Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RELATÓRIO FINAL
Coordenador
Consultores:
Pesquisadores Associados:
Doutorandos
Mestrandos
2
Jacqueline Aline Botelho Lima
Michele Pinto Paranhos
Laura Carvalho
Ana Paula Blengini
Bolsista IC
Orientandos de Monografia
3
SUMÁRIO
Pg
Introdução 5
PRIMEIRA PARTE
TRABALHO, CLASSES SOCIAIS, CAPITALISMO DEPENDENTE E 20
FORMAÇÃO HUMANA
1.1. Trabalho e classes sociais visões heurística e histórica. 20
1.2. A crescente opacidade das relações de classe e da ampliação de sua 56
violência
1.3 A política educacional para a formação dos trabalhadores e a especificidade 80
do projeto de capitalismo dependente
1.4 Novos fetiches mercantis da pseudo teoria do capital humano no contexto 110
do capitalismo tardio.
SEGUNDA PARTE
POLÍTICAS PÚBLICAS DE FORMAÇÃO, EMPREGO E RENDA: A 125
JUVENTUDE “COM VIDA PROVISÓRIA EM SUSPENSO
4
Introdução.
1
. Partimos, aqui, da concepção de que as teorias não se somam, mas disputam sentidos e significados da
realidade. Por outro lado as teorias ou as formulações ideológicas buscam expressar, de forma histórica ou de
forma invertida, a realidade ou fatos que tentam explicar ou dissimular. Vale dizer, as teorias e ideologias são
históricas e, portanto, sua reconstrução é demandada pela mudança da materialidade das relações sociais. Isto,
como veremos adiante, nada tem que ver com as teses de fim de determinadas teorias ou de que estamos num
outro paradigma.
5
Por outra parte, implica tomar o objeto de análise não como um fator, mas como parte
de uma totalidade histórica que o constitui, na qual se estabelecem as mediações entre o
campo da particularidade e sua relação com uma determinada universalidade. Disto decorre
que o período que analisamos não se interpreta nela mesma e, tampouco, pelo que nela se fez,
mas pela natureza deste fazer e das forças sociais que o materializam para além das intenções
e do discurso.
As sínteses sobre pesquisas que relacionam trabalho e educação e formação profissional
para jovens da classe trabalhadora, com diferentes recordes empíricos, nos permitem entender o
porque as políticas públicas de educação, formação profissional, emprego e renda para jovens da
classe trabalhadora, por se darem numa estrutura social opaca e violenta, até mesmo num governo
dirigido por um trabalhador altera pouco a perspectiva de futuro desses jovens.
Assim, o texto que sintetiza a dissertação de mestrado – Fazendo pelas mãos a cabeça do
trabalhador (Frigotto, 1981) busca apreender a formação de jovens filhos de operários dentro do
SENAI (Serviço Nacional da Indústria) no plano de seu preparo técnico-profissional e de
conformação ideológica. Trata-se de uma formação, numa instituição organizada e gerida pela
fração industrial da classe burguesa brasileira, num contexto do início do economicismo na
educação e dentro do regime autoritário instaurado pelo golpe civil litar de 1964. O título do texto
que sintetiza aquela pesquisa expressa a relação entre as demandas da base material de uma
sociedade que acelera seu processo de industrialização na perspectiva de modernização e de
capitalismo dependente e a conformação técnica e ideológica da força de trabalho de uma
sociedade, como assinala Oliveira (2003), que produz, de forma intensa, a desigualdade e se
alimenta dela.
O aprofundamento teórico e histórico mais geral do tipo de conformação técnica e
ideológica da força-de-trabalho às relações de produção a partir da década de 1970 no Brasil
implicava analisar a teoria neoclássica ou a noção ideológica do capital humano. Formulação feita
por Teodoro Schultz (1962 e 1973) e que lhe valeu o Prêmio Nobel de Economia em 1978. Este
aprofundamento está publicado sob o título: A produtividade da escola improdutiva - Um re-exame
das relações entre educação e estrutura econômico-social capitalista (Frigotto, 1984 1ª edição e
2010, 9ª edição).
As formulações teóricas e ideológicas que relacionam educação com desenvolvimento,
emprego e renda, baseadas no pensamento econômico e social liberal clássico ou neoclássico
tiveram deslocamentos ou metamorfoses significativas, na década de 1980 a partir de dois
processos concomitantes. Primeiramente a derrota do socialismo realmente existente,
6
simbolicamente datada com a queda do Muro de Berlin (1989) e, por outro, com a afirmação de
uma nova base científico-tecnológica, de natureza digital molecular, que altera profundamente a
base técnica e organizacional do processo de produção com consequências profundas na
intensidade e produtividade do trabalho, vale dizer, na elevação da exploração, aceleração da
precarização do trabalho e do desemprego estrutural.
É neste contexto de retomada de taxas de lucro maximizadas, mormente sob a hegemonia
do capital financeiro, que a teoria econômica clássica e neo clássica abandonam a tradição
histórica, desde o surgimento do modo de produção capitalista, de tentar explicar o conflito entre
indivíduo e sociedade é formulou, de forma explícita, uma doutrina - a doutrina neoliberal.
No âmbito educacional e formativo, sob esta base doutrinária, por um lado e, por outro pelo
determinismo e fetiche tecnológico muda-se a perspectiva da educação básica e educação técnico-
profissional de uma perspectiva integradora (emprego e mobilidade social) para uma visão ultra
individualista e desintegradora. A noção de capital humano que tem sua base na teoria econômica
neoclássica e no contexto de crise do fordismo, não desaparece, mas é redefinida ou recauchutada
pelas noções de competências2 e empregabilidade. Estas noções materializam a referência ultra
individualista da formação humana como demanda de um mercado desregulamentado e flexível e
que não mais reconhece ou tenta destruir as lutas coletivas e contratos coletivos dos trabalhadores.
A mensagem clara é que não há mais lugar para todos, mas apenas para aqueles que se
adequarem ao conjunto de competência técnicas, científicas, culturais e afetivas que o mercado
reconhece como desejáveis do "novo" cidadão produtivo. Somente este tem escrito no rosto a
condição de empregável. Não mais, todavia no horizonte de longo prazo, mas de acordo com a
ideologia da empregabilidade, até que as partes assim desejarem
Dois livros buscam captar essas mudanças no plano das relações sociais e do campo
científico técnico e educacional. Educação e crise do capitalismo real (Frigotto, (1995) e Teoria e
educação no Labirinto do Capital (Frigotto e Ciavatta, orgs., 2002). No primeiro busca-se
apreende as formas mediante as quais a sociabilidade capitalista 3 vai introduzindo estratégias e
mudanças tópicas para enfrentar suas contradições e crises tanto sistêmicas quanto particularizadas
no âmbito das relações intra e entre classes e frações de classes sociais. Por outra parte analisam-se
as mudanças no conteúdo e relações de trabalho, a dilatação do desemprego estrutural e
precarização do trabalho em termos planetários e com particularidades mais destrutivas nos países
2
. Ramos (2002) efetiva uma análise crítica da pedagogia das competências introduzida no ideário pedagógico
da década de 1990.
3
. Por sociabilidade capitalistas entendemos o movimento e metabolismo histórico do "sistema capital" (
Mészáros, 2002) .Uma análise de como Marx expõe esta sociabilidade e como a mesma se atualiza, mas
aprofundado cada vez mais as contradições, a encontramos em Gianotti (1983) e em Oliveira (1998)
7
de capitalismo dependente e os ajustes nos processos educativos em sua organização, conteúdo e
métodos. Não por acaso os grandes protagonistas que entram em cena nas reformas educativas são
os organismos internacionais, mormente o Banco Mundial e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento.
Paradoxalmente, a década de 1980, a sociedade brasileira estava saído do longo período de
duas décadas de ditadura civil militar, com uma sociedade civil revigorada e com organizações
sociais e políticas vinculadas a lutas históricas da classe trabalhadora. Isso explica, por um lado, um
processo constituinte rico de embates e uma constituição, promulgada em 1988, com um texto da
ordem econômica e social que assegurava a incorporação de direitos sociais e subjetivos
historicamente negados. Por outro, isto mostra que estávamos na contramão do movimento mais
amplo do sistema capital, agora sem o antagonismo do socialismo real e, do mesmo modo, em
descompasso com a doutrina neoliberal que já estava amplamente disseminada.
Todavia, não passou um ano de promulgação da Constituição que a classe burguesa
brasileira buscou pôr-se em sintonia com a doutrina neoliberal mediante tese do ajuste à nova
realidade do mundo "globalizado". A eleição de Collor de Mello representou esse divisor de águas
impedindo, naquele contexto, por meios lícitos e ilícitos, a eleição de Luiz Inácio da Silva. O
impeachment resultou de um duplo movimento: luta dos movimentos sociais e, principalmente,
adesão das forças que o haviam elegido, pois estavam convencidas de sua incapacidade de levar
adiante seu projeto. Como mostram diferentes análises quem vai efetivar esse ajuste são os dois
mandatos do Fernando Henrique Cardoso
O segundo livro - Tória e educação no labirinto do capital - (Frigotto e Ciavatta, orgs,
2001), busca entender a crise das ciências sociais para apreender as mudanças nas relações sociais
de produção e nas relações culturais, mais amplamente. O eixo central das análises é uma
contraposição às teses, tanto do viés ultraconservadora da sociedade pós-industrial e pós-classista e
morte do materialismo histórico, quanto, pela via do pós-modernismo do fim das macro teorias.
O que se sustenta é que todos os referenciais estão em crise pela incapacidade das
categorias com que operam dar conta da natureza das mudanças em curso nas relações sociais de
produção, mundo da cultura e do comportamento humano. Daí derivam outros dois pressupostos
sustentados na coletânea: de que crise não significa fim e que apenas os referenciais fundados numa
compreensão da historicidade da realidade podem e avançar, sem mistificações e, portanto, de
forma radical (que vaia à raiz) das determinações e mediações que configuram nosso tempo
histórico.
8
Estes dois livros fecham o movimento do que denominamos o primeiro eixo - construção e
reconstrução teórica que se articula com o eixo da pesquisa histórico empírica ligada mais à
particularidade da realidade brasileira.
Ao longo destas três últimas décadas vários trabalhos de pesquisa aprenderam aspectos
particulares da relação trabalho, educação, conhecimento e a problemática do desenvolvimento,
emprego e renda. Destacamos os últimos quatro projetos apoiados pelo CNPq, sendo três
concluídos, e o quarto que está sendo concluído até fevereiro de 2008 e dentro do qual, em boa
medida, nasceram as inquietudes e desafios para a construção deste projeto.
O primeiro - Conhecimento e qualificação do trabalhador: desafios face à nova base
técnica do processo produtivo" (Frigotto, 1994-1997), cujo escopo foi de apreender, de forma
crítica, a natureza da formação técnica e ideológica dentro da formulação de denominada
reestruturação produtiva. O deslocamento ou a metamorfose da “teoria” do capital humana para as
noções de qualidade total, sociedade do conhecimento, educação por competência, acima
assinaladas, se expressaram nas reformas da década de 1990. A nova base técnica – digital
molecular - dos processos produtivos e organizacionais permite uma produção jus in time, poupa
mão-de-obra e demanda trabalhadores ajustados a responderem às exigências da “qualidade total”.
Trata-se da qualidade total das mercadorias e serviços cujos indicadores básicos são: produzir em
menor tempo, menor custo e realizar, no menor também, a maximização do lucro.
As contradições entre este ideário e o rumo do capitalismo real, mormente nos países de
capitalismo dependente, nos conduziram ao projeto seguinte: Educação básica, formação técnico-
profissional, empregabilidade e requalificação face aos limites do desenvolvimento e crise do
trabalho assalariado (Frigotto, 1998-2000).
Nesta pesquisa desvela-se que o tipo de desenvolvimento em curso destrói as bases da vida
pela degradação do meio ambiente, aumenta o desemprego estrutural e precarização do trabalho e
aniquila direitos históricos da classe trabalhadora.
O projeto seguinte - A formação do "cidadão produtivo". Da política de expansão do
ensino médio técnico nos anos 80 à fragmentação da educação profissional nos anos 90: entre
discurso e imagens -. (Frigotto e Ciavatta, 2001-2004) evidenciou o significado, no plano
organizacional e de concepções, das reformas educacionais implantadas na década de 1990. As
lutas da década de 1980, centradas na educação básica omnilateral e politécnica, ou tecnológica,
condições para o desenvolvimento de sujeitos emancipados, são revertidas pela visão do “cidadão
9
produtivo” subordinado á lógica mercantil4. Trata-se, como lembra Carlos Paris, acima referido, de
formar um indivíduo que faça bem feito o que se lhes pede e que acredite que não lhe compete
meter-se nas questões políticas já que estas são prerrogativas de especialistas.
As indicações ao longo da pesquisa acima e suas conclusões evidenciaram aspectos que
demandavam aprofundamento e busca de uma compreensão mais ampla em relação às demandas
dos processos produtivos no contexto das atuais relações sociais capitalistas em relação á educação.
Primeiramente, a utilização cada vez mais intensa de tecnologia (capital morto) de natureza digital
molecular nos processos de produção e de organização e gestão da mesma, ao mesmo tempo,
amplia a crise estrutural do emprego e redefine a natureza destes processos. É neste contexto que a
educação que se demanda não é qualquer educação. Trata-se de uma educação de "qualidade total".
Vale dizer, aquela que se enquadra na lógica do "cidadão produtivo" - o que produz em tempo
mínimo, qualidade máxima e cuja mercadoria ou serviço se realiza no mercado imediatamente.
Já sob este primeiro aspecto surge a indicação de que para um contingente cada vez maior
excluídos diretamente (mas não mediatamente) do processo produtivo formal a escolaridade e tipo
de qualidade de educação pode ser diferenciado, com menos tempo, menos conteúdo, mais restrito
e mais barato. A escola dual recebe, neste contexto, novas determinações na sua diversificação.
O segundo aspecto, não separado do primeiro, é de que o denominado processo de
globalização, como demonstram vários autores, entre eles Chasnais (1996), Jameson (1996),
Cardoso (1999), Matoso & Pochmann (1997), têm sido, na verdade, uma mundilização do capital,
mormente o capital financeiro. Ao contrário do que sugere o termo global, o mundo fragmentou-se
e a riqueza polarizou-se, ampliando a desigualdade inter e intra regiões nações.
Para o caso brasileiro, como nos permitem apreender Oliveira (2003),e e Ianni (1991), o
embate teórico, político e ideológico que atravessou o século XX sobre a natureza de projeto de
desenvolvimento na sociedade brasileira (monetarista e financista, nacionalismo conservador e
nacional popular), definiu-se claramente na década de 1990. O pêndulo, valando-nos da metáfora
de Ianni, definiu-se para uma economia de capitalismo dependente e associado, marcado pelo
desenvolvimento desigual e combinado.
Ainda que desenvolvendo-se de maneira desigual, combinada e contraditória, o capitalismo
expande-se pelas mais diferentes nações e nacionalidades, bem como culturas e civilizações,
dinamizado pelos processos de concentração e centralização, concretizando a sua globalização
(Ianni, 2001:178)
4
. Os resultados desta pesquisa foram publicados pelo INEP na Coletânea Frigotto e Ciavatta (orgs) (2006)
10
A pesquisa que antecedeu a que estamos concluindo - Educação Tecnológica e o ensino
médio: Concepções, sujeitos e a relação quantidade/qualidade (Frigotto, G. 2004-2007) - buscou
analisar, dentro dos dois aspectos acima assinalados, em que medida as críticas de empresários e os
intelectuais que os representam, bem como as justificativas dos governantes para as reformas e
políticas educacionais de ensino médio a partir da década de 1990, tem sustentação histórico
empírica. Também buscou caracterizar quem são os diferentes sujeitos do ensino médio e quais as
concepções de qualidade de educação estão em disputa e quais as bazes materiais que a viabiliza no
e qual ensino médio.
Da análise efetivada podemos depreender e sustentar que para classe burguesa brasileira, de
cultura e mentalidade escravocrata e colonizadora e historicamente associada e subordinada à
classe burguesa dos centros hegemônicos do capitalismo, impediu, por diferentes mecanismos, a
universalização da educação escolar básica (fundamental e média), pública, laica, universal,
unitária e tecnológica Mais que isto, nunca se colocou de fato, até mesmo, uma escolaridade e
formação técnico-profissional para a maioria dos trabalhadores para prepara-los para o trabalho
complexo que a tornasse, enquanto classe detentora do capital, em condições de concorrer com o
capitalismo central.
Se a vigência do modo de regulação fordista, tanto no plano tecnológico quanto no plano
social, foi parcial e precária e, do mesmo modo, nos situamos de forma ainda mais parcial e
precária na mudança científico técnica de natureza digital molecular, os nexos entre ciência,
produção, trabalho e vida e as demandas de educação e de formação técnico-profissional tende ser,
também, parciais e precários.
O Brasil é os pais econômicos e politicamente mais importante da América Latina e o único
em que o ensino médio não é obrigatório. Ele se constitui numa ausência socialmente construída,
na sua quantidade e qualidade e o indicador mais claro da opção da formação para o trabalho
simples e da não preocupação com as bases da ampliação da produção científica, técnica e
tecnológica. Aproximadamente 50% dos jovens tem acesso ao ensino médio, sendo que
aproximadamente 60% destes o fazem no turno noturno e, grande parte, na modalidade de
PROEJA. No campo apenas 12% frequentam o ensino médio na idade/série correspondente.
Os indicadores da área educacional são sintomas e sinais particulares das condições sociais
mais amplas. Como apontava Neves (2000), a natureza das políticas educacionais em jogo na
década de 1990 dependiam: a)das repercussões econômicas e políticos sociais do desenvolvimento
do novo paradigma produtivo no espaço nacional; b) dos requisitos técnicos e ético-políticos do
novo conteúdo do trabalho industrial e, c) dos desdobramentos da luta entre a consolidação da
11
hegemonia neoliberal e a construção de uma contra-hegemonia democrática de massa. (Neves,
2000, p.180-181)
O pêndulo não se movimentou na direção das forças que lutam por um projeto nacional
popular e democrático de massa de desenvolvimento e as consequentes reformas estruturais, o que
implicaria um projeto de educação escolar e de formação técnico-profissional dos trabalhadores
para o trabalho complexo, condição para uma inserção ampla na forma que assume o processo de
produção industrial moderno com base científica digital molecular.
Assim chegamos ao Brasil de 2007 reproduzindo, de forma ampliada, o monstrengo social
configurado pela metáfora do ornitorrinco e traduzido por uma pirâmide social onde, como
mostram os estudos de Pochmann (2004) se configura um empobrecimento e esvaziamento da
classe média a polarização de lados opostos da pirâmide social com a elevação da concentração de
renda e de capital e a ampliação dos inseridos precariamente na base da pirâmide. Como mostra
Paulani (2006), na mesma direção, o resultado de uma economia financista e rentista, redunda em
empregos pobres de baixo valor agregado.
A conclusão mais geral a que chegamos nesta pesquisa reforça e amplia as conclusões da
pesquisa anterior e revela que para o tipo de opção econômica e natureza de empregos que oferece
é falso o discurso corrente de empresários e seus intelectuais da falta de trabalhadores qualificados
e, portanto, da necessidade do ponto de vista econômico da universalização da escola básica,
especialmente média, de qualidade técnico e científica.
O primeiro aspecto da não real necessidade de uma escola básica universalizada e de
qualidade é o baixo investimento em educação de nossa sociedade comparativamente com os países
do capitalismo central. Isso se reflete no caráter precário das condições objetivas da oferta de um
ensino médio de qualidade para todos os jovens brasileiros. O que se configura é que nem a metade
dos 50,5 milhões de jovens entre 15 e 24 anos concluíram o ensino médio e desta, a maioria um
ensino noturno e precário.
Mas, mesmo dentro deste quadro, ao contrário do discurso corrente de falta de pessoas
qualificadas, dados recentes de pesquisa sobre juventude brasileira e emprego de Márcio Pochmann
do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) da UNICAMP mostram que
no Brasil há uma crise crônica na transição do sistema educacional para o universo do emprego
(Pochmann, 2007, apud Manir, M. 2007. p. 1)
Essa dificuldade, motivada pela opção econômica que de acordo com este autor perfila um
pífio crescimento econômico há duas décadas e meia, traduz o paradoxo de que nosso país está se
transformando em grande exportador de mão de obra juvenil qualificada (op. cit. p. 2). A cifra
12
alarmante apresentada é de que perdemos, por ano, 160 mil jovens para o olho gordo do mundo. É
biscoito fino, mão- de- obra qualificada que busca futuro fora do país. (Manir, M. 2007, p. 1)
Nesse relatório preocupamo-nos em expor a síntese dos dois eixos que buscam aprofundar a
análise teórica e histórica de nossa particularidade de sociedade de capitalismo dependente que se
afirma de modo profundo na década de 19905 e a natureza e alcance das políticas públicas de
emprego, renda e formação técnico-profissional para os jovens da classe trabalhadora.
Por tratar-se de um projeto integrado que dialoga com outros projetos de pesquisadores e
que tem o fim formativo de novos pesquisadores, estão incorporados como coautores a participação
de pós graduandos e bolsita de apoio técnico. Entendendo, também, que a pesquisa busca subsidiar
tanto os aspectos formativos quanto de dar subsídios para a análise e direcionamento das políticas
de emprego, renda e formação técnico-profissional, buscamos ao longo do seu desenvolvimento
publicar em periódicos ou capítulos de livros e em divulgação digital em DVDs aspectos das
análises que agora apresentamos num conjunto estruturado.
5
. No anexo três desenvolvemos essa aspecto mostrando que é na década de 1990 que sob o governo Fernando
Henrique Cardoso criam-se as condições, mediante as privatizações, fusões de grandes conglomerados
empresariais e financeiros e a restruturação do Estado, de solidificar a opção do Brasil como sociedade de
capitalismo dependente.
13
O que nesta pesquisa sustentamos é o oposto. Por serem as classes sociais do modo de
produção capitalista construções históricas somente podem desaparecer com a sua superação. O
que se observa, como apontam as análises de Mészáros (2002 e 2007) é uma profunda regressão
social e uma hipertrofia na violência de classe.
Mas se de fato o capitalismo, como forma estrutural de relações sociais tornou-se
dominante de sociedade desde o século XXVIII, o processo de sua constituição guarda
particularidades em sociedades específicas. O Brasil tem uma dupla marca no processo de sua
constituição que limita, até mesmo o alcance dos interesses de sua classe dominante. O que
observamos acima em relação ao apagão educacional exemplifica o que estamos assinalando.
Um longo processo de colonização e de escravidão a constituiu como uma classe de
mentalidade mimética, violente e racista. Uma classe, portante, afeita à cópia das ideias e
teorias de seus colonizadores e incorporadora dos preconceitos e métodos de violência dos
mesmos. A segunda marca, decorrente desta, é que conformou uma classe dominante anti
nacional e que foi definindo um projeto societário de capitalismo dependente. Projeto este,
como mostra Florestan Fernandes, onde a burguesia se alia, de forma subordinada, às
burguesias do capital mundial na consecução de seus objetivos de lucro. Um projeto que no
Brasil foi mantido por ditaduras e golpes institucionais ao longo de nossa história passada e
recente. O terceiro texto dessa primeira parte ocupa-se do entendimento da política
educacional para a formação dos trabalhadores e a especificidade do projeto de capitalismo
dependente.
Ao longo da pesquisa desenvolvemos, juntamente com Vânia Motta um curso para
mestrandos e doutorandos do Programa de Pós-graduação em Políticas Púbicas e Formação
humana baseado em autores brasileiros do pensamento social crítico para entender o que
somos, que nos trouxe até o presente e quais as perspectivas de futuro. Os autores estudados
foram: Caio Prado Junior, Celso Furtado, Florestan Fernandes, Otávio Ianni e Milton Santos.
Para cada um destes autores convidamos um especialista para expor a síntese de suas obras
com o objetivo de entender cala especificidade de nossa estrutura social. Carlos Nelson
Coutinho, ao final, expôs uma análise do atual momento do Brasil, os projetos societários em
disputa e os problemas do governo Luiz Inácio Lula da Silva no enfrentamento dos embates
de projetos societários historicamente em disputa no Brasil. As Integra das exposições foram
publicadas em seis DVDs e constituem-se em denso material para entender a especificidade
de nosso processo histórico e das classes sociais.
14
A disseminação da ideologia do fim das classes sociais dá-se tanto na instituição
escola como, atualmente, de forma reiterada nos meios de comunicação social potentes
aparelhos de hegemonia da classe dominante. Tanto mais regressiva e violentas as relações de
classe tanto mais se torna necessário a sua dissimulação mediante noções que centralizem o
foco na responsabilidade do indivíduo por seu fracasso e sucesso. O texto que conclui a
primeira parte deste relatório busca mostrar como a noção ideológica de capital humano,
produzida na década de 1950 no contexto que se buscava explicar a desigualdade econômica
entre regiões e países e entre grupos sociais ou indivíduos, se desdobra em noções que
ampliam o fetiche daquela noção. Trata-se de noções que por sua difusão reiterada e intensa
se tornam um senso comum que acaba legitimando políticas públicas voltadas para jovens,
especialmente de famílias de baixa renda, que são de inserção precária tanto ao direito à
escolaridade básica ou superior, quanto a empregos ou trabalhos de baixa remuneração.
A segunda parte do relatório – Políticas públicas de formação, emprega e renda: a
juventude com vida provisória e em suspenso – tem como foco central, a partir do inventário de
análises de teces e dissertações de alguns dos programas para jovens de baixa renda, apreender a
natureza e possível alcance destas políticas. Na proposta original do projeto o objetivo era efetivar
um estado da arte das políticas através dos diferentes programas.
No curso da pesquisa, quer pela dificuldade de dispor do universo de teses e dissertações,
quer pelo fato de alguns trabalhos efetivaram em parte este objetivo, nos ativemos ao material que
alcançamos trabalhar e ampliamos a análise tanto no aspecto de desmistificar as noções centrais
que embasam estas políticas quanto de evidenciar como elas são parte da estratégia dos organismos
internacionais para fazer face a contingentes cada vez maiores de jovens, especialmente, mas não
só, nos países de capitalismo dependente, que estão postergando o acesso ao emprego ou acesso a
empregos ou trabalhos precários. Uma situação que deixa gerações sem poderem vislumbrar e
planejar o longo prazo de suas vidas e em eterna provisoriedade e vida em suspenso 6. Umaspecto
preocupante aos gestores do sistema capital face ao potencial de rebeldia dos jovens. E, por isso, a
busca de políticas de inclusão precária como controle social.
Os dois primeiros textos buscam, no plano teórico e histórico explicitar, três categorias
centrais que são utilizadas pelos organismos internacionais para as políticas púbicas de educação e
de formação profissional como mecanismos de alívio à pobreza – capital social, inclusão e
empregabilidade. A noção de capital social, como mostra Vânia Motta surge num contexto onde
que os organismos internacionais orientam as políticas públicas a buscarem estratégias que
6
Uma densa análise sobre os efeitos desta situação nas pessoas é feita por Richard Sennett (1999).
15
induzam as populações pobres a desenvolverem “autonomia produtiva” levando-as a uma
“inclusão forçada” nas esferas da produção e do consumo . Frente ao desemprego estrutural tal
estratégia cumpre tanto o papel ideológico de “conformação da vontade”, quanto de alívio à
pobreza. Ampliando esta compreensão busco mostra, no texto seguinte que as noções de inclusão
e empregabilidade, seguem um percurso de crescente dissimulação nas mudanças metabólicas das
relações sociais capitalistas. Dissimulação que evade e mascara a regressão das condições reais de
vida e o sentido precário das políticas públicas de formação, educação, trabalho e renda da classe
trabalhadora e, em especial, dos jovens e adultos pouco escolarizados.
O terceiro e último texto da segunda parte do relatório condensa o inventário de alguns dos
principais programas que compõem as políticas públicas de educação, formação profissional
emprego e renda para os de jovens das camadas sociais mais pobres. Trabalhamos textos e,
especialmente, teses e dissertações que analisam o Programa Nacional de estímulo ao primeiro
Emprego (PNEP), Escola de Fábrica, Programa Universidade para Todos (PROUNI), Porgram de
Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) e Programa Nacional de Inclusão do Jovem
(PROJOVEM) Este último condensando um conjunto de projetos e ações voltadas para jovens de
baixa renda.
Ao longo do desenvolvimento da pesquisa foi se evidenciando que o tema juventude tomou
a agenda das preocupações políticas dos organismos internacionais que zelam pelo sistema capital
no seu conjunto. Tais organismos, ONU, Banco Mundial, UNESCO, CEPAL, apoiam conferências
mundiais e regionais sobre o tema juventude e orientam políticas que são assumidas em diferentes
países, especialmente sociedade de capitalismo dependente construídas em projetos de
desenvolvimento que combinam, alta concentração de capital e riqueza e miséria de grandes
massas. Para elucidar esta questão abrimos este último capítulo com uma introdução onde se
destaca o sentido ideológico e político da disputa da juventude, em especial os jovens de baixa
renda e a cidadania restrita que tais orientações e programas oferecem a juventude face o discurso
sobre juventude e um panorama do desemprego jovem no Brasil que justifica as preocupações
externas e internas.
O que indicamos como anexo dois - Juventude com vida provisória e em suspenso – trata-se
de um DVD de 52 minutos produzido ao longo da pesquisa ouvindo jovens de baixa renda, mas
que expressam particularidades de milhares de jovens Um jovem que tem 18 anos e que ainda não
concluiu a quinta série. Sua trajetória desde a infância representa milhares de jovens que desde a
infância são impelidos ao trabalho precoce, alternando trabalho na rua, ingresso na escola,
reprovações, volta à escola trabalhando. Num ciclo viçoso de precariedade. Um segundo jovem
16
expressa os jovens do Movimento dos Trabalhadores sem Terra. Também representa milhares de
jovens mutilados em seus direitos, juntamente com seus país. O diferencial é que se trata de uma
juventude organizada num movimento e que pauta uma agenda de luta por direito à escola, à terra,
á cultura, ao lazer, etc. Um grupo de jovens que cursam o PROEJA e que trabalha, a maioria em
empregos precários ou por conta própria. Finalmente um grupo heterogêneo de jovens que
concluíram o ensino médio , alguns ingressaram na universidade e interromperam o estudo porque
perderam o emprego que lhe permitia pagar a mensalidade e outros concluíram a o curso superior,
mas estão á espera de emprego.
Destes jovens buscamos saber qual o grau de informação que os mesmos têm sobre os
programas direcionadas para a juventude, qual sua trajetória de estudo e de trabalho, quais a s
visões sobre a sociedade, a política e quais as perspectivas de futuro. Relacionamos os seus
depoimentos com a análise da antropóloga Regina Novais que durante vários anos dirigiu a
Secretaria de Juventude no governo de Luís Inácio Lula da Silva. Trata-se de um produto da
pesquise que tem tido grande procura para debate com profissionais que atuam nos diferentes
programas para jovens e com grupos de jovens.
O terceiro anexo - Os circuitos da história e o balanço da educação no Brasil na
primeira década do século XXI – o incluímos por duas razões que se reforçam. Primeiro
porque a pesquisa abrange dominantemente os anos de governo Luiz Inácio Lula da Silva do
qual, como assinala Francisco de Oliveira, se esperava: uma espécie de quarta refundação da
história nacional, isto é, um marco de não retorno a partir do qual impõem-se novos
desdobramentos. (...). É tarefa das classes dominadas civilizar a dominação, o que as elites
brasileiras foram incapazes de fazer. Oliveira, 2003a, p.3). Segundo porque as razões da não
concretização do marco de não retorno, analisadas no texto, permitem entender a natureza, e o
pequeno alcance, em termos de mudanças estruturais da política econômica, social,
educacional e cultural. Mais que isso, assinala os desafios para aqueles que querem mais que
mero alívio à pobreza, sem negar a necessidade de políticas compensatórias e distributivas no
processo de travessia para mudanças estruturais. A epígrafe do texto, confrontada com a
análise que empreendemos ao longo da pesquisa, indica que para a classe trabalhadora os
circuitos da história continuam fechados. Mas, certamente. como sublinha Florestan
Fernandes, não para sempre. O intuito é de que o processo formativo ao longo da pesquisa e o
conjunto de reflexões que ela oferece, ajude a alterar pela raiz as estruturas que produzem
uma sociedade de profundamente injusta e desigual.
17
Destacamos, por fim, que no desenvolvimento deste projeto, de forma sistemática
manteve-se um debate fecundo como os pesquisadores e estudantes de doutorado, mestrado e
graduação nomeados na equipe de trabalho. Trata-se de inserções diferenciadas em termos de
tempo e de formação cujo fazer da pesquisa tem como uma de suas finalidades, a formação de
novos quadros de pesquisadores e docentes. Buscamos, desta forma, dar autoria de algumas
partes do relatório aos estudantes que participaram de todo o percurso da pesquisa. Essa
opção, ligada à preocupação de, ao longo da pesquisa, ir publicando algumas análises que
subsidiasse o debate em torno do tema das políticas públicas de emprego, renda e elevação de
escolaridade, faz com que em algumas partes do relatório haja reiterações e mesmo algumas
repetições. Isto deriva do fato de que, diferente de outros relatórios que deles resultam uma
publicação em forma de livro ou coletânea neste, como pode se perceber, parte relatório foi
publicado ou está no prelo de periódicos ou coletâneas. ]
Esta opção metodológica e política também determinou que ao final das duas partes do
relatório não efetivássemos uma conclusão geral. Isto pelo fato de que as conclusões estão
presentes nas diversas partes do relatório.
Os três anexos que compõe o relatório em formas de DVD e uma análise mais ampla das
políticas educacionais na primeira década do século XXI reúnem, ao nosso ver, a síntese teórica e
histórico empírica do objeto central da pesquisa. Trata-se de produtos da pesquisa que têm
alcançado grandes públicos e excelentes debates
O DVD - Quem somos e para onde vamos? Clássicos e contemporâneos do pensamento
social crítico brasileiro – explicita pela análise das obras de seis dos mais importantes pensadores
sociais críticos do século XXI entender por que continuamos uma sociedade que produz a miséria
e se alimenta dela. Trata-se do debate sobre obras de Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado
Junior, Celso Furtado, Florestan Fernandes, Otávio IANNI e Milton Santos.
O anexo 3 - Os circuitos da história e o balanço da educação no Brasil na primeira
década do século XXI, explicita que a dívida histórica no campo da educação ganha
compreensão e se constitui numa opção das forças que definiram e definem o projeto
societário como o desvelam aqueles pensadores.
O resultado da relação orgânica entre o projeto societário e de educação se explicita
neste relatório de pesquisa e encontra a síntese emblemática, narrada pelos próprios sujeitos
jovens no DVD – Juventude com vida provisória e em suspenso - para os quais se dirigem as
políticas de emprego, renda, elevação de escolaridade e formação técnico profissional. As
políticas públicas de formação, emprego, renda e elevação de escolaridade para jovens,
18
mormente da classe popular, são marcadas pela precariedade, provisoriedade e fragmentação.
Quando bem-sucedidas garantem apenas uma inclusão forçada e marcada pela precariedade e
provisoriedade. Estas políticas são necessárias, mas seu efeito se não vincadas em mudanças
estruturais, acabam tendo um papel de culpabilização das vítimas e um forte ingrediente de
conservadorismo político. No caso brasileiro, alimentando o clientelismo político e renovadas
formas de populismo.
19
PARTE 1 -TRABALHO, CLASSES SOCIAIS, CAPITALISMO DEPENDENTE E
FORMAÇÃO HUMANA
Diz-se que um termo é polissêmico quando é utilizado com várias significações. Por
exemplo, ao examinar as relações sociais de produção na especificidade da sociedade
capitalista, Marx mostra que produtivo é o trabalho que produz mais-valia. Este, todavia, não
é o sentido dado pelo pensamento liberal nem pelo senso comum. No pensamento econômico
liberal, é uma relação entre os insumos aplicados e o resultado da produção. No sentido
dicionarizado, usualmente trabalho produtivo é aquele que rende mais, que produz mais ou é
mais eficaz.
Neste texto, que visa estimular o debate sobre a relação trabalho, classe social e
educação não vou ater-me particularmente à dimensão semântica do trabalho para evidenciar
as mudanças de sentido sofridas do mesmo no tempo e no espaço. Primeiro por não ser este
meu campo de formação e, muito menos, de estudos e pesquisa. Segundo, e
fundamentalmente, porque no exemplo acima o cerne da questão não é uma disputa semântica
abstraída das relações sociais. Na sociedade capitalista é uma disputa de classe que somente
pode ser apreendida em sua historicidade dentro de uma concepção dialética e no campo das
contradições e não das antinomias.
A opção do encaminhamento que darei ao texto busca no legado de Marx a
compreensão de que não é a consciência, a teoria e a linguagem que criam a realidade, mas
elas são produzidas dentro e a partir de uma realidade histórica, sendo e tornando-se, porém,
elas mesmas parte dessa realidade. Daí que, para Marx e Engels, nenhuma ideia, preconceito,
7
. Gaudêncio Frigotto. UERJ. Programa de Políticas Públicas e Formação Humana
20
ideologia ou teoria deve deixar de ser examinada, já que todas elas se constituem em
elementos constitutivos da realidade e parte de determinadas práxis (alienadas ou críticas).
A produção das ideias, de representações da consciência, está de início diretamente
entrelaçada à atividade material e ao intercâmbio material; (...) os homens são produtores de
suas representações, de suas ideias etc., mas os homens reais e ativos (...). A consciência
jamais pode ser outra do que o ser consciente e o ser dos homens é seu processo de vida real
(Marx & Engels, 1986, p. 36-37, grifo meu).
Esta compreensão conduz-me ao pressuposto de que os sentidos e significados do
trabalho resultam e constituem-se como parte das relações sociais em diferentes épocas
históricas e um ponto central da batalha das ideias na luta contra-hegemônica à ideologia e à
cultura burguesas Esse pressuposto, como consequência, leva-me ao mesmo tempo a
compreender e tratar as relações de produção e de reprodução sociais, a linguagem, o
pensamento e a cultura de forma histórico dialética e, para não cairmos numa discussão
abstrata, atemporal ou – nos termos de Marx – escolástica, que o sentido do trabalho, expresso
pela linguagem e pelo pensamento, só pode ser efetivamente real no campo contraditório da
práxis e num determinado tempo e contextos históricos.
A questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é uma
questão teórica, mas prática. É na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto é, a
realidade e o poder, o caráter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não
realidade do pensamento isolado da práxis - é uma questão puramente escolástica (Marx,
1986, p. 12).
Se por um lado, então, é crucial voltar aos textos de Marx e Engels e de outros
pensadores marxistas buscando seu sentido imanente e o rigor semântico como exercício de
não nos afastarmos dos fundamentos da concepção materialista-histórica da realidade humana
ou social e do método dialético de construção de sua compreensão, o grande desafio, todavia,
em nosso tempo, como adverte Francisco de Oliveira, é “não alcançar-se a saturação histórica
do concreto, isto é, não saber apanhar a multiplicidade de determinações que fazem o
concreto" (Oliveira, 1987a). Vale dizer, seguir o legado de Marx e de Engels, que é
“compreender toda a realidade em seu movimento, nas suas ‘tendências’ – portanto, na
‘unidade’ dos seus diferentes aspectos e ‘contradições’” (Lefebvre, 1981, p. 295-296).
Ao abordar a concepção materialista de história, Engels, em carta a C. Schmidt,
adverte sobre o risco de seu uso apenas como rótulo.
Sobretudo a palavra “materialista” serve, na Alemanha, a muitos escritores jovens
como uma simples frase com que se rotula todo e qualquer estudo, ou seja, coloca-se o rótulo
e crê-se ter encerrado então o assunto (...). Toda a história precisa ser reestudada, as
condições de existência das diversas formações sociais precisam ser examinadas em detalhe,
21
antes de induzir delas as correspondentes concepções políticas, jurídicas, estéticas,
filosóficas, religiosas etc. (Engels, 1983, p. 456).
Por certo, no plano mais geral, Edward Thompson, Raymond Williams, Eric
Hobsbawm, Antonio Gramsci e, no Brasil, Francisco de Oliveira e Florestan Fernandes,
Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho, entre outros, são intelectuais pesquisadores que
pensam com Marx para além de Marx8. Ou seja, pensadores que, pela pesquisa e análise
sistemática, buscam não se afastar dos fundamentos e saturar as categorias e conceitos
(trabalho, classes sociais, Estado, cultura, democracia, luta de classe etc.), no movimento mais
universal do sistema do capital e na especificidade de diferentes formações históricas
capitalistas.
A construção da categoria capitalismo dependente, em Florestan Fernandes (1975 e
1981) e Rui Mauro Marini (2000); a crítica da razão dualista atualizada, trinta anos depois,
com um texto sob a metáfora do ornitorrinco, em Francisco de Oliveira (2003); e a análise da
questão da democracia e da relação Estado e sociedade civil, em Carlos Coutinho (2002), são
abordagens que explicitam a especificidade do capitalismo no Brasil dentro do movimento do
sistema do capital. No âmbito mais geral, Francisco de Oliveira (1998), em Surgimento do
anti-valor, traz à luz a forma mediante a qual o capital se reproduz e amplia cada vez mais
dependendo do fundo público e as consequências s para a luta de classes da disputa por seu
controle e manejo9. Konder (1992 e 2001) dialoga sobre o pensamento de Marx no século
XXI, o futuro da filosofia da práxis e a leitura crítica da história.
Estas demarcações introdutórias objetivam explicitar a direção dentro da qual gostaria
de abordar dois pontos inter-relacionados.
No primeiro, busco sinalizar que a polissemia da categoria trabalho resulta de uma
construção social e, em nossa sociedade, com o sentido de dominação de classe. O grande
desafio é apreender, no tecido social do senso comum, das religiões e das ideias do
8
Tomo esta formulação de Wolfgang Leo Maar (2006) em um texto no qual aborda a Teoria crítica da
sociedade brasileira de Francisco de Oliveira. Trata-se de uma expressão precisa que sintetiza a forma mais
radical de ser fiel ao pensamento de Marx: trabalhar o presente na relação entre o estrutural e o conjuntural
dentro de sua concepção materialista histórica da realidade e o método materialista histórico de compreendê-la,
que implica, em cada formação histórica, identificar e analisar as mediações e contradições que produzem a
realidade humano social em sua particularidade, singularidade e universalidade.
9
Por uma destas raras coincidências, exatamente no dia 29 de setembro de 2008, declarado o pior da história das
bolsas ou da jogatina do capital fictício onde o fundo público americano anunciava que injetaria US$ 700 bilhões
para socorrer a hecatombe do livre mercado e o mesmo rumo foi seguido para segurar a quebradeira na Europa,
Francisco de Oliveira encerrou, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com o debate sobre o sentido atual
do Manifesto Comunista, um curso livre sobre obras de Marx. Não só pôde reiterar que “tudo o que é sólido se
desmancha no ar” como sentir que o que anunciou exatamente uma década atrás, em seu livro Surgimento do
anti valor, assume agora uma evidência histórica contundente e para o sistema capital em conjunto.
22
pensamento e da ciência positivista e pragmática dominante, qual o mosaico de sentidos que
assume o trabalho.
No segundo, que tem origem e está vinculado ao primeiro, ocupo-me de dois aspectos
também imbricados. Em recente livro, SergioLessa (2007) aborda a perda da precisão
semântica do vocábulo trabalho e as consequências s para definição de quem é, hoje, o
proletariado, a distinção entre proletários e trabalhadores e o que é hoje a classe
revolucionária. Partindo da análise da compreensão ontológica de trabalho numa perspectiva
imanente e dentro da ortodoxia e centrado particularmente no Livro I de O Capital,
justificando sua prioridade exegética, salienta que, em Marx, por trabalho se entende o
intercâmbio orgânico do ser humano com a natureza e a atividade que transforma a matéria
natural. Compreensão esta que, para Lessa, permite definir quem é hoje o proletariado e a
classe revolucionária.
Sobre esta base, analisa parte da obra de três autores brasileiros: Ricardo Antunes,
Marilda Villela Iamamoto e Dermeval Saviani, e sustenta que estes, por perda dessa precisão,
dão o adeus ao trabalho no Brasil10 e à identificação de quem pertence ou não ao proletariado
e à classe revolucionária. Ao abordar a obra de Saviani e referindo-se a alguns dos mais
significativos pedagogos de esquerda, destaca que essa incompreensão semântica “tornou aos
educadores mais complicada e difícil a percepção da essência das transformações em curso: a
passagem de um patamar mais elevado de extração de mais-valia, uma intensificação dos
processos alienantes oriundos do capital” (Lessa, 2007, p. 121). Para ele, isso decorre de
ilusões de Saviani e desses pedagogos da possibilidade, sob o sistema capitalista, da
existência de alguma positividade do desenvolvimento científico e tecnológico, dos avanços
das forças produtivas ou de que as transformações que possam ser disputadas e capturadas
pelas forças comprometidas pela emancipação humana. Da mesma forma, decorrem as ilusões
sobre a possibilidade de construir uma educação geral, omnilateral ou politécnica dentro do
sistema capitalista.
Na mesma direção de análise imanente de textos de Marx feita por Tumolo (2003),
procuro analisar as implicações, no plano teórico, político e prático, da defesa que ele busca
sustentar de que o trabalho, sob o sistema do capital, não pode ser entendido e pensado como
10
Lessa refere-se às teses do fim do trabalho desenvolvendo, em seu livro, três capítulos. No primeiro, o adeus
ao trabalho dado por S. Malett e André Gorz; no segundo, o adeus ao trabalho de M. Sabel a J. Lojkine e
Adamn Shaff; e, finalmente, no terceiro capitulo dedica-se ao adeus ao trabalho no Brasil dado pelos autores
mencionados.
23
principio educativo, isto porque é cada vez mais alienante. Ou seja, o trabalho, neste caso,
seria pura negatividade e por isso impensável como principio educativo.
Registro de imediato que as objeções que explicito nesta discussão não se referem à
pertinência de efetivar análises imanentes dos textos de Marx ou outros pensadores clássicos.
Portanto, o intuito não é desclassificar ou menosprezar sua produção. Pelo contrário, entendo
essas análises como um trabalho intelectual fundamental, com o qual compartilho. Da mesma
forma, compartilho da crítica relativa à forma cada vez mais destrutiva e violenta do sistema
do capital e de sua natureza não reformável.
O ponto crucial a ser debatido é a passagem da compreensão imanente do trabalho, da
classe proletária e do sujeito revolucionário, para a análise ou julgamento de trabalhos que se
centram, há décadas, em desenvolver pesquisa histórico empírica e que pensam com Marx
para além de Marx.
O que procurarei mostrar é que as análises de Lessa e Tumolo, na especificidade e
natureza diversa dos dois trabalhos a que me refiro neste artigo, podem estar incorrendo nessa
impropriedade. Isso pode ter como consequência, ainda que não intencional, em nome da
imanência e da ortodoxia, por um lado, congelar a saturação histórica das categorias e
conceitos e, com isso, o legado fundamental de Marx de perquirir a relação do estrutural e
conjuntural no tempo e no espaço, nas mediações e contradições singulares, particulares e
universais da realidade que queremos compreender; e, por outro, conduzir ao imobilismo no
plano da práxis, ponto nodal da luta de classes para a superação das relações sociais
capitalistas.
1.1.1 -As mediações histórico sociais da polissemia da categoria trabalho e a batalha das
ideias
24
informalidade ou diretamente não necessários à produção11. Aí a disputa dos sentidos do
trabalho poderia estar isolada da práxis e tornar-se uma discussão puramente escolástica.
Esse desconforto foi se desfazendo e fui percebendo a pertinência e a necessidade
deste debate, na direção apontada, especialmente pelas consequência s que podem advir de
um encaminhamento das questões postas se perdermos de vista que o objetivo fundamental é
a crítica das relações sociais e dos processos formativos e educativos que reproduzem o
sistema do capital e todas as suas formas de alienação. Mas, concomitantemente, na luta
contra-hegemônica e no terreno contraditório que a realidade histórica (realidade rebelde, na
expressão de Gramsci) nos coloca para a travessia, onde a disputa cultural e do sentido da
ciência, tecnologia e dos processos educativos na sociedade e na escola se constituem em
mediações cruciais na possibilidade de superação do sistema do capital
Todavia, o entendimento da pertinência do tema carregou consigo uma enorme
perplexidade pela natureza complexa da tarefa; neste artigo, o que posso alcançar é apenas a
problematização e uma abordagem introdutória. Como efeito, quando escrevemos nossos
textos supondo que os leitores – alunos de graduação e de pós-graduação, professores que
atuam nas redes de ensino público e privado ou lideranças de movimentos sociais e sindicatos
etc. – apreendam os sentidos e distinções que foram sendo construídas sobre trabalho na sua
dimensão ontológica, princípio educativo ou trabalho alienado por sua subordinação ou
subsunção real; trabalho concreto e abstrato, produtivo e improdutivo, trabalho material e
imaterial e mundo da necessidade e da liberdade etc., por certo, estamos ignorando lições
que a literatura marxista engendra.
O fato de crescente contingente da população que tem experiência concreta de classe
trabalhadora brasileira sem que, como indica Edward P. Thompson12, tenha consciência de
classe acredite, ao seguir a Igreja Universal ou congêneres, que presencia milagres,
exorcismos e prosperidade não é uma quimera. É um dado real existencial que tem de ser,
11
A categoria de trabalho informal, por diferentes razões, no desmanche e precarização do trabalho, não dá conta
de nos ajudar a aprender os “mundos do trabalho” (Hobsbawm, 1987) daqueles que não são incorporados
diretamente no emprego formal. Ver Tavares (2004). Uma realidade que advém, como Marx indicava nos
Manuscritos econômicos, da forma que se desenvolve, sob o capitalismo, a atividade humana. “Substitui o
trabalho por máquina, mas lança parte dos trabalhadores de volta a um trabalho bárbaro e faz da outra parte
máquinas” (Marx, 2004, p. 82).
12
A obra do pensador marxista Edward P. Thompson tem a particularidade de ser produzida pela pesquisa
histórica e a intensa vivência como educador popular. Por isso, sua produção sobre a formação da classe operária
inglesa ou, como ele mesmo expressa, o fazer-se classe operária envolve tanto as dimensões econômicas e
políticas quanto as culturais mediadas por experiências, tradições, sistema de valores e vivências concretas. Ver
Thompson (1987a, 1987b, 1987c e 1981).
25
primeiramente, entendido como indica Marx ao discutir a religião na Introdução à crítica da
filosofia do direito em Hegel e na Questão judaica.
É este o fundamento da crítica irreligiosa: o homem faz a religião, a religião não faz
o homem. [...] Mas o homem não é um ser abstrato, ancorado fora do mundo. [...] a miséria
religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria
real (Marx, 2006, p. 145).
A razão fundamental, então, da necessidade de compreender a polissemia da categoria
trabalho não é apenas e, sobretudo, semântica, teórica e epistemológica, ainda que mediada
por essas dimensões, mas de natureza histórico social, ontológica e ético-política.
Por certo o mais comum é que a grande massa dos que pertencem e têm experiência
real de classe trabalhadora e que não necessariamente têm consciência de classe tome trabalho
e emprego como sinônimos, assim como o de classe como um contínuo de estratificações, um
senso comum imposto pelo pensamento sociológico, econômico e político e sedimentado dia
a dia pela mídia: classe A, B, C, D, E...
Do mesmo modo, é difícil que a grande maioria dos professores, mesmo com níveis de
escolaridade elevados, compreenda por que, se de manhã eles trabalham numa escola privada
(na qual são explorados) e pela tarde trabalham numa escola do Estado desmantelada (na qual
também são explorados), pela manhã seu trabalho é produtivo e pela tarde é improdutivo, ou
por que, pelo fato de serem professores, não são proletários ainda que trabalhadores
expropriados. Por outro lado, é comum que, em pesquisas com mulheres que fazem trabalho
doméstico, embora tenham jornada tripla de trabalho, afirmem que não trabalham. Todas
essas situações expressam uma determinada filosofia, popular ou científica, certa prática
econômica e hegemonia política.
Por isso, num terreno mais profundo da construção dos sentidos de trabalho que
coexistem na sociedade brasileira hoje, a indicação de Gramsci sobre concepção de mundo é
de extrema pertinência.
Quando a concepção de mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e
desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homens massa, nossa
própria personalidade é composta de uma maneira bizarra: nela se encontram elementos dos
homens das cavernas e princípios da ciência mais moderna e progressista; preconceitos de
todas as fases históricas passadas, grosseiramente localistas e intuições de uma futura
filosofia que será própria do gênero humano mundialmente unificado (Gramsci, 1978, p. 13).
26
perspectiva de Florestan Fernandes, implica [...] repor o intelectual no circuito das relações e
conflito de classe [...]. Mas de nada adiantaria uma retórica ultrarradical de condenação e
de expiação: o intelectual não cria o mundo no qual vive. Ele já faz muito quando consegue
ajudar a compreendê-lo e explicá-lo, como ponto de partida para sua alteração real”
(Fernandes, 1980, p. 231.)
Estas produções ajudam para uma primeira e importante aproximação das diferentes
dimensões do significado e dos sentidos em que o trabalho, dentro de uma perspectiva
marxista, é abordado e indicam as fontes nas quais os leitores podem aprofundar tal
compreensão e situar-se no debate. Algumas dessas dimensões renderam vários trabalhos,
como a questão do trabalho produtivo e improdutivo em Marx13.
Uma coletânea organizada por Danile Mercure e Jean Spurk, publicada na França em
2003 e traduzida pela Editora Vozes em 2005, dentro de uma abordagem não especificamente
marxista, propõe uma ampla compreensão da noção de trabalho no pensamento ocidental
desde o mundo grego até a moderna sociedade burguesa.
Outros estudos buscam explicitar como surgiu e se desenvolveu o sentido que temos
hoje de trabalho reduzido a emprego como quantidade de tempo pago por uma determinada
atividade. Naredo (2006) efetiva uma análise na qual examina os valores, concepções e modos
de vida que predominaram antes que se tivesse a ideia atual de trabalho. Em seguida, mostra a
gênese da visão produtivista de trabalho ao longo do século XVIII, quando o modo de
13
Ver a esse respeito, entre outros autores que efetivam esse debate: Rosdolsky (2001), Mandel (1998), Robin
(1980) e Napoleoni (1981) e Singer (1981).
28
produção capitalista torna-se dominante e se desenvolve a ideia de riqueza, produção e de
sistema econômico. Por fim, analisa as determinações que estão provocando a crise da função
produtivista e social que se atribuía ao trabalho em nossas sociedades. A relevância de sua
análise, concorde-se ou não com ela, situa-se em mostrar as conexões entre ciência, ideologia
e sociedade e entre linguagem e pensamento.
No campo da batalha das ideias como espaço de luta de classe, tem sido importante
o desenvolvimento de textos, partindo especialmente da obra de Lukács (1976 e 2004) sobre a
ontologia do ser social em Marx, que tratam o trabalho na sua dimensão ontocriativa, em
contraposição às formas históricas que assume, mormente o trabalho sob os modos de
produção escravocrata ou servil e capitalista.
29
tradição marxista anglo-saxônica, especialmente em Eric Hobsbawm, Raymond Willians e
Eduard Thompson. No Brasil, na mesma direção, destacam-se as análises de Francisco de
Oliveira e Florestan Fernandes. Neste item tomo apenas um aspecto que ao meu juízo
permite uma ponte para o diálogo sobre os fundamentos do pensamento de Marx e a
necessidade de, a partir dos mesmos, buscar compreender o presente14.
Raymond Williams, ao tratar a teoria da cultura construindo o que denominou
materialismo cultural, indica a tarefa por fazer para entender como as categorias trabalho,
emprego e classe social vão assumindo diferentes significados. Trata-se do esforço de saturar
as categorias de historicidade. Com base em seu materialismo cultural, vai tratar de um
vocabulário de cultura e sociedade (Williams, 2007). Entre outras palavras ou categorias,
mostra os diferentes sentidos que vão assumir trabalho, emprego e classe social.
O materialismo cultural, nos termos colocados por Williams é entendido
[...] como um processo produtivo (material e social) e das práticas específicas, as
“artes”, como usos sociais de meios materiais de produção (da linguagem como consciência
prática às tecnologias específicas da escrita e de formas da escrita, passando pelos sistemas
eletrônicos e mecânicos de comunicação) (Cevasco, apud Williams, 2007, p.17-18).
Tomando a ênfase de Gramsci sobre a questão da hegemonia, Williams, num texto
provocativo – Você é um marxista, é você marxista?15 –, explicita como se efetiva a
dominação de classe na relação poder, propriedade privada e cultura.
14
. Parece-me, neste particular, pertinente a análise que Perry Anderson (1985) nos oferece sobre o marxismo
ocidental. Indica-nos Anderson que quando a tradição marxista francesa enveredou na análise do discurso
perdeu a batalha das ideias já que neste terreno o estruturalismo é imbatível. Ao contrário, a tradição anglo-
saxônica manteve-se fiel a Marx e Engels na pesquisa histórica, terreno onde se pode superar o estruturalismo. (
Anderson, 1985).
15
Ver Raymond Williams, “You`re a Marxist, Aren`t You? (Williams, 2007, p. 14). Para um aprofudanamento
do seu pensamento, ver, também, Willians, 1969 e 1979.
30
É com o desenvolvimento das relações sociais produtivas capitalistas que o trabalho
assume o sentido de emprego remunerado e trabalhador para designar a classe trabalhadora.
Estar empregado (to be in work) ou desempregado (to be out of work) era estabelecer
uma relação definida com pessoa que controlava os meios do esforço produtivo. Então
trabalho deslocou-se, em parte, do próprio esforço produtivo para a relação social
dominante. É somente neste sentido que se pode dizer que uma mulher que cuida da casa e
cria os filhos não trabalha (idem, ibidem, p. 397,).
A redução do trabalho de atividade vital do ser humano para produzir seus meios de
vida a emprego vincula-se, pois, a uma dupla determinação: o desenvolvimento concomitante
da palavra trabalho, do termo emprego e das relações sociais dominantes. Assim Williams
mostra que o termo emprego tem origem obscura e bastante coloquial no sentido de lump
(massa informe, monte) ou de piece (pedaço, parte). É no século XVII que assume o sentido
de quantidade limitada de trabalho. Assim, “jobbing (trabalho de empreitada) e jobber
(trabalhador de empreitada), em sentido ainda vigentes, passaram a significar a execução de
pequenos trabalhos ocasionais” (idem, ibidem, p. 398). De seu sentido restrito e, por vezes,
pejorativo, como jobbery (traficância, negociata), passou a ter uso mais universal e comum
para designar ocupação regular e paga.
Os termos trabalho e emprego, mostra-nos Williams, interagiram tanto no seu
desenvolvimento interno quanto em sua inter-relação. Com efeito, com o desenvolvimento do
modo de produção capitalista, o trabalho, na sua dimensão ontológica, forma específica da
criação do ser social, é reduzido a emprego – uma quantidade de tempo vendida ou trocada
por alguma forma de pagamento. Dessa redução ideológica resulta que, no senso comum, a
grande maioria das pessoas entenda como não trabalho o cuidar da casa, cuidar dos filhos etc.
Quando relacionamos o trabalho e o trabalhador ao sentido de classe e classe social,
eles ganham novas determinações, também histórica e socialmente construídas. Por isso, é
crucial, ainda que de forma breve, que se faça, com Williams, o mesmo percurso de trabalho e
emprego com o termo classe social16.
16
Isso é particularmente importante para, na próxima seção, mostrar alguns aspectos no mínimo problemáticos
das posições de Lessa e Tumolo nas críticas que efetivam a produções de pesquisadores no campo social e
educacional.
31
Classis se referia a uma divisão de acordo com a propriedade que possuíam
os romanos.[...] logo o uso se ampliou, primeiro como termo de organização
eclesiástica (as assembleias ou classes ou sínodos) e, mais tarde, um termo
geral para divisão ou grupo (classe das plantas). (idem, ibidem, p. 85).
De acordo com Williams, Owen, em 1818, foi quem empregou por primeiro a
denominação classes trabalhadoras “no contexto específico e inconfundível das relações entre
‘trabalhadores’ e ‘seus empregadores’” (idem, ibidem, p. 90). A partir de 1840, a expressão
classe trabalhadora, no singular, foi sendo usada nas análises socialistas; no plural, nas
descrições conservadoras.
Ao mesmo tempo que o sentido e o significado de classe social vão se consolidando,
mostra-nos Williams que eles carregam ambiguidades que se mantêm até hoje, tanto no
terreno não marxista quanto no marxista. A ambiguidade, ainda em 1844, dava-se entre
trabalhador e operário. Para Cockburn, os únicos trabalhadores eram aqueles que trabalhavam
17
Essa distinção é apresentada por Williams pór meio de uma citação do livro de Volnei, publicado em 1795:
The Ruins of de Revolutions of Empires. Ver Williams, 2007, p. 89.
32
com as mãos, embora tanto para trabalhador como para operário houvesse a referência a
trabalho manual.
Uma lei de 1875 estabeleceu uma definição jurídica para essa situação: a expressão
trabalhador (...) refere-se a qualquer pessoa que, sendo operário, criado doméstico,
jornaleiro, artífice, artesão ou que se dedique a qualquer trabalho manual (...), foi
contratada ou trabalha para um empregador (idem, ibidem, p. 91).
33
organização política, nesta exata medida não constituem uma classe 18 (O Dezoito Brumário
de Luiz Bonaparte, (Marx, apud Willians, op. cit. p. 95.
Do exposto até aqui fica claro que trabalho, emprego e classe social estão, em seu
desenvolvimento, imbricados e os sentidos e significados que assumem têm determinações
histórico sociais. Para o que o GT Trabalho e Educação tem como horizonte básico, desde sua
origem, de um trabalho teórico que ajude a entender as relações entre trabalho, relações
18
Nesta passagem de análise histórica concreta fica evidente quando Marx se refere às classes fundamentais que
definem a estrutura específica do modo de produção capitalista – proprietários privados dos meios e
instrumentos de produção e trabalhadores que vendem sua força de trabalho – de outras classes que se articulam
às mesmas.
19
Ver, a esse respeito, Wood (2003).
20
De um texto publicado pela revista eletrônica Marxismo Revolucionário Atual. 2008. (www.mra.org.br) e
extraído da coletânea As peculiaridades dos ingleses e outros artigos (Negro e Silva, 2007).
34
sociais capitalistas e educação numa perspectiva de luta de classes, parece-nos crucial o que é,
para Williams, em nossos dias, uma crítica militante.
[...] sei que há um trabalho fundamental a ser feito em relação à hegemonia cultural.
Acredito que o sistema de significados e valores que a sociedade capitalista gera tem de ser
derrotado no geral e no detalhe por meio de um trabalho intelectual e educacional contínuo.
(...) temos de aprender e ensinar uns aos outros as conexões que existem entre formação
política e econômica e, talvez, mais difícil, formação educacional e formação de sentimentos e
de relações, que são os nossos recursos em qualquer forma de luta (Cevasco apud Williams,
2007, p. 15).
Essa advertência, do aprender e ensinar uns aos outros, é também repleta de indicações e
lições para a natureza do debate do ponto a seguir se nosso objetivo comum é fortalecer as
lutas que buscam não simplesmente reformar o capitalismo, mas sua superação.
A breve análise até aqui desenvolvida revela que os termos ou categorias ou conceitos
discutidos têm suas variações de sentido marcadas pelo desenvolvimento histórico-cultural,
por valores, tradições, por concepções ideológicas e disputas sociais. Marx e Engels
desenvolveram suas análises no contexto onde os mesmos se consolidam dentro da definição
do modo de produção capitalista como forma dominante de relações sociais. O que Marx e
Engels fizeram foi, mediante pesquisa meticulosa, dar-lhes rigor científico dentro da
concepção histórica de realidade social e do método do materialismo histórico-dialético21.
Assim mesmo, como destaca acima Williams, suas análises não ficaram livres de
ambiguidades que rendem polêmicas até o presente.
Nesta seção busco discutir o posicionamento sobre a análise imanente ou dentro da
ortodoxia (Lessa, 2007) de parte da obra de Marx e suas implicações teóricas no plano da
ação política, especialmente, ainda que não só, no campo educacional.
O esforço de análises dentro de uma perspectiva imanente e heurística, como foi
assinalado na introdução e sublinhado por Thompson, não só é pertinente como de crucial
importância para afirmar os fundamentos das contribuições de Marx e Engels e de outros
marxistas que seguiram seu legado. Assim, o esforço dos trabalhos de Sérgio Lessa e sua
21
Num texto produzido na década de 1980, analiso a dialética materialista histórica como uma postura ou
concepção de realidade histórica, um método e uma práxis para caracterizar aspectos inseparáveis da análise de
Marx e Engels (Frigotto, 1989).
35
contribuição na explicitação da ontologia do ser social de Marx e concepção ontológica de
trabalho são de enorme relevância.
As ponderações que coloco a seguir referem-se a seu livro Trabalho e proletariado no
capitalismo contemporâneo (2007), no qual, a partir de uma compreensão imanente do
trabalho em Marx, centrado sobretudo no livro I de O capital, efetiva críticas a diferentes
autores do campo social e educacional nos aspectos destacados na introdução deste texto,
cujas análises se esforçam para entender o trabalho, as classes sociais, a ciência e tecnologia e
os processos educativos no seu desdobramento e desenvolvimento históricos.
Mesmo que Lessa chame atenção para a questão histórica e para as mediações, de
forma insistente, por diferentes razões a ênfase de sua análise parece fixar-se no plano da
categorização, referido por Williams, e de um procedimento heurístico nos termos colocados
por Thompson, que enfatiza ser a classe no seu sentido heurístico inseparável da luta de
classes:
Em meu juízo foi dada excessiva atenção, frequentemente de maneira a-histórica, à
“classe” e muito pouca, ao contrário, à luta de classe. Na verdade, na medida que é mais
universal, luta de classes me parece ser o conceito prioritário. Talvez diga isso porque luta
de classes é evidentemente um conceito histórico, pois implica um processo, e portanto seja o
filósofo, o sociólogo ou o criador de teorias, todos têm dificuldades em utilizá-lo. Para dizê-
lo com todas as letras: as classes não existem como entidades separadas que olham ao redor,
acham um inimigo de classe e partem para a batalha [...]. Classe e consciência de classe são
sempre o último e não o primeiro degrau de um processo histórico (Thompson, op.cit. p. 2).
36
Uma primeira observação reside na defesa de Lessa da ortodoxia como metodologia
na análise imanente do texto de Marx para evitar o ecletismo. Mesmo considerando o cuidado
que Lessa tem de contrapô-la ao dogmatismo, o sentido corrente de ortodoxia relaciona-se à
doutrina e às posturas rígidas ou dogmáticas. Esse sentido, na análise de Lessa, reforça-se pela
recorrência do argumento de autoridade como critério da maior veracidade da interpretação
imanente. No mesmo plano metodológico, talvez a perspectiva de Karel Kosik (1986) de
monismo materialista para distinguir as análises entre estrutura econômica (marxismo) e fator
econômico (sociologismo) seja mais adequada para contrapor-se ao pluralismo e ao ecletismo
metodológicos22.
Um segundo aspecto, na mesma ordem de questões, diz respeito às tensões internas da
compreensão imanente do trabalho e classe social e a questão da historicidade. Sob as tensões
internas, José Paulo Netto, ao caracterizar o sentido ontológico de trabalho como constitutivo
do ser social, observa que o ser social não se reduz e esgota no trabalho, ainda que permaneça
como objetivação fundante.
Quanto mais se desenvolve o ser social, mais as suas objetivações transcendem o
espaço ligado diretamente ao trabalho. No ser social desenvolvido, verificamos a existência
de esferas de objetivação que se autonomizaram das exigências imediatas do trabalho – a
ciência, a filosofia, a arte etc. (...) O trabalho, porém, não só permanece como objetivação
fundante e necessária do ser social – permanece ainda como o quase poderia chamar de
modelo das objetivações do ser social (Netto, 2006, p. 43).
Isto fica, a meu ver, ainda mais claro na abordagem de Kosik, tanto do ponto de vista
das tensões internas quanto da historicidade, no seu esforço para superar uma visão semântica
e antinômica entre o trabalho (mundo da necessidade) a as atividades humanas como livre
criação (mundo da liberdade). A possibilidade de dilatação da liberdade do ser humano é
indissociável da satisfação, no grau historicamente possível, do mundo da necessidade.
Do mesmo modo, dentro de uma compreensão dialética, o que distingue trabalho de
outras atividades humanas não é algo eterno. É o processo histórico real que vai definir como
uma mesma ação humana pode ser considerada trabalho ou não trabalho.
O trabalho é um agir humano que se move na esfera da necessidade. O homem
trabalha enquanto seu agir é suscitado e determinado pela pressão da necessidade exterior
22
“O monismo materialista que concebe a realidade como um complexo constituído e formado pela estrutura
econômica e, portanto, por um conjunto de relações sociais que os homens estabelecem na produção e no
relacionamento com os meios de produção pode constituir a base de uma coerente teoria das classes e ser o
critério para a distinção entre mutações estruturais – que mudam o caráter da ordem social – e mudanças
derivadas, secundárias, que modificam a ordem social, sem porém mudar essencialmente seu caráter” (op.cit. p.
105).
37
cuja consecução se chama necessidade natural ou social. Uma atividade é ou não trabalho,
dependendo de que seja ou não exercida como uma necessidade natural, isto é, como um
pressuposto necessário à existência. Aristóteles não trabalhava. Um professor de filosofia e
interpretações metafísicas de Aristóteles são um emprego, isto é, uma necessidade,
socialmente condicionada, de procurar os meios materiais de sustento e de existência (op. cit.
p. 187, grifo meu)
Por isso, para ele a divisão do agir humano entre trabalho, esfera da necessidade e
esfera da liberdade capta a problemática do trabalho e não trabalho apenas
aproximadamente e apenas sob certos aspectos. [...] Nessa distinção fica oculta uma ulterior
característica essencial da especificidade do trabalho como um agir humano que não
abandona a esfera da necessidade, mas ao mesmo tempo a supera e cria nela os reais
pressupostos de liberdade humana. [...] A relação entre necessidade e liberdade é uma
relação historicamente condicionada e historicamente variável (idem, ibidem, p. 188, grifo
meu).
23
Lefebvre busca demonstrar que as obras filosóficas de Marx ou de Marx e Engels se integram à ciência
histórica, à economia e à política. Por isso rejeita tanto a leitura de um jovem Marx (humanista) e de um Marx
maduro (cientista) quanto que as obras de juventude substituam o Marx da maturidade.
38
assalariados comerciais cria para o capital comercial uma participação naquela mais-valia
(Marx, O Capital, cap. III, p. 287, apud Marini, 2000, p. 249).
Para Marini, o mesmo vale para os demais operários da circulação naquelas atividades
indispensáveis para que esta tenha curso (banco, publicidade etc.) pelo que conclui: “é
possível sustentar que restringir a classe operária aos trabalhadores assalariados que produzem
a riqueza material, isto é, o valor de uso sobre o qual repousa o conceito de valor corresponde
a perder de vista o processo global de reprodução capitalista” (idem, p. 250).
Por outro lado, Hobsbawm (o historiador vivo que talvez mais se tenha ocupado da
obra de Marx), numa entrevista sobre sua mais recente publicação, sobre os Manuscritos
econômicos 150 anos depois, destaca duas razões de seu impacto internacional e de sua
importância atual. Primeiro porque permitiu, no campo marxista, no contexto do dogmatizado
corpus do marxismo ortodoxo no mundo do socialismo soviético, ampliar a análise com um
texto que não podia ser considerado herético. Segundo, porque trata de um conjunto de
reflexões sobre assuntos importantes que não foram considerados em O Capital ou
desenvolvidos por Marx em nenhum outro lugar (Hobsbawm, 2008).
Também seguindo a argumentação de Wolfgang Leo Maar, que ao comentar o
pensamento de Francisco de Oliveira realça o vigor que emerge da perspectiva de sua análise
que se concentra no âmbito da produção da sociedade, privilegiar o livro I de O Capital para
discutir trabalho, classe proletária e trabalhadores, traz o risco de fixar-se no trabalhador
coletivo, na perspectiva da acumulação e num estreitamento do espaço da luta de classes e de
seus sujeitos.
O trabalho é intrinsecamente social. Neste sentido, a sociedade pode ser vista como
um grande trabalhador coletivo que pode, na profundidade em que cabe pensar na produção
da sociedade, ser formulado em duas determinações sociais. Um trabalhador coletivo pela
perspectiva da acumulação e, neste sentido, nós pensaríamos um trabalhador coletivo em que
haja uma universalização do trabalho abstrato tal qual a conhecemos hoje. Mas nós
precisamos pensar também no trabalhador coletivo numa outra determinação social, que é a
perspectiva do trabalho que produz a sociedade (Maar, 2006, p. 44).
39
histórico real. Isso pela razão fundamental de que pelo menos os pensadores marxistas que
pensam com Marx para além de Marx aqui referidos enfatizam como legado fundamental de
Marx a concepção materialista de história e o método histórico dialético de apreensão da
realidade.
Até onde percebo os autores que privilegiam a análise histórica, os argumentos de
Lessa para concluir que, em suas obras, Ricardo Antunes, Marilda V. Iamamoto e Dermeval
Saviani – cada um com suas particularidades e com sua relevância – dão O adeus ao trabalho
no Brasil são, no mínimo, lacunosos de mediações históricas. Ou, talvez, dito de outra forma,
ele comete o equívoco apontado por Thompson de passar de uma perspectiva heurística da
historiografia para avaliar pesquisas que buscam, no plano histórico real, perquirir, num
terreno menos seguro e cheio de dificuldades e sujeito a equívocos de diferentes ordens, o
imbricado, contraditório e complexo desenvolvimento do processo de trabalho, do
proletariado e das classes sociais e dos processos educativos ao longo do século XX.
Não vou ater-me aqui a maiores desdobramentos desse debate, apenas destacar
brevemente elementos para chegar a uma conclusão oposta à de Lessa sobre os três autores
criticados e as implicações para os aspectos mais diretamente imbricados com o debate no
âmbito educacional, tanto de Lessa quanto de Tumolo.
Tomo um primeiro elemento de um pequeno e clássico texto de Francisco de Oliveira:
O elo perdido; classe e identidade de classe, na introdução do qual fala do método no estudo
das classes. Para Oliveira, [...] a opacidade da divisão e das relações entre as classes é de tal
densidade que o trabalho teórico de dar-lhes transparência caminha no sentido inverso do
movimento da história do capitalismo contemporâneo. [...] Isto é, torna-se mais complexo e
difícil reconhecer, em fim, o perfil das classes sociais. [...] As classes não se constituem em si
e nem mesmo para si, mas para as outras (Oliveira, 1987a, p.10-11).
Ao analisar os mundos do trabalho e a formação da classe operária, Hobsbawm
também demarca o caráter histórico e processual da constituição das classes:
A história operária é parte da história da sociedade, ou melhor, de certas sociedades
que possuem características em comum. Relações de classe, qualquer que seja a natureza de
classe, são relações entre classes ou camadas de classes que não podem ser adequadamente
descritas se analisadas isoladamente ou apenas em termos de suas divisões ou estratificações
internas. Isso implica um modelo do que são as sociedades e de como funcionam (Hobsbawm,
1987, p. 29).
24
Poder-se-ia afirmar com segurança que os metalúrgicos e bancários brasileiros, que, a partir da década de
1970, pela magnitude e organização de seus sindicatos, produziram duas lideranças que respectivamente se
tornaram presidente da República (Luiz Inácio Lula da Silva) e governador do Rio Grande do Sul (Olívio Dutra),
não terão mais essa capacidade pelo simples fato de que robôs e máquinas digitais ocuparam seus postos,
ampliando o desemprego estrutural, o trabalho precário e “informal”.
41
Dentro do que expus até aqui, parece-me que a conclusão de Lessa, de que as análises
de Antunes, Iamamoto e Saviani dão adeus ao trabalho no Brasil, incorre em dois equívocos.
Primeiro os filia, de forma lógica mas não histórica, às abordagens de S. Malett e André Gorz
e M. Sabel a J. Lojkine e Adam Shaff. Isso porque – e ai está o segundo equívoco – é
exatamente ao contrário. No âmbito especifico das mudanças do mundo do trabalho 25,
Antunes (1999), Iamamoto (2007) e Saviani (1994 -), na relação com a educação, não dão
adeus ao trabalho, mas estão empenhados em compreender o processo histórico do trabalho e
das classes sociais e buscam perceber como se constitui, diferentemente dos séculos XVIII e
XIX, o sujeito revolucionário. O sentido semântico dos termos é importante, mas, como
vimos, histórica e socialmente construído. Nesse aspecto, ganha precedência a historicidade
nos termos da tese II de Feuerbach e do que explicitam sobretudo Williams e Thompson.
Outro aspecto da crítica de Lessa baseado na análise imanente do trabalho e do
proletariado como sujeito revolucionário refere-se a algumas publicações de Dermeval
Saviani (1994) e a um livro de Frigotto (1995) para caracterizar como ilusões o caráter
contraditório da ciência como força produtiva e do desenvolvimento do capitalismo e das
perspectivas da escola unitária, omnilateral e integral. A leitura que Lessa extrai é de que estes
educadores estariam passando a ideia de que do “próprio desenvolvimento capitalista,
passaríamos ao comunismo, à ‘sociedade regulada’ de Gramsci ou ao ‘reino da liberdade’,
famosa expressão de Marx” (Lessa, 2007, p. 121).
Como base desta afirmação, Lessa retira de Saviani um trecho em que analisa o caráter
contraditório dos processos produtivos sob nova base científica e tecnológica e em que a ideia
de escola unitária e da formação omnilateral
[...] estaria deixando o terreno da utopia e da mera aspiração ideológica, moral e
romântica para se converter numa exigência posta pelo próprio desenvolvimento do processo
produtivo. Indícios desta tendência estão aparecendo cada vez mais fortemente [...] inclusive
entre os empresários, de que o que importa, de fato, é uma formação geral sólida, a
capacidade de manejar conceitos, o desenvolvimento do pensamento abstrato (Saviani, 1999,
p. 164-165, apud Lessa, 2007, p. 120-121, grifo meu)26.
25
Em diferentes passagens Lessa assinala a expressão mundos do trabalho – “esta sim quase misteriosa” (Lessa,
2007, p. 9) como a evidência de imprecisão semântica do trabalho. Preocupação que tem validade se o contexto
da análise do trabalho estiver no campo do imanente e do heurístico, mas não é pertinente se se está tentando
entender como o trabalho se apresenta num determinado contexto e desenvolvimento histórico. O historiador
marxista Hobsbawm (1987), não por acaso, intitulou uma obra clássica sua Mundos do trabalho.
26
Lessa não inclui nas referências bibliográficas esta obra de 1999. Todavia, o trecho se refere à obra
mencionada anteriormente (Lessa, 2007, p. 90), que é de Saviani (1994).
42
E, ao assinalar que Saviani não esteve sozinho ao alimentar tais ilusões acerca do
capitalismo contemporâneo, remete a uma nota na qual afirma: “Frigotto, por exemplo,
enxerga na transformação em curso uma positividade que pode ser politicamente capturada
com as forças comprometidas com a efetiva emancipação humana” (Frigotto, 1995, p. 7, apud
Lessa, 2007, p. 121).27
E, para mostrar a ilusão sobre a busca e a luta concreta para construir espaços
educacionais na perspectiva da escola unitária, remete a Francisca Maurilene do Carmo. Entre
alguns educadores perdeu-se de vista que é “impossível, na lógica deste sistema, a realização
de uma educação geral e politécnica, configurando desta forma como utopias educacionais
as propostas que anuncia dentro do capital como capazes de formar o indivíduo omnilateral
(Carmo, 2003, p. 121).
Da leitura que faço das obras de Saviani e naquilo que exponho no livro citado, não
encontro a possibilidade de uma visão linear da ciência e tecnologia e do avanço das forças
produtivas pela qual se estaria indicando a passagem mecânica do desenvolvimento capitalista
para, na afirmação de Lessa, o comunismo, a sociedade regulada de Gramsci ou o reino da
liberdade, famosa expressão de Marx. Por outro lado, também não consigo ver de onde deduz
de que na obra de Saviani e das análises que faço não esteja explícita a compreensão de que se
exacerba no capitalismo atual a super exploração com a intensificação da mais-valia relativa
e, para os que são empregados, a ampliação da mais-valia absoluta e, portanto dos processos
mais violentos alienantes do sistema capital.
Do mesmo modo, não poderia deduzir que está se afirmando que dentro do sistema
capitalista é possível desenvolver, nas condições próprias de uma sociedade sem classes, cuja
travessia supõe o socialismo, uma educação unitária, integral, omnilateral, politécnica ou
tecnológica. O que percebo na obra de Saviani é o que está claro na citação analisada, dentro
27
Coincidentemente, não se encontra na página 7 do livro referido (Educação e crise do capitalismo real,
Frigotto, 1995) o pedaço de frase pinçado e citado; ali começa o sumário do livro, em boa parte do qual, como
veremos a seguir, é tratado o caráter contraditório e os limites da ciência e do sistema capitalista. Também trata
das teses do fim da sociedade do trabalho e da não centralidade do trabalho em Claus Off, Adman Schaf e Robert
Kurtz.
43
da compreensão de que não só o capitalismo é uma contradição em processo e, como insistia
Marx, cada vez mais profunda e insanável, como também existe antagonismo e luta contra-
hegemônica. Ao dizer “indícios desta tendência”, no que alcanço ler, ele não está afirmando
nem que mecanicamente as mudanças científicas e técnicas na base produtiva levem ao
comunismo e ao reino da liberdade nem que dentro do sistema capitalista a escola unitária e
omnilateral sejam possíveis. Apenas está apreendendo uma contradição e, com isso, a
possibilidade de disputar no conteúdo, no método e na forma a direção política na luta pela
superação do capitalismo.
A obra citada, Educação e crise do capitalismo real, foi produzida num contexto de
pós-derrota (mas não fracasso) do socialismo realmente existente (Hobsbawm), da tese do fim
da história de Fukuyama e de um crescente pessimismo da esquerda, dando a impressão de
que o capitalismo tem eternamente a chave para superar suas crises e a ciência burguesa, as
soluções eternas.
Isso redundaria na aceitação tácita da tese de Fukuyama de que estaria provado que o
capitalismo é a sociedade de tipo natural e, portanto, uma ilusão lutar por sua superação.
Busquei, com base em Marx e pensadores marxistas que produziram o pensamento social
crítico brasileiro, vários deles já referidos, trabalhar o aprofundamento das contradições cada
vez mais “profundas e insanáveis” do modo de pensar burguês e da sociedade capitalista.
No plano das ideias, é só seguirmos o caminho percorrido ao longo de quatro décadas
por Frederic Hayek, pai do neoliberalismo, para ver que sua condição de intelectual da classe
capitalista não lhe permitiu jamais, dentro da concepção da economia clássica e neoclássica,
entender o conflito insolúvel entre indivíduo e sociedade nas relações sociais capitalistas 28. E
isso, não fundamentalmente, por uma premeditação maquiavélica. É algo mais radical, como
mostra Marx. “São os limites de uma época – de uma classe –, mais que um ‘egoísmo’
deliberado ou uma ‘mentira de classe’ que explicam os limites das ideias...” (Marx, Carta a
Weidemever, 1852). Por essa razão, assinala Marx: “Presos às representações capitalistas [os
economistas burgueses] veem como se produz dentro da relação capitalista, mas não como se
produz a própria relação” (Marx, apud Frigotto, 2006, p. 35) \.
Por isso, dialogando com Francisco de Oliveira, especialmente com a Crítica da razão
dualista (Oliveira, 1987b) e a tese do surgimento do antivalor (Oliveira, 1988), o livro busca
28
Ver a esse respeito a análise de Paulani (2005).
44
pensar o tempo presente29. Tratava-se não só de ver as contradições, mas também de entender
como dentro delas pode se dar a luta contra-hegemônica. A disputa das concepções, teorias e
práticas educativas e de ciência e tecnologia situam-se nesse terreno.
O que Lessa não explica é a questão relativa ao processo de superação do modo de
produção capitalista. A ultrapassagem do capitalismo implica enfrentar, no plano da práxis, o
pântano contraditório da dialética do velho e de novo. Como ensina Gramsci, velho que não
quer morrer e novo que necessita nascer. Ou se começa a luta pela utopia do socialismo e da
educação omnilateral, unitária e politécnica no embate contraditório da realidade rebelde
historicamente existente ou teremos, como assinala Jameson, que esperar deterioração total
da terra e da natureza; ou remeter a um imaginário futuro, na análise de Kosik (1969), a
superação do sistema capitalista.
Sem dúvida, a análise de Lessa explicita o fetiche do determinismo da ciência, da
técnica e da tecnologia e dos processos educativos sob o sistema do capital tomados como
forças autônomas das relações sociais de produção, de poder e de classe. A forma mais
apologética desse fetiche aparece atualmente sob as noções de sociedade pós-industrial e
sociedade do conhecimento, que expressam a tese de que a ciência, a técnica e as novas
tecnologias nos conduziram ao fim do proletariado e à emergência do cognitariado e,
consequentemente, à superação da sociedade de classes sem acabar com o sistema do capital.
Todavia, o fato de não perceber nenhuma positividade da ciência e tecnologia no
avanço das forças produtivas e da possibilidade de disputa das concepções, teorias e práticas
educativas na perspectiva de uma educação omnilateral e politécnica no interior do sistema
29
Para Roberto Schwarz, em várias ocasiões Chico acertou na análise quase sozinho, sustentando posições e
argumentos contrários à voz corrente da esquerda (Schwarz, Prefácio, apud Oliveira (2003, p. 22). Na ampliação
do texto de 1988 sobre o anti-valor (Oliveira, 1998), evidencia hoje, mais uma vez que acertou numa tese que lhe
rendeu muitas críticas. Há dez anos afirmava: “O processo invisível por excelência é o capital fictício, que viaja
em tempo real-digital – de um para outro lugar do mundo: e viaja em moléculas, que é o próprio dinheiro, não
necessitando fixar-se em unidades físicas. Mesmo quando se fixa em unidades industriais, o que preside a ordem
desta fixação é o caráter fictício do capital dinheiro, ao contrário da sociedade do conflito, em que o capital-
dinheiro só existe depois de construir a força de trabalho vivo. A sociedade da ordem jurídico-política é fundada
na propriedade tangível, enquanto na sociedade molecular-digital a regra é o intangível, o invisível (...). Na
ordem jurídico-política em destruição, uma ordem de proprietários, de sujeitos, constituem-se fóruns em que as
partes do contrato podem cobrar-se, mutuamente, pelos prejuízos ou agravos produzidos por um autor que se
pode conhecer. Na ordem-desordem molecular-digital, tal procedimento é impensável”. O episódio da falência
do Barings Bank da Inglaterra, motivada por um jovem especulador da Malásia, é emblemático nesse sentido.
“Detonou um processo que liquidou uma duplamente centenária instituição bancária. Evidentemente, mesmo que
se estabeleça a ação desse operador como sendo o momento inicial do Big Bang, sua punição individual não
repara uma perda em bilhões de dólares” (Oliveira, 1998, p. 8-9). Agora, a cada dia que passa fica evidente que
não se trata de um banco, mas de uma crise que desnuda o sistema imundo da jogatina do capital fictício. O
cinismo mistura salvação pelo fundo público e zombaria e ironia com os que pagam a conta. Um exemplo dessa
zombaria foi a “indecência de diretores do grupo financeiro belga Fortis que fizeram um banquete para
comemorar a salvação do grupo pelo fundo público num jantar para 50 corretores ao preço módico de US$ 200
por pessoa (Jornal Valor Econômico, 13 de outubro de 2008).
45
capitalista decorre do fato de não considerar, como analisa Jameson, que a contradição,
diferente da antinomia, como explicita a citação, tem que ver com forças, contexto ou com o
estado das coisas.30 Isso, para esse autor, conduz mais a uma dedução lógica que histórica e à
falta de imaginação.
Mesmo depois do “fim da história”, ainda parece persistir uma certa curiosidade
histórica em geral mais sistêmica do que meramente anedótica: não saber somente o que vai
acontecer depois, mas também uma ansiedade mais geral sobre a sorte ou o destino do nosso
próprio sistema ou modo de produção (...). Parece que hoje é mais fácil imaginar a
deterioração total da terra e da natureza do que o colapso do capitalismo tardio; e talvez isso
possa ser atribuído à debilidade de nossa imaginação. (Jameson, 1997, p. 10-11)
30
Das análises de Marx, sobre este aspecto, fica explicito, por um lado, a contradição entre a capacidade
exponencial da classe detentora do capital desenvolver as forças produtivas e a sua incapacidade de socializar o
resultado do trabalho. Por outro lado, também está mais que explícito em Marx que a ultrapassagem desse
sistema não se dará pela perspectiva do quanto pior melhor, mas do aguçamento daquela contradição e da
existência da consciência, de uma vontade coletiva ou de uma força intersubjetiva revolucionária que entenda
que é imprescindível a ruptura e que existe correlação de forças para tal.. Gramsci, em Maquiavel, Política e
Estado, dá os diferentes níveis de correlações de força e as exigências para que uma tarefa revolucionária se
torne viável. Dentro dessa compreensão, e Gramsci (1976) entendeu isso já na década de 1930, nas condições
nas quais se deu a Revolução Russa dificilmente ela poderia manter-se sem que houvesse um movimento de
ruptura mais amplo nos centros mais desenvolvidos do sistema capitalista. Nessa direção de análise, pode-se
afirmar que, do ponto de vista das condições objetivas – avanço científico e tecnológico – há muitíssimo mais
condições de construção da sociedade socialista hoje do que em 1917. O que falta são as condições subjetivas
ou a força intersubjetiva revolucionária. A nova sociedade não começaria da pedra lascada, mas se apropriando e
redefinindo os rumos da ciência e da tecnologia. De mutiladora dos direitos fundamentais do ser humano e de
destruição das bases da vida em extensão de membros e sentidos humanos dilatando um efetivo tempo livre e de
liberdade.
46
sobre o trabalho, proletariado, trabalhadores e classe social, é uma expressão mais retórica e
de caráter pejorativo, cujo efeito pode ser contrário ao que Lessa certamente quer: reforçar: as
teses da desecolarização da sociedade, do pragmatismo e economicismo, as perspectivas do
laissez-faire, ampliadas hoje pelas teses do pós-modernismo e o desmantelamento do que
define a profissão docente pelas políticas neoliberais. 31
Por outro lado, se sairmos do campo da antinomia, ciência e tecnologia ou pura
negatividade ou pura positividade e lidarmos com o plano das contradições no seio do
capitalismo realmente existente e, portanto, com situações concretas e forças em disputa, não
me parece que se trate de uma ilusão a possibilidade de os educadores disputarem, dentro da
perspectiva da escola unitária e educação omnilateral, as novas bases de conhecimento
demandados pelo processo produtivo.
O fato de a fração brasileira da burguesia internacional e seus intelectuais terem
recentemente cunhado a expressão apagão educacional para reclamar que há falta de
trabalhadores qualificados para os setores que necessitam que eles dominem bases de
conhecimentos para o trabalho complexo indica, ao mesmo tempo, o limite de ideias dessa
burguesia, já que ela é a maior responsável por essa situação, e uma real necessidade de elevar
o patamar de escolaridade, certamente não para todos 32. Com isso, não se está sugerindo que
se esteja “no mundo da liberdade” nem que estamos na porta da sociedade socialista. O que se
está dizendo que há contradições e que, numa perspectiva de luta de classe, na superação do
sistema capitalista, esta é uma questão da práxis. “A escola, como o movimento operário,
implica um equívoco: só conseguirá interpretar plenamente seu papel numa sociedade
renovada e, ao mesmo tempo, compete-lhe, dia após dia, desempenhar um papel.” (Snyders,
1981, p. 392)33
31
Dermeval Saviani, tendo presente o esvaziamento da função de organização, sistematização e produção do
conhecimento dos docentes (em todos os níveis de ensino, mas especialmente na educação básica) numa recente
entrevista, reclama: “Ao professor deve ser devolvida a sua função: ensinar” (Revista Rubra, n. 3, Lisboa, out.
2008). Reitera aquilo que expõe no pequeno livro Escola e democracia (Saviani, 1986) com 40 edições, sobre
especificidade da função política da escola e da educação escolar, que se dá pela mediação das concepções,
metodo dialético-histórico na apreensão dos conteúdos e dos fundamentos científicos, na expressão de Gramsci,
da sociedade dos homens e das coisas. Idéias cuja base pode ser buscada em Marx, nas Instruções aos Delegados
do I Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores e na Crítica ao Programa de Ghota e O
Capital.
32
Uma análise atual e importante sobre demanda e trabalho complexo no Brasil é efetivada por Lúcia Maria
Vanderlei Neves e Marcela Alejandra Pronko (2008). Em pesquisa que concluí recentemente (Frigotto, 2008), no
último capítulo discuto a relação quantidade e qualidade na educação tecnológica de ensino médio e evidencio o
espaço contraditório no qual se dão disputas no campo da educação e uma análise do apagão educacional.
33
Lênin, como um dos mais importantes teóricos do marxismo do século XX e líder revolucionário, tinha clareza
sobre o papel contraditório da escola burguesa. Ao se dirigir aos jovens, após a Revolução de 1917, criticou a
tendência de se ver tudo que se fez na velha escola como inútil e argumentava que a teoria revolucionária,
47
Finalmente, uma breve análise do texto de Paulo Sérgio Tumolo – O significado do
trabalho no capitalismo e o trabalho como princípio educativo: ensaio de análise crítica
(Tumolo, 2003), que, mediante uma leitura imanente de parte de O Capital de Marx sobre
trabalho concreto, trabalho abstrato e trabalho produtivo, conclui que sob o capitalismo o
trabalho não pode ser considerado princípio educativo. Situo o conteúdo básico do texto nos
termos apresentados pelo próprio autor.
O texto tem como finalidade analisar criticamente a concepção do trabalho como
princípio educativo, que tem sido utilizada para fundamentar propostas de educação dos
mais importantes movimentos sociais brasileiros, tais como o MST e a CUT. À luz da
contribuição teórica oferecida por Marx, sobretudo em O Capital, discute o significado das
três categorias fundantes de trabalho - trabalho concreto, trabalho abstrato e trabalho
produtivo (Tumolo, 2003, p. 1).
Tumolo justifica que, dado o número de educadores que se ocupam do tema, seleciona
apenas um trecho de um deles (Saviani, 1986ª), afirmando que o mesmo sintetiza a concepção
presente no conjunto de seus estudiosos e serve de base, em grande medida, para as
propostas educativas dos referidos movimentos sociais (grifos meus). Numa nota, a título de
exemplo, nomeia treze educadores e 23 obras dos mesmos, inclusive quatro de Dermeval
Saviani. O trecho citado refere-se a uma entrevista de Saviani publicada pela revista Bimestre,
do MEC/INEP/Cenafor, uma das quatro referências.
Na verdade, todo sistema educacional se estrutura a partir da questão do trabalho,
pois o trabalho é a base da existência humana, e os homens se caracterizam como tais na
medida em que produzem sua própria existência, a partir de suas necessidades. Trabalhar é
agir sobre a natureza, agir sobre a realidade, transformando-a em função dos objetivos, das
necessidades humanas. A sociedade se estrutura em função da maneira pela qual se organiza
o processo de produção da existência humana, o processo de trabalho. (Saviani, 1986 a, p. 14,
apud Tumolo, 2003, p. 2)
contraditoriamente, também resultou dela. “O marxismo é um exemplo de como o comunismo resultou da soma
de conhecimentos adquiridos pela humanidade” (Lênin, apud Frigotto, 2006, p. 190).
48
como princípio balizador de uma proposta de educação que tenha uma perspectiva de
emancipação humana numa sociedade baseada na propriedade social, vale dizer, na não
propriedade dos meios de produção, que, dessa forma, teria superado a divisão e a luta de
classes e, por conseguinte, qualquer forma de exploração social, bem como o trabalho
produtivo de capital e o trabalho abstrato, porque teriam sido eliminados o capital e o
mercado. (Tumolo, 2003, p. 10)
34
Não se está dizendo que o MST não tenha conflitos e contradições internas e imensos limites nas suas lutas,
impostos pela classe dominante brasileira e pelas condições em que os seus militantes produzem sua existência.
49
Todavia, é no plano da vida concreta no acampamento e na escola que se pode
observar o esforço de superar as marcas de uma personalidade bizarra com resquícios do
homem da caverna (Gramsci, 1978, p. 12) conformados na condição de colonos que os
adultos e crianças se exercitam no trabalho como princípio educativo. Assim, quando as
crianças participam de pequenas tarefas do dia a dia e têm seu tempo lúdico e de escola
garantidos, nada tem a ver com exploração do trabalho infantil. Explorados, não por vontade
dos pais mas por condição de vida, eram na condição de colonos ou quando trabalhavam
como meeiros ou assalariados35.
A exposição de Tumolo, nesse texto, é um exemplo da discussão antinômica, posto
por Jameson, e das implicações da passagem de um estudo imanente e heurístico para uma
análise histórico concreta. Nos termos do autor:O trabalho só poderia ser concebido como
princípio balizador de uma proposta de educação que tenha uma perspectiva de emancipação
humana numa sociedade baseada na propriedade social, vale dizer, na não propriedade dos
meios de produção (Tumolo, 2003, p.10)
Este é um tema sobre o qual são doutores, e nos ensinam muito. Também não se está dizendo que esses
conceitos estão resolvidos na teoria e na prática.
35
Outra, ainda que possa ter dimensões positivas, é a visão da Organização Internacional do Trabalho quando,
por pressão da concorrência intercapitalista, produz leis contra o trabalho infantil. Soa uma lei cínica, quando
não oferece às crianças e aos jovens que trabalham precocemente uma alternativa de produção digna de sua
existência.
50
no fato de que todo ser humano, como ser da natureza, tem o imperativo de, pelo trabalho,
buscar os meios de sua reprodução – primeiramente biológica, e na base desse imperativo da
necessidade criar e dilatar o mundo efetivamente livre. Socializar ou educar-se de que o
trabalho que produz valores de uso é tarefa de todos, é uma perspectiva constituinte da
sociedade sem classes.
Por ser o trabalho (mediação de primeira ordem) o que possibilita que o ser humano
produza-se e reproduza-se, e por isso, na metáfora de Marx, antediluviano, e não o trabalho
escravo, servil e o trabalho alienado sob o capital (mediações de segunda ordem), a
internalização, desde a infância, do princípio do trabalho produtor de valores de uso é
fundamental. É dentro desse contexto que entendo a expressão “mamíferos de luxo”, de
Gramsci, para significar formação e socialização que aliena a possibilidade de perceber que
tudo que é produzido para o ser humano produzir a si mesmo como ser da natureza vem do
trabalho36.
É dessa perspectiva que Marx entende, na minha leitura, a união de trabalho e ensino
desde a infância e, ao mesmo tempo, a luta contra a exploração do trabalho infantil. A
conclusão de Tumolo sobre a impossibilidade de considerar o trabalho como princípio
educativo sob o capitalismo decorre não só por não trabalhar neste texto o caráter
contraditório das relações sociais, mas de uma inversão histórica: o capital se torna a categoria
antediluviana. Tomado o trabalho como processo que cria e recria o ser humano, ele não é
redutível às formas históricas, sob as sociedades de classe que cindem o gênero humano, ao
trabalho escravo, servil e capitalista. Por isso, até mesmo o trabalho escravo não é pura
negatividade. Este parece ser um dos sentidos da dialética do senhor e do escravo. Do mesmo
modo, não é estranho em Marx reconhecer o caráter civilizatório da revolução burguesa, no
plano do pensamento e no plano das relações de produção.
Na introdução da Crítica da filosofia do Direito em Hegel, Marx (2006) reconhece que a
burguesia acertou contas com as concepções metafísicas e que agora a tarefa é o acerto de
36
Por isso que também as teses de que o movimento social, a greve, as lutas são educativos – e o são –, mas não
fazem como “princípio educativo” da mesma natureza do trabalho produtor de valores de uso. Aqui reside a
necessária distinção entre trabalho e práxis, já que o trabalho não esgota a construção do ser social, mas ele é
também fundamento da práxis. As greves, as lutas dos movimentos sociais tendem desaparecer numa sociedade
cujo fim é a emancipação humana. O trabalho produtor de valores de uso continuará sendo uma necessidade
antediluviana para todos os seres humanos pelo simples fato de que esse ser da natureza e com necessidades de
elementos da natureza ou de produtos desenvolvidos pela criação humana continuará existindo. Manacorda
mostra uma ênfase específica de Gramsci, com base em Marx, ao colocar “o conceito e o fato” do trabalho como
“principio imanente da escola elementar”. Marx, salienta Manacorda, refere-se sobretudo à concepção de
trabalho como uma relação imediatamente instituída entre a sociedade e a natureza para transformar a natureza e
socializá-la, uma concepção que sintetiza todos os termos marxianos da história da indústria como relação entre
homem e natureza e como processo de humanização da natureza (Manacorda, 1991, p. 136).
51
contas mediante a crítica ao Direito, à política etc., da visão de mundo e de conhecimento. Do
mesmo modo, no Manifesto Comunista Marx e Engels explicitam o caráter revolucionário da
burguesia.
Historicamente, a burguesia desempenhou um papel revolucionário. Onde quer que
tenha sumido o poder, a burguesia pôs fim a todas as relações feudais, patriarcais e idílicas.
Destruiu impiedosamente os vários laços feudais que ligavam o homem aos seus “superiores
naturais”, deixando como única forma a relação de homem a homem laço do frio interesse, o
insensível “pagamento à vista” (Marx e Engels apud Laski, 1982, p. 96).
A título de conclusão
Pela natureza e finalidade deste texto, não cabe propriamente uma conclusão. O que
trago é a demarcação de alguns aspectos dele que, julgo, possam facilitar o debate.
Creio que seu sentido maior é sintetizado pelo que nos interpela Williams sobre a
tarefa da crítica militante na luta pela hegemonia cultural, que é aprender e ensinar uns aos
outros as conexões que existem entre formação política e econômica e, talvez, mais difícil,
52
formação educacional e formação de sentimentos e de relações, que são os nossos recursos
em qualquer forma de luta.
E por tratar-se de um espaço formativo de uma associação científica com a presença
dominante de jovens pesquisadores, professores, lideranças sociais, outro aspecto central
emana da observação de Engels: o risco de deduções que encerram o assunto a partir do termo
materialista. Toda a história precisa ser reestudada, as condições de existência das diversas
formações sociais precisam ser examinadas em detalhe antes de induzir delas as
correspondentes concepções políticas, jurídicas, estéticas, filosóficas, religiosas.
54
capitalismo. Neste, o trabalho se efetiva de forma puramente negativa. Paradoxalmente, na
forma com que conduz a análise, acaba dando ao capital o caráter antediluviano.
Do que foi exposto, para concluir, parece-me importante, na linha apontada por
Florestan Fernandes, de que o intelectual não cria o mundo em que vive, mas faz muito
quando consegue ajudar a compreendê-lo para transformá-lo, assinalar dois riscos possíveis
do deslocamento das análises imanentes e heurísticas para análises históricas como as que
acabamos de discutir.
O primeiro é de conduzir a um imobilismo e a um beco sem saída, colocando para o
futuro a tarefa de superação do trabalho, da ciência e da técnica e da educação alienadores. No
plano da história e da práxis, a questão que nos interpela é: quem constrói e como se constrói
a travessia? Por certo nessa travessia, se entrarmos no pântano e de terno branco e sairmos de
terno branco, como lembra João Cabral de Melo Neto, a poesia perde a graça.
O outro risco, este específico para o campo da educação, é de que, ao tratar as análises
dos pesquisadores criticados, mesmo com as ressalvas feitas, de ilusões ou lemas sem
consistência teórica, acabe-se reforçando as posturas conservadoras e neoconservadoras ou
pós-modernas já hegemônicas nestes tempos de capitalismo tardio. Por isso, o cuidado, em
nossas análises, lembrando o Marx do Dezoito Brumário de Luís Bonaparte, é para que a
frase não vá além do conteúdo.
55
1. 2 -A crescente opacidade das relações de classe e da ampliação de sua
violência37
Neste segundo item desta primeira parte da pesquisa, retomamos a discussão das
classes sociais por duas razões centrais. Primeiramente pelo fato de que o discurso ideológico
sobre o fim das classes tem sido intenso, mormente após o colapso do socialismo realmente
existente e pelo fetiche da sociedade do conhecimento veiculado pelos dos intelectuais do
capital. Em segundo lugar pelas perspectivas conflitantes que o debate das classes sociais
assume no interior do marxismo e suas consequências no plano da práxis.
Como discutimos no texto acima, a origem da categoria e do conceito de classe social
tem um longo percurso histórico até firmar-se no campo das ciências sociais nos sentidos que
o mesmo mantem até o presente.
A visão mais corrente de classe no campo das ciências sociais e humanas é de caráter
positivista e funcionalista, bases do pensamento liberal ou neoliberal. Tal perspectiva ancora-
se na ideia de classificação dentro de um contínuo linear como sinônimo de estratos sociais,
mormente ligados ao consumo. Nesta abordagem tem importância o entendimento das
hierarquias, das oportunidades, das diferenças de rendas e das disparidades. São comuns as
denominações classe alta, média e baixa ou classes produtoras, classes eruditas ou cultas em
contraposição às classes populares. No discurso econômico, nesta perspectiva, assume
37
. Prof. Bruno Miranda Neves. Mestrando em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas
Populares - PPGEduc/UFRRJ. Bolsista da Capes. Graduado em Pedagogia pela UERJ. Professor em
Nova Iguaçu/
Prof.ª Michelle Paranhos. Mestre em Políticas Públicas e Formação Humana – PPFH/UERJ. Graduada
em Pedagogia pela Uerj. Professor em Nova Iguaçu/RJ.
Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto. Doutor em Ciências Humanas. Professor da Faculdade de Educação e do
Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da UERJ.
56
centralidade a categorização por níveis de consumo. Este é, por exemplo, o debate atual no
Brasil sobre o surgimento de “uma nova classe média” fortemente veiculado pela mídia.
É dentro desta perspectiva que opera, mormente a partir do fim da década de 1970, o
discurso do fim das classes e das hierarquias pela emergência de uma sociedade do
conhecimento, pós industrial, pós política e pós-moderna. Nesta ótica se embasa, também, a
ideologia do fim da histórica, tese elaborada por Francis Fukuyama. Trata-se de afirmar a
sociedade capitalista, do livre mercado, como a sociedade natural e, portanto, inerente ao ser
humano. Tanto no liberalismo nascente, de corte conservador, quanto no liberalismo s0cial
democrata, quanto especialmente o ultra conservadorismo que se instaura ao final do século
XX com a denominação de neoliberalismo, não se concebe as classes sociais, portanto, como
ralações de força e uma produção histórica marcada pelo conflito e antagonismo de interesses.
A compreensão das classes sociais como um produto histórico e o conflito e
antagonismo de interesses entre as mesmas e sua configuração concreta nos diferentes modos
sociais de produção aparece de forma científica nos estudos de Marx e Engels. Marx apressa-
se em sublinhar que não estava inventando as classes sociais, mas sim explicitando a sua
natureza e seu significado na cisão do gênero humano e suas formas de violência e exploração
de uns seres humanos sobre os outros.
O referencial sobre o qual nos apoiamos nesta pesquisa apoia-se no legado das
análises de Marx e Engels e de autores marxistas clássicos e contemporâneos, o que nos
impele a uma breve incursão no debate interno deste legado. De imediato há que se
reconhecer de que o tema das classes sociais e sua apreensão no movimento histórico é
complexo e marcado por controvérsias no âmbito do marxismo. Tais controvérsias derivam,
ao nosso ver, de um lado da complexidade da abordagem de Marx sobre o tema das classes
sociais e, de outro, das ênfases de sua interpretação.
Com efeito, como assinalamos no item um, Raymond Williams assinala de que Marx
apresenta dois sentidos de classe. Um primeiro e mais usual de classe como formação e
processo que se constitui nas relações sociais confrontando interesses conflitantes e
antagônicas. Ou seja, uma classe se constitui no confronto de outra classe. Um segundo
sentido de classe é de categoria econômica que inclui a todos os que pertencem a uma
57
determinada situação na estrutura econômica que “ opõe o modo de vida, seus interesses e sua
cultura aos de outras classes na sociedade” (Marx, apud Willians, op. cit. p. 95)
Assim por exemplo, classe definida como uma “relação com os meios de produção”
pode assumir uma forma não muito diferente da diferenciação e renda da teoria convencional
de estratificação; e algumas das teorias de classe mais influentes e recentes, elaboradas sob
a rubrica do “marxismo da escolha racional” mudaram deliberadamente o foco de classe
das relações sociais da extração de mais-valia para a distribuição de “ativos” e “rendas”.
Neste caso, assim como nas teorias de estratificação, o princípio operacional é a vantagem
relativa, ou desigualdade, não as relações sociais diretas entre apropriadores e produtores,
mas as relações indiretas de comparação entre pessoas diferentemente situadas numa
hierarquia estrutural. (Wood, 2003, p. 73)
Numa outra perspectiva, a classe como relação e processo enfatiza o próprio processo
histórico de constituição das classes sociais, as formas de conflito, embora, como assinala
Wood abaixo, mesmo quando não expressem uma clara consciência de classe.
58
O conceito de classe como relação e processo enfatiza que relações objetivas com os
meios de produção são significativas porque estabelecem antagonismos e geram conflitos e
lutas; que esses conflitos e lutas formam a experiência social em “formas de classes”, mesmo
quando não se expressam como consciência de classe ou em formações claramente visíveis; e
que ao longo do tempo discernimos como essas relações impõem sua lógica e seu padrão
sobre os processos sociais. Concepções de classe puramente “estruturais” não exigem que
procuremos as formas em que a classe realmente impõe a sua lógica, pois as classes, por
definição, simplesmente existem (Wood, 2003, p.78).
Ora, a tarefa de Stálin e de seus seguidores, não foi de todo criativa, considerando-se
que ainda no último decênio do século XIX, Plekhanov já havia oferecido uma abordagem
mecanicista do fenômeno classe social em que as “forças produtivas à disposição dos homens
determinam todas as suas relações sociais” (Plekhanov, 1891 apud Matos, 2007, p. 41).
Percebe-se desta maneira que a difusão do materialismo histórico foi em muito confundida
com a propagação do economicismo histórico38.
38
Nos termos postos por Gramsci no terceiro volume dos Cadernos do Cárcere (GRAMSCI, 2007). Os
interessados também podem consultar: Mattos (2007) e Wood (2003) – especialmente a passagem que vai da
página 99 a 129.
60
Destaque-se que de outra parte, a tradição do materialismo histórico também
apresentou contribuições ao debate como se pode observar nas análises de Antonio Gramsci
sobre as relações de força entre as classes e a dominação hegemônica que precisa ser
estabelecida entre as classes em luta.
Gramsci destaca a necessidade de distinguir três momentos na avaliação das relações
de força numa determinada sociedade39. O primeiro momento de avaliação é o da estrutura
social objetiva (ou realidade rebelde), composta por diferentes grupos, classes, estrutura de
propriedade, etc. que se apresentam independentemente de nossa vontade e onde temos que
nos mover e agir. O segundo momento é denominado o das relações de forças políticas.
Trata-se de avaliar o grau de homogeneidade, de autoconsciência e de organização
alcançados pelos diferentes grupos. E, finalmente, a avaliação das forças militares.
No âmbito das relações de forças políticas, vai distinguir três graus de
homogeneidade, autoconsciência e de organização.
O primeiro denomina de econômico corporativo – um nível elementar que possui dois
sentidos: o da função própria do sindicato que é defender o interesse dos grupos profissionais
que representa: trabalhadores em educação, metalúrgicos, bancários etc. e o sentido do ponto
de vista de mudança mais ampla nas relações entre trabalho e capital.
Um segundo nível ou grau de autoconsciência e de organização é o que atinge o
interesse entre todos os membros de um grupo social, mas ainda no campo meramente
econômico. Aqui, sinaliza Gramsci, já se coloca a questão do Estado e de reformas político
jurídicas, mas nos marcos do quadro existente. Seriam, por exemplo, as conquistas por
direitos de caráter universal; para além dos interesses imediatos econômico corporativos de
um determinado grupo ou categoria de trabalhadores, porém nas condições dadas.
Finalmente, o terceiro nível é o da autoconsciência e de organização política na defesa
dos interesses de classe na perspectiva de superação das estruturas sociais vigentes – o
momento ético-político.
Na análise de Gramsci das classes sociais realça-se um dos aspectos que será central
em Edward P. Thompson, qual seja o papel dos sujeitos e a ênfase menor na classe em si a
busca de compreender os processos reais e complexos da construção da consciência de classe
ou a classe para si. Não nos deteremos aqui sobre os aspectos que se reforçam em Gramsci e
39
Ver Antônio Gramsci. Maquiavel – Notas sobre Estado e Política. Cadernos do Cárcere. Volume 3. Edição
Carlos Nelson Coutinho com Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. 2007, p. 41-46.
61
Thompson sobre esta perspectiva. Uma visão geral desta relação pode ser aprendida no texto
de Vieira e De Oliveira, (2010).
Um dos debates mais fecundos sobre o tema das classes sociais de Thompson se
origina de sua obra a Miséria da Teoria (1981) cujo foco central é uma crítica a penetração da
perspectiva estruturalista de Althusser nas análises marxistas. Salientamos aqui especialmente
os questionamentos levantados por Perry Anderson. Trata-se de um debate fecundo porquanto
não cai no simplismo de desclassificar o interlocutor.
De imediato Anderson40 reconhece na obra de Thompson um valor político central
para o pensamento socialista. O foco de questionamentos de Anderson situa-se no fato de que
a ênfase na dimensão da experiência de classe e na dimensão processual de constituição das
classes sociais acaba negando o fato histórico da constituição de uma determinada estrutura de
classe. Por essa via, para Anderson, Thompson negaria ou relativizaria a questão da histórica
como ciência. Da mesma forma a crítica ao conceito de modo de produção em Thompson
decorreria dele não considerar o do princípio central do materialismo histórico: a tese de que a
contradição entre as forças produtivas e as relações de produção é a base mais profunda de ma
transformação a longo prazo. Para Anderson as análises de Thompson centram-se na questão
da experiência e cultura e menos no poder.
Ellen M. Wood, em sua obra Democracia contra o capitalismo, acima citada efetiva
uma longa análise sobre os questionamentos de Anderson e vai enfatizar que não percebe em
Thompson a negação da classe como estrutura historicamente construída. Pelo contrário, o
fato de Thompson explicitar a distinção entre experiência de classe, e consciência e
pertencimento de classe, põe em relevo de que a classe em si não só está constituída, mas é
extraordinariamente maior que os que tem consciência de classe ou classe para si
Assim as análises de Wood nos conduzem a apreender que dentro da concepção de
classe como uma relação social, a desigualdade social não representa por si só um elemento
capaz de explicar a existência das classes, não apresentando valor teórico como medida
simples de comparação, já que a classe só se constitui em oposição aos interesses de outra (s)
classe (s). Não obstante, mesmo sendo uma condição necessária para a definição de classes, a
identificação dos antagonismos de classe não é suficiente para explicarmos o fenômeno em
sua complexidade.
O desafio para compreender a classe como relação remete, dentre outros problemas, ao
fato de que “as pessoas que se reúnem numa classe não são todas reunidas diretamente pelo
40
. Para um aprofundamento deste debate feito por este autor ver: Anderson (1985)
62
próprio processo de produção nem pelo processo de apropriação” (Wood, 2003, p.88). Tem-
se portanto, que as relações de classe especificamente capitalista se dão a partir da
expropriação do trabalho realizado pela classe trabalhadora. Para o estabelecimento desta
relação de maneira menos instável, a “sujeição formal” foi preponderante para estabelecer
uma “experiência” comum entre os membros da classe nascente, “experiência” relacionada as
“determinações objetivas, as relações de produção e de exploração de classe” (WOOD,
2003, p. 85).
Conforme nos mostra Wood (2003), a classe como relação gera duas relações
diferentes e intimamente ligadas: a relação que existe entre as classes e a relação que existe
entre os membros de uma mesma classe. Desta forma, para a autora, nem mesmo a relação
com os meios de produção seria suficiente para demarcar essas fronteiras, já que as relações
de classe não são redutíveis às relações de produção, a “classe implica uma ligação que se
estende além do processo imediato de produção e do nexo imediato de extração, uma ligação
que engloba todas as unidades particulares de produção e de apropriação” (Wood, 2003,
p.89).
A partir da dinâmica do processo histórico de formação das classes sociais, essa dupla
relação - entre classes e entre os membros de uma classe - define a classe como relação social,
constitui na concepção marxiana, o ponto de partida para projeto político de transformação
social. A consciência de classe, ou seja, a relação interna entre membros de uma classe e a sua
relação com outra (s) classe (s), só pode ser apreendida pela introdução do conceito mediador
de experiência, que assume relevância como sublinhamos acima, a partir da obra de Edward
P. Thompson.
Para ele a experiência de classe é determinada, em grande medida, pelas relações de
produção em que os homens nasceram – ou entraram involuntariamente. A consciência de
classe é a forma como essas experiências são tratadas em termos culturais: encarnadas em
tradições sistemas de valores, ideias e formas institucionais. Se a experiência aparece como
determinada o mesmo não ocorre com a experiência de classe (Thompson, apud Mattos,
2007, p.45).
63
Wood, 2003, p. 90). Sendo necessário o estudo dos condicionantes estruturais e das relações
empíricas estabelecidas entre as pessoas e as classes sociais envolvidas nestes processos.
A noção de classe como “processo estruturado”, por sua vez, reconhece que, apesar
de a base estrutural da formação de classe ser encontrada nas relações antagonistas de
produção, as formas particulares em que realmente operam as pressões estruturais exercidas
por essas relações na formação de classes é ainda uma questão aberta a ser resolvida
empiricamente pela análise histórica e sociológica (Wood, 2003, p. 91).
64
operária, implica que devemos entender as “habilidades existentes” para “desviá-la para
outra direção (Wood, 2003, p 98).
65
imediato, como o demonstram Marx (1977) em Formações econômicas pré capitalistas, que a
constituição e a relações sociais de classe até o capitalismo se apresentam de forma muito
distinta da forme que assumem as classes e relações de classe sob o capitalismo. Enquanto
nos modos de produção pré capitalista a relação de exploração é explícita onde os escravos,
por exemplo, são considerados meios de produção, sob o capitalismo esta relação fica velada
por dar-se no próprio processo de produção e mascarada pela igualdade formal sob o direito
positivo ou o direito construído pela classe detentora do capital e pela ideologia liberal sobre a
igualdade entre os seres humanos calcada numa concepção a-histórica de natureza humana.
Tomando-se a relação das classes sociais sob o capitalismo como relações de força
cujo âmago dá-se na relação entre os detentores de capital e da propriedade privada dos meios
e instrumentos de produção e classe trabalhadora destituída destes meios e instrumentos e que
se obriga vender sua força de trabalho, podemos sustentar que tanto mais opaca e invisível é a
classe dominante maior é seu grau de violência e expropriação.
Para aprender esta violência crescente basta tomar como se efetiva o processo de
trabalho sob o desenvolvimento das relações sociais capitalistas. O primeiro e fundamental
poder do capital sobre a exploração do trabalho dá-se, como o demonstra Marx, na passagem
do processo de subordinação formal á subordinação real do trabalho ao capital. Trata-se do
momento em que se efetivou um determinado avanço das forças produtivas explicitado pela
criação da maquinaria. A apropriação privada do desenvolvimento da ciência e tecnologia
permite ao capital submeter a classe trabalhadora aos seus métodos científicos de exploração.
Na ideologia Alemã, Marx e Engels assinalam a tendência histórica do capital de, sob
a apropriação privada da ciência e da tecnologia, aumentar sua violência de super exploração
da c lasse trabalhadora.
No desenvolvimento das forças produtivas atinge-se um estádio no qual se produzem
forças de produção e meios de intercâmbio que, sob as relações de produção vigentes, só
causam desgraça, que já não são forças de produção, mas forças de destruição [...] Sob a
propriedade privada, estas forças produtivas recebam um desenvolvimento apenas unilateral,
tornam-se forças destrutivas. (Marx e Engels, 1982, p. 305).
O economista Joseph A. Schumpeter em sua obra Capitalismo, Socialismo e
democracia (1961) denomina a essa dinâmica destrutiva apontada por Marx como um
processo de destruição criadora essencial ao capitalismo e como a qualidade maior do
empresário inovador.
Dois séculos de capitalismo a síntese a que chegam dois dos mais importantes
pensadores marxistas do século XX nos ajudam a entender o que estamos aqui sublinhando ao
66
indicar que quanto mais opaca e intransparente ou dissimulada é ação da classe detentora do
capital, maior é sua violência e destruição.
Istvan Mészáros, em sua obra magna Para Além do Capital (2000) e inúmeras outras
publicações, mostra que para além das consequências que advém para a super exploração do
trabalho a dinâmica da destruição produtiva ou criativa o sistema capital se desenvolve hoje
mediante uma produção destrutiva. Isto tem como efeito que o capitalismo perdeu sua parca
função civilizatória e para continuar se afirma cada vez mais no desperdício, obsolescência
planejada, no consumismo e na indústria da guerra, com efeitos catastróficos para os recursos
naturais e o meio ambiente, destruindo as bases da vida. De igual modo radicaliza-se o
desemprego estrutural em massa, a precarização do trabalho e um processo vertiginoso de
anular todos os direitos conquistados duramente pela classe trabalhador.
Esta lógica de destruição produtiva e de produção destrutiva produz, para o
Historiador Eric Hobsbawm, a questão central para o futuro humano do século XXI. Uma
espécie de esfinge de nosso tempo: decifra-me ou seremos devorados.
Se pensarmos em termos de como “os homens fazem a própria história”, a grande
questão é a seguinte: historicamente comunidades e sistemas sociais buscam a estabilização
e a reprodução criando mecanismos contra saltos perturbadores no desconhecido. Como,
então, humanos e sociedades estruturados para resistir a transformações dinâmicas se
adaptam a um modo de produção cuja essência é o desenvolvimento dinâmico interminável e
imprevisível? (Hobsbawm, 2010, p, 4-6)
Várias obras, sob diferentes ângulos, em seus títulos e em seu conteúdo captam
deferentes facetas do caráter violento e destrutivo do trabalho e da classe trabalhadora,
mormente a partir das últimas três décadas do século XX. Como exemplificação destacamos:
O desafio e fardo do tempo histórico de Istvan Mészáros (2007); A desmedida do Capital de
Danielle Linhart (2007); O horror econômico de Viviane Forrester (1999); A corrosão do
Caráter de Richard Sennett (1999) e A banalização da injustiça social, de Christophe Dejours
(2000).
O centro destas análises incide, sobretudo, sobre a apropriação privada dos saltos
tecnológicos que permitem a intensificação do trabalho e novas formas de gestão e
organização dos processos produtivos dilacerando a vida dos trabalhadores.
Por isso, buscaremos a seguir, ainda quede forma esquemática, evidenciar esse
percurso dos modos alternativos de gestão da força de trabalho que se desenvolveram e
consolidaram após o desmonte da organização sindical e o desemprego estrutural.
O quadro mais amplo de mudanças econômicas, sociais e políticas que
desencadearam importantes mudanças nas relações políticas entre as classes fundamentais e
67
nas relações entre Estado e sociedade a partir das crises da década de 1970 foram: o aumento
do custo da energia; a instabilidade financeira; a crise de superprodução geradora de um
excedente de capital constante inutilizável; a “impossibilidade” de manutenção do Estado de
Bem-Estar Social.
O processo de trabalho taylorista/fordista possibilitou a organização da força de
trabalho dentro dos marcos do regime keynesiano. Então a divisão “científica” do trabalho
formou gerações de trabalhadores aptos a produzir e, em certa medida, a consumir uma
grande quantidade de mercadorias. É preciso ressaltar o fato de que, esta forma de
organização do trabalho preciso assegurar certo grau de consentimento da classe trabalhadora
organizada e da ação racionalizadora do aparelho estatal para gerar o “pleno” emprego, a
demanda efetiva e a elevação dos padrões de vida e de consumo da população. Pois será
justamente a crise dessa suposta democracia econômica – na década de 1970 - e a emergência
de novas formas de organização do trabalho e acumulação de capitais que trarão novamente à
tona a discussão sobre as formas pelas quais o trabalho está se desenvolvendo na
contemporaneidade e as relações estabelecidas entre a base científica e técnica de produção,
renovada pelo uso da informática, pela descoberta de novos materiais e a invenção de outros.
Foi justamente o salto tecnológico da junção da informática com a micro eletrônica
que permitiu ao sistema capital instaurar processos produtivos digital moleculares,
hipertrofiando o sistema produtivo de capital morto, dando-lhe flexibilidade no tempo e no
espaço e potenciando a mundialização dos mercados e do capital produtivo e fictício.
O que a literatura denomina de produção e gestão flexível, sintetiza-se na estratégia
inicialmente empregada na empresa Toyota, rapidamente generaliza-se. Assim, não é que
desapareça o teylorismo/fordismo, mas a tendência crescente será a do toyotismo.
68
mercado de trabalho formal e vão desenvolvendo a automação, a invenção de novos produtos,
as dispersões e fusões de empresas e a aceleração do tempo de giro das mercadorias.
A expansão do toyotismo é contemporânea do incremento da mundialização
financeira, sendo válido lembrar que a“esfera financeira alimenta-se da riqueza criada pelo
investimento e pela mobilização de uma força de trabalho de múltiplas qualificações”
(Chesnais, 1995, p. 309) e a indicação de que os investimentos tendem ao “alinhamento nas
condições mais desfavoráveis aos assalariados” (op.cit., p.40). A combinação desse novo
regime de produção com a financeirização econômica configuram a acumulação flexível
assim caracterizada por Harvey:
Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho,
dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção
inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados
e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e
organizacional [gerando] níveis relativamente altos de desemprego “estrutural” (em
oposição ao “friccional”), rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos modestos
(quando há) de salários reais [...] e o retrocesso do poder sindical (Harvey, 2001, p. 140-1).
A acumulação flexível é possível apenas nos marcos de uma luta encarniçada contra as
relações de trabalho vigentes sob o regime de produção fordista keynesiano em que
preconizavam-se a contratualidade social e o poder de barganha das entidades de
trabalhadores a partir de parâmetros estabelecidos e assegurados pela sociedade política. O
resultado deste confronto foi a vitória do grande capital – em especial de sua fração financeira
– através da combinação de três processos: 1) Desestabilização dos trabalhadores estáveis.
Essa desestabilização dá-se pela intensidade na exploração e pela permanente ameaça de
perda do emprego; 2) Instalação da precariedade do emprego mediante a flexibilização do
trabalho, trabalho temporário, terceirização, etc.; e 3) Aumento crescente dos sobrantes.
Trata-se de contingentes não integrados e não integráveis ao mundo da produção (Frigotto,
1999). Gerando, segundo Roberto Castel, a seguinte configuração do mercado de trabalho: 1)
Núcleo estratégico: agregando uma pequena força de trabalho; 2) Semi periferia:
trabalhadores alvos de política de “empregabilidade”; 3) Periferia: trabalhadores alvo de
políticas de assistência e; 4) informais sobrantes: aqueles que não têm condições de se tornar
empregáveis (Frigotto, 2005, p. 69 a 72).
Ricardo Antunes sugere uma lista com distinções entre organização do trabalho sob o
taylorismo/fordismo e o toyotismo:
1) é uma produção muito vinculada à demanda [...] Por isso sua produção é variada
e bastante heterogênea, ao contrário da homogeneidade fordista;
69
2) fundamenta-se no trabalho operário em equipe, com multivariedade de funções,
rompendo com o caráter parcelar típico do fordismo;
3) a produção se estrutura num processo produtivo flexível, que possibilita ao
operário operar simultaneamente várias máquinas (na Toyota, em média até 5 máquinas),
alterando-se a relação homem/máquina na qual se baseava o taylorismo/fordismo;
4) tem como princípio o just in time, o melhor aproveitamento possível do tempo de
produção;
5) funciona segundo o sistema kanban, placas ou senhas de comando para reposição
de peças e de estoque. No toytismo, os estoques são mínimos quando comparados ao
fordismo;
6) as empresas do complexo produtivo toyotista, inclusive as terceirizadas, têm uma
estrutura horizontalizada [...] Essa horizontalização estende-se às subcontratadas, às formas
“terceirizadas”, acarretando a expansão dos métodos e procedimentos para toda a rede de
fornecedores. Desse modo, flexibilização terceirização, subcontratação, CCQ, controle de
qualidade total, kanban, just in time, kaizen, team work, eliminação do desperdício,
“gerência participativa”, sindicalismo de empresa, entre tantos outros pontos, são levados
para um espaço ampliado do processo produtivo;
7) organiza os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), constituindo grupos de
trabalhadores que são instigados pelo capital a discutir seu trabalho e desempenho, com
vistas a melhorar a produtividade das empresas, convertendo-se num importante instrumento
para o capital apropriar-se do savoir faire intelectual e cognitivo do trabalho, que o fordismo
desprezava... (Antunes, 2001, p. 54-55).
41
“Essa inversão da relação entre trabalho já objetificado nos meios de produção, ou trabalho morto, e força de
trabalho em movimento, ou trabalho vivo, é característica do modo capitalista de produção e reflete-se na
IDEOLOGIA burguesa como uma confusão entre o valor dos meios de produção, por um lado, e a propriedade
que estes possuem de, como capital, se valorizarem, por outro lado. Os meios de produção são vistos, então,
como produtivos, quando, na verdade, apenas trabalho é capaz de produzir coisas” (Bottomore, 2001, p.300)
70
farta mão de obra e alta rotatividade, num segundo nível, encontraríamos postos de trabalho
com alta flexibilidade e rotatividade, empregados temporários e em tempo parcial,
subcontratados e desempregados treinados pelo Estado (Harvey, 2001, p. 143-144). O que faz
crescer também o estímulo ao empreendimentismo como valor fundante de “um
individualismo muito mais competitivo” (op.cit., p. 161) 42.
Uma sociologia do trabalho que atente para as relações sociais de produção marcadas
pela exclusão crescente, cujo resultado é não apenas o aumento do desemprego estrutural e
subemprego mas também de uma crescente concentração de capital nas mãos de poucos,
deveria mostrar que, nesta circunstancia, perversamente, o trabalhador luta para ser
mercadoria, já que o fato de ser empregado (mesmo sob a forma de mercadoria, é menos
dramático que o desemprego ou subemprego).
E segundo Harvey, a acumulação flexível parece enquadrar-se como uma
recombinação simples das duas estratégias de procura de lucro (mais-valia) definidas por
Marx. A primeira, chamada de mais-valia absoluta, apoia-se na extensão da jornada de
trabalho com relação ao salário necessário para garantir a reprodução da classe
trabalhadora num dado padrão de vida. A passagem para mais horas de trabalho associadas
com uma redução geral do padrão de vida através da erosão do salário real ou da
transferência do capital corporativo de regiões de altos salários para regiões de baixos
salários representa uma faceta da acumulação flexível de capital [...] Nos termos da segunda
estratégia, denominada mais-valia relativa, a mudança organizacional e tecnológica é posta
em ação para gerar lucros temporários para firmas inovadoras e lucros mais generalizados
com a redução dos custos dos bens que definem o padrão de vida do trabalho (HARVEY,
2001, p. 174).
Uma questão de extrema relevância para o debate contemporâneo diz respeito ao uso
interessado das ciências e os saltos tecnológicos alcançados pela centralização de capitais e de
pesquisas nas mãos de conglomerados produtivos financeiros. Este uso tecnológico das
ciências tem alcançado avanços significativos permitindo utilização de outras fontes de
energia, a flexibilidade de máquinas, a criação de materiais sintéticos a partir de um intenso
processamento dos dados relativos tanto às pesquisas quanto aos processos diretamente
produtivos.
Nota-se também aumento no número de mulheres que participam do mercado de
trabalho (embora sua inserção seja feita de forma a baratear a força de trabalho de ambos os
42
O cinema registra bem esta nova ética, basta vermos o filme “A procura da felicidade”, título em português de
uma produção da Columbia Pictures, no qual Chris, protagonista da trama investe todas as suas economias na
compra de máquinas para vender de “porta-em-porta”, o empreendimento falha, mas em compensação o
“esforçado” vendedor, consegue um emprego no mercado de fundos de investimentos e mais tarde, torna-se
proprietário de seu próprio mutual funds.
71
sexos) e uma guinada espetacular do contingente de pessoas ocupadas na agricultura e na
indústria rumo ao setor de serviços – segundo a Organização Internacional do Trabalho em
2006, pela primeira vez na história da humanidade houve mais pessoas ocupadas no terceiro
setor econômico que na agricultura.
Enquanto isso, as empresas deram um salto no processo de fusões e aquisições,
plasmando uma concorrência com traços cada vez mais oligopólicos. Estas novas
companhias, beneficiadas pelas tecnologias informacionais, conseguem espalhar plantas
produtivas por todo o globo terrestre, sem perda de lucro e de produtividade, na prática,
procuram os países que lhe oferecem melhores condições de “investimento”, isto é, menos
proteção social e trabalhista.
A flexibilização dos processos produtivos, da força de trabalho e da tecnologia é
seguida de perto pela desestruturação do mercado de trabalho. As tendências de redução do
porte das empresas e redução do quadro fixo de empregados sem diminuir a produtividade
resultam na diminuição de postos de trabalho. Independentemente do crescimento
econômico, a natureza excludente do modo de produção capitalista em nome da lucratividade
e competitividade reduz e precariza o trabalho, aumenta generalizadamente os processos de
terceirização e da informalidade nos contratos de trabalho, gerando a destruição dos
vínculos empregatícios, o que permite ao capital controlar ainda mais as relações sociais
(Neves, Paranhos & Silva, 2007).
72
exclusão enorme dos jovens e dos velhos43, no sentido dado pelo capital destrutivo (Ibid, p.
100-101).
O mascaramento ideológico que dificulta perceber a violência, o conflito e o
antagonismo de classe, dá-se mediante o fetiche da revolução tecnológica, da sociedade do
conhecimento, pós moderna. No plano formativa, como veremos nos itens 1.4 e 2.1 e 2.2, este
mascaramento dá-se pelas noções de capital humano, qualidade total, pedagogia das
competências, empregabilidade, empreendedorismo e capital social.
Soma-se a esta tarefa de mascaramento a literatura que faz a apologia da sociedade do
ócio ou do ócio criativo como o denomina um dos seus mais lidos propagandistas, Domenico
De Masi44.
Na mesma direção e num caminho que mais dificulta que ajuda a entender a violência
sobre o emprego, o trabalho e o trabalhador, a partir dos anos 80 aparecem análises que face
ao desemprego em massa defendem a tese de que o trabalho já não faz parte das preocupações
vitais do trabalhador.
Segundo Offe (1989) a organização “pós-industrial” do trabalho cria uma
heterogeneidade que não mais permite o entendimento da vida humana desde uma apreensão
do trabalho, invalidando inclusive a identidade dos trabalhadores assalariados. Uma vez que,
as esferas do trabalho e da produção perderam sua centralidade analítica a vida em sociedade
estaria se organizando em formas comunitárias diversas marcadas pela interação social.
Habermas (1987 e 1989), um dos mais destacados filósofos do século XX cuja
proposta de seu edifício filosófico é de reconstruir o materialismo histórico, constrói a
estrutura dinâmica das sociedades modernas não como um antagonismo auto enraizado na
esfera da produção, e nas relações de trabalho mas como a colisão entre os ‘subsistemas da
ação objetivamente racional’, mediatizados pelo dinheiro e pelo poder, e um ‘espaço vital
(lebenswelt) autodeterminado (eigensinni)’ pelo outro lado.
Esta compreensão leva Habermas a buscar uma explicação externa ao trabalho, mais
precisamente negando as contradições inerentes ao trabalho, as categorias analíticas derivadas
da Teoria da Ação Comunicativa seriam: o “espaço vital”, o “modo de vida” e o “cotidiano”.
Apesar disto, sugere a luta pelo “salário trabalho” e pelo trabalho cooperativo como formas
alternativas de organização social.
43
Os jovens são aqueles que terminam seus estudos, médios e superiores, e não têm espaço no mercado de
trabalho e os trabalhadores de 40 anos ou mais, considerados “velhos” pelo capital, uma vez desempregado, não
voltam mais para o mercado de trabalho, irão realizar trabalhos informais, trabalhos parciais, part time, etc.
44
. Ver MASI Domenico de ( 2000)
73
Para outro autor que esteve filiado na tradição marxista, o advento da “Segunda
Revolução Industrial” e o incremento do uso de autômatos estariam agindo positivamente
sobre a sociedade, ao eliminar a necessidade do trabalho abstrato e ao dilatar as “capacidades
intelectuais do homem”, possibilitando o aparecimento do homo ludens.
É pois um fato que o trabalho, no sentido tradicional da palavra, desaparecerá
paulatinamente e com ele o homem trabalhador, e, portanto, a classe trabalhadora. (...)
Como dissemos, pode ser que ocorram mudanças de caráter socialista. Estas poriam fim à
propriedade privada dos meios de produção e dos serviços em larga escala e,
consequentemente, também à classe capitalista, o que corresponderia a uma modificação
radical da estrutural social (Schaff, 1990, p.43, grifos nossos).
Daí, para este autor, a emergência da possibilidade de uma razão sensível dentro do
quadro de uma nova sociedade construída por um “consciente movimento social” uma vez
que “a contradição maximizada entre o avanço das forças produtivas e o engessamento das
relações sociais, implodiria tanto a burguesia quanto o proletariado” (Frigotto, 2003, p.
129). Esta abordagem relaciona mecanicamente as virtualidades da nova base técnico
cientifica, por si mesma, com a possibilidade da superação das relações sociais do capital.
O que fica cada dia mais patente é que a crise do emprego, do trabalho abstrato,
principalmente se considerarmos a queda dos níveis de emprego formal com todas as
repercussões sobre os respectivos direitos trabalhistas e previdenciários, não ameaça a
74
existência da forma abstrata do trabalho, mas sim o degradam cada vez mais de diferentes
formas.
Então o que se vê não é o fim do trabalho, mas é a retomada de níveis explosivos de
exploração do trabalho, de intensificação da jornada de trabalho. Vale lembrar que a
jornada pode até reduzir-se, enquanto o ritmo se intensifica. E é exatamente isso que vem
ocorrendo em praticamente todas as partes: uma maior intensidade, uma maior exploração
da força humana que trabalha (op.cit., p. 102).
Na mesma direção Mattos sublinha que o que podemos perceber é que não há uma
crise do trabalho concreto “Por isso recorremos à afirmação da dimensão ampliada da
reprodução do capital, que gera um desenho das classes sociais e de seus conflitos muito
mais amplo do que simplesmente o originado nos locais de trabalho...” (Mattos,2007, p. 53).
Para Mattos o que houve na verdade foi: a) internacionalização da capital presidida pela
financeirização da economia; b) encolhimento industrial nos países de industrialização
avançada, “embora em paralelo tenha se dado a industrialização acelerada de outras áreas
do globo”; c) “introdução com inédita rapidez e generalização, de novas tecnologias
poupadoras do tempo de trabalho necessário”; d) mudanças técnicas na organização do
trabalho, “com incentivo à polivalência do operário” e as “novas formas de colaboração
entre capital e trabalho”. (ibid).
A heterogeneidade da classe trabalhadora tem relação direta com a precarização do
trabalho cujas características mais evidentes são:
Relacionando as classes sociais ao processo de divisão social do trabalho, Marx e
Engels procuravam esclarecer os fundamentos da estrutura social no capitalismo.
Demonstrando que a classe, como fenômeno social, só se constituía em oposição aos
interesses de outra(s) classe(s) e, portanto, tomando consciência de seu lugar social – o que
podia ser o ponto de partida para um projeto político de transformação -, buscavam
estabelecer as bases de uma teoria da dinâmica social, afirmando claramente o papel central
da luta de classes (Mattos, 2007, p.35)
O sistema capital em sua anatomia básica é igual em todo o mundo, todavia a forma
que assume em formações sociais especificas não é a mesma. Com efeito, o que discutimos
até aqui se apresenta de forma ampliada em sociedades como a brasileira onde predominou
por quase quatro séculos a escravidão. Assim a classe dominante brasileira vai constituir-se
com particularidades que alia a violência da cultura escravocrata á violência de uma forma
75
específica de operar o sistema capital. Esta violência mascara-se pro um tipo de cultura que
Sérgio Buarque de Holanda a caracteriza na figura do homem cordial45
O projeto societário que se afirma ao longo de nossa história vai definindo três
características estruturantes destacadas por Caio Prado Júnior (1966), primeiro intelectual que
se valeu do método materialista histórico para analisar a formação social, econômica e
cultural do Brasil. A primeira é o mimetismo que se caracteriza por uma colonização
intelectual onde prevalece a cópia das teorias e ideias dos centros hegemônicos, hoje, das
teses dos organismos internacionais e de seus intelectuais e técnicos, também da ideia de que
não precisamos produzir ciência e tecnologia e podemos importá-la. A segunda é opção pelo
crescente endividamento externo e a forma de efetivá-lo pelas frações dominantes da
burguesia brasileira. E, por fim, a última, a abismal assimetria entre o poder e ganhos do
capital e do trabalho configurando uma das forças de trabalho de maior nível de exploração do
mundo.
Furtado (1966, 1982 e 1992) o pesquisador e autor que mais publicou sobre a
formação econômico-social brasileira e sobre a especificidade do nosso desenvolvimento.
Uma de suas conclusões originais e base para análises de outros pensadores críticos que nos
dão o inventário do que nos conduziu até o presente é de que o subdesenvolvimento não é uma
etapa do desenvolvimento, mas uma forma específica de construção de nossa sociedade. Ao
longo de sua obra, situa a sociedade brasileira dentro do seguinte dilema: a construção de uma
sociedade ou de uma nação onde os seres humanos possam, produzir dignamente a sua
existência ou a permanência num projeto de sociedade que aprofunda sua dependência
subordinada aos grandes interesses dos centros hegemônicos do capitalismo mundial. É neste
horizonte que Furtado faz a crítica ao "modelo brasileiro" de capitalismo modernizador e
dependente, uma constante do passado e do presente.
Corroboram a tese de Furtado, aprofundando-a e contrariando o pensamento
conservador dominante e de grande parte do pensamento da esquerda, Florestam Fernandes e
Francisco de Oliveira rechaçam a tese da estrutura dual da sociedade brasileira que atribui
nossos impasses para nos desenvolvermos a existência de um país cindido entre o tradicional,
o atrasado, o subdesenvolvido e o moderno e desenvolvido, sendo as características primeiras
impeditivas do avanço da segunda. Pelo contrário, mostram-nos estes autores a relação
45
. Para uma compreensão das raízes culturais da classe dominante brasileira e suas estratégias de poder e
dominação ver: Holanda, Sérgio Buarque ( 1995)
76
dialética entre o arcaico, atrasado, tradicional, subdesenvolvido, e o moderno e o
desenvolvido na especificidade ou particularidade de nossa formação social capitalista.
O que se reitera para Fernandes (1968) no plano estrutural é que as crises entre as
frações da classe dominante acabam sendo superadas mediante processos de rearticulação do
poder da classe burguesa numa estratégia de conciliação de interesses entre o arcaico e o
moderno. Trata-se, para Fernandes, de um processo de “modernização do arcaico”.
Dentro da mesma perspectiva Francisco de Oliveira (987, 2000 e 2003) nos mostra
que é a imbricação do atraso, do tradicional e do arcaico com o moderno e desenvolvido que
potencializa a nossa forma específica de sociedade capitalista dependente e de nossa inserção
subalterna na divisão internacional do trabalho. Mais incisivamente, os setores denominados
de atrasado, improdutivo e informal, se constituem em condição essencial do núcleo integrado
ao capitalismo orgânico mundial. Assim, a persistência da economia de sobrevivência nas
cidades, uma ampliação ou inchaço do setor terciário ou da "altíssima informalidade" com
alta exploração de mão de obra de baixo custo são funcionais à elevada acumulação
capitalista, ao patrimonialismo e à concentração de propriedade e de renda.
Ao atualizar, quatro décadas depois, a sua obra Crítica à razão dualista, Oliveira
(2003) nos revela que o que se tornou hegemônico foi a permanência de um projeto de
sociedade que aprofunda sua dependência subordinada aos grandes interesses dos centros
hegemônicos do capitalismo mundial. Esta opção hegemônica, em termos de consequências
societárias, a expressa recorrendo à metáfora do ornitorrinco.
Para Oliveira, a imagem do ornitorrinco faz a síntese emblemática das mediações do
tecido estrutural de nosso subdesenvolvimento e a associação subordinada da classe burguesa
brasileira aos centros hegemônicos do capitalismo e os impasses a que fomos sendo
conduzidos no presente. Uma particularidade estrutural de nossa formação econômica, social,
política e cultural, que nos transforma num monstrengo social.
As relações de poder e de classe que foram sendo construídas no Brasil, observa
Oliveira, permitiram apenas parcial e precariamente a vigência do modo de regulação fordista
tanto no plano tecnológico quanto no plano social. Da mesma ocorre no presente na atual
mudança científico técnica de natureza digital molecular, que imprime uma grande velocidade
à competição e à obsolescência dos conhecimentos. Isto destaca Oliveira, torna nossa tradição
da cópia ainda mais inútil. Uma sociedade, portanto, que na divisão internacional do trabalho
dominam as atividades ligadas ao trabalho simples de baixo valor agregado.
77
O conceito de capitalismo dependente que combina elevada concentração de riqueza
e capital e de desigualdade (desenvolvimento desigual e combinado) elaborado por Florestan
Fernandes (1968 e 1973) e Ruy Mauro Marini (1992 e 2000) define o caráter de nossa
especificidade histórica na sua raiz mais profunda 46.
Trata-se de uma categoria ou um conceito que nos permite explicitar o caráter
ideológico da “teoria” da modernização e os limites da teoria da dependência com as
abordagens centro periferia e o confronto entre nações, ao situar o núcleo explicativo na
relação de classes e no conflito de classe no sistema capitalista. Capitalismo dependente
expressa que não se trata de dualidade e, também, não é um confronto entre nações, mas a
aliança e associação subordinadas da fração brasileira da burguesia com as burguesias dos
centros hegemônicos do sistema capital na consecução de seus interesses.
Esta mesma categoria permite compreender, de forma mais precisa, um processo
histórico de desenvolvimento desigual e combinado. A aliança dependente e subordinada da
burguesia brasileira com os centros hegemônicos do capital tem como resultado a combinação
de nichos de alta tecnologia, elevadíssimos ganhos do capital, concentração abismal de capital
e de renda e super exploração do trabalhador e uma concentração de miséria e de mutilação
dos direitos elementares a grande maioria.
A contribuição destes e outros intelectuais ligados à tradição marxista permite
apreender de que a burguesia brasileira se constituiu dentro de uma relação subordinada e
associada às burguesias dos centros hegemônicos do sistema capital. Uma burguesia que
nunca foi, enquanto classe, artífice de um projeto que completasse entre nós, como analisa
Florestan Fernandes, a revolução burguesa. As lutas populares e da classe trabalhadora que ao
longo do século XX alterar a ordem social e econômica de uma das sociedades mais desiguais
do mundo, a despeito de suas riquezas, forma barradas por ditaduras e golpes institucionais.
Fiori (2000) num sucinto texto, descreve três projetos societários que conviveram e
lutaram entre si durante todo o século XX. O liberalismo econômico centrado na política
monetarista ortodoxa e na defesa intransigente do equilíbrio fiscal. Este projeto sempre se
contrapôs ao que Fiori denomina de nacional desenvolvimentismo ou desenvolvimentismo
conservador, presente na Constituinte de 1891 e nos anos 30, e, mais enfaticamente, opunha-
se ao projeto de desenvolvimento econômico nacional e popular. Esta terceira alternativa, de
forma passageira, teve presente no Governo João Goulart com a política desenhada pelo
ministro do Planejamento Celso Furtado, interrompido pelo golpe civil militar de 1964.
46
. No item 1.3, a seguir, retomaremos esse conceito nestas autores para um aprofundamento.
78
Destaca, todavia, que este projeto teve enorme presença no campo da luta ideológico cultural
e das mobilizações democráticas.
As forças reunidas em torno deste projeto (liberais sociais, socialistas, comunistas)
representadas em partidos políticos, movimentos sociais, sindicatos foram as que lutaram pela
derrota da ditadura de 1964. O balanço das últimas décadas é de que o pêndulo, ao longo do
mandato de Fernando Henrique Cardoso, afirmou o projeto monetarista fiscal e de sociedade
de capitalismo dependente de desenvolvimento desigual e combinado. Isso através, sobretudo,
da privatizando o patrimônio público e sedimentando o Brasil como plataforma do capital
especulativo e afirmação das forças atrasadas, sustentáculos do latifúndio e do agro negócio
na mão de grandes grupos e empresas internacionais.
Oito anos no poder da Presidência da República do ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula
da Silva, eleito por uma base social herdeira do projeto nacional popular, pode-se afirmar que
não alteraram na sua estrutura o projeto dominante da classe burguesas brasileira. A opção
que vem se solidificando é do nacional desenvolvimentismo conservador e que, ao contrário
de ruptura com classe dominante e seu projeto societário e governa condicionado por ela
Oliveira (2004, 2007 e 2009, ao examinar o percurso do governo Lula da Silva o
define como um tempo de hegemonia às avessas para salientar que em vez de socializar da
política fez o avesso alimentando sua indeterminação A conclusão a que chega traz elementos
para a análise da natureza das políticas públicas que nos ocupamos nesta pesquisa. Mas, mais
que isso, elementos de uma agenda de reflexão para aqueles que lutam por um projeto
societário e educacional contra-hegemônico no Brasil. Para Oliveira o governo de Fernando
H. Cardoso desestruturou o Estado para implementar o projeto privatista e o governo Lula
desestrutura a sociedade fragmentando o acúmulo de mais de meio século das forças de
esquerda.
79
1.3 A política educacional para a formação dos trabalhadores e a
especificidade do projeto de capitalismo dependente47
47
Profª. Michelle Pinto Paranhos .Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e
Formação Humana (PPFH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
48
BRASIL. IBGE. Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população
brasileira 2007. Rio de Janeiro, IBGE. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sintesein
dicsociais2007/indic_sociais2007.pdf> Acesso em: 10/08/2009.
49
O Brasil perde para Haiti, Nicarágua, Guatemala, Honduras, El Salvador, República
Dominicana, Bolívia e Jamaica. IBGE. Objetivos de desenvolvimento do milênio:
relatório nacional de acompanhamento. Coord.: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e
Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos; Supervisão: Grupo Técnico para o
acompanhamento dos ODM. Brasília: Ipea: MP, SPI, 2007.
50
Como é o caso dos estados do Pará e Alagoas, com apenas 28,4% e 25,4%, respectivamente, dos
adolescentes de 15 a 17 anos frequentando o Ensino Médio. IBGE (2007) op. cit.
80
educacional brasileiro ganha melhor compreensão quando apreendida a partir da relação entre
elementos estruturais e conjunturais da realidade, abarcando a relação entre o capitalismo em
seu escopo mais amplo e as especificidades do capitalismo dependente que foi sendo
desenvolvido no Brasil, tendo em vista as transformações que se processam nos planos
econômico, social, político e cultural nas últimas décadas.
Tais transformações produzem novas contradições para a/na relação trabalho e
educação. No mundo do trabalho, as mudanças organizacionais e tecnológicas proporcionadas
pela revolução molecular digital em combinação com a consolidação do processo de
mundialização do capital representaram um salto qualitativo na produção e ocasionaram
mudanças profundas nas concepções de educação e qualificação dos trabalhadores,
proporcionando um movimento generalizado de reformulação dos sistemas educacionais em
diversos países no intuito de formar um novo tipo de trabalhador adequado à nova base
técnica do trabalho.
O reordenamento das relações educativas vem se realizando através de noções como
competências, capital social, qualidade total, empregabilidade, empreendorismo, participação,
autonomia, etc., que sob a suposta valorização do trabalhador buscam traduzir o impacto das
mudanças nas relações de produção e das relações sociais e amortecer as contradições geradas
pela crescente precarização do trabalho e pela regressão dos direitos sociais sob o
neoliberalismo.
A política de educação profissional brasileira está profundamente relacionada ao modo
como o Brasil vem se inserindo na economia mundial e está situada mediante o processo
histórico e ideológico de desenvolvimento capitalista, enquanto parte fundamental de um
conjunto mais amplo de metas de ajuste estrutural e superestrutural direcionadas a adequar os
chamados “países em desenvolvimento” ao processo de financeirização mundializada da
produção.
Nesse sentido, autores como Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Francisco de
Oliveira, dentre outros, superam as análises constituídas nos marcos da ideologia do
desenvolvimento e da teoria da dependência e nos ajudam a compreender as particularidades
das relações de poder e de classe que foram sendo constituídas no Brasil, tendo em vista o seu
papel na divisão internacional do trabalho mediante a associação das frações burguesas locais
com as frações internacionais dominantes.
Este artigo tem como finalidade situar o debate em torno das concepções, noções e
ideologias que ordenam as relações produtivas e as relações educativas no âmbito das recentes
81
mudanças na política educacional brasileira para a formação dos trabalhadores, no intuito de
captar a contradição entre as demandas sociais, políticas e econômicas da ampliação da
escolaridade e da função da escola e as tendências da (des)qualificação do trabalho e dos
trabalhadores e do desemprego estrutural.
Num primeiro momento retomamos a crítica à teoria do capital humano enquanto
especificidade da ideologia do desenvolvimento, que ganha força no bojo dos mecanismos de
recomposição do capitalismo após a Segunda Guerra Mundial. Num segundo momento,
analisamos as noções e ideias que surgem a partir da reestruturação política e ideológica do
capitalismo mediante o avanço do neoliberalismo, da mundialização do capital e da
acumulação flexível. Num terceiro momento buscamos apreender a relação entre a opção pelo
projeto de sociedade de capitalismo dependente e associado aos centros hegemônicos do
capital e a desigualdade da educação brasileira.
A preocupação com a expansão da influência socialista fez com que todos os esforços
da diplomacia ocidental, tendo à frente os Estados Unidos, fossem voltados inicialmente para
a recuperação das áreas devastadas pela guerra e, posteriormente, para o fortalecimento das
economias atrasadas. A estratégia adotada visava a defender o sistema (capitalista) como um
todo, instituindo uma nova forma de entender a segurança nacional, concebida como a
82
segurança do modo de viver ocidental, tendo como principal questão a defesa da democracia,
da propriedade privada e do livre mercado.
Diante da ameaça do socialismo como alternativa sistêmica, “os contingentes de
proletários, pobres, desempregados, não integrados, passaram a ser encarados como um
problema social, uma gangrena e ameaça à estabilidade social” (Frigotto, 1999). Regiões
nas quais as condições de vida mostraram-se precárias constituíram-se, a partir da visão
desenvolvimentista, em terrenos férteis para a penetração de “ideologias antidemocráticas”.
Neste sentido, as medidas que visavam à melhoria das condições de vida da população eram
entendidas como problemas de segurança, como forma de contenção da subversão e das
agitações sociais. O capital passou, então, atender parcial e provisoriamente aos apelos dos
países pobres e às reivindicações dos trabalhadores, direcionando os organismos multilaterais
(ONU, UNESCO, BID, BIRD, FMI, OIT, OTAN, etc.) para a regulação dos mercados
nacionais e internacionais e implementando a construção de políticas de pleno emprego e de
direitos sociais na perspectiva de integração dos trabalhadores.
As longas jornadas de trabalho rotinizado e as políticas de gerência e controle
compatíveis com a base técnica taylorista fordista, que até então haviam encontrado
dificuldades de consolidação em decorrência das fortes resistências, aliaram-se aos
pressupostos keynesianos a fim de favorecer as condições de estabilidade do sistema
capitalista. No intuito de conciliar os interesses de classe, a noção de Estado tomou novas
proporções e os governos capitalistas adotaram abertamente o intervencionismo econômico
como forma de arcar com os custos humanos da corrida pelo lucro, assumindo uma série de
obrigações voltadas para a integração entre produção de massa e consumo de massa.
A ampliação dos direitos por trabalho, saúde, educação, moradia, alimentação,
transporte, lazer e cultura, mesmo com profundas desigualdades entre as nações, foi
convertida em estratégia da burguesia para obter a adesão espontânea da classe trabalhadora
ao seu projeto de sociedade. Para assegurar seu poder político, as frações burguesas
dominantes fizeram concessões de ordem econômico corporativa, transformando os direitos
sociais e trabalhistas decorrentes da luta dos trabalhadores em estratégias para controlar a
força de trabalho e aumentar a sua produtividade51.
51
A partir das reflexões de Gramsci (2007), tais sacrifícios econômicos das classes dominantes têm
como objetivo restringir a consciência e a organização da classe trabalhadora ao momento
econômico-corporativo da correlação de forças. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere.
Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. v. 3.
83
Nesta perspectiva, o crescimento econômico, tendo como via de acesso a
industrialização, constituiu-se em principal meio de acesso à riqueza e a melhores condições
de vida para as populações, estabelecendo-se, consequentemente, como principal objetivo das
nações.
O subdesenvolvimento, identificado à situação de pobreza, era compreendido como
uma crise de transição, um estado instável de equilíbrio do qual as nações deveriam sair
através da adoção de procedimentos corretos voltados para o crescimento rápido, contínuo e
harmonioso. A política econômica desenvolvimentista tinha como objetivo fornecer o
instrumental capaz de propiciar a eliminação do mal nas origens do seu nascimento, ou seja,
permitir a obtenção e a mobilização dos recursos necessários para a eliminação da pobreza e,
consequentemente, para a superação do estado de atraso a partir de mecanismos como o
aumento e a diversificação da produção e da pauta de exportação, o fortalecimento do
mercado interno, o investimento em infraestrutura (energia elétrica, petróleo, transportes e
comunicação) e nos setores industriais de base.
Como explica Frigotto:
Para um país sair do estágio tradicional ou pré-capitalista necessita de crescentes
taxas de acumulação conseguidas a médio prazo, pelo aumento necessário da desigualdade
(famosa teoria do bolo, tão amplamente difundida entre nós). Ao longo prazo, com o
fortalecimento da economia, haveria naturalmente uma redistribuição. O crescimento
atingido determinaria níveis mínimos de desemprego, a produtividade aumentaria e haveria
uma crescente transferência dos níveis de baixa renda do setor tradicional para os setores
modernos, produzindo salários mais elevados (Frigotto, 2006, p.39)
85
crescimento econômico entre países desenvolvidos e não desenvolvidos e os diferenciais de
renda entre os indivíduos.
O conceito de capital humano – ou, mais extensivamente, de recursos humanos –
busca traduzir o montante de investimento que uma nação faz ou os indivíduos fazem, na
expectativa de retornos adicionais futuros. Do ponto de vista macroeconômico, o
investimento no “fator humano” passa a significar um dos determinantes básicos para o
aumento da produtividade e elemento de superação do atraso econômico. Do ponto de vista
microeconômico, constitui-se no fator explicativo das diferenças individuais de produtividade
e de renda, e, consequentemente, de mobilidade social (Frigotto, 2006, p.41).
52
A função neoclássica de produção mais utilizada, sob a fórmula de Cobb-Douglas, explica o
crescimento econômico pela equação X = AKaL1-s, onde: X = volume de produtos; A = nível de
tecnologia; K = insumos de capital; L = insumos de mão de obra; a = uma constante; e 1- s =
unidade para dar rendimentos constantes de escala. Frigotto, Gaudêncio. (2006) op. cit., p. 42.
86
aumento da sua capacidade de trabalho, recompensada através da ascensão social e pelo
acesso aos bens.
87
Nos rumos nitidamente fixados pelo capital, a mobilização política fundamentava-se
na afirmação da possibilidade de integração dos indivíduos aos benefícios produzidos pela
civilização contemporânea através da elevação da qualidade de vida e dos padrões de
consumo. Tais ideias vinculavam projetos de vida individuais, projetos de nação
(desenvolvidas e não desenvolvidas) e o projeto de sociabilidade do grande capital sob a
mesma bandeira: a promessa de prosperidade e melhorias futuras para toda a sociedade
trazidas por meio do advento industrial.
88
trabalho. As transformações tecnológicas proporcionaram um impulso qualitativamente novo
do capital, instaurando e recriando novas e antigas contradições.
A criação de novos materiais, instrumentos e fontes de energia, a partir do
desenvolvimento da microeletrônica e da informática, conduziu à substituição da tecnologia
rígida, típica do modelo de produção taylorista/fordista, por tecnologias flexíveis, acarretando
mudanças em relação ao conteúdo, à forma, à organização e à divisão do trabalho e,
consequentemente, em relação à qualificação e à educação dos trabalhadores. Tais mudanças
intensificaram a incorporação do capital morto e a diminuição da participação do capital vivo
no processo produtivo, o que permitiu que as empresas pudessem manter ou elevar a
produtividade e os lucros reduzindo os custos relativos à força de trabalho.
Estabeleceu-se uma nova conjuntura, na qual as prerrogativas do Estado de Bem-Estar
Social, do pleno emprego e das políticas sociais deixaram de se encaixar. As estruturas que
forneciam as bases políticas e econômicas para a regulação fordista e asseguravam o acesso
das massas aos bens produzidos em grande escala se deterioraram frente às pressões pela
liberalização dos movimentos de capitais e pela desregulamentação dos sistemas financeiros
nacionais. E o neoliberalismo, que já vinha se formando desde a primeira metade do século
XX, tendo como protagonistas Friedrich Hayek e os demais intelectuais que compunham a
Sociedade do Mont Pèlerin, ganhou expressão como alternativa teórica, econômica,
ideológica e política congruente com a nova etapa capitalista, condenando qualquer limitação
ou regulação dos mecanismos de mercado pelo Estado e propondo um novo formato de
Estado.
A ideia força balizadora do ideário neoliberal é a de que o setor público (o Estado) é
responsável pela crise, pela ineficiência, pelo privilégio, e que o mercado e o privado são
sinônimo de eficiência, qualidade e equidade. Desta ideia chave advém a tese do Estado
mínimo e da necessidade de zerar todas as conquistas sociais, como o direito a estabilidade
de emprego, o direito à saúde, educação, transportes públicos, etc. Tudo isso passa a ser
regido pela férrea lógica das leis de mercado. Na realidade, a ideia de Estado mínimo
significa o Estado suficiente e necessário unicamente para os interesses da reprodução do
capital (Frigotto, 1997, p.83)
89
crescimento econômico. As medidas de contenção dos gastos sociais do Estado implicariam a
redução dos impostos e encargos sobre rendas e rendimentos altos; a supressão das garantias
de emprego e a privatização das empresas estatais garantiriam a restauração das taxas naturais
de desemprego, reduzindo o poder das classes trabalhadoras para reivindicar melhorias
salariais e gastos sociais, permitindo a dinamização da economia.
Desta maneira, a reestruturação produtiva e os ajustes de cunho neoliberal evoluíram
lado a lado com a desestruturação do mercado de trabalho. O desemprego deixou de ser um
fenômeno característico dos períodos de crise e as melhorias econômicas já não têm qualquer
relação com a restauração do mercado de trabalho, ao contrário, a racionalização e a
modernização dos processos produtivos implicam justamente tornar o trabalho flexível,
permitindo que as empresas possam desfazer-se dos trabalhadores de acordo com as
oportunidades de lucratividade e competitividade.
Por meio da desregulamentação dos direitos trabalhistas, as empresas buscam não
apenas ampliar as taxas de mais-valia absoluta e relativa, mas também tornar o adiantamento
de capital referente ao pagamento da força de trabalho (capital variável) diretamente
dependente da realização do valor das mercadorias ou do lucro. Disso decorre o crescente
processo de extinção dos direitos e dos vínculos entre trabalhador e empresa, levando à
proliferação de diversas formas de contratação (terceirização, informalidade, contrato por
tempo parcial, subcontratos, trabalho voluntário, etc.) que simbolizam a liberdade de escolha
irrestrita do capital e a subsunção da classe trabalhadora aos objetivos de valorização. O
trabalho precário torna-se a forma predominante da atual etapa do capitalismo.
A consolidação do processo de globalização dos mercados ampliou os espaços de
poder do capital através da expansão das multinacionais e das transnacionais. A atual divisão
internacional, fundada na produção e na distribuição da ciência e da tecnologia molecular
digital, caracteriza-se pela possibilidade de concentrar diferentes fases do processo produtivo
em diferentes países de acordo com as vantagens relativas aos custos da produção e da mão de
obra, à flexibilidade dos salários e dos contratos de trabalho, o grau de submissão dos
indivíduos e dos governos – aspectos que dependem do processo histórico e das correlações
de força específicas de cada sociedade. Neste sentido, as empresas tendem a concentrar nos
países pobres os empregos simples e mal remunerados, enquanto as funções de comando e
planejamento, que lidam diretamente com pesquisa e produção de tecnologia, permanecem
alocadas nos países de origem, nos países do capitalismo avançado.
90
Os países de capitalismo dependente, em troca de recursos para promover o
crescimento econômico e atrair investimentos privados, seguem as determinações dos
organismos internacionais que, através de pressões econômicas, especificam e cobram um
conjunto de medidas de ajuste cuja ênfase recai sobre “a melhoria da gestão econômica e
liberação das forças do mercado” (Banco Mundial, 2000, p.6). O resultado deste processo é
um movimento consistente de “privatização, comodificação e mercantilização dos direitos
sociais” 53 e anulação da soberania nacional dos Estados tanto na economia quanto na política
e no campo ideológico. Em consonância com as frações hegemônicas da burguesia que
conduzem as políticas destes organismos internacionais, as frações burguesas locais buscam
remover os obstáculos jurídicos de nível nacional por meio de reformas constitucionais.
Nos anos 1980, as políticas de ajuste estrutural foram reafirmadas com maior
veemência, culminando na formulação do Consenso de Washington, cujas medidas “básicas”
a serem executadas pelos “países em desenvolvimento” preconizavam disciplina fiscal,
redução dos gastos públicos, reforma tributária, juros de mercado, câmbio de mercado,
abertura comercial, investimento estrangeiro direto (com eliminação de restrições),
privatização das estatais, desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e
trabalhistas) e direito à propriedade.
A expansão do desemprego estrutural e do emprego precário, principal estratégia do
capital para subordinação da classe trabalhadora, o aumento da desigualdade e da pobreza não
apenas nos países de capitalismo dependente, além do agravamento dos problemas
relacionados aos recursos naturais e ao meio ambiente, obrigaram o capital a redefinir suas
estratégias de hegemonia econômica, política e cultural.
Já que o neoliberalismo ortodoxo e a defesa do Estado mínimo não permitiam
estratégias de consenso, nos anos 1990, a partir da ideia de um capitalismo “humanizado”, os
organismos internacionais retomaram a ideia de desenvolvimento, abandonada durante a onda
neoliberal, a fim de “harmonizar” a economia de mercado e os “objetivos de igualdade”
(UNESCO, 2005, p.56), apartando-se, entretanto, das explicações macroeconômicas para
“ressaltar os fundamentos micro de questões de desenvolvimento” (BANCO MUNDIAL,
2004, p.6). A redução da pobreza e a questão da segurança voltaram a figurar nas
53
Comodificação é o “processo pelo qual o domínio e as instituições sociais, cujo propósito não seja a
produção de mercadorias no sentido econômico restrito de artigos para a venda, vêm não obstante a
ser organizados e definidos em termos de produção, distribuição e consumo de mercadorias”
(FAIRCLOUGH. Apud. LEHER, Roberto. Estratégias de mercantilização da educação e tempos
desiguais dos tratados de livre comércio. Rio de Janeiro, [s.d.] p. 6. Mimeo.
91
preocupações dos organismos internacionais. Sob uma nova perspectiva, a pobreza deixou de
limitar-se apenas à carência econômica e ganhou um enfoque multidimensional relacionado à
privação dos serviços básicos como educação, saúde, saneamento básico, energia elétrica e à
falta de capacitação e habilidades por parte dos indivíduos para fazerem escolhas. “O governo
e as instituições passaram a ocupar o centro do debate, ao lado das questões de
vulnerabilidade local e nacional” ( ibid) sob a prerrogativa da participação e da coloboração
entre Estado, mercados, sociedade civil para a promoção do crescimento econômico e da
equidade, assumindo, no final dos anos 1990, o programa econômico e político do
neoliberalismo de Terceira Via54 como um discurso intermediário entre o neoliberalismo e a
social democracia. E a educação reassumiu o lugar de prioridade, recebendo destaque em
2000, nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas (ODM) 55 e através
da implementação da Década da Educação das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Sustentável, em 2005.
Em meio às incertezas decorrentes das constantes mudanças proporcionadas pela
adoção dos sistemas de produção flexíveis e automatizados e do desmonte da sociedade
salarial, as relações de trabalho e as relações educativas foram reordenadas a partir da suposta
complexificação dos postos de trabalho e da centralidade do conhecimento e da educação
como “fatores” constitutivos de um novo paradigma, de uma sociedade do conhecimento,
pós-industrial, pós-capitalista, pós-classista, etc. Sob a ótica da perda da centralidade do
54
Neoliberalismo de Terceira Via é um termo proposto pelo Coletivo de Estudos de Política
Educacional, grupo de pesquisa CNPQ/Fiocruz, para demarcar a diferença entre o
neoliberalismo ortodoxo e a sua redefinição proposta como uma Terceira Via (GIDDENS,
Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-
democracia. Rio de Janeiro: Record, 1999) diante das consequências sociais negativas da
adoção das políticas neoliberais e da insuficiência da social-democracia frente às
necessidades de desregulamentação, liberalização e flexibilização impostas na atual fase do
capitalismo. Ver NEVES, Lúcia Maria Wanderley. A nova pedagogia da hegemonia:
estratégias da burguesia brasileira para educar o consenso na atualidade. São Paulo: Xamã,
2005.
55
A Declaração do Milênio, pacto internacional firmado entre 191 países, em setembro de 2000, com
o objetivo de combater a pobreza, delineado a partir de oito objetivos a serem cumpridos até 2015:
1) erradicar a extrema pobreza e a fome; 2) universalisar a educação primária; 3) promover a
igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4) reduzir a mortalidade na infância; 5)
melhorar a saúde materna; 6) combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças; 7) garantir a
sustentabilidade ambiental; 8) estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento (UNESCO
(2005) op. cit.; IBGE (2007) op. cit.)
92
trabalho56 e da crise do emprego, a escola deixou de ter como função principal a preparação
para a integração dos indivíduos ao mercado produtivo e a educação assume a função de
prepará-los para a vida, através da difusão de hábitos e comportamentos que os tornem
capazes de adaptar-se às incertezas e transformações do mundo contemporâneo, administrar
riscos e assumir a responsabilidade pelo seu próprio futuro.
O trabalhador parcelar, desqualificado ou semi qualificado característico do paradigma
de produção taylorista/fordista é, supostamente, substituído pelo trabalhador polivalente
altamente qualificado, com alta capacidade de abstração, responsável por diversos pontos do
processo de produção e capaz de incorporar ao mesmo tempo tarefas de fabricação,
manutenção, controle de qualidade e gestão da produção. Embora estes requisitos
profissionais representem as exigências de um núcleo de ocupações superiores e estáveis que
decai progressivamente, o avanço tecnológico não implica necessariamente a maior
complexidade dos postos de trabalho, pelo contrário, para a imensa maioria dos empregos
criados nas últimas décadas a qualificação não se coloca como problema. Contudo, as
empresas elevam cada vez mais os critérios de seleção para a contratação mesmo para o
desempenho de atividades simples e rotineiras, tornando o padrão de acumulação flexível a
base da demanda pela elevação da escolaridade e da qualificação dos trabalhadores.
Deste ponto de vista, a carência de mão de obra qualificada para o trabalho complexo
aparece muito mais como uma construção social e ideológica, como estratégia de
conformação e adaptação dos indivíduos à sociabilidade neoliberal do que como uma
necessidade real da produção.
56
A fim de sofismar a perversa e incorrigível realidade produzida pelo capitalismo, esconder a
desvalorização econômica do trabalho e os sintomas da crise estrutural do capital e a sua
vulnerabilidade, intelectuais conservadores e da pós-modernidade apoiam-se nas crescentes
tendências de substituição do capital vivo pelo capital morto e nas transformações tecnológicas e
organizacionais dos processos de trabalho para afirmar a perda da centralidade do trabalho como
fundamento estruturante da sociedade, o desaparecimento do proletariado e a emergência do
cognitariado, o fim do trabalho abstrato e das classes sociais, como elementos de uma nova
sociedade e uma nova cultura. Numa perspectiva contrária a esses autores, entendemos que, apesar
das transformações na aparência, no conteúdo e na forma dos processos de trabalho, os
fundamentos que integram e caracterizam as relações sociais especificamente capitalistas nos
diferentes momentos históricos, tais como a propriedade privada dos meios de produção e a
extração da mais-valia, são modernizados, incluindo e redefinindo as formas de exploração e
subalternização da classe trabalhadora, que se torna mais heterogênea, mais complexificada e mais
fragmentada. A esse respeito ver Antunes, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as
metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 1995; e Frigotto,
Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo: Cortez, 2003.
93
O ajuste neoliberal manifesta-se no plano educacional pelo rejuvenescimento da teoria
do capital humano que adquire uma feição mais “humanizada” ao enfatizar as competências
individuais dos trabalhadores e incorporar elementos da “teoria do capital social”. Tomando
como premissa a defesa da valorização do indivíduo, busca-se dessa forma amortecer as
contradições geradas pela crise do emprego e dissimular a regressão das condições de vida e o
sentido precário das políticas públicas de formação, educação e renda, assegurando a
“colaboração” dos mais afetados direta e negativamente pela ofensiva neoliberal.
Os ajustes elaborados na teoria do capital humano têm como finalidade ampliar o seu
alcance aos trabalhadores considerados “excluídos” do mercado de trabalho, mas que, no
entanto, ainda apresentam condições produtivas, por meio do desenvolvimento do espírito
empreendedor, da autoconfiança, da iniciativa da cidadania participativa e da autoestima
cultural, capacidades que os tornam aptos a aproveitar as oportunidades econômicas e
melhorar seus meios de sustento.
Percebe-se, então, que a noção de capital humano não desaparece do ideário econômico,
político e pedagógico, mas é redefinida e ressignificada [...] Na verdade, uma promessa que
encobre o agravamento das desigualdades no capitalismo contemporâneo, deslocando a
produção dessa desigualdade da forma que assumem as relações sociais de produção para o
plano do fracasso do indivíduo (Frigotto, 2009, p.71).
94
ter apelo ideológico, gerando a necessidade de um discurso que tenha o indivíduo como
categoria central.
No bojo do processo de redefinição hegemônica do capital, a reconfiguração do
ideário e das práticas educacionais apoia-se num conjunto de importantes estratégias retóricas,
cujos objetivos voltam-se para a restrição da consciência política e da luta dos trabalhadores
aos marcos da ordem capitalista. A primeira estratégia consiste na transposição do eixo de
análise das causas da pobreza e da desigualdade das relações sociais de classe para o âmbito
individual e para a ineficiência da gestão dos recursos. A pobreza e a miséria aparecem como
resultado de escolhas e decisões equivocadas, da falta de talento e esforço por parte dos
pobres. A segunda estratégia remete à naturalização das condições sociais e à sua
inevitabilidade, como se a realidade existente fosse a única possível, reprimindo as raízes
históricas das lutas e das conquistas dos trabalhadores. A terceira estratégia está relacionada à
demonização do público e à santificação do privado, tomando o mercado e o privado como
modelos de eficiência e eficácia e justificando o esvaziamento das funções sociais do Estado.
Por último, a refuncionalização dos espaços de luta e dos ideais das classes trabalhadoras e a
ressignificação do vocabulário presente nas suas reivindicações.
Novas categorias, noções e conceitos são criados e, ao mesmo tempo, as antigas
categorias linguísticas têm seu significado transformado ou são deslocadas por outras,
constituindo elementos estruturantes dos discursos científico, político e social do capital que
têm como finalidade a adequação psicofísica e técnica dos trabalhadores. Noções como
empregabilidade, empreendedorismo, competências, qualidade total, capital humano, capital
social, flexibilidade, apreender a aprender, inclusão e exclusão social reordenam as relações
entre trabalho e educação, assumindo centralidade no estatuto científico, incorporando-se ao
senso comum e tornando-se princípios orientadores das ações políticas, conforme observamos
através da análise dos documentos dos organismos internacionais (Banco Mundial, UNESCO,
OIT) e regionais (CEPAL, BID), seus principais mentores e veiculadores, e dos documentos
que organizam e regulamentam o funcionamento dos sistemas educacionais nacionais.
O conceito de qualificação em torno do qual, até então, haviam se organizado os
padrões de formação, emprego, carreira e remuneração é tensionado pela noção de
competência que representa “uma nova mediação” ou “uma mediação renovada pela
acumulação flexível do capital” (Ramos, 2006, p.24).
Sob os propósitos de institucionalizar novas formas de educação/formação que
atendam à demanda das empresas e desviar o foco dos empregos, ocupações e tarefas para o
95
trabalhador, a competência destaca os atributos individuais dos trabalhadores e a sua relação
subjetiva com o trabalho, sob a forma de capacidades cognitivas, sócio afetivas e
psicomotoras. Nesse sentido, ao passo que a qualificação constitui-se por códigos
consolidados, duradouros e rígidos e constitui um atributo dos postos de trabalho, a
competência torna-se um código privilegiado, já que se funda nos conteúdos reais do trabalho,
dinâmicos, flexíveis e mutáveis. Os saberes formais ligados aos postos de trabalho, cuja posse
era geralmente atestada pelos diplomas, perdem relevância diante do reconhecimento do saber
prático, ou seja, diretamente ligados às experiências pessoais do trabalhador.
A competência é realmente a competência de um indivíduo (e não a qualificação de
um emprego) e se manifesta e é avaliada quando de sua utilização em situação profissional
(a relação prática do indivíduo, logo, a maneira como ele enfrenta essa situação está no
âmago da competência) [...] que só se revela nas ações em que ela tem o comando destas
últimas [...] Em outras palavras, a competência só se manifesta na atividade prática, é dessa
atividade que poderá decorrer a avaliação das competências nela utilizadas (Zarifian apud
Batista, 2006, p., 96)
57
“Schwartz (1995) equaciona essas abordagens propondo que a qualificação tem três dimensões:
conceitual, social e experimental. A primeira define-a como função do registro de conceitos teóricos
e formalizados, associando-a aos títulos e diplomas. A segunda coloca a qualificação no âmbito das
relações sociais que se estabelecem entre conteúdos das atividades e classificações hierárquicas,
bem como ao conjunto de regras e direitos relativos ao exercício profissional construídos
coletivamente. Por fim, a terceira dimensão está relacionada ao conteúdo real do trabalho, em que se
inscrevem não somente os conceitos, mas o conjunto de saberes postos em jogo quando da
realização do trabalho” RAMOS, Marise. (2006) op. cit., p.401- 402.
96
A ênfase nas aquisições cognitivas e sociais, habilidades, valores e traços de
personalidade dos indivíduos adquiridos através da educação formal ou de outras experiências
(empregos, estágios, atividades lúdicas, atividades familiares, etc.) libera a classificação e a
progressão dos indivíduos da classificação dos empregos centrada no domínio de uma
profissão e desliga, até certo ponto, a evolução e as trajetórias profissionais dos saberes
formais, dos certificados escolares e diplomas.
Profundamente ligadas à pedagogia das competências, as noções de empregabilidade e
empreendedorismo justificam e legitimam a desresponsabilização do capital e do Estado pela
desvalorização e precarização dos postos de trabalho, infligindo aos indivíduos a
responsabilidade de empreender estratégias eficientes e criativas para manter suas
competências em dia, assegurando sua própria inserção e permanência no mercado de
trabalho.
Enquanto o capital humano, a empregabilidade e as competências mantêm o foco na
capacitação profissional e na preparação do indivíduo seja para a vida ou para o emprego, a
ideologia do capital social engloba também a ideia de coletividade e comunidade, ou seja,
“está contido na estrutura de relações entre as pessoas e nas pessoas” (Stein, 2003, p. 177).
O capital social pode ser entendido como “a capacidade que pessoas e grupos sociais têm de
pautar-se por normas coletivas, construir e preservar redes e laços de confiança, reforçar a
ação coletiva e assentar bases de reciprocidade no tratamento que se estendem
progressivamente ao conjunto da sociedade” (CEPAL, 2007, p. 24)
O novo ideário educacional retoma e higieniza muitos dos termos e dos valores
presentes nas lutas dos trabalhadores e dos movimentos sociais, ressifignificando-os de
acordo com as necessidades de manutenção do consenso e da coesão social. Embora o capital
social mantenha o estigma do capital e seja um termo cunhado e disseminado como orientador
de políticas públicas pelas frações burguesas dominantes, ancora-se em categorias como
solidariedade, respeito, relações sociais duráveis, participação política, cidadania e igualdade
que, aliadas aos interesses de estabilidade política e reconstrução do Estado, buscam a criação
um cenário livre de conflitos para o funcionamento do mercado.
O objetivo é fazer com que todos os membros da sociedade se sintam parte ativa dela,
como colaboradores e beneficiários (CEPAL, 2007, p. 74), mesmo aqueles que estejam
permanentemente às suas margens. O desemprego estrutural e a predominância do emprego
precário produzem não mais um exército industrial de reserva de mão de obra, ou seja,
trabalhadores temporariamente sem emprego por motivos de saúde, enfermidade ou
97
dificuldades econômicas aptos a serem reintegrados ao mercado de trabalho em qualquer
momento. O risco atual é a constituição de populações desnecessárias, até mesmo para a
regulação do capitalismo.
No entanto, ainda que não absorvidas plenamente pelo assalariamento, essas
populações encontram-se capturadas pelas relações sociais capitalistas, já que dependem do
mercado para o acesso aos meios de subsistência e reprodução social.58 A base material da
ideologia capitalista encontra-se (hoje, talvez mais do que em qualquer outro momento
histórico) na primazia do consumo de bens e serviços mercantilizados. Diferentemente da
dimensão integradora prefigurada pelo Estado de Bem-Estar Social e pelo keynesianismo nos
anos dourados do capitalismo, as recentes políticas de “inclusão social” distanciam-se do
plano dos direitos sociais à educação, à saúde, à moradia, ao transporte e do direito ao
trabalho assegurado pelo Estado, voltando-se essencialmente para a construção de redes de
proteção social sustentadas pela parceria Estado, mercado e sociedade civil em níveis local,
nacional, regional e global, tendo como base o assistencialismo e o voluntariado.
58
É neste sentido que Virgínia Fontes (2005) critica a utilização exacerbada do binômio exclusão-
inclusão. A autora considera que a expropriação dos trabalhadores diretos dos meios de produção
da existência, condição histórica de constituição e perpetuação do capitalismo, já constitui por si só
uma exclusão. Porém, constitui igualmente uma inclusão, já que essa mão de obra destituída da
capacidade de sobrevivência deverá entrar no mercado de trabalho para obter o salário como forma
de acesso às mercadorias, sendo-lhe impossível escapar ao processo de mercantilização da vida
social. Partindo desse ponto de vista, Fontes propõe a categoria inclusão forçada, visto que
ninguém pode ser excluído das relações de mercado, mesmo aqueles que não estão inseridos no
mercado produtivo. Fontes, Virgínia. Reflexões im-pertinentes: história e capitalismo
contemporâneo. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2005.
98
processos distintos, entendendo que o desenvolvimento capitalista da periferia é circunscrito e
limitado pelo desenvolvimento dos países centrais.
Sob o contexto internacional de crise dos primeiros anos do século XX, os países da
América Latina direcionaram seus esforços para a substituição das importações por uma
produção nacional, dando início ao processo de industrialização e modernização das
economias. No entanto, após o término da Segunda Guerra Mundial o cenário global para a
continuidade desse processo, mediante a maior integração das economias e a generalização da
base científico-tecnológica fordista, impôs novas condições para a superação do
subdesenvolvimento. A fim de obter investimentos para o acesso às inovações, sob o impulso
desenvolvimentista, a burguesia industrial dos países periféricos articulou-se ao movimento
de expansão do capital internacional, permitindo a ampliação da influência do fator externo na
economia e, consequentemente, na sociedade política desses países.
Nesta perspectiva, Ruy Mauro Marini desenvolve sua concepção sobre o capitalismo
periférico, articulando o processo de inserção dos países da América Latina no capitalismo
mundial e a exploração da força de trabalho. Para o autor, o tipo de capitalismo desenvolvido
no Brasil, “por sua estrutura global e seu funcionamento, não poderá nunca se desenvolver
da mesma forma como se desenvolveram as economias capitalistas consideradas avançadas
(2000ª)
Marini entende a dependência como: uma relação de subordinação entre nações
formalmente independentes, em cujo âmbito as relações de produção das nações
subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da
dependência. O fruto da dependência só pode assim significar mais dependência, e sua
liquidação supõe necessariamente a supressão das relações de produção que ela supõe
(Marini, 2000, p.106)
99
valia absoluta (simples exploração do trabalho) para a mais-valia relativa (capacidade
produtiva do trabalho), mantendo, no entanto, a sua própria produção baseada na mais-valia
absoluta. A produção dos países dependentes proporcionou, desta maneira, a redução do valor
real da força de trabalho e, por conseguinte, a redução do valor das mercadorias e o aumento
das taxas de lucro nos países industrializados através de mecanismos de transferência de valor
operados internacionalmente. Nesta contradição está a essência da dependência latino-
americana para Marini.
A América Latina não só alimentou a expansão quantitativa da produção nos países
industriais como contribuiu para a superação dos obstáculos que a contradição inerente à
acumulação capitalista criou para essa expansão mediante procedimentos que se orientaram
no sentido de incrementar a mais-valia e corrigir o desequilíbrio entre os preços e o valor da
força de trabalho, consagrando a sua subordinação. Com o objetivo de compensar a perda da
renda gerada pelo comércio internacional, a América Latina configurou “um modo de
produção fundado exclusivamente na maior exploração do trabalhador e não no
desenvolvimento da sua capacidade produtiva” (Marini, 2000ª, p. 109)
Segundo Marini (2000a, p.125) um ponto chave para a compreensão do caráter da
economia latino-americana constitui-se a partir da separação dos dois momentos
fundamentais do ciclo do capital: a circulação e a produção. Como a circulação é efetuada
basicamente no âmbito do mercado externo, o consumo individual do trabalhador, embora
determine a mais-valia, não interfere na realização das mercadorias produzidas, apresentando
como tendência natural do sistema a exploração máxima do trabalho sem preocupação com as
condições básicas de produção e reprodução da força de trabalho. Configura-se uma forma
específica das relações de exploração na qual as contradições próprias do modo de produção
capitalista são acentuadas até o limite. E foi sob os efeitos destas contradições que a América
Latina ingressou na etapa de industrialização.
Nas economias clássicas, a separação entre produtos e meios de produção resultou não
apenas na criação do trabalhador assalariado, mas na criação de um consumidor, que deixou
de produzir os bens necessários a sua subsistência e passou a ter acesso a estes através do
mercado. Sendo assim, a produção industrial neste tipo de economia centra-se basicamente
nos bens de consumo popular que incidem diretamente no valor da força de trabalho, ou seja,
incorporam-se ao capital como elemento do capital variável, o que as leva a orientar-se na
direção do aumento da produtividade do trabalho.
100
Em contrapartida, a compressão permanente exercida sob o consumo da classe
trabalhadora nos países de economia de exportação irá permitir apenas o desenvolvimento de
uma atividade industrial fraca, subordinada à produção e à exportação de bens primários,
como centro vital da acumulação. E apenas quando fatores externos impedem as importações
o eixo da acumulação se desloca para a indústria e o capitalismo dependente, aparentemente,
orienta-se no mesmo sentido dos países industriais clássicos, todavia operando no “âmbito de
uma estrutura de mercado previamente dada, cujo nível de preços atuava no sentido de
impedir o acesso do consumo popular, e a indústria não tinha razões para aspirar a uma
situação distinta” (Marini, 2000ª, p.125). A estes capitalistas apenas coloca-se como
problema o atendimento de um mercado já existente e que, por situações adversas, não pode
ser atendido pelos países avançados.
As análises e interpretações de Florestan Fernandes sobre a formação e o
desenvolvimento da sociedade brasileira, que assim como Ruy Mauro Marini partem das
concepções marxianas e marxistas, superam tanto as análises pautadas nos bloqueios de
ordem estrutural que produzem o subdesenvolvimento quanto as teses que postulam a
existência de estágios definidos e hierarquizados do desenvolvimento capitalista, nas quais o
“moderno” se opõe ao “arcaico”. Florestan Fernandes nega o dualismo estrutural e a
superação do subdesenvolvimento através da aceleração do crescimento econômico, partindo
da tese do desenvolvimento desigual e combinado para compreender a especificidade do
capitalismo que se configura no Brasil, precisada no seu conceito de capitalismo dependente.
É importante destacar que Florestan Fernandes não constrói uma teoria da
dependência, a maior de suas contribuições se situa no fato de que o autor busca explicar o
subdesenvolvimento capitalista a partir dos mesmos fundamentos do desenvolvimento
capitalista, ou seja, “como as classes se organizam e cooperam ou lutam entre si para
preservar, fortalecer e aperfeiçoar, ou extinguir, aquele regime social de produção
econômica” (Fernandes, 1968, p.28). As relações e os conflitos de classe aparecem, portanto,
como categorias chave na sua teoria.
Florestan não considera a dependência como um fenômeno decorrente propriamente
das relações entre nações e da dominação externa. As pressões externas das estruturas e do
dinamismo do capitalismo mundial são inegavelmente consideráveis, mas não se fortalecem
sem ou contra as forças internas.
O modelo concreto de capitalismo que irrompeu e vingou na América Latina reproduz
as formas de apropriação e expropriação inerentes ao capitalismo moderno com um
componente adicional específico e típico: a acumulação de capital institucionaliza-se para
101
promover a expansão concomitante dos núcleos hegemônicos externos e internos (ou seja, as
economias centrais e os setores sociais dominantes). Em termos abstratos, as aparências são
de que estes setores sofrem a espoliação que se monta de fora para dentro, vendo-se
compelidos a dividir o excedente econômico com os agentes que operam a partir das
economias centrais. De fato, a economia capitalista dependente está sujeita, como um todo, a
uma depleção permanente de suas riquezas (existentes ou potencialmente acumuláveis), o que
exclui a monopolização do excedente econômico por seus agentes privilegiados. Na
realidade, porém, a depleção de riquezas se processa à custa dos setores assalariados e
destituídos da população, submetidos a mecanismos permanentes de sobreapropriação e
sobreexpropriação capitalistas. (Fernandes apud Limoeiro Cardoso, 2008, p. 24.
59
Florestan Fernandes: Constituinte e revolução. Entrevista a: CHASIN. J. ANTUNES, Ricardo;
BARSOTTI, Paulo D.; PRADES, Maria D. Revista Ensaio, São Paulo, Ed. Ensaio, n. 17/18,
p.127-128, 1989.
102
capital, progresso, crescimento, desenvolvimento, modernização” (Ianni, 1986, p.52). Frente
às lutas populares, os governos autoritários recorrem à repressão e ao golpe como medidas de
contenção dos protestos. O Estado não absorve e não interpreta os movimentos da sociedade,
levando as burguesias locais a aliarem-se ao capital estrangeiro para derrubar não apenas as
restrições econômicas, mas também as barreiras de ordem política produzidas pelas tensões
entre Estado e sociedade civil.
O que está em causa, por dentro e por fora desse novo surto de mundialização do
capital, é o desenvolvimento das classes sociais, também em escala mundial. As relações
entre os Estados nacionais, altamente determinadas pelos processos de concentração e
centralização do capital, implicam o desenvolvimento das classes e antagonismos de classes.
Ou frequentemente invadem as fronteiras internas da nação (Ianni, 1986, p.49).
104
população economicamente ativa, passando a 30,3% no período 1990-2003; o percentual de
trabalhadores empregados com carteira assinada passou, no mesmo período, de 53,5% para
31,6% (Pochmann, 2008, p. 26).
O desemprego muda radicalmente a sua natureza, deixando de concentrar-se nos
segmentos considerados vulneráveis da população ativa (jovens, mulheres, negros – todos
geralmente com reduzida escolaridade), para atingir também a população economicamente
ativa com maior escolaridade.
Em 2004, 60,2% dos desempregados (8,3 milhões de pessoas) possuíam o ensino
básico completo, enquanto em 1995 apenas 37,7% do total dos desempregados (4,5 milhões)
tinham até oito anos de estudo [...]. Já o número de desempregados com nível universitário
quase triplicou no mesmo período: de 98 mil desempregados em 1995 passou-se a 247 mil em
2004 (Pochmann, 2008, pp. 39-41).
60
BRASIL. Leis, Decretos. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União,
Brasília, v. 134, n. 248, p. 27833-27841, 23 dez. 1996. Seção I. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Texto integral da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
105
de preocupação com a produção de ciência e tecnologia e com o direito à cidadania (Frigotto,
2010)
O ensino médio revela com mais evidência a contradição entre capital e trabalho, a
partir da separação histórica entre a educação das classes dirigentes e a preparação para o
trabalho. O Decreto nº 2.208/9761 representou um símbolo da fragmentação e do dualismo
educacional, instituído durante o segundo mandato do Presidente FHC. O decreto estabeleceu
as bases da reforma educacional, proibiu a integração entre ensino médio e ensino técnico e
regulamentou a fragmentação, a flexibilização e o aligeiramento da educação profissional de
nível médio62.
Tal como destacam Neves e Pronko (2008) as mudanças abrangentes realizadas no
sistema educacional durante os dois governos FHC alteraram substancialmente o conteúdo da
formação para o trabalho simples e para o trabalho complexo, valendo-se tanto da coerção
como de estratégias de educação do consenso. De um modo geral, as medidas educacionais
dos governos FHC direcionaram-se para “a estruturação de uma nova educação básica”, “um
novo sistema nacional de formação técnico-profissional” e para “o desmonte progressivo do
aparato político jurídico da formação para o trabalho complexo” (Neves e Pronko, 2008,
57).
Em 2004, dois anos após a sua eleição, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva cumpriu
o compromisso feito junto aos educadores durante a campanha e o Decreto nº 2.208/97 foi
revogado com a promulgação do Decreto nº 5.154/0463, pelo qual buscava-se resgatar a
perspectiva do ensino médio integrado que articulasse ciência, cultura e trabalho, contrapondo
a profissionalização adestradora através dos princípios da concepção de educação politécnica
ou tecnológica. Essa proposta não obteve avanços concretos; ao mesmo tempo em que
recuperou a educação tecnológica de nível médio, ela flexibilizou as possibilidades de
relacionamento entre ensino médio e educação profissional (integrada, concomitante e
61
. BRASIL. Leis, Decretos. Decreto no 2.208, de 17 de abril de 1997. Diário Oficial da União,
Brasília, v. 135, n.o 74, p. 7760-7761, 18 abr. 1997. Regulamenta o parágrafo 2 do art. 36 e os arts.
30 a 42 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional.
62
. A partir desse instrumento legal, o ensino médio retomou o caráter propedêutico, enquanto os
cursos técnicos poderiam ser cursados concomitante ou subsequentemente ao ensino médio.
63
BRASIL. Leis, Decretos. Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004. In: BRASIL. Ministério
da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Educação profissional e
tecnológica : legislação básica. 6. ed. 2005. p. 5-7. Disponível:
<https://www.planalto.gov.br//ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5154.htm>
106
subsequente). A mudança discursiva aparentemente progressista do ensino médio acomodou
os interesses em disputa e aprofundou a dualidade e a diferenciação. De um lado, os
convênios com universidades federais ou transferência de recursos para as instituições
privadas, os Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets) e o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (Senai) garantem a formação para o trabalho complexo e a
integração de um reduzido número de trabalhadores no mercado formal. Enquanto isso, no
outro patamar do sistema programas como o Programa Nacional de Inclusão de Jovens
(Projovem), o Programa Escola de Fábrica e Programa de Educação para Jovens e Adultos
(Proeja) articulam escolarização e qualificação profissional com o intuito de formar mão de
obra para inserção parcial e precária de segmentos significativos da classe trabalhadora,
contribuindo para o arrefecimento das lutas sociais através da assimilação das demandas
populares aos objetivos do projeto societário hegemônico.
Considerações finais
108
cultura que desenvolva as bases científicas, técnicas e tecnológicas necessárias à produção da
existência e a consciência dos direitos políticos, sociais e culturais e a capacidade de atingi-
los.
109
1.4 -Novos fetiches mercantis da pseudo teoria do capital humano no contexto do
capitalismo tardio64.
64
. Gaudêncio Frigotto. Professor do Programa de Políticas Públicas e Formação Humana da UERJ. Esse texto
fará parte da edição do livro “As Políticas Educacionais para o Ensino Fundamental no Brasil
contemporâneo: projetos em disputa”. Juiz de Fora, Editora da UFJF, 2011, no prelo.
65
. O capitalismo tardio é entendido na literatura em dois sentidos muito diversos. O primeiro faz referencia a
nações, como o Brasil, que tiveram longos períodos de colonização e de regime escravocrata e que só
tardiamente completaram, ainda que parcialmente, a revolução burguesa. Ver a esse respeito a obra de João
Manuel Cardoso de Mello (1982). O segundo sentido é dado originariamente Por Ernest Mandel (1972) dentro
de uma visão marxista de economia e das crises do sistema capitalista. Designa a fase atual do sistema capital,
que tem como como carcaterísticas a expansão das grandes corporações multinacionais, a globalização dos
mercados e intensificação dos fluxos internacionais do capital. Para Mandel, trata-se mais propriamente de uma
crise de reprodução do capital do que um estágio de desenvolvimento, uma vez que o crescimento do consumo (e
portanto, da produção) tornar-se-ia insustentável pela exaustão dos recursos naturais. Trata-se, como expõe
Istvan Mèszàros (2000) em sua obra Para Além do Capital, de uma fase em que este sistema esgotou sua parca
capacidade civilizatória e, para continuar, tem que ser eeminentemente destrutivo de direitos do trabalahdor e das
bases da vida com a agreção e desmantelamento do meio ambiente. Neste texto estamos nos referindo a essa
segunda concepção do capitalismo tardio.
110
assinalar as consequências desta ampliação na educação, no chão da escola pública e no
trabalho e organização docente66.
66
. O conteúdo básico deste texto, em grande parte, o leitor pode encontrá-lo em vários trabalhos já publicados,
especialmente em A produtividade da escola improdutiva (Frígotto, 1984) e Educação e crise do capitalismo
real, (Frígotto, 1995). Sua reiteração e atualização cumprem um duplo objetivo: dar base para as questões
levantadas e socializá-las, enquanto síntese e numa linguagem mais direta, a um maior número de interlocutores,
especialmente os professores e especialistas que atuam no chão da escola básica.
111
dominante na sociedade feudal, dominado pela igreja, daí a defesa da laicidade, e reproduzir
os conhecimentos, valores, atitudes necessárias à construção do sistema capitalista.
Todavia, a escola burguesa, desde sua origem, não podia cumprir sua promessa para
todos e de igual modo. Isso pela simples razão que a burguesia destruía uma sociedade de
classes não para abolir as classes sociais, mas para implantar outra estrutura de classe: os
detentores de capital e os trabalhadores que detém apenas sua força física e intelectual para
ser vendida.67 Assim que a escola burguesa foi organizada, sobretudo, para aqueles que não
precisam vender sua força de trabalho e que têm tempo de viver a infância e adolescência
fruindo o ócio. Mesmo em sociedades que atingiram elevado grau de democratização da
escolaridade desenvolveu-se a dualidade. Uma escola mais complexa, rica e que desenvolve
conhecimentos, valores e atitudes para dirigir, organizar, comandar, etc., e uma escola mais
prática, restrita, adestradora para os que se destinam ao trabalho manual ou de execução 68.
Mesmo sob essa dualidade, a escola foi concebida como um ambiente de reprodução
e produção de conhecimentos, valores, atitudes, e símbolos. É sob a égide desta função
clássica, de instituição cultural e social e de profunda aposta na ciência e na formação
científica que se estruturam os mais sólidos sistemas educacionais nos países de capitalismo
central. Em sociedades de capitalismo dependente69, como a brasileira, porém, até hoje não
se tem um sistema nacional de educação efetivo e chegamos ao final do século XX sem
conseguirmos a universalização da escola elementar. A dualidade, em nosso caso, se expande
em todos os níveis de ensino, inclusive na pós-graduação.
Em que contexto começa a se construir uma relação linear entre educação, economia e
emprego? Duas determinações básicas podem ser destacadas, a partir da década de 1950,
para se efetivar esta mudança. Primeiramente, a luta crescente da classe trabalhadora e a
expansão do socialismo. Por outro lado e, principalmente, pelo acirramento da crise do
67
. É importante sublinhar dois aspectos em relação às classes sociais. Primeiro que a classe social se define por
grupos que se constituem historicamente e que têm força e poder desigual. Assim a nobreza e o clero tinham um
poder de dominação sobre os escravos, servos e súditos. No capitalismo os detentores de propriedade privada
com o objetivo de gerar capital, lucro, detém um poder de dominação sobre os trabalhadores. Isso é diferente da
propriedade como valor de uso. Exemplos: um apartamento para morar, um carro para uso pessoal ou mesmo
uma mercearia ou um pedaço de terra onde pelo trabalho seu proprietário e família tiram a sua subsistência sem
explorar outrem. O segundo aspecto é que a classe detentora do capital e os trabalhadores que vendem sua força
de trabalho constituem as classes fundamentais. Isso significa que são as que caracterizam a especificidade desta
sociedade, mas não são as únicas classes ou grupos.
68
. Ver, a esse respeito, Baudelot e Establet (1979)
69
Diferente da perspectiva da modernização, que concebe o desenvolvimento econômico e sociocultural de
forma linear e, mesmo, das análises da teoria da dependência, que apresentam a assimetria de poder entre países,
o conceito de capitalismo dependente explicita a compreensão da aliança, ainda que subordinada, das classes
detentoras do capital dos países periféricos com as classes detentoras do capital dos centros hegemônicos. Ver, a
esse respeito, Fernandes (1975) e Oliveira (2003)
112
sistema capitalista e o aumento da desigualdade entre nações, regiões e entre grupos sociais e
a radicalização do desemprego estrutural.
Uma questão central ocupava os dirigentes e intelectuais do sistema capitalista após a
Segunda Guerra Mundial e a ampliação geopolítica do socialismo: qual seria a chave para
diminuir a desigualdade entre nações e entre indivíduos? O medo que rondava era de que
socialismo pudesse se alastrar em regiões pobres. Na América Latina o temor era de que a
Revolução Cubana se torna-se um caminho para outros países.
Foi a equipe de Theodoro Schultz, nos Estados Unidos, que, ao longo da década de
1950, buscou responder essa questão e construiu a noção de capital humano. Este entendido
como o estoque de conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e níveis de saúde que
potenciam a força de trabalho das diferentes nações. Estas pesquisas lhe valeram o Prêmio
Nobel de Economia de 1978. Trata-se de uma noção que falseia o sentido real do capital, pois
este não se traduz numa coisa, mas é uma relação social e historicamente construída. Uma
relação cujo fundamento é a exploração e expropriação, pela classe detentora privada dos
meios e instrumentos de produção, dos que necessitam vender para sobreviver sua força de
trabalho física e intelectual, a classe trabalhadora.
A tese básica sustentada por Schultz (1973), e que se tornou senso comum, foi de que
aqueles países, ou famílias e indivíduos, que investissem em educação acabariam tendo um
retorno igual ou maior que outros investimentos produtivos. Por essa via se teria a chave para
diminuir a desigualdade entre nações, grupos sociais e indivíduos. Trata-se de uma
perspectiva integradora da educação escolar ao mundo do emprego e de uma estratégia para
evitar a penetração do ideário socialista, bem como o risco de sua expansão.
É sob a égide da teoria do capital humano que se traçam planos, diretrizes e estratégias
educacionais, especialmente para os países de capitalismo dependente, e se afirma a ideia de
que a ascensão e mobilidade social têm um caminho garantido via escolaridade, mediante
empregos bem remunerados. Vale ressaltar que não se trata de um truque ou armadilha dos
intelectuais orgânicos da classe capitalista contra os trabalhadores. Pelo contrário, trata-se de
moldar os sistemas educacionais de acordo com seus interesses de classe. Entretanto, como
veremos adiante, por pensarem as disfunções produzidas pelas relações sociais desiguais,
mas não o que produz a desigualdade, as receitas dos intelectuais burgueses de tempos em
tempos evidenciam sua fraqueza e fracasso. Daí a busca de novas receitas, ainda que cada
vez com sabor mais amargo ou ampliando o veneno da desigualdade.
113
O ciclos de reformas, da pré escola á Pós-graduação, ao longo da ditadura civil militar
no Brasil, deu-se incorporando a doutrina do capital humano. A Lei de Diretrizes e Bases
5992/71 é toda inspirada nesta noção. Por esta razão previa a profissionalização compulsória
na educação básica. Não cabe aqui expor porque essa reforma fracassou em seu intento, ainda
que tenha lesado milhões de jovens no seu direito á educação básica. A razão básica, todavia,
é de que a dualidade escolar é uma exigência estrutural da sociedade de classes. No caso do
Brasil, uma acrescia-se uma outra forte determinação histórica. Trata-se de uma classe
dominante forja na cultura colonizadora e de estigma escravocrata e que desenvolve profundo
preconceito com o trabalho manual e técnico.
Por certo que a defesa e a luta ao direito á educação básica, unitária 70 e que
desenvolva todas as dimensões da vida humana e que seja, portanto, pública, gratuita, laica e
universal é algo fundamental e para a qual devemos nos empenhar prementemente. Por que,
então, a noção de capital humano orienta processos educativos antagônicos ao direito a
educação básica unitária e não se constituiu em efetiva força para diminuir as desigualdades
entre países, e regiões e entre os grupos sociais?
A noção de capital humano orienta processos educativos antagônicos à visão da
educação básica unitária pelo fato da mesma se orientar por uma concepção de sociedade na
qual ignora as relações desiguais de poder, uma concepção de ser humano reduzida ao
indivíduo racional que só depende dele as escolhas que faz independente do da classe ou
grupo social a que pertence e, uma redução da concepção de educação e conhecimento pelo
fato dos mesmos não estarem referidos ao desenvolvimento de todas as dimensões da vida
humana e vinculados às necessidades humanas, mas à esfera unidimensional das
necessidades do mercado e do lucro.
As políticas educativas, no conteúdo, método e forma, não se constituíram na “galinha
dos ovos de ouro” para diminuir a desigualdade entre países e entre grupos, exatamente
porque a educação e as escolhas nesta não depende apenas do querer, mas das condições
objetivas das relações de poder entre países, classes sociais e grupos sociais.
A tese do capital humano fica desnudada quando buscamos responder a seguinte
questão: os países pobres, subdesenvolvidos e os indivíduos pobres assim o são porque
“escolheram” a não ter escolaridade, pouca escolaridade ou uma precária escolaridade ou
porque os países colonizados e de capitalismo dependente e os filhos da classe trabalhadora
70
. A escola unitária significa o acesso universal a todas as crianças e jovens do patrimônio de conhecimentos,
de todas as áreas, produzidos pela humanidade e que lhes são fundamentais para entender como funciona a
matéria, a natureza e vida e as relações sociais.
114
não alcançam os níveis mais elevados de escolaridade e em escolas de melhor qualidade
porque são mantidos na pobreza por relações de dominação e exploração pelas classes
detentoras do capital?
Uma elementar constatação no Brasil e ao nosso redor da realidade dos
trabalhadores que vivem amontoados nas periferias das grandes e médias cidades e dos que
vivem de pequena propriedade ou dos milhões de trabalhadores com trabalho precário ou
desempregados nos tira a dúvida. Seus filhos frequentam poucos anos de escolaridade e em
escolas destroçadas, porque são pobres.
Essa perspectiva integradora da escola, paradoxalmente, nascia num contexto onde o
sistema capitalista começava esboçar sua face de capitalismo tardio com concentração de
capital, hegemonia do capital financeiro, monopólio privado da ciência e da técnica, aumento
do desemprego estrutural e ampliação do trabalho precário. Isto, ao mesmo tempo em que se
produzia a derrocada do socialismo realmente existente71.
71
. Sobre o colapso do socialismo realmente existente a análise de Eric Hobsbawm (1992) no texto: Adeus a tudo
aquilo. Mas, nesta mesma obra, Hobsbawm (1992) no texto Renascendo das cinzas convida-nos a perceber de
que o socialismo não está fora da agenda porque os seres humanos não foram feitos para o sistema capitalista.
72
. A noção de capital social é objeto de um capítulo desta coletânea desenvolvido por Vânia Motta e, como o
leitor verá, se relaciona com este rejuvenescimento no campo da educação, mas num sentido bem mais amplo
115
Mais de cento e cinquenta anos depois da caracterização de Marx e Engels sobre a
natureza específica do modo de produção capitalista, no qual a burguesia não pode existir
sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, portanto, as relações sociais
de produção, e, por conseguinte todas as relações sociais” e que “(...) tudo o que é sólido se
desmancha no ar” (Marx e Engels, 2008, p. 13e-14), a mesma não só guarda atualidade, mas
se explicita de forma candente.
Também guardam atualidade as análises de Marx no prefácio da “Contribuição à
crítica à economia Política” (Marx, 1980) e na “Introdução à crítica da Filosofia do Direito
em Hegel” (Marx, 2006), onde nos indica, respectivamente, que não é a consciência dos
homens que determina seu ser, mas que a consciência se produz dentro de determinadas
relações sociais e, por outra parte, não é a religião que faz o homem, mas o ser humano em
determinadas relações e situações sociais que faz uma determinada religião.
Cada uma destas novas noções resulta da forma como os organismos internacionais e seus
intelectuais representam as mudanças nas relações de produção e nas relações sociais neste
novo contexto do capitalismo tardio.
No plano dos instrumentos de produção e relações de produção, mecânica, a energia
elétrica, petróleo e química fina, etc. que são a base da “revolução taylorista-fordista da
organização do processo produtivo, nas relações de produção e nas relações sociais numa
perspectiva do pleno emprego (ainda que inviável som o capitalismo) dão lugar de forma
dominante á “revolução” digital molecular. Trata-se de um salto tecnológico qualitativo que
associa mico eletrônica e informação e que tem em sua base novas fontes de energia e do
desenvolvimento das ciências da informação e ciências da natureza.
Sob esta nova base apropriada privadamente, modificam-se os instrumentos de
trabalho – máquinas “inteligentes”, autômatos, sistemas e redes interligadas. Uma tecnologia
flexível que permita organizar o sistema produtivo e as relações de produção de forma
radicalmente diversa. Abre-se, sem fronteira o mercado mundial ao fluxo de capitais e á
exploração da força de trabalho. A forma de apropriação privada do conhecimento humano
produzido socialmente, volta-se sobretudo contra os direitos do trabalho, dentro de relações
sociais cada vez mais violentas e de super exploração e expropriação do trabalhador.
Os intelectuais ultraconservadores, cujo maior expoente é Friedrich Hayek73, Prêmio
Nobel de economia em 1972, por suas teses contra o socialismo, as teses keynesianas de
73
. Duas obras deste autor são a bíblia do neoliberalismo. Liberdade de escolher (1980) e O caminho da
servidão (1987)
116
planejamento da economia e as políticas do Estado de bem-estar social, neste contexto
ressurgiram com força e suas teses deram base ao que se denominou de cartilha do Consenso
de Washington. Trata-se é um conjunto de medidas formulado em novembro de 1989 por
economistas de instituições financeiras baseadas em Washington D.C., como o Fundo
Monetário Internacional (FMI) o Banco Mundial (BM) que passou a ser "receitado" para o
ajuste das economias, especialmente dos países endiviodados. Trata-se de um receituário de
um escopo de ideis mais amplo que se denominou de neoliberalismo.
O livre movimento do capital, especialmente especulativo, e das mercadorias, a
subordinação dos Estados nacionais como garantia da reprodução ampliada do capital e o uso
te tecnologias no processo de produção que podem, ao mesmo tempo, dispensar trabalhadores
em massa e intensificar a exploração dos que trabalham, permite um golpe nos trabalhadores e
nas organizações sindicais e políticas que lutam pro seus direitos.
A tese de Margaret Teatcher, conhecida como a dama de ferro por sua política ultra
conservadora, de que não via a sociedade mas apenas os indivíduos, expressava a natureza
deste novo tempo do capitalismo tardio. O capital já não necessita de todos diretamente e,
portanto, não há lugar para a estabilidade do trabalhador. Há apenas lugar para os mais
“competentes”, ou que desenvolvem ao longo de sua vida aquelas qualidades técnicas e
psicossociais que interessam ao mercado. Cada indivíduo tem que isoladamente negociar o
seu lugar e moldar-se com a flexibilidade que o mercado necessita e pelo tempo que necessita.
Como se pode perceber já não é a sociedade, a integração a um conjunto de direitos
sociais como o emprego, saúde e educação, moradia, transporte, a cultura, etc., que são a
referência, mas a luta do indivíduo sem proteção. É destas tessitura de relações de produção e
de relações sociais que emergem as noções de sociedade do conhecimento, qualidade total,
pedagogia das competências, empregabilidade e empreendedorismo e capital social.
Sociedade do conhecimento deriva do fetiche da tecnologia. Trata-se de fazer
acreditar que a tecnologia por si supera as desigualdades e a sociedade de classes, mascarando
a realidade de que a tecnologia é cada vez mais propriedade do capital contra o trabalho. Um
exemplo desta fetichização da tecnologia é a tese de Daniel Bell (1973) que postula o advento
da sociedade pós-industrial que, pelo conhecimento, faria desaparecer o proletariado e, em seu
lugar, teríamos o cognitariado.
A qualidade total, deriva da nova base científico técnica da produção e da
organização e gerência do trabalho e se refere a um trabalhador que produz em menor tempo,
117
dentro das prescrições, uma mercadoria ou um serviço e ao custo menor possível e que,
portanto, chegue ao mercado com vantagens competitivas.
Empregabilidade, uma noção que busca apagar da memória o direito ao emprego,
já que este está dentro de um sistema de regulação social que garante um conjunto de direitos
ao trabalhador defendidos pro suas organizações. No plano da mistificação, a ideia que se
difunde é a de que o fim do emprego é algo positivo para a competitividade e de que, em
realidade, com isso todos ganham. Nada mais explícito e cínico do que o texto abaixo de
Morais.
A empregabilidade é um conceito mais rico do que a simples busca ou mesmo a
certeza de emprego. Ela é o conjunto de competências que você comprovadamente possui ou
pode desenvolver - dentro ou fora da empresa. É a condição de se sentir vivo, capaz,
produtivo. Ela diz respeito a você como indivíduo e não mais a situação, boa ou ruim da
empresa - ou do país. É o oposto ao antigo sonho da relação vitalícia com a empresa. Hoje a
única relação vitalícia deve ser com o conteúdo do que você sabe e pode fazer. O melhor que
uma empresa pode propor é o seguinte: vamos fazer este trabalho juntos e que ele seja bom
para os dois enquanto dure; o rompimento pode se dar por motivos alheios à nossa vontade.
( ...) ( empregabilidade) é como a segurança agora se chama (Grifos meus). Morais (1998,
p.56)
118
(2002) constitui-se por processos pedagógicos pragmáticos, fragmentados e de adaptação aos
processos de intensificação e exploração do trabalho.
Empreendedorismo. Por fim, ainda que não esgote o conjunto de noções que
rejuvenescem a ideologia do capital humano a ênfase ao empreendedorismo, a ser dono do
próprio negócio, etc., desloca a responsabilidade para a grande massa de trabalhadores que
pro diferentes razões não são necessários ou não se enquadram nas exigências do mercado,
para que busquem a sobrevivência pro conta própria. Para a grande maioria trata-se de um
convite ao trabalho informal e precário, totalmente desprotegido dos direitos sociais.
Do que acabamos de sucintamente expor não é difícil deduzir que se trata de novos
fetiches mercantis da ideologia do capital humano e que explicitam um contexto de regressão
da regressão nas relações sociais e educacionais. Isto é, se a noção de capital humano que
expressava um reducionismo de sociedade, ser humano, e educação subordinando-os ao
mercado, mas que ainda tinha a sociedade e integração ao emprego como horizonte, as novas
noções expressam uma perspectiva desintegradora, jogando no indivíduo isolado e desprovido
de proteção social e da organização sindical, a responsabilidade por sue destino.
Não é por acaso que a partir do final da década de 1970 os organismos internacionais
acima referidos, guardiães da reprodução e segurança do capital, passam educar intelectuais
para difundirem estas novas noções e estimularem reformas educativas para ajustar os
sistemas educacionais à nova (des)ordem mundial. O Brasil tem vários representantes
formados nestes organismos e que se constituíram âncoras e ideólogos das reformas
educativas da década de 1990. Paulo Renato de Souza, Ministro a educação por oito anos no
Governo Fernando Henrique Cardoso, constitui-se num desses proeminentes quadros. João
Batista de Oliveira, Maria Helena Guimarães, Cláudia Costin e Guiomar Namo de Mello,
entre outros, constituem-se em expoentes desta vulgata. Namo de Mello, conhecedora do
pensamento crítico, constitui-se em hábil adaptadora de noções para o ideário pedagógico
brasileiro. Um dos exemplos e a tradução de empregabilidade por trabalhabilidade ou
laborabilidade.
Parte desses quadros têm seus escritórios, institutos ou ONGs privados e vendem
seus serviços, apostilas, métodos a sistemas privados e públicos de educação. Outros são
contratados para gerirem Secretarias Educação, como é o caso exemplar da Cláudia Costin, no
município do Rio de Janeiro e Paulo Renato de Souza, no Estado de São Paulo. Não por acaso
se constituem nos exemplos mais competentes na implantação deste ideário, no conteúdo
escolar, nos métodos e nas formas de avaliação e controle do trabalho docente. As
119
consequências, especialmente para a classe trabalhadora e para os docentes que atuam no
sistema público de educação são, como veremos a seguir, perversas.
74
. Ver entrevista: Historiador Eric Hobsbawm aponta questões cruciais do século XXI. São Paulo. Folha
Online. www.folha.com.br. Originariamente publicada na New Left Review , Jan/fev. de 2010.
120
As reformas educativas, desde a década de 1970, protagonizadas pelos intelectuais das
burguesias locais, especialmente nos países de capitalismo dependente, tem como base
dominante a ideologia do capital humano e, atualmente, as noções que a redefinem e
rejuvenesce e tem como horizonte ajustar os sistemas educativos, da educação infantil à pós-
graduação a essa lógica destrutiva produtivista. Os critérios mercantis estão cada vez mais
arraigados na organização da escola, nos conteúdos, nos métodos pedagógicos e nos
processos de controle e de avaliação.
Os efeitos, do que Neves (2005 denominou a nova pedagogia da hegemonia para
educar o consenso, da cartilha da década de 1990 penetraram fundo nos vários níveis e
âmbitos da educação pública no Brasil. O indicador mais emblemático é de que, a partir da
segunda metade do ano de 2010 quem presidirá a Câmara de Educação Básica no Conselho
Nacional de Educação é um histórico representante do Sistema S 75 gerido pelos órgãos de
classe dos empresários. O ideário de ensinar o que serve ao mercado ou fazendo pelas mãos a
cabeça do trabalhador (Frigotto, 1982) antes restrito ao adestramento profissional do Sistema
S, tende a impor-se para à educação básica no seu conjunto. Três mecanismos se articulam
neste processo de mercantilização do conhecimento e das relações pedagógicas no âmbito da
educação básica pública.
O trabalho docente, por suas características, tem sido historicamente um dos espaços
que dificulta a aplicação dos critérios e métodos de gerência mercantil da força de trabalho.
Trata-se de separar quem planeja e controla a produção de quem a executa. O primeiro
mecanismo diz respeito às estratégias orientadas pelos organismos Internacionais,
especialmente o Banco Mundial, que estão sendo utilizadas para adequar a escola a estes
critérios.
Este primeiro mecanismo chega ao chão da escola calcado na ideia de que a esfera
pública é ineficiente e que, portanto, há que se estabelecer parcerias público e privado ou
mediante o disfarce do privado, pela pirataria semântica, com o eufemismo de organizações
sociais ou terceiro setor. A estes institutos privados ou ONGs 76 cabe selecionar o
conhecimento, condensá-lo em apostilas ou manuais, orientar a forma de ensinar e definir os
75
. Uma observação de duas ordens se faz necessária. Primeiro que não se trata aqui de uma referência pessoal
ao conselheiro, mas de representação de classe. A segunda, sempre ter-se presente que os milhares de
trabalhadores que atuam neste sistema vendem a sua força de trabalho como qualquer outro trabalhador.
76
. Referimo-nos aqui ao Instituto Ayrton Sena, Instituto de Qualidade na Educação (IQE), Positivo, Pitágoras,
Fundação Roberto Marinho, Fundação Bradesco e congêneres que assumem a direção pedagógica de muitas
Secretarias Estaduais e, especialmente, municipais, em nome do ensinar eficiente.
121
critérios de avaliação métodos de ensino e processos de avaliação e controle dos alunos e dos
professores.
Em termos concretos significa não só desautorizar a formação docente, mas liquidar com
aquilo que a define: qualificar-se dentro de uma área de conhecimento para individual e
coletivamente selecionar e organizar os conteúdos e definir os métodos e estratégias do
processo de ensino, tendo em conta sujeitos concretos com suas particularidades sociais,
culturais, etc.
122
desmantelamento da profissão docente: instaurar a competitividade entre professores e entre
alunos.
Para que os dois primeiros mecanismos tenham sucesso há que se aplicar o ideário de
que não há sociedade, o que existe são indivíduos. Trata-se de desmontar a carreira e
organização docentes mediante políticas de prêmio às escolas que alcançam melhor
desempenho e que os professores sejam remunerados de acordo com sua produtividade em
termos de alunos aprovados. Os institutos ou organizações privadas para assessorar ou atuar
diretamente nas escolas têm a incumbência de avaliar a professores e alunos de acordo com os
conteúdos, métodos e processos prescritos. O que se busca, para uma concepção mercantil de
educação utilizar na escola os métodos do mercado.
Dois aspectos aprecem de imediato para vislumbrar que o receituário educacional do
capitalismo tardio engendra claras contradições e, por outra parte, forças que resistem. No
plano das contradições os recentes dados do IDEB mostram, por ironia, que das escolas que
tiveram melhor desempenho dois aspectos se destacam: escolas onde os professores tinham o
estavam cursando ensino superior e onde os professores estavam coletivamente empenhados
no processo pedagógico. A resistência tem-se evidenciado, ao longo dos últimos anos,
sobretudo nos estados e municípios onde o receitário da escola mercantil tem avançado mais.
No plano mais geral e permanente o caminho a pautar por aqueles que a educação e escola
pública são um direito social e subjetivo é aquele das lutas do Fórum Nacional em defesa da
educação pública, gratuita, laica, unitária e universal, que mobilizou mais de trinta
organizações sindicais e científica, tendo como concepção pedagógica a perspectiva da
formação politécnica77. Ou seja, uma formação que desenvolva no educando as bases
científicas de todos os campos do conhecimento e desenvolva no educando a autonomia e a
capacidade de análise da sociedade em que vive lutando por sues direitos coletivamente.
Trata-se de uma concepção de qualidade de educação antagônica à concepção mercantil
fragmentária e pragmática da qualidade total, da pedagogia das competências e
empregabilidade. Dai a luta por condições objetivas para que a mesma se efetive no chão da
escola. Luta que implica que a organização dos educadores se junte às demais organizações da
classe trabalhadora que lutam por alterar radicalmente nossa ordem econômica, social, cultural
das mais desiguais e injustas do mundo. Só assim se poderá alcançar que cada docente atue
numa só escola, que tenha não mais que 50% do seu tempo em sala de aula, tenha uma carreira
77
. Para uma compreensão de concepção de educação politécnica, ver Saviani, 2003.
123
docente, piso salarial que dignifique sua profissão, dobrando o atual piso, e atue em escolas com
laboratórios, bibliotecas, espaços de lazer e de cultura para as crianças e jovens.
O que se põe como fundamental para a grande massa dos profissionais da educação na
construção deste caminho é, ao mesmo tempo, aprofundamento de sua formação teórica numa
perspectiva histórica (dialética), ampliação e solidificação de suas organizações científicas,
sindicais, políticas e culturais e a construção de uma subjetividade com determinação para
altear a atual ordem social que dilacera a vida da grande maioria dos brasileiros e lhes nega os
direitos elementares e, por consequência, os mutila no direito á educação.
Por isso, que o esforço de organização e divulgação de coletâneas como esta, que
buscam desvelar o sentido anacrônico e de alienação da incorporação do ideário mercantil nos
sistemas educativos, constitui-se uma efetiva luta contra hegemônica. Uma tarefa que é, sem
dúvida, de natureza científica, mas além disso e sobretudo de caráter ético-político.
124
SEGUNDA PARTE
...as ideologias não são de modo algum arbitrárias; são fatos históricos reais, que
devem ser combatidos e revelados em sua natureza de instrumentos de domínio,
não por razões de moralidade, etc., mas precisamente por razões de luta política:
para tornar os governados intelectualmente independentes dos governantes, para
destruir uma hegemonia e criar outra, como momento necessário à subversão da
práxis (Antonio Gramsci)
78
Vânia Motta. Professora da Faculdade de Educação da UFRJ. Esse texto fará parte da edição do livro “As
Políticas Educacionais para o Ensino Fundamental no Brasil contemporâneo: projetos em disputa”. Juiz
de Fora, Editora da UFJF, 2011, no prelo.
125
Nosso objetivo neste artigo é indicar o movimento conservador do pensamento
econômico educacional a partir dos anos 1960, considerando: as especificidades da formação
social brasileira situada na dinâmica da expansão do capitalismo mundial como variante do
tipo “capitalismo dependente", que se desenvolve subordinado à dinâmica do mercado
mundial, de forma heterônoma, desigual, combinando setores produtivos modernos com
setores atrasados e arcaicos79; a influência dos organismos internacionais na difusão da “teoria
do capital humano”, bem como, na produção e difusão de ajustes ideológicos realizados para
legitimar as novas políticas e estratégias econômicas neoliberais e administrar seus efeitos
perniciosos; as atuais configurações desse pensamento relacionadas à busca de atribuir uma
“face mais humana ao capital” 80
, incorporando elementos da “teoria do capital social” de
Robert Putnam (2002).
Na primeira parte, discorreremos sobre a função econômica da educação nos contextos
nacional-desenvolvimentista e neoliberal dos anos 1990 - da superação do atraso à
competitividade no mercado mundial. E na segunda, sobre um terceiro momento de ajuste,
voltado para educar o conformismo pela via da inclusão forçada, articulando o investimento
do capital humano com o do capital social como forma de alívio da pobreza, inserção das
comunidades e indivíduos mais “vulneráveis” às dinâmicas do mercado nas esferas da
produção e do consumo, de contenção de tensões sociais e políticas e de “conformação da
vontade”.
Foi com a “teoria do capital humano”, amplamente difundida nos anos 1950-60, que a
função econômica da educação penetrou no tecido social das sociedades capitalistas e,
efetivamente, introduzida no Brasil com as reformas da educação básica e universitária
expressas nas Leis 5.540/68 e 5692/71.
A ideia fundamental da “teoria” é que o trabalho, mais do que um fator de produção, é
um tipo de capital – capital humano. Esse capital é tão mais produtivo quanto maior for sua
qualidade que é atribuída pela intensidade de qualificação científico-tecnológico e gerencial
que cada trabalhador adquire ao longo de sua vida. Nessa concepção, a qualidade do capital
81
Os limites do recorte desse artigo não nos permitem trazer a discussão sobre a natureza desses organismos no
contexto de consolidação da hegemonia dos Estados Unidos e da Guerra Fria. Sobre o “mito” ou a “ideologia do
desenvolvimento” indicamos, entre outros, as obras de Florestan Fernandes, Octávio Ianni e Miriam Limoeiro
Cardoso. Em relação ao papel do Banco Mundial nesse período, mais precisamente na gestão de McNamara
(1971-1980) e com relação às orientações de políticas social e educacional, sugerimos Leher (1998) e Fonseca
(1996).
82
Convênio realizado, no final dos anos 1960, entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a United States
Agency for International Development (USAID) para a realização de reformas em todos os níveis do ensino
brasileiro. O foco na educação básica tinha em vista o aumento da capacidade produtiva da população mais
pobre como fator de segurança internacional, isto é, para conter o avanço do comunismo. Para McNamara,
gestor do Banco Mundial nesse período, ajudar aos governos pobres a superarem as necessidades humanas
127
Na conformação para o mundo dos mercados “livres” e mundializados, a ideologia
desenvolvimentista que legitimava o modelo de substituição de importações sai de cena,
esgotam-se suas estratégias com a crise dos anos 1970-8083, e entra a ideologia da
globalização.84 A partir de então, os encaminhamentos de políticas econômicas nos governos
brasileiros seguem as medidas de ajustes fiscais (contas públicas em patamares baixos,
principalmente no tocante aos investimentos em políticas sociais) e reestruturação produtiva
(liberalização dos mercados, flexibilização da legislação e da privatização dos setores [mais
lucrativos] do Estado) como alternativa à superação da “crise do Estado”, de ingresso no
competitivo mercado mundial e garantia do pagamento da dívida externa.85 Tais medidas
resultaram no aprofundamento do processo de financeirização da economia,86 na centralização
de capitais87 e na introdução da “prática generalizada da terceirização” 88
que implicou,
segundo Filgueiras (2006), na articulação orgânica entre as frações do capital, “tornando-as
aliadas e sócias no processo de precarização das condições de trabalho e de flexibilização do
mercado de trabalho” (p. 191; grifo nosso). No âmbito da divisão internacional do trabalho,
tais políticas aprofundaram a relação de dependência típica do capitalismo dependente e a
manutenção da posição subordinada de exportador de produtos primários (commodities). O
projeto neoliberal intensificou a polarização entre países e entre classes, o que derivou na
ampliação do poder político do capital internacional e dos grandes grupos econômico-
financeiros nacionais, no caso brasileiro, inclusive o agronegócio em razão de sua importância
estratégica nas exportações.
básicas, “que são sempre críticas”, não é “questão de filantropia”, mas de “prudência”. E apontava como uma
“péssima economia” aquela que permite cultivar e difundir a pobreza “a tal ponto que comece a infectar e erodir
todo o tecido social. A pobreza (...) é como um vírus que contagia a amargura, o cinismo, a frustração e o
desespero” (Leher, 1998. Apud, Motta, 2007, p. 197).
83 No caso brasileiro, a crise da dívida de 1980/81 foi a mais emblemática.
84 Faço referência à tese de Roberto Leher (1998): “Da ideologia do desenvolvimento à ideologia da globalização”.
85 Carcanholo (2009) esclarece que o projeto neoliberal e suas respectivas políticas e estratégias econômicas não foram
introduzidas no Brasil como um pacote fechado para ser executado. Embora estivesse condicionado aos empréstimos do FMI
e ao receituário do Consenso de Washington, o neoliberalismo à brasileira, além de tardiamente, vai apresentar
especificidades e expressões próprias das correlações de forças internas.
86 “No sentido de predominância da lógica financeira no interior de seus procedimentos de decisões” e do capital financeiro
internacionalização da economia brasileira” – atingindo os setores da indústria, comércio e serviços. Segundo Filgueiras
(2006), baseado em dados de 2001, “entre os 100 maiores grupos econômicos privados do Brasil, 19 eram de origem
financeira e 11 de outros setores, mas tendo algum tipo de instituição financeira pertencente ao grupo” e, “pelo menos 19
grupos estavam associados ao processo de privatização [...] da aquisição de empresas públicas” (p.190). E, ainda, entre esses
100 maiores grupos econômicos privados, “pelo menos 50% eram estrangeiros” (idem).
88 Com novas formas de articulação entre os grandes, médios e pequenos capitais e mesmo segmentos de trabalhadores
89 O termo capital social, aqui, se refere à infraestrutura social relacionada ao investimento e modernização dos setores
produtivos e de reprodução do capital – educação, saúde, seguridade, assistência social – de um determinado país.
90
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei nº 9394/97.
91 Para o aprofundamento do tema, ver Marise Ramos: “Os Limites da Noção de Competência sob a Perspectiva da Formação
Humana”, In: Movimento, nº4, 2001, pp. 47-64; “Trabalho, Cultura e Competências na contemporaneidade: do conhecer ao
saber-ser”. In: TEIAS: Rio de Janeiro, ano 5, nº 9-10, jan/dez 2004.
129
“nova sociedade do conhecimento” e num conjunto de noções que compôs a cultura “pós-
moderna”, as ideias do “fim das metanarrativas”, do “fim da história”, de que “não tem outra
alternativa” e do “fim da sociedade do trabalho”, entre outras. Esse conjunto de mudanças nas
esferas econômica, política, ideológica e cultural colaborou com o declínio de formas de ação
política tradicional do trabalhador (sindicato; partidos) e a fragmentação das forças políticas
da classe trabalhadora nas formas de enfrentamento das expressões da “questão social”,
conciliando interesses “privados”, refilantropia e gerenciamento eficaz e de resultados.
2.1.2. Função econômica da educação: educar o conformismo pela via da inclusão forçada
Contudo, num tempo muito curto, já em meados dos anos 1990, em meio à série de
crises econômicas e políticas que se estenderam em todo o mundo, ou melhor, do
esgotamento da capacidade civilizatória da sociabilidade capitalista, da crise do “sistema
capital”92, “a promessa dos benefícios globais” (Stiglitz, 2003)93 e as ideologias das
competências e empregabilidade já não mais se sustentavam diante dos fatos da realidade. Foi
crescente a onda antiglobalização em todos os países capitalistas. Diferentes setores, políticos
e intelectuais conservadores e organismos multilaterais apontaram para uma ameaça à ruptura
da coesão social e indicaram a necessidade de introduzir outros mecanismos que reduzissem
os efeitos das políticas neoliberais, criando um novo rearranjo econômico, social e político de
forma a atribuir uma “face mais humana” ao capitalismo.
O Banco Mundial assume as falhas de suas orientações e a razão maior do fracasso:
excessivo foco no investimento em capital humano em contextos constituídos de fracas
instituições. No Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2000/2001: Luta contra a
Pobreza (2000), o Banco Mundial reconhece que embora as condições humanas tenham
melhorado nos últimos 100 anos, “a riqueza global, as conexões mundiais e a capacidade
tecnológica nunca foram maiores, [...] a distribuição desses ganhos globais é
extraordinariamente desigual [...], uma diferença que duplicou nos últimos 40 anos” (p.3). E
que, com todo o empenho do organismo na “luta contra pobreza” nos anos 1990, no “início de
um novo século, a pobreza continua sendo um problema global de enormes proporções”
92
Explica Frigotto (2004) que a expressão “sistema capital” amplia a noção de que o que está em crise não é o modo de
produção capitalista em si, mas a relação social capitalista como um todo, de acordo com Mészáros.
93 Joseph Stiglitz (2003), economista chefe do Banco Mundial nos anos 1980, discorre sobre essa tensão no mundo, alerta
sobre a possibilidade de ruptura da coesão social e propõe alterações no encaminhamento de políticas econômicas e sociais
para os países mais pobres.
130
(p.19). O que se deve atentar, continua, é que “pobreza em meio à abundância é o maior
desafio que o mundo enfrenta” (Idem).94
O Banco identifica que as bases de orientação de políticas sociais voltadas para aliviar
a pobreza nos anos 1980-90 pautavam-se no investimento em capital humano como forma de
inserção no mercado de trabalho e em políticas focadas e compensatórias para aqueles que
não eram munidos desse tipo de capital. Naquela concepção, segundo o Banco, os indivíduos
não munidos de capital humano (os pobres) seriam incapazes de atuar no mercado de forma
autônoma e competitiva. Com isso: “o Estado deve(ria) preocupar-se, compensando-os com
suas políticas sociais focalizadas de aumento do capital humano” (BIRD, 2000, p.59; grifos
nossos).
Ainda constata que o investimento no “capital humano” dos pobres e a promoção do
uso intensivo da força de trabalho [barata e] abundante, porém desqualificada, não foram
fatores nem de crescimento econômico, nem de redução da pobreza como se previa nos anos
1990. E avalia como uma das causas do “fracasso” nas políticas de redução da pobreza
daquele período o excessivo otimismo “em relação às realidades institucionais, sociais e
políticas da ação pública” (p.61).
Conforme expresso no Relatório de 2000:
É certo que as reformas de mercado podem promover o crescimento e ajudar os
pobres, mas também podem ser uma fonte de desajuste. Os efeitos das reformas de mercado
são complexos e guardam uma profunda relação com as instituições e estruturas sociais. A
experiência com a transição, especialmente nos países da ex União Soviética, é um vivo
exemplo de que, na ausência de instituições internas eficientes, é possível que as reformas de
mercado não consigam gerar crescimento e redução da pobreza (p.32; grifos nossos).
94 Fukuyama, em seu livro “Construção de Estados: governo e organização no século XXI” (editado pela Rocco), pós 11 de
setembro, vai dizer que a pobreza passa a ser um fator de segurança mundial. Novamente a pobreza ganha o status de ameaça
internacional como o fora nos tempos da Guerra Fria, durante a gestão de McNamara no Banco Mundial.
131
“atraso” na modernização tornou-se um fardo para os trabalhadores sem qualificação de
ponta, que ficaram “de fora” da expansão do capital e mais empobrecidos.95
Frente à intensificação da condição de pobreza de uma grande massa de
“subproletariados descartáveis” (Fontes, 2005) e aos riscos de ruptura da coesão social que tal
situação potencializava, a ONU e suas unidades UNESCO e CEPAL elaboraram, em 2000,
consensual e articuladamente com o Banco Mundial e o BID, as “políticas de
desenvolvimento do milênio”96.
Compreendemos tais políticas como novos mecanismos de ajustes nas bases da
reforma intelectual e moral neoliberais, afinados com a abordagem neoinstitucionalista97,
voltadas para o fortalecimento das instituições e para a “boa governança” como meios de
aliviar e administrar a pobreza e as tensões sociais. Esta abordagem confere às instituições da
sociedade civil e ao Estado a força política para assegurar um ambiente estável, solidário,
harmonioso para o enfrentamento das expressões da “questão social”. Busca-se construir uma
aparente concepção de mundo coesa e unitária, através da consolidação da sociedade civil
solidária e da construção de Estados “sem inimigos”98, conferindo uma “face mais humana”
ao capital com mais oportunidades para os pobres e trabalhadores “condenados do sistema”
(Florestan Fernandes). Retoma-se a ideologia do desenvolvimentismo, porém enfatizando o
desenvolvimento local e sustentável.99
Na perspectiva de que a pobreza frente à riqueza global e à capacidade tecnológica é
um problema de segurança internacional, o Banco Mundial recomenda criar oportunidades
95
Castel (2003), ao analisar “as metamorfoses da questão social” na França dos anos 1980 com base na centralidade do
trabalho, identifica que a elevação do nível de qualificação dos trabalhadores pelas empresas afetou diretamente os jovens,
pois “desmonetariza uma força de trabalho antes mesmo que tenha começado a servir” (p.519). Ainda hoje, são os jovens
trabalhadores, de todo o mundo, que mais sofrem esse processo. Conforme constata Andrade (2009), no Brasil, entre o grupo
de desempregados os jovens, entre 16 e 24 anos, são em maioria (46%), especialmente os jovens com maior nível de
escolaridade.
96 As “políticas de desenvolvimento do milênio” surgem da Declaração do Milênio das Nações Unidas elaborada em
setembro de 2000, em Nova York, no encontro denominado de Cúpula do Milênio. Esta Declaração, acordada e adotada
pelos 191 Estados membros, compõe uma série de compromissos e um conjunto de metas com prazos pré-fixados sobre a
erradicação da pobreza no planeta, desenvolvimento social, meio-ambiente, saúde, etc.
97 Viés teórico da Ciência Política que foca suas análises nas instituições e propõe o fortalecimento das mesmas como forma
Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da socialdemocracia. 5ª ed. Rio de Janeiro:
Record, 2005). Na mesma linha, o Banco Mundial propõe a formação de “Estados ativos” e Fukuyama (2005), Estados
fortes.
99 O modelo de “desenvolvimento do milênio” tem como base a retomada do Estado na coordenação (e não intervenção) das
políticas macroeconômicas calcadas nas “vantagens comparativas” - que seriam as commodities (exportação de produtos
primários), força de trabalho barata e abundante e mercado potencial de consumo popular; manutenção da poupança externa,
como forma de investimento nas estruturas produtivas e dinamização do mercado interno; financeira e ambientalmente
sustentáveis. Tais políticas, que vem sendo redesenhadas mais claramente a partir do segundo mandato do governo Lula, vêm
sendo difundidas com a nomenclatura “novo-desenvolvimentismo” [ver: Sicsu, Paula & Michel (Orgs). Novo-
desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com equidade social. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer,
2005; para uma análise crítica, CASTELO (2010)].
132
aos pobres através de políticas que facilitem sua autonomia, em relação aos serviços estatais,
e dê mais segurança, diante das intempéries do mercado (BIRD, 2000).
100
Pochmann, numa entrevista à revista Caros Amigos, em setembro de 2009, observa que no Brasil 95% do mercado são
constituídos de médias e pequenas empresas.
101 No Brasil, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) tem sido o principal agente de
capacitação e diagnóstico da vocação produtiva das comunidades mais pobres e de formalização de seus empreendimentos.
Este ano, a partir da promulgação da Lei Complementar nº 128 de 19 de dezembro de 2008 que regulamenta as pequenas e
micros empresas, o SEBRAE vem desenvolvendo vários projetos voltados para o Empreendedorismo Social que visa a, entre
outras ações, formalizar a situação de diversos profissionais autônomos e empresas “de fundo de quintal” legalizando
empreendimentos individuais e respectivos empregados.
102 Na Índia, o banqueiro Muhammad Yunus, Prêmio Nobel de Economia 2006, criou um Banco – Banco Grameen -, em
1970, em Bangladesh, para emprestar dinheiro aos pobres, preferencialmente às mulheres. Ele editou sua autobiografia na
obra “Muhammad Yunus com Alan Jolis. O Banqueiro dos Pobres: a revolução do microcrédito que ajudou os pobres de
dezenas de países”. São Paulo/SP:Ática, 2000. Sua experiência tem servido de modelo para diversos países, inclusive o
Brasil. A Caixa Econômica Federal, em convênio com o Banco do Povo, assinou em novembro de 2006, o primeiro contrato
de Microcrédito Orientado do Brasil. A previsão de investimento em operações de microcrédito será em torno de R$2
milhões, que será viabilizado aos “empreendedores populares”, de acordo com as regras do Programa Nacional de
Microcrédito Produtivo Orientado (JB online, 28 de novembro de 2006, reportagem da Gazeta Mercantil). O microcrédito
facilita a formação de cooperativas e arranjos produtivos como forma de gerar oportunidade de trabalho e renda aos pobres,
partindo da “vocação produtiva da comunidade”. Uma medida inovadora e de solução alternativa na concepção do Banco
Mundial.
133
“boa qualidade” – “o que pode implicar reforma dos serviços públicos ou uma privatização
que assegure a expansão dos serviços aos pobres” (idem) e a participação das comunidades e
das famílias pobres “na escolha e implantação dos serviços e sua monitoração para que os
provedores assumam sua responsabilidade” (Ibidem) – base do argumento da criação das
Organizações Sociais (OS) como gerenciador privado das verbas e serviços públicos. 103 E,
entre outras medidas, criar sistemas nacionais de controle do risco social que sejam pró-
crescimento, com programas que não prejudiquem a competitividade, previnam os conflitos
civis, pois estes são “devastadores para os pobres” (p.10), o que insere fortalecer as relações
entre doadores e organizações da sociedade civil, pois elas são um “canal eficaz de
cooperação” (Idem).
Esses mecanismos, segundo o Banco, levariam a “fortalecer a capacidade local” e a
“reforçar o capital social dos pobres, pois as normas e redes sociais são formas importantes de
capital que as pessoas podem usar para sair da pobreza” (BIRD, 2000, p.11).
A incorporação de elementos da “teoria do capital social” de Robert Putnam (2002) foi
um dos aspectos inovadores das estratégias de alívio à pobreza nas políticas sociais de
orientação dos organismos internacionais para o “desenvolvimento do milênio”. 104 A partir de
então, realiza-se um consenso na defesa de que a capacidade de uma sociedade estabelecer
laços de confiança interpessoal e de criar redes de cooperação com vistas à produção de bens
coletivos é fundamental para fortalecer um círculo virtuoso democrático e, consequentemente,
o bem-estar econômico e social. Para Putnam (2002): “A confiança mútua é talvez o preceito
moral que mais necessita ser difundido entre as pessoas, caso se pretenda manter a sociedade
republicana” (p.103).
Conforme observaram os especialistas da Cepal105 (Apud. Motta, 2007):
Los esfuerzos de reducción de la pobreza ejercen una influencia positiva en el capital social
de un país, porque disminuyen la segregación. Además, las iniciativas de inversión en capital
social, que conectan a personas anteriormente desvinculadas, tienden a aminorar la
desigualdad de ingresos y la pobreza que contribuyen a esa segregación (p.238).
103 Na “reforma gerencial do Estado” promovida em 1998 pelo, então, Ministro Bresser Pereira, foram definidas e
estabelecidas em lei as primeiras organizações sociais destinadas a executar no “setor público não-estatal” atividades sociais
e científicas, definidas como “serviços não exclusivos do Estado”, que o Estado “desejava financiar”, mas não executar (Leis
nº 9637/98 e Lei nº 9.790/99). Tendência crescente e efetiva não só no governo federal, mas também nos governos estaduais
e municipais nas áreas da saúde, cultura e educação. No âmbito da educação, são as escolas charts, em Nova York, o modelo
inspirador.
104
A concepção de capital social, em Putnam (2002), foi amplamente difundida nos relatórios dos principais
organismos internacionais e regionais a partir de meados dos anos 1990 e ecoou em várias áreas acadêmicas no mundo.
Também foi incorporada na proposta da “terceira via” de Giddens e nas análises de Francis Fukuyama, pós “fim da história”.
105 Carcanholo (2010) passa a denominar a Cepal nessa fase do neoliberalismo de “nova-Cepal”, tendo em vista a mudança
135
Trata-se da retomada do processo de inclusão forçada (Fontes, 2005) da extensa
população de pobres como consumidores e dinamizadores do mercado interno109, porém
destituídos de seus direitos, sobrevivendo à sua sorte as intempéries do mercado.
A leitura que se faz é que os pobres, vítimas de programas de ajustes mal
implementados, de políticas sociais ineficazes, de instituições fracas e corruptas, de
discriminações, etc. devem investir na sua “autonomia” (produtiva) e por conta própria, sem
depender das benesses do Estado, “agarrar” as “oportunidades” oferecidas pelo mercado.
Conforme expõe Mestrum (2003): “A melhor política em favor dos pobres não é a que os
protege do mercado, mas a que os incita a dele participar. Sair da pobreza é uma
responsabilidade dos próprios pobres” (p.249).
Assim, estão postas as tarefas dos governos nos países de capitalismo dependente:
“tornar os mercados mais favoráveis aos pobres” (BIRD, 2004, p.61), pois os “mercados são
importantes para os pobres” (idem) porque geram crescimento e oportunidades; gerar capital
social como forma de conter possíveis conflitos e tensões sociais. A ideologia do capital
humano rejuvenescido com elementos da ideologia do capital social não vai tratar somente de
“educar para a sobrevivência”, como fora nos anos 1990, mas “educar para o conformismo”.
Amplia-se o caráter economicista ou produtivista da educação inserindo elementos
pretensamente humanizantes, éticos e moralmente voltados para a conformação da
vontade.110
Tudo isso reforça o processo de “privatização” tanto no sentido arendtiano, posto por
Oliveira (2007): “os indivíduos são jogados aos seus espaços privados, à solidão, à
insegurança, que decorre exatamente da ‘privação’ do espaço público e da alteridade” (p.29),
como no sentido de hegemonia gramsciano, ao favorecer a penetração da lógica empresarial
nas mentes e no coração dos sujeitos situados nos mais longínquos e precários recantos e nos
vários segmentos da sociedade – o que implica na formulação de uma nova função da
educação, a função econômica da inclusão forçada.
109 O relatório do Banco Mundial “Os Próximos Quatro Bilhões” de 2007 revelou que “no mundo todo existem quatro
bilhões de pessoas que ganham menos de US$3 mil por ano, formando um vigoroso mercado de US$5 trilhões”. Em relação
ao Brasil, o relatório com base nos dados do IBGE afirma que os 70,7% mais pobres representam um mercado de US$181
bilhões. A renda média dos brasileiros situados na base da pirâmide econômica é de US$3,35 por dia, à frente da China
(US$2,11) e da Índia (US$1,56). No Jornal Monitor Econômico, esta notícia foi veiculada com o título: “O PIB dos Pobres”
(Motta, 2007, p.25-26).
110 No governo Lula, tais ajustes não chegam a operar uma “reforma educacional”, no sentido de elaborar uma legislação ou
um plano nacional de educação específicos. Mas é possível identificar, principalmente no segundo mandato do governo Lula,
a ênfase e a articulação entre políticas sociais e educacionais, ambas de caráter focado e compensatório, a exemplo do Bolsa
Família, do Programa Universidade para Todos, dos fragmentados programas para jovens, entre outros que integram
educação, geração de renda e desenvolvimento comunitário, nos moldes da ideologia do capital social e, ainda, calcados na
“ideologia ‘novo-desenvolvimentista’”.
136
2.1.3. Considerações finais
137
momento de consciência política coletiva, “estritamente político” ou ético-político, no sentido
de formar uma força social “cada vez mais homogênea, compacta e consciente de si” (p.46),
que assinale a passagem das conquistas econômico-corporativas de uma determinada fração
da classe trabalhadora “rumo à unificação concreta e objetivamente universal” (Gramsci,
1999, p. 134) pela superação da ordem vigente. Nessa perspectiva, a tarefa essencial consiste
em dedicar-se de modo sistemático e paciente a formar e desenvolver essa força homogênea,
compacta e consciente de si, o que perpassa pela batalha das ideias e pela superação das
“ideologias parciais e falazes” (idem).
No campo da educação, a batalha a ser travada é pela escola que interessa à classe
trabalhadora e a seus filhos, a escola unitária.
138
2.2 Educação para a “inclusão” e a “empregabilidade”: promessas que
obscurecem a realidade111
O que busco assinalar neste breve texto, é que a profusão de noções que vêm
surgindo, dentre elas as de inclusão e empregabilidade, seguem um percurso de crescente
dissimulação nas mudanças metabólicas das relações sociais capitalistas. Dissimulação que
evade e mascara a regressão das condições reais de vida e o sentido precário das políticas
públicas de formação, educação, trabalho e renda da classe trabalhadora e, em especial, dos
jovens e adultos pouco escolarizados.
(UERJ). Texto publicado numa coletânea resultado de intercâmbio internacional com a Universidade
de Lisboa no projeto CAPES/GRICE sobre ovimentos Sociais e Políticas para Jovens e Adultos
Pouco Pscolarizaods In:Canário, Rui e Rummert, Sônia Maria. Mundos do trabalho e aprendizagem.
Lisboa, Ed. Educa Formação, 2009, p. 69-71.
139
valores com os quais opera, implica dispor-se a assumir um referencial de análise cujo escopo
não busque apenas compreender e descrever o seu funcionamento, mas que seja capaz de
apreender como este sistema se produz, como se desenvolve e que tipo de relações sociais
sedimenta. O materialismo histórico constitui-se, enquanto concepção de realidade e método
para compreendê-la, no legado fundamental de Marx e Engels desta possibilidade 112. Como
nos lembra Jameson (1994), este método não é o único que faz a crítica às relações sociais
capitalistas, mas é o “único que permite uma crítica radical e sem celebrações ao
capitalismo”12.
É por este método que podemos compreender que a ciência social, que se desenvolve
tendo como base o pensamento liberal e o método positivista/funcionalista, busca naturalizar a
forma capitalista das relações sociais e ocultar seu caráter histórico e de classe 113. Como
indica Ianni, na epígrafe, estas relações sociais se configuram em ideias, conceitos, doutrinas
e teorias que evadem seus fundamentos. A visão particular de classe de sociedade, ser
humano, trabalho e educação, é posta como sendo de validade universal.
Também é por esse método que se evidencia que se trata de uma sociedade que, por
sua dupla natureza de explorar o trabalho alheio e pela competição intercapitalista, hipertrofia
o desenvolvimento das forças produtivas e produz contradições cada vez mais profundas. A
contradição fundamental se expressa, justamente, pelo exponencial desenvolvimento destas
forças e pelo crescente aumento da exploração dos trabalhadores, e, ao mesmo tempo, pelo
aumento da desigualdade, miséria, degradação humana e violência social.
Uma sociedade em que a crise lhe é inerente e, paradoxalmente, se torna mais aguda
quando existem mais mercadorias e serviços para serem oferecidos no mercado, leva o
sistema à uma tendência à diminuição de sua taxa de lucro. Por isso, o sistema prefere,
literalmente, queimar estoques, dar incentivos para não produzir ou reduzir a produção do que
baixar os preços. O mesmo acontece com a competição que o leva a buscar novas tecnologias
determinando a obsolescência precoce da base técnica anterior. Schumpeter (1984)
denominou essa tendência de destruição criativa ou produtiva.
112
Ver Marx (1969, 1977, 1983 e 2005), Marx e Engels (1979) e Kosik (1986).
12
Note-se que o sentido dado por Jameson não é de que o método materialista histórico não seja o único que faz
críticas às relações sociais capitalistas, mas que o faz de modo radical. Ou seja, que vai à raiz das determinações.
Esta ênfase é dada por Jameson justamente ao discutir as posturas pós-modernas que também fazem críticas ao
capitalismo mas negam as análises marxistas, pelo fato de entenderem que são metanarrativas.
113
Uma análise documentada e densa que desmascara o pensamento e as políticas liberais nos é dada por
Losurdo (2006).
140
István Mészáros (2002), em sua obra “Para Além do Capital”, argumenta que o
sistema capital enfrenta sua crise mais profunda em uma escala não mais local, mas
planetária. Uma crise de natureza qualitativa, diversa das demais, a qual evidencia o
esgotamento do sistema de sua capacidade civilizatória. Por isso, na atual fase, para manter-se
o mesmo, além da destruição produtiva, instaura uma produção destrutiva. Esta manifesta-se
pela super exploração do trabalho, desemprego estrutural, eliminação dos direitos da classe
trabalhadora, duramente conquistados ao longo dos últimos séculos, e a destruição das bases
da vida acelerada pela degradação do meio ambiente.
Ao longo de dois séculos, como modo de produção social dominante, o capitalismo,
por seu contraditório dinamismo e, como consequência, por suas crises cíclicas, necessitou de
mudanças para reequilibrar-se. Trata-se de mudanças reais e, por vezes, bruscas, mas que vêm
para conservar o seu fundamento estrutural de sociedade de classe. Sob estas mudanças,
surgem também novas representações, ideias, categorias, conceitos e “teorias” que, por sua
origem de classe, obscurecem e mascaram a realidade econômica, social, cultural e
educacional.
Dois caminhos dominantes têm ocupado as análises das mudanças bruscas do
capitalismo hoje existente: o retorno ao neoconservadorismo liberal, paradoxalmente
denominado de neoliberalismo, e o pós-modernismo. Ambos se assentam sobre a tese de que
estamos diante de um novo paradigma de conhecimento. No primeiro caso, um paradigma
pós-classista, pós-industrial, sociedade do conhecimento, e, no segundo, uma sociedade sem
centros de poder e sem teorias que desvelem, além das particularidades e singularidades, a
construção e compreensão da realidade histórica. Uma sociedade, portanto, construída e
demarcada pela alteridade e pela diferença e destituída de um âmbito de universalidade
historicamente construída114. Disto deduz-se que chegou-se ao fim dos paradigmas da
modernidade e suas metanarrativas.
No horizonte teórico do qual parto, não há sentido falar do fim dos paradigmas da
modernidade capitalista se a materialidade que a constitui não chegou ao fim. Ou seja, se não
se erradicou a propriedade privada dos meios e instrumentos de produção e a estrutura de
classes. O que se pode afirmar é que todos os referenciais estão em crise, inclusive o
materialismo histórico115.
114
Perry Anderson (1995 e 1999), em duas sínteses, mostra-nos a gênese e desenvolvimento do pensamento
neoliberal e pós-moderno e seus principais protagonistas.
115
Uma discussão mais ampla e detalhada destas questões a desenvolvo no texto “Investigación en el campo
social y contexto histórico: dimensiones teóricas, económicas y ético-políticas” (Frigotto, 2009).
141
No que concerne ao neoliberalismo, o mesmo resulta da incapacidade, ao longo da
história do capitalismo, da teoria social em explicar e resolver o conflito insanável entre o
indivíduo, suposta e formalmente livre e em igualdade de condições, e a assimetria de poder
entre as classes e frações de classes sociais. A saída neoliberal foi a criação de um decálogo
de princípios doutrinários orientando a reestruturação do sistema, mediante a supressão de
direitos, a privatização do patrimônio público, o retorno às teses da soberania do mercado
livre de qualquer controle e a afirmação do individualismo. A máxima de Margareth Thatcher
de que não via a sociedade, mas indivíduos, e sobre a qual busca quebrar a espinha dorsal da
organização dos trabalhadores e de seus direitos, deu o sinal de largada das políticas do ajuste
neoliberal.
Em relação ao pós-modernismo e à crise das abordagens filiadas ao materialismo
histórico, Fredric Jameson (1994, 1996 e 1997) nos ajuda perceber a sua natureza e suas
consequências O pós-modernismo, para este autor, expressa a cultura do capitalismo tardio,
legitimando a profunda fragmentação e individualismo num contexto societário de profunda
alienação social. O centro da questão, para este autor, não é uma atitude de negação ou de
aceitação das teses do pós-modernismo. O desafio é entender que processo histórico afirma
esta compreensão da realidade.
E quais os problemas que enfrentam as abordagens da tradição marxista do método
histórico de compreensão e abordagem da realidade social? Certamente, entre os vieses mais
comuns da tradição marxista ocidental, encontramos, por um lado, o determinismo
economicista e, por outro, as abordagens estruturalistas, que elidem as mediações que
relacionam particularidades e singularidades dos processos sociais com determinações mais
universais116.
A explicitação, todavia, de perda da capacidade de desvelar a historicidade das atuais
relações sociais, no plano econômico-social, cultural e educacional, reside, para Jameson, no
fato de que grande parte dos marxistas abandonou o caminho da busca de entender a
materialidade contraditória do tempo histórico que vivemos e segue o caminho das
abordagens antinômicas.
Na antinomia você sabe onde está pisando. Ela afirma duas proposições que
efetivamente são radical e absolutamente incompatíveis, é pegar ou largar. Enquanto a
contradição é uma questão de parcialidades e aspectos; apenas uma parte dela é
incompatível com a proposição que a acompanha; na verdade ela pode ter mais a ver com
forças, ou com o estado das coisas do que com palavras e implicações lógicas. (...). Nossa
116
A síntese mais direta deste viés a encontramos em Anderson (1985 e 1992).
142
época é bem mais propícia ao terreno da antinomia do que da contradição. Mesmo no
próprio marxismo, terra natal desta última, tendências mais avançadas reclamam da questão
da contradição e se aborrecem com ela... (Jameson, 1997, p. 17-18)
Dentro da tradição marxista, vários pensadores clássicos – Gramsci, Thompson,
Kosik, Williams, Hobsbawm – nos dão, em suas análises, elementos para superar os desvios
acima e perceber a assertiva de Jemeson de que esta tradição não é a única que faz crítica às
relações sociais capitalistas, mas é a que o faz pela raiz, sem celebrações, e numa perspectiva
não de reformar o capitalismo, mas de superá-lo.
A justeza do “IV Seminário Luso-brasileiro” ter entre seus temas a busca de desvelar
as noções inclusão e empregabilidade como uma tarefa teórica e militante é, sobretudo,
acertada, por nos convidar a avançarmos na superação dos determinismos, das abordagens
estruturalistas e de leitura antinômica da realidade. Esta justeza, penso, é sublinhada pelas
abordagens de Gramsci e Williams sobre a importância da cultura e da linguagem na tarefa
da luta contra-hegemônica.
Podemos então afirmar que a dominação essencial de determinada classe na
sociedade mantém-se não somente, ainda que certamente, se for necessário, pelo poder, e não
apenas, ainda que sempre, pela propriedade. Ela se mantém também, inevitavelmente, pela
cultura do vivido: aquela saturação do hábito, da experiência, dos modos de ver, que é
continuamente renovada em todas as etapas da vida, desde a infância, sob pressões definidas
e no interior de significados definidos. (Wlllians, 2007, p. 14).
143
Esta segunda necessidade, quando satisfeita, é o que realmente modifica o panorama ideológico de
uma época. (ibid, p.27)
Não por acaso, um dos líderes da mais ampla revolução socialista do século XX e seu
teórico mais importante, Lenine, nos alerta que sem teoria revolucionária não há possibilidade
de revolução.
117
A noção de capital social engendra uma amplitude que desloca as soluções do aguçamento da violência de
classe para o plano individual, articulado a redes, para que “solidariamente” encontre as saídas na “comunidade”
ou na esfera do local. O papel desta articulação cabe à profusão de ONGs ou, mais amplamente, ao denominado
“terceiro setor”. Para uma análise crítica da noção de capital social, ver Motta (2007).
144
As noções de inclusão e de empregabilidade condensam o sentido desta novlangue
aparentemente sem origem e o que a mesma dissimula na reprodução das relações sociais do
sistema capital, em sua fase atual. A hipótese orientadora das pesquisas que tenho efetivado
nas duas últimas décadas, sobre a relação entre conhecimento, tecnologia, educação,
qualificação profissional e trabalho, é de que a profusão de noções aparentemente diversas
apenas obscurece a radicalização da violência de classe e a regressão social 118. Trata-se de
noções que cumprem um papel fundamental na nova hegemonia do capital. 119
Um olhar histórico sobre o contexto em que os processos educativos e de qualificação
profissional são inseridos, numa relação linear com o desenvolvimento econômico e social e
com a inserção no mercado de trabalho e, mais recentemente, com as políticas de “inclusão” e
“formação de competências para a empregabilidade”, nos revela as formas mediante as quais
o pensamento dominante representa o caminho do enfrentamento das crises cíclicas e cada
vez mais profundas do sistema capitalista. Neste particular, mais grave do que uma suposta
estratégia maquiavélica dos detentores do capital é, na perspectiva de Marx, um
condicionamento de classe. Isso nos indica que as saídas para a crise não são para uma efetiva
superação. Ao contrário, cada crise traz novos elementos que as tornam mais violentas e
destrutivas.
Ainda assim, de forma esquemática, pode-se situar o surgimento do ideário de
inclusão e empregabilidade no contexto da atual crise do sistema capital, cujo início,
paradoxalmente, se apresenta com a derrocada do socialismo realmente existente do leste
europeu; o esgotamento das políticas do Estado de Bem Estar; a afirmação de uma nova base
técnico-científica que associa microeletrônica e informação ao processo de produção e, no
plano superestrutural, a doutrina neoconservadora ou neoliberal.
Trata-se de noções que redefinem ou metamorfoseiam outras noções que as
precederam, as quais buscavam dar conta da crise do sistema fordista de produção e de
regulação social. Duas noções, marcadamente ideológicas, encamparam, especialmente para
os países de capitalismo periférico e dependente, o ideário do pós Segunda Guerra Mundial:
modernização e capital humano. Estas, por sua vez, eram entendidas, numa visão linear ou
estrutural-funcionalista, como “variáveis” independentes, capazes de alterar os processos de
desenvolvimento (noção igualmente ideológica), entendidos como variáveis dependentes.
118
Ver Frigotto (1983,1984, 1995, 2003) e Frigotto e Ciavatta (2006).
119
Ver, a esse respeito, Neves (2005).
145
A noção de modernização trazia a marca da natureza psicossocial assentada nos
binômios antinômicos: moderno e atrasado, formal e informal, alto consumo, baixo consumo,
escolarizado e pouco escolarizado, etc. Sair do subdesenvolvimento para em desenvolvimento
e, finalmente, desenvolvido, era uma questão de alterar os valores dos países e populações
imiscuídas no atraso. Capital humano, com um requinte analítico de matriz da economia
neoclássica, é um desdobramento da “teoria” da modernização.
Para Theodoro Schultz, criador, na década de 1950, da denominada “teoria do capital
humano”, que lhe valeu o Prêmio Nobel de Economia em 1978, o investimento em educação
e em saúde do trabalhador representa, para os países ou para os indivíduos, um retorno igual
ou superior ao investimento em outras formas de propriedade privada 120. A base
epistemológica das pesquisas que sustentaram suas formulações são as do empirismo e
funcionalismo, já que o suposto dado para Schultz e a economia política capitalista é o de que
vivemos numa sociedade de tipo natural.
A receita do capital humano, para os países de capitalismo periférico dependente, se
constituiria numa espécie de “galinha dos ovos de ouro” para tirar do atraso e do
subdesenvolvimento, promover a mobilidade social dos indivíduos e num antídoto poderoso
face ao risco do socialismo, que no pós-guerra se ampliou. Não por acaso, particularmente
para a América Latina, esse foi um tema central da Aliança Para o Progresso e dos
organismos regionais vinculados ao Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, etc.
O que vale registrar é que, muito embora a receita revelasse, três décadas depois, que
não surtiu o efeito esperado – ao contrário, concentrou-se mais riqueza, capital e ampliou-se a
pobreza – o ideário do capital humano está inserido na crença da possibilidade do pleno
emprego e, portanto, de uma perspectiva de integração social dentro de uma sociedade
contratual. Emprego este que é mais que ter um trabalho, pois os sindicatos organizados e um
avanço na legislação garantem ao trabalhador a possibilidade de programar, ainda que
explorado, seu futuro.
Mas a receita não poderia surtir efeito porque se apoiava numa compreensão
circular da realidade econômico-social, desconsiderando o processo histórico do
desenvolvimento metabólico da sociabilidade do capital, cada vez mais concentrador e
desigualitário. Isto fica explícito quando se pergunta: mas como os países pobres e as
populações pobres podem adquirir este capital humano? Ou, os países pobres e os pobres
120
Dois livros de Schultz sintetizam sua “teoria”: O valor econômico da educação (1962) e O capital humano
(1973).
146
assim o são porque têm pouca escolaridade ou têm pouca escolaridade porque são pobres? A
resposta, quando miramos a realidade, é inequívoca. Sem capital não se geral capital e,
portanto, para investir em educação, tanto os países quanto os indivíduos necessitam de
capital. O que se elide, uma vez mais, são as relações de poder assimétricas porque são
relações, na origem, de classe.
As noções de inclusão e empregabilidade expressam, como assinalamos acima, um
outro contexto da sociabilidade do capital e obscurecem o que produz a crise mais profunda e
universal do sistema capitalista: a hipertrofia do capital especulativo, o desemprego estrutural
e a precarização crescente das condições de trabalho. A apropriação privada da nova base
científica – principal força produtiva – permitiu ao capital vingar-se do trabalhador e de suas
conquistas ao longo do século XX. Trata-se de uma tecnologia flexível que redefine o espaço
e o tempo das mercadorias e serviços e hipertrofia o capital morto, possibilitando não só a
ampliação do exército de reserva, mas a não necessidade de amplos contingentes de
trabalhadores que constituem um excedente. Por certo, os jovens e adultos pouco
escolarizados são os mais descartáveis. Mas, também descartam-se jovens e adultos
escolarizados como, por exemplo, evidenciam as pesquisas de Alves (2008) na realidade
social de Portugal.
A noção de inclusão engendra um duplo sentido de regressão social. Ela não é a
mesma coisa sob a perspectiva de uma sociedade que explora, já que a exploração está
inserida na legalidade do contrato de trabalho, mas que integra e permite planejar o médio e o
longo prazo. Por esta razão, as políticas de inclusão, já na origem, nascem marcadas pela
precariedade e pela sina do provisório. São políticas não universais e que atingem grupos
específicos, vítimas das relações sociais de produção. O Estado, como guardião da
“governabilidade” e segurança do capital, e pela violência institucionalizada, elimina,
sobretudo, contingentes de trabalhadores jovens. O número de jovens mortos pelo aparato
armado do Estado, na cidade e no campo, e pela luta entre grupos e facções nos grandes
centros urbanos do Brasil e da América Latina, desenha uma guerra permanente e, agora, não
tão silenciosa.
O abandono de políticas universais de garantia de direitos sociais como emprego,
renda digna, educação, moradia, transporte, cultura e lazer resulta de relações sociais que
147
deslocam esses direitos para o plano individual. Um capitalismo tardio 121, ultra fragmentado e
que exacerba o individualismo e processos pedagógicos que o afirmam e o aprofundam.
A empregabilidade é uma noção que aparece no vocabulário da novlange como
expressão do novo capitalismo ou capitalismo flexível (Harvey, 1996) e cuja função
ideológica é apagar a memória do direito ao emprego e o conjunto de direitos a ele
vinculados. Já não é necessário dissimular. Como indicam Bourdieu e Wacquant, “patrões,
altos funcionários internacionais, intelectuais de projeção na mídia e jornalistas de primeiro
escalão” (op. cit. p. 1) proclamam as belezas do novo tempo, não mais do emprego – ligado
ao passado rígido, pouco competitivo – mas da empregabilidade.
(...) uma bela palavra soa nova e parece prometida a um belo futuro:
“empregabilidade”, que se revela como um parente muito próximo da flexibilidade, e até
como uma de suas formas. Trata-se, para o assalariado, de estar disponível para todas as
mudanças, todos os caprichos do destino, no caso dos empregadores. Ele deverá estar pronto
para trocar constantemente de trabalho (como se troca de camisa, diria a ama Beppa).
(Frorrester, 1997, p. 118)
121
A literatura nos traz um duplo sentido de capitalismo tardio. Em nações como o Brasil, que mantiveram a
escravidão por quase quatro séculos e, portanto, completam tardiamente as bases materiais e ideológicas da
forma específica de relação social capitalista. O outro sentido, aqui usado, é como o analisam, entre outros
marxistas, István Mészáros (2002) e Fredric Jameson (1996): um capitalismo que esgotou sua parca capacidade
civilizatória, que destrói um a um os direitos da classe trabalhadora e degrada as bases da vida pela destruição do
meio ambiente. Relações sociais que geram nos indivíduos uma corrosão do caráter, como diz Sennett (1999).
148
competência e pedagogia das competências. Na verdade, uma promessa que encobre o
agravamento das desigualdades no capitalismo contemporâneo, deslocando a produção desta
desigualdade da forma que assumem as relações sociais de produção para o plano do fracasso
do indivíduo: “estou desempregado, não arranjo emprego”. Assim, fica mais fácil atribuir ao
indivíduo a responsabilidade por suas desgraças e por sua derrota.
122
Ver, a esse respeito, Ramos (2001)
149
escritores, artistas) e militantes de esquerda que, em sua maioria, ainda se consideram progressistas. (Bourdieu
e Wacquant, op. cit. p.1)
A breve análise assinalada nos dois itens acima permite extrair algumas
conclusões em relação ao embate teórico sobre noções, ideias e teorias que obscurecem o
sentido real das atuais mudanças das relações sociais de produção e seus efeitos humanos e
sociais numa realidade, definida por Linhart (2007), de desmedida do capital. Do mesmo
modo, permite apontar o sentido regressivo das concepções e práticas pedagógicas, na escola
e nos programas de formação profissional, e o papel de pífio alcance das políticas públicas de
emprego e renda para jovens e adultos pouco escolarizados.
A força com que ressurgem as análises com base no pensamento liberal
conservador, por um lado, e o caminho desviante e de apelo narcisista das abordagens
centradas no pós-modernismo, por outro, assinalam um tempo de profunda indigência teórica.
Indigência que apresenta as relações sociais de classe, de uma virulência destrutiva sem
precedentes, de forma invertida. Este cenário ganha hegemonia na medida em que muitas das
análises que se fundamentam no materialismo histórico, cada vez mais reduzidas, abandonam
o trabalho histórico empírico prenhe de contradições e deslizam para análises doutrinárias ou
antinômicas.
Esta impotência teórica atinge não o pensamento conservador ou pós-moderno, mas,
como observam Bourdieu e Wacquant, amplos setores da esquerda, os impedindo de
distinguir as políticas que produzem mudanças que conservam e afirmam a velha (des)ordem
do sistema capital, daquelas que o enfraquecem e geram acúmulo de força para sua superação.
A naturalização das noções de inclusão, competência, empregabilidade, qualidade
total, empreendedorismo, equidade, capital social, etc., tem um potente papel na
sedimentação da atual estratégia de construção da hegemonia do sistema capital e de
orientação de políticas não universais, de inclusão forçada, fragmentária e descontínua.
150
Um olhar atento sobre as políticas e programas de retorno à escola e de
qualificação profissional, no Brasil, com o intuito de inserção no mercado de trabalho e
geração de renda, nos revela que os mesmos se constituem numa promessa precária que ataca
as consequências, e não suas causas, e que pouco alteram as perspectivas de futuro dos grupos
para os quais se destinam.
Isto vale, sobretudo, em relação às políticas públicas para jovens e adultos pouco
escolarizados, pois estes têm seu futuro interditado ou em suspenso por sua condição de classe
nas atuais relações sociais de produção. Não há como repor, mas apenas remediar a
escolarização negada ou interrompida, pois ela resulta de uma mutilação maior determinada
pela posição que estes contingentes ocupam como fração da classe. Posição que os impele,
imperativamente, a vender sua força de trabalho. Se a escolaridade não define, por si, o acesso
ao emprego ou a efetiva mobilidade social, quanto menos uma escolarização tardia e precária.
Por isso, e certamente, se tratam de políticas e programas que têm o sentido
de alívio da pobreza e da indigência e amplo efeito de controle social. Isto é o que vêm
indicando as análises de uma pesquisa que desenvolvo sobre as políticas públicas de
educação, emprego e renda para jovens no Brasil 123. Este controle social se amplia pela
despolitização e crescente alienação política mormente dos jovens e pela extremada
fragmentação e dissenso do campo das forças de esquerda, historicamente empenhadas na luta
contra-hegemônica.
Na década de 90, sob os auspícios da doutrina neoliberal, mediante as
reformas de Estado, reestruturação produtiva e privatização do patrimônio público, o governo
Fernando Henrique Cardoso aprofundou e definiu o Brasil como uma sociedade de
capitalismo dependente, plataforma da valorização do capital errático, conformada ao trabalho
dominantemente simples e de baixo valor agregado. Com contrapartida filantrópica e sob a
liderança de sua mulher, a antropóloga Ruth Cardoso, criou o programa Comunidade
Solidária para cuidar da pobreza extrema.
123
Trata-se da pesquisa sobre “Sociabilidade do capitalismo dependente no Brasil e as políticas de formação, emprego
e renda - Juventude com vida provisória em suspenso”, Rio de Janeiro, UERJ-CNPq, 2008-2011. O documentário
“Juventude com vida provisória e em suspenso” (Frigotto, 2009), a partir de entrevistas com jovens alvo destes
programas ou de escolaridade precária, revela de forma emblemática o alcance limitado destas políticas.
151
animal da natureza de comer três refeições por dia. O programa de forte impacto midiático e
de apelo internacional denominou-se Fome Zero.
Ao longo do primeiro governo, este e outros programas com este intuito, para dar-lhe
maior racionalidade e controle, se condensaram no Programa Bolsa Família. No âmbito dos
jovens da classe trabalhadora, criou-se uma Secretaria com status de Ministério para articular,
sob o Projovem, mais de cinco dezenas de programas, projetos e ações espalhadas pelos
diferentes ministérios e destinadas a estes jovens.
Passados quase sete anos de governo, pode-se afirmar que tais políticas e programas
atingiram seu objetivo de enfrentar a miséria absoluta, mas se converteram num ovo de
serpente, porque não houve mudança estrutural do projeto dominante da classe burguesa
brasileira. A opção que vem se solidificando é a do nacional desenvolvimentismo conservador
que, ao contrário de ruptura com a classe dominante e seu projeto societário, governa
condicionado por ela124. O efetivo avanço nas políticas assistenciais e, em parte,
redistributivas, sem mudanças estruturais, podem, contraditoriamente e uma vez mais, reiterar
políticas personalistas e patrimonialistas que alimentam um dos projetos societários mais
desiguais e violentos do mundo.
124
O que se sinaliza aqui não é que no contexto que assumiu o governo Lula se pudesse efetivar uma mudança
brusca de natureza socialista. O que se indica é que existia base social para – a exemplo de Evo Morales, da
Bolívia, Rafael Corrêa, do Equador e Hugo Chaves – realizar mudanças para confrontar as estruturas que
produzem uma “sociedade desigualitária sem remissão”.
152
Esta é uma das trincheiras importantes dos educadores militantes que
atuam, ainda que em condições adversas, com os jovens e adultos pouco escolarizados. A
escolarização pura e simples, dependendo de sua concepção e prática, não só pode não alterar
a situação dos jovens e adultos como piorá-la ao transformá-los em culpados por não se
inserirem no mercado de trabalho ou por terem uma inclusão precária.
153
2.3 - Políticas públicas de formação, emprego e renda: um balanço do, PNPE,
ESCOLA DE FÁBRICA, PROUNI, PROEJA e PROJOVEM.
Introdução125
Nas últimas décadas, o desemprego tem se constituído como um dos mais graves
problemas resultantes da nova fase de acumulação do capital. Sob a égide da doutrina
neoliberal e com o intenso processo de reestruturação produtiva iniciado em meados da
década de 70, vêm se formando contingentes cada vez maiores de desempregados e de
trabalhadores em situação de trabalho precário em todo mundo. Neste cenário a juventude tem
sido atingida de forma cada vez mais dramática e intensa. No Brasil, estudos de Pochmann
(2000, 2002), demonstram que o desemprego juvenil aumentou na década de 90 numa
proporção duas vezes maior que o desemprego total. Nesse período, 62,2% do montante
global dos que perderam emprego assalariado estavam entre a população jovem. Assim, o
desemprego, consolidado como um problema estrutural já na década de 80, se intensificou na
década de 90 e adentrou o século XXI atingindo de maneira ainda mais significativa a
população de 18 a 24 anos:
Em pleno limiar do século 21, a participação relativa do segmento etário de 15 a 24
anos no total da População Economicamente Ativa é de 25%, embora o jovem responda por
50% do desemprego nacional. Enquanto a taxa de desemprego aberto dos jovens gira em
torno dos 18%, a taxa média nacional esteve em 9,4% do total da força de trabalho, segundo
o IBGE (PNAD) no ano de 2001. (Pochmann, 2002)
125
. Texto elaborado pelo Bolsista de Apoio Técnico – CNPQ – Prof. Jonas Emanuel Pinto
Magalhães (PPFH/UERJ)
154
principalmente aqueles que vivem em áreas urbanas, em e especial nas regiões
metropolitanas.
Entretanto, a partir de um recorte de classe, podemos entender que esses grupos
compõem apenas uma parcela da população e que a sua maior vulnerabilidade está
sobredeterminada por sua condição de classe mais do que por questões de gênero e de raça,
como deixam entrever esses dados:
Enquanto para os homens de 19 a 24 anos a taxa de desemprego no quintil de
renda domiciliar per capita mais elevado era de 7,9% em 2006, essa taxa crescia para 20,5%
para o quintil de renda mais baixo. A mesma comparação entre as mulheres jovens para a
mesma faixa etária apontava resultado similar: um patamar de desocupação mais elevado
para o quintil mais baixo de renda (20% mais pobres), 34,4%, em comparação com o quintil
mais alto de renda (20% mais ricos), que era de 11,3%. (OIT, 2009)
Num cenário em que os jovens são excluídos do mercado de trabalho; pela falta de
oportunidade e pela escola; pela falta de condições de nela se manter, vem crescendo a
preocupação de organismos internacionais e dos governos com o grupo de jovens que não
estudam nem trabalham, o que os colocam em condições de elevado risco social, ou seja,
situações em que a pobreza se associa a desigualdade e passa a gerar violência, dependência
química, gravidez precoce, etc.. Os dados mais recentes apontam que existem hoje 18,8% de
jovens nessa situação, excluídos da escola e do trabalho. Mas segundo a OIT (2009), o
número de jovens em situação de vulnerabilidade social pode ser ainda maior se incluirmos
nesse grupo os jovens desempregados na informalidade. Cabe destacar o expressivo aumento
da taxa de informalidade verificado no final da década de 90, e que compõe com o
desemprego um agravante quadro de exclusão do mercado formal de trabalho.
Dos 22 milhões de jovens economicamente ativos em 2006, aproximadamente 3,9
milhões estavam desempregados e 11 milhões estavam inseridos em ocupações informais.
Isto significa que 15 milhões de jovens brasileiros economicamente ativos estava excluídos de
um emprego formal devido ao desemprego ou à informalidade. (OIT, 2009, p. 48)
157
organismos internacionais (UNESCO e OIT). O levantamento bibliográfico abrangeu
também teses e dissertações sobre os programas Escola de Fábrica, programa nacional do
primeiro emprego (PNPE), programa universidade para todos (PROUNI), Programa Nacional
de Inclusão de Jovens (PROJOVEM) e Programa Nacional de Integração da Educação
Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos
(PROEJA), além de artigos produzidos por autores reconhecidos do campo trabalho e
educação no período de 2002-2010.
A análise dos programas está centrada na pesquisa das teses e dissertações sobre o
tema e foi realizada em duas etapas: a primeira, através dos sites da Biblioteca Digital de
Teses e Dissertações Brasileiras e do banco de teses da Capes. Por julgarmos insuficiente o
número de teses e dissertações encontradas, optamos por realizar uma segunda busca a partir
dos currículos lattes de alguns autores de relevância, que pudessem ter orientado ou
participado de bancas em defesas de teses e dissertações relacionadas ao tema pesquisado.
Este levantamento foi realizado durante todo o ano de 2009 e, portanto, não estão incluídas
aqui teses e dissertações concluídas no ano de 2010.
Terminada esta primeira etapa, partimos então para a análise das teses e dissertações
encontradas, procurando examinar em blocos, todo o material relativo a algum programa
específico. Os programas com maior número de trabalhos foram: o PNPE (11), PROUNI (9),
PROEJA (8) e PROJOVEM (11). Outros programas também foram contemplados em teses e
dissertações, porém foram encontrados em número significativamente menor. Esse é caso do
programa “Escola de Fábrica” para o qual foram encontradas apenas duas dissertações de
mestrado.
Elegemos os programas PNPE, Escola de Fábrica e Projovem como aqueles que
representam de forma mais significativa a orientação da política de Juventude, mas incluímos
também os programas PROEJA e PROUNI, pois embora não tenham como público exclusivo
os jovens, os contemplam dentro dos mesmos princípios do PROJOVEM, incluindo a
subvenção através de bolsas e o foco na elevação da escolaridade e na profissionalização.
Cabe ressaltar que nem todas as teses e dissertações puderam ser analisadas posto que,
não tivemos acesso a todo o material, pois nem todos estavam disponível nos sítios
eletrônicos das Universidades e no site da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações. Contudo, julgamos que tal ocorrido não prejudicou a análise final tendo em
vista amplitude e a riqueza do material com o qual pudemos dialogar. Assim, este
levantamento se caracteriza mais como um inventário dos trabalhos acadêmicos, documentos
158
e relatórios sobre programas de políticas públicas para juventude no Governo Lula do que
como o “estado da arte” propriamente dito.
Esperamos com este estudo, fornecer subsídios, tanto no sentido de referenciais
críticos quanto de sugestões para as políticas públicas de juventude que articulam emprego,
renda, elevação de escolaridade e formação técnico-profissional, de ensino médio, enquanto
um direito dos jovens em sua formação básica, com a perspectiva de articular conhecimento
(ciência), trabalho e cultura.
126
. Texto elaborado pelo Bolsista de Apoio Técnico – CNPQ - Jonas Emanuel Pinto Magalhães
(PPFH/UERJ)
159
Dissertação concluída no ano de 2007 procurou investigar a relação entre os cursos de
formação profissional promovidos pela unidade gestora SETREM, no município de Três de
Maio/RS, e o ingresso ou a permanência dos jovens participantes do projeto Escola de Fábrica
nos respectivos setores produtivos. Sendo este o objetivo geral, têm-se como objetivos
específicos relacionados pelo autor:
160
correspondia à 18% enquanto a taxa média nacional estava em 9,4%. Também os dados
apresentados por Pochmam mostram que a maioria dos jovens que não estudavam estava
trabalhando, enquanto 13,6% não trabalhavam, não estudavam nem procuravam emprego.
Efetuando-se um corte de classe fica mais nítido o processo de exclusão a que estão sujeitos
os jovens de classes mais empobrecidas: o desemprego atinge 26,2% dos jovens de baixa
renda e 11,6% dos jovens de renda elevada. Acrescenta-se a isso fato de termos 80% dos
jovens ricos inativos estudando enquanto apenas 38,1% dos jovens pobres encontram-se na
mesma situação.
Contraditoriamente tem havido um crescimento maior da taxa de desemprego entre os
jovens com maior escolaridade. Assim: “Para os segmentos com 14 anos de estudo, a
desocupação cresceu 76,9 %, 3 vezes a mais que o ritmo de crescimento do desemprego para
os segmentos educacionais com até 3 anos de estudo.” (Aires, 2007 apud Pochmann.:
Educação e Sociedade volume 25, número 87, p. 387)
O aumento da elevação da escolaridade não vem acompanhado da necessária
ampliação de vagas no mercado de trabalho o que, no caso brasileiro, acaba por produzir nos
jovens sentimentos de vergonha, incapacidade e de transferência de responsabilidade para si
pelo próprio fracasso num fenômeno que Pochmann chama de “culpabilização da vítima”. De
problema social o desemprego passa então a problema individual cabendo a cada um buscar
qualificação e competências que permitam a esses indivíduos se tornarem ao menos
“empregáveis”. A corrida e a busca incessante por qualificação geram outro fenômeno
designado por Manfredi e outros de superqualificação e super educação que longe de garantir
a inserção do mercado no trabalho criar um contingente de trabalhadores super qualificados
que vão compor o exército de reserva de que o mercado poderá se servir inclusive por meio de
exigências de escolaridade cada vez maior. Correspondendo a 50% dos desempregados, os
jovens são os mais atingidos por essa nova lógica imposta pelo mercado que tem como
conseqüência o prolongamento do período de estudos e saída cada vez mais tardia da situação
de dependência dos pais. O autor conclui assim o 2° capítulo, insistindo que o problema do
desemprego, longe de ser de caráter individual é cada vez mais um problema coletivo.
Tratando especificamente do projeto escola de fábrica o autor procura avaliar o
impacto desse programa no município de Três de Maio/RS. O programa é uma ação do
governo federal realizado através da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica e tem
como principal objetivo “possibilitar a inclusão social de jovens de baixa renda, por meio da
formação profissional, em unidade formadora do próprio ambiente das empresas,
161
aproximando o setor produtivo dos processos educativos e promovendo a responsabilidade
social” (Aires, 2007, p. 20)
Assim, o autor procura explicitar no 3° capítulo, a metodologia e os critérios adotados
para avaliação dessa experiência.
Tomando como referência os critérios de eficiência, eficácia e efetividade elencados
por Belloni (2000) o autor procura fazer presentes em sua avaliação “características distintas e
com possibilidades de compreender todas as dimensões e implicações da atividade, fatos ou
coisa avaliada.”
Do ponto de vista metodológico, embora tenham sido utilizadas algumas estratégias da
pesquisa quantitativa situa-se a pesquisa como predominantemente qualitativa.
Como o universo não era muito amplo a pesquisa abrangeu a totalidade da população
de cem alunos e 20 professores além das empresas que atuaram como unidade formadora. Foi
realizada pesquisa documental, aplicação de questionários, entrevista por pauta e por fim, para
análise dos dados foi utilizada a técnica de análise de conteúdo.
No capítulo 4, o autor apresentará os resultados empíricos e as análises
correspondentes.
Apresenta então as características sócio-econômicas dos alunos e o perfil e a
qualificação profissional dos professores. No que tange o primeiro grupo, verifica que este se
compõe majoritariamente por estudantes de 16 a 18 anos (79%), com ensino médio
incompleto (52%), que ainda estão na escola (82,3%). Apenas 22% afirmavam estar
trabalhando e destes 75% demonstraram ter conseguido emprego através de indicação. A
renda familiar da maioria dos estudantes situa-se entre 1 e 3 salários mínimos. Entre os
desistentes, a média da renda familiar situa-se entre 1 e 2 salários sendo este um dos fatores
associados ao abandono do curso.
Em relação aos professores, constatou-se que aproximadamente 50% atuavam como
professor há no máximo 1 ano e 31% possuíam experiência por mais de 6 anos.
Somente 21% dos professores não possuíam ensino superior e 31,5% possuíam pós-
graduação. Quando questionados sobre o projeto político pedagógico apenas 12,5%
afirmaram ter lido e estudado o documento e 50% afirmaram desconhecer a existência do
PPP. Posteriormente o autor verificou que muitos professores associaram o PPP ao plano
curricular. Ainda sim, quando questionados sobre este documento 26% também afirmaram
desconhecê-lo, enquanto 31% desconheciam também o plano de trabalho. Na avaliação do
autor, apesar de haver um grande quantitativo de professores com pouca experiência, os dados
162
revelam que “o conhecimento tácito dos mesmos é visivelmente significativo, pois o
entendimento que o grupo revelou ter sobre as questões da problemática do trabalho no
Brasil, sobre o papel da escola na sociedade, dentre outros, aponta nesta direção.” (Ibdem,
p. 109)
Na aplicação dos questionários para os professores também foram feitas perguntas
sobre o papel da escola e para esta questão, 78% respondeu que é que o papel da escola é
“formar cidadãos comprometidos com uma sociedade baseada em laços de solidariedade e
capacitados para enfrentar as novas exigências do mundo do trabalho”. Apenas 21%
responderam que cabe a escola “formar cidadãos para transformar a realidade”.
Nota-se também nos discursos do prefeito da cidade e do diretor geral da unidade
gestora do projeto “Escola de Fábrica” em três de maio, a valorização da formação para
empregabilidade através da qualificação profissional e da elevação da escolaridade entendida
como elemento essencial na construção de “um país melhor”. Na fala dos alunos estes
elementos estão presentes de forma difusa e sem a perspectiva de educação como direito.
Os cursos têm sua matriz curricular divididas em três momentos; o nivelamento, com
os seguintes componentes curriculares; Comunicação e expressão, Matemática básico e
diagnóstico socioeconômico regional; formação para a vida, na qual os componentes
curriculares trabalhados eram: cidadania, relações humanas e imagem pessoal, legislação
trabalhista, ética profissional, diversidades culturais, étnicas e necessidades especiais e por
fim, formação profissional constituída pelos conteúdos específicos para cada habilitação.
O autor descreve experiências relatadas pelos professores nas quais identifica a
preocupação com a formação cidadã e o desenvolvimento do pensamento crítico. Temas do
cotidiano dos alunos eram abordados em diferentes fases do curso, assim como aqueles de
forte conteúdo social como o direito a greve, a alta taxa de juros cobrados pelos bancos, e a
justiça social.
163
Entretanto, também foram identificadas grandes dificuldades em torno de aspectos
didáticos e pedagógicos. A ausência de articulação entre os elaboradores do curso e os
professores, de reuniões pedagógicas (inclusive com relatos de professores que disseram não
ter tido acesso ao projeto político pedagógico e ao plano de curso) e de curso de formação
para professores com pouco ou nenhuma experiência foram alguns dos fatores apontados
pelos professores como de maior impacto negativo em sua prática atribuindo-se esses
equívocos, em parte, ao ineditismo programa. Também foram relatados como dificuldades
enfrentadas pelos professores, o pouco comprometimento dos alunos, a indisciplina (inclusive
com relatos de alcoolismo) e a insatisfação de alguns alunos com o atraso no pagamento da
bolsa. Corroboram com este último item as entrevistas e os questionários dos alunos que além
de confirmaram atrasos no pagamento do auxílio, revelam problemas com o pagamento de
auxílio transporte, fornecimento de alimentação no local e uniformes em quantidade
adequada.
Apesar da existência dessa forte correlação, o autor conclui que ela não foi suficiente
para garantir o “ingresso e a permanência no mercado de trabalho” de 60% dos jovens
egressos do Projeto, que continuam buscando sua colocação ou recolocação. A situação não é
muito melhor para os 38% que estão empregados já que destes poucos mais de 1/3 possuem
carteira assinada pelo respectivo empregador. Esse caráter seletivo e excludente fica ainda
mais patente quando se constata que a empresa participante do projeto Escola de Fábrica
aproveitou apenas 16% desses trabalhadores o que representa 4 de um total de 76 concluintes.
164
DUARTE, Bárbara Regina Gonçalves Vaz. Reestruturação produtiva, formação e identidade:
O Projeto Escola de Fábrica e a construção identitária de jovens trabalhadores. Pelotas.
2008
165
como condição indispensável para se tornar empregável e reafirma a idéia do consumo dos
diplomas/certificação, visando sua própria inserção no mercado de trabalho.
Nas entrevistas e nas discussões em grupo realizadas com os alunos, fica claro o quão
forte é o discurso que serve como elemento potencializador da empregabilidade. Ao ser
questionado porque havia ingressado no curso de eletricista montador, um dos alunos
respondeu:[...] quanto mais cursos a gente tiver, mais fácil será conseguir um emprego. Eu já
terminei o médio, já fiz informática, agora vou tentar este aqui. (Ibdem, p. 75)
[...] tudo que é oportunidade que aparece eu aproveito, pode até não ser aquilo que
eu goste, nesse curso mesmo eu não sabia nem o que era, mas eu sei que tudo que eu
aprender vai me ajudar a chegar nos meus objetivos que eu quero, para o meu futuro, vai me
ajudar bastante; [...] quanto mais a gente se prepara, mais fácil fica de conseguir um
emprego em alguma coisa, e com o curso eu também vi a possibilidade de conseguir alguma
coisa com a carteira assinada. (Estudante L – em entrevista). ( ibdem, p. 99)
Para a autora, os indícios que se têm, é que esses profissionais capacitados não serão
aproveitados para um nível de atuação, o qual não será preenchido por egressos do ensino
médio e profissional; o que vem reforçar a idéia de que um profissional flexível, o que
significa estar preparado para qualquer tipo de contratação, a qual também poderá ser flexível,
assim como a idéia de um exército de reserva.
Nas entrevistas realizadas com alunos também ficou demonstrado a insuficiência do
curso realizado para sua inserção profissional. A exigência de experiência anterior registrada
em carteira foi um dos principais entraves apontados pelos alunos na busca pelo primeiro
emprego. A frustração das expectativas, metas e resultados esperados pelos jovens traz a tona
um processo de autoresponsabilização transferindo um problema social para o plano
individual, com sérias conseqüências para construção de identidades. Esse processo, no qual o
discurso da empregabilidade desempenha papel central, irá realimentar no indivíduo a
permanente busca por qualificação e requalificação no sentido daquelas competências e
habilidades que ainda lhe faltam já que está implícita a idéia de que a não adequação é um
problema individual.
As entrevistas com professores e gestores permitem avaliar que a percepção que estes
atores têm sobre o processo formativo em curso está relacionado com a idéia de
assistencialismo prestado pelo Estado aos mais “necessitados”, excluídos do sistema
educacional e que pedagogicamente se aproxima de um caráter de aperfeiçoamento ou
reciclagem.
[...] eu acredito no Projeto como iniciativa, mas não acredito que ele realmente vai
dar emprego para esses jovens em tão pouco tempo. Acho que a grande maioria está aqui
pelos benefícios que estão recebendo, [...] não acredito que estejam preparados para o
mercado de trabalho em tão pouco tempo e muito menos que serão inseridos nesse mercado
competitivo de hoje. (Professor P) (Duarte, 2008, p. 98)
(...) o projeto visa formar o caráter dos jovens, tentar entusiasmá-los a estudar,
ensiná-los o algo mais, a serem homens, a se comportarem... nossa pretensão nunca foi
formar profissionais espetaculares, grandes eletricistas, mas dar o básico para que esses
jovens continuem estudando e pelo menos tenham uma chance de tentar entrar no mercado
de trabalho. (Gestor C) (Ibdem , p. 85)
167
Para a autora, o programa Escola de Fábrica retoma as origens da educação
profissional do início do século passado e consagra a histórica dicotomia entre Educação
Básica e a Educação Profissional fortalecendo a idéia expressa por Frigotto (1987) de que a
criação de instituições escolares e/ou programas diferenciados para acolher diferentes
interesses não se dá por acaso, mas sim pelo imperativo do capitalismo, expresso na exigência
de uma educação que pretende delimitar, através da escola, o que é ensinado aos que se
destinam a pensar e o que é ensinado aos que se destinam a fazer.
Para a autora, o setor formal e produtivo da economia tem sido o ponto de referência
dos cursos de formação profissional nas suas formas mais tradicionais permanecendo como
questão não resolvida no sistema educacional brasileiro a articulação entre educação e
trabalho. Segundo Duarte, o decreto nº 5.154/2004 não conseguiu concretizar e orientar ações
e programas que promovessem a articulação entre ensino básico e profissional ficando essa
integração apenas no plano dos discursos. Aponta o programa Escola de Fábrica como
exemplo desta contradição:
Essa desarticulação se evidencia nas contradições do discurso dos responsáveis pela
elaboração e implementação do programa, ao defenderem os princípios nos quais o Projeto
se pautou, tais como a integração de componentes curriculares e a interdisciplinaridade;
como isto não se observa nas práticas de sala de aula, resta claro que o discurso não
consegue atingir seus objetivos. Por tudo isso, é possível afirmar que, embora as políticas
educacionais voltadas à formação para o trabalho, particularmente para os jovens
trabalhadores, tenham sofrido duras críticas nos últimos anos, as políticas mais recentemente
implantadas, tais como o Projeto Escola de Fábrica, só vieram reiterar a permanência da
dicotomia histórica entre a educação geral e a específica, não conseguindo ultrapassar os
impasses historicamente colocados por essa delicada relação entre a educação básica e a
formação técnico-profissional. (Ibdem, p. 115)
O currículo do projeto Escola de Fábrica embora tenha como princípio a discussão das
necessidades e dos conteúdos pelas unidades gestoras e formadoras ficou reduzido, no caso
analisado, ao cumprimento das diretrizes curriculares ditadas pelo MEC e a demanda das
empresas parceiras. Os professores, apesar da crença em uma relativa autonomia, ficaram
limitados por uma política curricular definida pelo governo em consonância com as
exigências de setores produtivos e particularmente das unidades formadoras.
Apesar dos documentos oficiais que instituíram o Projeto Escola de Fábrica
mencionarem que o Projeto Pedagógico dos cursos deve ser elaborado em conjunto com as
unidades Gestoras e as unidades Formadoras, isso não acontece. Os cursos ministrados pelo
CEFET-RS foram estabelecidos a partir de exigência por parte da CGTEE, que demandava
um contingente local de mão-de-obra barata e capacitada para determinados cargos que,
supostamente, seriam contratados temporariamente para as obras de construção da Fase C
168
da Usina Presidente Médici em Candiota, cabendo ao CEFET-RS somente a aceitação de tais
exigências (ibdem, p. 103)
A autora conclui o trabalho ressaltando que apensar de havida uma tentativa por parte
do governo federal de articular, nos programas de formação para o trabalho, a formação
básica de modo articulado na prática tal integração não aconteceu. As diretrizes curriculares
para o ensino médio e o ensino profissional ao tomarem o setor produtivo como referência
reafirma a noção de competência como norteadora do currículo e muitos professores acabam
por incorporar essa referência na sua prática, é o que se observa na fala de um dos professores
entrevistados.
b) Conclusões
169
impregnada de valores como a reconstrução e desenvolvimento nacional, enquanto,
contraditoriamente, as políticas públicas são vistas como forma de assistencialismo,
dissociados da noção de direito, e com o foco específico na população menos favorecida –
política pobres para pobres.
Esta visão é incorporada pelos jovens que vêem o programa Escola de Fábrica, como
uma dádiva, oportunidade, ou benefício concedido a poucos privilegiados. Nessa condição,
depositam na formação recebida grandes expectativas em relação à sua inserção no mercado
de trabalho. Entretanto, as pesquisas indicaram que poucos foram aqueles que após a
conclusão do curso conseguiram uma inserção satisfatória seja na forma de emprego formal
ou informal. Cabe ressaltar aqui que, embora o programa tenha claro que um dos seus
objetivos é o aproveitamento de pelo menos 50% por cento dos jovens formados pela empresa
formadora, e que essa seria uma via de acesso para esses jovens ao primeiro emprego, não se
verificou nada próximo desse índice, o que significa uma desvirtuação de uma das premissas
fundamentais do programa escola de Fábrica. Na busca pelo emprego, as condições adversas
frustram as expectativas dos jovens e produz um fenômeno de culpabilização da vítima que
realimenta no indivíduo a procura por novas e diferentes formas de qualificação. Entretanto,
dadas as condições em que se encontram a maioria desses jovens suas escolhas acabam sendo
restringidas por questões de ordem sócio-econômica. Assim, a procurar por cursos de
formação aligeirados seguindo o critério de adquirir o maior número possível de certificados
no menor tempo possível de que dispõe acabam produzindo um fenômeno da
desespecialização. No caso dos jovens de classe média, a aquisição cumulativa de certificados
e diplomas produz um fenômeno diferente, mas não menos perverso: a superqualificação.
Tanto num caso como no outro não há garantias de emprego, mas apenas de empregabilidade,
pois pela lógica da responsabilização individual este é um problema que cabe aos indivíduos
resolver, por diferentes estratégias e de acordo com suas oportunidades.
127
. Texto elaborado pelo Bolsista de Apoio Técnico Jonas Emanuel Pinto Magalhães (PPFH/UERJ)
170
relacionada a finalidade extra fiscal da norma tributária como instrumento de implementação
de políticas públicas, afastava-se do escopo da problemática da pesquisa.
Restaram então, 5 dissertações e 1 tese. Dessas, localizamos 5 (4 teses e 1 dissertação),
em formato digital e assim excluímos da análise mais uma dissertação que havia sido pré-
selecionada.
Do material analisado, procuramos captar críticas ou apreciações sobre o Prouni que
estivessem fundamentadas, ainda que de forma implícita, já que a maioria das teses analisadas
não teve como objetivo específico medir ou discutir o impacto desta política pública na
formação e geração de renda para o jovem. Assim, procuramos examinar o material, tendo o
cuidado de destacar aqueles aspectos que embora não tenham sido objeto de uma análise
aprofundada apareçam de forma recorrente em mais de uma dissertação ou tese, ou que
apresente questões de relevância para nosso estudo. Destacamos a tese de Alcivam Paulo De
Oliveira, “A Relação Entre O Público E O Privado Na Educação Superior No Brasil E O
Programa Universidade Para Todos (Prouni)” que de todos os materiais analisados
apresentou-se como o estudo mais abrangente e pormenorizado, seja em termos de análise
crítica, de levantamento de dados e de contextualização com o quadro político e econômico.
Ainda sim, observamos algumas inconsistências teóricas que serão discutidas mais a frente.
De um modo geral, as teses e dissertações centram-se em 2 principais temas:
1) A democratização do acesso a universidade pública via políticas de inclusão. Nesse caso
tendo como objeto de análise, as políticas de cotas e o PROUNI.
2) A análise do papel e da orientação do Governo Lula na elaboração de políticas públicas
para a Ensino Superior e a relação público- privado no contexto educacional.”.
172
O pesquisador construiu as categorias a partir de pesquisa bibliográfica que indicasse o
estado da arte. Em seguida, deu-se a exploração empírica do objeto, através da exploração da
produção acadêmica, análise de discursos, de textos oficiais, de textos jornalísticos e de dados
quantitativos acerca da realidade social e econômica. Segundo o autor, a técnica utilizada foi a
de análise de conteúdo, embora não de forma exclusiva.
173
Os autores das dissertações aqui analisadas concordam com a idéia de que o
desenvolvimento econômico do país depende de um maior nível de qualificação da população
e, que, portanto, a democratização do acesso a universidade é essencial não apenas para o
desenvolvimento do país, mas também para reduzir a desigualdade social já que ela também é
fruto de diferentes oportunidades educacionais.
Disse um bolsista: “Fomos chamados de ‘filhos do Lula’”. Esses fatos, tais como
passeatas dos colegas reivindicando suas bolsas de volta, comentários maliciosos sobre
aqueles que haviam obtido as bolsas sem vestibular, levou-os a uma situação tal que muitos
deles, por bom tempo omitiram aos seus colegas e professores, sua condição de bolsistas.
(Lambertucci, Glória. 2007. p. 54)
Em relação aos negros, além do preconceito vem à tona a própria representação de si,
como sujeito estranho aquele ambiente, representação esta reforçada por estereótipos, dentro
da família e da própria sociedade.
A narrativa de Iansã, confirmando o que o seu pai com mais experiência de vida lhe
dizia sobre o negro não gostar de estudar, é uma manifestação de como se reproduzem na
realidade social, de geração para geração, as representações sociais que servem para
“explicar” o que nos parece estranho, ordenando a vida social. É assim que a ausência
secular do negro nas escolas e nas instituições de ensino superior brasileira arranja uma
forma de ser explicada. A explicação remete ao próprio negro a responsabilidade por não
melhorar a sua condição educacional. Os vários séculos de trabalho escravo reforçam a
noção de que o negro é naturalmente apto para trabalhos braçais e não para reflexões
intelectuais. (LIMA, Francisco. 2007. P.114)
Duas questões emergem como bastante significativas nas análises aqui apresentadas.
A primeira está relacionada à condição dos jovens enquanto trabalhadores e a dificuldade para
compatibilizarem o emprego com o estudo. A manutenção desses alunos no ensino superior se
apresenta como principal entrave para efetivação destes projetos pessoais e de um maior
alcance dessas políticas. A grande maioria dos beneficiados com bolsas integrais do PROUNI
são trabalhadores que optaram por realizarem o curso a noite para tentar torná-los compatíveis
com o emprego. Esses alunos não podem optar por abandonarem seus empregos, já que isso
lhe custaria o sustento de suas famílias e mesmo aqueles que não dependem exclusivamente
dele para prover suas necessidades básicas, não podem arcar com os custos de transporte,
livros, Xerox e outros que adquiriram no momento que optaram pelo curso superior. Assim,
cria-se um dilema: o aluno precisa terminar o curso para buscar uma melhor inserção no
mercado de trabalho, mas ao mesmo tempo, sua atual inserção no mercado do trabalho não
permite que o curso seja realizado de uma forma mais proveitosa. As bolsas concedidas aos
alunos do PROUNI, além do valor irrisório (R$ 300,00) só contemplam os cursos de horário
integral, o que acaba condenando a aluno a buscar alternativas para a se manter na
universidade. Essa questão é reiterada pelos 3 autores:
175
As dificuldades para a aquisição do material didático, representado pelo dispendioso
xérox, o único meio disponível à maioria de acesso aos livros que deveriam adquirir, somado
ao custo do sustento de suas necessidades mais essenciais, tais como o lanche e o transporte,
significam um desafio, que para alguns, se transformam no final de seu sonho de fazer o
ensino superior.Todos os aspectos acima citados me parecem relevantes para colocar em
questão a política que lhes dá a vaga na universidade sem levar em conta as condições
mínimas para que possam nela permanecer. Além dos livros, me parecem igualmente
importantes, o acesso a outras formas de saber e que são suplementares na construção do
saber acadêmico tais como: revistas, teatro, cinema, galerias de arte, museus, shows, que
estão ainda mais distantes de suas possibilidades, sem mencionar os limites que têm para
investir em sua formação, como participar de congressos, conferências, ou qualquer outra
forma atividade acadêmica. (Lambertucci, Glória. 2007. p 61).
Dessa forma, conclui-se que o ProUni e o Sistema de Cotas são medidas parciais e não
a solução do problema das desigualdades regionais. Eles democratizam o acesso ao ensino
superior, porém necessitam ser combinados à outras políticas institucionais e estatais que
fomentem programas de socialização e de apoio financeiro ao aluno, propiciando a oferta de
bolsa-auxílio e moradia, dentre outros programas voltados para a melhoria da qualidade de
vida nas regiões. (Silva, Fabiana. 2007, p.163)
Por fim, cabe destacar que nos 3 trabalhos analisados até aqui há pouco espaço
reservado a discussão sobre a política educacional. As críticas ao PROUNI são apontadas
como falhas do programa que precisam ser corrigidas para que seus objetivos sejam
alcançados. Contudo, a política para ampliação do acesso a universidade pelos jovens não é
176
posta em questão e os autores parecem concordar que tanto o PROUNI quanto o sistema de
cotas são políticas que, bem conduzidas, democratizam o acesso a universidade. Estão
ausentes na análise dos 3 autores, debates sobre a qualidade do ensino oferecido nas
universidades privadas, a ampliação de vagas nas universidades públicas e a influência dos
organismos internacionais na orientação das políticas educacionais.
Estas questões serão alvo de estudo de dois trabalhados que analisaremos e que se
relacionam ao segundo tema que utilizamos para agrupar os trabalhos: “A análise do papel e
da orientação do Estado, mais especificamente do governo Lula, na elaboração de políticas
públicas para a universidade e a relação público- privado no contexto das reforma
universitária e da política econômica adotada pelo governo Lula.” Passamos agora a discutir
dois trabalhos de natureza distinta, uma tese em que o método de análise foi
predominantemente o de análise de conteúdo e uma dissertação que valeu-se da análise de
discurso para examinar textos institucionais sobre a reforma universitária e o PROUNI.
Diferentemente do que fizemos com os três primeiros trabalhos, faremos uma análise
individualizada e não de conjunto, para em seguida discutir possíveis divergências ou
similaridades. Essa escolha se deve ao fato de termos em mãos dois trabalhos que, embora
agrupados no mesmo tema, são analisados de forma bastante diferente não só em termos de
metodologia mas também em sua abrangência e profundidade.
Alcivam Oliveira aborda a relação entre o público e o privado, no contexto do ensino
superior, mas especificamente no que se refere ao programa Prouni, constatando a “existência
de ambigüidades das referidas políticas públicas no que se refere ao privilégio dado ao
Público e ao Privado”. Nas palavras do autor:
177
No capítulo 4 o autor dá destaque para as propostas para educação superior contidas
no programa de governo de Lula, enfatizando sua maior aproximação com caráter público da
educação e indicando um ruptura com a política do governo de Fernando Henrique Cardoso.
A partir daí procurará verificar se na prática, houve, de fato, mudança de orientação.
Dialogando com Carvalho o autor discute a pertinência de seus argumentos em relação
à vinculação das políticas de ensino superior do Governo Lula com as orientações do Banco
Mundial. Para referida autora o Programa Universidade Para Todos surge num contexto de
esgotamento da expansão das matrículas das instituições privadas, no qual a sustentação
financeira dos estabelecimentos surge como resposta do governo à pressão das associações
representativas dos interesses do segmento particular.
Embora concorde com o argumento de que o PROUNI responda a essa pressão, o
autor vê com reservas a influência das políticas de incentivo ao setor privado recomendadas
pelo BIRD.
Em sua análise, Carvalho (2006) afirma a existência de um pacto anterior a qualquer
medida, no sentido de favorecimento do setor privado, algo como “se não podemos favorecer
ajudando a ampliação de vagas, vamos fazê-lo de outra forma”. É preciso ter dados
empíricos para fazer uma afirmação destas, dados que sejam anteriores ou simultâneos às
decisões e corroborem essa intenção. Ora, o que vemos é outra coisa. Efetivamente, o que
temos é uma postura de controle e de redefinição do caráter da educação como “bem público
e função social” apresentada no Projeto de Reforma Universitária e intensamente criticada
por todos os segmentos do setor privado. (Oliveira, Alcivam. 2007. p.178)
178
Assim, é possível identificarmos as motivações do PROUNI como sendo, prioritária e
fundamentalmente, de interesse pelo público, traduzida pelo objetivo ulterior de democratizar
o acesso à educação superior para as camadas empobrecidas da sociedade, sem prejuízos
para o orçamento vinculado, constitucionalmente, à educação. (Oliveira, Alcivam. 2007. p.
204)
Nesse ponto, parece haver uma contradição com o que foi dito anteriormente, quando
o autor concordou parcialmente com a crítica a Carvalho, de que o PROUNI seria uma
resposta à pressão do setor privado. Faltou talvez discutir se o fato dessa proposta estar
contida no programa de Governo, em sua forma embrionária, a levou a ser executada apenas
ou “prioritariamente” por iniciativa unilateral do Governo.
Além da autonomia em relação ao capital, destacada pelo autor, outro ponto relevante
da elaboração do PROUNI diz respeito a participação de setores da sociedade civil nas
discussões em torno da proposta.
Por sua vez, o Estado como espaço de discussão e confronto de interesses pode ser
encontrado nos relatos sobe as negociações entre o MEC e a ABMES128, o MEC e a
ABRUC129, e MEC e deputados e senadores, ou ainda pelas posições diversas em relação ao
projeto, a exemplo da manifestação do ANDES-SN.
Nessa perspectiva, o processo tem a marca da negociação em detrimento da
imposição. Ainda que haja pertinência na crítica sobre o peso de cada interlocutor, ou que a
edição de uma MP tenha possibilitado acusações de postura antidemocrática do Executivo,
as diversas formas que o programa foi tomando, as idas e vindas de determinados
dispositivos, a alteração nas taxas percentuais e a inclusão de novos aspectos a cada passo
que vai se dando, é uma prova inconteste de que o PROUNI não nasceu pronto e que não é
fruto apenas de uma fonte, mas que foi incorporando elementos diversos, fruto de
negociações. (Oliveira, Alcivam. 2007. p. 235)
128
Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior
129
Associação Brasileira das Universidades Comunitárias
179
creditada a um só agente, sendo assim a sua tendência é ser ambígua e contraditória no que
diz respeito à relação entre o público e o privado:
Ambígua porque se revela como tendendo a privilegiar o interesse público e o
interesse privado ao mesmo tempo, assumindo tanto o critério da justiça distributiva, quanto
a cessão de privilégios ao setor empresarial da educação; contraditória porque traz em sua
constituição elementos que se negam mutuamente, mas que não conseguem existir
separadamente, no caso, a dimensão econômica revelada justamente no eixo tributário da
proposta, e a dimensão social, revelada no sentido ulterior do Programa, compreendida
como a democratização do acesso ao ensino superior. (Oliveira, Alcivam. 2007. p. 236)
180
O desempenho dos alunos com bolsas integrais ser, em todas as áreas, melhor que o
desempenho dos alunos com bolsas parciais. À primeira vista, podemos interpretar este dado
como sendo reflexo da dedicação uma vez que aqueles com bolsas parciais teriam que
trabalhar, já que o FIES não cobre todas as demandas. Contudo, é preciso considerarmos,
também, que este é o grupo de menor renda, numa diferença que, no extremo, é de dois
salários mínimos per capita (bolsa integral = renda de 1,5 salários mínimo e bolsa parcial =
renda até 3,5 salários mínimos). Ou seja, os dados falam de um desempenho, inversamente,
proporcional à renda. (Oliveira, Alcivam. 2007. p.247)
181
Na verdade, essa distribuição não segue, ao que parece, critérios estratégicos, isto é,
poderia ser uma distribuição que servisse de estímulo para alguns cursos cujos profissionais
são necessários ao cenário nacional. É o caso das licenciaturas nas áreas de ciências
naturais, física, biologia e química, principalmente. É praticamente de domínio público que
existe carência de profissionais nessas áreas. (Oliveira, Alcivam. 2007. p. 257)
No que se refere à renúncia fiscal, o autor dialoga com autores que vêem nela uma
política de incentivo à expansão das IFES privadas e redução dos investimentos na educação
pública. Discordamos dos argumentos dos autores, apresenta dados que segundo ele,
demonstram que a expansão das IFES privadas na década de 90 se deu num momento em que
houve redução da isenção fiscal e que portanto, a expansão encontra razões na própria lógica
do capital, ou seja, aumento de demanda.
Tomando como referência o ano de 2005, o autor calcula o percentual de receita
renunciada que poderia ir para as IFES em 0,02% do equivalente ao orçamento das IFES em
2006 e argumenta:
Mesmo que nossos cálculos tragam erros e que essa estimativa seja muitas vezes
maior, é preciso considerarmos a forma de distribuição dessas vagas que seriam criadas nas
IFES. Qual a possibilidade delas atenderem aos alunos oriundos da rede estatal de educação
básica na mesma proporção que o PROUNI atendeu? Qual a possibilidade de incluir o
mesmo percentual de cotas étnicas? Ou seja, a autora – e no mesmo sentido vão os autores
dos outros textos citados – deixa transparecer que reverter a renúncia fiscal para vagas nas
IFES seria como apenas mudar o fluxo de capital. E não é bem assim. A questão é mais
complexa e em nenhum cenário poderia ser compreendida como tendo caráter tão-somente
aritmético. (Oliveira, Alcivam. 2007. p.261)
O autor também diverge daqueles que apontam o PROUNI como uma política
assistencialista, enxergando-o como ação de promoção da cidadania, embora concorde com a
crítica de que faltam ações que garantam não só o acesso, mas também a permanência dos
alunos na universidade. Nesse sentido, a bolsa permanência apesar de significar um avanço
não consegue efetivamente resolver o problema. Contudo, para o autor a ausência de políticas
de apoio ao estudante universitário não é problema exclusivo do PROUNI e pode ser
verificado também em IFES de todo Brasil, e pergunta “será que isso autoriza a alguém
afirmar que a oferta de estudos superiores nas IFES é uma política assistencialista?”.
Ora, a falta de uma política que garanta a permanência dos estudantes no ensino
superior, não pode implicar nessa qualificação do PROUNI, ou então teremos que qualificar
todas as ações de oferta estatal de ensino como tal, pelo menos para aqueles estudantes que
não são alcançados pelo apoio da assistência estudantil, incluindo os das IFES. (Oliveira,
Alcivam. 2007. p. 264)
182
A defesa apresentada pelo autor parece pouco consistente, pois apesar de
concordarmos que faltam políticas de assistência ao estudante também nas IFES estatais, essa
ausência se torna mais grave no caso de alunos que são em sua maioria, trabalhadores ou
pertencem as camadas mais pobres da sociedade, como no caso no PROUNI. Obviamente,
que nas IFES públicas também encontramos alunos que se enquadram nessa mesma situação.
Entretanto, é sabido que o perfil econômico dos alunos das Universidades Públicas, embora
esteja heterogeneamente distribuído em cursos de maior e de menor prestígio, é constituído
em sua maioria por alunos das camadas médias da sociedade. Além disso, o perfil dos alunos
é bastante diferente quando comparamos universos dos cursos como os de engenharia, direito
e medicina com os cursos de licenciatura, por exemplo. Os alunos do PROUNI constituem um
grupo menos heterogêneo, pois já há um recorte socioeconômico que indica tratar-se de
alunos oriundo de famílias com menor renda per capita e que, portanto, precisam receber
assistência necessária para sua permanência na Universidade. A comparação com os alunos
das IFES estatais só faria sentido se tomássemos apenas aquela parcela de alunos que
representam as camadas menos privilegiadas da sociedade e que certamente não ocupam a
maior parte das cadeiras dos cursos de maior prestígio social.
A crítica aos mecanismos de controle e fiscalização do PROUNI apontadas por
CATANI, HEI e Gilioli (2006) são reiteradas pelo autor que cita como exemplo a falta de
publicização dos dados do programa, que dificultou inclusive seu trabalho de pesquisa. Para o
autor o uso da isenção fiscal aumenta o controle do governo sobre as IES privadas. Por outro
lado como o programa é executado a partir da adesão, há nele uma perspectiva de diálogo e
não de imposição. O Estado aparece como regulador, garantindo o interesse público ao
favorecer o acesso à educação a partir da sua necessidade social. Entretanto:
A fragilidade na fiscalização do programa, cujos instrumentos foram construídos no
âmbito do legislativo, denota privilégios a interesses privados mercantis. Finalmente, a falta
de transparência na gestão do Programa indica, claramente, estratégias governamentais
para o controle de informações e, nessa perspectiva, se percebe com clareza que o Estado
age sob o interesse do Governo. Eis um exemplo evidente em que a ação estatal não traduz,
apenas, o interesse público. (Oliveira, Alcivam. 2007. p.269)
Assim para o autor “ao se reconhecer a diferença entre as partes na sua relação com
todo, as relações não podem ser regidas por simetria, mas por assimetria: tratar-se-á diferentes
aquelas partes que são diferentes, em função do benefício do todo” (Oliveira, 2007, p.277).
O trabalho é concluído com a constatação de que a política educacional do ensino
superior “segue a lógica do possível sem render-se, diretamente, à lógica do capital”, já que
no contexto atual é cada vez mais difícil uma “ação estatal capas isolar a educação superior de
qualquer conotação mercantil”. Assim, interesses públicos e privados aparecem de forma
ambígua nas políticas públicas:
185
Comentaremos agora o último trabalho desta série, intitulado “A Reforma da
Universidade no Brasil: Um Discurso (Re) velador. O autor, valendo-se da técnica de análise
do discurso, analisa trechos de alguns textos e documentos relativos à reforma universitária e
ao PROUNI. Apesar de se tratar de um estudo menos aprofundado, comparado àquele
analisado anteriormente (pelo menos no que diz respeito a abrangência) poderemos encontrar
nele críticas mais contundentes e muitos pontos de discordâncias.
O primeiro ponto de discordância diz respeito à continuidade da orientação neoliberal
na política de governo de FHC e Lula. Citando Góis, o autor demonstra que no governo Lula,
a rede privada de ensino superior continuou crescendo mais do que a rede pública. Em relação
a essa assertiva, a tese anterior (T5), apontava também para o crescimento das IES privadas,
mas num ritmo menor em comparação ao governo de FHC (fato atribuído a questões de
demanda), demonstrando ainda, um aumento da rede pública de ensino superior.
Para o autor, o “relançamento do conceito de público não-estatal” presente no discurso
do atual governo segue o receituário neoliberal imposto por organismos internacionais que
“sugerem” novas maneiras de gerenciar às políticas públicas.
O autor identifica no discurso do governo uma variação no sentido do público e um
caráter impositivo de sua política educacional, tomando como exemplo o enunciado:
“As universidades deverão ser instituições públicas, sejam elas de propriedade pública ou
privada”
186
particular e pago, constataremos que essa nova re-significação elimina a oposição ente esses
conceitos favorecendo a um deles – o privado. Contraditoriamente, quando se diz que todas
as universidade [deverão ser instituições públicas] significa tornar o público privado ou o
privado público?(Bastos, Alexandre. 2007. p.86)
“tanto as instituições privadas quanto as públicas devem estar estruturadas de modo a servir
aos interesses públicos, sem torná-las prisioneiras dos interesses corporativos dos alunos,
dos professores e dos funcionários.”
187
Assim o caminho para impedir a mercantilização do ensino superior passa
inexoravelmente pelo fortalecimento da universidade pública, já que não é transferindo
artificialmente às instituições privadas o sentido público que se conseguirá efetivamente
atender os interesses sociais.
Podemos concluir, que os dois trabalhos que agrupamos sob o tema “A análise do
papel e da orientação do Governo Lula na elaboração de políticas públicas para a Ensino
Superior e a relação público- privado no contexto educacional.” caminham em direção
diametralmente opostas. Para OLIVEIRA, na disputa entre interesses privados e públicos, o
PROUNI se revelou uma política ambígua e contraditória, na qual a relação público-privado é
qualitativamente equilibrada, enquanto que quantitativamente favorece os interesses privados.
Entretanto, em sua análise, os interesses sociais são identificados apenas em razão daquilo que
o programa tem de potencial, ou seja, democratizar o acesso ao ensino superior, através de
uma política que favoreça os grupos menos privilegiados. Não há nenhuma demonstração
empírica que aponte ganhos do ponto de vista social e econômico para os grupos em questão
(e em parte isso se deve a ausência de dados, já que trata-se de um política de início recente).
Na verdade, os dados existentes indicam um índice de evasão, no mínimo, preocupante, e que
reforçam o argumento em favor de políticas que garantam não só o acesso, mas também a
permanência dos alunos.
O autor se esforça para demonstrar que a política do Ensino Superior do governo Lula
sofreu pouca influência das orientações dos organismos internacionais. Porém, não há como
negar que o incentivo a políticas focais centradas no princípio da equidade é uma das quatro
orientações do documento “El desarrollo em la pratica – La ensiñaza superior. Las lecciones
derivadas de La experiência” do Banco Mundial (1995) que segundo o próprio autor, orienta
a política de educação superior nos países emergentes e que incluem ainda, o fomento à
proliferação e consolidação das instituições privadas; a diversificação das fontes de
financiamento das instituições públicas e a redefinição da função do estado. Apesar disso,
para o autor, o critério de justiça distributiva que caracteriza o programa caminha na direção
da valorização dos interesses sociais. Assim, contraditoriamente, a democratização do acesso
ao ensino superior não seria impulsionada por políticas universalistas com forte participação
do Estado, mas pela ampliação do acesso a universidade para uma parcela da sociedade
através da transformação do espaço privado em público.
Na verdade, a debilidade teórica do discurso que pretende ressignificar o conceito de
público reside na tentativa de compatibilizar interesses inconciliáveis. Assim, quando
188
BASTOS, através da análise do discurso desvela aspectos ideológicos, presentes na retórica
do governo e de seus interlocutores, traz a tona essa questão na qual a “ambigüidade e
contradição” presente na disputa entre interesses privados e públicos expressa a contradição
fundamental do modo de produção capitalista, que tem na propriedade privada seu mecanismo
de reprodução, sendo, portanto um contra-senso pensar que ela possa servir aos interesses
públicos. Obviamente não estamos tratando aqui, de instituições de caráter filantrópico ou
confessional, que ainda que em tese não sejam regidas pelo princípio, também possuem
interesses que nem sempre coincidem com o interesse público. Ainda sim, se pudéssemos
classificar essas instituições como privadas de função pública estaríamos identificando
interesse público com um interesse classista, sem que essa identificação estivesse de fato
garantida. No entanto em se tratando de empresas que têm a educação como produto a ser
oferecido de acordo com as flutuações do mercado, tentar impor por meio de uma política
educacional uma mudança no sentido de imbuí-las de um caráter público é no mínimo,
ingenuidade.
Desse modo,o PROUNI acaba por exacerbar uma dualidade já existente entre aqueles
que “meritocraticamente” têm acesso ao ensino superior público e de qualidade e aqueles que
são obrigados a buscar sua formação em universidades e faculdades nem sempre
comprometidas com a questão da qualidade. O aluno do PROUNI, por sua vez se vê numa
situação bastante delicada, pois diante de uma insatisfação com o curso não tem muitas
alternativas, pois não pode exercer pressão sobre a instituição, já que não possui o mesmo
poder de barganha daqueles que pagam mensalidades e não pode responsabilizar ou
pressionar o poder público, pois embora este atue como regulador, não pode interferir de
forma direta e imediata na organização dos cursos. Soma-se a isso o preconceito sofrido pelos
alunos e o fato, já demonstrado pela tese de Oliveira, de que o programa é apresentado como
política assistencialista, contribuindo para que o aluno tenha uma percepção diferente de si,
não como sujeito de direitos, mas como beneficiário de uma política de governo e não de
estado.
Assim, o programa parece atender mais aos interesses privados, se constituindo mais
como um programa de contenção de demanda, na medida em que diante do aumento de
demanda por vagas no ensino superior, e da incapacidade do Estado de suprir essa demanda
pela ampliação de vagas no ensino público, o governo opta por criar uma nova via de acesso
que acolhe aqueles que, por diferentes razões, não podem optar pelo ensino público nem pelo
ensino privado. Entretanto, o hibridismo público privado, ao contrário do que tentar
189
transparecer o governo, não fortalece o sistema público de ensino superior e em termos de
resultados imediatos garante mais ganhos os IES privadas do que a seus beneficiários.
130
. Texto elaborado pela mestranda Laura Nazaré de Carvalho, Mestranda PPGE/UFF e pelo Prof.r.
Jonas Emanuel Pinto Magalhães, Bolsista de Apoio Técnico – PPFH/UERJ
190
resultados indicaram que as ações de qualificação profissional das entidades executoras do
PNPE/CSJ se conduzem pela perspectiva da empregabilidade e da Teoria do Capital Humano,
com o objetivo de adequar os jovens à precarização do trabalho e à sociedade do não
emprego, fomentando neles a busca de novas alternativas de inserção, o espírito
empreendedor e sua auto-responsabilização pela não inserção no mercado de trabalho formal.
Concluiu-se que os cursos não se estruturam na perspectiva da omnilateralidade defendida por
Marx e Gramsci, agindo mais no sentido de disciplinamento do trabalhador à ordem
econômica do que para a formação de intelectuais orgânicos das classes trabalhadoras. A
efetividade social e política das ações realizadas pelas entidades participantes não propiciam o
empoderamento dos sujeitos individuais e coletivos no sentido da sua participação na esfera
pública e se restringem a benefícios secundários, tais como, maior sociabilidade,
responsabilidade e autoconfiança dos jovens, cumprindo o PNPE/ CSJ a função reservada às
políticas focalizadas de alívio à pobreza, que é a de conter a convulsão social e garantir a
governabilidade.
192
crise intensificaram-se no Brasil na década de 1990, com as políticas públicas empreendidas a
partir das diretrizes da reforma do aparelho de estado, e do conseqüente esvaziamento da ação
estatal em relação à questão social, transferindo-a para a sociedade civil, na perspectiva das
ONGs, que passaram a atuar em diversos setores, entre os quais a educação. O estudo
ancorou-se pelo referencial teórico de Marx e Mészáros para compreender as ações educativas
das ONGs no PNPE/CSJ. Os resultados encontrados apontaram para a existência de uma
política focalizada e compensatória, com ações emergenciais para aliviar a pobreza, pautada
no discurso da inserção dos jovens no mercado de trabalho. Identificou-se uma
intencionalidade positiva da ONG em relação a uma formação crítica, porém pouca
consistência no tocante à concepção de educação defendida em seu discurso. No que tange à
questão pedagógica, a ONG incorpora as influências da política educacional atual, que se
ancora na lógica das competências voltadas fundamentalmente para o mercado de trabalho e,
ao invés de privilegiar a qualidade na formação dos jovens, incorporando também a discussão
ambiental, preocupa-se com a questão da quantidade dos inseridos, tendo em vista o
cumprimento de metas do Programa. Finalmente, observou-se ainda que o PNPE/CSJ não
garante, de maneira efetiva, a inserção do seu público-alvo, que se sente culpado pelo seu
insucesso. Mas, ainda assim, os jovens continuam esperançosos com relação ao emprego, ao
seu futuro profissional e à oportunidade de mudar de vida pelo trabalho:
193
O desemprego se transformou nas últimas décadas em um grave problema das
sociedades contemporâneas, tanto nos países centrais quanto nos periféricos. Contudo, o
desemprego não atinge todos os grupos sociais de forma homogênea, alguns são mais
afetados, tais como os jovens, as mulheres e os indivíduos com mais de 40 anos. Assim,
escolheu-se um desses elementos para análise: os jovens. Esse estudo pretende compreender a
relação jovens e desemprego, bem como analisar as políticas públicas estatais e não estatais
que tentam combater o desemprego dos jovens. Realizou a discussão teórica acerca do
desemprego e da relação entre os jovens e o desemprego no Brasil e nos países centrais.
Analisou ainda as especificidades do desemprego juvenil no caso brasileiro, os motivos
porque ele é superior ao registrado entre os adultos e a relação desse problema com a crise
social brasileira e a desestruturação de nosso mercado de trabalho. No capítulo 2 analisou uma
política pública não estatal, o CIEE (Centro de Integração Empresa Escola), criado há 42
anos, que tem como objetivo diminuir os obstáculos ao ingresso ocupacional dos jovens por
meio do cadastramento, treinamento e encaminhamento ao mercado de trabalho através de
estágios em empresas conveniadas. Neste capítulo foi produzido também um estudo sobre o
estágio - como meio de inserção ocupacional juvenil - e sua legislação. O capítulo 3 se
destaca pela discussão de políticas de emprego para jovens existentes no Brasil atual.
Contudo, o enfoque do capítulo se encontra em uma política de emprego realizada pelo
governo federal desde 2003, o PNPE (Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego
dos Jovens), que visa desde sua origem diminuir a inatividade e o desemprego dos jovens.
Discutiu-se também se o PNPE é eficiente no combate ao desemprego juvenil e está
propiciando uma melhor inserção dos jovens ao mundo do trabalho. A conclusão mais
acertada para esse estudo se exprime nas palavras de Gorz (2004): “É preciso que as
mentalidades mudem para que a economia e a sociedade possam mudar. Mas, inversamente, a
mudança das mentalidades, a mudança cultural precisam ser relacionadas (e traduzidas) a
práticas e a um projeto político para adquirir um alcance geral e encontrar uma expressão
coletiva capaz de inscrever-se no espaço público. Enquanto não encontrar sua expressão
pública e coletiva, a mudança das mentalidades pode continuar sendo ignorada pelos
detentores do poder, dada por marginal, um desvio de pouco significado” (Misérias do
Presente, Riqueza do Possível”, página 71).
194
SOARES, 2006 - Sérgio Amarildo Evangelista Soares. Necessidades juvenis, trabalho e
políticas públicas: um estudo do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego.
MACAMBIRA JR, 2007 - Leôncio José Bastos Macambira. O mercado de trabalho do jovem
e o Programa Nacional De Estímulo ao Primeiro Emprego.
Para o autor é inegável que a criação de políticas públicas podem amenizar não só o
drama do desemprego, mas proporcionar ações de cidadania, orientação para o trabalho, entre
outras. Na opinião dos jovens, empresas e entidades executoras do PNPE, muitas lacunas não
foram preenchidas ou acertadas, mas foi comum a análise de que o programa foi importante
para a juventude, em particular, para os jovens mais pobres e com maiores dificuldades de
inserção no mercado de trabalho.
b) - Conclusões.
195
Em 2003, o governo federal criou o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro
Emprego de Jovens (PNPE), tendo como principal objetivo promover a inserção produtiva de
jovens de 16 a 24 anos que apresentassem baixa escolaridade e pertencessem a famílias de
baixa renda.
A formação profissional ocorre através de oficinas profissionalizantes, onde são
abordadas as atividades pertinentes ao exercício do trabalho, com o aprendizado das rotinas
próprias de cada função, além dos conteúdos relativos aos direitos do trabalho e a
sensibilização para a potencialidade do empreendedorismo, mesmo entre os jovens
(ANDRADE, 2005).
A tentativa de despertar neste jovens o empreendorismo esconde a função de
dogmatização intrínseca a ela e assim transmite a responsabilidade do fracasso profissional ao
indivíduo que não soube ser empreendedor. É uma política pública elaborada com base em
número e não na demanda efetiva dos jovens.
Nesse sentido os autores trabalhados foram muito esclarecedores sobre o alcance do
PNPE: BARBOSA, 2007, REIS, 2007 e SILVA, 2007 chegam basicamente a mesma
conclusão: de que como o PNPE não foca no jovem em si e sim na formação precária,
objetivando a governabilidade. A meta é quantitativa e o jovem não participa da elaboração
do projeto, apenas é um beneficiário. MESQUITA, 2006 e SOARES, 2006, sociólogos, focam
na questão do desemprego, que afeta a dinâmica da sociedade e analisam a política publica
como parte da mudança, que, se articulada a outras, pode obter resultados positivos.
MACAMBIRA JR, 2007 possui uma visão otimista, apenas salientando que existem lacunas a
serem acertadas.
Em síntese podemos salientar que Barbosa ressaltou que seu trabalho pretende
constituir em mais um instrumento de análise das políticas públicas implementadas na área de
trabalho e educação durante o Governo Lula da Silva. Nos grupos focais realizados com os
jovens o autor percebeu que as ações de qualificação profissional, também podem suscitar o
início de um novo ciclo de vida para alguns deles, ao possibilitar o encontro com outros
jovens, um novo olhar sobre a sua realidade, novos conhecimentos e discussões políticas. As
ações das entidades executoras podem causar outros impactos aos jovens, como contribuir
para a minimização de suas vulnerabilidades sociais, a redução da exposição à violência,
através da conscientização desta sua condição e ao estímulo à continuidade da escolarização.
Mas transmitido pelas entidades executoras não como um dever do Estado e um direito dos
196
jovens, mas como uma oportunidade dada a eles pelo governo, o PNPE é concebido como
benesse pelos jovens que “devem agradecer pela oportunidade dada”. O autor afirma que
sendo um curso de curta duração, aligeirado e fragmentado não proporciona uma qualificação
profissional e social de forma decente, e assim poderia o Governo Lula da Silva, com o
PNPE, estar apenas investindo no capital social, a fim de garantir sua governabilidade.
O estudo de Reis aponta para a necessidade de estabelecer políticas que ultrapassem
o imediatismo e a focalização, que levem em conta a realidade do jovem brasileiro, que apesar
de protagonizar os índices de desemprego da PEA é coadjuvante ao se pensar na elaboração
de uma política que atenda às suas especificidades. Ressalta ainda, que a instituição da
sociedade civil – ONG - é, potencialmente, dotada de espaço propício para a discussão da
transformação da sociedade, situando-se enquanto lócus para a construção política e coletiva
dos interesses e não para a mera reprodução do status quo.
Silva afirma que apesar das perplexidades e desafios defende maiores investimentos
do Estado nas políticas públicas voltadas para os jovens, possibilitando-lhes condições dignas
de sobrevivência e uma cidadania baseada em princípios emancipatórios. Estas políticas
devem ser consideradas não como um ônus ao Estado, mas como direito público socialmente
adquirido, devendo ser articuladas a outras políticas de geração de trabalho e renda e
educacionais, pautadas em propostas mais amplas de formação, que estimulem a elevação da
escolaridade, expurgando o seu caráter focalizante e de alívio à pobreza.
Segundo Mesquita as avaliações são fundamentais para o bom funcionamento e
racionalização dos recursos das políticas públicas, bem como são relevantes no sentido de
mostrar a sociedade como vêm sendo realizadas determinadas políticas, até mesmo se elas
vêm sendo eficientes no cumprimento de seus objetivos. Assim, avaliar uma política pública é
analisar como esta afeta as condições de vida da população, e a partir disso, possibilitar que os
políticos e os formuladores possam decidir por continuar realizando, ou mesmo interromper
uma política pública, ou, ainda, executar modificações e correções na política. Para ele, a
avaliação deveria ser periódica e programas, como o PNPE, apenas podem ser bem sucedidos
à medida que focalizados nos jovens que sofrem mais dificuldades para conseguir um
emprego. Conforme a OIT (1995), o fato de haver excesso de mão-de-obra no mercado de
trabalho, torna necessária a focalização dos programas de emprego, sobretudo nos jovens
mais desfavorecidos, evitando que sejam atendidos apenas os jovens que menos precisam.
Nessa linha Soares afirma ser necessário encontrar alternativas para aprimorar o que vem
sendo desenvolvido. Na realização da pesquisa vislumbrou possibilidades, desafios e limites.
197
Mancabira Júnior afirma que o PNPE trata-se de uma política social focalizada, mas
infelizmente, as incursões e iniciativas não conseguiram alcançar com êxito muito daquilo que
foi divulgado nos discursos e nos papéis. A previsão equivocada começou logo no início,
quando do anúncio da quantidade de vagas que seriam geradas para os jovens. Outro grande
debate foi o fato de uma vaga de emprego criada para os jovens poder eliminar outra de
adultos. Quanto a isso, nenhum mecanismo legal protegia o trabalhador quanto à decisão da
empresa de substituir seus empregados. Segundo o autor esse risco é mais iminente na medida
em que os postos de trabalho não requerem mão-de-obra mais especializada.
Para o autor, sem dúvida, é preciso avançar ainda muito mais. Apesar das
dificuldades e lacunas relatadas sobre o programa, o PNPE pode proporcionar ganhos sociais,
na medida em que proporciona maior inclusão social, incentiva e amplia as atividades
voltadas para o lazer e cidadania. Dessa forma, estaria contribuindo para tirar das ruas e da
ociosidade milhares de jovens, muitos dos quais convivendo em ambientes propensos à
criminalidade. Essa, sem dúvida, é a grande razão e esperança que os jovens entrevistados em
sua pesquisa puderam revelar, ou seja, o programa deu uma oportunidade de emprego, de
cidadania, dignidade e cursos de capacitação. E é com esse espírito positivo e de coragem
que, de acordo com Mancabira Jr., as políticas públicas devem ser pensadas e repensadas a
cada instante, de forma a rever os erros, ampliar os acertos e propiciar melhores
oportunidades aos mais necessitados.
Em termos de políticas de geração de trabalho e renda no governo Lula, o PNPE pode
ser considerado como programa-piloto que em sua gênese teve como principal meta fomentar
a contratação de jovens sem experiência através da subvenção à empresas que aderissem ao
programa. Além disso, previa ações de qualificação profissional e social.
Implementado em 2003, com meta inicial para contratação de 150 mil jovens para o
primeiro ano, atingiu apenas 10% dos resultados previstos e mesmo com as reformulações
que eliminaram algumas restrições para os empregadores, a adesão das empresas se manteve
pouco expressiva. Algumas das hipóteses levantadas para baixa execução dessa linha são: o
desinteresse das empresas, a falta de mecanismos operacionais bem consolidados (OIT, 2009)
e as restrições quanto ao tipo de contrato e demissões previstas pelo programa (IPEA, 2009).
A subvenção à empresas para este tipo de contratação, envolvem riscos que incluem a
substituição de trabalhadores regulares e a o uso do incentivo para contratação de jovens que
já seriam contratados mesmo sem o subsídio. Entretanto, o que se verificou foi o desinteresse
das empresas, o que além das razões elencadas, talvez possa ser explicada pelos “custos”
198
envolvidos no treinamento dos trabalhadores sem experiência. Com efeito, análises
macroeconômicas constatam que em períodos de retração ou de recuperação econômica as
empresas tendem a contratar pessoas com mais experiência, em geral adultos com mais de 30
anos, com intuito de reduzir custos, o que inclui o treinamento de pessoal. No caso do PNPE,
essa questão se torna ainda mais relevante, se considerarmos que boa parte de público-alvo
incluem pessoas com pouca ou nenhuma qualificação. O capital, dispõe de um exército de
reserva tão bem treinado e capacitado que incentivos como os oferecidos pelo PNPE se
tornam pouco atrativos e podem ser dispensados. Nesse sentido, acreditamos que caberia ao
governo não o incentivo e a subvenção às custas do fundo público e da flexibilização das leis
trabalhistas para tornar atrativa a contratação de jovens, mas tornar compulsória a contratação
de um percentual de jovens por empresas de grande porte e responsabilizá-la pelo seu
treinamento e mesmo para qualificação para alguns postos. Com isso, estaríamos garantindo
aos jovens uma experiência de trabalho e obrigando as empresas a investirem parte do seu
capital na elevação da qualificação de seus trabalhadores.
A decisão tomada pelo governo, diante do fracasso dessa linha de ação, foi reduzir a
linha de subsídios e direcionar o foco das ações do PNPE para a qualificação profissional e
“social” através dos Consórcios da Juventude formados, principalmente, de repassando para
Organizações Não governamentais (ONGs), Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público (OSCIPES) ou outras instituições formalmente sem fins lucrativos, que
comprovassem experiência na gestão de projetos educacionais ou sociais. A justificativa era
de que estas estariam mais aptas a atingir uma parcela da juventude (quilombolas, índios,
jovens em conflitos com a lei, portadores de necessidades especiais) que, por sua condição,
teria dificuldades de acesso aos programas e serviços públicos de recolocação no mercado e
de geração de trabalho e renda.
Tal dificuldade seria resultado, dentre outros fatores, do baixo capital social, o que,
para nós, justificou a inclusão da ação comunitária e do trabalho voluntário, como uma das
linhas de ação dos Consórcios da Juventude estrategicamente relacionada com a tentativa de
ampliação do capital social. Em consonância com as prescrições do Banco Mundial, Unesco e
Cepal a estratégia para enfretamento da questão social, passaria de acordo com Barbosa e
Deluiz (2009) apud Motta (2008, p.37) pela capacidade de a sociedade civil se associar para
cumprir compromissos e produzir “estoques pessoais de ativos”, que vão refletir “na melhoria
das condições de trabalho, no aumento da produtividade e, conseqüentemente, na capacidade
199
das pessoas de produzirem bem-estar para si próprio e para suas famílias”. Nesse sentido o
que se pretende com a ampliação do capital social:
200
para a preparação do trabalho quando postas à prova são insuficientes para garantir uma maior
inserção dos jovens no mercado de trabalho. Com efeito, as ações de qualificação profissional
voltam-se, principalmente, para o desenvolvimento de comportamentos e atitudes (como se
vestir e se comportar numa entrevista, ser responsável, ser tolerante, etc..) orientando-se para
a perspectiva da empregabilidade. Diante da débil qualificação oferecida e da incapacidade
demonstrada pelos consórcios para incluir os jovens no mercado formal ou mesmo em formas
alternativas de trabalho, o que pudemos verificar pela análise das teses e dissertações, foi mais
uma vez, um sentimento cada vez maior de autoresponsabilização dos jovens pelo seu
fracasso. A culpabilização da vítima parece ser o único efeito duradouro verificado nos
jovens, face oculta da promessa de empregabilidade cumpre o papel de minimizar a pressão
social pela obtenção de emprego.
Tendo como marco legal o decreto 5478/2005 o PROEJA teve seu atendimento
ampliado um ano depois através do decreto 5840/2006. O PROEJA pretende integrar ensino
profissional e ensino básico oferecendo a jovens e adultos com mais de 18 anos que não
conseguiram completar o ensino médio, a possibilidade de concluírem seus estudos e
conseguirem uma habilitação profissional. A formação profissional integrada ao ensino médio
na modalidade EJA pode ocorrer como formação inicial e continuada ou como habilitação
técnica. No primeiro caso, os cursos terão carga horária máxima de 1.600 horas, das quais, no
mínimo, 1.200 serão destinadas à formação geral e 200 à formação profissional. No segundo
caso, os cursos devem ter carga horária máxima de 2.400 horas, das quais, 1.200 para
formação geral. A carga horária mínima da formação específica deve atender a estabelecida
para a respectiva habilitação.
131
. Texto elabora do Bruno Miranda Neves – Pedagogo –UERJ e mestrando no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal Rural –RJ e Jonas Emanuel Magalhães Pinto
bolsita de Apoio Técnico - CNPq
201
Na pesquisa realizada, encontramos 6 (seis) dissertações de mestrado que abordam
diretamente o PROEJA. Passaremos agora a uma rápida caracterização dos trabalhos e as
principais conclusões encontradas.
A pesquisa visou analisar a relação entre o que está prescrito nos documentos oficiais
que orientam o Proeja, o que está sendo desenvolvido na instituição, no caso o currículo
concebido no Cefet-PA e se esta integração está sendo percebida pelos professores e
estudantes do Proeja, que são os sujeitos diretamente envolvidos na resultante. É um estudo
de caso realizado dentro de uma abordagem metodológica qualitativa e envolveu uma
pesquisa bibliográfica dos autores que fundamentaram a concepção curricular integrada, além
de um estudo documental da legislação educacional vigente referente à Educação Profissional
e Educação Básica, bem como do Projeto Pedagógico do Curso de Mecânica do Cefet-PA
para o Proeja, seguido de entrevistas semi-estruturadas concedidas por gestores participantes
do processo de implementação do Proeja no Cefet-PA. Captaram-se as percepções de
professores e estudantes por intermédio de entrevistas semi-estruturadas e grupo focal
respectivamente, para complementar a compreensão acerca do objeto pesquisado.
A pesquisa revelou que o Projeto Pedagógico seguiu as orientações nacionais
prescritas para o currículo do Proeja, e sua elaboração no Cefet-PA não perdeu de vista essas
bases. Porém, em essência, desde a prescrição, o conceito de integração curricular entre a
educação profissional e a educação básica não estava devidamente esclarecido. Essa
integração vem sendo compreendida de várias maneiras, podendo ser a causa da diversidade
de interpretações e, conseqüentemente, de práticas, assim como foi captado na percepção
tanto dos professores quanto dos estudantes.
Entende-se que a integração possível indica a inter-relação entre as disciplinas de
formação geral e técnica, bem como a integração entre os participantes do processo,
seus conceitos, referenciais e práticas. Na prescrição, a palavra-chave que denota caminhos
para a integração é “articulação”. Mesmo no Decreto n. 5.154/2004, pode-se conferir que o
202
termo integração se encontra citado apenas uma vez, enquanto a articulação em suas
variáveis, seis vezes. Isso levou à constatação de que a maneira como se expressa a integração
nesses documentos deixa dúvidas a respeito do seu significado. Constatou-se também que,
apesar do esforço e dos avanços em relação à
integração entre educação básica e profissional para a modalidade de educação de
Jovens e adultos, há professores que reconhecem seu ainda despreparo e alunos inseguros
frente a essa maneira de fazer educação. Percebeu-se a necessidade da formação continuada
de professores, comunicação e informação para corrigir essa
dificuldade. Conclui-se que o posicionamento conceitual a respeito da integração curricular e
o amplo debate em torno do seu significado e práticas podem ser o caminho para a sua
concretização.
203
Durante o percurso da investigação, identificou-se que, do universo de professores
consultados sobre o que se entende por educação de jovens e adultos; a maioria revela um
discurso afinado com a idéia indicada pelo Documento Base em relação à EJA/PROEJA,
embora a realidade se defina com práticas totalmente contrárias a essa concepção.
Constatamos também que os docentes do ensino propedêutico visualizam os objetivos do
programa de forma mais aberta às inovações, enquanto a maioria dos docentes da área
profissionalizante não tem essa mesma visão. A prática docente mostra se bancária e pouco
reflexiva e os jovens e adultos atendidos pelo PROEJA são, majoritariamente, os egressos do
ensino médio, o que deixa uma inquietação de como trazer o verdadeiro público-alvo
(egressos do ensino fundamental)
As expectativas dos estudantes estão ancoradas na melhoria de vida após adquirir uma
formação profissional. Mediante esse quadro, pode se afirmar que para consolidar o PROEJA
como uma política pública educacional do Estado brasileiro, não bastam apenas uma
infraestrutura adequada e recursos humanos qualificados; é preciso, acima de tudo,
profissionais comprometidos com a educação e com a sociedade de um modo geral.
KLINSKI, Cláudia Dos Santos. Ingresso e Permanência de Alunos com Ensino Médio
Completo no Proeja do If Sul-Rio-Grandense / Campus Charqueadas. 2009. Porto Alegre.
Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul Faculdade De Educação Programa De Pós-
Graduação Em Educação Mestrado Em Educação.
205
práticas dos professores no desenvolvimento do trabalho pedagógico dos mesmos junto aos
alunos da EJA no ensino médio profissional, e também visando contribuir com uma avaliação
e reflexão sobre a Educação de Jovens e Adultos e a profissionalização. Portanto, esta
dissertação, busca revelar à identificação da ação dos professores, configurando assim, o
critério metodológico utilizado na pesquisa.
Foi percebido pelo posicionamento dos professores frente às respostas dadas ao
questionário que não são todos que estão buscando conviver e aprender com essa nova
modalidade de ensino (EJA), mas tem um número representativo entre os entrevistados que
estão avançando como educadores e atuando junto ao aluno que está na mesma instituição,
matriculado em um dos cursos técnicos – de onde espera se profissionalizar – tal curso assim
como o aluno apresentam especificidades diversificadas e isto, no mínimo, representa um
novo desafio pedagógico e profissional para estes professores.
A pesquisa também revelou que o ensino de EJA no CAVN consta de uma equipe de
professores que conforme demonstrou a análise dos dados coletados, apesar de possuírem
uma formação acadêmica que necessita de ser atualizada, principalmente pela escola que
serviu de campo de pesquisa para essa modalidade de ensino, mesmo assim, buscam, dentro
de suas limitações, conhecerem de perto as principais dificuldades dos seus educandos,
procurando ensiná-los, através de uma construção educativa que se completa por meio dos
conhecimentos que o aluno traz previamente consigo, claro, de acordo com o que revelaram
os dados.
Na visão do autor, a análise dos dados coletados evidenciou ainda que ensinar adultos
exige dos professores o domínio de novos saberes docentes ou saberes profissionais, apoiados
por saberes práticos adquiridos pela experiência acumulada através da prática pessoal e
coletiva, tratando-se de simples aprendizagens cotidianas, que não são de uso exclusivo de
professores, e sim, um conjunto de saberes práticos acompanhados de um esquema estratégico
que pode ajudar o professor na capacidade da organização pedagógica. Para o autor, tais
conhecimentos são em grande parte adquiridos no período de formação inicial dos docentes.
COSTA, Rita de Cássia Dias. O PROEJA para além da retórica:Um estudo de caso
sobre a trajetória da implantação do programa no Campus Charqueadas. 2009. Porto
Alegre. Universidade Federal do Rio Grande Do Sul. Faculdade de Educação. Programa de
Pós-Graduação em Educação.
206
Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos
(PROEJA), uma política pública federal que propõe a articulação da Educação Profissional
com a Educação de Jovens e Adultos. Através do estudo de caso sobre a trajetória de
implantação do programa, no Campus Charqueadas, do Instituto Federal Sul-Rio-Grandense,
a pesquisa propõe-se a analisar o contexto da prática. Para tanto se baseia nos trabalhos de
Ball, Bowe e Mainardes, utilizando conceitos da abordagem de ciclo de políticas e questões
propostas para analisar o referido contexto da política pública. Para a análise, foram utilizadas
três dimensões: as trajetórias profissionais (vínculos com Educação Profissional e Educação
de Jovens e Adultos); o encontro com a política; o (re) desenho da política. Ao dar vez às
vozes dos atores responsáveis pela implementação, a pesquisa busca mostrar o significativo
papel do sujeito nas políticas públicas e o quanto estas estão sujeitas a sofrer mudanças em
seu desenho original quando efetivadas.
A autora relata que ao longo do estudo, buscou mostrar como os atores da implantação
da política a vão redesenhando a partir de suas vivências anteriores, mas foi surpreendida com
a constatação de que a prática durante o processo de implantação também provoca mudanças
no programa e que em certas situações essas mudanças fazem com que a política se aproxime
do desenho previsto pelos formuladores mesmo que estes não produzam estratégias eficazes
de condução do desenho original.
Com base nas experiências com o PROEJA, a instituição pesquisada passou a
questionar a forma como o ensino técnico noturno é oferecido ao adulto trabalhador. Tal
questionamento não apenas mudou as práticas dentro das salas de aula como levou a
constituição de uma nova trajetória para a oferta de ensino noturno no Campus.
Os relatos trazidos pela autora a fizeram perceber a aceitação por parte dos
implementadores que mesmo o programa apresentando dificuldades na sua implantação e
acarretando a realização de mudanças, que impliquem abrir mão de alguns pressupostos, ele
se faz necessário como forma de oferecer aos jovens e adultos a possibilidade de ter uma
educação de qualidade, um preparo real para o mundo do trabalho e principalmente de ter
escolhas para o futuro.
207
O estudo tem como objeto a análise do conceito de conhecimento presente nas
políticas educacionais de formação escolar da classe trabalhadora, especificamente aquele
pretendido pelas políticas de integração curricular, que se intenciona veicular no Ensino
Médio Integrado e no Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a
Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). Os objetivos
propostos no desenvolvimento da pesquisa são: 1) analisar o conceito de conhecimento
presente nas políticas educacionais voltadas para o Ensino Médio Integrado e PROEJA, tal
como expressas na legislação inerente a tais políticas; 2) analisar a articulação entre as
políticas educacionais voltadas para o Ensino Médio Integrado e PROEJA e o processo de
reestruturação do trabalho; 3) analisar a coerência entre as políticas propostas pelo governo
federal para o Ensino Médio Integrado e PROEJA, e sua implementação como política
pública no estado do Paraná. A investigação foi desenvolvida por meio de análise documental
de fontes primárias e secundárias e coleta de dados. Como fontes primárias, foi utilizado a
legislação que regulamenta a oferta do Ensino Médio Integrado e PROEJA em nível nacional;
documentos emanados pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED:
―Educação Profissional no Paraná: Fundamentos Políticos e Pedagógicos‖ e ―Educação
Profissional Integrada à Educação de Jovens e Adultos – Versão Preliminar‖. Os dados
coletados foram obtidos a partir do desenvolvimento do Projeto de Pesquisa ―Demandas e
Potencialidades do PROEJA no Estado do Paraná‖, financiado pela CAPES, do qual o autor
era bolsista. Quanto às fontes secundárias, utilizou-se a bibliografia relacionada ao tema,
particularmente aquelas referentes ao período da reforma do Ensino Médio e da Educação
Profissional (1997-2004), à reestruturação do trabalho e à concepção de conhecimento numa
perspectiva materialista histórica.
Trata-se de um estudo teórico, no qual a autora chega as seguintes conclusões:
No interior da sociedade capitalista, há diferenças nas formas, nos fins e nos conteúdos
educacionais veiculados, de acordo com os diferentes modos de acumulação vigentes. As
contradições inerentes à sociedade capitalista, geradas pelo embate entre
capital e trabalho, estão presentes na educação, portanto, embora a educação de massas seja
uma criação do capitalismo, ela oferece elementos que contribuem para que a classe
trabalhadora compreenda a realidade.
Educar para o trabalho, para o capitalismo, é educar para trabalhar com competência
na operação dos instrumentos de trabalho. Do ponto de vista do trabalhador, a aquisição de
208
conhecimentos que levem a uma atuação laboral eficiente é uma necessidade, visto que ele
necessita do trabalho assalariado para sobreviver. Para a autora, no entanto, ao considerarmos
a necessidade de revolucionar a estrutura social
Vigente, esta educação não basta. Para ela, sob a perspectiva da revolução social, faz-se
necessária, portanto, uma educação mais atrelada aos interesses dessa classe e a integração
curricular, na educação profissional, tem sido apontada como a possibilidade de acesso a
conhecimentos não tão diretamente ditados pelo capital.
Em relação à dualidade presente no sistema educacional brasileiro, na rede
pública de educação, a autora poderá que há elementos que, não têm sido suficientemente
elucidados. Isso assim lhes parece porque, quando se menciona o modelo de homem que se
pretende formar, é comum afirmar-se que há uma educação para aqueles que irão comandar
(supostamente as elites) e outra para aqueles que irão trabalhar (supostamente os
trabalhadores). No seu entendimento, o modelo educacional para o ensino médio, por um
longo período, esteve amparado no ensino de cultura geral, de formação das elites, porém, a
autora procura demonstrar que, a classe trabalhadora, ao cursar esse nível de ensino podia,
quando muito, cursar a universidade e ter melhores salários. Não conseguia tornar-se ―elite,
nem mudar de classe.
Na concepção da autora, o fato de os trabalhadores frequentarem cursos com caráter
mais ou menos profissionalizante não os fará pertencer à classe dirigente. Em alguns casos, a
formação para o trabalho pode ser postergada para o ensino superior para aqueles
trabalhadores que possuem condições financeiras um pouco melhores, mas a sua condição de
existência será a de trabalhar. De acordo com ela, as elites, frequentam escolas geridas sob os
seus princípios, financiadas com altas mensalidades, e estas escolas, sim, formam os
―dirigentes da nação. Conclui então que a condição de classe não é dada pelo currículo da
escola, pois a escola pública de nível médio, em geral, é para a classe trabalhadora. Diante
dessa constatação, compreende que o trabalho como princípio educativo, a omnilateralidade,
são princípios que necessitam ser perseguidos para toda a educação básica ofertada aos
trabalhadores, e não apenas àqueles que conseguem chegar ao ensino médio.
Ao analisar a implantação do ensino médio integrado no Estado do Paraná, afirma que
“Os princípios adotados pela Secretaria de Estado da Educação apontam na direção de uma
formação que supere a fragmentação teoria/prática, trabalho manual/trabalho intelectual,
porém pretendem-se desenvolver competências, as quais, como indicamos, se pautam no
desenvolvimento de habilidades meramente tácitas.”
209
Para a autora essas contradições no documento refletem as contradições
capital/trabalho, no entanto, como ―utopia a ser construída, avaliando que a implantação do
currículo integrado no Estado do Paraná oferece elementos que podem contribuir para uma
formação que possibilite maiores elementos de análise à classe trabalhadora e que muitos
desafios merecem ser enfrentados para que se possa ao menos promover a
interdisciplinaridade, um dos caminhos possíveis para a integração curricular.
b) Conclusões.
210
como uma das possíveis razões para a confusão conceitual em torno do que seria o ensino
médio integrado.
Apesar dos equívocos de interpretação e das contradições presentes nos discursos e
nas práticas, os trabalhos analisados também demonstraram que, pelo simples fato de terem
que se confrontar com uma nova forma de conceber o currículo, os professores se viram em
uma situação desafiadora e colocaram em condição de rever e repensar suas práticas a partir
de um novo paradigma. Nesse processo, alguns se mostraram resistentes e outros bastante
entusiasmados demonstrando inclusive já possuírem alguns elementos da crítica que
precisavam ser organicamente pensados. O desafio maior que deixa entrever os trabalhos
analisados é o de uma formação de professores que consiga de um lado, “quebrar” as
resistências de parte do professorado e por outro lado, dar maior clareza conceitual e
instrumental para aqueles que buscam na perspectiva da integração dar respostas as suas
inquietações e organicidade e coerência a sua prática docente. Portanto, é de suma
importância que não percamos a oportunidade que representa o PROEJA em termos de
disseminação da visão de uma educação integrada, mas também é pertinente como ressaltou
Gotardo (2009) que o trabalho como princípio educativo e os pressupostos da integração
sejam buscados em toda a educação básica.
211
do Decreto 2.208/1997 (que havia separado radicalmente o ensino técnico da formação geral e
básica), ampliou o debate e acirrou o campo de disputa pela concepção de ensino médio.
Nesse embate, o que se tem verificando é a intenção de que seja mantida a orientação
político-pedagógica prescrita pelo já revogado Decreto 2.208/97. Assim, no Parecer nº
39/2004 fica nítido que não há nenhuma concepção de educação integrada no âmbito do
Conselho Nacional de Educação, e que a despeito da instituição do Decreto 5.154/2004, não
houve qualquer reformulação no sentido de adequar as Diretrizes Curriculares do Ensino
Médio à nova realidade representada pelo decreto.
No caso específico do PROEJA, a leitura do Documento Base enfatiza a perspectiva
de superação da dualidade educacional e da formação integral da pessoa humana:
[...] o que realmente se pretende é a formação humana, no seu sentido lato, com
acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos
historicamente pela humanidade, integrada a uma formação profissional que permita
compreender o mundo, compreender-se no mundo e nele atuar na busca de melhoria das
próprias condições de vida e da construção de uma sociedade socialmente justa (BRASIL,
2007, p.10).
Como resposta às críticas, o governo optou por realizar alguns ajustes no programa
ainda em 2006, abolindo as saídas intermediárias, estabelecendo cargas horárias mínimas, em
substituição às cargas horárias máximas anteriormente estabelecidas, e ampliando a
possibilidade de articulação entre formação geral e profissional em outras instituições para
além do âmbito federal;
A novidade agora, é que a rede de instituições federais de educação profissional
passaram a oferecer matrículas em EJA, conferindo o status de direito, e, ‘emprestando’ seu
prestígio e potencial a política do governo a estas modalidades que há anos são marcadas pela
212
dispersão e pela oferta em instituições empresariais e do chamado Terceiro Setor, expressando
a preocupação de uma política pública perene inserida “em um projeto nacional de
desenvolvimento soberano, frente aos desafios de inclusão social e da globalização
econômica” (BRASIL, 2007, p.14).
Ainda assim, encontramos de forma recorrente, nos artigos, teses e dissertações a que
tivemos acesso, muitas críticas a forma como a proposta curricular do PROEJA tem sido
apropriada pelos CEFETS e por outras instituições, tradicionalmente caracterizadas pela
excelência no ensino de nível médio apontando para uma resistência à proposta. Por outro
lado, percebemos, assim como Assis e Castro que entre os professores há basicamente três
posicionamentos:
Entendemos que o para este último grupo, o sentimento de engajamento social, mais
do que a compreensão da proposta curricular, os fazem tomar uma atitude de
comprometimento com os princípios da integração curricular. A proposta é vista numa
perspectiva de resgate de pessoas fora do mercado através de um ensino inovador, mas o
currículo integrado é visto como contextualização, pois sua execução é considerada de difícil
aplicação pela amplitude e dimensões que abarcam. Entre os professores que rejeitam a
proposta a maioria aponta a imposição da proposta sem a participação dos professores na
discussão como principal motivo para rejeitá-la. Entretanto, podemos considerar que também
nesse caso, há dificuldades de compreensão e aceitação dos princípios do currículo integrado,
que podem estar relacionadas com a perspectiva propedêutica com que os professores estão
acostumados. Obviamente, não podemos subestimar o papel ativo dos professores nesse
processo. Suas vivências e crenças têm papel importante na ressignificação da proposta,
213
produzindo múltiplas interpretações, o que terá impactos tanto na prática pedagógica quanto
nas reformulações do programa.
Nesse sentido, a formação continuada dos professores para atuarem no PROEJA deve
se constituir como um dos principais eixos do programa, pois sabemos que nos cursos de
licenciatura e pedagogia, a discussão em torno da EJA e do currículo integrado, não tem sido
privilegiada, estando ausente uma perspectiva de formação de profissionais para atuarem
nesse campo e na produção de conhecimentos.
Com vistas ao enfrentamento deste desafio foi instituído pelo MEC, ainda em 2006, o
Programa de Capacitação de Profissionais do Ensino Público para atuar na Educação
Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de EJA
(Brasil. MEC, 2006). Tal medida se justifica pela natureza interdisciplinar e integradora da
proposta e pela necessidade de:
[..] Investigar se, e em que medida, as concepções ali enunciadas estão sendo
implementadas e, se de fato, se constituem como estratégicas coerentes, necessárias e
suficientes para que estes profissionais possam atuar com vistas à consecução dos objetivos
de facilitar o ingresso, continuidade e conclusão dos cursos pelos jovens e adultos que
constituem o público-alvo do PROEJA, propiciando-lhes uma formação integral tendo como
eixos norteadores o trabalho, a cultura, a ciência e a tecnologia. (Lima Filhho, 2010, p. 116)
[...] o horizonte que se almeja aponta para a perenidade da ação proposta, ou seja,
para sua consolidação para além de um programa, sua institucionalização como uma
política pública de integração da educação profissional com a educação básica na
modalidade de educação de jovens e adultos. (BRASIL, 2007, p.13).
214
comprometidos com a perspectiva anunciada e instrumentalizados teórica e tecnicamente para
promover o ensino com uma base unitária e integrada.
132
. Texto elaborado pela mestranda Laura Nazaré de Carvalho, Mestranda PPGE/UFF e por Jonas
Emanuel Pinto Magalhães, Bolsista de Apoio Técnico – PPFH/UERJ
215
políticas públicas para a juventude e fomentar estudos e pesquisas acerca da realidade sócio-
econômica juvenil.
O Projovem Campo - Saberes da Terra tem como objetivo elevar a escolaridade dos
jovens da agricultura familiar, integrando a qualificação social e formação profissional,
estimulando a conclusão do ensino fundamental e proporcionando a formação integral do
jovem, na modalidade educação de jovens e adultos, em regime de alternância, nos termos do
regulamento. Atenderá a jovens com idade entre 18 (dezoito) e 29 (vinte e nove) anos,
residentes no campo, que saibam ler e escrever, que não tenham concluído o ensino
fundamental.
216
O Projovem Trabalhador tem como objetivo preparar o jovem para o mercado de
trabalho e ocupações alternativas geradoras de renda, por meio da qualificação social e
profissional e do estímulo à sua inserção. Atenderá a jovens com idade entre 18 (dezoito) e 29
(vinte e nove) anos, em situação de desemprego e que sejam membros de famílias com renda
mensal per capita de até 1 (um) salário-mínimo, nos termos do regulamento.
217
Apesar de o programa ProJovem ter sido modificado pela lei de 2008 as pesquisas por
hora analisadas estudam os reflexos da primeira lei (de 2005).
Na dissertação de PEREIRA (2007), da PUC-Rio, é analisada as percepções de jovens
do Rio de Janeiro sobre sua participação no ProJovem ; PIRES (2007) estuda o ProJovem em
fortaleza; MOREIRA (2008) analisa o ProJovem e a educação básica de jovens e adultos na
região metropolitana de São Paulo entre 2005 e 2007; MACHADO (2009) analisa a ação
comunitária do ProJovem como um instrumento para promover a participação do Jovem na
Bahia; e FRIEDRICH (2009) realiza uma análise do ProJovem em Goiânia.
218
sociedade a reconhecê-los não como sujeitos de direitos e protagonistas do futuro, mas como
uma população de risco que precisa ser contida.
A autora afirma que talvez como uma resposta a esta demanda, o governo brasileiro
lançou a Política Nacional de Juventude (PNJ) que tem início com a criação da Secretaria
Nacional de Juventude (SNJ), o Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE) e o Programa
Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária (ProJovem),
passando a vigorar com a Lei de Nº. 11.129 em 30 de junho de 2005.
O ProJovem reúne, segundo a autora, em sua formulação, as expectativas de muitos
jovens em situação de vulnerabilidade social, então restaria saber, através do olhar do próprio
jovem que participava do programa, se esta participação contemplaria suas expectativas e
sonhos.
Para alcançar os objetivos da pesquisa a pesquisadora buscou referenciais teóricos
ligados às temáticas da juventude e direitos. Consultou alguns autores internacionais,
principalmente, da sociologia, psicologia e da filosofia como a filósofa Hannah Arendt.
A autora afirma que para o governo, o ProJovem representaria muito mais do que um
curso supletivo. A expectativa era de que o programa ampliasse aos jovens oportunidades de
inclusão social através dos estudos e do trabalho e para isto deveriam ser oferecidas atividades
de arte e cultura, fundamentos de língua estrangeira e de informática. Ao final de um ano, o
certificado de participação no programa, além de permitir a entrada do jovem no ensino
médio, deveria facilitar sua entrada no mercado de trabalho ou sua atuação por
empreendimento próprio em sistema de cooperativa ou economia solidária.
Apesar de o governo garantir que não visa à distribuição de renda com o programa e
sim a inclusão para a cidadania, o maior incentivo para que o jovem ingresse no ProJovem,
segundo Pereira, seja o valor de cem reais mensais oferecidos na forma de bolsa. Ela faz esta
afirmação com base em dados do IBGE sobre a questão da precariedade de renda. Segundo os
dados apurados pelo Censo de 2000, 68,7% dos jovens brasileiros vivia em famílias que
tinham uma renda per capita menor do que um salário mínimo (dentre esses encontramos
12,2% (4,2 milhões) em famílias com renda per capita de até ¼ do salário mínimo). Apenas
41,3% (14,1milhões) vivia em famílias com renda per capita acima de um salário mínimo.
De acordo com Pereira (2007), o Rio de Janeiro recebeu trinta e duas mil inscrições na
primeira seleção para o ProJovem, em 2005. Segundo o relatório da coordenação do programa
no Rio, somente dez mil alunos conseguiram efetivar a matrícula.
219
O ProJovem no Rio era gerido pela Secretaria Municipal de Assistência Social
(SMAS), Secretaria de Municipal de Educação (SME), Secretaria Municipal de Esporte e
Lazer (SMEL), Secretaria Municipal de Cultura (SMC) e pela Secretaria Municipal de
Governo (SMG). Os membros que compõem a Coordenação Municipal estão
institucionalmente ligados a SMAS que é o órgão que vem assumindo a execução do
Programa.
A pesquisa foi realizada entre agosto e outubro de 2006. As categorias de análise para
o trabalho de campo objetivaram: a) conhecer as percepções dos jovens sobre o ProJovem ; b)
o perfil do jovem participante; c) identificar os motivos e expectativas que os levaram a entrar
no Programa; d) ouvir o que pensam da juventude brasileira; d) ouvir como os jovens avaliam
a sua participação.
Os procedimentos metodológicos utilizados no processo de coleta de dados
compreenderam: anotações em diário das vivências e percepções do campo e entrevista
individual semi-estruturada.
Além dos instrumentos utilizados para registro, a pesquisa contou com levantamento e
leitura de material bibliográfico sobre o tema, leitura de relatório do ProJovem fornecido pela
coordenação do Rio de Janeiro, leitura de material pedagógico disponível no site do
programa; levantamento de textos e pesquisas sobre a temática da juventude, levantamento e
consulta de textos e artigos publicados na internet sobre o ProJovem e levantamento de dados
estatísticos sobre a juventude brasileira e carioca.
Foram entrevistados doze (12) jovens e seis (6) coordenadores em seis (6) Estações de
Juventude que compõem o grupo denominado pela Secretaria de Ação Social do Município
do Rio de Janeiro como G1. As estações que compõem o G1 são: Estação Rinaldo Delamari,
localizada no bairro de São Conrado, Estação Talentos da Vez, localizada no bairro de Santo
Cristo, Estação CIAD, localizada no Centro da Cidade, Estação Casa de Manguinhos,
localizada no bairro de Manguinhos, Estação Casa de Realengo localizada no bairro de
Realengo e Estação Helenice Nunes Jacinto, localizada no bairro de Paciência.
A pesquisa de Pereira foi pensada para aprofundar algumas questões que permeiavam
a vida de jovens em situação de vulnerabilidade. A escolha do ProJovem , como campo para a
coleta de dados, se deu pelo fato de ser um programa que vem inaugurar um novo conceito de
política pública para esta população. O ProJovem apresenta, em sua formulação, uma
proposta de inclusão juvenil à cidadania e participação. Além disso, a diversidade geográfica
que o programa alcançou em sua implantação no Rio de Janeiro, permitiu o contato com
220
jovens de comunidades distintas em vários aspectos. Desta forma foi possível a aproximação
com as similitudes e diferenças da juventude carioca.
Ao estudar a realidade social ao qual estão expostos os jovens em situação de
vulnerabilidade, a autora constatou que não lhes restam muitas oportunidades de mudanças
dessa realidade, mas que este é o desejo de muitos deles. Na busca por uma oportunidade, os
projetos sociais oferecidos pelo Estado ou por organizações da sociedade civil (ONGs)
acabam se apresentando como uma alternativa.
Como o objetivo geral desta pesquisa era conhecer as percepções do jovem sobre o
ProJovem , a autora optou pela realização de entrevistas com roteiro semi-estruturado, com
perguntas específicas sobre as demandas que levaram o jovem a se inscrever no programa.
Como as entrevistas não eram fechadas, foram respeitados os assuntos trazidos pelos jovens
mesmo quando estes “fugiam” do roteiro pré-estruturado. Desta forma, o jovem entrevistado
sentiu-se livre para sair de um assunto e entrar em outro sempre que julgasse importante.
A pesquisa buscou compreender se o ProJovem está contribuindo ou não na ampliação
das oportunidades aos jovens e saber de que forma estes novos conceitos atrelados a esta
política estão sendo vividos na prática. De forma mais específica, buscou entender o que
jovem pensa desta ação do governo e que demandas suas ela vem atender.
Foi constatado nas percepções dos jovens e coordenadores do ProJovem que a
elevação da escolaridade não é o grande incentivo para o ingresso no programa a não ser pela
expectativa de conseguir uma melhor colocação no mercado de trabalho. A importância da
ajuda financeira não é negada e se configura como um complemento à sobrevivência tanto
que, se ao jovem aparece uma oportunidade de ganhar mais do que os cem reais que o
programa oferece, ele irá aceitar.
Apesar da imposição da necessidade de sobrevivência, a autora afirma que a
qualificação profissional se apresenta como o maior fator de motivação que leva o jovem a se
inscrever no ProJovem . Se a qualificação desperta no jovem a expectativa de conseguir um
emprego digno, se durante o curso do Programa ele confirmar que essa expectativa pode se
concretizar é provável que ele se mantenha no Programa durante um ano. Mas, para isso é
preciso repensar a forma de execução do programa.
Segundo a pesquisadora, infelizmente, a forma como a qualificação profissional é
oferecida não contempla a multiplicidade de jovens que participam do Programa. Ela sugere
como alternativa para que seja mais bem aproveitado pelos jovens a abertura de espaços para
o diálogo com eles. Estes espaços poderiam ser as Estações da Juventude e os diálogos
221
deveriam acontecer antes do início das aulas. Desta forma seria possível ouvir as necessidades
e sonhos dos jovens para assim decidir que profissões poderiam ser oferecidas ali de acordo
com a solicitação da maioria.
Além disso, para que este conhecimento não se perca, se faz necessário o convênio
com organizações estatais e empresas em que estes jovens possam praticar o conhecimento
adquirido e ingressar no mercado de trabalho, seu maior objetivo.
Os pontos negativos no ProJovem , percebidos pelos jovens, parecem levá-los a
acreditar cada vez menos nas políticas públicas. Esse descrédito nas ações políticas leva a um
distanciamento desta população aos seus direitos à cidadania. Nesse caso, há uma distância
entre a motivação à ação mesmo que haja expectativas de mudanças.
Respeitar e cumprir as bases oferecidas em um Programa é respeitar os direitos dos
jovens. Se os jovens entram no ProJovem com uma motivação e não têm suas expectativas
atendidas pelo não cumprimento do que foi prometido, se as informações são desencontradas,
se ele não é ouvido, está se repetindo o mesmo processo que o levou a afastar-se da escola.
No caso da inserção no ProJovem, podemos pensar que se isto acontecer é provável que este
jovem passe a não buscar mais este tipo de oportunidade ou ainda que passará a não acreditar
nas políticas públicas de promoção de cidadania oferecidas a este segmento.
Segundo Pereira, os jovens entrevistados trouxeram demandas urgentes e específicas.
Nas suas percepções, as políticas públicas deveriam se preocupar com geração de emprego e
renda.
A autora ao final afirma ser importante fazer uma consideração no que diz respeito à
idade em que se é jovem no que diz respeito à elaboração de políticas públicas a este
segmento. Ela entende que alargar a idade a que se destinam as políticas públicas de
juventude não se apresenta como solução ou inclusão de uma parcela da população que não
conquistou seus direitos na infância nem na adolescência e que, como última esperança, vê-se
incluído num contingente jovem que vem conquistando direitos no papel. Para a autora, a
cidadania como conquista dos direitos deve ser pensada e exercida desde o nascimento. Neste
sentido, o foco na prevenção se apresenta ainda como a melhor saída. Investir em educação,
saúde, formação de carreira, desde a infância seria a saída para um futuro incerto como o que
se apresenta hoje à população jovem do Brasil.
222
Federal de Goiás. Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática,
2009.
223
pedagógica integradora não foi alcançado, uma vez que nestes resultados as categorias se
apresentaram desconexas e desarticuladas da proposta inicial.
Segundo Pires, sua pesquisa tem como objetivo analisar no contexto da crise estrutural
do capital e das transformações do mundo do trabalho, o discurso e a efetivação do modelo de
escolarização e de qualificação profissional destinada aos trabalhadores via Política Pública
de Educação. Objetiva ainda investigar a proposta de educação destinada a jovens
trabalhadores a partir da experiência de escolarização e qualificação profissional do Programa
Nacional de Inclusão, Qualificação e Ação Comunitária - ProJovem, identificando como os
trabalhadores compreendem e vivenciam essa experiência que associa escolarização e
qualificação profissional.
224
A investigação realizou-se através de uma pesquisa bibliográfica e documental, aliada
ao estudo empírico junto ao ProJovem, Fortaleza. Com relação à pesquisa de campo esta foi
adotada com o intuito de verificar como essa experiência de educação vem acontecendo. Para
tanto, foram contemplados como sujeitos de investigação desse estudo, os alunos do
Programa e os segmentos profissionais envolvidos no trabalho como: Assistentes Sociais,
Professores de Educação Básica, Professores do eixo da Qualificação Profissional e
coordenação geral.
225
classe trabalhadora pode exercer o direito à educação, quando consideramos as dificuldades
de permanência destes na escola, sobretudo em face de suas condições objetivas de existência.
A pesquisa de campo foi adotada, por seu turno, com o intuito de verificar como essa
experiência de educação acontece. Após os cinco primeiros meses da pesquisa, foram
realizadas visitas contingenciais, para acompanhamento das aulas e demais atividades
desenvolvidas, como eventos realizados: datas comemorativas, campanhas educativas, visitas
a pontos turísticos de Fortaleza etc.
227
A autora afirma que o ProJovem se insere no campo das políticas compensatórias, uma
vez que tenta compensar a defasagem educacional a que estão submetidos os jovens com uma
proposta de educação aligeirada – de Ensino Fundamental e “qualificação” profissional,
aliado a uma experiência de ação comunitária – em apenas 01 (um) ano de escolarização.
Portanto, esta proposta revela aspectos que sinalizam a existência de uma política de educação
para a juventude que legitima as formas de rebaixamento da educação e da qualificação do
trabalhador.
A autora afirma que sua pesquisa aponta mais sinalizações do que conclusões. A
despeito da intencionalidade das ações educativas implementadas no atual governo ou em
administrações anteriores, que se perfilam com as supostas e/ou reais “necessidades” de
qualificação e requalificação da classe trabalhadora, a autora considera profícuo para esse
debate investir na questão da efetiva necessidade de elevação da escolaridade dos
trabalhadores. Para tanto, é oportuno compreender essa questão trespassando o enfoque
restrito, que comporta a ideologia da “empregabilidade” e das “competências”, justificadas
pelas iniciativas e projetos fragmentados e aligeirados de formação profissional e da educação
básica ora implementados. Assim, refletir essa temática, sob outra perspectiva que não a da
228
sociedade burguesa, requer pensar numa educação ampla e emancipadora, que contribua com
a elevação da consciência dos trabalhadores.
Para o autor, as políticas públicas para a Educação Básica de Jovens e Adultos, como
problema de pesquisa, inserem-se num amplo campo de investigação acerca da Educação de
Jovens e Adultos. A investigação sobre este tema emerge da experiência vivida do autor
buscando relacioná-la com o ensino de geografia no curso de suplência do ensino médio
oferecido pela rede estadual de ensino de São Paulo. As indagações a este respeito foram
provocadas pelas situações vividas em sala de aula nesta modalidade de ensino. Alunos com
idade avançada, outros nem tanto, dificuldades de mobilização, problemas de audição e visão,
229
além de outras enfermidades caracterizam algumas das especificidades desta modalidade de
ensino.
Durante a fase inicial da pesquisa, numa primeira varredura na bibliografia que trata
da legislação para a Educação Básica de Jovens e Adultos, o autor identificou na Lei de
Diretrizes e Bases de 1961, um caminho possível para construção dos termos da relação entre
a Educação de Jovens e Adultos e o ensino de geografia. Definição de currículo,
estabelecimento de conteúdo e concepção de geografia foram alguns exemplos das pistas
encontradas para investigar o ensino de geografia na educação de jovens e adultos.
231
Os questionários foram enviados pelos correios em 30 de Janeiro de 2008 e a
devolução completa ocorreu em 30 de Junho do mesmo ano. A primeira parte do questionário
buscou coletar dados a respeito do atendimento do ProJovem em termos de matrículas,
concluintes e evasão. Na segunda parte, procurou captar as impressões dos municípios sobre a
proposta curricular e a organização do tempo proposto pelo programa e, por fim, na terceira
parte, assinalar a questão da formação profissional oferecida pelo programa e optada pelo
município.
Para o autor, uma nova definição e visão acerca do papel do Estado implicaram
alterações organizacionais nas estruturas técnico-administrativas iniciadas na primeira fase de
descentralização das ações do Estado. A criação da Secretaria Nacional de Juventude,
juntamente com o Conselho Nacional da Juventude, portanto, estruturas internas técnico-
administrativas, capazes de elaborar, coordenar e acompanhar a implantação das políticas de
focalização exemplificam as mudanças de visão e concepção do papel do Estado a partir da
crise econômica.
232
Desta forma, o ProJovem traduz em toda sua forma, elementos de mudanças e de
continuidade do processo histórico de desenvolvimento das políticas públicas para a Educação
de Jovens e Adultos.
Diante disso, deve-se pensar quais seriam as formas mais eficazes para que se possa
compreender as relações sociais de produção e entender porque não tem conseguido se inserir
no competitivo mercado de trabalho. O oferecimento de uma proposta curricular que discuta
tomada de consciência das condições de vida do trabalhador pode diminuir a introspecção do
sentimento de culpa de um lado e o de fracasso de outro os quais poderiam contribuir para o
desinteresse do aluno levando-o a abandonar o curso. Os programas de educação de adultos
devem levar em conta que o grande número de evasão, conforme foi verificado em seu
233
estudo, tem vários aspectos, dentre eles, mudança no currículo e oferecimento do curso em
horários alternativos.
A pesquisa foi realizada entre os jovens egressos que fizeram a inscrição para
participação do ProJovem no ano de 2006, em Salvador.
A pesquisa aponta para uma mudança na forma de agir e pensar dos egressos. A autora
identificou limitações na implementação do Programa e descontinuidade na realização de
ação comunitária.
Como já vimos nas outras dissertações, o Plano Ação Comunitária (PLA) é uma das
três dimensões do ProJovem e é apresentada no mesmo grau de importância das outras
dimensões: a escolaridade e a formação para o trabalho. Mas, segundo Machado (2009), as
reflexões sobre a Ação Comunitária do Programa são realizadas com menor freqüência.
O projeto do ProJovem foi analisado, dando destaque aos objetivos propostos pela
Ação Comunitária e à implementação do ProJovem, partindo do pressuposto de que os
resultados de uma política pública podem mudar de acordo com a sua implementação.
235
O contexto de participação propõe uma nova forma de políticas públicas: as “políticas
públicas de/para/com juventudes”. Esse novo paradigma está presente na parceria entre a
esfera pública, sociedade civil e entidades do terceiro setor. Reforça-se, assim, a idéia de
política pública como ação partilhada do governo. Essa partilha de poder pode acarretar uma
desresponsabilização do Estado que passa a assumir uma função secundária frente às
demandas sociais. Os sujeitos envolvidos são co-responsáveis por uma gestão pública de
qualidade.
Segundo Machado (2009) o ProJovem traz uma perspectiva que se coaduna com a
concepção de política pública para juventude, uma vez que pretende atender à diversidade de
juventudes, em seus múltiplos contextos. O Programa se orienta pelo princípio da participação
desde a proposta de gestão compartilhada ao processo de avaliação dos resultados.
236
ProJovem. Embora alguns egressos tenham pontuado a efetivação de nenhuma ou a
concretização de apenas algumas das etapas da Ação Comunitária a autora questiona se todos
tinham conhecimento dos passos propostos. Alguns jovens, quando relatam os motivos da não
realização da Ação Comunitária, parecem referir-se apenas à execução do PLA e não
percebem a realização do diagnóstico, da análise das informações levantadas, da elaboração e
avaliação do PLA, como etapas presentes no processo da Ação Comunitária. A execução do
PLA se deu por meio da produção de eventos e de atividades recreativas e culturais,
distribuição de panfletos, trabalhos em asilos, creches e abrigos, dentre outros.
237
não há, ainda, uma postura de iniciativa em termos de ação por parte do público analisado, o
que reflete a postura da sociedade, de modo geral.
A análise quantitativa permitiu identificar que os jovens passaram a ser mais solidários
e ajudar a comunidade. Esses dados ratificam o conceito de Ação Comunitária do ProJovem
associado à ajuda e à solidariedade, merecendo destaque a análise do item “valorizar mais o
próximo”, presente no questionário, o qual atingiu 88,3%, percentual bastante elevado quando
comparado com os demais. “Fortalecer os espaços de socialização juvenis, bem como os
vínculos familiares, de vizinhança e comunitários” é ainda outro objetivo do ProJovem que
foi analisado à luz dos resultados apontados no questionário e no grupo focal. Essa análise
permitiu verificar que os jovens mudaram sua participação depois do ProJovem em termos de
238
“perceber a importância de viver em grupo” (86,8%) e “assumir responsabilidade na minha
família” (77,2%).
b) Conclusões
239
O programa previa inicialmente, 800 horas de formação escolar em nível de 6ª ao 9ª
ano do Ensino Fundamental, 350 horas de qualificação profissional, 50 horas de atividades de
ação comunitária e 400 horas de atividades não-presenciais com tutoria.
O ProJovem procura integrar três dimensões nas quais se sustenta seu Projeto
Pedagógico Integrado: a elevação da escolaridade ao nível do 9° ano (antiga 8° série do
ensino fundamental); a Qualificação profissional, incluindo a qualificação inicial em um dos
arco de ocupações; e a Ação Comunitária/Participação Cidadã, envolvendo uma experiência
de participação social cidadã. O programa prevê ainda o pagamento de bolsas no valor de R$
100,00 mensais e inicialmente admitia apenas jovens sem vínculo empregatício.
A partir das análises das teses e dissertações e do documento base do Proeja pudemos
constatar que o público alvo do programa são jovens que abandonaram a escola e não
conseguiram se inserir no mercado formal, logo, se constituem como uma grande massa de
pessoas em situação de vulnerabilidade social, ou seja, estão excluídos do trabalho e da
escola. Poderíamos acrescentar ainda que tratam-se de jovens que residem em sua maioria,
nas periferias das grandes cidades, e podem estar sujeitos a processos de discriminação
étnico-racial, de gênero, geracional, etc..
Nas teses e dissertações analisadas pudemos constatar reiteradas vezes essa mesma
visão, expressa na fala de professores, no preconceito de alguns diretores que temiam pela
deterioração da escola e até mesmo pela percepção dos jovens em relação a seus pares. Ao
voltar suas ações para os jovens em situação de risco social, o programa parece ter como
principal objetivo minimizar os efeitos da exclusão social restringindo-se a promover o alívio
da pobreza e a contenção dos conflitos de classe.
240
Através da integração entre educação básica, qualificação profissional e ação
comunitária, o PROJOVEM se propõe em seu documento base a romper com a dicotomia
entre educação geral e formação profissional e; educação e ação cidadã por meio de uma
organização curricular “inovadora e flexível”. Evoca-se o princípio na integração curricular
na perspectiva de romper com a separação entre conhecimentos gerais e profissionais.
Entretanto, verificamos pelas leituras realizadas que a integração, na prática, não tem se
concretizado. Com honrosas exceções, professores e gestores ainda se orientam por uma visão
conteudista, centrada no isolamento das disciplinas, na separação entre formação geral e para
o trabalho, e na seleção de conteúdos descontextualizados. A pouca ênfase na formação dos
professores para atuarem no PROJOVEM e o próprio desenho do curso dificultam a
consecução de uma maior integração curricular.
A exemplo do que foi verificado nas ações comunitárias promovidas pelos Consórcios
da Juventude no âmbito do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego, a atuação
dos jovens junto à comunidade se restringe a demandas particulares e locais, vinculadas
apenas ao cumprimento protocolar do Plano de Ação Comunitária como um dos requisitos
para obtenção do certificado ou para o recebimento de bolsas. O estímulo à ação comunitária
como uma das vigas mestres dos cursos, não transcende os limites da ação local, da promoção
de valores cívicos e de solidariedade e não evoluem para uma maior participação,
engajamento e organização em prol da exigência e da garantia dos direitos, pelo contrário:
242
as etapas do programa e que garanta condições mínimas para o seu sustento e de sua família.
De outra forma, a maioria os jovens permanecerá no curso em condição precária e provisória,
divididos entre a necessidade de buscar renda e de continuar sua trajetória educacional. Dados
recentes apresentados no relatório do OIT (2009) indicam que ao ingressarem no
PROJOVEM, 56,3% dos jovens se encontra desempregado há pelo menos 6 meses, enquanto
que 20% não encontram trabalho remunerado há mais de quatro anos. Sendo assim, não se
pode pensar em uma política de geração de emprego e renda que não garanta ao jovem, reais
alternativas à informalidade e ao trabalho precário ao mesmo tempo em que possibilite a
retomada de seu percurso escolar sem que isso comprometa a sua sobrevivência.
O levantamento do Estado da Arte realizado pela equipe de pesquisa encontrou
conclusões que apontam para a precariedade da formação oferecida pelo PROJOVEM, sua
caracterização como política compensatória e emergencial, que apelando para noções como o
protagonismo juvenil, a participação cidadã e a empregabilidade, procura conter ou pelo
menos minimizar os efeitos da exclusão produzida por uma sociedade desigual em que o
direito ao trabalho digno ainda não é uma garantia. Ocultando sob o véu do seu discurso
apologético, o PROJOVEM conquanto ofereça a possibilidade de resgate educacional, o faz
nos limites de uma cidadania restrita, na qual o direito a uma educação de qualidade é
substituído por uma formação aligeirada, voltada para o trabalho simples e que tem como
principal objetivo a conformação ao modelo econômico vigente. Nesse sentido, “o ProJovem
constitui mais um exemplo de ação política que, sob a aparência da inovação, gera a
continuidade da submissão ao instituído” (Rummert, 2007, p. 43).
243
O Projovem Adolescente tem como público-alvo os jovens de 15 a 17 anos em
situação de risco social e integra atividades socioeducativas, obrigatoriedade da freqüência
escolar e ações de inclusão digital, alternativas de geração de renda e ação comunitária
visando ampliar a proteção social e garantir uma maior convivência comunitária.
O Projovem Urbano introduziu alterações importantes como a ampliação da faixa de
atendimento para jovens de 18 a 29 anos, abrangendo além dos jovens que concluíram a 4°
série também aqueles que saibam ler e escrever e o abandono da exigência do jovem não
possuir vínculo empregatício. Outra alteração importante foi a ampliação da carga horária e
da duração do curso que passou das 1200 horas em 12 meses, para 1560 horas em 18 meses.
Consideramos a ampliação da carga horária um avanço no que diz respeito à formação básica
mais consistente, mas manifestamos nosso receio quanto a sua insuficiência, principalmente
quando se pretende atingir jovens com níveis de escolaridade ainda mais baixos do que
aqueles com os quais o Projovem trabalhava. Em relação à concessão para que jovens com
vínculo empregatício possam participar do programa, enxergamos nela o reconhecimento de
que a oferta de bolsas de baixo valor não garante a permanência dos jovens no programa, já
que diante de uma possibilidade real de uma renda maior, os alunos optavam por
abandonarem o curso. Entretanto, entre a opção de assumir os custos da formação dos jovens,
revendo e aumentando o valor das bolsas e transferir a responsabilidade e a decisão de
conciliar ou não estudo e trabalho para os jovens, o governo optou pela segunda.
244
O Projovem Campo incorporou, com alterações, o Programa Saberes da Terra e tem
como objetivo principal elevar a escolaridade dos jovens vinculados à agricultura familiar. Ao
contrário do que aconteceu com os eixos Projovem Trabalhador e Urbano, o programa
restringiu a faixa etária de atendimento de 15 a 29 anos para 18 a 29 anos. Em contrapartida,
passou oferecer bolsas de R$ 100,00 a cada dois meses durante o período de 24 meses.
[...] ofertavam juntos, e antes das mudanças promovidas, cerca de 500 mil vagas para
jovens considerados excluídos. A meta anunciada previa ampliação de vagas para o
atendimento de 4,2 milhões de jovens até 2010, ou seja, preconizava alcançar a totalidade de
jovens que vivem em situação de vulnerabilidade social no país. Entretanto, informações
mais atualizadas sobre as metas das diversas modalidades do ProJovem demonstram
significativa redução das metas anunciadas pelo presidente da República em 2007: o total
das metas até 2010 alcança 3,5 milhões, isto é, a redução situa-se em torno de 17%. Mesmo
considerando-se a demarcação mais realista das metas do ProJovem para cerca de 3,5
milhões de jovens atendidos, é notável que a posição de atendimento de todos os programas
retratada no quadro 2 está ainda muito aquém desta meta, situando-se em torno de 800 mil
jovens atendidos – urbano, 163,9 mil jovens; trabalhador, 188,8 mil jovens; campo, cerca de
83 mil jovens, considerando-se 2008 e as metas de 2009; e adolescente, 438 mil jovens.
(IPEA, 2009, p. 56)
245
2.3.6 - Políticas públicas de formação, emprego e renda para os jovens no Brasil: um
balanço da era Lula.
a) Juventude Ou Juventudes?
Uma das formas de resolução desse impasse, para tornar exeqüível o empreendimento
investigativo,reside em reconhecer que a própria definição da categoria juventude encerra
um problema sociológico passível de investigação, na medida em que os critérios que a
constituem enquanto sujeitos são históricos e culturais. A juventude é uma condição social e
ao mesmo tempo um tipo de representação. (Spósito, 2000, p.7)
Se no plano concreto, a tarefa de captar um sentido único que expresse a condição dos
jovens na contemporaneidade se revela complexa e desafiadora, no plano das representações
parece haver uma polarização que opõem duas visões que embora distintas, não são
excludentes. Numa perspectiva “pessimista”, os jovens são vistos como um grupo
problemático, irresponsável e sob constante risco social. Nessa acepção, a condição juvenil
seria por si só uma condição problemática, e os jovens seriam um grupo mais vulnerável e
propenso a apresentar comportamentos de risco e desvios de conduta, tais como: dependência
química, delinqüência, envolvimento com o crime, gravidez precoce que, portanto,
demandariam ações do Estado de caráter preventivo, voltadas para a proteção e o
enfrentamento dos “problemas de juventude”. Emergem políticas compensatórias, de controle
do tempo livre como programas esportivos e culturais com foco nos grupos mais vulneráveis.
A visão “pessimista” da juventude predominou até o início dos anos 1980, quando mudanças
na demografia mundial, revelaram um exponencial crescimento da população jovem.
Batizado de “onda jovem”, esse fenômeno, que teria supostamente um efeito potencializador
do desenvolvimento econômico, trouxe para o campo das representações da juventude uma
133
Para fins analíticos adotaremos como parâmetro a faixa estabelecida pela Política Nacional de Juventude que
compreende como jovens, pessoas na faixa de 18 a 29 anos.
247
visão mais “otimista” relacionada ao novo papel estratégico dos jovens: o de protagonista do
desenvolvimento e importante ator político.
O país atravessou a década de 90, sem dirigir aos jovens nenhuma política específica
de qualificação, emprego e renda, restringindo-se as ações do governo àquelas orientadas pela
visão “pessimista” voltadas para jovens em situações de risco e para o combate à pobreza.
248
Entretanto, o impacto da conjuntura econômica naquele momento vinha afetando os jovens de
maneira bem mais significativa. A abertura do mercado, as privatizações e os processos de
reestruturação produtiva em curso no país resultaram na estagnação econômica e elevaram os
níveis de desemprego, nos quais os jovens aparecem como grupo mais atingindo respondendo
à época por 51% dos desempregados segundo dados do PNAD/1999. Como estratégia para
atenuar as tensões decorrentes desse quadro o Governo de Fernando Henrique Cardoso cria
então o PLANFOR (Plano Nacional de Formação do Trabalhador). Porém, além de não
focalizar especificamente o segmento juvenil, esta estratégia também promoveu o
esvaziamento da educação de jovens e adultos como política de Estado, respaldada pela Lei
de Diretrizes e Bases da Educação nº 9394/96 e pelo Decreto nº 2208/97.
Tal esvaziamento faz parte de um projeto que desloca uma parcela do atendimento de
jovens e adultos para o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), ampliando sua linha de
atuação com a escolarização e a formação profissional do trabalhador. Isso foi uma das
conseqüências das alterações efetuadas na formação profissional e na educação de jovens e
adultos, a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9394/96 e do
Decreto nº 2208/97. A partir de então, a dispersão das políticas e de ações entre os setores
público e privado foi uma das marcas das políticas voltadas para jovens e adultos
trabalhadores, como ocorreu no Plano Nacional de Qualificação Profissional (PLANFOR),
do governo FHC. (BARBOSA E DELUIZ, 2008, p.47)
Contudo, para esta mesma autora e para Carrano (2003) há uma variedade de
orientações, muitas vezes num mesmo espaço institucional, quando se trata da definição sobre
ações que envolvem a juventude: Vive-se a simultaneidade de tempos no debate sobre a
249
juventude, o que faz a convivência, muitas vezes dentro de um mesmo aparelho de Estado, de
orientações tais como as dirigidas ao controle social do tempo juvenil, à formação de mão-de-
obra e também as que aspiram à realização dos jovens como sujeitos de direitos. No que pese
o maior ou o menor predomínio de determinada tendência ao longo da história, algumas
formulações em torno dos segmentos juvenis e da juventude têm sido mais fortemente
reiteradas nos últimos anos.
A esse respeito estamos inclinados a aceitar a hipótese por nós formulada de que a
despeito das diferentes orientações que permeiam o debate e da maior ênfase dada ao tema da
participação juvenil nos últimos anos, as políticas de Juventude do governo Lula amparadas
ideologicamente pelas noções de protagonismo juvenil, empregabilidade e participação cidadã
se configuram como um novo mecanismo de controle do “risco social” e de conformação da
juventude ao modelo de desenvolvimento econômico subordinado aos grandes centros
hegemônicos do capitalismo mundial, que esgotando sua dimensão civilizatória, coloca como
condição de sua sobrevivência o gerenciamento da pobreza.
250
Na ausência de referências normativas que orientassem a formulação de políticas para
a juventude, o governo pareceu ter optado por reformular os programas de qualificação,
herdados do governo de Fernando Henrique Cardoso, mantendo a descentralização, a
focalização e a “terceirização” da execução dos programas. O Plano Nacional de Qualificação
Profissional (PLANFOR) foi substituído em 2003 pelo Plano Nacional de Qualificação
(PNQ), mantendo basicamente as mesmas características inclusive com repasses à iniciativa
privada e ao terceiro setor. O Programa Escola de Fábrica orientou-se pela mesma lógica,
diferenciando-se basicamente pelo fato de se dirigir ao público mais jovem. Tendo suas
origens no projeto Formare, da Fundação Iochpe, criado em 1998, o programa Escola de
Fábrica se apoiou nas parcerias estabelecidas com empresas e indústrias que responsáveis pela
qualificação profissional de jovens e por seu possível aproveitamento. Cabe destacar que a
revogação do Decreto n. 2.208/97, compromisso assumido pelo presidente com os educadores
progressistas e que poderia acenar para uma possível integração entre o ensino profissional e
ensino básico não surtiu os efeitos esperados, e o que se constatou em relação aos programas
de formação profissional mencionados foi a adoção de um modelo restrito à aprendizagem
profissional.
O fato é que, após um ano de vigência do Decreto n. 5.154/2004, a mobilização
esperada não ocorreu. O que se viu, logo a seguir, foi o inverso. De uma política consistente
de integração entre educação básica e profissional, articulando-se os sistemas de ensino
federal e estaduais, passou-se à fragmentação iniciada internamente, no próprio Ministério
da Educação (CIavata, Frigotto e Ramos, 2005, p. 1091).
251
ações do lado da demanda para ações do lado da oferta no mercado de trabalho, em especial
aquelas direcionadas à elevação profissional. (OIT, 2009, p. 76)
De acordo com Sposito (2005) inicia-se em 2004, um amplo processo de diálogo entre
governo e movimentos sociais com o intuito de se instalar uma política de juventude no país,
que concedeu projeção nacional a temática da juventude. O desafio era, nas palavras da
autora, o de pensar políticas que, por um lado, visassem à garantia de cobertura em relação às
diversas situações de vulnerabilidade e risco social apresentadas para os jovens e, por outro,
buscassem oferecer oportunidades de experimentação e inserção social múltiplas, que
favorecessem a integração dos jovens nas várias esferas sociais .
Constituiu-se então o Grupo Interministerial da Juventude, envolvendo 19 Ministérios,
Secretarias e órgãos técnicos especializados, para elaborar um diagnóstico sobre a juventude
brasileira e realizar um levantamento das ações governamentais que eram dirigidas
especificamente aos jovens ou que contemplassem segmentos juvenis, para que servissem de
referências para elaboração de diretrizes para uma política nacional de juventude.
Técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) colaboraram nesta
tarefa produzindo informações estatísticas pertinentes, e também foram incorporados
resultados de pesquisas e consultas realizadas pela UNESCO e pelo Projeto Juventude do
Instituto Cidadania que também, participou do trabalho de acompanhamento e estudos de
propostas de Políticas Públicas para a Juventude realizada pela Comissão Especial da Câmara
dos Deputados.
A julgar pelos rumos que a política nacional de juventude tomou desde então, o
pretenso debate com a sociedade, que deveria ter sido conduzido pelo Grupo Interministerial
da juventude parece ter servido apenas para “falsificar o consenso” já que até mesmo ações
253
importantes como a criação da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) e o Conselho Nacional
de Juventude (CONJUVE) atendem as formulações elaboradas pela UNESCO.
A partir daí, a Política Nacional da Juventude assume como principal linha de ação os
programas emergenciais focados na parcela da população jovem de maior vulnerabilidade, ou
seja, a juventude pobre e trabalhadora. Porém, a estratégia agora inclui também ações em que
o jovem é chamado a contribuir com o seu protagonismo, seja através de sua participação
“cidadã”, seja através do investimento em sua empregabilidade, pela elevação da sua
escolaridade e pela qualificação.
Dois anos após ter sido criada a Política Nacional de Juventude, permaneciam como
problemas a pouca articulação e integração entre os principais programas, o que implicava
necessidade de se rever o redesenho e a coordenação desses programas. Naquele momento,
através de cinco ministérios diferentes, o governo federal executava, seis programas
emergenciais voltados para a juventude de baixa escolaridade e reduzida capacitação
profissional, portanto, excluída do mercado de trabalho: ProJovem – Secretaria-Geral da
Presidência da República/Secretaria Nacional de Juventude; Consórcio Social da Juventude e
Juventude Cidadã – ambos do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) Agente Jovem –
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS); Escola de Fábrica –
Ministério da Educação (MEC); e Saberes da Terra – Ministério da Educação e Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA). De acordo com Silva e Andrade (2009):
Esses programas tinham em comum a atenção para ampliação da escolaridade e
formação profissional e o repasse de diferentes auxílios financeiros aos jovens, como
contrapartida de sua participação nas atividades oferecidas. Entretanto, a execução e a
gestão destes não se davam de forma integrada e coordenada, sendo que nenhum tinha
capacidade de atender universalmente todos os jovens considerados excluídos e que,
portanto, eram público-alvo dos programas. Caracterizavam-se, de forma geral, por ações
pontuais, fragmentadas e paralelas. [...] Contudo, as recomendações de extinções, fusões ou
readequação de ações anteriores visando à melhoria da gestão encontraram grande
resistência por parte dos órgãos executores dos diferentes programas existentes. Tal
resistência não é um fato novo ou inusitado, pois, em geral, as recomendações de extinções,
fusões e incorporações de ações e programas executados por órgãos diferentes não
raramente são rechaçadas. Via de regra, os argumentos da racionalidade técnica e da
melhoria de gestão, que resultariam na possibilidade de atender maior número de jovens sem
254
que fosse necessário aumentar os recursos na mesma proporção, são descartados frente ao
forte apego institucional que leva diferentes órgãos e forças políticas representadas a
competir entre si pela marca de programas próprios e pelas diferentes formas de atuação e
gestão. Este ambiente acaba se tornando pouco propício à promoção de mudanças e
inovações. Com efeito, o processo pode resultar inócuo ou, na melhor das hipóteses, trazer
reduzida repercussão sobre os problemas que precisam ser sanados, se, diante de tais
dificuldades, não existir imperativa determinação superior de introduzir as alterações
necessárias. (IPEA, 2009, p. 53)
257
Há de se ressaltar que mesmo antes do PROJOVEM já havia previsão de aplicação de
recursos em ações voltadas para qualificação profissional, projetos juvenis e concessão de
bolsas, mas estas estavam colocadas no contexto da Educação Básica, particularmente o
Ensino Médio. Assim, no Plano Pluri Anual 2004-2007 verifica-se a previsão de recursos da
ordem de R$ 1.547 bilhões para o programa Escola Básica Ideal (UNESCO, 2004). É
interessante notar que este valor é aproximadamente cinco vezes maior do que os R$ 300
milhões garantidos pelo orçamento geral da União em 2005 para a execução do PROJOVEM.
Infelizmente, faltam dados que nos ajudem a confirmar se os recursos previstos para o
“Escola Básica Ideal” tiveram como destinatários os jovens do ensino médio (o programa
previa concessão de bolsas de R$ 100,00) ou se o governo optou posteriormente pelo
PROJOVEM como forma de focalizar um grupo mais específico.
O fato é que de uma forma ou de outra, não só os programas PROJOVEM e PNPE se
conformam bem as orientações contidas nos documentos citados, como estão alicerçados em
construtos ideológicos reiterados pelos organismos internacionais com especial destaque para
a noção de capital social, competências, protagonismo juvenil, ação comunitária,
responsabilidade social e participação cidadã.
Mesmo correndo o risco de tornar exaustivo, trataremos agora de algumas dessas
categorias tais como aparecem na bibliografia consultada procurando também identificar
como elas se materializam nas políticas, ações e programas criados a partir do marco
referencial da Política Nacional de Juventude.
Em nossas pesquisas temos verificado que essas habilidades têm sido enfocadas direta
ou indiretamente nos cursos do PROJOVEM e nos cursos de qualificação social promovidos
pelos Consórcios da Juventude. Nestes últimos, por terem como sujeitos, grupos mais
vulneráveis, constata-se uma ênfase maior em aspectos comportamentais (como se vestir e se
portar numa entrevista, ser mais tolerante, compreensivo, etc..) que embora não sejam
suficientes para promover uma maior inserção laboral parecem contribuir para uma maior
sociabilidade dos jovens junto a suas comunidades. Contudo, insistimos mais uma vez que, se
trata de uma estratégia de minimização dos conflitos de classe e de conformação ao contexto
social econômico excludente. Tendo como pano de fundo a desigualdade, essa linha de ação
procura também promover o resgate da auto-estima e frear o aumento da violência urbana.
Nesse caso, uma das alternativas mais eficazes encontradas pelo Estado para conter a
violência, se resume a retirar os jovens da situação de vulnerabilidade social. Essa condição
de vulnerabilidade social é caracterizada pela situação de exclusão dos jovens da escola e do
mundo do trabalho. Segundo dados do PNAD, em 2005, 22% dos jovens de 18 a 24 anos, não
trabalhavam, nem estudavam, estando incluídos, portanto, no grupo de maior risco social.
Este tem sido o público prioritariamente privilegiado em programas como o
PROJOVEM, o PNPE e o PROEJA (Programa Nacional de Integração da Educação
Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação Jovens e Adultos). É
259
interessante notar que o PROUNI, embora não seja declaradamente um programa dirigido
exclusivamente ao público jovem (assim como o PROEJA), tem atingido majoritariamente os
jovens egressos do Ensino Médio, tomando inclusive as notas do ENEM como critério de
elegibilidade. Apesar disso, não encontramos referências a este programa na bibliografia
consultada sobre as políticas públicas para a Juventude no governo Lula. Interpretamos essa
ausência como mais uma demonstração de que as “políticas para a juventude” têm sido
entendidas como “políticas para jovens em situação de risco social” com um recorte bem
específico (jovens negros das periferias das grandes metrópoles, fora do mercado de trabalho
e da escola) , no qual o público atingido pelo PROUNI não se enquadra. O “esforço” da
Política Nacional de Juventude tem sido o de retirar os jovens da situação de risco oferecendo
alguma alternativa ao tráfico, à delinqüência e ao abandono social.
Contudo, permanece o paradoxo: como reduzir a vulnerabilidade social dos jovens em
situação de risco se ela tem como principal determinação a exclusão do sistema formal de
emprego? O quadro delineado pelo desemprego juvenil não inspira nenhum otimismo nem
mesmo por parte da UNESCO:
O desemprego juvenil, que sempre foi alto, vem crescendo nos últimos anos,
passando, na faixa etária de 15 a 17 anos, de 29,8% em 2001 para 34,5% em 2002 e a 37,9%
em 2003, enquanto na faixa de 18 a 24 anos, as cifras passaram de 19,6%, a 21,4% e a
23,5%, respectivamente (OIT, 2003). Seria difícil intervir, a partir das políticas públicas, de
modo a alterar esse quadro, embora as iniciativas em andamento (Primeiro Emprego,
Empreendedorismo etc.) certamente alcançarão melhoras, pelo menos em termos da
empregabilidade dos jovens, aumentando suas condições de competir no mercado pelas
vagas disponíveis (Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego 2003b apud UNESCO, 2004,
p.206).
A solução sugerida para uma sociedade em que o direito ao emprego ainda não está
garantido limita-se então, por um lado, a promessa de empregabilidade, mesmo que às custas
de uma formação aligeirada e de uma duvidosa qualificação profissional, e por outro, na
tentativa de conformar os jovens à sociabilidade exigida pelo capital, minimizando os
possíveis focos de conflitos através da promoção de uma cultura de paz e de ações como a
atuação comunitária, o trabalho voluntário e a participação cidadã (nos limites de uma
cidadania restrita). Nesse sentido, a UNESCO assevera que:
Uma abordagem participatória juvenil contribui para estimular o interesse dos jovens
e seu senso de responsabilidade bem como aproveitar as idéias inovadoras e abordagens
criativas em projetos ou programas. A participação cidadã e o voluntariado juvenil podem se
260
converter em opção para incentivar a solidariedade, bem como contribuir para que a
comunidade perceba que é possível melhorar a sua qualidade de vida, a partir do
desenvolvimento de práticas, nas quais todos podem se envolver de forma criativa.
(UNESCO, 2004, p.156)
[...] poderia se dar em distintos tipos de programas. Para que tal perspectiva se
cumpra, alguns benefícios devem ser garantidos tais como bolsas de estudo, estágios ou
colaboração econômico-financeira para os jovens sem condições econômicas para tanto.
Desta forma, se qualifica o que se entende por voluntariado e participação, enfatizando-se
que, para tanto, é preciso ter recursos e condições de “empoderamento” e pertencimento.
(ibidem, p. 154)
Vimos com restrições essa forma de estímulo à participação, pois entendemos que a
adesão não é algo que possa ser imposto sem o engajamento do indivíduo. Também não
consideramos do ponto de vista ético, desejável que a participação possa ser barganhada em
troca de bolsas ou de cursos de qualificação profissional. A participação legítima deve se dar
principalmente em espaços onde os conflitos possam ser vivenciados na sua dimensão
política, como exercício de direito e não como um protocolo ou dever.
Este foi, de fato, o caminho adotado pelos programas voltados para a juventude que
tem a ação comunitária como um dos seus eixos, como é o caso PROJOVEM e do PNPE: o
estímulo à participação nos limites da cidadania restrita ou como afirma Gohn (2002, p.95)
apud Ventura (2008) da “cidadania outorgada, de cima para baixo, que promove a inclusão de
indivíduos a uma rede de serviços de forma assistencial, em que os novos cidadãos se
transformam em clientes de políticas públicas administradas pelas entidades do Terceiro
Setor”.
Pensadas como formas de gerenciar o risco social e a miséria, o estímulo à ação
comunitária, à participação e ao voluntarismo surgem como alternativas às diferentes
estratégias de controle do tempo livre dos jovens que têm sido colocadas em ação pelos
Governos e agências multilaterais desde a década de 80. Porém, considerando que essas ações
empreendidas pelo Estado no sentido de reduzir o “risco social” sejam ainda insuficientes,
261
ganha importância cada vez maior a ampliação do capital social dos jovens, a partir da
constatação de:
263
emprego e à educação de qualidade, num processo que Kuenzer prefere chamar de inclusão
excludente:
Já do ponto de vista da educação, estabelece-se um movimento contrário,
dialeticamente integrado ao primeiro: por força de políticas públicas “professadas” na
direção da democratização, aumenta a inclusão em todos os pontos da cadeia, mas
precarizam-se os processos educativos, que resultam em mera oportunidade de certificação,
os quais não asseguram nem inclusão, nem permanência. Em resumo, do lado do mercado,
um processo de exclusão includente, que tem garantido diferenciais de competitividade para
os setores reestruturados por meio da combinação entre integração produtiva, investimento
em tecnologia intensiva de capital e de gestão e consumo precarizado da força de trabalho.
Do lado do sistema educacional e de Educação Profissional, um processo de inclusão que,
dada a sua desqualificação, é excludente. (Kuenzer, 2006, p.2-3).
264
O mercado de trabalho está se tornando cada vez mais exigente. As empresas não
contratam diplomas, currículos ou recomendações. O tempo do pistolão e do
apadrinhamento acabou. As empresas querem respostas, por isso contratam profissionais
curiosos, com capacidade de apreender continuamente. Daí a importância da boa formação.
Você que é jovem, leve isso em conta. Quando o professor pedir para ler um livro, leia dois.
Quando pedir dois, leia quatro. Crie o hábito de estudar por conta própria. Aproveite todos
os momentos de folga para aprender, aprender e aprender. Se o emprego está difícil para
quem estuda, imagine as dificuldades para quem vive nas trevas. Portanto, defina sua meta e
procure ficar sempre acima da média da classe. O mercado de trabalho tem sido rigoroso
também em matéria de conduta. Não basta dominar os conhecimentos da sua profissão. Você
precisa gostar do que faz. E fazer tudo com carinho, zelo, perseverança e comprometimento.
Se você trabalhar como empregado, os seus supervisores estarão de olho no seu modo de
encarar suas tarefas. Se você trabalhar por conta própria, os seus clientes esperam
competência, atenção, cordialidade e demonstração de que você faz o seu serviço com
prazer. O mundo do futuro estará cada vez mais atento às condutas e aos hábitos dos
profissionais. (Pastore, 2005, p. 29)
265
trabalhador polivalente e com as múltiplas competências demandadas pela nova base técnica
da produção. Como bem resume Paranhos:
Embora estes requisitos profissionais representem as exigências de um núcleo de
ocupações superiores e estáveis que decai progressivamente, o avanço tecnológico não
implica necessariamente a maior complexidade dos postos de trabalho, pelo contrário, para
imensa maioria dos empregos criados nas últimas décadas, a qualificação não se coloca
como problema. Contudo, as empresas elevam cada vez mais os critérios de seleção para a
contratação mesmo para o desempenho de atividades simples e rotineiras, tornando o padrão
de acumulação flexível a base da demanda pela elevação da escolaridade e da qualificação
dos trabalhadores. A carência de mão-de-obra qualificada para o trabalho complexo aparece
muito mais como uma construção social e ideológica, ou seja, como estratégia de
conformação e adaptação dos indivíduos à sociabilidade neoliberal, do que uma necessidade
real da produção. (Paranhos, 2010, p.40)
Entretanto, longe de ser uma estratégia eficaz para a inclusão social e promoção do
emprego e da vida digna para a juventude brasileira, esses programas têm se limitado a
equacionar déficits educacionais, numa perspectiva compensatória, oferecer uma qualificação
profissional estreita e de qualidade duvidosa e tentar criar uma cultura de participação sempre
restrita aos contextos locais e a demandas particularistas. O horizonte que esta colocado é o de
adequação ao modelo econômico vigente, em que a garantia do emprego é substituída pela
promessa de empregabilidade. Novas e antigas noções ideológicas ajudam a cimentar a idéia
de que cabe aos jovens, no seu papel de “protagonista” ou de “ator estratégico do
desenvolvimento”, encontrar alternativas criativas para sua inserção produtiva seja através da
ampliação do seu capital social, do empreededorismo, do cooperativismo ou simplesmente
investindo nas competências que o mercado valoriza.
Na verdade, não havendo condições de oferecer perspectivas de inserção no mercado
de trabalho, o que se busca é dar a juventude, alguma expectativa, que conquanto não garanta
o acesso ao mercado formal, ao menos evite que os jovens se envolvam em situações de risco
social, o que em última instância traria como conseqüências o aumento dos índices de
violência e uma maior desagregação do tecido social.
Em que pesem as críticas realizadas pela OIT no relatório trabalho decente e
Juventude, em sua avaliação final o eixo da política nacional de juventude estruturado pelas
noções de oportunidades e direitos estão, de acordo com o relatório, em consonância com os
“compromissos assumidos em foros nacionais e internacionais, entre os quais se destaca a
Agenda Hemisférica de Trabalho Decente (AHTD) que define como objetivo “melhorar a
formação e a inserção dos jovens no mercado de trabalho e, como meta, reduzir à metade a
proporção de jovens que não estudam e não trabalham em um prazo de 10 anos”. Na
266
perspectiva adotada pela Política Nacional de Juventude, garantir oportunidades e direitos são
entendidos como “ofertar meios para a aquisição de capacidades e para sua utilização, e de
serviços que atendam às diferentes necessidades dos jovens de ambos os sexos”. De fato,
ofertar e melhorar parecem palavras adequadas para a noção de direito que emerge desses
documentos: o direito a uma cidadania restrita que se não pode garantir a universalização do
ensino de qualidade e o pleno emprego, oferece como prêmio de consolação políticas
compensatórias e focais e a promessa da empregabilidade.
267
Referências Bibliográfica.
268
BARBOSA, Carlos Soares; DELUIZ, Neise. Qualificação Profissional de Jovens e Adultos
Trabalhadores: O Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego em Discussão.
Boletim Técnico do Senac, Rio De Janeiro: V. 34, N. 1, P. 50-63, Jan./Abr., 2008.
BASTOS, Alexandre Fleming Vasques. A reforma (neoliberal) da Universidade no Brasil:
um discurso (re)velador. Alagoas, 2007. Dissertação de Mestrado em Educação -
Universidade Federal de Alagoas.
BAUDELOT, Christian e ESTABLET, Roger. L`école capitaliste en france. Paris, François
Maspero, 1979).
BELL, Daniel. O advento da sociedade pós-industrial. Rio de Janeiro: Cultrix, 1973.
BIRD - Banco Mundial. Desenvolvimento e Redução da Pobreza: reflexão e perspectiva
Banco Mundial, Washington, DC, outubro de 2004.
BIRD - Banco Mundial. Luta contra a pobreza: relatório sobre o desenvolvimento mundial
2000/2001. Banco Mundial, Washington, DC, setembro de 2000.
BISPO, Fabiana Carvalho da Silva. A Democratização do Acesso ao Ensino Superior- Um
Estudo sobre o Programa Universidade para Todos e sobre o Sistema de Reserva de Vagas
Étnico-Raciais. Rio de Janeiro, 2007. Dissertação de Mestrado em Administração Pública –
Fundação Getúlio Vargas.
BOTTMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
BOURDIEU, P.; VACQUANT, L. A nova bíblia do Tio Sam. Le Monde Diplomatique,
edição brasileira, ano 1, n. 4, ago. 2000
BRASIL. Lei nº 11.129, de 30 de junho de 2005. Institui o Programa Nacional de Inclusão de
Jovens – ProJovem; cria o Conselho Nacional da Juventude – CNJ e a Secretaria Nacional de
Juventude; altera as Leis nos 10.683, de 28 de maio de 2003, e 10.429, de 24 de abril de 2002;
e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2005/Lei/L11129.htm
BRASIL. Lei nº 11.692, de 10 de junho de 2008. Dispõe sobre o Programa Nacional de
Inclusão de Jovens - ProJovem, instituído pela Lei no11.129, de 30 de junho de 2005;
BRASIL. MEC/SETEC/PROEJA. Documento Base. Programa nacional de integração da
educação profissional com a educação básica na modalidade de educação
BRASIL. Medida provisória n. 238, de 1º de fevereiro de 2005. Institui, no âmbito da
Secretaria-Geral da Presidência da República, o Programa Nacional de Inclusão de Jovens
(ProJovem ), cria o Conselho Nacional de Juventude (CNJ) e cargos em comissão, e dá
outras providências. Disponível em http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/legisla07.pdf.
CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 2. ed. Petrópolis: Vozes,
2000.
CARCANHOLO, Marcelo. Neoconservadorismo com roupagem alternativa: a Nova Cepal
dentro do Consenso de Washington. In: CASTELO, Rodrigo (Org.) Encruzilhadas da
América Latina no Século XXI. Rio de Janeiro: Pão e Rosas, 2010.
CARDOSO DE MELLO, João Manuel. Capitalismo Tardio. São Paualo. Editora Brasiliense,
1982
CARDOSO, M L. A ideologia da globalização e descaminhos da ciência Social. In: Gentili,
p (org) Globalização excludente – desigualdade, exclusão e democracia na nova ordem
mundial. Petrópolis, RJ, 1999, pp. 96-127.
CARDOSO, Miriam Limoeiro. Ideologia do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1978.
CARDOSO, Miriam Limoeiro. Sobre as relações sociais capitalistas. In: LIMA, J. C. F. e
NEVES, L. M. (org). Fundamentos da educação escolar no Brasil contemporâneo. RJ:
Fiocruz, 2006.
269
CARMO, Francisca Maurilene. Trabalho, educação e construtivismo: considerações
preliminares. In: JIMENEZ, Susana Vasconcelos; RABELO, Jackline (orgs.). Trabalho,
sociabilidade e educação: uma crítica à ordem do capital. Fortaleza: Editora UFC, 2004. p.
159-168.
CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 4ª edição.
Petrópolis/RJ: Vozes, 2003.
CATTANI, Antônio. (org) Trabalho e tecnologia: Dicionário Crítico. Petrópolis, vozes,
2002.
CEPAL. Coesão social: inclusão e sentido de pertencer na América Latina e no Caribe.
Síntese. Santiago do Chile: Nações Unidas, 2007.
CHESNAIS, Francis. A mundialização do capital, São Paulo, Scrita, 1996.FIORI, J.L. O
nome aos bois: Instituto da cidadania. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002
CHESNAIS, François. A mundialização do capital. SP: Xamã, 1995.
CORTI. A.P, Dayrell. J, Corrochano. M.C, Souza. M.C.C.C, Nakano. Marilena,
Karrano.P.C.R. São Paulo. 2000.
Corti. A.P, Dayrell. J, Corrochano. M.C, Souza. M.C.C.C, Nakano. Marilena, Karrano.P.C.R.
São Paulo. 2000.
COSTA, Rita de Cássia Dias. O PROEJA para além da retórica:Um estudo de caso sobre a
trajetória da implantação do programa no Campus Charqueadas. 2009. Porto Alegre.
Universidade Federal do Rio Grande Do Sul. Faculdade de Educação. Programa de Pós-
Graduação em Educação.
COUTINHO, Carlos Nelson. N. A democracia na batalha das idéias e nas lutas políticas do
Brasil de hoje. In: FÁVERO, Osmar e SEMERARO, Giovani (orgs.). Democracia e
construção do público no pensamento educacional brasileiro. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 11-
39 .
DEJOURS, Christophe. Banalização da Injustiça Social. Rio de Janeiro, editora da Fundação
Getúlio Vargas, 2000.
DEL PINO, Mauro Augusto Burkert. Política educacional, emprego e exclusão social. In:
GENTILI, Pablo e FRIGOTTO, Gaudêncio. A cidadania Negada. Políticas de exclusão na
educação e no trabalho.São Paulo: Cortez; CLACSO, 2001.
do Sul, 2006. Dissertação (Mestrado – Ciências Sociais), UNISINOS.
DUARTE, Bárbara Regina G. Vaz. Reestruturação produtiva, formação e identidade: O
Projeto Escola de Fábrica e a construção identitária de jovens trabalhadores. Dissertação
(Mestrado em Educação). Faculdade de Educação da Universidade de Pelotas. 2008. Pelotas.
ENGELS, Frederic. Concepção materialista da história. In: FERNANDES, Florestan (org).
Marx e Engels – História. São Paulo: Ática, 1983.
ESCOLA POLITÉCNICA DE SAÚDE JOAQUIM VENÂNCIO. Dicionário da Educação
Profissional em Saúde. Rio de Janeiro: EPSJV, 2006.
FERNANDES, Florestan. A sociologia no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1980.
FERNANDES, Fernandes. Os circuitos da história. São Paulo, HUCITEC, 1977
FERNANDES, Florestan (org.). Marx e Engels - História. São Paulo: Ática, 1983.
FERNANDES, Florestan Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro, Editora
Zahar, 1968..
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Um ensaio de interpretação
sociológica. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação
sociológica. São Paulo: Globo, 2006.
FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio
de Janeiro, Editora Zahar, 1973.
270
FERNANDES, Florestan. Classes sociais na América Latina. In: Capitalismo dependente e
classes sociais na América Latina. SP: Global, 2009.
FERNANDES, Florestan: Constituinte e revolução. Entrevista a: CHASIN. J.; ANTUNES,
Ricardo; BARSOTTI, Paulo D.; PRADES, Maria D. Revista Ensaio, São Paulo, Ed. Ensaio,
n. 17/18, p.127-128, 1989.
FILGUEIRAS, Luiz. O neoliberalismo no Brasil: estrutura, dinâmica e ajuste do modelo
econômico. In: BASUALDO, E.M. & ARCEO, E. (comp) Neoliberalismo u sectores
dominantes: tendências globais y experiências nacionales. Buenos Aires: Consejo
Latinoamericano de Ciencias Sociales – CLACSO, 2006.
FIORI, José Luiz. O nome dos bois. Instituto da Cidadania – Fundação Perseu Abramo. São
Paulo, 30.10.2002
FONSECA, Marília. O financiamento do Banco Mundial à educação brasileira: vinte anos de
cooperação internacional. In: Tommasi, Warde, Haddad (Org.). O Banco Mundial e as
Políticas Educacionais. 2ª edição. São Paulo: Cortez, 1996.
FONTES, Virgínia. Capitalismo, exclusões e inclusão forçada. In: FONTES, V. Reflexões im-
pertinentes: história e capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Bom texto, 2005 (pp.19-
50).
FORRESTER, Viviane. O horror econômico. São Paulo, UNESP, 1996
FRIEDRICH, Márcia. O Programa Nacional de Inclusão de Jovens - ProJovem : uma análise
entre o proposto e o vivido em Goiânia. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de
Goiás. Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática, 2009.
FRIGOTTO, G. (Org.) . Educação e crise do trabalho: perspectiva de final de século. 7. ed.
Rio de Janeiro: Vozes, 2005
FRIGOTTO, G. Fazendo pelas mãos a cabeça do trabalhador: trabalho como elemento
pedagógico na formação profissional. In: Conferência Brasileira de Educação, 2., 1982, Belo
Horizonte. Anais... Rio de Janeiro: SENAC/DIPLAN, 1983
FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Trabalho e conhecimento, dilemas na educação do
trabalhador. São Paulo: Cortez, 1987..
FRIGOTTO, Gaudêncio e CIAVATTA, M. (org). A formação do cidadão produtivo - A
cultura do mercado no ensino médio técnico. Brasília, INEP, 2006.
FRIGOTTO, Gaudêncio e CIAVATTA, Maria (orgs.). 2a. ed. Teoria e educação no labirinto
do capital. Petrópolis: Vozes, 2002.
FRIGOTTO, Gaudêncio, CIAVATTA, Maria, RAMOS, Marise (orgs.). O trabalho como
principio educativo no projeto de educação integral de trabalhadores.
MEC/SETEC/Departamento de políticas e articulação institucional. Brasília, 2005.
FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva: um (re)exame das
relações entre educação e estrutura econômico-social capitalista. São Paulo: Cortez, 2006.
FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação para a “inclusão” e a “empregabilidade”: promessas que
obscurecem a realidade. In: CANÁRIO, Ruy; RUMMERT, Sonia. Mundos do trabalho e
aprendizagem. Lisboa: Educa. Formação, 2009.
FRIGOTTO, Gaudêncio. Os delírios da razão: crise do capital e metamorfose conceitual no
campo educacional. In: GENTILI, Pablo. A pedagogia da exclusão. Petrópolis: Vozes, 1997.
FRIGOTTO, Gaudêncio. (org) Trabalho e conhecimento: Dilemas da educação do
trabalhado. São Paulo, Editora Cortez, 1995.
FRIGOTTO, Gaudêncio. A relação da educação profissional e tecnológica com a
universalização da educação básica. In: MOLL, Jaqueline. Educação profissional e
tecnológica no Brasil contemporâneo: desafios, tensões e possibilidades. Porto Alegre:
Artmed, 2010.
FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e crise do capitalismo real. São Paulo: Cortez, 1995
271
FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e crise do capitalismo real. São Paulo. Cortez, 1995.
FRIGOTTO, Gaudêncio. et al. (orgs). Trabalho e Conhecimento: dilemas na educação do
trabalhador. São Paulo: Cortez, 1987.
FRIGOTTO, Gaudêncio. Globalização e crise do emprego: mistificações e perspectivas da
formação técnico-profissional. Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 25, n. 2, p. 31-
45, maio/ago., 1999.
FRIGOTTO, Gaudêncio. Investigación en el campo social y contexto histórico: Dimensiones
teóricas, económico-sociales y ético-políticas. Montevideo, Revista Voces. Asociación de
educadores de Latinoamérica y el Caribe. Ano XII – nº Mayo de 2009, p.9-23
FRIGOTTO, Gaudêncio. Juventude com vida provisória e em suspenso. Rio de Janeiro,
UERJ/FAPER e CNPq, Documentário, (2009)
FRIGOTTO, Gaudencio. O Brasil e a política econômico-social: entre o medo e a esperança.
Observatório Social de América Latina, Buenos Aires, n. 14, p. 95-1004, maio/ago. 2005.
FRIGOTTO, Gaudêncio. O Brasil e a política econômico-social: entre o medo e a esperança.
Observatório Social de América Latina, Buenos Aires, n. 14, p. 95-1004, maio/ago. 2005.
FRIGOTTO, Gaudêncio. O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa
educacional. In: FAZENDA, Ivani (org.). Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo:
Cortez, 1989. p. 69-90.
FRIGOTTO, Gaudêncio. Os desafios da teoria e da investigação educativa no contexto da
crise societal. Conferência realizada no I Encontro Nacional de Investigação Educativa,
Pochuca de Soto, Hidalgo, México, mimeo, 2004.
FUKUYAMA,Francis. Construção de Estados: governo e organização no século XXI. Rio de
Janeiro: Rocco, 2005.
FURTADO, C.. Brasil: a construção interrompida. SP, Paz e Terra, 1992.
FURTADO, Celso, Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina, Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1966
FURTADO,C. Análise do "Modelo" Brasileiro. Rio de Janeiro, civilização Brasileira, 1982.
GENTILI, Pablo. Educar para o Desemprego: a desintegração da promessa integradora. In:
FRIGOTTO, G. (Org.). Educação e Crise do Trabalho: perspectivas de Final de Século. 2ª
edição. Petrópolis/RJ: Vozes, 1998.
GOTARDO, Renata Cristina Da Costa. A Formação Profissional no Ensino Médio Integrado:
Discussões Acerca do Conhecimento. 2009. Cascável. Universidade Estadual do Oeste Do
Paraná – Unioeste. Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Nível de
Mestrado/PPGE.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Introdução ao estudo da filosofia, a filosofia de
Benedetto Croce. Edição e tradução Carlos Nelson Coutinho; co-edição, Luiz Sérgio
Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1978
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Maquiavel, Notas sobre o Estado e a política.
Edição e tradução Carlos Nelson Coutinho; co-edição, Luiz Sérgio Henriques e Marco
Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da histórica. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1978.
HABERMAS, Jürge. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro (RJ): Tempo
Brasileiro; 1989.
HABERMAS, Jürge Teoria de la acción comunicativa I - Racionalidad de la acción y
racionalización social. Madri: Taurus, 1987.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo, Loyola, 1996.
272
HAYEK, Friedrich .O caminho da servidão. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1987.
HAYEK, Friedrich August. Os princípios de uma ordem social liberal. In: CRESPIGNY,
Anthony de; CRONIN, Jeremy. Ideologias políticas. Brasília: UnB, 1981.
HAYEK, Friedrich. Liberdade de escolher. Rio de Janeiro, Record, 1980.
HOBSBAWM, Eric. Adues a tudo aquilo. IN: BLECKBURN, RUBIN. Depois da queda: O
fracasso do comunismo e o futuro do socialismo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992, p.93-106
HOBSBAWM, Eric. Entrevista a Marcelo Musto. Carta Maior, 29.09.2008. Disponível em:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15253. Acesso em
dez. 2008.
HOBSBAWM, Eric. Mundos do trabalho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
HOBSBAWM, Eric. Política externa Caderno Mais, Jorna Folha de São Paulo, São Paulo,
18 de abril de 2010, p, 4-6.
HOBSBAWM, Eric. Renascendo das cinzas. IN; BLECKBURN, RUBIN. Depois da queda:
O fracasso do comunismo e o futuro do socialismo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992,255-
271.
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
IAMAMOTO, Marilda Villela. Serviço Social em tempo de capital fetiche. Capital financeiro
e a e questão social. São Paulo: Cortez, 2007.
IANNI, O. Era do globalismo. Rio de Janeiro, civilização Brasileira, 2001
IANNI, Octávio. Classe e nação. Petrópolis(RJ): Vozes, 1986.
IANNI, Octavio. Estado e capitalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.
IANNI, Otávios. Estado e planejamento econômico no Brasil. Rio de Janeiro, civilização
Brasileira, 1991.
IASI, Mauro Luis. O conceito e o “não conceito” de classes em Marx. In: Ensaios sobre
consciência e emancipação. SP: Expressão Popular, 2007. (pp.101-121)
impasses na produção de um novo campo de conhecimento na formação de professores.
In:REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 31., 2008, Caxambu. Anais da... Caxambu, 2008.
INSTITUTO CIDADANIA. Projeto Juventude – Documento de Conclusão – Versão Final.
São Paulo, 2004.
IPEA. Juventude e Políticas Sociais no Brasil. Brasília: 2009.
JAMESON, Frederic.. Pós-modernismo. A lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo:
Ática, 1996
JAMESON, Fredric. As sementes do tempo. São Paulo, Ática, 1997...
JAMESON, Fredric. Espaço e Imagem - Teorias do Pós-moderno e outros ensaios. Rio de
Janeiro, Editora da UFRJ, 1994..
JÚNIOR, Leôncio José Bastos Macambira. O Mercado De Trabalho Do Jovem E O Programa
Nacional De Estímulo Ao Primeiro Emprego. Fortaleza – Ceará. 2007. Dissertação (Mestrado
Profissional Em Planejamento E Políticas Públicas).. Universidade Estadual Do Ceará –
UECE.
KLINSKI, Cláudia Dos Santos. Ingresso e Permanência de Alunos com Ensino Médio
Completo no Proeja do If Sul-Rio-Grandense / Campus Charqueadas. 2009. Porto Alegre.
Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul Faculdade De Educação Programa De Pós-
Graduação Em Educação Mestrado Em Educação.
KONDER, Leandro. Limites e possibilidades de Marx e a sua dialética para a leitura crítica da
história neste início de século. In: FRIGOTTO, Gaudêncio e CIAVATTA, Maria (org.).
Teoria e educação no labirinto do capital. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 98-115.
KONDER, Leandro. O futuro da filosofia da práxis. O pensamento de Marx no século XXI.
São Paulo: Paz e Terra, 1992.
273
KOSIK, Karel. A dialética da moral e a moral da dialética. In: VV.AA. Moral e sociedade.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968. p. 99-117.
KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.
KUENZER, Acácia. A Educação Profissional nos anos 2000: A dimensão subordinada das
políticas de inclusão. Revista Educação e Sociedade. Campinas, vol.27, n.96- Especial
out.2006.
KURZ, Robert. O colapso da modernização. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992.
LAMBERTUCCI, Glória Maria. Um Olhar Sobre o Percurso Acadêmico de Bolsistas Do
PROUNI da Puc Minas, na Perspectiva da Relação com o Saber. Belo Horizonte, 2007.
Dissertação de Mestrado em Educação - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
LASKI, Harod J. O manifesto comunista de Marx e Engels. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
LEFEBVRE, Henri. Para compreender o pensamento de Marx. Lisboa: Edições 70, 1981.
LEHER, Roberto. Da ideologia do desenvolvimento à ideologia da globalização: a educação
como estratégia do Banco Mundial para o “alívio da pobreza”. Tese de Doutorado em
Educação, Universidade de São Paulo (USP), 1998.
LEITE, José Fernandes De Araújo. A Educação de Jovens e Adultos no Curso Técnico Proeja
de Nível Médio no Colégio Agrícola Vidal de Negreiros. 2009. João Pessoa. Universidade
Federal da Paraíba. Centro de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação.
Mestrado em Educação.
LEITE. Domingos Leite Lima Filho. O PROEJA em Construção:enfrentando desafios
políticos e pedagógicos. Educação e Realidade. Porto Alegre: UFRGS, v.35, n.1, 2010.
LESSA, Sérgio. Trabalho e proletariado no capitalismo contemporâneo. São Paulo: Cortez,
2007.
LIMA, Francisco José Sousa. Identidade Étnico-Racial no Contexto das Políticas de Ação
Afirmativa. São Leopoldo, 2007. Dissertação de Mestrado em Teologia - Escola Superior de
Teologia.
LINHART, Danielle. A desmedida do capital. São Paulo, Boitempo, 2007
LOSURDO, Domenico. Contra-História do Liberalismo. São Paulo. Ideias e Letras, 2006.
LUKÁCS, George. Los fundamentos ontológicos del pensamiento y de la acción humanos e
Ontología del ser social: el trabajo. In: INFRANCA, Antonino e VEDDA,
MACHADO, Cristiane Brito. A ação comunitária do ProJovem : um instrumento para
promover a participação do Jovem? Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia.
Faculdade de educação, 2009.
MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio. México: Edições Era, 1972.
MANIR, Mônica. Perdemos 160 mil jovenspor ano. O biscoito fino no olho gordo domundo.
Sala de imprensa. Unicamp. Campinas.Disponível em:
<www.Unicamp.br/unicamp/unicamp>. Acesso em: 27 abr 2007
MARINI, Ruy Mauro. América Latina: dependência e integração. São Paulo: Brasil Urgente,
1992.
MARINI, Ruy Mauro. Dialética da dependência. In. SADER, Emir (org.). Dialética da
Dependência: uma antologia da obra de Ruy Mauro Marini. Petrópolis: Vozes; Buenos
Aires: Clacso, 2000: 105-165.
MARINI, Ruy Mauro. Dialética do desenvolvimento capitalista no Brasil. In: SADER, Emir
(Org.). Dialética da dependência – uma antologia da obra de Ruy Mauro Marini.
Petrópolis(RJ): Vozes, 2000; Id. Dialética da dependência. In: SADER, Emir (Org.).
Dialética da dependência: uma antologia da obra de Ruy Mauro Marini. Petrópolis(RJ):
Vozes, 2000a.
MARX, Karel. Prefácio. In. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo, Martins
Fontes, 1983
274
MARX, Karl e ENGELS, Frederich. Engels, A Ideologia Alemã. in: Obras Escolhidas em três
tomos, Edições Avante! -Edições Progresso, Lisboa-Moscovo, t. 1, 1982,
MARX, Karl e ENGELS, Frederich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo. Expressão
Popular, 2008.
MARX, Karl, Formações econômica pré capitalistas. Ri de Janeiro, Paz e terra, 1977
MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito em Hegel - Introdução. In: Crítica da Filosofia
do Direito de Hegel. São Paulo, Boitempo, 2006, p. 145-159
MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito em Hegel - Introdução. In: Crítica da Filosofia do
Direito de Hegel. São Paulo, Boitempo, 2005, p. 145-159
MARX, Karl. Miséria da filosofia. São Paulo, Ed. Grijalbo, 1969
MARX, Karl. O Capital – Crítica da Economia Política: Volume II: Livro primeiro: O
processo de produção do capital. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
MARX, Karl. Prefácio da 1ª Edição e Posfácio da 2ª Edição de O Capital. In: O Capital. São
Paulo, Abril Cultural, 1983, Livro I, Vol. 1 p.11-22,
MARX, Karl.. Método da economia política. In: Contribuição para a crítica da economia
política. Lisboa: Estampa, 1977, p. 228-236.
MASI, Domenico de - O ócio Criativo - Rio de Janeiro - Sextante - 2000
MATOSO, j. & POCHMANN, M. Reestruturação ou Desestruturação Pr0dutiva no BraIL..
CampinAs: CESIT, IE/ UNICAMP. 1997
MATTOS, Marcelo Badaró. Classes sociais e luta de classes: a atualidade de um debate
conceitual. In: Revista em Pauta, nº 20, 2007. (pp.33-55)
MATTOS, Marcelo Badaró. Classes sociais e luta de classes: a atualidade de um debate
conceitual. In: Revista em Pauta, nº 20, 2007. (pp.33-55)
MATTOS, Marcelo Badaró. Reorganizando em meio ao refluxo: esforços organizativos e
reposicionamentos entre movimentos políticos e sociais dos trabalhadores durante o governo
Lula. http://lasa.international.pitt.edu/members/congress-papers/lasa2009/files/
BadaroMattosMarcelo. Pdf. Acesso: setembro de 2009.
MESQUITA, Marcos Roberto. O desemprego dos jovens e as políticas públicas no Brasil pós
1990. Campinas, SP: [s.n.], 2006. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
MESTRUM, Francine. A luta contra a pobreza: utilidade pública de um discurso na nova
ordem mundial. In: AMIN, Samir e HOUTART, François (Orgs). Mundialização das
resistências: o estado das lutas. São Paulo/SP: Cortez, 2003 (p.241-158).
MÉSZÁROS, Içavam.. Para Além do capital. São Paulo, Boitempo Editorial, 2002.
MÉSZÁROS, Istvan . , O desfio e o fardo do tempo histórico. São Paulo, Boitempo, 2007
MÈSZÀROS, Istvan. Educação para além do capital. Campinas, São Paulo. Boitempo, 2005.
MORAES, C.. Emprego ou empregabilidade. Revista Ícaro Brasil, Varig (171): 53-57, 1998.
MOREIRA, Evaldo de Assis. Políticas públicas para a educação básica de jovens e adultos na
região metropolitana de são paulo – RMSP: o caso do ProJovem (2005-2007). Dissertação
(mestrado). Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana, do Departamento de
Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo. 2008.
MOTTA, Vânia C. Da Ideologia do Capital Humano à Ideologia do Capital Social: as
políticas de desenvolvimento do milênio e os novos mecanismos hegemônicos de educar para
o conformismo. Tese de Doutorado defendida no Programa de Pós-graduação em Serviço
Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro/RJ, 2007.
NASCIMENTO. Martha de Cássia. Práticas Administrativas e Pedagógicas Desenvolvidas na
Implementação do Proeja na EAFAJT: Discurso e Realidade. 2009. Brasília. Universidade de
275
Brasília – UnB. Faculdade de Educação – FE. Programa de Pós-Graduação em Educação –
PPGE.
NEVES, Bruno Miranda; PARANHOS, Michelle; SILVA, Simone. A luta pela formação
omnilateral, politécnica e unitária na transição do século XX ao XXI. In: [Anais do] III
Seminário Vozes da Educação, 2007.
NEVES, Lúcia Maria Wanderley (Org.). Educação e política no limiar do século XXI.
Campinas: Autores Associados, 2000.
NEVES, Lúcia Maria Wanderley; PRONKO, Marcela Alejandra. O mercado do
conhecimento e o conhecimento para o mercado. Rio de Janeiro: EPSJV, 2008.
NEVES, Lúcia Maria, Wanderley (Org) A nova pedagogia da hegemonia. Estratégias do
capital para educar o consenso. São Paulo, Xamã, 2005.
NEVES. Luiz Maria Wanderly (org.). A nova pedagogia da hegemonia. Estratégias do
capital para educar o consenso. São Paulo, Xamã, 205.
OFFE, Claus.Trabalhio, Categoria chave da sociologia? Revista Brasileira de Ciências
Sociais.Rio de Janeiro, ANPOCS, (10 p. 5-20, 1989.
OIT. Trabalho Decente e Juventude no Brasil. Brasília: 2009.
OLIVEIRA, Alcivam Paulo. A Relação Entre o Público e o Privado na Educação Superior
no Brasil e o Programa Universidade Para Todos (Prouni). Recife, 2007. Tese de Doutorado
em Educação – Universidade Federal de Pernambuco.
OLIVEIRA, E. C. de; CEZARINO, K. R. de A. Os sentidos do Proeja: possibilidades e
OLIVEIRA, F. De, Hay vias abiertas para América Latina? In: BORON, A (compilador)
Nueva Hegemonía Mundial - Alternativas de cambio y movimientos sociales . Buenos Aires,
CLACSO, 2004,
OLIVEIRA, Francisco. De, Hay vias abiertas para América Latina? In: BORON, A
(compilador) Nueva Hegemonía Mundial - Alternativas de cambio y movimientos sociales .
Buenos Aires, CLACSO, 2004,
OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista. O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo,
2003
OLIVEIRA, Francisco de. Das invenções à indeterminação. In OLIVEIRA, Francisco de e
RIZEK, Sibele Saliba. A era da Indeterminação. São Paulo, Boitempo, 2007, p.15-49
OLIVEIRA, Francisco de. Das invenções à indeterminação. In OLIVEIRA, Francisco de e
RIZEK, Sibele Saliba. A era da Indeterminação. São Paulo, Boitempo, 2007, p.15-49
OLIVEIRA, Francisco de. O avesso do avesso. São Paulo, Revista Piauí, nº 37, outubro
2009.
OLIVEIRA, Francisco de. O elo perdido. Classe e identidade de classe. São Paulo:
Brasiliense, 1987.
OLIVEIRA, Francisco de. O elo perdido. Classe e identidade de classe. São Paulo:
Brasiliense, 1987.
OLIVEIRA, Francisco de. Passagem na neblina. In: classes sociais em mudança e a luta pelo
socialismo. SP: Editora Fundação Perseu Abramo, 2000. pp. 7-21)
OLIVEIRA, Francisco de. Revista reportagem, n. 41, fev.2003a. Entrevista concedida a
Fernando Haddad e Leda Paulani
OLIVEIRA, Francisco. Das Invenções à Indeterminação: política numa era de
indeterminação: opacidade e reencantamento. In: OLIVEIRA e RIZEK (Orgs). A Era da
Indeterminação. São Paulo: Boitempo, 2007.
OLIVEIRA, Francisco. de. Os direitos do antivalor. Rio de Janeiro, Vozes, 1998.
OLIVEIRA, Francisco. O Estado e a exceção ou o estado de exceção? Revista Brasileira de
Estudos Urbanos e Regionais, Florianópolis, v. 5, n.1. 2003a. p.11.
276
OLIVEIRA, Francisco. Questões em torno da esfera pública. In: SERRA, Rose. Trabalho e
reprodução: enfoques e abordagens. São Paulo: Cortez, 2001.
PARANHOS, Michelle Pinto. A política educacional para a formação dos trabalhadores e a
especificidade do projeto capitalista brasileiro: o ideário Educacional em função da
(des)qualificação do trabalho. Boletim Técnico do Senac. Rio de Janeiro, v. 36, n.2, maio/ago.
2010.
PASOLINI, Pier Paolo. Os jovens infelizes: antologia de ensaios corsários. São Paulo:
Brasiliense, 1990.
PASTORE, José. O emprego do futuro. Revista Onda Jovem. Instituto Votorantim. Ano I –
Número 2 – Julho. 2005.
PAULANI, Leda. O Projeto neoliberal para a sociedade brasileira: sua dinâmica e seus
impasses. IN: LIMA, Júlio Cesar.França e NEVES, Lúcia maria Wanderlei. Fundamentos da
educação escolar do Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 2006.
PEREIRA, Luciléia. Juventude, Participação e Direitos. Um olhar para as percepções de
jovens do Rio de Janeiro sobre sua participação no ProJovem (Programa Nacional de
Inclusão de Jovens: Educação Qualificação e Ação Comunitária). Dissertação (Mestrado).
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social do Departamento de Serviço Social do Centro
de Ciências Sociais da PUC-Rio. 2007.
PIRES, Márcia Gardênia Lustosa. A educação dos trabalhadores na sociabilidade do capital:
estudo a partir do ProJovem fortaleza. Dissertação (mestrado). Programa De Pós-Graduação
Em Educação Brasileira. Universidade Federal Do Ceará. Fortaleza. 2007
POCHMANN, Márcio . Proletarização da classe média brasileira. Fórum, v. 34, p. F29-29,
2006
POCHMANN, Márcio. A Batalha pelo Primeiro Emprego: As Perspectivas e a Situação Atual
do Jovem no Mercado de Trabalho. São Paulo: Publisher Brasil, 2000. v. 1. 95 p.
POCHMANN, Márcio. Economia brasileira hoje: seus principais problemas hoje. In: LIMA,
Júlio César França; NEVES, Lúcia Maria Wanderley. Fundamentos da educação escolar do
Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Ed. FIOCRUZ, 2006.
POCHMANN, Márcio. Educação e trabalho: como desenvolver uma relação virtuosa?
Educação e Sociedade, Campinas, v.25, n.87, p.383-399, maio/agosto 2004.
POCHMANN, Márcio. O emprego no desenvolvimento da nação. São Paulo: Boitempo,
2008.
POCHMANN, Márcio. O emprego no desenvolvimento da nação. São Paulo: Boitempo,
2008.
POCHMANN, Márcio. O trabalho sob fogo cruzado. São Paulo. Contexto, 2002.
POCHMANN, Márcio. Tecnologia e emprego: Algumas evidências sobre o caso brasileiro.
São Paulo, 2004.
PRADO JUNIOr, Caio. A Revolução Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1966
PUTNAM, Robert D. Comunidade e Democracia a experiência da Itália moderna. 3ª ed. Rio
de Janeiro/RJ: FGV, 2002.
RAMONET, I. O pensamento único e os regimes globalitários. In: FIORI, J. L.;
LOURENÇO, M. S.; NORONHA, J. C. Globalização: o fato e o mito. Rio de Janeiro:
EDUERJ, 1998.
RAMOS, Marise Nogueira. Do ensino técnico à educação tecnológica: (a)-historicidade das
políticas dos anos 90. Dissertação de mestrado. UFF, Niterói, 1995.
RAMOS, Marise Nogueira. Da qualificação à competência: deslocamento conceitual na
relação trabalho-educação. Tese de doutorado em Educação – Universidade Federal
Fluminense. Niterói/Rio de Janeiro. 2001.
277
RAMOS, Marise Nogueira. A pedagogia das competências: Autonomia ou adaptação? São
Paulo, Cortez, 2001
RAMOS, Marise. O ensino médio ao longo do século XX: um projeto inacabado. In:
STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara. Histórias e memórias da educação
no Brasil. Petrópolis(RJ): Vozes, 2005.
REIS, Daniela Santana Reis. Protagonistas e Coadjuvantes na Odisséia do Primeiro Emprego:
Uma Análise do Papel da Sociedade Civil na Execução do PNPE/CSJ. Rio de Janeiro. 2007.
Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Estácio de Sá (UNESA).
RODRIGUES, Manoel Antonio Quaresma. O Proeja No Cefet-Pa: O Currículo Prescrito,
Concebido e Percebido na Perspectiva da Integração. 2009. Brasília. Universidade De
Brasília. Faculdade De Educação. Programa De Pós-Graduação Em Educação.
SAVIANI, Dermeval. O choque teórico da politecnia. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de
Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz, Vol. 1, Nº 1, Mar. 2003. pp.131-152.
SCHAFF, Adam, Sociedade informática.São Paulo, Brasiliense, 1990
SCHULTZ, Theodoro. Capital humano. R. de Janeiro, Zahar, 1973.
SCHULTZ, Theodoro. O valor econômico da educação. Rio de Janeiro, Zahar, 1962
SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro, Editora
Fundo de Cultura, 1961.
SENNETT, Ricahard. A corrosão do caráter. Rio de Janeiro: Record, 1999.
SILVA, Neilton ( org.) Estado do Conhecimento, Juventude e escolarização.
SILVA, Neilton. Política pública, estratégias de formação profissional e inserção de jovens
no mundo do trabalho: o protagonismo da ONG campo no âmbito do PNPE/CSJ no Rio de
Janeiro. Rio de janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade Estácio de Sá (UNESA).
SOARES, Sergio Amarildo Evangelista. Necessidades juvenis, trabalho políticas públicas: um
estudo do Programa Nacional de Estímulo ao primeiro emprego, Caxias
SPÓSITO, Marília Pontes. Algumas reflexões e muitas indagações sobre as relações entre
juventude e escola no Brasil. In: Abramo, H. W.; Branco, P. P. M. (Orgs.).Retratos da
juventude brasileira. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; Instituto Cidadania; 2005, p. 175-
214.
STEIN, Rosa Helena. Capital social, desenvolvimento e políticas públicas. Serviço Social e
Sociedade, São Paulo: v.73, mar., p. 157-197, 2003.
STIGLITZ, J.E. A Globalização e seus malefícios: a promessa não-cumprida de benefícios
globais. 4ª ed. São Paulo: Futura, 2003.
THOMPSON, Edward P. A miséria da teoria. Rio de Janeiro: Zahar, 1981
UNESCO Políticas Públicas De/Para/Com as Juventudes. Brasília, UNESCO, 2004.
UNESCO. Década da educação das Nações Unidas para um desenvolvimento sustentável,
2005-2014: documento final do esquema internacional de implementação. Brasília:
UNESCO, 2005.
VENTURA, Jaqueline Pereira. Educação de Jovens e Adultos ou Educação da Classe
Trabalhadora? Concepções em Disputa na Contemporaneidade Brasileira. Tese (Doutorado
em Educação). UFF. Programa de Pós-Graduação em Educação. Niterói. 2008.
VIERIA, Carlos Eduardo e De OLIVEIRA, Marcus Aurélio Taborda. Thompson e Gramsci:
História, política e Processo de Formação. Revista Educação e Sociedade. Campinas, v. 31, n.
111, p. 519-537, abr.-jun. 2010
VIERIA, Carlos Eduardo e De OLIVEIRA, Marcus Aurélio Taborda. Thompson e Gramsci:
História, política e Processo de Formação. Revista Educação e Sociedade. Campinas, v. 31, n.
111, p. 519-537, abr.-jun. 2010
278
WOOD, Ellen Meiksins. Classe como processo e como relação. In: Democracia contra
capitalismo: a renovação do materialismo histórico. SP: Boitempo, 2003. (pp. 73-98)
ZARIFIAN Apud. BATISTA, Roberto Leme. A Panacéia das competências: uma
problematização preliminar. In: ALVES, G; GONZALES, J. L. C.; BATISTA, R. M.
Trabalho e educação: contradição do capitalismo global. Londrina: Práxis, 2006. p. 96.
279
ANEXOS
280
3. Os circuitos da história e o balanço da educação no Brasil na primeira
década do século XXI.
Introdução.
A história nunca se fecha por si mesma e nunca se fecha para sempre.. São os homens, em
grupos e confrontando-se como classes em conflito, que ´fecham´ ou ´abrem´ os circuitos da
história. (Florestan Fernandes. Os circuitos da história. São Paulo, HUCITEC, 1977, p.5)
Tenho a dimensão da responsabilidade pela tarefa que assumi, tanto pela abrangência
do tema, complexidade do conteúdo e delicado momento político que vivemos, quanto pelo
desafio de ser para quem se destina esta conferência. Falar aos próprios pares, sem dúvida,
traz a vantagem de debater com interlocutores que se ocupam do tema, mas, exatamente por
isso, a exigência torna-se mais aguda e espinhosa.
Só posso explicar o lapso de insanidade ao aceitar o convite por tê-lo interpretado
como uma tarefa para quem, ainda como aluno de pós-graduação em 1976 esteve no processo
de debates que levaram à criação da ANPED, fundada em 1978. Mas neste momento isto não
é um consolo e nem me retira o compromisso e a responsabilidade. E fiel a eles, posso
adiantar: o que busco nesta exposição não é o consenso balofo, mas o dissenso crítico.
Não só pelo fato de estarmos vivendo o momento em que se completam 15 anos da
morte de Florestan Fernandes, mas pelo que representa sua contribuição intelectual para
entendermos o que somos e o que nos trouxe até aqui, eu o tomo como referência básica para
a leitura que faço da primeira década do século XXI, quanto à relação entre projeto societário
e educação.
Para Florestan, a história nunca se fecha por si mesma e nunca se fecha para sempre.
São os homens, em grupos e confrontando-se como classes em conflito, que ´fecham´ ou
´abrem´ os circuitos da história. (Fernandes, 1997:5)
Tal compreensão me conduz a uma exposição que se estrutura em três pontos: o
primeiro trata da indicação de alguns pressupostos e das opções e embates em torno do
projeto societário que marcam a conjuntura da década; o segundo, traçado justamente com
base nesses pressupostos e opções de projeto societário, engloba o balanço indicativo daquilo
que entendo ser marcante nesta década com respeito à educação; e, por fim, o terceiro ponto,
281
onde levanto algumas questões que nos afetam como ANPED e nos interpelam como
pesquisadores ou jovens em formação na pesquisa e pós-graduação na área.
Esses três aspectos não decorrem de uma eleição arbitrária, mas, sim, daquilo que
entendo seja a própria natureza de uma entidade que congrega pesquisadores e discute tanto
os pressupostos e método quanto os resultados de um trabalho específico que busca a
cientificidade do saber134 e, da mesma forma, o sentido histórico, social, cultural e ético-
político de sua produção.
Pela estrutura de minha fala que, de saída, apresentei, os colegas já podem perceber
que minha opção para a elaboração do balanço refere-se muito mais a um roteiro indicativo
que pode-nos permitir uma leitura histórica desta conjuntura do que à aventura de fazer
superficialmente um outro tipo de balanço, trazendo aqui uma espécie de estado da arte do
que foi produzido, na sua maior parte justamente pelos que me estão escutando, sobre o que
ocorreu na área de educação durante o período. Esta não é tarefa a ser vencida numa
conferência, mas por uma pesquisa de vários anos.
1. De que pressupostos parto e qual a opção de projeto societário marca esta década?
Qualquer que seja o objeto de análise no campo das ciências humanas e sociais que se
queira tratar no plano da historicidade, vale dizer, no campo das contradições, mediações e
determinações que o constituem, implica necessariamente tomá-lo na relação inseparável
entre o estrutural e o conjuntural. Por outra parte, implica tomar o objeto de análise não como
um fator, mas como parte de uma totalidade histórica que o constitui, na qual se estabelecem
as mediações entre o campo da particularidade e sua relação com uma determinada
universalidade.
Assim sendo, entendo que a década de 2001 a 2010 não se interpreta nela mesma e,
tampouco, pelo que nela se fez, mas pela natureza deste fazer e das forças sociais que o
materializam para além das intenções e do discurso. A este auditório, mormente à geração a
que pertenço, mas não só, caberia, quiçá, enfrentar o mesmo desafio intelectual e político que
Florestan Fernandes (1977) enfrentou ao fazer o balanço de sua geração. Assim é que
relembro, aqui, para todos nós, que Florestan, ao definir a sua geração como geração perdida,
134
Ver a esse respeito a discussão “Marx e a cientificidade do saber” (Barata-Moura, 1997: 69-148) na qual é
feita distinção entre a ciência como força produtiva e a cientificidade do saber.
282
interroga sobre o que pretendiam, por que falharam e quais lições poderiam ser tiradas para o
futuro.
O que pretendo demarcar é que, como conjuntura, a década começa em janeiro de
2003, com a posse do atual governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, já que não é o
tempo cronológico que define uma conjuntura, mas a natureza dos acontecimentos e dos fatos,
e as forças sociais que os produzem.
O começo, em janeiro de 2003, traduz-se no fato de que, não obstante as diferenças
entre a eleição de 1989 e a de 2002, as forças sociais progressistas que conduziram ao poder o
atual governo tinham, em sua origem, a tarefa de alterar a natureza do projeto societário, com
consequências para todos as áreas. Francisco de Oliveira sintetiza qual era a tarefa e o seu
sentido:
Na periodização de logue duré brasileira, a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para
a Presidência da República, ancorada na excepcional performance do Partido dos
Trabalhadores e de uma ampla frente de esquerda, tem tudo para ser uma espécie de quarta
refundação da história nacional, isto é, um marco de não retorno a partir do qual impõem-se
novos desdobramentos. (...). É tarefa das classes dominadas civilizar a dominação, o que as
elites brasileiras foram incapazes de fazer. O que se exige do novo governo é de uma
radicalidade que está muito além de simplesmente fazer um governo desenvolvimentista
(Oliveira, 2003, p.3)
135
No espaço deste texto torna-se inviável expor essas razões e determinações. Para esse fim ver: Oliveira (2004
e 2010), Coutinho, (2006 e 2010) Frigotto (2005) e Paulani (2006 e 2008).
283
sujeito político, condição indispensável, como nos ensina Gramsci, para mudar um
determinado panorama ideológico, construir bases para relações sociais de novo tipo e de
caráter socialista.
Na lição principal para a sua geração, pensando em nossa realidade histórica, Florestan
qualifica esse movimento e o papel do intelectual ou da intelligentia crítica, lição que guarda
viva atualidade:
Não foi um erro confiar na democracia e lutar pela revolução nacional. O erro foi
outro – o de supor que se poderiam atingir esses fins percorrendo a estrada real dos
privilégios na companhia dos privilegiados. Não há reforma que concilie uma minoria
prepotente a uma maioria desvalida. (...) A causa principal consiste em ficar rente à maioria
e às suas necessidades econômicas, culturais e políticas: pôr o povo no centro da história,
como mola mestra da Nação. O que devemos fazer não é lutar pelo Povo. As nossas tarefas
são de outro calibre: devemos colocar-nos a serviço do Povo brasileiro para que ele adquira,
com maior rapidez e profundidade possíveis a consciência de si próprio e possa desencadear,
por sua conta, a revolução nacional que instaure no Brasil uma nova ordem social
democrática e um estado fundado na dominação efetiva da maioria. (Fernandes., 1977: 245-
6).
André Singer, porta-voz durante os quatro primeiros anos do atual governo, ao analisar
o que denomina de Lulismo, define-o por sua especificidade quanto à opção por um
determinado projeto societário e à natureza das políticas públicas e seu sentido político,
dando-nos, ao mesmo tempo, elementos para percebermos as diferenças de tais políticas em
relação ao passado, especialmente, a década de 1990.
A continuidade da década presente em relação ao passado incide no erro da geração
perdida – a opção por conciliar uma minoria prepotente a uma maioria desvalida – mediante
o combate à desigualdade dentro da ordem de uma sociedade capitalista onde sua classe
dominante é das mais violentas e despóticas do mundo.
Com efeito, como assinala Singer, a conciliação dá-se, por um lado, na continuidade
da política macroeconômica, fiel aos interesses da classe detentora do capital e, por outro, no
investimento na melhoria de vida de uma fração de classe (trabalhadora) que, embora
majoritária, não consegue construir desde baixo as suas próprias formas de organização.
(Singer, 2009, p. 84). Tal opção política por executar o programa de combate à desigualdade
dentro da ordem (grifos do autor) confeccionou nova via ideológica, com união de bandeiras
que pareciam não combinar (ibid. p. 97).
Continuidade, no entanto, não significa que um mesmo projeto estrutural seja
conduzido da mesma forma. As forças que protagonizaram o chamado ajuste estrutural na
década de 1990, particularmente durante os oito anos do governo Fernando Henrique
137
Na antinomia você sabe onde está pisando. Ela afirma duas proposições que efetivamente são radical e
absolutamente incompatíveis, é pegar ou largar. Já a contradição é uma questão de parcialidades e aspectos;
apenas uma parte dela é incompatível com a proposição que a acompanha; na verdade, ela pode ter mais a ver
com forças ou com o estado das coisas do que com palavras e implicações lógicas. (...). Nossa época é bem mais
propícia ao terreno da antinomia do que da contradição. Mesmo no próprio marxismo, terra natal desta última,
tendências mais avançadas reclamam da questão da contradição e se aborrecem com ela. (JAMESON,1997, p.
17-18)
285
Cardoso, representam o núcleo dominante da minoria prepotente, o qual, por seus vínculos
orgânicos com o grande capital e quadros de intelectuais altamente preparados, definiram o
movimento de pêndulo, a que se refere Otávio Ianni (1986), entre a construção de uma nação
autônoma e soberana e um projeto modernizador e de capitalismo dependente.
As reformas neoliberais, ao longo do governo Fernando Henrique, aprofundaram a
opção pela modernização e dependência mediante um projeto ortodoxo de caráter monetarista
e financista/rentista. Em nome do ajuste, privatizaram a nação, desapropriaram o seu
patrimônio (Petras e Veltmeyer, 2001), desmontaram a face social do Estado e ampliaram a
sua face que se constituía como garantia do capital. Seu fundamento é o liberalismo
conservador redutor da sociedade a um conjunto de consumidores. Por isso, o indivíduo não
mais está referido à sociedade, mas ao mercado. A educação não mais é direito social e
subjetivo, mas um serviço mercantil.
O que quero sublinhar é que, a despeito da continuidade no essencial da política
macroeconômica, a conjuntura desta década se diferencia da década de 1990 em diversos
aspectos, tais como: retomada, ainda que de forma problemática, da agenda do
desenvolvimento; alteração substantiva da política externa e da postura face às privatizações;
recuperação, mesmo que relativa, do Estado na sua face social; diminuição do desemprego
aberto, mesmo que tanto os dados quanto o conceito de emprego possam ser questionados;
aumento real do salário mínimo (ainda que permaneça mínimo); relação distinta com os
movimentos sociais, não mais demonizados nem tomados como caso de polícia; e ampliação
intensa de políticas e programas direcionados à grande massa não organizada que vivia abaixo
da linha da pobreza ou num nível elementar de sobrevivência e consumo.
Trata-se, neste ultimo caso, não apenas da realização de políticas compensatórias e de
parca distribuição de renda, como é o Programa Bolsa Família, ou das políticas de
descriminação positiva, mas do acesso diferenciado e intenso ao crédito para a casa própria e
a bens de consumo, a programas de acesso à energia, etc. Vale lembrar aqui a aguda
observação de Bertotl Brecht: Para quem tem boa posição social falar de comida é coisa
baixa. É compreensível, eles já comeram138.
O indicador dessas diferenças pode ser aquilatado por dois caminhos de origem
diametralmente diversa: um furor da classe dominante e de seus aparelhos de hegemonia 139
138
Ver: www.kifrases.blogspot.com /2010.
139
Uma crônica de Luís Fernando Veríssimo sobre o comportamento da grande imprensa nas eleições atuais
traça com fina ironia este furor. Ver: Veríssimo, Luiz Fernando. Corrida de dez dias. Rio de Janeiro, jornal O
Globo, 23.09.2010, p. 7
286
contra as políticas aqui exemplificadas, por retirarem migalhas da reprodução ampliada do
capital ou de seus privilégios; e um comportamento de gratidão e de apoio das multidões que
objetivamente sentem a melhora efetiva de suas vidas, grande parte passando da indigência à
sobrevivência e outra parcela subindo um degrau na escala do consumo. Não por acaso esta
massa é a grande responsável pelos índices estáveis próximos de 80% de avaliação do atual
governo como ótima.
O problema não é a real necessidade de um projeto de desenvolvimento e a adoção de
políticas compensatórias ampliadas como travessia. O equívoco está em que as mesmas não
se vinculam à radicalidade que está muito além de simplesmente fazer um governo
desenvolvimentista sem confrontar as relações sociais dominantes.
Como sustenta o historiador Eric Hobsbawm, o “desenvolvimento sustentável” não
pode operar através do mercado, mas deve operar contra ele. (Hobsbawm, 1992. p. 270).
Implica, sobretudo, uma investida contra as fortalezas centrais da economia de mercado e de
consumo. Isso exigirá não apenas uma sociedade melhor que a do passado, mas como sempre
sustentaram os socialistas, um tipo diferente de sociedade (ibid., p. 270).
Assim, ao final dessa década, podemos afirmar que no plano estrutural, embora não se
tenha a mesma opção dos que no passado recente venderam a nação e haja avanços
significativos no plano social, mormente para o grande contingente da população até então
mantido na indigência, o marco de não retorno não se estabeleceu e o circuito das estruturas
que produzem a desigualdade não foi rompido. A lição principal de que nos fala Florestan,
lamentavelmente, no seu conteúdo fundamental, não foi aprendida.
O que expus até aqui, penso, permite-me, de forma muito resumida, explicitar a leitura
que faço do campo educacional nesta década, abordando os processos educativos,
institucionalizados ou não.
O pressuposto basilar da leitura a que me refiro incide no fato de que, ao não disputar
um projeto societário antagônico à modernização e ao capitalismo dependente e, portanto, à
expansão do capital em nossa sociedade, centrando-se num projeto desenvolvimentista com
foco no consumo e, ao estabelecer políticas e programas para a grande massa de desvalidos,
harmonizando-as com os interesses da classe dominante (a minoria prepotente), o governo
287
também não disputou um projeto educacional antagônico, no conteúdo, no método e na
forma.
Isso explica, do meu pronto de vista, por que o acúmulo de debates e de produção
teórica produzidos no combate à ditadura civil-militar, na transição para a
“redemocratização”, no processo constituinte e no combate à ditadura do mercado na
educação, na década de 1990, não tenha sido apropriado ou apenas marginalmente apropriado
por alguns setores. Refiro-me aqui às Conferências Brasileiras de Educação (CBES), ao
Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP) e, posteriormente, às Conferências
Nacionais de Educação (CONEDS) e Fóruns Mundiais de Educação (FMES), espaços cuja
atividade deixou de ser apropriada 140, especialmente, a produção teórica de caráter crítico que
neles teve lugar, na década de 1980, e que foi produzida no seio da pós-graduação da área,
particularmente em alguns programas.
Também explica a fragmentação e o abandono por parte de grande parcela dos setores
críticos organizados da área quanto a disputar a direção das políticas educacionais,
favorecendo a dupla deformação política sublinhada por Karel Kosik (1969): a postura da
bela alma e a do comissário. No primeiro caso, trata-se do encastelamento no plano de uma
pureza teórica abstrata e moralista para a qual tudo é reformismo, o que conduz a uma posição
imobilista. No segundo caso, está o comissário centrado em suas fatias de poder, exercendo
uma atitude pragmática, utilitarista e oportunista, capaz de subordinar os interessas da
sociedade aos seus.
A junção da fragmentação ao abandono do campo crítico na disputa pelo projeto
educativo e o foco de atendimento da grande massa desorganizada e despolitizada resultou
naquilo que foi dominante na educação durante a década – a política da melhoria mediante as
parcerias do público e privado.
Desse desfecho resulta que no plano estrutural se reiteram as reformas que mudam
aspectos do panorama educacional sem alterar nossa herança histórica que atribui caráter
secundário à educação como direito universal e com igual qualidade. Não só algo secundário
mas desnecessário para o projeto modernizador e de capitalismo dependente aqui viabilizado.
140
Destaco a década de 1980 porque nela a área não tinha caído, como veremos adiante, na armadilha do
produtivismo ou submergido aos critérios mercantis, construindo um processo de mercantilização na produção
acadêmica. Por certo, este seria um tema central para uma ampla pesquisa, cuja hipótese mais provável, que
poderia vir a ser revelada, poderia indicar uma grande indigência intelectual e uma produção com pouco sentido
social e humano efetivamente transformador das atuais relações sociais.
288
No plano das políticas educacionais, da educação básica à pós-graduação, resulta,
paradoxalmente, que as concepções e práticas educacionais vigentes na década de 1990
definem dominantemente a primeira década do século XXI, afirmando as parcerias do público
e privado, ampliando a dualidade estrutural da educação e penetrando, de forma ampla,
mormente nas instituições educativas públicas, mas não só, e na educação básica, abrangendo
desde o conteúdo do conhecimento até os métodos de sua produção ou socialização.
A não mudança estrutural a que me refiro pode ser nitidamente percebida pela leitura
de balanços-síntese feitos por três intelectuais representantes do pensamento crítico, os quais
evidenciam que, tomados os últimos 80 anos, a prioridade da educação sustenta-se apenas no
discurso retórico.
Antônio Cândido, referindo-se aos ideais educacionais dominantes na década de 1930,
conclui:
Tratava-se de ampliar e “melhorar” o recrutamento da massa votante e de enriquecer a
composição da elite votada. Portanto, não era uma revolução educacional, mas uma reforma
ampla, pois o que concerne ao grosso da população a situação pouco se alterou. Nós
sabemos que (ao contrário do que pensavam aqueles liberais)141 as reformas da educação
não geram mudanças essenciais na sociedade, porque não modificam a sua estrutura e o
saber continua mais ou menos como privilégio. São as revoluções verdadeiras que
possibilitam as reformas de ensino em profundidade, de maneira a torná-lo acessível a todos,
promovendo a igualitarização das oportunidades. Na América Latina, até hoje isto só
ocorreu em Cuba a partir de 1959 (Cândido, 1984, p. 28)
Quatro décadas depois, Florestan Fernandes, batalhador das teses dos movimentos
sociais e organizações científicas defensoras de um projeto educacional que desse base a
mudanças estruturais, chega à conclusão similar a de Antônio Cândido, referindo-se à
Constituição de 1988:
A educação nunca foi algo de fundamental no Brasil, e muitos esperavam que isso
mudasse com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte. Mas a Constituição
promulgada em 1988, confirmando que a educação é tida como assunto menor, não alterou a
situação (Fernandes, 1992).
141
Cândido, no artigo em questão, refere-se às reformas propostas por Sampaio Dória, em 1920, Lourenço Filho,
no Ceará (1924) e Fernando Azevedo (1928), no Distrito Federal, base para o que se desenvolveria no Governo
Provisório após 1930 com a criação do Ministério de Educação e Saúde, confiado a Francisco Campos, que fora
o reformador da instrução pública em Minas Gerais.
289
confirmar que permanecem inalteradas, até o presente, as análises de Antônio Cândido e
Florestan Fernandes.142
Com efeito, duas décadas depois do balanço feito por Florestan, Dermeval Saviani,
referindo-se ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que, secundarizando-o, se
superpõe ao Plano Nacional de Educação (PND) e à numerologia que o acompanha, sustenta:
Fica-se com a impressão que estamos diante, mais uma vez dos famosos mecanismos
protelatórios. Nós chegamos ao final do século XX sem resolver um problema que os
principais países, inclusive nossos vizinhos Argentina e Uruguai, resolveram na virada do
século XIX para o XX: a universalização do ensino fundamental, com a conseqüente
erradicação do analfabetismo. (Saviani, 2007.p.3). E referindo-se ao conteúdo das políticas,
Conclui: (...) do ponto de vista da pedagogia histórico-crítica, o questionamento ao
PDE dirige-se á própria lógica que o embasa. Com efeito, essa lógica poderia ser traduzida
como uma espécie de “pedagogia de resultados”. Assim, o governo se equipa com
instrumentos de avaliação dos produtos forçando, com isso, que o processo se ajuste a essa
demanda. É, pois, uma lógica do mercado que se guia, nas atuais circunstâncias, pelos
mecanismos das chamadas “pedagogia das competências e da qualidade total” (ibid p.3.)
142
Para uma visão crítica sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Plano Nacional de
Educação ver , respectivamente, Saviani ( 1999 e 2008).
290
continuidade cai no plano antinômico da retórica e não condiz com o compromisso que tenho
por revelar o plano contraditório do contexto.
Por isso, naquilo que é, especificamente, competência da esfera federal em sua função
suplementar há diferenças no que tange à abrangência das políticas, aos grupos sociais
atendidos e ao financiamento posto em prática. Assim, podemos assinalar a criação de mais
quatorze novas Universidades Federais, a abertura de Concursos Públicos, a ampliação dos
recursos de custeio e uma intensa ampliação dos antigos Centros Federais de Educação
Tecnológica, atualmente transformados em Institutos Federais de Ciência e Tecnologia
(IFTs). Nesse âmbito, foram criadas 214 novas escolas a eles vinculados e cerca de 500 mil
matrículas.
É preciso também assinalar que houve ênfase nas políticas voltadas para a educação de
jovens e adultos e para a educação da população indígena e afrodescendente. Por certo, não se
pode reduzir tais feitos ao debate sobre a política de cotas e menos ainda que tal debate se
reduza, uma vez mais, ao pensamento dicotômico do a favor ou contra. Trata-se de ver quais
forças sociais as demandam, qual sua sinalização social e política e qual o seu ardil.
O atual governo também se mostrou diferenciado no apoio dado ao projeto pedagógico
desenvolvido pelo Movimento dos Sem Terra e às suas iniciativas no importante processo de
alterar a concepção e as práticas de educação no campo. A Comissão Parlamentar de Inquérito
contra o MST, “olho por olho, dente por dente”, do ponto de vista dos órgãos de fiscalização,
em relação aos convênios do MST e à sua sistemática demonização, quando analisada pela
imprensa e pelas forças ligadas ao latifúndio, sinaliza essa diferença.
No plano do financiamento, a criação do FUNDEB, com todos os limites da natureza
dos recursos ligados ao fundo e não constitucionais, incorporou a educação infantil e o ensino
médio, antes não contemplados. Para cobrir todas as modalidades, na sua função suplementar,
esta em tramitação final, tem lugar a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação Profissional e Tecnológica. (FUNDEP). E outro aspecto diferenciado, ainda que
em termos muitíssimos baixos, é a fixação do piso nacional para o magistério da educação
básica, uma conquista histórica do magistério nacional.
Reitero aqui, também, que o problema não está na necessidade de que se reveste a
maior parte dessas ações e políticas, mas, sim, na forma de sua gestão e na concepção que as
orientam. Com respeito à gestão, o viés contraditório dá-se por serem tais ações e políticas,
em grande parte, pautadas na opção pelas parcerias do público com o privado e dentro de uma
291
perspectiva daquilo que Saviani denominou de pedagogia dos resultados, sem a disputa pela
concepção que as orientam.
Com isso, o Estado, em vez de alargar o fundo público na perspectiva do atendimento
a políticas públicas de caráter universal, fragmenta as ações em políticas focais que amenizam
os efeitos, sem alterar substancialmente as suas determinações. E, dentro dessa lógica, é dada
ênfase aos processos de avaliação de resultados balizados pelo produtivismo e à sua filosofia
mercantil, em nome da qual os processos pedagógicos são desenvolvidos mediante a
pedagogia das competências.
Nesse contexto, as concepções de educação centradas na pedagogia histórico-crítica e,
portanto, as possibilidades de uma educação unitária e omnilateral e as suas exigências em
termos das bases materiais que lhes dão viabilidade, disputadas quando da definição do Plano
Nacional de Educação, explicitadas em diferentes Conferências Nacionais e que afetam a
educação no conjunto da federação, mormente a educação básica, ficam subvertidas
dominantemente pela concepção mercantil.
Três aspectos reforçam tal compreensão: dois já enunciados acima – a dispersão e
fragmentação do campo de esquerda e o fato de o governo não ter assumido o acúmulo
teórico crítico como opção. O terceiro diz respeito ao que bem demonstra Saviani em relação
aos debates ocorridos durante a recente Conferência Nacional de Educação (realizada de 28
de março a 01 de abril de 2010), a qual, a despeito da importância dos seus temas e
discussões, foi simplesmente ignorada pela imprensa.
143
Saviani, Dermeval. Painel do Leitor. Jornal Folha de São Paulo, segunda-feira, 05 de abril de 2010.
292
Um exemplo emblemático da busca por impor a visão financista e mercantil na
educação básica é a iniciativa do mercado de capitais (Febraban, Anbina e gestores, Bovespa,
Previc, etc.) que, desde agosto de 2010, implantou um projeto-piloto de educação financeira,
com supervisão do Ministério da Educação, em 450 escolas do ensino médio, não por acaso,
de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará, Distrito Federal e Tocantins144, estados
dirigidos por seu partido ou que seguem a filosofia do Ministro Paulo Renato de Souza da era
de Fernando Henrique Cardoso.
Também é uma evidência relevante do interesse crescente que empresas privadas vêm
demonstrando em relação à Educação como negócio, a recente compra, pela Abril Educação,
do Anglo Sistema de Ensino (211 mil alunos em 484 escolas da rede privada em 316
municípios brasileiros), do Anglo Vestibulares e da SIGA, empresa focada na preparação
para concursos públicos, o que fará com que o faturamento da Abril Educação supere R$ 500
milhões de reais em 2010, tornando a empresa uma das maiores do setor 145.
Pode-se afirmar, assim, que a despeito de algumas intenções em contrário, a estratégia
de fazer reformas conciliando e não confrontando os interesses da minoria prepotente com as
necessidades da maioria desvalida, acaba favorecendo essa minoria, mantendo o dualismo
estrutural na educação, a inexistência de um sistema nacional de educação, uma desigualdade
abismal de bases materiais e de formação, condições de trabalho e remuneração dos
professores, redundando numa pífia qualidade de educação para a maioria da população.
No plano da educação básica, além dos fundos terem prazo de validade, no caso do
FUNDEB, ampliou-se, positivamente, o universo de atendimento, sem, contudo, ampliar,
proporcionalmente, os recursos. Atende-se mais com menos. O que vigora é uma fórmula
para atender à cláusula pétrea do capital na sua intenção de contar com uma fatia gorda do
fundo público como garantia de seus negócios, ao mesmo tempo que se promove constante
pressão para diminuir suas contribuições, quando não o emprego das mais variadas estratégias
com a intenção de burlá-las.
No âmbito da educação profissional, técnica e tecnológica, centro de grandes disputas
na Constituinte, na LDB e no Plano Nacional de Educação em prol de uma concepção não
adestradora e tecnicista e de sua vinculação jurídica e financiamento públicos, esta foi-se
constituindo na grande prioridade da década, sem alterar, todavia seu caráter dominantemente
privado. Certamente, a opção pela parceria do público com o privado não favorece a reversão
144
Sciarretta, Tôni. Jornal Folha de São Paulo. 08 de agosto de 2010. Sessão Mercado.
145
Ver: http://g1.globo.com/economia-e-negocios/noticia/2010/07/abril-educacao-anuncia-compra-do-grupo-
anglo.html
293
da dualidade educacional. Pelo contrário, como demonstra Cunha (2005), a tendência, desde a
década de 1980, era de ampliá-la para o ensino superior. A transformação da Rede de Escolas
Técnicas Federais em Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFTS) e, nesta década,
em universidades tecnológicas ou Institutos Superiores de Ciência e Tecnologia (IFS),
confirmam tal tendência. Do mesmo modo, não ajuda a reverter o caráter dominantemente
privado e a apropriação privada de recursos públicos na área.
Em tese defendida por Gabriel Grabowsky (2010), o mesmo nos mostra que, em 1999,
apenas 25% da educação profissional eram públicos e 75% eram compostos por cursos de
curtíssima duração, de nível básico. O Censo de 2008 revelou que 83% das matrículas do
nível tecnológico estavam na iniciativa privada.
Mas o mais chocante é que o Sistema S, em 2010, mobiliza aproximadamente 16
bilhões de recursos públicos, somando-se os recolhidos compulsoriamente pelo Estado e a ele
repassados, e a venda de serviços ao setor público.
Esses valores, destacamos, são superiores ao que a União está prevendo investir no
FUNDEB, ao custo anual do Bolsa-Família e a todos os investimentos realizados na
expansão da rede federal (2 bilhões) ao Brasil Profissionalizado (900 milhões) ao Projovem
entre 2008-2011 (5,8 bilhões) e a todos os demais programas no campo da educação e
qualificação profissional (Grabowski, 2010, p.177).
Em relação à Universidade, o balanço não difere daquilo que expusemos até aqui. Se,
positivamente, tivemos na década um forte impulso em direção à criação de novas
Universidades públicas, isso não alterou a tendência histórica de privatização e, sobretudo ao
que Marilena Chauí (2003) expôs na conferência de abertura na 26ª Reunião Anual da
ANPEd, em 2003, sobre a nova perspectiva da universidade pública. Foi quando Chauí pôde-
nos mostrar que, especialmente a partir década de 1990, houve o deslocamento da
Universidade concebida como instituição pública ligada ao Estado Republicano para o de
organização social vinculada ao mercado. Uma Universidade operacional, avaliada não mais
em razão de sua função social e cultural de caráter universal, mas da particularidade das
demandas do mercado. Ou seja, centrada na pedagogia dos resultados e do produtivismo, na
análise Saviani.
O PROUNI e o REUNI, por caminhos diversos e aparentemente contraditórios, dão
conteúdo à universidade operacional. O PROUNI criou mais de 700.000 vagas para jovens, e
isso seria fantástico se tal inclusão não fosse incorporando, ainda que de forma enviesada, a
tese conservadora de Milton Friedman que, no final da década de 1950, defendia que o Estado
294
desse aos mais pobres um voucher ou uma carta de crédito para escolherem onde queriam
estudar.
O REUNI, por sua vez, se representa uma inversão substantiva de recursos de custeio
para projetos e programas, quase duplicando as vagas e sendo aplaudida fortemente pelo
Manifesto dos Reitores das Universidade Públicas durante o atual governo, em contrapartida
estabelece a desestruturação da carreira docente, conquistada duramente, aumenta o trabalho
precário e, sobretudo, impõe uma brutal e, em muitos casos, insuportável intensificação da
carga de trabalho. Além disso, especialmente pelo crescimento do enclave da educação à
distância, em alguns casos com a defesa de sua crescente expansão em substituição ao ensino
superior presencial, produz-se mais uma forma de dualidade. O fetiche da tecnologia opera
aqui como argumento ideológico.
Há um último aspecto de grande abrangência que me conduz a sustentar que a
primeira década do século XXI, dominantemente, foi marcada pelas concepções e práticas
educacionais mercantis típicas da década de 1990, seja no controle do conteúdo do
conhecimento, seja nos métodos de sua produção ou na socialização, autonomia e organização
docentes. Três mecanismos articulados estão em ampla expansão nas secretarias estaduais e
municipais de educação.
O primeiro mecanismo chega ao chão da escola calcado na ideia de que a esfera
pública é ineficiente e que, portanto, há que serem estabelecidas parcerias entre o público e o
privado, mesmo mediante disfarce, quando o privado permanece encoberto pelo eufemismo
que engloba organizações sociais ou o chamado terceiro setor. A esses institutos privados ou
ONGs146 cabe selecionar o conhecimento, condensá-lo em apostilas ou manuais, orientar a
forma de ensinar, definir os métodos de ensino, os critérios e processos de avaliação e
controle dos alunos e dos professores.
O segundo mecanismo, decorrente do anterior, talvez o mais proclamado pela mídia,
notadamente pelas revistas semanais, é justamente o de se atacar a natureza da formação
docente realizada nas Universidades públicas, com o argumento de que os cursos de
pedagogia e de licenciatura ocupam-se muito com a teoria e com análises econômicas sociais
inúteis e não ensinam o professor as técnicas do “bem ensinar”.
A Revista Época, de 26 de abril de 2010, numa reportagem de dez páginas, traz o
receituário do “bem ensinar”. Os segredos dos bons professores. Os mestres que transformam
146
Referimo-nos aqui ao Instituto Ayrton Senna, Instituto de Qualidade na Educação (IQE), Positivo, Pitágoras,
Fundação Roberto Marinho, Fundação Bradesco, Sistema COC de ensino e congêneres, que assumem a direção
pedagógica de muitas Secretarias Estaduais e, especialmente, municipais, em nome do ensinar eficiente.
295
nossas crianças em alunos de sucesso. (e o que todos temos que aprender). Os livros tomados
como referência para tal adestramento docente são Ensinar como um líder: o guia do
professor supereficiente para diminuir o déficit de aprendizagem, de Stiven Farr; e, Ensine
como um campeão: 49 técnicas que colocam os estudantes no rumo da universidade, de Doug
Lemov.
Uma das receitas desses manuais, em letras maiores e destacadas em negrito pela
reportagem, é de que avaliar o desempenho individual dos professores permitiria não só
premiá-los de forma mais justa, mas também fazer algo mais importante: entender como eles
trabalham.
Esse último aspecto define o terceiro mecanismo, condição para que os dois primeiros
tenham sucesso. Trata-se das ações de desmontar a carreira e organização docentes mediante
políticas de prêmio às escolas que, de acordo com os critérios oficiais, alcançam melhor
desempenho, remunerando os professores de acordo com sua produtividade em termos do
quantitativo de alunos aprovados. Os institutos ou organizações privadas, para assessorar ou
atuar diretamente nas escolas, têm a incumbência de avaliar professores e alunos de acordo
com os conteúdos, métodos e processos prescritos. O que se busca, para uma concepção
mercantil de educação é, pois, utilizar na escola os métodos do mercado147.
O que acabo de afirmar se explicita emblematicamente no fato de que o mesmo
membro do Conselho Federal de Educação que havia sido relator do contestado Decreto No
2208/97148 foi o relator do atual Decreto No 5154/04149 e, atualmente, é o relator das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Estas
147
O Estados de São Paulo, e de Minas Gerais são os grandes artífices destas políticas, mas que se ampliam
céleres, especialmente nas regiões norte e nordeste. O Município do Rio de Janeiro, capitaneado pela Secretária
Cláudia Costin, é uma espécie de laboratório avançado desta filosofia. Agora, ela é seguida pelo recém-
empossado secretário estadual de Educação, o economista Wilson Risolina, alçado ao cargo no dia seguinte em
que o governador Sérgio Cabral foi eleito, após uma campanha em que a qualidade da Educação no Estado foi
bastante questionada. Perguntado sobre o que pensa da educação e dos professores, o novo Secretário foi
explícito: “penso em educação como um negócio”. Concebe os professores como entregadores do saber. A
vida é assim, premia quem é melhor. Vamos fazer avaliações periódicas, que servirão de base para um
sistema de bonificação. (Jornal o Globo, Primeiro caderno, 07/10/2010) O único Estado que tem uma política
de contraponto clara a essas tendências é o Paraná.
148
. Trata-se do Decreto que regulamenta o § 2º do art.36 e os arts. 39 a 42 da Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Nesta regulamentação reintroduz a acentua a
dualidade no ensino médio e o orienta de acordo com os cânones das políticas neoliberais baseadas em critérios
mercantis.
149
. Este Decreto revoga o Decreto 2208/97 com o objetivo de restabelecer o caráter integrado do ensino médio.
Sua regulamentação pelo Conselho Federal de Educação, tendo como relator o conselheiro filiado aos interesses
das federações patronais que mantém o Sistema S, acaba mantendo a orientação mercantil do Decreto revogado.
296
diretrizes, por encontrar o campo aberto, regrediu de tal forma ao Decreto No 2.208/97 que
motivou uma reação por parte de várias instituições, com grande participação da ANPED 150.
Mas isso não é tudo. Exatamente no último ano desta década, quem preside a Câmara
de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação é o mesmo histórico representante do
Sistema S151, sistema gerido pelos órgãos de classe dos empresários. O ideário de ensinar o
que serve ao mercado ou de fazer pelas mãos a cabeça do trabalhador (Frigotto, 1993), antes
restrito ao adestramento profissional que caracteriza o Sistema S, tende, então, a impor-se
para a educação em seu conjunto.
150
Ver: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional e Técnica de Nível Médio. Brasília, Site
do MEC, setembro de 2010. Texto para discussão.
151
Uma observação de duas ordens faz-se necessária. A primeira é de que não se trata aqui de uma referência
pessoal ao conselheiro, mas de sua representação de classe. A segunda é de que é preciso, sempre, ter-se presente
que os milhares de trabalhadores que atuam neste sistema vendem a sua força de trabalho como qualquer outro
trabalhador.
297
Com efeito, em 2001, o tema abordado por Francisco de Oliveira versou sobre
Intelectuais, conhecimento e espaço público. Ao demonstrar a evolução das especializações,
nosso conferencista destaca um célere processo de transformação do conhecimento em
mercadoria e, consequentemente, o encurtamento do espaço público e, ao mesmo tempo, a
redução do conhecimento à intoxicação de informações, provocando a perda de sua
radicalidade. Parece que dispomos de todas as informações para operarmos a aventura do
conhecimento. Mas esta intoxicação provoca o contrário. (...) Cria um movimento mimético
que se repete incessantemente (Oliveira, 2001, p. 127).
O calcanhar de Aquiles, para quem atua nas ciências sociais e humanas, segundo
Oliveira, é que nossas investigações passam a ser medidas pelo metro da produtividade. (...)
É o mesmo metro que mede a produção de uma mercadoria. Há pouca diferença, ainda, entre
elas. Tratemos de preservar essa diferença. (ibid., p.128).
Dois anos depois, o tema de abertura da reunião anual, abordado por Marilena Chauí
foi A universidade pública sob nova perspectiva. Com outro recorte, a análise de Chauí
coincide com a de Oliveira sobre o processo de mercantilização do conhecimento e do
trabalho docente. O ponto central de sua análise foi o processo que vem transformando a
Universidade pública, instituição vinculada ao Estado republicano, em organização social,
prestadora de serviços ligada ao mercado. Ao subtrair sua referência da esfera pública, terreno
dos direitos universais, e ser referida ao mercado, a Universidade perde sua autonomia
intelectual, institucional e financeira. Por isso, a sua produção passa a ser medida ou avaliada
em função dos critérios produtivistas do mercado.
Das várias consequências que Chaui retira de sua análise, destaco duas que incidem
diretamente sobre o que nos interpela como pesquisadores e docentes, e de forma radical.
Referindo-se à análise de David Harvey sobre a acumulação flexível que se expressa num
processo produtivo fragmentado e disperso, no espaço e no tempo, e reunificado no efêmero e
fugaz, Chauí mostra-nos como isto incide na produção intelectual. Para participar desse
mercado efêmero, a literatura, por exemplo, abandona o romance pelo conto, os intelectuais
abandonam o livro pelo paper. (Chauí, 2003, p.11).
A segunda conseqüência refere-se aos pontos que nos traz como desafios a enfrentar
para reverter a lógica mercantil da Universidade operacional. É quando Chauí destaca que
isso depende de levarmos a sério a ideia de formação (ibid, p.12) e a revalorização da
docência, desprestigiada e negligenciada com a chamada “avaliação da produtividade
quantitativa. (ibid, p.14). Ao contrário do paper, do efêmero, do fugaz e descartável típico da
298
cultura pós-moderna do capitalismo tardio152, como condição para efetuarmos essa reversão,
Chauí destaca a necessidade de conhecimento dos clássicos e sua contribuição para
entendermos as mudanças atuais que, diferentes do discurso em voga que nos fala de uma
sociedade de incerteza, significam que vivemos tempos de insegurança153.
Por mais incômoda que seja a conclusão do balanço com respeito ao que nos compete
na pós-graduação em nossa área, ainda que não apenas nela, é o fato de que a densidade das
preocupações trazidas por Oliveira e Chauí, no início da década de 2000, não foram tomadas
como agenda fundamental de embate. Desse modo, lembrando o filósofo, poeta lírico e
satírico romano Horácio, poderíamos dizer: Quid rides? Mutato nomine, de te fabula
narratur154.
Ou seja, o pensamento mercantil da universidade operacional nos tomou quase por
completo. Vale dizer, consciente ou inconscientemente, entramos no mercado do
conhecimento, do ensino e da pesquisa e nos submetemos aos critérios da mensuração
mercantil. E uma mercadoria se reproduz pela mimese, pela sua homogeneização; a
mercadoria recusa a diferença, recusa o diverso, recusa o plural, a mercadoria é
univocidade. (Oliveira, op.ci. p. 127). A mercadoria é a reificação, o fetiche e a alienação em
ato.
Para o mercado não há sociedade, há indivíduos em competição. E para o mundo da
acumulação flexível, não há lugar para todos, só para os considerados mais competentes, os
que passam pelo metro que mede o tempo fugaz da mercadoria e de sua realização.
As consequências disso são mais que visíveis em vários aspectos. Nossos cursos
tornam-se cada vez mais elitistas. Neles percebo um duplo processo de mutilação e
atrofiamento de capacidades intelectuais. Por um lado, os jovens doutores, para atuarem na
pós-graduação, têm crivos cada vez mais refinados de ingresso. Por outro, os pesquisadores
que não resistem a essa pressão ou que se recusam a se enquadrar nessa lógica, não sem
humilhação, ou saem ou são convidados a sair. O fundamental para muitos pró-reitores e
programas de pós-graduação é atingir o máximo de pontos da escala de 1 a 7, mesmo que
152
Para uma densa análise sobre o pós-modernismo como expressão cultural do capitalismo flexível e
fragmentado, um capitalismo tardio, ver Jameson, 1996.
153
. Não há espaço aqui para relacionar o discurso ultra conservador com a adoção ampla em nosso meio das
tendências de cunho pós-moderno por representarem uma fuga da historicidade do real. Não se trata de negar a
particularidade e as diferenças, mas, pelo contrário, do fato de serem tratadas separadas de uma estrutura social
ou totalidade histórica (Kosik, 1986) que nos permitam apreender seu sentido. Daí resulta uma visão
fragmentada e superficial da realidade social e educacional e, consequentemente, um reforço às visões
conservadoras, ainda que não seja esta, mormente, a intencionalidade. Ver a esse respeito, Fontes, 2002,
Frigotto, 2002, Jameson, 1996 e 1997 e Anderson, 1999
154
Por que ris? A anedota fala de ti, só que com outro nome (Sátiras, Horácio).
299
saibamos que a lógica dos indicadores se funda na visão positivista e funcionalista de
conhecimento e que, de antemão, se saiba que há um efeito trava ou gangorra para que apenas
uns fiquem no topo.
Tomando por foco a nossa produção acadêmica, constata-se que cada vez menos
produzimos livros que sejam fruto de longos anos de pesquisa e, em seu lugar, produzimos
artigos, papers. Já não há tempo para a formação de jovens pesquisadores e docentes
ancorados na leitura dos clássicos. O tempo de nossa produção de pesquisadores, das teses e
dissertações que se elaboram, não está mais referido à cientificidade que nos permita
compreender como a realidade educacional se produz e à sua relevância social, política,
cultural e humana. Ao contrário, aprisionamos-nos ao cronômetro da “pedagogia dos
resultados” e deslizamos na intoxicação e fugacidade mercantil de informações. Produzimos,
enfim, pouco conhecimento.
Isso nos dificulta ou anula, em grande medida, no sentido de contribuir de forma
radical para “abrir os circuitos de nossa história” a novas relações sociais de caráter socialista
e nos deixa distantes do enfrentamento daquilo que, para o historiador Eric Hobsbawm, é a
questão fundamental do século XXI para o futuro humano.
Se a razão me leva a um balanço pessimista, não é para apostar no quanto pior melhor
ou conduzir a uma postura de imobilismo, quer pela adoção da atitude da bela alma quer do
comissário. Pelo contrário, não só pela especificidade de nosso trabalho de formação e de
pesquisa, mas por seu vínculo ético-político, cabe-nos buscar caminhos de superação como
tarefa de cada um e coletiva. Os desafios colocados por Marilena Chauí e Francisco Oliveira,
no início da década, permanecem na agenda, bem como a lição da geração de Florestan, que
nos convida a perguntar: o que queríamos, porque erramos e quais as lições que devemos tirar
para o presente e para o futuro?
O horizonte apontado por Florestan Fernandes para essa tarefa de superação é o de nos
repor, como intelectuais, nas relações e conflitos de classe. Mas, ele sublinha, e eu, na trilha
de suas lições, reitero: de nada adiantará uma retórica ultrarradical, de condenação ou de
300
expiação. O intelectual não cria o mundo no qual vive. Ele faz muito quando consegue ajudar
a compreendê-lo, como ponto de partida para a sua alteração real (Fernandes, op.cit, p.231).
É desafio – urgente e necessário – para cada um de nós e para a Associação em seu conjunto.
Assim vejo e compartilho com meus pares.
Referências Bibliográficas
ANDERSON, Pery. As origens da pós-modernidade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,
1999
CHAUÍ, Marilena. A universidade pública sob nova perspectiva. Revista Brasileira de Educação.
Campinas,, Autores associados, Set/Out/Nov/Dez 2003, p.5-15
KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986
COUTINHO, Carlos Nelson. As metamorfoses do PT e o governo Lula. In: Intervenções. O Marxismo
na batalha das ideias. São Paulo, Editora Cortez, 2006
COUTINHO, Carlos Nelson. A hegemonia da pequena política. In; Oliveira, Francisco de, Braga, Ruy
e Rizek, Sibele. Hegemonia às Avessas. São Paulo, Boitempo, 2010,p.30-49.
CUNHA, Luiz Antônio Educação Brasileira: Projetos em Disputa. São Paulo: Cortez, 1995.
CUNHA, Luiz. Ensino Profissional e a irradiação do industrialismo no Brasil. São Paulo, Editora da
UNESP / Flacso 2005, 2ª edição.
ENGELS, Frederic. Concepção materialista da história. In: FERNANDES, Florestan (org).
Marx e Engels – História. São Paulo: Ática, 1983.
FERNANDES, Fernandes. Os circuitos da história. São Paulo, HUCITEC, 1977
FERNANDES, Florestan. A sociologia no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1980
FERNANDES, Florestan. Diretrizes e Bases: Conciliação aberta. Revista Sociedade e Universidade.
São Paulo, ANDES, 1992
FONTES, Virgínia. História e verdade. In: FRIGOTTO, Gaudêncio e CIAVATTA, Maria
(orgs.). Teoria e educação no labirinto do capital. Petrópolis: Vozes, 2002, p 130-155..
FRIGOTTO, Gaudêncio. Fazendo pelas mãos a cabeça do trabalhador: O trabalho como elemento
pedagógico na formação profissional. Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, nº
47, 1993, p. 38-45.
FRIGOTTO, Gaudêncio. A nova e a velha faces da crise do capital e o labirinto dos
referenciais teóricos. In: FRIGOTTO, G. & CIAVATTA, M. Teoria e educação no labirinto
do capital. Petrópolis, Vozes, 2002 p. 21-46.
FRIGOTTO, Gaudêncio. O Brasil e a política econômico-social: entre o medo e a esperança.
Observatório Social de América Latina , Buenos Aires, v. 14, p. 95-104, 2005.
GRABOWSKY, Gabriel. Financiamento da educação profissional no Brasil: contradições e desafio.
Rio Grande do Sul, UFRGS, 2010. Tese de doutorado.
HOBSBAWM, Eric. Renascendo das cinzas. IN; BLECKBURN, RUBIN. Depois da queda: O
fracasso do comunismo e o futuro do socialismo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992
IANNI, Otávio. Estado e Planejamento Econômico no Brasil (1930 -1970). Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 6ª edição, 1986
HOBSBAWM, Eric. Política extrema. Caderno Mais, Jorna Folha de São Paulo, São Paulo, 18 de
abril de 2010, p, 4-6.
JAMESON, Fredric. Pós-modernismo. A lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 1996
JAMESON, Fredric. As sementes do tempo. São Paulo, Ática, 1997.
KOSIK, Karel. A dialética da moral e a moral da dialética. IN. DELLA VOLPE, Galvano,
GARUNDY, Roger, KOSIK, Karel et ali. Moral e sociedade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1969, p.
97-118.
301
MOURA, José Barata. Materialismo e subjetividade – Estudos em torno d e Marx. Lisboa, Editorial
Avante, 1998
OLIVEIRA, Francisco de, Hay vías abiertas para América Latina? In: BORON, A (compilador)
Nueva Hegemonía Mundial - Alternativas de cambio y movimientos sociales. Buenos Aires,
CLACSO, 2004,
OLIVEIRA, Francisco de. Intelectuais, conhecimento e espaço público. Revista Brasileira de
Educação. Campinas, Autores Associados, nº 18, Set/Out/Nov/Dez 2001, p.125-232.
OLIVEIRA, Francisco de. O avesso do avesso. São Paulo, Revista Piauí, nº 37, outubro 2009
OLIVEIRA, Francisco de. Revista reportagem, n. 41, fev.2003. Entrevista concedida a Fernando
Haddad e Leda Paulani.
OLIVEIRA, Francisco de.Hegemonia às avessas . In; Oliveira, Francisco de, Braga, Ruy e Rizek,
Sibele. Hegemonia às Avessas. São Paulo, Boitempo, 2010. p.21-29
PAULANI, Leda. Brasil delivery. São Paulo, Editora Boitempo, 2008.
PAULANI, Leda. O Projeto neoliberal para a sociedade brasileira: sua dinâmica e seus impasses.
IN:FRANÇA, Júlio Cesar e NEVEs, Lucia Maria Wanderlei. Fundamentos da Educação escolar no
Brasil Contemporâneo. Rio de Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz, 2006.
PETRAS, James. e Veltmeyer, H. Brasil de Cardoso – a desapropriação do país. Petrópolis, editora
Vozes,2001
REVISTA ÉPOCA. São Paulo, Editora Abril Cultural, e 26 de abril de 2010. P.110-120
SAVIANI, Dermeval. Da Nova LDB ao FUNDEB . Por uma Outra Política Educacional, Campinas,
Autores Associados, 2008, 3ª edição.
SAVIANI, Dermeval.
SAVIANI, Dermeval. Jorna Folha de São Paulo, 26 de abril de 2007. Entrevista concedida por e-mail
à reporte Juliana Monachesi.
SAVIANI, Dermeval. Nova Lei da Educação-Trajetória, Limites e Perpectivas, Campinas: Autores
Associados, 1999
SINGER, André. Raízes sociais e ideológicas do Lulismo. Estudos CEBRAP. São Paulo, Novembro de
2009, pp.83-102
____
302