Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
$ tÊÊV 'ékí'tâfe
m
é
A q u e s tã o p o lítica no ca m p o , em n o s s o
país, é hoje a q u e stã o da p ro p rie d a d e
da terra; do c o n flito entre a p ro p rie d a d e
ca p ita lista e o s reg im es alte rn a tiv o s de
/i
p ro p rie d n d e q u e n a sce m da sua crise.
Na cid a d e , á luta p rin cip a l d o s tra
b a lh a d o re s é -contra ã e x p lo ra ç ã o
cap italista; m as, n o c a m p o , a p rin cip a l
luta d o s la v ra d o re s é co n tra a e x p ro
p ria ç ã o c o n d u z id a p e lo m e sm o ca p ita l.
rl O a d v e rsá rio é o m e sm o , m as o en fre n -
1 ta m e n tò é d istin to . #r r
-ã
■9
■Q
H U C IT E C
Sebo Literário Sorocaba
Coleção ciências sociais - Expropriação e violência
Martins, José de Souza
R$ 5,00
4%
é* Sociologia
** 1n n m ? q 7 7 r ^ qh \a j \ajvaj in o rn m
EXPROPRIAÇAQ
J^v.
‘
- .. .
& VIOLÊNCIA
£ ’.rv '.V’’ ' *
j
(a questão política no campo)
I
l
I
ajãa»^'
—
Coleção Ciências Sociais
Série Linha de Frente
direção de José de Souza Martins
DO M ESM O A U T O R
i
E X P R O P R IA Ç Ã O E V IO L Ê N C IA
EXPROPRIAÇÃO E VIOLÊNCIA
A questão política no campo
E D IT O R A H UCITEC
São Paulo, 1980
íO) Direitos autorais de José de Souza Martins. Direitos
<ir publicação reservados pela Editora de Humanismo,
<7lôrirla e Tecnologia “Hucitec” Ltda., Alameda Jaú, 404,
São Paulo, Brasil. Fone (011) 287-1825. Criação
de capa e projeto gráfico de Duís Díaz,
Para
À memória de
Raimundo Ferreira Lima, o
Gringo, carpinteiro e lavradorf
agente de pastoral na vila de
Itaipavas (Baixo Araguaia),
candidato da oposição sindical
à presidência do
Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de C o n c e i ç ã o do
do Araguaia (P A ),
assassinado por pistoleiros na
manhã de 29 de maio de 1980,
em Araguaína (G O ).
Sumário
9
Introdução
12
não seja unicamente a propriedade da sua força
íde trabalho.
O trabalhador da fábrica e o lavrador do cani
po vivem, em face do capital, processos soei; d
diferentes, porque se defrontam com o capital
de modos diferentes. São por isso classes sociais
entre si diferentes. O operário da fábrica é um
trabalhador expropriado das ferramentas, má
quinas, instrumentos e objetos de trabalho. Não
tem outro remédio, para sobreviver, senão o d**
vender ao patrão, ao capitalista, a única propilo
dade que possui, que é a da sua capacidade d»-
trabalho, a força dos seus braços. O seu trabalho
é parte do trabalho de muitos outros trabalha
dores, reunidos pelo capital do capitalista sob “
teto da mesma fábrica para produzirem todos
juntos as mercadorias com as quais o capitalista
vai negociar. O operário, hoje em dia, não é nmin
um trabalhador individual — é um trabalhador
coletivo, que reúne a força somada de todo-; o ä
trabalhadores da classe operária. Por isso, um
trabalhador sozinho não tem muitas condirdes
para lutar isoladamente por seus direitos. A força,
da classe operária não está no operário isolado,
sozinho. Ela está no conjunto, na união, dos tra
balhadores. Quem criou essa força foi o próprio
capital: despojando cada trabalhador dos sous
meios de produção, para retirar, dos trabalhado
res reunidos e por ele controlados, um lucro
maior, para explorá-los. O .capital socializou n
produção e as condições de vida dos trabalhado
res da fábrica, fez deles, contraditoriamenfo,
um a força do capital e uma força contra o rapl
tal. jp trabalhador coletivo, cuja produção é so
cializada ~perö^cäpitäl, vive diariamente a con
tradição irremediável entre o caráter social du
produção no capitalismo e a apropriação priva
da, capitalista, dos resultados da produção colo
13
tiva. Por isso, o trabalhador da fábrica sabe, no
limite, que para libertar-se dessa violêpcia e
dessa, contradição tem que se libertar junto com
os seus companheiros, não pode libertar-se sozi
nho. Para escapar do seu cativeiro tem que liber
tar a sociedade inteira, transformá-la, fazer com
que a produção social se complete com a apro
priação igualmente social daquilo que foi produ
zido pelo esforço solidário e fraterno de todos os
trabalhadores.
Os fundamentos da conduta e da consciência
do lavrador do campo são completamente dife
rentes. Um camponês não tem a mínima condi
ção de pensar õ~ agir como um operário, porque
ele é socialmente outra pessoa, isto é, pertence
a outra classe social, cujas relações sociais são
de outro tipo, cujos horizontes e limites são
outros. Esperar que os lavradores do campo, os
posseiros, os arrendatários, os colonos, os parcei
ros, os pequenos proprietários, ajam como se fos-j
sem operários, aprendam a pensar como a classe
operária, é esperar o impossível. Essa espera é
um absurdo e, quando se transforma num a exi-
•gência político-partidária, é até mesmo um
crime. É uma espera idealista, reacionária. Nós
não temos o menor direito de esperar que o la
vrador venha a “aperfeiçoar” a sua consciência
até o ponto de começar a pensar como um ope
rário expropriado, como um trabalhador da fá
brica. Ele pensa diferente de um operário não
porque seja politicamente retardado, mas porque
é social e politicamente diferente.
Enquanto a mercadoria do operário é a força
de trabalho, a mercadoria do lavrador é o produ- ,
to do ijabalhoTW através dòjaiercadoque a mer
cador ia j e f d ^ individualidadê, quejela se
socializa. Ela só pode ser trocada quando o seu
conteúdo, o trabalho, se torna equivalente do
14
1
15
braços, somente aí é que as vítimas dessa inva
são, dessa expropriação, podem se descobrir
como membros de um a classe. Essa descoberta se
dá pela mediaçao do capital. E o que esta acon
tecendo em nosso país.
Tanto o lavrador do campo quanto o operário
da fábrica são antagonizados e violentados pelo
capital, mas de formas diferentes. Por isso dão
respostas diferentes ao'm esm o adversário.
Para cada uma dessas situações, a questão
polit* ca se apresenta de um modo diferente. Não
porque correspondam a estágios históneos dis
tintos, mas porque correspondem a formas dis
tintas da violência que o capitalismo exerce
contra os lavradores do campo e os trabalhado
res da cidade. Em nosso país, nos dias de hoje, o
capitalismo articula num só tempo, ainda que
em espaços distintos, & expropriação e a explora-
cão, processos que, a rigor, se deram separada- j
mente na história clássica do capital. Õ mesmo
igriipo econômico, nacional ou multinacional, j
\que utiliza técnicas sofisticadas e contratuais naj
'exploração do trabalho do operário em São Paulo j
pu nas grandes capitais européias, utiliza a vio-l
/lênçia do jagunço,„ sobrepõe o poder privado ao
poder público, para expropriar o posseiro n a 1
Amazônia e até mçsmo emprega o trabalho es
cravo para abrir suas fazendas.
\ “Essa" "contradição deveria servir como colírio
i ’para limpar os olhos daqueles que ainda vem
J nessas últimas relações manifestações de feuda-
\lismo e pré-capitalismp em nossa^sociedade. Essã j
idéia t e ^ ^ f ^ ^ ô c r p a r á T apagar da mente dasf
pessoas as cqntfádiçÕès ï ë a i s tío'capitalism o &
toda a extensão brutal das suas múltiplas con|
tradiçoesT Elã simplificá ideologicamente a estru4
J tu fa do capitalismo, atribuindo a outra estrutu-j
j ra 'histórica .contradições. tensões , e v io lê n c ia s
que estão na própria alma do capital. Não se
trata, portanto, de encarar expropriação^ e_ex-
ploraçãp como dois momentos históricos que se
sucedem. "No caso da nossa sociedade, são pro
cessos que estão ^ocorrendo simultaneamente,
articulados pelo^lnesmóãgente, que é o capital.
Seria extremada inocência supor que em São
Paulo determinada multinacional é capitalista
e na Amazônia a mesma multinacional é feudal.
A transposição de outras experiências históri
cas para tentar explicar o nosso quadro político
esbarra fatalmente no empecilho representado
peia combinação simultânea dos processos de ex
propriação e de exploração. O quadru .elássico do
capitalismò"'iios mostra o capital se expandindo
à custa da expropriação e do^proletarização dos
trabalhadores do campo, uma coisa produzindo
necessariamente a outra. Em nosso, país esse pro
cesso não é assim tão claro nem assim tão
simples. O capital se expande no campo, expul
sa, mas não pfolêtariza necessariamente o tra
b a lh a d o r.É qüe uma parte dos expropriados
ocupa novos territórios, reconquista a autonomia
do trabalho”''pratica uma traição às leis do capi
tal.
Tem-se dito que a expansão da fronteira eco
nômica em nosso país está esgotada. Isso recò-
locaria o problema da expropriação na sua for- ^
mulação clássica. Assim a teoria ficaria salva. ^
Entretanto, o conhecimento histórico das lutas. 'l(
no campo e do avanço da frente de expansão (;
mostra çlaramente'quê essa tese não tem funda
mento.(A„ frohteíra^hão se esgota pela.titulação
das terras em favor de grandes empresas e pro
prietários levada a efeito pelo Estado capitalista.
É verdade que ergue barreiras judiciais ao-avan
ço territorial dos lavradores sem terra. Mas, os
lavradores dó ç^ampórtêm suà própria concepção
17
y de direito de propriedade, que os faz levantarem-
-se su^versivamente contra o direito proclamado
1
O caráter anticapitalista da resistência tm
campo não deve ser depreciado e impe
sob pena de se cometer, grave injustiça, dii
da basicamente de uma postura idealista. < > aii
tiçapitalismo^do., lavrador é expressão conciei#
das suasjcondições de classe. Seria um nbnitjd"
exigir dele, senão em nome de uma postura tutu
litária, que pense como um operário da fui nica
que desenvolva uma concepção prôlciúiia «la
transformação da sociedade.
As lutas dos lavradores do campo repocm um
tinuaméhtè~como projeto e tarefa jpôlííion n i f ?
tauração da autonomia do camponês,' á iUã indt
pendência. Mas, ele não pode refluir parA um
momento da história, que nosso país mn l roubo
ceu, em que o capital não era senhor o rol, cm
que o lavrador tinha o seu mundo próprio * »
lavrador, já está, de uma forma ou <l<‘ cuitra,
preso nas malhas, nas contradições do eapitai
Porém, na medida em que o seu jra b a lb o ním «-•
trabalho socializado,, de um proletário < - pmpi in
do, também a sua consciência e o geu projito
não podem mover o seu anticapitalismo p ü i
além do capitalismo. O lavrador não vive cm um
dições históricas que lhe permitam ver <{n< A
contradição que determina o~ mõviment() de lõ
ciedade capitalista é a da" produção sori.ii rum
binada com a apropriação jpfiyada, ciq)iIMi1it Ã*
dos resultados do trabalho. Portanto, ele nfio
pode libertar-se sozinho. Ele conhece Õ homo dd
seu opressor, que é o capital e a proprio»\m\r
capitalista, mas seus olhos estão velados polü
autonomia do trabaího, pela sua soliduo A
ploração que õ alcança não é direta, tem mmi >
mediações, por isso cria também a ilusão dn
liberdade em quem já é profundamente escravo
Essa ilusão, porém, é a nesga de luz que lho por
mi te ver o corpo do adversário, embora não II m
mostre o caminho que está além deste, que per
mitirá superá-lo.
A unidade das lutas, reivindicações, propósi
tos, projetos e esperanças dos trabalhadores do
campo e da cidade — dos colonos, bóias-frias,
clandestinos e fichados, posseiros, operários, dos
brancos e índios, não pode ser, portanto, um a
unidade simplesmente social, como se todos vi
vessem nas mesmas condições históricas e perce-
becessem do mesmo modo os problemas da socie
dade e sua solução. São socialmente diferentes
e vêm de modos diferentes a sua libertação e a
sua liberdade. Essa unidade somente existirá se
for elaborada politicamente, se for unidade da
diversidade. Por isso, a grande questão hoje é a
questão da democracia, que reúna a força dos
oprimidos do campo e da cidade sem submetê-los
à violência terrorista da ditadura e da unanimi
dade de pontos de vista. P a ra os diferentes per
sonagens da nossa história presente, ser amigo
ou im migo dependerá muito de como for conce
bida a forma política dessa democracia. Desde
logo, é sério engano propor a exploração e não a.
expropriação como eixo principal da questão po
lítica no campo, como seria grave erro político
colocar a expropriação e não a exploração como
eixcLda questão política, na cidade.
Este livro nasce de um a sugestão do Professor
Florestan Fernandes. Os trabalhos são absoluta
mente desiguais. Foram surgindo, em diferentes
circunstâncias, na maior parte dos casos, na
companhia dos trabalhadores, no aprendizado
recíproco, no debate com eles e com aqueles que
se colocaram a serviço da sua ânsia de justiça,
pela democracia de um a sociedade nova, sem ex
propriados nem explorados, onde o poeta possa
ser poeta e o amor possa ser amor. São produtos
da reflexão, do questionamento, da tentativa de
90
descobrir nos enfrentamentos do dia-a-dia as
lições da História que está sendo feita, a luz que
rompe a neblina das situações difíceis. São estu
dos e comentários produzidos basicamente para
localizar e situar problemas do campo. São tra
balhos que procuram de imediato responder a
indagações concretas dos lavradores, para escla
recermos juntos as nossas dúvidas. Alguns foram
produzidos em cima de indagações urgentes, no
meio de uma reunião ou de um debate. Na quase
totalidade, não são trabalhos acadêmicos nem se
destinam preferencialmente ao púbhco acadêmi
co. São resultados parciais de pesquisas efetua
das em várias regiões brasileiras, discutidos ime
diatamente com o próprio interessado, na urgên
cia das indagações ansiosas de quem vive no ime
diato as violências mais fundamentais da nossa
sociedade.
Por isso, só me resta dizer, como se meus
fossem, os versos finais de esperança da bela
“Canção do Carreiro”, de Persival Moreira Coe
lho, lavrador de Goiás, poeta dos trabalhadores
do campo:
1 25
form a oposta a seus interesses (muitas vezes a
proposta aparece invertida na cabeça dele), o
que a meu ver é ruim. O ideal seria ter um a
proposta clara de reforma agrária e de transfor
mação da sociedade. Isto para mim não é só um a
questão de linguagem fácil, mas sim de lingua
gem clara, politicamente clara. Mas, você só
pode faiar claro, quando você vê claro.
26
%
*
oficial d e,justiça e, às vezes, até o próprio juiz. >
Então n£ssê~~caso a população já conhece que ,a
lei não funciona do lado dela.. A Jei .representa m
um direito, que não é o direito reconhecido pela m
população na sua prática, na sua luta por suas
necessidades. À Igreja consegue entender essas
coisas e traduzi-las numa proposta de questio
namento da propriedade. Não é a Ig reja, en
quanto instituição que faz isso, são setores ^cres
centes e significativos da Igreja que conseguem >
falar e são capazes de visualizar isso tudo melhor
do que qualquer outro grupo da sociedade. Exis
tem certos grupos políticos que estão falando,
um pouco ainda com receio, numa reforma
agrária distributivista, e você tem setores da
Igreja que falam em propriedade comunitária
oujmesmo em coletivização da propriedade, em
aprofundamento da apropriação comunitária da
terra. Isso representa um a distância política
concreta e representa também uma experiência
concreta diferente. Agora, de qualquer modo, a
Igreja documenta aquilo que está acontecendo.
De fato, a população do campo, nestes últimos
2 ou 3 anos, tende cada vez mais a abrir mão
de^qualquer possibilidade_de legitim ar.o direito
dq propriedade: as recentes invasões de terra e
os últimos acontecimentos vão nessa direção.
Faz-se necessário esclarecer, que quando nós
aqui na cidade pensamos no direito de proprie
dade, pensamos muito em termos conceituais,
isto é, conceito de direito de propriedade, concei
to de possibilidade de ação política, tudo é con
ceituai. Para a população^ do campo a coisa não
é nada conceituai,'a coisa, e prática. O caboclo
do sertão não fala, ou fala muito pouco, mas ele
luta, ele organiza, ele invade. A fala dele é prá
tica Agora mesmo na Fazenda Xavantina, os
fazendeiros diziam do cacique: “ele é um débil
27
*
28
I
29
controu uma carta dirigida ao presidente Getú-
lio Vargas escrita em pleno ano de 1973, como
se ele ainda fosse vivo e presidente. Eu mesmo
tenho encontrado cartas destes nossos dias diri
gidas a “Sua Magestade”, o presidente GeiselL O
poder é uma réálidáde muito abstrata, mas não
aqüllO'nqtre~ éstã-sé pensando que seja. Não é~a
propaganda em cima do Figueiredo que reflete
lá, é uma esperança naquele alguém “messiâni
co”, que vai fazer, vai resolver, se não resolve,
nao é porque o Figueiredo seja ruim, daqui a 50
anos vai ter gente falando no Figueiredo, sem
saber que ele morreu.
"N a verdade é porque existe essa esperança, e
é uma esperança política que o estado capitali-_
za. Acontece que o Figueiredo não é ninguém
sem a máquina do Estado, ou seja sem os fun
cionários, e todos os funcionários, do ponto de
vista dessa população, estão desacreditados. A
figura do presidente é realçada e fica o descré
dito do funcionário. O trabalhador quer. a terra,
vai ao Incra e pede a terra, mas, a sua situação
não se resolve. Então escreve para o presidente,
para resolver o problema, estava sendo expulso,
massacrado e a carta no final aparece na agên-*-
cia do Incra de Conceição do Araguaia, aparece;
exataméhte nâ escala. que- ele queria evitar,
porque j á não deu certo antes, já estava desaj-
crediíada, Então não adianta mandar lá para ó .
L homena^em^ Brasília se ela aparece “na mãò
desses vagabundos”, como dizem, então não dá.
A própria burocracia conspira contra a visão
absoluta e mítica do poder.
30
Eu tenho trabalhado muito sobre o problema
da expansão da fronteira agrícola e discordo dos
economistas que dizem que a fronteira está es
gotada. Se você tomar o cordão de conflitos
como referência, que está muito ao sul do rio
Amazonas, existe toda uma faixa a ser ocupada,
mesmo que lá ao norte tenha outra frente pe
cuária. Não está esgotada. Se você tomar como
referência a história da expansão agropecuária
nq Brasil nos últimos 100 anos, vai ver que
sempre houve deslocamento progressivo da fron
teira econômica e foi um deslocamento confli-
tual, o que não quer dizer que tivesse esgotado.
Este deslocamento é relativo e o que está acon-
tedihdü ...jê..que parte ^da p o p u la ç ^ está sendo
empurrada para essa imensa extensão de terra
e abre um imenso terreno pára ó grande fazén-
deíro7~0“acTframento dos cojnflitQs ultimamente
nao é um fato de ordem econômica, é um fato
de ordem política. Nos últimos anos, a rapidez/
da expulsão foi tão grande que numa mesma
geração há pessoas que foram expulsas umas dez
í vezes dá terra e resolveram hão sair mais. Quan-j
| do se tratava de um deslocamento mais lento,
I como erá Ká 20 anos atrás, o posseiro fazia sua
l ro c m h a ^ h fà o ffl^^ dele que sofria nova expul
são. Isto diluia o impacto da violência do capital
sobre o lavrador. Hoje não, e com qualquer
pessoa que você converse, até crianças, vai ouvir
que está cansada, que não dá mais. Aí eles resol
vem resistir. “Eu vou para „.onde? Se eu sair
daqui, vou morrer d O õme”. E são exatamente
estes grupos que^estao resistindo.
Õ nível de expropriação foi tão longe que aca-
hpu pròduzfndo ^um,. faio, político que é a resis
tência. A política dgLÍncentivos aguça o interesse
d a T ^ a n d e empresa pelar- terra. Se a condição
para f eòehêF o incentivo è^ocupar a terra, então
31
estjLihuito perto^dp marginal. Em outras áreas,
o^bóia-friaí por exenipío, trabalha às vezes» com
o 'pequeno produtor durante a safra, e pelo
menos nesse momento, eles têm interesses anta
gônicos. O problema me parece muito mais de
mediação. Quando se pensou em um sindicato
único, pensou-se em criar um a força „política. -
Hoje vale a pena pensar criticamente sobre isso,
ou seja, se de fato se criou um a força política ou
se enfraqueceu o movimento político em relação
à luta do trabalhador do campo, pelo menos do
ponto de vista do assalariado. Essa-m ediação é
clara e fu nciona b em no nível da CONTAG. Mas,
é muito problemática no trabalho de base, no
sindicato local.
v Não sei se se resolve os problemas eliminando
á às mediações, juntando todo mundo no mesmo
35
prgpoül>as de..programas que têm sido feitas, não
h á'n ad a que seja significativo no campo. Então
eu não vejo como é que está vindo de baixo.
Parece que vem de cima e muito mal, no que diz
respeito ao campo. Não estou discutindo o que
se refere à classe operária, pois existe um a forte
tendência do movimento político brasileiro de
ser urbano e não rural, quando foi rural foi de
fazendeiro e não de trabalhador. Ê até hojemão
se encontrou o caminho para chegar lá; "
Na Sen^ana dos Direitos Humanos, organizada
em fins de 1979 em São Paulo, com o pessoal da
pgriferia, se pediu aos participantes que disses
sem o que queriam discutir. Eles propuseram,
em primeiro lugar^ que se discutisse a questão
da propriedade da terra. Essa era á proposta 'dbs~~
operários da cidade dé São Paulo, da periferia.
Não é pessoal de partido, dos sindicatos, mas o
pessoal solto da periferia. Ele ainda quer uma
explicação para o fato de que foi expulso da
terra.
Por isso, esses novos partidos estão muito dis
tantes de encam par^W põstaã que o pessoal tem
no campo e, até, na cidade. Do jeito que vão
indo, pelo menos em relação à população do
campo, não vão dizer muita coisa. Olhando o
programa do PTB, por exemplo, há referências
muito vagas à reforma agrária, exatamente co
mo sempre se pensou reforma agrária, não avan
çou nada. O partido que faz uma proposta con
sistente em relação ao campo e congruente com
sua perspectiva de classe é cpPÆL Faz um a pro
posta muito na linha do Estatuto da Terra, de
acabar com o minifúndio. A reforma. agrária é
aumentar..a produtividade no- campor essa é a
proposta burguesa. Ele foi o único que perdeu
tempo e dedicou um espaço enorme a isso. Nos
outros eu ainda não vi um a proposta clara. Eu
36
sinto que hauyej.ima omissão e que.há.. u m a t en-
dência clara de que os partidos representarão os
trabalhadores urbanos, ou então há um a inse
gurança, uma áúvida, um desconhecimento do
que fazer no campo. O desconhecimento se supe
ra através de estudos, mas esses partidos estão
muito baseados na cidade e provavelmente mais
uma vez, muito na classe média. Esse é um pro
blema sério, porque mais uma vez a população
do, campo_ fica desamparada. É evidente que os
partidos políticos não vão nascer no campo, a
política é feita na cidade, mas os fatos nos
mostram que os partidos que estão nascendo na
cidade com propostas populares, ou querendo
desenvolver propostas populares, não consegui
ram amadurecer uma boa preocupação em rela
ção ãT isto, não sintonizaram bem o que está
acontecendo com esta diversidade de situações
no campo. Por isso tanto faz P T ou PM D B, na
medida em que esses partidos não estão se preo
cupando com a realidade das populações do
campo. Apesar disso, eu não acho que essa po
pulação seja insensível a apelos partidários.
37
II — Reform a agrária: ver e
compreender (* )
Esta terra é desmedida
E devia sê comum,
Devia sê repartida
Um taco pra cada um,
Mode morá sossegado.
Eu já tenho maginado
Que a baxa, o sertão e a serra,
Devia sê coisa nossa;
Quem não trabaia na roça,
Que diabo é que qué com terra?
(Patativa do Assaré, Cante lá que eu
canto cá)
38
a fazer perguntas, levantar questões, poi mm
dúvida esta ou aquela proposta.
Parece-me justo ou necessário fazer dcvul«* h.y *=
duas perguntas: O .que é uma reforma. m u ^ i«
Que modalidade de “reforma agrária deve m « ««..
ver-se nas bandeiras de luta política deste nití
mento na sociedade brasileira?
Õs que têm alguma familiaridade com o n::min
to costumam argumentar pela reforma agí .irln
tendo em conta os defeitos da nossa cstrut.in h
agrária, ou seja, a má distribuição da terra no
Brasil: muita gente teín põüca terra para l.ndm
lhar e pouca gente tem o controle de mullii
terra, nem sempre utilizada para o bem público
Esse fato é verdadeiro e tende a agravar-se cm
nosso País. Por isso seria necessária uma refor
ma agrária no Brasil. O censo agropecuário <!c s
19T5 revelou que 52% Idõs^estabelecimentos
rurais tinham menosjíê ~ Í0 ha, e abrangiam ape
nas 2 ,8 % da área total. Ào mesmo tempo, 0 ,8 < I
tinham mais de mil hectares e compreendiam §
43% da área total. O mesmo censo revelou que
entre 1970 e 1975 aumentou muitõ' mais a área
controlada pelos grandes proprietários do que a
área controlada pelos pequenos, esta última prá- f
ticamente estacionada em termos relativos. Além ^
de revelar maior concentração da propriedade,
o mesmo censo mostrou que o regime de proprie
dade se fortaleceu em detrimento dos lavrado- %
res%fem terra. Enquanto houve um ligeiro de- c»
créscimo no número de estabelecimentos dirigi- ^
dos pelos próprios proprietários, a sua área
cresceu em mais de 1 0 %. Mas o número de esta
belecimentos organizados em terras arrendadas, co
mediante várias formas de pagamento de alu-
guel, caiu em 10 %\ Por sua vez, a área arrenda
da diminuiu em 19%. Em termos práticos isso
significou expulsão de lavradores das terras em f*-
w ‘ — ----- - Ü
39
que trabalhavam. Aerescente-se que transforma
ções- ocorridas'na organização interna das gran
des fazendas, como a suíStrtuiçãb Ue lavouras
por pastos, também lançou um grande número
de trabalhadores para fora da terra. Lavradores
e trabalhadores expulsos dirigiram-se em parte
para ás cldades,'~aT procura de emjprjgo, para
constituir b chamado_“exéreilQ industrial de re
serva” — a massa de trabalhadores disponíveis
no mercado de trabalho, à procura de. emprego,
cuja função, pelo excesso de oferta em relação
à procura, é a de rebaixar os salários. Não é por
menos que, entre 1958 e 1970, cada família tra
balhadora da cidade de São Paulo precisou lan
çar no mercado de trabalho mais um dos seus
membros — a esposa ou um dos filhos — para
manter o mesmo nível salarial de antes. Não é
que não haja empregos. O que há é emprego
para salários baixps, isto é, para lucros altos
Também nqcam poyhouve consequências desse
processo que se refletem na cidade. D a área plan
tada com lavouras, ou seja, geralmente alimen
tos destinados ao consumo no campo e na cidade,
65% correspondiam^ èni 1975, aos estabelecimen
tos rurais cujo tamanho era de no máximo 10 ha
(pequenos lavradores). As grandes fazendas, com
mais de mil hectares, tinham somente pouco
mais de 3% da sua área destinada à lavoura.
Isso quer dizer que o crescimento da grande
propriedade em detrimento da pequena não
reduz apenas a oportunidade de trabalho para
lavradores l i trabalhadores rurais — diminui
também a oferta de alimentos no mercado urba-/
jno. Já se sabe que á especulação com gêneros
alimentícios nas grandes cidades, uma das cau
sas da inflação galopante, é a consequência do
modelo econômico vigente que, entre outras
coisas, diminuiu o número de produtores agríco-
40
las no campo e..aumentou. drasticamente o n ú
mero de consumidores ^_.aÍLnientos~ria cidade,
A grande prõprlédadè no Brasil tradicionalmen-
te naõn^m interesse na prpduGãol<ie alimentos
para d mercado interno, justamente chamada de
“lavoura de pobre”. Ò grande fazendeirp prefere
produzir para a exportação, como sempre acon
teceu e como tem sido especialmente estimulado
pelo governo através da chamada política deün-
cçntivos (com vistas justamente a obter recursos
externos destinados a aliviar os nossos dispên
dios monetários no exterior, seja para cobrir des
pesas crescentes com combustíveis, seja para
cobrir despesas permanentes com pagamentos
de lucros e serviços das empresas multinacio
nais) .
E possível que se volte a falar em reforma
agrária como solução para aliviar esse quadro
_ cuja tendência é o agravamento. É mesmo signi
ficativo que projetos de colonização particular
estejam em anãamento nos últimos meses, jus
tamente nas áreas de maior concentração fu n
d i á r i a da Amazônia Legal, em sítios que o
;próprio regime militar dizia, há pouquíssimos
anos, impróprios para a lavoura e apropriados
unicamente para grandes fazendas de gado.
Isso é importante porque nem sempre a ban
deira da reforma agrária é uma bandeira popu
lar, que tenha por cobjetivo, resolver os proble
mas da maioria do povo. Por isso mesmo convém
ter em cohtá qüe á reforma agráriax pode ser
distributivista ou coletmstãTPode ser um a refor
ma qüe leve à fragmentação das grandes pro
priedades, para pultiplicar simplesmente o nú
mero de pequenos lavradores, sem afetar o regi-j ,
* me de propriedade qüe é responsável pela mesma;
concentração das terras em poucas mãos. Foi o!
que aconteceu no chamado Norte do Paraná. An
„« Á. V
pequena propriedade familiar do início da colo-
nizaçaõ7 ~nâ uris anos, ~vem dando lu gar, A_
concentração fundiária. A mesma coisa aconte
ceu ènTõiitfõs paisèSrT£Sse tipo de reforma agrá
ria era o que vinha sendo reivindicado no Brasil
antes de 1964, tanto pelais esquerdas, quanto
pelo governo trabalhista de Goulart, quanto pelo
próprio imperialismo americano (através da
Aliança para o Progresso).
U m a heformá“ coletivista;^ também tem os seus
problemas;' mas é aquela que altera o regime
v de propriedade, para impedir que a concentra
ção dá terra em poucas jn ãos venha a ocorrer
novamente. Os ihdiOs tóasil&fós, neste momen
to, estão claramènte lutando pelo reconhecimen
to do regime comunitário ^ e _prppriedade_que
fundamenta a sua existência tribal, a restaura
ção da sua identidade social violentada e a afir
mação de sua visão de mundo anticapitalista. A
recente tentativa de emancipação oficial do
índio constituiu, na verdade, um recurso para
dar um golpe de morte nessa luta dos povos in
dígenas brasileiros.
O milhão , de- famílias de posseiros espalhados
,por todo o Brasil, mas concentrados sobretudo
no norte, também está travando um a luta neste
1 momento pelo reconhecimento de que a terra é
um bem cole tiYQ, sujeito ao trabalho privado, \
; mas não & propriedade privada. Esta distinção: \
[ não tem sido j>ercebida em nenhum momento
por aqueles que na cidade levantam a bandeira
da reforma agrária distributivista; não. perce
bem mje_es£ajeníaca^m ^ com a luta e as
reivindicações concretas de índios e posseiros es-
paljiado^^por--todCL-CL Brasil.
É diferente a situação_dos pequenos proprietá-
rips^A pequena propriedade? mais característica
do sul e cio sudeste, está hoje sitiada pelo grande
42
capital e pela grande propriedade. Não só tem
dificuldade para se reproduzir (não só não cres
ceu o número de pequenos estabelecimentos
entre 1970 e 1975, como até diminuiu ligeirá
mente), como está hoje praticamente submetida
aos interesses do grande capital. Isso quer dizer
que, dos filhos de úm nequenalavrador, somente
um terá a oportunidade de sen lavrador por
conta própria} _em^regime -de trabalho familiar
como seu pai. Seus—irmãos—serão expulsos da
terrãTNa região colonial italiana do Rio Grande
do Si1 srrpieuf,p herrfpLn jovem. No
sul de Minas, as mulheres são excluídas da he
rança a que têm legalmente direito. Os p.obrçs
deseniarrL.jQS_pnbres„para manter o regime agrí-
cola..dQ-trabalho familiar autônomo.
E os que ficam, passam a trabalhar para as
grandes empresas industriais de alimentos, sub
metidos àos critérios de lucro das fábricas. É o
que acontece com os produtores de fumo, de
porcos, de uva, de tomates, de ervilhas, etc., que
trabalham para a Souza Cruz, para a Sadia, para
as empresas vinícolas, para a Cica, para a Paqi-
letti. O trabalho__do pequeno lavrador já está
sendo amplamente subjugado "pelo capital dos
grandes grupos econômicos. A luta) aí tem sido
contra a deterioração dos—preços agrícolas, e
contra a impossibilidade de reprodução da pe- \
q uena agricu 1tura. _....______ _ - i $ *;
A situação dosl^bóias-frias) também não é sim-o,
pies. Muitas pessoas acreditam que a redistri- r;,
buição da terra poderia aliviar a situaçãn grave
dos~rhíihoes d e trabalhadores jniiais^rasileirQS.
Quando conversamos com trabalhadores de mais
idade, observamos qüe para eles o^retorziQ à terrg
é uma bapdeira-deJLuta. Õs mai£moços>já cria-
rarp raízes na cidade, preferem meíhbfar as con-
43
- ,O
a\9 A j^_
\ 0
dições dos seus contratos de trabalho. A sua-luta.
já n ã o é mais pelaTterrá; agora elaép eln _saláriQ.
Ternos,- pdftãhto, ’ pela frente, um quadro aq
mesmo tempo »grave e diversificado. U m a siinplçs
proposta de reforma agrária distributivista, de
tipo^apit^lista, ènSãhdeirá que está muito aquém
do que esperam grandes massas de lavradores.
U m a proposta coletivista, por sua vez, abriria
um conflito_Qom~áqüeÍes que já foram subjuga-
Ci° s^£§lct-Xegime....da pequena propriedade. No
meu modo de ver, esta. é hora para se .discutir
menos, mas discutir, e ouvir mais — ouvir ps
pobres dõj cãm}3Õ, conhecer suas bandeiras de
lutáje^sua. luta, am pla e violenta como tem sido
nestes anos todos. Não temos o direito de -inven
tar bandeiras de luta para quem já está lutando,
para quem já vê nitidamente o que quer. Cabe
mos primeiramente v e r e compreender. Para que
não se i^pitam-Qs„. erros anteriores a 1964^quando
propostas e alianças foram definidas com escas
sa participação dos interessados, os pobres e ofen
didos do campo.
!
46
vrador proprietário há 1,3 lavradores imo pm
prietários. Desde 1950 vem se agravando essa pn
porção, o que indica que um número cnvtci-utr
de lavradores não tem terra e para construi \n
deve pagar uma renda ou invadi-la.
Além disso, devemos considerar os millmn n «i<
lavradores que tiveram que sair da terra tu )n
terra própria, seja terra arrendada, seja t<ai n
ocupada. Entre 1950 e 1970, as oportunidades
de trabalho para terceiros na agropecuária (n,=;
salariados e parceiros subordinados) caíram cm
cerca de um milhão e meio de empregos.
O estrangulamento da pequena agricultura,
por sua vez, está intimamente associado à cxpan
são das pastagens. Em 1970, os estabelecimento .
agropecuários com mais de 20 ha tinham 54 ,(>%
da sua área tomados pior pastos e apenas 8,5 %
por lavouras. Já os pequenos produtores, com
estabelecimentos com menos de 20 ha, dedica
vam 54,1% de suas terras à lavoura e 21,1% à
pecuária. Dados oficiosos indicam que há hoji
no país cerca_.de 40 milhões de migrantes, muito,
dos quais obrigados a sair do seu lugar de ori
gem devido, principalmente à concentração da
propriedade da terra, à extensão das pastagem;
e à transformação nasrelaçÕe&jde trabalho na
lavoura.
A totalidade do país tem sido alcançada, ainda
que de formas distintas nas diferentes regiões,
por essa situação. Num extremo, em parte da/
\ região Nordeste, na região Norte a _n a região
\ Centro-Óeste^ão-inúmeros os ..conflitos entre, d('
j i m d a d ^ grandqs empresas nacionais e multina?
cionaiâ, grileirqs e fazendeiros e,Cde^i3 fí>, posfl
: seiros e índios por òausa da terra. Violências de
tõda a ordem têm sido cometidas contra essas
V pessoas para assegurar a sua expulsão da terra.
Nessas violências, já se comprovou amplamente,
estão envolvi dos desde j agunços e pistoleiros pro
fissionais. até soldados, oficiais de justiça e os
proprios juízes. Não raro observa-se a anomalia
grayíssimã'"da composição de forças combinadas
de jagunços e’policiais para executar sentenças
de despejo decretadas pelos juízes, como se obser
vou no Mato Grosso e se observa agora no sul
do Pará.
Estudos recentes mostraram que a cada três
diaSj em média, os grandes jornais do sudeste
publicam uma notícia de conflito pela terra em
algum lugar do país. Comprovou-se que essas
notícias correspondem a menos de_JL£L%. dos con
flitos que efetivamente ocorrem. Um levanta-
v^ mento do número de vítimas q u e ,sofreram vio
lências físicas, feito através de jornais, indica
que^lnais" 'dú ãCT^: delas_.morrem...ncsses çpnfron-
, f.tos. Isso mostra a extrema violência da luta pela
tdTa em nosso país, com características de uma
guerra' ~dê extermínio, em que as baixas mais
pesadas estão do lado dos lavradores pobres. Esse
\ processo tem sido agudamente acentuado na
chamada Amazônia Legal^ (embora ocorra tam
bém em outras'regiões' como é o caso da Bahia
e foi até há muito pouco tempo o caso do P a ra
ná), para dar espaço a grandes empresas agro
pecuárias, subsidiadas com recursos públicos
[provenientes do impostojde renda. Àté julho de
119777 a Superintendência do Desenvolvimento
* da Amazônia havia aptcvado 336 projetos agro
pecuários,"' nos quais seriam investidos 7 .bilhões
de cruzeiros. Dessa importância apenas 2 bilhões
correspondiam a recursos próprios das empresas,
enquanto os r e s t a n p i T h o e s (mais de 70%
do total) eram provenientes dos chamados in
centivos fiscais.
AS
É preciso não esquecer de que a pnlítica-de-
incentivos fiscais, não só na Amazônia, mas
tãmbein T m “outros rproj£tas__oficiais, como é o
caso do reflorestamento, desvia dinheiro público
para uso privado. Esse dinheiro deixa de seruuti-
liz^dcL efetivamente em obrasse .atividades de in
teresse público para ser desfrutado como coisa
propria pela grande empresa-capitalista. Esse.
ponto é muito importante porque nos revela o
caráter dp. Estado.em nossa sociedade : em nome
de diiem ele fàla e age.e_em favor de quem atua.,
Embora seja amplamente reconhecido, pelo pró
prio gòverpo, que a maior parte da alimentação
em npsso^país é produzida por pequenos layrado-
res(é nãp.por empresas capitalistas, até hoje não
se produziu uma política de incentivos fiscais ou
de transferência deJtenda para esses produtores.
Aquele tipo de polj^ãca^denuncia claramente o
Estado brasileiro como um Estado, de. classe. *
Essa orientação oficial tem constituído o _prinr
cipal atrativo para a entrada da grande empresa
capitaUsta no campo. No caso d a cAmazoma^issÓ
nao aumentou em nada a produtividade das
gràndês fazendas de gado, com uma utilização
da terra inferior à dps pequenos produtores : uma
única vaca precisa de 3 hectares de pastagens.
A política oficial não transformou os grandes
capitalistas em pastores de vacaspmâs em pasto
res de incentivos fiscais.
2. Expropriação e exploração:
um processo combinado
49
__ _______ N
0Ky A expulsão atinge não só jgqsseiros (que chegam
fiõje^hó país a um milhão de fam ílias), como
também arrendatários e parceiros, através da
substituição da lavoura pela pecuária.
U m a parte significativa desses lavradores tem
se dirigido para as grandes cidades, à procura
de uma oportunidade de trabalho, indo engros
sar a massa ..marginalizada que vive em condi
ções sub-humanas nas favelas, invasões e ala
gados^ Q utrã partç entra sertão adentro à pro
cura de ferras ^desocupadas, longe das grandes
empresas, onde possa fazer sua roça, como tem
acontecido com Òs^posseíros. O que durará ape
nas o tempo necessário à chegada de um novo
grileiro, de, um a-nova fazenda.
Onde g exproprlaçag) não ocorre diretamente,
nem por isso o grande capitai deixa de se fazer
presente, estrangulando economicamente os pe
quenos^ Dados do Ministério do Inte
rior, recolhidos no posto de controle de m igra
ções de Vilhena, em Rondônia, mostram que os
milhares de migrantes, chegados-àquele territó
rio procedem de áreas de _pequena lavoura de
Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná e Santa
Catarina, principalmente. Milhares de pequenos
agricultores têm se deslocado do Rio Grande do
Sul em direção ao Mato Grosso. Em virtude do
preço exorbitante da terra nos seus_ lugares de
origem, esses agricultores não têm condições de
ampliar suas próprias oportunidades de traba
lho e de garantir a seus filhos que crescem e
constituem família a possibilidade de continua
rem na lavoura. Só lhes resta migrar.
Em grande parte, a falta de recursos para
cobrir o preço da terra nas regiões de origem
desses migrantes vem do fato de que os rendi
mentos do seu próprio trabalho agrícola —são
amplamente~aBsõrvidos pelas grandes empresas
í50
capitalistas que estão criando.mecanismos quase
compulsónosde comerei allzaçãodas safras. Nes-
ses ç^oç~]embora ras grandes -empresas não ex
propriem diretamente o lavrador, elas subjugam
o produto do seu trabalho. Tem sido assim com
grandes empresas de industrialização de leite,
uva, carne, fumo,-tomate, erviíhã,"Taranjas7 Tfu1
tas eurgerãl. N a verdade, oç_ lavradores passam
a trabalhar para essas empresas noszchBinados
sistemas integrados, embora conservando a pro
priedade nominal da terra. Só que, nesse caso,
a parcela principal dos ganhos fica com os ca
pitalistas.
Ê^cõmum os consumidores desses produtos nas
cidades queixarem-se do preço exorbitante qqe
tem que pagar por eles, preços que crescem cop-
tinuamente. Essa queixa está em contradição
com as queixas dos lavradores, de que recebem
nada vez menos por aquilq_que produzem. o
que podem constatar facilmente comparando a
elevação dos preços dos seus produtos comT~a
elevação cios precos dos insumos de que necessi-
tarrfnas"suas tarefas, como o adubo, a semente,
o inseticida, etc. N a verdade, estamos diante qe
uma clara transferência de renda da pequena
agricultura para o grande capital^
O pjróprio Estada, a quem supostamente in
cumbe zelar pelos direitos fundamentais da pes
soa. tem sé envolvido, diretamente ou através de
em proas públicas, em conflitos p ela terra. Esse
envolvimento fica muito claro nas disputas em
torno das desapropriações de lavradores para
construção dajSrragensTcõmo acontece em Itai-
pu e no Vale do São Francisco. Raciocinando
como capitalistas, no intuito de supostamente
diminuir custos^ ds representantes do Estado
nesses empreendimentos esquecem sempre que
os lá^mdõres dessas regiões não têm terra para
51
ngociar, mas Pajra^^trabajhar. As indenizações
que^cTEstado paga sao sempre insuficientes para
que o lavrador retome em outra parte à sua vida
de jra b a lh o, nas mesmas condições que tinha
antes. Ou então é transferido para áreas onde
são más as condições de vida e trabalho, mer
gulhando rapidamente numa situação de grande
miséria. É o que vem ocorrendo na região da
barragem de Itaparica, em Pernambuco e Bahia,
envolvendo 12 0 mil pessoas.
Os que não conseguem resistir a essas diferen
tes pressões e agressões, como posseiros, colonos,
parceiros, arrendatários, moradores, transfor
mam-se em proletários, em trabalhadores à pro-
cuTãJcTé trabalho não só no campo, mas também
na cidade. É conhecida a situação dos trabalha
dores avulsos em amplas regiões do país — co
nhecidos como “bóias-ffias” em São Paulo, M i
nas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Goiás; ou
como “clandestinos” em Pernambuco; ou “volan
tes” na Balua e em outras regiões. As oportuni
dades de emprego para esses trabalhadores são
sazonais, o que os impede de trabalhar, todos os
meses do ano. Para atenuar as dificuldades que
enfrentam, aceitam deslocar-se para grandes dis
tâncias, levados pelo liga&Q£, longe da família.
sem qualquer direito trabalhista assegurado.
Trabalhadores de São Paulo são encontrados, em
certas épocas do ano, trabalhando no Paraná ou
em Minas Gerais.
Mais grave ainda é a situação dos( pepeã na
y' 'Am azônia Legal. São-geralmente utilízatros na
yTase de abertura das fazendas, de derrubada da
mata. Sao trabalhadores sem terra, recrutados
pelos “gatoslL..em.-.Goiás, no Nordeste e mesmo
(X em São Paulo e depois vendidos pomo uma mer-
ç i o P l -^empreiteiros 'encarfégàjâos
^ I do desmatamento.
52
O “gato’Vj como é conhecido em amplas re-, 1
giõès,opera como um agenciador de trabalhai \
dores. Geralmente, possui ou aluga um camiJ \
nfíaçTpara.Jranspor.tar_os_peões, re c ru ta n d o ^ ^
' sob promessas de salários e regalias que naò se-j
r ã õ ^ c ^ p ^ a s r ' C o m o ~ n ã íO á ‘ h ê ^ u m a . . i i s c ^
zaçao, o trabalhador quanto mais se aproxima do!
\local de trabalho, mais longe, fijca de jqualquer,
mrotecão ou garantia quanto aos seus direitos /
ItrQbaihistas.
A vend^^jê_p»êÕesvé.^empre justificada pelás
dívidas que o trabalhador é obrigado a contrair
durante a viagem com a alimentação e o pró-
prio transporte. A dívida é transferida do “gato’*
ao empreiteiro que, em nome dela, escraviza4o
peão enquanto dèle necessitar. Policiais, os donòs
de^boliclios” e os de pensões nos povoados ser
tanejos estão quase sempré~ênvolvidos nesse trá-
fico humano. Quando. .0. trabalhador tenta fugir
é quase semprep castigado qu executado em no
me do princípio de que se trata de um ladrão
— éstã tentando fugir com o que já pertence £0
empreiteiro que o comprou: a sua força de tífa-
balho. í
53
C
P
| mentalmente p e W vçlhos e rançosos “coronéis”
'ÊL ser^ ° ; os famosos latifundiários a que, sé
! agregava o adjetivo de ‘‘feudais” até h á pou-
quíssimps. anos. Esse processo agora é conduzido
diretamente por grandes^ empresas. capitalistas,
nacionais ou .multinacionais, com amplos incen
tivo^ financeiros do próprio Estado. O proçesso
de expropriação, de diferentes maneiras, violen-
tamente ou não. tem ocorrido no país inteiro.
Dq ponto de vista da análise desse processo,
a ^violência que geralmente acompanha a expro
priação não é o seu aspecto principal. O princi
pal é que a expropriação constitui uma caracte
rística essencial do processo de crescimento dp
capitalismo, é um componenta„da lógica .da re-
produção.do capital. (Q ^apitâjü só pode crescer,
só pode se reproduzir, a custa do trabalho, por
que só o trabalho é capaz de criar riqueza. Por
isso, uma lei básica_da-capital~e~gi de subjugar
o trabalho. Naq^HaT capitalismo sem subjugação
do trabalho. Assim, na medida em que o traba
lhador vende a sua força de trabalho ao capita
lista, mediante o salário, os frutos do seu trabalho
aparecerão necessariamente como frutos do ca
pital que o comprou, como propriedades do ca-
vPpitalista. Para aue isso ocorra é necessário sena
dorar o trabalhador dos seus. instrumentos^ de tra=_
tbalhq; para evitar que o trabalhador trabalhe
--/para si mesmo, isto é, para evitar que deixe de
trabalhar para o capitalista.
> A instauração do divórcio entre o trabalhador
è as coisas.de que necessita para trabalhar — a
terra, as ferramentas, as máquinas, as matérias
primas — é á p3 ^eifa: eondiçaJ> e o primeiro
passo para que seJEsfãure, pór sua vez, o reino
dq_capital - e . expansão d p . capitalismo. Essa
separação, esse divórcio, é o que tecnicamente
sê chama de^expropriaçaò^— o trabalhador per-
de o que lhe é próprio, perde a propriedade dos
seus instrumentos de trabalho. Para trabalhar,
terá^que^endér â áua força de trabalho ao ca
pitalista, que é quem tem agora esses instru
mentos.
O que se tem observado naJBrasi!» particular-
mente no mçio rural, é esse processo dç expro
priação. Ele está árticulado não só com a trans
formação, das...relações de trabalho na agrope
cuária, tal como ocorre com o trabalho do vo
lante ou “bóia-fria”, mas também com as mi-
gragões para as cidades. Ao mesmo tempo em
que cresce ò núm£XQ^de_ expropriados e, portan
to, a procum._d&^mprego, não cresce na mes
ma proporção, ou até diminui, a oferta de emr
prego. Isso porque ã tendência das grandes „em-
pfesas, tanto no campo quanto na cidade, é a
de modernização dos seus^processos de trabalho,
incorporando tecnologia, geralmente importada,
que~dís^h^~m âo-de-obra. Esse processo de mo
dernização é hoje objeto preferencial de um a
política oficial de incentivos, mediante assistên1-
cia^ técnica gratuita^^empréstimos bancáriojs
concedfdõs“a jufõs subsidiados, isto é, a taxas in
feriores às taxas normais de juros do mercado.
A simples introdução de um herbicida numa fa
zenda, adquirido através de empréstimos subsi
diados, já produz amplo desemprego de traba
lhadores utilizados nas tarefas de limpa das
plantações.
O estímulQ__à_expansão das pastagens também
causa amplo desemprego, mesmo que não haja
modernização. Estudo do Núcleo de__Altos Estu
dos Amazônicos! da Universidade Federal do
Pará, mostrou que, nas novas fazendas_.de gado,
cada 788 ha ocupam um único trabalhador. Se
gundo os critérios do própno^lhstituto Nàcional
de Colonização e Reforma Agrária, que na re-
gião adota um módulo de IQO lm como área m í
nima para o trabalho do lavrador, àquela més-
maTárea teria cõifdiçõés de dar " t r a b a l h o j 8 fa-
\Stíjjgs. Como^sãouxegiões já pcupãdãtô^pbf ^poi-
„N 'seiros pòbrès, lavradores que se dedicará â agri
if cultura de alimentos, sobretudo arroz e mandio
1 \ S f ca, cujos excpdentés são comercializados, a ver
Ã" dade é que essa expansão de pastagens leva à ex
'
pulsão de 7 famílias em cada 8. Se essa tendên
\ cia sé confirmar nos próximos anos, mais de oi
tocentas mil famílias de posseiros serão expulsas
da terra em todo o país, sem contar as expul
sões de parceiros e. arrendatários e sem contar a
crescente impossibilidade de que filhos de pe
quenos lavradores se tornem lavradores autô
nomos como seus pais.
A (expro priação do^trabalHadox pelo capital
cria as condições sociais para que esse mesmo
capitai passe ao ^segundo turno, à outra face,
do seu processo deifepmdução capitalista, que é
a-exploração do mesmo trabalhador que já foi
expropriado. Ele terá agora que veruler-a-_sua
força de trabalho ao capitalista, segundo regras
dç mercado, e hão conforme ás suas necessidades
reais. Já não é ele, trabalhador, quem diz quan
to precisa juntamente com a sua família para
sobreviverei o capjtataque lhe dirá quanto quer
pagar, segundo as leis do mercado. Se houver
muita gente procurando trabalho, se for muito
grande o número de expropriados que não con
seguiu encontrar emprego, a tendência será a
da queda dos salários, a sua redução a níveis até
inferiores às necessidades mínimas vitais do traz
baíífádor. Foi um processo desse tipo que se ob
servou durante a fase do chamado “m ilagre bra
sileiro”, há poucos anos. Em virtude d a còncen£
tração da renda e da ^deterioração das ..condições
de vidaT^dos traballiadpres,,,jobservour^o^em^ci-
50
dades como a de São Paulo uma elevação na
tajgãTjgg^moH.ai3^5eJíiifantil. Isso quer dizer que
ã explqragão foi levada a um nível tal que com
prometeu a própria reprodução da classe trãba-
madpm
Aparentemente estamos diante de um fato
‘‘natural’L u o capitalismo. De um, ponto jde jyi&ta
quantitativo, o empresário mais forte engole o
empresário mais fraco, ocupa o seu espaço; o
grande engole o pequeno, porque a tendência
é a da concentração. do capital, uma concentra
ção crescente e incessante. Mas, ao mesmo tem^
po ein que o capital cresce, acumula* contradi
ções Inerentes ao seu próprio crescimento: ele
não" pode crescer sem o trabalho e, ao mesmo
tempo, cada vez mais dispensa trabalho deviüo
à modernização técnica; a produçãa_já„não é
mais individual e artesanal — agora ela é uma
produção social, baseada na divisão do traba
lho e no trabalho combinado de centenas e mi
lhares de trabalhadores. Apesar, porém, do ca
pital ter socializado completamente a produção,
implantou ao mesmo tempo a apropriação pri
vada dos-jcesultados dessa produção. J
Cp ^capital/ tem que crescer, tem que se am
pliar, enquanto se reproduz, enquanto é apli
cado na produção. Nenhum capitalista fará um
investimento para não ganhar mais do que in
vestiu. A reprodução ampliada está na própria
essência dcT cãpítáT. 'A medida em que ò capita-' j
lismo cresce e cria mais problemas do que so-
!lugoes;^n medidá èm que se pode observar que
í esse descompasso, nem jiepende dos capitalist as
jnem do Estadp, pois frutifica de contradições
Ique^ são inerentes próprio processo. de_ reprq-
• dução do capital; à medida em que a reprodu-
t ã o _ a g p ^ a ^ jà ^ c a p lt a l é necessariamente, aq
friesmo tempo, reproduçab anlphada das contraf
i
.
58 VUr*
'
distinto de propriedade. Baseia-se no prln* ip?
da jsxpiïoïaçâo que o capital exerce .sobre* c> ti m
balhadorquepjá.jaão -. possui os instrunie 11tc)| k
matêlFíais deltrabalbo,„para trabalhar, pc>;íSUÍdõB
agora pelo capitalista. Nesse caso, a projuiedu«: ^
capitalista é u rna. das - variantes da_proj jr 11 uIu«te
privada, que dela' se distingue „porque é pm
priedade que tem por função assegurar ao ca
pitai o direito de explorar o trabalho ; é fundi®
mêntaímente instrumento de exploração. Pof
isso não podemos confundir a propriedade eapi
taltefã cofet_ a ■p.ropriedade familiar, ainda q u <*
propriedade privada. Sãp-gúisascompletamenté
diferentes, ainda que a passagem de uma a ou
tra seja muito sutil e a muitos pareça não vxlrA
tir diferença alguma.
A (Propriedade familial^ não é propriedade dp
quem explora o. trabalho de outrem ; é projir i<j
dade direta de instrumentos de trabalho por
parte de quem trabalha. Não é propriedade ca
pitãlista; é p i^ rle d a d e ^ a jx a b a lh a d o r. Seus re
sultados sociais são completamente _jiistintp$t
porque nesse caso a produção e reprodução dajr;
condições de vida dos trabalhadores não é re
guiada pela necessidade de lucro do capital,
porque não se trata de capital no sentido capí-
, talista da palavra. O trabalhador e lavTadqr não
\recebe lucro. Os seus ganhos „ são..gan h osjdo
iseu trabalho e do trabalho de sua fam ília e não
ganhos de capital, exatamente porque esses ga-
nhòs não provêm da exploração de um capita
lista sobre um trabalhador expropriado dos ins
trumentos de trabalho. ' J
I Apenas quandb_o-papital subordina o pequeno
lavrador, controlando o s .tnecanismos de finan
ciamento e comercialização, processo muito cla
ro np sul e no sudeste, é que subrepticiamente
as condições de existência do lavrador e sua fa-
míliri, uas necessidades e possibilidades econô
micas o sociais, começam a ser reguladas e con
troladas pelo capital, como se o próprio lavra
dor iKio fosse o proprietário da terra, como se
fosse um assalariado do capitalista.
Quançio o capital se apropria terra, e s t a je
transforma ém terra de negocio, em terra de ex
ploração "do trabalho alheio; " quando o 'TrSEâr
lhacTor se ãpbssã da terra, ela .se,transfoi^na epa
terra âe íraSàlTtÕ^Saglre^ m é s distintos de pro
priedade, em aberto conflito um com o outro.
Quando o ' càpiTalista"se apropria da_texra, ele o
fa£'cõm o jhtiíifo do lucro^ direto pú indireta
, Òu sTTerfn\ serve para explorar o trabalho de
'quem nao tem terra; ou áTterra serve~para ser
vendida por alto preço a quem dela precisa para
trabalhar e não a tem. Por isso, nem sempre a
aprdpyiá^ãuBaTerra pelo capital se deve à von-
tade do capitálfsta de se dedicar à agricultura.
O ihonppoliõ de, classe, sobre fa terra assegura
W&o capitalista pedirei to de cobrar da sociedade
y r inteira üm trifautQ pela uso da terra. J§LJ^ cha-
V(> mada r rèndà fundiarljÇ ou (yenda da terrá. A
renda nao éxíste‘ apenas quando a terra é alu-
o^gâda; ela existe também quando a terra é ven
dida. Alugar ou vender significa cobrar um a rem-
da para que a terra seja utilizada. É o que se
está observando agora nos chamados projetos de
colonização..particular^ ^ o s s e ir^ nao pode ter
acesso à terra e dela é éxptílso porque não pode
pa,gar por ela. Embora o Estado ceda essas ter
ras a preços simbólicos a empresários capita
listasjpara que as revendanj, para que negociem
com elas. Fica com a terra quem pode pagaxjpor
ela^
completamente diferente dos outros
meios d~e produção. A apropriação de um a m á
quina pilo capitalista e, através dela, do traba-
60
lho do operário, pode parecer legítima n a me
dida em que, tendo os trabalhadores que a pro
duziram trabalhado sob tutela do capital, me
diante o salário, o resultado do seu trabalho
aparece como produto do capital. O mesmo não
acontece com a terra. Já constatavam os econo
mistas clásslcos^dos séculos X y iI I e X IX que
a propriedade capitalista, d a ...terra.é uma irra
cionalidade porque a terra não é produto do
trabalho e, por isso mesmo, não pode ser pro
duto do capitalC O efn T ) é um bem natural. Pesr
qúísãHòres têm observado, entre lavradores bra-
süeiros, que eles jprójprios podem perceber na
existência direta, como costumam dizer, que “a
terra é u.ma dádiva de Deus” , por isso é de todos.
Por essas razoes é que os posseiros de vastas
regiões se concedem o direito de abrirem suas
posses nas chamadas terras livres, desocupadas
e nào^tFaBalhadas, sem"“sirial de ferro”, de vas
tas "regiões desertas, pois entendem que a terra]
é um patrimônio comum, é de todos. Só é legPi
tima a posse porque baseada no seu trabalho. É j
o trabalho que legitima a posse da terra; é nele
que reside o direito de propriedade. Esse direito
estaf em conflito com os pressupostos da prò- j
priedade capitalista.
62
mercadorias. A coletivização da venda^dos pro
dulós agrícolas ou, até mesmo, a coletiyização
da compra.de insumos e outras mercadorias ne
cessitadas pelos lavradores, como se faz através
do cooperativismo, não atinge o próprio processo
de trabalho, a própria produção. Apenas bara
teiaos custos parçiaimentè. çla
cooperação nãp estão principalmente na comer f
\ cialização, fnas) na PÍS^liSão É justamente a
cooperação íio trabalho, o caráter social da proA
duçapT ínauguracíá em larga,., escala e utilizada
ãmplamente pelo capitalismo, que aumenta a
riqueza social. /4
É o que no i coloca diante de um pfòblémar
sério: onde a produção foi drasticamente'
pliada através da cooperação no trabalho, agfí-
cola ou industrial, o capitálismo já está presente
p ára’_se...apropriar de ganhos que deveriam ser
sociais porque fruto do trabalho social; onde a
produção permanece em bases artesanais e tec
nicamente ''rriodestas à cooperação tolerada se
restringe à^circulação^das mercadorias prpdfi-
zidas e não à produção e ao trabalho. j
Com isso, mesmo o produtor cooperativaüo
acaba trabalhando para o grande capitalista.
^om o os preços jdos „gêneros alimentícios são fi
xados em nosso país de cima para baixo, atra
vés de tabelas e preços mínimos, os produtores
procuram no cooperativismo manipular essa es
treita faixa de alternativas, retendo para si o
que antes se destinava ao comerciante-interme
diário, mas sem afetar o preço que os consumi
dores pagariam por seus produtos. Ao invés de
estenderem a éooperaçãp ao conjunto do pro
cesso de produção^ apenas reforçam as condi
ções da sua submissão ao capital industrial que
^ontinua a explorá-los. I
63
N a medida em que os con^umidgres de„.pro
dutos agrícolas estão principalmente nas cida
des e como nas cidades a produção é produção
industrial, ao agirem desse modo os lavradores
diminuem os custos do trabalho industrial bene
ficiando^ portanto, os grandes capitalistas. Os
operários precisarão de salários menores para
comprar à comida de qüè necessítam e que fio
nosso país representa uns 50% das despesas
da família trabalhadora. Mesmo que o custo de
vida seja âíto para o trabalhador, será muito
baixo para o capitalista, devido à redução das
despesas com maõ-de-óbra.
Um esquema cooperativista que não esteja ba
seado em ganhos sociais, mas que se volte uni
camente' pára a s s e a r a maiores rendimentos
individuais para lavradores isolados, sem afetar
o seu modo de produzir, sem introduzir Q coope-
rativismõ na própria produção em geral, man-
tendõ-se como empreendimento grupai e isola
do, na verdade redunda em benefício e reforço
do próprio capitalismo.
Estamos diante, pois, da necessidade de efe-
tivar uma drástica alteração no regime de pro
priedade fundiária, de modo que se reconheça
como legítimos os regimes de propriedade al
ternativos que têm se defrontado com a expan-
sãtrda^prõpriedãdè capitalista. Costuma-se im
putar o fracasso do Estatuto da Terra à inércia
do governo, aTsua má vontade em aplicar a lei.
A verdade, entretanto, é a de que essa inércia
é üm pouco mais ampla. O fracasso^, vem èfiâT
grande parte dq fato de que o Estatuto proclama
e consagra a propriedade empresarial, funda
ment ãimente~*capitaiis^^^^^^ e não cria nenhum es
paço pam jreçonhtó das formas_.de ocupa
ção dfa terrã qíie estão se desenvolvendo segundo
oiitre^ codigo de direito, popular, construído na
64
â
expeidêheda-diária e concreta dos lavradores. Por
isso, as lavfadorS) caminham numa direçãQjguo,
Estatuto'caminharnoutra. Entre o direito pro
clamado e reconhecido pelo E^jy|dp através des
sa lei e o direito reconhecido e praticado há uma
distância crescente, que tende a aumentar mui
to depressa. O que está acontecendo no país é
a clara proclamação da ilegitimidade do Es
tatuto, elaborado e imposto de cima para baixo,
sem pãrtfêipaçãô dos interessados que são qs
próprios lavradores e, trabalhadores .rurais.. 1
Esse ábismo; crescente entre os laYradqres e o
Estatuto "que representa interesses dominantes
e contrários aos seus, vai sendo aos poucos pre-
encfndõ por formas de organização popular, al
gumas mais formais e de alcance maior, outrás
menos formais e mais restritas. O caminho da
sindicalização dos lavradores e trabalhadores ru-
rais tem sido percorrido por muitos, inclusive
como forma de construir um sindicalismo novo,
de baixo para cima, radicalmente comprometido
com as aspirações, necessidades e lutas de quepi
o constitui. Outras vezes, tem se procurado or
ganizar grupos comumfários, como é o caso das
roças comunitárias, formas de administração
coletivas das posses nas áreas em que a violên
cia do capitalista é maior, etc. órfãos de apoio
das instituições _que tradicionalmente procura
ram tutelá-los, amda que de modo inadequado,
os próprios lavradores começam a produzir suas -
próprias organizações de base, para juntar as
forças e fazex valer não só os seus direitos, mas
também a sua concepção de direito.
Quando p>. ^grar!^ para so
lução desses problemas-todos, é impossível es-
• quecer que_o_ capital lá está embutido na pro-
priedadê fu ndiária capitalista.,Do mesmo modo
que é impqssiveí ignorar, ou marginalizar as for- 1
i
65
mas populares de organização e as concepções
pbptnarérdé propriedade, com o seu direito im-
plícTtcT^e semi-esboçado. Um a reforma agrária
que ‘naoUncõrpore os projetos e formulações „Já
revelados"has próprias lutas dos lavradores, que
não combine as diferentes concepções e práticas
alternativas de propriedade e que ao mesmo
tempo não abra a possibilidade de crescimento
desses regimes alternativos sem a tutela do ca
pital, poderia se transformar num mero exer
cício de ficção. É preciso não esquecer que a lei
brasileira reconhece preferentemente a legitimi
dade do regime dominante de propriedade, en-
trahdcr-em “conflitõ' com os modos populares de
cçnceber ã relação de trabalho do homem com
a terra. Quando há cqntlitP, prevalece na de
cisão, sempre, esse direito. Essa é certamente
um a das razões pelas qúais a própria justiça
reiteradamente decide em detrimento dos lavra
dores, reforçando ainda mais a sua condição de
deserdados da terra.
66
| í 11 a;j
L
IV — Migrações e tensões sociais na
Amazônia (* ) '
Riquêsa amaldiçuada
ten contato con o Cão
Cérvi pra derribar a mata !
e deferensá o xão
o que acontéci primero !
pra não dar o dinhero
manda matá os pião.
(Zé das Trovas, lavrador do Ma,to
Grosso, Estóra ãa Explicação dás
Fazenda do Amazona)
1. A herança do passado
pcupação da Amazônia.
N a verdade, porém, a Amazônia não é nenhum
deserto a ser ocupado. A região amazônica já foi
ocupada segundo os critérios e as circunstâncias
,çm que essa ocupação se deu. O que temos agora
è a aplicação de um outro modelo de ocupação,
que pretende anular e revogar os modelos ante=^
rio im .D e certo modo, o que se pretende _é o
impossível: consertar os supostos erros-da His
tória. Por isso, não estamos diante de .um pror
cesso de ocupação da Amazônia; estamos, na vej>
f dade. diante de uma verdadeira invasão da A ma-
^ ^'zônia, em que os chamados pigneiros não raro se
comportam, ante os primeiros ocupantes, como
autênticos invasores — devastando, expulsando,
^/violando direitos e princípios. É bem clara a ori-
; - gem rçgional e social desses invasores. Eles vêm
do ;Sjh7^l30 ''shdeste é estão "procedendo a uma
verdadeira sülizãçao do norte» São de preferên
cia paulistas. Por isso hoje na Amazônia o próprio
povo batiza como “paulista”. aquele que vem de
fora, com muito dinheiro no bolso, comprador de
terras. “Paulista” e “tubarão” são. ali palavrás
sinônimas. Os dados revelam que há poucos anos
os paulistas já eram proprietários de 3,3% dá
I área cadastrada pelo Incra no Acre e em Rondô
nia; 7,9% do Amazonas; 15,3% do Pará; 3,1%
do Maranhão; 37,1% do Mato Grosso; 9,6% de
Goiás. No conjunto do país, excluindo São Paulo,
eram proprietários de 2,3 vezes a área controla
da pelos residentes em São Paulo dentro do seu
próprio Estado í1). Além de paulistas predomi
nantemente, procedem sobretudo de uma classe,
social específica — são capjL$alJstg£, são membros
da classe_dominante, são empresários..
Na ÃmazóniáFnão "está ocorrendo uma nova
forma de dcifpação do território, mas, isto sim,
uma outra forma de ocupação, que vem de.
“fora”, dos centros econômica è politicamente
hegemônicos da sociedade brasileira. Por estar*•
70
mente legítimo de-ocupação d0 territóriu » » ?-
gime de sesmarias era raçialmente seleliv«» «■■im»
templando os homens de condição e cfl________ il litíUf
r
,
„ p' economia de posseiros se expandiram largamen-
>P ;e, como é o caso do Centro-Oeste e do N orte do/
V ca pais. AAlém lá w i r ldos
n r « l ilimites
m ifa c dos fterritórios
o v r i f n r i n c ? já
ió ocupa-j
A n n r»a J
■N
UV* 77 j '
(3) josé de Souza Martins, O Cativei^o-daTerra, Li
U vraria Editora Ciências Humanas, São Paulo, 1979,
passim. ,
73
é socialmenfe.,. igual...ao—fazendeiro—e -entre.__el.es
naõjpode h aver-vín eu lode agregação, isto é de
dominação b aseada na desigualdade. O vínculo
tem que sêFcontratual, porque baseado na igual
dade de direitos „ d e . ambos. Nesse caso, ou a
pessoa é proprietária ou náp tem nenhuma outra
propriedade que não seja a da sua força de tra
balho.
. TN)Desse modo, o terreno vai sendo definido como
r ) se fosse constituído de- faixas, cada uma ocupa-
|7V de forma sociaL distinta e cada forma social
j / em jcphflito - com... a ....outra. Caracteristicamerite,
^ no limite mais interior do território estão as
'f r, sociedades j trihais. No limite mais exterior está
a sociedade^capitalisia_.J3lenamente constituída.
"Entre "ambãs~~êstá o_j>osseirniqTie concebe a terra
à Vf )• de modo completamente distinto do capitalista^
v ' embõrá tãmbem esteja vinculado ao mercado
como produtor simples de mercadorias.
Tradicionalmente, o posseiro operou como des
r\y
;í' bravador do_território? como ámansador da j
:T terraTA?verdade é que, pressionado p elas empre
sas capitalistas interessadas em desalojá-lo de
suas terras, foi frequentemente utilizado para
deslocar os grupos indígenas, para avançar
sobre as terras deles, degalojandc o índio porqtre
desalojado pelo capital. No caso mais recente e
atual da ocupação das novas regiões, como se dá'
na A mazônia, a verdade é que o capital ampla-/
mente estimpÍjadQ„_.pêlo Estado, já avança, ao
mesmo tempo, sobre terras de posseiros e tefrají
indígenas. “ --------- ~—
Prefiro, por isso, não falar em zona pioneira).
Estamos de fato diante de dois movimentos d is
\tintos e combinados de ocupação territorial, qu€
ocppãmnge formas distintas e cpnflituopas entn
>i territórios via de regra já ocupados poF socie-
o. * <y~
riades tribais ( 41. Através do deslocamcnhi ili
^ ^posseiros é que a sociedad^-jaacional, isto p
hcarica, se expande sobre territórios Irihni.-; i*: i ^
/frente de ocupação territorial pode ser ch n 1111 mij m
<> de 'frente de expansão^ ~ÚirfseguiKÍd movimmln f
\constituído “pela forma empregarigl e capiU 111•,\k\
de ocupação do térrltorio — è ã grande fazenda«,
lo banco, a casa de comércio, a ferrovia, a est.ru êi
dá, o juiz, o caftorio, o Estado. Ê nessa frenti &
que surge'o qüé em nosso país se chama h o j e ,
indevidamente,; de p ioneirg. São na verdade om %
pioneiros das formas sociais e econômicas de ex m
ploração e dominação vinculadas àsclasses db m
i j minantes e ao Estado. Essa'7rere£e pioneijrà é es-
m
c k' \ sencialménte expMpriatoria'^dt^ue esfa social
1mente organizada coirrbãse numã^rélação fup 9
} v‘idamenta^^embpTa não exclusivã' que é a <Ji; m
compradores e vendedores ^de' força de trabalho. %
Quando se dá a superposição da^frente pioneira
( -gobre a frente de expansão é que surgem os con- m
jflitos pela terpa. Embora essa' distinção tenha
/ forte peso analítico,.ela nos ajuda a enten-
|bV'tier e caracterizar as áreas de tensão—social,f a
' definir os seus personagens, a natureza do ^eu
.^.conflito. Basicamente, nessasL_áreas de superpo- m
. j }’ ição, dois^ regimes de propriedade, distintos m
X »/- entre si, entram em conflitoT^áT posset de um %
i -------- --->
75
minar^dacjEiXQlQração capitalista do trabalho, im-
pede ou, ao menos, dificulta a transformação da
posse em propriedade.
2. A situação fundiária
76
ro mais limitado, que é o piádiilo-xio Jncra, de
100 ha para cada família, esse terreno poderia
dar trabalho a cetca de 8 fajnílias. Com a im
plantação da nova fazenda, d e 7 a 29 famílias
ficarão sem terra ( s).
O mesmo processo de concentração da grapde
propriedade npera, ainda que de formas distin
tas, tanto nas regiões antigas do país como nas
novas. Neste momento, o resultado em ambas
afeta preferencialmente a região amazônica,
como se poderá ver.
O quadro da situação fundiária do paísjê, hoje,
alarmante. Mais _da metade dos estabelecimentos
rurais tem menos de 10 ha e disnõe de menos de
três _pox„cento d a térra; menos de um por cento
dos estabelecimentos tem mais de 1.000 ha e
dispõe de quase metade da terra. Convém notar,
que nem todos esses estabelecimentos estão cons
tituídos em jfcerras_práprias, mas também em
terras arrendadas e_pcupadas. Não há apenas
pulverização dos estabelecimentos, de um lado,, e
concentração, do outro. Há também transforráa-
ções nas relações- -de-jpropriedade. Entre 197(L e
1975-diminuiu o número de estabelecimentos or
ganizados em terras próprias, em terras .arrenda
das, e em terras alugadas em regime de parce
ria. Aumentou a área disponível unicamente
para os proprietários. Isso quer dizer que está
havendp_nãocomente concentração da proprieda
de, mas também concentração da exploração^jCQn-
cretamente diminuem as oportunidades d g tra
balho autônomo mediante a l u g u e l - " li è r r á s .
78
i
79
£p
r k / 1
t i
prática, apenas dois anos depois de promulgado,
o Estatuto da Terra
Os próprios dados oficiais são muito expres
sivos a esse respeito. Se considerarmos o saldo
líquido de terras novas incorporadas aos estabe
lecimentos ju r a is np conjunto_do país, verifica
remos que não só as .áreas. pioneiras não estão ~ —
sendo preferentemente ocupadas de modo
absorver as populações expulsas de outras re
giões, como estão sendo ocupadas segundo utn
padrão de concentração muito mais agudo do
que o d á média do país. Das terras novas incor
poradas durante á década de 50, 84,6% foram
para os estabelecimentos com menos dp 10 0 ha
e somente para os estabelecimentos com
mais de ÍOÍL.dia. Das que foram incorporadas
durante os anos sessenta, 35^% foram para bs
estabelecimentos com menos de JjOO ha e 64,7 %
foram para os estabelecimentos com mais de 10 0
ha. Fm alm éhte^ das terras incorporadas durante Jisd-
os primeiros cinco anos áãT década de 70, apenas OCX
0,Z% foram para os estabelecimentos com menos
de lQO J ia enquanto que 99,8% foram parã bs
estabelecimentos com mais~ de 100 h a , invertejn-
do-se completamente a situação. Nesse mesmo
período, as terras disponíveis para estabeleci
mentos com menos de 50 ha diminuiram em
3,1%.
A tepdência concentracionista é bem nítida e
drástica como saído da incorporação de novas
terras no conjunto"dõ~pãls."Esses dados são indi
cativos de que mesmo quando se constitui um a
pequena propriedade nas áreas pioneiras, o seu
efeito é compiçtamente anulado por um a con-_
centraçãp maior ainda em outras regiões.
Portanto, a doutfcina „da. ocupação,.dos espaços
vazios produz concretamente, pelo caminho que
está sendo seguido, o esvaziamento dos espaços
81
ocupado*. N a pressuposição dos tecnocratas não
entrou o dado prévio sobre a já existente- ocupa-
ção da Amazônia, por índios e posseiros e muito
menos entrou em cogitação o povoamento, da,
regiãojgue se daria em consequência das próprias
medidas .de política econômica concentracionista
aplicadas no conjunto do país, expulsando la-
vradores em direção às terras amazônicas, força
d o s ^ disputá-las com as grandes empresas quef
recebem incentivos fiscais do governo. Cóm issp,í
o posseirp) se defronta com um processo reité-
rãti^o^de expulsão, que passa a òonstituir upn
dado de importância para entendermos a sq.a
ção.
82
A prim^iraidelas é fortemente constituída pm
migrantes urbanos. Ainda que de origem nnu!. I
nao migraram de úma só vez, mas foram se dç: i
locando paulatinamente do campo para o peqiir
no núcleo urbano, para a cidade maior, até ela* i
garemTãs regiõesrmais urbanizadas. A seguiu í-1 I
aquela que 'dõ'Nordesrtè se dirige para a Amazó *
nia Oriental, procede principalmentc do campo,
de regiões em que há grande proporção de pe
quenos estabelecimentos com pequena propojr *
çãq de terras e, àõ mesmo tempo, poucos estabc «
lecxffientòs grandes com muita terra/ Á terceira
*
é região caracterizada por uma propo r ã o signi
ficativa de pequenos estabelecimentos agrícolas
dispondo de pqucãlafea. de terra. Evidentemente «
há muitos detalhes que poderiam ser menciona
dos tanto no que se refere aos fluxos migratórios
quanto no que se refere às estruturas fundiárias
regionais. Estou me atendo, porém, às tendências ■
mais fortes da situação, às linhas fundamentais
da relação entre migrações e estrutura fundiá
ria-. .... ^
Vou me concentrar principalmente nas duf3-8
correntg^s_nngratóri^s diretamente_J^acionàaâs
coin ãTAmazônia,— a que dq i^rdestè-se dirige
paxã~ã A mazônia" Oriental e a que~doTsul }se diri-
^Tmãzônia Ocidental.
há uma clara saturação das pos-
daTagricúlturàTTãmiliar, coirTa pouca
terra dispohívèYp ãfà á pequena lavoura, tomada
por_ uma alta proporção dos—estabelecimentos
ruraísjdã região,^ No casodo^bamí) 71 % dos esta
belecimentos dispõe de 3% da terra do Estado,
enquanto poucd mais de meio por cento dos esta
iâ A A A A á
R2.
5,
on
/soldados transportados e alimentados ...pela pr
■[p n ã lfãzenda q ueHespeia^QS- 1a vr adores^
O quadro das tensões na Amazônig), inclui
ainda um outro personagem, tãffibém'migrante.
Estou me referindo acf peão/) Especialmente na'
fase de derrubada das inatas, de preparação do
tefrênõ parà o plantiõ ^d^capim, trabalhadores
são levados pelos “gatos/Bõ Nordeste, de Goiás,
até de São_Paulo, para traBalfíar nas fazendas.
Já se _falou muito sobre as condições lastimáveis
de. vida e de trabalho desses trabalhadores“,
muitos dos quais morrem desassistidos e anôni
mos atacados peía malária e outras doenças,
■, i.t longe de suãs famílias. Nem mesmo uma cora-
w A / j osa demonstração de insatisfação dos peões do
Pfõjeto Jari diante do general M ediei. quando
' v lá esteve^ produziu investigações e medidas des-
pjv^f\tonadas a garantir mínimõs direito/ ãos peõesj,
A Embora as fazendas sejam muitas vezes subven-
cionadas coih dinheiro público, não há sobre ela£
p a fiscalização r ião rosa ane-saJ:azLnecessária para
defender os trabalhadores. Não é raro ouvir-se
vozes inocentando ~os empresários, sob o argu
mento^, de que os abusos são cometidos -.pelos
/gatos//, ”
lastimável que em nosso país, neste mesmo
V A /+ano de 1980, )quase cem anos após a promulga-
m ção da Lei Áurea, trabalhadores sejam comprá-
fjií ; I dqs_ e vendidos como se fossem escravos para
id / serem colocados a serviço de grandes empresas 1
t >nacionais e multinacionais,, cujos empreendi
aV mentos jã o alimentados ,,em três quartas partes/
V /pôr dinheiro que pertence..Jêgitimamente a todo
V fv, o povo brasileiro. Abusos são cometidos por ação
tiV
,* e omissão ãté" mesmo de autoridades- públiõaã.
\ y\}>No Mátb Grosso, empavoados do norte do Esta-
J $ do, na região do (Âraguaia?, trabalhadores são
\y comprados e vendidos'como escravos até por in-
88
19• «■ú
89
medidas podem ser tomadas, no que se refere à
atuaçã^do^GovernoJ edo_Le^isiâtÍYo^em..par.ti-
culaf, para por fim aos abusos crescentes4contra
os "direitos fundamentais dag ueles trabalhadores.
4. C o n c lu s õ e s e sugestões
Ç> governõ tem definido nos últimos dois
meses, medidas que no seu entender deverão re
solver os problemas dos_posseiros. Não estou me
referindo aos vários decretos declarando deter
minadas áreas de utilidade pública, em regiões
de tensão social, para efeito de desapropriação
A ^^regularização fundiária. Refiro-me.jparticular-
(> mente, aos .„grupos executivos , como , 0 G E T A T
(Grupo Exeçutivo__4as Terras do Araguaia-To-
cantins). Na. prática), a criação desses grupos de
intervenção federar constituem o reconhecimen
to público, por parte... do Gnvernp, da completa
falência do sistema institucional na „solução, do'
problema fundiário despais. Concretamente sig
nifica que ãs instituições administrativas e judi-j
■ciarias não tem à menor condição para enqúa- i
jdrstr. e solucionar a grave e crescente questão \
I social da terra. As funções e compromissos dessas j
( instituições estão baseadas numa concepção do'
que deveria ser a realidade social completamente
distinta do que efetivamente é. De fato, os_CTÚpds^
executivos são órgãos de emergência e de inter
venção militar, como^se.estivéssemos núfna situa-
çao de guerra. É um recurso para evitár que áT
questão efetiva e básica do regime de proprie
dade seja colocada em debate, juntamente com
os compromissos do_governo, de modo que o Lcj
gislativo pudesse fazer agora, como fez em 1850.
a refõrmulação do direito de propriedade, da
teira em nosso país, ajustando-o a realidade
destes tempos e aos interesses dos trabalhadores
do campo.
É sumamente estranho que da área do GETA/r
tenha sido excluído o norte do Mato Grosso,
onde há um grande número de litígios pendei)
tes e de posseiros e índios vivendo hum a si Ume i<<.
de enclavq em jneio aos grandes latifúndios nio
der nos. Essa exclusão* tem, porém, o seu sentido.
De fato, no M ato G rosso a situação está estabj
lizada, considerada pelos próprios empresários
como pós-pioneira. Estabilizada ela está para os
empresários^ mas nãp para os lavradores pobres
ilhados pelas_fazéndas. OJnteresse governamen^
tal pelo sul do ParaTfcambém tem, no meu modo
de ver, o seu sentido. A situação ali é de plçná
I disputa pela.Jt.erra. Quase que se pode dizer qu<-
/ alf o chão está sendo disputado nalmo-a-palmo I *
I por empresarios e posseiros já expulsos váriajfe
vezes dê diversos lugares. Além disso, contingen
tes _pppulãnipnais7 elllB ali se acumulando em
i estado de grande tensa õ^suj eitos 'a rei ter a d as
violências de policiais e jagunços das fazendasV
É preciso não esquecer de que essa régiãçpestá
no caminho do Xingu, cujas terras já fhram corí-
cedidasT com autorização do Senado, a grandefs
grupos econômiçps, como a Construtora Andradb
Gutiérrez que recebeu 4ÕÕ mil ha para desen
volvei* projetos de colonização. Pelas experlên- 1,
cias que se têm no norte do M ato G rosso, os
colonos desse projeto pão serão os posseiros
pobres que estão se deslocapdo na direção Nõr-
d este-Amazônia, m asaquefes que possam pagar .
p e lã te rra T H á poucos dias esteve em Brasília,
segUTTdmTfoticiaram os jornais, um funcionário
daquela empresa para informar às autoridades
que o processo de desmatamento para implanta
ção do projeto e 1 construção de estradas já está
avançado e de que há o temor-dc-que os posseiros
encurralados na região sul do Estado iny_a&am o
X íh gu T ^ i
N a verdade, as medidas oficiais visam a cons- \
truir um cordão de terra ocupada e titul a d a em \
92
jbs proi etQS-jde-instalaçãQ de. J/azendas.cuj^^xe-
jcu ção Qtaâgai&ilamfiii^ a expropriado
/dos posseiros. É duVidoso, portanto, que o gover-/
• no pretenda adotar ali..uma política que xefoir-
m u l e a estrntura-fundiária^ pois representaria
o questionamento das suas próprias opções em
favor dos grandes projetos e das grandes empre
sas.
No meu modo de ver, houve uma grande
mudança entre a situação social que havia np
,l país hã epoca da elaboração da X e l de Terras re
s á .instauração do atual regime de propriedade
r r fupdiária. 4 ía^i£ÉͧL_epdCa, o monopóllchJieJidas&e
íVV sobre a terra tinha por finalidade obrigar o tra-
f balhador livrj^-a„lrabalhar_-para.jq, grande,fazeri-
* i^deiro. A propriedade da terra criava o exproprià-
K do e o trabalhador ao mesmo tempo. /líqjej^o
w monopólio de classe sobre a terra cria V -e ^ p rp
^ P p r j ãdoT mas nao _çríã na mesma proporção o
93
zendeiro de café, de tradicional fam ília de São
Paulo, perdeu tudo que tinha e foi para o, sul do
Pará, abrir e administrar fazendas^Sugerla elêT
y
com muita razão, que o princípio da fundão
P spcial da propriedade, formulado na C onstitui-
^ 1;çao, fosse levado à prática mediante_a_-aubordi-
nação da propriedade ao seu cultivo .(A t e rra^que
r permanecesse inculta, depois de determinado nú
mero de anos,"deveria, como no regime de sesma
rias, reverter ao domínio público para ser trans
ferida._a_quem p ela possa trabalhar.
2. Em segundo lugàr parece-me essencial po
f im à políticajde incentivos fiscais. Ela resultou
em benefício exclusivo de um pequeno número
de capitalistas, à custa de todo o povo brasilei
ro, incentivando a expropriação brutal do pos
seiro e a exploração brutal do peão. Que se dê
destinação social obrigatória aos recursos atual
mente transformados em incentivos," construindor
escolaspiiospltais, estradas, esTãhelêçendo servi
ços públicos essenciais nas regiões,novas, apoian
do sobretudo a transformação e o progresso da
agricultura familiar, que é a que respond.èTjpdr
mais de 5(1% da alimentação produzida no país.
« P i - Alteração da base sindic a p para que nas
niP novasp~amplas^regiões como a Am azônia a ins-
' \\tauração do sindicato de trabalhadores não fique
^vin culad^aZsed^ municipal, sempre muito dis
tant êTTTjún dica tq de base municipal não tem o
menor sentido numa região em que há proprie
dades maiores do que alguns parses. À Confe
deração dos -Trabalhadores na Agricultura deve-
SlMjfljria ser ouvida a respeito, de modo que possam ser
•criados distritos trabalhistas que levem o sindi
cato para bem perto doTavrador e do trabalha-
dor rural, para fiscalizar os patrões, canalizar
(reivindicações e evitarmos abusos graves que são
amplamente conhecidos.
94
1
j
Há cem anos atrás, quando o regime de tra
balho escravo entrou em colapso, quando a pos
sibilidade de crescimento da riqueza à custa qa
sujeição pessoal e do cativeiro do negro se tornou
inviável, devido à própria impossibilidade _da re
produção do escravo na escala necessária e do
escravismo como forma de exploração..e.domina
ção — a grande propriedade entrou igualmente
em crise. O jiãtlvQ e o latifúndio estavam inti
mamente vinculados entre si, sustentando soli
dariamente o modo de ser da sociedade brasileira
de então. Por isso mesmo, a reformulação do
regime de trabalho veio acompanhada da refor
mulação do regime de propriedade.
--------------- j
(*) Publicado originalmente como “prefácio” ao livro
de José Vicente Tavares dos Santos, Colonos do Vinho, ,
Editora Hucitec, São Paulo, 1978, pp. IX-XVTII.
95'
A progressiva substituição do cativeiro pelo
trabalho^ livre, na segunda metade do século
X IX , foi implementada com medidas igualmente
oficiais para abrir caminho à agricultura fami
liar baseada na pequena propriedade, num sólido
J' víftçulo j uridico com a posse dã terra , segurançáT
r que não tinham os homens livres agregados das
J grandeS“fazendâsna vigência da escravidão. Èm
! 5. o vários pontos do país abriu-se espaço para imi
grantes estrangeiros pobres vindos HãT Itália, da
Alemanha, da Süiça, de Portugal, da Espanha
gara se estabelecerem aqui em núcleos de colo-
1 ' r uiização devotados à pequena lavoura. O Rio
; , - ^ Grande do Sul, Santa Catarina, o Paraná, São
Paulo, o Espirito Santo, foram as províncias es-
r \Jy* colhidas, dentre outras onde o fato se repetiu em
(0 escala ínfima, para abrigar projetos oficiais e
particulares^de-Xolonização com imigrantes es
trangeiros. Também brasileiros, muitas vezes do
Nordeste, sobretudo do Ceara' da seca de 1877,
foram removidos para alguns desses núcleos. '
A ocupação do espaço geográfico^jios interstí
cios dos latifúndios cãfeéircs, como ocorreu em
São P anlo,~du~a~ mãrgem das coxilhas e canhadas
dais* extensas estâncias gaúchas, na serra, como
aconteceu no Rio Grande do Sul, não foi um
processo pacífico e tranqüilo de expansão^ de
mográfica e de penetração em novas regiões. De
fato, a imigração e a colonização incidiam dire
tamente no âmago da estrutura da sociedade
brasileira, ferindo as suas^ relações de proprie
dade e as suas relações de dominação. O pro
cesso tinha um forte caráter político e dejçlasse.
TTampliação dp_egpaço geográfico e social ocupa
do pelo pobre não nascia das lutas e reivindi-
cações'dõ"põbre, mesmo porque o imigrante era
fúndamentálmènte estrangeiro, vinha de outras
sociedades, suas reivindicações e pressões não
96
afetavam a nossa. Por isso mesmo, é que o esta
belecimento das correntes migratóri as para < o
Brasil dos fins dor século X IX e das primeiràs
décadas do século XX, ainda que expressando Ia
abèrtürá de uma fenda na estrutura das relações
sociais, se fez pelo patrocínio e gerência dos
próprios fazendeiros! Õ espaço novo para o pobre
nascia do interesse velho do rico, era aberto pela
própria classe dominante, intencionalmente. Para
essa o referencial da ação era a preservação dp,
então chamada grande lavoura e a preservação
dos mecanismos, então vigentes, de reprodução
ampliada do^capitai. O capital ditava as regras,
nem'm~ãls~nem menos.
O que os fazendeiros precisavam mesmo era
de trabalhadores que atendessem as necessida
des crescentes de mão-de-obra, estranguladas
pela baixa reprodução demográfica do escravo* e
pela crise do comérçiojnegreiro derivada, da ces-
1 sação do tráfico. À política de colonizaçãp, bk-\
seácta ha pequena lavoura, numa ëspêb'ë de nep- )
-campesinato implantado pelo próprio capitalTe i
I pela grande lavoura, constituía uma conçessão \
! necessária dos grandes fazendeiros às presumí
veis- aspirações dos emigrantes potenciais dos /
países que tinham, então, um excesso relativo /
de mão-de-obra rural. Digo presumíveis porque a \
vontade do nrgrante, já se sabe hoje, não tinha
o peso que umTcérto liberalismo burguês, implí-
/ cito nas formulações teóricas de algumas cor
rentes das ciências sociais, enfatiza.
Como o estabelecimento das correntes migra-
tórias dependia ide acertos diplomáticos entre os
países interessados^ a Ivontadê dõ m igrante tinha
que ser traduzida conforme as vontades das
classes dominantes do seu país e do país de des-'
tiriÕTNã verdade, o migrante^ransformou-se na)
òárá mercadoria de um grande negócio que en
volvia bancos, poderosos, companhias de navega-
çãò, ferrovias, agenciadores e traficantes de todo
o 2 @po, grandes empresas dèj c'ómérciõ~líümanor^
liTnesse sentido que 'goyerngsi estrangeiríg, comer
o suiço e o italiano, empenharam-sé muitas vezes
em que os seus nacionais estabelecidos no Brasil
não fossem explorados até o limite m axnho.
Para o conjunto do sistema de interesses centra-
do na migração erã de grande importância que
o imigrante pudesse r eter uma parte do exceden-
te^cónômico que gerasse, seja"pára alimentar o
comércio de importação do seu país de origem,
preferindo os seus produtos, seja para alimentar
os canais bancários de remessa de fundos páFa
os parentes^ que tivessem permanecido na mãe-
p átria.
N o B rasil) era a grande lavoura de café que
precisava de mão-de-obra nessa época. O traba
lhador livre deveria substituir o trabalhador es
cravo, sem que tal substituição expressasse paOr
dificações significativas, no processo de trabalho
devido a algum desenvolvimento das forças pro
dutivas. A crise da escravaturjí não nascia no
próprio bojo do~pfocessõ~de trabalho e, portanto,
do processo de exploração. A crise nascia fora,
no circuijo do comércio negreiro, no corte drás
tico do acesso às fontes de fornecimento da mão-
-dè-õbránãã^África. devido principalmente à in-
terlerencia britânica- Essa situação não ábriã
grandes^ perspectivas ao estabelecimento de um
fluxo migratório duradouro e constante para o
Brasil. No mesmo momento, condições de traba-
lho muito mais razoáveis estavam sendo abertas-.
, para os migrantes n a _Arg,entina, nos Estado^/
' Unidos, na Austrália. r0~Bras il> ra um mau negó-?
cio-para~Os~ihtèresses envolvidos no recrujãmên-
to, transferência e localização de migrantes. /
* s-
UR
T
*í
Por esse motivo, a política de imigrai;no
sumiu, em nosso país, já nessá“épbcã, uma lVlrrm
i dúplice: era apresentada com insistência, tm iM 1m
1 parSTos imigrantes quanto para os governo® üd &
1 seus países, como um programa de cqíoniza«:ã«»J m
de criação de urna camada social de p ojiiom i
r
proprietários, quando, porem, à ênfase qualiln
tiva e q uantitativa no recrutamento e 1<»<■ o, ... é*
çãõ dos imigrantes estava, na ’verdade, tm fm u i*
maçãolde una contingente„.de^mão-ciim >pxu pu*n.| é*
as grandes fazendas. Quando essa duplicidade^/
era questionada, sobretudo em face de còndtm : >
de vida difíceis para os trabalhadores das fazcu 1
das, argumentava-se que o sacrifício dos primei r
ros anos no país de adoção seriam compensai (ps
m
pelo acesso à pequena propriedade depois Me
alguns anos de privação voluntária e de trabalho &
obstinado. Praticamente, todos os núcleos colo *
niais desse período, estabelecidos no Sul e ho,
Sudeste, foram-no sob essa inspiração, como gn
rantia exterior de que na estrutura na soei ei lado **
brasileira abria-se lugar para uma camada ,<1< &
pequenos proprietários prósperos, conservai lo n
/ mente comprometidos com o princípio da ]>]*>
priedade privada e do trabalho familiar autono
mo. w*
A política de cqlonfzáçãp nasceu e desenvn! t-
veu-sè, frequentemente de forma precária, imo c-
melosa muitas crises, subordina d a aos objetivos
da política de imigraçap^3 njsúhstituição do tra
bãlhò escravo. Provavelmente, por esse motivo,
os núcleos coloniais nunca concorreram com a c -
grande propriedade, nunca disputaram terreno I -
corii as grandes fazendas e estâncias. Foram con
finados a terrenos^ desfavoráveis quanto à loçali
zaçãõ7 como ocorreu no S u i-ò u quanto. à_.qual i
dâde, como ocorreu no Sudeste. ->Enusumâ) a t -
ípequena propriedade dos projetos de colorüzáçub
99 e-
não decorrp.il ric tra_ri£inrm£imp<? pcnnnmioas &\
sociais que tornass£m~.cLifích^^sobreyiyência_„do 1
latifúndio; ela syrgiu, na verdade, com p com ple- ]
m ento des te r .cQmQ~a^iiQva. condicão de repròdu- j
xção da grande lavoora A pequena lavoura emer- /
igiu geográfica ou institucionalm ente sitiada pela.
\grande propriedade.
Os ~huclêõs ~dé colonização, na primeira etapa
da política de imigração estrangeira, foram pre-
ferenciãlmente localizados em regiões distantes
das grandes fazendas e dos grandes redutos de
m ão-de-obra escrava,. Tudo indica que essa foi a
fórmula encontrada para garantir a aparência
necessária de que a questão da colonização e da
pequena propriedade estava divorciada da ques-
tão do trabalho escravo. Há indícios de que, ao
serem recrutados na EuropaT muitos imigrantes
acreditavam que seriam conduzidos às terras do
Sul, já conhecidas e divulgadas pelos patrícios
que os precederam. Os contratos de recrutamen
to de colonos já abriam a possibilidade de -esca
moteações, definindo que acs agentes de imigra-
ção seria permitido localizar o imigrante em
regiões distintas das que fossem convencionadas
entre as partes. Houve casos de imigrantes tra
zidos a São Paulo que formularam queixas às
autoridades porque supunham que haviam imi
grado para se estabelecerem no Sul, onde já
tinham parentes. Portanto, os redutos de peque
nos proprietários imigrantes localizados aparen
temente fora da área de influência dos núcleos
mais. dinâmicos da agricultura de exportação de
artigos-coloniais, como os do J3uL_ estavam pro
fundamente vinculados ao conjunto do processo
de substituição do trabalho escravo e de estabe
lecimento de correntes migratórias^-contínuas
para a grande lavoura. Embora yíncukr não
ICO
fosse imediatamente material, era imediatamente
institucional —
As barreiras levantadas à pequena proprieda- x
, de nessa época, por essas razões, o fato de que'a
: pequena propriedade colonial nasce determinada
o processo de reprodução da grande proprie
dade üüJãTproduçao era voltada _para o mercado i
externo, só começariam a se tornar visíveis, in
clusive^ para o píõprio^cõlonoj algumas décadas
depois, para se'désvëndar inteiramente nos nos
sos dias, já mergulhada numa crise profundá
marcada pelas dificuldades de reprodução da
condições sociais e das relações sociais nela ba
seadas.
O autor de Colonos do Vinho, José Vicente T a
vares dos Santos, com o seu estudo sociológico
surpreende os colonos, descendentes dos imigran
tes italianos, espalhados pelas serras da região
colonial do Rio Grande do Sul, vivendo essa
crise, n s impasses da sua condição social, os em
pecilhos históricos à sua reprodução, como uma
camada substantivamente singular de pequenps
produtores baseados no trabalho familiar. j
Durante um século, os imigrantes e „seus des-
cendentes cultivaram um modo de vida baseado
na pequena produção e no trabalhp^da^famffia,
na solidariedade vi ci na, 1, na produção direta dos
meios de vida, nos'serões e testas do seü tempo
cíclico e cósmico, na pulsação da vida ritmada
pelo ciclo da natureza, na visão camyanilista da
existência. A agonia desse mo&ò dêTvida foTprõ^
teladá7 êm grande parte, porque uma instituição
providencial, à margem da lei e dos códigos do
país, o jninorato, expulsa sistematicamente da
casa paterna o filhp mais velho quando se casaco
maísÕnovo, até que nela permaneça o~ultimogê-
nito7~ã~quem.cabe a terra paterna e a sustenta
ção moral e EQüatêxiaLjdh£^^
101
v ky^
i . . . O
-PO
S-JJ'1' \ -o -
regras, a reproduçãodo campesinato não depende
1/ exclusiva e necessariamenteda. fragmentação da
// pequena propriedade .(masúia existência de terras
que possam ser incorporadas à produção cam
ponesa, As regras preferenciais de herança pro
telaram a crise final da pequena .pmpriedaxie,
m as não a impediram. Ao longo do último meio
século, a produção dos colonos foi progressiva
mente subjug ada pelos comerciantes e indus
triais de vinho, apoiada por medidas governa
mentais.
H oje, o trabalho do colono está submetido in
diretamente aò capital, Embora preserve a sua
autonomia form al e aparentemente trabalhe
para si mesmo, na verdade foi subjugado pelo
ca/pital financeiro dos bancos que lhe fazem em*
prés Limos;;dê~qu~é~~nãÕ pode abrir mão se quiser
manter o nível e a qualidade da sua produção;
f o f subinétido pelo capital dos intermediários e
foi submetido, ..final e decisivamente, pelo capi
tal das indústrias vinícolas, que o dominam atra
vés do seü_prod.útQ comercial — a uya.
Num certo momento, o .velho^pai de família
ainda podia recompensar herdeiro preterido
com um dote que o habilitava a tornar-se pequé-
nd .produtor e recomeçar por si a reprodução do
regime de pequena propriedade, suas condiçõés
históricas e sociais. À medida, porém, em que o {
colono se torna cada vez mais subm etido ao A
capital industrial da indústria do vinho, defron
tando-se corrí ele e como objeto dele; à medida em
q ué cádá~ véz mais é claramente trabalhador para
um capital que não lhe pertence, ainda que m an
tendo ã propriedade da terra e dos seus meios
agrícolas (ie^produçãó7 õs~sêüs rendimentos mo !
netarlps nao correspondem ao lucro médio, a que
\teria direito pela propriedade dos meios que
|utilizar~Cada véz- mais correspondem ao preço
102
do _sei^xabalhg e de _sua lamília,.medido e mc- á
diado pelo lucro--do-capi tal industrial, que não
lhe pertenceTjNfessas condições, o^çolono) tem
cada vez maisjiifiéuldade para entregar utn dote*
ao filho, limitando-se quando pode a dardliq
1 ' mna profissão, isto é, prepará-lo para o d estmaj
inevitável da proletarização. Embora o colono
,0 ' não esteja ainda sofrendo uma expropriação di^
ílx yeta, está de fato sendo expropriadõ~"dás~ cõhdr
r o Sões de reprodução ampliada da sua çondiçãc
V õcial de pequeno produtor autônomo. Ó capitja «
•QÇ> He indifêtamente subjuga o seu trabalho á t r a «
çMvés da mercadoria, fecharlhe o caminho do futu-
-•f- ro JSe antes, líecadas atrás, o imigrante^e colono >
estava sifiadp institucionalmente pela grande
y. lavoura,, hoje está sitiado pelo grande capital, i
j (j\ ^ Seus filhos e netos retomam o caminho da estrà-
| fKv jdaTMatula nas "costas, como seus antepassados
\ oe um séculõ atrás, yao saindo aos grupos do IJio
c' f Grande, de Santa Catarina, do Paraná, no rumo
I p da Amazônia Ocidental, para recomeçar nqm
éspaco novo ás velhas tradições da prqduçjão
fam iliar, para restaurar lá longe na terra virgem
[o modo de vida que fora contaminado e subjuga -J
ido ^êlo'cápifãT nas_terras já cansadas do.J9ul/
(Muitas vezes o próprio capital abre a porteira_de
acesso à estradãHonorte, comprando os peque- :
nos lQfesH~véhHehdoHiã mata distante lotes mais
extensos, para mais um século de trabalho fami-
liaHautônomp. ______________ .
José j ficente Tavares dos Santçb foi viver du
rante uns tempos cõnTfamiliãs^de colonos alcan
çadas por esse processo. Compartilhou com eles
o pequeno mundo/utópico, porque substantiva
mente negado 1pelo capital, onde brasileiros de
quarta e quinta geração ainda falam uma língua
ancestral, de sonho, um vêneto estropiado ou um
português carregado de sotaque vêneto, ou caij-
103
f
105
a utopia camponesa dp trabalho independente
na reemigra£ãQ^, nu,bmaa--de, uma^nova terra. Ao
mesmo tempo, os elementos-subjacentes a esse
processo, que o determinam e nele criam ou par
ticularizam suas contradições, o capital e o capi
talismo, Aparecem analisados e iluminados a
partir da situação de uma categoria social que
lhes é secundária, mas nem por isso menos cons
titutiva.
106
V I — A crise do regime de propriedade
e a crise das instituições (* )
N u n ca v i p ob re te r vez
S ó p o r q u e n ã o t e m d in h e ir o
S ó q u e m te m a v e z é o r ic o
D o m in a o m u n d o i n t e ir o
B e m d iz o v e lh o m e u p a i
Q u e a ju s t iç a n ã o f i c a
A o n d e o d in h e ir o v a i.
ii
(E x p e d it o R ib e ir o d e S o u z a , la v r a d o r itu)
R i o M a r ia , P A , “ O D in h e ir o e a J u s t iç a ”
in Poesia do Trabalho, Poesia do Trabalha
dor, C P T — R e g io n a l N o r t e I I , B e lé m , 1979)
107
É claro que a devastação florestal que ocorre
no país não é uma brincadeira. E logo todos nós
pagaremos por isso. Na hora de distribuir os
milhões dos incentivos fiscais, dinheiro que per
tence aos 120 milhões de brasileiros, são 336 os
beneficiários da área amazônica no setor agro
pecuário. Na h õ rã d e distribuir os dividendos lio
desastre ecológico, não tenhamos dúvidas, sere
mos todos convocados.
Muito provavelmente as especiais e lamentá
veis circunstâncias históricas e políticas a que o
país foi lançado devido ao patrioteirismo de al
guns zelosos cidadãos, nesta década e meia, não
nos deixou outra alternativa a não ser a de ficar
mos a ver o verde. Isso quer dizer que, sem dúvi
da, estamos vendo coisas importantes, relacio
nadas com o nosso destino coletivo. Mas não
estamos vendo o principal. Enxergamos a devas
tação florestal na Amazônia, mas não enxerga
mos a devastação humana e, até, institucional
que ocorre nas chamadas áreas pioneiras do país^
Mal nos damos conta de que, no avanço do capi
tal sobre o sertão e a floresta, há choro e ranger
de dentes, há morte e miséria, há violência e in-
. justiça.
Esse é um fato de grande significação histó
rica e política. O nosso encantamento pelo re
nascer do movimento operário urbano não deve
ria obscurecer o fato de que, nestes últimos dez
anos, lutas crescentes e significativas vêm ocor
rendo no campo, em condições dramáticas e,
muitas vezes, desesperadas. Mais de duas cente
nas de mortos e feridos são indicativas da fero
cidade dos confrontos no meio ru ral. Um estudo
recente registra a média de um conflito cada
três_dias em várias regiões do país, com maior
concentração no Paraná, na Bahia e nas unida
des da Amazônia Legal, que constitui uns 2/3
Ü_ -
108
do território nacional. Geralmente, há nesses
confrontos mais mortos do que feridos, sinal da
extrema violência que os caracteriza. ,
As principais d;sputas no campo são bem difq-
rentes das disputas na cidade> Aqui o trabalha
dor Jutajçqnlra_jpsua^ Lá^o lavrador
luta contra a expropriação. São lutas determi
nadas por um único e mesmo processo, que é o
de reprodução e acumulação do capital, Mas são
lutas que expressam situações distintas e enten
dimentos distintos do confronto com o capital./
Nos últimos anos, acentuou-se no país a ten
dência à concentração fundiária — mais terra
para menos gente e mais gente para menos
terra. Em cinco anos diminuiu o número de esta
belecimentos agropecuários próprios, arrendadcp
ou em regime de parceria, ao mesmo tempo em
que cresceu a área total dos estabelecimentos
explorados pelos proprietários e diminuiu a área
dos estabelecimentos explorados por terceiros.
Mas um dado de grande importância é o de qi^e
cresceu em 2 1 % o número e a área de estabe’
cimentos agropecuários explorados por posseir
ou seja, à margem do regime de proprieda
donrLnante^ garantido.
Esse quadro define as bases dos conflitos que
vêm crescendo no campo. Estamos, na verdade,
diante de uma acirrada disputa pela terra, en
volvendo um grande número de pessoas. Se há
no país três milhões de estabelecimentos agro
pecuários próprios, há também um milhão de
estabelecimentos de posseiros. Estes predominam,
sobre todas as outras modalidades de ocupação
da terra, no Aqre, no Amazonas, em Roraima,
no Pará, no A mapá e no M aranhão, o Estado que
tem o maior númeiro de posseiros, mais de 200^
• mil famílias, e onde os seus estabelecimentos re
presentam m ais de 50% do total. É forte tam-j
109.
bém a concentração de posseiros no_
Mas, de qualquer modo, o problema do pos
seiro é um problema nacional, embora mais con-
/r\ ycentrado na Amazônia Legal. Dois Estados em
J^jj^que os conflitos são numerosos e significativos,
V ; • \ Mato^Grosso e Pará, têm situações distintas. No
A- !W fimllro>~õs proprietários têm invadido terras
'As posseiros em grande escala, praticando um a'
A çlverdadéira expropriação direta. No P a ra d a ten-
Ç ?>tlência ainda é a da disputa pelas terras novas
• \ que vão sendo ocupadas, embora, como em outros
lugares, haja um crescente número de casos de
^0 expulsão de possejros^om ente em Conceição do
VAraguaia há hoje 78^conflitos conhecidos. No
^ - v) Maranhão, o tradicional Estado das “terras
A livres7’, ps posseiros, já não conseguem ocupar
nóvas terras, aoihesm o tempo em que vão sendo
expulsos em direção ao jsul dg P ará.
As grandes empresas) avançam também sobre
territórios índigenãs. É por isso que, além do
crescimento dõ número de conflitos entre pos-
sejros e latifundiários, tem crescido também o
ntjmero de conflitos entre índios e grandes fa
zendeiros.Apá^^^h^ no país o despertar de um a
consciência do índio, a paciente busca da identi
dade tribal perdida, o reiterado confronto com
a sociedade branca, capitalista e madrasta. O
índio tem avançado mais rapidamente do que o
posseiro na formulação da sua consciência e da
sua resistência. Provavelmente, porque o con
fronto cófh o branco é de imediato um confronto
claro e aberto cõlh outro" regime de propriedade :
li s
a propriedade coletiva..^e tribal ameaçada, pela..
propriedade capitalista.
V O INCRAjtem^um conceito quase oficial para
definirão posseiro :\ invasor. Curiosamente, entre
tanto, sào“ raros^os casos de invasão de grandes
/■'
A/ fazendas por posseiros. Quando ocorrem é por
/
110
desconhecimento dos limites reais das descomu
1
nais fazendas amazônicas, como se deu na Fa
zenda Capaz, no Sul do Pará, da família norte^ «
-americana_Davis, da qual três m embros foranfc I
chacinados num confronto com os posseiros, de- «
vido à intransigência e à violência do fazendeiro.
No entanto, na quase totalidade dos casos de con i
flitos envolvendo posseiros, a causa é a invasão |
d a s jjosses pela fazenda. ü
Tais—invasões são, na maior. parte dos casos^c
*5«
111
número de pessoas, as reclamações e reivindica
ções assumem necessariamente um caráter coüp~
tivo, o que tem sido suficiente para colocá-las'
solT suspeita. Em conseqüência, a tendência das
autoridades civis e militares tem sido a de se-
cúndar ^ grande êmprêsa.'partindo da premissa
de que ela é a guardiã natural da ordem social e
política vigente, contra o posseiro, encarado ~'
com õlim risco para a estabilidade da ordem bur
guesa, quando ele é na verdade um obstinado
paciTísEL
A própria forma da burocratização dos__servi-
cos oficiais sobretudo os da JuaMca, já é sufi-
cientê~pãra fazer com que a balança p enda para
o lado da grande empresa. Quase se pode dizer
que nò sêrtad'a presen£,a^dQ.,direitQ. q da Justiça
é uma..brin£âdeira_da.pequena burguesia. É um
faz-de-con ta : faz de conta que o país é outro,
fãz de cónta que a Just;ça é ju sta, faz de conta
que o direito é reto. No entanto, já há experiên
cia comprovada de que os conflitos somente são
resolvidos a favor do posse'ro quando este se j
rebela. Õ IN C R Á tem doutrina firm ada de dar
pflòridade à solução dos casos marcados por \
forte tensão social, Mas quase sempre a distri-v
iA bilicão d a terra ou a regularização, da situação
f u ndiária se faz acompanhada de forte repressão
à s lideranças, classificadas como subversivas.
J A opção do regime militai pela concentração
f undiária, que acompanha a concentração do..ca-
pital, permitindo e favorecendo a constituição
de latifúndios de milhares e até milhões de hec-
tares, não é mero dado'econômico. É dado políti-
co. As vacas da Ãmazônia estão aí para confirma^
-lo. Poíã todos sabemos comprovadamente que a
pecuária extensiva cria um número escasso de,
empregos (em dez anos * de Incentivos fiscais a
Siídànpçriou 38jmil empregos na Amazônia) ao
112
mesmo tempo em que desaloja um. grande nú-
mero de lavradores, (um a vaca amazônica de
semprega uma família inteira de trabalhadores,
de posseiros^ que produz sua própria subsistência
e excedentes agrícolas comerciáveis). Até há ál-
guns anos as zonas novas absorviam os exceden
tes populacionais de regiões como o Nordeste.
rÈssas populações continuam se deslocando, en~
9 ‘ ;/&rossadas agora pelos migrantes do Sul e do Su
■ip deste. Agora, porém, submetidas a um confronto |
l imediato com q grileiro, ^m ultinacional, o “pau- |
lista”; o jagunço, o juiz, .ajpficiaLde Justiça/o /
■f soldado.. Diante do posseiro, a força e o poder
combinados da ordem pública e da ordem priva- J
V.J| da crescem como úrii inimigo, impiedoso e diabó
KP* J $ lico, como a besta-fera, como o seu contrário.^ O
cãpitaf)que devasta a mata, o índio e o posseiro
devasta ao mesmo tempo as Instituições e princír
pios que sustentam a sua expansão.
113
V I I — A situação no campo e a conjuntura
Falta terra, falta tudo,
Falta alimentação,
faz o caboclo ficá
numa triste situação.
O povo doente e fraco
prejudica a nação,
faz o homem cachaceiro,
faz outro virá ladrão,
faz mulher mudá de vida
pra poder ganhar o pão,
traz a fome e a miséria
na cidade e no sertão:
periga a humanidade
dá uma revolução.
(De um Violeiro de Goiás, “Espelho da
Realidade”, Cantos dos Lavradores de
Goiás, CRD, Goiânia, 1979)
114
do posseiro existe no país todo, sendo nial.s
significativo nos Estados do norte e do centro
-oesitÊL Mais da metade dos ésTabeleci menton
agrícolas do Maranhão está nas mãos de pds
seiros..
Segundo o último censo agropecuário, de 197f>,
das quatro categorias de lavradores ali arrola
das, a de ocupantes (basicamente posseiros) é
a única que cresceu. O número de proprietários,
isto é, lavradores^ cqnLJútixIo-jaa-jnãQ_ri posse_ic
galizada. diminuiu, mas cresceu a área por eles
controlada. O numero de arrendatários e a sua
área" diminuiram. O número de parceiros e a
sua área também diminuiram.Ouj^eji^, está ha
vendo uma concentração da propriedade fuia
diária, _cqm a consequente saída _ d e . lavr adqxês
das terras T m '" que trabalhavam. Q número de
posseiros e a sua área, âo contrário das outras
tendências, cresceu em 2 1 fo.
Há hoje aproximadamente um milhão de fa^
mílias de posseiros no país, o que deve corres
ponder a uns 5 milhões de pessoas. Convém lem
brar que o posseiro não é o marginal, o invas Dr
da propriedade, o fora-da-lei que muitos sju-
põem. Segundo estudo divulgado há pouco pela
Comissão de Financiamento da Produção do
Ministério da Agricultura, entre 60^ e 7()% dos
gêneros alimentícios destinados ao abastecimen
to do país procedem da produção de pequenos
lavradores, que trabalham em base familiar. Os
posseiros representam uns 2 0 % de todos os es-(^!
tabelécimentos agrícolas do país. Sê considerar-
mos ~ que üm grande número de proprietários '
de grandes estabelecimentos nãp produz alimenW*
tos, mas dedica-se, preferencialmente à
\ria, podemos dizer que a agricultura dos posseiy
'õs tem a sua importância no abastecimcnto ^doá
Lèrcadõs üfbáriõ é rurab " {(
Um a das conseqüências da expüísão de possei
ros em determinadas áreas como constatou em
estudo recente um dos melhores conhecedores
dos problemas da Amazônia, o sociólogo e jor
nalista de O Estado de S. Paulo e O Liberal)
Lúcio Flávio Pinto, foi a diminuição da oferta
de alimentos em grandes cidades, como a de
Bélém, e a consequente e acentuada elevação do
custo de vida e da taxa de inflaçao. Esse e um
dacíCPmüitd importante. Em política econômica
nem tudo o que se planeja dá certo. Òs econo
mistas sabem disso há muito tempo. O capital
é~cruel com os seus gerentes: freqüentemente
produz o resultado esperado por quem planeja,
mas produz também o contrário do resultado
esperado. Essa é uma contradição. Mas, justa
mente o movimento da riqueza tem essa carac-
Qterística — a de ser contraditório. Assim, obser
vam os nos anos recentes a expansão_ das gran-,
ij^des empresas agropecuárias nas frentes pionei-ji
ras (co m o 'á nossa região do Á rãguãiá-Tdcãn-lj
tins), o que era desejado pelos governantes,
aó mesmo tempo ^a escassez de alimentos e
elevação do custo de vida, conseqüência que nã(
era desejada. São dois result a d os unidos e-coní
tráfios entre si. A rápida acumulação do capi-
tartéfn úim preço que compromete a propria'fe-
pTõdüção ampliada do capital. Por isso, já di
ziam os clássicos, ós problemas econômicos são,
na realidade, problemas „políticos.
O problema^ não é únicamente o do posseiro,
dos pãrcêlros e arrendatários pobres. Os peque
nos proprietários, como os colonos do projeto
Canarana, vivem uma situação nada fácil. A Ca-
narana é um projeto de colonização particular
e de assentamento de lavradores procedentes do
Rio Grande do Sul, da região de Tenente Por
tela, que se instalaram no Mato Grosso, em Bar-
ra do Garças. Trabalham com máquinas mo.
dernas — colhedeiras combinadas de arroz que
poupam o serviço de dezenas de trabalhadores.
Seus lotes tem 400 ha, dos quais 200 ha devekn
corresponder a reserva florestal. Esses lavrado- r
res estão^completamente endividados e costu- [
mam~dlzeir~que hoje são empregados do Banco;
do Brasil. O rendimento da cultura de arroz [J
deste ano de 1979 dará somente, para um gran
de número deles, para pagar as prestações dos
débitos contraídos com o Banco. Isso porque em
bora o preço dos alimentos seja muito alto nas
cidades, é muito' baixo para os lavradores. "Pbr
que acontece isso? Estudo realizado há alguns
anos pelo Departamento Econômico do Ministé
rio da Agricultura mostrou que dos preços <íe
yários^ produtos agrícolas pagos na cidade, ape-1
nas uma parcela muito pequena fica com õ l a -
/VradõrTMãis jde 50% ficam com os intermedia- >
rios. É preciso lembrar que no Brasil os preços
d er~~ãlimentos para o consumidor sao m aisdíT
menos controlados, através de órgãos como j a
Sunab (Superintendência Nacional do Abaste
cimento). O prodytor agrícola., tem que se adajp-
tar ao preco que o mercado pagará. Se houver
uma seca forte ou uma enchente, o produtor não
tem condições de aumentar os preços dos seus
produtos, arcando sozinho com os prejuízos. Os
preços pagos ao lavrador, quandn sobem, sobem
muito devagar. Os^preços pagõs pelo lavrador,
ao contrário, sobem éfn ritrhõ mais acelerado,
cdíno indicam os índiçes._de preços publicados
pela'Fundação Getúlio V argas e pela Secretaria
da A gricultura ide Saõ" Paulo. Isso acontece por
que o lãyrãdof subjsidia o consumidor. Isso quer
. dizer que os lavrãdnres~~'éstão sustentando os
opj^ários dos grandes centros consumidores?
r 'Nãor^Como se explica então esse fato? Os pre-l
ços dos produtos agrícolas na cidade não podem
subir muito, porque esses produtos são consu
midos principalmente pelos trabalhadores. A
compra desses produtos deve ser feita com o sa
lário que os trabalhadores recebem das empre
sas em que trabalham. Segundo dados da Fun
dação Qetúlia-V-argas e do Departamento In-
tersindical de Estatística e Estudos Sócio-eco-
nômicos (D IE E S E ), que é um centro de estudos
e pesquisas mantido pelos sindicatos operários,
m ais ou menos a metade do que ganha a maio
ria dos trabalhadores ..destina-se à compra de
alim entos.,,A ôutrj^meta3^ é para p agar á "casa,
os remédios, a escola. Se os trabalhadores ur
banos pagassem pelo seu alimento, pelos produ
tos agrícolas, o preço real do trabalho,..do „la
vrador, o preço que garantisse para os pequenos
lavradores e trabalhadores rurais o mesmo paj-
drãõ médio de vida que há nas grandes cidades,
teriam que ganhar salários mais altos do que os/
I atuais. ísso querUizer“ que os alimentos sãÕ CU^
j, ros para os operários porque os seus salários saffi
baixos, mas..saó baratos para os seus patrões^
Como assim? Se o patrão paga salários baixos
para o seus operários, os seus lucros são altos.
O exame dos balanços das grandes empresas,
como as multinacionais, publicados obrigatoria
mente uma vez por ano nos grandes jornais,
mostra que das despesas que elas fazem, apenas
uns 30% (às vezes menos) correspondem ao p a
gamento de salários de trabalhadores, incluindo
os altos salários dos executivos, diretores e téc
nicos. Assim, aquilo que falta na casa do lp-
vrador aparece„._prjScipaImente.-...no cofre das
grandes „empresas sob a forma de grandes lu
cros. Essa situação afeta todos os produtores
agrícolas, incluindo os posseiros.
%
2. A conjuntura 'política
iS 122
ro”. Os operários haviam sido vitimados por essa
política entre 1964 e 1966, durante a fase do
chamado “arrocho salarial”. Em 19jj£, um único
operário sustentava, com o seu trabalho, umef
família. Em 1970, eram necessárias duas pessoas
de cada família para receber praticamente o
mesmo salário de 1958. O mesmo processo do
redução real do salário também alcançou a clas
se média nós últimos 4 ano_s. Portanto, além de
comei^ õ salâriõ ^ s trabalhadores mais hem pa
gos, a inflaçao comeu também o apoio da classe
mais numerosa dentre aquelas que apoiavam o
governo militar. Üm claro sinal desse fato está
nas“ greves de médicos, professores, policiais, e
nos protestos, por questões salariais, feitos poç
juizes e promotores. /
Os próprios empresários, que eram os princi
pais beneficiados pela política de concentração
da renda, ficaram divididos e vários deles fize-
ram públicas restrições à política econômica do
governo.
Em linguagen^resumidã, o regime militar per-
deu rapidamente o apoio das classes e dos grupos
sociais que eram" ã suã base^ de sustentação. Pojp
outro lado, todos os mecanismos de repressão,
amplamente conhecidos por nós brasileiros, já
haviam praticamente esgotado a sua eficácia. A
repressão havia garantido durante vários anos,
sobretudo entre 1968 e 1975, o silêncio do povo e
o apoio compulsório às decisões dos governos.
Mas, cT descóntèhtáménto se tornou tão amplo
que essas medidas começaram a produzir o efei
to contrário. Muitos setores da população come-
çaram a denunciar as praticas repressivas, as tor
turas e as p erseguições. Â lg fe ja tornou-se"uma
voz mais veemente ha dèhúnH áhe arbitrarieda-
d e s ^ y ^ I ^ ^ ia i . Muitos setores dá sòqié&adè civil
còmeçàram " a lutar contra o custo de vida, a ape-
123
lar em favor de uma anistia ampla, geral _e ir
restrita, a reclamar liberdade, de organização _
sindical e política, a pedir constituinte. De re
pente, houve a impressão geral de que o povo
tinha perdido o medo. O povo começou a sair ás
ruas, a fãiãr alto, a exigir. Â precária base de
legitimidade política do regime entrou em colap
so. Surgiu o que os especialistas chamam de
“vazio de poder”. Os movimentos de reivindica-
ção popular começaram a avançar sobre esse
vaziõ^h^i ocupá-lo: elegendo candidatos de opo
sição comprometidos com propostas populares, ^
ampliando ás oposições sindicais na ciíjade e no
campxu-preconizãhdo partidos até há pouco con
siderados intoleráveis, etc.
A candidatura do general Figueiredo nasceu
dessa conjuntura de esvaziamento do regime mi
litar e de crise política. Era preciso modificar o
estilo do regime para preservá-lo ou, então, acei
tar a sua derrota inevitável, que viria com o
tempo. Um a indicação clara de que o que mudou
foi apenas o modo de fazer as coisas está no fato
de que nenhum dos órgãos de repressão, envolvi
dos nas torturas e assassinatos de presos políti
cos, foi desmantelado. Palavras de altas autori
dades, publicadas pela imprensa, como a do mi
nistro do Exército, asseguraram que os tortura-
dores não seriam julgados nem punidos pelos
crimes cometidos. O mesmo regime e as mesmas
pessoas responsáveis por conhecidas arbitrarie
dades passaram a falar uma linguagem liberal,
tornaram-se tolerantes, procuraram aproximar-
-se dos seus inimigos de véspera. Converteram-se?
Nessa nova orientação, logo no início do atual
governo, o novo presidente doJEncra, Paulo Yoko-
ta, ligado ao ministro Delfim Neto (o principal
responsável pela política econômica que culmi
nou na crise atual) declarou à imprensa que
pretendia ennontrar-se imediatamente com auto
ridades da Igreja das regiões , de., maior tensão
social, como a do Araguaia. No seu entender, os
conflitos dessa régiao ganham grande reper-h
cussão devido à atuação da Igreja, particular
mente de bispos, padres, freiras_e jQut,ros_agentes
de ^pas toral envolvidSsnõ^ trabalho com possei
ros e peões. O objetivo declarado do presidente
do Inçra é o de desviar as pressões que os lavra
dores fazem por intermédio ~dã Tgrej a e aliciar a
cooperação das autoridades eclesiásticas. Medi
d asid ên ticas foram tomadas em relação aos
membros da Igreja envolvidos no trafeâiho com
os índios (o então presidente do CIMI, D. Tomás
BaTduinõ, foi convidado a um encontro com o
presidente da Funai, em Brasília). Nem mesmo/
faltou o ostensivo e notório comparecimenfq_do
ministro do I nterior, Mário Andreazza. e do en
tão presidente da Funai, à ‘"Missa da Terra sem7
Males”, a missa do índio, concelebrada na Cate-(
dral de São Paulo por D. Paulo Evaristo e maisj
de 50 bispos, com a participação de 5 mil pessoas, j
É quase certo que a candidatura do generalj
Figueiredo, como as anteriores, tenha sido con-j
duzida por uma operação de estado-maior para
evitar que os grupos no poder perdessem o gover
no. Tudo indica que a nova política também é
decorrência de um plano de estado-maior e de
uma operação militar. A tática que vem sendo
adotada no momento é a de dividir as forças
políticas que estão diretamente baseadas num
compromisso com os pobres e oprimidos. Um a
clara medida nesse sentido é a reformulação
partidária, com a extinção dos anteriores parti-
dos^políticos e a cria,çãn-dfíJãQVQ&. Já está claro,
pelo debate a respeito travado na imprensa, que
ó governo espera que dos novos partidos saia
tuü a oposição enfraquecida e dividida e saia tam- I
bém uma aliança partidária favorável ao gover
no, que substitua a Arena forte de anos passados,
agora completamente enfraquecida. O utra5 clara
indicação é, ao mesmo tempo, a aparentemente
contraditória tentativa de aproximação com a
Igreja e a repressão que..cai sobre setores- da
mesma Igreja (seqüestro do missionário Nicola
Arpone, no norte de Goiás; enquadramento de D.
José, bispo de Conceição do Araguaia, em inqué
rito policial; tentativa de seqüestro de religiosas
>em Propriá). Note-se que os setores Igreja
ique estão sendo atingidos são aqueles compromeT-
I tidos com as" lutas dos lavradores e dos índios f
! unas áreas mais tensas do país. Tudo indica que
i/não se trata de atingir imediatamente e direta
mente aqueles que e s f e reivindicandu, m as^ q u e-
les que tem procurado entender corretamente o
que acontece no país e que procuram expressar
politicamente o que estão vendo, fato que entra
em conflito com a interpretação que o govjçrno
faz dessas questões e com õ encaminhamento que
pretendedar^alelaâ.
Medidas de ordem econômica e manifestações
de autoridades, particularmente do então minis
tro da Agricultura e atual secretário do Planeja
mento, como as operações de estado-maior visan
do a sustentar e definir os rumos da política go
vernamental, são claramente indicativas de que
é no meio rural que está uma das fontes da crise
atuãlTXemFfemos, por exemplo, que o novo go-'
verno definiu a agricultura como uma das suas
prioridades. Mais tarde esclareceu que a sua
política econômica seria conduzida em termos
de^m ã'~"ecoüom ia de guerra”, isto é, de um a
economia claramente conduzida pela interven
ção do Estado, segundo objetivos estratégicos de
finidos. Nessa linha, surgiram m edidas para dar
maior assistência financeira e agronômica aos
126
lavradores que são proprietários. Empréstimo;, u
juros subsidiados^ abaixo das taxas_.de mercado,
estão sendo oferecidos_aqs__agricultores pum
eusjtelo da safra. Os pregos mínimos dos produ j
tos agrícolas são reajustados em 6 8 %, acima diL
taxa de inflação oficialmente reconhecida e fato
completamente novo na política agrícola brasi
leira. Note-se que não se trata de medidas para
promover uma transformação na realidade social
do campo. Não se trata de resolver o problema
de milhares de posseiros nem de melhorar as I
condições de produção de milhões de pequenos*
e médios lavradores, nem de modificar as condi-
ç õ e s jja v id a dos peões, bóias-frias, assalariados.
, ^Q^govemp espera, com essas medidas, nm a rcs t
posta imediata, uma safra agrícola maior, um/
auméhtõ da~ofêrtãTde alimentos que barateie os
preços dos gêneros alimentícios na cidade, que
permita diminuir_as reivindicações salariais do;?
opg!t83to s~l3 ^C ^ , que torne desneces
sário „aÍ^§ÍO-^ê--Qlái§dâólares^ com a importação}
dç_ alimentos que podemos produzir aqui mçsnio.
A agncultur^ tem hoje, mais uma vez, um papel i(
estrategtcõTTa economia e na política brasileiras 7
Entretanto, o governo, pelos compromissos dás 7 <
class£s_que p sustentam politicamente, não tem
condições de atender'~as~~exrgêhciãs que muitos c «
setores êstITõ~fazendo, particularmente os sindi-
catos, alguns grupos políticos, a Igreja, no^seh-
tido de adotar medida¥"que alterem fündamen-
talmente a estrutura fundiária do país, isto é, a
forma-de,distribuição da terra no B rasil: muito
concentrada nas mãos de poucos, o que faz con4
que haja um número crescente de trabalhadores
do campo que não tem terra para trabalhar ou
que são expulsos da, terra em que trabalham.
As novas medidas repressivas tem caído justa
mente sobre aqueles que preconizam essa mu- I
127
dança, sobre aqueles que conseguem ver clara
mente todas as implicações sociais, econômicas e
políticas à luz dos princípios do Evangelho e que
entendem ser necessária uma revisão dos precei
tos e leis que sustentam a injusta distribuição x
da terra, a pobreza e a injustiça, e que são res
ponsáveis pelas contradições e pelas crises atuais,
política e econômica.
Convém lembrar que o avanço político das opo
sições nos últimos anos se fez claramente atra
vés da participação política responsável, através
da luta pela clara definição dos direitos civis de
todos os cidadãos. É dessa forma que as oposições
vem procurando preencher o espaço vazio deixa
do pela crise do regime militar. Mas, não é nessa
direção que o governo procura reconquistar o
mesmo espaço, pois se assim fosse implicaria em
reconhecer a legitimidade das reivindicações e
lutas do povo feitas até agora, e conseqüente-
mente, em admhir e sancionar o fim do atual
regime. É por isso que o governo tem um estilo
próprio para encher esse espaço o mais depres
sa possível. Esse estilo está claramente estabele
cido no populismo do novo presidente, configu
rado na c àm p an h ^ p ã n éjãú a através de órgãos
especializados, inclusive a tíecretãfiã de Comuni
cações da Presidência, que procuram apresentar
o novo presidente como um homem comum e
simples, igual a qualquer outro, um pai do povo.
É importante lembrar que o populismo e o
ternalismo são técnicas tradicionais- para impe
dir que os injustiçados, os pobres, os oprimidos,
ocupem o espaço põliticõ que lhes cabe segúhçter
os seus próprios'"critérios e interess.es. Para que
lutar "peiõs diféTtõs fundamentais da pessoa, se
há um “pai” que vela por todos nós e que define
os nossos direitos por nós? A sociedade brasileira
já tem experiências anteriores de governos po-
pulistas, paternalistas e ditatoriais que dificulta
ram a expansão e reconhecimento dos direitos
civis do povo. i
A chamada “abertura política”) que está sendo j
posta em prática tem um sentido mais claro
depois dessas primeiras experiências. Não se trata
de suprimir o arbítrio nem o autoritarismo.
Trata-se de submeter as reivindicações popula
res a canais de encaminhamento e de solução
compatíveis com a preservação do regime auto
ritário e militar. Isso quer dizer que, em princí
pio, o governo não tentará impedir os movimen
tos populares, mas tentará contrapor a sua pró
pria interpretação dessas reivindicações, segun
do as suas conveniências. Trata-se de uma cana-^,
lização das reivindicações populares para sòlu- j
çÕes políticas dê“difeitã7 que preservem o regime
forte e ' evitem uma grande e significativa am
pliação das ex gências do povo e dos direitos que
reivindica. A aproximação com a Igreja parece
constituir uma tentativa de envolvê-la na sus-)
tentação do regime e transformâ-la numa mura-/
/lha de contenção das pressões e reivindicações'
I populares para que possa ser utilizada para im-j
I pedir o avanço político dos grupos definidos vul4
I garmente como de esquerda. É nesse quadro que
adquirem um sentido mais claro as perseguições
l destes dias. Tudo parece indicar que também em
relação à Igreja desenvolve-se um esforço para
isolar e int: mi dar bispos, sacerdotes, freiras e
outros agentes de pastoral, para conseguir um
compromisso' ? uma adesão de fundamental im
portância política para ã sobrevivènciã do regi
me militarTD capáter ostensivo dos fatos recen
tes envolvendo a Igreja pode ser indicativo de
que o objetivo não é propriamente o de punir,
mas fundamentalmente o de “queimar” o traba
lho de determinados membros da Igreja em i
129
regiões imensamente sojridas e, sobretudo, deter-v
minado tipo de ação pastoral e de compromisso
por eles desenvolvidos. Õ espaço para a atividade
da Igreja somente estaria aberto, pois, nas con
dições indicadas, numa linha de transação e de
cooptacão entre a Igreja e a ditadura. Trata-se
de uma tentativa de recolocar a Igreja na posi
ção de instituição do poder e da ordem. Trata-se
de reconciliar para dominar, para oprimir.
13 I
mo na vasta área atingida pela repressão no v
combate aos guerrilheiros falava-se e ainda se
f ala no “tempo da guerra”, em fatos espantosos
nunca presenciados antes. Os índios Surüí per
deram definitivamente a sua inocência~è~relatam
estarrecidos a degola de um cadáver de guer
rilheiro ou imitam deslumbrados o ruído da me
tralhadora.
E precisam falar, contar. Ninguém passa im
punemente por urna experiência dessas, mesmo
que não se suponha envolvido nela. Até mesmo
soldados e oficiais, desesperaram-se na necessida
de dê falar., embora se policiem para não fazê-lo.
Em várias regiões do Norte ouve-se histórias so
bre isso. Nem" põdéflã~ser' diferente.
Os autores doTivro são jornalistas que se im
puseram uma tarefa difícil, quase impossível:
fazer-se de correspondentes de guerra agora que
a guerra acabou, agora que é impossível teste
munhar diretamente os fatos da guerra-ocerrida
numa região do Araguaia de abril de 1QX3 a fins
1 de I1974^êpara os lados da serra das Andorinhas,
\ P de ^am bioá, na região fronteiriça de Pará ep
r Goiás.. Como o país não foi devida e claramente
, informado do que acontecia, não obstante ali, de
Y lado a lado, estivesse sendo derramado sangue
<1 brasileqro, os autores lançaram-se no trabalho
u A perigoso de reconstituir fatos sobre os quais ofi-
f Y cialmehte pêsãTrmdòsò silêncio.
Í,Y Como convém no jornalismo responsável e sé
rio, empenharam-se na coleta de testemunhos,
no registro o mais minucioso dos depoimentos
que foi- possível ouvir. Não enriqueceram ainda
mais esta coletânea porque oficiais militares en
volvidos no combate à guerrilha não quiseram
falar, informar, esclarecer. Tentaram a recons
titui çãq^por meios indiretos, ouvindo a palavra
de quem pudesse dizer uma coisa ou outra. Ági-
132
ram com exemplar imparcialidade. Pode-se ima
ginar as dificuldades que encontraram.
Transformaram-se__em correspondentes de
guerra — sem convite nem credenciais — paija
resgatarão silêncio, que acoberta, mas não redi
me, qs Qetalhes dò acontecimento que nos afetou
a todos, embora a imensa maioria de nós_ brasi
leiros não,tivesse _a mínima idéia do que ocorria.
Se todos nós, em nome da segurança nacional,
fomos transformados em cúmplices ou aliados,
é justo que procuremos saber agora por quê isso
se deu. E só o conseguiremos reconstituindo pa
cientemente e com a isenção possível os detalhes
do acontecido.
Há, porém, nessa isenção, inquestionavelmen
te, um caráter .político. queLa-Contradiz e engraií-
dece. Omitir é muitas vezes mentir. Qualquer
atividade que questione a mentira, oficial ou não,
é necessariamente uma atividade política. É um
elementar direito político (^ m q c r^ Iç o ' do_s cid^.-
dãos do pais o de.serem informados dp que se
passa. Por isso estas reportagens são política^.
Além do que a guerrilha da palavra é um instru
mento legítimo na luta pelo direito de falar te
ouvir. Não é por menos que os regimes autoritá
rios precisam recorrer ao terrorismo da censura.
Nessa orientação é que pode ser situado este
trabalho jornalístico. Seus autores procuram res
gatar do nada da censura o tudo da História, já
que os censores sé incumbiram de impedir que a
imprensa desse a conhecer o que vinha aconte
cendo no Norte do país. Somente há pouco partes
deste trabalho ppderam ser publicadas no Copjor-
naL de Porto Alegre, no Movimento e na Isto É,
de São Paulo. Mas, isso só veio a ocorrer dois
anos e meio após o Exército ter declarado encer
radas ás operaçoés de busca e aniquilamento na|
133
região da guerrilha, após três campanhas mili
tares, fato que se deu em fins de 1975.
Um trabalho desta ordem representa, também,
um questionamento incisivo de uma certa con
cepção oficialista de história, que nada tem a ver
com a História. Essa história de epônimos, que
tem origens coloniais e monarquistas, freqüen-
temente na boca e na cabeça de tanta gente
neste país, desde governantes até tenras crian
ças do jardim da infância, é mera contrafação da
História. Não é correta nem justa, pois se baseia
num elitismo atroz e. reacionário. que acaba fa
zendo do herói mera caricatura de herói. A His
tória não é patrimônio do Estado — é p atrimô
nio do povo. É processo, é movimento que retéih7
num desenrolar tenso, a ação de todos e não só
de alguns. A História não se faz nem se explica
pela vontade ou pela onipotência da classe que
domina ou dos burocratas que a representam.
Por maior que seja a sua força, a sua capacida
de de coagir e até de convencer. A maior demons
tração da fragilidade dessa força está na neces
sidade de impor silêncio em relação a um acon
tecimento como o que é discutido no livro.
É provável que esse silêncio esteja baseado em
razões de segurança nacional. Mas, nenhum de
nós, nem os ^ ^ r n ã h t e s ^ h e m os governados,
pode em sã consciência desconhecer que essas
razões se transformaram em todos estes anos
numa verdadeira paranóia, da qual o país a
muito custo começa a recuperar-se, lentamente.
Por isso é indispensável repetir que para que
h aja segurança nacional é preciso que haja
nação. A segurança nacional é a segurança da
nação, do povo, e haõ estritamente nem prlhci- ~
pa^mente a segurança do aparelho estatal, dos
seus burocratas e dos seus milicianos. Por tudo
isso, temos o direito de saber o que houve. Caso
134
contrário teríamos que aceitar a concepção na
zista de que uns brasileiros são mais brasileim.c
que os outros. Esse não é assunto para ser sopul
tado no silêncio cúmplice. Ê preciso resgatar jA j
os~fatos desse acontecimento que foi a guenllhn
do Araguaia. Temos que nos assenhoreai d* ir
como direito, como manifestação de soberania r
dignidade, para que não ocorra que tudo ínho
somente venha a ser conhecido daqui a mei o
século pelas mãos de “brazilianists” providrn
ciais de algum país am igo. . .
Há um princípio metodológico subjacente a
esta reportagem que permite ver com clareza c
realidade as perspectivas das partes em conlUto
É certo que os autores não se propõem u dr-.m
volver um trabalho explicativo, sociológico M n ^
não abriram mão de um entendimento tolalba
dor do acontecimento, na medida em que I§%I
orientação é possível no trabalho jornalístico
As Forças Arm adas, de um lado, e os r.im 11
lheiros^de outro, foram, no Araguaia, pml ugn!
nistas de uma tensão muito mais profunda r
ampla do que a sua mera expressão local. <> frm
po e a História poderão até mostrar os equívoco;
de parte a parte pois o processo histórico q u a n d o
não é bem entendido pode armar algumas cila
das políticas. Mas, deixemos de lado esse ponto,
e agora cabe informar e compreender.
Q _cpnflito contrapõe num cenário único do!«
atofes em graus variáveis estranhos à mdidndp
imediata na qual se desenrolou. Do ponto ch
vista político, esse é seguramente o aspecto nmH
complicado da guerrilha do Araguaia e hó com
o tempo e mais pnldfmações será possível e««m
preêhdêf a complexidade e as implicações d«
fato.
Há diferenças significativas entre a cidade e o
campo*. efítre b processo de exploração <io opera
1BB
fio e o j i ü c ^hmo dc mpro\)ti «i<> itivi ador. u á
projetos a visões dt* mundo distintos cntr&_jsi,
Iiiodiilo . d«* uniu situaçao distinta em cada caso,
q U(> ,1;,M convergem senão através de mediações
significativas, <le alianças complicadas, penosas,
até lentas, de partidos sólidos. Diferentes situa
ções de Classe.e diferentes contradições implicam
práticas distintas.
•\' isso não quer dizer que essas mesmas contra-
dições não sejam elementos de um único proces-
• so -— o processo de produção e reprodução do ca
pital. Entretanto, o modo de ver a exploração e a~
expropriação varia a partir dê distintãs~situações
| f de classe. Embora fundamentalmente o processo
se determine pela reprojdução do_capital, ele se
expressa de formas distintas e engendra distin-
/ tas. formas de consciência. Logo, são distintas as
( atuações e as propostas políticas, embora seja co
mum o inimigo.
O fato de que os dois atores imediatos do con
flito — os guerrilheiros e os militares — proce
dessem de áreas e situações outras que não aque
la em que o conflito se deu, não reveste o acon
tecimento de caráter postiço, embora esses ato
res tivessem extração social distinta daquela da
população local.
Os primeiro^ dentre os futuros guerrilheiros
f YJ) começaram a chegar à região em fins de 1967.
I [, No ano anterior começaram a se implantar a~IT
r primeiros projetos agropecuários selecionados
»íV(i e subsidiados pela SU D A M — Superintendência
/ *N do Desenvolvimento da Amazônia. A internacio-
nalização da economia brasileira, o seu ajusta-
C) mento à dinâmica das multinacionais, consuma-
x‘^a pelo golpe de Estado de 1964, produziu a
\ grave repressão política, a drástica intolerância
!a v ideológica que encaminhou para a clandesrtini-
NçtJgLde as tendências político-partidárias opostas
- çO' — ^ . . . k
to 136 O /
■f
9 1
ao novo regime e as tendências ideológicas que
dele mais significativamente divergiam. ,
Ao mesmo tempo o próprio Estado, com o peso
de sua força, econômica e militar, abriu espaçjos
novos, geográficos e econômicos, para o capital^
De um lado^) transferindo largas parcelas de re-
cursós públicos para m ãos privadasTatravés dòs
chamados incentivos fiscais. Até o mês de julho
de 1977, a SU D A M havia aprovado 336 projetos
agropecuários que, a preços correntes, corres
pondem a Cr$ 7.108.166.808,00. Dessa importân
cia, Cr$ 5.089.227.003,00 são relativos aos.incen
tivos fiscais — dinheiro que deixa de ser apli
cado em serviços essenciais e obras públicas
úteis e necessárias ao povo para se transformar
em capital privado de umas poucas .centenas fie
capitalistas, que entram, na. ne^cio_ çpm recur
sos próprios desproporcionalmente pequenos.
Um país inteiro é expropriado e lesadq_para
dar vida~ a uma substância essencialmente mor
ta, como é ~cT capital. Jamais se deu sequer i^m
centavo de incentivo fiscal a um posseiro, a um
pequeno lavrador.
- dúè huIrõTãdo^o peso do Estado se faz senjdr
hm rrl^T hãls^adicai& ^jãm píõs de ex- ^
propriação de que se tem notícia na história
contemporânea. As terras novas, abertas aos
‘pioneiros” , isto é aos_ capitalistas, nao eram e. q J
não são terras mdevassadas. Muito ao contrário.
Além dás terras indígenas, secular e legitima-&
mente possuídas por esses brasileiros, amplas ^
faixas devolutas já estavam ocupadas por milha^
res de posseiros provenientes sobretudo do Nor^/Ã
despL 7 _ — ...
""'Quando o presidente Garrastazu Médich)afir- n?
mou, em depoimento dramático, que^efsrpreciso
ocupar as terras da Amazônia sem homens^conT
os homens sem terra do Nordeste, não disse nej- h
_ ha-.-
' *V " -° ~
0 ^ O x y* ^^^ "
nhuma novidade para^ o lavrador nordestino.
Lar gãs~^õrrêntês 3 ^ rêt ]rant es- já esta vam há
^ ^ ? I l g ~ ^stab'elêceiido . nas terras amazônicas.
;Esses brasileiro^ naorforam assisfodos durante õs
Imuitos" anos ~do seü.êxodo por qualquer, forma
\de incentivo ou subsídio. Migraram com sua mi-
iéria e nessa condisão_ p.odem sér^encõntrados
lòs milhares np Centro-Norte.
fl A nossa ífmarcha para o Oestp*’ é bem diferen
te da marchãrq5ãrão Oeste "que houve nos Esta-
Unidos da América no século passado. Lá era /
ii " pioneiro quem__pnrneirq.jÇ&egass.euLjkgr r e~hõlã /
|trabalHasse., Aqui é p::oneird quem primeiro che^
^ ga aos cofres públicos,' às burras abarrotadas da í
W sÜDAML Õ Retirant e , h o m em que amansa a
ierra com seu suor^-Q.^seu-.sangue e n sua.'vida
da §ua família, o homem qumjpossui a fonte
?ásica de riqueza, que é a força de trabalho,
l^esse permanece na terra apenas enquanto não
q aparece ^dlfiprnpriefâríolV „CLriíploneiro” “
n7^ Este legitima as suas pretensões raramente
jí/^com títülgs~lêgitimQS. Via de regra, o título que
sustenta as ações de despejo dos posseiros é in-
disfarçável fruto"de trapaça7 XTudò' isso sê fécfíai /
os olhos. É que a/ordem é o capital e as institui-|/
çoes que sustentam e garantem a sua reprodu-
çji5~ ampliada. Não obstante, jâ são m ilhares osl
posseiros lançados fora de sua terra jpela mão!
jtruculenfa^dg xag,unçQS^-.pollciais?.oiiciais.dfi joisj
tiça^ Os nossos jornais mais conservadores noti-
'ciam diariamente fatos desse tipo ou ^aconteci
mentos que se encaminham para soluções seme
Ml
lhantes. índios e posseiros são hoje„submeti(^s a
todo tipo de violência, privada e pública, para
abandonarem suas terras, às vezes conquistadas
pelo trabalho de muitas gerações.
$! H á em vigor hoje no país um a exdrúxula dou
trina militar, que é a da ocupação dos espaços
138
azios. Quem conhece a A mazônia sabe que m* j
ê Tática essá doutrihãTõpêrã ao contrário. FJo r
transformou numa doutrina de ..esvaziamento diá
. espaços ocupados. O^chãb^que antes era do h8
meni transforma-se nõchão da vaca e do <n11 >i t «!
Durante anos, até mesmo depois de ÜJi>Í,
falou-se reiterada e cinicamente sobre os Hri
sociais desastrosos da concentração finubát in n>>
Nõrdêüe. Nem mesmo faltou uma injuriosa <
séssoria especial para assuntos da área junto .*«0
presidente Kennedy, já que se temia aqui mmí
nova Cuba. Além de não se ter feito praticou hm
te nada a respeito — nem o Estado brosllrhb
nem os nossos “amigos do Norte” — reprodu/íu
-se na Amazônia, deliberadamente, o mesmo p?y
drão de concentracãõfundlária. com a agravo i ili
de que se dá numa.escálãTlmensamente maior
Os latifúndios do Nordeste parecem miuií úq
dios perto dab fazendas amazônicas. As terrfis d<*
cohhéciHrrT^ajeTd^Jãri, dõ~milíbnário américo t ii*>
Daniel Ludwig, somam ÇO mil hectares legitinui
dos (basta lembrar que acima dè 3.000’ ha é pnf
ciso licença do Senado para adquirir uma pn|>
priedade). N a verdade, a fazenda tem área m u iro
maior. As pretensões de Ludwig alcançam
3.600.000 ha, área maior que a de países como o
Líbano ou a Holanda. Basta dizer que, em rói
culos muito grosseiros, essa área poderia dar tra
balho a um milhão de famílias’ cTè' pequenos pro
dutõrés,“ isto ”é, uns cinco milhões de pessoas, nr
considerarmos o padrão dq minifúndio brasilri
rq _
Sempre que a,chamada ordem pública é de nl
guma forma questionada, até mesmo por meios
pacíficos, não tem deixado de haver quem fale
em ameaça externa. Vivemos o terror dessa
ameaça. Vivemos a iminência de uma infiltração)
139
estrangeira, como se essa infiltração já não esti
vesse ocorrendo: o agente externo já está dentro
— regalado e farto, senhor de grandes territórios
e de grandes lucros.
Até há pouco eram_Qg_,HQrdestinos sem .terra
que se dirigiam para o Sul e Sudeste do país,
buscando trabalho, caçando serviço. Hoje,é o ca
pitalista dessas mesmas .regiões, que desaba sobre
o Norte com o peso do “seu” dinheiro, dos seus
títulos, de suas desmedidas ambições. Mesmo "
quando se fala em pequena propriedade, nas ten
tativas de colonização, o protótipo invocado é o
pequeno proprietário do Sul-Sudeste, identifica
do com o afã do lucro, um futuro “farm er” bra
sileiro — um Jeca Tatu recuperado pelo Biotô-
nico Fontoura da extensão rural, dos financia
mentos oficiais, dos preços mínimos, subjugado
pelos interesses e pelas manipulações do capital
financeiro.
' Procura-se levar os homens e as idéias do Sul
para a Amazônia, mas nada de levar a AmãzoHT 1
nia para õs homens que já estão na A m azônia. \
Ai se encontra um seinznúmpro de casos penden- »
tes, de conflitos de posseiros com grileiros, de
índios contra invasores, de índios e posseiros con
tra éíhprésas agropecuárias e vice-versa. Os pro
cessos são morosos, as soluções distantes e quan
do ocorrem são lesivas , ao lavrador.
Essa moderna forma de ocupação da A m azô-
nia constitui uma devastadora sulização do N or
te. “Tubarão” e “paulista* r~sãó palavras sínôni-
rtíã^rha'Amazônia, utilizadas para designar o ex-
pròpfiãdõr"de terras -— grileiro, fazendeiro, ^em
presário ou o que íá seja. É a mais imediata e
lúcidá^apreensão da natureza do processo que
institui ao mesmo tempo a hegemonia do capita
lista sobre p. lavrador, do proprietári o suligto
140
sobre o. posseiro _jiortistá...dQ~-brancQ„sobre _ o
<{roxo”, do expropriador sobre o expropriado, dp
forte sobre o fraco, do armado contra o desaiv
mado, do opressor sobre o oprimido. j
Quando se fala em expansão do capitalismo
na Amazônia, seria necessário pôr de lado a ima
gem idílica que essa expressão sugere — heróis
civilizadores povoando, ocupando a selva virgem.
Não se trata- de uma romântica sujeição da natu
reza e dq trabalho ao capital. Mesmo porque
essa sujeição, sob outra forma, já existia há mui
to. É ihdispênsável lembrar que esse processo é
violenta Expansão do capitalismo significa req
pfddüção ampliada do capital. Mas n ãq há rq-_
produção ampliada "~(è èxténsivjEt,^neste caso) d f
capital sem que o processo seja ao mesmo tempfc
urfi processo _de reprodução ampliada das com
tradições 3o capitalismo^ O capitaf não se ex-
páhdê sem levar cons'go o germe Ide sua própria
141
alheia, já que o trabalho é a única fonte de capi
tal. O capital nâo^dresce Sem trabalho.
NaVAmazôniã Leg^í essa contradição ê agrava
da por iima outra. O processõ~d^~éxpropriâção
não visa fundamentalmente a proletãrTzaçao do
põsseirp na própria Amazônia. Dificilmente po
dem* as grandes fazendas-de., gado .absorver toda
a populagão_ dos territórios que disputam. O re-
( sultado é que a Amazônia sem homens agora sim
Vai se tornar sem homens, enquanto os homens
^ s e m terra .contiiiuarãQjsem__texra.
Pasma saber que em cerca _dç^Q__anos_jiejíir.
centivos fiscais, os beneficiários da SUD A M não
criarám~mais do que 40 mil empregos em toda a
região amazônica (um a única fábrica de São
Paulo, como a Volkswagen, emprega quase o
mesmo número de trabalhadores). Com o seu de
lírio negocista a classe dominante e o Estado
que á representa fundamentalmente abriram um
abismo para fri próprios. A transferência maciça
de capitais para as empresas Instaladas na Am a-
zônia desencadeou um processo^ de expropriação^
o prolêtarizacão em tal escala que as suas..coii-.
sequêncIaFo próprio capital não é capaz de ata:
lhar e absorver.
(ii processo de instalação da guerrilha do Ara-
j ^y^^fuaia ocorreu simultaneamente com o processo
v - 1 ) de instalação da agropecuária subvencionadaJeZ
(' incentivada pela Su u AM ^rcspald peio assim
. JfAiàrhàdp IN C R Ã — Instituto Nacional de Colo-
' (jDPnização e Reforma Agrária. Portanto, ao mesmo
0 tempo em que um grupo, que afinal se constitui-
ria de 6^ g u e rrilheiros, integrava^se no mesmo lo-
caré nas mesmas condições dos posseiros, interisi-
fièavam-se as pressões pela expropriação d e urn
gfande número de layi^idoresr
EnTtôda parte, enflugares muitíssimos distan
tes de Xambioá ou de Marabá, podia-se e pode-se
142
ainda observar a mesma resistência nhnlimidH
dos posseiros em deixar a sua terra .s u u última
esperajiça. sua “bandeira verde» das prolcimi* «i.,
P adim Ciço. Este teria profetizado que se riu ne
cessário atravessar o A raguaia, buscar as "bnh
deiras verdes”, antes que fosse tarde. Um dia.«»
A raguaia iria ferver e ,quem_„nãq tivesse pus; ;nu*
nào pa^saria mais. Além do que, previra paia <>
primeiros anos da déçada~de_7.0 o aparecimento
do “capa verde”, o cão, dissimulado de amigo i«
conselheiro, fazendo^a bondade e querendo L
maldade, falando em paz e fazendo a guerra
NaÔ há sertanejo que n ão conheça essas p ro s
eias em vastíssimas regiões da Amazônhi, <i» !«
o Maranhão' ate Rondônia. Ã guerra de JZ2-.it jj i
no^Araguãià não foi para eles nenhuma novâlji
e. Há três décadas ela era esperada.
ortanto, o mesmo processo que operava o «
região da guerrilh^, operava e operarem toda n
gzóniá X~êgãL"^s opções e tendências do regí
me de 64 fizeram com que se encontrassem lont«*
, \{^õs centros de decisão política ê econômica uyn
v, ^ grupo de guerrilheiros do Partido Comunista <k<>
;V Brasil, erguendo a bandeira política da terr ii
j f e para quem nela, trabalha e atuando no sentido
f f e de efetivar os seus princípios, e uma grande
; \Vmassa de jposseiros submetida a um processo de
W k eX^òpnáçao de terras de trabalho. Esse í a t o
levou a ver em todo conflito pela terra, em toda
resistência de posseiros, o perigq da guerri lh a .
A centenas de quilômetros do foco da guerra,
como em B arra do G arçasx Sãn Félix do A ra
guaia, L uciara, (onde havia e há graves tensões
provocadas por flagrantes injustiças, houve Õper
( rações ~militares não só preventivas, mas tam
bém repressivas, que deixaram marcas indeléveis,
traumas^quê^nenhuma A CISO — Ação Cívicp
Social — vai curar. O mesmo ocorreu no M ara
nhão.
Terminada a guerra, o governo promoveú a
distribuição de terras^unicamente junto às três
estradas operacionais (OP-1, OP-2, OP-3) abertas
na emergência da luta para dar passagem às
tropas (nas tres campanhas de busca e aniqui
lamento efetuadas pelas Forças Armadas teriam
sido mobnizados cerca de 20 mil soldados — se
gundo processos na Justiça" Militar'"— , ou cerca
de 10 mJL-— segundo algunsjnilitares) e ao equi-
pamento milita r: uma reforma agrária muítcp
circunscrita, Tíom notórios fins estratégicos, com.
o Jutòdcfe aliçiar e silenciar os antigos.posseiros
da região..
Entretanto, há aí um novo e grave problema.
Ou melhor, um velho problema agravado. É que
os personagens dessa guerra não foram apenas
os guerrilheiros e os militares, como mencionei
acima por razões de exposição. Eles foram apenas
a contrapartida necessária, nas circunstâncias,
do verdadeiro conflito subjacente ao seu confron- \
jto: o conflito de classes entre posseiros-lavrado- j
ires e grheiros-fazendeiros. Èsse era e continua /
(sendo o conflito real, o verdadeiro problemajdep
IXambioá, de Marabá, do Araguaia, da Amazô- \|
nia, de imensas regiões brasileiras. ~ ^
Por isso, o personagem históricò) essencial des
se conflito foi e ÓtT posseircr^ o péquehc) lavrador
baseado no trabalho~tamiliar. Ele foi fundamenT^
talmente atingido pela repressão, já que a ban
deira levantada pelos guerrilheiros abarcava^a.
sua liítã pela~Têrra de trabalhQ (é estarrecedor
saber que o primeiro contato de sertanejos com o
progresso da eletricidade foi através de um apa
relho de choque, de um instrumento de tortura,
de uma máquina da ordem).
144
A . questão da terrg,.) (muita terra para poucos
e pouca terra para muitos) não dizia nem diz
respeito aos relativamente restritosZIIinltes da
região 'còní'lagrada7~ÉÍa abrange o país inteiro.,
É óbvio que a questão fundiária brasileira não
foi produzida pelos guerrilheiros do Araguaia. A
subversão não estava neles, mas na ordem polí-
ticãTque cs levou à guerrilha, na ordem econTT
mica e jurídica que engendra e reproduz a situa
ção cio posseiro, o posseiro e a sua obstinada luta,
p e la té rr ã~ê~pela_liberdade. É uma ordem social)
da desordem, qüe poe a si própria em crise.
A solução localista e estritamente mili.tar para
o problema d a t e r r a na região da guerrilha^ex-
pressa de forma eíoqüente que o secundário, a
g ü i^ n H a 2^ r ^ m gdqIS^ S £ principal e o princi|
pal, a situação dos posseiros, foi tomado como
simples acessoriõT E o principal não se limitava
a Xambioá. Ã lógica férrea do regime baseado
no grande capital e na concentração fundiária
obscureceu a realidade. Por isso, o combate à
guerrilha teve uma grande eficiência militar hTj
u ma grande ineficiência põlítica é èconômicq|,i
>ois não se desdobrou, na Amazônia e no país ini~
Lr àro, rio combate ao latifúndio e à exploraçãd.
ícõu circunscrito, preso aos aspectos técnicos, é
táticos. da"~guérra. Ocõfre~que por sob a guerra (
^U^havia uma questão mais ampla e mais fundã-
? jnental — havia e há ainda uma crescente e
r ave questão política, econômica e social. Em
P S ecorrência dessa concepçaô distorcida da reali
dade, desse compromisso com a lógica do regime,
o combate à guerrilha agravou a questão da terra
em várias j r^iõesJdaA rn azôn ia.É que o raio^dê,
■
a ção repressiva foi imensamente_ maior do qu<
*~ràio de ação na distr i b u iç ^ d ã s terras aos hoj
Lens que neia trabalham. Õ regime militai
rèprimiu muito e resolveu muito pouco. A dei
145'
rota da guerrilha parece ter posto em xeque,
contraditoriamente, o vencedor, aprofundando,
revelando mais abertamente os limites, os com
promissos e os impasses do regime. É provável
que a forma assumida pela vitória militar no
espaço da guerra seja também, ao mesmo tempo,
um a derrota política no espaço do pais.
146
IX — A emancipação do índio e a
emancipação da terra do índio (* )
“E que vossas consciências se tornem tam
bém consciência de outras pessoas iguais
a vocês. Para que nos possam dar fimje
apoio na nossa luta, na nossa verdadeira
luta de emancipação, que não será feita
pelo governo ou pelo ministro do Interibr
ou s e ja lá q u e m forf”
147
I
dia-a-dia. De fato, ela envolve todas as formas
de divergências, desde as mais políticas até as
mais inocentes. Envolve, por isso, também, vá
rias modalidades de repressão — desde a repres
são policial-militar brutal até o aparente pater
nalismo dos governantes.
A bondade emancipacionista do funcionário,
do ministro ou do presidente não é outra coisa
senão outra modalidade de repressão ao fato sub
versivo da diferença. É tentativa de homogenei
zar social, cultural e politicamente, isto é, tenta
tiva de aprofundar a dominação onde ela é frá
gil.
A proposta oficial de emancipação do índio
está fundamentada nesse fato político. O que o
Estado repressivo pretende é que o índio se reco
nheça na imagem e na concepção do seu domina
dor, que incorpore e aceite como legítimas as
concepções fundamentais da ordem vigente. A
proposta supõe a individualização da pessoa do
índio, concebida segundo os critérios contratuais,
racionais e burgueses da individualização. É que
esta sociedade não pode reconhecer como pessoa
quem não assume os elementos básicos da idéia
do contrato. Nesse caso, a maturidade e a eman
cipação de cada um se dá pela incorporação dos
princípios que derivam de relações sociais abstra
tas e impessoais, fundadas na circulação das
coisas, das mercadorias. A identidade^ da pessoa
na jnossa sociedade é aquela que, como já disse
Mãrx,>resulta do fato de que as pessoas se rela
cionam umas com as outras como se fossem coi
sas e as coisas — as .mercadorias — se. relacio
nam, se trocam entre si, como se fossem pessoas,
dotadas dé saber e de vontade. A mercadoria é a
mediadora privilegiada nesse universo, é um a es
pécie de deus-coisa oculto que, entretanto, não
podemos ignorar. É emancipado, ou seja, é pes-1
1 4-R
soa quem se concebe a si mesmo na perspectiva
da coisa, quem se descobre como objelo e nfyo
como sujeito. |
Ora, quem luta recusa ver-se como objetjD.
Quem luta quer se impor como sujeito do pro
cesso social que vive. Quem luta questiona a do
minação e, com ela, a expropriação e a explorá-
ção que ela garante. O Estado-bonzinho propõe
a emancipação do índio brasileiro exatamente
no momento em que esse índio começa a lutar.
começa a insurgir-se contra o falso grande-chefé,
começa a reelaborar em bases políticas a sua
identidade tribal, começa a afirmar que é difç-
rente e quer continuar a sê-lo, começa a escor
raçar do seu mundo o invasor que representara
forma de ser, de ver, de dominar configurada no
Estado burguês, no fazendeiro, no grileiro, ria
mercadoria, no contrato.”Os kaingang, os bororo,
os xavantes, os guajajara, os gaviões, os xoçó
têm sido eloqüentes na afirmação da sua identi
dade. (
A emancipaçã_Q,prometida pelo Estado preteii -
de outorgar ao índio a igualdade jurídica e la
cidadania. Com isso pretende libertá-lo da sua
tutela, conceder-lhe maioridade, torná-lo igual
aos outros cidadãos. Mas esse índio.'igual é por
esse meio lançado num universo de relações so
ciais que instituiu uma modalidade de desigual
dade. A igualdade jurídica da compra e da venda
propicia a desigualdade econômica do explora
dor e do explorado.
É claro que a proposta de epiancipação garan
te ao índio o direito à terra e esse é o ponto
principal da questão. É que o regime pretendí1
instituir formas .racionais e contratuais de rela
cionamento entre q índio e a terra. Ò voto, isto
é, a única forma de expressão da vontade indivi
dual que o Estado burguês conhece e reconhece,
será o meio para decidir o que fazer com a terra
14b
— vendêJa. n u m a n tê -la . como -território social
ou dividi-la como patrimônio individual. O fato
básiccTcIe que a propriedade coletiva da terra é o
fundamento da existência,-sancionado péla tra
dição, è descaracterizado pela concepção falsa
de que o coletivo só pode ser a soma do indiyi-
dual, de que a tribo é uma sociedade anônima.
Através da figura do índio emancipado, a di
tadura introduz, subrepticiamente no universo
tribal a figura e a realidade trágica da terra
emancipada em relação ao indígena que a pos
sui, à terra-coisa, a térr a-mercador ia. Um passo
significativo nesse sentido foi dado quando da
promulgação do Estatuto do índio. Ali a terra
do indip passa a ser terra para o índio. O Esta
tuto desvinculou juridicamente, p^índio daJterra
das suas tradições tribais. A terra" foi redefinida
para fins políticos, ecopômicos e administrativos
como mero objeto.— todas as terras, de todos os
lugares, passaram a ser consideradas como equi-
valentes: podem ser trocadas., Com base nessa
pressuposição burguesa, índigs> tem sido removi
dos do seu território tribal e alojados em sítios
distintos. A ditadura militar dessacralizou a ter
ra indígena, brutalizou o índio. Para este a terra
não é coisa, não é mera medida. É a terra dos^
seus mortos, dos seus mitos, de explicação da
existência e de justificação das relações, sociais.'.
É a terra de cujo demorado domínio nasce a sua
cultura material, as suas técnicas de_ sobrevivên
cia. H á tribos que peregrinam à terra ancestral
para colher as varas destinadas a produção de
flechas. Há tribos para as quais o abandono da
terra dos seus mortos é falta grave, é pecado sem
remissão.__
À emancipação da terra indígena e a forma de
fazê-la entrar no „circuito da-troca, é a forma de
torná-la cativa do cajDital^Jnstruniento-de s u je ^
c ã o d e q u e m t r ab alh a. É o: capital que está sendo
1FU1
emancipado. É preciso remover as muralhas, as
vontades-, ãs formas de ser e pensar com que elç
se defronta. A vontade e a necessidade de rej-
produção incessante do capital é o que q E stad h
burguês expressa. Por isso, ele se converte com
facilidade de Estado a-ético em Estado anti-étif
co, para quem a moral é a vontade da coisa, do
dinheiro, da troca. S e m ^ capitalJião.sfi
multiplica, sem a coisificação a troca não ^e con-
suma. Com o índio que se recusa a ver a si
mesmo através da coisa, a coisa não vai.
É esse Estado, repressivo, ditatorial, militariza
do, que se propõe como fiador da emancipaçãò
indígena. A interferência dò~TEstada representa
nesse caso a própria negação d a e mancipacãcL
Neste momento, as popuTagõe~s indígenas brasi
leiras já estão empenhadas na sua emancipação,
segundo os seus próprios critérios, em termos da
reconstituição da sua identidade tribal e da defi
nição da sua vontade coletiva específica. A eman
cipação do índio não depende de que ele se sut-
meta ao querer homogeneizador, branco e bur
guês, do Estado repressivo. A emancipação d I
índio dependejunicamente de que eíe se
como diferente que é, descobrindo a natureza da
dominação que sofre? Ã partir da própria võn-
tadê-d o i n d l õ r d a sua luta crescente, é que se
4 fica sabendo que o Estado brasileiro não tem
condições de ser fiador da emancipação — não
tem crédito, porque do ponto de vista do oprimi
do é um Estado subversivo.
151
X — A terra na realidade do índio
e o índio na realidade da terra (* )
“Os brancos vieram invadir minha casa, eu
não tava em casa — só a mulher com as
crianças. A gente tem que arriscar. Então
o menino abriu a porta assim e entrou o
cano de espingarda e perguntou: ‘Onde
está o capitão?’.”
(Candetê, índio Kaingang do Posto Indíge
na de Nonoai-RS, em intervenção durante
a 8.a Assembléia de Chefes Indígenas, in
Boletim do CIMI, ano 6, n.° 38, junho de
1977, p. 19)
153
■
em que está havendo maciça entrada de fazen
das, onde está_chegando a chamadáTTrentê~pI5-
ííeira. Já á^.am eajajsobre terras indígenas se
apresenta nas áreas de que sé aproidmam as
vanguardas da frente pioneira, que provavel-
mefite^serão ocupadas mais intensivamente nos
próximos anos.
-^"É de grande importância ter em conta que por
trás das distintas situações há um movimento.
Isso quer dizer que o futuro dos grupos indíge
nas, com o conhecimento que se tem" dõ^suntcr,
poderia ter " sido" previsto" cõm ãhsõTiItõ~rigor.
Nesse caso, os impasses atuais da política indi-
. genista, os gravçs impasses relacionados com as
terras indígenas, não representam uma omis
são ”
155
como Q . fim de um modelo de desenvolvimento
econômico que, com diversas variantes, já perdu
r a há muitos .anos. A possibilidade de ocupação
de terras “disponíveis” na fronteira econômica
tem Mdõ^utílizadã como recurso para protelar
uma revisão da estrutura fundiária brasileira,
com sua alta concentração da terra em poucas
mãos, de um lado- e um grande número de tra
balhadores "vivendo em pouca terra, de outro.
Estamos, na verdade, em meio a uma questão
social e política. A reprodução do capital come
ça a atingir de forma mais radical certos setores
e áreas do país e o faz removendo os empecilhos
que encontra pela frente. Não só a invasão de
terras indígenas, mas também a expulsãojle pos
seiros de suas terras de trabalho e a_ crescente
concentração de desempregados e subemprega-
dos nas grandes cidades, promovem uma grave
redução na qualidade de vida, intensificando o
aparecimento de doenças carenciais e aumentan
do o índice de mortalidade. Os especialistas cha
mam esse processo de super exploração, J^qugle
em que a explõraçaô comprometerá própria so-
brevivencla?daTnontnaT:ãor O"qúe Tem vagáínéríté
sido definido como genocídio de populações indí-
genas é uma das consequências indiretas d ã su-
perexploração, que não deve ser vista unicamen
te do ponto de vista econômico.
A natureza snciaj^g histórica d a jg r r a , seja do
índio ou não, está- sendo definida independente:
mente da vontade dos povos. Indígenas. A_ terra
está se convertendo numa relação social que é
ao mesmo tempo uma relação de dominação, isto
é, uma relação política. Por isso, a existência e
o ser do índio estão sendo alcançados por essa
relação social.
A característica mais grave dessa relação é a
de que ela tende a ser “invisível”, não aparece à
primeira vista, não aparece claramente diante
de nós. Esse é provavelmente o fator que dificul
tou ó seu aparecimento nos trabalhos dos nossos
grupos. í
3. Encarnação na realidade
157
damentais da nossa sociedade, mesmo que tais
conflitos apareçam como exteriores, episódicos
ou simplesmente prováveis. É nesse sentido que a
encarnação na realidade do índio só se dá con
cretamente quando encarnamos também nos
conflitos que estão no âmago da sua situação
social
(Goiânia-GO, julho de 1979)
I
X I — Retrato falado (* )
No Goiás, Pará e Maranhão
Tudo é terra que" já pisei.
Lá deixei muita saudade
E saudade carreguei.
E vô dizê pra todo mundo
Que num andou do tanto que eu andei
Em qualquer desses lugar
O pobre nunca tem veiz
Porque gato e fazendeiro '■
De cada veiz monta treiz. j
(José Raimundo Silveira, peão do norte do
Mato Grosso, Vida de peão, versos recolhi
dos por Maria Regina Borela) 1
161 1
outro deles próprios. Esse dos próprios l avrado-
CL c_s rp.s nã.n tem sido mencionado. Quando você en-
tra nas. Jinhas- do^ projetos de colonização do
t INCRA^ dos Pljg^S^ elas, em geral, tem uns 2S
h 'S}( kms de extensão e aí estão colocados os colonos
j que foram selecionados pelQ__INÇRA, que preen
chem certos requisitos. A gente nota claramente
,uma preferência pelo colono que tenha o que se
poderia chamar de urna vocação
tenha já alguns recursos e que venha a se cons
titu ir uma espécie de ‘ta rin e f ” americano em
n \
/', i • \V,\:p len aselva.
.
"
'lí
>v>i Depois que termina a linha do IN CR A, você
descobre que, mal disfarçadamentè, ela continu^,
X meio-torta, pela selva adentro. É a linha dós
hhhlonns mi não pediram licença para o INCRA^
> colonos que ti—
f* e que . tem ______________________
uns 40 kms. Eles próprios estão orga-,
_____________________ _____
// ^ nizados, abrem a linha, continuam a do TNCRA^
r» lí v>V» n nrvY-i -v> 1 i n rí /-\ LX7\ \
162
da fronteira agrícola essa onda moderna de p e
netração na Região Amazônica.
Na verdade, êssaéxpansãrrjá ocorreu há muito
tempo e tanto assim que quando
presas, ou essa dndãT ctê penetração, encontram
as pessoas já instaladas, vivendo, trahalhand^--
produzindo. Há povoados inteiros dentro dá
m ata. Ãs vezes, povoados com seis, oito, dez
mil pessoas. Então eu vejõ7~na verdade, a cha
mada expansão da fronteira como uma redefinip
ção_jja_ frontelm ^naõ^^õm 'uma" éxpãngã?r~A
expansão já se deu. É uma tentativa de retomar
uma fronteira, uma faixa,de terreno, que não fpj
ocupada segundo os critérios dominantes e^que
se tornaram poderosos nos últimos anos. fotL^ejá;
uma certa nonceprão,.dita racional de ocupaçãh
, vÇdp, terra^de organizaçao^ de empresas, da utiliza-
{)><};^çgo'“He capltar~e essa poisa toda. N a verdade, é
, um a outráT racionalidade que está por trás dissp.
?j/y N a realidade, o què á gente está observando não
.y J 0 j i m a expansão da fronteira, e sim a invasão
, r>c3è um a fronteira que já estava ocupada. *
163
aocupação plena.„âbsoluta-.e_£xai^tiya, como e a
/ da çmpresa. Então, o espaço dele é sempre urq
espaço poroso, quer dizer, um espaço no jquajl
ele próprio se movimenta, absorve ouïras pessoa^
que vão chegando, ps amigos, os compadres, oS~~
companheiros. Esse é então um espaço muito
permeável e ainda muito flexível. Essa, é justa-
, mente uma das desgraças do posseiro, porque
f-labre o caminho para que nesse espaço entre
também a grande empresa, õ invasor. "Agora, nao
penso que a fronteira esteja esgotada ~&m termos
de espaço. Ela está sendo esgotada em termos
^ in s titucionais. Se võceTtomar uma área como a
Jari — 3 milhões e 600 mil hectares — , tem
m uitãlronteira para ser ocupada aí . .. por pos
seiros, obviamente, não_é? O problema é que ela
está institucionalmente ocupada. Está proibida,
nesse sentido. E como toda proibição ela 'pode
ser destruída, pode ser quebrada.
16.4
dade. Eu encontrei em Rondônia mesmo possei
rós com airoz armazenado de dois anos e som
menor condição de tirá-lo de lá. porque nab
havia acesso ao mercado. E como o arroz garanl
tia a subsistência„_dele, quando precisava, por
exemplo, pagar uma consulta médica, ou outnji
coisa, botava um saco de arroz nas .costas, atra
vessava a mata, até chegar a um daqueles po
voados e vendia o produto por um preço ridículo
Isso atinge nac só o p õsstirp como também 11
pessoas que estão sendo patrocinadas pelos ór
gãos oficiais. No caso de Rondônia — em que o
QEPLAC- sugeriu que o pessoal plantasse cacau
— , sugeriu que o pessoal plantasse antes a bana
neira para fazer sombra, sob o argumento de quê
a vencia da banana daria recursos durante- $
fãsé'de formação_do^ cacau. Ü resultado é que
o "p isoai está lá com a banana apodrecendo «
nãoTem pra quem vender. No ano passado,
oferecia um cacho de banana a Cr$ 2,00 e imo
tinha quem quizesse comprar, porque não havl t
como tirá-la de lá e nem para onde levá-la. Pr i
onde é que se vai levar banana, com tanta ba
nana sendo produzida?
O que você nota nessas áreas de economia (Fn
posseiros JLum a trem.ejada._fartiira, uma ajbun
dância incrível, inclusive desperdiçada porque
não há acesso a mercado. Como eles também'
têm pouca necessidade de acesso ao mercado c
de dinheiro, o produto fica por ali, perdido. As
indicações são de que, aqui na Região Am azô
nica, a produtividade desses pequenos estabele
cimentos, inclusive os de posseiros, é muito maior
que a produtividade dessas imensas fazendas,
queJLem terrãs õciõsas e que não utilizam "cor-
retamente õsolõ. Estou dizendo isso porque não
concordo com üma idéia mais ou menos difun
dida de que o avanço das empresas sobre terras i
de posseiros represente, ao mesmo tempo, um
1G5
avança de padrão técnico e de organização ecQ-_
nômica. Quer dizer, muda a form a mas nãp> a
eficiência. Aliás, diminuira eficiência.
Agora, passando para a questão do conflito^
propriamente, a situação do posseiro e Bãstãnfé
difícil, por várias razões. U m a delas é que ele
) item que discutir nos termos' de quem o explora,
quem o domina,
’ ' ou seja, o Codigo,
- o- Juiz,
- *- a
'i 0 f 1^(M^JãT^Èsses são os interlocutores que ele tem
mVpSla frente. São seus inimigos. Hoje no Brasil^;
/ %f a Justiça, a P olícia, o Estado^ e o-inimigo dêcrã-
*V<t^rado^dõ~ posseiro. ^Quer.dizer, o^Estádã) que se^
ty ' propôs a fazer a Reforma Agrãrja e nao lez, a
regular^zarj^sX t^ e não re-
( i/^j^ularizou, é um Estado que se declarou inimigo
VV'"A> dessa população. Isto é. aliou-se ao iniraigo^dQ
(^/..^posseiro!* Então à jsitu ação d elé> é. de início, bas-
f tante difícil. Há muitos casos conhecidos de um a
7$ tremenda parcialidade dos órgãos de Estado,
desde o IN C R A até o Juiz, que tornam difícil a
^ luta e a resistência do posseiro. Tem havido es-
reforços. . . Acho, por exemplo, que o esforço de__
{>"• sindicalizacão é válido. A CONTA G tem tido uma
atuação muito significativa n a defesa_dos possei-
ros^JDos sindicatos b rasileiros^ das cojifederaçoes^
A> sindicaisS é á jíik is abertamente compromeíffla
/jç cpm_.o trabalhador. É aquela que tem feito um
^hesforço muito grande, rio sentido de ser efetiva-
T hiente porta-YQZ~ Agora, é uma coisa complica-
díssima7 Você toma como referência um .grupo
de posseiros que está aí, no centro da Amazô-
níãTpéràMõT. .. até a" notícia chegar á um lugar
onde ela possa ser viabilizada judicialmente, às
vezes passa uni mês e, nesse meio tempo, muita
(Çóisa acontece. J ^ r ^ utfdTladõOconsidero signifi-
\ ; Mcativo e iundaménfãTo esforço que a I greja Ca-
y Qtólica tem feito e não só ela — , no sentido de
vlaEIizar a luta do posseiro. pela.4.usfciça^e pelo
1 f\K
direito. Não acho que seja a Igreja due esteja
organizando o posseiro e nem e là "t fm j^ a ^ pre
tendo. l E s tem tentado viabilizar ã "resistência
do posseiro, onde ela atua, De fato, tem havidq
regiões aqui mesmo np P ará, em que o posseiro;,
dispensa qualquer_íipo de yiabiliza^ão7~E pãfté
pãfãTdim confronto direto. Isso tem acontecido
frequentemente nos lugares em que todos os
recursos institucionais foram esgotados, ou seja,
em que a Justiça, por exemplo, se desmâscãra,
plenamente diante do posseiro. M e já não tem)
mais a menor confiança. Já não tem mais a
menor condição ~dê~ acreditar em nada. Então,
passãTa acreditar no braçp dele, quer dizer: “Eu
é que vou fazer as coisas, eu é que vou enfrentar ^
eu é que tenho. . . Se eu não faço isso, eu tenhci
que desistir. . Tenho ouvido pessoas nessa sh
tuação, em algumas das áreas em que entrei,
que dizem: —Ç“qual é a alternativa? Em sã consT
ciência, qual é a alternativa que eu tenho? Se
você examinar todas as alternativas que eu tenhq
pela frente, esgotadas e inviáveis, como a dá
Justiça, a do INCRA, etc. . . A única alterhãtivá^
que me resta é aceitar pacificamente a minha
morte e a de minha família. Quer dizer, éu paré
aqui'e...morro, não é? Sem fazer absolutamente
nada”. Porque tem havido casos, por exemplo,
de fazendas que vão e botam arame farpado.
Não é em volta do terreno do posseiro e sim em
volta da casa_dele,_. Pregam arame farpado na
por ta dã casa .dele e botam o jagunço do lado de ;
forãTQuer dizer, se o sujeito quiser miiar (nãp^.
é?), ele tem que fazer uma guerra. Isso aconte
ceu aqui no norte do Mato Grosso, num povoa-~>
do chamado Porto Alegre, quando as mulheres
fizeram um levante: — “Nós não vamos aceitar^ ?
a morte, pura e simplesmente. Então, se é p a r à ^ ;
morrer, então vamos morrer brigando”. E es,— '
pessoas tem sido levadas a essa situação.
IE PA — Tem sido colocado a nível, digamos
assim, até certo ponto acadêmico. que haveria
umapjuestão agrária no Brasü^Olhando esse pro
blema éspecificamenfe d o p o n to d e vista da Re-
pião Amazônica, essa questão agrária.^ seria no
sentido de~que a existência n o nosso mein rural,
de relações de produção consideradas não capi
talistas^ representaria, juntamente com outros
problemas estruturais, um sério entrave à ex
pansão do desenvolvimento capitalista na agri-
cu Ituf a U ã Amazônia.'
Esse mesmo problema tem sido colocado, di
gamos assim, de outra forma, no sentido de que
não há realmente uma questão agrária, na medi
da em que a existência de relações de produção
não capitalistas ou pré-capitalistas, é que efeti-
vamenté^mabiliza o processo de acumulação ca
pitalistanã agricultura e, por via de consequên
cia, nos demais setores econômicos. Que consi
derações você poderia fazer sobre esse aspecto?
169
a empresa, praticamente sem custos^monetários,
e portanto o entrave não está aí.
Agora, eu também nao compartilho a idéia de
que a funcionalidade da agricultura tradicional
seja só funcionalidade. Quer dizer, ela é também
uma forma de contradição ^ exatamente nesse
sentido, porque impede a entrada de „uma agri-
cultura empresarial. Mas, o núcleo da questão
agrar}a naò está no impedimento à entrádà-dde
uma agricultura empresarial. Está nasLtensões^ ;
na cphffãdígãõ tTahsfõfmada em tensãci que se
máhifeF la e m oútrõs~planos : no plano da esqm l-
são das pessoas do „campo. Elas não tem mais
pàFa onde ir. Então, tem-se coisas estranhíssi
mas, absurdas, como 15.000 favelados na Fazen-
d aJ ari.
170 .
JJS.M. — Durante uma certa época no Brasil
— todos nós passamos por isso — se cultivou
uma confusão muito grande entre História e D è-
senvolvimento, entre Processo Social e p Desen
volvimento pensado es tritamentaj^omo -.desenvol
vimento econômico. Essa confusão teve preços
altos, porque levou a um desconhecimento do
que realmente estava acontecendo no país e um
desvirtuamento, digamos assim, dos objetivos do
processo político e da prática_efetivadas pessoajs
interessadas êm melhorar as condições da socie
dade.
O que me parece importante, não é necessa
riamente a manutenção do posseiro ha situação
em que ele se encontra, porque nessa situaçã^,
ele está num círculo imobilista. j
Eu concordo com a idéia de que a grande
empresa no Brasil, ......
hoje, também
~..... ’ .... -está num
^ cír-
ciilo imobilista. Só que, enquanto 0 jx>ssem
num círculo imobilista em que .ele_é_arprlncipM^
vítima; a émprèsá está no círculo em que a prú[i-
cipal vítima é o conjunto da sociedade. E para
mim a ^ ú e stan só vai sé resolver, na medida e:n
que, a partir das próprias aspirações desenvol
vidas por categorias sociais como a do posseiro
e outras que existem ocorra uma grande trans
formação dessa sociedade. Acho que os benefí
cios do desenvolvimento, pensado no sentido
mais amplo, só vao se transformar em benefí
cios de todos, na medida em q u e lê 'h v e r iim a
estrutura de sociedade que osTsociálizèT^QU seja,
qüè^l^^sjprmelesses. benefícios em benefícios de
todos e não só de algunsl ~~ ' ■w
No Brasil, hoje, a única coisa que se socializa
é a miséria. Só isso. Nada mais.
Êu acho que temos que inverter essa estrutu-
.xa, justamente para que se dê a socialização cpn-j
trária.
i
171
IE P A — A cidade expulsa o homem para o
campo em junção da utilização de capital inten
sivo. O campo expulsa o homem em função da
apropriaçao e ~ülÍlizáção da terra pelos grandes
grupos econômicos, pelos grandes projetos. Com
isso, ã^mSxc^nGXidudCfr urhãng) vai num crescendo
muito "grcrhde e as terisÕelTsõciàjs vão se tornan
do insuportáveis. Quarè as alternativas que teria
o sistema para contornar essas tensçes e as con
sequências que poderão advir daí, para a própria
segurança dele?
173
do Custo de Vida, todo tipo de agrupamento.
Hoje, até clube de futebol, até associações reli
giosas. .. O Apostolado da O ra ç ã o ... Outro dia
eu ouvi uma referência nesse sentido. O Aposto
lado da Oração é uma irmandade religiosa da
Igreja Católica, das mais conservadoras. Aque
las velhinhas de preto, com aquelas fitas no
peito, começando a^ se organizar assim, em ter
mos de reivindicações, que não tem nada a ver -
com as tradições do Apostolado da Oração. Quer
dizer, começam a ter uma atividade diferente.
E há muitos outros grupos atuando nesse sen
tido. Começam a se desenvolver pequenos gru
pos, aquele germezinho. . . Isso vai levar — a
menos que venha uma repressão também por
aí, e eu não sei também se ela vai ter êxito *—
a uma reorganização do pacto de classes, da es
trutura de poder, num a certa medida. Eu não
acredito que leve a um extremo, mas vai levar
à reformulação de muita coisa. E essa questão,
por exemplo, da expulsão de tudo quanto é
lugar, ou seja, a falta de um lugar para quem
trabalha e quer trabalhar, vai ter que ser repen
sada.
1 TA
*
175
mas. Ele sabe cpie não está resolvendo os proble-
mas, porque la na repartição dele, estão, proto
colados casos e casos de conflitos de terras, con
flitos de todo b^ tipo. Então, o problema não está
f/jçm pessoas de Tora que se infiltram e promovem
igitaçoes7Na verdade, a própria situação cria a
Lecessidade de orgamzaçao, de confronto, a ne
cessidade de autõ-defesa. É muito' importante
íer em conta que não temos observado no Brasil
Lvasões de terras. N ã o há posseiros invadindo
iAl*^ íazendas no Brasil. Em compensação, hãTfazen-
deifõs Invadindo- terras de posseiros. Então voce
Vê quem ê o bádefnêirQv qüem é ó ãgitador. É a
ande empresa. 3b o capita}. É ele que invade
erra dds~outros, ò “trabalho dos outros. É
üeín manda prender, é ele quem manda m ata
ele quem manda torturar e assim por diant
17fí
fúndios pode-se dizer — na verdade, é uiuit
ocupação muito precária, muito restrita. K rltli
cuíp o número de ^érnpregos criados na Aimiz/V
nia nesses dez anos áe S U DAM. É inferior ao nu
mero de empregados da fábrica Volkswagen, em
São Paulo. E com toda essa massa de dinheiro
que foi jogada aqui, com todo esse papo de jni
centivos, de não sei o que m a is ... Então, nu
verdade, o que eu acho que existe aí, é uma
outra coisa. Quer dizer, não se trata de empresa,
/realizar a ocupação da terra na Amazônia. Tra)
ta-se de abrir uma nova frente _de_especulaya <»
e de exploração, que utilizada terra como mu
instrumento.
ç Agora, a interpretação do.processo social,, p
interpretação das coisas como elas acontecem 4*
as decisões, são feitas a partir do pnyilegiameiiiAi
desse padrão de ocupação das terras novas, tudo
esta centrado nisso. Isso é que é importanl.ç
Fora disso é subversão, é banditismo, é tudo o
que a gente possa pensar. É o que dizem. ,
Esse tipo de visão das coisas, essa maneira de
interpretar a terra — a terra como uma reserva
de capital, como riqueza potencialL que se ímj>-
biliza improdutivaménte na m io de umas poii-
cas pessoas, uns 300 ou 400 empresários na Ama
zônia — entra em conüiloA^jn._â__própria inter
pretação que tem da terra o trabalhador, o pos
seiro. Q trabalhado^ concebe a terra como uma
dadiva, uma dádiva de Deus. Em geral, ele pensa
riessesentido, porqueTêTe é~religiosq, crê, tem Xú
e isso é um dado que a gente tem que incorpo
rar. É uma dádiva de Deus para todas as pessoas,
para todos os que queiram trabalhar, de modo
que, por exemplo, um posseirç) nunca proibe que
alguém trabalhe numalTêrrã eni que ele“Tá tra
balhõu, embora do ponto de vista de alguém que
pense como proprietário, a coisa já fosse mais
complicada. Ele nunca proibe que alguém entre
177
n uma terra_em .que ele já trahalhnii-e -a harifio-
npu, embora seja ali vlzinhn a ele, tenha der
rubado o mato, etc. E existe inclusive o_respeito
pelo trabalhojdjBl e. Ninguém também ocupa uma
terra que Já tenhasido..trabalhada,.sem -pedir
licenga pro outro. Mas não é pedir licença pela
terra, é pedir licença pelo, trabalho que está lá,
que é trabalho do outro. Õu sejaphá um grande
respeito pelo trabalho, coisarque uma empresa'
que èntra na Amazônia, por exemplo, não tern.
Ela não tem n enhum respeito pelo trabalho do
outro. E o 'ÍCstado brasileirc) também não tem
nenhum respèjtd’ pelp "trabalhador da Amazô
nia. N a hora de fixa£I3nden izàçoes, no caso de
expropriação, de expulsão de posseiros, as inde
nizações são ridículas. Não cobrem efetiva-
m ehfê nem mesmo o valor daquele trabalho em
termos de salário mínimo, por exemplo. H á in
denizações vergonhosas que não indenizam nada.
Daqui a 15 dias o cara está passando fome.
Ao mesmo tempo, na linha dessa questão da
especulação* começam a .„surgir os projetos de
colonização privada. Ou sejaj a gente começa a
descobrir qüal~e~a“finalldade de toda essa imen-
sa apropriação, construção de cidades artificiais,
planos e projetos de colonização em. torno de _
grandes cidades. Õü sejjã) vender de movo para as_
pessoas. Isso é müíto Slaro. Isso aconteceu b lã
raffiehte, por exemplo, num povoado aqui no
norte de Mato Grosso, em Santa Terezinha, onde
houve conflito com a CODEARA. A CODEARA
vai e invade a região, porque p EstadõTcie Mato
Grosso vendeu para empresas todo o território.
Vendeu povoados, aldeias indígenas. Por exem
plo, a aldeia Tapirapé foi vendida para uma em
presa, a Tapiraguaia S.A.. Isso é absolutamente
ilegal. Havia uma tribo de índios que está lá há
mais de cem anos. H á documentação sobre isso.
H á depoimentos de viajantes que escreveram. . .
178
H á livros puWicados. .. Eles tem direito seguro
e certo, mas o Estada vendeu a terra dos j?api-
rape com o sT ap irap é dentro. Agora há uma
briga lá e r^ e L ç x s ^ I^ ifã ^ |
Vai o Estado )e vende também a cidade de
Santa Terezinha, um lugar que tem mais de
5.000 habitantes, uns 10.000 habitantes. O qúe
faz a CODEARA? A CODEARA manda fazer um
plano de urbanização, o desenho de uma cidade
para ser implantada em cima do povoado já exis
tente, vendendo os lotes da nova cidade aos mo
radores do lugar, já existente, com o apoio do
INCRA, dos generais^ desga,gentp, toda. Os gene
rais foram lá pra cuidar disso. Há denúncias es
pecíficas nesse sentido. Quer dizer, o pessoal
dando cobertura a uma coisa absolutamente ii-
racional. Seria a mesma coisa se você pegasse a
cidade de São Paulo e loteasse de novo, venden
do os lotes para quem já está lá morando, para
quem já é proprietário. Isso é uma loucura. Isso
mostra claramente o que está por trás dessa ten
tativa de açambarcar terras. Vender, transfdr-
mar aquilo em dinheiro. Não é transformar j a
terFa hüfn empreendimento econômico. É /trans
formar a terra em dinheiro. I
170
o posseird em particular, é um sujeito muito des
confiado’ em relação, a . qualquer tipoLdetutela,
qualquer tipo de invasão, qualquer tipo de en
volvimento. Ele está reivindicando neste momen
to, não é apenas terra. É terra e liberdade, liber-
dade de trabalho, liberdade de concepção. Isso
fica absolutameriíè'~ clãfõ nessas" rêgidès . . . o
que conflita, aliás com essas propostas de cria
ção de cidades nos núcleos de colonização, porque
essas cidades estão sendo construídas como cida
des particulares. Ç)u seja^o sujeito vai jlc a r sob
a tutela do dono daT^Tdade, um pouco como ò
quê acontece dentro da Jari, nas cidades exis
tentes lá. Quer dizer, não exlste a mínima auto
nomia municipal, nem civil, nem coisa nenhu
ma.
180
1 va/s a /và /
portante — já que a gente quer se identificai
com o explorado, oprimido e tudo o mais . .. «•
acho que o importante politicamente — é rcsgfc
tar plenamente o ponto de vista dele. Ou sejj»,
fazer com que èsse "põntõ""dè vista, a lógica do
oprimido, tenha lugar“ fio mundo da réfiexfáo
científica, técnica, etc. "Porque às~vezes há pos
soas muito bem intencionadas, mas a conslru
ção da interpretação que elas fazem é segundo
uma lógica que não tem nada a ver com aqui li »
que está sendo vivido e interpretado pelo próprio
oprimido. Quer dizer, eu acho _que^só a gerd<
quer ser voz do oprimido. Q qçrimidp pode sum
vozjdele mesmo. É só a gente ficãí^atento paru
ouvi-la e entendê-la. Acho que essa é a questão
básica. /
/
ga*» N A Q Y & F IL H O S L T D A .
(A R TE S G R Á F IC A S )
Rua Dr. C osta V alente, 226 - Brá*
Te lefo ne : 291-8799