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PSICOLOGIA SOCIAL E COMUNITÁRIA

Esta obra apresenta reflexões sobre a teoria e a


prática da psicologia social e comunitária. São
discutidos temas como desigualdade, problemas
biopsicossociais, processos de exclusão, políticas
de assistência e as intervenções e os desafios da
psicologia social e comunitária na saúde, no sistema
prisional e em serviços de acolhimento. A intenção
deste livro é apresentar um panorama teórico
e prático sobre a área, bem como os princípios,
conhecimentos, valores e compromissos na busca de
melhores condições biopsicossociais.

Priscila Mossato Rodrigues Barbosa

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6644-5

59440 9 788538 766445


Psicologia social e
comunitária

Priscila Mossato Rodrigues Barbosa

IESDE BRASIL
2020
© 2020 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do
detentor dos direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A.
Imagem da capa: i3alda/Shutterstock Jason Heglund/elements.envato

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
B211p

Barbosa, Priscila Mossato Rodrigues


Psicologia social e comunitária / Priscila Mossato Rodrigues Barbosa.
- 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2020.
94 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6644-5

1. Psicologia social. 2. Psicologia comunitária. I. Título.


CDD: 302
20-64093
CDU: 316.6

Todos os direitos reservados.

IESDE BRASIL S/A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Priscila Mossato Mestre em Educação pela Universidade Federal do
Paraná (UFPR). Especialista em Psicologia Clínica –
Rodrigues Barbosa Abordagem Psicanalítica e graduada em Psicologia
pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(PUCPR). Professora do ensino superior, ministrando
as disciplinas de Psicologia da Educação e Psicologia
do Desenvolvimento e da Aprendizagem. Atua também
como psicóloga clínica.
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SUMÁRIO
1 Psicologia social e comunitária  9
1.1 Psicologia como ciência e profissão   10
1.2 O que é psicologia social e comunitária?   12
1.3 Psicologia social e comunitária no Brasil   16

2 Constituição do sujeito  25
2.1 Psicologia do desenvolvimento e a constituição do sujeito  25
2.2 Dimensões do sujeito  28

3 Sujeito como ser biopsicossocial  39


3.1 Sentimento de pertença   39
3.2 Desigualdade social   48
3.3 Problemas biopsicossociais   50

4 Sujeito e cultura  55
4.1 Representações sociais   55
4.2 Ideologia   61
4.3 Sociedade e cultura   64
4.4 Estereótipos, estigma e preconceito   67

5 Intervenções da psicologia social e comunitária  73


5.1 A atuação do psicólogo social e comunitário   73
5.2 Psicologia social e as políticas de assistência social   86
5.3 Desafios da psicologia social e comunitária contemporânea   89
APRESENTAÇÃO
Esta obra apresenta a você, leitor, reflexões sobre a teoria e a prática da
psicologia social e comunitária. Para tanto, no primeiro capítulo, intitulado
“Psicologia social e comunitária”, abordamos o contexto da psicologia como
ciência e profissão. Você vai aprender e adquirir noções necessárias sobre este
campo de estudo e conhecer seu percurso histórico no Brasil.
No segundo capítulo, denominado “Constituição do sujeito”,
trazemos conhecimentos iniciais da psicologia do desenvolvimento para
compreendermos o processo de constituição do sujeito e suas dimensões:
identidade, subjetividade, afetividade e consciência.
Com essa compreensão, podemos adentrar no terceiro capítulo, intitulado
“Sujeito como ser biopsicossocial”, no qual tratamos do ser humano de maneira
integral e consideramos sua constituição biológica inseparável da constituição
psíquica e social. Explicitamos o sentimento de pertença, elemento tão
fundamental para o ser humano, e o articulamos com os agentes socializadores
configurados em grupos como família, escola, trabalho e comunidade. Ao
final, desenvolvemos a temática da desigualdade social e os problemas
biopsicossociais com o objetivo de trazer reflexões sobre o compromisso da
psicologia social e comunitária na realidade brasileira.
Na sequência, o quarto capítulo, intitulado “Sujeito e cultura”, versa sobre a
teoria das representações sociais, muito importante na leitura dos fenômenos
sociais. Além disso, discutimos sobre ideologia por meio de uma perspectiva
crítica com relação à manutenção das diferenças. É preciso ampliar este
conhecimento para alcançar uma certa compreensão de sociedade e de cultura.
Ainda estudamos noções como estereótipo, estigma, preconceito e seus efeitos
nos processos de exclusão social.
No quinto capítulo, “Intervenções da psicologia social e comunitária”,
você poderá identificar as aplicações da psicologia social e comunitária em
intervenções sociais na saúde, na atuação do psicólogo no sistema prisional
brasileiro e em serviços de acolhimento. Além disso, abordamos o papel do
psicólogo social e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.
É também neste capítulo que apresentamos as políticas de assistência social
para chegarmos aos desafios que a psicologia social e comunitária enfrenta.
Nossa intenção é que você possa adquirir um panorama teórico e prático da
psicologia social e comunitária, bem como absorva princípios, conhecimentos,
valores e compromissos na busca de melhores condições biopsicossociais.
Desejamos uma excelente leitura, bons estudos e produtivas reflexões!
1
Psicologia social e
comunitária
Neste capítulo, convidamos você a acompanhar um percurso
que se inicia com a compreensão da psicologia como ciência e
tem como ponto de chegada a psicologia social e comunitária.
Para tanto, é fundamental que se entenda, mesmo que de modo
sucinto, as três principais correntes filosóficas sobre o desenvol-
vimento humano.
A primeira corrente, chamada inatismo, sustenta que as ca-
racterísticas do indivíduo são definidas por sua genética e, por
essa razão, são predeterminadas biologicamente. O ambientalis-
mo, segunda corrente, acredita que o ambiente prevalece sobre
as características biológicas. Por fim, denominada sócio-histórica,
a terceira corrente entende que as características do indivíduo
se estabelecem na interação dos fatores biológicos e dos fato-
res ambientais e, consequentemente, ambos são fundamentais
no desenvolvimento humano.
A teoria sócio-histórica pode ser considerada a mais aceita
na interpretação do desenvolvimento e na visão biopsicossocial
do ser humano. Seus fundamentos e pressupostos se aproxi-
mam da psicologia social não somente na forma de entendi-
mento, mas também nas possíveis formas de intervenção que
se efetivam na sua atuação. A psicologia social e comunitária
é extremamente pertinente para contribuição de formas mais
igualitárias de organização social.
Desse modo, inicialmente, abordaremos o histórico da psicolo-
gia social e comunitária no Brasil. Em seguida, integraremos os fun-
damentos da teoria e da prática desse campo do conhecimento.

Psicologia social e comunitária 9


1.1 Psicologia como ciência e profissão
Vídeo O interesse em compreender as questões da mente humana é an-
terior à constituição da psicologia como ciência, a filosofia já se ocupa-
va dessas questões. Sua origem é evidenciada, inclusive, na etimologia
da palavra psicologia, que resulta da junção das palavras gregas psyché
(alma ou mente) e logos (razão ou estudo), isto é, estudo da mente.

O termo psicologia já era mencionado em algumas obras de filo-


sofia do século XVI. Segundo Davidoff (2004), é possível compreen-
der a mente/alma como o princípio subjacente aos fenômenos da
vida mental e espiritual do ser humano. Esse princípio aponta que
os fenômenos psíquicos nem sempre são manifestos, mas são ati-
vos de maneira implícita.

Como mencionado, o início da psicologia ocorreu com a filosofia,


até que emergiu como uma ciência independente. Seu estabelecimen-
to como ciência ocorreu quando Wilhelm Wundt (1832-1920) criou, em
1879, o primeiro laboratório de psicologia experimental na cidade de Lei-
pzig, na Alemanha. Nesse momento, houve a consolidação dos estudos
da psicologia sob os critérios científicos de observação e com métodos
provenientes da fisiologia (SCHULTZ; SCHULTZ,1998).

Esse laboratório foi o precursor de tantos outros na Europa e nos


Estados Unidos. Wundt se dedicava, principalmente, a pesquisar rea-
ções de comportamento aos estímulos de maneira controlada e com
rigor científico, o que, de certa forma, limitava o desenvolvimento
da psicologia. Seu método de pesquisa e produção de conhecimen-
to se caracterizava como estruturalista, pois buscava compreender
processos estruturais do psiquismo. Por esse motivo, acreditava-se
que a consciência era separada da mente.

Nesse período, a psicologia passa a se relacionar com a fisiologia,


se distanciando de ideias abstratas e espirituais. Isso foi importante
para seu fortalecimento, sua vinculação com princípios e métodos
científicos, bem como seu reconhecimento. Mais tarde, no desenvol-
vimento de seu percurso, a psicologia foi além da sua relação com
a fisiologia, de modo que hoje pode ser considerada nas dimensões
fisiológica, psíquica e social.

10 Psicologia social e comunitária


A psicologia tem como objeto de estudo os fenômenos psíquicos, Livro
que abarcam conceitos como percepção, atenção, inteligência, cog-
nição, memória, emoção, sentimentos, comportamentos, relação
interpessoal, linguagem, personalidade, consciente e inconsciente, re-
siliência, psicopatologias, entre outros.

Não é possível nos referirmos à teoria da psicologia como única,


pois ela é muito ampla. Existem muitas abordagens, e cada uma delas
pode privilegiar certos fenômenos, bem como ter sua própria meto-
dologia. Também, não é possível considerar uma abordagem superior Introdução à psicologia,
à outra, pois todas são reconhecidas e contribuem na construção do de Linda Davidoff, é uma
leitura indicada para
conhecimento científico. quem deseja obter visão
ampla da psicologia. A
Para conhecimento geral, podemos mencionar algumas das obra aborda a história
principais abordagens da psicologia: behaviorismo, cognitivismo, desse campo do co-
nhecimento, bem como
humanismo, psicanálise e gestalt. Em comum, todas têm conside- apresenta seus principais
ração à subjetividade própria. Sobre isso, Bock, Furtado e Teixeira fundamentos e conceitos.
Além disso, contempla
(2001, p. 23) salientam: os avanços mais atuais
É o homem em todas as suas expressões, as visíveis (nosso com- da área.

portamento) e as invisíveis (nossos sentimentos), as singulares DAVIDOFF, L. São Paulo: Pearson,


(porque somos o que somos) e as genéricas (porque somos 2004.

assim) – é o homem-corpo, homem-pensamento, homem-afeto,


homem-ação e tudo isso está sintetizado no termo subjetividade.

Agora que já temos um panorama de teorização, podemos conhe-


cer as principais áreas de atuação da psicologia. É importante ressaltar
que cada área conta com diferentes especificidades e aplicações:

• escolar/educacional;
• organizacional e do trabalho;
• de trânsito;
• jurídica;
• psicomotricidade;
• do esporte;
• clínica;
• hospitalar;
• psicopedagogia;
• social;
• neuropsicologia.

Psicologia social e comunitária 11


O Conselho Federal de Psicologia, órgão responsável pela regula-
mentação da psicologia como profissão, descreve cada uma dessas
áreas na Resolução CFP 03/2007. Na sequência, abordamos a psicolo-
gia social propriamente dita, tema principal desta obra.

1.2 O que é psicologia social e comunitária?


Vídeo Primeiramente, é prudente levar em conta que alguns autores con-
sideram a psicologia comunitária como uma subárea da social. Por isso,
iniciamos nossa discussão com a tarefa de conceituar o que é psicolo-
gia social. Em seguida, avançamos para o entendimento da psicologia
social e comunitária de fato.

A psicologia social se interessa em estudar o ser humano e sua


relação com seu meio sócio-histórico e cultural. Lane (2006, p. 8)
destaca que “o enfoque da Psicologia Social é estudar o comporta-
mento de indivíduos no que ele é influenciado socialmente”. Nesse
sentido, a psicologia social privilegia a interação social e o que se
origina nela, incluindo o pensamento social, a história do indivíduo,
seus costumes e seus valores.

Ao pensarmos nessa perspectiva, ou melhor, no ser humano


como um ser social, é importante ressaltar que, ao nascermos,
somos inseridos em uma organização anterior. Essa organização
engloba elementos sociais, culturais e históricos já estabelecidos.
Para nos humanizarmos, somos amparados na relação com um ou-
tro ser humano, que se apropria da função do cuidado, visto que
somos completamente dependentes ao nascer.

Além dos cuidados essenciais de alimentação, limpeza, aquecimen-


to e afetividade, são transferidas, nessa relação, referências simbólicas.
Elementos como a nossa língua materna e o nome que nos é atribuí-
do nos permitem fazer parte de um sistema social. O ser humano se
insere por meio de um lugar também subjetivo, localizado no tempo,
no espaço (data e local de nascimento), na história da humanidade, na
sociedade e na cultura.

Nesse sentido, a psicologia social busca compreender a inserção do


indivíduo no processo histórico e sua dinâmica, já que ele próprio é
agente transformador da sociedade em que vive. Inclusive, a psicologia
social pode ser considerada uma ciência ambiental. Myers (2014) a

12 Psicologia social e comunitária


nomeia assim por entender que ela investiga como o ambiente social
afeta o comportamento de cada indivíduo.

A psicologia social também se ocupa da construção do conhecimen-


to sobre o convívio social, o processamento desse conhecimento, suas
leis, suas influências situacionais e seus estímulos sociais. É correto
sustentar que ela compreende as formas de relacionamento humano
em diferentes âmbitos, como comportamentos em grupo, fenômenos
de grupo, motivações, comoções, a violência e o altruísmo social, bem
como a construção de estereótipos e preconceitos.

Uma reflexão interessante é percebemos como as interações sociais


são intensas até mesmo em situações corriqueiras. Interagimos fre-
quentemente com nossa família, nossos vizinhos, colegas de trabalho
etc. A interação social está presente, inclusive, em situações mais com-
plexas. Nelas, utilizamos nossas habilidades interpessoais, nos empe-
nhamos em sermos aceitos, realizamos negociações, persuadimos, 1
1
agimos com empatia e com nossas identificações . Nesse sentido, a Identificação designa um proces-
psicologia social também estuda processos cognitivos e emocionais. so psicológico inconsciente pelo
qual o sujeito se constitui ou se
De acordo com o Conselho Regional de Psicologia (CRP09, 2015), transforma, assimilando ou se
a atuação profissional do psicólogo social deve ser “fundamentada na apropriando de aspectos, atribu-
tos ou traços das pessoas mais
compreensão da dimensão subjetiva dos fenômenos sociais e coleti- próximas (ZIMERMAN, 2001).
vos, sob diferentes enfoques teóricos e metodológicos, com o objetivo
de problematizar e propor ações no âmbito social”.

Ainda segundo o CRP09, é permitido ao psicólogo social desenvol-


ver atividades em distintos espaços institucionais e comunitários, assim
como “no âmbito da saúde, educação, trabalho, lazer, meio ambiente,
comunicação social, justiça, segurança e assistência social”.

O trabalho do psicólogo social pode envolver políticas e ações li-


gadas à comunidade em geral e aos movimentos sociais de grupos
étnico-raciais, religiosos, de gênero, geracionais, de orientação sexual,
de classes sociais e de outros segmentos socioculturais. Sua atuação se
refere à realização de projetos da área social e/ou definição de políticas
públicas (CRP09, 2015).

Além disso, o mesmo documento ressalta que esse profissional tem


o compromisso de realizar estudos, pesquisas e supervisão quanto à
relação do indivíduo com a sociedade, a fim de oportunizar a proble-
matização e a estruturação de proposições que qualifiquem o trabalho,
bem como a formação no campo da psicologia social (CRP09, 2015).

Psicologia social e comunitária 13


É válido destacar que a atuação prática da psicologia social é condi-
cionada ao contexto tanto quanto às demandas sociais, que são variá-
veis. Trata-se de uma prática que tem se ampliado proporcionalmente
aos movimentos sociais, assim como às políticas governamentais em
saúde pública (CRP09, 2015).

Para atender às necessidades sociais, a psicologia social é apli-


cada em subáreas – psicologia comunitária, ambiental/ecologia
humana, do trabalho, da saúde e dos movimentos sociais, por
exemplo. Além disso, ela está relacionada às práticas psicossociais
específicas, como de direitos humanos, de situações de emergên-
cia e desastres, de grupos de mulheres, de população em situação
de rua, terceira idade, entre outras.

Segundo Góis (1993 apud CAMPOS, 2015, p. 11) a psicologia social


estuda a atividade do psiquismo consequente do modo de vida do lu-
gar ou da comunidade e, da mesma forma, estuda “o sistema de rela-
ções e representações, identidade, níveis de consciência, identificação
e pertinência dos indivíduos ao lugar/comunidade e aos grupos comu-
nitários”. A intenção é que haja o desenvolvimento da consciência de
sujeitos históricos e comunitários, por meio da dedicação interdiscipli-
nar no desenvolvimento dos grupos e da comunidade, ou seja, que o
indivíduo se transforme em sujeito.

Campos (2015) explica que, desde meados da década de 1960, há a


aplicação de teorias e métodos da psicologia no trabalho com comuni-
dades de baixa renda, tendo em vista a busca por melhores condições
de vida da população. Esse campo teórico e prático passou a ser cha-
mado de psicologia comunitária.

O início dos trabalhos de psicologia social comunitária acon-


teceu em bairros populares, favelas, associações de bairro e mo-
vimentos populares. Somente após a ampliação dos sistema de
saúde e educação pública no Brasil é que a psicologia social comu-
nitária passou a atuar em postos de saúde, creches, instituições de
promoção de bem-estar social etc.

Os trabalhos comunitários se efetivam com base no levantamento


das necessidades e carências – por exemplo, condições de saúde, edu-
cação e saneamento básico – de determinado grupo. Após o levanta-
mento das necessidades, o trabalho consiste na conscientização dos
grupos, objetivando a apropriação dos indivíduos do seu papel de su-

14 Psicologia social e comunitária


jeitos ativos, conscientes e capazes de buscar estratégias que solucio-
nem seus problemas (CAMPOS, 2015).

As produções teóricas e práticas da psicologia social comunitá-


Glossário
ria se caracterizam pelo desenvolvimento de práticas cooperativas
ou autogestionárias, fundamentadas na ética da solidariedade. autogestionário: relativo à
autogestão.
O desenvolvimento do trabalho nessa área se sustenta por meio da
conscientização de causas sociopolíticas e do desenvolvimento do
senso crítico sobre o contexto dos problemas que fazem parte do
cotidiano da comunidade.

Campos (2015) destaca que os conceitos utilizados na psicologia


social se verificam nas contribuições das teorias de abordagem cog-
nitivista, das representações sociais e do interacionismo simbólico.
Em termos teóricos, seu conhecimento é produzido com a interação
entre o psicólogo social e os sujeitos. A organização do saber – já
construído pela psicologia social – é articulado ao saber da comu-
nidade para coordenar processos e encaminhamentos que visam à
transformação da realidade. A metodologia utilizada é a pesquisa
participante, “na qual o pesquisador e os sujeitos da pesquisa traba-
lham juntos na busca de explicações para os problemas colocados,
e no planejamento e execução de programas de transformação da
realidade vivida” (CAMPOS, 2015, p. 10).

Ainda de acordo com Campos, os trabalhos de psicologia social


e comunitária enfatizam, sobretudo, a ética da solidariedade, assim
como os direitos humanos fundamentais e a busca pela melhoria da
qualidade de vida da população. Bonfim (1987) ressalta o compro-
misso ético e político que a psicologia social e comunitária assume
ao trabalhar com o intuito de que haja condições adequadas para o
exercício pleno da cidadania, democracia e igualdade. Em termos po-
líticos, a psicologia social e comunitária busca o desenvolvimento de
práticas de autogestão cooperativa e o questionamento das formas
de opressão e de dominação.

O aspecto social deve ser entendido como tudo aquilo que se refere
à vida coletiva e psicológica do indivíduo, atuando de modo determi- Atividade 1
nante sobre o comportamento individual e se inscrevendo no corpo e Discorra sobre o modo de
atuação da psicologia social e
psiquismo humano. Assim, se considera a complexidade envolvida na
comunitária.
construção de conhecimento e sua efetivação prática (CAMPOS, 2015).

Psicologia social e comunitária 15


Historicamente, a psicologia social buscou, desde seu início, identi-
ficar de que modo as relações interpessoais são fundamentais para a
constituição das funções psicológicas e da subjetividade do sujeito. Ela
tenta compreender como isso varia de um contexto sociocultural para
outro (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001).
Atividade 2
Na Seção 1.3, faremos um apanhado histórico para clarificar e enten-
Explique qual é o objeto de
estudo da psicologia social. dermos o percurso e o desenvolvimento da psicologia social, bem como
da psicologia social comunitária, desde seu início até a atualidade.

1.3 Psicologia social e comunitária no Brasil


Vídeo Para conhecermos os aspectos referentes à psicologia social e co-
munitária no Brasil, precisamos, primeiramente, realizar uma breve
contextualização da psicologia social no mundo para, depois, enten-
dermos como esse campo se desenvolveu no país.

Quando Wundt desenvolveu o primeiro laboratório experimental, já


havia um estímulo aos estudos em psicologia social (DAVIDOFF, 2004).
O pesquisador se ocupava de temas como linguagem, cultura, mitos,
religião e costumes. Nesse sentido, segundo Bernardes (2001), já se
considerava que os fenômenos coletivos não poderiam ser reduzidos à
consciência individual, fato que endereça várias questões à psicologia
social como campo de investigação. Dessa forma, os objetos de estu-
do eram pertinentes tanto à esfera individual quanto à esfera coletiva.
Desde o início dos estudos em psicologia, os fenômenos sociais são
considerados (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001).

A psicologia social teve seu desenvolvimento acentuado na Europa


e nos Estados Unidos após o término da Segunda Guerra Mundial
(1939-1945). Esse fato ocorreu devido à necessidade de estudos sobre
a moral das tropas em tempos de guerra, suas motivações, episódios
de estresse, enfrentamento de situações adversas e seus efeitos psico-
lógicos (FARR, 2004).

As publicações de trabalhos com esse enfoque acabaram sendo


base para a psicologia social nos EUA e a obra The American Soldier – em
português, O Soldado Americano (1949) –, sob a editoração do sociólogo
Samuel Stouffer (1900-1960), abordou o treinamento e a adaptação dos
soldados, a vida no exército e suas consequências. Essa obra inspirou a
busca por soluções de problemas causados por esse contexto.

16 Psicologia social e comunitária


Na década de 1950, iniciava-se a sistematização de modelos cientí-
ficos. A tendência dominante era a pragmática americana, que preten-
dia garantir a produtividade de grupos e a minimização dos conflitos
humanos. Já na Europa, foram desenvolvidos modelos científicos com
raízes na fenomenologia (LANE; CODO, 1984).

Bernardes (2001) faz uma comparação interessante ao afirmar Saiba mais


que a psicologia social está para a Segunda Guerra Mundial assim A psicometria é o ramo da
psicologia que pesquisa e
como os testes psicométricos estão para a Primeira Guerra. Em
aplica técnicas de mensuração
outras palavras, esses dois momentos são caracterizados por um das capacidades mentais.
“utilitarismo” na psicologia. O teste mais famoso é o QI
(quociente de inteligência).
Com relação aos referenciais teóricos, pode-se afirmar que aqueles Os testes psicológicos de
que privilegiavam a interação do sujeito com o meio foram os que inteligência e personalidade
foram amplamente utilizados
tiveram mais espaço. São eles: o behaviorismo radical, de Burrhus pelos norte-americanos durante
Skinner (1904-1990); a abordagem histórico-cultural, de Lev Vygotsky a Primeira Guerra Mundial
(1896-1934); e a teoria sistêmica, de Ludwig von Bertalanffy (1901-1973) (1914-1918), especialmente
pelo exército, com o objetivo de
(SCHULTZ; SCHULTZ, 1998). É importante que haja esse pluralismo, a classificar os recrutas (SCHULTZ;
propósito, ele ocorre em virtude da complexidade dessa área. Ainda SCHULTZ, 1998).
que possa haver erros nas interpretações de fenômenos sociais, certa
abertura teórica auxilia na sua compreensão.

O surgimento da Escola de Frankfurt também foi importante para


a história da psicologia social. Conhecida como o Instituto de Pesquisa
Social, seu estudo incluía o entendimento da sociedade e o comporta-
mento autoritário de alguns ditadores europeus.

Lane (2006) explica que os cientistas do Instituto de Pesquisa Social


buscavam compreender as origens e as causas do comportamento do
indivíduo. Para isso, aprofundavam os estudos sobre traços de perso-
nalidade, atitudes, preconceitos e motivações, contudo, acabavam por
tomar o indivíduo e a sociedade como fenômenos distintos.

Segundo Lane, foi nesse período que surgiu a chamada crise da


psicologia social, oriunda dos trabalhos dos próprios cientistas e psi-
cólogos sociais e feitas em virtude da continuidade dos problemas. O
preconceito, a violência e a miséria permaneciam, e o ser humano apa-
rentava se desumanizar nos centros urbanos. A crise era tanto meto-
dológica quanto prática, o que dificultava intervenções, explicações e
prevenções com relação ao comportamento social.

Na Europa, no fim da década de 1960, as crises se intensificaram


e expuseram que “nada poderia ser alterado nas condições sociais de

Psicologia social e comunitária 17


vida de qualquer sociedade, se a base fosse os conhecimentos desen-
volvidos até aquele momento” (LANE, 2006, p. 78).

É importante saber que dois grandes congressos tiveram um papel


importante na história da psicologia social. O primeiro ocorreu no ano
de 1976, em Miami, nos EUA. Nele, participaram muitos profissionais
latino-americanos, que, diante das críticas, discutiram e tentaram enca-
minhar os rumos de uma psicologia social que atendesse às demandas
da realidade cotidiana, com fortes influências de bases materialistas e
históricas (LANE, 1984).

O segundo, Congresso de Psicologia Interamericana, aconteceu em


1979, na cidade de Lima, no Peru. Pode-se dizer que, nesse congresso,
teve início um novo momento e, finalmente, uma redefinição da psico-
logia social. A Assembleia da Associação Latino-Americana de Psicolo-
gia Social (Alapso) foi uma iniciativa criada para promover e fortalecer
os estudos na área.

Entre as discussões que ocorreram nesse congresso, foram le-


vantados o problema da dependência teórica e a reprodução do co-
nhecimento norte-americano. Isso ocorria em virtude de os modelos
estrangeiros não englobarem a realidade latino-americana, especial-
mente a brasileira (LANE, 2006).

Na América Latina, a crise também teve um caráter político, com a


tendência de pensar e propor práticas de psicologia social dirigidas às
condições de cada país. É fato que as ditaduras militares – nas décadas
de 1960 e 1970 – favoreceram o debate sobre o papel de psicólogos e
da psicologia social e comunitária, embora existisse a tendência teórica
americanizada (LANE, 1995).

Algum tempo depois desse congresso no Peru, psicólogos bra-


sileiros associados à Alapso promoveram o Encontro de Psicologia
Social, no qual emergiu a Associação Brasileira de Psicologia Social
(Abrapso). A intenção era de intensificar as trocas e produções en-
tre os estudiosos de todas as regiões do país. Os psicólogos sociais
se comprometeram com o estudo da realidade social, desenvolve-
ram novas ações para reposicionar essa área e priorizaram a par-
ticipação dos indivíduos nas transformações sociais (LANE, 2006).
Com isso, se abriu um espaço para a psicologia social comunitária,
que se desenvolveria em um próximo momento.

18 Psicologia social e comunitária


Nesse período, a psicologia social passa a ter uma abordagem
crítica, na qual a perspectiva teórica conduz a uma nova concepção
histórica e social do ser humano. O sujeito pode ser tomado como
produto das relações, mas, do mesmo modo, ele é produtor; com
isso, a ciência também passa a ser tomada como uma prática social
(GUARESCHI; BRUSCHI, 2003). Não se tinha mais a premissa de que a
psicologia teria leis universais – como sustentavam as tendências prag-
máticas americanas –, mas, sim, perspectivas subjetivas, singulares.
Além disso, não havia consenso entre a relação do aspecto biológico
da espécie e o aspecto histórico e cultural das sociedades (LANE, 1995).

Leitura

O texto A psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia, de Ana


Mercês Bahia Bock, aborda de modo interessante o compromisso social da
psicologia por meio da perspectiva sócio-histórica.

In: BOCK, A. M. B; GONÇALVES, M. G. G.; FURTADO, O. (orgs.). Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica
em psicologia. São Paulo: Cortez, 2001.

Com a revisão crítica dos aspectos teóricos e suas aplicabilidades


práticas, alguns conteúdos passaram a se destacar. Um exemplo é a
psicologia da linguagem, que é entendida como um fenômeno dinâmi-
co e construído historicamente pela sociedade, além de participar das
funções psíquicas (pensamento e sentimento). Outro exemplo é a teo-
ria da identidade social – que estuda como os grupos se formam e suas
2
2
dinâmicas – e a criação de técnicas de dinâmicas de grupo . Os papéis
Dinâmica de grupo é uma
sociais e as relações de poder também passam a ser temas de estudo. técnica na qual simula-se uma
Esses congressos internacionais foram fundamentais e evidenciaram situação social em determinado
grupo, de modo que o desem-
as preocupações dos psicólogos sociais de toda a América Latina em penho dos indivíduos é avaliado
produzir um conhecimento realmente transformador. Buscava-se uma por um psicólogo, conside-
rando a aplicação de conceitos
metodologia de pesquisa que, sobretudo, pudesse alcançar o sujeito em
relativos ao comportamento
seu contexto histórico e favorecesse a interdisciplinaridade, com o obje- individual e grupal (SCHULTZ;
tivo de efetivar uma prática comprometida com a realidade social. SCHULTZ,1998).

Nesse sentido, o método de pesquisa participante é considerado


um dos mais adequados para acompanhar transformações sociais.
Além dele, outras estratégias podem ser utilizadas, como a obser-
vação em processos grupais, estudos de caso e estudos mediante
relatos históricos de vida.

Psicologia social e comunitária 19


A história da psicologia social na América Latina foi permeada pela
ideia de que a ciência deveria produzir efeitos práticos ou ser desenvol-
vida com base em uma prática que resultaria em uma sistematização
teórica. Desse modo, podemos afirmar que a psicologia social e comu-
nitária criou as bases para a atuação transformadora e crítica, com ori-
gem nas relações de grupos (LANE, 1995).

A psicologia social e comunitária é, portanto, caracterizada pela ar-


ticulação entre teoria, pesquisa e prática. Sua comprovação teórica é
fruto da transformação da realidade por meio da prática. No Brasil,
como mencionado, as práticas da psicologia social tiveram origem em
1960 e, até a década de 1970, apresentavam a mesma problemática: a
alienação da própria realidade e a adoção do modelo norte-americano.

O rompimento com o modelo norte-americano ocorreu na década


de 1980, com influência da psicologia marxista. Segundo Bernardes
(2001, p. 31):
Os países latino-americanos conseguem construir uma pro-
dução em psicologia social que não deixa nada a desejar à
produção do restante do Ocidente. Contextualizada, histórica,
preocupada com a cultura, valores, mitos e rituais, brasileiros e
latino-americanos em geral, já não veem mais necessidade de
importação desenfreada de teorias e métodos cientificistas.

Além disso, o surgimento da Abrapso, como abordado anteriormente,


também foi determinante, uma vez que essa entidade se preocupa em
promover congressos e pesquisas. Seu surgimento ocorreu em julho de
1980, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). A professora
doutora Sílvia Lane – que coordenou esse processo com a temática “Psi-
cologia social como ação transformadora” – é até hoje referência na área.

A Abrapso pode ser considerada, portanto, decisiva para o desen-


volvimento da psicologia social no Brasil. A instituição promove encon-
tros periódicos, nos quais se apresentam diferentes experiências em
psicologia social. Entre seus objetivos, destaca-se a ampliação e de-
mocratização do serviço para população. Ainda, a Abrapso conta com
núcleos regionais de pesquisa e estudos (CAMPOS, 2015). As ações da
instituição foram extremamente importantes, visto que, desde o início,
a psicologia, em geral, era acessível apenas para uma parcela da popu-
lação, tendo, consequentemente, um viés que pode ser considerado
elitista (BOCK, 2003; LANE, 2006; YAMAMOTO, 2003).

20 Psicologia social e comunitária


Recentemente, com a evolução da tecnologia, alguns pesquisadores Atividade 3
passaram a estudar, entre outros temas, a cognição social, a comunica- Descreva as origens da
ção, o processamento das informações e o mundo virtual. A psicologia psicologia social e as relacione
com as críticas sofridas em seu
social, nesse sentido, também teve seu crescimento e está presente
processo histórico e com as
com distintas funções em diversas áreas: acadêmica, nas disciplinas e transformações que ocorreram
nos estágios das graduações em psicologia; profissional, nas clínicas, por meio delas.

nos centros de atenção psicossocial e nas empresas; e na pesquisa.

Alguns autores, como Lane e Codo (1984), distinguem a atuação da


psicologia em psicológica e social. A vertente psicológica reduz expli-
cações do coletivo e social às leis individuais e envolve reflexões sobre
como extrair entidades psicológicas dos fenômenos sociais. Já a verten-
te social reflete a relação entre o individual e o coletivo.

Segundo Lane (2007), há a necessidade de trabalhos e práticas que


tenham qualidade e competência suficientes para identificar e respon-
der às exigências feitas por setores da sociedade (saúde, educação,
bem-estar social etc.) para que a psicologia não se afaste das deman-
das sociais e se torne pouco útil.

O profissional da área de psicologia social deve considerar os as-


pectos históricos gerais e regionais, assim como conhecer a cultura e o
local a se trabalhar. Além disso, esse profissional deve contribuir para
construir novos significados de interação social, proporcionar oportu- 3
3
nidades para diálogo e adaptação salutar (LANE, 2007). Adaptação saudável; pessoas
saudáveis psicologicamente.
Por fim, a psicologia social é desafiada a intervir nas questões so-
ciais impostas pela contemporaneidade, o que confere a esse trabalho
uma complexidade própria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, pudemos conhecer um pouco a trajetória da psicologia
e como ela se instituiu como ciência. É importante pensar que o ser huma-
no sempre se sentiu intrigado e procurou compreender a vida psíquica.
Por vezes, é comum buscar essa compreensão em caminhos diferentes
da psicologia científica e encontrar explicações e aconselhamentos em
fontes como misticismo, religião, astrologia, entre outros.
A psicologia teve seu processo de construção científica e, com isso, des-
cobriu muito sobre o ser humano e seu psiquismo. Diversas hipóteses foram
levantadas e, por meio de métodos científicos, foram elaboradas teorias.

Psicologia social e comunitária 21


Desse modo, esse campo do conhecimento teve muitos avanços e
diversas áreas surgiram. Ocupando-se do estudo do indivíduo e sua
inter-relação com a sociedade, a psicologia social é uma das áreas
emergentes da psicologia geral.
Inicialmente, estudava-se o indivíduo separado da sociedade, o que
gerou muitas críticas. Contudo, essas críticas foram construtivas, uma vez
que, por meio delas, foi possível construir uma nova perspectiva, com ên-
fase socio-histórica, na qual considera o ser humano como sujeito ativo,
não estático e reducionista.
É fundamental compreender que o ser humano é um sujeito
biopsicossocial, desse modo, é um erro tentarmos “fragmentá-lo” e buscar
compreendê-lo sem considerar a tessitura que o humaniza. Ele é um ser
biológico, mas também relacional, social e histórico.
A linguagem é um elemento extremamente importante e muito
considerado pela corrente sócio-histórica. Ela se dá apoiada no aparato
fisiológico, medeia a relação entre os humanos, participa da construção
do pensamento e, por isso, é um produto cultural e sustenta o social.
A psicologia social contribui para o entendimento de vários problemas
e pode oferecer subsídios na busca por soluções. A psicologia social co-
munitária se estabelece em virtude de as questões e os conflitos existen-
tes nas sociedades perpassarem pelas experiências vividas, o que impõe
reflexões, implicações e compromisso social.

REFERÊNCIAS
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Petrópolis: Vozes, 2001.
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psicologia. São Paulo: Cortez, 2001.
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A. M. B. (org.). Psicologia e compromisso social. São Paulo: Cortez, 2003.
CAMPOS, R. H. F. Psicologia social comunitária: da solidariedade à autonomia. 20. ed.
Petrópolis: Vozes, 2015.
CRP09 – Conselho Regional de Psicologia da 9. Região. Áreas de atuação do(a) psicólogo(a),
2015. Disponível em: http://www.crp09.org.br/portal/orientacao-e-fiscalizacao/orientacao-
por-temas/areas-de-atuacao-do-a-psicologo-a. Acesso em: 12 jun. 2020.
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FARR, R. As raízes da psicologia social moderna (1872-1954). 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2004.
GUARESCHI, N. M. F.; BRUSCHI, M. E. (org.). Psicologia social nos estudos culturais:
perspectivas e desafios para a psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2003.
LANE, S. T. M. Avanços da psicologia social na América Latina. In: LANE, S. T. M.; SAWAIA, B.

22 Psicologia social e comunitária


B. Novas veredas da psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1995.
LANE, S. T. M. O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 2006.
LANE, S. T. M. Histórico e fundamentos da psicologia comunitária no Brasil. In: CAMPOS, R.
H. F. Psicologia social comunitária: da solidariedade à autonomia. Petrópolis: Vozes, 2007.
LANE, S. T. M.; CODO, W. Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense,
1984.
MYERS, D. G. Psicologia social. 10. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da psicologia moderna. 5. ed. São Paulo: Cultrix, 1998.
YAMAMOTO, O. H. Questão social e políticas públicas: revendo o compromisso da
psicologia. In: BOCK, A. M. B. (org.). Psicologia e compromisso social. São Paulo: Cortez, 2003.
ZIMERMAN, D. E. Vocabulário contemporâneo de psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 2001.

GABARITO
1. A atuação prática da psicologia social é condicionada ao contexto e às demandas so-
ciais, que variam. Sua aplicação ocorre em subáreas, como a psicologia comunitária,
ambiental/ecologia, do trabalho, da saúde, dos movimentos sociais, além de práticas
psicossociais específicas – por exemplo, direitos humanos, situações de emergência e
desastres, grupos de mulheres, populações em situação de rua, terceira idade etc. Os
trabalhos comunitários devem se efetivar com base em um levantamento das neces-
sidades e carências do grupo em questão, por exemplo, condições de saúde, educa-
ção e saneamento básico. Na sequência, há a utilização de métodos e processos de
conscientização no trabalho com os grupos populares, a fim de que os indivíduos se
apropriem progressivamente do seu papel de sujeitos ativos, conscientes e busquem
soluções para os problemas.

2. A psicologia social estuda a interação social e suas origens, abarcando o pensamento


social, a história do indivíduo, seus costumes e valores. Ela compreende as formas de
relacionamento humano no âmbito social, como comportamentos em grupo (os cha-
mados fenômenos de grupo), motivações, comoções, violência social, altruísmo social
e construção de estereótipos e preconceitos. A psicologia social tem como objetivo
conhecer características e grupos de indivíduos no conjunto de suas relações sociais.
Além disso, ela busca superar a cultura do individualismo, tendo como premissa que
o conhecimento se constrói na interação social (sociointeracionista). Por fim, a psi-
cologia social estuda as instituições sociais e suas diferentes manifestações, assim
como fenômenos que envolvem multidões de pessoas, relações de poder e domina-
ção, propaganda, processos de influência social que englobam aspectos emocionais,
inconscientes, afetivos e irracionais.

3. No início, a psicologia científica se caracterizou, predominantemente, em sua li-


gação com a fisiologia. Mais tarde, ela se ampliou para além dessa relação, de
modo que hoje pode ser considerada nas dimensões fisiológica, psíquica e social.
A psicologia social emerge do esforço de compreender o ser humano socialmente,
visto que muitos fenômenos humanos não podem ser completamente entendidos
considerando apenas aspectos individuais. Historicamente, a psicologia social na

Psicologia social e comunitária 23


América Latina e no Brasil é caracterizada por uma crise após a década de 1960. Com
isso, há um investimento para que as práticas se tornem mais comprometidas com
transformações sociais, envolvendo contextos políticos e específicos de cada região,
além de um desapego às teorias norte-americanas e europeias, distantes da realida-
de latino-americana. No Brasil, o desenvolvimento da Abrapso, bem como a reação
à opressão política, ideológica e econômica do período militar são alguns fatores. A
psicologia social tem como objetivo ampliar e democratizar o fornecimento de servi-
ços a favor da população em geral.

24 Psicologia social e comunitária


2
Constituição do sujeito
Ao iniciarmos este capítulo, vamos estabelecer dois pressupos-
tos para o desenvolvimento dos temas. O primeiro é o de que a
psicologia social estuda o comportamento do indivíduo na condi-
ção de influenciado e influenciador social. Já o segundo parte do
fato de a socialidade, tão própria da condição humana, fazer parte
do sujeito antes mesmo de ele nascer.
Nosso objetivo neste capítulo é entender – com base nesses
pressupostos – como o sujeito se constitui subjetivamente, isto é,
suas dimensões, sua subjetividade, sua identidade, sua afetividade
e sua consciência. Esses conceitos levantam o seguinte questiona-
mento: como podemos ser sujeitos individualizados e, simultanea-
mente, tão coletivos?
Para respondê-lo, é importante conhecermos como a socializa-
ção acontece, quer dizer, quais são seus agentes e processos, bem
como as questões que envolvem a relação dos sujeitos com a cul-
tura. Isso nos leva a concluir que há uma articulação fundamental
entre indivíduo, sociedade e cultura. Contudo, não se exclui o fato
de que, ao mesmo tempo, cada sujeito é único, singular em suas
vivências e em sua personalidade.
Este estudo nos convida, portanto, à compreensão dos proces-
sos subjetivos e sociais, desvelando algo que diz respeito a nós
mesmos, na nossa complexa forma de estar no mundo.

2.1 Psicologia do desenvolvimento


Vídeo e a constituição do sujeito
Para compreendermos o fato de antes de nascermos já sermos in-
seridos socialmente, pense na seguinte afirmativa: quando um bebê
nasce, ele é imediatamente inserido em uma ordem simbólica da hu-

Constituição do sujeito 25
manidade. Desde o nascimento e por todo percurso da vida, nós nos
relacionamos socialmente com pessoas e grupos, bem como com con-
textos históricos e culturais.

Segundo Barbosa (2009, p. 47):


O contexto simbólico (social, histórico e cultural), portanto, é o
que insere a existência de um ser na humanidade. É representa-
do pela língua materna, pelo nome que é escolhido para desig-
ná-lo, a história sobre sua origem (data e lugar de nascimento,
filiação), as quais são referências essenciais para que se desen-
volva o sentimento de pertença e segurança, a partir de algo que
se torna sempre familiar, sua identidade.

Do ponto de vista da psicologia do desenvolvimento, há uma in-


terdependência indissociável entre o orgânico, o psíquico e o social.
O sujeito se constitui como um ser biopsicossocial, de maneira arti-
culada entre maturação, crescimento, desenvolvimento, subjetivida-
de e aprendizagem.

A psicologia do desenvolvimento estuda e produz conhecimento


articulando o ciclo biológico do ser humano – desenvolvimento em-
brionário, feto, nascimento, crescimento, reprodução, envelhecimento
e morte – com os desenvolvimentos psicológico e socioambiental. O
desenvolvimento ocorre com a articulação de todas essas dimensões
da existência humana. Sua separação para estudo é meramente didá-
tica, uma vez que essas dimensões incidem sobre o sujeito de modo
simultâneo e interligado.

Com base nessa premissa, podemos apresentar as definições en-


contradas em Mariotto (2018). Essas definições, além de serem interde-
pendentes, são diferentes entre si, pois compreendem características
específicas; os conceitos de desenvolvimento e aprendizagem acompa-
nharão todas essas definições.

A primeira definição versa sobre a noção de maturação, ligada à


fisiologia e ao avanço das estruturas nervosas. Essa evolução possibili-
ta que haja instalação de funções e aquisição de habilidades; é impor-
tante, contudo, entender que a maturação por si só não garante essas
aquisições. Um exemplo disso é a fala: para desenvolver a ­habilidade
de falar, os seres humanos necessitam de um aparato fisiológico fona-
dor. Entretanto, a presença desse aparato não garante que o ser hu-
mano fale por si só – ele precisa, também, de condições relacionais e
ambientais, ou seja, é necessário que alguém fale com ele. Enquanto

26 Psicologia social e comunitária


o aparelho fonador não está maduro, a criança ainda não pode falar, Livro
embora se fale muito com ela. Desse modo, a maturação oferece con-
dições para que haja o desenvolvimento e a aprendizagem.

A segunda definição compreende a noção de crescimento. O


crescimento, assim como a maturação, também diz respeito à di-
mensão fisiológica e à evolução corporal no sentido das medidas e
proporções. Além disso, essa noção está relacionada às aquisições
funcionais características de cada idade, como as funções sexuais
David R. Shaffer, em
e reprodutivas.
sua obra Psicologia do
desenvolvimento: infância
A terceira definição é o desenvolvimento, que representa a capaci-
e adolescência, faz um
dade adaptativa. Essa expressão adaptativa ao meio e ao mundo social apanhado sobre o desen-
volvimento humano até a
se apoia nos recursos conquistados na maturação, e isso só é possível
adolescência, explorando
em função das conquistas das habilidades físicas e mentais. O desen- as principais teorias da
psicologia do desenvolvi-
volvimento engloba os processos da personalidade e a aptidão para
mento. O autor apresenta
dar significação às experiências e às interpretações sobre seu entorno. também pesquisas preo-
cupadas em identificar e
A quarta definição é a subjetividade. A sua formação está relacio- entender os processos
nada à incursão do ser humano no mundo simbólico da linguagem, desenvolvimentais,
fatores biológicos e
pois é nesse momento que a criança se situa em determinada cultura e ambientais.
adquire sua identidade particular. SHAFFER, D. R. São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, 2005.
A maturação, o crescimento e, particularmente, o desenvolvimen-
to dependem dos processos de formação da vida psíquica e são pro-
fundamente sensíveis a eles. É importante ressaltar que todos esses
processos estão condicionados pelos adultos próximos à criança,
inicialmente por meio da relação entre mãe e filho. A figura materna
pode ser considerada, aqui, uma função: sempre que nos referirmos a
ela, estamos nomeando uma função que pode ser exercida pela mãe
ou outra pessoa que realize os cuidados próprios da maternagem. A
constituição do sujeito acontece na troca relacional e primitiva com
a função da maternagem; ela ocorre por meio de identificações e pela
transmissão de significações afetivas, morais, entre outras.

Shaffer (2005), no prefácio de sua obra Psicologia do desenvolvimen-


Glossário
to: infância e adolescência, afirma que o desenvolvimento humano é
um processo holístico e contínuo. Embora alguns pesquisadores se holístico: que busca o entendi-
mento integral dos fenômenos.
ocupem com tópicos particulares do desenvolvimento humano – por
exemplo, os desenvolvimentos físico, cognitivo ou moral –, o desenvol-
vimento, em virtude de suas características, não pode ser fragmentado.
Shaffer (2005) afirma que os seres humanos são, ao mesmo tempo,

Constituição do sujeito 27
criaturas físicas, cognitivas, sociais e emocionais; cada um desses com-
ponentes do “eu” depende parcialmente das mudanças que ocorrem
em outras áreas do desenvolvimento.

O fato de sermos filhos de seres humanos não garante nossa huma-


nização. Precisamos ter uma história e memórias que constituam um
repertório de experiências que angariamos em nosso percurso de vida.
Nesse sentido, as variáveis da formação de nossa subjetividade não de-
pendem somente de nós mesmos e de nossos dotes inatos da infância.
Elas dependem especialmente de um humano adulto, que se relaciona
e cuida, em um processo complexo de enlaces subjetivos e simbólicos,
os quais instituem bases e recursos para o desenvolvimento de novos
processos interpessoais. Esses processos se atualizam e se ampliam
pelo resto da vida em todos os grupos e experiências sociais.

2.2 Dimensões do sujeito


Vídeo Para compreendermos as dimensões do sujeito, podemos retomar
a ideia de que o ser humano é um ser biopsicossocial. Nesse sentido,
sua fisiologia biológica é a base da sua existência, que garante possibi-
lidades para o desenvolvimento do psiquismo e da sociabilidade; esse
desenvolvimento, por sua vez, ocorre articulado com as condições do
meio. Embora o ser humano não possa ser considerado um ser instin-
tivo, ele carrega características historicamente desenvolvidas que mos-
tram sua predisposição em se relacionar. Um fato interessante é que,
apesar de uma base comum e objetiva, cada ser se tornará único no
processo de desenvolvimento.

Na sequência, vamos abordar alguns conceitos inerentes às di-


mensões do sujeito. Eles são úteis para o entendimento da psicolo-
gia social e comunitária.

2.2.1 Identidade
Embora a ideia de identidade faça parte do nosso cotidiano – temos
até documentos instituídos, como o RG, que nos identifica como únicos
e diferentes –, não costumamos parar para refletir sobre isso. Para a
questão humana que jamais cessa – “quem sou eu”? –, as respostas,
sempre parciais, por vezes mutáveis, são incapazes de totalizar nosso
ser. Assim, vamos nos recobrindo de representações que nos referen-
ciam e trazem notícias sobre nós.

28 Psicologia social e comunitária


Para definirmos identidade, podemos fazer um resgate desse
termo no dicionário. Lá, encontramos a seguinte definição: “conjun-
to de características que distinguem uma pessoa ou uma coisa e
por meio das quais é possível individualizá-la”; “qualidade do que é
idêntico” (HOUAISS, 2009). Outra definição é: “estado de semelhança
absoluta e completa entre dois elementos com as mesmas caracte-
rísticas principais” (MICHAELIS, 2020).

Com base nessas definições, podemos perceber um interessan-


te paradoxo: identidade é, simultaneamente, igualdade e diferença.
­Jacques (1998) destaca esse paradoxo afirmando que identidade reme-
te-nos tanto à qualidade do que é idêntico e igual quanto à ideia daqui-
lo que é capaz de caracterizar o sujeito como distinto dos demais. Em
outras palavras, identidade se refere ao reconhecimento de um sujeito
naquilo que lhe é próprio, mas também no que lhe faz pertencer ao
todo, confundindo-se com outros e seus pares.

Ciampa (1984) chama atenção para as propriedades de igualdade


e diferença contidas nesse termo. O termo identidade é constituído
pela diferença (prenome) e pela igualdade (sobrenome), o que re-
mete à família, nosso primeiro grupo social. Trata-se de um parado-
xo, uma vez que a soma do prenome e do sobrenome identificam o
sujeito socialmente – “eu sou José da Silva”. Contudo, é o prenome
(José) que o diferencia dos familiares, já que o sobrenome (da Silva)
é compartilhado pelos membros da família, isto é, carregamos em
nossa identidade e em nosso nome completo um aspecto simbólico
de nosso primeiro grupo social.

Diversas áreas do conhecimento – filosofia, antropologia, história e


sociologia, por exemplo – já se apropriaram e estudaram esse conceito
de maneira própria. Para a psicologia social e comunitária, as contribui-
ções da sociologia são bastante relevantes.

Laurenti e Barros (2000) relatam que, historicamente, o termo


­personalidade já foi utilizado para significar o que atualmente entende-
mos como identidade. Isso evidencia como a perspectiva individualista
foi predominante na ciência. Na própria história da psicologia, assim
como em outras ciências, podemos constatar que o processo de estu-
do se deu sob uma primazia do ser biológico e individual apoiados em
uma estrutura psíquica. As dicotomias indivíduo x grupo e ser humano x
sociedade ainda são um processo de transformação inacabado.

Constituição do sujeito 29
O conceito de personalidade remete a características classificá-
veis em categorias, desconsiderando, de certo modo, as variantes do
ambiente. Segundo Laurenti e Barros, a história social e singular do
indivíduo era considerada como um cenário para a manifestação de
comportamentos reconhecidos como habituais.

Algumas definições sobre o conceito de personalidade incluem a in-


tervenção da socialização, como podemos constatar em Savoia (1989).
Para o autor, a construção da personalidade é consequente do pro-
cesso de socialização, no qual intervêm fatores inatos (psicogenética)
e adquiridos (sociedade e cultura). Nesse sentido, há a necessidade de
se considerar o ser humano como um sujeito social, ou seja, um sujeito
incluído em seu contexto sócio-histórico. Por essa razão, os psicólogos
sociais passaram a trabalhar com o conceito de identidade.

A identidade deve ser considerada uma construção social, entretan-


to, se considerarmos o sujeito de modo integral, ela também opera na
subjetividade por participar das representações que cada um tem de si.
A identidade abarca algo do sujeito que pode ser considerado na fron-
teira entre o particular e o social. Ao mesmo tempo em que incorpora
sua identidade de maneira singular, ela o apresenta ao olhar do outro,
no social. Nesse sentido, concordamos com Laurenti e Barros (2000)
quando as autoras afirmam que o termo identidade pode expressar,
de certa forma, uma singularidade construída na relação com o outro.

As mesmas autoras apontam que a identidade pode ser caracteri-


zada como uma processualidade histórica ligada ao conjunto das re-
lações que permeiam a vida cotidiana. Em outras palavras, as bases
sobre as quais se articulam o pessoal e o social dependem de certa
contextualização histórica.

A identidade não é uma propriedade natural, inerente ao biológi-


co, com surgimento espontâneo e independente; ela deve ser com-
preendida como uma figuração sócio-histórica de individualidade. É o
contexto social que vai oferecer requisitos para as mais diversificadas
possibilidades de identidade.

O contexto social precisa ser tomado de modo amplo, e não iso-


ladamente. Para compreender a articulação entre desenvolvimento e
identidade, podemos pensar no seguinte aspecto: a identidade de um
sujeito se apresenta de determinado modo na infância, pois os papéis

30 Psicologia social e comunitária


sociais de uma criança são diferentes dos de um adolescente, que, por Atividade 1
sua vez, é diferente de um adulto, e assim por diante. Nesse sentido, a A identidade se mantém a
identidade é o arranjo entre variáveis; por isso, pode ser considerada mesma durante toda a vida ou
ela é algo mutável? Justifique
mutável. De acordo com Ciampa (1987, p. 74), “identidade é movimen- sua resposta.
to, é desenvolvimento do concreto [...] é metamorfose”.

Bock (2001) identifica que existem momentos da vida de todos nós


em que acontecem redefinições sobre a maneira de estarmos no mun-
do. O autor ressalta, inclusive, que podemos ter crises de identidade,
caracterizadas por mudanças intensas que podem ser confusas e an-
gustiantes. Em certos momentos, sofremos alterações em nosso corpo,
mudamos nossos interesses e meio social; um exemplo dessa mudan-
ça é a fase da adolescência.

Esse exemplo reforça a afirmativa de que somos seres biopsicosso- Leitura


ciais. Um evento fisiológico do desenvolvimento, como a adolescência, No texto Identidade: uma
ideologia separatista?,
articula-se de modo indissociável com o social e com o psicológico. Bader Sawaia promove
uma reflexão sobre a
Outra implicação referente à mobilidade identitária é o fato de que identidade, bem como
ela não pode ser considerada como pronta e acabada. O desenvolvi- sobre a dialética da inclu-
são e exclusão em uma
mento do ser humano só se encerra com a morte, e o mesmo ocorre articulação com a realida-
com a identidade. de social. O interessante
dessa leitura é que ela
nos ajuda a compreender

2.2.2 Subjetividade um pouco mais sobre a


desigualdade social por
meio de um posiciona-
Abordamos brevemente a subjetividade quando tratamos da cons- mento crítico.
tituição do sujeito. A razão disso é o fato de ela ser relativa ao sujeito; In: SAWAIA, B. B. As artimanhas
mais do que isso, sem a subjetividade, não existe sujeito, é o processo da exclusão: análise psicossocial e
ética da desigualdade social. 14. ed.
de sua construção que o instaura. A subjetividade é a forma particular Petrópolis: Vozes, 2014.
de o sujeito se relacionar com o mundo.

O ser humano subjetiva suas experiências. O que isso significa? A


capacidade de subjetivar nos humaniza, faz com que tenhamos um
aparato simbólico internalizado de significação sobre o mundo. A sub-
jetividade se constrói por meio de diferentes elementos, como história
de vida e experiências, na maneira como nos apropriamos desses ele-
mentos e os representamos psiquicamente.

A subjetividade pode ser representada como um mundo interno


criado pela interação entre o sujeito e o mundo externo. Ela é articu-
lada pela nossa forma própria de interpretar, registrar e simbolizar.

Constituição do sujeito 31
O processamento singular do que se apreende do meio, da cultura e
como se inscreve subjetivamente caracteriza nossa forma de interagir
e nos relacionarmos com os aspectos da vida.

Os sentimentos, a afetividade, os pensamentos, as ideias, as repre-


sentações, os desejos e as significações são componentes psíquicos
(emocionais e cognitivos) que pertencem à nossa subjetividade. Esses
componentes psíquicos, como já mencionamos, estão submetidos a
contextos históricos, culturais e sociais. Assim, não é possível pensar no
sujeito e em sua subjetividade sem considerar os contextos nos quais
ele se encontra inserido.

Se a subjetividade remete a uma forma singular de interpretar as


coisas do mundo, em oposição a ela temos a objetividade, que diz
respeito exatamente ao que é unânime, o que pode ser lido e interpre-
tado de uma única forma por todos. Aguiar (2015) nos lembra que é a
linguagem que faz a mediação da internalização da objetividade, o que
possibilita a elaboração de sentidos e significações pessoais que cons-
Glossário tituem a subjetividade. O autor aponta, ainda, que o mundo psicológico
dialética: “oposição, conflito é um mundo em relação dialética com o mundo social.
originado pela contradição entre
Para Bock (2001), entender o fenômeno psicológico representa en-
princípios teóricos ou fenômenos
empíricos” (HOUAISS, 2009). tender a expressão subjetiva de um mundo objetivo e coletivo. Trata-se
de um processo que se estabelece por meio da conversão do social
em individual e da construção interna dos elementos e das atividades
do mundo externo, isto é, que fazem parte da vida (interpretamos in-
ternamente eventos externos). O autor afirma, ainda, que entender o
fenômeno psicológico dessa maneira significa retirá-lo de um campo
abstrato e idealista para constituir uma base material vigorosa (BOCK,
2001). O social resulta do modo como o ser humano pensa, bem como
a forma de se pensar resulta também do social.

Nesse sentido, concordamos com Aguiar (2015) e Bock, Furtado


e Teixeira (2002) quando os autores ressaltam que a psicologia so-
cial enfatiza a influência de fatores situacionais, envolvendo todos
os fenômenos sociais, comportamentais e cognitivos decorrentes
Atividade 2 da interação interpessoal dos sujeitos. O estudo da subjetividade
Explique o processo de subjeti- possibilita conhecer o ser humano em suas expressões compor-
vidade e especifique qual é sua tamentais, sentimentais, singulares e genéricas, pois é a síntese
relação com os meios interno
e externo. singular e individual que cada ser humano constrói durante seu
desenvolvimento e suas vivências da vida social e cultural.

32 Psicologia social e comunitária


Artigo

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-29072002000100003&lng=pt&nrm=iso

O artigo Constituição do sujeito, subjetividade e identidade, publicado no periódico


Interações, faz uma articulação bastante interessante entre constituição do su-
jeito, identidade e subjetividade, abordando também a consciência de si, o que
pode promover reflexões e complementar seus estudos. Vale a pena conferir!

Acesso em: 12 jun. 2020.

2.2.3 Afetividade
No ser humano, pensamentos, sentimentos, crenças, valores etc.
são entrelaçados no tecido da subjetividade; entre as dimensões do
sujeito, temos a complexa dimensão afetiva.

Na tentativa de se compreender o ser humano, mais uma vez nos


deparamos com uma dicotomia. Essa dicotomia refere-se à dimensão
cognitiva, como se ela fosse separada da dimensão afetiva. ­Bruner
(1986; 1998 apud LEME, 2003) afirma que a tradicional distinção concei-
tual entre afetividade e cognição – realizada tanto na filosofia quanto
na psicologia – delimita regiões e fronteiras pouco úteis sobre o psi-
quismo e impõe a necessidade de se criarem pontes conceituais para
relacionar aquilo que nunca deveria ter sido apartado.

Nesse sentido, Vygotsky (1993) adverte que é necessário reconhecer


a íntima relação entre o pensamento e a dimensão afetiva. Na teoria
de Vygotsky, os processos cognitivos e afetivos e os modos de pensar
e sentir são carregados de conceitos, relações e práticas sociais que os
constituem como fenômenos históricos e culturais (OLIVEIRA; REGO,
2003). Nesse constructo teórico, pode-se sustentar que a afetividade
humana se constitui culturalmente.

Na perspectiva da psicanálise, a dicotomia entre pensamento e afe-


to também não se sustenta. Voltolini (2006) explica que, quando Freud
percebeu que o pensamento é afetado – para se referir à relação in-
trínseca entre pensamentos e afetos –, estava em vias de formular que
o pensamento não é afetado apenas eventualmente, como se poderia
pensar com base na cisão entre afetividade e cognição, mas que não
há pensamento que não seja afetado. Essa “afetação” não é boa e nem
má, é simplesmente característica do pensamento humano.

Constituição do sujeito 33
Agora que já entendemos que a afetividade se relaciona com a cog-
nição, podemos nos fazer a seguinte pergunta: como a afetividade se
constitui? A afetividade participa da constituição do sujeito. Como vi-
mos, o ser humano precisa ser amparado para viver, se desenvolver e
se humanizar. O amparo é fisiológico e afetivo, de maneira integrada e
simultânea, realizado por alguém que faz a função materna.

O estabelecimento da dimensão afetiva se desenvolve por meio


desse amparo afetivo, que se dá com investimento dirigido ao ser hu-
mano e é manifestado na maternagem por toques, carinhos, olhares,
palavras endereçadas ao bebê, aspectos esses que o introduzem em
um contexto simbólico e de relações múltiplas (BARBOSA, 2005; 2009;
DOLTO, 2001; JERUZALINSKY, 2008).

Levisky (1992) enfatiza a importância de um bom vínculo entre o


bebê e a mãe (função materna) como uma condição para que se de-
senvolva um sentimento de confiança básica. Esse sentimento é a base
para o desenvolvimento das funções psíquicas. A capacidade de o su-
jeito fazer laços, de ter sua capacidade de se relacionar de modo inter-
pessoal, depende dessas primeiras experiências, pois elas terão como
consequência a transformação do ser humano em um ser de lingua-
gem e também em um ser relacional.

Barbosa (2009) destaca a ideia de que, como resultado da necessi-


dade de amparo ao nascer, o ser humano carrega em si, em todas as
suas próximas fases da vida, aspectos dessa relação com o outro – uma
relação basicamente afetiva. É desse modo que ele estabelecerá novos
laços, se posicionará e produzirá na vida.

2.2.4 Consciência
Como vimos, a separação entre o individual e o social deve ser to-
mada apenas de maneira didática, pois, na verdade, as dimensões do
sujeito se articulam e interdependem umas das outras; a vida psíquica
se relaciona com a construção social. O sujeito deve ser sempre en-
tendido como ativo, como alguém que é influenciado, mas também
influencia seu entorno. Essa ideia é importante, também, para enten-
dermos a dimensão da consciência no sujeito.

A consciência refere-se à propriedade de se ter ciência. Ela se relacio-


na também com as percepções, pois trata-se da capacidade de perceber

34 Psicologia social e comunitária


a si mesmo e ao outro. Para que se tenha consciência social, o sujeito
precisa, antes de mais nada, ter consciência de si próprio. A consciência
social se efetiva por meio da distinção entre o sujeito e os outros.

A imagem que construímos de nós mesmos tem relação com o


retorno do olhar dos outros sobre nós. O conceito de identidade
nos revela, também, que o ser humano se vê como tal porque os
outros o reconhecem assim.

O reconhecimento de si mesmo por meio do reconhecimento do


outro promove sucessivas diferenciações que colaboram para que o
ser humano construa consciência sobre si mesmo. A consciência de si
pode ser compreendida como condicionada à consciência social.

Se a consciência de si acontece por meio da relação com o outro,


devemos entender que, nesse processo, há uma significação. Em uma
relação com o outro, o sujeito é significado pelo outro enquanto sig-
nifica o outro e, consequentemente, a si próprio. Sobre essa questão,
Brandão (1990, p. 37) afirma:
Os acontecimentos da vida de cada pessoa geram sobre ela a
formação de uma lenta imagem de si mesma, uma viva imagem
que aos poucos se constrói ao longo de experiências de trocas
com outros: a mãe, os pais, a família, a parentela, os amigos de
infância e as sucessivas ampliações de outros círculos de outros:
outros sujeitos investidos de seus sentimentos, outras pessoas
investidas de seus nomes, posições e regras sociais de atuação.

À medida que o ser humano adquire experiências e amplia suas


relações sociais, ele vai se formando, aprendendo e se transformando.
Com isso, ele adquire novos papéis sociais, e esse processo continua
por toda a vida do sujeito. Em cada fase da vida, o sujeito representa
determinados papéis sociais associados à sua faixa etária, à sua posi-
ção familiar e a outras representações. Ser filho, pai, estudante, marido,
profissional e avô são exemplos de papéis sociais. Alguns papéis ocor-
rem simultaneamente, enquanto outros ocorrem temporariamente.

Lane (2006) explica que, nos grupos nos quais se relaciona, o ser
humano se encontra com normas balizadoras, algumas podem ser
mais sutis e outras, mais rígidas. Essas normas caracterizam os pa-
péis e constituem as relações sociais. Além disso, os papéis sociais
acabam tendo a função de localizar o sujeito socialmente – o lugar
que ele o
­ cupa na sociedade.

Constituição do sujeito 35
Atividade 3 Nesse sentido, é importante compreender como esses conceitos
Comente a seguinte afirmativa: se relacionam, pois esse conjunto de papéis desempenhados pelo su-
“A consciência de si pode ser
jeito também constitui a identidade social, que passa pela consciência
compreendida como algo condi-
cionado à consciência social”. de si. Os papéis atendem à manutenção das relações sociais repre-
sentadas pelo o que os outros esperam de nós, com suas expectativas
e normas (LANE, 2006).

Segundo Lane, a consciência de si interfere na identidade social


quando os papéis dentro do grupo são postos em questão, uma vez
que eles definem a identidade social. De modo geral, há uma sustenta-
ção por parte das instituições e das ideologias, o que torna a interferên-
cia e a mudança mais difíceis.

A psicologia social busca transformações por meio das melhorias


na condição de vida das pessoas, criticando a manutenção das clas-
ses dominantes. Por isso, aponta para importância da consciência, que
permite ao sujeito integrar o conhecimento da sua própria história, en-
tender-se como sujeito ativo e conhecer sua realidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo da subjetividade é complexo e se estabelece por meio da
relação do indivíduo com a sociedade. A constituição do sujeito e seu pro-
cesso de desenvolvimento precisam da afetividade; trata-se de processos
necessários para possibilitar sua construção identitária, bem como para
que ele encare os papéis sociais e obtenha consciência social e de si.
É importante que o ser humano possa se apropriar de sua história. É
importante, também, que ele compreenda seus grupos sociais de uma
perspectiva mais ampla para que possa exercer sua cidadania e seu lugar
de sujeito ativo, capaz de operar transformações sociais.

REFERÊNCIAS
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fev. 2015. Disponível em: https://psicologado.com.br/atuacao/psicologia-social/nocao-de-
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36 Psicologia social e comunitária


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VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

GABARITO
1. A construção da identidade se inicia com as relações que o sujeito começa a esta-
belecer. Com o avanço no desenvolvimento e a aquisição de mais experiências, as
relações sociais se ampliam e os papéis sociais mudam de acordo com o momento
vivido. Assim, é possível sustentar que a identidade é, também, uma construção social
e, por isso, algo mutável.

Constituição do sujeito 37
2. A subjetividade se refere ao singular do sujeito, mas, ao mesmo tempo em que se
caracteriza como um mundo interno, é totalmente interdependente do meio, isto é,
do mundo externo. O sujeito apreende ou subjetiva por meio da sua relação com o
mundo; a subjetividade, portanto, é composta por causas internas e externas, na qual
a maneira como o sujeito interpreta suas experiências e seu entorno se estabelece
com as relações sociais. A capacidade subjetiva nasce com a constituição do sujeito e
está vinculada a condições sócio-históricas.

3. É por meio do contato com o outro que é possível construir a noção da existência por
meio da diferenciação. Na relação com o outro, esse outro é significado e também sig-
nifica para que o “eu” possa se significar. Desde o início, por meio do seu contato com
aquele que encarna a função materna, o sujeito vive sucessivas diferenciações. Na inser-
ção social, são construídas a identidade, a subjetivação, a afetividade e a consciência de
si. Para ter consciência de si, é necessário consciência social e vice-versa.

38 Psicologia social e comunitária


3
Sujeito como ser biopsicossocial
Neste capítulo, vamos conhecer abordagens do cotidiano
relacional do ser humano. Nesse sentido, conheceremos o
conceito de sentimento de pertença, que é fundamental para
os seres humanos. Esse conceito é articulado pelo o que no-
meamos como agentes socializadores, a saber: (i) família – nossa
primeira pertença em grupo; (ii) escola – possivelmente nosso
segundo grupo social; (iii) trabalho – inserção social que ocupa
um grande lugar; e (iv) comunidade – na qual também se esta-
belecem relações de pertença.
Na sequência, iremos estudar a desigualdade social e suas
diversas implicações. Vamos abordar os chamados problemas
biopsicossociais, buscando compreender um pouco do trabalho do
psicólogo social com as comunidades. Para tanto, mencionamos
questões delicadas como abandono, violência familiar, abuso de
substâncias, gravidez na adolescência, abuso sexual, trabalho in-
fantil, adolescentes em conflito com a lei, entre outros.

3.1 Sentimento de pertença


Vídeo Viver em grupos faz parte da natureza do ser humano. Essa carac-
terística tem uma base biológica, uma vez que “as chances de sobrevi-
vência em sua história evolutiva foram maiores para indivíduos ligados
socialmente” (GASTAL; PILATI, 2016, p. 286). Baumeister e Leary (1995
apud GASTAL; PILATI, 2016) afirmam que o pertencimento é uma ne-
cessidade básica do ser humano, sendo essa necessidade o que o mo-
vimenta na procura por relações sociais.

Fontana (2002) corrobora essa afirmação ao ressaltar que os


seres humanos são criaturas sociais. O autor atribui isso à natu-
reza indefesa do sujeito, especialmente na primeira infância, visto
que “ajudou a assegurar ao longo de milhões de anos de evolução

Sujeito como ser biopsicossocial 39


humana que as pessoas permanecessem unidas” (FONTANA, 2002,
p. 19). Nesse sentido, é importante entender quais grupos sociais
possibilitam o sentimento de pertença (veremos essa questão nas
próximas seções). Contudo, adiantamos que esse sentimento é es-
sencial para a saúde física e psíquica do ser humano.

Spitz, em sua obra O primeiro ano de vida (1993), ressalta os efei-


tos terríveis no desenvolvimento humano quando ocorre a privação
de carinho no decorrer do primeiro ano de vida. O autor menciona a
necessidade humana de contato e do sentimento de pertença. Além
disso, ele demonstra como a falta desses elementos contribui para o
desenvolvimento de patologias.

Fontana (2002) corrobora Spitz ao sustentar que o ser humano vive e


trabalha em grupos sociais. Para o autor, há evidências de que o isolamen-
to do indivíduo pode levar a graves problemas cognitivos e emocionais.
Glossário
Fontana afirma também que o ser humano é programado para ser gregá-
gregário: “que gosta de ter a
companhia de outras pessoas;
rio. Essa programação, segundo o autor, é tão importante que determina
sociável” (HOUAISS, 2009). o modo como a vida é experienciada, uma vez que não basta apenas par-
ticipar de grupos sociais, o ser humano precisa de estima e apoio para se
desenvolver de modo saudável, feliz e adaptado.

A necessidade de relacionamento e sentimento de pertença acom-


panha o ser humano por toda sua vida. As variadas maneiras de or-
ganização social têm forte ligação com a manutenção de vínculos
sustentados pelo sentimento de pertença. Vejamos algumas dessas
formas de organização nas subseções a seguir.

3.1.1 Família
É consenso entre estudiosos que o primeiro grupo social do ser hu-
mano é a família. Para Fontana (2002), a família é o grupo mais impor-
tante ao longo de toda a infância, mesmo quando, em um segundo
momento, a escola passa a fazer parte da vida do indivíduo.

A função mais importante da família é cuidar dos filhos e socializá-


-los. Faz parte da socialização a aquisição de valores, as crenças e as
adequações de comportamentos em relação à sociedade da qual fazem
parte. A família propicia, além da formação, uma espécie de “treino”,
que prepara o sujeito para se inserir nos demais grupos sociais. Desse
modo, a família tem uma função primordial na socialização infantil.

40 Psicologia social e comunitária


Além disso, devemos levar em consideração que os acontecimentos
dos primeiros anos de vida são muito importantes para o desenvolvi-
mento emocional, intelectual e social. Isso caracteriza a família como
um meio primário de socialização.

Shaffer (2005) explica que há um sistema social familiar, que é ca-


racterizado pela rede complexa de interações, relacionamentos e pa-
drões de influências em famílias com mais de três membros. Desse
modo, pensar na família como sistema social é admitir que não somen-
te os filhos são influenciados pelos pais, mas que os pais também são
influenciados pelos filhos, o que constitui uma relação de reciprocida-
de. O sistema familiar, ainda, é influenciado pela comunidade e pela
cultura da qual se participa.

Outra aspecto a considerar é sua dinâmica. O desenvolvimento das


famílias nunca se encerra; existem variáveis que se modificam de acor-
do com o momento da vida. Nesse sentido, “a família não é apenas um
sistema no qual acontecem mudanças desenvolvimentais, sua dinâmica
também muda com o desenvolvimento de seus membros” (SHAFFER,
2005, p. 539). Assim como o mundo está submetido às mudanças, essas
mudanças influenciam, também, os movimentos dinâmicos das famílias.

Além do mais, a família está sujeita a contextos sociais amplos, os


quais definem o modo com que irão desempenhar suas funções. A liga-
ção com amigos próximos, instituições (por exemplo, a Igreja) e situa-
ção econômica são alguns fatores que interferem na dinâmica familiar.

As mudanças de costumes também têm seu papel nas configura-


ções familiares. Existem famílias monoparentais – formadas por pai,
mãe e filhos; famílias multinucleares – novas famílias com coabitação Leitura
ou novos casamentos, que podem incluir outros filhos e novas rela- O artigo Configurações
familiares: os pilares do
ções; família extensa – grupos de parentes com mais de um núcleo sujeito aborda a família
familiar, por exemplo, avós, tios, primos e sobrinhos. Cada uma dessas como um pilar para o su-
jeito. A autora demonstra
configurações tem efeito na dinâmica familiar e na maneira como a de que modo a família,
socialização do sujeito se estabelecerá. apesar de todas as novas
configurações, funciona
Para Passos (2008), mesmo com as transformações nas formas de como lugar privilegia-
do para a constituição
organização das famílias, especialmente nas últimas décadas, os grupos psíquica e a socialização
familiares são como lugares privilegiados de recepção e acolhimento. infantil.

Segundo a autora, as famílias são consideradas espaços propícios para PASSOS, M. C. Mente & Cérebro, São
Paulo, Duetto Editorial, 2008.
a constituição psíquica e socialização do bebê e da criança.

Sujeito como ser biopsicossocial 41


A família configura suas principais bases tanto por meio da qualida-
de das trocas afetivas, que ocorrem entre os integrantes do grupo fami-
liar, quanto por suas representações sociais. Passos (2008) desenvolve
seu texto sob a ideia de que o espaço de socialização, instituído pela
família, propicia as primeiras parcerias e negociações com os outros.
Isso faz com que o ser humano assimile valores para que, no futuro,
venha a se inserir em outros grupos.

Quanto aos princípios, Passos (2008) destaca que, em virtude de te-


rem sido apreendidos em um período tão inicial do desenvolvimento,
dificilmente serão suprimidos. Durante as fases da vida que se sucede-
rem, esses servirão como modelos, isto é, os sujeitos buscarão princí-
pios e valores semelhantes aos que lhe foram apresentados na infância.
Para que sejam internalizados, os princípios e valores precisam ser sig-
nificados por pessoas importantes para a criança; com isso, passam a
integrar a realidade subjetiva e dirigir a forma de se relacionar.

Na família, ocorre um processo interessante, que é a necessidade


de que cada membro se diferencie um do outro ao mesmo tempo que
mantém sua vinculação com o grupo. Outro ponto importante se dá
em relação à história das origens, pois esse é um elemento fundamen-
tal na construção da identidade psíquica e social.
Atividade 1 Por fim, vale ressaltar que a família prepara o ser humano para a
Realize uma articulação sobre a expansão das relações sociais. Ela é decisiva na formação psicossocial
família como agente socializador
dos sujeitos, independentemente das diversas configurações existen-
e constituinte do sujeito.
tes. Desse modo, não podemos perder de vista que a família, apesar da
sua singularidade, interage com a sociedade e a cultura e, por isso, é
influenciada por padrões educativos e diferentes contextos.

3.1.2 Escola
Assim como a família, a escola representa um dos agentes socia-
lizadores do ser humano na forma como a sociedade se organiza na
contemporaneidade. Como vimos, as formas de estruturação familiar
se ampliaram e, além disso, o aumento da participação da mulher no
mercado de trabalho antecipou a ida das crianças à escola.

A escola precisa favorecer o desenvolvimento afetivo, cognitivo e


social das crianças. Ferreira e Mello (2008) enfatizam que os múltiplos
contextos nos quais as crianças estão inseridas devem ser levados em
consideração nas iniciativas educacionais. Segundo os autores, “na his-

42 Psicologia social e comunitária


tória cotidiana das interações com o outro são construídas significações
compartilhadas, pelas quais aprende como agir de acordo com os valo-
res e normas culturais do seu ambiente” (FERREIRA; MELLO, 2008, p. 28).

Novamente, apontamos a importância do desenvolvimento de as-


pectos físicos, afetivos, cognitivos e sociais, pois eles repercutem na
construção subjetiva e na formação da identidade, ainda que o proces-
so de desenvolvimento se dê por toda a vida. A inserção da criança na
escola tem como consequência a ampliação de suas vivências e trocas
sociais. O relacionamento com os professores, cuidadores e demais
crianças faz parte dos progressos do sujeito como ser biopsicossocial.

Barbosa (2009) comenta que, ao iniciarmos a vida escolar, somos


inseridos em um novo contexto, no qual nos relacionamos, em princí-
pio, por meio da atualização de maneiras conhecidas de relações, que
foram constituídas, anteriormente, nas relações familiares. Ao mesmo
tempo, esse novo contexto trará novidades que ampliarão o modo de
significar e de se relacionar com os outros e com a cultura inserida.

No mesmo sentido, Kupfer (2007) lembra que a escola não é apenas


um lugar para se aprender conteúdos. Nela – por meio das leis que re-
gem as relações humanas e da oferta de lugares sociais (lugar de aluno,
de colega, de quem apresenta oralmente um trabalho, entre outros),
transmitidos pelos discursos –, há uma contribuição para subjetivação
do ser humano; é a escola que propicia o sentimento de identidade, de
pertença e de inserção social.

Ferreira e Mello (2008) abordam a questão dos estímulos sociais, que


implica propiciar o exercício cotidiano no contato com os outros, favore-
cendo a cooperação e a negociação nas relações. O ingresso da criança Glossário
em outro grupo social, para além da família, promove uma articulação
interveniente: “que ou aquele
de tal modo que a escola passa a ser uma interveniente não somente que intervém; medianeiro;
na vida da criança, como também na própria dinâmica familiar. interventor” (HOUAISS, 2009).

A lógica que deve ser compreendida é a de que todos os sujeitos


são atores e influenciam, reciprocamente, seu meio, ou seja, ao
mesmo tempo que influenciam, também são influenciados. Logo,
qualquer relação passa a causar mudanças na dinâmica do sujeito
e dos grupos em que ele esteja incluído.

Pensando, em específico, no ingresso da criança no espaço escolar


ainda na primeira infância, Mariotto (2009) acredita que a criança se

Sujeito como ser biopsicossocial 43


confronta com um campo social antes que sua identidade esteja esta-
belecida, de modo a requerer dela um novo lugar na humanidade.

A autora sustenta, ainda, que o espaço escolar antecipa um sujei-


to com determinadas habilidades e competências, antes mesmo que a
criança se constitua como tal, esperando que ela responda à sua condi-
ção de educante. Mariotto (2009) pondera que essa antecipação é ne-
cessária, visto que representa uma aposta na emergência do humano.
Entretanto, a autora alerta que não se pode desconsiderar as bases sub-
jetivas necessárias para que se desenvolva um sujeito de aprendizagem.

A escola seria, desse modo, um segundo grupo social na vida do ser


humano. Considera-se que, nesse momento, o sujeito já adquiriu, na
família, algumas referências objetivas e subjetivas de comportamen-
tos, valores e princípios. Além disso, a escola representará uma função
Livro didática, assim como a família, mas de maneira submetida a outras re-
gras instituídas, as quais também exercerão influências significativas
na formação da personalidade social, isto é, sobre o arranjo pessoal,
construído em cada um na sua forma de se relacionar socialmente.

A escola, na condição de instituição social, desempenha um pa-


pel fundamental na formação do sujeito como ser social efetivo.
Moura (2004) afirma que a representação da escola é construída por
meio das relações que os alunos estabelecem com a realidade, com o
meio familiar e escolar e com as pessoas com as quais necessitam se
O livro Afetividade na
escola: alternativas teóricas relacionar no cotidiano. Parte da percepção e compreensão de que o
e práticas, obra organi- mundo se dá por meio dessas relações.
zada por Valéria Amorim
Arantes, considera as Moura considera que o ser humano, ao nascer, encontra um mundo
várias correntes teóricas
da educação com vistas
que já está estruturado pelas representações sociais de seu entorno e
à função da escola no de sua comunidade, com ideias já estabelecidas. Isso lhe oferece um
sentido social e afetivo.
Vale a pena a leitura!
lugar no conjunto sistemático de relações e formas práticas sociais, que

ARANTES, V. A. (org.). São Paulo:


certamente participarão da interpretação e representação que o sujei-
Summus, 2003. to construirá sobre a escola e suas funções.

A escola, na condição de agente socializador, se caracteriza por pos-


Atividade 2 sibilitar momentos de lazer, brincadeiras e jogos, que funcionam como

A escola é um ambiente social condições de trocas e interação. Além disso, ela proporciona o encon-
bastante importante. Com base tro com as diferenças e oportunidades de cooperação, permitindo aju-
nessa premissa, descreva qual é dar, compartilhar e fazer atividades individuais e grupais, de maneira
a função social da escola e como
ela se efetiva. que o aprendizado não se dê apenas por meio dos conteúdos, mas
também pelas relações sociais.

44 Psicologia social e comunitária


Por fim, ressaltamos que a escola, assim como a família, sofre mu-
danças em seu contexto histórico e social, o que interfere em suas re-
presentações e significados. A escola tem sua dinâmica submetida à
cultura, ao momento histórico e à realidade social.

3.1.3 Trabalho
O trabalho ocupa grande parte da vida da maioria dos seres huma-
nos. Ele é importante não somente como forma de relacionamento e
socialização, mas também por ser capaz de sustentar, para o sujeito,
sua identidade, o sentimento de pertença, seu papel e sua inserção
social. Percebemos isso quando a profissão, assim como nosso local de
trabalho, é uma forma de apresentação social.

Assim, o trabalho como significado corresponde a uma ativida-


de que remete a uma profissão, podendo significar também o local
onde realizamos a atividade produtiva. Japiassu e Marcondes (1989
apud RIBEIRO 1997, p. 236) o definem como a atividade pela qual
o homem transforma “o mundo, a natureza, de forma consciente e
voluntária, para satisfazer suas necessidades básicas (alimentação,
habitação, vestuário etc.)”.

Lane (1994) destaca que o trabalho tem sua origem relacionada à


necessidade de cooperação entre os homens para produzirem seus
meios de sobrevivência; a autora realiza apontamentos críticos à so-
ciedade capitalista e à divisão de classes. Com relação ao trabalho no
nível psicossocial, a autora o define como “atividades realizadas por
indivíduos; atividades estas produzidas pela sociedade à qual eles per-
tencem” (LANE, 1994, p. 57).

O trabalho, nesse sentido, tem uma importância vital. Segundo


Lane, é por meio dele que o ser humano se objetiva socialmente e
se modifica continuamente, ou seja, produz e se realiza. Esse pro-
cesso só é possível por meio da comunicação e da cooperação nas
relações sociais.

É interessante considerar que o trabalho é uma representação in-


vestida de valor no social. Há, ainda, na cultura, a ideia de que o traba-
lho deve ser algo que agrega valor ao sujeito, de maneira que é capaz
de gerar certo orgulho do seu ofício e/ou produção. Ele pode ser consi-
derado um componente básico na sociedade, presente em sua forma
de organização desde os primórdios.

Sujeito como ser biopsicossocial 45


O trabalho é o lugar social que o sujeito ocupa, sendo definido
também pelo meio no qual se insere, havendo diferenças e variá-
veis entre os grupos de acordo com a cultura. De maneira geral, na
cultura ocidental, há a valorização quanto à satisfação consequen-
te do trabalho e suas produções.

Friedman (1973 apud RIBEIRO, 1997) defende que as reações do


sujeito em relação ao trabalho não modelam somente seu comporta-
mento durante o período em que está no trabalho, mas também sua
Atividade 3 forma de se relacionar fora dele. Novamente, nos encontramos com a
lógica de que há uma interação e de que, em qualquer grupo que o su-
As atividades laborais estão
presentes na humanidade há jeito participe, ele influenciará e será influenciado. Essa interação terá
milhões de anos. Nesse sentido, efeitos nos outros grupos sociais dos quais o sujeito participa. Segundo
por que o trabalho é importante
Friedman (1973 apud RIBEIRO, 1997, p. 38), “trabalho e não trabalho se
para o ser humano?
encontram em relações de causalidade recíproca”.

O que se conclui, desse modo, é que as relações entre um grupo de


trabalho são estabelecidas com base em fatores objetivos (qual ativi-
dade, qual o lugar na hierarquia do grupo, entre outros) e em fatores
Livro
subjetivos (qual posição subjetiva cada um ocupa no grupo). Esses fa-
tores investem o sujeito em papéis sociais, os quais estão em constante
relação com diferentes papéis, que foram encarnados pelo sujeito em
outras instâncias da vida.

O trabalho implica em um significado tão forte na vida das pessoas


que momentos de desemprego ou aposentadoria trazem consequências
psicológicas, fato que caracteriza a importância dos processos de ressig-
nificação de valor e de identificações que o sujeito ancorava, subjetiva-
A obra Psicologia nas mente, no trabalho. Assim, o trabalho é um grande fator de socialização e
organizações faz um de relação em grupo, participando da vida objetiva e subjetiva do ser hu-
apanhado amplo dos
conceitos da psicologia, mano e devendo, também, situar o sujeito com sua consciência histórica.
da psicologia social e

3.1.4 Comunidade
da psicologia organiza-
cional, de modo que o
leitor possa entender as
relações do trabalho, os Vamos iniciar nossas reflexões com a definição de comunidade, en-
aspectos relacionados à
comunicação, motivação, contrada em uma enciclopédia:
liderança, entre outros
1. Qualidade ou estado do que é comum. 2. Qualquer grupo so-
temas relevantes para
a ampliação do nosso cial cujos membros habitam determinada região têm o mesmo
conhecimento. governo e se irmanam cultural e historicamente. 3. Qualquer
REGATO, V. C. Rio de Janeiro: LTC, conjunto populacional considerado como um todo, em virtude
2005. de aspectos geográficos, econômicos e/ou culturais comuns.

46 Psicologia social e comunitária


4. Em uma formação social complexa, grupo de indivíduos con-
siderado em suas características específicas e individualizantes.
5. Conjunto de indivíduos que vivem em comum. 6. Conjunto de
pessoas que compartilham uma mesma crença ou ideal. (ENCI-
CLOPÉDIA..., 2005, p. 234)

Essas definições nos remetem à ideia do que há de comum e com-


partilhado entre integrantes de um grupo. Para entendermos melhor
o que é comunidade para a psicologia social e comunitária, podemos
citar Sawaia (2015). Segundo o autor, o conceito de comunidade tem
presença intermitente na história das ideias, pois “ela aparece e de-
saparece das reflexões sobre o homem e sociedade em consonância
às especificidades do contexto histórico e esse movimento explicita a
dimensão política do conceito, objetivado no confronto entre valores
coletivistas e valores individualistas” (SAWAIA, 2015, p. 30).

A relação subjetiva do sujeito com a representação da comunidade


passa pelo sentimento de pertença, isto é, se sentir incluído na existên-
cia do outro, como a família e os grupos unidos pela amizade, solidarie- Livro
dade, vizinhança e fraternidade, que, por vezes, é religiosa. As relações
podem ser afetivas, baseadas em um compromisso de interesse moti-
vado racionalmente (SAWAIA, 2015).

Freud (1976 apud SAWAIA, 2015), em seu texto Novas conferências


introdutórias sobre psicanálise, aponta uma dimensão negativa da co-
munidade, que é seu caráter homogeneizador. A constituição do ser
humano implica uma singularidade de desejos e necessidades; logo, a
relação com a comunidade não deve pretender anular as diferenças e
O livro Psicologia
singularidades, como se todos fossem um só.
social comunitária: da
Para Heller (1987 apud SAWAIA, 2015), a comunidade não é anta- solidariedade à autonomia
discorre sobre o conceito
gônica à individualidade. Desse modo, os valores específicos, que pos- de comunidade, trazendo
sibilitam o amadurecimento e desenvolvimento das potencialidades fundamentos para
reflexão e entendimento
humanas, ocorrem nos espaços particulares do cotidiano. das relações e repre-
sentações. Além disso,
Esse ideal rompe com a dicotomia entre coletividade e individua- a obra aborda aspectos
lidade, pois essas são duas facetas do ser humano, o qual é um ser relacionados à conscienti-
zação e à identificação de
individual e ao mesmo tempo social: diferentes grupos, bem
como aponta a direção
Nessa concepção, a comunidade rompe com a dicotomia clássica
do trabalho do psicólogo
entre coletividade e individualidade, ser humano genérico e ser social comunitário.
humano particular, apresentando-se como espaço privilegiado
da passagem da universalidade ética humana à singularidade CAMPOS, R. H. F. (org.). Petrópolis:
Vozes, 2015.
do gozo individual. Um movimento de recriação permanente da

Sujeito como ser biopsicossocial 47


existência coletiva, fluir de experiências sociais vividas como rea-
lidade do eu e partilhadas intersubjetivamente, capaz de subsi-
diar formas coletivas de luta pela libertação de cada um e pela
igualdade de todos. (SAWAIA, 2015, p. 39)

Nesse sentido, a comunidade, na condição de corpo social, contém


individualidades e, por isso, não pode ser tomada como uma unidade.
A comunidade deve conter espaço para atitudes particulares ao mes-
mo tempo que sustenta ideias comuns e compartilha projetos para a
melhoria de condições para todos. Além disso, deve favorecer refle-
xões e ações ligadas ao contexto e à realidade da qual faz parte. É uma
dimensão da cidadania, favorável à democracia, à igualdade social e ao
plural, sendo objetiva à inclusão e à ética do bem viver.

3.2 Desigualdade social


Vídeo A história, assim como a atualidade, é caracterizada pela desigual-
dade social, o que acarreta muitos problemas. A principal causa da de-
sigualdade social é a concentração de riqueza da classe dominante de
um lado e, do outro, a condição de pobreza da classe dominada, dife-
rença que tem como origem o sistema econômico capitalista.

No Brasil, assim como em muitos outros países, a desigualdade so-


cial vem acompanhada do que se pode chamar de exclusão social. Esse é
um conceito complexo, mas, de maneira ampla, a exclusão social pode
ser compreendida como uma privação em relação aos acessos sociais,
inclusive direitos básicos, como alimentação, saúde e educação.

A desigualdade social evidencia que existe, na área social, uma má


distribuição de renda, bem como falta de investimento. Essa falta de
investimento faz com que seja quase impossível uma travessia do su-
jeito, no sentido de mudar sua realidade. A educação, por exemplo,
seria uma das maneiras de o sujeito se desenvolver e angariar posições
sociais melhores; no entanto, o que acontece é a falta de acesso a um
ensino de qualidade que possa cumprir essa função social.

A própria desigualdade social faz com que ela seja mantida, de modo
a se perpetuar. No âmbito da saúde, é possível nomear a desnutrição,
a alta mortalidade infantil e as doenças de maneira geral. Em virtude
da precariedade das habitações, é insustentável manter a saúde e as
condições de higiene básicas. No âmbito socioeconômico, é possível re-

48 Psicologia social e comunitária


lacionar a educação precária e a profissionalização insuficiente com as Livro
altas taxas de desemprego. A miséria, decorrente da dificuldade de se
incluir no sistema de mercado de trabalho, favorece a violência e a cri-
minalidade, que, por fim, reforça a marginalização social e a exclusão.

Os problemas sociais decorrentes das condições sociais desiguais,


que incluem o indivíduo e suas relações sociais, tocam o trabalho do
psicólogo social comunitário. Sawaia (2014) coloca a exclusão e a inclu-
são em uma relação dialética, na qual o mesmo movimento que inclui
também exclui, no sentido de incluir de uma maneira que a separação
O livro As artimanhas da
social se mantenha. Nesse sentido, o monopólio dos instrumentos de exclusão: análise psicosso-
produção, que poderiam causar uma transformação, se mantém cen- cial e ética da desigualdade
social reúne artigos de vá-
tralizado na classe dominante. rios autores importantes,
produtores de conheci-
Para essa reflexão, é importante não perdemos de vista o que já mento na psicologia so-
discutimos sobre as interações sociais e seus conceitos, pois, assim, te- cial e comunitária. A obra
apresenta articulações
remos subsídios para compreender a desigualdade social, seus efeitos teóricas com a filosofia,
na estrutura social e as condições de exclusão e inclusão. Além da com- a história e a teoria das
representações sociais
preensão teórica, pretende-se uma formação com a qual seja possível de uma maneira muito
transformar essas reflexões em atitudes responsáveis e cidadãs. interessante para o
aprofundamento do tema
Abordamos, nesta seção, a desigualdade econômica represen- da desigualdade social e
da exclusão social.
tada pela pobreza; contudo, existem outras formas de desigualda-
SAWAIA, B. (org.). 14. ed. Petrópolis:
de social, como a desigualdade racial, que se efetiva pela diferença
Vozes, 2014.
nas oportunidades para pessoas de diferentes raças. No Brasil, os
negros são os que mais sofrem com a desigualdade, fato que está
relacionado às heranças históricas da escravidão.

Outra forma de desigualdade social refere-se à desigualdade de


região. Sabemos que o Brasil é um país bastante extenso e que
comporta diferenças proporcionais a seu tamanho, no sentido de
que algumas regiões são mais desenvolvidas economicamente, en-
quanto outras sofrem, como é o caso da região nordeste. As cau-
sas dessa desigualdade são multifatoriais e têm como efeito, por
exemplo, a discriminação, inclusive cultural, em relação às pessoas
que buscam oportunidades nas grandes cidades. Atividade 4
A desigualdade de gênero também se caracteriza como desigual- Como é possível explicar as
dade social. Historicamente, há uma clássica diferença na valorização causas da desigualdade social?
Elabore um pequeno texto,
entre homens e mulheres. Seja intelectualmente ou com relação ao
contextualizando essa questão.
mercado de trabalho, a sociedade tende a sustentar inúmeros precon-

Sujeito como ser biopsicossocial 49


ceitos e a reproduzir padrões. A desigualdade de gênero abarca, ainda,
homossexuais, transexuais e demais gêneros.

Por meio da perspectiva da psicologia social comunitária, há um


direcionamento para trabalhar e intervir nessas realidades. É pre-
ciso entender o que ocorre psiquicamente com quem vivencia a
desigualdade social – sentimentos como culpa, baixa autoestima,
constrangimento, desmoralização etc. Isso pode estar relacionado
à falta de sentimento de pertença, de inclusão e de reconhecimen-
to e valorização social.

Sawaia (2014) explica que a exclusão é um produto do sistema e


que sua complexidade se deve ao fato de ser um processo multiface-
tado, que, por vezes, se estabelece de maneira sutil. Essa sutileza con-
tribui para uma falta de consciência, como se as pessoas estivessem
tão imersas nessa reprodução social que dificilmente percebem sua
própria participação nesse processo.

Há a ideia de que fracasso e sucesso são responsabilidades indi-


viduais, sem considerarmos toda rede de fatores históricos, sociais e
variáveis determinantes. Essa ideia contribui para o sentimento de cul-
pabilização. Guareschi (2015) destaca essa tendência ao individualizar
as circunstâncias. Para tanto, o autor usa o termo individualização do
social, que desconsidera o social em relação às problemáticas que são,
essencialmente, sociais.

3.3 Problemas biopsicossociais


Vídeo A intervenção do trabalho da psicologia social e comunitária implica
em um grande desafio. Neste capítulo, buscamos fazer considerações
a respeito da prática por meio de bases construídas ao longo do per-
curso da psicologia social e comunitária. Montero (2004 apud ANSARA;
DANTAS, 2010) declara que a intervenção nas comunidades é constituí-
da por cinco dimensões:
I. ontológica;
II. epistemológica;
III. metodológica;
IV. ética;
V. política.

50 Psicologia social e comunitária


A primeira dimensão, ontológica, é relativa aos problemas, aos an-
seios, às necessidades, às expectativas e aos recursos nomeados pelos
participantes da comunidade. A segunda dimensão, epistemológica,
refere-se à produção do conhecimento, isto é, à relação entre sujeitos e
objetos do conhecimento. Essa dimensão consiste em um levantamen-
to do saber no contexto em que vivem.

A terceira dimensão, metodológica, diz respeito aos meios utiliza-


dos para produção do conhecimento. A metodologia deve sustentar
questionamentos e saberes e deve ser crítica, reflexiva e flexível, de
acordo com as situações-problema que surgem, pois deve ser adequa-
da, especificamente, para a realidade de determinada comunidade. Já
a quarta dimensão, ética, consiste em considerar o sujeito no processo
de construção do conhecimento, ocupando um papel de autor ativo e
não de objeto. Para tanto, Montero (2004 apud ANSARA; DANTAS, 2010)
aponta que é necessário o reconhecimento e a aceitação do sujeito em
sua igualdade de direitos e respeito às diferenças.

Antes de continuarmos e abordarmos a quinta dimensão, cabe um


comentário sobre a direção do trabalho da psicologia social comunitá-
ria frente aos problemas psicossociais, que é sempre a conquista da
autonomia dos grupos sociais. Nesse sentido, a conquista da autono-
mia é um caminho para que não se reproduza um modelo de domina-
ção, em que os sujeitos da comunidade ocupem uma posição subjetiva
de objetos dominados.

A quinta dimensão, política, refere-se à aplicação do conhecimento


como fruto da conscientização e de seus efeitos sociais, o que implica à es-
fera pública questões relativas à cidadania. Como Ansara e Dantas (2010)
afirmam, refere-se, também, ao caráter político da ação comunitária.

Um dos instrumentos de intervenção é o espaço de palavras para que


a expressão do sujeito seja acolhida, incentivando o diálogo de modo que
os sujeitos possam ter voz. As cinco dimensões abordadas “devem sus-
tentar os processos de intervenção comunitária, propiciando a problema-
tização das práticas sociais especialmente no que diz respeito à atuação
dos profissionais nas comunidades” (ANSARA; DANTAS, 2010, p. 100).

A lógica desse trabalho consiste na garantia de que os sujeitos se-


jam levados em consideração, tenham voz ativa e conquistem posições
de autonomia. O trabalho com a comunidade deve ser no sentido da
construção em conjunto, ou seja, incluir os sujeitos no processo, de

Sujeito como ser biopsicossocial 51


modo que o poder de transformação emane deles mesmos e não de
um saber externo. Esse pressuposto tende a fortalecer a comunidade,
efetivando uma transformação social de verdade.
Atividade 5 A produção em conjunto deve acontecer desde o início (caracte-
Por que é importante que o rização das necessidades) até o final (decisões e encaminhamentos
psicólogo social trabalhe em para solução dos problemas). O papel do psicólogo social comuni-
conjunto com os indivíduos da
comunidade e articule com a tário não pode se confundir com o de um “clínico-assistencialista”,
conquista da autonomia? capaz de resolver problemas emocionais ou sociais. Seu papel é o de
favorecer a autonomia e de romper com o modelo de dependência
Leitura que reproduz a dominação.

A obra Crime: o social pela Concluímos, desse modo, que essas são as bases que devem sus-
culatra, embora escrita
tentar a atenção para os problemas comunitários em articulação com
antigamente, é bastante
atual. Nela, ao autores for- os problemas psicossociais específicos, como evasão escolar, violência
necem uma leitura crítica
familiar, abuso de substâncias, gravidez precoce, abuso sexual, traba-
e sociológica dos sujeitos
que possuem problemas lho infantil, adolescente em conflito com a lei, entre outros. Como vi-
com a lei. Uma leitura
mos, a intervenção se inicia com a identificação do problema e, com
fácil, fluída e de grande
conteúdo reflexivo. base nele, são promovidas reflexões, tomada de consciência, amparo
e construção de conhecimento. É necessário que sejam feitos encami-
MISSE, M.; MOTTA, D. Rio de Janeiro:
Edições Achiamé, 1979. nhamentos contextualizados, adequados ao problema levantado, com
a implicação dos sujeitos nas ações resultantes desse processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A constituição do sujeito é um processo complexo que se inicia no
contato com a mãe (função materna) e se desenvolve na inserção do ser
humano em seu primeiro grupo social, a família. Esta se mostra inseri-
da em uma cultura com características de sua própria história, a qual é
transmitida de maneira significativa. O sentimento de pertença é capaz
de sustentar o sujeito como ser biopsicossocial, juntamente com algumas
garantias de segurança e afeto.
Na sequência, o ser humano é inserido em seu segundo grupo social,
que é a escola. Considerando a constante interação que ocorre em todas
as instâncias da vida, tanto a escola quanto a família se influenciam mu-
tuamente. A socialização que decorre da inserção da criança na vida esco-
lar marca significativamente seu desenvolvimento em todos os aspectos.
Mais tarde, o trabalho também ocupará um lugar importante na vida do
sujeito. Assim como a família e a escola, o trabalho carrega representações
que contribuem para a formação identitária e para o sentimento de pertença.

52 Psicologia social e comunitária


A comunidade se caracteriza como lugar em que são compartilhadas
situações de cotidiano e que muito diz sobre o sujeito e o contexto eco-
nômico, social e histórico a que ele pertence. Diante da desigualdade so-
cial, a psicologia social comunitária busca intervir, no sentido de minimizar
os problemas psicossociais decorrentes da exclusão social. Esse trabalho
considera ideal a construção de autonomia para que os sujeitos possam
atuar de maneira ativa, consciente e efetiva em relação à transformação da
sua realidade e, com isso, possam alcançar melhores condições de vida.
Nesse processo, torna-se fundamental o acolhimento dos sujeitos
como seres capazes, potentes, conscientes de seus direitos e implicados
em fazer sua parte, sem uma posição passiva, dependente e dominada.
Da nossa parte, é importante termos uma consciência crítica, entender o
sistema e nos apropriarmos de uma postura que seja ativa e profissional-
mente capaz de colaborar nas melhorias sociais.

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Sujeito como ser biopsicossocial 53


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SPITZ, R. A. O primeiro ano de vida. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

GABARITO
1. A família é o primeiro grupo social do ser humano. O cuidado e a socialização que a
família dispensa ao sujeito, mesmo antes do seu nascimento, o humaniza e o insere
em uma rede simbólica, na qual se articula a história familiar, assim como o contexto
sociocultural presente na sociedade em que passa a fazer parte.

2. A escola oferece oportunidades para a aprendizagem e desenvolvimento de habi-


lidades. Ela tem uma função socializadora importante, caracterizando uma espécie
de preparação para o convívio social e vida adulta. No ambiente escolar, acontecem
diversas experiências fundamentais: jogos, brincadeiras, negociações etc. Todos os
estímulos desse grupo social interferem no desenvolvimento e favorecem ampliações
cognitivas e emocionais significativas.

3. O trabalho, além de ser uma forma de inserção social, tem importante função na vida do
ser humano. Ele contribui para nossa identidade social, para o sentimento de pertença
e para a autoestima, gerada pela vivência de se sentir capaz de ser produtivo. Nesse
sentido, o trabalho ocupa um lugar fundamental na vida e na história da humanidade.

4. A desigualdade social é decorrente da concentração de riqueza na classe dominante e


a discrepante falta de riqueza na classe dominada, por exemplo. Para contextualizar,
pode-se pensar que essa discrepância é consequência do sistema econômico capi-
talista. A exclusão social é um de seus efeitos e representa a falta de acessos sociais
e de direitos básicos (alimentação, saúde e educação) que acomete os mais pobres.
Desse modo, a desigualdade social é reflexo da má distribuição de renda e falta de in-
vestimento na área social. Podemos citar ainda outras formas de desigualdade social,
como a racial, de região e de gênero.

5. O trabalho do psicólogo social deve acontecer de maneira conjunta desde o início,


ainda na etapa da caracterização das necessidades, e assim se desenvolver até o final,
na tomada de decisões e nos encaminhamentos para solução dos problemas. Com
isso, garante-se que os indivíduos do grupo sejam levados em consideração, tenham
voz, se impliquem e se responsabilizem pelo processo do trabalho, a fim de que con-
quistem uma posição de autonomia. Sua importância é a de fortalecer a comunidade
para que se alcancem transformações e melhorias sociais. Nesse sentido, o papel do
psicólogo social comunitário é o de favorecer a autonomia e de romper com o modelo
de dependência que reproduz a dominação.

54 Psicologia social e comunitária


4
Sujeito e cultura
Este capítulo traz abordagens sobre sujeito e cultura. Para sus-
tentar nosso trabalho e estudo, iniciamos este percurso com a teo-
ria das representações sociais, cujos fundamentos teóricos podem
ser utilizados na psicologia social e comunitária como instrumento
de leitura e interpretação dos fenômenos e problemas sociais.
Vamos estudar, ainda, o conceito de ideologia, importante no-
ção para o entendimento das relações sociais e do modo como
as sociedades se organizam e produzem cultura. Nesse sentido,
sociedade e cultura serão temas abordados neste capítulo, o qual
pretende, também, promover conhecimentos sobre estereótipo,
estigma e preconceito, isto é, elementos que participam da exclu-
são social e são objetos de estudo e de intervenções no campo da
psicologia social e comunitária.

4.1 Representações sociais


Vídeo Para conhecermos a teoria das representações sociais, precisa-
mos retomar um pouco sua origem e apresentar suas características.
Seu marco inicial ocorre na Europa, com o estudo La psychanalyse: son
image et son public (1961), do psicólogo social Serge Moscovici. A tradu-
ção desse estudo – em português, A representação social da psicanálise –
chegou ao Brasil somente no ano de 1978, sendo republicada mais
tarde com o título A psicanálise, sua imagem e seu público.

Moscovici se ocupou do fenômeno da socialização e buscou articu-


lar a psicanálise com a psicologia social. O teórico inaugurou um cam-
po de estudo interdisciplinar, o qual se desenvolve e se consolida na
perspectiva da psicologia social, com o objetivo de apontar uma nova
concepção para a psicologia e para as ciências humanas em geral.

As representações sociais são um meio pelo qual a subjetivida-


de do ser humano pode ser entendida em todas as disciplinas sociais.

Sujeito e cultura 55
Trata-se de uma maneira de o sujeito assimilar e significar a realidade
da vida cotidiana, ao mesmo tempo que ele participa da construção
dessa realidade. Para Moscovici (1978, p. 41), as representações sociais
“circulam, cruzam-se e se cristalizam incessantemente através de uma
fala, de um gesto, um encontro, em nosso universo cotidiano, [impreg-
nando] as relações sociais estabelecidas, os objetos produzidos ou con-
sumidos, as comunicações trocadas”.

Moura (2004) afirma que, embora a proposta de Moscovici tenha se


sustentado nos estudos realizados pelos fundadores das ciências so-
ciais na França e se inspirado no conceito de representações coletivas de
Émile Durkheim, o teórico acreditou ser mais adequado estudar o que
chamou de representações sociais. Moscovici considerou que as repre-
sentações coletivas não combinavam com a atualidade de um tempo
muito curto, corrido, em que existia pouco espaço para tradições está-
veis – cenário em que Durkheim desenvolveu sua teoria. Desse modo,
o teórico julgou necessárias a criação e a utilização de conceitos que
acompanhassem a dinâmica da atualidade.

Para contextualizarmos, vamos entender primeiramente o concei-


to de representações coletivas, concebido por Durkheim, noção bá-
sica para a compreensão das representações sociais. Sá (1995) explica
que há uma distinção entre representações coletivas e representações
individuais. As representações coletivas são espécies de produções so-
ciais, que se impõem aos indivíduos como forças exteriores e que têm
um importante papel em diversos aspectos da vida em sociedade; elas
são, portanto, estados de coletividade e estão, segundo Durkheim, na
base de toda a operação intelectual (BARBOSA, 2009). Por outro lado,
as representações individuais consistem em significações particu-
lares e singulares, que não são necessariamente compartilhadas por
outros indivíduos.
Glossário Outra concepção muito importante para o estudo da psicologia social
simbolismo: “expressão, e comunitária é o simbolismo. Durkheim (1989) demonstrou que esse
figuração ou interpretação por
elemento não só é parte constitutiva da vida social, como também é sua
meio de símbolos; simbólica”
(HOUAISS, 2009). condição essencial, uma vez que a comunicação, a agregação e a vida
social seriam impossíveis sem as representações coletivas, sem o pen-
samento lógico (o modo que estruturamos nosso pensamento) e sem
as categorias de entendimento (estabelecidas por meio de convenções).

56 Psicologia social e comunitária


Ainda que as representações coletivas se fundamentem na dinâmi-
ca social, elas não são o real, pois apreendem apenas uma parte dele.
As representações individuais e coletivas, na teoria de Durkheim (1994),
são sempre imaginárias, uma vez que o modo de instituição do social é
o próprio imaginário. Nesse sentido, é importante perceber a parciali-
dade da representação em relação ao real. Moura (2004) explica que as
construções do imaginário humano sobre o real exigem reconsiderar
as relações entre o mundo material e o simbólico, o objetivo e o subje-
tivo, os fatos e a respectiva compreensão sobre eles.

Agora que já conhecemos um pouco sobre a teoria de Durkheim, po-


demos discorrer sobre a teoria das representações sociais de Moscovici.
Ele buscou refletir sobre as características das sociedades modernas, 1
1
no que se refere à dinâmica de mobilidade e de plasticidade , situan-
Em Moscovici, mobilidade e
do-se em relação a mudanças (políticas, econômicas e culturais) com a plasticidade são propriedades
velocidade e multiplicidade com que elas ocorrem. Segundo Moscovici que indicam a dinâmica; isto
é, mudanças relativamente
(1978), as representações nesse contexto não podem ser considera-
rápidas, em contraponto às
das de fato coletivas, pois apenas poucas podem ser entendidas como representações presentes
tal. Desse modo, o estudioso utiliza o termo representações sociais no na teoria de Durkheim. Para
Moscovici, as representações são
lugar da noção de representações coletivas. Assim como SÁ (2002), en-
móveis (por isso o uso da noção
tendemos que, ao substituir esses termos, a teoria de Moscovici atua- mobilidade) e, dependendo do
lizou as ciências sociais de um modo mais apropriado para interpretar contexto sócio-histórico, podem
comportar diferentes sentidos. Já
a contemporaneidade. plasticidade remete à alteração
As representações sociais promovem leituras e explicações sobre a que as representações estão
sujeitas ao longo do tempo.
a vida cotidiana por meio de um apanhado de conceitos. Segundo
Moura (2004) – ao mencionar Moscovici (1978) –, na sociedade contem-
porânea, elas são equivalentes aos mitos e sistemas de crenças das
sociedades tradicionais. Assim, as representações sociais são respon-
sáveis pela constituição do senso comum na atualidade.

A construção e a teorização das representações sociais foram in-


fluenciadas por outros campos do conhecimento, como a psicanálise
freudiana e a psicologia do desenvolvimento – por exemplo, a psicoge-
nética de Piaget e a teoria sócio-histórica de Vygotsky. Da psicanálise,
Moscovici contemplou as prerrogativas freudianas relacionadas com a
existência dos processos inconscientes e a importância da transmissão
cultural. No que diz respeito à psicologia do desenvolvimento, a teoria
das representações sociais de Moscovici utilizou as contribuições de

Sujeito e cultura 57
Piaget e Vygotsky, referentes às atividades representacionais, e desta-
cou a importância das relações com o outro na produção de sentido, o
que favorece a aprendizagem (MOURA, 2004).

Moura (2004) nos ajuda a compreender que as representações so-


ciais, na perspectiva que descrevemos, são apreensões e apropriações
do real pelo indivíduo; elas ocorrem nas interações sociais, possibili-
tando a internalização de conceitos e favorecendo a interpretação do
mundo. As representações sociais especificam o objeto, a ação e o julga-
mento e, também, por se incluírem nas vivências e interações dos indiví-
duos, constituem sistemas cognitivos e emocionais, que têm a lógica e a
linguagem dos sujeitos. Nesse sentido, essas representações envolvem
valores, conceitos e estilos próprios de comunicação (BARBOSA, 2009).

Abric (1995 apud SÁ, 2002, p. 64), explica que as “representações so-
ciais são o conjunto organizado de informações, atitudes, crenças que
um indivíduo ou um grupo elabora a propósito de um objeto, de uma
situação, de um conceito, de outros indivíduos ou grupos apresentan-
do-se, portanto, como uma visão subjetiva e social da realidade”.

No mesmo sentido, Jodelet (2001, p. 17, grifos nossos) explica que:


sempre há necessidade de estarmos informados sobre o
mundo à nossa volta. Além de nos ajustar a ele, precisamos
saber como nos comportar, dominá-lo física ou intelectual-
mente, identificar e resolver os problemas que se apresen-
tam: é por isso que criamos as representações. Frente a esse
mundo de objetos, pessoas, acontecimentos ou ideias, não
somos (apenas) automatismos, nem estamos isolados num
vazio social: partilhamos esse mundo com os outros, que nos
servem de apoio, às vezes de forma convergente, outras pelo
conflito, para compreendê-lo, administrá-lo ou enfrentá-lo. Eis
por que as representações são sociais e tão importantes na
vida cotidiana. Elas nos guiam no modo de nomear e definir
conjuntamente os diferentes aspectos da realidade diária, no
modo de interpretar esses aspectos, tomar decisões e, even-
tualmente, posicionar-se frente a eles de forma defensiva.

Barbosa (2009) relata que a teoria de Moscovici apresenta dois


processos fundamentais, constituintes das representações sociais, os
quais foram denominados ancoragem e objetivação. Moura (2004) expli-
ca que ancorar é classificar e denominar um objeto; na ancoragem, ob-
serva-se o processo no qual as novas representações se apoiam ou se
“amarram”, possibilitando que os conceitos e imagens sejam mais facil-

58 Psicologia social e comunitária


mente assimiladas ao encontrarem referências e, também, uma acei-
tação nas concepções já formadas e consolidadas de objetos similares.

Já a objetivação “seria uma operação imaginante e estruturan-


te, pela qual se dá uma forma (ou figura) específica ao conhecimen-
to acerca do objeto representado, tornando concreto, como que
‘materializando a palavra’” (SÁ, 2002, p. 47). Segundo Moura (2004,
p. 69), “para Moscovici, objetivar seria encontrar as propriedades
icônicas do objeto social representado, reproduzir um conceito em
uma imagem”. Em outras palavras, no processo de objetivação,
ocorre o fenômeno da figuração, que nada mais é do que a trans-
formação de conceitos em imagens.

A representação como processo evidencia a relação entre conceito


e percepção. Essa relação implica uma elaboração mútua, ou seja, a
percepção interfere no conceito e o conceito interfere no modo como
percebemos os aspectos da vida (MOSCOVICI, 1978). Segundo Moura
(2004, p. 69), “a representação seguiria, por um lado, a linha do pensa-
mento conceitual capaz de se aplicar a um objeto não presente, de con-
cebê-lo, dar-lhe um sentido, simbolizá-lo (ancoragem)”. Por outro lado,
à maneira da atividade perceptiva, trataria de recuperar esse objeto,
dar-lhe uma concretude, figurá-lo e torná-lo “tangível” (objetivação).

Com base em Moscovici (1978), acreditamos que as representações


sociais podem ser entendidas por meio de suas funções básicas. A pri-
meira delas é a de orientar o comportamento do sujeito, o que ocorre
por meio de formas simbólicas; estas aparecem nos pontos de vista
compartilhados pelos grupos e definem condutas desejáveis ou admi-
tidas, isto é, promovem certa referência sobre o que é adequado so-
cialmente. Há uma constante interação entre rede de relações, noções,
teorias e significações já estabelecidas.

Outra função é a ação que ocorre com a organização e significação


atribuídas a esses dados já existentes, a qual consiste em um processo
que efetiva a construção da realidade. Para compreender esse proces-
so, é importante ter em mente que, para se relacionar com o mundo,
o ser humano opera uma transformação do que é externo em interno,
ou seja, integra um dado novo em um sistema de relações previamente
constituído. Nesse processo de interiorização, conta-se com a fala, as
trocas verbais e as expressões. Desse modo, há a transmissão das in-
formações e a confirmação dos hábitos do grupo.

Sujeito e cultura 59
Moura (2004, p. 70) explica que
essa ação realiza um movimento de familiarização com o real,
atribui sentido e organiza informações revelando que os indiví-
duos não são máquinas passivas para obedecer a aparelhos, re-
gistrar mensagens e reagir às estimulações exteriores, mas que
possuem a imaginação e o desejo de dar um sentido à sociedade
e ao universo a que pertencem.

Finalmente, as representações sociais têm a função de integrar


o “estranho” em um sistema de relações familiares, tornando o “não
familiar em familiar”. “O objeto a ser representado é colocado em
Livro
uma rede de articulações com outros objetos já existentes. Nesse
A obra As representações
sociais, organizada por processo, o objeto é transformado e ganha o estatuto de um signo”
Denise Jodelet, traz
artigos de diversos
(MOURA, 2004, p. 70-71). Assim, as representações sociais oferecem
estudiosos da teoria das um esquema de interpretação do que se apresenta na realidade.
representações sociais.
Divididos em três grupos, Abric (1994 apud SÁ, 2002) aponta que, entre as funções das re-
os artigos da primei-
ra parte conceituam presentações sociais, pode-se considerar a função identitária, a qual
e contextualizam as
pode ser entendida como aquela que compreende a especificidade de
representações sociais
nas ciências humanas. Os cada grupo. O autor refere-se também à função justificatória, que,
artigos da segunda parte
articulam as represen-
como o próprio nome sugere, justifica os comportamentos e posições
tações sociais com a tomadas pelos sujeitos.
psicologia social. Por fim,
os textos da terceira par- De maneira geral, a representação social é um saber constituído em
te abordam os campos
específicos de pesquisa e um tipo de conhecimento que elabora comportamentos, bem como
a aplicação da teoria das
a comunicação entre os sujeitos (MOSCOVICI, 1978). Por meio das re-
representações sociais.
Em resumo, a obra presentações sociais, são constituídos sistemas de valores, noções e
aborda as representa-
ções sociais de maneira
práticas nas relações sociais (MOURA, 2004).
completa. Vale a pena a
leitura. Nesse sentido, podemos concluir que a teoria das representações
JODELET, D. (org.). Rio de Janeiro: sociais considera o indivíduo como um sujeito capaz de atuar social-
EdUERJ, 2001. mente, de maneira ativa, e com o poder de transformar a sociedade.
Isso corrobora com a proposta teórica de Moscovici (1978), no sentido
Atividade 1 de julgar que há uma dinâmica de construção, significação, reconstru-
Realize uma síntese da teoria das ção e ressignificação social. As representações sociais estão ligadas e
representações sociais.
articuladas à cultura e aos contextos históricos e sociais, podendo me-
diar a realidade objetiva e subjetiva do indivíduo e do outro.

60 Psicologia social e comunitária


4.2 Ideologia
Vídeo Ideologia é um conceito complexo; desse modo, para compreendê-
-lo, partiremos de uma contextualização histórica. Bosi (2010) resgata
que o pensador francês Destutt De Tracy (1754-1836) foi o criador do
termo ideologia, embora já houvesse alguma referência sobre isso na
filosofia, nos textos de Platão.
Ao definir ideologia, De Tracy a entende como um Livro
estudo científico de ideias decorrentes da interação
entre ser humano (organismo vivo) e natureza (meio
ambiente). Para conceituá-la, o teórico buscou elucida-
ções para entender elementos como razão, memória,
percepção e vontade, os quais ele considerava inter-
ventores na formação de ideias (RAMALHO, 2012).
Chauí (2008, p. 10) afirma que De Tracy construiu
“uma teoria sobre as capacidades sensíveis, res-
A obra O que é ideologia
ponsáveis pela formação de todas as nossas ideias:
traz detalhes interessan-
querer (vontade), julgar (razão), sentir (percepção) e tes sobre esse conceito e
recordar (memória)”. Nesse sentido, a ideologia pode em relação ao contexto
histórico e político
ser entendida como uma ciência sobre as ideias. francês. Marilena Chauí
discorre sobre diferen-
A ideologia é, também, um sistema de repre- tes contextos históricos
sentações compartilhadas por um grupo social e articula a noção de
ideologia com questões
que tem um caráter dominante sobre o âmbito sociais e tensões políticas
das representações de um determinado grupo da época de Napoleão
Bonaparte (1769-1821).
(LIPIANSKY, 1991). Nesse sentido, podemos arti-
cular esse conceito com o pensamento de Santos CHAUÍ, M. 9. ed. São Paulo:
Brasiliense, 2008.
(1994), que afirma que a ideologia é o contexto
no qual se inscrevem representações isoladas.
Assim, o autor compreende que a ideologia é uma espécie de nível
que engloba as representações. Quanto às suas funções, podemos
elencar os itens a seguir:

• articulação do individual e do grupal.


• articulação entre psicológico e social.
• defesa das condutas.
• racionalização das condutas.
• regulação dos discursos.
• manutenção da diferença entre classes sociais.

Sujeito e cultura 61
Segundo Lipiansky (1991), a ideologia traduz posições e interesses,
especialmente de um grupo, o apresentando de modo a naturalizá-lo
como universais e comuns. Assim, essas posições e esses interesses
são validados como descrição e explicação da realidade.

É importante entender que a ideologia se sustenta em sua própria re-


produção. Isso ocorre com sua apropriação, no momento que responde
às necessidades cognitivas e psicológicas do sujeito que a toma como um
modelo e que, nesse ponto, é capaz de interferir na construção da iden-
tidade. A ideologia, portanto, opera em nível simbólico e objetiva uma
ordem social que conecta os indivíduos e os mantêm em certa harmonia,
ao preço de suprimir o pensamento crítico e questionador dos sujeitos.

Santos (1994) sugere que a ideologia tem sua articulação em níveis


sociais, cognitivos e psíquicos, visto que relaciona o social com o psico-
lógico. Isso acontece porque a ideologia é capaz de favorecer a trans-
formação dos mecanismos psíquicos em social, ao mesmo tempo que
os processos sociais se transformam em psíquicos. Um exemplo desse
processo, como já mencionado, é a identidade, com aquilo que ela ab-
sorve dos modelos ofertados socialmente.

Para que fique claro, ressaltamos que a entrada do sujeito na dinâmi-


ca social se dá com a interiorização da realidade estabelecida anterior-
mente. Ao assimilá-la, o sujeito se insere e se torna membro participante
da sociedade, a qual já tem seu universo simbólico formado por regras,
normas, valores, representações, crenças e códigos de comportamento,
que são compartilhados por todos. Embora se tenha certa singularidade
no modo em que o sujeito assimila seu meio, esse é um processo que se
estabelece como uma via de mão dupla.

É no momento que o sujeito se apropria desses códigos – os quais


criam o pensamento e os modelos de comportamento da sociedade e
sua cultura – que a ideologia se consolida, influenciando o modo de ler
o mundo à sua volta e a si próprio e, assim, formando sua identidade.

Não podemos perder de vista que esses processos tem como pano
de fundo a intenção de manutenção do status quo (estado das coisas).
Karl Marx (1818-1883) foi outro teórico que estudou o conceito de ideo-
logia; para ele, o ideólogo inverte as relações entre o real e as ideias,
porque as ideias não são somente produzidas com base no real, pois
elas próprias criam a realidade. Chauí (2008) explica que a ideologia
foi inicialmente compreendida como uma ciência natural da aquisição

62 Psicologia social e comunitária


das ideias sobre o real; contudo, ela acabou sendo designada como um
princípio de ideias, que desconhece sua relação com a realidade. Para
entender essa questão, vamos considerar a posição de Marx sobre as
classes que dominam a sociedade, objeto de sua crítica.

Para Ramalho (2012), Marx considera que a ideologia se produz por


meio das relações socioeconômicas e das contradições sociais. Além
disso, a ideologia tem a função de ocultar, minimizar e justificar os
conflitos para tentar torná-los aceitáveis e naturais; essa naturalização
ocorre, por exemplo, nas diferenças sociais. Segundo Marx, a ideologia
faz com que essas diferenças sejam tomadas como naturais e, desse
modo, ela é capaz de anular a reflexão crítica. Nesse caso, a ideologia
serve aos interesses da classe dominante, que controla os meios de
produção na sociedade capitalista.

O efeito da ideologia também se mostra nos valores compartilha-


dos pelas sociedades. A mídia, por exemplo, colabora em sua constru-
ção ao universalizar ideias das classes dominantes de maneira massiva,
adentrando o cotidiano das pessoas pelos meios de comunicação (tele-
visão, rádio, entre outros).

Chauí (2008) ressalta que as classes sociais se constituem por meio


das relações sociais, sendo definidas e sustentadas na relação com o
trabalho e nas formas estabelecidas de propriedades pública e privada.
Para a autora, as políticas e as instituições sociais as validam com siste-
mas de ideias que revelam e ocultam o significado real de suas relações.

Thompson (1995) analisa que o estudo da ideologia promove o en- Atividade 2


tendimento sobre as maneiras com que as simbologias são utilizadas Explique por que a ideologia
para a manutenção e implantação das relações de dominação entre serve à manutenção das relações
de dominação entre as classes
as classes. Vale ressaltar que a ideologia é efetiva quando ligada a um sociais.
sentido particular da vivência do sujeito, isto é, quando ela significa e
constrói sentidos por meio de formas simbólicas, como a linguagem.

Os sentidos constituídos com base na ideologia interferem nos va-


lores e na sustentação dos estereótipos. Lane (2015) menciona que as
ideologias dominadoras interferem nos desejos e nas necessidades
daqueles que estão sujeitos a ela. Para a autora, a ideologia se compro-
mete com as necessidades dos sujeitos, capturando suas expectativas
e se apresentando de modo atraente, agradável e possível.

Ao ler Lane (2015), podemos perceber que a ideologia se atualiza


e participa da subjetividade do ser humano. Ao mencionarmos as-

Sujeito e cultura 63
pectos relacionados à dominação, é importante distinguir relação de
dominação da relação de poder. Thompson (1995) esclarece que o
poder é uma competência individual, uma potência no trabalho, na
escrita e na fala e que todos os sujeitos o têm, em menor ou maior
grau, de acordo com sua singularidade. Já a dominação consiste em
uma relação capaz de desapropriar o poder, pois é imposta ao outro,
ainda que, por vezes, injustamente.

A importância de se entender o conceito de ideologia no estudo da


psicologia social e comunitária está associada à identificação dos fato-
res constituintes da sociedade, para que tenhamos consciência sobre
eles. Esses fatores estão impregnados e internalizados no sujeito sem
que ele se dê conta disso.

Ressaltamos, por fim, que meios de comunicação são podero-


sos formadores de opinião, sendo capazes de manipulá-la sem que
as pessoas percebam. Thompson (1995) aponta o crescimento dos
meios de comunicação em massa e os considera como instrumento
de mediação da cultura moderna. O autor explica que o processo de
transmissão das simbologias pelos aparatos tecnológicos e institucio-
nais da indústria midiática é decorrente do capitalismo. Desse modo,
podemos concluir que a ideologia reproduz interpretações capazes
de encobrir a realidade, com explicações alienantes sobre conflitos,
desigualdades sociais e injustiças.

4.3 Sociedade e cultura


Vídeo A sociedade abrange as formas como os seres humanos se
agrupam e se organizam em determinado momento histórico e lo-
cal. Nesse sentido, para que um grupo de caracterize como uma
sociedade, é necessário que se faça esse recorte no tempo (históri-
co) e no espaço (localidade), além de que se organize por meio de
regras, normas e leis.

Lane (1994, p. 13) aponta que “a sociedade tem normas e/ou leis
que institucionalizam aqueles comportamentos que historicamente
vêm garantindo a manutenção desse grupo social”. Desse modo, em
cada sociedade haverá normas que regem as relações interpessoais;
essas normas caracterizam, também, os papéis sociais e suas relações.

64 Psicologia social e comunitária


É interessante considerar que a sociedade se caracteriza por uma
atividade conjunta entre os seres humanos, que funciona e que se man-
tém. Lane (1994) nos lembra que a complexidade da sociedade é históri-
ca, pois teve seu início com o ser humano transformando a natureza, isto
é, seu meio. Essa constatação nos leva a concluir que são muitos os pi-
lares que sustentam a sociedade, um deles, por exemplo, é o da cultura.

Para compreendermos a sociedade, é fundamental construirmos


um saber sobre a cultura. São várias as áreas do conhecimento que a
estudam e a conceituam – como a antropologia, sociologia, economia,
administração, arte, entre outras. A importância de seu estudo está re-
lacionada com o modo como ela afeta os seres humanos, tanto na sua
subjetividade singular quanto na social. As contribuições da filosofia,
da sociologia e da psicologia serão úteis para nosso estudo.

Abbagnano (1999) descreve que a filosofia considera duas vertentes


para pensar a cultura: a primeira diz respeito à formação humanística,
já a segunda abarca o que conhecemos como civilidade. A formação
humanística está vinculada à capacidade de desenvolvimento do ser
humano como um refinamento, estando historicamente relacionada a
modelos de manifestações culturais da elite social. Sob essa visão, ter
a qualidade de ser culto significa deter conhecimentos em várias áreas.
Já a civilidade está associada às especificidades dos hábitos e compor-
tamentos de cada povo. Nesse sentido, novamente devemos conside-
rar que a cultura produz formas de comportamento, ao mesmo tempo
em que é produzida por elas.

O filósofo Immanuel Kant (1724-1804) entendia que a cultura é a


representação máxima da natureza no ser humano. O teórico desta-
cou a racionalidade humana expressa em seu conjunto de valores e
costumes, que capacitam o ser humano a fazer escolhas e agir em con-
formidade com elas (KANT, 2002). Na sociologia, o conceito de cultura
se relaciona com os fatos sociais, buscando compreendê-los. Sua abor-
dagem engloba as instituições sociais, as interações e a influência do
ambiente social na vida do ser humano (DURKHEIM, 2002).

A cultura pode ser lida por meio dos fenômenos e fatos sociais.
Para Weber (2004), o estudo da cultura na sociologia observa pa-
drões estabelecidos socialmente; um exemplo é a família, que se
institui e se regula por meio das leis que a formalizam – leis de
filiação, casamento, divórcio, adoção etc. Weber (2004) também

Sujeito e cultura 65
analisa as culturas que se regulam informalmente, por intermédio
da tradição; um exemplo são as sociedades indígenas, que geral-
mente não possuem sistemas burocráticos.

A psicologia entende a cultura como o conjunto de saberes, valores


e crenças estabelecidos; esse conjunto é relacionado ao comportamen-
to humano e define, em parte, esse comportamento. Wilhelm Wundt,
teórico considerado o pai da psicologia científica, se deparou com a
impossibilidade de explicar a mente humana somente por suas bases

Livro biológicas e fisiológicas, o que o levou a considerar a interação do sujei-


to com a sociedade e a cultura em que ela está inserida.

Um aspecto importante da cultura conceituada pela psicologia – e


que nos interessa especialmente no estudo da psicologia social e co-
munitária – é a relação da cultura com a capacidade humana de cons-
truir significados. Segundo Massimi (2006, p. 183), “se toda cultura é
o âmbito dos significados que os homens atribuem à existência e à
realidade, então ela contém também os significados da própria vida
O que é cultura é uma psíquica”. Em outras palavras, cada sistema cultural terá sua própria
obra de leitura leve e
esclarecedora sobre essa maneira de significar os variados aspectos da vida objetiva e subjetiva.
temática. Ela integra a
coleção Primeiros Passos, Nesse sentido, podemos afirmar que é impossível pensar a psico-
que costuma trazer logia sem considerar a cultura, pois é nela que a própria psicologia é
uma introdução sobre
temas fundamentais e significada não somente como conhecimento, mas como o fenôme-
relevantes de maneira
prática e didática. Nessa
no psíquico determinante nas relações do sujeito com a sociedade.
obra, o leitor encontra A cultura, na condição de produto sócio-histórico, define padrões
um panorama sobre o
tema cultura, despertan- lógicos e cognitivos (como tradições e valores) e é responsável pela
do reflexões sobre o ser identidade tanto individual – se a considerarmos parcialmente, isto
humano e suas relações.
é, não como única responsável por determiná-la – quanto pela iden-
SANTOS, J. L. São Paulo: Brasiliense,
1995. tidade cultural. Assim, torna-se fundamental que o sujeito reconhe-
ça a história e a cultura na qual se insere.

O ser humano se diferencia dos animais em virtude de, além de se


constituir um ser biológico e psicológico, também assumir papel histó-
Atividade 3 rico e cultural. A socialização humana é fortemente ligada ao sistema
De acordo com o que foi cultural que sustenta costumes, convenções, códigos sociais, hábitos e
apresentado no capítulo, discorra
sobre o conceito de cultura. comportamentos fundamentais na forma de interpretar e se relacionar
com as pessoas e com o mundo.

66 Psicologia social e comunitária


4.4 Estereótipos, estigma e preconceito
Vídeo As construções culturais de valores e ideias são convenciona-
das e acabam produzindo percepções sociais que funcionam como
uma espécie de julgamento, o qual as pessoas fazem, umas das
outras, por meio de elementos parciais, como a aparência. Parece
existir no ser humano uma necessidade de interpretar o outro com
base em características que podem resultar na formação de este-
reótipos compartilhados socialmente.

Em princípio, o termo estigma designa cicatriz, aquilo que marca,


que assinala. Outro significado remete-se a sinal infamante, desonro-
so; ele também é associado à medicina, sendo definido como marcas e
sinais físicos geralmente relacionados a doenças ou deficiências
(ENCICLOPÉDIA..., 2005). Entendendo a origem do termo, podemos al-
cançar o sentido atrelado aos estereótipos e preconceitos.

Estigma é um conceito complexo, que consiste na


Livro
desqualificação e desvalorização de alguém ou de
um grupo social. Sua força está ligada à ordem de
uma marca evidente e involuntária, capaz de produ-
zir um significado arbitrário ao sujeito que o porta. O
estigma é como um rótulo impregnado de sentido,
que se torna alvo de discriminação e preconceito.

Para entendermos como isso ocorre, podemos


considerar que criamos classificações como se
fosse uma espécie de tipologia, ou seja, algum tra- Estigma: notas sobre a
manipulação da identi-
ço considerado típico, possível de ser reconhecido dade deteriorada é uma
e que gera a ideia de tipos de pessoas, resultando obra de referência nesta
temática. Por meio da
no conceito de estereótipo. conceituação das noções
de estigma e estereótipo, a
Alguns estereótipos podem ser nomeados como obra realiza uma articu-
estereótipos culturais e comumente têm uma carac- lação rica sobre as con-
dições sociais do meio e
terística generalizante. Dentre esses, podemos citar seus efeitos psicológicos
estereótipos ligados a questões de gênero, como “ho- nos sujeitos.

mem não chora”, “mulher é sensível”, bem como re- GOFFMAN, E. Rio de Janeiro: LTC, 2017.

lacionados à religião, profissão, etnia e regionalismo.


Além disso, há estereótipos que recaem sobre os sujeitos considerados
desprovidos de educação, fortuna, beleza física etc.

Sujeito e cultura 67
Outra faceta dos estereótipos é que, de maneira geral, eles aca-
bam sendo determinados de acordo com características que não são
comuns à maioria das pessoas; dessa forma, os estereótipos frequen-
temente incidem sobre grupos específicos. Os traços característicos,
nesse caso, podem servir para uma manipulação da identidade do su-
jeito estereotipado (GOFFMAN, 1988).

Goffman (1988) adverte que é possível rotular qualquer caracterís-


tica que se deseja manipular. Essa manipulação remete a uma concep-
ção de controle e, por vezes, de inferiorização dos sujeitos a quem se
atribuem os estereótipos. Jodelet (2014) elucida que os estereótipos
podem ser entendidos por meio de uma concepção cognitivista – ou
seja, como um processo cognitivo, em que os esquemas são construí-
dos sobre particularidades pessoais, as quais caracterizam os sujeitos
de um grupo ou de uma categoria social estabelecida. Novamente, é
possível identificar os processos de simplificação e generalização, típi-
cos do conhecimento produzido no senso comum.

No mesmo sentido, Regato (2005) explica que os estereótipos são


efeitos da tendência do ser humano de traduzir suas percepções em
conceitos organizados. Essa tendência acaba por efetivar um julgamen-
to sobre as pessoas por meio de informações limitadas, que apressada-
mente constroem um sentido.

É importante refletir que a construção de sentido acaba por tra-


zer certo conforto, já que, desse modo, o sujeito se sente com con-
trole e entendimento sobre algo que, além de aparecer de maneira
simplificada, não exige o trabalho intelectual e psíquico de se com-
preender a complexidade do outro.

Nesse caso, como Regato (2005) destaca, a pouca informação sobre


alguém não impede que o sujeito crie uma ideia sobre esse mesmo
alguém; pelo contrário, a rotulação resolve a necessidade de catego-
rização, de fechamento do conjunto perceptivo. Para o autor, “o es-
tereótipo [...] cria um subproduto no contexto das relações sociais: o
preconceito” (REGATO, 2005, p. 65).

Jodelet (2014, p. 61) define preconceito como um “julgamento po-


sitivo ou negativo, formulado sem exame prévio a propósito de uma
pessoa ou de uma coisa e que, assim, compreende vieses e esferas
específicas”. A autora explica que o preconceito é sustentado na di-
mensão cognitiva em seus conteúdos, proposições (sobre pessoas ou

68 Psicologia social e comunitária


grupos) e sua forma, isto é, a estereotipia. O preconceito também
se sustenta em uma dimensão afetiva predominantemente ligada às
emoções e aos valores engajados na interação com determinado sujei-
to ou grupo, bem como se sustenta em uma dimensão conotativa, cuja
descrição pode ser positiva ou negativa.

Pensando na psicologia social e comunitária, é importante con- Atividade 4


siderarmos que os estereótipos e preconceitos funcionam como Relacione os conceitos de
mediadores da exclusão social. Nesse sentido, a contribuição da estereótipo, estigma e preconceito
com a exclusão social.
psicologia social e comunitária ocorre em relação às representa-
ções que fundam os preconceitos, nos processos de comunicação
e nos contextos sócio-históricos.

A educação é uma das maneiras de intervenção e transformação


desse fenômeno social, pois, por meio dela, ampliamos e deixamos
mais complexas nossas formas de interpretação, com maior capacida-
de de relativização, compreensão e respeito às diferenças.

Por vezes, o preconceito pode ser decorrente de uma defesa, no


sentido de que o sujeito se apoia no preconceito por se sentir amea-
çado pela diferença. Ignorância, insegurança e ansiedade podem estar Leitura
por trás das atitudes preconceituosas (PISANI, 1996). Além de fatores
O texto Ação moral e
cognitivos, emocionais, midiáticos e sociais, o preconceito pode estar estereótipos culturais
não promove somente
relacionado a dificuldades psicológicas particulares. A separação, ex-
conhecimentos em
clusão e falta de interação entre as pessoas de grupos diferentes tam- relação à temática dos es-
tereótipos, mas também
bém colaboram para sedimentação dos estereótipos e preconceitos.
realiza uma articulação
pertinente com a área da
Para Rodrigues (1999), o contato é capaz de alterar a percepção e
educação.
diminuir a força dos estereótipos e preconceitos. Nesse sentido, é im-
La TAILLE, E. H. In: ARANTES, V. A.
portante refletir que a exclusão social, ao mesmo tempo que é causada Afetividade na escola: alternativas
pelo preconceito, pode ser, ainda, uma de suas causas. Desse modo, a teóricas e práticas. São Paulo:
Summus Editorial, 2003.
inclusão social pode ter um efeito desejável sobre esse problema.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo das representações sociais e da ideologia são importantes
para o entendimento do conceito de cultura. Representações sociais,
ideologias, estereótipos, estigmas e preconceitos são processos que de-
terminam as relações sociais; por essa razão, torna-se fundamental a
compreensão desses elementos.
As teorias nos ajudam a entender e subjetivar o conhecimento que
instrumentaliza a ação. É necessário que a psicologia social comunitária

Sujeito e cultura 69
intervenha a favor de melhorias nas relações sociais, de modo que mi-
nimize a exclusão social e o sofrimento causado por ela, que, de certa
forma, sustenta sua reprodução.
O preconceito, como a própria palavra explicita, é constituído por um
conceito prévio, anterior ao conhecimento. Pode ser considerado um re-
curso de leitura e interpretação simples, conforme visto no conceito de
estereótipo. Essa interpretação simples pode ser útil em alguns momentos,
contudo, se torna um grande problema quando sustenta a segregação e
a desigualdade social.
A educação é uma das formas de investimento nas transformações so-
ciais, pois é por meio da conscientização, da construção de pensamento
crítico e do desenvolvimento da autonomia que conquistamos a igualda-
de, conhecemos nossos direitos e cumprimos, também, nossos deveres.

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70 Psicologia social e comunitária


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WEBER, M. Economia e sociedade. Brasília: Ed. UnB, 2004.

GABARITO
1. A teoria das representações sociais surge da articulação entre psicologia social, so-
ciologia e psicanálise. Um dos objetivos primordiais das representações sociais é
tornar familiar algo que, até então, era desconhecido, possibilitando, desse modo,
categorizar, classificar e nomear novas ideias e eventos com os quais não tínhamos
contato no passado. Além disso, ela permite o entendimento desses novos aconte-
cimentos por meio de valores, ideias e teorias anteriormente existentes, internaliza-
das por nós e aceitas pela sociedade. No processo que se permite a interiorização,
compreensão e manipulação de algo novo, vinculam-se teorias, valores e ideias já
existentes e aceitas pela sociedade.

2. Karl Marx demonstra que a ideologia é produzida por meio das relações socioeconô-
micas e das contradições que estão presentes na sociedade. Nesse sentido, estudá-la
consiste em entender e esclarecer as maneiras com que as simbologias são utilizadas
para a manutenção e implantação das relações de dominação entre as classes. As
ideologias dominadoras podem modificar os desejos e as necessidades daqueles que
a ela são submetidos, assim como naturalizar conceitos. Para que a ideologia seja
correspondente, é necessária sua apropriação para que sua visão seja reproduzida.

Sujeito e cultura 71
Em resumo, a ideologia responde de acordo com as necessidades cognitivas e psí-
quicas do indivíduo que lhe dá aprovação, pois nela encontra-se um modelo de
representação, de crença e de ação, no qual ela pode se manifestar e ter sua rela-
ção com o ambiente.

3. Podemos entender cultura como uma forma de manifestação social, fruto da história,
e de construção de conhecimentos, valores de vida, tradições e costumes relaciona-
dos a um povo. A cultura é uma maneira de entender o mundo e a existência do ho-
mem, englobando toda a produção de conhecimentos sobre a vida.

4. Os estereótipos, estigmas e preconceitos são fenômenos que corroboram a exclusão


social, bem como são sustentados por ela. Trata-se de frutos de processos simplistas
de interpretações em que se generaliza e se cristaliza um conceito sobre algo, sem
que haja um conhecimento mais elaborado. A segregação e a exclusão alimentam as
atitudes preconceituosas que reforçam a exclusão social.

72 Psicologia social e comunitária


5
Intervenções da psicologia
social e comunitária
O objetivo deste capítulo é pensar nas possíveis aplicações da
psicologia social e comunitária. É importante enfatizar que esse
campo se constitui como um ramo da psicologia social e, por isso,
engloba diferentes tipos de intervenções.
Desse modo, apresentamos os principais temas relacionados
à atuação do psicólogo social e comunitário, como intervenções
sociais na saúde; a atuação do psicólogo no sistema prisional
brasileiro; serviços de acolhimento; o trabalho no fortalecimen-
to de vínculos familiares e comunitários; e relações com as polí-
ticas de assistência social.
Espera-se que, ao final do capítulo, possamos ter clareza de
como a atividade do psicólogo social e comunitário se efetiva, bem
como ocorre sua inserção em diferentes contextos sociais. Com
base nesses aspectos, podemos conhecer os desafios que essa
profissão enfrenta na contemporaneidade.

5.1 A atuação do psicólogo social e comunitário


Vídeo Como área de atuação, a psicologia social e comunitária – com base
em um posicionamento reflexivo, crítico e ético – tem o desenvolvimen-
to e a efetivação de intervenções sociais em grupos específicos.

Azevêdo e Pardo (2014) ressaltam que a atuação do psicólogo


social e comunitário, no Brasil, vem ao encontro da Lei n. 9.394,
de 20 de dezembro de 1996, popularmente conhecida como LDB
(BRASIL, 1996). Essa lei definiu as diretrizes e bases da educação
nacional e enfatizou o desenvolvimento de estratégias de ensino
para a promoção de práticas sociais.

Intervenções da psicologia social e comunitária 73


Importante A promulgação dessa lei é importante para o nosso estudo, uma
Durante este capítulo, você vez que interferiu nas diretrizes curriculares nacionais dos cursos de
perceberá que, em alguns graduação em psicologia, que passaram a preparar os estudantes para
momentos, adotamos o termo
psicólogo, em outros, psicólogo o envolvimento e o engajamento no trabalho com grupos e em equi-
social e, ainda, psicólogo social e pes multidisciplinares. A perspectiva de atuação do psicólogo leva em
comunitário. Como a psicologia
consideração as necessidades sociais dos indivíduos, dos grupos e das
social é uma subárea da psicolo-
gia (área do conhecimento) e a comunidades (AZEVÊDO; PARDO, 2014).
psicologia social e comunitária é
um campo da psicologia social,
De modo geral, pode-se dizer que o psicólogo é convocado a atuar
é normal o uso dessas nomen- em relação às demandas psicológicas e sociais dos indivíduos, dos gru-
claturas. Contudo, é importante pos e das comunidades. Nesse sentido, a psicologia social e comunitária
ter em mente que se trata de
informações distintas e, por isso, responde a essa necessidade ao propor ações educativas e conscienti-
ocorre a diferenciação. zadoras no desenvolvimento das relações comunitárias (LANE, 1994).

Lane (1994) explica que os seres humanos se agrupam com o


objetivo de serem produtivos em outros espaços além do trabalho
1
remunerado. Eles buscam a satisfação ao realizar atividades como
A ideologia dominante
ações voluntárias e engajamento na comunidade. Segundo a autora,
representa os interesses de
uma determinada classe é em torno dessa premissa que a psicologia social e comunitária
(dominante) para a manutenção sugere o desenvolvimento de uma sistemática de intervenções nas
das diferenças existentes entre as 1
quais “a mediação da ideologia dominante se faz sentir nas rela-
classes sociais.
ções sociais desempenhadas na família, na escola, e no trabalho,
impedindo ou dificultando a criação de novas formas de relaciona-
2 2
mento ” (LANE, 1994, p. 67-68).
Nesse contexto, as novas formas
de relacionamento representam Com base nessa premissa, a psicologia social e comunitária pro-
aquelas não submetidas à cura colaborar ativamente no desenvolvimento das relações comu-
ideologia dominante. nitárias e tem foco no aprimoramento da comunicação e das ações
de cooperação entre os sujeitos. Ela investe na instauração dessas
novas formas de relacionamento, as quais são independentes da
ideologia dominante (LANE, 1994).

É por meio da conscientização promovida no grupo que o tra-


balho do psicólogo social e comunitário se torna viável. Bock (2008
apud AZEVÊDO; PARDO, 2014) explica que, ao priorizar a relação
dinâmica que o indivíduo estabelece com o grupo social, a psicolo-
gia se compromete com a sociedade e possibilita sua atuação por
meio de uma perspectiva crítica. Essa relação dinâmica representa
a força e o movimento do sujeito nas interações com o grupo – por
exemplo, expressão de ideias, aprendizado, negociações, persua-
são, mudança de posicionamento.

74 Psicologia social e comunitária


Nesse sentido, cabe ao psicólogo social e comunitário se apropriar
do desafio de aplicar os princípios teóricos no desenvolvimento de in-
tervenções que gerem mudanças e ações realmente efetivas na comu-
nidade. A intenção é vislumbrar melhorias e aumentar a ­qualidade de
vida dos indivíduos que dela participam.

O papel do psicólogo social e comunitário deve ser o de facilitador


3
3
da conscientização na circulação da palavra e nas intervenções neces-
Circulação da palavra tem a
sárias para que se chegue à definição de encaminhamentos. Com isso,
conotação de diálogo, de dar
é possível a efetivação das ações da comunidade para resolução dos voz aos membros do grupo ao
problemas identificados no trabalho. Para compreender essa questão, mesmo tempo em que se faz
ouvir.
considere o exemplo a seguir:

Em uma reunião na qual os membros da comunidade expressam os problemas que


enfrentam, cada participante se posiciona e há um diálogo mediado pelo psicólogo
social comunitário. Juntos, comunidade e psicólogo definem prioridades e traçam
estratégias e encaminhamentos possíveis para a resolução dos problemas. Além dis-
so, discutem possibilidades na efetivação das ações necessárias.

Com base em Campos (2015) e Rapport (1977 apud AZEVÊDO;


­PARDO, 2014), elencamos alguns dos valores implicados nos trabalhos
dos psicólogos sociais e comunitários, a saber:

• ética da solidariedade;
• promoção das relações humanas;
• direitos humanos fundamentais;
• busca de justiça social;
• igualdade entre pares;
• defesa da cidadania;
• posicionamento democrático;
• compromisso ético e político.

Com embasamento e construção de saberes da psicologia social,


ou seja, suas diretrizes teóricas e a pesquisa participante como meto-
dologia (CAMPOS, 2015), podemos definir como objetivos e eixos de
atuação da psicologia social e comunitária:

Intervenções da psicologia social e comunitária 75


• levantamento de problemas;
• construção de conhecimentos;
• investimento na comunicação;
• movimentos de conscientização;
• pensamento crítico;
• orientação de objetivos;
• definição de estratégias de intervenção;
• desenvolvimento de práticas coletivas;
• incentivo à autonomia;
• conquistas e melhorias psicossociais significativas para os indivíduos,
os grupos e as comunidades.

A atuação do psicólogo social e comunitário tem a função de in-


tegrar a teoria com a prática. Esse trabalho visa à aplicação dos co-
nhecimentos de modo comprometido com a educação popular, que
é direcionada à solução dos problemas e da qualidade de interações
sociais, bem como da vida em geral.

5.1.1 Intervenções sociais na saúde


A saúde é um tema de relevância para a psicologia social, visto que
o acesso a ela é um direito fundamental e está diretamente ligado ao
bem-estar social. Nesse sentido, as intervenções do psicólogo social
são baseadas em um olhar coletivo e dirigido à promoção da saúde, o
que pressupõe, também, uma dimensão preventiva.

Rey (2004) entende a saúde como um fator básico no tecido social,


sendo, portanto, um campo favorável para o trabalho da psicologia so-
cial. A intervenção na área da saúde abarca as necessidades coletivas
em variados contextos. Assim, são mais amplas do que as intervenções
do modelo utilizado pela psicologia clínica, voltado ao atendimento in-
dividual, pois, além de se voltar ao coletivo, conta com a interdisciplina-
ridade em seu modo de atuar.

O trabalho nas equipes interdisciplinares tem se mostrado bas-


tante interessante na busca da prevenção, da promoção e do trata-
mento da saúde. Profissionais de diferentes áreas – agentes de saúde,

76 Psicologia social e comunitária


enfermeiros, médicos, farmacêuticos, assistentes sociais etc. – estão
comprometidos com a saúde coletiva e, consequentemente, com o de-
senvolvimento e o aumento da qualidade de vida dos indivíduos, gru-
pos, comunidades e da sociedade em geral.

A qualidade de vida engloba a saúde, o bem-estar social e a po- Saiba mais


sição do sujeito em seu ambiente social; dessa forma, é impossível A Reforma do Modelo de
Assistência em Saúde Mental
pensar na saúde e no bem-estar sem considerar as condições sociais.
– amparada pela Lei 10.216
O psicólogo social se insere em programas de promoção da saúde, (BRASIL, 2001) – desenvolve
tanto nas comunidades quanto no âmbito mais amplo das políticas novas formas de tratamento aos
pacientes psiquiátricos evitando
públicas e dos programas sociais. o máximo possível o modelo
asilar, no qual os pacientes
Motta (2015) relata que, com a ampliação do Sistema Único de ficam internados e privados da
­Saúde (SUS) brasileiro e o avanço das políticas públicas – com princí- inclusão social.
pios de universalidade, equidade e integralidade da atenção à saúde
–, houve uma abertura para a atuação profissional dos psicólogos. Se-
gundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2020a), o SUS é idealizado com
o objetivo de promover o acesso integral, universal e gratuito à saúde:
com a sua criação, o SUS proporcionou o acesso universal ao sis-
tema público de saúde, sem discriminação. A atenção integral à
saúde, e não somente aos cuidados assistenciais, passou a ser Livro
um direito de todos os brasileiros, desde a gestação e por toda
a vida, com foco na saúde com qualidade de vida, visando a pre-
venção e a promoção da saúde.

A Constituição Federal (BRASIL, 1988) estabeleceu que a “saúde


é direito de todos e dever do Estado”. O SUS compreende, portan-
to, a gestão das ações e dos serviços de saúde, e isso se efetiva por
meio de uma rede ampla que abarca a assistência aos brasileiros A obra Psicologia Social e
saúde: prática, saberes e
em todos os níveis – emergencial, hospitalar, preventivo, vigilância sentidos é uma coletânea
sanitária, epidemiológica e ambiental. de artigos que aborda o
papel da psicologia social
na promoção e preven-
A abertura que assinala a introdução da psicologia no SUS se re- ção da saúde. O leitor é
laciona historicamente com o envolvimento dos psicólogos no movi- levado a refletir sobre
os serviços primários
mento da reforma psiquiátrica e com a colaboração na construção dos disponíveis na comunida-
de e sobre âmbitos mais
dispositivos substitutivos do modelo asilar, como a criação do Centro amplos, como o desen-
volvimento de programas
de Atenção Psicossocial (CAPS). Essa abertura ocorre no momento em sociais e a contribuição
para as políticas públicas
que se estabelece uma nova forma de lidar com a saúde mental, que
de saúde coletiva. Vale a
passou a englobar modalidades de trabalho que permitem maior inclu- pena a leitura.
SPINK, M. J. Petrópolis: Vozes, 2003.
são social dos pacientes psiquiátricos (MOTTA, 2015).

Intervenções da psicologia social e comunitária 77


Site Houve também, segundo Motta (2015), a inclusão do atendimento à
Os Núcleos de Apoio à saúde mental na atenção básica, o que mostra o aumento da participação
Saúde da Família (NASF)
foram criados com o dos psicólogos em equipes e no Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF).
objetivo de ampliar as
ofertas de saúde na rede Outro espaço importante se efetivou com a Política Nacional de Humaniza-
de serviços, assim como ção (PNH) que, segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2020a), deve estar
a resolutividade, a abran-
gência e o alvo das ações. presente em todas as políticas e programas do SUS, bem como promover
Atualmente, são compos-
tos por equipes multi- debates para discutir mudanças no cuidar e em organizar o trabalho.
profissionais que atuam
de modo integrado com O olhar para humanização vai ao encontro do olhar da psicologia
as equipes de Saúde
social, pois contribui para “a valorização dos usuários, trabalhado-
da Família, de atenção
primária para populações res e gestores no processo de produção de saúde” (BRASIL, 2020a).
específicas – consultórios
na rua, equipes ribeiri- Além disso,
nhas e fluviais – e com o
Programa Academia da valorizar os sujeitos é oportunizar uma maior autonomia, a am-
Saúde (BRASIL, 2020a). pliação da sua capacidade de transformar a realidade em que
Para conhecer mais,
visite a página oficial do
vivem, através da responsabilidade compartilhada, da criação de
Ministério da Saúde: ht- vínculos solidários, da participação coletiva nos processos de ges-
tps://www.saude.gov.br/
tão e de produção de saúde. Produzindo mudanças nos modos
saude-de-a-z/vacinacao/
vacine-se/693-acoes-e- de gerir e cuidar, a PNH estimula a comunicação entre gestores,
-programas/40038-huma- trabalhadores e usuários para construir processos coletivos de
nizasus. Acesso em: 12
jun. 2020. enfrentamento de relações de poder, trabalho e afeto que muitas
vezes produzem atitudes e práticas desumanizadoras que inibem
a autonomia e a corresponsabilidade dos profissionais de saúde
em seu trabalho e dos usuários no cuidado de si. (BRASIL, 2020a)

Podemos pensar que o encontro entre as políticas públicas do


SUS e o interesse e compromisso dos psicólogos sociais consolida o
trabalho da psicologia social no campo da saúde. Camargo-Borges e
Site Cardoso (2005 apud MOTTA, 2015) destacam que a atuação do psi-
A Política Nacional de Hu- cólogo social deve considerar a interface da cultura e do social. Já
manização (PNH) existe
desde 2003 para efetivar Spink (2010 apud MOTTA, 2015) ressalta que a posição do psicólogo
os princípios do SUS no social em relação aos demais profissionais de saúde deve sustentar
cotidiano das práticas de
atenção e gestão, quali- a alteridade, isto é, reconhecer os saberes dos outros e as suas fron-
ficando a saúde pública teiras. A autora acredita que essa seja a via possível para a prática
no Brasil e incentivando
trocas solidárias entre nas instituições de saúde.
gestores, trabalhadores e
usuários. Para conhecer O ponto fundamental da atuação do psicólogo social no campo da
mais, visite a página oficial saúde é o uso de estratégias para o trabalho, tendo compromisso com
do Ministério da Saúde:
https://www.saude.gov. o coletivo e possibilitando que as pessoas tenham acesso à saúde de
br/acoes-e-programas/ maneira humanizada, sem perder de vista seu direito e sua cidadania.
saude-da-familia/nucleo-
-de-apoio-a-saude-da-fa- O trabalho se põe a serviço da saúde na produção de pesquisas, nas
milia-nasf. Acesso em: 12 construções teóricas, nas reflexões e nas intervenções com o intuito de
jun. 2020.
contribuir para o aprimoramento do SUS.

78 Psicologia social e comunitária


5.1.2 Atuação no sistema prisional brasileiro
Ao estudarmos sobre a atuação do psicólogo no sistema prisional
brasileiro, podemos conhecer o contexto atual das prisões do Brasil.
Esse cenário, bastante distante do que pode ser considerado ideal, le-
va-nos a pensar que, apesar de contarmos com uma Lei de Execução
Penal (BRASIL, 1984) e também com a Declaração Universal dos Direi-
tos Humanos (ONU, 2020), a realidade sinaliza uma série de problemas
graves no sistema prisional brasileiro.

Dessa forma, a atuação do psicólogo social no nosso sistema pri-


sional é muito complexa e enfrenta muitos problemas. Por isso, nossa
proposta é uma reflexão e um apontamento das possibilidades de tra-
balho nessa área situando o papel do psicólogo social sem perder de
vista princípios, valores e compromisso social.

Werle (2016) explica que a superlotação dos presídios, assim como


o despreparo dos profissionais, a violência, os abusos sexuais, as bri-
gas etc., são fatores que fazem com que exista uma perda identitá-
ria por parte do sujeito encarcerado e, com isso, há uma demanda a
ser trabalhada pelo psicólogo. O conhecimento do psicólogo propicia
um olhar único e diferenciado em relação aos outros profissionais e
na atuação com essas pessoas. A autora aponta que o psicólogo pode
realizar atendimentos individuais e grupais, bem como trabalhar com
familiares e outros profissionais envolvidos no sistema.

Foi a Lei de Execuções Penais que configurou o trabalho dos psicó-


logos no sistema penitenciário do Brasil. Werle (2016) observa que, ini-
cialmente, esses profissionais se envolviam com o trabalho no sistema
prisional brasileiro especificamente nos manicômios judiciários, que
atualmente são nomeados hospitais de custódia e tratamento psiquiá-
trico. Foi depois da promulgação dessa lei que se ampliou o campo de
atuação do psicólogo nas penitenciárias.

Essa mesma lei “instituiu o exame criminológico e a comissão técnica


de classificação (CTC), dispositivos utilizados para fazer o acompanha-
mento individualizado da pena” (WERLE, 2016). A comissão é formada
por diferentes profissionais – psicólogo, assistente social, psiquiatra,
chefes de serviço – e presidida pelo diretor da unidade prisional.

Uma questão frequentemente levantada pelos psicólogos que


trabalham no sistema prisional brasileiro é a visão reducionista

Intervenções da psicologia social e comunitária 79


com relação à sua atuação, que acaba por demandar do profissio-
nal uma atividade predominantemente avaliativa de quem realiza
diagnósticos, laudos, pareceres técnicos e perícias. Com isso, o psi-
cólogo produz documentos com o objetivo de subsidiar posiciona-
mentos do sistema judiciário em relação ao processo de aquisição
de benefícios, progressão de regime, livramento condicional e pos-
sibilidade de reintegração na sociedade.

Há uma preocupação, por parte dos psicólogos que se dedicam a


esse tema, em salientar a necessidade de ampliar a atuação para que
o profissional possa realmente contribuir para a saúde mental, o bem-
-estar e a recuperação das pessoas em situação de encarceramento.

Silva (2010) pensa que a própria inserção é o desafio do psicólogo.


O autor o considera um ator privilegiado porque está disponível para
o acolhimento, a atenção e o cuidado; a importância do funcionamen-
to humanitário na instituição é o compromisso social do psicólogo.
É desejável que esse profissional construa e sustente estratégias e
formas de atuar considerando os princípios da psicologia social e seu
compromisso com seres biopsicossociais possuidores de identidade,
história, sentimentos e desejos.

Em níveis individuais, a psicologia pode buscar acolher e trabalhar


subjetivamente com os sujeitos encarcerados – superações psicoló-
gicas relacionadas aos efeitos do encarceramento etc. – com base na
compreensão de si mesmos. O objetivo do profissional de psicologia é
auxiliar os sujeitos a compreenderem suas histórias e ressignificá-las
para, quem sabe, construírem novas alternativas fora do crime e trans-
formar suas condições de vida por meio do trabalho (WERLE, 2016).

O caminho ideal seria o de recuperação das pessoas encarceradas


para a ressocialização, ou seja, ao terminar o cumprimento da sua
pena, o sujeito poder se reinserir como membro ativo na sociedade de
modo a não reincidir em atos criminosos. Porém, sabemos que essa
recuperação é muito difícil, consideradas as dificuldades e os proble-
mas do sistema prisional brasileiro, na qual a ideia de educação e de
capacitação pouco ou nada se efetiva.

Além desse olhar dirigido a cada sujeito – possível por meio do tra-
balho e para além das avaliações já citadas –, pensa-se na atuação na
realidade vivida dentro dos presídios. A psicologia pode contribuir para

80 Psicologia social e comunitária


a humanização no funcionamento institucional com base na criação de
intervenções e na inserção de trabalhos multidisciplinares que possam
fazer a diferença na vida dessas pessoas.

Outra vertente do trabalho que o psicólogo pode realizar – além do


individual e em grupo – é o trabalho com os familiares de pessoas em
situação de encarceramento. Segundo Werle (2016):
Em relação ao trabalho com os familiares, o Conselho Federal
de Psicologia (2009) informa que os principais objetivos dos
psicólogos ao realizar esta atividade são: informar aos familia-
res do preso suas condições de saúde e o acompanhamento
de seu caso; informar sobre a inclusão em presídio de algum
familiar; orientar os familiares para receberem de volta a pes-
soa que esteve presa; entrevistá-los para melhor compreen-
são de cada caso, entre outros.

O trabalho com os familiares pode desenvolver recursos subjeti-


vos para acolher e ajudar na reinserção do familiar quando ele tiver
terminado seu tempo de prisão. A família é o laço social essencial
para o sentimento de pertença, e este, por sua vez, é fundamental
para que o sujeito se sinta capaz de fazer novas escolhas e vir a ocu-
par um lugar diferente e produtivo na sociedade.

Artigo

http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/ssrevista/article/view/13751/12474

O artigo Intervenção com a família pra o fortalecimento dos vínculos familiares


no enfrentamento da violência contra a criança e o adolescente, de Dione Lolis
e Lisa Mitiko Koga Kuriki, publicado no periódico Serviço Social em Revista,
traz um estudo que demonstra a importância da intervenção com a família
para o fortalecimento dos vínculos familiares no enfrentamento da violência
contra a criança e o adolescente. As autoras trazem relatos de experiências
significativas que estimulam boas reflexões.

Acesso em: 12 jun. 2020.

Silva (2010) menciona a necessidade de uma desmontagem da


lógica penal predominante. Isso nos leva a pensar na importância
de que o trabalho do psicólogo abranja pesquisas e produções de
conhecimento que possam interferir positivamente no sistema pri-
sional brasileiro para que as leis se estabeleçam em termos educa-
cionais e de direitos humanos.

Intervenções da psicologia social e comunitária 81


Livro
O trabalho dos psicólogos é também muito bem-vindo quando di-
rigido aos demais funcionários que fazem parte do sistema prisional
brasileiro, visto que seria mais uma maneira de intervenção em prol da
saúde institucional como um todo.

Por fim, podemos pensar na atuação da psicologia social e comuni-


tária como fator preventivo nas comunidades menos favorecidas, nas
quais as condições são precárias e tendem a ter mais casos de envol-
vimento de jovens com drogas e atos ilícitos. Um bom trabalho social
O Conselho Federal de com políticas públicas que visem à educação, ao esporte, ao lazer, à
Psicologia (CFP) realizou
saúde e à profissionalização é capaz de propiciar a esses jovens outros
uma coletânea de textos
produzidos por psicólo- caminhos antes que eles sejam captados para o crime.
gos que atuam na área
prisional. O mais interes- Assim, os desafios para a atuação do psicólogo no sistema prisional
sante são os relatos dos brasileiro são grandes e proporcionais à necessidade desse trabalho
profissionais que conhe-
cem o cotidiano desse em contribuir para a humanização e melhores condições de vida.
trabalho desafiador.

CFP – Conselho Federal de


Psicologia. Atuação do psicólogo 5.1.3 A psicologia nos serviços de acolhimento
no sistema prisional. Brasília, DF:
CFP, 2010. Disponível em: https:// Os chamados serviços de acolhimento têm a função de acolher,
site.cfp.org.br/wp-content/ cuidar e proteger pessoas e famílias que, por variados motivos, en-
uploads/2010/09/Atuacao_dos_
Psicologos_no_Sistema_Prisional. contram-se em situação de vulnerabilidade, abandono, ameaça ou
pdf. privadas do exercício dos seus direitos e afastadas temporariamen-
Acesso em: 12 jun. 2020.
te do seu núcleo familiar e/ou comunitário de origem.

Os serviços de acolhimento contam com o trabalho do psicólogo


e do assistente social. Esses profissionais ocupam lugar de equipe
de referência dos serviços socioassistenciais do chamado Sistema
Único de Assistência Social (SUAS), sistema governamental res-
ponsável por formulação, apoio e articulação de ações sociais.

Os serviços de acolhimento incluem a oferta de moradia provi-


sória até que a pessoa tenha condições de ser acolhida novamente
pela família de origem, encaminhada à família substituta ou alcançar
autonomia para ter sua moradia (própria ou alugada).

Entre os serviços estabelecidos, há o Serviço de Acolhimento


Institucional para Crianças e Adolescentes (SAICA). Moreira e
­Paiva (2015) enfatizam que a atuação dos psicólogos nesse serviço
de acolhimento deve considerar a conjuntura social histórica das fa-
mílias e das comunidades de origem das crianças e dos adolescentes.

82 Psicologia social e comunitária


Podemos elencar entre as atribuições dos psicólogos:
Saiba mais
“O Sistema de Garantia de
• apoio na seleção e na formação dos educadores;
Direitos (SGD) é a articulação
• acompanhamento psicossocial dos acolhidos e das suas famílias; e a integração de instituições
e instâncias do poder público
• elaboração do Plano Individual de Acompanhamento (PIA); na aplicação de mecanismos
• organização das informações; de promoção, defesa e controle
para a efetivação dos direitos
• elaboração de relatórios; da criança e do adolescente,
• atendimento em grupo; nos níveis federal, estadual,
distrital e municipal, efetivando
• preparação para o processo de adoção (quando for o caso); as normativas do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA),
• articulação com o Sistema de Garantia de Direitos (SGD);
marco legal brasileiro de 1990”
• fundamentação das decisões judiciais concernentes ao presente e ao futuro (CONANDA, 2020).
das crianças e dos adolescentes acolhidos;
• participação em audiências;
• visitas escolares.

Com base nessas atividades, podemos perceber e concordar


com Moreira e Paiva (2015) que o trabalho do psicólogo, nesse con-
texto, é peculiar, pois compreende desde aspectos mais formais
– produção de documentos, relatórios, participação em reuniões,
articulação com o Sistema de Garantia de Direitos, entre outros
– até os aspectos subjetivos e afetivos, pois participam da rotina
residencial das crianças e dos adolescentes acolhidos, além de mo-
mentos de lazer e passeios, como ocorre na relação familiar. Nesse
sentido, o psicólogo circula entre o burocrático, técnico e formal
para o afetivo, subjetivo e relacional.

Dissertação

http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/11183/Artigo_MPGPP_FINAL.pdf?sequence

No estudo intitulado Os serviços de acolhimento institucional para crianças e


adolescentes: os desafios e o trabalho com a rede de proteção social, dissertação
de mestrado de Maria do Carmo Salviano Adrião (2013), você encontra in-
formações sobre o funcionamento dos serviços de acolhimento de maneira
contextualizada e articulada com a legislação. Além disso, a autora aponta os
desafios que envolvem essa realidade.

Acesso em: 12 jun. 2019.

Intervenções da psicologia social e comunitária 83


5.1.4 O psicólogo social e o fortalecimento de
vínculos familiares e comunitários
Para abordar o trabalho do psicólogo social no fortalecimento de
vínculos familiares e comunitários, é importante partir do princípio de
que a preservação dos vínculos familiares e comunitários é o que fun-
damenta o trabalho dos serviços sociais. No caso de crianças e adoles-
centes abrigados, o princípio é a promoção da reintegração familiar.
Quando isso realmente não é possível, o objetivo passa a ser a integra-
ção em família substituta.

Para Valente (2010 apud MOREIRA; PAIVA, 2015), a família precisa


ser cuidada e protegida: “é preciso ter em mente que a família tem o
problema, mas é ela que pode ter a solução”. Nesse sentido, é com-
promisso dos profissionais que atuam nesses serviços investir no en-
volvimento das famílias e intervir para favorecer a responsabilidade
e os vínculos possibilitando que a família venha a ter condições de
responder pelo seu papel. Para tanto, é importante ressaltar a impor-
tância de que se quebrem preconceitos e estereótipos, bem como se
desenvolvam práticas diferenciadas cujo olhar aponte para as possi-
bilidades e não somente para suas faltas, o que poderia estagnar o
processo em uma culpabilização.

Trabalhar nessa direção implica ir além das visitas protocolares


realizadas para constatação, avaliação das condições familiares e pro-
dução de relatórios burocráticos. Deve haver um investimento em
informar, escutar, conhecer a história, a realidade, os anseios, as di-
nâmicas e intervir de maneira ampla para que haja conscientização e
fortalecimento dos vínculos.

Os trabalhos com grupos de familiares podem ser uma alternati-


va para incentivar, integrar e favorecer processos subjetivos por meio
da interação entre pessoas que podem se identificar, sentir-se valori-
zadas e investidas, o que pode aumentar seu comprometimento e o
desenvolvimento de potencialidades.

Considera-se ideal que os serviços de acolhimento se instituam nos


bairros e nas comunidades de origem das crianças e dos adolescen-
tes como forma de preservar as referências delas e seus vínculos com
os grupos sociais aos quais pertencem, diminuindo as rupturas que se
dão no processo de acolhimento.

84 Psicologia social e comunitária


Outra forma de se trabalhar a favor do fortalecimento dos víncu-
los familiares é em parceria com o Sistema de Garantia de Direitos
(SGD). Conforme Moreira e Paiva (2015), os serviços de acolhimen-
to podem ter sua gestão mais complexa e compartilhada com o Po-
der Judiciário e o Ministério Público, além de relações com outras
entidades que se façam necessárias. Os autores citam o Conselho
Tutelar e outros órgãos da assistência social, como o Centro de
Referência de Assistência Social (CRAS) e o Centro de Referência
Especializado de Assistência Social (CREAS).

A relação interinstitucional entre as entidades da rede de assis-


tência social pode ser um caminho para um acompanhamento mais
próximo das famílias, podendo contar, também, com o acionamento
de parentes que consigam colaborar. Além disso, é importante pro-
piciar orientações a essas famílias e favorecer a inserção delas em
projetos que as beneficiem e proporcionem apoio de acordo com as
necessidades que apresentem.

Entre os instrumentos que amparam o fortalecimento dos vínculos


familiares e comunitários e servem de referência e apoio aos psicólo-
gos sociais, podemos citar:

• Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990);


• Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adoles-
centes à Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC) (BRASIL, 2006b);
• Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009 (BRASIL, 2009);
• Resoluções do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS, 2020);
• Resoluções do Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2020);
• Declaração Universal dos Direitos Humanos (CÂMARA..., 2020);
• Declaração dos Direitos da Criança (CÂMARA..., 2020);
• Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006a);
• Lei Antidrogas (BRASIL, 2006a);
• Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) (BRASIL, 2012).

Intervenções da psicologia social e comunitária 85


Esses instrumentos trazem uma visão panorâmica sobre a ques-
tão da psicologia social e o fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários. Trata-se de instrumentos que oferecem possibilidades
de atuação do psicólogo social, mesmo com as dificuldades e os pro-
blemas sociais existentes no país. Assim, concluímos que é necessária
a consolidação de políticas públicas que garantam condições mínimas
para as famílias, bem como condições para que elas cumpram seu pa-
pel adequadamente e conquistem a autonomia.
Atividade 1
A prática dos psicólogos sociais deve ser contextualizada e ir além
Com base no que foi apresen-
tado neste capítulo, elenque os de um assistencialismo puro. Essa prática deve ser comprometida com
principais objetivos da psicologia a formação dos educadores e também com o processo que envolve a
social e comunitária e suas áreas
situação e a reintegração das crianças e dos adolescentes às suas famí-
de atuação.
lias originais ou em famílias substitutas.

5.2 Psicologia social e as políticas


Vídeo de assistência social
Entre outras políticas e serviços de assistência social, há o Cen-
tro de Referência de Assistência Social (CRAS), o Centro de Refe-
rência Especializado de Assistência Social (CREAS) e o Centro de
Atenção Psicossocial (CAPS).

O espaço físico do CRAS é instituído em áreas de maior vulnerabi-


lidade social, nas quais são oferecidos serviços de assistência social
para fortalecer a convivência com a família e com a comunidade. O
objetivo é promover e possibilitar que a população acesse serviços,
benefícios e projetos de assistência social por meio de ações que
consistem em: organizar e articular as unidades da rede socioassis-
tencial e de outras políticas; ser referência para a população local e
para os serviços setoriais e apoiar ações comunitárias por meio de
palestras, campanhas e eventos.

Além dessas ações, a atuação do CRAS junto à comunidade é de-


terminante para o enfrentamento de problemas comuns, como fal-
ta de acessibilidade, violência no bairro, trabalho infantil, falta de
transporte, baixa qualidade na oferta de serviços, ausência de espa-
ços de lazer, cultural, entre outros.

86 Psicologia social e comunitária


São serviços ofertados pelo CRAS:

• Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF);


• Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV);
• Orientação aos cidadãos sobre os benefícios assistenciais;
• Inscrição dos cidadãos no Cadastro Único para programas sociais do Governo
Federal.

Já o CREAS atende famílias e pessoas em situação de risco pessoal


e social com violação de direitos. São exemplos disso situações que
envolvem violência física, psicológica, negligência e violência sexual,
afastamento do convívio familiar devido à aplicação de medida de pro-
teção, situação de rua, abandono, trabalho infantil e discriminação por
orientação sexual e por raça/etnia. Além disso, é atribuição do CREAS
averiguar o descumprimento de condicionalidades do Programa Bolsa
Família em decorrência de violação de direitos, cumprir medidas so-
cioeducativas, entre outras (BRASIL, 2015).

O CREAS oferta os seguintes serviços:

• Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI);


• abordagem social e serviço para pessoas com deficiência, idosas e suas famílias;
• serviço de medidas socioeducativas em meio aberto;
• orientação e encaminhamento de cidadãos para os serviços da assistência social
ou demais serviços públicos existentes no município;
• oferta de informações, orientação jurídica, apoio à família, apoio no acesso à
documentação pessoal e mobilização comunitária.

Artigo

https://psicologado.com.br/atuacao/psicologia-comunitaria/a-atuacao-do-psicologo-no-creas

O artigo A atuação do psicólogo no CREAS, de Bruna Elizabeth Carvalho de


Almeida e publicado no Portal Psicologado, fundamenta e descreve detalha-
damente os princípios e as práticas desenvolvidas pelos psicólogos sociais
no CREAS.
Acesso em: 12 jun. 2020.

Intervenções da psicologia social e comunitária 87


Agora que conhecemos um pouco sobre as políticas e o sistema de
assistência social, podemos adentrar o papel do psicólogo social nes-
ses serviços. Para nos ajudar a compreender esse aspecto, podemos
utilizar as informações do Centro de Referência Técnica em Psicologia e
Políticas Públicas (CREPOP), que tem a função de compartilhar práticas
relevantes por meio da produção de informação qualificada para capa-
citação dos psicólogos sociais.

O trabalho do psicólogo social nesse contexto abrange atendimen-


tos psicossociais (aconselhamento, orientação familiar e conjugal),
atividades e ações psicossocioeducativas individuais ou em pequenos
grupos. O profissional também realiza entrevistas de acolhimento para
avaliação inicial, acompanha e monitora os encaminhamentos reali-
zados, faz visitas domiciliares e estabelece ações de sensibilização e
mobilização para o enfrentamento da violação de direitos. São outras
atribuições a capacitação da rede de atendimento, o desenvolvimento
de práticas técnicas (registro de informação, prontuários, relatório téc-
nico, reunião de equipe e reunião para estudo de caso) e realização de
trabalhos em grupo multiprofissional (psicólogos, assistentes sociais e
outros) (CREPOP, 2012).

Além do CRAS e do CREAS, há a atuação de psicólogos sociais no


CAPS. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são serviços de saú-
de de caráter aberto e comunitário nos quais trabalham equipes multi-
profissionais que realizam atendimento a pessoas com sofrimento ou
transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de álcool
e outras drogas. O CAPS tem como objetivo oferecer um trabalho que
ampare as pessoas em situações de crise ou em processos de reabili-
tação psicossocial para substitutivos do modelo asilar (BRASIL, 2017).

A função dos psicólogos sociais nesses espaços é essencial no


acolhimento, na proteção e no amparo às pessoas. Além disso, é
preciso atuar de maneira interdisciplinar por meio de intervenções
que, segundo Almeida (2018), favoreçam a compreensão do pro-
Atividade 2
blema do indivíduo e da família. É importante potencializar o emo-
Descreva a abrangência do cional de cada sujeito para torná-lo capaz de investir na construção
trabalho do psicólogo social no
sistema de assistência social.
da própria vida e refazer os laços familiares e comunitários, tão
fundamentais aos seres humanos.

88 Psicologia social e comunitária


5.3 Desafios da psicologia social e
Vídeo comunitária contemporânea
Ao pensarmos nos desafios da psicologia social e comunitária, é
necessário considerar a produção de conhecimento e intervenção em
uma realidade social que decorre de um contexto histórico. Quanto a
esse aspecto, Cardoso (2012) ressalta que um dos desafios da interven-
ção social está relacionado às transformações constantes das socieda-
des. A compreensão do psicólogo social e comunitário a respeito dos
problemas sociais é que chancelará a possibilidade de relacionamento
com as pessoas e as comunidades de modo a sustentar um trabalho
realmente efetivo e significativo.

Freitas (1986 apud CARDOSO, 2012) explica que, de um lado, existe


o psicólogo com sua formação, seus conhecimentos, sua metodologia
de trabalho, sua percepção sobre o mundo e o ser humano. Já do outro
lado, existe a comunidade com suas características e seu funcionamen-
to em um momento histórico determinado. É necessário que ambos
os lados possam se relacionar, por isso é importante que o psicólogo
social comunitário esteja consciente sobre o contexto em que a comu-
nidade está inserida.

Outro desafio é com relação à posição subjetiva que o psicólogo


social comunitário deve assumir. Não se deve encarnar uma espécie de
assistencialismo, uma vez que essa postura não é favorável à autoes-
tima necessária para a conquista da autonomia, um dos princípios da
psicologia social comunitária. É imprescindível que as pessoas sejam
amparadas, mas a intenção é que os sujeitos alcancem e desenvolvam
seus próprios potenciais fundamentais para uma transformação social
de fato, ocupando seu lugar em sua história.

Bomfim (1989) fala da resistência que a comunidade por vezes tem


em relação à intervenção externa, o que nos leva a pensar que isso é
comum em qualquer trabalho operado pelo psicólogo, especificamen-
te no caso dos psicólogos sociais comunitários. Parte dessa resistência
se sustenta diante das evidentes diferenças socioeconômicas entre a
figura do psicólogo e a comunidade, o que requer sensibilidade e habi-
lidade do profissional em conquistar seu lugar.

Intervenções da psicologia social e comunitária 89


Atividade 3 Dessa maneira, entre os desafios relacionados ao papel do psicó-
Liste os desafios que a psicologia logo social e comunitário, encontramos dificuldades com relação ao
social e comunitária encontra no sistema de assistência social, pois a realidade nem sempre correspon-
decorrer da sua atuação.
de aos ideais que norteiam os serviços. Muitas vezes, há um desgaste
emocional por parte dos psicólogos sociais e comunitários que se de-
param com uma parcial impotência.

É necessário que o psicólogo social e comunitário não se perca


dos objetivos de conscientização, em promover a igualdade e o aces-
so aos direitos básicos dos cidadãos. Além disso, é importante a di-
reção de conquista e de protagonismo por parte das pessoas. Como
mencionado, o psicólogo social e comunitário não deve tender ao
assistencialismo paternalista que mantém as relações de dominação
predominante entre as classes.

Artigo

https://psicologado.com.br/atuacao/psicologia-comunitaria/a-praxis-do-psicologo-comunitario-desafios-e-possibilidades

No artigo A Práxis do Psicólogo Comunitário: desafios e possibilidades,


publicado no portal Psicologado, Géssica da Silva Cardoso descreve o
trabalho dos psicólogos sociais e comunitários e traz recortes teóricos que
contextualizam as principais teorias da psicologia e como elas podem ser
aplicadas no trabalho.

Acesso em: 12 jun. 2020.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atuação do psicólogo social e comunitário é complexa, pois deman-
da dos profissionais mais do que conhecimento e técnica, exige recursos
subjetivos para que eles possam cumprir seu papel sem restringi-lo à pro-
dução de laudos e relatórios. A intenção é que esse profissional não cor-
ra o risco de encarnar uma posição apenas avaliativa, que centraliza um
saber sobre as pessoas, pois a amplitude do trabalho se dá exatamente
no inverso, no sentido de que o profissional possa acolher o saber das
pessoas e da comunidade sobre elas mesmas para poder alcançá-lo e
interagir sobre ele.
Para que o trabalho nas comunidades seja possível, é preciso que o
psicólogo social e comunitário seja aceito por elas. Essa inserção é chan-
celada com a compreensão das diferenças e dos contextos históricos e
sociais das comunidades. Nesse sentido, sua postura é determinante.

90 Psicologia social e comunitária


O psicólogo social e comunitário deve ter cuidado com relação ao pa-
pel de “ajudador”. O assistencialismo paternalista prejudica a conscienti-
zação e a valorização dos sujeitos para que eles possam ser protagonistas,
sujeitos ativos da sua história e exerçam a desejada autonomia.

REFERÊNCIAS
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Intervenções da psicologia social e comunitária 91


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sistema prisional. Brasília, DF: CFP, 2010.
WERLE, J. G. C.  Atuação do psicólogo no sistema prisional brasileiro.  Psicologado, 2016.
Disponível em:  https://psicologado.com.br/atuacao/psicologia-juridica/atuacao-do-
psicologo-no-sistema-prisional-brasileiro. Acesso em: 12 jun. 2020.

92 Psicologia social e comunitária


GABARITO
1. A psicologia social tem por objetivo promover bem-estar ao indivíduo considerando
o meio social no qual vive; favorecer a comunicação, o relacionamento entre as pes-
soas inseridas na comunidade. Ela visa a transformações coletivas que reflitam na
realidade social por meio da conscientização e do desenvolvimento da autonomia.
Sua atuação pode ocorrer em escolas, em clínicas, na área da saúde (SUS), no sistema
prisional brasileiro, nos serviços de acolhimento, nos serviços de assistência social
(CRAS, CREAS), entre outros.

2. O trabalho do psicólogo social abrange os atendimentos psicossociais (aconselha-


mento, orientação familiar e conjugal), atividades e ações psicossocioeducativas indi-
viduais ou em pequenos grupos, realização de entrevistas de acolhimento para ava-
liação inicial e acompanhamento e monitoramento dos encaminhamentos realizados.
Além disso, é atribuição do profissional a realização de visitas domiciliares, ações de
sensibilização e mobilização para o enfrentamento da violação de direitos, capacita-
ção da rede de atendimento e práticas técnicas como registro de informação, pron-
tuários, relatório técnico, reunião de equipe e reunião para estudo de caso. Por fim, o
psicólogo social também realiza trabalhos com grupos multiprofissionais (psicólogos,
assistentes sociais e outros profissionais).

3. Em síntese, os desafios enfrentados pela psicologia social e comunitária são:

• transformações constantes da sociedade;

• necessidade de compreender de maneira aprofundada os problemas sociais;

• consciência sobre o contexto no qual a comunidade está inserida;

• sustentar posição subjetiva diferente da assistencialista;

• superar as possíveis resistências da comunidade em relação a intervenções externas;

• dificuldades próprias do sistema de assistência social.

Intervenções da psicologia social e comunitária 93


PSICOLOGIA SOCIAL E COMUNITÁRIA
Esta obra apresenta reflexões sobre a teoria e a
prática da psicologia social e comunitária. São
discutidos temas como desigualdade, problemas
biopsicossociais, processos de exclusão, políticas
de assistência e as intervenções e os desafios da
psicologia social e comunitária na saúde, no sistema
prisional e em serviços de acolhimento. A intenção
deste livro é apresentar um panorama teórico
e prático sobre a área, bem como os princípios,
conhecimentos, valores e compromissos na busca de
melhores condições biopsicossociais.

Priscila Mossato Rodrigues Barbosa

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6644-5

59440 9 788538 766445

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