crítica de que faltam ações que garantam não só o acesso, mas também a permanência dos
alunos na universidade. Nesse sentido, a bolsa permanência apesar de significar um avanço
não consegue efetivamente resolver o problema. Contudo, para o autor a ausência de políticas
de apoio ao estudante universitário não é problema exclusivo do PROUNI e pode ser
verificado também em IFES de todo Brasil, e pergunta “será que isso autoriza a alguém
afirmar que a oferta de estudos superiores nas IFES é uma política assistencialista?”.

Ora, a falta de uma política que garanta a permanência dos estudantes no ensino
superior, não pode implicar nessa qualificação do PROUNI, ou então teremos que qualificar
todas as ações de oferta estatal de ensino como tal, pelo menos para aqueles estudantes que
não são alcançados pelo apoio da assistência estudantil, incluindo os das IFES. (Oliveira,
Alcivam. 2007. p. 264)

182
A defesa apresentada pelo autor parece pouco consistente, pois apesar de
concordarmos que faltam políticas de assistência ao estudante também nas IFES estatais, essa
ausência se torna mais grave no caso de alunos que são em sua maioria, trabalhadores ou
pertencem as camadas mais pobres da sociedade, como no caso no PROUNI. Obviamente,
que nas IFES públicas também encontramos alunos que se enquadram nessa mesma situação.
Entretanto, é sabido que o perfil econômico dos alunos das Universidades Públicas, embora
esteja heterogeneamente distribuído em cursos de maior e de menor prestígio, é constituído
em sua maioria por alunos das camadas médias da sociedade. Além disso, o perfil dos alunos
é bastante diferente quando comparamos universos dos cursos como os de engenharia, direito
e medicina com os cursos de licenciatura, por exemplo. Os alunos do PROUNI constituem um
grupo menos heterogêneo, pois já há um recorte socioeconômico que indica tratar-se de
alunos oriundo de famílias com menor renda per capita e que, portanto, precisam receber
assistência necessária para sua permanência na Universidade. A comparação com os alunos
das IFES estatais só faria sentido se tomássemos apenas aquela parcela de alunos que
representam as camadas menos privilegiadas da sociedade e que certamente não ocupam a
maior parte das cadeiras dos cursos de maior prestígio social.
A crítica aos mecanismos de controle e fiscalização do PROUNI apontadas por
CATANI, HEI e Gilioli (2006) são reiteradas pelo autor que cita como exemplo a falta de
publicização dos dados do programa, que dificultou inclusive seu trabalho de pesquisa. Para o
autor o uso da isenção fiscal aumenta o controle do governo sobre as IES privadas. Por outro
lado como o programa é executado a partir da adesão, há nele uma perspectiva de diálogo e
não de imposição. O Estado aparece como regulador, garantindo o interesse público ao
favorecer o acesso à educação a partir da sua necessidade social. Entretanto:
A fragilidade na fiscalização do programa, cujos instrumentos foram construídos no
âmbito do legislativo, denota privilégios a interesses privados mercantis. Finalmente, a falta
de transparência na gestão do Programa indica, claramente, estratégias governamentais
para o controle de informações e, nessa perspectiva, se percebe com clareza que o Estado
age sob o interesse do Governo. Eis um exemplo evidente em que a ação estatal não traduz,
apenas, o interesse público. (Oliveira, Alcivam. 2007. p.269)

Segundo a análise do autor três fatos demonstram a manifestação do público e o


caráter social do programa: a quase totalidade dos bolsistas terem origem na rede estatal de
ensino médio, a maior participação de bolsistas negros e pardos quando comparados com a
sua presença em universidades públicas e privadas e o acesso de estudantes socialmente
desprestigiados a cursos de elite, como o de medicina, por exemplo. Ao mesmo tempo, o
183
autor reconhece que o PROUNI trouxe benefícios para as IES que se constituem como
empresas, fato comprovado pela crescente adesão ao programa e que algumas de suas
características mesmo “não privilegiando explicitamente o interesse privado, depõe contra o
interesse público”. São elas: o baixo orçamento da bolsa permanência, a sua caracterização
como política de governo e não de Estado, o que o torna dependente de disponibilidade
orçamentária e que não garante o atendimento contínuo e crescente; a falta de uma estratégia
que procure fazer com que o programa seja visto como conquista da sociedade e a falta de
transparência que pode dar margem para manobras de bastidores ou incorreção de erros que
estejam sendo cometidos.
O autor endossa da aplicação do critério de justiça distributiva argumentando que no
caso do PROUNI o privilégio a um grupo social (negros e pardos, estudantes oriundos da rede
estatal do ensino médio, pessoas com deficiência e com renda per capita inferior a um salário
mínimo) oportuniza o acesso a pessoas que talvez só o conseguissem pelo desempenho
pessoal.

Havendo dois princípios definidores de justiça, o comutativo e o distributivo, a


aplicação do primeiro princípio diz respeito a relações estabelecidas por contratos
individuais, nos quais, a troca (comutação) estabelece a forma de relação entre as partes,
pressupondo, nesse caso, que sejam consideradas como partes iguais. Por sua vez, a
aplicação do segundo princípio, coloca-nos diante de relações entre partes desiguais, ou,
entre as partes e o todo, nas quais, o reconhecimento das desigualdades entre elas impõe o
princípio distributivo no estabelecimento das relações. (Oliveira, Alcivam. 2007. p.277)

Assim para o autor “ao se reconhecer a diferença entre as partes na sua relação com
todo, as relações não podem ser regidas por simetria, mas por assimetria: tratar-se-á diferentes
aquelas partes que são diferentes, em função do benefício do todo” (Oliveira, 2007, p.277).
O trabalho é concluído com a constatação de que a política educacional do ensino
superior “segue a lógica do possível sem render-se, diretamente, à lógica do capital”, já que
no contexto atual é cada vez mais difícil uma “ação estatal capas isolar a educação superior de
qualquer conotação mercantil”. Assim, interesses públicos e privados aparecem de forma
ambígua nas políticas públicas:

Porém, é no PROUNI que essa ambigüidade se revela de maneira mais intensa. Se na


motivação e nas origens do programa pode ser identificada uma opção por privilegiar
determinados setores sociais, praticando claramente, o princípio distributivo de justiça; se na
formulação procura-se intensificar o processo de regulação do setor privado com fins
lucrativos; ou ainda, se existe uma prática que busca reconhecer a identidade pública das
IES comunitárias, existem, também, indicadores que revelam favorecimento ao setor privado
empresarial, a exemplo das políticas de renúncia fiscal. (Oliveira, Alcivam. 2007. p.279)
184
Observamos que o trabalho analisado toca em questões polêmicas como a pertinência
da política educacional de nível superior do governo Lula e a relação público-privado na
educação. O autor realizou sua análise a partir de dados estatísticos sobre o PROUNI obtidos
de forma indireta, mas recorreu também a diversos documentos incluindo aqueles
relacionados ao programa de governo do presidente Lula, o relatório do grupo de trabalho
interministerial e aqueles relativos a discussões em torno da elaboração e implantação do
programa. O PROUNI é visto pelo autor, como uma política contraditória e ambígua que
favorece os interesses sociais e mercantis. A principal crítica dirigida ao programa se refere a
falta de uma política de assistência ao estudante que dê conta de sua permanência na
universidade. Está crítica já estava presente nas 3 dissertações analisadas, primeiramente, e
desse modo, fica demonstrado ser essa o principal entrave a ser enfrentado. Afinal, se como
afirma o autor o PROUNI atende tanto a interesses sociais quanto interesses mercantis, se faz
necessário novos trabalhos que avaliem os resultados do programa a longo prazo para que se
possa confirmar com dados a pertinência desse argumenta. Se os números de matrículas
ofertadas pela IFES anualmente permite avaliar o retorno financeiro para essas instituições, o
mesmo não se pode dizer em relação à consecução dos objetivos do programa. Se a questão
da manutenção e permanência nos cursos se apresenta como problemática, justificando
inclusive o percentual elevado de evasões, seria preciso avaliar o percurso acadêmico desses
alunos, o número de concluintes, e o impacto social e econômico que a formação universitária
teve na vida dos egressos do PROUNI antes de se concluir que os interesses sociais estão
sendo satisfeitos.
Mesmo que se reconheça, como fez o autor, o programa como uma ação de promoção
de cidadania, seria importante discutir se programas como o PROUNI, o PROEJA e o
PROJOVEM podem ou devem se transformar em políticas de estado. Essas ações surgem
como resultado de um movimento que vê os jovens como um grupo que precisa ser alvo de
uma política permanente na qual, a questão da sua formação e de sua inserção produtiva
deveriam estar articuladas ou se constituem apenas como política de governo que como tal
não tem uma continuidade garantida? Se a afirmativa for a primeira opção, cabe então
perguntar se o caminho tomado pelo governo poderá se consolidar em termos de
continuidade, garantia da qualidade da educação, ampliação das oportunidades de trabalho e
renda para o jovem e desenvolvimento econômico nacional e regional. Essas e outras questões
precisam ser respondidas e faltou ao trabalho analisado aprofundar essa discussão.

185
Comentaremos agora o último trabalho desta série, intitulado “A Reforma da
Universidade no Brasil: Um Discurso (Re) velador. O autor, valendo-se da técnica de análise
do discurso, analisa trechos de alguns textos e documentos relativos à reforma universitária e
ao PROUNI. Apesar de se tratar de um estudo menos aprofundado, comparado àquele
analisado anteriormente (pelo menos no que diz respeito a abrangência) poderemos encontrar
nele críticas mais contundentes e muitos pontos de discordâncias.
O primeiro ponto de discordância diz respeito à continuidade da orientação neoliberal
na política de governo de FHC e Lula. Citando Góis, o autor demonstra que no governo Lula,
a rede privada de ensino superior continuou crescendo mais do que a rede pública. Em relação
a essa assertiva, a tese anterior (T5), apontava também para o crescimento das IES privadas,
mas num ritmo menor em comparação ao governo de FHC (fato atribuído a questões de
demanda), demonstrando ainda, um aumento da rede pública de ensino superior.
Para o autor, o “relançamento do conceito de público não-estatal” presente no discurso
do atual governo segue o receituário neoliberal imposto por organismos internacionais que
“sugerem” novas maneiras de gerenciar às políticas públicas.
O autor identifica no discurso do governo uma variação no sentido do público e um
caráter impositivo de sua política educacional, tomando como exemplo o enunciado:

“As universidades deverão ser instituições públicas, sejam elas de propriedade pública ou
privada”

O funcionamento discursivo produzido a partir da escolha lexical [deverão] que


produz um efeito de sentido que remete a uma imposição, um dever, sugere que não há
margem para descumprimento, o termo soa como uma ordem que parte do representando do
poder executivo. Caracterizando assim a impossibilidade de diálogo com a sociedade e com a
comunidade universitária. Todas [deverão ser instituições públicas]. Nessa perspectiva, não
é colocada a possibilidade de poder vir a ser, mas sim a certeza, a obrigação de ser. ( Bastos,
Alexandre. 2007. p.85)

A redefinição do conceito de público fica implícito quando se tenta acomodar as


universidades privadas como instituições públicas eliminando-se a oposição entre propriedade
pública e privada.

No Brasil, até então o sentido de universidade pública estava ancorado na perspectiva


de uma universidade estatal e gratuita, de propriedade pública e não privada. No enunciado
em estudo, percebemos que designar como instituições públicas todas as universidades,
sejam elas de propriedade pública ou privada, representa redefinir o conceito de público,
ampliando-o e incorporando o setor privado. Ou seja, se partimos da definição de que
público significa estatal e gratuito, contrapondo-se ao sentido de privado como sendo

186
particular e pago, constataremos que essa nova re-significação elimina a oposição ente esses
conceitos favorecendo a um deles – o privado. Contraditoriamente, quando se diz que todas
as universidade [deverão ser instituições públicas] significa tornar o público privado ou o
privado público?(Bastos, Alexandre. 2007. p.86)

Outro enunciado analisado pelo autor pertence ao ex-ministro da educação Cristovam


Buarque e diz:

“tanto as instituições privadas quanto as públicas devem estar estruturadas de modo a servir
aos interesses públicos, sem torná-las prisioneiras dos interesses corporativos dos alunos,
dos professores e dos funcionários.”

Mais uma vez fica demonstrada a intenção do governo de resinificar o conceito de


público desvinculando-o do âmbito estatal e incorporando a esfera privada. Segundo o autor,
o PROUNI se enquadra perfeitamente nesse novo quadro no qual o Estado reduz
investimentos no setor público e amplia investimentos no setor privado atribuindo-lhe um
espécie de responsabilidade social. Com efeito, a questão de saber se uma instituição é
pública ou não diz respeito não mais a seu pertencimento, mas a “função social” que ela
cumpre. A concepção de Estado que emerge desse discurso é o de regulador e não de
provedor, assim a com o pretexto de impedir a “mercantilização do ensino superior” o Estado
surge como o ente que pode garantir que os interesses públicos sejam garantidos mesmo na
esfera privada. Entretanto, como pode uma instituição privada regida pelo princípio do lucro
servir aos interesses públicos? Apenas o faz na em relação àquelas que correspondem as
necessidades do mercado. Nesse sentido, parece impossível atribuir a instituições privadas o
sentido de público. Assim, a tentativa do governo de ressignificar o conceito de público
ampliando-o para a esfera privada se mostra ideologicamente orientada no sentido das
reformas preconizadas pelos organismos internacionais, nas quais o Estado redefine sua
função, alinhando-a com a política econômica de orientação neoliberal.
Por outro lado, ao opor interesses públicos e interesses corporativos dos alunos, dos
professores e dos funcionários, o ministro, segundo o autor, parece não perceber que, esses
interesses corporativos representam a resistência pela manutenção do real sentido de público:
Boa parcela das acusações de arcaísmo, corporativismo e ineficiência feitas á
universidade pública visa, na verdade, ao distanciamento que ela, em grande parte, ainda
mantém do mercado. E por não estar limitada pelas injunções do mercado é que a
universidade pública pode cumprir seu papel histórico e social de produção e disseminação
do conhecimento, e também manter com a cultura uma relação intrínseca que se manifesta
numa possibilidade de reflexão que foge aos moldes do compromisso imediatamente definido
pelas pressões de demanda e de consumo. (Silva, 2001. p.299 apud Bastos, Alexandre. 2007.
p.95)

187
Assim o caminho para impedir a mercantilização do ensino superior passa
inexoravelmente pelo fortalecimento da universidade pública, já que não é transferindo
artificialmente às instituições privadas o sentido público que se conseguirá efetivamente
atender os interesses sociais.
Podemos concluir, que os dois trabalhos que agrupamos sob o tema “A análise do
papel e da orientação do Governo Lula na elaboração de políticas públicas para a Ensino
Superior e a relação público- privado no contexto educacional.” caminham em direção
diametralmente opostas. Para OLIVEIRA, na disputa entre interesses privados e públicos, o
PROUNI se revelou uma política ambígua e contraditória, na qual a relação público-privado é
qualitativamente equilibrada, enquanto que quantitativamente favorece os interesses privados.
Entretanto, em sua análise, os interesses sociais são identificados apenas em razão daquilo que
o programa tem de potencial, ou seja, democratizar o acesso ao ensino superior, através de
uma política que favoreça os grupos menos privilegiados. Não há nenhuma demonstração
empírica que aponte ganhos do ponto de vista social e econômico para os grupos em questão
(e em parte isso se deve a ausência de dados, já que trata-se de um política de início recente).
Na verdade, os dados existentes indicam um índice de evasão, no mínimo, preocupante, e que
reforçam o argumento em favor de políticas que garantam não só o acesso, mas também a
permanência dos alunos.
O autor se esforça para demonstrar que a política do Ensino Superior do governo Lula
sofreu pouca influência das orientações dos organismos internacionais. Porém, não há como
negar que o incentivo a políticas focais centradas no princípio da equidade é uma das quatro
orientações do documento “El desarrollo em la pratica – La ensiñaza superior. Las lecciones
derivadas de La experiência” do Banco Mundial (1995) que segundo o próprio autor, orienta
a política de educação superior nos países emergentes e que incluem ainda, o fomento à
proliferação e consolidação das instituições privadas; a diversificação das fontes de
financiamento das instituições públicas e a redefinição da função do estado. Apesar disso,
para o autor, o critério de justiça distributiva que caracteriza o programa caminha na direção
da valorização dos interesses sociais. Assim, contraditoriamente, a democratização do acesso
ao ensino superior não seria impulsionada por políticas universalistas com forte participação
do Estado, mas pela ampliação do acesso a universidade para uma parcela da sociedade
através da transformação do espaço privado em público.
Na verdade, a debilidade teórica do discurso que pretende ressignificar o conceito de
público reside na tentativa de compatibilizar interesses inconciliáveis. Assim, quando

188
BASTOS, através da análise do discurso desvela aspectos ideológicos, presentes na retórica
do governo e de seus interlocutores, traz a tona essa questão na qual a “ambigüidade e
contradição” presente na disputa entre interesses privados e públicos expressa a contradição
fundamental do modo de produção capitalista, que tem na propriedade privada seu mecanismo
de reprodução, sendo, portanto um contra-senso pensar que ela possa servir aos interesses
públicos. Obviamente não estamos tratando aqui, de instituições de caráter filantrópico ou
confessional, que ainda que em tese não sejam regidas pelo princípio, também possuem
interesses que nem sempre coincidem com o interesse público. Ainda sim, se pudéssemos
classificar essas instituições como privadas de função pública estaríamos identificando
interesse público com um interesse classista, sem que essa identificação estivesse de fato
garantida. No entanto em se tratando de empresas que têm a educação como produto a ser
oferecido de acordo com as flutuações do mercado, tentar impor por meio de uma política
educacional uma mudança no sentido de imbuí-las de um caráter público é no mínimo,
ingenuidade.
Desse modo,o PROUNI acaba por exacerbar uma dualidade já existente entre aqueles
que “meritocraticamente” têm acesso ao ensino superior público e de qualidade e aqueles que
são obrigados a buscar sua formação em universidades e faculdades nem sempre
comprometidas com a questão da qualidade. O aluno do PROUNI, por sua vez se vê numa
situação bastante delicada, pois diante de uma insatisfação com o curso não tem muitas
alternativas, pois não pode exercer pressão sobre a instituição, já que não possui o mesmo
poder de barganha daqueles que pagam mensalidades e não pode responsabilizar ou
pressionar o poder público, pois embora este atue como regulador, não pode interferir de
forma direta e imediata na organização dos cursos. Soma-se a isso o preconceito sofrido pelos
alunos e o fato, já demonstrado pela tese de Oliveira, de que o programa é apresentado como
política assistencialista, contribuindo para que o aluno tenha uma percepção diferente de si,
não como sujeito de direitos, mas como beneficiário de uma política de governo e não de
estado.
Assim, o programa parece atender mais aos interesses privados, se constituindo mais
como um programa de contenção de demanda, na medida em que diante do aumento de
demanda por vagas no ensino superior, e da incapacidade do Estado de suprir essa demanda
pela ampliação de vagas no ensino público, o governo opta por criar uma nova via de acesso
que acolhe aqueles que, por diferentes razões, não podem optar pelo ensino público nem pelo
ensino privado. Entretanto, o hibridismo público privado, ao contrário do que tentar

189
transparecer o governo, não fortalece o sistema público de ensino superior e em termos de
resultados imediatos garante mais ganhos os IES privadas do que a seus beneficiários.

2.3.3 -Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (PNPE)130

Instituído pela Lei n° 10.748/2003. Trata-se do primeiro programa criado


especificamente para juventude e tinha como objetivo principal fomentar a criação de postos
de trabalho para a juventude através da subvenção à empresas que admitissem jovens sem
experiência anterior. Outros objetivos também estavam postos como: ações de qualificação,
inclusão social, empreendedorismo e responsabilidade social visando a preparação para o
trabalho. As ações de qualificação e inclusão social, realizadas pelos chamados Consórcios da
Juventude acabaram ganhando maior relevância a partir de 2004, quando se verificou a fraca
execução das ações de subvenção econômica.

a) Análise das Dissertações e Teses.

BARBOSA, 2007 - Carlos Soares Barbosa. Juventude, trabalho e educação: o Programa


Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego em discussão.

Investigou as ações de qualificação profissional desenvolvidas por três Organizações


Não-Governamentais (ONGs), participantes do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro
Emprego (PNPE) / Consórcio Social da Juventude (CSJ) do Rio de Janeiro. A metodologia
teve uma abordagem qualitativa, tendo utilizado como instrumentos de coleta de dados
entrevistas semi-estruturadas, realizadas com as coordenadoras gerais e pedagógicas das três
ONGs investigadas, e o grupo focal, realizado com os jovens, alunos e egressos, de duas
entidades.

Três eixos constitutivos da pesquisa - juventude, trabalho e educação – foram


articulados, para evidenciar as vulnerabilidades dos jovens das camadas populares, agravadas
pelo quadro de transformações no mundo do trabalho. O estudo discute os conceitos de
sociedade civil, esfera pública não-estatal e parceria público-privado, além de problematizar a
atuação das ONGs no campo educacional e seus vínculos com a política neoliberal. Os

130
. Texto elaborado pela mestranda Laura Nazaré de Carvalho, Mestranda PPGE/UFF e pelo Prof.r.
Jonas Emanuel Pinto Magalhães, Bolsista de Apoio Técnico – PPFH/UERJ
190
resultados indicaram que as ações de qualificação profissional das entidades executoras do
PNPE/CSJ se conduzem pela perspectiva da empregabilidade e da Teoria do Capital Humano,
com o objetivo de adequar os jovens à precarização do trabalho e à sociedade do não
emprego, fomentando neles a busca de novas alternativas de inserção, o espírito
empreendedor e sua auto-responsabilização pela não inserção no mercado de trabalho formal.
Concluiu-se que os cursos não se estruturam na perspectiva da omnilateralidade defendida por
Marx e Gramsci, agindo mais no sentido de disciplinamento do trabalhador à ordem
econômica do que para a formação de intelectuais orgânicos das classes trabalhadoras. A
efetividade social e política das ações realizadas pelas entidades participantes não propiciam o
empoderamento dos sujeitos individuais e coletivos no sentido da sua participação na esfera
pública e se restringem a benefícios secundários, tais como, maior sociabilidade,
responsabilidade e autoconfiança dos jovens, cumprindo o PNPE/ CSJ a função reservada às
políticas focalizadas de alívio à pobreza, que é a de conter a convulsão social e garantir a
governabilidade.

REIS, 2007 - Daniela Santana Reis. Protagonistas e coadjuvantes na odisséia do primeiro


emprego: uma análise do papel da sociedade civil na execução do PNPE.

Buscou investigar em que medida as ações de educação profissional desenvolvidas por


uma organização não governamental (ONG) no âmbito do Programa Nacional de Estímulo ao
Primeiro Emprego (PNPE) / Consórcio Social da Juventude (CSJ), viabilizam a inserção dos
jovens no mercado de trabalho, que tipo de inserção se estabelece e em que medida essas
ações contribuirão para a participação ativa destes jovens como interlocutores na sociedade. A
pesquisa também teve uma abordagem qualitativa, com base em um estudo de caso, e utilizou
como instrumentos de coleta de dados, a análise documental, entrevistas com coordenadores
da ONG e grupo focal com egressos do curso de “Qualidade no Atendimento ao Público”
desenvolvido na ONG no âmbito do PNPE/CSJ.

O referencial teórico apoiou-se em um primeiro eixo contextual, que discutiu a adoção


do padrão de acumulação de produção flexível e seus impactos sobre o trabalho dos jovens e
o papel das ONGs no espaço público não-estatal, aprofundado a partir da Reforma do
Aparelho do Estado, que estabeleceu novas relações entre o Estado e a sociedade civil. O
segundo eixo, conceitual, adotou a perspectiva de uma educação para além do capital, que
deve acontecer ao longo da vida e nos múltiplos espaços que se configuram na sociedade.
Para tanto, a omnilateralidade e a politecnia se apresentam enquanto pressupostos para a
191
educação, num momento histórico em que se privilegia uma formação pautada na noção de
competências voltadas para o mercado de trabalho, que não favorece a formação integral e
crítica do educando, em um contexto de crescentes índices de desemprego entre os jovens. Os
resultados indicaram a autoculpabilização e auto-responsabilização que se cristaliza no
imaginário dos jovens no que tange à inserção ou exclusão destes no mercado de trabalho.
Tanto nas entrevistas com os coordenadores supracitados quanto nas falas dos jovens, este
aspecto tornou-se evidente e constante. Observou-se, ainda, que as ações de educação
profissional da ONG, no âmbito do PNPE/CSJ focalizam as competências comportamentais
em detrimento das demais competências. Entretanto, a ONG tem inserido no mercado formal
o quantitativo de egressos proposto pelo PNPE/CSJ, apesar destes índices não serem
significativos nacionalmente, face ao desemprego que assola a juventude. Finalmente,
conclui-se que o discurso que permeia as ações de educação profissional desenvolvidas na
ONG transfere para o jovem a responsabilidade por sua inserção no mercado de trabalho e
apesar de possibilitar discussões sobre o contexto nacional no ambiente educativo, tais
discussões ou ações não tornam o jovem um interlocutor ativo na sociedade, especialmente
porque as “políticas” voltadas para a juventude não requerem a participação destes jovens no
processo de elaboração, como se os protagonistas do processo fossem meros coadjuvantes.

SILVA, 2007 - Neilton da Silva. Política pública, estratégias de formação profissional


e inserção de jovens no mundo do trabalho: o protagonismo da ONG CAMPO no âmbito do
PNPE/CSJ no Rio de Janeiro.

Objetivou analisar a atuação da ONG CAMPO no que diz respeito às ações


implementadas nas áreas de formação profissional e geração de trabalho e renda, no âmbito
do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (PNPE) / Consórcio Social da
Juventude (CSJ) no Rio de Janeiro. A investigação qualitativa, do tipo estudo de caso,
utilizando como instrumentos de coleta de dados fontes documentais da ONG investigada,
observação participante, entrevistas com coordenadores da instituição, professores e
coordenadores dos centros de formação que executam o Programa, além de grupo focal com
egressos.

Levou em conta as seguintes dimensões: (a) econômica; (b) da sustentabilidade


socioambiental; e (c) educativa. O contexto da problemática referencia-se na crise no mundo
do trabalho nos anos de 1970, que afetou os países centrais e periféricos ao expandir as
fronteiras econômicas, sociais, políticas e ambientais em escala planetária. Os indícios da

192
crise intensificaram-se no Brasil na década de 1990, com as políticas públicas empreendidas a
partir das diretrizes da reforma do aparelho de estado, e do conseqüente esvaziamento da ação
estatal em relação à questão social, transferindo-a para a sociedade civil, na perspectiva das
ONGs, que passaram a atuar em diversos setores, entre os quais a educação. O estudo
ancorou-se pelo referencial teórico de Marx e Mészáros para compreender as ações educativas
das ONGs no PNPE/CSJ. Os resultados encontrados apontaram para a existência de uma
política focalizada e compensatória, com ações emergenciais para aliviar a pobreza, pautada
no discurso da inserção dos jovens no mercado de trabalho. Identificou-se uma
intencionalidade positiva da ONG em relação a uma formação crítica, porém pouca
consistência no tocante à concepção de educação defendida em seu discurso. No que tange à
questão pedagógica, a ONG incorpora as influências da política educacional atual, que se
ancora na lógica das competências voltadas fundamentalmente para o mercado de trabalho e,
ao invés de privilegiar a qualidade na formação dos jovens, incorporando também a discussão
ambiental, preocupa-se com a questão da quantidade dos inseridos, tendo em vista o
cumprimento de metas do Programa. Finalmente, observou-se ainda que o PNPE/CSJ não
garante, de maneira efetiva, a inserção do seu público-alvo, que se sente culpado pelo seu
insucesso. Mas, ainda assim, os jovens continuam esperançosos com relação ao emprego, ao
seu futuro profissional e à oportunidade de mudar de vida pelo trabalho:

MESQUITA, 2006 - Marcos Roberto Mesquita. O desemprego dos jovens e as políticas


públicas no Brasil pós 1990.

A dissertação se refere ao problema do desemprego dos jovens e as políticas públicas


que visam combatê-lo. O estudo está voltado para o Brasil pós 1990, além da análise de duas
políticas públicas que objetivam ingressar os jovens no mercado de trabalho: CIEE,
organização não governamental desenvolvida para integrar empresas e escolas, e o PNPE,
programa estatal que visa estimular a geração de empregos para os jovens. A metodologia
utilizada na pesquisa é a análise qualitativa e quantitativa das entrevistas realizadas com os
jovens atendidos pelo CIEE, uma política não estatal que encaminha grupos juvenis às
empresas, onde realizarão estágios. Foram utilizados também documentos do CIEE e do
PNPE, bem com a análise da bibliografia acerca do desemprego, desemprego juvenil e das
políticas públicas de emprego para jovens. Quanto aos dados utilizados teve como fonte a
PNAD e o Censo Demográfico do IBGE, estatísticas do Ministério do Trabalho e Emprego e
as taxas de desemprego da PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego) do SEADE / DIEESE.

193
O desemprego se transformou nas últimas décadas em um grave problema das
sociedades contemporâneas, tanto nos países centrais quanto nos periféricos. Contudo, o
desemprego não atinge todos os grupos sociais de forma homogênea, alguns são mais
afetados, tais como os jovens, as mulheres e os indivíduos com mais de 40 anos. Assim,
escolheu-se um desses elementos para análise: os jovens. Esse estudo pretende compreender a
relação jovens e desemprego, bem como analisar as políticas públicas estatais e não estatais
que tentam combater o desemprego dos jovens. Realizou a discussão teórica acerca do
desemprego e da relação entre os jovens e o desemprego no Brasil e nos países centrais.
Analisou ainda as especificidades do desemprego juvenil no caso brasileiro, os motivos
porque ele é superior ao registrado entre os adultos e a relação desse problema com a crise
social brasileira e a desestruturação de nosso mercado de trabalho. No capítulo 2 analisou uma
política pública não estatal, o CIEE (Centro de Integração Empresa Escola), criado há 42
anos, que tem como objetivo diminuir os obstáculos ao ingresso ocupacional dos jovens por
meio do cadastramento, treinamento e encaminhamento ao mercado de trabalho através de
estágios em empresas conveniadas. Neste capítulo foi produzido também um estudo sobre o
estágio - como meio de inserção ocupacional juvenil - e sua legislação. O capítulo 3 se
destaca pela discussão de políticas de emprego para jovens existentes no Brasil atual.
Contudo, o enfoque do capítulo se encontra em uma política de emprego realizada pelo
governo federal desde 2003, o PNPE (Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego
dos Jovens), que visa desde sua origem diminuir a inatividade e o desemprego dos jovens.
Discutiu-se também se o PNPE é eficiente no combate ao desemprego juvenil e está
propiciando uma melhor inserção dos jovens ao mundo do trabalho. A conclusão mais
acertada para esse estudo se exprime nas palavras de Gorz (2004): “É preciso que as
mentalidades mudem para que a economia e a sociedade possam mudar. Mas, inversamente, a
mudança das mentalidades, a mudança cultural precisam ser relacionadas (e traduzidas) a
práticas e a um projeto político para adquirir um alcance geral e encontrar uma expressão
coletiva capaz de inscrever-se no espaço público. Enquanto não encontrar sua expressão
pública e coletiva, a mudança das mentalidades pode continuar sendo ignorada pelos
detentores do poder, dada por marginal, um desvio de pouco significado” (Misérias do
Presente, Riqueza do Possível”, página 71).

194
SOARES, 2006 - Sérgio Amarildo Evangelista Soares. Necessidades juvenis, trabalho e
políticas públicas: um estudo do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego.

Analisou as necessidades dos jovens tendo em vista os objetivos do PNPE. Buscou


verificar os pontos positivos e as dificuldades encontradas pelo programa e de que forma ele
deveria ser aprimorado. Realizou uma pesquisa qualitativa, por meio de entrevistas, cujos
dados foram coletados no município de São Leopoldo. A categoria principal de análise desses
dados foi a “necessidade”.

A pesquisa demonstra o quanto o jovem de classe popular valoriza o trabalho, a


família e o estudo. Da mesma forma, fica evidente para o autor, que a relação entre essas
questões diz respeito aos seus projetos de vida. A juventude expressa críticas a política, que
para o autor, devem ajudar a melhorá-la. Soares (2006) conclui que o programa deveria ser
implementado de forma articulada com outras áreas das políticas públicas, como educação e
assistência social.

MACAMBIRA JR, 2007 - Leôncio José Bastos Macambira. O mercado de trabalho do jovem
e o Programa Nacional De Estímulo ao Primeiro Emprego.

Em seu estudo teve o intuito de discutir a situação do jovem no mercado de trabalho,


partindo de uma análise mais global, para depois se restringir ao município de Fortaleza, que
considerou exemplo real da difícil travessia do jovem no mundo do trabalho. Essa análise,
porém, aconteceu paralelamente a uma leitura sobre as políticas públicas de emprego, com
destaque para as ações da intermediação de mão-de-obra e do Programa Nacional de Estímulo
ao Primeiro Emprego. Nesse último caso, utilizou-se uma pesquisa, que o autor chamou de
semi-estruturada, para investigar os atores sociais nele envolvidos. Para as demais análises,
utilizou uma pesquisa documental, onde recorreu a uma bibliografia especializada sobre o
tema em questão.

Para o autor é inegável que a criação de políticas públicas podem amenizar não só o
drama do desemprego, mas proporcionar ações de cidadania, orientação para o trabalho, entre
outras. Na opinião dos jovens, empresas e entidades executoras do PNPE, muitas lacunas não
foram preenchidas ou acertadas, mas foi comum a análise de que o programa foi importante
para a juventude, em particular, para os jovens mais pobres e com maiores dificuldades de
inserção no mercado de trabalho.

b) - Conclusões.
195
Em 2003, o governo federal criou o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro
Emprego de Jovens (PNPE), tendo como principal objetivo promover a inserção produtiva de
jovens de 16 a 24 anos que apresentassem baixa escolaridade e pertencessem a famílias de
baixa renda.
A formação profissional ocorre através de oficinas profissionalizantes, onde são
abordadas as atividades pertinentes ao exercício do trabalho, com o aprendizado das rotinas
próprias de cada função, além dos conteúdos relativos aos direitos do trabalho e a
sensibilização para a potencialidade do empreendedorismo, mesmo entre os jovens
(ANDRADE, 2005).
A tentativa de despertar neste jovens o empreendorismo esconde a função de
dogmatização intrínseca a ela e assim transmite a responsabilidade do fracasso profissional ao
indivíduo que não soube ser empreendedor. É uma política pública elaborada com base em
número e não na demanda efetiva dos jovens.
Nesse sentido os autores trabalhados foram muito esclarecedores sobre o alcance do
PNPE: BARBOSA, 2007, REIS, 2007 e SILVA, 2007 chegam basicamente a mesma
conclusão: de que como o PNPE não foca no jovem em si e sim na formação precária,
objetivando a governabilidade. A meta é quantitativa e o jovem não participa da elaboração
do projeto, apenas é um beneficiário. MESQUITA, 2006 e SOARES, 2006, sociólogos, focam
na questão do desemprego, que afeta a dinâmica da sociedade e analisam a política publica
como parte da mudança, que, se articulada a outras, pode obter resultados positivos.
MACAMBIRA JR, 2007 possui uma visão otimista, apenas salientando que existem lacunas a
serem acertadas.
Em síntese podemos salientar que Barbosa ressaltou que seu trabalho pretende
constituir em mais um instrumento de análise das políticas públicas implementadas na área de
trabalho e educação durante o Governo Lula da Silva. Nos grupos focais realizados com os
jovens o autor percebeu que as ações de qualificação profissional, também podem suscitar o
início de um novo ciclo de vida para alguns deles, ao possibilitar o encontro com outros
jovens, um novo olhar sobre a sua realidade, novos conhecimentos e discussões políticas. As
ações das entidades executoras podem causar outros impactos aos jovens, como contribuir
para a minimização de suas vulnerabilidades sociais, a redução da exposição à violência,
através da conscientização desta sua condição e ao estímulo à continuidade da escolarização.
Mas transmitido pelas entidades executoras não como um dever do Estado e um direito dos

196
jovens, mas como uma oportunidade dada a eles pelo governo, o PNPE é concebido como
benesse pelos jovens que “devem agradecer pela oportunidade dada”. O autor afirma que
sendo um curso de curta duração, aligeirado e fragmentado não proporciona uma qualificação
profissional e social de forma decente, e assim poderia o Governo Lula da Silva, com o
PNPE, estar apenas investindo no capital social, a fim de garantir sua governabilidade.
O estudo de Reis aponta para a necessidade de estabelecer políticas que ultrapassem
o imediatismo e a focalização, que levem em conta a realidade do jovem brasileiro, que apesar
de protagonizar os índices de desemprego da PEA é coadjuvante ao se pensar na elaboração
de uma política que atenda às suas especificidades. Ressalta ainda, que a instituição da
sociedade civil – ONG - é, potencialmente, dotada de espaço propício para a discussão da
transformação da sociedade, situando-se enquanto lócus para a construção política e coletiva
dos interesses e não para a mera reprodução do status quo.
Silva afirma que apesar das perplexidades e desafios defende maiores investimentos
do Estado nas políticas públicas voltadas para os jovens, possibilitando-lhes condições dignas
de sobrevivência e uma cidadania baseada em princípios emancipatórios. Estas políticas
devem ser consideradas não como um ônus ao Estado, mas como direito público socialmente
adquirido, devendo ser articuladas a outras políticas de geração de trabalho e renda e
educacionais, pautadas em propostas mais amplas de formação, que estimulem a elevação da
escolaridade, expurgando o seu caráter focalizante e de alívio à pobreza.
Segundo Mesquita as avaliações são fundamentais para o bom funcionamento e
racionalização dos recursos das políticas públicas, bem como são relevantes no sentido de
mostrar a sociedade como vêm sendo realizadas determinadas políticas, até mesmo se elas
vêm sendo eficientes no cumprimento de seus objetivos. Assim, avaliar uma política pública é
analisar como esta afeta as condições de vida da população, e a partir disso, possibilitar que os
políticos e os formuladores possam decidir por continuar realizando, ou mesmo interromper
uma política pública, ou, ainda, executar modificações e correções na política. Para ele, a
avaliação deveria ser periódica e programas, como o PNPE, apenas podem ser bem sucedidos
à medida que focalizados nos jovens que sofrem mais dificuldades para conseguir um
emprego. Conforme a OIT (1995), o fato de haver excesso de mão-de-obra no mercado de
trabalho, torna necessária a focalização dos programas de emprego, sobretudo nos jovens
mais desfavorecidos, evitando que sejam atendidos apenas os jovens que menos precisam.
Nessa linha Soares afirma ser necessário encontrar alternativas para aprimorar o que vem
sendo desenvolvido. Na realização da pesquisa vislumbrou possibilidades, desafios e limites.

197
Mancabira Júnior afirma que o PNPE trata-se de uma política social focalizada, mas
infelizmente, as incursões e iniciativas não conseguiram alcançar com êxito muito daquilo que
foi divulgado nos discursos e nos papéis. A previsão equivocada começou logo no início,
quando do anúncio da quantidade de vagas que seriam geradas para os jovens. Outro grande
debate foi o fato de uma vaga de emprego criada para os jovens poder eliminar outra de
adultos. Quanto a isso, nenhum mecanismo legal protegia o trabalhador quanto à decisão da
empresa de substituir seus empregados. Segundo o autor esse risco é mais iminente na medida
em que os postos de trabalho não requerem mão-de-obra mais especializada.
Para o autor, sem dúvida, é preciso avançar ainda muito mais. Apesar das
dificuldades e lacunas relatadas sobre o programa, o PNPE pode proporcionar ganhos sociais,
na medida em que proporciona maior inclusão social, incentiva e amplia as atividades
voltadas para o lazer e cidadania. Dessa forma, estaria contribuindo para tirar das ruas e da
ociosidade milhares de jovens, muitos dos quais convivendo em ambientes propensos à
criminalidade. Essa, sem dúvida, é a grande razão e esperança que os jovens entrevistados em
sua pesquisa puderam revelar, ou seja, o programa deu uma oportunidade de emprego, de
cidadania, dignidade e cursos de capacitação. E é com esse espírito positivo e de coragem
que, de acordo com Mancabira Jr., as políticas públicas devem ser pensadas e repensadas a
cada instante, de forma a rever os erros, ampliar os acertos e propiciar melhores
oportunidades aos mais necessitados.
Em termos de políticas de geração de trabalho e renda no governo Lula, o PNPE pode
ser considerado como programa-piloto que em sua gênese teve como principal meta fomentar
a contratação de jovens sem experiência através da subvenção à empresas que aderissem ao
programa. Além disso, previa ações de qualificação profissional e social.
Implementado em 2003, com meta inicial para contratação de 150 mil jovens para o
primeiro ano, atingiu apenas 10% dos resultados previstos e mesmo com as reformulações
que eliminaram algumas restrições para os empregadores, a adesão das empresas se manteve
pouco expressiva. Algumas das hipóteses levantadas para baixa execução dessa linha são: o
desinteresse das empresas, a falta de mecanismos operacionais bem consolidados (OIT, 2009)
e as restrições quanto ao tipo de contrato e demissões previstas pelo programa (IPEA, 2009).
A subvenção à empresas para este tipo de contratação, envolvem riscos que incluem a
substituição de trabalhadores regulares e a o uso do incentivo para contratação de jovens que
já seriam contratados mesmo sem o subsídio. Entretanto, o que se verificou foi o desinteresse
das empresas, o que além das razões elencadas, talvez possa ser explicada pelos “custos”

198
envolvidos no treinamento dos trabalhadores sem experiência. Com efeito, análises
macroeconômicas constatam que em períodos de retração ou de recuperação econômica as
empresas tendem a contratar pessoas com mais experiência, em geral adultos com mais de 30
anos, com intuito de reduzir custos, o que inclui o treinamento de pessoal. No caso do PNPE,
essa questão se torna ainda mais relevante, se considerarmos que boa parte de público-alvo
incluem pessoas com pouca ou nenhuma qualificação. O capital, dispõe de um exército de
reserva tão bem treinado e capacitado que incentivos como os oferecidos pelo PNPE se
tornam pouco atrativos e podem ser dispensados. Nesse sentido, acreditamos que caberia ao
governo não o incentivo e a subvenção às custas do fundo público e da flexibilização das leis
trabalhistas para tornar atrativa a contratação de jovens, mas tornar compulsória a contratação
de um percentual de jovens por empresas de grande porte e responsabilizá-la pelo seu
treinamento e mesmo para qualificação para alguns postos. Com isso, estaríamos garantindo
aos jovens uma experiência de trabalho e obrigando as empresas a investirem parte do seu
capital na elevação da qualificação de seus trabalhadores.
A decisão tomada pelo governo, diante do fracasso dessa linha de ação, foi reduzir a
linha de subsídios e direcionar o foco das ações do PNPE para a qualificação profissional e
“social” através dos Consórcios da Juventude formados, principalmente, de repassando para
Organizações Não governamentais (ONGs), Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público (OSCIPES) ou outras instituições formalmente sem fins lucrativos, que
comprovassem experiência na gestão de projetos educacionais ou sociais. A justificativa era
de que estas estariam mais aptas a atingir uma parcela da juventude (quilombolas, índios,
jovens em conflitos com a lei, portadores de necessidades especiais) que, por sua condição,
teria dificuldades de acesso aos programas e serviços públicos de recolocação no mercado e
de geração de trabalho e renda.
Tal dificuldade seria resultado, dentre outros fatores, do baixo capital social, o que,
para nós, justificou a inclusão da ação comunitária e do trabalho voluntário, como uma das
linhas de ação dos Consórcios da Juventude estrategicamente relacionada com a tentativa de
ampliação do capital social. Em consonância com as prescrições do Banco Mundial, Unesco e
Cepal a estratégia para enfretamento da questão social, passaria de acordo com Barbosa e
Deluiz (2009) apud Motta (2008, p.37) pela capacidade de a sociedade civil se associar para
cumprir compromissos e produzir “estoques pessoais de ativos”, que vão refletir “na melhoria
das condições de trabalho, no aumento da produtividade e, conseqüentemente, na capacidade

199
das pessoas de produzirem bem-estar para si próprio e para suas famílias”. Nesse sentido o
que se pretende com a ampliação do capital social:

[...] é que os diferentes atores atuem na sociedade, defendam seus interesses


imediatos e, a priori, compatíveis com a sua condição de ser social que vive e viverá no
estado permanente de exceção, mas sem apelar para o poder central. Quanto maior o capital
social menor é a necessidade que os indivíduos têm do Estado. (Barbosa, 2008)

A atuação dos Consórcios na promoção da ação comunitária e do trabalho voluntário


abarca ainda outra dimensão: a minimização do conflito social e o restabelecimento dos laços
familiares e comunitários. Numa sociedade marcada pela falta de perspectiva para os jovens
na qual o desemprego estrutural e o aumento da violência urbana que se traduzem numa
situação de maior vulnerabilidade social dos jovens, o Estado busca a conformação dos
jovens, na tentativa de manter a coesão social e apela para transmissão de valores morais
relacionamos à participação, voluntarismo, solidariedade e civismo. No fundo, trata-se de
ocultar ou relativizar os conflitos de classe gerados pela marcada desigualdade social e de
“produzir cidadãos “participativos”, não mais trabalhadores, mas colaboradores” (Frigotto,
1998, p.48).
O que constatamos através das análises das teses e dissertações e das leituras de
Barbosa (2009), e Barbosa e Deluiz (2009) é que conquanto as ações na comunidade não se
convertam em maior participação e consciência política têm de fato, produzido como efeitos
secundários, uma certa conformação ideológica e a minimização do risco social que se
traduzem nas fala dos beneficiários em aumento da auto-estima, autoconfiança e da noção de
responsabilidade e na percepção dos autores, em maior sociabilidade, e sentimentos de
pertencimento à comunidade e a sociedade. Porém, também observamos que o engajamento
em ações comunitárias persiste apenas enquanto vinculado a projetos pessoais, cessando tão
logo termine a obrigatoriedade e a contrapartida da bolsa auxílio oferecida aos jovens, o que
demonstra a insuficiência e a fragilidade dos discursos e das ações restritas a demandas
particulares na promoção de uma cidadania participativa. “Cidadã”.
Em relação à efetividade social ficou demonstrado pelas pesquisas que a meta
estabelecida para os Consórcios, pelo governo, para inclusão de 30% dos participantes por
meio de contratação formal, auto-emprego, iniciativas de cooperativismo, associativismo e
economia solidária, entre outras formas possíveis não têm sido cumprida. Evidencia-se assim
que tantos as ações voltadas para despertar o espírito empreendedor quanto àquelas voltadas

200
para a preparação do trabalho quando postas à prova são insuficientes para garantir uma maior
inserção dos jovens no mercado de trabalho. Com efeito, as ações de qualificação profissional
voltam-se, principalmente, para o desenvolvimento de comportamentos e atitudes (como se
vestir e se comportar numa entrevista, ser responsável, ser tolerante, etc..) orientando-se para
a perspectiva da empregabilidade. Diante da débil qualificação oferecida e da incapacidade
demonstrada pelos consórcios para incluir os jovens no mercado formal ou mesmo em formas
alternativas de trabalho, o que pudemos verificar pela análise das teses e dissertações, foi mais
uma vez, um sentimento cada vez maior de autoresponsabilização dos jovens pelo seu
fracasso. A culpabilização da vítima parece ser o único efeito duradouro verificado nos
jovens, face oculta da promessa de empregabilidade cumpre o papel de minimizar a pressão
social pela obtenção de emprego.

2.3.4 -Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação


Básica na Modalidade de Educação Jovens e Adultos (Proeja)131

Tendo como marco legal o decreto 5478/2005 o PROEJA teve seu atendimento
ampliado um ano depois através do decreto 5840/2006. O PROEJA pretende integrar ensino
profissional e ensino básico oferecendo a jovens e adultos com mais de 18 anos que não
conseguiram completar o ensino médio, a possibilidade de concluírem seus estudos e
conseguirem uma habilitação profissional. A formação profissional integrada ao ensino médio
na modalidade EJA pode ocorrer como formação inicial e continuada ou como habilitação
técnica. No primeiro caso, os cursos terão carga horária máxima de 1.600 horas, das quais, no
mínimo, 1.200 serão destinadas à formação geral e 200 à formação profissional. No segundo
caso, os cursos devem ter carga horária máxima de 2.400 horas, das quais, 1.200 para
formação geral. A carga horária mínima da formação específica deve atender a estabelecida
para a respectiva habilitação.

131
. Texto elabora do Bruno Miranda Neves – Pedagogo –UERJ e mestrando no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal Rural –RJ e Jonas Emanuel Magalhães Pinto
bolsita de Apoio Técnico - CNPq

201
Na pesquisa realizada, encontramos 6 (seis) dissertações de mestrado que abordam
diretamente o PROEJA. Passaremos agora a uma rápida caracterização dos trabalhos e as
principais conclusões encontradas.

a) Análise das Dissertações e Teses.

RODRIGUES, Manoel Antonio Quaresma. O Proeja No Cefet-Pa: O Currículo


Prescrito, Concebido e Percebido na Perspectiva da Integração. 2009. Brasília.
Universidade De Brasília. Faculdade De Educação. Programa De Pós-Graduação Em
Educação.

A pesquisa visou analisar a relação entre o que está prescrito nos documentos oficiais
que orientam o Proeja, o que está sendo desenvolvido na instituição, no caso o currículo
concebido no Cefet-PA e se esta integração está sendo percebida pelos professores e
estudantes do Proeja, que são os sujeitos diretamente envolvidos na resultante. É um estudo
de caso realizado dentro de uma abordagem metodológica qualitativa e envolveu uma
pesquisa bibliográfica dos autores que fundamentaram a concepção curricular integrada, além
de um estudo documental da legislação educacional vigente referente à Educação Profissional
e Educação Básica, bem como do Projeto Pedagógico do Curso de Mecânica do Cefet-PA
para o Proeja, seguido de entrevistas semi-estruturadas concedidas por gestores participantes
do processo de implementação do Proeja no Cefet-PA. Captaram-se as percepções de
professores e estudantes por intermédio de entrevistas semi-estruturadas e grupo focal
respectivamente, para complementar a compreensão acerca do objeto pesquisado.
A pesquisa revelou que o Projeto Pedagógico seguiu as orientações nacionais
prescritas para o currículo do Proeja, e sua elaboração no Cefet-PA não perdeu de vista essas
bases. Porém, em essência, desde a prescrição, o conceito de integração curricular entre a
educação profissional e a educação básica não estava devidamente esclarecido. Essa
integração vem sendo compreendida de várias maneiras, podendo ser a causa da diversidade
de interpretações e, conseqüentemente, de práticas, assim como foi captado na percepção
tanto dos professores quanto dos estudantes.
Entende-se que a integração possível indica a inter-relação entre as disciplinas de
formação geral e técnica, bem como a integração entre os participantes do processo,
seus conceitos, referenciais e práticas. Na prescrição, a palavra-chave que denota caminhos
para a integração é “articulação”. Mesmo no Decreto n. 5.154/2004, pode-se conferir que o

202
termo integração se encontra citado apenas uma vez, enquanto a articulação em suas
variáveis, seis vezes. Isso levou à constatação de que a maneira como se expressa a integração
nesses documentos deixa dúvidas a respeito do seu significado. Constatou-se também que,
apesar do esforço e dos avanços em relação à
integração entre educação básica e profissional para a modalidade de educação de
Jovens e adultos, há professores que reconhecem seu ainda despreparo e alunos inseguros
frente a essa maneira de fazer educação. Percebeu-se a necessidade da formação continuada
de professores, comunicação e informação para corrigir essa
dificuldade. Conclui-se que o posicionamento conceitual a respeito da integração curricular e
o amplo debate em torno do seu significado e práticas podem ser o caminho para a sua
concretização.

NASCIMENTO. Martha de Cássia. Práticas Administrativas e Pedagógicas


Desenvolvidas na Implementação do Proeja na EAFAJT: Discurso e Realidade. 2009.
Brasília. Universidade de Brasília – UnB. Faculdade de Educação – FE. Programa de Pós-
Graduação em Educação – PPGE.

Esta pesquisa procurou analisar as práticas pedagógicas e administrativas


desenvolvidas na implementação do Programa de Integração da Educação Profissional ao
Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA na Escola
Agrotécnica Federal Antônio José Teixeira (EAFAJT). O trabalho avaliou, também, como
essas práticas se articularam com a proposta do PROEJA, através da análise do Documento
Base que fundamenta teoricamente o Programa; verificação do Plano de Curso elaborado pela
instituição para o PROEJA, assim como a abordagem dada ao PROEJA no Plano de
Desenvolvimento Institucional. Foi feito um levantamento do perfil dos estudantes do
PROEJA, procurando descobrir quais suas expectativas. A abordagem metodológica
fundamentou se nos princípios da pesquisa etnográfica, qualitativa descritiva, “estudo de
caso”. O campo empírico foi representado por gestores, professores e alunos do PROEJA da
EAFAJT. Foram utilizados como instrumentos de pesquisa: a observação, entrevista semi
estruturada, questionários e análise documental.
A pesquisa aponta, dentre outros resultados, que há pouco conhecimento, por parte dos
gestores, da proposta do PROEJA. O plano de curso apresenta se desconectado com a
fundamentação teórica proposta pelo Documento Base, deixando clara a falta de uma política
sólida da escola que direcione as ações para o programa.

203
Durante o percurso da investigação, identificou-se que, do universo de professores
consultados sobre o que se entende por educação de jovens e adultos; a maioria revela um
discurso afinado com a idéia indicada pelo Documento Base em relação à EJA/PROEJA,
embora a realidade se defina com práticas totalmente contrárias a essa concepção.
Constatamos também que os docentes do ensino propedêutico visualizam os objetivos do
programa de forma mais aberta às inovações, enquanto a maioria dos docentes da área
profissionalizante não tem essa mesma visão. A prática docente mostra se bancária e pouco
reflexiva e os jovens e adultos atendidos pelo PROEJA são, majoritariamente, os egressos do
ensino médio, o que deixa uma inquietação de como trazer o verdadeiro público-alvo
(egressos do ensino fundamental)
As expectativas dos estudantes estão ancoradas na melhoria de vida após adquirir uma
formação profissional. Mediante esse quadro, pode se afirmar que para consolidar o PROEJA
como uma política pública educacional do Estado brasileiro, não bastam apenas uma
infraestrutura adequada e recursos humanos qualificados; é preciso, acima de tudo,
profissionais comprometidos com a educação e com a sociedade de um modo geral.

KLINSKI, Cláudia Dos Santos. Ingresso e Permanência de Alunos com Ensino Médio
Completo no Proeja do If Sul-Rio-Grandense / Campus Charqueadas. 2009. Porto Alegre.
Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul Faculdade De Educação Programa De Pós-
Graduação Em Educação Mestrado Em Educação.

O estudo foi realizado no Instituto Federal Sul-Rio-Grandense do Campus


Charqueadas. O objetivo do estudo foi compreender por que alunos com o ensino médio
completo ingressaram e permaneceram em um curso destinado a ofertar esse nível de ensino.
Caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, e como metodologia utilizou-se um roteiro de
entrevistas semi estruturadas. Para análise dos dados coletados, utilizou-se a análise de
conteúdo. Também foi estudada a legislação educacional sobre o tema.
Embasando-se nos dados coletados, foi possível compreender que os sujeitos que
participaram do curso buscavam uma formação profissional e surpreenderam-se ao se
depararem com o curso que lhes foi oferecido, percebendo uma diferença entre o que tinham
idealizado e o que encontraram.
Constata-se que apesar de já possuírem o ensino médio, os alunos possuem um perfil
muito fronteiriço com o dos alunos da EJA, e que esses sujeitos têm projetos após concluírem
a sua formação, sendo que muitos desses projetos passaram a ser construídos a partir da
formação recebida. Constatou-se que o ingresso e permanência foram o resultado de uma
204
confluência de fatores. Destacam-se, dentre eles, alguns elementos que conduziram os sujeitos
a esse curso, como as trajetórias formativas e profissionais descontínuas traçadas; a falta de
opção formativa no município para quem já concluiu o ensino médio; a baixa qualidade do
ensino médio já cursado pelos estudantes; a imagem do IF como uma instituição de
excelência em educação profissional; o processo seletivo para o ingresso nesse curso, pelo
sistema de sorteio.
Quando os estudantes referiam-se a sua relação com o trabalho, e a grande parte dos
estudantes exerce atividades laborais, ficou evidenciado que essa relação constituiu-se de
forma precária e fragmentada. Outro aspecto significativo e que chamou a atenção foi o de
que os estudantes já tinham realizado outros cursos técnicos, o que me levou a autora a
constatar que estavam preocupados em acumular cursos, bem como adquirir um diploma
escolar em uma instituição socialmente valorizada, como o IF.
Quanto a sua relação com a escola, os relatos revelam que mantinham um precário
relacionamento com a escola anterior que conheciam. A esse respeito, foi constatado, em seus
dizeres sobre as suas experiências escolares, que essa relação era muito descontínua e muito
similares à do aluno da EJA. Os estudantes atribuem muito da qualidade do curso que
realizaram aos seus professores, por serem muito qualificados e acessíveis.

LEITE, José Fernandes De Araújo. A Educação de Jovens e Adultos no Curso Técnico


Proeja de Nível Médio no Colégio Agrícola Vidal de Negreiros. 2009. João Pessoa.
Universidade Federal da Paraíba. Centro de Educação. Programa de Pós-Graduação em
Educação. Mestrado em Educação.

Para desenvolver o presente estudo inicialmente foi consultada uma bibliografia,


extraindo-se ideias de renomados autores, a partir das quais foi construído um marco teórico
buscando compreender aspectos variados a respeito do tema da pesquisa, cujo objetivo geral
consiste em compreender as especificidades da ação dos professores que
Ministram aulas a jovens e adultos do PROEJA, e como objetivos específicos descrever como
ocorreu a evolução histórica do Colégio Agrícola “Vidal de Negreiros” e refletir sobre a ação
didático-pedagógica dos professores que ensinam no referido curso. No seu aspecto
metodológico, buscando captar quais as dificuldades que estes professores entrevistados
enfrentam no cotidiano de suas aulas, adotou-se uma pesquisa de cunho qualiquantitativo nas
quais buscou-se conhecer através de um questionário com perguntas mescladas aplicado aos
professores, cuja coleta de dados promoveu ao pesquisador conhecer como ocorrem as

205
práticas dos professores no desenvolvimento do trabalho pedagógico dos mesmos junto aos
alunos da EJA no ensino médio profissional, e também visando contribuir com uma avaliação
e reflexão sobre a Educação de Jovens e Adultos e a profissionalização. Portanto, esta
dissertação, busca revelar à identificação da ação dos professores, configurando assim, o
critério metodológico utilizado na pesquisa.
Foi percebido pelo posicionamento dos professores frente às respostas dadas ao
questionário que não são todos que estão buscando conviver e aprender com essa nova
modalidade de ensino (EJA), mas tem um número representativo entre os entrevistados que
estão avançando como educadores e atuando junto ao aluno que está na mesma instituição,
matriculado em um dos cursos técnicos – de onde espera se profissionalizar – tal curso assim
como o aluno apresentam especificidades diversificadas e isto, no mínimo, representa um
novo desafio pedagógico e profissional para estes professores.
A pesquisa também revelou que o ensino de EJA no CAVN consta de uma equipe de
professores que conforme demonstrou a análise dos dados coletados, apesar de possuírem
uma formação acadêmica que necessita de ser atualizada, principalmente pela escola que
serviu de campo de pesquisa para essa modalidade de ensino, mesmo assim, buscam, dentro
de suas limitações, conhecerem de perto as principais dificuldades dos seus educandos,
procurando ensiná-los, através de uma construção educativa que se completa por meio dos
conhecimentos que o aluno traz previamente consigo, claro, de acordo com o que revelaram
os dados.
Na visão do autor, a análise dos dados coletados evidenciou ainda que ensinar adultos
exige dos professores o domínio de novos saberes docentes ou saberes profissionais, apoiados
por saberes práticos adquiridos pela experiência acumulada através da prática pessoal e
coletiva, tratando-se de simples aprendizagens cotidianas, que não são de uso exclusivo de
professores, e sim, um conjunto de saberes práticos acompanhados de um esquema estratégico
que pode ajudar o professor na capacidade da organização pedagógica. Para o autor, tais
conhecimentos são em grande parte adquiridos no período de formação inicial dos docentes.

COSTA, Rita de Cássia Dias. O PROEJA para além da retórica:Um estudo de caso
sobre a trajetória da implantação do programa no Campus Charqueadas. 2009. Porto
Alegre. Universidade Federal do Rio Grande Do Sul. Faculdade de Educação. Programa de
Pós-Graduação em Educação.

A temática desta investigação é o Programa Nacional de Integração da Educação

206
Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos
(PROEJA), uma política pública federal que propõe a articulação da Educação Profissional
com a Educação de Jovens e Adultos. Através do estudo de caso sobre a trajetória de
implantação do programa, no Campus Charqueadas, do Instituto Federal Sul-Rio-Grandense,
a pesquisa propõe-se a analisar o contexto da prática. Para tanto se baseia nos trabalhos de
Ball, Bowe e Mainardes, utilizando conceitos da abordagem de ciclo de políticas e questões
propostas para analisar o referido contexto da política pública. Para a análise, foram utilizadas
três dimensões: as trajetórias profissionais (vínculos com Educação Profissional e Educação
de Jovens e Adultos); o encontro com a política; o (re) desenho da política. Ao dar vez às
vozes dos atores responsáveis pela implementação, a pesquisa busca mostrar o significativo
papel do sujeito nas políticas públicas e o quanto estas estão sujeitas a sofrer mudanças em
seu desenho original quando efetivadas.
A autora relata que ao longo do estudo, buscou mostrar como os atores da implantação
da política a vão redesenhando a partir de suas vivências anteriores, mas foi surpreendida com
a constatação de que a prática durante o processo de implantação também provoca mudanças
no programa e que em certas situações essas mudanças fazem com que a política se aproxime
do desenho previsto pelos formuladores mesmo que estes não produzam estratégias eficazes
de condução do desenho original.
Com base nas experiências com o PROEJA, a instituição pesquisada passou a
questionar a forma como o ensino técnico noturno é oferecido ao adulto trabalhador. Tal
questionamento não apenas mudou as práticas dentro das salas de aula como levou a
constituição de uma nova trajetória para a oferta de ensino noturno no Campus.
Os relatos trazidos pela autora a fizeram perceber a aceitação por parte dos
implementadores que mesmo o programa apresentando dificuldades na sua implantação e
acarretando a realização de mudanças, que impliquem abrir mão de alguns pressupostos, ele
se faz necessário como forma de oferecer aos jovens e adultos a possibilidade de ter uma
educação de qualidade, um preparo real para o mundo do trabalho e principalmente de ter
escolhas para o futuro.

GOTARDO, Renata Cristina Da Costa. A Formação Profissional no Ensino Médio


Integrado: Discussões Acerca do Conhecimento. 2009. Cascável. Universidade Estadual do
Oeste Do Paraná – Unioeste. Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Nível
de Mestrado/PPGE.

207
O estudo tem como objeto a análise do conceito de conhecimento presente nas
políticas educacionais de formação escolar da classe trabalhadora, especificamente aquele
pretendido pelas políticas de integração curricular, que se intenciona veicular no Ensino
Médio Integrado e no Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a
Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). Os objetivos
propostos no desenvolvimento da pesquisa são: 1) analisar o conceito de conhecimento
presente nas políticas educacionais voltadas para o Ensino Médio Integrado e PROEJA, tal
como expressas na legislação inerente a tais políticas; 2) analisar a articulação entre as
políticas educacionais voltadas para o Ensino Médio Integrado e PROEJA e o processo de
reestruturação do trabalho; 3) analisar a coerência entre as políticas propostas pelo governo
federal para o Ensino Médio Integrado e PROEJA, e sua implementação como política
pública no estado do Paraná. A investigação foi desenvolvida por meio de análise documental
de fontes primárias e secundárias e coleta de dados. Como fontes primárias, foi utilizado a
legislação que regulamenta a oferta do Ensino Médio Integrado e PROEJA em nível nacional;
documentos emanados pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED:
―Educação Profissional no Paraná: Fundamentos Políticos e Pedagógicos‖ e ―Educação
Profissional Integrada à Educação de Jovens e Adultos – Versão Preliminar‖. Os dados
coletados foram obtidos a partir do desenvolvimento do Projeto de Pesquisa ―Demandas e
Potencialidades do PROEJA no Estado do Paraná‖, financiado pela CAPES, do qual o autor
era bolsista. Quanto às fontes secundárias, utilizou-se a bibliografia relacionada ao tema,
particularmente aquelas referentes ao período da reforma do Ensino Médio e da Educação
Profissional (1997-2004), à reestruturação do trabalho e à concepção de conhecimento numa
perspectiva materialista histórica.
Trata-se de um estudo teórico, no qual a autora chega as seguintes conclusões:
No interior da sociedade capitalista, há diferenças nas formas, nos fins e nos conteúdos
educacionais veiculados, de acordo com os diferentes modos de acumulação vigentes. As
contradições inerentes à sociedade capitalista, geradas pelo embate entre
capital e trabalho, estão presentes na educação, portanto, embora a educação de massas seja
uma criação do capitalismo, ela oferece elementos que contribuem para que a classe
trabalhadora compreenda a realidade.
Educar para o trabalho, para o capitalismo, é educar para trabalhar com competência
na operação dos instrumentos de trabalho. Do ponto de vista do trabalhador, a aquisição de

208
conhecimentos que levem a uma atuação laboral eficiente é uma necessidade, visto que ele
necessita do trabalho assalariado para sobreviver. Para a autora, no entanto, ao considerarmos
a necessidade de revolucionar a estrutura social
Vigente, esta educação não basta. Para ela, sob a perspectiva da revolução social, faz-se
necessária, portanto, uma educação mais atrelada aos interesses dessa classe e a integração
curricular, na educação profissional, tem sido apontada como a possibilidade de acesso a
conhecimentos não tão diretamente ditados pelo capital.
Em relação à dualidade presente no sistema educacional brasileiro, na rede
pública de educação, a autora poderá que há elementos que, não têm sido suficientemente
elucidados. Isso assim lhes parece porque, quando se menciona o modelo de homem que se
pretende formar, é comum afirmar-se que há uma educação para aqueles que irão comandar
(supostamente as elites) e outra para aqueles que irão trabalhar (supostamente os
trabalhadores). No seu entendimento, o modelo educacional para o ensino médio, por um
longo período, esteve amparado no ensino de cultura geral, de formação das elites, porém, a
autora procura demonstrar que, a classe trabalhadora, ao cursar esse nível de ensino podia,
quando muito, cursar a universidade e ter melhores salários. Não conseguia tornar-se ―elite,
nem mudar de classe.
Na concepção da autora, o fato de os trabalhadores frequentarem cursos com caráter
mais ou menos profissionalizante não os fará pertencer à classe dirigente. Em alguns casos, a
formação para o trabalho pode ser postergada para o ensino superior para aqueles
trabalhadores que possuem condições financeiras um pouco melhores, mas a sua condição de
existência será a de trabalhar. De acordo com ela, as elites, frequentam escolas geridas sob os
seus princípios, financiadas com altas mensalidades, e estas escolas, sim, formam os
―dirigentes da nação. Conclui então que a condição de classe não é dada pelo currículo da
escola, pois a escola pública de nível médio, em geral, é para a classe trabalhadora. Diante
dessa constatação, compreende que o trabalho como princípio educativo, a omnilateralidade,
são princípios que necessitam ser perseguidos para toda a educação básica ofertada aos
trabalhadores, e não apenas àqueles que conseguem chegar ao ensino médio.
Ao analisar a implantação do ensino médio integrado no Estado do Paraná, afirma que
“Os princípios adotados pela Secretaria de Estado da Educação apontam na direção de uma
formação que supere a fragmentação teoria/prática, trabalho manual/trabalho intelectual,
porém pretendem-se desenvolver competências, as quais, como indicamos, se pautam no
desenvolvimento de habilidades meramente tácitas.”

209
Para a autora essas contradições no documento refletem as contradições
capital/trabalho, no entanto, como ―utopia a ser construída, avaliando que a implantação do
currículo integrado no Estado do Paraná oferece elementos que podem contribuir para uma
formação que possibilite maiores elementos de análise à classe trabalhadora e que muitos
desafios merecem ser enfrentados para que se possa ao menos promover a
interdisciplinaridade, um dos caminhos possíveis para a integração curricular.

b) Conclusões.

Os trabalhos analisados se caracterizam majoritariamente por pesquisas qualitativas


pautadas em estudos de casos (5) nas quais se utilizaram predominantemente entrevistas
semiestruturadas (4) e questionários (2). Apenas a dissertação de Gotardo, de caráter teórico,
baseou-se exclusivamente na pesquisa documental. A preocupação central de quatro (4) dos
seis (6) trabalhos foi entender de que a forma a proposta de ensino médio integrado que
orienta o Proeja tem sido apropriada pelas instituições e pelos professores e como ela se
expressa, na prática docente e na organização dos cursos. Os outros dois trabalhos embora não
tenha este foco central também permitem compreender de que forma o princípio da integração
é explicitado nos documentos oficiais (Gotardo, 2009) e qual a percepção dos alunos quando
confrontados com uma organização curricular menos estandartizada. Os trabalhos tiveram
como principal instrumental teórico os textos de autores clássicos que discutem o ensino
médio (Ciavatta, Frigotto e Ramos) e o documento base do PROEJA, além de outras análises
de autores da área trabalho e educação.
Das análises empreendidas ficou evidente a constatação de que o princípio da
integração curricular não tem sido compreendido em sua essência nem por gestores nem por
professores em geral. Entretanto, apesar de ter sido apontado, como uma das razões, o pouco
de engajamento de parte dos professores (Leite, 2009), o fator determinante para não
consolidação do princípio da integração parecer ser a falta de clareza da base conceitual na
qual ele se apóia. Nesse sentido, Nascimento (2009), destaca que embora os professores
conheçam o discurso presente no documento base continuam reproduzindo práticas
“bancárias” enquanto Gotardo (2009) questiona a orientação da Secretaria Estadual de
Educação do Paraná que incorporou ao ensino médio integrado objetivos de formação por
competências. Já a crítica realizada por Rodrigues (2009) aponta para a predominância do
termo “articulação” nos documentos bases e nos decretos, em detrimento de “integração”

210
como uma das possíveis razões para a confusão conceitual em torno do que seria o ensino
médio integrado.
Apesar dos equívocos de interpretação e das contradições presentes nos discursos e
nas práticas, os trabalhos analisados também demonstraram que, pelo simples fato de terem
que se confrontar com uma nova forma de conceber o currículo, os professores se viram em
uma situação desafiadora e colocaram em condição de rever e repensar suas práticas a partir
de um novo paradigma. Nesse processo, alguns se mostraram resistentes e outros bastante
entusiasmados demonstrando inclusive já possuírem alguns elementos da crítica que
precisavam ser organicamente pensados. O desafio maior que deixa entrever os trabalhos
analisados é o de uma formação de professores que consiga de um lado, “quebrar” as
resistências de parte do professorado e por outro lado, dar maior clareza conceitual e
instrumental para aqueles que buscam na perspectiva da integração dar respostas as suas
inquietações e organicidade e coerência a sua prática docente. Portanto, é de suma
importância que não percamos a oportunidade que representa o PROEJA em termos de
disseminação da visão de uma educação integrada, mas também é pertinente como ressaltou
Gotardo (2009) que o trabalho como princípio educativo e os pressupostos da integração
sejam buscados em toda a educação básica.

O Programa de Integração da Educação Básica com a Educação Profissional de Jovens


e Adultos – PROEJA, instituído pelo Decreto 5.840 de 2006, visa atender jovens e adultos
que não tenham concluído o ensino fundamental ou médio, e, desejem fazê-lo (s) de modo
concomitante a educação profissional técnica (BRASIL, 2006). No caso do PROEJA de nível
médio, as vagas são destinadas a jovens e adultos que tenham concluído o Ensino
Fundamental.
Apontando a necessidade de universalização do direito à educação para àqueles que
não tiveram acesso a escola ou tiveram seu percurso escolar interrompido, o Documento Base
do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – Educação Profissional Técnica de Nível
Médio / Ensino Médio propõe ações que contemplem a elevação da escolaridade com
profissionalização contribuindo para a integração sócio laboral (BRASIL, 2007, p.12).
O PROEJA traz em sua proposta curricular o princípio da integração entre a educação
básica e a educação profissional, surge, portanto, num novo contexto de luta pela superação
da histórica dicotomia entre formação profissional e educação geral e que, com a revogação

211
do Decreto 2.208/1997 (que havia separado radicalmente o ensino técnico da formação geral e
básica), ampliou o debate e acirrou o campo de disputa pela concepção de ensino médio.
Nesse embate, o que se tem verificando é a intenção de que seja mantida a orientação
político-pedagógica prescrita pelo já revogado Decreto 2.208/97. Assim, no Parecer nº
39/2004 fica nítido que não há nenhuma concepção de educação integrada no âmbito do
Conselho Nacional de Educação, e que a despeito da instituição do Decreto 5.154/2004, não
houve qualquer reformulação no sentido de adequar as Diretrizes Curriculares do Ensino
Médio à nova realidade representada pelo decreto.
No caso específico do PROEJA, a leitura do Documento Base enfatiza a perspectiva
de superação da dualidade educacional e da formação integral da pessoa humana:
[...] o que realmente se pretende é a formação humana, no seu sentido lato, com
acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos
historicamente pela humanidade, integrada a uma formação profissional que permita
compreender o mundo, compreender-se no mundo e nele atuar na busca de melhoria das
próprias condições de vida e da construção de uma sociedade socialmente justa (BRASIL,
2007, p.10).

Entretanto, embora recuse a forma subseqüente admite-se nos casos em que “a


realidade assim o exigir, a articulação entre o ensino médio e a educação profissional técnica
de nível médio na forma concomitante” (BRASIL, 2006, p. 39).
Assim, embora PROEJA, acene com a possibilidade da educação integrada, não
assume em sua plenitude os pressupostos necessários a sua efetivação, mantendo com
concomitância (interna e externa) ambas herdeiras do decreto 2.208/1997, a fragmentação
interna no currículo, a mesma que promove:

(...) uma dicotomia entre as concepções educacionais de uma formação para a


cidadania e outra para o mundo do trabalho, ou de um tipo de formação para o trabalho
intelectual e de outro tipo para o trabalho técnico e profissional. (Frigotto, 2005, p. 1095).

Como resposta às críticas, o governo optou por realizar alguns ajustes no programa
ainda em 2006, abolindo as saídas intermediárias, estabelecendo cargas horárias mínimas, em
substituição às cargas horárias máximas anteriormente estabelecidas, e ampliando a
possibilidade de articulação entre formação geral e profissional em outras instituições para
além do âmbito federal;
A novidade agora, é que a rede de instituições federais de educação profissional
passaram a oferecer matrículas em EJA, conferindo o status de direito, e, ‘emprestando’ seu
prestígio e potencial a política do governo a estas modalidades que há anos são marcadas pela

212
dispersão e pela oferta em instituições empresariais e do chamado Terceiro Setor, expressando
a preocupação de uma política pública perene inserida “em um projeto nacional de
desenvolvimento soberano, frente aos desafios de inclusão social e da globalização
econômica” (BRASIL, 2007, p.14).
Ainda assim, encontramos de forma recorrente, nos artigos, teses e dissertações a que
tivemos acesso, muitas críticas a forma como a proposta curricular do PROEJA tem sido
apropriada pelos CEFETS e por outras instituições, tradicionalmente caracterizadas pela
excelência no ensino de nível médio apontando para uma resistência à proposta. Por outro
lado, percebemos, assim como Assis e Castro que entre os professores há basicamente três
posicionamentos:

a) de rejeição, por parte de alguns – ao considerarem-no um programa proposto de


cima para baixo, sem a participação e escuta da comunidade. Nas áreas técnicas, a
preocupação de alguns professores é a de receber os alunos sem base para acompanhar o
ciclo profissional, o que reforça a idéia de que esses professores manifestam preconceito em
relação aos alunos da EJA, vistos a partir desta visão, como sujeitos que portam um saber
inferior; b) de aceitação, quando nos deparamos com professores que, tendo trabalhado
muitos anos com o ensino médio, reconhecem hoje o sentido do seu trabalho no PROEJA,
através da atuação com alunos “que realmente precisam”. Isto remete o grupo a pensar o
lugar de onde fala o sujeito professor da EJA; c) de comprometimento, assim expresso:
“Compromisso social e político, ideologia, cobramos de nós aqui, mas não vemos isto em
relação à direção. Parece que vocês não se interessam pela causa”. (Oliveira e Cezarino,
2008, p.9)

Entendemos que o para este último grupo, o sentimento de engajamento social, mais
do que a compreensão da proposta curricular, os fazem tomar uma atitude de
comprometimento com os princípios da integração curricular. A proposta é vista numa
perspectiva de resgate de pessoas fora do mercado através de um ensino inovador, mas o
currículo integrado é visto como contextualização, pois sua execução é considerada de difícil
aplicação pela amplitude e dimensões que abarcam. Entre os professores que rejeitam a
proposta a maioria aponta a imposição da proposta sem a participação dos professores na
discussão como principal motivo para rejeitá-la. Entretanto, podemos considerar que também
nesse caso, há dificuldades de compreensão e aceitação dos princípios do currículo integrado,
que podem estar relacionadas com a perspectiva propedêutica com que os professores estão
acostumados. Obviamente, não podemos subestimar o papel ativo dos professores nesse
processo. Suas vivências e crenças têm papel importante na ressignificação da proposta,

213
produzindo múltiplas interpretações, o que terá impactos tanto na prática pedagógica quanto
nas reformulações do programa.
Nesse sentido, a formação continuada dos professores para atuarem no PROEJA deve
se constituir como um dos principais eixos do programa, pois sabemos que nos cursos de
licenciatura e pedagogia, a discussão em torno da EJA e do currículo integrado, não tem sido
privilegiada, estando ausente uma perspectiva de formação de profissionais para atuarem
nesse campo e na produção de conhecimentos.
Com vistas ao enfrentamento deste desafio foi instituído pelo MEC, ainda em 2006, o
Programa de Capacitação de Profissionais do Ensino Público para atuar na Educação
Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de EJA
(Brasil. MEC, 2006). Tal medida se justifica pela natureza interdisciplinar e integradora da
proposta e pela necessidade de:
[..] Investigar se, e em que medida, as concepções ali enunciadas estão sendo
implementadas e, se de fato, se constituem como estratégicas coerentes, necessárias e
suficientes para que estes profissionais possam atuar com vistas à consecução dos objetivos
de facilitar o ingresso, continuidade e conclusão dos cursos pelos jovens e adultos que
constituem o público-alvo do PROEJA, propiciando-lhes uma formação integral tendo como
eixos norteadores o trabalho, a cultura, a ciência e a tecnologia. (Lima Filhho, 2010, p. 116)

Acreditamos que reside na formação de professores um importante instrumento para


efetivação da proposta integradora do PROEJA, ou seja, romper pelo menos em termos de
concepção de ensino médio com uma perspectiva dual que cinde a formação básica da
formação profissional. Mais do que isso, se constitui como um espaço de ampliação do debate
em torno de uma proposta de educação unitária e politécnica como referência para a educação
básica:

[...] o horizonte que se almeja aponta para a perenidade da ação proposta, ou seja,
para sua consolidação para além de um programa, sua institucionalização como uma
política pública de integração da educação profissional com a educação básica na
modalidade de educação de jovens e adultos. (BRASIL, 2007, p.13).

Sabemos que a consolidação dessa proposta não depende única e exclusivamente da


adesão dos professores, pois estão implicados aí necessariamente, outras mediações de ordem
política e estrutural, mas queremos ressaltar que, malgrado as lacunas e os limites do
programa apontados anteriormente, por sua abrangência e aporte de recursos humanos e
financeiros trata-se de um oportunidade única de formação de novos quadros de professores

214
comprometidos com a perspectiva anunciada e instrumentalizados teórica e tecnicamente para
promover o ensino com uma base unitária e integrada.

2.3.5 - Programa Nacional De Inclusão De Jovens (PROJOVEM)132

O Programa Nacional de Inclusão de Jovens – ProJovem foi criado a partir da medida


provisória 238 de 1º de fevereiro de 2005 e destinasse a executar ações integradas que
propiciem aos jovens brasileiros, de 18 a 24 anos que não tenham concluído a oitava série do
ensino fundamental, elevação do grau de escolaridade, visando a conclusão do ensino
fundamental, qualificação profissional voltada a estimular a inserção produtiva cidadã e o
desenvolvimento de ações comunitárias.
Frigotto, Ciavatta, Ramos (2005) denominaram este programa como uma política
compensatória. Segundo estes autores a finalidade do ProJovem é:

proporcionar formação ao jovem, por meio de uma associação entre a elevação da


escolaridade, tendo em vista a conclusão do ensino fundamental, a qualificação com
certificação de formação inicial e o desenvolvimento de ações comunitárias de interesse
público. Argumenta-se que o Programa pretende contribuir especificamente para a re-
inserção do jovem na escola; a identificação de oportunidades de trabalho e capacitação dos
jovens para o mundo do trabalho; a identificação, elaboração de planos e o desenvolvimento
de experiências de ações comunitárias; a inclusão digital como instrumento de inserção
produtiva e de comunicação. Um projeto político-pedagógico com diretrizes e orientações
proporciona aos jovens um curso de 5 horas diárias, por um período de 12 meses, totalizando
1.600 horas. (idem, ibid, p. 1102).

A União fica autorizada a conceder aos beneficiários do ProJovem um auxílio


financeiro de R$ 100,00 (cem reais) mensais por jovem, por um período máximo de doze
meses ininterruptos, enquanto matriculado no curso previsto, sendo vedada a cumulatividade
da percepção do auxílio financeiro com benefícios de natureza semelhante recebidos em
decorrência de outros programas federais.
A mesma medida provisória criou o Conselho Nacional de Juventude - CNJ, com a
finalidade de formular e propor diretrizes da ação governamental voltadas à promoção de

132
. Texto elaborado pela mestranda Laura Nazaré de Carvalho, Mestranda PPGE/UFF e por Jonas
Emanuel Pinto Magalhães, Bolsista de Apoio Técnico – PPFH/UERJ

215
políticas públicas para a juventude e fomentar estudos e pesquisas acerca da realidade sócio-
econômica juvenil.

A medida provisória foi convertida na lei nº 11.129, de 30 de junho de 2005. O


Programa, a partir de 1 de janeiro de 2008, passou a ser regido pelo disposto na Lei. nº 11.692
que alterou o conteúdo da primeira lei em vários aspectos. Dentre as alterações, o ProJovem
passou a ser destinado a jovens de 15 (quinze) a 29 (vinte e nove) anos e desenvolvido por
meio das modalidades elencadas nos incisos de I a IV, sendo estas: ProJovem Adolescente-
Serviço Socioeducativo; ProJovem Urbano; ProJovem Campo-Saberes da Terra; e ProJovem
Trabalhador.
O Projovem Adolescente - Serviço Socioeducativo, tem como objetivos:
complementar a proteção social básica à família, criando mecanismos para garantir a
convivência familiar e comunitária; e criar condições para a inserção, reinserção e
permanência do jovem no sistema educacional. Destina-se aos jovens de 15 (quinze) a 17
(dezessete) anos: pertencentes a família beneficiária do Programa Bolsa Família - PBF;
egressos de medida socioeducativa de internação ou em cumprimento de outras medidas
socioeducativas em meio aberto; em cumprimento ou egressos de medida de proteção;
egressos do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI; ou egressos ou vinculados
a programas de combate ao abuso e à exploração sexual.

O Projovem Urbano tem como objetivo elevar a escolaridade visando à conclusão do


ensino fundamental, à qualificação profissional e ao desenvolvimento de ações comunitárias
com exercício da cidadania, na forma de curso. Atenderá a jovens com idade entre 18
(dezoito) e 29 (vinte e nove) anos, que saibam ler e escrever e não tenham concluído o ensino
fundamental.

O Projovem Campo - Saberes da Terra tem como objetivo elevar a escolaridade dos
jovens da agricultura familiar, integrando a qualificação social e formação profissional,
estimulando a conclusão do ensino fundamental e proporcionando a formação integral do
jovem, na modalidade educação de jovens e adultos, em regime de alternância, nos termos do
regulamento. Atenderá a jovens com idade entre 18 (dezoito) e 29 (vinte e nove) anos,
residentes no campo, que saibam ler e escrever, que não tenham concluído o ensino
fundamental.

216
O Projovem Trabalhador tem como objetivo preparar o jovem para o mercado de
trabalho e ocupações alternativas geradoras de renda, por meio da qualificação social e
profissional e do estímulo à sua inserção. Atenderá a jovens com idade entre 18 (dezoito) e 29
(vinte e nove) anos, em situação de desemprego e que sejam membros de famílias com renda
mensal per capita de até 1 (um) salário-mínimo, nos termos do regulamento.

Tais mudanças possibilitariam uma melhor adequação dos programas às várias


situações relacionadas às condições de trabalho e de formação dos jovens. Segundo Frigotto
et al (2005) para a proposição de políticas públicas para a juventude é preciso pensar na
delimitação do universo de jovens, as diferentes particularidades que podem ser encontradas,
como a quantidade de jovens que trabalham com a família em minifúndios ou como
arrendatários ou assalariados do campo, ou outros que, ainda, vivam em acampamentos e
assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Todos esses jovens,
mesmo com suas especificidades, tendem a sofrer um processo de amadurecimento precoce,
que os levam a buscar inserção no mercado formal ou “informal” de trabalho mais cedo. Essa
necessidade leva à imprescindibilidade de políticas públicas que enfrentem o plano
conjuntural e emergencial, atentando para a particularidade e a diversidade dos grupos de
jovens inseridos precocemente no mundo do trabalho. Ao mesmo tempo, as políticas devem
encaminhar mudanças ou reformas estruturais no sentido da superação da desigualdade social
e da universalização efetiva da educação básica (fundamental e média).
Cabe ressaltar como questão de fundo que tem sido recorrentemente apontada nos
documentos de avaliação dos programas: deve-se retardar a entrada dos adolescentes e jovens
no mercado de trabalho – e com isso dar prioridade à sua sociabilidade, educação e formação
profissional, reservando ainda os escassos empregos para os adultos – ou facilitar a inserção
profissional de adolescentes de baixa renda a partir dos 16 anos, propiciando-lhes condições
de gerar renda para suas famílias e para sua permanência na escola? Este pode ser encarado
como um pressuposto à formulação de políticas públicas de inserção dos jovens no mercado
de trabalho, devendo, portanto, envolver amplo debate social
Para pensarmos nestas e em outras questões, cabe analisar, a luz de pesquisas
(dissertações) concluídas, o alcance e a natureza das políticas públicas para a juventude do
governo Lula.

a) Dissertações e Teses sobre o Projovem

217
Apesar de o programa ProJovem ter sido modificado pela lei de 2008 as pesquisas por
hora analisadas estudam os reflexos da primeira lei (de 2005).
Na dissertação de PEREIRA (2007), da PUC-Rio, é analisada as percepções de jovens
do Rio de Janeiro sobre sua participação no ProJovem ; PIRES (2007) estuda o ProJovem em
fortaleza; MOREIRA (2008) analisa o ProJovem e a educação básica de jovens e adultos na
região metropolitana de São Paulo entre 2005 e 2007; MACHADO (2009) analisa a ação
comunitária do ProJovem como um instrumento para promover a participação do Jovem na
Bahia; e FRIEDRICH (2009) realiza uma análise do ProJovem em Goiânia.

a) PEREIRA, Luciléia. Juventude, Participação e Direitos. Um olhar para as percepções


de jovens do Rio de Janeiro sobre sua participação no ProJovem (Programa Nacional de
Inclusão de Jovens: Educação Qualificação e Ação Comunitária). Dissertação (Mestrado).
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social do Departamento de Serviço Social do Centro
de Ciências Sociais da PUC-Rio. 2007.

A dissertação de Pereira (2007) aborda as percepções de jovens do Rio de Janeiro


sobre sua participação no ProJovem . O estudo foi realizado em seis estações da juventude na
cidade do Rio de Janeiro onde o programa foi implantado. A metodologia aplicada na
pesquisa foi o estudo etnográfico com 12 jovens e a visão dos coordenadores pedagógicos do
projeto. A escolha da metodologia da pesquisa foi pensada de forma que compreendesse a
abrangência do universo dos fenômenos sociais e assim foi escolhida a análise qualitativa com
enfoque descritivo.
Segundo a autora a análise das percepções dos jovens sobre sua participação na
formulação das políticas sociais e nos processos de promoção juvenil é fundamental para o
aprofundamento das questões de cidadania para adolescentes, pois as percepções dos jovens
sobre sua participação podem oferecer subsídios para a reflexão sobre a possibilidade dos
programas sociais poderem ou não agregar valores as suas vidas.
A educação, vista como uma alternativa de ampliação de oportunidades, ainda estaria
longe de favorecer a todos, segundo a pesquisadora. Ela apresentou os dados da PNAD, onde
metade dos jovens brasileiros, 17 milhões, não estudavam. Dos que estudavam 43,2%
possuíam até o ensino fundamental completo, 43,5% estariam cursando ou completaram o
ensino médio e apenas 13,3% conseguiram alcançar o ensino superior. Para a autora, são
jovens que trazem a marca da desigualdade social do país. As conseqüências da falta de
investimento em políticas públicas que visem à inclusão social desses jovens levaram a

218
sociedade a reconhecê-los não como sujeitos de direitos e protagonistas do futuro, mas como
uma população de risco que precisa ser contida.
A autora afirma que talvez como uma resposta a esta demanda, o governo brasileiro
lançou a Política Nacional de Juventude (PNJ) que tem início com a criação da Secretaria
Nacional de Juventude (SNJ), o Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE) e o Programa
Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária (ProJovem),
passando a vigorar com a Lei de Nº. 11.129 em 30 de junho de 2005.
O ProJovem reúne, segundo a autora, em sua formulação, as expectativas de muitos
jovens em situação de vulnerabilidade social, então restaria saber, através do olhar do próprio
jovem que participava do programa, se esta participação contemplaria suas expectativas e
sonhos.
Para alcançar os objetivos da pesquisa a pesquisadora buscou referenciais teóricos
ligados às temáticas da juventude e direitos. Consultou alguns autores internacionais,
principalmente, da sociologia, psicologia e da filosofia como a filósofa Hannah Arendt.
A autora afirma que para o governo, o ProJovem representaria muito mais do que um
curso supletivo. A expectativa era de que o programa ampliasse aos jovens oportunidades de
inclusão social através dos estudos e do trabalho e para isto deveriam ser oferecidas atividades
de arte e cultura, fundamentos de língua estrangeira e de informática. Ao final de um ano, o
certificado de participação no programa, além de permitir a entrada do jovem no ensino
médio, deveria facilitar sua entrada no mercado de trabalho ou sua atuação por
empreendimento próprio em sistema de cooperativa ou economia solidária.
Apesar de o governo garantir que não visa à distribuição de renda com o programa e
sim a inclusão para a cidadania, o maior incentivo para que o jovem ingresse no ProJovem,
segundo Pereira, seja o valor de cem reais mensais oferecidos na forma de bolsa. Ela faz esta
afirmação com base em dados do IBGE sobre a questão da precariedade de renda. Segundo os
dados apurados pelo Censo de 2000, 68,7% dos jovens brasileiros vivia em famílias que
tinham uma renda per capita menor do que um salário mínimo (dentre esses encontramos
12,2% (4,2 milhões) em famílias com renda per capita de até ¼ do salário mínimo). Apenas
41,3% (14,1milhões) vivia em famílias com renda per capita acima de um salário mínimo.
De acordo com Pereira (2007), o Rio de Janeiro recebeu trinta e duas mil inscrições na
primeira seleção para o ProJovem, em 2005. Segundo o relatório da coordenação do programa
no Rio, somente dez mil alunos conseguiram efetivar a matrícula.

219
O ProJovem no Rio era gerido pela Secretaria Municipal de Assistência Social
(SMAS), Secretaria de Municipal de Educação (SME), Secretaria Municipal de Esporte e
Lazer (SMEL), Secretaria Municipal de Cultura (SMC) e pela Secretaria Municipal de
Governo (SMG). Os membros que compõem a Coordenação Municipal estão
institucionalmente ligados a SMAS que é o órgão que vem assumindo a execução do
Programa.
A pesquisa foi realizada entre agosto e outubro de 2006. As categorias de análise para
o trabalho de campo objetivaram: a) conhecer as percepções dos jovens sobre o ProJovem ; b)
o perfil do jovem participante; c) identificar os motivos e expectativas que os levaram a entrar
no Programa; d) ouvir o que pensam da juventude brasileira; d) ouvir como os jovens avaliam
a sua participação.
Os procedimentos metodológicos utilizados no processo de coleta de dados
compreenderam: anotações em diário das vivências e percepções do campo e entrevista
individual semi-estruturada.
Além dos instrumentos utilizados para registro, a pesquisa contou com levantamento e
leitura de material bibliográfico sobre o tema, leitura de relatório do ProJovem fornecido pela
coordenação do Rio de Janeiro, leitura de material pedagógico disponível no site do
programa; levantamento de textos e pesquisas sobre a temática da juventude, levantamento e
consulta de textos e artigos publicados na internet sobre o ProJovem e levantamento de dados
estatísticos sobre a juventude brasileira e carioca.
Foram entrevistados doze (12) jovens e seis (6) coordenadores em seis (6) Estações de
Juventude que compõem o grupo denominado pela Secretaria de Ação Social do Município
do Rio de Janeiro como G1. As estações que compõem o G1 são: Estação Rinaldo Delamari,
localizada no bairro de São Conrado, Estação Talentos da Vez, localizada no bairro de Santo
Cristo, Estação CIAD, localizada no Centro da Cidade, Estação Casa de Manguinhos,
localizada no bairro de Manguinhos, Estação Casa de Realengo localizada no bairro de
Realengo e Estação Helenice Nunes Jacinto, localizada no bairro de Paciência.
A pesquisa de Pereira foi pensada para aprofundar algumas questões que permeiavam
a vida de jovens em situação de vulnerabilidade. A escolha do ProJovem , como campo para a
coleta de dados, se deu pelo fato de ser um programa que vem inaugurar um novo conceito de
política pública para esta população. O ProJovem apresenta, em sua formulação, uma
proposta de inclusão juvenil à cidadania e participação. Além disso, a diversidade geográfica
que o programa alcançou em sua implantação no Rio de Janeiro, permitiu o contato com

220
jovens de comunidades distintas em vários aspectos. Desta forma foi possível a aproximação
com as similitudes e diferenças da juventude carioca.
Ao estudar a realidade social ao qual estão expostos os jovens em situação de
vulnerabilidade, a autora constatou que não lhes restam muitas oportunidades de mudanças
dessa realidade, mas que este é o desejo de muitos deles. Na busca por uma oportunidade, os
projetos sociais oferecidos pelo Estado ou por organizações da sociedade civil (ONGs)
acabam se apresentando como uma alternativa.
Como o objetivo geral desta pesquisa era conhecer as percepções do jovem sobre o
ProJovem , a autora optou pela realização de entrevistas com roteiro semi-estruturado, com
perguntas específicas sobre as demandas que levaram o jovem a se inscrever no programa.
Como as entrevistas não eram fechadas, foram respeitados os assuntos trazidos pelos jovens
mesmo quando estes “fugiam” do roteiro pré-estruturado. Desta forma, o jovem entrevistado
sentiu-se livre para sair de um assunto e entrar em outro sempre que julgasse importante.
A pesquisa buscou compreender se o ProJovem está contribuindo ou não na ampliação
das oportunidades aos jovens e saber de que forma estes novos conceitos atrelados a esta
política estão sendo vividos na prática. De forma mais específica, buscou entender o que
jovem pensa desta ação do governo e que demandas suas ela vem atender.
Foi constatado nas percepções dos jovens e coordenadores do ProJovem que a
elevação da escolaridade não é o grande incentivo para o ingresso no programa a não ser pela
expectativa de conseguir uma melhor colocação no mercado de trabalho. A importância da
ajuda financeira não é negada e se configura como um complemento à sobrevivência tanto
que, se ao jovem aparece uma oportunidade de ganhar mais do que os cem reais que o
programa oferece, ele irá aceitar.
Apesar da imposição da necessidade de sobrevivência, a autora afirma que a
qualificação profissional se apresenta como o maior fator de motivação que leva o jovem a se
inscrever no ProJovem . Se a qualificação desperta no jovem a expectativa de conseguir um
emprego digno, se durante o curso do Programa ele confirmar que essa expectativa pode se
concretizar é provável que ele se mantenha no Programa durante um ano. Mas, para isso é
preciso repensar a forma de execução do programa.
Segundo a pesquisadora, infelizmente, a forma como a qualificação profissional é
oferecida não contempla a multiplicidade de jovens que participam do Programa. Ela sugere
como alternativa para que seja mais bem aproveitado pelos jovens a abertura de espaços para
o diálogo com eles. Estes espaços poderiam ser as Estações da Juventude e os diálogos

221
deveriam acontecer antes do início das aulas. Desta forma seria possível ouvir as necessidades
e sonhos dos jovens para assim decidir que profissões poderiam ser oferecidas ali de acordo
com a solicitação da maioria.
Além disso, para que este conhecimento não se perca, se faz necessário o convênio
com organizações estatais e empresas em que estes jovens possam praticar o conhecimento
adquirido e ingressar no mercado de trabalho, seu maior objetivo.
Os pontos negativos no ProJovem , percebidos pelos jovens, parecem levá-los a
acreditar cada vez menos nas políticas públicas. Esse descrédito nas ações políticas leva a um
distanciamento desta população aos seus direitos à cidadania. Nesse caso, há uma distância
entre a motivação à ação mesmo que haja expectativas de mudanças.
Respeitar e cumprir as bases oferecidas em um Programa é respeitar os direitos dos
jovens. Se os jovens entram no ProJovem com uma motivação e não têm suas expectativas
atendidas pelo não cumprimento do que foi prometido, se as informações são desencontradas,
se ele não é ouvido, está se repetindo o mesmo processo que o levou a afastar-se da escola.
No caso da inserção no ProJovem, podemos pensar que se isto acontecer é provável que este
jovem passe a não buscar mais este tipo de oportunidade ou ainda que passará a não acreditar
nas políticas públicas de promoção de cidadania oferecidas a este segmento.
Segundo Pereira, os jovens entrevistados trouxeram demandas urgentes e específicas.
Nas suas percepções, as políticas públicas deveriam se preocupar com geração de emprego e
renda.
A autora ao final afirma ser importante fazer uma consideração no que diz respeito à
idade em que se é jovem no que diz respeito à elaboração de políticas públicas a este
segmento. Ela entende que alargar a idade a que se destinam as políticas públicas de
juventude não se apresenta como solução ou inclusão de uma parcela da população que não
conquistou seus direitos na infância nem na adolescência e que, como última esperança, vê-se
incluído num contingente jovem que vem conquistando direitos no papel. Para a autora, a
cidadania como conquista dos direitos deve ser pensada e exercida desde o nascimento. Neste
sentido, o foco na prevenção se apresenta ainda como a melhor saída. Investir em educação,
saúde, formação de carreira, desde a infância seria a saída para um futuro incerto como o que
se apresenta hoje à população jovem do Brasil.

FRIEDRICH, Márcia. O Programa Nacional de Inclusão de Jovens - ProJovem :


uma análise entre o proposto e o vivido em Goiânia. Dissertação (Mestrado) – Universidade

222
Federal de Goiás. Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática,
2009.

No trabalho de Friedrich (2009), a pesquisadora faz uma análise do ProJovem em


Goiânia. Sua pesquisa tem como objeto de estudo os egressos (segunda entrada) do ProJovem
de Goiânia. Algumas considerações gerais sobre a história da articulação entre as políticas
públicas e suas propostas pedagógicas para EJA no Brasil são apresentadas e assim, buscou-se
também produzir um registro do passado que possa contribuir para solução dos problemas
atuais. Objetivou-se fazer uma análise crítica entre a proposta oficial do programa e o
“vivido”, ou seja, a realidade destes jovens. A análise dos dados, coletados por meio de
questionários, foi pautada em Vygotsky (2000), que analisa as diferenças entre a palavra
escrita e a falada.

Em termos metodológicos, este trabalho se configura como uma pesquisa participante,


que segundo a autora, possui um enfoque de investigação social por meio do qual se busca a
participação da comunidade na análise de sua própria realidade. A pesquisa ocorreu ao longo
do ano de 2007.

A autora buscou realizar um resgate histórico da educação de jovens e adultos, por


meio do qual pode fazer uma leitura relativa à precariedade da oferta educacional, desde o
século XIX até os dias atuais e apresentando a situação educacional do Brasil com ênfase na
formulação e implementação de políticas públicas dirigidas à EJA.

Para a autora, as iniciativas em EJA, em sua grande maioria, caminham na


marginalidade do processo educativo brasileiro. As questões mais incisivas no tocante a esta
afirmação dizem respeito às propostas de governo criadas de acordo com as necessidades
políticas de cada sistema ideologicamente dominante como é o caso do ProJovem . Os
resultados permitem constatar a contradição e os conflitos vivenciados pelos jovens,
demonstrando a fragilidade de políticas públicas implementadas sem o devido planejamento
de ações necessárias e que vão ao encontro dos reais anseios dos jovens. Por outro lado, a
busca do jovem pela formação visa à imediata inserção no mercado de trabalho impulsionado
pelos modos de produção e consumismo vigentes no sistema capitalista e neoliberal que
estamos inseridos.

As categorias de análise que emergem do discurso do egresso remetem exatamente às


três dimensões do programa. Fato este que parece demonstrar que o objetivo da proposta

223
pedagógica integradora não foi alcançado, uma vez que nestes resultados as categorias se
apresentaram desconexas e desarticuladas da proposta inicial.

Em síntese, segundo a autora, umas das dificuldades de se atrelar o discurso à prática


numa ação de natureza social é que nesta, o outro lado (a prática) é constituída por pessoas,
sujeitos sociais dotados de suas especificidades. Deste modo, a investigação procurou
conhecer estes sujeitos por meio de seu discurso. Os resultados intentam permitir delinear
estratégias que trabalhem para superar dicotomias, possibilitando uma produção coletiva de
conhecimentos em torno das vivências, interesses e necessidades deste grupo que foi situado
histórica e socialmente.

A produção do conhecimento gerado por esta investigação acerca da EJA possibilitou


repensar a prática pedagógica da pesquisadora como professora de matemática da EJA.
Proporcionou também conhecer para além do fenômeno, ou seja, a essência deste: políticas
púbicas fragmentadas para esta modalidade de ensino que são mais uma forma de mascarar a
realidade com iniciativas aligeiradas de escolarização universal. Segundo a autora, soma-se a
este cinismo o viés de educação para o trabalho atrelado a teoria do capital humano. E, a falta
de discussão ou investimento em formação de professores dentro desta perspectiva.

MARCIA GARDÊNIA LUSTOSA PIRES. A educação dos trabalhadores na


sociabilidade do capital: estudo a partir do ProJovem fortaleza. Dissertação (mestrado).
Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira. UNIVERSIDADE FEDERAL DO
CEARÁ. FORTALEZA. 2007

Na dissertação de Pires (2007) são trabalhados,além do projovem, temas como a crise


estrutural do capital, neoliberalismo e educação, a reestruturação produtiva e exigências de
qualificação e a subordinação da educação à lógica do capital.

Segundo Pires, sua pesquisa tem como objetivo analisar no contexto da crise estrutural
do capital e das transformações do mundo do trabalho, o discurso e a efetivação do modelo de
escolarização e de qualificação profissional destinada aos trabalhadores via Política Pública
de Educação. Objetiva ainda investigar a proposta de educação destinada a jovens
trabalhadores a partir da experiência de escolarização e qualificação profissional do Programa
Nacional de Inclusão, Qualificação e Ação Comunitária - ProJovem, identificando como os
trabalhadores compreendem e vivenciam essa experiência que associa escolarização e
qualificação profissional.
224
A investigação realizou-se através de uma pesquisa bibliográfica e documental, aliada
ao estudo empírico junto ao ProJovem, Fortaleza. Com relação à pesquisa de campo esta foi
adotada com o intuito de verificar como essa experiência de educação vem acontecendo. Para
tanto, foram contemplados como sujeitos de investigação desse estudo, os alunos do
Programa e os segmentos profissionais envolvidos no trabalho como: Assistentes Sociais,
Professores de Educação Básica, Professores do eixo da Qualificação Profissional e
coordenação geral.

A pesquisa de campo teve início em novembro de 2005, quando data a implementação


do Programa em nível nacional e local, prosseguindo durante o decorrer do ano de 2006.
Foram realizadas visitas de acompanhamento aos núcleos, para observação das aulas e demais
atividades desenvolvidas. A observação participante, a aplicação de entrevistas semi-
estruturada, junto aos alunos, e a entrevista estruturada com os demais profissionais do
programa foram os instrumentos de pesquisa utilizados. O estudo é fundamentado à luz dos
pensamentos de Marx e de estudiosos como Mészáros (2003), Antunes (2001), Frigotto
(2003), Gentilli (1995), Arrais Neto (2003, 2005, 2006), dentre outros.

A autora realizou uma reflexão acerca da vinculação entre Trabalho e Educação na


sociedade contemporânea, aliada à crítica ao modelo de educação destinado à classe
trabalhadora e às exigências de escolarização impostas a esse segmento para melhor
investigar a educação dos trabalhadores na sociabilidade do capital. Para isso, portanto,
investiu no desvelamento das experiências educativas dos trabalhadores, notadamente no
conhecimento de como ocorre o usufruto do direito à educação para esses sujeitos.

A autora destaca ainda a implementação dos novos procedimentos da gestão de


pessoas e as novas exigências de contratação da força produtiva que utilizam a urgência de
elevação do nível de escolaridade e conhecimento do trabalhador como constante necessidade
justificada pelo capitalismo no processo de acumulação flexível. Tal fato é evidenciado por
Antunes (1995), Frigotto (2003), Arrais Neto (2006) dentre outros estudiosos, quando
desnudam o caráter falacioso dos discursos que associam o desemprego à falta e/ou baixo
nível de escolaridade e qualificação do trabalhador.

O objeto de estudo é a “garantia” e o exercício do “direito” à educação da classe


trabalhadora e como estes elementos esbarram nas contradições sociais que obstaculizam a
efetivação prática desse direito fundamental do indivíduo. A autora questiona a forma como a

225
classe trabalhadora pode exercer o direito à educação, quando consideramos as dificuldades
de permanência destes na escola, sobretudo em face de suas condições objetivas de existência.

Segundo a autora, atualmente, no governo Lula, tem-se propostas políticas de


educação que apóiam a elevação do nível de escolarização das grandes massas. O Programa
Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária – ProJovem se
insere em meio a outras ações para a juventude, destacadas nesse momento político, como o
Programa Agente Jovem, o Consórcio Social da Juventude e o Programa Escola de Fábrica.
Caberia discutir o exercício do direito à educação da classe trabalhadora, uma vez que se
vivencia um momento histórico quando se configuram intensas transformações societárias,
notadamente como conseqüência da crise abrupta que assola a sociedade capitalista. A autora
destaca a relevância social do referido tema, uma vez que se propala a educação como um
“direito”, com um enfoque na proposta de “Educação para Todos”. Assim, elegeu para esse
estudo o trabalho como categoria central, pelo fato de ser, na apreensão de Marx, o elemento
fundante da sociabilidade humana.

A investigação do programa considera a sua proposta (leis, decretos, documentos e a


proposta nacional do ProJovem), sua efetivação prática (conteúdos, duração do curso,
dinâmica das aulas, opinião dos profissionais e dos jovens assistidos pelo ProJovem), dentre
outras questões que se destacam da implementação ao desenvolvimento desse modelo de
ensino.

A temática em foco expressa preocupação com a oferta diferenciada de educação para


a classe trabalhadora, evidenciada na sociedade contemporânea, como um reflexo da divisão
de classes sociais na educação.

O esforço teórico deste estudo se justifica, ainda, pela necessidade de se perceber as


contradições entre o que se diz sobre as novas habilidades e qualificações exigidas para os
trabalhadores e aquilo que lhes é oferecido como política pública de educação e qualificação
profissional.

A investigação se realizou mediante uma pesquisa bibliográfica e documental, aliada


ao momento empírico junto ao ProJovem, em Fortaleza, como via de aproximação do real. A
autora recorreu à pesquisa bibliográfica a fim de fundamentar teoricamente este estudo e,
paralelamente, a pesquisa documental, como forma de obter informações sobre o programa
em foco, no plano nacional e no âmbito local, assim como para identificar aspectos como leis,
226
objetivos, público-alvo do Programa, as ações de formação e acompanhamento idealizadas,
dentre outros aspectos.

A pesquisa de campo foi adotada, por seu turno, com o intuito de verificar como essa
experiência de educação acontece. Após os cinco primeiros meses da pesquisa, foram
realizadas visitas contingenciais, para acompanhamento das aulas e demais atividades
desenvolvidas, como eventos realizados: datas comemorativas, campanhas educativas, visitas
a pontos turísticos de Fortaleza etc.

Os sujeitos desta investigação foram escolhidos a partir de um contato mais


prolongado com o campo no período da observação participante (cinco primeiros meses do
Programa). Então, foram definidos, dois núcleos, nos quais obtivemos aproximação maior
com os sujeitos e maior facilidade de inserção no campo. Os núcleos escolhidos para a
realização da pesquisa foram os pertencentes à Estação Planalto Pici – Escola Nilson
Holanda, situada no Bairro Bela Vista; e o da Estação Maranguapinho II – Escola Irmã
Evanete, localizada no Parque Genibaú, em Fortaleza.

A inserção no campo possibilitou maior interação e conhecimento com a realidade do


Programa, além de um contato mais aprofundado com os sujeitos da pesquisa, permitindo
conhecer melhor a realidade concreta na qual estão inseridos.

A investigação desse Programa direciona-se a uma análise de sua dimensão como


proposta de política pública destinada a jovens trabalhadores, restringindo-se aos aspectos
político-educacionais da referida proposta. A pretensão foi analisar, à luz da teoria marxista,
os desafios da classe trabalhadora quando no exercício do direito à educação, identificando o
tipo de educação que lhes é destinado na sociabilidade do capital.

Os resultados da pesquisa revelam um contexto educativo afetado por problemas


sociais e econômicos, fortemente marcado pelo viés neoliberal de sucateamento das
instituições públicas, no caso em questão, as escolas; de precarização da classe trabalhadora,
particularmente, os jovens e professores do programa. A Proposta implementa um modelo de
escolarização mínima, em quantidade e em qualidade, de conteúdos estudados e de
conhecimentos referentes à qualificação para o trabalho. O Programa apresenta ainda
contradições inclusive em relação aos objetivos que se propõe, uma vez que não atende sequer
as intenções de qualificação desses sujeitos para o mercado de trabalho.

227
A autora afirma que o ProJovem se insere no campo das políticas compensatórias, uma
vez que tenta compensar a defasagem educacional a que estão submetidos os jovens com uma
proposta de educação aligeirada – de Ensino Fundamental e “qualificação” profissional,
aliado a uma experiência de ação comunitária – em apenas 01 (um) ano de escolarização.
Portanto, esta proposta revela aspectos que sinalizam a existência de uma política de educação
para a juventude que legitima as formas de rebaixamento da educação e da qualificação do
trabalhador.

O ProJovem , assim como a educação de um modo geral, abriga as contradições


sociais de um modelo antagônico de sociabilidade, convivendo com uma diversidade de
problemas inerentes ao contexto socioeconômico atual. Desta feita, a educação é chamada a
dar respostas a problemas sociais amplos que fazem parte da vida dos alunos, especificamente
daqueles pertinentes ao segmento jovem e pobre da população: desemprego, gravidez
precoce, consumo de drogas, violência, enfim, todas as mazelas que marcam o processo de
agravamento da questão social. Em meio ao contexto de desemprego e da precarização das
relações de trabalho demandada pela crise do capital, a maioria dos jovens, inseridos nessa
realidade, sonham com um futuro melhor e com uma vida digna. Esses jovens, apesar da
difícil realidade que enfrentam, tendo que trabalhar muito cedo para sobreviver e sustentar
suas famílias, ainda sonham em fugir dessa realidade.

As análises evidenciam, portanto, outra dimensão da exclusão do trabalhador, mesmo


quando a proposta oficial, como a que investigamos, é trabalhar com a inserção dos jovens
que estiveram ausentes desse espaço educacional, configurando uma inclusão subalterna na
educação, que provavelmente não garantirá o tão sonhado ingresso no ensino superior ou,
ainda, no mundo do trabalho.

A autora afirma que sua pesquisa aponta mais sinalizações do que conclusões. A
despeito da intencionalidade das ações educativas implementadas no atual governo ou em
administrações anteriores, que se perfilam com as supostas e/ou reais “necessidades” de
qualificação e requalificação da classe trabalhadora, a autora considera profícuo para esse
debate investir na questão da efetiva necessidade de elevação da escolaridade dos
trabalhadores. Para tanto, é oportuno compreender essa questão trespassando o enfoque
restrito, que comporta a ideologia da “empregabilidade” e das “competências”, justificadas
pelas iniciativas e projetos fragmentados e aligeirados de formação profissional e da educação
básica ora implementados. Assim, refletir essa temática, sob outra perspectiva que não a da
228
sociedade burguesa, requer pensar numa educação ampla e emancipadora, que contribua com
a elevação da consciência dos trabalhadores.

MOREIRA, Evaldo de Assis. Políticas públicas para a educação básica de jovens e


adultos na região metropolitana de São Paulo – RMSP: o caso do ProJovem (2005-2007).
Dissertação (mestrado). Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana, do
Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo. 2008.

Na dissertação de Moreira (2008), o autor primeiramente faz um levantamento da


história das políticas públicas para a educação de jovens e adultos no Brasil a partir da
primeira campanha oficial de educação de adultos (1947) idealizados pelo poder público,
considerando os aspectos de conjuntura política e econômica da época. Analisa também a
redefinição do papel do Estado no enfrentamento dos problemas educacionais deste segmento
social após as mudanças na educação da década de 1990 bem como caracteriza as diferentes
táticas de ação pelo Estado no combate à problemática do analfabetismo. Finaliza a pesquisa
apresentando uma breve avaliação prospectiva dos municípios tendo como base as opções
profissionalizantes de cada um deles entre 2005-2007 no ProJovem.

O autor trabalhou com a questão do gênese e o desenvolvimento das políticas públicas


para educação básica de jovens e adultos dando ênfase ao movimento de educação de base
(MEB), a cruzada ABC – Associação Básica Cristã, ao movimento brasileiro de alfabetização
(MOBRAL) e a análise das campanhas oficiais contra o analfabetismo. Destacou também a
reforma do Estado como resposta à crise econômica, a descentralização e a desconcentração a
partir dos anos 1990, a criação do conselho nacional da juventude, a descentralização vertical
e as políticas de focalização e a regulamentação do programa nacional de inclusão de jovens –
ProJovem, destacando a implementação do ProJovem na região metropolitana de São Paulo e
a avaliação crítica do ProJovem na RMSP na visão dos municípios

Para o autor, as políticas públicas para a Educação Básica de Jovens e Adultos, como
problema de pesquisa, inserem-se num amplo campo de investigação acerca da Educação de
Jovens e Adultos. A investigação sobre este tema emerge da experiência vivida do autor
buscando relacioná-la com o ensino de geografia no curso de suplência do ensino médio
oferecido pela rede estadual de ensino de São Paulo. As indagações a este respeito foram
provocadas pelas situações vividas em sala de aula nesta modalidade de ensino. Alunos com
idade avançada, outros nem tanto, dificuldades de mobilização, problemas de audição e visão,
229
além de outras enfermidades caracterizam algumas das especificidades desta modalidade de
ensino.

Durante a fase inicial da pesquisa, numa primeira varredura na bibliografia que trata
da legislação para a Educação Básica de Jovens e Adultos, o autor identificou na Lei de
Diretrizes e Bases de 1961, um caminho possível para construção dos termos da relação entre
a Educação de Jovens e Adultos e o ensino de geografia. Definição de currículo,
estabelecimento de conteúdo e concepção de geografia foram alguns exemplos das pistas
encontradas para investigar o ensino de geografia na educação de jovens e adultos.

Segundo o autor, as políticas públicas para a Educação Básica de Jovens e Adultos se


apresentam como um problema de pesquisa na medida em que é identificado, durante o
processo investigativo, elementos econômicos e sociais, estruturais e conjunturais na história
das políticas educacionais destinadas a este segmento social. A partir deste entendimento, o
autor realizou um estudo que pretendeu aprofundar o conhecimento acerca das políticas
educacionais para os jovens e adultos. Para tanto fez um recorte histórico abarcando o
período: 1930 – 2007 e assim, pode apreender os contextos em que se engendraram as
diferentes elaborações conceituais sobre a Educação Básica de Jovens e Adultos bem como
pode acompanhar o desenvolvimento das políticas educacionais para os jovens e adultos até
chegarmos aos dias de hoje.

O procedimento metodológico da pesquisa se deu, segundo o autor, até a fase


exploratória pela revisão bibliográfica acadêmica e legislativa. Moreira (2008) buscou na
literatura específica, quais as construções conceituais forjadas sobre este tema nos fóruns de
discussões e deliberações nacionais e internacionais. Percorreu o caminho da revisão
bibliográfica na fase inicial da pesquisa na perspectiva da construção do objeto de pesquisa
em três grandes áreas:

1) A tomada de consciência por parte do Estado, entre outros aspectos, sobre o


problema do analfabetismo como entrave ao projeto de desenvolvimento econômico-social
durante o governo Vargas. (Beisiegel, 1974; Freitag, 1980; Libâneo, 1984; Paiva, 1987 e
Spósito, 1992).

2) A construção do referencial teórico-conceitual, sobre educação de jovens e adultos


tanto na produção acadêmica quanto nos fóruns mundiais. (Brandão, 1984; Di Pierro, 2000;
Haddad, 1982, e 1991, Gadotti, 2005; e Romão, 2005. Incluindo os documentos
230
institucionais: CONFITEA V, 1997, Declaração de Hamburgo e Agenda para o Futuro, 1997,
Declaração de Nova Dhéli. 1993, Plano Nacional de Educação, 1998, Diretrizes para uma
Política Nacional de Educação de Jovens e Adultos, 1994).

3) A responsabilidade por parte do Estado em normatizar esta modalidade de ensino


através do aparato legal (LDB’s nºs 4.024/1961, 5.692/1971, e a 9.394/1996. Constituição
Federal de 1988, além dos referenciais do Estado de São Paulo. São eles: Indicação CEE nº
11/99, Deliberação CEE nº 09/99, Deliberação CEE nº 9/2000, Indicação CEE nº 11/2000,
Resolução SE nº 1/2001, Resolução SE nº 181/2002, e Resolução CNE/CEB nº1/2002.

O autor entende como necessário investigar as diferenças político-ideológicas


expressas nos projetos dos diferentes governos apresentados na forma de campanhas de
alfabetização ou de educação para os jovens e adultos ao longo da história.

Segundo Moreira, as diferentes formas de enfrentamento à problemática do


analfabetismo nos diversos governos tiveram como semelhança a forma de campanha massiva
em todo território nacional com ênfase às grandes capitais e/ou regiões metropolitanas. Mas,
se por um lado este aspecto permanece, por outro a elaboração, coordenação, gestão e
monitoramento destas campanhas educacionais para os jovens e adultos sofreram alterações
significativas.

O autor constata que após a reforma administrativa, houve um chamado às


organizações não governamentais a participarem mais ativamente da seara pública. Este
deslocamento de eixo a respeito do papel do Estado nos últimos 20 anos redefiniu as
fronteiras entre o público, o privado, as organizações não governamentais e a administração
direta do Estado no oferecimento dos serviços sociais públicos.

O autor tentou conhecer os limites e as possibilidades decorrentes da implementação


do ProJovem. Delimitou a área de investigação nos dez municípios da Região Metropolitana
de São Paulo (Carapicuíba, Diadema, Embu das Artes, Guarulhos, Itaquaquecetuba, Mogi das
Cruzes, Osasco, Santo André, São Paulo e Suzano) que oferecem o programa ao contingente
populacional local e elaborou um questionário construído com o objetivo de coletar dados
sobre esta fase de implementação do programa, sobre a visão dos municípios acerca deste
programa (ProJovem ).

231
Os questionários foram enviados pelos correios em 30 de Janeiro de 2008 e a
devolução completa ocorreu em 30 de Junho do mesmo ano. A primeira parte do questionário
buscou coletar dados a respeito do atendimento do ProJovem em termos de matrículas,
concluintes e evasão. Na segunda parte, procurou captar as impressões dos municípios sobre a
proposta curricular e a organização do tempo proposto pelo programa e, por fim, na terceira
parte, assinalar a questão da formação profissional oferecida pelo programa e optada pelo
município.

Para o pesquisador, a década de 1990 inaugura um período marcadamente de recuo do


Estado no oferecimento dos serviços públicos essenciais. O fundamento econômico da crise
do Estado resultou na diminuição dos investimentos públicos no provimento dos serviços
sociais básicos o que significou seu recuo e o avanço das terceirizações e o incremento de
novas formas de gestão da administração pública, como, por exemplo, as parcerias. Neste
contexto é que as políticas de focalização avançam como dispositivo para direcionar os
recursos públicos às demandas específicas priorizando àquelas mais atingidas no processo de
redefinição do papel do Estado.

Para o autor, uma nova definição e visão acerca do papel do Estado implicaram
alterações organizacionais nas estruturas técnico-administrativas iniciadas na primeira fase de
descentralização das ações do Estado. A criação da Secretaria Nacional de Juventude,
juntamente com o Conselho Nacional da Juventude, portanto, estruturas internas técnico-
administrativas, capazes de elaborar, coordenar e acompanhar a implantação das políticas de
focalização exemplificam as mudanças de visão e concepção do papel do Estado a partir da
crise econômica.

A descentralização, agora mais aprofundada, ou seja, vertical, coadunada às políticas


de focalização explicitadas no e pelo ProJovem , evidenciam um marco importante para
compreensão das Campanhas para a Educação de Jovens e Adultos no século XXI.

O autor observa ainda que, desde a primeira campanha, todas reafirmaram a


importância dos grandes centros urbanos, capitais e regiões metropolitanas no centro do
combate ao analfabetismo. A priorização do desenvolvimento das campanhas educacionais
para este segmento social juvenil com vistas à elevação da escolarização, voltadas à
profissionalização localizada nas aglomerações urbanas, constitui uma característica das
estratégias de governo desde a idealização, implementação e consecução das campanhas.

232
Desta forma, o ProJovem traduz em toda sua forma, elementos de mudanças e de
continuidade do processo histórico de desenvolvimento das políticas públicas para a Educação
de Jovens e Adultos.

O acompanhamento do desenvolvimento das campanhas contra o analfabetismo


incluindo as de educação de jovens e adultos sugere, tanto para as instituições de pesquisas
quanto para o poder público, elementos novos de interesse. O cenário político-econômico
após a década de 1990 apresenta contornos mais complexos e oferece às pesquisas, aludir
sobre questões até então desconhecidas.

Como indicação de pesquisas futuras, o autor afirma ser necessário investigar as


relações institucionais entre os programas implantados pelos governos das três esferas. Trata-
se de verificar as conexões ou desconexões entre eles bem como seu caráter que pode ser de
complementariedade ou não. Este intento pode aprofundar a temática sobre a descentralização
que se deu como necessidade durante a primeira fase de desenvolvimento das campanhas de
educação de adultos até o fim do regime militar.

Segundo o autor, existe a necessidade de rever os princípios políticos ideológicos que


orientam a idealização do programa. A opção em suplantar os órgãos da própria estrutura
técnico-administrativa do interior da esfera pública tem promovido conseqüências para a
consecução das ações do Estado. Desenvolve a inoperância corroborando o sentimento dos
usuários sobre a prestação dos serviços públicos em ineficientes e ineficazes. Por outro lado, o
autor percebe que os mecanismos de monitoramento desenvolvidos bem como a inauguração
de fóruns abertos para acompanhamento de todas as fases do processo de implementação não
foram capazes de antecipar e impedir os desvios administrativos que resultaram, em casos
extremos, na intervenção do ministério público. O oferecimento de oportunidades de
aceleração da escolaridade deve considerar o aluno trabalhador.

Diante disso, deve-se pensar quais seriam as formas mais eficazes para que se possa
compreender as relações sociais de produção e entender porque não tem conseguido se inserir
no competitivo mercado de trabalho. O oferecimento de uma proposta curricular que discuta
tomada de consciência das condições de vida do trabalhador pode diminuir a introspecção do
sentimento de culpa de um lado e o de fracasso de outro os quais poderiam contribuir para o
desinteresse do aluno levando-o a abandonar o curso. Os programas de educação de adultos
devem levar em conta que o grande número de evasão, conforme foi verificado em seu

233
estudo, tem vários aspectos, dentre eles, mudança no currículo e oferecimento do curso em
horários alternativos.

MACHADO, Cristiane Brito. A ação comunitária do ProJovem: um instrumento para


promover a participação do Jovem? Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da
Bahia. Faculdade de educação, 2009.

O trabalho de Machado (2009) tem como objetivo analisar a ação comunitária do


ProJovem como um instrumento para promover a participação do jovem.

A pesquisa foi realizada entre os jovens egressos que fizeram a inscrição para
participação do ProJovem no ano de 2006, em Salvador.

A coleta de dados e informações se deu por meio do levantamento bibliográfico,


análises das fontes documentais, realização das entrevistas por questionários e grupo focal.

A pesquisa aponta para uma mudança na forma de agir e pensar dos egressos. A autora
identificou limitações na implementação do Programa e descontinuidade na realização de
ação comunitária.

Para iniciar a apresentação de seu trabalho, a pesquisadora trabalhou com a questão da


vulnerabilidade social do público jovem que se torna um dos eixos que justificam as políticas
públicas atuais.

Segundo Machado (2009) diante da dimensão do ProJovem em relação aos seus


objetivos, ao local e ao tempo de execução, analisar o Programa em sua totalidade não seria
viável no tempo destinado à pesquisa do Mestrado. Assim, a pesquisa foi realizada no
Município de Salvador, entre os jovens egressos e teve destaque a dimensão Ação
Comunitária proposta pelo Programa.

Como já vimos nas outras dissertações, o Plano Ação Comunitária (PLA) é uma das
três dimensões do ProJovem e é apresentada no mesmo grau de importância das outras
dimensões: a escolaridade e a formação para o trabalho. Mas, segundo Machado (2009), as
reflexões sobre a Ação Comunitária do Programa são realizadas com menor freqüência.

Um aspecto que ela destacou nessa dimensão é a dificuldade do Projeto do ProJovem


em delimitar e definir o conceito de Ação Comunitária, o qual aparece como sinônimo de
Ação Social e Ação “Cidadã”. Isso é ratificado pelo reconhecimento da própria equipe de
234
elaboradores do Projeto que, em sua reformulação, afirma que o nome Ação Comunitária não
cobre toda a gama de conhecimentos e ações tratadas por esse componente curricular,
devendo ser repensado para enfatizar a participação cidadã dos jovens.

Os objetivos específicos da pesquisa foram: analisar a dimensão Ação Comunitária do


ProJovem; examinar o desenvolvimento do ProJovem, em especial a dimensão da Ação
Comunitária; analisar os resultados da Ação Comunitária do ProJovem; perceber a visão dos
jovens egressos no ProJovem sobre o Programa, no que se refere às ações voltadas para
atender os objetivos da Ação Comunitária; identificar as mudanças do jovem após sua
participação no ProJovem, em relação aos aspectos vinculados à Ação Comunitária.

A primeira etapa da pesquisa refere-se à análise do projeto do ProJovem , a segunda,


análise da implementação e a terceira etapa, confrontação dos resultados obtidos com o
projeto do Programa.

A população da pesquisa correspondeu a 1.770 alunos. Procedeu-se, a partir dessa


população, o sorteio e a amostra que correspondeu a 462 sujeitos. Mas só foram realizadas
191 entrevistas.

A pesquisa contou com quatro passos: o levantamento bibliográfico e a análise das


fontes documentais; o primeiro contato, por telefone, com o jovem; a realização das
entrevistas por questionários e a realização do grupo focal.

O projeto do ProJovem foi analisado, dando destaque aos objetivos propostos pela
Ação Comunitária e à implementação do ProJovem, partindo do pressuposto de que os
resultados de uma política pública podem mudar de acordo com a sua implementação.

A autora conclui que na contemporaneidade, o discurso de participação da sociedade


nas diversas instâncias democráticas vem se ampliando. No que se refere às políticas públicas,
a participação da sociedade no processo de planejamento, implementação e avaliação
representa um importante elemento de legitimação dessas prioridades de investimentos. A
disseminação desse discurso de participação enseja alguns questionamentos acerca da
intencionalidade, por parte do Estado, em querer partilhar suas responsabilidades e o seu
poder. Esse processo de ampliação da participação pressupõe interesses ideológicos
subjacentes nem sempre explícitos.

235
O contexto de participação propõe uma nova forma de políticas públicas: as “políticas
públicas de/para/com juventudes”. Esse novo paradigma está presente na parceria entre a
esfera pública, sociedade civil e entidades do terceiro setor. Reforça-se, assim, a idéia de
política pública como ação partilhada do governo. Essa partilha de poder pode acarretar uma
desresponsabilização do Estado que passa a assumir uma função secundária frente às
demandas sociais. Os sujeitos envolvidos são co-responsáveis por uma gestão pública de
qualidade.

Segundo Machado (2009) o ProJovem traz uma perspectiva que se coaduna com a
concepção de política pública para juventude, uma vez que pretende atender à diversidade de
juventudes, em seus múltiplos contextos. O Programa se orienta pelo princípio da participação
desde a proposta de gestão compartilhada ao processo de avaliação dos resultados.

Contudo, a autora formula uma crítica acerca do Projeto do ProJovem. Os objetivos


que se pretendem atingir são bastante abrangentes em função do tempo dedicado a execução
do Programa. Além disso, ela percebe um caráter muito subjetivo em alguns dos objetivos
explicitados. Isto pode ser verificado, ainda, na dimensão Ação Comunitária do ProJovem,
quando se verifica a pluralidade de denominação para este termo, tais como: ação social e
ação cidadão. Há ainda certa dissonância entre os principais objetivos definidos no Projeto do
ProJovem, que ora se voltam para o engajamento social, ora para a participação cidadã, a
participação crítica e o protagonismo.

Outra fragilidade encontrada no ProJovem, segundo Machado (2009), foi o processo


de implementação. A partir do relato dos alunos, foi observada a dificuldade de se colocar em
prática a proposta de uma política pública de cooperação estabelecida entre os governos e
outras instituições e grupos sociais. Esta dificuldade se processa, principalmente, na
implementação. Isto contribuiu, possivelmente, para os altos índices de evasão verificados
tanto no ProJovem em Salvador como no Brasil. Esse índice não pode, entretanto, ser
considerado em termos absolutos, uma vez que o ProJovem é uma educação voltada para EJA
e essa modalidade da educação tem um histórico de muitos alunos evadidos.

Em relação ao cumprimento das etapas da execução do PLA (Plano de Ação


Comunitária) a autora verificou que nem todas foram realizadas. Os motivos alegados pelos
egressos para não execução do PLA foram: o não comparecimento dos jovens às atividades, a
falta de interesse nos conteúdos da Ação Comunitária e a implementação e a execução do

236
ProJovem. Embora alguns egressos tenham pontuado a efetivação de nenhuma ou a
concretização de apenas algumas das etapas da Ação Comunitária a autora questiona se todos
tinham conhecimento dos passos propostos. Alguns jovens, quando relatam os motivos da não
realização da Ação Comunitária, parecem referir-se apenas à execução do PLA e não
percebem a realização do diagnóstico, da análise das informações levantadas, da elaboração e
avaliação do PLA, como etapas presentes no processo da Ação Comunitária. A execução do
PLA se deu por meio da produção de eventos e de atividades recreativas e culturais,
distribuição de panfletos, trabalhos em asilos, creches e abrigos, dentre outros.

O objetivo do PLA de “ampliar a percepção e os conhecimentos sobre a realidade


social, econômica, cultural, ambiental e política - local, regional e nacional - a partir da
condição juvenil” foi contemplado na análise quantitativa e na fala de diversos jovens. Os
dados e informações coletados apontaram que os jovens passaram a perceber a comunidade,
identificar os problemas e possibilidades de intervenção e a se sentir parte desse contexto.

Em relação ao objetivo “promover o protagonismo e a participação crítica e


transformadora na vida pública”, a análise dos dados quantitativos permitiu verificar que após
a participação no ProJovem, parte dos egressos passou a refletir criticamente sobre a prática
social e a questionar a qualidade do serviço público.

Na análise qualitativa, entretanto, diversas falas deixaram de evidenciar qualquer


relação entre a participação do ProJovem a uma participação crítica. Esse fato pode ser
observado por meio de falas dos jovens quando questionados sobre o conceito de ação
comunitária, um jovem respondeu: “é estimular as pessoas a fazerem coisas certas”; outro
aluno afirmou: “orientar mais o jovem”. Nesse aspecto, vale questionar a formação do jovem
para um ativismo acrítico ou até mesmo cidadania tutelada (Ferreti, Zibas e Tartuce, 2004;
Albuquerque e Farias, 2007).

Em relação ao protagonismo, entendido como uma forma de participação em que o


jovem atua como ator principal (Costa, 2000), a análise quantitativa apontou que após a
participação do ProJovem, 39,8% dos egressos passaram a “ter iniciativa nas atividades na
comunidade”, um baixo percentual quando comparado com outras mudanças após a
participação do ProJovem, a exemplo de “acreditar que posso interferir na realidade da minha
comunidade” (66,0%). Machado (2009) afirma que, a partir da análise quali-quantitativa,
embora exista uma tendência de parte significativa dos jovens se considerarem protagonistas,

237
não há, ainda, uma postura de iniciativa em termos de ação por parte do público analisado, o
que reflete a postura da sociedade, de modo geral.

O objetivo referente a “contribuir para a formação do jovem na perspectiva do


reconhecimento dos direitos e deveres de cidadania”, é para a autora um dos mais amplos
dentre os objetivos da Ação Comunitária do ProJovem, sendo essa pesquisa, para ela,
insuficiente para dar conta do estudo de tal objeto. Quando os alunos foram questionados
sobre a contribuição do ProJovem num interesse pelos temas direitos do cidadão e deveres do
cidadão, em ambos os itens, os egressos acreditam que aumentou muito o interesse por esses
referidos temas. O percentual chegou a mais de 80% em ambos os casos. Embora, os jovens
relatem sobre a mudança no que diz respeito a conhecer seus direitos e deveres, nos discursos
referentes a ações e práticas realizadas, o dever aparece com mais frequência e vigor, segundo
a pesquisadora.

Quando questionados sobre o conceito de Ação Comunitária, os jovens, na maioria das


vezes, associaram Ação Comunitária ao termo “ajudar” - “ajudar a comunidade/vizinho”,
“ajudar o próximo” e “ajudar as pessoas a mudarem a forma de pensar”. Uma pequena parcela
dos egressos associou a Ação Comunitária a mudar a forma de pensar (5,8%). Esse
percentual, embora baixo, sugere um questionamento central: que sujeito está sendo formado
frente aos resultados alcançados pela da Ação Comunitária do ProJovem? Este
questionamento suscitado reafirma a preocupação de se pensar as políticas públicas em
relação aos aspectos ideológicos que a orientam. As associações estabelecidas pelos alunos
entre Ação Comunitária e ajuda parecem materializar o objetivo “propiciar a articulação entre
as aprendizagens proporcionadas pelos componentes curriculares do Programa por meio de
vivências e práticas solidárias, cooperativas e cidadãs.” Esse conceito de Ação Comunitária
vinculada à ajuda traz um aspecto fortemente associado a práticas solidárias.

A análise quantitativa permitiu identificar que os jovens passaram a ser mais solidários
e ajudar a comunidade. Esses dados ratificam o conceito de Ação Comunitária do ProJovem
associado à ajuda e à solidariedade, merecendo destaque a análise do item “valorizar mais o
próximo”, presente no questionário, o qual atingiu 88,3%, percentual bastante elevado quando
comparado com os demais. “Fortalecer os espaços de socialização juvenis, bem como os
vínculos familiares, de vizinhança e comunitários” é ainda outro objetivo do ProJovem que
foi analisado à luz dos resultados apontados no questionário e no grupo focal. Essa análise
permitiu verificar que os jovens mudaram sua participação depois do ProJovem em termos de
238
“perceber a importância de viver em grupo” (86,8%) e “assumir responsabilidade na minha
família” (77,2%).

Assim, a Ação Comunitária apresentou-se como uma de forma de contribuir para o


desenvolvimento dos jovens como seres participantes na sociedade. Essa participação se deu,
especialmente, por meio do desenvolvimento de trabalho voluntário. Os dados do questionário
reafirmam que os jovens após o ProJovem passaram a “realizar trabalhos voluntários”
(42,9%).

Machado (2009) conclui que a Ação Comunitária do ProJovem é um instrumento para


facilitar, qualificar e reforçar a participação e traz contribuições importantes para o processo
formativo do jovem. Entretanto, segundo ela, não é possível que a Ação Comunitária seja o
único instrumento capaz ou responsável para desenvolver trabalhos, numa perspectiva crítica
e participativa. Outros caminhos precisam ser explorados e experimentados na prática,
enriquecendo assim a formação do jovem participativo. Ainda no sentido de questionar a
Ação Comunitária do ProJovem , cabe a pesquisadores, avaliadores e à comunidade em geral
refletir sobre os resultados dessa intervenção na formação do jovem e, consequentemente, na
sociedade. Nessa perspectiva, a autora realiza alguns questionamentos que podem orientar
futuras pesquisas, tais como: sabendo que o ProJovem tem uma proposta interdisciplinar,
quais as possíveis contribuições da Ação Comunitária no que se refere à aprendizagem do
jovem nos conteúdos programáticos das unidades formativas? Sendo a violência um fator
limitador para a continuação da Ação Comunitária, quais os resultados da Ação Comunitária
do ProJovem no que se refere à violência? Quais as contribuições e os limites da Ação
Comunitária do ProJovem para o desenvolvimento local? O que diferencia, no que diz
respeito aos resultados alcançados, a Ação Comunitária do ProJovem que analisamos da
Participação Cidadão do ProJovem Urbano?

b) Conclusões

O Programa Nacional de Inclusão de Jovens – PROJOVEM - foi criado pela Medida


Provisória n. 238, de fevereiro de 2005, tendo por objetivo elevar o grau de escolaridade por
meio da conclusão do ensino fundamental articulado à qualificação profissional e à ação
comunitária, tendo em vista a inserção cidadã (artigo 1º).

239
O programa previa inicialmente, 800 horas de formação escolar em nível de 6ª ao 9ª
ano do Ensino Fundamental, 350 horas de qualificação profissional, 50 horas de atividades de
ação comunitária e 400 horas de atividades não-presenciais com tutoria.
O ProJovem procura integrar três dimensões nas quais se sustenta seu Projeto
Pedagógico Integrado: a elevação da escolaridade ao nível do 9° ano (antiga 8° série do
ensino fundamental); a Qualificação profissional, incluindo a qualificação inicial em um dos
arco de ocupações; e a Ação Comunitária/Participação Cidadã, envolvendo uma experiência
de participação social cidadã. O programa prevê ainda o pagamento de bolsas no valor de R$
100,00 mensais e inicialmente admitia apenas jovens sem vínculo empregatício.
A partir das análises das teses e dissertações e do documento base do Proeja pudemos
constatar que o público alvo do programa são jovens que abandonaram a escola e não
conseguiram se inserir no mercado formal, logo, se constituem como uma grande massa de
pessoas em situação de vulnerabilidade social, ou seja, estão excluídos do trabalho e da
escola. Poderíamos acrescentar ainda que tratam-se de jovens que residem em sua maioria,
nas periferias das grandes cidades, e podem estar sujeitos a processos de discriminação
étnico-racial, de gênero, geracional, etc..

É importante assinalar, ainda, que o Programa atende às capitais dos 26 estados


brasileiros, a 34 outros municípios das regiões metropolitanas e à capital do país. A
justifcativa ofcial para tal delimitação geográfica reside na alta concentração de jovens
destituídos dos direitos fundamentais nas regiões metropolitanas e, também, decorre da
“conjugação entre carências econômicas, presença do narcotráfco e certas práticas de
corrupção policial”nessas mesmas regiões. Tais argumentos estão fortemente marcados pela
associação, no imaginário social, da juventude “pobre” com as chamadas “classes”
perigosas. Para as camadas mais favorecidas da sociedade, os jovens oriundos da base da
classe trabalhadora são potenciais delinquentes, constituindo, portanto, grave ameaça à
ordem social. A concepção de que o jovem das frações mais pauperizadas da classe
trabalhadora é alvo fácil do mundo do crime é explicitada correntemente, mesmo pelos
profissionais envolvidos com o Programa. (Rummert, 2007, p. 41)

Nas teses e dissertações analisadas pudemos constatar reiteradas vezes essa mesma
visão, expressa na fala de professores, no preconceito de alguns diretores que temiam pela
deterioração da escola e até mesmo pela percepção dos jovens em relação a seus pares. Ao
voltar suas ações para os jovens em situação de risco social, o programa parece ter como
principal objetivo minimizar os efeitos da exclusão social restringindo-se a promover o alívio
da pobreza e a contenção dos conflitos de classe.

240
Através da integração entre educação básica, qualificação profissional e ação
comunitária, o PROJOVEM se propõe em seu documento base a romper com a dicotomia
entre educação geral e formação profissional e; educação e ação cidadã por meio de uma
organização curricular “inovadora e flexível”. Evoca-se o princípio na integração curricular
na perspectiva de romper com a separação entre conhecimentos gerais e profissionais.
Entretanto, verificamos pelas leituras realizadas que a integração, na prática, não tem se
concretizado. Com honrosas exceções, professores e gestores ainda se orientam por uma visão
conteudista, centrada no isolamento das disciplinas, na separação entre formação geral e para
o trabalho, e na seleção de conteúdos descontextualizados. A pouca ênfase na formação dos
professores para atuarem no PROJOVEM e o próprio desenho do curso dificultam a
consecução de uma maior integração curricular.

Colocado como um dos objetivos centrais, a elevação da escolaridade vem ocorrendo à


custa de uma formação aligeirada comprometendo assim a qualidade do ensino. Apesar de
reservar a maior parte das 1200 horas dos cursos à formação básica, o PROJOVEM pretende
recuperar no prazo de um ano de escolarização o correspondente aos quatro anos do ensino
fundamental de 5° a 9° ano, ou seja, os objetivos que se pretendem atingir são bastante
abrangentes em função do tempo dedicado a execução do programa, o que denuncia o caráter
compensatório e precário da formação oferecida.

Em relação à qualificação profissional, o PROJOVEM orienta-se para a formação do


trabalhador “polivalente”, oferecendo certificação em torno de arcos ocupacionais, abarcando
quatro ocupações dentro de um mesmo processo produtivo ou com a mesma base técnica. Em
tese, o que poderia ser visto como reconhecimento do direito a formação integral em
contraposição à profissionalização restrita, expressa antes, um alinhamento as novas formas
de organização do trabalho marcadas maiores exigências em termos de competências
flexíveis, substitutivas da noção de qualificação: “o sistema de classificação, carreira e
salários baseado nos diplomas, portanto em profissões bem definidas, seria inadequado à
instabilidade das ofertas de emprego e a uma gestão flexível no interior das organizações”
(RAMOS, 2002, p. 61). Contudo, a qualificação profissional oferecida pelo PROJOVEM
caracteriza por uma carga horária mínima, insuficiente para consolidar conhecimentos e
conteúdos necessários e condizentes com a certificação oferecida pelos arcos ocupacionais.
Na fala dos alunos, reiteradas vezes, se fazem menção a pouca ênfase dada à qualificação
profissional, a sua oferta reduzida em termos de carga horária, as dificuldades infra-estruturais
241
nos cursos que exigem o uso de microcomputadores, a frustração das expectativas dos jovens
em relação à formação oferecida e a percepção do baixo valor agregado dos certificados no
mercado de trabalho.

A exemplo do que foi verificado nas ações comunitárias promovidas pelos Consórcios
da Juventude no âmbito do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego, a atuação
dos jovens junto à comunidade se restringe a demandas particulares e locais, vinculadas
apenas ao cumprimento protocolar do Plano de Ação Comunitária como um dos requisitos
para obtenção do certificado ou para o recebimento de bolsas. O estímulo à ação comunitária
como uma das vigas mestres dos cursos, não transcende os limites da ação local, da promoção
de valores cívicos e de solidariedade e não evoluem para uma maior participação,
engajamento e organização em prol da exigência e da garantia dos direitos, pelo contrário:

Espera‑se, portanto, que os jovens atuem pintando prédios públicos, construindo


habitações precárias ou calçadas, ocupando‑se como recreadores nas chamadas
“comunidades carentes”. Ou seja, a ação comunitária esperada situa ‑se no vácuo deixado
pelo próprio poder público, limitada pela ordem social já estabelecida, consistindo numa
contrapartida ao ínfimo valor da bolsa mensalmente recebida a título de auxílio. (Rummert,
2007, p.43)

Encontramos no material analisado, além das críticas à orientação político-pedagógica


do Programa, a constatação de problemas de ordem estrutural, administrativa e pedagógica.
Por parte dos estudantes as principais reclamações dizem respeito a discriminações por parte
de diretores e funcionários das escolas, a insuficiência ou falta de qualificação dos professores
de informática, atrasos na emissão de certificados e no pagamento das bolsas auxílio. De fato,
o auxílio tem se constitui como um incentivo para ingresso e permanência no curso.
Entretanto, o baixo valor da bolsa, não impede que os alunos abandonem o curso tão logo
encontrem empregos, mesmo quando se tratam de contratos temporários. Diante da
impossibilidade de conciliar o trabalho com o curso, via de regra, os alunos optam pelo
emprego, o que tem provocado evasão em períodos onde sazonalmente há um aumento de
postos de trabalho temporários. Segundo relatório da OIT (2009) outros motivos que levam os
alunos a abandonarem o curso são, além da necessidade de se buscar renda, a maternidade
precoce e necessidade de se tomar conta dos filhos ou dos irmãos. Entendemos que alto índice
de desistência (37%) e evasão (20%) dos jovens dos cursos só poderá ser revertido com um
aumento significativo no valor das bolsas, que permita ao estudante cursar dignamente todas

242
as etapas do programa e que garanta condições mínimas para o seu sustento e de sua família.
De outra forma, a maioria os jovens permanecerá no curso em condição precária e provisória,
divididos entre a necessidade de buscar renda e de continuar sua trajetória educacional. Dados
recentes apresentados no relatório do OIT (2009) indicam que ao ingressarem no
PROJOVEM, 56,3% dos jovens se encontra desempregado há pelo menos 6 meses, enquanto
que 20% não encontram trabalho remunerado há mais de quatro anos. Sendo assim, não se
pode pensar em uma política de geração de emprego e renda que não garanta ao jovem, reais
alternativas à informalidade e ao trabalho precário ao mesmo tempo em que possibilite a
retomada de seu percurso escolar sem que isso comprometa a sua sobrevivência.
O levantamento do Estado da Arte realizado pela equipe de pesquisa encontrou
conclusões que apontam para a precariedade da formação oferecida pelo PROJOVEM, sua
caracterização como política compensatória e emergencial, que apelando para noções como o
protagonismo juvenil, a participação cidadã e a empregabilidade, procura conter ou pelo
menos minimizar os efeitos da exclusão produzida por uma sociedade desigual em que o
direito ao trabalho digno ainda não é uma garantia. Ocultando sob o véu do seu discurso
apologético, o PROJOVEM conquanto ofereça a possibilidade de resgate educacional, o faz
nos limites de uma cidadania restrita, na qual o direito a uma educação de qualidade é
substituído por uma formação aligeirada, voltada para o trabalho simples e que tem como
principal objetivo a conformação ao modelo econômico vigente. Nesse sentido, “o ProJovem
constitui mais um exemplo de ação política que, sob a aparência da inovação, gera a
continuidade da submissão ao instituído” (Rummert, 2007, p. 43).

Em 2007, houve uma grande reformulação no programa que se diversificou a partir da


incorporação de antigos programas (Agente jovem, Saberes da Terra, Consórcio Social da
Juventude, Juventude Cidadã, Escola de Fábrica e o próprio Projovem). O Projovem
Integrado ou “Novo Projovem” passou a ter então quatro novos eixos: Projovem Adolescente,
Projovem Urbano, Projovem Trabalhador e Projovem Campo. Cabe destacar que a mudança
de faixa etária, justificada como necessidade de se adotar um padrão internacional de
conceituação de juventude acomodou-se perfeitamente ao novo desenho do Projovem. Assim,
a definição adotada passou a abranger os adolescentes-jovens (de 15 a 17 anos), os jovens-
jovens (de 18 a 24 anos) e os jovens-adultos (de 25 a 29 anos). A perspectiva que se abre é
com a reestruturação os jovens tenham a possibilidade de passar de um programa a outro.

243
O Projovem Adolescente tem como público-alvo os jovens de 15 a 17 anos em
situação de risco social e integra atividades socioeducativas, obrigatoriedade da freqüência
escolar e ações de inclusão digital, alternativas de geração de renda e ação comunitária
visando ampliar a proteção social e garantir uma maior convivência comunitária.
O Projovem Urbano introduziu alterações importantes como a ampliação da faixa de
atendimento para jovens de 18 a 29 anos, abrangendo além dos jovens que concluíram a 4°
série também aqueles que saibam ler e escrever e o abandono da exigência do jovem não
possuir vínculo empregatício. Outra alteração importante foi a ampliação da carga horária e
da duração do curso que passou das 1200 horas em 12 meses, para 1560 horas em 18 meses.
Consideramos a ampliação da carga horária um avanço no que diz respeito à formação básica
mais consistente, mas manifestamos nosso receio quanto a sua insuficiência, principalmente
quando se pretende atingir jovens com níveis de escolaridade ainda mais baixos do que
aqueles com os quais o Projovem trabalhava. Em relação à concessão para que jovens com
vínculo empregatício possam participar do programa, enxergamos nela o reconhecimento de
que a oferta de bolsas de baixo valor não garante a permanência dos jovens no programa, já
que diante de uma possibilidade real de uma renda maior, os alunos optavam por
abandonarem o curso. Entretanto, entre a opção de assumir os custos da formação dos jovens,
revendo e aumentando o valor das bolsas e transferir a responsabilidade e a decisão de
conciliar ou não estudo e trabalho para os jovens, o governo optou pela segunda.

O Projovem Trabalhador, também ampliou a faixa de atendimento para jovens de até


29 anos, e introduziu pequenas alterações na forma como os jovens eram atendidos através
dos Consórcios Sociais da Juventude e do Juventude Cidadã, linhas de ação dos extintos
Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego e da Escola de Fábrica. Reiterou-se a
exigência de a oferta de cursos de qualificação profissional esteja em consonância com a
demanda de empregabilidade local, a ser demonstrada no Projeto Técnico e no Plano de
Trabalho que integram o convênio do Projovem Trabalhador – CSJ. Permanece também como
meta mínima obrigatória a inserção de 30% de jovens qualificados no mundo do trabalho no
mercado formal ou em formas alternativas de trabalho. A novidade é que o não cumprimento
da meta de inserção obriga a convenente restituir 50% (cinqüenta por cento) do valor gasto na
qualificação social e profissional por jovem não inserido no mundo do trabalho. Para efeito de
cálculo considera-se aceitável a taxa de evasão de até 10% nos cursos.

244
O Projovem Campo incorporou, com alterações, o Programa Saberes da Terra e tem
como objetivo principal elevar a escolaridade dos jovens vinculados à agricultura familiar. Ao
contrário do que aconteceu com os eixos Projovem Trabalhador e Urbano, o programa
restringiu a faixa etária de atendimento de 15 a 29 anos para 18 a 29 anos. Em contrapartida,
passou oferecer bolsas de R$ 100,00 a cada dois meses durante o período de 24 meses.

Reconhecemos em todos os eixos do Projovem integrado as marcas que caracterizaram


a Política Nacional de Juventude no Governo Lula: ações direcionadas ao público jovem de
maior vulnerabilidade social, com foco na elevação da escolaridade e na formação para o
trabalho simples, numa perspectiva compensatória e estímulo a participação cidadã e a ação
comunitária, tendo como contrapartida a oferta de bolsas de baixo valor. Com efeito, a
reformulação do Projovem não implicou em readequações e mudanças significativas nos
antigos programas. Na verdade, a aparente unidade expressa pela incorporação desses
programas esconde problemas como as sobreposições de públicos atendidos pelos programas,
o que compromete a meta de ampliação do atendimento. Segundo dados do Ipea, em termos
concretos e a despeito da ausência de uma maior articulação, esses “antigos” programas:

[...] ofertavam juntos, e antes das mudanças promovidas, cerca de 500 mil vagas para
jovens considerados excluídos. A meta anunciada previa ampliação de vagas para o
atendimento de 4,2 milhões de jovens até 2010, ou seja, preconizava alcançar a totalidade de
jovens que vivem em situação de vulnerabilidade social no país. Entretanto, informações
mais atualizadas sobre as metas das diversas modalidades do ProJovem demonstram
significativa redução das metas anunciadas pelo presidente da República em 2007: o total
das metas até 2010 alcança 3,5 milhões, isto é, a redução situa-se em torno de 17%. Mesmo
considerando-se a demarcação mais realista das metas do ProJovem para cerca de 3,5
milhões de jovens atendidos, é notável que a posição de atendimento de todos os programas
retratada no quadro 2 está ainda muito aquém desta meta, situando-se em torno de 800 mil
jovens atendidos – urbano, 163,9 mil jovens; trabalhador, 188,8 mil jovens; campo, cerca de
83 mil jovens, considerando-se 2008 e as metas de 2009; e adolescente, 438 mil jovens.
(IPEA, 2009, p. 56)

Esses números demonstram a necessidade de se repensar não só os fundamentos


políticos e pedagógicos que estão na base do Projovem, mas também a efetividade e o alcance
de suas ações, sua gestão e os mecanismos de implementação, acompanhamento e avaliação.

245
2.3.6 - Políticas públicas de formação, emprego e renda para os jovens no Brasil: um
balanço da era Lula.

a) Juventude Ou Juventudes?

O termo juventude por si só apresenta-se como controverso e ambíguo. Diferentes


enfoques podem ser adotados para caracterizar um período tradicionalmente identificado
como a transição da adolescência para a vida adulta. Esta distinção encerra o reconhecimento
existencial da juventude enquanto etapa distinta dentro de um ciclo de vida. Entretanto,
enquanto categoria sociológica só pode ser apreendida no movimento dinâmico da história, na
qual diferentes representações vão sendo construídas segundo determinações de classe, de
seus interesses e de suas visões de mundo. Nesse sentido, recortes cronológicos, de gênero,
raça, região e cultura, conquanto preservem seu valor explicativo devem ser incorporadas de
modo subordinado àquelas determinações, que para além de uma apreensão essencialista
permite a compreensão do fenômeno em suas múltiplas determinações. Na perspectiva por
nós adotada, o termo juventude expressa em sua complexidade, uma problemática que não
pode ser reduzida a ritos de passagem,
formas de se vivenciar a cultura ou experiências de natureza subjetiva. Por outro lado,
reconhecemos como Sposito (2000) que qualquer investigação em torno da produção de
conhecimento exige como pressuposto, a eleição de uma definição, ainda que provisória, do
objeto de estudo de modo a orientar os critérios de seleção. Para efeito estatístico, tanto a
UNESCO quanto a Organização Internacional do Trabalho (OIT) têm adotado como
parâmetro definidor de juventude, o período compreendido entre 18 e 24 anos, enquanto a
Organização Ibero-americana da Juventude o estende até os 29 anos. A ausência de um
demarcador único para juventude dá prova da complexidade de determinações e de critérios
que dificultam uma definição única e consensual de juventude. Porém como ressalta Sposito:

Uma das formas de resolução desse impasse, para tornar exeqüível o empreendimento
investigativo,reside em reconhecer que a própria definição da categoria juventude encerra
um problema sociológico passível de investigação, na medida em que os critérios que a
constituem enquanto sujeitos são históricos e culturais. A juventude é uma condição social e
ao mesmo tempo um tipo de representação. (Spósito, 2000, p.7)

Não sendo o objetivo principal de nosso trabalho proceder a um estudo investigativo


da categoria juventude, adotaremos a perspectiva enunciada procurando apreender da
246
realidade elementos que nos ajudem a compreender como se movem no plano das relações
sociais que caracterizam o atual estágio do modo de produção capitalista, mormente, no que
se refere à forma dependente e subordinada que este adquire no Brasil, as representações
sobre a juventude, quais são suas implicações para os jovens da classe trabalhadora e como se
configura nesse contexto sua condição social133.
De acordo com Sposito (2003), a diversidade de situações existências que afetam os
jovens tem justificado a idéia de se tomar “juventude” em seu sentido plural – juventudes.
Não obstante, podemos compreender esta categoria a partir da tensão dialética que envolve
seus recortes sócio-culturais e de classe, que se manifestam num momento do ciclo de vida
que não se define por critérios cronológicos ou por trajetórias lineares:
Nessa mesma direção, Atias-Donfut (1996) afirma que a entrada na vida adulta se faz
cada vez de modo progressivo segundo etapas variáveis e “desreguladas” ou
“desnormatizadas”. Estaríamos, assim, diante da “desinstitucionalização” do ciclo de vida
ternário, centrado sobre o trabalho e da “descronologização” do percurso das idades que
participa, assim, na reconstrução dos grupos sociais, com a entrada no mercado de trabalho
dos velhos jovens e a saída dos jovens velhos (Kohli , apud Atias-Donfut, 1996). (Ibidem, p.
12)

Se no plano concreto, a tarefa de captar um sentido único que expresse a condição dos
jovens na contemporaneidade se revela complexa e desafiadora, no plano das representações
parece haver uma polarização que opõem duas visões que embora distintas, não são
excludentes. Numa perspectiva “pessimista”, os jovens são vistos como um grupo
problemático, irresponsável e sob constante risco social. Nessa acepção, a condição juvenil
seria por si só uma condição problemática, e os jovens seriam um grupo mais vulnerável e
propenso a apresentar comportamentos de risco e desvios de conduta, tais como: dependência
química, delinqüência, envolvimento com o crime, gravidez precoce que, portanto,
demandariam ações do Estado de caráter preventivo, voltadas para a proteção e o
enfrentamento dos “problemas de juventude”. Emergem políticas compensatórias, de controle
do tempo livre como programas esportivos e culturais com foco nos grupos mais vulneráveis.
A visão “pessimista” da juventude predominou até o início dos anos 1980, quando mudanças
na demografia mundial, revelaram um exponencial crescimento da população jovem.
Batizado de “onda jovem”, esse fenômeno, que teria supostamente um efeito potencializador
do desenvolvimento econômico, trouxe para o campo das representações da juventude uma

133
Para fins analíticos adotaremos como parâmetro a faixa estabelecida pela Política Nacional de Juventude que
compreende como jovens, pessoas na faixa de 18 a 29 anos.
247
visão mais “otimista” relacionada ao novo papel estratégico dos jovens: o de protagonista do
desenvolvimento e importante ator político.

O protagonismo juvenil é parte de um método de educação para a cidadania que


prima pelo desenvolvimento de atividades em que o jovem ocupa uma posição de
centralidade, e sua opinião e participação são valorizadas em todos os momentos (...) A
ênfase no jovem como sujeitos das atividades contribui para dar-lhes sentidos positivos e
projetos de vida, ao mesmo tempo que condizem à reconstrução de valores éticos, como os de
solidariedade e responsabilidade social. (UNESCO, 2002, p.62)

Tendo como marco o Ano Internacional da Juventude, estabelecido pela ONU em


1985, essa visão passa a ser fortemente difundida por importantes organismos multilaterais e
agências internacionais a partir do início da década de 1990, impulsionando mudanças nas
políticas de juventude dos países da América Latina.

Um quarto modelo de políticas de juventude parece ter começado a operar a partir


dos anos noventa, ressaltando a importância do capital humano para o desenvolvimento
estruturado em torno da inserção social e no mercado de trabalho dos jovens. No último
decênio, se alcançaram importantes consensos sobre a centralidade da educação nos
processos de desenvolvimento e se outorgou uma alta prioridade ao tema da inserção dos
jovens no mercado de trabalho. O programa de capacitação para o trabalho “Chile Jovem”
iniciado em 1990, foi precursor nessas matérias e está sendo reaplicado – com as
correspondentes adaptações – em muitos outros países. Trata-se, em geral, de medidas
destinadas a capacitar em períodos relativamente breves e mediante modalidades
operacionais inovadoras, concentrando as preocupações, mais do que na simples
qualificação técnica, na pertinência dos ofícios que se selecionam e na efetiva inserção dos
jovens no trabalho. Esses programas são executados através de diversas entidades públicas e
privadas, em um marco de regras de jogo competitivas; os governos participam em funções
de desenho, supervisão e avaliação, afastados da execução. O que se procura é incorporar os
jovens na modernização e a transformação produtiva que exigem os processos de inserção
internacional. (Ibidem, p. 63)

Nesse contexto, o Brasil se constituiu um das poucas exceções:

Distintamente destes países, no caso brasileiro, as ações desencadeadas pelas


agências da ONU tiveram pouca repercussão na formulação de programas ou organismos
específicos de políticas para este grupo populacional. Naquele momento, pouca relevância se
dava ao tema juventude, estando o foco das preocupações e mobilizações centrado na
proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes. (IPEA, 2009, p.48)

O país atravessou a década de 90, sem dirigir aos jovens nenhuma política específica
de qualificação, emprego e renda, restringindo-se as ações do governo àquelas orientadas pela
visão “pessimista” voltadas para jovens em situações de risco e para o combate à pobreza.
248
Entretanto, o impacto da conjuntura econômica naquele momento vinha afetando os jovens de
maneira bem mais significativa. A abertura do mercado, as privatizações e os processos de
reestruturação produtiva em curso no país resultaram na estagnação econômica e elevaram os
níveis de desemprego, nos quais os jovens aparecem como grupo mais atingindo respondendo
à época por 51% dos desempregados segundo dados do PNAD/1999. Como estratégia para
atenuar as tensões decorrentes desse quadro o Governo de Fernando Henrique Cardoso cria
então o PLANFOR (Plano Nacional de Formação do Trabalhador). Porém, além de não
focalizar especificamente o segmento juvenil, esta estratégia também promoveu o
esvaziamento da educação de jovens e adultos como política de Estado, respaldada pela Lei
de Diretrizes e Bases da Educação nº 9394/96 e pelo Decreto nº 2208/97.

Tal esvaziamento faz parte de um projeto que desloca uma parcela do atendimento de
jovens e adultos para o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), ampliando sua linha de
atuação com a escolarização e a formação profissional do trabalhador. Isso foi uma das
conseqüências das alterações efetuadas na formação profissional e na educação de jovens e
adultos, a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9394/96 e do
Decreto nº 2208/97. A partir de então, a dispersão das políticas e de ações entre os setores
público e privado foi uma das marcas das políticas voltadas para jovens e adultos
trabalhadores, como ocorreu no Plano Nacional de Qualificação Profissional (PLANFOR),
do governo FHC. (BARBOSA E DELUIZ, 2008, p.47)

Com a mudança de governo, e a revogação do Decreto nº 2208/97, as políticas de


qualificação, emprego e renda que antes eram dirigidas indistintamente a jovens e adultos,
sem articulação alguma com políticas de elevação da escolaridade passam a focar o público
jovem através de programas que articulam elevação da escolaridade, formação profissional e
participação cidadã e que consolidará um modelo de política de juventude marcada por
programas emergenciais desarticulados, de formação aligeirada e com forte participação do
setor privado e do terceiro setor.

Um novo marco se estabelece com a mudança de perspectiva de uma política de


enfrentamento da pobreza e a prevenção do delito (1985-2000) para a inserção laboral de
jovens excluídos (a partir de 2000), conforme classificação elaborada por Sposito.

Contudo, para esta mesma autora e para Carrano (2003) há uma variedade de
orientações, muitas vezes num mesmo espaço institucional, quando se trata da definição sobre
ações que envolvem a juventude: Vive-se a simultaneidade de tempos no debate sobre a

249
juventude, o que faz a convivência, muitas vezes dentro de um mesmo aparelho de Estado, de
orientações tais como as dirigidas ao controle social do tempo juvenil, à formação de mão-de-
obra e também as que aspiram à realização dos jovens como sujeitos de direitos. No que pese
o maior ou o menor predomínio de determinada tendência ao longo da história, algumas
formulações em torno dos segmentos juvenis e da juventude têm sido mais fortemente
reiteradas nos últimos anos.

A esse respeito estamos inclinados a aceitar a hipótese por nós formulada de que a
despeito das diferentes orientações que permeiam o debate e da maior ênfase dada ao tema da
participação juvenil nos últimos anos, as políticas de Juventude do governo Lula amparadas
ideologicamente pelas noções de protagonismo juvenil, empregabilidade e participação cidadã
se configuram como um novo mecanismo de controle do “risco social” e de conformação da
juventude ao modelo de desenvolvimento econômico subordinado aos grandes centros
hegemônicos do capitalismo mundial, que esgotando sua dimensão civilizatória, coloca como
condição de sua sobrevivência o gerenciamento da pobreza.

O caminho percorrido até a consolidação desse modelo é marcado por conflitos e


contradições, protaganizados pelo embate das forças políticas que representam os três projetos
de desenvolvimento que segundo Frigotto (2003) compõe o arco de alianças de matiz
ideológica eclética que elegeram o presidente Lula. As políticas de juventude, como não
poderia ser diferente, se moveram no plano de disputas desses grupos. No estudo que
realizamos identificamos então três períodos que expressam bem “para que lado a balança vai
pendendo” nessa correlação de forças e o que eles representaram em termos de avanços e
retrocessos para o projeto de “desenvolvimento econômico nacional e popular”, com o qual
nos identificamos. Para melhor compreendermos esse movimento e a consolidação, ao longo
dos oito anos do governo Lula, de uma política de juventude identificada com subordinação
ao grande capital, faremos uma rápida caracterização desses períodos, para em seguida
analisar as matizes ideológicas presentes nos principais programas de políticas para
juventude, seu efetivo impacto e a lógica que as reorientam .

- 2003 a 2005 – Entre a continuidade da política de profissionalização restrita e os


primeiros ensaios de uma política “original” com ênfase na demanda.

250
Na ausência de referências normativas que orientassem a formulação de políticas para
a juventude, o governo pareceu ter optado por reformular os programas de qualificação,
herdados do governo de Fernando Henrique Cardoso, mantendo a descentralização, a
focalização e a “terceirização” da execução dos programas. O Plano Nacional de Qualificação
Profissional (PLANFOR) foi substituído em 2003 pelo Plano Nacional de Qualificação
(PNQ), mantendo basicamente as mesmas características inclusive com repasses à iniciativa
privada e ao terceiro setor. O Programa Escola de Fábrica orientou-se pela mesma lógica,
diferenciando-se basicamente pelo fato de se dirigir ao público mais jovem. Tendo suas
origens no projeto Formare, da Fundação Iochpe, criado em 1998, o programa Escola de
Fábrica se apoiou nas parcerias estabelecidas com empresas e indústrias que responsáveis pela
qualificação profissional de jovens e por seu possível aproveitamento. Cabe destacar que a
revogação do Decreto n. 2.208/97, compromisso assumido pelo presidente com os educadores
progressistas e que poderia acenar para uma possível integração entre o ensino profissional e
ensino básico não surtiu os efeitos esperados, e o que se constatou em relação aos programas
de formação profissional mencionados foi a adoção de um modelo restrito à aprendizagem
profissional.
O fato é que, após um ano de vigência do Decreto n. 5.154/2004, a mobilização
esperada não ocorreu. O que se viu, logo a seguir, foi o inverso. De uma política consistente
de integração entre educação básica e profissional, articulando-se os sistemas de ensino
federal e estaduais, passou-se à fragmentação iniciada internamente, no próprio Ministério
da Educação (CIavata, Frigotto e Ramos, 2005, p. 1091).

O Programa Nacional do Primeiro Emprego (PNPE) criado em 2003, institui o marco


inicial das políticas de qualificação trabalho e renda dirigidas especificamente para jovens.
Atuando em diversas linhas nas quais se destacam: os incentivos à contratação de jovens sem
experiência pregressa, empreededorismo e qualificação profissional através de consórcios
sociais da juventude, o programa não logrou sucesso naquilo que era seu mote principal: a
indução da demanda. O PNPE passou então a enfocar ações de qualificação por meio dos
consórcios sociais da Juventude e os parcos resultados obtidos em sua principal linha de ação
serviram de justificativa para a reorientação da política de qualificação, trabalho e renda dos
jovens:
Apesar das mudanças efetuadas em 2004, a ação de subvenção permaneceu com
baixo patamar de execução até 2007, quando foi encerrada. A fraca execução dessa linha foi
fundamental para explicar a reestruturação das políticas voltadas para a juventude,
promovidas pelo governo federal em 2005, o que significou uma mudança de ênfase das

251
ações do lado da demanda para ações do lado da oferta no mercado de trabalho, em especial
aquelas direcionadas à elevação profissional. (OIT, 2009, p. 76)

De acordo com Sposito (2005) inicia-se em 2004, um amplo processo de diálogo entre
governo e movimentos sociais com o intuito de se instalar uma política de juventude no país,
que concedeu projeção nacional a temática da juventude. O desafio era, nas palavras da
autora, o de pensar políticas que, por um lado, visassem à garantia de cobertura em relação às
diversas situações de vulnerabilidade e risco social apresentadas para os jovens e, por outro,
buscassem oferecer oportunidades de experimentação e inserção social múltiplas, que
favorecessem a integração dos jovens nas várias esferas sociais .
Constituiu-se então o Grupo Interministerial da Juventude, envolvendo 19 Ministérios,
Secretarias e órgãos técnicos especializados, para elaborar um diagnóstico sobre a juventude
brasileira e realizar um levantamento das ações governamentais que eram dirigidas
especificamente aos jovens ou que contemplassem segmentos juvenis, para que servissem de
referências para elaboração de diretrizes para uma política nacional de juventude.
Técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) colaboraram nesta
tarefa produzindo informações estatísticas pertinentes, e também foram incorporados
resultados de pesquisas e consultas realizadas pela UNESCO e pelo Projeto Juventude do
Instituto Cidadania que também, participou do trabalho de acompanhamento e estudos de
propostas de Políticas Públicas para a Juventude realizada pela Comissão Especial da Câmara
dos Deputados.

- 2005 a 2007 – Estabelecimento do Marco Referencial para a Política de


Juventude e a mudança para “indução” da oferta.

Os trabalhos e debates promovidos pelo Grupo Interministerial da juventude


culminaram na assinatura em 1° de fevereiro de 2005, pelo Presidente da República de uma
medida provisória que instituiu a Política Nacional da Juventude. Nesse mesmo ato, foram
criados o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (PROJOVEM), a Secretaria Nacional de
Juventude (SNJ) e o Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE).
Inegavelmente trata-se de um importante marco, que cria novas possibilidades de
participação política dos jovens, e conseqüentemente amplia a interlocução e o diálogo
252
intergeracional, o que por sua vez contribui para desconstrução de representações
simplificadoras das juventudes, ao mesmo tempo em que reconhece a juventude como
portadora de direitos, ainda que nem sempre se reconheça a universalidade desses direitos.
Contudo, cabe aqui perguntar através de que segmentos estão sendo representados os
interesses de diferentes projetos de desenvolvimento e qual o peso que tiveram na construção
de uma agenda única para a juventude. Os princípios que orientaram as ações e os programas
desenvolvidos a partir deste novo marco nos permitem concluir que a “balança” mais uma vez
pendeu para o lado dos interesses do grande capital, que tiveram na voz da UNESCO e do
Instituto Cidadania seus interlocutores mais diretos. Nas orientações de ambos há indicações
muito claras para que o Estado promova políticas focalizadas que promovam a formação
profissional em cursos relativamente breves dirigidos aos segmentos mais pobres, mormente,
aquele grupo mais vulnerável, em situação de “risco social”, ou seja, o de jovens que não
estudam nem trabalham. Não obstante, também há indicações para que a política nacional de
juventude promova ações voltadas para o protagonismo juvenil, o que na prática significa o
estímulo ao empreendedorismo, a participação cidadã por meio de ações comunitárias e do
trabalho voluntário e a ampliação do capital social, visto como importante elemento para
empregabilidade. Na prática, as diretrizes traçadas pela UNESCO se materializaram com a
criação do PROJOVEM, que longe de ser um programa desenhado a partir de uma “ampla
discussão com a sociedade” apenas copia um modelo inaugurado pelo Governo Chileno na
metade da década de 90. Copiar, nesse caso, não é apenas uma expressão que denota adesão a
princípios, pois de fato, até mesmo o nome do programa não é algo original.

Contando com a mesma denominação (PROJOVEN), os programas de capacitação


para o trabalho do Peru e do Uruguai foram capazes de criar uma fecunda experiência,
causando um impacto importante em termos da empregabilidade dos jovens. Trata-se de dois
programas construídos seguindo a lógica do Programa Chile Jovem, postos em prática em
meados da década de 90, tendo como alvo os jovens menos privilegiados – que, em geral,
abandonaram o sistema educacional e que estavam sem trabalho no momento em que
ingressaram no programa – e que atuam em torno de postos de trabalho realmente existentes,
formulando respostas de capacitação para o trabalho e para a atividade empresarial,
específica para cada contexto particular. (UNESCO, 2004, p. 249)

A julgar pelos rumos que a política nacional de juventude tomou desde então, o
pretenso debate com a sociedade, que deveria ter sido conduzido pelo Grupo Interministerial
da juventude parece ter servido apenas para “falsificar o consenso” já que até mesmo ações

253
importantes como a criação da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) e o Conselho Nacional
de Juventude (CONJUVE) atendem as formulações elaboradas pela UNESCO.
A partir daí, a Política Nacional da Juventude assume como principal linha de ação os
programas emergenciais focados na parcela da população jovem de maior vulnerabilidade, ou
seja, a juventude pobre e trabalhadora. Porém, a estratégia agora inclui também ações em que
o jovem é chamado a contribuir com o seu protagonismo, seja através de sua participação
“cidadã”, seja através do investimento em sua empregabilidade, pela elevação da sua
escolaridade e pela qualificação.

2007 – 2010 – Consolidação do Projovem como programa de referência e a


afirmação das políticas focais como principal orientação da política nacional de
juventude.

Dois anos após ter sido criada a Política Nacional de Juventude, permaneciam como
problemas a pouca articulação e integração entre os principais programas, o que implicava
necessidade de se rever o redesenho e a coordenação desses programas. Naquele momento,
através de cinco ministérios diferentes, o governo federal executava, seis programas
emergenciais voltados para a juventude de baixa escolaridade e reduzida capacitação
profissional, portanto, excluída do mercado de trabalho: ProJovem – Secretaria-Geral da
Presidência da República/Secretaria Nacional de Juventude; Consórcio Social da Juventude e
Juventude Cidadã – ambos do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) Agente Jovem –
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS); Escola de Fábrica –
Ministério da Educação (MEC); e Saberes da Terra – Ministério da Educação e Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA). De acordo com Silva e Andrade (2009):
Esses programas tinham em comum a atenção para ampliação da escolaridade e
formação profissional e o repasse de diferentes auxílios financeiros aos jovens, como
contrapartida de sua participação nas atividades oferecidas. Entretanto, a execução e a
gestão destes não se davam de forma integrada e coordenada, sendo que nenhum tinha
capacidade de atender universalmente todos os jovens considerados excluídos e que,
portanto, eram público-alvo dos programas. Caracterizavam-se, de forma geral, por ações
pontuais, fragmentadas e paralelas. [...] Contudo, as recomendações de extinções, fusões ou
readequação de ações anteriores visando à melhoria da gestão encontraram grande
resistência por parte dos órgãos executores dos diferentes programas existentes. Tal
resistência não é um fato novo ou inusitado, pois, em geral, as recomendações de extinções,
fusões e incorporações de ações e programas executados por órgãos diferentes não
raramente são rechaçadas. Via de regra, os argumentos da racionalidade técnica e da
melhoria de gestão, que resultariam na possibilidade de atender maior número de jovens sem

254
que fosse necessário aumentar os recursos na mesma proporção, são descartados frente ao
forte apego institucional que leva diferentes órgãos e forças políticas representadas a
competir entre si pela marca de programas próprios e pelas diferentes formas de atuação e
gestão. Este ambiente acaba se tornando pouco propício à promoção de mudanças e
inovações. Com efeito, o processo pode resultar inócuo ou, na melhor das hipóteses, trazer
reduzida repercussão sobre os problemas que precisam ser sanados, se, diante de tais
dificuldades, não existir imperativa determinação superior de introduzir as alterações
necessárias. (IPEA, 2009, p. 53)

No embate estabelecido, a opção adotada foi manter todos os programas e ações


citados abrigando-os sob o mesmo “guarda-chuva” e conferindo uma aparente integração.
Assim, o novo Projovem ou ProJovem Integrado resulta da unificação de seis programas já
existentes – ProJovem, Agente Jovem, Saberes da Terra, Escola de Fábrica, Consórcio Social
da Juventude e Juventude Cidadã – e está subdividido em quatro modalidades: i) ProJovem
Urbano – serviço socioeducativo; ii) ProJovem Trabalhador; iii) ProJovem Adolescente; e iv)
ProJovem Campo – Saberes da Terra. Destinado a jovens de 15 a 29 anos, o ProJovem
Integrado entrou em vigor a partir de 1º de janeiro de 2008 com objetivo de promover sua
reintegração ao processo educacional, sua qualificação profissional e seu acesso a ações de
cidadania, esporte, cultura e lazer. A gestão do programa é compartilhada entre a Secretaria-
Geral da Presidência da República – por meio da Secretaria Nacional de Juventude –, o MTE,
o MDS e o MEC
Apesar da nova configuração, permanecem problemas antigos como a fragmentação e
superposição de programas e a ausência de unidade entre os mecanismos de decisão,
formulação e implementação das políticas.

b) Política e Ideologia: a Juventude em Disputa

O desenho da Política Nacional de Juventude foi sendo redefinido e reconstruído ao


longo dos oito anos do governo Lula, a partir da supressão e da incorporação de programas
dispersos em vários ministérios e com focos diferenciados, a uma linha bem definida de ação
cuja expressão máxima pode ser encontrada no Programa Nacional de Inclusão de Jovens
(PROJOVEM) em sua mais atualizada versão. Ainda que se verifique a superposição de
alguns programas e uma falta de organicidade entre os mecanismos de gestão e
implementação, é possível afirmar que a Política Nacional de Juventude tem como linha
255
mestra ações que visam os jovens em situação de risco social numa perspectiva de acesso a
uma cidadania restrita na qual, a qualificação para o trabalho simples, a formação aligeirada e
de pouca qualidade e o estímulo à participação cidadã, entendida como ação comunitária e
voluntarismo, constituem o seu tripé fundamental. Sob o pretexto de promover o
protagonismo juvenil, essa política esconde em sua face oculta, os conflitos de classe gerados
pelo modelo econômico vigente e procura conformar a Juventude a uma sociedade de classes
excludente que tem como uma de suas principais marcas, o desemprego e a precarização das
relações de trabalho.
Atuando como porta-vozes dos centros hegemônicos do capital, organismos
internacionais como a ONU, a UNESCO e a CEPAL procuraram disseminar em países
periféricos e de capitalismo dependente uma visão idealizada e ideologizada do jovem
enquanto ator estratégico do desenvolvimento, a quem caberia o papel de protagonista numa
sociedade marcada pela inovação e pelas constantes e aceleradas mudanças tecnológicas.
Assim, numa recente publicação da UNESCO justifica-se a participação dos jovens como
sujeitos de direitos e atores estratégicos do desenvolvimento:

[...] por que os jovens? Porque, além do direito ao desenvolvimento de um capital


cultural e social, eles e elas podem ser e estar mais preparados do que muitos adultos para
lidar com as novas tecnologias, porque não estão ligados a compromissos e interesses sobre
a reprodução do status quo, e porque muitos estão dispostos a trabalhar pela transformação
das “regras do jogo” que não os contemplam adequadamente e que, portanto, não os
apóiam. Definitivamente, porque muitos deles são portadores de uma perspectiva diferente, e
têm um compromisso com a justiça, a paz, a democracia e a liberdade. (UNESCO, 2004, p.
133)

Afirmações dessa natureza carecem de um maior embasamento, e parecem


ideologicamente orientadas por uma visão pueril, descontextualizada e elitizada de juventude
que conquanto não expresse a complexidade e a diversidade da condição juvenil, ganha força
como constructo ideológico que, a despeito dos recortes de classe, deixa entrever a ideia de
que o potencial do desenvolvimento econômico e social de um país tem nos jovens um
elemento catalisador. Esse discurso, propalado em forma de apelo social e que não ultrapassa
o senso comum, teve forte penetração nos países da América Latina nos anos 90 e tem tido
influência significativa na história recente da política para juventude no Brasil.
Assim é que muitas das orientações contidas no relatório da Unesco “Políticas
Públicas de/para/com Juventudes”, foram adotadas no momento em que se estabeleceu um
marco referencial para Política Nacional de Juventude. Esse processo que foi antecedido pela
256
criação do Grupo de Trabalho Interministerial de Políticas para a Juventude e pela Comissão
Especial sobre Políticas para Juventude da Câmara dos Deputados contou também com
assessoramento técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), com a
participação ativa do Instituto Cidadania (ONG que se dedica à geração de propostas de
políticas públicas) que elaborou o documento intitulado Projeto Juventude e com a
colaboração da UNESCO, que inclusive acompanhou viagens de estudo a países europeus de
integrantes da citada Comissão. As recomendações contidas nos documentos elaborados pela
UNESCO e pelo Instituto Cidadania serviram de base para a criação em 2005, da Política
Nacional da Juventude, que também teve como importantes marcos a criação da Secretaria da
Juventude e da CONJUVE (Conselho Nacional da Juventude). Porém, foi a partir do
redirecionamento do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (PNPE) e da
criação do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (PROJOVEM) que se consolidaram as
ações mais afinadas com as orientações prescritas, mormente pela UNESCO.
No caso do PNPE, o que se verificou foi o deslocamento das ações antes voltadas
prioritariamente para subvenção às empresas (no sentido de fomentar a contratação de jovens
sem experiência) para ações de qualificação profissional e participação cidadã de grupos em
situação de vulnerabilidade social. Esse redirecionamento se deu através da transferência de
recursos para ONGs, através de conglomerados chamados de Consórcios da Juventude, que
ficaram responsáveis pela qualificação social e profissional e pela inserção de uma
porcentagem dos egressos dos cursos no mercado de trabalho ou em formas alternativas de
geração de emprego e renda. O pressuposto, endossado nos documentos da UNESCO e do
Instituto Cidadania, é de que as Organizações da Sociedade Civil possuem experiência
acumulada na atuação com jovens quilombolas, indígenas, portadores de necessidades
especiais, marginalizados, ou em conflito com a lei, estando, portanto, em condições de
alcançar esses jovens que por sua condição socioeconômica têm dificuldade de acessar o
Sistema Nacional de Emprego (Sine).
No caso do PROJOVEM, o programa aparece claramente referenciado no documento
da UNESCO que recomenda ações que conjuguem concessão de bolsas, elevação da
escolaridade, qualificação profissional e participação cidadã e que devem ser dirigidos aos
jovens em condição de risco social. Há inclusive um capítulo dedicado às “experiências bem-
sucedidas na América Latina” em que programas, nos mesmos moldes como o CHILE
JOVEM e PROJOVEM (implementados no Uruguai e no Peru) são ressaltados como modelos
de políticas de inserção social.

257
Há de se ressaltar que mesmo antes do PROJOVEM já havia previsão de aplicação de
recursos em ações voltadas para qualificação profissional, projetos juvenis e concessão de
bolsas, mas estas estavam colocadas no contexto da Educação Básica, particularmente o
Ensino Médio. Assim, no Plano Pluri Anual 2004-2007 verifica-se a previsão de recursos da
ordem de R$ 1.547 bilhões para o programa Escola Básica Ideal (UNESCO, 2004). É
interessante notar que este valor é aproximadamente cinco vezes maior do que os R$ 300
milhões garantidos pelo orçamento geral da União em 2005 para a execução do PROJOVEM.
Infelizmente, faltam dados que nos ajudem a confirmar se os recursos previstos para o
“Escola Básica Ideal” tiveram como destinatários os jovens do ensino médio (o programa
previa concessão de bolsas de R$ 100,00) ou se o governo optou posteriormente pelo
PROJOVEM como forma de focalizar um grupo mais específico.
O fato é que de uma forma ou de outra, não só os programas PROJOVEM e PNPE se
conformam bem as orientações contidas nos documentos citados, como estão alicerçados em
construtos ideológicos reiterados pelos organismos internacionais com especial destaque para
a noção de capital social, competências, protagonismo juvenil, ação comunitária,
responsabilidade social e participação cidadã.
Mesmo correndo o risco de tornar exaustivo, trataremos agora de algumas dessas
categorias tais como aparecem na bibliografia consultada procurando também identificar
como elas se materializam nas políticas, ações e programas criados a partir do marco
referencial da Política Nacional de Juventude.

c) Políticas Públicas De/Para/Com As Juventudes. Mas Que Juventudes?

O documento de duzentos e noventa e cinco páginas da UNESCO sinaliza para a


emergência dos jovens enquanto atores estratégicos do desenvolvimento e da sociedade do
conhecimento. Recomenda que a promoção do chamado protagonismo juvenil seja visto não
como gasto, mas como investimento em capital humano.
O investimento em recursos humanos é um elemento central do processo de
crescimento econômico sustentável e para o bem-estar social, tanto pelos rendimentos
crescentes sobre os níveis de produtividade como pelas externalidades associadas à melhoria
de seus atributos. De um lado, os dois fatores-chave para a adequada formação de recursos
humanos são a educação e a saúde. (Idem, 2004, p.145)

O chamado protagonismo juvenil relaciona-se diretamente com a noção de capital


humano e se configura enquanto noção orientadora das políticas para a juventude juntamente
258
com a noção de jovem enquanto sujeito de direitos (numa perspectiva restrita, como veremos
adiante) e a com a dimensão da vulnerabilidade social da juventude.
A forma como o protagonismo deve ser fomentado passa, segundo o relatório, pela
ampliação das competências e habilidades pessoais, pela ação comunitária e participação
cidadã e ainda pela ampliação do capital social.
As habilidades pessoais são aquelas consideradas essenciais e se definem a partir dos
quatro pilares da educação elencados pelo relatório para a UNESCO da Comissão
Internacional sobre Educação para o Século XXI (DELORS, 1999). Descritas como
habilidades para a vida expressam mais o perfil de conformação e adequação psicofísica
exigido pela nova sociabilidade do capital, definindo-se como:1) habilidades sociais e
interpessoais, incluindo comunicação, habilidades de recusa, agressividade e empatia; 2)
habilidades cognitivas, incluindo tomada de decisões, pensamento crítico e autocrítica; 3)
habilidades para controlar emoções, incluindo o stress e o aumento interno de um centro de
controle. (Ibidem. p.145)

Em nossas pesquisas temos verificado que essas habilidades têm sido enfocadas direta
ou indiretamente nos cursos do PROJOVEM e nos cursos de qualificação social promovidos
pelos Consórcios da Juventude. Nestes últimos, por terem como sujeitos, grupos mais
vulneráveis, constata-se uma ênfase maior em aspectos comportamentais (como se vestir e se
portar numa entrevista, ser mais tolerante, compreensivo, etc..) que embora não sejam
suficientes para promover uma maior inserção laboral parecem contribuir para uma maior
sociabilidade dos jovens junto a suas comunidades. Contudo, insistimos mais uma vez que, se
trata de uma estratégia de minimização dos conflitos de classe e de conformação ao contexto
social econômico excludente. Tendo como pano de fundo a desigualdade, essa linha de ação
procura também promover o resgate da auto-estima e frear o aumento da violência urbana.
Nesse caso, uma das alternativas mais eficazes encontradas pelo Estado para conter a
violência, se resume a retirar os jovens da situação de vulnerabilidade social. Essa condição
de vulnerabilidade social é caracterizada pela situação de exclusão dos jovens da escola e do
mundo do trabalho. Segundo dados do PNAD, em 2005, 22% dos jovens de 18 a 24 anos, não
trabalhavam, nem estudavam, estando incluídos, portanto, no grupo de maior risco social.
Este tem sido o público prioritariamente privilegiado em programas como o
PROJOVEM, o PNPE e o PROEJA (Programa Nacional de Integração da Educação
Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação Jovens e Adultos). É

259
interessante notar que o PROUNI, embora não seja declaradamente um programa dirigido
exclusivamente ao público jovem (assim como o PROEJA), tem atingido majoritariamente os
jovens egressos do Ensino Médio, tomando inclusive as notas do ENEM como critério de
elegibilidade. Apesar disso, não encontramos referências a este programa na bibliografia
consultada sobre as políticas públicas para a Juventude no governo Lula. Interpretamos essa
ausência como mais uma demonstração de que as “políticas para a juventude” têm sido
entendidas como “políticas para jovens em situação de risco social” com um recorte bem
específico (jovens negros das periferias das grandes metrópoles, fora do mercado de trabalho
e da escola) , no qual o público atingido pelo PROUNI não se enquadra. O “esforço” da
Política Nacional de Juventude tem sido o de retirar os jovens da situação de risco oferecendo
alguma alternativa ao tráfico, à delinqüência e ao abandono social.
Contudo, permanece o paradoxo: como reduzir a vulnerabilidade social dos jovens em
situação de risco se ela tem como principal determinação a exclusão do sistema formal de
emprego? O quadro delineado pelo desemprego juvenil não inspira nenhum otimismo nem
mesmo por parte da UNESCO:

O desemprego juvenil, que sempre foi alto, vem crescendo nos últimos anos,
passando, na faixa etária de 15 a 17 anos, de 29,8% em 2001 para 34,5% em 2002 e a 37,9%
em 2003, enquanto na faixa de 18 a 24 anos, as cifras passaram de 19,6%, a 21,4% e a
23,5%, respectivamente (OIT, 2003). Seria difícil intervir, a partir das políticas públicas, de
modo a alterar esse quadro, embora as iniciativas em andamento (Primeiro Emprego,
Empreendedorismo etc.) certamente alcançarão melhoras, pelo menos em termos da
empregabilidade dos jovens, aumentando suas condições de competir no mercado pelas
vagas disponíveis (Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego 2003b apud UNESCO, 2004,
p.206).

A solução sugerida para uma sociedade em que o direito ao emprego ainda não está
garantido limita-se então, por um lado, a promessa de empregabilidade, mesmo que às custas
de uma formação aligeirada e de uma duvidosa qualificação profissional, e por outro, na
tentativa de conformar os jovens à sociabilidade exigida pelo capital, minimizando os
possíveis focos de conflitos através da promoção de uma cultura de paz e de ações como a
atuação comunitária, o trabalho voluntário e a participação cidadã (nos limites de uma
cidadania restrita). Nesse sentido, a UNESCO assevera que:

Uma abordagem participatória juvenil contribui para estimular o interesse dos jovens
e seu senso de responsabilidade bem como aproveitar as idéias inovadoras e abordagens
criativas em projetos ou programas. A participação cidadã e o voluntariado juvenil podem se
260
converter em opção para incentivar a solidariedade, bem como contribuir para que a
comunidade perceba que é possível melhorar a sua qualidade de vida, a partir do
desenvolvimento de práticas, nas quais todos podem se envolver de forma criativa.
(UNESCO, 2004, p.156)

O texto também faz recomendações mais detalhadas para implantação de políticas de


participação juvenil, que em grande escala:

[...] poderia se dar em distintos tipos de programas. Para que tal perspectiva se
cumpra, alguns benefícios devem ser garantidos tais como bolsas de estudo, estágios ou
colaboração econômico-financeira para os jovens sem condições econômicas para tanto.
Desta forma, se qualifica o que se entende por voluntariado e participação, enfatizando-se
que, para tanto, é preciso ter recursos e condições de “empoderamento” e pertencimento.
(ibidem, p. 154)

Vimos com restrições essa forma de estímulo à participação, pois entendemos que a
adesão não é algo que possa ser imposto sem o engajamento do indivíduo. Também não
consideramos do ponto de vista ético, desejável que a participação possa ser barganhada em
troca de bolsas ou de cursos de qualificação profissional. A participação legítima deve se dar
principalmente em espaços onde os conflitos possam ser vivenciados na sua dimensão
política, como exercício de direito e não como um protocolo ou dever.

d) A Política Nacional De Juventude Nos Limites Da Cidadania Restrita.

Este foi, de fato, o caminho adotado pelos programas voltados para a juventude que
tem a ação comunitária como um dos seus eixos, como é o caso PROJOVEM e do PNPE: o
estímulo à participação nos limites da cidadania restrita ou como afirma Gohn (2002, p.95)
apud Ventura (2008) da “cidadania outorgada, de cima para baixo, que promove a inclusão de
indivíduos a uma rede de serviços de forma assistencial, em que os novos cidadãos se
transformam em clientes de políticas públicas administradas pelas entidades do Terceiro
Setor”.
Pensadas como formas de gerenciar o risco social e a miséria, o estímulo à ação
comunitária, à participação e ao voluntarismo surgem como alternativas às diferentes
estratégias de controle do tempo livre dos jovens que têm sido colocadas em ação pelos
Governos e agências multilaterais desde a década de 80. Porém, considerando que essas ações
empreendidas pelo Estado no sentido de reduzir o “risco social” sejam ainda insuficientes,

261
ganha importância cada vez maior a ampliação do capital social dos jovens, a partir da
constatação de:

[...] que os recursos à disposição do Estado são insuficientes para, sozinhos,


promoverem a superação da vulnerabilidade e de suas conseqüências, em particular a
violência, Abramovay et al. (op.cit.) advogam o fortalecimento do capital social intergrupal,
através do aumento da participação e valorização das formas de organização expressão dos
jovens, como estratégia de ação para envolver a sociedade e seus recursos na busca de
soluções para o problema. (Ibidem, p.218)

Atribuindo parte da responsabilidade pela sua situação de vulnerabilidade ao jovem e a


sua comunidade, essas prescrições também vêem na ampliação do capital social individual,
um fator fundamental para a empregabilidade, que “empoderaria” magicamente o indivíduo
dotando-o de auto-estima, criatividade, sociabilidade, e competência para lidar com riscos e
vínculos, numa perspectiva que mercantiliza até mesmo as relações pessoais.
Assentada sob as bases desses construtos ideológicos as políticas focalizadas assumem
como principal função conformar os jovens para a nova sociabilidade do capital. Entretanto,
como forma de ocultação do seu verdadeiro caráter, encontra na crítica à centralização em
nível federal e na incapacidade dos segmentos mais pobres de se beneficiar dos serviços
ofertados um álibi “plausível’:

Na América Latina, as avaliações deixaram entrever as limitações dos enfoques


pretensamente universais, que na realidade só beneficiaram os jovens integrados de estratos
medianos e altos. Isto é, os mais bem preparados para aproveitar os serviços que oferecem as
políticas públicas universais ou os mais aptos a utilizar os serviços que são regulados pelo
mercado. Outra limitação são os enfoques centralizados em nível federal, que não utilizam a
potencialidade existente em nível local, cujas instituições e serviços podem estar mais
próximos de problemas vividos pelos jovens. As políticas mais recentes tentam focalizar
esforços nos setores juvenis que enfrentam mais dificuldades e carências, e desenvolver
ações municipais relacionadas à juventude, a partir de ações descentralizadas em termos de
gestão pública. (Ibidem, p. 34, grifo nosso)

A política de caráter focal é entendida como uma estratégia de promoção da equidade


a partir da constatação de que as políticas universais não são em essência democráticas. Não
fica claro o que se quer dizer com “estar bem preparado para aproveitar os serviços que
oferecem as políticas públicas”. Entretanto, o que podemos depreender é que essa limitação
talvez tenha mais a ver com a disponibilidade dos serviços do que com a falta de preparação
dos grupos mais pobres. Por disponibilidade compreendemos não só o acesso facilitado aos
serviços, mas também e, principalmente, a disponibilidade de informações sobre eles. Mas
262
ainda que aceitemos o argumento de despreparo dos jovens para aproveitar os serviços não
teríamos que admitir que ela também decorra da não universalização do ensino de qualidade?
E se isso é verdade não se justificaria então o esforço para efetivá-la ou invés de se propor
medidas compensatórias?
Outra questão que diz respeito à excessiva centralização merece uma apreciação
cuidadosa, mas ela não pode servir de pretexto para a transferência de recursos para o terceiro
setor como se este fosse inerentemente dotado de uma maior competência técnica para
efetivar ações junto à juventude e gerar recursos. De fato, parece ter sido esse o entendimento
do governo quando ampliou a participação do terceiro setor, através dos Consórcios da
Juventude, na qualificação dos jovens pertencentes a grupos de maior “vulnerabilidade
social”. Porém, conforme destaca Kuenzer (2006) o controle e a avaliação da aplicação desses
recursos e a sua eficácia social, realizados sob o ordenamento jurídico privado, fogem aos
controles da União. Diante da obrigação de inserir 30% dos jovens qualificados “presta-se
relatórios meramente formais, sem que se tenha indicadores de qualidade e efetividade social,
e, por conseqüência, do bom uso dos recursos públicos. (KUENZER, 2006, p. 23)

e) A Juventude Face aos Discursos sobre a Juventude

Ao adotar a perspectiva proposta pelos Organismos Internacionais, mormente a


UNESCO, o Estado endossa uma orientação ideológica (que tem no neoliberalismo sua maior
expressão) na qual, problemas de ordem macro social e econômica, como o desemprego e a
educação, têm sua responsabilidade transferida da esfera pública para a esfera privada, ou
melhor, para a esfera individual. Isso não significa que o Estado esteja completamente ausente
ou que tenham saído de cena, mas a sua atuação está orientada para incluir os segmentos que
se encontram a margem das esferas de produção e consumo, mesmo que estes permaneçam
excluídos da esfera dos direitos. Caberia então ao Estado “corrigir” distorções que escaparam
da mão invisível do mercado, recolocando nos trilhos, os vagões que seguirão no trem do
desenvolvimento. Nessa perspectiva compensatória conforme afirma Ramonet (1998, p.60):
“Os poderes públicos não passam, na melhor das hipóteses, de terceirizadores da empresa. O
mercado governa. O governo gere”. Os jovens são instados a condição de permanente
competição, na qual os discursos apologéticos em favor de um cultura solidária, do
voluntariado e da ação comunitária se orientam apenas para os interesses mais imediatos da
sobrevivência e dissimulam o verdadeiro caráter das políticas focais: a negação do direito ao

263
emprego e à educação de qualidade, num processo que Kuenzer prefere chamar de inclusão
excludente:
Já do ponto de vista da educação, estabelece-se um movimento contrário,
dialeticamente integrado ao primeiro: por força de políticas públicas “professadas” na
direção da democratização, aumenta a inclusão em todos os pontos da cadeia, mas
precarizam-se os processos educativos, que resultam em mera oportunidade de certificação,
os quais não asseguram nem inclusão, nem permanência. Em resumo, do lado do mercado,
um processo de exclusão includente, que tem garantido diferenciais de competitividade para
os setores reestruturados por meio da combinação entre integração produtiva, investimento
em tecnologia intensiva de capital e de gestão e consumo precarizado da força de trabalho.
Do lado do sistema educacional e de Educação Profissional, um processo de inclusão que,
dada a sua desqualificação, é excludente. (Kuenzer, 2006, p.2-3).

A face mais perversa desse duplo processo se revela subjetivamente e objetivamente


na situação de provisoriedade, nas aflições, e principalmente nos medos dos jovens de não
corresponderem às expectativas que a sociedade, a família e a que eles próprios se colocam
em relação a sua posição social, seu emprego, suas necessidades de sobrevivência e suas
aspirações de vida. A juventude brasileira tem se defrontado cada vez mais cedo com a
necessidade de fazer escolhas. Escolhas difíceis que vão desde a opção por trabalhar, estudar
ou conciliar as duas atividades, até definir a carreira profissional que deverá seguir. Escolhas
que são cada vez mais orientadas por questões de sobrevivência e perspectivas de inserção no
mercado de trabalho do que por projetos pessoais. Escolhas que as condições de classe vão
transmutando em imposições e que dizem respeito a uma sociabilidade que tem no mercado a
sua principal referência. Revitalizada por novos constructos ideológicos a Teoria do Capital
Humano se mostra presente na disseminação dessa nova sociabilidade que exige não só
competências profissionais básicas, mas também as competências atitudinais, numa espécie
de conformação ideológica na qual a própria subjetividade humana é encarada como fator de
produção. O discurso produzido pelas agências internacionais, e por seus intelectuais
orgânicos, que colocam o jovem na condição de protagonistas do desenvolvimento, também
implica responsabilidade por sua empregabilidade, na busca por desenvolver atitudes e
competências que o permitam competir no mercado. Num recente artigo publicado pela
revista Onda Jovem, produzida pelo Instituto Votorantim e direcionada ao público juvenil,
José Pastore, importante economista brasileiro, dita em tom imperativo algumas dessas
atitudes que o jovem deve adotar para se adequar às exigências do mercado. Embora longo,
permito-me citar o trecho que expressa de modo emblemático como esse discurso tem
chegado aos jovens.

264
O mercado de trabalho está se tornando cada vez mais exigente. As empresas não
contratam diplomas, currículos ou recomendações. O tempo do pistolão e do
apadrinhamento acabou. As empresas querem respostas, por isso contratam profissionais
curiosos, com capacidade de apreender continuamente. Daí a importância da boa formação.
Você que é jovem, leve isso em conta. Quando o professor pedir para ler um livro, leia dois.
Quando pedir dois, leia quatro. Crie o hábito de estudar por conta própria. Aproveite todos
os momentos de folga para aprender, aprender e aprender. Se o emprego está difícil para
quem estuda, imagine as dificuldades para quem vive nas trevas. Portanto, defina sua meta e
procure ficar sempre acima da média da classe. O mercado de trabalho tem sido rigoroso
também em matéria de conduta. Não basta dominar os conhecimentos da sua profissão. Você
precisa gostar do que faz. E fazer tudo com carinho, zelo, perseverança e comprometimento.
Se você trabalhar como empregado, os seus supervisores estarão de olho no seu modo de
encarar suas tarefas. Se você trabalhar por conta própria, os seus clientes esperam
competência, atenção, cordialidade e demonstração de que você faz o seu serviço com
prazer. O mundo do futuro estará cada vez mais atento às condutas e aos hábitos dos
profissionais. (Pastore, 2005, p. 29)

Embora, as mudanças na base produtiva, conquanto tenham como condições para se


efetivar um novo tipo de trabalhador, não exigiram de fato uma mudança paradigmática para
o todo o conjunto de trabalhadores, as proposições subjacentes ao modelo toyotista têm sido
apropriadas como discurso em torno das novas competências, da empregabilidade e da
formação continuada. Esse discurso ganha força à medida que aumenta o desemprego entre os
jovens, o que resulta também numa procura cada vez mais acentuada por certificados e
diplomas que elevem a qualificação e o nível de escolaridade dos trabalhadores, o que por sua
vez impulsiona o crescimento do mercado educacional.
Entretanto, ao contrário do que apregoa a teoria do capital humano, a elevação do
nível de escolaridade não se traduziu em menores taxas de desemprego. Segundo Pochmann
(2008) se em 1995 apenas 37,7% dos desempregados possuíam o Ensino Básico completo, em
2004 a massa de desempregados com oito anos de estudo passou a 60,2 %. Neste mesmo
período, o desemprego entre aqueles que possuem nível universitário subiu de 98 para 247
mil, um número quase três vezes maior. O que esses números demonstram não é apenas um
aumento do desemprego nas faixas de escolaridade maior, mais do que isso revelam que, a
despeito da elevação da escolaridade da população em geral, o desemprego continua atingindo
os mesmos segmentos de classe, o que contradiz o discurso que associa maior escolaridade
com maiores possibilidades de ascensão social. Na verdade, podemos constatar hoje que o
capital continua dispondo de um imenso exército de reserva, mas agora com nível de
qualificação bem acima do exigido pelas características da maioria dos postos de trabalhos
que vem sendo criados, o que põe em cheque a apologia ao novo perfil profissional de

265
trabalhador polivalente e com as múltiplas competências demandadas pela nova base técnica
da produção. Como bem resume Paranhos:
Embora estes requisitos profissionais representem as exigências de um núcleo de
ocupações superiores e estáveis que decai progressivamente, o avanço tecnológico não
implica necessariamente a maior complexidade dos postos de trabalho, pelo contrário, para
imensa maioria dos empregos criados nas últimas décadas, a qualificação não se coloca
como problema. Contudo, as empresas elevam cada vez mais os critérios de seleção para a
contratação mesmo para o desempenho de atividades simples e rotineiras, tornando o padrão
de acumulação flexível a base da demanda pela elevação da escolaridade e da qualificação
dos trabalhadores. A carência de mão-de-obra qualificada para o trabalho complexo aparece
muito mais como uma construção social e ideológica, ou seja, como estratégia de
conformação e adaptação dos indivíduos à sociabilidade neoliberal, do que uma necessidade
real da produção. (Paranhos, 2010, p.40)

Entretanto, longe de ser uma estratégia eficaz para a inclusão social e promoção do
emprego e da vida digna para a juventude brasileira, esses programas têm se limitado a
equacionar déficits educacionais, numa perspectiva compensatória, oferecer uma qualificação
profissional estreita e de qualidade duvidosa e tentar criar uma cultura de participação sempre
restrita aos contextos locais e a demandas particularistas. O horizonte que esta colocado é o de
adequação ao modelo econômico vigente, em que a garantia do emprego é substituída pela
promessa de empregabilidade. Novas e antigas noções ideológicas ajudam a cimentar a idéia
de que cabe aos jovens, no seu papel de “protagonista” ou de “ator estratégico do
desenvolvimento”, encontrar alternativas criativas para sua inserção produtiva seja através da
ampliação do seu capital social, do empreededorismo, do cooperativismo ou simplesmente
investindo nas competências que o mercado valoriza.
Na verdade, não havendo condições de oferecer perspectivas de inserção no mercado
de trabalho, o que se busca é dar a juventude, alguma expectativa, que conquanto não garanta
o acesso ao mercado formal, ao menos evite que os jovens se envolvam em situações de risco
social, o que em última instância traria como conseqüências o aumento dos índices de
violência e uma maior desagregação do tecido social.
Em que pesem as críticas realizadas pela OIT no relatório trabalho decente e
Juventude, em sua avaliação final o eixo da política nacional de juventude estruturado pelas
noções de oportunidades e direitos estão, de acordo com o relatório, em consonância com os
“compromissos assumidos em foros nacionais e internacionais, entre os quais se destaca a
Agenda Hemisférica de Trabalho Decente (AHTD) que define como objetivo “melhorar a
formação e a inserção dos jovens no mercado de trabalho e, como meta, reduzir à metade a
proporção de jovens que não estudam e não trabalham em um prazo de 10 anos”. Na
266
perspectiva adotada pela Política Nacional de Juventude, garantir oportunidades e direitos são
entendidos como “ofertar meios para a aquisição de capacidades e para sua utilização, e de
serviços que atendam às diferentes necessidades dos jovens de ambos os sexos”. De fato,
ofertar e melhorar parecem palavras adequadas para a noção de direito que emerge desses
documentos: o direito a uma cidadania restrita que se não pode garantir a universalização do
ensino de qualidade e o pleno emprego, oferece como prêmio de consolação políticas
compensatórias e focais e a promessa da empregabilidade.

267
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279
ANEXOS

1.Quem somos e para onde vamos? Clássicos e contemporâneos do pensamento


social crítico brasileiro ( DVDs) . Já enviado ao CNPq.

2. Juventude com vida provisória e em suspenso. ( DVD) Já enviado ao CNPq)

280
3. Os circuitos da história e o balanço da educação no Brasil na primeira
década do século XXI.

Introdução.

A história nunca se fecha por si mesma e nunca se fecha para sempre.. São os homens, em
grupos e confrontando-se como classes em conflito, que ´fecham´ ou ´abrem´ os circuitos da
história. (Florestan Fernandes. Os circuitos da história. São Paulo, HUCITEC, 1977, p.5)

Tenho a dimensão da responsabilidade pela tarefa que assumi, tanto pela abrangência
do tema, complexidade do conteúdo e delicado momento político que vivemos, quanto pelo
desafio de ser para quem se destina esta conferência. Falar aos próprios pares, sem dúvida,
traz a vantagem de debater com interlocutores que se ocupam do tema, mas, exatamente por
isso, a exigência torna-se mais aguda e espinhosa.
Só posso explicar o lapso de insanidade ao aceitar o convite por tê-lo interpretado
como uma tarefa para quem, ainda como aluno de pós-graduação em 1976 esteve no processo
de debates que levaram à criação da ANPED, fundada em 1978. Mas neste momento isto não
é um consolo e nem me retira o compromisso e a responsabilidade. E fiel a eles, posso
adiantar: o que busco nesta exposição não é o consenso balofo, mas o dissenso crítico.
Não só pelo fato de estarmos vivendo o momento em que se completam 15 anos da
morte de Florestan Fernandes, mas pelo que representa sua contribuição intelectual para
entendermos o que somos e o que nos trouxe até aqui, eu o tomo como referência básica para
a leitura que faço da primeira década do século XXI, quanto à relação entre projeto societário
e educação.
Para Florestan, a história nunca se fecha por si mesma e nunca se fecha para sempre.
São os homens, em grupos e confrontando-se como classes em conflito, que ´fecham´ ou
´abrem´ os circuitos da história. (Fernandes, 1997:5)
Tal compreensão me conduz a uma exposição que se estrutura em três pontos: o
primeiro trata da indicação de alguns pressupostos e das opções e embates em torno do
projeto societário que marcam a conjuntura da década; o segundo, traçado justamente com
base nesses pressupostos e opções de projeto societário, engloba o balanço indicativo daquilo
que entendo ser marcante nesta década com respeito à educação; e, por fim, o terceiro ponto,

281
onde levanto algumas questões que nos afetam como ANPED e nos interpelam como
pesquisadores ou jovens em formação na pesquisa e pós-graduação na área.
Esses três aspectos não decorrem de uma eleição arbitrária, mas, sim, daquilo que
entendo seja a própria natureza de uma entidade que congrega pesquisadores e discute tanto
os pressupostos e método quanto os resultados de um trabalho específico que busca a
cientificidade do saber134 e, da mesma forma, o sentido histórico, social, cultural e ético-
político de sua produção.
Pela estrutura de minha fala que, de saída, apresentei, os colegas já podem perceber
que minha opção para a elaboração do balanço refere-se muito mais a um roteiro indicativo
que pode-nos permitir uma leitura histórica desta conjuntura do que à aventura de fazer
superficialmente um outro tipo de balanço, trazendo aqui uma espécie de estado da arte do
que foi produzido, na sua maior parte justamente pelos que me estão escutando, sobre o que
ocorreu na área de educação durante o período. Esta não é tarefa a ser vencida numa
conferência, mas por uma pesquisa de vários anos.

1. De que pressupostos parto e qual a opção de projeto societário marca esta década?

Qualquer que seja o objeto de análise no campo das ciências humanas e sociais que se
queira tratar no plano da historicidade, vale dizer, no campo das contradições, mediações e
determinações que o constituem, implica necessariamente tomá-lo na relação inseparável
entre o estrutural e o conjuntural. Por outra parte, implica tomar o objeto de análise não como
um fator, mas como parte de uma totalidade histórica que o constitui, na qual se estabelecem
as mediações entre o campo da particularidade e sua relação com uma determinada
universalidade.
Assim sendo, entendo que a década de 2001 a 2010 não se interpreta nela mesma e,
tampouco, pelo que nela se fez, mas pela natureza deste fazer e das forças sociais que o
materializam para além das intenções e do discurso. A este auditório, mormente à geração a
que pertenço, mas não só, caberia, quiçá, enfrentar o mesmo desafio intelectual e político que
Florestan Fernandes (1977) enfrentou ao fazer o balanço de sua geração. Assim é que
relembro, aqui, para todos nós, que Florestan, ao definir a sua geração como geração perdida,

134
Ver a esse respeito a discussão “Marx e a cientificidade do saber” (Barata-Moura, 1997: 69-148) na qual é
feita distinção entre a ciência como força produtiva e a cientificidade do saber.
282
interroga sobre o que pretendiam, por que falharam e quais lições poderiam ser tiradas para o
futuro.
O que pretendo demarcar é que, como conjuntura, a década começa em janeiro de
2003, com a posse do atual governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, já que não é o
tempo cronológico que define uma conjuntura, mas a natureza dos acontecimentos e dos fatos,
e as forças sociais que os produzem.
O começo, em janeiro de 2003, traduz-se no fato de que, não obstante as diferenças
entre a eleição de 1989 e a de 2002, as forças sociais progressistas que conduziram ao poder o
atual governo tinham, em sua origem, a tarefa de alterar a natureza do projeto societário, com
consequências para todos as áreas. Francisco de Oliveira sintetiza qual era a tarefa e o seu
sentido:
Na periodização de logue duré brasileira, a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para
a Presidência da República, ancorada na excepcional performance do Partido dos
Trabalhadores e de uma ampla frente de esquerda, tem tudo para ser uma espécie de quarta
refundação da história nacional, isto é, um marco de não retorno a partir do qual impõem-se
novos desdobramentos. (...). É tarefa das classes dominadas civilizar a dominação, o que as
elites brasileiras foram incapazes de fazer. O que se exige do novo governo é de uma
radicalidade que está muito além de simplesmente fazer um governo desenvolvimentista
(Oliveira, 2003, p.3)

Uma ampla produção crítica, a começar pela do próprio Oliveira, permite-nos


sustentar que, por diferentes razões e determinações, 135 não ocorreu o caminho do não retorno
e a opção esteve centrada na realização de um governo desenvolvimentista. A radicalidade a
que o autor se refere, no contexto das forças em jogo, seria uma opção clara de efetivação de
medidas políticas profundas capazes de viabilizar a repartição da riqueza e suas
consequências em termos de reformas de base na confrontação do latifúndio, do sistema
financeiro e do aparato político e jurídico que os sustentam.
Entre os novos desdobramentos poderia estar aquilo que os clássicos brasileiros do
pensamento crítico definiram como revolução nacional, capaz de abrir amplo acesso aos bens
econômicos, sociais, educacionais e culturais por parte da grande massa até hoje submergida
na precária sobrevivência e com seus direitos elementares mutilados. Num horizonte mediato,
exorcizando o quanto pior melhor, tal revolução poderia propiciar o desenvolvimento das
condições para que a grande massa de trabalhadores viesse a se constituir, ela mesma, em

135
No espaço deste texto torna-se inviável expor essas razões e determinações. Para esse fim ver: Oliveira (2004
e 2010), Coutinho, (2006 e 2010) Frigotto (2005) e Paulani (2006 e 2008).

283
sujeito político, condição indispensável, como nos ensina Gramsci, para mudar um
determinado panorama ideológico, construir bases para relações sociais de novo tipo e de
caráter socialista.
Na lição principal para a sua geração, pensando em nossa realidade histórica, Florestan
qualifica esse movimento e o papel do intelectual ou da intelligentia crítica, lição que guarda
viva atualidade:

Não foi um erro confiar na democracia e lutar pela revolução nacional. O erro foi
outro – o de supor que se poderiam atingir esses fins percorrendo a estrada real dos
privilégios na companhia dos privilegiados. Não há reforma que concilie uma minoria
prepotente a uma maioria desvalida. (...) A causa principal consiste em ficar rente à maioria
e às suas necessidades econômicas, culturais e políticas: pôr o povo no centro da história,
como mola mestra da Nação. O que devemos fazer não é lutar pelo Povo. As nossas tarefas
são de outro calibre: devemos colocar-nos a serviço do Povo brasileiro para que ele adquira,
com maior rapidez e profundidade possíveis a consciência de si próprio e possa desencadear,
por sua conta, a revolução nacional que instaure no Brasil uma nova ordem social
democrática e um estado fundado na dominação efetiva da maioria. (Fernandes., 1977: 245-
6).

Ao assentar-se, e cada vez mais, na opção pelo desenvolvimentismo, o marco do não


retorno não foi construído na atual conjuntura e, por isso mesmo, não altera nem o tecido
estrutural de uma das sociedades mais desiguais do mundo nem a prepotência das forças que
historicamente o definem e o mantêm.
Para Florestan, o que se tem chamado de desenvolvimento, em realidade, tem sido um
processo de modernização e de capitalismo dependente em que a classe dominante brasileira,
minoria prepotente, associa-se ao grande capital abrindo-lhe espaço para sua expansão, o que
resulta na combinação de uma altíssima concentração de capital para poucos, com a
manutenção de grandes massas na miséria, o alívio da pobreza ou um precário acesso ao
consumo, sem a justa partilha da riqueza socialmente produzida136
Diferente, todavia, das análises que operam no plano antinômico entre uma abstrata
equação de continuidade ou descontinuidade, as quais, como bem nos alerta Fredric Jameson
(1977), inscrevem-se na ordem das abordagens lógicas e na retórica discursiva, a análise
136
Diferente da perspectiva da modernização, que concebe o desenvolvimento econômico e sociocultural de
forma linear e, mesmo, das análises da teoria da dependência, que apresentam a assimetria de poder entre países,
o conceito de capitalismo dependente explicita a compreensão da aliança, ainda que subordinada, das classes
detentoras do capital dos países periféricos com as classes detentoras do capital dos centros hegemônicos no
processo de expansão do capital. Nas sociedades de capitalismo dependente explicita-se um processo histórico
de desenvolvimento desigual e combinado. Vale dizer, nichos de altíssima concentração de capital e renda e
manutenção e ampliação de grandes massas na miséria ou nos limites da sobrevivência. Ver, a esse respeito,
Fernandes (1975) .
284
materialista histórica, terreno da contradição137, refere-se a contextos e permite-nos perceber
que a década analisada, no plano social e educacional é, ao mesmo tempo, continuidade e
descontinuidade. E aqui vale a advertência de Engels:

Sobretudo a palavra “materialista” serve, na Alemanha, a muitos escritores jovens


como uma simples frase com que se rotula todo e qualquer estudo, ou seja, coloca-se o rótulo
e crê-se ter encerrado então o assunto (...). Toda a história precisa ser reestudada, as
condições de existência das diversas formações sociais precisam ser examinadas em detalhe,
antes de induzir delas as correspondentes concepções políticas, jurídicas, estéticas,
filosóficas, religiosas etc. (Engels, 1983, p. 456).

André Singer, porta-voz durante os quatro primeiros anos do atual governo, ao analisar
o que denomina de Lulismo, define-o por sua especificidade quanto à opção por um
determinado projeto societário e à natureza das políticas públicas e seu sentido político,
dando-nos, ao mesmo tempo, elementos para percebermos as diferenças de tais políticas em
relação ao passado, especialmente, a década de 1990.
A continuidade da década presente em relação ao passado incide no erro da geração
perdida – a opção por conciliar uma minoria prepotente a uma maioria desvalida – mediante
o combate à desigualdade dentro da ordem de uma sociedade capitalista onde sua classe
dominante é das mais violentas e despóticas do mundo.
Com efeito, como assinala Singer, a conciliação dá-se, por um lado, na continuidade
da política macroeconômica, fiel aos interesses da classe detentora do capital e, por outro, no
investimento na melhoria de vida de uma fração de classe (trabalhadora) que, embora
majoritária, não consegue construir desde baixo as suas próprias formas de organização.
(Singer, 2009, p. 84). Tal opção política por executar o programa de combate à desigualdade
dentro da ordem (grifos do autor) confeccionou nova via ideológica, com união de bandeiras
que pareciam não combinar (ibid. p. 97).
Continuidade, no entanto, não significa que um mesmo projeto estrutural seja
conduzido da mesma forma. As forças que protagonizaram o chamado ajuste estrutural na
década de 1990, particularmente durante os oito anos do governo Fernando Henrique

137
Na antinomia você sabe onde está pisando. Ela afirma duas proposições que efetivamente são radical e
absolutamente incompatíveis, é pegar ou largar. Já a contradição é uma questão de parcialidades e aspectos;
apenas uma parte dela é incompatível com a proposição que a acompanha; na verdade, ela pode ter mais a ver
com forças ou com o estado das coisas do que com palavras e implicações lógicas. (...). Nossa época é bem mais
propícia ao terreno da antinomia do que da contradição. Mesmo no próprio marxismo, terra natal desta última,
tendências mais avançadas reclamam da questão da contradição e se aborrecem com ela. (JAMESON,1997, p.
17-18)

285
Cardoso, representam o núcleo dominante da minoria prepotente, o qual, por seus vínculos
orgânicos com o grande capital e quadros de intelectuais altamente preparados, definiram o
movimento de pêndulo, a que se refere Otávio Ianni (1986), entre a construção de uma nação
autônoma e soberana e um projeto modernizador e de capitalismo dependente.
As reformas neoliberais, ao longo do governo Fernando Henrique, aprofundaram a
opção pela modernização e dependência mediante um projeto ortodoxo de caráter monetarista
e financista/rentista. Em nome do ajuste, privatizaram a nação, desapropriaram o seu
patrimônio (Petras e Veltmeyer, 2001), desmontaram a face social do Estado e ampliaram a
sua face que se constituía como garantia do capital. Seu fundamento é o liberalismo
conservador redutor da sociedade a um conjunto de consumidores. Por isso, o indivíduo não
mais está referido à sociedade, mas ao mercado. A educação não mais é direito social e
subjetivo, mas um serviço mercantil.
O que quero sublinhar é que, a despeito da continuidade no essencial da política
macroeconômica, a conjuntura desta década se diferencia da década de 1990 em diversos
aspectos, tais como: retomada, ainda que de forma problemática, da agenda do
desenvolvimento; alteração substantiva da política externa e da postura face às privatizações;
recuperação, mesmo que relativa, do Estado na sua face social; diminuição do desemprego
aberto, mesmo que tanto os dados quanto o conceito de emprego possam ser questionados;
aumento real do salário mínimo (ainda que permaneça mínimo); relação distinta com os
movimentos sociais, não mais demonizados nem tomados como caso de polícia; e ampliação
intensa de políticas e programas direcionados à grande massa não organizada que vivia abaixo
da linha da pobreza ou num nível elementar de sobrevivência e consumo.
Trata-se, neste ultimo caso, não apenas da realização de políticas compensatórias e de
parca distribuição de renda, como é o Programa Bolsa Família, ou das políticas de
descriminação positiva, mas do acesso diferenciado e intenso ao crédito para a casa própria e
a bens de consumo, a programas de acesso à energia, etc. Vale lembrar aqui a aguda
observação de Bertotl Brecht: Para quem tem boa posição social falar de comida é coisa
baixa. É compreensível, eles já comeram138.
O indicador dessas diferenças pode ser aquilatado por dois caminhos de origem
diametralmente diversa: um furor da classe dominante e de seus aparelhos de hegemonia 139

138
Ver: www.kifrases.blogspot.com /2010.
139
Uma crônica de Luís Fernando Veríssimo sobre o comportamento da grande imprensa nas eleições atuais
traça com fina ironia este furor. Ver: Veríssimo, Luiz Fernando. Corrida de dez dias. Rio de Janeiro, jornal O
Globo, 23.09.2010, p. 7
286
contra as políticas aqui exemplificadas, por retirarem migalhas da reprodução ampliada do
capital ou de seus privilégios; e um comportamento de gratidão e de apoio das multidões que
objetivamente sentem a melhora efetiva de suas vidas, grande parte passando da indigência à
sobrevivência e outra parcela subindo um degrau na escala do consumo. Não por acaso esta
massa é a grande responsável pelos índices estáveis próximos de 80% de avaliação do atual
governo como ótima.
O problema não é a real necessidade de um projeto de desenvolvimento e a adoção de
políticas compensatórias ampliadas como travessia. O equívoco está em que as mesmas não
se vinculam à radicalidade que está muito além de simplesmente fazer um governo
desenvolvimentista sem confrontar as relações sociais dominantes.
Como sustenta o historiador Eric Hobsbawm, o “desenvolvimento sustentável” não
pode operar através do mercado, mas deve operar contra ele. (Hobsbawm, 1992. p. 270).
Implica, sobretudo, uma investida contra as fortalezas centrais da economia de mercado e de
consumo. Isso exigirá não apenas uma sociedade melhor que a do passado, mas como sempre
sustentaram os socialistas, um tipo diferente de sociedade (ibid., p. 270).
Assim, ao final dessa década, podemos afirmar que no plano estrutural, embora não se
tenha a mesma opção dos que no passado recente venderam a nação e haja avanços
significativos no plano social, mormente para o grande contingente da população até então
mantido na indigência, o marco de não retorno não se estabeleceu e o circuito das estruturas
que produzem a desigualdade não foi rompido. A lição principal de que nos fala Florestan,
lamentavelmente, no seu conteúdo fundamental, não foi aprendida.

2. Uma leitura da educação brasileira na primeira década do século XXI.

O que expus até aqui, penso, permite-me, de forma muito resumida, explicitar a leitura
que faço do campo educacional nesta década, abordando os processos educativos,
institucionalizados ou não.

O pressuposto basilar da leitura a que me refiro incide no fato de que, ao não disputar
um projeto societário antagônico à modernização e ao capitalismo dependente e, portanto, à
expansão do capital em nossa sociedade, centrando-se num projeto desenvolvimentista com
foco no consumo e, ao estabelecer políticas e programas para a grande massa de desvalidos,
harmonizando-as com os interesses da classe dominante (a minoria prepotente), o governo

287
também não disputou um projeto educacional antagônico, no conteúdo, no método e na
forma.

Isso explica, do meu pronto de vista, por que o acúmulo de debates e de produção
teórica produzidos no combate à ditadura civil-militar, na transição para a
“redemocratização”, no processo constituinte e no combate à ditadura do mercado na
educação, na década de 1990, não tenha sido apropriado ou apenas marginalmente apropriado
por alguns setores. Refiro-me aqui às Conferências Brasileiras de Educação (CBES), ao
Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP) e, posteriormente, às Conferências
Nacionais de Educação (CONEDS) e Fóruns Mundiais de Educação (FMES), espaços cuja
atividade deixou de ser apropriada 140, especialmente, a produção teórica de caráter crítico que
neles teve lugar, na década de 1980, e que foi produzida no seio da pós-graduação da área,
particularmente em alguns programas.

Também explica a fragmentação e o abandono por parte de grande parcela dos setores
críticos organizados da área quanto a disputar a direção das políticas educacionais,
favorecendo a dupla deformação política sublinhada por Karel Kosik (1969): a postura da
bela alma e a do comissário. No primeiro caso, trata-se do encastelamento no plano de uma
pureza teórica abstrata e moralista para a qual tudo é reformismo, o que conduz a uma posição
imobilista. No segundo caso, está o comissário centrado em suas fatias de poder, exercendo
uma atitude pragmática, utilitarista e oportunista, capaz de subordinar os interessas da
sociedade aos seus.
A junção da fragmentação ao abandono do campo crítico na disputa pelo projeto
educativo e o foco de atendimento da grande massa desorganizada e despolitizada resultou
naquilo que foi dominante na educação durante a década – a política da melhoria mediante as
parcerias do público e privado.
Desse desfecho resulta que no plano estrutural se reiteram as reformas que mudam
aspectos do panorama educacional sem alterar nossa herança histórica que atribui caráter
secundário à educação como direito universal e com igual qualidade. Não só algo secundário
mas desnecessário para o projeto modernizador e de capitalismo dependente aqui viabilizado.

140
Destaco a década de 1980 porque nela a área não tinha caído, como veremos adiante, na armadilha do
produtivismo ou submergido aos critérios mercantis, construindo um processo de mercantilização na produção
acadêmica. Por certo, este seria um tema central para uma ampla pesquisa, cuja hipótese mais provável, que
poderia vir a ser revelada, poderia indicar uma grande indigência intelectual e uma produção com pouco sentido
social e humano efetivamente transformador das atuais relações sociais.
288
No plano das políticas educacionais, da educação básica à pós-graduação, resulta,
paradoxalmente, que as concepções e práticas educacionais vigentes na década de 1990
definem dominantemente a primeira década do século XXI, afirmando as parcerias do público
e privado, ampliando a dualidade estrutural da educação e penetrando, de forma ampla,
mormente nas instituições educativas públicas, mas não só, e na educação básica, abrangendo
desde o conteúdo do conhecimento até os métodos de sua produção ou socialização.
A não mudança estrutural a que me refiro pode ser nitidamente percebida pela leitura
de balanços-síntese feitos por três intelectuais representantes do pensamento crítico, os quais
evidenciam que, tomados os últimos 80 anos, a prioridade da educação sustenta-se apenas no
discurso retórico.
Antônio Cândido, referindo-se aos ideais educacionais dominantes na década de 1930,
conclui:
Tratava-se de ampliar e “melhorar” o recrutamento da massa votante e de enriquecer a
composição da elite votada. Portanto, não era uma revolução educacional, mas uma reforma
ampla, pois o que concerne ao grosso da população a situação pouco se alterou. Nós
sabemos que (ao contrário do que pensavam aqueles liberais)141 as reformas da educação
não geram mudanças essenciais na sociedade, porque não modificam a sua estrutura e o
saber continua mais ou menos como privilégio. São as revoluções verdadeiras que
possibilitam as reformas de ensino em profundidade, de maneira a torná-lo acessível a todos,
promovendo a igualitarização das oportunidades. Na América Latina, até hoje isto só
ocorreu em Cuba a partir de 1959 (Cândido, 1984, p. 28)

Quatro décadas depois, Florestan Fernandes, batalhador das teses dos movimentos
sociais e organizações científicas defensoras de um projeto educacional que desse base a
mudanças estruturais, chega à conclusão similar a de Antônio Cândido, referindo-se à
Constituição de 1988:
A educação nunca foi algo de fundamental no Brasil, e muitos esperavam que isso
mudasse com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte. Mas a Constituição
promulgada em 1988, confirmando que a educação é tida como assunto menor, não alterou a
situação (Fernandes, 1992).

O desfecho da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases e o percurso do Plano Nacional


de Educação, agora subsumido pelo Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), vieram

141
Cândido, no artigo em questão, refere-se às reformas propostas por Sampaio Dória, em 1920, Lourenço Filho,
no Ceará (1924) e Fernando Azevedo (1928), no Distrito Federal, base para o que se desenvolveria no Governo
Provisório após 1930 com a criação do Ministério de Educação e Saúde, confiado a Francisco Campos, que fora
o reformador da instrução pública em Minas Gerais.
289
confirmar que permanecem inalteradas, até o presente, as análises de Antônio Cândido e
Florestan Fernandes.142
Com efeito, duas décadas depois do balanço feito por Florestan, Dermeval Saviani,
referindo-se ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que, secundarizando-o, se
superpõe ao Plano Nacional de Educação (PND) e à numerologia que o acompanha, sustenta:
Fica-se com a impressão que estamos diante, mais uma vez dos famosos mecanismos
protelatórios. Nós chegamos ao final do século XX sem resolver um problema que os
principais países, inclusive nossos vizinhos Argentina e Uruguai, resolveram na virada do
século XIX para o XX: a universalização do ensino fundamental, com a conseqüente
erradicação do analfabetismo. (Saviani, 2007.p.3). E referindo-se ao conteúdo das políticas,
Conclui: (...) do ponto de vista da pedagogia histórico-crítica, o questionamento ao
PDE dirige-se á própria lógica que o embasa. Com efeito, essa lógica poderia ser traduzida
como uma espécie de “pedagogia de resultados”. Assim, o governo se equipa com
instrumentos de avaliação dos produtos forçando, com isso, que o processo se ajuste a essa
demanda. É, pois, uma lógica do mercado que se guia, nas atuais circunstâncias, pelos
mecanismos das chamadas “pedagogia das competências e da qualidade total” (ibid p.3.)

A síntese de Saviani permite-me explicitar como analiso o fundamento preponderante


que se faz presente na educação durante a atual década, tanto em relação à natureza das
políticas quanto – e principalmente – às concepções pedagógicas dominantes.
Em relação às políticas educacionais da presente década, uma análise antinômica que
trabalhasse com base na continuidade ou descontinuidade não seria capaz de captar as
diferenças de contexto e o alcance das mesmas em relação ao passado, especialmente em
relação à década de 1990. No entanto, numa outra perspectiva, ao examinar as propostas de
Educação do bloco de forças que apoiavam a candidatura de Fernando Henrique Cardoso e as
que apoiavam a de Luiz Inácio Lula da Silva, Luiz Antônio Cunha (1995) apresenta-nos os
projetos e concepções em disputa: enquanto as primeiras resultavam de produções de quadros
intelectuais elaboradas pelo alto para serem aplicadas na sociedade, as segundas buscavam
uma construção desde a própria sociedade. Grande parte dos integrantes daqueles quadros
eram, na verdade, membros de organismos internacionais, a começar por Paulo Renato de
Souza, que por oito anos ocuparam o Ministério da Educação aplicando o planejado. Tanto
que podemos dizer que a LDB aprovada no Congresso foi um ex-post facto de um ex-ante.
Mesmo sabendo que o contexto de 2002 já era outro e as alterações de percurso ao
longo do atual governo foram-se apartando da sociedade organizada, o discurso da mera

142
Para uma visão crítica sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Plano Nacional de
Educação ver , respectivamente, Saviani ( 1999 e 2008).
290
continuidade cai no plano antinômico da retórica e não condiz com o compromisso que tenho
por revelar o plano contraditório do contexto.
Por isso, naquilo que é, especificamente, competência da esfera federal em sua função
suplementar há diferenças no que tange à abrangência das políticas, aos grupos sociais
atendidos e ao financiamento posto em prática. Assim, podemos assinalar a criação de mais
quatorze novas Universidades Federais, a abertura de Concursos Públicos, a ampliação dos
recursos de custeio e uma intensa ampliação dos antigos Centros Federais de Educação
Tecnológica, atualmente transformados em Institutos Federais de Ciência e Tecnologia
(IFTs). Nesse âmbito, foram criadas 214 novas escolas a eles vinculados e cerca de 500 mil
matrículas.
É preciso também assinalar que houve ênfase nas políticas voltadas para a educação de
jovens e adultos e para a educação da população indígena e afrodescendente. Por certo, não se
pode reduzir tais feitos ao debate sobre a política de cotas e menos ainda que tal debate se
reduza, uma vez mais, ao pensamento dicotômico do a favor ou contra. Trata-se de ver quais
forças sociais as demandam, qual sua sinalização social e política e qual o seu ardil.
O atual governo também se mostrou diferenciado no apoio dado ao projeto pedagógico
desenvolvido pelo Movimento dos Sem Terra e às suas iniciativas no importante processo de
alterar a concepção e as práticas de educação no campo. A Comissão Parlamentar de Inquérito
contra o MST, “olho por olho, dente por dente”, do ponto de vista dos órgãos de fiscalização,
em relação aos convênios do MST e à sua sistemática demonização, quando analisada pela
imprensa e pelas forças ligadas ao latifúndio, sinaliza essa diferença.
No plano do financiamento, a criação do FUNDEB, com todos os limites da natureza
dos recursos ligados ao fundo e não constitucionais, incorporou a educação infantil e o ensino
médio, antes não contemplados. Para cobrir todas as modalidades, na sua função suplementar,
esta em tramitação final, tem lugar a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação Profissional e Tecnológica. (FUNDEP). E outro aspecto diferenciado, ainda que
em termos muitíssimos baixos, é a fixação do piso nacional para o magistério da educação
básica, uma conquista histórica do magistério nacional.
Reitero aqui, também, que o problema não está na necessidade de que se reveste a
maior parte dessas ações e políticas, mas, sim, na forma de sua gestão e na concepção que as
orientam. Com respeito à gestão, o viés contraditório dá-se por serem tais ações e políticas,
em grande parte, pautadas na opção pelas parcerias do público com o privado e dentro de uma

291
perspectiva daquilo que Saviani denominou de pedagogia dos resultados, sem a disputa pela
concepção que as orientam.
Com isso, o Estado, em vez de alargar o fundo público na perspectiva do atendimento
a políticas públicas de caráter universal, fragmenta as ações em políticas focais que amenizam
os efeitos, sem alterar substancialmente as suas determinações. E, dentro dessa lógica, é dada
ênfase aos processos de avaliação de resultados balizados pelo produtivismo e à sua filosofia
mercantil, em nome da qual os processos pedagógicos são desenvolvidos mediante a
pedagogia das competências.
Nesse contexto, as concepções de educação centradas na pedagogia histórico-crítica e,
portanto, as possibilidades de uma educação unitária e omnilateral e as suas exigências em
termos das bases materiais que lhes dão viabilidade, disputadas quando da definição do Plano
Nacional de Educação, explicitadas em diferentes Conferências Nacionais e que afetam a
educação no conjunto da federação, mormente a educação básica, ficam subvertidas
dominantemente pela concepção mercantil.
Três aspectos reforçam tal compreensão: dois já enunciados acima – a dispersão e
fragmentação do campo de esquerda e o fato de o governo não ter assumido o acúmulo
teórico crítico como opção. O terceiro diz respeito ao que bem demonstra Saviani em relação
aos debates ocorridos durante a recente Conferência Nacional de Educação (realizada de 28
de março a 01 de abril de 2010), a qual, a despeito da importância dos seus temas e
discussões, foi simplesmente ignorada pela imprensa.

Essa conferência tratou de dois temas fundamentais: a organização do Sistema


Nacional de Educação e a elaboração do Plano Nacional de Educação, que deverá substituir
o atual. Dos resultados da Conae deverão sair projetos de lei a serem encaminhados ao
Congresso Nacional para discussão e aprovação. Apesar da grande importância desse
acontecimento, a mídia falada e escrita nada publicou a respeito ( Saviani, 2010)143

O movimento dos empresários em torno do Compromisso Todos pela Educação e sua


adesão ao Plano de Desenvolvimento da Educação, contrastada com a história de resistência
ativa de seus aparelhos de hegemonia e de seus intelectuais contra as teses da educação
pública, gratuita, universal, laica e unitária, revela, a um tempo, o caráter cínico do
movimento e a disputa ativa pela hegemonia do pensamento educacional mercantil no seio
das escolas públicas.

143
Saviani, Dermeval. Painel do Leitor. Jornal Folha de São Paulo, segunda-feira, 05 de abril de 2010.
292
Um exemplo emblemático da busca por impor a visão financista e mercantil na
educação básica é a iniciativa do mercado de capitais (Febraban, Anbina e gestores, Bovespa,
Previc, etc.) que, desde agosto de 2010, implantou um projeto-piloto de educação financeira,
com supervisão do Ministério da Educação, em 450 escolas do ensino médio, não por acaso,
de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará, Distrito Federal e Tocantins144, estados
dirigidos por seu partido ou que seguem a filosofia do Ministro Paulo Renato de Souza da era
de Fernando Henrique Cardoso.
Também é uma evidência relevante do interesse crescente que empresas privadas vêm
demonstrando em relação à Educação como negócio, a recente compra, pela Abril Educação,
do Anglo Sistema de Ensino (211 mil alunos em 484 escolas da rede privada em 316
municípios brasileiros), do Anglo Vestibulares e da SIGA, empresa focada na preparação
para concursos públicos, o que fará com que o faturamento da Abril Educação supere R$ 500
milhões de reais em 2010, tornando a empresa uma das maiores do setor 145.
Pode-se afirmar, assim, que a despeito de algumas intenções em contrário, a estratégia
de fazer reformas conciliando e não confrontando os interesses da minoria prepotente com as
necessidades da maioria desvalida, acaba favorecendo essa minoria, mantendo o dualismo
estrutural na educação, a inexistência de um sistema nacional de educação, uma desigualdade
abismal de bases materiais e de formação, condições de trabalho e remuneração dos
professores, redundando numa pífia qualidade de educação para a maioria da população.
No plano da educação básica, além dos fundos terem prazo de validade, no caso do
FUNDEB, ampliou-se, positivamente, o universo de atendimento, sem, contudo, ampliar,
proporcionalmente, os recursos. Atende-se mais com menos. O que vigora é uma fórmula
para atender à cláusula pétrea do capital na sua intenção de contar com uma fatia gorda do
fundo público como garantia de seus negócios, ao mesmo tempo que se promove constante
pressão para diminuir suas contribuições, quando não o emprego das mais variadas estratégias
com a intenção de burlá-las.
No âmbito da educação profissional, técnica e tecnológica, centro de grandes disputas
na Constituinte, na LDB e no Plano Nacional de Educação em prol de uma concepção não
adestradora e tecnicista e de sua vinculação jurídica e financiamento públicos, esta foi-se
constituindo na grande prioridade da década, sem alterar, todavia seu caráter dominantemente
privado. Certamente, a opção pela parceria do público com o privado não favorece a reversão

144
Sciarretta, Tôni. Jornal Folha de São Paulo. 08 de agosto de 2010. Sessão Mercado.
145
Ver: http://g1.globo.com/economia-e-negocios/noticia/2010/07/abril-educacao-anuncia-compra-do-grupo-
anglo.html
293
da dualidade educacional. Pelo contrário, como demonstra Cunha (2005), a tendência, desde a
década de 1980, era de ampliá-la para o ensino superior. A transformação da Rede de Escolas
Técnicas Federais em Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFTS) e, nesta década,
em universidades tecnológicas ou Institutos Superiores de Ciência e Tecnologia (IFS),
confirmam tal tendência. Do mesmo modo, não ajuda a reverter o caráter dominantemente
privado e a apropriação privada de recursos públicos na área.
Em tese defendida por Gabriel Grabowsky (2010), o mesmo nos mostra que, em 1999,
apenas 25% da educação profissional eram públicos e 75% eram compostos por cursos de
curtíssima duração, de nível básico. O Censo de 2008 revelou que 83% das matrículas do
nível tecnológico estavam na iniciativa privada.
Mas o mais chocante é que o Sistema S, em 2010, mobiliza aproximadamente 16
bilhões de recursos públicos, somando-se os recolhidos compulsoriamente pelo Estado e a ele
repassados, e a venda de serviços ao setor público.
Esses valores, destacamos, são superiores ao que a União está prevendo investir no
FUNDEB, ao custo anual do Bolsa-Família e a todos os investimentos realizados na
expansão da rede federal (2 bilhões) ao Brasil Profissionalizado (900 milhões) ao Projovem
entre 2008-2011 (5,8 bilhões) e a todos os demais programas no campo da educação e
qualificação profissional (Grabowski, 2010, p.177).

Em relação à Universidade, o balanço não difere daquilo que expusemos até aqui. Se,
positivamente, tivemos na década um forte impulso em direção à criação de novas
Universidades públicas, isso não alterou a tendência histórica de privatização e, sobretudo ao
que Marilena Chauí (2003) expôs na conferência de abertura na 26ª Reunião Anual da
ANPEd, em 2003, sobre a nova perspectiva da universidade pública. Foi quando Chauí pôde-
nos mostrar que, especialmente a partir década de 1990, houve o deslocamento da
Universidade concebida como instituição pública ligada ao Estado Republicano para o de
organização social vinculada ao mercado. Uma Universidade operacional, avaliada não mais
em razão de sua função social e cultural de caráter universal, mas da particularidade das
demandas do mercado. Ou seja, centrada na pedagogia dos resultados e do produtivismo, na
análise Saviani.
O PROUNI e o REUNI, por caminhos diversos e aparentemente contraditórios, dão
conteúdo à universidade operacional. O PROUNI criou mais de 700.000 vagas para jovens, e
isso seria fantástico se tal inclusão não fosse incorporando, ainda que de forma enviesada, a
tese conservadora de Milton Friedman que, no final da década de 1950, defendia que o Estado

294
desse aos mais pobres um voucher ou uma carta de crédito para escolherem onde queriam
estudar.
O REUNI, por sua vez, se representa uma inversão substantiva de recursos de custeio
para projetos e programas, quase duplicando as vagas e sendo aplaudida fortemente pelo
Manifesto dos Reitores das Universidade Públicas durante o atual governo, em contrapartida
estabelece a desestruturação da carreira docente, conquistada duramente, aumenta o trabalho
precário e, sobretudo, impõe uma brutal e, em muitos casos, insuportável intensificação da
carga de trabalho. Além disso, especialmente pelo crescimento do enclave da educação à
distância, em alguns casos com a defesa de sua crescente expansão em substituição ao ensino
superior presencial, produz-se mais uma forma de dualidade. O fetiche da tecnologia opera
aqui como argumento ideológico.
Há um último aspecto de grande abrangência que me conduz a sustentar que a
primeira década do século XXI, dominantemente, foi marcada pelas concepções e práticas
educacionais mercantis típicas da década de 1990, seja no controle do conteúdo do
conhecimento, seja nos métodos de sua produção ou na socialização, autonomia e organização
docentes. Três mecanismos articulados estão em ampla expansão nas secretarias estaduais e
municipais de educação.
O primeiro mecanismo chega ao chão da escola calcado na ideia de que a esfera
pública é ineficiente e que, portanto, há que serem estabelecidas parcerias entre o público e o
privado, mesmo mediante disfarce, quando o privado permanece encoberto pelo eufemismo
que engloba organizações sociais ou o chamado terceiro setor. A esses institutos privados ou
ONGs146 cabe selecionar o conhecimento, condensá-lo em apostilas ou manuais, orientar a
forma de ensinar, definir os métodos de ensino, os critérios e processos de avaliação e
controle dos alunos e dos professores.
O segundo mecanismo, decorrente do anterior, talvez o mais proclamado pela mídia,
notadamente pelas revistas semanais, é justamente o de se atacar a natureza da formação
docente realizada nas Universidades públicas, com o argumento de que os cursos de
pedagogia e de licenciatura ocupam-se muito com a teoria e com análises econômicas sociais
inúteis e não ensinam o professor as técnicas do “bem ensinar”.
A Revista Época, de 26 de abril de 2010, numa reportagem de dez páginas, traz o
receituário do “bem ensinar”. Os segredos dos bons professores. Os mestres que transformam

146
Referimo-nos aqui ao Instituto Ayrton Senna, Instituto de Qualidade na Educação (IQE), Positivo, Pitágoras,
Fundação Roberto Marinho, Fundação Bradesco, Sistema COC de ensino e congêneres, que assumem a direção
pedagógica de muitas Secretarias Estaduais e, especialmente, municipais, em nome do ensinar eficiente.
295
nossas crianças em alunos de sucesso. (e o que todos temos que aprender). Os livros tomados
como referência para tal adestramento docente são Ensinar como um líder: o guia do
professor supereficiente para diminuir o déficit de aprendizagem, de Stiven Farr; e, Ensine
como um campeão: 49 técnicas que colocam os estudantes no rumo da universidade, de Doug
Lemov.
Uma das receitas desses manuais, em letras maiores e destacadas em negrito pela
reportagem, é de que avaliar o desempenho individual dos professores permitiria não só
premiá-los de forma mais justa, mas também fazer algo mais importante: entender como eles
trabalham.
Esse último aspecto define o terceiro mecanismo, condição para que os dois primeiros
tenham sucesso. Trata-se das ações de desmontar a carreira e organização docentes mediante
políticas de prêmio às escolas que, de acordo com os critérios oficiais, alcançam melhor
desempenho, remunerando os professores de acordo com sua produtividade em termos do
quantitativo de alunos aprovados. Os institutos ou organizações privadas, para assessorar ou
atuar diretamente nas escolas, têm a incumbência de avaliar professores e alunos de acordo
com os conteúdos, métodos e processos prescritos. O que se busca, para uma concepção
mercantil de educação é, pois, utilizar na escola os métodos do mercado147.
O que acabo de afirmar se explicita emblematicamente no fato de que o mesmo
membro do Conselho Federal de Educação que havia sido relator do contestado Decreto No
2208/97148 foi o relator do atual Decreto No 5154/04149 e, atualmente, é o relator das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Estas

147
O Estados de São Paulo, e de Minas Gerais são os grandes artífices destas políticas, mas que se ampliam
céleres, especialmente nas regiões norte e nordeste. O Município do Rio de Janeiro, capitaneado pela Secretária
Cláudia Costin, é uma espécie de laboratório avançado desta filosofia. Agora, ela é seguida pelo recém-
empossado secretário estadual de Educação, o economista Wilson Risolina, alçado ao cargo no dia seguinte em
que o governador Sérgio Cabral foi eleito, após uma campanha em que a qualidade da Educação no Estado foi
bastante questionada. Perguntado sobre o que pensa da educação e dos professores, o novo Secretário foi
explícito: “penso em educação como um negócio”. Concebe os professores como entregadores do saber. A
vida é assim, premia quem é melhor. Vamos fazer avaliações periódicas, que servirão de base para um
sistema de bonificação. (Jornal o Globo, Primeiro caderno, 07/10/2010) O único Estado que tem uma política
de contraponto clara a essas tendências é o Paraná.
148
. Trata-se do Decreto que regulamenta o § 2º do art.36 e os arts. 39 a 42 da Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Nesta regulamentação reintroduz a acentua a
dualidade no ensino médio e o orienta de acordo com os cânones das políticas neoliberais baseadas em critérios
mercantis.
149
. Este Decreto revoga o Decreto 2208/97 com o objetivo de restabelecer o caráter integrado do ensino médio.
Sua regulamentação pelo Conselho Federal de Educação, tendo como relator o conselheiro filiado aos interesses
das federações patronais que mantém o Sistema S, acaba mantendo a orientação mercantil do Decreto revogado.
296
diretrizes, por encontrar o campo aberto, regrediu de tal forma ao Decreto No 2.208/97 que
motivou uma reação por parte de várias instituições, com grande participação da ANPED 150.
Mas isso não é tudo. Exatamente no último ano desta década, quem preside a Câmara
de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação é o mesmo histórico representante do
Sistema S151, sistema gerido pelos órgãos de classe dos empresários. O ideário de ensinar o
que serve ao mercado ou de fazer pelas mãos a cabeça do trabalhador (Frigotto, 1993), antes
restrito ao adestramento profissional que caracteriza o Sistema S, tende, então, a impor-se
para a educação em seu conjunto.

3. A título de conclusão ou o que nos interpela como ANPED na tarefa de manter


“fechados” ou “abrir os circuitos da história”

Creio que esta conferência perderia o sentido se eximisse a Pós-graduação de nossa


área deste balanço. O tempo de exposição não me permite avançar em direção a detalhes
importantes, mas, de certo modo, no plano geral, creio que estamos de acordo em que a
mesmo não difere, no fundamental, do panorama mais geral. Somos mais de 100 programas
reconhecidos. Resta indagar: o que isto significa socialmente no embate em torno da abertura
dos circuitos de nossa história?
Detenho-me, então, no aspecto que julgo central. Trata-se daquilo que define nossa
especificidade como espaço de formação de pesquisadores e docentes. Reitero aqui o que
assinalei logo no início, que tal especificidade se define pela busca da cientificidade do
conhecimento, construída pelo trabalho sistemático de captar as mediações e determinações
que nos permitem apreender a explicação mais fiel possível em relação ao que investigamos.
Nisso que nos identifica, teríamos conseguido enfrentar a tendência dos ditames
mercantis presentes no sistema educacional brasileiro e herdados da década de 1990 ou fomos
também pautados por eles? Esta pergunta não é retórica, pois os temas escolhidos pela
ANPED como referências, no início da década, indicam um estado de alerta e um
posicionamento crítico em relação ao que sucedera nas décadas passadas, mormente a de
1990.

150
Ver: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional e Técnica de Nível Médio. Brasília, Site
do MEC, setembro de 2010. Texto para discussão.
151
Uma observação de duas ordens faz-se necessária. A primeira é de que não se trata aqui de uma referência
pessoal ao conselheiro, mas de sua representação de classe. A segunda é de que é preciso, sempre, ter-se presente
que os milhares de trabalhadores que atuam neste sistema vendem a sua força de trabalho como qualquer outro
trabalhador.
297
Com efeito, em 2001, o tema abordado por Francisco de Oliveira versou sobre
Intelectuais, conhecimento e espaço público. Ao demonstrar a evolução das especializações,
nosso conferencista destaca um célere processo de transformação do conhecimento em
mercadoria e, consequentemente, o encurtamento do espaço público e, ao mesmo tempo, a
redução do conhecimento à intoxicação de informações, provocando a perda de sua
radicalidade. Parece que dispomos de todas as informações para operarmos a aventura do
conhecimento. Mas esta intoxicação provoca o contrário. (...) Cria um movimento mimético
que se repete incessantemente (Oliveira, 2001, p. 127).
O calcanhar de Aquiles, para quem atua nas ciências sociais e humanas, segundo
Oliveira, é que nossas investigações passam a ser medidas pelo metro da produtividade. (...)
É o mesmo metro que mede a produção de uma mercadoria. Há pouca diferença, ainda, entre
elas. Tratemos de preservar essa diferença. (ibid., p.128).
Dois anos depois, o tema de abertura da reunião anual, abordado por Marilena Chauí
foi A universidade pública sob nova perspectiva. Com outro recorte, a análise de Chauí
coincide com a de Oliveira sobre o processo de mercantilização do conhecimento e do
trabalho docente. O ponto central de sua análise foi o processo que vem transformando a
Universidade pública, instituição vinculada ao Estado republicano, em organização social,
prestadora de serviços ligada ao mercado. Ao subtrair sua referência da esfera pública, terreno
dos direitos universais, e ser referida ao mercado, a Universidade perde sua autonomia
intelectual, institucional e financeira. Por isso, a sua produção passa a ser medida ou avaliada
em função dos critérios produtivistas do mercado.
Das várias consequências que Chaui retira de sua análise, destaco duas que incidem
diretamente sobre o que nos interpela como pesquisadores e docentes, e de forma radical.
Referindo-se à análise de David Harvey sobre a acumulação flexível que se expressa num
processo produtivo fragmentado e disperso, no espaço e no tempo, e reunificado no efêmero e
fugaz, Chauí mostra-nos como isto incide na produção intelectual. Para participar desse
mercado efêmero, a literatura, por exemplo, abandona o romance pelo conto, os intelectuais
abandonam o livro pelo paper. (Chauí, 2003, p.11).
A segunda conseqüência refere-se aos pontos que nos traz como desafios a enfrentar
para reverter a lógica mercantil da Universidade operacional. É quando Chauí destaca que
isso depende de levarmos a sério a ideia de formação (ibid, p.12) e a revalorização da
docência, desprestigiada e negligenciada com a chamada “avaliação da produtividade
quantitativa. (ibid, p.14). Ao contrário do paper, do efêmero, do fugaz e descartável típico da

298
cultura pós-moderna do capitalismo tardio152, como condição para efetuarmos essa reversão,
Chauí destaca a necessidade de conhecimento dos clássicos e sua contribuição para
entendermos as mudanças atuais que, diferentes do discurso em voga que nos fala de uma
sociedade de incerteza, significam que vivemos tempos de insegurança153.
Por mais incômoda que seja a conclusão do balanço com respeito ao que nos compete
na pós-graduação em nossa área, ainda que não apenas nela, é o fato de que a densidade das
preocupações trazidas por Oliveira e Chauí, no início da década de 2000, não foram tomadas
como agenda fundamental de embate. Desse modo, lembrando o filósofo, poeta lírico e
satírico romano Horácio, poderíamos dizer: Quid rides? Mutato nomine, de te fabula
narratur154.
Ou seja, o pensamento mercantil da universidade operacional nos tomou quase por
completo. Vale dizer, consciente ou inconscientemente, entramos no mercado do
conhecimento, do ensino e da pesquisa e nos submetemos aos critérios da mensuração
mercantil. E uma mercadoria se reproduz pela mimese, pela sua homogeneização; a
mercadoria recusa a diferença, recusa o diverso, recusa o plural, a mercadoria é
univocidade. (Oliveira, op.ci. p. 127). A mercadoria é a reificação, o fetiche e a alienação em
ato.
Para o mercado não há sociedade, há indivíduos em competição. E para o mundo da
acumulação flexível, não há lugar para todos, só para os considerados mais competentes, os
que passam pelo metro que mede o tempo fugaz da mercadoria e de sua realização.
As consequências disso são mais que visíveis em vários aspectos. Nossos cursos
tornam-se cada vez mais elitistas. Neles percebo um duplo processo de mutilação e
atrofiamento de capacidades intelectuais. Por um lado, os jovens doutores, para atuarem na
pós-graduação, têm crivos cada vez mais refinados de ingresso. Por outro, os pesquisadores
que não resistem a essa pressão ou que se recusam a se enquadrar nessa lógica, não sem
humilhação, ou saem ou são convidados a sair. O fundamental para muitos pró-reitores e
programas de pós-graduação é atingir o máximo de pontos da escala de 1 a 7, mesmo que

152
Para uma densa análise sobre o pós-modernismo como expressão cultural do capitalismo flexível e
fragmentado, um capitalismo tardio, ver Jameson, 1996.
153
. Não há espaço aqui para relacionar o discurso ultra conservador com a adoção ampla em nosso meio das
tendências de cunho pós-moderno por representarem uma fuga da historicidade do real. Não se trata de negar a
particularidade e as diferenças, mas, pelo contrário, do fato de serem tratadas separadas de uma estrutura social
ou totalidade histórica (Kosik, 1986) que nos permitam apreender seu sentido. Daí resulta uma visão
fragmentada e superficial da realidade social e educacional e, consequentemente, um reforço às visões
conservadoras, ainda que não seja esta, mormente, a intencionalidade. Ver a esse respeito, Fontes, 2002,
Frigotto, 2002, Jameson, 1996 e 1997 e Anderson, 1999
154
Por que ris? A anedota fala de ti, só que com outro nome (Sátiras, Horácio).
299
saibamos que a lógica dos indicadores se funda na visão positivista e funcionalista de
conhecimento e que, de antemão, se saiba que há um efeito trava ou gangorra para que apenas
uns fiquem no topo.
Tomando por foco a nossa produção acadêmica, constata-se que cada vez menos
produzimos livros que sejam fruto de longos anos de pesquisa e, em seu lugar, produzimos
artigos, papers. Já não há tempo para a formação de jovens pesquisadores e docentes
ancorados na leitura dos clássicos. O tempo de nossa produção de pesquisadores, das teses e
dissertações que se elaboram, não está mais referido à cientificidade que nos permita
compreender como a realidade educacional se produz e à sua relevância social, política,
cultural e humana. Ao contrário, aprisionamos-nos ao cronômetro da “pedagogia dos
resultados” e deslizamos na intoxicação e fugacidade mercantil de informações. Produzimos,
enfim, pouco conhecimento.
Isso nos dificulta ou anula, em grande medida, no sentido de contribuir de forma
radical para “abrir os circuitos de nossa história” a novas relações sociais de caráter socialista
e nos deixa distantes do enfrentamento daquilo que, para o historiador Eric Hobsbawm, é a
questão fundamental do século XXI para o futuro humano.

Se pensarmos em termos de como “os homens fazem a própria história”, a grande


questão é a seguinte: historicamente comunidades e sistemas sociais buscam a estabilização
e a reprodução criando mecanismos contra saltos perturbadores no desconhecido. Como,
então, humanos e sociedades estruturados para resistir à transformações dinâmicas se
adaptam a um modo de produção cuja essência é o desenvolvimento dinâmico interminável e
imprevisível? (Hobsbawm, 2010, p, 4-6)

Se a razão me leva a um balanço pessimista, não é para apostar no quanto pior melhor
ou conduzir a uma postura de imobilismo, quer pela adoção da atitude da bela alma quer do
comissário. Pelo contrário, não só pela especificidade de nosso trabalho de formação e de
pesquisa, mas por seu vínculo ético-político, cabe-nos buscar caminhos de superação como
tarefa de cada um e coletiva. Os desafios colocados por Marilena Chauí e Francisco Oliveira,
no início da década, permanecem na agenda, bem como a lição da geração de Florestan, que
nos convida a perguntar: o que queríamos, porque erramos e quais as lições que devemos tirar
para o presente e para o futuro?
O horizonte apontado por Florestan Fernandes para essa tarefa de superação é o de nos
repor, como intelectuais, nas relações e conflitos de classe. Mas, ele sublinha, e eu, na trilha
de suas lições, reitero: de nada adiantará uma retórica ultrarradical, de condenação ou de

300
expiação. O intelectual não cria o mundo no qual vive. Ele faz muito quando consegue ajudar
a compreendê-lo, como ponto de partida para a sua alteração real (Fernandes, op.cit, p.231).
É desafio – urgente e necessário – para cada um de nós e para a Associação em seu conjunto.
Assim vejo e compartilho com meus pares.

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