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HISTÓRIA E CONCEITOS DE
SAÚDE PÚBLICA
Mariana da Silva Castro Vianna

HISTÓRIA E CONCEITOS DE SAÚDE PÚBLICA


1ª edição

Londrina
Editora e Distribuidora Educacional S.A.
2020

2
© 2020 por Editora e Distribuidora Educacional S.A.

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Editorial
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Paola Andressa Machado Leal
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
__________________________________________________________________________________________
Vianna, Mariana da Silva Castro
V617h História e conceitos de saúde pública/ Mariana da Silva
Castro Vianna, – Londrina: Editora e Distribuidora
Educacional S.A., 2020.
47 p.

ISBN 978-65-5903-082-8

1. Primeira República. 2. Nova República. 3. Sistema Único de Saúde. I. Título.

CDD 341.76
____________________________________________________________________________________________
Raquel Torres – CRB 6/2786

2020
Editora e Distribuidora Educacional S.A.
Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza
CEP: 86041-100 — Londrina — PR
e-mail: editora.educacional@kroton.com.br
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HISTÓRIA E CONCEITOS DE SAÚDE PÚBLICA

SUMÁRIO
Do Brasil Colônia à Primeira República_______________________________ 05

Da Era Vargas à 4ª República – 1930 a 1964 _________________________ 21

Ditadura militar e Reforma Sanitária Brasileira – 1964 a 1988 _______ 38

Sistema Único de Saúde _____________________________________________ 55

4
Do Brasil Colônia à Primeira
República
Autoria: Mariana S. C. Vianna
Leitura crítica: Danielle Leite de Lemos Oliveira

Objetivos
• Conhecer os principais aspectos do cuidado à saúde
no Brasil, desde o início da colonização portuguesa.

• Compreender a relação dos fatos históricos com o


início das políticas de saúde no Brasil.

• Refletir sobre a influência dos eventos históricos nas


formas de cuidar da saúde das pessoas.

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1. Brasil Colônia – 1500 a 1808
Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles
a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem
entendem em nenhuma crença.(…) Pelo sertão nos pareceu, vista do mar,
muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra
com arvoredos, que nos parecia muito longa. (…) Porém, o melhor fruto,
que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve
ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. (BRASIL, 1500,
p. 14)

A chegada dos portugueses ao Brasil, em 1500, dá início ao período à


colonização brasileira. Como a carta de Pero Vaz de Caminha descreve,
já existiam povos que habitavam essas terras e que, embora possuíssem
hábitos e cultura diferentes daquelas praticadas na Europa, tinham
formas de organização social variadas conforme cada tribo.

O encontro entre europeus e indígenas brasileiros trouxe muitos


problemas de saúde – para os índios, doenças como sarampo, gripes e
varíola causaram a morte de grande parte dos nativos brasileiros, sem
defesas imunológicas contra os agentes causadores dessas doenças.
Segundo Edler (2018), desde o seu início, a colonização brasileira foi
marcada por essa relação entre saúde e doença, havendo poucos (ou
nenhum) recursos para o combate aos agravos e às doenças mais
comuns nesse período.

O período conhecido como Brasil Colônia se inicia com a chegada dos


portugueses em 1500 e termina com a vinda da família real portuguesa
ao Brasil, em 1808. Esse período, de pouco mais de 300 anos, possui
vários atores: os índios, os negros escravizados e os portugueses e
demais europeus, que vieram para essas terras. Do primeiro contato
com os nativos brasileiros até a expansão da colônia, o cuidado à saúde
das pessoas (principalmente os europeus) foi baseado em crenças

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populares e religiosas, próprias ao pouco conhecimento científico
existente à época (GURGEL, 2009).

Figura 1 – Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em


1500 – óleo sobre tela de Oscar Pereira da Silva (1922)

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Desembarque_de_Pedro_%C3%81lvares_
Cabral_em_Porto_Seguro_em_1500_by_Oscar_Pereira_da_Silva_(1865%E2%80%931939).jpg.
Acesso em: 7 jan. 2021.

O início da exploração da colônia foi marcado pela extração do pau-


brasil, árvore que deu nome à colônia e de onde era extraído um corante
vermelho, muito utilizado nas cortes europeias. A colonização das terras,
por colonos portugueses, foi iniciada mais de 30 anos após a chegada de
Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro, motivada por pressões políticas
de outros reinos europeus e pela necessidade econômica. Com o início
da colonização, iniciou-se o cultivo da cana de açúcar e a vinda de negros
africanos escravizados para servirem como mão de obra nas plantações.

O impacto da colonização portuguesa para a população indígena foi


grande: dizimados por doenças, assistiram a diminuição da flora e fauna

7
nativas para permitir o avanço das lavouras de cana de açúcar. De
acordo com Gurgel (2009), menos de 100 anos após a chegada de Cabral
ao Brasil, a tribo que o recebeu em Porto Seguro já não existia mais.

A saúde dos negros cativos que desembarcavam na colônia não


era muito melhor do que as condições em que chegavam os seus
exploradores. A falta de higiene e a alimentação precária existente
nas embarcações, além do confinamento e dos porões de navios
abarrotados de escravos, contribuíam para a proliferação de doenças e
mortes durante a travessia do mar Atlântico. No caso dos escravos, as
condições de moradia, higiene e alimentação não se tornavam muito
melhores quando eles já haviam desembarcado.

Figura 2 – Negres a fond de calle (Navio Negreiro) – obra de Johann


Moritz Rugendas, 1830

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:N%C3%A8gres_a_fond_de_Calle.jpg.
Acesso em: 7 jan. 2021.

A forte presença da Igreja Católica na colônia, e em Portugal, tornava


a relação entre saúde e doença uma relação entre o pecado e a graça
divina, onde o corpo doente representava a alma pecadora (EDLER,

8
2018). A influência da Igreja Católica, também, pautava o cuidado aos
doentes, como uma forma de se praticar a caridade pregada por Cristo.

Essa forte ligação entre o cuidado aos doentes e a Igreja Católica


também foi representada pelas Santas Casas de Misericórdia. Criada
no final século XV em Portugal, segundo Fiocruz (2020), a primeira
Santa Casa do Brasil foi fundada em 1543, na vila de São Vicente e cerca
de 50 anos mais tarde, foi fundada a Santa Casa do Rio de Janeiro. O
propósito dessas instituições, seguindo o mesmo propósito das Santas
Casas Portuguesas, era “acolher os presos, alimentar os pobres, curar
os doentes, asilar os órfãos, sustentar as viúvas, enfim, para ser a casa
a serviço dos mais carentes, desassistidos e abandonados” (FIOCRUZ,
2020, [s.p.]). Até o século XIX, essa foi a única instituição de assistência
à saúde existente no Brasil, restrita aos principais centros urbanos da
colônia.

À Coroa Portuguesa cabia o papel de regulamentar a assistência


prestada pelos poucos profissionais existentes na colônia. Os físicos
(médicos da época), cirurgiões e boticários assistiam a pouquíssimas
pessoas da elite branca, que podiam arcar com os custos dessa
assistência. Para o restante da população, de acordo com Edler (2018),
havia pajés, curandeiros, barbeiros e quem mais se dispusesse a cuidar
e tratar dos doentes.

Com o passar dos séculos, a vida na colônia foi se desenvolvendo,


surgindo novos povoados, vilarejos e cidades. Assim, epidemias de
cólera, varíola e febre amarela eram comuns, fazendo parte do cotidiano
das pessoas, sendo a fiscalização da arte de curar a única ação de saúde
pública existente (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

9
2. Brasil Imperial – 1808 a 1888

A chegada da família real portuguesa no Brasil, em 1808, trouxe


um grande impacto para a vida das pessoas na colônia brasileira,
especialmente para a população da cidade do Rio de Janeiro. Ao
transferir a corte portuguesa para o Brasil, algumas mudanças na cidade
foram necessárias, como a abertura dos portos ao comércio exterior
e a criação da primeira faculdade de medicina brasileira, em Salvador,
Bahia. Nesse contexto, a Escola de Anatomia, Medicina e Cirurgia do
Rio de Janeiro foi criada no mesmo ano (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).
Em 1809 foi criado o cargo de provedor-mor da saúde da Corte e do
Estado do Brasil, com a função de fiscalizar a saúde pública. Além disso,
a vacinação contra a varíola foi difundida, através das Juntas Vacínicas
criadas em 1811 (GURGEL et al., 2011), embora somente em 1840 sua
aplicação passou a ser ampliada – e mesmo assim, apenas para as
famílias nobres (GURGEL, 2009).

A inspetoria de saúde dos Portos foi criada em 1828, concentrando suas


atividades na fiscalização de escravos e tripulantes doentes, buscando
evitar novas epidemias (EDLER, 2018). A atividade de controle dos navios
que chegavam à costa brasileira já existia desde o século XVII, de acordo
com Gurgel (2009), assim como algumas medidas sanitárias isoladas
para a contenção de epidemias. Em 1846, sob o reinado de Dom Pedro
II foi criado o Instituto Vacínico do Império, com o objetivo de ampliar as
ações de vacinação contra a varíola, que passara a ser obrigatória nesse
mesmo ano (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012; GURGEL et al., 2011). A assistência
aos doentes continuava a cargo das Santas Casas de Misericórdia e de
outros hospitais beneficentes, como Beneficência Portuguesa.

Na Europa, o movimento higienista passa a transformar as práticas


médicas e de cuidado aos enfermos. Diante da situação precária de
assistência médica que o Brasil possuía, combinada com as epidemias
de varíola e febre amarela e com o aumento populacional incentivado

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pela cultura do café, surgiram os hospitais de isolamento e a Junta
Central de Higiene Pública. Apesar das técnicas de higiene recentemente
propagadas, como isolar os doentes e queimar suas roupas para que se
evitasse a propagação de doenças, o resultado das medidas de controle
e tratamento das principais doenças presentes no século XIX não foi de
sucesso. Os hospitais de isolamento serviram para segregar e isolar os
doentes, excluindo-os da sociedade. Assim, segundo Gurgel et al. (2011),
a falta de conhecimento sobre o agente etiológico das doenças e formas
de transmissão não permitia um tratamento adequado dos doentes.

As medidas de controle e contenção de doenças durante o período do


império foram mais percebidas na capital, Rio de Janeiro. As regiões
mais afastadas da capital viram poucas mudanças no cuidado à saúde
nesse período (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

3. República Velha – 1888 a 1930

O final do século XIX assistiu diversas transformações culturais e sociais


no mundo ocidental, como o desenvolvimento da microbiologia e
uma nova Revolução Industrial. No Brasil, ainda apoiado no cultivo
do campo como atividade econômica, a mão de obra escrava foi
substituída pela mão de obra de imigrantes e a monarquia em crise
deu espaço ao período republicano. Porém, poucas foram as mudanças
no cuidado à saúde nesse período. O crescimento das lavouras de café
fez surgir uma nova elite aristocrática, sobretudo em São Paulo. Com a
promulgação da Constituição em 1891, coube aos municípios e estados
a responsabilidade do cuidado à saúde (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

No bojo dessas transformações sociais foi criado o Serviço Sanitário


de São Paulo, em 1892, e o Instituto Bacteriológico, em 1893.
Acompanhando os novos saberes da microbiologia que vinham da
Europa, segundo Almeida (2005), esses serviços foram fundamentais

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para a introdução dessa ciência no Brasil, influenciando na tomada
de decisões sanitárias diante das epidemias que ainda castigavam a
população entre o final do século XIX e começo do século XX. À frente
desses serviços destacam-se Emílio Ribas como diretor do Serviço
Sanitário e Adolpho Lutz, como diretor do Instituto Bacteriológico. Eles
contribuíam, também, nomes como Arnaldo Vieira de Carvalho (diretor
do Instituto Vacinogênico), Vital Brazil (diretor do Instituto Butantan) e
Victor Godinho (diretor da Revista Médica de São Paulo), que, juntos,
foram responsáveis por modernizar o saber médico da época, além
de coordenarem pesquisas importantes na área da saúde, como
no desenvolvimento de soros e vacinas e na descoberta de agentes
etiológicos de algumas doenças (ALMEIDA, 2005).

Em 1900, na cidade do Rio de Janeiro, foi criado o Instituto Soroterápico


Federal (atual Fundação Oswaldo Cruz) em Manguinhos, com o objetivo
de desenvolver e produzir soros e vacinas contra as doenças epidêmicas
da época, particularmente a peste bubônica (ESCOREL; TEIXEIRA,
2012). Em 1902, por sua vez, o médico Oswaldo Cruz assume como
diretor responsável pela difusão da microbiologia no cenário sanitário
brasileiro. Em 1903, Oswaldo Cruz assumiria a direção dos serviços
de saúde da República, equivalente ao cargo de Ministro da Saúde, na
Diretoria Geral de Saúde Pública (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

No entanto, ainda, prevalecia no país o combate às epidemias e os


cuidados de higiene da população como política pública de saúde. A
assistência aos doentes continuava a encargo das entidades filantrópicas
e os governantes, ainda, viam as ações públicas de saúde como
emergenciais e transitórias, restritas ao combate às crises sanitárias
(ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

12
3.1 Campanhas sanitárias

A ampliação do conhecimento no campo da microbiologia foi


acompanhada de mudanças sociais nos espaços urbanos brasileiros. O
aumento desordenado da população nas cidades, as precárias condições
de moradia e higiene e pouca infraestrutura urbana contribuíram para o
aumento de epidemias e mortalidade da população. Em 1902, segundo
Mourelle (2020), o presidente eleito Rodrigues Alves iniciou um processo
de reforma e urbanização na cidade do Rio de Janeiro, demolindo
cortiços sem oferecer alternativas de moradia para mais de 14 mil
pessoas.

Para auxiliar o programa de saneamento e combater as epidemias mais


frequentes na cidade, Oswaldo Cruz teve grande participação. Por meio
de campanhas sanitárias, Oswaldo Cruz procurou combater a febre
amarela, a peste bubônica e a varíola, já como diretor da Diretoria Geral
de Saúde Pública. Para cada uma dessas doenças, havia uma campanha
específica, como o isolamento dos doentes e controle dos mosquitos
para a febre amarela, extermínio de ratos e aplicação de soro e vacina
fabricados em Manguinhos para o combate da peste e aumento das
ações de vacinação da população para o combate da varíola (ESCOREL;
TEIXEIRA, 2012).

Um novo surto de varíola no Rio de Janeiro, em 1904, motivou a


criação de um projeto de lei para obrigar a todos a se vacinarem e
revacinarem contra a varíola, em todo o território nacional. O clima
de descontentamento da população com as ações de urbanização
da cidade, além de um forte movimento contrário à vacina e à sua
obrigatoriedade liderados por deputados de oposição ao governo serviu
como motivo para um grande levante popular. Em 9 de novembro de
1904, a população se revoltou contra o governo com atos de violência
e de enfrentamento contra a polícia, bombeiros e forças armadas
(ESCOREL; TEIXEIRA, 2012; MOURELLE, 2020). Logo, estava deflagrada a
“Revolta da Vacina”, como ficou conhecido o levante.

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Durante uma semana, a população protestou com violência e
destruição, protestando contra o autoritarismo do governo. Nesse
contexto, segundo Mourelle (2020), um grupo de políticos e militares
aproveitou a rebelião para uma tentativa de golpe de estado, buscando
depor o presidente Rodrigues Alves. Os confrontos só tiveram fim após
tropas da Marinha bombardearem o local onde os rebeldes estavam
entrincheirados (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

A Revolta da Vacina fez com que o governo revogasse a obrigatoriedade


da vacina contra a varíola, permanecendo o surgimento de surtos
da doença nos anos que se seguiram. As ações de Oswaldo Cruz,
entretanto, conseguiram alterar o perfil epidemiológico da capital
da República, praticamente eliminando a febre amarela e a peste na
primeira década do século XX.

Figura 3 – Charge de 1904, retratando a campanha de Oswaldo Cruz–


Jornal “O Malho”

Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/5b/Guerra_Vaccino-
Obrigateza%21.jpg. Acesso em: 7 jan. 2021.

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A exemplo do que ocorreu no Rio de Janeiro, as ações de saúde
desenvolvidas pelo Estado foram concentradas nas grandes cidades,
locais de maior aglomeração urbana. A partir de 1910, diversas
expedições para o interior do Brasil foram realizadas, organizadas pelo
então Instituto Oswaldo Cruz, com o objetivo de retratar a saúde dos
brasileiros. Segundo Tamano (2017), Arthur Neiva e Belisário Penna
se destacaram no retrato dessa situação, descrevendo, em 1912, as
condições médico-sanitárias e sociais a que a população brasileira
estava exposta no interior do país.

A realidade exposta por essas expedições fez a classe intelectual da


época exigir ações do Estado para ampliar as ações de saúde para a
população. Assim, em 1918 foi fundada a Liga Pró-Saneamento do Brasil,
dirigida por Belisário Penna. Ainda, em 1918 foi criado o Serviço de
Profilaxia Rural e, em 1919, a Diretoria Geral de Saúde Pública se tornou
o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), sendo seu primeiro
diretor o médico Carlos Chagas (TAMANO, 2017; ESCOREL; TEIXEIRA,
2012).

Embora a proposta de criação de um Ministério da Saúde não tenha


obtido êxito, diversas alterações na legislação ocorreram, sendo a
criação do DNSP a principal delas. Além disso, outros eventos marcaram
a sociedade brasileira nesse período, influenciando nas políticas de
saúde do Estado. Assim, a primeira greve geral dos trabalhadores (1917)
e a epidemia de gripe espanhola (1918) trouxeram para a discussão
as condições de vida de grande parte da população urbana brasileira,
pressionando a criação de um Ministério da Saúde que centralizasse as
políticas públicas de saúde (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

O DNSP, sob a direção de Carlos Chagas, passou a regulamentar


a venda de produtos alimentícios no país, normatizar construções
rurais, regulamentar as condições de trabalho de mulheres e crianças,
fiscalizar produtos farmacêuticos e inspecionar os portos e a saúde dos
imigrantes que chegavam ao país. Essas ações foram importantes para

15
a diminuição da mortalidade infantil, controle da doença de Chagas
e combate a algumas doenças. Ademais, o DNSP também ampliou
a produção de soros, vacinas e de medicamentos para combate das
epidemias da época e passou a elaborar estatísticas demográficas e
sanitárias em nível nacional (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

Figura 4 – Comunicado do Serviço Sanitário para prevenção da gripe


espanhola, 1918

Fonte: https://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,66-dias-de-terror-e-morte-na-luta-de-
sp-contra-a-gripe-espanhola,70003311085,0.htm. Acesso em: 7 jan. 2021.

As pesquisas de Carlos Chagas auxiliaram no combate à malária e


à outras doenças, mas foi sua pesquisa sobre a tripanosomíase, ou
Doenças de Chagas, que foi a mais importante. Por sua vez, seu trabalho
é considerado único na história da medicina por ter descoberto e

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descrito todo o ciclo da doença – desde o seu agente etiológico, ciclo
evolutivo, vetores e a própria doença.

Figura 5 – Carlos Chagas observando a menina Rita, um dos


primeiros casos diagnosticados da doença de chagas – década de
1910

Fonte: http://www.hlog.epsjv.fiocruz.br/upload/d/cap_3.pdf. Acesso em: 7 jan. 2021.

Paralelamente ao que acontecia no Rio de Janeiro, em São Paulo,


Geraldo Horácio de Paula Souza assume a direção do Serviço Sanitário
do estado, em 1923, e a cadeira de Higiene da recente Faculdade de
Medicina de São Paulo. Após realizar seu doutorado nos Estados Unidos
com bolsa de estudos pela Fundação Rockfeller, Paula Souza buscou
promover a educação sanitária na população como forma de se evitar
a propagação de doenças (MASCARENHAS, 2006; CORREIA, 2011). Do
combate à difteria na cidade de São Paulo à revisão do código sanitário

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do estado, segundo Mascarenhas (2006), Paula Souza criou o primeiro
Centro de Saúde do Brasil, com atividades de promoção e proteção à
saúde.

Os eventos ocorridos em São Paulo e no Rio de Janeiro nas primeiras


décadas do século XX foram essenciais para o início de uma organização
de cuidado à saúde, que foi deixando de ser exclusivamente beneficente
e voltada para atender crises sanitárias emergenciais. Ações de
prevenção e de cuidado contínuo começaram a ser implantadas, hábitos
e condições de vida começaram a ser questionados e relacionados
ao cuidado de doenças e a expansão das pesquisas na área da saúde
foi delineando as políticas públicas de saúde nas próximas décadas,
influenciando na tomada de decisões políticas por parte de governantes.

3.2 Fundos de pensão – década de 1920

No final da década de 1910 e início da década de 1920, Caixas de


Aposentadorias e Pensões (CAPs) começaram a ser criadas. Com a
contribuição dos trabalhadores e empregadores em entidades privadas,
cabendo ao poder público o controle externo, quando necessário
(ESCOREL; TEIXEIRA, 2012). Apesar dos recursos geridos serem previstos
para aposentadorias, algumas CAPs começaram a prestar assistência
médica para seus trabalhadores.

O surgimento das CAPs deu início ao movimento de Saúde


Previdenciária, que marca fortemente a assistência à saúde nas décadas
seguintes. A Lei Eloy Chaves, de 1923, institui a previdência social
no país, regulamentando as CAPs para trabalhadores das empresas
ferroviárias. Outros setores produtivos também começaram a criar
suas próprias CAPs, chegando a 47 CAPs em 1930, segurando 140 mil
trabalhadores (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

Como você deve ter percebido, os primeiros 300 anos de história do


Brasil não apresentaram políticas públicas de saúde voltadas para a

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sua população. Enquanto colônia, o papel de Estado cabia à Coroa
Portuguesa. Já para os que viviam em solo brasileiro, a raça e status
social seriam importantes determinantes para o tipo de cuidado à saúde
que teriam acesso. O conhecimento popular, principalmente a sabedoria
indígena sobre plantas e ervas medicinais, seria a base da prática da
medicina nesses séculos.

O avanço da ciência no mundo coincide com a evolução do Brasil, na


sua transição de colônia para nação. O final do século XIX e início do
século XX foram épocas de expansão do conhecimento e da prática da
medicina brasileira, contribuindo para a evolução das políticas públicas
de saúde até os dias de hoje.

Referências Bibliográficas
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para o Brasil. Tempo, Rio de Janeiro, n. 19, p. 77-89, 2005. Disponível em: https://
www.scielo.br/pdf/tem/v10n19/v10n19a06.pdf. Acesso em: 15 set. 2020.
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http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/carta.pdf. Acesso em: 18 set.
2020.
CORREIA, L. C. Instituto de Higiene (1918-1929) no estado de São Paulo – a atuação
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sp.bvs.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S1809-76342011000100005&lng=pt&nrm=i
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EDLER, F. C. Saúde e Higiene Pública na Ordem Colonial e Joanina.
Arquivo Nacional Brasileiro, 22 fev. 2018. Disponível em: http://
www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br/index.php?option=com_
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ESCOREL, S.; TEIXEIRA, L. A. História das Políticas de Saúde no Brasil de 1822 a 1923:
do império ao desenvolvimento populista. In: GIOVANELLA, L. et al. (Orgs.). Políticas
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FIOCRUZ. Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Dicionário Histórico-
Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930), 15 set. 2020. Disponível

19
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GURGEL, C. B. F. M. et al. A Varíola nos tempos de Dom Pedro II. Cadernos de
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GURGEL, C. B. F. M. Índios, jesuítas e bandeirantes: medicinas e doenças no Brasil
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view/131909. Acesso em: 16 set. 2020.

20
Da Era Vargas à 4ª República –
1930 a 1964
Autoria: Mariana S. C. Vianna
Leitura crítica: Danielle Leite de Lemos Oliveira

Objetivos
• Compreender os principais fatos históricos desse
período.

• Compreender as principais políticas de saúde


desenvolvidas e seus principais resultados.

• Refletir sobre o contexto político e social da época e


sua influência nas políticas públicas de saúde.

21
1. A Era Vargas – 1930 a 1945

A Era Vargas iniciou em 1930, com uma revolta armada que contestava
os resultados das eleições presidenciais e dava voz a uma insatisfação
política e social com a situação do país da época: com o poder político
das oligarquias brasileiras, com a corrupção, com a crise econômica
mundial de 1929 e com a falta de políticas sociais. Assim, a Era Vargas
encerra o período da Primeira República e dá início a um dos períodos
mais marcantes da história brasileira.

Segundo Hochman (2005), embora o papel do Estado nas políticas


públicas de saúde e sociais tenham sido intensificados no início do
século XX, é no período de Vargas que esse papel se consolida, aliado a
um ideal nacionalista e antiliberal, centralizando no Estado a sua tomada
de decisões e o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a
população.

Além disso, a partir de Vargas se inicia a separação entre a saúde


pública, ofertada pelo Estado, e a atenção médica individualizada,
promovida pela medicina previdenciária (PONTE et al., 2010). A Lei
Eloy Chaves, promulgada em 1923, criou as Caixas de Aposentadoria e
Pensão, que passam a ser Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs)
a partir de 1933, promovidas pela política nacionalista de Vargas que
associou trabalho aos direitos de cidadania, vinculando a figura do
trabalhador à do novo homem brasileiro (FONSECA, 1993; HOCHMAN,
2005). Os IAPs, por sua vez, passam a organizar a previdência por
categoria profissional, não mais por empresas empregadoras (ESCOREL;
TEIXEIRA, 2012). A criação do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio e a publicação da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas),
outro marco da Era Vargas, influenciaram na criação de IAPs voltadas
para categorias profissionais mais organizadas, como: comerciários,
bancários, ferroviários e funcionários públicos. Dessa forma, a criação

22
dos IAPs permitia a criação de fundos de pensão e aposentadoria, bem
como garantia outros benefícios sociais, entre eles a assistência à saúde.

A ampliação dos IAPs fez surgir uma rede de previdência social, com
contribuição financeira da União, das empresas e dos trabalhadores.
Desse modo, a gestão dos fundos pelo governo federal permitiu a
utilização dos recursos arrecadados para a promoção do processo
de expansão da industrialização nacional. Nesse sentido, empresas
estatais, como a Companhia Siderúrgica Nacional e o Banco do Brasil,
receberam parte dos recursos provenientes dos fundos de pensão para
o financiamento das suas atividades (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

A seguridade social garantida pelos IAPs, incluída a assistência médica


individualizada, protegia apenas algumas categorias de trabalhadores
formais, conforme os interesses da política nacionalista do governo.
Esse conceito de cidadania regulada, onde os direitos sociais não são
universais, excluiu desempregados, trabalhadores rurais e informais da
assistência à saúde. A essa parcela excluída da população restavam as
entidades filantrópicas de assistência à saúde e as grandes campanhas
públicas de saúde desenvolvidas nesse período, com foco no combate
a doenças epidêmicas e endêmicas, e na educação sanitária (ESCOREL;
TEIXEIRA, 2012).

23
Figura 1 – Obra de Tarsila do Amaral, Os operários–1933

Fonte: http://tarsiladoamaral.com.br/en/obra/social-1933/. Acesso em: 7 jan. 2021.

Para Santos (1987 apud ESCOREL; TEIXEIRA, 2012), essa cidadania


regulada é fundamental para se entender a base da previdência social
brasileira. Logo, aqueles indivíduos que não pertenciam ao processo
produtivo eram considerados pré-cidadãos, que se tornariam cidadãos
pela regulamentação de novas ocupações e dos direitos sociais a elas
atrelados. Para o autor: “a cidadania está embutida na profissão e os
direitos do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupam no
processo produtivo, tal como reconhecido por lei” (SANTOS, 1987, p.
apud ESCOREL; TEIXEIRA, 2012, [s.p.]).

A relação entre a ideologia política de Vargas e a construção de um


Estado forte e nacionalista é fundamental para que se compreenda
o desenvolvimento das políticas de saúde criadas no seu governo.
Nesse contexto, a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública
(MESP), no final de 1930, incorporou o Departamento Nacional de
Saúde Pública e o Departamento Nacional de Educação, e atendeu às

24
demandas do movimento sanitarista do início do século XX, defendido
por nomes como Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, e que reivindicava
centralizar as decisões no campo da saúde em um único órgão para
todo o território nacional (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012). Entretanto, poucas
foram as políticas de saúde promovias pelo MESP durante os primeiros
quatro anos do governo de Vargas – o período conhecido como governo
provisório. Foi a partir da gestão de Gustavo Capanema, em julho de
1934, que o MESP passou a alinhar suas ações à política social de Vargas.
Em 1935, as campanhas sanitárias, que haviam sido interrompidas,
foram retomadas, especialmente no combate à febre amarela. Além
disso, segundo Fonseca (1993), foram desenvolvidas políticas de saúde
materno-infantil, com o objetivo de moldar o homem brasileiro (ainda na
infância) para moldar a nação.

Capanema promoveu duas reformas no MESP durante o período em


que foi ministro (1934 a 1945). A primeira delas, em 1937, reformulou a
estrutura administrativa do Ministério, que passou a ser Ministério da
Educação e da Saúde. Essa reforma consolidou o caráter centralizador
do ministério e do Estado, com foco na racionalidade administrativa
(ESCOREL; TEIXEIRA, 2012). Além disso, segundo Hochman (2005), foram
criadas delegacias federais de saúde, responsáveis pela coordenação e
supervisão de ações de saúde no país, dividas em oito regiões. A partir
desse ano, também, foram criadas as Conferências Nacionais de Saúde,
um espaço para “articulação entre o governo federal e os estados,
viabilizando a sistematização de normas técnicas e administrativas da
área da saúde” (HOCHMAN, 2005, p. 133).

A segunda reforma, em 1941, criou os Serviços Nacionais, responsáveis


por campanhas nacionais e verticalizadas, para o controle de doenças
e epidemias (HOCHMAN, 2005), como: tuberculose, malária, febre
amarela, lepra e do câncer. Os Serviços Nacionais tinham como objetivo
principal o combate a epidemias e ações de prevenção, em parceria
com as delegacias de saúde e governos estaduais. Entretanto, de acordo
Hochman (2005), com também atendiam ao desejo do governo de

25
ampliar as ações e o controle do Ministério da Educação e Saúde em
todo o território nacional.

A gestão de Capanema à frente do Ministério da Educação e da Saúde


esteve voltada para os ideais varguistas de fortalecimento da figura do
Estado nas capitais e no interior do país, com a criação uma rede de
serviços de saúde e por um conjunto de legislações “que objetivavam
padronizar as atividades dos diversos serviços de saúde nos estados em
seus mínimos detalhes, conjugando uma centralização normativa com
uma descentralização executiva” (PONTE et al., 2010, p. 139).

Essas reformas definiram e consolidaram as ações de saúde pública no


país durante o governo de Vargas e nos governos que se seguiram. Por
sua vez, o papel centralizador do Estado no planejamento e execução
das políticas de saúde durante esse período permaneceu por décadas
após Vargas, sendo discutido pelo movimento da Reforma Sanitária
Brasileira, na década de 1970, e sendo substituído com a criação do
Sistema Único de Saúde.

2. A Fundação Rockefeller e a influência na


saúde pública brasileira

A aproximação do Brasil com os Estados Unidos, no campo da Saúde


Pública, teve início na década de 1920, com bolsas de estudo financiadas
pela Fundação Rockefeller a médicos brasileiros. A Fundação, que
financiou a criação da Escola de Higiene e Saúde Pública da Universidade
Johns Hopkins, nos Estados Unidos, influenciou na criação e no modelo
de ensino aplicado no Instituto de Higiene de São Paulo, criado em 1918
e berço da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
No Rio de Janeiro, a relação entre pesquisadores e a Fundação permitiu
a realização de campanhas sanitárias em parceria (SANTOS; FARIA,
2006).

26
A influência da Fundação Rockfeller na formação de sanitaristas
brasileiros, como Geraldo de Paula Souza e Francisco Borges Vieira,
também fez surgir um novo serviço de saúde – o Centro de Saúde (CS).
De acordo com Mello (2012), criado na Reforma Sanitária paulista de
1925, o CS era o meio para se alcançar a educação sanitária e higienista
tão propagada na época. Visto como um serviço essencialmente
preventivo e educativo, o CS propunha cuidado centrado na família,
dedicação médica integral, cuidado materno-infantil, vacinação,
educação e vigilância sanitária, e visitas domiciliares (MELLO, 2012).

Com a criação do MESP e a reforma do ensino médico no começo da


década de 1930, houve um estímulo na formação de sanitaristas e na
disseminação de ações e serviços de saúde voltados para a prática
sanitária, como os CS e os postos de higiene. O modelo de ensino e
a prática profissional, fundamentados no modelo norte-americano
disseminado pela Fundação Rockefeller, estavam alinhados ao projeto
político varguista (SANTOS; FARIA, 2006).

A participação da Fundação nas pesquisas e campanhas sanitárias


de combate à febre amarela no interior do país também contribuiu
para a descoberta do ciclo silvestre da doença, além de documentar
informações epidemiológicas, sociais e ambientais sobre a doença e seu
vetor no Brasil. Além disso, as pesquisas desenvolvidas pela Fundação
permitiram o desenvolvimento de uma vacina contra a febre amarela,
em 1937 (COSTA et al., 2011).

27
Figura 2 – Provável rota de disseminação da febre amarela no Brasil
– 1932 a 1942, Fundação Rockefeller

Fonte: Acervo da Casa de Oswaldo Cruz

2.1 O serviço especial de saúde pública

O SESP foi criado no contexto da Segunda Guerra Mundial, como parte


do acordo de cooperação firmado entre o Brasil e os Estados Unidos.
Os interesses dos Estados Unidos no Brasil eram, sobretudo, militares,
com promoção de ações de saúde em regiões com produção de matéria-
prima como borracha e minério na região Amazônica e no Vale do Rio
Doce (CAMPOS, 2008). O caráter político também exigia o rompimento
das relações com a Alemanha e os demais países do Eixo, o que forçou
um posicionamento por parte do governo Vargas, que até então não
havia declarado oficialmente apoio a nenhum dos lados da guerra. O
interesse econômico do governo brasileiro com um acordo desse tipo
também foi devido ao financiamento americano de indústrias estatais na

28
época, necessário para a promoção da industrialização pretendida por
Vargas.

De acordo com Campos (2008), além das ações de saneamento, controle


de doenças endêmicas (como a malária) e criação de postos e centros
de saúde nessas regiões estratégicas, destaca-se também a educação
sanitária, com cursos e treinamentos para médicos, enfermeiros e
professoras de escolas primárias.

O Ministério da Educação e da Saúde já buscava expandir a formação


profissional na saúde, sendo essa uma das diretrizes destacadas pela
reforma estrutural de Capanema. Faltavam profissionais qualificados
para atuar na assistência direta dos serviços de saúde, como médicos,
engenheiros sanitários e enfermeiras. Também eram escassos os
profissionais de nível intermediário, como visitadoras sanitárias,
guardas sanitários e auxiliares de saneamento (CAMPOS, 2008).
O SESP assume, assim, um papel importante na formação desses
profissionais, com o financiamento de cursos para médicos, enfermeira
e engenheiros sanitários nos Estados Unidos, na Escola de Saúde Pública
Johns Hopkins, e com a oferta de cursos rápidos para profissionais
intermediários.

Assim como a influência que a Fundação Rockefeller teve na década


de 1920 sobre a criação do Instituto de Higiene de São Paulo, o SESP
também influenciou a criação de escolas de Enfermagem no Brasil.
A primeira delas, segundo Campos (2008), tendo mais da metade
dos seus custos financiados pelo SESP, foi a Escola de Enfermagem
da Universidade de São Paulo, em 1943. O fomento a escolas de
enfermagem pelo SESP fazia parte do projeto Mais Enfermeiras pelo
Brasil, em parceria com a Associação de Hospitais Católicos dos Estados
Unidos e as fundações Rockefeller e Kellogg (CAMPOS, 2008). O SESP
manteria suas atividades até 1960, quando se torna Fundação Serviço
Especial de Saúde existindo até 1991.

29
Figura 3 – Getúlio Vargas e Franklin Roosevelt, presidente dos
Estados Unidos. Rio de Janeiro, 1936

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Vargas_e_Roosevelt.jpg. Acesso em: 7 jan.


2021.

Embora possa parecer que o desenvolvimento das políticas de saúde


no Brasil tenha sido orientado a partir da influência dos Estados Unidos,
as ações propostas pelo SESP e pelos acordos de cooperação entre os
dois países coincidia com a política populista e nacionalista de Vargas. As
políticas de saúde desenvolvidas no seu governo buscaram atender aos
interesses políticos do próprio Vargas durante o seu governo ditatorial,
com a criação de uma identidade nacionalista e com forte presença
do Estado, e também aos interesses e reivindicações de empresários
e grupos sindicais, que com interesses diferentes, acabaram por
influenciar na criação de políticas de seguridade social e ações de saúde
voltadas para os trabalhadores brasileiros (PONTE et al., 2010).

A interiorização das ações de saúde pelo Brasil foi necessária para


promover o desenvolvimento econômico do país e reafirmar a presença
do Estado em regiões mais afastadas dos principais centros urbanos.

30
Com o aumento da população urbana brasileira, também, eram
necessárias ações de saúde voltadas ao desenvolvimento urbano e
apoiadas na educação sanitária.

A Era Vargas inicia o processo de estatização e burocratização da saúde


pública, que continuaram a ser praticadas mesmo após o fim do seu
governo, em 1945.

3. A 4ª República – 1945 a 1964

O aumento do autoritarismo imposto por Vargas durante o seu governo


começou a criar um grande descontentamento político. Ações de
repressão como a censura e a extinção de partidos políticos, além do
envio de tropas brasileiras para combater o nazismo e o fascismo na
Europa, abalaram um governo ditatorial e centralizador. A tentativa
de convocar novas eleições em 1945 permitiu a recriação de partidos
políticos para concorrer à presidência, bem como de manifestações
populares a favor da permanência de Getúlio Vargas no poder. A crise
política terminou com a deposição de Vargas da presidência e a eleição
de Eurico Gaspar Dutra.

Durante o período da 4ª República, o Brasil teve nove presidentes,


quatro eleitos pelo voto. Nesse período, até mesmo, o próprio Getúlio
Vargas retornaria à presidência no período de 1951 a 1954, quando uma
crise política o levou a cometer suicídio.

No campo da Saúde Pública, a estrutura administrativa do Ministério da


Educação e da Saúde não sofre muitas modificações até 1953, quando é
criado o Ministério da Saúde. A Guerra Fria e o combate ideológico entre
Estados Unidos e União Soviética influenciaram também as decisões
políticas na saúde brasileira.

31
Durante o governo de Dutra (1946 – 1951) prevaleceu o “sanitarismo
campanhista” (apoiado em grandes campanhas sanitárias e focado
em problemas de saúde específicos) nas políticas públicas de saúde,
mantendo as campanhas sanitárias da Era Vargas voltadas para doenças
específicas, verticalizadas e centralizadas (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).
Nesse período, também, se acentuaram as discussões a favor da criação
de um ministério da saúde independente (que culminaram com a
separação do Ministério da Saúde da área da educação), além de críticas
às políticas campanhistas – vistas como autoritárias e pouco efetivas
para garantir o desenvolvimento econômico dos principais centros
urbanos (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012; REIS, 2015).

Com a aprovação da nova Constituição Federal de 1946, a previdência


social passa a oferecer assistência médica, hospitalar e sanitária, direitos
que passam a ser garantidos na legislação trabalhista. As reinvindicações
sindicais da época influenciaram no aumento da oferta de benefícios
oferecidos pelos IAPs, ainda que de maneira heterogênea. Esse contexto
social, aliado ao discurso e às políticas do governo voltadas para o
desenvolvimento econômico e industrial do país, contribuiu para a
valorização da assistência médica especializada e a assistência à saúde
centralizada nos grandes hospitais. Durante o governo de Dutra e o
de Vargas (1951 – 1954), houve um aumento significativo de hospitais,
a maioria previdenciários, acompanhado de um aumento dos gastos
públicos (através da previdência social) com a assistência hospitalar
(ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

A política econômica de Vargas, dessa vez como presidente eleito por


meio do voto, manteve o tom populista e nacionalista presentes em
seu outro governo, com franco incentivo à industrialização nacional.
Em 1953, mesmo ano em que foi criada a Petrobrás, a criação do novo
Ministério da Saúde traz uma nova organização institucional, fortemente
influenciada por um movimento contrário ao sanitarismo campanhista
que continuava a orientar as ações públicas de saúde (ESCOREL;
TEIXEIRA, 2012).

32
Após o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, novas eleições presidenciais
foram realizadas em 1955, sendo eleito como presidente Juscelino
Kubitscheck, médico cirurgião e urologista, exercendo seu mandato de
1956 a 1961. De origem pobre do interior de Minas Gerais, Juscelino
marcou a história brasileira pelas ações do seu governo voltadas para o
desenvolvimento econômico do país, com a meta de evoluir “50 anos em
5” e a construção de Brasília. JK, como ficou marcado, defendia a ideia
de que os problemas de saúde do país impediam o desenvolvimento
necessário para a nação.

O governo de JK priorizou políticas de saúde voltadas para as doenças


que atingiam grande parte da população brasileira, como a varíola, a
lepra e a malária, ainda presente em algumas regiões do país. Segundo
Hochman (2009), também estava presente no discurso do presidente
a interiorização do país e a necessidade de combater os principais
problemas de saúde da população dessas regiões – incluindo o combate
à fome e à pobreza.

A necessidade de combater e erradicar as doenças endêmicas do


interior do país levou à criação do Departamento Nacional de Endemias
Rurais, em 1956, órgão que passou a unificar muitos serviços nacionais
criados na Era Vargas. No plano de governo de JK, destacavam-se metas
para a saúde pública, com objetivos que variavam da assistência a
algumas doenças (como o câncer), o combate a outras (poliomielite
e tuberculose) e a erradicação de doenças como doença de Chagas
e malária (HOCHMAN, 2009). A descoberta de novos recursos para o
tratamento e prevenção de muitas dessas enfermidades, como alguns
antibióticos e vacinas, permitiu um resultado positivo para alcançar
muitas dessas metas estabelecidas.

Apesar de parte da política de saúde de Juscelino manter o alinhamento


com as grandes campanhas sanitárias realizadas desde o começo do
século XX, parte de sua política também começa a incorporar ações
voltadas ao combate de doenças crônicas e do câncer – doenças de “país

33
rico” mas que já começavam a aumentar no Brasil, que iniciava uma
mudança no seu perfil epidemiológico. As políticas públicas do governo
de JK na área de saneamento básico e habitação, além de outras
políticas sociais, também deram início a essa mudança.

Figura 4 – Foto de Mário Fontenelle–Construção de Brasília

Fonte: https://www.metropoles.com/conceicao-freitas/e-um-acervo-da-memoria-
brasiliense-mas-e-tambem-uma-historia-de-amor. Acesso em: 7 jan. 2021.

O governo de JK manteve a política de previdência social, que continuava


a oferecer assistência médica aos trabalhadores segurados. E, assim,
permaneciam excluídos aqueles que não tinham acesso a esse benefício,
restando como alternativa as entidades filantrópicas.

O sucessor de Juscelino Kubitschek assume a presidência em 1961,


por um curto período de tempo, Jânio Quadros, eleito com grande
maioria dos votos e tendo como lema “varrer a corrupção”. No entanto,
ele renunciou ao mandato após oito meses no cargo. A polaridade
ideológica promovida pela Guerra Fria estava no seu auge e o
comportamento contraditório de Jânio Quadros, que ora parecia acenar
ao lado soviético, ora parecia acenar ao lado norte-americano, gerou

34
uma crise política que o levou a renunciar – e que deu início a outra crise
que culminaria com o golpe de 1964.

João Goulart, vice-presidente de Jânio Quadros, foi impedido de assumir


o mandato assim que Jânio renunciou. Durante um curto período
de regime parlamentarista, Jango (apelido de João Goulart) assume
a presidência em 1963 após um plebiscito aprovando a volta do
presidencialismo.

A instabilidade política desse período não permitiu que houvesse


grandes avanços ou mudanças nas políticas de saúde nacionais. Nesses
três anos até o golpe civil-militar de 1964, seis ministros ocuparam
o Ministério da Saúde (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012). Dois eventos se
destacam nesse período: O XV Congresso Brasileiro de Higiene em 1962
e a 3ª Conferência Nacional de Saúde, em 1963.

O Congresso de Higiene foi marcado pela discussão a respeito de um


conceito ampliado de saúde e a busca por uma nova prática sanitária
(ESCOREL; TEIXEIRA, 2012). As recomendações aprovadas durante
o evento, relacionando saúde às condições de vida da população
(especialmente a pobreza), foram utilizadas como argumento para
a convocação da 3ª Conferência de Saúde, que tinha como objetivo
realizar o Plano Nacional da Saúde (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012). Portanto,
essa Conferência marca a origem da municipalização dos serviços de
saúde no Brasil, interrompida pelo golpe de 1964 e retomada após a
redemocratização, em 1985 (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012). Destaca-se da
Conferência o discurso de João Goulart na abertura do evento, sobre a
necessidade de incorporar os “municípios do país em uma rede básica
de serviços médico-sanitários, que forneçam a todos os brasileiros
um mínimo indispensável à defesa de sua vida” (BRASIL, 1991 apud
ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

O aparente alinhamento ideológico de Jango e suas propostas de


reforma para o país aos ideais defendidos pela União Soviética

35
foram o principal disparador para o golpe de 1964. O crescente
descontentamento de parte da elite brasileira e de investidores
estrangeiros com as ações de João Goulart somou-se à “ameaça
comunista” própria da Guerra Fria, levando o país a um período de
ditadura militar por 21 anos.

4. Considerações finais

Os poucos mais de 30 anos que contemplam a Era Vargas e a 4ª


República foram marcantes para a história do país em muitos aspectos,
com transformações sociais, políticas e econômicas que ajudaram a
definir as políticas de saúde desse período e que, de certa maneira,
influenciaram o movimento pela Reforma Sanitária da década de 1970 e
a criação do Sistema Único de Saúde na década de 1990.

O legado desse período, talvez, sejam os resultados obtidos no combate


as muitas doenças que foram controladas ou erradicadas no país, além
de conformar um papel assumido pelo Estado na definição e condução
de políticas de saúde voltadas para a população brasileira.

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36
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2020.

37
Ditadura militar e Reforma
Sanitária Brasileira – 1964 a 1988.
Autoria: Mariana S. C. Vianna
Leitura crítica: Danielle Leite de Lemos Oliveira

Objetivos
• Compreender os principais fatos históricos do
período entre 1964 a 1988.

• Contextualizar a construção da Reforma Sanitária


Brasileira.

• Refletir sobre os percursos históricos e sociais da


criação do Sistema Único de Saúde.

38
1. Ditadura militar – breve história

A crise política do governo de João Goulart culminou com o golpe civil-


militar em 1964. Em um movimento articulado entre forças armadas,
elite econômica e governo norte-americano, o golpe de 1964 depôs o
presidente, suspendeu os direitos civis e políticos no país e deu início a
um período de repressão, violência e autoritarismo que durou 21 anos.

Os argumentos para o golpe estavam relacionados ao contexto político


nacional e mundial da época. No auge da Guerra Fria e da polaridade
entre capitalismo e comunismo (ou entre Estados Unidos e União
Soviética), João Goulart era visto como um simpatizante do bloco
comunista, sobretudo por sua ideologia trabalhista e por suas propostas
de reforma para o país. Dessa forma, os planos para reforma de base,
como reforma agrária, tributária e trabalhista, serviram de principal
motivo para que o golpe fosse executado, livrando assim, o país da
ameaça comunista.

Durante os 21 anos de regime militar, o país foi regido por meio dos
Atos Institucionais (AIs) – uma maneira de garantir o poder e centralizar
as decisões no poder executivo, governado por militares. O primeiro
deles, o AI 1, alterava a constituição vigente (de 1946) para que fosse
possível a eleição indireta para presidente, além de cassar mandatos de
políticos de oposição e suspender direitos políticos daqueles que fossem
considerados uma “ameaça comunista”.

O regime militar pode ser dividido em três períodos, conforme algumas


características. O primeiro, entre 1964 a 1969, envolve os governos
de Humberto Castello Branco (1964-1967) e de Artur Costa e Silva
(1967-1969). Esse primeiro período foi marcado pela instituição do
regime autoritário por meio dos primeiros AIs (MEMÓRIAS..., 2020),
com políticas de austeridade fiscal e arrocho salarial, suspendendo
direitos trabalhistas. Com o aumento de movimentos sociais contrários

39
ao golpe e à política econômica, sobretudo movimentos estudantis
e greves trabalhistas, a resposta militar veio através do AI 5, em
1968, considerado o ato institucional mais severo da ditadura militar:
foram fechados o senado e a assembleia legislativa, com a cassação
dos mandatos parlamentares, houve um endurecimento da censura
e aumento da repressão aos que se opusessem ao regime militar
(ESCOREL, 2012; MEMÓRIAS..., 2020).

Por outro lado, o segundo período foi marcado por atos de extrema
repressão e perseguição política a todos aqueles que eram considerados
contrários ao regime militar. De 1969 a 1979, períodos em que Emílio
Garrastazu Médici (1969-1974) e Ernesto Geisel (1974-1979) assumiram
a presidência, a repressão promovida pelo Estado utilizou “censura,
vigilância, tortura sistemática, prisões ilegais e desaparecimento”
(MEMÓRIAS..., 2020, [s.p.]). O agravamento da crise econômica no início
da década de 1970, divergências entre os militares e o afastamento dos
Estados Unidos (que já não apoiava mais as ditaduras da América do
Sul) foram justificativas para o endurecimento das medidas opressoras
do regime que, embora estivessem enfrentando forte pressão para a
reabertura gradual da democracia, só veio dar sinais dessa mudança
com a revogação do AI 5 em 1978, que entrou em vigor em 1979
(MEMÓRIAS..., 2020). Assim, terminava o período “do terror” e começava
uma lenta e gradual abertura democrática.

40
Figura 1 – Tropas do exército após a publicação do AI 5 – Rio de
Janeiro, 1968

Fonte: http://memorialdademocracia.com.br/card/ai-5-confere-poder-total-aos-
militares#card-84. Acesso em: 7 jan. 2021.

Os seis anos de mandato de João Batista Figueiredo (1979 a 1985)


testemunharam o aumento da pressão popular pelo fim da ditadura,
pela realização de eleições diretas para presidente e por uma nova
constituinte. Em meio as muitas tensões políticas e um cenário
econômico caótico, gradualmente, as normas repressivas foram
revogadas e ampliou-se a participação democrática. Em 1979 foi
publicada a Lei da Anistia, que permitiu a soltura de presos políticos e
o retorno ao país de exilados. Dessa forma, criaram-se novos partidos
políticos para eleições diretas de governadores, o que ampliou o debate
democrático. A pressão da sociedade pelo fim da ditadura atingiu seu
ápice com o movimento das “Diretas Já”, com vários comícios pelo país
e a participação popular massiva, que reivindicava eleições diretas para
presidente em 1984. Apesar da lei não ter sido aprovada nesse ano,
foram eleitos indiretamente para a presidência candidatos de oposição
ao regime: Tancredo Neves e José Sarney. Tancredo não chegaria a
assumir a presidência devido a problemas de saúde, e morreria em abril
de 1985. Segundo Escorel (2012), em março desse mesmo ano, Sarney

41
assumia a presidência e encerrava o período da ditadura militar no
Brasil.

1.1 Ditadura e saúde pública

Esse breve histórico dos 21 anos da ditadura militar no Brasil é


fundamental para a compreensão dos efeitos que a ditadura trouxe
para as políticas públicas de saúde no país e, principalmente, para
entender os caminhos percorridos até a criação do Sistema Único de
Saúde (SUS). Nesse contexto, muitas das dificuldades encontradas no
cotidiano dos serviços de saúde do SUS são heranças desse período.
Você já se perguntou sobre a origem dos problemas que você vivencia
na sua prática?

Há três aspectos precisam ser considerados ao analisarmos a relação


entre o regime militar e a área da saúde: os efeitos da repressão política
(o que prejudicou o ensino e a pesquisa em Saúde Pública no Brasil); o
crescimento da medicina previdenciária e dos planos privados de saúde;
e o movimento de contestação à ditadura, que no campo da saúde
favoreceu o movimento da Reforma Sanitária Brasileira.

Com a suspensão de direitos civis e políticos, muitos funcionários


públicos foram destituídos dos cargos ou foram aposentados
compulsoriamente, incluindo pesquisadores e professores universitários
da área da Saúde Pública. Nesse período, houve fechamento de
universidades e centros de pesquisa, os movimentos estudantis e
de classe foram proibidos e qualquer atitude “suspeita” poderia te
transformar em um “subversivo”, ou seja, um inimigo do Estado.

Nesse contexto, muitos foram presos ou saíram do país para evitar a


repressão política e as torturas que a ditadura promovia. Isso causou
um apagão de profissionais que interrompeu importantes pesquisas
na área, como o que ocorreu na Fundação Oswaldo Cruz em 1970:
a suspensão dos direitos políticos de 10 grandes pesquisadores da

42
instituição interrompeu pesquisas reconhecidas internacionalmente,
desfez laboratórios e impediu o trabalho de outros profissionais desses
laboratórios. Nesse episódio, acervos e materiais de pesquisa foram
destruídos. De acordo com Lima (2014), o Massacre de Manguinhos,
como ficou conhecido, interrompeu importantes estudos na área da
farmacologia, entomologia, bioquímica e imunização.

Figura 2 – Pesquisadores da Fiocruz cassados em 1970 e


reintegrados em 1985

Fonte: https://portal.fiocruz.br/noticia/ditadura-regime-instituido-pelo-golpe-deixou-
marcas-no-campo-da-ciencia. Acesso em: 7 jan. 2021.

As discussões sobre o conceito de saúde e a reforma administrativa


dos serviços, iniciadas na 3ª Conferência Nacional de Saúde em
1963, também foram interrompidas pelo golpe de 1964 e só seriam
retomadas com o movimento da Reforma Sanitária Brasileira (ESCOREL;
TEIXEIRA, 2012). Logo na primeira década do regime militar, as ações
de saúde foram ainda mais centralizadas no governo federal, com
pouca (ou nenhuma) participação dos estados e municípios. O modelo
previdenciário foi fortalecido com a criação do Instituto Nacional de
Previdência Social (INPS) em 1966, segundo Escorel (2012), consolidando

43
a lógica de assistência à saúde baseada na assistência médica individual
e curativa, através da cobertura previdenciária.

A criação do INPS unificou os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP)


criados na Era Vargas na década de 1930. A integração desses institutos
em um único órgão garantiu força administrativa, política e financeira,
com verba destinada à assistência à saúde muitas vezes maior do
que a verba do Ministério da Saúde. Assim, ampliou-se a compra
de serviços privados de saúde pelo INPS, que garantia assistência
àqueles que contribuíam para isso – os trabalhadores formais. Dessa
forma, quem não contribuía para o INPS dispunha das entidades
filantrópicas (assistência hospitalar), serviços privados de saúde
(assistência individual, para quem podia comprar o serviço) e de alguns
(poucos) postos e centros de saúde, voltados para programas de saúde
específicos, como saúde materno-infantil e controle da tuberculose
(ESCOREL, 2012).

Apesar da assistência previdenciária não ter surgido com o golpe


militar, durante a ditadura ela assumiu o protagonismo como política
de saúde do Estado (BERTOLOZZI; GRECO, 1996). A unificação dos
IAPs, o arrocho salarial e o aumento da concentração de renda para
uma pequena parcela da população brasileira garantiram ao INPS o 3º
maior orçamento do país no início da década de 1970, influenciando
na privatização de serviços médicos e na prática da medicina liberal,
assuntos valorizados com a criação do Ministério da Previdência e
Assistência Social, em 1974 (BERTOLOZZI; GRECO, 1996; ESCOREL, 2012).
A medicina liberal encontrou espaço através da medicina de grupo
a partir de convênios médicos com as empresas, que dessa forma
deixavam de contribuir para a previdência social. No entanto, de acordo
com Escorel (2012), os dependentes desses convênios continuavam
a usar os serviços custeados pela previdência nas situações mais
complexas e, portanto, mais onerosas.

44
Paralelamente ao crescimento desses serviços privados, fraudes ao INPS
e corrupção dos prestadores de serviços de saúde foram frequentes
na ditadura, que forjavam ou adulteravam a prestação de contas
de serviços prestados e criaram, de maneira progressiva, um déficit
orçamentário no fundo da previdência (ESCOREL, 2012). Segundo Paim
(2007), a crise previdenciária resultante desse cenário contribui para que
fossem discutidos e propostos novos modelos de atenção à saúde.

Em 1975 foi realizada a 5ª Conferência Nacional de Saúde, que orientou


a criação do Sistema Nacional de Saúde (SNS), legitimando a diversidade
de serviços existentes na época. O SNS também passou a definir as
atribuições das instituições,

[…] cabendo à Previdência Social, a assistência individual e curativa,


enquanto que, os cuidados preventivos e de alcance coletivo ficaram sob
a responsabilidade do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais e
Municipais de Saúde. (BERTOLOZZI; GRECO, 2012, p. 388)

Em 1977, com a criação do Sistema Nacional de Previdência Social,


o INPS passou a ser responsável pela concessão de benefícios aos
segurados, e a assistência à saúde foi atribuída ao recém-criado Instituto
Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Com o
objetivo de reorganizar os serviços de saúde, eles acabaram levando
a uma fragmentação maior das políticas e ações da previdência
(BERTOLUZZI; GRECO, 1996).

A ditadura militar contribuiu dessa forma para as políticas de saúde no


Brasil. Com instrumentos burocráticos e forte apelo liberal na prestação
de serviços de saúde, esse período foi caracterizado pelo aumento do
setor privado na saúde e por uma assistência individual e hospitalar,
vistos pela ditadura como sinal de progresso e de desenvolvimento da
nação. De acordo com Escorel (2012), o Ministério da Saúde continuava
a promover campanhas sanitárias no interior do país e outras ações de
caráter mais preventivo, como campanhas de vacinação.

45
Sob esse pano de fundo surgiu o movimento da Reforma Sanitária
Brasileira, onde a repressão política fez surgir novos atores sociais que,
na luta contra a ditadura, começaram a reivindicar a democratização da
saúde (PAIM, 2007).

2. Reforma sanitária brasileira


Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar (Apesar de Você, Chico Buarque – 1970).

46
Figura 3 – Comício histórico do movimento “Diretas Já”, que reuniu
mais de 1,5 milhão de pessoas no Vale do Anhangabaú, em São
Paulo – 1984

Fonte: http://memorialdademocracia.com.br/card/diretas-ja. Acesso em: 7 jan. 2021.

O movimento da Reforma Sanitária Brasileira (RSB) foi um movimento


social e uma proposta de reforma social (PAIM, 2007), mobilizando
uma parcela da sociedade a discutir e a propor novos olhares sobre
o conceito de saúde e sobre as práticas sanitárias, buscando acesso
universal à saúde (SOUTO; OLIVEIRA, 2016). Enquanto mobilização
política surgiu no interior das universidades, em resposta à exclusão da
sociedade nas decisões das políticas de saúde (BERTOLOZZI; GRECO,
1996; ESCOREL, 2012).

Segundo Escorel (2012), a participação das universidades nas discussões


teóricas e ideológicas da RSB surgiu dentro dos departamentos de
Medicina Preventiva, criados em 1968 na reforma do ensino superior
realizada pelo regime militar. A Medicina Preventiva propunha uma nova
atuação médica e um novo olhar sobre o conceito de saúde e doença
(AROUCA, 1975). Essa proposta já vinha sendo discutida e promovida
pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Organização Pan-

47
Americana de Saúde (OPAS), promovendo debates sobre o tema em
vários países (ESCOREL, 2012).

Dentro do contexto político, econômico e sanitário que o Brasil


enfrentava no início da década de 1970, as ações de saúde do regime
militar incorporaram o caráter preventivista dessas discussões e
algumas políticas foram desenvolvidas, entre elas o Programa de
Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), em 1976,
com o objetivo de criar serviços básicos de saúde e de saneamento nas
regiões mais pobres do país (BERTOLOZZI; GRECO, 1996; PAIM, 2007).

Além disso, no início da década de 1970 começa a ganhar força em


algumas universidades, como Universidade Estadual de Campinas,
Universidade de São Paulo e Universidade Estadual do Rio de Janeiro,
o conceito de medicina social, discutindo os determinantes sociais no
processo saúde-doença (ESCOREL, 2012). Por fim, essa corrente apoiaria
as reivindicações da RSB.

Diante da tensão política provocada pelo endurecimento do regime


militar e do modelo hospitalar de atenção à saúde, promovido pela
medicina previdenciária, vários movimentos sociais foram ressurgindo.
Nesse contexto, em 1976 foi criado o Centro Brasileiro de Estudos de
Saúde (CEBES) “trazendo para discussão a questão da democratização
da saúde e constituindo-se como um intelectual coletivo, capaz de
reconstruir o pensamento em saúde” (PAIM, 2007, p. 75). Iniciava-se,
assim, o movimento da RSB, aglutinando vários grupos sociais que se
orientavam pela medicina social e que buscavam transformar a área da
saúde no país (ESCOREL, 2012).

O CEBES era (e ainda é) responsável pela editoração da revista “Saúde


em Debate”, que logo no editorial do seu segundo número já publicava
“que a saúde é um direito de cada um e de todos os brasileiros”
(EDITORIAL I apud PAIM, 2007, p. 76). Segundo Paim (2007), pouco
tempo depois da criação do CEBES, em 1979, foi criada a Associação

48
Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), que ajudaria a ampliar as
discussões e reivindicações desse movimento.

Em 1980 é realizada a 7ª Conferência Nacional de Saúde que, diante


de participantes indicados pelo governo militar, anunciou o Programa
Nacional de Serviços de Saúde, o Prev-Saúde. Diante da crise do regime
militar, o Prev-Saúde trazia um discurso democrático-social, que em sua
proposta original apresentava como objetivos ampliar a cobertura de
serviços básicos de saúde para toda a população, reorganizar o setor
com foco na redução de custos e aumento de produtividade e melhorar
as condições de moradia e saneamento básico (BERTOLUZZI; GRECO,
1996). No entanto, de acordo com Paim (2007), essa proposta original
encontrou forte crítica e resistência em segmentos do governo, que
influenciados pelos interesses do setor privado de saúde, enfatizaram a
redução dos custos proposta pelo programa.

Com a criação, em 1982, do Plano de Reorientação da Assistência à


Saúde no Âmbito da Previdência Social (Plano do CONASP – Conselho
Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária), algumas políticas
de saúde foram implementadas, com grande enfoque racionalizador e
na assistência à saúde previdenciária. No campo da assistência à saúde,
resgatava os objetivos do Prev-Saúde priorizando a atenção primária
à saúde e propondo a integração dos serviços de saúde de maneira
hierarquizada e regionalizada (PAIM, 2007). Para o movimento da RSB,
especificamente para a ABRASCO, de acordo com Paim (2007), essas
medidas não consideravam a participação da sociedade na discussão
das políticas de saúde e não consideravam os determinantes da saúde
brasileira, sendo fortemente orientadas pela lógica e pelos interesses
privados e hospitalares.

O Plano do CONASP gerou outros projetos e programas, entre eles o


Programa de Ações Integradas de Saúde (PAIS). Esse programa criou a
pactuação trilateral entre as esferas do governo: municipal, estadual e
federal. O PAIS permitiu que estados e municípios firmassem convênio

49
com o INAMPS, que passou a financiar serviços de saúde municipais e
estaduais. Com isso, segundo Escorel (2012), dá-se início ao processo de
universalização da assistência à saúde no país.

Apesar dos interesses contrários ao financiamento de estados e


municípios pelo INAMPS, o PAIS evolui de programa para uma estratégia
do governo federal para reorientação da política de saúde nacional,
em 1984. De acordo com Escorel (2012), denominada como Ações
Integradas de Saúde (AIS), essa estratégia privilegiava o setor público
de saúde e um planejamento das ações e serviços de saúde voltados
para o perfil epidemiológico da população, de maneira hierarquizada,
regionalizada e descentralizada, valorizando as ações básicas de saúde,
o que permitiria unificar o sistema de saúde.

A década de 1980 também testemunha a pressão popular pelo fim da


ditadura, exigindo a volta da democracia e do Estado de Direito. A crise
do regime militar também se dá pela crise nas relações entre a elite
empresarial, investidores estrangeiros e a tecnoburocracia militar e civil,
o que ajudou no processo de abertura democrática (ESCOREL, 2012).
A campanha das “Diretas Já” amplia as reivindicações e a participação
da população nas discussões sociais, inclusive na área da saúde. As
discussões atingiriam o seu ápice com a realização da 8ª Conferência
Nacional de Saúde, em 1986. A RSB, segundo Paim (2007), ampliava
o seu discurso e começava a alcançar o seu propósito enquanto
reforma: a democratização da saúde, a democratização do Estado e a
democratização da sociedade.

2.1 A 8ª Conferência Nacional de Saúde

A 8ª Conferência é um marco para a RSB e para o processo de abertura


democrática do país. Pela primeira vez uma conferência de saúde
estava aberta à população, que participou ativamente das discussões
realizadas nesse evento. A luta pela redemocratização política do país

50
alimentou o desejo popular por reivindicar seus direitos sociais, sendo
a saúde um deles. Nos anos que antecederam à 8ª Conferência foram
realizados vários eventos para discussão e elaboração de uma política
de saúde orientada pela RSB (ESCOREL, 2012; PAIM, 2007). Entre eles, o
V Simpósio sobre a Política Nacional de Saúde, realizado em 1984, e o III
Encontro Municipal do Setor Saúde. As discussões e as propostas desses
eventos serviram de base para a 8ª Conferência e buscaram orientar o
governo de transição e a elaboração do plano de governo de Tancredo
Neves, já eleito indiretamente para a presidência da república.

A ABRASCO teve um papel fundamental no fomento e na orientação


das propostas discutidas na 8ª Conferência e nas que se seguiram a
ela (PAIM, 2007). Em 1986, o I Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva,
que teve como tema “A Reforma Sanitária: garantia do direito universal
à saúde”. Esse congresso, segundo Paim (2007), gerou a proposta da
ABRASCO para a 8ª Conferência: “Pela Reforma Sanitária. Saúde: direito
de todos, dever do Estado”, frase utilizada no artigo 196 da Constituição
Federal de 1988.

A partir desse embasamento ideológico e social, a 8ª Conferência


acontece em um contexto de euforia e de vontade popular em fazer
valer suas reivindicações. Então, organizou-se em três eixos: “saúde
como direito inerente à cidadania, reformulação do sistema nacional
de saúde e financiamento do setor saúde” (PAIM, 2007, p. 92). Com
a participação de mais de 4000 pessoas, a Conferência debateu e
aprovou as propostas que reivindicavam a “unificação do sistema de
saúde, o conceito ampliado dessaúde, o direito de cidadania e dever do
Estado” além de novo financiamento do sistema e a participação social
(ESCOREL, 2012, [s.p.]).

51
Figura 4 – Registro fotográfico da 8ª Conferência Nacional de Saúde
– Brasília, 1986

Fonte: https://portal.fiocruz.br/noticia/casa-de-oswaldo-cruz-preserva-memoria-da-oitava-
conferencia. Acesso em: 7 jan. 2021.

2.2 A criação do Sistema Único de Saúde (SUS)

Entre a realização da 8ª Conferência e a promulgação da lei orgânica do


SUS, em 1990, outros eventos contribuíram para a criação do SUS. Após
a Conferência foram criadas a Comissão Nacional da Reforma Sanitária
e a Plenária Nacional de Saúde, esta última com papel fundamental na
aprovação do capítulo sobre saúde na nova constituinte, algo “inédito
na história constitucional, refletindo o pensamento e a luta histórica
do movimento sanitário” (ESCOREL, 2012, [s.p.]). Além disso, houve a
ampliação das AIS, evoluindo para a criação do Sistema Unificado e
Descentralizado de Saúde (SUDS) em 1987, embrião do Sistema Único de
Saúde.

O SUDS apresentava a proposta de um sistema de saúde organizado por


distritos de saúde, buscando vincular os ideais da RSB à democratização
da saúde. Apesar de alguns conflitos ideológicos, segundo Paim (2007),

52
o SUDS permitiu iniciar algumas mudanças no sistema de saúde e
preparando-o para a implantação do SUS e para o fim da INAMPS.

Para consolidar a RSB, Paim (2007, p. 124) cita três “trincheiras de luta”:
a técnico-institucional, onde o SUDS seria um importante ator; a sócio-
comunitária, com o fortalecimento da organização da sociedade civil;
e a legislativo-parlamentar, representada pela assembleia constituinte
e demais assembleias legislativas. Essa última instância, por sua vez,
pode ser representada pela Constituição Federal de 1988, que dedica
cinco artigos para a saúde, formalizando a “saúde como direito de todos
e dever do Estado” (BRASIL, 1988, art. 196), orientando os princípios, o
campo de atuação e a organização do novo sistema de saúde.

3. Considerações finais

Apesar do período da ditadura militar ter sido marcado por violência,


repressão e tortura, é interessante analisarmos que o contra movimento
ao regime militar originou o movimento pela RSB e ampliou as
discussões sobre a democratização do país para a área da saúde, como
o conceito sobre determinantes sociais da doença, saúde como direito
e cidadania e a importância de participação popular no processo de
tomada de decisão. Após 30 anos da promulgação da Constituição
Federal de 1988, muitos desafios encontrados no início da RSB
permanecem, como a influência dos interesses privados nas políticas
públicas de saúde. Nesse sentido, muitos pesquisadores apontam que
o movimento da reforma ainda não foi concluído, sendo necessário
manter as discussões da RSB e promovendo a implantação do SUS, que
ainda está incompleta. Historicamente, o SUS é muito jovem–e podemos
refletir sobre o quanto dos ideais democráticos que originaram a sua
criação, como a participação popular e o papel do Estado em garantir
saúde a todos, permanecem vivos nas comunidades que nos cercam.

53
Referências Bibliográficas
APESAR de você. Compositor: Chico Buarque. São Paulo: Phonogram, 1970.
AROUCA, A. S. da S. O dilema preventivista: contribuição para a compreensão
e crítica da medicina preventiva. 1975. 267 p. Tese (Doutorado em Medicina
Preventiva)–Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 1975. Disponível em: https://teses.icict.fiocruz.br/pdf/aroucaass.pdf.
Acesso em: 7 jan. 2021.
BERTOLOZZI, M. R.; GRECO, R. M. As políticas de saúde no Brasil: reconstrução
histórica e perspectivas atuais. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São
Paulo, v. 30, n. 3, p. 380-98, 1996. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/reeusp/
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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Presidência da República, 1988 . Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 4 set. 2020.
ESCOREL, S. Histórias das políticas de saúde no Brasil de 1964 a 1990: do golpe
militar à reforma sanitária. In: GIOVANELLA, L. et al. (Orgs.). Políticas e sistemas de
saúde no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012.
ESCOREL, S.; TEIXEIRA, L. A. História das políticas de saúde no Brasil de 1822 a 1963:
do império ao desenvolvimento populista. In: GIOVANELLA, L. et al. (Orgs.). Políticas
e sistemas de saúde no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012.
LIMA, R. T. O Regime de chumbo e o massacre de Manguinhos. Universidade e
Sociedade, Brasília, v. 54, p. 26-37, ago. 2014. Disponível em: http://portal.andes.
org.br/imprensa/publicacoes/imp-pub-1503268835.pdf. Acesso em: 1 out. 2020.
MEMÓRIAS da ditadura. [s.d.]. Disponível em: http://memoriasdaditadura.org.br.
Acesso em: 2 out. 2020.
PAIM, J. S. Reforma sanitária brasileira: contribuição para a compreensão e crítica.
2007. Tese (Doutorado em Saúde Pública)–Instituto de Saúde Coletiva, Universidade
Federal da Bahia, Salvador, 2007. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/
bitstream/ri/10376/1/5555555555.pdf. Acesso em: 7 jan. 2021.
SOUTO, L. R. F.; OLIVEIRA, M. H. B. de. Movimento da Reforma Sanitária Brasileira:
um projeto civilizatório de globalização alternativa e construção de um pensamento
pós-abissal. Saúde debate, Rio de Janeiro, v. 40, n. 108, p. 204-218, jan./mar.
2016. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/sdeb/v40n108/0103-1104-
sdeb-40-108-00204.pdf. Acesso em: 1 out. 2020.

54
Sistema Único de Saúde
Autoria: Mariana S. C. Vianna
Leitura crítica: Danielle Leite de Lemos Oliveira

Objetivos
• Compreender sobre o processo de implantação do
SUS.

• Identificar as principais legislações que organizam o


SUS.

• Refletir sobre a construção histórica do SUS e nosso


papel enquanto profissional da saúde.

55
1. Sistema Único de Saúde (SUS) – um sistema
em construção

A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) ocorreu em um contexto


político, social e econômico não muito favorável à sua implantação. No
contexto político, um momento de redemocratização do país com o fim
da ditadura militar e início de políticas de governo com forte orientação
neoliberal; no contexto social, mobilização e participação popular
emergentes; no contexto econômico, dívida externa, ajustes fiscais e
pressão por menor participação do Estado nas políticas sociais. Em 1988,
com a aprovação da nova Constituição Federal (CF), a Reforma Sanitária
Brasileira (RSB) alcançava uma importante conquista na sua luta pela
democratização da saúde, embora muitos obstáculos ainda dificultem a
efetiva consolidação do SUS.

A Constituição Federal de 1988, nos seus arts. 196 a 200, define que
saúde é direito de todos e dever do Estado, e estabelece uma rede
regionalizada e hierarquizada de ações e serviços de saúde, que
inseridas em um sistema único de saúde são responsáveis por: controlar
e fiscalizar serviços e artigos relacionados à saúde, executar ações de
vigilância em saúde e ordenar a formação de profissionais da saúde
(BRASIL, 1988). As leis orgânicas da Saúde (LOS), aprovadas dois anos
após a CF, regulamentam e orientam as ações desse sistema de saúde.

O contexto histórico da criação do SUS, no entanto, não favoreceu


sua implantação. Segundo Rodrigues (2014), a grande diversidade
e heterogeneidade dos municípios e estados brasileiros no que diz
respeito à infraestrutura e serviços disponíveis, a grande participação
do setor privado na saúde (com interesses diversos aos do SUS) e uma
orientação política e econômica neoliberal – com menor participação do
Estado e mais liberdade do mercado – compõem um cenário adverso
ao SUS, o que explica, em partes, a dificuldade em se consolidar em um

56
sistema de saúde realmente apoiado nos princípios e diretrizes que o
orientam.

As Leis nº 8.080 (BRASIL, 1990a) e 8.142 (BRASIL, 1990b), enquanto


leis orgânicas do SUS definem as condições para se garantir a saúde,
a organização e funcionamento dos serviços de saúde, a participação
da comunidade na gestão do SUS e sobre a transferência de recursos
financeiros. A Lei nº 8.080 define, em seu art. 7º, os princípios e diretrizes
do SUS: a universalidade de acesso, a integralidade da assistência,
a equidade (redigido como “igualdade da assistência”) e a sua
descentralização político-administrativa para os municípios, compondo
uma rede serviços regionalizada e hierarquizada (BRASIL, 1990a). A Lei
8.142 (BRASIL, 1990b) dispõe sobre as instâncias colegiadas na gestão
do SUS, a conferência de Saúde e o Conselho de Saúde, e cria o Fundo
Nacional de Saúde (FNS), para a alocação e transferência de recursos
financeiros.

As LOS, no entanto, não foram (e não são) suficientes para a total


implantação do SUS. Dessa forma, de acordo com Escorel (2012), temos
que considerar que até meados da década de 1980, as políticas de saúde
foram fortemente centralizadas no governo federal, com nenhuma
participação dos municípios e pouca participação dos governos
estaduais. A partir da descentralização prevista na CF, novos atores
sociais surgem, com a inclusão dos municípios na gestão das ações e
serviços de saúde. A inclusão de todos esses atores sociais no processo
de decisão do SUS não ocorreu, portanto, de forma instantânea. Outros
aspectos continuavam sendo necessários para alcançar os princípios
do SUS, como financiamento adequado, regionalização das decisões
e atores políticos dispostos a consolidar o SUS (LEVCOVITZ; LIMA;
MACHADO, 2001; RODRIGUES, 2014).

57
1.1 As normas operacionais

Na década de 1990, sob um contexto político e econômico instável,


as Normas Operacionais Básicas (NOBs) foram criadas para orientar
e regulamentar o processo de descentralização do SUS, definindo as
responsabilidades e critérios de transferência de recursos financeiros.
Nesse período, entre os anos de 1991 e 1996, criava-se quatro NOBs,
sob a forma de portarias ministeriais.

A primeira delas, a NOB 01/1991, foi editada pelo Instituto Nacional de


Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Vale lembrar que o
INAMPS, criado na ditadura militar, era o órgão responsável por gerir os
recursos financeiros e serviços de saúde, através da previdência social,
voltados para a assistência médica dos seus segurados. Por sua vez, essa
instituição, com forte influência do setor privado de saúde, orientada por
uma lógica de gestão centralizada no governo federal, representado por
si mesmo. Logo, o caráter da NOB 01/1991 não era de efetivar a gestão
compartilhada do SUS entre municípios, estados e governo federal, a
sua principal característica foi a manutenção da gestão do sistema de
saúde pelo INAMPS, equiparando prestadores de serviços públicos aos
privados, caracterizando assim as secretarias municipais e estaduais
como simples prestadores–e não gestores (BRASIL, 2011a).

A transferência de recursos financeiros definidas por essa NOB também


mantinha o caráter centralizador característico do INAMPS, definindo
um teto financeiro conforme o tamanho da população e criando critérios
para a transferência de recursos para procedimentos hospitalares e
ambulatoriais, caracterizando um repasse condicionado à produção dos
serviços de saúde, através do Sistema de Informação Ambulatorial (SIA/
SUS) (BRASIL, 2011a; LEVCOVITZ; LIMA; MACHADO, 2001).

A NOB 01/2001 recebeu muitas críticas à época, inclusive com ações


judiciais contrárias à sua publicação, já que foi vista como uma tentativa
de se manter a centralização da saúde sob a gestão do INAMPS,

58
contrariando as LOS (LEVCOVITZ; LIMA; MACHADO, 2001). Logo, ela
foi prontamente substituída pela NOB 01/1992, também editada pelo
INAMPS, mas com a participação do Conselho Nacional de Secretários
de Saúde (CONASS) e do Conselho Nacional de Secretários Municipais
de Saúde (CONASEMS) na sua elaboração. No entanto, manteve a
responsabilidade do INAMPS no repasse de recursos financeiros aos
estados e municípios, mantendo a remuneração por procedimento
realizado (produção) e sem garantir a integração dos serviços de
maneira regionalizada, como proposto pela CF e pelas LOS (BRASIL,
2011a; LEVCOVITZ; LIMA; MACHADO, 2001).

Em 1992 foi realizada a 9ª Conferência Nacional de Saúde, com o


tema “SUS – municipalização é o caminho”, com grandes debates
sobre as dificuldades na gestão da política de saúde (LEVCOVITZ;
LIMA; MACHADO, 2001). Dessa conferência surgiram propostas e
recomendações que foram incorporadas na NOB 01/1993. Nesse
mesmo ano, o INAMPS foi extinto, sendo integrado ao SUS e garantindo,
assim, o Ministério da Saúde como única autoridade sanitária no nível
federal, compartilhando a responsabilidade do SUS com estados e
municípios (BRASIL, 2011a).

A NOB 01/1993 traz uma estratégia para a transição da descentralização


do SUS (LEVCOVITZ; LIMA; MACHADO, 2001). A principal ferramenta
para isso foi a criação das Comissões Intergestores Tripartites (CIT) e
as Comissões Intergestores Bipartites (CIB), buscando institucionalizar
um espaço de gestão compartilhada entre as entidades federativas
– municípios, estados e governo federal (BRASIL, 2011a). Essa NOB
também passa a permitir a habilitação dos municípios como gestores,
contribuindo para o avanço da municipalização da saúde (BRASIL,
2011a).

A transferência de recursos financeiros “fundo a fundo”, ou seja, de


forma regular e automática da União para estados e municípios,
também foi criada pela NOB 01/1993, embora o instrumento para

59
o repasse financeiro não tenham mudado, mantendo o caráter de
pagamento por procedimento (LEVCOVITZ; LIMA; MACHADO, 2001).

A quarta e última NOB, de 1996, foi resultado de um longo período de


discussões e deliberações realizadas no Conselho Nacional de Saúde
e nas CITs, com atuação do CONASS e CONASEMS. As discussões
buscaram atender às necessidades dos diferentes atores do SUS nos
três níveis de gestão, consolidando a política de municipalização do
sistema de saúde, instituindo a gestão plena do sistema municipal e
gestão plena da atenção básica, e redefinindo as responsabilidades das
três esferas de governo (BRASIL, 2011a).

Entre os seus objetivos, destacam-se:

• Reorganizar o modelo de atenção à saúde (por meio da ampliação


da cobertura do Programa de Agentes Comunitários de Saúde-
PACS e do Programa de Saúde da Família–PSF).

• Aumentar a participação percentual da transferência fundo a


fundo, fortalecer a gestão compartilhada do SUS através das CIBs e
CITs.

• Aprimorar as relações entre municípios, estados e União,


aprimorando o planejamento entre as esferas por meio da
Programação Pactuada e Integrada – PPI (BRASIL, 2011a).

No financiamento das ações do PACS e PSF, a NOB 01/1996 cria o Piso


da Atenção Básica (PAB) fixo e variável, inovando ao prever uma forma
de financiamento não vinculada à prestação de serviços (LEVCOVITZ;
LIMA; MACHADO, 2011).

Apesar de publicada em 1996, a NOB 01/1996 só começou de


fato em 1998. Nesse período de dois anos, o Ministério da Saúde
publicou várias portarias complementares à essa NOB, que alteraram
consideravelmente o seu conteúdo original (LEVCOVITZ; LIMA;

60
MACHADO, 2001), chegando a ser considerada uma norma “natimorta”
por alguns especialistas (CARVALHO, 2001), já que muito da discussão
realizada entre atores como CONASS e CONASEMS foram alteradas por
portarias posteriores.

Com avanços e desafios não superados, as quatro edições das NOBs


deram início à implantação do SUS, normatizando repasses financeiros,
ampliando os colegiados gestores e garantindo mais autonomia aos
municípios, principalmente para as ações de atenção básica (LEVCOVITZ;
LIMA; MACHADO, 2011). Até mesmo essa autonomia é questionada,
já que, ao condicionar o financiamento da atenção básica às regras
determinadas pelo Ministério da Saúde (composição das equipes e
outras condicionalidades do PACS e PSF), segundo Carvalho (2001), a
autonomia dos municípios torna-se bastante reduzida.

Enquanto as NOBs tiveram como principal ponto de partida a


descentralização do sistema de saúde a partir do seu financiamento,
a regionalização das ações e serviços de saúde começou a ser
normatizada pelas Normas Operacionais de Assistência à Saúde (NOAS),
em 2001 e complementada em 2002. Apesar dos avanços alcançados
pelas NOBs, de acordo com Souza (2001), ainda havia necessidade de
aprimorar a articulação entre as três esferas de gestão para se alcançar
um sistema de saúde regionalizado, hierarquizado e resolutivo. Assim,
as NOAS introduziram a proposta de redes de assistência, como forma
de garantir mais equidade na distribuição de recursos financeiros e
aumentar o acesso da população a todos os níveis de atenção à saúde
(BRASIL, 2011a).

As NOAS consideraram a regionalização como a principal estratégia


para a reorganização assistencial, definindo três ações estratégicas
para promover a regionalização: elaboração do plano diretor de
regionalização, fortalecimento da capacidade de gestão do SUS e revisão
de critérios para habilitação de estados e municípios (BRASIL, 2011a).

61
O Plano Diretor de Regionalização (PDR) atribuiu aos estados a
responsabilidade de dividir seus territórios em regiões e microrregiões
de saúde, conforme características sanitárias, epidemiológicas,
geográficas e a rede de assistência disponível. Assim, buscava-
se otimizar os recursos disponíveis para cada região, conforme as
necessidades de cada local (SOUZA, 2001). As negociações e pactuações
(PPI) entre estados e municípios, também sob a responsabilidade dos
estados, complementava o PDR, fortalecendo a capacidade gestora de
cada ator por meio de ações de regulação, controle e avaliação da rede
de serviços disponíveis (BRASIL, 2011a).

Além disso, as NOAs propuseram um aumento no financiamento,


ampliando o PAB fixo e o repasse financeiro para ações de média
complexidade, reforçando a orientação de pré-pagamento iniciada pela
NOB 01/1996 e exigindo uma atuação ativa dos estados e municípios
no planejamento da oferta de serviços, conforme as necessidades da
população de cada região (BRASIL, 2011a; SOUZA, 2001).

Novamente, apesar dos avanços que as NOAS garantiram, como a


criação de novos arranjos de gestão compartilhada, ainda existiam
críticas ao caráter centralizador das normas e a lentidão em se alcançar
plenamente os princípios e diretrizes propostas nas LOS do SUS,
dificultado pela normatização excessiva vinculada a recursos financeiros
(CARVALHO, 2001; LIMA et al., 2012).

1.2 O pacto pela saúde

As críticas ao governo federal sobre as formas de orientar as políticas


de descentralização e regionalização do SUS permaneceram até a
metade da década de 2000, quase 20 anos após a criação do SUS. No
entanto, ainda, era necessário organizar o sistema de saúde de maneira
regionalizada, ordenado pela atenção básica e com financiamento mais
eficiente (LIMA et al., 2012). Após amplas discussões entre estados,

62
municípios e governo federal, por meio das CIBs, CITs, CONASEMS
E CONASS foi criado em 2006 o Pacto pela Saúde: um acordo
interfederativo (e não apenas uma norma) dividido em três eixos: Pacto
pela Vida, Pacto em Defesa do SUS e o Pacto de Gestão (BRASIL, 2011a).

O Pacto em Defesa do SUS teve como principal objetivo ampliar a


participação da sociedade nas discussões sobre saúde e cidadania,
aumentando a valorização do SUS (LIMA et al., 2012); o Pacto pela
Vida definiu prioridades de ações de saúde, considerando o contexto
sanitário e epidemiológico do país e com foco nos resultados, ou seja,
na melhoria dos indicadores das áreas priorizadas (BRASIL, 2011a).
Por último, o Pacto de Gestão propôs uma gestão mais cooperativa
e descentralizada do SUS, por meio das seguintes diretrizes:
descentralização, regionalização, financiamento, planejamento, PPI,
regulação, participação e controle social, gestão do trabalho e educação
na saúde (BRASIL, 2011a). O Pacto de Gestão também propôs a
criação do Colegiado de Gestão Regional (CGR), instâncias colegiadas
permanentes conforme as regiões definidas nos Planos Diretores de
Regionalização (LIMA et al., 2012).

O Pacto pela Saúde inovou na forma de contratualizar as ações de


saúde entre as esferas federativas, a partir do Termo de Compromisso
de Gestão. Cada termo assinado especificava as atribuições, objetivos e
metas de melhoria a serem alcançados, avaliados a partir de uma série
de indicadores. Os termos de pactuação, aprovados e homologados nas
CIBs e CITs, alteraram as relações entre União e estados e municípios,
uma vez que exigia uma maior articulação entre todas as esferas de
gestão (LIMA et al., 2012).

Com relação ao financiamento, o Pacto pela Saúde unificou várias


modalidades de transferência de recursos em cinco blocos: atenção
básica, média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar, vigilância
em saúde, assistência farmacêutica e gestão do SUS. No entanto, a
indução de ações de saúde vinculadas aos recursos e a regulação

63
financeira do repasse desses recursos continuaram sendo realizadas
pelo Ministério da Saúde (LIMA et al., 2012).

Figura 1 – Blocos para transferência de recursos financeiros do


Pacto pela Saúde

Fonte: elaborada pela autora.

O Pacto pela Saúde não conseguiu superar desafios anteriores à


sua criação, como o subfinanciamento das ações do SUS e a sua
baixa valorização entre parte da sociedade civil (LIMA et al., 2012;
MENICUCCI; COSTA; MACHADO, 2018). A falta de continuidade nas
gestões municipais e estaduais, com trocas de secretários (por vezes
inexperientes) durante o processo de pactuação também dificultou a
evolução do Pacto pela Saúde (MENICUCCI; COSTA; MACHADO, 2018).
Em 2012, os Termos de Compromisso de Gestão foram substituídos
pelos Contratos de Ação Pública (COAP), a partir do Decreto nº 7.508
(BRASIL, 2011).

1.3 Decreto nº 7.508 (BRASIL, 2011)

Mais de 20 anos após a criação do SUS, o Decreto nº 7.508 (BRASIL, 2011)


passa a regulamentar a Lei nº 8.080 (BRASIL, 1990) na organização do

64
SUS. Nesse contexto, dois aspectos marcam esse decreto: os Contratos
de Ação Pública (COAP) e a política das Redes de Atenção à Saúde (RAS).

O COAP formaliza juridicamente os compromissos firmados entre os


gestores do SUS (municípios, estados e União) compondo uma gestão
participativa. As RAS, operadas nas regiões de saúde, buscam garantir
o acesso aos serviços de saúde conforme as necessidades de cada
região, efetivando a descentralização do SUS e com responsabilidade
compartilhada (BRASIL, 2011b).

Figura 2 – Evolução da descentralização do SUS desde 1991

Fonte: elaborada pela autora.

As RAS, enquanto redes regionalizadas, devem dispor de ações


e serviços de atenção primária, urgência e emergência, atenção
psicossocial, atenção ambulatorial especializada e hospitalar e vigilância
em saúde. Assim, apoiadas em portarias subsequentes ao decreto,
buscou-se criar uma rede regionalizada de serviços de saúde que se
orientassem pelas necessidades de saúde de cada região e que operasse
através de relações horizontais entre os serviços, de forma a se alcançar
um cuidado integral, oferecido com equidade (BRASIL, 2014).

Ainda, redes temáticas consideradas prioritárias para a melhoria dos


indicadores de saúde da população foram definidas: rede cegonha
(atenção às gestantes, puérperas e recém-nascidos), rede de atenção às

65
urgências e emergências, rede de atenção psicossocial, rede de cuidados
à pessoa com deficiência e rede de atenção à saúde das pessoas com
doenças crônicas. Com características particulares a cada rede temática
foram pactuadas ações, metas e estratégias de forma compartilhada por
meio das CIBs e CITs (BRASIL, 2014).

Durante a década de 2010, o Ministério da Saúde manteve sua posição


indutora de políticas de saúde, principalmente vinculadas ao repasse
financeiro. Nesse sentido, destacam-se as Políticas Nacionais de
Atenção Básica, Política Nacional de Educação Permanente e Política
Nacional de Humanização, com financiamento específico para ações
específicas. Além disso, alguns programas federais foram vinculados a
essas políticas, como o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da
Qualidade da Atenção Básica e o Programa Mais Médicos, reeditado em
2019 como Programa Médicos pelo Brasil. Mesmo com as instâncias
colegiadas garantidas (e atuantes), o governo federal permaneceu como
o principal protagonista na condução dos rumos de SUS, definindo as
principais políticas de saúde no país.

1.4 Conquistas, avanços e desafios

Há uma vasta literatura apontando o impacto do SUS na melhora


dos indicadores de saúde do Brasil, como diminuição da mortalidade
materna e infantil, aumento da cobertura vacinal (além da ampliação
da oferta de vacinas), aumento da cobertura da atenção básica, além
de acesso gratuito a medicamentos e procedimentos como tratamento
para HIV/aids, controle de tabagismo, transplantes de órgãos, atenção
à saúde bucal, entre outros. O SUS é reconhecido internacionalmente
pela amplitude de suas políticas e ações de saúde, principalmente
considerando o tamanho e as diferenças regionais do país. Embora
conviva com um sistema privado de saúde tido como complementar, o
que por vezes pode interferir em algumas decisões políticas, é utilizado
diretamente pela maior parte da população brasileira e, indiretamente

66
(por meio das ações de vigilância sanitária e epidemiológica, por
exemplo), por todos os brasileiros.

Só as dimensões continentais do país já são um grande desafio para


operacionalizar um sistema de saúde nacional, descentralizado e
regionalizado, apoiado nos princípios da universalidade, equidade
e integralidade. Diante de tantos problemas que, muitas vezes,
vivenciamos na nossa prática profissional, como: recursos escassos,
gestão ineficiente e uma demanda maior do que a oferta, pode ser difícil
perceber o quanto se avançou nas últimas décadas.

O final da década de 2010 e começo da década de 2020 trazem velhos


novos desafios ao SUS, que continua sendo um sistema contra-
hegemônico em um contexto político e social de valorização do capital
privado e com menor participação do Estado (RODRIGUES, 2014).
Segundo Paim (2018), muitos o vêm sob risco de extinção, uma vez
que sua consolidação ainda está incompleta. A restrição orçamentária
atende aos interesses neoliberais para um suposto crescimento
da economia, segundo Rodrigues (2014), além de contribuir para o
crescimento do sistema privado de saúde.

Desde a sua construção, a mobilização política e social para a criação do


SUS não envolveu trabalhadores de saúde (e seus sindicatos) e partidos
políticos. Além disso, ela tampouco avançou na cultura brasileira, ainda
condicionada ao modelo médico hegemônico, curativo e centrado na
assistência hospitalar (RODRIGUES, 2014; PAIM, 2018). Nesse sentido,
Campos (1992) já questionava sobre os motivos de não terem se
formado atores sociais para apoiar o SUS e conseguir alcançar os seus
princípios e diretrizes:

Por que amplos setores da sociedade civil (...) somente demandam


assistência? (...) Por que as entidades sindicais (...) aspiram (...) à inclusão
de seus filiados em alguma das modalidades da medicina de mercado? Por
que (...) os movimentos de trabalhadores de saúde mantêm-se (...) apáticos
e frustrados (...)? (CAMPOS, 1992, p. 80)

67
Apesar da histórica conquista social de cidadania garantindo saúde
como um direito de todos e um dever do Estado (BRASIL, 1988), esse
mesmo Estado não tem garantido a “sustentabilidade econômica e
científico-tecnológica do SUS” (PAIM, 2018, p. 1725). Portanto, com um
financiamento insuficiente, fortalecem-se os serviços privados de saúde,
reforçando o ideário de privatização do SUS (PAIM, 2018).

Contraditoriamente, de acordo com Rodrigues (2014), a municipalização


da saúde, reinvindicação antiga de sanitaristas antes até da Reforma
Sanitária Brasileira, pode ser vista como uma fragilidade do SUS. Em
um universo heterogêneo com mais de 5000 municípios, os conflitos de
interesses (políticos, econômicos e sociais) se ampliam, principalmente
pela falta de uma cultura ideológica que sustente os ideais propostos na
criação do SUS. Apesar dos espaços garantidos de participação popular,
como os conselhos de saúde, o envolvimento da sociedade na defesa do
SUS ainda é pouco percebido.

A evolução da descentralização do nosso sistema de saúde mostra


que nos poucos mais de 30 anos do SUS existiram avanços na sua
consolidação. Hoje estão mais definidas as responsabilidades dos
três níveis de gestão, existem espaços garantidos para decisão
compartilhada e uma rede de serviços que opera de forma mais
integrada do que operava há 30 anos. Logo, permanecem as dificuldades
de financiamento das ações de saúde, a baixa valorização do SUS
enquanto um sistema de saúde universal e as muitas desigualdades
regionais, características do Brasil.

A superação dos desafios impostos à consolidação do SUS deverá ser


buscada no âmbito político, com a ampliação e o fortalecimento de
atores sociais que defendam o SUS (PAIM, 2018). Assim, novamente
remetendo aos questionamentos de Campos (1992, p. 87):

A questão que permanece é com que instrumentos operar estas


modificações. Na realidade, não se trata apenas de imaginar novos

68
projetos tecnoassistenciais, mas de identificar QUEM os construirá e quem
os implementará enquanto um movimento de luta política, de reforma
‘intelectual e moral’.

Enquanto profissional da saúde inserido no SUS, qual ator social você


deseja ser?

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Bons estudos!

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