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1- Graduado em Psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ – e em Filosofia pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. É mestre em Psicologia Social pela UERJ e doutor em Psicologia pela UFRJ.
Atualmente ministra cursos nas graduações em Psicologia das universidades Estácio de Sá e Católica de Petrópolis,
e cursa o Mestrado em Lógica e Metafísica da UFRJ, tendo se dedicado nos últimos dez anos a investigações de
Epistemologia da Psicologia. Endereço para contato: gustavocastanon@hotmail.com.
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Filosofia como fundamento e fronteira da psicologia.
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objeto de estudo da Psicologia seria algo que Em virtude disso, defendo que a
denominam ‘subjetividade’, e que em outras Fenomenologia, conforme estabelecida por
palavras seria a forma única, irrepetível e Husserl (1976), é o método adequado para a
subjetiva de cada um experimentar o mundo. investigação do significado, e portanto, este
Definida a subjetividade desta forma, como é um domínio filosófico da Psicologia.
qualia, temos aqui uma contradição. Tal Podemos ainda distinguir questões de
escolha de objeto é um erro filosófico, pois significado de questões de sentido, que se
este é impossível não só para uma ciência revelariam um quinto domínio somente
como a Psicologia (pois não existem padrões marginalmente abordável pelo método
ou leis regulares a descobrir), mas mesmo para científico. A palavra significado geralmente é
a Filosofia, que por usar a linguagem – que só utilizada em dois sentidos diferentes. O
expressa universais – só pode teorizar sobre primeiro é o que significa a informação, ou
aspectos universais de seus objetos. Sobre seja, o que significa aquele objeto que tem
qualidades subjetivas, a Filosofia não pode uma coluna de madeira que se abre em vários
afirmar nada mais do que sua existência, pois ramos, os quais possuem folhas verdes. Você
não tem como expressar aspectos únicos de pode atribuir àqueles estímulos o significado:
vivências subjetivas, através de universais árvore. O segundo é qual o sentido da
lingüísticos. informação, ou seja, como ela se relaciona
O quarto é a questão do significado. com o conjunto de sua vida: o lugar onde você
O significado que as pessoas dão aos caindo quebrou um braço, o fruto da muda
fenômenos e às informações só é abordável plantada por seu avô, a futura coluna de seu
pela Psicologia indiretamente, por inferências novo chalé, etc. De fato, aqui também, só
a partir de reações comportamentais que as podemos ter acesso ao sentido atribuído por
pessoas apresentam a determinadas uma pessoa a uma informação de maneira
informações. O domínio semântico da indireta: ou pelo comportamento verbal da
experiência, o significado vivido, no entanto, pessoa ou pela reação comportamental em
é absolutamente impenetrável à ciência. Jerry face de determinado estímulo. Mas o processo
Fodor (1991) ilustrou este limite com seu de atribuição de sentido é um ato criativo
princípio do ‘solipsismo metodológico’, impenetrável ao conhecimento científico.
afirmando que só o aspecto sintático da mente Novamente aqui, temos um domínio da
é abordável cientificamente. Podemos estudar Psicologia que já foi abordado com maestria
regras e representações, não o significado por psicólogos fenomenólogos como Viktor
delas. Como abordei em trabalhos anteriores Frankl (1973), no que também constitui um
(Castañon 2006, 2006b), temos muito a dizer domínio exclusivo da Psicologia Filosófica.
sobre como se dá o processamento de O sexto domínio psicológico
informação pelo ser humano, mas a inacessível à investigação científica é o valor,
informação é cega para questões semânticas: intimamente ligado à questão do sentido. Os
é naquele que codifica a informação e naquele valores são fins em si mesmos, inúteis para
que a decodifica que se encontra seu provocar ou conseguir qualquer coisa
significado, não no meio que a transmite nem necessária biologicamente, mas ainda assim
em seu padrão específico. Não temos muito a perseguidos por nós. A verdade, a beleza, o
dizer sobre como representações podem sagrado, o amor, a justiça, o prazer são todos
significar algo distinto delas próprias, e pelo exemplos deste tipo de motivação que difere
menos até o momento, esta é uma questão profundamente daquelas que podem ser
diretamente inabordável cientificamente. provocadas ou manipuladas (e portanto
Assim, o significado das ações e experiências estudáveis de modo indireto em laboratório),
só é investigado por derivação de terceira como dor, fome, sede, sono, frio e calor. A
ordem: um comportamento, que indica uma Fenomenologia, particularmente com a obra
representação, que se refere a um significado. de Max Scheler (2001), e mais uma vez com
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criada para suportar tópicos Bohr. Para ele, uma vez que o fenômeno
idiográficos, mas a aplicação de psicológico é multicausado, não existe
verdadeiros e testados métodos possibilidade de reduzi-lo a uma única esfera
não-científicos de análise para de causalidade, a um único nível de explicação
estes problemas psicológicos (físico, biológico, lógico ou social):
que são nomoteticamente
inexplicáveis.” (1985b, p.73) 1 “’Explicar ’ deriva do latim
planare, que significa aplainar
Muitos outros psicólogos ou nivelar. Um princípio
contemporâneos compartilham desta posição, psicológico de
no Brasil e no exterior. Entre nós recentemente complementaridade tornará
Ued Maluf apresentou sua Teoria das evidente que uma explicação
Estranhezas (2002), a partir da qual interpreta teórica deve ser reduzida
a Psicologia como um mosaico de teorias (nivelada) para qualquer um dos
fragmentadas e ontologicamente irredutíveis. quatro níveis evidentes
Antônio Gomes Penna (1997) expressou [Physikos, Bios, Socius, and
também recentemente sua convicção de que a Logos], cada um dos quais com
dispersão do pensamento psicológico é um status igual. Nós não estamos
fenômeno irremediável, assim como sua falando de quatro níveis de
interdependência visceral e inextrincável do explicação aqui. Os níveis não
pensamento filosófico, tema, aliás, várias são ordenados em hierarquia de
vezes defendido ao longo de sua obra. dependência. Complementar
Sigmund Koch (1985, 1993), não é reduzir um nível a outro.
importante filósofo da psicologia, defendeu Zukav observou que o impacto
famosa tese de que a Psicologia não era um da complementaridade na física
campo passível de unificação nem teórica nem era, com efeito, ‘que não
metodológica, em virtude do que ele interessa sobre o que trata a
acreditava que se deveria mudar sua mecânica quântica! A coisa
denominação de Psicologia para importante é que ela funciona
Psychological Studies, dos quais eram alguns em todas as situações
científicos, outros não. O cognitivista Howard experimentais possíveis’. Eu
Gardner (1992) adere à tese de Koch e defende gostaria de parafrasear esta
que grande parte dos tópicos de investigação declaração dizendo que se nós
psicológica não é passível de adequada aceitamos os quatro níveis que
abordagem científica, sendo de natureza eu recomendei, não importará
filosófica. Ele acredita que psicólogos não só quais destas bases nós
devem investigar em colaboração com selecionamos para construir
filósofos, como também com lingüistas, nossa teoria. Enquanto o que
neurocientistas, engenheiros de computação e nós dissermos for instrutivo e
outros profissionais, como por exemplo, consistente com os achados
romancistas. Ainda Gardner (1996) acredita empíricos relevantes para a
em alguma forma dialética de investigação abordagem teórica em si,
científico-filosófica na Ciência Cognitiva. estaremos praticando
Joseph Rychlak (1993) é outro Psicologia”. (1993, p.939)2
expressivo psicólogo contemporâneo que não
vê mais como se pensar uma disciplina
psicológica científica isolada da Filosofia. Ele
propõe para o campo a importação do
princípio da complementaridade, de Niels
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